CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 20 de dezembro de 2017 ( 1 )

Processo C‑258/16

Finnair Oyj

contra

Keskinäinen Vakuutusyhtiö Fennia

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia)]

«Transporte aéreo internacional — Convenção de Montreal — Artigo 31.o — Responsabilidade das transportadoras por danos causados a bagagem registada — Requisitos relativos à forma e ao conteúdo de uma reclamação escrita apresentada à transportadora — Comprovativo dos danos causados à bagagem de um passageiro, emitido por uma companhia aérea a pedido do passageiro para efeitos de participação do sinistro à sua companhia de seguros»

1.

O presente pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, assinada em Montreal, em 28 de maio de 1999 (a seguir «Convenção de Montreal»), mais concretamente do requisito previsto no seu artigo 31.o de que as reclamações respeitantes a bagagem registada sejam apresentadas «por escrito» e no prazo de sete dias a contar da receção da bagagem.

2.

Este reenvio prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio entre uma companhia de seguros (Keskinäinen Vakuutusyhtiö Fennia, a seguir «Fennia») e uma companhia aérea (Finnair), a respeito de danos resultantes da perda de objetos contidos na bagagem registada pertencente a K. Mäkelä‑Dermedesiotis, passageira num voo operado pela referida companhia aérea. K. Mäkelä‑Dermedesiotis tinha subscrito junto da Fennia um seguro contra tais danos, e a Fennia, depois de indemnizar K. Mäkelä‑Dermedesiotis e de ter ficado sub‑rogada nos seus direitos, instaurou uma ação de indemnização contra a Finnair.

Regulamento (CE) n.o 2027/97

3.

O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 2027/97 ( 2 ) dispõe:

«O presente regulamento transpõe as disposições pertinentes da Convenção de Montreal respeitantes ao transporte aéreo de passageiros e da sua bagagem e estabelece certas disposições complementares […]»

4.

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2027/97 estabelece:

«A responsabilidade das transportadoras aéreas [da União] relativamente aos passageiros e à sua bagagem regula‑se por todas as disposições da Convenção de Montreal aplicáveis a essa responsabilidade.»

Convenção de Montreal

5.

A Convenção de Montreal foi aprovada em nome da (então) Comunidade Europeia pela Decisão 2001/539/CE ( 3 ).

6.

De acordo com o terceiro considerando da Convenção de Montreal, as partes na Convenção reconhecem «a importância de assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, bem como a necessidade de uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição».

7.

A este propósito, o quinto considerando refere que «uma ação coletiva dos Estados atinente a uma maior harmonização e codificação de certas regras […] através da celebração de uma nova Convenção constitui o meio mais adequado de alcançar um justo equilíbrio de interesses».

8.

O artigo 1.o («Âmbito de aplicação») estabelece que a Convenção de Montreal se aplica «a todas as operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efetuadas a título oneroso».

9.

O artigo 17.o tem como epígrafe «Morte e lesão corporal de passageiros — Avaria de bagagens». O n.o 2 dessa disposição estabelece essencialmente a responsabilidade objetiva da transportadora por danos causados a bagagem registada.

10.

Os limites pecuniários da responsabilidade das transportadoras por danos causados a bagagem estão previstos no artigo 22.o

11.

O artigo 29.o («Fundamento dos pedidos») dispõe que «as ações por danos» emergentes do transporte de bagagem só podem ser intentadas sob reserva das condições e dos limites estabelecidos na Convenção.

12.

O artigo 31.o, com a epígrafe «Prazo de reclamação», tem a seguinte redação:

«1.   A receção, sem reclamações, da bagagem registada […] pela pessoa habilitada a recebê‑la constitui, salvo prova em contrário, presunção de que a mesma foi entregue em boas condições e em conformidade com o título de transporte ou o registo conservado nos meios alternativos referidos no n.o 2 do artigo 3.o [ ( 4 )] […].

2.   Em caso de avaria, a pessoa habilitada a receber a bagagem […] deve apresentar uma reclamação à transportadora imediatamente após a descoberta da avaria e, o mais tardar, sete dias a contar da receção, caso se trate de bagagem registada […]. Em caso de atraso, a reclamação deve ser apresentada, o mais tardar, no prazo de 21 dias a contar da data em que a bagagem […] foi colocada à sua disposição.

3.   As reclamações devem ser apresentadas por escrito e entregues ou enviadas nos prazos acima referidos.

4.   Caso não seja apresentada reclamação nos prazos acima fixados, não poderá ser intentada ação contra a transportadora, salvo em caso de fraude por esta cometida.»

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

13.

K. Mäkelä‑Dermedesiotis era uma passageira num voo da Finnair de Málaga (Espanha) para Helsínquia (Finlândia). Ao chegar a Helsínquia em 1 de novembro de 2010, constatou que faltavam objetos na bagagem que tinha registado.

14.

Nesse mesmo dia, K. Mäkelä‑Dermedesiotis contactou telefonicamente um representante do serviço de apoio ao cliente da Finnair, tendo identificado os objetos desaparecidos e indicado o seu valor. O representante introduziu as informações fornecidas por K. Mäkelä‑Dermedesiotis no sistema de informação eletrónico da Finnair. Em 3 de novembro de 2010, K. Mäkelä‑Dermedesiotis contactou novamente o serviço de apoio ao cliente da Finnair por via telefónica, a fim de obter um comprovativo para efeitos de participação do sinistro à sua companhia de seguros, a Fennia. A Finnair enviou‑lhe o devido certificado.

15.

A Fennia indemnizou subsequentemente K. Mäkelä‑Dermedesiotis pelos danos sofridos e — tendo ficado sub‑rogada no crédito original desta — intentou uma ação no Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia, Finlândia) em 2 de setembro de 2011, exigindo o reembolso por parte da Finnair.

16.

A Finnair contestou a ação, alegando, no essencial, que esta era inadmissível, uma vez que K. Mäkelä‑Dermedesiotis não tinha apresentado uma reclamação por escrito dentro dos prazos previstos no artigo 31.o da Convenção de Montreal. O Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia) deu razão à Finnair e, por decisão de 4 de setembro de 2012, julgou a ação improcedente.

17.

A Fennia recorreu para o Helsingin hovioikeus (Tribunal de Segunda Instância de Helsínquia, Finlândia), que examinou, nomeadamente, as instruções destinadas aos passageiros no sítio Internet da Finnair, que continham indicações distintas para a declaração do sinistro e para a apresentação de uma reclamação por escrito. A declaração do sinistro podia ser feita por telefone, ao passo que a reclamação por escrito tinha de ser apresentada num formulário específico no prazo de sete dias a contar da receção da bagagem. O referido órgão jurisdicional considerou que as instruções constantes do sítio Internet da Finnair não eram «suficientemente claras e explícitas para um passageiro enquanto consumidor». Dado que nas indicações não se referia, especificamente, para que efeito se devia proceder à declaração do sinistro, o passageiro, enquanto consumidor, podia legitimamente pensar que a declaração do sinistro feita por telefone e registada pelo operador no sistema da empresa respeitaria a exigência de apresentação de uma reclamação formal por escrito. A passageira tinha declarado o dano de forma precisa à Finnair e tinha obtido um comprovativo por escrito, do qual resultava que a declaração tinha sido atempadamente registada no sistema de informação da empresa. Tendo recebido a declaração do sinistro, a Finnair não informou a passageira de que considerava essa declaração insuficiente para ser considerada responsável e que era necessário apresentar uma reclamação por escrito.

18.

O Helsingin hovioikeus (Tribunal de Segunda Instância de Helsínquia) concluiu, à luz desses factos, que a passageira tinha apresentado atempadamente uma reclamação válida contra a transportadora. Por decisão de 28 de fevereiro de 2014, esse órgão jurisdicional anulou a decisão do Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia) e condenou a Finnair a reembolsar a Fennia.

19.

A Finnair recorreu para o Korkein oikeus (Supremo Tribunal), pedindo a anulação da decisão do Helsingin hovioikeus (Tribunal de Segunda Instância de Helsínquia) e a confirmação da decisão do Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia).

20.

O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 31.o, n.o 4, da Convenção de Montreal ser interpretado no sentido de que a manutenção do direito de ação pressupõe, além da apresentação atempada da reclamação, que esta seja apresentada por escrito dentro do prazo, nos termos previstos no artigo 31.o, n.o 3?

2)

Caso a manutenção do direito de ação pressuponha que a reclamação dentro do prazo deva ser apresentada por escrito, deve o artigo 31.o, n.o 3, da Convenção de Montreal ser interpretado no sentido de que o requisito da forma escrita pode ser cumprido através de processos eletrónicos e do registo do dano declarado no sistema de informação da transportadora aérea?

3)

A Convenção de Montreal opõe‑se a uma interpretação no sentido de que o requisito da forma escrita se deve considerar cumprido quando um representante da transportadora aérea regista a declaração do sinistro/reclamação no sistema de informação da transportadora aérea, por escrito em papel ou eletronicamente, com o conhecimento do passageiro?

4)

O artigo 31.o da Convenção de Montreal impõe outros requisitos substantivos à reclamação além da comunicação à transportadora aérea dos danos sofridos?»

21.

Foram apresentadas observações escritas pela Finnair, pelo Governo italiano e pela Comissão Europeia.

22.

Na audiência que teve lugar em 23 de março de 2017, a Finnair, a Fennia e a Comissão apresentaram observações orais.

Apreciação

Observações gerais

23.

As disposições da Convenção de Montreal fazem parte integrante da ordem jurídica da União desde 28 de junho de 2004, pelo que o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a sua interpretação ( 5 ).

24.

A Convenção de Montreal não contém uma definição das expressões «apresentada por escrito» ou «por escrito». Nessa conformidade, «atento o objetivo da referida Convenção, a saber, unificar as regras relativas ao transporte aéreo internacional, estes termos devem ser objeto de uma interpretação uniforme e autónoma, não obstante os diferentes sentidos atribuídos a estes conceitos no direito interno dos Estados partes nesta Convenção» e «devem interpretar‑se […] segundo as regras de interpretação do direito internacional geral que vinculam a União» ( 6 ).

25.

Nessa matéria, o artigo 31.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (a seguir «Convenção de Viena») ( 7 ), que codifica regras de direito internacional geral, estabelece que um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos seus termos no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim ( 8 ).

26.

Quanto a esta última, o terceiro e quinto considerandos da Convenção de Montreal referem «a importância de assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, bem como a necessidade de uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição» e identificam a ação coletiva dos Estados através da celebração de uma nova convenção como o «meio mais adequado de alcançar um justo equilíbrio de interesses».

Primeira questão

27.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, por força do artigo 31.o, n.o 4, da Convenção de Montreal, é inadmissível a propositura de uma ação contra a transportadora por danos causados a bagagem registada, nos casos em que a reclamação tenha sido apresentada dentro dos prazos estabelecidos no artigo 31.o, n.o 2, mas em que não se possa considerar que tal reclamação tenha sido apresentada «por escrito» na aceção do artigo 31.o, n.o 3, dessa Convenção.

Observações preliminares — «perda de bagagem» ou «avaria de bagagem»

28.

Recorde‑se que a reclamação original de K. Mäkelä‑Dermedesiotis respeitava a objetos que se encontravam na sua bagagem registada e que tinham desaparecido quando a bagagem lhe tinha sido entregue em Helsínquia. Como referiu a Comissão nas suas observações escritas, suscita‑se assim a questão de saber se os danos sofridos em caso de extravio de objetos contidos em bagagem registada devem ser qualificados de «avaria de bagagem» ou «perda de bagagem».

29.

O artigo 17.o, n.o 2, da Convenção estabelece que «[a] transportadora só é responsável pelo dano causado em caso de destruição, perda ou avaria de bagagem registada [em certas condições] […]». O artigo 31.o, n.o 2, dispõe que, em caso de avaria de bagagem registada, as reclamações devem ser apresentadas à transportadora no prazo de sete dias a contar da receção da bagagem. Porém, o artigo 31.o não fixa um prazo específico para as reclamações relativas a perda de bagagem ( 9 ).

30.

No meu entender, a melhor forma de qualificar a perda de objetos contidos em bagagem registada é de «avaria de bagagem». Nesse contexto, o critério de distinção deveria ser o facto de o passageiro ter recebido a bagagem registada (ainda que não estivesse em perfeitas condições), como aconteceu no presente caso, ou de não ter recebido de todo a bagagem.

31.

O artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Montreal dispõe que a receção, sem reclamações, da bagagem registada pela pessoa habilitada a recebê‑la constitui, salvo prova em contrário, presunção de que a mesma foi entregue em boas condições. Após a receção, o passageiro está em posição de determinar se a bagagem está ou não em boas condições, nomeadamente se está intacta. Em caso de avaria, o passageiro deve apresentar uma reclamação nos prazos estipulados e de acordo com a forma exigida para manter os seus direitos. Uma vez entregue a bagagem registada, a transportadora não tem qualquer controlo sobre esta e são poucos os meios de que dispõe para verificar se os danos posteriormente alegados ocorreram enquanto a bagagem ainda se encontrava sob a sua responsabilidade ou se a bagagem foi, na verdade, danificada após a entrega. Estas preocupações são válidas a fortiori quando um passageiro alega que desapareceram objetos que se encontravam na sua bagagem registada. Por conseguinte, justifica‑se exigir ao passageiro que comunique pouco tempo depois da entrega os eventuais danos sofridos pela bagagem. Do mesmo modo, é provável que uma reclamação por danos causados a bagagem registada ou ao seu conteúdo seja mais complexa do que a simples declaração «a minha mala desapareceu». Consequentemente, é razoável exigir, no interesse de um tratamento eficiente e expedito da questão, que exista um registo escrito dessa reclamação.

32.

Essas preocupações não existem em caso de perda da bagagem registada. A transportadora aceitou a responsabilidade pela bagagem registada. A perda ocorreu quando a bagagem se encontrava ao seu cuidado. Por conseguinte, não existe a mesma necessidade de estabelecer requisitos formais sobre os prazos de reclamação ou de definir a forma como a reclamação deve ser apresentada. Refira‑se ainda que, na medida em que não se verifique a «receção» pelo passageiro — na aceção do artigo 31.o, n.o 1 — de bagagem perdida (que é, no fundo, o problema de que se queixa o passageiro), creio que nenhuma das disposições do artigo 31.o pode ser aplicada em circunstâncias em que a bagagem registada desapareceu e não chega a ser entregue ao passageiro.

33.

Assim, qualificaria a receção por um passageiro de bagagem registada da qual desapareceram alguns objetos de um caso de «avaria de bagagem» e não de «perda de bagagem». Consequentemente, aplicam‑se os requisitos do artigo 31.o

A reclamação tem de ser apresentada por escrito no prazo de sete dias para ser válida?

34.

O artigo 31.o, n.o 4, que obsta à propositura de uma ação contra a transportadora se não for apresentada uma reclamação dentro dos prazos previstos, não contém uma referência expressa à exigência de a reclamação ser «apresentada por escrito». Esse requisito só é expressamente referido no artigo 31.o, n.o 3. Suscita‑se assim a questão das consequências da apresentação atempada de uma reclamação sob uma forma que não satisfaz o requisito de ser «apresentada por escrito».

35.

Poder‑se‑ia argumentar que a transportadora tem conhecimento do facto a partir do momento em que a reclamação é apresentada verbalmente, e que a exigência de forma escrita é um mero requisito probatório. Porém, no meu entender, essa interpretação não é corroborada por uma leitura automática do texto do artigo 31.o O artigo 31.o, n.o 3, estabelece que «as reclamações devem ser apresentadas por escrito» e entregues ou enviadas dentro dos prazos previstos. A regra geral indica que uma reclamação não escrita seria irregular para efeitos da Convenção de Montreal. A consequência lógica seria aparentemente a de que, para que o direito de ação se mantivesse, a reclamação teria de ser apresentada não só dentro dos prazos fixados mas também (e dentro desses prazos) «por escrito».

36.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão prejudicial no sentido de que é inadmissível a propositura de uma ação contra uma transportadora por danos sofridos por bagagem registada ao abrigo da Convenção de Montreal nos casos em que a reclamação tenha sido apresentada dentro dos prazos estabelecidos no artigo 31.o, n.o 2, mas em que não se possa considerar que tenha sido efetuada «por escrito» na aceção do artigo 31.o, n.o 3, dessa Convenção.

Segunda questão

37.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 31.o, n.o 3, da Convenção de Montreal deve ser interpretado no sentido de que o requisito da forma escrita se pode considerar preenchido num procedimento eletrónico, como, por exemplo, quando a reclamação é registada no sistema de informação da transportadora.

38.

Embora essa questão se prenda aparentemente com a possibilidade de considerar que a informação introduzida num suporte eletrónico foi «apresentada por escrito», o órgão jurisdicional de reenvio pergunta aqui essencialmente se a Convenção de Montreal deve ser interpretada no sentido de que apenas os documentos escritos em papel (o suporte convencional de comunicação escrita quando a Convenção de Montreal foi elaborada) constituem reclamações válidas à luz do artigo 31.o, n.o 3, dessa Convenção. Caso esta disposição não seja interpretada de forma tão restritiva, quais os tipos de suportes em que uma reclamação pode ser efetuada para ser equiparada a uma reclamação apresentada «por escrito»?

39.

Antes de mais, é útil recordar o que se entende por «forma escrita» e que objetivos prossegue o requisito de que a reclamação seja apresentada «por escrito».

40.

O Homem começou a escrever muito antes de começar a voar. Encontramos textos escritos numa grande variedade de suportes, desde placas de cerâmica, velino, papel e papiro a runas de madeira e tábuas de mármore e granito — e, mais recentemente, em suportes eletrónicos. Dir‑se‑ia que todos esses textos se apresentam «por escrito» no sentido corrente desse termo.

41.

Nesses casos, o termo «por escrito» descreve o texto no seu estado final, tal como captado e registado para a posteridade. Não é uma declaração sobre a inspiração ou a autoria do texto. Assim, é extremamente improvável que o autor do decreto emitido em Mênfis, Egito, em 196 a. C. em nome do Rei Ptolomeu V tenha sido a mesma pessoa que gravou efetivamente as letras das três versões paralelas (em escrita hieroglífica, escrita demótica e grego antigo) numa estela de granodiorito, mas isso não afeta a conclusão de que o texto da Pedra de Roseta se apresenta «por escrito».

42.

Quando pensamos no que distingue uma mensagem sob forma escrita de uma mensagem transmitida oralmente, as principais diferenças que saltam à vista são a permanência da forma escrita e o seu caráter recuperável. As declarações escritas podem, em regra, ser arquivadas e recuperadas, podendo até ser certificadas de várias formas para comprovar (por exemplo) a sua proveniência, que o seu conteúdo não foi adulterado e em que momento foram emitidas.

43.

As declarações orais, embora fiquem registadas na memória das partes, são muito menos adequadas como meio de prova; e são frequentes as divergências quanto ao que foi exatamente dito ou declarado e quanto ao momento preciso em que esse facto ocorreu.

44.

Um requisito segundo o qual apenas o texto em papel pode ser considerado «por escrito» não reflete o sentido corrente do termo «forma escrita». Na medida em que excluiria formas de comunicação (como os faxes e, posteriormente, o correio eletrónico) que são utilizadas quotidianamente no comércio e na indústria, seria, com efeito, uma interpretação arcaica. Também não faz sentido no contexto do transporte aéreo moderno e da forma como as companhias aéreas interagem com os seus clientes. É do conhecimento geral que as companhias aéreas recorrem amplamente à comunicação eletrónica na sua relação com os clientes (nomeadamente, compra de bilhetes em linha, registo em linha, cartões de embarque eletrónicos e informações em linha sobre os procedimentos de reclamação). Consequentemente, uma leitura restritiva do termo «por escrito» afigurar‑se‑ia também contrária ao objetivo declarado da Convenção de Montreal, a saber, «assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores [do transporte aéreo internacional]» (reconhecido no terceiro considerando da Convenção). Em resumo, não encontro na Convenção de Montreal um requisito expresso de que as reclamações escritas tenham de ser apresentadas em papel, e não vislumbro qualquer razão convincente para que o texto inserido em suportes eletrónicos não seja considerado uma reclamação «escrita», desde que o texto em causa cumpra os objetivos subjacentes ao requisito.

45.

É verdade que, na interpretação das disposições da Convenção de Montreal sobre a comunicação de reclamações, importa ter em conta alguns aspetos práticos adicionais e o requisito geral de que as partes atuem de boa‑fé. Sendo o objetivo o tratamento expedito das reclamações dos passageiros por parte das transportadoras, certas formas de comunicação de reclamações por escrito (por exemplo, numa laje ou numa placa de cerâmica) poderão ser menos úteis do que outras ( 10 ). Em contrapartida, uma reclamação que, para todos os efeitos práticos, satisfaça a finalidade do requisito da forma escrita não deveria ser ignorada pelo facto de não existir uma folha de papel. Assim, uma interpretação racional do termo «por escrito» deve, creio eu, ter em consideração a finalidade do requisito, questões de natureza prática e a sua utilização corrente à data dos factos pertinentes. Não pode, sem conduzir a resultados absurdos, ignorar a forma como as empresas se relacionam normalmente com os seus clientes.

46.

Atualmente, em muitos setores da economia, é prática corrente das empresas digitalizarem e guardarem os documentos apenas em formato eletrónico, imprimindo‑os apenas quando sejam especificamente necessários.

47.

A Finnair não alegou que a «escrita» no disco rígido dos seus sistemas de informação não serve os objetivos de permanência e recuperabilidade de forma tão adequada quanto a escrita numa folha de papel. Esta última, quanto à sua perecibilidade, é comparável a um sistema informático devidamente protegido por cópias de segurança; e, seguramente, é mais provável que se perca ou extravie do que um ficheiro eletrónico, cuja localização no suporte eletrónico relevante pode ser pesquisada. De igual modo, não foi sugerido que um registo documental eletrónico é inferior a um registo documental em papel para efeitos de documentação do momento em que as informações sobre os danos causados a bagagem registada foram comunicadas à transportadora e de eventuais alterações ou aditamentos às mesmas.

48.

No meu entender, se as informações necessárias relativas aos danos causados a bagagem registada tiverem sido inscritas num suporte com caráter de permanência, a partir do qual possam ser recuperadas e que se encontre na posse e sob o controlo da transportadora, isso deveria ser suficiente para que se considerasse que a reclamação foi apresentada «por escrito» para efeitos da Convenção de Montreal. Nesse contexto, deveria ser indiferente que o suporte de armazenamento da reclamação fosse o papel e o modo de recuperação consistisse em aceder a um arquivo físico, abrir uma gaveta e dela retirar uma cópia em papel, ou que o suporte de armazenamento fosse o disco rígido de um computador e o modo de recuperação consistisse em abrir o ficheiro relevante e lê‑lo no ecrã de um computador (ou imprimi‑lo em papel).

49.

No litígio no processo principal, a Finnair imprimiu um comprovativo em papel e entregou‑o à passageira, que o utilizou para participar o sinistro à sua companhia de seguros. De acordo com a minha análise, esse documento não é necessário para que se considere que a reclamação foi apresentada por escrito. A conversão para a forma escrita das informações que K. Mäkelä‑Dermedesiotis forneceu ao representante do serviço de apoio ao cliente da Finnair por telefone ocorreu quando esse representante introduziu as referidas informações no sistema da Finnair. Porém, o facto de esse ou outro representante do serviço de apoio ao cliente da Finnair poder, clicando no botão «Imprimir», emitir um comprovativo em papel que podia servir (e serviu) como prova da reclamação para a companhia de seguros da passageira confirma que a Finnair dispunha de todas as informações necessárias sobre a reclamação sob forma escrita.

50.

Consequentemente, proponho que a resposta do Tribunal de Justiça à segunda questão prejudicial seja a de que o artigo 31.o, n.o 3, da Convenção de Montreal deve ser interpretado no sentido de que o requisito da forma escrita pode ser cumprido através de processos eletrónicos, nomeadamente através do registo da reclamação do passageiro no sistema de informação da transportadora aérea.

Terceira questão

51.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os requisitos do artigo 31.o da Convenção de Montreal se consideram cumpridos se um representante do serviço de atendimento ao cliente da transportadora aérea registar a reclamação por escrito, seja em papel ou eletronicamente no sistema de informação da transportadora, em nome do passageiro.

52.

É facto assente que o representante do serviço de apoio ao cliente da Finnair registou as informações fornecidas por K. Mäkelä‑Dermedesiotis no sistema de informação da empresa. Assim, o passageiro é simultaneamente a fonte da informação e o autor substantivo da reclamação. Posteriormente, a Finnair emitiu um comprovativo e enviou‑o a K. Mäkelä‑Dermedesiotis. Desconhece‑se se a Finnair conservou uma cópia em papel para os seus arquivos.

53.

Enquanto a segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio dizia respeito ao significado da expressão «por escrito», a terceira visa saber se se exige «que o passageiro reduza, ele mesmo, a reclamação a escrito, ou é suficiente que tal aconteça por sua iniciativa e de acordo com as suas instruções».

54.

O texto do artigo 31.o da Convenção de Montreal não refere expressamente que a reclamação «deve ser apresentada por escrito pelo passageiro». Ao invés, o artigo 31.o, n.o 2, dispõe que, «[e]m caso de avaria, a pessoa habilitada a receber a bagagem […] deve apresentar uma reclamação à transportadora [dentro de certos prazos rigorosos]»; e o artigo 31.o, n.o 3, limita‑se a exigir que «[a]s reclamações [sejam] apresentadas por escrito e entregues ou enviadas nos prazos acima referidos» ( 11 ). Admito que o texto francês, ao seguir as habituais regras de redação de textos jurídicos nessa língua (que tendem a utilizar substantivos em vez de verbos) e ao utilizar o substantivo «protestation» tanto no n.o 2 como no n.o 3 do artigo 31.o, se aproxima mais da ideia de que é o próprio passageiro quem deve criar a reclamação (a «protestation») sob forma escrita, que é depois «remise ou expédiée» (entregue ou enviada) à transportadora. No entanto, o texto inglês, através da utilização que faz dos verbos, é mais flexível. O verbo «must complain» (na versão portuguesa, «deve apresentar uma reclamação») no artigo 31.o, n.o 2, indica simplesmente que a reclamação deve ser proveniente da «pessoa habilitada a [receber a bagagem registada]» (o sujeito desse verbo). O verbo «be made» (na versão portuguesa, «apresentar») no artigo 31.o, n.o 3, tem como sujeito «the complaint» («a reclamação»). Daqui não se conclui automaticamente que a reclamação deverá ter sido reduzida a escrito pelo próprio passageiro. Ao invés, descreve o que deverá existir no final do processo de reclamação (ou seja, uma reclamação por escrito) para que a reclamação seja válida.

55.

As diferentes versões linguísticas da Convenção de Montreal fazem igualmente fé ( 12 ). Aplicando o artigo 31.o da Convenção de Viena, o artigo 31.o da Convenção de Montreal deve ser «interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos [da Convenção] no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim». Creio que o texto deixa em aberto a questão de saber se uma reclamação proveniente do passageiro, mas reduzida a escrito por outra pessoa, pode ser considerada uma reclamação válida se essa leitura for mais adequada para satisfazer o objeto e o fim da Convenção de Montreal à luz das condições do século XXI.

56.

Aqui, chamo também a atenção para o facto de a Convenção não estabelecer que a reclamação deve ser assinada, nem exigir que seja enviada por correio registado (ou outra forma específica de entrega) para fazer prova da sua proveniência. Com efeito, a Convenção não exige que a reclamação seja sequer enviada por correio: o artigo 31.o, n.o 3, limita‑se a referir que as reclamações devem ser «entregues ou enviadas». Também não regula os meios de prova do conteúdo e da data de apresentação de uma reclamação caso subsequentemente se verifique uma divergência entre as partes quanto a estas questões (ou até mesmo quanto ao próprio facto de ter sido ou não apresentada uma reclamação). Tudo isso é regulado pelo direito processual dos Estados contratantes. A reclamação serve simplesmente para dar a conhecer a queixa do passageiro à transportadora. Afigura‑se ser esse o seu único efeito jurídico.

57.

Assim, nada na atual redação da Convenção de Montreal obsta especificamente a que um passageiro recorra à assistência de outra pessoa para reduzir a escrito a reclamação que pretende apresentar.

58.

Comecemos por dois exemplos óbvios.

59.

O passageiro A é um empresário que, ao desfazer a sua mala (registada) depois de uma viagem de negócios, se apercebe, com desagrado, de que a mala foi aberta e que vários objetos desapareceram. No dia seguinte, chama a secretária ao seu gabinete e dita‑lhe uma carta concisa e direta com as informações necessárias. A secretária digita a carta. O empresário coloca a sua rubrica (ilegível) no final da carta impressa e diz‑lhe para a enviar. A secretária digitaliza a carta e envia‑a para a companhia aérea por correio eletrónico.

60.

O passageiro B embarca num voo para um destino longínquo para iniciar umas férias de duas semanas dedicadas a caminhadas. Quando chega ao seu destino, já de noite, e recolhe a mochila que tinha registado, verifica que esta sofreu danos. Não se encontra ninguém no balcão com a indicação «Informações» e o meio de transporte que tem de apanhar a seguir está prestes a partir. Ao ver uma placa de grandes dimensões que diz, em inglês internacional, «Bag problem? Ring [número de telefone]» («Em caso de problema com a sua bagagem, ligue [número de telefone]»), anota o número e, na manhã seguinte (enquanto ainda tem rede), utiliza o telemóvel para contactar o pessoal de assistência em escala a fim de apresentar a sua reclamação. O funcionário do serviço de apoio ao cliente introduz as informações na base de dados informática da companhia aérea e envia uma mensagem de texto com anexo para o telemóvel do passageiro B, bem como uma cópia para o seu endereço de correio eletrónico.

61.

A reclamação do passageiro A foi tratada eletronicamente por uma pessoa que agiu sob as instruções diretas desse passageiro, foi impressa e depois reconvertida para formato eletrónico e enviada. Isso invalida a reclamação? A situação seria diferente se o empresário tivesse assinado a carta por extenso ao invés de a rubricar (ou se não a tivesse simplesmente assinado), ou se a secretária a tivesse enviado por correio registado?

62.

O passageiro B encontrou‑se numa situação em que, em termos práticos, lhe era impossível reduzir pessoalmente a sua reclamação a escrito e enviá‑la para a companhia aérea no prazo de sete dias a contar da receção da mochila danificada. As companhias aéreas recorrem frequentemente ao pessoal de assistência em escala para lidar com problemas de bagagem perdida em aeroportos em que não têm presença física. Quando o voo do passageiro B chegou, não havia pessoal de assistência em escala no aeroporto, mas havia um número de contacto. O passageiro B fez exatamente o que era convidado a fazer para apresentar atempadamente uma reclamação ao pessoal de assistência em escala, que a transmitiria posteriormente à transportadora.

63.

Em ambos os exemplos, a reclamação provém claramente do passageiro. É a reclamação do passageiro. Simplesmente foi reduzida a escrito por outra pessoa. Portanto, existe agora um registo escrito inequívoco do conteúdo da reclamação. Creio que isso satisfaz o objeto e o fim da Convenção de Montreal. Dito de modo mais formal: deve ser suficiente, para efeitos do artigo 31.o, n.o 3, da Convenção de Montreal, que a redução a escrito seja efetuada em nome do passageiro ou de acordo com as instruções do passageiro, de modo que as informações subjacentes à reclamação provenham inequivocamente do passageiro e os dados registados correspondam efetivamente à reclamação do passageiro.

64.

Não vejo motivo para que o representante de uma transportadora não possa registar a reclamação por escrito em nome do passageiro. As empresas, incluindo as companhias aéreas, prestam rotineiramente serviços aos seus clientes — por vezes mediante o pagamento de uma contrapartida por esse ato específico, mas, muitas vezes, no contexto da prestação de outros serviços ou do fornecimento de bens que o cliente pagou. Em muitos casos, essa assistência inclui apoio aos clientes que pretendam apresentar reclamações ( 13 ).

65.

Um passageiro pode ter a expectativa legítima de que o representante do serviço de apoio ao cliente da transportadora atuará de boa‑fé e introduzirá a reclamação sob forma escrita no sistema de informação da empresa para o tratamento de reclamações — e, a fortiori, quando o serviço de apoio ao cliente da transportadora emite um comprovativo da introdução dessas informações no sistema informático.

66.

Os factos do litígio no processo principal não são raros. Dentro dos prazos fixados, um passageiro contacta o serviço de apoio ao cliente de uma transportadora através de um número de telefone fornecido pela transportadora para esse efeito para comunicar uma reclamação por danos sofridos pela sua bagagem. O representante do serviço de atendimento ao cliente, em nome do passageiro, escreve e processa as informações que lhe foram transmitidas por este (normalmente, hoje em dia, por via eletrónica). Estão presentes todos os elementos necessários para que a transportadora proteja os seus interesses. O representante da própria transportadora, que regista as informações fornecidas pelo passageiro, dificilmente irá exagerar a reclamação em benefício deste último. Não creio que um passageiro típico, viajando na qualidade de consumidor, espere que lhe seja exigido que envide o esforço adicional (à primeira vista, inútil) de reduzir a escrito exatamente as mesmas informações que o representante do serviço de atendimento ao cliente acabou de introduzir no sistema de informação da transportadora e de enviar, ele próprio, a comunicação à transportadora.

67.

Embora, em última análise, seja uma questão a decidir pelo órgão jurisdicional nacional, que tem competência exclusiva para apreciar a matéria de facto, afigura‑se‑me que, nessas circunstâncias, existe uma reclamação válida por escrito à luz do artigo 31.o da Convenção de Montreal.

68.

Por último, há que referir que a interpretação teleológica do artigo 31.o da Convenção de Montreal é consentânea com o objetivo de proteção dos utilizadores do transporte aéreo internacional identificado no terceiro considerando dessa Convenção e com a abordagem favorável aos consumidores adotada pelo Tribunal de Justiça na sua interpretação do direito dos passageiros a uma indemnização por parte das companhias aéreas ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 261/2004 (regulamento passageiros dos transportes aéreos») ( 14 ).

69.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à terceira questão no sentido de que os requisitos previstos no artigo 31.o da Convenção de Montreal se consideram cumpridos nos casos em que um representante do serviço de atendimento ao cliente da transportadora aérea registe a reclamação por escrito, seja em papel ou eletronicamente, no sistema de informação da transportadora, em nome do passageiro.

Quarta questão

70.

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 31.o da Convenção de Montreal impõe outros requisitos substantivos à reclamação além da comunicação à transportadora aérea dos danos sofridos.

71.

É suficiente referir que o artigo 31.o da Convenção de Montreal (como indica a sua epígrafe) regula exclusivamente o «prazo de reclamação». Como tal, diz unicamente respeito às condições de admissibilidade de uma ação contra a transportadora (ou seja, a apresentação da reclamação dentro do prazo e por escrito). Se essas condições não estiverem preenchidas, não poderá ser intentada uma ação, salvo em caso de fraude cometida pela transportadora (artigo 31.o, n.o 4). Se essas condições estiverem preenchidas, será admissível uma ação contra a transportadora. Se a transportadora contestar o pedido, a procedência ou improcedência da ação dependerá da observância das regras processuais e probatórias aplicáveis e dos elementos produzidos perante o órgão jurisdicional competente para julgar a causa. Porém, nenhuma dessas matérias é regulada pelo artigo 31.o da Convenção de Montreal.

72.

Por conseguinte, considero que a resposta à quarta questão deve ser a de que o artigo 31.o da Convenção de Montreal não sujeita a admissibilidade de uma reclamação a outros requisitos substantivos que não sejam a comunicação à transportadora dentro dos prazos e sob a forma especificados nesse artigo.

Conclusão

73.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia) nos seguintes termos:

1)

Nos termos da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, assinada em Montreal, em 28 de maio de 1999, é inadmissível a propositura de uma ação contra uma transportadora por danos sofridos por bagagem registada, nos casos em que a reclamação tenha sido apresentada dentro dos prazos estabelecidos no artigo 31.o, n.o 2, mas em que não se possa considerar que tenha sido efetuada «por escrito» na aceção do artigo 31.o, n.o 3, dessa Convenção.

2)

O artigo 31.o, n.o 3, da Convenção de Montreal deve ser interpretado no sentido de que o requisito da forma escrita pode ser cumprido através de processos eletrónicos, nomeadamente através do registo da reclamação do passageiro no sistema de informação da transportadora aérea.

3)

Consideram‑se cumpridos os requisitos previstos no artigo 31.o da Convenção de Montreal nos casos em que um representante do serviço de atendimento ao cliente da transportadora aérea registe a reclamação por escrito, seja em papel ou eletronicamente, no sistema de informação da transportadora, em nome do passageiro.

4)

O artigo 31.o da Convenção de Montreal não sujeita a admissibilidade de uma reclamação a outros requisitos substantivos que não sejam a comunicação à transportadora dentro dos prazos e sob a forma especificados nesse artigo.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Regulamento do Conselho, de 9 de outubro de 1997, relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas no transporte de passageiros e respetiva bagagem (JO 1997, L 285, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 889/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de maio de 2002 (JO 2002, L 140, p. 2).

( 3 ) Decisão do Conselho, de 5 de abril de 2001, relativa à celebração pela Comunidade Europeia da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal) (JO 2001, L 194, p. 38).

( 4 ) O artigo 3.o, n.o 2, dispõe que «[a] entrega do [título de transporte] pode ser substituída por qualquer outro meio que conserve [certas informações sobre os pontos de partida e de destino e, se for o caso, as escalas]. Caso seja utilizado um desses meios, a transportadora deve disponibilizar‑se a fornecer ao passageiro, por escrito, as informações assim conservadas.»

( 5 ) V. acórdão de 6 de maio de 2010, Walz (C‑63/09, EU:C:2010:251, n.o 20 e jurisprudência aí referida).

( 6 ) V., nesse sentido, acórdão de 6 de maio de 2010, Walz (C‑63/09, EU:C:2010:251, n.os 21 e 22) (as passagens citadas dizem respeito aos termos «prejuízo» e «dano» no artigo 22.o da Convenção de Montreal).

( 7 ) Assinada em Viena, em 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331).

( 8 ) V. acórdão de 6 de maio de 2010, Walz (C‑63/09, EU:C:2010:251, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

( 9 ) O artigo 17.o, n.o 3, estabelece simplesmente que, caso a transportadora admita a perda de bagagem registada ou esta não chegue no prazo de vinte e um dias a contar da data em que deveria ter chegado, o passageiro pode fazer valer contra a transportadora os direitos decorrentes do contrato de transporte, sem prever qualquer limite quanto ao prazo ou à forma da reclamação, salvo no que respeita à prescrição prevista no artigo 35.o, que determina a extinção do direito à indemnização se não for intentada uma ação no prazo de dois anos.

( 10 ) Os estudantes da «common law» inglesa há muito que se deleitam com a história (fictícia) de Albert Haddock, que saldou as suas dívidas fiscais perante a HM Inland Revenue passando um cheque no montante em dívida nas costas de uma vaca (Board of Inland Revenue c. Haddock: o caso da vaca negociável). Inicialmente publicada na revista satírica Punch no âmbito da série do autor Misleading Cases in the Common Law, adquiriu posteriormente um estatuto quase lendário como parte de uma coletânea de paródias igualmente perspicazes: v. A. P. Herbert, Uncommon Law (Methuen, 1935) — ou, se for difícil obter esta obra, v. https://en.wikipedia.org/wiki/Board_of_Inland_Revenue_v_Haddock.

( 11 ) O texto francês dispõe: «En cas d’avarie, le destinataire doit adresser au transporteur une protestation immédiatement après la découverte de l’avarie […]» (artigo 31.o, n.o 2) e «Toute protestation doit être faite par réserve écrite et remise ou expédiée dans le délai prévu pour cette protestation» (artigo 31.o, n.o 3). Uma vez que a estrutura gramatical do espanhol é, neste aspeto, semelhante à do francês, não surpreende que o texto espanhol utilize também o mesmo substantivo («una protesta») tanto no n.o 2 como no n.o 3 do artigo 31.o («[…] el destinatario deberá presentar una protesta […]» e «Toda protesta deberá hacerce por escrito y darse o expedirse dentro de los plazos mencionados», respetivamente).

( 12 ) A Convenção foi feita «nas línguas inglesa, árabe, chinesa, francesa, russa e espanhola, fazendo fé qualquer dos textos».

( 13 ) V., por exemplo, a descrição apresentada em Bureau of Labor Statistics, U.S. Department of Labor, Occupational Outlook Handbook, Customer Service Representatives, disponível na Internet em https://www.bls.gov/ooh/office‑and‑administrative‑support/customer‑service‑representatives.htm (visitado em 30 de outubro de 2017). Na secção intitulada «As funções dos representantes do serviço de apoio ao cliente», esse manual refere o seguinte: «Os representantes do serviço de apoio ao cliente interagem com os clientes para tratar de reclamações, processar encomendas e fornecer informações sobre os produtos e serviços de uma organização» (o sublinhado é meu).

( 14 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1). V., designadamente, acórdãos de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716), e de 23 de outubro de 2012, Nelson e o. (C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657).