CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 12 de janeiro de 2017 ( 1 )

Processo C‑48/16

ERGO Poist’ovňa, a.s.

contra

Alžbeta Barlíková

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresný súd Dunajská Streda (Tribunal Distrital de Dunajská Streda, Eslováquia)]

«Pedido de decisão prejudicial — Agentes comerciais — Diretiva 86/653/CEE — Artigo 11.o — Direito à comissão — Extinção — Não execução parcial de um contrato entre o terceiro e o comitente — Significado da expressão “circunstâncias não imputáveis ao comitente”»

1. 

O presente pedido de decisão prejudicial do Okresný súd Dunajská Streda (Tribunal Distrital de Dunajská Streda, Eslováquia) proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de esclarecer alguns conceitos fundamentais do artigo 11.o da Diretiva 86/653/CEE ( 2 ), relativos à remuneração de um agente comercial nos casos em que o contrato celebrado entre um comitente e um terceiro não seja totalmente executado.

2 Quadro jurídico

1 Direito da União

2.

O artigo 11.o da Diretiva 86/653 tem a seguinte redação:

«1.

O direito à comissão só se extingue se e na medida em que:

o contrato entre o terceiro e o comitente não for executado, e

a não execução não for devida a circunstâncias imputáveis ao comitente.

2.

As comissões que o agente comercial já tiver recebido serão reembolsadas, se se extinguir o respetivo direito.

3.

O disposto no n.o 1 não pode ser derrogado por acordo em prejuízo do agente comercial.»

2 Direito eslovaco

3.

A Diretiva 86/853 foi transposta para o ordenamento jurídico da República Eslovaca pelos artigos 652.° e segs. do Obchodný zákonník (Código Comercial) n.o 513/1991.

4.

Nos termos do artigo 652.o, n.os 1 e 5:

«(1)   Pelo contrato de agência comercial, o agente compromete‑se a desenvolver profissionalmente para o comitente as operações destinadas à celebração de um determinado tipo de contratos (a seguir “operações”), ou a negociar e concluir as referidas operações em nome e por conta do comitente, e este compromete‑se a pagar uma comissão ao agente.

[…]

(5)   Salvo disposição em contrário na presente secção, são aplicáveis ao contrato de agência as disposições relativas ao contrato de mediação.»

5.

Por seu turno, o artigo 801.o do Občianský zákonník (Código Civil) (zákon č. 40/1964 Zb.) dispõe o seguinte:

«(1)   O seguro extingue‑se quando o prémio relativo ao primeiro período de seguro ou o prémio único não tenham sido pagos no prazo de três meses a contar do dia do respetivo vencimento.

(2)   O seguro extingue‑se igualmente quando o prémio relativo ao período subsequente de seguro não seja pago no prazo de um mês a contar do dia da notificação do aviso para pagamento por parte da seguradora, desde que o prémio não tenha sido pago antes da notificação do referido aviso […]»

3 Matéria de facto, tramitação e questões prejudiciais

6.

Em 13 de março de 2012, a ERGO, uma seguradora, e Alžbeta Barlíková (respetivamente, recorrente e recorrida no processo principal) celebraram um contrato intitulado «Contrato de mediação com um agente financeiro vinculado» (a seguir «contrato»).

7.

O contrato estipulava que A. Barlíková deveria desenvolver a atividade de mediação de seguros como agente financeiro vinculado em nome da ERGO. Nos termos do contrato, a mediação consistia na apresentação da proposta de contrato de seguros a celebrar com um terceiro (a seguir «cliente»), na celebração do contrato de seguro com o cliente e noutras atividades destinadas à celebração do contrato com o cliente. A. Barlíková estava autorizada a celebrar e assinar contratos de seguro em nome da ERGO.

8.

O contrato estipulava igualmente que a mediação terminava quando o cliente pagasse à ERGO o prémio da apólice negociada. Além disso, A. Barlíková deveria procurar ativamente clientes, realizar análises e fornecer informações aos clientes.

9.

A. Barlíková receberia uma comissão pela negociação de novos contratos de seguro, que correspondia a uma certa percentagem do montante segurado ou do prémio anual do referido contrato. Essa comissão deveria ser paga antecipadamente, na data da celebração do novo contrato de seguro, sob condição de o contrato se manter em vigor e de o cliente pagar o prémio durante um determinado período, que poderia ser de três ou cinco anos. Se o prémio não fosse pago no primeiro mês, o direito à comissão relativa ao contrato de seguro em questão extinguir‑se‑ia. Se o cliente deixasse de pagar o prémio, por qualquer motivo, decorridos três meses após a celebração do contrato de seguro, a comissão seria proporcionalmente reduzida.

10.

A. Barlíková angariou vários clientes para a ERGO, que celebraram com esta contratos de seguro. Nessa conformidade, recebeu comissões antecipadamente e a título provisório. Quando alguns dos clientes deixaram de pagar o prémio acordado decorridos três a seis meses após a celebração dos contratos de seguro, estes cessaram por força da lei, depois de a ERGO ter interpelado, sem sucesso, os clientes para efetuarem o pagamento. Alguns dos clientes tinham deixado de pagar os prémios alegadamente por terem «perdido a confiança» na recorrente.

11.

Após a cessação dos contratos de seguro, a ERGO enviou a A. Barlíková uma fatura relativa a uma taxa de cancelamento com base nas disposições supramencionadas, no montante de 11421,42 euros, que esta não pagou. Consequentemente, a ERGO recorreu à via judicial.

12.

Nos seus articulados, A. Barlíková alega que a cessação dos contratos de seguro era imputável à ERGO. No seu entender, a ERGO não tinha tratado os clientes de forma adequada. Salienta que a ERGO lhes tinha colocado muitas questões, mesmo após a celebração do contrato, e que lhes enviou avisos de pagamento apesar de o prémio já ter sido pago. Por esse motivo, os clientes perderam a confiança na ERGO como seguradora e deixaram de pagar os prémios. Os clientes declararam isso mesmo em cartas enviadas à ERGO.

13.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer se, em virtude do artigo 11.o da Diretiva 86/653, um agente comercial, numa situação como a que está em causa no litígio que lhe foi submetido, tem o direito de ficar com uma comissão que já lhe foi paga.

14.

Foi no contexto desse processo que, por despacho de 23 de novembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de janeiro de 2016, o Okresný súd Dunajská Streda apresentou as seguintes questões para decisão a título prejudicial:

«1.

A expressão “o contrato entre o terceiro e o comitente não for executado”, constante do artigo 11.o da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (a seguir “Diretiva 86/653”) deve ser interpretada no sentido de que abrange:

a)

a não execução total do contrato, e por conseguinte, o caso em que nem o comitente nem o terceiro efetuam ao menos parcialmente as prestações previstas no contrato, ou

b)

igualmente a não execução parcial do contrato, e por conseguinte, por exemplo, se não tiver sido alcançado o volume de negócios previsto ou se o contrato não tiver sido mantido pelo período temporal estipulado?

2.

Caso a interpretação constante da alínea b) da primeira questão esteja correta, deve o artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 ser interpretado no sentido de que não constitui uma derrogação em prejuízo do agente a cláusula do contrato de agência segundo a qual este é obrigado a restituir uma quota proporcional da sua comissão se o contrato entre o comitente e o terceiro não for executado conforme estipulado, designadamente, no contrato de agência comercial?

3.

Perante factos como os do processo principal, para avaliar se se verificam “circunstâncias imputáveis ao comitente”, no sentido do artigo 11.o, n.o 1, segundo travessão, da Diretiva 86/653, devem ser examinadas:

a)

unicamente as circunstâncias jurídicas que conduziram diretamente à cessação do contrato (por exemplo se a cessação do contrato se deve a incumprimento das obrigações decorrentes do mesmo por parte do terceiro);

b)

ou deve igualmente examinar‑se se tais circunstâncias jurídicas resultaram da conduta do comitente nas relações jurídicas com o referido terceiro, que determinou uma perda de confiança do terceiro no comitente e, como tal, o induziu à violação das obrigações decorrentes do contrato com o comitente?»

15.

Foram apresentadas observações escritas pelos Governos eslovaco e alemão, bem como pela Comissão Europeia.

4 Análise

1 Competência do Tribunal de Justiça

16.

Nos termos do seu artigo 1.o a Diretiva 86/653 pretende harmonizar as disposições nacionais que regem as relações entre os agentes comerciais e os seus comitentes quando os primeiros estejam encarregados de negociar «a venda ou a compra de mercadorias» ( 3 ). Porém, a situação em causa no processo principal não diz respeito à venda de mercadorias, mas à prestação de serviços (de seguro). Consequentemente, as disposições da Diretiva 86/653 não são aplicáveis no presente caso.

17.

Assim, poderia questionar‑se a competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar, a título prejudicial, uma vez que este caso evidentemente não está abrangido pelas matérias reguladas pelo legislador da União. Com efeito, as mercadorias (físicas) e os serviços (imateriais) são coisas bem distintas.

18.

Contudo, o Tribunal de Justiça já apreciou esta questão no contexto da Diretiva 86/653. O Tribunal de Justiça tem afirmado sistematicamente que, quando a legislação nacional se adequa, quanto às soluções que dá a situações puramente internas, às soluções adotadas no direito da União, a fim, nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações ou de eventuais distorções de concorrência, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que se foram buscar ao direito da União sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar ( 4 ).

19.

Nesta matéria, no contexto da legislação belga sobre contratos de agência comercial, o Tribunal de Justiça afirmou expressamente que «embora a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio tenha por objetivo não um contrato de compra e venda de mercadorias, mas um contrato de agência relativo à exploração de um serviço […], não deixa de ser verdade que, quando da transposição das disposições desta diretiva para o direito interno, o legislador belga decidiu aplicar um tratamento idêntico a estes dois tipos de situações» ( 5 ).

20.

Como salienta o Governo eslovaco, a legislação nacional em causa teve o objetivo de transpor a Diretiva 86/653. Ao fazê‑lo, o legislador eslovaco pretendeu aplicar o mesmo tratamento aos agentes comerciais que vendem mercadorias e aos que vendem serviços.

21.

Por conseguinte, entendo que o Tribunal de Justiça tem competência para responder às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

2 Questão 1: não execução parcial do contrato na perspetiva do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653

22.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se, interpretando corretamente o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653, o direito de um agente comercial à comissão também se pode extinguir em caso de não execução parcial de um contrato.

1 Teor literal do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653

23.

O artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 estabelece que o direito à comissão só se extingue se e na medida em que o contrato entre o terceiro e o comitente não for executado e a não execução não for devida a circunstâncias imputáveis ao comitente.

24.

A este propósito, o Tribunal de Justiça já sustentou que «[e]sta única causa de extinção, que requer a combinação de duas circunstâncias em que se faz expressa referência ao comitente, sublinha a importância do papel deste na existência do direito à comissão» ( 6 ).

25.

A expressão «na medida em que» (na versão inglesa, «to the extent that») indica que importa distinguir entre não execução total e não execução parcial do contrato, pois, caso contrário, essa expressão seria redundante.

26.

O artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 está formulado de modo semelhante na maioria das versões linguísticas ( 7 ). No entanto, algumas versões linguísticas, entre as quais a eslovaca, não contêm a referida expressão ( 8 ).

27.

As diferentes versões linguísticas da legislação da União fazem igualmente fé ( 9 ). A interpretação de uma disposição do direito da União implica, portanto, uma comparação entre as diferentes versões linguísticas ( 10 ). Além disso, as diversas versões linguísticas devem ser interpretadas de modo uniforme ( 11 ).

28.

Uma vez que a grande maioria das versões linguísticas do artigo 11.o, n.o 1, utiliza a expressão «na medida em que», creio que não subsistem grandes dúvidas quanto à forma como o legislador da União pretendia que esta disposição fosse entendida. O facto de todas as versões linguísticas (exceto a grega) existentes à data da adoção da Diretiva 86/653 conterem essa expressão adicional só vem confirmar esta conclusão.

29.

No entanto, dada a divergência entre as versões linguísticas, a disposição em questão deve ser interpretada em função da finalidade e da sistemática geral da regulamentação de que constitui um elemento ( 12 ).

2 Finalidade e sistemática geral da Diretiva 86/653

30.

Como vimos, o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 regula a extinção do direito à comissão. Por seu turno, os artigos 7.°, n.o 1, e 10.°, n.o 1, da mesma diretiva regulam, respetivamente, a constituição e a aquisição do direito à comissão. Estas disposições são, de certa forma, o outro lado da moeda da extinção do direito.

31.

O artigo 10.o, n.o 1, estabelece que o direito à comissão se adquire logo que e na medida em que se verifique uma de várias circunstâncias ( 13 ). Uma vez que esta disposição «espelha» (em sentido figurado) o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653, as duas disposições devem ser interpretadas paralelamente.

32.

Além disso, o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 dispõe que o agente comercial tem direito a uma indemnização se e na medida em que estiverem preenchidas determinadas condições.

33.

Este direito a uma indemnização está intimamente associado ao direito à comissão, na medida em que visa recompensar o agente comercial pela clientela que angariou para o comitente e pelos continuados benefícios financeiros criados pela sua intervenção.

34.

A um nível mais geral, a Diretiva 86/653 tem por objetivo harmonizar o direito dos Estados‑Membros no que diz respeito às relações jurídicas entre as partes num contrato de agência comercial ( 14 ). Do segundo considerando desta diretiva decorre que esta pretende, designadamente, uniformizar as condições de concorrência na União, eliminar as restrições ao exercício das atividades dos agentes comerciais e reforçar a segurança das operações comerciais ( 15 ).

35.

Além disso, o Tribunal de Justiça já esclareceu, em muitas ocasiões, que a Diretiva 86/653 visa especialmente proteger os agentes comerciais nas suas relações com os respetivos comitentes e, para esse efeito, estabelece, regras que regulam a celebração e o termo do contrato de agência (artigos 13.° a 20.° desta diretiva) ( 16 ). Relativamente aos artigos 17.° a 19.° da Diretiva 86/653, o Tribunal de Justiça considerou que esta diretiva estabelece regras imperativas ( 17 ), que oferecem uma proteção mínima do agente comercial ( 18 ).

36.

Acresce que, no meu entender, a Diretiva 86/653 obedecia inicialmente à ideia de criar condições equitativas aplicáveis aos comitentes que exercessem atividades no mercado interno com recurso a agentes comerciais: para investirem e exercerem as suas atividades, os comitentes precisam de conhecer as regras aplicáveis em matéria de compensação e remuneração dos agentes comerciais a que recorrem ( 19 ).

37.

Para tal, a Diretiva 86/653 institui um sistema que procura estabelecer um equilíbrio equitativo entre os interesses do comitente e do agente comercial.

38.

Examinemos agora em maior profundidade o sistema de remuneração estabelecido no capítulo III ( 20 ) da referida diretiva.

39.

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 86/653, na falta de acordo entre as partes e sem prejuízo da aplicação das disposições obrigatórias dos Estados‑Membros sobre o nível das remunerações, o agente comercial tem direito a uma remuneração segundo os usos em vigor na área em que exerce a sua atividade e para a representação das mercadorias que são objeto do contrato de agência.

40.

41. O artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 dispõe que os elementos da remuneração que variem em função do número ou do valor dos negócios serão considerados como constituindo uma comissão na aceção desta diretiva.

42.

De acordo com o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 86/653, o agente comercial tem direito à comissão pelas operações comerciais concluídas durante a vigência do contrato de agência se essas operações tiverem sido concluídas em consequência da sua intervenção.

43.

O artigo 10.o da Diretiva 86/653 define as circunstâncias geradoras do direito à comissão ( 21 ). No seu n.o 1, estabelece que o direito à comissão se adquire logo que e na medida em que o comitente ou o terceiro tenham executado, ou o comitente devia ter executado, a operação.

44.

Por último, importa não esquecer que o caso em apreço diz respeito a uma obrigação continuada entre o comitente e os terceiros. Este caráter continuado é intrínseco à própria natureza do contrato de seguro. Nessa situação, não creio que fosse viável exigir a não execução total porque, se assim fosse, estando em causa uma obrigação continuada, o comitente suportaria sistematicamente e sem exceção o risco de não execução do contrato. Este resultado não estaria em conformidade com o equilíbrio que a Diretiva 86/653 pretende estabelecer entre os interesses do agente comercial e do comitente.

Resposta proposta à questão 1

45.

Pelo exposto, interpretando corretamente o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653, o direito de um agente comercial à comissão também se pode extinguir em caso de não execução parcial de um contrato.

3 Questão 2

46.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer se o artigo 11.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 86/653 obsta a uma cláusula de um contrato de agência comercial segundo a qual o agente é obrigado a restituir uma quota proporcional da sua comissão se o contrato entre o comitente e o terceiro não for executado conforme estipulado no contrato de agência comercial.

47.

Nos termos do artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, as comissões que o agente comercial já tiver recebido deverão ser reembolsadas em caso de extinção do respetivo direito.

48.

Naturalmente, esta disposição só é aplicável na medida em que o direito se extinga.

49.

Por seu turno, o artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 86/653 proíbe a derrogação do disposto no n.o 1 por acordo em prejuízo do agente comercial.

50.

No meu entender, daqui resulta que não existe qualquer violação do artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 86/653, desde que as partes não tenham derrogado o princípio claramente estabelecido no n.o 1, ou seja, o de que o direito à comissão só se extingue se e na medida em que (1) o contrato entre o comitente e o terceiro não for executado, e (2) a não execução não for devida a circunstâncias imputáveis ao comitente.

51.

Por conseguinte, a resposta à segunda questão deve ser a de que o artigo 11.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 86/653 não obsta a uma cláusula de um contrato de agência comercial segundo a qual o agente é obrigado a restituir uma quota proporcional da sua comissão se o contrato entre o comitente e o terceiro não for executado conforme estipulado no contrato de agência comercial. Essa cláusula não pode ter como consequência a interpretação das condições decorrentes do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 em prejuízo do agente comercial.

4 Questão 3

52.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer se a expressão «circunstâncias imputáveis ao comitente» na aceção do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 se refere unicamente às circunstâncias jurídicas que conduziram diretamente à cessação do contrato ou se abrange também a conduta do comitente no âmbito da relação jurídica com o terceiro em causa.

53.

Afigura‑se que, nos termos do direito eslovaco, o não pagamento do prémio acordado constitui apenas uma forma de cessação do contrato. É por esse motivo que o órgão jurisdicional de reenvio precisa de determinar qual a relevância do comportamento do comitente neste contexto.

54.

A letra do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 não é conclusiva, pois não está claramente indicado na expressão «circunstâncias imputáveis» exatamente o que não deve ser imputável ao comitente ( 22 ). Acresce que a Diretiva 86/653 não define, com maior precisão, essa expressão.

55.

Em conformidade com jurisprudência assente, os termos de uma disposição do direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme ( 23 ).

56.

A comparação do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 com o artigo 18.o da mesma diretiva revela um quadro ligeiramente diferente.

57.

O artigo 18.o define os casos em que não é devida a indemnização ou a reparação a que um agente comercial tem direito após a cessação do contrato de agência. Neste contexto, dispõe, na sua alínea a), que essa indemnização ou reparação não é devida «[q]uando o comitente tiver posto termo ao contrato por um incumprimento imputável ao agente comercial e que, nos termos da legislação nacional, seja fundamento da cessação do contrato sem prazo» ( 24 ).

58.

Embora se possa discutir se o termo «default» (incumprimento) é ou não mais abrangente do que «blame» (culpa) ( 25 ), creio que o que é crucial é a referência à legislação nacional. Uma vez que o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 não contém essa referência, deve ser atribuído ao termo «blame», em relação ao comitente, um alcance mais amplo para efeitos dessa disposição do que ao termo «default» no artigo 18.o, alínea a), desta diretiva, em relação ao agente comercial.

59.

Além disso, importa, mais uma vez, analisar o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 à luz dos objetivos por ela prosseguidos e do sistema que institui ( 26 ). Neste contexto, o termo «blame» deve ser interpretado de forma autónoma.

60.

As leis nacionais que regulam os contratos de agência comercial são, em regra, muito diferentes. Em alguns casos, bastará que uma parte deixe de pagar o prémio acordado para que se verifique a cessação do contrato. Por conseguinte, para apurar o significado de «blame», é necessário ter em conta elementos que vão além das circunstâncias jurídicas que conduzem diretamente à cessação do contrato, dado que, muitas vezes, essas circunstâncias não dão qualquer indicação sobre a possível culpabilidade do comitente.

61.

São imputáveis ao comitente os riscos que têm origem na sua esfera de influência. Isto pode e deve ser determinado tendo em conta todos os elementos factuais do caso em apreço. Na sua apreciação, o órgão jurisdicional nacional deve ter em conta os usos comerciais pertinentes.

62.

Consequentemente, a resposta à terceira questão deve ser a de que a expressão «circunstâncias imputáveis ao comitente» na aceção do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 não se refere unicamente às circunstâncias jurídicas que conduziram diretamente à cessação do contrato, abrangendo também a conduta do comitente no âmbito da relação jurídica com o terceiro em causa.

5 Conclusão

63.

Com base nas considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões do Okresný súd Dunajská Streda nos seguintes termos:

Interpretando corretamente o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais, o direito de um agente comercial à comissão também se extingue em caso de não execução parcial de um contrato.

O artigo 11.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 86/653 não obsta a uma cláusula de um contrato de agência comercial segundo a qual o agente é obrigado a restituir uma quota proporcional da sua comissão se o contrato entre o comitente e o terceiro não for executado conforme estipulado no contrato de agência comercial. Essa cláusula não pode ter como consequência a interpretação das condições decorrentes do artigo 11.o, n.o 1, desta diretiva em prejuízo do agente comercial.

A expressão «circunstâncias imputáveis ao comitente» na aceção do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 não se refere unicamente às circunstâncias jurídicas que conduziram diretamente à cessação do contrato, abrangendo também a conduta do comitente no âmbito da relação jurídica com o terceiro em causa.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (JO 1986, L 382, p. 17).

( 3 ) O sublinhado é meu.

( 4 ) No contexto específico da Diretiva 86/653, este entendimento constitui jurisprudência assente desde o acórdão de 16 de março de 2006, Poseidon Chartering (C‑3/04, EU:C:2006:176, n.os 14 a 19). V. também acórdão de 17 de outubro de 2013, Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:663, n.o 30).

( 5 ) V. acórdão de 17 de outubro de 2013, Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:663, n.o 30).

( 6 ) V. acórdão de 17 de janeiro de 2008, Chevassus‑Marche (C‑19/07, EU:C:2008:23, n.o 20).

( 7 ) V. por exemplo, as versões espanhola («en la medida»), dinamarquesa («i det omfang»), alemã («soweit»), estónia («ulatuses»), francesa («dans la mesure où»), italiana («nella misura in cui»), lituana («tik tiek, kiek»), maltesa («sal‑limiti li»), neerlandesa («voor zover»), polaca («o ile»), e romena («în măsura în care»).

( 8 ) V. as versões checa, grega, letã e eslovaca.

( 9 ) V. acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335, n.o 18).

( 10 ) Ibidem.

( 11 ) V., a título de exemplo, acórdãos de 30 de maio de 2013, Genil 48 e Comercial Hostelera de Grandes Vinos (C‑604/11, EU:C:2013:344, n.o 38 e jurisprudência aí referida), e de 6 de setembro de 2012, Parlamento/Conselho (C‑490/10, EU:C:2012:525, n.o 68).

( 12 ) V. acórdão de 14 de junho de 2007, Euro Tex (C‑56/06, EU:C:2007:347, n.o 27 e jurisprudência aí referida).

( 13 ) O comitente executou ou deveria ter executado a operação por força do acordo concluído com o terceiro, ou o terceiro executou a operação.

( 14 ) V. acórdãos de 30 de abril de 1998, Bellone (C‑215/97, EU:C:1998:189, n.o 10); de 13 de julho de 2000, Centrosteel (C‑456/98, EU:C:2000:402, n.o 13); de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2006:199, n.o 18); de 26 de março de 2009, Semen (C‑348/07, EU:C:2009:195, n.o 14); e de 17 de outubro de 2013, Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:663, n.o 36). V. também, por exemplo, Fock, T., Die europäische Handelsvertreter‑Richtlinie, Nomos Verlagsgesellschaft, Baden‑Baden, 2001, p. 25.

( 15 ) V. acórdãos de 30 de abril de 1998, Bellone (C‑215/97, EU:C:1998:189, n.o 17); de 9 de novembro de 2000, Ingmar (C‑381/98, EU:C:2000:605, n.o 23); de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2006:199, n.o 19); e de 17 de outubro de 2013, Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:663, n.o 37).

( 16 ) V. acórdãos de 30 de abril de 1998, Bellone (C‑215/97, EU:C:1998:189, n.o 13); de 9 de novembro de 2000, Ingmar (C‑381/98, EU:C:2000:605, n.os 20 e 21); de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2006:199, n.os 19 e 22); de 17 de janeiro de 2008, Chevassus‑Marche (C‑19/07, EU:C:2008:23, n.o 22); e de 26 de março de 2009, Semen (C‑348/07, EU:C:2009:195, n.o 14).

( 17 ) V. acórdãos de 9 de novembro de 2000, Ingmar (C‑381/98, EU:C:2000:605, n.os 21 e 22); de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2006:199, n.os 22 e 34); e de 17 de outubro de 2013, Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:663, n.o 40).

( 18 ) V. acórdão de 17 de outubro de 2013, Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:663, n.o 52). V. também Rott‑Pietrzyk, E., Agent Handlowy — Regulacje Polskie i Europejskie, C. H. Beck, Varsóvia, 2006, p. 68.

( 19 ) V. as minhas conclusões no processo Agro (C‑507/15, EU:C:2016:809, n.o 56).

( 20 ) Artigos 6.° a 12.° da Diretiva 86/653.

( 21 ) V. acórdão de 17 de janeiro de 2008, Chevassus‑Marche (C‑19/07, EU:C:2008:23, n.o 18).

( 22 ) Além disso, aparentemente algumas das versões linguísticas do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 deixam em aberto a questão de saber se se exige culpa do comitente. Enquanto a resposta se me afigura claramente afirmativa relativamente à versão inglesa («blame»), o mesmo não se pode dizer, por exemplo, da versão francesa, que remete para a questão da imputação de responsabilidade ao comitente («l’inexécution n’est pas due à des circonstances imputables au commettant»). A versão eslovaca parece estar próxima da versão inglesa, na medida em que contempla um elemento de culpa.

( 23 ) V. acórdão de 16 de julho de 2015, Abcur (C‑544/13 e C‑545/13, EU:C:2015:481, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

( 24 ) O sublinhado é meu.

( 25 ) E, mais uma vez, as versões linguísticas diferem. Por exemplo, a versão alemã fala em comportamento culposo («wegen eines schuldhaften Verhaltens»), ao passo que a versão francesa recorre novamente à ideia de imputabilidade («un manquement imputable»).

( 26 ) V., relativamente ao artigo 17.o da Diretiva 86/653, acórdão de 3 de dezembro de 2015, Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 21 e jurisprudência aí referida).