CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 27 de abril de 2017 ( 1 )

Processo C‑567/15

UAB LitSpecMet

contra

UAB Vilniaus lokomotyvų remonto depas,

com intervenção de:

UAB Plienmetas

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius, Lituânia)]

«Questão prejudicial — Contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços — Diretiva 2004/18/CE — Contratos públicos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações — Diretiva 2004/17/CE — Conceito de entidade adjudicante — Sociedade cujo capital pertence ao Estado através de outra sociedade estatal — Exceção in house

1. 

Este reenvio prejudicial proporciona ao Tribunal de Justiça a possibilidade de ampliar a sua jurisprudência em matéria de processos de adjudicação de contratos públicos. Em particular, terá de precisar, uma vez mais, o conceito de «entidade adjudicante» na aceção da Diretiva 2004/17/CE ( 2 ) e da Diretiva 2004/18/CE ( 3 ).

2. 

As questões submetidas pelo órgão jurisdicional a quo são suscitadas no contexto de um litígio que visa a impugnação de um processo de concurso aberto, à margem dessas diretivas, por uma sociedade anónima ( 4 ) participada a cem por cento pela companhia de caminhos de ferro estatal da Lituânia ( 5 ) (cujo estatuto de entidade adjudicante não é discutido), à qual a primeira fornece determinados bens e serviços. A sociedade filial, apesar da sua relação com a sociedade‑mãe, nega ser um «organismo público» na aceção das diretivas sobre contratos públicos, uma vez que não foi criada «para satisfazer […] necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial».

3. 

A controvérsia centrou‑se, inicialmente, na natureza da atividade desenvolvida pela VLRD, para esclarecer se tem diretamente por objeto a satisfação de uma necessidade de interesse geral com caráter não industrial ou comercial. No decurso do processo no Tribunal de Justiça discutiu‑se, também, se, ao vender mercadorias ou serviços a uma entidade (LG) que satisfaz esse tipo de necessidades, a VLRD também as satisfaz indiretamente e pode, por esse facto, ser incluída entre as entidades adjudicantes, na aceção das diretivas supramencionadas.

I. Quadro normativo

A. Direito da União

1. Diretiva 2004/17

4.

O artigo 2.o prescreve:

«1.   Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

a)

“poderes públicos”: o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por uma ou mais autarquias locais ou regionais ou por um ou mais organismos de direito público.

“Organismo de direito público”: qualquer organismo:

criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial,

dotado de personalidade jurídica e

cuja atividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público; ou cuja gestão esteja sujeita a controlo por parte destes últimos; ou em cujos órgãos de administração, direção ou fiscalização mais de metade dos membros sejam designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público;

[…]

2.   A presente diretiva é aplicável às entidades adjudicantes:

a)

Que sejam poderes públicos ou empresas públicas e exerçam uma das atividades definidas nos artigos 3.° a 7.°;

[…]»

5.

O artigo 5.o prescreve:

«1.   A presente diretiva aplica‑se às atividades que visam a disponibilização ou exploração de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro, sistemas automáticos, elétricos, tróleis, autocarros ou cabo.

No que diz respeito aos serviços de transporte, considera‑se que existe uma rede quando o serviço é prestado nas condições estabelecidas por uma autoridade competente de um Estado‑Membro, tais como, por exemplo, as condições relativas a itinerários a seguir, capacidade de transporte disponível ou frequência do serviço.

2.   A presente diretiva não é aplicável às entidades que forneçam serviços públicos de transporte em autocarro, que já se encontravam excluídos do âmbito da Diretiva 93/38/CEE [ ( 6 )] nos termos do n.o 4 do seu artigo 2.o»

2. Diretiva 2004/18

6.

Nos termos do artigo 1.o, n.o 9:

«Por “entidades adjudicantes” entende‑se o Estado, as autarquias locais e regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por uma ou mais autarquias locais ou regionais ou um ou mais organismos de direito público.

Por “organismo de direito público” entende‑se qualquer organismo:

a)

Criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial;

b)

Dotado de personalidade jurídica; e

c)

Cuja atividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público; ou cuja gestão esteja sujeita a controlo por parte destes últimos; ou em cujos órgãos de administração, direção ou fiscalização mais de metade dos membros sejam designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.

As listas não exaustivas dos organismos e categorias de organismos de direito público que satisfazem os critérios referidos nas alíneas a), b) e c) do segundo parágrafo constam do anexo III. Os Estados‑Membros notificarão periodicamente a Comissão das alterações introduzidas nas suas listas.»

3. Diretiva 2014/24/UE ( 7 )

7.

No considerando 10 declara‑se:

«O conceito de “autoridades adjudicantes” e, em particular, o de “organismos de direito público” foram examinados diversas vezes na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. A fim de clarificar que o âmbito de aplicação ratione personae da presente diretiva se deverá manter inalterado, afigura‑se conveniente manter as definições em que o Tribunal de Justiça se baseou e integrar um certo número de precisões, conferidas pela referida jurisprudência, que são essenciais para a compreensão das próprias definições, sem intenção de alterar a compreensão do conceito tal como elaborado pela jurisprudência. Para o efeito, importa esclarecer que um organismo que opera em condições normais de mercado, que tem fins lucrativos, e que assume os prejuízos resultantes do exercício da sua atividade, não deverá ser considerado um “organismo de direito público” uma vez que as necessidades de interesse geral, para satisfação das quais foi criado ou que foi encarregado de cumprir, podem ser consideradas como tendo caráter industrial ou comercial.

Do mesmo modo, a condição relativa à origem do financiamento do organismo em causa foi igualmente objeto de jurisprudência, que clarificou nomeadamente que por “financiado maioritariamente” se entende financiado em mais de metade e que este tipo de financiamento pode incluir pagamentos impostos, calculados e cobrados aos utilizadores de acordo com as regras de direito público.»

8.

O artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, contém uma definição de «organismo de direito público» idêntica à prevista no artigo 1.o, n.o 9, da Diretiva 2004/18.

9.

O artigo 12.o, n.o 1, prescreve:

«Um contrato público adjudicado por uma autoridade adjudicante a outra pessoa coletiva de direito privado ou público fica excluído do âmbito da presente diretiva quando estiverem preenchidas todas as seguintes condições:

a)

A autoridade adjudicante exerce sobre a pessoa coletiva em causa um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços;

b)

Mais de 80% das atividades da pessoa coletiva controlada são realizadas no desempenho de funções que lhe foram confiadas pela autoridade adjudicante que a controla ou por outras pessoas coletivas controladas pela referida autoridade adjudicante; e

c)

Não há participação direta de capital privado na pessoa coletiva controlada, com exceção das formas de participação de capital privado sem poderes de controlo e sem bloqueio exigidas pelas disposições legislativas nacionais, em conformidade com os Tratados, e que não exercem influência decisiva na pessoa coletiva controlada.

Considera‑se que uma autoridade adjudicante exerce sobre uma pessoa coletiva um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, na aceção da alínea a) do primeiro parágrafo, quando exerce uma influência decisiva sobre os objetivos estratégicos e as decisões relevantes da pessoa coletiva controlada. Esse controlo pode ser igualmente exercido por outra pessoa coletiva, que, por sua vez, é controlada da mesma forma pela autoridade adjudicante.»

B.

Direito nacional

10.

A Lietuvos Respublikos viešųjų pirkimų įstatymas (Lei relativa aos contratos públicos; a seguir «LCP») transpõe a Diretiva 2004/18 para o direito lituano.

11.

O artigo 4.o prescreve:

«1.   Entende‑se por entidade adjudicante:

1)

uma autoridade estatal ou local;

2)

uma pessoa coletiva privada ou pública que reúna as condições previstas no n.o 2 do presente artigo;

3)

uma associação das autoridades referidas no ponto 1 do presente número e/ou de pessoas coletivas públicas ou privadas referidas no ponto 2 do presente número;

4)

as empresas adjudicantes que operam nos setores da água, da energia, dos transportes ou dos serviços postais referidas nos pontos 2 a 4 do artigo 70.o, n.o 1, da presente lei.

2.   Uma pessoa coletiva pública ou privada (diferente das administrações nacionais ou locais) criada para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial e que preencha pelo menos uma das seguintes condições:

1)

mais de 50% da sua atividade ser financiada pelo orçamento do Estado ou das autoridades locais ou por outros recursos do Estado ou das autoridades locais ou por fundos de outras pessoas coletivas públicas ou privadas referidas no presente número;

2)

ser controlada (dirigida) pela administração nacional ou local ou por outras pessoas coletivas públicas ou privadas referidas no presente número;

3)

mais de metade dos membros do seu órgão de administração, de direção ou de fiscalização serem designados pelas administrações nacionais ou locais ou por pessoas coletivas públicas ou privadas referidas no presente número.

[…]»

12.

O artigo 10.o, n.o 5, salienta:

«As disposições desta lei não são aplicáveis quando a entidade adjudicante celebra um contrato com uma entidade juridicamente distinta sobre a qual exerce um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços ou órgãos e que ostenta de forma exclusiva (ou relativamente à qual exerce os direitos e obrigações do Estado ou de uma autoridade local enquanto associado único), e quando a entidade controlada realizou pelo menos 90% do seu volume de negócios do exercício precedente (ou do período decorrido desde a sua criação caso exerça a sua atividade por período inferior a um exercício), através de atividades destinadas a satisfazer as necessidades da entidade adjudicante ou a permitir o exercício das suas funções. Um concurso pode apenas ser convocado nas condições previstas no presente número após receção da autorização da autoridade de contratação pública […]»

II. Matéria de facto

13.

A VLRD foi constituída em 2003, na sequência de uma reorganização da companhia ferroviária estatal LG, como filial desta, que é titular da totalidade do seu capital social.

14.

O objeto social da VLRD consiste na produção e manutenção de locomotivas e vagões. No período relevante para o litígio, os pedidos da LG representavam cerca de 90% do volume de negócios da VLRD.

15.

Em 2013, a VLRD convocou a abertura simplificada de um concurso para contratos de fornecimento de barras de metais ferrosos (a seguir «processo de concurso»). Segundo o caderno de encargos, o processo de concurso seria realizado em conformidade com a regulamentação provisória de contratos da VLRD.

16.

A UAB LitSpecMet (a seguir «LitSpecMet») apresentou a sua oferta no processo de concurso e obteve uma parte do fornecimento.

17.

Contudo, a LitSpecMet pediu a anulação do processo de concurso e a abertura de um novo concurso de acordo com a LCP. Em apoio do seu pedido alegava, por um lado, que a VLRD tinha sido criada para satisfazer as necessidades da LG, empresa financiada pelo Estado e encarregada de uma missão de serviço público; por outro lado, alegava que as condições dos serviços prestados e das vendas efetuadas pela VLRD em benefício da sociedade‑mãe não correspondiam às condições normais de concorrência. Daqui se depreendia, na opinião da LitSpecMet, que a atividade da VLRD se destinava a cobrir necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial e que, portanto, se tratava de uma entidade adjudicante sujeita às regras relativas aos contratos públicos.

18.

O Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius, Lituânia) negou provimento aos pedidos da LitSpecMet por acórdão de 2 de junho de 2014, confirmado pelo Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de recurso da Lituânia) pelo seu acórdão de 25 de setembro de 2014.

19.

Ambos os tribunais entenderam que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da LCP, para classificar uma pessoa coletiva de direito público ou privado de entidade adjudicante não basta provar que está relacionada com, ou é controlada, por uma empresa do setor público. É também necessário provar que a sua atividade é dedicada a servir interesses gerais com caráter não industrial ou comercial, o que não seria o caso da VLRD, uma vez que se tratava de uma sociedade constituída para exercer uma atividade comercial e obter lucros, assumindo os seus próprios riscos.

20.

Por acórdão de 27 de maio de 2015, a Secção Cível do Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Tribunal Supremo da Lituânia) anulou o acórdão proferido em sede de recurso. Em sua opinião, nenhuma das duas instâncias tinha avaliado devidamente as circunstâncias da constituição da VLRD, a natureza particular da sua atividade e as suas relações com a sociedade‑mãe.

21.

O processo foi reenviado ao Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de recurso da Lituânia) que, por acórdão de 14 de julho de 2015, anulou o acórdão proferido pelo Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius) em 2 de junho de 2014 e devolveu o processo a este órgão jurisdicional, que submete a questão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

III. Questão prejudicial

22.

A questão prejudicial, registada em 9 de novembro de 2015, tem a seguinte redação:

«Deve o artigo 1.o, n.o 9, da Diretiva 2004/18/CE ser interpretado no sentido de que uma sociedade:

que foi fundada por uma entidade adjudicante que exerce atividade no setor do transporte ferroviário, nomeadamente, na gestão de infraestruturas ferroviárias públicas e no transporte de passageiros e de mercadorias;

que, de forma independente, exerce atividade empresarial, estabelece uma estratégia empresarial, adota decisões relativamente às condições da atividade da sociedade (mercado do produto, segmento de clientes, etc), participa num mercado concorrencial em toda a União Europeia e fora do mercado da UE, fornecendo serviços de produção de material circulante e de reparação de material circulante e participa em processos de concurso relacionados com essa atividade com o intuito de obter pedidos por parte de terceiros (e não da sociedade‑mãe);

que presta serviços de reparação de material circulante à sua fundadora com base em transações intragrupo sendo que o valor desses serviços representa 90% da atividade total da sociedade;

cujos serviços prestados ao seu fundador se destinam a assegurar a atividade de transporte de passageiros e de mercadorias da fundadora;

não deve ser considerada uma entidade adjudicante?

Se o Tribunal de Justiça da União Europeia decidir que a sociedade deve ser considerada uma entidade adjudicante nas circunstâncias acima previstas, deve o artigo 1.o, n.o 9, da Diretiva 2004/18/CE ser interpretado no sentido de que a sociedade perde o estatuto de entidade adjudicante quando o valor dos serviços de reparação do material circulante prestados com base nas transações intragrupo à entidade adjudicante, que é a fundadora da sociedade, diminuir e constituir menos de 90% ou não constituir a maior parte do total do volume de negócios da atividade da sociedade?»

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e argumentos das partes

23.

A LitSpecMet, a VLRD, os Governos lituano e português, e a Comissão apresentaram observações escritas e compareceram, com o Governo alemão, na audiência realizada em 9 de fevereiro de 2017.

24.

Segundo a LitSpecMet, a atividade de manutenção realizada pela VLRD está incluída no interesse geral, na medida em que permite à LG assegurar o serviço público sob a sua responsabilidade, isto é, gerir a infraestrutura ferroviária e assegurar o transporte de passageiros. Em sua opinião, essa atividade não tem natureza industrial ou comercial, uma vez que a LG é a única empresa que a realiza na Lituânia, o que lhe permite conduzir a sua atividade por motivos não estritamente económicos. Admitir que as regras relativas a contratos públicos não se aplicam à VLRD implicaria que uma entidade adjudicante (LG) as poderia evitar criando simplesmente uma filial (VLRD) dedicada a atividades intragrupo.

25.

Portanto, para a LitSpecMet, a VLRD é uma entidade adjudicante na aceção do artigo 1.o, n.o 9, da Diretiva 2004/18, sendo indiferente o valor relativo das transações intragrupo que realize com a sociedade‑mãe. Subsidiariamente, poderia qualificar‑se de poder público na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/17, sendo esta a verdadeiramente aplicável ao caso, dada a atividade da LG e tomada em consideração a interpretação dos seus artigos 3.° a 7.° no acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de abril de 2008, Ing. Aigner ( 8 ).

26.

A VLRD afirma que não foi constituída para cumprir uma missão particular de interesse geral em benefício do conjunto dos cidadãos, mas sim para complementar as atividades comerciais de transporte de passageiros da LG. Em sua opinião, realizar transações intragrupo com a LG, poder público na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2004/17, não implica que ela própria constitua também um poder público.

27.

O Governo lituano traz à colação o acórdão de 15 de janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Austria e o. ( 9 ), no qual o Tribunal de Justiça recorreu à «teoria do contágio» ao entender que também pode ser qualificada de entidade adjudicante quem desempenha uma atividade que satisfaz apenas parcialmente necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial. Contudo, para o Governo lituano, a «teoria do contágio» não é aplicável verticalmente, e a natureza da atividade exercida por uma sociedade não depende do facto de ter sido constituída por uma entidade adjudicante com a qual desenvolve transações intragrupo.

28.

Segundo o Governo alemão, dadas as circunstâncias, há indícios suficientes para interpretar, sob um ponto de vista funcional por ele defendida, que a VLRD exerce uma atividade de interesse geral, uma vez que, não participando diretamente na atividade de transporte realizada pela LG, desempenha uma tarefa com a qual esta está estreitamente relacionada, nomeadamente a produção de locomotivas. Relativamente à natureza comercial da atividade da VLRD, o elemento decisivo é, para este Governo, o eventual cumprimento das suas finalidades num mercado concorrencial, o que não seria o caso, dado que realiza 90% da sua atividade com a LG, pelo que não assume um verdadeiro risco empresarial. Em suma, o Governo alemão argumenta que a filial de uma entidade adjudicante é também entidade adjudicante quando as suas atividades têm por objeto a satisfação de necessidades de interesse geral praticadas pela sua empresa‑mãe. Além disso, à luz da Diretiva 2014/24 (que, não sendo aplicável ratione temporis, pode servir de orientação), uma filial não é autoridade adjudicante caso o valor relativo da atividade contratada com a empresa‑mãe não seja superior a 80%.

29.

O Governo português recorda que, embora o objetivo da constituição da VLRD pareça ser de interesse geral, a sua atividade tem caráter industrial e comercial, dado que suporta integralmente os riscos da sua atividade. De acordo com a jurisprudência estabelecida no acórdão de 16 de outubro de 2003, Comissão/Espanha ( 10 ), e consagrada no considerando 10 da Diretiva 2014/24, a VLRD não deve ser classificada de entidade adjudicante.

30.

A Comissão salienta que neste caso deve apenas tomar‑se em consideração a Diretiva 2004/18, na medida em que a VLRD fornece produtos e presta serviços à sociedade ferroviária lituana, sendo irrelevante o facto de a atividade desta última (LG) estar abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/17.

31.

Para a Comissão, a Diretiva 2004/18 não é aplicável à VLRD, porque esta não é um «organismo de direito público» na aceção do seu artigo 1.o, n.o 9, uma vez que foi constituída no interesse particular da LG — o que a converte num prestador intragrupo da referida sociedade — e não visando o interesse geral. Em sua opinião, é irrelevante que a LG tenha por objeto a satisfação de um interesse geral e que tenha recorrido à VLRD com esta finalidade, dado que o determinante é o facto de a atividade da VLRD ter como único objetivo servir os interesses particulares da sociedade‑mãe.

32.

A Comissão põe assim em causa o facto de a VLRD ter sido constituída especificamente para servir necessidades de interesse geral, embora assegure que apenas a jurisdição nacional está em condições de avaliar todas as circunstâncias do processo e de confirmar que o fim não lucrativo que presidiu à criação da VLRD não prevalece sobre o ambiente comercial em que opera.

V. Apreciação

A. Considerações preliminares

33.

Tanto o tribunal de reenvio como a maioria das partes que intervieram no processo prejudicial têm por adquirido que este caso é regulado pela Diretiva 2004/18. Contudo, a LitSpecMet defende, embora apenas a título subsidiário, que a realmente aplicável seria a Diretiva 2004/17 (conhecida como «diretiva setorial» em matéria de contratos públicos).

34.

Na verdade, dado que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/17, e o artigo 1.o, n.o 9, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18 contêm uma definição idêntica de «organismos de direito público» ( 11 ), é possível responder às questões do Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius) sem afastar, à partida, a aplicabilidade de uma delas.

35.

Importa salientar, como segunda observação, que, embora o valor do concurso controvertido não figure nos autos, o representante da VLRD afirmou durante a audiência que se situaria entre 600000 e 700000 euros, sendo, portanto, superior ao limiar exigido para a aplicabilidade das disposições da União nesta matéria. Compete à jurisdição de reenvio verificar este dado ( 12 ).

36.

Em terceiro e último lugar, a resposta a ser dada pelo Tribunal de Justiça terá necessariamente de tomar em consideração as informações que o órgão de reenvio lhe forneceu sobre as circunstâncias de facto que se verificam na VLRD. É possível, contudo, que estas informações não coincidam em todos os aspetos com as que, na opinião do Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Tribunal Supremo da Lituânia) no seu acórdão de 27 de maio de 2015, o órgão judicial de instância deveria verificar após lhe ter sido devolvido o processo ( 13 ).

B. Primeira questão prejudicial

1. Quanto à satisfação direta (ou indireta) de necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial

37.

Não é contestado entre as partes o facto de a VLRD reunir duas das três condições necessárias para ser qualificada de «organismo de direito público» (e, portanto, «entidade adjudicante») de acordo com o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/17 e o artigo 1.o, n.o 9, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18.

38.

Com efeito, dessas três condições, exigidas de forma cumulativa ( 14 ), a VLRD cumpre a segunda e a terceira: é dotada de personalidade jurídica própria e é inegável a intervenção de outro organismo de direito público (a LG) no seu financiamento, no controlo da sua gestão ou na composição dos seus órgãos de administração, direção ou fiscalização.

39.

Contudo, não concordam quanto ao requisito de a VLRD ter sido «criad[a] para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial».

40.

As observações escritas das partes foram dedicadas à análise do facto de a atividade da VLRD servir, por si só, necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial, sendo maioritária a posição daqueles que defendem que tal não é o caso. Durante a audiência, o debate alargou‑se, a pedido do Tribunal de Justiça, à eventual satisfação indireta, pela VLRD, desse tipo de necessidades, dado que fornece produtos ou presta serviços a um organismo de direito público como a LG que, essa sim, o faz. As posições das partes a este respeito coincidem, no essencial, com as que defenderam quando se referiram ao eventual interesse geral da atividade desenvolvida pela VLRD.

41.

De acordo com a informação fornecida pelo tribunal de reenvio, a LG é uma sociedade pública que explora uma rede de transporte ferroviário. Como já referi, não há dúvida de que é um poder público, na aceção da Diretiva 2004/17 ( 15 ). Quanto à VLRD, dedica‑se à produção e à manutenção de locomotivas e material circulante, ou seja, desempenha uma tarefa que, embora estreitamente relacionada com o transporte ferroviário, não consiste na «disponibilização ou exploração de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro», que é a atividade abrangida pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2004/17.

42.

A LitSpecMet defende que, em qualquer caso, a VLRD desempenha uma tarefa essencial para a «disponibilização ou exploração» da rede de transporte ferroviário lituano, pelo que também preenche a condição da satisfação do interesse geral que a LG serve. Em sua opinião, não se pode esquecer o facto de, por força do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14/CE ( 16 ), as empresas ferroviárias têm direito ao denominado «pacote mínimo de acesso, assim como ao acesso por via férrea às instalações de serviços», descritas no anexo II da mesma diretiva, em cujo ponto 2, alínea h), se referem as «instalações de manutenção e outras instalações técnicas». Desse facto deduz que, «na ausência de opções alternativas reais no mercado», a VLRD está «obrigada a oferecer serviços de manutenção de material circulante à […] LG, independentemente dos aspetos comerciais» ( 17 ).

43.

Não concordo com este argumento da LitSpecMet, uma vez que a Diretiva 2001/14 não inclui os serviços de manutenção no «pacote de acesso», mas apenas as instalações nas quais esses serviços têm de ser prestados. Portanto, se a VLRD serve alguma necessidade de interesse geral de forma imediata e direta, não é a que se satisfaz com a atividade prevista especificamente no artigo 5.o da referida diretiva.

44.

Assim, a análise tem de se focalizar na interpretação da Diretiva 2004/18, para esclarecer se a VLRD satisfaz as necessidades de interesse geral (diferentes das de natureza industrial ou comercial) inerentes aos contratos de empreitada de obras públicas, de fornecimento e de serviços.

45.

A argumentação lógica deve levar a identificar, em primeiro lugar, se neste caso se servem necessidades de interesse geral; num segundo momento, para a eventualidade de ser dada resposta afirmativa, se o seu caráter comercial ou industrial predomina sobre qualquer outro.

46.

Segundo esta perspetiva, não me parece que a mera produção e reparação de material circulante no setor ferroviário, em si, tenha como finalidade ocupar‑se de necessidades estreitamente relacionadas com o funcionamento institucional do Estado ( 18 ), com a promoção e o desenvolvimento das condições de bem‑estar social cuja garantia é responsabilidade do Estado ( 19 ), ou com outras finalidades análogas.

47.

Poderia certamente defender‑se, como faz o Governo alemão, que, ao fornecer à sua empresa‑mãe bens ou serviços que permitem a esta prosseguir as suas necessidades próprias — estas sim de interesse geral — a VLRD prossegue também, indiretamente, a satisfação do mesmo interesse servido pela LG.

48.

Esta abordagem ao problema enfrenta, contudo, determinadas dificuldades, pelo menos sob uma perspetiva geral.

49.

Com efeito, se não é fácil, normalmente, determinar quando é que uma atividade económica tem por objeto a satisfação de necessidades de interesse geral (expressão já de si ambígua ou polissémica), menos ainda será especificar até que ponto a relação de uma atividade em princípio privada e de caráter comercial com as verdadeiramente de interesse geral confere à primeira a natureza das segundas. As consequências desta assimilação não são negligenciáveis: tal como salientou o Governo lituano na audiência, um operador privado converter‑se‑ia, talvez sem ter consciência desse facto, num prestador de atividades de interesse geral, enquanto colaborador necessário de uma entidade adjudicante.

50.

O grau de conectividade e interdependência do conjunto das atividades económicas, públicas e privadas, é tão impressionante na atual economia de mercado que seria difícil conter o caráter expansivo da «satisfação de necessidades de interesse geral», se se aceitasse que esse conceito também abrange as atividades privadas necessárias, em certa medida, para satisfazer essas necessidades. Também se suscitaria o problema, de solução muito difícil, de determinar em que medida essa relação de necessidade seria relevante em cada caso.

51.

No entanto, mesmo admitindo, hipoteticamente, que a atividade realizada pela VLRD tivesse por objeto a satisfação de necessidades de interesse geral, tal não seria suficiente para concluir que a VLRD é um «organismo de direito público» na aceção da Diretiva 2004/18. O motivo consiste no facto de que não basta satisfazer necessidades de interesse geral, sendo necessário que estas tenham caráter industrial ou comercial. E em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é necessário, para as classificar dessa forma, satisfazer essas necessidades em condições alheias à lógica do mercado.

52.

Trata‑se, portanto, como afirmou o Tribunal de Justiça no acórdão de 22 de maio de 2003, Korhonen e o., de «excluir simultaneamente o risco de preferência dos proponentes ou candidatos nacionais em toda e qualquer adjudicação de contratos públicos por entidades adjudicantes e a possibilidade de um organismo financiado ou controlado pelo Estado, pelas autarquias locais ou por outros organismos de direito público se deixar levar por considerações não económicas» ( 20 ).

53.

Seguindo essas premissas, a entidade que pretenda gerir este tipo de necessidades (que não devem ser confundidas com as que não possam ser satisfeitas por empresas privadas) ( 21 ) poderia incorrer facilmente nesse risco se atua fora das condições do mercado, isto é, à margem da livre concorrência. Pelo contrário, se opera sob a pressão competitiva de outros concorrentes ( 22 ), é mais difícil que incorra nesse risco, dado que uma atuação orientada por considerações diferentes das económicas levaria, a longo prazo, à sua exclusão do mercado.

54.

Por outras palavras, o que é determinante, para resolver a questão, não é tanto o caráter público da necessidade que se tem de satisfazer, mas sim as condições em que se pretende fazê‑lo. Ao interpretar, pois, a expressão «necessidades de interesse geral com caráter industrial ou comercial», tem necessariamente de se verificar em que termos se realiza a sua satisfação.

55.

Assim é, repito, na medida em que o importante, segundo o espírito das diretivas relativas aos contratos, é a garantia da concorrência do mercado e a defesa contra a sua desvirtuação ou distorção por ação de agentes alheios à lógica do comércio livre. Portanto, o decisivo já não é o facto de saber se a VLRD, ao fornecer bens e serviços à LG, serve por si só uma necessidade de interesse geral, ou se o faz de forma indireta, mas sim se atua, em qualquer uma das duas hipóteses, nas mesmas circunstâncias que os seus eventuais concorrentes privados, isto é, sem estímulos à oferta de vantagens injustificadas aos produtores nacionais.

56.

Para este propósito deve ter‑se em conta, como salienta o tribunal de reenvio, uma pluralidade de elementos de direito e de facto, entre os quais, a título de exemplo, o Tribunal de Justiça fez referência à conjuntura que presidiu à criação do organismo sujeito a escrutínio ( 23 ) e a fatores tais como «a ausência de um fim lucrativo a título principal e a não assunção dos riscos ligados [à sua] atividade, bem como o eventual financiamento público da atividade em causa» ( 24 ).

57.

Na minha opinião, apenas o tribunal a quo está em situação de apreciar se, considerados todos os elementos pertinentes, de facto e de direito, a VLRD satisfaz una necessidade de interesse geral com caráter não industrial ou comercial. Embora se pudesse deduzir do conteúdo da questão prejudicial ( 25 ) que o Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius) parece optar pela sua tese inicial, confirmada pelo tribunal de recurso mas não partilhada pelo Tribunal Supremo lituano, o certo é que o despacho de reenvio se limita, na realidade, a expor o debate entre as partes e os raciocínios subjacentes às três decisões proferidas até ao momento no litígio, mas não contém uma análise própria relativa aos «elementos pertinentes» ( 26 ) da controvérsia que permitam dar uma resposta conclusiva.

58.

Assim sendo, talvez o Tribunal de Justiça não devesse fazer mais do que indicar ao tribunal de reenvio que tem de prestar particular atenção, entre outros fatores, não apenas à sua sujeição às condições de mercado ( 27 ),mas também ao eventual financiamento público maioritário da VLRD, ao seu objetivo de obtenção de lucro e à assunção dos riscos (e das perdas) decorrentes da sua gestão, aspetos que o referido tribunal não pormenorizou e que não podem ser ignorados para se pronunciar quanto à natureza das atividades dessa sociedade.

59.

Contudo, deduz‑se das informações que constam dos autos e das comunicadas na audiência que a maior parte (90% nas datas relevantes) da atividade da VLRD se desenvolve num contexto económico caracterizado pelo monopólio de fornecimento de ferrovias à LG, isto é, em condições alheias às condições de mercado. A LG tem acesso ao material ferroviário que lhe é fornecido pela sua filial, sem recorrer a mecanismos de concurso públicos que aumentariam a pressão competitiva sobre a VLRD. Esta pode, assim, obedecer a critérios diferentes dos de mercado, na segurança (ou ausência de risco) de que não precisa de mais para responder aos pedidos que, em todo o caso, a LG lhe garante.

2. Quanto à satisfação de necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial nos casos de contratos intragrupo

60.

Do que precede deduzir‑se‑ia que a VLRD pode ser classificada de entidade adjudicante, na aceção já referida. Ora, a questão submetida pode também ser analisada segundo uma perspetiva diferente. Abstraindo, por agora, da natureza das atividades da VLRD e da LG, importa prestar atenção à relação entre estas duas sociedades para deduzir se a primeira é uma entidade instrumental (ou meio próprio) da segunda, suscetível de beneficiar da denominada «exceção in house». Proponho, portanto, analisar o mérito da questão segundo uma perspetiva orgânica, por oposição à perspetiva da atividade

61.

O despacho de reenvio do Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius) contém, segundo esta perspetiva, dois números relevantes. O primeiro é o n.o 23, onde se lê que «cerca de 90% das receitas da filial [VLRD] vêm da sociedade‑mãe [LG] com base em transações entre as duas pessoas coletivas», do que se deduz que «as atividades da recorrida [VLRD] e da sociedade que a controla [LG] estão estreitamente relacionadas».

62.

Esta situação foi determinante para que o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Tribunal Supremo da Lituânia) anulasse o acórdão do tribunal de recurso. Nos termos do mesmo número do despacho de reenvio, esse dado era suficiente para não «rejeitar como infundada a alegação da recorrente [LitSpecMet] de que a fundação da VLRD, que se seguiu à reorganização da [LG], efetivamente não criou, do ponto de vista qualitativo, novas relações jurídicas e económicas entre operadores económicos separados, tratando‑se sobretudo de uma mudança na forma de organização da atividade da última sociedade» ( 28 )).

63.

O segundo número a salientar do despacho de reenvio é o n.o 25, onde se indica que a VLRD «alcançou uma média de 15 transações intragrupo por ano com a [LG] no período de 2011 a 2014»; transações que, acrescenta o despacho, «ao abrigo da jurisprudência do Tribunal de Justiça, não são classificadas de contratos públicos» ( 29 ).

64.

As referências do despacho de reenvio ao regime dos contratos in house não passaram despercebidas às partes do processo prejudicial. Concretamente, a Comissão defendeu ( 30 ) que a VLRD é um fornecedor intragrupo da LG e que, consequentemente, as transações concertadas entre elas não estão sujeitas aos processos de adjudicação de contratos públicos, sendo abrangidas pela denominada «exceção in house» ( 31 ).

65.

O Governo lituano fez também referência ao regime in house nas suas observações escritas ( 32 ), invocando de forma expressa o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 ( 33 ). O Governo alemão, por seu turno, também se referiu a esse regime nas suas observações orais.

66.

Finalmente, durante a audiência, o representante processual da VLRD, quando questionado sobre o destino dos bens objeto do concurso controvertido, respondeu que estavam destinados à produção de material cuja provisão lhe tinha sido encomendada pela LG, no âmbito das suas relações in house.

67.

Tal como repetiu o Tribunal de Justiça, a exceção in house«justifica‑se pela consideração de que uma autoridade pública, que é uma entidade adjudicante, tem a possibilidade de desempenhar as tarefas de interesse público que lhe incumbem, pelos seus próprios meios, administrativos, técnicos e outros, sem ser obrigada a recorrer a entidades externas que não pertençam aos seus serviços, e de que esta exceção pode ser alargada às situações em que o contratante é uma entidade juridicamente distinta da entidade adjudicante, quando esta última exerça sobre o adjudicatário um controlo análogo ao que exerce sobre os próprios serviços e esta entidade realize o essencial da sua atividade com a ou as entidades adjudicantes que a detêm», podendo pensar‑se que nestes casos «a entidade adjudicante recorre aos seus próprios meios» ( 34 ).

68.

Assim, terá de concordar‑se que a constituição da VLRD como meio instrumental da LG, embora corresponda formalmente à constituição de uma entidade distinta (são, de facto, duas sociedades juridicamente distintas), parece ter perpetuado, sob o ponto de vista funcional, a situação anterior. Através desta procurou‑se, em última análise, reorganizar as atividades próprias da companhia ferroviária estatal lituana ( 35 ).

69.

A análise funcional das duas entidades atribui o derradeiro significado à «exceção in house» ( 36 ). A sua admissão, com a inerente isenção de sujeição às diretivas relativas aos contratos, corresponde a uma opção organizativa dos poderes públicos, que encomendam às suas entidades instrumentais (quando exercem sobre elas o mesmo controlo que exercem sobre os seus próprios serviços) determinadas tarefas, sem recurso ao mercado para a empreitada de obras, prestação de serviços ou fornecimentos.

70.

Sob o regime in house a entidade adjudicante não celebra contrato, segundo uma perspetiva funcional, com outra entidade diferente, fazendo‑o, na realidade, consigo mesma, dada a relação que mantém com a entidade formalmente diferente. Em sentido estrito, não se pode falar de adjudicação de um contrato, mas sim de uma mera ordem ou encomenda, que não pode ser rejeitada pela outra «parte», seja qual for a forma em que uma ou outra se traduzam.

71.

A ausência de uma verdadeira relação de alteridade justifica que uma entidade adjudicante não esteja obrigada a submeter‑se aos processos de adjudicação de contratos públicos quando utiliza meios próprios para realizar as suas tarefas, isto é, quando recorre a empresas que, independentemente da sua personalidade jurídica distinta, se confundem materialmente com ela. Os processos de adjudicação fazem apenas sentido entre duas entidades diferentes e autónomas, uma vez que com eles se pretende, exatamente, estabelecer entre elas a relação jurídica (sinalagmática) imprescindível para celebrar um contrato oneroso ( 37 ) em condições de igualdade e não de dependência ou subordinação hierárquica.

72.

É lógico, portanto, que — dentro dos estritos limites fixados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça — sejam subtraídas aos processos formalizados de contratação regulados pelas diretivas as relações económicas entre uma autoridade adjudicante e uma entidade a ela subordinada, que opera como mero instrumento ao serviço da primeira e está sujeita ao mesmo controlo que essa autoridade exerce sobre os seus (restantes) serviços. Também não seria coerente converter o processo de adjudicação num instrumento de organização interna do funcionamento da entidade, aplicando‑o aos casos em que decide recorrer exclusivamente aos seus próprios meios.

73.

Partindo, portanto, do princípio da identidade material que está subjacente à exceção in house, entendo que, se foi possível aplicar esta exceção às transações concertadas entre a LG e a VLRD, nos termos indicados no despacho de reenvio é porque ambas as sociedades cumprem os critérios jurisprudenciais a que já fiz referência (atualmente consagrados no artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24), o que, em última análise, compete à jurisdição de reenvio determinar.

74.

A Comissão defende que o facto de a VLRD ser um fornecedor intragrupo da LG não a converte, por si só, numa entidade adjudicante, embora não apresente muitos fundamentos em apoio desta afirmação ( 38 ). Com efeito, poderia admitir‑se, com caráter general, que as entidades subordinadas in house apenas constituem «organismos de direito público», na aceção das Diretivas 2004/18 e 2004/17, quando preencham, por si próprias, as três condições cumulativas supramencionadas.

75.

No entanto, esta afirmação tem de ser matizada de imediato, distinguindo as atividades «marginais» das «essenciais» das entidades instrumentais, que justificam a exceção in house. Quanto às primeiras ( 39 ), não creio que haja problemas em aceitar a posição da Comissão, uma vez que relativamente a elas a empresa opera no mercado e pode concorrer, em pé de igualdade, com os restantes operadores económicos concorrentes.

76.

O mesmo não acontece, na minha opinião, no caso das tarefas «essenciais» da empresa subordinada, que lhe foram confiadas ou atribuídas pela entidade adjudicante no regime in house. Se, para as desempenhar, essa empresa (neste caso, a VLRD) tem de adquirir, por sua vez, bens, serviços ou fornecimentos de terceiros, num montante que supere o nível do contrato harmonizado, as diretivas relativas aos contratos públicos são aplicáveis.

77.

Não o interpretar desta forma implicaria, para além de uma incongruência, a eventualidade de uma fraude à lei. A primeira, porque não seria coerente com a referida identidade material entre as duas entidades estabelecida para as eximir dos processos de adjudicação nas suas relações recíprocas. A segunda, porque permitiria evitar facilmente a aplicação da legislação da União relativa à adjudicação de contratos públicos.

78.

A relação entre a LG e a VLRD já permite, por si só, uma exceção relevante para a aplicação da legislação da União às suas transações intragrupo, que se consideram não contratuais. Se a VLRD também fosse eximida de submeter às referidas disposições as transações, formalmente externas, que contrata com terceiros, mas que, constituem, verdadeiramente, parte do volume de negócios do binómio LG/VLRD, a exceção in house poderia adquirir proporções inimagináveis.

79.

Por outras palavras, a entidade adjudicante pode utilizar entidades instrumentais, dentro dos limites supramencionados, para lhesencomendar determinadas tarefas que, em princípio, deveriam ser objeto de contratos públicos, mas que são subtraídas ao seu regime. Esta exceção não é, em si mesma, discutível sob o ponto de vista jurídico, dada a jurisprudência do Tribunal de Justiça (e, atualmente, o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24). Mas, quando os meios instrumentais não têm, por seu turno, os recursos suficientes para fazer face, por si sós, às encomendas da entidade adjudicante e se veem obrigados a recorrer a terceiros para os conseguir, os motivos justificativos da exceção in house desaparecem tornando‑se evidente uma (sub)contratação pública dissimulada, na qual a entidade adjudicante adquire, através de um intermediário (a entidade instrumental), os bens e serviços de terceiros, não se sujeitando às exigências das diretivas que deveriam regular a sua adjudicação.

80.

Assim sucederia no caso dos autos. Transações da LG que, não existindo a VLRD, teriam necessariamente que se ter ajustado à legislação relativa a adjudicações públicas (se a sociedade estatal as tivesse realizado diretamente), escapariam a esse regime com o argumento de que são imputáveis a outra sociedade, embora tão materialmente ligada à primeira que ambas podem beneficiar, nas suas transações recíprocas, da exceção in house ( 40 ).

81.

Na minha opinião, se a natureza da relação entre a LG e a VLRD é tal que se encontra justificada a exceção in house para as transações concertadas entre elas, as transações externas indispensáveis para desempenhar as tarefas que a LG confiou à VLRD não podem evitar as diretivas de adjudicação (sempre que atinjam o nível quantitativo correspondente). De outra forma, a mera reorganização das atividades da LG que consiste na criação da VLRD seria suficiente para que a LG evitasse as consequências do seu estatuto de entidade adjudicante.

82.

Entendo, portanto, que não é indispensável determinar se a VLRD é um organismo de direito público por satisfazer, por si própria, necessidades inerentes a um interesse geral não industrial ou comercial, porque se deve concluir que o faz na medida em que constitua funcionalmente um todo com uma sociedade (LG) que serve esse tipo de necessidades e para a qual atua no âmbito do regime in house.

83.

No que diz respeito à diretiva específica a que se deveriam ajustar os contratos celebrados pela VLRD, importa recordar que «a Diretiva 2004/17 abrange os contratos que são celebrados no domínio de uma das atividades expressamente referidas nos artigos 3.° a 7.° da referida diretiva e os contratos que, não obstante serem de natureza diferente e poderem, assim, enquanto tais, ser abrangidos normalmente pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18, são celebrados para efeitos do exercício das atividades definidas na Diretiva 2004/17» ( 41 ). Compete, então, ao órgão jurisdicional de reenvio, que não suscitou esta dúvida ao Tribunal de Justiça, determinar que diretiva seria aplicável, em função do objeto do contrato discutido no processo principal.

84.

Em suma, sugiro como resposta à primeira questão submetida pelo Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius) que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/17 e o artigo 1.o, n.o 9, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade cuja relação material e funcional com uma entidade adjudicante justifica a exceção in house para as suas transações intragrupo está sujeita às exigências das referidas diretivas quando celebra com terceiros contratos de empreitada de obras, de fornecimento ou de serviços, com a finalidade de realizar a encomenda que lhe tenha sido confiada pela entidade adjudicante.

C. Segunda questão prejudicial

85.

Se o Tribunal de Justiça decidir responder afirmativamente, como proponho, à questão anterior, o Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius) pretende saber se uma sociedade, como a VLRD, perderia o estatuto de entidade adjudicante quando o valor dos seus serviços prestados com base nas transações intragrupo à LG diminuísse e constituísse menos de 90% ou não constituísse a maior parte do total do volume de negócios da sua atividade.

86.

A questão é puramente hipotética (e, nessa medida, inadmissível), uma vez que o que se discute no processo principal não é uma situação futura, mas sim a que se verificou quando a VLRD publicou o anúncio do concurso para o fornecimento de barras de metais ferrosos (2013). Com efeito, o processo a quo diz apenas respeito à anulação desse processo de concurso em concreto, impugnado pela LitSpecMet.

87.

O momento que deve ser tomado em consideração para resolver a controvérsia é o inicial, como se deduz da jurisprudência do Tribunal de Justiça. De acordo com essa jurisprudência, o princípio da segurança jurídica impõe que as regras comunitárias sejam claras e de aplicação previsível para aqueles que sejam por elas abrangidos ( 42 ), exigência da qual resulta, como acontece com os imperativos ligados à proteção dos interesses dos concorrentes, que um organismo que é uma entidade adjudicante quando se inicia o processo de adjudicação de um contrato continuará sujeito às exigências das diretivas sobre contratos públicos até ao fim do respetivo processo ( 43 ).

88.

Segundo as considerações expostas, o relevante para decidir se as diretivas sobre contratos públicos eram aplicáveis à VLRD é que o referido concurso de 2013 tivesse por objeto bens de terceiros com os quais forneceria a encomenda que a LG lhe tinha feito, no quadro das suas relações in house.

89.

Como é lógico, se, anos mais tarde, desaparecesse este pressuposto e, fosse pela eventualidade salientada pelo tribunal de reenvio (a parte «essencial» da atividade da VLRD já não estaria ao serviço da LG) ( 44 ), fosse por qualquer outro motivo análogo, a VLRD perdesse o seu estatuto de entidade instrumental da LG, para atuar no mercado livre, haveria que ponderar as novas circunstâncias e decidir em conformidade.

90.

Nesse futuro hipotético, a legislação aplicável seria já a Diretiva 2014/24, relativamente a cujos critérios e exigências teria de se determinar se a VLRD deve ser classificada, também nessa altura, de autoridade adjudicante.

VI. Conclusão

91.

Atendendo às considerações efetuadas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius, Lituânia) da seguinte forma:

«O artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, e o artigo 1.o, n.o 9, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, devem ser interpretados no sentido de que:

a)

uma sociedade cuja relação material e funcional com uma entidade adjudicante justifica a exceção in house para as suas transações intragrupo está sujeita às exigências das referidas diretivas quando celebra com terceiros contratos de empreitada de obras, de fornecimento ou de serviços, com a finalidade de realizar a encomenda que lhe tenha sido confiada pela entidade adjudicante e

b)

em todo o caso, a referida sociedade deve ser classificada de organismo de direito público quando, estando dotada de personalidade jurídica e sujeita ao controlo de uma entidade adjudicante, desempenha a parte essencial da sua atividade para fornecer, sem a pressão de eventuais concorrentes e em condições alheias às do mercado, material ferroviário à outra entidade adjudicante, para que esta preste o serviço de transporte de passageiros e de mercadorias que lhe foi atribuído.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1).

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114).

( 4 ) UAB Vilniaius lokomotyvų remonto depas (a seguir «VLRD»).

( 5 ) AB Lietuvos Geležinkeliai (a seguir «LG»).

( 6 ) Diretiva do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO 1993, L 199, p. 84).

( 7 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

( 8 ) Processo C‑393/06, EU:C:2008:213.

( 9 ) Processo C‑44/96, EU:C:1998:4.

( 10 ) Processo C‑283/00, EU:C:2000:544.

( 11 ) Acórdão de 10 de abril de 2008, Ing. Aigner (C‑393/06, EU:C:2008:213, n.o 35).

( 12 ) Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n.o 5 Spezzino e o. (C‑113/13, EU:C:2014:2440, n.o 43).

( 13 ) Tal facto é salientado pelo Governo lituano no n.o 7, in fine, das suas observações escritas, quando afirma que, nos autos enviados pelo juiz de reenvio, não se percebe claramente se este ponderou os «elementos pertinentes» que o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Tribunal Supremo da Lituânia) tinha realçado, ao reenviar o processo aos tribunais de instância para que o reapreciassem.

( 14 ) Entre outros, o acórdão de 12 de setembro de 2013, IVD (C‑526/11, EU:C:2013:543, n.o 19).

( 15 ) A LG é referida como entidade adjudicante no anexo IV (Entidades adjudicantes no domínio dos serviços de caminhos de ferro) da Decisão 2008/963/CE da Comissão, de 9 de dezembro de 2008, que altera os anexos das Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho sobre procedimentos aplicáveis à adjudicação dos contratos públicos, no que respeita às listas de entidades adjudicantes e de poderes públicos (JO 2008, L 349, p. 1). São incluídas no mesmo anexo, não sendo identificadas pela sua designação, «[o]utras entidades que operam em conformidade com os requisitos do artigo 70.o (1,2) da Lei sobre contratos públicos da República da Lituânia (Jornal oficial, n.o 84‑2000, 1996; n.o 4‑102, 2006) e que operam no domínio dos serviços ferroviários em conformidade com o código de transporte ferroviário da República da Lituânia (Jornal Oficial, n.o 72‑2489, 2004)».

( 16 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança (JO 2001, L 75, p. 34).

( 17 ) Observações escritas da LitSpecMet, n.o 33.

( 18 ) Acórdão de 15 de janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (C‑44/96, EU:C:1998:4, n.o 24).

( 19 ) O elenco deste tipo de necessidades, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, é muito amplo. Abrange, por exemplo, desde o fornecimento de aquecimento através de um procedimento que respeite o meio ambiente (acórdão de 10 de abril de 2008, Ing. Aigner, C‑393/06, EU:C:2008:213, n.o 39), até ao favorecimento da implantação de empresas privadas num território determinado (acórdão de 22 de maio de 2003, Korhonen e o., C‑18/01, EU:C:2003:300, n.o 48).

( 20 ) Processo C‑18/01 EU:C:2003:300, n.o 52, que inclui a referência, em particular, dos acórdãos de 3 de outubro de 2000, University of Cambridge (C‑380/98, EU:C:2000:529, n.o 17); de 12 de dezembro de 2002, Universale‑Bau e o. (C‑470/99, EU:C:2002:746, n.o 52), e de 27 de fevereiro de 2003, Adolf Truley (C‑373/00, EU:C:2003:110, n.o 4). Na mesma linha, v. o acórdão de 13 de dezembro de 2007, Bayerischer Rundfunk e o. (C‑337/06, EU:C:2007:786, n.o 36).

( 21 ) Acórdão de 10 de abril de 2008, Ing. Aigner (C‑393/06, EU:C:2008:213, n.o 40).

( 22 ) De acordo com o acórdão de 22 de maio de 2003, Korhonen e o. (C‑18/01 EU:C:2003:300, n.o 49), «pode[…] a existência dessa concorrência […] constituir um indício em apoio do facto de que uma necessidade de interesse geral reveste caráter industrial ou comercial».

( 23 ) V., nomeadamente, acórdão de 16 de outubro de 2003, Comissão/Espanha (C‑283/00, EU:C:2003:544, n.o 81).

( 24 ) V., novamente, acórdão de 22 de maio de 2003, Korhonen e o. (C‑18/01, EU:C:2003:300, n.o 59).

( 25 ) O órgão jurisdicional de reenvio destaca no segundo travessão da sua questão que a VLRD, «de forma independente, exerce atividade empresarial, estabelece uma estratégia empresarial, adota decisões relativamente às condições da atividade da sociedade […], participa num mercado concorrencial em toda a União Europeia e fora do mercado da UE, […] e participa em processos de concurso relacionados com essa atividade com o intuito de obter pedidos por parte de terceiros (e não da sociedade mãe)» (o sublinhado é meu).

( 26 ) V., neste sentido, as observações do Governo lituano a que fiz referência na nota 13.

( 27 ) No n.o 24 da descrição dos «elementos de facto e processuais constatados» exposta no despacho de reenvio afirma‑se que «as relações intragrupo entre a LG e a VLRD demonstram não só as estreitas ligações económicas […] entre as duas empresas, mas talvez também o facto de a VLRD não operar, essencialmente, em condições de mercado livre» (o sublinhado é meu).

( 28 ) O sublinhado é meu.

( 29 ) O despacho de reenvio refere a seguir vários acórdãos do Tribunal de Justiça nos quais foi aplicada a exceção in house: o de 18 de novembro de 1999, Teckal (C‑107/98, EU:C:1999:562), e o de 11 de janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau (C‑26/03, EU:C:2005:5).

( 30 ) N.os 21 e 22 das suas observações escritas.

( 31 ) Assim o confirmariam os dados fornecidos por Kanapinskas, V., Plytnikas, Z., e Tvaronavičienė, A.: «In‑house procurement exception: Threat for sustainable procedure of public procurement?», in Journal of Security and Sustainability Issues [(http://dx.doi.°rg/10.9770/jssi.2014.4.2(4)], que para 2011 indicavam a favor da VLRD um valor de 39,2% do total dos contratos concedidos pela LG em regime in house; valor que, em 2013, teria aumentado para 74%.

( 32 ) N.os 31 a 36.

( 33 ) A Diretiva 2014/24, em particular, o seu artigo 12.o, n.o 1, que se inspira na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a esta matéria (da qual, contudo, se afasta em alguns casos significativos), não é aplicável ratione temporis ao processo principal.

( 34 ) Acórdão de 8 de maio de 2014, Datenlotsen Informationssysteme (C‑15/13, EU:C:2014:303, n.o 25), e jurisprudência aí referida. Mais recentemente, acórdão de 8 de dezembro de 2016, Undis Servizi (C‑553/15, EU:C:2016:935, n.o 30).

( 35 ) É o próprio tribunal de reenvio que entende que, com a criação da VLRD, se procurou reorganizar as atividades da LG (n.o 26 do despacho de reenvio).

( 36 ) Com caráter geral, v. Sánchez Graells, A.: Public procurement and the competition rules, 2a ed., Hart, Oxford, 2015, pp. 265 a 272.

( 37 ) O Tribunal de Justiça fez referência à onerosidade como elemento que caracteriza os contratos regulados pela Diretiva 2004/18 no acórdão de 8 de setembro de 2016, Politanò (C‑225/15 EU:C:2016:645, n.os 29 a 31).

( 38 ) Observações escritas da Comissão, n.o 23.

( 39 ) O Tribunal de Justiça recordou no acórdão de 11 de maio de 2006, Cabotermo e Consorzio Alisei (C‑340/04, EU:C:2006:308), o que já tinha afirmado no acórdão de 18 de novembro de 1999, Teckal (C‑107/98, EU:C:1999:562), ou seja, que a entidade subordinada teria necessariamente de realizar «o essencial da sua atividade com a ou as autarquias que a controlam» (n.o 59), afirmando que essa atividade devia estar «consagrada principalmente a esta autarquia, revestindo qualquer outra atividade apenas caráter marginal» (n.o 63, o sublinhado é meu). O artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 fixou (de forma discutível) os limites do «essencial» e do «marginal» em 80% e 20%, respetivamente.

( 40 ) Quanto aos riscos da subcontratação no regime in house, como meio de evitar as garantias da livre concorrência, v. o relatório da Comisión Nacional de la Competencia española (Autoridade Nacional da Concorrência espanhola) Los medios propios y las encomiendas de gestión: implicaciones de su uso desde la óptica de la promoción de la competencia, pp. 30 a 57 (https://www.cnmc.es/Portals/0/Ficheros/Promocion/Informes_y_Estudios_Sectoriales/2013/2014_MediosPropios_Inf_sectorial.PDF).

( 41 ) Acórdão de 10 de abril de 2008, Ing. Aigner (C‑393/06, EU:C:2008:213, n.o 57).

( 42 ) V., nomeadamente, acórdão de 15 de janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (C‑44/96, EU:C:1998:4, n.o 34).

( 43 ) Acórdão de 3 de outubro de 2000, University of Cambridge (C‑380/98, EU:C:2000:529, n.o 43).

( 44 ) Contudo, o certo é que, segundo os dados fornecidos na audiência, 85% dos fornecimentos da VLRD continuavam a ter como destinatária, em 2016, a LG e desses dois terços em regime in house.