CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 9 de junho de 2016 ( 1 )

Processo C‑201/15

Anonymi Geniki Etairia Tsimenton Iraklis (AGET Iraklis)

contra

Ypourgos Ergasias, Koinonikis Asfalisis kai Koinonikis Allilengyis

Interveniente:

Enosi Ergazomenon Tsimenton Chalkidas

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado, Grécia)]

«Despedimentos coletivos — Diretiva 98/59/CE — Artigos 2.o a 5.o — Artigos 49.o e 63.o TFUE — Exigência de autorização prévia, por parte da autoridade administrativa competente, de um pedido para efetuar despedimentos coletivos — Pedidos que devem ser analisados com base em critérios económicos — Proporcionalidade»

A União Europeia assenta numa

economia de mercado livre, o que significa que deve ser concedida às empresas a liberdade de conduzirem os seus negócios da forma que considerarem conveniente. Sendo assim, a que limites está sujeita a intervenção dos

1. 

Estados‑Membros com vista a garantir aos trabalhadores a segurança no emprego? É esta a questão que o Tribunal de Justiça é chamado a decidir no presente processo prejudicial.

2. 

Concretamente, o facto de as autoridades gregas não terem autorizado a demandante no processo principal — uma filial da LafargeHolcim Ltd, uma sociedade que opera em vários Estados‑Membros, incluindo na Grécia — a efetuar despedimentos coletivos deu origem a um litígio. Na Grécia, os despedimentos coletivos dependem de autorização administrativa prévia. Essa circunstância levou o Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado, Grécia) a submeter ao Tribunal de Justiça duas questões sobre a compatibilidade da legislação grega, em primeiro lugar, com a Diretiva 98/59/CE ( 2 ) e, em segundo, com as disposições do Tratado em matéria de liberdade de estabelecimento e de livre circulação de capitais (artigos 49.o e 63.o TFUE).

3. 

Neste contexto, o presente processo é, mais uma vez, testemunho da contínua importância do direito primário comparado com o crescente alcance do direito secundário. Como teremos oportunidade de constatar, embora a legislação grega se afigure compatível com a Diretiva 98/59, o mesmo não se pode dizer em relação às liberdades fundamentais garantidas no Tratado FUE.

I – Quadro jurídico

A – Diretiva 98/59

4.

O artigo 2.o da Diretiva 98/59 (inserido na secção II — «Informação e consulta») dispõe:

«1.   Sempre que tenciona efetuar despedimentos coletivos, a entidade patronal é obrigada a consultar em tempo útil os representantes dos trabalhadores, com o objetivo de chegar a um acordo.

2.   As consultas incidirão, pelo menos, sobre as possibilidades de evitar ou de reduzir os despedimentos coletivos, bem como sobre os meios de atenuar as suas consequências recorrendo a medidas sociais de acompanhamento destinadas, nomeadamente, a auxiliar a reintegração ou reconversão dos trabalhadores despedidos.

[…]

3.   Para que os representantes dos trabalhadores possam formular propostas construtivas, o empregador deve, em tempo útil, no decurso das consultas:

[…]

b)

Comunicar‑lhes, sempre por escrito:

i)

os motivos do despedimento previsto,

ii)

o número e as categorias dos trabalhadores a despedir,

iii)

o número e as categorias dos trabalhadores habitualmente empregados,

iv)

o período durante o qual se pretende efetuar os despedimentos,

v)

os critérios a utilizar na seleção dos trabalhadores a despedir, na medida em que as leis e/ou práticas nacionais deem essa competência ao empregador,

[…]

O empregador deve remeter cópia à autoridade pública competente pelo menos dos elementos da comunicação escrita previstos nas subalíneas i) a v) da alínea b).

[…]»

5.

A secção III da Diretiva 98/59, que tem por objeto o «Processo de despedimento coletivo», contém duas disposições, a saber, os artigos 3.o e 4.o Nos termos do artigo 3.o:

«1.   O empregador deve notificar por escrito a autoridade pública competente de qualquer projeto de despedimento coletivo.

[…]

A notificação deve conter todas as informações úteis respeitantes ao projeto de despedimento coletivo e às consultas aos representantes dos trabalhadores previstas no artigo 2.o, nomeadamente, os motivos do despedimento, o número de trabalhadores a despedir, o número dos trabalhadores habitualmente empregados e o período no decurso do qual se pretende efetuar os despedimentos.

2.   O empregador deve remeter aos representantes dos trabalhadores uma cópia da notificação prevista no n.o 1.

Os representantes dos trabalhadores podem transmitir as suas eventuais observações à autoridade pública competente.»

6.

Nos termos do artigo 4.o da Diretiva 98/59:

«1.   Os despedimentos coletivos, de cujo projeto tenha sido notificada a autoridade pública competente, não podem produzir efeitos antes de decorridos 30 dias após a notificação prevista no n.o 1 do artigo 3.o e devem respeitar as disposições reguladoras dos direitos individuais em matéria de aviso prévio de despedimento.

Os Estados‑Membros podem conceder à autoridade pública competente a faculdade de reduzir o prazo referido no primeiro parágrafo deste número.

2.   A autoridade pública competente aproveitará o prazo referido no n.o 1 para procurar soluções para os problemas criados pelos despedimentos coletivos previstos.

3.   Quando o prazo inicial previsto no n.o 1 for inferior a 60 dias, os Estados‑Membros podem conceder à autoridade pública competente a faculdade de determinar a dilatação do prazo inicial até 60 dias após a notificação, sempre que se verifique o risco de não se encontrar, no prazo inicial, solução para os problemas criados pelos despedimentos coletivos previstos.

Os Estados‑Membros podem conceder à autoridade pública competente mais amplas faculdades de dilatação de prazo.

O empregador deve ser informado da dilatação e dos seus motivos antes de expirar o prazo inicial previsto no n.o 1.

[…]»

7.

O artigo 5.o da Diretiva 98/59 estabelece:

«A presente diretiva não prejudica a faculdade que os Estados‑Membros têm de aplicar ou de introduzir disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores ou de permitir ou promover a aplicação de disposições convencionais mais favoráveis aos trabalhadores.»

B – Legislação grega

8.

A Diretiva 98/59 foi transposta para o direito grego pela Nomos No 1387/1983 Elenchos omadikon apolyseon kai alles diataxeis (Lei n.o 1387/1983, relativa à fiscalização dos despedimentos coletivos e outras disposições), de 18 de agosto de 1983, conforme alterada (a seguir «Lei n.o 1387/1983») ( 3 ). O artigo 3.o desta lei («Obrigação de informação e consulta que incumbe ao empregador») dispõe:

«1.   Antes de proceder a um despedimento coletivo, o empregador está obrigado a consultar os representantes dos trabalhadores para examinar a possibilidade de evitar ou reduzir os despedimentos e as suas consequências negativas.

2.   O empregador deve:

a)

fornecer aos representantes dos trabalhadores todas as informações úteis e

b)

comunicar‑lhes por escrito:

i)

os motivos do projeto de despedimento,

ii)

o número e as categorias dos trabalhadores a despedir,

iii)

o número e as categorias dos trabalhadores normalmente empregados,

iv)

o período no qual está previsto proceder aos despedimentos,

v)

os critérios de seleção dos trabalhadores a despedir.

[…]

3.   O empregador entrega cópias desses documentos ao Prefeito e à Inspeção do Trabalho. Se a empresa ou a exploração tiver sucursais em mais de um distrito administrativo, as cópias referidas acima são entregues ao Ministro do Trabalho e à Inspeção do Trabalho do lugar da exploração ou da sucursal onde a totalidade dos despedimentos ou a sua maioria estão previstos.»

9.

O artigo 5.o da Lei n.o 1387/1983 («Processo de despedimento coletivo») dispõe:

«1.   A duração das consultas entre os trabalhadores e o empregador é de 20 dias contados da data do convite do empregador aos representantes dos trabalhadores na aceção do artigo anterior. O resultado das consultas é lavrado em ata, que deve ser assinada pelas duas partes e submetida pelo empregador ao Prefeito ou ao Ministro do Trabalho, em conformidade com as disposições do artigo 3.o, n.o 3.

2.   Se as partes chegarem a acordo, os despedimentos coletivos são efetuados em conformidade com o conteúdo do acordo […]

3.   Na falta de acordo entre as partes, o Prefeito ou o Ministro do Trabalho podem, mediante decisão fundamentada proferida nos 10 dias seguintes à comunicação da referida ata e depois de terem examinado o dossiê e avaliado as condições do mercado de trabalho, a situação da empresa e o interesse da economia nacional, prorrogar as consultas por mais 20 dias, a pedido de uma das partes interessadas, ou não aprovar todos ou parte dos despedimentos projetados. Antes da adoção da referida decisão, o Prefeito ou o Ministro do Trabalho podem solicitar, respetivamente, o parecer da Comissão do Ministério do Trabalho […] ou do Conselho Superior do Trabalho. Os referidos órgãos consultivos, o Prefeito ou o Ministro do Trabalho podem convocar e ouvir tanto os representantes dos trabalhadores […] e o empregador em causa como pessoas com conhecimentos especializados sobre questões técnicas específicas.

4.   O empregador pode efetuar despedimentos coletivos dentro dos limites fixados na decisão do Prefeito ou do Ministro do Trabalho. Se a referida decisão não for tomada nos prazos previstos, os despedimentos coletivos são efetuados dentro dos limites aceites pelo empregador em sede das consultas.»

10.

Por último, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Lei n.o 1387/1983, «[o]s despedimentos coletivos efetuados em violação da presente lei são nulos».

II – Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

11.

A Anonymi Geniki Etairia Tsimenton Iraklis (a seguir «AGET Iraklis» ou «sociedade») tem como atividades a produção, distribuição e comercialização de cimento e tem três fábricas na Grécia (Agria Volou, Aliveri e Chalkida).

12.

De acordo com a decisão de reenvio, em várias ocasiões entre novembro de 2011 e dezembro de 2012, a AGET Iraklis convidou os trabalhadores da fábrica de Chalkida e os respetivos representantes a participarem em reuniões com o objetivo de reajustar o plano de trabalho da fábrica e de fornecer informações com vista à redução das atividades da fábrica devido à diminuição da procura dos seus produtos. A AGET também tencionava proceder a consultas para encontrar soluções alternativas e, desse modo, evitar despedimentos coletivos.

13.

Por decisão de 25 de março de 2013, o conselho de administração da sociedade aprovou um programa de restruturação da produção do cimento (a seguir «Programa»). O Programa contemplava o encerramento definitivo da fábrica de Chalkida devido, sobretudo, à contração da atividade de construção na região de Ática e à capacidade excessiva de produção de cimento, a fim de assegurar a viabilidade futura da sociedade.

14.

Por cartas de 26 de março e de 1 de abril de 2013, a AGET Iraklis convidou o Enosi Ergazomenon Tsimenton Chalkidas (Sindicato dos Trabalhadores da Fábrica de Chalkida; a seguir «sindicato») para reuniões que teriam lugar, respetivamente, em 29 de março e 4 de abril de 2013, com o objetivo de prestar informações, e proceder a consultas, no âmbito do Programa, com vista, nomeadamente, a examinar a possibilidade de evitar ou de reduzir os despedimentos e as suas consequências negativas.

15.

Uma vez que o sindicato não compareceu a essas reuniões, em 16 de abril de 2013, a sociedade apresentou ao Ypourgos Ergasias, Koinonikis Asfalisis kai Koinonikis Allilengyis (Ministro do Trabalho, da Segurança Social e da Solidariedade Social; a seguir «Ministro») um pedido de autorização do Programa.

16.

O assunto foi submetido ao Conselho Superior do Trabalho para parecer. Em 24 de abril de 2013, depois de ouvir os interessados, o Conselho Superior do Trabalho recomendou a não autorização do Programa devido a uma fundamentação insuficiente por parte da sociedade, em especial, por falta de justificação da necessidade do despedimento coletivo previsto e por os argumentos invocados pela sociedade serem considerados demasiado vagos.

17.

Com base nessa recomendação, o Ministro, em 26 de abril de 2013, indeferiu o pedido de autorização (a seguir «decisão impugnada»).

18.

A sociedade interpôs recurso de anulação da decisão impugnada perante o Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado). Uma vez que os argumentos aduzidos pela sociedade lhe suscitaram dúvidas sobre a compatibilidade do artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983 com a Diretiva 98/59 e com os artigos 49.o e 63.o TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu, em 7 de abril de 2015, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É compatível, em especial, com as disposições da Diretiva 98/59/CE [e, em geral,] com os artigos 49.o TFUE e 63.o TFUE, uma disposição nacional como o artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983, que subordina os despedimentos coletivos numa empresa a uma autorização administrativa concedida com base em critérios relativos a) às condições do mercado de trabalho, b) à situação da empresa e c) ao interesse da economia nacional?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, uma norma com esse conteúdo é compatível, em especial, com as disposições da Diretiva 98/59/CE [e, em geral,] com os artigos 49.o TFUE e 63.o TFUE, quando existem razões sociais sérias como uma grave crise económica e uma taxa de desemprego especialmente elevada?»

19.

Foram apresentadas observações escritas pela sociedade, pelo sindicato, pelo Governo grego e pela Comissão. Na audiência que teve lugar em 25 de abril de 2016, foram apresentadas observações orais por estas partes e pelo Órgão de Fiscalização da EFTA (a seguir «OFE»).

III – Análise

20.

A questão de direito submetida a análise no presente processo está por resolver há algum tempo ( 4 ).

21.

Com as suas duas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se uma disposição como o artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983 (a seguir «norma em causa»), que, designadamente, exige que os empregadores obtenham uma autorização administrativa antes de efetuarem despedimentos coletivos, e que faz depender essa autorização (i) das condições do mercado de trabalho (ii) da situação da empresa, e (iii) do interesse da economia nacional, é compatível, por um lado, com a Diretiva 98/59 e, por outro, com os artigos 49.o e 63.o TFUE. Em caso de resposta negativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ainda saber se essa disposição é compatível com as referidas normas do direito da União quando seja justificada por razões sociais sérias, como uma grave crise económica e uma taxa de desemprego especialmente elevada.

22.

Embora o órgão jurisdicional de reenvio distinga entre as duas questões em função dos motivos de justificação, considero mais curial dividir a minha análise das questões com base nas normas de direito da União aplicáveis. Por conseguinte, iniciarei a minha apreciação pela interpretação da Diretiva 98/59 e abordarei seguidamente as disposições do Tratado em matéria de livre circulação.

A – Diretiva 98/59

23.

Antes de mais, importa recordar que, ao harmonizar as regras aplicáveis aos despedimentos coletivos, o legislador da União pretendeu, simultaneamente, assegurar uma proteção comparável dos direitos dos trabalhadores nos diferentes Estados‑Membros e aproximar os encargos que estas regras de proteção acarretam para as empresas da União Europeia ( 5 ).

24.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 98/59, sempre que «tenciona efetuar despedimentos coletivos», o empregador é obrigado a consultar em tempo útil os representantes dos trabalhadores. De acordo com o artigo 2.o, n.o 2, as consultas devem incidir, nomeadamente, sobre a possibilidade de evitar ou de reduzir os despedimentos coletivos previstos. O processo de consulta deve ser iniciado pelo empregador no momento em que tenha sido adotada uma decisão estratégica ou comercial que o leve a considerar ou a projetar despedimentos coletivos ( 6 ). Este processo é descrito nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 98/59.

25.

O artigo 3.o da Diretiva 98/59 prevê um dever de notificação: os empregadores devem notificar por escrito a autoridade competente de qualquer projeto de despedimento coletivo e enviar uma cópia da notificação aos representantes dos trabalhadores. Estes podem então transmitir as suas eventuais observações à autoridade pública competente.

26.

O artigo 4.o da Diretiva 98/59 estabelece uma obrigação de «stand‑still» que, de acordo com o n.o 2 desta disposição, visa conceder à autoridade pública competente tempo suficiente para procurar soluções para os problemas suscitados pelos despedimentos coletivos previstos. Embora a diretiva preveja um período de «reflexão» de 30 dias a contar da notificação do projeto de despedimento coletivo, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, segundo período, e n.o 3, os Estados‑Membros podem conceder à autoridade pública competente a faculdade de reduzir ou de dilatar esse prazo.

27.

Porém, a Diretiva 98/59 não estabelece regras sobre a organização interna das empresas ou a gestão do pessoal ( 7 ) nem prejudica a liberdade de o empregador proceder ou não a despedimentos coletivos. O seu único objetivo é fazer preceder esses despedimentos de uma consulta dos sindicatos e da informação da autoridade pública competente, ou seja, harmonizar o procedimento a seguir nos despedimentos coletivos ( 8 ).

28.

Ora, o artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983 parece transpor, em especial, o artigo 4.o da Diretiva 98/59 para o direito grego, embora a duração do período de «reflexão» tenha sido alterada. Porém, e o que é mais importante, caso não exista acordo entre as partes, esta disposição faz depender a aplicação das medidas de despedimento previstas de uma autorização administrativa prévia (que se considera tacitamente concedida decorrido um prazo de 10 dias). A Lei n.o 1387/1983 especifica que os pedidos para efetuar despedimentos coletivos devem ser apreciados com base nos seguintes critérios: as condições do mercado de trabalho, a situação da empresa e o interesse da economia nacional. De acordo com o artigo 6.o da Lei n.o 1387/1983, a autorização é condição da validade dos despedimentos.

29.

Por conseguinte, afigura‑se que o artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983 não só transpõe a Diretiva 98/59 para o direito grego mas também estabelece requisitos materiais sobre as circunstâncias ou condições em que os despedimentos podem ser efetuados. Por outras palavras, regula os casos em que pode ser justificado pôr termo a uma relação de trabalho. Para efeitos do processo principal, é essa parte da norma em causa que é impugnada.

30.

No entanto, da jurisprudência acima referida no n.o 27 decorre que a Diretiva 98/59 não regula a liberdade (ou a falta de liberdade) do empregador de efetuar despedimentos coletivos. Cabe ao direito nacional estabelecer as condições materiais nos termos das quais se pode pôr termo às relações de trabalho de forma coletiva ( 9 ).

31.

Consequentemente, inclino‑me a concordar com a alegação da Comissão de que o artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983, na medida em que limita a liberdade dos empregadores de efetuarem despedimentos coletivos, não está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/59. Assim, não tem qualquer relação com esta diretiva.

32.

Uma vez que a norma em causa — ou pelo menos a parte que é impugnada — está fora do âmbito de aplicação da Diretiva 98/59, não pode constituir uma disposição legal mais favorável aos trabalhadores (um exemplo de «sobretransposição») na aceção do artigo 5.o desta diretiva. Consequentemente, não vejo de que forma a norma em causa pode comprometer a aplicação efetiva da diretiva ( 10 ).

33.

Por último, e por uma questão de exaustividade, importa acrescentar que decorre das considerações precedentes que, do ponto de vista da Diretiva 98/59, é irrelevante que, além dos critérios supramencionados no n.o 28, existam razões sociais sérias — como uma grave crise económica e uma taxa de emprego especialmente elevada.

34.

Por conseguinte, concluo que a Diretiva 98/59 não se opõe a uma disposição como o artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983, que exige que os empregadores obtenham uma autorização administrativa antes de efetuarem despedimentos coletivos. Dedicarei o resto da minha análise às disposições de direito primário mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

B – Artigos 49.o e 63.o TFUE

1. Liberdade de estabelecimento e/ou livre circulação de capitais?

35.

Uma vez que as questões prejudiciais fazem referência tanto ao artigo 49.o TFUE como ao artigo 63.o TFUE, há que determinar se a legislação nacional está relacionada com a liberdade de estabelecimento, com a livre circulação de capitais ou com estas duas liberdades ( 11 ).

36.

Por um lado, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação material do artigo 49.o TFUE as disposições nacionais que se apliquem à detenção, por um nacional de um Estado‑Membro, de uma participação no capital de uma sociedade com sede noutro Estado‑Membro que lhe permita exercer uma influência efetiva nas decisões dessa sociedade e determinar as suas atividades. Por outro lado, o artigo 63.o TFUE abrange, em especial, os investimentos diretos sob a forma de participação numa sociedade através da detenção de ações que confira a possibilidade de participar efetivamente na sua gestão e no seu controlo, bem como os investimentos de carteira, ou seja, a aquisição de títulos no mercado de capitais efetuada unicamente com a intenção de realizar uma aplicação financeira sem pretender influenciar a gestão e o controlo da sociedade ( 12 ).

37.

Uma legislação nacional que não é aplicável apenas às participações que permitam exercer uma influência efetiva nas decisões de uma sociedade e determinar as suas atividades, mas que se aplica independentemente da dimensão da participação detida pelo acionista numa sociedade, pode estar abrangida quer pelo artigo 49.o TFUE quer pelo artigo 63.o TFUE ( 13 ).

38.

A fim de determinar a liberdade pertinente (caso não o sejam ambas), importa ter em conta o objeto da legislação em causa ( 14 ).

39.

De acordo com o seu título, a Lei n.o 1387/1983 tem por objeto a fiscalização dos despedimentos coletivos e visa transpor a Diretiva 98/59 para o direito grego. Este facto leva‑me a crer que, tal como a diretiva, pretende regular as condições em que os empregadores podem efetuar despedimentos coletivos e o procedimento a seguir.

40.

Por conseguinte, diz essencialmente respeito a uma relação de trabalho.

41.

Isto confirma que só é aplicável o artigo 49.o TFUE. Com efeito, a liberdade de estabelecimento está relacionada com o exercício de uma atividade não assalariada no território de outro Estado‑Membro, sob a forma de empresas, agências, sucursais ou filiais ( 15 ). Essa atividade pode requerer a contratação de pessoal para a respetiva execução e desenvolvimento, caso em que poderá implicar uma relação de trabalho.

42.

Dado o seu objeto, afigura‑se que a norma em causa só é relevante para as participações que impliquem o exercício de uma influência efetiva na aceção da jurisprudência mencionada no n.o 36, supra — sendo o exemplo mais comum as participações maioritárias. Uma participação maioritária permite que o seu titular atue, em última análise, como empregador dos trabalhadores da filial.

43.

A AGET Iraklis alega que está também em causa a livre circulação de capitais, mas não explica porquê. Com efeito, creio que, neste caso, a AGET Iraklis é uma filial da LafargeHolcim, o que significa que esta detém uma participação maioritária na primeira. Essa participação maioritária e, consequentemente, a influência efetiva sobre a AGET Iraklis, afastariam a aplicação do artigo 63.o TFUE.

44.

De qualquer forma, nos casos em que a liberdade de estabelecimento tenha sido violada, não é necessário determinar além disso se a disposição sobre a livre circulação de capitais também foi violada ( 16 ).

45.

Pelo exposto, analisarei a norma em causa na perspetiva da liberdade de estabelecimento.

2. Caráter restritivo da norma em causa

46.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 49.o TFUE opõe‑se a restrições à liberdade de estabelecimento, ou seja, a qualquer medida nacional que perturbe ou torne menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado FUE. O conceito de restrição abrange as medidas adotadas por um Estado‑Membro que, embora indistintamente aplicáveis, afetam o acesso de empresas de outros Estados‑Membros ao mercado e entravam, dessa forma, o comércio na União Europeia ( 17 ).

47.

A exigência de autorização prévia constitui, em princípio, uma restrição a essa liberdade ( 18 ). Embora essa linha jurisprudencial diga essencialmente respeito a situações relacionadas com a criação de estabelecimentos e não com a redução da sua atividade, na minha opinião aplica‑se o mesmo raciocínio. Com efeito, no processo principal, a norma em causa limita a liberdade de as empresas empregadoras efetuarem despedimentos coletivos, uma vez que, se a norma não for respeitada, esses despedimentos são nulos. Assim, tal norma interfere diretamente na organização interna das empresas e na gestão do seu pessoal, possivelmente expondo‑as ao risco de operarem com prejuízos. O próprio Governo grego reconhece, nas suas observações escritas, que a norma em causa poderá ser restritiva.

48.

Além disso, existe claramente um elemento transfronteiriço: a AGET Iraklis é uma filial da LafargeHolcim. Por conseguinte, os argumentos do sindicato e do Governo grego no sentido de que o litígio no processo principal respeita a uma situação puramente interna e/ou hipotética, aduzidos pela primeira vez na audiência, devem ser rejeitados ( 19 ).

49.

Além disso, as disposições de direito da União devem ser interpretadas em conformidade com os direitos fundamentais consagrados na Carta ( 20 ). Consequentemente, o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado em conformidade com o artigo 16.o da Carta, que estabelece a liberdade de empresa. Conforme resulta das anotações à Carta que visam facilitar a sua interpretação ( 21 ) e que, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e do artigo 52.o, n.o 7, da Carta, devem ser tidas em conta na sua interpretação, a liberdade de empresa compreende (i) a liberdade de exercício de uma atividade económica ou comercial; (ii) a liberdade contratual; e (iii) a livre concorrência ( 22 ).

50.

A restrição à liberdade de estabelecimento já identificada no n.o 47 corresponde também a uma restrição ao exercício da liberdade de empresa. Além disso, restringe a liberdade contratual dos empregadores, na medida em que são obrigados a obterem autorização antes de rescindirem os contratos de trabalho.

3. Justificação, adequação e necessidade

a) Observações preliminares e apreciação da razão imperiosa de interesse geral

51.

Segundo a jurisprudência Gebhard, as restrições devem preencher quatro condições para serem compatíveis com o direito da União: serem aplicadas de modo não discriminatório; serem justificadas por razões imperiosas de interesse geral; serem adequadas para garantir a realização do objetivo que prosseguem; e não ultrapassarem o que é necessário para atingir esse objetivo ( 23 ).

52.

Além disso, decorre do artigo 52.o, n.o 1, da Carta e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a liberdade de empresa garantida pelo artigo 16.o da Carta não é absoluta, podendo ser regulada ( 24 ).

53.

A norma em causa é aplicada de modo não discriminatório. Por conseguinte, é necessário determinar se os restantes critérios — relativos à justificação, à adequação e à necessidade — estão preenchidos, dado que, no meu entender, este exercício é basicamente o mesmo para efeitos do artigo 49.o TFUE e do artigo 16.o da Carta.

54.

O Governo grego, apoiado pelo sindicato, alega que a norma em causa é justificada por motivos de proteção dos trabalhadores.

55.

Resulta das questões prejudiciais submetidas que, com a primeira questão, é pedido ao Tribunal de Justiça que determine se os três critérios previstos no artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983 — ou seja, as condições do mercado de trabalho, a situação da empresa e o interesse da economia nacional — promovem a proteção dos trabalhadores de forma adequada e proporcionada. A segunda questão corresponde essencialmente a uma versão qualificada do «cenário básico» descrito na primeira questão: o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o facto de existir uma grave crise económica, acompanhada por taxas de desemprego extraordinárias e extremamente elevadas ( 25 ), é suscetível de justificar a norma em causa, se não for esse o caso já no «cenário básico».

56.

Como afirmou, com razão, o sindicato, do ponto de vista do legislador da União, decorre do artigo 9.o TFUE que, entre os fatores que a União Europeia deve ter em conta ao definir e implementar as suas políticas e atividades, figuram uma elevada taxa de desemprego e uma proteção social adequada. Neste sentido, o Tribunal de Justiça considerou que a proteção dos trabalhadores constitui uma das razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar a derrogação, por parte de um Estado‑Membro, das disposições do Tratado FUE em matéria de livre circulação ( 26 ). Concretamente, o Tribunal de Justiça reconheceu que, em teoria, a manutenção de postos de trabalho em pequenas e médias empresas poderá ser uma justificação aceitável ( 27 ).

57.

Seguidamente, devo desde já salientar que, ao examinar se os três critérios mencionados no artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983 são adequados e não ultrapassam o que é necessário para alcançar o objetivo de proteção dos trabalhadores, o Tribunal de Justiça deve levar a cabo um exercício de ponderação. Por outras palavras, o Tribunal de Justiça deve estabelecer um equilíbrio entre a proteção dos trabalhadores e a liberdade de estabelecimento dos empregadores. Do mesmo modo, isto implica uma ponderação entre a liberdade de empresa consagrada no artigo 16.o da Carta e outras disposições inseridas no título IV da Carta («Solidariedade»). Procurarei de seguida fornecer algumas orientações a este respeito.

b) Exercício de ponderação: elementos de reflexão

58.

Antes de mais, embora o artigo 27.o da Carta, que respeita ao direito à informação e à consulta dos trabalhadores na empresa, possa parecer, à primeira vista, pertinente, na verdade em nada contribui para a questão: segundo o acórdão Association de médiation sociale, para que o artigo 27.o da Carta produza plenamente os seus efeitos, deve ser precisado por disposições do direito da União ou do direito nacional ( 28 ). Nesta matéria, decorre das anotações oficiais a essa disposição (v. n.o 49 supra), que essa precisão é efetuada, por exemplo, pela Diretiva 98/59. Porém, tal como referido anteriormente, esta diretiva não afeta a legalidade da norma em causa. Consequentemente, o artigo 27.o da Carta não é pertinente para o exercício de ponderação que o Tribunal de Justiça tem de realizar. Em todo o caso, embora o sindicato o negue nas suas observações escritas, a decisão de reenvio sugere que tiveram lugar tentativas para informar e consultar os trabalhadores em causa sobre o Programa.

59.

Em seguida, a referência da Comissão ao artigo 30.o da Carta também não se afigura pertinente, dado que esta disposição prevê a proteção dos trabalhadores em caso de despedimento sem justa causa. No entanto, como sustentou o Tribunal Geral, esta disposição não estabelece obrigações específicas ( 29 ). Na verdade, a conclusão do Tribunal de Justiça no acórdão Association de médiation sociale afigura‑se, em vários aspetos, igualmente aplicável relativamente ao artigo 30.o da Carta. Tudo o que posso inferir diretamente da redação do artigo 30.o da Carta é que, por um lado, esta disposição não garante o direito a um emprego permanente e, por outro, que a questão essencial consiste em determinar o que constitui, para efeitos de um exercício de reestruturação, um «despedimento com justa causa».

60.

Mais concretamente, além de fazer referência à legislação da União em matéria de proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador e de transferência de empresas, nenhuma das quais é diretamente pertinente para a matéria em análise, a anotação relativa ao artigo 30.o da Carta (v. n.o 49 supra) refere que esta disposição «[se inspira] no artigo 24.o da [Carta Social Europeia (revista)]» ( 30 ). No anexo à Carta Social — que, de acordo com o artigo N desta Carta, faz parte integrante da mesma — o n.o 3 da secção relativa ao artigo 24.o contém uma lista não exaustiva de motivos ilícitos de despedimento. Nenhum desses motivos refere o despedimento por razões puramente económicas nem pode ser equiparado a tal ( 31 ).

61.

Nessas circunstâncias, creio que o critério para determinar o que constitui um «despedimento com justa causa» não pode ser demasiado exigente, uma vez que isso teria como consequência obrigar uma empresa a adiar os seus planos de reestruturação indefinidamente, correndo assim o risco de continuar ineficiente em termos económicos.

62.

Antes de analisar se a norma em causa é adequada ao objetivo de proteção dos trabalhadores e se ultrapassa o que é necessário para alcançar esse objetivo, cumpre fazer algumas observações adicionais que podem ajudar o Tribunal de Justiça no seu exercício de ponderação.

63.

Em primeiro lugar, a Diretiva 98/59 representa um compromisso ao nível da União entre a necessidade de proteger os trabalhadores e a consideração pela situação dos empregadores (v. n.o 23 supra). Este compromisso adota a forma de um procedimento de proteção (uma obrigação de stand‑still, associada a um período de reflexão) que não afeta o direito do empregador de reorganizar a empresa empregadora. A imposição unilateral de obrigações adicionais aos empregadores, desincentivando assim a participação dos trabalhadores em negociações com os empregadores, sem prever mecanismos compensatórios de salvaguarda que tenham em conta a situação dos empregadores é suscetível de perturbar este equilíbrio do ponto de vista do artigo 49.o TFUE e do artigo 16.o da Carta.

64.

Em segundo lugar, e para desenvolver este ponto, mesmo numa situação de «sobretransposição», no recente acórdão Alemo‑Herron e o., o Tribunal de Justiça teve de estabelecer um equilíbrio entre a proteção dos trabalhadores e os direitos dos empregadores no contexto das regras da União em matéria de proteção dos trabalhadores no caso de transferência de empresas. Nesse processo, estava em causa a questão de saber se as referidas regras da União se opunham a que um Estado‑Membro exigisse a um empregador privado que integrasse trabalhadores de um empregador público no seu quadro de pessoal, em cumprimento dos acordos coletivos aplicáveis ao setor público incorporados no contrato de trabalho original (proteção «dinâmica»), sem que, no entanto, participasse nas negociações. O advogado‑geral propôs a adoção de uma abordagem que deixava ao órgão jurisdicional nacional a decisão sobre a questão de saber se tal infringia o artigo 16.o da Carta. Todavia, o Tribunal de Justiça não hesitou: entendeu que a resposta era afirmativa, uma vez que essa exigência reduzia seriamente a liberdade contratual do empregador de forma que podia prejudicar a própria substância da liberdade de empresa ( 32 ).

65.

O último ponto relativo ao exercício de ponderação que o Tribunal de Justiça tem de realizar é certamente o mais decisivo: a liberdade de estabelecimento não pode ser limitada unicamente ao direito das empresas de se estabelecerem noutros Estados‑Membros. Para que esta liberdade seja realmente efetiva, deve também conferir a um grupo económico transfronteiriço o direito de reduzir a atividade e, em última análise, encerrar um estabelecimento num Estado‑Membro. Por outras palavras, o direito de deixar um Estado‑Membro ( 33 ) — ainda que o faça simplesmente com o objetivo de exercer uma atividade económica num Estado‑Membro onde esta seja mais lucrativa ( 34 ).

c) Análise individual dos três critérios

66.

Debruçando‑me agora sobre os três critérios estabelecidos no artigo 5.o, n.o 3, da Lei n.o 1387/1983, o primeiro critério prende‑se com o interesse da economia nacional. Tal como a Comissão, considero que este critério envolve um objetivo de natureza puramente económica que não pode justificar restrições à liberdade de estabelecimento (nem à liberdade de empresa) ( 35 ).

67.

Os outros dois critérios, relativos às condições do mercado de trabalho e à situação da empresa, já não merecem esta crítica. Porém, no meu entender, o recurso a estes critérios não é nem adequado para alcançar o objetivo de proteção dos trabalhadores nem se limita ao que é estritamente necessário para alcançar esse objetivo.

68.

No que respeita ao caráter adequado do critério relativo às condições do mercado de trabalho, talvez seja útil recorrer, a título ilustrativo, a um cenário diferente dos factos. Com efeito, não é difícil imaginar o que poderia acontecer no caso de indeferimento administrativo do pedido de autorização dos despedimentos. Se a ineficiência económica da empresa empregadora causada por esse indeferimento conduzisse à sua insolvência, essa empresa teria claramente um incentivo para iniciar o processo de dissolução e liquidação, após o qual deixaria de estar vinculada pela Diretiva 98/59 ( 36 ) e, provavelmente, não possuiria os fundos necessários para remunerar os trabalhadores em questão na eventualidade de a norma em causa se continuar a aplicar a essa situação. Indiretamente, isso também colocaria em risco os postos de trabalho dos trabalhadores que não tinham sido despedidos. Por conseguinte, tenho dúvidas de que a norma em causa possa contribuir significativamente para a redução da taxa de desemprego.

69.

Em qualquer caso, o critério relativo ao mercado de trabalho, que, no meu entender, diz essencialmente respeito à taxa de desemprego, não é adequado para alcançar o objetivo de assegurar aos trabalhadores estabilidade no emprego. Com efeito, não resolve os problemas que estão na origem da situação de precariedade dos trabalhadores em causa. No essencial, equivale a negar aos empregadores o direito de pôr termo a uma relação de trabalho com o fundamento de que, em geral, não é desejável aumentar o número de desempregados.

70.

Quanto ao caráter adequado do critério relativo à situação da empresa, o argumento de que as autoridades de um Estado‑Membro poderão estar mais bem posicionadas do que a direção dessa empresa para determinar o caminho mais adequado na sua situação é, no mínimo, extraordinário. De qualquer modo, não creio que permitir que uma autoridade revogue as decisões comerciais tomadas, em última análise, pela empresa empregadora seja uma medida adequada para proteger os trabalhadores.

71.

Acresce que, tal como alegou a sociedade, os critérios estabelecidos na lei são ambíguos e concedem um poder discricionário excessivo à Administração, em detrimento da segurança jurídica dos empregadores. Na verdade, este sistema parece frustrar, logo à partida, qualquer tentativa de chegar a um acordo amigável entre os empregadores e os trabalhadores, na medida em que elimina a necessidade de negociações — como demonstra o caso em apreço. Em alternativa, poderia ter sido elaborada uma lista dos tipos de despedimentos considerados injustificados, semelhante à que consta do n.o 3 da secção do anexo da Carta Social relativa ao seu artigo 24.o

72.

Por uma questão de exaustividade, refira‑se que, como salientou acertadamente o Governo grego nas suas observações escritas, quando os Estados‑Membros adotam uma medida que derroga um princípio consagrado no direito da União, devem provar, em cada caso concreto, que a medida respeita o princípio da proporcionalidade, fazendo acompanhar a sua argumentação de uma análise da proporcionalidade da medida e de elementos precisos que permitam sustentar os seus argumentos ( 37 ). Neste contexto, basta referir que não considero que o Governo grego tenha fornecido ao Tribunal de Justiça essa análise ou elementos que sustentem o seu argumento de que a norma em causa protege efetivamente os trabalhadores.

73.

Com efeito, ao restringir a possibilidade de os empregadores despedirem coletivamente os trabalhadores, a norma em causa cria meramente a aparência de proteger os trabalhadores. Antes de mais, essa proteção é apenas temporária, até ao momento da declaração de insolvência do empregador. Ainda mais importante, os trabalhadores estarão mais bem protegidos por um clima económico que fomente o emprego estável. Em termos históricos, a ideia de manter artificialmente as relações de trabalho, não obstante a existência de bases económicas gerais frágeis, já foi testada e fracassou completamente em determinados sistemas políticos no passado. Isto confirma que, ao estabelecer um procedimento de proteção eficaz mas flexível, a Diretiva 98/59 concede uma verdadeira proteção aos trabalhadores, ao passo que um sistema de autorização prévia como o que está em causa, que está manifestamente excluído do âmbito de aplicação desta diretiva, não o faz.

74.

Daqui concluo que, no presente caso, a ideia de um exercício de ponderação é, na verdade, uma falácia: a proteção dos trabalhadores em causa não é incompatível com a liberdade de estabelecimento ou com a liberdade de empresa.

75.

Consequentemente, considero que a norma em causa não é adequada para alcançar o objetivo de proteção dos trabalhadores. Além disso, pelos mesmos motivos, considero que, de qualquer modo, ultrapassa o que é necessário para proteger os trabalhadores.

d) Conclusão provisória

76.

À luz do exposto, considero que a norma em causa não é adequada ao objetivo de proteção dos trabalhadores e, de qualquer modo, ultrapassa o que é necessário para atingir esse objetivo.

e) O contexto caracterizado por uma grave crise económica e por taxas de desemprego especialmente elevadas

77.

Por último, quanto à segunda questão prejudicial relativa à possibilidade de a existência de uma grave crise económica, acompanhada por taxas de desemprego extraordinárias e extremamente elevadas, poder alterar a resposta dada à primeira questão, a minha resposta é, mais uma vez, negativa.

78.

Essas circunstâncias, embora sejam claramente muito graves, não podem justificar restrições às liberdades de estabelecimento e de empresa quando os critérios estabelecidos na lei não podem, por si só, fazê‑lo.

79.

Além disso, há muitos outros motivos que obstam a que as referidas circunstâncias alterem a conclusão anterior. Em primeiro lugar, uma grave crise económica e taxas de desemprego especialmente elevadas constituem, em si — pelo menos, em parte — fatores puramente económicos. Em segundo lugar, com base na jurisprudência relativa à Diretiva 98/59, sublinho que o facto de os efeitos socioeconómicos dos despedimentos coletivos se fazerem sentir num contexto local e num ambiente social determinados, e não a nível nacional ( 38 ). Em terceiro lugar, não há razão para considerar que uma grave crise económica afeta mais os trabalhadores do que as empresas.

80.

Esta consideração remete‑me para a minha última observação: no seguimento do que referi anteriormente no n.o 61, e como declara a Comissão, em tempos de crise é igualmente importante reduzir todos os fatores que dissuadem novas empresas de investir, uma vez que a eficiência económica pode ajudar a estimular a criação de emprego e o crescimento económico. Presumo que seja por esse motivo que a Grécia aceitou, como condição da assistência financeira prestada pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade, «realizar uma revisão rigorosa e uma modernização da negociação coletiva, da ação sindical e, em conformidade com as diretivas pertinentes da União e com as melhores práticas, dos despedimentos coletivos, de acordo com o calendário e a abordagem acordados com as Instituições. Com base nessa revisão, as políticas do mercado de trabalho deverão ser alinhadas pelas melhores práticas internacionais e europeias e não deverão implicar um regresso a políticas do passado que não são compatíveis com os objetivos de promover um crescimento sustentável e inclusivo» ( 39 ).

f) Conclusão final

81.

Pelos motivos acima expostos, considero que o artigo 49.o TFUE, interpretado à luz do artigo 16.o da Carta, se opõe a uma disposição como a norma em causa. O facto de o Estado‑Membro interessado atravessar uma grave crise económica, acompanhada por taxas de desemprego especialmente elevadas, não afeta esta conclusão.

IV – Conclusão

82.

Pelo exposto, considero que as questões prejudiciais submetidas devem ser respondidas no sentido de que o artigo 49.o TFUE, interpretado corretamente à luz do artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, se opõe a uma disposição como o artigo 5.o, n.o 3, da Nomos No 1387/1983 Elenchos omadikon apolyseon kai alles diataxeis (Lei n.o 1387/1983, relativa à fiscalização dos despedimentos coletivos e outras disposições), de 18 de agosto de 1983 (FEK A’ 110/18‑19.8.1983), que exige que os empregadores obtenham uma autorização administrativa antes de efetuarem despedimentos coletivos, e que faz depender essa autorização das condições do mercado de trabalho, da situação da empresa e do interesse da economia nacional. O facto de o Estado‑Membro interessado atravessar uma grave crise económica, acompanhada por taxas de desemprego especialmente elevadas, não afeta esta conclusão.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos (JO 1998, L 225, p. 16).

( 3 ) FEK A’ 110/18‑19.8.1983.

( 4 ) V. acórdão de 15 de fevereiro de 2007, Athinaïki Chartopoïïa (C‑270/05, EU:C:2007:101, n.o 37).

( 5 ) Acórdão de 9 de julho de 2015, Balkaya (C‑229/14, EU:C:2015:455, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

( 6 ) Acórdão de 10 de setembro de 2009, Akavan Erityisalojen Keskusliitto AEK e o. (C‑44/08, EU:C:2009:533, n.os 39, 47 e 48).

( 7 ) V., nesse sentido, acórdão de 7 de dezembro de 1995, Rockfon (C‑449/93, EU:C:1995:420, n.o 21).

( 8 ) V., nesse sentido, acórdão de 7 de setembro de 2006, Agorastoudis e o. (C‑187/05 a C‑190/05, EU:C:2006:535, n.os 35 e 36 e jurisprudência aí referida).

( 9 ) Isto é confirmado pelo facto de que, diferentemente do texto que veio afinal a ser adotado pelo Conselho, o artigo 3.o da proposta original da Comissão de 8 de novembro de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos [COM(72) 1400], incluía especificamente o poder da autoridade competente de recusar a autorização da totalidade ou de parte dos despedimentos notificados. Alguns autores observaram que determinados Estados‑Membros se opunham a conceder esse poder às autoridades públicas; v. Freedland, M.R.: «Employment Protection: Redundancy Procedures and the EEC», Industrial Law Journal, vol. 5‑6, Oxford University Press, Oxford, 1976, p. 27.

( 10 ) A este respeito, importa assim distinguir o caso em apreço das circunstâncias em causa nos acórdãos de 16 de julho de 2009, Mono Car Styling (C‑12/08, EU:C:2009:466, n.os 35 e 36), e de 18 de julho de 2013, Alemo‑Herron e o. (C‑426/11, EU:C:2013:521, n.o 36). Neste último acórdão, o Tribunal de Justiça considerou — a propósito de uma diretiva semelhante em matéria de proteção no emprego — que as medidas de «sobretransposição» devem respeitar a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

( 11 ) Acórdão de 13 de março de 2014, Bouanich (C‑375/12, EU:C:2014:138, n.o 24).

( 12 ) Acórdão de 21 de outubro de 2010, Idryma Typou (C‑81/09, EU:C:2010:622, n.os 47 e 48 e jurisprudência aí referida).

( 13 ) Acórdão de 21 de outubro de 2010, Idryma Typou (C‑81/09, EU:C:2010:622, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

( 14 ) Acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑35/11, EU:C:2012:707, n.o 90 e jurisprudência aí referida).

( 15 ) V., a este respeito, acórdão de 30 de novembro de 1995, Gebhard (C‑55/94, EU:C:1995:411, n.o 23).

( 16 ) V., a título de exemplo, acórdão de 18 de novembro de 1999, X e Y (C‑200/98, EU:C:1999:566, n.o 30).

( 17 ) Acórdão de 15 de outubro de 2015, Grupo Itevelesa e o. (C‑168/14, EU:C:2015:685, n.o 67 e jurisprudência aí referida).

( 18 ) Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Venturini e o. (C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:791, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

( 19 ) Na audiência, foi igualmente discutida a questão de saber se a norma em causa restringia o direito de estabelecimento da LafargeHolcim ou da AGET Iraklis. Porém, uma vez que pertencem à mesma unidade económica, considero que essa discussão não é pertinente.

( 20 ) Em qualquer caso, é jurisprudência constante que, para dar uma resposta útil, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o tribunal nacional não fez referência nas suas questões; v. acórdão de 26 de maio de 2016, Kohll e Kohll‑Schlesser (C‑300/15, EU:C:2016:361, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

( 21 ) JO 2007, C 303, p. 17.

( 22 ) V., a este respeito, entre outros, acórdão de 18 de julho de 2013, Alemo‑Herron e o. (C‑426/11, EU:C:2013:521, n.os 30 a 32 e jurisprudência aí referida). V. também Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Freedom to conduct a business: exploring the dimensions of a fundamental right, Serviço de Publicações da União Europeia, Luxemburgo, August 2015, p. 21.

( 23 ) V. acórdão de 30 de novembro de 1995, Gebhard(C‑55/94, EU:C:1995:411, n.o 37) e, nesse sentido, acórdão de 22 de outubro de 2009, Comissão/Portugal (C‑438/08, EU:C:2009:651, n.o 46).

( 24 ) Segundo o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, qualquer restrição ao exercício da liberdade de empresa «deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial [dessa liberdade]. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros». V. também acórdão de 6 de setembro de 2012, Deutsches Weintor (C‑544/10, EU:C:2012:526, n.o 54 e jurisprudência aí referida).

( 25 ) Segundo a decisão de reenvio, a taxa de desemprego na Grécia em 2013 era de 27,3%. Nas suas observações, o Governo grego acrescenta que as taxas referentes a 2008 e a 2014 eram, respetivamente, de 7,8% e de 26,5%.

( 26 ) V. acórdão de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, EU:C:2007:772, n.o 77 e jurisprudência aí referida).

( 27 ) V. acórdão de 25 de outubro de 2007, Geurts e Vogten (C‑464/05, EU:C:2007:631, n.o 26).

( 28 ) Acórdão de 15 de janeiro de 2014 (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 45).

( 29 ) V. acórdãos de 4 de dezembro de 2013, ETF/Schuerings (T‑107/11 P, EU:T:2013:624, n.o 100), e ETF/Michel (T‑108/11 P, EU:T:2013:625, n.o 101).

( 30 ) O artigo 24.o da Carta Social Europeia (revista) («Direito à proteção em caso de despedimento»), de 3 de maio de 1996, STE n.o 163, dispõe, designadamente, que «[c]om vista a assegurar o exercício efetivo do direito à proteção em caso de despedimento, as Partes comprometem‑se a reconhecer: a) O direito de os trabalhadores não serem despedidos sem motivo válido ligado à sua aptidão ou comportamento, ou baseado nas necessidades de funcionamento da empresa, do estabelecimento ou do serviço; b) O direito dos trabalhadores despedidos sem motivo válido a uma indemnização adequada ou a outra reparação apropriada».

( 31 ) Os motivos de despedimento sem justa causa indicados no anexo à Carta Social Europeia revista são os seguintes: a) a filiação sindical ou a participação em atividades sindicais fora do horário de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante o horário de trabalho; b) o facto de solicitar, exercer ou deter um mandato de representação dos trabalhadores; c) o facto de ter apresentado queixa ou participado em processos instaurados contra um empregador devido a alegadas violações da legislação ou de ter recorrido às autoridades administrativas competentes; d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, a opinião política, a ascendência nacional ou a origem social; e) a licença de maternidade ou a licença parental; f) a ausência temporária ao trabalho por motivo de doença ou de acidente.

( 32 ) Acórdão de 18 de julho de 2013 (C‑426/11, EU:C:2013:521, n.o 36), comparado com as conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón nesse processo (C‑426/11, EU:C:2013:82, n.os 55 e 57).

( 33 ) V., sobre esta questão, acórdão de 16 de dezembro de 2008, Cartesio (C‑210/06, EU:C:2008:723, n.o 113).

( 34 ) Surpreendentemente, e ao contrário do OFE (que, em apoio do seu entendimento, invocou o acórdão de 6 de dezembro de 2007, Columbus Container Services, C‑298/05, EU:C:2007:754, n.o 33), em relação a esta questão, a Comissão alegou, na audiência, que a liberdade de estabelecimento não é prejudicada, por um lado, quando uma empresa é impedida de deixar o Estado‑Membro de estabelecimento para prosseguir uma atividade lucrativa noutro local. Por outro lado, a Comissão alegou que essa liberdade é restringida quando a empresa não pode simplesmente encerrar o seu estabelecimento e transferi‑lo para outro local. No meu entender, esta distinção é artificial e, de qualquer modo, inviável.

( 35 ) V., entre outros, acórdão de 24 de março de 2011, Comissão/Espanha (C‑400/08, EU:C:2011:172, n.o 74 e jurisprudência aí referida).

( 36 ) V., nesse sentido, acórdão de 3 de março de 2011, Claes e o. (C‑235/10 a C‑239/10, EU:C:2011:119, n.o 58).

( 37 ) Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Caves Krier Frères (C‑379/11, EU:C:2012:798, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

( 38 ) V. acórdão de 30 de abril de 2015, USDAW e Wilson (C‑80/14, EU:C:2015:291, n.os 51 e 64 e jurisprudência aí referida).

( 39 ) Declaração da Cimeira do Euro, de 12 de julho de 2015 (documento com a referência SN 4070/15), p. 3, ratificada pela Grécia como Lei n.o 4334/2015 relativa à adoção de medidas urgentes com vista à negociação e celebração de um acordo com o Mecanismo Europeu de Estabilidade, Diário Oficial, vol. A 80, de 16 de julho de 2015, p. 755 (versão inglesa, p. 748).