ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

16 de dezembro de 2015 ( *1 )

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu do transporte aéreo de mercadorias — Acordos e práticas concertadas sobre vários elementos dos preços do transporte aéreo de mercadorias (instauração de sobretaxas de carburante e de sobretaxas de segurança, recusa de pagamento de uma comissão sobre as sobretaxas) — Artigo 101.o TFUE, artigo 53.o do Acordo EEE e artigo 8.o do Acordo entre a Comunidade e a Suíça relativo aos transportes aéreos — Dever de fundamentação»

No processo T‑67/11,

Martinair Holland NV, com sede em Haarlemmermeer (Países Baixos), representada por R. Wesseling, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por S. Noë, N. von Lingen e C. Giolito, e em seguida por S. Noë, C. Giolito e A. Dawes, na qualidade de agentes, assistidos por B. Doherty, barrister,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C(2010) 7694 final da Comissão, de 9 de novembro de 2010, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.o TFUE, do artigo 53.o do Acordo EEE e do artigo 8.o do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo aos transportes aéreos (processo COMP/39258 — Transporte aéreo de mercadorias), na medida em que abrange a recorrente, ou, pelo menos, de anulação do artigo 5.o, alínea b), dessa decisão, na medida em que lhe aplica uma coima, ou de redução desta,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: H. Kanninen (relator), presidente, I. Pelikánová e E. Buttigieg, juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de maio de 2015,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

A recorrente, Martinair Holland NV, é uma empresa de transporte aéreo que opera no mercado do transporte aéreo de mercadorias (a seguir «transporte de mercadorias»).

2

Em 7 de dezembro de 2005, a Comissão das Comunidades Europeias recebeu um pedido de imunidade ao abrigo da sua comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002 C 45, p. 3, a seguir «Comunicação de 2002 relativa à imunidade»), apresentado pela Deutsche Lufthansa AG (a seguir «Lufthansa») e as suas filiais, Lufthansa Cargo AG e Swiss International Air Lines AG (a seguir «Swiss»). Segundo esse pedido, os contactos anticoncorrenciais existentes entre várias empresas que operam no mercado de transporte de mercadorias (a seguir «transportadoras») têm, nomeadamente, por objeto:

a sobretaxa de carburante (a seguir «STC»), introduzida para dar resposta ao custo crescente do carburante;

a sobretaxa de segurança (a seguir «STS»), introduzida para dar resposta ao custo de certas medidas de segurança impostas após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

3

Em 14 e 15 de fevereiro de 2006, a Comissão realizou inspeções sem aviso prévio, em conformidade com o artigo 20.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO L 1, p. 1).

4

Após as inspeções, várias transportadoras, incluindo a demandante, apresentaram um pedido ao abrigo da Comunicação de 2002 relativa à imunidade.

5

Em 19 de dezembro de 2007, a Comissão dirigiu uma comunicação de acusações a 27 transportadoras, entre as quais a recorrente (a seguir «comunicação de acusações»). Aí se indicava que essas transportadoras haviam infringido o artigo 101.o TFUE, o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) e o artigo 8.o do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo ao transporte aéreo (a seguir «Acordo CE‑Suíça»), ao participar num cartel mundial relativo, nomeadamente, à STC, à STS e a uma recusa de pagamento de comissões sobre as sobretaxas (a seguir «recusa de pagamento de comissões»). Em resposta à comunicação de acusações, os seus destinatários apresentaram observações escritas. Entre 30 de junho e 4 de julho de 2008, realizou‑se uma audição oral.

6

Em 9 de novembro de 2010, a Comissão adotou a Decisão C(2010) 7694 final relativa a um processo de aplicação do artigo 101.o TFUE, do artigo 53.o do Acordo EEE e do artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça (processo COMP/39258 — Transporte aéreo de mercadorias) (a seguir «decisão impugnada»). A decisão impugnada foi enviada às 21 transportadas seguintes (a seguir «transportadoras acusadas»):

Air Canada;

Air France/KLM;

Société Air France SA (a seguir «Air France»);

Koninklijke Luchtvaart Maatschappij NV (a seguir «KLM»);

British Airways plc;

Cargolux Airlines International SA (a seguir «Cargolux»);

Cathay Pacific Airways Ltd (a seguir «CPA»);

Japan Airlines Corp.;

Japan Airlines International Co. Ltd (a seguir «Japan Airlines»);

Lan Airlines SA (a seguir «LAN»);

Lan Cargo SA (a seguir «LAN Cargo»);

Lufthansa Cargo;

Lufthansa;

Swiss;

a recorrente;

Qantas Airways Ltd (a seguir «Qantas»);

SAS AB;

SAS Cargo Group A/S (a seguir «SAS Cargo»);

Scandinavian Airlines System Denmark‑Norway‑Sweden (a seguir «Scandinavian Airlines»);

Singapore Airlines Cargo Pte Ltd (a seguir «SAC»);

Singapore Airlines Ltd.

7

As acusações imputadas provisoriamente a outros destinatários da comunicação de acusação foram retiradas.

8

A decisão impugnada descreve, na sua fundamentação, uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE, ao artigo 53.o do Acordo EEE e ao artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça, abrangendo o território do EEE e a Suíça, segundo a qual as transportadoras acusadas teriam concertado o seu comportamento em matéria de tarifação para a prestação de serviços de transporte de mercadorias.

9

O dispositivo da decisão impugnada, na parte em que respeita à recorrente, tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

As empresas seguintes infringiram o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao participarem numa infração constituída por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de transporte […] de mercadorias nas ligações entre os aeroportos situados no EEE, durante os períodos seguintes:

[…]

i)

[a recorrente], de 22 de janeiro de 2001 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

Artigo 2. o

As empresas seguintes infringiram o artigo 101.o TFUE ao participarem numa infração constituída por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de transporte […] de mercadorias nas ligações entre aeroportos situados na União Europeia e aeroportos situados fora do EEE, durante os períodos seguintes:

[…]

o)

[a recorrente], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

Artigo 3. o

As empresas seguintes infringiram o artigo 53.o do Acordo EEE ao participarem numa infração constituída por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de transporte […] de mercadorias nas ligações entre aeroportos situados em países que são partes contratantes no Acordo EEE, mas que não são Estados‑Membros, e em países terceiros, durante os períodos seguintes:

[…]

m)

[a recorrente], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

Artigo 4. o

As empresas seguintes infringiram o artigo 8.o do Acordo [CE‑Suíça] ao participarem numa infração constituída por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de transporte […] de mercadorias nas ligações entre aeroportos situados na União […] e aeroportos situados na Suíça, durante os períodos seguintes:

[…]

i)

[a recorrente], de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

Artigo 5. o

São aplicadas as seguintes coimas pelas infrações referidas nos artigos 1.° a 4.°:

[…]

m)

[a recorrente]: 29500000 [euros];

[…]

Artigo 6. o

As empresas indicadas nos artigos 1.° a 4.° devem pôr imediatamente termo às infrações mencionadas nos referidos artigos, se ainda o não tiverem feito.

Devem abster‑se de repetir qualquer ato ou comportamento referidos nos artigos 1.° a 4.° e de adotar qualquer ato ou comportamento com objeto ou efeito idêntico ou semelhante.

Artigo 7. o

São destinatárias da presente decisão as seguintes entidades:

[…]

[a recorrente]

[…]»

Processo

10

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de janeiro de 2011, a recorrente interpôs o presente recurso. A Comissão apresentou a contestação em 27 de maio de 2011.

11

Por decisão de 29 de junho de 2011, o Tribunal decidiu, nos termos do artigo 47.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, não permitir uma segunda troca de articulados.

12

Por decisão do presidente do Tribunal Geral de 1 de dezembro de 2011, um dos juízes da Sexta Secção do Tribunal Geral, formação de julgamento à qual estava afeto o juiz‑relator, foi substituído por um outro juiz.

13

Por decisão do presidente do Tribunal Geral de 17 de janeiro de 2013, o juiz‑relator foi substituído por um novo juiz e o presente processo foi distribuído a um novo juiz relator afeto à Sexta Secção.

14

Na sequência de um pedido do Tribunal Geral, formulado no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, a recorrente apresentou, por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de julho de 2013, observações sobre a contestação. Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de setembro de 2013, a Comissão, por sua vez, apresentou observações sobre essas observações.

15

Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada, o juiz‑relator foi afeto à Primeira Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído em 2 de outubro de 2013.

16

Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Primeira Secção) decidiu abrir a fase oral do processo. Além disso, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, o Tribunal Geral colocou questões escritas às partes, às quais estas responderam dentro do prazo fixado.

17

Em 28 de abril de 2015, o Tribunal Geral solicitou à recorrente que o informasse se o relatório para audiência continha dados confidenciais em relação ao público. Por duas cartas de 4 de maio de 2015, a recorrente pediu, por um lado, que certos dados do relatório para audiência não fossem levados ao conhecimento público e, por outro, apresentou certas observações sobre o referido relatório, as quais foram tidas em conta pelo Tribunal Geral.

18

Na audiência de 21 de maio de 2015, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

Pedidos das partes

19

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular os artigos 1.° a 7.° da decisão impugnada, no todo ou em parte, na medida em que lhe dizem respeito;

ou, reduzir o montante da coima prevista no artigo 5.o, alínea m), da decisão impugnada;

condenar a Comissão nas despesas.

20

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

21

Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos relativos, o primeiro, à violação do dever de fundamentação, do direito a uma boa administração, do direito a uma ação judicial efetiva e a um processo equitativo, da presunção de inocência e dos direitos de defesa e, o segundo, a um erro manifesto de apreciação no cálculo da coima, à violação do Regulamento n.o 1/2003, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2), dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento e do dever de fundamentação.

22

O primeiro fundamento divide‑se em duas partes, relativas, a primeira, à violação do dever de fundamentação e do direito a uma boa administração e, a segunda, à violação do direito a uma boa administração, do direito a uma ação judicial efetiva e a um processo equitativo, da presunção de inocência e dos direitos de defesa.

23

No âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, a recorrente alega nomeadamente que a decisão impugnada não lhe permite determinar a natureza e o alcance da infração ou infrações que lhe são imputadas, na medida em que o dispositivo da decisão impugnada refere quatro infrações relativas a diferentes períodos e ligações, cometidas por transportadoras diferentes, enquanto a fundamentação refere uma só infração única e continuada de âmbito mundial, abrangendo todas as ligações. Acrescenta que tendo a Comissão examinado, na decisão impugnada, as condições de aplicação do artigo 101.o TFUE, do artigo 53.o do Acordo EEE e do artigo 8.o ao Acordo CE‑Suíça apenas em relação à existência de um pretenso cartel mundial, a constatação das quatro infrações no dispositivo não pode ter por base a apreciação dos factos e das provas efetuada na fundamentação. A Comissão não analisou na decisão impugnada a questão de saber se os factos que considerou e as provas que reuniu sustentavam as quatro infrações específicas referidas respetivamente nos artigos 1.° a 4.° dessa decisão.

24

Nestes termos, na primeira parte do primeiro fundamento, a recorrente sustenta, em substância, que a decisão impugnada está ferida de falta de fundamentação, na medida em que a fundamentação e o dispositivo dessa decisão são contraditórios, o que é contestado pela Comissão.

25

A este respeito, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o, n.o 2, TFUE deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio seguido pela instituição autora do ato censurado, por forma a permitir que os interessados conheçam as razões da medida adotada, a fim de poderem defender os seus direitos, e que o juiz da União Europeia exerça a sua fiscalização (v., neste sentido, acórdãos de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T‑371/94 e T‑394/94, Colet., EU:T:1998:140, n.o 89, e de 29 de junho de 2012, GDF Suez/Comissão, T‑370/09, Colet., EU:T:2012:333, n.o 117). A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso, designadamente, do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações (v., neste sentido, acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., EU:C:1998:154, n.o 63, e de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colet., EU:T:2000:77, n.o 469).

26

Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, pois a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., neste sentido, acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, n.o 25, supra, EU:C:1998:154, n.o 63, e de 2 de fevereiro de 2012, Denki Kagaku Kogyo e Denka Chemicals/Comissão, T‑83/08, EU:T:2012:48, n.o 91).

27

Não deixa de ser verdade que, para efeitos da fundamentação das decisões que tem de tomar para assegurar a aplicação das regras de concorrência, a Comissão está obrigada, nos termos do artigo 296.o TFUE, a mencionar, no mínimo, os factos e as considerações que revestem uma importância essencial na economia da sua decisão, permitindo assim ao órgão jurisdicional competente e às partes interessadas conhecerem as condições em que a Comissão aplicou o Direito da União (v., neste sentido, acórdão Denki Kagaku Kogyo e Denka Chemicals/Comissão, n.o 26, supra, EU:T:2012:48, n.o 91).

28

Além disso, a fundamentação deve ser lógica, não apresentando, nomeadamente, contradições internas que constituam um entrave à boa compreensão dos motivos que subjazem a esse ato (v., neste sentido, acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, Colet., EU:C:2008:392, n.o 169, e de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., EU:C:2011:620, n.o 151).

29

Importa acrescentar que, não obstante as disposições do artigo 23.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2003, das quais resulta que as decisões que aplicam coimas por violação do direito da concorrência não têm caráter penal, a violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, do artigo 53.o do Acordo EEE e do artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça pressupõem um comportamento genericamente considerado desleal, em detrimento do público em geral, gerador de um verdadeiro opróbrio e que é suscetível de implicar, para as empresas responsáveis, coimas que podem atingir até 10% do seu volume de negócios, e, portanto, inegavelmente severas (v., a este respeito, conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo KME Germany e o./Comissão, C‑272/09 P, Colet., EU:C:2011:63, n.o 64). Tendo em conta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções que lhe correspondem (v. acórdão de 27 de março de 2014, Saint‑Gobain Glass France e o./Comissão, T‑56/09 e T‑73/09, Colet., EU:T:2014:160, n.o 78 e jurisprudência aí referida), estas entram no âmbito da matéria penal na aceção do artigo 6.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), como resulta, designadamente, do acórdão do Tribunal EDH A. Menarini Diagnostis c. Itália (n.o 43509/08, §§ 39 a 44, de 27 de setembro de 2011).

30

Além disso, nos n.o 58 e 59 do seu acórdão Menarini Diagnostis c. Itália, n.o 29, supra, o Tribunal EDH recordou que, quando seja aplicada «uma pena» por decisão de uma autoridade administrativa, o interessado deve poder submeter a decisão que contra ele foi adotada a um tribunal que ofereça as garantias previstas no artigo 6.o da CEDH (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, Colet., EU:C:2013:522, n.o 34).

31

Ora, o princípio da proteção jurisdicional efetiva, princípio geral do Direito da União que se encontra atualmente previsto no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e que corresponde, no Direito da União, ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH (v. acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, Colet., EU:C:2014:2062, n.o 57 e jurisprudência aí referida), implica que o dispositivo de uma decisão adotada pela Comissão, em que se constatam violações às regras da concorrência, seja especialmente claro e preciso e que as empresas consideradas responsáveis e sancionadas estejam em condições de compreender e de contestar a imputação dessa responsabilidade e a imposição dessas sanções, tal como resultam dos termos do referido dispositivo.

32

Com efeito, há que ter presente que é no dispositivo das decisões que a Comissão indica qual a natureza e a medida das infrações que sanciona. Realce‑se que, em princípio, precisamente em matéria de alcance e natureza das infrações sancionadas, é o dispositivo e não a fundamentação que prevalece. Só em caso de falta de clareza dos termos utilizados no dispositivo é que este deve ser interpretado recorrendo à fundamentação da decisão. Como o juiz da União já declarou, para definir as pessoas que são objeto de uma decisão que declara verificada uma infração, deve‑se considerar a parte decisória da mesma, quando esta não suscita dúvidas (acórdãos de 16 de dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colet., EU:C:1975:174, n.o 315, e de 11 de dezembro de 2003, Adriatica di Navigazione/Comissão, T‑61/99, Colet., EU:T:2003:335, n.o 43).

33

Por outro lado, importa também recordar que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE produz efeitos diretos nas relações entre os particulares e cria direitos para os litigantes, exigindo que uma pessoa possa reclamar a reparação do prejuízo que lhe tenha sido causado por um contrato ou um comportamento suscetível de restringir ou falsear o jogo da concorrência. Cabe assim aos órgãos jurisdicionais nacionais, encarregados de aplicar, no quadro das suas competências, esta disposição, garantir não só a sua plena eficácia mas também proteger esses direitos (acórdão de 6 de junho de 2013, Donau Chemie e o., C‑536/11, Colet., EU:C:2013:366, n.os 21 e 22). Assim, qualquer pessoa tem o direito de pedir a reparação do prejuízo sofrido quando exista um nexo de causalidade entre o referido prejuízo e um cartel ou uma prática proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE (acórdãos de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 à C‑298/04, Colet., EU:C:2006:461, n.o 61, e de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, Colet., EU:C:2012:684, n.o 43).

34

Ora, nos termos do artigo 16.o, n.o 1 do Regulamento n.o 1/2003, quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo do artigo 101.o TFUE que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias a essa decisão.

35

A este propósito, deve considerar‑se que, contrariamente ao que alegou a Comissão na audiência, um órgão jurisdicional nacional toma uma decisão contrária à adotada por esta instituição não só quando qualifica juridicamente de modo diferente os comportamentos anticoncorrenciais em questão mas também quando a sua decisão diverge da da Comissão quanto ao âmbito temporal ou geográfico dos comportamentos analisados ou quanto à responsabilidade ou inexistência de responsabilidade das pessoas que tenham sido objeto da investigação sobre os comportamentos em causa e relativamente às quais a responsabilidade tenha sido analisada na decisão da Comissão.

36

Daqui resulta que os órgãos jurisdicionais nacionais estão vinculados pela decisão adotada pela Comissão, se esta não for anulada ou invalidada, o que exige que o seu dispositivo possa ser entendido de modo unívoco.

37

Em especial, os órgãos jurisdicionais nacionais devem estar em condições de, a partir dos termos claros no dispositivo de uma decisão que constate a existência de uma infração às regras da concorrência, compreender o alcance dessa infração, e identificar os seus responsáveis, a fim de poder extrair as consequências necessárias no que respeita aos pedidos de reparação dos danos causados pela infração, apresentados pelos lesados por essa infração.

38

Por último, deve salientar‑se que a plena efetividade do artigo 101.o TFUE seria posta em causa se o direito de uma pessoa pedir a outra a reparação do prejuízo sofrido estivesse subordinado de forma categórica à existência de um vínculo contratual entre ambas (v., neste sentido, acórdão de 5 de junho de 2014, Kone e o., C‑557/12, Colet., EU:C:2014:1317, n.o 33). Não deve pois excluir‑se que uma pessoa considerada responsável por uma infração às regras da concorrência pela Comissão seja obrigada a reparar os prejuízos causados a clientes de outras pessoas consideradas responsáveis pela mesma infração. Nesse caso, e se tal estiver previsto na legislação nacional, os órgãos jurisdicionais nacionais podem conhecer de ações de regresso entre estas pessoas. A redação do dispositivo de uma decisão que constata uma infração às regras da concorrência afigura‑se, deste ponto de vista, determinante na medida em que permite estabelecer os direitos e obrigações mútuos entre as pessoas em questão.

39

O juiz nacional pode também, se tal se encontrar previsto na legislação nacional, ter de considerar que todas as pessoas declaradas responsáveis pela infração às normas da concorrência constatada pela Comissão devem reparar solidariamente os danos causados. Nesse caso, a redação do dispositivo de uma decisão que declare a existência de uma infração às regras da concorrência pode ser igualmente determinante quanto às pessoas em causa.

40

Por conseguinte, à luz das considerações precedentes, importa verificar, em primeiro lugar, se, como sustenta a recorrente, existe uma contradição entre a fundamentação e o dispositivo da decisão impugnada.

41

No que respeita ao dispositivo da decisão impugnada, os artigos 1.° a 4.° têm a seguinte redação:

«Artigo 1.o

As empresas seguintes infringiram o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao participarem numa infração constituída por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de transporte […] de mercadorias nas ligações entre os aeroportos situados no EEE, durante os períodos seguintes:

a)

Air France‑KLM, de 7 de dezembro de 1999 a 14 de fevereiro de 2006;

b)

[…] Air France, de 7 de dezembro de 1999 a 14 de fevereiro de 2006;

c)

KLM […], de 21 de dezembro de 1999 a 14 de fevereiro de 2006;

d)

British Airways […], de 22 de janeiro de 2001 a 14 de fevereiro de 2006;

e)

Cargolux […], de 22 de janeiro de 2001 a 14 de fevereiro de 2006;

f)

Lufthansa Cargo […], de 14 de dezembro de 1999 a 7 de dezembro de 2005;

g)

[…] Lufthansa […], de 14 de dezembro de 1999 a 7 de dezembro de 2005;

h)

Swiss […], de 2 de abril de 2002 a 7 de dezembro de 2005;

i)

[a recorrente], de 22 de janeiro de 2001 a 14 de fevereiro de 2006;

j)

SAS […], de 17 de agosto de 2001 a 14 de fevereiro de 2006;

k)

SAS Cargo[…], de 1 de junho de 2001 a 14 de fevereiro de 2006;

l)

Scandinavian Airlines […], de 13 de dezembro de 1999 a 28 de dezembro de 2003.

Artigo 2. o

As empresas seguintes infringiram o artigo 101.o TFUE ao participarem numa infração constituída por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de transporte […] de mercadorias nas ligações entre aeroportos situados na União […] e aeroportos situados fora do EEE durante os períodos seguintes:

a)

Air Canada, de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

b)

Air France‑KLM, de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

c)

[…] Air France, de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

d)

KLM […], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

e)

British Airways […], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

f)

Cargolux […], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

g)

[CPA], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

h)

Japan Airlines [Corp.], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

i)

Japan Airlines […], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

j)

LAN […] de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

k)

LAN Cargo […], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

l)

Lufthansa Cargo […], de 1 de maio de 2004 a 7 de dezembro de 2005;

m)

[…] Lufthansa […], de 1 de maio de 2004 a 7 de dezembro de 2005;

n)

Swiss […], de 1 de maio de 2004 a 7 de dezembro de 2005;

o)

[a recorrente], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

p)

Qantas […], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

q)

SAS […], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

r)

SAS Cargo […], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

s)

[SAC], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

t)

Singapore Airlines […], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006.

Artigo 3. o

As empresas seguintes infringiram o artigo 53.o do Acordo EEE ao participarem numa infração constituída por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de transporte […] de mercadorias nas ligações entre aeroportos situados em países que são partes contratantes no Acordo EEE, mas que não são Estados‑Membros, e em países terceiros, durante os períodos seguintes:

a)

Air Canada, de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

b)

Air France‑KLM, de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

c)

[…] Air France, de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

d)

KLM […], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

e)

British Airways […], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

f)

Cargolux […], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

g)

[CPA], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

h)

Japan Airlines [Corp.], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

i)

Japan Airlines […], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

j)

Lufthansa Cargo […], de 19 de maio de 2005 a 7 de dezembro de 2005;

k)

[…] Lufthansa […], de 19 de maio de 2005 a 7 de dezembro de 2005;

l)

Swiss […], de 19 de maio de 2005 a 7 de dezembro de 2005;

m)

[a recorrente], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

n)

Qantas […], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

o)

SAS […], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

p)

SAS Cargo […], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

q)

[SAC], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

r)

Singapore Airlines […], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006.

Artigo 4. o

As empresas seguintes infringiram o artigo 8.o do Acordo [CE‑Suíça] ao participarem numa infração constituída por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de transporte […] de mercadorias nas ligações entre aeroportos situados na União […] e aeroportos situados na Suíça, durante os períodos seguintes:

a)

Air France‑KLM, de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

b)

[…] Air France, de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

c)

KLM […], de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

d)

British Airways […], de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

e)

Cargolux […], de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

f)

Lufthansa Cargo […], de 1 de junho de 2002 a 7 de dezembro de 2005;

g)

[…] Lufthansa […], de 1 de junho de 2002 a 7 de dezembro de 2005;

h)

Swiss […], de 1 de junho de 2002 a 7 de dezembro de 2005;

i)

[a recorrente], de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

j)

SAS […], de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

k)

SAS Cargo […], de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

l)

Scandinavian Airlines […], de 1 de junho de 2002 a 28 de dezembro de 2003.»

42

A recorrente alega, em substância, que uma leitura literal dos artigos 1.° a 4.° da decisão impugnada conduz à constatação da existência de quatro infrações únicas e continuadas distintas, cada uma respeitante a uma categoria de ligações diferentes, em vez de traduzir a constatação de uma só infração única e continuada relativa a todas as ligações abrangidas pelo acordo, como resulta da fundamentação dessa decisão.

43

Segundo a recorrente, tal é confirmado pela redação dos artigos 5.° e 6.° da decisão impugnada, nos termos dos quais:

«Artigo 5.o

São aplicadas as seguintes coimas pelas infrações referidas nos artigos 1.° a 4.°:

[…]

Artigo 6. o

As empresas indicadas nos artigos 1.° a 4.° devem pôr imediatamente termo às infrações mencionadas nos referidos artigos, se ainda o não tiverem feito.

[…]»

44

Com efeito, a recorrente sublinha que os artigos 5.° e 6.° da decisão impugnada fazem referência a «infrações» no plural e não a «uma infração» no singular.

45

A este propósito, importa sublinhar, antes de mais, que, como alega a Comissão na sua resposta às medidas de organização do processo referidas no n.o 16, supra, a divisão, em quatro artigos distintos, da parte do dispositivo de uma decisão que constata infrações às regras da concorrência não traduz forçosamente a existência de quatro infrações distintas.

46

Esta divisão pode responder à circunstância de os comportamentos anticoncorrenciais que compõem a infração única e continuada descrita na decisão impugnada violarem três disposições que proíbem esses mesmos comportamentos, mas terem um âmbito territorial e temporal diferente.

47

Além disso, a Comissão indicou, nos considerandos 815 a 817 da decisão impugnada, bem como nos seus articulados no Tribunal Geral, que, até 1 de maio de 2004, apenas dispunha de competências de execução para aplicar o artigo 101.o TFUE aos transportes aéreos internacionais entre aeroportos da União e não podia, portanto, aplicar o artigo 101.o TFUE aos acordos e práticas anticoncorrenciais relativos às ligações entre aeroportos situados no interior da União e aeroportos situados fora do EEE. Além disso, explicou, nos considerandos 818 a 821 da decisão impugnada, que, até 19 de maio de 2005, era competente para aplicar o artigo 53.o do Acordo EEE apenas aos transportes aéreos entre aeroportos situados no interior do EEE e que apenas a partir dessa data se tornou competente para aplicar esta disposição no que respeita às ligações entre aeroportos situados em países que são partes contratantes no Acordo EEE, mas que não são Estados‑Membros, e em países terceiros. Por outro lado, resulta dos considerandos 822 a 825 da decisão impugnada que a Comissão considerou ser competente para aplicar o artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça às ligações entre aeroportos situados no interior da União e aeroportos situados na Suíça, a partir de 1 de junho de 2002.

48

Por conseguinte, conforme indicado pela Comissão na sua resposta referida no n.o 16 acima e na audiência, a violação de três disposições, a saber, o artigo 101.o TFUE, o artigo 53.o do Acordo EEE e o artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça, que fixam, cada uma, a competência para a sua aplicação ratione temporis e ratione loci, levou‑a a estruturar o dispositivo da decisão impugnada em sete artigos, dos quais os quatro primeiros articulam‑se do modo seguinte:

O artigo 1.o tem por objeto a competência da Comissão para aplicação dos artigos 101.° TFUE e 53.° do Acordo EEE no que respeita às ligações entre aeroportos situados no interior do EEE, no período compreendido entre 7 de dezembro de 1999 e 14 de fevereiro de 2006;

O artigo 2.o tem por objeto a competência da Comissão para a aplicação do artigo 101.o TFUE no que respeita às ligações entre aeroportos situados no interior da União e aeroportos situados fora do EEE, no período compreendido entre 1 de maio de 2004 e 14 de fevereiro de 2006;

O artigo 3.o tem por objeto a competência da Comissão para a aplicação do artigo 53.o do Acordo EEE no que respeita às ligações entre aeroportos situados em países que são partes contratantes no Acordo EEE mas que não são Estados‑Membros, e em países terceiros, no período compreendido entre 19 de maio de 2005 e 14 de fevereiro de 2006;

E o artigo 4.o tem por objeto a competência da Comissão para a aplicação do artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça no que respeita às ligações entre aeroportos situados no interior da União e aeroportos situados na Suíça, no período compreendido entre 1 de junho de 2002 e 14 de fevereiro de 2006.

49

A recorrente não contesta nem o alcance variável da competência da Comissão em função das ligações em questão, nem a divisão do dispositivo da decisão impugnada tendo em conta o alcance variável da competência da Comissão.

50

Em contrapartida, a recorrente observa, por um lado, que todas as transportadoras acusadas participaram, segundo a fundamentação da decisão impugnada, nos comportamentos anticoncorrenciais que compõem a infração única e continuada de âmbito mundial, independente das ligações asseguradas, e, por outro, que os artigos 1.° a 4.° dessa decisão estabelecem quatro infrações distintas, cada uma delas respeitante a uma categoria de ligações diferente, nas quais apenas participaram algumas das transportadoras acusadas.

51

A este respeito, resulta da decisão impugnada que apenas os nomes de onze das 21 transportadoras acusadas, a saber, a Air France‑KLM, a Air France, a KLM, a British Airways, a Cargolux, a Lufthansa, a Lufthansa Cargo, a Swiss, a recorrente, a SAS e a SAS Cargo são citados em todos os seus primeiros quatro artigos. Os nomes das transportadoras Air Canada, CPA, Japan Airlines Corp., Japan Airlines, Qantas, SAC e Singapore Airlines figuram tanto no artigo 2.o como no artigo 3.o da referida decisão. O nome da transportadora Scandinavian Airlines figura tanto no artigo 1.o como no artigo 4.o desta decisão. Quanto aos nomes das transportadoras LAN e LAN Cargo, figuram apenas no artigo 2.o da mesma decisão.

52

Ora, importa salientar que o período compreendido entre 1 de maio de 2004 e 14 de fevereiro de 2006, relativamente ao qual se constatou que as transportadoras cujos nomes figuram no artigo 2.o da decisão impugnada participaram no comportamento anticoncorrencial, bem como o período compreendido entre 19 de maio de 2005 e 14 de fevereiro de 2006, relativamente ao qual se constatou que as transportadoras cujos nomes figuram no artigo 3.o da referida decisão participaram no aludido comportamento, estão integralmente compreendidos no período contemplado no artigo 1.o da decisão, que vai desde 7 de dezembro de 1999 a 14 de fevereiro de 2006, bem como no período contemplado no artigo 4.o da mesma decisão, com início em 1 de junho de 2002 e termo em 14 de fevereiro de 2006, como resulta do n.o 41, supra.

53

Consequentemente, na hipótese de se considerar que os comportamentos anticoncorrenciais são constitutivos de uma infração única e contínua ao artigo 101.o TFUE, ao artigo 53.o do Acordo EEE e ao artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça, relativa a todas as ligações abrangidas pelo cartel, na qual todas as transportadoras acusadas participaram, os nomes das transportadoras citados no artigo 2.o da decisão impugnada deveriam também figurar nos artigos 1.° e 4.° da referida decisão. Além disso, os nomes de todas as transportadoras que, nos termos do artigo 2.o da decisão impugnada, participaram nos comportamentos referidos neste artigo num período posterior a 19 de maio de 2005, deveriam igualmente figurar no artigo 3.o da mesma decisão.

54

Assim, a leitura dos quatro primeiros artigos da decisão impugnada não permite interpretá‑los no sentido de que consagram a hipótese de uma só infração única e continuada, relativa a todas as ligações abrangidas pelo cartel, na qual todas as transportadoras acusadas participaram. Tendo em consideração a falta de menção dos nomes de várias transportadoras acusadas nos artigos 1.°, 3.° e 4.° da decisão impugnada, a leitura dos artigos 1.° a 4.° da referida decisão conduz pelo contrário, e necessariamente, a interpretar os referidos artigos no sentido de que consagram uma das seguintes conclusões:

Ou o dispositivo da decisão impugnada conclui pela existência de quatro infrações únicas e continuadas distintas, cada uma respeitante a uma categoria de ligações diferentes, o que poderia por outro lado explicar o emprego da palavra «infrações», no plural, nos artigos 5.° e 6.° da referida decisão, como alega a recorrente;

Ou o mencionado dispositivo conclui pela existência de uma só infração única e continuada, em que a responsabilidade é imputada apenas às transportadoras que, nas ligações referidas em cada um dos artigos 1.° a 4.° da decisão impugnada, participaram diretamente nos comportamentos ilícitos referidos em cada um daqueles artigos ou tiveram conhecimento de um conluio relativamente a essas ligações cujo risco aceitaram.

55

Esta última leitura explica‑se pelo facto de a Comissão não poder imputar a uma empresa que tenha participado diretamente num ou mais comportamentos anticoncorrenciais que constituem uma infração única e continuada a responsabilidade pelos comportamentos ilícitos projetados ou executados pelos participantes nessa infração, nos quais não participou diretamente, a menos que se tenha provado que, com o seu próprio comportamento, pretendia contribuir para todos os objetivos comuns, prosseguidos pelos outros participantes no cartel, e que tinha conhecimento de todos os outros comportamentos na prossecução dos mesmos objetivos, ou que podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco (v., neste sentido, acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens,C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 44).

56

No entanto, como as próprias partes salientam, decorre de uma leitura global da fundamentação da decisão impugnada e, em especial, dos considerandos 1, 95 a 97, 100, 101, 855, 856 e 864 a 879 dessa decisão que a Comissão descreve um único cartel, qualificado de infração única continuada ao artigo 101.o TFUE, ao artigo 53.o do Acordo EEE e ao artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça, relativo a todas as ligações abrangidas pelo cartel, no qual todas as transportadoras acusadas participaram. Estas, no âmbito de um plano único global e por meio de uma única rede de contactos, bilaterais e multilaterais, concertaram o seu comportamento no que respeita, por um lado, à evolução da STC e da STS e, por outro, à recusa de pagamento de comissões. Esta concertação teve lugar à escala mundial e abrangeu assim, simultaneamente, todas as ligações visadas pela referida decisão.

57

No considerando 892 da decisão impugnada, a Comissão sublinhou mesmo que o cartel descrito no n.o 56, supra, constituía uma infração única e que, no caso em apreço, era «artificial separar» os comportamentos anticoncorrenciais que compunham a infração única e continuada em infrações separadas.

58

Há, pois, que constatar a existência de uma contradição entre a fundamentação da decisão impugnada, que descreve uma só infração única e continuada, relativa a todas as ligações abrangidas pelo cartel, na qual todas as transportadoras acusadas participaram, e o dispositivo da referida decisão, que constata seja quatro infrações únicas e continuadas distintas seja uma só infração única e continuada em que a responsabilidade apenas é imputada às transportadoras que, relativamente às ligações referidas nos artigos 1.° a 4.° da decisão impugnada, participaram diretamente nos comportamentos ilícitos visados em cada um dos mencionados artigos ou tinham conhecimento de um conluio relativamente a essas ligações de que aceitaram o risco.

59

Esta conclusão não é infirmada pelo argumento da Comissão, apresentado na resposta às medidas de organização do processo referidas no n.o 16, supra, segundo o qual a ausência de menção de certas transportadoras acusadas nos artigos 1.°, 3.° e 4.° da decisão impugnada pode ser explicada, sem que seja necessário considerar que estes artigos constatam infrações únicas e continuadas distintas, pelo facto de as ditas transportadoras não assegurarem as ligações abrangidas por tais disposições.

60

Com efeito, a leitura alternativa do dispositivo da decisão impugnada, conforme proposta pela Comissão, contraria a própria ideia de existência de uma só infração única e continuada constituída por vários comportamentos anticoncorrenciais pelos quais todos os participantes são responsáveis, e isso independentemente das ligações em causa, como decorre designadamente das observações da Comissão nos considerandos 862 e 873 da referida decisão, dos quais resulta que aplicou, no caso em apreço, os princípios decorrentes da jurisprudência segundo a qual uma pessoa pode ser responsável pela participação de uma empresa numa infração única e continuada mesmo que se prove que a empresa em questão apenas participou diretamente num ou em alguns dos elementos constitutivos dessa infração, desde que soubesse ou devesse saber que o conluio em que a aludida empresa participara se inscrevia num plano global e que esse plano global abrangia a totalidade dos elementos constitutivos da infração (acórdãos de 14 de maio de 1998, Buchmann/Comissão, T‑295/94, Colet., EU:T:1998:88, n.o 121, e de 20 de março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colet., EU:T:2002:70, n.o 231).

61

A leitura alternativa do dispositivo da decisão impugnada, conforme proposta pela Comissão, contraria igualmente certas afirmações da própria contidas na referida decisão, como a que figura no considerando 881, nos termos da qual não era necessário, para concluir pela existência da infração única e continuada constatada, «que as transportadoras fossem concorrentes reais ou potenciais de todos os participantes no cartel, ou concorrentes reais ou potenciais unicamente numa ligação específica», ou a que resulta do considerando 825, segundo a qual não era necessário provar a existência de uma infração em relação a uma ligação específica, mas bastava fornecer provas da existência de um cartel mundial, «uma vez que todos os factos descritos [no ponto] 4 da decisão impugnada [faziam] parte das provas do acordo mundial descrito [nesta] decisão».

62

Decorre assim da fundamentação da decisão impugnada que esta descreve uma infração única e continuada não apenas em relação aos três elementos constitutivos da infração, a saber a STC, a STS e a recusa de pagamento das comissões, mas também em relação a todas as ligações asseguradas pelas transportadoras acusadas.

63

Consequentemente, a leitura alternativa do dispositivo da decisão impugnada, tal como proposta pela Comissão, conduziria, ela também, à constatação da existência de uma contradição entre a fundamentação e o dispositivo dessa decisão.

64

Seguidamente, importa declarar que, contrariamente ao que sustenta a Comissão (v. n.o 59, supra), as transportadoras mencionadas nos artigos 1.° a 4.° da decisão impugnada são consideradas responsáveis pela totalidade da infração visada em cada artigo, sem que se faça, em cada um dos artigos em causa, distinção entre as ligações asseguradas pelas referidas transportadoras durante o período da infração e as ligações que estas não asseguram.

65

Em suma, a leitura do dispositivo da decisão impugnada, tal como proposta pela Comissão, conduz à conclusão de que esse dispositivo assenta em duas lógicas contraditórias. Com efeito, por um lado, a transportadora mencionada em qualquer dos quatros primeiros artigos da referida decisão é considerada responsável por comportamentos anticoncorrenciais em que participou, mesmo que não assegure a totalidade das ligações abrangidas pelo artigo em questão. Por outro lado, a mesma transportadora, não mencionada num ou noutro artigo, escapa a qualquer responsabilidade por comportamentos anticoncorrenciais em que todavia participou, caso não assegure nenhuma das ligações abrangidas pelo referido artigo.

66

Além disso, importa salientar que, pela primeira vez na sua resposta referida no n.o 16, supra, a Comissão justificou a falta de menção de certas transportadoras acusadas nos artigos 1.°, 3.° e 4.° da decisão impugnada pela existência de um pretenso «poder discricionário» que lhe permite não imputar a certos participantes num cartel global a responsabilidade pela totalidade dos comportamentos anticoncorrenciais que o compõem e nos quais, não obstante participaram, na medida em que se baseie em critérios objetivos e não discriminatórios, admitindo assim que a aludida decisão poderia ter incluído todas as transportadoras nos seus artigos 1.°, 3.° e 4.°

67

A Comissão não só não explicou o fundamento jurídico de tal poder como também não explicou a compatibilidade desse poder com a sua vontade de aplicar os princípios decorrentes da jurisprudência citada nos considerandos 862 e 873 da decisão impugnada, conforme referida no n.o 60, supra.

68

Por último, importa declarar que a fundamentação da decisão impugnada não está ela própria isenta de incoerências internas. Com efeito, essa fundamentação contém apreciações dificilmente conciliáveis com a existência de um cartel único, que abranja todas as ligações referidas no dispositivo, como descrito nessa mesma fundamentação (v. n.o 56, supra).

69

A este respeito, deve salientar‑se, à semelhança da recorrente, que, no considerando 1124 da decisão impugnada, a Comissão indicou ter tido em consideração, como data de início da participação de cada uma das transportadoras acusadas na infração, o primeiro contacto anticoncorrencial em que cada transportadora participou, salvo no caso de certas transportadoras que, segundo a Comissão, não deveriam ser consideradas responsáveis pela infração relativamente às ligações entre aeroportos situados no interior do EEE, a saber, a Air Canada, a CPA, a Japan Airlines, a LAN Cargo e a SAC. Relativamente a estas transportadoras, considerou o dia 1 de maio de 2004 como data de início da infração, apesar de paralelamente ter indicado que haviam participado no cartel único, descrito no n.o 56, supra, antes dessa data. A Comissão justificou a escolha desta data pelo facto de que «[tinha sido] apenas a partir [da mesma] que o Regulamento n.o 1/2003 se [tinha tornado] aplicável aos serviços em questão e que [tinha sido] constatada uma infração no que respeita[va] [às transportadoras em causa]».

70

Ora, demonstrou‑se anteriormente (v. n.o 60, supra) que, na fundamentação da decisão impugnada, a Comissão havia indicado especificamente que aplicaria os princípios decorrentes da jurisprudência segundo a qual, existindo uma infração única e continuada, uma pessoa pode ser responsabilizada pela participação de uma empresa numa infração mesmo que se prove que a empresa em questão apenas participou diretamente num ou em alguns dos elementos constitutivos dessa infração, desde que soubesse ou devesse saber que o conluio em que participou se inscrevia num plano global e que esse plano global abrangia a totalidade dos elementos constitutivos da infração.

71

Assim, há que considerar que, embora a fundamentação da decisão impugnada constate a existência de uma só infração única e continuada relativa a todas as ligações abrangidas pelo cartel, a mesma contém contudo contradições internas importantes.

72

Por conseguinte, resulta do exposto que a decisão impugnada enferma de contradições, por um lado, entre a fundamentação e o dispositivo e, por outro lado, no âmbito da própria fundamentação.

73

Em segundo lugar, importa verificar se, como sustenta a recorrente, as contradições internas da decisão impugnada violam os seus direitos de defesa, na medida em que não lhe permitiram compreender a natureza e o alcance da infração ou das infrações constatadas e impede o Tribunal Geral de exercer a sua fiscalização.

74

A este respeito, deve recordar‑se que a simples existência de uma contradição entre a fundamentação e o dispositivo de uma decisão não é suficiente para considerar que esta enferma de um vício de fundamentação, desde que, em primeiro lugar, a decisão como um todo permita ao recorrente identificar e invocar essa incoerência, em segundo lugar, a redação do dispositivo seja suficientemente clara e precisa para lhe permitir compreender o alcance exato da decisão e, em terceiro lugar, as provas apresentadas para demonstrar a participação do recorrente nas infrações que lhe são imputadas no dispositivo sejam claramente identificadas e analisadas na fundamentação (v., neste sentido, acórdão Adriatica di Navigazione/Comissão, n.o 32, supra, EU:T:2003:335, n.os 49 a 52).

75

Ora, neste caso, nenhuma das duas leituras possíveis do dispositivo da decisão impugnada, referidas no n.o 54, supra, são conformes à fundamentação da referida decisão. Por conseguinte, na medida em que o Tribunal Geral não pode privilegiar uma ou outra dessas leituras sem substituir pela sua própria apreciação a da Comissão, basta examinar, no âmbito de pelo menos uma das duas leituras possíveis, se as contradições internas da decisão impugnada são suscetíveis de acarretar uma violação dos direitos de defesa da recorrente e impedem o Tribunal de exercer a sua fiscalização.

76

No que respeita à primeira leitura, a saber, aquela que conclui pela existência de quatro infrações únicas e continuadas distintas, que aliás a recorrente alega, deve constatar‑se que, embora a recorrente tenha podido identificar a existência de uma contradição, designadamente entre a fundamentação e o dispositivo da decisão impugnada, e deduzir da redação do dispositivo que este constatava quatro infrações distintas, não estava, todavia, em condições de compreender em que medida os elementos de prova explanados na fundamentação, ligados à existência de uma infração única e continuada, eram suscetíveis de demonstrar a existência das quatro infrações distintas constatadas no dispositivo e, por conseguinte, também não estava em condições de poder contestar a sua suficiência.

77

Com efeito, nos considerandos 692 a 806 da decisão impugnada, a Comissão optou por não diferenciar as provas consideradas contra cada transportadora acusada em função das ligações ou das categorias de ligações às quais essas provas se referiam. A Comissão limitou‑se a apreciar se essas provas eram suscetíveis de demonstrar a participação dessas transportadoras no cartel único descrito na fundamentação dessa decisão, sem analisar se a existência de cada uma das quatro infrações únicas e continuadas que constatou no dispositivo da decisão impugnada estavam suportadas por provas. Apenas foi efetuada uma diferenciação das provas relativamente às práticas concertadas que afetavam, respetivamente, a STC, a STS e a recusa de pagamento de comissões.

78

Além disso, e como alega a recorrente, no âmbito da primeira leitura possível do dispositivo, não lhe é possível compreender a lógica que conduziu a Comissão a considerá‑la responsável por uma infração, inclusivamente em relação a ligações não asseguradas no âmbito do perímetro definido por cada artigo da decisão impugnada, e, por conseguinte, compreender se foi objeto de uma discriminação relativamente às transportadoras acusadas que foram consideradas responsáveis apenas por duas infrações, ou mesmo por uma, com o fundamento de que não asseguravam certas ligações.

79

A este propósito, deve salientar‑se que as razões da falta de menção dos nomes de certas transportadoras em certos artigos da decisão impugnada não resultam claramente da leitura da referida decisão. A recorrente alega ainda que esta decisão não permite compreender se essa falta de menção está ligada ao facto de essas transportadoras não assegurarem certas ligações. Só na sequência da medida de organização do processo referida no n.o 16, supra, é que a Comissão precisou ao Tribunal Geral que os nomes de algumas transportadoras não eram referidos em certos artigos da mesma decisão quer porque as referidas transportadoras não asseguravam as ligações definidas nesses artigos quer porque o seu volume de negócios realizado com essas ligações era, para o ano de 2005, inferior a 30000 euros.

80

Neste contexto, deve recordar‑se que, de acordo com jurisprudência constante, a fundamentação deve, em princípio, ser comunicada ao interessado ao mesmo tempo que o ato que lhe é lesivo, não podendo a sua falta ser sanada pelo facto de o interessado tomar conhecimento dos fundamentos do ato no decurso do processo perante o juiz da União (acórdãos de 26 de novembro de 1981, Michel/Parlamento, 195/80, Colet., EU:C:1981:284, n.o 22, e de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., EU:C:2005:408, n.o 463).

81

De outro modo, o dever de fundamentação de uma decisão individual poderia pôr em causa a sua finalidade, que, de acordo com jurisprudência constante, consiste em fornecer ao interessado uma indicação suficiente para determinar se a decisão está bem fundamentada ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita contestar a sua validade e em permitir ao juiz da União exercer o seu controlo sobre a legalidade da decisão (v., neste sentido, acórdão Dansk Rorindustri e o./Comissão, n.o 80, supra, EU:C:2005:408, n.o 462 e jurisprudência aí referida).

82

Neste caso, foi precisamente em razão desta informação tardia que a recorrente só pôde invocar uma violação do princípio da igualdade entre transportadoras acusadas no decurso da audiência, uma vez que foi apenas nesse momento que pôde descobrir que, atendendo ao volume de negócios que havia realizado relativamente às ligações entre aeroportos situados no interior da União e aeroportos situados na Suíça durante o ano de 2005, o seu nome não deveria figurar no artigo 4.o da decisão impugnada.

83

Além disso, o Tribunal Geral não poderia fiscalizar a legalidade da decisão impugnada, uma vez que não estava em condições de apreciar se as provas reunidas pela Comissão, para demonstrar a existência de uma infração única e continuada, eram suficientes para demonstrar a existência das quatro infrações constatadas no dispositivo da referida decisão.

84

Daqui se conclui que a decisão impugnada está ferida de um vício de fundamentação que justifica a sua anulação.

85

Tendo em atenção o conjunto das considerações que precedem, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada procedente.

86

Por conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada na parte em que respeita à recorrente, sem que seja necessário analisar os demais fundamentos e argumentos apresentados.

Quanto às despesas

87

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela recorrente, de acordo com o pedido por esta formulado.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

 

1)

A Decisão C(2010) 7694 final da Comissão, de 9 de novembro de 2010, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.o TFUE, do artigo 53.o do Acordo EEE e do artigo 8.o do Acordo entre a Comissão Europeia e a Confederação Suíça relativo aos transportes aéreos (processo COMP/39258 — Transporte aéreo de mercadorias), é anulada na parte em que respeita à Martinair Holland NV.

 

2)

A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas e as efetuadas pela Martinair Holland.

 

Kanninen

Pelikánová

Buttigieg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de dezembro de 2015.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.