12.11.2013   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 327/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Potencial económico da competitividade da UE por libertar — Reforma das empresas públicas (parecer exploratório)

2013/C 327/01

Relator: Raymond HENCKS

Em 15 de abril de 2013, Vytautas Leškevičius, ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros, em nome da futura Presidência lituana do Conselho, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu que elaborasse um parecer exploratório sobre o

Potencial económico da competitividade da UE por libertar – Reforma das empresas públicas.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 27 de junho de 2013.

Na 491.a reunião plenária de 10 e 11 de julho de 2013 (sessão de 10 de julho), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 170 votos a favor, 10 votos contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Contexto

1.1

O presente parecer exploratório do CESE tem por objetivo elucidar sobre o contributo específico que as empresas públicas podem dar à competitividade da UE. Visa também identificar os desafios particulares que as políticas e as instituições europeias terão de enfrentar nesta matéria.

1.2

O parecer inscreve-se no quadro dos Tratados, que reservam um amplo poder discricionário aos Estados-Membros quanto à definição, organização e financiamento dos seus serviços de interesse geral. Além disso, de acordo com os Tratados, compete aos Estados-Membros escolher a forma e o estatuto (privado, público ou parceria público-privada) das empresas responsáveis pela execução das suas missões de serviço público (1).

1.3

Como instrumento de intervenção, as autoridades públicas podem decidir recorrer a empresas públicas segundo uma análise caso a caso, em função do setor, das missões e objetivos definidos, bem como das orientações a promover a longo prazo.

1.4

Na aceção da Diretiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas, entende-se por «empresa pública»: «qualquer empresa em que os poderes públicos possam exercer, direta ou indiretamente, uma influência dominante em consequência da propriedade, da participação financeira ou das regras que a disciplinem.

Presume-se a existência de influência dominante quando os poderes públicos, direta ou indiretamente, relativamente à empresa:

a)

Detenham a maioria do capital subscrito da empresa, ou

b)

Disponham da maioria dos votos atribuídos às partes sociais emitidas pela empresa, ou

c)

Possam designar mais de metade dos membros do órgão de administração, de direção ou de fiscalização da empresa.»

1.5

Todos os países europeus criaram ao longo da sua história empresas públicas, seja diretamente, seja através da nacionalização ou municipalização de empresas privadas. As razões para a criação dessas empresas são múltiplas:

executar objetivos estratégicos associados à segurança externa ou interna ou à segurança do aprovisionamento de certos bens e serviços essenciais;

construir as infraestruturas necessárias à vida económica e social;

mobilizar grandes investimentos (em particular após as duas guerras mundiais);

promover novas atividades não forçosamente rentáveis a curto prazo;

resolver falhas do mercado (monopólio natural, externalizações) ou da iniciativa privada;

reagir a situações de crise financeira, económica, social ou ambiental;

executar missões de serviço público.

1.6

A medição da eficácia, da eficiência e, se necessário, da necessidade de reforma das empresas públicas não se pode limitar aos indicadores habituais de rentabilidade das atividades económicas, mas deverá ter em conta o conjunto dos objetivos e missões que lhes foram atribuídos pelas autoridades públicas.

1.7

Segundo a definição europeia oficial, a competitividade consiste na capacidade para melhorar de forma sustentável o nível de vida dos cidadãos e lhes assegurar um elevado nível de emprego e coesão social.

1.8

Todos os anos, a UE vem a perder terreno em matéria de produtividade. Este abrandamento é sinónimo de deterioração da competitividade. Entre os índices que revelam este recuo encontram-se o défice de inovação e a falta de investimentos em infraestruturas, tecnologias e capital humano.

1.9

A competitividade da União Europeia e a sua atratividade dependem, portanto, dos investimentos feitos em infraestruturas, na educação e na formação, na investigação e no desenvolvimento, na saúde e na proteção social, na defesa do ambiente, etc. Como instrumento de intervenção, as autoridades públicas podem recorrer a empresas públicas para levar a cabo atividades nestes domínios.

1.10

Contudo, o Estado e as autoridades públicas regionais ou locais não são virtuosos por natureza, pelo que também há deficiências nas empresas públicas que podem ter as seguintes causas:

um controlo administrativo, burocrático ou «político»;

a falta de responsabilidade da autoridade pública, que se pode limitar a objetivos exclusivamente financeiros ou patrimoniais;

a instrumentalização da empresa pública para outros fins que não os inicialmente previstos.

1.11

A empresa pública pode ser o resultado de uma estratégia defensiva ou ofensiva da autoridade pública competente:

defensiva, quando o objetivo consiste em minimizar os efeitos da crise, «apagar fogos» em caso de insolvências de empresas ou salvar postos de trabalho, nacionalizar provisoriamente até se encontrar novo «comprador», sancionar um abuso evidente de uma empresa privada, etc.;

ofensiva, quando se visa promover uma política industrial ou novas tecnologias, executar uma política pública, desenvolver novos objetivos políticos, promover novas metas (biodiversidade, energias renováveis, transição energética), gerar um novo modelo de desenvolvimento (sustentável, inclusivo).

1.12

Tal implica que a autoridade pública assuma as suas responsabilidades em matéria de definição das orientações estratégicas, reservando um elevado nível de autonomia de gestão aos gestores da empresa. No entanto, cabe à autoridade pública velar pela organização de um verdadeiro controlo e de uma regulamentação pública genuína, o que requer uma governação das empresas públicas assente na participação de todas as partes interessadas e dos representantes dos trabalhadores nas empresas.

1.13

No atinente aos serviços de interesse económico geral para os quais os Estados-Membros criam empresas públicas, estas propõem atividades de natureza industrial e comercial, frequentemente em concorrência direta com as de outras empresas.

1.14

Entre as empresas públicas que evoluem num ambiente liberalizado e concorrencial, há que referir, em primeiro lugar, as indústrias de redes (eletricidade, gás, comunicações eletrónicas, transportes, serviços postais), cuja acessibilidade e prestação contínua, num bom nível de qualidade e a preços comportáveis, são indispensáveis não só para os cidadãos, mas também para uma grande parte das empresas privadas. Por conseguinte, desempenham um papel fundamental na economia nacional e na competitividade global dos Estados-Membros. Tal aplica-se igualmente a outros setores, como o audiovisual, a habitação, os cuidados de saúde e a assistência social, nos quais as deficiências do mercado de uma forma ou de outra não permitem aos cidadãos fazer valer os seus direitos fundamentais.

2.   Tema do pedido de parecer exploratório

2.1

Na sua carta de consulta, a futura Presidência lituana solicita, em particular, que se coloque a tónica na melhoria da eficácia das empresas públicas e na sua importância para a competitividade nacional. Pede igualmente que se analise a situação atual e as boas (ou más) práticas a nível da UE e apela à instauração de uma reforma estrutural sobre a avaliação da eficácia deste tipo de empresas no contexto da coordenação da política económica e do seu impacto no mercado interno.

2.2

Ainda que a legislação da UE só diga respeito a alguns domínios específicos de atividades das empresas públicas (auxílios estatais e serviços de interesse económico geral), a futura Presidência lituana propõe que as iniciativas a nível europeu relativas à reforma das empresas públicas se limitem a medidas não legislativas e não procurem determinar objetivos relativos ao novo quadro legislativo. A eventual privatização das empresas públicas deve continuar a ser da responsabilidade exclusiva dos Estados-Membros.

2.3

Por último, a futura Presidência lituana lamenta que, até à data, não tenha havido, nas iniciativas e documentos existentes ou previstos da Comissão Europeia, qualquer debate geral sobre a reforma das empresas públicas, a sua gestão, a melhoria da sua eficácia e o seu contributo para a competitividade e para a consecução dos objetivos da Estratégia Europa 2020. Até ao momento, a Comissão e o Parlamento Europeu concentraram-se apenas em dois aspetos: o respeito das regras em matéria de auxílios estatais e as regras relativas ao fornecimento de serviços de interesse económico geral.

3.   Propostas do CESE

3.1

O CESE não pode senão apoiar o pedido da futura Presidência lituana para que se analisem a situação atual e as boas (ou más) práticas e se instaure uma reforma estrutural sobre a avaliação da eficácia deste tipo de empresas no contexto da coordenação da política económica e do seu impacto no mercado interno.

3.2

Resulta dos Tratados uma obrigação reforçada por parte da União e dos Estados-Membros de zelar pelo funcionamento dos serviços de interesse económico geral, nomeadamente através do desenvolvimento de uma dinâmica progressiva de avaliação do desempenho destes serviços. Enquanto não for esse o caso, as avaliações do desempenho não conseguirão responder às necessidades dos cidadãos e da economia a nível nacional e europeu.

3.3

Tal avaliação deverá servir para aumentar a eficácia e a eficiência dos serviços de interesse económico geral e a sua adaptação às evoluções das necessidades dos cidadãos e das empresas. Além disso, deverá facultar às autoridades públicas os elementos que lhe permitam fazer as escolhas mais acertadas. Acresce que a avaliação será essencial para alcançar uma arbitragem harmoniosa entre os interesses do mercado e o interesse geral, bem como entre os objetivos económicos, sociais e ambientais.

3.4

No seu parecer sobre uma «Avaliação independente dos serviços de interesse geral» (2), o CESE apresentou propostas concretas para definir a nível europeu as modalidades de intercâmbio, cotejo, comparação e coordenação. Por conseguinte, cabe à União impulsionar a dinâmica desta avaliação independente no respeito do princípio de subsidiariedade e dos princípios enunciados no protocolo anexo ao Tratado Reformador através da elaboração, em diálogo com os representantes das partes interessadas, de um método harmonizado à escala europeia baseado em indicadores comuns e do estabelecimento dos meios necessários ao seu funcionamento.

3.5

No quadro das suas reflexões sobre a forma como as empresas públicas poderão contribuir para a recuperação económica e a competitividade da União, o CESE pronunciou-se em diversos pareceres sobre a questão dos serviços de interesse económico geral na Europa.

3.6

Existe desde 8 de outubro de 2001 um estatuto da sociedade europeia. Aplicável desde 8 de outubro de 2004, este estatuto permite às empresas que operam em vários Estados-Membros constituir uma única sociedade de direito europeu e aplicar, assim, as mesmas normas, nomeadamente, um sistema único de gestão e publicação da informação financeira. As sociedades que adotam este estatuto evitam os requisitos das legislações nacionais de cada Estado-Membro onde tenham constituído uma filial, reduzindo assim os seus encargos administrativos.

3.7

Neste contexto, haverá que examinar a possibilidade de criar um «estatuto da empresa pública europeia», conforme proposto pela Comissão Europeia em 2011 a propósito do programa Galileo (3) que é atualmente uma «empresa pública europeia de facto».

3.8

Poder-se-ia prever, em particular, a constituição de empresas públicas europeias para as grandes redes transeuropeias de energia e transportes – definidas como política comum nos Tratados – em cooperação com as empresas nacionais ou locais nestes setores, a fim de aplicar as novas disposições e competências constantes do Tratado de Lisboa, particularmente em matéria de política energética da UE (artigo 194.o do TFUE).

3.9

No seu parecer sobre o Livro Verde para uma rede europeia de energia segura, sustentável e competitiva  (4), o CESE preconizou que se realizassem estudos sobre a oportunidade e viabilidade de um serviço de interesse geral europeu no domínio da energia ao serviço dos cidadãos, com uma abordagem comum em matéria de preços, fiscalidade, regras financeiras de segurança, de continuidade, de desenvolvimento económico e de preservação do ambiente.

3.10

Nesse Livro Verde, a Comissão defende a ideia de um operador de redes europeias de transporte do gás através da criação progressiva de uma empresa independente para gerir uma rede unificada de transporte de gás em toda a UE.

3.11

Tais serviços europeus, independentemente do estatuto do prestador (público, privado, parceria público-privada), poderão conferir valor acrescentado a domínios essenciais e multinacionais ou transnacionais, como a segurança do aprovisionamento energético, a segurança dos recursos hídricos, a preservação da biodiversidade, a manutenção da qualidade do ar, a segurança interna e externa, etc., sempre que possam ser prestados mais eficazmente ao nível europeu do que ao nível nacional ou local.

3.12

Neste contexto, o CESE pronuncia-se a favor de parcerias públicas (União e Estados-Membros) e privadas para aumentar a segurança de aprovisionamento de energia e para se chegar a uma gestão integrada das redes interconectadas de energia (gás, eletricidade, petróleo), bem como o desenvolvimento de redes eólicas instaladas no mar e a conexão dos parques eólicos à rede em terra, o que poderia reduzir significativamente os custos de exploração e de investimento e incitar ao investimento em novos projetos de redes (5).

3.13

No âmbito das competências de cada Estado-Membro, por exemplo, em matéria de combinação energética, as questões sociais e societais colocadas pela gestão e utilização dos recursos naturais, da energia nuclear, das alterações climáticas, da gestão sustentável e da segurança transvazam as fronteiras tradicionais dos Estados e encontrarão respostas mais satisfatórias numa conceção europeia de interesse geral e de serviços adequados.

3.14

Poder-se-ia também colocar a questão das atividades económicas das agências de execução europeias.

3.15

Existem atualmente seis agências (6) que, no período de 2007 a 2013, têm a seu cargo a gestão de programas no valor de 28 mil milhões de euros. A maioria destes programas diz respeito a domínios em que a UE tem competência para apoiar os Estados-Membros.

3.16

Por um lado, é possível encarar estas agências de execução como uma forma de subcontratação de determinadas funções da Comissão e questionar até que ponto elas são realmente independentes; por outro, é também verdade que as suas missões e responsabilidades as levam a intervir diretamente nas atividades económicas e sociais. Estaremos assim tão afastados das definições exaustivas dos conceitos de «atividade económica» e «empresa» acordadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia?

Bruxelas, 10 de julho de 2013

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  Os Tratados em nada prejudicam o regime da propriedade nos Estados-Membros. De acordo com o artigo 345.o do TFUE, a UE é neutra no que se refere à natureza pública ou privada dos acionistas das empresas, não afetando o regime de propriedade dos Estados-Membros.

(2)  JO C 162 de 25.6.2008, pp. 42-45.

(3)  Impact assessment on the Proposal for a Regulation on further implementation of the European satellite navigation programme (2014-2020) [Avaliação do impacto sobre a proposta de regulamento relativo ao prosseguimento da execução dos programa europeu de navegação por satélite (2014-2020)] (SEC(2011)1446.

(4)  JO C 306 de 16.12.2009, pp. 51-55.

(5)  JO C 128 de 18.5.2010, pp. 65-68.

(6)  Agência de Execução da Rede Transeuropeia de Transportes (TEN-TEA), Agência Executiva do Conselho Europeu de Investigação (ERC), Agência de Execução para a Investigação (REA), Agência de Execução para a Competitividade e a Inovação (EACI), Agência de Execução para a Saúde e os Consumidores (EAHC), Agência de Execução relativa à Educação, ao Audiovisual e à Cultura (EACEA).