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Document 62021CJ0064

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 13 de outubro de 2022.
Rigall Arteria Management sp. z o.o. sp.k. contra Bank Handlowy w Warszawie S.A.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Najwyższy.
Reenvio prejudicial — Diretiva 86/653/CEE — Artigo 7.o, n.o 1, alínea b) — Agentes comerciais que agem como independentes — Operação concluída com um terceiro já anteriormente cliente do agente comercial — Remuneração — Natureza imperativa ou supletiva do direito do agente à comissão.
Processo C-64/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:783

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

13 de outubro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 86/653/CEE — Artigo 7.o, n.o 1, alínea b) — Agentes comerciais que agem como independentes — Operação concluída com um terceiro já anteriormente cliente do agente comercial — Remuneração — Natureza imperativa ou supletiva do direito do agente à comissão»

No processo C‑64/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), por Decisão de 17 de setembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de fevereiro de 2021, no processo

Rigall Arteria Management sp. z o.o. sp.k.

contra

Bank Handlowy w Warszawie S.A.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente de secção, N. Jääskinen, M. Safjan, N. Piçarra e M. Gavalec, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretário: M. Siekierzyńska, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de março de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Rigall Arteria Management sp. z o.o. sp.k., por M. Skrycki, adwokat, e A. Springer, radca prawny,

em representação da Bank Handlowy w Warszawie S.A., por G. Pietras e M. Rzepka, adwokaci,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, U. Bartl, J. Heitz e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Pucciariello, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por L. Armati, S. L. Kalėda e B. Sasinowska, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 9 de junho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (JO 1986, L 382, p. 17).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Rigall Arteria Management sp. z o.o. sp.k. à Bank Handlowy w Warszawie S.A. (a seguir «Bank Handlowy») a respeito da prestação das informações necessárias para permitir que a primeira determine o montante da comissão que lhe é devida a título dos contratos celebrados pela Bank Handlowy com terceiro que já eram anteriormente clientes da Rigall Arteria Management.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O segundo e o terceiro considerandos da Diretiva 86/653 têm a seguinte redação:

«Considerando que as diferenças entre as legislações nacionais em matéria de representação comercial afetam sensivelmente, no interior da Comunidade, as condições de concorrência e o exercício da profissão e diminuem o nível de proteção dos agentes comerciais nas relações com os seus comitentes, assim como a segurança das operações comerciais; que, por outro lado, essas diferenças são suscetíveis de dificultar sensivelmente o estabelecimento e o funcionamento dos contratos de representação comercial entre um comitente e um agente comercial estabelecidos em Estados‑Membros diferentes;

Considerando que as trocas de mercadorias entre Estados‑Membros se devem efetuar em condições análogas às de um mercado único, o que impõe a aproximação dos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros na medida do necessário para o bom funcionamento deste mercado comum; que, a este respeito, as regras de conflitos de leis, mesmo unificadas, não eliminam, no domínio da representação comercial, os inconvenientes atrás apontados e não dispensam portanto a harmonização proposta.»

4

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, o agente comercial é a pessoa que, como intermediário independente, é encarregada a título permanente, quer de negociar a venda ou a compra de mercadorias para uma outra pessoa, adiante designada “comitente”, quer de negociar e concluir tais operações em nome e por conta do comitente.»

5

O capítulo III da referida diretiva intitula‑se «Remuneração». Inclui os artigos 6.o a 12.o O primeiro destes artigos dispõe:

«1.   Na falta de acordo entre as partes e sem prejuízo da aplicação das disposições obrigatórias dos Estados‑Membros sobre o nível das remunerações, o agente comercial tem direito a uma remuneração segundo os usos em vigor na área em que exerce a sua atividade e para a representação das mercadorias que são objeto do contrato de agência. Na falta de tais usos, o agente comercial tem direito a uma remuneração razoável que tenha em conta todos os elementos relacionados com a operação.

2.   Os elementos [d]a remuneração que variem com o número ou o valor dos negócios serão considerados como constituindo uma comissão para efeitos da presente diretiva.

3.   Não se aplicam os artigos 7.o a 12.o, se o agente comercial não for total ou parcialmente remunerado por comissão.»

6

O artigo 7.o, n.o 1, da mesma diretiva, enuncia:

«1.   Pelas operações comerciais concluídas durante a vigência do contrato de agência, o agente comercial tem direito à comissão:

a)

Se a operação tiver sido concluída em consequência da sua intervenção,

ou

b)

Se a operação tiver sido concluída com um terceiro já seu anterior cliente para operações do mesmo género.»

7

O artigo 10.o da Diretiva 86/653 prevê:

«1.   O direito à comissão adquire‑se logo que e na medida em que se verifique uma das seguintes circunstâncias:

a)

O comitente ter executado a operação;

b)

O comitente dever ter executado a operação por força do acordo concluído com o terceiro;

c)

O terceiro ter executado a operação.

2.   O direito à comissão adquire‑se o mais tardar no momento em que o terceiro executa a sua parte na operação ou no momento em que devesse tê‑la executado, se o comitente tiver executado a sua parte na operação.

3.   A comissão será paga o mais tardar no último dia do mês seguinte ao trimestre em que o direito tiver sido adquirido.

4.   Não pode ser derrogado por acordo o disposto nos n.os 2 e 3 em prejuízo do agente comercial.»

8

O artigo 11.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.   O direito à comissão só se extingue se e na medida em que:

o contrato entre o terceiro e o comitente não for executado,

e

a não execução não for devida a circunstâncias imputáveis ao comitente.

2.   As comissões que o agente comercial já tiver recebido serão reembolsadas, se se extinguir o respetivo direito.

3.   O disposto no n.o 1 não pode ser derrogado por acordo em prejuízo do agente comercial.»

9

Nos termos do artigo 12.o da referida diretiva:

«1.   O comitente enviará ao agente comercial uma lista das comissões devidas o mais tardar no último dia do mês seguinte ao trimestre em que o respetivo direito tiver sido adquirido. Essa lista indicará todos os elementos essenciais que serviram de base ao cálculo do montante das comissões.

2.   O agente comercial tem o direito de exigir que lhe sejam fornecidas todas as informações, nomeadamente um extrato dos livros de contabilidade, que estejam à disposição do comitente e que sejam necessárias ao agente para verificar o montante das comissões devidas.

3.   Não pode ser derrogado por acordo o disposto nos n.os 1 e 2 em prejuízo do agente comercial.

[…]»

Direito polaco

10

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 foi transposto para o direito polaco pelo artigo 761.o, n.o 1, da ustawa — Kodeks cywilny (Lei que Aprova o Código Civil), de 23 de abril de 1964 (Dz. U. de 2019, posição 1145) (a seguir «Código Civil»). Nos termos desta disposição:

«O agente pode exigir uma comissão sobre os contratos celebrados durante a vigência do contrato de agência se estes tiverem sido celebrados em consequência das suas atividades ou se tiverem sido celebrados com anteriores clientes para contratos do mesmo género.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

A Rigall Arteria Management e a Bank Handlowy assinaram contratos de agência entre 1 de junho de 1999 e 30 de junho de 2015. O último destes contratos revestiu a forma de um contrato‑quadro, que foi completado por contratos de agência específicos. Os contratos celebrados entre as partes no processo principal diziam respeito à execução de uma atividade de intermediação financeira, incluindo a intermediação no exercício de atividades acessórias e promocionais relacionadas com o serviço e com a aquisição de cartões de crédito, bem como de outros serviços financeiros oferecidos pela Bank Handlowy.

12

Estes contratos descrevem o modo como o agente é remunerado e preveem, nomeadamente, que a remuneração é calculada em função do número de contratos celebrados. Na maioria dos casos, trata‑se de um montante fixo pago em função da emissão de um cartão de crédito ou do processamento com êxito de um pedido de crédito. Nenhum destes contratos define outro modo de remuneração a título de comissões para além daquela que é devida a título dos contratos celebrados com recurso à intervenção direta do agente. Além disso, no termo da vigência do contrato de agência, o agente tem direito a uma prestação compensatória cujo montante é definido no contrato. Este contrato indica também que este montante esgota a totalidade da prestação compensatória a que o agente tem direito.

13

Tendo a Bank Handlowy resolvido o contrato‑quadro em 17 de dezembro de 2014, a Rigall Arteria Management pediu‑lhe que prestasse informações sobre a comissão que lhe era devida relativa ao período entre 1 de junho de 1999 e 31 de janeiro de 2015. Em resposta a sucessivos pedidos, a Bank Handlowy alegou que as informações comunicadas até esse momento correspondiam à remuneração total devida ao abrigo dos contratos de agência celebrados e que, por conseguinte, não havia razão para transmitir outras informações. Por outro lado, a Bank Handlowy sustentou que as informações pedidas estavam abrangidas pelo segredo bancário.

14

Perante esta recusa, a Rigall Arteria Management intentou no Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) uma ação em cujo âmbito pediu que fossem divulgadas as informações necessárias para calcular o montante da comissão devida a título da duração do contrato.

15

O Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) julgou a ação improcedente por Sentença de 20 de junho de 2016, com o fundamento de que as declarações apresentadas pelo comitente durante a vigência do contrato de agência estavam completas e que o agente não tinha levantado objeções ao montante da comissão que tinha sido calculada. Este órgão jurisdicional também considerou que não resultava dos termos dos contratos que vinculavam as partes que o agente tinha direito de exigir comissões a título dos contratos celebrados pelo banco com clientes que anteriormente já eram clientes do agente. O Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) confirmou igualmente a posição da Bank Handlowy segundo a qual uma parte das informações pedidas pelo agente estava abrangida pelo segredo bancário.

16

Por Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, o Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia) negou provimento ao recurso interposto pela Rigall Arteria Management. Confirmou o essencial da argumentação do órgão jurisdicional de primeira instância. Considerou, além disso, que a ação da Rigall Arteria Management só se justificava se o agente pudesse exigir o pagamento do tipo de remuneração a que as informações pedidas se referiam. O órgão jurisdicional de recurso considerou que não era o que resultava das circunstâncias do caso concreto.

17

Segundo o Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia), a remuneração a título dos contratos celebrados com clientes que anteriormente já eram clientes do agente ao abrigo do artigo 761.o, n.o 1, do Código Civil assenta numa regulamentação supletiva. Ora, segundo este órgão jurisdicional, da inexistência de referências no texto do contrato a esta forma de comissão e do comportamento das partes durante a sua execução resulta que estas partes excluíram implicitamente o direito do agente à comissão em causa.

18

A Rigall Arteria Management interpôs recurso de cassação do Acórdão do Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo.

19

Perante este último, a Rigall Arteria Management invocou, entre os fundamentos invocados em apoio do seu recurso, a violação do artigo 761.o, n.o 1, do Código Civil, interpretado à luz do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653, pelo facto de se ter considerado que esta disposição revestia natureza supletiva. Segundo a Rigall Arteria Management, a norma resultante desta disposição não pode ser excluída por um contrato de agência em prejuízo do agente. Na sua resposta ao recurso de cassação, a Bank Handlowy contestou esta alegação, advogando pela natureza totalmente supletiva do artigo 761.o, n.o 1, do Código Civil.

20

O Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) tem dúvidas sobre a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653. Por um lado, a redação das disposições desta diretiva pode indicar que a sua natureza supletiva só é excluída para as disposições que a exprimam expressamente. Por outro lado, o objetivo da referida diretiva, que visa proteger o agente comercial, sugere que esta deve ser interpretada no seu todo de um modo que impeça a introdução de alterações contratuais em prejuízo dos direitos conferidos ao agente.

21

Além disso, os artigos 7.o a 12.o da mesma diretiva preveem um sistema coerente e «fechado» de disposições sobre a remuneração do agente, que só pode ser suprimido integralmente e substituído por outro regime instituído pelas próprias partes. Assim, estas disposições só permitem substituir o sistema de comissão por outro sistema de remuneração do agente comercial, não permitindo que se excluam alguns dos seus elementos específicos.

22

A conclusão segundo a qual o direito a uma comissão ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 não pode ser excluído ou alterado em prejuízo do agente comercial também é convincente sob o ângulo funcional à luz da impossibilidade prática de os agentes comerciais negociarem os contratos elaborados unilateralmente pelos comitentes.

23

Nestas condições, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«À luz do teor e da finalidade do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da [Diretiva 86/653], deve entender‑se que esta disposição confere ao agente comercial que age como independente o direito absoluto a uma comissão sobre um contrato celebrado, durante a vigência do contrato de agência, com um terceiro que já era seu cliente anteriormente em operações do mesmo género, ou pode esse direito ser contratualmente excluído?»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

24

A título preliminar, há que salientar que o contrato em causa no processo principal tem por objeto a venda de serviços financeiros. Ora, este tipo de contrato não é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 86/653, a qual só se aplica, de acordo com a definição do conceito de «agente comercial» constante do seu artigo 1.o, n.o 2, aos agentes comerciais encarregados a título permanente, quer de negociar, quer de negociar e concluir a venda ou a compra de mercadorias.

25

No entanto, decorre de jurisprudência constante que, quando uma legislação nacional pretende adequar as soluções que dá a situações puramente internas às soluções adotadas no direito da União, para, nomeadamente, evitar o aparecimento de discriminações em relação a cidadãos nacionais ou de eventuais distorções de concorrência, ou ainda para assegurar um processo único em situações comparáveis, existe um interesse manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos do direito da União sejam interpretados de maneira uniforme, independentemente das condições em que devem ser aplicados (v. Acórdão de 17 de maio de 2017, ERGO Poist’ovňa, C‑48/16, EU:C:2017:377, n.o 29 e jurisprudência referida).

26

A este respeito, resulta dos elementos transmitidos pelo órgão jurisdicional de reenvio em resposta a um pedido de esclarecimentos do Tribunal de Justiça que, quando transpôs a Diretiva 86/653 para o direito nacional, o legislador polaco não definiu o contrato de agência por referência à venda ou à compra de mercadorias, o que se traduziu na sua intenção de tratar de maneira uniforme os contratos de agência relativos à venda ou à compra de mercadorias, bem como os contratos relativos à venda ou à compra de serviços.

27

Por conseguinte, há que constatar que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o presente pedido de decisão prejudicial.

Quanto à questão prejudicial

28

Com a sua única questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que é possível derrogar contratualmente o direito que esta disposição confere ao agente comercial que age como independente de receber uma comissão a título de uma operação concluída, durante a vigência do contrato de agência, com um terceiro que já era anteriormente cliente desse agente em operações do mesmo género.

29

Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 86/653, o agente comercial tem direito, pelas operações comerciais concluídas durante a vigência do contrato de agência, à comissão se a operação tiver sido concluída em consequência da sua intervenção, ou se a operação tiver sido concluída com um terceiro já seu anterior cliente para operações do mesmo género.

30

Conforme a advogada‑geral salientou no n.o 45 das suas conclusões, a redação desta disposição parece indicar, através da utilização da conjunção «ou», que o legislador da União quis propor uma escolha às partes. No entanto, desta redação não é possível deduzir se esta disposição reveste, ou não, natureza supletiva.

31

Por conseguinte, uma vez que a natureza imperativa do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 não está enunciada expressamente no artigo 7.o desta diretiva, nem nas suas outras disposições, há que tomar em consideração, para efeitos da sua interpretação, o contexto em que se inscreve e os objetivos prosseguidos pela referida diretiva. A génese desta disposição também pode revelar elementos pertinentes para a sua interpretação [v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 2020, A e o. (Turbinas eólicas em Aalter e em Nevele), C‑24/19, EU:C:2020:503, n.o 37].

32

No que respeita, antes de mais, ao contexto da referida disposição, resulta da sistemática geral da Diretiva 86/653 que, quando não é possível derrogar uma das suas disposições, o legislador da União teve cuidado de o indicar. É o que sucede, em especial, no artigo 10.o, n.o 4, no artigo 11.o, n.o 3, ou ainda no artigo 12.o, n.o 3, desta Diretiva 86/653 que, à semelhança do artigo 7.o da referida diretiva, figuram todos no seu capítulo III, relativo à remuneração do agente.

33

Por outro lado, embora o n.o 3 do artigo 6.o da Diretiva 86/653 possa sugerir, numa leitura a contrario, que a remuneração do agente comercial total ou parcialmente por comissão implica necessariamente que se aplicam os artigos 7.o a 12.o desta diretiva, resulta, no entanto, do n.o 1 do artigo 6.o da referida diretiva que o nível das remunerações do agente depende, a título principal, de acordo entre as partes. Por conseguinte, decorre de uma leitura sistemática do artigo 6.o da Diretiva 86/653 que se o legislador da União tivesse pretendido derrogar o princípio enunciado no n.o 1 desta disposição num dos números subsequentes, tê‑lo‑ia expressamente indicado.

34

No que se refere, em seguida, aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 86/653, há que recordar que esta pretende, como resulta dos seus segundo e terceiro considerandos, proteger os agentes comerciais nas relações com os seus comitentes, promover a segurança das operações comerciais e facilitar as trocas de mercadorias entre Estados‑Membros através da aproximação dos sistemas jurídicos destes últimos em matéria de representação comercial (Acórdãos de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali, C‑465/04, EU:C:2006:199, n.o 19, e de 16 de fevereiro de 2017, Agro Foreign Trade & Agency, C‑507/15, EU:C:2017:129, n.o 29).

35

A este respeito, há, todavia, que salientar que uma interpretação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 que lhe conferisse um âmbito imperativo não conduziria necessariamente a uma proteção acrescida dos agentes comerciais. Com efeito, como a advogada‑geral explicou no n.o 66 das suas conclusões, não se pode excluir que, em tal circunstância, alguns comitentes compensassem o custo da comissão que seria necessariamente devida a título da operação concluída, durante a vigência do contrato de agência, com um terceiro que já era anteriormente cliente do agente em operações do mesmo género, através de uma redução da taxa da comissão de base, da limitação ou da exclusão de despesas anteriormente reembolsadas ou de outros elementos da remuneração, ou inclusivamente renunciassem celebrar um contrato com um agente comercial.

36

Por último, esta interpretação é corroborada pela génese da Diretiva 86/653. Com efeito, resulta da Proposta de Diretiva do Conselho relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (independentes) (JO 1977, C 13, p. 2), que a Comissão Europeia propôs inicialmente que as disposições que as partes não poderiam derrogar fossem enunciadas num único e mesmo artigo, a saber, no artigo 35.o desta proposta. Embora a disposição correspondente ao artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva tenha figurado nesta lista, foi posteriormente retirada. Além disso, embora o legislador da União tenha desistido do princípio da lista única em benefício de uma proibição de derrogação casuística, não consagrou esta solução para o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653.

37

Como a advogada‑geral salienta no n.o 75 das suas conclusões, a retirada da disposição correspondente ao artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 da lista acima referida referente às disposições imperativas que figuram no artigo 35.o da proposta de diretiva referida no número anterior do presente acórdão, e a possibilidade de especificar, artigo a artigo, o âmbito imperativo ou não imperativo das disposições da Diretiva 86/653, confirmam que uma vez que não há uma indicação expressa neste sentido no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, esta disposição reveste natureza supletiva.

38

Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à questão submetida que o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que é possível derrogar contratualmente o direito que esta disposição confere ao agente comercial que age como independente de receber uma comissão a título de uma operação concluída, durante a vigência do contrato de agência, com um terceiro que já era anteriormente cliente desse agente em operações do mesmo género.

Quanto às despesas

39

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

é possível derrogar contratualmente o direito que esta disposição confere ao agente comercial que age como independente de receber uma comissão a título de uma operação concluída, durante a vigência do contrato de agência, com um terceiro que já era anteriormente cliente desse agente em operações do mesmo género.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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