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Document 62014CJ0489

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 6 de outubro de 2015.
A contra B.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales).
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.° 2201/2003 — Litispendência — Artigos 16.° e 19.°, n.os 1 e 3 — Processo de separação judicial num primeiro Estado‑Membro e processo de divórcio num segundo Estado‑Membro — Competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar — Conceito de competência ‘estabelecida’ — Extinção do primeiro processo e instauração de um novo processo de divórcio no primeiro Estado‑Membro — Consequências — Diferença horária entre os Estados‑Membros — Efeitos sobre a instauração do processo judicial.
Processo C-489/14.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:654

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

6 de outubro de 2015 ( * )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Litispendência — Artigos 16.° e 19.°, n.os 1 e 3 — Processo de separação judicial num primeiro Estado‑Membro e processo de divórcio num segundo Estado‑Membro — Competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar — Conceito de competência ‘estabelecida’ — Extinção do primeiro processo e instauração de um novo processo de divórcio no primeiro Estado‑Membro — Consequências — Diferença horária entre os Estados‑Membros — Efeitos sobre a instauração do processo judicial»

No processo C‑489/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court of Justice (England & Wales), Family Division (Reino Unido), por decisão de 31 de outubro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de novembro de 2014, no processo

A

contra

B,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 1 de junho de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A, por T. Amos, QC, e H. Clayton, barrister,

em representação do Governo do Reino Unido, por M. Holt, na qualidade de agente, assistido por M. Gray, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de setembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 19.o, n.os 1 e 3, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO L 338, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A a B a propósito do respetivo divórcio.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 2201/2003

3

O artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, sob a epígrafe «Competência geral», estabelece, no seu n.o 1, as regras de competência jurisdicional aplicáveis em função do lugar de residência de um ou de ambos os cônjuges, da sua nacionalidade ou, no caso do Reino Unido, do «domicílio» comum.

4

O artigo 16.o deste regulamento, sob a epígrafe «Apreciação da ação por um tribunal», dispõe:

«Considera‑se que o processo foi instaurado:

a)

Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido;

ou

b)

Se o ato tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o ato seja apresentado a tribunal.»

5

O artigo 19.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Litispendência e ações dependentes», dispõe:

«1.   Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados‑Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

2.   Quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação à uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

3.   Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declarar‑se incompetente a favor daquele.

Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetid[o] pelo requerente à apreciação do tribunal em que a ação foi instaurada em primeiro lugar.»

Regulamento (CE) n.o 44/2001

6

O Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), foi revogado pelo Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 351, p. 1).

7

O artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001, que fazia parte da secção 9 do capítulo II do mesmo, intitulada «Litispendência e conexão», previa:

«1.   Quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar.

2.   Quando estiver estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»

Convenção de Bruxelas

8

O Regulamento n.o 44/2001 substituiu, nas relações entre Estados‑Membros, a Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pelas sucessivas Convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»).

9

O artigo 21.o da Convenção de Bruxelas, que constava da secção 8, intitulada «Litispendência e conexão», do título II da mesma, dispunha:

«Quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados contratantes, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar.

Quando estiver estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»

Direito francês

10

O artigo 1111.o do Código de Processo Civil dispõe:

«Sempre que concluir, após ter ouvido as declarações de cada um dos cônjuges sobre a causa da rutura, que o requerente mantém o seu pedido, o juiz profere um despacho através do qual pode convidar as partes, nos termos do artigo 252.o, n.o 2, do Código Civil, para uma nova tentativa de conciliação, ou autorizar imediatamente os cônjuges a intentarem a ação de divórcio.

Em ambos os casos, pode decretar, total ou parcialmente, as medidas provisórias previstas nos artigos 254.° a 257.° do Código Civil.

Quando autoriza a propositura da ação, o juiz recorda no seu despacho os prazos previstos no artigo 1113.o do presente código.»

11

O artigo 1113.o do referido código tem a seguinte redação:

«Nos três meses posteriores à pronúncia do despacho, apenas o cônjuge que apresentou a petição inicial pode intentar a ação de divórcio.

Em caso de reconciliação dos cônjuges ou se a ação não tiver sido intentada dentro dos trinta meses posteriores à pronúncia do despacho, todas as disposições que este prevê extinguem‑se, incluindo a autorização para intentar a ação.»

12

Nos termos do artigo 1129.o do mesmo código, «[o] processo de separação judicial obedece às regras previstas para o processo de divórcio».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13

A e B, cidadãos franceses, casaram em França, em 27 de fevereiro de 1997, após terem celebrado uma convenção antenupcial de direito francês sob o regime da separação de bens. Foram morar para o Reino Unido em 2000. O casal teve dois filhos, gémeos, em 1999, e um terceiro filho, em 2001. A família continuou a residir no Reino Unido até junho de 2010, data em que o casal se separou quando B abandonou o domicílio conjugal.

14

Em 30 de março de 2011, B intentou uma ação de separação judicial no juge aux affaires familiales do tribunal de grande instance de Nanterre (Secção de Família do Tribunal de Grande Instância de Nanterre) (França).

15

Em 19 de maio de 2011, em reação à ação intentada pelo seu marido, A apresentou na Child support Agency (Agência de Apoio à Criança) um pedido de prestação de alimentos para os filhos, que tinha a seu cargo, tendo depois apresentado um pedido de divórcio, bem como um pedido separado de pensão de alimentos nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido, em 24 de maio de 2011.

16

Contudo, em 7 de novembro de 2012, a High Court of Justice (England & Wales), Family Division [Tribunal Supremo de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção de Família] declarou‑se incompetente para conhecer do pedido de divórcio, com fundamento no artigo 19.o do Regulamento n.o 2201/2003, com o consentimento de A.

17

Em 15 de dezembro de 2011, o juge aux affaires familiales do tribunal de grande instance de Nanterre proferiu um despacho de não conciliação e declarou que as questões relativas aos filhos, incluindo os pedidos sobre a obrigação de alimentos, deviam ser tratadas no Reino Unido, sendo contudo os tribunais franceses competentes para decretar determinadas medidas provisórias. Ordenou a B o pagamento de uma pensão mensal de 5000 euros a A. Esse despacho foi confirmado em sede de recurso por uma decisão da cour d’appel de Versailles (Tribunal de Segunda Instância de Versalhes) (França) de 22 de novembro de 2012.

18

O órgão jurisdicional de reenvio assinala que, devido à falta de citação dentro do prazo de 30 meses a partir da prolação do despacho de não conciliação do tribunal francês, as disposições do mesmo caducaram à meia‑noite do dia 16 de junho de 2014.

19

Em 17 de dezembro de 2012, B intentou uma ação de divórcio num tribunal francês. No entanto, em 11 de julho de 2013, o seu pedido foi declarado irregular, por não poder prosperar, uma vez que estava pendente um processo de separação judicial.

20

Em 13 de junho de 2014, A intentou num tribunal do Reino Unido uma nova ação de divórcio. O órgão jurisdicional de reenvio especifica que A tentou, em vão, que essa ação apenas produzisse efeitos um minuto após a meia‑noite, em 17 de junho de 2014.

21

Em 17 de junho de 2014, às 8 h 20 m, hora francesa, B intentou, por sua vez, uma segunda ação de divórcio num tribunal francês. O órgão jurisdicional de reenvio observa que eram 7 h 20 m no Reino Unido e que não era possível, à dita hora, intentar uma ação num tribunal do Reino Unido.

22

Em 9 de outubro de 2014, B solicitou ao órgão jurisdicional de reenvio que a ação de divórcio intentada por A no Reino Unido fosse cancelada do registo ou declarada inadmissível, uma vez que estava estabelecida a competência dos tribunais franceses, sem ambiguidade ou contestação possível, na aceção do artigo 19.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003.

23

O órgão jurisdicional de reenvio considera que B procurou, ao intentar ações de divórcio nos tribunais franceses, impedir que A pudesse dar início a uma ação de divórcio no Reino Unido. Assim, não renunciou à sua ação de separação judicial antes de intentar uma ação de divórcio em França para evitar que, no intervalo entre os dois processos correspondentes a essas ações, A pudesse validamente intentar uma ação de divórcio no Reino Unido e obter uma decisão de um tribunal desse Estado‑Membro sobre a totalidade das questões ligadas ao divórcio, nomeadamente em matéria patrimonial. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, B, contrariando a intenção do legislador da União Europeia, abusou, através das suas opções processuais, dos direitos que o Regulamento n.o 2201/2003 lhe conferia.

24

O órgão jurisdicional de reenvio observa que B não tomou praticamente nenhuma iniciativa no processo de separação judicial e interroga‑se, nestas condições, sobre a questão de saber se a competência do tribunal francês pode ser considerada «estabelecida» na aceção do artigo 19.o, n.os 1 e 3, do referido regulamento.

25

Nestas condições, a High Court of Justice (England & Wales), Familiy Division, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Para efeitos do artigo 19.o, n.os 1 e 3, [do Regulamento n.o 2201/2003], o que deve entender‑se por competência ‘estabelecida’, quando:

a)

o autor de uma primeira ação, proposta num primeiro tribunal (a seguir ‘primeiro processo’), não cumpre nenhuma formalidade processual além da designação do primeiro tribunal e, em especial, não promove a citação do réu (Assignation) dentro do prazo a contar da apresentação do pedido (Requête), com a consequência de que a instância se extingue sem decisão, pelo decurso do prazo, nos termos da lei aplicável ao primeiro processo (a lei francesa), 30 meses após a primeira audiência preparatória;

b)

o primeiro processo se extinguiu pouco depois (3 dias) de ter sido intentada, em Inglaterra, a ação proposta no segundo tribunal (a seguir ‘segundo processo’), com a consequência de que não há decisão em França nem qualquer risco de virem a ser proferidas decisões contraditórias entre o primeiro e o segundo processo; e

c)

em virtude do fuso horário do Reino Unido, o autor do primeiro processo podia ainda, após a extinção deste, intentar nova ação de divórcio em França antes de o autor do segundo processo poder intentar uma ação de divórcio em Inglaterra?

2)

Em especial, a expressão competência ‘estabelecida’ implica que o autor do primeiro processo tem de dar o devido impulso processual com a devida diligência e celeridade, com vista à resolução do litígio (pelo tribunal ou por acordo), ou pode, uma vez assegurada a competência nos termos dos artigos 3.° e 19.°, n.o 1, [do Regulamento n.o 2201/2003,] abster‑se de dar qualquer outro impulso processual com vista à resolução do primeiro processo referido, conseguindo, deste modo, obter a suspensão do segundo processo e protelar a resolução do litígio na totalidade?»

Quanto às questões prejudiciais

26

Com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, em caso de processos de separação judicial e de divórcio instaurados entre as mesmas partes em tribunais de dois Estados‑Membros, o artigo 19.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o processo no tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar no primeiro Estado‑Membro se extinguiu após ter sido intentada uma ação no segundo tribunal no segundo Estado‑Membro, a competência do tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar não deve ser considerada estabelecida. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta em especial se, para responder a esta questão, o facto de a referida extinção ter ocorrido muito pouco tempo antes da instauração de um terceiro processo num tribunal do primeiro Estado‑Membro, o comportamento do requerente no primeiro processo, nomeadamente a sua falta de diligência, e a diferença horária entre os Estados‑Membros em causa, que permite a propositura de uma ação nos tribunais do primeiro Estado‑Membro antes de o poder ser nos tribunais do segundo Estado‑Membro, são relevantes.

27

Há que observar, desde logo, que o artigo 19.o do Regulamento n.o 2201/2003 se encontra redigido em termos próximos dos utilizados no artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001, que substituiu o artigo 21.o da Convenção de Bruxelas, introduzindo um mecanismo equivalente ao previsto nestes dois últimos artigos para tratar os casos de litispendência. Consequentemente, devem ser tidas em conta as considerações do Tribunal de Justiça relativas a estes últimos.

28

A este respeito, importa salientar que, à semelhança do artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001 e do artigo 21.o da Convenção de Bruxelas, o conceito de «competência estabelecida» que figura no artigo 19.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado de maneira autónoma, com referência ao sistema e à finalidade do ato em que está compreendido (v., neste sentido, acórdãos Shearson Lehman Hutton, C‑89/91, EU:C:1993:15, n.o 13, e Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions assurances, C‑1/13, EU:C:2014:109, n.o 32).

29

No que se refere à finalidade das regras de litispendência vertidas no artigo 19.o do Regulamento n.o 2201/2003, importa assinalar que tais regras se destinam a evitar processos paralelos em órgãos jurisdicionais de diversos Estados‑Membros e as decisões contraditórias que daí podem resultar (v. acórdão Purrucker, C‑296/10, EU:C:2010:665, n.o 64). Para o efeito, o legislador da União quis instituir um mecanismo claro e eficaz para resolver os casos de litispendência (v., por analogia, quanto ao Regulamento n.o 44/2001, acórdão Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions assurances, C‑1/13, EU:C:2014:109, n.o 40).

30

Como decorre dos termos «tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar» e «tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar» que figuram no artigo 19.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 2201/2003, este mecanismo baseia‑se na ordem cronológica da instauração dos processos judiciais.

31

Para determinar o momento em que um processo deve ser considerado instaurado e, deste modo, estabelecer qual o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, há que remeter para o artigo 16.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Apreciação da ação por um tribunal».

32

Nos termos deste artigo 16.o, considera‑se que o processo foi instaurado, segundo a opção seguida pelo direito nacional aplicável, na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, ou, se o ato tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade competente. Contudo, o processo só será considerado instaurado se o requerente não tiver posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que, na primeira opção, seja feita a citação ou a notificação ao requerido ou, na segunda opção, para que o ato seja apresentado a tribunal.

33

Em seguida, para determinar se existe uma situação de litispendência, decorre dos termos do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, contrariamente às regras do artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 aplicáveis em matéria civil e comercial, que em matéria matrimonial não se exige identidade de causa de pedir e de objeto dos pedidos apresentados em tribunais de Estados‑Membros diversos. Conforme referiu o advogado‑geral no n.o 76 das suas conclusões, apesar de ser necessário que os pedidos digam respeito às mesmas partes, os mesmos podem ter objetos distintos, desde que versem sobre uma separação judicial, um divórcio ou uma anulação do casamento. Esta interpretação é corroborada pela comparação entre os n.os 1 e 2 do artigo 19.o do Regulamento n.o 2201/2003 que revela que apenas este n.o 2, sobre as ações relativas à responsabilidade parental, sujeita a sua aplicação à identidade de pedido e de causa de pedir das ações intentadas. Consequentemente, pode existir uma situação de litispendência quando, como sucede no processo principal, seja intentada uma ação de separação judicial num tribunal de um Estado‑Membro e uma ação de divórcio num tribunal de outro Estado‑Membro, ou quando seja intentada uma ação de divórcio em ambos os tribunais.

34

Nestas circunstâncias e no caso de identidade de partes, em conformidade com os termos do artigo 19.o, n.o 1, do referido regulamento, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar. A este respeito, há que considerar que a interpretação pelo Tribunal de Justiça do artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001 também se aplica ao artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003. Assim, para que seja estabelecida a competência do tribunal em que a ação foi proposta em primeiro lugar na aceção do artigo 19.o, n.o 1, deste regulamento, basta que o tribunal em que a ação foi proposta em primeiro lugar não tenha declarado oficiosamente a sua incompetência e que nenhuma das partes a tenha contestado antes ou até ao momento da tomada de posição que o respetivo direito processual nacional considere ser a primeira defesa quanto ao mérito apresentada nesse tribunal (v., por analogia, acórdão Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions assurances, C‑1/13, EU:C:2014:109, n.o 44).

35

Quando essa competência for considerada estabelecida à luz das regras do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar deve declarar‑se incompetente a favor do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, nos termos do artigo 19.o, n.o 3, deste regulamento.

36

No presente caso, decorre do despacho de não conciliação proferido em de 15 de dezembro de 2011 pelo juge aux affaires familiales do tribunal de grande instance de Nanterre no âmbito do primeiro processo, ou seja, o de separação judicial, instaurado por B em 30 de março de 2011, que nem a competência desse tribunal nem a regularidade da instauração do processo foram contestadas.

37

Todavia, para que se verifique uma situação de litispendência, é necessário que os processos instaurados entre as mesmas partes e que têm por objeto pedidos de divórcio, de separação judicial ou de anulação do casamento estejam simultaneamente pendentes em tribunais de Estados‑Membros diversos. Quando sejam instaurados dois processos em tribunais de Estados‑Membros diversos, em caso de extinção de um deles, o risco de decisões contraditórias e, consequentemente, a situação de litispendência, na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 2201/2003, desaparecem. Daqui decorre que, mesmo que a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar tenha sido estabelecida durante o primeiro processo, a situação de litispendência deixou de existir e, por conseguinte, essa competência não está estabelecida.

38

É o que sucede com a extinção do processo no tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar. Nesta hipótese, o tribunal em que a ação foi intentada em segundo lugar passa a ser o tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar, à data dessa extinção.

39

O processo principal parece configurar tal situação.

40

Com efeito, já havia sido apresentado um pedido de separação judicial no juge aux affaires familiales do tribunal de grande instance de Nanterre quando, em 13 de junho de 2014, foi intentada uma ação de divórcio no tribunal do Reino Unido, dando lugar a uma situação de litispendência até à meia‑noite de 16 de junho de 2014. Após esta data, ou seja, às 0 horas de 17 de junho, tendo em conta que o processo no tribunal francês, em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, se extinguiu por força da caducidade das disposições do despacho de não conciliação que esse tribunal proferira, só no tribunal do Reino Unido, em que o processo foi instaurado em 13 de junho de 2014, continuava pendente um litígio no âmbito de um domínio previsto no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003. A propositura, em 17 de junho de 2014, de uma ação de divórcio num tribunal francês é posterior à ação proposta nesse tribunal do Reino Unido. Atendendo às regras cronológicas previstas neste regulamento, verifica‑se que esta sequência de eventos implica que, sob reserva da regularidade da propositura da ação à luz das regras do artigo 16.o do referido regulamento, o referido tribunal do Reino Unido se tenha tornado o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

41

Cumpre precisar que o facto de existir outro processo num tribunal francês à data em que a ação foi proposta no tribunal do Reino Unido, 13 de junho de 2014, em nada impede que a mesma tenha sido regularmente proposta à luz das regras do artigo 16.o do mesmo regulamento.

42

Consequentemente, numa situação como a descrita no n.o 40 do presente acórdão, em que o processo de separação judicial no tribunal francês se extingue pelo decurso dos prazos legais, os critérios da litispendência deixam de se verificar a partir da data dessa extinção, devendo, assim, a competência desse tribunal ser considerada não estabelecida.

43

Decorre do exposto que o comportamento do requerente no primeiro processo, nomeadamente a sua eventual falta de diligência, é irrelevante para determinar se a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar está estabelecida.

44

No que se refere à diferença horária entre os Estados‑Membros em causa, que permite a propositura de uma ação em França antes de o poder ser no Reino Unido e pode desfavorecer determinados requerentes, como A, além de não parecer poder prejudicar tal requerente num processo como o principal, não é, em todo o caso, suscetível de pôr em causa a aplicação das regras de litispendência que figuram no artigo 19.o do Regulamento n.o 2201/2003, as quais, conjugadas com as regras do artigo 16.o deste regulamente, se baseiam na prioridade cronológica.

45

Resulta das considerações precedentes que há que responder às questões submetidas que, em caso de processos de separação judicial e de divórcio instaurados entre as mesmas partes em tribunais de dois Estados‑Membros, o artigo 19.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o processo no tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar no primeiro Estado‑Membro se extinguiu após ter sido intentada uma ação no segundo tribunal no segundo Estado‑Membro, os critérios da litispendência deixaram de estar preenchidos e, por conseguinte, a competência do tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar não deve ser considerada estabelecida.

46

O facto de a referida extinção ter ocorrido muito pouco tempo antes da instauração de um terceiro processo no tribunal do primeiro Estado‑Membro é irrelevante.

47

O comportamento do requerente no primeiro processo, nomeadamente a sua falta de diligência, e a diferença horária entre os Estados‑Membros em causa, que permite a propositura de uma ação nos tribunais do primeiro Estado‑Membro antes de o poder ser nos tribunais do segundo Estado‑Membro, também são irrelevantes.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

Em caso de processos de separação judicial e de divórcio instaurados entre as mesmas partes em tribunais de dois Estados‑Membros, o artigo 19.o, n.os 1 e 3, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o processo no tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar no primeiro Estado‑Membro se extinguiu após ter sido intentada uma ação no segundo tribunal no segundo Estado‑Membro, os critérios da litispendência deixaram de estar preenchidos e, por conseguinte, a competência do tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar não deve ser considerada estabelecida.

 

Assinaturas


( * )   Língua do processo: inglês.

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