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Document 61988CJ0331

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 13 de Novembro de 1990.
The Queen contra Minister of Agriculture, Fisheries and Food e Secretary of State for Health, ex parte: Fedesa e o.
Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice, Queen's Bench Division - Reino Unido.
Substâncias de efeito hormonal - Validade da Directiva 88/146/CEE.
Processo C-331/88.

Colectânea de Jurisprudência 1990 I-04023

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:391

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-331/88 ( *1 )

I — Factos e tramitação do processo

A Directiva 81/602/CEE do Conselho, de 31 de Julho de 1981, relativa à interdição de certas substâncias de efeito hormonal e de substâncias de efeito tireostático (JO L 222, p. 32; EE 03 F23 p. 38), prevê a proibição de colocação no mercado de certas substâncias hormonais com vista à sua administração aos animais de qualquer espécie.

Os dois primeiros parágrafos do artigo 5.o dispõem:

«O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, tomará, o mais brevemente possível, uma decisão relativa à administração aos animais de exploração de estradiol 176, de progesteroną, de testosterona, de trembolona e de zeranol, para efeitos de engorda.

Até que essa decisão seja tomada, as regulamentações nacionais em vigor, bem como as medidas tomadas pelos Estados-membros sobre essas substâncias, permanecerão aplicáveis, dentro da observância das disposições gerais do Tratado, e sem prejuízo das iniciativas tomadas, segundo um procedimento comunitário, com vista à sua aproximação.»

A Directiva 88/146/CEE do Conselho, de 7 de Março de 1988, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais (JO L 70, p. 16), que está em causa no caso vertente, regula a utilização das cinco substancias referidas no artigo 5.o da Directiva 81/602. O seu artigo 2.o prevê a proibição da administração a animais de exploração das três primeiras substancias referidas (as hormonas «naturais»), salvo para fins terapêuticos, e a proibição absoluta das duas outras substâncias (as hormonas «sintéticas»).

Segundo os dois primeiros parágrafos do preâmbulo da directiva controvertida, essa proibição baseia-se nas considerações de:

«... que a administração de certas substâncias de efeito hormonal a animais de exploração está actualmente regulamentada de modo diferente nos Estados-membros; que, se o impacte destas substâncias nas condições de criação de gado é evidente, as respectivas consequências sobre a saúde humana são apreciadas de diferente modo por essas regulamentações; que essa divergência conduz a uma distorção das condições de concorrência entre produções que são objecto de organizações comuns de mercado e a entraves importantes no comércio intracomunitário;

... que, em consequência, é necessário pôr termo a essas distorções e a esses obstáculos, assegurando desse modo a todos os consumidores condições de abastecimento dos produtos em causa sensivelmente idênticas e fornecendo-lhes um produto que melhor corresponda às suas preocupações e à sua expectativa; que as possibilidades de escoamento dos produtos em causa só podem vir a beneficiar desse facto».

Por força do artigo 10.o da directiva em causa, os Estados-membros deviam dar-lhe cumprimento o mais tardar em 1 de Janeiro de 1988.

A directiva controvertida foi adoptada em 7 de Março de 1988 e notificada aos Estados-membros em 11 de Março seguinte. O seu conteúdo, incluindo a data para a sua aplicação, é idêntico ao da Directiva 85/649/CEE do Conselho, de 31 de Dezembro de 1985, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais (JO L 382, p. 228; EE 03 F40 p. 159). Esta última directiva foi anulada pelo acórdão do Tribunal de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho (68/86, Colect., p. 855), pelo facto de, ao não respeitar o procedimento previsto no n.o 1 do artigo 6.o do Regulamento Interno do Conselho, este ter violado uma formalidade essencial.

Os recorrentes no processo principal, que são fabricantes, produtores ou distribuidores de medicamentos veterinários ou associações do sector zoossanitário que exercem as suas actividades em toda a Europa e nos Estados Unidos, bem como um veterinário e um agricultor, contestam perante o órgão jurisdicional nacional a validade de um acto legislativo nacional, os SI 1988 n.o 705: The medicines (hormone growth promoters) (prohibition of use) Regulations 1988, que dão em parte cumprimento ao disposto na Directiva 88/146, em virtude de essa directiva ser inválida.

Este acto nacional substituiu, com efeitos a partir de 13 de Abril de 1988, os SI 1986 n.o 1876: The medicines (hormone growth promoters) (prohibition of use) Regulations 1986, que tinham sido adoptados para dar cumprimento ao disposto na Directiva 85/649.

Considerando que o litígio implica uma apreciação da validade da directiva em causa, a High Court of Justice, Queen's Bench Division, por decisão de 20 de Setembro de 1988, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, suspendeu a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre as seguintes questões:

«1)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é invàlida por violar o princípio da segurança jurídica?

2)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é invàlida por violar o princípio da proporcionalidade?

3)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é invàlida por violar o princípio da igualdade?

4)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por desvio de poder por parte do Conselho, sendo a directiva incompatível com os objectivos da política agrícola comum contidos no artigo 39.o do Tratado CEE?

5)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por violar o artigo 190.o do Tratado CEE, especialmente no que respeita ao facto de não expor adequadamente os fundamentos em que se baseia?

6)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por violar formalidades essenciais, tendo especialmente em conta que não teve origem numa proposta da Comissão no sentido de implementar essa ou qualquer outra directiva, que, se teve origem numa proposta da Comissão, essa proposta foi apresentada por uma comissão que não reflectia a composição da Comissão no momento da adopção da Directiva 88/146 e que o Conselho não obteve o necessário parecer do Parlamento Europeu, parecer esse que deveria ter como objecto essa directiva e nenhuma outra?

7)

A Directiva do Conselho 88/146, de 7 de Março de 1988, é inválida por violar o princípio da não retroactividade da lei, especialmente na medida em que pretende aplicar sanções penais a actos cometidos antes da sua publicação?»

A decisão da High Court of Justice, Queen's Bench Division, deu entrada na Secretaria do Tribunal em 14 de Novembro de 1988.

Em conformidade com o disposto no artigo 20.o do Protocolo Relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas: — em 15 de Fevereiro de 1989, pelo Governo do Reino de Espanha, representado por Javier Conde de Saro, director-geral da coordenação jurídica e institucional comunitária, e por Rosario Silva de Lapuerta, abogado del Estado no Serviço Jurídico relativo ao Tribunal de Justiça;

— em 17 de Fevereiro de 1989, pelo Conselho das Comunidades Europeias, representado por Moyra Sims, membro do seu Serviço Jurídico, e por Bjarne Hoff-Nielsen, consultor jurídico;

— em 21 de Fevereiro de 1989, pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Blanca Rodríguez Galindo e Grant Lawrence, membros do seu Serviço Jurídico, e por Dierk Booss, consultor jurídico;

— em 28 de Fevereiro de 1989, pelo Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por Susan Hay, do Treasury Solicitor's Department, e por Richard Plender, barrister;

— em 1 de Março de 1989, pelos recorrentes no processo principal, representados por Christopher Carr e Thomas Sharpé, barristers;

— em 2 de Março de 1989, pelo Governo da República Italiana, representado por Pier Giorgio Ferri, avvocato dello Stato.

O Tribunal, com base no relatório do juiz relator, ouvido o advogado-geral, decidiu atribuir o processo à Quinta Secção e iniciar a fase oral do processo sem instrução prèvia.

II — Resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal

1. Quanto à primeira questão (princípio da segurança jurídica)

a)

Segundo os recorrentes no processo principal, a directiva em causa é nula porque viola o princípio da segurança jurídica, segundo o qual uma medida legislativa deve assentar numa base racional e objectiva e deve respeitar a confiança legítima. Em sua opinião, os objectivos que a directiva prossegue são pelo menos contestáveis, senão mesmo desprovidos de fundamento.

No respeitante à protecção da saúde, os recorrentes baseiam-se em numerosas peritagens, postas à disposição do Tribunal pelo órgão jurisdicional nacional, que provam segundo eles o carácter inócuo das cinco hormonas em questão. Por isso, as preocupações dos consumidores relativamente à sua saúde só podem basear-se na superstição, na ignorância e no preconceito e não poderão fornecer um fundamento objectivo ou racional para a directiva em causa.

Quanto ao objectivo do aumento do consumo de carne quando esta deixe de conter hormonas, os recorrentes entendem que tal previsão é pura especulação e é provavelmente inexacta. Não existe prova de que os consumidores recusem a carne proveniente de animais tratados com hormonas. Pelo contrário, as provas que existem — apresentadas ao Tribunal — demonstram que a carne não tratada é mais difícil de distribuir e de vender e que a utilização de hormonas melhora a qualidade da carne tornando-a menos gorda, e portanto mais sã.

Segundo os recorrentes no processo principal, todos estes objectivos têm a mesma importância que o objectivo da eliminação dos obstáculos às trocas e das distorções nas condições de concorrência e não podem ser secundarizados em relação a este último objectivo. Embora este não tenha sido mencionado na Directiva 81/602, já referida, e tenha havido, portanto, um deslocamento dos objectivos gerais entre 1981 e 1988, isso não quer dizer que a Directiva 81/602 e a directiva controvertida não se baseiem ambas em considerações de saúde e de qualidade, tal como resulta dos considerandos.

Além disso, alegam, mesmo o objectivo da eliminação dos obstáculos às trocas e das distorções da concorrência tem uma validade contestável, pois os obstáculos e as distorções que existem eventualmente não resultam das disparidades entre as legislações nacionais, mas da não aplicação do artigo 30.o do Tratado. Com efeito, uma vez demonstrado que a utilização das cinco hormonas em causa não apresenta qualquer perigo para a saúde, qualquer proibição de importação de um Estado-membro para outro constitui uma violação desse artigo.

Entende, além disso, que se atentou contra a confiança legítima que podiam ter os operadores do sector da agricultura e da indústria, bem como os veterinários. Com efeito, estes supuseram que, na ausência de qualquer dúvida objectivamente fundada quanto à inocuidade, à eficácia e à qualidade das cinco substâncias hormonais, estas últimas poderiam ser livremente comercializadas em todos os Estados-membros.

b)

O Governo do Reino Unido partilha a opinião dos recorrentes quanto ao facto de que não existem provas científicas em apoio das apreciações e das preocupações em que se baseia a directiva contestada, existindo mesmo provas científicas que demonstram o contrário, como o Reino Unido sustentou já no processo 68/86. Todavia, em vez de falar de ilegalidade resultante da violação do princípio da segurança jurídica, o Reino Unido prefere caracterizá-la como uma ilegalidade resultante de um atentado ao princípio da confiança legítima.

Desde 1965, a prática seguida pela Comunidade consistiu em basear a legislação relativa à autorização dos produtos farmacêuticos numa apreciação científica da inocuidade, da qualidade e da eficácia dos produtos em causa. Segundo o preâmbulo da Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas QO 22, p. 369; EE 13 Fl p. 18), essa prática explica-se por duas razões: em primeiro lugar, proteger a saúde pública e, em segundo lugar, assegurar que o desenvolvimento da indústria farmacêutica e as trocas de produtos farmacêuticos na Comunidade não sejam comprometidos. As directivas 81/851/CEE e 81/852/CEE do Conselho, de 28 de Setembro de 1981, relativas aos medicamentos veterinários (JO L 317, p. 1 e 16; EE 13 F12 p. 3 e 18), confirmam essa pratica.

Segundo o Reino Unido, embora a Directiva 81/602, já referida, tenha proibido a administração de determinadas hormonas aos animais pela razão de que elas «podem ser perigosas para os consumidores» e «podem igualmente afectar a qualidade da carne» (primeiro considerando), resulta todavia desta directiva, tendo em conta as outras directivas acima referidas, que a inocuidade ou a nocividade das cinco substâncias hormonais — ainda não proibidas em 1981, tendo-o sido somente em 1985 pela Directiva 85/649, já referida, e mais tarde pela directiva controvertida — devia ser objecto de um estudo científico aprofundado.

Segundo o Reino Unido, a Comissão nunca deu sinais de mudança de orientação a este respeito, mas, pelo contrário, confirmou a base científica do regime comunitário na matéria. Por conseguinte, as pessoas que exercem actividades relacionadas com o fabrico, a distribuição e a administração das substâncias em causa têm o direito de esperar que a administração das referidas substâncias a animais com fins não terapêuticos seja autorizada, uma vez que existem provas científicas que demonstram a sua inocuidade quando correctamente administradas.

c)

Os governos espanhol e italiano, assim como o Conselho e a Comissão, chegam à conclusão de que a direttiva controvertida não ignora nem o princípio da segurança jurídica nem a confiança legítima dos operadores económicos.

Segundo o Governo espanhol, a referida directiva encontra o seu fundamento na ausência de estudos suficientes que garantam o carácter inofensivo das cinco hormonas proibidas. Uma vez que não está provado, segundo ele, que a sua utilização não pode ter nenhum carácter prejudicial para a saúde humana, a Comunidade, que tem a obrigação de velar pela saúde dos seus cidadãos, deve adoptar preventivamente as medidas que entender oportunas. Alega, além disso, que a saúde dos consumidores não é a única razão, baseando-se ainda a directiva em razões de carácter económico que consistem em pretender encorajar o bom funcionamento de uma organização comum de mercado e em garantir a livre circulação dos produtos agrícolas.

O Governo italiano sublinha igualmente que a protecção da saúde é apenas um dos factores considerados pela directiva, cuja base substancial não reside numa apreciação comunitária da nocividade das substâncias proibidas. Toma em consideração que a maioria das legislações nacionais considera nociva a utilização de substâncias hormonais e que os consumidores preferem as carnes produzidas sem hormonas.

O Conselho admite que, se a directiva consistisse unicamente em medidas sanitárias, a sua base principal deveriam ter sido dados científicos. Ora, ela corresponde antes a necessidades de ordem económica, na medida em que visa melhorar o funcionamento de uma organização de mercado e a livre circulação dos produtos agrícolas. Entende, além disso, que as provas científicas de que se dispunha não eram verdadeiramente concludentes. O Conselho alega que, ao adoptar a directiva, se manteve, portanto, no âmbito do seu poder discricionário. Além disso, uma simples expectativa, da parte dos meios interessados, de medidas diferentes não pode em caso algum invalidar a directiva.

O Conselho também rejeita o argumento segundo o qual a carne sem tratamento hormonal tem um teor em gordura mais elevado. A proibição foi imposta sobretudo para responder a uma acção dos consumidores de toda a Comunidade que recusam a carne que contenha hormonas.

A Comissão põe desde logo em dúvida o conceito de segurança jurídica dos recorrentes; em sua opinião, esta só poderia considerar-se infringida no caso de falta de clareza — questão nunca levantada, com razão — ou em caso de falta de fundamentação suficiente (ver adiante). Por outro lado, toda a legislação assenta não na prova científica, mas antes em valores e objectivos. No caso vertente, ao utilizar o seu poder discricionário, o legislador comunitário tomou em consideração a rejeição em massa, pelos consumidores, da utilização das hormonas, rejeição essa expressa nomeadamente pelo Parlamento Europeu, pelo Comité Económico e Social e pelas uniões de consumidores europeus e, também, americanas. Acrescenta que nenhum cientista pode afirmar que certas substâncias hormonais nunca poderiam ter um efeito prejudicial para a saúde humana: podem ser perigosas em caso de utilização imprópria ou de abuso ou se forem administradas em condições não satisfatórias.

2. Quanto à segunda questão (princípio da proporcionalidade)

a)

Segundo os recorrentes no processo principal, a directiva em litígio é ilegal porque viola o princípio da proporcionalidade nos seus três aspectos: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido restrito.

Em sua opinião, a proibição total é inadaptada, sob dois aspectos, para dissipar as presumíveis preocupações dos consumidores face à carne tratada com hormonas. Por um lado, provocou um mercado negro muito importante de substâncias ilegais, potencialmente perigosas, administradas por não profissionais e em doses desconhecidas. Por outro, é praticamente impossível detectar a utilização das cinco substâncias hormonais em questão por testes nos animais devido à presença natural de hormonas. Os recorrentes referem declarações prestadas sob juramento que o tribunal nacional transmitiu ao Tribunal de Justiça.

Entendem que a proibição vai além do necessário para dissipar os referidos receios nos consumidores, pois poder-se-ia dissipá-los pela divulgação de informações e de conselhos. Os recorrentes mencionam, a título de exemplo, a publicação de numerosos estudos científicos sobre a inocuidade das cinco substâncias bem como a difusão de provas que demonstram que o consumo de carne de bovino mais magra, obtida pela administração das cinco substâncias hormonais, contribui para melhorar a saúde humana. Além disso, o Conselho poderia ter introduzido a obrigação de rotular adequadamente a carne tratada com hormonas, segundo as orientações gerais contidas no direito relativo à livre circulação de mercadorias. Quanto aos objectivos de harmonização e de eliminação das distorções da concorrência, a sua realização não necessita, em sua opinião, de uma proibição das cinco substâncias ou de uma autorização.

No que toca à proporcionalidade em sentido restrito, seria necessário ponderar o prejuízo causado a direitos individuais e as vantagens criadas para a Comunidade. Segundo os recorrentes, os efeitos negativos da proibição são os seguintes : perdas irreparáveis para as empresas farmacêuticas que fabricavam e distribuíam anteriormente as cinco substâncias proibidas; perda de rentabilidade para os criadores de gado; perda de rendimentos para os veterinários; doenças nos consumidores por causa da carne mais gorda; o mercado negro acima descrito; redução das actividades de investigação e de desenvolvimento da indústria farmacêutica devido à impossibilidade de excluir outras proibições sem fundamento científico; problemas comerciais com os Estados Unidos.

Na medida em que a directiva em causa se baseia na existência efectiva de um risco para a saúde, os recorrentes recordam que é desprovida de qualquer fundamento adequado e entendem que não fornece por isso qualquer vantagem como contrapartida dos inconvenientes acima referidos. Isto vale igualmente, em sua opinião, em relação ao objectivo do aumento do consumo.

Na medida em que a directiva se destina a afastar preocupações relativas à saúde, as consequências negativas tornam, em sua opinião, a proibição manifestamente desproporcionada.

Quanto ao objectivo da harmonização, afirmam que, dado que ele pode também ser atingido pela via de um regime uniforme de autorização, a uniformidade enquanto conceito neutro não deve intervir na ponderação dos custos-benefícios. Por outro lado, o interesse da proibição como meio de eliminação das distorções de concorrência pode ter apenas muito pouca importância, uma vez que esse objectivo poderia ser atingido aplicando o artigo 30.o do Tratado (ver acima).

b)

O Reino Unido sustenta, fundamentalmente, a argumentação dos recorrentes. Entende, além disso, que a directiva é contrária ao princípio da proporcionalidade, porque existem hormonas naturais em qualquer animal, em certos casos até mais que após um tratamento hormonal. Um consumidor cujo regime alimentar é normal ingere, portanto, inevitavelmente grandes quantidades de hormonas naturais. Por conseguinte, uma medida que proíba a utilização destas últimas para tranquilizar os receios dos consumidores relativos às hormonas não é adequada, em sua opinião, para atingir esse objectivo.

c)

Os governos italiano e espanhol, assim como o Conselho e a Comissão, entendem que a directiva controvertida respeita o princípio da proporcionalidade.

O Governo italiano contesta que os objectivos da directiva pudessem ter sido atingidos através de uma solução diferente com sacrifícios menores.

O Governo espanhol sublinha que os efeitos pecuniários negativos não podem ser considerados um prejuízo desproporcionado em relação à protecção da saúde humana. Quanto ao risco da administração clandestina de outras substâncias, entende que convém reprimir e punir os criadores de gado que estejam em infracção.

Segundo o Conselho, meios menos radicais que a proibição não teriam bastado, pois qualquer sistema de utilização controlada teria custado muito mais caro sem se poder garantir a sua eficácia.

No que respeita aos aspectos financeiros, o Conselho lembra que um dos objectivos da directiva é provocar um aumento do consumo e portanto, em última análise, proporcionar aos exploradores agrícolas vantagens financeiras.

Quanto aos veterinários, a directiva reservalhes um monopólio da acção terapêutica e, portanto, um rendimento garantido.

Os produtores e fabricantes de substâncias hormonais poderiam ter contado desde 1981, após a adopção da Directiva 81/602, com uma eventual proibição das cinco substâncias em causa. Mesmo após a adopção da Directiva 85/649, tiveram ainda pelo menos dois anos — o prazo para dar cumprimento à directiva — para se adaptarem à proibição. Além disso, essa proibição era provável, pois só o Reino Unido autorizava ainda todas essas cinco substâncias e três outros Estados-membros somente as três substâncias naturais. O Conselho sublinha que uma proibição que existe a nível nacional se justifica por maioria da razão a nível comunitário, por razões imperiosas que se prendem com a livre circulação de mercadorias. Além disso, o Conselho invoca o acórdão do Tribunal de 7 de Fevereiro de 1985, ADBHU, n.o 12 (240/83, Recueil, p. 531), segundo o qual «o princípio da liberdade de comércio não deve considerar-se em termos absolutos, mas está sujeito a certas limitações justificadas pelos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade». Lembra que existem outras proibições de comercialização e de fabrico, introduzidas, por exemplo, por razões de saúde ou de segurança dos consumidores ou de risco para o meio ambiente.

Em resposta ao argumento consistente no perigo da administração clandestina de certas substâncias hormonais, o Conselho alega que cabe aos Estados-membros velar pelo respeito da proibição.

A este propósito, a Comissão observa que o quadro das medidas de controlo é definido pela Directiva 85/358/CEE do Conselho, de 16 de Julho de 1985, que completa a Directiva 81/602/CEE respeitante à proibição de determinadas substâncias com efeito hormonal e de substâncias com efeito tireostático (JO L 191, p. 46; EE 03 F36 p. 104), e pela Directiva 86/469/CEE do Conselho, de 16 de Setembro de 1986, respeitante à pesquisa de resíduos nos animais e nas carnes frescas (JO L 275, p. 36). Além disso, qualquer proibição comporta o risco da sua violação. Mesmo sem proibição das cinco substâncias em causa, subsistiria um mercado negro em relação a outras substâncias incontestavelmente perigosas, mas mais baratas.

Em sua opinião, não há de modo algum inadequação manifesta entre as medidas previstas na directiva em litígio e os seus objectivos. A proibição era o único meio susceptível de assegurar uma protecção adequada dos consumidores, que exigiram eles próprios essa proibição através do Parlamento Europeu, do Comité Económico e Social e do BEUC (Bureau européen des unions de consommateurs). Nestas condições, teria sido inoportuno autorizar a utilização das hormonas para reduzir o teor em gordura das carnes. Independentemente da exactidão dessa afirmação dos recorrentes, tal atitude seria paternalista, e não protectora.

A Comissão afirma também que a proibição era adequada e necessaria para atingir os outros objectivos da directiva. Nenhuma medida menos rigorosa teria podido eliminar os entraves às trocas. Além dos problemas de ordem prática, uma rotulagem não suprimiria a proibição, por alguns Estados-membros, nos termos do artigo 36.o do Tratado, da carne tratada com hormonas.

A proibição é igualmente adequada na medida em que serve para o fabrico de produtos de alta qualidade.

A Comissão recorda que, embora os interesses dos operadores económicos possam ser protegidos por direitos fundamentais como o direito de propriedade, estes conhecem limites, tal como são definidos pelo acórdão do Tribunal de 13 de Dezembro de 1979, Hauer (44/79, Recueil, p. 3727). Os objectivos de interesse geral prosseguidos pela proibição são muito mais importantes que os interesses pecuniários mencionados pelos recorrentes. Ninguém é privado do seu direito de propriedade, e o equipamento industrial pode ser utilizado para a produção de substâncias diferentes das hormonas proibidas.

Quanto aos veterinários, ainda que o seu rendimento possa diminuir, a Comissão lembra que a alínea b) do artigo 3.o da directiva em causa prevê para eles um monopólio da administração das substâncias ainda autorizadas para fins terapêuticos. Não poderá por isso falar-se de um atentado aos seus direitos de propriedade ou ao exercício da sua profissão.

3. Quanto â terceira questão (princípio da igualdade)

a)

Os recorrentes no processo principal alegam que as condições, circunstâncias e práticas da criação de gado variam sensivelmente de um Estado-membro para outro (ver declarações prestadas sob juramento colocadas à disposição do Tribunal pelo órgão jurisdicional nacional) e que, por conseguinte, isso vale igualmente para as modificações impostas pela directiva controvertida à prática e à tradição existentes nesses Estados.

Entendem que a aplicação uniforme da proibição colocou os criadores de gado do Reino Unido, de Espanha, de França e da Irlanda em condições desvantajosas do ponto de vista da concorrência e do comércio em relação aos criadores dos outros Estados-membros. Não existe qualquer razão objectiva que justifique essa divergência de efeitos.

Em sua opinião, segundo o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1959, Snupat (32/58 e 33/58, Recueil, p. 275 e 305), qualquer intervenção que tenha em vista ou que tenda na prática a falsear a concorrência de forma artificial e sensível é discriminatória. O tratamento igual de situações diferentes é tão discriminatório como o tratamento diferente de situações idênticas (acórdão de 17 de Julho de 1963, Itália/Comissão, 13/63, Recueil, p. 335 e 360). No caso vertente, a discriminação consiste na imposição de uma proibição que é uniforme na sua aplicação, mas discriminatòria nos seus efeitos. A situação é comparável à do processo 114/76, Bela-Mühle (acórdão de 5 de Julho de 1977, Recueil, p. 1211).

Segundo os recorrentes, o Conselho também não tomou em conta, contrariamente ao que exige o n.o 2, alínea a), do artigo 39.o do Tratado, disparidades regionais, se bem que elas sejam muito marcadas no caso vertente.

b)

O Reino Unido, embora confirmando os elementos de facto aduzidos pelos recorrentes, não partilha o seu ponto de vista jurídico no tocante à discriminação. Entende, todavia, à semelhança da sua argumentação no processo 68/86, já referido, que, em virtude das disparidades dos efeitos da proibição nos diversos Estados-membros, a directiva é contrária ao princípio da proporcionalidade.

c)

Os governos espanhol e italiano, bem como o Conselho e a Comissão, não negam que haja diferenças entre os Estados-membros no que toca aos efeitos criados pela proibição em causa, mas alegam que tais variações são inerentes a qualquer acto de harmonização, que serve precisamente para substituir as normas nacionais divergentes, mas que não constituem discriminação desde que a norma comunitária se aplique, como no caso vertente, de forma igual a todos os Estados-membros.

4. Quanto à quarta questão (desvio de poder)

a)

Os recorrentes no processo principal sustentam que o Conselho cometeu um desvio de poder na medida em que proíbe a utilização das cinco hormonas tentando justificar essa proibição pelos objectivos da política agrícola comum definidos no artigo 39.o do Tratado, ao passo que na realidade a proibição foi inspirada pela vontade de reduzir a produção de carne de bovino (ver declarações sob juramento transmitidas ao Tribunal de Justiça). Ora, tal objectivo situa-se fora dos objectivos autorizados pelo artigo 39.o e só pode legalmente ser prosseguido com base no disposto no artigo 100.o Aliás, em sua opinião, a directiva baseia-se em razões de oportunidade política e de comodidade, objectivos que o Conselho não tem legitimidade para prosseguir. Segundo os recorrentes, todos esses elementos constituem um desvio de poder, não sendo a utilização de um poder com o objectivo de tornear um procedimento previsto pelo Tratado a única hipótese constitutiva de tal desvio.

Os recorrentes admitem que os objectivos, tais como estão enunciados nos considerandos da directiva, são susceptíveis de a colocar no âmbito de aplicação dos artigos 39.o e 43.o, incluindo os objectivos de interesse geral no domínio da saúde e da qualidade, tal como resulta do acórdão no processo 68/86, que não resolve todavia, segundo eles, o problema aqui levantado. Ora, a directiva não é susceptível de contribuir para realizar qualquer desses objectivos, nem nenhum outro objectivo referido no artigo 39.o Os recorrentes lembram a este propósito que, pelo contrário, a produtividade da agricultura diminuirá, o progresso técnico será comprometido e o nível de vida da população agrícola baixará.

E certo que poderia haver situações em que se devesse aceitar essas consequências negativas, mas unicamente em presença de uma necessidade excepcional que impusesse que se actuasse em favor de um interesse geral, nomeadamente no domínio da saúde e da qualidade. Ora, os recorrentes afirmam, no caso vertente, que as cinco hormonas não apresentam qualquer risco para a saúde e que a qualidade da carne diminuiria sem tratamento hormonal.

b)

O Reino Unido, a Espanha e a Itália, assim como o Conselho e a Comissão, sustentam que a directiva em causa não é nula por desvio de poder. Em sua opinião, isto resulta principalmente do acórdão no processo 68/86, já referido, no qual o Tribunal declarou que a Directiva 85/649 contribui para a realização dos objectivos da política agrícola comum enunciados no artigo 39.o do Tratado e que o Conselho era competente para a adoptar unicamente com base no artigo 43.o do Tratado.

O Reino Unido, o Conselho e a Comissão referem ainda o acórdão de 24 de Outubro de 1973, Balkan-Import, n.o 24 (5/73, Recueil, p. 1091), segundo o qual «as instituições comunitárias devem assegurar a conciliação permanente que podem exigir eventuais contradições entre os objectivos (do artigo 39.o) considerados em separado e, eventualmente, conceder a um ou outro dentre eles primazia temporária» (tradução provisória).

No que toca à definição de desvio de poder, o Governo do Reino Unido invoca o acórdão de 21 de Fevereiro de 1984, Walzstahl-Vereinigung e Thyssen, n.o 27 (140/82, 146/82, 221/82 e 226/82, Recueil, p. 951). Em seu entender, não resulta dos factos e elementos em que se baseiam os recorrentes que tenha sido utilizado um poder com o objectivo de tornear um procedimento previsto pelo Tratado.

5. Quanto à quinta questão (fundamentação)

a)

Os recorrentes no processo principal entendem que as considerações enunciadas no preâmbulo da directiva em causa, a saber, as relativas às preocupações dos consumidores, à harmonização e ao aumento do consumo de carne, eram secundárias em relação ao objectivo essencial, que era tornar a produção de carne de bovino menos rentável e reduzir assim o excedente estrutural de carne de bovino na Comunidade. Como este último objectivo não é referido nos considerandos, a directiva não está suficientemente fundamentada.

A acusação relativa à fundamentação, aduzida pelo Reino Unido nesse último processo e rejeitada pelo Tribunal de Justiça, é, segundo os recorrentes, diferente da que eles alegam no caso vertente.

b)

Segundo o Reino Unido, a Itália, o Conselho e a Comissão, o acórdão no processo 68/86 afastou qualquer dúvida no que toca à fundamentação da directiva em litígio ao declarar que os considerandos da directiva anterior, que são idênticos aos da directiva em causa no presente caso, enunciam com clareza suficiente os objectivos prosseguidos. O Governo espanhol chega ao mesmo resultado com base na jurisprudência constante do Tribunal sobre o artigo 190.o do Tratado.

O Governo do Reino Unido acrescenta que a redução dos excedentes estruturais não constitui o único ou o essencial objectivo do Conselho, mas que era apenas uma consequência acessória que podia ser esperada e que recolhia o beneplácito de certos membros do Parlamento e da Comissão.

A este propósito, a Comissão alega que a redução de rentabilidade não era o objectivo principal, e que o Conselho não ignorava que essa consequência podia resultar da aplicação da directiva.

6. Quanto à sexta questão (violação de formalidades essenciais)

a)

Os recorrentes no processo principal alegam que a directiva em causa é nula por violação de formalidades essenciais. Entendem que a anulação da Directiva 85/649 pelo Tribunal de Justiça no processo 68/86, já referido, teve por consequência que todos os actos preparatórios, incluindo a proposta da Comissão e o parecer do Parlamento, ficavam igualmente sem qualquer efeito. Por consequência, o Conselho não podia adoptar a directiva em litígio com base nesses actos preparatórios.

Os recorrentes sustentam, por outro lado, que era necessária nova proposta da Comissão e novo parecer do Parlamento igualmente, porque a composição dessas duas instituições tinha mudado entretanto devido à adesão da Espanha e de Portugal, países que têm, aliás, hábitos em matéria de criação de gado diferentes dos do resto da Comunidade, e porque, desde esses actos preparatórios anteriores, os conhecimentos científicos e outros tinham evoluído.

b)

O Governo do Reino Unido entende que nem a anulação da Directiva 85/649 nem a modificação da composição da Comissão podiam impedir o Conselho de adoptar a directiva controvertida com base na proposta que tinha conduzido à adopção da directiva anulada, e isso por razões de utilidade prática e devido ao facto de uma proposta ser apresentada pela Comissão enquanto instituição ou órgão colegial.

No respeitante ao parecer do Parlamento, o Reino Unido mantém o seu argumento aduzido no processo 68/86, sobre o qual o Tribunal de Justiça não se pronunciou, isto é, que o Conselho deveria ter de novo consultado o Parlamento na sequência da modificação da proposta da Comissão em 1985 após o parecer do Parlamento. Entende que esta omissão constitui um vício de forma essencial que torna a directiva nula.

c)

Segundo os governos espanhol e italiano, o Conselho e a Comissão, não há violação de formalidades essenciais.

O Governo espanhol lembra que os dois novos Estados-membros participaram na elaboração da directiva em causa enquanto membros do Conselho e que a Espanha estava totalmente de acordo com o conteúdo da directiva desde antes da adesão, datando a adaptação da sua legislação já de 22 de Janeiro de 1984.

Segundo o Governo italiano, o princípio da economia dos meios jurídicos exige que se conservem os actos que estão em conformidade com o direito. No caso vertente, a anulação da Directiva 85/649 por vício processual não podia afectar o parecer do Parlamento e a proposta da Comissão, que continua inalterada caso a Comissão não decidir alterá-la em conformidade com o disposto no n.o 3 do artigo 149.o do Tratado. Além disso, o referido acórdão no processo 68/86 deu origem a uma situação de expectativa e de confiança numa iniciativa rápida do Conselho, obrigado a extrair as consequências do acórdão por força do artigo 176.o do Tratado.

O Conselho alega que não excedeu o seu poder de apreciação à luz do disposto no artigo 176.o do Tratado ao entender que a anulação da Directiva 85/649 por irregularidade processual não invalidava as etapas que precederam a adopção dessa directiva e que, por conseguinte, os actos preparatorios mantinham a sua validade. Por outro lado, o Conselho lembra que a Comissão participou plenamente nos trabalhos do Conselho sem alterar a sua proposta nos termos do n.o 3 do artigo 149.o do Tratado e que o Parlamento não exigiu ser consultado novamente.

Quanto à mudança da composição da Comissão, o Conselho entende que qualquer mudança, seja por ter terminado o mandato, seja na sequência de um alargamento, não pode ter consequências automáticas nas propostas existentes. Em sua opinião, isto corresponde também à prática constante.

A Comissão sustenta igualmente que nenhuma das fases que precedem a decisão do Conselho de aplicar o processo escrito — única razão por que o Tribunal de Justiça anulou a Directiva 85/649 — era afectada por esse acórdão. O Conselho era, por isso, obrigado, por força do artigo 176.o do Tratado, a retomar o processo nessa mesma fase. A Comissão, a não ser que pretendesse alterar a sua proposta em conformidade com o disposto no n.o 3 do artigo 149.o do Tratado, não tinha sequer a possibilidade jurídica de apresentar de novo a sua proposta, uma vez que o Conselho não tinha deliberado validamente.

Em sua opinião, as mesmas considerações aplicam-se no que toca ao Parlamento. Além disso, também não havia a obrigação de consultar de novo o Parlamento após a alteração da proposta em 1985, efectuada em conformidade com as conclusões contidas no parecer do Parlamento.

A ideia de que a Comissão deveria apresentar de novo as suas propostas após uma alteração da sua composição está, segundo a Comissão, não somente em contradição com uma prática estabelecida desde longa data, mas é igualmente incompatível com a situação da Comissão enquanto instituição permanente (ver o artigo 155.o do Tratado CEE e o terceiro parágrafo do artigo 12.o do Tratado de Fusão). Por outro lado, pela sua participação na reunião do Conselho que aprovou a directiva, a Comissão, na sua composição do mês de Março de 1988, manifestou o seu acordo para manutenção da sua antiga proposta.

7. Quanto à sétima questão (princípio da não retroactividade)

a)

Só os recorrentes no processo principal consideram que a directiva em litígio é nula por violação do princípio fundamental consagrado no artigo 7.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e reconhecido pelo direito comunitário, isto é, o princípio de que a legislação penal não deve ter efeitos retroactivos.

Com efeito, a directiva — adoptada em 7 de Março de 1988 e que prevê que lhe seja dado cumprimento o mais tardar até 1 de Janeiro de 1988 — impõe aos Estados-membros a adopção de disposições legislativas de efeito retroactivo, expondo assim os cidadãos a sanções penais por actos cometidos durante um período durante o qual não existia qualquer proibição válida. Os recorrentes alegam que a autorização e a validação a posteriori de medidas nacionais de natureza penal que prevêem sanções para actos que não eram puníveis no momento em que foram cometidos foram declaradas ilegais no acórdão de 10 de Julho de 1984, Kirk, n.os 21 e 22 (63/83, Recueil, p. 2689). Os acordaos de 25 de Janeiro de 1979, Racke (98/78, Recueil, p. 69), e de 13 de Fevereiro de 1979, Granaria (101/78, Recueil, p. 623), não podem ser transferidos do domínio do direito civil para o do direito penal.

b)

O Reino Unido, a Espanha e a Itália, assim como o Conselho e a Comissão, concluem no sentido de não considerar a directiva nula por violação do princípio da não retroactividade.

O Governo do Reino Unido lembra que a Directiva 85/649 esteve em vigor até à data da sua anulação, em 23 de Fevereiro de 1988. Portanto, poderiam ter sido instaurados processos-crime entre 1 de Janeiro e 23 de Fevereiro de 1988 com base na legislação nacional que dava cumprimento à Directiva 85/649 e, de novo, a partir de 11 de Março de 1988, data da notificação da directiva controvertida. Por isso, esta só poderia ter produzido efeitos retroactivos durante um período de 17 dias.

Embora a proibição das leis retroactivas constitua um princípio geral do direito comunitário, o Governo do Reino Unido considera que, no caso vertente, esse princípio pode ser assegurado por meios diferentes da anulação da directiva, ou seja, por uma interpretação à luz desse princípio. Assim interpretado, o artigo 10.o da directiva não pode ser entendido como impondo aos Estados-membros a aplicação de sanções penais a particulares por factos cometidos entre 23 de Fevereiro e 11 de Março de 1988. Pelo contrário, no que respeita a outros aspectos da directiva, por exemplo o registo previsto pelo seu artigo 4.o, o artigo 10.o exige a plena aplicação a partir de 1 de Janeiro de 1988.

O Governo espanhol sublinha as excepções que o princípio de não retroactividade conhece. Assim, a retroactividade pode ser admitida, a título excepcional, quando a finalidade a atingir o exija e quando a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (acórdão de 25 de Janeiro de 1979, Weingut Decker, 99/78, Recueil, p. 101). Em sua opinião, os treze dias entre a anulação da Directiva 85/649 e a entrada em vigor da nova directiva não eram de forma nenhuma suficientes para permitir aos interessados adquirir direitos dignos de serem protegidos.

Segundo o Governo italiano, a retroactividade prevista no artigo 10.o da directiva controvertida não tem incidência directa nas posições dos operadores interessados, que estão sujeitos às obrigações e sanções estabelecidas pelas regulamentações nacionais. Na situação especial do caso vertente, uma vez que as disposições nacionais de aplicação, que não eram directamente afectadas pela anulação da Directiva 85/649, estavam já em vigor na altura da adopção da directiva controvertida, não se pode falar em violação dos princípios da segurança jurídica e de protecção da confiança, cujo respeito pode constituir um obstáculo à admissão de um efeito retroactivo.

O Conselho alega igualmente que são, em princípio, as medidas nacionais de execução que produzem efeitos em relação aos particulares, e não a directiva em si. Assim, no Reino Unido, os recorrentes nunca estiveram sujeitos a uma legislação de carácter retroactivo em direito interno, tendo os SI 1988 n.o 705, já referidos, revogado e substituído, em 13 de Abril de 1988, os SI 1986 n.o 1876, já referidos.

Mesmo que se devesse tomar em consideração a directiva em si, o Conselho entende que não pode ser declarada nula por ter efeito retroactivo. Invoca o acórdão de 30 de Setembro de 1982, Amylum (108/81, Recueil, p. 3107), segundo o qual a retroactividade pode ser admitida, a título excepcional, quando a finalidade a atingir o exija e quando a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada. Em sua opinião, estas condições estão preenchidas no caso vertente.

Por um lado, tendo em conta a natureza das substâncias em causa e a necessidade imperiosa de proteger os consumidores, era necessário evitar um vazio jurídico para impedir que distorções de concorrência e obstáculos importantes às trocas reaparecessem após a anulação da Directiva 85/649. Por outro, o lapso de tempo de 17 dias entre essa anulação e a notificação da directiva em litígio foi demasiado curto para permitir aos interessados adquirir uma confiança legítima na legalização das substâncias em causa.

A Comissão nega que a directiva tenha efeitos retroactivos em relação aos recorrentes, uma vez que não obrigava o Reino Unido a dar-lhe cumprimento antes da data da sua notificação, mas conferia-lhe apenas o poder de o fazer. A questão de saber se o Reino Unido tinha legitimidade, à luz do direito nacional, para fazer uso desse poder não se coloca no caso em apreço.

Mesmo que se pudesse atribuir efeito retroactivo à directiva, este seria justificado por força da jurisprudência do Tribunal (por exemplo, acórdão de 14 de Julho de 1983, Meiko-Konservenfabrik, 224/82, Recueil, p. 2539).

Por um lado, a proibição das hormonas não permitiu uma interrupção. Os motivos que levaram, em 1985, à adopção da Directiva 85/649 mantiveram-se; além disso, no caso de um período de legalização das hormonas após a anulação dessa directiva, a Comunidade teria de enfrentar durante muito tempo o problema apresentado pela carne proveniente dos animais tratados legalmente com hormonas durante esse período.

Por outro lado, a Comissão entende que não há qualquer expectativa legítima a respeitar. Na realidade, a administração das hormonas era proibida muito antes de 1 de Janeiro de 1988. Dado que a primeira directiva foi anulada por vícios de natureza processual, facilmente reparáveis, e que nada indiciava uma mudança da opinião preponderante nas instituições comunitárias bem como no público em geral a favor da proibição, os interessados não podiam esperar uma alteração da situação de facto, tanto menos que o prazo até à adopção da nova directiva foi extremamente curto.

Finalmente, a Comissão observa que a própria directiva não contém disposições penais e não as exige necessariamente se o cumprimento de proibição puder ser assegurado por medidas administrativas. Eventuais disposições penais na regulamentação nacional de transposição da directiva devem respeitar o princípio da não retroactividade que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário.

8. Propostas de resposta

Em conclusão, os recorrentes no processo principal entendem que a Directiva 88/146 é nula pelo facto de o Conselho não ter tomado em conta elementos reconhecidos relativos à saúde e à qualidade, pelo facto de se ter baseado em preocupações irracionais (que assentam, na melhor das hipóteses, em provas incertas) e porque as consequências da directiva que causam um prejuízo grave e de grande alcance são outros tantos elementos que se conjugam para levar a pensar que o Conselho deveria ter considerado outros meios para educar ou proteger os consumidores e para harmonizar as legislações. A Directiva 88/146 está também ferida de vícios de carácter formal que a tornam nula.

O Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal declare que a Directiva 88/146 é nula por lesar a confiança legítima ou, subsidiariamente, por ser incompatível com o princípio da proporcionalidade ou, ainda subsidiariamente, por constituir uma violação de formalidades essenciais e pede que o Tribunal declare que as outras questões apresentadas pela High Court não requerem resposta.

O Governo espanhol, o Conselho e a Comissão, que — como o Governo italiano — entendem que a Directiva 88/146 é válida, propõem ao Tribunal de Justiça que responda no sentido de que o exame das questões apresentadas pela High Court não revelou qualquer elemento susceptível de afectar a validade da Directiva 88/146.

G. C. Rodríguez Iglesias

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

13 de Novembro de 1990 ( *1 )

No processo C-331/88,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pela High Court of Justice, Queen's Bench Divison, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

The Queen,

e

The Minister of Agriculture, Fisheries and Food and the Secretary of State for Health,

ex parte:

Fédération européenne de la santé animale (Fedesa),

Pitman-Moore, Inc.,

Distrivet SA,

Hoechst (UK) Limited,

National Office of Animal Health Limited,

Donald Leslie Haxby CBE

e

Robert Sleightholme,

uma decisão a título prejudicial sobre a validade da Directiva 88/146/GEE do Conselho, de 7 de Março de 1988, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais (JO L 70, p. 16),

O TRIBUNAL (Quinta Secção),

constituído pelos Srs. J. C. Moitinho de Almeida, presidente de secção, G. C. Rodríguez Iglesias, Sir Gordon Slynn, R. Joliét e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral: J. Mischo

secretário: D. Louterman, administradora principal

vistas as observações apresentadas:

em representação dos recorrentes no processo principal, por Christopher Carr e Thomas Sharpé, barristers,

em representação do Governo do Reino de Espanha, por Javier Conde de Saro, director-geral da coordenação jurídica e institucional comunitaria, e por Rosario Silva de Lapuerta, abogado del Estado no Serviço Jurídico para o Tribunal de Justiça, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por Susan Hay, do Treasury Solicitor's Department, e por Richard Plender, barrister,

em representação do Governo da República Italiana, por Pier Giorgio Ferri, avvocato dello Stato, na qualidade de agente,

em representação do Conselho das Comunidades Europeias, por Moyra Sims, membro do seu Serviço Jurídico, e por Bjarne Hoff-Nielsen, consultor jurídico, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Blanca Rodríguez Galindo e Grant Lawrence, membros do seu Serviço Jurídico, e por Dierk Booss, consultor jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 13 de Dezembro de 1989,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 8 de Março de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por decisão de 20 de Setembro de 1988, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de Novembro seguinte, a High Court of Justice, Queen's Bench Division, apresentou ao Tribunal, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, questões prejudiciais relativas à validade da Directiva 88/146/CEE do Conselho, de 7 de Março de 1988, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais (JO L 70, p. 16).

2

Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre a Fédération européenne de la santé animale (Fedesa) e outros, por um lado, e o ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação e o ministro da Saúde, por outro. Os recorrentes no processo principal contestam perante o órgão jurisdicional nacional a validade de um acto regulamentar nacional que dá parcialmente cumprimento à directiva controvertida, em virtude de essa directiva ser inválida.

3

A directiva controvertida foi adoptada em 7 de Março de 1988 e notificada aos Estados-membros em 11 de Março seguinte. O seu conteúdo, incluindo a data da sua entrada em vigor, é idêntico ao da Directiva 85/649/CEE do Conselho, de 31 de Dezembro de 1985, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais (JO L 382, p. 228; EE 03 F40 p. 159), que foi anulada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho (68/86, Colect., p. 855), em virtude de, ao não respeitar o procedimento previsto no n.o 1 do artigo 6.o do Regulamento Interno do Conselho, este ter cometido uma violação de formalidades essenciais.

4

O órgão jurisdicional nacional submeteu ao Tribunal as seguintes questões:

«1)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por violar o princípio da segurança jurídica?

2)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por violar o princípio da proporcionalidade?

3)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por violar o princípio da igualdade?

4)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por desvio de poder por parte do Conselho, sendo a directiva incompatível com os objectivos da política agrícola comum contidos no artigo 39.o do Tratado CEE?

5)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por violar o artigo 190.o do Tratado CEE, especialmente no que respeita ao facto de não expor adequadamente os fundamentos em que se baseia?

6)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por violar formalidades essenciais, tendo especialmente em conta que não teve origem numa proposta da Comissão no sentido de implementar essa ou qualquer outra directiva, que, se teve origem numa proposta da Comissão, essa proposta foi apresentada por uma Comissão que não reflectia a composição da Comissão no momento da adopção da Directiva 88/146, e que o Conselho não obteve o necessário parecer do Parlamento Europeu, parecer esse que deveria ter como objecto essa directiva e nenhuma outra?

7)

A Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, é inválida por violar o princípio da não retroactividade da lei, especialmente na medida em que pretende aplicar sanções penais a actos cometidos antes da sua publicação?»

5

No que se refere aos factos do litígio no processo principal, à tramitação do processo, bem como às observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

6

Antes de examinar os diferentes fundamentos de invalidade suscitados, convém recordar que, tal como resulta dos seus considerandos, a directiva em litígio visa pôr termo às distorções da concorrência e aos entraves ao comércio decorrentes das disparidades das legislações dos Estados-membros no que respeita à administração a animais de exploração de certas substâncias de efeito hormonal. O primeiro considerando da directiva salienta nomeadamente que as consequências dessas substâncias para a saúde humana são apreciadas de modo diferente pelas regulamentações nacionais. Nestas condições, o Conselho considerou que convinha estabelecer uma regulamentação susceptível de assegurar a todos os consumidores condições de abastecimento dos produtos em causa sensivelmente idênticas, fornecendo-lhes um produto que melhor corresponda às suas preocupações e às suas expectativas. Entendeu que as possibilidades de escoamento dos produtos em causa só poderiam beneficiar desse facto (ver segundo considerando da directiva).

Quanto à pretensa violação do princípio da segurança jurídica

7

O primeiro fundamento de invalidade que foi considerado pelo órgão jurisdicional nacional tem em vista a compatibilidade da directiva com o princípio da segurança jurídica. Na discussão sobre esta questão, sustentou-se, por um lado, que a directiva era destituída de qualquer fundamento científico que justificasse as apreciações relativas à saúde pública e às preocupações dos consumidores que levaram à sua adopção e, por outro, que a directiva lesava a confiança legítima dos operadores económicos que podiam confiar em que as substâncias em causa não fossem proibidas, na ausência de qualquer dúvida objectivamente fundada quanto à sua inocuidade, eficácia e qualidade.

8

Há que notar que, ainda que se admitisse que, como os recorrentes no processo principal sustentam, o princípio da segurança jurídica implica que qualquer medida adoptada pelas instituições da Comunidade assente numa base racional e objectiva, a fiscalização do Tribunal quanto a este ponto deve limitar-se, tendo em conta o poder discricionário reconhecido ao Conselho na implementação da política agrícola comum, a verificar se a medida em causa está viciada por erro manifesto ou por desvio de poder ou se a autoridade em questão ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação.

9

À luz do que precede, a acusação baseada na existencia de provas científicas que demonstram a inocuidade das cinco hormonas em questão não pode ser acolhida. Com efeito, sem que seja necessário ordenar diligências de instrução para verificar a exactidão dessa alegação, basta notar que, em presença das divergências de apreciação por parte das autoridades dos Estados-membros, divergências essas reflectidas nas diferenças entre as legislações nacionais existentes, o Conselho se manteve no âmbito do exercício do seu poder discricionário ao optar pela solução que consistia em proibir as hormonas em questão e responder assim às preocupações expressas pelo Parlamento Europeu e pelo Comité Económico e Social, bem como por várias organizações de consumidores.

10

A directiva em litígio não violou também a confiança legítima dos operadores económicos afectados pela proibição de utilização das hormonas em causa. É certo que a Directiva 81/602/CEE do Conselho, de 31 de Julho de 1981, relativa à interdição de certas substâncias de efeito hormonal e de substâncias de efeito tireostático (JO L 222, p. 32; EE 03 F23 p. 38), refere que se aguardam estudos aprofundados sobre a inocuidade ou a nocividade das substâncias em causa (quarto considerando) e obriga a Comissão a ter em conta a evolução científica (artigo 8.o). Todavia, essa directiva não prejudica as consequências a extrair daí pelo Conselho no exercício do seu poder de apreciação. Tendo em conta, aliás, as divergências de apreciação que se tinham manifestado, os operadores económicos não tinham razão para esperar que uma proibição de administração das substâncias em causa a animais só pudesse ser baseada em dados científicos.

11

Resulta do que precede que a violação alegada do princípio da segurança jurídica não pode ser acolhida.

Quanto à pretensa violação do princípio da proporcionalidade

12

Sustentou-se que a directiva em causa viola o princípio da proporcionalidade em três aspectos. Em primeiro lugar, a proibição total da administração das cinco hormonas em causa seria inadaptada para atingir os objectivos declarados, pois seria impossível de aplicar na prática e provocaria a criação de um mercado negro perigoso. Em segundo lugar, não seria necessária, pois as preocupações dos consumidores poderiam ser dissipadas pela simples divulgação de informações e de conselhos. Finalmente, a proibição em causa provocaria inconvenientes excessivos, nomeadamente prejuízos económicos consideráveis para os operadores afectados, em comparação com as pretensas vantagens criadas no interesse geral.

13

O princípio da proporcionalidade é reconhecido por jurisprudência constante do Tribunal como fazendo parte dos princípios gerais do direito comunitário. Por força desse princípio, a legalidade da proibição de uma actividade económica está subordinada à condição de que as medidas de proibição sejam adequadas e necessárias à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo-se que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos.

14

No que diz repeito à fiscalização jurisdicional das condições indicadas, há todavia que precisar que o legislador comunitário dispõe, em matéria de política agrícola comum, de um poder discricionário que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 40.o e 43.o do Tratado lhe atribuem. Por conseguinte, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada nesse domínio, em relação ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida (ver nomeadamente o acórdão de 11 de Julho de 1989, Schräder, n.os 21 e 22, 265/87, Colect., p. 2237).

15

No caso vertente, no que respeita ao carácter adequado ou não da proibição, convém notar em primeiro lugar que, mesmo que a presença de hormonas naturais em toda a carne impeça que se detecte a presença das hormonas proibidas por testes nos animais ou nas carnes, podem ser praticados outros meios de controlo e foram aliás já impostos aos Estados-membros pela Directiva 85/358/CEE do Conselho, de 16 de Julho de 1985, que completa a Directiva 81/602/CEE, já referida (JO L 191, p. 46; EE 03 F36 p. 104). Há que salientar, em seguida, que não é manifesto que a autorização apenas das hormonas ditas «naturais» seria susceptível de impedir o aparecimento de um mercado negro para substâncias perigosas, mas mais baratas. Além disso, segundo o Conselho, que não foi contestado quanto a este ponto, qualquer sistema de autorização parcial pressupõe medidas de controlo dispendiosas cuja eficácia não seria garantida. Pelo que a proibição em causa não pode ser considerada uma medida manifestamente inadequada.

16

Quanto aos argumentos que foram aduzidos para escorar a tese do carácter não necessário da proibição em causa, eles pressupõem, na realidade, que a medida contestada é inadequada para atingir outros objectivos para além do de dissipar as preocupações dos consumidores, preocupações essas que não seriam fundadas. Ora, não tendo o Conselho cometido um erro manifesto a este respeito, ele podia também legitimamente considerar que a supressão dos entraves às trocas e das distorções de concorrência tendo em conta as exigências de protecção da saúde não podia ser atingida por medidas menos rigorosas, como a divulgação de informações aos consumidores e a rotulagem da carne.

17

Finalmente, há que salientar que a importância dos objectivos prosseguidos é susceptível de justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para alguns operadores.

18

Por conseguinte, o princípio da proporcionalidade não foi violado.

Quanto à pretensa violação do princípio da igualdade

19

Sustentou-se que a directiva é discriminatória na medida em que produz efeitos desiguais nos diversos Estados-membros devido às diferentes condições, circunstâncias e práticas tradicionais em matéria de criação de gado.

20

A este propósito, basta notar que um acto de harmonização que serve para uniformizar normas até então divergentes, dos Estados-membros, cria inevitavelmente efeitos divergentes consoante o estado anterior das diferentes legislações nacionais. A partir do momento em que a norma comunitária se aplique, como no caso sub judice, de forma igual a todos os Estados-membros, não poderá falar-se em discriminação.

21

Por conseguinte, a violação alegada do princípio da igualdade não pode ser acolhida.

Quanto à alegação de desvio de poder

22

A esse respeito, foi alegado que a directiva em litígio é incompatível com os objectivos da política agrícola comum enunciados no artigo 39.o do Tratado. Além disso, a directiva destinar-se-ia, na realidade, a reduzir a produção de carne de bovino, objectivo que não poderia ser legalmente prosseguido senão com base no artigo 100.o do Tratado.

23

Há que recordar, em primeiro lugar, que o Tribunal de Justiça decidiu já (acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho, n.os 21 e 22, já referido), em relação à Directiva 85/649 do Conselho, era idêntica à directiva em causa no presente processo, que, ao regular as condições de produção e de comercialização da carne na perspectiva de melhorar a sua qualidade, ela se incluía no quadro das medidas previstas pelas organizações comuns de mercado da carne e contribuía assim para a realização dos objectivos da política agrícola comum enunciados no artigo 39.o do Tratado e que o Conselho era, portanto, competente para a adoptar com base exclusivamente no artigo 43.o do Tratado.

24

Deve recordar-se em seguida que, como resulta de jurisprudência constante (ver nomeadamente acórdãos de 21 de Fevereiro de 1984, Walzstahl-Vereinigung e Thyssen, n.o 27, 140/82, 146/82, 221/82 e 226/82, Recueil, p. 951, e de 21 de Junho de 1984, Lux/Tribunal de Contas, n.o 30, 69/83, Recueil, p. 2447), um acto só está viciado por desvio de poder se, com base em indícios objectivos, relevantes e concordantes, se verifica que ele foi adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de tornear um processo especialmente previsto pelo Tratado para obviar às circunstâncias do caso em apreço.

25

Ora, embora os elementos fornecidos ao Tribunal e salientados pelos recorrentes no processo principal revelem que a possibilidade de redução dos excedentes foi, com efeito, tomada em consideração ao longo do processo de adopção da directiva, não resulta daí que tal redução, que os considerandos da directiva não indicam como um dos objectivos prosseguidos, tenha sido, na realidade, a finalidade exclusiva e determinante da regulamentação adoptada.

26

Por outro lado, convém notar que os objectivos da política agrícola enunciados no artigo 39.o do Tratado consistem, nomeadamente, na estabilização dos mercados. Além disso, o n.o 2, alíneas b) e c), do artigo 39.o impõe que se tome em conta na elaboração da política agrícola comum a necessidade de efectuar gradualmente as adaptações adequadas e o facto de a agricultura constituir um sector intimamente ligado ao conjunto da economia. Daí resulta, como o Tribunal entendeu no acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, já referido, n.o 10, que os objectivos da política agrícola devem ser concebidos de forma a permitir às instituições comunitárias desempenhar as suas responsabilidades tendo em conta as evoluções ocorridas no domínio da agricultura e no conjunto da economia.

27

Por conseguinte, não pode considerar-se que a redução da produção agrícola excedentária seja estranha aos objectivos da política agrícola comum.

28

Resulta de tudo o que precede que a directiva não está viciada por desvio de poder.

Quanto à fundamentação pretensamente insuficiente

29

No respeitante à alegada insuficiência de fundamentação, há que recordar que o Tribunal entendeu já no acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, já referido, n.os 28 e 36, que a directiva está suficientemente fundamentada, nomeadamente porque os seus considerandos enunciam com clareza suficiente os objectivos prosseguidos.

30

No respeitante à acusação baseada na falta de referência do objectivo de redução da produção de carne, a sua relevância pressupõe que tal redução fosse o fundamento verdadeiro ou determinante da directiva. Ora, essa tese foi já afastada no quadro do exame da quarta questão.

31

Por conseguinte, a falta de fundamentação alegada não pode ser acolhida.

Quanto à pretensa violação de formalidades essenciais

32

Foi sustentado que a directiva em litígio está ferida de vários vícios processuais em virtude de, após a anulação da anterior directiva pelo acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, já referido, o Conselho ter adoptado a nova directiva sem que a Comissão tenha feito uma nova proposta e sem que o Parlamento tenha emitido novo parecer.

33

Em primeiro lugar, foi alegado que a anulação da directiva anterior tinha implicado a nulidade de todos os actos preparatórios.

34

A este propòsito, deve recordar-se que a directiva anterior à directiva controvertida foi anulada devido a um vício processual que dizia exclusivamente respeito às modalidades da sua adopção definitiva pelo Conselho. Nestas condições, a anulação não afecta os actos preparatórios das outras instituições.

35

Em segundo lugar, alegou-se que teriam sido necessários uma nova proposta da Comissão e um novo parecer do Parlamento Europeu por causa das alterações ocorridas desde a adopção dos actos preparatórios, tanto no respeitante à composição dessas instituições na sequência da adesão da Espanha e de Portugal, tendo esses países, em matéria de criação de gado, hábitos diferentes do resto da Comunidade, como no respeitante ao estado dos conhecimentos científicos.

36

A este respeito, há que notar, em primeiro lugar, que a modificação da composição de uma instituição não afecta a continuidade da própria instituição, cujos actos definitivos ou preparatórios conservam, em princípio, todos os seus efeitos.

37

Há que salientar, em seguida, que cabe às próprias instituições apreciar se as alterações de circunstâncias, seja qual for a sua natureza, exigem ou não uma nova tomada de posição da sua parte. No que toca, em particular, às propostas da Comissão, essa instituição dispõe, nos termos do n.o 3 do artigo 149.o do Tratado, a possibilidade de as alterar a todo o momento, enquanto o Conselho não tiver deliberado.

38

Sustentou-se ainda que o Parlamento deveria ter sido consultado de novo na sequência da alteração da proposta da Comissão feita em 1985 após o parecer do Parlamento.

39

A este propósito, há que notar que, para além de alterações mais técnicas que de fundo, a proposta da Comissão foi alterada no essencial no sentido indicado pelo Parlamento, que, no seu parecer, se tinha pronunciado pela proibição total das cinco substâncias finalmente designadas pelo Conselho, ao passo que a proposta que lhe tinha sido apresentada comportava apenas uma proibição de duas substâncias. Nestas condições, não era necessária nova consulta.

40

Resulta do que precede que a directiva em litígio não está ferida de violação de formalidades essenciais.

Quanto à pretensa violação do princípio da não retroactividade

41

Sustentou-se que a directiva em litígio viola o princípio da não retroactividade, dado que foi adoptada em 7 de Março de 1988 e que prevê que se lhe dê cumprimento o mais tardar em 1 de Janeiro de 1988. Neste contexto, há que distinguir dois aspectos, o da retroactividade das disposições penais e o da retroactividade fora do domínio penal.

42

Quanto ao primeiro aspecto, deve salientar-se de imediato que, segundo a jurisprudência do Tribunal (ver, nomeadamente, acórdão de 10 de Julho de 1984, Kirk, n.o 22, 63/83, Recueil, p. 2689), o princípio da não retroactividade das disposições penais é um princípio comum a todas as ordens jurídicas dos Estados-membros, consagrado pelo artigo 7o da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais como direito fundamental, que faz parte integrante dos princípios gerais do direito cujo respeito o Tribunal assegura.

43

Tal como o Tribunal declarou no seu acórdão de 11 de Junho de 1987, Pretore di Salò/X (14/86, Colect., p. 2545), uma directiva não pode ter como efeito, só por si e independentemente de uma lei interna adoptada pelo Estado-membro para sua aplicação, determinar ou agravar a responsabilidade penal daqueles que agem em infracção às suas disposições. Nenhuma das disposições da directiva controvertida visa produzir tal efeito.

44

O artigo 10.o da directiva, reproduzido literalmente da directiva anterior anulada pelo Tribunal de Justiça no acórdão já referido de 23 de Fevereiro de 1988, prevê que os Estados-membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para darem cumprimento, nomeadamente, «à presente directiva, o mais tardar em 1 de Janeiro de 1988». Essa disposição não pode ser interpretada no sentido de que impõe aos Estados-membros a obrigação de adoptarem medidas contrárias ao direito comunitário, e nomeadamente ao princípio da não retroactividade da lei penal. Não pode também fornecer um fundamento para processos-crime instaurados com base em disposições do direito nacional que tivessem sido adoptadas em execução da directiva anulada e que tivessem o seu único fundamento nessa directiva.

45

No respeitante ao efeito retroactivo da directiva em litígio fora do domínio penal, convém recordar que, como o Tribunal decidiu em várias ocasiões (ver nomeadamente acórdão de 9 de Janeiro de 1990, Società agrícola fattoria alimentare, n.o 13, C-337/88, Colect., p. I-1), embora, regra geral, o princípio da segurança jurídica se oponha a que os efeitos jurídicos de um acto comunitário retroajam a uma data anterior à da sua publicação, pode assim não ser, excepcionalmente, quando o objectivo a alcançar o exija e quando a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada. Por isso, para poder responder à questão apresentada, há que verificar se esses critérios foram respeitados no presente processo.

46

No caso vertente, tendo a directiva anterior sido anulada devido a um vício processual, o Conselho entendeu ser necessário adoptar uma directiva de conteúdo idêntico, inclusive no respeitante à data prevista para lhe dar cumprimento, a fim de evitar um vazio jurídico no tempo, relativamente à existência de um fundamento de direito comunitário para as disposições nacionais que tinham sido adoptadas pelos Estados-membros para darem cumprimento à directiva anulada.

47

No que respeita à confiança legítima dos interessados, é necessário declarar que, por um lado, o período entre a anulação da primeira directiva (23 de Fevereiro de 1988) e a notificação da directiva em causa (11 de Março de 1988, quando fora adoptada em 7 de Março anterior) ou ainda a publicação no Jornal Oficial de 16 de Março seguinte foi muito curto e que, por outro lado, a directiva anterior fora anulada devido a um vício processual. Nestas circunstâncias, os interessados, que estavam sujeitos no exercício da sua actividade às legislações nacionais adoptadas para dar execução à directiva anulada, não podiam esperar uma mudança de atitude quanto ao essencial por parte do Conselho. Daqui resulta que o carácter retroactivo da nova directiva não viola o princípio da confiança legítima.

48

Resulta do que precede que a directiva não é incompatível com o princípio da não retroactividade.

49

Assim, há que responder ao órgão jurisdicional nacional que o exame da questão apresentada não revelou qualquer elemento susceptível de afectar a validade da Directiva 88/146 do Conselho, de 7 de Março de 1988, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais.

Quanto às despesas

50

As despesas efectuadas pelos governos do Reino de Espanha, do Reino Unido e da República Italiana, bem como pelo Conselho e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela High Court of Justice, Queen's Bench Division, por decisão de 20 de Setembro de 1988, declara:

 

O exame das questões apresentadas não revelou elementos susceptíveis de afectar a validade da Directiva 88/146/CEE do Conselho, de 7 de Março de 1988, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais.

 

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Slynn

Joliét

Zuleeg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Novembro de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Quinta Secção

J. C. Moitinho de Almeida


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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