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Document 62008CJ0317

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 18 de Março de 2010.
Rosalba Alassini contra Telecom Italia SpA (C-317/08), Filomena Califano contra Wind SpA (C-318/08), Lucia Anna Giorgia Iacono contra Telecom Italia SpA (C-319/08) e Multiservice Srl contra Telecom Italia SpA (C-320/08).
Pedidos de decisão prejudicial: Giudice di pace di Ischia - Itália.
Pedido de decisão prejudicial - Princípio da protecção jurisdicional efectiva - Redes e serviços de comunicações electrónicas - Directiva 2002/22/CE - Serviço universal - Litígios entre utilizadores finais e prestadores de serviços - Tentativa obrigatória de conciliação extrajudicial.
Processos apensos C-317/08, C-318/08, C-319/08 e C-320/08.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-02213

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:146

Processos apensos C‑317/08 a C‑320/08

Rosalba Alassini e o.

contra

Telecom Italia SpA e o.

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Giudice di pace di Ischia (Itália)]

«Pedido de decisão prejudicial – Princípio da protecção jurisdicional efectiva – Redes e serviços de comunicações electrónicas – Directiva 2002/22/CE – Serviço universal – Litígios entre utilizadores finais e prestadores de serviços – Tentativa obrigatória de conciliação extrajudicial»

Sumário do acórdão

1.        Aproximação das legislações – Redes e serviços de comunicações electrónicas – Serviço universal e direitos dos utilizadores – Directiva 2002/22 – Resolução extrajudicial de litígios

(Directiva 2002/22 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 34.°)

2.        Direito comunitário – Princípios – Direito a uma protecção jurisdicional efectiva

1.        O artigo 34.° da Directiva 2002/22, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal), deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual os litígios em matéria de serviços de comunicações electrónicas entre os utilizadores finais e os prestadores desses serviços, relativos a direitos conferidos por esta directiva, devem ser objecto de uma tentativa obrigatória de conciliação extrajudicial como pressuposto de admissibilidade de acções judiciais.

Com efeito, o artigo 34.°, n.° 1, desta directiva atribui aos Estados‑Membros o objectivo de estabelecer procedimentos extrajudiciais para dirimir os litígios pendentes que envolvam consumidores e que se refiram a questões abrangidas pela mesma directiva. Nestas condições, o facto de uma legislação nacional não só ter introduzido um processo de conciliação extrajudicial mas ter, além disso, tornado obrigatório o recurso a este procedimento, antes de recorrer a um órgão jurisdicional, não é susceptível de comprometer a realização do objectivo acima mencionado. Pelo contrário, tal legislação, na medida em que garante o carácter sistemático do recurso a um procedimento extrajudicial de resolução de litígios, tende a reforçar o efeito útil da directiva serviço universal.

(cf. n.os 45, 67, disp. 1)

2.        Os princípios da equivalência e da efectividade, bem como o princípio da protecção jurisdicional efectiva, não se opõem a uma legislação nacional que impõe que os litígios em matéria de serviços de comunicações electrónicas entre os utilizadores finais e os prestadores desses serviços, respeitantes a direitos conferidos pela Directiva 2002/22, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal), sejam antecedidos de um processo de conciliação extrajudicial, desde que esse processo não conduza a uma decisão vinculativa para as partes, não implique um atraso substancial para efeitos da propositura de uma acção judicial, suspenda a prescrição dos direitos em questão e não gere custos, ou gere custos muito baixos, para as partes, contanto que a via electrónica não constitua o único meio de acesso ao referido processo de conciliação e que seja possível aplicar medidas cautelares nos casos excepcionais que as exijam em função da urgência da situação.

É verdade que, ao fazer depender a admissibilidade de acções judiciais propostas em matéria de serviços de comunicações electrónicas da realização de uma tentativa obrigatória de conciliação, tal legislação introduz uma etapa adicional para o acesso ao tribunal. Este pressuposto poderá afectar o princípio da protecção jurisdicional efectiva, reafirmado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Todavia, os direitos fundamentais não constituem prerrogativas absolutas, mas podem comportar restrições, na condição de que estas correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituam, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos. A este respeito, uma vez que a legislação nacional visa uma resolução mais rápida e pouco dispendiosa de litígios em matéria de comunicações electrónicas, bem como o descongestionamento dos tribunais, ela prossegue, consequentemente, objectivos legítimos de interesse geral. Em seguida, a imposição de um tal procedimento de resolução extrajudicial não é, à luz das suas regras precisas de funcionamento, já referidas, desproporcionada em relação aos objectivos prosseguidos, uma vez que, por um lado, não existe uma alternativa menos gravosa a um procedimento obrigatório, dado que a introdução de um procedimento de resolução extrajudicial meramente facultativo não constitui um meio tão eficiente para atingir os referidos objectivos, e que, por outro, não há uma desproporção manifesta entre esses objectivos e os eventuais inconvenientes causados pelo carácter obrigatório do processo de conciliação extrajudicial.

(cf. n.os 54‑59, 61‑65, 67, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

18 de Março de 2010 (*)

«Pedido de decisão prejudicial – Princípio da protecção jurisdicional efectiva – Redes e serviços de comunicações electrónicas – Directiva 2002/22/CE – Serviço universal – Litígios entre utilizadores finais e prestadores de serviços – Tentativa obrigatória de conciliação extrajudicial»

Nos processos apensos C‑317/08, C‑318/08, C‑319/08 e C‑320/08,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Giudice di pace di Ischia (Itália), por decisões de 4 de Abril de 2008, entrados no Tribunal de Justiça em 15 de Julho de 2008, nos processos

Rosalba Alassini

contra

Telecom Italia SpA (C‑317/08)

e

Filomena Califano

contra

Wind SpA (C‑318/08)

e

Lucia Anna Giorgia Iacono

contra

Telecom Italia SpA (C‑319/08)

e

Multiservice Srl

contra

Telecom Italia SpA (C‑320/08),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), G. Arestis, J. Malenovský e T. von Danwitz, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de Setembro de 2009,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Wind SpA, por D. Cutolo, avvocato,

–        em representação do Governo italiano, por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma e J. Kemper, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por M. Dowgielewicz, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por N. Bambara, A. Nijenhuis, I. V. Rogalski e S. La Pergola, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 19 de Novembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        Os presentes pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do princípio da protecção jurisdicional efectiva relativamente a uma legislação nacional que estabelece a obrigatoriedade de uma tentativa de conciliação extrajudicial como pressuposto de admissibilidade de acções judiciais em determinados litígios entre prestadores de serviços e utilizadores finais no âmbito da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal) (JO L 108, p. 51).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de quatro litígios que opõem, por um lado, R. Alassinie, L. A. G. Iacono e a Multiservice Srl à Telecom Italia SpA e, por outro, F. Califano à Wind SpA, a propósito de alegados incumprimentos dos contratos celebrados entre as partes em causa nos processos principais e que têm por objecto a prestação de serviços telefónicos às demandantes nos processos principais por uma das demandadas nesses processos, empresas prestadoras dos referidos serviços.

 Quadro jurídico

 Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

3        Sob a epígrafe «Direito a um processo equitativo», o artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), prevê:

«Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. […]»

 Direito da União

4        O artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1), conforme adaptada em 12 de Dezembro de 2007, em Estrasburgo (JO C 303, p. 1), intitulado «Direito à acção e a um tribunal imparcial», dispõe:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça.»

5        Nos termos do quadragésimo sétimo considerando da directiva serviço universal:

«No contexto de um ambiente concorrencial, as autoridades reguladoras nacionais, ao abordarem questões relacionadas com os direitos dos utilizadores finais, devem ter em conta as opiniões das partes interessadas, incluindo os utilizadores e consumidores. Devem estar previstos procedimentos eficazes para a resolução de litígios entre os consumidores, por um lado, e as empresas que oferecem serviços de comunicações acessíveis ao público, por outro. Os Estados‑Membros devem ter plenamente em conta a Recomendação 98/257/CE da Comissão, de 30 de Março de 1998, relativa aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo [JO L 115, p. 31] […]»

6        O artigo 1.° da directiva serviço universal enuncia:

«1.      No âmbito da Directiva 2002/21/CE (directiva‑quadro), a presente directiva diz respeito à oferta de redes e serviços de comunicações electrónicas aos utilizadores finais. O objectivo é garantir a disponibilidade em toda a Comunidade de serviços acessíveis ao público de boa qualidade, através de uma concorrência e de uma possibilidade de escolha efectivas, e atender às situações em que as necessidades dos utilizadores finais não sejam convenientemente satisfeitas pelo mercado.

2.      A presente directiva estabelece os direitos dos utilizadores finais e as correspondentes obrigações das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público. Relativamente à necessidade de assegurar a oferta de um serviço universal num ambiente de mercados abertos e concorrenciais, a directiva define o conjunto mínimo de serviços de qualidade especificada a que todos os utilizadores finais têm acesso, a um preço acessível à luz das condições específicas nacionais e sem distorção da concorrência. A presente directiva estabelece também obrigações no que se refere à prestação de determinados serviços obrigatórios, como a oferta a retalho de linhas alugadas.»

7        O artigo 34.° da directiva serviço universal, sob a epígrafe «Resolução extrajudicial de litígios», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros garantirão a disponibilidade de procedimentos extrajudiciais transparentes, simples e pouco dispendiosos para tratar os litígios pendentes que envolvam consumidores e que se refiram a questões abrangidas pela presente directiva. Os Estados‑Membros adoptarão medidas para garantir que tais procedimentos permitam resolver os litígios de modo rápido e equitativo, e poderão, quando tal se justifique, adoptar um sistema de reembolso e/ou compensação. Os Estados‑Membros podem alargar o âmbito destas obrigações de modo a abrangerem litígios que envolvam outros utilizadores finais.

2.      Os Estados‑Membros assegurarão que a legislação nacional não entrave a criação, ao nível territorial adequado, de gabinetes de reclamações e serviços em linha para facilitar o acesso dos consumidores e utilizadores finais aos procedimentos de resolução de litígios.

3.      Sempre que tais litígios envolvam partes em diferentes Estados‑Membros, estes coordenarão os seus esforços a fim de chegar a uma resolução do litígio.

4.      O presente artigo não prejudica os procedimentos judiciais nacionais.»

8        O artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO L 171, p. 12), intitulado «Âmbito de aplicação e definições», prevê:

«1.      A presente directiva tem por objectivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar um nível mínimo uniforme de defesa dos consumidores no contexto do mercado interno.

2.      Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

[…]

b)      Bem de consumo: qualquer bem móvel corpóreo, com excepção:

–        dos bens vendidos por via de penhora, ou qualquer outra forma de execução judicial,

–        da água e do gás, quando não forem postos à venda em volume delimitado, ou em quantidade determinada,

–        da electricidade;

[…]»

 Recomendações 98/257 e 2001/310/CE

9        Nos termos do quinto, sexto e nono considerandos da Recomendação 98/257:

«Considerando que a experiência adquirida por inúmeros Estados‑Membros demonstra que os mecanismos alternativos de resolução não judicial dos litígios de consumo, desde que garantido o respeito de certos princípios essenciais, podem assegurar bons resultados, quer para os consumidores quer para as empresas, reduzindo o custo e o prazo de resolução dos litígios de consumo;

Considerando que a definição de tais princípios ao nível europeu facilitaria a implementação de procedimentos extrajudiciais para a resolução de litígios de consumo; que, em relação aos conflitos transfronteiriços, tal definição aumentaria a confiança recíproca dos organismos extrajudiciais existentes nos diferentes Estados‑Membros bem como a confiança dos consumidores nos diferentes procedimentos nacionais existentes; que estes critérios podem facilitar aos prestadores de serviços extrajudiciais estabelecidos num Estado-membro a prestação de serviços noutro Estado‑Membro;

[…]

Considerando que a presente recomendação deve limitar-se aos procedimentos que, independentemente da respectiva designação, levam à resolução do diferendo através da intervenção de um terceiro que propõe ou impõe uma solução; que, por conseguinte, não estão abrangidos os procedimentos que se limitam a uma simples tentativa de aproximar as partes para as convencer a encontrar uma solução de comum acordo».

10      Sob a epígrafe «Princípio da liberdade», o ponto VI da Recomendação 98/257 dispõe:

«A decisão do organismo só poderá ser vinculativa para as partes se estas tiverem do facto sido previamente informadas e o tiverem expressamente aceite.

A adesão do consumidor ao procedimento extrajudicial não pode resultar de um compromisso anterior à ocorrência do diferendo, sempre que esse compromisso tiver por efeito privar o consumidor do direito que lhe assiste de recorrer aos órgãos jurisdicionais competentes para resolver judicialmente o litígio».

11      Sob o título «Âmbito de aplicação», o ponto I da Recomendação 2001/310/CE da Comissão, de 4 de Abril de 2001, relativa aos princípios aplicáveis aos organismos extrajudiciais envolvidos na resolução consensual de litígios do consumidor (JO L 109, p. 56), prevê:

«1.      A presente recomendação aplica-se aos organismos terceiros responsáveis pelos procedimentos de resolução de litígios em matéria de consumo que, independentemente da sua designação, pretendam solucionar um litígio através da aproximação das partes para as convencer a encontrar uma solução de comum acordo.

2.      Não se aplica a mecanismos relativos a queixas dos consumidores que sejam postos em prática por uma empresa e onde exista uma relação directa com o consumidor ou a mecanismos que prestem estes serviços para ou em nome de uma empresa.»

 Direito nacional

12      A República Italiana transpôs a directiva serviço universal através do Decreto Legislativo n.° 259, de 1 de Agosto de 2003, que aprovou o Código das Comunicações Electrónicas (GURI n.° 214, de 15 de Setembro de 2003, p. 3).

13      Nos termos do artigo 84.° desse código:

«1.      A Autoridade, na acepção do artigo 1.°, n.os 11, 12 e 13 da Lei n.° 249, de 31 de Julho de 1997, [que cria a Autoridade para as Garantias nas Telecomunicações e as normas relativas aos sistemas de telecomunicação e de radiotelevisão (suplemento ordinário do GURI n.° 177, de 31 de Julho de 1997),] adopta procedimentos extrajudiciais transparentes, simples e pouco dispendiosos para examinar os litígios que envolvam os consumidores e os utilizadores finais, e que se refiram às disposições do presente capítulo, de modo a permitir resolver os litígios de modo rápido e equitativo, prevendo, quando tal se justifique, um sistema de reembolso ou de compensação.

2.      A Autoridade, de acordo com a Conferência permanente para as relações entre o Estado, as regiões e Trentino e Bolzano, bem como nos termos do artigo 1.°, n.° 13, da Lei n.° 249, de 31 de Julho de 1997, promove a criação, com a actual dotação de pessoal e com os bens de equipamento que possam ser adquiridos com as dotações ordinárias do orçamento sem subsequente alteração das despesas, a um nível territorial adequado, de gabinetes de reclamações e serviços em linha para facilitar o acesso dos consumidores e utilizadores finais aos procedimentos de resolução de litígios.

3.      Quando os litígios envolverem nacionais de outros Estados‑Membros, a Autoridade coordena esses esforços com os das outras autoridades reguladoras interessadas a fim de se chegar à resolução do litígio.

4.      O presente artigo não prejudica os procedimentos em vigor em matéria de resolução judicial de litígios e, até à transposição das disposições enunciadas nos n.os 1 e 2, os procedimentos em vigor em matéria de resolução extrajudicial de litígios à data de publicação do código na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana [Jornal Oficial da República Italiana].»

14      Em conformidade com o disposto na Lei n.° 249, de 31 de Julho de 1997, são da competência da Autoridade para as Garantias nas Telecomunicações os litígios em matéria de comunicações electrónicas entre utilizadores finais e operadores, que decorram do incumprimento das disposições relativas ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores finais.

15      Através da deliberação 173/07/CONS (GURI n.° 120, de 25 de Maio de 2007, p. 19), a Autoridade para as Garantias nas Telecomunicações aprovou o regulamento relativo à resolução de litígios entre operadores de comunicações e utilizadores finais (a seguir «regulamento de resolução»).

16      O artigo 3.° do regulamento de resolução prevê:

«1.      Nos litígios previstos no artigo 2.°, n.° 1, a acção judicial é inadmissível enquanto não tiver sido efectuada a tentativa obrigatória de conciliação perante a Co.re.com [Comissão Regional para as Comunicações] territorialmente competente, com competência delegada para o exercício da função de conciliação, ou perante os órgãos de resolução extrajudicial de litígios previstos no artigo 13.°

2.      Se a Co.re.com territorialmente competente não for titular da competência delegada prevista no [n.° 1], a tentativa obrigatória de conciliação deve ser efectuada perante os órgãos previstos no artigo 13.°

3.      O prazo para a conclusão do processo de conciliação é de trinta dias a partir da data de apresentação do pedido; terminado este prazo, as partes podem propor uma acção judicial mesmo que o processo não esteja concluído.»

17      O artigo 13.° do regulamento de resolução dispõe:

«1.      Em alternativa ao processo de conciliação perante a Co.re.com, os interessados têm a faculdade de requerer a tentativa obrigatória de conciliação, também por via telemática, perante os órgãos de resolução extrajudicial de litígios de consumo, previstos no artigo 1.°, alínea o), do presente regulamento.

2.      Com o mesmo objectivo, o utente tem ainda a faculdade de se dirigir aos organismos instituídos por acordo entre os operadores e as associações de consumidores representativas a nível nacional, desde que os referidos organismos actuem a título gratuito e respeitem os princípios da transparência, equidade e eficácia referidos na Recomendação 2001/310/CE.

3.      A lista actualizada dos órgãos referidos nos números anteriores encontra‑se disponível no sítio Internet da Autoridade.

4.      Os organismos instituídos em conformidade com o disposto no n.° 2 são inscritos na lista referida no número anterior, com base na apresentação de um pedido específico, assinado pelas partes, acompanhado do acordo celebrado entre o operador e, pelo menos, dois terços das associações de consumidores representativas a nível nacional e de um exemplar do regulamento de processo, após verificação do respeito dos princípios referidos no n.° 2.

5.      O pedido deve ser renovado de dois em dois anos de acordo com o mesmo procedimento. Não tendo sido pedida a renovação, a Autoridade suprime oficiosamente o organismo da lista referida no n.° 3.

6.      Com base numa declaração de qualquer pessoa interessada, a Autoridade pode decidir suprimir da lista os organismos que verifique terem desrespeitado os princípios enunciados no n.° 2».

 Litígios nos processos principais e questão prejudicial

18      Resulta das decisões de reenvio que, em todas as acções propostas pelas demandantes nos processos principais, as demandadas nos processos principais suscitaram, de acordo com o disposto nos artigos 3.° e 13.° do regulamento de resolução, a inadmissibilidade dessas acções pelo facto de as demandantes nos processos principais não terem previamente efectuado a tentativa obrigatória de conciliação perante a Co.re.com, prevista nessas disposições.

19      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a Co.re.com prevista na legislação nacional não foi, no entanto, ainda instituída na Região da Campânia, o que implica que a tentativa obrigatória de conciliação deve ser efectuada perante outros organismos, isto é, os organismos referidos no artigo 13.° do regulamento de resolução. Contudo, não foi realizada nenhuma verificação da conformidade dos mencionados organismos com os princípios consagrados na Recomendação 2001/310, nomeadamente no que diz respeito à gratuitidade ou à proporcionalidade dos custos decorrentes da tentativa de conciliação perante estes e à notoriedade e facilidade dos processos de conciliação.

20      Em todo o caso, mesmo que a Co.re.com tivesse sido instituída na Região da Campânia, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a obrigatoriedade da tentativa de conciliação, como a prevista na legislação em causa nos processos principais, pode constituir um obstáculo ao exercício dos direitos dos utilizadores finais, nomeadamente pelo facto de a referida tentativa de conciliação dever necessariamente ser efectuada por via electrónica. Além disso, o mesmo órgão jurisdicional observa que é já efectuada uma tentativa de conciliação na primeira audiência no âmbito do processo jurisdicional ordinário.

21      É neste contexto que o Giudice di pace di Ischia decidiu, em cada processo pendente, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições comunitárias, já referidas (artigo 6.° da [CEDH], [d]irectiva [serviço universal], Directiva [1999/44], Recomendação [2001/310] e [Recomendação [98]/257), têm eficácia directamente vinculativa e devem ser interpretadas no sentido de que os litígios ‘em matéria de comunicações electrónicas entre utilizadores finais e operadores, relativos ao incumprimento das disposições relativas ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores finais estabelecidos pelas normas legislativas, pelas deliberações da autoridade reguladora, pelas condições contratuais e pelas cartas dos serviços’ (litígios previstos no artigo 2.° [do regulamento anexo à] […] [d]eliberação 173/07/CONS da autoridade reguladora das telecomunicações), não [têm de] ser submetidos [à] tentativa [obrigatória de conciliação] prevista sob pena de impossibilidade de propor a acção [judicial], prevalecendo sobre a regra prevista no artigo 3.°, n.° 1, [do regulamento anexo à] […] referida deliberação da Autoridade para as Garantias nas Telecomunicações?»

22      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2008, os processos C‑317/08 a C‑320/08 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

23      Na audiência, o Governo italiano concluiu pela inadmissibilidade da questão prejudicial. Segundo este governo, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não indicou os direitos reconhecidos pelo direito da União que constituem o objecto dos litígios nos processos principais, a questão submetida é meramente hipotética.

24      Embora não alegue que a questão prejudicial seja inadmissível, a Comissão salienta que é necessário existir um nexo de conexão entre os litígios nos processos principais e o direito da União, que não pode, na opinião dessa instituição, ser automaticamente inferido dos pedidos de reenvio.

25      A este propósito, recorde‑se que, no âmbito do processo instituído pelo artigo 234.° CE, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., designadamente, acórdãos de 18 de Julho de 2007, Lucchini, C‑119/05, Colect., p. I‑6199, n.° 43; de 22 de Dezembro de 2008, Magoora, C‑414/07, Colect., p. I‑10921, n.° 22; e de 16 de Julho de 2009, Mono Car Styling, C‑12/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 27).

26      Assim, o Tribunal de Justiça só se pode recusar a apreciar um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., designadamente, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.° 39; de 5 de Dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, Colect., p. I‑11421, n.° 25; Magoora, já referido, n.° 23; e Mono Car Styling, já referido, n.° 28).

27      Relativamente aos presentes processos prejudiciais, cabe reconhecer que as decisões de reenvio incluem uma exposição fundamentada do quadro jurídico e factual dos litígios nos processos principais e das razões pelas quais o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a resposta à questão submetida em cada litígio é necessária para proferir a sua decisão.

28      Além disso, embora seja verdade que as decisões de reenvio não expõem em pormenor os litígios nos processos principais, nomeadamente os direitos e as obrigações concretos que constituem o objecto desses litígios, não é menos certo que estes dizem respeito a serviços de comunicações electrónicas entre utilizadores finais e prestadores de serviços e a procedimentos extrajudiciais de resolução dos mencionados litígios, referindo‑se o órgão jurisdicional de reenvio expressamente, além do mais, ao quadragésimo sétimo considerando e ao artigo 34.° da directiva serviço universal.

29      Por conseguinte, importa concluir que a questão submetida diz respeito à interpretação do direito da União e que essa interpretação é necessária para a resolução dos litígios nos processos principais.

30      Por conseguinte, a questão prejudicial deve ser julgada admissível.

 Quanto ao mérito

31      A título preliminar, cumpre referir que a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio diz respeito não só à directiva serviço universal, à Recomendação 98/257 e ao direito a uma protecção jurisdicional efectiva consagrada no artigo 6.° da CEDH mas também à Directiva 1999/44 e à Recomendação 2001/310.

32      Quanto à Directiva 1999/44, uma vez que, de acordo com o disposto no respectivo artigo 1.°, os serviços de comunicação não estão incluídos no seu âmbito de aplicação, deve constatar‑se que a mesma não é aplicável aos processos principais.

33      Relativamente à Recomendação 2001/310, importa concluir que, nos termos do quadragésimo sétimo considerando da directiva serviço universal, quando estiverem previstos procedimentos para a resolução de diferendos nela referidos, os Estados‑Membros devem ter plenamente em conta a Recomendação 98/257.

34      Ora, em consonância com o nono considerando desta última recomendação, o respectivo âmbito de aplicação é limitado aos procedimentos que, independentemente da respectiva designação, levam à resolução do diferendo através da intervenção de um terceiro que propõe ou impõe uma solução, sem no entanto abranger os procedimentos que, como os previstos na Recomendação 2001/310, se limitam a uma tentativa de aproximação das partes para as convencer a encontrar uma solução de comum acordo.

35      Por conseguinte, impõe‑se observar que os procedimentos de resolução de diferendos referidos na directiva serviço universal não se devem limitar a uma tentativa de aproximação das partes para as convencer a encontrar uma solução de comum acordo, antes devendo levar à resolução do diferendo através da intervenção de um terceiro que propõe ou impõe uma solução.

36      Nos processos principais, o procedimento extrajudicial obrigatório previsto na legislação nacional em causa não se limita a aproximar as partes, antes propondo‑lhes uma solução, através da intervenção de um organismo de conciliação. Por conseguinte, cumpre constatar que também a Recomendação 2001/310 não é aplicável aos litígios nos processos principais.

37      Por consequência, a questão do órgão jurisdicional de reenvio deve ser entendida no sentido de que procura saber, no essencial, se o artigo 34.° da directiva serviço universal e o princípio da protecção jurisdicional efectiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual os litígios em matéria de serviços de comunicações electrónicas entre os utilizadores finais e os prestadores desses serviços, relativos a direitos conferidos por esta directiva, devem ser objecto de uma tentativa obrigatória de conciliação extrajudicial como pressuposto de admissibilidade de acções judiciais.

 Quanto ao artigo 34.° da directiva serviço universal

38      Nos termos do artigo 34.° da directiva serviço universal, os Estados‑Membros devem garantir a disponibilidade de procedimentos extrajudiciais transparentes, simples e pouco dispendiosos que permitam resolver os litígios que envolvam consumidores e que se refiram a questões abrangidas por essa directiva de modo rápido e equitativo. Os mencionados procedimentos nunca prejudicam os procedimentos judiciais nacionais.

39      Como se observou no n.° 33 do presente acórdão, quando estiverem previstos os ditos procedimentos extrajudiciais, os Estados‑Membros devem ter plenamente em conta a Recomendação 98/257.

40      A este respeito, há que recordar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, mesmo que as recomendações não se destinem a produzir efeitos vinculativos nem estejam em condições de criar direitos que os particulares possam invocar perante um tribunal nacional, não estão, no entanto, desprovidas de todo e qualquer efeito jurídico. Com efeito, os juízes nacionais são obrigados a ter em consideração as recomendações para a resolução dos litígios que lhes são submetidos, nomeadamente quando elas esclarecem a interpretação de disposições nacionais cujo objectivo seja garantir a aplicação daquelas recomendações ou completar disposições da União Europeia com carácter vinculativo (v. acórdãos de 13 de Dezembro de 1989, Grimaldi, C‑322/88, Colect., p. 4407, n.os 7, 16 e 18, e de 11 de Setembro de 2003, Altair Chimica, C‑207/01, Colect., p. I‑8875, n.° 41).

41      Todavia, importa observar que nem a directiva serviço universal nem a Recomendação 98/257 prevêem as modalidades ou as características específicas dos procedimentos extrajudiciais a aplicar, fora os elementos mencionados no artigo 34.° da referida directiva e recordados no n.° 38 do presente acórdão e os princípios da independência, da transparência, do contraditório, da eficácia, da legalidade, da liberdade e da representação enunciados na Recomendação 98/257.

42      Entre os elementos e princípios acima referidos, cabe observar que nenhum deles permite concluir que o poder dos Estados‑Membros se encontra limitado quanto à possibilidade de estabelecer a obrigatoriedade dos procedimentos extrajudiciais de resolução de litígios.

43      Neste sentido, note‑se que, em conformidade com n.° 4 do artigo 34.° da directiva serviço universal e com o princípio da liberdade consagrado no ponto VI da Recomendação 98/257, a única condição imposta a este respeito é a de ser mantido o direito de recorrer aos órgãos jurisdicionais competentes para resolver judicialmente os litígios.

44      Por consequência, uma vez que a directiva serviço universal não desenvolve subsequentemente as modalidades ou as características dos procedimentos previstos no seu artigo 34.°, compete aos Estados‑Membros definir as modalidades dos referidos procedimentos, incluindo o seu carácter obrigatório, respeitando sempre o efeito útil desta directiva.

45      A este propósito, não se pode deixar de salientar que o artigo 34.°, n.° 1, da directiva serviço universal atribui aos Estados‑Membros o objectivo de estabelecer procedimentos extrajudiciais para dirimir os litígios pendentes que envolvam consumidores e que se refiram a questões abrangidas pela mesma directiva. Nestas condições, o facto de uma legislação nacional, como a que está em causa nos processos principais, não só ter introduzido um processo de conciliação extrajudicial mas ter, além disso, tornado obrigatório o recurso a este procedimento, antes de recorrer a um órgão jurisdicional, não é susceptível de comprometer a realização do objectivo acima mencionado. Pelo contrário, tal legislação, na medida em que garante o carácter sistemático do recurso a um procedimento extrajudicial de resolução de litígios, tende a reforçar o efeito útil da directiva serviço universal.

46      Todavia, na medida em que a introdução de um processo de tentativa obrigatória de conciliação constitui um pressuposto de admissibilidade de acções judiciais, há que examinar se é compatível com o direito a uma protecção jurisdicional efectiva.

 Quanto aos princípios da equivalência e da efectividade e ao princípio da protecção jurisdicional efectiva

47      Em primeiro lugar, em conformidade com jurisprudência assente, na falta de regulamentação da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e definir as modalidades processuais das acções destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União, tendo, todavia, os Estados‑Membros a responsabilidade de assegurar, em cada caso, a protecção efectiva desses direitos (v. acórdãos de 15 de Abril de 2008, Impact, C‑268/06, Colect., p. I‑2483, n.os 44 e 45, e Mono Car Styling, já referido, n.° 48).

48      Nessa medida, como resulta de jurisprudência assente, as modalidades processuais das acções destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a acções similares de direito interno (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efectividade) (v. acórdão Impact, já referido, n.° 46 e jurisprudência aí referida).

49      Essas exigências de equivalência e de efectividade exprimem a obrigação geral de os Estados‑Membros assegurarem a protecção jurisdicional dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União e aplicam‑se tanto no plano da designação dos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer de acções baseadas nesse direito como no plano da definição das regras processuais (v. acórdão Impact, já referido, n.os 47 e 48, e de 29 de Outubro de 2009, Pontin, C‑63/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 44).

50      Nos processos principais, o princípio da equivalência foi respeitado.

51      Com efeito, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio não referiu nenhum elemento relativo a uma eventual violação do princípio da equivalência. Por outro lado, o Governo italiano confirmou, na audiência, que a norma nacional em causa nos processos principais se aplica indiferentemente às acções baseadas na violação tanto do direito da União como do direito interno em matéria de comunicações electrónicas.

52      Relativamente ao princípio da efectividade, é verdade que o facto de impor um processo de conciliação extrajudicial como pressuposto de admissibilidade de uma acção judicial afecta o exercício dos direitos conferidos aos particulares pela directiva serviço universal.

53      Todavia, vários elementos demonstram que um processo de conciliação obrigatório, como o que está em causa nos processos principais, não é susceptível de tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos aos cidadãos pela directiva em causa.

54      Com efeito, em primeiro lugar, o resultado do processo de conciliação não é vinculativo para as partes interessadas e, por isso, não afecta o seu direito a uma acção judicial.

55      Em segundo lugar, o processo de conciliação não implica, em circunstâncias normais, um atraso substancial para efeitos da propositura de uma acção judicial. Com efeito, o prazo para a conclusão do processo de conciliação é de trinta dias a contar da apresentação do pedido e, uma vez terminado esse prazo, as partes podem propor uma acção judicial mesmo que o processo não esteja concluído.

56      Em terceiro lugar, a prescrição de direitos é suspensa pelo período em que decorre o processo de conciliação.

57      Em quarto lugar, os custos decorrentes do processo de conciliação perante a Co.re.com são inexistentes. Quanto aos processos de conciliação perante outros organismos, os autos remetidos ao Tribunal não contêm nenhuma indicação de que esses custos sejam consideráveis.

58      No entanto, o exercício dos direitos conferidos pela directiva serviço universal poderia tornar‑se impossível ou excessivamente difícil, na prática, para determinados cidadãos, nomeadamente os que não disponham de acesso à Internet, se só fosse possível aceder ao processo de conciliação por via electrónica. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é isso que sucede, em particular à luz do disposto no artigo 13.°, n.° 1, do regulamento de resolução.

59      De igual modo, compete a esse órgão jurisdicional verificar se, em casos excepcionais que exijam medidas cautelares, o processo de conciliação permite, ou não impede, a adopção dessas medidas.

60      Nestas condições, importa considerar que a legislação nacional em causa nos processos principais respeita o princípio da efectividade desde que a via electrónica não constitua o único meio de acesso ao processo de conciliação e que seja possível aplicar medidas cautelares em casos excepcionais que as exijam em função da urgência da situação.

61      Em segundo lugar, há que recordar que o princípio da protecção jurisdicional efectiva constitui um princípio geral do direito da União, que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado pelos artigos 6.° e 13.° da CEDH, princípio que, de resto, foi reafirmado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v. acórdão Mono Car Styling, já referido, n.° 47 e jurisprudência aí referida).

62      A este respeito, é pacífico, nos processos principais, que, ao fazer depender a admissibilidade de acções judiciais propostas em matéria de serviços de comunicações electrónicas da realização de uma tentativa obrigatória de conciliação, a legislação nacional em causa introduz uma etapa adicional para o acesso ao tribunal. Este pressuposto poderá afectar o princípio da protecção jurisdicional efectiva.

63      Todavia, decorre de jurisprudência assente que os direitos fundamentais não constituem prerrogativas absolutas, mas podem comportar restrições, na condição de que estas correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituam, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (v., neste sentido, acórdão de 15 de Junho de 2006, Dokter e o., C‑28/05, Colect., p. I‑5431, n.° 75 e jurisprudência aí referida, e TEDH, acórdão Fogarty c. Reino Unido de 21 de Novembro de 2001, Colectânea dos acórdãos e decisões 2001‑XI, § 33).

64      Ora, como o Governo italiano observou na audiência, importa antes de mais salientar que as disposições nacionais em causa visam uma resolução mais rápida e pouco dispendiosa de litígios em matéria de comunicações electrónicas, bem como o descongestionamento dos tribunais, e, consequentemente, prosseguem objectivos legítimos de interesse geral.

65      Em seguida, a imposição de um procedimento de resolução extrajudicial, como o previsto no legislação nacional em causa nos processos principais, não é, à luz das regras precisas de funcionamento do dito procedimento, mencionadas nos n.os 54 a 57 do presente acórdão, desproporcionada em relação aos objectivos prosseguidos. Com efeito, por um lado, como observou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, não existe uma alternativa menos gravosa a um procedimento obrigatório, dado que a introdução de um procedimento de resolução extrajudicial meramente facultativo não constitui um meio tão eficiente para atingir os referidos objectivos. Por outro lado, não há uma desproporção manifesta entre esses objectivos e os eventuais inconvenientes causados pelo carácter obrigatório do processo de conciliação extrajudicial.

66      À luz do exposto, importa considerar que o procedimento nacional em causa nos processos principais respeita igualmente o princípio da protecção jurisdicional efectiva, respeitadas as condições mencionadas nos n.os 58 e 59 do presente acórdão.

67      Consequentemente, há que responder à questão submetida que:

–        O artigo 34.° da directiva serviço universal deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual os litígios em matéria de serviços de comunicações electrónicas entre os utilizadores finais e os prestadores desses serviços, relativos a direitos conferidos por esta directiva, devem ser objecto de uma tentativa obrigatória de conciliação extrajudicial como pressuposto de admissibilidade de acções judiciais.

–        Os princípios da equivalência e da efectividade, bem como o princípio da protecção jurisdicional efectiva, também não se opõem a uma legislação nacional que impõe que esses litígios sejam antecedidos de um processo de conciliação extrajudicial, desde que esse processo não conduza a uma decisão vinculativa para as partes, não implique um atraso substancial para efeitos da propositura de uma acção judicial, suspenda a prescrição dos direitos em questão e não gere custos, ou gere custos muito baixos, para as partes, contanto que a via electrónica não constitua o único meio de acesso ao referido processo de conciliação e que seja possível aplicar medidas cautelares nos casos excepcionais que as exijam em função da urgência da situação.

 Quanto às despesas

68      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 34.° da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal), deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual os litígios em matéria de serviços de comunicações electrónicas entre os utilizadores finais e os prestadores desses serviços, relativos a direitos conferidos por esta directiva, devem ser objecto de uma tentativa obrigatória de conciliação extrajudicial como pressuposto de admissibilidade de acções judiciais.

Os princípios da equivalência e da efectividade, bem como o princípio da protecção jurisdicional efectiva, também não se opõem a uma legislação nacional que impõe que esses litígios sejam antecedidos de um processo de conciliação extrajudicial, desde que esse processo não conduza a uma decisão vinculativa para as partes, não implique um atraso substancial para efeitos da propositura de uma acção judicial, suspenda a prescrição dos direitos em questão e não gere custos, ou gere custos muito baixos, para as partes, contanto que a via electrónica não constitua o único meio de acesso ao referido processo de conciliação e que seja possível aplicar medidas cautelares nos casos excepcionais que as exijam em função da urgência da situação.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.

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