Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex
Documento 62022CJ0312
Judgment of the Court (Sixth Chamber) of 12 October 2023.#FL v Autoridade Tributária e Aduaneira.#Request for a preliminary ruling from the Supremo Tribunal Administrativo.#Reference for a preliminary ruling – Article 56 EC – Free movement of capital – Personal income tax – Taxation of interest income from bonds and debt instruments – Interest due and paid by entities not resident in the national territory – Difference in treatment according to the place of establishment of the issuing entity and the paying entity for the interest concerned – Agreement between the European Community and the Swiss Confederation providing for measures equivalent to those laid down in Directive 2003/48/EC – Article 2(4) – Taxation of savings income in the form of interest payments from a Swiss source – Obligation to apply the same tax rates as those applied to similar domestic income.#Case C-312/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 12 de outubro de 2023.
FL contra Autoridade Tributária e Aduaneira.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Reenvio prejudicial — Artigo 56.° CE — Livre circulação de capitais — Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares — Tributação dos rendimentos de juros de obrigações e de títulos de dívida — Juros devidos e pagos por entidades não residentes no território nacional — Diferença de tratamento em função do lugar de estabelecimento da entidade emissora e da entidade pagadora dos juros em questão — Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE — Artigo 2.°, n.° 4 — Tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros originados na Suíça — Obrigação de aplicar as mesmas taxas de imposto que as aplicadas aos rendimentos nacionais análogos.
Processo C-312/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 12 de outubro de 2023.
FL contra Autoridade Tributária e Aduaneira.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Reenvio prejudicial — Artigo 56.° CE — Livre circulação de capitais — Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares — Tributação dos rendimentos de juros de obrigações e de títulos de dívida — Juros devidos e pagos por entidades não residentes no território nacional — Diferença de tratamento em função do lugar de estabelecimento da entidade emissora e da entidade pagadora dos juros em questão — Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE — Artigo 2.°, n.° 4 — Tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros originados na Suíça — Obrigação de aplicar as mesmas taxas de imposto que as aplicadas aos rendimentos nacionais análogos.
Processo C-312/22.
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:771
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
12 de outubro de 2023 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Artigo 56.o CE — Livre circulação de capitais — Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares — Tributação dos rendimentos de juros de obrigações e de títulos de dívida — Juros devidos e pagos por entidades não residentes no território nacional — Diferença de tratamento em função do lugar de estabelecimento da entidade emissora e da entidade pagadora dos juros em questão — Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE — Artigo 2.o, n.o 4 — Tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros originados na Suíça — Obrigação de aplicar as mesmas taxas de imposto que as aplicadas aos rendimentos nacionais análogos»
No processo C‑312/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 7 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de maio de 2022, no processo
FL
contra
Autoridade Tributária e Aduaneira,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: T. von Danwitz (relator), presidente de secção, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,
advogado‑geral: P. Pikamäe,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– |
em representação de FL, por D. Almeida e M. da Rosa Amaral, advogados, |
– |
em representação do Governo Português, por A. de Almeida Morgado, P. Barros da Costa e A. Rodrigues, na qualidade de agentes, |
– |
em representação da Comissão Europeia, por G. Braga da Cruz e W. Roels, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 56.o CE e do artigo 2.o, n.o 4, do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE do Conselho relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros (JO 2004, L 385, p. 30; a seguir «Acordo»). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe FL à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) a respeito da sujeição ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares de rendimentos de juros de obrigações e de títulos de dívida devidos por entidades não residentes no território português e pagos a FL em 2005 por uma instituição bancária suíça. |
Quadro jurídico
Direito da União
3 |
O Acordo entrou em vigor em 1 de julho de 2005, na sequência do cumprimento das formalidades previstas nos artigos 17.° e 18.° deste. |
4 |
Nos termos do artigo 1.o do Acordo, sob a epígrafe «Retenção na fonte pelos agentes pagadores suíços»: «1. Os juros pagos a beneficiários efetivos, na aceção do artigo 4.o, que sejam residentes num Estado‑Membro da União Europeia, adiante designados “Estado‑Membro”, por um agente pagador estabelecido no território da Suíça, estão, nos termos do n.o 2 do artigo 2.o, sujeitos a uma retenção em relação ao montante de juros pago. A taxa da retenção é de 15 % durante os primeiros três anos a contar da data da aplicação do presente Acordo, 20 % nos três anos subsequentes e, a partir de então, 35 %. 2. Os juros pagos em relação a créditos emitidos por devedores residentes na Suíça, ou que pertençam a estabelecimentos permanentes de não residentes localizados na Suíça, são excluídos da retenção. Para efeitos do presente Acordo, a expressão “estabelecimento permanente” tem o significado que lhe é conferido pela convenção de prevenção da dupla tributação relevante, entre a Suíça e o Estado de residência do devedor, e na falta desta, entende‑se por “estabelecimento permanente” uma instalação fixa através da qual o devedor exerce, no todo ou em parte, a sua atividade. [...]» |
5 |
Em conformidade com o artigo 2.o do Acordo, sob a epígrafe «Divulgação voluntária da informação»: «1. A Suíça deve estabelecer um procedimento que permita que o beneficiário efetivo definido no artigo 4.o evite a retenção especificada no artigo 1.o, autorizando expressamente o seu agente pagador na Suíça a notificar a autoridade competente desse Estado dos pagamentos de juros. Essa autorização abrangerá todos os pagamentos de juros efetuados ao beneficiário efetivo por esse agente pagador. 2. O conteúdo mínimo das informações a serem comunicadas pelo agente pagador no caso de autorização expressa do beneficiário efetivo inclui, pelo menos, os seguintes elementos: [...] 3. A autoridade competente da Suíça comunica as informações referidas no n.o 2 à autoridade competente do Estado‑Membro de residência do beneficiário efetivo. [...] 4. Sempre que o beneficiário efetivo opte por este procedimento de divulgação voluntária da informação ou declare o rendimento a título de juros, obtido do agente pagador suíço, às autoridades fiscais do seu Estado‑Membro da residência, o rendimento de juros em causa será sujeito a tributação nesse Estado‑Membro às mesmas taxas que as aplicadas a rendimentos análogos gerados nesse Estado.» |
Direito português
6 |
Nos termos do artigo 22.o do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «CIRS»): «1 ‑ O rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes. [...] 3 ‑ Não são englobados para efeitos da sua tributação, os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português e bem assim os referidos nos artigos 71.° e 72.°, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto.» |
7 |
O artigo 71.o, n.os 1 e 3, do CIRS dispunha: «1 ‑ Estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, os rendimentos obtidos em território português constantes dos números seguintes e, bem assim, os rendimentos mencionados na alínea b) do n.o 2 do artigo 101.o, às taxas liberatórias neles previstas. [...] 3 ‑ São tributados à taxa de 20 %:
[...]» |
8 |
O artigo 101.o, n.o 2, alínea b), do CIRS previa: «Tratando‑se de rendimentos sujeitos a tributação na fonte pelas taxas previstas no artigo 71.o e ainda, no caso da alínea b), de lucros de partes sociais devidos por entidades que não tenham domicílio em território português a que possa imputar‑se o pagamento: [...] b) As entidades que paguem ou coloquem à disposição dos respetivos titulares, residentes em território português, rendimentos de valores mobiliários devidos por entidades que não tenham aqui domicílio a que possa imputar‑se o pagamento, quer sejam mandatadas por estas ou pelos titulares, ou ajam por conta de umas ou de outros, devem deduzir a importância correspondente à taxa de 20 % sobre os rendimentos ilíquidos […]» |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
9 |
Em 2005, FL auferiu rendimentos de juros de obrigações e de títulos de dívida, pagos por uma entidade bancária suíça. |
10 |
Em 10 de maio de 2006, FL apresentou uma declaração de rendimentos relativa a estes rendimentos de juros. Por ato de liquidação referente a 2005, os referidos rendimentos de juros foram englobados com os outros rendimentos de FL e tributados à taxa progressiva máxima de 40 % do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. |
11 |
Em 31 de julho de 2008, FL apresentou um pedido de revisão oficiosa deste ato de liquidação, pedido este que foi indeferido. Em 11 de janeiro de 2010, FL deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (Portugal) impugnação judicial contra o referido ato de liquidação, a qual foi julgada totalmente improcedente por Sentença proferida em 1 de novembro de 2020. |
12 |
FL interpôs recurso jurisdicional desta sentença para o órgão jurisdicional de reenvio, o Supremo Tribunal Administrativo (Portugal). |
13 |
Em apoio do seu recurso, FL alega, antes de mais, que a legislação portuguesa aplicável viola a livre circulação de capitais e a livre prestação de serviços, dado que discrimina as pessoas residentes em Portugal consoante os rendimentos de juros que auferem provêm de obrigações e aplicações a prazo emitidas por entidades estabelecidas em Portugal ou são pagos por tais entidades, ou esses rendimentos de juros provêm de obrigações e aplicações a prazo emitidas por entidades estabelecidas em países terceiros e são pagos por tais entidades. |
14 |
Com efeito, por força dos artigos 22.°, 71.° e 101.° do CIRS, os rendimentos de juros obtidos das primeiras entidades são tributados à taxa liberatória de 20 %, ao passo que os obtidos das segundas estão sujeitos a englobamento obrigatório dos rendimentos e tributados a uma taxa progressiva até 40 %. Ora, uma vez que, segundo esta legislação, a rendimentos idênticos é dado um tratamento fiscal diferente consoante sejam ou não pagos por um agente pagador residente em Portugal, FL considera que a referida legislação é suscetível de dissuadir os contribuintes residentes de investirem os respetivos capitais em sociedades estabelecidas dentro ou fora da União Europeia. |
15 |
Além disso, FL considera que a legislação portuguesa viola o disposto na Diretiva 2003/48 e no Acordo que prevê medidas equivalentes, visto que esta legislação tributa os rendimentos que lhe foram pagos por instituições bancárias suíças de forma mais gravosa do que se esses rendimentos tivessem sido pagos por instituições bancárias portuguesas, apesar de ter cumprido adequadamente as suas obrigações fiscais em Portugal e de ter permitido a troca de informações entre este Estado‑Membro e as autoridades suíças. |
16 |
Assim, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a referida legislação é compatível com as normas da União relativas à livre circulação de capitais, nomeadamente com o artigo 56.o CE, lido em conjugação com o artigo 2.o, n.o 4, do Acordo. |
17 |
Nestas condições, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «É conforme ao direito da União que os rendimentos de juros de obrigações e títulos de dívida, pagos por entidade bancária suíça não residente [no território português] ao [recorrente no processo principal] no ano de 2005, devam ser sujeitos a englobamento fiscal e assim tributados à mesma taxa de [imposto sobre o rendimento das pessoas singulares] que os restantes rendimentos, o que determina a respetiva tributação a uma taxa de imposto muito superior àquela que seria devida (taxa liberatória) no caso de aqueles rendimentos terem sido pagos por entidade bancária residente em território nacional?» |
Quanto à questão prejudicial
18 |
Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 56.o CE e o artigo 2.o, n.o 4, do Acordo devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que sujeita os rendimentos de juros auferidos pelos contribuintes desse Estado‑Membro a uma taxa de imposto progressiva até 40 % quando esses rendimentos de juros provenham de obrigações e de títulos de dívida emitidos por uma entidade de outro Estado‑Membro ou de um Estado terceiro como a Confederação Suíça e sejam pagos por tal entidade, ao passo que, quando os referidos rendimentos de juros provenham de obrigações e de títulos de dívida emitidos por uma entidade do respetivo Estado‑Membro de residência e sejam pagos por tal entidade, são tributados a uma taxa liberatória inferior de 20 %. |
Quanto à livre circulação de capitais
19 |
Desde logo, cabe constatar que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que tem por objeto o tratamento fiscal dos rendimentos de juros de obrigações e de títulos de dívida auferidos por pessoas singulares e derivados de investimentos por elas efetuados, é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais. |
20 |
Ora, tal legislação também é suscetível de afetar a livre prestação de serviços, como observam o recorrente no processo principal e a Comissão Europeia, dado que pode ter efeitos nos serviços financeiros que têm por objeto estas obrigações e títulos de dívida propostos por um intermediário de outro Estado‑Membro. |
21 |
Todavia, quando uma medida nacional esteja relacionada simultaneamente com a livre prestação de serviços e a livre circulação de capitais, o Tribunal de Justiça examina a medida em causa, em princípio, à luz de apenas uma dessas duas liberdades fundamentais se se considerar que, nas circunstâncias do processo principal, uma delas é totalmente secundária relativamente à outra e que lhe pode ser associada (Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.o 19 e jurisprudência referida). |
22 |
No caso em apreço, a livre prestação de serviços afigura‑se secundária em relação à livre circulação de capitais e pode ser‑lhe associada. Com efeito, a legislação nacional em causa no processo principal diz respeito às consequências que decorrem para um contribuinte residente do exercício da liberdade de circulação de capitais. É precisamente o exercício desta última liberdade fundamental que é suscetível de implicar, para o interessado, a necessidade de escolher um intermediário para pagar os rendimentos de juros das obrigações e dos títulos de dívida em questão, para poder beneficiar, como resulta do pedido de decisão prejudicial, da taxa de imposto liberatória de 20 % sobre esses rendimentos de juros. A escolha deste intermediário e, por conseguinte, os aspetos relativos à livre prestação de serviços são, neste contexto, a consequência inevitável do tratamento fiscal de que são objeto os referidos rendimentos de juros (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman‑Lavaleije, C‑233/09, EU:C:2010:397, n.os 34 e 35). |
23 |
Feita esta clarificação, decorre de jurisprudência constante que as medidas proibidas pelo artigo 56.o, n.o 1, CE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de fazerem investimentos num Estado‑Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de os fazerem noutros Estados (Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Festersen, C‑370/05, EU:C:2007:59, n.o 24, e de 18 de dezembro de 2007, A, C‑101/05, EU:C:2007:804, n.o 40). |
24 |
No caso em apreço, decorre dos elementos constantes do pedido de decisão prejudicial que a legislação nacional em causa no processo principal sujeita os rendimentos de juros que provêm de obrigações e de títulos de dívida emitidos em Portugal, que são pagos neste Estado‑Membro e que são auferidos por uma pessoa singular residente no referido Estado‑Membro, a uma taxa de imposto liberatória de 20 %. |
25 |
Em contrapartida, quando estes rendimentos de juros provenham de obrigações e de títulos de dívida emitidos noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro, são englobados com os restantes rendimentos dessa pessoa e sujeitos a uma taxa de imposto progressiva até 40 %, exceto se forem pagos através de um intermediário estabelecido em Portugal, caso em que podem também beneficiar da taxa de imposto liberatória de 20 %. |
26 |
Além disso, se os referidos rendimentos de juros forem provenientes de obrigações e de títulos de dívida emitidos por uma entidade de outro Estado‑Membro ou de um Estado terceiro e se forem pagos por um intermediário igualmente não residente, os mesmos rendimentos de juros não podem, segundo esses mesmos elementos, beneficiar da taxa liberatória de 20 %. |
27 |
Resulta dos elementos expostos nos n.os 24 a 26 do presente acórdão que os rendimentos de juros de obrigações e de títulos de dívida emitidos num Estado que não seja a República Portuguesa ficam numa situação de desvantagem relativamente aos rendimentos de juros de obrigações e de títulos de dívida emitidos neste Estado‑Membro. |
28 |
Esta legislação nacional introduz assim uma diferença de tratamento em função do lugar em que se realiza o investimento dos capitais, o que tem por efeito dissuadir um contribuinte residente em Portugal de investir os seus capitais noutro Estado e constitui um obstáculo à captação de capitais em Portugal (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman‑Lavaleije, C‑233/09, EU:C:2010:397, n.o 31 e jurisprudência referida). |
29 |
Tendo em conta que o Governo Português alega que um contribuinte residente na situação de FL tinha a possibilidade, ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, alínea b), do CIRS, de beneficiar da taxa liberatória de 20 % sobre os rendimentos de juros que provêm de obrigações e de títulos de dívida e que são pagos por uma entidade não residente, mandatando‑a para efetuar a retenção na fonte sobre esses rendimentos de juros, há que observar, por um lado, que esta possibilidade não é mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Por outro lado, nem semelhante possibilidade afetaria a conclusão constante do número anterior do presente acórdão, uma vez que a necessidade de cumprir tal formalidade só diz respeito aos rendimentos de juros que provêm de obrigações e de títulos de dívida emitidos por entidades não residentes e que são pagos por tais entidades, e não aos que provêm de obrigações e de títulos de dívida emitidos por entidades residentes em Portugal ou que são pagos por tais entidades. |
30 |
Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 56.o, n.o 1, CE. |
31 |
O Governo Português evoca também, a este respeito, a cláusula standstill prevista no artigo 57.o, n.o 1, CE, que também não é evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Todavia, este Governo não apresenta elementos suficientes sobre o cumprimento dos critérios material e temporal estabelecidos nesta cláusula, que devem ser cumulativamente cumpridos para que esta seja aplicável. Compete, portanto, a este órgão jurisdicional verificar se estes critérios estão cumulativamente preenchidos no que se refere à legislação nacional em causa no processo principal, tendo em conta a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, Acórdãos de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.o 53, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia,C‑641/17, EU:C:2019:960, n.os 91 a 94, 100, 101, 104, 105 e jurisprudência referida). |
32 |
Uma vez que não resulta, atentos os autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, que a restrição à livre circulação de capitais resultante da legislação nacional em causa no processo principal escapa à aplicação do artigo 56.o, n.o 1, CE com base no artigo 57.o, n.o 1, CE, importa examinar em que medida esta restrição é suscetível de ser justificada à luz das disposições do Tratado CE. |
33 |
A este respeito, o artigo 58.o, n.o 1, alínea a), CE prevê que o «disposto no artigo 56.o CE não prejudica o direito de os Estados‑Membros […] [a]plicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido». |
34 |
Esta disposição do artigo 58.o CE, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais será automaticamente compatível com o Tratado (Acórdão de 17 de outubro de 2013, Welte, C‑181/12, EU:C:2013:662, n.o 42 e jurisprudência referida). |
35 |
Efetivamente, a própria derrogação prevista no artigo 58.o, n.o 1, alínea a), CE é limitada pelo disposto no n.o 3 deste artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.o 1 «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.o [CE]» (Acórdão de 17 de outubro de 2013, Welte, C‑181/12, EU:C:2013:662, n.o 43 e jurisprudência referida). |
36 |
Há pois que distinguir os tratamentos diferentes permitidos pelo artigo 58.o, n.o 1, alínea a), CE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.o 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta de jurisprudência constante que, para que uma legislação fiscal nacional como a que está em causa no processo principal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado CE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento dela decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de outubro de 2013, Welte, C‑181/12, EU:C:2013:662, n.o 44 e jurisprudência referida, e de 17 de março de 2022, AllianzGI‑Fonds AEVN, C‑545/19, EU:C:2022:193, n.o 42). |
37 |
No caso em apreço, no que respeita à comparabilidade objetiva das situações, no âmbito da legislação nacional em causa no processo principal, um contribuinte residente em Portugal que tenha auferido rendimentos de juros provenientes de investimentos que efetuou noutro Estado, como os rendimentos de juros de obrigações e de títulos de dívida, está tão sujeito a um imposto sobre esses rendimentos de juros no seu Estado‑Membro de residência como um contribuinte residente em Portugal que aufira rendimentos de investimentos da mesma natureza efetuados neste último Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman‑Lavaleije, C‑233/09, EU:C:2010:397, n.o 45). |
38 |
Neste contexto, o facto de esses rendimentos de juros estarem sujeitos a taxas de imposto diferentes consoante sejam gerados ou pagos no Estado‑Membro de residência ou gerados e pagos noutro Estado está na origem da diferença de tratamento em causa no processo principal, mas não traduz uma diferença na situação dos contribuintes em causa em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman‑Lavaleije, C‑233/09, EU:C:2010:397, n.o 46). |
39 |
Daqui decorre que a diferença de tratamento operada pela legislação nacional em causa no processo principal diz respeito a situações que são objetivamente comparáveis. |
40 |
Quanto à questão de saber se esta diferença de tratamento pode ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, basta salientar que nem o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo Português invocaram a existência de tais razões imperiosas de interesse geral. |
41 |
Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira parte da questão prejudicial submetida que o artigo 56.o CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que sujeita os rendimentos de juros auferidos pelos contribuintes desse Estado‑Membro a uma taxa de imposto progressiva até 40 % quando esses rendimentos de juros provenham de obrigações e de títulos de dívida emitidos por uma entidade de outro Estado‑Membro ou de um Estado terceiro como a Confederação Suíça e sejam pagos por tal entidade, ao passo que, quando os referidos rendimentos de juros provenham de obrigações e de títulos de dívida emitidos por uma entidade do respetivo Estado‑Membro de residência e sejam pagos por tal entidade, são tributados a uma taxa liberatória inferior de 20 %. |
Quanto ao Acordo
42 |
Por força do disposto no artigo 2.o, n.o 4, do Acordo, quando o beneficiário efetivo opte pelo procedimento de divulgação voluntária da informação ou declare o rendimento a título de juros, obtido do agente pagador suíço, às autoridades fiscais do seu Estado‑Membro da residência, o rendimento de juros em causa será sujeito a tributação nesse Estado‑Membro às mesmas taxas que as aplicadas a rendimentos análogos gerados nesse Estado. |
43 |
A este respeito, importa salientar, à semelhança da Comissão, que devem estar reunidas várias condições para que esta disposição seja aplicável à situação em causa no processo principal. |
44 |
Desde logo, uma vez que o Acordo entrou em vigor em 1 de julho de 2005, só se aplica aos rendimentos de juros pagos a partir dessa data. |
45 |
Em seguida, tal como resulta do artigo 1.o, n.os 1 e 2, do Acordo, lido em conjugação com o artigo 2.o, n.os 1 e 4, deste, os pagamentos em questão não devem dizer respeito a rendimentos de juros em relação a créditos «emitidos por devedores residentes na Suíça, ou que pertençam a estabelecimentos permanentes de não residentes localizados na Suíça». |
46 |
Com efeito, nesse caso, estes rendimentos de juros estão excluídos, por força do artigo 1.o, n.o 2, do Acordo, da retenção na fonte sobre o montante do pagamento de juros que está prevista neste artigo 1.o, n.o 1, «nos termos do n.o 2 e do artigo 2.o» do Acordo. Ora, resulta do artigo 2.o, n.os 1 e 4, do Acordo que o beneficiário efetivo deve ter optado pelo procedimento de divulgação voluntária da informação que a Confederação Suíça é obrigada a prever para evitar a retenção na fonte referida no artigo 1.o do Acordo, ou ter declarado os seus rendimentos de juros às autoridades fiscais do seu Estado de residência. |
47 |
Por último, decorre deste artigo 2.o, n.o 4, que o beneficiário efetivo dos rendimentos de juros em questão deve ele próprio ter optado por este procedimento de divulgação voluntária da informação ou ter feito uma declaração de qualquer outra forma às autoridades fiscais do seu Estado‑Membro de residência. |
48 |
Uma vez que os elementos que figuram no pedido de decisão prejudicial não permitem estabelecer, no caso em apreço, que todas as condições necessárias à aplicabilidade do artigo 2.o, n.o 4, do Acordo estão preenchidas relativamente à situação em causa no processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar as verificações necessárias a este respeito. |
49 |
Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda parte da questão submetida que o artigo 2.o, n.o 4, do Acordo, lido em conjugação com o artigo 1.o, n.o 2, deste, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que sujeita os rendimentos de juros auferidos, a partir de 1 de julho de 2005, pelos contribuintes desse Estado‑Membro que tenham optado pelo procedimento de divulgação voluntária da informação ou tenham declarado de outra forma esses rendimentos de juros às autoridades fiscais do respetivo Estado‑Membro de residência, na medida em que não estejam excluídos da retenção na fonte por força deste artigo 1.o, n.o 2, a uma taxa de imposto progressiva até 40 % quando os referidos rendimentos de juros, provenientes de obrigações e de títulos de dívida, sejam pagos por um agente pagador suíço, ao passo que, quando os mesmos rendimentos de juros sejam pagos por um agente pagador residente, são tributados a uma taxa liberatória inferior de 20 %. |
Quanto às despesas
50 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara: |
|
|
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: português.