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Document 62013CJ0155

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 13 de março de 2014.
Società Italiana Commercio e Servizi srl (SICES) e o. contra Agenzia Dogane Ufficio delle Dogane di Venezia.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Commissione tributaria regionale di Venezia.
Agricultura — Regulamento (CE) n.° 341/2007 — Artigo 6.°, n.° 4 — Contingentes pautais — Alho de origem chinesa — Certificados de importação — Natureza intransmissível dos direitos decorrentes de determinados certificados de importação — Elusão — Abuso de direito.
Processo C‑155/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:145

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de março de 2014 ( *1 )

«Agricultura — Regulamento (CE) n.o 341/2007 — Artigo 6.o, n.o 4 — Contingentes pautais — Alho de origem chinesa — Certificados de importação — Natureza intransmissível dos direitos decorrentes de determinados certificados de importação — Elusão — Abuso de direito»

No processo C‑155/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Commissione tributaria regionale di Venezia‑Mestre (Itália), por decisão de 12 de fevereiro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de março de 2013, no processo

Società Italiana Commercio e Servizi srl (SICES), em liquidação,

Agrima KG D. Gritsch Herbert & Gritsch Michael & Co.,

Agricola Lusia srl,

Romagnoli Fratelli SpA,

Agrimediterranea srl,

Parini Francesco,

Duoccio srl,

Centro di Assistenza Doganale Triveneto Service srl,

Novafruit srl,

Evergreen Fruit Promotion srl

contra

Agenzia Dogane Ufficio delle Dogane di Venezia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Safjan, J. Malenovský, A. Prechal e K. Jürimäe (relatora), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Agrima KG D. Gritsch Herbert & Gritsch Michael & Co., da Agricola Lusia srl, da Romagnoli Fratelli SpA, da Agrimediterranea srl e da Parini Francesco, por M. Moretto, avvocato,

em representação da Duoccio srl, por M. Camilli, avvocato,

em representação da Novafruit srl e da Evergreen Fruit Promotion srl, por W. Viscardini e G. Doná, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Albenzio, avvocato dello Stato,

em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por P. Rossi e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 341/2007 da Comissão, de 29 de março de 2007, que determina a abertura e o modo de gestão de contingentes pautais e institui um regime de certificados de importação e de certificados de origem relativamente ao alho e a outros produtos agrícolas importados de países terceiros (JO L 90, p. 12).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Società Italiana Commercio e Servizi srl (SICES), em liquidação, a Agrima KG D. Gritsch Herbert & Gritsch Michael & Co., a Agricola Lusia srl, a Romagnoli Fratelli SpA, a Agrimediterranea srl, a Parini Francesco, a Duoccio srl (a seguir «Duoccio»), o Centro di Assistenza Doganale Triveneto Service srl, a Novafruit srl e a Evergreen Fruit Promotion srl à Agenzia Dogane Ufficio delle Dogane di Venezia (Agência Aduaneira de Veneza, a seguir «Agenzia Dogane»), a propósito dos avisos de retificação e de liquidação que esta última lhes notificou, relativos a importações de alho de origem chinesa incluído no código NC 0703 20 00 que beneficiaram de uma taxa aduaneira preferencial.

Quadro jurídico

Regulamento n.o 341/2007

3

Os considerandos 1, 7 a 10 e 13 a 15 do Regulamento n.o 341/2007 enunciam:

«(1)

A partir de 1 de junho de 2001, o direito aduaneiro normal aplicável aquando da importação de alho do código NC 0703 20 00 passou a ser constituído por uma taxa ad valorem de 9,6% e por um montante específico de 1200 euros por tonelada líquida. [...]

[...]

(7)

Dada a existência de um direito específico aplicável às importações não preferenciais fora do contingente GATT, a gestão desse contingente exige a criação de um regime de certificados de importação. Tal regime deve permitir a vigilância pormenorizada de todas as importações de alho. [...]

(8)

Para vigiar todas as importações de tão perto quanto possível, especialmente dada a recente ocorrência de casos de fraude através da descrição enganosa da origem do produto, todas as importações de alho e de outros produtos suscetíveis de serem utilizados para a descrição enganosa de alho devem ficar subordinadas à emissão de um certificado de importação. Devem ser criadas duas categorias de certificados de importação, uma para as importações ao abrigo do contingente GATT e a outra para todas as outras importações.

(9)

No interesse dos atuais importadores, que normalmente importam elevadas quantidades de alho, mas também no dos novos importadores que entram no mercado e devem ter a possibilidade de pedir certificados de importação para uma quantidade de alho no âmbito dos contingentes pautais, há que estabelecer uma distinção entre importadores tradicionais e novos importadores. Há que definir claramente essas duas categorias de importadores, bem como determinados critérios relativos ao estatuto dos requerentes e à utilização dos certificados de importação concedidos.

(10)

As quantidades a atribuir a essas categorias de importadores devem ser determinadas com base nas quantidades realmente importadas e não nos certificados de importação emitidos.

[...]

(13)

Os pedidos de certificados de importação de alho a partir de países terceiros apresentados pelos importadores de ambas as categorias devem ser sujeitos a determinadas restrições. Tais restrições são necessárias para assegurar não só a salvaguarda da concorrência entre importadores, mas também que, aos importadores que exerçam uma atividade comercial genuína no mercado das frutas e produtos hortícolas, seja dada a oportunidade de defender as suas legítimas posições comerciais face aos outros importadores e que nenhum importador possa controlar o mercado.

(14)

Para salvaguardar a concorrência entre importadores genuínos e impedir a especulação na atribuição dos certificados de importação de alho no âmbito do contingente GATT, bem como qualquer abuso do regime que prejudique as legítimas posições comerciais dos novos importadores e dos importadores tradicionais, deve ser instituído um controlo mais severo da correta utilização dos certificados de importação. Para o efeito, há que proibir a cessão dos certificados de importação, devendo igualmente ser introduzida uma sanção no caso de apresentação de vários pedidos.

(15)

São igualmente necessárias medidas para reduzir ao mínimo os pedidos de certificados de importação de caráter especulativo, suscetíveis de impedir a plena utilização dos contingentes pautais. Dada a natureza e o valor do produto em causa, deve ser constituída uma garantia por cada tonelada de alho para a qual seja apresentado um pedido de certificado de importação. A garantia deve ser fixada num montante suficientemente elevado para desencorajar pedidos especulativos, mas não tão elevado que desincentive os importadores que exerçam uma atividade comercial genuína relacionada com o alho. [...]»

4

O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Abertura de contingentes pautais e direitos aplicáveis», dispõe:

«1.   [...] são abertos contingentes pautais com vista à importação para a Comunidade de alho fresco ou refrigerado do código NC 0703 20 00 [...], sujeitos às condições previstas no presente regulamento. O volume de cada contingente pautal, o período de contingentamento pautal da importação e os subperíodos a que se aplicam e o número de ordem constam do Anexo I do presente regulamento.

2.   O direito ad valorem aplicável ao alho importado no âmbito dos contingentes referidos no n.o 1 é de 9,6%.»

5

O artigo 4.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Categorias de importadores», prevê, nos n.os 2 e 3:

«2.   Entende‑se por ‘importadores tradicionais’ os importadores que possam provar que:

a)

Obtiveram e utilizaram certificados de importação de alho [...] em cada um dos três períodos anteriores de contingentamento pautal da importação encerrados; e

b)

Importaram para a Comunidade pelo menos 50 toneladas de frutas e produtos hortícolas [...] durante o último período de contingentamento pautal da importação encerrado antes da apresentação do seu pedido.

[...]

3.   Entende‑se por ‘novos importadores’ os importadores não abrangidos pelo n.o 2, que tenham importado para a Comunidade pelo menos 50 toneladas de frutas e produtos hortícolas [...] em cada um dos dois períodos anteriores de contingentamento pautal da importação encerrados ou em cada um dos dois anos civis anteriores.»

6

O artigo 5.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Apresentação dos certificados de importação», dispõe, no n.o 2:

«Os certificados de importação para a introdução em livre prática do alho ao abrigo dos contingentes referidos no Anexo I são, em seguida, designados por ‘certificados A’.

Os outros certificados de importação são, em seguida, designados por ‘certificados B’.»

7

O artigo 6.o do Regulamento n.o 341/2007, sob a epígrafe «Disposições gerais relativas aos pedidos de certificados A e aos certificados A», enuncia, nos n.os 2 e 4:

«2.   A garantia [...] é de 50 [euros] por tonelada.

[...]

4.   [...] os direitos que decorrem dos certificados A não são transmissíveis.»

8

O artigo 8.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Quantidade de referência dos importadores tradicionais», tem a seguinte redação:

«Para efeitos do presente capítulo, ‘quantidade de referência’ é a quantidade de alho a seguir indicada, importada por um importador tradicional na aceção do artigo 4.o:

a)

Para os importadores tradicionais que entre 1998 e 2000 importaram alho para a Comunidade na sua composição em 1 de janeiro de 1995, a quantidade máxima de alho importado durante um dos anos civis de 1998, 1999 e 2000;

b)

Para os importadores tradicionais que entre 2001 e 2003 importaram alho para a República Checa, a Estónia, Chipre, a Letónia, a Lituânia, a Hungria, Malta, a Polónia, a Eslovénia e a Eslováquia, a quantidade máxima de alho importada durante:

i)

o ano civil de 2001, de 2002 ou de 2003; ou

ii)

o período de contingentamento pautal da importação de 2001/2002, de 2002/2003 ou de 2003/2004;

c)

Para os importadores tradicionais que entre 2003 e 2005 importaram alho para a Bulgária ou a Roménia, a quantidade máxima de alho importada durante:

i)

o ano civil de 2003, de 2004 ou de 2005; ou

ii)

o período de contingentamento pautal da importação de 2003/2004, de 2004/2005 ou de 2005/2006;

d)

Para os importadores tradicionais que não sejam abrangidos pelas alíneas a), b) ou c), a quantidade máxima de alho importado num dos três primeiros períodos de contingentamento pautal da importação encerrados em que tenham obtido certificados de importação em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 565/2002 […], o Regulamento (CE) n.o 1870/2005 ou o presente regulamento.

[...]»

9

O artigo 9.o do Regulamento n.o 341/2007, sob a epígrafe «Restrições aplicáveis aos pedidos de certificados A», enuncia, no n.o 1:

«A quantidade total abrangida pelos pedidos de certificados A apresentados por um importador tradicional não pode, por período de contingentamento pautal da importação, exceder a sua quantidade de referência. Os pedidos que não forem conformes a esta regra serão rejeitados pelas autoridades competentes.»

Regulamento (CE) n.o 1291/2000

10

O Regulamento (CE) n.o 1291/2000 da Comissão, de 9 de junho de 2000, que estabelece normas comuns de execução do regime de certificados de importação, de exportação e de prefixação para os produtos agrícolas (JO L 152, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1423/2007 da Comissão, de 4 de dezembro de 2007 (JO L 317, p. 36, a seguir «Regulamento n.o 1291/2000»), é aplicável aos contingentes pautais abertos pelo Regulamento n.o 341/2007, por força do artigo 2.o deste último regulamento.

11

Nos termos do considerando 21 do Regulamento n.o 1291/2000, a garantia prestada pelo importador fica perdida, no todo ou em parte, se, durante o período de eficácia do certificado de importação, a importação ou a exportação não for realizada ou for realizada apenas parcialmente.

12

O artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1291/2000 prevê:

«[...] quando a obrigação de importar [...] não tiver sido cumprida, a garantia fica perdida num montante igual à diferença entre:

a)

95% da quantidade indicada no certificado; e

b)

A quantidade efetivamente importada ou exportada.

[...]

Todavia, se a quantidade importada [...] for inferior a 5% da quantidade indicada no certificado, a garantia fica perdida na totalidade.

[...]».

Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95

13

O artigo 4.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO L 312, p. 1), prevê:

«1.   Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida:

através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos,

através da perda total ou parcial da garantia constituída a favor do pedido de uma vantagem concedida ou aquando do recebimento de um adiantamento.

2.   A aplicação das medidas referidas no n.o 1 limita‑se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa.

3.   Os atos relativamente aos quais se prove terem por fim obter uma vantagem contrária aos objetivos do direito comunitário aplicável nas circunstâncias, criando artificialmente condições necessárias à obtenção dessa vantagem, têm como consequência, consoante o caso, quer a não obtenção da vantagem quer a sua retirada.

4.   As medidas previstas no presente artigo não são consideradas sanções.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

14

O litígio no processo principal diz respeito a operações de importação de alho de origem chinesa na União Europeia efetuadas, no final do ano de 2007 e no início do ano de 2008, pela SICES, pela Agrima KG D. Gritsch Herbert & Gritsch Michael & Co., pela Agricola Lusia srl, pela Romagnoli Fratelli SpA, pela Agrimediterranea srl, pela Parini Francesco, pela Novafruit srl e pela Evergreen Fruit Promotion srl. Estes importadores, que tinham a qualidade de novos importadores, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 341/2007, eram titulares de certificados «A» emitidos em conformidade com este regulamento. A este título, as importações em causa beneficiaram da isenção do direito específico de 1200 euros por tonelada líquida.

15

Na sequência de controlos a posteriori das declarações aduaneiras sobre as operações de importação de alho acima mencionadas, a Agenzia Dogane emitiu, no final do ano de 2010, avisos de retificação e de liquidação. Esses avisos basearam‑se na revogação da isenção do direito específico de 1200 euros por tonelada líquida, em conformidade com o artigo 4.o do Regulamento n.o 2988/95, por as referidas operações de importação terem eludido o dito direito específico.

16

Em concreto, a Agenzia Dogane pôs em causa o seguinte mecanismo, que considera fraudulento:

numa primeira fase, a Duoccio ou a Tico srl (a seguir «Tico») compravam alho a um fornecedor chinês;

numa segunda fase, antes da importação na União, a Duoccio e a Tico vendiam a mercadoria aos importadores em causa no processo principal titulares de certificados «A», que em seguida procediam à importação; e

numa terceira fase, após a importação, os referidos importadores revendiam a dita mercadoria à Duoccio.

17

A Duoccio operava no mercado das importações de alho, enquanto importador tradicional na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 341/2007, e no mercado da distribuição de alho na União, enquanto grossista. À época dos factos no processo principal, a Duoccio devia fazer face à procura dos consumidores da União, mas tinha esgotado os seus próprios certificados «A», pelo que já não podia importar alho à taxa preferencial. Além disso, o direito específico estava fixado num nível tal que a importação de alho fora do contingente pautal não era rentável.

18

No entender da Agenzia Dogane, as duas vendas sucessivas de alho, da Duoccio e da Tico aos importadores em causa no processo principal e, em seguida, destes à Duoccio, tinham por objeto eludir a proibição de transmissão dos direitos decorrentes dos certificados «A», prevista no artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 341/2007. A elusão resulta de a Duoccio ter acordado comprar alho introduzido em livre prática inclusive antes de as importações terem lugar. Assim, esta sociedade deve ser considerada o importador efetivo, que beneficiou, sem direito, da taxa preferencial.

19

As recorrentes no processo principal interpuseram recursos dos avisos de retificação e de liquidação na Commissione tributaria provinciale di Venezia. Após ter apensado os recursos, esta última negou‑lhes provimento. Indicou que, apesar de as várias operações de venda serem válidas, o importador efetivo era a Duoccio e não os importadores em causa no processo principal titulares dos certificados «A». Em seu entender, existiam elementos graves, precisos e concordantes que levavam a concluir pelo caráter fictício dos instrumentos jurídicos, apenas utilizados para permitir a importação de alho a uma taxa preferencial e a elusão da proibição de transmissão dos direitos decorrentes dos certificados «A». No entender da Commissione tributaria provinciale di Venezia, os factos do caso em apreço eram constitutivos de abuso de direito.

20

A Commissione tributaria regionale di Venezia‑Mestre, na qual as recorrentes no processo principal interpuseram recurso da sentença proferida pela Commissione tributaria provinciale di Venezia, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 6.o do Regulamento (CE) n.o 341/2007 […] ser interpretado no sentido de que constitui uma cessão ilícita de certificados de importação a uma taxa reduzida, no quadro do contingente GATT de alho de origem chinesa, o facto de o titular dos referidos certificados, após o pagamento dos direitos devidos, introduzir no mercado o alho em causa através de cessão a outro operador, titular de certificados de importação, ao qual tinha adquirido o mesmo alho antes da importação?»

21

Por decisão de 28 de maio de 2013, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu completar a decisão de reenvio de 12 de fevereiro de 2013. Indicou que, com a questão prejudicial, pede ao Tribunal de Justiça que esclareça se, para que a utilização dos certificados de importação a uma taxa preferencial seja legal, é suficiente que o titular desses certificados introduza em livre prática o alho em causa, sendo as atividades comerciais precedentes e sucessivas a essa introdução em livre prática irrelevantes para o efeito.

Quanto à questão prejudicial

22

Importa recordar que, no âmbito do processo instituído no artigo 267.o TFUE, cabe exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, quer a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão quer a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão de 15 de setembro de 2011, DP grup, C-138/10, Colet., p. I-8369, n.o 28).

23

Contudo, cabe ao Tribunal de Justiça, no âmbito de tal processo, dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir a causa que lhe foi submetida. Nesta ótica, incumbe, sendo caso disso, ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe foram apresentadas. Além disso, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitam para decidir os litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente indicadas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (v., designadamente, acórdão DP Grup, já referido, n.o 29).

24

A este respeito, decorre da decisão de reenvio que não houve, no processo principal, cessão de certificados «A» ou de direitos decorrentes desses certificados. Apenas a mercadoria foi cedida, em primeiro lugar, por um operador a um importador, e em seguida, após importação na União, por esse importador a esse mesmo operador.

25

Uma vez que o artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 341/2007 prevê apenas a proibição de transmissão dos direitos decorrentes dos certificados «A», afigura‑se que a referida disposição não regula os casos em que o titular de certificados de importação a uma taxa reduzida compra uma mercadoria antes da sua importação a um dado operador para, em seguida, vender a mercadoria a esse operador após a ter importado na União.

26

Além disso, decorre da decisão de reenvio que, consideradas individualmente, as operações de compra, de importação e de revenda em causa no processo principal eram válidas juridicamente. Concretamente, no que se refere às importações, estavam verificados todos os requisitos formais de concessão da taxa preferencial, visto que os importadores em causa no processo principal tinham desalfandegado a mercadoria em questão com base em certificados «A» obtidos regularmente.

27

Não obstante, decorre das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que, com essas operações, o objetivo prosseguido pelo comprador na União, que era também importador tradicional, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 341/2007, era o de poder abastecer‑se em alho importado no quadro do contingente pautal previsto neste regulamento. Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta circunstância pode ser considerada para demonstrar a existência de abuso de direito.

28

Por conseguinte, deve entender‑se que a questão prejudicial visa a questão de saber se o artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 341/2007, ainda que não regule enquanto tal as operações pelas quais um importador, titular de certificados de importação a uma taxa reduzida, compra uma mercadoria antes da sua importação para a União a um operador, ele próprio importador tradicional na aceção do artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento, mas que esgotou os seus próprios certificados de importação a uma taxa reduzida, para, em seguida, revender a mercadoria a esse operador após a ter importado na União, deve não obstante ser interpretado no sentido de que se opõe a tais operações por serem constitutivas de abuso de direito.

29

Segundo jurisprudência constante, os particulares não podem abusiva ou fraudulentamente prevalecer‑se das normas da União (v., designadamente, acórdãos de 12 de maio de 1998, Kefalas e o., C-367/96, Colet., p. I-2843, n.o 20; de 23 de março de 2000, Diamantis, C-373/97, Colet., p. I-1705, n.o 33; e de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C-255/02, Colet., p. I-1609, n.o 68).

30

Com efeito, a aplicação da regulamentação da União não pode ser alargada a ponto de cobrir as práticas abusivas de operadores económicos, isto é, as operações que são realizadas não no quadro de transações comerciais normais, mas somente com o objetivo de obter abusivamente vantagens do direito da União (v., designadamente, acórdão Halifax e o., já referido, n.o 69).

31

A constatação da existência de uma prática abusiva exige a reunião de um elemento objetivo e de um elemento subjetivo.

32

No que se refere ao elemento objetivo, deve decorrer de um conjunto de circunstâncias objetivas que, apesar do respeito formal das condições previstas na regulamentação da União, o objetivo prosseguido por essa regulamentação não foi alcançado (v., designadamente, acórdãos de 14 de dezembro de 2000, Emsland‑Stärke, C-110/99, Colet., p. I-11569, n.o 52, e de 21 de julho de 2005, Eichsfelder Schlachtbetrieb, C-515/03, Colet., p. I-7355, n.o 39).

33

Tal constatação exige também um elemento subjetivo no sentido de que deve resultar de um conjunto de elementos objetivos que o objetivo essencial das operações em causa é o de obter uma vantagem indevida. Com efeito, a proibição de práticas abusivas não é relevante nos casos em que as operações em causa possam ter alguma justificação para além da mera obtenção de vantagens (acórdão Halifax e o., já referido, n.o 75). A existência de um tal elemento conexo com a intenção dos operadores pode ser demonstrada, nomeadamente, através da prova do caráter puramente artificial das operações (v., neste sentido, acórdãos Emsland‑Stärke, já referido, n.o 53, e de 21 de fevereiro de 2008, Part Service, C-425/06, Colet., p. I-897, n.o 62).

34

Embora o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, possa, sendo caso disso, fornecer dados que permitam guiar o órgão jurisdicional nacional na sua interpretação (acórdão Halifax, já referido, n.o 77), cabe, contudo, a este último verificar se os elementos constitutivos de uma prática abusiva estão reunidos no litígio no processo principal (v., designadamente, acórdãos Eichsfelder Schlachtbetrieb, já referido, n.o 40, e de 11 de janeiro de 2007, Vonk Dairy Products, C-279/05, Colet., p. I-239, n.o 34). Neste contexto, há que esclarecer que a verificação da existência de uma prática abusiva exige que o órgão jurisdicional de reenvio tenha em conta todos os factos e circunstâncias do caso em apreço, incluindo as operações comerciais anteriores e posteriores à importação em causa.

35

A este respeito, em primeiro lugar, no que se refere ao objetivo do Regulamento n.o 341/2007, decorre dos considerandos 13 e 14 deste regulamento, lidos em conjugação com os seus considerandos 9 e 10, que importa, na gestão dos contingentes pautais, salvaguardar a concorrência entre importadores genuínos de modo a que nenhum importador individual possa controlar o mercado.

36

Ora, no quadro de operações como as que estão em causa no processo principal, o objetivo acima mencionado não é alcançado. É certo que, como decorre das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, com essas operações, o comprador na União, que também é um importador tradicional, não adquire o direito a que a sua quantidade de referência, como definida no artigo 8.o do Regulamento n.o 341/2007, seja calculada sobre uma base que compreenda as quantidades de mercadorias que comprou aos importadores após o desalfandegamento das mesmas. Assim, essas operações não lhe permitem que as quantidades de mercadorias para as quais pode apresentar pedidos de certificado «A», nos termos do artigo 9.o deste regulamento, aumentem. Não deixa de ser verdade que essas operações podem permitir ao comprador na União, que também é um importador tradicional que esgotou os seus próprios certificados «A», tendo, por isso, deixado de poder importar alho à taxa preferencial, abastecer‑se em alho importado a uma taxa preferencial e alargar a sua influência no mercado além da quota do contingente pautal que lhe fora atribuída.

37

Em segundo lugar, no que se refere ao elemento subjetivo mencionado no n.o 33 do presente acórdão, importa notar que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, para que se possa considerar que as operações em questão tiveram por objetivo essencial conferir ao comprador na União uma vantagem indevida, é necessário que os importadores tenham tido a intenção de conferir essa vantagem ao dito comprador e que as operações careçam de justificação económica e comercial para esses importadores, o que cabe ao juiz de reenvio verificar. A constatação, por parte deste último, de que tais operações têm justificação económica e comercial pode, por exemplo, basear‑se na circunstância de o preço de venda da mercadoria estar fixado a um nível tal que permitiu aos importadores obter lucros consideráveis das vendas em causa. Do mesmo modo, pode atender‑se ao facto de que decorre do artigo 35.o do Regulamento n.o 1291/2000, lido em conjugação com o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 341/2007, que os importadores têm a obrigação de utilizar, sob pena de sanção, os certificados «A» que lhes foram outorgados, de modo que têm um interesse real em proceder a importações, incluindo no quadro de operações como as que estão em causa no processo principal.

38

Neste contexto, ainda que essas operações sejam motivadas pela vontade do comprador em beneficiar da taxa preferencial e mesmo que os importadores em causa estejam conscientes disso, as ditas operações não podem, a priori, ser consideradas desprovidas de justificação económica e comercial para estes últimos.

39

Todavia, não se pode excluir que, em certas circunstâncias, operações como as que estão em causa no processo principal tenham sido concebidas artificialmente com o objetivo essencial de beneficiar da taxa preferencial. Assim, entre os elementos suscetíveis de permitir demonstrar o caráter artificial das operações figura, como indica a Comissão Europeia nas suas observações, o facto de o importador titular dos certificados «A» não ter assumido nenhum risco comercial, tendo este, na realidade, sido coberto pelo seu comprador que também é importador tradicional. Tal caráter artificial pode também decorrer do facto de a margem de lucro dos importadores ser insignificante ou de os preços da venda do alho pelos importadores ao comprador na União serem inferiores aos preços de mercado.

40

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 341/2007 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a operações pelas quais um importador, titular de certificados de importação a uma taxa reduzida, compra uma mercadoria fora da União a um operador, ele próprio importador tradicional na aceção do artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento, mas que esgotou os seus próprios certificados de importação a uma taxa reduzida, para, em seguida, revender a mercadoria a esse operador após a ter importado na União. Todavia, essas operações são constitutivas de abuso de direito quando tenham sido concebidas artificialmente com o objetivo essencial de beneficiar da taxa preferencial. A verificação da existência de uma prática abusiva exige que o órgão jurisdicional de reenvio tenha em conta todos os factos e circunstâncias do caso em apreço, incluindo as operações comerciais anteriores e posteriores à importação em causa.

Quanto às despesas

41

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 341/2007 da Comissão, de 29 de março de 2007, que determina a abertura e o modo de gestão de contingentes pautais e institui um regime de certificados de importação e de certificados de origem relativamente ao alho e a outros produtos agrícolas importados de países terceiros, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a operações pelas quais um importador, titular de certificados de importação a uma taxa reduzida, compra uma mercadoria fora da União Europeia a um operador, ele próprio importador tradicional na aceção do artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento, mas que esgotou os seus próprios certificados de importação a uma taxa reduzida, para, em seguida, revender a mercadoria a esse operador após a ter importado na União. Todavia, essas operações são constitutivas de abuso de direito quando tenham sido concebidas artificialmente com o objetivo essencial de beneficiar da taxa preferencial. A verificação da existência de uma prática abusiva exige que o órgão jurisdicional de reenvio tenha em conta todos os factos e circunstâncias do caso em apreço, incluindo as operações comerciais anteriores e posteriores à importação em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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