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Documento 62013CJ0684

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 2 de julho de 2015.
Johannes Demmer contra Fødevareministeriets Klagecenter.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vestre Landsret.
Reenvio prejudicial — Agricultura — Política agrícola comum — Regime de pagamento único — Regulamento (CE) n.° 1782/2003 — Artigo 44.°, n.° 2 — Regulamento (CE) n.° 73/2009 — Artigo 34.°, n.° 2, alínea a) — Conceito de ‘hectare elegível’ — Áreas nas bermas das pistas de aterragem, dos caminhos de circulação e das áreas de paragem — Utilização para fins agrícolas — Admissibilidade — Recuperação das ajudas agrícolas indevidamente concedidas.
Processo C-684/13.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:439

TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

2 de julho de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Agricultura — Política agrícola comum — Regime de pagamento único — Regulamento (CE) n.o 1782/2003 — Artigo 44.o, n.o 2 — Regulamento (CE) n.o 73/2009 — Artigo 34.o, n.o 2, alínea a) — Conceito de ‘hectare elegível’ — Áreas nas bermas das pistas de aterragem, dos caminhos de circulação e das áreas de paragem — Utilização para fins agrícolas — Admissibilidade — Recuperação das ajudas agrícolas indevidamente concedidas»

No processo C‑684/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Vestre Landsret (Dinamarca), por decisão de 16 de dezembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de dezembro de 2013, no processo

Johannes Demmer

contra

Fødevareministeriets Klagecenter,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, S. Rodin, A. Borg Barthet (relator), E. Levits e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de J. Demmer, por G. Lund, advokat,

em representação do Governo dinamarquês, por C. Thorning, na qualidade de agente, assistido por R. Holdgaard, advokat,

em representação do Governo grego, por I. Chalkias e O. Tsirkinidou, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por H. Kranenborg e L. Grønfeldt, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de fevereiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho, de 29 de setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.o 2019/93, (CE) n.o 1452/2001, (CE) n.o 1453/2001, (CE) n.o 1454/2001, (CE) n.o 1868/94, (CE) n.o 1251/1999, (CE) n.o 1254/1999, (CE) n.o 1673/2000, (CEE) n.o 2358/71 e (CE) n.o 2529/2001 (JO L 270, p. 1; retificação no JO 2004, L 94, p. 70), dos artigos 34.°, n.o 2, alínea a), e 137.° do Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2010, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005, (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1782/2003 (JO L 30, p. 16; retificação no JO 2010, L 43, p. 7), e ainda do artigo 73.o, n.os 4 e 5, do Regulamento (CE) n.o 796/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, que estabelece regras de execução relativas à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo previstos no Regulamento n.o 1782/2003 (JO L 141, p. 18), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2184/2005 da Comissão, de 23 de dezembro de 2005 (JO L 347, p. 61, a seguir «Regulamento n.o 796/2004»).

2

O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre J. Demmer e o Fødevareministeriets Klagecenter (Centro de Reclamações do Ministério da Alimentação, a seguir «Klagecenter»), a respeito da elegibilidade, nos termos do regime de pagamento único, de áreas utilizadas na produção de forragem desidratada, situadas nas bermas das pistas de aterragem, dos caminhos de circulação e das áreas de paragem da base aérea de Skrydstrup (Dinamarca) e do aeroporto de Aalborg (Dinamarca).

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1782/2003

3

O considerando 21 do Regulamento n.o 1782/2003 enunciava:

«Os regimes de apoio existentes no âmbito da política agrícola comum preveem um apoio direto ao rendimento, nomeadamente para assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola. Esse objetivo está estreitamente relacionado com a manutenção das zonas rurais [...]»

4

O artigo 1.o desse regulamento dispunha:

«O presente regulamento estabelece:

[...]

um apoio ao rendimento dos agricultores (a seguir designado por ‘regime de pagamento único’),

[...]»

5

Nos termos do artigo 2.o, alíneas b) e c), desse regulamento, entendia‑se por:

«b)

‘Exploração’: o conjunto das unidades de produção geridas pelo agricultor e situadas no território de um Estado‑Membro;

c)

‘Atividade agrícola’: a produção, criação ou cultivo de produtos agrícolas, incluindo a colheita, ordenha, criação de animais ou detenção de animais para fins de produção, ou a manutenção das terras em boas condições agrícolas e ambientais, tal como definidas nos termos do artigo 5.o»

6

O artigo 43.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento dispunha:

«Sem prejuízo do artigo 48.o, cada agricultor beneficia de um direito por hectare, calculado pela divisão do montante de referência pela média trienal do número total de hectares que, no período de referência, tenha dado direito aos pagamentos diretos referidos no Anexo VI.»

7

O artigo 44.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1782/2003 dispunha:

«1.   Qualquer direito ligado a um hectare elegível dá direito ao pagamento do montante fixado pelo direito.

2.   Por ‘hectare elegível’, entende‑se a superfície agrícola da exploração ocupada por terras aráveis e pastagens permanentes, com exceção das superfícies ocupadas por culturas permanentes ou florestas, ou afetadas a atividades não agrícolas.»

Regulamento n.o 73/2009

8

O Regulamento n.o 73/2009 revogou e substituiu o Regulamento n.o 1782/2003, a partir de 1 de janeiro de 2009.

9

O considerando 49 do Regulamento n.o 73/2009 enunciava:

«Na atribuição inicial de direitos ao pagamento pelos Estados‑Membros, registaram‑se alguns erros, que deram origem a pagamentos especialmente elevados aos agricultores. Esta irregularidade é, em princípio, objeto de uma correção financeira até à aprovação de medidas corretivas. Contudo, dado o tempo decorrido desde a primeira atribuição de direitos ao pagamento, a aprovação da correção necessária implicaria para os Estados‑Membros constrangimentos administrativos e jurídicos desproporcionados. No interesse da segurança jurídica deverá, pois, ser regularizada a atribuição de tais pagamentos.»

10

Nos termos do artigo 2.o desse regulamento, entendia‑se por:

«b)

‘Exploração’: o conjunto das unidades de produção geridas por um agricultor [e] situadas no território do mesmo Estado‑Membro;

c)

‘Atividade agrícola’: a produção, criação ou cultivo de produtos agrícolas, incluindo a colheita, ordenha, criação de animais e detenção de animais para fins de produção, ou a manutenção das terras em boas condições agrícolas e ambientais, tal como definidas nos termos do artigo 6.o;

[...]

h)

‘Superfície agrícola’: qualquer superfície de terras aráveis, pastagens permanentes ou culturas permanentes.»

11

O artigo 34.o do referido regulamento previa:

«1.   O apoio ao abrigo do regime de pagamento único é concedido aos agricultores após ativação de um direito ao pagamento por hectare elegível. Os direitos ao pagamento ativados dão lugar ao pagamento dos montantes neles fixados.

2.   Para efeitos do presente título, entende‑se por ‘hectare elegível’:

a)

Qualquer superfície agrícola da exploração, bem como as superfícies exploradas em talhadia de rotação curta (código NC ex 0602 90 41), utilizada para uma atividade agrícola ou, se a superfície for igualmente utilizada para atividades não agrícolas, principalmente utilizada para atividades agrícolas; [...]

[...]

A Comissão estabelece, nos termos do n.o 2 do artigo 141.o, regras para a utilização de hectares elegíveis para atividades não agrícolas.

Salvo em casos de força maior ou circunstâncias excecionais, os hectares devem cumprir a condição de elegibilidade ao longo de todo o ano civil.»

12

O artigo 137.o do Regulamento n.o 73/2009 dispunha:

«1.   Os direitos ao pagamento atribuídos a agricultores antes de 1 de janeiro de 2009 são considerados legais e regulares a partir de 1 de janeiro de 2010.

2.   O n.o 1 não se aplica aos direitos ao pagamento atribuídos a agricultores com base em pedidos factualmente incorretos, exceto nos casos em que o erro não possa razoavelmente ter sido detetado pelo agricultor.

[...]»

Regulamento (CE) n.o 795/2004

13

Nos termos do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 795/2004 da Comissão, de 21 de abril 2004, que estabelece as normas de execução do regime de pagamento único previsto no Regulamento n.o 1782/2003 (JO L 141, p. 1), entendia‑se por «‘[s]uperfície agrícola’, a superfície total das terras aráveis, pastagens permanentes e culturas permanentes».

Regulamento (CE) n.o 370/2009

14

O considerando 3 do Regulamento (CE) n.o 370/2009 da Comissão, de 6 de maio de 2009, que altera o Regulamento n.o 795/2004 (JO L 114, p. 3), refere:

«As disposições sobre a elegibilidade estabelecidas pelo artigo 3.o‑B do Regulamento [...] n.o 795/2004 são obsoletas e devem, por conseguinte, ser revogadas. Contudo, o n.o 2, alínea a), do artigo 34.o do Regulamento [...] n.o 73/2009 admite a utilização dos hectares elegíveis para atividades não agrícolas. Há que fixar um quadro de critérios para todos os Estados‑Membros.»

15

O artigo 1.o, ponto 3, do Regulamento n.o 370/2009 aditou ao Regulamento n.o 795/2004 um artigo 3.o‑C, com a seguinte redação:

«Para efeitos da aplicação do n.o 2, alínea a), do artigo 34.o do Regulamento [...] n.o 73/2009, sempre que uma superfície agrícola de uma exploração seja igualmente utilizada para atividades não agrícolas, considera‑se que tal superfície é principalmente utilizada para atividades agrícolas se a atividade agrícola puder ser exercida sem ser significativamente afetada pela intensidade, natureza, duração e calendário da atividade não agrícola.

Os Estados‑Membros estabelecerão critérios para a aplicação do primeiro parágrafo no respetivo território.»

16

Em conformidade com o seu artigo 2.o, o Regulamento n.o 370/2009 é aplicável desde 1 de janeiro de 2009.

Regulamento n.o 796/2004

17

Nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 796/2004:

«[…] entende‑se por:

1)

‘Terras aráveis’: as terras cultivadas destinadas à produção vegetal e as terras retiradas da produção, ou que sejam mantidas em boas condições agrícolas e ambientais [...]

[...]

2)

‘Pastagens permanentes’: as terras ocupadas com erva ou outras forrageiras herbáceas, quer cultivadas (semeadas) quer naturais (espontâneas), não incluídas no sistema de rotação da exploração por um período igual ou superior a cinco anos [...]

[...]»

18

O artigo 12.o desse regulamento dispunha:

«1.   O pedido único deve conter todas as informações necessárias para estabelecer a elegibilidade, nomeadamente:

[...]

d)

Os elementos que permitam identificar todas as parcelas agrícolas da exploração, a respetiva superfície expressa em hectares com duas casas decimais, a localização e, se for caso disso, a utilização, e se se trata de uma parcela agrícola irrigada;

[...]

f)

Uma declaração do agricultor em que reconheça ter conhecimento das condições relativas à ajuda em causa.

[...]

4.   Ao apresentar um formulário de pedido, o agricultor corrigirá o formulário pré‑preenchido referido nos n.os 2 e 3, caso tenham ocorrido alterações, nomeadamente transferências de direitos de pagamento, em conformidade com o artigo 46.o do Regulamento [...] n.o 1782/2003, ou se alguma informação constante do formulário estiver incorreta.

[...]»

19

O artigo 24.o do Regulamento n.o 796/2004 enunciava:

1.   Os controlos administrativos previstos no artigo 23.o do Regulamento [...] n.o 1782/2003 devem permitir a deteção de irregularidades, nomeadamente a deteção automática através de meios informáticos, incluindo controlos cruzados:

[...]

c)

Das parcelas agrícolas declaradas no pedido único e das parcelas de referência constantes do sistema de identificação das parcelas agrícolas, para verificar que as superfícies em si são elegíveis, a título da ajuda;

[...]»

20

O artigo 73.o do referido regulamento dispunha:

«1.   Em caso de pagamento indevido, incumbe ao agricultor reembolsar o montante em questão acrescido de juros calculados de acordo com o n.o 3.

[...]

4.   A obrigação de reembolso referida no n.o 1 não será aplicável se o pagamento tiver sido efetuado por erro da autoridade competente ou por erro de outra autoridade e o erro não pudesse razoavelmente ter sido detetado pelo agricultor.

No entanto, se o erro estiver relacionado com elementos factuais relevantes para o cálculo do pagamento em causa, o disposto no primeiro parágrafo só será aplicável se a decisão de recuperação não tiver sido comunicada nos 12 meses seguintes ao pagamento.

5.   A obrigação de reembolso referida no [artigo 73.o,] n.o 1 não será aplicável se tiver decorrido um período superior a dez anos entre a data do pagamento da ajuda e a data da primeira comunicação da autoridade competente ao beneficiário relativamente à natureza indevida do pagamento.

Todavia, o período referido no primeiro parágrafo fica limitado a quatro anos se o beneficiário tiver agido de boa‑fé.

[...]»

21

O artigo 73.o‑A do Regulamento n.o 796/2004 dispunha:

«1.   Se, depois da atribuição de direitos de pagamento a agricultores nos termos do Regulamento [...] n.o 795/2004, se verificar ter sido atribuído um número indevido de direitos de pagamento, o agricultor em causa cederá esse número indevido de direitos à reserva nacional referida no artigo 42.o do Regulamento [...] n.o 1782/2003.

[...]

O número indevido de direitos de pagamento é considerado como não tendo sido atribuído ab initio.

[...]

4.   Os montantes indevidamente pagos são recuperados em conformidade com o artigo 73.o»

Direito dinamarquês

22

Resulta da decisão de reenvio que, na Dinamarca, as condições aplicáveis às faixas de pista dos aeródromos foram fixadas pelo Trafikstyrelsen (Agência dos Transportes Terrestres, Marítimos e Aéreos) nas regras da aviação civil (Bestemmelser for Civil Luftfart).

23

Aí se define faixa de pista como uma área destinada a reduzir os riscos de danos materiais, no caso de um avião sair da pista, e a garantir a proteção dos aviões que sobrevoam essa área nas operações de descolagem ou aterragem.

24

Segundo o tribunal de reenvio, as disposições relativas ao cultivo das faixas de pista constam das normas da aviação civil 3‑16, de 31 de janeiro de 2005, relativas às medidas a tomar para reduzir o risco de colisão entre aviões e aves ou mamíferos nos aeródromos, que dispõem, nomeadamente:

«5.2.2.

As parcelas de terreno sem pavimento localizadas no perímetro do aeródromo, a uma distância de 150 m dos limites da pista ou pistas:

a)

devem ser semeadas com erva [...]

[...]

5.2.3.

As parcelas de terreno sem pavimento localizadas no perímetro do aeródromo, a uma distância de 150 m a 300 m dos limites da pista ou pistas:

a)

devem ser utilizadas na produção de erva, exceto se a vegetação natural, por exemplo, matos, a tornar suficientemente pouco atrativa para aves e mamíferos.

b)

apenas podem ser utilizadas para o cultivo de cereais, ouvido o consultor [...]

5.2.4.

As parcelas de terreno sem pavimento localizadas no perímetro do aeródromo, a uma distância superior a 300 m dos limites da pista ou pistas, só podem utilizadas para fins agrícolas, ouvido o consultor.

[...]

6.4.1.

Relativamente ao cultivo das terras, aplica‑se o seguinte:

a)

A erva deve ser permanentemente mantida a uma altura máxima de 20 cm nas pistas e nos caminhos de circulação sem gravilha nem pavimento [...]

b)

Dentro das áreas abrangidas pelo ponto 5.2.2, mas situadas fora das referidas na alínea a), deve‑se tentar manter permanentemente a erva a uma altura de 20 cm a, no máximo, 40 cm [...]

[...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

25

Em 21 de dezembro de 1999 e 10 de maio de 2000, J. Demmer celebrou dois contratos de arrendamento rural, respetivamente, com o aeroporto de Aalborg e a base aérea de Skrydstrup, contratos que tinham por objeto áreas situadas no perímetro desse aeroporto e dessa base aérea.

26

Esses contratos estipulavam que J. Demmer, como arrendatário, podia cortar e utilizar a erva que crescia nessa áreas, mediante o pagamento de uma renda e nas condições previstas nesses contratos.

27

Nos termos do contrato celebrado com o aeroporto de Aalborg, J. Demmer era obrigado a informar o senhorio do momento em que pretendia ter acesso às áreas arrendadas, podendo as Forças Armadas, sem qualquer restrição, utilizá‑las ou permitir a sua utilização para qualquer tipo de treino militar.

28

O contrato estipulava ainda que a fertilização não poderia ter início antes de abril, devendo poder‑se interromper imediatamente o espalhamento se a sua continuação apresentasse um risco para a segurança dos voos.

29

Além disso, o arrendatário era obrigado a cortar a erva, antes de esta atingir uma altura que o comando militar local entendesse suscetível de prejudicar consideravelmente os treinos militares.

30

Por último, o contrato estipulava que, a partir de 1 de janeiro de 2005, o arrendatário deveria explorar essas áreas de forma a poder pedir direitos ao pagamento.

31

O contrato celebrado com a base aérea de Skrydstrup estipulava que a manutenção das ervas incluía o espalhamento de adubos artificiais, o corte e a cilindragem dessas ervas.

32

J. Demmer era nomeadamente obrigado a cortar a erva até à altura de 15 centímetros, ao longo das pistas de descolagem e dos caminhos de circulação, utilizando material que permitisse um corte tão próximo quanto possível dos equipamentos. Esse corte deveria ser feito, consoante as necessidades, a pedido do serviço de controlo aéreo, e o último corte, em outubro ou novembro, devia ser raso.

33

Nas zonas envolventes das bermas de pistas, a erva devia ser cortada consoante as necessidades, pela primeira vez, no período de 1 de maio a 15 de julho, e, posteriormente, de acordo com os eventuais pedidos do serviço de controlo aéreo.

34

Relativamente aos pedidos de corte nas pistas e nas respetivas bermas, o senhorio tinha de respeitar um pré‑aviso de cinco dias úteis. O corte tinha de começar na data pretendida e continuar até chegar ao fim, sendo o locatário obrigado a retirar a erva cortada, imediatamente a seguir ao corte.

35

Por outro lado, a cilindragem, a efetuar em todas as primaveras, e, posteriormente, a pedido do serviço de controlo aéreo, devia ser efetuada em faixas de 30 metros de largura, em ambos os lados da pista principal e das pistas paralelas.

36

J. Demmer estava autorizado a espalhar adubo artificial na medida necessária à exploração da erva cortada, mas não antes do fim de março. Em contrapartida, era proibida a utilização de pesticidas nas áreas arrendadas.

37

Por último, J. Demmer tinha de ter em conta as exigências relativas às operações de voo e respeitar as diretivas e proibições que viessem a ser decididas pelo serviço de controlo aéreo ou pela administração da base aérea.

38

Em 25 de abril de 2005, J. Demmer apresentou um pedido de participação no regime de pagamento único, indicando as áreas totais de 232,65 hectares e de 317 hectares, respetivamente, na base aérea de Skrydstrup e no aeroporto de Aalborg.

39

Por decisão de 29 de maio de 2006, o Direktoratet for FødevareErhverv (Agência do Setor Alimentar) atribuiu a J. Demmer direitos ao pagamento calculados com base nas áreas declaradas nesse pedido, tendo‑lhe sido pago o correspondente montante da ajuda do ano de 2005.

40

Entretanto, em 1 de fevereiro de 2006, J. Demmer tinha transferido para as Forças Armadas os direitos ao pagamento relativos às áreas situadas no perímetro do aeroporto de Aalborg.

41

No período correspondente aos anos de 2006 a 2009, J. Demmer continuou a receber uma ajuda ao abrigo do regime de pagamento único pelas áreas situadas no perímetro da base aérea de Skrydstrup.

42

Por carta de 24 de novembro de 2008, J. Demmer foi informado de que, na sequência de uma revisão do registo dinamarquês das parcelas agrícolas, algumas das áreas que tinha declarado no âmbito do regime de pagamento único tinham sido reduzidas ou mesmo canceladas desse registo, o que correspondia a uma redução de 166,48 hectares no aeroporto de Aalborg e de 218,03 hectares na base aérea de Skrydstrup, pelo facto de as faixas de pista não poderem ser consideradas superfícies elegíveis para a ajuda em causa. J. Demmer foi ainda informado de que iria ser efetuado um reexame dos seus pedidos relativos aos anos anteriores e que os seus direitos ao pagamento seriam recalculados em conformidade com esse reexame.

43

Por decisão de 2 de maio de 2011, foram reduzidos os direitos ao pagamento de J. Demmer, tendo‑lhe sido ordenado o reembolso do montante da ajuda que lhe tinha sido indevidamente pago. Numa outra decisão especial da mesma data, as terras declaradas por J. Demmer no pedido de 2010 foram igualmente reduzidas, passando de 319,43 hectares para 96,11 hectares.

44

J. Demmer interpôs recurso gracioso dessas duas decisões para o Klagecenter, que as confirmou por decisões de 15 de maio e 12 de junho de 2012.

45

Em 13 de novembro de 2012, J. Demmer interpôs recurso destas duas últimas decisões.

46

Considerando que a decisão da causa principal depende da interpretação do direito da União, o Vestre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Oeste) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

Devem os requisitos de que uma superfície agrícola não seja utilizada para ‘atividades não agrícolas’, na aceção do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003, e de que uma superfície agrícola seja utilizada para ‘uma atividade agrícola’ ou ‘[...] principalmente utilizada para atividades agrícolas’, na aceção do artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, ser interpretados no sentido de que significam que a atribuição de ajuda está condicionada a que a superfície em causa tenha como fim principal a utilização agrícola?

b)

Se assim for, [quais] os parâmetros a considerar para, caso uma superfície seja utilizada para vários fins diferentes em simultâneo, decidir qual dos fins de utilização constitui o fim ‘principal’[?]

c)

Se assim for, [...], quando aplicável, [...] isso significa que as áreas de segurança em redor das pistas, dos caminhos de circulação e das áreas de escape (stop‑ways) dos aeródromos, que fazem parte do aeródromo e estão sujeitas a regras e restrições especiais relativamente à utilização dos solos — como é o caso das superfícies em apreço — mas são simultaneamente utilizadas para a colheita de erva para a produção de granulados, são, pela sua natureza e utilização, elegíveis para ajuda ao abrigo dessas disposições?

2)

Deve o requisito de que a superfície agrícola faça parte da ‘exploração’ do agricultor, na aceção do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003 e do artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, ser interpretado no sentido de que as áreas de segurança em redor das pistas, dos caminhos de circulação e das áreas de escape (stop‑ways) dos aeroportos, que fazem parte do aeródromo e estão sujeitas a regras e restrições especiais relativamente à utilização dos solos — como é o caso das superfícies em apreço — mas são simultaneamente utilizadas para a colheita de erva para a produção de granulados, são elegíveis para ajuda ao abrigo dessas disposições?

3)

Em caso de resposta negativa à questão 1, alínea b), e/ou à questão 2, atendendo a que as parcelas de terreno, além de serem utilizadas no cultivo de pastagens permanentes para a produção de granulados, constituem igualmente áreas de segurança em redor de pistas, caminhos de circulação e áreas de escape (stop‑ways), está‑se perante:

a)

Um erro que podia razoavelmente ter sido detetado pelo agricultor, na aceção do artigo 137.o do Regulamento n.o 73/2009, quando, ainda assim, tenham sido atribuídos direitos ao pagamento pelas superfícies em causa?

b)

Um erro que podia razoavelmente ter sido detetado pelo agricultor, na aceção do artigo 73.o, n.o 4, do [Regulamento n.o 796/2004], quando, ainda assim, tenha havido pagamento de ajudas pelas superfícies em causa?

c)

Um pagamento indevido em relação ao qual não se pode considerar que o beneficiário tenha agido de boa‑fé, na aceção do artigo 73.o, n.o 5, do [Regulamento n.o 796/2004], quando, ainda assim, tenha havido pagamento de ajudas pelas superfícies em causa?

4)

Qual o momento relevante para apreciar se:

a)

Existiu um erro que podia razoavelmente ter sido detetado pelo agricultor, na aceção do artigo 137.o do Regulamento n.o 73/2009?

b)

Existiu um erro que podia razoavelmente ter sido detetado pelo agricultor, na aceção do artigo 73.o, n.o 4, do [Regulamento n.o 796/2004]?

c)

Pode considerar‑se que o beneficiário agiu de boa‑fé, na aceção do artigo 73.o, n.o 5, do [Regulamento n.o 796/2004]?

5)

Deve a apreciação referida na questão 4, alíneas a) a c), respeitar a cada ano de atribuição de ajuda ou à totalidade dos pagamentos?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

47

Com a primeira e segunda questões, que devem ser analisadas em conjunto, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, em que medida as áreas envolventes das pistas de aterragem, dos caminhos de circulação e das áreas de paragem de um aeroporto podem ser consideradas «hectares elegíveis», na aceção do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003 e do artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009.

48

A título preliminar, há que lembrar que, nos termos do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003, se considera «hectare elegível» a «superfície agrícola» da exploração ocupada por terras aráveis e pastagens permanentes, com exceção das superfícies ocupadas por culturas permanentes ou florestas, ou afetas a atividades não agrícolas.

49

A partir de 1 de janeiro de 2009, o Regulamento n.o 1782/2003 foi substituído pelo Regulamento n.o 73/2009. Segundo o artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, deve entender‑se por «hectare elegível» qualquer superfície agrícola da exploração utilizada para uma atividade agrícola ou, se a superfície for igualmente utilizada para atividades não agrícolas, principalmente utilizada para atividades agrícolas.

50

Tendo em conta o período relevante dos factos do processo principal — os anos de 2005 a 2009 —, esses dois regulamentos são aplicáveis ratione temporis. Contudo, há divergência entre a redação do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003 e a redação do artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009.

51

Com efeito, enquanto resulta sem ambiguidade da redação do artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009 que uma área agrícola utilizada em atividades não agrícolas se integra no conceito de «hectare elegível» caso seja utilizada principalmente para fins agrícolas, não é esse o caso do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003.

52

Contudo, uma vez que não é invulgar uma área agrícola ser utilizada tanto em atividades agrícolas como em atividades não agrícolas e que nada nos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 73/2009 indica uma intenção do legislador de alterar o conceito de «superfície elegível», conforme definida no Regulamento n.o 1782/2003, o artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, conjugado com o artigo 3.o‑C do Regulamento n.o 795/2004, surge como resultado da vontade do legislador da União de clarificar esse conceito.

53

Nestas condições, há que analisar a primeira e a segunda questão à luz do conceito de «hectare elegível», conforme definido no artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009 para todo o período de 2005 a 2009.

54

Assim, para ser elegível para essa ajuda, a área em causa no processo principal tem de ser uma superfície agrícola, fazer parte da exploração do agricultor e ser utilizada para fins agrícolas ou, no caso de utilização concorrente, ser principalmente utilizada para esses fins.

55

Em primeiro lugar, no que respeita ao conceito de «superfície agrícola», este é definido no artigo 2.o, alínea h), do Regulamento n.o 73/2009 como «qualquer superfície de terras aráveis, pastagens permanentes ou culturas permanentes».

56

Na lide principal, é pacífico que as áreas em causa eram exploradas por J. Demmer, com vista à colheita de erva para a produção de granulados de vegetais. A esse respeito, há que esclarecer que, sendo utilizadas como «pastagens permanentes», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 796/2004, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar, essas áreas devem ser qualificadas de «agrícolas». Com efeito, a qualificação de «pastagens permanentes», na aceção dessa disposição, e, consequentemente, a de «superfície agrícola», depende da afetação efetiva das terras em causa (v., neste sentido, acórdão Landkreis Bad Dürkheim, C‑61/09, EU:C:2010:606, n.o 37).

57

Daí resulta que o facto de o corte da erva próxima das pistas de aterragem e das áreas de paragem prosseguir igualmente objetivos de segurança do tráfego aéreo é irrelevante para este efeito. Isto vale também para o facto de, em conformidade com a regulamentação aplicável, as áreas em causa se destinarem, enquanto tais, a garantir a segurança dos aviões nas operações de descolagem e de aterragem.

58

Em segundo lugar, para ser «elegível», na aceção do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003 e do artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, a superfície agrícola em causa no processo principal deve fazer parte da exploração do agricultor em causa. A esse respeito, o Tribunal de Justiça já considerou ser esse o caso quando este último dispõe do poder de a gerir para fins de exercício da atividade agrícola, isto é, quando dispõe nessa área de suficiente autonomia para efeitos de exercício da sua atividade agrícola (acórdão Landkreis Bad Dürkheim, C‑61/09, EU:C:2010:606, n.os 58 e 62).

59

No caso, as regras e as restrições aplicáveis à utilização das faixas de pista envolventes das pistas de aterragem, dos caminhos de circulação e das áreas de paragem resultam tanto das disposições nacionais e internacionais de garantia da segurança do tráfego aéreo como das cláusulas dos contratos que puseram à disposição de J. Demmer as áreas em causa no processo principal. Essas disposições e cláusulas, que respeitam, nomeadamente, à forma de manutenção dessas áreas, às culturas que podem aí ser praticadas e à altura admitida da erva, impõem incontestavelmente restrições consideráveis à liberdade de J. Demmer dispor delas.

60

Não obstante, enquanto essas restrições não constituírem para o agricultor um entrave ao exercício da sua atividade agrícola nas áreas exploradas, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar, não há razão para considerar que essas áreas não fazem parte da sua exploração.

61

Nas circunstâncias da lide principal, há que lembrar ainda que, embora o conceito de gestão não implique a existência de um poder de disposição ilimitado do agricultor sobre a área em causa no âmbito da sua utilização para fins agrícolas, é necessário, porém, que o agricultor não esteja totalmente sujeito às instruções do senhorio (v., neste sentido, acórdão Landkreis Bad Dürkheim, C‑61/09, EU:C:2010:606, n.os 61 e 63).

62

Assim, o agricultor deve, nomeadamente, dispor de uma certa margem de manobra na sua atividade agrícola nas áreas em causa e não intervir nelas exclusivamente a pedido do senhorio, o que cabe igualmente ao tribunal de reenvio apreciar à luz de todas as circunstâncias do processo principal.

63

Em terceiro lugar, resulta do n.o 54 do presente acórdão que, para serem elegíveis, nos termos do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003 e do artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, as áreas agrícolas em causa no processo principal devem ser utilizadas para os fins de uma atividade agrícola ou, em caso de utilização também em atividades não agrícolas, ser principalmente utilizadas para esses fins.

64

No processo principal, está assente que a atividade exercida por J. Demmer nas áreas em causa, a saber, a colheita de erva para a produção de granulados vegetais, constitui uma atividade agrícola, na aceção do artigo 2.o, alínea c), do Regulamento n.o 1782/2003 e do artigo 2.o, alínea c), do Regulamento n.o 73/2009.

65

Por outro lado, há que precisar que, para efeitos do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003 e do artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, pouco importa que o exercício dessa atividade nas áreas em causa responda a exigências legais que tenham por objetivo garantir a segurança do tráfego aéreo na zona aeroportuária em questão (v., neste sentido, acórdão Landkreis Bad Dürkheim, C‑61/09, EU:C:2010:606, n.o 47).

66

Segundo a decisão de reenvio, J. Demmer aceitou utilizar as áreas em causa no processo principal, situadas no perímetro da base aérea de Skrydstrup, tendo devidamente em conta as operações de voo, e, por força do contrato de arrendamento celebrado com o aeroporto de Aalborg, as Forças Armadas dispunham do direito de utilização das áreas em causa, situadas no perímetro desse aeroporto, para organizarem qualquer tipo de treino militar.

67

Contudo, como refere o advogado‑geral no n.o 41 das conclusões, nem a existência dessas cláusulas nem a situação dessas áreas, nas bermas das pistas de aterragem, dos caminhos de circulação e das áreas de paragem de um aeródromo, podem constituir a prova do exercício de uma atividade não agrícola nessas mesmas áreas.

68

Nestas condições, cabe ao tribunal de reenvio verificar se, nessas áreas, foram efetivamente exercidas atividades não agrícolas, tais como exercícios militares ou operações de voo.

69

No caso de o tribunal de reenvio chegar à conclusão de que as áreas em causa no processo principal foram objeto de utilização tanto para fins agrícolas como para outros fins, há que lembrar que, nos termos do artigo 3.o‑C do Regulamento n.o 795/2004, essas áreas seriam consideradas principalmente utilizadas na atividade agrícola, para efeitos do artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, se a atividade agrícola em causa aí pudesse ser exercida sem ser sensivelmente afetada pela intensidade, pela natureza, pela duração e pelo calendário da atividade não agrícola.

70

No âmbito desta apreciação, importa ter em conta todas as circunstâncias de facto ligadas às diversas utilizações de que eram objeto as áreas em causa no processo principal. Como refere o advogado‑geral no n.o 52 das conclusões, há que considerar que existe uma perturbação sensível da atividade agrícola exercida nessas áreas, quando o agricultor, no seu exercício, se defronta com dificuldades ou obstáculos reais e não irrelevantes, devidos ao exercício paralelo de uma atividade de outra natureza.

71

Além disso, à luz do artigo 3.o‑C do Regulamento n.o 795/2004, é necessário que o agricultor tenha a possibilidade de exercer a sua atividade agrícola nas áreas em causa, não obstante as restrições decorrentes do exercício de uma atividade não agrícola nessas mesmas áreas.

72

Assim, cabe ao tribunal de reenvio verificar se a atividade de J. Demmer nessas áreas podia ser exercida sem ser sensivelmente afetada pela intensidade, pela natureza, pela duração e pelo calendário da atividade não agrícola.

73

Em face destas considerações, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003 e o artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009 devem ser interpretados no sentido de que uma área agrícola constituída por faixas de pista envolventes das pistas de aterragem, dos caminhos de circulação e das áreas de paragem de um aeródromo, que estejam sujeitas a regras e a restrições particulares, constitui uma superfície elegível para a ajuda em causa, desde que o agricultor que a explora, por um lado, disponha de suficiente autonomia na sua utilização, para efeitos de exercício da sua atividade agrícola, e, por outro, tenha a possibilidade de exercer essa atividade nessa área, não obstante as restrições decorrentes do exercício de uma atividade não agrícola na mesma área.

Quanto à terceira, quarta e quinta questões

74

Com a terceira, quarta e quinta questões, que devem ser analisadas em conjunto, o tribunal de reenvio, caso venha a concluir que as áreas em causa no processo principal não são elegíveis, pelo facto de o agricultor não dispor de margem de manobra na utilização dessas áreas para efeitos de exercício da sua atividade agrícola e/ou não ter a possibilidade de exercer a sua atividade agrícola nessas áreas por causa das restrições decorrentes do exercício de uma atividade não agrícola nessas mesmas áreas, pergunta, em substância, se o agricultor em causa poderia razoavelmente ter detetado o caráter errado da atribuição dos direitos ao pagamento e do pagamento da ajuda correspondente.

75

A título liminar, há que lembrar que, nos termos do artigo 43.o do Regulamento n.o 1782/2003, os direitos ao pagamento concedidos aos agricultores foram, em princípio, determinados com base no número médio, calculado em três anos, da totalidade dos hectares que, no período de 2000 a 2002, deram direito aos pagamentos diretos mencionados no Anexo VI desse regulamento. Assim, o facto de as áreas que deram direito a esses pagamentos diretos não constituírem, no âmbito do regime de pagamento único, hectares elegíveis não pode, enquanto tal, justificar que sejam postos em causa os direitos ao pagamento atribuídos em conformidade com esse artigo 43.o

76

Na hipótese de o tribunal de reenvio vir, não obstante, a concluir que os direitos ao pagamento em causa no processo principal foram atribuídos indevidamente a J. Demmer, há que lembrar que, embora o artigo 73.o‑A do Regulamento n.o 796/2004 disponha que esses direitos devem ser cedidos à reserva nacional, resulta do artigo 137.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009 que os direitos ao pagamento indevidamente atribuídos antes de 1 de janeiro de 2009 são considerados legais e regulares a partir de 1 de janeiro de 2010. Contudo, segundo o artigo 137.o, n.o 2, desse regulamento, essa disposição não é aplicável aos direitos ao pagamento que foram atribuídos com base num pedido que contivesse erros materiais, a menos que fossem erros que o agricultor não pudesse razoavelmente detetar.

77

No caso, resulta da decisão de reenvio que, logo em novembro de 2008, a autoridade competente informou J. Demmer de que as áreas em causa no processo principal não podiam ser consideradas elegíveis. Nessa ocasião, J. Demmer tomou igualmente conhecimento da intenção da autoridade competente de proceder a um novo cálculo dos direitos ao pagamento que lhe tinham sido atribuídos inicialmente.

78

Ora, como refere o advogado‑geral no n.o 70 das conclusões, o artigo 137.o do Regulamento n.o 73/2009 é justificado pelo princípio da proteção da confiança legítima. Daí resulta que J. Demmer, visto ter sido informado, antes de 1 de janeiro de 2010, do caráter indevido da atribuição dos direitos ao pagamento relativos a essas áreas, não poderia, seja como for, invocar essa disposição para efeitos de regularização desses direitos.

79

Assim, nos termos do artigo 73.o‑A, n.o 1, do Regulamento n.o 796/2004, J. Demmer teria de ceder à reserva nacional os direitos ao pagamento que lhe foram indevidamente atribuídos, que deverão ser tidos por nunca atribuídos.

80

Seguidamente, quanto aos montantes de ajuda indevidamente pagos, devem os mesmos ser reembolsados, de acordo com o disposto no artigo 73.o, n.o 1, do Regulamento n.o 796/2004. Conforme resulta do artigo 73.o‑A, n.o 4, desse regulamento, esse é igualmente o caso dos pagamentos que se revelem indevidos por terem sido efetuados com base em direitos, por sua vez, indevidamente atribuídos ao agricultor em causa.

81

Contudo, nos termos do artigo 73.o, n.o 4, desse regulamento, o agricultor, em princípio, não tem de reembolsar a ajuda de que beneficiou indevidamente, se esta lhe tiver sido paga na sequência de um erro da autoridade competente ou de outra autoridade, que ele não pudesse razoavelmente detetar.

82

Como refere o advogado‑geral no n.o 70 das conclusões, essa exceção é justificada pelo princípio da proteção da confiança legítima.

83

No caso, resulta da resposta à primeira e segunda questões que o erro consistiria, eventualmente, no facto de a autoridade competente ter pago a J. Demmer a ajuda correspondente às áreas em causa no processo principal, apesar de não serem elegíveis por não fazerem parte da sua exploração e/ou não serem principalmente utilizadas para fins agrícolas.

84

Para determinar a possibilidade de detetar esse erro, importa ter em conta que se espera dos agricultores, enquanto profissionais, que prestem especial atenção no momento da apresentação do pedido de ajuda e que tenham tomado conhecimento das condições para a sua concessão. É o que resulta, nomeadamente, do artigo 12.o do Regulamento n.o 796/2004, por força do qual cabe ao agricultor verificar a exatidão das informações que constam do formulário pré‑preenchido, utilizado no pedido de ajuda do regime de pagamento único. Resulta igualmente desse artigo que esse regime de pagamento assenta na premissa de que os agricultores tomaram conhecimento das condições que regem a concessão da ajuda nos termos dos regimes em causa.

85

Refira‑se ainda que, na medida em que prevê uma exceção à obrigação de reembolsar os pagamentos indevidos, o artigo 73.o, n.o 4, do Regulamento n.o 796/2004 deve ser sujeito a interpretação estrita, tanto mais que essa obrigação visa proteger os interesses financeiros da União Europeia.

86

Nestas condições, e a despeito das dificuldades de interpretação que as disposições aplicáveis do direito da União possam suscitar, há que considerar que um agricultor na situação de J. Demmer poderia, em princípio, ter razoavelmente detetado a inelegibilidade das áreas em causa no processo principal, na medida em que, por não fazerem parte da sua exploração e/ou não serem principalmente utilizadas para fins agrícolas, não preenchiam as condições previstas no artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009.

87

Contudo, no âmbito dessa apreciação, cabe ao tribunal de reenvio ter em conta todas as circunstâncias da lide principal, nomeadamente a questão de saber se, antes da revisão do registo das parcelas agrícolas que foi levada a cabo em 2008, existia, na Dinamarca, uma prática administrativa que consistia em reconhecer sistematicamente a elegibilidade para a ajuda em causa de áreas como as do processo principal. Com efeito, nesse caso, há que presumir que J. Demmer não podia ter detetado o erro referido no n.o 83 do presente acórdão (v., neste sentido, acórdão Vonk Noordegraaf, C‑105/13, EU:C:2014:1126, n.o 50).

88

Em contrapartida, o facto de as autoridades competentes terem procedido ao pagamento da ajuda pelas áreas em causa no processo principal não pode, enquanto tal e só por si, permitir excluir um erro que pudesse razoavelmente ter sido detetado pelo agricultor. Com efeito, as disposições referidas pelo tribunal de reenvio nas suas questões, em particular o artigo 73.o do Regulamento n.o 796/2004, respeitam precisamente a casos em que foi efetuado um pagamento indevido, pelo que se espera dos agricultores terem conhecimento do risco de haver correções, mesmo depois de a ajuda lhes ter sido paga.

89

Por outro lado, para se apreciar se o agricultor poderia razoavelmente ter detetado um erro na origem do pagamento, devemos situar‑nos, conforme resulta da redação do artigo 73.o, n.o 4, do Regulamento n.o 796/2004, no momento do pagamento da ajuda.

90

Além disso, na medida em que a ajuda é paga por um único ano de cada vez e em que as circunstâncias relevantes relativas à elegibilidade das áreas em causa podem variar ao longo do tempo, a apreciação para efeitos do artigo 73.o, n.o 4, do Regulamento n.o 796/2004 deve ser feita em separado para cada um desses anos.

91

Por último, há que lembrar que, de acordo com o disposto no artigo 73.o, n.o 5, do Regulamento n.o 796/2004, a obrigação de reembolso da ajuda indevidamente paga prescreve no prazo de dez anos contados do dia do pagamento. Contudo, esse prazo é reduzido para quatro anos, quando o agricultor tiver agido de boa‑fé.

92

A esse respeito, há que precisar que se considera que o agricultor agiu de boa‑fé se estivesse sinceramente convencido de que as áreas em causa eram elegíveis. Contudo, pelas razões referidas no n.o 88 do presente acórdão, o facto de as autoridades competentes terem procedido ao pagamento da ajuda por essas áreas não pode, enquanto tal e só por si, demonstrar a boa‑fé desse agricultor.

93

Além disso, uma vez que a consideração da boa‑fé do agricultor se destina a garantir o respeito do princípio da proteção da confiança legítima, essa boa‑fé tem de existir, em circunstâncias como as do processo principal, no momento da apresentação do pedido de ajuda e deve subsistir durante os quatro anos subsequentes à data do pagamento da ajuda. Por conseguinte, a apreciação da existência dessa boa‑fé, para efeitos do artigo 73.o, n.o 5, do Regulamento n.o 796/2004, deve ser feita em separado para cada um dos anos em causa, e a boa‑fé do agricultor deve manter‑se até ao termo do quarto ano subsequente à data do pagamento da ajuda.

94

Em face destas considerações, há que responder à terceira, quarta e quinta questões, da seguinte forma:

o artigo 137.o do Regulamento n.o 73/2009 deve ser interpretado no sentido de que um agricultor que, antes de 1 de janeiro de 2010, foi informado do caráter indevido da atribuição de direitos ao pagamento que lhe tinha sido feita não pode invocar esse artigo para efeitos de regularização desses direitos;

o artigo 73.o, n.o 4, do Regulamento n.o 796/2004 deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que um agricultor podia razoavelmente detetar a inelegibilidade de áreas em cuja utilização, para efeitos de exercício da sua atividade agrícola, não dispõe de margem de manobra e/ou nas quais não tem condições para exercer essa atividade devido a restrições resultantes do exercício de uma atividade não agrícola nessas mesmas áreas. Para apreciar se o erro cometido podia razoavelmente ser detetado por esse agricultor, há que tomar como referência o momento do pagamento da ajuda. A apreciação para efeitos do artigo 73.o, n.o 4, do Regulamento n.o 796/2004 deve ser feita em separado para cada um dos anos em causa; e

o artigo 73.o, n.o 5, do Regulamento n.o 796/2004 deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, um agricultor deve ser considerado de boa‑fé se estivesse sinceramente convencido de que as áreas em causa eram elegíveis para ajuda. A apreciação da boa‑fé desse agricultor, para efeitos do artigo 73.o, n.o 5, do Regulamento n.o 796/2004, deve ser efetuada em separado para cada um dos anos em causa, e essa boa‑fé deve subsistir até ao termo do quarto ano subsequente à data do pagamento da ajuda.

Quanto às despesas

95

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 44.o, n.o 2, Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho, de 29 de setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.o 2019/93, (CE) n.o 1452/2001, (CE) n.o 1453/2001, (CE) n.o 1454/2001, (CE) n.o 1868/94, (CE) n.o 1251/1999, (CE) n.o 1254/1999, (CE) n.o 1673/2000, (CEE) n.o 2358/71 e (CE) n.o 2529/2001, e o artigo 34.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2010, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005, (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento n.o 1782/2003, devem ser interpretados no sentido de que uma área agrícola constituída por faixas de pista envolventes das pistas de aterragem, dos caminhos de circulação e das áreas de paragem de um aeródromo, que estejam sujeitas a regras e a restrições particulares, constitui uma superfície elegível para a ajuda em causa, desde que o agricultor que a explora, por um lado, disponha de suficiente autonomia na sua utilização, para efeitos de exercício da sua atividade agrícola, e, por outro, tenha a possibilidade de exercer essa atividade nessa área, não obstante as restrições decorrentes do exercício de uma atividade não agrícola na mesma área.

 

2)

O artigo 137.o do Regulamento n.o 73/2009 deve ser interpretado no sentido de que um agricultor que, antes de 1 de janeiro de 2010, foi informado do caráter indevido da atribuição de direitos ao pagamento que lhe tinha sido feita não pode invocar esse artigo para efeitos de regularização desses direitos.

O artigo 73.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 796/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, que estabelece regras de execução relativas à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo previstos no Regulamento (CE) n.o 1782/2003, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2184/2005 da Comissão, de 23 de dezembro de 2005, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que um agricultor podia razoavelmente detetar a inelegibilidade de áreas em cuja utilização, para efeitos de exercício da sua atividade agrícola, não dispõe de margem de manobra e/ou nas quais não tem condições para exercer essa atividade devido a restrições resultantes do exercício de uma atividade não agrícola nessas mesmas áreas. Para apreciar se o erro cometido podia razoavelmente ser detetado por esse agricultor, há que tomar como referência o momento do pagamento da ajuda. A apreciação para efeitos do artigo 73.o, n.o 4, do referido Regulamento n.o 796/2004 deve ser feita em separado para cada um dos anos em causa.

O artigo 73.o, n.o 5, do Regulamento n.o 796/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.o 2184/2005, deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, um agricultor deve ser considerado de boa‑fé se estivesse sinceramente convencido de que as áreas em causa eram elegíveis para ajuda. A apreciação da boa‑fé desse agricultor, para efeitos do artigo 73.o, n.o 5, do referido Regulamento n.o 796/2004, deve ser efetuada em separado para cada um dos anos em causa, e essa boa‑fé deve subsistir até ao termo do quarto ano subsequente à data do pagamento da ajuda.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: dinamarquês.

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