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Document 62011CJ0213

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 19 de julho de 2012.
Fortuna sp. z o.o. e o. contra Dyrektor Izby Celnej w Gdyni.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku.
Mercado interno — Diretiva 98/34/CE — Normas e regulamentações técnicas — Processo de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas — Máquinas de jogos automáticos com prémios reduzidos — Proibição de alteração, de renovação e de emissão das autorizações de exploração — Conceito de ‘regra técnica’.
Processos apensos C‑213/11, C‑214/11 e C‑217/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:495

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de julho de 2012 ( *1 )

«Mercado interno — Diretiva 98/34/CE — Normas e regulamentações técnicas — Processo de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas — Máquinas de jogos automáticos com prémios reduzidos — Proibição de alteração, de renovação e de emissão das autorizações de exploração — Conceito de ‘regra técnica’»

Nos processos apensos C-213/11, C-214/11 e C-217/11,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentados pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku (Polónia) por decisões de 16 de novembro de 2010, entrados no Tribunal de Justiça em 9 e 11 de maio de 2011, nos processos

Fortuna sp. z o.o. (C-213/11),

Grand sp. z o.o. (C-214/11),

Forta sp. z o.o. (C-217/11)

contra

Dyrektor Izby Celnej w Gdyni,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, J. Malenovský, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis (relator) e D. Šváby, juízes,

advogado-geral: N. Jääskinen,

secretário: K. Sztranc-Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de março de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Fortuna sp. z o.o., da Grand sp. z o.o. e da Forta sp. z o.o., por K. Budnik, adwokat,

em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, B. Majczyna e D. Lutostańska, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck e M. Jacobs, na qualidade de agentes, assistidas por P. Vlaemminck e R. Verbeke, advocaten,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e A. P. Barros, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Zavvos e K. Herrmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 81, a seguir «Diretiva 98/34»).

2

Estes pedidos foram apresentados no quadro de litígios que opõem a Fortuna sp. z o.o. (a seguir «Fortuna»), a Grand sp. z o.o. (a seguir «Grand») e a Forta sp. z o.o. (a seguir «Forta») ao Dyrektor Izby Celnej w Gdyni (Diretor da Administração Aduaneira de Gdynia, a seguir «DICG»), por este ter recusado alterar, renovar ou emitir, consoante os casos, autorizações de organização e de exploração de atividades no domínio dos jogos automáticos com prémios reduzidos.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 1.o, pontos 1 a 5 e 11, da Diretiva 98/34 dispõe:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva entende-se por:

1)

‘Produto’: qualquer produto de fabrico industrial e qualquer produto agrícola, incluindo produtos da pesca;

2)

‘Serviço’: qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.

3)

‘Especificação técnica’: a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto, tais como os níveis de qualidade ou de propriedade de utilização, a segurança, as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que respeita à denominação de venda, à terminologia, aos símbolos, aos ensaios e métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem, bem como aos processos de avaliação da conformidade.

[…]

4)

‘Outra exigência’: uma exigência, distinta de uma especificação técnica, imposta a um produto por motivos de defesa, nomeadamente dos consumidores, ou do ambiente, e que vise o seu ciclo de vida após a colocação no mercado, como sejam condições de utilização, de reciclagem, de reutilização ou de eliminação, sempre que essas condições possam influenciar significativamente a composição ou a natureza do produto ou a sua comercialização.

5)

‘Regra relativa aos serviços’: um requisito de natureza geral relativo ao acesso às atividades de serviços referidas no n.o 2 do presente artigo e ao seu exercício, nomeadamente as disposições relativas ao prestador de serviços, aos serviços e ao destinatário de serviços, com exclusão das regras que não visem especificamente os serviços definidos nessa mesma disposição.

[…]

11)

‘Regra técnica’: uma especificação técnica, outro requisito ou uma regra relativa aos serviços, incluindo as disposições administrativas que lhes são aplicáveis e cujo cumprimento seja obrigatório de jure ou de facto, para a comercialização, a prestação de serviços, o estabelecimento de um operador de serviços ou a utilização num Estado-Membro ou numa parte importante desse Estado, assim como, sob reserva das disposições referidas no artigo 10.o, qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa dos Estados-Membros que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto ou a prestação ou utilização de um serviço ou o estabelecimento como prestador de serviços.

[…]»

4

Nos termos do artigo 8.o, n.o 1, primeiro e terceiro parágrafos, desta diretiva:

«Sob reserva do disposto no artigo 10.o, os Estados-Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projeto.

[…]

Os Estados-Membros farão uma nova comunicação nas mesmas condições, caso introduzam alterações significativas no projeto de regra técnica que tenham por efeito modificar o âmbito de aplicação, reduzir o calendário de aplicação inicialmente previsto, aditar especificações ou exigências ou torná-las mais rigorosas.»

Direito nacional

5

Até 31 de dezembro de 2009, a organização e o exercício de atividades no domínio dos jogos automáticos com prémios reduzidos eram regidos pela Lei dos jogos e apostas (ustawa o grach i zakĺadach wzajemnych) de 29 de julho de 1992 (Dz. U. de 2004, n.o 4, posição 27), conforme alterada (a seguir «lei dos jogos e apostas»).

6

O artigo 2.o, n.o 2b, desta lei dispunha:

«Os jogos automáticos com prémios reduzidos são jogos em aparelhos mecânicos, eletromecânicos ou eletrónicos com prémios em dinheiro ou em espécie, em que o valor de cada prémio não pode superar o contravalor de 15 [euros] e o valor da aposta máxima para a participação num jogo não pode ser superior a 0,07 [euro].»

7

Em conformidade com as disposições da referida lei, para poder explorar estes jogos automáticos, os proprietários de tais aparelhos deviam obter autorizações da autoridade fiscal territorialmente competente. Estas eram emitidas aos proprietários destes aparelhos, por um período de seis anos, e, a pedido do titular, podiam ser renovadas por um período adicional de seis anos.

8

O artigo 7.o, n.o 1a, desta mesma lei previa:

«A organização de jogos automáticos com prémios reduzidos só é autorizada nos locais de instalação de jogos automáticos com prémios reduzidos.»

9

O artigo 30.o da lei dos jogos e apostas dispunha:

«Os locais de instalação de jogos automáticos com prémios reduzidos podem estar situados em estabelecimentos de restauração, comerciais e de prestação de serviços, a uma distância mínima de 100 m de escolas, das instituições de formação e educação, dos centros de prestação de cuidados e dos locais de culto.»

10

A Lei dos jogos de fortuna ou azar (ustawa o grach hazardowich) de 19 de novembro de 2009 (Dz. U. n.o 201, posição 1540, a seguir «lei dos jogos de fortuna ou azar»), que substitui a lei dos jogos e apostas, entrou em vigor em 1 de janeiro de 2010.

11

O artigo 14.o, n.o 1, da lei dos jogos de fortuna ou azar dispõe:

«A organização de jogos de roleta, jogos de cartas, jogos de dados e jogos automáticos só é permitida em casinos.»

12

O artigo 129.o desta lei prevê:

«1.   Salvo disposto em contrário na presente lei, a atividade no domínio dos jogos automáticos com prémios reduzidos ou dos jogos automáticos em salas de jogos automáticos, com base em autorizações emitidas antes da sua entrada em vigor, será exercida em conformidade com as disposições anteriores, até caducarem as autorizações das pessoas a quem foram atribuídas.

2.   É posto termo aos processos de emissão de autorizações de exercício de atividades no domínio dos jogos automáticos com prémios reduzidos ou dos jogos automáticos em salas de jogos automáticos, abertos ou em curso antes da entrada em vigor da presente lei.

3.   Os jogos automáticos com prémios reduzidos são jogos em aparelhos mecânicos, eletromecânicos ou eletrónicos com prémios em dinheiro ou em espécie, em que o valor de cada prémio não pode superar 60 PLN e o valor da aposta máxima para a participação num jogo não pode ser superior a 0,50 PLN.»

13

O artigo 135.o da lei dos jogos de fortuna ou azar enuncia:

«1.   As autorizações visadas no artigo 129.o, n.o 1, podem ser alteradas, ao abrigo dos princípios estabelecidos na lei para as alterações de concessões e de autorizações atribuídas às pessoas que exercem uma atividade no domínio mencionado no artigo 6.o, n.os 1 a 3, pela entidade competente em matéria de emissão de autorizações antes da data de entrada em vigor da presente lei, sob reserva do disposto nos n.os 2 e 3. O disposto nos seus artigos 56.° e 57.° aplica-se mutatis mutandis.

2.   A alteração de uma autorização não pode resultar na alteração dos locais da organização de jogos, com exceção da redução do número de locais de instalação de jogos automáticos com prémios reduzidos.

[…]»

14

Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, desta lei, não podem ser renovadas as autorizações visadas no artigo 129.o, n.o 1, da referida lei.

Litígio nos processos principais e questões prejudiciais

15

As recorrentes nos processos principais são sociedades que têm como atividade económica, nomeadamente, a organização e a exploração de jogos automáticos. Para o efeito, a Fortuna, a Grand e a Forta adquirem os aparelhos de jogos no mercado da União.

16

A Fortuna dispõe da autorização legal exigida para tal atividade, que lhe foi emitida em 1 de novembro de 2003, por um período de seis anos, seguidamente renovada por uma decisão de 14 de setembro de 2009. É uma autorização para um grande número de locais de instalação de jogos. A Fortuna apresentou um pedido de alteração da sua autorização no que diz respeito à definição de um dos locais de exploração dos jogos. Por decisão de 3 de fevereiro de 2010, confirmada por nova decisão de 14 de abril de 2010, o DICG não deferiu este pedido, invocando o artigo 135.o, n.o 2, da lei dos jogos de fortuna ou azar, que proíbe qualquer alteração dos locais de organização dos jogos por via da alteração da decisão de autorização, com exceção da redução do número de locais de instalação de jogos automáticos com prémios reduzidos.

17

A Grand dispunha da autorização legal exigida para a organização e a exploração de jogos automáticos, emitida em 6 de agosto de 2004, por um período de seis anos. A autorização cobria igualmente um grande número de locais de instalação de jogos. A Grand apresentou um pedido de renovação da sua autorização, por um novo período de seis anos. Por decisão de 24 de fevereiro de 2010, confirmada por nova decisão de 18 de maio de 2010, o DICG não deferiu este pedido, invocando o artigo 138.o, n.o 1, da lei dos jogos de fortuna ou azar, que proíbe a renovação das autorizações de exercício de uma atividade de jogos automáticos com prémios reduzidos.

18

Em 10 de dezembro de 2008, a Forta apresentou um pedido de autorização para organizar e explorar jogos automáticos com prémios reduzidos, no território da Voivodia de Pomerânia. Este pedido, inicialmente para 112 locais de instalação de jogos automáticos com prémios reduzidos, acabou por ser feito apenas para 80. Por decisão de 12 de fevereiro de 2010, confirmada por nova decisão de 19 de abril de 2010, o DICG, aplicando o artigo 129.o, n.o 2, da lei dos jogos de fortuna ou azar, constatou que já não havia que prosseguir com a tramitação do processo em causa. Com efeito, esta disposição impõe que se ponha termo aos processos abertos e ainda em curso antes da entrada em vigor desta nova lei, que respeitem a pedidos de autorização de exercer uma atividade de jogos automáticos com prémios reduzidos ou de jogos automáticos organizados em salas de jogos automáticos, apresentados ao abrigo da lei dos jogos e apostas.

19

Cada uma das recorrentes nos processos principais interpôs recurso para o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku (Tribunal Administrativo da Voivodia de Gdańsku) das decisões que lhes dizem respeito, alegando que as disposições da lei dos jogos de fortuna ou azar não podem ser invocadas pela Administração como base para as suas decisões, por esta lei não ter sido notificada à Comissão, apesar de conter «regras técnicas» na aceção da Diretiva 98/34. As recorrentes nos processos principais alegaram igualmente que as restrições de exploração dos jogos automáticos com prémios reduzidos que resultam desta lei provocam uma importante restrição ao comércio desses aparelhos no seio da União Europeia. Com efeito, a proibição de alterar e de renovar as autorizações anteriores, tal como a proibição de emitir novas autorizações de exploração de tais aparelhos privam, na prática, estes últimos de qualquer utilidade.

20

O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à livre circulação de mercadorias e serviços no respeitante aos jogos de fortuna ou azar lhe permite apreciar de modo autónomo a compatibilidade do regime decorrente da lei dos jogos de fortuna ou azar com estas liberdades. Em contrapartida, este órgão jurisdicional interroga-se sobre se as disposições desta lei podem ser opostas a um particular, embora não tivessem sido notificadas à Comissão em conformidade com o procedimento previsto pela Diretiva 98/34.

21

Nestas condições, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

No processo C-213/11:

«O artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva [98/34] deve ser interpretado no sentido de que as ‘regras técnicas’, cujos projetos devem ser comunicados à Comissão em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, da diretiva, compreendem uma norma que proíbe a alteração de autorizações para uma atividade no domínio dos jogos automáticos com prémios reduzidos, quando se trata de uma alteração do local de organização do jogo?»

No processo C-214/11:

«O artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva [98/34] deve ser interpretado no sentido de que as ‘regras técnicas’, cujos projetos devem ser comunicados à Comissão em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, da diretiva, compreendem uma norma que proíbe a renovação de autorizações para uma atividade no domínio dos jogos automáticos com prémios reduzidos?»

No processo C-217/11:

«O artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva [98/34] deve ser interpretado no sentido de que as ‘regras técnicas’, cujos projetos devem ser comunicados à Comissão em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, da diretiva, compreendem uma norma que proíbe a concessão de autorizações para uma atividade no domínio dos jogos automáticos com prémios reduzidos?»

22

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 9 de junho de 2011, os processos C-213/11, C-214/11 e C-217/11 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

23

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que disposições nacionais como as da lei dos jogos de fortuna ou azar, que possam ter por efeito limitar, ou mesmo tornar progressivamente impossível, a exploração de jogos automáticos com prémios reduzidos, em estabelecimentos diversos dos casinos e das salas de jogo, constituem «regras técnicas», na aceção desta disposição, cujos projetos devem ser objeto da comunicação prevista no artigo 8.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva.

24

Importa lembrar, a título liminar, que o Tribunal de Justiça enunciou já que medidas que proíbem a instalação de qualquer tipo de jogos elétricos, eletromecânicos e eletrónicos, em todos os lugares públicos ou privados, com exceção dos casinos, devem ser qualificadas de regras técnicas na aceção do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34 (acórdão de 26 de outubro de 2006, Comissão/Grécia, C-65/05, Colet., p. I-10341, n.o 61).

25

Nestas condições, uma medida como o artigo 14.o, n.o 1, da lei dos jogos de fortuna ou azar, que reserva unicamente aos casinos de jogo a organização de jogos automáticos, deve ser qualificada de «regra técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34.

26

Feita esta precisão liminar, cabe recordar que é jurisprudência assente que a Diretiva 98/34 tem por finalidade, através de um controlo preventivo, proteger a livre circulação de mercadorias, que é um dos fundamentos da União, e que esse controlo é útil na medida em que as regras técnicas abrangidas por essa diretiva podem constituir entraves às trocas de mercadorias entre Estados-Membros, entraves que só podem ser admitidos se forem necessários para satisfazer exigências imperativas que prossigam um objetivo de interesse geral (v. acórdãos de 30 de abril de 1996, CIA Security International, C-194/94, Colet., p. I-2201, n.os 40 e 48; de 8 de setembro de 2005, Lidl Italia, C-303/04, Colet., p. I-7865, n.o 22; e de 9 de junho de 2011, Intercommunale Intermosane e Fédération de l’industrie et du gaz, C-361/10, Colet., p. I-5079, n.o 10).

27

Neste contexto, deve recordar-se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, decorre do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34 que o conceito de «regra técnica» se decompõe – para além da categoria das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, na aceção deste artigo 1.o, pontos 2 e 5, à qual, porém, não dizem respeito os processos nas causas principais, visto que as disposições nacionais em causa nos processos principais têm por objeto os aparelhos de jogos automáticos com prémios reduzidos, enquanto «produtos» no sentido do referido artigo 1.o, ponto 1 – em três categorias, a saber: em primeiro lugar, a «especificação técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 3, desta diretiva; em segundo lugar, a «outra exigência» conforme definida no artigo 1.o, ponto 4, da referida diretiva; e, em terceiro lugar, a proibição de fabrico, de importação, de comercialização ou de utilização de um produto, referida no artigo 1.o, ponto 11, da mesma diretiva (v. acórdãos de 21 de abril de 2005, Lindberg, C-267/03, Colet., p. I-3247, n.o 54; de 8 de novembro de 2007, Schwibbert, C-20/05, Colet., p. I-9447, n.o 34; e acórdão Intercommunale Intermosane e Fédération de l’industrie et du gaz, já referido, n.o 11).

28

Importa desde logo esclarecer que, para que uma medida nacional seja abrangida pela primeira categoria de regras técnicas visada no artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34, ou seja, pelo conceito de «especificação técnica», esta medida deve necessariamente referir-se ao produto ou à sua embalagem enquanto tais e fixar, consequentemente, uma das características exigidas de um produto (v. acórdão Intercommunale Intermosane e Fédération de l’industrie et du gaz, já referido, n.o 15).

29

Ora, basta constatar que as disposições transitórias da lei dos jogos de fortuna ou azar dizem respeito às autorizações para o exercício de atividades de jogos automáticos com prémios reduzidos. Não se referem aos aparelhos de jogos com prémios reduzidos nem à sua embalagem enquanto tais e, consequentemente, não fixam as respetivas características.

30

Por conseguinte, as disposições nacionais em causa nos processos principais não contêm especificações técnicas na aceção da Diretiva 98/34.

31

Seguidamente, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a terceira categoria de regras técnicas visada no artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34, respeitante a uma proibição, designadamente de utilização, pressupõe que as disposições nacionais em causa tenham um alcance que ultrapasse claramente uma limitação de determinadas utilizações possíveis do produto em causa e que não se limitem a uma simples restrição da sua utilização (v. acórdão Lindberg, já referido, n.o 76).

32

Com efeito, esta terceira categoria visa mais especialmente as medidas nacionais que não permitem nenhuma utilização para além da utilização puramente marginal que é razoável esperar do produto em causa (acórdão Lindberg, já referido, n.o 77).

33

A este respeito, embora as disposições transitórias da lei dos jogos de fortuna ou azar, em causa nos processos principais, contenham proibições no respeitante à emissão, à renovação e à alteração das autorizações do exercício de atividades de jogos automáticos com prémios reduzidos, importa realçar que, em conformidade com o artigo 129.o, n.o 1, desta lei, qualquer atividade de jogos automáticos com prémios reduzidos, exercida com base em autorizações emitidas antes da entrada em vigor da referida lei, é prosseguida, pelas entidades a quem estas foram emitidas, de acordo com as disposições anteriores e até à expiração destas autorizações.

34

Assim, tal disposição permite a continuação do exercício de atividades de jogos automáticos com prémios reduzidos e, portanto, a utilização dos aparelhos destes jogos, para lá da data de entrada em vigor da lei dos jogos de fortuna ou azar. Em tal contexto, é imperioso constatar que as disposições transitórias desta lei não podem ser consideradas medidas nacionais que não permitem nenhuma utilização além de uma utilização puramente marginal dos aparelhos de jogos automáticos com prémios reduzidos.

35

Por último, o Tribunal de Justiça enunciou já que, para poderem ser qualificadas de «outra exigência» na aceção do artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34, as medidas nacionais em questão devem constituir as «condições» que podem influenciar significativamente a composição, a natureza ou a comercialização do produto em causa (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Lindberg, n.o 72, e Intercommunale Intermosane e Fédération de l’industrie et du gaz, n.o 20).

36

A este respeito, há que salientar que as disposições transitórias da lei dos jogos de fortuna ou azar impõem condições suscetíveis de afetar a comercialização dos aparelhos de jogos automáticos com prémios reduzidos. Efetivamente, a proibição de emitir, renovar ou alterar as autorizações relativas às atividades de jogos automáticos com prémios reduzidos, fora dos casinos, é de molde a afetar diretamente o comércio dos aparelhos de jogos com prémios reduzidos.

37

Neste contexto, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se tais proibições, cuja observação é obrigatória de jure para a utilização dos aparelhos de jogos automáticos com prémios reduzidos, podem influenciar significativamente a natureza ou a comercialização destes aparelhos (v., neste sentido, acórdão Lindberg, já referido, n.o 78).

38

Quando o órgão jurisdicional de reenvio efetuar as verificações que lhe incumbem, deve ter em conta, designadamente, o facto de que a redução dos locais de instalação autorizados de jogos automáticos com prémios reduzidos é acompanhada da limitação do número máximo dos casinos de jogos e dos aparelhos de jogos que nestes podem ser utilizados.

39

De igual modo, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se os aparelhos de jogos automáticos com prémios reduzidos podem ser programados ou reprogramados de modo a serem utilizados em casinos como aparelhos de jogos de fortuna ou azar que permitam prémios mais elevados e apresentem, por conseguinte, um risco maior de dependência do jogo pelo seu utilizador (v., neste sentido, acórdão Lindberg, já referido, n.o 79), o que poderá afetar significativamente a respetiva natureza.

40

Visto o conjunto das considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que disposições nacionais como as da lei dos jogos de fortuna ou azar, que possam ter por efeito limitar, ou mesmo tornar progressivamente impossível, em estabelecimentos diversos dos casinos e das salas de jogo, a exploração dos jogos automáticos com prémios reduzidos, são suscetíveis de constituir «regras técnicas» na aceção desta disposição, cujos projetos devem ser objeto da comunicação prevista no artigo 8.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, na medida em que esteja estabelecido que as referidas disposições constituem condições que podem influenciar significativamente a natureza ou a comercialização do produto em questão, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

41

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que disposições nacionais como as da Lei dos jogos de fortuna ou azar (ustawa o grach hazardowich) de 19 de novembro de 2009, que possam ter por efeito limitar, ou mesmo tornar progressivamente impossível, em estabelecimentos diversos dos casinos e das salas de jogo, a exploração dos jogos automáticos com prémios reduzidos, são suscetíveis de constituir «regras técnicas» na aceção desta disposição, cujos projetos devem ser objeto da comunicação prevista no artigo 8.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, na medida em que esteja estabelecido que as referidas disposições constituem condições que podem influenciar significativamente a natureza ou a comercialização do produto em questão, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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