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Document 62011CJ0244

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 8 de novembro de 2012.
Comissão Europeia contra República Helénica.
Incumprimento de Estado — Artigos 43.° CE e 56.° CE − Regime que submete a autorização prévia a aquisição de direitos de voto que representem mais de 20% do capital social de certas ‘sociedades anónimas estratégicas’ — Dispositivo de controlo a posteriori de certas decisões tomadas por essas sociedades.
Processo C‑244/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:694

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

8 de novembro de 2012 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Artigos 43.° CE e 56.° CE — Regime que submete a autorização prévia a aquisição de direitos de voto que representem mais de 20% do capital social de certas ‘sociedades anónimas estratégicas’ — Dispositivo de controlo a posteriori de certas decisões tomadas por essas sociedades»

No processo C-244/11,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 20 de maio de 2011,

Comissão Europeia, representada por E. Montaguti e G. Zavvos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Helénica, representada por P. Mylonopoulos e K. Boskovits, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, J.-C. Bonichot, C. Toader, A. Prechal (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: P. Cruz Villalón,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de junho de 2012,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao fixar as prescrições constantes do artigo 11.o, n.o 1, lido em conjugação com o artigo 11.o, n.o 2, e as prescrições constantes do artigo 11.o, n.o 3, da Lei 3631/2008 relativa à criação de um fundo nacional para a coesão social (FEK Α’ 6/29.1.2008), a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.° TFUE e 49.° TFUE, relativos, respetivamente, à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento.

Quadro jurídico

2

O artigo 11.o da Lei 3631/2008 dispõe:

«1.   No que se refere às sociedades anónimas estratégicas que ocupam ou ocuparam uma posição de monopólio, nomeadamente quando estejam em causa sociedades que possuem, exploram ou gerem redes nacionais de infraestruturas, a aquisição por um acionista que não seja o Estado grego ou por sociedades associadas a este último [...], ou por acionistas que atuam de forma conjunta e de maneira concertada, de direitos de voto que representem mais de 20% do capital social total está sujeita a autorização prévia do Comité Interministerial de Privatização criado pela Lei 3049/2002, em conformidade com o procedimento previsto nesta última lei.

2.   A autorização será concedida desde que estejam preenchidos os critérios de interesse geral que permitem garantir a continuidade dos serviços fornecidos e do funcionamento das redes. A título indicativo, serão tidos em conta os seguintes critérios de avaliação: a) a experiência dos acionistas terceiros no domínio de atividade das sociedades acima referido, b) a sua solvabilidade, c) as informações relativas às suas estratégias de investimento, d) a transparência das suas transações, e) os seus planos de negócios detalhados, f) a dimensão e o tipo do seu programa de investimentos, g) o seu regime de propriedade, h) a preservação dos postos de trabalho, i) a estrutura do seu capital social, nomeadamente a participação de fundos estabelecidos fora da União Europeia, ao abrigo do princípio da transparência e da reciprocidade, j) a forma de adoção de decisões.

3.   As decisões das referidas empresas estratégicas relativas aos assuntos que abaixo se descrevem estão sujeitas a autorização do Ministro das Finanças para efeitos de interesse geral:

a)

dissolução da empresa, liquidação e designação de gestores liquidatários;

b)

reestruturação das empresas acima referidas: conversão, fusão com outra sociedade, fusão com criação de uma nova sociedade anónima, cisão independentemente da forma que revista ou cisão de uma ou de várias partes suscetível de pôr em perigo a prestação de serviços nos setores que revestem uma importância estratégica;

c)

transferência, transformação ou conversão, cessão, atribuição a título de garantia, bem como transformação ou alteração da afetação dos elementos estratégicos do ativo das empresas acima referidas e das redes e infraestruturas de base necessárias à vida económica e social do país, bem como à sua segurança.

4.   A autorização referida no número anterior é concedida por despacho ministerial publicado num prazo de trinta (30) dias a contar da data de entrega da decisão ao Ministro. Caso não seja dada resposta dentro desse prazo, essa falta de resposta é equiparada a concessão da autorização exigida.

[…]»

Procedimento pré-contencioso

3

Em 8 de maio de 2008, a Comissão enviou à República Helénica uma notificação para cumprir na qual alegou que as disposições do artigo 11.o, n.os 1 e 3, da Lei 3631/2008 são contrárias aos artigos 43.° CE e 56.° CE.

4

Considerando que a resposta apresentada pela República Helénica era insatisfatória, a Comissão enviou, por carta de 1 de dezembro de 2008, um parecer fundamentado a esse Estado-Membro.

5

Por carta de 28 de janeiro de 2009, a República Helénica respondeu ao referido parecer fundamentado mantendo o seu ponto de vista segundo o qual as disposições nacionais em causa não são contrárias às disposições do Tratado em matéria de livre circulação de capitais e de liberdade de estabelecimento.

6

Considerando que os incumprimentos alegados não foram sanados dentro do prazo concedido no que se refere ao regime de autorização prévia e ao dispositivo de controlo a posteriori previstos nas disposições nacionais em causa, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

Quanto à ação

Quanto à existência de restrições às liberdades fundamentais

Argumentos das partes

7

A Comissão sustenta que o regime de autorização prévia previsto no artigo 11.o, n.o 1, da Lei 3631/2008 e o dispositivo de controlo a posteriori previsto no n.o 3 desse mesmo artigo constituem restrições tanto à livre circulação de capitais como à liberdade de estabelecimento.

8

Na medida em que os investidores privados podem comprar ações das sociedades estratégicas em causa que são negociadas em Bolsa, o regime de autorização prévia aplica-se a sociedades que já estão parcialmente privatizadas. Tal regime não fica assim excluído da aplicação das regras fundamentais do Tratado CE nos termos do artigo 295.o CE.

9

No que respeita, em primeiro lugar, às regras do Tratado em matéria de livre circulação de capitais, não se contesta que este regime é abrangido pelo âmbito de aplicação das referidas regras na medida em que visa investimentos ditos «diretos», especialmente sob a forma de participação numa empresa através da detenção de ações que confere a possibilidade de participar efetivamente na sua gestão e no seu controlo.

10

Relativamente ao dispositivo de controlo a posteriori previsto no artigo 11.o, n.o 3, da Lei 3631/2008, a Comissão considera que este tem por efeito entravar a participação efetiva dos acionistas na gestão e no controlo das empresas em causa e é suscetível de dissuadir operadores estabelecidos noutros Estados-Membros de investirem no capital das sociedades em causa.

11

Em segundo lugar, a Comissão alega que o regime de autorização prévia e o dispositivo de controlo a posteriori constituem igualmente restrições à liberdade de estabelecimento na aceção do artigo 49.o TFUE.

12

A República Helénica sustenta que as disposições do artigo 11.o da Lei 3631/2008 não constituem restrições à livre circulação de capitais nem tão-pouco à liberdade de estabelecimento.

13

Essas disposições não se aplicam no contexto de empresas já privatizadas nas quais o Estado conserva privilégios especiais, comummente denominados «golden shares», antes se aplicando no contexto das empresas estratégicas ainda não privatizadas, a saber, empresas nas quais o Estado não se tinha desfeito, no momento da entrada em vigor dessa lei, da sua participação estratégica no capital social que lhe permite influenciar de forma decisiva a formação da vontade dos órgãos sociais.

14

Ora, segundo a República Helénica, as medidas adotadas por um Estado-Membro para efeitos da privatização dessas empresas estratégicas controladas pelo Estado fixam excluídas, nos termos do artigo 295.o CE, do âmbito de aplicação das liberdades fundamentais consagradas no Tratado, desde que o regime de privatização assente em critérios objetivos, não discriminatórios e que sejam antecipadamente conhecidos pelas empresas em causa e que sejam previstas vias de recurso jurisdicionais.

Apreciação do Tribunal

15

No que diz respeito, em primeiro lugar, ao argumento da República Helénica relativo ao artigo 295.o CE, segundo o qual «o [...] Tratado em nada prejudica o regime da propriedade nos Estados-Membros», há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o referido artigo não tem por efeito subsumir os regimes de propriedade existentes nos Estados-Membros às regras fundamentais do Tratado (acórdão de 18 de julho de 2007, Comissão/Alemanha, C-503/04, Colet., p. I-6153, n.o 37).

16

Mais concretamente, o Tribunal de Justiça já declarou que, embora o artigo 295.o CE não ponha em causa a faculdade de os Estados-Membros instituírem um regime de aquisição da propriedade fundiária, esse regime não escapa às regras fundamentais do direito da União, designadamente, às regras da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e da liberdade de movimentos de capitais (acórdão de 23 de setembro de 2003, Ospelt e Schlössle Weissenberg, C-452/01, Colet., p. I-9743, n.o 24 e jurisprudência referida).

17

Daqui resulta, no que respeita ao artigo 11.o da Lei 3631/2008, que faz parte, como a República Helénica expôs, da regulamentação nacional em matéria de privatizações de certas sociedades anónimas estratégicas controladas por esse Estado-Membro, que, embora o artigo 295.o CE não ponha em causa a faculdade de um Estado-Membro instituir esse regime de privatização, este deve respeitar as regras fundamentais do Tratado de que fazem parte, nomeadamente, as liberdades fundamentais referidas no presente processo.

18

Por outro lado, se um Estado decidir transformar empresas públicas em sociedades anónimas cujas ações são cotadas em Bolsa e que podem, em princípio, ser livremente compradas no mercado, permitindo que um acionista que não seja o Estado se instale numa medida não negligenciável nessas sociedades, como sucede com as sociedades anónimas estratégicas em causa, não se pode aceitar que o artigo 295.o CE possa ser invocado por um Estado-Membro para subsumir essas aquisições às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, subordinando-as a um regime de autorização, sob pena de criar uma lacuna não justificada no sistema de proteção dessas liberdades fundamentais.

19

A Comissão considera, em seguida, que o regime de autorização prévia e o dispositivo de controlo a posteriori previstos no artigo 11.o da Lei 3631/2008 são simultaneamente abrangidos pelo artigo 43.o CE, relativo à liberdade de estabelecimento, e pelo artigo 56.o CE, relativo à livre circulação de capitais.

20

Ora, como a República Helénica sustentou com razão, este ponto de vista não pode ser acolhido.

1

Em primeiro lugar, com efeito, no que se refere ao regime de autorização prévia em causa, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, exerce o seu direito de estabelecimento o nacional de um Estado-Membro que detém no capital de uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro uma participação que lhe confere uma influência efetiva nas decisões da sociedade e lhe permite determinar as respetivas atividades (v., designadamente, acórdão de 10 de novembro de 2011, Comissão/Portugal, C-212/09, Colet., p. I-10889, n.o 42 e jurisprudência referida).

2

O Tribunal de Justiça também declarou que uma legislação nacional que não se destina apenas a ser aplicada às participações que permitem exercer uma influência efetiva nas decisões de uma sociedade e determinar as respetivas atividades, mas que se aplica independentemente da dimensão da participação detida por um acionista numa sociedade, é suscetível de ser abrangida tanto pelo artigo 43.o CE como pelo artigo 56.o CE (v., designadamente, acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.o 44).

3

No presente caso, há que constatar que o regime de autorização prévia em causa visa apenas a aquisição de participações numa sociedade anónima estratégica que confere direitos de voto que representam mais de 20% do capital social total, pelo que apenas serão afetados os acionistas que podem exercer uma influência efetiva na gestão e no controlo dessa sociedade.

4

A este respeito, há que referir que a Comissão sustentou, sem que a República Helénica a contradissesse, que, ao fixar em 20% do capital social o limiar das aquisições sujeitas ao regime de autorização prévia, este regime impede os investidores de atingirem o nível exigido para controlar e gerir uma sociedade estratégica e influenciar as suas decisões.

5

Daqui resulta que só o artigo 43.o CE é aplicável ao regime de autorização prévia em causa.

6

A República Helénica contesta no entanto a aplicabilidade desta liberdade fundamental por o regime de autorização prévia previsto no artigo 11.o, n.o 1, da Lei 3631/2008 se destinar principalmente a controlar as aquisições hostis de natureza especulativa por fundos soberanos estabelecidos em países terceiros.

7

A este respeito, basta constatar, como a Comissão também fez sem que a República Helénica a contradissesse, que o artigo 11.o, n.o 1, da Lei 3631/2008 visa todos os potenciais investidores, incluindo os estabelecidos nos Estados-Membros da União, e não apenas os investidores estabelecidos em Estados terceiros. Aliás, a República Helénica não identificou outra disposição de natureza legislativa da qual resulte que o âmbito de aplicação deste regime abrange apenas estes últimos investidores.

8

Por último, há que rejeitar o argumento da República Helénica segundo o qual o regime de autorização prévia previsto no artigo 11.o, n.o 1, da Lei 3631/2008 não limita a aquisição de participações enquanto tal e não constitui, por conseguinte, uma restrição à liberdade de estabelecimento, na medida em que apenas visa direitos de voto relativos a essas participações.

9

Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que essa restrição existe se um regime de autorização prévia tiver por efeito impedir ou restringir o exercício dos direitos de voto relativos às ações detidas, porque estes constituem um dos principais meios de os acionistas participarem de forma ativa na gestão de uma empresa ou no seu controlo (v., neste sentido, no que se refere às regras relativas à livre circulação de capitais, acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Espanha, C-274/06, n.os 21 a 24).

10

Em segundo lugar, relativamente ao dispositivo de controlo a posteriori em causa, o Tribunal de Justiça já declarou que tal regime não deve ser examinado apenas à luz do artigo 43.o CE, na medida em que se refere a decisões respeitantes à gestão da sociedade e, por conseguinte, refere-se apenas a acionistas capazes de exercer uma influência efetiva nesta. De resto, admitindo que tal regime produz efeitos restritivos na livre circulação de capitais, estes são a consequência inevitável de um eventual entrave à liberdade de estabelecimento e não justificam um exame autónomo à luz do artigo 56.o CE (acórdão de 26 de março de 2009, Comissão/Itália, C-326/07, Colet., p. I-2291, n.o 39).

11

Por conseguinte, só o artigo 43.o CE é aplicável ao referido dispositivo de controlo.

Quanto à justificação das restrições

Argumentos das partes

12

Em primeiro lugar, no que respeita aos objetivos prosseguidos pelo artigo 11.o da Lei 3631/2008, a Comissão considera que esta disposição visa não apenas garantir a continuidade dos serviços fornecidos e do funcionamento das redes, como resulta do n.o 2 desse artigo, mas prossegue também dois outros objetivos, a saber, o de garantir, num contexto de transparência, a privatização das empresas estratégicas para a economia nacional e o de permitir que o Estado escolha um investidor estratégico para essas empresas assim como a melhoria da sua competitividade.

13

Segundo a Comissão, embora o primeiro objetivo possa ser invocado para justificar uma restrição à liberdade de estabelecimento, decorre da jurisprudência que as exigências relativas à ordem pública e à segurança pública devem ser entendidas de forma estrita e só podem ser invocadas em caso de ameaça real e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade (v., designadamente, acórdão de 14 de março de 2000, Église de scientologie, C-54/99, Colet., p. I-1335, n.o 17). Ora, a República Helénica não explica por que motivo uma participação de 20% no capital das referidas empresas pode ser prejudicial para um interesse fundamental da sociedade.

14

Por outro lado, o âmbito de aplicação do artigo 11.o da Lei 3631/2008 não está claramente definido. Com efeito, não é certo se este abrange apenas os setores e os serviços públicos a que a jurisprudência se refere ou se abrange também outros setores.

15

Quanto ao segundo objetivo, a Comissão recorda que, para que um regime de autorização prévia como o que está em causa, que derroga uma liberdade fundamental, seja justificado, deve basear-se em critérios objetivos, não discriminatórios e antecipadamente conhecidos, de modo a enquadrar o exercício do poder de apreciação das autoridades nacionais, para que este não seja utilizado de forma arbitrária. Por outro lado, qualquer pessoa lesada por uma medida restritiva baseada em tal derrogação deve poder dispor de uma via de recurso jurisdicional (v., designadamente, acórdãos de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o., C-205/99, Colet., p. I-1271, n.o 38, e de 13 de maio de 2003, Comissão/Espanha, C-463/00, Colet., p. I-4581, n.o 69).

16

Ora, os critérios fixados no artigo 11.o da Lei 3631/2008 não foram antecipadamente definidos de forma detalhada e precisa. Por conseguinte, os critérios adotados deixam uma ampla margem de interpretação às autoridades que equivale a um poder discricionário. Tal quadro legislativo priva os eventuais investidores da segurança jurídica exigida e desencoraja-os, porquanto não conhecem de forma antecipada os critérios de autorização ou de indeferimento do seu investimento.

17

Por último, no que respeita ao terceiro objetivo que a medida nacional em causa prossegue, é de natureza económica e não pode, em conformidade com jurisprudência constante, servir de justificação a entraves às liberdades fundamentais (v., designadamente, acórdão de 4 de junho de 2002, Comissão/Portugal, C-367/98, Colet., p. I-4731, n.o 52).

18

A República Helénica responde que as disposições nacionais em causa têm apenas um objetivo, que aliás resulta expressamente do artigo 11.o, n.o 2, da Lei 3631/2008, a saber, garantir a continuidade de serviços de base e do funcionamento das redes consideradas necessárias para a vida económica e social de um país, em especial o abastecimento necessário do país em energia e em água e o fornecimento de serviços de telecomunicações.

19

Deste modo, as medidas em causa visam preservar o interesse geral, em especial a ordem pública, a segurança pública e a saúde pública, motivos que, em conformidade com o Tratado e com jurisprudência constante, podem justificar restrições às liberdades fundamentais, como o Tribunal de Justiça declarou nomeadamente a propósito da segurança do abastecimento nos setores do petróleo, das telecomunicações e da energia (v., designadamente, acórdão Comissão/Itália, já referido, n.o 69 e jurisprudência referida).

20

Quanto ao âmbito de aplicação do regime de autorização prévia, a República Helénica sustenta que é claramente definido por critérios gerais e por objetivos que resultam da legislação nacional, em especial de uma leitura conjugada do artigo 11.o, n.o 1, da Lei 3631/2008 que se refere às sociedades anónimas que «ocupam ou ocuparam uma posição de monopólio, nomeadamente quando estejam em causa sociedades que possuem, exploram ou gerem redes nacionais de infraestruturas», e do n.o 2 deste artigo que dispõe que a autorização é concedida tendo em atenção o interesse geral e apenas com o objetivo «de garantir a continuidade dos serviços fornecidos e do funcionamento das redes».

21

Decorre dos termos da Lei 3631/2008 e dos seus considerandos que este regime ex ante se aplica um círculo fechado de empresas, a saber, sociedades controladas pelo Estado que possuem, exploram ou gerem redes e infraestruturas de base. A sua enumeração nesta lei não é assim exigida.

22

De facto, quando a referida lei foi adotada, estavam apenas em causa seis empresas. Questionada sobre este ponto durante a audiência, a República Helénica explicou que se tratava mais precisamente da empresa que detinha o monopólio em matéria de telecomunicações, entretanto privatizada, e à qual a Lei 3631/2008 já não se aplica, o antigo monopólio do fornecimento de eletricidade, as empresas de água potável de Atenas (Grécia) e de Salónica (Grécia) e os organismos públicos responsáveis pela gestão dos portos do Pireu (Grécia) e de Salónica.

23

Do mesmo modo, pode deduzir-se da Lei 3631/2008 que a medida ex post se aplica apenas às sociedades estratégicas que possuem, exploram ou gerem redes e infraestruturas de base, por apenas se destinar a controlar as transformações ou as alterações da afetação dos elementos do ativo destas empresas e, em especial, como resulta do artigo 11.o, n.o 3, alínea c), dessa lei, as decisões de gestão destas sociedades relativas às «redes e infraestruturas de base necessárias à vida económica e social do país, bem como à sua segurança».

24

Em segundo lugar, a Comissão sustenta que o objetivo da medida nacional em causa, que consiste em assegurar o fornecimento de serviços de base e o funcionamento contínuo das redes, pode ser atingido através de medidas regulamentares menos restritivas do que um regime de autorização prévia de certas assunções de participações nas sociedades estratégicas ou do que um dispositivo de controlo a posteriori de certas decisões de gestão tomadas por essas sociedades.

25

Desde logo, no que se refere ao regime de autorização prévia em causa, a Comissão recorda que o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente a um regime de autorização prévia da aquisição de participações ou de ativos, que o regime em causa não permitia assegurar em todos os casos que fosse garantida a segurança do abastecimento em energia se surgisse uma ameaça real e suficientemente grave a esse abastecimento depois de ter sido concedida a autorização para a operação em causa (acórdão de 17 de julho de 2008, Comissão/Espanha, C-207/07, n.o 52) e também que a mera supervisão da entidade pública no momento em que esta adquire o controlo de uma empresa não permite assegurar que, depois de terem sido reconhecidos os direitos de voto correspondentes às ações detidas por essa entidade, esta os vá utilizar de uma forma que garanta a segurança do abastecimento energético (acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Espanha, já referido, n.o 45).

26

Por outro lado, a Comissão alega que o caráter desproporcional do regime de autorização prévia reside no facto de os critérios com base nos quais esta autorização deve ser decidida, como os fixados no artigo 11.o, n.o 2, da Lei 3631/2008, não são adequados para atingir o objetivo prosseguido pela lei que consiste em garantir a continuidade dos serviços fornecidos e do funcionamento das redes.

27

Decorre desta disposição que, embora todos os critérios mencionados tenham de ser preenchidos e tomados em consideração no momento da decisão de autorização, estes são enumerados não de forma exaustiva, mas apenas a título indicativo. Os critérios com base nos quais é concedida ou recusada uma decisão de autorização não são assim detalhados nem necessariamente conhecidos de forma antecipada pelos operadores económicos em causa.

28

Por outro lado, o quadro regulamentar adotado a nível da União em certos setores como os da energia e das telecomunicações deixa aos Estados-Membros uma ampla margem de manobra para adotarem, respeitando o Tratado e, em especial, o princípio da proporcionalidade, disposições relativas às obrigações de serviço público impostas às empresas que são menos restritivas para as liberdades fundamentais (v., neste sentido, acórdão de 17 de julho de 2008, Comissão/Espanha, já referido, n.os 43 a 45).

29

A República Helénica responde que o regime de autorização prévia é totalmente apropriado para atingir o objetivo prosseguido, não excede o que é razoável e constitui igualmente um instrumento necessário, porquanto as medidas regulamentares horizontais não são suficientes para atingir esse objetivo.

30

Quanto ao argumento segundo o qual esse regime ex ante não é adequado por visar apenas o momento da adoção de uma participação estratégica, não toma em consideração o facto de que esse regime é completado por uma medida de controlo ex post.

31

Os critérios de avaliação previstos no artigo 11.o, n.o 2, da Lei 3631/2008 visam certos elementos que são tomados em consideração para avaliar o plano de empresa do terceiro investidor. Estes elementos são totalmente objetivos e convergem para um critério essencial, que é o da apresentação pelo terceiro investidor de um plano de empresa sério e das respetivas garantias, para evitar que a empresa em causa não seja desvalorizada e que a continuidade dos serviços fornecidos e do funcionamento das redes de base não seja posta em causa.

32

Por outro lado, a República Helénica contesta a alegação segundo a qual, em violação do princípio da segurança jurídica, os critérios previstos no artigo 11.o, n.o 2, da Lei 3631/2008 não são claros e deixam um amplo poder de discricionariedade às autoridades públicas que não pode ser objeto de fiscalização jurisdicional.

33

Nos processos invocados pela Comissão, ou não foram de modo nenhum indicadas aos investidores em causa as circunstâncias específicas e objetivas com base nas quais seria concedida ou recusada uma autorização prévia (acórdão de 13 de maio de 2003, Comissão/Espanha, já referido, n.o 74) ou não existiam critérios tão específicos como os previstos na Lei 3631/2008 (acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Espanha, já referido, n.o 52).

34

A República Helénica alega, além disso, que não se pode sustentar que a medida de controlo ex ante não é necessária por o objetivo prosseguido, que consiste numa continuidade dos serviços e do funcionamento das redes, poder ser atingido através de medidas regulamentares horizontais, como as previstas nas diretivas pertinentes nos setores das telecomunicações e da energia.

35

As diretivas em causa estabelecem apenas um quadro no qual os Estados-Membros definem as políticas gerais em matéria de segurança de abastecimento, constituindo apenas uma abordagem comum mínima. As escolhas fundamentais relativas ao nível e às medidas de proteção da segurança pública continuam a incumbir às autoridades nacionais competentes sem prejuízo da observância do princípio da proporcionalidade.

36

Em seguida, no que respeita à adequação do dispositivo de controlo a posteriori conforme previsto no artigo 11.o, n.o 3, da Lei 3631/2008, a Comissão admite que, no acórdão de 4 de junho de 2002, Comissão/Bélgica (C-503/99, Colet., p. I-4809), o Tribunal de Justiça declarou que o regime de controlo a posteriori em causa nesse processo constituía uma restrição justificada à livre circulação de capitais.

37

Contudo, segundo a Comissão, o ensinamento resultante desse acórdão não é aplicável ao presente caso, uma vez que as características do regime nacional em causa no referido processo são diferentes das do regime nacional em causa no presente processo.

38

A Comissão sustenta que, no presente processo, a legislação nacional em causa também não prevê critérios que devam ser tomados em consideração pelas autoridades para decidir se devem opor-se à decisão em causa nem as circunstâncias objetivas nas quais pode ocorrer uma intervenção para preservar os objetivos de interesse geral prosseguidos.

39

Por conseguinte, as autoridades dispõem, neste quadro, de um poder de discricionariedade especialmente amplo em matéria de intervenção na vida das empresas em causa, pelo que as decisões tomadas no exercício desse poder não são suscetíveis de uma fiscalização jurisdicional eficaz.

40

Quanto à adequação do dispositivo de oposição do artigo 11.o, n.o 3, da Lei 3631/2008, a República Helénica sustenta que este, à semelhança do dispositivo que foi objeto do acórdão Comissão/Bélgica, já referido, enumera de forma limitativa as decisões em causa, a saber, ou decisões diretamente relacionadas com a existência da empresa, decisões referidas nas alíneas a) e b) do dito n.o 3, ou decisões que dizem respeito à transformação ou à alteração da afetação «dos elementos estratégicos do ativo das empresas acima referidas e das redes e infraestruturas de base necessárias à vida económica e social do país, bem como à sua segurança», referidas na alínea c) desta mesma disposição.

41

Ainda que os elementos estratégicos do ativo das empresas em causa não estejam enumerados, afigura-se claramente que, à semelhança do dispositivo em causa no acórdão Comissão/Bélgica, já referido, a legislação em causa determina de forma limitativa os elementos estratégicos do ativo abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, a saber, as redes e as infraestruturas de base.

42

No que respeita aos critérios relativos ao exercício do direito de oposição e da fiscalização jurisdicional de uma decisão de oposição, a República Helénica sublinha que a cláusula de segurança pública e os seus diferentes elementos, independentemente do seu caráter maleável, podem ser fiscalizados e são efetivamente fiscalizados pelos órgãos jurisdicionais, tanto a nível nacional como a nível da União, enquanto cláusulas que derrogam as liberdades fundamentais de circulação consagradas nos Tratados (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 27 de outubro de 1977, Bouchereau, 30/77, Colet., p. 715, n.os 33 a 35, e de 10 de julho de 1984, Campus Oil e o., 72/83, Recueil, p. 2727, n.o 34).

43

No presente caso, os critérios da fiscalização jurisdicional são ainda mais específicos na medida em que dizem respeito à colocação em perigo de serviços de base e do funcionamento das redes das empresas em causa devido a decisões sociais relativas à transformação ou à alteração da afetação dos elementos estratégicos do seu ativo.

Apreciação do Tribunal

44

Resulta dos autos e foi confirmado na audiência que o objetivo único à luz do qual deve ser analisada a justificação das restrições à liberdade de estabelecimento decorrentes do regime de autorização prévia e do dispositivo de controlo a posteriori previstos no artigo 11.o da Lei 3631/2008 é o objetivo que consiste em garantir a continuidade de certos serviços de base e do funcionamento das redes consideradas necessárias à vida económica e social de um país, em especial o abastecimento necessário do país em energia e em água, o fornecimento de serviços de telecomunicações assim como a gestão dos dois maiores portos do país.

45

Neste contexto, há que recordar que, no caso de empresas que exerçam atividades e forneçam serviços públicos nos setores do petróleo, das telecomunicações e da energia, o Tribunal de Justiça declarou que o objetivo que consiste em garantir a segurança do abastecimento desses produtos ou o fornecimento desses serviços em caso de crise, no território do Estado-Membro em causa, pode constituir um motivo de segurança pública e, por conseguinte, justificar eventualmente um obstáculo à livre circulação de capitais (acórdão de 13 de maio de 2003, Comissão/Espanha, já referido, n.o 71).

46

Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a prossecução de interesses gerais relativos à ordem pública, à segurança pública e à saúde pública pode justificar, eventualmente, certas restrições ao exercício das liberdades fundamentais (acórdão Comissão/Itália, já referido, n.o 45 e jurisprudência referida).

47

Todavia, a respeito de um objetivo relacionado com a segurança do abastecimento em energia, o Tribunal de Justiça recordou que apenas pode ser invocado em caso de ameaça real e suficientemente grave, que afete um interesse fundamental da sociedade (acórdão de 17 de julho de 2008, Comissão/Espanha, já referido, n.o 47).

48

No que respeita mais especificamente, em primeiro lugar, ao regime de autorização prévia, uma medida desta natureza não é adequada a atingir o objetivo invocado nem proporcional a este último.

49

Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a simples aquisição de uma participação superior a 10% do capital de uma sociedade que atua no setor da energia ou qualquer outra aquisição que confira uma influência significativa nessa sociedade não pode, em princípio, ser considerada, em si mesma, uma ameaça real e suficientemente grave para a segurança do aprovisionamento (acórdão Comissão/Itália, já referido, n.o 48 e jurisprudência referida).

50

Ora, o regime em causa produz os respetivos efeitos ainda antes de a sociedade ter adotado uma decisão, ou seja, sem que esteja provada a existência de um risco, ainda que potencial, que pode prejudicar a segurança do abastecimento (acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Espanha, já referido, n.o 50).

51

Além disso, no momento em que é concedida a autorização, não é certo que todas as hipóteses de ameaças reais e suficientemente graves para a segurança do abastecimento em energia possam ter sido identificadas e tomadas em consideração (acórdão de 17 de julho de 2008, Comissão/Espanha, já referido, n.o 53).

52

Por outro lado, a limitação do exercício dos direitos de voto ou mesmo, eventualmente, a recusa de reconhecimento desses direitos, aos quais dá lugar o mecanismo previsto no artigo 11.o, n.o 1, da Lei 3631/2008, aplicam-se a todas as decisões que dão lugar a um voto dos acionistas e não apenas àquelas que são suscetíveis de pôr em risco de forma pontual o objetivo prosseguido pela lei (v., neste sentido, acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Espanha, já referido, n.o 47).

53

Quanto à apreciação da proporcionalidade do regime de autorização prévia, o Tribunal de Justiça já declarou que tal regime é desproporcional quando a imposição de obrigações positivas às empresas do setor em causa permitir atingir o objetivo procurado, a saber, a segurança do abastecimento energético, afetando de forma menor a livre circulação de capitais (acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Espanha, já referido, n.o 47).

54

Num contexto análogo ao do presente processo, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que a regulamentação nacional em causa define esses critérios de forma não exaustiva, daqui resulta que estes deixam às autoridades uma ampla margem de apreciação que dificilmente será fiscalizada pelos órgãos jurisdicionais (acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Espanha, já referido, n.o 52).

55

A incerteza quanto às circunstâncias em que esses poderes são suscetíveis de serem exercidos confere um caráter discricionário aos referidos poderes, atendendo à margem de apreciação de que as autoridades nacionais dispõem para os exercer. Tal margem de apreciação é desproporcionada relativamente aos objetivos prosseguidos (acórdão Comissão/Itália, já referido, n.o 52).

56

No presente caso, os critérios aplicáveis ao exercício do poder das autoridades para aprovar ou não um pedido de aquisição de participações nas sociedades anónimas em causa, embora estejam enumerados no artigo 11.o, n.o 2, da Lei 3631/2008, estão-no expressamente «a título indicativo».

57

Nem a referência geral no artigo 11.o, n.o 2, da Lei 3631/2008 aos «critérios de interesse geral que permitem garantir a continuidade dos serviços fornecidos e do funcionamento das redes» nem os nove critérios de avaliação que aí estão enumerados apenas a título indicativo, que respeitam essencialmente à escolha de um parceiro estratégico que ofereça as melhores garantias para assegurar de forma duradoura a continuidade dos serviços e das redes, permitem determinar as circunstâncias específicas e objetivas nas quais o poder de oposição à aquisição das participações é suscetível de ser exercido.

58

Para mais, as disposições que fixam os motivos pelos quais as autoridades estão habilitadas a recusar uma autorização de aquisição de uma participação em sociedades anónimas estratégicas estão redigidas em termos gerais e imprecisos que não permitem que os interessados distingam com certeza as diferentes hipóteses em que a referida autorização pode ser recusada. É o que sucede, em especial, com a expressão «critérios de interesse geral que permitem garantir a continuidade dos serviços fornecidos e do funcionamento das redes». Além disso, os nove critérios de avaliação enumerados na Lei 3631/2008 não visam hipóteses de ameaças reais e suficientemente graves para a segurança do abastecimento, pelo que não se pode, assim, considerar que têm uma relação direta com o objetivo procurado.

59

Daqui resulta que tal regime de autorização prévia atribui à Administração um poder discricionário que será dificilmente objeto de fiscalização por parte dos órgãos jurisdicionais e que comporta um risco de discriminação.

60

No que se refere, em segundo lugar, ao dispositivo de controlo a posteriori de certas decisões adotadas pelas sociedades anónimas estratégicas em causa, conforme previsto no artigo 11.o, n.o 3, da Lei 3631/2008, a República Helénica sustenta que este dispositivo deve ser admitido, porquanto apresenta semelhanças com o regime em causa no acórdão Comissão/Bélgica, já referido, a propósito do qual o Tribunal de Justiça declarou que o mesmo se justificava pelo objetivo de garantir a segurança dos abastecimentos em energia em caso de crise.

61

O Tribunal de Justiça indicou que resulta dos n.os 49 a 52 do acórdão Comissão/Bélgica, já referido, que o regime nacional em causa se caracterizava pelo facto de enumerar de forma específica os ativos estratégicos em questão e as decisões de gestão que podiam pontualmente ser postas em causa. Por último, a intervenção da autoridade administrativa limitava-se estritamente aos casos em que os objetivos da política energética ficavam comprometidos. Todas as decisões adotadas nesse âmbito deviam ser formalmente fundamentadas e estavam sujeitas a uma fiscalização jurisdicional eficaz (acórdão de 13 de maio de 2003, Comissão/Espanha, já referido, n.o 78).

62

Ora, à semelhança dos regimes examinados pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos, já referidos, de 13 de maio de 2003, Comissão/Espanha, e Comissão/Itália, o regime em causa no presente processo, ainda que revista um caráter ex post e seja assim menos restritivo do que um regime ex ante, não pode ser justificado à luz dos critérios que decorrem do acórdão Comissão/Bélgica, já referido.

63

Com efeito, antes de mais, quanto às decisões enumeradas no artigo 11.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Lei 3631/2008, o Tribunal de Justiça já declarou que essas decisões não constituem, ao invés das decisões em causa no processo que deu origem ao acórdão Comissão/Bélgica, já referido (n.o 50), decisões de gestão específicas, mas decisões fundamentais na vida de uma empresa (acórdão de 13 de maio de 2003, Comissão/Espanha, já referido, n.o 79).

64

Em seguida, a precisão, nas alíneas b) e c) do referido n.o 3, segundo a qual as decisões são referidas na medida em que sejam «suscetíve[is] de pôr em perigo a prestação de serviços nos setores que revestem uma importância estratégica» ou em que sejam relativas à «afetação dos elementos estratégicos do ativo das empresas acima referidas e das redes e infraestruturas de base necessárias à vida económica e social do país, bem como à sua segurança», dificilmente poderá ser considerada uma enumeração específica dos ativos estratégicos em causa.

65

Por último, ainda que, como alega a República Helénica, o artigo 11.o, n.o 3, da Lei 3631/2008 devesse ser compreendido no sentido de que o direito de oposição que nele está previsto só pode ser exercido para garantir a continuidade dos serviços fornecidos e do funcionamento das redes, não deixa de ser verdade que, não existindo precisões sobre as circunstâncias concretas em que este direito pode ser exercido, os investidores não podem saber em que circunstâncias o mesmo poderá ser aplicado.

66

Deste modo, como a Comissão sustenta, as circunstâncias nas quais o direito de oposição pode ser exercido são potencialmente numerosas, indeterminadas e indetermináveis, e conferem às autoridades nacionais um poder de apreciação demasiado amplo.

67

Por conseguinte, há que declarar que, ao fixar as prescrições constantes do artigo 11.o, n.o 1, lido em conjugação com o artigo 11.o, n.o 2, e as prescrições constantes do artigo 11.o, n.o 3, da Lei 3631/2008, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.o CE, relativo à liberdade de estabelecimento.

Quanto às despesas

68

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Helénica e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

Ao fixar as prescrições constantes do artigo 11.o, n.o 1, lido em conjugação com o artigo 11.o, n.o 2, e as prescrições constantes do artigo 11.o, n.o 3, da Lei 3631/2008 relativa à criação de um fundo nacional para a coesão social, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.o CE, relativo à liberdade de estabelecimento.

 

2)

A República Helénica é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: grego.

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