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Document 61989CJ0243

Acórdão do Tribunal de 22 de Junho de 1993.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Dinamarca.
Adjudicação de uma empreitada de obras públicas - Ponte sobre o Storebaelt.
Processo C-243/89.

European Court Reports 1993 I-03353

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:257

61989J0243

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 22 DE JUNHO DE 1993. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REINO DA DINAMARCA. - ADJUDICACAO DE UMA EMPREITADA DE OBRAS PUBLICAS - PONTE SOBRE O "STOREBAELT". - PROCESSO C-243/89.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-03353
Edição especial sueca página I-00229
Edição especial finlandesa página I-00263


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Acção por incumprimento ° Ojecto do litígio ° Determinação no decorrer do processo pré-contencioso ° Posterior ampliação ° Admissibilidade

(Tratado CEE, artigo 169. )

2. Acção por incumprimento ° Exame da procedência pelo Tribunal de Justiça ° Reconhecimento pelo Estado-membro em causa do incumprimento e da sua responsabilidade face a particulares ° Não incidência

(Tratado CEE, artigo 169. )

3. Aproximação das legislações ° Processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas ° Directiva 71/305 ° Adjudicação das empreitadas de obras públicas ° Condição que prevê a utilização o mais ampla possível de produtos e mão-de-obra nacionais ° Negociação com um proponente com base numa proposta não conforme com o caderno de encargos ° Livre circulação de mercadorias ° Livre circulação de pessoas ° Livre prestação de serviços ° Inadmissibilidade

(Tratado CEE, artigos 30. , 48. e 59. ; Directiva 71/305 do Conselho)

Sumário


1. No âmbito de uma acção por incumprimento, a fase pré-contenciosa delimita o objecto do litígio, não podendo este ser, em seguida, ampliado. Com efeito, a possibilidade de o Estado-membro em causa apresentar observações constitui uma garantia essencial pretendida pelo Tratado e uma formalidade essencial da regularidade do processo que visa declarar o incumprimento de um Estado-membro.

2. No quadro de uma acção por incumprimento, proposta nos termos do artigo 169. do Tratado pela Comissão, em que a apreciação da respectiva oportunidade lhe compete em exclusivo, cabe ao Tribunal de Justiça declarar se existe ou não o incumprimento censurado, mesmo que o Estado em causa já não o conteste e reconheça o direito à reparação do prejuízo eventualmente sofrido por esse facto pelos particulares. Se assim não fosse, os Estados-membros, ao reconhecerem o incumprimento e ao admitirem a responsabilidade que daí pode decorrer, seriam livres, em qualquer momento durante um processo por incumprimento pendente no Tribunal de Justiça, de lhe pôr termo sem que a existência do incumprimento e o fundamento da sua responsabilidade tivessem sido apurados judicialmente.

3. Não cumpre as obrigações decorrentes dos artigos 30. , 48. e 59. do Tratado, bem como da Directiva 71/305, o Estado-membro que formule um convite para a apresentação de propostas, no quadro de um processo de adjudicação de empreitada de obras públicas, com base numa condição que prevê a utilização o mais ampla possível de materiais, bens de consumo, mão-de-obra e equipamento nacionais, e que deixe prosseguir as negociações com o proponente escolhido com base numa proposta não conforme com o caderno de encargos elaborado para a empreitada em causa.

Partes


No processo C-243/89,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Hans Peter Hartvig e Richard Wainwright, consultores jurídicos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Nicola Annecchino, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

Reino da Dinamarca, representado por Joergen Molde, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Gregers Larsen, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada da Dinamarca, 11 B, boulevard Joseph II,

demandado,

que tem por objecto fazer declarar que, pelo facto de a sociedade Aktieselskabet Storebaeltsforbindelsen ter formulado um convite para a apresentação de propostas com base numa condição que previa a utilização o mais ampla possível de bens de consumo, mão-de-obra e equipamento dinamarqueses e de as negociações com o consórcio escolhido terem tido lugar com base numa proposta não conforme com o caderno de encargos, o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e infringiu, nomeadamente, os artigos 30. , 48. e 59. do Tratado CEE, bem como a Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F1 p. 9),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, C. N. Kakouris, G. C. Rodríguez Iglesias, M. Zuleeg e J. L. Murray, presidentes de secção, G. F. Mancini, R. Joliet, F. A. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse e P. J. G. Kapteyn, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 29 de Setembro de 1992, durante a qual o Reino da Dinamarca foi representado por Joergen Molde, na qualidade de agente, assistido por Gregers Larsen e Sune F. Svendsen, advogados,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de Novembro de 1992,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Agosto de 1989, a Comissão das Comunidades Europeias propôs, nos termos do artigo 169. do Tratado CEE, uma acção com vista a fazer declarar que, pelo facto de

° por um lado, a sociedade Aktieselskabet Storebaeltsforbindelsen ter formulado um convite para apresentação de propostas com base numa condição que previa a utilização o mais ampla possível de materiais, bens de consumo, mão-de-obra e equipamento dinamarqueses,

° e, por outro, as negociações com o consórcio escolhido terem tido lugar com base numa proposta não conforme com o caderno de encargos,

o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e infringiu, nomeadamente, os artigos 30. , 48. e 59. do Tratado CEE, bem como a Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F1 p. 9; a seguir "directiva").

2 A Aktieselskabet Storebaeltsforbindelsen (a seguir "Storebaelt") é uma sociedade cem por cento controlada pelo Estado dinamarquês. Está encarregue da elaboração do projecto e, enquanto dono da obra, da construção de uma ligação rodoviária e ferroviária sobre o Grand-Belt. Uma parte deste projecto implica a construção de uma ponte sobre o canal oeste do Grand-Belt. O valor do contrato relativo à construção da ponte oeste está avaliado em três mil milhões de DKR.

3 Em 9 de Outubro de 1987, a Storebaelt publicou no suplemento do Jornal Oficial das Comunidades Europeias (S 196/16) um anúncio de concurso limitado relativo à construção da ponte sobre o canal Oeste. Em 28 de Abril de 1988, convidou cinco agrupamentos de sociedades a concorrer.

4 As condições comuns constantes do caderno de encargos (a seguir "condições comuns") contêm, no artigo 6. , n. 2, a seguinte disposição (a seguir "cláusula relativa ao conteúdo dinamarquês"):

"O empreiteiro é obrigado, em toda a medida do possível, a utilizar matérias e bens de consumo dinamarqueses, mão-de-obra e equipamentos dinamarqueses."

5 O artigo 3. , n. 3, das condições comuns especifica as condições a que estão sujeitas as propostas alternativas relativas a um projecto de substituição dos três diferentes projectos de ponte que a própria Storebaelt concebera e que serviam de base de apreciação dessas propostas. Esta disposição prevê, com efeito, que o preço indicado para uma tal proposta implica a elaboração pelo proponente de um projecto detalhado que apresentará ao dono da obra para aceitação, e que o proponente assume integralmente a responsabilidade da elaboração do projecto e da sua execução. O mesmo artigo especifica que o proponente assume o risco da variação das quantidades sobre as quais assenta a proposta alternativa. Por fim, segundo a mesma disposição,

"quando entrega uma proposta que incide sobre um projecto alternativo de que assume a responsabilidade, o proponente deve indicar um preço que tenha em conta uma redução se o dono da obra escolher efectuar ele próprio a concepção detalhada do projecto".

6 Cinco consórcios internacionais, agrupando no total 28 empresas, foram convidados a concorrer. Um desses consórcios era o European Storebaelt Group (a seguir "ESG"), agrupamento composto pela empresa neerlandesa Ballast Nedam, pela empresa suíça Losinger Ltd, pela empresa britânica Taylor Woodrow Construction Ltd e por três empresas dinamarquesas de obras públicas. A ESG apresentou à Storebaelt uma proposta alternativa relativa ao projecto de construção de uma ponte em betão.

7 A Storebaelt encetou então discussões com diferentes proponentes a fim de poder comparar e avaliar as respectivas propostas bem como calcular os custos das numerosas reservas delas constantes. Após significativa redução do círculo de propostas, a Strorebaelt continuou a negociar com a ESG a proposta alternativa que esta apresentara. Essas negociações terminaram com a assinatura, em 26 de Junho de 1989, de um contrato entre a ESG e a Storebaelt.

8 Para mais ampla exposição dos factos do litígio, da tramitação do processo, bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à admissibilidade da acção

9 Tendo-se reservado o direito de completar ou desenvolver, em caso de necessidade, os fundamentos invocados em apoio das duas acusações que mencionara nos pedidos da petição, a Comissão, na réplica, desenvolveu os seus argumentos com base nas informações fornecidas pelo Governo dinamarquês na contestação. Além disso, modificou os pedidos da petição em dois pontos.

10 Em primeiro lugar, a Comissão solicita ao Tribunal de Justiça, no que toca à segunda acusação, acima referida (ponto 1), que declare o incumprimento em virtude de a Storebaelt, "na base de uma proposta não conforme ao caderno de encargos, ter conduzido negociações com a ESG que tiveram por resultado que o contrato final contém modificações das condições do anúncio do concurso exclusivamente em favor desse proponente, que incidem nomeadamente sobre os elementos que têm influência sobre os preços".

11 Em segundo lugar, no que se refere às regras de direito infringidas pelo Reino da Dinamarca, a Comissão declara tratar-se da Directiva 71/305, já referida, "incluindo o princípio de igualdade de tratamento que está na base dessa directiva".

12 O Governo dinamarquês solicita ao Tribunal de Justiça que declare a acção inadmissível na medida em que a Comissão ampliou o objecto da acção para além do que constituiu objecto da fase pré-contenciosa.

13 Antes de examinar este pedido, há que recordar a juridisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdão de 28 de Abril de 1993, Comissão/Itália, C-306/91, n. 22, Colect., p. I-2133), segundo a qual, no âmbito de uma acção por incumprimento, a fase pré-contenciosa delimita o objecto do litígio, não podendo este ser, em seguida, ampliado. Com efeito, a possibilidade de o Estado em causa apresentar observações constitui garantia essencial pretendida pelo Tratado e uma formalidade essencial da regularidade do processo que vise declarar o incumprimento de um Estado-membro.

14 O Governo dinamarquês entende, em primeiro lugar, que a Comissão não pode na petição e, em particular, na réplica, alargar o objecto do litígio a elementos de facto e de direito que não foram mencionados na intimação e no parecer fundamentado.

15 A este propósito, convém declarar que só constituíram objecto da fase pré-contenciosa os termos do artigo 6. , n. 2, das condições comuns, a saber, a cláusula relativa ao conteúdo dinamarquês, e a abertura de negociações na base de uma proposta não conforme ao artigo 3. , n. 3, das mesmas condições relativas às responsabilidades do proponente em caso de proposta alternativa de um projecto de substituição.

16 Daqui decorre que a acção só é admissível na medida em que ambas as acusações tenham por objecto essas duas disposições das condições comuns.

17 No quadro da acusação que tem por objecto a cláusula relativa ao conteúdo dinamarquês, nada se opõe, todavia, a que a Comissão, a fim de apoiar a sua argumentação quanto a esse ponto, se refira a outras disposições do caderno de encargos que dela são concretização em pontos específicos.

18 O Governo dinamarquês alega em seguida que, ao reformular os pedidos na pendência da instância, a Comissão modificou o objecto do litígio e violou os direitos da defesa na medida em que, na qualidade de Estado demandado, não teve a possibilidade de se pronunciar sobre os pontos assim alterados, nos prazos e nas formas prescritas. O bem-fundado da acção deve, por isso, segundo esse governo, ser exclusivamente examinado tendo em atenção os pedidos contidos na petição inicial.

19 Esse fundamento levanta as questões de saber, por um lado, se a reformulação do segundo segmento dos pedidos constitui uma sua ampliação, e, por outro, se a referência, na réplica, ao "princípio de igualdade de tratamento que está na base da directiva" acrescenta um novo elemento ao fundamento jurídico do incumprimento alegado.

20 Quanto ao primeiro ponto, basta declarar que se trata de uma especificação que a Comissão estava no direito de introduzir nos pedidos a fim de tomar em conta informações relativas ao desenrolar do processo de concurso e as negociações entre a Storebaelt e a ESG, tal como foram prestadas pelo Governo dinamarquês na contestação.

21 Quanto ao segundo ponto, convém declarar em primeiro lugar, como o expôs o advogado-geral no ponto 13 das suas conclusões, que já durante a fase pré-contenciosa do processo a Comissão acusara o Governo dinamarquês de ter violado esse princípio e que tanto o parecer fundamentado como a petição a isso se referiam expressamente. Por isso, o Governo dinamarquês teve a possibilidade de se exprimir a esse propósito, tal como indicam, aliás, tanto a sua resposta ao parecer fundamentado como os termos da contestação.

22 Há que declarar, em seguida, que a tese do Governo dinamarquês, segundo a qual o princípio de igualdade de tratamento constitui uma nova base jurídica do alegado incumprimento, suscita uma questão de interpretação da directiva, que será examinada juntamente com o mérito da causa.

Quanto ao mérito

Quanto à primeira acusação respeitante à cláusula relativa ao conteúdo dinamarquês

23 Há que declarar, a título preliminar, que a cláusula relativa ao conteúdo dinamarquês, tal como formulada no artigo 6. , n. 2, das condições gerais do caderno de encargos, é incompatível com os artigos 30. , 48. e 59. do Tratado, o que aliás não é contestado pelo Governo dinamarquês.

24 Todavia, o Governo dinamarquês alega, em primeiro lugar, que suprimiu a cláusula em questão antes da assinatura do contrato com a ESG, em 26 de Junho de 1989, e que deu assim cumprimento ao parecer fundamentado, mesmo antes da notificação deste, em 14 de Julho de 1989. Referindo-se ao acórdão de 31 de Março de 1992, Comissão/Itália (C-362/90, Colect., p. I-2353), o Governo dinamarquês acrescentou, durante a audiência, que a Comissão não agira em tempo útil para evitar, pelos processos que estão à sua disposição, que o incumprimento censurado produzisse efeitos jurídicos.

25 Esta argumentação não pode ser acolhida.

26 Convém com efeito declarar, em primeiro lugar, que, se a cláusula em litígio foi suprimida pouco antes da assinatura do contrato com a ESG e, por isso, antes da notificação do parecer fundamentado, não é menos verdade que o processo de abertura de concurso se desenrolou com base numa cláusula não conforme com o direito comunitário, susceptível de ter incidência tanto sobre a composição dos diferentes consórcios como sobre o conteúdo das propostas submetidas pelos cinco consórcios pré-seleccionados. Resulta daí que a mera supressão dessa cláusula no último estádio do processo não pode ser considerada suficiente para pôr termo ao incumprimento alegado pela Comissão.

27 Convém sublinhar, em seguida, que, na intimação de 21 de Junho de 1989, a Comissão solicitou ao Governo dinamarquês que diligenciasse no sentido de ser suspensa a assinatura do contrato em causa e que, por isso, se este tivesse acedido a esse pedido, o incumprimento censurado não teria produzido qualquer efeito jurídico.

28 O Governo dinamarquês alega, em segundo lugar, que, na sua declaração de 22 de Setembro de 1989, entregue no Tribunal de Justiça aquando do processo de medidas provisórias, não somente reconheceu que a cláusula relativa ao conteúdo dinamarquês constituía uma infracção ao direito comunitário, como também a sua responsabilidade face às empresas proponentes, de modo que a acção quanto a este ponto ficou privada de objecto.

29 Esta argumentação deve igualmente ser rejeitada.

30 Importa observar a este propósito que, no quadro de uma acção por incumprimento, proposta nos termos do artigo 169. do Tratado pela Comissão em que a apreciação da respectiva oportunidade lhe compete em exclusivo, cabe ao Tribunal de Justiça declarar se existe ou não o incumprimento censurado, mesmo que o Estado em causa já não o conteste e reconheça o direito à reparação do prejuízo eventualmente sofrido por esse facto pelos particulares. Se assim não fosse, os Estados-membros, ao reconhecerem o incumprimento e ao admitirem a responsabilidade que daí pode decorrer, seriam livres, em qualquer momento durante um processo por incumprimento pendente no Tribunal de Justiça, de lhe pôr termo, sem que a existência do incumprimento e o fundamento da sua responsabilidade tivessem sido apurados judicialmente.

31 Resulta dessas considerações que a acção da Comissão é procedente quanto à primeira acusação respeitante à cláusula relativa ao conteúdo dinamarquês.

Quanto à segunda acusação relativa às negociações com base numa proposta não conforme com o caderno de encargos

32 Alegando a Comissão nas conclusões, reformuladas no quadro da réplica, que a Storebaelt não respeitou o princípio de igualdade de tratamento de todos os proponentes, convém, a título preliminar, examinar, antes de mais, a tese do Governo dinamarquês segundo a qual esse princípio não estaria abrangido pela directiva e constituiria, portanto, uma nova base jurídica do incumprimento invocado.

33 A esse propósito, basta reconhecer que, embora a directiva não faça expressamente referência ao princípio de igualdade de tratamento dos proponentes, não é menos verdade que o dever de respeitar esse princípio corresponde à própria essência da directiva que, de acordo com o nono considerando do seu preâmbulo, tem em vista, nomeadamente, o desenvolvimento de uma concorrência efectiva no domínio das obras públicas e que, no título IV, enuncia critérios de selecção e de adjudicação das empreitadas tendentes a garantir tal concorrência.

34 Há que recordar, em seguida, que a Comissão, na réplica, baseou os seus pedidos em toda uma série de elementos do contrato final que constituem, segundo ela, modificações das condições do caderno de encargos, com determinadas incidências sobre os preços. Ora, como foi acima indicado (n.os 14 e 15), só as modificações que se reportam às condições enunciadas no artigo 3. , n. 3, das condições comuns podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça.

35 A segunda acusação da Comissão, assim delimitada, visa, no essencial, fazer declarar pelo Tribunal de Justiça que o Reino da Dinamarca violou o princípio de igualdade de tratamento dos proponentes pelo facto de a Storebaelt, na base de uma proposta não conforme com o caderno de encargos, ter levado a cabo negociações com a ESG, que redundaram, no contrato final, em alterações das condições enunciadas no artigo 3. , n. 3, já referido, a favor de um único proponente, e que têm por objecto elementos com incidência sobre os preços.

36 A fim de apreciar a compatibilidade das negociações assim levadas a cabo pela Storbaelt com o princípio de igualdade de tratamento dos proponentes, convém examinar de imediato se esse princípio se opunha a que a Storebaelt tomasse em consideração a proposta da ESG.

37 A este propósito, convém declarar, em primeiro lugar, que o respeito do princípio de igualdade de tratamento dos proponentes exige que todas as propostas sejam conformes com as prescrições do caderno de encargos, a fim de garantir uma comparação objectiva entre as propostas apresentadas pelos diferentes proponentes.

38 Essa constatação é corroborada pelo artigo 11. da directiva que, ao permitir que um proponente, quando se trate da faculdade de apresentar variantes ao projecto da administração, utilize um método de cálculo das obras a realizar diferente do do país em que a obra é adjudicada, coloca todavia a condição de a proposta ser compatível com as determinações do caderno de encargos.

39 Quanto ao argumento do Governo dinamarquês segundo o qual a legislação dinamarquesa em matéria de empreitadas de obras públicas prevê a possibilidade de serem aceites reservas, há que observar que essa legislação só pode ser aplicada no pleno respeito do princípio de igualdade de tratamento dos proponentes que está na base da directiva e que exige a conformidade das propostas com o caderno de encargos.

40 Ora, não seria satisfeita essa exigência se fosse permitido aos proponentes afastar-se das prescrições fundamentais do caderno de encargos através de reservas, com excepção do caso em que essas disposições lhe confiram expressamente tal faculdade.

41 Convém declarar, em seguida, que a proposta apresentada pela ESG, relativa a um projecto alternativo de construção de uma ponte em betão, não era conforme com o artigo 3. , n. 3, das condições comuns na medida em que não satisfazia as condições aí estabelecidas, a saber, que o preço proposto não era baseado no facto de enquanto proponente ter de elaborar um projecto detalhado e assumir plenamente a responsabilidade desse projecto, tanto do ponto de vista da concepção como da execução, bem como o risco de variação das quantidades em relação às assim previstas.

42 Há que salientar, finalmente, que o artigo 3. , n. 3, das condições comuns constitui uma prescrição fundamental do caderno de encargos na medida em que especifica as condições relativas ao cálculo dos preços, tendo em conta a responsabilidade de o proponente efectuar a concepção detalhada do projecto, executá-lo e assumir os correspondentes riscos.

43 Nestas circunstâncias, e dado que a prescrição em causa não prevê qualquer faculdade de os proponentes integrarem reservas nas suas propostas, o princípio de igualdade opunha-se a que a Storebaelt tomasse em consideração a proposta da ESG.

44 A acção da Comissão é, por isso, julgada também procedente quanto à segunda acusação relativa às negociações com base numa proposta não conforme com o caderno de encargos.

45 Resulta do conjunto das considerações precedentes que, pelo facto de a sociedade Aktieselskabet Storebaeltsforbindelsen ter formulado um convite para a apresentação de propostas com base numa condição que previa a utilização o mais ampla possível de materiais, bens de consumo, mão-de-obra e equipamento dinamarqueses e de as negociações com o consórcio escolhido terem tido lugar com base numa proposta não conforme com o caderno de encargos, o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e infringiu, nomeadamente, os artigos 30. , 48. e 59. do Tratado, bem como a Directiva 71/305/CEE.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

46 Nos termos do artigo 69. , n. 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo o Reino da Dinamarca sido vencido, há que condená-lo nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1) Pelo facto de a sociedade Aktieselskabet Storebaeltsforbindelsen ter formulado um convite para a apresentação de propostas com base numa condição que previa a utilização o mais ampla possível de materiais, bens de consumo, mão-de-obra e equipamento dinamarqueses e de as negociações com o consórcio escolhido terem tido lugar com base numa proposta não conforme com o caderno de encargos, o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e infringiu, nomeadamente, os artigos 30. , 48. e 59. do Tratado, bem como a Directiva 71/305/CEE.

2) O Reino da Dinamarca é condenado nas despesas.

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