ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

4 de outubro de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Controlo das fronteiras, asilo e imigração — Diretiva 2008/115/CE — Artigo 15.o, n.o 2, alínea b) — Detenção de um nacional de um país terceiro em situação irregular para efeitos de afastamento — Diretiva 2013/33/UE — Artigo 9.o — Detenção de um requerente de proteção internacional — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Artigo 28.o, n.o 2 — Detenção para efeitos de transferência — Detenção ilegal — Artigos 6.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

No processo C‑387/24 PPU [Bouskoura] ( i ),

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats Roermond (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Roermond, Países Baixos), por Decisão de 4 de junho de 2024, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de junho de 2024, no processo

C

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de julho de 2024,

vistas as observações apresentadas:

em representação de C, por P. H. Hillen e R. M. Seth Paul, advocaten,

em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman e A. Hanje, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Baeckelmans, A. Katsimerou e F. van Schaik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de setembro de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea b) da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98), do artigo 9.o, n 3.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96), e do artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31, a seguir «Regulamento Dublim III»), lidos à luz dos artigos 6.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe C, um nacional de país terceiro objeto de um procedimento de regresso, ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos) (a seguir «secretário de Estado») a respeito da legalidade de duas medidas de detenção consecutivas impostas por esta autoridade.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2008/115

3

O considerando 9 da Diretiva 2008/115 enuncia:

«Nos termos da Diretiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros [(JO 2005, L 326, p. 13)], um nacional de país terceiro que tenha requerido asilo num Estado‑Membro não deverá considerar‑se em situação irregular no território desse Estado‑Membro enquanto não entrar em vigor a decisão de indeferimento do pedido ou a decisão que ponha termo ao seu direito de permanência enquanto requerente de asilo.»

4

O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro.»

5

O artigo 15.o da referida diretiva prevê:

«1.   A menos que no caso concreto possam ser aplicadas com eficácia outras medidas suficientes mas menos coercivas, os Estados‑Membros só podem manter detidos nacionais de países terceiros objeto de procedimento de regresso, a fim de preparar o regresso e/ou efetuar o processo de afastamento, nomeadamente quando:

a)

Houver risco de fuga; ou

b)

O nacional de país terceiro em causa evitar ou entravar a preparação do regresso ou o procedimento de afastamento.

A detenção tem a menor duração que for possível, sendo apenas mantida enquanto o procedimento de afastamento estiver pendente e for executado com a devida diligência.

2.   A detenção é ordenada por autoridades administrativas ou judiciais.

A detenção é ordenada por escrito com menção das razões de facto e de direito.

Quando a detenção tiver sido ordenada por autoridades administrativas, os Estados‑Membros:

a)

Preveem o controlo jurisdicional célere da legalidade da detenção, a decidir o mais rapidamente possível a contar do início da detenção; ou

b)

Concedem ao nacional de país terceiro em causa o direito de intentar uma ação através da qual a legalidade da sua detenção seja objeto de controlo jurisdicional célere, a decidir o mais rapidamente possível a contar da instauração da ação em causa. Neste caso, os Estados‑Membros informam imediatamente o nacional de país terceiro em causa sobre a possibilidade de intentar tal ação.

O nacional de país terceiro em causa é libertado imediatamente se a detenção for ilegal.

3.   Em todo o caso, a detenção é objeto de reapreciação a intervalos razoáveis, quer a pedido do nacional de país terceiro em causa, quer oficiosamente. No caso de períodos de detenção prolongados, as reapreciações são objeto de fiscalização pelas autoridades judiciais.

4.   Quando, por razões de natureza jurídica ou outra ou por terem deixado de se verificar as condições enunciadas no n.o 1, se afigure já não existir uma perspetiva razoável de afastamento, a detenção deixa de se justificar e a pessoa em causa é libertada imediatamente.

5.   A detenção mantém‑se enquanto se verificarem as condições enunciadas no n.o 1 e na medida do necessário para garantir a execução da operação de afastamento. Cada Estado‑Membro fixa um prazo limitado de detenção, que não pode exceder os seis meses.

6.   Os Estados‑Membros não podem prorrogar o prazo a que se refere o n.o 5, exceto por um prazo limitado que não exceda os doze meses seguintes, de acordo com a lei nacional, nos casos em que, independentemente de todos os esforços razoáveis que tenham envidado, se preveja que a operação de afastamento dure mais tempo, por força de:

a)

Falta de cooperação do nacional de país terceiro em causa; ou

b)

Atrasos na obtenção da documentação necessária junto de países terceiros.»

Diretiva 2013/33

6

O artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2013/33 define a detenção como «qualquer medida de reclusão de um requerente por um Estado‑Membro numa zona especial, no interior da qual o requerente é privado da liberdade de circulação».

7

O artigo 8.o, n.os 1 a 3, desta diretiva prevê:

«1.   Os Estados‑Membros não podem manter uma pessoa detida pelo simples motivo de ela ser requerente nos termos da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional [(JO 2013, L 180, p. 60)].

2.   Quando se revele necessário, com base numa apreciação individual de cada caso, os Estados‑Membros podem manter os requerentes detidos se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas.

3.   Os requerentes só podem ser detidos:

a)

Para determinar ou verificar a respetiva identidade ou nacionalidade;

b)

Para determinar os elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional que não poderiam obter‑se sem essa detenção, designadamente se houver risco de fuga do requerente;

c)

Para determinar, no âmbito de um procedimento, o direito de o requerente entrar no território;

d)

Se o requerente detido estiver sujeito a um processo de retorno, ao abrigo da [Diretiva 2008/115], para preparar o regresso e/ou executar o processo de afastamento, e se o Estado‑Membro puder demonstrar, com base em critérios objetivos, designadamente que o requerente já teve oportunidade de aceder ao procedimento de asilo, que há fundamentos razoáveis para crer que o seu pedido de proteção internacional tem por único intuito atrasar ou frustrar a execução da decisão de regresso;

e)

Se a proteção da segurança nacional e da ordem pública o exigirem;

f)

Nos termos do artigo 28.o do Regulamento [Dublim III].

Os fundamentos da detenção devem ser previstos no direito nacional.»

8

O artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33 dispõe:

«Se a detenção for ordenada por uma autoridade administrativa, os Estados‑Membros submetem a legalidade da detenção a um controlo judicial acelerado, que se efetua oficiosamente e/ou a pedido do requerente. No caso do controlo oficioso, a decisão deve ser tomada o mais rapidamente possível a contar do início da detenção. No caso do controlo a pedido do requerente, a decisão deve ser tomada o mais rapidamente possível a partir do início dos procedimentos correspondentes. Para o efeito, os Estados‑Membros definem, no direito nacional, um prazo para a realização do controlo judicial oficioso e/ou do controlo judicial a pedido do requerente.

Se, na sequência do controlo judicial, a detenção for declarada ilegal, o requerente em causa deve ser libertado imediatamente.»

Regulamento Dublim III

9

O artigo 28.o, n.os 2 a 4, do Regulamento Dublim III tem a seguinte redação:

«2.   Caso exista um risco importante de que uma pessoa fuja, os Estados‑Membros podem reter essa pessoa a fim de garantir os procedimentos de transferência de acordo com o presente regulamento se existir um risco significativo de fuga, com base numa apreciação individual e apenas na medida em que a retenção seja proporcional, se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas.

3.   A retenção deve ser o mais curta possível, não devendo exceder o tempo razoavelmente necessário para cumprir, com a diligência devida, as formalidades administrativas requeridas até que seja efetuada a transferência ao abrigo do presente regulamento.

Se a pessoa estiver retida nos termos do presente artigo, o prazo para a apresentação de um pedido de tomada ou retomada a cargo não deve ser superior a um mês a contar da apresentação do pedido. Nesses casos, o Estado‑Membro que conduz o procedimento de acordo com o presente regulamento solicita uma resposta urgente ao pedido. A resposta deve ser dada no prazo de duas semanas a contar da receção do pedido. A falta de resposta no prazo de duas semanas equivale à aceitação do pedido e tem como consequência a obrigação de tomada ou retomada a cargo da pessoa, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.

Se a pessoa estiver retida em aplicação do presente artigo, a sua transferência do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável deve ser efetuada logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis semanas após a aceitação implícita ou explícita do pedido de tomada ou retomada a cargo por outro Estado‑Membro ou a partir do momento em que o recurso ou revisão deixe de ter efeito suspensivo em conformidade com o artigo 27.o, n.o 3.

Se o Estado‑Membro requerente não cumprir os prazos previstos para a apresentação de um pedido de tomada ou retomada a cargo ou se a transferência não for efetuada no referido prazo de seis semanas referido no terceiro parágrafo, a pessoa deixa de estar em regime de retenção. Continuam a ser aplicáveis os artigos 21.o, 23.o, 24.o e 29.o em conformidade.

4.   No que se refere às condições de retenção e às garantias aplicáveis às pessoas em regime de retenção, a fim de garantir os procedimentos de transferência para o Estado‑Membro responsável, são aplicáveis os artigos 9.o, 10.o e 11.o da Diretiva [2013/33].»

Direito neerlandês

10

O artigo 59.o‑A, n.o1 da Vreemdelingenwet 2000 (Lei de 2000 relativa aos Estrangeiros), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 495, a seguir «Lei relativa aos Estrangeiros»), prevê que os estrangeiros aos quais se aplica o Regulamento Dublim III podem, em conformidade com o artigo 28.o deste regulamento, ser detidos com vista à sua transferência para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional apresentado no território neerlandês.

11

O artigo 59.o, n.o 1, proémio e alínea a), desta lei prevê que um estrangeiro em situação irregular pode ser detido por decisão do secretário de Estado com vista ao seu afastamento do território neerlandês, se o interesse de ordem pública ou de segurança nacional assim o exigirem.

12

O artigo 94.o, n.os 1 e 6, da referida lei tem a seguinte redação:

«1.   Quando adota uma decisão que aplica uma medida privativa de liberdade ao abrigo dos artigos 6.o, 6.o‑A, 58.o, 59.o, 59.o‑A e 59.o‑B, o ministro deve informar o tribunal desse facto o mais tardar no vigésimo oitavo dia após a notificação dessa decisão, salvo se o próprio cidadão estrangeiro já tiver interposto recurso. Assim que o tribunal for informado, presume‑se que o cidadão estrangeiro interpôs recurso da decisão que lhe aplicou uma medida privativa de liberdade. O recurso visa igualmente a obtenção de uma indemnização.

[…]

6.   Se considerar que a aplicação ou a execução da medida em causa é contrária à presente lei ou se considerar, após ter ponderado todos os interesses em causa, que a medida aplicada não é justificada, o tribunal dará provimento ao recurso. Nesse caso, ordena o levantamento da medida ou a alteração das suas modalidades de execução.»

13

O artigo 96.o, n.os 1 e 3, da mesma lei prevê:

«1.   Se for negado provimento ao recurso a que se refere o artigo 94.o e o cidadão estrangeiro recorrer da prorrogação da medida de privação de liberdade, o tribunal encerrará a investigação preliminar no prazo de uma semana a contar da receção do pedido. Em derrogação do artigo 8:57 da Algemene wet bestuursrecht (Lei Geral do Direito Administrativo), o tribunal pode ainda decidir, sem o consentimento das partes, que a audiência não se realizará.

[…]

3.   Se o tribunal considerar que a aplicação ou a execução da medida em causa é contrária à presente lei ou se considerar, após ponderação de todos os interesses em causa, que essa medida não é razoavelmente justificada, o tribunal dará provimento ao recurso. Nesse caso, ordena o levantamento da medida ou a alteração das suas modalidades de execução.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

14

Em 2 de maio de 2024, C foi objeto de uma medida de detenção ao abrigo do artigo 59.o‑A, n.o 1, da Lei relativa aos Estrangeiros (a seguir «primeira medida de detenção»). Ao adotar tal medida, o secretário de Estado considerou, primeiro, que C podia estar abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento Dublim III; segundo, que este representava um risco significativo para a ordem pública em razão de um risco de fuga e, terceiro, que o Reino de Espanha era o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional. Decorre da decisão de reenvio que a detenção foi imposta ao interessado tendo em vista a sua transferência para esse Estado‑Membro.

15

Em 3 de maio de 2024, o secretário de Estado solicitou às autoridades espanholas que tomassem C a cargo, ao abrigo do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento Dublim III. Estas autoridades recusaram este pedido, em 14 de maio de 2024.

16

Em 17 de maio de 2024, às 14 h 51, o secretário de Estado adotou uma decisão de regresso a respeito de C, que designava Marrocos como país de destino. Esta autoridade, considerando que existia um risco de o interessado, estando em situação irregular, poder fugir antes do seu afastamento, impôs de seguida, às 14 h 52, uma medida de detenção, ao abrigo do artigo 59.o, n.o 1, proémio e alínea a), da Lei relativa aos Estrangeiros (a seguir, «segunda medida de detenção»). Esta medida continua em vigor. No mesmo dia, às 14 h 55, a referida autoridade revogou a primeira medida de detenção.

17

O interessado interpôs dois recursos contra a primeira e a segunda medida de detenção no rechtbank Den Haag, zittingsplaats Roermond (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Roermond, Países Baixos), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

18

C alega, nesse órgão jurisdicional, que a primeira medida de detenção se tornou ilegal em 14 de maio de 2024, data a partir da qual, tendo em conta a recusa do pedido de tomada a cargo pelo Reino de Espanha, esta medida deixou de poder ser justificada pela transferência do interessado para este Estado‑Membro. A partir dessa data, com base na jurisprudência da Afdeling bestuursrechtspraak van de Raad van State (Secção de Contencioso Administrativo do Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), o secretário de Estado dispõe de um prazo de 48 horas para impor a manutenção da detenção do interessado com base num fundamento diferente daquele que justificou a primeira medida de detenção. No presente caso, o prazo não foi respeitado, tendo esta autoridade apenas adotado a segunda medida de detenção em 17 de maio de 2024. Como consequência, C não podia ter sido mantido detido e deveria ter sido libertado antes da adoção da segunda medida de detenção.

19

No órgão jurisdicional de reenvio, o secretário de Estado alega que a ilegalidade da primeira medida de detenção não afeta a legalidade da segunda medida de detenção, que justifica, de modo autónomo, a manutenção da detenção do interessado. Esta autoridade, ainda que admitindo a existência do vício na primeira medida de detenção e oferecendo a C a quantia de 100 euros a título de indemnização pelos danos causados pela detenção ilegal a que foi sujeito, alegou que a primeira medida de detenção já tinha sido levantada quando o processo foi remetido ao órgão jurisdicional de reenvio e que, consequentemente, não pode ser anulada.

20

O órgão jurisdicional de reenvio observa que, segundo a prática nacional, confirmada pela jurisprudência da Afdeling bestuursrechtspraak van de Raad van State (Secção de Contencioso Administrativo do Conselho de Estado, em formação jurisdicional), a ilegalidade de uma medida de detenção tomada a respeito de um nacional de um país terceiro não pode, em princípio, afetar a legalidade de uma medida de detenção adotada posteriormente a respeito do mesmo, pelo que o órgão jurisdicional competente não pode libertar esse nacional com fundamento nessa ilegalidade. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta prática e jurisprudência são, aliás, conformes aos artigos 59.o, 59.o‑A, 94.o e 96.o da Lei relativa aos Estrangeiros, que não preveem explicitamente a obrigação de a autoridade judicial competente libertar imediatamente a pessoa em causa se considerar que a detenção é ilegal.

21

No entanto, órgão jurisdicional de reenvio observa que, por força do artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 e do artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33, a pessoa em causa deve ser libertada «imediatamente» se a sua detenção for considerada ilegal.

22

Tendo em conta a obrigação de libertação imediata prevista nestas disposições, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se deveria proceder à libertação do interessado, apesar de a medida de detenção que atualmente a priva de liberdade não se encontrar ferida de ilegalidade, com o único fundamento de que a medida de detenção anterior, ao abrigo da qual esta pessoa estava privada da sua liberdade, ter deixado de preencher os requisitos de legalidade.

23

A este respeito, aponta que, primeiro, esta questão implica determinar se o objeto da fiscalização da autoridade judicial competente é a condição de «detenção» ou se deve limitar a sua fiscalização à eventual ilegalidade da medida de detenção em vigor. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, neste último caso, a possibilidade de libertar o interessado dependeria, em última análise, do momento em que esta invocasse a ilegalidade da medida, não sendo relevante para a análise da autoridade judicial competente o facto de a detenção ter sido ilegal no passado. Nesta hipótese, este órgão jurisdicional não estaria em condições de assegurar o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta.

24

Segundo, o referido órgão jurisdicional recorda que o direito da União não prevê a possibilidade de manter a detenção por razões administrativas ou para preparar a adoção de uma nova medida de detenção, exigindo antes a libertação imediata de um nacional de um país terceiro cuja detenção seja ilegal, independentemente do momento em que a legalidade da detenção é apreciada.

25

Terceiro, o órgão jurisdicional de reenvio aponta que, em conformidade com a jurisprudência da Afdeling bestuursrechtspraak van de Raad van State (Secção de Contencioso Administrativo do Conselho de Estado, em formação jurisdicional), é possível, em caso de violação grave do direto à liberdade, derrogar a regra segundo a qual a ilegalidade de uma primeira medida de detenção não afeta a legalidade de uma segunda medida de detenção.

26

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a natureza fundamental do direito à liberdade, consagrado no artigo 6.o da Carta, bem como do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, pugna no sentido de se considerar que qualquer detenção ordenada por força de uma medida de detenção ilegal constitui uma violação grave destes direitos. Assim, o interessado deve ser libertado imediatamente se a detenção tiver sido, no passado, ferida de ilegalidade, ainda que a autoridade competente tenha acabado por sanar a essa ilegalidade.

27

Neste contexto, o pagamento de uma indemnização não garante uma proteção adequada dos direitos consagrados nos artigos 6.o e 47.o da Carta. A duração e a gravidade da ilegalidade da detenção devem ser tomadas em consideração para determinar o montante da compensação a atribuir ao interessado.

28

No caso em apreço, uma vez que a detenção foi mantida por uma duração superior a 48 horas apesar do caráter ilegal da primeira medida de detenção, e visto que a segunda medida de detenção só foi imposta após a primeira medida de detenção ter sido revogada, apenas a libertação imediata do interessado permitiria salvaguardar adequadamente o direito deste a uma tutela jurisdicional efetiva.

29

Nestas circunstâncias, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats Roermond (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Roermond) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 15.o, n.o 2, [terceiro parágrafo, proémio e] alínea b), da Diretiva [2008/115], o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva [2013/33] e o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento [Dublim III], em conjugação com os artigos 6.o e 47.o da [Carta], ser interpretados no sentido de que a autoridade judicial é sempre obrigada a libertar imediatamente a pessoa detida quando a detenção tiver sido ou se tiver tornado ilegal a um dado momento durante a aplicação ininterrupta de uma série de medidas sucessivas de detenção?»

Quanto ao pedido de aplicação da tramitação prejudicial urgente

30

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 23.o‑A, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

31

Em apoio do seu pedido, esse órgão jurisdicional alegou, antes de mais, que a questão prejudicial incide sobre disposições abrangidas pelos domínios previstos no título V da parte III do TFUE. De seguida, o referido órgão jurisdicional salientou que C está detido ininterruptamente desde 2 de maio de 2024. Por último, esse órgão jurisdicional refere que a resposta do Tribunal de Justiça à questão prejudicial é decisiva para determinar se esse órgão jurisdicional está obrigado, por força do direito da União, a proceder à libertação imediata do interessado.

32

Em primeiro lugar, cabe constatar que o presente reenvio judicial tem por objeto a interpretação de uma disposição da Diretiva 2008/115, uma disposição da Diretiva 2013/33 e uma disposição do Regulamento Dublim III. Uma vez que essas diretivas e regulamento estão abrangidos pelo título V da parte III do TFUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça, o presente reenvio prejudicial é suscetível de ser objeto da tramitação prejudicial urgente, em conformidade com o artigo 23.o‑A, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e com o artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

33

No que respeita, em segundo lugar, ao requisito relativo à urgência, importa sublinhar que este está preenchido, nomeadamente, quando a pessoa em causa no processo principal está atualmente privada da liberdade e a manutenção da sua detenção depende da decisão do litígio no processo principal, devendo a situação dessa pessoa ser apreciada tal como se encontra na data da apreciação do pedido que requer que o reenvio prejudicial seja submetido à tramitação urgente (Acórdão de 29 de julho de 2024, Breian, C‑318/24 PPU, EU:C:2024:658, n.o 26 e jurisprudência referida).

34

No caso em apreço, resulta da descrição dos factos pelo órgão jurisdicional de reenvio que C está efetivamente privado de liberdade desde 2 de maio de 2024 e que se encontrava nessa situação na data da apreciação do pedido destinado a submeter o reenvio prejudicial a tramitação urgente. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que, em função da resposta do Tribunal de Justiça à questão prejudicial, este podia ser levado a libertar essa pessoa.

35

Nestas condições, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 14 de junho de 2024, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação prejudicial urgente.

Quanto à questão prejudicial

36

A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituída pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos de direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio [Acórdão de 30 de abril de 2024, M.N. (EncroChat), C‑670/22, EU:C:2024:372, n.o 78 e jurisprudência referida].

37

A este respeito, como resulta do n.o 53 das conclusões do advogado‑geral, há que salientar que, embora na questão prejudicial o órgão jurisdicional de reenvio se refira unicamente ao n.o 2 do artigo 15.o da Diretiva 2008/115, o n.o 4 desse artigo 15.o, na parte em que exige a libertação imediata da pessoa em causa se as condições referidas no n.o 1 do referido artigo 15.o tiverem deixado de se verificar e quando a detenção deixa de se justificar, é igualmente pertinente no presente caso.

38

Neste contexto, importa ainda precisar que, no presente caso, o Tribunal de Justiça não é questionado sobre a compatibilidade com o direito da União do prazo de 48 horas previsto no direito neerlandês, invocado no n.o 18 do presente acórdão. Consequentemente, não cabe examinar a questão da compatibilidade com a obrigação de libertação «imediata» do interessado prevista no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33, para o qual remete o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III, de uma prática nacional que permite às autoridades competentes manter um requerente de proteção internacional em detenção por um prazo máximo de 48 horas depois de a circunstância determinante da ilegalidade de uma medida de detenção adotada ao abrigo desse Regulamento ser verificada.

39

Com efeito, um tal exame incide, em substância, sobre os motivos passíveis de justificar a ilegalidade de uma medida de detenção adotada ao abrigo do Regulamento Dublim III, ao passo que, no caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que a primeira medida de detenção é ilegal e pretende determinar se uma tal ilegalidade afeta a legalidade da segunda medida de detenção, adotada ao abrigo da Diretiva 2008/115. Por outro lado, é facto assente que a ilegalidade da primeira medida de detenção decorre, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não da eventual incompatibilidade desse prazo de 48 horas com a obrigação de libertação imediata, mas do facto de a segunda medida de detenção ter sido imposta 24 horas após o termo do referido prazo.

40

Nestas condições, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, n.os 2 e 4, da Diretiva 2008/115, o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33 e o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III, lidos à luz dos artigos 6.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que não prevê a obrigação, para a autoridade judiciária competente, de ordenar a libertação de um nacional de país terceiro, que se encontra detido por força de uma medida adotada com base na Diretiva 2008/115, com o fundamento de que esta pessoa, cuja detenção tinha sido inicialmente ordenada por força de uma medida adotada com base no Regulamento Dublim III, não tinha sido libertada imediatamente após se ter verificado que esta medida se tinha tornado ilegal.

41

A este respeito, importa recordar que a detenção de um nacional de um país terceiro, quer seja ao abrigo da Diretiva 2008/115, no âmbito de um procedimento de regresso em consequência de uma situação irregular, ao abrigo da Diretiva 2013/33, no âmbito do tratamento de um pedido de proteção internacional, ou ao abrigo do Regulamento Dublin III, no âmbito da transferência de um requerente dessa proteção para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido, constitui uma ingerência grave no direito à liberdade, consagrado no artigo 6.o da Carta [Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 72 e jurisprudência referida].

42

Com efeito, como prevê o artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2013/33, uma medida de detenção consiste na reclusão de uma pessoa numa zona especial. Resulta da redação, da génese e do contexto desta disposição, cujo alcance é, aliás, transponível para o conceito de «detenção» que figura na Diretiva 2008/115 e no Regulamento Dublim III, que a detenção impõe à pessoa em causa que permaneça permanentemente num perímetro restrito e fechado, isolando, assim, esta pessoa do resto da população e privando‑a da sua liberdade de circulação [Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 73 e jurisprudência referida].

43

Atendendo à gravidade desta ingerência no direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta e tendo em conta a importância deste direito, o poder reconhecido às autoridades nacionais competentes de colocarem nacionais de países terceiros em detenção é estritamente enquadrado. Uma medida de detenção só pode, assim, ser ordenada ou prorrogada se forem respeitadas as regras gerais e abstratas que fixam as condições e modalidades de tal detenção [Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 75 e jurisprudência referida].

44

Além disso, quando se verifique que as condições de legalidade da detenção previstas na Diretiva 2008/115, na Diretiva 2013/33 e no Regulamento Dublim III, bem como nas disposições de direito nacional que as aplicam, não estavam ou deixaram de estar preenchidas, a pessoa em causa deve, como aliás o legislador da União indica expressamente no artigo 15.o, n.o 2, quarto parágrafo, e n.o 4, da Diretiva 2008/115 e no artigo 9.o, n.o 3, segundo parágrafo, da Diretiva 2013/33, ser libertada imediatamente [Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 79].

45

As regras gerais e abstratas em causa no n.o 43 do presente acórdão que fixam, a título de normas comuns da União Europeia, as condições de detenção figuram, por um lado, quanto à detenção de nacionais de países terceiros em situação irregular, no artigo 15.o, n.o 1, n.o 2, segundo parágrafo, e n.os 4 a 6 da Diretiva 2008/115. Por outro, relativamente à situação de um nacional de país terceiro que requereu proteção internacional, as regras pertinentes encontram‑se fixadas no artigo 8.o, n.os 2 e 3, e no artigo 9.o, n.os 1, 2 e 4, da Diretiva 2013/33 e, tratando‑se da detenção ordenada no quadro de uma transferência de um requerente dessa proteção para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido ao abrigo do Regulamento Dublim III, no artigo 28.o, n.os 2 a 4, desse Regulamento [v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção) (C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 76]. Importa igualmente recordar que o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III prevê expressamente que o artigo 9.o da Diretiva 2013/33 se aplica aos procedimentos de transferência regidos por este último regulamento.

46

No que diz respeito a saber se a ilegalidade de uma medida de detenção de um requerente de proteção internacional adotada, ao abrigo do Regulamento Dublim III, com vista à transferência desse requerente para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido afeta a legalidade de uma medida de detenção posterior, adotada ao abrigo da Diretiva 2008/115 e relativa a essa pessoa, que foi mantida detida ininterruptamente e que já não possui o estatuto de requerente de proteção internacional mas que pode atualmente ser considerada como um nacional de país terceiro em situação irregular, convém sublinhar, em primeiro lugar, que a detenção para efeitos de afastamento regulada pela Diretiva 2008/115 e a detenção ordenada a respeito de um requerente de asilo, designadamente por força da Diretiva 2013/33 e das disposições nacionais aplicáveis, pertencem a regimes jurídicos distintos (v., neste sentido, Acórdão de 30 de novembro de 2009, Kadzoev, C‑357/09 PPU, EU:C:2009:741, n.o 45).

47

Assim, uma medida de detenção de um nacional de um país terceiro em situação irregular, adotada com vista ao seu regresso, deve respeitar as regras decorrentes da Diretiva 2008/115. A medida de detenção adotada a respeito de um requerente de proteção internacional deve respeitar, por seu lado, as regras decorrentes da Diretiva 2013/33 e do Regulamento Dublim III.

48

Por outro lado, o artigo 15.o, n.os 2 e 4, da Diretiva 2008/115 não faz referência nem remete para as condições de legalidade da detenção previstas nos artigos 8.o e 9.o, da Diretiva 2013/33, bem como no artigo 28.o do Regulamento Dublim III, que regem a detenção de um requerente de proteção internacional.

49

Em segundo lugar, resulta do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, lido em conjunção com o considerando 9 dessa Diretiva, que esta se aplica aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro e que um requerente de proteção internacional não deverá considerar‑se em situação irregular no território do Estado‑Membro em que requereu essa proteção enquanto não entrar em vigor a decisão de indeferimento do pedido ou a decisão que ponha termo ao seu direito de permanência enquanto requerente de asilo. O Tribunal de Justiça declarou, aliás, que a Diretiva 2008/115 não é aplicável a um nacional de país terceiro que tenha apresentado um pedido de proteção internacional, na aceção da Diretiva 2013/32, durante o período que decorre desde a apresentação desse pedido até à adoção da decisão de primeira instância que dele decide ou, sendo caso disso, até ao desfecho do recurso eventualmente interposto dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 30 de maio de 2013, Arslan, C‑534/11, EU:C:2013:343, n.o 49).

50

Daqui se conclui que um requerente de proteção internacional, enquanto tenha esse estatuto, não pode ser detido ao abrigo da Diretiva 2013/33 ou do Regulamento Dublim III e, simultaneamente, ao abrigo da Diretiva 2008/115 como nacional de um país terceiro em situação irregular.

51

Em terceiro lugar, como resulta dos n.os 58, 59 e 61 das conclusões do advogado‑geral, uma medida de detenção pode ser adotada ao abrigo da Diretiva 2008/115 no termo de uma detenção executada ao abrigo da Diretiva 2013/33 ou do Regulamento Dublim III. Com efeito, embora a Diretiva 2008/115 seja inaplicável durante o processo de apreciação do pedido de asilo, tal não significa de modo nenhum que, por essa razão, seja definitivamente posto termo ao processo de regresso, visto que este pode prosseguir no caso de o pedido de asilo ser indeferido. De facto, se não fosse possível aos Estados‑Membros evitar que o interessado pudesse, através da apresentação de um pedido de asilo, obter automaticamente a sua libertação, o objetivo desta diretiva, isto é, o regresso eficaz dos nacionais de países terceiros em situação irregular, poderia ser frustrado (Acórdão de 30 de maio de 2013, Arslan, C‑534/11, EU:C:2013:343, n.o 60).

52

Por outro lado, no que respeita à possibilidade de manter em detenção um nacional de país terceiro, o Tribunal de Justiça declarou que este objetivo da Diretiva 2008/115 poderia ser frustrado se os Estados‑Membros não pudessem evitar, mediante a privação de liberdade, que uma pessoa de quem se suspeite estar em situação irregular fugisse antes mesmo de a sua situação poder ser esclarecida (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2011, Achughbabian, C‑329/11, EU:C:2011:807, n.o 30).

53

Nestas circunstâncias, importa constatar que a ilegalidade de uma medida de detenção de um requerente de proteção internacional adotada, ao abrigo do Regulamento Dublim III, tendo em vista a transferência desse requerente para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido não afeta, em princípio, a legalidade de uma medida de detenção ulterior, adotada ao abrigo da Diretiva 2008/115 e referente a essa pessoa, que foi mantida detida ininterruptamente e que já não possui o estatuto de requerente de proteção internacional mas que pode atualmente ser considerada nacional de país terceiro em situação irregular. Por conseguinte, a autoridade judiciária competente não tem a obrigação de libertar imediatamente a referida pessoa pelo simples facto de a medida de detenção anterior, adotada com base no Regulamento Dublim III, ser ilegal.

54

Em todo o caso, cumpre precisar que, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a manutenção de uma medida privativa de liberdade, para ser conforme com o objetivo que consiste em proteger o indivíduo contra a arbitrariedade, implica, nomeadamente, que não contenha elementos de má‑fé ou de dolo por parte das autoridades, que se enquadre no objetivo das restrições autorizadas pelo parágrafo pertinente do art. 5.o, n.o 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e que exista uma relação de proporcionalidade entre o motivo invocado e a privação de liberdade em causa (v., neste sentido, Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 81).

55

A conclusão enunciada no n.o 53 do presente acórdão não é posta em causa pela consideração do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual a concessão de uma indemnização à pessoa ilegalmente detida não permitiria remediar adequadamente a violação do direito à liberdade sofrida nem salvaguardaria o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 47.o da Carta.

56

É certo que é jurisprudência assente que, por força do artigo 47.o da Carta, os Estados‑Membros devem assegurar uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos individuais derivados da ordem jurídica da União [Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 81 e jurisprudência referida].

57

A esse respeito, o legislador da União não se limitou a estabelecer normas comuns substantivas, tendo igualmente instituído normas comuns processuais, com a finalidade de assegurar que exista, em cada Estado‑Membro, um regime que permite à autoridade judicial competente libertar, se for caso disso após um exame oficioso, a pessoa em causa quando se verifique que a sua detenção não é, ou deixou de ser, legal. Para que esse regime de proteção assegure de forma efetiva o cumprimento dos requisitos estritos a que a legalidade de uma medida de detenção referida na Diretiva 2008/115, na Diretiva 2013/33 ou no Regulamento Dublim III deve obedecer, a autoridade judicial competente deve estar em condições de decidir sobre todos os elementos de facto e de direito pertinentes para verificar essa legalidade. Para esse efeito, deve poder tomar em consideração os elementos de facto e as provas invocadas pela autoridade administrativa que ordenou a detenção inicial [Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.os 86 e 87].

58

Todavia, por um lado, no que concerne ao direito à liberdade, como o advogado‑geral refere, em substância, no n.o 73 das suas conclusões, a declaração da ilegalidade de uma medida de detenção não implica, em todos os casos, a libertação imediata da pessoa em causa (v., por analogia, Acórdão de 10 de setembro de 2013, G. e R., C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.os 39 e 40), que permita que esta veja os seus direitos restabelecidos, quando tal restabelecimento já não seja materialmente possível, sendo a manutenção da detenção dessa pessoa validamente justificada com base noutro fundamento jurídico autónomo. É por esta razão que deve ser prevista, em princípio, uma indemnização a favor das pessoas que tenham sido detidas sem fundamento, a fim de compensar os danos sofridos em razão da privação ilegal de liberdade.

59

Em segundo lugar, no que respeita o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta, importa notar que, como o Governo Neerlandês confirmou na audiência, o órgão jurisdicional de reenvio pode ordenar o secretário de Estado a efetuar o pagamento de uma indemnização superior à especificamente proposta, no presente caso, por esta autoridade. Assim, o facto de o secretário de Estado ter proposto um montante de 100 euros a título de danos sofridos por C, em razão de o prazo de libertação previsto pelo direito nacional ter sido excedido em 24 horas, parece insuficiente para demonstrar, por si só, a existência de uma violação desse direito no presente caso.

60

Por último, há que recordar que, pelas razões que conduziram à conclusão formulada no n.o 53 do presente acórdão, nas condições como as que caracterizam o processo principal, a ilegalidade da primeira medida de detenção não pode afetar, em princípio, a legalidade da segunda medida de detenção, adotada com base na Diretiva 2008/115.

61

Atendendo a todas estas considerações, há que responder à questão submetida que o artigo 15.o, n.os 2 e 4, da Diretiva 2008/115, o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33 e o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III, lidos à luz dos artigos 6.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que não prevê a obrigação, para a autoridade judiciária competente, de ordenar a libertação de um nacional de país terceiro, que se encontra detido por força de uma medida adotada com base na Diretiva 2008/115, com o fundamento de que esta pessoa, cuja detenção tinha sido inicialmente ordenada por força de uma medida adotada com base no Regulamento Dublim III, não tinha sido libertada imediatamente após se ter verificado que esta medida se tinha tornado ilegal.

Quanto às despesas

62

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 15.o, n.os 2 e 4, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, e o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, lidos à luz dos artigos 6.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

não se opõem a uma legislação nacional que não prevê a obrigação, para a autoridade judiciária competente, de ordenar a libertação de um nacional de país terceiro, que se encontra detido por força de uma medida adotada com base na Diretiva 2008/115, com o fundamento de que esta pessoa, cuja detenção tinha sido inicialmente ordenada por força de uma medida adotada com base no Regulamento n.o 604/2013, não tinha sido libertada imediatamente após se ter verificado que esta medida se tinha tornado ilegal.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

( i ) O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.