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Document 62022CJ0425

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 4 de julho de 2024.
    MOL Magyar Olaj- és Gázipari Nyrt. contra Mercedes-Benz Group AG.
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 7.o, ponto 2 — Competência em matéria de responsabilidade extracontratual — Lugar da materialização do dano — Cartel declarado contrário ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu — Filiais com sede em diferentes Estados‑Membros — Danos diretos suportados exclusivamente pelas filiais — Ação de indemnização intentada pela sociedade‑mãe — Conceito de “unidade económica”.
    Processo C-425/22.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:578

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    4 de julho de 2024 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 7.o, ponto 2 — Competência em matéria de responsabilidade extracontratual — Lugar da materialização do dano — Cartel declarado contrário ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu — Filiais com sede em diferentes Estados‑Membros — Danos diretos suportados exclusivamente pelas filiais — Ação de indemnização intentada pela sociedade‑mãe — Conceito de “unidade económica”»

    No processo C‑425/22,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Kúria (Supremo Tribunal, Hungria), por Decisão de 7 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2022, no processo

    MOL Magyar Olaj‑ és Gázipari Nyrt.

    contra

    Mercedes‑Benz Group AG,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: E. Regan, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, M. Ilešič (relator), I. Jarukaitis e D. Gratsias, juízes,

    advogado‑geral: N. Emiliou,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da MOL Magyar Olaj‑ és Gázipari Nyrt., por G. Kutai, D. Petrányi e Sz. Szendrő, ügyvédek,

    em representação da Mercedes‑Benz Group AG, por K. Hetényi, M. Kovács e A. Turi, ügyvédek, M. Kocí e C. von Köckritz, Rechtsanwälte,

    em representação do Governo Checo, por M. Smolek, A. Edelmannová e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por V. Bottka, G. Meessen e S. Noë, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de fevereiro de 2024,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a MOL Magyar Olaj‑ és Gázipari Nyrt. (a seguir «MOL») à Mercedes‑Benz Group AG, que tem por objeto um pedido de indemnização apresentado pela MOL a título dos prejuízos que alega ter sofrido em resultado de práticas anticoncorrenciais cometidas pela Mercedes‑Benz Group em violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3; a seguir «Acordo EEE»).

    Quadro jurídico

    Regulamento (CE) n.o 864/2007

    3

    O considerando 7 do Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO 2007, L 199, p. 40), tem a seguinte redação:

    «O âmbito de aplicação material e as disposições do presente regulamento deverão ser coerentes com o [Regulamento n.o 1215/2012] e com os instrumentos referentes à lei aplicável às obrigações contratuais.»

    4

    O artigo 6.o, n.o 3, alínea a), deste regulamento, sob a epígrafe «Concorrência desleal e atos que restrinjam a livre concorrência», dispõe:

    «A lei aplicável a uma obrigação extracontratual decorrente de uma restrição de concorrência é a lei do país em que o mercado seja afetado ou seja suscetível de ser afetado.»

    Regulamento n.o 1215/2012

    5

    Os considerandos 15 e 16 do Regulamento n.o 1215/2012 enunciam:

    «(15)

    As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

    (16)

    O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado‑Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. Este elemento é especialmente importante nos litígios relativos a obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de direitos de personalidade, incluindo a difamação.»

    6

    Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento:

    «Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.»

    7

    O artigo 5.o, n.o 1, do referido regulamento prevê:

    «As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do [capítulo II].»

    8

    O capítulo II do Regulamento n.o 1215/2012, com o título «Competência», contém, nomeadamente, uma secção 2, intitulada «Competências especiais». O artigo 7.o, ponto 2, deste regulamento, que figura nesta secção 2, apresenta a seguinte redação:

    «As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro:

    […]

    2)

    Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    9

    A MOL, uma empresa sediada na Hungria, é titular de participações de controlo em várias sociedades filiais sediadas em diferentes Estados‑Membros, a saber, a Moltrans Kft., com sede na Hungria, a INA d.d., com sede na Croácia, a Panta Distribuzione SpA e a Nelsa Srl, com sede em Itália, a Roth Energie GmbH, com sede na Áustria, e a Slovnaft a.s., com sede na Eslováquia.

    10

    Em 19 de julho de 2016, a Comissão adotou a Decisão C(2016) 4673 final relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39824 — Camiões) (JO 2017, C 108, p. 6).

    11

    Nessa decisão, a Comissão deu como provada a existência de um cartel composto pela Mercedes‑Benz Group e por quinze fabricantes internacionais de camiões. Declarou que o cartel, cujo objeto era concertar os preços brutos de tabela para os camiões médios e pesados, constituía uma infração continuada ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE, que proíbem os cartéis e as demais práticas comerciais restritivas. A Comissão considerou que esta infração durou de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011 e abrangeu todo o Espaço Económico Europeu.

    12

    As filiais da MOL compraram indiretamente ou tomaram em locação financeira um total de 71 camiões à Mercedes‑Benz Group durante o período da referida infração.

    13

    Em 14 de outubro de 2019, a MOL intentou uma ação de indemnização contra a Mercedes‑Benz Group no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), alegando ter sofrido prejuízos correspondentes ao montante que as suas filiais pagaram em excesso, indevidamente, como efeito do comportamento anticoncorrencial sancionado pela Comissão.

    14

    No âmbito desse pedido, a MOL baseou‑se no conceito de «unidade económica». Alegou, deste modo, que os tribunais húngaros têm competência internacional com fundamento no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, argumentando que a sua sede social, enquanto centro dos interesses económicos e patrimoniais do grupo societário que forma com as suas filiais, é o lugar onde ocorreu o «facto danoso», na aceção desta disposição.

    15

    A Mercedes‑Benz Group arguiu uma exceção de incompetência, contestando a competência do tribunal onde foi intentada a ação com base na disposição invocada.

    16

    O Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) julgou procedente esta exceção e referiu que a regra de competência especial prevista no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretada restritivamente e que apenas pode ser aplicada se existir um nexo particularmente estreito entre o tribunal onde foi intentada a ação e o objeto do litígio. Observou, a este respeito, que não foi a MOL quem pagou os preços artificialmente elevados, mas sim as suas filiais que estão sediadas noutros Estados‑Membros da União Europeia, que foram, por conseguinte, lesadas pela distorção da concorrência em causa. A MOL sofreu prejuízos puramente financeiros, pelo que a sua sede social não pode ser considerada o lugar onde ocorreu o facto danoso, na aceção do artigo 7.o, ponto 2, do referido regulamento, nem é suficiente para estabelecer a competência dos tribunais húngaros.

    17

    A decisão daquele tribunal foi confirmada em sede de recurso pelo Fővárosi Ítélőtábla (Tribunal Superior de Budapeste‑Capital, Hungria), que declarou que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a teoria da unidade económica só é aplicável para estabelecer a responsabilidade com fundamento numa infração ao direito da concorrência e que, em substância, a parte lesada não a pode invocar para efeitos de determinação do tribunal competente. Salienta que, à luz do Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2015:335), a competência com fundamento no artigo 7.o, ponto 2, do referido regulamento deve ser estabelecida em função da sede da empresa lesada e não da sede da sua sociedade‑mãe.

    18

    A MOL interpôs recurso de cassação para a Kúria (Supremo Tribunal, Hungria), pedindo ao tribunal que anulasse o despacho proferido pelo Fővárosi Ítélőtábla (Tribunal Superior de Budapeste‑Capital) e que o processo fosse remetido para as instâncias inferiores.

    19

    A MOL alegou, em substância, que a teoria da unidade económica é relevante para apreciar a competência dos tribunais húngaros no litígio no processo principal e que, enquanto entidade que controla exclusivamente o grupo de sociedades que forma com as suas filiais, está envolvida diretamente na atividade, rentável ou deficitária, das mesmas.

    20

    A Mercedes‑Benz Group contestou alegando que a recorrente no processo principal não sofreu prejuízos uma vez que não comprou nenhum dos camiões abrangidos pelo cartel em causa. Além disso, afirmou que a teoria da unidade económica não é aplicável para determinar a competência dos tribunais húngaros e que esta abordagem não tem assento na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    21

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta, a este título, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça permite que as partes lesadas por práticas anticoncorrenciais intentem ações de indemnização contra uma das entidades jurídicas que formam uma unidade económica. No entanto, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou, no contexto da interpretação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, sobre a questão de saber se a teoria da unidade económica pode ser invocada validamente quando a unidade económica é a parte lesada e não a autora da infração anticoncorrencial.

    22

    Nestas condições, a Kúria (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Quando uma sociedade‑mãe intenta uma ação de indemnização devido a um comportamento anticoncorrencial de outra empresa a fim de obter uma indemnização pelos danos causados por esse comportamento exclusivamente às suas filiais, é a sede da sociedade‑mãe, como lugar onde ocorreu o facto danoso na aceção do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento [n.o 1215/2012], que determina o foro competente?

    2)

    Para efeitos da aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento [n.o 1215/2012], é relevante, o facto de, no momento das diversas aquisições objeto do litígio, nem todas as filiais pertencerem ao grupo de sociedades da empresa‑mãe?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    23

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» abrange a sede social da sociedade‑mãe que intenta uma ação de indemnização pelos danos suportados exclusivamente pelas suas filiais devido ao comportamento anticoncorrencial de um terceiro, na aceção do artigo 101.o TFUE, se for alegado que essa sociedade‑mãe e essas filiais fazem parte da mesma unidade económica.

    24

    A título preliminar, importa recordar que, conforme resulta de jurisprudência constante, a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenham em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se insere, bem como os objetivos e a finalidade que prossegue o ato de que faz parte (v., nomeadamente, Acórdão de 8 de fevereiro de 2024, Inkreal, C‑566/22, EU:C:2024:123, n.o 15).

    25

    No que toca à sua redação, o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 prevê que as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro em matéria extracontratual, perante o tribunal do «lugar onde ocorreu o facto danoso».

    26

    O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso», na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), que corresponde ao artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, se refere simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem desse dano, de modo que a ação pode ser intentada, à escolha do demandante, perante o tribunal de um ou outro destes dois lugares (Acórdão de 15 de julho de 2021, Volvo e o., C‑30/20, EU:C:2021:604, n.o 29 e jurisprudência referida).

    27

    O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer no Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor‑Trans (C‑451/18, EU:C:2019:635, n.o 33), que tinha por objeto a mesma infração às regras da concorrência que a que está em causa no litígio no processo principal, que, quando o mercado afetado pelo comportamento anticoncorrencial se localiza no Estado‑Membro em cujo território o alegado dano ocorreu, há que considerar que o lugar da materialização do dano, para efeitos da aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, se localiza nesse Estado‑Membro (v., também, neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Volvo e o., C‑30/20, EU:C:2021:604, n.o 31).

    28

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» não pode ser interpretado tão amplamente a ponto de englobar qualquer lugar onde se possam fazer sentir as consequências danosas de um facto que já causou um dano efetivamente ocorrido noutro lugar. Por conseguinte, esclareceu que este conceito não pode ser interpretado no sentido de abranger o lugar onde a parte lesada alega ter sofrido prejuízos patrimoniais em consequência de um dano inicial que se verificou e que esta parte sofreu noutro Estado (Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor‑Trans, C‑451/18, EU:C:2019:635, n.o 28 e jurisprudência referida).

    29

    O Tribunal de Justiça declarou igualmente que um dano que constitui apenas a consequência indireta do prejuízo inicialmente sofrido por outras pessoas que foram visadas diretamente pelo dano concretizado num lugar diferente daquele onde a parte lesada indiretamente veio depois a sofrer o prejuízo não pode fundamentar a competência dos tribunais ao abrigo do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor‑Trans, C‑451/18, EU:C:2019:635, n.o 29 e jurisprudência referida).

    30

    Resulta da decisão de reenvio que in casu apenas as filiais, com sede em diferentes Estados‑Membros, sofreram diretamente os prejuízos invocados pela MOL, isto é, os montantes pagos em excesso devido à subida artificial dos preços de compra ou de locação financeira dos 71 camiões em causa no processo principal na sequência de acordos colusórios que configuram uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE.

    31

    Assim, cumpre concluir que é internacional e territorialmente competente, com fundamento no lugar da materialização do dano em causa no processo principal, tanto o tribunal em cuja jurisdição a filial que se considera lesada comprou ou tomou em locação financeira os bens visados pelos referidos acordos como, caso as compras ou as locações financeiras celebradas por essa filial tenham ocorrido em vários lugares, o tribunal em cuja jurisdição se encontra a sua sede social.

    32

    Apesar de a MOL não ter adquirido esses camiões a título próprio nem, por conseguinte, suportado danos diretos em resultado da referida infração, alega que o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» deve ser interpretado à luz do conceito de «unidade económica» utilizado no direito da concorrência.

    33

    A este respeito, note‑se que há um consenso geral de que uma sociedade‑mãe e a sua filial formam uma unidade económica quando, em substância, esta última está sujeita a uma influência determinante exercida pela primeira e não age de forma autónoma (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.os 52 e 53, e de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 43).

    34

    Nesses casos, todo o grupo é considerado uma «empresa» sujeita às regras do direito da concorrência que os membros do grupo devem respeitar no seu conjunto, em regime de responsabilidade solidária (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.os 39 a 44 e jurisprudência referida).

    35

    No caso em apreço, a MOL alega que, uma vez que uma infração ao direito da concorrência dá origem à responsabilidade solidária da unidade económica no seu conjunto, há que aplicar a mesma lógica a este princípio quando estão em causa pedidos de indemnização do prejuízo que resulta de uma infração ao direito da concorrência e que afeta um membro da unidade económica.

    36

    No entender da MOL, o conceito de unidade económica não pode ter um significado diferente consoante a empresa em causa tenha a qualidade de demandante ou de demandada. Por conseguinte, o lugar da sede social da sociedade‑mãe deve ser considerado o «lugar da materialização do dano» para efeitos de aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, ainda que os danos diretos tenham sido suportados exclusivamente pelas filiais dessa sociedade.

    37

    Conforme o advogado‑geral expõe nos n.os 71 a 73 das suas conclusões, cumpre salientar, primeiro, que os argumentos invocados pela MOL não encontram assento na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em seguida, estes argumentos contrariam os princípios subjacentes à regra de competência prevista no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, isto é, os objetivos de proximidade e de previsibilidade das regras de competência e de coerência entre o foro e a lei aplicável. Por último, o facto de a teoria da unidade económica não ser aplicável para determinar o «lugar da materialização do dano» para efeitos de aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, não constitui um entrave à possibilidade de pedir uma indemnização pelo prejuízo causado por uma infração ao direito da concorrência.

    38

    No que toca aos objetivos de proximidade e de previsibilidade das regras de competência, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, que os tribunais do Estado‑Membro em que se situa o mercado afetado estão em melhor posição para apreciar essas ações de indemnização e, por outro, que um operador económico que se dedica a comportamentos anticoncorrenciais pode razoavelmente esperar ser demandado nos tribunais do lugar onde os seus comportamentos falsearam as regras de uma concorrência saudável (Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor‑Trans, C‑451/18, EU:C:2019:635, n.o 34).

    39

    Acresce que, de acordo com o considerando 15 do Regulamento n.o 1215/2012, as regras de competência se devem fundar no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido por força do artigo 4.o deste regulamento.

    40

    Em relação ao objetivo de coerência entre o foro e a lei aplicável, o Tribunal de Justiça declarou que a conclusão segundo a qual o lugar da materialização do dano se situa no mercado afetado também está em conformidade com as exigências de coerência previstas no considerando 7 do Regulamento n.o 864/2007, na medida em que, segundo o artigo 6.o, n.o 3, alínea a), deste regulamento, a lei aplicável às ações de indemnização relacionadas com um ato que restringe a concorrência é a lei do país em que o mercado é afetado ou é suscetível de ser afetado (Acórdão de 15 de julho de 2021, Volvo e o., C‑30/20, EU:C:2021:604, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).

    41

    Além disso, quanto ao argumento, segundo o qual o facto de o conceito de unidade económica não ser aplicado para determinar o «lugar da materialização do dano», para efeitos de aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, constitui um entrave à possibilidade de pedir uma indemnização pelo prejuízo que resulta de uma infração ao direito da concorrência, cumpre assinalar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 97 das suas conclusões, que as regras de competência não impedem as partes pretensamente lesadas por um comportamento anticoncorrencial de exercer os seus direitos a indemnização.

    42

    Ao abrigo da regra principal do foro que decorre do Regulamento n.o 1215/2012, as partes lesadas por essa infração podem sempre intentar uma ação no tribunal do lugar do domicílio do autor da infração, de acordo com o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento.

    43

    No entanto, conforme recordado no n.o 27 do presente acórdão, o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 permite recorrer, no mercado afetado por acordos colusórios sobre a fixação e o aumento dos preços de bens, tanto ao tribunal em cuja jurisdição a empresa que se considera lesada comprou os bens visados pelos referidos acordos, como, caso as aquisições efetuadas por essa empresa tenham ocorrido em vários lugares, ao tribunal em cuja jurisdição se encontra a sua sede social (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Volvo e o., C‑30/20, EU:C:2021:604, n.o 43).

    44

    Por conseguinte, os objetivos de proximidade e de previsibilidade das regras de competência e de coerência entre o foro e a lei aplicável e a inexistência de entraves à possibilidade de pedir uma indemnização pelo prejuízo que resulta de uma infração ao direito da concorrência e que afeta um membro da unidade económica opõem‑se à aplicação inversa do conceito de «unidade económica» para determinar o lugar da materialização do dano, para efeitos de aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012.

    45

    Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o objetivo de segurança jurídica exige que o juiz nacional ao qual a questão foi submetida se possa facilmente pronunciar sobre a sua própria competência, sem estar obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito (Acórdãos de 28 de janeiro de 2015, Kolassa, C‑375/13, EU:C:2015:37, n.o 61, e de 8 de fevereiro de 2024, Inkreal, C‑566/22, EU:C:2024:123, n.o 27).

    46

    Atento o exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» não abrange a sede social da sociedade‑mãe que intenta uma ação de indemnização pelos danos suportados exclusivamente pelas suas filiais devido ao comportamento anticoncorrencial de um terceiro, que configure uma infração ao artigo 101.o TFUE, ainda que seja alegado que essa sociedade‑mãe e essas filiais fazem parte mesma unidade económica.

    Quanto à segunda questão

    47

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se é relevante para efeitos de aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 o facto de as sociedades filiais ainda não serem controladas pela sociedade‑mãe no momento em que são adquiridas algumas das mercadorias que são objeto de uma infração ao artigo 101.o TFUE.

    48

    Note‑se que esta questão assenta na premissa de que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 pode ser interpretado no sentido de que o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» é suscetível de abranger a sede social da sociedade‑mãe que intenta uma ação de indemnização pelos prejuízos sofridos diretamente pelas suas filiais devido ao comportamento anticoncorrencial de um terceiro.

    49

    Tendo em conta a resposta à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

    Quanto às despesas

    50

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

     

    O artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,

     

    deve ser interpretado no sentido de que:

     

    o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» não abrange a sede social da sociedade‑mãe que intenta uma ação de indemnização pelos danos suportados exclusivamente pelas suas filiais devido ao comportamento anticoncorrencial de um terceiro, que configure uma infração ao artigo 101.o TFUE, ainda que seja alegado que essa sociedade‑mãe e essas filiais fazem parte da mesma unidade económica.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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