ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

27 de março de 2019 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Medicamentos para uso humano — Diretiva 2001/83/CE — Artigo 30.o, n.o 1 — Comité dos medicamentos para uso humano — Consulta do Comité sujeita à condição de não ter sido tomada uma decisão nacional anteriormente — Substância ativa estradiol — Decisão da Comissão Europeia que impõe aos Estados‑Membros a revogação e a alteração das autorizações nacionais de introdução no mercado de medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol»

No processo C‑680/16 P,

que tem por objeto um recurso nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 23 de dezembro de 2016,

Dr. August Wolff GmbH & Co. KG Arzneimittel, com sede em Bielefeld (Alemanha),

Remedia d.o.o., com sede em Zagrebe (Croácia),

representadas por P. Klappich e C. Schmidt, Rechtsanwälte,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por B.‑R. Killmann, A. Sipos e M. Šimerdová, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente da Sétima Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Juhász (relator) e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de outubro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a Dr. August Wolff GmbH & Co. KG Arzneimittel e a Remedia d.o.o. pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 20 de outubro de 2016, August Wolff e Remedia/Comissão (T‑672/14, não publicado; a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2016:623), pelo qual este negou provimento ao recurso, por elas interposto, de anulação da Decisão de Execução C(2014) 6030 final da Comissão, de 19 de agosto de 2014, relativa às autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano de aplicação tópica que contêm concentrações elevadas de estradiol, ao abrigo do artigo 31.o da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (a seguir «decisão controvertida»), na medida em que a referida decisão obriga os Estados‑Membros a cumprir as obrigações nela previstas para os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos e não referidos no seu anexo I, com exceção da restrição de que os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos no mesmo anexo continuam a só poder ser aplicados por via intravaginal.

Quadro jurídico

Diretiva 2001/83

2

O artigo 31.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2010/84/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2010 (JO 2010, L 348, p. 74) (a seguir «Diretiva 2001/83»), dispõe:

«Em casos específicos em que esteja envolvido o interesse da União, os Estados‑Membros, a Comissão, o requerente ou o titular da autorização de introdução no mercado submetem a questão ao [Comité dos Medicamentos para Uso Humano] para aplicação do procedimento previsto nos artigos 32.o, 33.o e 34.o antes de ser tomada qualquer decisão sobre o pedido, a suspensão ou a revogação de uma autorização de introdução no mercado, ou sobre qualquer outra alteração, eventualmente necessária, da referida autorização.»

3

O artigo 32.o, n.os 1, 2 e 5, desta diretiva estabelece:

«1.   Em caso de remissão para o procedimento previsto no presente artigo, o [Comité dos Medicamentos para Uso Humano] delibera sobre o assunto em questão e emite parecer fundamentado no prazo de 60 dias a contar da data em que o assunto lhe for submetido.

Contudo, nos casos submetidos à apreciação do Comité em conformidade com os artigos 30.o e 31.o, esse prazo pode ser prorrogado pelo Comité por um período suplementar máximo de 90 dias, tendo em conta os pontos de vista dos requerentes ou dos titulares da autorização de introdução no mercado envolvidos.

Em casos urgentes e sob proposta do presidente, o Comité pode fixar um prazo mais curto.

2.   Para analisar a questão, o Comité nomeia como relator um dos seus membros. O Comité pode igualmente designar peritos independentes para o aconselhar sobre assuntos específicos. Ao designar esses peritos, o Comité define as suas tarefas e fixa o prazo para a respetiva execução.

[…]

5.   No prazo de 15 dias a contar da sua aprovação, a [Agência Europeia de Medicamentos (EMA)] envia aos Estados‑Membros, à Comissão e ao requerente ou ao titular da autorização de introdução no mercado o parecer definitivo do Comité, acompanhado de um relatório descrevendo a avaliação do medicamento e fundamentando as suas conclusões.

Se o parecer for favorável à concessão ou à manutenção da autorização de introdução no mercado do medicamento em questão, serão anexados ao parecer os seguintes documentos:

a)

O projeto de resumo das características do medicamento, nos termos do artigo 11.o;

b)

As eventuais condições a que a autorização esteja sujeita, na aceção da alínea c) do n.o 4;

c)

A exposição pormenorizada de quaisquer condições ou restrições recomendadas em relação à utilização segura e eficaz do medicamento;

d)

A rotulagem e o folheto informativo propostos.»

4

O artigo 33.o da referida diretiva dispõe:

«No prazo de 15 dias após a receção do parecer, a Comissão deve elaborar um projeto da decisão a tomar relativamente ao pedido, que tenha em conta o direito comunitário.

Caso se trate de um projeto de decisão que preveja a concessão da autorização de introdução no mercado, devem ser‑lhe apensos os documentos referidos no segundo parágrafo do n.o 5 do artigo 32.o

Caso, a título excecional, o projeto de decisão não corresponda ao parecer da [EMA], a Comissão deve fundamentar pormenorizadamente num anexo os motivos de quaisquer divergências.

O projeto de decisão será enviado aos Estados‑Membros e ao requerente ou titular da autorização de introdução no mercado.»

5

O artigo 34.o, n.o 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«A Comissão toma uma decisão final nos termos do n.o 3 do artigo 121.o, no prazo de 15 dias a contar da conclusão do procedimento aí estabelecido.»

Regulamento n.o 726/2004

6

Conforme resulta do artigo 56.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1235/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2010 (JO 2010, L 348, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 726/2004»), a EMA é composta por vários comités, entre os quais figura o Comité dos Medicamentos para Uso Humano (a seguir «Comité»), responsável pela elaboração do parecer da EMA sobre qualquer questão relativa à avaliação dos medicamentos para uso humano.

7

O artigo 61.o, n.o 6, última frase, do Regulamento n.o 726/2004 prevê que os Estados‑Membros devem abster‑se de dar aos membros dos comités e aos peritos instruções incompatíveis com as tarefas que lhes incumbem por direito próprio ou com as tarefas e as responsabilidades da EMA.

8

O artigo 62.o, n.o 1, do Regulamento n.o 726/2004 dispõe:

«Caso, em conformidade com o presente regulamento, um dos comités referidos no n.o 1 do artigo 56.o tenha de avaliar um medicamento para uso humano, designa um dos seus membros para agir como relator, tendo em conta a competência especializada existente no Estado‑Membro. O Comité em causa pode nomear um segundo membro como correlator.

O relator nomeado para este efeito pelo Comité de Avaliação do Risco de Farmacovigilância trabalha em estreita colaboração com o relator nomeado pelo [Comité] ou pelo Estado‑Membro de referência para o medicamento para uso humano em causa.

Aquando da consulta aos grupos de aconselhamento científico a que se refere o n.o 2 do artigo 56.o, o comité dá‑lhes conhecimento do projeto de relatório ou relatórios de avaliação elaborados pelo relator ou pelo correlator. O parecer do grupo de aconselhamento científico é transmitido ao presidente do comité competente por forma a assegurar o respeito dos prazos fixados no n.o 3 do artigo 6.o e no n.o 3 do artigo 31.o

O conteúdo do referido parecer é incluído no relatório de avaliação publicado nos termos do n.o 3 do artigo 13.o e do n.o 3 do artigo 38.o

Se for requerida a revisão de um dos seus pareceres, caso tal possibilidade esteja prevista na legislação da União, o comité em causa nomeia um relator e, se for caso disso, um correlator, diferentes dos nomeados para o parecer inicial. A revisão só pode ter por objeto os pontos do parecer inicial previamente identificados pelo requerente e só pode basear‑se nos dados científicos disponíveis aquando da adoção do parecer inicial pelo comité. O requerente pode pedir que o Comité consulte um grupo de aconselhamento científico para efeitos da revisão.»

Antecedentes do litígio

9

Os antecedentes do litígio estão descritos como segue nos n.os 1 a 12 do acórdão recorrido:

«1

A Dr. August Wolff GmbH & Co. KG Arzneimittel (a seguir “primeira recorrente”) é titular das autorizações [de introdução] no mercado […] concedidas pelas autoridades nacionais competentes dos Estados‑Membros que são a República Federal da Alemanha, a República da Bulgária, a Hungria, a República Checa, a República Eslovaca, a República da Lituânia, a República da Letónia e a República da Estónia para o medicamento Linoladiol N ou Gel Linoladiol N 0,1 mg/g ou Linoladiol N 0,1 mg/g vaginal cream (a seguir “Linoladiol N”). O Linoladiol N é fabricado na Alemanha pela Remedia d.o.o. (a seguir “segunda recorrente”), que é titular da [autorização de introdução no mercado] do Linoladiol N na Croácia, onde o medicamento foi introduzido no mercado sob a designação Linoladiol N 0,01 % krema za rodnicu. O Linoladiol N é também comercializado na Áustria.

2

O Linoladiol N é um creme destinado ao tratamento de distúrbios atróficos da vagina e da vulva em mulheres na fase da menopausa. O Linoladiol N contém, como substância ativa, 100 microgramas da hormona estradiol por grama.

3

Este medicamento foi autorizado pela primeira vez na Alemanha, em 1978. Por decisão de 26 de setembro de 2005, as autoridades alemãs recusaram renovar a autorização do Linoladiol N. Antes de mais, a primeira recorrente interpôs recurso dessa decisão para o Verwaltungsgericht Köln (Tribunal Administrativo de Colónia, Alemanha), o qual, por decisão de 27 de outubro de 2009, negou provimento ao mesmo. Em seguida, a primeira recorrente recorreu para o Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Administrativo Superior para o Land da Renânia do Norte‑Vestefália, Alemanha).

4

Por decisão do Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Administrativo Superior para o Land da Renânia do Norte‑Vestefália), de 13 de março de 2013 […], o referido órgão jurisdicional anulou a decisão de indeferimento de 26 de setembro de 2005 e convidou o Bundesinstitut für Arzneimittel und Medizinprodukte (Instituto Federal dos Medicamentos e Dispositivos Médicos, Alemanha; a seguir “BfArM”) a decidir de novo sobre o pedido de renovação da autorização do Linoladiol N, apresentado pela primeira recorrente, tendo em conta o seu parecer jurídico.

5

Por decisão de 11 de julho de 2013, o BfArM concedeu a renovação da autorização do Linoladiol N para as apresentações de 35 g com aplicador, de 50 g com aplicador, de 100 g com aplicador e de 250 g com aplicador.

6

Em paralelo com o processo pendente no Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Administrativo Superior para o Land da Renânia do Norte‑Vestefália), as autoridades alemãs consultaram, em 24 de maio de 2012, o [Comité] relativamente ao Linoladiol N, em aplicação do artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva [2001/83].

7

Em 19 de dezembro de 2013, o [Comité] proferiu um parecer provisório […].

8

Por carta de 3 de janeiro de 2014, a primeira recorrente pediu que a EMA reapreciasse o parecer provisório de 19 de dezembro de 2013, na medida em que este dizia respeito ao Linoladiol N.

9

Em 25 de abril de 2014, o [Comité] proferiu o seu parecer definitivo […].

10

O [Comité] emitiu, em 2 de maio de 2014, um relatório de avaliação […], em aplicação do artigo 32.o, n.o 5, [da Diretiva 2001/83], no qual se baseia o parecer final de 25 de abril de 2014.

11

Em 19 de agosto de 2014, a Comissão Europeia adotou a [decisão controvertida]. Resulta também da [decisão controvertida] que as [autorizações de introdução no mercado] nacionais de medicamentos indicados no anexo I desta decisão devem ser alteradas pelos Estados‑Membros envolvidos em conformidade com o anexo III da referida decisão.

12

A [decisão controvertida] inclui, no anexo I, uma “Lista dos nomes, das formas farmacêuticas, da dosagem do medicamento, das vias de administração, dos titulares da autorização de introdução no mercado nos Estados‑Membros”, no anexo II, um documento intitulado “Conclusões científicas e fundamentos da alteração dos termos das autorizações de introdução no mercado” […], no anexo III, um documento intitulado “Alterações das secções relevantes do resumo das características do medicamento e do folheto informativo” e, no anexo IV, as “Condições das autorizações de introdução no mercado”.»

10

A decisão controvertida enuncia, no seu anexo IV, que o ciclo de tratamento do Linoladiol N está limitado a uma duração de quatro semanas e que está excluída a utilização repetida.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

11

Em 19 de setembro de 2014, as recorrentes interpuseram recurso de anulação da decisão controvertida no Tribunal Geral, na medida em que a referida decisão obriga os Estados‑Membros a cumprir as obrigações nela previstas para os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos e não referidos no anexo I, com exceção da restrição ao abrigo da qual os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos no mesmo anexo continuam a só poder ser aplicados por via intravaginal.

12

Por requerimento separado, que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de setembro de 2014, as recorrentes apresentaram um pedido de medidas provisórias, no qual pediam, em substância, que o presidente do Tribunal Geral ordenasse a suspensão da execução da decisão controvertida. Por Despacho de 15 de dezembro de 2014, o presidente do Tribunal Geral indeferiu esse pedido e reservou para final a decisão quanto às despesas.

13

Em apoio do recurso no Tribunal Geral, as recorrentes invocaram três fundamentos, relativos, respetivamente, à violação dos artigos 31.o e 32.o da Diretiva 2001/83, à violação do artigo 116.o desta diretiva, lido em conjugação com o seu artigo 126.o, bem como à violação dos princípios gerais do direito da União, como os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento.

14

Tendo julgado improcedentes esses fundamentos, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso e condenou as recorrentes nas despesas.

Pedidos das partes

15

As recorrentes pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido e a decisão controvertida, na medida em que a referida decisão obriga os Estados‑Membros a cumprir as obrigações previstas para os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos e não referidos no anexo I, com exceção da restrição ao abrigo da qual os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos no mesmo anexo continuam a só poder ser aplicados por via intravaginal;

a título subsidiário, anular o acórdão recorrido e remeter o processo ao Tribunal Geral; e

condenar a Comissão nas despesas.

16

A Comissão pede que seja negado provimento ao presente recurso e que as recorrentes sejam condenadas nas despesas.

Quanto ao presente recurso

17

Em apoio do seu recurso no Tribunal de Justiça, as recorrentes invocam três fundamentos, relativos, respetivamente, à violação dos artigos 31.o e 32.o da Diretiva 2001/83, à violação do artigo 116.o desta diretiva, lido em conjugação com o seu artigo 126.o, bem como à violação de princípios gerais do direito da União, como os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento.

18

Há que analisar, desde logo, a segunda parte do primeiro fundamento nos termos da qual as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter violado a exigência de neutralidade consagrada no artigo 32.o, n.o 2, da Diretiva 2001/83 e o princípio da análise cuidadosa e imparcial enunciado no artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

Argumentos das partes

19

As recorrentes consideram que, nos n.os 94 a 104 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral aplicou critérios errados na apreciação do princípio da imparcialidade.

20

No entender das mesmas, para que haja violação desse princípio, não é necessário que um ato parcial tenha sido efetivamente constatado, mas basta que as circunstâncias externas deem origem a uma suspeita razoável de que os factos não foram examinados de forma neutra e objetiva.

21

A este respeito, salientam, no caso em apreço, o facto de a relatora principal, Sr.a W., designada pelo Comité para preparar o seu parecer, ter atuado numa dupla qualidade, uma vez que também era trabalhadora do BfArM, autoridade nacional que desencadeou o procedimento no Comité. Ora, essa circunstância constitui uma sobreposição de funções e um conflito de interesses suscetível de dar origem a uma dúvida legítima quanto à imparcialidade do procedimento.

22

Além disso, as recorrentes invocam elementos que, segundo elas, põem em dúvida a imparcialidade subjetiva da Sr.a W., nomeadamente o facto de ter emitido pessoalmente um parecer negativo quanto ao equilíbrio benefício/risco do medicamento em causa e de ter aconselhado a revogação da autorização de introdução no mercado, enquanto o próprio Comité adotou uma abordagem mais favorável.

23

A Comissão contesta a tese de que a nomeação da Sr.a W., na qualidade de relatora, num procedimento iniciado no Comité pela autoridade nacional da qual depende gerou a suspeita, atendendo a circunstâncias objetivas, de que os factos não foram examinados de forma neutra e objetiva. A este respeito, com efeito, o Tribunal Geral já declarou que, na falta de outros elementos, esse facto é desprovido de pertinência. Além disso, a aplicação do artigo 61.o, n.o 6, última frase, do Regulamento n.o 726/2004 é suscetível de garantir um exame neutro e objetivo. Em todo o caso, a Comissão sublinha que a Sr.a W. não era mais do que um relator entre os quatro relatores encarregados de avaliar o Linoladiol N no decurso do procedimento no Comité.

Apreciação do Tribunal de Justiça

24

As instituições, órgãos e organismos da União são obrigados a respeitar os direitos fundamentais garantidos pelo direito da União, entre os quais figura o direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 154).

25

O artigo 41.o, n.o 1, da Carta enuncia, nomeadamente, que todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial.

26

A este respeito, há que salientar que a exigência de imparcialidade, que é imposta às instituições, órgãos e organismos no exercício das suas funções, visa garantir a igualdade de tratamento, que é a base da União. Esta exigência visa, nomeadamente, evitar possíveis situações de conflitos de interesses de funcionários e agentes que atuam por conta das instituições, órgãos e organismos. Atendendo à importância fundamental da garantia de independência e de integridade no que diz respeito tanto ao funcionamento interno como à imagem externa das instituições, órgãos e organismos da União, a exigência de imparcialidade abrange todas as circunstâncias que o funcionário ou agente que se deva pronunciar sobre um processo deva razoavelmente entender como suscetível de, aos olhos de terceiros, afetar a sua independência na matéria (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2007, Komninou e o./Comissão, C‑167/06 P, não publicado, EU:C:2007:633, n.o 57).

27

Em especial, incumbe a estas instituições, órgãos e organismos respeitar a exigência de imparcialidade nas suas duas componentes, que são, por um lado, a imparcialidade subjetiva, por força da qual nenhum membro da instituição em causa deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, e, por outro, a imparcialidade objetiva, nos termos da qual esta instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir todas as dúvidas legítimas quanto a um eventual juízo antecipado (v., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Espanha/Conselho, C‑521/15, EU:C:2017:982, n.o 91 e jurisprudência referida).

28

No que se refere, mais especificamente, à segunda componente do princípio da imparcialidade, há que salientar que, quando sejam atribuídas responsabilidades próprias e distintas a várias instituições, órgãos ou organismos da União no âmbito de um processo suscetível de conduzir a uma decisão que lesa um particular, cada uma destas entidades tem de cumprir, no que lhe diz respeito, a exigência de imparcialidade objetiva. Por conseguinte, mesmo na hipótese de só uma delas não ter cumprido esta exigência, tal incumprimento é suscetível de ferir de ilegalidade a decisão adotada pela outra entidade no termo do processo em causa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Espanha/Conselho, C‑521/15, EU:C:2017:982, n.o 94).

29

Desta forma, há que determinar se a designação da Sr.a W. como relatora principal do Comité no âmbito do procedimento relativo ao pedido de renovação da autorização de introdução do Linoladiol N no mercado era compatível com as exigências decorrentes desse princípio, atendendo ao facto de que era trabalhadora da autoridade nacional que recorreu ao Comité, de que essa autoridade tinha anteriormente indeferido o pedido de renovação desse medicamento e de que, no momento da designação da Sr.a W. como relatora, estava a decorrer um processo judicial entre a referida autoridade e a primeira recorrente relativamente ao indeferimento desse pedido.

30

Como alegam as recorrentes, a imparcialidade objetiva do Comité pode ser afetada quando um conflito de interesses relativo a um dos seus membros seja suscetível de resultar numa sobreposição de funções, e isto independentemente da conduta pessoal do referido membro.

31

Em primeiro lugar, deve ser considerado, no caso em apreço, que o procedimento perante a autoridade nacional que consultou o Comité e o procedimento que decorre perante o Comité, ao abrigo do artigo 32.o da Diretiva 2001/83, têm substancialmente o mesmo objeto, ou seja, pronunciar‑se sobre a qualidade, a segurança e a eficácia dos medicamentos para a adoção de uma decisão sobre a concessão de uma autorização de introdução no mercado.

32

Em segundo lugar, tendo em conta o objeto comum dos dois procedimentos, deve considerar‑se que as apreciações a tomar no âmbito desses procedimentos também têm a mesma natureza.

33

Em terceiro lugar, em conformidade com o artigo 62.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 726/2004, quando o Comité está encarregado de avaliar um medicamento para uso humano, designa um dos seus membros para agir na qualidade de relator e pode designar um segundo membro como correlator. Ora, o exercício dessa função de relator implica assumir um papel importante na preparação do parecer que o Comité deve emitir.

34

Daqui decorre que o relator designado pelo Comité tem uma responsabilidade própria no âmbito deste procedimento de parecer.

35

A este respeito, há ainda que sublinhar que, nos termos do artigo 33.o, terceiro parágrafo, da Diretiva 2001/83, apenas circunstâncias excecionais podem justificar que a Comissão não siga esse parecer.

36

A circunstância de, como alega a Comissão e como previsto no artigo 62.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 726/2004, o Comité poder designar um segundo membro como correlator não põe em causa esta conclusão nem a circunstância, também invocada pela Comissão, de, no caso em apreço, terem sido designados outros dois membros do Comité, como relator principal e segundo relator, respetivamente, na fase da reapreciação.

37

Aliás, importa recordar a este respeito que, em todo o caso, a fim de demonstrar que a organização do procedimento administrativo não oferece garantias suficientes para excluir dúvidas legítimas quanto a um eventual juízo antecipado, não é necessário estabelecer a existência de falta de imparcialidade em razão das características específicas da função de relator no âmbito dos procedimentos instaurados no Comité. Basta que exista uma dúvida legítima a este respeito e que não possa ser dissipada.

38

Por conseguinte, cabe ao Comité, tendo em conta as responsabilidades próprias assumidas pelo relator, atuar com especial vigilância ao atribuir esta função, a fim de evitar que surjam dúvidas legítimas quanto a um eventual juízo antecipado. No caso em apreço, cabia‑lhe, mais especificamente, ter em conta o facto, que tinha sido levado ao seu conhecimento pela República Federal da Alemanha, como resulta do pedido de parecer apresentado por este Estado‑Membro, de que o BfArM tinha recusado renovar a autorização de introdução no mercado relativa ao Linoladiol N e de que, no momento em que a questão foi submetida ao Comité, estava pendente um recurso nos tribunais alemães relativo a esse indeferimento.

39

Ora, é ponto assente que a Sr.a W. é trabalhadora da autoridade nacional que tomou a decisão de não renovar a autorização do Linoladiol N e que, como recorrida no recurso interposto dessa decisão, defendeu a mesma nos órgãos jurisdicionais nacionais e, em seguida, recorreu ao Comité para que emitisse um parecer em relação a esse medicamento. Nestas circunstâncias, um observador terceiro poderia legitimamente considerar que, ao recorrer ao Comité, essa autoridade continua a prosseguir os interesses que defendia a nível nacional e que o comportamento dos trabalhadores dessa autoridade, que intervêm no âmbito do procedimento no Comité, pode estar viciado por parcialidade.

40

Nesse contexto, o simples facto de o artigo 61.o, n.o 6, última frase, do Regulamento n.o 726/2004 obrigar que os Estados‑Membros se abstenham de dar aos membros dos comités e aos peritos instruções incompatíveis com as tarefas que lhes incumbem por direito próprio ou com as tarefas e responsabilidades da EMA não pode esclarecer as dúvidas legítimas indicadas no número anterior.

41

Por conseguinte, sem que seja necessário analisar os argumentos das recorrentes relativos à exigência da imparcialidade subjetiva, decorre das considerações precedentes que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 104 do acórdão recorrido, que o Comité tinha dado garantias suficientes para excluir a existência de uma dúvida legítima quanto ao cumprimento da obrigação de imparcialidade consagrada no artigo 41.o da Carta.

42

Por conseguinte, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada procedente.

43

Nestas circunstâncias, e sem que seja necessário examinar os restantes fundamentos do presente recurso, há que anular o acórdão recorrido.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

44

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Se o litígio estiver em condições de ser julgado, o Tribunal de Justiça pode decidi‑lo definitivamente.

45

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre o recurso de anulação da decisão controvertida interposto pelas recorrentes no Tribunal Geral.

46

Na terceira parte do primeiro fundamento da primeira instância, as recorrentes acusam a Comissão de ter violado, nomeadamente, o princípio da análise cuidadosa e imparcial, consagrado no artigo 41.o da Carta. Ora, resulta dos fundamentos indicados nos n.os 24 a 41 do presente acórdão que essa acusação é fundada.

47

Há assim que julgar procedente a terceira parte do primeiro fundamento do recurso das recorrentes no Tribunal Geral e anular a decisão controvertida na seguinte medida.

48

Embora as recorrentes peçam a anulação da decisão controvertida não só na parte em que lhes diz respeito, mas também no que diz respeito a outros titulares que figuram no seu anexo I, não demonstram, nem sequer alegam, ter legitimidade processual para agir em favor destes últimos. Por conseguinte, há que limitar a anulação às autorizações de introdução no mercado de que as recorrentes são titulares.

49

Por conseguinte, há que anular a decisão controvertida, na medida em que obriga os Estados‑Membros a cumprir as obrigações nela previstas para os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos e não referidos no anexo I, de que são titulares as recorrentes, com exceção da restrição ao abrigo da qual os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos no mesmo anexo continuam a só poder ser aplicados por via intravaginal.

Quanto às despesas

50

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

51

Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

52

Tendo a Comissão sido vencida no âmbito do presente recurso, a decisão controvertida sido anulada e as recorrentes pedido a condenação da Comissão nas despesas, há que condenar esta última a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelas recorrentes relativas tanto ao processo em primeira instância como ao processo de recurso.

53

Quanto às despesas relativas ao processo de medidas provisórias, tendo as recorrentes sido vencidas no processo no Tribunal Geral, há que condená‑las no seu pagamento.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 20 de outubro de 2016, August Wolff e Remedia/Comissão (T‑672/14, não publicado, EU:T:2016:623), é anulado.

 

2)

A Decisão de Execução C(2014) 6030 final da Comissão, de 19 de agosto de 2014, relativa às autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano de aplicação tópica que contêm concentrações elevadas de estradiol, ao abrigo do artigo 31.o da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, é anulada, na medida em que obriga os Estados‑Membros a cumprir as obrigações nela previstas para os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos e não referidos no anexo I, de que são titulares a Dr. August Wolff GmbH & Co. KG Arzneimittel e a Remedia d.o.o., com exceção da restrição ao abrigo da qual os medicamentos de aplicação tópica que contenham 0,01 % em peso de estradiol referidos no mesmo anexo continuam a só poder ser aplicados por via intravaginal.

 

3)

A Comissão Europeia é condenada nas despesas relativas tanto ao processo em primeira instância como ao processo de recurso, com exceção das relativas ao processo de medidas provisórias, que serão suportadas pela Dr. August Wolff GmbH & Co. KG Arzneimittel e pela Remedia d.o.o.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.