PT

SOC/787

Pacote Luta contra a Introdução Clandestina de Migrantes

PARECER

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Pacote Luta contra a Introdução Clandestina de Migrantes

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao reforço da cooperação policial em matéria de prevenção, deteção e investigação da introdução clandestina de migrantes e do tráfico de seres humanos, bem como ao reforço do apoio da Europol na prevenção e combate a esses crimes, e que altera o Regulamento (UE) 2016/794

[COM(2023) 754 final – 2023/0438 (COD)]

Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras mínimas para prevenir e combater o auxílio à entrada, ao trânsito e à permanência irregulares na União e que substitui a Diretiva 2002/90/CE do Conselho e a Decisão-Quadro 2002/946/JAI do Conselho

[COM(2023) 755 final – 2023/0439 (COD)]

Contacto

soc@eesc.europa.eu

Administradora

Gemma Amran

Data do documento

31/5/2024

Relator: Florin Bercea

Conselheiro

Claudiu Craciun (do relator, Grupo I)

Consulta

Comissão Europeia, D/M/2024

Base jurídica

Artigo 304.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

(votos a favor/votos contra/abstenções)

23/5/2024

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

57/2/0

Adoção em plenária

D/M/YYYY

Reunião plenária n.º

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

…/…/…



1.Conclusões e recomendações

1.1As propostas legislativas apresentadas pela Comissão indicam, e bem, que as causas profundas da migração são as crises emergentes e profundas, nomeadamente recessões económicas, emergências ambientais causadas por alterações climáticas, conflitos e pressão demográfica em muitos países terceiros. Face a estas crises, é necessário adotar uma abordagem abrangente e a nível mundial para lidar com a migração e com a componente específica da questão aqui em apreço, a introdução clandestina de migrantes.

1.2A introdução clandestina de migrantes e a luta contra esse fenómeno são apenas parte de um processo complexo que abrange as causas profundas da migração nos países de origem, a capacidade e a vontade dos países de trânsito para limitar a introdução clandestina de migrantes e as estratégias em constante evolução dos passadores de migrantes. As duas propostas legislativas e a Aliança Mundial propõem um reforço proporcional e crescente das capacidades, mas carecem de uma maior ambição e empenho a nível estratégico para abordar eficazmente o processo.

1.3A luta contra a introdução clandestina de migrantes necessita de um novo impulso e de uma melhor coordenação a todos os níveis. Ao mesmo tempo, é essencial abrir canais e procedimentos legais de migração para quem pretende chegar à União Europeia (UE) de forma segura e legal. Tais canais reduzirão a necessidade de serviços de introdução clandestina de migrantes e evitarão os danos e as vulnerabilidades que lhes estão associados.

1.4Com vista a assegurar um funcionamento eficaz do sistema de asilo da UE, afigura-se essencial conceber soluções para os problemas decorrentes do recurso sistemático a reenvios forçados nas fronteiras externas da UE, prática proibida pela Convenção de Genebra. Perante a ausência de vias seguras e legais para entrar na UE, os refugiados e os migrantes que buscam segurança não têm outra opção senão enveredar por vias mais perigosas que põem em risco as suas vidas.

1.5O Comité reitera que a UE é um importante interveniente económico, político e em matéria de desenvolvimento, com capacidade para – e interesse em – ajudar os países terceiros a gerir crises que colocam as suas comunidades e instituições sob pressão e levam as pessoas a optar por uma viagem longa, onerosa, perigosa e, por vezes, fatal para chegar à UE. Os referidos países terceiros enfrentam várias crises e pressões no tocante às suas capacidades, e o seu nível de participação na cooperação em matéria de migração varia significativamente. A cooperação não é apenas técnica e administrativa, é também de natureza política e deve ser apoiada por compromissos orçamentais, em particular nos países em que os passadores de migrantes operam fora da UE.

1.6O Comité convida a Comissão a desenvolver uma abordagem mais sólida, que vá além da Aliança Mundial, a fim de reforçar as capacidades dos países terceiros e incentivar a cooperação com a Europol e as autoridades responsáveis pela aplicação da lei nos Estados-Membros.

1.7O Comité lamenta que o pacote não abranja as pessoas que utilizam os serviços dos passadores de migrantes, embora sejam reconhecidas como potenciais vítimas. A UE deve integrar na sua estratégia de luta contra a introdução clandestina de migrantes uma dimensão de direitos fundamentais para as pessoas que estão em situação de desespero e suficientemente vulneráveis para recorrerem aos serviços dos passadores. A política nesta matéria deve também estar mais orientada para os grupos de pessoas ainda mais vulneráveis, como as pessoas com deficiência.

1.8O CESE apela para o reforço da transparência na elaboração das propostas. As propostas não foram acompanhadas de um relatório de avaliação de impacto ex ante. O CESE exorta a Comissão a realizar uma avaliação de impacto ex ante sempre que as propostas tenham consequências significativas em matéria de direitos fundamentais e a sua aplicação possa afetar diretamente a vida, os direitos e a segurança de uma pessoa. O Comité solicita à Comissão que publique os resultados das consultas e tenha em conta a ampla gama de dados provenientes da sociedade civil e da investigação académica.

1.9O CESE acolhe favoravelmente a diretiva, mas adverte que o seu conteúdo pode afetar gravemente os direitos fundamentais dos migrantes e dos que lhes prestam assistência por razões humanitárias. A ação judicial, os obstáculos administrativos e práticos e o assédio policial tornam a prestação de assistência humanitária mais complicada e perigosa, provocando assim um «efeito dissuasor». O Comité considera que a criação e a manutenção de um clima de medo em torno da assistência humanitária, jurídica ou mesmo administrativa é uma forma errada e inaceitável de combater a introdução clandestina de migrantes.

1.10Além disso, os prestadores de ajuda humanitária, os familiares e outras pessoas que prestam serviços a migrantes não devem ser sujeitos à ação penal. Só deverá haver lugar a ação penal em caso de benefício financeiro indevido.

1.11A proposta de diretiva introduz uma nova infração penal por «incitamento público» de nacionais de países terceiros para que entrem, transitem ou permaneçam irregularmente na UE (artigo 3.º, n.º 2). O Comité constata com grande preocupação que tal pode ser utilizado contra as organizações da sociedade civil que prestam informação jurídica e apoio aos migrantes. Assim, o Comité pede a descriminalização do «incitamento público» à entrada, permanência e trânsito irregulares (artigo 3.º, n.º 2, e considerando 25). Solicita igualmente salvaguardas que impeçam a utilização de novos métodos de investigação contra os defensores dos direitos dos migrantes e os advogados.

1.12Ao estabelecer o mandato estratégico e operacional do Centro Europeu contra a Introdução Clandestina de Migrantes na proposta de regulamento, importa dedicar mais atenção à proteção dos direitos fundamentais dos migrantes. Esta responsabilidade deve ser integrada na gestão do centro, assegurando que o pessoal está informado e ciente dos aspetos do seu trabalho relacionados com os direitos fundamentais.

1.13A proposta sobre a Aliança Mundial e as duas propostas legislativas, embora disponham de uma base jurídica multilateral para combater a introdução clandestina de migrantes, devem prever incentivos claros à cooperação policial pelos países terceiros de origem e de trânsito. Esta é uma das principais fragilidades dos esforços renovados da UE que visam assegurar a eficácia das medidas de luta contra a introdução clandestina de migrantes.

2.Observações gerais

2.1As propostas em apreço surgem num contexto preocupante, descrito pela Comissão. Em 2022, foram detetadas cerca de 331 000 entradas irregulares nas fronteiras externas da UE, o número mais elevado desde 2016 e um aumento de 66% em relação a 2021. Em 2023, nos primeiros nove meses do ano, registaram-se aproximadamente 281 000 passagens irregulares nas fronteiras externas da UE, o que representa um aumento de 18% em relação ao mesmo período de 2022. Esta situação coincide com a intensificação das atividades de introdução clandestina de migrantes e um número recorde, igual ou superior a 15 000, de passadores de migrantes denunciados à Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex) em 2022. Estima‑se que mais de 90% dos migrantes ilegais chegados à UE recorram aos serviços de passadores e que as atividades dos passadores, em particular por via marítima, tenham resultado na morte de mais de 28 000 pessoas desde 2014.

2.2Um desafio fundamental para uma estratégia eficaz de luta contra a introdução clandestina de migrantes reside no facto de a maioria das atividades decorrer fora do território da UE, incluindo em águas internacionais. O pacote de luta contra a introdução clandestina de migrantes não dá uma resposta adequada a este desafio. A ênfase colocada no reforço da Europol, incluindo o seu trabalho com os Estados-Membros, é bem-vinda e necessária.

2.3O CESE reitera o seu apoio a uma abordagem de acompanhamento ao longo de toda a rota, já proposta pela Comissão, que implica reforçar as medidas propostas contra as redes de introdução clandestina de migrantes, melhorando a cooperação judicial e policial, melhorar a cooperação e o diálogo com os países vizinhos na luta contra as redes de tráfico, reforçar as ações para prevenir a exploração e assegurar a proteção das pessoas vítimas de tráfico, e combater o emprego ilegal e a exploração laboral de uma forma mais coordenada e vigorosa 1 . Estas medidas poderiam também prevenir violações dos direitos nas fronteiras externas da UE, assegurando a aplicação da política da UE de luta contra a introdução clandestina de migrantes em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE, o direito internacional e as obrigações legais da UE em matéria de asilo e migração.

2.4As garantias dos direitos fundamentais mencionadas nas propostas devem ser alargadas para lá da estrita preocupação com a proteção dos dados pessoais e o respeito pela vida privada, de modo a incluir os direitos das pessoas assistidas por passadores. O foco na identificação e repressão dos passadores não deve conduzir ao abandono de pessoas em situação de vulnerabilidade e risco.

2.5O CESE considera que as duas propostas legislativas devem incluir salvaguardas contra a criminalização da solidariedade. Tal como indicado no parecer anterior, quem protege as pessoas e presta cuidados médicos e ajuda humanitária não deve ser criminalizado nem tratado da mesma forma que as redes de introdução clandestina de migrantes, exceto quando a intenção da introdução clandestina é obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material 2 .

2.6O CESE constata com grande preocupação que a atual proposta de diretiva não cria salvaguardas satisfatórias contra a criminalização da solidariedade. O CESE propõe que se retire a expressão «direta ou indiretamente» do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), uma vez que a mesma pode conduzir à criminalização da ajuda mútua, dos senhorios, dos motoristas de táxi e dos prestadores de outros serviços a pessoas sem documentos.

2.7Além disso, no novo artigo 3.º, n.º 1, alínea b), os Estados-Membros são obrigados a criminalizar o auxílio à entrada ou à permanência irregulares sempre que exista uma elevada probabilidade de causar ofensas graves, mesmo que a pessoa não tenha recebido, solicitado ou aceitado qualquer benefício financeiro ou material. O artigo 3.º, n.º 1, alínea b), deve ser suprimido e a expressão «causar ofensas graves» deve passar para a lista de circunstâncias agravantes constante do artigo 4.º.

2.8O CESE reitera a sua posição segundo a qual a instrumentalização dos migrantes por países terceiros, especialmente os que fazem fronteira com a UE, como a Bielorrússia, constitui uma ameaça híbrida e é totalmente inaceitável. Assinala também que todas as medidas destinadas a prevenir esta ameaça híbrida devem garantir que os migrantes, em prioridade os que se encontram em situação vulnerável, beneficiam de ajuda humanitária ao abrigo da legislação da UE. As organizações humanitárias devem poder prestar ajuda nas zonas afetadas sem serem criminalizadas pelos seus atos de solidariedade 3 .

2.9No seu apelo para uma Aliança Mundial, a UE convida os países terceiros, entre outras coisas, a desenvolverem e reforçarem os respetivos quadros jurídicos e as capacidades nacionais, a melhorarem a gestão das fronteiras, a desenvolverem campanhas de informação e sensibilização, a atribuírem recursos adequados e direcionados, a melhorarem a recolha e a partilha de dados, a promoverem investigações policiais conjuntas e a cooperação operacional, a reforçarem a cooperação entre as autoridades judiciárias, a cooperarem em matéria de investigações financeiras, confisco e recuperação de bens e a assegurarem a proteção dos direitos dos migrantes e a prestação de assistência.

Além de mencionar a luta contra a introdução clandestina de migrantes como parte integrante das parcerias da UE em matéria de migração, a organização de conferências de alto nível e a instituição de grupos de peritos, o apelo não avança quaisquer instrumentos, programas ou compromissos específicos para alcançar a cooperação desejada.

2.10O CESE congratula-se com a criação do Centro Europeu contra a Introdução Clandestina de Migrantes no âmbito da Europol e com um quadro de governação para regulamentar e apoiar as suas atividades, enquanto ponto focal de apoio aos Estados-Membros na prevenção e luta contra a introdução clandestina de migrantes e o tráfico de seres humanos.

2.11O CESE congratula-se com a proposta de diretiva que define as infrações penais agravadas (por exemplo, infrações cometidas no âmbito de um grupo de criminalidade organizada, que causem ofensas graves, que ponham em perigo a vida ou a saúde ou que causem a morte), às quais se aplicam sanções penais mais gravosas.

2.12O CESE chama a atenção para os efeitos negativos da luta contra a introdução clandestina de migrantes em vários setores económicos, como o setor do transporte rodoviário. Por exemplo, os condutores de camiões, muitos deles migrantes, podem ser desproporcionadamente afetados pela política de luta contra a introdução clandestina de migrantes. Há que empreender esforços adicionais para proteger os condutores e as empresas de transporte.

2.13A melhoria do alcance jurisdicional será um avanço necessário na direção certa. É de saudar o alargamento, na proposta de diretiva, da competência jurisdicional dos Estados-Membros aos casos em que o auxílio à entrada irregular na UE falhe e em que os nacionais de países terceiros percam a vida. A proposta refere-se a casos em que embarcações sem condições de navegabilidade naufragam em águas internacionais antes de chegarem às águas territoriais de um Estado-Membro ou de um país terceiro. Nestes e noutros casos, justifica-se o alargamento.

Bruxelas, 23 de maio de 2024

A Presidente da Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Cinzia Del Rio

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(1)    Parecer do CESE sobre a introdução clandestina de migrantes; relator: José Antonio Moreno Díaz, correlator: Pietro Vittorio Barbieri, JO C 290 de 29.7.2022, p. 90 .
(2)    Parecer do CESE sobre a introdução clandestina de migrantes; relator: José Antonio Moreno Díaz, correlator: Pietro Vittorio Barbieri, JO C 290 de 29.7.2022, p. 90 , e artigo 6.º do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea.
(3)

   Parecer do CESE – Instrumentalização dos migrantes ( REX/554 ); relator: Stefano Palmieri, correlator: Pietro Vittorio Barbieri.