PARECER

Comité Económico e Social Europeu

Rumo a um conselho europeu de política alimentar/
sistemas alimentares sustentáveis

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Rumo a um conselho europeu de política alimentar como novo modelo de governação no futuro quadro da UE para sistemas alimentares sustentáveis
[Parecer de iniciativa]

NAT/892

Relatora: Piroska Kállay

PT

Decisão da Plenária

23/01/2023

Base jurídica

Artigo 52.º, n.º 2, do Regimento

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

01/06/2023

Adoção em plenária

14/06/2023

Reunião plenária n.º

579

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

179/1/2

1.Conclusões e recomendações

1.1O sistema alimentar da União Europeia (UE) está numa encruzilhada, enfrentando uma crise multifacetada composta por diversos desafios ambientais, climáticos, sanitários e sociais ligados entre si. Tendo em conta a urgência da crise do sistema alimentar e a necessidade de uma rápida mudança de comportamentos, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que o seu apelo para a criação de um «conselho europeu de política alimentar» é mais oportuno do que nunca.

1.2O CESE considera que tal conselho contribuiria para uma abordagem mais integrada e participativa da elaboração de políticas alimentares, aceleraria a harmonização das políticas a nível local, nacional e da UE e, sobretudo, aumentaria a qualidade e a legitimidade da política alimentar da UE. Além disso, contribuiria para promover um desenvolvimento rural e urbano mais sustentável e equilibrado.

1.3O CESE saúda o anúncio de um quadro da UE para sistemas alimentares sustentáveis, que lançará as bases para as mudanças sistémicas que todas as partes interessadas terão de realizar ao longo de toda a cadeia de valor. Salienta que a Comissão deve apresentar sem demora, ainda no mandato em curso, uma proposta de quadro para dar resposta aos desafios dos sistemas alimentares de modo oportuno, tendo presente que qualquer atraso pode pôr em risco o êxito da Estratégia do Prado ao Prato. Exorta a Comissão a assumir o compromisso de associar as partes interessadas e a sociedade civil de forma estruturada à nova governação do quadro para sistemas alimentares sustentáveis e assinala que a ideia de um conselho europeu de política alimentar seria pertinente nesse contexto.

1.4O CESE toma nota de que há plataformas a nível local, regional e nacional relacionadas com a alimentação, mas considera que os fóruns existentes não são suficientes para alcançar eficazmente um sistema alimentar sustentável e justo nem para desenvolver capacidades de resiliência a nível da UE. Por conseguinte, o CESE considera que cabe reforçar a democracia alimentar e integrá-la no processo de elaboração da política alimentar.

1.5Encara um conselho europeu de política alimentar como uma plataforma baseada em dados científicos, multilateral e a vários níveis e uma estrutura institucional independente, com a seguinte composição potencial:

·especialistas do meio académico e cientistas;

·intervenientes na cadeia de abastecimento alimentar (agricultores, empresas do setor alimentar e da transformação de alimentos, retalhistas, sindicatos, etc.), intervenientes no sistema educativo e organizações da sociedade civil (redes de combate à pobreza, bancos alimentares, plataformas sociais, organizações não governamentais no domínio do ambiente e do desenvolvimento), representantes da juventude. Recomenda-se ainda vivamente a participação dos parceiros sociais no conselho europeu de política alimentar, a fim de refletir sobre as mudanças necessárias no mercado de trabalho;

·representantes institucionais (Parlamento, Conselho, Comissão, CESE, Comité das Regiões).

Após a fase inicial, o conselho europeu de política alimentar deve também incluir representantes dos níveis local, regional e nacional, bem como dos conselhos de política alimentar existentes, assegurando uma articulação estruturada entre os níveis pertinentes e o direito à participação equitativa dos representantes dos Estados-Membros a nível da UE. Atualmente, os conselhos nacionais de política alimentar não estão suficientemente generalizados para assegurar que todos os países estejam representados de forma equitativa.

1.6O conselho europeu de política alimentar deve ser uma estrutura de confiança e transparente, contribuindo para as questões alimentares identificadas como desafios no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas. Em especial, o conselho europeu de política alimentar deve:

1.6.1ser um órgão institucional no qual as instituições da UE devem estar empenhadas, assegurando igualmente a adesão política;

1.6.2ser uma fonte permanente de aconselhamento sólido e de opções e recomendações políticas baseadas em dados concretos sobre a orientação do sistema alimentar da UE, devendo as instituições da UE comprometer-se a fornecer reações e respostas fundamentadas aos seus contributos;

1.6.3melhorar a coerência entre os domínios de intervenção (como a política agrícola comum, a política comum das pescas, o direito à alimentação, a legislação relativa a regimes alimentares saudáveis, os contratos públicos, as políticas de educação, etc.) e promover inovações sociais em prol do bem-estar de todos os intervenientes na cadeia alimentar, tendo em conta a necessidade de renovação geracional dos agricultores. Em particular, o CESE considera importante introduzir conteúdos prioritários sobre a alimentação no sistema de ensino, envolvendo tanto o setor agroalimentar como as autoridades competentes em matéria de educação;

1.6.4conduzir ao estabelecimento de uma rede de conselhos de política alimentar a nível da UE, criando uma plataforma de intercâmbio de boas práticas e de pontos de vista que informe e molde a política da UE.

1.7O CESE está disposto a proporcionar um espaço de reunião para o conselho europeu de política alimentar. Já existe um exemplo bem-sucedido com a Plataforma Europeia das Partes Interessadas na Economia Circular, uma iniciativa conjunta do CESE e da Comissão.

2.Contexto

2.1Os nossos sistemas alimentares enfrentam uma crise multifacetada composta por vários desafios inter-relacionados, nomeadamente 1 em matéria de ambiente (emissões de gases com efeito de estufa associadas à forma como produzimos, transformamos e consumimos os nossos alimentos, perda de biodiversidade, esgotamento das unidades populacionais de peixes, perda de matéria orgânica do solo e erosão do solo, entre outros), saúde (aumento das doenças relacionadas com o regime alimentar), desaparecimento das explorações agrícolas, falta de acesso a alimentos sustentáveis e saudáveis e más condições de trabalho. Ao mesmo tempo, os sistemas alimentares já se ressentem da pressão de múltiplos choques climáticos, da alteração dos padrões meteorológicos, do colapso dos ecossistemas e da degradação das terras, dos solos e dos cursos de água. Por último, os debates sobre os sistemas alimentares são cada vez mais afetados por informações e comunicação enganosas.

2.2A Comissão Europeia está a elaborar um novo quadro da UE para sistemas alimentares sustentáveis, conforme previsto na Estratégia do Prado ao Prato, que deverá ser publicado até ao final de 2023. Esse quadro estabelecerá as bases para as mudanças sistémicas que todas as partes interessadas no sistema alimentar terão de realizar, incluindo os decisores políticos, as empresas e os consumidores, a fim de acelerar a transição para um sistema alimentar sustentável da UE. O quadro proporcionará igualmente uma base para o futuro modelo de governação dos sistemas alimentares e contribuirá para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que exigem soluções de cooperação abrangentes que integrem várias administrações, ministérios e setores e toda a cadeia de abastecimento alimentar. O CESE apela para a adoção urgente do quadro para sistemas alimentares sustentáveis, a fim de dar resposta aos desafios dos sistemas alimentares em tempo útil, tendo presente que qualquer atraso poria em risco o êxito da Estratégia do Prado ao Prato. O quadro deve incluir objetivos calendarizados, indicadores para medir os progressos realizados e mecanismos corretivos a acionar em caso de incumprimento das metas.

2.3Em pareceres anteriores do CESE 2 , na mesma linha de outros especialistas e organizações da sociedade civil, salienta-se cada vez mais a necessidade de reforçar a democracia alimentar, a fim de promover a transição do sistema alimentar para resultados mais sustentáveis. Tendo em conta a urgência da crise do sistema alimentar 3 , causada também, sem dúvida, pela guerra na Ucrânia, e a necessidade de uma rápida mudança de comportamentos, não há tempo a perder na promoção de mecanismos de governação mais eficazes e legítimos. Considera-se que, ao aumentarem a participação dos cidadãos e das partes interessadas no sistema alimentar, as inovações democráticas, como os conselhos de política alimentar, promoverão a qualidade e a legitimidade da elaboração de políticas alimentares 4 .

2.4Os conselhos de política alimentar são definidos como coligações de base comunitária de diversas partes interessadas que trabalham em conjunto para abordar questões relacionadas com a alimentação numa determinada região geográfica 5 . A exatidão do termo «política» foi posta em causa, uma vez que alguns destes conselhos, coligações ou comités alimentares preferem evitar ser vistos como estruturas políticas, enquanto outros se centram tanto nos programas como nas políticas. Estas organizações visam a inclusão e os princípios democráticos e integram partes interessadas de todo o sistema alimentar, reunindo cidadãos, órgãos de poder local, organizações sem fins lucrativos e representantes de vários setores económicos – agricultura, cuidados de saúde e educação – para colaborarem em iniciativas de política alimentar que promovam o acesso a alimentos saudáveis, a preços acessíveis e sustentáveis para todos os membros da comunidade em que estão estabelecidas.

2.5Os primeiros conselhos de política alimentar surgiram nos Estados Unidos, na década de 1980 6 , e têm vindo a tornar-se cada vez mais numerosos e diversificados. Embora a Europa tenha aderido tardiamente a este movimento, os conselhos de política alimentar têm emergido rapidamente no panorama europeu ao longo da última década 7 . De acordo com a literatura académica, a criação de conselhos de política alimentar na Europa teve efetivamente início com a ratificação, em 2015, do Pacto de Milão sobre a Política Alimentar Urbana , um acordo internacional sobre políticas alimentares urbanas assinado por mais de 260 cidades de todo o mundo que apoiou a criação de conselhos de política alimentar em várias cidades ou regiões europeias. Surgiram também conselhos de política alimentar em regiões rurais ou suburbanas, sem estarem diretamente ligados a uma cidade 8 .

2.6Os conselhos de política alimentar atuam normalmente a nível regional e/ou local, embora existam alguns a nível estadual/provincial e nacional. Constituem muitas vezes uma forma de reaproximar as cidades da produção alimentar nas regiões circundantes e de assegurar uma governação eficaz das políticas alimentares locais e regionais, mas também podem ser pertinentes para as comunidades não urbanas. Estas estruturas podem ser interpretadas como redes que associam o objetivo da sustentabilidade aos objetivos de democracia e de boa governação, iniciando processos participativos, colaborativos e deliberativos entre agricultores, empresários do setor alimentar, consumidores e outros intervenientes. Entre os principais exemplos na União Europeia contam-se: o conselho de política alimentar catalão 9 (criado em 2017), que possui um órgão de direção composto por 33 membros (incluindo órgãos de poder regional e local, intervenientes fundamentais da cadeia alimentar e habitantes das zonas rurais, estando a ser ponderado um alargamento a cinco representantes adicionais provenientes, entre outros, dos ministérios da Educação, da Cultura, e da Igualdade e Feminismo) e colabora com 42 cidades; a rede de conselhos de política alimentar (de 2016) que reúne 30 conselhos de política alimentar locais com abordagens da base para o topo (principalmente da Alemanha) e 40 iniciativas fundadoras.

2.7Os exemplos de conselhos de política alimentar nacionais são mais limitados na UE. Em França, o Conselho Nacional da Alimentação (CNA 10 ) é um órgão independente de aconselhamento aos ministros que é consultado sobre a evolução da política alimentar e emite pareceres para informar tanto os decisores públicos como as várias partes interessadas na cadeia alimentar sobre questões como a qualidade dos alimentos, a informação dos consumidores, a nutrição, a segurança sanitária, o acesso aos alimentos e a prevenção de crises. Terres en ville, a rede francesa de partes interessadas na política agrícola e alimentar urbana 11 , criada em 2000, reúne municípios e câmaras agrícolas francesas 12 com objetivos comuns, tendo em vista a elaboração conjunta de políticas agrícolas e alimentares metropolitanas pelos representantes eleitos locais e os profissionais do setor. Tais projetos alimentares territoriais são financiados e conduzidos pelos poderes públicos, o que, por vezes, gera tensões com outros níveis institucionais. A experiência põe em evidência a falta de participação dos cidadãos na conceção das políticas alimentares (a nível local e nacional). Em Portugal, criou-se em 2018 o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSAN) 13 . No Luxemburgo, o acordo de coligação de 2018-2023 14 previa a criação de um organismo multilateral denominado conselho nacional de política alimentar, mas que ainda não foi oficialmente estabelecido. Nos Países Baixos, está a ser preparada uma cimeira de cidadãos sobre o futuro da agricultura, mas, até à data, os decisores políticos ainda não lhe atribuíram qualquer apoio ou financiamento 15 .

2.8Importa também referir o Nordic Food Policy Lab [laboratório nórdico de política alimentar], criado pelo e para o Conselho de Ministros Nórdico 16 , com o objetivo de ajudar a resolver as questões alimentares identificadas como desafios nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas.

2.9Nos seus pareceres 17 , o CESE apelou para a criação de um conselho europeu de política alimentar, que contribuiria para uma abordagem mais integrada e participativa da elaboração das políticas alimentares, aceleraria a harmonização das políticas a nível local, nacional e da UE, proporcionaria às partes interessadas uma plataforma de aprendizagem mútua através da partilha de boas práticas e garantiria que todos os pontos de vista dos diferentes setores fossem tidos em conta.

2.10O presente parecer de iniciativa visa apresentar ideias concretas para a governação dos sistemas alimentares e a participação significativa e estruturada da sociedade civil, incluindo dos jovens, na elaboração, no acompanhamento e na execução das políticas alimentares. O parecer analisa igualmente formas de envolver as autoridades responsáveis pela educação e os representantes da sociedade civil a nível das escolas e dos pais dos alunos, a fim de promover a educação precoce das gerações futuras em matéria de alimentação sustentável e saudável, com base nos trabalhos recentes sobre educação dos jovens 18 e no regime da UE de distribuição de alimentos nas escolas 19 .

3.Ensinamentos retirados dos atuais conselhos de política alimentar a nível local e nacional

3.1Os conselhos de política alimentar existentes consistem numa multiplicidade de organizações com diferentes formas e estruturas jurídicas e organizacionais, missões, objetivos e atividades adaptados às necessidades e prioridades das comunidades urbanas que servem, desde organizações sem fins lucrativos, passando por formas híbridas, até organismos governamentais (locais). Tais organizações adotam diferentes abordagens e metodologias participativas para desenvolver e transformar os sistemas alimentares urbanos.

3.2Um objetivo que parece ser comum a todas estas organizações é a necessidade de desenvolver um sistema alimentar sustentável, mais saudável, transparente e mais justo para todos. Outros objetivos dos conselhos de política alimentar locais e regionais incluem a consecução da soberania alimentar, o desenvolvimento de cadeias de abastecimento alimentar locais e mais curtas, a redução do desperdício alimentar, a criação de jardins comunitários, a ligação entre as cidades e as zonas rurais, o desenvolvimento de mercados alimentares locais e a promoção da agricultura urbana e de uma cultura alimentar dinâmica.

3.3Tendo em vista a consecução destes objetivos, tais organizações participam num vasto conjunto de atividades que nem sempre incluem a elaboração ou a mudança de políticas, ou o aconselhamento sobre as mesmas. A maioria dos conselhos de política alimentar resulta de abordagens da base para o topo e apoia o trabalho em rede, a promoção de causas, a educação, a sensibilização e o desenvolvimento de projetos. Outros são orientados para as políticas, como acontece em França.

3.4Os conselhos de política alimentar de base comunitária visam transformar a «democracia alimentar» num princípio orientador do processo. As estruturas organizativas de coordenação e aconselhamento, entre outras, permitem que as diferentes partes interessadas desempenhem um papel em matéria de liderança, assistência e parcerias, bem como outros papéis autónomos. Na maior parte dos casos, qualquer pessoa interessada em questões relacionadas com o sistema alimentar sustentável e que aceite os princípios democráticos pode participar num conselho de política alimentar. Além da participação dos seus membros, os conselhos de política alimentar criam frequentemente parcerias institucionais com agências governamentais, empresas e organizações da sociedade civil ativas na transformação dos sistemas alimentares existentes rumo à sustentabilidade. Tais parcerias também se baseiam em práticas democráticas, incluindo a supervisão e a tomada de decisões de forma coletiva. Por último, mas não menos importante, os conselhos de política alimentar cooperam com os órgãos de poder (local), o que constitui uma expressão significativa da governação democrática.

3.5Do ponto de vista dos conselhos de política alimentar, a sustentabilidade do sistema alimentar é o objetivo global, pelo que o seu trabalho incide em objetivos estratégicos (gerais), como o apoio a sistemas alimentares resilientes, o reforço do acesso a regimes alimentares saudáveis e sustentáveis e dos conhecimentos sobre os mesmos, o combate ao desperdício alimentar através da economia circular, o apoio ao desenvolvimento económico, a promoção da equidade no sistema alimentar, a promoção da sustentabilidade ambiental e o aumento do conhecimento e da procura de alimentos saudáveis.

3.6Existem dois tipos de formas jurídicas dominantes nos conselhos de política alimentar europeus: associações e organizações sem fins lucrativos – estruturas ascendentes criadas pela sociedade civil – e estruturas descendentes criadas pelos poderes municipais locais. Além dos cidadãos, a maioria dos conselhos de política alimentar reúne uma grande variedade de membros, incluindo empresas privadas, administrações públicas e partes interessadas nos setores da alimentação, da saúde e da educação, contando também com uma ampla representação de grupos sociais da comunidade local.

3.7As formas como são disponibilizados fundos e financiamento aos conselhos de política alimentar variam significativamente. Alguns conselhos de política alimentar dispõem de pessoal remunerado e/ou beneficiam de financiamento para (grandes) programas e projetos, ao passo que outros dependem inteiramente de contribuições e voluntários. As fontes de financiamento vão desde apoios públicos anuais até quotizações dos membros, subvenções de investigação ou de outro tipo, apoios de fundações privadas e donativos. As atividades de angariação de fundos, as contribuições dos membros, os donativos e os subsídios ou subvenções públicos são as principais fontes de financiamento dos conselhos de política alimentar estabelecidos enquanto organizações ou associações sem fins lucrativos, ao passo que os criados pelos órgãos de poder local dependem essencialmente de financiamento proveniente do orçamento anual do município.

3.8Também há aspetos que podem ser problemáticos: os estudos indicam que os conselhos de política alimentar podem apresentar desvantagens e/ou nem sempre funcionar da melhor forma 20 , por exemplo, se os grupos mais vulneráveis estiverem sub-representados ou se os interesses particulares tiverem uma grande influência. Outro desafio importante é o facto de a qualidade das decisões adotadas depender da igualdade de participação, de uma boa agilização dos processos e da ênfase no conhecimento e nos valores, e não nos interesses. Por conseguinte, o CESE salienta a necessidade de uma verdadeira inclusão e de deliberações de qualidade nos conselhos de política alimentar, o que exige mais do que simplesmente ter uma composição aberta, assegurando também uma verdadeira representatividade, em particular dos grupos tradicionalmente sub-representados na sociedade.

3.9O CESE considera ainda que os conselhos de política alimentar devem interagir com as gerações jovens, nomeadamente através da educação. Deve dar-se prioridade à educação sobre sistemas alimentares sustentáveis para as gerações seguintes, com especial ênfase no conhecimento de regimes alimentares sustentáveis e saudáveis e de toda a cadeia de produção, a fim de identificar quem produz e como o faz e explicar como se processa a distribuição no nosso sistema alimentar, desde o agricultor ou os criadores de gado até ao consumo do produto final pelo cidadão. Por conseguinte, o CESE recomenda a participação das autoridades escolares competentes nos conselhos de política alimentar, que podem, em coordenação com o setor agroalimentar, estabelecer os conteúdos prioritários sobre alimentação no sistema de ensino. Cabe também apoiar a educação das crianças através de programas de aprendizagem ao longo da vida destinados aos pais e de ações pedagógicas para os cidadãos 21 .

4.Apelo para a criação de um conselho europeu de política alimentar

4.1Existe uma grande tradição de conselhos de política alimentar constituídos da base para o topo, mas estes não têm conseguido influenciar o progresso e a resiliência a nível europeu. A reforma da governação dos sistemas alimentares é inevitável e deve ser levada a cabo de forma a restabelecer a democracia e a responsabilização nos sistemas alimentares. O futuro quadro para sistemas alimentares sustentáveis exige uma orientação cuidadosa, assegurando uma mudança coordenada entre os setores. O aumento da responsabilização e da participação é a forma mais eficaz de contornar os bloqueios criados por intervenientes com pouco interesse na mudança, permitindo ainda avaliar, rever e melhorar regularmente os impactos de uma política alimentar verdadeiramente abrangente. Por conseguinte, o CESE considera que a criação de um conselho europeu de política alimentar será um passo fundamental para a concretização de uma visão global da política alimentar 22 .

4.2O conselho europeu de política alimentar deverá:

4.2.1basear-se em dados científicos e assegurar um mecanismo de aconselhamento científico; ser uma fonte fiável e de confiança de investigação e aconselhamento científico;

4.2.2ter a seguinte composição:

·especialistas do meio académico e cientistas (enquanto membros do conselho ou como painel consultivo);

·intervenientes na cadeia de abastecimento alimentar (agricultores, empresas do setor alimentar e da transformação, retalhistas, sindicatos, etc.), intervenientes do sistema educativo e organizações da sociedade civil (redes de combate à pobreza, bancos alimentares, plataformas sociais, organizações não governamentais no domínio do ambiente e do desenvolvimento), representantes da juventude, parceiros sociais;

·representantes institucionais (Parlamento, Conselho, Comissão, CESE, Comité das Regiões).

4.2.3após a fase inicial, o conselho europeu de política alimentar deve também incluir representantes dos níveis local, regional e nacional e dos conselhos de política alimentar existentes, assegurando uma articulação estruturada entre os níveis pertinentes. Atualmente, os conselhos nacionais de política alimentar não estão suficientemente generalizados para assegurar que todos os países estejam representados de forma equitativa;

4.2.4ser um órgão institucional no qual as instituições europeias estejam empenhadas e assegurar adesão política: um órgão independente e investido de autoridade para o planeamento a longo prazo, um órgão não inserido na administração pública, de confiança (emblemático), com o objetivo de ajudar a orientar o futuro da alimentação para sistemas alimentares sustentáveis, tendo nesse sentido um efeito impulsionador;

4.2.5ser uma fonte permanente de aconselhamento sólido e de opções e recomendações políticas baseadas em dados concretos sobre a orientação do sistema alimentar da UE, devendo as instituições da UE comprometer-se a fornecer reações e respostas fundamentadas aos seus contributos. Deverá explorar opções sobre a forma de cumprir e monitorizar os compromissos atuais da UE, avaliando também os planos nacionais de política alimentar, e traduzi-los em políticas concretas que contribuam para o progresso social através da alimentação. Por último, deverá participar no debate sobre o funcionamento dos sistemas alimentares a nível mundial;

4.2.6melhorar a coerência entre os domínios de intervenção (como a política agrícola comum, a política comum das pescas, o direito à alimentação, a legislação relativa a regimes alimentares saudáveis, os contratos públicos, as políticas de educação, etc.) e promover inovações sociais em prol do bem-estar de todos os intervenientes na cadeia alimentar, tendo em conta a necessidade de renovação geracional dos agricultores;

4.2.7em relação aos conselhos de política alimentar, apoiá-los (financeira e estruturalmente) e promover abordagens da base para o topo para sistemas alimentares locais, regionais e nacionais sustentáveis, combater o fosso entre as zonas rurais e as zonas urbanas e a polarização entre produtores e consumidores, apoiando o diálogo civil (incluindo representantes da juventude, dos grupos vulneráveis e marginalizados da sociedade, dos intervenientes rurais e dos parceiros sociais), permitir o desenvolvimento sistemático de conselhos de política alimentar e promover sinergias entre os órgãos de poder local e a sociedade civil;

4.2.8conduzir ao estabelecimento de uma rede de conselhos de política alimentar a nível da UE, criando uma plataforma de intercâmbio de boas práticas e de pontos de vista que informe e molde a política da UE.

4.2.9proporcionar sinergias com outras plataformas existentes da UE, como a Coligação para a Política Alimentar da UE 23 , a Plataforma da UE para as Perdas e o Desperdício Alimentares 24 , a Plataforma Europeia das Partes Interessadas na Economia Circular 25 e o Pacto Rural da UE 26 .

4.3O CESE está disposto a proporcionar um espaço de reunião para o conselho europeu de política alimentar. A Plataforma Europeia das Partes Interessadas na Economia Circular, uma iniciativa conjunta do CESE e da Comissão 27 , já representa um exemplo de êxito.

Bruxelas, 14 de junho de 2023

Oliver Röpke

Presidente do Comité Económico e Social Europeu

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(1)     Agência Europeia do Ambiente – «Transforming Europe's food system – Assessing the EU policy mix» [Transformar o sistema alimentar da Europa – Avaliar o conjunto de políticas da UE]; apresentação realizada por Olivier De Schutter no CESE em 14 de abril de 2023.
(2)    Entre outros: JO C 129 de 11.4.2018, p. 18 e JO C 429 de 11.12.2020, p. 268 .
(3)    Ver os relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC): www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-cycle/ .
(4)    «Power to the people? Food democracy initiatives’ contributions to democratic goods» [Mais poder para os cidadãos? Contributos das iniciativas de democracia alimentar para os bens democráticos], Jeroen J. L. Candel, maio de 2022.
(5)

   Cf. definições nos seguintes artigos académicos: Opportunities and challenges of food policy councils in pursuit of food system sustainability and food democracy–a comparative case study from the Upper-Rhine region  [Oportunidades e desafios dos conselhos de política alimentar na prossecução de um sistema alimentar sustentável e da democracia alimentar – estudo de caso comparativo na região do Alto Reno] (Mooney, 2022), e Food Policy Councils: Lessons learned  [Lições dos conselhos de política alimentar] (Harper et al., 2009).

(6)    O primeiro conselho de política alimentar dos EUA foi criado em Knoxville, Tennessee, em 1982.
(7)    Nos projetos do Horizonte 2020 e do Horizonte Europa, existem exemplos de conselhos de política alimentar europeus ou de iniciativas alimentares urbanas semelhantes que se centram em políticas e instrumentos agroalimentares para melhorar os sistemas alimentares, nomeadamente: Cities2030 , FoodSHIFT 2030 , FoodCLIC , FEAST e FOOD TRAILS .
(8)    Franzen-Castle, L. et al. «Engaging Rural Community Members with Food Policy Councils to Improve Food Access: Facilitators and Barriers» [Integrar os membros das comunidades rurais nos conselhos de política alimentar para melhorar o acesso aos alimentos: facilitadores e obstáculos]. Journal of Hunger & Environmental Nutrition, n.º 17, pp. 207-223 (2022).
(9)     Consell Català de l'Alimentació [Conselho catalão da alimentação].
(10)    Conselho Nacional da Alimentação de França: www.cna-alimentation.fr/ .
(11)    Terres en villes: www.terresenvilles.org/ .
(12)

   Montpellier, Rouen, Voiron, Le Havre, Artois (Béthune, Bruay-en-Artois), Douai, Angers, Rennes, Saint-Nazaire, Nantes, Lorient, Toulouse, Grenoble, Saint-Étienne, Lião, Besançon, Dijon, Nancy, Metz, Amiens, Lille, Auxerre, Poitiers (2022).

(13)     «Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional entra em funcionamento» .
(14)    Conselho de política alimentar :   https://food.uni.lu/projects/research-projects/food-policy-council/ .
(15)     https://g1000landbouw.nl/ .
(16)    Laboratório nórdico de política alimentar: www.norden.org/en/nordic-food-policy-lab .
(17)    Entre outros: JO C 129 de 11.4.2018, p. 18 e JO C 429 de 11.12.2020, p. 268 .
(18)       JO C 100 de 16.3.2023, p. 38 .
(19)      Relatório de informação do CESE – Avaliação do regime da UE de distribuição nas escolas .
(20)     «Power to the people? Food democracy initiatives’ contributions to democratic goods» [Mais poder para os cidadãos? Contributos das iniciativas de democracia alimentar para os bens democráticos].
(21)       JO C 100 de 16.3.2023, p. 38 .
(22)    Relatório da IPES Food: CFP_FullReport.pdf (ipes-food.org) ; De Schutter, O., Jacobs, N., e Clément, C. (2020), «A "Common Food Policy" for Europe: How governance reforms can spark a shift to healthy diets and sustainable food systems» [Uma «política alimentar comum» para a Europa: como as reformas da governação podem desencadear uma transição para regimes alimentares saudáveis e sistemas alimentares sustentáveis], Food Policy, n.º 96.
(23)     Coligação para a Política Alimentar da UE .
(24)     Plataforma da UE para as Perdas e o Desperdício Alimentares
(25)     Plataforma Europeia das Partes Interessadas na Economia Circular .
(26)     Pacto Rural . https://rural-vision.europa.eu/rural-pact_en .
(27)     Plataforma Europeia das Partes Interessadas na Economia Circular .