SOC/758
Medidas para combater o estigma associado ao VIH
PARECER
Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania
Medidas para combater o estigma associado ao VIH
[parecer exploratório a pedido da Presidência espanhola]
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Contacto
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SOC@eesc.europa.eu
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Administradora
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Margherita Logrillo
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Data do documento
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02/06/2023
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Relator: Pietro Vittorio Barbieri
Correlatora: Nicoletta Merlo
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Pedido da
Presidência espanhola do Conselho
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Carta, 08/12/2022
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Base jurídica
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Artigo 304.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
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Parecer exploratório
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Competência
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Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania
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Adoção em secção
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31/05/2023
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Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)
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64/0/0
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Adoção em plenária
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DD/MM/YYYY
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Reunião plenária n.º
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…
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Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)
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…/…/…
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1.Conclusões e recomendações
1.1O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe com agrado a iniciativa da Presidência espanhola de definir como objetivo a eliminação do estigma e da discriminação associados ao vírus da imunodeficiência humana (VIH) na Europa até 2030. Esta questão foi descurada por demasiado tempo, apesar de os dados disponíveis revelarem inequivocamente que as suas consequências nefastas subsistem em várias partes do mundo, em contextos sociais específicos e em populações-chave. Por conseguinte, o CESE partilha da opinião da Presidência espanhola de que a eliminação do estigma e da discriminação associados ao VIH deve ser considerada uma das prioridades políticas da agenda da União Europeia (UE).
1.2O CESE concorda com a necessidade de uma declaração de alto nível das instituições europeias, a apresentar ao Parlamento Europeu em 1 de dezembro de 2023, e compromete-se a apoiar e a participar nessa declaração em todos os níveis, formas e fóruns possíveis.
1.3Para combater o estigma, a discriminação e os falsos estereótipos, o CESE considera essencial promover ações de sensibilização, formação e informação, sobretudo nas escolas, contando com a participação da sociedade civil organizada e das organizações de jovens e de estudantes.
1.4É necessário identificar e eliminar os obstáculos à profilaxia de pré-exposição (PrEP) para obter um maior acesso aos medicamentos e progredir na aplicação da PrEP para chegar a uma população mais vasta, a fim de acelerar os progressos no sentido de pôr termo à epidemia de SIDA (síndrome de imunodeficiência adquirida) até 2030. As intervenções preventivas, como a profilaxia pré e pós-exposição e o tratamento enquanto prevenção, podem ter um impacto significativo no controlo do VIH e de outras infeções sexualmente transmissíveis.
1.5As pessoas com VIH devem ter oportunidades iguais de acesso e de crescimento profissional no mundo do trabalho. De igual modo, devem poder beneficiar de regimes específicos, como horários de trabalho flexíveis ou licenças prolongadas para consultas médicas, com garantias de confidencialidade.
1.6O CESE salienta a importância de adotar medidas específicas para as populações-chave. A fim de combater eficazmente a epidemia de VIH, é necessário que as informações específicas e os programas de prevenção aplicados a nível institucional cheguem a estes grupos populacionais, para que os serviços específicos possam entrar em contacto com eles de forma proativa, eventualmente através de associações não governamentais de base comunitária.
1.7Tendo em conta que a Ucrânia faz face à segunda maior epidemia de SIDA na região da Europa Oriental e da Ásia Central, o CESE salienta a importância de os países de acolhimento assegurarem a continuidade e a gratuitidade dos testes de rastreio e do tratamento do VIH para os refugiados ucranianos e de melhorarem as oportunidades de testagem, independentemente do seu estatuto de residência. Uma vez que a maioria dos refugiados são mulheres e crianças, a testagem alargada nos hospitais, nos cuidados primários e nos ambientes comunitários pode ser o contexto mais adequado para os refugiados ucranianos.
1.8O tratamento antirretroviral (TAR) pode desempenhar um papel duplo na melhoria da saúde das pessoas que vivem com o VIH e na prevenção eficaz da transmissão do vírus, uma vez que é altamente eficaz na supressão da sua carga viral.
1.9O diagnóstico atempado da infeção pelo VIH, o início precoce da terapia e a retenção nos cuidados (ciclo de cuidados) são as pedras angulares do controlo da propagação da infeção. Dado que vários países já alcançaram a meta, o CESE solicita a fixação de uma nova meta mais ambiciosa para todos os países até 2030, prevendo a melhoria dos níveis de cobertura até 95% para os testes, o tratamento e a supressão virológica.
1.10Tanto o ciclo de cuidados como o ciclo de prevenção podem representar, em sinergia, uma resposta abrangente para combater a epidemia de VIH, pelo que devem ser desenvolvidos e aplicados.
1.11O CESE defende a criação de estratégias novas e inovadoras que visem melhorar o diagnóstico precoce e sensibilizar um maior número de pessoas para a sua infeção através de um maior recurso a abordagens diversificadas e de fácil utilização para uma maior disponibilidade de testes de rastreio do VIH, como testes rápidos, testes comunitários e autotestes, bem como uma abordagem integrada relativamente aos testes de rastreio do VIH e da hepatite B e C.
1.12As comunidades desempenham um papel preponderante na resposta ao VIH, promovendo a responsabilidade, dinamizando o ativismo de prevenção, executando atividades e contribuindo com inovações que são fundamentais para um progresso sustentado.
1.13Para apoiar e acelerar os progressos na consecução destes objetivos, o CESE insta à intensificação dos esforços na conceção e na execução de novos programas para alargar o conhecimento do estatuto de seropositivo e a cobertura do tratamento, a fim de reduzir a circulação do vírus e, por conseguinte, a sua transmissão, bem como de limitar os motivos de discriminação, nomeadamente no acesso ao emprego ou aos serviços financeiros.
2.O VIH na Europa
2.1A transmissão do VIH continua a ser um grande problema de saúde pública que afeta mais de 36 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais 2,3 milhões vivem na Região Europeia da Organização Mundial da Saúde (OMS), nomeadamente na sua parte oriental. Em 2021, foi diagnosticado VIH a quase 107 000 pessoas na região europeia, incluindo cerca de 17 000 pessoas na UE/EEE. O número de diagnósticos de VIH tem vindo a diminuir desde 2012. Em 2020 e 2021, observou-se uma diminuição mais acentuada dos diagnósticos de VIH (‑24%), possivelmente devido ao impacto da pandemia de COVID-19 na utilização dos serviços de saúde e/ou em resultado da redução da transmissão devido às medidas de saúde pública aplicadas durante o período da pandemia.
2.2Na Europa, o VIH afeta de forma desproporcionada as populações socialmente marginalizadas e as pessoas cujo comportamento é socialmente estigmatizado, como as pessoas que consomem drogas por via intravenosa e os seus parceiros sexuais, os homens que têm relações sexuais com homens, as pessoas transgénero, os trabalhadores do sexo, os reclusos e os migrantes.
2.3Os dados disponíveis documentam tendências e padrões epidémicos diferentes nos países da Região Europeia da OMS: o principal modo de transmissão é a transmissão entre homens que têm relações sexuais com homens na UE/EEE e na parte ocidental, ao passo que a transmissão heterossexual e o consumo de drogas por via intravenosa foram os principais modos de transmissão notificados na parte oriental da região.
2.4O diagnóstico tardio do VIH continua a ser um desafio para a maioria dos países da região: mais de 50% receberam o diagnóstico de VIH quando a contagem de células CD4 era inferior a 350/mmc.
3.Ciclo de cuidados da infeção pelo VIH para os refugiados ucranianos
3.1Desde o início da guerra, em 24 de fevereiro de 2022, mais de 13,5 milhões de pessoas foram deslocadas internamente ou forçadas a fugir para países vizinhos como refugiados, incluindo pessoas que vivem com o VIH (estimadas entre 10 000 e 30 000 pessoas) e populações-chave.
3.2A Ucrânia é o país com a segunda maior epidemia de SIDA na região da Europa Oriental e da Ásia Central. O número de novos diagnósticos de VIH aumentou de 14 240 em 2016 para 16 270 em 2019, diminuindo ligeiramente para 15 660 em 2020, provavelmente devido à crise da COVID-19. Os dados de vigilância indicaram que, destes totais, entre 9 000 e 10 000 contraíram o vírus através de contacto heterossexual e cerca de 5 000 através do consumo de drogas por via intravenosa.
3.3Antes do início da guerra, o país estava a realizar grandes progressos na resposta à SIDA: os cuidados e o tratamento do VIH eram fornecidos gratuitamente nas clínicas públicas especializadas em VIH em todo o país, registando-se um número crescente de pessoas que vivem com o VIH a receber tratamento antirretroviral (TAR). Em 2021, de acordo com as estatísticas, das 240 000 pessoas que vivem com o VIH (0,6% da população ucraniana), mais de 150 000 estavam a receber TAR (62%) e 94% das pessoas que receberam tratamento apresentavam supressão viral.
3.4No país, as agências das Nações Unidas e os parceiros no terreno, como o Fundo de Emergência da ONUSIDA, têm trabalhado em estreita colaboração com os órgãos de poder local para alcançar e ajudar as pessoas necessitadas. Mais recentemente, prestaram assistência humanitária a territórios duramente atingidos do país aos quais só agora foi possível aceder. Uma coligação entre o governo, a sociedade civil e as organizações internacionais tem sido e continua a ser a pedra angular da resposta eficaz ao VIH na Ucrânia durante a guerra.
3.5A ONUSIDA continuará a apoiar a prevenção do VIH, os testes, o tratamento, os cuidados e a assistência às pessoas na Ucrânia afetadas pela guerra e às pessoas deslocadas pelo conflito.
3.6Um documento do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), publicado em julho de 2022, apresenta considerações fundamentais para apoiar o processo de decisão e a prestação de serviços concretos que mantenham os padrões de qualidade dos cuidados de VIH prestados aos refugiados ucranianos, em particular a importância de os países de acolhimento assegurarem a continuidade e a realização de testes de rastreio e tratamentos gratuitos do VIH para os refugiados ucranianos, melhorando as oportunidades de testagem independentemente do seu estatuto de residência, uma vez que o acesso restrito à TAR implica um risco acrescido de doença, de morte, de surgimento de estirpes resistentes e de potencial transmissão subsequente. Uma vez que a maioria dos refugiados são mulheres e crianças, a testagem alargada nos hospitais, nos cuidados primários e nos ambientes comunitários pode ser o contexto mais adequado para os refugiados ucranianos.
4.O VIH no mundo
4.1Existe um forte consenso a nível mundial de que, atualmente, dispomos dos instrumentos necessários para pôr termo à epidemia de SIDA. Nas últimas duas décadas, um número crescente de estudos realizados em diversos contextos demonstrou que o TAR pode desempenhar um papel duplo na melhoria da saúde das pessoas que vivem com o VIH e prevenir eficazmente a transmissão do VIH (tratamento enquanto prevenção), uma vez que é altamente eficaz na supressão da carga viral do VIH (definida como inferior a 200 cópias/mL).
4.2Nos últimos anos, foi amplamente instaurada uma estratégia que encara o diagnóstico atempado da infeção pelo VIH, o início precoce da terapêutica e a retenção nos cuidados (ciclo de cuidados) como pedras angulares do controlo da propagação da infeção. Em 2014, a ONUSIDA lançou a meta 90-90-90 (90% das pessoas com VIH diagnosticadas, 90% das pessoas tratadas e 90% das pessoas tratadas com virémia suprimida). Se estas metas forem alcançadas, 73% de todas as pessoas que vivem com o VIH terão uma carga viral suprimida, o que travará a transmissão do vírus.
4.3Existem dados que comprovam que, no final de 2020, vários países, com geografias, estatutos de rendimento e epidemiologias diferentes, já tinham alcançado a meta. Os peritos consideram que estes resultados podem mostrar que é possível alcançar uma nova meta mais ambiciosa para todos os países até 2030, prevendo a melhoria dos níveis de cobertura até 95% para os testes, o tratamento e a supressão virológica. Para apoiar e acelerar os progressos na consecução desses objetivos na resposta à epidemia de VIH, são necessários mais esforços na conceção e na execução de novos programas para alargar o conhecimento do estatuto de seropositivo e a cobertura do tratamento (abordagem de teste e tratamento universal), a fim de reduzir a circulação do vírus e, por conseguinte, a sua transmissão. Estes novos programas não devem centrar-se exclusivamente nas medidas normalizadas a aplicar, antes devem ser aplicados também em função das necessidades e dos pedidos específicos das pessoas que vivem com o VIH.
4.4Mais recentemente, há cada vez mais vozes que propõem uma abordagem semelhante ao ciclo de cuidados da infeção pelo VIH, o denominado ciclo de prevenção da infeção pelo VIH, que vise a população em risco de infeção pelo VIH para impedir a transmissão do vírus entre as pessoas. O ciclo de prevenção da infeção pelo VIH alicerça-se nos testes de rastreio, acompanhados pelo estabelecimento de um vínculo das pessoas não infetadas pelo VIH com os serviços de prevenção, da retenção nos serviços e da adesão aos serviços para receberem aconselhamento contínuo sobre a redução dos riscos e a utilização sistemática de preservativos para evitar a contração e a transmissão do VIH. A retenção também é importante para assegurar a repetição dos testes de rastreio e o diagnóstico precoce da infeção pelo VIH, caso esta ocorra. Os novos infetados devem ser prontamente direcionados para os cuidados e o tratamento do VIH e para outros métodos de prevenção, nomeadamente o rastreio dos parceiros, a utilização de preservativos e os medicamentos antirretrovirais para prevenção. Vários estudos demonstraram que, a nível da população, tanto o ciclo de cuidados como o ciclo de prevenção podem representar, em sinergia, uma resposta completa para combater a epidemia de VIH.
4.5São necessárias estratégias novas e inovadoras que visem melhorar o diagnóstico precoce e sensibilizar um maior número de pessoas para a sua infeção através de um maior recurso a abordagens diversificadas e de fácil utilização para uma maior disponibilidade de testes de rastreio do VIH, como testes rápidos, testes comunitários e autotestes, bem como uma abordagem integrada relativamente aos testes de rastreio do VIH e da hepatite B e C.
4.6A OMS recomenda um pacote abrangente de serviços de saúde para a prevenção do VIH, com especial incidência nas populações-chave. Neste contexto, é especialmente importante a integração dos serviços de prevenção do VIH com os serviços de saúde sexual e reprodutiva, de saúde mental, de prevenção e tratamento da violência sexual e de género, de tratamento da toxicodependência, de prevenção e tratamento da hepatite C, de controlo da tuberculose, de saúde nas prisões, de doenças não transmissíveis e os serviços de apoio jurídico e social.
4.7A disponibilidade de diferentes formas de acesso a um teste de rastreio do VIH pode proporcionar a oportunidade de um diagnóstico atempado a várias populações vulneráveis à infeção pelo VIH.
4.8A ONUSIDA recomenda uma abordagem de «prevenção por combinação» para prevenir a infeção pelo VIH. Uma vez que nenhuma estratégia de prevenção por si só é suficiente para conter a propagação da doença, a abordagem exige intervenções biomédicas, comportamentais e estruturais especificamente selecionadas e adaptadas às necessidades locais, conforme expressas pelas comunidades afetadas. Para assegurar o êxito desta abordagem, essas intervenções devem ser coordenadas, eficientes, coerentes e inspiradas por um compromisso partilhado com objetivos comuns.
5.Resposta da comunidade ao VIH
5.1Historicamente, o papel das comunidades de pessoas que vivem com o VIH, dos grupos marginalizados e vulneráveis, das mulheres e dos jovens na prestação de serviços relacionados com o VIH, na investigação e desenvolvimento de medicamentos, na defesa de causas, na responsabilização social e política, na mobilização de recursos e na proteção dos direitos sociais e humanos está bem documentado, sendo reconhecido pela ONUSIDA. As últimas três décadas demonstraram que as comunidades de pessoas que vivem com o VIH e os seus pares são fundamentais para manter o empenho e a defesa da equidade em matéria de saúde e do financiamento da saúde, assegurando o reconhecimento e o respeito pelos direitos humanos de todas as pessoas. Uma integração de qualidade e efetiva dos sistemas de saúde e dos cuidados de saúde universais pode ser concebida, aplicada e sustentada de forma mais eficaz atribuindo um papel central às comunidades de pessoas que vivem com o VIH e aos seus pares. A liderança e a participação das comunidades contribuíram diretamente para a melhoria dos resultados no acesso aos serviços de tratamento, prevenção, apoio e cuidados no domínio do VIH em todo o mundo.
5.2As comunidades desempenham um papel preponderante na resposta ao VIH, promovendo a responsabilidade, dinamizando o ativismo de prevenção, executando atividades e contribuindo com inovações que são fundamentais para um progresso sustentado. As plataformas de prestação de serviços dirigidas pelas comunidades são muitas vezes mais eficazes do que as plataformas formais dependentes de unidades de saúde para chegar às populações marginalizadas e mal servidas, especialmente em contextos onde o estigma e a discriminação são comuns. As organizações de base comunitária estão bem posicionadas para identificar, por um lado, as lacunas nos serviços e as limitações que impedem a prestação e a aceitação dos mesmos e, por outro, as oportunidades de reconhecer os serviços como parte dos direitos fundamentais do indivíduo e de os tornar mais centrados nas pessoas, mais convenientes e mais eficientes.
5.3A comunidade (entendida como o conjunto de associações e organizações não governamentais envolvidas no combate à SIDA e na defesa quotidiana dos direitos das pessoas com VIH) desempenha um papel fundamental para dar voz às populações mais vulneráveis e em risco, apresentando soluções eficazes para conter a epidemia de VIH/SIDA. A sua ação é tão importante que, em 2019, a Organização Mundial da Saúde (ONUSIDA) lhe dedicou o Dia Mundial da SIDA (1 de dezembro), sob o lema «As comunidades fazem a diferença».
5.4Importa equacionar igualmente a possibilidade de assegurar um acompanhamento constante e de realizar avaliações de impacto das diferentes políticas e quadros legislativos em matéria de saúde adotados em cada Estado-Membro, através da participação de intervenientes independentes e imparciais, nomeadamente com vista a identificar as boas práticas mais indicadas para partilhar e propor a nível europeu.
5.5Mesmo estando ciente de que o objetivo consiste em «normalizar» a condição positiva do VIH, recomenda-se que a privacidade de cada indivíduo seja respeitada tanto durante os contactos com os estabelecimentos de saúde para o acesso aos serviços como em domínios relacionados com as atividades da vida quotidiana (escola, trabalho, etc.). Por conseguinte, as regras em todos os Estados-Membros devem ter por objetivo garantir a proteção dos direitos e liberdades fundamentais, bem como a dignidade intrínseca, da pessoa com VIH.
5.6Para combater o estigma, a discriminação e os falsos estereótipos, devem ser promovidas ações de sensibilização, formação e informação, sobretudo nas escolas, contando com a participação da sociedade civil organizada, como associações e comunidades locais e organizações de jovens e de estudantes.
6.Profilaxia de pré-exposição (PrEP) para a prevenção da infeção pelo VIH
6.1A profilaxia de pré-exposição (PrEP) consiste numa abordagem biomédica da prevenção da infeção pelo VIH que implica que as pessoas com elevado risco de contrair o VIH tomem medicamentos antirretrovirais por via oral. A eficácia da PrEP está bem documentada quando é tomada de acordo com a prescrição. Trata-se de um elemento essencial da «prevenção por combinação» necessário para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de acabar com a epidemia de SIDA até 2030, sendo a sua utilização recomendada por orientações nacionais e internacionais. De acordo com o parecer do ECDC, os Estados-Membros da UE devem ponderar a integração da PrEP nos seus atuais programas de prevenção da infeção pelo VIH destinados às populações-chave e às pessoas com maior risco de infeção.
6.2Vários estudos descreveram uma aceitação lenta da PrEP em contextos clínicos e uma retenção abaixo do ideal no que respeita aos cuidados. O esforço para assegurar a persistência da PrEP está associado ao maior impacto na incidência do VIH. No entanto, verificou-se que muitos utilizadores ainda interrompem a PrEP no primeiro ano após o início, e que a retenção corresponde a menos da metade. Os motivos para a interrupção da PrEP são de vária ordem: a alteração dos comportamentos sexuais durante determinados períodos da vida, os efeitos adversos do medicamento, bem como a baixa perceção do risco, o receio de proteção insuficiente pela PrEP, a estigmatização, as perturbações na rotina diária e o consumo de substâncias, o custo e a falta de cobertura de seguro e apoio financeiro e consultas médicas frequentes.
6.3A disponibilidade da PrEP na Europa é fragmentada e complexa e está em constante mutação. A repartição geográfica da prestação de PrEP revela uma grande diversidade na Europa e na Ásia Central. É necessário identificar e eliminar os obstáculos à PrEP para obter um maior acesso aos medicamentos e progredir na aplicação da PrEP para atingir uma população mais vasta, a fim de acelerar os progressos no sentido de pôr termo à epidemia de SIDA até 2030.
6.4As intervenções preventivas, como a profilaxia pré e pós-exposição e o tratamento enquanto prevenção, podem ter um impacto significativo no controlo do VIH e de outras infeções sexualmente transmissíveis.
7.Populações-chave
7.1Apesar dos excelentes resultados obtidos nas últimas décadas no que respeita à redução da infeção pelo VIH em várias partes do mundo (com uma redução significativa do número de mortes causadas pela SIDA), o leque completo de medidas combinadas de prevenção do VIH está longe de estar disponível «universalmente». Além disso, onde não existe tratamento para a SIDA, as infeções pelo VIH continuam a propagar-se de forma desproporcionada, causando a morte de pessoas.
7.2A infeção pelo VIH continua a propagar-se em populações que, por diversos motivos, não podem ser abrangidas pelas medidas de prevenção ou que, uma vez infetadas, não podem beneficiar do tratamento antirretroviral atualmente disponível. Estas populações mais vulneráveis ao VIH, como os toxicodependentes, os trabalhadores do sexo, os homossexuais e os homens que têm relações sexuais com homens, os reclusos, as pessoas transgénero, os migrantes e os respetivos parceiros, são designadas «populações-chave» e caracterizam-se por taxas de morbilidade e de mortalidade mais elevadas do que a população em geral e por um menor acesso aos serviços de saúde, desempenhando também um papel fundamental na propagação da epidemia. No entanto, os serviços combinados de prevenção do VIH só conseguiram chegar a menos de metade das pessoas destes grupos, o que prova que estas populações continuam a ser marginalizadas e deixadas para trás no âmbito dos progressos mais recentes na luta contra a SIDA.
7.3A vulnerabilidade destes subgrupos da população pode depender tanto de práticas específicas entre estes grupos como da dificuldade de acesso aos serviços relacionados com o VIH devido à pobreza e às condições provocadas pela marginalização e pelo isolamento sofridos em diferentes contextos sociais por diversos motivos, como, por exemplo, de ordem cultural, religiosa e até jurídica.
7.4A fim de chegar mais facilmente a todas as populações-chave, incluindo as que vivem em zonas periféricas, a utilização de unidades de rua deve ser divulgada e reforçada, nomeadamente para prestar serviços básicos, como testes rápidos. Os serviços móveis poderão também funcionar como um primeiro contacto para prestar cuidados mais eficazes e continuados ao indivíduo em locais mais adequados para as pessoas que vivem em zonas periféricas ou de difícil acesso.
7.5Em algumas situações, as mulheres estão em maior desvantagem do que os homens, são economicamente mais desfavorecidas, nem sempre conseguem negociar os termos das relações sexuais e são frequentemente vítimas de violência. Noutras situações, a discriminação associada a determinadas práticas, bem como o preconceito, a intolerância ou mesmo as leis punitivas que criminalizam a homossexualidade impedem o livre acesso aos serviços. Muitas vezes, também se verifica uma sobreposição de vários fatores diferentes que amplificam a vulnerabilidade.
7.6As pessoas com VIH devem ter oportunidades iguais de acesso e de crescimento profissional no mundo do trabalho. De igual modo, devem poder beneficiar de regimes específicos, como horários de trabalho flexíveis ou licenças prolongadas para consultas médicas, com garantias de confidencialidade. Em alguns países, há proibições que impedem as pessoas infetadas pelo VIH de exercerem determinadas profissões, como na polícia, nos serviços aduaneiros e nos centros de detenção. As pessoas afetadas pelo VIH continuam a deparar-se com dificuldades e taxas mais elevadas quando se candidatam a seguros, hipotecas e empréstimos, mesmo que, em alguns Estados-Membros, tenham sido tomadas medidas que facilitam o acesso e limitam o aumento das taxas para as pessoas com problemas de saúde graves. O CESE defende condições que reflitam a melhoria do tratamento, da saúde e da esperança de vida. Os dados estatísticos anonimizados disponíveis através do Espaço Europeu de Dados de Saúde devem, por conseguinte, ser utilizados para melhorar o acesso a esses serviços financeiros.
7.7A emergência epidemiológica da COVID-19 teve um impacto profundo nos sistemas de saúde em todo o mundo, agravando ainda mais as desigualdades existentes e tornando mais difícil alcançar as metas da OMS, sobretudo em países com recursos limitados. De igual modo, crê-se que as perturbações nas medidas de prevenção conduziram a um aumento inevitável dos casos de VIH, suficiente para anular todos os progressos realizados graças aos esforços envidados nos anos anteriores.
7.8Na Europa, as populações-chave mais afetadas pelo VIH são os toxicodependentes, os homens que têm relações sexuais com homens e os migrantes. A prevalência varia em termos geográficos, consoante os países em causa. Para combater eficazmente a epidemia de VIH, é necessário que as informações específicas e os programas de prevenção aplicados a nível institucional cheguem a estes grupos populacionais, para que os serviços específicos possam entrar em contacto com eles de forma proativa, eventualmente através de associações não governamentais de base comunitária.
7.9Os cuidados de saúde são um direito inalienável de todos os indivíduos. Por conseguinte, o acesso a cuidados médicos e a um nível mínimo comum de serviços de qualidade para o bem‑estar das pessoas afetadas pelo VIH deve ser livre e garantido a todas as pessoas que vivem com VIH, sem discriminação e restrições, seguindo as recomendações da Classificação Internacional de Doenças, como acontece para qualquer outra doença. O respeito pelos princípios da igualdade e da eficácia deve ser cuidadosamente monitorizado e controlado.
8.Toxicodependentes
8.1A dependência de drogas por via intravenosa sempre esteve associada à transmissão do VIH, devido à troca de material infetado utilizado para o consumo das drogas. No entanto, o consumo de drogas não intravenosas também pode estar associado a práticas sexuais inseguras e, por conseguinte, a um risco potencial de contrair e transmitir o VIH, bem como outras infeções sexualmente transmissíveis. Em particular, o consumo de estimulantes como a cocaína, o crack e a metanfetamina está frequentemente associado a práticas sexuais de alto risco. A transmissão sexual do VIH entre toxicodependentes não deve, pois, ser subestimada.
8.2Em 2018, na Europa Oriental, mais de 80% das infeções pelo VIH estavam associadas a toxicodependentes, na sua maioria muito jovens e sobretudo mulheres. As mulheres jovens são mais afetadas do que os homens, nomeadamente devido à prostituição, que está intimamente ligada ao consumo de drogas. Foram também documentadas epidemias localizadas de VIH entre populações marginalizadas de consumidores de drogas injetáveis na Europa Ocidental.
8.3Os reclusos apresentam taxas de consumo de droga mais elevadas e padrões de consumo mais nocivos do que a população em geral, incluindo o consumo parentérico, o que torna os toxicodependentes reclusos particularmente vulneráveis.
8.4Os toxicodependentes apresentam baixas taxas de acesso aos testes de rastreio e são mais suscetíveis de receber diagnósticos tardios. Mesmo em Itália, os toxicodependentes testados relativamente ao VIH constituíam uma percentagem baixa de todos os utentes dos serviços locais de apoio à toxicodependência que, face à ausência de sintomas associados ao VIH, não oferecem testes tão facilmente.
8.5O acesso ao tratamento para os toxicodependentes é indubitavelmente muito baixo, embora varie de país para país. Estima-se, em geral, que apenas 8% dos toxicodependentes estejam a receber tratamento antirretroviral e que, de todas as pessoas em tratamento, apenas 20% sejam toxicodependentes. Em comparação com as pessoas com VIH na população em geral, os toxicodependentes também têm menos probabilidades de conseguir a supressão virológica, o que se deve ao facto de apresentarem uma taxa de seguimento do tratamento mais baixa, muita vezes interrompendo-o por completo. Esta situação conduz a um maior risco de morte por SIDA entre a população seropositiva de toxicodependentes.
8.6Se a ambição é alcançar o objetivo de garantir o acesso universal ao tratamento do VIH, tanto na Europa como no resto do mundo, são necessários programas que cheguem de forma mais eficaz aos toxicodependentes.
9.Homens que têm relações sexuais com homens (HSH)
9.1Em geral, os HSH, ou os homens que têm relações sexuais com homens, correm um risco 27 vezes maior de contrair o VIH do que a população em geral. Alguns fatores biológicos facilitam a contração do VIH. A maioria dos HSH contrai o VIH através de sexo anal desprotegido, que representa a forma mais arriscada de contrair o VIH em comparação com outras práticas sexuais. Neste grupo populacional, o elevado número de parceiros sexuais e a utilização generalizada de substâncias recreativas, incluindo drogas intravenosas (que muitas vezes envolvem sexo, designado «sexo químico»), também podem contribuir para a elevada prevalência do VIH nos HSH.
9.2A crescente disponibilidade de tratamento antirretroviral, que resultou num declínio significativo na propagação do VIH em geral, não surtiu o mesmo efeito entre os HSH. Pelo contrário, em muitos países ocidentais, nos últimos anos, registou-se um aumento da prevalência do VIH nesta população, bem como um aumento gradual da percentagem de casos atribuíveis à transmissão entre HSH.
9.3Os preservativos ajudam a prevenir a transmissão do VIH, bem como de outras infeções sexualmente transmissíveis. No entanto, a sua utilização não é muito generalizada devido a barreiras culturais, educativas e a nível da oferta que refletem diferentes contextos sociais e serviços de saúde.
9.4Em muitos países e em muitas circunstâncias individuais, há vários obstáculos ao acesso aos instrumentos de prevenção devido ao estigma, à homofobia e à discriminação, que dificultam o acesso aos serviços de saúde e a uma informação adequada. Há muitos casos em que leis punitivas criminalizam as pessoas que têm relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, obrigando-as a passarem à clandestinidade e a esconderem a sua orientação sexual ou, pior ainda, a sua identidade. Mesmo nos casos em que as leis não são abertamente discriminatórias, o estigma e o medo desincentivam as pessoas de acederem aos serviços relacionados com o VIH, que ficam assim a ignorar os instrumentos disponíveis para prevenir a infeção pelo VIH.
9.5O estigma também tem um impacto no acesso aos testes de rastreio e ao diagnóstico. Muitos HSH referem recear o julgamento dos profissionais de saúde e adiam a realização dos testes, o que muitas vezes atrasa o diagnóstico. O facto de desconhecerem o estatuto da sua infeção significa que não têm acesso aos medicamentos antirretrovirais que, para além de terem efeitos na saúde das pessoas em causa, reduziriam o risco de transmissão aos parceiros sexuais.
9.6Muitos homens afirmam que preferem realizar os testes fora dos estabelecimentos de saúde tradicionais. Os programas de rastreio apoiados pela comunidade (associações não governamentais) podem ser uma excelente forma de, em várias situações, promover a prevenção e permitir o acesso das pessoas de maior risco, que apresentam as taxas de infeção mais elevadas, aos testes de rastreio.
9.7Para garantir que também é possível alcançar a meta 90-90-90 entre a população de HSH, é essencial a cooperação entre as comunidades e as instituições.
10.Migrantes
10.1Estima-se que haja cerca de 231 milhões de migrantes em todo o mundo. A migração coloca as pessoas em situações de extrema vulnerabilidade à infeção pelo VIH devido a fatores socioeconómicos e políticos e, em alguns países, foi mesmo identificada como o fator de risco mais elevado para o VIH. Os migrantes enfrentam diariamente obstáculos que dificultam o acesso aos serviços sociais e de saúde. A exclusão social, em particular, torna os migrantes extremamente vulneráveis à infeção pelo VIH.
10.2Mais de um terço dos novos diagnósticos de VIH na UE dizem respeito a migrantes. Embora este número esteja a diminuir, metade dos migrantes diagnosticados com VIH é oriunda de países altamente endémicos (África Subsariana, por exemplo), o que aponta para uma infeção proveniente do seu continente de origem. Existem cada vez mais dados que comprovam que uma percentagem considerável das infeções é contraída após a migração, no país de acolhimento. Além disso, a possibilidade de infeção durante as visitas temporárias de regresso ao país de origem não deve ser subestimada.
10.3As mulheres representam uma percentagem significativa dos estrangeiros com VIH. Embora a percentagem de mulheres com novos diagnósticos de VIH entre os cidadãos da UE se situe nos 16%, este número sobe para 40% entre os estrangeiros, sobretudo mulheres africanas.
10.4Um relatório do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), publicado em 2017 (centrado inteiramente na questão dos migrantes com VIH), mostrou que os estrangeiros na Europa têm dificuldade em aceder a serviços de prevenção do VIH e a testes de rastreio. O estigma e a discriminação, especialmente em relação a pessoas oriundas de países com elevada prevalência de infeção (incluindo o estigma e a discriminação por parte dos profissionais de saúde), são referidos como os principais obstáculos. Consequentemente, os estrangeiros com VIH recebem o diagnóstico mais tarde do que os cidadãos europeus, quando os sintomas de imunodeficiência já estão presentes. Após o diagnóstico, os estrangeiros, especialmente os que não têm autorização de residência legal, também têm dificuldades de acesso ao tratamento. Há 15 países que não lhes proporcionam o tratamento antirretroviral adequado, desrespeitando, mais uma vez, os compromissos assumidos na Convenção de Dublim, em 2004, para combater a discriminação e as violações dos direitos das populações mais fracas e vulneráveis, que sempre foram menos protegidas.
Bruxelas, 31 de maio de 2023
Cinzia del Rio
Presidente da Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania
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