PARECER

Comité Económico e Social Europeu

Bússola Estratégica da UE

_____________

Bússola Estratégica da UE

[parecer de iniciativa]

REX/562

Relator: Christian Moos

Correlator: Peter Clever

PT

Decisão da Plenária

14/7/2022

Base jurídica

Artigo 52.º, n.º 2, do Regimento

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

20/12/2022

Adoção em plenária

24/01/2023

Reunião plenária n.º

575

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

163/1/5

1.Síntese e recomendações

1.1A Bússola Estratégica constitui um importante passo em frente. Trata-se de um catálogo de projetos e medidas concretos, de extrema importância, que reforçam a segurança europeia. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que esse catálogo deve ser alargado, de modo a constituir uma estratégia abrangente para a política externa e de segurança da União, e que a sociedade civil deve ser associada a esse processo.

1.2O CESE sublinha que segurança é muito mais do que defesa e que uma estratégia abrangente de segurança da UE deve centrar-se também nos aspetos civis e preventivos, a fim de apoiar e complementar as medidas concretas de defesa.

1.3O CESE sublinha a importância preventiva da justiça social, das perspetivas económicas e da sustentabilidade ambiental. A paz social e a estabilidade económica são condições importantes para a não violência. A limitação do aquecimento global e o controlo das suas consequências são fundamentais para a manutenção da ordem social e da paz no mundo.

1.4A Bússola Estratégica não tem suficientemente em conta o papel que a sociedade civil europeia pode e deve desempenhar para alcançar uma maior resiliência contra ataques híbridos nem o enfraquecimento sistemático da coesão e da solidariedade, nos Estados-Membros da UE e entre eles, por potências hostis.

1.5A política de segurança civil e preventiva é indissociável da capacidade de defesa militar. Esta última deve ser considerada como condição indispensável para a segurança, e também como um fator de prevenção, dado o seu efeito dissuasor.

1.6O CESE é de opinião que a Bússola Estratégica apresenta uma imagem demasiado positiva da política europeia de segurança e defesa.

1.7A OTAN não é apenas um parceiro estratégico da UE, é também o garante mais importante da sua segurança. Os europeus devem acrescentar mais valor à OTAN através de medidas que reforcem a sua própria capacidade de ação. A UE e a OTAN ainda não esgotaram todo o potencial de cooperação mútua. O reforço do pilar europeu de segurança e defesa implica o reforço da OTAN.

1.8Em última análise, a UE deve assumir mais responsabilidades e criar uma União Europeia da Defesa enquanto pilar europeu da OTAN, assegurando o pleno respeito e a compatibilidade com a neutralidade de alguns dos seus Estados-Membros.

1.9A UE deve promover uma melhor compreensão da importância crucial da parceria transatlântica para a OTAN e, por conseguinte, para a segurança europeia.

1.10Durante muito tempo, demasiados Estados-Membros da UE negligenciaram os seus compromissos e capacidades de defesa, o que conduziu a um grave subdesenvolvimento das suas forças armadas, bem como à sua falta de preparação e de interoperabilidade.

1.11Os Estados-Membros da UE têm de coordenar melhor o reforço das capacidades nacionais e o planeamento da defesa e apostar na aquisição conjunta. As políticas industriais nacionais devem coordenar-se de forma muito mais eficiente, a fim de aumentar a eficácia das capacidades de defesa europeias.

1.12A introdução da votação por maioria nos processos de decisão em matéria de política externa e de segurança deve reforçar a capacidade de ação europeia.

1.13Enquanto elemento adicional importante da Bússola Estratégica, há que identificar o papel que a sociedade civil europeia pode desempenhar em termos de solidariedade, cooperação e resiliência.

1.14O CESE propõe a criação de fóruns públicos para a realização de debates estratégicos a nível europeu e nacional.

2.Observações gerais

2.1No presente parecer de iniciativa, o CESE analisa o impacto da Bússola Estratégica e procura efetuar uma avaliação política, do ponto de vista da sociedade civil, dos objetivos e das opções que aquela prevê para a União. O CESE congratula-se com as iniciativas da União Europeia para reforçar a segurança e a defesa europeias.

2.2A sociedade civil não é alheia às questões de segurança e a sua voz deve ser ouvida. Em caso de conflito, as instituições civis são duramente atingidas e os civis sofrem as consequências devastadoras da guerra.

2.3Do ponto de vista da sociedade civil, a Bússola Estratégica adota uma perspetiva restrita de segurança, com especial destaque para a defesa. O CESE sublinha que segurança é muito mais do que defesa e que uma estratégia de segurança da UE deveria dar mais atenção aos aspetos civis e preventivos do que aquela que é dada na Bússola Estratégica.

2.4A União Europeia é a antítese da violência e da guerra. A União tem de fazer melhor uso dos seus recursos políticos, materiais e culturais, a fim de contribuir para a resolução pacífica de conflitos e prevenir a escalada militar, pois é aí que reside o seu potencial de valor acrescentado importante e o prestígio de que tem gozado até aqui a nível mundial. A União deve defender mais eficazmente o regresso a acordos multilaterais em matéria de controlo de armamento, o respeito do Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares e o compromisso de desativar as armas nucleares.

2.5Uma ordem multilateral assente em regras é essencial para a defesa dos direitos humanos universais. Juntamente com todos os parceiros que partilham das mesmas ideias em todo o mundo, a UE deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reforçar e, se necessário, restabelecer e renovar a ordem multilateral assente em regras. A política do poder da força e o «direito dos mais fortes» são incompatíveis com a democracia e o Estado de direito. A segurança sem liberdade não teria sentido. Aliás, a segurança é também uma condição prévia importante para a liberdade.

2.6A política de segurança civil e preventiva não colide com a capacidade de defesa militar. Esta última, pelo contrário, deve ser considerada como uma condição prévia essencial para a segurança, e também como um fator de prevenção, dado o seu efeito dissuasor.

2.7O investimento político e financeiro na segurança e na defesa exige uma avaliação sólida e séria dos pontos fortes e fracos a) sistémicos e b) materiais da União Europeia e da sua capacidade de i) garantir a sua própria segurança, ii) projetar a estabilidade na sua vizinhança, iii) proteger as rotas comerciais mundiais e o acesso a bens e materiais críticos e, por último, mas não menos importante, iv) através dos seus Estados-Membros, ser um parceiro fiável e claramente empenhado nas alianças que são essenciais para a segurança europeia e não só.

2.8Para alcançar a segurança e a liberdade, não basta possuir capacidades militares, sendo igualmente necessário assegurar uma abordagem social, económica e ambiental holística, assim como melhores serviços de informação e atividades de prospetiva. A política preventiva e a resolução de conflitos com recurso a meios diplomáticos e civis devem merecer prioridade. O emprego da força militar deve continuar a ser uma opção de último recurso. No entanto, tal implica também que a União disponha de capacidades militares credíveis e de uma vontade incontestável de as utilizar se for inevitável. A UE tem de defender os seus interesses de forma mais determinada.

2.9Manter uma paz justa é o objetivo último do sistema de segurança mundial, sendo o multilateralismo o melhor instrumento para atingir esse objetivo. Não obstante, o multilateralismo está sob pressão crescente. O CESE subscreve as recomendações que constam do relatório de 2022 sobre a paz mundial, defendendo a adoção de medidas para reforçar a arquitetura mundial da paz 1 .

2.10Para possibilitar a aplicação de medidas que reforcem as capacidades de defesa e aumentem a segurança, é necessário reforçar a coerência interinstitucional, eliminar a compartimentação e, acima de tudo, assegurar o forte empenho dos Estados-Membros.

2.11A invasão russa da Ucrânia, o regresso da guerra à Europa e a política do poder da força exigem capacidades de dissuasão eficazes. Embora a UE nunca tenha sido concebida para prosseguir uma política baseada no seu papel como grande potência, deve agora adaptar-se à concorrência sistémica crescente entre as grandes potências, num contexto em que a Rússia e a China estão a desafiar o sistema internacional e a segurança mundial. A Rússia está a violar flagrantemente a Carta das Nações Unidas e a China está a violar os direitos humanos universais, como se vê claramente no Sinquião e em Hong Kong.

2.12Os EUA, o Canadá e outras democracias no mundo são parceiros importantes que respeitam os direitos humanos universais, ou seja, direitos que não podem nunca, e em parte alguma, ser negados, compromisso que todos os Estados membros das Nações Unidas assumiram oficialmente de livre vontade.

2.13A UE deve promover uma melhor compreensão da importância crucial da parceria transatlântica – as relações UE-EUA – para a OTAN e, por conseguinte, para a segurança europeia. Embora nos últimos anos a região asiática e do Pacífico se tenha tornado cada vez mais no centro das atenções dos EUA em detrimento da Europa, a agressão russa mostra que a ordem mundial tem de continuar a ser assegurada e, se necessário, defendida também na Europa.

2.14A OTAN não é apenas um parceiro estratégico da UE, mas garante a defesa militar da Europa, e o pilar europeu da defesa deve ser desenvolvido em plena complementaridade com esta organização. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a ordem mundial em matéria de segurança sustentam este facto, sob todos os aspetos. Uma maior cooperação europeia no domínio da defesa poderá fortalecer a OTAN e reforçar a capacidade de ação da Europa, prestando um contributo efetivo para a sua própria segurança e para a estabilidade regional.

2.15Embora a UE enquanto organização política e a OTAN enquanto aliança não sejam de todo idênticas, a sua sobreposição, tanto de valores como de objetivos, está a aumentar significativamente. Quando a Finlândia e a Suécia aderirem à OTAN, 23 países passarão a ser membros de ambas as organizações. Os europeus podem e devem acrescentar mais valor à aliança através de medidas que reforcem a sua própria capacidade de ação estratégica. Em última análise, a UE deve assumir mais responsabilidades pela sua segurança e criar uma União Europeia da Defesa enquanto pilar europeu da OTAN, no pleno respeito da neutralidade de alguns dos seus Estados-Membros.

2.16Durante muitos anos, demasiados Estados-Membros negligenciaram as suas capacidades de defesa. A suborçamentação, mas sobretudo as despesas ineficientes com a defesa conduziram em muitos Estados-Membros a um grave subdesenvolvimento das forças armadas, bem como à sua falta de preparação e de interoperabilidade. Nos casos em que esses Estados-Membros da UE são também membros da OTAN, verifica-se, pois, uma negligência das respetivas obrigações no âmbito da aliança.

2.17A capacidade de defesa da Europa não depende apenas do nível de recursos orçamentais disponibilizados para esse fim, mas sim, sobretudo, de uma aplicação eficiente dos mesmos. Atualmente, os diferentes sistemas de armamento na UE geram duplicações, custos elevados e ineficiências. Os Estados-Membros da UE têm de coordenar melhor o reforço das capacidades nacionais e o planeamento da defesa e apostar na aquisição conjunta. Há que adotar políticas de aquisição coerentes a nível da UE e dos Estados-Membros, a fim de alcançar a economia de escala necessária para reduzir os custos e de gerar atividade suficiente para assegurar a existência de empresas em fase de arranque emergentes 2 . As práticas atuais no mercado da defesa europeu revelam o custo elevado da não-Europa.

2.18Apesar da cooperação estruturada permanente (CEP), da análise anual coordenada da defesa (AACD) e do Fundo Europeu de Defesa (FED), a UE realizou muito poucos progressos no desenvolvimento de estruturas conjuntas eficazes que lhe permitam garantir a sua própria segurança. A este respeito, assume relevância a Declaração de Versalhes, de março de 2022, que se baseia na decisão dos chefes de Estado e de Governo, de dezembro de 2021, nos termos da qual «a UE assumiria uma maior responsabilidade pela sua própria segurança e, no domínio da defesa, seguiria uma linha de ação estratégica e aumentaria a sua capacidade de agir de forma autónoma».

2.19Abdicar das decisões unânimes no Conselho para a política externa (possibilidade de cada Estado-Membro bloquear todos os outros) reforçaria a capacidade de ação da UE no domínio da política externa e de segurança. Como solução intermédia, poderia ponderar-se uma fase experimental temporária de votação por maioria qualificada ou maiorias superqualificadas (ou seja, limiares mais elevados para a maioria qualificada). No entanto, o quadro institucional não é o principal fator que impede os Estados-Membros de agirem em conjunto de forma coerente. Pelo contrário, os Estados-Membros contornam o quadro institucional existente, não exploram o seu potencial e não aceitam ser integrados nesse contexto.

2.20A Europa, enquanto garante da segurança, poderá necessitar de uma nova narrativa e de medidas concretas, apoiadas pela sociedade civil e pela participação cívica, a fim de reforçar a identidade e a solidariedade europeias sem cair na armadilha de substituir o nacionalismo por um jingoísmo europeu. A participação do público deve ser aberta, transparente e inclusiva.

3.Elementos positivos da Bússola Estratégica

3.1O objetivo da Bússola Estratégica de aumentar a segurança através do reforço das capacidades («agir»), de uma melhor preparação («garantir a segurança»), de investimentos direcionados («investir») e de maior cooperação («parcerias»), bem como de reforçar parcerias e alianças, representa uma opção acertada.

3.2A Bússola Estratégica promete uma Europa determinada a defender os princípios da Carta das Nações Unidas e a restabelecer a paz e defender a liberdade na Europa.

3.3No que diz respeito à segurança, a Bússola Estratégica descreve a China como um «rival sistémico», como demonstram as suas violações em massa dos direitos humanos universais, a sua ameaça permanente contra Taiwan e o seu apoio ao agressor russo. A Bússola Estratégica salienta que a China e a Rússia estão a desafiar a ordem internacional, através da expansão dos seus arsenais nucleares e do desenvolvimento de novos sistemas de armamento.

3.4A Bússola Estratégica destaca o perigoso enfraquecimento da arquitetura de controlo de armas e o impacto negativo deste «vazio normativo» na segurança da UE.

3.5A UE tem interesses legítimos em todas as regiões do mundo. A Bússola Estratégica não abrange sistematicamente todos eles, mas afirma, com razão, que, como se verifica especificamente nos Balcãs Ocidentais, a inatividade europeia encoraja outras potências a ocupar esse espaço.

3.6A Bússola Estratégica afirma que a UE tem de agir com muito maior sentido de urgência e determinação e que os Estados-Membros devem poder contar com a assistência mútua. Com isso, sublinha a importância do artigo 42.º, n.º 7, do Tratado da União Europeia. A UE deve clarificar a compatibilidade desta base jurídica do direito primário com o dever de assistência nos termos do artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte.

3.7A Bússola Estratégica identifica o aumento do grau de prontidão e interoperabilidade como uma prioridade e afirma que esse aumento deve ocorrer em consonância com as normas da OTAN. A Bússola Estratégica posiciona a UE como facilitadora de uma defesa europeia mais eficaz, anunciando que se propõe colmatar lacunas importantes em termos de capacidades, reforçar a resiliência das sociedades europeias e projetar a estabilidade na vizinhança europeia. O primeiro passo consiste em desenvolver uma capacidade de projeção rápida da UE (Rapid Deployment Capacity) constituída por 5 000 efetivos, que deverá estar completamente operacional até 2025. O CESE recorda que chegou o momento de apresentar resultados, uma vez que a UE já tinha definido objetivos mais ambiciosos a este respeito há mais de duas décadas, que ainda não foram cumpridos.

3.8Embora não faça referência à introdução da votação por maioria qualificada na política externa, a Bússola Estratégica apela para abstenções construtivas, a fim de permitir que os Estados‑Membros interessados possam avançar. Neste contexto, poderia recorrer-se mais ao artigo 44.º do TUE para permitir a cooperação dos Estados-Membros interessados com capacidades adequadas no âmbito da política comum de segurança e defesa (PCSD) por via da delegação pelo Conselho.

3.9A Bússola Estratégica visa combinar de forma inteligente as missões e operações civis e militares no âmbito da PCSD, salientando a importância das missões civis da PCSD no contexto das respostas não militares. A Bússola Estratégica visa uma maior cooperação entre a PCSD e as partes interessadas da UE no domínio da justiça e dos assuntos internos.

3.10O CESE congratula-se com o facto de a Bússola Estratégica adotar uma abordagem orientada para a ação: enumera propostas e medidas específicas, bem como prazos e marcos, que o Conselho da UE e o Conselho Europeu deverão rever regularmente.

3.11A Bússola Estratégica também destaca medidas importantes para introduzir melhor o conceito de «género, paz e segurança» e a eficiência climática nas missões e operações da PCSD. Em especial, a UE reforçará, até 2023, a sua rede de conselheiros em matéria de direitos humanos universais e de género nas suas missões e operações da PCSD, e a execução do roteiro da UE para as alterações climáticas e a defesa conduzirá o setor militar rumo à neutralidade climática.

4.Observações críticas sobre a Bússola Estratégica

4.1A Bússola Estratégica é um documento muito ambicioso que estabelece mais de 80 ações concretas a realizar até 2025. Para o efeito, é necessária uma forte vontade política dos Estados‑Membros, sem a qual o documento pode mais não fazer do que patentear uma UE que carece de competência em matéria de política externa e de defesa.

4.2A Bússola Estratégica caracteriza-se por uma conceção restrita de segurança. A segurança não se limita à defesa. Mais prevenção e prospetiva são cruciais para prevenir conflitos militares. A Bússola Estratégica centra-se na definição de um catálogo de projetos e ações concretos, que o CESE acolhe favoravelmente. Contudo, é demasiado parca em referências a zonas geográficas concretas e não define de forma suficiente as regiões, também fora do território da União, nomeadamente na sua vizinhança imediata, onde a UE pretende projetar estabilidade e segurança em consonância com os seus valores e objetivos. Esse catálogo deve ser alargado de modo a constituir uma estratégia abrangente que preveja a participação da sociedade civil.

4.3A Bússola Estratégica traça uma imagem bastante positiva da coerência da UE nas suas políticas de segurança e defesa e das suas potenciais capacidades, por exemplo, quando afirma que a força da UE residiria na prevenção e resolução de crises e conflitos externos com base na sua capacidade de utilizar tanto os meios militares como os meios civis. A Bússola Estratégica não refere exemplos concretos de situações em que tal abordagem poderia ter êxito. Uma análise irrealista não pode fornecer uma base sólida para uma estratégia de segurança. O facto de a UE se autoavaliar como pioneira habitual em soluções multilaterais e se autoelogiar explicitamente na Bússola Estratégica, por exemplo, por assumir as responsabilidades mundiais em matéria de segurança, não permitem fazer uma avaliação isenta.

4.4É certo que a UE investiu amplos recursos políticos e financeiros no multilateralismo, mas, pelo menos até ao violento ataque russo, os Estados-Membros da UE só perseguiam objetivos coordenados em matéria de política externa europeia se os mesmos servissem diretamente os seus próprios interesses nacionais. Existem vários exemplos que ilustram esta profunda falta de prospetiva estratégica, nomeadamente, para citar apenas alguns, o processo de alargamento aos Balcãs Ocidentais, as reações europeias à guerra na Líbia, as dependências em matéria de aprovisionamento de energia, matérias-primas e outros produtos, a representação europeia nas Nações Unidas e os diferentes níveis de investimento em capacidades militares nacionais em relação ao produto nacional bruto.

4.5A Bússola Estratégica reconhece a importância da OTAN para a segurança europeia, mas tal não é suficiente. A Bússola Estratégica faz referência a uma parceria estratégica com a OTAN assente na complementaridade e na autonomia de decisão. No entanto, apenas alguns Estados‑Membros se mantêm neutros, ou seja, fora da OTAN, e a aliança é mais do que um parceiro estratégico para a Europa. A OTAN é, e será ainda por tempo indeterminado, o único garante de segurança válido da Europa. Contudo, a UE pode ajudar os europeus a organizarem melhor o seu contributo para a segurança europeia mutualizando as suas capacidades de defesa e abdicando de políticas nacionais não coordenadas em prol de uma abordagem europeia comum. Apesar das muitas abordagens positivas presentes na Bússola Estratégica, a UE e a OTAN ainda não esgotaram todo o potencial de cooperação entre ambas.

4.6É necessário definir claramente o conceito de autonomia estratégica europeia quando aplicado a questões de segurança e defesa, como é o caso na Bússola Estratégica. A autonomia estratégica não implica que a UE aja sozinha, mas antes que se torne um parceiro melhor, capaz de agir quando é necessário, mesmo quando o apoio não está disponível. Não pode significar equidistância em relação às potências mundiais, tal como já foi sublinhado pelo CESE no seu parecer recente sobre as relações transatlânticas. Os EUA são e continuarão a ser o aliado e parceiro mais importante da Europa. No entanto, a UE deve seguir uma trajetória de redução das dependências estratégicas, nomeadamente nos setores da segurança e da defesa, tal como referido no Parecer do CESE – Roteiro sobre tecnologias críticas para a segurança e a defesa.

4.7É imperativo reduzir as dependências unilaterais da UE, e não apenas no domínio da defesa. Este aspeto é de importância crucial para a segurança europeia. No entanto, o CESE considera que as interdependências, especialmente entre parceiros que partilham das mesmas ideias, são não só benéficas, mas também condição sine qua non para uma ordem multilateral assente em regras.

4.8No respeitante às capacidades militares da UE no futuro, a «Força de Reação Rápida», tal como anunciada na Bússola Estratégica, insere-se nos conceitos de forças mais pequenas rapidamente mobilizáveis no âmbito de missões coordenadas a nível internacional. No entanto, estes esforços não podem ser vistos independentemente de um contributo válido da Europa para a sua própria segurança no contexto da OTAN. Os esforços europeus têm de apoiar a eficiência do pilar europeu da OTAN. Atualmente, não é claro de que forma os países membros da UE e da OTAN podem disponibilizar recursos suficientes tanto para a Força de Reação da aliança como para a Força de Reação Rápida da UE no caso de estes recursos serem ativados simultaneamente. Além disso as medidas apresentadas no que se refere às tropas rapidamente projetáveis ficam, em certa medida, aquém das decisões tomadas já há décadas (Helsínquia 1999).

4.9A Bússola Estratégica não tem em conta o papel que a sociedade civil na Europa pode e deve desempenhar para alcançar uma maior resiliência contra o enfraquecimento sistemático da coesão e da solidariedade, nos Estados-Membros da UE e entre eles, por potências hostis.

4.10O reforço da União Europeia enquanto garante da segurança democrático e baseado no Estado de direito exige não só instituições europeias (mais) fortes e maior prospetiva por parte dos Estados-Membros, mas também amplas alianças sociais transnacionais, o que é inconcebível sem uma sociedade civil organizada pan-europeia forte e viva e sem parceiros sociais europeus plenamente empenhados.

4.11Os ataques hostis não se resumem às operações militares, assumindo igualmente a forma de desinformação, ciberataques, chantagem económica, etc. A Bússola Estratégica menciona o desenvolvimento de um conjunto de instrumentos híbridos para uma resposta coordenada às ameaças híbridas e o conjunto de instrumentos de informação externa, manipulação e integridade, bem como o reforço do conjunto de instrumentos de ciberdiplomacia. No entanto, a Bússola Estratégica deve aprofundar este aspeto crucial. A UE necessita urgentemente de uma abordagem interinstitucional para combater tais ataques e ingerências que envolva as organizações representativas da sociedade civil, a fim de lançar as bases para uma solidariedade, cooperação e resiliência eficazes entre os cidadãos europeus, especialmente a nível local, onde o impacto desses ataques se faz sentir de forma mais direta.

4.12A segurança da Europa não é ameaçada apenas por formas de agressão militar na aceção tradicional. Os ciberataques e as sabotagens contra empresas privadas, instituições públicas e infraestruturas críticas também devem ser considerados como ataques de guerra híbrida que podem causar danos incomensuráveis. Este aspeto é tratado de forma insuficiente na Bússola Estratégica, especialmente no que se refere a medidas eficazes de proteção e resposta.

5.Reajustamento da Bússola Estratégica

5.1O CESE concorda totalmente que a UE deve ter em conta as potências revisionistas cada vez mais agressivas que violam a Carta das Nações Unidas. A ordem multilateral assente em regras pode ser restabelecida se as democracias liberais se mantiverem firmes nos seus princípios e os defenderem com capacidades diplomáticas, civis e militares, e se resistirem às tentações, pressões e ameaças das potências autoritárias.

5.2A política europeia deve servir o objetivo de prevenir os conflitos armados, tendo simultaneamente em conta que o mundo está muito menos pacífico do que parecia após o fim da Guerra Fria. Por conseguinte, a sociedade europeia necessita de um consenso político sobre o reforço eficaz dos seus meios de defesa contra qualquer potencial agressor, principalmente as suas capacidades de proteção civil. É fundamental intensificar o debate público e a participação ativa dos intervenientes da sociedade civil.

5.3A parceria transatlântica exige muito mais investimento político. Embora vá além da OTAN, é um pilar que sustenta a aliança. Os europeus devem envidar esforços adicionais para manter e aprofundar as relações entre a UE e os EUA. Uma parceria estável com os EUA, tanto em termos de relações comerciais como no âmbito da segurança, é da maior importância.

5.4Um dos objetivos da Europa é um mundo sem armas nucleares. Até que esse objetivo seja uma realidade, a garantia de segurança nuclear proporcionada pelos EUA à Europa, a dissuasão nuclear da OTAN e a força de dissuasão francesa continuam a ser indispensáveis para a segurança europeia.

5.5Os parceiros europeus devem concentrar-se urgentemente num aumento da eficiência das suas despesas militares. É possível alcançar este objetivo, nomeadamente, através de uma interoperabilidade muito maior dos seus sistemas militares convencionais nacionais. Os Estados-Membros devem ultrapassar as atuais dificuldades e mal-entendidos relacionados com a sua aquisição das capacidades de defesa urgentemente necessárias a curto prazo e encontrar uma abordagem comum para reforçar os seus sistemas de defesa numa perspetiva de médio a longo prazo através da aquisição conjunta e de projetos conjuntos de colaboração. Os projetos europeus conjuntos não devem excluir aliados e parceiros próximos, mas o acesso destes ao mercado da defesa europeu deve assentar num regime de estrita reciprocidade.

5.6O rácio dos gastos com a defesa em relação ao produto interno bruto (PIB) é importante na medida em que foi acordado entre os aliados ocidentais – pacta sunt servanda! É mais importante definir exaustivamente as capacidades efetivas e alcançá-las em tempo útil e não tanto perceber se tal implica exatamente 2%, ou eventualmente uma percentagem maior, do PIB. O mais importante é que um potencial agressor estime que os custos de um ataque serão demasiado elevados. A UE deve tirar partido dos seus instrumentos e instituições, como a CEP, a AACD, o FED e o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, a fim de tornar mais eficazes as despesas dos seus Estados-Membros com a defesa.

5.7As aquisições no setor da defesa e o tecido das indústrias de defesa europeias são fundamentais para a segurança europeia, uma vez que não obedecem apenas às regras do mercado. No entanto, a segurança europeia não pode ser prejudicada por compromissos onerosos e ineficazes. É importante definir os projetos conjuntos de acordo com a capacidade das indústrias competitivas e inovadoras para os cumprir e não através de quotas nacionais em projetos de cooperação.

5.8A Bússola Estratégica abrange muitos aspetos importantes da segurança, mas não aborda suficientemente os serviços de informação. A UE deve proceder a uma atualização, integrando uma análise clara das capacidades europeias em matéria de serviços de informação e propostas concretas sobre a forma de as melhorar.

5.9Importa racionalizar as forças de defesa nacionais, nomeadamente através de estruturas de comando conjuntas eficazes que, em última análise, criem a base para forças europeias conjuntas. Há que insuflar nova vida no Estado-Maior da União Europeia e na Agência Europeia de Defesa.

6.Contributos da sociedade civil para a segurança e a defesa da Europa

6.1A Bússola Estratégica constitui um importante passo em frente. Deve ser desenvolvida de modo a constituir uma estratégia de política externa europeia, caracterizada por um conceito mais amplo de segurança, que seja também consentânea com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e associe ativamente a sociedade civil.

6.2Mais serviços de informação, prevenção e prospetiva são cruciais para prevenir conflitos militares. Muitos dos Estados-Membros da UE têm de aumentar o investimento nas suas capacidades de defesa, e a maioria deles já começou a fazê-lo. Este deve ser um compromisso a longo prazo, que necessita do apoio da sociedade civil. O pilar europeu da OTAN deve assegurar a dissuasão militar, mas a UE deve aumentar a sua capacidade, nomeadamente através dos seus próprios meios militares, para contribuir preventivamente de forma concreta para a paz e a estabilidade regionais.

6.3A UE deve apoiar os Estados-Membros na melhoria da sua cooperação, como propõe a Bússola Estratégica, a fim de reduzir a fragmentação ineficaz e a duplicação onerosa das suas capacidades de defesa. No entanto, enquanto não tiver uma verdadeira competência em matéria de defesa, a UE deve continuar a investir os seus recursos limitados, antes de mais, em políticas e mecanismos civis que permitam a prevenção de conflitos militares. É neste contexto que a sociedade civil pode fazer a diferença, através das suas redes sociais e económicas e do seu forte potencial para a diplomacia pública e cultural.

6.4Uma sociedade civil livre e dinâmica pode ser um estabilizador automático em tempo de crise quando a segurança europeia é afetada. Já o comprovou, por exemplo, no contexto da agressão da Rússia, na medida em que milhões de cidadãos da UE em muitos Estados-Membros acolheram e auxiliaram refugiados ucranianos, demonstrando uma vontade excecional de ajudar, especialmente nos Estados-Membros da UE vizinhos da Ucrânia. Uma abordagem global da segurança deve também abranger a preparação da Europa para situações de emergência e o apoio contínuo às organizações da sociedade civil.

6.5O CESE sublinha a importância da justiça social, das perspetivas económicas e da sustentabilidade ambiental para a segurança. A paz social é uma condição importante para a não violência. A limitação do aquecimento global e o controlo das suas consequências são fundamentais para a manutenção da ordem social e da paz no mundo.

6.6O CESE propõe a criação de fóruns públicos para a realização de debates estratégicos, a fim de que a sociedade civil possa contribuir para o desenvolvimento de uma Europa que proteja e reforce a sua resiliência contra ataques hostis que visam comprometer o ânimo e a estabilidade política nos Estados-Membros e entre eles. Na luta pela supremacia entre as potências mundiais, não é o poderio militar nem económico que mais faz a diferença, mas sim as qualidades fundamentais de uma sociedade 3 .

6.7O CESE, a sua Secção das Relações Externas (REX) e, no tocante ao setor da defesa, a Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI) 4 podem desempenhar um papel de charneira no diálogo entre os decisores políticos e a sociedade sobre a segurança na Europa e no mundo. O CESE continuará a apelar para a realização de atualizações regulares da Bússola Estratégica e a avaliar exaustivamente novas iniciativas correlacionadas, como o pacote legislativo no domínio da defesa.

6.8A agressão da Rússia e a rivalidade sistémica com a China deixam claro que a UE não tem tempo a perder para se adaptar às realidades geopolíticas. Numa democracia liberal, tal só é exequível em estreita cooperação com a sociedade civil e com o apoio político desta.

Bruxelas, 24 de janeiro de 2023

Christa Schweng

Presidente do Comité Económico e Social Europeu

_____________

(1)    Relatório «Common Security – For our shared future» [Segurança comum – Pelo nosso futuro comum], Estocolmo, 2022.
(2)    Parecer – Roteiro sobre tecnologias críticas para a segurança e a defesa [COM(2022) 61 final], ponto 4.9.
(3)    Mazarr, M. J., «What Makes a Power Great. The Real Drivers of Rise and Fall» [O que define a grandeza de uma potência: as verdadeiras causas da sua ascensão e queda], in: Foreign Affairs, julho/agosto de 2022, p. 52.
(4)     https://www.eesc.europa.eu/pt/sections-other-bodies/sections-commission/consultative-commission-industrial-change-ccmi