PARECER

Comité Económico e Social Europeu

Instrumentalização dos migrantes

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Comunicação Conjunta ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Resposta à instrumentalização dos migrantes patrocinada por Estados na fronteira externa da UE
[JOIN(2021) 32 final]

REX/554

Relator: Stefano Palmieri

Correlator: Pietro Vittorio Barbieri

PT

Consulta

Comissão Europeia, 02/05/2022

Base jurídica

Artigo 304.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Plenária

18/01/2022

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

12/05/2022

Adoção em plenária

15/06/2022

Reunião plenária n.º

570

Resultado da votação
(votos a favor/votos

contra/abstenções)

142/2/5

1.Conclusões e recomendações

1.1O CESE considera que a resposta da UE à instrumentalização dos migrantes deve inscrever-se no quadro de uma política de migração comum, partilhada e coerente nas suas várias dimensões. À luz da crise na fronteira bielorrussa e da agressão russa contra a Ucrânia, cabe reavaliar a adequação do Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, a fim de não segmentar a política de migração em função das situações de emergência, mas sim assegurar que as políticas e a proteção oferecida às pessoas afetadas se regem por um único quadro de ação e legislativo.

1.2O CESE considera que a instrumentalização dos migrantes constitui uma ameaça – que possivelmente perdurará – para toda a União Europeia e não apenas para os Estados-Membros diretamente afetados. Por este motivo, salienta que, para responder de forma eficaz a esta ameaça e estar à altura do desafio, é imprescindível assegurar a articulação entre os diversos tipos de iniciativas (políticas, legislativas, administrativas, humanitárias), os diferentes âmbitos de ação (internacional, da UE, nacional e local) e os intervenientes envolvidos (institucionais, organizações da sociedade civil, parceiros sociais, cidadãos, etc.), com base nos mais elevados padrões do direito da UE e internacional.

1.3O CESE considera essencial que a UE apoie os Estados-Membros de forma atempada, coordenada e eficaz, disponibilizando quer recursos (recursos orçamentais e pessoal das agências da UE) quer assistência administrativa, legislativa e política. Para tal, cumpre assegurar uma ação concertada no terreno e a nível interinstitucional, a máxima transparência das iniciativas e liberdade de ação para as organizações humanitárias e os meios de comunicação social independentes presentes nas zonas em que os migrantes estão a ser instrumentalizados.

1.4Em particular, o CESE entende que é fundamental criar um quadro integrado para a resposta humanitária que agregue os recursos e as estruturas das instituições e agências nacionais e da UE e assegure a participação das agências internacionais (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR – e Organização Internacional para as Migrações – OIM), bem como o contributo das ONG e da sociedade civil, promovendo assim uma coordenação frutuosa das ações humanitárias e o reconhecimento deste tipo de ações como forma de reforçar os princípios da UE.

1.5A este respeito, o CESE considera que o reconhecimento pleno e atempado dos direitos dos migrantes instrumentalizados – evitando zonas cinzentas ou situações de incerteza administrativa – é um aspeto essencial para mitigar e defletir na prática a ameaça à segurança e à estabilidade da UE e dos Estados-Membros implicados, tornando assim ineficazes as ações de instrumentalização.

1.6A resposta da UE deve necessariamente visar as fontes dos fluxos de migrantes instrumentalizados, associando os países terceiros em questão e apoiando os seus esforços de informação da população num quadro de cooperação inspirado nos princípios democráticos e na proteção dos direitos humanos. Tal permitirá limitar o campo de ação dos intervenientes estatais que promovem a instrumentalização dos migrantes.

1.7No que respeita aos Estados que promovem a instrumentalização dos migrantes ou compactuam com ela, o CESE é favorável a uma ação multilateral por parte da UE, das instituições internacionais e dos países parceiros com vista a condenar e isolar essas ações de instrumentalização, nomeadamente impondo sanções económicas e diplomáticas adequadas.

1.8A guerra em curso na Ucrânia na sequência da agressão da Federação da Rússia gerou, pelo menos, 3,9 milhões de refugiados 1 , acolhidos principalmente nos países vizinhos, mas também noutros Estados-Membros da UE, bem como vários milhões de deslocados internos. Não há memória de um fluxo desta magnitude, pelo menos na Europa, nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. A UE respondeu prontamente a este fluxo, nomeadamente ativando a Diretiva Proteção Temporária 2 , de 2001, e elaborando a proposta relativa à Ação de Coesão a favor dos Refugiados na Europa (CARE). O CESE considera que tais instrumentos, norteados pela coesão, pela solidariedade e pela responsabilidade partilhada dos Estados-Membros, também são essenciais para fazer face às crises induzidas pela instrumentalização dos migrantes.

1.9A UE é atualmente vista como um lugar seguro para oferecer asilo e proteção a milhões de cidadãos ucranianos; no entanto, os custos do acolhimento e da assistência não são distribuídos equitativamente em função das capacidades e dos recursos dos Estados-Membros em questão. Ainda que a abertura das fronteiras internas da UE tenha vindo a assegurar o movimento espontâneo de refugiados ucranianos para os destinos desejados, não deixa de se constatar uma desproporção objetiva entre os encargos suportados pelos países vizinhos e os demais Estados‑Membros. Embora numa escala que não é comparável, a instrumentalização dos migrantes, quer na fronteira bielorrussa quer em casos anteriores, torna evidente a necessidade de rever aprofundadamente os mecanismos de solidariedade e cooperação entre a UE e os Estados-Membros, nomeadamente através da redistribuição dos migrantes assistidos que se impõe em situações de crise.

1.10O CESE pretende também debruçar-se sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à resposta a situações de instrumentalização no domínio da migração e do asilo 3 . O complexo mecanismo que define o quadro jurídico e os procedimentos administrativos em caso de instrumentalização dos migrantes, não tem em conta a gravidade da crise interestatal em questão, a qual não pode ser dissociada da abordagem a adotar em relação aos próprios migrantes.

1.11O CESE considera que, embora sejam necessários instrumentos específicos para gerir a instrumentalização dos migrantes, é essencial ponderar a adoção de medidas de proteção céleres e abrangentes, nomeadamente no quadro da Diretiva Proteção Temporária, em particular nos casos em que a gestão das entradas nas fronteiras, o controlo dos movimentos secundários, as eventuais moratórias ou derrogações dos procedimentos de asilo ordinários se revelam desajustados e contrários ao objetivo de oferecer proteção aos migrantes instrumentalizados. Em qualquer caso, cumpre assegurar uma maior proteção dos migrantes em linha com a gravidade da crise entre Estados provocada pela instrumentalização dos migrantes.

2.Proposta

2.1A comunicação salienta que a crise migratória na fronteira entre a Bielorrússia e a União Europeia (Lituânia, Letónia, Polónia) constitui uma tentativa deliberada de criar uma crise persistente e prolongada, no âmbito de um esforço concertado mais vasto para desestabilizar a União Europeia, pondo à prova a sua unidade e determinação. Estamos, portanto, perante uma «ameaça híbrida» em que um país terceiro instrumentaliza os migrantes com este fim específico.

2.2Os termos «crise» e «ameaça» utilizados no presente parecer não visam descrever meramente este fenómeno migratório específico e complexo, mas sim realçar a importância das tensões políticas e dos fatores de instabilidade que emergem deste contexto geopolítico.

2.3Para além de representar uma ameaça para a segurança da UE, esta instrumentalização conduziu a uma situação crítica no terreno, sobretudo para os migrantes em questão, com consequências humanitárias dramáticas em ambos os lados da fronteira. Há inúmeros relatos de migrantes sujeitos a um tratamento desumano e degradante do lado bielorrusso da fronteira, nomeadamente como forma de pressão sobre a UE. Além disso, o risco a que estão expostos é exacerbado pela estada prolongada na região e pela inacessibilidade da fronteira da UE.

2.4A UE condenou pronta e veementemente a instrumentalização dos migrantes e refugiados vulneráveis em todos os fóruns institucionais da União. A ação internacional que se seguiu contou com a participação da UE e dos Estados parceiros, em especial os países de origem dos migrantes, num espírito cooperativo.

2.5Perante uma situação de crise inédita, a UE disponibilizou-se para apoiar os Estados-Membros afetados, tendo em consideração as respostas específicas dadas pelos respetivos governos e parlamentos nacionais, em especial a declaração do estado de emergência nas regiões fronteiriças. Neste contexto, a Comissão prestou a assistência necessária, a fim de assegurar a coerência dessa legislação com o direito da UE.

2.6A comunicação descreve as medidas políticas, técnicas e logísticas de apoio aos Estados‑Membros em questão. O apoio político manifestado com as visitas da comissária Ylva Johansson e os convites subsequentes da Comissão aos Estados-Membros traduziu-se também na prestação de auxílio técnico nas fronteiras por parte das agências da UE (Frontex, Europol, Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo e ajuda de emergência com recursos do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração).

2.7No plano internacional, a Comissão interveio ao mais alto nível, em especial no que diz respeito aos Estados de origem e de trânsito dos migrantes, reforçando a sua cooperação com o Iraque, o Líbano, a Turquia, os Emirados Árabes Unidos e o Usbequistão. Trata-se de uma iniciativa crucial para combater a infraestrutura criminosa da introdução clandestina de migrantes, que contribui para a instrumentalização por parte da Bielorrússia.

2.8Num contexto de crise entre Estados, há um risco elevado de se instalar uma «névoa da guerra» propícia à desinformação, à propagação de notícias falsas e à distorção dos factos, associada à instrumentalização política dos migrantes. A comunicação chama a atenção para esta ameaça no lado bielorrusso da fronteira, em especial proveniente dos órgãos de comunicação social controlados pelos Governos bielorrusso e russo. Sublinha, em concreto, a importância do papel da imprensa livre, embora não confira a mesma relevância a esta questão nas zonas de crise do lado da UE da fronteira.

2.9A Comissão frisa que os atuais instrumentos financeiros podem ser reforçados numa situação de crise, recorrendo ao Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI) e ao Instrumento de Apoio Financeiro à Gestão das Fronteiras e à Política de Vistos (IGFV). No que diz respeito aos regressos (voluntários assistidos e não voluntários), a comunicação faz referência à cooperação entre a Comissão, a Frontex e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e salienta, simultaneamente, a necessidade de assegurar a colaboração dos Estados de origem dos migrantes.

3.Observações

Instrumentalização dos migrantes e gestão das políticas de migração

3.1O CESE considera que a resposta à instrumentalização dos migrantes deve inscrever-se no quadro de uma política de migração da UE comum, partilhada e coerente nas suas várias dimensões.

3.1.1A fim de gerir adequadamente a migração, a UE tem de estar ciente de que os fluxos migratórios nunca são espoletados unicamente pela ação de um Estado (embora, por vezes, um Estado possa ter uma influência significativa no volume desse fluxo), mesmo quando este instrumentaliza os migrantes para fins políticos.

3.1.2Na resposta às crises mais graves (em que um Estado terceiro está diretamente implicado, ou que resultam de guerras ou intervenções militares), a UE deve orientar-se por uma abordagem solidária, principalmente em relação às pessoas afetadas.

3.1.3Sem prejuízo da necessidade de prestar assistência a todas as pessoas em risco iminente de vida (refugiados e vítimas de guerra), só se poderá diferenciar as pessoas em função do estatuto jurídico pelo qual estão abrangidas – por exemplo, entre as que podem aspirar a determinadas formas de proteção e os demais migrantes – depois de observados procedimentos de asilo transparentes, em conformidade com a legislação da UE e as normas internacionais, e não em resultado de uma definição a priori do fenómeno ou da crise em questão (ameaça híbrida, instrumentalização dos migrantes, migração económica, etc.).

Ameaças híbridas e instrumentalização dos migrantes

3.2O CESE concorda com a Comissão quanto à natureza e ao nível de ameaça que a instrumentalização dos migrantes pela Bielorrússia representa e reconhece que as formas de «ameaça híbrida», ou seja, «a instrumentalização das pessoas patrocinada por Estados para fins políticos», constituem um risco para a UE.

3.2.1A ameaça híbrida também pode ser definida como uma ameaça promovida por um interveniente estatal ou não estatal. As ameaças híbridas podem ser levadas a cabo por diferentes intervenientes e visar diversos grupos-alvo (entidades estatais, instituições, organizações sociais, indivíduos). No entanto, embora esta perspetiva abrangente permita uma compreensão global do fenómeno, importa distingui-la do quadro específico em apreço. Por conseguinte, o CESE entende que, para efeitos de adoção subsequente de medidas regulamentares e, em particular, de enquadramento legal dos migrantes e prestação de apoio humanitário neste tipo de situações, para considerar que se está perante um caso de instrumentalização dos migrantes é necessário que haja o envolvimento de, pelo menos, um interveniente estatal.

3.2.2Tendo em conta a definição de «ameaça híbrida» constante da comunicação, o CESE espera uma resposta multidimensional e integrada, ou seja, não apenas centrada nas relações internacionais (entre os Estados-Membros, a UE e os países parceiros), mas também adaptada às políticas e compromissos da UE em matéria de direitos humanos, proteção dos migrantes e direito de asilo. Por conseguinte, cumpre reforçar os instrumentos de colaboração entre os Estados-Membros, as instituições e as agências da UE com vista à gestão partilhada das crises.

Solidariedade, coordenação e gestão partilhada de crises

3.3O CESE concorda que «[e]stas ações representam um perigo real e atual para a segurança da UE» e não apenas para os Estados-Membros diretamente afetados. Os factos expostos na comunicação e a grave crise ucraniana reforçam a convicção do CESE de que é certamente necessário criar um quadro político, regulamentar e processual para uma resposta comum e uma gestão partilhada das crises pelos Estados-Membros e pelas instituições da UE.

3.3.1Por conseguinte, e na esteira dos seus pareceres sobre as propostas de alteração dos regulamentos relativos à gestão da imigração e do asilo 4 , o CESE considera fundamental prosseguir uma abordagem solidária e cooperativa entre os Estados-Membros, uma vez que a situação em apreço não é a única a onerar e a criar dificuldades acrescidas aos países de primeira entrada, precisamente devido à importância atribuída pelo Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo ao controlo das fronteiras e à prevenção dos movimentos secundários.

3.3.2A muito aguardada regulamentação específica para combater a instrumentalização dos migrantes patrocinada por um Estado deve prever mecanismos para a partilha solidária de responsabilidades entre os Estados-Membros, incluindo a possibilidade de procedimentos céleres de recolocação adaptados à gravidade da crise.

3.3.3As características da crise na fronteira bielorrussa revelam diferenças, mas também semelhanças com outras estratégias de instrumentalização dos movimentos migratórios promovidas por Estados: o Mediterrâneo Central e as fronteiras entre a Grécia e a Turquia, Espanha e Marrocos, a Bósnia e a Croácia, e a Sérvia e a Hungria (para citar apenas exemplos de 2021). O CESE considera que a UE deve libertar-se dos constrangimentos evidenciados na resposta a situações de crise anteriores, nomeadamente evitando ficar refém das políticas estratégicas de países terceiros que não são compatíveis com as políticas e os princípios da UE.

Defesa e proteção dos migrantes num contexto de instrumentalização

3.4O CESE considera que a resposta da UE deve prever ações conjuntas de combate à ameaça, tendo presente que, nestas situações específicas, os migrantes em questão são altamente vulneráveis e necessitam de proteção, nomeadamente no contexto de uma crise entre Estados.

3.4.1O CESE partilha da preocupação expressa na comunicação sobre a situação humanitária nas fronteiras entre os Estados-Membros e a Bielorrússia. A dificuldade de intervir no lado bielorrusso da fronteira resulta de uma limitação objetiva de prestar apoio humanitário em situações de crise e de conflito entre Estados. Esta limitação deve, no entanto, servir de estímulo para que a ajuda humanitária aos migrantes dentro das fronteiras dos Estados-Membros seja prestada de acordo com as normas do direito da UE e com as práticas estabelecidas para apoiar as pessoas vulneráveis.

3.4.2O CESE apela para que se facilite o acesso das organizações humanitárias da sociedade civil em ambos os lados da fronteira entre a UE e a Bielorrússia, a fim de prestar ajuda humanitária (cuidados de saúde, ajuda alimentar, assistência jurídica).

3.4.3Neste contexto, as instituições da UE devem intervir contra qualquer tentativa de criminalização das ações de solidariedade da sociedade civil nacional e internacional, tal como o CESE já salientou em pareceres anteriores 5 .

3.4.4A comunicação chama a atenção para a existência de movimentos secundários significativos de migrantes (pelo menos em relação ao número de migrantes que chegaram às fronteiras da UE durante a crise) e assinala que se iniciou o patrulhamento conjunto pelas forças policiais de fronteira dos Estados-Membros afetados pela primeira entrada e pelos movimentos secundários de migrantes. O CESE considera que, numa situação de instrumentalização dos migrantes, a questão dos movimentos secundários deve ser abordada em conjunto com os Estados-Membros de destino. Importa, ao mesmo tempo, prestar a devida atenção aos migrantes mais vulneráveis, especialmente durante as fases de crise, a fim de evitar riscos acrescidos para a sua segurança.

3.4.5Embora o contexto de crise exija respostas específicas, o CESE chama igualmente a atenção para o facto de a proliferação de estatutos jurídicos e de procedimentos de exceção previstos pelos Estados-Membros e pela própria UE comprometerem a proteção digna, justa e abrangente dos migrantes vulneráveis. Neste sentido, as eventuais derrogações dos procedimentos normais de acolhimento e de asilo devem ser acompanhadas de medidas específicas de proteção, tendo em conta a situação de risco grave, bem como respeitar plenamente o princípio da não repulsão.

Luta contra a desinformação, papel dos órgãos de comunicação social e proteção das pessoas vulneráveis

3.5O CESE congratula-se com a ênfase que a comunicação coloca no combate à desinformação, às notícias falsas e à manipulação dos factos, nomeadamente através de campanhas de informação dirigidas nos países de origem dos fluxos migratórios e da utilização dos instrumentos digitais de informação e comunicação destinados a fornecer aos migrantes informações corretas e verificáveis (por exemplo, o InfoMigrants).

3.5.1Ao mesmo tempo, em consonância com os valores da UE, o CESE está ciente da importância da livre produção de informações e do livre acesso a factos e dados de interesse público. Como tal, aquando da adoção de medidas de emergência, os Estados-Membros e as agências da UE devem garantir que os órgãos de comunicação social independentes presentes no território objeto de instrumentalização dos migrantes gozam de plena liberdade de ação e comunicação, definindo simultaneamente regras claras e transparentes para o acesso às instalações que acolhem os migrantes e para os contactos com os mesmos.

3.5.2No que diz respeito à luta contra as redes logísticas de introdução clandestina de migrantes presentes nas plataformas digitais e nas redes sociais, a Comissão, em colaboração com as agências da UE, nomeadamente a Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA), deve intervir no sentido de diferenciar os instrumentos diretamente utilizados pelos passadores de migrantes dos instrumentos de comunicação utilizados entre migrantes; o objetivo é distinguir responsabilidades e não comprometer os direitos em matéria de privacidade dos dados ou, indireta e involuntariamente, a segurança dos migrantes que são vítimas de instrumentalização.

Cooperação internacional no combate à instrumentalização dos migrantes

3.6O CESE congratula-se com as medidas tomadas pelas instituições da UE para reforçar a colaboração com os países de origem dos migrantes instrumentalizados, a fim de os informar sobre os riscos que correm e de melhorar a cooperação internacional em matéria de migração.

3.6.1Para ser eficaz, a colaboração entre a UE e os países terceiros em causa deve ser levada a cabo no quadro dos mecanismos de cooperação internacional para o desenvolvimento e ser acompanhada por acordos para regular a migração.

3.6.2Os acordos e procedimentos eventualmente estabelecidos com esses países terceiros deverão garantir o respeito pelos direitos humanos e os compromissos jurídicos internacionais por eles assumidos.

3.6.3Essa colaboração contribuiria igualmente para os esforços dos serviços de polícia e de informação no sentido de prevenir e combater as organizações criminosas envolvidas na introdução clandestina de migrantes, tendo plenamente em conta os direitos de asilo e de proteção dos migrantes, tanto nos casos de instrumentalização dos migrantes como em geral 6 .

Apoio aos Estados-Membros

3.7O CESE aplaude o apoio prestado aos Estados-Membros afetados pela ameaça, em particular através das agências da UE no domínio dos assuntos internos (Frontex, Agência da União Europeia para o Asilo, Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia) e considera que estes devem intervir sempre que, na sequência de um processo de avaliação equilibrado e transparente, seja identificada uma situação de emergência 7 .

3.7.1O CESE considera que, doravante, importa garantir uma assistência adequada aos Estados‑Membros confrontados com este tipo de ameaça. As vítimas de instrumentalização, sobretudo as mais vulneráveis, devem igualmente beneficiar de um elevado nível de proteção e assistência.

3.7.2O CESE defende categoricamente que as medidas previstas pelos Estados-Membros para o regresso – voluntário ou não voluntário – dos migrantes aos quais não é reconhecido o direito de asilo também se devem aplicar em situações de emergência, no pleno respeito dos direitos fundamentais e das obrigações internacionais e com o apoio das agências da UE.

Instrumentos e regulamentos para a futura gestão de crises

3.8O CESE salienta que o presente documento leva em linha de conta as medidas que estão em debate e elaboração no momento de redação do parecer e, em particular, a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à resposta a situações de instrumentalização no domínio da migração e do asilo. A proposta contém disposições legislativas relativas ao estatuto dos migrantes e aos procedimentos de pedido de asilo e de proteção internacional no contexto de situações de instrumentalização.

3.8.1A este respeito, o CESE espera que o regulamento tenha em conta as necessidades de segurança dos Estados-Membros e preveja, concomitantemente, as disposições jurídicas necessárias para fazer face às situações de emergência e garantir os direitos de proteção dos migrantes à luz das obrigações internacionais e do direito europeu.

3.8.2Em particular, a Comissão e as autoridades competentes terão de verificar se a legislação adotada ou em vias de adoção nos Estados-Membros para combater a atual crise e prevenir crises futuras respeita os direitos fundamentais e o direito da União.

3.8.3O CESE avaliará cuidadosamente as disposições do regulamento em questão relativas às exceções e derrogações dos procedimentos normais de entrada e asilo, ao recurso efetivo das recusas, aos procedimentos de regresso e à total transparência e cooperação entre os Estados‑Membros que enfrentam situações de emergência e as instituições e agências da UE.

Bruxelas, 15 de junho de 2022

Christa Schweng

Presidente do Comité Económico e Social Europeu

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(1)    5 317 219 refugiados nos países vizinhos e na UE (dados atualizados em 26 de abril de 2022, fonte ACNUR, https://data2.unhcr.org/en/situations/ukraine ).
(2)    Decisão de Execução (UE) 2022/382 do Conselho, de 4 de março de 2022, que declara a existência de um afluxo maciço de pessoas deslocadas da Ucrânia na aceção do artigo 5.º da Diretiva 2001/55/CE, e que tem por efeito aplicar uma proteção temporária (Diretiva 2001/55/CE do Conselho, de 20 de Julho de 2001, relativa a normas mínimas em matéria de concessão de proteção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados-Membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento).
(3)    Ver proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à resposta a situações de instrumentalização no domínio da migração e do asilo (COM(2021) 890 final – 2021/0427 (COD)) .
(4)     JO C 123 de 9.4.2021, p. 15 ; JO C 155 de 30.4.2021, p. 58 .
(5)       JO C 429 de 11.12.2020, p. 24 .
(6)    Ver Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Plano de ação renovado da UE contra o tráfico de migrantes (2021-2025) [COM(2021) 591 final].
(7)    A pedido de um Estado-Membro, aprovado por proposta subsequente da Comissão e por deliberação do Conselho Europeu, e mediante a adoção de mecanismos de acompanhamento e avaliação contínuos – ver proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à resposta a situações de instrumentalização no domínio da migração e do asilo [COM(2021) 890 final – 2021/0427 (COD)].