PT

TEN/707

Acesso universal a habitação digna, sustentável
e acessível a longo prazo

PARECER

Comité Económico e Social Europeu

Acesso universal a habitação digna, sustentável e acessível a longo prazo[parecer de iniciativa]

Relator: Raymond Hencks

Correlator: András Edelényi

Decisão da Plenária

20/02/2020

Base jurídica

Artigo 32.º, n.º 2, do Regimento

Parecer de iniciativa

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

03/09/2020

Adoção em plenária

16/09/2020

Reunião plenária n.º

554

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

216/1/3



1.Conclusões e recomendações

1.1A crise sanitária, económica e social provocada pela COVID-19 revelou a gravidade da crise da habitação a preços acessíveis que os Estados-Membros enfrentam há anos 1 , em particular no que diz respeito aos sem-abrigo, aos agregados familiares que vivem em habitações sobrelotadas, aos habitantes dos bairros populares e aos trabalhadores sazonais e imigrados, vítimas de condições de habitação que tiveram um impacto direto na taxa de infeção da sociedade. Embora a política de habitação continue a ser uma competência dos Estados‑Membros, a escassez de habitação digna e a preços acessíveis na União Europeia (UE) exige um plano de ação europeu para a habitação que inclua um conjunto de medidas coerentes e compreensíveis para os cidadãos europeus, destinadas a apoiar os Estados-Membros, as regiões e os municípios europeus a relançar de forma sustentável a oferta de habitações sociais e acessíveis, e a combater eficazmente o fenómeno dos sem-abrigo.

1.2Antes de mais, a UE deve assegurar um verdadeiro direito universal à habitação, nomeadamente por meio de um regulamento setorial adotado de acordo com o processo legislativo ordinário, que estabeleça os princípios e defina as condições para fornecer, mandar executar e financiar habitações acessíveis e dignas, em conformidade com o artigo 14.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

1.3Neste contexto, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia a iniciativa da Comissão que visa estabelecer uma ligação entre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e o Semestre Europeu, o que, no domínio da política de habitação, deve resultar num melhor acompanhamento da reforma da habitação social, da acessibilidade física e económica da habitação, bem como da eficácia dos subsídios de habitação. Insta a que os representantes da sociedade civil organizada sejam consultados antes da adoção das recomendações específicas por país do Semestre Europeu em matéria de política de habitação. O CESE defende que o investimento a longo prazo nas infraestruturas sociais deve ter maior margem de manobra e solicita que este tipo de investimento seja excluído das contas das administrações públicas no cálculo do défice público.

1.4A instituição de um «fundo europeu de investimento na habitação acessível, digna e adequada», destinado à criação e manutenção de habitações a preços moderados, permitiria à UE tornar as suas ações e as suas políticas mais compreensíveis e coerentes para os cidadãos europeus, nomeadamente no âmbito do futuro plano para os edifícios previsto no Pacto Ecológico e do futuro plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

1.5Com base no relatório que os Estados-Membros devem apresentar ao Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS) em 2020 sobre as medidas relativas à potencial sobreavaliação do preço do imobiliário e as ações levadas a cabo no seguimento das recomendações do CERS, ou nas justificações a apresentar em caso de falta de ação neste domínio, é crucial detetar desde muito cedo as vulnerabilidades que possam provocar crises financeiras, económicas e sociais e reagir em conformidade.

1.6A Comissão Europeia deve proceder o mais rapidamente possível a uma revisão da decisão relativa aos serviços de interesse económico geral no que respeita ao grupo-alvo para a habitação social e especificar que a política de habitação não pode ter como único objetivo apoiar as pessoas em risco de pobreza, devendo garantir uma habitação digna, acessível e comportável a longo prazo para todos os cidadãos, em especial os sem-abrigo, os casais jovens, as famílias monoparentais ou numerosas, os trabalhadores por conta de outrem e, de forma mais geral, as classes médias, vítimas da crise da habitação na Europa. Neste contexto, a Comissão deve propor uma definição comum do conceito de custos de habitação excessivos, uma metodologia harmonizada de avaliação dos encargos de habitação excessivos, uma regulamentação normativa contra a retenção especulativa de habitações vazias e de terrenos para construção, e um enquadramento das práticas de conversão de habitações acessíveis em alojamentos turísticos para arrendamento de curto prazo.

1.7Por último, o CESE solicita à Comissão que organize anualmente uma cimeira europeia da habitação acessível, que reúna todas as partes interessadas, a fim de analisar a aplicação e o acompanhamento deste plano de ação europeu para a habitação acessível, com base num relatório anual sobre a situação da habitação na UE.

2.Observações gerais

2.1Embora a ajuda à habitação esteja consagrada na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o acesso a habitação social ou a uma ajuda à habitação de boa qualidade esteja previsto no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, os textos da UE não reconhecem plenamente o direito à habitação digna, uma vez que este direito não se reveste de um caráter verdadeiramente operacional. Este facto é ilustrado pelo forte aumento do número de sem-abrigo e de pessoas que vivem em habitações precárias, bem como dos agregados familiares que se confrontam com custos de habitação excessivos. Na prática, os cidadãos europeus não dispõem de um verdadeiro direito a uma habitação digna e a preços acessíveis. Este direito limita-se à ajuda à habitação, à habitação social ou ao alojamento temporário de emergência para as pessoas necessitadas, em conformidade com as legislações e práticas dos Estados-Membros, e sob reserva da disponibilidade de um alojamento adequado.

2.2As forças do mercado imobiliário residencial não conseguem dar resposta a todas as necessidades. O aumento contínuo dos preços do mercado residencial conduziu ao aumento das desigualdades em toda a Europa. Isto significa que um número crescente de agregados familiares consagra mais de 40% do seu orçamento à habitação, o que constitui um custo de habitação excessivo; 11% dos cidadãos europeus encontram-se numa situação em que mais de 40% do seu rendimento pessoal (líquido de subsídios de habitação) se destina à habitação, enquanto um em cada 20 cidadãos vive num imóvel sobrelotado onde faltam serviços de primeira necessidade 2 .

2.3As estruturas económicas e demográficas e os níveis de preços variam consideravelmente entre os Estados-Membros. Além disso, existe uma diferença significativa de preços entre as capitais, as cidades secundárias e os restantes territórios.

2.4Os mercados de habitação de muitas metrópoles europeias, grandes cidades e regiões periurbanas da UE registam um forte crescimento da procura, associado à mobilidade dos agregados familiares em busca de emprego, face a uma oferta de habitação limitada pela escassez de terrenos, pelo aumento dos custos da construção e da densificação e por práticas especulativas dos investidores. Os terrenos são um recurso raro, que suscita uma concorrência crescente entre diversas utilizações: habitação, infraestruturas públicas, agricultura, silvicultura, exploração comercial ou industrial, transportes, biodiversidade, terrenos de irrigação, espaços de lazer, etc., tanto assim que o preço do terreno constitui frequentemente o fator mais incomportável da habitação. O aumento dos preços do imobiliário residencial metropolitano e periurbano traduz-se num aumento da exclusão habitacional, do número de pessoas sem-abrigo e da habitação precária, que se alarga agora aos jovens, às famílias monoparentais ou numerosas, aos trabalhadores por conta de outrem e, de forma mais geral, às classes médias, empurradas para fora das metrópoles europeias por custos de habitação excessivos e obrigadas a deslocar-se para as zonas rurais.

Por sua vez, esta deslocalização conduz a um aumento, em diferentes graus, do custo da habitação nas zonas rurais, resultando, nomeadamente, na segregação social, na emergência de áreas exclusivamente residenciais (dormitórios), no aumento da mobilidade, em alterações na paisagem, na artificialização dos solos e no aumento das infraestruturas e dos custos para a comunidade.

2.5Os Estados-Membros dispõem de uma ampla margem discricionária para definir, organizar e financiar os seus serviços sociais de interesse geral, incluindo a habitação. No entanto, esta competência não os isenta do respeito dos valores da União (dignidade humana, igualdade, não discriminação, direitos humanos, etc.) e das regras da UE aplicáveis à habitação, nomeadamente o Protocolo (n.º 26) relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao TFUE, que insta os Estados-Membros a assegurar «um elevado nível de qualidade, de segurança e de acessibilidade de preços, a igualdade de tratamento e a promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores». A Comissão, enquanto guardiã dos Tratados, tem, por conseguinte, um papel importante a desempenhar e é chamada a intervir quando os Estados-Membros não cumprem as suas obrigações.

Não obstante, no âmbito da regulamentação sobre auxílios estatais, a Comissão reduz consideravelmente as competências dos Estados-Membros, ao estabelecer que as habitações sociais devem destinar-se exclusivamente aos agregados familiares mais carenciados, apesar de a crise da habitação afetar uma faixa da população muito mais ampla. Do mesmo modo, os poderes públicos só podem vender terrenos para construção no âmbito de um programa de criação de habitações acessíveis ao preço do mercado, e só depois de esse preço ter sido determinado mediante um processo complexo.

2.6Por outro lado, a forte contração dos investimentos públicos dos Estados-Membros em habitações sociais e acessíveis, em resultado da retirada dos bancos comerciais do financiamento destes investimentos, da crise económica e orçamental e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, não permitiu dar resposta à procura crescente mediante uma oferta de habitações complementar à do mercado, até porque a privatização do parque de habitação social existente se está a generalizar em alguns Estados-Membros.

2.7As plataformas em linha alimentaram esta tensão nos mercados locais de habitação através de uma concentração da procura associada às migrações internacionais e do desenvolvimento de plataformas de alojamento turístico a nível mundial, que conduziram, nas cidades mais atrativas, à retirada do mercado de habitações a preços acessíveis, convertendo-as em alojamento a curto prazo. Além disso, há sociedades de capitais internacionais (fundos de pensões, companhias de seguros, fundos de capitais de investimento, etc.) que, dado o nível muito baixo dos rendimentos financeiros (taxas de juro, dividendos, etc.), desenvolvem estratégias de forte investimento em bens imobiliários, o que provoca um maior aumento dos preços.

2.8O Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS) afirmou, nas suas recomendações de 31 de outubro de 2016 3 , que as crises financeiras ocorridas demonstraram que a evolução não sustentável dos mercados imobiliários pode ter graves repercussões sobre a estabilidade do sistema financeiro e da economia no seu todo. Em 2019, o CERS emitiu um alerta relativo a «vulnerabilidades a médio prazo no setor imobiliário para habitação» dirigido a nove Estados‑Membros.

2.9A pandemia de COVID-19 paralisou o mercado imobiliário. Na sequência da crise sanitária, o setor imobiliário residencial poderá ser afetado por graves consequências. Do lado da oferta, os apoios às famílias e os investimentos das autoridades e organismos públicos na habitação social poderão sofrer reduções substanciais devido aos custos económicos e sociais do combate às consequências da pandemia, que representarão uma sobrecarga significativa para os futuros orçamentos públicos. Do lado da procura, o número de agregados familiares que deixará de dispor dos rendimentos necessários para obter uma habitação no mercado imobiliário aumentará proporcionalmente ao agravamento do desemprego e da precariedade.

2.10O plano para os edifícios previsto no Pacto Ecológico e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais devem representar uma oportunidade para, respeitando as políticas e as práticas dos Estados‑Membros, tornar concretas e compreensíveis as políticas da UE no domínio da habitação, nomeadamente convidando todas as instituições financeiras da União (Banco Central Europeu, Banco Europeu de Investimento, Fundo Europeu de Investimento) e o instrumento InvestEU a relançar os investimentos públicos e aumentar substancialmente os empréstimos vantajosos a longo prazo e as garantias prestadas aos investidores e ao setor da construção, de modo a beneficiar o consumidor final.

3.Custos de habitação excessivos

3.1É indiscutível que muitos agregados familiares pagam um preço excessivo pela sua habitação, que constitui a sua principal despesa de consumo e representa um encargo excessivo, em detrimento de outras despesas de primeira necessidade, expondo muitos cidadãos europeus a um risco elevado de sobre-endividamento, desqualificação social ou exclusão 4 .

3.2A nível da UE, não há unanimidade sobre a definição de custos de habitação excessivos e dos seus componentes. O Eurostat considera que despesas com habitação superiores a 40% do rendimento disponível constituem custos excessivos, ao passo que, em diversos documentos da Comissão, esta percentagem é fixada em um terço do rendimento disponível. Além disso, a crise sanitária obriga os agregados familiares com baixos rendimentos a recorrer às suas poupanças para pagar a renda, agravando ainda mais o risco de sobre-endividamento.

3.3Por outro lado, na própria UE, a definição de custos de habitação excessivos é constantemente objeto de debates metodológicos; nem todos os institutos nacionais de estatística utilizam os mesmos métodos de avaliação. Quando da elaboração de orientações comuns, é essencial ter em conta as realidades socioeconómicas.

3.4Os custos de habitação excessivos já não afetam apenas a população mais carenciada, em risco de pobreza, mas também as pessoas que têm um rendimento demasiado elevado para poderem beneficiar da habitação social mas demasiado baixo para poderem obter uma habitação nas condições do mercado privado. Muitas vezes, uma habitação digna numa cidade ou na periferia, perto do local de trabalho, torna-se incomportável para estas pessoas, que são afastadas para territórios distantes do seu local de trabalho. Por conseguinte, embora beneficiem de custos de habitação menos elevados fora das grandes aglomerações, veem-se confrontadas com outras despesas, problemas de mobilidade, imperativos ecológicos e outras limitações adicionais. O afastamento das classes médias dos centros das cidades provoca desequilíbrios funcionais, aumentando a procura de habitações e provocando um encarecimento das rendas e um aumento da poluição associada às deslocações entre o domicílio e o local de trabalho.

3.5As políticas de habitação dos Estados-Membros não podem, por conseguinte, ter como único objetivo ajudar as pessoas vulneráveis a encontrar «um teto», mas devem assegurar que a habitação é adequada à situação da família, promover a qualidade da habitação, em particular melhorando o parque habitacional existente, ou seja, garantir uma habitação digna e a preços acessíveis a todos os cidadãos em caso de necessidade, tanto quantitativa como qualitativa.

4.A habitação social

4.1Não existe um modelo europeu de habitação social, uma vez que os Estados-Membros adotam abordagens e conceções diversas. No entanto, observam-se tendências comuns à maior parte dos Estados-Membros: descentralização a favor dos órgãos de poder local e regional, reorientação para as populações mais frágeis, redução dos investimentos públicos na oferta de habitações sociais e valorização do parque existente através da venda de habitações sociais para arrendamento, por vezes porque os proprietários destas habitações já não conseguem assegurar a conformidade com as normas nem a renovação dos imóveis.

4.2Na UE, a habitação social ou a habitação a preços moderados é a expressão concreta do direito à habitação, com o objetivo declarado de garantir a todas as pessoas necessitadas o acesso a uma habitação digna com uma renda/preço acessível, dando assim cumprimento às obrigações dos Estados-Membros e da UE resultantes de uma série de convenções, declarações, cartas e tratados subscritos tanto a nível europeu como internacional.

4.3A conceção de habitação social avançada pela Comissão na sua decisão enquanto autoridade europeia da concorrência é muito restritiva 5 , dispondo que as habitações sociais que beneficiam da isenção de notificação dos auxílios estatais devem ser reservadas exclusivamente a «cidadãos desfavorecidos ou grupos socialmente menos favorecidos, que devido a condicionalismos de solvência não estejam em condições de obter uma habitação nas condições de mercado». Atualmente, esta definição restritiva de habitação social já não corresponde à dimensão da crise da habitação europeia e às obrigações de serviço público atribuídas pelos Estados-Membros aos proprietários de habitações sociais, que vão da «prioridade ao alojamento» para as pessoas sem abrigo à habitação acessível ou intermédia para as classes médias nas metrópoles europeias.

4.4Numa comunicação de 2006 6 , a Comissão classificou a habitação social com um dos serviços sociais de interesse geral a que se aplica o princípio da subsidiariedade e que (em princípio) podem ser definidos, organizados e financiados com amplo poder discricionário pelos Estados‑Membros.

4.5No entanto, no exercício desta liberdade, os Estados-Membros devem ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual praticamente todos os serviços prestados no domínio social (com exceção dos regimes de segurança social baseados na solidariedade) são considerados atividades económicas.

4.6Consequentemente, na ausência de um quadro jurídico específico para a habitação social, as disposições da União que regem os serviços de interesse económico geral, nomeadamente o artigo 14.º do TFUE e o Protocolo n.º 26 anexo ao Tratado de Lisboa, são aplicáveis à habitação social.

4.7Por conseguinte, a União e os seus Estados-Membros, dentro dos limites das respetivas competências e do âmbito de aplicação dos Tratados, devem assegurar que a disponibilização de habitações sociais funcione com base em princípios e em condições, nomeadamente económicas e financeiras, que lhes permitam cumprir as suas missões.

4.8Os operadores da habitação social têm acesso a meios europeus importantes de financiamento para cofinanciar as construções ou renovações térmicas de habitações sociais e de habitações adaptadas para comunidades marginalizadas, nomeadamente através de fundos europeus 7 , do Banco Europeu de Investimento, do Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa, do Plano Juncker 2 de investimentos estratégicos, do fundo de investimento a criar no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, e do instrumento de recuperação Next Generation EU, em particular do Fundo para uma Transição Justa, da Iniciativa REACT-EU e do InvestEU.

Assim, o Banco Europeu de Investimento e o Fundo Europeu de Investimento concedem empréstimos a longo prazo que visam apoiar os operadores da habitação social, as parcerias público-privadas, as estruturas de agregação, os bancos intermediários e as sociedades de projeto. Em alguns casos, a assunção de riscos mais elevados exige um apoio do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos. Estes investimentos a longo prazo em infraestruturas sociais devem, por conseguinte, ser compreensíveis para os cidadãos europeus.

4.9O projeto de plano para os edifícios previsto no Pacto Ecológico e o seu objetivo de promover uma «vaga de renovação térmica» dos edifícios, em particular das habitações sociais e privadas, deverá também assumir a forma de um fundo de investimento específico e um apoio à estruturação de setores locais de renovação térmica, que criam empregos locais e geram economias de escala, como o projeto «EnergieSprong», cofinanciado pela UE.

4.10A nível dos Estados-Membros, existe um vasto leque de medidas para promover habitações sustentáveis, nomeadamente a construção de habitações a preços moderados ou apoios individuais que contribuem para a formação do capital de arranque necessário à obtenção de um empréstimo hipotecário, visam diminuir os encargos mensais do reembolso de um empréstimo hipotecário, ajudam os agregados familiares mais desfavorecidos a arrendar uma habitação digna e adequada ou incentivam a reestruturação energética sustentável dos edifícios de habitação e a exploração de energias renováveis. Contudo, a nível dos Estados-Membros, as políticas fiscais ou de incentivo não são coordenadas e nem sempre favorecem a miscigenação social no parque habitacional. Além disso, cada Estado-Membro deve fornecer um serviço independente que preste o máximo de informações e aconselhamento possível sobre qualquer tipo de questão relativa aos auxílios à habitação destinados a pessoas singulares e aos auxílios estatais destinados a promotores públicos e privados no âmbito da construção de habitações subsidiadas.

4.11Contudo, todas estas iniciativas e apoios não são suficientes para resolver a escassez de habitações acessíveis e dignas. Por este motivo, o CESE considera que a Comissão deve propor um plano de ação europeu para a habitação digna e acessível, no âmbito da aplicação do princípio 19 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e do futuro plano para os edifícios do Pacto Ecológico.

5.Um plano de ação europeu para a habitação digna e acessível: um investimento de longo prazo por uma Europa mais próxima dos seus cidadãos e dos seus territórios

5.1Embora a política de habitação continue a ser uma competência dos Estados-Membros, a escassez de habitações adequadas com que a UE se confronta exige um plano de ação europeu para a habitação digna e acessível que inclua um conjunto coerente e visível de medidas destinadas a ajudar os Estados-Membros, as regiões e os municípios europeus a relançar de forma sustentável a oferta de habitações sociais e a preços acessíveis nos mercados locais de habitação em causa, reforçando simultaneamente a sua eficiência energética.

5.2A nível europeu, não existe uma definição universal de um verdadeiro direito à habitação, dado que qualquer pessoa ou família que atravesse dificuldades particulares tem apenas direito a um apoio público para ter acesso a uma habitação digna ou para aí permanecer. Por outro lado, na ausência de uma oferta de habitação adequada, o direito à habitação, ainda que seja oponível, permanece teórico. Por conseguinte, o CESE defende a consagração de um verdadeiro direito à habitação no direito da UE.

5.3A Comissão deve assegurar que este direito seja acompanhado por uma política ativa de apoio aos investimentos de longo prazo necessários para a programação pública de uma oferta de habitações sociais e acessíveis, em que a miscigenação social e as nomas mínimas de qualidade sejam a regra geral. O CESE solicita que o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, por meio de um regulamento setorial adotado de acordo com o processo legislativo ordinário, estabeleçam os princípios e definam as condições para fornecer, mandar executar e financiar habitações acessíveis, em conformidade com o artigo 14.º do TFUE.

5.4A Comissão deve proceder a uma revisão da decisão relativa aos serviços de interesse económico geral no que respeita ao grupo-alvo de beneficiários do direito à habitação social e especificar que a política de habitação não pode ter como único objetivo o apoio a pessoas que se encontram em risco de pobreza, mas deve garantir uma habitação digna, a preços acessíveis e comportável a longo prazo para todos os cidadãos, incluindo os sem-abrigo e as vítimas da escassez de habitações adequadas na Europa. Além disso, importa prever disposições que regulem a retenção especulativa de habitações vazias ou de terrenos para construção e enquadrem as práticas de aluguer para férias, dissociando a propriedade da habitação da sua utilização, que se inscreve no domínio do bem comum e do interesse geral e deve poder ser objeto de um enquadramento específico que a torne acessível.

5.5A Comissão deve igualmente propor uma definição comum de habitação acessível e de custos de habitação excessivos, bem como uma metodologia harmonizada de avaliação dos encargos de habitação excessivos.

5.6Com base no relatório que os Estados-Membros devem apresentar ao Comité Europeu do Risco Sistémico em 2020 sobre as medidas relativas à potencial sobreavaliação do preço do imobiliário e as ações levadas a cabo no seguimento das recomendações do CERS, ou nas justificações a apresentar em caso de falta de ação neste domínio, é crucial detetar desde muito cedo as vulnerabilidades que possam provocar crises financeiras. O CESE considera que o referido relatório deverá ser alterado em 2021 mediante um relatório complementar, que inclua as eventuais consequências da crise da COVID-19.

5.7Neste contexto, o CESE apoia a iniciativa da Comissão que visa estabelecer uma ligação entre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e o Semestre Europeu, o que, no domínio da política de habitação, deve resultar num melhor acompanhamento da reforma da habitação social, da acessibilidade física e económica da habitação, bem como da eficácia dos subsídios de habitação, mas insta a que os representantes da sociedade civil organizada sejam consultados antes da adoção das recomendações específicas por país do Semestre Europeu em matéria de política de habitação.

5.8A proposta de revisão da política de coesão europeia para o período 2021-2027, atualmente em debate no Conselho da União Europeia e no Parlamento Europeu, visa aumentar o orçamento para a habitação social de 2,2 para 4 mil milhões de euros. O CESE defende uma maior margem de manobra para o investimento a longo prazo em infraestruturas sociais e solicita que este tipo de investimento seja excluído das contas das administrações públicas no cálculo do défice público. A UE não pode, por um lado, exortar os Estados-Membros a assegurar o nível necessário de reinvestimento em infraestruturas sociais e, por outro, impor um limite máximo a estes investimentos ao abrigo do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

5.9A instituição de um «fundo europeu de investimento na habitação acessível» destinado à criação e manutenção de habitações permitiria à UE tornar as suas ações e as suas políticas mais compreensíveis e coerentes para os cidadãos europeus, nomeadamente no âmbito do futuro plano para os edifícios previsto no Pacto Ecológico e do futuro plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

5.10O CESE solicita à Comissão que organize anualmente uma cimeira europeia da habitação acessível, que reúna todas as partes interessadas, a fim de analisar a aplicação e o acompanhamento deste plano de ação europeu para a habitação acessível, com base num relatório anual sobre a situação da habitação na UE.

5.11Por último, o CESE considera que a «habitação social» é frequentemente objeto de preconceitos se não estiver inserida numa missão de interesse geral em prol da miscigenação, diversidade e inclusão sociais; o Comité recorda o contributo que o investimento na habitação social fornece para o desenvolvimento do emprego e a transição ecológica.

Bruxelas, 16 de setembro de 2020

Luca Jahier
Presidente do Comité Económico e Social Europeu

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(1)      Ver relatório «State of Housing in the EU 2019» [Situação da habitação na UE em 2019] da Housing Europe.
(2)    Eurostat (housing cost [Custos da habitação], março de 2017).
(3)      (CERS/2016/14).
(4)      Eurostat (housing cost [Custos da habitação], março de 2017).
(5)       Decisão da Comissão, de 20 de dezembro de 2011 , relativa à aplicação do artigo 106.º, n.º 2, do TFUE aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral.
(6)      COM(2006) 177 final – Realizar o programa comunitário de Lisboa – Os serviços sociais de interesse geral na União Europeia.
(7)      (FEDER, Fundo Social Europeu, Interreg).