PT

ECO/509

Uma União Bancária inclusiva e sustentável

PARECER 

Comité Económico e Social Europeu


Promover uma União Bancária mais inclusiva e sustentável melhorando o contributo dos bancos comunitários para o desenvolvimento local e construindo um sistema financeiro internacional e europeu socialmente responsável 
[parecer de iniciativa]

Relator: Giuseppe Guerini

Decisão da Plenária

20/02/2020

Base jurídica

Artigo 32.º, n.º 2, do Regimento

Parecer de iniciativa

Competência

União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

24/06/2020

Adoção em plenária

15/07/2020

Reunião plenária n.º

553

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

205/6/6



1.Conclusões e recomendações

1.1As regras aprovadas nos últimos anos a nível internacional e europeu nem sempre tiveram em plena consideração os diferentes modelos que contribuem para a diversidade bancária na Europa, o que tem um impacto significativo nos bancos de menor dimensão e regionais, que assumem, muitas vezes, a forma de cooperativas, especialmente em Estados-Membros como Itália e Espanha.

1.2Os diferentes modelos que caracterizam o pluralismo e a diversidade do sistema bancário europeu não foram afetados de forma idêntica pelas intervenções regulamentares na sequência da última crise financeira. Em alguns casos, os bancos que menos contribuíram para a crise de 2008 sentiram com maior acuidade a pressão imposta pelas regras adotadas em resposta à mesma.

1.3O CESE, embora reconhecendo os progressos realizados pela Comissão no sentido de ter em conta as instituições bancárias de menor dimensão e complexidade nas suas intervenções regulamentares mais recentes, considera útil reforçar ainda mais a proporcionalidade das regras bancárias às características dos seus destinatários, sem sacrificar a eficácia das regras prudenciais. Ao mesmo tempo, os princípios e os objetivos gerais subjacentes às medidas tomadas desde a crise financeira não devem ser postos em causa ou comprometidos, uma vez que se revelaram tanto necessários como eficazes. A segurança, a estabilidade e a resiliência do sistema financeiro são fundamentais.

1.4O CESE acolhe favoravelmente o adiamento, recentemente acordado, da entrada em vigor do Acordo de Basileia III, incentivando, quando for oportuna, uma transposição da nova regulamentação em matéria de requisitos de capital que tenha devidamente em conta a diversidade dos modelos de negócio bancários presentes na Europa e o respetivo contributo para a diversificação e resiliência da União Bancária.

1.5O CESE espera, em particular, ver valorizado o papel específico que os bancos regionais e comunitários, frequentemente organizados de forma cooperativa em alguns Estados-Membros, como Itália e Espanha, desenvolvem em prol das PME e das famílias à escala local, constituindo, em alguns casos, a principal, se não a única, fonte de acesso ao crédito para milhares de empresas e cidadãos europeus.

1.6O CESE exorta também a que seja devidamente valorizado o contributo dos bancos cooperativos de maior dimensão de países como a Alemanha, a Áustria, os Países Baixos e a França para o sistema bancário europeu. Caso estes bancos contribuam para os riscos sistémicos, há que o ter devidamente em conta na regulamentação e na supervisão.

1.7Cumpre igualmente lembrar o importante papel que desempenham no fomento da democracia económica, favorecendo a participação das respetivas partes interessadas, que não são meros acionistas ou clientes, mas sim sócios que podem participar com base em votações «por cabeça» nas orientações de governação, que efetivamente visam mais o stakeholders’ value (valor para as partes interessadas) do que o shareholders’ value (valor para os acionistas).

1.8O CESE considera que os bancos europeus, incluindo os bancos regionais e cooperativos, desempenharão um papel fundamental na recuperação económica na sequência da emergência da COVID-19, apoiando a economia e o emprego.

1.9Um sistema bancário diversificado, com a participação de uma pluralidade de partes interessadas e enraizado nos territórios e comunidades locais, constitui também uma importante garantia da manutenção de uma responsabilidade social que seja a expressão da partilha e participação por parte de cidadãos, PME e operadores económicos individuais com forte implicação na economia real.

2.Observações gerais

2.1O presente parecer de iniciativa nasce como um contributo do CESE para um projeto de União Bancária que favoreça a consecução dos objetivos de desenvolvimento sustentável e de inclusão social necessários para assegurar a futura competitividade da União Europeia face aos múltiplos desafios que se perfilam a nível mundial. Nesse contexto, o CESE pretende frisar o interesse da sociedade civil em assegurar uma União Bancária inclusiva, diversificada e sustentável.

2.2Este contributo vem na sequência de vários outros pareceres do CESE sobre o papel dos bancos locais e cooperativos 1 e é ainda mais necessário hoje, face à nova conjuntura gerada pela crise sanitária, humana, económica, de emprego e social a nível mundial causada pelo surto de COVID-19.

2.3Com o aumento constante das normas bancárias a nível europeu, as quais se tornam cada vez mais exigentes ao longo dos anos, nem sempre se teve em consideração os diferentes modelos que contribuem para a diversidade bancária na Europa, nem o desenvolvimento de regras proporcionais que fossem também adequadas para os bancos regionais e de menor dimensão.

2.4Os argumentos apresentados abaixo prendem-se sobretudo com os bancos comunitários, geralmente de pequena dimensão e com uma estrutura de gestão simplificada. Referem-se igualmente aos bancos cooperativos nos diversos modelos e nas diferentes dimensões que assumem na Europa. Esses bancos são, com efeito, de pequena dimensão, estão presentes em grande número e têm um relevo apenas local em alguns Estados-Membros, como Itália e Espanha. Por outro lado, são atores importantes em Estados-Membros como a Alemanha, a Áustria e os Países Baixos, embora, na medida que funcionam como cooperativas, ainda partilhem a característica distintiva dos outros bancos cooperativos, a saber, visam mais o valor para as partes interessadas do que para os acionistas. Quando estão organizados num grupo bancário cotado na bolsa, os bancos cooperativos têm de partilhar várias das características das outras empresas cotadas.

2.5Abordar a questão da regulamentação bancária exige um duplo esforço: de memória, inclusivamente crítico, em relação aos eventos que condicionaram progressivamente o quadro regulamentar europeu, e de visão prospetiva quanto ao que pretendemos para o futuro.

2.6No que se refere à memória, cumpre recordar que o quadro vigente é, em grande parte, uma resposta à crise de 2008. O legislador europeu pretendeu reformular as regras com vista a colmatar as lacunas expostas pela crise e, acima de tudo, dotar os bancos dos meios e da solidez necessários para fazer face a crises futuras.

2.7Os objetivos das reformas realizadas foram e permanecem aceitáveis; no entanto, não restam dúvidas de que o impacto e os e resultados nos diversos aspetos do sistema bancário foram assimétricos, devido à abordagem até ao momento adotada pelo regulador bancário.

2.8Os diferentes modelos que caracterizam o pluralismo e a diversidade do sistema bancário europeu não foram afetados de igual modo pelas intervenções regulamentares realizadas. Com efeito, em alguns casos, os modelos de negócios que menos contribuíram para a crise de 2008, como os bancos locais, frequentemente de pequena a média dimensão e, em alguns Estados, cooperativos, sentiram com maior acuidade a pressão imposta pelas regras.

2.9Os bancos locais de pequena e média dimensão, também por via de normas cujo cumprimento se tornou, em diversos aspetos, mais difícil, sofreram uma pressão regulatória cada vez maior para se unirem a grupos de maior dimensão e se fundirem, sob pena de saírem do mercado, com a consequente perda de diversidade para o sistema bancário europeu.

3.Bancos regionais e regulamentação bancária: considerações gerais

3.1As diversas normas introduzidas nos últimos anos por via da execução de acordos internacionais e de regras europeias penalizaram os bancos de pequena e média dimensão, especialmente os que são de natureza cooperativa, regional e mutualista, por três razões:

a.Os custos de conformidade devidos a uma regulamentação volumosa, complexa, muito pormenorizada e em constante alteração;

b.O escasso reconhecimento da importância sistémica diferente dos bancos locais no que se refere ao risco;

c.A vantagem em matéria de custos de financiamento de que beneficiam os grandes bancos sistémicos.

3.2Por estas razões, o CESE considera útil que o legislador assegure rapidamente que as normas bancárias são estruturalmente proporcionais e adequadas aos destinatários. O legislador deve visar a realização de três objetivos:

a.Reduzir distorções competitivas artificiais, induzidas por regras não proporcionadas/adequadas às diferentes características dos destinatários, incluindo as finalidades comerciais que os distinguem;

b.Manter um setor bancário europeu diversificado e, como tal, mais resistente a futuras crises financeiras e económicas;

c.Favorecer (e não reduzir) o recurso ao crédito para pequenas e médias empresas, um setor-chave da economia na Europa.

3.3O CESE apoia o adiamento, recentemente acordado, da entrada em vigor do Acordo de Basileia III, incentivando, quando for oportuna, uma transposição para o direito da UE que tenha devidamente em conta a diversidade dos modelos de negócio bancários presentes na Europa.

3.4Tendo em vista a transposição das novas reformas previstas no Acordo de Basileia, o CESE considera útil recordar e manifestar o seu apoio aos sete princípios definidos em junho de 2019 pelo Comité Científico do Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS), enunciados antes da aprovação definitiva da avaliação do próprio CERS 2 .

a.Adaptabilidade: a regulamentação financeira deve poder evoluir a par do sistema financeiro, e não tornar-se um obstáculo à inovação. Significa isso também não criar obstáculos materiais à entrada de novos bancos no setor e não desencorajar o aparecimento de novos modelos comerciais ou a salvaguarda de modelos bancários alternativos, historicamente consolidados, como o modelo cooperativo.

b.Diversidade: a diversidade das instituições financeiras e das práticas comerciais deve ser preservada, uma vez que constitui uma salvaguarda eficaz contra a instabilidade sistémica. Deve evitar-se a homogeneização excessiva das empresas e das atividades sujeitas a regulamentação: a capacidade de desenvolver «anticorpos» e formas diversificadas de reação/resiliência em relação a ciclos económicos negativos, por exemplo, aumenta a estabilidade geral do setor financeiro e, mais genericamente, da economia.

c.Proporcionalidade: o ónus da regulamentação deve ser proporcional à importância da correção das falhas do mercado e à importância sistémica dos destinatários da regulamentação.

d.Possibilidade de resolução: a regulamentação deve permitir que as instituições não sustentáveis do ponto de vista económico saiam do sistema sem comprometer a estabilidade sistémica. No entanto, devem ser adotadas políticas que tenham em conta a estrutura e a complexidade internas das instituições em causa.

e.Perspetiva sistémica: a regulamentação financeira deve ter como objetivo assegurar a prestação dos serviços financeiros essenciais à sociedade sem descontinuidade. Um sistema de regulamentação que favorece a concentração de atividades num número limitado de instituições financeiras pode apresentar maiores vulnerabilidades, pois depende da sobrevivência financeira dessas instituições pouco numerosas.

f.Disponibilidade das informações: os fluxos de informação dos bancos para as autoridades reguladoras, previstos na regulamentação do setor, devem permitir a rápida identificação de canais de «contágio» e das bolsas de vulnerabilidade.

g.Normas não regulamentares: a presença de regulamentação não deve pressupor a eliminação de soluções encontradas fora de âmbitos estritamente regulamentares.

4.Propostas concretas para a transposição das novas regras no contexto regulamentar da União Bancária

4.1É razoável pensar que, no decurso da legislatura europeia de 2019-2024, a Comissão Europeia reverá o seu plano de intervenção legislativa na sequência da emergência da COVID-19. Enquanto se aguarda o novo plano, os principais objetivos de adequação regulamentar do sistema bancário europeu relativamente aos quais o CESE considera importante intervir são os seguintes.

4.2É necessário transpor o Acordo de Basileia (concluído em dezembro de 2017), aproveitando melhor as margens de interpretação e discricionariedade à disposição da UE, comparativamente ao que aconteceu com Basileia II e Basileia III. Em termos gerais, é justo reconhecer que a Comissão Europeia tomou uma série de medidas na direção certa com vista a simplificar as regras relativas às instituições bancárias de menor dimensão e complexidade em diferentes áreas, como os requisitos de comunicação de informações, a supervisão e os requisitos de capital (fator de apoio às PME). No entanto, é necessário avançar mais nessa direção, adaptando, na medida do possível, as regras aos vários modelos de negócio, sem sacrificar a eficácia da regulação prudencial.

4.3O CESE reconhece, em particular, o papel específico que os bancos regionais e comunitários, frequentemente sob forma cooperativa em alguns Estados-Membros, como Itália e Espanha, desempenham junto das PME e das famílias. O CESE também reconhece o contributo dado pelos bancos cooperativos de maior dimensão de países como a Alemanha, a Áustria e os Países Baixos ao sistema bancário europeu. Caso estes bancos contribuam para os riscos sistémicos, há que o ter devidamente em conta na regulamentação e na supervisão.

4.4Seria positivo para o tecido económico e bancário europeu promover a supressão da disposição [prevista no artigo 40.º do Regulamento (UE) n.º 468/2014] segundo a qual os bancos que fazem parte de um grupo bancário «significativo» se tornam por sua vez «significativos», embora permanecendo, de facto, muito modestos em termos de dimensão, papel e exposição aos chamados riscos sistémicos, com o objetivo de reconhecer as formas de proporcionalidade introduzidas em maio de 2019 pela Diretiva Requisitos de Fundos Próprios V (DRFP V) e pelo Regulamento Requisitos Fundos Próprios II (RRFP II) (o chamado «pacote Bancário»). O artigo 84.º, n.º 4, da DRFP V e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 145, do RRFP II, introduzem o conceito de «instituição de pequena dimensão e não complexa», alguns dos requisitos para as quais deveriam ser aligeirados, mormente no que respeita à divulgação pública de informações.

4.5O CESE considera que a definição de «instituição de pequena dimensão e não complexa» pode agora permitir uma abordagem sistemática da questão da proporcionalidade. A simplificação dos requisitos para uma instituição de pequena dimensão e não complexa não deve limitar-se ao âmbito dos requisitos de divulgação de informações. Deverá poder estender-se a outros perfis prudenciais e de supervisão. Por exemplo, uma instituição de pequena dimensão e não complexa não tem de ser supervisionada como uma instituição «significativa» quando faça parte de um grupo «significativo» por força da imposição de uma norma da legislação nacional. Com efeito, tal situação poderia levar a uma espécie de dupla supervisão dos pequenos bancos a níveis diferentes, com um impacto negativo considerável em termos de custos de conformidade para os bancos e de encargos regulamentares para as autoridades de supervisão bancária.

4.6O CESE espera também a revisão das regras e dos mecanismos que regem a resolução e a liquidação dos bancos, as modalidades de cálculo do requisito mínimo para os fundos próprios e os passivos elegíveis 3 , as intervenções de natureza alternativa que podem ser realizadas por «fundos de garantia dos depositantes» específicos 4 , constituídos por sistemas de bancos regionais ou cooperativos, conforme estabelecido no «Acórdão Tercas» do Tribunal de Justiça da UE, de 19 de março de 2019 5 .

4.7Importa que a nova regulamentação primária, bem como as regras de supervisão em matéria de finanças sustentáveis, não agrave ainda mais os custos de conformidade, com consequentes modelos de supervisão «insustentáveis» para bancos de pequena dimensão e que assumem juridicamente a forma de cooperativa.

4.8O CESE apoia a proposta apresentada em 2019 pela Comissão de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu quanto à pertinência de introduzir um «fator de apoio verde e social» que permita reduzir a absorção de capital para os empréstimos desembolsados concedidos pelos bancos a empresas da economia social e às que participam efetivamente em programas de desenvolvimento sustentável e inclusivo. Uma vez que o setor financeiro deve ser resiliente e estável, há que examinar e avaliar adequadamente a conveniência de elaborar um fator de apoio verde e social.

4.9O CESE considera importante que a nova regulamentação relativa à União Bancária disponibilize ferramentas concretas que permitam reconhecer que os investimentos dos bancos em atividades com um impacto social e ambiental positivo também devem ser incentivados por meio de um tratamento favorável do ponto de vista das disposições prudenciais exigidas pela Autoridade Bancária Europeia (EBA).

4.10Essa sensibilidade a nível regulamentar encontraria também respaldo nos dados que demonstram o risco inferior dos investimentos realizados por empresas da economia social, com uma incidência praticamente insignificante de créditos não produtivos no sistema bancário europeu.

4.11Os colegisladores chegaram a um acordo na primavera de 2019 e incumbiram a EBA [artigo 501.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 – RRFP], após consulta do Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS), de avaliar, com base nos dados disponíveis e nas conclusões do Grupo de Peritos de Alto Nível sobre Finanças Sustentáveis da Comissão, se se justificará um tratamento prudencial específico das exposições em risco relacionadas com ativos ou atividades substancialmente associados a objetivos ambientais e/ou sociais. O CESE insta a que esta avaliação seja criteriosa e positiva.

5.Grupos de bancos e supervisão

5.1No que diz respeito à criação de grupos de bancos cooperativos, solicitada na regulamentação europeia, através da qual os bancos regionais e comunitários se agregam, em particular em alguns Estados, como Itália e Espanha, para conferir maior massa crítica à sua atividade, os bancos regionais devem poder administrar de forma adequada a absorção de capital das participações no capital das respetivas empresas-mãe, a fim de não comprimir excessivamente o património destinado à conceção de crédito.

5.2Atualmente, o quadro jurídico previsto na regulamentação europeia no que respeita aos grupos de bancos assenta em três artigos do RRFP:

a.Artigo 10.º: grupos de bancos constituídos por instituições de crédito associadas de modo permanente a um organismo central, com um mecanismo de contragarantias e poderes de gestão e coordenação (Itália, Países Baixos, Finlândia, Portugal, Luxemburgo);

b.Artigo 113.º, n.º 6: grupos com poderes de gestão e coordenação da empresa-mãe ou sistemas altamente integrados (França);

c.Artigo 113.º, n.º 7: sistemas de proteção institucional (SPI) (Alemanha, Áustria, Espanha, província de Bolzano em Itália)

5.3Estas três situações distintas não permitem reconhecer, na prática, determinadas especificidades que, entretanto, caracterizam e distinguem as operações dos bancos cooperativos obrigados a integrar grupos de bancos cooperativos ou sistemas de proteção institucional com a criação da União Bancária.

5.4A obrigação imposta aos bancos cooperativos de cumprimento de requisitos mutualistas, o desenvolvimento de uma atividade circunscrita aos territórios onde estão estabelecidos, a sua governação democrática, a ausência de um fim lucrativo individual, os limites precisos para a distribuição de lucros e a indivisibilidade do património não se coadunam com o atual quadro regulamentar.

5.5Corre-se assim o risco de enfraquecer a sua tradicional eficácia como bancos de desenvolvimento regional, com uma função anticíclica comprovada.

6.O quadro pós-COVID-19

6.1O impacto da pandemia de COVID-19 está a fazer-se sentir de forma dramática. Teremos de nos acostumar a viver com níveis consideravelmente mais elevados de dívida pública e, para fazer chegar atempadamente os recursos aonde sejam necessários, haverá que contar com a participação de todo o sistema financeiro no quadro de um esforço global partilhado com o concurso dos poderes públicos e de intervenientes do setor privado.

6.2Perante as consequências da COVID-19, foi observado por fontes autoritativas que os bancos europeus terão de se tornar num instrumento de política para apoiar a economia e o emprego após esta emergência sanitária. Por conseguinte, nem a regulamentação nem as disposições complementares devem impedir a criação, nos balanços bancários, da margem necessária para o efeito 6 .

6.3Não é ainda possível saber qual será a evolução da crise da COVID-19 em termos económicos nem qual será o seu impacto final nos bancos; porém, é necessária alguma reflexão à luz do quadro atual e futuro.

a.Do ponto de vista regulamentar, o principal objetivo após a crise financeira de 2008 era a redução dos riscos nos balanços bancários. Contudo, após o surto de COVID-19, e por um tempo impossível de estimar, os balanços bancários incorporarão os riscos dos próprios Estados e da economia real.

b.O Mecanismo Único de Supervisão, a EBA e a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados adotaram uma série de medidas no quadro da margem de flexibilidade que o atual quadro regulamentar lhes concede, a fim de suspender determinadas obrigações ou aliviar determinados requisitos prudenciais.

c.Se os efeitos económicos e financeiros da crise ainda estiverem significativamente presentes nos balanços bancários no futuro, este impacto terá de ser tido em conta quando da aplicação na UE do Acordo de Basileia de dezembro de 2017.

d.A decisão do Comité de Basileia de adiar a entrada em vigor do acordo de dezembro de 2017 é, sem dúvida, correta e necessária para permitir que os bancos façam face às consequências da pandemia, tanto para refletir o impacto da crise da COVID-19 na situação financeira dos bancos como para ter em conta mais devidamente a diversidade bancária na Europa.

Bruxelas, 15 de julho de 2020

Luca Jahier
Presidente do Comité Económico e Social Europeu

_____________

(1)

   O CESE já emitiu vários pareceres sobre a União Bancária (O papel dos bancos cooperativos e de poupança para a coesão territorial), mas as suas recomendações não foram tidas em conta. Em 2014, a respeito da proposta de regulamento relativo às medidas estruturais destinadas a melhorar a capacidade de resistência das instituições de crédito da UE [ COM(2014) 43 final – 2014/0020 (COD) ],o CESE havia apresentado recomendações relativas ao apoio às economias locais e à necessidade de uma regulamentação bancária que respeitasse o princípio da proporcionalidade. Em 2018, o CESE publicou um estudo intitulado Europe's cooperative banking models [Modelos bancários cooperativos da Europa] (ISBN: 978-92-830-4024-8, número de catálogo: QE-01-18-233-EN-N), que descreve a situação e as perspetivas do sistema bancário cooperativo no contexto europeu.

(2)    Relatórios do Comité Científico Consultivo – Regulatory Complexity and the Quest for Robust Regulation [Complexidade regulamentar e a procura de uma regulamentação robusta], n.º 8, junho de 2019.
(3)

   O requisito mínimo para os fundos próprios e os passivos elegíveis («minimum requirement for own funds and eligible liabilities» – MREL) é um requisito introduzido pela Diretiva Recuperação e Resolução Bancária, cujo objetivo é garantir o bom funcionamento do mecanismo de recapitalização interna («bail-in»), aumentando a capacidade de absorção das perdas bancárias.

(4)

   Um fundo deste tipo que visa a salvaguarda dos depósitos é o do consórcio de bancos de crédito cooperativos italianos (Banche Cooperative Italiane consorziate – BCC-CR), que constitui um exemplo útil da criação, de facto, de um mecanismo de proteção dos depósitos, totalmente autofinanciado pelos recursos próprios dos bancos, com um mecanismo de natureza mutualista e cooperativa. O fundo intervém: em caso de liquidação administrativa coerciva dos bancos membros do consórcio bancário e, no caso de sucursais de bancos cooperativos comunitários aderentes e em funcionamento em Itália, se houver intervenção do sistema de garantia do Estado de origem; em caso de resolução de bancos membros do consórcio; em operações de cessão de ativos, passivos, empresas, sucursais de empresas, bens e relações jurídicas identificáveis em bloco; para ultrapassar a situação de insolvência ou risco de insolvência de um membro do consórcio.

(5)

   Este acórdão anula, para todos os efeitos, a decisão da Comissão segundo a qual uma intervenção de apoio a um consórcio de direito privado a favor de um dos seus membros constitui um «auxílio concedido por um Estado».

(6)    Ver, por exemplo, os argumentos avançados pelo antigo presidente do BCE, Mario Draghi, no Financial Times, em 26 de março de 2020.