Comité Económico e Social Europeu

PT

REX/516

Ajuda externa, investimento e comércio enquanto vetores de redução das razões
para a migração económica, com especial destaque para África

PARECER

Comité Económico e Social Europeu


Ajuda externa, investimento e comércio enquanto vetores de redução das razões para a migração económica, com especial destaque para África
[parecer de iniciativa]

Relator: Arno Metzler

Correlator: Thomas Wagnsonner

Decisão da Plenária

23-24/01/2019

Base jurídica

Artigo 32.º, n.º 2, do Regimento

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

28/11/2019

Adoção em plenária

12/12/2019

Reunião plenária n.º

548

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

152/0/9



1.Conclusões gerais e recomendações

1.1A política de desenvolvimento da União Europeia (UE) procura fomentar o desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento, tendo como principal objetivo erradicar a pobreza, incentivar o desenvolvimento sustentável e criar emprego, bem como promover a paz e a segurança/estabilidade, a boa governação e os direitos humanos. Constitui um elemento central das relações da UE com os países terceiros e contribui para os objetivos de ação externa da UE, juntamente com a política externa, de segurança e comercial (e com aspetos internacionais de outras políticas, como o ambiente, a agricultura e as pescas). Na consecução destes objetivos, as políticas devem sempre assegurar uma «vida digna», aplicar o Estado de direito e criar condições de trabalho de qualidade. A este respeito, o CESE salienta explicitamente a necessidade de alcançar a igualdade de género e de capacitar as raparigas e as mulheres.

1.2Num mundo em constante mudança, uma coisa é certa: África e a Europa continuarão a ser os respetivos vizinhos mais próximos. Os 54 países que compõem África e os 28 Estados‑Membros da União Europeia partilham uma vizinhança, uma história e um futuro comuns. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) salienta que os erros do passado devem ser necessariamente evitados no futuro comum de ambos os continentes.

1.3Há setenta anos, a Europa era um continente de emigração líquida, uma vez que os seus cidadãos fugiam de flagelos como a guerra, a fome, a pobreza, o desemprego, a degradação do ambiente, a opressão e a discriminação. O êxito da UE na criação de oportunidades para os seus cidadãos tornou-nos um continente de imigração líquida. Cabe trabalhar em conjunto com os países africanos para que estes possam beneficiar de progressos semelhantes.

1.4É difícil identificar uma estratégia económica coerente da UE relativamente a África no seu todo. O CESE gostaria de sublinhar o seu empenho – enquanto órgão que representa a sociedade civil organizada e parceiro ativo em todos os acordos pertinentes concluídos pela UE – em participar nesta abordagem transparente e coerente. O Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) anunciou que a UE e África já são parceiros políticos fortes e que a etapa seguinte consiste em tornar-se verdadeiros parceiros económicos e aprofundar as relações comerciais e em matéria de investimento. O CESE desempenhou um papel fundamental na identificação das relações da sociedade civil no âmbito do Acordo de Cotonu. Importa agora que uma participação reforçada e continuada do CESE e das suas estruturas se torne um elemento substancial do acordo que suceder ao Acordo de Cotonu. Desta forma, a sociedade civil da UE poderá ajudar a sociedade civil dos países africanos a tornar-se um parceiro fiável e credível dos investidores. Tal só poderá ser concretizado mediante a promoção de uma parceria equitativa e tendo verdadeiramente em conta as atuais assimetrias da situação económica.

1.5Será fundamental reforçar a colaboração económica para atingir os objetivos comuns. Nos últimos anos envidaram-se esforços no sentido de estabelecer um novo paradigma nas relações UE-África (por exemplo na agricultura) cada vez mais centrado na cooperação política e na promoção de um investimento sustentável e de um ambiente empresarial estável, responsável e integrador. Este paradigma tem de ser eficazmente aprofundado no setor agrícola, bem como noutros setores, e deve incluir mais pessoas locais no terreno.

1.6O CESE recomenda que se crie, ao nível da UE, uma política de «balcão único» e um mecanismo de consulta adequado, a fim de disponibilizar informações e contactos aos interessados em investir e colaborar com África. Tal mecanismo funcionaria também como instrumento político de acompanhamento. A criação de um balcão único para todas as iniciativas relacionadas com África, evitaria uma sobreposição de projetos e asseguraria a transparência e eficiência do apoio da UE.

1.7O CESE recomenda igualmente a criação de uma plataforma adequada que permita uma melhor partilha de informações entre as PME europeias e africanas sobre boas práticas de investimento e de colaboração.

1.8É necessário apresentar uma arquitetura institucional clara e transparente da UE em matéria de cooperação para o desenvolvimento com África, assente no novo Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento 1 , que permita uma análise e uma execução mais realistas da perspetiva do desenvolvimento. O CESE espera que o acordo que suceder ao Acordo de Cotonu possa propor uma plataforma pragmática para uma política de cooperação para o desenvolvimento renovada, coerente com as complexidades do processo de desenvolvimento. Esta plataforma deve ter por base a colaboração entre todos os Estados-Membros e todas as instituições da UE, num esforço para registar todos os programas, projetos e iniciativas a nível nacional e da UE. Tal permitiria evitar a sobreposição e a duplicação de atividades em determinados domínios enquanto falta apoio noutros.

1.9Ao mesmo tempo, o CESE é favorável a um processo de maximização do impacto social e económico 2 de outras políticas da UE. Em particular, as políticas em matéria de comércio, investimento, fiscalidade 3 , ajuda externa 4 , luta contra a criminalidade organizada a nível internacional e clima devem ser coerentes com os objetivos da política de cooperação para o desenvolvimento.

1.10O CESE está fortemente empenhado em tornar o financiamento europeu em matéria de desenvolvimento mais eficiente e eficaz. Tendo em conta os fundos de investimento da UE que já investem em África, o CESE recomenda a criação de um fundo de investimento, semelhante ao Fundo Social Europeu (FSE), que se associe enquanto coinvestidor a investimentos públicos e privados. Este fundo deve assentar nos critérios e princípios da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e no reconhecimento das normas de base internacionalmente aceites 5 . Os projetos apoiados devem ser monitorizados e incluídos em registos ou plataformas centrais. O CESE insta a uma colaboração ainda mais estreita com as organizações da sociedade civil (em particular o CESE) no que se refere aos valores éticos perseguidos no quadro dos projetos apoiados.

1.11O CESE apela à aplicação de uma abordagem «da ajuda ao investimento», o que significa deixar de dar prioridade à oferta de benefícios e passar a apoiar e a trabalhar com intervenientes económicos autossuficientes e autónomos e projetos económicos intercontinentais assentes na cooperação em condições equitativas.

1.12As próprias estruturas financeiras em África devem ser reforçadas por forma a apoiarem o financiamento a longo prazo, tanto para investimentos públicos como privados. Trata-se de um requisito prévio importante para um desenvolvimento sustentável e duradouro. As experiências europeias em matéria de bancos cooperativos e de bancos de desenvolvimento nacionais, que servem especialmente os municípios, poderão servir de modelo. Em especial, o microcrédito e o investimento poderão ser um elemento essencial para o futuro da economia africana. O desenvolvimento sustentável apenas poderá ser concretizado quando forem apoiadas cadeias de valor e mercados de consumo regionais para a classe média 6 .

1.13O CESE considera que a cooperação da UE para o desenvolvimento deve colocar a tónica na construção de parcerias centradas nas pessoas, na garantia da participação da sociedade civil, dos sindicatos e do setor privado, bem como na geração de benefícios diretos para os cidadãos africanos e europeus.

1.14O CESE salienta que a sociedade civil organizada poderá ajudar a construir um clima de confiança ao dotar a sociedade civil africana de instrumentos de acesso à justiça, garantia da segurança e luta contra a corrupção, em parceria com estruturas africanas. Deverá ser este o valor acrescentado que a sociedade civil europeia traz ao desenvolvimento africano, assente em valores comuns como a democracia, o Estado de direito e os direitos políticos e de cidadania.

1.15Os acordos de comércio livre (ACL) e os acordos de parceria económica (APE) entre a UE e países africanos não possuem qualquer mecanismo de diálogo com a sociedade civil organizada. A UE deve procurar criar, no âmbito da revisão destes acordos, esses mecanismos de diálogo para intervenientes não estatais.

1.16Aproveitando a abordagem e a experiência crescente das plataformas de empresas sustentáveis em África («Sustainable Business for Africa» – SB4A), direcionadas principalmente para a participação do setor privado, a UE deveria reservar uma maior quota-parte dos seus auxílios e promover uma iniciativa análoga para a sociedade civil em geral, quer no quadro da SB4A, quer em complemento ou ainda em paralelo à mesma. Estas poderiam tornar-se plataformas com diversas partes interessadas em matéria de comércio e investimento sustentáveis em África.

1.17O CESE considera que a UE deve reservar alguns dos seus recursos de ajuda ao comércio para o apoio à participação e ao reforço das capacidades das organizações da sociedade civil, no que se refere aos esforços em matéria de comércio e investimento sustentáveis.

1.18Através de uma abordagem com diversas partes interessadas que também envolve as organizações da sociedade civil, o CESE promove iniciativas e ajustamentos aos regimes de política comercial previstos pelos ACL, pelos APE e pelo Sistema de Preferências Generalizadas (SPG) conducentes à execução eficaz e sustentável da Zona de Comércio Livre Continental (ZCLC) e à integração do mercado africano. Esta abordagem deve, nomeadamente, reforçar o comércio intra-africano e a integração regional e continental, bem como desenvolver setores importantes da economia em todo o continente africano.

1.19Na Europa, o investimento em infraestruturas públicas, especialmente na educação, tem estado na base da melhoria das condições de vida. Um dos principais objetivos da nossa política de desenvolvimento em África deve consistir em melhorar o seu nível de ensino, nomeadamente entre os grupos economicamente vulneráveis.

1.20O CESE congratula-se com o aumento previsto do financiamento da UE a África para 40 mil milhões de euros (46,5 mil milhões de dólares) no próximo período orçamental e espera que este seja significativamente impulsionado por investidores privados.

2.Contexto

2.1A Europa, líder em matéria de cooperação para o desenvolvimento, é o maior doador mundial de ajuda pública ao desenvolvimento. Proporcionando mais de 50% de toda a ajuda ao desenvolvimento prestada a nível mundial, a UE e os seus Estados-Membros são, no seu conjunto, o principal doador do planeta.

2.2De acordo com o Banco Mundial 7 , as remessas enviadas pelos expatriados para países em desenvolvimento ascendia, em 2016, a cerca de 426 mil milhões de dólares, o que representa o triplo da ajuda pública ao desenvolvimento a nível mundial. O facto de se garantir aos migrantes africanos na Europa oportunidades legais de emprego e se assegurar infraestruturas seguras de transferência de dinheiro contribuirá muito para o desenvolvimento de África.

2.3África e a Europa são vizinhos próximos, ligados por uma história comum, e partilham valores e interesses comuns que guiarão a sua cooperação no futuro. Atualmente, procuram responder em conjunto a desafios mundiais comuns, como as alterações climáticas e a paz e segurança. África estará especialmente vulnerável às alterações climáticas, apesar de contribuir menos de 4% para as emissões de gases com efeito de estufa a nível mundial. Dos 33 países mais ameaçados pelas alterações climáticas, 27 situam-se em África.

2.4A cooperação a nível continental entre África e a União Europeia é orientada por uma parceria estratégica, que assenta em valores partilhados e interesses comuns. Em 2007, África e a UE adotaram a Estratégia Conjunta África-UE, a fim de estreitar laços entre os dois continentes em domínios de cooperação essenciais, aprofundar o diálogo político e fornecer um roteiro concreto para o futuro trabalho conjunto.

2.5É com o Grupo dos Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP) que a UE mantém a cooperação mais duradoura, consagrada desde 1975 na Convenção de Lomé e atualizada desde 2000 no Acordo de Cotonu. São partes neste acordo 48 Estados da África Subsariana.

2.6A UE encontra-se atualmente a negociar com os Estados ACP um sucessor do Acordo de Cotonu, que abrange o período de 2000 a 2020. O contexto político e económico sofreu enormes mudanças durante as duas últimas décadas: as relações comerciais entre a UE e os países ACP são agora, em grande medida, reguladas por acordos de parceria económica bilaterais e regionais, e a estrutura da União Africana (UA) ganhou relevância, pondo em causa a coerência, a complementaridade e a sinergia entre as estruturas dos ACP e da UA.

2.7Um sucessor do Acordo de Cotonu proporciona a oportunidade de modernizar as regras sobre questões como investimento, serviços, comércio justo, direitos humanos, condições de trabalho dignas e migração. No entanto, a cooperação tem de assentar em novos pressupostos, baseados na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, e os países africanos terão de decidir se pretendem negociar em conjunto como um continente.

2.8Estes factos levam o CESE a insistir na necessidade de uma estratégia socioeconómica coerente nas relações UE-África e a apontar o papel que a participação da sociedade civil e dos parceiros sociais deve desempenhar nas negociações pós-Cotonu.

2.9O CESE chegou à conclusão de que não há uma supervisão ou registo centralizados de todas as iniciativas, programas e parcerias a nível nacional ou da UE. Além disso, não se dispõe de informações completas sobre o montante dos fundos que têm como destino África.

3.Estrangulamentos

3.1Importa realçar a heterogeneidade crescente do continente africano e que a UE deve adaptar as suas políticas às realidades. É necessária uma abordagem muito mais pragmática e realista no desenvolvimento das relações UE-África.

3.2A relação direta entre a UE e a União Africana (UA) alcançou maior proeminência desde o lançamento da Estratégia Conjunta África-UE, em 2007. A UE também impulsionou outras iniciativas, como o Fundo Fiduciário de Emergência da União Europeia para África, o Mecanismo de Investimento para África, o Plano de Investimento Externo e uma série de acordos infrarregionais. A multiplicidade de modalidades nas relações UE-África produz uma arquitetura complexa e por vezes incoerente, em que elementos de outras políticas se misturam com a cooperação para o desenvolvimento. A esta confusão soma-se os interesses divergentes dos Estados-Membros.

3.3O aumento do investimento do setor privado exige paz, segurança e estabilidade, bem como um ambiente favorável ao investimento e às empresas. Inquéritos realizados a investidores 8 indicam claramente que é necessário fazer muito mais neste domínio para melhorar a capacidade de África para competir a nível mundial pela captação de capital de investimento. O Estado de direito, o combate à corrupção, a independência do sistema judiciário e a previsibilidade das políticas fiscais, bem como a paz e a estabilidade, são fatores determinantes que influenciam as decisões dos investidores nacionais e estrangeiros. Pensa-se que o custo da criação de uma empresa é cerca de três vezes superior nos Estados frágeis, o que desencoraja significativamente o investimento privado 9 .

3.4No seu parecer sobre o papel do comércio na implementação dos ODS 10 , o CESE afirmou que «[a] implementação dos ODS necessitará do envolvimento direto da sociedade civil, designadamente porque tal promoverá o Estado de direito e contribuirá para combater a corrupção». Este parecer sublinhou igualmente a necessidade de construir infraestruturas em África, o que está atualmente a ser feito pelos chineses. O comércio interno em África é limitado, especialmente no que se refere aos produtos agrícolas; representa entre 10% e 15% de todo o comércio africano, o que se espera venha a melhorar com a aplicação do Acordo de Facilitação do Comércio da OMC, de 2017.

3.5De acordo com as projeções, são necessários anualmente cerca de 600 mil milhões de dólares para executar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em África 11 . Mesmo com a participação de investimento estrangeiro e de ajuda pública ao desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável em África dependerá da mobilização e da geração de recursos internos. Esses recursos têm por base investimento e criação de valor a longo prazo, por forma a gerar emprego de qualidade e cadeias de valor locais e regionais. A melhoria da educação e o consumo privado são fatores importante do crescimento em África, o que significa que o fomento do desenvolvimento neste continente tem de passar, em grande medida, pela criação de mercados (ou seja, consumidores) para os seus próprios produtos. As infraestruturas públicas são igualmente fundamentais para permitir um investimento privado a longo prazo.

3.6O CESE chama a atenção para o papel importante que o Programa Erasmus+ desempenha no acesso dos jovens africanos a uma educação avançada.

3.7A ligação entre desenvolvimento económico e migração não deve ser negligenciada. Alguns estudos demonstram 12 que as necessidades de migração diminuem assim que é atingido um determinado rendimento per capita (dependendo do estudo, os valores variam entre 6 000 e 10 000 dólares per capita por ano). Não obstante o facto de a maior parte da migração em África ocorrer no interior do continente, estes valores apontam para a necessidade de uma política de desenvolvimento que vise dar às pessoas uma vida digna, emprego e perspetivas nos seus próprios países. Concretizá-lo constituirá um enorme desafio, pois, segundo as projeções demográficas, viverão em África 2,5 mil milhões de pessoas em 2050 13 .

3.8Os ODS estabelecem a necessidade de alcançar a igualdade de género e de capacitar as raparigas e as mulheres para que se tornem autossuficientes; os desafios ao desenvolvimento que enfrentamos atualmente contêm um aspeto de género que se distingue e que tem de ser avaliado na elaboração das políticas e tido em conta na sua execução.

3.9A corrupção é um problema de grandes proporções, não só em África. É necessário promover uma boa governação económica e financeira mediante o reforço da gestão transparente das finanças públicas, a criação de um sistema credível de luta contra a corrupção assente na independência do sistema judiciário e a melhoria do ambiente empresarial e das circunstâncias que favorecem o progresso social.

3.10A sociedade civil organizada pode desempenhar uma função de supervisão importante. O reforço do papel das organizações não governamentais (ONG), dos sindicatos e das associações empresariais, bem como o apoio a estas iniciativas nos países parceiros, ajuda a promover a boa governação, a justiça e a democratização.

3.11A Europa está a perder terreno em África, em comparação com outros intervenientes mundiais, como a China, que está a investir somas avultadíssimas no continente. Os Estados-Membros da UE receiam ser relegados para a «segunda divisão». Se a participação da Europa, bem como a da China, não se centrar exclusivamente nos lucros, mas também no desenvolvimento sustentável de África, promovendo níveis de vida dignos, a necessidade de migrar pode ser reduzida.

3.12O CESE apela à aplicação de uma abordagem «da ajuda ao investimento», o que significa deixar de dar prioridade à oferta de benefícios e passar a apoiar e a trabalhar com intervenientes económicos autossuficientes e autónomos e projetos económicos intercontinentais assentes na cooperação em condições equitativas.

3.13A relutância de estruturas conservadoras (por exemplo, igrejas) em matéria de gestão do crescimento demográfico reduz as hipóteses de elaboração de uma estratégia para um crescimento económico e social sustentável.

4.Investimento

4.1Durante muitos anos, a política da UE para África caracterizou-se por boas intenções e promessas por cumprir. Contudo, desde a crise dos refugiados, aumentou acentuadamente o interesse numa nova estratégia para a cooperação com o continente. A UE prevê investir mais em África e pretende intensificar as relações comerciais, pois o próximo passo que é necessário dar é tornarem-se verdadeiros parceiros económicos. Essa parceria deve assentar numa perspetiva de igualdade de oportunidades, tendo em consideração as assimetrias evidentes que existem entre África e a Europa.

4.2Os investimentos em África mostram uma situação pouco homogénea, que reflete as incertezas a nível mundial, com os fluxos de investimento direto estrangeiro a sofrerem flutuações e a não registarem a forte tendência ascendente necessária. Em 2016, a África do Sul, a Nigéria, o Quénia, o Egito e Marrocos atraíram coletivamente 58% do total do investimento direto estrangeiro, enquanto os países menos avançados e mais frágeis enfrentam desafios sistémicos para atrair o investimento privado.

4.3A UE é o maior investidor em África, com os seus Estados-Membros a deterem, em 2016, cerca de 40% do investimento direto estrangeiro no valor de 291 mil milhões de euros 14 . O forte progresso económico de África nas duas últimas décadas e o potencial do próprio continente indiciam uma grande oportunidade para fazer mais. As projeções demográficas para África mostram claramente que é também necessário criar milhões de novos postos de trabalho de qualidade, especialmente para os jovens que entram no mercado de trabalho. Os indicadores macroeconómicos não se traduzem, por si só, num melhor nível de vida para todos. As políticas têm de garantir que o desenvolvimento económico beneficia o nível de vida da população em geral.

4.4Para atingir um desenvolvimento sustentável e criar postos de trabalho de qualidade para a população africana, que se prevê que duplicará até 2050, é necessário aumentar, em especial, o investimento público e privado.

4.5O investimento tornou-se uma questão essencial para o futuro desenvolvimento de África e será tema das negociações sobre um sucessor do Acordo de Cotonu. Tendo em conta a multiplicidade de instrumentos existentes, as negociações sobre um regime de investimento que combine, em pé de igualdade, a proteção adequada dos investidores com compromissos em matéria de sustentabilidade, principalmente no que se refere aos direitos humanos, à proteção do ambiente e à criação de níveis de vida dignos, deixam antever um valor acrescentado especialmente elevado.

4.6No próximo período orçamental, a UE prevê aumentar o financiamento concedido a África para 40 mil milhões de euros (46,5 mil milhões de dólares). Espera-se que este montante seja depois multiplicado por investidores privados. A UE pretende conceder garantias de cobertura de riscos, a fim de incentivar o setor privado a assumir compromissos e a investir em países africanos. Os investimentos que cumpram claramente e visem os objetivos de sustentabilidade definidos na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável devem ter prioridade na concessão de apoio. Além do sistema de garantias de cobertura de riscos, é necessário também um sistema adequado de verificação e monitorização para assegurar o cumprimento dos ODS. O CESE recomenda vivamente que as organizações da sociedade civil contribuam para a luta contra a utilização abusiva dos fundos europeus.

4.7Os potenciais investidores, principalmente pertencentes a pequenas e médias empresas (PME), referem que há falta de confiança no ambiente de investimento no que se refere à estabilidade política, à justiça, aos direitos de propriedade intelectual, ao acesso aos mercados e ao nível de aplicação dos acordos comerciais.

4.8O CESE recomenda a criação de um fundo de investimento, semelhante ao FSE, que se associe enquanto coinvestidor a investimentos públicos e privados. Este fundo deve assentar nos critérios e princípios da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e no reconhecimento das normas de base internacionalmente aceites 15 . Os projetos apoiados devem ser monitorizados e incluídos em registos ou plataformas centrais. O CESE destaca que é necessária uma colaboração ainda mais intensa com as organizações da sociedade civil (em particular o CESE) no que se refere aos valores éticos perseguidos no quadro dos projetos apoiados.

4.9O CESE apoia a criação de um ambiente em que seja facilitado o acesso ao financiamento para as micro, pequenas e médias empresas africanas e europeias, seja melhorado o quadro jurídico para o investimento público e privado, e em que os sistemas de contratação pública se tornem mais eficientes, os investimentos beneficiem as pessoas nas economias locais e promovam a criação de postos de trabalho de qualidade a nível nacional, bem como sejam promovidas as normas internacionais necessárias.

4.10As estruturas financeiras em África devem igualmente ser reforçadas para apoiar o financiamento a longo prazo. Trata-se de um requisito prévio importante para um desenvolvimento sustentável e duradouro. Além disso, os bancos cooperativos, por exemplo, foram um pilar do desenvolvimento em inúmeros países europeus, e os bancos de desenvolvimento nacionais, que servem especialmente os municípios, fomentaram o investimento na Europa. Recorrendo a estas medidas, os países europeus financiaram, nomeadamente, infraestruturas públicas sociais e locais, que além de terem sido uma base importante para os investimentos privados e para o crescimento económico duradouro, foram igualmente importantes para o desenvolvimento dos Estados-providência europeus.

4.11A UE e os respetivos Estados-Membros devem concentrar os seus instrumentos financeiros em instituições e objetivos específicos, a fim de evitar uma concorrência destrutiva. A concorrência entre diferentes instituições europeias e internacionais provocou mal-entendidos e dificuldades no acesso aos mercados africanos. É necessário haver mais compromisso conjunto e direto, controlo e transparência. A sociedade civil pode desempenhar um papel institucional neste contexto, enquanto supervisores independentes.

4.12Uma política de investimento que promova investimentos privados europeus em África deve ser direcionada sobretudo para a criação de cadeias de valor regionais que produzam bens que possam ser consumidos principalmente em África, criando, desta forma, mercados internos. Poderia ser reproduzido o modelo de crescimento europeu aplicado nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, no qual o desenvolvimento da sua indústria estava fortemente dependente dos seus mercados internos.

4.13As ONG africanas e europeias, principalmente as que possuem raízes africanas, podem desempenhar uma função de criação de pontes para o desenvolvimento económico e intervir no apoio ao desenvolvimento económico sustentável nos seus países de origem.

5.Comércio

5.1A UE continua a ser o maior parceiro comercial de África, sendo o destino de 36% de todas as suas exportações, à frente da China e dos EUA. O objetivo da Comissão Europeia é intensificar esta cooperação e enquadrá-la numa nova base contratual.

5.2Na qualidade de principal parceiro comercial de África, a UE procurou oferecer aos países africanos as suas preferências comerciais mais generosas, através do seu SPG (e do princípio «Tudo Menos Armas» para os países menos avançados, a maioria dos quais se situa em África) ou de ACL, nomeadamente acordos de parceria económica, que têm como principal objetivo o desenvolvimento.

5.3No entanto, ao contrário do previsto na nova geração de ACL da UE e nos APE com os Estados das Caraíbas, os ACL e os APE da UE com países africanos não contemplam qualquer mecanismo de diálogo com as organizações da sociedade civil. Os ACL com países do Norte de África ainda não possuem cláusulas relativas a grupos consultivos internos nem um capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável. Além disso, os APE, que dizem respeito ao desenvolvimento, não preveem uma cláusula relativa a um comité consultivo destinado a fomentar o diálogo com intervenientes não estatais sobre a aplicação sustentável e o impacto do APE.

5.4A participação e o diálogo com as organizações da sociedade civil podem também ocorrer fora dos (ou em paralelo aos) acordos de comércio. Uma vez que as relações comerciais e de investimento entre a UE e África deverão fomentar o desenvolvimento sustentável, devem participar todas as partes interessadas e não apenas os intervenientes estatais.

5.5Existem desafios em matéria de desenvolvimento que decorrem da estrutura atual do comércio entre África e a Europa. Mesmo depois de ratificados, nem todos os APE são de facto aplicados pelos países parceiros. Este facto não é de todo injustificado, pois tem havido inúmeros relatos de situações em que as exportações europeias impedem o desenvolvimento das indústrias e dos setores locais 16 . O comércio livre alargado constitui uma mudança estrutural inegável para os países parceiros, que anteriormente poderiam regular os respetivos setores económicos através de sistemas preferenciais. Além disso, os APE são negociados com blocos económicos, cujos membros se encontram frequentemente em situações diferentes, e esse facto pode merecer abordagens diferentes em relação à política comercial. Por último, mas não menos importante, acordos comerciais exaustivos podem em si mesmos constituir um desafio organizacional no âmbito das negociações para os países em desenvolvimento e para os novos países industrializados.

5.6Uma maior participação da sociedade civil tem algumas implicações em termos de custos e de reforço das capacidades, que devem ser resolvidas por forma a serem aplicados mecanismos de participação eficazes. A UE deve reservar alguma da sua ajuda ao comércio (pode ser identificada uma percentagem) para o apoio à participação, ao diálogo social e ao reforço das capacidades da sociedade civil, no que se refere aos esforços em matéria de comércio e investimento sustentáveis.

5.7África está igualmente empenhada no estabelecimento de uma Zona de Comércio Livre Continental (ZCLC), rumo a um mercado único africano. A ZCLC tem, até à data, mais de quarenta signatários e é considerada muito relevante por muitos intervenientes estatais e não estatais em África. Deve reforçar o comércio intra-africano e a integração regional e continental, bem como desenvolver setores importantes da economia em todo o continente africano. A UE pode apoiar efetivamente este esforço e ajudar a assegurar que os seus regimes comerciais preferenciais com regiões e países africanos (ACL da UE com o Norte de África, APE e regime de SPG) contribuem para apoiar a integração do comércio continental, avançando no sentido de um acordo comercial entre os dois continentes.

6.Rumo a uma nova «Aliança África – Europa»

6.1África não precisa de caridade: precisa de uma parceria genuína e justa em conformidade com a Aliança África – Europa para Investimentos e Empregos Sustentáveis, proposta em setembro de 2018. A proposta afirma que ajudaria a criar até dez milhões de postos de trabalho em África apenas nos próximos cinco anos. Deve estar implícito que estes postos de trabalho têm de garantir um rendimento que permita um nível de vida digno. A aliança propõe-se desbloquear investimento privado e explorar as enormes oportunidades que poderão gerar benefícios para as pessoas e para as economias tanto africanas como europeias. A UE deve considerar a possibilidade de transformar os inúmeros acordos de comércio entre a UE e países africanos num acordo de comércio livre entre os dois continentes, enquanto parceria económica entre iguais. Como tal, a aliança constitui um sinal político importante. Uma parceria deste tipo deve assentar na igualdade de condições, ter presente as assimetrias e tomar em conta as respetivas capacidades.

6.2Por forma a tornar-se uma verdadeira aliança, é necessário haver uma reflexão de ambas as partes, uma maior compreensão, coordenação e cooperação entre ambas as partes; além disso é necessário:

-que haja uma maior apropriação do processo por parte de África;

-ir além dos governos;

-incluir todos os intervenientes não estatais;

-ter como objetivo garantir uma vida digna a todas as pessoas em África.

7.A agenda pós-Cotonu e o papel da sociedade civil

7.1A Comissão Europeia encetou negociações para uma nova parceria ambiciosa com 79 países ACP. Tanto a ACP como a UE valorizam a «dimensão política» como uma conquista do Acordo de Cotonu e pretendem mantê-la. Esta dimensão centra-se no diálogo político sobre questões nacionais, regionais e mundiais de interesse mútuo, bem como no compromisso com os direitos humanos, a boa governação e a paz e estabilidade.

7.2Uma nova relação de comércio justo deste tipo com os países africanos deverá promover o trabalho digno e a defesa dos serviços públicos. A política comercial deve assegurar o pleno respeito e a proteção dos direitos humanos, do emprego de qualidade e do ambiente e deve também ter em conta as necessidades de desenvolvimento dos países em desenvolvimento. O comércio só pode ser uma grande oportunidade se criar empregos de qualidade e impulsionar o crescimento sustentável. Todos os acordos comerciais devem assegurar a participação da sociedade civil organizada, a boa governação e a transparência.

7.3O CESE desempenhou um papel importante na promoção das relações com a sociedade civil no âmbito do Acordo de Cotonu. Importa agora que uma participação reforçada e continuada do CESE e das suas estruturas se torne um elemento substancial do acordo que suceder ao Acordo de Cotonu. Desta forma, a sociedade civil da UE poderá ajudar a sociedade civil dos países africanos a tornar-se um parceiro fiável e credível dos investidores.

Bruxelas, 12 de dezembro de 2019

Luca Jahier
Presidente do Comité Económico e Social Europeu

_____________

(1)     JO C 246 de 28.7.2017, p. 71 .
(2)     https://www.africa-eu-partnership.org//sites/default/files/documents/eas2007_joint_strategy_en.pdf .
(3)     JO C 81 de 2.3.2018, p. 29 .
(4)      Entendida como ajuda humanitária e auxílio em situações de catástrofe, prevenção de conflitos, democratização e cooperação para o desenvolvimento, mas não como apoio e cooperação militar e no âmbito da polícia de fronteiras.
(5)    Como a Declaração de Princípios Tripartida sobre as empresas multinacionais e a política social.
(6)    Vários estudos demonstram que um determinado rendimento mínimo conduz a uma diminuição das pressões migratórias, nomeadamente Clemens, Does Development Reduce Migration? [O desenvolvimento reduz a migração?] (2014) ( http://ftp.iza.org/dp8592.pdf ).
(7)     http://pubdocs.worldbank.org/en/992371492706371662/MigrationandDevelopmentBrief27.pdf .
(8)    Nomeadamente, o relatório Doing Business 2017: Igualdade de Oportunidade Para Todos, do Banco Mundial.
(9)    Nota estratégica do Centro Europeu de Estratégia Política, The Makings of an African Century [A construção de um século africano] (2017).
(10)     JO C 129 de 11.4.2018, p. 27 .
(11)    Ministério do Desenvolvimento alemão, Afrika und Europa – Neue Partnerschaft für Entwicklung, Frieden und Zukunft – Eckpunkte für einen Marshallplan mit Afrika [África e Europa – Uma nova parceria para o desenvolvimento, a paz e o futuro – elementos principais para um Plano Marshall com África], e CNUCED, Economic Development in Africa Report 2016 [Relatório sobre o desenvolvimento económico em África de 2016].
(12)    Nomeadamente, Clemens, Does Development Reduce Migration? [O desenvolvimento reduz a migração?] (2014) ( http://ftp.iza.org/dp8592.pdf ).
(13)     Africa's Development Dynamics 2018: Growth, Jobs and Inequalities [Dinâmicas do Desenvolvimento em África 2018: Crescimento, emprego e desigualdades], Comissão da União Africana/OCDE 2018.
(14)    EUROSTAT 2018.
(15)    Como a Declaração de Princípios Tripartida sobre as empresas multinacionais e a política social.
(16)    Por exemplo, https://www.deutschlandfunk.de/das-globale-huhn-ghanas-bauern-leiden-unter-gefluegel.766.de.html?dram:article_id=433177 ; https://www.wienerzeitung.at/nachrichten/wirtschaft/international/835163_Was-Altkleider-fuer-Afrikas-Wirtschaft-bedeuten.html ; https://www.dialog-milch.de/im-fokus-eu-milchpulver-und-der-milchmarkt-in-afrika /.