PT

Comité Económico e Social Europeu

TEN/688

Segurança da aviação após o Brexit

PARECER

Comité Económico e Social Europeu


Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a certos aspetos da segurança da aviação no contexto da saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União
[COM(2018) 894 final – 2018/0434 (COD)]

Relator-geral: Thomas McDonogh

Consulta

Parlamento Europeu, 14/01/2019

Conselho, 14/01/2019

Base jurídica

Artigo 100.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Decisão da Mesa

22/01/2019

Adoção em plenária

20/02/2019

Reunião plenária n.º

541

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

79/0/0



1.Conclusões e recomendações

1.1O CESE tem sublinhado reiteradamente que a aviação internacional só poderá assumir o seu papel facilitador do crescimento económico de forma sustentável se forem assegurados os mais elevados níveis de segurança. A segurança requer normas uniformes aplicadas por todas as partes interessadas e controladas por organismos habilitados. O Brexit pode comprometer estas normas e a sua aplicação uniforme na Europa no domínio da segurança da aviação, uma vez que a regulamentação pertinente da UE poderá deixar de se aplicar às partes interessadas da aviação no Reino Unido a partir de março de 2019.

1.2Tanto o projeto de parecer do Comité Económico e Social Europeu (CESE) – Garantir a conectividade aérea fundamental após o Brexit (TEN/689) como o presente parecer devem ser entendidos como uma avaliação de alguns aspetos específicos da mesma iniciativa legislativa da Comissão Europeia (Comissão). Ambos os projetos de parecer partem do pressuposto de que a base jurídica para a atividade da aviação no mercado único da aviação, ou seja, o Regulamento (CE) n.º 1008/2008 , bem como outros regulamentos da UE que regem diversos aspetos relevantes para a aviação, como o Regulamento (UE) 2018/1139 , e os atos adotados em conformidade com o Regulamento (CE) n.º 216/2008 , deixarão de ser aplicáveis às companhias aéreas registadas no Reino Unido após este se retirar da União Europeia (Brexit).

1.3A fim de reduzir a insegurança jurídica e preparar a instabilidade após 29 de março de 2019, foi negociado um acordo de saída entre a UE e o Reino Unido, a fim de permitir que o Governo do Reino Unido adote legislação e medidas regulamentares nacionais que constituam o futuro quadro regulamentar para o setor da aviação do Reino Unido. No entanto, o acordo de saída ainda não foi ratificado pelo Parlamento do Reino Unido. Por conseguinte, no contexto de um plano de ação de contingência elaborado no verão de 2018, a Comissão apresentou, entre outras, uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a certos aspetos da segurança da aviação no contexto da saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União (a seguir, «o regulamento»).

1.4Na ausência de outra base jurídica, não é claro se os certificados emitidos pelo Reino Unido ao abrigo da legislação da UE continuarão a ser válidos, de que forma as companhias aéreas registadas no Reino Unido poderão obter a certificação exigida a partir de 30 de março de 2019 e de que modo as empresas de reparação e manutenção no Reino Unido poderão continuar a fornecer peças sobresselentes e serviços com as licenças exigidas pela legislação da UE. A fim de resolver estas questões e estabelecer uma base jurídica para assegurar uma transição harmoniosa para a aplicação da legislação do Reino Unido, é urgentemente necessário um regulamento de contingência, caso o acordo de saída não seja adotado.

1.5Embora as partes interessadas possam, em muitos casos, resolver problemas relacionados com a prorrogação da validade dos certificados junto de uma autoridade da aviação civil da UE-27, ou apresentando um pedido de certificado de país terceiro emitido pela Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA), em determinados casos essas soluções de atenuação não são possíveis. Essas situações só podem ser resolvidas se houver uma base jurídica em vigor.

1.6É urgente adotar medidas de contingência; no entanto, o regulamento da UE deverá apenas servir para resolver problemas de segurança relacionados com a aviação que, de outro modo, não poderiam ser resolvidos. O regulamento deve, por conseguinte, ser temporário, até que o Reino Unido tenha criado as suas agências e a legislação nacional para assumir o papel de uma agência de segurança.

1.7O CESE felicita a Comissão por esta iniciativa legislativa, que reconhece problemas específicos que podem surgir no domínio da segurança da aviação na eventualidade de uma saída sem acordo. O regulamento proporcionará ao setor as garantias necessárias de que o processo de certificação não será comprometido na transição do Reino Unido do estatuto de Estado-Membro para o de país terceiro. Do mesmo modo, serão dadas garantias aos passageiros quanto à segurança das operações para além de 29 de março de 2019.

1.8O CESE concorda com a argumentação da Comissão de que o objetivo do regulamento não é prolongar o statu quo, mas prever medidas de contingência consideradas urgentes para atenuar os eventuais danos causados ao transporte aéreo entre a UE e o Reino Unido. O regulamento proposto é aplicável temporariamente, com o único fito de permitir que o setor continue a cumprir as mais elevadas normas de segurança.

1.9O CESE insta o Reino Unido a concluir, o mais rapidamente possível, acordos bilaterais de segurança com a UE e com outros países terceiros, a fim de assegurar o consenso necessário no que toca ao reconhecimento mútuo dos certificados emitidos pelo Reino Unido e pelas outras partes.

2.Contexto regulamentar

2.1Acordos internacionais

2.1.1Há uma série de acordos no domínio da aviação concluídos pela UE em nome dos Estados‑Membros que terão de ser replicados pelo Reino Unido após o Brexit. Em matéria de manutenção, reparação e revisão, de construção de aeronaves, de instalações de reparação e de normas de segurança, o acordo mais importante é o Acordo Bilateral de Segurança Aérea entre a UE e os EUA (BASA).

2.1.2Segundo este acordo, as agências de segurança de ambas as partes, a Administração Federal de Aviação (FAA) e a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA), respetivamente, aceitam reciprocamente os processos de certificação e aprovação da outra parte, bastando uma só licença. No caso do Reino Unido, a FAA deixaria de poder contar com as inspeções da Autoridade para a Aviação Civil do Reino Unido (CAA) às instalações de manutenção certificadas da FAA no Reino Unido. Seriam necessárias inspeções da FAA, bem como a aprovação da CAA.

2.1.3Uma vez que o BASA se refere frequentemente aos Estados-Membros da UE, o Reino Unido só poderia preservar o statu quo se os EUA concordassem em tratar o Reino Unido como um Estado-Membro da UE durante o período de transição e concluíssem um BASA separado com o Reino Unido. Embora os aspetos jurídicos ainda estejam a ser debatidos, tal acordo necessitaria do consentimento da UE para entrar em vigor durante o período de transição – Decisão do Tribunal Europeu de Justiça sobre o Acordo de Comércio Livre UE-Singapura: distinção entre acordos relativos ao transporte de passageiros e mercadorias e os acordos relativos a serviços, como, por exemplo, a manutenção e a reparação. Os acordos no domínio dos serviços estão abrangidos pela política comercial comum, pelo que são uma competência exclusiva da UE. Assim sendo, substituir o BASA UE-EUA por um BASA Reino Unido-EUA exigiria o consentimento da UE, o que seria provavelmente o caso, uma vez que o objetivo do acordo de saída era precisamente facilitar uma transição ordenada.

2.1.4O Reino Unido anunciou que estão em curso negociações com os EUA, o Brasil e o Canadá para a celebração de um BASA bilateral; a conclusão destas negociações será difícil na ausência de um acordo de segurança entre a UE e o Reino Unido, nomeadamente sobre o estatuto do Reino Unido na AESA.

2.2AESA

2.2.1Após o Brexit, o Reino Unido poderá solicitar alguma forma de estatuto de membro associado da AESA para manter as vantagens do reconhecimento mútuo pela UE e pelos EUA e para assegurar a clareza no que diz respeito às normas de segurança a aplicar pelo Reino Unido. Enquanto parte na Convenção de Chicago, o Reino Unido estaria habilitado a solicitar o estatuto de membro associado da AESA, mas teria de aplicar a legislação pertinente da UE em matéria de aviação.

2.3Segurança da aviação em caso de «Brexit duro»

2.3.1Para prevenir eventuais interrupções totais do tráfego aéreo entre a UE e o Reino Unido sem que tenha sido ratificado um acordo de saída, a Comissão Europeia adotou duas propostas de regulamento: o primeiro garante temporariamente a prestação de determinados serviços aéreos entre o Reino Unido e a UE e prorroga a validade de determinadas licenças. A questão da conectividade aérea fundamental é objeto de outro parecer do CESE (TEN/689).

2.3.2O segundo – proposta de regulamento relativo a certos aspetos da segurança da aviação no contexto do Brexit – prorroga a validade dos certificados para determinados produtos aeronáuticos, peças, equipamentos e empresas. Embora haja soluções válidas para as partes interessadas neste domínio, que passam pela transferência para uma autoridade para a aviação civil da UE ou pelo pedido precoce à AESA de um certificado de país terceiro, nem todas as perturbações possíveis podem ser atenuadas por tais medidas.

2.3.3A urgência de prever períodos de validade mais longos deve-se em grande medida ao facto de o Reino Unido ter de assumir competências anteriormente asseguradas pela AESA, a fim de poder voltar a emitir licenças. A AESA, por sua vez, só pode emitir determinados certificados com base numa licença emitida por um país terceiro 1 . Por conseguinte, a prorrogação da validade abrange o período necessário para que a AESA e os operadores emitam determinados certificados ao abrigo do novo estatuto de país terceiro do Reino Unido.

3.Síntese da proposta de regulamento

3.1A proposta de regulamento aplica-se a uma série de certificados válidos antes da data de saída, mas faz uma distinção geral entre os certificados emitidos pela AESA a pessoas singulares ou coletivas com sede no Reino Unido e os certificados emitidos por pessoas singulares ou coletivas certificadas pelas autoridades competentes do Reino Unido 2 .

3.2A primeira categoria de certificados consiste sobretudo em certificados-tipo e certificados-tipo restritos, aprovações de alterações ou suplementos a esses certificados, reparações, autorizações ETSO (especificações técnicas normalizadas europeias) e certificação de entidades de projeto 3 . Estes certificados permanecem válidos durante 9 meses, com a possibilidade de prorrogação através de atos delegados da Comissão 4 .

3.3Os certificados da segunda categoria consistem sobretudo em certificados de aptidão para produtos, peças e equipamentos, conclusão dos trabalhos de manutenção e avaliação da aeronavegabilidade 5 . Estes certificados permanecem válidos, de forma a permitir a continuação da sua utilização na ou enquanto aeronave 6 . Além disso, a proposta de regulamento dispõe que as autoridades dos Estados-Membros ou a AESA têm em consideração os exames efetuados em organizações de formação anteriormente sujeitas a supervisão pela autoridade competente do Reino Unido 7 .

3.4Uma vez que a invalidade dos certificados condicionaria não só a colocação no mercado dos produtos da aviação mas também a sua utilização efetiva, é imperativo prorrogar a validade das licenças; a única alternativa viável é relocalizar, por exemplo, da produção dos produtos da aviação para jurisdições da UE, a fim de evitar o lapso de tempo necessário para a emissão de certificados de países terceiros.

3.5A importância desta medida torna-se ainda mais clara quando se sabe que o número de produtores de determinados componentes de aeronaves é muitas vezes limitado. Não obstante, o facto de que não serão emitidos, por exemplo, novos certificados-tipo (o que poderia perturbar consideravelmente as atividades das empresas que não podem transferir a certificação para jurisdições da UE e, por arrastamento, os seus clientes, que podem estar dependentes de produtos específicos e da respetiva certificação) continua a ser um fator suscetível de causar perturbações.

4.Observações específicas

4.1Preocupações manifestadas pelas partes interessadas

4.1.1As partes interessadas do setor da aviação reconhecem a urgência de assegurar que o setor possa continuar a funcionar de forma segura. A proposta de regulamento prevê medidas de contingência suficientes, assim como uma plataforma de transição limitada no tempo e bem orientada.

4.1.2De acordo com algumas das partes interessadas consultadas durante a elaboração do presente parecer, os artigos 5.º, 6.º, 7.º e 8.º do regulamento deveriam aplicar-se não só aos titulares dos certificados mas também às pessoas singulares ou coletivas que emitem certificados. Tal proporcionaria a todas as partes no processo de certificação a segurança jurídica de que o statu quo será prolongado para além de 29 de março de 2019.

4.1.3O CESE concorda com a argumentação da Comissão de que o objetivo do regulamento não é prolongar o statu quo, mas prever medidas de contingência consideradas urgentes para atenuar os eventuais danos causados ao setor. As partes interessadas tiveram conhecimento dos debates sobre o Brexit, mas não podem recorrer elas próprias, em todas as situações, a medidas alternativas para atenuar o impacto do Brexit na segurança da aviação. Precisam, por isso, de garantias que lhes ofereçam segurança jurídica. Um regulamento da UE não bastará para proporcionar explicitamente aos emitentes dos certificados a segurança jurídica de que os certificados continuarão a ser válidos. Essa segurança só poderá ser criada por nova legislação nacional no Reino Unido.

4.1.4O CESE felicita a Comissão por esta iniciativa legislativa, que reconhece problemas específicos que podem surgir no domínio da segurança da aviação na eventualidade de uma saída sem acordo. O regulamento proporcionará ao setor as garantias necessárias de que o processo de certificação não será comprometido na transição do Reino Unido do estatuto de Estado-Membro para o de país terceiro. Do mesmo modo, serão dadas garantias aos passageiros quanto à segurança das operações para além de 29 de março de 2019.

4.1.5O CESE apoia vivamente esta solução, e exorta as partes a concluir o mais rapidamente possível um acordo bilateral em matéria de segurança aérea que determine, por consenso mútuo, a cooperação futura entre as agências de segurança de ambas as partes para garantir uma aplicação harmonizada das medidas de segurança em toda a Europa.

4.1.6O CESE exorta ainda o Reino Unido a concluir um acordo bilateral de segurança aérea (BASA) com as principais potências económicas, em especial os EUA, a fim de preservar a continuidade e a coerência das medidas de segurança aplicadas até à data no mercado do Atlântico Norte.

Bruxelas, 20 de fevereiro de 2019

Luca Jahier

Presidente do Comité Económico e Social Europeu

_____________

(1)     Regulamento 2018/1139, artigo 68.º .
(2)       COM(2018) 894 final , artigo 1.º, n.º 2.
(3)       Ibidem , anexo I, secção 1.
(4)       Ibidem , artigo 3.º.
(5)       Ibidem , anexo I, secção 2.
(6)       Ibidem , artigo 4.º.
(7)       Ibidem , artigo 5.º.