PT

Comité Económico e Social Europeu

REX/476

O papel da Turquia na crise dos refugiados

PARECER 

Comité Económico e Social Europeu


O papel da Turquia na crise dos refugiados 

[parecer de iniciativa]

Relator: Dimitris Dimitriadis

Decisão da Plenária

22/09/2016

Base jurídica

Artigo 29.º, n.º 2, do Regimento

Parecer de iniciativa

Competência

Secção Especializada de Relações Externas

Adoção em secção

07/11/2017

Adoção em plenária

14/02/2018

Reunião plenária n.º

532

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

229/6/12



1.Conclusões e recomendações

1.1O CESE reconhece que a Turquia está a desempenhar um papel crucial e decisivo na gestão da chamada crise dos refugiados na região do Médio Oriente e do Mediterrâneo e que envidou esforços para ultrapassar esta crise pelos seus próprios meios, embora com a ajuda adicional da União Europeia e da comunidade internacional.

1.2O CESE considera que até à data, apesar da situação explosiva da chamada «crise dos refugiados», a UE ainda não conseguiu – dada a recusa injustificável de alguns Estados‑Membros de cumprirem as suas obrigações legais estabelecidas em convenções internacionais ou nos Tratados e acordadas em decisões tomadas por unanimidade em cimeiras ou reuniões do Conselho – estabelecer uma política europeia comum de imigração credível e eficaz ou um sistema europeu comum de asilo. Assim, exorta o Conselho e a Comissão a trabalharem de forma mais determinada neste domínio e a obrigarem os Estados-Membros que não respeitem os seus compromissos europeus a agir imediatamente.

1.3O CESE condena categoricamente a atitude xenófoba de determinados Estados-Membros face à crise dos refugiados e considera essa atitude contrária aos valores fundamentais da UE.

1.4O CESE reafirma a sua disponibilidade para fazer tudo o que for possível para resolver a crise dos refugiados, em colaboração com as instituições europeias e as organizações da sociedade civil (empregadores, trabalhadores e ONG), como demonstra o importante trabalho que já realizou, quer através de vários pareceres quer de missões aos países afetados por esta catástrofe humana.

1.5Desde a assinatura da Declaração UE-Turquia, tem sido significativa e constante a redução do número de pessoas que atravessam ilegalmente as fronteiras europeias ou que perdem a vida no mar Egeu. Ao mesmo tempo, porém, tem-se assistido a um rápido aumento dos fluxos para outros países do Sul, um facto que o CESE considera particularmente preocupante. Desde então, o desempenho dos Estados-Membros no que diz respeito tanto à reinstalação como à recolocação continua a ser dececionante. Embora as bases indispensáveis para a execução destes programas já tenham sido lançadas, o atual ritmo de execução ainda é inferior ao necessário para cumprir os objetivos fixados para assegurar a recolocação e a reinstalação de todas as pessoas elegíveis.

1.6O CESE reputa necessário que a Turquia elabore um estatuto único de proteção internacional para os requerentes de asilo, em conformidade com as normas internacionais e europeias 1 , que não discrimine os requerentes de proteção internacional com base no seu país de origem, conferindo proteção uniforme a todos. Recomenda, entre outras coisas, a supressão do condicionalismo geográfico para os requerentes de asilo não europeus, bem como a distinção entre requerentes de asilo sírios e não sírios 2 . O princípio da não repulsão também deve ser assegurado.

1.7O CESE considera indispensável melhorar as condições de acolhimento na Turquia, bem como as políticas em matéria de inclusão social e económica das pessoas às quais tenha sido reconhecido o estatuto de refugiados, especialmente no que se refere ao acesso ao emprego, aos cuidados de saúde, à educação e à habitação. Há que prestar especial atenção à proteção das crianças e dos menores não acompanhados, especialmente no que se refere ao acesso à educação e à proteção contra o trabalho forçado e o casamento forçado 3

1.8O CESE solicita a criação de um mecanismo independente e rigoroso de controlo e vigilância no âmbito da Declaração UE-Turquia sobre os refugiados, a fim de – em cooperação com as autoridades turcas, ONG internacionais e organizações humanitárias especializadas – verificar a aplicação e o cumprimento dos termos acordados, por ambas as partes, em conformidade com o direito internacional e da União 4 .

1.9O CESE considera indispensável reforçar o papel da Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira a fim de desmantelar as redes de tráfico de seres humanos e combater a introdução clandestina de migrantes, em conformidade com o direito internacional 5 .

1.10O CESE exorta todos os Estados-Membros que ainda não tenham participado nos processos de recolocação e reinstalação a respeitarem as suas obrigações na íntegra e recomenda que a execução dos programas correspondentes seja acelerada. Os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, assim como os esforços da Comissão no sentido de assegurar uma melhor coordenação entre as instituições europeias e os Estados-Membros, representam uma evolução positiva neste sentido. Nos seus acórdãos, o TJUE condenou diretamente a atitude de determinados países quanto à não aceitação de refugiados no seu território, o que, como o Tribunal salienta, viola a obrigação de solidariedade e da justa repartição dos encargos assumida pelos Estados-Membros no âmbito da política de asilo.

1.11O CESE manifesta extrema preocupação relativamente à situação global dos direitos humanos na Turquia, em particular após a tentativa falhada de golpe de estado. O CESE acredita que os princípios e valores da UE consagrados no artigo 2.º do Tratado da UE possam estar a ser alvo de ataques por parte do atual Governo da Turquia 6 . Essa preocupação diz particularmente respeito ao facto de as organizações da sociedade civil na Turquia não funcionarem livremente, especialmente desde a declaração do estado de emergência no país, já que considera que estas desempenham um papel determinante na situação humanitária dos refugiados, tanto a nível do planeamento como da execução de programas de integração dos refugiados nas comunidades locais.

1.12O CESE considera que os parceiros sociais podem e devem desempenhar um papel de destaque na Turquia para a resolução da crise dos refugiados.

1.13O CESE expressa a sua inquietude quanto à tensão que tem marcado as relações entre a UE e a Turquia recentemente e ao eventual impacto de um agravamento dessa tensão quer na aplicação do acordo entre a Europa e a Turquia quer nas relações entre as suas partes em geral. O CESE continua a considerar que as relações UE-Turquia devem manter as perspetivas de adesão da Turquia, no pleno respeito do acervo da UE.

2.Observações introdutórias: da Agenda Europeia da Migração ao acordo de 18 de março de 2016

2.1Na sequência do início da guerra na Síria, que desencadeou uma enorme crise humana, e da situação explosiva criada no Iraque devido à instabilidade política permanente, milhares de refugiados começaram a atravessar a fronteira da Turquia, em condições desumanas, tendo como destino final os países da UE, principalmente da Europa Central.

A Turquia viu-se a braços com cerca de três milhões de pessoas que, arriscando a própria vida, atravessaram zonas de conflito e, mais uma vez arriscando a própria vida, tentaram e continuam a tentar passar ilegalmente a fronteira europeia pela Grécia.

2.2Enquanto primeiro país de acolhimento, a Turquia desempenhou e continua a desempenhar um papel particularmente crucial na chamada «crise dos refugiados», que se tornou um dos maiores problemas por resolver da UE.

2.3A Agenda Europeia da Migração, que surgiu na sequência de difíceis e longas negociações entre os Estados-Membros em maio de 2015, constituiu a primeira tentativa da UE de resolver o drama de milhares de refugiados que arriscam a vida atravessando zonas de conflito e tentam atravessar o Mediterrâneo, introduzindo pela primeira vez conceitos como recolocação interna e reinstalação. A Agenda prevê medidas imediatas e também a longo prazo para lidar com os graves fluxos migratórios que a UE enfrenta, especialmente os países do Mediterrâneo, e com os problemas suscitados pela gestão deste tipo de crise. Prevê, nomeadamente, triplicar os recursos financeiros destinados à Frontex, recolocar refugiados e migrantes em países da UE de acordo com critérios específicos e quotas, ativar, pela primeira vez, o mecanismo de resposta a situações de emergência para ajudar os Estados-Membros que enfrentam um súbito fluxo de refugiados de acordo com o artigo 78.º, n.º 3, do TFUE, bem como dar início, no contexto da política comum de segurança e defesa, a uma operação no Mediterrâneo para desmantelar as redes de tráfico de seres humanos e combater a introdução clandestina de migrantes, em conformidade com o direito internacional.

2.4Neste contexto insere-se também a Declaração UE-Turquia, de 18 de março de 2016, que visa limitar a crise dos refugiados e que, por motivos processuais, foi denominada de acordo informal sobre a migração irregular da Turquia para a UE, a fim de substituir a migração irregular pela reinstalação de refugiados por vias legais na União Europeia 7 . Prevê, nomeadamente, que:

I)todos os «migrantes irregulares» que cheguem às ilhas gregas provenientes da Turquia a partir de 20 de março de 2016 serão devolvidos a este último país, com base no acordo bilateral celebrado entre a Grécia e a Turquia;

II)os migrantes que não pedirem asilo ou cujos pedidos tenham sido considerados infundados ou não admissíveis serão devolvidos à Turquia;

III)a Turquia e a Grécia, apoiadas pelas instituições e agências da UE, chegarão a acordo sobre as disposições bilaterais necessárias, incluindo a presença permanente, a partir de 20 de março, de funcionários turcos nas ilhas gregas e de funcionários gregos na Turquia, tendo em vista a aplicação destes acordos;

IV)por cada sírio devolvido à Turquia a partir das ilhas gregas, outro sírio proveniente da Turquia será reinstalado na UE;

V)será criado um mecanismo para assegurar a implementação deste princípio de «um por um» a partir do mesmo dia em que se der início aos regressos – com o apoio da Comissão, das agências da UE, dos outros Estados-Membros e também do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados;

VI)será dada prioridade de reinstalação na UE aos sírios que se encontrem na Turquia, e não na Grécia, e, de entre estes, aos migrantes que não tenham anteriormente entrado ou tentado entrar na UE.

2.5Na sua ficha informativa adicional sobre a Declaração UE-Turquia de 18 de março de 2016 8 , a Comissão destaca a possibilidade de classificar a Turquia como um «país terceiro seguro» 9 . Esta conclusão é partilhada igualmente pela comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a situação de execução das ações prioritárias da Agenda Europeia da Migração, que afirma que, em seu entender, o conceito de país terceiro seguro – tal como definido na Diretiva Procedimentos de Asilo – não pressupõe ausência de reservas ou de condicionalismos geográficos na aplicação da Convenção de Genebra, mas que, em princípio, a proteção pode ser obtida nos termos da Convenção 10 .

2.6Por seu turno, o CESE expressou a sua opinião de que em caso algum se deve aplicar o conceito de país de origem seguro em casos de não respeito da liberdade de imprensa ou de violação do pluralismo político, ou ainda a países onde haja perseguição em razão do género, da orientação sexual ou da pertença a uma minoria nacional, étnica, cultural ou religiosa. Em qualquer dos casos, importa avaliar os elementos seguintes para incluir um país na lista dos países terceiros seguros: entre outras coisas, informações atualizadas de fontes como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO), o Conselho da Europa e outras organizações no domínio dos direitos humanos 11 .

2.7Desde a assinatura da Declaração UE-Turquia, tem sido significativa e constante a redução do número de pessoas que atravessam ilegalmente as fronteiras europeias ou que perdem a vida no mar Egeu 12 . Ao mesmo tempo, porém, tem-se assistido a um rápido aumento dos fluxos para outros países do Sul, um facto que o CESE considera particularmente preocupante. Desde então, o desempenho dos Estados-Membros no que diz respeito tanto à reinstalação como à recolocação continua a ser dececionante. Embora as bases indispensáveis para a execução destes programas já tenham sido lançadas, o atual ritmo de execução ainda é inferior ao necessário para cumprir os objetivos fixados para assegurar a recolocação e a reinstalação de todas as pessoas elegíveis 13 .

3.O mecanismo dos países seguros: país terceiro seguro e primeiro país de asilo

3.1Os conceitos de «país de origem seguro», «país terceiro seguro» e «primeiro país de asilo» são definidos na Diretiva 2013/32/UE relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, que estabelece normas processuais comuns e garantias para as pessoas que solicitem proteção internacional nos Estados-Membros da UE. Concretamente, a diretiva prevê quatro categorias de países seguros: primeiro país de asilo (artigo 35.º), país terceiro seguro (artigo 38.º), país de origem seguro (artigo 37.º) e país terceiro seguro europeu (artigo 39.º) 14 .

3.2A leitura combinada dos artigos 39.º, relativo ao país terceiro europeu seguro, e 35.º, relativo ao primeiro país de asilo, da Diretiva 2013/32/UE revela um estatuto de proteção internacional maior e outro menor, no meio dos quais se encontra o estatuto previsto no artigo 38.º relativo ao país terceiro seguro. O artigo 39.º prevê o nível de proteção mais elevado, uma vez que se refere a países que ratificaram a Convenção de Genebra sem qualquer limitação geográfica, proporcionam o máximo de proteção prevista na convenção, aplicam a totalidade do artigo 36.º da Convenção de Genebra, e o país em causa está sujeito aos mecanismos de controlo da Convenção. No outro extremo encontra-se o artigo 35.º da diretiva, que se limita à atribuição da proteção a refugiados ou outra forma de proteção suficiente, tendo como elemento central a aplicação do princípio da não repulsão.

3.3Em conformidade com o artigo 38.º da Diretiva 2013/32/UE, um país é considerado como país terceiro seguro para um determinado requerente quando estiverem preenchidos cumulativamente os seguintes critérios: a) não existe ameaça à vida e liberdade em virtude da raça, religião, nacionalidade, pertença a determinado grupo social ou opinião política; b) o país respeita o princípio da não repulsão nos termos da Convenção de Genebra; c) não existe o risco de danos graves para o requerente; d) o país proíbe o afastamento de alguém para um país onde corre o risco de ser objeto de tortura ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, em conformidade com o direito internacional; e) concessão da possibilidade de pedir o estatuto de refugiado e de, se a pessoa for considerada refugiada, receber proteção em conformidade com a Convenção de Genebra; f) o requerente tem uma ligação com o país terceiro em causa que permita, em princípio, que essa pessoa se dirija para esse país. Consequentemente, caso as entidades competentes considerem que um país, como a Turquia, constitui um primeiro país de asilo ou país terceiro seguro para um requerente, emitem uma decisão de rejeição do pedido de proteção internacional considerando-o não admissível, sem o examinarem a fundo 15 .

3.4O princípio da não repulsão constitui a pedra angular do sistema de proteção internacional dos refugiados e está consagrado no artigo 33.º, n.º 1, da Convenção de Genebra de 1951 16 . O Alto‑Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados sublinhou que o artigo em causa introduz um princípio central à Convenção, que já se encontra consagrado no direito internacional consuetudinário, o que significa que é vinculativo para todos os Estados da comunidade internacional, independentemente de terem ou não ratificado a Convenção de Genebra 17 .

3.5Por conseguinte, qualquer pessoa que seja um refugiado ao abrigo da Convenção de 1951, ou que cumpra os critérios de definição de refugiado previstos no artigo 1.º, ponto A, n.º 2, da Convenção de Genebra de 1951, mesmo que não lhe tenha sido reconhecido oficialmente o estatuto de refugiado, está abrangida pela proteção conferida de acordo com o artigo 33.º, n.º 1 18 . Esta disposição é especialmente importante para os requerentes de asilo, pois existe a possibilidade de serem refugiados e, portanto, não devem ser afastados nem expulsos do país de asilo até ser tomada uma decisão definitiva sobre o seu estatuto 19 .

4.A Turquia como «país terceiro seguro»

4.1Desde 2011 que a Turquia tem acolhido o maior número de refugiados da Síria (mais de 3 milhões, mais exatamente 3 222 000). Ao mesmo tempo, o Líbano, um país com uma população de cerca de 4,8 milhões, acolhe mais de um milhão de refugiados. A Jordânia acolhe o terceiro maior número de refugiados da Síria (654 582), enquanto o Iraque e o Egito acolhem 244 235 e 124 534 refugiados registados, respetivamente 20 .

4.2A Turquia ratificou a Convenção de Genebra relativa aos Estatuto dos Refugiados e o Protocolo de 1967; no entanto, mantém um condicionalismo geográfico para os requerentes de asilo não europeus. Concretamente, reconhece apenas os refugiados originários da Europa e de países que sejam membros do Conselho da Europa 21 . Em abril de 2014, a Turquia aprovou uma nova lei relativa aos estrangeiros e à proteção internacional, que prevê quatro tipos de estatuto de proteção na Turquia: a) «estatuto de refugiado» para refugiados reconhecidos ao abrigo da Convenção de Genebra que sejam cidadãos de um dos 47 países membros do Conselho da Europa; b) «estatuto de refugiado sob condições» para refugiados reconhecidos não europeus; c) «estatuto de proteção subsidiária», que pode ser atribuído a cidadãos europeus e a cidadãos não europeus que não satisfaçam as condições da Convenção de Genebra para o seu reconhecimento como refugiados, mas que, caso regressem ao seu país de origem, correm o risco de serem condenados à morte, de serem objeto de tortura ou outros tratamentos desumanos ou degradantes, ou de sofrerem as consequências de um conflito armado no seu país; e d) «estatuto de proteção temporária», que é concedido no caso de afluxos maciços 22 .

4.3Os sírios que chegaram de forma maciça receberam inicialmente o estatuto de «visitante» (misâfir) e em seguida o estatuto de proteção temporária, sem contudo terem o direito de requerer o estatuto de refugiado. O objetivo desta disposição é que permaneçam na Turquia apenas enquanto dure a guerra na Síria e que regressem quando a situação melhorar.

4.3.1Os cidadãos de outros países (não sírios) podem apresentar um pedido de asilo individual, que a seguir é tratado através de um processo paralelo em conformidade com a nova lei relativa aos estrangeiros e à proteção internacional que se encontra em vigor desde abril de 2014. No âmbito desse processo, os requerentes são encaminhados para a Direção-Geral de Gestão dos Fluxos Migratórios, que leva a cabo o processo de definição do estatuto, e para o ACNUR, que efetua um processo paralelo de definição do estatuto e apresenta recomendações de recolocação; as suas decisões não têm força jurídica, mas são, no entanto, tidas em conta na avaliação da Direção-Geral de Gestão dos Fluxos Migratórios. É portanto evidente que a legislação da Turquia neste domínio prevê normas de proteção e exigências processuais distintas para os sírios e os nacionais de outros países terceiros, o que introduz desigualdades no que diz respeito ao acesso e aos termos da proteção.

4.4A legislação também apresenta uma série de restrições, problemas e deficiências graves no que diz respeito ao acesso ao trabalho, bem como a serviços básicos como cuidados de saúde e apoio social, educação e, de uma forma geral, a processos de integração na sociedade 23 . Embora a Turquia tenha reconhecido o direito dos sírios ao trabalho desde janeiro de 2016, na prática muito poucos receberam autorização de trabalho, o que leva a maioria a recorrer ao trabalho não declarado 24 . Acresce ainda a exclusão expressa e inequívoca dos beneficiários de proteção internacional da possibilidade de integração de longa duração na Turquia (artigo 25.º da lei relativa aos estrangeiros e à proteção internacional) e as restrições à livre circulação dos refugiados em conformidade com o artigo 26.º da mesma lei. É, portanto, evidente que a proteção concedida aos requerentes de proteção internacional na Turquia não cumpre as garantias jurídicas e os direitos reconhecidos aos refugiados pela Convenção de Genebra, como o direito de livre circulação no território do país signatário (artigo 26.º da Convenção de 1951), o direito de naturalização (artigo 34.º da Convenção de 1951) e o direito ao trabalho (artigos 17.º, 18.º e 19.º da Convenção de 1951).

4.5Além disso, surgem interrogações sobre a classificação da Turquia como «país terceiro seguro», no que se refere ao respeito do princípio da não repulsão, consagrado no artigo 33.º n.º 1, da Convenção de Genebra, no artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e no artigo 3.º, n.º 2, da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes 25 . Além de a Turquia ter antecedentes de repulsão de requerentes de asilo não europeus, relatos recentes de organizações internacionais de direitos humanos referem casos de recusa de entrada e de repulsão maciça para território sírio 26 . É significativo que, apenas um dia após a assinatura do acordo, a Amnistia Internacional tenha divulgado mais um caso de repatriação maciça de refugiados afegãos para Cabul 27 . No mesmo contexto, a resolução aprovada em 20 de abril de 2016 pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa menciona, entre outras coisas, que o regresso tanto de sírios como de cidadãos de outros países à Turquia é contrária ao direito internacional e da UE 28 . É evidente, portanto, que não existem as garantias necessárias de que o princípio da não repulsão é efetivamente respeitado 29 .

Bruxelas, 14 de fevereiro de 2018

Georges Dassis
Presidente do Comité Económico e Social Europeu

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(1)      Comissão Europeia, «Turkey 2016 Report» [Relatório de 2016 sobre a Turquia], Bruxelas, 9.11.2016, SWD (2016) 366 final, pp. 77-78, disponível em: http://ec.europa.eu/enlargement/pdf/key_documents/2016/20161109_report_turkey.pdf .
(2)      Missões de averiguação do CESE sobre a situação dos refugiados na perspetiva das organizações da sociedade civil, relatório da missão à Turquia, 9-11 de março de 2016, p. 2, disponível em: http://www.eesc.europa.eu/resources/docs/eesc-fact-finding-missions-refugees_turkey_en.pdf .
(3)      Ver nota n.º 2.
(4)      Amnistia Internacional, «Europe's gatekeeper: unlawful detention and deportation of refugees from Turkey» [«Porteiro da Europa: detenção e deportação ilegais de refugiados pela Turquia»], p. 14, disponível em: https://www.amnesty.org/en/documents/document/?indexNumber=eur44%2f3022%2f2015&language=en .
(5)    Ver nota n.º 2.
(6)      O artigo 2.º do TUE estabelece o seguinte: «A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres».
(7)      Conselho Europeu, Negócios estrangeiros e relações internacionais, 18.3.2016, http://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2016/03/18-eu-turkey-statement/ .
(8)      Comissão Europeia, «Factsheet on the EU-Turkey Agreement» [Ficha informativa sobre o Acordo UE-Turquia], 19.3.2016, http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-16-963_en.htm .
(9)      Qual é a base jurídica para o regresso dos requerentes de asilo das ilhas gregas para a Turquia? Os pedidos de asilo na Grécia serão avaliados caso a caso, em conformidade com os requisitos legais da União Europeia e do direito internacional e com o princípio da não repulsão. Serão realizadas entrevistas e avaliações individuais e haverá direito de recurso. Não se verificará um regresso generalizado e automático dos requerentes de asilo. As regras da UE em matéria de asilo permitem aos Estados-Membros, sob determinadas circunstâncias claramente definidas, decidir que um pedido é «não admissível», ou seja, podem indeferir o pedido sem uma avaliação aprofundada. Existem duas possibilidades jurídicas que podem ser utilizadas para que os pedidos sejam considerados não admissíveis em relação à Turquia: 1) primeiro país de acolhimento (artigo 35.º da Diretiva Procedimentos de Asilo): quando a pessoa tenha sido reconhecida como refugiado naquele país ou aí goze de outro tipo de proteção suficiente; 2) país terceiro seguro (artigo 38.º da Diretiva Procedimentos de Asilo): quando a pessoa ainda não recebeu proteção no país terceiro, mas este possa garantir à pessoa readmitida um acesso efetivo a proteção.
(10)      «Neste contexto, a Comissão sublinha que o conceito de país terceiro seguro, tal como definido na Diretiva Procedimentos de Asilo, obriga a que exista a possibilidade de receber proteção em conformidade com a Convenção de Genebra, mas não exige que o país terceiro seguro tenha ratificado a referida convenção sem reserva geográfica. Além disso, no que diz respeito à questão de saber se existe uma ligação com o país terceiro em causa e se é, portanto, razoável para o requerente ir para esse país, também pode ter-se em conta o facto de o requerente ter transitado através desse país terceiro seguro, ou se esse país terceiro seguro está geograficamente próximo do país de origem do requerente.» Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a situação de execução das ações prioritárias da Agenda Europeia da Migração, 10.2.2016, COM(2016) 85 final.
(11)      Parecer do Comité Económico e Social Europeu – Criação de uma lista comum da UE de países de origem seguros ( JO C 71 de 24.2.2016, p. 82 ), pontos 2.4 e 2.11.
(12)      O número de travessias diárias da Turquia para as ilhas gregas tem permanecido baixo desde o último relatório da Comissão, com uma média de 75 chegadas por dia. Comissão Europeia, Bruxelas, 6.9.2017, COM(2017) 470 final – Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho – Sétimo relatório sobre os progressos realizados na aplicação da Declaração UE-Turquia. Disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52017DC0470&qid=1508852084787&from=EN .
(13)    De acordo com os dados mais recentes, o número total de recolocações ascende a 27 695 (19 244 da Grécia e 8 451 da Itália), ao passo que 8 834 sírios provenientes da Turquia foram reinstalados na UE no quadro da Declaração UE-Turquia. No que diz respeito ao apoio financeiro no âmbito do Mecanismo em Favor dos Refugiados na Turquia, dos três mil milhões de euros previstos para 2016-2017, foram já assinados contratos no valor de mais de 1 660 milhões de euros e os montantes efetivamente desembolsados elevam-se a 838 milhões de euros. O número de refugiados vulneráveis que recebem apoio da Rede de Segurança Social de Emergência aumentou de 600 000 para 860 000 e deverá aumentar para 1,3 milhões de pessoas até ao final de 2017. Comissão Europeia, Bruxelas, 6.9.2017, COM(2017) 465 final – Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho – Décimo quinto relatório sobre a recolocação e a reinstalação. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52017DC0465&qid=1508853110684&from=EN .
(14)      É alegado que o mecanismo de país seguro viola o artigo 31.º, n.º 1, da Convenção de Genebra, uma vez que o direito internacional não prevê a obrigação de apresentar o pedido no primeiro país que poderia conceder estatuto de proteção internacional. Ver a este respeito M. Symes e P. Jorro, «Asylum Law and Practice» [Legislação e prática de asilo], LexisNexis UK, 2003, p. 448; G. Goodwin e J. McAdam, «The Refugee in International Law» [O refugiado à luz do direito internacional], Oxford University Press, 2007, p. 392. Para o ponto de vista contrário ver K. Hailbronner, «The Concept of "Safe Country" and Expeditious Asylum Procedures: A Western European Perspective» [O conceito de «país seguro» e procedimentos de asilo céleres: uma perspetiva da Europa Ocidental], International Journal of Refugee Law, 1993, 5(1), pp. 31-65.
(15)      Segundo a Liga Helénica dos Direitos Humanos, após os primeiros dias de aplicação do acordo UE-Turquia para os refugiados, o perito do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo definiu a Turquia como um país terceiro seguro em relação aos primeiros pedidos de asilo examinados. Este parecer, um texto normalizado reproduzido como base para todos os indeferimentos de pedidos, essencialmente nega aos requerentes de asilo a necessária avaliação individualizada e, pior ainda, coloca sobre estes o ónus da prova de que a Turquia não é um país terceiro seguro, o que é contrário ao espírito da diretiva. Nestas primeiras situações, as decisões sumárias de indeferimento são injustificadas. Liga Helénica dos Direitos Humanos, «Σχόλια – κριτικές παρατηρήσεις επί των διατάξεων και της εφαρμογής του Ν. 4375/2016» [Comentários – observações críticas sobre as disposições e aplicação da Lei n.º 4375/2016], 21 de abril de 2016, p. 6, disponível em: http://www.hlhr.gr/?MDL=pages&SiteID=1215 . No entanto, em 10 de maio de 2016, foi publicada a primeira decisão grega que identifica a Turquia como um país terceiro não seguro. Nomeadamente, após o recurso interposto por um cidadão sírio em Lesbos ao qual inicialmente não tinha sido concedido asilo e que, por conseguinte, teria de regressar à Turquia, a instância de recurso para os refugiados considerou que a Turquia não era um país terceiro seguro, pelo que o pedido de asilo teve de ser reexaminado em mais pormenor e com mais dados. A jurisprudência estabelecida pela primeira decisão que considera a Turquia um país terceiro não seguro tem sido seguida por um grande número de instâncias de recurso para os refugiados.
(16)      Sobre o princípio da não repulsão consultar, nomeadamente, E. Lauterpacht e D. Bethlehem, «The scope and content of the principle of non refoulement: Opinion» [O âmbito e o teor do princípio da não repulsão: parecer], em E. Feller, V. Tuerk e F. Nicholson (eds.), «Refugee Protection in International Law, UNHCR's Global Consultations on International Protection» [A proteção dos refugiados no direito internacional, consultas mundiais do ACNUR sobre proteção internacional], Cambridge University Press, Cambridge, 2003, pp. 87-177. Ver também o parecer do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados intitulado «Advisory Opinion on the Extraterritorial Application of Non-Refoulement Obligations under the 1951 Convention relating to the Status of Refugees and its 1967 Protocol» [Parecer consultivo sobre a aplicação extraterritorial do princípio da não repulsão ao abrigo da Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados e do respetivo Protocolo de 1967] em: http://www.unhcr.org/refworld/docid/45f17a1a4.html .
(17)      Observação sobre proteção internacional, de 13 de setembro de 2001, (A/AC. 96/951, n.º 16). Ver também ACNUR «The Principle of Non Refoulement as a Norm of Customary International Law, Response to the Questions Posed to UNHCR by the Federal Constitutional Court of the Federal Republic of Germany in cases 2 BvR 1938/93, 2 BvR 1953/93, 2 BvR 1954/93» [O princípio da não repulsão enquanto norma do direito internacional consuetudinário, resposta às perguntas colocadas ao ACNUR pelo Tribunal Constitucional Federal da República Federal da Alemanha nos processos 2 BvR 1938/93, 2 BvR 1953/93, 2 BvR 1954/93]. Ver ainda ACNUR, «Note on the Principle of Non Refoulement» [Observação sobre o princípio da não repulsão] (Seminário da UE sobre a aplicação da Resolução de 1995 da UE relativa às garantias mínimas dos processos de asilo), 1.11.1997. Ver também o n.º 4 do preâmbulo da Declaração dos Estados Partes na Convenção de 1951 e/ou o Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados, adotado durante a Conferência Ministerial de 12 e 13 de dezembro de 2001, HCR/MMSP/2011/09, bem como a decisão do Tribunal de Segunda Instância da Nova Zelândia relativo ao Processo Zaoui contra Advogado-Geral (n.º 2) (2005) 1 NZLR 690 de 20.9.2004, n.os 34 e 136.
(18)      Conclusão n.º 6 (XXVIII) de 1977 sobre o princípio da não repulsão, alínea c); Conclusão n.º 79 (XLVIII) de 1996 sobre a proteção internacional, alínea j); Conclusão n.º 81 (XLVIII) de 1997 sobre a proteção internacional, alínea i).
(19)      ACNUR, «Global Consultations on International Protection/Third Track: Asylum Processes (Fair and Efficient Asylum Procedures)» [Consultas mundiais sobre proteção internacional/terceira via: processos de asilo (procedimentos de asilo justos e eficientes)], EC/GC/01/12, 13.5.2001, n.os 4, 8, 13 e 50, alínea c), e E. Leuterpacht e D. Bethlehem, nota de rodapé 16 supra, n.os 87 a 99.
(20)      Para mais informações, consultar: http://data.unhcr.org/syrianrefugees/regional.php .
(21)      Ver nota n.º 2.
(22)      O texto da lei está disponível em inglês em: http://www.goc.gov.tr/files/files/eng_minikanun_5_son.pdf .
(23)      Ver nota n.º 2.
(24)      Meltem Ineli-Ciger, «Implications of the New Turkish Law on Foreigners and International Protection and Regulation no. 29153 on Temporary Protection for Syrians Seeking Protection in Turkey» [Implicações da nova lei turca relativa aos estrangeiros e à proteção internacional e do Regulamento n.º 29153 relativo à proteção temporária de sírios que procuram proteção na Turquia], Oxford Monitor of Forced Migration, 2014, 4(2), pp. 28-36.
(25)      Ver nota n.º 2.
(26)      Ver, nomeadamente, a comunicação da organização Human Rights Watch, de 23 de novembro de 2015, disponível em: https://www.hrw.org/news/2015/11/23/turkey-syrians-pushed-back-border .
(27)      Amnistia Internacional, «Η ψευδαίσθηση της «ασφαλούς χώρας» για την Τουρκία καταρρέει» [A ilusão da Turquia como «país seguro» cai por terra], 23 de março de 2016, disponível apenas em grego em: https://www.amnesty.gr/news/press/article/20243/i-pseydaisthisi-tis-asfaloys-horas-gia-tin-toyrkia-katarreei . Para mais informações, consultar Ο. Ulusoy, «Turkey as a Safe Third Country?» [A Turquia como país terceiro seguro?], 29 de março de 2016, disponível em: https://www.law.ox.ac.uk/research-subject-groups/centre-criminology/centreborder-criminologies/blog/2016/03/turkey-safe-third . E. Roman, Th. Baird, e T. Radcliffe, «Why Turkey is Not a "Safe Country"» [Porque é que a Turquia não é um país seguro], fevereiro de 2016, Statewatch, http://www.statewatch.org/analyses/no-283-why-turkey-is-not-a-safe-country.pdf .
(28)      Resolução 2109 (2016), versão temporária – The situation of refugees and migrants under the EU-Turkey Agreement of 18 March 2016 [A situação dos refugiados e migrantes no âmbito da Declaração UE-Turquia de 18 de março de 2016], autor(es): Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, fonte: debate da Assembleia realizado em 20 de abril de 2016 (15.ª sessão) (ver Documento 14028, relatório da Comissão da Migração, Refugiados e Pessoas Deslocadas da Assembleia Parlamentar, relatora: Tineke Strik). O texto foi aprovado pela Assembleia em 20 de abril de 2016 (15.ª sessão).
(29)      L. Reppeli (2015), «Turkey’s track record with the European Court of Human Rights» [O historial da Turquia junto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos], Turkish Review, 1 de janeiro de 2015 (disponível em linha em: http://archive.is/XmdO5 )