EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1.CONTEXTO DO ATO DELEGADO

O Regulamento (UE) 2021/1119 do Parlamento Europeu e do Conselho (Lei Europeia em matéria de Clima) estabeleceu uma meta de redução das emissões líquidas de, pelo menos, 55 % até 2030, em relação aos níveis de 1990. Consequentemente, a Diretiva 2003/87/CE 1 foi alterada pela Diretiva (UE) 2023/959 do Parlamento Europeu e do Conselho 2 , a fim de rever o Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE (CELE) e integrar a ambição consagrada na Lei Europeia em matéria de Clima e no programa do Objetivo 55.

O considerando 16 da Diretiva (UE) 2023/959 dispõe o seguinte: «[o]s gases com efeito de estufa que não são diretamente libertados para a atmosfera deverão ser considerados emissões ao abrigo do CELE e as licenças de emissão para essas emissões deverão ser devolvidas, a não ser que sejam armazenadas num local de armazenamento em conformidade com a Diretiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho ou que estejam quimicamente ligadas a um produto de forma permanente, de modo a que não entrem na atmosfera em condições normais de utilização e não entrem na atmosfera no âmbito de qualquer atividade normal que ocorra após o fim de vida do produto.». Por conseguinte, no artigo 12.º da Diretiva 2003/87/CE foi introduzido um novo número, a saber, o n.º 3-B, a fim de suprimir a obrigação de devolver licenças de emissão relativamente às emissões de gases com efeito de estufa capturados e utilizados de forma permanente num produto — ou seja, no âmbito da captura e utilização de dióxido de carbono de forma permanente — «que sejam considerados como tendo sido capturados e utilizados de tal forma que se tornaram quimicamente ligados a um produto de forma permanente, de modo que não entrem na atmosfera em condições normais de utilização, incluindo qualquer atividade normal realizada após o fim da vida do produto». Este artigo habilita a Comissão Europeia a adotar atos que estabeleçam os requisitos a satisfazer para permitir considerar que os gases com efeito de estufa emitidos por uma instalação abrangida pelo CELE ficaram quimicamente ligados a um produto de forma permanente, o que isenta o operador abrangido pelo CELE da obrigação de devolver licenças de emissão para esses produtos. Como implícito no termo «captura e utilização de dióxido carbono», essas tecnologias são relevantes para as emissões de CO2 e não para outros gases com efeito de estufa, como o CH4 ou o N2O. Por conseguinte, os requisitos previstos no presente ato dizem respeito às emissões de CO2 ou ao carbono resultante, e não à generalidade dos gases com efeito de estufa.

2.CONSULTAS ANTERIORES À ADOÇÃO DO ATO

Em novembro de 2023, bem como em fevereiro e maio de 2024, a Comissão consultou os membros do grupo de peritos sobre a política para as alterações climáticas acerca do projeto de regulamento delegado. Os documentos pertinentes para as reuniões foram transmitidos simultaneamente ao Parlamento Europeu e ao Conselho, conforme previsto no Entendimento Comum sobre Atos Delegados apenso ao Acordo Interinstitucional «Legislar Melhor». As observações formuladas pelo grupo de peritos foram tidas em conta aquando da elaboração do projeto de regulamento delegado.

O projeto de regulamento delegado esteve disponível no portal «Legislar Melhor» durante quatro semanas, entre 18 de junho e 16 de julho de 2024, para apresentação de observações. Durante esse período, foram recebidas 93 contribuições, 43 das quais de associações empresariais e 27 de empresas. As observações pertinentes para o tema da consulta reportavam-se a questões ou informações já discutidas exaustivamente no âmbito das reuniões do grupo de peritos sobre a política para as alterações climáticas, pelo que a Comissão manteve o texto do regulamento delegado, salvo alguns esclarecimentos pontuais.

O tratamento, no âmbito do CELE, dos meios de captura e utilização de dióxido de carbono que não permitam o armazenamento permanente do carbono ligado será avaliado num relatório previsto no artigo 30.º, n.º 5, da Diretiva CELE, a apresentar até julho de 2026.

3.ELEMENTOS JURÍDICOS DO ATO DELEGADO

Os principais elementos jurídicos do regulamento delegado são os seguintes:

1)Completar os critérios previstos no artigo 12.º, n.º 3-B, da Diretiva 2003/87/CE para determinar se os gases com efeito de estufa, nomeadamente o CO2, ficaram quimicamente ligados a um produto de forma permanente, de modo que não entrem na atmosfera em condições normais de utilização nem no âmbito de qualquer atividade normal realizada após o fim da vida do produto.

2)Especificar os requisitos necessários para se poder considerar que os produtos satisfazem os critérios acima referidos.

3)Enumerar, no anexo do presente regulamento, os produtos que permitem a captura e utilização permanentes de dióxido de carbono que se considera satisfazerem os requisitos estabelecidos no presente regulamento e, por conseguinte, podem beneficiar da derrogação da obrigação de devolução de licenças de emissão.

4)Estabelecer um procedimento de revisão e atualização da lista de produtos conformes que permitem a captura e utilização permanentes de dióxido de carbono, com base na evolução tecnológica, em novos dados ou na experiência prática com esses produtos.

REGULAMENTO DELEGADO (UE) …/... DA COMISSÃO

de 30.7.2024

que completa a Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no respeitante aos requisitos a satisfazer para permitir considerar que os gases com efeito de estufa ficaram quimicamente ligados a um produto de forma permanente

(Texto relevante para efeitos do EEE)

A COMISSÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,

Tendo em conta a Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho 3 , nomeadamente o artigo 12.º, n.º 3-B, segundo parágrafo,

Considerando o seguinte:

(1)A Diretiva 2003/87/CE foi alterada pela Diretiva (UE) 2023/959 do Parlamento Europeu e do Conselho 4 a fim de a harmonizar com o Regulamento (UE) 2021/1119 do Parlamento Europeu e do Conselho 5 , o qual estabelece uma meta de redução das emissões líquidas de, pelo menos, 55 % até 2030, em relação aos níveis de 1990.

(2)Importa estabelecer os critérios e requisitos a satisfazer para permitir considerar que os gases com efeito de estufa estão quimicamente ligados a um produto de forma permanente.

(3)Os atuais processos de captura e utilização para armazenamento permanente aplicam‑se apenas às emissões de CO2, uma vez que a mitigação das emissões dos outros gases com efeito de estufa, como o CH4 ou o N2O, não exigem o armazenamento permanente. Uma vez que as reações químicas durante o processo de utilização podem conduzir à transformação química da molécula de CO2, é conveniente considerar igualmente os átomos de carbono que ficaram quimicamente ligados.

(4)É necessário assegurar que o facto de o CO2 emitido ficar quimicamente ligado a um produto de forma permanente proporciona um benefício climático semelhante ao do armazenamento geológico, tendo simultaneamente em conta a natureza diferente destas abordagens distintas. Por conseguinte, é expectável que esse CO2 continue quimicamente ligado a um produto de forma permanente durante, pelo menos, vários séculos, dependendo do tipo de ligação química e das condições normais de utilização, bem como do tratamento provável em fim de vida desse produto.

(5)A probabilidade de libertação do carbono armazenado e incorporado num produto varia consoante a via que seguem, em condições normais de utilização e em fim da vida, os produtos fabricados a partir de CO2 capturado. As emissões podem ocorrer devido à combustão, quer como parte integrante da utilização do produto, como é o caso dos combustíveis sintéticos, quer aquando da eliminação, por exemplo pela incineração de resíduos. A fim de assegurar que o carbono armazenado num produto continua quimicamente ligado de forma permanente e não entra na atmosfera durante, pelo menos, vários séculos, é necessário que o CO2 seja ligado a produtos que são de longa duração em quaisquer condições normais de utilização e que, no âmbito de qualquer atividade normal de fim de vida, sejam eliminados sem ser por incineração, o que libertaria o carbono armazenado para a atmosfera.

(6)As propriedades químicas dos carbonatos minerais, como o carbonato de cálcio ou o carbonato de magnésio, asseguram ligações químicas fortes que, a menos que sejam expostos a temperaturas elevadas ou a ácidos fortes, permitem considerar que o carbono está quimicamente ligado de forma permanente. Por conseguinte, a mineralização do dióxido de carbono resultaria na retenção de carbono durante períodos excecionalmente longos em rochas carbonatadas, sendo improvável a sua libertação para a atmosfera em condições normais 6 .

(7)As condições existentes nas incineradoras de resíduos são suficientes para que se inicie a reação de descarbonização. Por conseguinte, é importante não considerar como quimicamente ligado de forma permanente o carbono capturado e utilizado em produtos em que a incineração constitui uma parte significativa do tratamento em fim de vida.

(8)Os produtos à base de carbonatos minerais e utilizados para produtos de construção, tais como inertes, cimento, betão, tijolos ou telhas, são de longa duração e podem continuar a ser utilizados durante décadas a séculos. Na fase de fim de vida, esses produtos pertencem à categoria de resíduos de construção e de demolição, em conformidade com a lista de resíduos 7 . De acordo com a última avaliação do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia 8 , na União, em termos médios, o tratamento em fim de vida da fração mineral dos resíduos de construção e de demolição consiste na reciclagem (79 %), no enchimento (10 %) e na deposição em aterro (11 %). Por conseguinte, importa considerar como quimicamente ligado a um produto de forma permanente o CO2 capturado que é utilizado no fabrico de carbonatos minerais e em produtos de construção.

(9)É conveniente que a lista de produtos considerados conformes com os critérios estabelecidos no artigo 12.º, n.º 3-B, da Diretiva 2003/87/CE seja revista e, se necessário, atualizada, com base na eventual evolução tecnológica e inovação importantes no domínio do armazenamento permanente de dióxido de carbono em produtos, na melhoria das práticas de monitorização, comunicação de informações e verificação capazes de certificar o caráter permanente do armazenamento, bem como na experiência adquirida com a aplicação do presente regulamento,

ADOTOU O PRESENTE REGULAMENTO:



Artigo 1.º

Objeto

O presente regulamento estabelece os requisitos a satisfazer para permitir considerar que o CO2 se tornou quimicamente ligado a um produto de forma permanente.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

1)«Captura», um processo ou procedimento tecnológico necessário para capturar e, se necessário, transformar ou depurar, antes da utilização, o CO2 resultante das atividades abrangidas pela Diretiva 2003/87/CE;

2)«Utilização», um processo ou prática tecnológica que utilize CO2 capturado como matéria-prima para o fabrico de produtos;

3)«Ligado quimicamente», o facto de o CO2 ser quimicamente transformado de modo que os átomos de carbono se fixem quimicamente por ligações fortes, de forma a impedir o impacto deste gás no aquecimento global;

4)«Produto», um bem ou material, incluindo um produto intermédio ou um produto derivado, que utilize, mediante um processo de ligação química, CO2 ou átomos de carbono derivados do CO2;

5)«Produto de construção», um artigo físico com ou sem forma, colocado no mercado para incorporação, de forma permanente, em obras de construção ou em partes das mesmas;

6)«Condições normais de utilização», qualquer das formas habituais como se espera que um produto seja utilizado pelo utilizador final, com base nas características deste produto;

7)«Atividade normal realizada após o fim da vida do produto», o tratamento prevalecente de um produto depois de o utilizador final o deitar fora, com base nas práticas e na legislação em vigor em matéria de gestão de resíduos.

Artigo 3.º

Requisitos relativos à captura e utilização em produtos de forma permanente

1.Considera-se que o CO2 está quimicamente ligado a um produto de forma permanente se estiverem preenchidos, de forma cumulativa, os seguintes critérios:

a)Tiver sido quimicamente ligado a um produto por meio de um processo de utilização ativo e controlado que permita medir e determinar a quantidade de equivalentes de CO2 fixados no produto durante este processo, excluindo o carbono eventualmente presente na matéria-prima do processo de utilização ou naturalmente absorvido da atmosfera ou de outras fontes após esse processo;

b)Continuar quimicamente ligado a um produto de forma permanente, de modo que não entre na atmosfera em condições normais de utilização do produto, incluindo qualquer atividade normal realizada após o fim da vida do produto, durante, pelo menos, vários séculos. No caso de produtos que podem seguir múltiplas vias em condições normais de utilização e de fim de vida, todas essas vias devem ser tidas em conta para efeitos do presente número. Os produtos que, durante as condições normais de utilização, incluindo qualquer atividade normal realizada após o fim da vida do produto, possam ser expostos a combustão a temperaturas elevadas, por exemplo durante a incineração de resíduos, não podem ser considerados produtos que ligam quimicamente o CO2 de forma permanente.

2.Os produtos considerados conformes com os requisitos do n.º 1 são enumerados no anexo.

Artigo 4.º

Processo de revisão

1.A Comissão revê os produtos enumerados no anexo com base na evolução tecnológica e na inovação no domínio do armazenamento permanente de carbono em produtos, na melhoria das práticas de monitorização, comunicação de informações e verificação, bem como na experiência adquirida com a aplicação do presente regulamento, e atualiza o anexo, se necessário.

2.Para efeitos do n.º 1, a Comissão tem em conta os pedidos de atualização da lista de produtos que figura no anexo apresentados pelas autoridades competentes, desde que sejam devidamente justificados por provas de cumprimento dos requisitos previstos no artigo 3.º, n.º 1.

3.Os resultados e a documentação pertinente da eventual revisão dos produtos enumerados no anexo devem ser disponibilizados ao público.

Artigo 5.º

Entrada em vigor

O presente regulamento entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros.

Feito em Bruxelas, em 30.7.2024

   Pela Comissão

   A Presidente
   Ursula VON DER LEYEN

(1)    Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO L 275 de 25.10.2003, p. 32).
(2)    Diretiva (UE) 2023/959 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de maio de 2023, que altera a Diretiva 2003/87/CE, relativa à criação de um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União, e a Decisão (UE) 2015/1814, relativa à criação e ao funcionamento de uma reserva de estabilização do mercado para o sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa da União (JO L 130 de 16.5.2023, p. 134).
(3)    Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO L 275 de 25.10.2003, p. 32).
(4)    Diretiva (UE) 2023/959 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de maio de 2023, que altera a Diretiva 2003/87/CE, relativa à criação de um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União, e a Decisão (UE) 2015/1814, relativa à criação e ao funcionamento de uma reserva de estabilização do mercado para o sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa da União (JO L 130 de 16.5.2023, p. 134).
(5)    Regulamento (UE) 2021/1119 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de junho de 2021, que cria o regime para alcançar a neutralidade climática e que altera os Regulamentos (CE) n.º 401/2009 e (UE) 2018/1999 («Lei europeia em matéria de clima») (JO L 243 de 9.7.2021, p. 1).
(6)    PIAC, Special Report on Carbon Dioxide Capture and Storage, Metz, B, Davidson, O., de Coninck, H. C., Loos, M. e Meyer, L. A. (eds.), elaborado pelo Grupo de Trabalho III do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, Cambridge University Press, Cambridge e Nova Iorque, 2005.
(7)    Decisão 2014/955/UE da Comissão, de 18 de dezembro de 2014, que altera a Decisão 2000/532/CE relativa à lista de resíduos em conformidade com a Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 370 de 30.12.2014, p. 44).
(8)    Cristobal Garcia, J., Caro, D., Foster, G., Pristera, G., Gallo, F. e Tonini, D., Techno-economic and environmental assessment of construction and demolition waste management in the European Union, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2024, DOI:10.2760/721895, JRC135470.    

ANEXO

Produtos que se considera ligarem quimicamente o CO2 de forma permanente

1.Carbonatos minerais utilizados nos seguintes produtos de construção:

a)Materiais inertes carbonatados utilizados sem agregar ou agregados em produtos de construção feitos a partir de minerais;

b)Componentes carbonatados do cimento, da cal ou de outros ligantes hidráulicos utilizados em produtos de construção;

c)Betão carbonatado, incluindo blocos prefabricados, tijolos para pavimentação ou betão arejado;

d)Tijolos, telhas ou outros elementos para alvenaria carbonatados.