ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 486

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

65.° ano
21 de dezembro de 2022


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

572.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 21.9.2022-22.9.2022

2022/C 486/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre PME, empresas da economia social, artesanato e profissões liberais/Pacote Objetivo 55 (parecer de iniciativa)

1

2022/C 486/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A transferência de empresas enquanto fator de promoção da recuperação e do crescimento sustentáveis no setor das PME (parecer de iniciativa)

9

2022/C 486/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Taxonomia social — Desafios e oportunidades (parecer de iniciativa)

15

2022/C 486/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Fundo de ajustamento às alterações climáticas financiado no âmbito da política de coesão e pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) (parecer de iniciativa)

23

2022/C 486/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Criptoativos — Desafios e oportunidades (parecer de iniciativa)

30

2022/C 486/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Estratégia para o Pessoal de Saúde e a Prestação de Cuidados para o futuro da Europa (parecer de iniciativa)

37

2022/C 486/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE (parecer de iniciativa)

46

2022/C 486/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel das tecnologias de remoção de carbono na descarbonização da indústria europeia (parecer de iniciativa)

53

2022/C 486/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A transição energética e digital nas zonas rurais (parecer de iniciativa)

59

2022/C 486/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Investimento público em infraestruturas energéticas como parte da solução para os desafios climático (parecer de iniciativa)

67

2022/C 486/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Cocriação de serviços de interesse geral como contributo para uma democracia mais participativa na UE (parecer de iniciativa)

76

2022/C 486/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Parcerias temáticas ao abrigo do Acordo de Liubliana (parecer exploratório)

83

2022/C 486/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Luta contra a pobreza energética e reforço da resiliência da UE: desafios numa perspetiva económica e social (parecer exploratório a pedido da presidência checa)

88

2022/C 486/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Diálogo social no âmbito da transição ecológica (parecer exploratório a pedido da presidência checa)

95

2022/C 486/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu do Papel da energia nuclear na estabilidade dos preços da energia na UE (parecer exploratório a pedido da presidência checa do Conselho da UE)

102


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

572.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 21.9.2022-22.9.2022

2022/C 486/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Um Espaço Europeu de Dados de Saúde: aproveitar o potencial dos dados de saúde em benefício das pessoas, dos doentes e da inovação [COM(2022) 196 final] e a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao Espaço Europeu de Dados de Saúde [COM(2022) 197 final — 2022/0140 (COD)]

123

2022/C 486/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção das indicações geográficas de produtos industriais e artesanais e que altera os Regulamentos (UE) 2017/1001 e (UE) 2019/1753 do Parlamento Europeu e do Conselho e a Decisão (UE) 2019/1754 do Conselho [COM(2022) 174 final — 2022/0115(COD)]

129

2022/C 486/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras para prevenir e combater o abuso sexual de crianças [COM(2022) 209 final — 2022/0155 (COD)] e a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma Década Digital para as crianças e os jovens: a nova Estratégia europeia para uma Internet melhor para as crianças (BIK+) [COM(2022) 212 final]

133

2022/C 486/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2011/83/UE no que respeita aos contratos de serviços financeiros celebrados à distância e que revoga a Diretiva 2002/65/CE [COM(2022) 204 final — 2022/0147 (COD)]

139

2022/C 486/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 1303/2013 e o Regulamento (UE) 2021/1060 no que respeita a uma maior flexibilidade para fazer face às consequências da agressão militar da Federação da Rússia FAST (assistência flexível aos territórios)-CARE [COM(2022) 325 final — 2022/0208 (COD)]

144

2022/C 486/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Trabalho digno em todo o mundo [COM(2022) 66 final]

149

2022/C 486/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Conselho relativa às orientações para as políticas de emprego dos Estados-Membros [COM(2022) 241 final]

161

2022/C 486/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao estabelecimento de um instrumento para reforçar a indústria europeia da defesa através da contratação pública colaborativa [COM(2022) 349 final]

168

2022/C 486/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o programa Conectividade Segura da União para o período 2023-2027 [COM(2022) 57 final — 2022/0039 (COD)] e sobre a Comunicação Conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho: Abordagem da UE em matéria de gestão do tráfego espacial — Contributo da UE para superar um desafio mundial [JOIN(2022) 4 final]

172

2022/C 486/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano REPowerEU [COM(2022) 230 final) e sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) 2021/241 no que diz respeito aos capítulos REPowerEU dos planos de recuperação e resiliência e que altera o Regulamento (UE) 2021/1060, o Regulamento (UE) 2021/2115, a Diretiva 2003/87/CE e a Decisão (UE) 2015/1814 [COM(2022) 231 final — 2022/0164(COD)]

185

2022/C 486/26

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Isenção temporária das regras de utilização das faixas horárias nos aeroportos devido à COVID-19 [COM(2022) 334 final]

194

2022/C 486/27

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Impacto geopolítico da transição energética [JOIN(2022) 23 final]

198


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

572.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 21.9.2022-22.9.2022

21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre PME, empresas da economia social, artesanato e profissões liberais/Pacote Objetivo 55

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/01)

Relatora:

Milena ANGELOVA

Correlator:

Rudolf KOLBE

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

27.6.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

143/1/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As micro, pequenas e médias empresas, sejam empresas tradicionais, empresas familiares, operadores de mercado, empresas da economia social, artesanato ou profissões liberais (a seguir designadas por «MPME»), são uma parte essencial da solução para uma economia da UE competitiva, com impacto neutro no clima, circular e inclusiva, desde que se criem e prevaleçam as condições ideais. As MPME geram impacto positivo ao melhorarem o seu próprio desempenho ambiental e ao fornecerem conhecimentos e soluções a outras empresas, aos cidadãos e ao setor público. Embora reconheça e destaque a diversidade e as diferentes necessidades das MPME, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) apela para que se conceda uma atenção específica às empresas mais pequenas e mais vulneráveis.

1.2.

Muitas MPME não estão a par dos requisitos legislativos em constante evolução, estabelecidos para alcançar a neutralidade climática, nem sabem qual a melhor forma de lhes dar resposta. Além disso, têm dificuldades em identificar potenciais benefícios e oportunidades de negócio proporcionados pela transição ecológica. Por conseguinte, o CESE destaca a urgência de apoiar as MPME na compreensão e gestão da transição ecológica da melhor maneira possível.

1.3.

O CESE apela à Comissão Europeia e aos Estados-Membros para que prestem informação abrangente e direcionada e realizem ações de sensibilização, de forma coordenada e complementar, em conjunto com organizações empresariais, associações setoriais, parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes.

1.4.

O CESE preconiza também um programa abrangente, destinado a apoiar as MPME para fazerem face a todos os desafios que enfrentam nas suas operações e atividades empresariais no âmbito da transição ecológica e do cumprimento da legislação. Uma vez que existem diferenças consideráveis entre as MPME, são necessárias soluções com elevado nível de especificidade, bem como políticas e medidas devidamente orientadas para os destinatários.

1.5.

É fundamental disponibilizar apoio a curto prazo às MPME, que seja imediato e direcionado, a fim de impulsionar a sua recuperação económica face à pandemia e ajudá-las a gerir as consequências da invasão russa da Ucrânia, nomeadamente os elevados preços da energia e os problemas de fornecimento de materiais e produtos. Devido às circunstâncias extraordinárias, o CESE considera que se deve conceder, a prazo, uma flexibilidade adequada na aplicação do calendário do Pacto Ecológico Europeu, até ao fim da crise, assegurando ao mesmo tempo que os objetivos não são abandonados por razão alguma.

1.6.

Com o intuito de melhorar a eficiência na utilização de recursos pelas MPME, o CESE propõe o estabelecimento de «centros de circularidade» em várias regiões. Esta iniciativa deverá reforçar a cooperação entre empresas de todos os setores e facilitar o desenvolvimento de novas práticas e processos, incluindo a demonstração de novas tecnologias. As organizações de MPME, as associações setoriais, as instituições académicas, os parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes devem ser parte integrante no processo.

1.7.

O CESE considera importante integrar os representantes das MPME na elaboração de roteiros setoriais para a ação climática a nível nacional, bem como na definição das vias de transição a nível da UE para diversos ecossistemas empresariais, aumentando assim também o conhecimento sobre a partilha das boas práticas, a afetação adequada de recursos e uma execução eficiente.

1.8.

O CESE exorta a UE e os Estados-Membros a acelerarem os investimentos ecológicos das MPME, assegurando um quadro regulamentar favorável, previsível e encorajador, que inclua procedimentos harmoniosos para a obtenção de autorizações e evite encargos administrativos onerosos, bem como facultando o acesso rápido, fácil, simples e rastreável a financiamento, adaptado às diferentes necessidades de todos os grupos diversos de MPME.

1.9.

O CESE apela para uma cooperação estreita entre os prestadores de serviços de educação e as MPME no sentido de criar formação que dê resposta às necessidades de competências e aptidões pertinentes para a transição ecológica, nomeadamente através de requalificação e melhoria das competências tanto dos trabalhadores como dos empresários. Além disso, solicita que se preste apoio às atividades de inovação das MPME, incentivando e facilitando a cooperação com outras empresas, as suas organizações, as suas associações, bem como as universidades e os organismos de investigação.

1.10.

O CESE apela para a promoção do comércio no âmbito das soluções ecológicas produzidas pelas MPME, incluindo no contexto dos contratos públicos, proporcionando às MPME condições equitativas de concorrência no mercado único e facilitando o seu acesso aos mercados estrangeiros de produtos, tecnologias e serviços ecológicos. Cabe assegurar um ambiente empresarial competitivo para as empresas da UE em relação aos países terceiros, empregando todos os meios de diplomacia, incluindo nos domínios do clima, dos recursos e da política comercial, e prestando atenção específica aos avanços da China e de outros mercados emergentes.

2.   A transição ecológica e as MPME

2.1.

As MPME contribuem para uma economia sustentável e geradora de emprego. Reforçam a coesão das sociedades, aliando, muitas vezes, funções económicas e funções sociais e consolidando, desta forma, as bases da democracia, da união e da capacidade de inclusão. São também fundamentais para a recuperação económica e social e para a prosperidade, pois estão enraizadas em cada canto da UE e, especialmente, nas zonas remotas e rurais, onde muitas vezes são o único fator gerador de atividade económica.

2.2.

As alterações climáticas impulsionam a transição energética sustentável, mas, acima de tudo, orientam toda a economia e a sociedade para a neutralidade climática, a circularidade e a sustentabilidade global. Provocam fenómenos climáticos extremos e catástrofes naturais, estando associadas a outros grandes desafios ambientais, como a perda de biodiversidade, a poluição ambiental e a degradação dos recursos naturais.

2.3.

O pacote Objetivo 55 centra-se especificamente na atenuação das alterações climáticas e inclui muitos textos legislativos que afetam as MPME de várias formas. Faz parte da execução do Pacto Ecológico Europeu, iniciativa emblemática da UE que aborda o crescimento sustentável tendo em vista as indústrias, o comércio, os serviços e a energia, os transportes, os edifícios e os sistemas alimentares. As MPME desempenham um papel essencial em todos estes setores.

2.4.

São uma parte essencial da solução na aplicação do Pacto Ecológico Europeu, desde que as condições certas sejam criadas e prevaleçam. Este impacto positivo é gerado, por um lado, pela melhoria no desempenho da grande variedade de MPME e, por outro lado, pelas ações dessas MPME, que fornecem conhecimentos e soluções a outras empresas, aos cidadãos e ao setor público.

2.5.

A transição ecológica está intimamente ligada à transformação digital, e as MPME têm de gerir ambas as componentes desta transição dupla, que constitui um duplo desafio muito exigente devido à necessidade considerável de recursos. A digitalização é uma ferramenta que torna as operações comerciais mais eficientes, contribuindo para a expansão em novos mercados e para a internacionalização, tendo um potencial considerável para diminuir as emissões, a produção de resíduos e a utilização de recursos naturais. No entanto, os serviços e equipamentos digitais também têm impactos ambientais, que devem ser geridos simultaneamente.

2.6.

Além dos esforços que envidam em prol das transições ecológica e digital, as MPME lutam pela recuperação económica pós-pandemia e debatem-se com as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia. Os elevados preços da energia e os problemas de fornecimento de materiais e produtos estão entre os desafios recentes com impactos significativos nas MPME e nos seus negócios. A sua competitividade, bem como a competitividade global da economia da UE, está ainda mais ameaçada pelos avanços da China e de outros mercados emergentes, que beneficiam, nomeadamente, do facto de evitarem a imposição de sanções à Rússia e de aplicarem requisitos climáticos e ambientais menos rigorosos.

2.7.

As questões relacionadas com o clima e o ambiente não dizem respeito apenas à sustentabilidade ambiental, mas são também, em grande medida, uma componente essencial da competitividade, da rendibilidade e do desempenho económico global das empresas. Além de seguirem os seus próprios valores e o seu sentido de dever geral, as MPME satisfazem os requisitos e expectativas climáticas e ambientais através de vários mecanismos:

Requisitos diretos decorrentes do quadro regulamentar para as MPME, por exemplo, sobre emissões, energia, materiais e produtos ou obrigações administrativas.

Efeitos indiretos de alguns requisitos, que influenciam a disponibilidade e os preços dos fatores de produção, como a energia e os materiais, ou associados a outros custos de gestão de uma empresa, nomeadamente a tributação.

Requisitos através das cadeias de valor, sob a forma de expectativas dos clientes, investidores e financiadores, como as relativas ao financiamento sustentável e à comunicação de informações, ou através das expectativas de outras partes interessadas.

2.8.

Muitas MPME não estão plenamente conscientes dos impactos das políticas e requisitos climáticos e ambientais específicos nas suas atividades e nas suas cadeias de abastecimento e de valor, nem sabem como adaptar ou converter produtos e serviços numa fase inicial a fim de evitar perdas posteriores ou mesmo a exclusão do mercado. Além disso, são confrontadas com recursos humanos e financeiros limitados para as operações diárias e para o desenvolvimento dos seus negócios, e existe o risco de que a sua dimensão limitada pressuponha ou exija demasiados conhecimentos especializados em múltiplos domínios. Uma percentagem considerável das empresas enfrenta dificuldades devido à complexidade dos textos legislativos em constante evolução, aos encargos administrativos, às regras financeiras e aos custos elevados, à falta de especialização e conhecimentos no domínio ambiental para escolher as ações certas (1), bem como dificuldades no acesso a novas cadeias de valor, financiamento, recursos humanos e novos modelos de negócio, entre outros.

2.9.

Embora a falta de conhecimentos relativamente aos requisitos e às formas de adaptação aos mesmos constitua um grande desafio, não são de somenos importância as dificuldades em identificar potenciais benefícios e oportunidades comerciais, como a redução dos custos com energia e materiais, melhor acesso ao financiamento, maior procura e novos mercados, e uma imagem melhorada junto das partes interessadas.

2.10.

As MPME que se propõem criar valor empresarial na economia circular e em domínios relacionados com o clima, a biodiversidade, a energia renovável e outros temas do Pacto Ecológico Europeu possuem um incentivo inerente para explorar, investir e desenvolver novas oportunidades de negócio nessas áreas. Dispõem de muitas oportunidades, por exemplo, na renovação de edifícios, no planeamento e construção de infraestruturas, na produção industrial e manutenção de equipamentos, na prestação de serviços jurídicos e contabilísticos, bem como no desenvolvimento de soluções digitais. O processo de transição está, em grande medida, dependente das suas soluções inteligentes, geradas pelos especialistas que empregam, o que sublinha a importância de uma educação adequada e de elevada qualidade, do ensino e formação profissionais e da permanente melhoria das competências.

2.11.

O grupo mais vulnerável de MPME, que também tem maiores necessidades de informação, é, por sua vez, constituído por empresas que consideram que o Pacto Ecológico Europeu não passa de mais um ato de legislação que aumenta os encargos administrativos acumulados, coloca os seus modelos de negócio atuais sob pressão e limita a rendibilidade num cenário de manutenção do statu quo. Esta realidade sublinha o facto de que todas as categorias de MPME, quer as mais vulneráveis e em situação de maior atraso, quer as seguidoras ou as líderes, necessitam de um apoio diferenciado e especificamente adequado às suas necessidades (2).

2.12.

Além disso, na perspetiva das capacidades e da preparação, há muitas diferenças entre as MPME quanto à natureza e à magnitude dos desafios climáticos e ambientais, aos requisitos e expectativas que se lhes aplicam e às oportunidades à sua disposição. As diferenças resultam de vários fatores: a intensidade de utilização dos recursos naturais nas suas atividades, a dimensão da empresa, a posição da empresa nas cadeias de abastecimento e nos ecossistemas empresariais, a localização da empresa, os tipos de clientes, as fontes de fatores de produção e os mercados geográficos da empresa.

2.13.

Essas diferenças requerem soluções com elevado grau de especificidade, bem como políticas e medidas devidamente direcionadas, que tenham em conta as diferenças entre, por exemplo, as médias empresas das indústrias transformadoras, as empresas que operam nos setores da hotelaria, restauração e retalho, as empresas familiares e tradicionais, as empresas inovadoras em fase de arranque, as empresas da economia social, o artesanato e as profissões liberais.

2.14.

Apesar das muitas diferenças entre as MPME, a gestão bem-sucedida da transição ecológica em cada empresa começa com a consciência e o conhecimento adequados das questões e tendências atuais, o que torna possível identificar os pontos fortes e fracos, bem como as oportunidades e os riscos para a empresa, e definir a forma como esta se quer posicionar na transição ecológica.

2.15.

Os esforços mais concretos no interior das empresas estão relacionados com o planeamento, a organização e a monitorização do negócio na sua globalidade, nomeadamente a produção e o comércio de bens e serviços, o transporte e a logística, bem como o aprovisionamento de energia, matérias-primas e outros fatores de produção. Os aspetos climáticos e ambientais são também parte integrante nas atividades de inovação, no desenvolvimento de competências e na participação de todo o pessoal, assim como na comunicação e cooperação com as partes interessadas.

3.   Políticas e medidas de apoio às MPME no âmbito do Objetivo 55

3.1.

Para que possam realizar os objetivos do pacote Objetivo 55 e efetuar com sucesso a transição ecológica, é indispensável facultar às MPME toda a informação e todo o apoio para compreenderem adequadamente as implicações das novas e complexas propostas legislativas (3). Tal requer uma informação abrangente e direcionada, assim como ações de sensibilização fornecidas de forma coordenada e complementar pela Comissão Europeia e pelos Estados-Membros, os quais têm aqui uma responsabilidade crucial. O papel das organizações empresariais e das associações setoriais é igualmente central na informação e no apoio aos seus membros, complementado pelos prestadores de serviços de educação e formação, pelos departamentos de desenvolvimento regional, pelas organizações de polos empresariais, pelos parceiros sociais e pelas organizações da sociedade civil competentes.

3.2.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, as políticas do Pacto Ecológico Europeu estão agora sob consulta aberta quanto à sua calendarização devido às novas circunstâncias extraordinárias e à dependência da UE em relação à energia e aos alimentos provenientes da Rússia e da Ucrânia. O CESE reconhece as circunstâncias e dependências extraordinárias e considera que os objetivos ecológicos não devem ser abandonados por razão alguma, embora seja pertinente conceder uma flexibilidade lógica a prazo, até ao fim da crise.

3.3.

Além da avaliação adequada do impacto de todas as iniciativas legislativas, o CESE apela à Comissão Europeia para que forneça orientações abrangentes, claras e inequívocas sobre todos os requisitos existentes e futuros relacionados com o clima e as suas consequências para as MPME, devendo abranger:

os requisitos ou restrições diretos para as MPME decorrentes dos vários atos legislativos, organizados por tipo e categoria de empresas (setor, dimensão, etc.),

os impactos indiretos nas MPME, passíveis de previsão por meio de mecanismos de mercado e que decorrem dos requisitos aplicáveis às grandes empresas.

3.4.

O CESE apela também para a elaboração de orientações correspondentes sobre a legislação relativa a outras questões ambientais importantes. De modo mais geral, este tipo de orientações deve tornar-se uma prática regular e acompanhar todas as iniciativas futuras no domínio do Pacto Ecológico Europeu. As MPME necessitam de um quadro legislativo estável que proporcione perspetivas claras e permita o planeamento dos seus investimentos. Por conseguinte, cabe evitar mudanças súbitas, como a recente alteração das metas para as energias renováveis e a eficiência energética, proposta no plano REPowerEU, uma vez que agravam o contexto já de si altamente complexo e incerto.

3.5.

Tendo em conta o vasto âmbito e a profundidade do Pacto Ecológico Europeu, prevê-se uma transformação industrial total. Seguindo o princípio «pensar primeiro em pequena escala», e a fim de evitar que as MPME «simplesmente desapareçam», é necessário um apoio amplo e abrangente e um programa de desenvolvimento. O objetivo seria apoiar as MPME em todas as dificuldades que enfrentem nas suas operações e atividades empresariais no âmbito da transição ecológica e do cumprimento da legislação.

3.6.

O CESE considera que existe um elevado grau de interesse, declarado pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu, em desenvolver as iniciativas já em vigor para promover a Estratégia para as PME e explorar outras possibilidades de executar a estratégia com êxito. O CESE apela para que este interesse seja efetivamente traduzido em políticas, em todos os domínios possíveis, e salienta o papel indispensável dos Estados-Membros, os quais devem atuar em cooperação com as organizações de MPME, as associações setoriais, os parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes.

3.7.

Os jovens empresários são o futuro da criação de novas MPME e de mais emprego. Assim, a atenção que prestam aos consumidores e a sua atratividade para os jovens trabalhadores, em combinação com a preocupação crescente quanto à transição ecológica, são questões que importa identificar mais especificamente e abordar, por exemplo, nos planos de recuperação. Além disso, para aproveitar plenamente o potencial de toda a sociedade e aumentar a diversidade nas empresas, cabe eliminar todos os obstáculos ao empreendedorismo das mulheres. Há que estimular e promover também o empreendedorismo de todos os grupos vulneráveis, como as pessoas com deficiência, os migrantes e as comunidades minoritárias.

3.8.

A fim de aumentar as sinergias da digitalização e da ecologização nas MPME, ambas as tendências devem ser consideradas simultaneamente na definição de políticas e medidas. Uma vez que nem a transição ecológica nem a transição digital são matérias meramente técnicas ou financeiras, importa abordar as grandes questões humanas e empresariais, de modo que a grande maioria das MPME embarque numa dupla transição a longo prazo e voltada para o futuro (4).

3.9.

O CESE insta também a Comissão Europeia e os Estados-Membros a acompanharem os efeitos da concretização das transições ecológica e digital nas cadeias de abastecimento e de valor, bem como as evoluções económicas e sociais regionais pertinentes, a fim de poderem contrariar os possíveis impactos negativos nas MPME e no emprego numa fase inicial.

3.10.

Com vista a apoiar o desenvolvimento das operações comerciais quotidianas das MPME, como a produção de bens e serviços, a produção e utilização de energia e a organização da logística, importa assegurar uma disponibilidade adequada de serviços de aconselhamento no terreno e de plataformas de cooperação.

3.11.

O CESE apela à UE e aos Estados-Membros para que melhorem e incentivem a criação de serviços de apoio tecnológico e de gestão para as MPME, utilizando todo o potencial dos diferentes instrumentos, especialmente no âmbito da execução dos planos nacionais de recuperação e resiliência e dos acordos de parceria, com o objetivo de ajudar as empresas a melhorar a eficiência energética e a eficiência na utilização dos materiais, bem como a diminuir a produção de emissões e resíduos, de modo a minimizar tanto os custos como os impactos ambientais. O CESE apela igualmente para a integração dos aspetos ambientais nos serviços de consultoria no domínio digital.

3.12.

Com o intuito de melhorar a eficiência na utilização de recursos pelas MPME, o CESE propõe o estabelecimento de «centros de circularidade» em várias regiões. Esta integração deverá reforçar a cooperação entre empresas de todos os setores e facilitar o desenvolvimento de novos processos de reciclagem e de reutilização de resíduos e subprodutos, incluindo a demonstração de novas tecnologias.

3.13.

O CESE preconiza a participação das MPME e dos seus representantes na elaboração de roteiros setoriais para a ação climática a nível nacional, bem como na definição das vias de transição a nível da UE para diversos ecossistemas empresariais, aumentando assim também os conhecimentos sobre a partilha das boas práticas, a atribuição adequada de recursos e uma execução eficiente.

3.14.

A fim de melhorar e apoiar o investimento na ecologização das MPME, da economia e da sociedade em geral, é necessário assegurar um ambiente de investimento favorável e condições para que as MPME possam usufruir de um acesso adequado a financiamento.

3.15.

O CESE apela à UE e aos Estados-Membros para que acelerem os investimentos das MPME através das seguintes medidas:

assegurando um quadro regulamentar favorável e encorajador, que inclua procedimentos curtos e simplificados para a obtenção de autorizações e evite encargos administrativos onerosos,

proporcionando um acesso rápido, fácil, simples e rastreável a financiamento, adaptado às diferentes necessidades das MPME em função do seu tipo, atividade, localização, setor, etc., incluindo através de instrumentos de subvenção específicos.

3.16.

O CESE solicita à Comissão Europeia que tenha devidamente em conta os impactos indiretos dos critérios de financiamento sustentável nas MPME. O mesmo se aplica aos requisitos de solvência dos bancos e a quaisquer outras medidas estratégicas nos domínios da política económica e fiscal que tenham um impacto indireto na capacidade de investimento e funcionamento das MPME, da qual depende a criação e retenção de emprego.

3.17.

O CESE apela para o cumprimento das regras de concorrência sã na atribuição de financiamento público para investimentos ecológicos. O CESE também salienta a necessidade de acompanhar os fluxos financeiros com indicadores adequados. É importante conceder às MPME um acesso equitativo aos contratos públicos e ao investimento público, por exemplo, em infraestruturas gerais, bem como incentivar o investimento na ecologização das próprias MPME, nomeadamente recorrendo ao financiamento público enquanto alavanca para o investimento privado.

3.18.

Na sequência das recentes alterações nos mercados de energia, a Comissão Europeia reconheceu a vulnerabilidade das MPME causada pelo risco crescente de pobreza energética (5). O CESE congratula-se com a definição de «microempresas vulneráveis» e preconiza um esforço adicional para lhes proporcionar o apoio necessário para enfrentar esses encargos.

3.19.

O CESE apela à UE e aos Estados-Membros para que reforcem o comércio de soluções ecológicas por parte das MPME, desenvolvendo e assegurando condições de mercado adequadas com vista ao seguinte:

Proporcionar às MPME condições de concorrência equitativas no mercado único, em matéria de comércio de produtos, tecnologias e serviços que contribuem para a transição ecológica.

Assegurar que as MPME dispõem do acesso adequado para fornecer soluções ecológicas ao setor público no contexto de concursos que digam respeito, por exemplo, à construção, às tecnologias e aos serviços. É necessário tornar obrigatórios os procedimentos de qualidade para esses serviços e reduzir os requisitos de capacidade que dificultam a participação das MPME nos procedimentos concursais.

Facilitar a igualdade de acesso das MPME aos mercados estrangeiros de produtos, tecnologias e serviços ecológicos, por meio de acordos comerciais multilaterais e bilaterais. O CESE também incentiva os Estados-Membros a terem devidamente em conta as necessidades das MPME nas suas atividades de promoção das exportações.

Assegurar um ambiente empresarial competitivo para as empresas da UE em relação a países terceiros, empregando todos os meios da diplomacia, incluindo nos domínios do clima, dos recursos e da política comercial. Deve conferir-se uma atenção específica à China e a outros mercados emergentes, através de respostas ágeis e coordenadas às suas ações súbitas.

Assegurar que as normas que promovem a transição ecológica são elaboradas tendo devidamente em conta as MPME, e permitir a inovação através da aplicação de soluções alternativas equivalentes.

3.20.

A fim de reforçar o papel das MPME no desenvolvimento de novas soluções ecológicas para as empresas, os consumidores e a sociedade em geral, o CESE apela para que sejam adotadas as seguintes medidas:

Os vários programas e iniciativas no domínio da inovação devem ser mais facilmente compreensíveis e acessíveis para as MPME e importa fornecer orientações sobre os diversos instrumentos de financiamento disponíveis no domínio da inovação verde, incluindo os instrumentos do Fundo Europeu de Investimento.

O financiamento deve promover o acesso das MPME a ecossistemas de inovação e parcerias com empresas líderes de grande dimensão. Além disso, os Estados-Membros devem facilitar a cooperação entre as MPME e as universidades e organismos de investigação no desenvolvimento de novos produtos, tecnologias e soluções.

Importa acelerar o desenvolvimento de espaços de dados comuns e o acesso fácil das MPME aos mesmos, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de novas soluções ecológicas e digitais, incluindo as baseadas na inteligência artificial.

3.21.

A fim de assegurar as competências adequadas necessárias para desenvolver e gerir negócios em conformidade com a transição ecológica (6), o CESE solicita que sejam adotadas as seguintes medidas:

Assegurar que os programas de estudos do ensino profissional e superior e as abordagens de desenvolvimento profissional contínuo tenham plenamente em conta as competências e aptidões necessárias para a transição ecológica, centrando-se no processo mais amplo de ecologização do emprego e na interdependência entre os setores.

Incentivar a cooperação estreita entre os prestadores de serviços de educação e as MPME no âmbito da formação, incluindo módulos e microcursos destinados à melhoria de competências, a fim de satisfazer as necessidades das empresas.

Fazer uso do diálogo social para identificar necessidades e desenvolver competências nos locais de trabalho. Dada a dimensão e a diversidade das MPME e as especificidades dos diversos sistemas nacionais, o diálogo social e a colaboração entre empregadores e trabalhadores nas MPME assumem diferentes formas.

3.22.

O CESE solicita a criação de indicadores e instrumentos práticos adequados que contribuam para o acompanhamento sistemático das operações e dos impactos das empresas em relação à transição ecológica. Esta vantagem também deve servir para comunicar com o vasto leque de partes interessadas. Entretanto, o CESE apela aos decisores políticos da UE para que se abstenham de estabelecer obrigações de informação onerosas para as MPME e avaliem também as consequências indiretas que os requisitos de informação aplicáveis às grandes empresas podem ter para as MPME.

4.   Observações na especialidade sobre profissões liberais, artesanato e empresas da economia social

4.1.

A fim de assegurar uma transição ecológica justa, em que ninguém fique para trás, é crucial que as políticas da UE sejam formuladas tendo em conta o seu potencial impacto no comércio e no artesanato. Estes intervenientes económicos revestem-se, de facto, de grande importância para as economias locais, fornecendo bens e serviços indispensáveis e adaptados às necessidades dos consumidores, mesmo em áreas geográficas com menor ligação aos centros urbanos. O diálogo com os seus representantes, nomeadamente organizações empresariais e associações setoriais, permite a tomada de decisões políticas bem fundamentadas que têm em conta o impacto potencial no terreno.

4.2.

São necessários conhecimentos especializados independentes para desenvolver soluções inovadoras otimizadas para as alterações climáticas e outros desafios ambientais. As profissões liberais respondem a esta necessidade em vários domínios da economia e da sociedade, fornecendo conhecimentos e aconselhamento técnicos, jurídicos, financeiros e não financeiros. O CESE apela para a adoção, a nível da UE, de medidas que incentivem os Estados-Membros a promover uma regulamentação profissional que assegure a adequação das transições ecológica e digital no terreno, por exemplo, no âmbito de abordagens técnicas complexas, de modo a promover as soluções mais inovadoras e orientadas para o mercado.

4.3.

É possível assegurar o aumento da sustentabilidade no ordenamento do território a nível local e regional melhorando os serviços de consultoria para os municípios. É também importante desenvolver ainda mais o conceito de avaliação ambiental estratégica no sentido da avaliação da sustentabilidade (ecológica, económica e social). Os procedimentos de contratação pública em toda a UE devem aplicar critérios climáticos e outros critérios orientados para a qualidade, e, dessa forma, promover a inovação nas MPME e facilitar o seu acesso a projetos, especialmente na área dos serviços de planeamento.

4.4.

São necessárias novas técnicas, produtos e processos na transição para a economia circular. Por exemplo, no setor da construção, tal requer a reciclagem de resíduos de obras de renovação e construção, a reutilização de elementos e a introdução de novos materiais de construção, incluindo o reconhecimento de materiais de construção secundários de qualidade garantida e uma estreita cooperação entre os produtores, o setor do artesanato, os profissionais liberais e a indústria da reciclagem. Importa reforçar igualmente as cadeias de valor regionais e os polos de construção através do envolvimento do artesanato.

4.5.

As empresas da economia social enfrentam essencialmente os mesmos desafios ambientais que as demais empresas. Contudo, as condições específicas destas empresas têm de ser devidamente consideradas, tal como assinalado em numerosos pareceres do CESE, através de medidas específicas baseadas no recente Plano de Ação para a Economia Social da UE.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Dados do Eurobarómetro Flash 498. Relatório intitulado «SMEs, green markets and resource efficiency» [PME, mercados ecológicos e eficiência na utilização dos recursos], p. 46, março de 2022.

(2)  Smit, S.J., «SME focus — Long-term strategy for the European industrial future» [Atenção nas PME — Estratégia de longo prazo para o futuro industrial da Europa], Departamento Temático das Políticas Económicas e Científicas e da Qualidade de Vida, do Parlamento Europeu, PE 648.776 — abril de 2020.

(3)  O pacote Objetivo 55 compreende uma vasta gama de iniciativas legislativas sobre as quais a decisão final está sujeita a negociações entre as instituições. Até este processo estar concluído, as MPME só têm acesso a uma parte da informação e enfrentam um futuro incerto.

(4)  SME focus [Atenção nas PME], Departamento Temático do Parlamento Europeu, abril de 2020.

(5)  COM(2021) 568 final de 14 de julho de 2021, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52021PC0568

(6)  Igualmente em conformidade com o JO C 56 de 16.02.2021, p. 1.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/9


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A transferência de empresas enquanto fator de promoção da recuperação e do crescimento sustentáveis no setor das PME

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/02)

Relatora:

Mira-Maria KONTKANEN

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

8.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

143/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A transferência de empresas constitui um processo estratégico importante que assegura a continuidade das empresas e protege o emprego. Por conseguinte, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) propõe que as políticas da União Europeia (UE) e dos Estados-Membros em matéria de recuperação e crescimento atribuam um papel importante à promoção da transferência de empresas.

1.2.

As transferências de empresas protegem o tecido social das zonas rurais onde as micro, pequenas e médias empresas (MPME) têm uma presença forte. O desenvolvimento de ecossistemas e serviços de apoio propícios à transferência de empresas é essencial para preservar os meios de subsistência e as economias das zonas rurais e monoindustriais. O CESE considera que cabe reconhecer melhor este aspeto na aplicação da visão a longo prazo para as zonas rurais da UE e no Plano de Ação para as Zonas Rurais.

1.3.

As transferências bem-sucedidas de empresas protegem postos de trabalho existentes e criam novos empregos, além de abrirem novas perspetivas para os trabalhadores no que diz respeito à continuidade no emprego e ao desenvolvimento profissional. O CESE incentiva os Estados-Membros a partilharem boas práticas relativas à promoção da transferência de uma empresa para os trabalhadores, por exemplo sob a forma de uma cooperativa (1) ou de outros tipos de empresa da economia social detida pelos trabalhadores.

1.4.

Quanto mais cedo os empresários se preparam para a transferência, maior é a probabilidade de esta ser bem-sucedida. Os Estados-Membros devem intensificar as atividades de sensibilização para as transferências de empresas e capacitar as empresas e outras organizações de apoio, a fim de promover e apoiar as transferências de MPME. O CESE insta também os Estados-Membros a criarem e reforçarem os mecanismos de alerta precoce (2) para as MPME, a fim de reforçar a resiliência, a viabilidade e, em última análise, a transferibilidade das empresas.

1.5.

É importante promover ativamente junto dos potenciais novos empresários que a aquisição de uma empresa existente é uma oportunidade tão atrativa como a criação de uma empresa. A educação para o empreendedorismo no ensino secundário e superior deve englobar informações especializadas sobre a aquisição e a sucessão de empresas. Por conseguinte, o CESE solicita a criação de incentivos à transferência de pequenas empresas para jovens empresários, que podem incluir a sensibilização, serviços de aconselhamento, mentoria e acesso a financiamento. Além disso, poderia reforçar-se a compreensão do diálogo social pelos jovens empresários, a fim de assegurar transferências bem-sucedidas de empresas, em benefício de todas as partes interessadas. De igual modo, importa prever mais incentivos às transferências de empresas para empresárias, com vista a aumentar o número de mulheres nesta posição, atualmente demasiado baixo.

1.6.

O financiamento continua a ser um obstáculo ao êxito das transferências de empresas, que requerem na sua maioria financiamento externo. O CESE incentiva fortemente cada Estado-Membro a assegurar que existem instituições financeiras disponíveis para apoiar as transferências de MPME, por exemplo disponibilizando-lhes garantias sobre empréstimos bancários.

1.7.

O CESE recomenda que os Estados-Membros criem fóruns nacionais de partes interessadas na transferência de empresas que representem intervenientes públicos e privados. Esses fóruns proporcionam uma abordagem sistemática e de longo prazo para a promoção da transferência de empresas. Além disso, criam um espaço para o diálogo permanente entre os peritos nacionais e representam uma utilização mais eficiente dos recursos.

1.8.

O CESE considera importante criar plataformas de transferência de empresas em linha em todos os Estados-Membros da UE, acessíveis também a micro e pequenas empresas. Importa reforçar as interligações e as sinergias entre as diferentes plataformas em linha nos Estados-Membros. A Comissão poderia facilitar a interligação entre os vários mercados em linha na UE.

1.9.

Os dados relativos às transferências de empresas são frequentemente fragmentados, insuficientes, desatualizados e impossíveis de comparar entre os Estados-Membros da UE. Por conseguinte, o CESE recomenda que a Comissão e os Estados-Membros continuem a melhorar a base de dados sobre as transferências de empresas.

1.10.

Importa realizar uma análise regular da situação das transferências de empresas na Europa, por exemplo sob a forma de um barómetro à escala da UE, que também contribuiria para a elaboração de políticas assentes em dados concretos. A Assembleia das PME da UE, que se reúne anualmente, deve servir de fórum regular para o debate e intercâmbio de experiências sobre as transferências de MPME. Por último, importa ponderar diferentes iniciativas de sensibilização, nomeadamente a criação de uma semana nacional e/ou europeia dedicada à transferência de empresas.

2.   Introdução

2.1.

O aumento do número de transferências bem-sucedidas de empresas produziria benefícios imediatos no emprego, na continuidade das atividades e no conjunto da economia europeia. Conforme defendido nas propostas da Conferência sobre o Futuro da Europa (3), as transferências de empresas contribuem para sociedades mais resilientes e coesas.

2.2.

As transferências de empresas constituem um elemento cada vez mais significativo e natural do desenvolvimento estratégico, da renovação e do crescimento das MPME. Num contexto de envelhecimento da população europeia e de aumento do número de empresários que tencionam reformar-se, as transferências bem-sucedidas de empresas são cada vez mais importantes para a economia das MPME europeias.

2.3.

Anualmente, cerca de 450 mil empresas, representando dois milhões de trabalhadores, são objeto de transferência na Europa. Estima-se que, todos os anos, a transferência de cerca de 150 mil empresas possa não ser bem-sucedida, colocando em risco cerca de 600 mil postos de trabalho. As empresas de menor dimensão são as mais vulneráveis a transferências goradas (4).

2.4.

As transferências de empresas constituem por vezes um processo complexo devido a dificuldades financeiras, administrativas, regulamentares, de gestão ou de mercado, como a correspondência entre vendedores e adquirentes. Simultaneamente, a maioria das transferências de empresas tem lugar em microempresas com recursos limitados. Muitas vezes, a transferência é mais difícil para as pequenas empresas em que o proprietário desempenha um papel preponderante (5).

2.5.

É essencial dispor de um ecossistema eficiente de transferência de empresas para que estas se realizem com êxito, o que contribui para mercados dinâmicos nesse domínio. Os ecossistemas de transferência de empresas englobam várias partes interessadas públicas e privadas: adquirentes, vendedores, antecessores, sucessores, assessores empresariais, como intermediários empresariais, contabilistas, advogados e consultores, mediadores, instituições financeiras, organizações de apoio às empresas, decisores políticos e académicos. As atividades de sensibilização, que visam uma melhor preparação para as transferências de empresas, são uma parte importante do ecossistema. O panorama das transferências de empresas ainda varia consideravelmente entre os Estados-Membros e entre as regiões num mesmo Estado-Membro, deixando margem para a aprendizagem mútua e a melhoria dos ecossistemas de transferência de empresas em toda a Europa. Contudo, a responsabilidade última pela transferência cabe sempre ao empresário.

2.6.

Uma transferência de propriedade bem-sucedida pode tornar uma empresa mais resiliente, inovadora e competitiva. Quando os novos proprietários das empresas adotam modelos de negócio mais ecológicos e digitais, as transferências de empresas também contribuem para a transição ecológica e digital do setor das MPME.

2.7.

A pandemia de COVID-19 também evidenciou a necessidade de reforçar a resiliência das empresas europeias e assegurar um melhor planeamento da preparação. Uma transferência bem-sucedida implica que a empresa e o respetivo modelo de negócios sejam sólidos e resilientes a choques externos. A solidez e a resiliência financeiras aumentam as possibilidades de êxito da transferência.

3.   Enquadramento

3.1.

As transferências de empresas fazem parte da política da UE em matéria de empreendedorismo desde o início da década de 1990. Em 1994, a Comissão Europeia elaborou uma recomendação (6) destinada a melhorar o enquadramento das transferências de empresas nos Estados-Membros. A referida recomendação propôs uma série de medidas aos Estados-Membros para melhorar a situação das empresas que se preparam para uma transferência, incluindo atividades de sensibilização e reforço da preparação, a melhoria do enquadramento financeiro para as transferências de empresas, a abertura de vias legais para a reestruturação, a criação de meios legais para garantir a continuidade das sociedades em caso de falecimento de um dos sócios ou do proprietário, a garantia de que a tributação da sucessão ou da doação não obsta às transferências e a facilitação das transferências de empresas para terceiros através de regras fiscais adequadas.

3.2.

Entretanto, a Comissão Europeia reviu a recomendação em 2006 e publicou a Comunicação — Realizar o programa comunitário de Lisboa em prol do crescimento e do emprego — Transmissão de empresas — Continuidade pela renovação (7). O texto revisto salientou que ainda eram necessários esforços suplementares para aplicar a recomendação de 1994. Além de instar à aplicação da recomendação de 1994, a comunicação de 2006 formulou recomendações adicionais com vista à promoção da transferência de empresas, como o reforço da tónica política nas transferências de empresas, a prestação de apoio especializado e mentoria, a organização de mercados transparentes para as transferências e a implantação de infraestruturas de apoio nacionais, regionais e locais para incentivar as transferências.

3.3.

Em 2013, a Comissão Europeia avaliou a evolução das recomendações de 2006, tendo concluído, de um modo geral, que não tinham sido realizados progressos suficientes na execução das medidas para melhorar o quadro das transferências de empresas desde a comunicação de 2006. As lacunas enumeradas na avaliação diziam respeito a domínios como os regimes fiscais para terceiros ou trabalhadores, a prestação de apoio específico e o lançamento de iniciativas de financiamento. A avaliação assinalou também que as políticas a nível da UE ou dos Estados-Membros não dedicavam atenção suficiente às transferências de empresas, ao contrário do que acontecia com as empresas em fase de arranque.

3.4.

Em 2020, a Comissão Europeia publicou a Estratégia da UE para as PME (8), na qual reiterou o seu empenho em continuar a facilitar as transferências de empresas e apoiar os esforços dos Estados-Membros no sentido de criar um ambiente empresarial favorável às transferências. Recentemente, a Comissão centrou-se na melhoria da base factual subjacente às transferências de empresas, publicando um relatório em 2021 (9). O sítio Web da Comissão (10) contém as ações da Comissão Europeia e as boas práticas financiadas pela UE.

3.5.

O CESE também reconheceu a importância das transferências de MPME e solicita que se adotem rapidamente medidas destinadas a facilitar e racionalizar esse processo a custos razoáveis (11). No seu parecer sobre a Estratégia da UE para as PME, o CESE solicita também que se dedique especial atenção às transferências transnacionais de MPME, abordando os custos elevados associados a estas operações e as diferenças significativas entre as regulamentações nacionais (12). O parecer de seguimento do CESE sobre a Estratégia da UE para as PME (13) ilustra o potencial das transferências bem-sucedidas de empresas para tornar as empresas mais digitais e sustentáveis, em consonância com os objetivos da dupla transição da UE.

4.   Observações gerais

4.1.

As transferências de empresas são um tema cada vez mais importante para as MPME, devido à demografia europeia e ao envelhecimento dos empresários. Aproximadamente 90 % dessas transferências ocorrem em microempresas (14).

4.2.

O aumento do número de transferências bem-sucedidas de empresas produz benefícios imediatos na economia europeia. Em comparação com as empresas criadas de novo, as empresas transferidas com êxito apresentam melhores resultados em termos de longevidade, volume de negócios, lucros, capacidade de inovação e emprego (15). Segundo a Comissão Europeia, as empresas existentes conservam, em média, cinco postos de trabalho enquanto uma empresa criada de novo gera, em média, apenas dois (16). Por conseguinte, a promoção da transferência de empresas é o melhor incentivo ao crescimento empresarial.

4.3.

As transferências de empresas salvaguardam o tecido social das zonas rurais com uma forte presença de MPME. Estima-se que, pelo menos, um terço das MPME europeias estejam situadas em zonas rurais. Essas empresas asseguram a coesão económica e social dos territórios em questão, através dos serviços que prestam aos cidadãos, aos consumidores e às atividades económicas locais, bem como através do emprego que proporcionam (17). As transferências de empresas ajudam a evitar a perda de saber-fazer artesanal local. Muitas vezes, os setores locais do artesanato e da venda a retalho contribuem de forma positiva para diversificar as opções dos consumidores, oferecendo uma alternativa às cadeias de retalho uniformes. Para os consumidores, uma transferência bem-sucedida significa a manutenção e, frequentemente, a melhoria dos serviços e produtos. O desenvolvimento de ecossistemas e serviços de apoio propícios à transferência de empresas é essencial para preservar os meios de subsistência e as economias das zonas rurais e monoindustriais, sendo particularmente importante para o setor agrícola e da transformação de alimentos. As transferências bem-sucedidas também contribuem para acelerar a dupla transição nas zonas rurais através da transformação iniciada com a transferência de propriedade. O CESE considera que o desenvolvimento de ecossistemas e serviços de apoio para a transferência de empresas deve fazer parte da aplicação da visão a longo prazo para as zonas rurais da UE e do Plano de Ação para as Zonas Rurais.

4.4.

A promoção da transferência de empresas também é benéfica para os trabalhadores, uma vez que protege os postos de trabalho e assegura a continuidade das atividades. Nas MPME, em particular, os trabalhadores constituem o ativo mais valioso transferido para o novo proprietário. Por conseguinte, é importante assegurar o bem-estar dos trabalhadores quando das transferências de empresas. Muitas vezes, os novos proprietários abordam a transferência com entusiasmo, determinados a desenvolver e expandir a empresa. Tal implica também melhores perspetivas de futuro para os trabalhadores no que diz respeito à continuidade no emprego e ao desenvolvimento profissional. O CESE incentiva os Estados-Membros a partilharem boas práticas relativas às transferências que permitem aos trabalhadores continuar a trabalhar e a exercer as atividades assumindo eles próprios a propriedade da empresa, por exemplo sob a forma de uma cooperativa ou de outros tipos de empresa da economia social detida pelos trabalhadores (18) que se mostraram resistentes a situações de crise. Além disso, a promoção do diálogo social e a disponibilização antecipada de informações facilita a aquisição de empresas pelos trabalhadores. Este apelo está em consonância com o Parecer INT/925 (19), no qual o CESE destaca as aquisições pelos trabalhadores como uma boa prática para o relançamento das empresas em crise e para a transmissão das PME cujos proprietários não têm herdeiros.

4.5.

As políticas de recuperação e crescimento da UE e dos Estados-Membros devem atribuir um papel importante à promoção da transferência de empresas. O CESE apoia os esforços estratégicos de longa data envidados pela Comissão, bem como por organizações de promoção da transferência de empresas, como a Transeo (20), no sentido de criar um ambiente mais favorável às transferências na Europa. No entanto, ainda há margem para melhorias. O nível de atenção consagrado a este tema, a atual eficácia global do ecossistema de transferência de empresas e a dimensão das medidas de promoção da transferência de empresas variam significativamente entre os Estados-Membros. Em virtude da rápida evolução do ambiente empresarial, os empresários têm de aproveitar as oportunidades de crescimento quer internas, quer através de aquisições. Importa ponderar todos os tipos de transmissão do direito de propriedade, nomeadamente sucessões familiares, aquisições por entidades exteriores ou pelos próprios quadros, aquisições estratégicas e aquisições pelos trabalhadores.

4.6.

O êxito da transição da Europa para a economia digital e ecológica requer que se tenham em conta as MPME. As transferências de empresas são uma forma natural de tornar o modelo de negócios das MPME mais ecológico e mais digital, apoiando a sua transição nesses domínios. Uma transferência de propriedade bem-sucedida pode tornar uma empresa mais resiliente, inovadora e competitiva. Além disso, do ponto de vista dos recursos, a aquisição de uma empresa existente, com os seus ativos produtivos, é frequentemente mais ecológica do que a criação de empresas novas.

4.7.

Especialmente nos casos em que a empresa é transferida de um empresário mais velho para outro mais novo, é provável que o jovem empresário esteja mais capacitado para integrar novas tecnologias, novos métodos de produção e modelos de negócio sustentáveis na empresa adquirida. Por conseguinte, o CESE solicita o reforço dos incentivos à transferência de MPME para os jovens empresários, como a sensibilização, os serviços de aconselhamento, a mentoria e o acesso a financiamento. Além disso, poderia reforçar-se a compreensão do diálogo social pelos jovens empresários, por exemplo, prevendo módulos dedicados ao diálogo social nas ações de formação de empreendedorismo. É importante promover ativamente junto dos potenciais novos empresários que o início da atividade empresarial através da aquisição de uma empresa existente é uma oportunidade tão atrativa como a criação de uma empresa. De igual modo, importa prever mais incentivos às transferências de empresas para empresárias, com vista a aumentar o número de mulheres nesta posição, atualmente demasiado baixo.

4.8.

Na grande maioria das transferências de empresas, é necessário financiamento externo. Devido ao aumento dos requisitos regulamentares no setor financeiro, há dois instrumentos financeiros que cumpre destacar para promover as transferências de empresas. Em primeiro lugar, é evidente a necessidade de garantias para financiar as transferências de empresas. Contudo, existe uma percentagem crescente de ativos empresariais imateriais e o setor bancário deve cumprir regras cada vez mais rigorosas. Cada Estado-Membro precisa de um operador ou de uma organização que forneça garantias sobre empréstimos bancários. Em segundo lugar, o desenvolvimento do quadro regulamentar da UE aumenta a necessidade de financiamento por capitais próprios. Vários adquirentes seriam elegíveis para gerir a empresa-alvo mas não dispõem de financiamento por capitais próprios suficiente. O CESE incentiva vivamente a Comissão Europeia a assumir um papel proativo na promoção do desenvolvimento destes dois instrumentos financeiros nos Estados-Membros.

4.9.

No futuro, serão cada vez mais as MPME familiares transferidas para terceiros. Para atrair adquirentes terceiros, as empresas terão de se encontrar numa situação viável e economicamente sólida e atrativa. Quanto mais cedo os empresários se preparam para a transferência, maior é a probabilidade de esta ser bem-sucedida. Os Estados-Membros devem aumentar as atividades de sensibilização para as transferências de empresas e capacitar as empresas e outras organizações de apoio, a fim de promover e apoiar as transferências de MPME. O apoio em matéria de alerta precoce prestado a uma empresa em situação de dificuldade financeira também pode ser importante para ajudar um empresário a colocar a empresa novamente numa trajetória de viabilidade financeira e a prepará-la para uma transferência. Por conseguinte, o CESE insta os Estados-Membros a criarem e aprofundarem os mecanismos de apoio em matéria de alerta precoce para as MPME.

Num estudo recente sobre a promoção da transferência de empresas nos países europeus (21), elencam-se as práticas nos Estados-Membros que podem ser replicadas noutros países. O CESE apoia a recomendação feita no estudo aos Estados-Membros para que criem fóruns nacionais de partes interessadas na transferência de empresas que representem intervenientes públicos e privados. A cooperação entre as partes interessadas é necessária a todos os níveis: regional, nacional e internacional. Através do diálogo permanente entre os peritos nacionais, os fóruns dedicados à transferência de empresas proporcionam uma abordagem sistemática e de longo prazo para a promoção da transferência de empresas e representam uma utilização mais eficiente dos recursos. Posteriormente, poderá estabelecer-se um diálogo transnacional, promovido pela Comissão Europeia, entre os diferentes fóruns nacionais para o intercâmbio de boas práticas em matéria de promoção da transferência de empresas nos Estados-Membros.

4.10.

O CESE recomenda que os Estados-Membros utilizem plenamente as tecnologias digitais na promoção das transferências de empresas. É importante desenvolver plataformas de transferência de empresas em linha, na maioria dos casos detidas e geridas por partes interessadas privadas, em todos os Estados-Membros, que devem estar acessíveis também a micro e pequenas empresas. Importa reforçar as interligações e as sinergias entre as diferentes plataformas em linha nos Estados-Membros. A Comissão Europeia poderia facilitar o acesso aos vários mercados em linha nos Estados-Membros. Além disso, está a aumentar o número de transferências transnacionais de pequenas empresas. O estabelecimento de uma cooperação mais eficiente entre as plataformas nacionais em linha seria uma forma eficaz em termos de custos de as pequenas empresas procurarem potenciais proprietários-alvo noutros Estados-Membros.

4.11.

A melhoria da recolha de dados é essencial para o êxito da elaboração de políticas europeias de transferência de empresas. Os dados relativos às transferências de empresas ainda são fragmentados e impossíveis de comparar. O CESE recomenda que a Comissão e os Estados-Membros adotem as medidas propostas para melhorar a base de dados sobre as transferências de empresas. Essas medidas constam do relatório recente sobre a melhoria da base factual subjacente à transferência de empresas na Europa (22). O CESE recomenda também que se elabore um barómetro sobre a transferência de empresas à escala da UE, mediante a apresentação de relatórios de quatro em quatro anos, a fim de contribuir para a elaboração de políticas com base em elementos concretos assentes em dados melhorados. Importa igualmente ponderar diferentes iniciativas de sensibilização, como a criação de uma semana nacional e/ou europeia dedicada à transferência de empresas.

4.12.

O CESE propõe que a Comissão examine regularmente a situação das transferências de empresas na Europa, para além de proceder à recolha mais eficaz de dados. A Assembleia das PME da UE, que se reúne anualmente, deve servir de fórum regular para o debate e intercâmbio de experiências sobre as transferências de MPME.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Em França, por exemplo, existe um quadro para organizar e facilitar a transferência de uma empresa para os trabalhadores e reforçar a atividade económica dos territórios facilitando a transferência de MPME.

(2)  O mecanismo de alerta precoce é um serviço de aconselhamento e apoio para as empresas em situação de dificuldade financeira que visa uma intervenção precoce para evitar a insolvência de empresas viáveis.

(3)  «Conference on the Future of Europe, Report on the Final Outcome» [Relatório sobre o resultado final da Conferência sobre o Futuro da Europa], maio de 2022.

(4)  Comissão Europeia: «Business Dynamics: Start-ups, business transfers and bankruptcy» [Dinâmicas empresariais: empresas em fase de arranque, transferências de empresas e insolvências], 2011.

(5)  Comunicação da Comissão Europeia — Realizar o programa comunitário de Lisboa em prol do crescimento e do emprego — Transmissão de empresas — Continuidade pela renovação, 2006, COM(2006) 117 final, p. 4.

(6)  Recomendação da Comissão, de 7 de dezembro de 1994, sobre a transmissão das pequenas e médias empresas (94/1069/CE).

(7)  Comunicação da Comissão Europeia — Realizar o programa comunitário de Lisboa em prol do crescimento e do emprego — Transmissão de empresas — Continuidade pela renovação, 2006, COM(2006) 117 final.

(8)  Comunicação da Comissão Europeia — Uma Estratégia para as PME com vista a uma Europa Sustentável e Digital, 2020, COM(2020) 103 final.

(9)  Comissão Europeia, Agência de Execução para as Pequenas e Médias Empresas, «Improving the evidence base on transfer of business in Europe: final report» [Melhorar a base factual subjacente à transferência de empresas na Europa: relatório final], Serviço das Publicações, 2021.

(10)  ec.europa.eu/growth/smes/supporting-entrepreneurship/transfer-businesses_en

(11)  JO C 197 de 8.6.2018, p. 1.

(12)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv%3AOJ.C_.2020.429.01.0210.01.POR

(13)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv%3AOJ.C_.2022.194.01.0007.01.POR

(14)  Comissão Europeia, Agência de Execução para as Pequenas e Médias Empresas, «Improving the evidence base on transfer of business in Europe: executive summary» [Melhorar a base factual subjacente à transferência de empresas na Europa: síntese], Serviço das Publicações, 2021.

(15)  Tall, Varamäki e Viljamaa: «Business Transfer Promotion in European Countries» [A promoção da transferência de empresas nos países europeus], Seinäjoki, 2021, p. 8.

(16)  Comissão Europeia (2006), Transmissão de empresas — Continuidade pela renovação, Bruxelas, pp. 3 e 4.

(17)  SMEunited, «Position on long-term vision for the EU’s rural area» [Posição sobre a visão a longo prazo para as zonas rurais da UE], abril de 2022.

(18)  Por exemplo, as sociedades detidas pelos trabalhadores («sociedades laborales») em Espanha.

(19)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 13.

(20)  A Transeo é uma associação internacional sem fins lucrativos que reúne peritos em transferências e aquisições de pequenas e médias empresas dentro e fora da Europa.

(21)  Tall, Varamäki e Viljamaa: «Business Transfer Promotion in European Countries» [A promoção da transferência de empresas nos países europeus], Seinäjoki, 2021, p. 8.

(22)  Comissão Europeia, Agência de Execução para as Pequenas e Médias Empresas, «Improving the evidence base on transfer of business in Europe: final report» [Melhorar a base factual subjacente à transferência de empresas na Europa: relatório final], Serviço das Publicações, 2021.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Taxonomia social — Desafios e oportunidades

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/03)

Relatora:

Judith VORBACH

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

9.9.2022

Adoção em plenária

22.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

123/26/12

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O presente parecer do Comité Económico e Social Europeu (CESE) esclarece a noção de taxonomia social, com vista a estimular o debate sobre a matéria. O CESE insta a Comissão a publicar o relatório em atraso, que descreve as disposições necessárias para alargar o âmbito da taxonomia a «outros objetivos de sustentabilidade, tal como os objetivos sociais», conforme solicitado no Regulamento Taxonomia (1) («o regulamento»). O CESE pronuncia-se a favor de uma taxonomia social viável em termos operacionais e conceptualmente robusta, de modo a concretizar as oportunidades e, ao mesmo tempo, a superar os desafios. A taxonomia da União Europeia (UE) deve reger-se por uma abordagem holística que abarque a sustentabilidade ambiental e social. Ante os desafios da transição ecológica, os impactos económicos e sociais da pandemia, a guerra na Ucrânia provocada pela agressão russa e as tensões geopolíticas daí resultantes, o CESE reitera o seu apelo para uma política económica equilibrada e a colocação de uma tónica reforçada nos objetivos sociais.

1.2.

As salvaguardas mínimas previstas no regulamento são bem-vindas e devem ser aplicadas de forma rigorosa. No entanto, não são suficientes para garantir a sustentabilidade social no que toca aos trabalhadores, aos consumidores e às comunidades. Uma taxonomia da UE ajudaria a dar resposta às necessidades de investimento urgente no domínio social, ao canalizar investimentos para essa área. A sua importância poderá até aumentar caso seja integrada numa política global orientada para a equidade e a inserção sociais. A transição justa exige condições sociais sustentáveis, podendo uma taxonomia social proporcionar as orientações há muito aguardadas. O CESE insta a Comissão a fornecer uma estimativa dos fundos necessários para aplicar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. De um modo geral, o investimento público continuará a desempenhar um papel central na área dos serviços públicos. O financiamento do Estado social através da despesa pública e a existência de sistemas de segurança social estáveis continuam a ser fundamentais. Ainda assim, uma taxonomia social acordada em conjunto poderia proporcionar orientações para investimentos com impacto social positivo.

1.3.

O CESE recomenda que o relatório da Comissão siga a abordagem diversificada e a vários níveis proposta pela Plataforma para o Financiamento Sustentável (2) («a Plataforma»). Seria conveniente integrar a taxonomia social no quadro legislativo da UE em matéria de financiamento sustentável e governação, tendo presente que ainda há muito por fazer. Em especial, a proposta de Diretiva Comunicação de Informações sobre a Sustentabilidade das Empresas (Diretiva CISE) serviria de importante complemento a uma taxonomia social passível de ser utilizada como base de referência para a análise e a avaliação das medidas. Uma taxonomia social bem concebida contribuiria também para resolver o potencial problema das medidas sociais de fachada. O CESE recomenda que se comece por orientações simples e claras, prevendo procedimentos fáceis e transparentes que vão sendo gradualmente complementados numa fase posterior. O objetivo final deve consistir numa estreita integração entre as taxonomias social e ambiental, embora possa ser prático, enquanto etapa inicial, definir salvaguardas mínimas mútuas.

1.4.

A taxonomia da UE deve identificar as ações e as empresas que contribuem substancialmente para a sustentabilidade social e que representam um padrão de excelência que espelha um nível de ambição mais elevado do que o previsto na legislação. O CESE saúda os objetivos propostos pela Plataforma, a saber, trabalho digno, níveis de vida adequados e comunidades integradoras e sustentáveis. Embora vários princípios internacionais e da UE devam servir de referência, o CESE recomenda que se recorra, em especial, ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pertinentes, nomeadamente o ODS 8 sobre o trabalho digno. Em todo o caso, a conformidade com a taxonomia tem de ter como condição prévia o respeito pelos direitos humanos e dos trabalhadores. A observância das convenções coletivas e dos mecanismos de cogestão nos termos do direito nacional e europeu respetivo é essencial e deve constituir um princípio de «não prejudicar significativamente» (3). As orientações com impactos sociais positivos, assentes no acordo dos parceiros sociais, devem ser consideradas conformes com a taxonomia. Importa ter presente que o nível de cobertura da negociação coletiva varia significativamente entre os Estados-Membros e diminuiu em vinte e dois deles, um problema que foi abordado pela Diretiva Salários Mínimos.

1.5.

A fim de salvaguardar a apropriação pelos parceiros sociais e pelas organizações da sociedade civil, o CESE insta os legisladores a assegurarem que aqueles intervenientes participam plenamente na conceção da taxonomia social, uma vez que são os intervenientes afetados e a quem cabe cumprir as obrigações de comunicação de informações. O CESE questiona a utilização excessiva de atos delegados no domínio da taxonomia, na medida em que é abordado um vasto leque de questões políticas. O objetivo da taxonomia é proporcionar transparência aos investidores, às empresas e aos consumidores. No futuro, cabe avaliar devidamente e debater a sua utilização potencial pelas instituições governamentais como referência para os programas de ajuda e financiamento. Qualquer utilização mais alargada deve ser submetida a um processo decisório adequado. Importa prevenir interferências indevidas em relação à legislação nacional e à autonomia dos parceiros sociais. Por último, deve acautelar-se o perigo de medidas sociais de fachada. Cabe assegurar mecanismos de reclamações para os sindicatos, os conselhos de empresas, as organizações de consumidores e outros representantes da sociedade civil organizada, e as autoridades nacionais competentes devem ser objeto de uma maior responsabilização no que toca à realização de atividades de controlo.

1.6.

O CESE gostaria de frisar benefícios adicionais relacionados com a taxonomia social. Em primeiro lugar, a procura crescente de investimentos orientados para a dimensão social deve ser apoiada através da definição de uma taxonomia fiável enquanto conceito coerente que permite medir a sustentabilidade social. Em segundo lugar, as atividades prejudiciais do ponto de vista social podem acarretar riscos económicos, que a taxonomia pode ajudar a atenuar. Em terceiro lugar, a transparência é fundamental para a eficiência do mercado de capitais, podendo também contribuir para a dimensão social do mercado interno, conforme disposto no artigo 3.o do TFUE. Contribuiria para condições de concorrência equitativas, evitaria a concorrência desleal e incrementaria a visibilidade das empresas e organizações que contribuem para a sustentabilidade social. Em quarto lugar, a UE deve tirar partido dos seus pontos fortes e esforçar-se por tornar-se um modelo e um ator pioneiro em termos de sustentabilidade ambiental e social. Deve ser relançado o debate sobre uma agência de notação da UE. O CESE reitera igualmente o seu apelo para o estabelecimento de uma regulamentação e supervisão adequadas dos fornecedores de dados financeiros e extrafinanceiros.

1.7.

O CESE salienta ainda os desafios e as possíveis soluções. Em primeiro lugar, está a surgir o receio de um constrangimento do mercado. No entanto, os investimentos também se baseiam noutros critérios — como a rentabilidade esperada — que podem suplantar os objetivos de sustentabilidade, havendo vários casos de sinergias entre os interesses dos investidores e os de outras partes interessadas. Em todo o caso, a Comissão deve deixar claro que o não cumprimento da taxonomia não deve ser considerado algo de prejudicial. Deve reforçar-se a tónica no impacto do investimento sustentável nas atividades da economia real. Em segundo lugar, a definição dos elementos a incluir na taxonomia gerará polémica. É precisamente esta a razão pela qual o processo de definição deve ser objeto de um debate e de um processo decisório democráticos. Nesse sentido, poderia ser desenvolvida uma ideia comum e sólida de sustentabilidade, na qual os intervenientes individuais possam e devam basear-se. O êxito da taxonomia depende da sua credibilidade, e as atividades abrangidas têm de satisfazer uma definição de sustentabilidade amplamente aceite. Em terceiro lugar, a taxonomia social pode acarretar requisitos de comunicação adicionais. O CESE exorta a Comissão a minimizar tais requisitos, ao mesmo tempo que evita sobreposições. O aconselhamento e a prestação de serviços relacionados com a taxonomia por uma agência habilitada por lei poderão ser úteis, principalmente para as pequenas e médias empresas, para as cooperativas e para os modelos empresariais sem fins lucrativos. Além disso, as instituições financeiras devem ser incentivadas a fornecer avaliações dos impactos sociais dos investimentos, tal como são atualmente efetuadas por bancos de todo o mundo baseados em valores.

2.   Contexto

2.1.

O quadro da UE em matéria de financiamento sustentável deve ajudar a direcionar os fluxos financeiros privados para atividades económicas sustentáveis. O plano de ação de 2018 sobre o financiamento sustentável é composto por uma taxonomia, um sistema de divulgação de informações para as empresas e instrumentos de investimento, incluindo índices, normas e rótulos, ao passo que a estratégia renovada de financiamento sustentável, de 2021, se concentra no financiamento da transição da economia real rumo à sustentabilidade, bem como na inclusividade, na capacidade de resistência, na contribuição do setor financeiro e em objetivos gerais. No âmbito desde quadro, a UE desenvolveu várias iniciativas legislativas em relação às quais a taxonomia da UE desempenha um papel central. O CESE remete para os seus pareceres conexos (4).

2.2.

A taxonomia da UE deve proporcionar transparência aos investidores e empresas, bem como ajudá-los a identificar investimentos sustentáveis. O regulamento estabelece um sistema de classificação, que se foca em seis objetivos ambientais relacionados com a atenuação das alterações climáticas, a adaptação às alterações climáticas, a água, a biodiversidade, a prevenção da poluição e a economia circular. Um investimento sustentável em termos ambientais tem de dar um contributo significativo para a consecução de um ou mais destes objetivos, não pode prejudicar significativamente nenhum deles (princípio de «não prejudicar significativamente») e tem de respeitar os limiares de desempenho (designados por critérios técnicos de avaliação). Além disso, deve também respeitar as salvaguardas sociais e de governação mínimas (artigo 18.o). Por conseguinte, as empresas têm de aplicar procedimentos para assegurar o alinhamento das atividades com as Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais, os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e a Carta Internacional dos Direitos Humanos.

2.3.

O artigo 26.o do regulamento incumbe a Comissão de publicar, até ao final de 2021, um relatório que descreva as disposições necessárias para alargar o âmbito da taxonomia a «outros objetivos de sustentabilidade, tal como os objetivos sociais». Tal revela a intenção de alargar o âmbito da taxonomia, mas não obriga à aplicação de uma taxonomia social. Nos termos do regulamento, o subgrupo da Plataforma dedicado a questões relacionadas com a taxonomia social foi encarregue de estudar a extensão da taxonomia a objetivos sociais. O seu relatório final sobre a taxonomia social foi publicado em data posterior à que fora anunciada, em fevereiro de 2022 (5), e a Comissão deverá elaborar o seu relatório com base no relatório do subgrupo. Por outro lado, insta-se a Plataforma a aconselhar a Comissão no que toca à aplicação do artigo 18.o, ou seja, a fornecer orientações sobre o cumprimento das salvaguardas mínimas pelas empresas, bem como sobre a eventual necessidade de complementar os requisitos desse artigo.

2.4.

A Plataforma propõe uma taxonomia social estruturada no âmbito do atual quadro legislativo da UE em matéria de financiamento sustentável e governação. No que se refere à aplicação de uma taxonomia social, o quadro regulamentar seria assegurado por disposições adicionais, incluindo a proposta de Diretiva Comunicação de Informações sobre a Sustentabilidade das Empresas (Diretiva CISE), que substituirá a Diretiva Divulgação de Informações Não Financeiras (Diretiva NFI) e introduzirá normas vinculativas da UE em matéria de comunicação de informações sobre a sustentabilidade, o Regulamento Divulgação de Informações sobre Sustentabilidade dos Serviços Financeiros, e a Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade. Em especial, a proposta de Diretiva CISE exige que as empresas abordem uma série de informações sobre questões sociais e que comuniquem informações sobre fatores de governação, prevendo-se que venha a melhorar a divulgação de informações sobre questões sociais. Por conseguinte, serviria de importante complemento a uma taxonomia social passível de ser utilizada como base de referência para a medição e a avaliação destes aspetos.

2.5.

Não obstante algumas diferenças, a Plataforma propõe que se obedeça aos aspetos estruturais da taxonomia ambiental. Propõe três objetivos principais, complementados por objetivos secundários. O objetivo relacionado com o trabalho digno inclui objetivos secundários como o reforço do diálogo social, a promoção da negociação coletiva e salários dignos que assegurem vidas dignas. O objetivo de níveis de vida adequados inclui produtos saudáveis e seguros, cuidados de saúde de qualidade e habitação de qualidade, sendo que o objetivo de comunidades integradoras e sustentáveis também deve promover a igualdade e o crescimento integrador, bem como apoiar meios de subsistência sustentáveis. As salvaguardas mínimas propostas remetem para objetivos ambientais, sociais e de governação, a fim de evitar incoerências, como uma situação em que uma empresa que desenvolve atividades sustentáveis esteja implicada em violações dos direitos humanos. Além disso, cabe incluir as partes interessadas pertinentes, em particular os trabalhadores da entidade e da cadeia de valor, os utilizadores finais e as comunidades afetadas. Propõe-se igualmente critérios sociais relativos ao princípio de «não prejudicar significativamente», bem como uma lista de atividades prejudiciais.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE defende uma política económica coerente com os objetivos estabelecidos no artigo 3.o do Tratado da UE e com os ODS. Cabe destacar adequadamente os objetivos estratégicos fundamentais, em particular a sustentabilidade ambiental, o crescimento sustentável e integrador, o pleno emprego e postos de trabalho de qualidade, a repartição equitativa, a saúde e a qualidade de vida, a igualdade de género, a estabilidade financeira, a estabilidade dos preços, o comércio equilibrado baseado numa estrutura industrial e económica leal e competitiva, e finanças públicas estáveis. O CESE remete ainda para a agenda em matéria de sustentabilidade competitiva, que coloca as suas quatro dimensões — sustentabilidade ambiental, produtividade, equidade e estabilidade macroeconómica — em pé de igualdade, a fim de alcançar efeitos de reforço e uma transição ecológica e digital bem-sucedida (6). Perante a guerra na Ucrânia provocada pela agressão russa, o CESE reitera o seu apelo para uma política económica equilibrada que ajude a atenuar os impactos económicos e sociais desse conflito, e recorda a passagem da Constituição da OIT de 1919 segundo a qual a paz universal e duradoura apenas será possível se for baseada na justiça social.

3.2.

O CESE esclarece o conceito de taxonomia social, com vista a estimular o debate e a sensibilizar para esta matéria. O CESE pronuncia-se a favor de uma taxonomia social bem concebida, viável em termos operacionais e conceptualmente robusta, de modo a tirar proveito das muitas oportunidades que se apresentam e, ao mesmo tempo, superar os diferentes desafios (mencionados abaixo). À semelhança do que acontece com a política económica no seu todo, o conceito de sustentabilidade relacionado com o financiamento e, em especial, a taxonomia da UE, devem alinhar-se por uma abordagem holística e pluridimensional que pugne pela colocação da sustentabilidade ambiental e social em pé de igualdade. Além disso, a transição ecológica pode ser prejudicial do ponto de vista social. Por conseguinte, importa proteger e melhorar as normas no domínio social, com destaque para o objetivo de não esquecer ninguém. A transição justa exige condições sociais sustentáveis, podendo a taxonomia social proporcionar orientações.

3.3.

O CESE vê a taxonomia social como um complemento importante e necessário à dimensão social da UE, e insta a Comissão a publicar em tempo útil o relatório exigido no artigo 26.o. Cabe adotar a abordagem diversificada e a vários níveis do relatório da Plataforma. No entanto, a procura da perfeição e a inclusão de todos os aspetos de sustentabilidade social de uma só vez poderão provocar enormes atrasos na aplicação da taxonomia social, e, inclusivamente, acarretar o risco de o projeto ser integralmente abandonado. Por conseguinte, o CESE recomenda que o processo comece, em tempo oportuno, com a aplicação de orientações simples e claras, bem como de procedimentos fáceis em matéria de transparência, complementando-os depois de forma gradual e contínua. No que toca à relação entre a taxonomia ambiental e a taxonomia social, o objetivo deve consistir em assegurar a coerência entre as duas abordagens e a estreita integração das mesmas. No entanto, poderá ser prático, enquanto etapa inicial, definir salvaguardas mínimas mútuas.

3.4.

O CESE congratula-se com o facto de a Plataforma ter publicado um projeto de relatório sobre o artigo 18.o do regulamento, a fim de aconselhar as empresas sobre a forma de aplicar os requisitos desse artigo e, eventualmente, abrir caminho à alteração dessa disposição. Em especial, no contexto da sustentabilidade social é fundamental avaliar o desempenho real de uma empresa em matéria de direitos humanos, relações laborais e trabalho digno. No entanto, embora as salvaguardas mínimas da taxonomia ambiental sejam extremamente bem-vindas e devam ser objeto de uma aplicação rigorosa, nunca poderão substituir uma taxonomia social. Não são de modo algum suficientes para garantir a sustentabilidade social no que toca aos trabalhadores, consumidores e comunidades (7). Além disso, o CESE recomenda a cooperação com os parceiros sociais, as organizações da sociedade civil e as empresas sociais a nível local, a fim de acompanhar e promover o impacto positivo das atividades económicas nas partes interessadas.

3.5.

A importância da taxonomia social aumentará caso seja integrada numa política global orientada para a sustentabilidade social e complementada por regras adequadas, nomeadamente relativas ao dever de diligência em matéria de direitos humanos. No entanto, nunca poderá substituir a regulamentação governamental nem políticas sociais adequadas. O financiamento do Estado social através da despesa pública e a existência de sistemas de segurança social estáveis continuam a ser fundamentais. A taxonomia não deve ser utilizada como instrumento de privatização ou de exclusão de investimentos. O investimento público continua a desempenhar um papel crucial na área dos serviços públicos e, muitas vezes, desencadeia também mais investimento privado. No entanto, com vista a viabilizar investimentos socialmente sustentáveis na economia real e a evitar medidas sociais de fachada, a taxonomia social pode proporcionar a todos os investidores critérios de sustentabilidade nos domínios das infraestruturas, da saúde, da educação e formação e da habitação social. No futuro, a taxonomia poderá também ser utilizada pelas instituições governamentais como referência para os programas de ajuda e financiamento. Este aspeto terá de ser devidamente avaliado e debatido.

3.6.

Uma taxonomia social proporcionaria uma estrutura pormenorizada no que toca aos impactos sociais positivos e negativos das atividades económicas. Muitos dos pontos sob análise estão estreitamente relacionados com questões habitualmente debatidas pelos parceiros sociais e pelas organizações da sociedade civil. O CESE apela para a plena participação da sociedade civil organizada na conceção da taxonomia social, em particular dos objetivos (secundários), dos critérios relativos ao princípio de «não prejudicar significativamente» e dos princípios de salvaguarda. As entidades empregadoras, os trabalhadores, os consumidores, outras partes interessadas e comunidades são afetados pela conceção dos objetivos e/ou são obrigados a cumprir obrigações de comunicação de informações. O CESE chama igualmente a atenção para os fundos de pensões enquanto exemplo de trabalhadores que beneficiam dos investimentos. A participação das partes interessadas é crucial para salvaguardar a apropriação. O CESE prevê que seja possível aplicar a taxonomia social através da revisão do regulamento, pelo que se recorreria ao processo legislativo ordinário. A utilização excessiva de atos delegados no contexto do financiamento sustentável e, em especial, da aplicação da taxonomia é questionável, na medida em que está em causa um vasto leque de questões políticas que vão muito além de especificações técnicas.

3.7.

O CESE salienta a importância de reforçar a qualidade das informações no domínio dos investimentos socialmente sustentáveis e de conter a desinformação sobre a situação social, a fim de evitar um impacto social negativo em todas as partes interessadas. Uma taxonomia social bem concebida contribuiria significativamente para a resolução de tais problemas ao identificar claramente as atividades e as entidades que contribuem substancialmente para a sustentabilidade social. Deve representar um padrão de excelência e espelhar um nível de ambição mais elevado do que o já previsto na legislação, procurando, ao mesmo tempo, o equilíbrio certo entre um caráter demasiado abrangente ou demasiado restrito. Enquanto os critérios ambientais são mais baseados na ciência, a taxonomia social proposta pela Plataforma assentaria mais em normas e em quadros acordados a nível mundial que, em vez de prescritivos, poderiam funcionar como orientações para fomentar atividades socialmente sustentáveis.

3.8.

A conformidade com a taxonomia tem de ter como condição prévia o respeito pelos direitos humanos e dos trabalhadores. Da mesma forma, a observância das convenções coletivas e dos mecanismos de cogestão nos termos do direito nacional e europeu respetivo é essencial e deve constituir um princípio de «não prejudicar significativamente». Além disso, as orientações que prevejam procedimentos fáceis e transparentes com impactos sociais positivos, assentes no acordo dos parceiros sociais, devem ser consideradas uma atividade económica conforme com a taxonomia. Importa ter presente que a taxa de cobertura da negociação coletiva varia significativamente entre os Estados-Membros, indo de apenas 7 % na Lituânia a 98 % na Áustria. Desde 2000, a taxa de cobertura da negociação coletiva caiu em vinte e dois Estados-Membros e estima-se que haja agora, no mínimo, menos 3,3 milhões de trabalhadores abrangidos por um acordo de negociação coletiva. A nova Diretiva Salários Mínimos e o alargamento da cobertura das convenções coletivas desempenham um papel importante na aplicação da taxonomia social (8). Além disso, o CESE recomenda que o próprio ato jurídico disponibilize orientações claras sobre a aplicação das salvaguardas mínimas, eventualmente recorrendo ao relatório da Plataforma relativo ao artigo 18.o do regulamento.

3.9.

Existem várias normas e princípios internacionais e da UE que podem servir de base para a taxonomia social. No que se refere aos objetivos (secundários), o CESE recomenda que seja feita referência ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais e ao plano de ação conexo, bem como aos ODS pertinentes, a saber, o ODS 8 (trabalho digno e crescimento económico), o ODS 1 (erradicar a pobreza), o ODS 2 (erradicar a fome), o ODS 3 (saúde e bem-estar), o ODS 4 (educação e formação), o ODS 5 (igualdade de género), o ODS 10 (reduzir as desigualdades) e o ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis). Os quadros acordados pelos parceiros sociais também podem ser uma fonte importante. O CESE considera fundamental a ideia da Plataforma de aplicar salvaguardas mínimas com base nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos e nas Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais. Além disso, a Carta Social Europeia, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade também seriam pontos de referência valiosos para uma taxonomia social. Por último, devem ser excluídas as atividades consideradas significativamente prejudiciais, ou seja, aquelas que, em todas as circunstâncias, são fundamentalmente contrárias aos objetivos de sustentabilidade e cujo caráter prejudicial é impossível de minimizar. As armas condenadas por acordos internacionais, como as bombas de fragmentação ou as minas antipessoais, devem ser incluídas nesta categoria. O CESE recomenda também o desenvolvimento de um conceito aplicável aos regimes agressivos e belicosos.

4.   Oportunidades inerentes a uma taxonomia social

4.1.

O CESE recomenda vivamente que se aproveite o potencial da taxonomia para canalizar investimentos para atividades e entidades socialmente sustentáveis e criar empregos dignos. A percentagem de cidadãos da UE em risco de pobreza está bem acima dos 20 %. A pandemia agravou as desigualdades e a guerra na Ucrânia aumentará ainda mais as tensões económicas e sociais. Estima-se que a consecução dos ODS exija a mobilização anual, a nível mundial, de cerca de 3,3 a 4,5 biliões de dólares. Os bens produzidos através da violação de direitos humanos laborais estão associados ao mercado da UE para o qual são importados. A UE carece também urgentemente de investimentos sociais, nomeadamente na redução da pobreza, na aprendizagem ao longo da vida e na saúde (9). O défice de investimento em infraestruturas sociais foi avaliado, na melhor das hipóteses, em cerca de 1,5 biliões de euros entre 2018 e 2030 (10). O CESE apela à Comissão para que forneça uma estimativa atualizada dos investimentos necessários para cumprir os princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e alcançar os grandes objetivos da UE para 2030. São necessários fundos públicos e privados consideráveis para garantir a sustentabilidade social.

4.2.

Com o contributo da taxonomia social, os investidores e as empresas poderiam avaliar o impacto social do seu investimento ou das suas atividades e, de forma facultativa, tratar este aspeto como um objetivo essencial. O CESE assinala a procura crescente de investimentos orientados para a dimensão social e congratula-se com a recetividade dos investidores face ao financiamento socialmente sustentável. Em contrapartida, existe uma falta de definição e de normalização, e uma análise das notações dos fatores ambientais, sociais e de governação (ASG) e dos resultados conexos revela também diferenças de fundo em função do fornecedor das notações, o que dificulta a realização de investimentos socialmente sustentáveis. A taxonomia social seria um conceito coerente para definir e promover a sustentabilidade social e medir o progresso. Tem potencial para reforçar a responsabilização e fornecer orientações claras. Desse modo, apoiará de forma determinante as ambições dos investidores e poderá servir de incentivo a que mais intervenientes no mercado invistam na dimensão social, contribuindo simultaneamente para evitar as medidas sociais de fachada.

4.3.

As atividades prejudiciais do ponto de vista social podem acarretar riscos económicos. Existe o risco de boicote caso uma empresa seja associada à violação de direitos humanos, sendo que uma empresa também corre o risco de ser excluída de concursos públicos caso descure o dever de diligência em matéria de direitos humanos. Há também a possibilidade de a empresa ficar enredada num litígio dispendioso motivado por violações de direitos humanos ou de as cadeias de abastecimento sofrerem perturbações devido a greves. Os riscos económicos e políticos decorrentes do fosso cada vez maior entre ricos e pobres também podem afetar os investimentos. Todos estes riscos podem ser atenuados através de decisões de investimento que também sejam baseadas numa taxonomia social. O CESE chama ainda a atenção para o trabalho do Banco Central Europeu (BCE) sobre o reforço do acompanhamento e da gestão dos riscos sistémicos decorrentes da não observância de fatores de sustentabilidade. O CESE frisa que, muitas das vezes, os riscos ambientais andam de mão dada com riscos sociais, como quando as pessoas perdem os seus lares devido a enchentes. Em suma, os riscos para a sustentabilidade social devem ser explicitamente abordados e devem ser abrangidos pelas ações do BCE relacionadas com riscos em matéria de sustentabilidade.

4.4.

O CESE realça também que a transparência é um elemento indispensável para a eficiência do mercado — e não apenas para a dos mercados de capitais. A taxonomia social pode servir de instrumento para manter um equilíbrio entre as liberdades económicas e os direitos sociais e laborais (11). Ao reforçar a transparência, poderá contribuir para o mercado interno social, conforme estabelecido no artigo 3.o do TFUE, bem como promover a concorrência leal. Ademais, a taxonomia social também fomentará condições de concorrência equitativas e incrementará a visibilidade das empresas que respeitam os direitos humanos e dos trabalhadores e que contribuem substancialmente para a sustentabilidade social, ajudando-as a atrair investidores. O possível papel transformador da taxonomia seria salvaguardado através da sua divulgação mais ampla. Nesse contexto, o CESE reitera o papel positivo que os instrumentos financeiros podem desempenhar no que toca ao desenvolvimento de empresas com impacto social (12).

4.5.

Por último, a UE afirmou-se a nível internacional enquanto líder em matéria de financiamento sustentável no domínio do ambiente, e está a contribuir ativamente para este esforço a nível mundial. O CESE saúda tal esforço, mas relembra à Comissão a necessidade de também promover a sustentabilidade social e os ODS. Ainda no contexto da sustentabilidade social, a UE deve empenhar-se em ser um modelo a seguir e deve tomar a dianteira invocando o tema em fóruns internacionais. Principalmente em tempo de guerra e de tensões a nível internacional, a arquitetura internacional em matéria de financiamento sustentável também deve incorporar a sustentabilidade social.

5.   Desafios e possíveis soluções

5.1.

As intenções dos investidores financeiros de realizar investimentos sustentáveis do ponto de vista social e ambiental são muito bem-vindas e têm de ser apoiadas. No entanto, os intervenientes no mercado financeiro baseiam, por norma, as suas decisões de investimento em expectativas no que se refere à rentabilidade, aos riscos, à liquidez e à maturidade. Estes critérios podem entrar em conflito com os interesses de outras partes interessadas e contrariar ou até suplantar os objetivos ambientais ou sociais. No entanto, o CESE assinala que existem várias sinergias possíveis entre os interesses dos investidores e os de outras partes interessadas, nomeadamente quando o reforço da participação dos trabalhadores contribui para o reforço da produtividade das empresas, ou quando uma atividade económica contribui para o bem-estar das comunidades. Em todo o caso, as atividades económicas ou entidades que possam não respeitar a taxonomia não devem ser automaticamente consideradas prejudiciais. Neste contexto, está a surgir o receio de exclusão do mercado, e o CESE insta a Comissão a prestar esclarecimentos e a adotar uma abordagem equilibrada. Deve reforçar-se a tónica no impacto do investimento sustentável nas atividades da economia real.

5.2.

Podem surgir incompatibilidades pelo facto de as questões sociais serem regulamentadas a nível dos Estados-Membros e entre os parceiros sociais, ao passo que a sociedade civil organizada, no seu conjunto, procura participar em questões sociais, ambientais e outras questões estratégicas. No entanto, o CESE congratula-se com o relatório da Plataforma no tocante aos riscos de violação de outros regulamentos e parte do princípio de que a proposta da Comissão procurará evitar sobreposições contraditórias e situações de interferência em relação aos sistemas sociais, às relações laborais e à regulamentação a nível nacional. Além disso, uma taxonomia social basear-se-á em declarações e princípios internacionais e europeus, como o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, e servirá de base à tomada de decisões voluntária, sem estabelecer qualquer política social específica. Ainda assim, qualquer utilização mais alargada da taxonomia, conforme indicado acima, tem de ser submetida a um processo decisório adequado. Importa prevenir interferências indevidas em relação à legislação nacional e à autonomia dos parceiros sociais, bem como reconhecer as diferenças nacionais a nível dos modelos de mercado de trabalho e dos sistemas de negociação coletiva.

5.3.

O desenvolvimento de uma taxonomia social e, por conseguinte, de uma panorâmica estruturada das atividades e setores socialmente sustentáveis também é uma questão de valores políticos. A definição das atividades e/ou setores económicos que se considera cumprirem a taxonomia será desafiante. No entanto, é precisamente esta a razão pela qual a elaboração de uma taxonomia deve ser objeto de um debate político e de um processo decisório democrático (13). Apenas nestas condições será possível desenvolver uma ideia comum de sustentabilidade social que os intervenientes, a título individual, possam e devam utilizar e evocar. O CESE salienta que, também no domínio social, o êxito da taxonomia dependerá da sua aceitação alargada. As atividades e setores abrangidos têm de respeitar uma definição de sustentabilidade amplamente aceite e devem basear-se em valores comummente reconhecidos, como a dignidade humana, a igualdade de género, a equidade, a inserção, a não discriminação, a solidariedade, a acessibilidade em termos de preços, o bem-estar e a diversidade. Preservar a credibilidade da taxonomia é fundamental para não pôr em causa o projeto de taxonomia no seu conjunto.

5.4.

Existe também a preocupação de que uma taxonomia social possa sobrecarregar as empresas ao impor requisitos adicionais de comunicação de informações e ao exigir a prestação de informações complexas e difíceis, a par de procedimentos de auditoria onerosos. O CESE insta a Comissão a minimizar estes encargos e a formular critérios simples e fáceis de cumprir, tirando também partido de sobreposições com outros requisitos de comunicação de informações. O CESE saúda o facto de a abordagem da Plataforma estruturar os objetivos da taxonomia social de forma semelhante à estrutura proposta da Diretiva CISE. Em termos gerais, o CESE apela a um conjunto de regras organizado e coerente, que evite duplicações e não seja excessivamente complexo, de modo a funcionar na prática, e que assegure, ao mesmo tempo, o nível de transparência necessário. Poderá ser útil dispor de uma agência especializada habilitada por lei que forneça aconselhamento e preste serviços relacionados com a taxonomia a empresas e outras organizações que tencionem cumprir a taxonomia. Tal garantiria igualmente o acesso à taxonomia por parte das empresas com menos recursos para a comunicação de informações. Porém, as instituições financeiras podem, de qualquer modo, fornecer avaliações do impacto social dos investimentos, tal como são atualmente efetuadas por bancos de todo o mundo baseados em valores.

5.5.

Embora o objetivo da taxonomia seja proporcionar um quadro fiável para investimentos sociais sustentáveis, não se pode descartar o perigo de branqueamento ecológico ou de medidas sociais de fachada. O CESE concorda com a Plataforma quando esta refere que a simples verificação dos compromissos e das políticas não garante a aplicação efetiva nem salvaguarda os direitos humanos, assim como não contribui para o desenvolvimento de atividades socialmente sustentáveis. Existem sérias dificuldades no que toca à supervisão e fiscalização do cumprimento, pela empresa, dos objetivos de sustentabilidade social declarados, bem como no que se refere à avaliação do seu desempenho ao longo das atuais cadeias de abastecimento, que muitas das vezes são altamente complexas. Por outro lado, a Plataforma aponta para desenvolvimentos promissores na área dos dados sociais quantificáveis, nomeadamente no contexto do painel de indicadores sociais revisto e dos ODS. Em suma, a taxonomia social tem de ser transparente, fiável e regularmente atualizada. O CESE propõe ainda que sejam tidos em consideração, nesta matéria, os contributos dos conselhos de empresas e das organizações da sociedade civil.

5.6.

O CESE propõe o relançamento do debate sobre uma agência de notação da UE, que desta feita pode colocar a tónica na sustentabilidade, de modo a consolidar o papel pioneiro da UE neste domínio. Reitera igualmente o seu apelo para o estabelecimento de uma regulamentação e supervisão adequadas dos fornecedores de dados financeiros e extrafinanceiros. Em caso de alegações falsas sobre a conformidade com a taxonomia, devem ser assegurados mecanismos de reclamações para os sindicatos, os conselhos de empresas, as organizações de consumidores e outros representantes da sociedade civil organizada. O CESE reconhece que o regulamento deixa aos Estados-Membros a tarefa de definir as medidas e sanções aplicáveis às violações. Em todo o caso, importa prever uma maior responsabilização das autoridades nacionais competentes (14) no que toca às suas atividades de controlo, a par de obrigações de comunicação de informações aos respetivos parlamentos e à sociedade civil.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 198 de 22.6.2020. p. 13.

(2)  Plataforma para o Financiamento Sustentável | Comissão Europeia (europa.eu) (em inglês).

(3)  Princípio de «não prejudicar significativamente».

(4)  JO C 517 de 22.12.2021, p. 72.

(5)  «Final Report on Social Taxonomy» [Relatório final sobre a taxonomia social] (europa.eu)

(6)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 50.

(7)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 97.

(8)  Diretiva relativa a salários mínimos adequados na UE, artigo 4.o, n.o 2, do acordo provisório. O limiar de cobertura da negociação coletiva de 80 % nela estabelecido para exigir que os Estados-Membros adotem medidas para aumentar esta taxa deve receber apoio numa taxonomia social.

(9)  «Final Report on Social Taxonomy» [Relatório final sobre a taxonomia social] (europa.eu)

(10)  Comissão Europeia, «Boosting Investment in Social Infrastructure in Europe» [Reforçar o investimento em infraestruturas sociais na Europa], Documento de reflexão n.o 74, janeiro de 2018.

(11)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 50.

(12)  JO C 194 de 12.5.2022, p. 39.

(13)  Ver capítulo 3 acima.

(14)  Ver o artigo 21.o do Regulamento Taxonomia.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/23


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Fundo de ajustamento às alterações climáticas financiado no âmbito da política de coesão e pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU)

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/04)

Relator:

Ioannis VARDAKASTANIS

Correlatora:

Judith VORBACH

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

9.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

139/3/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A União Europeia (UE) está a tomar medidas decisivas para combater as alterações climáticas e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE). As políticas da UE em matéria de clima, ambiente e energia contêm um plano a longo prazo para ajudar a prevenir os impactos mais gravosos da emergência climática que o planeta está a enfrentar. Contudo, poderá não ser suficiente.

1.2.

Embora o compromisso da UE seja significativo, as consequências das alterações climáticas e da escassez de recursos já estão, infelizmente, a revelar-se. Por conseguinte, temos de nos adaptar a uma realidade nova. Apesar de a UE estar, corretamente, empenhada em evitar o agravamento da situação, não estamos preparados para emergências climáticas, crises energéticas e catástrofes naturais imprevistas.

1.3.

Desde 2021, passámos por duas emergências muito importantes às quais os mecanismos de financiamento da UE se mostraram incapazes de responder. A primeira foi a destruição provocada pelas inundações e pelos incêndios florestais que afetaram a Europa durante o verão de 2021. A segunda é a atual crise energética e a necessidade de a UE ser autónoma em termos de energia, desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.

1.4.

O mecanismo da UE em vigor para resposta a catástrofes naturais é o Fundo de Solidariedade da União Europeia (FSUE). No entanto, o orçamento anual disponível do FSUE é insuficiente devido ao custo dos danos provocados pelas recentes catástrofes naturais e tem de ser drasticamente aumentado. O financiamento da UE destinado à transição para energias ecológicas é mais substancial, mas não tem em consideração a urgência das necessidades atuais da UE em matéria de autonomia energética e o enorme risco de pobreza energética, como refere o CESE no parecer Luta contra a pobreza energética e reforço da resiliência da UE: desafios numa perspetiva económica e social (1).

1.5.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a UE precisa de um novo mecanismo de financiamento que possa disponibilizar uma assistência imediata e ambiciosa, para ajudar os Estados-Membros em emergências como as atrás referidas. Por conseguinte, propõe a criação de um novo Fundo de ajustamento às alterações climáticas. Este financiamento deve ser redirecionado dos fundos da UE existentes, nomeadamente do Fundo de Coesão e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), mas gerido de forma otimizada e coerente através deste novo fundo.

1.6.

A modernização do quadro de financiamento pode incluir também o alargamento do âmbito, a agilização dos programas existentes e a consideração do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) como modelo para um novo instrumento de financiamento.

1.7.

À luz das necessidades de investimento significativas, o CESE aconselha também a Comissão a ponderar reforçar o Fundo de ajustamento às alterações climáticas através do encorajamento do investimento e das contribuições do setor privado. No que se refere especificamente às catástrofes naturais, a Comissão e os Estados-Membros devem também envidar esforços no sentido de aumentar e facilitar a cobertura dos seguros e utilizar o sistema de seguros como forma de direcionar fundos para melhorar a resiliência às alterações climáticas, nomeadamente em zonas de risco, de modo a diminuir a dependência de apoio financeiro da UE.

1.8.

O Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve ser adaptável e flexível, bem como estar pronto a responder a crises novas e emergentes nos próximos anos e décadas.

1.9.

É crucial que o funcionamento do Fundo de ajustamento às alterações climáticas, mais centrado em respostas céleres e urgentes, seja coerente com as políticas abrangentes da UE em matéria de clima, ambiente e energia, que a longo prazo reduzirão a dependência de respostas de emergência e protegerão a humanidade e o mundo natural.

2.   Observações gerais

2.1.

O CESE reconhece que a luta contra a crise climática está em sintonia com os compromissos assumidos pela UE no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, no sentido de aplicar o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Embora a diminuição das causas das alterações climáticas deva estar na vanguarda da política da UE em matéria de clima, o CESE sublinha a necessidade de ter disponíveis, paralelamente a planos de redução dos GEE, mecanismos de financiamento robustos e otimizados para fazer face às emergências climáticas e energéticas que os cidadãos da UE já estão a enfrentar.

2.2.

O CESE defende a ideia de um novo Fundo de ajustamento às alterações climáticas, uma proposta apoiada por vários deputados ao Parlamento Europeu (2). Este mecanismo deve ser financiado com recurso a fundos disponíveis no âmbito do Fundo de Coesão e do MRR, que serão concentrados num único instrumento, o que melhorará a eficiência e os tempos de resposta e facilitará o acompanhamento centralizado dos domínios com maior necessidade de financiamento. Deve reforçar a capacidade da UE para ajudar os Estados-Membros a responderem rapidamente a emergências climáticas, ambientais e energéticas. No contexto atual, permitiria responder a duas das emergências mais significativas que estamos a enfrentar: recuperação de catástrofes naturais cada vez mais frequentes e necessidade urgente de uma transição para energias ecológicas e de um movimento no sentido de uma autonomia energética da Europa, ainda que com a flexibilidade necessária para enfrentar crises futuras.

2.3.

Os fundos da UE já estão a ser direcionados para a transição energética e para a recuperação em caso de catástrofes, havendo, no entanto, vários problemas a impedirem a sua eficácia. O FSUE existente, criado para ajudar as comunidades a recuperarem de catástrofes naturais, não é suficientemente amplo para responder à escala atingida pelas catástrofes climáticas modernas. O financiamento da transição energética é mais ambicioso, mas está ainda longe de ser suficiente. Além disso, é gerido através de uma série de fundos diferentes, implicando o risco de incoerência ou de sobreposição, e de uma forma que mistura objetivos iminentes com metas a mais longo prazo em matéria de luta contra as alterações climáticas. A necessidade de aumentar a autonomia energética da UE devido à invasão da Ucrânia pela Rússia evidenciou até que ponto a nossa dependência de energia de países hostis enfraquece a nossa capacidade de reagir de forma decisiva perante acontecimentos internacionais.

2.4.

Por conseguinte, o CESE apela à criação de um Fundo de ajustamento às alterações climáticas, que sirva o propósito específico de responder a emergências ambientais, climáticas e energéticas iminentes e de ajudar a UE a adaptar-se a uma nova realidade, na qual, infelizmente, estas crises se estão a tornar cada vez mais comuns. O Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve funcionar como uma reserva de financiamento, pronta a entrar em ação em alturas de grandes necessidades de investimento.

2.5.

O fundo tem de proporcionar a flexibilidade e a robustez necessárias para um investimento célere e ambicioso na satisfação das necessidades imediatas da UE e, ao mesmo tempo, ser coerente com as políticas a longo prazo em matéria de clima e energia. Deve reunir uma parte dos fundos no âmbito da política de coesão destinados atualmente a questões relacionadas com o clima, o FSUE existente e uma parte do financiamento do MRR destinado a reformas ambientais. O facto de se concentrar estes recursos num único fundo com uma ênfase clara na ação urgente melhorará a eficiência da resposta e facilitará o acompanhamento das necessidades de investimento mais prementes. Deverá também permitir direcionar melhor os fundos para onde eles são necessários, sem atrasos.

2.6.

A modernização do quadro de financiamento poderia incluir também o alargamento do âmbito e a agilização dos programas existentes. Tendo em conta o interesse comum e a necessidade urgente de lutar contra as alterações climáticas e respetivas consequências devastadoras, o CESE sublinha ainda a necessidade de haver, no futuro, um método de financiamento aperfeiçoado. Mesmo que fosse, acertadamente, aplicada uma regra de ouro para os investimentos ecológicos, alguns Estados-Membros poderiam continuar a não ter capacidade para angariar as quantidades enormes de investimento necessárias, sem comprometer a sua sustentabilidade orçamental. Por conseguinte, o CESE recomenda também que se considere o NextGenerationEU como um modelo para financiamento do Fundo de ajustamento às alterações climáticas. As subvenções e/ou empréstimos provenientes deste fundo devem ser desbloqueados na condição de o Estado-Membro ou região que os receber os investir na luta contra as alterações climáticas ou respetivas consequências, por exemplo fazendo investimentos subsequentes em energias renováveis e descarbonizadas. Quaisquer medidas políticas deste género devem ficar vinculadas à participação obrigatória dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil, devendo ainda ser respeitado o princípio da parceria consagrado na política de coesão.

2.7.

O CESE chama a atenção para o facto de o Fundo de ajustamento às alterações climáticas, por si só, não ser suficiente para fazer face às consequências das catástrofes naturais e cobrir os custos da adaptação às alterações climáticas, reforçando a capacidade de resistência. Neste contexto, o CESE destaca o «fosso em matéria de proteção do clima», ou seja, a percentagem de perdas económicas não seguradas resultantes de catástrofes relacionadas com o clima. A cobertura dos seguros contra catástrofes naturais continua a ser reduzida na Europa, com apenas cerca de 35 % das perdas provocadas por catástrofes naturais entre 1980 e 2017 a estarem seguradas (3). Por conseguinte, importa analisar e promover os seguros contra catástrofes nos Estados-Membros e fomentar regimes de seguros nacionais que incentivem os utilizadores a investir na adaptação, reduzindo a pressão sobre os fundos da UE e incentivando o investimento proativo. O diálogo entre as partes interessadas e a inovação em matéria de produtos de seguros pode conduzir a soluções novas de transferência de risco no âmbito do sistema de seguros e resseguros, privilegiando simultaneamente a estabilidade dos mercados financeiros e a proteção dos consumidores (4). Tal poderia reforçar a capacidade de o Fundo de ajustamento às alterações climáticas enfrentar os desafios que se avizinham.

2.8.

Os fundos da UE também são importantes enquanto capital inicial para atrair investimento privado, nomeadamente na adaptação, a fim de reforçar a capacidade de resistência às alterações climáticas.

3.   O Fundo de ajustamento às alterações climáticas como instrumento para a preparação e a recuperação em situação de catástrofe

3.1.

Um estudo interinstitucional da UE demonstra, de forma clara, a urgência de combater a catástrofe climática: um aumento de 1,5 graus é o máximo que o planeta consegue tolerar; caso as temperaturas aumentem mais depois de 2030, enfrentaremos ainda mais secas, inundações, calor extremo e pobreza de centenas de milhões de pessoas, bem como a morte provável das populações mais vulneráveis (5).

3.2.

Começam a surgir evidências de que não estamos, de modo algum, preparados para os desafios que as alterações climáticas representam. Em 2021, os Estados-Membros da UE foram afetados por uma destruição sem precedentes provocada por catástrofes naturais, desde inundações fatais na Alemanha e no Benelux, a incêndios florestais devastadores na Grécia e Espanha. Perante a crise climática, aliada a outras fontes de degradação ambiental, é provável que a destruição e as catástrofes naturais se tornem a norma, em vez da exceção. Quanto mais se adiar, debilitar ou evitar a aplicação de medidas eficazes para combater a crise climática e a degradação ambiental, maiores se tornarão os riscos.

3.3.

Pelo menos 240 pessoas perderam a vida em inundações que afetaram a Europa Ocidental no verão de 2021 (6), com inúmeras mais a ficar desalojadas e a perder as suas casas. Na Grécia, registaram-se mais de 500 incêndios durante uma onda de calor que assolou o país (7).

3.4.

Além de, em 2021, a escala de destruição e perda de vidas devido a catástrofes ambientais ter sido inédita, também o foram os custos financeiros para as comunidades afetadas. Na Europa Ocidental, estima-se que as inundações tenham provocado danos no valor de 38 mil milhões de euros (8). Na Grécia, o primeiro-ministro viu-se obrigado a aprovar um pacote de ajuda de 500 milhões de euros para a ilha de Eubeia, a região mais afetada pelos incêndios (9).

3.5.

Nenhuma parte do globo está livre dos perigos crescentes de catástrofes naturais. Do mesmo modo, nenhum Estado-Membro da UE está suficientemente bem equipado para superar estes desafios enormes — quer a nível de recursos e de material para lidar com secas, incêndios e inundações, quer a nível do financiamento necessário para ajudar à recuperação das regiões afetadas.

3.6.

O investimento realizado pelo Fundo de ajustamento às alterações climáticas para responder a catástrofes naturais deve funcionar como um complemento das despesas atuais dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento no domínio da prevenção e preparação em situação de catástrofe. É necessário um investimento enorme para a criação de capacidade de resistência contra os impactos das alterações climáticas, por exemplo investimento na construção de diques, edifícios resistentes a inundações, proteção contra a erosão costeira, equipamento para monitorização e controlo de incêndios, bem como tecnologia para, nomeadamente, ajudar a poupar e a armazenar água potável em regiões afetadas por secas. Se, por um lado, os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento devem atuar ex ante para reduzir eventuais danos, por outro, o Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve estar disponível para responder rapidamente nos casos em que tais medidas preventivas não tenham conseguido evitar determinados danos.

3.7.

O CESE salienta que as repercussões previstas da crise climática exigem um mecanismo de apoio muito mais robusto do que o atualmente em vigor. O orçamento total do FSUE está limitado a 500 milhões de euros por ano (10). Desde a sua criação em 2002, o FSUE apoiou 28 países europeus diferentes, disponibilizando mais de 7 mil milhões de euros (11). São números impressionantes, mas não seriam suficientes, de forma alguma, para cobrir os custos dos danos provocados por catástrofes naturais só em 2021.

3.8.

Em caso de catástrofes naturais, verifica-se um aumento do risco de perda de vida entre determinados grupos que não conseguem abandonar facilmente as regiões afetadas. Trata-se, nomeadamente, do caso dos idosos, das pessoas com deficiência e das crianças. Os investimentos devem ser direcionados de modo a garantir que os serviços de emergência estão dotados do material e do apoio de trabalhadores de salvamento suplementares para dar assistência a todas as pessoas que requerem atenção especial. As pessoas que possuem menos recursos são também as que têm menos capacidade de evacuação, devido ao custo que implica encontrar um alojamento alternativo e ao acesso limitado a meios de mobilidade pessoal. Esta deve ser uma das questões que o Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve procurar resolver.

4.   O Fundo de ajustamento às alterações climáticas como via no sentido da transição para energias ecológicas

4.1.

O CESE considera que a adaptação às alterações climáticas também está relacionada com a adaptação a uma nova realidade de produção de energia sustentável. Devido a acontecimentos recentes, a UE enfrenta desafios enormes e urgentes no que diz respeito à independência energética, que não estavam previstos quando foram elaborados o Quadro Financeiro Plurianual (QFP), o NextGenerationEU e o quadro de governação económica. No que se refere ao plano REPowerEU da Comissão (12) e às conclusões do Conselho Europeu, o CESE concorda plenamente que, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, as razões para a independência energética, incluindo o desenvolvimento das energias renováveis, nunca foram tão fortes.

4.2.

O CESE salienta a necessidade de destacar o papel que as tecnologias energéticas ecológicas e descarbonizadas, a melhoria da eficiência energética e a redução da procura de energia podem desempenhar no aumento do fornecimento de energia, a preços mais comportáveis, na UE. Tal ajudará a proteger contra subidas dos preços, que impedem o crescimento económico, exacerbam desigualdades, provocam pobreza energética, aumentam os custos de produção e prejudicam a competitividade da UE. O CESE congratula-se, nomeadamente, com a aceleração da implantação na indústria de soluções inovadoras à base de hidrogénio e de eletricidade renovável competitiva a nível de custos.

4.3.

A necessidade de investir com urgência e ambição na mudança para formas mais ecológicas de energia produzidas na UE é mais premente do que nunca. Embora a produção de energias ecológicas e a autonomia energética devam ser sempre uma meta a longo prazo para a UE, o contexto imediato é constituído por uma UE com uma necessidade urgente de aprovisionamento de energia a partir de fontes alternativas a preços comportáveis, sem comprometer as respetivas metas em matéria de energia. O Fundo de ajustamento às alterações climáticas poderia responder de forma mais eficaz e eficiente do que os mecanismos existentes à necessidade urgente de investimento no fornecimento aos cidadãos de energia a partir de fontes alternativas a preços comportáveis.

4.4.

O CESE observa com cada vez maior clareza que a dependência energética é uma das causas do enfraquecimento das respostas da UE a países como a Rússia, conforme se vê claramente na resposta da UE à invasão da Ucrânia. A atual dependência excessiva de gás da Rússia compromete seriamente a capacidade da UE e dos seus Estados-Membros para tomarem medidas céleres, sem colocarem os seus próprios cidadãos em risco de escassez de combustíveis e de pobreza energética. Infelizmente, os planos para aquisição de gás natural aos EUA não constituem uma solução sustentável ou ambientalmente responsável (13).

4.5.

O Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve funcionar como uma forma de financiamento da nossa necessidade urgente de energias ecológicas e descarbonizadas produzidas na UE, com uma aquisição ambiciosa de tecnologias existentes e investimento no desenvolvimento de novas tecnologias para alcançar uma economia com impacto neutro no clima. O CESE insta a que a guerra na Ucrânia não leve a que se negligencie a missão da UE de atingir as metas ambientais e sociais, pois estas constituem a base para a construção de uma força económica a longo prazo.

4.6.

No que se refere à redução do consumo de energia, a evolução varia acentuadamente entre Estados-Membros. Em 2018, apenas 11 dos 27 Estados-Membros tinham reduzido a procura interna total de energia abaixo da respetiva meta para 2020. De um modo geral, a UE está longe de alcançar as respetivas metas para 2030, o que implica a necessidade de esforços suplementares. Felizmente, a percentagem de energias renováveis no consumo final bruto de energia na UE tem aumentado de uma forma constante. O pacote Objetivo 55 propôs a consecução de uma percentagem de 40 % de energias renováveis no consumo de energia até 2030. Embora a percentagem de energias renováveis no consumo de energia varie substancialmente por toda a UE, o mesmo se verifica com a capacidade de produção de energias renováveis, devido a restrições orçamentais e à geografia. Em alguns países, a capacidade fotovoltaica instalada per capita é bastante reduzida, apesar do potencial enorme neste domínio. Outros países atingem uma percentagem elevada de energias renováveis devido a possibilidades geográficas favoráveis para centrais hidroelétricas.

4.7.

A intensificação dos esforços no sentido da transição para energias ecológicas estará intrinsecamente ligada a novas necessidades de financiamento e terá de ser realizada com urgência, face à crise energética e à necessidade crescente de autonomia da UE em matéria de energia. Impulsionar as propostas do Objetivo 55 através de metas mais elevadas e de prazos antecipados para energias renováveis, por exemplo implantando energia solar e eólica e melhorando a eficiência energética, exigirá uma resposta robusta a nível de financiamento. A Comissão anunciou a intenção de avaliar estas necessidades de financiamento no contexto das propostas do plano REPowerEU (14) com base num levantamento das necessidades nos Estados-Membros, bem como nos requisitos para o investimento transfronteiriço. O CESE acolhe favoravelmente esta intenção, mas manifesta também a preocupação de que os instrumentos de financiamento atuais a nível da UE e nacional não sejam suficientes e que seja necessário tomar medidas para tornar as energias renováveis uma solução para o presente. As despesas do Fundo de ajustamento às alterações climáticas no domínio das energias renováveis devem igualmente ser impulsionadas pela captação de investimento privado, sendo o capital inicial fornecido pelo fundo.

4.8.

A intensificação do investimento para melhorar a autonomia energética da UE deve ser efetuada em consonância com uma ênfase na transição ecológica e para energias renováveis. Para que seja bem-sucedida, além de investimentos mais imediatos através do Fundo de ajustamento às alterações climáticas, a UE precisará de investimentos significativos a longo prazo em investigação e inovação, bem como de novas formas de produzir e de consumir, de modo a melhorar a nossa capacidade para disponibilizar a todos energia limpa e a preços acessíveis. A estratégia de investigação e inovação da UE demonstra já um compromisso assinalável com este objetivo, com potencial para uma evolução significativa. No entanto, esta ênfase na investigação deve ser acompanhada do compromisso dos Estados-Membros com a adoção de formas de produção de energia mais ecológicas, bem como da sua capacidade para realizar uma transição que os afasta de meios de produção de energia mais tradicionais, nomeadamente em Estados-Membros ainda altamente dependentes do carvão.

4.9.

Embora acolha favoravelmente o financiamento existente dedicado à política climática no QFP e no NextGenerationEU, o CESE salienta também que as ameaças ambientais mais imediatas para os cidadãos da UE se alteraram desde que aquele foi estabelecido, sendo necessárias novas abordagens. Além da criação deste novo fundo, o CESE insta a Comissão a rever o quadro de financiamento, de modo a identificar lacunas neste âmbito e outras necessidades de financiamento relativamente a vários aspetos da política climática.

5.   Assegurar a solidez das políticas atuais da UE em matéria de clima e energia e a complementaridade do Fundo de ajustamento às alterações climáticas

5.1.

O Fundo de ajustamento às alterações climáticas responderia a uma necessidade muito específica de financiamento da UE que se encontra por satisfazer, ou seja, permitiria dispor de financiamento suficiente para fazer face rapidamente a emergências climáticas, ambientais e energéticas. No entanto, este fundo deve ser coerente com as políticas globais da UE nesses domínios.

5.2.

A crise climática é uma questão sistémica que ultrapassa fronteiras, pelo que exige também uma mudança sistémica na forma como a nossa economia funciona, sendo fundamental que os governos se comprometam a encontrar soluções sistémicas, em vez de se limitarem a abordar os sintomas do problema.

5.3.

O facto de existirem enormes disparidades na forma como pessoas e grupos estão empenhados e são afetados agrava o problema das alterações climáticas. Estas disparidades dizem respeito à pegada de carbono, verificando-se variações bastante significativas nas emissões de CO2 per capita dos diferentes Estados-Membros e regiões da UE. Também se observam diferenças nos impactos das alterações climáticas, na capacidade de adaptação e de resposta aos desafios e, por fim, nos impactos das medidas em matéria de política climática e das alterações estruturais significativas iminentes.

5.4.

Dentro da UE, os impactos climáticos diferem muito nos Estados-Membros, e entre os mesmos, consoante a sua geografia e a situação e estrutura da sua economia. Por exemplo, enquanto 7 % da população da UE vive em regiões com um risco elevado de inundação, mais de 9 % vive em regiões caracterizadas por 120 dias sem chuva.

5.5.

A luta por uma transição justa também exige condições sociais sustentáveis em consonância com os ODS e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Além disso, o CESE apela para a aplicação de uma abordagem holística em relação à sustentabilidade ambiental e salienta o Regulamento Taxonomia, que estabelece seis objetivos ambientais: a atenuação das alterações climáticas, a adaptação às alterações climáticas, a utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos, a transição para uma economia circular, a prevenção e o controlo da poluição, e a proteção e o restauro da biodiversidade e dos ecossistemas.

5.6.

Com um orçamento aprovado superior a 330 mil milhões de euros no período de programação em vigor, a política de coesão é atualmente o instrumento de investimento comum maior e mais importante da Europa e, por conseguinte, desempenha um papel fundamental na luta contra a crise climática. Também existe grande probabilidade de as disparidades nos Estados-Membros, e entre os mesmos, que a política de coesão tem por objetivo colmatar, serem afetadas pelas alterações climáticas e respetivas consequências. O Plano de Recuperação e Resiliência, por seu lado, coloca também uma forte ênfase no clima. Ainda que se assista a um claro empenho no investimento, é necessário ter uma visão clara e estruturada dos fundos da UE que visam combater as alterações climáticas e da forma como são geridos.

5.7.

O CESE sublinha ainda a necessidade de os órgãos de poder local e regional assumirem um compromisso político claro no sentido de alcançar os objetivos climáticos. É urgente intensificar o diálogo a vários níveis entre os órgãos de poder local, regional e central sobre a conceção e aplicação de medidas nacionais em matéria de alterações climáticas a nível regional e local, o acesso direto dos órgãos de poder local a financiamento e o acompanhamento da evolução das medidas adotadas. Os parceiros sociais e a sociedade civil organizada devem participar neste processo, de modo a salvaguardar uma abordagem equilibrada, respeitando os interesses de todos os grupos.

5.8.

O CESE destaca o papel crucial dos parceiros locais, sociais e regionais na luta contra as consequências das alterações climáticas. Infelizmente, o apoio que muitos destes intervenientes recebem para financiar as suas atividades está ainda longe de ser suficiente para responder aos desafios que enfrentam. Nomeadamente, é preciso reforçar o Fundo para uma Transição Justa para que preste maior apoio.

5.9.

O CESE reitera que a transição para a sustentabilidade ambiental deve ser integradora e estar em consonância com os ODS e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Neste contexto, os critérios fundamentais devem incluir a salvaguarda e a criação de novos empregos de qualidade e ecológicos, garantindo, desta forma, à população regional formação e medidas sociais integradoras através da criação de setores económicos alternativos com impacto neutro no clima. Tem de compensar os potenciais efeitos regressivos das medidas em matéria de política climática e as alterações estruturais. Por exemplo, as medidas de contratação pública e de auxílio estatal para empresas devem ficar vinculadas à criação de empregos de qualidade e ao respeito pelos direitos dos trabalhadores, assim como ao cumprimento das normas ambientais e das obrigações fiscais. Além disso, as pessoas vulneráveis devem ser protegidas do impacto das alterações climáticas, evitando sempre a pobreza energética. Por fim, o CESE salienta o princípio de «não prejudicar significativamente» da taxonomia da UE, que determina que nenhum objetivo ambiental pode ser prejudicado pela execução de várias políticas.

5.10.

Uma vez que o ensino formal e o não formal constituem mecanismos importantes de combate à crise climática, é fundamental investir numa educação acessível em matéria de alterações climáticas e cidadania ativa. A educação para a sustentabilidade é um instrumento poderoso para o desenvolvimento dos jovens, capacitando-os para participarem no debate sobre a direção que deve tomar uma política climática concreta. O papel da educação e da formação na luta contra as alterações climáticas é cada vez mais reconhecido.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/tackling-energy-poverty-and-eus-resilience-challenges-economic-and-social-perspective (ver página 88 do presente Jornal Oficial).

(2)  «Regional development MEPs suggest to set-up a Climate Change Adaptation Fund» [Deputados da Comissão do Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu propõem a criação de um fundo de ajustamento às alterações climáticas] | Atualidade | Parlamento Europeu.

(3)  «Economic losses from climate-related extremes in Europe» [Perdas económicas decorrentes de situações extremas relacionadas com o clima na Europa] — Agência Europeia do Ambiente.

(4)  Comunicação Criar uma Europa resiliente às alterações climáticas — a nova Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas [COM(2021) 82 final, ponto 2.2.3] e Comunicação Estratégia de financiamento da transição para uma economia sustentável [COM(2021) 390 final, capítulos II e III, ação n.o 2, alínea c), lacunas na proteção de seguros através do painel de indicadores da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA) e documento de reflexão].

(5)  ESPAS_Report.pdf, p. 8.

(6)  https://www.brusselstimes.com/belgium-all-news/199487/europes-summer-floods-amount-to-worlds-second-most-costly-natural-disaster-of-2021

(7)  https://www.reuters.com/world/europe/greece-starts-count-cost-after-week-devastating-fires-2021-08-09/

(8)  Europe's summer floods amount to world's second-most costly natural disaster of 2021 (brusselstimes.com) [Inundações durante o verão na Europa representam a segunda catástrofe natural mais dispendiosa de 2021].

(9)  https://www.reuters.com/world/europe/greece-starts-count-cost-after-week-devastating-fires-2021-08-09/

(10)  Fundo de Solidariedade da União Europeia

(11)  https://ec.europa.eu/regional_policy/pt/funding/solidarity-fund/

(12)  Plano REPowerEU, COM(2022) 230 final.

(13)  «U.S., EU strike LNG deal as Europe seeks to cut Russian gas» [EUA e UE acertam acordo em matéria de GNL quando a Europa procura abandonar o gás russo] | Reuters.

(14)  COM(2022) 230 final


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/30


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Criptoativos — Desafios e oportunidades

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/05)

Relator:

Philip von BROCKDORFF

Correlatora:

Louise GRABO

Decisão da Plenária

24.3.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

9.9.2022

Adoção em plenária

22.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

148/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE está consciente da crescente capitalização bolsista dos criptoativos e apoia firmemente a proposta de regulamento relativo aos mercados de criptoativos apresentada pela Comissão Europeia, no intuito de regulamentar os criptoativos na UE, que foi objeto de um acordo político provisório dos colegisladores em 30 de junho de 2022 (1).

1.2.

O CESE defende também a criação de um quadro operacional e regulamentar robusto, a fim de melhorar o seguimento financeiro das transações e o cumprimento das obrigações fiscais dos criptoativos.

1.3.

O CESE recomenda vivamente que as autoridades respeitem o princípio «mesma atividade, mesmos riscos, mesmas regras». Tal implica tirar partido dos quadros regulamentares vigentes no caso das empresas que efetuam transações de criptoativos que requerem uma cobertura de riscos semelhantes aos riscos subjacentes às transações tradicionais. O CESE considera que esta abordagem é necessária para evitar assimetrias entre serviços e ativos análogos, que poderiam ser abrangidos por quadros diferentes por questões de ordem técnica.

1.4.

O quadro regulamentar para os criptoativos tem de ser coerente entre jurisdições, e não apenas na UE. Importa estabelecer, dentro e fora da UE, normas assentes em condições de concorrência equitativas, a fim de proteger os clientes. O CESE aprova o Regulamento Transferências de Fundos (2), embora, em alguns aspetos, vá mais longe do que a regulamentação das operações de financiamento tradicionais. Porém, apoia, ao mesmo tempo, a inovação na UE e entende que é importante que os produtos comuns de natureza não financeira baseados na tecnologia das cadeias de blocos sejam tratados como os seus homólogos físicos e não como instrumentos financeiros, em conformidade com o princípio «mesma atividade, mesmos riscos, mesmas regras».

1.5.

O CESE observa com preocupação as consequências ambientais dos criptoativos e das respetivas atividades de mineração, tendo em conta os compromissos assumidos pela UE em matéria de clima no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. Considera que, apesar de as tecnologias de registo distribuído emergentes, como a cadeia de blocos, poderem aparentemente permitir a criação de infraestruturas sustentáveis para um futuro hipocarbónico, não existem provas conclusivas de que tal aconteça efetivamente.

1.6.

O CESE considera que a cadeia de blocos, enquanto principal tecnologia subjacente aos criptoativos, pode ajudar a minimizar os riscos que atualmente caracterizam o mercado. Os benefícios potenciais da cadeia de blocos vão das transações em tempo real, permitindo uma redução dos riscos e uma melhor gestão do capital, ao reforço da eficácia regulamentar, por exemplo, utilizando a cadeia de blocos para controlos em matéria de conhecimento do cliente e de branqueamento de capitais.

1.7.

O CESE assinala ainda que as limitações existentes no que toca ao cumprimento das obrigações fiscais podem ser ultrapassadas com a evolução tecnológica, melhorando, assim, a transparência e a qualidade dos dados enviados às autoridades fiscais para efeitos de controlo, combatendo a fraude fiscal e as transações ilícitas.

1.8.

A evolução tecnológica nas cadeias de blocos pode ainda incentivar os bancos a cooperarem no âmbito do ecossistema das cadeias de blocos, que lhes faculta a possibilidade de partilharem informações e experiências com a comunidade alargada de cadeias de blocos através de uma plataforma de negociação financeira assente nessa tecnologia.

1.9.

Por último, o CESE apoia plenamente o papel desempenhado pelo Banco Central Europeu (BCE) no acompanhamento da evolução dos criptoativos e das suas potenciais implicações para a política monetária, bem como dos riscos que os criptoativos podem representar quer para o bom funcionamento das infraestruturas de mercado e dos pagamentos, quer para a estabilidade do sistema financeiro.

2.   Contexto

2.1.

A capitalização do mercado dos criptoativos mais do que triplicou em 2021 ascendendo a 2,6 biliões de dólares dos Estados Unidos. Porém, os criptoativos continuam a representar uma pequena percentagem dos ativos que integram o sistema financeiro mundial global (3). Em termos numéricos, os criptoativos são comparáveis a algumas das classes de ativos consolidadas, embora a sua importância ainda fique muito aquém das obrigações do Estado, dos mercados de ações e dos derivados financeiros. O seu crescimento rápido atraiu vários intervenientes novos para o ecossistema, sendo cada vez maior a oferta de criptoativos, alguns referidos como «moedas virtuais», «criptomoedas» ou «fichas digitais». Os criptoativos que mais se destacaram até à data incluem a bitcoin e a ether, que, em conjunto, representam cerca de 60 % da capitalização total do mercado de criptoativos.

2.2.

Ao longo do último ano, a procura de «criptomoeda estável» ou stablecoin (4) — uma das classes de criptoativos — registou um crescimento sem precedentes, sustentado pela evolução tecnológica, nomeadamente na cadeia de blocos. Especificamente, o volume de transações de criptomoedas estáveis ultrapassou quase todos os outros criptoativos, sobretudo devido à sua utilização intensa para liquidar transações de operações à vista e de derivados. A relativa estabilidade dos preços das criptomoedas estáveis ajuda ainda a proteger os detentores de criptoativos da volatilidade associada a outros criptoativos.

2.3.

As finanças descentralizadas ou «DeFI» (5) que assentam na tecnologia das cadeias de blocos e prestam serviços financeiros utilizando criptomoedas estáveis ou outros criptoativos são um dos motivos principais que explicam o aumento da procura de criptoativos, uma vez que permitem aos utilizadores comercializá-los sem necessidade de intermediários. Além disso, não é exigida uma avaliação do risco de crédito do cliente na transação. Curiosamente, essas transações envolvem sobretudo intervenientes institucionais de economias desenvolvidas, em que se transacionam geralmente criptomoedas estáveis (6).

2.4.

Pode descrever-se a tecnologia das cadeias de blocos ou de registo distribuído como um grande ficheiro público, partilhado e armazenado ao longo de uma rede gigantesca de computadores que contêm todas as transações em criptoativos. Uma vez que é partilhado publicamente e o seu conteúdo é validado, não é possível reverter ou alterar a transação. Por conseguinte, o ficheiro público gerado pelo recurso à tecnologia de registo distribuído impede as transações fraudulentas.

2.5.

Em meados de fevereiro de 2020, no pico da crise da COVID-19 — um momento de tensão no mercado —, a bitcoin atingiu o seu valor máximo de 10 367,53 dólares dos Estados Unidos, caindo para 4 994,70 dólares dos Estados Unidos em meados de março do mesmo ano. Contudo, a ascensão acentuada e a queda abrupta do valor pouco tiveram que ver com a pandemia e o respetivo efeito no mercado de ações (7). O comportamento aparentemente errático do valor da bitcoin resulta do fenómeno que os mineradores e especialistas designam por «reduzir para metade» [halving]. A redução para metade do valor da bitcoin ocorre de quatro em quatro anos, ou de cada vez que são minerados 210 000 blocos. Ocorreu em 2012, verificando-se as mesmas flutuações previsíveis nos preços da bitcoin. Este padrão não se alterou muito desde 2012.

2.6.

No contexto atual, os criptoativos não parecem constituir um risco significativo para a estabilidade financeira, conforme confirmado pelo Conselho de Estabilidade Financeira (CEF) no seu relatório de 2018. No entanto, o próprio CEF manifestou preocupação em relação aos riscos que uma maior capitalização do mercado pode trazer, nomeadamente riscos relacionados com a confiança dos investidores, riscos decorrentes da exposição direta ou indireta das instituições financeiras e riscos decorrentes da utilização de criptoativos enquanto meio de troca ou pagamento.

2.7.

As autoridades europeias de supervisão (Autoridade Bancária Europeia — EBA, Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados — ESMA e Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma — EIOPA) manifestaram as mesmas preocupações, tendo alertado os consumidores para o facto de muitos criptoativos serem um investimento extremamente arriscado e especulativo, não sendo indicado para a maioria dos pequenos investidores nem enquanto meio de troca ou pagamento. Consideram que os consumidores enfrentam a possibilidade muito real de perderem todo o capital investido se adquirirem criptoativos de alto risco. Alertam ainda para o facto de os consumidores deverem estar atentos aos riscos de publicidade enganosa, nomeadamente através das redes sociais e de influenciadores. Os consumidores devem ser particularmente cautelosos com a promessa de rendimentos rápidos ou elevados.

2.8.

Embora registem um crescimento rápido, atualmente, as ligações diretas entre os criptoativos, por um lado, e as instituições financeiras de importância sistémica e os mercados financeiros principais, por outro, são limitadas. Não obstante, a participação de instituições nos mercados de criptoativos, na qualidade de investidores ou de prestadores de serviços, aumentou no último ano, embora tenha partido de um nível baixo. Se a trajetória atual de crescimento em escala e em interligação dos criptoativos a estas instituições prosseguir, poderá ter implicações para o sistema financeiro mundial.

2.9.

O crescimento em escala e em interligação dos criptoativos reforça a necessidade e a importância de serem submetidos a auditorias coerentes, comparáveis e objetivas, tendo em vista informar sobre a precisão e a exaustividade das informações financeiras comunicadas ao público. Nesta continuidade, em setembro de 2020, a Comissão Europeia apresentou uma proposta legislativa para harmonizar e legitimar a regulamentação em matéria de criptomoedas no âmbito dos criptoativos (8). A proposta prevê um quadro abrangente para a regulamentação e supervisão dos emitentes e oferentes de criptoativos, bem como dos prestadores de serviços de criptoativos, com vista a proteger os consumidores e a integridade e estabilidade do sistema financeiro. Em 30 de junho de 2022, os colegisladores alcançaram um acordo político provisório. O texto legislativo final deverá ser publicado e entrar em vigor nos próximos meses. A posição do CESE sobre esta matéria consta do parecer Criptoativos e tecnologia de registo distribuído (9).

3.   Riscos colocados pelos criptoativos

3.1.

De um modo geral, o crescimento rápido dos criptoativos pautou-se por uma estrutura operacional fraca, uma gestão insuficiente do risco cibernético e quadros de governação deficientes. A combinação destes três elementos aumenta os riscos para os clientes, sendo a cibersegurança uma questão importante no domínio dos criptoativos. Os criptoativos roubados conseguem geralmente entrar em mercados ilegais e são utilizados para financiar outras atividades criminosas. Da mesma forma, no contexto dos ataques com software de sequestro [ransomware], os criminosos pedem muitas vezes às vítimas que paguem o resgate em criptomoeda, como a bitcoin (10). O Regulamento relativo à resiliência operacional digital do setor financeiro (Regulamento DORA), recentemente aprovado pelos colegisladores e atualmente em fase de finalização para publicação, prevê requisitos uniformes em matéria de segurança das redes e dos sistemas de informação que sustentam os processos comerciais das entidades financeiras — onde se incluem os prestadores de serviços de criptoativos —, o que é necessário para assegurar um elevado nível comum de resiliência operacional digital.

3.2.

O ecossistema dos criptoativos está ainda exposto a um certo risco de concentração, uma vez que a negociação é dominada por um número relativamente reduzido de entidades (11). Um estudo concluiu que um conjunto de menos de 10 000 pessoas em todo o mundo detinha 4,8 milhões de bitcoins (12) — quase um terço dos 18,5 milhões de bitcoins minerados até à data, cujo valor de mercado ascende a cerca de 600 mil milhões de dólares dos Estados Unidos. A situação não se alterou muito. O ecossistema da bitcoin ainda é dominado por intervenientes concentrados e de grandes dimensões, sejam eles grandes mineradores (13), detentores de bitcoins ou negociadores. Esta concentração torna as bitcoins vulneráveis a riscos sistémicos, além de implicar a probabilidade de a maioria dos ganhos decorrentes da maior penetração dessa moeda nos mercados beneficiar, de forma desproporcionada, um pequeno número de participantes (14).

3.3.

No seu relatório mais recente (15), o CEF afirma que os sistemas do mercado, como o setor bancário, têm estado, em grande medida, protegidos da volatilidade dos criptoativos. Contudo, alerta para a importância crescente dos ativos digitais nas operações das instituições financeiras. Se uma criptomoeda estável importante (utilizada para pagamentos de forma generalizada) fracassar, essa situação poderá ter impacto na estabilidade financeira, numa altura de incerteza crescente devido à guerra na Ucrânia, com os preços dos produtos de base a registarem máximos históricos. O fracasso de uma criptomoeda estável poderá também conduzir a falta de liquidez no ecossistema alargado dos criptoativos, limitando, assim, os volumes transacionados.

3.4.

Conforme observado num parecer anterior (16), o CESE apoia plenamente os esforços envidados na UE com vista a aumentar a supervisão dos criptoativos. No entanto, devido à perceção de anonimato, os criptoativos podem ainda assim ser vítimas de intenções criminosas, apesar das melhorias registadas no seu seguimento. Recentemente, os criptoativos também passaram a predominar enquanto moeda preferida dos perpetradores de ciberataques, que utilizam software de sequestro para piratear sistemas e depois exigir pagamentos em bitcoin, como contrapartida para não destruírem nem divulgarem os dados valiosos da empresa. Além disso, verificou-se um aumento dos relatos de criptoesquemas de Ponzi. O BCE alega igualmente que são utilizadas criptomoedas para evitar as sanções impostas aos oligarcas russos devido à guerra na Ucrânia (17). O risco de utilização abusiva dos criptoativos para contornar as sanções à Rússia representa um alerta importante para a necessidade de obrigar estes mercados a cumprir as normas exigidas, nomeadamente as informações sobre os investidores, bem como os requisitos de divulgação e de combate ao branqueamento de capitais.

3.5.

A informação enganosa e a falta de transparência também suscitam grande preocupação. Alguns criptoativos são publicitados intensamente junto do público, recorrendo a materiais promocionais e outras informações que podem ser pouco claros, incompletos, inexatos ou intencionalmente enganosos, exagerando os ganhos potenciais e, ao mesmo tempo, subestimando os riscos envolvidos. A promoção é feita, muitas vezes, através de influenciadores nas redes sociais, que não divulgam se recebem um incentivo financeiro para promover determinados criptoativos, nomeadamente o recente aumento da arte em tokens não fungíveis (arte em NFT) associada a várias celebridades e desportistas.

3.6.

As autoridades de supervisão da UE consideram que as enormes flutuações de preço dos criptoativos representam um grande risco para os investidores, apesar de as flutuações dos mercados de ações mundiais poderem originar riscos semelhantes. De facto, muitos criptoativos sofrem oscilações de preços súbitas e extremas, o que os torna altamente especulativos, na medida em que os preços dependem sobretudo da procura dos investidores. As oscilações de preços extremas suscitam novas dúvidas sobre o futuro das criptomoedas enquanto classe de ativos.

3.7.

De forma preocupante no caso dos criptoativos, os investidores muitas vezes veem-se na impossibilidade de fazer valer o seu direito a indemnizações por danos ou outros direitos num processo judicial, por exemplo por informação enganosa, especialmente porque, até ao momento, estes ativos não se enquadram na proteção existente prevista na regulamentação em vigor da UE para os serviços financeiros. Os investidores também não estão protegidos pelos sistemas de garantia de depósitos dos bancos, uma vez que estes sistemas abrangem apenas os depósitos em moeda e não criptoativos, ações e obrigações.

3.8.

Na perspetiva da UE, a futura entrada em vigor do Regulamento Mercados de Criptoativos deverá pôr termo à atual falta de harmonização entre Estados-Membros. No que se refere à tributação, aplicam-se várias abordagens nos Estados-Membros, muitos dos quais cobram um imposto de mais-valias sobre os lucros decorrentes de criptoativos, a taxas que variam entre 0 % e 50 %. Em 2020, com a adoção do pacote Finança Digital destinado a regulamentar a tecnologia financeira, a UE reconheceu o potencial do financiamento digital para a inovação e concorrência, atenuando simultaneamente os riscos inerentes.

3.9.

O CESE apela para a criação de um quadro operacional e regulamentar eficaz, a fim de melhorar o seguimento das transações e o cumprimento das obrigações fiscais dos criptoativos. Embora consciente dos problemas causados pela falta de uma supervisão centralizada dos criptoativos, pelo seu pseudoanonimato, pelas dificuldades de avaliação, pelas características híbridas e pela evolução rápida da tecnologia subjacente, o CESE entende que é possível assegurar o cumprimento das obrigações fiscais com base numa abordagem simétrica. Um estudo recente (18) revelou que a tributação das mais-valias geradas pela bitcoin na UE poderia gerar receitas de 850 milhões de euros em 2020, o que põe em evidência o volume significativo de receitas fiscais que se pode obter com este setor. Isto, claro está, no pressuposto de que os rendimentos obtidos através de criptoativos são tributados, à semelhança dos instrumentos financeiros tradicionais, o que implicaria fazer cumprir devidamente as obrigações fiscais, com base numa comunicação das informações adequada e na possibilidade de as administrações fiscais acederem às informações. Outra vantagem da melhoria do seguimento em tempo real das vendas das empresas seria o reforço do processo de cobrança do IVA.

3.10.

Importa salientar que alguns criptoativos podem ser classificados como instrumentos financeiros no âmbito da Diretiva Mercados de Instrumentos Financeiros II (DMIF II), como moeda eletrónica ao abrigo da Diretiva Moeda Eletrónica ou como fundos no âmbito da Diretiva Serviços de Pagamento 2. O problema é que alguns Estados-Membros instituíram regras específicas a nível nacional para os criptoativos que não se enquadram na regulamentação atual da UE, conduzindo a fragmentação regulamentar. Essa situação distorce a concorrência no mercado único, dificultando a expansão transfronteiras das atividades dos prestadores de serviços de criptoativos e resultando em arbitragem regulamentar.

3.11.

O CESE concorda que é preferível adotar uma abordagem holística que vise tanto os criptoativos suscetíveis de ser equiparáveis a instrumentos financeiros existentes como os criptoativos que atualmente não se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação da regulamentação, mas recomenda vivamente que as autoridades respeitem o princípio «mesma atividade, mesmos riscos, mesmas regras». Tal implica tirar partido dos quadros regulamentares vigentes no caso das empresas que efetuam transações de criptoativos que requerem uma cobertura de riscos semelhantes aos riscos subjacentes às transações tradicionais. O CESE considera que esta abordagem é necessária para evitar assimetrias entre serviços e ativos análogos, que poderiam ser abrangidos por quadros diferentes por questões de ordem técnica. Além disso, a qualquer inovação no domínio dos criptoativos deve seguir-se uma resposta regulamentar eficaz para minimizar os riscos.

3.12.

Por fim, as consequências ambientais dos criptoativos e das atividades de mineração conexas são de extrema importância, tendo em conta os compromissos climáticos da UE no âmbito do Pacto Ecológico. Um estudo realizado recentemente pelo Banco Central dos Países Baixos (2021) esclarece que a pegada de carbono da rede de bitcoin está a aumentar, correspondendo a um consumo total de eletricidade pela rede comparável ao consumo dos Países Baixos, resultando num custo ambiental de 4,2 mil milhões de euros (19). No entanto, poderá ser pertinente comparar esse valor com o consumo de energia elétrica do setor bancário a nível mundial. A este respeito, o CESE observa que as tecnologias de registo distribuído emergentes, como a cadeia de blocos, estão aparentemente a ser utilizadas para permitir a criação de infraestruturas sustentáveis para um futuro hipocarbónico. No entanto, ainda não existem provas concretas de que tal aconteça efetivamente. Um aspeto positivo é o facto de os criadores de todo o setor da energia procurarem tirar partido das tecnologias de registo distribuído para ajudar a descentralizar a distribuição de energia, controlar as redes de energia através de contratos inteligentes e prestar serviços de resposta à procura em função das previsões de consumo e de oferta de eletricidade.

4.   Oportunidades proporcionadas pelos criptoativos

4.1.

À luz dos riscos referidos acima, não é claro até que ponto as criptomoedas alguma vez se tornarão um meio de troca dominante. Contudo, não seria irrealista prever que as lacunas que têm caracterizado os criptoativos, como a capacidade de processamento e o consumo muito elevado de energia necessário à sua mineração, poderão ser colmatadas por futuras evoluções tecnológicas. O mesmo se pode aplicar aos riscos associados à atividade criminosa e ao branqueamento de capitais, em que a percentagem ilícita do volume de transações de criptomoeda caiu de 0,62 % em 2020 para 0,15 % em 2021 (20), à medida que os serviços responsáveis pela aplicação da lei se aperfeiçoam no seguimento e apreensão de criptomoedas ilícitas. Face ao exposto, o CESE assinala que, desde a publicação do seu plano de ação para a tecnologia financeira, em março de 2018, a Comissão Europeia analisou as oportunidades e os desafios suscitados pelos criptoativos.

4.2.

Embora importe prever um quadro legislativo robusto em matéria de criptoativos, conforme estabelecido na proposta da Comissão (21), o CESE entende que a cadeia de blocos, enquanto principal tecnologia subjacente aos criptoativos, poderá dar um contributo significativo para minimizar os riscos existentes. Os benefícios potenciais da cadeia de blocos vão das transações em tempo real, permitindo uma redução dos riscos e uma melhor gestão do capital, ao reforço da eficácia regulamentar, por exemplo utilizando a cadeia de blocos para controlos em matéria de conhecimento do cliente e de branqueamento de capitais. Além disso, a cadeia de blocos promove o reforço da cibersegurança, uma vez que piratear um ecossistema assente em cadeias de blocos exige recursos exorbitantes a nível de rede e de capacidade computacional. Existe ainda um potencial de integração significativo com outras tecnologias emergentes, como a inteligência artificial (IA) e a Internet das coisas, para apoiar a tecnologia dos criptoativos.

4.3.

Conforme salientado anteriormente, a falta de transparência e de informações constitui um problema grave relacionado com os criptoativos, conduzindo a um pseudoanonimato e à escassez de dados fiscais. As limitações existentes podem ser ultrapassadas com a evolução tecnológica, melhorando, assim, a transparência e a qualidade dos dados enviados às autoridades fiscais para efeitos de cumprimento, combatendo a fraude fiscal e as transações ilícitas. Além disso, as sinergias criadas entre a cadeia de blocos e a IA podem também ser uma solução, na medida em que a tecnologia das cadeias de blocos fornece dados de alta qualidade para aplicações de IA, assim como padrões transparentes para estudos de referência, além de assegurar a integridade de uma liquidação de imposto automática.

4.4.

A evolução tecnológica nas cadeias de blocos pode ainda incentivar os bancos a cooperarem no âmbito do ecossistema das cadeias de blocos, ao facultar-lhes a possibilidade de partilharem informações e experiências com a comunidade alargada de cadeias de blocos através de uma plataforma de negociação. Uma tal infraestrutura pode disponibilizar um serviço plenamente integrado de negociação de extremo a extremo, liquidação e custódia para ativos digitais assentes em cadeias de blocos. Poderia ainda proporcionar um ambiente seguro para a emissão e negociação de ativos digitais, além de permitir a fichização ou tokenização de valores mobiliários existentes e de ativos não financiáveis pelos bancos, por forma a tornar ativos anteriormente impossíveis de negociar em ativos negociáveis.

4.5.

Como é evidente é necessário um quadro regulamentar robusto para o efeito. No entanto, o quadro regulamentar tem de ser coerente entre jurisdições, e não apenas na UE. Importa estabelecer, dentro e fora da UE, normas assentes nos princípios relativos às condições de concorrência equitativas, a fim de proteger os consumidores. Neste contexto, o CESE aprova o Regulamento Transferências de Fundos, embora, em alguns aspetos, vá mais longe do que a regulamentação das operações de financiamento tradicionais. Porém, apoia, ao mesmo tempo, a inovação na UE e entende que é importante que os produtos comuns de natureza não financeira baseados na tecnologia das cadeias de blocos sejam tratados como os seus homólogos físicos e não como instrumentos financeiros, em conformidade com o princípio «mesma atividade, mesmos riscos, mesmas regras».

4.6.

Por último, uma consideração a respeito da possível introdução de um euro digital. Deve ficar claro que um euro digital não é um criptoativo, mas outra forma de euro (22). O euro digital permitiria aos cidadãos da UE efetuar pagamentos digitais em toda a área do euro, tal como utilizam o numerário para efetuar pagamentos físicos. Há, evidentemente, argumentos a favor e contra a introdução de um euro digital, mas parece ser um passo lógico à medida que os pagamentos se tornam cada vez mais digitalizados. Trata-se de uma questão crítica por duas razões: por um lado, um euro digital poderia contrariar de alguma forma o domínio dos Estados Unidos no mercado das criptomoedas estáveis e, por outro, é importante que o BCE continue a acompanhar a evolução dos criptoativos e as suas potenciais implicações para a política monetária, bem como os riscos que os criptoativos podem representar quer para o bom funcionamento das infraestruturas de mercado e dos pagamentos, quer para a estabilidade do sistema financeiro.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  O texto só deverá ser finalizado depois de aprovado pelo COREPER em finais de setembro de 2022, pelo que, muito provavelmente, não estará disponível antes da adoção do presente parecer.

(2)  O Regulamento Transferências de Fundos resulta essencialmente da recomendação do Grupo de Ação Financeira no sentido de prever a obrigação de os prestadores de serviços de pagamento acompanharem as transferências de fundos de informações sobre o ordenante e o beneficiário. As novas tecnologias como as utilizadas nas transferências de criptoativos serão abrangidas pelo Regulamento Transferências de Fundos.

(3)  «Assessment of risks to financial stability from crypto-assets» [Avaliação dos riscos para a estabilidade financeira suscitados pelos criptoativos].

(4)  Liao e Caramichael (2022), «Stablecoins: Growth potential and impact on banking» [Criptomoedas estáveis: potencial de crescimento e impacto no setor bancário], International Finance Discussion Papers n.o 1334, Washington: Conselho da Reserva Federal.

(5)  «DeFi» significa, essencialmente, a prestação de serviços financeiros de forma descentralizada, ou seja, sem recurso a um intermediário para facilitar a prestação do serviço financeiro. Após serem desenvolvidas por pessoas a título individual, as aplicações DeFi são implantadas na cadeia de blocos e ganham gradualmente vida própria, uma vez que a governação é cedida à comunidade de utilizadores. A forma última de uma aplicação DeFi é uma organização autónoma descentralizada. Esta prestação de serviços financeiros de forma descentralizada contrasta com o sistema financeiro tradicional, que depende de intermediários centralizados que controlam o acesso aos serviços financeiros. Não é a utilização da tecnologia das cadeias de blocos per se, mas a ausência de intermediários (possibilitada nomeadamente pela cadeia de blocos), que determina se estamos perante uma prestação de serviços financeiros descentralizada.

(6)  Chainalysis (2021).

(7)  Ver Sajeev, K.C., Afjal, M. «Contagion effect of cryptocurrency on the securities market: a study of Bitcoin volatility using diagonal BEKK and DCC GARCH models» [Efeito de contágio da criptomoeda no mercado de valores mobiliários: estudo da volatilidade da bitcoin com recurso aos modelos BEKK diagonal e DCC GARCH]. SN Bus Econ 2, 57 (2022).

(8)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos mercados de criptoativos e que altera a Diretiva (UE) 2019/1937, COM(2020) 593 final, de 24 de setembro de 2020.

(9)  JO C 155 de 30.4.2021, p. 31.

(10)  «Crypto-assets: Key developments, regulatory concerns and responses» [Criptoativos: evolução principal, preocupações em matéria de regulamentação e respostas].

(11)  É pertinente salientar que o grau de risco de concentração se exprime em termos relativos e está limitado ao ecossistema de criptoativos. Não tem qualquer incidência na concentração da riqueza ilustrada, por exemplo, na lista dos multimilionários do mundo publicada pela revista Forbes.

(12)  Makarov, I., Schoar, A., Blockchain Analysis of the Bitcoin Market [Análise do mercado da bitcoin da perspetiva da cadeia de blocos], 18 de abril de 2022.

(13)  A mineração criptográfica é o processo de criação de blocos individuais adicionados à cadeia de blocos através da resolução de problemas matemáticos complexos. O objetivo da mineração consiste em validar as transações de criptomoedas e comprovar o trabalho realizado (proof-of-work), acrescentando esta informação a um bloco na cadeia de blocos, que funciona como um registo das transações de mineração.

(14)  Makarov, I., Schoar, A., Blockchain Analysis of the Bitcoin Market [Análise do mercado da bitcoin da perspetiva da cadeia de blocos], 18 de abril de 2022.

(15)  «Assessment of risks to financial stability from crypto-assets» [Avaliação dos riscos para a estabilidade financeira suscitados pelos criptoativos].

(16)  Parecer do CESE Criptoativos e tecnologia de registo distribuído (JO C 155 de 30.4.2021, p. 31).

(17)  A presidente do BCE, Christine Lagarde, afirma que estão a ser utilizados criptoativos para contornar as sanções impostas à Rússia.

(18)  Thiemann, A. (2021), «Cryptocurrencies: An empirical View from a Tax Perspective» [Criptomoedas: uma análise empírica do ponto de vista fiscal], JRC Working Papers on Taxation and Structural Reforms n.o 12/2021, Comissão Europeia, Centro Comum de Investigação, Sevilha, JRC126109.

(19)  Trespalacios, J.P., e Dijk, J., «The carbon footprint of bitcoin» [A pegada de carbono da bitcoin], De Nederlandsche Bank, DNB Analysis Series, 2021.

(20)  The Chainalysis, «2022 Crypto Crime Report» [Relatório de 2022 sobre a criptocriminalidade].

(21)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos mercados de criptoativos e que altera a Diretiva (UE) 2019/1937, COM(2020) 593 final.

(22)  Ver o Parecer de Iniciativa em curso — Euro digital.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/37


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Estratégia para o Pessoal de Saúde e a Prestação de Cuidados para o futuro da Europa

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/06)

Relator:

Danko RELIĆ

Relatora:

Zoe TZOTZE-LANARA

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

6.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

194/4/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE defende firmemente o princípio segundo o qual o desenvolvimento de sistemas de saúde fortes e resilientes depende de pessoal de saúde instruído, qualificado e motivado, o que é fundamental para o êxito da política de saúde e, por conseguinte, essencial para assegurar a toda a população cuidados de saúde centrados nas pessoas e o «direito à saúde», como recomendado pela Conferência sobre o Futuro da Europa, garantindo a todos os europeus um acesso equitativo e sustentável a cuidados de saúde preventivos e curativos de qualidade e a preços comportáveis.

1.2.

O CESE congratula-se com a iniciativa respeitante a uma ação a nível da UE para reforçar os cuidados continuados e os serviços de educação e acolhimento na primeira infância, como previsto no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o que contribuirá para serviços de cuidados de elevada qualidade, acessíveis, equitativos e a preços comportáveis, bem como para reforçar a igualdade de género e a justiça social.

1.3.

O CESE apela para uma abordagem transformadora da prestação de cuidados centrada nas pessoas, nos seus direitos e necessidades, que permita nomeadamente a sua participação em debates, consultas e decisões pertinentes. Insta a Comissão a ser ambiciosa na definição de uma estratégia de prestação de cuidados que contribua para a coesão e a convergência ascendente dos cuidados de saúde e dos cuidados continuados nos Estados-Membros e entre os mesmos.

1.4.

A criação de uma garantia europeia para a prestação de cuidados pode assegurar que todas as pessoas que vivem na UE tenham acesso vitalício a serviços de saúde e de cuidados de qualidade e a preços comportáveis, resolver lacunas na prestação de cuidados e promover condições de trabalho dignas, proporcionando oportunidades de formação. É essencial apoiar os cuidadores informais, reconhecendo mais o seu trabalho, bem como promover políticas orientadas para resolver os problemas dos cuidados informais, remunerados e não remunerados, para assegurar uma utilização eficiente dos recursos.

1.5.

Uma vez que continuam a ser fundamentais serviços públicos eficientes, responsáveis e bem financiados para garantir a igualdade de acesso a cuidados de qualidade, o CESE apela à União Europeia para que assegure a complementaridade assente na solidariedade entre todos os prestadores de serviços de cuidados, incentive o investimento nos serviços públicos e na economia social e apoie os agentes da economia social no setor da prestação de cuidados.

1.6.

O planeamento do pessoal deve ter em conta a evolução das tecnologias digitais, já que as inovações nesse domínio criam oportunidades para novos ambientes e contextos de trabalho para a prestação dos cuidados e exigem novas competências. O apoio à digitalização dos serviços de cuidados continuados é fundamental para combater a divisão digital e a pobreza digital.

1.7.

O CESE propõe que se atualize o plano de ação para o pessoal dos setores da saúde e da prestação de cuidados na União Europeia (1). O desenvolvimento de um planeamento e previsão integrados do pessoal no setor da saúde e a adaptação das competências dos profissionais de saúde e de cuidados continuados são essenciais para melhorar o acesso a esses serviços e a qualidade dos mesmos. Um plano atualizado poderia assegurar uma recolha de dados mais eficaz, aproveitando o potencial da digitalização em toda a UE, e desenvolver métodos para uma previsão mais eficaz das necessidades em termos de pessoal e competências.

1.8.

O CESE salienta que cumpre respeitar o direito à mobilidade na UE. A mobilidade transfronteiras acrescenta uma nova dimensão ao planeamento do pessoal, e a criação de um serviço europeu de monitorização dos profissionais de saúde, destinado a ajudar os Estados-Membros a estabelecer e manter estruturas de planeamento, bem como a coordenar os aspetos transfronteiras do planeamento, constituiria um elemento infraestrutural útil a longo prazo.

1.9.

O diálogo social, com a participação de governos, empregadores e trabalhadores e respetivas organizações representativas, é fundamental para uma estratégia transformadora dos cuidados e para sistemas de saúde e de prestação de cuidados resilientes na UE. Importa associar os prestadores e os beneficiários de cuidados à conceção de um ecossistema de saúde e de cuidados inclusivo, resiliente e equitativo em termos de género.

2.   Observações gerais sobre a prestação de cuidados

2.1.

Vitais para a proteção social e para o bem-estar dos cidadãos da UE, os cuidados continuados compreendem uma gama de serviços e assistência destinados às pessoas que sofrem de fragilidade ou deficiência mental ou física, por períodos de tempo prolongados, que dependem de ajuda na vida quotidiana ou exigem cuidados de enfermagem permanentes por prestadores profissionais ou não profissionais, remunerados ou não remunerados, em casa ou em centros de enfermagem ou em instituições de acolhimento (2).

2.2.

A pandemia de COVID-19 constituiu um grande teste à resiliência e à adequação dos sistemas de cuidados em toda a UE, revelando problemas estruturais, como o subfinanciamento e a falta de pessoal em muitos países, que podem agravar-se devido aos desafios económicos e políticos atuais, à inflação, à instabilidade e à crise energética.

2.3.

O Pilar Europeu dos Direitos Sociais consagra o direito aos cuidados, bem como o direito de todas as pessoas acederem a serviços de cuidados formais de qualidade em função das suas necessidades. Anunciada pela presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen no seu discurso de 2021 sobre o estado da União, a nova Estratégia Europeia de Prestação de Cuidados propõe duas recomendações do Conselho, uma sobre as estruturas de acolhimento de crianças (revisão das metas de Barcelona) e outra sobre cuidados de longa duração ou continuados. O Parlamento Europeu recomendou a melhoria da prestação de cuidados ao longo da vida com base nas necessidades dos beneficiários e prestadores de cuidados, instando a Comissão a apoiar os Estados-Membros no desenvolvimento de serviços de prestação de cuidados de qualidade (3).

2.4.

O CESE adotou vários pareceres sobre a prestação de cuidados na UE (4), sublinhando a necessidade de investir em cuidados de alta qualidade, sustentáveis e acessíveis a todos, bem como de colmatar as deficiências nos serviços de acolhimento de crianças e nos serviços de prestação de cuidados continuados. Identificou lacunas na prestação universal de cuidados, que se manifestam «na diversificação e fragmentação dos serviços disponibilizados, na regulamentação deficiente desses serviços, nas dificuldades em coordenar os níveis de gestão, nos problemas de articulação entre os serviços sociais e de saúde, na mercantilização crescente dos serviços e na necessidade de políticas e medidas de prevenção». Opondo-se aos estereótipos e outras discriminações contra as pessoas idosas, o CESE apelou para cuidados centrados nas pessoas, sustentados na digitalização. Neste contexto, o CESE recomenda que se aproveite plenamente a digitalização para reduzir a burocracia desnecessária que afeta os prestadores de cuidados e se aplique os melhores resultados da regulamentação inteligente.

3.   Uma abordagem transformadora da prestação de cuidados

3.1.

Uma Estratégia Europeia de Prestação de Cuidados eficaz requer o compromisso com uma abordagem transformadora e ambiciosa, que tenha como elemento central as pessoas e as suas necessidades e direitos fundamentais, assegurando a sua participação em consultas e decisões, e encerra o potencial para contribuir para a coesão e a convergência ascendente nos Estados-Membros e entre os mesmos.

3.2.

Ao materializar essa transformação, a garantia europeia para a prestação de cuidados assegura o acesso vitalício de todas as pessoas que residem na UE a cuidados de qualidade e a preços comportáveis e cria um enquadramento coeso para os Estados-Membros proporcionarem serviços de elevada qualidade e estratégias de prestação de cuidados ao longo da vida, melhorando as condições de trabalho e formação dos prestadores de cuidados formais e o apoio dado aos cuidadores informais.

3.3.

Uma abordagem transformadora exige um investimento em larga escala na economia e nas infraestruturas da prestação de cuidados, com vista a colmatar as lacunas persistentes neste setor, criando potencialmente cerca de 300 milhões de empregos até 2035, o que também melhoraria a igualdade de género e o acesso das mulheres aos mercados de trabalho (5).

3.4.

Embora existam diferentes modelos nos Estados-Membros, continua a ser fundamental dispor de serviços públicos eficientes, responsáveis e bem financiados para garantir a igualdade de acesso a cuidados de qualidade e para apoiar os prestadores de cuidados não remunerados, particularmente as mulheres. O CESE realça a necessidade de maximizar a complementaridade e as sinergias entre todos os prestadores de cuidados e de saúde, tanto no setor público como no setor privado (com e sem fins lucrativos), com vista a alcançar uma cobertura universal (6), tendo em conta as boas práticas e os exemplos positivos dos Estados-Membros, no respeito pelas especificidades e diferenças nacionais.

3.5.

As tendências de privatização e as práticas orientadas para o mercado, como a seleção de riscos e a maximização do lucro em detrimento dos cuidados e da saúde podem exacerbar as desigualdades, afetando os mais vulneráveis, cujas necessidades de cuidados não serão satisfeitas. Assentes na solidariedade, no respeito pelas competências nacionais e na subsidiariedade, os cuidados continuados e as estruturas de acolhimento de crianças exigem, a nível da UE e dos Estados-Membros, sistemas de proteção social e serviços públicos robustos, investimento social e agentes da economia social (por exemplo, mutualidades), a fim de assegurar a prestação de serviços de cuidados ao domicílio e de cuidados de proximidade ótimos, por prestadores com formação adequada (7).

3.6.

Os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento podem ser utilizados para apoiar o investimento na prestação de cuidados. No que diz respeito aos cuidados de saúde e aos cuidados continuados, a Comissão deve direcionar melhor as suas recomendações específicas por país elaboradas no âmbito do Semestre Europeu e, se necessário, ajudar os Estados-Membros a privilegiar financiamentos adequados, que constituam investimentos produtivos ao invés de encargos económicos.

4.   Condições de trabalho, desafios e potencial de emprego

4.1.

Na UE, cerca de 6,3 milhões de pessoas trabalham no setor dos cuidados continuados, enquanto 44 milhões prestam com frequência cuidados continuados informais a familiares ou amigos, o que faz deste um dos setores de crescimento mais rápido a nível mundial (8). Até 2030, espera-se a criação de até 7 milhões de postos de trabalho para profissionais no domínio da saúde e da prestação de cuidados (9).

4.2.

Os desafios principais do setor da prestação de cuidados passam pela escassez de pessoal, pelas condições de trabalho exigentes e pouco atrativas, pela mão de obra envelhecida e pelo subfinanciamento, devido aos cortes orçamentais efetuados no setor social e da saúde durante a crise económica de 2008, que afetaram todos os Estados-Membros, em grau variável (10). Em quase todos os Estados-Membros, o aumento da procura ultrapassa o crescimento do nível de emprego, devido às condições de trabalho penosas no plano psicológico e físico, que levam os trabalhadores a abandonar o setor — uma tendência exacerbada pela pandemia, que afeta negativamente a saúde e a segurança tanto dos beneficiários como dos prestadores de cuidados.

4.3.

Uma abordagem transformadora deve promover a igualdade de género, tendo em conta que as mulheres representam mais de 80 % dos trabalhadores no setor da prestação de cuidados, são as principais cuidadoras e beneficiárias de cuidados, quer em contextos formais, quer informais (11), e têm, em média, uma idade superior à da mão de obra total da UE. Uma vez que são as mulheres a assumir a maior parte das responsabilidades de prestação de cuidados no agregado familiar, a existência de serviços de educação e acolhimento na primeira infância e de cuidados continuados acessíveis e a preços comportáveis permitiria a um maior número de mulheres ingressar no mercado de trabalho. O direito a, pelo menos, cinco dias úteis de licença de cuidador por ano, introduzido pela Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida, proporcionará algum apoio aos cuidadores informais que tentam conciliar a vida profissional com as responsabilidades familiares. No entanto, a falta de licenças remuneradas adequadas impede o pleno usufruto desta disposição da diretiva e pode agravar as desigualdades entre homens e mulheres.

4.4.

Em muitos países da UE, os salários do setor estão abaixo da média, apesar das condições de trabalho penosas, dos requisitos específicos em matéria de aptidões ou competências e qualificações e dos riscos elevados em matéria de saúde e segurança no trabalho (12). Em vários Estados-Membros, a sindicalização, a cobertura da negociação coletiva, a satisfação no trabalho e os rácios pessoal-utente apresentam níveis baixos. Ademais, a pandemia revelou, entre outros aspetos, um fornecimento deficiente de equipamento de proteção individual.

4.5.

Apesar de os cuidados informais não remunerados, ou cuidados familiares, serem uma pedra angular da prestação de cuidados continuados na Europa, em muitos países, os serviços de cuidados ao domicílio e de cuidados de proximidade continuam a estar subdesenvolvidos e a ser de difícil acesso (13). Tendo em conta o impacto da prestação dos cuidados informais em aspetos fundamentais das perspetivas de vida, o CESE recomenda vivamente políticas que promovam a «formalização» dos cuidados informais, apoiem os prestadores de cuidados informais e contribuam para uma utilização eficiente dos recursos.

4.6.

O CESE manifesta preocupação com o trabalho de prestação de cuidados precário generalizado entre trabalhadores não declarados, principalmente as trabalhadoras domésticas que são cuidadoras residentes e pertencem, na maioria dos casos, a grupos migrantes ou a categorias de cidadãos móveis. Esta zona cinzenta, agravada pela falta de acesso a cuidados formais e pela necessidade económica, exige uma abordagem política coesa, que dedique a devida atenção à certificação de competências, à regularização e/ou a procedimentos de autorização de residência.

4.7.

Com o aumento da procura de cuidados continuados, o setor beneficiará de salários mais elevados e atrativos, de representação coletiva e negociação coletiva efetivas e de mais formação. A mobilização de financiamento público para melhorar as condições de trabalho (por exemplo, através de requisitos em matéria de contratação pública) pode ajudar a resolver a escassez de pessoal e a assegurar cuidados continuados de qualidade elevada. A profissionalização, a definição de padrões de qualidade e a elaboração de normas para avaliar ou medir a qualidade, bem como a harmonização das normas entre os Estados-Membros, são essenciais para a renovação do setor (14).

5.   Observações adicionais

5.1.

A pandemia expôs uma situação de fragmentação e dispersão em muitos Estados-Membros, em particular, nas responsabilidades pelo financiamento e pela prestação de cuidados, o que revela a necessidade de integrar melhor os sistemas nacionais de assistência social e de saúde (15), idealmente colocados para assegurar o acesso universal e a eficiência.

5.2.

Um dos principais desafios emergentes, que requer medidas concertadas na nova estratégia de prestação de cuidados, diz respeito à prevenção e ao combate dos problemas de saúde mental, que são o resultado combinado da pandemia e do aumento da incidência de perturbações psiquiátricas (por exemplo, a demência) associado ao envelhecimento da população.

5.3.

Como demonstra a experiência recente de prevenção e controlo da COVID-19 em estruturas de cuidados continuados (16), é fundamental levar a cabo uma avaliação eficaz, assim como uma supervisão externa e inspeção eficientes e racionalizadas nas estruturas de prestação de cuidados tanto do setor público como do setor privado para prevenir abusos e garantir a segurança e qualidade, em especial das populações vulneráveis, como as pessoas idosas e as crianças, tirando partido das boas práticas existentes nos Estados-Membros.

5.4.

A normalização dos procedimentos de recolha de dados e dos indicadores de cuidados continuados em toda a UE é vital para uma estratégia de prestação de cuidados eficaz a nível dos Estados-Membros, que deve incluir também obrigações de comunicação de informações e análises periódicas a realizar com base em procedimentos eficientes e simplificados. Em especial, a disponibilização de serviços de acolhimento de crianças adequados carece de metas quantitativas e qualitativas para medir os progressos, cumprir as metas de Barcelona e ir mais além.

5.5.

O apoio à digitalização dos serviços de cuidados continuados é fundamental para combater a divisão digital. Cabe dar especial atenção à acessibilidade, aos sistemas de assistência, à melhoria da literacia digital e à digitalização, a fim de assegurar a qualidade do emprego, a melhoria de competências e novos métodos de diagnóstico, acompanhamento e tratamento.

5.6.

O CESE condena os crimes de guerra cometidos pela Federação da Rússia na Ucrânia contra os trabalhadores do setor da saúde e prestação de cuidados, os doentes e as crianças, visando hospitais e outras instalações. Além dos mortos e feridos causados, esta agressão afeta gravemente o sistema de saúde e de prestação de cuidados da Ucrânia, pelo que exige assistência e medidas de apoio específicas, tendo igualmente em conta que a crise na Ucrânia está a propagar-se a toda a parte e afeta muitos aspetos do contexto económico e social.

5.7.

O diálogo social, com a participação do governo, dos empregadores e trabalhadores e das suas organizações representativas, é fundamental para uma estratégia transformadora da prestação de cuidados e para a resiliência dos sistemas de saúde na UE. Importa associar os beneficiários e os prestadores de cuidados à conceção de um ecossistema de saúde e de cuidados mais inclusivo, resiliente e equitativo na perspetiva de género, que assegure a participação da sociedade civil e de outras partes interessadas, por exemplo, a Igreja e as instituições de filantropia.

6.   Observações gerais sobre o pessoal de saúde

6.1.

Os cuidados de saúde de qualidade constituem um dos pilares de uma sociedade estável, segura e próspera, sendo a sua organização da responsabilidade dos governos. Em muitos países, é prática comum recorrer à contratação rápida e a baixo custo de trabalhadores de saúde de outros países europeus. Aceita-se simplesmente essa prática como natural, pelo que, lamentavelmente, não é corrigida.

6.2.

O CESE defende firmemente o princípio segundo o qual o desenvolvimento de sistemas de saúde fortes e resilientes depende de pessoal de saúde instruído, qualificado e motivado, o que é fundamental para o êxito da política de saúde e, por conseguinte, essencial para assegurar a cobertura universal de saúde e o direito à saúde. As próprias recomendações da Conferência sobre o Futuro da Europa visam criar um «direito à saúde», garantindo a todos os europeus um acesso equitativo e universal a cuidados de saúde preventivos e curativos de qualidade e a preços comportáveis.

6.3.

A União Europeia da Saúde deve melhorar a proteção, a prevenção, a preparação e a resposta às ameaças para a saúde humana a nível da UE. Neste contexto, o êxito de todas as iniciativas fundamentais no âmbito da União Europeia da Saúde depende fortemente da disponibilidade de pessoal de saúde de elevada qualidade.

6.4.

Em vários pareceres (17), o CESE abordou a questão do pessoal de saúde numa série de outros contextos e atividades. Em situações de pandemia, em particular, os trabalhadores da saúde encontram-se na linha da frente e demonstram um nível de solidariedade excecional nos momentos mais difíceis.

6.5.

O CESE apoia a adoção de medidas para tornar os postos de trabalho no setor da saúde mais atrativos para os jovens. Esta é uma das condições mais importantes para dotar os sistemas de saúde da capacidade de recursos humanos suficiente para dar resposta às necessidades de cuidados de saúde, promoção da saúde e prevenção das doenças.

6.6.

É importante proceder à normalização dos dados relativos aos números, à migração, às competências e a outros aspetos específicos relacionados com o pessoal de saúde e assegurar a sua partilha contínua entre os Estados-Membros. Múltiplos acontecimentos (a pandemia de COVID-19, sismos, inundações, a invasão da Ucrânia pela Rússia, etc.) demonstram a importância de uma resposta rápida, especialmente em situações de crise.

6.7.

Entre 2000 e 2017, o número de profissionais dos setores da saúde e da assistência social aumentou 48 % nos países da OCDE (18). À medida que a população envelhece e a sua estrutura se altera, a procura de serviços de saúde também aumentará e sofrerá alterações. Estima-se que a procura mundial de profissionais de saúde quase duplicará até 2030 (19).

6.8.

Ainda antes da pandemia de COVID-19, a capacidade para prestar serviços de saúde básicos era limitada em muitos países devido à escassez persistente de pessoal de saúde, prevendo-se a falta, a nível mundial, de 18 milhões de profissionais de saúde até 2030 (20).

6.9.

É importante definir claramente os princípios da possível transferência ou combinação de competências e tarefas (delegação de tarefas ou associação de competências). É necessário proceder à coordenação das instituições que formam os profissionais de saúde para que respondam adequadamente às necessidades dos sistemas nacionais de saúde através de correções atempadas nas taxas de inscrição e nos programas curriculares.

6.10.

O desenvolvimento dos recursos humanos no setor da saúde e da assistência social deve seguir o princípio da coordenação, da cooperação intersetorial e da integração dos cuidados, com o objetivo comum de assegurar a continuidade dos cuidados aos cidadãos, com base no modelo de 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano.

6.11.

Importa dedicar especial atenção à disponibilidade de tratamentos nas comunidades locais, particularmente nas regiões escassamente povoadas, nas zonas rurais remotas ou isoladas e nas regiões insulares, onde é necessário recorrer de forma mais ativa a soluções modernas de transporte e de telemedicina.

7.   Planeamento do pessoal no setor da saúde

7.1.

O CESE considera que o planeamento do pessoal no setor da saúde deve procurar criar condições para uma prática profissional que melhore a qualidade dos cuidados e a segurança dos doentes. Simultaneamente, importa assegurar a capacidade de ministrar uma formação de alta qualidade a todos os níveis.

7.2.

Cumpre considerar a gestão do pessoal de saúde uma atividade de importância estratégica para o conjunto da administração pública, em que os governos dos Estados-Membros desempenham um papel fundamental, a executar numa perspetiva multissetorial, tendo em conta diferentes ângulos e prioridades.

7.3.

A gestão do pessoal de saúde deve abranger todas as fases do «ciclo de vida dos profissionais» — desde o recrutamento de futuros estudantes até ao recurso a reformados. O processo de seleção de candidatos para formação, emprego e promoção deve ser transparente e justo, sem qualquer forma de discriminação.

7.4.

No planeamento do pessoal no setor da saúde, é importante ter em conta as necessidades dos cidadãos e dos profissionais de saúde, que devem ser claramente expostas. Os processos de planeamento e gestão devem estabelecer os métodos que permitem identificar todas as necessidades dos profissionais, que vão das condições de trabalho, dos direitos materiais, das oportunidades de progressão e da atribuição de tempo e recursos adequados para a aprendizagem e a investigação ao estabelecimento de um equilíbrio sustentável entre a vida pessoal e profissional.

7.5.

O planeamento do pessoal no setor da saúde deve refletir o planeamento da estrutura, assim como as ações e os processos utilizados para cumprir os objetivos fixados, definindo, nomeadamente, os resultados a alcançar e a forma específica de o fazer.

7.6.

O CESE propõe que se atualize o plano de ação para o pessoal dos setores da saúde e da prestação de cuidados na União Europeia (21). O desenvolvimento de um planeamento e previsão integrados do pessoal no setor da saúde e a adaptação das competências dos profissionais de saúde e de cuidados continuados são essenciais para melhorar o acesso a esses serviços e a qualidade dos mesmos.

7.7.

Os parceiros sociais e todas as organizações interessadas da sociedade civil devem desempenhar um papel ativo no processo de planeamento do pessoal no setor da saúde. É necessário definir as relações entre os diferentes grupos profissionais, as necessidades específicas da população e o sistema para competências específicas.

7.8.

Há que identificar as zonas geográficas pouco atrativas ou os domínios de atividade em que há escassez de recursos humanos, a fim de salvaguardar os direitos e proporcionar incentivos adequados aos profissionais de saúde. O CESE entende que a Comissão Europeia deve emitir recomendações sobre um rácio mínimo de recursos por unidade populacional para a cobertura universal de saúde de referência e para emergências, tendo em conta a distribuição geográfica e a pirâmide de idades (22).

7.9.

Enquanto base para essas recomendações, importa melhorar os exercícios de recolha de dados a nível internacional, para harmonizar, sempre que possível, as categorias de dados, a fim de identificar diferenças e evitar uma má interpretação dos mesmos. Para poder contextualizar os dados, importa refletir os desvios nacionais em relação às categorias harmonizadas a nível europeu (23).

7.10.

A questão dos recursos financeiros será abordada de forma diferente consoante as circunstâncias económicas de cada Estado-Membro. Os dados científicos sugerem que os Estados-Membros devem assegurar que o planeamento do sistema em geral, e o planeamento do pessoal de saúde em particular, têm em conta o ambiente geral e a capacidade relativa dos governos de o influenciar (24).

7.11.

O planeamento do pessoal deve ter em conta a evolução das tecnologias digitais, já que as inovações nesse domínio criam oportunidades para novos ambientes e contextos de trabalho para a prestação dos cuidados e exigem novas competências.

8.   Condições de trabalho

8.1.

A importância das condições de trabalho como fator a ponderar nas decisões dos profissionais de iniciar, manter ou abandonar uma carreira na medicina evidencia a relevância de políticas coerentes em domínios como a educação, o emprego, a vida familiar, as questões financeiras e a migração. Embora muitos dos debates sobre o planeamento do pessoal no setor da saúde incidam na remuneração dos profissionais enquanto fator determinante para o seu recrutamento e retenção, o acesso à educação e formação, incluindo o desenvolvimento profissional e a possibilidade de conservar competências, bem como as condições práticas, nomeadamente o acesso a assistência, o número oficial de horas de trabalho, a garantia de um nível suficiente de efetivos, as oportunidades de desenvolvimento profissional significativas e o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, contribuem para um ambiente de trabalho saudável em que a medicina é uma opção profissional atrativa e sustentável (25).

8.2.

As organizações médicas europeias e internacionais observam que os médicos que trabalham em hospitais e em consultórios privados e de medicina geral são cada vez mais confrontados com situações de violência — por vezes extrema — no seu trabalho diário, fora de zonas de conflito (26). O CESE insta a Comissão Europeia e todas as partes interessadas a demonstrarem empenho político e a tomarem consciência da necessidade urgente de proteger o pessoal de saúde no exercício das suas funções.

8.3.

Os profissionais de saúde correm o risco de contrair doenças infecciosas devido à exposição no local de trabalho. A transmissão de doenças conduz ao absentismo, à morbilidade e, em alguns casos, à mortalidade entre os profissionais de saúde. Em última análise, esta situação traduz-se numa redução do pessoal e, consequentemente, afeta a qualidade dos cuidados prestados aos doentes e a segurança.

8.4.

Os profissionais de saúde também podem sofrer de stress psicológico e possíveis perturbações mentais que afetam tanto o seu trabalho como a sua vida pessoal. Nos últimos anos, aumentaram os casos de profissionais de saúde que reduzem a atividade profissional ou se reformam antecipadamente devido ao esgotamento profissional, à depressão ou a outros problemas de saúde mental (27). O CESE solicita investimento nos serviços públicos de saúde mental para assegurar um acesso pleno e gratuito de todos os profissionais de saúde a esses serviços.

9.   Mobilidade

9.1.

O CESE salienta que o direito à mobilidade deve ser respeitado dentro e fora da UE. Há que facilitar a mobilidade transfronteiras em benefício dos trabalhadores e da profissão no seu conjunto, já que cria uma oportunidade para a transferência de conhecimentos e a aprendizagem mútua, o que melhora os cuidados prestados aos doentes e, em última análise, todo o sistema de saúde. Nos casos de migração económica ou por condições de trabalho desfavoráveis, é fundamental identificar e corrigir as causas profundas desta dinâmica e procurar melhorar a situação do pessoal de saúde (28).

9.2.

A mobilidade transfronteiras acrescenta uma nova dimensão ao planeamento do pessoal, e a criação de um serviço europeu de monitorização dos profissionais de saúde, destinado a ajudar os Estados-Membros a estabelecer e manter estruturas de planeamento e coordenar aspetos transfronteiras do planeamento, constituiria um elemento infraestrutural útil a longo prazo. Esse serviço deve estar ligado aos processos da UE, em especial ao Semestre Europeu e ao planeamento do combate a pandemias previsto num futuro regulamento da UE relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde (29).

9.3.

Os Estados-Membros devem aplicar políticas de recrutamento ético em conformidade com o Código de Prática Mundial da OMS para o Recrutamento Internacional de Pessoal de Saúde (30). O recrutamento de profissionais do estrangeiro não deve ser considerado apenas uma forma de atenuar a escassez de profissionais de saúde nacionais. Nos casos em que existem fluxos de mobilidade assimétricos, importa envidar esforços para criar mecanismos de compensação que permitam intercâmbios em que todos ganham.

10.   Observações adicionais

10.1.

É fundamental uma liderança eficaz para gerir os profissionais de saúde a todos os níveis, já que se trata de uma componente complexa e altamente valorizada da educação em saúde, cada vez mais reconhecida como essencial para alcançar normas elevadas de educação, investigação e prática clínica.

10.2.

Por conseguinte, todas as profissões da saúde devem integrar, nos seus programas curriculares, cursos adequados e de elevada qualidade em matéria de liderança e de desenvolvimento das respetivas capacidades (31).

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  A Comissão Europeia publicou o Plano de Ação para a mão de obra no setor da saúde da UE em 2012.

(2)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2014). «Adequate social protection for long-term care needs in an ageing society: report jointly prepared by the Social Protection Committee and the European Commission» [Proteção social adequada às necessidades de cuidados continuados numa sociedade em envelhecimento: relatório conjunto do Comité da Proteção Social e da Comissão Europeia]. Serviço das Publicações, p. 14, https://data.europa.eu/doi/10.2767/32352.

(3)  Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de novembro de 2018, sobre a prestação de cuidados na UE para uma igualdade de género melhorada, https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-8-2018-0464_PT.html.

(4)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 44; JO C 487 de 28.12.2016, p. 7; JO C 204 de 9.8.2008, p. 103; brochura e parecer do CESE sobre «Evolução económica, tecnológica e social dos serviços avançados de saúde às pessoas idosas» (JO C 240 de 16.7.2019, p. 10); parecer do CESE sobre o tema «Rumo a um novo modelo de prestação de cuidados às pessoas idosas: aprender com a pandemia de COVID-19» (JO C 194 de 12.5.2022, p. 19).

(5)  Addati, L., Cattaneo, U., e E. Pozzan. (2022). Relatório intitulado «Care at work: Investing in care leave and services for a more gender equal world of work» [Prestação de cuidados no trabalho: investimento em licenças e serviços de prestação de cuidados para reforçar a igualdade de género no mundo do trabalho]. OIT, Genebra, https://www.ilo.org/global/topics/care-economy/WCMS_838653/lang--en/index.htm.

(6)  https://www.who.int/publications/i/item/WHO-HIS-SDS-2018.53

(7)  Ver o parecer do CESE sobre o tema «Impacto do investimento social no emprego e nos orçamentos públicos» (JO C 226 de 16.7.2014, p. 21).

(8)  Eurofound. (2020). «Long-term care workforce: Employment and working conditions» [Condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores do setor dos cuidados continuados]. Serviço das Publicações da UE, Luxemburgo, https://www.eurofound.europa.eu/nb/publications/customised-report/2020/long-term-care-workforce-employment-and-working-conditions.

(9)  Barslund, Mikkel et. al (2021). «Study: Policies for long-term Carers» [Estudo: políticas para os prestadores de cuidados continuados]. Bruxelas, Parlamento Europeu, https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2021/695476/IPOL_STU(2021)695476_EN.pdf.

(10)  https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0011/186932/12-Summary-Economic-crisis,-health-systems-and-health-in-Europe.pdf

(11)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. «Long-term care report: trends, challenges and opportunities in an ageing society» [Relatório sobre os cuidados continuados: tendências, desafios e oportunidades numa sociedade em envelhecimento] (2021). Vol. I, cap. 3, Serviço das Publicações, pp. 12-28, https://data.europa.eu/doi/10.2767/677726.

(12)  Ver nota de rodapé 11, pp. 68-70.

(13)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2018). Zigante, V., «Informal care in Europe: exploring formalisation, availability and quality» [Cuidados informais na Europa: estudo da formalização, da disponibilidade e da qualidade]. Serviço das Publicações, https://data.europa.eu/doi/10.2767/78836.

Spasova, S., et al. (2018). «Challenges in long-term care in Europe. A study of national policies» [Desafios dos cuidados continuados na Europa — Estudo das políticas nacionais]. Rede Europeia em matéria de Política Social, Bruxelas, Comissão Europeia, https://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=738&langId=pt&pubId=8128&furtherPubs=yes.

(14)  Ver nota de rodapé 11, capítulo 3.

(15)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2014). «Adequate social protection for long-term care needs in an ageing society: report jointly prepared by the Social Protection Committee and the European Commission» [Proteção social adequada às necessidades de cuidados continuados numa sociedade em envelhecimento: relatório conjunto do Comité da Proteção Social e da Comissão Europeia]. Serviço das Publicações, p. 36, https://data.europa.eu/doi/10.2767/32352 e Comissão Pan-Europeia para a Saúde e o Desenvolvimento Sustentável. (2021). «Drawing light from the pandemic: a new strategy for health and sustainable development. A review of the evidence» [Encontrar uma luz de esperança em tempos de pandemia: uma nova estratégia para a saúde e o desenvolvimento sustentável. Análise dos dados científicos],

(16)  Danis, K., Fonteneau, L., et al. (2020). «High impact of COVID-19 in long-term care facilities: suggestion for monitoring in the EU/EEA» [O impacto elevado da COVID-19 nas estruturas de cuidados continuados: recomendações para a monitorização na UE/EEE]. Euro Surveillance: European Communicable Disease Bulletin, 25(22). https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2020.25.22.2000956

(17)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 109; JO C 429 de 11.12.2020, p. 251; JO C 242 de 23.7.2015, p. 48; JO C 143 de 22.5.2012; JO C 18 de 19.1.2011, p. 74; JO C 77 de 31.3.2009, p. 96.

(18)  https://one.oecd.org/document/ECO/WKP(2021)43/en/pdf

(19)  Liu JX, Goryakin Y, Maeda A, Bruckner T, Scheffler R., «Global health workforce labor market projections for 2030» [Projeções relativas ao mercado de trabalho no setor da saúde a nível mundial para 2030]. Human Resources for Health 2017; 15:11 (https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12960-017-0187-2).

(20)  https://www.who.int/health-topics/health-workforce#tab=tab_1

(21)  A Comissão Europeia publicou o Plano de Ação para a mão de obra no setor da saúde da UE em 2012.

(22)  Política da Associação dos Médicos Europeus no que diz respeito ao pessoal de saúde (https://www.cpme.eu/policies-and-projects/professional-practice-and-patients-rights/health-systems-and-health-workforce).

(23)  Ver nota de rodapé n.o 2.

(24)  Russo G, Pavignani E, Guerreiro CS, Neves C., «Can we halt health workforce deterioration in failed states? Insights from Guinea Bissau on the nature, persistence and evolution of its HRH crisis» [Conseguiremos travar a deterioração do pessoal de saúde em Estados falhados? Uma visão sobre a natureza, a persistência e a evolução da crise de recursos humanos na saúde na Guiné-Bissau]. Human Resources for Health 2017; 15(1):12.

(25)  Ver nota de rodapé n.o 2.

(26)  https://www.cpme.eu/api/documents/adopted/2020/3/EMOs.Joint_.Statement.on_.Violence.FINAL_.12.03.2020.pdf

(27)  Dyrbye, L. N., T. D. Shanafelt, C. A. Sinsky, P. F. Cipriano, J. Bhatt, A. Ommaya, C. P. West e D. Meyers. 2017. «Burnout among health care professionals: A call to explore and address this underrecognised threat to safe, high-quality care» [O esgotamento profissional entre os profissionais de saúde: apelo ao estudo e combate desta ameaça subvalorizada para cuidados de saúde seguros e de alta qualidade]. NAM Perspectives. Documento de reflexão. National Academy of Medicine, Washington.

(28)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2014). «Adequate social protection for long-term care needs in an ageing society: report jointly prepared by the Social Protection Committee and the European Commission» [Proteção social adequada às necessidades de cuidados continuados numa sociedade em envelhecimento: relatório conjunto do Comité da Proteção Social e da Comissão Europeia]. Serviço das Publicações, p. 14, https://data.europa.eu/doi/10.2767/32352.

(29)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2014). «Adequate social protection for long-term care needs in an ageing society: report jointly prepared by the Social Protection Committee and the European Commission» [Proteção social adequada às necessidades de cuidados continuados numa sociedade em envelhecimento: relatório conjunto do Comité da Proteção Social e da Comissão Europeia]. Serviço das Publicações, p. 14, https://data.europa.eu/doi/10.2767/32352.

(30)  https://www.who.int/publications/m/item/migration-code

(31)  Van Diggele, C., Burgess, A., Roberts, C., e Mellis, C. (2020), «Leadership in healthcare education» [A liderança na educação em saúde]. BMC Medical Education, 20 (supl. 2), 456. https://doi.org/10.1186/s12909-020-02288-x


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/46


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/07)

Relatora:

Katrīna LEITĀNE

Decisão da Plenária

24.2.2022

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

6.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

158/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A participação política constitui a base de qualquer democracia saudável. O principal trunfo da União Europeia (UE) para os jovens europeus é o respeito pela democracia, pelos direitos humanos e pelo Estado de direito (1). É fundamental assegurar que os jovens têm voz nas decisões que afetam o seu futuro, pois mesmo um efeito indireto pode ter um forte impacto nos jovens e nas gerações vindouras. Mesmo as políticas que não visam diretamente os jovens ou que não são consideradas como fazendo parte do âmbito tradicional da política de juventude podem ter um forte impacto na vida dos jovens. É importante disponibilizar mecanismos eficientes que complementem os mecanismos de participação existentes e estejam alinhados com os princípios democráticos e adaptados às necessidades dos jovens, já que podem contribuir para uma elaboração de políticas melhor e mais eficaz.

1.2.

O CESE entende que a educação é uma das formas mais eficazes de chegar aos jovens e de os informar sobre todas as formas possíveis de participação e sobre os valores que o projeto europeu representa. Os programas existentes que apoiam o ensino formal e não formal, como o Erasmus+ e o Corpo Europeu de Solidariedade, conseguiram melhorar a opinião dos jovens no que diz respeito à participação democrática e aos valores e princípios da União Europeia.

1.3.

O CESE salienta que é claramente necessário incluir os jovens na elaboração de políticas através de uma participação significativa, da forma que lhes for mais adequada, seguida de acompanhamento, avaliação e avaliação de impacto, a fim de assegurar que as opiniões dos jovens são tidas em conta aquando da tomada de decisões políticas. A participação ao longo do processo de elaboração de políticas gera confiança entre as gerações jovens e não só, permitindo-lhes ter visibilidade e impacto nesse processo. Estes processos devem incluir uma comunicação visível e transparente dos resultados da sua participação. Este elemento é fundamental para reforçar a confiança dos jovens no processo de elaboração de políticas (2). Além disso, a inclusão social e a comunicação com grupos com necessidades diferentes são muito importantes.

1.4.

O CESE concorda que as organizações da sociedade civil podem ser fundamentais para encorajarem o empenho dos jovens nos desafios societais e, por conseguinte, a sua participação na elaboração de políticas e no processo democrático. Essas organizações podem atuar como pontes e redes de apoio para ajudar os jovens a colaborar com organismos públicos formais e permitir que se tornem cidadãos ativos. O CESE apoia estas organizações e os jovens cidadãos na sua ação e solicita medidas que a facilitem.

1.5.

O CESE incentiva as instituições da UE e os Estados-Membros a aplicarem medidas e mecanismos capazes de assegurar a ponderação da perspetiva da juventude em todos os domínios de intervenção, criando ao mesmo tempo espaço para os jovens darem um contributo coerente e especializado sobre os desafios que enfrentam. Estas estruturas devem também incluir mecanismos de acompanhamento e monitorização transparentes e visíveis e complementar os atuais instrumentos de participação dos jovens, sem conduzir a uma diminuição do financiamento. É importante disponibilizar recursos adequados que permitam uma participação significativa dos jovens na elaboração de políticas.

1.6.

A participação dos jovens nos processos políticos e de decisão pode contribuir para melhor legislação e melhores políticas, ao permitir identificar e compreender as tendências atuais e futuras que afetam a vida dos jovens e das gerações vindouras, bem como facilitar a tarefa dos autores das propostas, já que estes podem receber contributos qualitativos para complementar dados secundários.

1.7.

O CESE salienta que, embora a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE se baseie nos objetivos fundamentais da Estratégia da UE para a Juventude (3) e do Ano Europeu da Juventude, ambos destacam a importância da integração da juventude na elaboração de políticas, o que requer uma abordagem transversal. Esta é também uma das medidas estabelecidas no relatório sobre o resultado final (4) da Conferência sobre o Futuro da Europa, que foi aprovado por todos os membros com direito de voto no Plenário da Conferência e pelos cidadãos. Para se conseguir um impacto duradouro e um legado que perdure após o Ano Europeu da Juventude, é necessário capacitar os jovens para liderar a mudança e para construir um futuro melhor.

1.8.

O CESE regista a referência à avaliação da perspetiva dos jovens pela UE na comunicação da Comissão Europeia sobre os resultados da Conferência sobre o Futuro da Europa (5). Contudo, salienta que a proposta da Comissão não está de acordo com os objetivos e os meios da proposta original, não contempla uma colaboração significativa com organizações e peritos em matéria de juventude nem a integração da juventude em todas as políticas e não tem em conta o impacto a longo prazo das políticas nas gerações futuras. O CESE considera que uma avaliação da perspetiva dos jovens pela UE deve fazer parte do conjunto de ferramentas para legislar melhor, como uma ferramenta separada, uma vez que as gerações futuras e os jovens merecem uma atenção específica.

1.9.

O CESE apela para uma maior cooperação entre as instituições para alinhar as iniciativas bem-sucedidas existentes, como o Diálogo da UE com a Juventude, «A tua Europa, a tua voz» e o Encontro Europeu da Juventude, e solicita que sejam interligadas com iniciativas futuras, como a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE, em conformidade com a Estratégia da UE para a Juventude. Além disso, o CESE apresenta uma lista de propostas sobre a participação dos jovens nas suas atividades e pretende introduzir no seu trabalho o conceito de avaliação da perspetiva dos jovens pela UE.

2.   Observações na generalidade

2.1.    O papel dos jovens na construção do projeto europeu

2.1.1.

Os jovens são o motor do projeto europeu e a sua criatividade, energia e entusiasmo são a força motriz da sua sustentabilidade. O corrente ano de 2022 foi designado Ano Europeu da Juventude, tendo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmado que «a Europa precisa de todos os seus jovens» e que «a nossa União precisa de uma alma e de uma visão de futuro com que os jovens se identifiquem» (6).

2.1.2.

O projeto de construção da UE não pode ser concretizado de forma eficaz ou adequada no atual ambiente democrático se não se reconhecer o discurso sobre a participação política da juventude (7) à luz das tradições democráticas e dos contextos geopolíticos. Margaritis Schinas, vice-presidente da Promoção do Modo de Vida Europeu, afirmou que o Ano Europeu da Juventude deve implicar uma mudança de paradigma na forma como incluímos os jovens na política e no processo de decisão. A justificação subjacente consiste em permitir o acesso dos jovens a uma participação significativa e capacitá-los (8) para tal.

2.1.3.

Segundo as sondagens (9) do Eurobarómetro, menos de metade (47 %) dos europeus confiam na UE e apenas 44 % dos inquiridos têm uma imagem positiva da mesma. O futuro do projeto europeu depende em grande medida da solidez da ligação dos jovens aos valores da Europa e da sua disponibilidade para acolher uma identidade europeia. A participação ativa dos jovens nos processos políticos e de decisão é crucial, uma vez que o seu futuro será determinado pelas decisões do presente. Por conseguinte, é importante introduzir instrumentos de participação para assegurar que a voz dos jovens é tida em conta. Há que reforçar a participação na vida cívica e democrática a todos os níveis para assegurar a prosperidade futura da Europa, reconhecendo que a maturidade democrática influencia (10) os padrões de participação política entre os jovens na UE.

2.1.4.

A iniciativa da UE de organizar uma Conferência sobre o Futuro da Europa agiu como um incentivo para promover o diálogo participativo com os cidadãos em toda a União. Considera-se que a melhoria da eficácia dos atuais mecanismos de participação dos jovens, bem como o desenvolvimento de novos mecanismos, é o caminho a seguir. Conforme proposto nos resultados finais da Conferência sobre o Futuro da Europa, esse caminho poderia incluir uma «avaliação da perspetiva dos jovens» (11) aplicada à legislação, com uma avaliação de impacto e um mecanismo de consulta que integre representantes dos jovens (12).

2.1.5.

A avaliação da perspetiva dos jovens funciona como um método de prospetiva estratégica para a elaboração de políticas. A prospetiva estratégica é um conceito valioso que a Comissão Europeia pretende utilizar no processo de elaboração de políticas. Uma vez que se baseia em princípios como a exploração do horizonte, a análise de megatendências, a elaboração de cenários e o desenvolvimento de uma visão, é inevitável considerar a perspetiva da juventude e das gerações futuras nesse âmbito. Embora reconhecendo que o futuro não está predeterminado, o processo de prospetiva recolhe informações sobre cenários possíveis e visa a preparação para desafios emergentes. O diálogo intergeracional pode incluir ferramentas valiosas capazes de assegurar que as políticas elaboradas têm em conta estas tendências e cenários futuros. A realização de análises que tenham em conta a perspetiva dos jovens e das gerações futuras pode e deve contribuir para políticas melhores e mais adequadas, capazes de responder aos desafios das gerações futuras.

2.1.6.

A fim de criar políticas melhores e adequadas aos desafios futuros, é necessário que estas reconheçam e protejam os direitos dos jovens e das gerações futuras, evitando impactos negativos em qualquer grupo geracional e social específico. Alguns grupos são frequentemente ignorados ou considerados como parte de outros grupos, o que não reflete a realidade. Consequentemente, as políticas não respondem adequadamente aos desafios e contribuem para a diminuição da confiança e para o distanciamento em relação às instituições formais.

2.2.    A necessidade de uma participação significativa dos jovens

2.2.1.

A participação significativa implica a partilha de poder e a capacidade de tomar decisões, com a participação de outras partes interessadas, em condições transparentes conhecidas por todas as partes envolvidas. A existência de processos de escrutínio bem concebidos assegura a confiança de todas as partes interessadas nos processos de participação política, sendo importante comunicar a todas as partes as responsabilidades explícitas dos vários intervenientes.

2.2.2.

A confiança dos jovens nas instituições públicas estagnou desde a crise financeira mundial no final dos anos 2000 (13) e a perceção dos jovens sobre a sua influência política e a sua representação no processo de decisão permanece inalterada. A participação dos jovens na vida democrática pode assumir diversas formas. Contudo, a votação em eleições locais, nacionais ou europeias é considerada a forma mais eficaz de se fazerem ouvir junto dos responsáveis políticos (39 %) (14), embora a percentagem de jovens que confiam neste tipo de participação democrática seja ainda muito baixa. Ao mesmo tempo, no que diz respeito aos cidadãos que provavelmente continuarão afastados da política, esse afastamento deve-se à ausência de uma participação significativa e de confiança, bem como à sensação de que não faz sentido participar se o seu contributo não for tido em conta. Um dos principais obstáculos à participação dos jovens é a convicção de que os decisores políticos «não dão ouvidos a pessoas como eu» (15). A promoção da confiança e o reforço do diálogo entre os jovens e as instituições públicas torna-se, pois, crucial para assegurar a preparação e a resiliência das sociedades para fazer face a choques futuros (16).

2.2.3.

A maioria (70 %) (17) dos jovens sente que tem pouco, ou nada, a dizer sobre decisões, legislação e políticas importantes que afetam a UE no seu conjunto. Um total de 24,8 % (18) dos jovens sente que não tem qualquer influência sobre a escolha dos temas introduzidos nos debates públicos ou políticos e 40,8 % afirmam que não têm muita influência. Além disso, dois terços dos inquiridos consideram que uma maior sensibilização dos dirigentes políticos para as preocupações dos jovens contribuiria para que estes últimos influenciassem mais as políticas públicas, enquanto mais de 50 % pensam que um papel mais forte das organizações de juventude na política também serviria este propósito.

2.2.4.

Os jovens alteraram os seus modos de participação, preferindo agora formas de participação política não institucionais e, em especial, não eleitorais (19). A investigação tem mostrado cada vez mais que esta preferência está ligada à diminuição dos níveis de confiança nos organismos públicos e à insatisfação com a forma como a democracia representativa funciona. A participação política não convencional dos jovens tornou-se cada vez mais fluida, individualizada e personalizada, com preferência pelo envolvimento em questões e temas isolados, bem como pelo ativismo e manifestação diretos no sentido de «escolhas individuais relacionadas com o estilo de vida» (20). Em geral, os jovens são altamente motivados politicamente. Ao considerarem a questão da participação dos jovens, alguns especialistas em participação política preferem agora analisar onde e como os jovens pretendem expressar as suas opiniões políticas e não se os mesmos desejam participar (21). Tendo em conta o vasto leque de formas como os jovens procuram agora influenciar as políticas e a política, é claramente necessário ter em conta a natureza não convencional da participação política, a tomada de decisões participativa e o reforço dos mecanismos de comunicação e transparência num quadro institucional democrático. A elaboração de políticas no contexto dos organismos públicos deve ser ajustada e concebida em conformidade de modo a assegurar a comunicação e a participação de todos os grupos de jovens quando são tomadas decisões políticas. Com efeito, é importante que os mecanismos de participação sejam inclusivos e comunicados de forma a chegar a um público diversificado e às pessoas mais difíceis de alcançar.

2.2.5.

As organizações lideradas por jovens desenvolveram experiência e conhecimentos sobre um vasto leque de temas relacionados com as questões que os jovens enfrentam. A sua inclusão no processo de elaboração de políticas resultará em regras e regulamentação mais coerentes e adequadas. Tal é confirmado também pelo número cada vez maior de jovens que estão a aderir a estas organizações (22).

2.2.6.

A interação significativa com os jovens é fundamental. É necessário melhorar a participação dos jovens, resolvendo em particular a falta de representação democrática dos jovens e a falta de uma perspetiva da juventude fora do domínio tradicional da política de juventude. Os jovens desejam ser incluídos na elaboração de políticas que afetam as suas vidas. A justiça intergeracional (23) é a forma de reparar a desigualdade entre gerações nas sociedades envelhecidas.

2.2.7.

As ferramentas existentes para a análise do impacto na juventude, como a ferramenta n.o 31 do conjunto de ferramentas para legislar melhor, não preveem a integração da juventude nem a inclusão de organizações de juventude e jovens com conhecimentos especializados pertinentes que sejam capazes de fornecer uma análise sistemática das questões na perspetiva da juventude. Além disso, as publicações disponíveis indicam que essas ferramentas não são aplicadas com a frequência que a importância e o significado das propostas exigiriam.

3.   Observações na especialidade

3.1.    Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE

3.1.1.

A proposta baseia-se em três pilares: consulta, avaliação de impacto e medidas de atenuação (24). Constitui um quadro para melhorar a eficácia e eficiência das políticas, com base na participação reforçada dos jovens e na integração da juventude na elaboração de políticas, tendo simultaneamente em conta grupos vulneráveis de jovens, como os jovens com deficiência, os jovens que não trabalham, não estudam e não seguem uma formação (NEET) (25), os jovens que vivem em zonas remotas, etc. Com as suas diferentes componentes, a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE proporciona uma estrutura coerente para elaborar políticas melhores e de elevada qualidade que tratam de questões problemáticas com que as gerações futuras poderão vir a ser confrontadas.

3.1.2.

O primeiro passo da avaliação da perspetiva dos jovens pela UE é determinar a importância e o impacto de quaisquer futuros projetos de propostas políticas para os jovens e as gerações futuras. Tal ajudará a determinar se é necessário realizar uma avaliação completa da perspetiva dos jovens relativamente a essa política futura. Utilizando uma lista de verificação, os avaliadores determinam se o projeto de proposta é de facto pertinente para os jovens e avaliam o impacto direto e indireto da proposta nos jovens e nas gerações futuras. Se o projeto for considerado pertinente, a avaliação da perspetiva dos jovens avança para as fases de consulta aprofundada, avaliação de impacto e medidas de atenuação. Os indicadores da lista de verificação basear-se-iam nas necessidades e nas ideias dos jovens, a fim de assegurar que são tidas em conta as propostas pertinentes para esse grupo.

3.1.3.

No passo seguinte, espera-se que os respetivos avaliadores consultem de forma significativa as partes interessadas no domínio da juventude, a fim de assegurar conhecimentos especializados sistemáticos para uma análise exaustiva. Com base neste compromisso, os avaliadores procurarão identificar as preocupações dos jovens sobre os potenciais impactos do projeto de política que está a ser testado. Esta componente de participação tem de ser transparente e proporcionar espaço para que um vasto leque de representantes da juventude, organizações lideradas por jovens e jovens com conhecimentos especializados pertinentes partilhem o seu contributo. Desta forma, é possível assegurar uma abordagem sistemática das questões em que incidem os projetos de propostas políticas. A inclusão de organizações de juventude, representantes da juventude e jovens com conhecimentos especializados pertinentes pode proporcionar uma base muito diversificada e única para a avaliação de impacto. Uma participação significativa permite que os avaliadores obtenham uma visão abrangente com base no conhecimento e experiência globais destes jovens. Utilizando este contributo, a avaliação de impacto pode ser suficientemente pormenorizada para identificar os desafios e aspetos em que as políticas poderão causar perturbações.

3.1.4.

Com base nos dados disponíveis, a recolher ao longo do processo, e nos resultados das consultas, os avaliadores conseguem elaborar a avaliação de impacto orientada pelos temas mencionados na lista de verificação e também fornecer uma análise prospetiva para as gerações futuras.

3.1.5.

Se for identificado um impacto negativo, o avaliador deve propor medidas de atenuação, que devem centrar-se principalmente nos grupos em situação de vulnerabilidade e nos jovens desfavorecidos. É aconselhável que, durante a consulta, os avaliadores incluam perguntas sobre possíveis medidas de atenuação que poderiam ser incluídas na análise. Para os próximos anos, recomenda-se a realização de uma avaliação para acompanhar o impacto das políticas e a forma como as medidas de atenuação abordaram os impactos negativos.

3.1.6.

A avaliação da perspetiva dos jovens pela UE não deve substituir uma interação significativa com os jovens de modo geral e deve complementar os mecanismos de participação existentes.

3.1.7.

A proposta foi o resultado de uma série de debates com as maiores redes de jovens da Europa, embora também seja especificamente mencionada em várias recomendações do Diálogo da UE com a Juventude, desde a criação deste diálogo (e do seu antecessor, o diálogo estruturado). Os jovens expressaram um desejo forte de ver estabelecido um procedimento transparente de elaboração de políticas que lhes permita contribuir para a sua conceção e para a monitorização dos resultados.

3.1.8.

A proposta inspira-se também no teste das PME, que constitui um exemplo de uma ferramenta adequada de avaliação de impacto a nível da UE, com base em três pilares: consulta, avaliação de impacto e medidas de atenuação (26). Além disso, tal como o teste das PME, a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE também se destina a fazer parte do conjunto de ferramentas para legislar melhor, enquanto ferramenta separada, a fim de realçar o papel dos jovens no futuro da Europa, em conformidade com a comunicação da presidente da Comissão Europeia.

3.1.9.

A proposta baseia-se em exemplos de instrumentos de avaliação do impacto na juventude já existentes em vários Estados-Membros, como a Áustria, a Alemanha, a França e a Bélgica (Flandres), e também fora da UE, como na Nova Zelândia e no Canadá.

3.1.10.

A avaliação de impacto proposta proporciona uma solução para assegurar que o impacto das políticas tem em conta as necessidades e as expectativas dos jovens e permite ir além do âmbito tradicional da política de juventude. Apenas uma pequena parte das propostas da Comissão Europeia é analisada do ponto de vista da juventude. No entanto, uma parte significativa destas propostas afeta direta e indiretamente a qualidade de vida dos jovens.

3.1.11.

Propõe-se a inclusão da avaliação da perspetiva dos jovens pela UE nas avaliações de impacto do Programa Legislar Melhor, que estão disponíveis ao público, e a sua publicação no Portal Europeu da Juventude. No entanto, há que determinar a solução com maior impacto. Ainda assim, incentiva-se a Direção-Geral da Comunicação a promovê-la ativamente para assegurar a sua visibilidade, ao passo que o Secretariado-Geral deve apoiar a sua adoção em diferentes direções-gerais. A avaliação da perspetiva dos jovens pela UE também poderia ser publicada pelas instituições que decidam aplicá-la, incluindo no sítio Web do CESE. Ao publicar a avaliação e a versão final da proposta, as partes interessadas no domínio da juventude envolvidas na consulta poderão verificar de que forma o seu contributo foi tido em conta.

3.1.12.

Propõe-se que a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE funcione como uma estrutura executável a nível local, regional e nacional, em conjunto com as instituições da União Europeia.

3.1.13.

A avaliação da perspetiva dos jovens pela UE tem potencial para melhorar as políticas, mas também tem de se basear em mecanismos de participação significativos, uma vez que o aproveitamento do conhecimento da comunidade é uma forma de assegurar a eficiência e produzir melhorias.

3.2.    Participação dos jovens no âmbito do CESE

3.2.1.

O CESE reconhece a importância da participação dos jovens na definição do futuro da Europa (27) e, por conseguinte, tem em curso várias iniciativas de sucesso, como a «A tua Europa, a tua voz», as mesas-redondas da juventude para o clima e a sustentabilidade e a Cimeira da Juventude da UE sobre o Clima, organizada conjuntamente pelo CESE e pelo Parlamento Europeu. No seguimento do seu Parecer NAT/788 (28), o CESE incluiu um delegado para a juventude na sua delegação oficial à Conferência das Partes (COP) na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, pela primeira vez, em 2021, por ocasião da 26.a COP. Além disso, no contexto do Ano Europeu da Juventude, o Prémio CESE para a Sociedade Civil 2022 recompensará iniciativas eficazes, inovadoras e criativas que visem criar um futuro melhor para e com os jovens europeus.

3.2.2.

O CESE procurará ampliar as vozes dos jovens e das organizações de juventude através de mecanismos de participação mais estruturados, significativos e direcionados para os jovens, a fim de reforçar a participação interna dos jovens e das organizações de juventude nos trabalhos do CESE. Por conseguinte, o CESE deverá tomar as seguintes medidas:

introduzir mecanismos de coordenação transparentes e transversais para integrar as perspetivas da juventude nos trabalhos do CESE e na legislação;

prever a eventual participação de jovens peritos com conhecimentos especializados pertinentes sobre pareceres fundamentais;

no contexto do Ano Europeu da Juventude, incluir a juventude como tema comum nos pareceres de iniciativa do outono;

realizar debates temáticos com organizações de juventude e organizações de base europeias para interligar mais eficazmente as perspetivas nacionais e europeias;

selecionar anualmente temas relacionados com a juventude para estudos do CESE (29);

ter sempre em conta a perspetiva geracional (como acontece no que diz respeito à perspetiva de género) em todos os pareceres elaborados pelo CESE;

construir relações dinâmicas com outras instituições da UE para identificar os mecanismos de participação dos jovens e reforçar as atividades de comunicação com os jovens e as organizações de juventude a nível nacional, regional e local;

adotar a resolução sobre a participação dos jovens no CESE, elaborada pelo Grupo de Coordenação para o Ano Europeu da Juventude;

criar um separador «Participação dos jovens» no sítio Web do CESE para destacar as atividades passadas, atuais e futuras relacionadas com a juventude, incluindo pareceres, audições públicas, eventos, etc.;

estabelecer uma estrutura permanente no CESE para assegurar que os trabalhos relativos à participação dos jovens no âmbito do CESE e com as outras instituições prossegue para além de 2022.

3.2.3.

O CESE continuará a explorar e a ponderar possíveis formas de aplicar o conceito de avaliação da perspetiva dos jovens pela UE no seu trabalho, a fim de desenvolver uma abordagem coerente sobre a participação dos jovens no CESE.

3.2.4.

O CESE insta a Comissão Europeia a responder ao presente parecer de iniciativa e à proposta da avaliação da perspetiva dos jovens pela UE e a promover uma reflexão conjunta sobre a sua aplicação.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  «Desk research, European Youth in 2021» [Investigação documental sobre a juventude europeia em 2021].

(2)  «Influencing and understanding political participation patterns of young people» [Influenciar e compreender os padrões de participação política dos jovens], Parlamento Europeu, 2021.

(3)  Resolução do Conselho Europeu sobre a Estratégia da União Europeia para a Juventude 2019-2027

(4)  «Conference on the Future of Europe, Report on the Final Outcome» [Relatório sobre o resultado final da Conferência sobre o Futuro da Europa], maio de 2022.

(5)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52022DC0404&qid=1660827033223

(6)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/speech_21_4701

(7)  Deželan T., Moxon D., «Influencing and understanding political participation patterns of young people: The European perspective» [Influenciar e compreender os padrões de participação política dos jovens: a perspetiva europeia], estudo, 2021.

(8)  Barta O., Boldt G., Lavizzari A., «Meaningful youth political participation in Europe: concepts, patterns and policy implications» [Uma participação política significativa dos jovens na Europa: conceitos, padrões e implicações políticas], estudo de investigação, 2021.

(9)  Eurobarómetro 96 — Inverno 2021-2022

(10)  Kitanova, M., «Youth political participation in the EU: evidence from a cross-national analysis» [Participação política dos jovens na UE: dados de uma análise transnacional], Journal of Youth Studies, vol. 23, n.o 7, 2020 (documento recebido em 2018).

(11)  https://www.youthforum.org/files/YFJ_EU_Youth_Test.pdf

(12)  Relatório sobre o resultado final da Conferência sobre o Futuro da Europa

(13)  «Governance for Youth, Trust and Intergenerational Justice — Fit for All Generations? Highlights» [A governação ao serviço dos jovens, da confiança e da justiça intergeracional — políticas adaptadas a todas as gerações? — Síntese].

(14)  Inquérito Eurobarómetro Flash sobre a Juventude e a Democracia, realizado entre 22 de fevereiro e 4 de março de 2022.

(15)  Relatório do inquérito aos jovens realizado pelo Parlamento Europeu (Parlamento Europeu, setembro de 2021).

(16)  «Governance for Youth, Trust and Intergenerational Justice — Fit for All Generations? Highlights» [A governação ao serviço dos jovens, da confiança e da justiça intergeracional — políticas adaptadas a todas as gerações? — Síntese].

(17)  Relatório do inquérito aos jovens realizado pelo Parlamento Europeu (Parlamento Europeu, setembro de 2021).

(18)  Relatório do inquérito aos jovens (sob o Trio de Presidências Alemanha-Portugal-Eslovénia, janeiro de 2022).

(19)  Relatório do inquérito aos jovens (sob o Trio de Presidências Alemanha-Portugal-Eslovénia, janeiro de 2022).

(20)  Relatório do inquérito aos jovens (sob o Trio de Presidências Alemanha-Portugal-Eslovénia, janeiro de 2022).

(21)  Deželan T., Moxon D., «Influencing and understanding political participation patterns of young people: The European perspective» [Influenciar e compreender os padrões de participação política dos jovens: a perspetiva europeia], estudo, 2021.

(22)  «Eurobarometer on the European Year of Youth: Young Europeans are increasingly engaged» [Eurobarómetro sobre o Ano Europeu da Juventude: os jovens europeus estão cada vez mais empenhados], Comissão Europeia, 2022.

(23)  «Governance for Youth, Trust and Intergenerational Justice — Fit for All Generations? Highlights» [A governação ao serviço dos jovens, da confiança e da justiça intergeracional — políticas adaptadas a todas as gerações? — Síntese].

(24)  https://www.youthforum.org/files/Concept-Note_final.pdf e https://www.youthforum.org/files/YFJ_EU_Youth_Test.pdf

(25)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 27

(26)  «Better Regulation Toolbox — SME Test» [Conjunto de ferramentas para legislar melhor — Teste das PME].

(27)  SOC/706 — Ano Europeu da Juventude (JO C 152 de 6.4.2022, p. 122), e SOC/589 — Uma nova Estratégia da UE para a Juventude (JO C 62 de 15.2.2019, p. 142).

(28)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 44.

(29)  Está em curso um estudo do CESE sobre a participação estruturada dos jovens: levantamento das boas práticas locais, nacionais, da UE e internacionais a fim de desenvolver os mecanismos necessários e adequados para assegurar que as vozes dos jovens sejam ouvidas.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel das tecnologias de remoção de carbono na descarbonização da indústria europeia

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/08)

Relator:

Andrés BARCELÓ DELGADO

Correlatora:

Monika SITÁROVÁ

Decisão da Plenária

18.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em secção

24.6.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

229/0/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reitera o seu firme apoio aos compromissos assumidos no âmbito do Pacto Ecológico e ao reforço da autonomia estratégica no aprovisionamento de energia e da liderança industrial.

1.2.

Não se pode ignorar os efeitos da atual guerra na Ucrânia sobre a disponibilidade de energia e de matérias-primas, e cabe ao Semestre Europeu acompanhar a situação.

1.3.

O êxito da transição ecológica na indústria transformadora requer uma base suficiente e uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação e a produção de hidrogénio verde. As tecnologias de remoção de dióxido de carbono (RDC), a captura e armazenamento de dióxido de carbono (CAC) e a captura e utilização de dióxido de carbono (CUC) ajudarão a indústria a alcançar a neutralidade climática. A implantação das energias renováveis em toda a Europa é necessária para realizar os objetivos do Pacto Ecológico.

1.4.

A descarbonização exigirá uma transformação profunda das atividades industriais (nos próximos 30 anos). Embora já existam muitas tecnologias hipocarbónicas, os seus níveis de maturidade tecnológica (TRL) (1) são baixos. Serão necessários roteiros tecnológicos ambiciosos para expandir e implantar de forma generalizada estas tecnologias revolucionárias, cabendo à UE promover a inovação através dos fundos para o clima e a inovação.

1.5.

Por conseguinte, o desenvolvimento de tecnologias, bem como a educação e a requalificação dos trabalhadores são determinantes para a transição ecológica na indústria transformadora. O diálogo social tanto a nível regional como a nível dos Estados-Membros e da UE deve promover a sensibilização, a aceitação e o apoio em prol da transição ecológica e justa na indústria. A fim de assegurar uma transição industrial eficaz, que não deixe ninguém para trás, será fundamental reforçar capacidades e criar projetos para definir as principais competências.

1.6.

O aumento da utilização de matérias-primas alternativas — em particular a biomassa sustentável — pode contribuir para a remoção sustentável do carbono da atmosfera, promovendo a gestão sustentável das terras produtivas (agrícolas e florestais) e a utilização de biomassa em produtos de vida longa que prolongam ainda mais os benefícios da remoção. Além disso, contribuiria para reduzir a dependência da UE de matérias-primas e recursos importados.

1.7.

O CESE apela para a preservação da competitividade da indústria europeia: a UE é pioneira na redução das emissões de CO2, mas é necessário que outros intervenientes sigam a sua ambição climática. Uma vez que a crise climática é mundial, a diplomacia da União Europeia tem de redobrar de esforços para persuadir eficazmente os países terceiros a intensificarem as suas ações de luta contra as alterações climáticas. Independentemente dos seus objetivos estratégicos ambiciosos, a UE posicionar-se-á cada vez mais como pioneira na descarbonização das indústrias, graças ao seu apoio político e aos conhecimentos práticos das empresas e dos seus trabalhadores sobre as capacidades industriais, as tecnologias necessárias e a forma de antecipar a mudança, permitindo a adoção de medidas concretas em conformidade.

1.8.

A manutenção de uma base industrial sólida na UE garantirá, na sociedade europeia, prosperidade, emprego de qualidade e empenho na luta contra as alterações climáticas. A indústria europeia tem de investir na Europa, no âmbito de um quadro regulamentar adequado, tanto em investigação, desenvolvimento e inovação (IDI) como em ativos fixos tangíveis, a fim de manter a sua posição competitiva.

2.   Observações gerais

2.1.

A Lei Europeia em matéria de Clima estabeleceu uma meta ambiciosa de redução das emissões para 2030, confirmando simultaneamente o objetivo de neutralidade climática para 2050. A fim de atingir o objetivo da União Europeia, importa analisar todas as atividades emissoras de gases com efeito de estufa (GEE) e identificar as vias para alcançar a neutralidade climática até 2050.

2.2.

As indústrias transformadoras são responsáveis por 20 % (2) das emissões europeias. As indústrias transformadoras com elevada intensidade carbónica na Europa são as do ferro e aço, cimento, química e petroquímica, celulose e papel, fertilizantes, vidro e cerâmica, bem como as refinarias de petróleo e as indústrias de metais não ferrosos (principalmente alumínio). As emissões de GEE do setor industrial contêm dióxido de carbono (CO2), proveniente da utilização de energia, de utilizações não energéticas de combustíveis fósseis e de fontes de combustíveis não fósseis, bem como gases que não o CO2.

2.3.

A transição ecológica da indústria transformadora é fundamental para cumprir a Lei Europeia em matéria de Clima. À transição tecnológica seguir-se-ão alterações nos métodos de trabalho, bem como nas aptidões e competências nas indústrias. No entanto, serão igualmente necessárias medidas do lado da procura para promover a adoção de produtos hipocarbónicos e de novos modelos empresariais (simbiose industrial, circularidade, resposta à procura).

3.   A indústria transformadora na via da neutralidade climática

3.1.

O presente parecer de iniciativa centra-se nos setores industriais abrangidos pelo Sistema de Comércio de Licenças de Emissão (CELE). Por conseguinte, não incide no aprovisionamento de energia, nos transportes nem nos edifícios.

3.2.

Além do desafio da descarbonização, é essencial melhorar a eficiência energética em todos os setores industriais. Embora não seja suficiente para descarbonizar a indústria europeia, a eficiência energética pode reduzir significativamente as emissões resultantes do consumo de energia. Ocorrerá uma transição dos combustíveis fósseis para tecnologias que não emitem GEE, principalmente as energias renováveis. Os prestadores de serviços essenciais e os poderes públicos são responsáveis pela transição energética dos combustíveis fósseis para as tecnologias não poluentes.

3.3.

No que toca ao desafio da descarbonização, as indústrias podem classificar-se da seguinte forma:

setores que têm de alterar radicalmente o seu processo de produção: aço (percurso integrado), fertilizantes e indústria química;

setores que têm de alterar o vetor energético no processo produtivo: aço (fornos de arco elétrico), vidro, cerâmica, papel, etc.;

setores em que é difícil reduzir as emissões, como o setor do cimento, que tem de captar e armazenar (ou utilizar) o CO2 emitido durante o processo de produção para se tornar climaticamente neutro;

setores que podem tirar proveito das tecnologias de captura e utilização de dióxido de carbono para desenvolver produtos de elevado valor acrescentado, como as refinarias de petróleo e as indústrias química e petroquímica.

3.4.

A cogeração industrial de alta eficiência (PCCE (3)) contribuirá, certamente, para uma maior eficiência energética, mas não pode descarbonizar a indústria. Alternativamente, a utilização de calor de baixa entalpia pela indústria para o aquecimento urbano seria outra forma de aumentar a eficiência energética geral e talvez pudesse ser creditada durante o percurso de transição para a descarbonização total.

3.5.

As tecnologias de remoção de dióxido de carbono (RDC) removem da atmosfera o CO2 já emitido, criando assim emissões «negativas». As tecnologias relacionadas com a CAC, como a bioenergia com captura e armazenamento de dióxido de carbono (BCAC) e a captura e armazenamento diretos a partir do ar (CADA), são uma parte importante do leque de tecnologias de emissões negativas. No entanto, apesar do seu potencial de atenuação das alterações climáticas, estas tecnologias estão atualmente apenas em fase de demonstração. Outras tecnologias de RDC incluem atividades que reforçam os sumidouros naturais de CO2, como a florestação e a reflorestação, mas não são abrangidas pelo presente parecer.

O desafio relacionado com o futuro da remoção de carbono na indústria transformadora consiste em encontrar um equilíbrio em que a captura de carbono constitui uma opção de atenuação a par de outras tecnologias de redução e remoção de carbono. As reduções e a remoção de GEE devem ser alinhadas com o Acordo de Paris e a Lei Europeia em matéria de Clima. A CAC pode permitir à UE avançar ao ritmo necessário para a remoção dos GEE, mas o objetivo deve ser evitar o armazenamento de carbono a longo prazo.

3.6.

O hidrogénio produzido através da utilização de energias renováveis (hidrogénio verde) parece ser a resposta intersetorial aos processos de descarbonização. Por exemplo, existe um projeto na Suécia que visa eliminar as emissões de GEE provenientes da produção de aço através da utilização de hidrogénio renovável. Na Finlândia, um projeto demonstrará formas de produzir hidrogénio azul e, posteriormente, verde e de capturar CO2, bem como de o armazenar permanentemente no mar Báltico.

4.   A indústria transformadora na via da descarbonização

4.1.

De todas as indústrias europeias, concentramo-nos em setores com elevado potencial de melhoria e impacto na redução das emissões europeias de CO2. Na indústria transformadora, destacam-se os setores que enfrentam mais desafios para a descarbonização. O presente parecer centra-se nas indústrias siderúrgica, do cimento, química e petroquímica, nas refinarias de petróleo, e nas indústrias da celulose e do papel, dos fertilizantes, do vidro e da cerâmica.

4.2.

Antes de descrever as tecnologias suscetíveis de ter impacto na redução e remoção das emissões de dióxido de carbono, cabe considerar a transição de fontes de energia derivadas de combustíveis fósseis para outras fontes de energia não emissoras e outras fontes renováveis. Estas fontes podem ser a energia eólica, fotovoltaica, heliotérmica, hidroelétrica e geotérmica, a biomassa e os biocombustíveis.

4.3.

Algumas indústrias teriam de adotar tecnologias existentes ou novas nos seus processos para alcançar emissões nulas de GEE, a fim de viabilizar uma sociedade com impacto neutro no clima. Dependendo de cada indústria e das suas emissões atuais de GEE, poderá ser necessário passar por uma ou várias etapas.

4.4.

O primeiro passo poderia parecer «apenas» uma alteração na etapa do processo de produção/abastecimento. Em muitas outras situações, pode ser necessário reforçar a investigação e o desenvolvimento, nomeadamente para adaptar os atuais queimadores de gás natural ao hidrogénio ou utilizar bombas de calor. Além disso, importa abordar igualmente a interação entre o hidrogénio e os materiais ou produtos.

4.5.

Indústria siderúrgica:

O desafio para a indústria siderúrgica tradicional (percurso integrado, que exige a redução de minério de ferro) já levou à introdução de várias novas abordagens tecnológicas, que visam atualmente a substituição de altos-fornos por fornos de arco elétrico alimentados com ferro de redução direta, produzido com hidrogénio verde. As outras alternativas já exploradas dependem das tecnologias de CAC, mas não conseguem cumprir a meta de redução dos GEE. A eletrólise de minério de ferro poderá emitir menos 87 % de CO2 do que o percurso integrado atual (se o fornecimento de eletricidade estiver plenamente descarbonizado). A redução do plasma de hidrogénio visa alcançar emissões nulas CO2. Com efeito, a siderurgia baseada no hidrogénio poderá emitir menos 95 % de CO2 do que o percurso integrado atual (se utilizar eletricidade plenamente descarbonizada), mas a perda de energia durante a produção de hidrogénio acabaria por aumentar o consumo energético da indústria.

O aço produzido em fornos de arco elétrico emite apenas 14 % das emissões de GEE em relação ao percurso integrado e o seu principal desafio consiste em substituir o gás natural nos fornos rolantes por hidrogénio verde ou pela indução elétrica.

A CUC (utilizando os gases residuais dos altos-fornos) pode reduzir as emissões até 65 %, se for plenamente implantada (a redução de CO2 também depende do ciclo de vida completo dos produtos químicos resultantes). Vários projetos estão numa fase mais avançada de desenvolvimento — a instalação de demonstração Steelanol (atualmente em construção — TRL 9) utiliza gases residuais para produzir bioetanol, e o projeto Carbon2Chem (TRL 7-8) visa utilizar gás residual como matéria-prima para produtos químicos.

4.6.

Indústria cimenteira:

Apenas 37 % das emissões na indústria do cimento provêm de combustíveis, sendo os restantes 63 % o resultado de uma reação química da matéria-prima (a chamada «emissão de processo»). Por conseguinte, a utilização de combustíveis derivados de fontes renováveis (biomassa ou hidrogénio) reduzirá a emissividade até 35 %, no máximo. Atualmente, estão a ser testadas tecnologias que podem permitir, no futuro, a captura e gestão ou armazenamento de CO2 (método das aminas e ciclo de cálcio). Outra forma de reduzir as emissões consiste em desenvolver os chamados cimentos com baixo teor de clínquer, que atualmente têm um TRL de 5-7. Tais cimentos têm uma emissividade até 30 % mais baixa do que os cimentos Portland puros.

4.7.

Indústria química:

Na indústria química, a eletrificação de processos de produção como a eletrificação por craqueamento a vapor visa reduzir até 90 % das emissões de CO2 por cada craqueador. O setor químico contribui de forma significativa para restaurar a sustentabilidade dos ciclos de carbono. Os produtos químicos são um enorme reservatório de carbono que pode fixar o carbono por 10 a 40 anos. Atualmente, o volume de carbono incorporado em produtos químicos é comparável às emissões totais da indústria para a produção desses produtos. A maior parte deste carbono acaba na atmosfera quando os produtos são incinerados no final da sua fase de utilização, pelo que a criação de uma estratégia ambiciosa para a economia circular é uma condição indispensável para a consecução de ciclos de carbono sustentáveis e resilientes às alterações climáticas, mantendo o carbono «no ciclo». O setor químico pode contribuir para a redução das emissões noutros setores, «absorvendo» o carbono e armazenando-o nos produtos.

4.8.

Indústria da celulose e do papel:

Na indústria da celulose e do papel, uma combinação de melhorias dos processos, nomeadamente a transição para a Indústria 4.0, juntamente com investimentos em tecnologias de produção de última geração, deverá levar a uma redução de sete milhões de toneladas de CO2 até 2050. Ao mobilizar as suas instalações de produção combinada calor-eletricidade no local, a indústria tem capacidade para participar no mercado da energia, utilizando excedentes de energias renováveis intermitentes. Os benefícios associados à descarbonização podem atingir os dois milhões de toneladas. A conversão de mais instalações industriais de modo a permitir a utilização de fontes de energia hipocarbónicas ou descarbonizadas deverá permitir uma redução de emissões correspondente a oito milhões de toneladas de CO2. Além de alguns dos conceitos inovadores identificados no projeto Two Team (4), como a tecnologia Deep Eutectic Solvents, atualmente em desenvolvimento, outras soluções inovadoras e disruptivas são suscetíveis de complementar o esforço de redução das emissões em cerca de cinco milhões de toneladas de CO2.

4.9.

Refinarias de petróleo:

As refinarias de petróleo podem contribuir para a transição energética e climática da economia da UE de duas formas: i) reduzindo substancialmente a pegada de carbono do seu processo de produção e ii) substituindo progressivamente os combustíveis e outros os produtos de origem fóssil por combustíveis e outros produtos à base de CO2 biogénico ou reciclado. A substituição gradual da energia fóssil por bioenergia, aliada às tecnologias de CUC e CAC, resultará, inclusivamente, em emissões negativas de GEE. As emissões líquidas de GEE geradas durante a utilização de combustíveis e outros produtos refinados podem ser drasticamente reduzidas através da substituição progressiva do petróleo bruto pela biomassa sustentável e pelo CO2 reciclado enquanto matéria-prima. Os combustíveis resultantes, uma vez queimados, libertarão níveis líquidos nulos ou muitos baixos de CO2 para a atmosfera, contribuindo assim para a descarbonização do transporte, especialmente dos modos mais difíceis de eletrificar. Estão em curso investimentos e novos projetos nestes domínios. A título de exemplo, três das cerca de 80 grandes refinarias da UE foram convertidas em biorrefinarias, substituindo completamente o petróleo bruto por biomassa sustentável (5). Esta estratégia de transição climática exige recursos financeiros mais baixos do que outras soluções, uma vez que as próprias refinarias e o sistema logístico para a distribuição de produtos podem, em grande medida, ser adaptados e reutilizados.

4.10.

Fertilizantes:

A indústria dos fertilizantes está a explorar a substituição do gás natural enquanto matéria-prima pelo hidrogénio verde. Estão a ser desenvolvidos vários projetos-piloto (6) em toda a UE e, quando o hidrogénio verde estiver disponível e o seu custo for definido, a indústria avançará para uma descarbonização total.

4.11.

Em conclusão, a indústria transformadora apresenta potencial para a descarbonização através da eficiência energética, da otimização dos processos e da conversão às energias renováveis. Serão necessários investimentos em IDI para alcançar o objetivo de neutralidade carbónica até 2050. As tecnologias de CAC e de captura, utilização e armazenamento de dióxido de carbono (CUAC) também são importantes para as indústrias transformadoras, como a indústria do cimento, e as indústrias em que a biomassa é a fonte de energia.

5.   Aptidões e competências na futura indústria transformadora

5.1.

Os novos processos industriais exigirão, sem dúvida, novos métodos de trabalho. As indústrias e os trabalhadores terão de adaptar a forma como desempenham as suas funções na indústria, concentrando-se na redução das emissões de CO2 logo nas primeiras etapas dos processos de produção.

5.2.

A transição ecológica da indústria transformadora alterará a produção de muitas formas em razão da plena implantação das novas tecnologias de produção e do aproveitamento da digitalização. Serão necessárias novas competências, bem como a requalificação e a melhoria de competências, para alcançar uma transição justa, que não deixe ninguém para trás. Deve prestar-se especial atenção à participação dos cidadãos e trabalhadores, das PME, das empresas sociais e dos peritos regionais de toda a UE, de modo que desempenhem um papel pró-ativo nas mudanças inevitáveis nos locais onde vivem.

5.3.

A UE tem de assegurar que o conhecimento das novas tecnologias e a forma de as implantar nas atuais indústrias sejam transmitidos aos trabalhadores da indústria. Os poderes públicos e as empresas, no âmbito do diálogo social, devem envidar esforços para mobilizar as competências já existentes e para cumprir os objetivos de descarbonização.

5.4.

A implantação total do hidrogénio verde na indústria será fundamental para muitos setores. No entanto, a implantação das tecnologias de RDC influenciará também as aptidões e competências na indústria transformadora, bem como, em grande medida, na cadeia de abastecimento.

6.   Ação e condições-quadro da UE

6.1.

O quadro jurídico da UE e as regulamentações nacionais têm de ajudar a descarbonizar a indústria. Importa ter em conta que as possibilidades e/ou recursos para investimento na transição variarão consideravelmente entre os Estados-Membros e entre as regiões da Europa.

6.2.

O Fundo para uma Transição Justa, que visa apoiar as regiões altamente dependentes das indústrias com elevada intensidade carbónica, é um primeiro passo positivo. No entanto, o seu âmbito de aplicação é demasiado limitado, pois abrange apenas as regiões altamente dependentes das indústrias do carvão, da lenhite, da turfa, do xisto betuminoso e das indústrias com elevada intensidade carbónica. O CESE, tal como o Parlamento Europeu, propõe um aumento drástico do orçamento do Fundo para uma Transição Justa, a fim de prestar apoio a outros setores que serão afetados pela descarbonização da indústria. Importa afetar recursos orçamentais adicionais no sentido de assegurar a mobilidade profissional, a criação de empregos alternativos e de qualidade nas mesmas regiões, bem como a adequação da formação, requalificação e melhoria de competências dos trabalhadores.

6.3.

A transição ecológica na indústria exigirá acesso a energia e matérias-primas neutras em carbono e abundantes a um preço acessível, estável e competitivo. Serão indispensáveis investimentos significativos na Europa, inclusivamente em infraestruturas energéticas, a fim de fornecer à indústria as enormes quantidades de energias renováveis necessárias.

6.4.

O quadro regulamentar da UE tem de levar a economia da UE a cumprir o objetivo de neutralidade climática em 2050, criando condições para libertar os enormes recursos — financeiros, tecnológicos e intelectuais –, para a realização célere de investimentos em tecnologias hipocarbónicas, incluindo tecnologias de remoção de carbono.

6.5.

São necessários incentivos regulares para estimular a implantação da captura de carbono nas indústrias transformadoras, tanto a nível europeu — através do Fundo de Inovação — como em todos os Estados-Membros, mas sem fragmentar o mercado único, que é uma das pedras angulares da UE. Serão necessárias iniciativas adicionais da UE para atrair e mobilizar o investimento privado.

6.6.

É necessário criar alianças estratégicas a nível europeu, a fim de acelerar o desenvolvimento desta indústria, permitindo à UE assumir a liderança neste domínio. As regras atuais em matéria de auxílios estatais poderiam ser adaptadas para esse efeito.

6.7.

É necessário prestar especial atenção às atividades de I&D, promovendo um diálogo sobre esta matéria a nível europeu. Importa que o Fundo de Inovação seja o instrumento por excelência para mobilizar essas atividades.

6.8.

Há que utilizar as políticas de contratação pública para impulsionar os mercados de produtos ecológicos, para que os produtores reduzam as emissões de GEE em relação aos produtos «castanhos».

6.9.

O atraso identificado na resposta ao desafio climático e a pressão do tempo exigem que os relatórios do Semestre Europeu e as recomendações dirigidas a todos os Estados-Membros incluam alguns indicadores-chave de desempenho para ajudar a alcançar a necessária descarbonização da indústria.

6.10.

O relatório de prospetiva estratégica deve rever periodicamente os progressos, os cenários/opções mais promissores e os pontos fracos nas iniciativas para alcançar os objetivos climáticos, o que se reveste de importância acrescida pelo facto de poder fornecer orientações sobre investimentos urgentes e de elevado risco, mas também sobre a agregação razoável de recursos, tanto vertical como horizontalmente.

6.11.

Um conjunto de sinais de alerta aponta para condições de concorrência não equitativas e para o risco de «fuga de carbono» para países terceiros, o que dificulta a descarbonização. Tal sublinha, mais uma vez, a importância de introduzir o controlo da competitividade como um instrumento de filtragem de riscos e de orientação.

6.12.

Há diferenças, claramente medidas, nas concentrações de emissões por Estado-Membro e nas emissões per capita, por setor económico e por região. Tendo em conta que é premente atuar, importa dar prioridade à aplicação dos resultados mais rápidos e mais consequentes que permitam avançar nas etapas de descarbonização. Por conseguinte, é necessário colocar a tónica nas indústrias metalúrgicas, de matérias minerais, de produtos químicos e de combustíveis renováveis.

As inovações nas fases iniciais e a vontade de as utilizar e comercializar variam em função da dimensão das empresas, tendo os grupos de grandes dimensões vantagem em relação às primeiras, e as PME em relação à segunda. Assim, a transferência de conhecimentos, tanto intersetorial como vertical, deve ser incentivada e facilitada através da criação de um ambiente empresarial favorável.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Nível de Maturidade Tecnológica (TRL, do inglês Technology Readiness Level): níveis de maturidade tecnológica são diferentes pontos numa escala utilizada para medir o progresso ou o nível de maturidade de uma tecnologia.

(2)  Agência Europeia do Ambiente.

(3)  PCCE: produção combinada calor-eletricidade.

(4)  https://www.cepi.org/two-team-project-report/

(5)  Gela, biorrefinaria de Veneza (eni.com) e La Mède (TotalEnergies.com).

(6)  A Fertiberia lançou a fábrica de fertilizantes Impact Zero em Puertollano, Espanha.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A transição energética e digital nas zonas rurais

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/09)

Relator:

John COMER

Correlator:

Luís MIRA

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

30.6.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

173/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que não se prestou a atenção e o apoio que seria de esperar a uma estratégia combinada de transição energética e digital nas zonas rurais. Solicita que se ponha rapidamente em prática a visão a longo prazo da Comissão para as zonas rurais da UE e que se mobilize as partes interessadas através do Pacto Rural da UE. As zonas rurais mais vulneráveis necessitam de especial atenção para que ninguém fique para trás. É fundamental centrar-se na pobreza energética e nas zonas de pobreza rural.

1.2.

O CESE está convicto de que a prosperidade futura da Europa dependerá, em grande medida, do tratamento das zonas rurais em consonância com as zonas urbanas. As comunidades rurais não devem ser desfavorecidas no que diz respeito à digitalização e às opções de utilização da energia (por exemplo, necessidade de recorrer ao automóvel devido à falta de transportes públicos).

1.3.

Cabe conferir maior preponderância ao papel desempenhado pelas comunidades locais a fim de alcançar uma transição energética justa e promover, concomitantemente, o desenvolvimento comunitário mediante a criação e a expansão de comunidades de energia renovável e de comunidades de cidadãos para a energia, em que participam de forma voluntária cidadãos, autoridades responsáveis a nível local e PME, no intuito de gerar benefícios sociais e económicos.

1.4.

O CESE solicita que as seguintes políticas e instrumentos sejam reforçados:

política em matéria de energias renováveis: a política atual nesta matéria orienta-se principalmente pela necessidade de aumentar as capacidades, em vez de aumentar as sinergias em prol do bem-estar das comunidades rurais. A necessidade de maximizar a capacidade das energias renováveis é tão essencial como quantificar e resolver todas as questões relativas ao desenvolvimento rural;

política de adjudicação: a política atual de adjudicação de instalações de energias renováveis não é útil para as comunidades rurais, uma vez que se centra principalmente na redução dos custos e não nas necessidades socioeconómicas dos cidadãos das zonas rurais. Todas as instalações de energias renováveis devem ter como objetivo assegurar a maior eficiência possível em termos de custos e contribuir de forma significativa para satisfazer as necessidades socioeconómicas das comunidades rurais e dos cidadãos rurais;

armazenamento de eletricidade: o setor do armazenamento de eletricidade tem de crescer. Um dos principais desafios será a segurança sazonal do aprovisionamento de eletricidade. O armazenamento através de baterias e a eletrificação inteligente, aliados às respostas do lado da procura, ajudarão a esse respeito. O armazenamento de hidrogénio verde será necessário em alternativa;

financiamento específico, assegurando que os fundos são efetivamente canalizados para as zonas rurais mediante afetação nos planos nacionais de recuperação e resiliência.

1.5.

O CESE solicita à Comissão que proponha um Digital Rural Act enquanto terceira componente da Estratégia Digital Europeia, a par do Regulamento Mercados Digitais e do Regulamento Serviços Digitais. A digitalização proporcionará novas oportunidades (especialmente para os jovens) suscetíveis de mudar as tendências demográficas, ao permitir que as pessoas trabalhem a partir de casa e de plataformas de trabalho em zonas rurais.

1.6.

O CESE sublinha que é imperativo assegurar a conectividade à Internet de alta velocidade em todo o território, incluindo as zonas escassamente povoadas, para que os planos de recuperação e resiliência dos Estados-Membros ou da UE possam contar como o contributo pleno das zonas rurais. Insta os governos a criar condições para que esse serviço seja prestado pelos operadores privados ou a recorrer a uma empresa estatal para o efeito.

1.7.

O CESE considera que as autoridades governamentais e os prestadores de serviços devem desenvolver aplicações conviviais especificamente adaptadas às realidades da vida e das atividades nas zonas rurais. A título de exemplo, a aplicação dessas tecnologias reduzirá a pegada de carbono da agricultura (agricultura de precisão) e contribuirá para uma melhor acessibilidade das zonas remotas (drones). O setor público deve intervir se o setor privado não fornecer essas soluções.

1.8.

O CESE frisa que os utilizadores rurais de todas as idades devem ter acesso a possibilidades de formação e de melhoria de competências adequadas para utilizarem esta nova tecnologia digital. A inclusividade das zonas desfavorecidas deve igualmente permitir o acesso aos dispositivos necessários, quer através da utilização partilhada, quer através de uma subvenção estatal para a sua aquisição.

1.9.

Em suma, o CESE entende que a implantação de tecnologias digitais nas zonas rurais é necessária para apoiar a transição energética. O sistema energético rural deve ser descentralizado. Para tal, impõe-se uma maior e melhor interligação, o que, por seu turno, exige a implantação de tecnologias digitais para adaptar a oferta à procura e assegurar fluxos de energia eficientes. As aplicações digitais nas zonas rurais terão de ser altamente eficientes do ponto de vista energético devido à menor taxa de utilização e à menor densidade populacional. A conectividade informática de baixo consumo energético é um imperativo para as zonas rurais.

1.10.

O CESE salienta que, tendo em conta que 30 % da população da UE vive em zonas rurais, a transição energética justa nessas zonas constitui um elemento fundamental da transição justa para uma União Europeia com impacto neutro no clima, sustentável e próspera, em consonância com a Agenda Territorial 2030.

1.11.

A Comissão propôs que 20 % do investimento do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) se destinem ao setor digital. O CESE recomenda que todos os Estados-Membros consagrem pelo menos 10 % destes fundos às zonas rurais, sem impor burocracia desnecessária.

2.   A transição energética nas zonas rurais

Introdução

2.1.

Existe um consenso científico generalizado de que a libertação de dióxido de carbono resultante da queima de combustíveis fósseis é a forma mais provável de a humanidade estar a influenciar as alterações climáticas a nível mundial.

2.2.

O climatólogo Michael Mann afirma, no seu livro The New Climate War [A nova guerra climática], que o aquecimento do nosso planeta entrou agora na zona de perigo e que ainda não estamos a adotar as medidas necessárias para evitar a maior crise mundial que alguma vez enfrentámos.

2.3.

As alterações climáticas perigosas já se fazem sentir em alguns locais, com a subida do nível do mar. Veneza e Miami enfrentam desafios significativos a este respeito. Na região da Amazónia assistiu-se a uma desflorestação em grande escala e a secas provocadas pelas alterações climáticas. O derretimento mais rápido do que o previsto da calota de gelo do Ártico é motivo de grande preocupação.

2.4.

É necessário que todas as partes interessadas se mobilizem à escala mundial para adotar medidas imediatas em matéria de alterações climáticas, nomeadamente medidas de atenuação e adaptação para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE). A redução célere da utilização de combustíveis fósseis deve ser uma prioridade imediata.

Zonas rurais

2.5.

Na UE, 130 milhões de pessoas, ou seja, 30 % da sua população, vivem em zonas rurais. As zonas rurais são heterogéneas, e as suas características são fortemente influenciadas pela sua localização. Em muitas zonas, em particular no sul da Europa, as alterações climáticas provocarão um aumento progressivo da escassez de água, um agravamento das inundações e um aumento da intensidade e da frequência dos incêndios florestais. No norte da Europa, o aumento da precipitação e das tempestades pode causar — e causará — danos significativos e dispendiosos nas infraestruturas. O aumento das temperaturas intensificará o ciclo da água e tornará as tempestades violentas mais frequentes. Estas circunstâncias demonstram a necessidade de realizar a transição energética e digital o mais rapidamente possível nas zonas rurais.

2.6.

A ideia de transição energética nas zonas rurais não recebeu o nível de atenção que se esperaria, o que é surpreendente, uma vez que os recursos necessários para produzir energias renováveis estão estreitamente ligados às zonas rurais. A maioria das infraestruturas de energias renováveis, como as turbinas eólicas, as centrais fotovoltaicas e as instalações de produção de biogás, situa-se nas zonas rurais. As redes de transporte de energia são também uma característica da paisagem rural. Muitos habitantes das zonas rurais consideram que estas estruturas lhes são impostas e proporcionam maiores benefícios às zonas urbanas.

2.7.

As zonas rurais têm necessidades diversas e distintas em função da sua localização. Podem ser classificadas da seguinte forma:

zonas rurais situadas numa área de deslocações pendulares (num raio de 60 km da cidade) e cujo desenvolvimento está integrado na cidade;

zonas rurais que não fazem parte do mercado de trabalho urbano, mas que dispõem de um fluxo de entrada e saída de bens e serviços ambientais e de outras atividades económicas;

zonas rurais remotas, em que a economia local depende em grande medida da exportação de produtos primários, como os produtos agrícolas, para outras áreas. Em particular, estas zonas tendem a ter populações dispersas e serviços públicos deficientes.

2.8.

Estas diferentes zonas rurais enfrentam muitos e variados desafios na execução da transição energética, o que mostra a importância de uma transição justa para alcançar o objetivo pretendido.

2.9.

Muitas zonas rurais estão fisicamente isoladas, e caracterizam-se por uma atividade económica pouco diversificada e uma baixa densidade populacional. Em muitos casos, os baixos rendimentos e o envelhecimento da população aumentam a vulnerabilidade das comunidades rurais. As pessoas que vivem sozinhas em zonas rurais isoladas, com pouca interação social, representam um enorme desafio para a execução da transição energética. A pobreza energética constitui um problema grave nessas zonas.

2.10.

A instalação de contadores inteligentes é um elemento essencial da transição energética nas zonas rurais. Até à data, este processo parece ser bastante lento nessas zonas. Importa igualmente assegurar que os agregados familiares com baixos rendimentos e as pessoas com competências informáticas limitadas podem utilizar da melhor forma os contadores inteligentes, no âmbito de uma transição energética justa em que ninguém é esquecido. O Mecanismo de Recuperação e Resiliência afetou 25 mil milhões de euros ao apoio às competências digitais e à educação para o digital. Os Estados-Membros devem reservar uma parte adequada desses fundos para a formação das populações rurais em competências e literacia digitais. O facto de algumas partes da Europa não disporem de Internet é uma situação intolerável que cumpre corrigir o mais rapidamente possível.

2.11.

No Parecer — Rumo a uma estratégia global para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais e urbanas (1), o CESE salientou que as políticas agrícolas, alimentares e rurais se devem articular com as políticas em matéria de alterações climáticas e biodiversidade. A multifuncionalidade da agricultura é outro aspeto igualmente importante, assim como a promoção de atividades não agrícolas, por exemplo a criação de empresas no setor dos serviços de energia limpa, a fim de criar oportunidades de emprego. Importa explorar o potencial do comércio eletrónico.

2.12.

A Comunicação — Uma visão a longo prazo para as zonas rurais da UE (2) propõe um Pacto Rural que visa, nomeadamente, promover a coesão territorial e criar novas oportunidades para atrair empresas inovadoras. A aplicação desta visão facilitará consideravelmente a transição energética justa nas zonas rurais. O CESE acolheu favoravelmente essa abordagem no Parecer — Visão a longo prazo para as zonas rurais da UE (3).

Transportes

2.13.

A oferta de transportes rurais é uma questão fundamental devido à escassez de transportes públicos, à dispersão da população e à distância a que se encontram as lojas e os serviços. Além disso, os habitantes das zonas rurais que trabalham nos centros urbanos percorrem frequentemente longas distâncias para chegar ao local de trabalho.

2.14.

É necessário um planeamento local e nacional que proporcione um sistema de transporte multimodal que contribua para a transição para as energias renováveis. Esse sistema deve oferecer opções e alternativas para o transporte de pessoas e de mercadorias.

2.15.

O transporte de mercadorias nas zonas rurais exige uma atenção especial no âmbito da transição energética. Por exemplo, as entregas de bens para as explorações agrícolas e a recolha dos seus produtos devem ser um elemento importante do planeamento da transição energética. O objetivo a atingir deve ser a generalização dos veículos pesados de mercadorias elétricos e dos veículos pesados de mercadorias movidos a hidrogénio. A curto prazo, os biocombustíveis sustentáveis e os veículos híbridos poderão contribuir para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

2.16.

A grande expansão das compras em linha, em particular nas zonas rurais, mostra a importância de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa das furgonetas de distribuição. O recurso a furgonetas elétricas permitiria alcançar este objetivo, uma vez criada a infraestrutura de carregamento adequada. Além disso, as empresas de entrega ao domicílio devem financiar a aquisição de furgonetas elétricas. A prioridade imediata consiste em começar a reduzir as emissões de todas as formas possíveis.

2.17.

Há que dar prioridade a uma melhor oferta de transportes públicos nas zonas rurais, que vise a redução das emissões de gases com efeito de estufa e a inserção social, bem como a criação de oportunidades de desenvolvimento rural. Os transportes públicos rurais devem ser considerados um bem público no contexto da transição energética, pelo que é necessário financiamento público para promover e facilitar os transportes públicos sustentáveis.

2.18.

O automóvel particular é considerado um meio indispensável de transporte nas zonas rurais, uma vez que, sem ele, seria impraticável viver nestas zonas. A prioridade deve ser ajudar e encorajar os habitantes das zonas rurais a reduzir, sempre que possível, a utilização do automóvel e a passar o mais rapidamente possível para veículos de baixas emissões. Os auxílios financeiros destinados a promover a aquisição de veículos elétricos devem constituir um objetivo fundamental no contexto da transição energética nas zonas rurais.

2.19.

O armazenamento através de baterias é um meio eficaz para achatar a curva da procura líquida de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. A utilização generalizada de veículos elétricos pode ajudar a este respeito, pois, quando esses veículos tiverem a possibilidade de enviar eletricidade de volta à rede, a frota elétrica pode funcionar como um ativo de armazenamento através de baterias para além das demais formas de armazenamento. O envio de eletricidade de volta à rede a partir de veículos elétricos tem de ser financeiramente atrativo para os consumidores, como refere o CESE no Parecer — Regulamento relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos (4).

Turismo

2.20.

As zonas rurais dependem frequentemente do turismo enquanto importante fonte de rendimento. Por conseguinte, devem dispor de uma infraestrutura adequada para combustíveis alternativos, a fim de promover o setor do turismo, reduzindo ao mesmo tempo as emissões de gases com efeito de estufa. As empresas de aluguer de automóveis devem ser incentivadas a optar por veículos de baixas emissões e, de preferência, veículos elétricos. A transição energética nas zonas rurais exige medidas que favoreçam o aumento dos rendimentos provenientes do turismo.

Eletricidade renovável

2.21.

A eletricidade renovável, como a energia eólica, solar e o biogás, é uma componente importante da paisagem rural. A harmonização da legislação entre os Estados-Membros deve promover e proteger os interesses dos prossumidores e incentivar os investimentos em infraestruturas de energias renováveis. É necessário que todos os Estados-Membros prevejam a possibilidade de vender a energia produzida à rede nacional e disponham de regimes de compensação adequados entre a energia renovável produzida pelos prossumidores e a energia consumida, a fim de assegurar a independência energética das zonas rurais.

2.22.

Os recentes leilões para contratação pública centralizada de eletricidade renovável têm-se generalizado e conseguiram, em muitos casos, reduzir os custos de construção das instalações eólicas e solares. Regra geral, o desenvolvimento da eletricidade rural está principalmente ligado à descarbonização do setor da energia, não havendo sinergias com os objetivos de desenvolvimento rural. Os habitantes das zonas rurais opõem-se frequentemente a tais desenvolvimentos, uma vez que anteveem poucos benefícios para a comunidade local.

2.23.

As cooperativas e outras organizações locais devem participar na escolha dos locais para as instalações de produção de eletricidade renovável, tanto em regiões terrestres como costeiras. As comunidades locais devem ter uma participação acionista e obter um benefício local dessas instalações.

2.24.

Nestes grandes projetos, o desenvolvimento das energias renováveis está principalmente ligado à descarbonização do setor da energia, sendo dada pouca atenção ao desenvolvimento rural. Os parques eólicos de pequena dimensão, bem como os pequenos digestores solares e anaeróbios geridos por cooperativas e pela população local podem ser mais orientados para o desenvolvimento rural, bem como para a inserção social e económica das comunidades rurais. É necessário alcançar um equilíbrio entre estes dois sistemas. As comunidades de energia renovável e as comunidades de cidadãos para a energia constituem uma forma de alcançar uma transição energética justa concomitantemente ao desenvolvimento comunitário.

2.25.

Um estudo de caso realizado na Suécia rural (Ejdemo e Söderholm, 2015) concluiu que, na ausência de mecanismos de partilha de benefícios, as oportunidades de emprego no contexto do desenvolvimento rural eram bastante limitadas.

2.26.

Uma comunidade de cidadãos para a energia é uma entidade jurídica em que cidadãos, PME e autoridades responsáveis a nível local se reúnem enquanto utilizadores finais para cooperarem na produção de energias renováveis. Um exemplo disso é o município de Feldheim (uma pequena aldeia a sudoeste de Berlim), que se tornou autossuficiente em energia, tendo instalado turbinas eólicas nos quintais e criado uma rede independente. Os habitantes pagam preços mínimos pela eletricidade, e a criação de uma instalação de produção de biogás permitiu à aldeia estabelecer uma rede de aquecimento urbano. Trata-se de um excelente exemplo do funcionamento de uma comunidade de energia renovável. Demonstra igualmente que uma abordagem ascendente é essencial para o futuro das zonas rurais (5).

2.27.

A resposta do lado da procura consiste em transferir o consumo elétrico para períodos em que o sistema pode fazer face à procura. É preciso achatar a curva da procura líquida de eletricidade durante os períodos de pico da procura, a fim de evitar apagões à medida que se produz cada vez mais eletricidade verde. A utilização do armazenamento através de baterias, o armazenamento hidrobombeado e a eletrificação inteligente proporcionarão flexibilidade para achatar a curva da procura líquida.

2.28.

Dirigindo-se aos deputados irlandeses em Dublim, a comissária da Energia, Kadri Simson, afirmou que a guerra na Ucrânia obrigou Bruxelas a ir mais longe nos seus esforços para pôr termo às importações de combustível russo, assegurando que, ao abrigo das propostas ainda por aprovar, a UE procurará que, até 2030, 45 % da sua energia consumida provenha de fontes renováveis. Tal representaria um aumento em relação ao atual objetivo de 32 % e mais do que duplicaria a percentagem registada em 2020 (22 %). O CESE apoia este novo objetivo, mas alerta para o facto de o mesmo só poder ser alcançado se se avançar rapidamente com novos e mais avultados investimentos na transição energética das zonas rurais.

2.29.

O vento nem sempre sopra, pelo que será necessário assegurar uma alternativa nesses casos. O hidrogénio verde pode ser essa alternativa para satisfazer as variações na procura de eletricidade, podendo ser armazenado até ser necessário.

Agricultura

2.30.

A atividade agrícola é fundamental para o desenvolvimento e a prosperidade da maior parte das zonas rurais. Este setor da economia rural enfrenta enormes desafios na concretização da transição energética.

2.31.

Não foram envidados esforços importantes para reduzir a pegada de carbono das máquinas agrícolas.

2.32.

No futuro imediato, o recurso a biocombustíveis sustentáveis parece ser a melhor forma de reduzir as emissões, uma vez que as máquinas existentes podem ser utilizadas, se alteradas de forma adequada.

2.33.

Os biocombustíveis sustentáveis não são produzidos a baixo custo, e o seu preço pode atingir mais do dobro do preço do gasóleo. Os preços podem diminuir ligeiramente com o tempo.

2.34.

No futuro, quando as máquinas agrícolas alimentadas a eletricidade se tornarem mais amplamente disponíveis, será possível reduzir as emissões de forma significativa.

2.35.

A agricultura é, na maior parte dos casos, uma atividade pouco lucrativa, pelo que os custos de capital associados à mudança para máquinas elétricas serão extremamente difíceis de financiar. Resolver o problema do financiamento da transição para máquinas elétricas ou movidas a hidrogénio será uma questão importante no contexto da transição energética nas zonas rurais.

2.36.

A instalação de painéis solares nos edifícios agrícolas permitiria aos agricultores utilizar eletricidade verde, o que representaria um ganho significativo na transição energética, uma vez que a agricultura é um setor com grande consumo de eletricidade. Qualquer excedente poderia ser revendido à rede.

2.37.

A agricultura de precisão é uma abordagem assente em dados para a gestão das explorações agrícolas que pode melhorar a produção e o rendimento das culturas e reduzir a pegada de carbono da agricultura. Tal é possível devido aos avanços na tecnologia digital com sistemas de teledeteção, de posicionamento global (GPS) e de direcionamento por satélite dos tratores. Todos estes aspetos serão importantes para a transição energética na agricultura, em conjugação com o investimento, a formação e a melhoria de competências necessários.

2.38.

Os agricultores poderão ter a possibilidade de vender a eletricidade excedentária à rede, uma vez que os produtores de produtos lácteos e de carne de bovino dispõem de vastas superfícies de telhado nas suas explorações. Alguns agricultores podem tornar-se parceiros na criação de centrais de biomassa e vender gás à rede respetiva. A utilização de resíduos florestais em centrais de biomassa é importante para facilitar a gestão florestal nas zonas que dispõem desses materiais.

2.39.

As consequências da guerra na Ucrânia significam que devemos voltar a analisar a segurança alimentar na UE. As terras devem destinar-se prioritariamente à produção de alimentos. Esta utilização não deve estar sujeita à concorrência da instalação de painéis à escala industrial nem com a produção de biomassa para energias renováveis, que devem ter um caráter complementar.

Biometano

2.40.

O biometano é um biogás do qual foram removidos o dióxido de carbono, o sulfureto de hidrogénio e a água, podendo então ser injetado diretamente na rede de gás ou utilizado num veículo movido a gás.

2.41.

Os digestores anaeróbios devem ser instalados perto de um local onde exista um abastecimento adequado de chorume. Também se pode utilizar a silagem de erva e a silagem de milho excedentárias, desde que a produção de alimentos e forragens não seja prejudicada.

2.42.

É necessário prosseguir a investigação para melhorar a eficiência dos digestores anaeróbios e reduzir os custos associados ao processo.

2.43.

Há que promover e financiar a utilização de digestores anaeróbios no âmbito da transição energética nas zonas rurais.

2.44.

A energia gerada a partir da biomassa pode ser utilizada para produzir calor ou eletricidade. A biomassa desempenhará um papel vital na produção de eletricidade renovável.

Habitações rurais

2.45.

Muitos agregados familiares das zonas rurais podem instalar tecnologias de microgeração, como painéis solares e turbinas eólicas de pequeno porte, com a possibilidade de revender qualquer excedente à rede.

2.46.

Os agregados familiares com baixos rendimentos necessitam de assistência financeira para instalar estruturas de microgeração. Tal permitiria aos agregados familiares das zonas rurais realizar uma transição energética significativa.

2.47.

Regra geral, o isolamento e a eficiência energética das habitações rurais são piores do que nas habitações urbanas. Muitas habitações rurais são moradias isoladas em locais expostos às intempéries.

2.48.

No âmbito da transição energética, cabe lançar um programa de investimento significativo para a adaptação das habitações rurais, a fim de melhorar o respetivo isolamento e eficiência energética. Esse investimento constituirá um avanço importante na redução do consumo energético e na descarbonização do aquecimento doméstico rural. Será necessário um regime de apoios, uma vez que os custos de capital de uma adaptação significativa são extremamente elevados. Os agregados familiares com baixos rendimentos e os que vivem em situação de pobreza energética necessitarão de uma ajuda especial para realizarem essa transição.

3.   A transição digital nas zonas rurais

3.1.

Em 2021, a Comissão Europeia apresentou a visão para a transformação digital da Europa até 2030. Desde logo se evidenciou a necessidade de duas propostas legislativas, o Regulamento Mercados Digitais e o Regulamento Serviços Digitais, por forma a assegurar um espaço digital mais seguro, onde os direitos fundamentais dos utilizadores são protegidos, e a estabelecer condições equitativas para as empresas europeias no mundo digital.

3.2.

Para se alimentar uma população mundial em crescimento, com o mínimo impacto ambiental e promovendo a neutralidade carbónica, é necessário existirem infraestruturas digitais e tecnológicas nas zonas rurais que permitam uma utilização eficiente e precisa dos recursos na agricultura. Mas, apesar de 30 % da população europeia residir em zonas rurais europeias e estas representarem 80 % do território dos 27 Estados-Membros, a digitalização enfrenta riscos acrescidos no mundo rural que, se não forem acautelados, porão em causa a pretensão digital da Europa. O quadro legislativo europeu do Digital Rural Act visa fazer face a estes riscos promovendo:

garantir uma cobertura de rede de banda larga equitativa para todas as regiões da Europa: o que se verifica atualmente é uma boa cobertura nos grandes centros urbanos e uma cobertura deficitária nas zonas rurais; para cumprir os objetivos da digitalização é urgente resolver este problema de modo a não abrir um fosso ainda maior entre as várias regiões;

infraestruturas: garantir o investimento privado na implantação da infraestrutura no último quilómetro, tendo em consideração benefícios não financeiros como as externalidades socioeconómicas;

capacitação: alfabetizar digitalmente os residentes nas zonas rurais;

adequação: promover o desenvolvimento de aplicações que respondam à necessidade da comunidade agrícola e rural, que apresentam fraca aderência aos serviços digitais concebidos para o meio urbano.

3.3.

O Digital Rural Act enquanto mecanismo legislativo da Comissão Europeia será, tal como o Regulamento Mercados Digitais e o Regulamento Serviços Digitais, um conjunto de regras, obrigações e responsabilidades, cujo objetivo será garantir o acesso das zonas rurais europeias a um conjunto de iniciativas, ferramentas e acessibilidades que, devido à reduzida densidade populacional, são economicamente desfavoráveis para o investimento privado. Desta forma, o Digital Rural Act garantirá a execução da digitalização nas zonas rurais quando a sua necessidade é inversamente proporcional aos proveitos financeiros obtidos.

3.4.

Finalmente, o Digital Rural Act será o maior precursor do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia do Prado ao Prato e da neutralidade carbónica da Europa em 2050, pois a transição para implantar um sistema alimentar justo, saudável e amigo do ambiente só será possível se a tecnologia e digitalização estiverem disponíveis e acessíveis ao mundo agrícola e rural.

3.5.

Tal como sublinhado no Parecer do CESE — Reforço da digitalização integradora, segura e de confiança para todos (6), importa não subestimar a importância da digitalização, na medida em que esta pode «apoiar uma maior mobilidade no mercado de trabalho, aumentar a produtividade e a flexibilidade no local de trabalho e permitir o equilíbrio entre vida profissional e pessoal quando os trabalhadores trabalham à distância a partir de casa». Para o efeito, é necessário dispor de um conjunto abrangente de competências digitais, independentemente de os trabalhadores viverem em zonas urbanas ou rurais. No entanto, quem vive em localidades remotas enfrenta barreiras acrescidas dos mais variados tipos. Por conseguinte, o CESE apela para a adoção de uma agenda específica para as competências digitais, a fim de apoiar os cidadãos europeus que vivem em zonas rurais. Essa abordagem, que deve constituir um elemento central do Digital Rural Act, contribuirá simultaneamente para colmatar a divisão digital e permitirá tirar partido dos benefícios da transformação digital da sociedade.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE — Rumo a uma estratégia global para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais e urbanas (JO C 105 de 4.3.2022, p. 49).

(2)  COM(2021) 345 final.

(3)  Parecer do CESE — Visão a longo prazo para as zonas rurais da UE (JO C 290 de 29.07.2022, p. 137).

(4)  Parecer do CESE — Regulamento relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos (JO C 152 de 6.4.2022, p. 138).

(5)  ERP WORKSHOP REPORT Workshop 21 [relatório da sessão de trabalho do Parlamento Rural Europeu — Sessão 21].

(6)  Parecer do CESE — Reforço da digitalização integradora, segura e de confiança para todos (JO C 374 de 16.9.2021, p. 11).


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/67


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Investimento público em infraestruturas energéticas como parte da solução para os desafios climático

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/10)

Relator:

Thomas KATTNIG

Correlator:

Lutz RIBBE

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.9.2022

Adoção em plenária

22.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

162/7/8

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As consequências da crise climática estão a ter um impacto maciço na Europa e no mundo. Embora as soluções disponíveis de adaptação eficaz às alterações climáticas se tenham multiplicado nos últimos anos, os especialistas assinalam a mobilização insuficiente de recursos financeiros, o empenho demasiado fraco dos cidadãos e do setor privado e a falta de liderança política.

1.2.

A fim de satisfazer a crescente procura de eletricidade e cumprir as metas climáticas, é necessário duplicar o investimento na rede elétrica, para 55 mil milhões de euros por ano, e aumentar os fundos para a construção de capacidades de produção limpas para 75 mil milhões de euros por ano (1). Neste contexto, o investimento público em sistemas de energia inteligentes e renováveis, bem como em infraestruturas de armazenamento, é muito importante para garantir a segurança do aprovisionamento, combater a pobreza energética, proporcionar preços acessíveis e criar emprego.

1.3.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia as propostas da Comissão que visam acelerar e racionalizar os procedimentos de licenciamento de energias renováveis e definir as chamadas «zonas-alvo» para projetos nesse domínio. Tais medidas revestem-se de potencial significativo para acelerar a transição energética. Por isso, tanto mais importante é definir, de forma tão concreta quanto possível, quais as simplificações que devem ser aplicadas nas chamadas zonas «preferenciais».

1.4.

A legislação europeia sobre energia não reconhece a ação climática como um objetivo da regulamentação da rede. Consequentemente, as entidades reguladoras nacionais também têm dificuldade em conceder incentivos para a reestruturação, a expansão e a modernização das redes de distribuição de eletricidade que satisfaçam os requisitos de neutralidade climática.

1.5.

No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente a importância que reveste a participação ativa de todos os consumidores — agregados familiares, empresas e comunidades de energia — no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes e a criação de incentivos para que a sociedade civil possa participar na transição energética e também contribuir para o seu financiamento.

1.6.

O nível de investimento público na União Europeia (UE) em tecnologias de energia limpa necessárias para a descarbonização é o mais baixo entre as economias de maior dimensão, pondo em risco a competitividade da UE. Desde o início da liberalização, o nível de investimento das empresas de eletricidade tem vindo a decrescer. Este declínio no investimento levou a estrangulamentos no aprovisionamento e inibiu a expansão futura das energias renováveis. Por conseguinte, o CESE apoia a proposta da Comissão de financiar a execução do plano REPowerEU através dos planos de recuperação e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE, bem como das dotações adicionais do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e da política agrícola da UE.

1.7.

A conceção e a regulamentação do mercado devem ser adaptadas às novas realidades das energias renováveis que predominarão no futuro (incluindo uma produção mais descentralizada e um maior consumo de energia produzida no local), criando as condições necessárias para os vários intervenientes e assegurando uma proteção adequada dos consumidores. O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de explorar opções para otimizar a conceção do mercado da eletricidade e defende firmemente a realização de avaliações de mercado que analisem o comportamento de todos os potenciais intervenientes no mercado da energia e a própria conceção deste mercado. Em todo o caso, o CESE sublinha a importância da realização de uma avaliação de impacto exaustiva a montante de qualquer proposta.

1.8.

O CESE recomenda, mais uma vez, a aplicação da «regra de ouro» ao investimento público, a fim de salvaguardar a produtividade e a base social e ecológica, em prol do bem-estar das gerações futuras.

1.9.

A opção de recorrer a mecanismos de financiamento misto com investidores privados só deve ser considerada se for possível assegurar que a atribuição é transparente e que o setor público não incorre em quaisquer custos adicionais injustificados em comparação com a opção de financiamento público. Deve haver total transparência relativamente aos custos adicionais justificados. É, pois, essencial que tais modelos de financiamento misto definam claramente os direitos e obrigações, clarifiquem as questões de responsabilidade e prevejam um sistema eficiente e rápido de resolução de conflitos, a fim de evitar custos adicionais a longo prazo e controvérsias sobre questões de responsabilidade.

1.10.

O CESE sublinha que a «transição justa» não se reduz à questão do financiamento da transição. Também inclui o objetivo de criar trabalho digno e empregos de qualidade, assim como segurança social, mantendo a competitividade das empresas europeias, e requer ações específicas a todos os níveis, especialmente regional.

1.11.

O CESE está convicto de que importa ter especialmente em atenção a classificação da expansão da rede enquanto interesse público superior, a inclusão da ação climática como um objetivo da regulamentação e, em geral, uma melhor sincronização no planeamento das energias renováveis e da rede elétrica. Neste contexto, é imprescindível dispor de orientações concretas a nível europeu.

1.12.

Os acontecimentos da última década, os desafios da expansão da rede, o aumento exponencial dos preços da energia, o perigo de ataques cibernéticos e, não menos importante, a guerra na Ucrânia demonstram claramente que a questão central é saber quem controlará no futuro tais infraestruturas fundamentais, como a rede de energia. Assim, o que está em causa é, acima de tudo, o interesse público. A consequência lógica seria, portanto, a propriedade pública, que deve ter por finalidade proteger o bem comum e eliminar as desigualdades existentes.

1.13.

A questão das vantagens e desvantagens da propriedade pública e privada e/ou do financiamento privado de infraestruturas energéticas para um mercado energético eficiente é sem dúvida importante e deve ser considerada na avaliação prevista pela Comissão quanto às opções para a otimização da conceção do mercado energético. Os resultados dessa análise podem constituir um valioso instrumento de decisão para os Estados-Membros, que são responsáveis por decidir sobre a propriedade pública ou privada das infraestruturas energéticas. Na opinião do CESE, a eletricidade é não só um bem estratégico fundamental para toda a economia da UE, mas também um bem público. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão Europeia a analisar em pormenor o impacto e as consequências de todo o processo de privatização e liberalização do setor energético europeu no que diz respeito à sua estabilidade, à fiabilidade do aprovisionamento e ao funcionamento do mercado da eletricidade, e a traduzir os resultados numa reconfiguração de todo o setor da energia, incluindo opções para reforçar o papel dos setores nacional e público.

2.   Contexto

2.1.

As consequências da crise climática já estão a afetar milhares de milhões de pessoas em todo o mundo, assim como os ecossistemas, como revelam os últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC), ainda mesmo antes de o aumento da temperatura ter atingido o limite de 1,5oC fixado no Acordo de Paris. É particularmente problemático que os sistemas e os grupos que serão mais duramente atingidos pelo calor, secas, inundações, doenças e escassez de água e alimentos sejam muitas vezes os que têm menos recursos para fazer face a essas situações.

2.2.

As opções disponíveis para uma adaptação eficaz às alterações climáticas têm aumentado nos últimos anos. No entanto, as medidas aplicadas e as previstas não são satisfatórias em muitas partes da Europa. Os especialistas apontam para a mobilização insuficiente de recursos financeiros, o empenho muito fraco, quer dos cidadãos quer do setor privado, e a falta de liderança política.

2.3.

A situação atual na Europa, caracterizada pela afetação rápida de montantes muito significativos para fins militares devido à guerra na Ucrânia, impele-nos a recear que os recursos financeiros fiquem imobilizados e, em consequência, a ação climática sofra atrasos. Por conseguinte, o CESE congratula-se com as medidas e os instrumentos anunciados pela Comissão no plano REPowerEU (2) para reduzir a dependência da UE em relação aos combustíveis fósseis, em particular aos importados da Rússia, adotando medidas de poupança de energia, acelerando a transição para as energias renováveis, promovendo a diversificação do aprovisionamento e unindo esforços para estabelecer um sistema energético mais resiliente e uma verdadeira União da Energia.

2.4.

Para atingir os objetivos climáticos, é necessário mais do que duplicar as capacidades de produção de energia de fontes renováveis. Atualmente, as situações em que é impossível utilizar ou transportar energia verde, obrigando a reduzir a sua produção, já representam desperdícios de várias centenas de milhões de euros anuais em países de grande dimensão, como a Alemanha. Esta perda económica multiplicar-se-á se as redes elétricas e a capacidade de armazenamento não forem desenvolvidas rapidamente e se, ao mesmo tempo, não se melhorar a possibilidade de utilizar a eletricidade produzida diretamente a nível local. É importante alinhar o desenvolvimento das redes de energia pelo objetivo de neutralidade climática no âmbito do planeamento e da regulamentação das redes. Neste contexto, as redes de distribuição desempenham um papel crucial, uma vez que a maior parte das instalações de energias renováveis estão ligadas a elas.

2.5.

Para satisfazer estes requisitos, é necessário duplicar o investimento na rede elétrica, para 55 mil milhões de euros por ano, e aumentar os fundos para a construção de capacidades de produção limpas para 75 mil milhões de euros por ano (3). Neste contexto, o CESE destaca o valor acrescentado das propostas da Comissão relativas à agilização dos procedimentos de licenciamento de projetos de energias renováveis e à criação de «zonas-alvo» para esses projetos. O CESE apoia a aceleração e a racionalização dos procedimentos de licenciamento de energias renováveis. Importa prestar especial atenção às redes de distribuição, pois é aí que entram habitualmente as energias renováveis.

2.6.

Neste contexto, o investimento público em sistemas de energia inteligentes e renováveis é muito importante para garantir a segurança do aprovisionamento, combater a pobreza energética, proporcionar preços acessíveis e criar emprego. A transformação ecológica tal como prevista no Pacto Ecológico Europeu terá seguramente um impacto enorme no emprego nos setores energéticos com utilização intensiva de CO2. Ao mesmo tempo, um aumento razoável do investimento público em sistemas energéticos com impacto neutro no clima gera um vasto leque de novas oportunidades de emprego. Para tal, é necessário garantir uma margem de manobra orçamental adequada, reformulando o quadro orçamental, como propõe o CESE no seu Parecer de iniciativa — Reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa, de outubro de 2021.

2.7.

Até agora, a legislação europeia relativa à energia não reconhece a ação climática como um objetivo da regulação da rede. Consequentemente, as entidades reguladoras nacionais também têm dificuldade em conceder incentivos para a reestruturação, a expansão e a modernização das redes de distribuição de eletricidade que satisfaçam os requisitos de neutralidade climática.

2.8.

No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente a importância que reveste a participação ativa de todos os consumidores — agregados familiares, empresas e comunidades de energia — no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes. A este respeito, as promessas infelizmente não se traduziram em iniciativas concretas. O CESE apela, portanto, para incentivos no sentido de dinamizar os prossumidores, as comunidades de energias renováveis ou comunidades de cidadãos para a energia, de modo que a sociedade civil possa participar na transição energética e os consumidores tenham a oportunidade de participar ativamente no mercado. Esta dinamização também pode atenuar o problema do aumento dos custos causado pela redução da produção de energias renováveis devido à saturação da rede.

2.9.

O CESE apoia a melhoria da adaptação das regras da UE sobre as redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, em particular no que se refere à descarbonização do sistema energético, à transição para a neutralidade climática, ao desenvolvimento das energias renováveis, à eficiência energética e à atenuação do risco de pobreza energética. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, o CESE solicita que o regulamento vise mais claramente a criação de uma dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada e de impedir qualquer forma de desintegração. Neste contexto, é louvável a iniciativa tomada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu de classificar as redes de distribuição como sendo «de interesse público superior», a par das energias renováveis.

2.10.

Os aumentos atuais dos preços constituem um encargo pesado para os cidadãos e as empresas da UE. O CESE lamenta que, no passado, os decisores políticos não tenham dado seguimento ao seu apelo (4) para a redução da dependência estratégica em relação a terceiros pouco fiáveis e que, pelo contrário, esta dependência tenha aumentado. A Rússia é o maior exportador de petróleo, gás natural e carvão para a UE e muitas centrais nucleares dependem de combustíveis e tecnologia provenientes da Rússia. A atual crise dos preços da energia teria atingido em muito menor escala os cidadãos e as empresas europeias se a Europa já tivesse reduzido as importações de combustíveis fósseis, como prometido. Por conseguinte, o CESE congratula-se com os esforços previstos no plano REPowerEU para reduzir rapidamente esta dependência, especialmente em relação à Rússia. Apoia os esforços das instituições da UE e dos Estados-Membros para resolver eficazmente o problema dos preços, em conformidade com a Comunicação de outubro de 2021, a Comunicação sobre o mercado da eletricidade [COM(2022) 236] e os instrumentos disponibilizados ao abrigo do quadro temporário relativo aos auxílios estatais.

2.11.

Face ao contexto atual, o CESE chama a atenção, mais uma vez, para o facto de que o objetivo principal não deve, contudo, ser a diversificação das dependências, mas antes, se possível, a «independência e autonomia energética estratégica». As energias renováveis e o hidrogénio serão uma força motriz no processo de descarbonização, e a sua produção deve, tanto quanto possível, realizar-se dentro da UE.

2.12.

Em algumas regiões, o gás natural liquefeito (GNL) substituirá o gás natural russo a curto e médio prazo, a par de importantes medidas de poupança de energia. A longo prazo, o hidrogénio verde é uma opção compatível com o clima se estiver disponível em quantidades suficientes e a um preço razoável. Uma vez que a Europa não pode produzir o volume total dos gases de que necessita — o que é obviamente o caso do GNL, embora a independência em relação às importações de hidrogénio ainda seja concebível –, é necessário retirar os ensinamentos certos da relação com a Rússia. O CESE adverte que a Europa deve ser particularmente cautelosa quanto aos recursos substitutos do gás proveniente da Rússia, tendo em conta o seu impacto no ambiente e as novas dependências em relação a países terceiros que não partilham os valores europeus, como a estabilidade democrática, o respeito pelos direitos humanos e o Estado de direito.

2.13.

O nível de investimento público na UE em tecnologias de energia limpa necessárias para a descarbonização é o mais baixo entre as economias de maior dimensão, pondo em risco a competitividade da UE à escala mundial. Além disso, o Tribunal de Contas Europeu alerta para o facto de a estratégia REPowerEU não ter capacidade para mobilizar fundos suficientes. Por conseguinte, o CESE apoia a proposta da Comissão de financiar a execução do plano REPowerEU através dos planos de recuperação e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE, bem como das dotações adicionais do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e da política agrícola da UE.

2.14.

O impacto da guerra na Ucrânia é visto em alguns Estados-Membros e a nível da UE como o derradeiro impulso para alcançar uma maior independência energética e a neutralidade climática. O CESE apoia esta tendência. No entanto, a situação é paradoxal: o aumento da utilização de gás de petróleo liquefeito e o regresso ao carvão voltaram ao debate e poderão levar a um retrocesso na transição energética. O CESE não vê com bons olhos esta situação, mas está ciente de que, a curto prazo, as diferentes opções de produção de energia contribuem para a segurança energética enquanto medidas de emergência. Por conseguinte, além da energia eólica e solar, cabe aproveitar as diversas fontes de energia hipocarbónica que são económica e ecologicamente compatíveis com o sistema energético. Ao mesmo tempo, apela para que sejam envidados mais esforços na transformação ecológica do sistema energético.

2.15.

A Federação Sindical Europeia dos Serviços Públicos (EPSU) publicou um relatório (5) que confirma que a liberalização do sistema energético tem dado poucas respostas ao avanço da crise climática. A utilização generalizada de alternativas viáveis às fontes de energia emissoras de carbono tem sido em grande parte possível graças à ajuda de subvenções públicas consideráveis, e não à livre concorrência do mercado. O relatório revela que, sem alterar o modelo atual do sistema energético na Europa, não é possível cumprir os compromissos do Acordo de Paris.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Devido ao rápido avanço das alterações climáticas e à crise energética atual, são necessários no imediato investimentos em infraestruturas para alcançar o objetivo da neutralidade climática até 2050 e para assegurar o aprovisionamento de energia. Ao mesmo tempo, o aumento dos preços da energia revelou as fragilidades do mercado da energia. Cabe dar resposta a questões fundamentais sobre o futuro energético, com vista a assegurar um aprovisionamento de energia ecológico, fiável e a preços acessíveis, bem como o direito à energia. O CESE assinala explicitamente a urgência do investimento público para alcançar o objetivo da independência energética em relação às importações de gás provenientes da Rússia e apoia as medidas propostas a este respeito pela Comissão no plano REPowerEU.

3.2.

Neste contexto, importa ter em conta a configuração do mercado, assim como a sua regulamentação, a criação das condições necessárias para os diversos intervenientes e o reforço da proteção adequada dos consumidores. O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de explorar opções para otimizar a conceção do mercado da eletricidade e regista a sua análise dos mercados da eletricidade e do gás, as medidas propostas para fazer face aos elevados preços da energia, as propostas para melhorar as redes de energia e as capacidades de armazenamento e as promessas renovadas de melhorar o acesso ao mercado para os pequenos intervenientes (prossumidores) e de garantir a segurança do aprovisionamento.

3.3.

A conceção e a regulamentação do mercado devem ser adaptadas às novas realidades das energias renováveis que predominarão no futuro, com destaque para a produção mais descentralizada e o reforço do consumo de energia produzida no local. Contudo, para que tal aconteça, cabe assegurar aos diferentes intervenientes as condições necessárias e proteger adequadamente os consumidores. São necessárias avaliações do mercado que analisem o comportamento de todos os potenciais intervenientes no mercado da energia e a conceção do mercado da energia. Em todo o caso, o CESE sublinha a importância da realização de uma avaliação de impacto exaustiva a montante de qualquer proposta. O CESE salienta a necessidade urgente de combater os elevados preços da eletricidade, incluindo a agregação dos preços da eletricidade e do gás, que têm um impacto negativo nas economias dos Estados-Membros.

3.4.

Há muito que se adia a questão de saber até que ponto e com que conceção de mercado é possível garantir a segurança do aprovisionamento através da dinâmica de mercado. Em princípio, um sistema energético assente em energias renováveis (produzidas, em grande medida, internamente) proporciona um elevado grau de segurança do aprovisionamento. No entanto, tal não acontecerá naturalmente — para o efeito, é necessário um quadro regulamentar adequado. Em particular, são importantes as redes inteligentes, que enviam sinais claros aos muitos milhões de produtores e consumidores para que possam agir de forma favorável ao sistema e, assim, contribuir para a segurança do aprovisionamento.

3.5.

No que se refere ao financiamento de projetos de infraestruturas, no passado, as regras orçamentais rigorosas revelaram-se repetidamente o maior obstáculo para o setor público. Assim, o objetivo deve ser isentar de qualquer regulamentação que impeça esse investimento público os projetos associados ao Pacto Ecológico Europeu, à independência energética e ao setor digital. Por conseguinte, e na sequência do seu parecer sobre a reformulação do quadro orçamental da UE (6), o CESE recomenda que se aplique a «regra de ouro» ao investimento público, a fim de salvaguardar a produtividade e a base social e ecológica em prol do bem-estar das gerações futuras.

3.6.

A opção de recorrer a mecanismos de financiamento misto com investidores privados só deve ser considerada se for possível assegurar que a atribuição é transparente e que o setor público não incorre em quaisquer custos adicionais injustificados em comparação com a opção de financiamento público. Deve haver total transparência relativamente aos custos adicionais justificados. Um relatório do Banco Europeu de Investimento (BEI) concluiu que, por exemplo, os contratos de parcerias público-privadas (PPP) no transporte rodoviário na Europa eram, em média, 24 % mais onerosos do que os projetos comparáveis com financiamento tradicional (7). É, pois, essencial que tais modelos de financiamento misto definam claramente os direitos e obrigações, clarifiquem as questões de responsabilidade e prevejam um sistema eficiente e rápido de resolução de conflitos, a fim de evitar custos adicionais a longo prazo e controvérsias sobre questões de responsabilidade.

3.7.

A Comissão salienta, com razão, que os investimentos públicos podem e devem mobilizar fundos privados. Mas o plano REPowerEU não aborda o refinanciamento dos respetivos fundos públicos. A eliminação dos subsídios aos recursos fósseis seria uma abordagem possível para organizar esse processo, tal como a tributação dos lucros inesperados resultantes da grande crise do petróleo e do gás que se traduz em ganhos extraordinariamente elevados, especialmente para as grandes empresas petrolíferas. O CESE está preocupado com o risco de os lucros extremamente elevados das empresas de energia, por um lado, e o aumento da pobreza energética causado pela explosão dos preços da energia, por outro, se transformarem num barril de pólvora social. O CESE propõe que estes lucros sejam reduzidos com a ajuda de impostos e convertidos em compensações financeiras para os consumidores de energia, por exemplo, agregados familiares financeiramente mais vulneráveis ou empresas com utilização intensiva de energia, e utilizados para a expansão da produção de energias renováveis e das infraestruturas de rede necessárias, especialmente porque esta possibilidade já está a ser equacionada ou já existe em alguns Estados-Membros. O CESE considera que a definição dessa tributação requer muito cuidado para não desencorajar as empresas do setor da energia de investirem em soluções hipocarbónicas. O CESE insta a Comissão a propor as respetivas medidas sem mais demoras.

3.8.

O objetivo das infraestruturas é, antes de mais, que estas funcionem, e não que se limitem a transportar eletricidade de um ponto para outro como um fim em si mesmo para gerar rendimentos estáveis. Os acontecimentos da última década, os desafios da expansão da rede, o aumento exponencial dos preços da energia, o perigo de ataques cibernéticos e, não menos importante, a guerra na Ucrânia demonstram claramente que a questão central é saber quem controlará no futuro tais infraestruturas fundamentais, como a rede de energia. Assim, o que está em causa é, acima de tudo, o interesse público. A consequência lógica seria, portanto, a propriedade pública, que deve ter por finalidade proteger o bem comum e eliminar as desigualdades existentes.

3.9.

O CESE sublinha que a «transição justa» não se reduz à questão do financiamento da transição. Também inclui o objetivo de criar trabalho digno e empregos de qualidade, assim como segurança social, mantendo a competitividade das empresas europeias, e requer ações específicas a todos os níveis, especialmente regional. Outros fatores fundamentais para uma «transição justa» são o papel ativo e organizacional do setor público e a garantia da participação democrática dos parceiros sociais a todos os níveis.

3.10.

A rede de energia faz parte das infraestruturas críticas. A falha ou a perturbação destas infraestruturas pode causar uma escassez de oferta devastadora e pôr em perigo a segurança pública. As infraestruturas críticas, como os transportes e o tráfego, os serviços de saúde, os serviços financeiros e os serviços de segurança — para referir apenas algumas — estão cada vez mais nas mãos de intervenientes privados na Europa devido à vaga de liberalização e privatizações das últimas décadas. Esta circunstância é problemática na medida em que os setores estão interligados e a vulnerabilidade de um setor reduz ou impede o desempenho das outras infraestruturas críticas, aquilo a que se chama o «efeito de cascata». Por um lado, estas interdependências são difíceis de avaliar; por outro, assegurar a sua eficiência é do interesse público. Especialmente no caso de perturbações do mercado ou catástrofes, a importância da ação de organismos públicos de coordenação que detenham o controlo das infraestruturas torna-se decisiva para poder assegurar uma resiliência coordenada geograficamente. Estes riscos são particularmente elevados no caso da eletricidade, sem a qual o funcionamento de uma civilização avançada do século XXI é praticamente impensável, e apagões generalizados levariam à rutura da sociedade no seu conjunto.

3.11.

Tendo em conta que os edifícios na Europa representam cerca de 40 % do consumo de energia, a combinação inteligente de novas tecnologias, as renovações eficazes e a promoção de novos modelos de participação dos cidadãos tornam-se particularmente importantes para a transição energética e o reforço da eficiência energética no setor da habitação. A Diretiva Mercado Interno da Eletricidade promove esta participação dos consumidores na produção de eletricidade renovável e constitui uma base essencial para a aceitação da produção descentralizada de energia. Neste contexto, a harmonização em todo o espaço europeu é importante para que o maior número possível de agregados familiares na Europa possa participar na transição energética. Conceitos como a partilha de energia e a produção de energia pelos cidadãos em geral abrem perspetivas significativas à utilização de redes de energia para o abastecimento em pequena escala e orientado pela procura, que descongestiona a rede.

3.12.

O CESE reitera a sua posição de que o objetivo é maximizar a redução de emissões com o menor custo socioeconómico possível. Recomenda uma combinação de instrumentos compatíveis com um mercado bem regulado, bem como medidas regulamentares quando necessário, incluindo instrumentos financeiros com o apoio do Quadro Financeiro Plurianual e do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU), a fim de contribuir para um ambiente energético mais eficiente. No entanto, também deve ser claro que, quando uma análise cuidadosa revela indícios bem fundamentados de uma falha de mercado existente ou iminente, o setor público deve tomar medidas corretivas, por exemplo, através de investimentos ou intervenções no mercado.

4.   Observações na especialidade

4.1.

Os investimentos em infraestruturas energéticas visam promover a segurança do aprovisionamento e a expansão das energias renováveis de forma rápida, eficiente e rentável, no interesse dos consumidores e da economia. Neste contexto, a questão crucial é saber quem controlará no futuro as infraestruturas centrais como a rede de energia e a infraestrutura de armazenamento. Desde o início da liberalização, o nível de investimento das empresas de eletricidade tem vindo a decrescer. Este declínio do investimento — na rede e na produção — levou a estrangulamentos no aprovisionamento e inibiu a expansão futura das energias renováveis.

4.2.

Do ponto de vista económico, coloca-se a questão de saber por que razão uma rede de energia, que os investidores consideram um investimento apelativo por ser seguro, não seria também atrativa para o Estado. Se fossem propriedade do setor público, os dividendos distribuídos anualmente por empresas privadas poderiam ser reinvestidos no interesse do bem comum e aliviariam os orçamentos públicos. até porque algumas privatizações parciais no passado acabaram por demonstrar que, tendo por base apenas argumentos financeiros, a propriedade pública teria sido a decisão mais sensata. Alguns Estados-Membros já recorrem a estruturas públicas ou semipúblicas. Ao mesmo tempo, há uma tendência para a remunicipalização. A questão das vantagens e desvantagens da propriedade pública e privada e/ou do financiamento privado de infraestruturas energéticas para um mercado energético eficiente é sem dúvida importante e deve ser considerada na avaliação prevista pela Comissão quanto às opções para a otimização da conceção do mercado energético. Os resultados dessa análise podem constituir um valioso instrumento de decisão para os Estados-Membros, que são responsáveis por decidir sobre a propriedade pública ou privada das infraestruturas energéticas.

4.3.

Neste contexto, o aprovisionamento local e regional de energia e a remunicipalização dos serviços públicos — especialmente no âmbito de estratégias de descentralização — estão a ganhar importância. Mas também os investimentos públicos para a produção descentralizada de energia a nível municipal desempenham um papel decisivo. Há que explorar outras possibilidades de financiamento, como a concessão direta de recursos financeiros através de fundos. Os telhados em edifícios públicos são particularmente adequados para abastecer bairros inteiros com energia solar de baixo custo.

4.4.

Em alguns Estados-Membros, são atribuídos incentivos financeiros para impulsionar a expansão da energia fotovoltaica. Numa carta dirigida à Comissão, a Áustria, a Bélgica, a Lituânia, o Luxemburgo e Espanha solicitam que edifícios administrativos, supermercados, telhados planos e instalações industriais sejam obrigatoriamente equipados com sistemas fotovoltaicos mediante certas condições. Os sistemas fotovoltaicos devem também passar a ser a norma tanto em casas novas como em casas renovadas. Os países mencionados solicitam à Comissão que disponibilize mais recursos do orçamento da UE para esta expansão. O CESE é favorável a esta ideia e solicita à Comissão que efetue uma análise das necessidades de investimento, regulamentação e medidas de acompanhamento, nomeadamente em matéria de investigação e desenvolvimento, para impulsionar a expansão da energia fotovoltaica e também a produção na UE.

4.5.

A energia como bem social: neste contexto, o CESE recorda a aplicação dos valores comuns da União em matéria de serviços de interesse económico geral na aceção do artigo 14.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), tal como consagrados no Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral. Tal poderia melhorar a eficiência e a acessibilidade dos preços e evitar deficiências do mercado.

4.6.

A atual crise energética ilustra a especial importância da energia como um bem pertinente para a sociedade. Além da preservação de postos de trabalho de qualidade e do emprego, ressalta igualmente a importância da ligação entre os aspetos sociais e ambientais. A propriedade pública pode assegurar o controlo democrático, o investimento público, a segurança do aprovisionamento e uma distribuição justa dos custos da reestruturação da indústria energética para fontes de energia renováveis.

4.7.

Para evitar maus investimentos, é urgente resolver as ambiguidades e incoerências existentes relativamente às estruturas essenciais do novo sistema energético, à arquitetura do mercado e às funções e regras do mercado e, acima de tudo, prevenir os efeitos sociais nos trabalhadores e consumidores. A distribuição justa dos encargos associados ao investimento, bem como a distribuição justa de eventuais ganhos, desempenham um papel importante neste contexto. A questão de saber como satisfazer as necessidades de investimento e garantir a rentabilidade é uma das questões importantes a abordar, a fim de assegurar o excelente funcionamento do mercado da energia a longo prazo. O CESE regista as conclusões do estudo da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) e da comunicação sobre os mercados da eletricidade e do gás a este respeito e congratula-se com a intenção da Comissão de avaliar o mercado da eletricidade.

4.8.

Um aspeto importante no âmbito da transição energética será a coordenação e a articulação entre importadores, operadores de redes regionais, comunidades de cidadãos para a energia, prossumidores e comunidades de energia que utilizam a eletricidade produzida localmente, por um lado, e as empresas de armazenamento e os fornecedores, por outro.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Esta é a conclusão da organização interprofissional do setor da eletricidade Eurelectric.

(2)  Plano REPowerEU, COM(2022) 230 final.

(3)  Esta é a conclusão da organização interprofissional do setor da eletricidade Eurelectric.

(4)  Parecer do CESE — Preços da energia (JO C 275 de 18.7.2022, p. 80).

(5)  «A Decarbonised, Affordable and Democratic Energy System for Europe» [Um sistema energético descarbonizado, a preços acessíveis e democrático para a Europa].

https://www.epsu.org/sites/default/files/article/files/Going%20Public_EPSU-PSIRU%20Report%202019%20-%20EN.pdf

(6)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa (JO C 105 de 4.3.2022, p. 11).

(7)  BEI (2006), «Ex ante construction costs in the European road sector: a comparison of public-private partnerships and traditional public procurement» [Custos de construção ex ante no setor rodoviário europeu: comparação entre as parcerias público-privadas e os contratos públicos tradicionais]. Relatório Económico e Financeiro 2006/01, da autoria de Blanc-Brude F., Goldsmith H. e Välilä T. https://www.eib.org/attachments/efs/efr_2006_v01_en.pdf


ANEXO

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 2.9

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

O CESE apoia a melhoria da adaptação das regras da UE sobre as redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, em particular no que se refere à descarbonização do sistema energético, à transição para a neutralidade climática, ao desenvolvimento das energias renováveis, à eficiência energética e à atenuação do risco de pobreza energética. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, o CESE solicita que o regulamento vise mais claramente a criação de uma dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada e de impedir qualquer forma de desintegração. Neste contexto, é louvável a iniciativa tomada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu de classificar as redes de distribuição como sendo «de interesse público superior», a par das energias renováveis.

O CESE apoia a melhoria da adaptação das regras da UE sobre as redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, em particular no que se refere à descarbonização do sistema energético, à transição para a neutralidade climática, ao desenvolvimento das energias renováveis, à eficiência energética e à atenuação do risco de pobreza energética. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, o CESE solicita que o regulamento vise mais claramente a criação de uma dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada, incluindo a nuclear, e de impedir qualquer forma de desintegração. Neste contexto, é louvável a iniciativa tomada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu de classificar as redes de distribuição como sendo «de interesse público superior», a par das energias renováveis.

Justificação

A produção de energia nuclear desempenha e continuará a desempenhar um papel importante entre o vasto leque de tecnologias de baixas emissões, tal como salientado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em discursos recentes.

Resultado da votação

Votos a favor:

44

Votos contra:

109

Abstenções:

14


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/76


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Cocriação de serviços de interesse geral como contributo para uma democracia mais participativa na UE

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/11)

Relator:

Krzysztof BALON

Correlator:

Thomas KATTNIG

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

226/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A cocriação de serviços de interesse geral (SIG) pelas organizações da sociedade civil, bem como diretamente pelos cidadãos, é um dos instrumentos mais eficazes para revitalizar a democracia participativa e, assim, reforçar a integração europeia. Por esta razão, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) propõe, no âmbito do presente parecer, medidas específicas para melhorar as condições-quadro da União Europeia neste domínio, a fim de reforçar a proteção dos direitos e benefícios dos cidadãos.

1.2.

Em especial as situações de crise, como a recente agressão russa contra a Ucrânia e a consequente fuga de milhões de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, salientam o papel decisivo da sociedade civil em virtude da sua capacidade de ação imediata para interligar e implementar de forma espontânea, mas bem-sucedida, modelos e procedimentos de cocriação, em especial dos SIG sociais e educativos, nos domínios em que já há experiência de uma verdadeira cocriação.

1.3.

Historicamente, os intervenientes da sociedade civil sempre prestaram serviços sociais e outros serviços de interesse geral, quando o setor público não tinha ainda consciência da necessidade desses serviços ou quando as empresas comerciais consideravam que a prestação desses serviços não era suficientemente rentável. Na maioria dos casos, o Estado entrou mais tarde em cena, seja como prestador ou adjudicante de serviços, seja como entidade reguladora e garante da qualidade dos serviços. Neste contexto, o princípio da subsidiariedade entre os Estados-Membros e a UE, consagrado no artigo 5.o, n.o 3, do Tratado da União Europeia (TUE), deve também ser aplicado no que respeita aos SIG. Ainda no que diz respeito aos SIG, o princípio da subsidiariedade deve também ser um princípio orientador na relação entre todos os níveis da administração pública dos Estados-Membros, bem como entre os poderes públicos e as organizações da sociedade civil.

1.4.

Embora a responsabilidade jurídica e política pela prestação de SIG recaia sobre os dirigentes eleitos nos órgãos representativos competentes e seja avaliada periodicamente pelos cidadãos por ocasião das eleições, a prestação adequada de SIG está sob o controlo das autoridades públicas. O CESE preconiza uma aplicação direcionada da abordagem da cocriação, ou seja, os SIG devem ser concebidos em conjunto com os utilizadores, as comunidades e as organizações da sociedade civil, uma vez que tal pode não só assegurar que satisfazem as necessidades reais, mas também permitir a participação democrática. Isto é particularmente verdade nos casos em que o pessoal assalariado coopera com voluntários ou estruturas de entreajuda.

1.5.

Por conseguinte, os Estados-Membros são instados a desenvolver e/ou a melhorar instrumentos que assegurem a participação dos cidadãos e das organizações da sociedade civil em todo o processo de prestação de serviços de interesse geral. Este objetivo passa pela criação de condições adequadas às atividades da economia social sem fins lucrativos, tal como definidas no Parecer do CESE — Reforçar as empresas sociais sem fins lucrativos enquanto pilar essencial de uma Europa socialmente equitativa (1), de 18 de setembro de 2020, e pela aplicação do artigo 77.o da Diretiva 2014/24/UE relativa aos contratos públicos (2) de uma forma que preveja a adjudicação de contratos a organizações sem fins lucrativos para a prestação de serviços de saúde, educação, sociais e culturais visados pelo referido artigo.

1.6.

O CESE salienta que a prestação de SIG de qualidade elevada no interesse dos cidadãos e da economia depende da disponibilização de recursos suficientes, nomeadamente financeiros e humanos, que cabe assegurar.

1.7.

Embora o estabelecimento de condições para a prestação e, por conseguinte, para a cocriação de SIG seja essencialmente da competência dos Estados-Membros, das regiões e dos municípios, é também urgente, neste contexto, incentivar os Estados-Membros a desenvolverem conceitos de cocriação através da criação de um conjunto de instrumentos que facilite a utilização de modelos de cocriação. Tais iniciativas devem servir de incentivo para que todos os intervenientes competentes nos Estados-Membros promovam a cocriação e a prestação de SIG pelas organizações da sociedade civil.

1.8.

O CESE propõe que a Comissão publique um documento de trabalho sobre esta matéria enquanto base para prosseguir o trabalho, com vista à criação de um «conjunto de instrumentos» destinado a orientar e incentivar os órgãos de poder nacional, regional e local a fazerem maior uso dos modelos de cocriação. Tal documento deverá incluir, nomeadamente, uma análise da cocriação à luz do artigo 14.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do Protocolo n.o 26 anexo ao TUE e ao TFUE, tendo em conta o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o papel especial da economia social sem fins lucrativos na cocriação e as condições necessárias para a mesma. Além disso, o documento deve igualmente incluir propostas para a promoção, a nível europeu e nacional, de projetos inovadores de cocriação, tendo em conta as componentes de investigação, bem como um conjunto de boas práticas. Com base no conjunto de instrumentos atrás referido, e após uma consulta alargada a nível da UE, poder-se-ia publicar um Livro Verde e, posteriormente, um Livro Branco.

1.9.

Por seu lado, o CESE criará um fórum para o intercâmbio de ideias e boas práticas neste domínio, com a participação de organizações da sociedade civil, dos parceiros sociais, de universidades e de projetos de investigação, a fim de manter e desenvolver o processo de debate a nível europeu.

2.   Contexto

2.1.

O aprofundamento da democracia participativa na União Europeia constitui um dos principais desafios quando se trata de reforçar a integração europeia contra o populismo e o nacionalismo. A cocriação de SIG pelas organizações da sociedade civil, bem como diretamente pelos cidadãos, é, por sua vez, um dos instrumentos mais eficazes para a revitalização da democracia participativa.

2.2.

Há vários anos que o CESE colabora com várias partes interessadas da sociedade civil e intervenientes do meio académico e da investigação a fim de modernizar e desenvolver os SIG. O Grupo de Estudo Temático para os Serviços de Interesse Geral é o principal responsável por este trabalho no CESE.

2.3.

Em 2019, iniciou-se uma colaboração com o consórcio do projeto «Co-creation of Service Innovation in Europe» [Cocriação para a inovação dos serviços na Europa] (CoSIE) (3), composto por universidades, municípios e organizações da sociedade civil de nove Estados-Membros (Espanha, Estónia, Finlândia, Grécia, Hungria, Itália, Países Baixos, Polónia e Suécia) e do Reino Unido. O Grupo de Estudo Temático para os Serviços de Interesse Geral deu seguimento às experiências inovadoras e conclusões do projeto CoSIE através de dois seminários intitulados «Cocriação de serviços de interesse geral: papel das organizações da sociedade civil», em 15 de abril de 2021, em Bruxelas, e «Cidadãos ao serviço dos cidadãos: cocriação e prestação de serviços de interesse geral pelas organizações da sociedade civil», em 1 e 2 de dezembro de 2021, em Lublin (Polónia), em cooperação com o município de Lublin e com a participação de parceiros da Ucrânia.

2.4.

A cocriação está indissociavelmente ligada a debates mais amplos sobre a reforma da administração pública. A abordagem da «New Public Management» (nova gestão pública — NGP) centrava-se no aumento da eficiência, na adoção de modelos de gestão do setor privado e na construção de uma relação fornecedor/cliente no domínio dos serviços públicos, tomando como ponto de partida as necessidades, os requisitos e as opções dos utilizadores destes serviços. Este era um modelo dominante nas décadas de 1990 e 2000, mas foi alvo de críticas por não ser tão eficaz e eficiente como esperado e por apresentar um potencial de inovação limitado (4). As tendências de inovação dos serviços públicos numa fase pós-NGP («paradigmettes» (5)) baseiam-se num cidadão ativo, que colabora na produção, e não num consumidor individual passivo motivado apenas pelo seu interesse pessoal, e centram-se na melhoria da integração e da coordenação entre as redes de grupos de utilizadores e de partes interessadas, e não na desintegração. A cocriação é considerada um conceito fundamental nos modelos pós-NGP (6).

2.5.

Os resultados do trabalho que o CESE tem vindo a realizar neste domínio demonstram que a cocriação e prestação de SIG pelos cidadãos ou pelas suas organizações conduz ao reforço da democracia participativa na União Europeia e ao desenvolvimento da economia social na UE, sendo estes dois de entre os vários papéis cruciais que os SIG desempenham enquanto facilitadores indispensáveis de todas as outras atividades na sociedade.

3.   Serviços de interesse geral

3.1.

No decorrer da integração europeia, e pela tensão entre «unidade» e «diversidade» que a caracteriza, foi desenvolvido um novo conceito de serviços regulados por regras e normas específicas. O objetivo é assegurar que todos os cidadãos e intervenientes tenham acesso aos serviços essenciais que, no presente e no futuro, constituem a base de uma vida digna e são indispensáveis à participação na sociedade — os serviços de interesse geral (SIG). Os SIG podem ser prestados em diferentes contextos, ou seja, em mercados concorrenciais enquanto serviços de interesse económico geral, bem como enquanto serviços de interesse geral não económicos que estão excluídos desses mercados. A Comissão faz a distinção (7) entre serviços de interesse económico geral, serviços não económicos e serviços sociais de interesse geral (de natureza económica ou não económica). O artigo 106.o do TFUE aplica-se aos serviços de interesse económico geral (SIEG) (8) ou de natureza económica.

3.2.

O conceito foi gradualmente reforçado e especificado.

3.2.1.

Os SIG fazem parte dos valores comuns europeus e desempenham um papel na promoção da coesão social e territorial na UE (9). A este respeito, o CESE remete para os valores comuns da União em matéria de serviços de interesse económico geral na aceção do artigo 14.o do TFUE, conforme estabelecidos no Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao TFUE e ao TUE. O aprofundamento da definição dos princípios estabelecidos neste âmbito pode levar a uma maior eficiência e corrigir falhas.

3.2.2.

Estes valores comuns abrangem três dimensões: o poder de apreciação das autoridades nacionais, regionais e locais para atender às necessidades dos utilizadores; o respeito pela diversidade e pelas diferenças nas necessidades, preferências e escolhas democráticas dos utilizadores, bem como pelas diversas situações geográficas, sociais e culturais; e um elevado nível de qualidade, de segurança, de acessibilidade, de igualdade de tratamento e promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores (10).

3.2.3.

Estes serviços são uma parte essencial dos sistemas económicos e sociais dos Estados-Membros da UE e, em geral, uma componente constitutiva do modelo europeu de sociedade. Os cidadãos e as empresas na Europa esperam, com razão, uma gama abrangente de serviços de interesse (económico) geral fiáveis, estáveis e eficientes, a preços acessíveis e de qualidade elevada. Estes serviços asseguram o atendimento de necessidades e interesses coletivos, as chamadas missões de interesse geral. O CESE assinala explicitamente que a prestação destes serviços de qualidade elevada, essenciais para os cidadãos e para a economia, depende da disponibilização de recursos suficientes, nomeadamente financeiros e humanos, que cabe assegurar.

3.2.4.

O acesso aos SIEG faz parte dos direitos fundamentais (11) e do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (12). Enquanto o princípio 20 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais menciona explicitamente os SIG como «essenciais», outros princípios deste Pilar abordam domínios importantes dos serviços de interesse geral, como a educação, a habitação e a assistência aos sem-abrigo, os cuidados de longa duração, a inclusão de pessoas com deficiência ou os cuidados de saúde, para citar apenas alguns.

3.2.5.

Os serviços de interesse geral não económicos estão excluídos das regras do mercado único e em matéria de concorrência, sendo apenas abrangidos pelos princípios gerais da UE (transparência, não discriminação, igualdade de tratamento, proporcionalidade) (13).

3.2.6.

A União e os Estados-Membros devem zelar «por que esses serviços funcionem com base em princípios e condições, nomeadamente económicas e financeiras, que lhes permitam cumprir as suas missões» (14).

3.2.7.

Os SIEG estão sujeitos às disposições dos Tratados, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada (15).

3.3.

Os serviços de interesse geral têm por objetivo satisfazer as necessidades de todos os cidadãos e de todos os intervenientes à medida que evoluem no tempo e no espaço, e são dinâmicos por natureza. Podem dizer respeito, por exemplo, a domínios como a segurança, a saúde, os serviços sociais, nomeadamente a inclusão de pessoas com deficiência, os cuidados de longa duração, a habitação social (16) e a educação, bem como aos domínios de serviços essenciais a que alude explicitamente o princípio 20 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (17).

3.4.

No que diz respeito aos SIG, o princípio da subsidiariedade entre os Estados-Membros e a União está consagrado no artigo 5.o, n.o 3, do TUE. A UE estabelece um quadro geral de princípios que visam atender às necessidades de todos os cidadãos e intervenientes económicos e sociais. A definição e a implantação dos SIG, por seu turno, são da responsabilidade dos Estados-Membros e dos órgãos de poder local e regional. Ainda no que diz respeito aos SIG, o princípio da subsidiariedade deve também ser um princípio orientador na relação entre todos os níveis da administração pública dos Estados-Membros, bem como entre as poderes públicos e as organizações da sociedade civil.

3.5.

Os SIG estão expostos a várias tensões entre, designadamente, a garantia dos direitos fundamentais; os objetivos locais de coesão económica, social e territorial; os objetivos de desenvolvimento sustentável, a proteção do ambiente e a luta contra as alterações climáticas; e a implementação da economia social de mercado, do mercado único e das regras de concorrência. É necessário estabelecer um equilíbrio adequado caso a caso, de forma pragmática, com a participação de todas as partes interessadas, para responder às necessidades de cada indivíduo e da comunidade.

4.   Cocriação de serviços de interesse geral

4.1.

Os intervenientes da sociedade civil sempre prestaram serviços sociais e outros serviços de interesse geral, ora porque o setor público nem sempre teve consciência da necessidade desses serviços, ora porque as empresas comerciais consideravam que a prestação desses serviços não era suficientemente rentável. Na maioria dos casos, o Estado entrou mais tarde em cena como fornecedor ou entidade reguladora e também como garante da qualidade dos serviços.

4.2.

Os serviços de interesse geral são prestados ou adjudicados pelos próprios órgãos de poder local e regional. Embora a responsabilidade política recaia sobre os representantes eleitos nestes órgãos de poder local e regional e seja avaliada periodicamente pelos cidadãos por ocasião das eleições, a prestação adequada de SIG está sob o controlo das autoridades públicas. Podem ser seguidas duas abordagens diferentes, nomeadamente «do topo para a base» (iniciativas de governos centrais e de órgãos de poder regional ou local) ou da «base para o topo» (cocriação com a participação de cidadãos e/ou organizações da sociedade civil). O presente parecer refere-se a esta última abordagem. O CESE preconiza uma aplicação alargada da abordagem da cocriação: os SIG devem ser concebidos em conjunto com os utilizadores, as comunidades e as organizações da sociedade civil, uma vez que tal pode assegurar que satisfazem as necessidades reais e, além disso, permitir a participação democrática.

4.3.

No entanto, os domínios e o nível de aplicação da cocriação dependem do contexto. Nem todos os serviços, comunidades e prestadores de serviços — em particular no domínio das infraestruturas essenciais, como o abastecimento de energia e água — se prestam a uma abordagem radicalmente nova da prestação de serviços e da partilha de responsabilidades, embora cada passo no sentido do reforço do impacto da cocriação e da promoção colaborativa de soluções eficazes se revele compensador. Para maximizar a participação dos utilizadores, poderia recomendar-se a utilização da «escala da cocriação» (18) com diferentes níveis de participação sistemática de intervenientes pertinentes dos setores público e privado, desde um nível de participação mais baixo (quando os organismos públicos procuram capacitar mais os cidadãos para poderem controlar as suas próprias vidas e os encorajam a cocriarem os serviços que lhes são oferecidos pelo setor público) até ao nível mais elevado (quando é facilitada a inovação colaborativa baseada num trabalho conjunto de definição da agenda e de identificação dos problemas, na conceção conjunta e no ensaio de soluções novas e que ainda não foram experimentadas, bem como na execução coordenada a partir da aplicação de soluções dos setores público e privado).

4.4.

A cocriação implica a adoção de formas de trabalho baseadas em pontos fortes ou em ativos. A abordagem baseada em ativos passa pela mobilização dos recursos (materiais e imateriais), e das capacidades e aspirações dos utilizadores dos serviços, em vez do mero registo e satisfação das suas necessidades. Esta abordagem baseia-se no pressuposto de que todos os cidadãos têm recursos valiosos e amiúde não reconhecidos (cultura, tempo, experiência de vida e de aprendizagem, conhecimentos práticos, redes, competências, ideias) com que podem contribuir para o desenvolvimento e a prestação de serviços. O instrumentário metodológico da cocriação abrange vários métodos, desde inquéritos de satisfação, como os que são utilizados no comércio eletrónico, e sondagens de opinião, às várias formas de expressão de opiniões com recurso à utilização de ferramentas digitais, de grupos e painéis de reflexão, a métodos participativos (por exemplo, hackathons sociais (maratonas criativas para resolução de problemas sociais), tecnologias de espaço aberto, laboratórios vivos, world cafés (conversas e debates informais centrados numa temática a explorar), service blueprints (mapeamento de processos em empresas prestadoras de serviços), design thinking (abordagem colaborativa para resolução de problemas), jornadas do utilizador, e várias ferramentas de participação em linha).

4.5.

No entanto, a cocriação não é uma solução técnica e não pode ser concretizada através de um único exercício. É uma abordagem que penetra os processos de conceção e prestação dos serviços em diversas fases. Nas suas formas mais radicais, este conjunto de instrumentos abrange formas de cogovernação que promovem uma transferência de poder e, por vezes, uma transferência de propriedade dos serviços para as pessoas e as comunidades. Tal inclui a participação formal de pessoas com experiência concreta em acordos de governação, acordos recíprocos, cooperativas e organizações comunitárias.

4.6.

Um pré-requisito de um processo de cocriação bem-sucedido é o envolvimento de todos os grupos de potenciais utilizadores, para que possam representar os respetivos interesses. Uma participação que favoreça os cidadãos com mais recursos ou com maior predisposição para participar pode conduzir a processos não democráticos.

4.7.

Outra condição sine qua non da cocriação é a existência de uma relação de confiança entre os participantes no processo, designadamente entre os prestadores dos serviços e as partes interessadas, que só poderá ser construída se houver transparência no que respeita aos objetivos que o serviço se propõe alcançar através dos processos de cocriação e se o âmbito e o alcance do serviço forem partilhados abertamente com os cocriadores. (19)

4.8.

A cocriação deve sempre ocorrer no contexto do planeamento das necessidades nacionais, regionais e locais. Os conflitos entre as diferentes necessidades devem ser sempre tidos em conta. Uma vez identificadas as necessidades, poder-se-á debater, no âmbito de consultas públicas, propostas para a sua hierarquização, nas quais assentarão as decisões tomadas pelos órgãos de mediação e decisão competentes, a fim de garantir a qualidade elevada, a segurança do aprovisionamento e a acessibilidade, bem como a igualdade de tratamento e o respeito pelos direitos dos utilizadores. O objetivo último dos SIG deve ser a criação de benefícios para a sociedade no seu conjunto. O processo de cocriação não deve de forma alguma conduzir involuntariamente a uma redução da qualidade dos serviços, a aumentos injustificados dos preços ou a uma restrição do acesso aos serviços.

4.9.

A cocriação consiste numa interação dinâmica entre os prestadores dos serviços, os utilizadores dos serviços e outras partes interessadas que envolve várias etapas potenciais:

4.9.1.

Coiniciação: definição conjunta dos objetivos e finalidades dos serviços individuais desde o início do processo;

4.9.2.

Participação das partes interessadas: envolvimento de novos atores (utilizadores, clientes, prestadores de serviços) assegurando um envolvimento contínuo no processo;

4.9.3.

Coconceção: conceção conjunta do serviço;

4.9.4.

Coexecução: prestação conjunta de serviços;

4.9.5.

Cogestão: organização e gestão conjunta dos serviços;

4.9.6.

Cogovernação: formulação conjunta de políticas;

4.9.7.

Coavaliação: avaliação conjunta da eficácia e da eficiência dos serviços e das decisões tomadas com base num conjunto de critérios.

4.10.

Neste contexto, é de referir que já existem, na prática, modelos inovadores em que a prestação de um serviço público não é possível sem a participação ativa dos utilizadores (20).

4.11.

É fundamental desenvolver os SIG, no âmbito de um esforço de colaboração com os utilizadores, as comunidades e as organizações da sociedade civil, a fim de assegurar que criam e acrescentam valor à oferta de SIG — isto é, aumento do bem-estar ou do entendimento partilhado do bem comum que possa servir de base ao desenvolvimento de políticas, estratégias e serviços. Num processo de desenvolvimento de serviços através da cocriação, as pessoas que utilizam os serviços colaboram com profissionais na conceção, criação e prestação dos serviços (21). Por conseguinte, neste processo, os papéis do inovador, do prestador do serviço e do utilizador do serviço convergem.

4.12.

O valor acrescentado da cocriação reside sempre na cooperação ativa entre os poderes públicos com responsabilidade jurídica/política pela prestação de SIG, os prestadores de serviços e os utilizadores, que devem participar no processo de cocriação democrática. A cocriação melhora, assim, a legitimidade democrática das decisões tomadas pelos dirigentes políticos.

4.13.

Este valor acrescentado contribui, em particular, para reforçar a participação democrática quando os prestadores de serviços fazem parte das organizações da sociedade civil ou do setor da economia social sem fins lucrativos, em que o pessoal a tempo inteiro coopera com voluntários ou estruturas de entreajuda, ou quando as organizações da sociedade civil que representam os interesses dos utilizadores podem exercer uma influência real sobre os prestadores de serviços, públicos ou privados. Além disso, a cocriação também tem uma dimensão moral, ou seja, reforça as comunidades, a coesão e a confiança entre os intervenientes (22).

4.14.

Este aspeto é igualmente visível em situações de crise. Um exemplo atual é a prestação de serviços por organizações da sociedade civil (especialmente nos domínios social e educacional) ao serviço e com a participação de refugiados da guerra na Ucrânia. A capacidade de ação imediata da sociedade civil para implementar de forma espontânea, mas bem-sucedida, os modelos e processos de cocriação revelou-se essencial e possível em territórios que já tinham sido bem-sucedidos em processos de cocriação.

5.   Iniciativas políticas a nível europeu

5.1.

Embora a criação de condições para a prestação e, portanto, a cocriação de SIG sejam principalmente da competência dos Estados-Membros, regiões e municípios, é necessário incentivar os governos centrais e os órgãos de poder regional e local a apoiarem de forma adequada a prestação de SIG de qualidade. Para o efeito, é urgente incentivar os Estados-Membros a desenvolverem conceitos de coconceção através da criação de um conjunto de instrumentos que facilite a utilização de modelos de coconceção. Tais iniciativas devem servir de incentivo para que todos os intervenientes competentes nos Estados-Membros promovam a cocriação e a prestação de SIG pelas organizações da sociedade civil. Tal decorre, em parte, do facto de a abordagem da cocriação contribuir significativamente para a adaptação dos serviços à mudança das necessidades e para a sua modernização e orientação para o futuro.

5.2.

Para tal, o CESE insta a Comissão Europeia a adotar uma abordagem transversal, que tenha em conta as suas diversas áreas de competência e todas as partes interessadas, a fim de elaborar um conjunto de instrumentos que integre diferentes formas de cocriação, os projetos-piloto realizados e as conclusões resultantes dos mesmos.

5.3.

Mais especificamente, o CESE propõe que a Comissão publique um documento de trabalho sobre esta matéria enquanto base para prosseguir o trabalho, com vista à criação de um «conjunto de instrumentos» destinado a orientar e incentivar os órgãos de poder nacional, regional e local a fazerem maior uso dos modelos de cocriação. Tal documento deve incluir, nomeadamente, uma análise da cocriação à luz do artigo 14.o e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do Protocolo n.o 26 anexo ao TUE e ao TFUE, tendo em conta o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o papel especial da economia social sem fins lucrativos na cocriação e as condições necessárias para a mesma, tal como estabelecido no Parecer do CESE — Reforçar as empresas sociais sem fins lucrativos enquanto pilar essencial de uma Europa socialmente equitativa, de 18 de setembro de 2020 (23). Além disso, o documento deve ainda fazer referência à aplicação do artigo 77.o da Diretiva 2014/24/UE relativa aos contratos públicos (24) de uma forma que preveja a adjudicação de contratos a organizações sem fins lucrativos para a prestação de serviços de saúde, educação, sociais e culturais visados pelo referido artigo. Além disso, o documento deve igualmente incluir propostas para a promoção, a nível europeu e nacional, de projetos inovadores de cocriação, tendo em conta as componentes de investigação, bem como um conjunto de boas práticas. Com base no conjunto de instrumentos referido, e após uma consulta alargada a nível da UE, poder-se-ia lançar um Livro Verde e, posteriormente, um Livro Branco.

5.4.

Por seu lado, o CESE criará um fórum para o intercâmbio de ideias e boas práticas neste domínio, com a participação de organizações da sociedade civil, universidades e projetos de investigação, a fim de manter e desenvolver o processo de debate a nível europeu.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 131.

(2)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0024&from=PT

(3)  https://cosie.turkuamk.fi

(4)  Drechsler, W. (2009) Towards a Neo-Weberian European Union? Lisbon agenda and public administration [Rumo a uma União Europeia neo-weberiana? A Estratégia de Lisboa e a administração pública], Halduskultuur — Administrative Culture 2009, 10(1), pp. 6-21.

(5)  Çolak, Ç. D. (2019) Why the new public management is obsolete: an analysis in the context of the post-new public management trends, [Razões da obsolescência da nova gestão pública: uma análise no contexto das tendências pós-nova gestão pública] Croatian and Comparative Public Administration 2019, 19(4), pp. 517-536, https://doi.org/10.31297/hkju.19.4.1.

(6)  Torfing, J., Sørensen, E., & Røiseland, A. (2019) Transforming the public sector into an arena for co-creation: Barriers, drivers, benefits and ways forward [Transformar o setor público num palco de cocriação: obstáculos, catalisadores, benefícios e vias de progresso]. Administration & Society 2019, 51(5), pp. 795-825, https://doi.org/10.1177/0095399716680057.

(7)  https://ec.europa.eu/info/topics/single-market/services-general-interest_pt.

(8)  Já consagrados no Tratado de Roma, atualmente no artigo 106.o do TFUE.

(9)  TFUE — Disposições de aplicação geral, artigo 14.o.

(10)  Protocolo n.o 26 do TUE e do TFUE.

(11)  Artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

(12)  Princípio 20 do Pilar.

(13)  Protocolo n.o 26 do TUE e do TFUE.

(14)  Artigo 14.o do TFUE.

(15)  Artigo 106.o do TFUE.

(16)  Com o agravamento da crise da habitação em muitos Estados-Membros, a habitação a preços acessíveis está também a tornar-se cada vez mais importante enquanto serviço essencial.

(17)  «Água, saneamento, energia, transportes, serviços financeiros e comunicações digitais».

(18)  Torfing, J., Sørensen, E., & Røiseland, A. (2019) Transforming the public sector into an arena for co-creation: Barriers, drivers, benefits and ways forward. Administration & Society 2019, 51(5), 795-825, https://doi.org/10.1177/0095399716680057.

(19)  https://cosie.turkuamk.fi/arkisto/index.html

(20)  Por exemplo, em França: «Services Publics Partagés» [Serviços Públicos Partilhados]: https://service-public-partage.fr/.

(21)  Social Care Institute of Excellence (2015) Co-production in social care: what it is and how to do it? [Coprodução na assistência social: o que é e como se faz?] Guia n.o 51 do Social Care Institute for Excellence (SCIE).

(22)  C. Fox et al. (2021) A New Agenda for Co-Creating Public Services [Uma nova estratégia para a cocriação de serviços públicos], Turku University of Applied Sciences, https://julkaisut.turkuamk.fi/isbn9789522167842.pdf.

(23)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 131.

(24)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0024&from=PT.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/83


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Parcerias temáticas ao abrigo do Acordo de Liubliana

(parecer exploratório)

(2022/C 486/12)

Relator:

David SVENTEK

Correlator:

Florian MARIN

Consulta

Conselho — Presidência checa, 26.1.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

9.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

190/1/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia vivamente as declarações constantes do Acordo de Liubliana sobre a Agenda Urbana da UE e congratula-se, em particular, com a forte ênfase nas parcerias e nas abordagens multilaterais e a vários níveis no domínio do desenvolvimento urbano sustentável.

1.2.

As parcerias temáticas devem resultar em ações concretas e sustentadas, cujos efeitos perdurem mais do que as próprias parcerias. Importa ter sempre em mente a transferência dos resultados para outros Estados-Membros, regiões, municípios ou setores, devendo a distribuição territorial e o equilíbrio geográfico dessas oportunidades ser objeto de acompanhamento, de molde a beneficiar as regiões e os municípios vulneráveis.

1.3.

A ligação entre a Agenda Urbana da UE e a política de coesão pode ser reforçada. Apesar de se tratar de duas políticas e iniciativas distintas, com objetivos diferentes que se inserem em quadros distintos, devem existir sinergias. São necessários instrumentos e ferramentas interligados para assegurar um apoio mais coerente às cidades no âmbito da política de coesão, bem como uma cooperação e integração intersetorial e interinstitucional a nível estratégico e operacional. As parcerias temáticas devem gozar de maior legitimidade no futuro.

1.4.

A existência de mecanismos de execução previsíveis e financeiramente sustentados que traduzam os objetivos estratégicos europeus em ações concretas, bem como de um financiamento adequado a nível local, é fundamental para os municípios urbanos de pequena e média dimensão e para a sua participação contínua nos processos da Agenda Urbana da UE.

1.5.

O CESE considera que os critérios utilizados para selecionar os parceiros no âmbito de parcerias temáticas devem ser mais específicos, abertos e inclusivos. O processo de seleção não deve negligenciar a oportunidade de os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil participarem nesse processo juntamente com os municípios urbanos. Importa ter em conta a avaliação ex ante realizada no âmbito da ecologização urbana e do turismo sustentável.

1.6.

As condições de trabalho, a previsibilidade das carreiras e o acesso a empregos de qualidade, assim como a igualdade de oportunidades e a adequação dos salários devem ser objeto de uma abordagem transversal, cabendo ter em conta todos os tipos de diálogos e consultas das partes interessadas, como o diálogo social, o diálogo cívico e a consulta dos cidadãos.

1.7.

O CESE propõe que se considere aplicar uma abordagem ascendente, com grupos temáticos, redes temáticas e redes para o desenvolvimento de soluções adaptadas e de base local, e recomenda que se tenha em conta a capacidade de utilização das redes temáticas e de municípios existentes, em especial no que toca às cidades de pequena e média dimensão.

1.8.

Cabe reforçar o papel do CESE na governação da Agenda Urbana da UE e do Acordo de Liubliana. O CESE deve também fazer parte do Grupo para o Desenvolvimento Urbano e do Grupo Técnico Preparatório da Agenda Urbana, além de participar na reunião dos diretores-gerais sobre questões urbanas.

1.9.

A democracia participativa, a economia do bem-estar nas cidades e as ligações urbano-rurais podem constituir temas adicionais a abordar pelas parcerias temáticas, com especial relevo para a juventude.

1.10.

O CESE reitera a sua proposta de criar um secretariado específico para melhorar a eficiência e a eficácia das parcerias temáticas, a fim de assegurar uma ligação com as políticas urbanas a nível local, garantir a assistência técnica e facilitar a criação de comunidades temáticas e o intercâmbio de boas práticas temáticas. Tal deve fazer-se em estreita cooperação com o Comité das Regiões Europeu.

2.   Observações na generalidade

2.1.

Em 26 de novembro de 2021, os ministros da UE responsáveis pelos assuntos urbanos adotaram o Acordo de Liubliana e o respetivo programa de trabalho plurianual, que dá início a uma nova fase da Agenda Urbana da UE. O documento prevê medidas concretas para renovar a referida agenda, que visam reforçar o seu impacto e a sua eficácia. O programa de trabalho plurianual complementa a declaração política e estabelece os parâmetros operacionais, o método de trabalho e as etapas para a execução da próxima fase desta iniciativa de governação a vários níveis e multilateral.

2.2.

Os 14 temas prioritários da Agenda Urbana da UE (1) continuam a ser válidos: a inclusão dos migrantes e refugiados; a qualidade do ar; a pobreza urbana; a habitação; a economia circular; o emprego e as competências na economia local; a adaptação às alterações climáticas (incluindo soluções de infraestruturas ecológicas); a transição energética; a utilização sustentável dos solos e soluções baseadas na natureza; a mobilidade urbana; a transição digital; a contratação pública responsável e inovadora; a cultura e o património cultural; e a segurança nos espaços públicos.

2.3.

O Acordo de Liubliana acrescenta os seguintes quatro temas a esta lista de temas prioritários: igualdade nas cidades, alimentação, ecologização urbana e turismo sustentável. A integração desses novos temas assentou em processos cocriativos, associados à Nova Carta de Leipzig, às políticas da UE, a outras tendências emergentes em matéria de desenvolvimento urbano e às necessidades das cidades.

2.4.

A próxima presidência checa do Conselho da União Europeia solicitou ao CESE que averiguasse de que forma as alterações do novo Acordo de Liubliana podem influenciar a criação de novas parcerias temáticas. Dois dos quatro temas acordados em Liubliana serão objeto de maior desenvolvimento durante a presidência checa da UE, a saber: a ecologização urbana e o turismo sustentável.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE apoia vivamente as declarações apresentadas no Acordo de Liubliana sobre a Agenda Urbana da UE e congratula-se, em particular, com a forte ênfase nas parcerias e nas abordagens multilaterais e a vários níveis no domínio do desenvolvimento urbano.

3.2.

Ao mesmo tempo, o CESE apoia a prossecução e o desenvolvimento da Agenda Urbana da UE, no pleno respeito do princípio da proporcionalidade. Além disso, o princípio da adicionalidade deve ser cuidadosamente gerido a nível local.

3.3.

O CESE congratula-se com o facto de o Acordo de Liubliana reconhecer a importância e o papel do CESE no apoio à Agenda Urbana da UE. Conforme indicado no respetivo programa de trabalho plurianual, o CESE tem condições e está disponível para contribuir e prestar apoio no que diz respeito à territorialidade do desenvolvimento, às parcerias e aos aspetos económicos e sociais do desenvolvimento urbano, bem como no que diz respeito à divulgação das políticas urbanas da UE.

3.4.

A diversidade, a complexidade e os desafios em matéria de sustentabilidade das políticas de desenvolvimento urbano exigem abordagens multilaterais e a vários níveis que deem prioridade às parcerias. O Acordo de Liubliana reconhece a importância das parcerias na melhoria dos conhecimentos. As parcerias temáticas devem resultar em ações concretas e sustentadas, cujos efeitos perdurem mais do que as próprias parcerias. Importa ter sempre em mente a transferência dos resultados para outras regiões, municípios ou setores, devendo a distribuição territorial dessas oportunidades ser objeto de acompanhamento. Há que motivar e incentivar as cidades a tirarem partido das oportunidades de desenvolvimento europeias e a ser ativas a nível da UE.

3.5.

A diversidade a nível de cidades e das suas políticas de desenvolvimento é difícil de gerir e constitui um problema para o qual não existe atualmente uma solução geral nas políticas de desenvolvimento urbano da UE. É necessária uma abordagem personalizada que valorize as parcerias, a sociedade civil e os parceiros sociais. As soluções para o futuro das estratégias de desenvolvimento devem incluir diversas perspetivas, competências e disciplinas. O Parecer do CESE — Revisão da Agenda Territorial da UE, da Carta de Leipzig e da Agenda Urbana da UE (2) recomenda a utilização dos instrumentos de apoio mais adequados em função do tipo de território visado, no respeito do princípio da subsidiariedade, o que permitirá reduzir os sintomas de penúria, atraso e isolamento no caso das regiões de risco.

3.6.

Cumpre assegurar uma concorrência leal entre todos os tipos de cidades no âmbito do financiamento das medidas em prol do respetivo desenvolvimento sustentável, o que passa por garantir a igualdade de acesso aos fundos para as cidades de pequena e média dimensão. Há igualmente que adaptar o princípio da concorrência a essa situação e tê-lo sempre presente.

3.7.

Um novo elemento do Acordo de Liubliana diz respeito à avaliação ex ante dos temas, que visa adotar uma abordagem pragmática, eficaz e orientada para os resultados, com o objetivo de aumentar o impacto dos futuros resultados da Agenda Urbana da UE e adaptar os critérios de seleção dos parceiros. O CESE recomenda que o intercâmbio de boas práticas, nomeadamente os modelos de parceria e cooperação, seja uma consideração constante para as partes interessadas na política urbana e as parcerias temáticas futuras.

3.8.

Há que adaptar os instrumentos financiados por fundos públicos e da UE, a fim de executar os planos de ação das parcerias temáticas. É necessário criar apoios adaptados (instrumentos financeiros, subvenções e fundos) para assegurar a eficácia do processo de aplicação das parcerias temáticas, em especial no que respeita à assistência a organizações e cidades de pequena e média dimensão. O acesso a esses apoios deve também ser justo, assegurando que as organizações e as cidades de pequena dimensão não ficam para trás.

3.9.

Os instrumentos como os investimentos territoriais integrados e o desenvolvimento local de base comunitária têm sido bem-sucedidos, cabendo prossegui-los e reforçá-los com base em mecanismos de execução estáveis e previsíveis. O CESE considera que é igualmente possível adotar uma abordagem integrada (3) para conjugar os recursos financeiros públicos e privados, a fim de reforçar as capacidades e partilhar os riscos em benefício do desenvolvimento territorial e urbano, com base no controlo democrático, na governação transparente e na responsabilização.

3.10.

A inovação é um aspeto a considerar em permanência para fazer face aos desafios relacionados com o desenvolvimento urbano sustentável. Recomenda-se que o acesso à inovação, bem como a partilha e a expansão das ideias em matéria de inovação sejam transversalmente integrados na política de coesão para 2021-2027 e nos acordos de parceria a nível dos Estados-Membros. Importa também não descurar a testagem de novas soluções inovadoras importantes, nomeadamente em domínios como as Tecnologias 4.0, a Indústria 5.0 ou as tecnologias Web3, bem como no domínio da inovação social. A Iniciativa Urbana Europeia tem um papel importante a desempenhar no reforço das capacidades e no apoio a ações inovadoras.

3.11.

As regiões e os municípios desfavorecidos e as respetivas populações vulneráveis devem constituir uma preocupação contínua nas políticas de desenvolvimento, com vista a melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos. A redução da pobreza deve também ser um eixo prioritário. O acesso inclusivo a educação, serviços sociais, cuidados de saúde e outros serviços públicos de qualidade é fundamental para assegurar uma recuperação justa para as cidades no período pós-pandemia. Na criação e execução de parcerias temáticas, deve prestar-se especial atenção aos grupos vulneráveis de citadinos, nomeadamente às pessoas idosas, às pessoas com deficiência, às minorias, aos imigrantes, aos refugiados e às pessoas social, económica e culturalmente desfavorecidas, cuja participação cabe assegurar através do reforço das capacidades no âmbito do processo. O CESE recomenda vivamente que se dê prioridade à redução das novas formas de desigualdades sociais, económicas, ambientais e territoriais e que, para tal, se assegure a participação justa e diversificada das diferentes partes interessadas.

3.12.

O Acordo de Liubliana identifica as necessidades em termos de apoio organizacional e de conhecimentos especializados, bem como algumas necessidades de apoio para cidades de menor dimensão. Uma vez que a Agenda Urbana da UE continua a ser uma iniciativa informal e voluntária, os membros devem igualmente contribuir para apoiar as parcerias e executar as medidas. O CESE considera que o apoio técnico necessário no âmbito das parcerias deve ter em conta a sustentabilidade dos resultados finais das mesmas. Importa também ter sempre em consideração uma abordagem reforçada, integrada e participativa, a par da recolha e utilização de dados com vista a investimentos assentes em dados concretos.

3.13.

Não obstante, é fundamental a existência de mecanismos de execução previsíveis e financeiramente sustentados que traduzam as estratégias europeias em ações concretas, bem como de um financiamento adequado a nível local, para os municípios urbanos de pequena e média dimensão e para assegurar a sua participação contínua nos processos da Agenda Urbana da UE. Além disso, este princípio deve ser criteriosamente gerido na execução das parcerias temáticas.

3.14.

A política de coesão oferece uma variedade de instrumentos e ferramentas para o desenvolvimento urbano sustentável no período de programação de 2021-2027. O novo objetivo político 5, «Uma Europa mais próxima dos cidadãos», visa criar ferramentas específicas para executar as estratégias de desenvolvimento local em cidades de todas as dimensões. A afetação mínima do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) para zonas urbanas em cada Estado-Membro, tendo em vista as prioridades e os projetos selecionados pelas cidades com base nessas estratégias, passou de 5 % para 8 %. Além disso, criou-se a Iniciativa Urbana Europeia para prestar um apoio mais coerente às cidades. O CESE recomenda a divulgação contínua das oportunidades de parceria temática a nível local e a associação de todas as partes interessadas pertinentes, incluindo o CESE. No futuro, a afetação urbana poderá ser mais elevada.

3.15.

Devido à volatilidade crescente e à diversidade de riscos, as parcerias temáticas devem contribuir para reforçar a resiliência e a capacidade de resposta a choques assimétricos, como a COVID-19 e outras situações semelhantes. A guerra condenável na Ucrânia influencia o desenvolvimento urbano nos países vizinhos, pelo que cabe adaptar as parcerias temáticas para fazer face às crises a curto prazo e integrá-las em abordagens estratégicas de longo prazo.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE considera necessário especificar melhor os critérios utilizados para selecionar os parceiros no âmbito de parcerias temáticas. O processo de seleção não deve negligenciar a oportunidade de os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil participarem nesse processo juntamente com os municípios urbanos, incluindo os que representam grupos vulneráveis como as pessoas idosas, as pessoas com deficiência, as minorias, os imigrantes, os refugiados e as pessoas social, económica e culturalmente desfavorecidas, entre outros. Cumpre incentivar e motivar essas organizações a participarem em parcerias no âmbito da Agenda Urbana da UE.

4.2.

De acordo com o Pacto de Amesterdão, o CESE, enquanto uma das suas partes interessadas, é convidado a contribuir, no âmbito das suas competências, para o desenvolvimento futuro da Agenda Urbana da UE. A importância do Pacto de Amesterdão foi reiterada no documento de execução da Nova Carta de Leipzig e no Acordo de Liubliana. Cabe reforçar o papel do CESE na Agenda Urbana da UE e no Acordo de Liubliana. O CESE é um interveniente europeu importante responsável pelas componentes económicas e sociais das políticas de desenvolvimento, e possui condições, conhecimentos especializados e legitimidade para contribuir para os três pilares do Acordo de Liubliana, designadamente: melhor financiamento, melhor regulamentação e melhor conhecimento. Cumpre reconhecer formalmente o CESE, assegurando que este desempenha um papel nos principais órgãos de governação do Acordo de Liubliana e faz parte do Grupo para o Desenvolvimento Urbano e do Grupo Técnico Preparatório da Agenda Urbana, além de participar na reunião dos diretores-gerais sobre questões urbanas.

4.3.

O CESE considera que as parcerias temáticas futuras devem incluir temas como a democracia participativa, a economia do bem-estar nas cidades e as ligações urbano-rurais (4), em consonância com o conceito de desenvolvimento territorial utilizado no quadro estratégico europeu. O CESE recomenda que se conserve uma ligação clara entre o processo de seleção de parceiros, a seleção dos temas e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por um lado, e os contributos da parceria para a execução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por outro.

4.4.

No futuro, as parcerias temáticas poderão ser organizadas em grupos temáticos, redes temáticas existentes e redes para o desenvolvimento de soluções adaptadas e de base local para as cidades. Importa ter presente a necessidade de alargar o acesso às redes, em especial no que toca às cidades de pequena e média dimensão. As cidades devem estar no centro da abordagem ascendente das parcerias temáticas, a fim de assegurar uma sinergia entre as situações locais e as parcerias temáticas existentes.

4.5.

O processo de consulta utilizado pelas parcerias temáticas deve incluir todas as formas de diálogo e consultas, como o diálogo social, o diálogo com os cidadãos e o diálogo cívico, bem como incluir todos os tipos de intervenientes cívicos, como os parceiros sociais, as organizações não governamentais e os cidadãos.

4.6.

O CESE propõe a criação de um secretariado para parcerias temáticas com a Comissão e outras partes interessadas pertinentes para apoiar as parcerias temáticas, assegurar a ligação com as políticas urbanas a nível local, garantir a assistência técnica e facilitar a criação de comunidades temáticas e o intercâmbio de boas práticas temáticas. Há que afetar recursos suficientes para assegurar uma administração eficiente e parcerias temáticas eficazes, em particular para a execução dos planos de ação.

4.7.

O CESE propõe o reforço da ligação entre a Agenda Urbana da UE e a política de coesão. Apesar de se tratar de duas políticas e iniciativas distintas, com objetivos diferentes que se inserem em quadros distintos, devem existir sinergias, sobretudo no âmbito da Plataforma de Partilha de Conhecimentos (5) e das atividades de capitalização a desenvolver no âmbito da Iniciativa Urbana Europeia. As medidas existentes para a execução das parcerias temáticas podem ser indicadas nos programas operacionais, nos vários convites à apresentação de propostas ou nos critérios de avaliação dos projetos. Os resultados das atividades das parcerias temáticas devem ser tidos em conta no planeamento dos novos programas operacionais no domínio da coesão.

4.8.

É necessária maior coerência e uma ligação mais forte entre as políticas urbanas aplicadas a nível local e as políticas da UE, em especial a política de coesão. São necessários instrumentos e ferramentas interligados para assegurar um apoio mais coerente às cidades no âmbito da política de coesão, bem como uma cooperação e integração intersetorial e interinstitucional a nível estratégico e operacional. Além disso, a competitividade regional deve contar com a complementaridade entre zonas urbanas e rurais, bem como com uma forte coesão social no âmbito da política de coesão de 2021-2027.

4.9.

As condições de trabalho, a previsibilidade das carreiras e o acesso a empregos de alta qualidade, bem como a oportunidades e a salários adequados constituem variáveis importantes para a justiça e a equidade dos processos de desenvolvimento urbano e devem ser abordados de forma transversal no que diz respeito à ecologização urbana, à sustentabilidade da cadeia de abastecimento alimentar, à economia circular e ao turismo sustentável. O investimento nas pessoas deve continuar a ser um dos eixos prioritários das estratégias de desenvolvimento. O acesso justo, a igualdade de oportunidades e a capacidade de exercer os direitos fundamentais são essenciais para o êxito das parcerias temáticas.

4.10.

Tendo em conta a concentração dos recursos e das necessidades nas zonas urbanas, o Semestre Europeu deve adotar uma abordagem mais individualizada no que se refere à eficácia das políticas de desenvolvimento urbano, para que ninguém nem nenhum local fiquem para trás. A coerência com outros instrumentos europeus, como o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, deve ser uma consideração constante.

4.11.

As estratégias de desenvolvimento e os projetos de natureza altamente complexa são cada vez mais procurados. O CESE propõe que, para esses tipos de investimento, os órgãos de poder local e regional reforcem a capacidade no domínio da participação dos cidadãos, da prospetiva estratégica, da preparação para diversos cenários, do planeamento estratégico e da execução de investimentos públicos. Esta condição é determinante para o êxito do desenvolvimento sustentável das cidades europeias e para as tornar mais acolhedoras para as pessoas. Além da justiça digital e da democracia digital, cumpre também ter em conta a convergência dos dados das diversas parcerias e o acesso aos mesmos através das plataformas de dados abertos.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/regional_policy/en/policy/themes/urban-development/agenda

(2)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 145.

(3)  Ver o Parecer do CESE — Revisão da Agenda Territorial da UE, da Carta de Leipzig e da Agenda Urbana da UE (JO C 429 de 11.12.2020, p. 145).

(4)  Ver o Parecer do CESE — Rumo a uma estratégia global para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais e urbanas (JO C 105 de 4.3.2022, p. 49).

(5)  https://ec.europa.eu/info/research-and-innovation/strategy/strategy-2020-2024/our-digital-future/era/knowledge-exchange-platform-kep_en


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/88


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Luta contra a pobreza energética e reforço da resiliência da UE: desafios numa perspetiva económica e social

(parecer exploratório a pedido da presidência checa)

(2022/C 486/13)

Relator:

Ioannis VARDAKASTANIS

Pedido da presidência checa do Conselho

Carta, 26.1.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Parecer exploratório

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

22.6.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

137/2/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A União Europeia (UE) e os seus Estados-Membros devem ter como prioridade absoluta a garantia da igualdade de acesso à energia e a segurança do aprovisionamento energético a preços acessíveis. A escalada dos preços da energia leva a que cada vez mais consumidores e cidadãos da UE sejam afetados pela pobreza energética em toda a Europa. As pessoas que já estavam expostas à pobreza energética deparam-se com um agravamento da sua situação e os consumidores que, no passado, não tinham dificuldades em pagar as suas faturas de energia estão agora em risco de pobreza. As atuais tensões geopolíticas, incluindo a guerra na Ucrânia e a dependência dos Estados-Membros da UE face às importações de energia, agravaram essa situação. Cumpre adotar medidas urgentes para evitar e combater a pobreza energética com que se deparam os consumidores e cidadãos da UE.

1.2.

O CESE reconhece a importância atribuída à pobreza energética nas iniciativas da UE, nomeadamente em atos legislativos e políticas, principalmente no âmbito do pacote Objetivo 55, da execução do Pacto Ecológico Europeu e da Iniciativa Vaga de Renovação. Tais medidas são fundamentais para lutar a longo prazo contra a pobreza energética e assegurar a sustentabilidade. No entanto, a resiliência da UE dependerá da forma como a UE e os Estados-Membros dão resposta aos desafios sociais, ambientais e económicos cruciais com que se deparam os seus cidadãos e empresas.

1.3.

Para combater a atual crise de pobreza energética, o CESE apela à criação de uma coligação política ampla e ambiciosa que analise e aborde esse fenómeno numa perspetiva holística, com o objetivo de reduzir para um nível mínimo essa forma de pobreza até 2030 e eliminá-la por completo a longo prazo. Essa coligação deve compreender a Comissão Europeia e a sua Plataforma de Aconselhamento sobre Pobreza Energética, o Parlamento Europeu, o Conselho, os Estados-Membros, o Comité das Regiões Europeu, o Comité Económico e Social Europeu, o Pacto de Autarcas e as organizações da sociedade civil organizada, incluindo representantes das empresas, organizações de consumidores e organizações que representem as populações mais expostas ao risco de pobreza energética. As ações da coligação devem culminar na elaboração de uma Estratégia da UE de Luta Contra a Pobreza Energética. A Comissão deve incentivar os Estados-Membros a elaborar planos ou políticas nacionais para erradicar a pobreza energética, que integrem e assegurem a coerência de todos os instrumentos políticos e de financiamento a nível nacional e da UE.

1.4.

Atendendo à importância da questão, o CESE exorta a UE a promover uma abordagem comum da pobreza energética, que permita o seu entendimento concreto e partilhado e a recolha de dados estatísticos, tendo em conta as diferenças e especificidades dos Estados-Membros. Tal abordagem impõe-se para poder acompanhar a situação e o impacto das medidas adotadas em toda a União.

1.5.

O CESE assinala que a Comissão já apresentou propostas para medidas imediatas e a longo prazo a fim de proteger os consumidores e lutar contra a pobreza energética, nomeadamente a recomendação sobre a pobreza energética, o conjunto de medidas relacionadas com os preços da energia, a Comunicação REPowerEU e, ainda, a proposta de recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática. Embora as ações dos Estados-Membros possam depender das especificidades locais e nacionais, é fundamental para a resiliência da UE que, em momentos de emergência, os Estados-Membros acionem uma série de medidas (como apoio financeiro direto e políticas sociais, assim como incentivos e auxílios à redução do consumo da energia) a fim de amortecer os efeitos negativos da subida de preços nos consumidores e nas empresas mais vulneráveis.

1.6.

O CESE salienta a importância de investir em energias justas e eficientes, de molde a minimizar a pobreza energética a longo prazo. Para o efeito, cabe assegurar que o financiamento disponível é canalizado para as energias renováveis e a eficiência energética, assim como para a renovação em larga escala dos edifícios, apoiando os grupos com os rendimentos mais baixos, assegurando que as pessoas vulneráveis dispõem de capital para investir na eficiência energética e dando prioridade aos edifícios com o pior desempenho energético. A Comissão deve trabalhar em estreita colaboração com os Estados-Membros para avaliar se o orçamento disponível responde às necessidades e exigências e corresponde às opções existentes para continuar a apoiar os Estados-Membros.

1.7.

Uma vez que a pobreza energética decorre da pobreza em geral, é igualmente fundamental que a Comissão e os Estados-Membros prossigam os esforços com vista à redução global da pobreza. A crise atual é um alerta para a necessidade contínua de melhorar o acesso ao emprego, a inclusão social e os níveis de vida condignos, em especial, das pessoas que vivem em zonas rurais e remotas, assim como de apoiar o crescimento económico dos Estados-Membros.

1.8.

A UE e os Estados-Membros têm de assegurar um ambiente propício ao investimento na Europa para uma energia hipocarbónica e sem emissões de carbono. Também a requalificação e a melhoria de competências desempenharão um papel importante na transição ecológica, na Iniciativa Vaga de Renovação e na eficiência energética. As ações de informação, aconselhamento e consultoria em matéria de energia são outras medidas benéficas que devem estar disponíveis a nível local (por exemplo, através de balcões únicos) de forma generalizada e a preços acessíveis.

2.   Observações gerais

2.1.

A pobreza energética representa uma questão cada vez mais preocupante para os cidadãos e empresas da UE. Em 2020, 8 % da população da UE disse ser incapaz de manter a sua casa adequadamente aquecida (1). É provável que essa percentagem tenha agora aumentado, devido à subida acentuada dos preços da energia desde meados de 2021. Em março de 2022, a inflação anual dos preços da energia na UE atingiu 40,2 %, sendo que, para tais preços, as taxas de variação anual mais elevada e mais baixa foram, respetivamente, de 99,6 % e de 0 % (2). Os preços da energia são igualmente afetados por tensões geopolíticas, nomeadamente a guerra na Ucrânia e a dependência dos Estados-Membros da UE face às importações de energia (3). Os preços mais elevados da energia, aliados aos preços mais elevados dos transportes e dos produtos alimentares, agravam a pressão sobre os consumidores, mais particularmente sobre os agregados familiares com rendimentos baixos, que apresentam taxas mais elevadas de pobreza energética. Por conseguinte, a pobreza energética mantém-se um desafio enorme com um impacto social significativo, pelo que tirar os cidadãos vulneráveis dessa situação é uma tarefa urgente para a UE e os seus Estados-Membros.

2.2.

A pobreza energética decorre de um conjunto de fatores, que incluem rendimentos baixos, edifícios e eletrodomésticos ineficientes, assim como a falta de informação e de acesso aos incentivos para reduzir o consumo de energia. Os preços elevados da energia afetam também os cidadãos e as empresas, aumentando as faturas dos serviços essenciais e colocando as micro, pequenas e médias empresas numa situação altamente precária (4) e em risco de insolvência, que pode conduzir à perda de postos de trabalho, contribuindo assim para a pobreza. As «microempresas vulneráveis» são também significativamente afetadas pelo impacto dos preços da inclusão dos edifícios no âmbito da Diretiva 2003/87/CE e não dispõem de meios para renovar os edifícios que ocupam. A escalada dos preços da energia tem um efeito em cascata e traduz-se em preços mais elevados para todos os tipos de bens e serviços. A Europa corre o risco de estagflação, de crescimento económico mais baixo e de inflação elevada, todos fatores adicionais que contribuem para a pobreza (5).

2.3.

As pessoas mais afetadas pela pobreza energética são as que auferem rendimentos baixos, como os trabalhadores mais pobres, os pensionistas com baixos rendimentos, os estudantes, os jovens adultos, as famílias com muitos filhos e as famílias monoparentais, bem como as populações desfavorecidas com taxas de pobreza já elevadas, incluindo as pessoas com deficiência, as pessoas idosas, os migrantes e as minorias ciganas. As mulheres correm um risco mais elevado de caírem na pobreza energética e de sofrerem dos seus efeitos, uma vez que, em média, auferem salários mais baixos e dependem em maior medida do aquecimento e do arrefecimento domésticos, pois passam mais tempo em casa devido a responsabilidades no âmbito da prestação de cuidados. Além disso, a pobreza energética afeta mais, em média, as pessoas dos Estados-Membros meridionais e de leste (6).

2.4.

A garantia de um acesso equitativo a energia limpa e a preços acessíveis para todos os cidadãos da UE representa um importante compromisso para a UE e os seus Estados-Membros. O Pilar Europeu dos Direitos Sociais inclui a energia na lista de serviços essenciais a que todas as pessoas têm o direito de aceder (princípio 20). O «acesso a fontes de energia fiáveis, sustentáveis e modernas para todos» constitui também um dos objetivos estipulados na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ODS 7). O acesso a serviços adequados em domínios como o aquecimento, o arrefecimento, a iluminação e a energia necessária para os eletrodomésticos é essencial para manter um nível de vida digno e a saúde. O acesso a serviços energéticos é também fundamental para a inclusão social. No seu conjunto, os vários benefícios decorrentes da luta contra a pobreza energética podem impulsionar diretamente o crescimento económico e a prosperidade na UE.

2.5.

Na última década, a UE abordou a pobreza energética em vários documentos jurídicos e estratégicos, incluindo no terceiro pacote energético (2009-2014), na estratégia de 2015 para a União da Energia e no pacote legislativo Energias Limpas para Todos os Europeus, de 2019, que visa facilitar uma transição energética justa. A pobreza energética é também uma componente importante de iniciativas recentes, como o Pacto Ecológico Europeu, nomeadamente a Iniciativa Vaga de Renovação e o pacote Objetivo 55. Este último tem em consideração a pobreza energética em várias das suas propostas, incluindo na proposta relativa a um novo Fundo Social para o Clima, que deverá amortecer os impactos sociais negativos do preço do carbono previsto sobre os transportes e os edifícios, bem como na proposta de reformulação da Diretiva Eficiência Energética, em que se propõe uma definição de pobreza energética (7). O pacote inclui também uma proposta de recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, que estabelece orientações específicas para os Estados-Membros sobre a forma de abordar os aspetos sociais e de emprego pertinentes da transição ecológica, que se tornou particularmente premente devido ao aumento dos preços da energia e ao contexto geopolítico.

2.6.

Em 2020, a Comissão Europeia adotou a Recomendação sobre a pobreza energética, que fornece orientações sobre indicadores adequados para medir a pobreza energética, bem como sobre a definição de um «número importante de agregados familiares em situação de pobreza energética». Essa recomendação contribui também para a partilha de boas práticas entre os Estados-Membros e identifica o apoio disponível a nível da UE, através de uma combinação de fontes de financiamento que permite às autoridades responsáveis a nível local, regional e nacional utilizarem todo o seu arsenal financeiro, incluindo subvenções e subsídios para renovações a fim de limitar o investimento inicial. Outras iniciativas importantes incluem o apoio prestado a projetos locais pela Plataforma de Aconselhamento sobre Pobreza Energética (cujo apoio técnico se encontra no seu primeiro ano de funcionamento), o conjunto de medidas relacionadas com os preços da energia, que tem ajudado os Estados-Membros a utilizarem os instrumentos adequados para ajudar os cidadãos e as empresas a fazerem face aos preços elevados da energia, o apoio a agregados familiares e a empresas vulneráveis prestado ao abrigo do REPowerEU (8), e o recém-criado grupo de coordenação sobre a pobreza energética e os consumidores vulneráveis (9).

2.7.

O CESE observa, no entanto, que sem uma execução célere, compromissos fortes e medidas concretas pelos Estados-Membros, incluindo uma abordagem comum para compreender e combater a pobreza energética a nível da UE que possa conduzir a uma definição comum deixando, simultaneamente, aos Estados-Membros margem para encontrar soluções específicas, as iniciativas apresentadas até à data pela Comissão não serão suficientes para dar resposta à crise atual que afeta cada vez mais consumidores.

3.   Lutar contra a pobreza energética numa perspetiva holística: apelo para uma coligação política e uma estratégia de luta contra a pobreza energética

3.1.

Uma vez que a pobreza energética resulta de fatores sociais, ambientais, económicos e geopolíticos, importa adotar uma perspetiva holística, que inclua uma análise global da questão e a participação de várias partes interessadas, desde os consumidores às organizações da sociedade civil, passando ainda pelas empresas e pelas autoridades responsáveis a nível local, regional, nacional e europeu. Para o efeito, o CESE apela à criação de uma coligação política ampla e ambiciosa. Essa coligação deve compreender a Comissão Europeia e a sua Plataforma de Aconselhamento sobre Pobreza Energética, o Parlamento Europeu, o Conselho, os Estados-Membros, o Comité das Regiões Europeu, o Comité Económico e Social Europeu, o Pacto de Autarcas e as organizações da sociedade civil organizada, incluindo representantes das empresas, organizações de consumidores e organizações que representem as populações mais expostas ao risco de pobreza energética.

3.2.

Os Estados-Membros devem manter um contacto permanente com os consumidores e com as autoridades responsáveis a nível local nesta matéria. Os municípios e as regiões estão, muitas vezes, em melhor posição para identificar numa fase precoce os agregados familiares em risco de pobreza energética e, por conseguinte, para combater a situação da forma mais eficaz. Juntamente com as autoridades responsáveis a nível nacional e local (incluindo as autarquias e os serviços municipalizados) (10), também as empresas locais e nacionais podem ser intervenientes importantes no âmbito de atividades que visem reduzir a pobreza energética, nomeadamente ao contribuírem para a Iniciativa Vaga de Renovação. Importa consultar e associar os consumidores vulneráveis a todos os níveis, na medida em que têm geralmente menos possibilidades de adaptar rapidamente os seus padrões de consumo. É crucial incorporar as suas experiências e comportamentos na conceção e aplicação de medidas.

3.3.

As organizações da sociedade civil têm um papel central a desempenhar no que toca à facilitação do diálogo entre cidadãos, empresas, trabalhadores, consumidores e decisores. Atendendo aos seus conhecimentos especializados e redes no terreno, cumpre associar as organizações da sociedade civil à elaboração de medidas para fazer face à pobreza energética, nomeadamente no que respeita a conceção, execução e acompanhamento das estratégias para pôr termo a este fenómeno.

3.4.

O CESE recomenda que a coligação elabore uma estratégia da UE de luta contra a pobreza energética, por iniciativa da Comissão, que deve assentar no reconhecimento do direito à energia e estabelecer metas ambiciosas mas realistas com vista à consecução dos objetivos definidos no Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, tendo em mira o fim da pobreza energética a longo prazo. A estratégia deve incluir medidas relacionadas tanto com o setor energético como com outros setores, para focar as causas profundas da pobreza energética e melhorar as condições dos consumidores vulneráveis e em situação de pobreza energética. Tal estratégia é também necessária para garantir que as transições climática e energética são concebidas e realizadas de forma justa, equitativa e inclusiva, sem deixar ninguém para trás. Poderá incluir uma reunião anual (para acompanhar os progressos e sensibilizar para a realização de ações conjuntas), requisitos em matéria de diálogos estruturados regulares e atividades de sensibilização organizadas com os Estados-Membros e com todas as partes interessadas pertinentes, bem como criar incentivos suplementares ao investimento nas transições energéticas. A Plataforma de Aconselhamento sobre Pobreza Energética poderá desempenhar um papel reforçado na sua execução e acompanhamento.

3.5.

Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia, o Conselho, o Parlamento e, a nível nacional, os Estados-Membros, têm de continuar a garantir que as iniciativas legislativas e políticas futuras e em curso abordam devidamente a pobreza energética. Tal deve ser feito, por exemplo, aquando da execução do Pacto Ecológico Europeu e da Iniciativa Vaga de Renovação, através da análise e da comunicação dos progressos a nível dos planos nacionais em matéria de energia e clima e das estratégias de renovação dos edifícios a longo prazo, bem como mediante uma maior ênfase na pobreza energética no contexto do processo do Semestre Europeu. As iniciativas legislativas e a revisão de atos em vigor constituem também oportunidades importantes para reforçar a resposta à pobreza energética. É o caso das revisões iminentes da Diretiva Desempenho Energético dos Edifícios, da Diretiva Energias Renováveis e da Diretiva Eficiência Energética, bem como da proposta relativa a um Fundo Social para o Clima. Além disso, a fim de atenuar o impacto dos preços da energia elevados, a União Europeia tem de garantir que quaisquer novas iniciativas que visem assegurar uma energia segura, sustentável e a preços acessíveis continuam a consagrar uma atenção especial aos efeitos sobre os consumidores mais vulneráveis. Tal inclui as iniciativas relativas a uma economia hipocarbónica, bem como as que visam pôr termo à dependência europeia dos combustíveis fósseis russos, como é o caso da Comunicação REPowerEU.

3.6.

A Comissão deve incentivar os Estados-Membros a elaborar planos ou políticas nacionais para erradicar a pobreza energética, que integrem e assegurem a coerência de todos os instrumentos políticos e de financiamento a nível nacional e da UE. O CESE insta os Estados-Membros cujos planos nacionais em matéria de energia e clima revelam falta de empenho na luta contra a pobreza energética a redobrarem de esforços através de quadros claros em matéria de acompanhamento e avaliação. É fundamental melhorar a comunicação de resultados, tornando-a mais precisa, dado existirem poucos dados de alta qualidade sobre a forma de quantificar e acompanhar a pobreza energética.

4.   Lutar contra a pobreza energética através da adoção de medidas imediatas e a longo prazo para medir o fenómeno e proteger os consumidores

4.1.

O CESE insta a UE a promover uma abordagem comum para compreender e combater a pobreza energética a nível da UE, que possa conduzir a uma definição comum. De facto, cada Estado-Membro pode determinar critérios próprios para definir a pobreza energética, e a falta de uma abordagem comum pode pôr em causa a capacidade da Comissão para avaliar devidamente a situação e impedir os Estados-Membros de alcançar um entendimento comum da questão e aplicar uma resposta coordenada. A definição constante da proposta de reformulação da Diretiva Eficiência Energética e os indicadores já definidos pelo Observatório da Pobreza Energética da UE (11) são um bom começo. Atendendo à urgência da questão, o CESE considera que a Comissão e os Estados-Membros têm de promover uma abordagem comum que permita um entendimento concreto e partilhado de pobreza energética, bem como a recolha de dados estatísticos (12).

4.2.

No seu conjunto de medidas relacionadas com os preços da energia, a Comissão propôs várias ações imediatas que os Estados-Membros poderiam adotar para amortecer o custo da energia para os consumidores, como limites de preços, reduções fiscais e subsídios para os consumidores e as empresas, bem como medidas sociais, como pagamentos sociais específicos e diferimentos temporários do pagamento das faturas de energia, tendo em conta a situação e as necessidades de pessoas vulneráveis como as pessoas com deficiência, as famílias monoparentais e as famílias com vários filhos. Até fevereiro de 2022, os Estados-Membros já tinham empreendido várias das ações preconizadas pelo conjunto de medidas. A título de exemplo, 18 Estados-Membros transferiram fundos para grupos vulneráveis e 11 Estados-Membros reduziram o imposto sobre a energia (13). O número de cidadãos da UE vulneráveis à pobreza energética varia em toda a União, em virtude das diferentes situações em cada Estado-Membro (e em cada região) e das medidas adotadas.

4.3.

O CESE exorta os Estados-Membros a continuarem a adotar ações imediatas sempre que necessário para proteger os consumidores em situação de pobreza energética ou expostos a esse risco, tendo em conta as necessidades e especificidades locais, regionais e nacionais. Embora não exista uma solução única, uma vez que os preços da energia variam consideravelmente em toda a UE devido, nomeadamente, ao facto de os Estados-Membros intervirem atualmente nos mercados de forma muito diferente (por exemplo, com impostos e direitos, isenções ou encargos que muitas vezes afetam apenas alguns consumidores) (14), os Estados-Membros devem assegurar-se de que os mais vulneráveis não ficam sem apoio. Cumpre prever apoios financeiros diretos e políticas sociais para amortecer os efeitos negativos dos aumentos de preços nos grupos mais vulneráveis.

4.4.

A ajuda direta a quem dela necessita deve ser direcionada e não geral; deve ter em conta a dimensão social sem impedir a transição ecológica. Poderá ponderar-se a criação de uma subvenção de duração limitada (por exemplo, para os primeiros 300 kWh de eletricidade por pessoa e por agregado familiar) até um limite de rendimento a definir. Além disso, há que conceder ajuda direta para rendimentos abaixo de um limiar a definir, sempre que não haja uma solução alternativa a preços acessíveis na respetiva situação (15).

4.5.

Além disso, os Estados-Membros devem reforçar os incentivos dados aos consumidores para que diminuam o seu consumo de energia e renovem os edifícios à luz de critérios inteligentes e sustentáveis a nível nacional, regional e local, para assegurar a eficiência energética e reduzir as respetivas faturas de energia. A Comissão deve promover esse tipo de medidas, que devem ser vistas como complementares, uma vez que não podem substituir o apoio social e financeiro que deve ser a primeira rede de segurança quando os consumidores são, dum momento para o outro, afetados gravemente pela volatilidade dos preços.

4.6.

Outras medidas benéficas podem passar por ações de informação, aconselhamento e consultoria em matéria de energia, que devem estar disponíveis a nível local (por exemplo, através de balcões únicos) de forma generalizada e a preços acessíveis e beneficiar de subsídios. Os passaportes de renovação dos edifícios (16), os certificados energéticos e os contadores inteligentes são outro tipo de medidas suscetíveis de ajudar os consumidores neste processo, incluindo os proprietários de edifícios e os arrendatários. O aconselhamento em matéria de energia tem de ser adaptado às necessidades dos consumidores, uma vez que a resposta é altamente específica. As organizações de consumidores, e os órgãos de poder local e regional em particular, devem participar no processo de elaboração de medidas e de informação dos consumidores.

4.7.

Uma vez que a pobreza energética também decorre da pobreza em geral, é fundamental que a Comissão e os Estados-Membros prossigam os esforços com vista à redução global da pobreza, focando-se nas populações já em situação de pobreza energética e nas expostas ao risco de pobreza devido à sua incapacidade de pagar preços da energia mais elevados. A crise atual é um alerta para a necessidade contínua de melhorar o acesso ao emprego, a inclusão social e os níveis de vida condignos, em especial, das pessoas que vivem em zonas rurais e remotas, assim como de apoiar, em geral, o crescimento económico dos Estados-Membros. É necessária uma nova visão para melhorar as infraestruturas de interesse geral, os serviços essenciais e os transportes. Cumpre apoiar o emprego e as PME, especialmente nas zonas desfavorecidas e rurais.

4.8.

A implementação de processos de avaliação pelos pares nos Estados-Membros e a partilha de boas práticas podem conduzir ao êxito dos projetos nos setores social e energético, que se podem disseminar pela União. Tal pode incluir projetos no domínio da eficiência energética, da literacia energética e da energia limpa (para fornecer energias renováveis às pessoas), bem como medidas sociais passíveis de contribuir para a redução das faturas de energia e da pobreza em geral.

5.   Lutar contra a pobreza energética através do investimento em energias justas e eficientes

5.1.

O CESE salienta a importância de investir em energias justas e eficientes, de molde a minimizar a pobreza energética a longo prazo. É imprescindível investir no desenvolvimento de energias renováveis limpas e na renovação em larga escala dos edifícios da União, atendendo ao subinvestimento estrutural de longo prazo neste domínio, bem como às consequências climáticas, ambientais, económicas e sociais que daí resultam. Este investimento terá também efeitos positivos na economia em termos de criação de postos de trabalho e inovação, pelo que beneficiará os cidadãos da UE a curto, médio e longo prazo.

5.2.

O CESE congratula-se com a proposta de criar um Fundo Social para o Clima da UE para dar resposta aos desafios sociais e distributivos da transição ecológica (fundamental para combater as alterações climáticas), bem como para incentivar medidas destinadas a atenuar as consequências sociais da inclusão dos setores dos edifícios e dos transportes rodoviários no sistema de comércio de licenças de emissão. No entanto, o CESE assinala que, por si só, este fundo poderá não ser suficiente para atender a todas as necessidades em matéria de eficiência e transição energética, devendo ser reforçado através de intervenções pertinentes no quadro de acordos de parceria nacionais e dos planos de recuperação e resiliência.

5.3.

É possível reduzir a pobreza energética agilizando e direcionando o financiamento para as energias renováveis. A Comissão deve colaborar estreitamente com os Estados-Membros para avaliar se o orçamento disponível satisfaz as necessidades e exigências e ponderar as opções disponíveis para apoiar os Estados-Membros (por exemplo, a proposta — apoiada por vários deputados ao Parlamento Europeu (17) e pelo CESE — relativa a um novo fundo de ajustamento às alterações climáticas, que poderia ser utilizado para reforçar a capacidade da UE para ajudar os Estados-Membros a responder rapidamente às emergências climáticas, ambientais e energéticas). Deve ter em conta a recuperação económica e a necessidade de proteger a sustentabilidade das finanças públicas nos Estados-Membros e na UE.

5.4.

Importa ainda continuar a utilizar o novo Quadro Financeiro Plurianual e o Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) para lutar contra a pobreza energética no período posterior à COVID-19. O CESE assinala que a invasão da Ucrânia pela Rússia acelerou inclusivamente a necessidade de a UE assegurar uma transição célere para as energias limpas, a fim de deixar de depender da importação de combustíveis fósseis, aumentar a resiliência do sistema energético e garantir o acesso a energias justas e eficientes para todos os cidadãos da UE, ao mesmo tempo que concretiza as metas climáticas da União. O CESE assinala que a guerra na Ucrânia e o atual contexto geopolítico não devem levar a que a UE negligencie a sua missão de atingir metas sociais e ambientais, que constituem a base para a construção de uma força económica a longo prazo.

5.5.

A UE e os Estados-Membros têm de garantir que os fundos disponíveis apoiam investimentos em larga escala nas energias renováveis e na eficiência energética, em renovações de edifícios, em subsídios para isolamento de habitações e em habitação social a preços acessíveis e eficiente em termos energéticos, bem como em projetos de habitação comunitária. É evidente que é necessário um volume de investimento privado considerável, o que requer um ambiente regulamentar e de investimento propício. Os Estados-Membros, em colaboração com os órgãos de poder local e regional, devem dar prioridade a uma renovação profunda que conduza a uma poupança de energia superior a 60 % (18) e apoiar o desenvolvimento de mão de obra qualificada.

5.6.

O Fundo de Coesão e o Mecanismo para uma Transição Justa podem disponibilizar recursos às regiões e comunidades mais afetadas pela transição para energias limpas. A Comissão Europeia deve também dar continuidade ao financiamento de projetos relacionados com a pobreza energética ao abrigo do Horizonte Europa e do subprograma do LIFE intitulado «Transição para as energias limpas». A título de exemplo, o financiamento da investigação ao abrigo do Horizonte Europa pode ser utilizado para desenvolver aparelhos e tecnologias a preços acessíveis cuja utilização permita reduzir o consumo de energia dos agregados familiares. Recorrendo a fundos da UE, a Comissão e os Estados-Membros devem incentivar as empresas — incluindo as privadas — a desenvolver soluções inovadoras e tecnologias que promovam a eficiência energética.

5.7.

O CESE exorta ainda a Comissão e os Estados-Membros a garantirem que a Iniciativa Vaga de Renovação é executada de forma a apoiar os grupos com rendimentos mais baixos. Para tal, cumpre assegurar que as pessoas vulneráveis dispõem de fundos para investir na eficiência energética e dar prioridade aos edifícios com pior desempenho, combatendo, assim, a exclusão habitacional. Importa prever um aumento significativo, principalmente para os intervenientes no terreno, do financiamento da UE consagrado à renovação de edifícios e à produção descentralizada de energias renováveis. Os destinatários prioritários devem ser os agregados familiares vulneráveis em situação de pobreza ou expostos ao risco de pobreza energética. Para tal, cumpre disponibilizar fundos suficientes ao abrigo do Fundo Social para o Clima, a fim de compensar o alargamento do sistema de comércio de licenças de emissão. Além disso, os Estados-Membros devem incrementar os investimentos nas energias renováveis e na eficiência energética. Num cenário de custos variáveis praticamente nulos, por exemplo, as energias renováveis como a energia eólica ou solar podem conduzir a preços mais baixos no mercado grossista (19).

5.8.

A requalificação e a melhoria de competências desempenharão um papel importante na transição ecológica, na Iniciativa Vaga de Renovação e na eficiência energética. A fim de desenvolver estratégias concretas de acompanhamento e antevisão das necessidades de competências, melhoria de competências e requalificação dos trabalhadores nos setores afetados, o CESE chama a atenção para os resultados dos projetos dos parceiros sociais neste domínio (20).

5.9.

O setor privado também tem um papel central a desempenhar no que toca a promover os níveis necessários de empreendedorismo e investimento, nomeadamente para fomentar o desenvolvimento de competências verdes para acelerar a transição ecológica e reduzir a pobreza energética. A fim de cumprir as normas ambientais (como, por exemplo, as auditorias energéticas) importa aumentar significativamente o número de parcerias público-privadas e o financiamento da investigação e do desenvolvimento, bem como prestar mais assistência técnica às PME. Os Estados-Membros devem partilhar boas práticas, de modo a incentivar a disseminação das mesmas.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/-/ddn-20211105-1

(2)  Conjunto de dados de base: prc_hicp_manr

(3)  https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Energy_production_and_imports

(4)  Comunicação — REPowerEU: ação conjunta europeia para uma energia mais segura e mais sustentável a preços mais acessíveis, de 8 de março de 2022.

(5)  A Comissão reconheceu o impacto negativo que os preços da energia elevados têm na economia, incluindo na competitividade das empresas, tendo o Banco Central Europeu estimado (antes da invasão russa) que, em 2022, os choques dos preços da energia reduziriam o crescimento do PIB em cerca de 0,5 pontos percentuais. Ver a Comunicação — REPowerEU: ação conjunta europeia para uma energia mais segura e mais sustentável a preços mais acessíveis, de 8 de março de 2022.

(6)  EU SILC de 2020, as estatísticas do rendimento e das condições de vida na UE que utilizam variáveis relativas à capacidade comunicada pelas pessoas no que se refere a manterem as suas casas adequadamente aquecidas, à presença de condições precárias de habitabilidade e a atrasos no pagamento das faturas de energia. Estas estatísticas revelaram que embora a pobreza energética seja transversal a toda a UE, o fenómeno é mais predominante nos Estados meridionais e de leste.

(7)  O artigo 2.o, ponto 49, da proposta de reformulação da Diretiva Eficiência Energética define pobreza energética como «a falta de acesso de um agregado familiar a serviços energéticos essenciais para manter um nível de vida digno e a saúde, nomeadamente o aquecimento, o arrefecimento, a iluminação e a energia necessária para os eletrodomésticos, no contexto nacional em questão, política social existente e outras políticas pertinentes».

(8)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_22_1511

(9)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32022D0589

(10)  COM(2020)662 final

(11)  https://energy-poverty.ec.europa.eu/energy-poverty-observatory/indicators_pt

(12)  A título de exemplo, a definição de pobreza energética proposta durante as negociações no Parlamento Europeu sobre o Fundo Social para o Clima é a seguinte: «os agregados familiares com os decis de rendimento mais baixos cujos custos energéticos excedem o dobro do rácio mediano entre os custos energéticos e o rendimento disponível, após dedução dos custos de habitação».

(13)  Giovanni Sgaravatti, Simone Tagliapietra e Georg Zachmann, «National fiscal policy responses to the energy crisis» [Políticas nacionais para proteger os consumidores do aumento dos preços da energia], Bruegel, 8 de fevereiro de 2022.

(14)  Parecer do CESE — Preços da energia (JO C 275 de 18.7.2022, p. 80).

(15)  Parecer do CESE — Preços da energia (JO C 275 de 18.7.2022, p. 80).

(16)  https://www.bpie.eu/publication/renovation-passports/

(17)  «Regional development MEPs suggest to set-up a Climate Change Adaptation Fund» [Deputados da Comissão do Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu propõem a criação de um fundo de ajustamento às alterações climáticas] | Atualidade | Parlamento Europeu (europa.eu).

(18)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32019H0786&from=PT.

(19)  Estima-se que o aumento da eletricidade produzida a partir de fontes renováveis foi responsável, em iguais circunstâncias, por uma diminuição de 24 % dos preços da eletricidade à vista na Alemanha no período 2008-2015 e de 35 % na Suécia no período 2010-2015 (Hirth, 2018).

(20)  Parecer do CESE — Preços da energia, JO C 275 de 18.7.2022, pp. 80-87.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/95


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Diálogo social no âmbito da transição ecológica (parecer exploratório a pedido da presidência checa)

(2022/C 486/14)

Relatora:

Lucie STUDNIČNÁ

Consulta

Presidência checa do Conselho, 26.1.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

162/1/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A resposta à emergência climática tornou-se uma das principais prioridades políticas. O modelo económico estabelecido desde a revolução industrial precisa agora de ser profundamente reformulado. A transição radical para uma economia circular digitalizada com impacto neutro no clima exige um esforço de adaptação significativo. A agressão da Rússia contra a Ucrânia apenas salientou a necessidade dessa transição, sujeitando a sociedade a custos e a encargos consideráveis.

1.2.

Enquanto elemento do modelo social europeu e fonte de competitividade europeia, o diálogo social tem de ser eficaz em todos os níveis — europeu, nacional, regional, setorial e do local de trabalho. Os Estados-Membros devem reconhecer o valor do diálogo social e o facto de que representa uma mais-valia e constitui um elemento importante do processo de decisão. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) defende o reforço e a promoção ativa do diálogo social. Por conseguinte, é necessário que os parceiros sociais disponham de competências adequadas e de acesso a apoio especializado.

1.3.

Assim, todo o quadro estratégico para a ação climática tem de prever uma participação forte dos sindicatos e das organizações de empregadores através de um diálogo social robusto e do envolvimento da sociedade civil. Os Estados-Membros devem envidar esforços mais significativos no sentido de envolver os trabalhadores e garantir que estes apoiam a transição para uma sociedade sustentável. Trata-se de uma responsabilidade que incumbe não apenas aos Estados-Membros, mas também às instituições da União Europeia (UE).

1.4.

Os sindicatos desempenham um papel fundamental na preparação dos trabalhadores para o processo de transformação socioecológica e na sua representação ao longo do mesmo, pelo que importa garantir um diálogo social ativo e coerente para assegurar que a ação climática beneficia os trabalhadores, torna a transição justa e não deixa verdadeiramente ninguém para trás.

1.5.

O diálogo social tem de ser acompanhado por um diálogo civil contínuo e robusto e contar com a participação, em especial, da sociedade civil organizada e das partes interessadas. Para se conseguir uma transição justa para uma economia com impacto neutro no clima, importa construir sociedades mais justas, erradicar a pobreza e combater os problemas de adaptação inerentes à transição ecológica. As organizações da sociedade civil representam milhões de pessoas em situações vulneráveis, bem como as que são sistematicamente excluídas, pelo que são uma voz importante que é necessário incluir nas decisões associadas à transição. O estabelecimento de uma cooperação estreita com o Comité das Regiões acrescentaria uma dimensão regional ao tema.

1.6.

É fundamental dar prioridade à justiça social e à aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Além disso, a UE deve também promover e apoiar ativamente a negociação coletiva, para que os trabalhadores possam ajudar a criar locais de trabalho sustentáveis e empregos verdes, competitivos e dignos. Dessa forma, a UE tornar-se-á não só mais justa e mais equitativa, como também mais competitiva e resiliente.

1.7.

É essencial que todos os postos de trabalho criados por via da transição respeitem a Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que inclui o direito ao emprego digno, a liberdade de associação e o direito à negociação coletiva, a não discriminação e a erradicação do trabalho forçado e infantil, bem como da violência e do assédio no trabalho.

1.8.

O CESE propõe um levantamento sistemático do funcionamento do diálogo social nos Estados-Membros, sendo necessários mais estudos comparativos para examinar o papel do diálogo social nos planos nacionais em matéria de energia e clima, bem como nos planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR).

1.9.

No âmbito dos esforços globais para reforçar a dimensão social do Pacto Ecológico Europeu, é necessário apoiar e reforçar ativamente — através de incentivos e financiamento — as estruturas de diálogo social, dedicando especial atenção aos Estados-Membros e aos setores em que essas instituições são frágeis.

1.10.

Em consonância com a recomendação não vinculativa do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, o CESE salienta a importância de fornecer orientações aos Estados-Membros sobre a forma de responder aos efeitos sociais e laborais da transição. Importa ter em conta as propostas avançadas, como por exemplo a proposta constante do Parecer do CESE — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática (1), no sentido de incentivar os Estados-Membros a criarem «comissões para uma transição justa».

1.11.

O CESE destaca a importância de uma informação e consulta atempadas durante o processo de reestruturação. Em consonância com a Diretiva Direitos de Consulta e Participação, cumpre reforçar os direitos dos trabalhadores à informação, à consulta e à participação (2), em todos os níveis da administração local, nacional e da UE. É importante evitar decisões sem consultas e tornar obrigatória a prestação antecipada de informações.

2.   Observações na generalidade

Antecedentes

2.1.

O presente parecer exploratório foi solicitado pela Presidência checa da UE no âmbito da avaliação da dimensão social do Pacto Ecológico Europeu e, em especial, do papel do diálogo social.

2.2.

A resposta à emergência climática tornou-se uma das principais prioridades políticas. O sistema de produção e consumo precisa de ser profundamente reformulado na sua globalidade. Embora a transição para uma economia circular digitalizada com impacto neutro no clima traga benefícios inquestionáveis, também acarreta um esforço de adaptação significativo e custos consideráveis para a sociedade.

2.3.

Esse processo de reestruturação fundamental que as nossas economias terão de empreender em poucas décadas para reduzir a zero as suas emissões líquidas é um processo orientado pelas políticas, que terá efeitos díspares nas pessoas, em função das suas características socioeconómicas, bem como nas empresas, especialmente as pequenas e médias empresas. Cabe, em grande medida, aos decisores políticos dar resposta a esses problemas.

2.4.

É certo que as alterações climáticas criam novas desigualdades e que as medidas de atenuação e de adaptação, se aplicadas sem políticas para uma transição justa, poderão criar vencedores e vencidos. Reconhecendo este facto, o anúncio do Pacto Ecológico Europeu, em 2019, incluiu compromissos no sentido de «não deixar ninguém para trás».

2.5.

O processo de transição em curso foi agravado por dois acontecimentos extraordinários: a crise da COVID-19 e uma transformação fundamental da situação geopolítica da Europa devido ao ataque da Rússia à Ucrânia. Ambos oneraram ainda mais a sociedade a curto prazo, mas podem também contribuir para acelerar a transformação.

Diálogo social

2.6.

Ao longo das últimas décadas, as grandes mudanças nos meios de produção suscitaram com frequência problemas de adaptação ou transição, em especial nos setores em que essas mudanças criaram empregos menos seguros e com remunerações baixas, deixando o trabalho digno fora do alcance de muitas pessoas, como as mulheres e as comunidades vulneráveis. Por conseguinte, cumpre abordar uma série de problemas relacionados com a transição, como a contratualização, as formas precárias de trabalho, a privatização e a reestruturação, a fim de gerar uma economia justa em que a pobreza seja erradicada. Esta questão foi igualmente abordada na Recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, adotada pelo Conselho (Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores) em 16 de junho de 2022.

2.7.

A promoção do diálogo social está consagrada no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. A iniciativa «Um novo começo para o diálogo social» (2016) reconheceu a importância do diálogo social para a recuperação e a competitividade. Vários pareceres (3) e uma resolução (4) do CESE salientaram recentemente a importância do diálogo social em transformações conexas.

2.8.

O diálogo social também deu provas dos seus contributos positivos para um processo de reestruturação bem-sucedido: as empresas com um diálogo social adequado têm melhor desempenho, são mais competitivas e resilientes e pagam salários mais elevados.

2.9.

O CESE destaca que todos os níveis do diálogo social — europeu, nacional, regional, setorial e do local de trabalho — desempenham um papel essencial, mas distinto, na gestão e facilitação da transformação ecológica. No entanto, as estruturas e as instituições a cada um desses níveis têm pontos fortes muito diferentes.

2.10.

O diálogo social tem de ser acompanhado por um diálogo civil contínuo e robusto e contar com a participação, em especial, da sociedade civil organizada e das partes interessadas. Para se conseguir uma transição justa para uma economia com impacto neutro no clima, importa construir sociedades mais justas, erradicar a pobreza e combater os problemas de adaptação inerentes à transição ecológica. As organizações da sociedade civil representam milhões de pessoas em situações vulneráveis, bem como as que são sistematicamente excluídas, pelo que são uma voz importante que é necessário incluir nas decisões associadas à transição. O estabelecimento de uma cooperação estreita com o Comité das Regiões acrescentaria uma dimensão regional ao tema.

2.11.

As instituições e os agentes do diálogo social têm diferentes níveis de capacidades e de influência nos vários Estados-Membros, em parte devido à diversidade de modelos de relações laborais e sociais existentes nos Estados-Membros, mas, em alguns casos, as políticas e recomendações em matéria de descentralização adotadas após a crise financeira e a crise da área do euro contribuíram ativamente para o seu enfraquecimento. O CESE salienta que o bom funcionamento do diálogo social é um elemento importante da economia social de mercado europeia e congratula-se por a Comissão Europeia ter reconhecido recentemente este facto nas suas recomendações ao Conselho.

2.12.

No âmbito dos esforços globais para reforçar a dimensão social do Pacto Ecológico Europeu, é necessário apoiar e reforçar ativamente as estruturas de diálogo social, dedicando especial atenção aos Estados-Membros e aos setores em que essas instituições são frágeis.

Transição justa

2.13.

Uma transição justa implica que a resposta aos efeitos sobre o emprego e a distribuição da riqueza decorrentes da transição para uma economia com impacto neutro no clima deve constituir um elemento do quadro de ação relativo ao clima (por exemplo, o pacote Objetivo 55) e não apenas uma série de medidas corretivas suplementares. Estas questões abarcam muitas dimensões, como os efeitos distributivos das políticas de descarbonização, a perda de postos de trabalho e as transições profissionais, a defesa dos direitos sociais fundamentais e a inclusão dos cidadãos e da sociedade civil organizada nos processos de decisão.

2.14.

O Fundo para uma Transição Justa e o Fundo Social para o Clima, proposto no âmbito do pacote Objetivo 55, são algumas das principais medidas da UE anunciadas até à data destinadas a atenuar o impacto da transição nas regiões mais afetadas e nas pessoas e empresas vulneráveis. O CESE saúda a proposta de recomendação do Conselho, apresentada pela Comissão, que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, a fim de fornecer orientações aos Estados-Membros sobre a forma de responder aos efeitos sociais e laborais da transição.

2.15.

Para determinar se a transição é efetivamente justa será necessário aferir a eficiência na resolução dos problemas de adaptação das empresas, dos trabalhadores e dos cidadãos, incentivando, por exemplo, a reestruturação das atividades empresariais, a melhoria de competências e a requalificação dos trabalhadores e evitando a pobreza energética e de mobilidade, com vista a garantir que ninguém fica para trás; importa, em especial, aferir até que ponto as mulheres e os homens cujos postos de trabalho desaparecerão, serão desqualificados ou ficarão, de algum modo, ameaçados, são associados ao processo, têm a garantia de um futuro útil, satisfatório e seguro em postos de trabalho de qualidade e são apoiados no seu desenvolvimento de modo a poderem desempenhar essas funções.

2.16.

Não se pode subestimar a dimensão deste desafio. Será necessário definir objetivos económicos e sociais de médio e longo prazo, cuidadosamente delineados e integrados, a fim de assegurar a produtividade e a inclusão, tendo devidamente em conta as especificidades dos diferentes Estados-Membros e envolvendo os parceiros sociais a nível nacional, regional e local em todas as fases da elaboração de políticas, nomeadamente através do diálogo social e da negociação coletiva, se for caso disso. Esses objetivos implicam uma reorientação deliberada e consciente dos recursos a nível nacional e central para as zonas e as regiões afetadas. Além de se incentivarem novos investimentos através de subvenções, empréstimos e prestação de aconselhamento especializado e de se apoiar a atividade das micro, pequenas e médias empresas, pode-se ajudar as empresas em fase de arranque através de participações de capital e criar igualmente novas empresas públicas. A par da afetação de recursos públicos, será necessário otimizar a flexibilidade das regras em matéria de auxílios estatais, ou até suspendê-las, em determinadas circunstâncias.

2.17.

É essencial que esta reestruturação em grande escala, que passa pela transformação de dezenas de milhões de postos de trabalho na Europa, ocorra de forma equilibrada e seja bem gerida e orientada para o futuro. Para isso, é indispensável um diálogo social adequado. O Fundo para uma Transição Justa, destinado a apoiar os trabalhadores na transição para um novo emprego, deve dispor de mais recursos e alargar o seu âmbito de aplicação através de medidas orientadas para setores específicos.

2.18.

As três dimensões do desenvolvimento sustentável — económica, social e ambiental — estão estreitamente inter-relacionadas e devem ser abordadas no âmbito de um quadro estratégico abrangente e coerente. As orientações da OIT, de 2015, sobre uma transição justa disponibilizam um conjunto de ferramentas práticas para os governos e os parceiros sociais na gestão deste processo de transformação.

2.19.

Segundo as referidas orientações, é fundamental obter um consenso social forte sobre o objetivo da sustentabilidade e as vias para o atingir. O diálogo social tem de ser parte integrante do quadro institucional para a adoção e a execução de políticas em todos os níveis. Importa manter continuamente consultas adequadas e informadas com todas as partes interessadas pertinentes.

Diálogo social no âmbito da transição ecológica

2.20.

O diálogo social tem de ser mais do que uma formalidade e ser eficaz em todos os níveis — europeu, nacional, regional, setorial e do local de trabalho. Por conseguinte, é necessário que os parceiros sociais disponham de competências adequadas e de acesso a apoio especializado.

2.21.

O CESE reconhece que as instituições de diálogo social são muito desiguais nos vários países da UE, devido aos diversos modelos e tradições nacionais e de relações laborais existentes nos diferentes Estados-Membros.

2.22.

O CESE propõe um levantamento e acompanhamento sistemático do funcionamento do diálogo social nos Estados-Membros (5), sendo necessários mais estudos comparativos para examinar o papel do diálogo social nos planos nacionais em matéria de energia e clima, bem como nos planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR).

2.23.

O CESE considera que as iniciativas existentes para responder aos desafios sociais da transformação ecológica se mantiveram fragmentadas. O Mecanismo para uma Transição Justa é limitado e aborda apenas uma pequena parte do processo de transição. O Fundo Social para o Clima proposto terá um âmbito de aplicação e um objetivo limitados e procurará, acima de tudo, equilibrar os efeitos distributivos regressivos de um segundo sistema de comércio de licenças de emissão previsto para os transportes e os edifícios (ver, em especial, o Parecer do CESE — Fundo Social para o Clima (6)). O CESE acolhe favoravelmente a recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, mas assinala que esta recomendação não vinculativa não constitui a plataforma de políticas abrangente de que a UE necessita para responder aos impactos da transição nos trabalhadores, nas regiões e nas pessoas vulneráveis em causa.

2.24.

O CESE salienta que a UE precisa de criar um quadro sólido para estabelecer condições de concorrência equitativas para gerir a transição. Esse quadro robusto da UE para uma transição justa deverá, nomeadamente, antecipar e gerir as mudanças no contexto da transformação ecológica, mediante uma participação ativa dos trabalhadores, das empresas e dos cidadãos.

2.25.

O CESE destaca a importância de uma informação e consulta atempadas durante o processo de reestruturação. É importante evitar decisões sem consultas e tornar obrigatória a prestação antecipada de informações.

2.26.

O CESE apela para a promoção do diálogo social e da participação das partes interessadas em todos os níveis. Insta a que se assegure a qualidade dos novos empregos verdes, em conformidade com a Agenda do Trabalho Digno da OIT e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Em consonância com o espírito da recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática e tendo em conta o parecer do CESE sobre o Fundo Social para o Clima, esse fundo deve dar resposta a um conjunto mais alargado de efeitos distributivos das políticas climáticas, prevendo medidas específicas contra a pobreza energética e de mobilidade destinadas a apoiar e promover a acessibilidade das tecnologias hipocarbónicas, inclusive em termos de custos, para os agregados familiares com rendimentos mais baixos.

3.   Observações na especialidade

3.1.

O CESE considera essencial reconhecer a complementaridade entre as políticas climáticas, ambientais e sociais. A dimensão social deve ser parte integrante de um quadro de ação abrangente relativo ao clima, desde a sua conceção até à sua aplicação. Tal aplica-se a todo o Pacto Ecológico Europeu e a todas as políticas concretas de execução adotadas ao abrigo do pacote Objetivo 55.

3.2.

O CESE reconhece também que este processo de reestruturação terá impactos enormes no emprego, nas relações laborais e na distribuição dos rendimentos. Todos os níveis da sociedade e da economia serão afetados, desde o nível transnacional ao do local de trabalho. O diálogo social deve desempenhar um papel fulcral na gestão deste processo, de uma forma orientada para o futuro.

3.3.

O CESE congratula-se com o quadro de ação robusto e ambicioso relativo ao clima que a Comissão Europeia estabeleceu no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, apoiado pelas medidas legislativas conexas, mas destaca também que, apesar de todas as declarações positivas, a sua dimensão social continua pouco desenvolvida.

3.4.

A dimensão social do Pacto Ecológico Europeu continua a ser principalmente da responsabilidade dos Estados-Membros da UE e dos parceiros sociais nacionais, por serem eles os mais bem colocados para compreender a situação e propor medidas a nível local, regional e nacional. No entanto, os desafios sociais e laborais da transição ecológica abrangem várias dimensões, como a perda de postos de trabalho e as transições profissionais, a requalificação e a melhoria de competências da mão de obra, os efeitos distributivos das políticas de descarbonização e também a proteção dos direitos sociais e a participação dos cidadãos. Por conseguinte, impõe-se uma ação e medidas coordenadas ao nível da UE, a fim de acompanhar e apoiar as iniciativas nacionais. É provável que as medidas de atenuação das alterações climáticas aumentem e agravem as desigualdades sociais se não forem abordadas de forma correta no nível adequado.

Concretizar a transição justa — requisitos em matéria de governação e regulamentação para o reforço do diálogo social

3.5.

As transições no mercado de trabalho, os planos sociais e as vias para novos empregos sustentáveis e dignos, associados a um compromisso de longo prazo com o desenvolvimento regional e comunitário, são elementos essenciais de um roteiro para uma transição justa.

3.6.

Importa incentivar o estabelecimento de programas de formação adaptados às necessidades individuais e do mercado de trabalho e executados por centros de transição profissional criados especialmente para o efeito. Tal implica empenho num diálogo social proativo a nível das comunidades e das regiões, em cooperação com todas as partes interessadas. Os sindicatos e os empregadores devem agir em conjunto e apoiar os programas de transição laboral.

3.7.

Ao contrário das medidas ambientais do pacote Objetivo 55, que assentam em legislação vinculativa e são abrangentes e coordenadas, os elementos sociais do mesmo pacote são fragmentados e a recomendação do Conselho proposta não tem efeitos jurídicos vinculativos.

3.8.

É necessário reforçar estes aspetos e importa tornar o diálogo social um elemento obrigatório das principais políticas nacionais estabelecidas para alcançar os objetivos da política climática para 2050, incluindo os planos nacionais em matéria de energia e clima, os PRR e os planos de transição justa.

3.9.

Para que o diálogo social produza resultados, é importante que exista um sentimento mútuo de segurança e confiança e uma ambição comum de obter resultados benéficos para todas as partes envolvidas.

3.10.

Em alguns Estados-Membros da UE, este tipo de diálogo social já existe, mas noutros não. Neste segundo caso, há que encorajar ativamente o diálogo social, por exemplo tornando obrigatório o intercâmbio atempado de determinadas informações e propondo o diálogo social como forma de resolver várias questões administrativas e relacionadas com o direito do trabalho, simplificando o acesso a financiamento, facilitando decisões de planeamento e licenças de construção, etc. Para prevenir abusos, importa associar esses benefícios à obrigação de alcançar resultados.

3.11.

O CESE está ciente de que, em alguns Estados-Membros, tal acarretará uma mudança cultural, que poderá demorar algum tempo. No entanto, o CESE está convicto de que o tempo e esforço investidos valerão sobejamente a pena.

3.12.

É necessário articular a dimensão social do Pacto Ecológico Europeu com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e refleti-la no processo do Semestre Europeu.

3.13.

Em fevereiro de 2021, a Comissão publicou um relatório (7) sobre o reforço do diálogo social, que serviu de base à elaboração do Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, apresentado em março de 2021. O plano de ação inclui o compromisso da Comissão de apresentar em 2022 uma iniciativa de apoio ao diálogo social na UE e a nível nacional. O CESE está firmemente convicto de que estas recomendações futuras da Comissão darão um forte contributo para o cumprimento desse objetivo.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 101.

(2)  JO L 80 de 23.3.2002, p. 29.

(3)  Parecer do CESE — Transição industrial rumo a uma economia europeia verde e digital: exigências regulamentares e papel dos parceiros sociais e da sociedade civil (JO C 56 de 16.2.2021, p. 10). Parecer do CESE — Não haverá Pacto Ecológico sem um pacto social (JO C 341 de 24.8.2021, p. 23). Parecer do CESE — O diálogo social enquanto pilar importante da sustentabilidade económica e da resiliência das economias, tendo em conta a influência de um debate público animado nos Estados-Membros (JO C 10 de 11.1.2021, p. 14).

(4)  Resolução sobre as Propostas do CESE para a reconstrução e a recuperação na sequência da crise da COVID-19: «A UE deve orientar-se pelo princípio segundo o qual é considerada uma comunidade com um destino comum», com base no trabalho do Subcomité para a Recuperação e a Reconstrução pós-COVID-19 (JO C 311 de 18.9.2020, p. 1).

(5)  Resolução do CESE (JO C 155 de 30.4.2021, p. 1) e Parecer do CESE (JO C 220 de 9.6.2021, p. 38).

(6)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 158.

(7)  Relatório sobre o reforço do diálogo social na UE, elaborado por Andrea Nahles.


ANEXO

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 2.25

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

O CESE destaca a importância de uma informação e consulta atempadas durante o processo de reestruturação. É importante evitar decisões sem consultas e tornar obrigatória a prestação antecipada de informações.

O CESE destaca a importância de uma informação e consulta atempadas durante o processo de reestruturação. É importante evitar decisões sem consultas e tornar prática corrente a prestação antecipada de informações , em conformidade com a recomendação do Conselho anteriormente referida .

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

55/95/0


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/102


Parecer do Comité Económico e Social Europeu do Papel da energia nuclear na estabilidade dos preços da energia na UE

(parecer exploratório a pedido da presidência checa do Conselho da UE)

(2022/C 486/15)

Relatora:

Alena MASTANTUONO

Consulta

Presidência checa do Conselho da União Europeia, carta de 26.1.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Parecer exploratório

Decisão da Plenária

21.9.2022

Competência

Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

143/73/42 (votação nominal — ver anexo II)

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A estabilidade e a acessibilidade dos preços da energia são essenciais para preservar tanto o poder de compra das famílias como a competitividade e a resiliência do tecido industrial europeu. Após uma década de relativa estabilidade dos preços de importação de energia e um aumento anual relativamente baixo dos preços no produtor no mercado interno de energia, de 0,9 %, entre 2010 e 2019, a Europa tem vindo a testemunhar um aumento acentuado dos preços da energia desde o segundo semestre de 2021. A volatilidade dos preços da energia e a insegurança do aprovisionamento energético escalaram com a guerra na Ucrânia.

1.2.

O desafio que agora se apresenta à Europa é duplo: a necessidade de combater as alterações climáticas, por um lado, e de garantir o aprovisionamento energético a um preço acessível, por outro. Como afirma a Comissão no plano REPowerEU, o desafio consiste em reduzir rapidamente a nossa dependência dos combustíveis fósseis russos, reorientando rapidamente a transição para as energias limpas e unindo esforços a fim de alcançar um sistema energético mais resiliente e uma verdadeira União da Energia. A solução tem três dimensões temporais. Na perspetiva a curto prazo, pretende-se, essencialmente, resolver a situação do aprovisionamento energético, uma vez que uma eventual escassez poderá agravar o aumento dos preços. A situação do mercado está a ser influenciada por fatores atuais e previstos do lado da oferta. Por conseguinte, há que recorrer a todas as fontes de energia disponíveis na UE, tal como indicado no plano REPowerEU. Trata-se de um cenário de crise cujo objetivo principal é assegurar o aprovisionamento energético. A perspetiva a médio prazo permite um maior respeito pela sustentabilidade e pelo equilíbrio entre as fontes de energia, enquanto a perspetiva a longo prazo consistirá em colocar a tónica nos objetivos ecológicos, desde que se reduzam os riscos geopolíticos para a segurança.

1.3.

As despesas adicionais em segurança e proteção associadas à guerra ameaçam contribuir substancialmente para o aumento dos preços da energia. A curto prazo, sempre que tal seja tecnicamente viável, as centrais nucleares existentes nos Estados-Membros que optaram por incluir a energia nuclear na sua matriz energética contribuirão para a estabilidade do aprovisionamento de energia, que influencia em grande medida a estabilidade dos preços. Sem a capacidade nuclear existente, o choque no sistema energético causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia seria certamente maior.

1.4.

A energia nuclear, enquanto fonte de eletricidade hipocarbónica, pode ser utilizada em função das necessidades para complementar o papel-chave das energias renováveis, como a energia eólica e solar, na transição para sistemas de eletricidade com emissões líquidas nulas. O CESE salienta que, neste período, a energia nuclear, enquanto fonte de energia com uma carga de base estável, pode contribuir para a estabilidade do aprovisionamento de energia. Os custos marginais da energia nuclear são estáveis e muito inferiores aos das centrais a gás e carvão. As centrais nucleares não emitem uma quantidade significativa de CO2 durante o seu funcionamento, pelo que os seus custos marginais, à semelhança das energias renováveis, não incluem qualquer custo de CO2, além de não serem afetadas pela volatilidade dos preços do carbono, como se pôde verificar em 2021 quando o preço do carbono subiu mais de 200 %. A volatilidade do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia (CELE) afeta de forma significativa o preço do gás e do carvão no mercado da UE.

1.5.

Do ponto de vista regulamentar, os preços da eletricidade no mercado grossista da UE são determinados por ordem de mérito, segundo a qual o preço é fixado pela última central elétrica. Na maioria dos casos de comportamento normal de mercado, o preço num mercado à vista é determinado pelo gás ou pelo carvão. Tal significa que a energia nuclear não influencia os preços da energia no mercado à vista, exceto quando a matriz energética inclui uma percentagem elevada de fontes hipocarbónicas. No entanto, o mercado à vista constitui apenas uma parte das vendas do mercado. As empresas de energia vendem frequentemente fornecimentos físicos de eletricidade com base em contratos bilaterais. Neste caso, os diferentes modelos de financiamento e contratos bilaterais utilizados nos Estados-Membros da UE cuja matriz energética inclui a energia nuclear ajudam a estabilizar o preço da energia para o cliente.

1.6.

A crise energética atual afetou o funcionamento do mercado da eletricidade da UE ao distorcer as suas regras básicas devido ao número de intervenções destinadas a atenuar os preços elevados da energia ou a diminuir significativamente a procura. Esta situação mostra a correlação importante entre a diminuição da oferta e o aumento da procura, que faz subir os preços da energia. Com um aprovisionamento mais robusto a partir de fontes de energia estáveis e hipocarbónicas, os preços da energia serão menos voláteis e, graças à interligação dos mercados nacionais da energia, os benefícios poderão ser partilhados em toda a UE.

1.7.

O CESE considera que o prolongamento da vida útil das centrais nucleares existentes faz sentido nesta situação específica e contribuirá, ao mesmo tempo, para a transição para uma economia neutra em carbono. Tem potencial para satisfazer as expectativas atuais em matéria de aprovisionamento de energia e diminuir o consumo do gás no setor da eletricidade, reduzindo assim o risco de escassez de gás. Além disso, pode ajudar a aliviar a volatilidade inédita dos preços causada por fatores não económicos e a responder às expectativas atuais no que diz respeito ao aprovisionamento energético. O CESE recomenda que os Estados-Membros se empenhem no desenvolvimento de soluções, no domínio da capacidade de armazenamento, e reforcem as interligações de transporte da energia, de modo a responder eficazmente às interrupções no fornecimento de energias renováveis a longo prazo e de gás a curto prazo.

1.8.

O CESE propõe à presidência checa que debata, no Fórum Europeu da Energia Nuclear, a estabilidade dos preços no setor nuclear e o papel da energia nuclear na estabilização do aprovisionamento como um meio para reduzir a dependência da UE em relação ao gás russo. O CESE gostaria de participar de forma significativa neste debate.

1.9.

O CESE propõe um reforço da cooperação bilateral com os parceiros internacionais no setor nuclear, a fim de partilhar os resultados no domínio da inovação e os progressos das novas tecnologias. O CESE recomenda à presidência checa do Conselho da UE que organize uma conferência sobre pequenos reatores modulares, que poderá assumir a forma de um fórum de alto nível UE-EUA sobre pequenos reatores modulares, para explorar este domínio de investigação promissor.

2.   Contexto e notas explicativas

2.1.

O artigo 194.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) estabelece a base jurídica da política energética da UE. Outros artigos, como o artigo 122.o (segurança do aprovisionamento), os artigos 170.o a 172.o (redes de energia), o artigo 114.o (mercado interno da energia) e os artigos 216.o a 218.o do TFUE (política energética externa), estabelecem disposições específicas. O Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Tratado Euratom) serve de base jurídica para a maior parte das ações da UE no domínio da energia nuclear.

2.2.

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia também garante aos Estados-Membros o direito de determinarem as condições de exploração dos seus recursos energéticos, a sua escolha entre diferentes fontes energéticas e a estrutura geral do seu aprovisionamento energético (1).

2.3.

O plano da UE de ser o primeiro continente com impacto neutro no clima em 2050 requer uma transição energética para fontes de energia com emissões nulas e baixas. A percentagem de energias renováveis na matriz energética não pode ser aumentada sem que haja uma reserva constituída por fontes de energia estáveis atualmente disponíveis, nomeadamente energia fóssil e nuclear, sendo, ademais, necessário investir em centrais alimentadas a gás não fóssil para fazer face às flutuações nas energias renováveis. É também extremamente importante dispor de uma capacidade de armazenamento que permita evitar apagões e satisfazer o consumo de energia crescente decorrente da eletrificação. Entre as atuais fontes de energia estáveis, a energia nuclear é a única fonte hipocarbónica que pode reduzir a dependência do gás russo.

2.4.

A energia nuclear, graças aos seus 413 gigawatts (GW) de capacidade disponível em 32 países, contribui para a descarbonização e reduz a dependência de combustíveis fósseis importados, evitando 1,5 gigatoneladas (Gt) de emissões globais e 180 mil milhões de metros cúbicos de procura mundial de gás por ano (2). Enquanto fonte de eletricidade hipocarbónica, pode ser utilizada em função das necessidades para complementar o papel-chave das energias renováveis voláteis, como a energia eólica e solar, na transição para sistemas de eletricidade com emissões líquidas nulas. De acordo com a Agência Internacional de Energia, a capacidade de produção nuclear mundial deverá duplicar até 2050 e qualquer redução nesta vertente dificultaria e encareceria a consecução dos objetivos relativos às emissões líquidas nulas.

2.5.

O Regulamento Delegado (UE) 2022/1214 da Comissão (3) reconhece o potencial da energia nuclear para contribuir para a descarbonização da economia da União e considera que a energia nuclear é uma atividade hipocarbónica. Segundo o relatório final do Grupo Técnico de Peritos em Financiamento Sustentável, de março de 2020 (4), a energia nuclear gera emissões de gases com efeito de estufa quase nulas na sua fase de produção, existindo provas extensas e evidentes do potencial contributo substancial da energia nuclear para os objetivos de atenuação das alterações climáticas. A taxonomia prevê requisitos adicionais e mais rigorosos em matéria de eliminação de resíduos, financiamento e planos de desmantelamento das centrais.

2.6.

A estabilidade e a acessibilidade dos preços da energia são essenciais para preservar tanto o poder de compra das famílias como a competitividade e a resiliência do tecido industrial europeu. Após uma relativa estabilidade dos preços de importação de energia na última década (com exceção da queda de 31 % em 2020) e um aumento anual relativamente baixo dos preços no produtor no mercado interno de energia, de 0,9 %, entre 2010 e 2019 (em 2020, os preços no produtor de energia caíram quase 10 %), a Europa tem vindo a testemunhar um aumento acentuado dos preços da energia desde o outono de 2021 (5).

2.7.

Pela primeira vez na sua história, a União Europeia vê-se confrontada com vários riscos graves ligados ao aprovisionamento energético, à segurança energética e ao aumento vertiginoso dos preços da energia. Tal deve-se, entre outras causas, ao facto de alguns Estados-Membros, por imprudência ou incapacidade de resistir à pressão externa, terem reduzido todos os recursos em reserva com demasiada rapidez, embora seja certo que a ingerência estrangeira também desempenhou um papel a este respeito.

2.8.

A evolução frenética e volátil dos preços da energia já era evidente desde o outono de 2021, ou seja, antes da guerra, tendo sido provocada por várias perturbações nos fornecimentos, bem como pelo aumento global da procura de gás. Os preços anormalmente elevados da energia desde o outono passado explicam-se pelo forte aumento da procura de gás a nível mundial, devido a uma confluência de fatores, como a retoma económica, a contração do aprovisionamento da UE, a falta de investimento e as condições meteorológicas desfavoráveis que conduziram a uma diminuição da produção de energia a partir de fontes renováveis. Em alguns casos, a especulação conduziu ao esvaziamento das instalações de armazenamento de gás (6). A atual volatilidade dos preços da energia é determinada sobretudo pelas repercussões da agressão russa contra a Ucrânia, pela incerteza quanto a uma eventual escalada noutros países e pelos esforços para reduzir, o mais rapidamente possível, a dependência energética da UE em relação à Rússia.

2.9.

As despesas adicionais em segurança e proteção associadas à guerra ameaçam contribuir substancialmente para o aumento dos preços da energia. O próximo período de diversificação da entrada de energia da UE, associado a investimentos maciços em novas infraestruturas (por exemplo, terminais de GNL, gasodutos de hidrogénio) e aos realinhamentos da rede existente de entrega de energia, poderão ser acompanhados por um aumento adicional dos preços. A situação é também agravada por uma redução significativa da produção de energia nuclear, que deverá diminuir 12 % (mais de 100 TWh) em 2022. De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia sobre o mercado da eletricidade, de julho de 2022, essa redução deve-se à diminuição temporária da disponibilidade das centrais em França, à descontinuação de 4 GW de energia nuclear na Alemanha e ao impacto da invasão russa nas centrais nucleares ucranianas.

2.10.

Nas circunstâncias atuais, e pelo menos até que haja progressos na transição energética fundamental da UE, a principal prioridade é a utilização das fontes de energia existentes disponíveis em todo o território da UE e imediatamente utilizáveis sem impedimentos e no âmbito da infraestrutura já instalada. Ao mesmo tempo, os cortes no abastecimento de produtos energéticos provenientes da Rússia já se fazem sentir, acarretando o risco de limitar o fornecimento das barras de combustível para centrais nucleares, e garantir um aprovisionamento energético estável para todos os europeus está a tornar-se um desafio no que toca ao cumprimento das metas climáticas.

2.11.

A energia nuclear permite, em certa medida, adaptar a produção de eletricidade em função da quantidade de energia que é produzida a partir de fontes renováveis. As centrais nucleares são menos flexíveis do que as centrais a gás, mas introduzem um elemento de estabilidade no sistema ao darem um contributo significativo para a carga de base energética, e nalguns Estados-Membros, a regulamentação em vigor permite que as centrais nucleares funcionem de acordo com regimes flexíveis.

2.12.

As fontes nucleares já instaladas permitem satisfazer imediatamente a maior procura de eletricidade e são caracterizadas por custos operacionais baixos. É verdade que os custos normalizados totais de produção de energia no caso das fontes nucleares são bastante elevados, sobretudo devido aos elevados custos de investimento, que refletem fortes medidas de segurança. Contudo, no caso do gás, os custos normalizados de energia são ainda mais elevados (7). Ao mesmo tempo, perante a guerra na Ucrânia, não podemos ter a certeza de continuar a ser abastecidos com gás ou barras de combustível russos enquanto não forem encontradas formas alternativas de aprovisionamento.

2.13.

A energia nuclear é a tecnologia hipocarbónica despachável com os custos mais baixos previstos no horizonte de 2025. Apenas as grandes centrais hidroelétricas de albufeira oferecem um contributo semelhante a custos comparáveis, mas estas continuam a ser altamente dependentes das características naturais de cada país. Comparativamente com a produção de energia a partir de combustíveis fósseis, as centrais nucleares deverão ser mais económicas do que as centrais a carvão. Embora as turbinas a gás de ciclo combinado sejam competitivas nalgumas regiões, os seus custos normalizados totais de produção de energia dependem fortemente dos preços do gás natural e das emissões de carbono em cada região. A eletricidade produzida a partir da operação a longo prazo das centrais nucleares através do prolongamento da sua vida útil é altamente competitiva e continua a ser a opção de menores custos não só para a produção de eletricidade hipocarbónica — em comparação com a construção de novas centrais elétricas — mas também globalmente, para o conjunto da produção de energia elétrica (8).

2.14.

Tal como acontece no caso das fontes renováveis, os custos operacionais da energia nuclear são baixos. Os custos variáveis são praticamente independentes do mercado mundial dos bens energéticos. Por este motivo, as centrais nucleares negoceiam no mercado da eletricidade a um preço estável. O preço dos combustíveis e do carbono são geralmente os que têm o maior impacto nos custos da produção de eletricidade. Estes custos variáveis ou marginais variam amplamente de uma tecnologia para outra. O custo marginal das centrais nucleares depende do preço do combustível nuclear, que é muito mais baixo do que o do gás ou do carvão. Com uma produção nuclear substancial, o preço do combustível pode ser distribuído por um maior volume de produção, uma maior quantidade de MWh. Uma vez que as centrais nucleares não emitem CO2, os seus custos marginais não incluem quaisquer custos relacionados com os preços das licenças de emissão de CO2, à semelhança das energias renováveis.

2.15.

Do ponto de vista regulamentar, os preços da eletricidade no mercado grossista da UE são determinados por ordem de mérito, segundo a qual o preço é fixado pela última central elétrica. Na maioria dos casos do cenário de comportamento normal, o preço num mercado à vista é determinado pelo gás ou pelo carvão. Tal significa que a energia nuclear não influencia os preços da energia no mercado à vista, exceto quando a matriz energética inclui uma percentagem elevada de fontes hipocarbónicas, como se prevê para o futuro modelo europeu. Atualmente, o modelo de mercado normal foi destruído pelo choque do lado da oferta, especialmente no que diz respeito ao setor do gás. Para poder contribuir para o equilíbrio do mercado e para a estabilidade dos preços, o setor do gás tem de ser acompanhado de outras fontes disponíveis e ser objeto de intervenções regulamentares visando nomeadamente a redução da procura em toda a União (9).

2.16.

O mercado à vista constitui apenas uma parte das vendas do mercado. As empresas de energia vendem frequentemente fornecimentos físicos de eletricidade com base em contratos bilaterais. Neste caso, os diferentes modelos de financiamento e contratos bilaterais utilizados nos Estados-Membros cuja matriz energética inclui a energia nuclear ajudam a estabilizar o preço da energia cobrado ao cliente, mas não necessariamente a reduzi-lo. Importa também distinguir os diferentes níveis do mercado da eletricidade (grossista versus retalhista). Na UE, os mercados retalhistas dependem de inúmeros fatores, como o nível de concorrência, mas também de outros elementos que determinam o preço final. Os preços da eletricidade pagos pelos consumidores domésticos na UE incluem impostos e taxas. De acordo com os dados do Eurostat, a percentagem média de taxas e impostos sobre a eletricidade pagos pelos consumidores domésticos na UE é de 36 %.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE reconhece e respeita a gravidade da situação. Nas circunstâncias atuais, no âmbito da gestão da crise e da emergência, os fornecimentos fiáveis de energia a um preço aceitável são a via da sobrevivência. Por essa razão, qualquer fonte disponível que seja fiável deve ser utilizada, não só para responder à procura, mas também para contribuir para a estabilidade dos preços neste período de grande incerteza.

3.2.

O CESE apoia plenamente o Pacto Ecológico Europeu e a transição da economia europeia para a neutralidade climática até 2050. Ao mesmo tempo, a transição climática tem de acompanhar os cinco pilares da União da Energia, nomeadamente os pilares relativos à segurança do aprovisionamento energético e à acessibilidade dos preços da energia. As políticas futuras devem ter por objetivo diminuir a elevada dependência em relação às importações, conforme salientado pelo CESE em vários pareceres.

3.3.

À luz dos principais objetivos da Comunicação REPowerEU da Comissão Europeia, os esforços para se manter a estabilidade dos preços da energia na UE compreende duas fases: a primeira até que sejam dados os primeiros passos, com resultados visíveis, para a redução da dependência da UE em relação à Rússia, e a segunda quando esta dependência for eliminada. O CESE admite que, na primeira fase, em que a estabilidade e a segurança desempenharão um papel fundamental, a energia nuclear proveniente de fontes existentes na UE também terá um papel a desempenhar, como salientado no plano REPowerEU (10), não esquecendo que não será fácil preparar o sistema energético da UE para o próximo inverno (criar reservas suficientes de gás, iniciar a diversificação das entregas, utilizar mais hidrogénio e metano, realizar investimentos adicionais avultados em projetos de energias renováveis e de eficiência energética), como refere a Agência Internacional de Energia nas suas recomendações de março de 2022 (11). Na segunda fase, poder-se-á regressar aos objetivos originais do Pacto Ecológico Europeu logo que sejam eliminados todos os riscos associados à segurança do aprovisionamento.

3.4.

O CESE salienta que o fornecimento de barras de combustível às centrais nucleares com reatores VVER exploradas no território da UE (na Bulgária, República Checa, Hungria, Finlândia e Eslováquia) pode estar em risco devido à guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo, congratula-se com o facto de estarem disponíveis outras alternativas de fornecimento (12) e incentiva os Estados-Membros em causa a encontrarem fornecedores alternativos o mais rapidamente possível. As centrais nucleares não exigem uma grande capacidade de armazenamento, podendo armazenar facilmente combustível para três a cinco anos, pelo que é possível mudar de fornecedor ou comprar combustível a preços vantajosos.

3.5.

O CESE sublinha que a estabilidade do mercado energético da UE é uma prioridade absoluta para o presente, já que permite eliminar a volatilidade dos preços da energia. A energia nuclear, sendo uma fonte de energia com uma carga de base muito