ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 486

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

65.° ano
21 de dezembro de 2022


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

572.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 21.9.2022-22.9.2022

2022/C 486/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre PME, empresas da economia social, artesanato e profissões liberais/Pacote Objetivo 55 (parecer de iniciativa)

1

2022/C 486/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A transferência de empresas enquanto fator de promoção da recuperação e do crescimento sustentáveis no setor das PME (parecer de iniciativa)

9

2022/C 486/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Taxonomia social — Desafios e oportunidades (parecer de iniciativa)

15

2022/C 486/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Fundo de ajustamento às alterações climáticas financiado no âmbito da política de coesão e pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) (parecer de iniciativa)

23

2022/C 486/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Criptoativos — Desafios e oportunidades (parecer de iniciativa)

30

2022/C 486/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Estratégia para o Pessoal de Saúde e a Prestação de Cuidados para o futuro da Europa (parecer de iniciativa)

37

2022/C 486/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE (parecer de iniciativa)

46

2022/C 486/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel das tecnologias de remoção de carbono na descarbonização da indústria europeia (parecer de iniciativa)

53

2022/C 486/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A transição energética e digital nas zonas rurais (parecer de iniciativa)

59

2022/C 486/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Investimento público em infraestruturas energéticas como parte da solução para os desafios climático (parecer de iniciativa)

67

2022/C 486/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Cocriação de serviços de interesse geral como contributo para uma democracia mais participativa na UE (parecer de iniciativa)

76

2022/C 486/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Parcerias temáticas ao abrigo do Acordo de Liubliana (parecer exploratório)

83

2022/C 486/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Luta contra a pobreza energética e reforço da resiliência da UE: desafios numa perspetiva económica e social (parecer exploratório a pedido da presidência checa)

88

2022/C 486/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Diálogo social no âmbito da transição ecológica (parecer exploratório a pedido da presidência checa)

95

2022/C 486/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu do Papel da energia nuclear na estabilidade dos preços da energia na UE (parecer exploratório a pedido da presidência checa do Conselho da UE)

102


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

572.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 21.9.2022-22.9.2022

2022/C 486/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Um Espaço Europeu de Dados de Saúde: aproveitar o potencial dos dados de saúde em benefício das pessoas, dos doentes e da inovação [COM(2022) 196 final] e a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao Espaço Europeu de Dados de Saúde [COM(2022) 197 final — 2022/0140 (COD)]

123

2022/C 486/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção das indicações geográficas de produtos industriais e artesanais e que altera os Regulamentos (UE) 2017/1001 e (UE) 2019/1753 do Parlamento Europeu e do Conselho e a Decisão (UE) 2019/1754 do Conselho [COM(2022) 174 final — 2022/0115(COD)]

129

2022/C 486/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras para prevenir e combater o abuso sexual de crianças [COM(2022) 209 final — 2022/0155 (COD)] e a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma Década Digital para as crianças e os jovens: a nova Estratégia europeia para uma Internet melhor para as crianças (BIK+) [COM(2022) 212 final]

133

2022/C 486/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2011/83/UE no que respeita aos contratos de serviços financeiros celebrados à distância e que revoga a Diretiva 2002/65/CE [COM(2022) 204 final — 2022/0147 (COD)]

139

2022/C 486/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 1303/2013 e o Regulamento (UE) 2021/1060 no que respeita a uma maior flexibilidade para fazer face às consequências da agressão militar da Federação da Rússia FAST (assistência flexível aos territórios)-CARE [COM(2022) 325 final — 2022/0208 (COD)]

144

2022/C 486/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Trabalho digno em todo o mundo [COM(2022) 66 final]

149

2022/C 486/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Conselho relativa às orientações para as políticas de emprego dos Estados-Membros [COM(2022) 241 final]

161

2022/C 486/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao estabelecimento de um instrumento para reforçar a indústria europeia da defesa através da contratação pública colaborativa [COM(2022) 349 final]

168

2022/C 486/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o programa Conectividade Segura da União para o período 2023-2027 [COM(2022) 57 final — 2022/0039 (COD)] e sobre a Comunicação Conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho: Abordagem da UE em matéria de gestão do tráfego espacial — Contributo da UE para superar um desafio mundial [JOIN(2022) 4 final]

172

2022/C 486/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano REPowerEU [COM(2022) 230 final) e sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) 2021/241 no que diz respeito aos capítulos REPowerEU dos planos de recuperação e resiliência e que altera o Regulamento (UE) 2021/1060, o Regulamento (UE) 2021/2115, a Diretiva 2003/87/CE e a Decisão (UE) 2015/1814 [COM(2022) 231 final — 2022/0164(COD)]

185

2022/C 486/26

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Isenção temporária das regras de utilização das faixas horárias nos aeroportos devido à COVID-19 [COM(2022) 334 final]

194

2022/C 486/27

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Impacto geopolítico da transição energética [JOIN(2022) 23 final]

198


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

572.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 21.9.2022-22.9.2022

21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre PME, empresas da economia social, artesanato e profissões liberais/Pacote Objetivo 55

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/01)

Relatora:

Milena ANGELOVA

Correlator:

Rudolf KOLBE

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

27.6.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

143/1/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As micro, pequenas e médias empresas, sejam empresas tradicionais, empresas familiares, operadores de mercado, empresas da economia social, artesanato ou profissões liberais (a seguir designadas por «MPME»), são uma parte essencial da solução para uma economia da UE competitiva, com impacto neutro no clima, circular e inclusiva, desde que se criem e prevaleçam as condições ideais. As MPME geram impacto positivo ao melhorarem o seu próprio desempenho ambiental e ao fornecerem conhecimentos e soluções a outras empresas, aos cidadãos e ao setor público. Embora reconheça e destaque a diversidade e as diferentes necessidades das MPME, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) apela para que se conceda uma atenção específica às empresas mais pequenas e mais vulneráveis.

1.2.

Muitas MPME não estão a par dos requisitos legislativos em constante evolução, estabelecidos para alcançar a neutralidade climática, nem sabem qual a melhor forma de lhes dar resposta. Além disso, têm dificuldades em identificar potenciais benefícios e oportunidades de negócio proporcionados pela transição ecológica. Por conseguinte, o CESE destaca a urgência de apoiar as MPME na compreensão e gestão da transição ecológica da melhor maneira possível.

1.3.

O CESE apela à Comissão Europeia e aos Estados-Membros para que prestem informação abrangente e direcionada e realizem ações de sensibilização, de forma coordenada e complementar, em conjunto com organizações empresariais, associações setoriais, parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes.

1.4.

O CESE preconiza também um programa abrangente, destinado a apoiar as MPME para fazerem face a todos os desafios que enfrentam nas suas operações e atividades empresariais no âmbito da transição ecológica e do cumprimento da legislação. Uma vez que existem diferenças consideráveis entre as MPME, são necessárias soluções com elevado nível de especificidade, bem como políticas e medidas devidamente orientadas para os destinatários.

1.5.

É fundamental disponibilizar apoio a curto prazo às MPME, que seja imediato e direcionado, a fim de impulsionar a sua recuperação económica face à pandemia e ajudá-las a gerir as consequências da invasão russa da Ucrânia, nomeadamente os elevados preços da energia e os problemas de fornecimento de materiais e produtos. Devido às circunstâncias extraordinárias, o CESE considera que se deve conceder, a prazo, uma flexibilidade adequada na aplicação do calendário do Pacto Ecológico Europeu, até ao fim da crise, assegurando ao mesmo tempo que os objetivos não são abandonados por razão alguma.

1.6.

Com o intuito de melhorar a eficiência na utilização de recursos pelas MPME, o CESE propõe o estabelecimento de «centros de circularidade» em várias regiões. Esta iniciativa deverá reforçar a cooperação entre empresas de todos os setores e facilitar o desenvolvimento de novas práticas e processos, incluindo a demonstração de novas tecnologias. As organizações de MPME, as associações setoriais, as instituições académicas, os parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes devem ser parte integrante no processo.

1.7.

O CESE considera importante integrar os representantes das MPME na elaboração de roteiros setoriais para a ação climática a nível nacional, bem como na definição das vias de transição a nível da UE para diversos ecossistemas empresariais, aumentando assim também o conhecimento sobre a partilha das boas práticas, a afetação adequada de recursos e uma execução eficiente.

1.8.

O CESE exorta a UE e os Estados-Membros a acelerarem os investimentos ecológicos das MPME, assegurando um quadro regulamentar favorável, previsível e encorajador, que inclua procedimentos harmoniosos para a obtenção de autorizações e evite encargos administrativos onerosos, bem como facultando o acesso rápido, fácil, simples e rastreável a financiamento, adaptado às diferentes necessidades de todos os grupos diversos de MPME.

1.9.

O CESE apela para uma cooperação estreita entre os prestadores de serviços de educação e as MPME no sentido de criar formação que dê resposta às necessidades de competências e aptidões pertinentes para a transição ecológica, nomeadamente através de requalificação e melhoria das competências tanto dos trabalhadores como dos empresários. Além disso, solicita que se preste apoio às atividades de inovação das MPME, incentivando e facilitando a cooperação com outras empresas, as suas organizações, as suas associações, bem como as universidades e os organismos de investigação.

1.10.

O CESE apela para a promoção do comércio no âmbito das soluções ecológicas produzidas pelas MPME, incluindo no contexto dos contratos públicos, proporcionando às MPME condições equitativas de concorrência no mercado único e facilitando o seu acesso aos mercados estrangeiros de produtos, tecnologias e serviços ecológicos. Cabe assegurar um ambiente empresarial competitivo para as empresas da UE em relação aos países terceiros, empregando todos os meios de diplomacia, incluindo nos domínios do clima, dos recursos e da política comercial, e prestando atenção específica aos avanços da China e de outros mercados emergentes.

2.   A transição ecológica e as MPME

2.1.

As MPME contribuem para uma economia sustentável e geradora de emprego. Reforçam a coesão das sociedades, aliando, muitas vezes, funções económicas e funções sociais e consolidando, desta forma, as bases da democracia, da união e da capacidade de inclusão. São também fundamentais para a recuperação económica e social e para a prosperidade, pois estão enraizadas em cada canto da UE e, especialmente, nas zonas remotas e rurais, onde muitas vezes são o único fator gerador de atividade económica.

2.2.

As alterações climáticas impulsionam a transição energética sustentável, mas, acima de tudo, orientam toda a economia e a sociedade para a neutralidade climática, a circularidade e a sustentabilidade global. Provocam fenómenos climáticos extremos e catástrofes naturais, estando associadas a outros grandes desafios ambientais, como a perda de biodiversidade, a poluição ambiental e a degradação dos recursos naturais.

2.3.

O pacote Objetivo 55 centra-se especificamente na atenuação das alterações climáticas e inclui muitos textos legislativos que afetam as MPME de várias formas. Faz parte da execução do Pacto Ecológico Europeu, iniciativa emblemática da UE que aborda o crescimento sustentável tendo em vista as indústrias, o comércio, os serviços e a energia, os transportes, os edifícios e os sistemas alimentares. As MPME desempenham um papel essencial em todos estes setores.

2.4.

São uma parte essencial da solução na aplicação do Pacto Ecológico Europeu, desde que as condições certas sejam criadas e prevaleçam. Este impacto positivo é gerado, por um lado, pela melhoria no desempenho da grande variedade de MPME e, por outro lado, pelas ações dessas MPME, que fornecem conhecimentos e soluções a outras empresas, aos cidadãos e ao setor público.

2.5.

A transição ecológica está intimamente ligada à transformação digital, e as MPME têm de gerir ambas as componentes desta transição dupla, que constitui um duplo desafio muito exigente devido à necessidade considerável de recursos. A digitalização é uma ferramenta que torna as operações comerciais mais eficientes, contribuindo para a expansão em novos mercados e para a internacionalização, tendo um potencial considerável para diminuir as emissões, a produção de resíduos e a utilização de recursos naturais. No entanto, os serviços e equipamentos digitais também têm impactos ambientais, que devem ser geridos simultaneamente.

2.6.

Além dos esforços que envidam em prol das transições ecológica e digital, as MPME lutam pela recuperação económica pós-pandemia e debatem-se com as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia. Os elevados preços da energia e os problemas de fornecimento de materiais e produtos estão entre os desafios recentes com impactos significativos nas MPME e nos seus negócios. A sua competitividade, bem como a competitividade global da economia da UE, está ainda mais ameaçada pelos avanços da China e de outros mercados emergentes, que beneficiam, nomeadamente, do facto de evitarem a imposição de sanções à Rússia e de aplicarem requisitos climáticos e ambientais menos rigorosos.

2.7.

As questões relacionadas com o clima e o ambiente não dizem respeito apenas à sustentabilidade ambiental, mas são também, em grande medida, uma componente essencial da competitividade, da rendibilidade e do desempenho económico global das empresas. Além de seguirem os seus próprios valores e o seu sentido de dever geral, as MPME satisfazem os requisitos e expectativas climáticas e ambientais através de vários mecanismos:

Requisitos diretos decorrentes do quadro regulamentar para as MPME, por exemplo, sobre emissões, energia, materiais e produtos ou obrigações administrativas.

Efeitos indiretos de alguns requisitos, que influenciam a disponibilidade e os preços dos fatores de produção, como a energia e os materiais, ou associados a outros custos de gestão de uma empresa, nomeadamente a tributação.

Requisitos através das cadeias de valor, sob a forma de expectativas dos clientes, investidores e financiadores, como as relativas ao financiamento sustentável e à comunicação de informações, ou através das expectativas de outras partes interessadas.

2.8.

Muitas MPME não estão plenamente conscientes dos impactos das políticas e requisitos climáticos e ambientais específicos nas suas atividades e nas suas cadeias de abastecimento e de valor, nem sabem como adaptar ou converter produtos e serviços numa fase inicial a fim de evitar perdas posteriores ou mesmo a exclusão do mercado. Além disso, são confrontadas com recursos humanos e financeiros limitados para as operações diárias e para o desenvolvimento dos seus negócios, e existe o risco de que a sua dimensão limitada pressuponha ou exija demasiados conhecimentos especializados em múltiplos domínios. Uma percentagem considerável das empresas enfrenta dificuldades devido à complexidade dos textos legislativos em constante evolução, aos encargos administrativos, às regras financeiras e aos custos elevados, à falta de especialização e conhecimentos no domínio ambiental para escolher as ações certas (1), bem como dificuldades no acesso a novas cadeias de valor, financiamento, recursos humanos e novos modelos de negócio, entre outros.

2.9.

Embora a falta de conhecimentos relativamente aos requisitos e às formas de adaptação aos mesmos constitua um grande desafio, não são de somenos importância as dificuldades em identificar potenciais benefícios e oportunidades comerciais, como a redução dos custos com energia e materiais, melhor acesso ao financiamento, maior procura e novos mercados, e uma imagem melhorada junto das partes interessadas.

2.10.

As MPME que se propõem criar valor empresarial na economia circular e em domínios relacionados com o clima, a biodiversidade, a energia renovável e outros temas do Pacto Ecológico Europeu possuem um incentivo inerente para explorar, investir e desenvolver novas oportunidades de negócio nessas áreas. Dispõem de muitas oportunidades, por exemplo, na renovação de edifícios, no planeamento e construção de infraestruturas, na produção industrial e manutenção de equipamentos, na prestação de serviços jurídicos e contabilísticos, bem como no desenvolvimento de soluções digitais. O processo de transição está, em grande medida, dependente das suas soluções inteligentes, geradas pelos especialistas que empregam, o que sublinha a importância de uma educação adequada e de elevada qualidade, do ensino e formação profissionais e da permanente melhoria das competências.

2.11.

O grupo mais vulnerável de MPME, que também tem maiores necessidades de informação, é, por sua vez, constituído por empresas que consideram que o Pacto Ecológico Europeu não passa de mais um ato de legislação que aumenta os encargos administrativos acumulados, coloca os seus modelos de negócio atuais sob pressão e limita a rendibilidade num cenário de manutenção do statu quo. Esta realidade sublinha o facto de que todas as categorias de MPME, quer as mais vulneráveis e em situação de maior atraso, quer as seguidoras ou as líderes, necessitam de um apoio diferenciado e especificamente adequado às suas necessidades (2).

2.12.

Além disso, na perspetiva das capacidades e da preparação, há muitas diferenças entre as MPME quanto à natureza e à magnitude dos desafios climáticos e ambientais, aos requisitos e expectativas que se lhes aplicam e às oportunidades à sua disposição. As diferenças resultam de vários fatores: a intensidade de utilização dos recursos naturais nas suas atividades, a dimensão da empresa, a posição da empresa nas cadeias de abastecimento e nos ecossistemas empresariais, a localização da empresa, os tipos de clientes, as fontes de fatores de produção e os mercados geográficos da empresa.

2.13.

Essas diferenças requerem soluções com elevado grau de especificidade, bem como políticas e medidas devidamente direcionadas, que tenham em conta as diferenças entre, por exemplo, as médias empresas das indústrias transformadoras, as empresas que operam nos setores da hotelaria, restauração e retalho, as empresas familiares e tradicionais, as empresas inovadoras em fase de arranque, as empresas da economia social, o artesanato e as profissões liberais.

2.14.

Apesar das muitas diferenças entre as MPME, a gestão bem-sucedida da transição ecológica em cada empresa começa com a consciência e o conhecimento adequados das questões e tendências atuais, o que torna possível identificar os pontos fortes e fracos, bem como as oportunidades e os riscos para a empresa, e definir a forma como esta se quer posicionar na transição ecológica.

2.15.

Os esforços mais concretos no interior das empresas estão relacionados com o planeamento, a organização e a monitorização do negócio na sua globalidade, nomeadamente a produção e o comércio de bens e serviços, o transporte e a logística, bem como o aprovisionamento de energia, matérias-primas e outros fatores de produção. Os aspetos climáticos e ambientais são também parte integrante nas atividades de inovação, no desenvolvimento de competências e na participação de todo o pessoal, assim como na comunicação e cooperação com as partes interessadas.

3.   Políticas e medidas de apoio às MPME no âmbito do Objetivo 55

3.1.

Para que possam realizar os objetivos do pacote Objetivo 55 e efetuar com sucesso a transição ecológica, é indispensável facultar às MPME toda a informação e todo o apoio para compreenderem adequadamente as implicações das novas e complexas propostas legislativas (3). Tal requer uma informação abrangente e direcionada, assim como ações de sensibilização fornecidas de forma coordenada e complementar pela Comissão Europeia e pelos Estados-Membros, os quais têm aqui uma responsabilidade crucial. O papel das organizações empresariais e das associações setoriais é igualmente central na informação e no apoio aos seus membros, complementado pelos prestadores de serviços de educação e formação, pelos departamentos de desenvolvimento regional, pelas organizações de polos empresariais, pelos parceiros sociais e pelas organizações da sociedade civil competentes.

3.2.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, as políticas do Pacto Ecológico Europeu estão agora sob consulta aberta quanto à sua calendarização devido às novas circunstâncias extraordinárias e à dependência da UE em relação à energia e aos alimentos provenientes da Rússia e da Ucrânia. O CESE reconhece as circunstâncias e dependências extraordinárias e considera que os objetivos ecológicos não devem ser abandonados por razão alguma, embora seja pertinente conceder uma flexibilidade lógica a prazo, até ao fim da crise.

3.3.

Além da avaliação adequada do impacto de todas as iniciativas legislativas, o CESE apela à Comissão Europeia para que forneça orientações abrangentes, claras e inequívocas sobre todos os requisitos existentes e futuros relacionados com o clima e as suas consequências para as MPME, devendo abranger:

os requisitos ou restrições diretos para as MPME decorrentes dos vários atos legislativos, organizados por tipo e categoria de empresas (setor, dimensão, etc.),

os impactos indiretos nas MPME, passíveis de previsão por meio de mecanismos de mercado e que decorrem dos requisitos aplicáveis às grandes empresas.

3.4.

O CESE apela também para a elaboração de orientações correspondentes sobre a legislação relativa a outras questões ambientais importantes. De modo mais geral, este tipo de orientações deve tornar-se uma prática regular e acompanhar todas as iniciativas futuras no domínio do Pacto Ecológico Europeu. As MPME necessitam de um quadro legislativo estável que proporcione perspetivas claras e permita o planeamento dos seus investimentos. Por conseguinte, cabe evitar mudanças súbitas, como a recente alteração das metas para as energias renováveis e a eficiência energética, proposta no plano REPowerEU, uma vez que agravam o contexto já de si altamente complexo e incerto.

3.5.

Tendo em conta o vasto âmbito e a profundidade do Pacto Ecológico Europeu, prevê-se uma transformação industrial total. Seguindo o princípio «pensar primeiro em pequena escala», e a fim de evitar que as MPME «simplesmente desapareçam», é necessário um apoio amplo e abrangente e um programa de desenvolvimento. O objetivo seria apoiar as MPME em todas as dificuldades que enfrentem nas suas operações e atividades empresariais no âmbito da transição ecológica e do cumprimento da legislação.

3.6.

O CESE considera que existe um elevado grau de interesse, declarado pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu, em desenvolver as iniciativas já em vigor para promover a Estratégia para as PME e explorar outras possibilidades de executar a estratégia com êxito. O CESE apela para que este interesse seja efetivamente traduzido em políticas, em todos os domínios possíveis, e salienta o papel indispensável dos Estados-Membros, os quais devem atuar em cooperação com as organizações de MPME, as associações setoriais, os parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes.

3.7.

Os jovens empresários são o futuro da criação de novas MPME e de mais emprego. Assim, a atenção que prestam aos consumidores e a sua atratividade para os jovens trabalhadores, em combinação com a preocupação crescente quanto à transição ecológica, são questões que importa identificar mais especificamente e abordar, por exemplo, nos planos de recuperação. Além disso, para aproveitar plenamente o potencial de toda a sociedade e aumentar a diversidade nas empresas, cabe eliminar todos os obstáculos ao empreendedorismo das mulheres. Há que estimular e promover também o empreendedorismo de todos os grupos vulneráveis, como as pessoas com deficiência, os migrantes e as comunidades minoritárias.

3.8.

A fim de aumentar as sinergias da digitalização e da ecologização nas MPME, ambas as tendências devem ser consideradas simultaneamente na definição de políticas e medidas. Uma vez que nem a transição ecológica nem a transição digital são matérias meramente técnicas ou financeiras, importa abordar as grandes questões humanas e empresariais, de modo que a grande maioria das MPME embarque numa dupla transição a longo prazo e voltada para o futuro (4).

3.9.

O CESE insta também a Comissão Europeia e os Estados-Membros a acompanharem os efeitos da concretização das transições ecológica e digital nas cadeias de abastecimento e de valor, bem como as evoluções económicas e sociais regionais pertinentes, a fim de poderem contrariar os possíveis impactos negativos nas MPME e no emprego numa fase inicial.

3.10.

Com vista a apoiar o desenvolvimento das operações comerciais quotidianas das MPME, como a produção de bens e serviços, a produção e utilização de energia e a organização da logística, importa assegurar uma disponibilidade adequada de serviços de aconselhamento no terreno e de plataformas de cooperação.

3.11.

O CESE apela à UE e aos Estados-Membros para que melhorem e incentivem a criação de serviços de apoio tecnológico e de gestão para as MPME, utilizando todo o potencial dos diferentes instrumentos, especialmente no âmbito da execução dos planos nacionais de recuperação e resiliência e dos acordos de parceria, com o objetivo de ajudar as empresas a melhorar a eficiência energética e a eficiência na utilização dos materiais, bem como a diminuir a produção de emissões e resíduos, de modo a minimizar tanto os custos como os impactos ambientais. O CESE apela igualmente para a integração dos aspetos ambientais nos serviços de consultoria no domínio digital.

3.12.

Com o intuito de melhorar a eficiência na utilização de recursos pelas MPME, o CESE propõe o estabelecimento de «centros de circularidade» em várias regiões. Esta integração deverá reforçar a cooperação entre empresas de todos os setores e facilitar o desenvolvimento de novos processos de reciclagem e de reutilização de resíduos e subprodutos, incluindo a demonstração de novas tecnologias.

3.13.

O CESE preconiza a participação das MPME e dos seus representantes na elaboração de roteiros setoriais para a ação climática a nível nacional, bem como na definição das vias de transição a nível da UE para diversos ecossistemas empresariais, aumentando assim também os conhecimentos sobre a partilha das boas práticas, a atribuição adequada de recursos e uma execução eficiente.

3.14.

A fim de melhorar e apoiar o investimento na ecologização das MPME, da economia e da sociedade em geral, é necessário assegurar um ambiente de investimento favorável e condições para que as MPME possam usufruir de um acesso adequado a financiamento.

3.15.

O CESE apela à UE e aos Estados-Membros para que acelerem os investimentos das MPME através das seguintes medidas:

assegurando um quadro regulamentar favorável e encorajador, que inclua procedimentos curtos e simplificados para a obtenção de autorizações e evite encargos administrativos onerosos,

proporcionando um acesso rápido, fácil, simples e rastreável a financiamento, adaptado às diferentes necessidades das MPME em função do seu tipo, atividade, localização, setor, etc., incluindo através de instrumentos de subvenção específicos.

3.16.

O CESE solicita à Comissão Europeia que tenha devidamente em conta os impactos indiretos dos critérios de financiamento sustentável nas MPME. O mesmo se aplica aos requisitos de solvência dos bancos e a quaisquer outras medidas estratégicas nos domínios da política económica e fiscal que tenham um impacto indireto na capacidade de investimento e funcionamento das MPME, da qual depende a criação e retenção de emprego.

3.17.

O CESE apela para o cumprimento das regras de concorrência sã na atribuição de financiamento público para investimentos ecológicos. O CESE também salienta a necessidade de acompanhar os fluxos financeiros com indicadores adequados. É importante conceder às MPME um acesso equitativo aos contratos públicos e ao investimento público, por exemplo, em infraestruturas gerais, bem como incentivar o investimento na ecologização das próprias MPME, nomeadamente recorrendo ao financiamento público enquanto alavanca para o investimento privado.

3.18.

Na sequência das recentes alterações nos mercados de energia, a Comissão Europeia reconheceu a vulnerabilidade das MPME causada pelo risco crescente de pobreza energética (5). O CESE congratula-se com a definição de «microempresas vulneráveis» e preconiza um esforço adicional para lhes proporcionar o apoio necessário para enfrentar esses encargos.

3.19.

O CESE apela à UE e aos Estados-Membros para que reforcem o comércio de soluções ecológicas por parte das MPME, desenvolvendo e assegurando condições de mercado adequadas com vista ao seguinte:

Proporcionar às MPME condições de concorrência equitativas no mercado único, em matéria de comércio de produtos, tecnologias e serviços que contribuem para a transição ecológica.

Assegurar que as MPME dispõem do acesso adequado para fornecer soluções ecológicas ao setor público no contexto de concursos que digam respeito, por exemplo, à construção, às tecnologias e aos serviços. É necessário tornar obrigatórios os procedimentos de qualidade para esses serviços e reduzir os requisitos de capacidade que dificultam a participação das MPME nos procedimentos concursais.

Facilitar a igualdade de acesso das MPME aos mercados estrangeiros de produtos, tecnologias e serviços ecológicos, por meio de acordos comerciais multilaterais e bilaterais. O CESE também incentiva os Estados-Membros a terem devidamente em conta as necessidades das MPME nas suas atividades de promoção das exportações.

Assegurar um ambiente empresarial competitivo para as empresas da UE em relação a países terceiros, empregando todos os meios da diplomacia, incluindo nos domínios do clima, dos recursos e da política comercial. Deve conferir-se uma atenção específica à China e a outros mercados emergentes, através de respostas ágeis e coordenadas às suas ações súbitas.

Assegurar que as normas que promovem a transição ecológica são elaboradas tendo devidamente em conta as MPME, e permitir a inovação através da aplicação de soluções alternativas equivalentes.

3.20.

A fim de reforçar o papel das MPME no desenvolvimento de novas soluções ecológicas para as empresas, os consumidores e a sociedade em geral, o CESE apela para que sejam adotadas as seguintes medidas:

Os vários programas e iniciativas no domínio da inovação devem ser mais facilmente compreensíveis e acessíveis para as MPME e importa fornecer orientações sobre os diversos instrumentos de financiamento disponíveis no domínio da inovação verde, incluindo os instrumentos do Fundo Europeu de Investimento.

O financiamento deve promover o acesso das MPME a ecossistemas de inovação e parcerias com empresas líderes de grande dimensão. Além disso, os Estados-Membros devem facilitar a cooperação entre as MPME e as universidades e organismos de investigação no desenvolvimento de novos produtos, tecnologias e soluções.

Importa acelerar o desenvolvimento de espaços de dados comuns e o acesso fácil das MPME aos mesmos, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de novas soluções ecológicas e digitais, incluindo as baseadas na inteligência artificial.

3.21.

A fim de assegurar as competências adequadas necessárias para desenvolver e gerir negócios em conformidade com a transição ecológica (6), o CESE solicita que sejam adotadas as seguintes medidas:

Assegurar que os programas de estudos do ensino profissional e superior e as abordagens de desenvolvimento profissional contínuo tenham plenamente em conta as competências e aptidões necessárias para a transição ecológica, centrando-se no processo mais amplo de ecologização do emprego e na interdependência entre os setores.

Incentivar a cooperação estreita entre os prestadores de serviços de educação e as MPME no âmbito da formação, incluindo módulos e microcursos destinados à melhoria de competências, a fim de satisfazer as necessidades das empresas.

Fazer uso do diálogo social para identificar necessidades e desenvolver competências nos locais de trabalho. Dada a dimensão e a diversidade das MPME e as especificidades dos diversos sistemas nacionais, o diálogo social e a colaboração entre empregadores e trabalhadores nas MPME assumem diferentes formas.

3.22.

O CESE solicita a criação de indicadores e instrumentos práticos adequados que contribuam para o acompanhamento sistemático das operações e dos impactos das empresas em relação à transição ecológica. Esta vantagem também deve servir para comunicar com o vasto leque de partes interessadas. Entretanto, o CESE apela aos decisores políticos da UE para que se abstenham de estabelecer obrigações de informação onerosas para as MPME e avaliem também as consequências indiretas que os requisitos de informação aplicáveis às grandes empresas podem ter para as MPME.

4.   Observações na especialidade sobre profissões liberais, artesanato e empresas da economia social

4.1.

A fim de assegurar uma transição ecológica justa, em que ninguém fique para trás, é crucial que as políticas da UE sejam formuladas tendo em conta o seu potencial impacto no comércio e no artesanato. Estes intervenientes económicos revestem-se, de facto, de grande importância para as economias locais, fornecendo bens e serviços indispensáveis e adaptados às necessidades dos consumidores, mesmo em áreas geográficas com menor ligação aos centros urbanos. O diálogo com os seus representantes, nomeadamente organizações empresariais e associações setoriais, permite a tomada de decisões políticas bem fundamentadas que têm em conta o impacto potencial no terreno.

4.2.

São necessários conhecimentos especializados independentes para desenvolver soluções inovadoras otimizadas para as alterações climáticas e outros desafios ambientais. As profissões liberais respondem a esta necessidade em vários domínios da economia e da sociedade, fornecendo conhecimentos e aconselhamento técnicos, jurídicos, financeiros e não financeiros. O CESE apela para a adoção, a nível da UE, de medidas que incentivem os Estados-Membros a promover uma regulamentação profissional que assegure a adequação das transições ecológica e digital no terreno, por exemplo, no âmbito de abordagens técnicas complexas, de modo a promover as soluções mais inovadoras e orientadas para o mercado.

4.3.

É possível assegurar o aumento da sustentabilidade no ordenamento do território a nível local e regional melhorando os serviços de consultoria para os municípios. É também importante desenvolver ainda mais o conceito de avaliação ambiental estratégica no sentido da avaliação da sustentabilidade (ecológica, económica e social). Os procedimentos de contratação pública em toda a UE devem aplicar critérios climáticos e outros critérios orientados para a qualidade, e, dessa forma, promover a inovação nas MPME e facilitar o seu acesso a projetos, especialmente na área dos serviços de planeamento.

4.4.

São necessárias novas técnicas, produtos e processos na transição para a economia circular. Por exemplo, no setor da construção, tal requer a reciclagem de resíduos de obras de renovação e construção, a reutilização de elementos e a introdução de novos materiais de construção, incluindo o reconhecimento de materiais de construção secundários de qualidade garantida e uma estreita cooperação entre os produtores, o setor do artesanato, os profissionais liberais e a indústria da reciclagem. Importa reforçar igualmente as cadeias de valor regionais e os polos de construção através do envolvimento do artesanato.

4.5.

As empresas da economia social enfrentam essencialmente os mesmos desafios ambientais que as demais empresas. Contudo, as condições específicas destas empresas têm de ser devidamente consideradas, tal como assinalado em numerosos pareceres do CESE, através de medidas específicas baseadas no recente Plano de Ação para a Economia Social da UE.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Dados do Eurobarómetro Flash 498. Relatório intitulado «SMEs, green markets and resource efficiency» [PME, mercados ecológicos e eficiência na utilização dos recursos], p. 46, março de 2022.

(2)  Smit, S.J., «SME focus — Long-term strategy for the European industrial future» [Atenção nas PME — Estratégia de longo prazo para o futuro industrial da Europa], Departamento Temático das Políticas Económicas e Científicas e da Qualidade de Vida, do Parlamento Europeu, PE 648.776 — abril de 2020.

(3)  O pacote Objetivo 55 compreende uma vasta gama de iniciativas legislativas sobre as quais a decisão final está sujeita a negociações entre as instituições. Até este processo estar concluído, as MPME só têm acesso a uma parte da informação e enfrentam um futuro incerto.

(4)  SME focus [Atenção nas PME], Departamento Temático do Parlamento Europeu, abril de 2020.

(5)  COM(2021) 568 final de 14 de julho de 2021, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52021PC0568

(6)  Igualmente em conformidade com o JO C 56 de 16.02.2021, p. 1.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/9


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A transferência de empresas enquanto fator de promoção da recuperação e do crescimento sustentáveis no setor das PME

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/02)

Relatora:

Mira-Maria KONTKANEN

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

8.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

143/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A transferência de empresas constitui um processo estratégico importante que assegura a continuidade das empresas e protege o emprego. Por conseguinte, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) propõe que as políticas da União Europeia (UE) e dos Estados-Membros em matéria de recuperação e crescimento atribuam um papel importante à promoção da transferência de empresas.

1.2.

As transferências de empresas protegem o tecido social das zonas rurais onde as micro, pequenas e médias empresas (MPME) têm uma presença forte. O desenvolvimento de ecossistemas e serviços de apoio propícios à transferência de empresas é essencial para preservar os meios de subsistência e as economias das zonas rurais e monoindustriais. O CESE considera que cabe reconhecer melhor este aspeto na aplicação da visão a longo prazo para as zonas rurais da UE e no Plano de Ação para as Zonas Rurais.

1.3.

As transferências bem-sucedidas de empresas protegem postos de trabalho existentes e criam novos empregos, além de abrirem novas perspetivas para os trabalhadores no que diz respeito à continuidade no emprego e ao desenvolvimento profissional. O CESE incentiva os Estados-Membros a partilharem boas práticas relativas à promoção da transferência de uma empresa para os trabalhadores, por exemplo sob a forma de uma cooperativa (1) ou de outros tipos de empresa da economia social detida pelos trabalhadores.

1.4.

Quanto mais cedo os empresários se preparam para a transferência, maior é a probabilidade de esta ser bem-sucedida. Os Estados-Membros devem intensificar as atividades de sensibilização para as transferências de empresas e capacitar as empresas e outras organizações de apoio, a fim de promover e apoiar as transferências de MPME. O CESE insta também os Estados-Membros a criarem e reforçarem os mecanismos de alerta precoce (2) para as MPME, a fim de reforçar a resiliência, a viabilidade e, em última análise, a transferibilidade das empresas.

1.5.

É importante promover ativamente junto dos potenciais novos empresários que a aquisição de uma empresa existente é uma oportunidade tão atrativa como a criação de uma empresa. A educação para o empreendedorismo no ensino secundário e superior deve englobar informações especializadas sobre a aquisição e a sucessão de empresas. Por conseguinte, o CESE solicita a criação de incentivos à transferência de pequenas empresas para jovens empresários, que podem incluir a sensibilização, serviços de aconselhamento, mentoria e acesso a financiamento. Além disso, poderia reforçar-se a compreensão do diálogo social pelos jovens empresários, a fim de assegurar transferências bem-sucedidas de empresas, em benefício de todas as partes interessadas. De igual modo, importa prever mais incentivos às transferências de empresas para empresárias, com vista a aumentar o número de mulheres nesta posição, atualmente demasiado baixo.

1.6.

O financiamento continua a ser um obstáculo ao êxito das transferências de empresas, que requerem na sua maioria financiamento externo. O CESE incentiva fortemente cada Estado-Membro a assegurar que existem instituições financeiras disponíveis para apoiar as transferências de MPME, por exemplo disponibilizando-lhes garantias sobre empréstimos bancários.

1.7.

O CESE recomenda que os Estados-Membros criem fóruns nacionais de partes interessadas na transferência de empresas que representem intervenientes públicos e privados. Esses fóruns proporcionam uma abordagem sistemática e de longo prazo para a promoção da transferência de empresas. Além disso, criam um espaço para o diálogo permanente entre os peritos nacionais e representam uma utilização mais eficiente dos recursos.

1.8.

O CESE considera importante criar plataformas de transferência de empresas em linha em todos os Estados-Membros da UE, acessíveis também a micro e pequenas empresas. Importa reforçar as interligações e as sinergias entre as diferentes plataformas em linha nos Estados-Membros. A Comissão poderia facilitar a interligação entre os vários mercados em linha na UE.

1.9.

Os dados relativos às transferências de empresas são frequentemente fragmentados, insuficientes, desatualizados e impossíveis de comparar entre os Estados-Membros da UE. Por conseguinte, o CESE recomenda que a Comissão e os Estados-Membros continuem a melhorar a base de dados sobre as transferências de empresas.

1.10.

Importa realizar uma análise regular da situação das transferências de empresas na Europa, por exemplo sob a forma de um barómetro à escala da UE, que também contribuiria para a elaboração de políticas assentes em dados concretos. A Assembleia das PME da UE, que se reúne anualmente, deve servir de fórum regular para o debate e intercâmbio de experiências sobre as transferências de MPME. Por último, importa ponderar diferentes iniciativas de sensibilização, nomeadamente a criação de uma semana nacional e/ou europeia dedicada à transferência de empresas.

2.   Introdução

2.1.

O aumento do número de transferências bem-sucedidas de empresas produziria benefícios imediatos no emprego, na continuidade das atividades e no conjunto da economia europeia. Conforme defendido nas propostas da Conferência sobre o Futuro da Europa (3), as transferências de empresas contribuem para sociedades mais resilientes e coesas.

2.2.

As transferências de empresas constituem um elemento cada vez mais significativo e natural do desenvolvimento estratégico, da renovação e do crescimento das MPME. Num contexto de envelhecimento da população europeia e de aumento do número de empresários que tencionam reformar-se, as transferências bem-sucedidas de empresas são cada vez mais importantes para a economia das MPME europeias.

2.3.

Anualmente, cerca de 450 mil empresas, representando dois milhões de trabalhadores, são objeto de transferência na Europa. Estima-se que, todos os anos, a transferência de cerca de 150 mil empresas possa não ser bem-sucedida, colocando em risco cerca de 600 mil postos de trabalho. As empresas de menor dimensão são as mais vulneráveis a transferências goradas (4).

2.4.

As transferências de empresas constituem por vezes um processo complexo devido a dificuldades financeiras, administrativas, regulamentares, de gestão ou de mercado, como a correspondência entre vendedores e adquirentes. Simultaneamente, a maioria das transferências de empresas tem lugar em microempresas com recursos limitados. Muitas vezes, a transferência é mais difícil para as pequenas empresas em que o proprietário desempenha um papel preponderante (5).

2.5.

É essencial dispor de um ecossistema eficiente de transferência de empresas para que estas se realizem com êxito, o que contribui para mercados dinâmicos nesse domínio. Os ecossistemas de transferência de empresas englobam várias partes interessadas públicas e privadas: adquirentes, vendedores, antecessores, sucessores, assessores empresariais, como intermediários empresariais, contabilistas, advogados e consultores, mediadores, instituições financeiras, organizações de apoio às empresas, decisores políticos e académicos. As atividades de sensibilização, que visam uma melhor preparação para as transferências de empresas, são uma parte importante do ecossistema. O panorama das transferências de empresas ainda varia consideravelmente entre os Estados-Membros e entre as regiões num mesmo Estado-Membro, deixando margem para a aprendizagem mútua e a melhoria dos ecossistemas de transferência de empresas em toda a Europa. Contudo, a responsabilidade última pela transferência cabe sempre ao empresário.

2.6.

Uma transferência de propriedade bem-sucedida pode tornar uma empresa mais resiliente, inovadora e competitiva. Quando os novos proprietários das empresas adotam modelos de negócio mais ecológicos e digitais, as transferências de empresas também contribuem para a transição ecológica e digital do setor das MPME.

2.7.

A pandemia de COVID-19 também evidenciou a necessidade de reforçar a resiliência das empresas europeias e assegurar um melhor planeamento da preparação. Uma transferência bem-sucedida implica que a empresa e o respetivo modelo de negócios sejam sólidos e resilientes a choques externos. A solidez e a resiliência financeiras aumentam as possibilidades de êxito da transferência.

3.   Enquadramento

3.1.

As transferências de empresas fazem parte da política da UE em matéria de empreendedorismo desde o início da década de 1990. Em 1994, a Comissão Europeia elaborou uma recomendação (6) destinada a melhorar o enquadramento das transferências de empresas nos Estados-Membros. A referida recomendação propôs uma série de medidas aos Estados-Membros para melhorar a situação das empresas que se preparam para uma transferência, incluindo atividades de sensibilização e reforço da preparação, a melhoria do enquadramento financeiro para as transferências de empresas, a abertura de vias legais para a reestruturação, a criação de meios legais para garantir a continuidade das sociedades em caso de falecimento de um dos sócios ou do proprietário, a garantia de que a tributação da sucessão ou da doação não obsta às transferências e a facilitação das transferências de empresas para terceiros através de regras fiscais adequadas.

3.2.

Entretanto, a Comissão Europeia reviu a recomendação em 2006 e publicou a Comunicação — Realizar o programa comunitário de Lisboa em prol do crescimento e do emprego — Transmissão de empresas — Continuidade pela renovação (7). O texto revisto salientou que ainda eram necessários esforços suplementares para aplicar a recomendação de 1994. Além de instar à aplicação da recomendação de 1994, a comunicação de 2006 formulou recomendações adicionais com vista à promoção da transferência de empresas, como o reforço da tónica política nas transferências de empresas, a prestação de apoio especializado e mentoria, a organização de mercados transparentes para as transferências e a implantação de infraestruturas de apoio nacionais, regionais e locais para incentivar as transferências.

3.3.

Em 2013, a Comissão Europeia avaliou a evolução das recomendações de 2006, tendo concluído, de um modo geral, que não tinham sido realizados progressos suficientes na execução das medidas para melhorar o quadro das transferências de empresas desde a comunicação de 2006. As lacunas enumeradas na avaliação diziam respeito a domínios como os regimes fiscais para terceiros ou trabalhadores, a prestação de apoio específico e o lançamento de iniciativas de financiamento. A avaliação assinalou também que as políticas a nível da UE ou dos Estados-Membros não dedicavam atenção suficiente às transferências de empresas, ao contrário do que acontecia com as empresas em fase de arranque.

3.4.

Em 2020, a Comissão Europeia publicou a Estratégia da UE para as PME (8), na qual reiterou o seu empenho em continuar a facilitar as transferências de empresas e apoiar os esforços dos Estados-Membros no sentido de criar um ambiente empresarial favorável às transferências. Recentemente, a Comissão centrou-se na melhoria da base factual subjacente às transferências de empresas, publicando um relatório em 2021 (9). O sítio Web da Comissão (10) contém as ações da Comissão Europeia e as boas práticas financiadas pela UE.

3.5.

O CESE também reconheceu a importância das transferências de MPME e solicita que se adotem rapidamente medidas destinadas a facilitar e racionalizar esse processo a custos razoáveis (11). No seu parecer sobre a Estratégia da UE para as PME, o CESE solicita também que se dedique especial atenção às transferências transnacionais de MPME, abordando os custos elevados associados a estas operações e as diferenças significativas entre as regulamentações nacionais (12). O parecer de seguimento do CESE sobre a Estratégia da UE para as PME (13) ilustra o potencial das transferências bem-sucedidas de empresas para tornar as empresas mais digitais e sustentáveis, em consonância com os objetivos da dupla transição da UE.

4.   Observações gerais

4.1.

As transferências de empresas são um tema cada vez mais importante para as MPME, devido à demografia europeia e ao envelhecimento dos empresários. Aproximadamente 90 % dessas transferências ocorrem em microempresas (14).

4.2.

O aumento do número de transferências bem-sucedidas de empresas produz benefícios imediatos na economia europeia. Em comparação com as empresas criadas de novo, as empresas transferidas com êxito apresentam melhores resultados em termos de longevidade, volume de negócios, lucros, capacidade de inovação e emprego (15). Segundo a Comissão Europeia, as empresas existentes conservam, em média, cinco postos de trabalho enquanto uma empresa criada de novo gera, em média, apenas dois (16). Por conseguinte, a promoção da transferência de empresas é o melhor incentivo ao crescimento empresarial.

4.3.

As transferências de empresas salvaguardam o tecido social das zonas rurais com uma forte presença de MPME. Estima-se que, pelo menos, um terço das MPME europeias estejam situadas em zonas rurais. Essas empresas asseguram a coesão económica e social dos territórios em questão, através dos serviços que prestam aos cidadãos, aos consumidores e às atividades económicas locais, bem como através do emprego que proporcionam (17). As transferências de empresas ajudam a evitar a perda de saber-fazer artesanal local. Muitas vezes, os setores locais do artesanato e da venda a retalho contribuem de forma positiva para diversificar as opções dos consumidores, oferecendo uma alternativa às cadeias de retalho uniformes. Para os consumidores, uma transferência bem-sucedida significa a manutenção e, frequentemente, a melhoria dos serviços e produtos. O desenvolvimento de ecossistemas e serviços de apoio propícios à transferência de empresas é essencial para preservar os meios de subsistência e as economias das zonas rurais e monoindustriais, sendo particularmente importante para o setor agrícola e da transformação de alimentos. As transferências bem-sucedidas também contribuem para acelerar a dupla transição nas zonas rurais através da transformação iniciada com a transferência de propriedade. O CESE considera que o desenvolvimento de ecossistemas e serviços de apoio para a transferência de empresas deve fazer parte da aplicação da visão a longo prazo para as zonas rurais da UE e do Plano de Ação para as Zonas Rurais.

4.4.

A promoção da transferência de empresas também é benéfica para os trabalhadores, uma vez que protege os postos de trabalho e assegura a continuidade das atividades. Nas MPME, em particular, os trabalhadores constituem o ativo mais valioso transferido para o novo proprietário. Por conseguinte, é importante assegurar o bem-estar dos trabalhadores quando das transferências de empresas. Muitas vezes, os novos proprietários abordam a transferência com entusiasmo, determinados a desenvolver e expandir a empresa. Tal implica também melhores perspetivas de futuro para os trabalhadores no que diz respeito à continuidade no emprego e ao desenvolvimento profissional. O CESE incentiva os Estados-Membros a partilharem boas práticas relativas às transferências que permitem aos trabalhadores continuar a trabalhar e a exercer as atividades assumindo eles próprios a propriedade da empresa, por exemplo sob a forma de uma cooperativa ou de outros tipos de empresa da economia social detida pelos trabalhadores (18) que se mostraram resistentes a situações de crise. Além disso, a promoção do diálogo social e a disponibilização antecipada de informações facilita a aquisição de empresas pelos trabalhadores. Este apelo está em consonância com o Parecer INT/925 (19), no qual o CESE destaca as aquisições pelos trabalhadores como uma boa prática para o relançamento das empresas em crise e para a transmissão das PME cujos proprietários não têm herdeiros.

4.5.

As políticas de recuperação e crescimento da UE e dos Estados-Membros devem atribuir um papel importante à promoção da transferência de empresas. O CESE apoia os esforços estratégicos de longa data envidados pela Comissão, bem como por organizações de promoção da transferência de empresas, como a Transeo (20), no sentido de criar um ambiente mais favorável às transferências na Europa. No entanto, ainda há margem para melhorias. O nível de atenção consagrado a este tema, a atual eficácia global do ecossistema de transferência de empresas e a dimensão das medidas de promoção da transferência de empresas variam significativamente entre os Estados-Membros. Em virtude da rápida evolução do ambiente empresarial, os empresários têm de aproveitar as oportunidades de crescimento quer internas, quer através de aquisições. Importa ponderar todos os tipos de transmissão do direito de propriedade, nomeadamente sucessões familiares, aquisições por entidades exteriores ou pelos próprios quadros, aquisições estratégicas e aquisições pelos trabalhadores.

4.6.

O êxito da transição da Europa para a economia digital e ecológica requer que se tenham em conta as MPME. As transferências de empresas são uma forma natural de tornar o modelo de negócios das MPME mais ecológico e mais digital, apoiando a sua transição nesses domínios. Uma transferência de propriedade bem-sucedida pode tornar uma empresa mais resiliente, inovadora e competitiva. Além disso, do ponto de vista dos recursos, a aquisição de uma empresa existente, com os seus ativos produtivos, é frequentemente mais ecológica do que a criação de empresas novas.

4.7.

Especialmente nos casos em que a empresa é transferida de um empresário mais velho para outro mais novo, é provável que o jovem empresário esteja mais capacitado para integrar novas tecnologias, novos métodos de produção e modelos de negócio sustentáveis na empresa adquirida. Por conseguinte, o CESE solicita o reforço dos incentivos à transferência de MPME para os jovens empresários, como a sensibilização, os serviços de aconselhamento, a mentoria e o acesso a financiamento. Além disso, poderia reforçar-se a compreensão do diálogo social pelos jovens empresários, por exemplo, prevendo módulos dedicados ao diálogo social nas ações de formação de empreendedorismo. É importante promover ativamente junto dos potenciais novos empresários que o início da atividade empresarial através da aquisição de uma empresa existente é uma oportunidade tão atrativa como a criação de uma empresa. De igual modo, importa prever mais incentivos às transferências de empresas para empresárias, com vista a aumentar o número de mulheres nesta posição, atualmente demasiado baixo.

4.8.

Na grande maioria das transferências de empresas, é necessário financiamento externo. Devido ao aumento dos requisitos regulamentares no setor financeiro, há dois instrumentos financeiros que cumpre destacar para promover as transferências de empresas. Em primeiro lugar, é evidente a necessidade de garantias para financiar as transferências de empresas. Contudo, existe uma percentagem crescente de ativos empresariais imateriais e o setor bancário deve cumprir regras cada vez mais rigorosas. Cada Estado-Membro precisa de um operador ou de uma organização que forneça garantias sobre empréstimos bancários. Em segundo lugar, o desenvolvimento do quadro regulamentar da UE aumenta a necessidade de financiamento por capitais próprios. Vários adquirentes seriam elegíveis para gerir a empresa-alvo mas não dispõem de financiamento por capitais próprios suficiente. O CESE incentiva vivamente a Comissão Europeia a assumir um papel proativo na promoção do desenvolvimento destes dois instrumentos financeiros nos Estados-Membros.

4.9.

No futuro, serão cada vez mais as MPME familiares transferidas para terceiros. Para atrair adquirentes terceiros, as empresas terão de se encontrar numa situação viável e economicamente sólida e atrativa. Quanto mais cedo os empresários se preparam para a transferência, maior é a probabilidade de esta ser bem-sucedida. Os Estados-Membros devem aumentar as atividades de sensibilização para as transferências de empresas e capacitar as empresas e outras organizações de apoio, a fim de promover e apoiar as transferências de MPME. O apoio em matéria de alerta precoce prestado a uma empresa em situação de dificuldade financeira também pode ser importante para ajudar um empresário a colocar a empresa novamente numa trajetória de viabilidade financeira e a prepará-la para uma transferência. Por conseguinte, o CESE insta os Estados-Membros a criarem e aprofundarem os mecanismos de apoio em matéria de alerta precoce para as MPME.

Num estudo recente sobre a promoção da transferência de empresas nos países europeus (21), elencam-se as práticas nos Estados-Membros que podem ser replicadas noutros países. O CESE apoia a recomendação feita no estudo aos Estados-Membros para que criem fóruns nacionais de partes interessadas na transferência de empresas que representem intervenientes públicos e privados. A cooperação entre as partes interessadas é necessária a todos os níveis: regional, nacional e internacional. Através do diálogo permanente entre os peritos nacionais, os fóruns dedicados à transferência de empresas proporcionam uma abordagem sistemática e de longo prazo para a promoção da transferência de empresas e representam uma utilização mais eficiente dos recursos. Posteriormente, poderá estabelecer-se um diálogo transnacional, promovido pela Comissão Europeia, entre os diferentes fóruns nacionais para o intercâmbio de boas práticas em matéria de promoção da transferência de empresas nos Estados-Membros.

4.10.

O CESE recomenda que os Estados-Membros utilizem plenamente as tecnologias digitais na promoção das transferências de empresas. É importante desenvolver plataformas de transferência de empresas em linha, na maioria dos casos detidas e geridas por partes interessadas privadas, em todos os Estados-Membros, que devem estar acessíveis também a micro e pequenas empresas. Importa reforçar as interligações e as sinergias entre as diferentes plataformas em linha nos Estados-Membros. A Comissão Europeia poderia facilitar o acesso aos vários mercados em linha nos Estados-Membros. Além disso, está a aumentar o número de transferências transnacionais de pequenas empresas. O estabelecimento de uma cooperação mais eficiente entre as plataformas nacionais em linha seria uma forma eficaz em termos de custos de as pequenas empresas procurarem potenciais proprietários-alvo noutros Estados-Membros.

4.11.

A melhoria da recolha de dados é essencial para o êxito da elaboração de políticas europeias de transferência de empresas. Os dados relativos às transferências de empresas ainda são fragmentados e impossíveis de comparar. O CESE recomenda que a Comissão e os Estados-Membros adotem as medidas propostas para melhorar a base de dados sobre as transferências de empresas. Essas medidas constam do relatório recente sobre a melhoria da base factual subjacente à transferência de empresas na Europa (22). O CESE recomenda também que se elabore um barómetro sobre a transferência de empresas à escala da UE, mediante a apresentação de relatórios de quatro em quatro anos, a fim de contribuir para a elaboração de políticas com base em elementos concretos assentes em dados melhorados. Importa igualmente ponderar diferentes iniciativas de sensibilização, como a criação de uma semana nacional e/ou europeia dedicada à transferência de empresas.

4.12.

O CESE propõe que a Comissão examine regularmente a situação das transferências de empresas na Europa, para além de proceder à recolha mais eficaz de dados. A Assembleia das PME da UE, que se reúne anualmente, deve servir de fórum regular para o debate e intercâmbio de experiências sobre as transferências de MPME.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Em França, por exemplo, existe um quadro para organizar e facilitar a transferência de uma empresa para os trabalhadores e reforçar a atividade económica dos territórios facilitando a transferência de MPME.

(2)  O mecanismo de alerta precoce é um serviço de aconselhamento e apoio para as empresas em situação de dificuldade financeira que visa uma intervenção precoce para evitar a insolvência de empresas viáveis.

(3)  «Conference on the Future of Europe, Report on the Final Outcome» [Relatório sobre o resultado final da Conferência sobre o Futuro da Europa], maio de 2022.

(4)  Comissão Europeia: «Business Dynamics: Start-ups, business transfers and bankruptcy» [Dinâmicas empresariais: empresas em fase de arranque, transferências de empresas e insolvências], 2011.

(5)  Comunicação da Comissão Europeia — Realizar o programa comunitário de Lisboa em prol do crescimento e do emprego — Transmissão de empresas — Continuidade pela renovação, 2006, COM(2006) 117 final, p. 4.

(6)  Recomendação da Comissão, de 7 de dezembro de 1994, sobre a transmissão das pequenas e médias empresas (94/1069/CE).

(7)  Comunicação da Comissão Europeia — Realizar o programa comunitário de Lisboa em prol do crescimento e do emprego — Transmissão de empresas — Continuidade pela renovação, 2006, COM(2006) 117 final.

(8)  Comunicação da Comissão Europeia — Uma Estratégia para as PME com vista a uma Europa Sustentável e Digital, 2020, COM(2020) 103 final.

(9)  Comissão Europeia, Agência de Execução para as Pequenas e Médias Empresas, «Improving the evidence base on transfer of business in Europe: final report» [Melhorar a base factual subjacente à transferência de empresas na Europa: relatório final], Serviço das Publicações, 2021.

(10)  ec.europa.eu/growth/smes/supporting-entrepreneurship/transfer-businesses_en

(11)  JO C 197 de 8.6.2018, p. 1.

(12)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv%3AOJ.C_.2020.429.01.0210.01.POR

(13)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv%3AOJ.C_.2022.194.01.0007.01.POR

(14)  Comissão Europeia, Agência de Execução para as Pequenas e Médias Empresas, «Improving the evidence base on transfer of business in Europe: executive summary» [Melhorar a base factual subjacente à transferência de empresas na Europa: síntese], Serviço das Publicações, 2021.

(15)  Tall, Varamäki e Viljamaa: «Business Transfer Promotion in European Countries» [A promoção da transferência de empresas nos países europeus], Seinäjoki, 2021, p. 8.

(16)  Comissão Europeia (2006), Transmissão de empresas — Continuidade pela renovação, Bruxelas, pp. 3 e 4.

(17)  SMEunited, «Position on long-term vision for the EU’s rural area» [Posição sobre a visão a longo prazo para as zonas rurais da UE], abril de 2022.

(18)  Por exemplo, as sociedades detidas pelos trabalhadores («sociedades laborales») em Espanha.

(19)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 13.

(20)  A Transeo é uma associação internacional sem fins lucrativos que reúne peritos em transferências e aquisições de pequenas e médias empresas dentro e fora da Europa.

(21)  Tall, Varamäki e Viljamaa: «Business Transfer Promotion in European Countries» [A promoção da transferência de empresas nos países europeus], Seinäjoki, 2021, p. 8.

(22)  Comissão Europeia, Agência de Execução para as Pequenas e Médias Empresas, «Improving the evidence base on transfer of business in Europe: final report» [Melhorar a base factual subjacente à transferência de empresas na Europa: relatório final], Serviço das Publicações, 2021.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Taxonomia social — Desafios e oportunidades

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/03)

Relatora:

Judith VORBACH

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

9.9.2022

Adoção em plenária

22.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

123/26/12

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O presente parecer do Comité Económico e Social Europeu (CESE) esclarece a noção de taxonomia social, com vista a estimular o debate sobre a matéria. O CESE insta a Comissão a publicar o relatório em atraso, que descreve as disposições necessárias para alargar o âmbito da taxonomia a «outros objetivos de sustentabilidade, tal como os objetivos sociais», conforme solicitado no Regulamento Taxonomia (1) («o regulamento»). O CESE pronuncia-se a favor de uma taxonomia social viável em termos operacionais e conceptualmente robusta, de modo a concretizar as oportunidades e, ao mesmo tempo, a superar os desafios. A taxonomia da União Europeia (UE) deve reger-se por uma abordagem holística que abarque a sustentabilidade ambiental e social. Ante os desafios da transição ecológica, os impactos económicos e sociais da pandemia, a guerra na Ucrânia provocada pela agressão russa e as tensões geopolíticas daí resultantes, o CESE reitera o seu apelo para uma política económica equilibrada e a colocação de uma tónica reforçada nos objetivos sociais.

1.2.

As salvaguardas mínimas previstas no regulamento são bem-vindas e devem ser aplicadas de forma rigorosa. No entanto, não são suficientes para garantir a sustentabilidade social no que toca aos trabalhadores, aos consumidores e às comunidades. Uma taxonomia da UE ajudaria a dar resposta às necessidades de investimento urgente no domínio social, ao canalizar investimentos para essa área. A sua importância poderá até aumentar caso seja integrada numa política global orientada para a equidade e a inserção sociais. A transição justa exige condições sociais sustentáveis, podendo uma taxonomia social proporcionar as orientações há muito aguardadas. O CESE insta a Comissão a fornecer uma estimativa dos fundos necessários para aplicar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. De um modo geral, o investimento público continuará a desempenhar um papel central na área dos serviços públicos. O financiamento do Estado social através da despesa pública e a existência de sistemas de segurança social estáveis continuam a ser fundamentais. Ainda assim, uma taxonomia social acordada em conjunto poderia proporcionar orientações para investimentos com impacto social positivo.

1.3.

O CESE recomenda que o relatório da Comissão siga a abordagem diversificada e a vários níveis proposta pela Plataforma para o Financiamento Sustentável (2) («a Plataforma»). Seria conveniente integrar a taxonomia social no quadro legislativo da UE em matéria de financiamento sustentável e governação, tendo presente que ainda há muito por fazer. Em especial, a proposta de Diretiva Comunicação de Informações sobre a Sustentabilidade das Empresas (Diretiva CISE) serviria de importante complemento a uma taxonomia social passível de ser utilizada como base de referência para a análise e a avaliação das medidas. Uma taxonomia social bem concebida contribuiria também para resolver o potencial problema das medidas sociais de fachada. O CESE recomenda que se comece por orientações simples e claras, prevendo procedimentos fáceis e transparentes que vão sendo gradualmente complementados numa fase posterior. O objetivo final deve consistir numa estreita integração entre as taxonomias social e ambiental, embora possa ser prático, enquanto etapa inicial, definir salvaguardas mínimas mútuas.

1.4.

A taxonomia da UE deve identificar as ações e as empresas que contribuem substancialmente para a sustentabilidade social e que representam um padrão de excelência que espelha um nível de ambição mais elevado do que o previsto na legislação. O CESE saúda os objetivos propostos pela Plataforma, a saber, trabalho digno, níveis de vida adequados e comunidades integradoras e sustentáveis. Embora vários princípios internacionais e da UE devam servir de referência, o CESE recomenda que se recorra, em especial, ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pertinentes, nomeadamente o ODS 8 sobre o trabalho digno. Em todo o caso, a conformidade com a taxonomia tem de ter como condição prévia o respeito pelos direitos humanos e dos trabalhadores. A observância das convenções coletivas e dos mecanismos de cogestão nos termos do direito nacional e europeu respetivo é essencial e deve constituir um princípio de «não prejudicar significativamente» (3). As orientações com impactos sociais positivos, assentes no acordo dos parceiros sociais, devem ser consideradas conformes com a taxonomia. Importa ter presente que o nível de cobertura da negociação coletiva varia significativamente entre os Estados-Membros e diminuiu em vinte e dois deles, um problema que foi abordado pela Diretiva Salários Mínimos.

1.5.

A fim de salvaguardar a apropriação pelos parceiros sociais e pelas organizações da sociedade civil, o CESE insta os legisladores a assegurarem que aqueles intervenientes participam plenamente na conceção da taxonomia social, uma vez que são os intervenientes afetados e a quem cabe cumprir as obrigações de comunicação de informações. O CESE questiona a utilização excessiva de atos delegados no domínio da taxonomia, na medida em que é abordado um vasto leque de questões políticas. O objetivo da taxonomia é proporcionar transparência aos investidores, às empresas e aos consumidores. No futuro, cabe avaliar devidamente e debater a sua utilização potencial pelas instituições governamentais como referência para os programas de ajuda e financiamento. Qualquer utilização mais alargada deve ser submetida a um processo decisório adequado. Importa prevenir interferências indevidas em relação à legislação nacional e à autonomia dos parceiros sociais. Por último, deve acautelar-se o perigo de medidas sociais de fachada. Cabe assegurar mecanismos de reclamações para os sindicatos, os conselhos de empresas, as organizações de consumidores e outros representantes da sociedade civil organizada, e as autoridades nacionais competentes devem ser objeto de uma maior responsabilização no que toca à realização de atividades de controlo.

1.6.

O CESE gostaria de frisar benefícios adicionais relacionados com a taxonomia social. Em primeiro lugar, a procura crescente de investimentos orientados para a dimensão social deve ser apoiada através da definição de uma taxonomia fiável enquanto conceito coerente que permite medir a sustentabilidade social. Em segundo lugar, as atividades prejudiciais do ponto de vista social podem acarretar riscos económicos, que a taxonomia pode ajudar a atenuar. Em terceiro lugar, a transparência é fundamental para a eficiência do mercado de capitais, podendo também contribuir para a dimensão social do mercado interno, conforme disposto no artigo 3.o do TFUE. Contribuiria para condições de concorrência equitativas, evitaria a concorrência desleal e incrementaria a visibilidade das empresas e organizações que contribuem para a sustentabilidade social. Em quarto lugar, a UE deve tirar partido dos seus pontos fortes e esforçar-se por tornar-se um modelo e um ator pioneiro em termos de sustentabilidade ambiental e social. Deve ser relançado o debate sobre uma agência de notação da UE. O CESE reitera igualmente o seu apelo para o estabelecimento de uma regulamentação e supervisão adequadas dos fornecedores de dados financeiros e extrafinanceiros.

1.7.

O CESE salienta ainda os desafios e as possíveis soluções. Em primeiro lugar, está a surgir o receio de um constrangimento do mercado. No entanto, os investimentos também se baseiam noutros critérios — como a rentabilidade esperada — que podem suplantar os objetivos de sustentabilidade, havendo vários casos de sinergias entre os interesses dos investidores e os de outras partes interessadas. Em todo o caso, a Comissão deve deixar claro que o não cumprimento da taxonomia não deve ser considerado algo de prejudicial. Deve reforçar-se a tónica no impacto do investimento sustentável nas atividades da economia real. Em segundo lugar, a definição dos elementos a incluir na taxonomia gerará polémica. É precisamente esta a razão pela qual o processo de definição deve ser objeto de um debate e de um processo decisório democráticos. Nesse sentido, poderia ser desenvolvida uma ideia comum e sólida de sustentabilidade, na qual os intervenientes individuais possam e devam basear-se. O êxito da taxonomia depende da sua credibilidade, e as atividades abrangidas têm de satisfazer uma definição de sustentabilidade amplamente aceite. Em terceiro lugar, a taxonomia social pode acarretar requisitos de comunicação adicionais. O CESE exorta a Comissão a minimizar tais requisitos, ao mesmo tempo que evita sobreposições. O aconselhamento e a prestação de serviços relacionados com a taxonomia por uma agência habilitada por lei poderão ser úteis, principalmente para as pequenas e médias empresas, para as cooperativas e para os modelos empresariais sem fins lucrativos. Além disso, as instituições financeiras devem ser incentivadas a fornecer avaliações dos impactos sociais dos investimentos, tal como são atualmente efetuadas por bancos de todo o mundo baseados em valores.

2.   Contexto

2.1.

O quadro da UE em matéria de financiamento sustentável deve ajudar a direcionar os fluxos financeiros privados para atividades económicas sustentáveis. O plano de ação de 2018 sobre o financiamento sustentável é composto por uma taxonomia, um sistema de divulgação de informações para as empresas e instrumentos de investimento, incluindo índices, normas e rótulos, ao passo que a estratégia renovada de financiamento sustentável, de 2021, se concentra no financiamento da transição da economia real rumo à sustentabilidade, bem como na inclusividade, na capacidade de resistência, na contribuição do setor financeiro e em objetivos gerais. No âmbito desde quadro, a UE desenvolveu várias iniciativas legislativas em relação às quais a taxonomia da UE desempenha um papel central. O CESE remete para os seus pareceres conexos (4).

2.2.

A taxonomia da UE deve proporcionar transparência aos investidores e empresas, bem como ajudá-los a identificar investimentos sustentáveis. O regulamento estabelece um sistema de classificação, que se foca em seis objetivos ambientais relacionados com a atenuação das alterações climáticas, a adaptação às alterações climáticas, a água, a biodiversidade, a prevenção da poluição e a economia circular. Um investimento sustentável em termos ambientais tem de dar um contributo significativo para a consecução de um ou mais destes objetivos, não pode prejudicar significativamente nenhum deles (princípio de «não prejudicar significativamente») e tem de respeitar os limiares de desempenho (designados por critérios técnicos de avaliação). Além disso, deve também respeitar as salvaguardas sociais e de governação mínimas (artigo 18.o). Por conseguinte, as empresas têm de aplicar procedimentos para assegurar o alinhamento das atividades com as Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais, os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e a Carta Internacional dos Direitos Humanos.

2.3.

O artigo 26.o do regulamento incumbe a Comissão de publicar, até ao final de 2021, um relatório que descreva as disposições necessárias para alargar o âmbito da taxonomia a «outros objetivos de sustentabilidade, tal como os objetivos sociais». Tal revela a intenção de alargar o âmbito da taxonomia, mas não obriga à aplicação de uma taxonomia social. Nos termos do regulamento, o subgrupo da Plataforma dedicado a questões relacionadas com a taxonomia social foi encarregue de estudar a extensão da taxonomia a objetivos sociais. O seu relatório final sobre a taxonomia social foi publicado em data posterior à que fora anunciada, em fevereiro de 2022 (5), e a Comissão deverá elaborar o seu relatório com base no relatório do subgrupo. Por outro lado, insta-se a Plataforma a aconselhar a Comissão no que toca à aplicação do artigo 18.o, ou seja, a fornecer orientações sobre o cumprimento das salvaguardas mínimas pelas empresas, bem como sobre a eventual necessidade de complementar os requisitos desse artigo.

2.4.

A Plataforma propõe uma taxonomia social estruturada no âmbito do atual quadro legislativo da UE em matéria de financiamento sustentável e governação. No que se refere à aplicação de uma taxonomia social, o quadro regulamentar seria assegurado por disposições adicionais, incluindo a proposta de Diretiva Comunicação de Informações sobre a Sustentabilidade das Empresas (Diretiva CISE), que substituirá a Diretiva Divulgação de Informações Não Financeiras (Diretiva NFI) e introduzirá normas vinculativas da UE em matéria de comunicação de informações sobre a sustentabilidade, o Regulamento Divulgação de Informações sobre Sustentabilidade dos Serviços Financeiros, e a Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade. Em especial, a proposta de Diretiva CISE exige que as empresas abordem uma série de informações sobre questões sociais e que comuniquem informações sobre fatores de governação, prevendo-se que venha a melhorar a divulgação de informações sobre questões sociais. Por conseguinte, serviria de importante complemento a uma taxonomia social passível de ser utilizada como base de referência para a medição e a avaliação destes aspetos.

2.5.

Não obstante algumas diferenças, a Plataforma propõe que se obedeça aos aspetos estruturais da taxonomia ambiental. Propõe três objetivos principais, complementados por objetivos secundários. O objetivo relacionado com o trabalho digno inclui objetivos secundários como o reforço do diálogo social, a promoção da negociação coletiva e salários dignos que assegurem vidas dignas. O objetivo de níveis de vida adequados inclui produtos saudáveis e seguros, cuidados de saúde de qualidade e habitação de qualidade, sendo que o objetivo de comunidades integradoras e sustentáveis também deve promover a igualdade e o crescimento integrador, bem como apoiar meios de subsistência sustentáveis. As salvaguardas mínimas propostas remetem para objetivos ambientais, sociais e de governação, a fim de evitar incoerências, como uma situação em que uma empresa que desenvolve atividades sustentáveis esteja implicada em violações dos direitos humanos. Além disso, cabe incluir as partes interessadas pertinentes, em particular os trabalhadores da entidade e da cadeia de valor, os utilizadores finais e as comunidades afetadas. Propõe-se igualmente critérios sociais relativos ao princípio de «não prejudicar significativamente», bem como uma lista de atividades prejudiciais.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE defende uma política económica coerente com os objetivos estabelecidos no artigo 3.o do Tratado da UE e com os ODS. Cabe destacar adequadamente os objetivos estratégicos fundamentais, em particular a sustentabilidade ambiental, o crescimento sustentável e integrador, o pleno emprego e postos de trabalho de qualidade, a repartição equitativa, a saúde e a qualidade de vida, a igualdade de género, a estabilidade financeira, a estabilidade dos preços, o comércio equilibrado baseado numa estrutura industrial e económica leal e competitiva, e finanças públicas estáveis. O CESE remete ainda para a agenda em matéria de sustentabilidade competitiva, que coloca as suas quatro dimensões — sustentabilidade ambiental, produtividade, equidade e estabilidade macroeconómica — em pé de igualdade, a fim de alcançar efeitos de reforço e uma transição ecológica e digital bem-sucedida (6). Perante a guerra na Ucrânia provocada pela agressão russa, o CESE reitera o seu apelo para uma política económica equilibrada que ajude a atenuar os impactos económicos e sociais desse conflito, e recorda a passagem da Constituição da OIT de 1919 segundo a qual a paz universal e duradoura apenas será possível se for baseada na justiça social.

3.2.

O CESE esclarece o conceito de taxonomia social, com vista a estimular o debate e a sensibilizar para esta matéria. O CESE pronuncia-se a favor de uma taxonomia social bem concebida, viável em termos operacionais e conceptualmente robusta, de modo a tirar proveito das muitas oportunidades que se apresentam e, ao mesmo tempo, superar os diferentes desafios (mencionados abaixo). À semelhança do que acontece com a política económica no seu todo, o conceito de sustentabilidade relacionado com o financiamento e, em especial, a taxonomia da UE, devem alinhar-se por uma abordagem holística e pluridimensional que pugne pela colocação da sustentabilidade ambiental e social em pé de igualdade. Além disso, a transição ecológica pode ser prejudicial do ponto de vista social. Por conseguinte, importa proteger e melhorar as normas no domínio social, com destaque para o objetivo de não esquecer ninguém. A transição justa exige condições sociais sustentáveis, podendo a taxonomia social proporcionar orientações.

3.3.

O CESE vê a taxonomia social como um complemento importante e necessário à dimensão social da UE, e insta a Comissão a publicar em tempo útil o relatório exigido no artigo 26.o. Cabe adotar a abordagem diversificada e a vários níveis do relatório da Plataforma. No entanto, a procura da perfeição e a inclusão de todos os aspetos de sustentabilidade social de uma só vez poderão provocar enormes atrasos na aplicação da taxonomia social, e, inclusivamente, acarretar o risco de o projeto ser integralmente abandonado. Por conseguinte, o CESE recomenda que o processo comece, em tempo oportuno, com a aplicação de orientações simples e claras, bem como de procedimentos fáceis em matéria de transparência, complementando-os depois de forma gradual e contínua. No que toca à relação entre a taxonomia ambiental e a taxonomia social, o objetivo deve consistir em assegurar a coerência entre as duas abordagens e a estreita integração das mesmas. No entanto, poderá ser prático, enquanto etapa inicial, definir salvaguardas mínimas mútuas.

3.4.

O CESE congratula-se com o facto de a Plataforma ter publicado um projeto de relatório sobre o artigo 18.o do regulamento, a fim de aconselhar as empresas sobre a forma de aplicar os requisitos desse artigo e, eventualmente, abrir caminho à alteração dessa disposição. Em especial, no contexto da sustentabilidade social é fundamental avaliar o desempenho real de uma empresa em matéria de direitos humanos, relações laborais e trabalho digno. No entanto, embora as salvaguardas mínimas da taxonomia ambiental sejam extremamente bem-vindas e devam ser objeto de uma aplicação rigorosa, nunca poderão substituir uma taxonomia social. Não são de modo algum suficientes para garantir a sustentabilidade social no que toca aos trabalhadores, consumidores e comunidades (7). Além disso, o CESE recomenda a cooperação com os parceiros sociais, as organizações da sociedade civil e as empresas sociais a nível local, a fim de acompanhar e promover o impacto positivo das atividades económicas nas partes interessadas.

3.5.

A importância da taxonomia social aumentará caso seja integrada numa política global orientada para a sustentabilidade social e complementada por regras adequadas, nomeadamente relativas ao dever de diligência em matéria de direitos humanos. No entanto, nunca poderá substituir a regulamentação governamental nem políticas sociais adequadas. O financiamento do Estado social através da despesa pública e a existência de sistemas de segurança social estáveis continuam a ser fundamentais. A taxonomia não deve ser utilizada como instrumento de privatização ou de exclusão de investimentos. O investimento público continua a desempenhar um papel crucial na área dos serviços públicos e, muitas vezes, desencadeia também mais investimento privado. No entanto, com vista a viabilizar investimentos socialmente sustentáveis na economia real e a evitar medidas sociais de fachada, a taxonomia social pode proporcionar a todos os investidores critérios de sustentabilidade nos domínios das infraestruturas, da saúde, da educação e formação e da habitação social. No futuro, a taxonomia poderá também ser utilizada pelas instituições governamentais como referência para os programas de ajuda e financiamento. Este aspeto terá de ser devidamente avaliado e debatido.

3.6.

Uma taxonomia social proporcionaria uma estrutura pormenorizada no que toca aos impactos sociais positivos e negativos das atividades económicas. Muitos dos pontos sob análise estão estreitamente relacionados com questões habitualmente debatidas pelos parceiros sociais e pelas organizações da sociedade civil. O CESE apela para a plena participação da sociedade civil organizada na conceção da taxonomia social, em particular dos objetivos (secundários), dos critérios relativos ao princípio de «não prejudicar significativamente» e dos princípios de salvaguarda. As entidades empregadoras, os trabalhadores, os consumidores, outras partes interessadas e comunidades são afetados pela conceção dos objetivos e/ou são obrigados a cumprir obrigações de comunicação de informações. O CESE chama igualmente a atenção para os fundos de pensões enquanto exemplo de trabalhadores que beneficiam dos investimentos. A participação das partes interessadas é crucial para salvaguardar a apropriação. O CESE prevê que seja possível aplicar a taxonomia social através da revisão do regulamento, pelo que se recorreria ao processo legislativo ordinário. A utilização excessiva de atos delegados no contexto do financiamento sustentável e, em especial, da aplicação da taxonomia é questionável, na medida em que está em causa um vasto leque de questões políticas que vão muito além de especificações técnicas.

3.7.

O CESE salienta a importância de reforçar a qualidade das informações no domínio dos investimentos socialmente sustentáveis e de conter a desinformação sobre a situação social, a fim de evitar um impacto social negativo em todas as partes interessadas. Uma taxonomia social bem concebida contribuiria significativamente para a resolução de tais problemas ao identificar claramente as atividades e as entidades que contribuem substancialmente para a sustentabilidade social. Deve representar um padrão de excelência e espelhar um nível de ambição mais elevado do que o já previsto na legislação, procurando, ao mesmo tempo, o equilíbrio certo entre um caráter demasiado abrangente ou demasiado restrito. Enquanto os critérios ambientais são mais baseados na ciência, a taxonomia social proposta pela Plataforma assentaria mais em normas e em quadros acordados a nível mundial que, em vez de prescritivos, poderiam funcionar como orientações para fomentar atividades socialmente sustentáveis.

3.8.

A conformidade com a taxonomia tem de ter como condição prévia o respeito pelos direitos humanos e dos trabalhadores. Da mesma forma, a observância das convenções coletivas e dos mecanismos de cogestão nos termos do direito nacional e europeu respetivo é essencial e deve constituir um princípio de «não prejudicar significativamente». Além disso, as orientações que prevejam procedimentos fáceis e transparentes com impactos sociais positivos, assentes no acordo dos parceiros sociais, devem ser consideradas uma atividade económica conforme com a taxonomia. Importa ter presente que a taxa de cobertura da negociação coletiva varia significativamente entre os Estados-Membros, indo de apenas 7 % na Lituânia a 98 % na Áustria. Desde 2000, a taxa de cobertura da negociação coletiva caiu em vinte e dois Estados-Membros e estima-se que haja agora, no mínimo, menos 3,3 milhões de trabalhadores abrangidos por um acordo de negociação coletiva. A nova Diretiva Salários Mínimos e o alargamento da cobertura das convenções coletivas desempenham um papel importante na aplicação da taxonomia social (8). Além disso, o CESE recomenda que o próprio ato jurídico disponibilize orientações claras sobre a aplicação das salvaguardas mínimas, eventualmente recorrendo ao relatório da Plataforma relativo ao artigo 18.o do regulamento.

3.9.

Existem várias normas e princípios internacionais e da UE que podem servir de base para a taxonomia social. No que se refere aos objetivos (secundários), o CESE recomenda que seja feita referência ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais e ao plano de ação conexo, bem como aos ODS pertinentes, a saber, o ODS 8 (trabalho digno e crescimento económico), o ODS 1 (erradicar a pobreza), o ODS 2 (erradicar a fome), o ODS 3 (saúde e bem-estar), o ODS 4 (educação e formação), o ODS 5 (igualdade de género), o ODS 10 (reduzir as desigualdades) e o ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis). Os quadros acordados pelos parceiros sociais também podem ser uma fonte importante. O CESE considera fundamental a ideia da Plataforma de aplicar salvaguardas mínimas com base nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos e nas Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais. Além disso, a Carta Social Europeia, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade também seriam pontos de referência valiosos para uma taxonomia social. Por último, devem ser excluídas as atividades consideradas significativamente prejudiciais, ou seja, aquelas que, em todas as circunstâncias, são fundamentalmente contrárias aos objetivos de sustentabilidade e cujo caráter prejudicial é impossível de minimizar. As armas condenadas por acordos internacionais, como as bombas de fragmentação ou as minas antipessoais, devem ser incluídas nesta categoria. O CESE recomenda também o desenvolvimento de um conceito aplicável aos regimes agressivos e belicosos.

4.   Oportunidades inerentes a uma taxonomia social

4.1.

O CESE recomenda vivamente que se aproveite o potencial da taxonomia para canalizar investimentos para atividades e entidades socialmente sustentáveis e criar empregos dignos. A percentagem de cidadãos da UE em risco de pobreza está bem acima dos 20 %. A pandemia agravou as desigualdades e a guerra na Ucrânia aumentará ainda mais as tensões económicas e sociais. Estima-se que a consecução dos ODS exija a mobilização anual, a nível mundial, de cerca de 3,3 a 4,5 biliões de dólares. Os bens produzidos através da violação de direitos humanos laborais estão associados ao mercado da UE para o qual são importados. A UE carece também urgentemente de investimentos sociais, nomeadamente na redução da pobreza, na aprendizagem ao longo da vida e na saúde (9). O défice de investimento em infraestruturas sociais foi avaliado, na melhor das hipóteses, em cerca de 1,5 biliões de euros entre 2018 e 2030 (10). O CESE apela à Comissão para que forneça uma estimativa atualizada dos investimentos necessários para cumprir os princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e alcançar os grandes objetivos da UE para 2030. São necessários fundos públicos e privados consideráveis para garantir a sustentabilidade social.

4.2.

Com o contributo da taxonomia social, os investidores e as empresas poderiam avaliar o impacto social do seu investimento ou das suas atividades e, de forma facultativa, tratar este aspeto como um objetivo essencial. O CESE assinala a procura crescente de investimentos orientados para a dimensão social e congratula-se com a recetividade dos investidores face ao financiamento socialmente sustentável. Em contrapartida, existe uma falta de definição e de normalização, e uma análise das notações dos fatores ambientais, sociais e de governação (ASG) e dos resultados conexos revela também diferenças de fundo em função do fornecedor das notações, o que dificulta a realização de investimentos socialmente sustentáveis. A taxonomia social seria um conceito coerente para definir e promover a sustentabilidade social e medir o progresso. Tem potencial para reforçar a responsabilização e fornecer orientações claras. Desse modo, apoiará de forma determinante as ambições dos investidores e poderá servir de incentivo a que mais intervenientes no mercado invistam na dimensão social, contribuindo simultaneamente para evitar as medidas sociais de fachada.

4.3.

As atividades prejudiciais do ponto de vista social podem acarretar riscos económicos. Existe o risco de boicote caso uma empresa seja associada à violação de direitos humanos, sendo que uma empresa também corre o risco de ser excluída de concursos públicos caso descure o dever de diligência em matéria de direitos humanos. Há também a possibilidade de a empresa ficar enredada num litígio dispendioso motivado por violações de direitos humanos ou de as cadeias de abastecimento sofrerem perturbações devido a greves. Os riscos económicos e políticos decorrentes do fosso cada vez maior entre ricos e pobres também podem afetar os investimentos. Todos estes riscos podem ser atenuados através de decisões de investimento que também sejam baseadas numa taxonomia social. O CESE chama ainda a atenção para o trabalho do Banco Central Europeu (BCE) sobre o reforço do acompanhamento e da gestão dos riscos sistémicos decorrentes da não observância de fatores de sustentabilidade. O CESE frisa que, muitas das vezes, os riscos ambientais andam de mão dada com riscos sociais, como quando as pessoas perdem os seus lares devido a enchentes. Em suma, os riscos para a sustentabilidade social devem ser explicitamente abordados e devem ser abrangidos pelas ações do BCE relacionadas com riscos em matéria de sustentabilidade.

4.4.

O CESE realça também que a transparência é um elemento indispensável para a eficiência do mercado — e não apenas para a dos mercados de capitais. A taxonomia social pode servir de instrumento para manter um equilíbrio entre as liberdades económicas e os direitos sociais e laborais (11). Ao reforçar a transparência, poderá contribuir para o mercado interno social, conforme estabelecido no artigo 3.o do TFUE, bem como promover a concorrência leal. Ademais, a taxonomia social também fomentará condições de concorrência equitativas e incrementará a visibilidade das empresas que respeitam os direitos humanos e dos trabalhadores e que contribuem substancialmente para a sustentabilidade social, ajudando-as a atrair investidores. O possível papel transformador da taxonomia seria salvaguardado através da sua divulgação mais ampla. Nesse contexto, o CESE reitera o papel positivo que os instrumentos financeiros podem desempenhar no que toca ao desenvolvimento de empresas com impacto social (12).

4.5.

Por último, a UE afirmou-se a nível internacional enquanto líder em matéria de financiamento sustentável no domínio do ambiente, e está a contribuir ativamente para este esforço a nível mundial. O CESE saúda tal esforço, mas relembra à Comissão a necessidade de também promover a sustentabilidade social e os ODS. Ainda no contexto da sustentabilidade social, a UE deve empenhar-se em ser um modelo a seguir e deve tomar a dianteira invocando o tema em fóruns internacionais. Principalmente em tempo de guerra e de tensões a nível internacional, a arquitetura internacional em matéria de financiamento sustentável também deve incorporar a sustentabilidade social.

5.   Desafios e possíveis soluções

5.1.

As intenções dos investidores financeiros de realizar investimentos sustentáveis do ponto de vista social e ambiental são muito bem-vindas e têm de ser apoiadas. No entanto, os intervenientes no mercado financeiro baseiam, por norma, as suas decisões de investimento em expectativas no que se refere à rentabilidade, aos riscos, à liquidez e à maturidade. Estes critérios podem entrar em conflito com os interesses de outras partes interessadas e contrariar ou até suplantar os objetivos ambientais ou sociais. No entanto, o CESE assinala que existem várias sinergias possíveis entre os interesses dos investidores e os de outras partes interessadas, nomeadamente quando o reforço da participação dos trabalhadores contribui para o reforço da produtividade das empresas, ou quando uma atividade económica contribui para o bem-estar das comunidades. Em todo o caso, as atividades económicas ou entidades que possam não respeitar a taxonomia não devem ser automaticamente consideradas prejudiciais. Neste contexto, está a surgir o receio de exclusão do mercado, e o CESE insta a Comissão a prestar esclarecimentos e a adotar uma abordagem equilibrada. Deve reforçar-se a tónica no impacto do investimento sustentável nas atividades da economia real.

5.2.

Podem surgir incompatibilidades pelo facto de as questões sociais serem regulamentadas a nível dos Estados-Membros e entre os parceiros sociais, ao passo que a sociedade civil organizada, no seu conjunto, procura participar em questões sociais, ambientais e outras questões estratégicas. No entanto, o CESE congratula-se com o relatório da Plataforma no tocante aos riscos de violação de outros regulamentos e parte do princípio de que a proposta da Comissão procurará evitar sobreposições contraditórias e situações de interferência em relação aos sistemas sociais, às relações laborais e à regulamentação a nível nacional. Além disso, uma taxonomia social basear-se-á em declarações e princípios internacionais e europeus, como o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, e servirá de base à tomada de decisões voluntária, sem estabelecer qualquer política social específica. Ainda assim, qualquer utilização mais alargada da taxonomia, conforme indicado acima, tem de ser submetida a um processo decisório adequado. Importa prevenir interferências indevidas em relação à legislação nacional e à autonomia dos parceiros sociais, bem como reconhecer as diferenças nacionais a nível dos modelos de mercado de trabalho e dos sistemas de negociação coletiva.

5.3.

O desenvolvimento de uma taxonomia social e, por conseguinte, de uma panorâmica estruturada das atividades e setores socialmente sustentáveis também é uma questão de valores políticos. A definição das atividades e/ou setores económicos que se considera cumprirem a taxonomia será desafiante. No entanto, é precisamente esta a razão pela qual a elaboração de uma taxonomia deve ser objeto de um debate político e de um processo decisório democrático (13). Apenas nestas condições será possível desenvolver uma ideia comum de sustentabilidade social que os intervenientes, a título individual, possam e devam utilizar e evocar. O CESE salienta que, também no domínio social, o êxito da taxonomia dependerá da sua aceitação alargada. As atividades e setores abrangidos têm de respeitar uma definição de sustentabilidade amplamente aceite e devem basear-se em valores comummente reconhecidos, como a dignidade humana, a igualdade de género, a equidade, a inserção, a não discriminação, a solidariedade, a acessibilidade em termos de preços, o bem-estar e a diversidade. Preservar a credibilidade da taxonomia é fundamental para não pôr em causa o projeto de taxonomia no seu conjunto.

5.4.

Existe também a preocupação de que uma taxonomia social possa sobrecarregar as empresas ao impor requisitos adicionais de comunicação de informações e ao exigir a prestação de informações complexas e difíceis, a par de procedimentos de auditoria onerosos. O CESE insta a Comissão a minimizar estes encargos e a formular critérios simples e fáceis de cumprir, tirando também partido de sobreposições com outros requisitos de comunicação de informações. O CESE saúda o facto de a abordagem da Plataforma estruturar os objetivos da taxonomia social de forma semelhante à estrutura proposta da Diretiva CISE. Em termos gerais, o CESE apela a um conjunto de regras organizado e coerente, que evite duplicações e não seja excessivamente complexo, de modo a funcionar na prática, e que assegure, ao mesmo tempo, o nível de transparência necessário. Poderá ser útil dispor de uma agência especializada habilitada por lei que forneça aconselhamento e preste serviços relacionados com a taxonomia a empresas e outras organizações que tencionem cumprir a taxonomia. Tal garantiria igualmente o acesso à taxonomia por parte das empresas com menos recursos para a comunicação de informações. Porém, as instituições financeiras podem, de qualquer modo, fornecer avaliações do impacto social dos investimentos, tal como são atualmente efetuadas por bancos de todo o mundo baseados em valores.

5.5.

Embora o objetivo da taxonomia seja proporcionar um quadro fiável para investimentos sociais sustentáveis, não se pode descartar o perigo de branqueamento ecológico ou de medidas sociais de fachada. O CESE concorda com a Plataforma quando esta refere que a simples verificação dos compromissos e das políticas não garante a aplicação efetiva nem salvaguarda os direitos humanos, assim como não contribui para o desenvolvimento de atividades socialmente sustentáveis. Existem sérias dificuldades no que toca à supervisão e fiscalização do cumprimento, pela empresa, dos objetivos de sustentabilidade social declarados, bem como no que se refere à avaliação do seu desempenho ao longo das atuais cadeias de abastecimento, que muitas das vezes são altamente complexas. Por outro lado, a Plataforma aponta para desenvolvimentos promissores na área dos dados sociais quantificáveis, nomeadamente no contexto do painel de indicadores sociais revisto e dos ODS. Em suma, a taxonomia social tem de ser transparente, fiável e regularmente atualizada. O CESE propõe ainda que sejam tidos em consideração, nesta matéria, os contributos dos conselhos de empresas e das organizações da sociedade civil.

5.6.

O CESE propõe o relançamento do debate sobre uma agência de notação da UE, que desta feita pode colocar a tónica na sustentabilidade, de modo a consolidar o papel pioneiro da UE neste domínio. Reitera igualmente o seu apelo para o estabelecimento de uma regulamentação e supervisão adequadas dos fornecedores de dados financeiros e extrafinanceiros. Em caso de alegações falsas sobre a conformidade com a taxonomia, devem ser assegurados mecanismos de reclamações para os sindicatos, os conselhos de empresas, as organizações de consumidores e outros representantes da sociedade civil organizada. O CESE reconhece que o regulamento deixa aos Estados-Membros a tarefa de definir as medidas e sanções aplicáveis às violações. Em todo o caso, importa prever uma maior responsabilização das autoridades nacionais competentes (14) no que toca às suas atividades de controlo, a par de obrigações de comunicação de informações aos respetivos parlamentos e à sociedade civil.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 198 de 22.6.2020. p. 13.

(2)  Plataforma para o Financiamento Sustentável | Comissão Europeia (europa.eu) (em inglês).

(3)  Princípio de «não prejudicar significativamente».

(4)  JO C 517 de 22.12.2021, p. 72.

(5)  «Final Report on Social Taxonomy» [Relatório final sobre a taxonomia social] (europa.eu)

(6)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 50.

(7)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 97.

(8)  Diretiva relativa a salários mínimos adequados na UE, artigo 4.o, n.o 2, do acordo provisório. O limiar de cobertura da negociação coletiva de 80 % nela estabelecido para exigir que os Estados-Membros adotem medidas para aumentar esta taxa deve receber apoio numa taxonomia social.

(9)  «Final Report on Social Taxonomy» [Relatório final sobre a taxonomia social] (europa.eu)

(10)  Comissão Europeia, «Boosting Investment in Social Infrastructure in Europe» [Reforçar o investimento em infraestruturas sociais na Europa], Documento de reflexão n.o 74, janeiro de 2018.

(11)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 50.

(12)  JO C 194 de 12.5.2022, p. 39.

(13)  Ver capítulo 3 acima.

(14)  Ver o artigo 21.o do Regulamento Taxonomia.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/23


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Fundo de ajustamento às alterações climáticas financiado no âmbito da política de coesão e pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU)

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/04)

Relator:

Ioannis VARDAKASTANIS

Correlatora:

Judith VORBACH

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

9.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

139/3/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A União Europeia (UE) está a tomar medidas decisivas para combater as alterações climáticas e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE). As políticas da UE em matéria de clima, ambiente e energia contêm um plano a longo prazo para ajudar a prevenir os impactos mais gravosos da emergência climática que o planeta está a enfrentar. Contudo, poderá não ser suficiente.

1.2.

Embora o compromisso da UE seja significativo, as consequências das alterações climáticas e da escassez de recursos já estão, infelizmente, a revelar-se. Por conseguinte, temos de nos adaptar a uma realidade nova. Apesar de a UE estar, corretamente, empenhada em evitar o agravamento da situação, não estamos preparados para emergências climáticas, crises energéticas e catástrofes naturais imprevistas.

1.3.

Desde 2021, passámos por duas emergências muito importantes às quais os mecanismos de financiamento da UE se mostraram incapazes de responder. A primeira foi a destruição provocada pelas inundações e pelos incêndios florestais que afetaram a Europa durante o verão de 2021. A segunda é a atual crise energética e a necessidade de a UE ser autónoma em termos de energia, desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.

1.4.

O mecanismo da UE em vigor para resposta a catástrofes naturais é o Fundo de Solidariedade da União Europeia (FSUE). No entanto, o orçamento anual disponível do FSUE é insuficiente devido ao custo dos danos provocados pelas recentes catástrofes naturais e tem de ser drasticamente aumentado. O financiamento da UE destinado à transição para energias ecológicas é mais substancial, mas não tem em consideração a urgência das necessidades atuais da UE em matéria de autonomia energética e o enorme risco de pobreza energética, como refere o CESE no parecer Luta contra a pobreza energética e reforço da resiliência da UE: desafios numa perspetiva económica e social (1).

1.5.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a UE precisa de um novo mecanismo de financiamento que possa disponibilizar uma assistência imediata e ambiciosa, para ajudar os Estados-Membros em emergências como as atrás referidas. Por conseguinte, propõe a criação de um novo Fundo de ajustamento às alterações climáticas. Este financiamento deve ser redirecionado dos fundos da UE existentes, nomeadamente do Fundo de Coesão e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), mas gerido de forma otimizada e coerente através deste novo fundo.

1.6.

A modernização do quadro de financiamento pode incluir também o alargamento do âmbito, a agilização dos programas existentes e a consideração do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) como modelo para um novo instrumento de financiamento.

1.7.

À luz das necessidades de investimento significativas, o CESE aconselha também a Comissão a ponderar reforçar o Fundo de ajustamento às alterações climáticas através do encorajamento do investimento e das contribuições do setor privado. No que se refere especificamente às catástrofes naturais, a Comissão e os Estados-Membros devem também envidar esforços no sentido de aumentar e facilitar a cobertura dos seguros e utilizar o sistema de seguros como forma de direcionar fundos para melhorar a resiliência às alterações climáticas, nomeadamente em zonas de risco, de modo a diminuir a dependência de apoio financeiro da UE.

1.8.

O Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve ser adaptável e flexível, bem como estar pronto a responder a crises novas e emergentes nos próximos anos e décadas.

1.9.

É crucial que o funcionamento do Fundo de ajustamento às alterações climáticas, mais centrado em respostas céleres e urgentes, seja coerente com as políticas abrangentes da UE em matéria de clima, ambiente e energia, que a longo prazo reduzirão a dependência de respostas de emergência e protegerão a humanidade e o mundo natural.

2.   Observações gerais

2.1.

O CESE reconhece que a luta contra a crise climática está em sintonia com os compromissos assumidos pela UE no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, no sentido de aplicar o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Embora a diminuição das causas das alterações climáticas deva estar na vanguarda da política da UE em matéria de clima, o CESE sublinha a necessidade de ter disponíveis, paralelamente a planos de redução dos GEE, mecanismos de financiamento robustos e otimizados para fazer face às emergências climáticas e energéticas que os cidadãos da UE já estão a enfrentar.

2.2.

O CESE defende a ideia de um novo Fundo de ajustamento às alterações climáticas, uma proposta apoiada por vários deputados ao Parlamento Europeu (2). Este mecanismo deve ser financiado com recurso a fundos disponíveis no âmbito do Fundo de Coesão e do MRR, que serão concentrados num único instrumento, o que melhorará a eficiência e os tempos de resposta e facilitará o acompanhamento centralizado dos domínios com maior necessidade de financiamento. Deve reforçar a capacidade da UE para ajudar os Estados-Membros a responderem rapidamente a emergências climáticas, ambientais e energéticas. No contexto atual, permitiria responder a duas das emergências mais significativas que estamos a enfrentar: recuperação de catástrofes naturais cada vez mais frequentes e necessidade urgente de uma transição para energias ecológicas e de um movimento no sentido de uma autonomia energética da Europa, ainda que com a flexibilidade necessária para enfrentar crises futuras.

2.3.

Os fundos da UE já estão a ser direcionados para a transição energética e para a recuperação em caso de catástrofes, havendo, no entanto, vários problemas a impedirem a sua eficácia. O FSUE existente, criado para ajudar as comunidades a recuperarem de catástrofes naturais, não é suficientemente amplo para responder à escala atingida pelas catástrofes climáticas modernas. O financiamento da transição energética é mais ambicioso, mas está ainda longe de ser suficiente. Além disso, é gerido através de uma série de fundos diferentes, implicando o risco de incoerência ou de sobreposição, e de uma forma que mistura objetivos iminentes com metas a mais longo prazo em matéria de luta contra as alterações climáticas. A necessidade de aumentar a autonomia energética da UE devido à invasão da Ucrânia pela Rússia evidenciou até que ponto a nossa dependência de energia de países hostis enfraquece a nossa capacidade de reagir de forma decisiva perante acontecimentos internacionais.

2.4.

Por conseguinte, o CESE apela à criação de um Fundo de ajustamento às alterações climáticas, que sirva o propósito específico de responder a emergências ambientais, climáticas e energéticas iminentes e de ajudar a UE a adaptar-se a uma nova realidade, na qual, infelizmente, estas crises se estão a tornar cada vez mais comuns. O Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve funcionar como uma reserva de financiamento, pronta a entrar em ação em alturas de grandes necessidades de investimento.

2.5.

O fundo tem de proporcionar a flexibilidade e a robustez necessárias para um investimento célere e ambicioso na satisfação das necessidades imediatas da UE e, ao mesmo tempo, ser coerente com as políticas a longo prazo em matéria de clima e energia. Deve reunir uma parte dos fundos no âmbito da política de coesão destinados atualmente a questões relacionadas com o clima, o FSUE existente e uma parte do financiamento do MRR destinado a reformas ambientais. O facto de se concentrar estes recursos num único fundo com uma ênfase clara na ação urgente melhorará a eficiência da resposta e facilitará o acompanhamento das necessidades de investimento mais prementes. Deverá também permitir direcionar melhor os fundos para onde eles são necessários, sem atrasos.

2.6.

A modernização do quadro de financiamento poderia incluir também o alargamento do âmbito e a agilização dos programas existentes. Tendo em conta o interesse comum e a necessidade urgente de lutar contra as alterações climáticas e respetivas consequências devastadoras, o CESE sublinha ainda a necessidade de haver, no futuro, um método de financiamento aperfeiçoado. Mesmo que fosse, acertadamente, aplicada uma regra de ouro para os investimentos ecológicos, alguns Estados-Membros poderiam continuar a não ter capacidade para angariar as quantidades enormes de investimento necessárias, sem comprometer a sua sustentabilidade orçamental. Por conseguinte, o CESE recomenda também que se considere o NextGenerationEU como um modelo para financiamento do Fundo de ajustamento às alterações climáticas. As subvenções e/ou empréstimos provenientes deste fundo devem ser desbloqueados na condição de o Estado-Membro ou região que os receber os investir na luta contra as alterações climáticas ou respetivas consequências, por exemplo fazendo investimentos subsequentes em energias renováveis e descarbonizadas. Quaisquer medidas políticas deste género devem ficar vinculadas à participação obrigatória dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil, devendo ainda ser respeitado o princípio da parceria consagrado na política de coesão.

2.7.

O CESE chama a atenção para o facto de o Fundo de ajustamento às alterações climáticas, por si só, não ser suficiente para fazer face às consequências das catástrofes naturais e cobrir os custos da adaptação às alterações climáticas, reforçando a capacidade de resistência. Neste contexto, o CESE destaca o «fosso em matéria de proteção do clima», ou seja, a percentagem de perdas económicas não seguradas resultantes de catástrofes relacionadas com o clima. A cobertura dos seguros contra catástrofes naturais continua a ser reduzida na Europa, com apenas cerca de 35 % das perdas provocadas por catástrofes naturais entre 1980 e 2017 a estarem seguradas (3). Por conseguinte, importa analisar e promover os seguros contra catástrofes nos Estados-Membros e fomentar regimes de seguros nacionais que incentivem os utilizadores a investir na adaptação, reduzindo a pressão sobre os fundos da UE e incentivando o investimento proativo. O diálogo entre as partes interessadas e a inovação em matéria de produtos de seguros pode conduzir a soluções novas de transferência de risco no âmbito do sistema de seguros e resseguros, privilegiando simultaneamente a estabilidade dos mercados financeiros e a proteção dos consumidores (4). Tal poderia reforçar a capacidade de o Fundo de ajustamento às alterações climáticas enfrentar os desafios que se avizinham.

2.8.

Os fundos da UE também são importantes enquanto capital inicial para atrair investimento privado, nomeadamente na adaptação, a fim de reforçar a capacidade de resistência às alterações climáticas.

3.   O Fundo de ajustamento às alterações climáticas como instrumento para a preparação e a recuperação em situação de catástrofe

3.1.

Um estudo interinstitucional da UE demonstra, de forma clara, a urgência de combater a catástrofe climática: um aumento de 1,5 graus é o máximo que o planeta consegue tolerar; caso as temperaturas aumentem mais depois de 2030, enfrentaremos ainda mais secas, inundações, calor extremo e pobreza de centenas de milhões de pessoas, bem como a morte provável das populações mais vulneráveis (5).

3.2.

Começam a surgir evidências de que não estamos, de modo algum, preparados para os desafios que as alterações climáticas representam. Em 2021, os Estados-Membros da UE foram afetados por uma destruição sem precedentes provocada por catástrofes naturais, desde inundações fatais na Alemanha e no Benelux, a incêndios florestais devastadores na Grécia e Espanha. Perante a crise climática, aliada a outras fontes de degradação ambiental, é provável que a destruição e as catástrofes naturais se tornem a norma, em vez da exceção. Quanto mais se adiar, debilitar ou evitar a aplicação de medidas eficazes para combater a crise climática e a degradação ambiental, maiores se tornarão os riscos.

3.3.

Pelo menos 240 pessoas perderam a vida em inundações que afetaram a Europa Ocidental no verão de 2021 (6), com inúmeras mais a ficar desalojadas e a perder as suas casas. Na Grécia, registaram-se mais de 500 incêndios durante uma onda de calor que assolou o país (7).

3.4.

Além de, em 2021, a escala de destruição e perda de vidas devido a catástrofes ambientais ter sido inédita, também o foram os custos financeiros para as comunidades afetadas. Na Europa Ocidental, estima-se que as inundações tenham provocado danos no valor de 38 mil milhões de euros (8). Na Grécia, o primeiro-ministro viu-se obrigado a aprovar um pacote de ajuda de 500 milhões de euros para a ilha de Eubeia, a região mais afetada pelos incêndios (9).

3.5.

Nenhuma parte do globo está livre dos perigos crescentes de catástrofes naturais. Do mesmo modo, nenhum Estado-Membro da UE está suficientemente bem equipado para superar estes desafios enormes — quer a nível de recursos e de material para lidar com secas, incêndios e inundações, quer a nível do financiamento necessário para ajudar à recuperação das regiões afetadas.

3.6.

O investimento realizado pelo Fundo de ajustamento às alterações climáticas para responder a catástrofes naturais deve funcionar como um complemento das despesas atuais dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento no domínio da prevenção e preparação em situação de catástrofe. É necessário um investimento enorme para a criação de capacidade de resistência contra os impactos das alterações climáticas, por exemplo investimento na construção de diques, edifícios resistentes a inundações, proteção contra a erosão costeira, equipamento para monitorização e controlo de incêndios, bem como tecnologia para, nomeadamente, ajudar a poupar e a armazenar água potável em regiões afetadas por secas. Se, por um lado, os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento devem atuar ex ante para reduzir eventuais danos, por outro, o Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve estar disponível para responder rapidamente nos casos em que tais medidas preventivas não tenham conseguido evitar determinados danos.

3.7.

O CESE salienta que as repercussões previstas da crise climática exigem um mecanismo de apoio muito mais robusto do que o atualmente em vigor. O orçamento total do FSUE está limitado a 500 milhões de euros por ano (10). Desde a sua criação em 2002, o FSUE apoiou 28 países europeus diferentes, disponibilizando mais de 7 mil milhões de euros (11). São números impressionantes, mas não seriam suficientes, de forma alguma, para cobrir os custos dos danos provocados por catástrofes naturais só em 2021.

3.8.

Em caso de catástrofes naturais, verifica-se um aumento do risco de perda de vida entre determinados grupos que não conseguem abandonar facilmente as regiões afetadas. Trata-se, nomeadamente, do caso dos idosos, das pessoas com deficiência e das crianças. Os investimentos devem ser direcionados de modo a garantir que os serviços de emergência estão dotados do material e do apoio de trabalhadores de salvamento suplementares para dar assistência a todas as pessoas que requerem atenção especial. As pessoas que possuem menos recursos são também as que têm menos capacidade de evacuação, devido ao custo que implica encontrar um alojamento alternativo e ao acesso limitado a meios de mobilidade pessoal. Esta deve ser uma das questões que o Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve procurar resolver.

4.   O Fundo de ajustamento às alterações climáticas como via no sentido da transição para energias ecológicas

4.1.

O CESE considera que a adaptação às alterações climáticas também está relacionada com a adaptação a uma nova realidade de produção de energia sustentável. Devido a acontecimentos recentes, a UE enfrenta desafios enormes e urgentes no que diz respeito à independência energética, que não estavam previstos quando foram elaborados o Quadro Financeiro Plurianual (QFP), o NextGenerationEU e o quadro de governação económica. No que se refere ao plano REPowerEU da Comissão (12) e às conclusões do Conselho Europeu, o CESE concorda plenamente que, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, as razões para a independência energética, incluindo o desenvolvimento das energias renováveis, nunca foram tão fortes.

4.2.

O CESE salienta a necessidade de destacar o papel que as tecnologias energéticas ecológicas e descarbonizadas, a melhoria da eficiência energética e a redução da procura de energia podem desempenhar no aumento do fornecimento de energia, a preços mais comportáveis, na UE. Tal ajudará a proteger contra subidas dos preços, que impedem o crescimento económico, exacerbam desigualdades, provocam pobreza energética, aumentam os custos de produção e prejudicam a competitividade da UE. O CESE congratula-se, nomeadamente, com a aceleração da implantação na indústria de soluções inovadoras à base de hidrogénio e de eletricidade renovável competitiva a nível de custos.

4.3.

A necessidade de investir com urgência e ambição na mudança para formas mais ecológicas de energia produzidas na UE é mais premente do que nunca. Embora a produção de energias ecológicas e a autonomia energética devam ser sempre uma meta a longo prazo para a UE, o contexto imediato é constituído por uma UE com uma necessidade urgente de aprovisionamento de energia a partir de fontes alternativas a preços comportáveis, sem comprometer as respetivas metas em matéria de energia. O Fundo de ajustamento às alterações climáticas poderia responder de forma mais eficaz e eficiente do que os mecanismos existentes à necessidade urgente de investimento no fornecimento aos cidadãos de energia a partir de fontes alternativas a preços comportáveis.

4.4.

O CESE observa com cada vez maior clareza que a dependência energética é uma das causas do enfraquecimento das respostas da UE a países como a Rússia, conforme se vê claramente na resposta da UE à invasão da Ucrânia. A atual dependência excessiva de gás da Rússia compromete seriamente a capacidade da UE e dos seus Estados-Membros para tomarem medidas céleres, sem colocarem os seus próprios cidadãos em risco de escassez de combustíveis e de pobreza energética. Infelizmente, os planos para aquisição de gás natural aos EUA não constituem uma solução sustentável ou ambientalmente responsável (13).

4.5.

O Fundo de ajustamento às alterações climáticas deve funcionar como uma forma de financiamento da nossa necessidade urgente de energias ecológicas e descarbonizadas produzidas na UE, com uma aquisição ambiciosa de tecnologias existentes e investimento no desenvolvimento de novas tecnologias para alcançar uma economia com impacto neutro no clima. O CESE insta a que a guerra na Ucrânia não leve a que se negligencie a missão da UE de atingir as metas ambientais e sociais, pois estas constituem a base para a construção de uma força económica a longo prazo.

4.6.

No que se refere à redução do consumo de energia, a evolução varia acentuadamente entre Estados-Membros. Em 2018, apenas 11 dos 27 Estados-Membros tinham reduzido a procura interna total de energia abaixo da respetiva meta para 2020. De um modo geral, a UE está longe de alcançar as respetivas metas para 2030, o que implica a necessidade de esforços suplementares. Felizmente, a percentagem de energias renováveis no consumo final bruto de energia na UE tem aumentado de uma forma constante. O pacote Objetivo 55 propôs a consecução de uma percentagem de 40 % de energias renováveis no consumo de energia até 2030. Embora a percentagem de energias renováveis no consumo de energia varie substancialmente por toda a UE, o mesmo se verifica com a capacidade de produção de energias renováveis, devido a restrições orçamentais e à geografia. Em alguns países, a capacidade fotovoltaica instalada per capita é bastante reduzida, apesar do potencial enorme neste domínio. Outros países atingem uma percentagem elevada de energias renováveis devido a possibilidades geográficas favoráveis para centrais hidroelétricas.

4.7.

A intensificação dos esforços no sentido da transição para energias ecológicas estará intrinsecamente ligada a novas necessidades de financiamento e terá de ser realizada com urgência, face à crise energética e à necessidade crescente de autonomia da UE em matéria de energia. Impulsionar as propostas do Objetivo 55 através de metas mais elevadas e de prazos antecipados para energias renováveis, por exemplo implantando energia solar e eólica e melhorando a eficiência energética, exigirá uma resposta robusta a nível de financiamento. A Comissão anunciou a intenção de avaliar estas necessidades de financiamento no contexto das propostas do plano REPowerEU (14) com base num levantamento das necessidades nos Estados-Membros, bem como nos requisitos para o investimento transfronteiriço. O CESE acolhe favoravelmente esta intenção, mas manifesta também a preocupação de que os instrumentos de financiamento atuais a nível da UE e nacional não sejam suficientes e que seja necessário tomar medidas para tornar as energias renováveis uma solução para o presente. As despesas do Fundo de ajustamento às alterações climáticas no domínio das energias renováveis devem igualmente ser impulsionadas pela captação de investimento privado, sendo o capital inicial fornecido pelo fundo.

4.8.

A intensificação do investimento para melhorar a autonomia energética da UE deve ser efetuada em consonância com uma ênfase na transição ecológica e para energias renováveis. Para que seja bem-sucedida, além de investimentos mais imediatos através do Fundo de ajustamento às alterações climáticas, a UE precisará de investimentos significativos a longo prazo em investigação e inovação, bem como de novas formas de produzir e de consumir, de modo a melhorar a nossa capacidade para disponibilizar a todos energia limpa e a preços acessíveis. A estratégia de investigação e inovação da UE demonstra já um compromisso assinalável com este objetivo, com potencial para uma evolução significativa. No entanto, esta ênfase na investigação deve ser acompanhada do compromisso dos Estados-Membros com a adoção de formas de produção de energia mais ecológicas, bem como da sua capacidade para realizar uma transição que os afasta de meios de produção de energia mais tradicionais, nomeadamente em Estados-Membros ainda altamente dependentes do carvão.

4.9.

Embora acolha favoravelmente o financiamento existente dedicado à política climática no QFP e no NextGenerationEU, o CESE salienta também que as ameaças ambientais mais imediatas para os cidadãos da UE se alteraram desde que aquele foi estabelecido, sendo necessárias novas abordagens. Além da criação deste novo fundo, o CESE insta a Comissão a rever o quadro de financiamento, de modo a identificar lacunas neste âmbito e outras necessidades de financiamento relativamente a vários aspetos da política climática.

5.   Assegurar a solidez das políticas atuais da UE em matéria de clima e energia e a complementaridade do Fundo de ajustamento às alterações climáticas

5.1.

O Fundo de ajustamento às alterações climáticas responderia a uma necessidade muito específica de financiamento da UE que se encontra por satisfazer, ou seja, permitiria dispor de financiamento suficiente para fazer face rapidamente a emergências climáticas, ambientais e energéticas. No entanto, este fundo deve ser coerente com as políticas globais da UE nesses domínios.

5.2.

A crise climática é uma questão sistémica que ultrapassa fronteiras, pelo que exige também uma mudança sistémica na forma como a nossa economia funciona, sendo fundamental que os governos se comprometam a encontrar soluções sistémicas, em vez de se limitarem a abordar os sintomas do problema.

5.3.

O facto de existirem enormes disparidades na forma como pessoas e grupos estão empenhados e são afetados agrava o problema das alterações climáticas. Estas disparidades dizem respeito à pegada de carbono, verificando-se variações bastante significativas nas emissões de CO2 per capita dos diferentes Estados-Membros e regiões da UE. Também se observam diferenças nos impactos das alterações climáticas, na capacidade de adaptação e de resposta aos desafios e, por fim, nos impactos das medidas em matéria de política climática e das alterações estruturais significativas iminentes.

5.4.

Dentro da UE, os impactos climáticos diferem muito nos Estados-Membros, e entre os mesmos, consoante a sua geografia e a situação e estrutura da sua economia. Por exemplo, enquanto 7 % da população da UE vive em regiões com um risco elevado de inundação, mais de 9 % vive em regiões caracterizadas por 120 dias sem chuva.

5.5.

A luta por uma transição justa também exige condições sociais sustentáveis em consonância com os ODS e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Além disso, o CESE apela para a aplicação de uma abordagem holística em relação à sustentabilidade ambiental e salienta o Regulamento Taxonomia, que estabelece seis objetivos ambientais: a atenuação das alterações climáticas, a adaptação às alterações climáticas, a utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos, a transição para uma economia circular, a prevenção e o controlo da poluição, e a proteção e o restauro da biodiversidade e dos ecossistemas.

5.6.

Com um orçamento aprovado superior a 330 mil milhões de euros no período de programação em vigor, a política de coesão é atualmente o instrumento de investimento comum maior e mais importante da Europa e, por conseguinte, desempenha um papel fundamental na luta contra a crise climática. Também existe grande probabilidade de as disparidades nos Estados-Membros, e entre os mesmos, que a política de coesão tem por objetivo colmatar, serem afetadas pelas alterações climáticas e respetivas consequências. O Plano de Recuperação e Resiliência, por seu lado, coloca também uma forte ênfase no clima. Ainda que se assista a um claro empenho no investimento, é necessário ter uma visão clara e estruturada dos fundos da UE que visam combater as alterações climáticas e da forma como são geridos.

5.7.

O CESE sublinha ainda a necessidade de os órgãos de poder local e regional assumirem um compromisso político claro no sentido de alcançar os objetivos climáticos. É urgente intensificar o diálogo a vários níveis entre os órgãos de poder local, regional e central sobre a conceção e aplicação de medidas nacionais em matéria de alterações climáticas a nível regional e local, o acesso direto dos órgãos de poder local a financiamento e o acompanhamento da evolução das medidas adotadas. Os parceiros sociais e a sociedade civil organizada devem participar neste processo, de modo a salvaguardar uma abordagem equilibrada, respeitando os interesses de todos os grupos.

5.8.

O CESE destaca o papel crucial dos parceiros locais, sociais e regionais na luta contra as consequências das alterações climáticas. Infelizmente, o apoio que muitos destes intervenientes recebem para financiar as suas atividades está ainda longe de ser suficiente para responder aos desafios que enfrentam. Nomeadamente, é preciso reforçar o Fundo para uma Transição Justa para que preste maior apoio.

5.9.

O CESE reitera que a transição para a sustentabilidade ambiental deve ser integradora e estar em consonância com os ODS e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Neste contexto, os critérios fundamentais devem incluir a salvaguarda e a criação de novos empregos de qualidade e ecológicos, garantindo, desta forma, à população regional formação e medidas sociais integradoras através da criação de setores económicos alternativos com impacto neutro no clima. Tem de compensar os potenciais efeitos regressivos das medidas em matéria de política climática e as alterações estruturais. Por exemplo, as medidas de contratação pública e de auxílio estatal para empresas devem ficar vinculadas à criação de empregos de qualidade e ao respeito pelos direitos dos trabalhadores, assim como ao cumprimento das normas ambientais e das obrigações fiscais. Além disso, as pessoas vulneráveis devem ser protegidas do impacto das alterações climáticas, evitando sempre a pobreza energética. Por fim, o CESE salienta o princípio de «não prejudicar significativamente» da taxonomia da UE, que determina que nenhum objetivo ambiental pode ser prejudicado pela execução de várias políticas.

5.10.

Uma vez que o ensino formal e o não formal constituem mecanismos importantes de combate à crise climática, é fundamental investir numa educação acessível em matéria de alterações climáticas e cidadania ativa. A educação para a sustentabilidade é um instrumento poderoso para o desenvolvimento dos jovens, capacitando-os para participarem no debate sobre a direção que deve tomar uma política climática concreta. O papel da educação e da formação na luta contra as alterações climáticas é cada vez mais reconhecido.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/tackling-energy-poverty-and-eus-resilience-challenges-economic-and-social-perspective (ver página 88 do presente Jornal Oficial).

(2)  «Regional development MEPs suggest to set-up a Climate Change Adaptation Fund» [Deputados da Comissão do Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu propõem a criação de um fundo de ajustamento às alterações climáticas] | Atualidade | Parlamento Europeu.

(3)  «Economic losses from climate-related extremes in Europe» [Perdas económicas decorrentes de situações extremas relacionadas com o clima na Europa] — Agência Europeia do Ambiente.

(4)  Comunicação Criar uma Europa resiliente às alterações climáticas — a nova Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas [COM(2021) 82 final, ponto 2.2.3] e Comunicação Estratégia de financiamento da transição para uma economia sustentável [COM(2021) 390 final, capítulos II e III, ação n.o 2, alínea c), lacunas na proteção de seguros através do painel de indicadores da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA) e documento de reflexão].

(5)  ESPAS_Report.pdf, p. 8.

(6)  https://www.brusselstimes.com/belgium-all-news/199487/europes-summer-floods-amount-to-worlds-second-most-costly-natural-disaster-of-2021

(7)  https://www.reuters.com/world/europe/greece-starts-count-cost-after-week-devastating-fires-2021-08-09/

(8)  Europe's summer floods amount to world's second-most costly natural disaster of 2021 (brusselstimes.com) [Inundações durante o verão na Europa representam a segunda catástrofe natural mais dispendiosa de 2021].

(9)  https://www.reuters.com/world/europe/greece-starts-count-cost-after-week-devastating-fires-2021-08-09/

(10)  Fundo de Solidariedade da União Europeia

(11)  https://ec.europa.eu/regional_policy/pt/funding/solidarity-fund/

(12)  Plano REPowerEU, COM(2022) 230 final.

(13)  «U.S., EU strike LNG deal as Europe seeks to cut Russian gas» [EUA e UE acertam acordo em matéria de GNL quando a Europa procura abandonar o gás russo] | Reuters.

(14)  COM(2022) 230 final


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/30


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Criptoativos — Desafios e oportunidades

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/05)

Relator:

Philip von BROCKDORFF

Correlatora:

Louise GRABO

Decisão da Plenária

24.3.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

9.9.2022

Adoção em plenária

22.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

148/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE está consciente da crescente capitalização bolsista dos criptoativos e apoia firmemente a proposta de regulamento relativo aos mercados de criptoativos apresentada pela Comissão Europeia, no intuito de regulamentar os criptoativos na UE, que foi objeto de um acordo político provisório dos colegisladores em 30 de junho de 2022 (1).

1.2.

O CESE defende também a criação de um quadro operacional e regulamentar robusto, a fim de melhorar o seguimento financeiro das transações e o cumprimento das obrigações fiscais dos criptoativos.

1.3.

O CESE recomenda vivamente que as autoridades respeitem o princípio «mesma atividade, mesmos riscos, mesmas regras». Tal implica tirar partido dos quadros regulamentares vigentes no caso das empresas que efetuam transações de criptoativos que requerem uma cobertura de riscos semelhantes aos riscos subjacentes às transações tradicionais. O CESE considera que esta abordagem é necessária para evitar assimetrias entre serviços e ativos análogos, que poderiam ser abrangidos por quadros diferentes por questões de ordem técnica.

1.4.

O quadro regulamentar para os criptoativos tem de ser coerente entre jurisdições, e não apenas na UE. Importa estabelecer, dentro e fora da UE, normas assentes em condições de concorrência equitativas, a fim de proteger os clientes. O CESE aprova o Regulamento Transferências de Fundos (2), embora, em alguns aspetos, vá mais longe do que a regulamentação das operações de financiamento tradicionais. Porém, apoia, ao mesmo tempo, a inovação na UE e entende que é importante que os produtos comuns de natureza não financeira baseados na tecnologia das cadeias de blocos sejam tratados como os seus homólogos físicos e não como instrumentos financeiros, em conformidade com o princípio «mesma atividade, mesmos riscos, mesmas regras».

1.5.

O CESE observa com preocupação as consequências ambientais dos criptoativos e das respetivas atividades de mineração, tendo em conta os compromissos assumidos pela UE em matéria de clima no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. Considera que, apesar de as tecnologias de registo distribuído emergentes, como a cadeia de blocos, poderem aparentemente permitir a criação de infraestruturas sustentáveis para um futuro hipocarbónico, não existem provas conclusivas de que tal aconteça efetivamente.

1.6.

O CESE considera que a cadeia de blocos, enquanto principal tecnologia subjacente aos criptoativos, pode ajudar a minimizar os riscos que atualmente caracterizam o mercado. Os benefícios potenciais da cadeia de blocos vão das transações em tempo real, permitindo uma redução dos riscos e uma melhor gestão do capital, ao reforço da eficácia regulamentar, por exemplo, utilizando a cadeia de blocos para controlos em matéria de conhecimento do cliente e de branqueamento de capitais.

1.7.

O CESE assinala ainda que as limitações existentes no que toca ao cumprimento das obrigações fiscais podem ser ultrapassadas com a evolução tecnológica, melhorando, assim, a transparência e a qualidade dos dados enviados às autoridades fiscais para efeitos de controlo, combatendo a fraude fiscal e as transações ilícitas.

1.8.

A evolução tecnológica nas cadeias de blocos pode ainda incentivar os bancos a cooperarem no âmbito do ecossistema das cadeias de blocos, que lhes faculta a possibilidade de partilharem informações e experiências com a comunidade alargada de cadeias de blocos através de uma plataforma de negociação financeira assente nessa tecnologia.

1.9.

Por último, o CESE apoia plenamente o papel desempenhado pelo Banco Central Europeu (BCE) no acompanhamento da evolução dos criptoativos e das suas potenciais implicações para a política monetária, bem como dos riscos que os criptoativos podem representar quer para o bom funcionamento das infraestruturas de mercado e dos pagamentos, quer para a estabilidade do sistema financeiro.

2.   Contexto

2.1.

A capitalização do mercado dos criptoativos mais do que triplicou em 2021 ascendendo a 2,6 biliões de dólares dos Estados Unidos. Porém, os criptoativos continuam a representar uma pequena percentagem dos ativos que integram o sistema financeiro mundial global (3). Em termos numéricos, os criptoativos são comparáveis a algumas das classes de ativos consolidadas, embora a sua importância ainda fique muito aquém das obrigações do Estado, dos mercados de ações e dos derivados financeiros. O seu crescimento rápido atraiu vários intervenientes novos para o ecossistema, sendo cada vez maior a oferta de criptoativos, alguns referidos como «moedas virtuais», «criptomoedas» ou «fichas digitais». Os criptoativos que mais se destacaram até à data incluem a bitcoin e a ether, que, em conjunto, representam cerca de 60 % da capitalização total do mercado de criptoativos.

2.2.

Ao longo do último ano, a procura de «criptomoeda estável» ou stablecoin (4) — uma das classes de criptoativos — registou um crescimento sem precedentes, sustentado pela evolução tecnológica, nomeadamente na cadeia de blocos. Especificamente, o volume de transações de criptomoedas estáveis ultrapassou quase todos os outros criptoativos, sobretudo devido à sua utilização intensa para liquidar transações de operações à vista e de derivados. A relativa estabilidade dos preços das criptomoedas estáveis ajuda ainda a proteger os detentores de criptoativos da volatilidade associada a outros criptoativos.

2.3.

As finanças descentralizadas ou «DeFI» (5) que assentam na tecnologia das cadeias de blocos e prestam serviços financeiros utilizando criptomoedas estáveis ou outros criptoativos são um dos motivos principais que explicam o aumento da procura de criptoativos, uma vez que permitem aos utilizadores comercializá-los sem necessidade de intermediários. Além disso, não é exigida uma avaliação do risco de crédito do cliente na transação. Curiosamente, essas transações envolvem sobretudo intervenientes institucionais de economias desenvolvidas, em que se transacionam geralmente criptomoedas estáveis (6).

2.4.

Pode descrever-se a tecnologia das cadeias de blocos ou de registo distribuído como um grande ficheiro público, partilhado e armazenado ao longo de uma rede gigantesca de computadores que contêm todas as transações em criptoativos. Uma vez que é partilhado publicamente e o seu conteúdo é validado, não é possível reverter ou alterar a transação. Por conseguinte, o ficheiro público gerado pelo recurso à tecnologia de registo distribuído impede as transações fraudulentas.

2.5.

Em meados de fevereiro de 2020, no pico da crise da COVID-19 — um momento de tensão no mercado —, a bitcoin atingiu o seu valor máximo de 10 367,53 dólares dos Estados Unidos, caindo para 4 994,70 dólares dos Estados Unidos em meados de março do mesmo ano. Contudo, a ascensão acentuada e a queda abrupta do valor pouco tiveram que ver com a pandemia e o respetivo efeito no mercado de ações (7). O comportamento aparentemente errático do valor da bitcoin resulta do fenómeno que os mineradores e especialistas designam por «reduzir para metade» [halving]. A redução para metade do valor da bitcoin ocorre de quatro em quatro anos, ou de cada vez que são minerados 210 000 blocos. Ocorreu em 2012, verificando-se as mesmas flutuações previsíveis nos preços da bitcoin. Este padrão não se alterou muito desde 2012.

2.6.

No contexto atual, os criptoativos não parecem constituir um risco significativo para a estabilidade financeira, conforme confirmado pelo Conselho de Estabilidade Financeira (CEF) no seu relatório de 2018. No entanto, o próprio CEF manifestou preocupação em relação aos riscos que uma maior capitalização do mercado pode trazer, nomeadamente riscos relacionados com a confiança dos investidores, riscos decorrentes da exposição direta ou indireta das instituições financeiras e riscos decorrentes da utilização de criptoativos enquanto meio de troca ou pagamento.

2.7.

As autoridades europeias de supervisão (Autoridade Bancária Europeia — EBA, Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados — ESMA e Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma — EIOPA) manifestaram as mesmas preocupações, tendo alertado os consumidores para o facto de muitos criptoativos serem um investimento extremamente arriscado e especulativo, não sendo indicado para a maioria dos pequenos investidores nem enquanto meio de troca ou pagamento. Consideram que os consumidores enfrentam a possibilidade muito real de perderem todo o capital investido se adquirirem criptoativos de alto risco. Alertam ainda para o facto de os consumidores deverem estar atentos aos riscos de publicidade enganosa, nomeadamente através das redes sociais e de influenciadores. Os consumidores devem ser particularmente cautelosos com a promessa de rendimentos rápidos ou elevados.

2.8.

Embora registem um crescimento rápido, atualmente, as ligações diretas entre os criptoativos, por um lado, e as instituições financeiras de importância sistémica e os mercados financeiros principais, por outro, são limitadas. Não obstante, a participação de instituições nos mercados de criptoativos, na qualidade de investidores ou de prestadores de serviços, aumentou no último ano, embora tenha partido de um nível baixo. Se a trajetória atual de crescimento em escala e em interligação dos criptoativos a estas instituições prosseguir, poderá ter implicações para o sistema financeiro mundial.

2.9.

O crescimento em escala e em interligação dos criptoativos reforça a necessidade e a importância de serem submetidos a auditorias coerentes, comparáveis e objetivas, tendo em vista informar sobre a precisão e a exaustividade das informações financeiras comunicadas ao público. Nesta continuidade, em setembro de 2020, a Comissão Europeia apresentou uma proposta legislativa para harmonizar e legitimar a regulamentação em matéria de criptomoedas no âmbito dos criptoativos (8). A proposta prevê um quadro abrangente para a regulamentação e supervisão dos emitentes e oferentes de criptoativos, bem como dos prestadores de serviços de criptoativos, com vista a proteger os consumidores e a integridade e estabilidade do sistema financeiro. Em 30 de junho de 2022, os colegisladores alcançaram um acordo político provisório. O texto legislativo final deverá ser publicado e entrar em vigor nos próximos meses. A posição do CESE sobre esta matéria consta do parecer Criptoativos e tecnologia de registo distribuído (9).

3.   Riscos colocados pelos criptoativos

3.1.

De um modo geral, o crescimento rápido dos criptoativos pautou-se por uma estrutura operacional fraca, uma gestão insuficiente do risco cibernético e quadros de governação deficientes. A combinação destes três elementos aumenta os riscos para os clientes, sendo a cibersegurança uma questão importante no domínio dos criptoativos. Os criptoativos roubados conseguem geralmente entrar em mercados ilegais e são utilizados para financiar outras atividades criminosas. Da mesma forma, no contexto dos ataques com software de sequestro [ransomware], os criminosos pedem muitas vezes às vítimas que paguem o resgate em criptomoeda, como a bitcoin (10). O Regulamento relativo à resiliência operacional digital do setor financeiro (Regulamento DORA), recentemente aprovado pelos colegisladores e atualmente em fase de finalização para publicação, prevê requisitos uniformes em matéria de segurança das redes e dos sistemas de informação que sustentam os processos comerciais das entidades financeiras — onde se incluem os prestadores de serviços de criptoativos —, o que é necessário para assegurar um elevado nível comum de resiliência operacional digital.

3.2.

O ecossistema dos criptoativos está ainda exposto a um certo risco de concentração, uma vez que a negociação é dominada por um número relativamente reduzido de entidades (11). Um estudo concluiu que um conjunto de menos de 10 000 pessoas em todo o mundo detinha 4,8 milhões de bitcoins (12) — quase um terço dos 18,5 milhões de bitcoins minerados até à data, cujo valor de mercado ascende a cerca de 600 mil milhões de dólares dos Estados Unidos. A situação não se alterou muito. O ecossistema da bitcoin ainda é dominado por intervenientes concentrados e de grandes dimensões, sejam eles grandes mineradores (13), detentores de bitcoins ou negociadores. Esta concentração torna as bitcoins vulneráveis a riscos sistémicos, além de implicar a probabilidade de a maioria dos ganhos decorrentes da maior penetração dessa moeda nos mercados beneficiar, de forma desproporcionada, um pequeno número de participantes (14).

3.3.

No seu relatório mais recente (15), o CEF afirma que os sistemas do mercado, como o setor bancário, têm estado, em grande medida, protegidos da volatilidade dos criptoativos. Contudo, alerta para a importância crescente dos ativos digitais nas operações das instituições financeiras. Se uma criptomoeda estável importante (utilizada para pagamentos de forma generalizada) fracassar, essa situação poderá ter impacto na estabilidade financeira, numa altura de incerteza crescente devido à guerra na Ucrânia, com os preços dos produtos de base a registarem máximos históricos. O fracasso de uma criptomoeda estável poderá também conduzir a falta de liquidez no ecossistema alargado dos criptoativos, limitando, assim, os volumes transacionados.

3.4.

Conforme observado num parecer anterior (16), o CESE apoia plenamente os esforços envidados na UE com vista a aumentar a supervisão dos criptoativos. No entanto, devido à perceção de anonimato, os criptoativos podem ainda assim ser vítimas de intenções criminosas, apesar das melhorias registadas no seu seguimento. Recentemente, os criptoativos também passaram a predominar enquanto moeda preferida dos perpetradores de ciberataques, que utilizam software de sequestro para piratear sistemas e depois exigir pagamentos em bitcoin, como contrapartida para não destruírem nem divulgarem os dados valiosos da empresa. Além disso, verificou-se um aumento dos relatos de criptoesquemas de Ponzi. O BCE alega igualmente que são utilizadas criptomoedas para evitar as sanções impostas aos oligarcas russos devido à guerra na Ucrânia (17). O risco de utilização abusiva dos criptoativos para contornar as sanções à Rússia representa um alerta importante para a necessidade de obrigar estes mercados a cumprir as normas exigidas, nomeadamente as informações sobre os investidores, bem como os requisitos de divulgação e de combate ao branqueamento de capitais.

3.5.

A informação enganosa e a falta de transparência também suscitam grande preocupação. Alguns criptoativos são publicitados intensamente junto do público, recorrendo a materiais promocionais e outras informações que podem ser pouco claros, incompletos, inexatos ou intencionalmente enganosos, exagerando os ganhos potenciais e, ao mesmo tempo, subestimando os riscos envolvidos. A promoção é feita, muitas vezes, através de influenciadores nas redes sociais, que não divulgam se recebem um incentivo financeiro para promover determinados criptoativos, nomeadamente o recente aumento da arte em tokens não fungíveis (arte em NFT) associada a várias celebridades e desportistas.

3.6.

As autoridades de supervisão da UE consideram que as enormes flutuações de preço dos criptoativos representam um grande risco para os investidores, apesar de as flutuações dos mercados de ações mundiais poderem originar riscos semelhantes. De facto, muitos criptoativos sofrem oscilações de preços súbitas e extremas, o que os torna altamente especulativos, na medida em que os preços dependem sobretudo da procura dos investidores. As oscilações de preços extremas suscitam novas dúvidas sobre o futuro das criptomoedas enquanto classe de ativos.

3.7.

De forma preocupante no caso dos criptoativos, os investidores muitas vezes veem-se na impossibilidade de fazer valer o seu direito a indemnizações por danos ou outros direitos num processo judicial, por exemplo por informação enganosa, especialmente porque, até ao momento, estes ativos não se enquadram na proteção existente prevista na regulamentação em vigor da UE para os serviços financeiros. Os investidores também não estão protegidos pelos sistemas de garantia de depósitos dos bancos, uma vez que estes sistemas abrangem apenas os depósitos em moeda e não criptoativos, ações e obrigações.

3.8.

Na perspetiva da UE, a futura entrada em vigor do Regulamento Mercados de Criptoativos deverá pôr termo à atual falta de harmonização entre Estados-Membros. No que se refere à tributação, aplicam-se várias abordagens nos Estados-Membros, muitos dos quais cobram um imposto de mais-valias sobre os lucros decorrentes de criptoativos, a taxas que variam entre 0 % e 50 %. Em 2020, com a adoção do pacote Finança Digital destinado a regulamentar a tecnologia financeira, a UE reconheceu o potencial do financiamento digital para a inovação e concorrência, atenuando simultaneamente os riscos inerentes.

3.9.

O CESE apela para a criação de um quadro operacional e regulamentar eficaz, a fim de melhorar o seguimento das transações e o cumprimento das obrigações fiscais dos criptoativos. Embora consciente dos problemas causados pela falta de uma supervisão centralizada dos criptoativos, pelo seu pseudoanonimato, pelas dificuldades de avaliação, pelas características híbridas e pela evolução rápida da tecnologia subjacente, o CESE entende que é possível assegurar o cumprimento das obrigações fiscais com base numa abordagem simétrica. Um estudo recente (18) revelou que a tributação das mais-valias geradas pela bitcoin na UE poderia gerar receitas de 850 milhões de euros em 2020, o que põe em evidência o volume significativo de receitas fiscais que se pode obter com este setor. Isto, claro está, no pressuposto de que os rendimentos obtidos através de criptoativos são tributados, à semelhança dos instrumentos financeiros tradicionais, o que implicaria fazer cumprir devidamente as obrigações fiscais, com base numa comunicação das informações adequada e na possibilidade de as administrações fiscais acederem às informações. Outra vantagem da melhoria do seguimento em tempo real das vendas das empresas seria o reforço do processo de cobrança do IVA.

3.10.

Importa salientar que alguns criptoativos podem ser classificados como instrumentos financeiros no âmbito da Diretiva Mercados de Instrumentos Financeiros II (DMIF II), como moeda eletrónica ao abrigo da Diretiva Moeda Eletrónica ou como fundos no âmbito da Diretiva Serviços de Pagamento 2. O problema é que alguns Estados-Membros instituíram regras específicas a nível nacional para os criptoativos que não se enquadram na regulamentação atual da UE, conduzindo a fragmentação regulamentar. Essa situação distorce a concorrência no mercado único, dificultando a expansão transfronteiras das atividades dos prestadores de serviços de criptoativos e resultando em arbitragem regulamentar.

3.11.

O CESE concorda que é preferível adotar uma abordagem holística que vise tanto os criptoativos suscetíveis de ser equiparáveis a instrumentos financeiros existentes como os criptoativos que atualmente não se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação da regulamentação, mas recomenda vivamente que as autoridades respeitem o princípio «mesma atividade, mesmos riscos, mesmas regras». Tal implica tirar partido dos quadros regulamentares vigentes no caso das empresas que efetuam transações de criptoativos que requerem uma cobertura de riscos semelhantes aos riscos subjacentes às transações tradicionais. O CESE considera que esta abordagem é necessária para evitar assimetrias entre serviços e ativos análogos, que poderiam ser abrangidos por quadros diferentes por questões de ordem técnica. Além disso, a qualquer inovação no domínio dos criptoativos deve seguir-se uma resposta regulamentar eficaz para minimizar os riscos.

3.12.

Por fim, as consequências ambientais dos criptoativos e das atividades de mineração conexas são de extrema importância, tendo em conta os compromissos climáticos da UE no âmbito do Pacto Ecológico. Um estudo realizado recentemente pelo Banco Central dos Países Baixos (2021) esclarece que a pegada de carbono da rede de bitcoin está a aumentar, correspondendo a um consumo total de eletricidade pela rede comparável ao consumo dos Países Baixos, resultando num custo ambiental de 4,2 mil milhões de euros (19). No entanto, poderá ser pertinente comparar esse valor com o consumo de energia elétrica do setor bancário a nível mundial. A este respeito, o CESE observa que as tecnologias de registo distribuído emergentes, como a cadeia de blocos, estão aparentemente a ser utilizadas para permitir a criação de infraestruturas sustentáveis para um futuro hipocarbónico. No entanto, ainda não existem provas concretas de que tal aconteça efetivamente. Um aspeto positivo é o facto de os criadores de todo o setor da energia procurarem tirar partido das tecnologias de registo distribuído para ajudar a descentralizar a distribuição de energia, controlar as redes de energia através de contratos inteligentes e prestar serviços de resposta à procura em função das previsões de consumo e de oferta de eletricidade.

4.   Oportunidades proporcionadas pelos criptoativos

4.1.

À luz dos riscos referidos acima, não é claro até que ponto as criptomoedas alguma vez se tornarão um meio de troca dominante. Contudo, não seria irrealista prever que as lacunas que têm caracterizado os criptoativos, como a capacidade de processamento e o consumo muito elevado de energia necessário à sua mineração, poderão ser colmatadas por futuras evoluções tecnológicas. O mesmo se pode aplicar aos riscos associados à atividade criminosa e ao branqueamento de capitais, em que a percentagem ilícita do volume de transações de criptomoeda caiu de 0,62 % em 2020 para 0,15 % em 2021 (20), à medida que os serviços responsáveis pela aplicação da lei se aperfeiçoam no seguimento e apreensão de criptomoedas ilícitas. Face ao exposto, o CESE assinala que, desde a publicação do seu plano de ação para a tecnologia financeira, em março de 2018, a Comissão Europeia analisou as oportunidades e os desafios suscitados pelos criptoativos.

4.2.

Embora importe prever um quadro legislativo robusto em matéria de criptoativos, conforme estabelecido na proposta da Comissão (21), o CESE entende que a cadeia de blocos, enquanto principal tecnologia subjacente aos criptoativos, poderá dar um contributo significativo para minimizar os riscos existentes. Os benefícios potenciais da cadeia de blocos vão das transações em tempo real, permitindo uma redução dos riscos e uma melhor gestão do capital, ao reforço da eficácia regulamentar, por exemplo utilizando a cadeia de blocos para controlos em matéria de conhecimento do cliente e de branqueamento de capitais. Além disso, a cadeia de blocos promove o reforço da cibersegurança, uma vez que piratear um ecossistema assente em cadeias de blocos exige recursos exorbitantes a nível de rede e de capacidade computacional. Existe ainda um potencial de integração significativo com outras tecnologias emergentes, como a inteligência artificial (IA) e a Internet das coisas, para apoiar a tecnologia dos criptoativos.

4.3.

Conforme salientado anteriormente, a falta de transparência e de informações constitui um problema grave relacionado com os criptoativos, conduzindo a um pseudoanonimato e à escassez de dados fiscais. As limitações existentes podem ser ultrapassadas com a evolução tecnológica, melhorando, assim, a transparência e a qualidade dos dados enviados às autoridades fiscais para efeitos de cumprimento, combatendo a fraude fiscal e as transações ilícitas. Além disso, as sinergias criadas entre a cadeia de blocos e a IA podem também ser uma solução, na medida em que a tecnologia das cadeias de blocos fornece dados de alta qualidade para aplicações de IA, assim como padrões transparentes para estudos de referência, além de assegurar a integridade de uma liquidação de imposto automática.

4.4.

A evolução tecnológica nas cadeias de blocos pode ainda incentivar os bancos a cooperarem no âmbito do ecossistema das cadeias de blocos, ao facultar-lhes a possibilidade de partilharem informações e experiências com a comunidade alargada de cadeias de blocos através de uma plataforma de negociação. Uma tal infraestrutura pode disponibilizar um serviço plenamente integrado de negociação de extremo a extremo, liquidação e custódia para ativos digitais assentes em cadeias de blocos. Poderia ainda proporcionar um ambiente seguro para a emissão e negociação de ativos digitais, além de permitir a fichização ou tokenização de valores mobiliários existentes e de ativos não financiáveis pelos bancos, por forma a tornar ativos anteriormente impossíveis de negociar em ativos negociáveis.

4.5.

Como é evidente é necessário um quadro regulamentar robusto para o efeito. No entanto, o quadro regulamentar tem de ser coerente entre jurisdições, e não apenas na UE. Importa estabelecer, dentro e fora da UE, normas assentes nos princípios relativos às condições de concorrência equitativas, a fim de proteger os consumidores. Neste contexto, o CESE aprova o Regulamento Transferências de Fundos, embora, em alguns aspetos, vá mais longe do que a regulamentação das operações de financiamento tradicionais. Porém, apoia, ao mesmo tempo, a inovação na UE e entende que é importante que os produtos comuns de natureza não financeira baseados na tecnologia das cadeias de blocos sejam tratados como os seus homólogos físicos e não como instrumentos financeiros, em conformidade com o princípio «mesma atividade, mesmos riscos, mesmas regras».

4.6.

Por último, uma consideração a respeito da possível introdução de um euro digital. Deve ficar claro que um euro digital não é um criptoativo, mas outra forma de euro (22). O euro digital permitiria aos cidadãos da UE efetuar pagamentos digitais em toda a área do euro, tal como utilizam o numerário para efetuar pagamentos físicos. Há, evidentemente, argumentos a favor e contra a introdução de um euro digital, mas parece ser um passo lógico à medida que os pagamentos se tornam cada vez mais digitalizados. Trata-se de uma questão crítica por duas razões: por um lado, um euro digital poderia contrariar de alguma forma o domínio dos Estados Unidos no mercado das criptomoedas estáveis e, por outro, é importante que o BCE continue a acompanhar a evolução dos criptoativos e as suas potenciais implicações para a política monetária, bem como os riscos que os criptoativos podem representar quer para o bom funcionamento das infraestruturas de mercado e dos pagamentos, quer para a estabilidade do sistema financeiro.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  O texto só deverá ser finalizado depois de aprovado pelo COREPER em finais de setembro de 2022, pelo que, muito provavelmente, não estará disponível antes da adoção do presente parecer.

(2)  O Regulamento Transferências de Fundos resulta essencialmente da recomendação do Grupo de Ação Financeira no sentido de prever a obrigação de os prestadores de serviços de pagamento acompanharem as transferências de fundos de informações sobre o ordenante e o beneficiário. As novas tecnologias como as utilizadas nas transferências de criptoativos serão abrangidas pelo Regulamento Transferências de Fundos.

(3)  «Assessment of risks to financial stability from crypto-assets» [Avaliação dos riscos para a estabilidade financeira suscitados pelos criptoativos].

(4)  Liao e Caramichael (2022), «Stablecoins: Growth potential and impact on banking» [Criptomoedas estáveis: potencial de crescimento e impacto no setor bancário], International Finance Discussion Papers n.o 1334, Washington: Conselho da Reserva Federal.

(5)  «DeFi» significa, essencialmente, a prestação de serviços financeiros de forma descentralizada, ou seja, sem recurso a um intermediário para facilitar a prestação do serviço financeiro. Após serem desenvolvidas por pessoas a título individual, as aplicações DeFi são implantadas na cadeia de blocos e ganham gradualmente vida própria, uma vez que a governação é cedida à comunidade de utilizadores. A forma última de uma aplicação DeFi é uma organização autónoma descentralizada. Esta prestação de serviços financeiros de forma descentralizada contrasta com o sistema financeiro tradicional, que depende de intermediários centralizados que controlam o acesso aos serviços financeiros. Não é a utilização da tecnologia das cadeias de blocos per se, mas a ausência de intermediários (possibilitada nomeadamente pela cadeia de blocos), que determina se estamos perante uma prestação de serviços financeiros descentralizada.

(6)  Chainalysis (2021).

(7)  Ver Sajeev, K.C., Afjal, M. «Contagion effect of cryptocurrency on the securities market: a study of Bitcoin volatility using diagonal BEKK and DCC GARCH models» [Efeito de contágio da criptomoeda no mercado de valores mobiliários: estudo da volatilidade da bitcoin com recurso aos modelos BEKK diagonal e DCC GARCH]. SN Bus Econ 2, 57 (2022).

(8)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos mercados de criptoativos e que altera a Diretiva (UE) 2019/1937, COM(2020) 593 final, de 24 de setembro de 2020.

(9)  JO C 155 de 30.4.2021, p. 31.

(10)  «Crypto-assets: Key developments, regulatory concerns and responses» [Criptoativos: evolução principal, preocupações em matéria de regulamentação e respostas].

(11)  É pertinente salientar que o grau de risco de concentração se exprime em termos relativos e está limitado ao ecossistema de criptoativos. Não tem qualquer incidência na concentração da riqueza ilustrada, por exemplo, na lista dos multimilionários do mundo publicada pela revista Forbes.

(12)  Makarov, I., Schoar, A., Blockchain Analysis of the Bitcoin Market [Análise do mercado da bitcoin da perspetiva da cadeia de blocos], 18 de abril de 2022.

(13)  A mineração criptográfica é o processo de criação de blocos individuais adicionados à cadeia de blocos através da resolução de problemas matemáticos complexos. O objetivo da mineração consiste em validar as transações de criptomoedas e comprovar o trabalho realizado (proof-of-work), acrescentando esta informação a um bloco na cadeia de blocos, que funciona como um registo das transações de mineração.

(14)  Makarov, I., Schoar, A., Blockchain Analysis of the Bitcoin Market [Análise do mercado da bitcoin da perspetiva da cadeia de blocos], 18 de abril de 2022.

(15)  «Assessment of risks to financial stability from crypto-assets» [Avaliação dos riscos para a estabilidade financeira suscitados pelos criptoativos].

(16)  Parecer do CESE Criptoativos e tecnologia de registo distribuído (JO C 155 de 30.4.2021, p. 31).

(17)  A presidente do BCE, Christine Lagarde, afirma que estão a ser utilizados criptoativos para contornar as sanções impostas à Rússia.

(18)  Thiemann, A. (2021), «Cryptocurrencies: An empirical View from a Tax Perspective» [Criptomoedas: uma análise empírica do ponto de vista fiscal], JRC Working Papers on Taxation and Structural Reforms n.o 12/2021, Comissão Europeia, Centro Comum de Investigação, Sevilha, JRC126109.

(19)  Trespalacios, J.P., e Dijk, J., «The carbon footprint of bitcoin» [A pegada de carbono da bitcoin], De Nederlandsche Bank, DNB Analysis Series, 2021.

(20)  The Chainalysis, «2022 Crypto Crime Report» [Relatório de 2022 sobre a criptocriminalidade].

(21)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos mercados de criptoativos e que altera a Diretiva (UE) 2019/1937, COM(2020) 593 final.

(22)  Ver o Parecer de Iniciativa em curso — Euro digital.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/37


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Estratégia para o Pessoal de Saúde e a Prestação de Cuidados para o futuro da Europa

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/06)

Relator:

Danko RELIĆ

Relatora:

Zoe TZOTZE-LANARA

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

6.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

194/4/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE defende firmemente o princípio segundo o qual o desenvolvimento de sistemas de saúde fortes e resilientes depende de pessoal de saúde instruído, qualificado e motivado, o que é fundamental para o êxito da política de saúde e, por conseguinte, essencial para assegurar a toda a população cuidados de saúde centrados nas pessoas e o «direito à saúde», como recomendado pela Conferência sobre o Futuro da Europa, garantindo a todos os europeus um acesso equitativo e sustentável a cuidados de saúde preventivos e curativos de qualidade e a preços comportáveis.

1.2.

O CESE congratula-se com a iniciativa respeitante a uma ação a nível da UE para reforçar os cuidados continuados e os serviços de educação e acolhimento na primeira infância, como previsto no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o que contribuirá para serviços de cuidados de elevada qualidade, acessíveis, equitativos e a preços comportáveis, bem como para reforçar a igualdade de género e a justiça social.

1.3.

O CESE apela para uma abordagem transformadora da prestação de cuidados centrada nas pessoas, nos seus direitos e necessidades, que permita nomeadamente a sua participação em debates, consultas e decisões pertinentes. Insta a Comissão a ser ambiciosa na definição de uma estratégia de prestação de cuidados que contribua para a coesão e a convergência ascendente dos cuidados de saúde e dos cuidados continuados nos Estados-Membros e entre os mesmos.

1.4.

A criação de uma garantia europeia para a prestação de cuidados pode assegurar que todas as pessoas que vivem na UE tenham acesso vitalício a serviços de saúde e de cuidados de qualidade e a preços comportáveis, resolver lacunas na prestação de cuidados e promover condições de trabalho dignas, proporcionando oportunidades de formação. É essencial apoiar os cuidadores informais, reconhecendo mais o seu trabalho, bem como promover políticas orientadas para resolver os problemas dos cuidados informais, remunerados e não remunerados, para assegurar uma utilização eficiente dos recursos.

1.5.

Uma vez que continuam a ser fundamentais serviços públicos eficientes, responsáveis e bem financiados para garantir a igualdade de acesso a cuidados de qualidade, o CESE apela à União Europeia para que assegure a complementaridade assente na solidariedade entre todos os prestadores de serviços de cuidados, incentive o investimento nos serviços públicos e na economia social e apoie os agentes da economia social no setor da prestação de cuidados.

1.6.

O planeamento do pessoal deve ter em conta a evolução das tecnologias digitais, já que as inovações nesse domínio criam oportunidades para novos ambientes e contextos de trabalho para a prestação dos cuidados e exigem novas competências. O apoio à digitalização dos serviços de cuidados continuados é fundamental para combater a divisão digital e a pobreza digital.

1.7.

O CESE propõe que se atualize o plano de ação para o pessoal dos setores da saúde e da prestação de cuidados na União Europeia (1). O desenvolvimento de um planeamento e previsão integrados do pessoal no setor da saúde e a adaptação das competências dos profissionais de saúde e de cuidados continuados são essenciais para melhorar o acesso a esses serviços e a qualidade dos mesmos. Um plano atualizado poderia assegurar uma recolha de dados mais eficaz, aproveitando o potencial da digitalização em toda a UE, e desenvolver métodos para uma previsão mais eficaz das necessidades em termos de pessoal e competências.

1.8.

O CESE salienta que cumpre respeitar o direito à mobilidade na UE. A mobilidade transfronteiras acrescenta uma nova dimensão ao planeamento do pessoal, e a criação de um serviço europeu de monitorização dos profissionais de saúde, destinado a ajudar os Estados-Membros a estabelecer e manter estruturas de planeamento, bem como a coordenar os aspetos transfronteiras do planeamento, constituiria um elemento infraestrutural útil a longo prazo.

1.9.

O diálogo social, com a participação de governos, empregadores e trabalhadores e respetivas organizações representativas, é fundamental para uma estratégia transformadora dos cuidados e para sistemas de saúde e de prestação de cuidados resilientes na UE. Importa associar os prestadores e os beneficiários de cuidados à conceção de um ecossistema de saúde e de cuidados inclusivo, resiliente e equitativo em termos de género.

2.   Observações gerais sobre a prestação de cuidados

2.1.

Vitais para a proteção social e para o bem-estar dos cidadãos da UE, os cuidados continuados compreendem uma gama de serviços e assistência destinados às pessoas que sofrem de fragilidade ou deficiência mental ou física, por períodos de tempo prolongados, que dependem de ajuda na vida quotidiana ou exigem cuidados de enfermagem permanentes por prestadores profissionais ou não profissionais, remunerados ou não remunerados, em casa ou em centros de enfermagem ou em instituições de acolhimento (2).

2.2.

A pandemia de COVID-19 constituiu um grande teste à resiliência e à adequação dos sistemas de cuidados em toda a UE, revelando problemas estruturais, como o subfinanciamento e a falta de pessoal em muitos países, que podem agravar-se devido aos desafios económicos e políticos atuais, à inflação, à instabilidade e à crise energética.

2.3.

O Pilar Europeu dos Direitos Sociais consagra o direito aos cuidados, bem como o direito de todas as pessoas acederem a serviços de cuidados formais de qualidade em função das suas necessidades. Anunciada pela presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen no seu discurso de 2021 sobre o estado da União, a nova Estratégia Europeia de Prestação de Cuidados propõe duas recomendações do Conselho, uma sobre as estruturas de acolhimento de crianças (revisão das metas de Barcelona) e outra sobre cuidados de longa duração ou continuados. O Parlamento Europeu recomendou a melhoria da prestação de cuidados ao longo da vida com base nas necessidades dos beneficiários e prestadores de cuidados, instando a Comissão a apoiar os Estados-Membros no desenvolvimento de serviços de prestação de cuidados de qualidade (3).

2.4.

O CESE adotou vários pareceres sobre a prestação de cuidados na UE (4), sublinhando a necessidade de investir em cuidados de alta qualidade, sustentáveis e acessíveis a todos, bem como de colmatar as deficiências nos serviços de acolhimento de crianças e nos serviços de prestação de cuidados continuados. Identificou lacunas na prestação universal de cuidados, que se manifestam «na diversificação e fragmentação dos serviços disponibilizados, na regulamentação deficiente desses serviços, nas dificuldades em coordenar os níveis de gestão, nos problemas de articulação entre os serviços sociais e de saúde, na mercantilização crescente dos serviços e na necessidade de políticas e medidas de prevenção». Opondo-se aos estereótipos e outras discriminações contra as pessoas idosas, o CESE apelou para cuidados centrados nas pessoas, sustentados na digitalização. Neste contexto, o CESE recomenda que se aproveite plenamente a digitalização para reduzir a burocracia desnecessária que afeta os prestadores de cuidados e se aplique os melhores resultados da regulamentação inteligente.

3.   Uma abordagem transformadora da prestação de cuidados

3.1.

Uma Estratégia Europeia de Prestação de Cuidados eficaz requer o compromisso com uma abordagem transformadora e ambiciosa, que tenha como elemento central as pessoas e as suas necessidades e direitos fundamentais, assegurando a sua participação em consultas e decisões, e encerra o potencial para contribuir para a coesão e a convergência ascendente nos Estados-Membros e entre os mesmos.

3.2.

Ao materializar essa transformação, a garantia europeia para a prestação de cuidados assegura o acesso vitalício de todas as pessoas que residem na UE a cuidados de qualidade e a preços comportáveis e cria um enquadramento coeso para os Estados-Membros proporcionarem serviços de elevada qualidade e estratégias de prestação de cuidados ao longo da vida, melhorando as condições de trabalho e formação dos prestadores de cuidados formais e o apoio dado aos cuidadores informais.

3.3.

Uma abordagem transformadora exige um investimento em larga escala na economia e nas infraestruturas da prestação de cuidados, com vista a colmatar as lacunas persistentes neste setor, criando potencialmente cerca de 300 milhões de empregos até 2035, o que também melhoraria a igualdade de género e o acesso das mulheres aos mercados de trabalho (5).

3.4.

Embora existam diferentes modelos nos Estados-Membros, continua a ser fundamental dispor de serviços públicos eficientes, responsáveis e bem financiados para garantir a igualdade de acesso a cuidados de qualidade e para apoiar os prestadores de cuidados não remunerados, particularmente as mulheres. O CESE realça a necessidade de maximizar a complementaridade e as sinergias entre todos os prestadores de cuidados e de saúde, tanto no setor público como no setor privado (com e sem fins lucrativos), com vista a alcançar uma cobertura universal (6), tendo em conta as boas práticas e os exemplos positivos dos Estados-Membros, no respeito pelas especificidades e diferenças nacionais.

3.5.

As tendências de privatização e as práticas orientadas para o mercado, como a seleção de riscos e a maximização do lucro em detrimento dos cuidados e da saúde podem exacerbar as desigualdades, afetando os mais vulneráveis, cujas necessidades de cuidados não serão satisfeitas. Assentes na solidariedade, no respeito pelas competências nacionais e na subsidiariedade, os cuidados continuados e as estruturas de acolhimento de crianças exigem, a nível da UE e dos Estados-Membros, sistemas de proteção social e serviços públicos robustos, investimento social e agentes da economia social (por exemplo, mutualidades), a fim de assegurar a prestação de serviços de cuidados ao domicílio e de cuidados de proximidade ótimos, por prestadores com formação adequada (7).

3.6.

Os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento podem ser utilizados para apoiar o investimento na prestação de cuidados. No que diz respeito aos cuidados de saúde e aos cuidados continuados, a Comissão deve direcionar melhor as suas recomendações específicas por país elaboradas no âmbito do Semestre Europeu e, se necessário, ajudar os Estados-Membros a privilegiar financiamentos adequados, que constituam investimentos produtivos ao invés de encargos económicos.

4.   Condições de trabalho, desafios e potencial de emprego

4.1.

Na UE, cerca de 6,3 milhões de pessoas trabalham no setor dos cuidados continuados, enquanto 44 milhões prestam com frequência cuidados continuados informais a familiares ou amigos, o que faz deste um dos setores de crescimento mais rápido a nível mundial (8). Até 2030, espera-se a criação de até 7 milhões de postos de trabalho para profissionais no domínio da saúde e da prestação de cuidados (9).

4.2.

Os desafios principais do setor da prestação de cuidados passam pela escassez de pessoal, pelas condições de trabalho exigentes e pouco atrativas, pela mão de obra envelhecida e pelo subfinanciamento, devido aos cortes orçamentais efetuados no setor social e da saúde durante a crise económica de 2008, que afetaram todos os Estados-Membros, em grau variável (10). Em quase todos os Estados-Membros, o aumento da procura ultrapassa o crescimento do nível de emprego, devido às condições de trabalho penosas no plano psicológico e físico, que levam os trabalhadores a abandonar o setor — uma tendência exacerbada pela pandemia, que afeta negativamente a saúde e a segurança tanto dos beneficiários como dos prestadores de cuidados.

4.3.

Uma abordagem transformadora deve promover a igualdade de género, tendo em conta que as mulheres representam mais de 80 % dos trabalhadores no setor da prestação de cuidados, são as principais cuidadoras e beneficiárias de cuidados, quer em contextos formais, quer informais (11), e têm, em média, uma idade superior à da mão de obra total da UE. Uma vez que são as mulheres a assumir a maior parte das responsabilidades de prestação de cuidados no agregado familiar, a existência de serviços de educação e acolhimento na primeira infância e de cuidados continuados acessíveis e a preços comportáveis permitiria a um maior número de mulheres ingressar no mercado de trabalho. O direito a, pelo menos, cinco dias úteis de licença de cuidador por ano, introduzido pela Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida, proporcionará algum apoio aos cuidadores informais que tentam conciliar a vida profissional com as responsabilidades familiares. No entanto, a falta de licenças remuneradas adequadas impede o pleno usufruto desta disposição da diretiva e pode agravar as desigualdades entre homens e mulheres.

4.4.

Em muitos países da UE, os salários do setor estão abaixo da média, apesar das condições de trabalho penosas, dos requisitos específicos em matéria de aptidões ou competências e qualificações e dos riscos elevados em matéria de saúde e segurança no trabalho (12). Em vários Estados-Membros, a sindicalização, a cobertura da negociação coletiva, a satisfação no trabalho e os rácios pessoal-utente apresentam níveis baixos. Ademais, a pandemia revelou, entre outros aspetos, um fornecimento deficiente de equipamento de proteção individual.

4.5.

Apesar de os cuidados informais não remunerados, ou cuidados familiares, serem uma pedra angular da prestação de cuidados continuados na Europa, em muitos países, os serviços de cuidados ao domicílio e de cuidados de proximidade continuam a estar subdesenvolvidos e a ser de difícil acesso (13). Tendo em conta o impacto da prestação dos cuidados informais em aspetos fundamentais das perspetivas de vida, o CESE recomenda vivamente políticas que promovam a «formalização» dos cuidados informais, apoiem os prestadores de cuidados informais e contribuam para uma utilização eficiente dos recursos.

4.6.

O CESE manifesta preocupação com o trabalho de prestação de cuidados precário generalizado entre trabalhadores não declarados, principalmente as trabalhadoras domésticas que são cuidadoras residentes e pertencem, na maioria dos casos, a grupos migrantes ou a categorias de cidadãos móveis. Esta zona cinzenta, agravada pela falta de acesso a cuidados formais e pela necessidade económica, exige uma abordagem política coesa, que dedique a devida atenção à certificação de competências, à regularização e/ou a procedimentos de autorização de residência.

4.7.

Com o aumento da procura de cuidados continuados, o setor beneficiará de salários mais elevados e atrativos, de representação coletiva e negociação coletiva efetivas e de mais formação. A mobilização de financiamento público para melhorar as condições de trabalho (por exemplo, através de requisitos em matéria de contratação pública) pode ajudar a resolver a escassez de pessoal e a assegurar cuidados continuados de qualidade elevada. A profissionalização, a definição de padrões de qualidade e a elaboração de normas para avaliar ou medir a qualidade, bem como a harmonização das normas entre os Estados-Membros, são essenciais para a renovação do setor (14).

5.   Observações adicionais

5.1.

A pandemia expôs uma situação de fragmentação e dispersão em muitos Estados-Membros, em particular, nas responsabilidades pelo financiamento e pela prestação de cuidados, o que revela a necessidade de integrar melhor os sistemas nacionais de assistência social e de saúde (15), idealmente colocados para assegurar o acesso universal e a eficiência.

5.2.

Um dos principais desafios emergentes, que requer medidas concertadas na nova estratégia de prestação de cuidados, diz respeito à prevenção e ao combate dos problemas de saúde mental, que são o resultado combinado da pandemia e do aumento da incidência de perturbações psiquiátricas (por exemplo, a demência) associado ao envelhecimento da população.

5.3.

Como demonstra a experiência recente de prevenção e controlo da COVID-19 em estruturas de cuidados continuados (16), é fundamental levar a cabo uma avaliação eficaz, assim como uma supervisão externa e inspeção eficientes e racionalizadas nas estruturas de prestação de cuidados tanto do setor público como do setor privado para prevenir abusos e garantir a segurança e qualidade, em especial das populações vulneráveis, como as pessoas idosas e as crianças, tirando partido das boas práticas existentes nos Estados-Membros.

5.4.

A normalização dos procedimentos de recolha de dados e dos indicadores de cuidados continuados em toda a UE é vital para uma estratégia de prestação de cuidados eficaz a nível dos Estados-Membros, que deve incluir também obrigações de comunicação de informações e análises periódicas a realizar com base em procedimentos eficientes e simplificados. Em especial, a disponibilização de serviços de acolhimento de crianças adequados carece de metas quantitativas e qualitativas para medir os progressos, cumprir as metas de Barcelona e ir mais além.

5.5.

O apoio à digitalização dos serviços de cuidados continuados é fundamental para combater a divisão digital. Cabe dar especial atenção à acessibilidade, aos sistemas de assistência, à melhoria da literacia digital e à digitalização, a fim de assegurar a qualidade do emprego, a melhoria de competências e novos métodos de diagnóstico, acompanhamento e tratamento.

5.6.

O CESE condena os crimes de guerra cometidos pela Federação da Rússia na Ucrânia contra os trabalhadores do setor da saúde e prestação de cuidados, os doentes e as crianças, visando hospitais e outras instalações. Além dos mortos e feridos causados, esta agressão afeta gravemente o sistema de saúde e de prestação de cuidados da Ucrânia, pelo que exige assistência e medidas de apoio específicas, tendo igualmente em conta que a crise na Ucrânia está a propagar-se a toda a parte e afeta muitos aspetos do contexto económico e social.

5.7.

O diálogo social, com a participação do governo, dos empregadores e trabalhadores e das suas organizações representativas, é fundamental para uma estratégia transformadora da prestação de cuidados e para a resiliência dos sistemas de saúde na UE. Importa associar os beneficiários e os prestadores de cuidados à conceção de um ecossistema de saúde e de cuidados mais inclusivo, resiliente e equitativo na perspetiva de género, que assegure a participação da sociedade civil e de outras partes interessadas, por exemplo, a Igreja e as instituições de filantropia.

6.   Observações gerais sobre o pessoal de saúde

6.1.

Os cuidados de saúde de qualidade constituem um dos pilares de uma sociedade estável, segura e próspera, sendo a sua organização da responsabilidade dos governos. Em muitos países, é prática comum recorrer à contratação rápida e a baixo custo de trabalhadores de saúde de outros países europeus. Aceita-se simplesmente essa prática como natural, pelo que, lamentavelmente, não é corrigida.

6.2.

O CESE defende firmemente o princípio segundo o qual o desenvolvimento de sistemas de saúde fortes e resilientes depende de pessoal de saúde instruído, qualificado e motivado, o que é fundamental para o êxito da política de saúde e, por conseguinte, essencial para assegurar a cobertura universal de saúde e o direito à saúde. As próprias recomendações da Conferência sobre o Futuro da Europa visam criar um «direito à saúde», garantindo a todos os europeus um acesso equitativo e universal a cuidados de saúde preventivos e curativos de qualidade e a preços comportáveis.

6.3.

A União Europeia da Saúde deve melhorar a proteção, a prevenção, a preparação e a resposta às ameaças para a saúde humana a nível da UE. Neste contexto, o êxito de todas as iniciativas fundamentais no âmbito da União Europeia da Saúde depende fortemente da disponibilidade de pessoal de saúde de elevada qualidade.

6.4.

Em vários pareceres (17), o CESE abordou a questão do pessoal de saúde numa série de outros contextos e atividades. Em situações de pandemia, em particular, os trabalhadores da saúde encontram-se na linha da frente e demonstram um nível de solidariedade excecional nos momentos mais difíceis.

6.5.

O CESE apoia a adoção de medidas para tornar os postos de trabalho no setor da saúde mais atrativos para os jovens. Esta é uma das condições mais importantes para dotar os sistemas de saúde da capacidade de recursos humanos suficiente para dar resposta às necessidades de cuidados de saúde, promoção da saúde e prevenção das doenças.

6.6.

É importante proceder à normalização dos dados relativos aos números, à migração, às competências e a outros aspetos específicos relacionados com o pessoal de saúde e assegurar a sua partilha contínua entre os Estados-Membros. Múltiplos acontecimentos (a pandemia de COVID-19, sismos, inundações, a invasão da Ucrânia pela Rússia, etc.) demonstram a importância de uma resposta rápida, especialmente em situações de crise.

6.7.

Entre 2000 e 2017, o número de profissionais dos setores da saúde e da assistência social aumentou 48 % nos países da OCDE (18). À medida que a população envelhece e a sua estrutura se altera, a procura de serviços de saúde também aumentará e sofrerá alterações. Estima-se que a procura mundial de profissionais de saúde quase duplicará até 2030 (19).

6.8.

Ainda antes da pandemia de COVID-19, a capacidade para prestar serviços de saúde básicos era limitada em muitos países devido à escassez persistente de pessoal de saúde, prevendo-se a falta, a nível mundial, de 18 milhões de profissionais de saúde até 2030 (20).

6.9.

É importante definir claramente os princípios da possível transferência ou combinação de competências e tarefas (delegação de tarefas ou associação de competências). É necessário proceder à coordenação das instituições que formam os profissionais de saúde para que respondam adequadamente às necessidades dos sistemas nacionais de saúde através de correções atempadas nas taxas de inscrição e nos programas curriculares.

6.10.

O desenvolvimento dos recursos humanos no setor da saúde e da assistência social deve seguir o princípio da coordenação, da cooperação intersetorial e da integração dos cuidados, com o objetivo comum de assegurar a continuidade dos cuidados aos cidadãos, com base no modelo de 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano.

6.11.

Importa dedicar especial atenção à disponibilidade de tratamentos nas comunidades locais, particularmente nas regiões escassamente povoadas, nas zonas rurais remotas ou isoladas e nas regiões insulares, onde é necessário recorrer de forma mais ativa a soluções modernas de transporte e de telemedicina.

7.   Planeamento do pessoal no setor da saúde

7.1.

O CESE considera que o planeamento do pessoal no setor da saúde deve procurar criar condições para uma prática profissional que melhore a qualidade dos cuidados e a segurança dos doentes. Simultaneamente, importa assegurar a capacidade de ministrar uma formação de alta qualidade a todos os níveis.

7.2.

Cumpre considerar a gestão do pessoal de saúde uma atividade de importância estratégica para o conjunto da administração pública, em que os governos dos Estados-Membros desempenham um papel fundamental, a executar numa perspetiva multissetorial, tendo em conta diferentes ângulos e prioridades.

7.3.

A gestão do pessoal de saúde deve abranger todas as fases do «ciclo de vida dos profissionais» — desde o recrutamento de futuros estudantes até ao recurso a reformados. O processo de seleção de candidatos para formação, emprego e promoção deve ser transparente e justo, sem qualquer forma de discriminação.

7.4.

No planeamento do pessoal no setor da saúde, é importante ter em conta as necessidades dos cidadãos e dos profissionais de saúde, que devem ser claramente expostas. Os processos de planeamento e gestão devem estabelecer os métodos que permitem identificar todas as necessidades dos profissionais, que vão das condições de trabalho, dos direitos materiais, das oportunidades de progressão e da atribuição de tempo e recursos adequados para a aprendizagem e a investigação ao estabelecimento de um equilíbrio sustentável entre a vida pessoal e profissional.

7.5.

O planeamento do pessoal no setor da saúde deve refletir o planeamento da estrutura, assim como as ações e os processos utilizados para cumprir os objetivos fixados, definindo, nomeadamente, os resultados a alcançar e a forma específica de o fazer.

7.6.

O CESE propõe que se atualize o plano de ação para o pessoal dos setores da saúde e da prestação de cuidados na União Europeia (21). O desenvolvimento de um planeamento e previsão integrados do pessoal no setor da saúde e a adaptação das competências dos profissionais de saúde e de cuidados continuados são essenciais para melhorar o acesso a esses serviços e a qualidade dos mesmos.

7.7.

Os parceiros sociais e todas as organizações interessadas da sociedade civil devem desempenhar um papel ativo no processo de planeamento do pessoal no setor da saúde. É necessário definir as relações entre os diferentes grupos profissionais, as necessidades específicas da população e o sistema para competências específicas.

7.8.

Há que identificar as zonas geográficas pouco atrativas ou os domínios de atividade em que há escassez de recursos humanos, a fim de salvaguardar os direitos e proporcionar incentivos adequados aos profissionais de saúde. O CESE entende que a Comissão Europeia deve emitir recomendações sobre um rácio mínimo de recursos por unidade populacional para a cobertura universal de saúde de referência e para emergências, tendo em conta a distribuição geográfica e a pirâmide de idades (22).

7.9.

Enquanto base para essas recomendações, importa melhorar os exercícios de recolha de dados a nível internacional, para harmonizar, sempre que possível, as categorias de dados, a fim de identificar diferenças e evitar uma má interpretação dos mesmos. Para poder contextualizar os dados, importa refletir os desvios nacionais em relação às categorias harmonizadas a nível europeu (23).

7.10.

A questão dos recursos financeiros será abordada de forma diferente consoante as circunstâncias económicas de cada Estado-Membro. Os dados científicos sugerem que os Estados-Membros devem assegurar que o planeamento do sistema em geral, e o planeamento do pessoal de saúde em particular, têm em conta o ambiente geral e a capacidade relativa dos governos de o influenciar (24).

7.11.

O planeamento do pessoal deve ter em conta a evolução das tecnologias digitais, já que as inovações nesse domínio criam oportunidades para novos ambientes e contextos de trabalho para a prestação dos cuidados e exigem novas competências.

8.   Condições de trabalho

8.1.

A importância das condições de trabalho como fator a ponderar nas decisões dos profissionais de iniciar, manter ou abandonar uma carreira na medicina evidencia a relevância de políticas coerentes em domínios como a educação, o emprego, a vida familiar, as questões financeiras e a migração. Embora muitos dos debates sobre o planeamento do pessoal no setor da saúde incidam na remuneração dos profissionais enquanto fator determinante para o seu recrutamento e retenção, o acesso à educação e formação, incluindo o desenvolvimento profissional e a possibilidade de conservar competências, bem como as condições práticas, nomeadamente o acesso a assistência, o número oficial de horas de trabalho, a garantia de um nível suficiente de efetivos, as oportunidades de desenvolvimento profissional significativas e o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, contribuem para um ambiente de trabalho saudável em que a medicina é uma opção profissional atrativa e sustentável (25).

8.2.

As organizações médicas europeias e internacionais observam que os médicos que trabalham em hospitais e em consultórios privados e de medicina geral são cada vez mais confrontados com situações de violência — por vezes extrema — no seu trabalho diário, fora de zonas de conflito (26). O CESE insta a Comissão Europeia e todas as partes interessadas a demonstrarem empenho político e a tomarem consciência da necessidade urgente de proteger o pessoal de saúde no exercício das suas funções.

8.3.

Os profissionais de saúde correm o risco de contrair doenças infecciosas devido à exposição no local de trabalho. A transmissão de doenças conduz ao absentismo, à morbilidade e, em alguns casos, à mortalidade entre os profissionais de saúde. Em última análise, esta situação traduz-se numa redução do pessoal e, consequentemente, afeta a qualidade dos cuidados prestados aos doentes e a segurança.

8.4.

Os profissionais de saúde também podem sofrer de stress psicológico e possíveis perturbações mentais que afetam tanto o seu trabalho como a sua vida pessoal. Nos últimos anos, aumentaram os casos de profissionais de saúde que reduzem a atividade profissional ou se reformam antecipadamente devido ao esgotamento profissional, à depressão ou a outros problemas de saúde mental (27). O CESE solicita investimento nos serviços públicos de saúde mental para assegurar um acesso pleno e gratuito de todos os profissionais de saúde a esses serviços.

9.   Mobilidade

9.1.

O CESE salienta que o direito à mobilidade deve ser respeitado dentro e fora da UE. Há que facilitar a mobilidade transfronteiras em benefício dos trabalhadores e da profissão no seu conjunto, já que cria uma oportunidade para a transferência de conhecimentos e a aprendizagem mútua, o que melhora os cuidados prestados aos doentes e, em última análise, todo o sistema de saúde. Nos casos de migração económica ou por condições de trabalho desfavoráveis, é fundamental identificar e corrigir as causas profundas desta dinâmica e procurar melhorar a situação do pessoal de saúde (28).

9.2.

A mobilidade transfronteiras acrescenta uma nova dimensão ao planeamento do pessoal, e a criação de um serviço europeu de monitorização dos profissionais de saúde, destinado a ajudar os Estados-Membros a estabelecer e manter estruturas de planeamento e coordenar aspetos transfronteiras do planeamento, constituiria um elemento infraestrutural útil a longo prazo. Esse serviço deve estar ligado aos processos da UE, em especial ao Semestre Europeu e ao planeamento do combate a pandemias previsto num futuro regulamento da UE relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde (29).

9.3.

Os Estados-Membros devem aplicar políticas de recrutamento ético em conformidade com o Código de Prática Mundial da OMS para o Recrutamento Internacional de Pessoal de Saúde (30). O recrutamento de profissionais do estrangeiro não deve ser considerado apenas uma forma de atenuar a escassez de profissionais de saúde nacionais. Nos casos em que existem fluxos de mobilidade assimétricos, importa envidar esforços para criar mecanismos de compensação que permitam intercâmbios em que todos ganham.

10.   Observações adicionais

10.1.

É fundamental uma liderança eficaz para gerir os profissionais de saúde a todos os níveis, já que se trata de uma componente complexa e altamente valorizada da educação em saúde, cada vez mais reconhecida como essencial para alcançar normas elevadas de educação, investigação e prática clínica.

10.2.

Por conseguinte, todas as profissões da saúde devem integrar, nos seus programas curriculares, cursos adequados e de elevada qualidade em matéria de liderança e de desenvolvimento das respetivas capacidades (31).

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  A Comissão Europeia publicou o Plano de Ação para a mão de obra no setor da saúde da UE em 2012.

(2)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2014). «Adequate social protection for long-term care needs in an ageing society: report jointly prepared by the Social Protection Committee and the European Commission» [Proteção social adequada às necessidades de cuidados continuados numa sociedade em envelhecimento: relatório conjunto do Comité da Proteção Social e da Comissão Europeia]. Serviço das Publicações, p. 14, https://data.europa.eu/doi/10.2767/32352.

(3)  Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de novembro de 2018, sobre a prestação de cuidados na UE para uma igualdade de género melhorada, https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-8-2018-0464_PT.html.

(4)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 44; JO C 487 de 28.12.2016, p. 7; JO C 204 de 9.8.2008, p. 103; brochura e parecer do CESE sobre «Evolução económica, tecnológica e social dos serviços avançados de saúde às pessoas idosas» (JO C 240 de 16.7.2019, p. 10); parecer do CESE sobre o tema «Rumo a um novo modelo de prestação de cuidados às pessoas idosas: aprender com a pandemia de COVID-19» (JO C 194 de 12.5.2022, p. 19).

(5)  Addati, L., Cattaneo, U., e E. Pozzan. (2022). Relatório intitulado «Care at work: Investing in care leave and services for a more gender equal world of work» [Prestação de cuidados no trabalho: investimento em licenças e serviços de prestação de cuidados para reforçar a igualdade de género no mundo do trabalho]. OIT, Genebra, https://www.ilo.org/global/topics/care-economy/WCMS_838653/lang--en/index.htm.

(6)  https://www.who.int/publications/i/item/WHO-HIS-SDS-2018.53

(7)  Ver o parecer do CESE sobre o tema «Impacto do investimento social no emprego e nos orçamentos públicos» (JO C 226 de 16.7.2014, p. 21).

(8)  Eurofound. (2020). «Long-term care workforce: Employment and working conditions» [Condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores do setor dos cuidados continuados]. Serviço das Publicações da UE, Luxemburgo, https://www.eurofound.europa.eu/nb/publications/customised-report/2020/long-term-care-workforce-employment-and-working-conditions.

(9)  Barslund, Mikkel et. al (2021). «Study: Policies for long-term Carers» [Estudo: políticas para os prestadores de cuidados continuados]. Bruxelas, Parlamento Europeu, https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2021/695476/IPOL_STU(2021)695476_EN.pdf.

(10)  https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0011/186932/12-Summary-Economic-crisis,-health-systems-and-health-in-Europe.pdf

(11)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. «Long-term care report: trends, challenges and opportunities in an ageing society» [Relatório sobre os cuidados continuados: tendências, desafios e oportunidades numa sociedade em envelhecimento] (2021). Vol. I, cap. 3, Serviço das Publicações, pp. 12-28, https://data.europa.eu/doi/10.2767/677726.

(12)  Ver nota de rodapé 11, pp. 68-70.

(13)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2018). Zigante, V., «Informal care in Europe: exploring formalisation, availability and quality» [Cuidados informais na Europa: estudo da formalização, da disponibilidade e da qualidade]. Serviço das Publicações, https://data.europa.eu/doi/10.2767/78836.

Spasova, S., et al. (2018). «Challenges in long-term care in Europe. A study of national policies» [Desafios dos cuidados continuados na Europa — Estudo das políticas nacionais]. Rede Europeia em matéria de Política Social, Bruxelas, Comissão Europeia, https://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=738&langId=pt&pubId=8128&furtherPubs=yes.

(14)  Ver nota de rodapé 11, capítulo 3.

(15)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2014). «Adequate social protection for long-term care needs in an ageing society: report jointly prepared by the Social Protection Committee and the European Commission» [Proteção social adequada às necessidades de cuidados continuados numa sociedade em envelhecimento: relatório conjunto do Comité da Proteção Social e da Comissão Europeia]. Serviço das Publicações, p. 36, https://data.europa.eu/doi/10.2767/32352 e Comissão Pan-Europeia para a Saúde e o Desenvolvimento Sustentável. (2021). «Drawing light from the pandemic: a new strategy for health and sustainable development. A review of the evidence» [Encontrar uma luz de esperança em tempos de pandemia: uma nova estratégia para a saúde e o desenvolvimento sustentável. Análise dos dados científicos],

(16)  Danis, K., Fonteneau, L., et al. (2020). «High impact of COVID-19 in long-term care facilities: suggestion for monitoring in the EU/EEA» [O impacto elevado da COVID-19 nas estruturas de cuidados continuados: recomendações para a monitorização na UE/EEE]. Euro Surveillance: European Communicable Disease Bulletin, 25(22). https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2020.25.22.2000956

(17)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 109; JO C 429 de 11.12.2020, p. 251; JO C 242 de 23.7.2015, p. 48; JO C 143 de 22.5.2012; JO C 18 de 19.1.2011, p. 74; JO C 77 de 31.3.2009, p. 96.

(18)  https://one.oecd.org/document/ECO/WKP(2021)43/en/pdf

(19)  Liu JX, Goryakin Y, Maeda A, Bruckner T, Scheffler R., «Global health workforce labor market projections for 2030» [Projeções relativas ao mercado de trabalho no setor da saúde a nível mundial para 2030]. Human Resources for Health 2017; 15:11 (https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12960-017-0187-2).

(20)  https://www.who.int/health-topics/health-workforce#tab=tab_1

(21)  A Comissão Europeia publicou o Plano de Ação para a mão de obra no setor da saúde da UE em 2012.

(22)  Política da Associação dos Médicos Europeus no que diz respeito ao pessoal de saúde (https://www.cpme.eu/policies-and-projects/professional-practice-and-patients-rights/health-systems-and-health-workforce).

(23)  Ver nota de rodapé n.o 2.

(24)  Russo G, Pavignani E, Guerreiro CS, Neves C., «Can we halt health workforce deterioration in failed states? Insights from Guinea Bissau on the nature, persistence and evolution of its HRH crisis» [Conseguiremos travar a deterioração do pessoal de saúde em Estados falhados? Uma visão sobre a natureza, a persistência e a evolução da crise de recursos humanos na saúde na Guiné-Bissau]. Human Resources for Health 2017; 15(1):12.

(25)  Ver nota de rodapé n.o 2.

(26)  https://www.cpme.eu/api/documents/adopted/2020/3/EMOs.Joint_.Statement.on_.Violence.FINAL_.12.03.2020.pdf

(27)  Dyrbye, L. N., T. D. Shanafelt, C. A. Sinsky, P. F. Cipriano, J. Bhatt, A. Ommaya, C. P. West e D. Meyers. 2017. «Burnout among health care professionals: A call to explore and address this underrecognised threat to safe, high-quality care» [O esgotamento profissional entre os profissionais de saúde: apelo ao estudo e combate desta ameaça subvalorizada para cuidados de saúde seguros e de alta qualidade]. NAM Perspectives. Documento de reflexão. National Academy of Medicine, Washington.

(28)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2014). «Adequate social protection for long-term care needs in an ageing society: report jointly prepared by the Social Protection Committee and the European Commission» [Proteção social adequada às necessidades de cuidados continuados numa sociedade em envelhecimento: relatório conjunto do Comité da Proteção Social e da Comissão Europeia]. Serviço das Publicações, p. 14, https://data.europa.eu/doi/10.2767/32352.

(29)  Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. (2014). «Adequate social protection for long-term care needs in an ageing society: report jointly prepared by the Social Protection Committee and the European Commission» [Proteção social adequada às necessidades de cuidados continuados numa sociedade em envelhecimento: relatório conjunto do Comité da Proteção Social e da Comissão Europeia]. Serviço das Publicações, p. 14, https://data.europa.eu/doi/10.2767/32352.

(30)  https://www.who.int/publications/m/item/migration-code

(31)  Van Diggele, C., Burgess, A., Roberts, C., e Mellis, C. (2020), «Leadership in healthcare education» [A liderança na educação em saúde]. BMC Medical Education, 20 (supl. 2), 456. https://doi.org/10.1186/s12909-020-02288-x


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/46


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/07)

Relatora:

Katrīna LEITĀNE

Decisão da Plenária

24.2.2022

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

6.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

158/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A participação política constitui a base de qualquer democracia saudável. O principal trunfo da União Europeia (UE) para os jovens europeus é o respeito pela democracia, pelos direitos humanos e pelo Estado de direito (1). É fundamental assegurar que os jovens têm voz nas decisões que afetam o seu futuro, pois mesmo um efeito indireto pode ter um forte impacto nos jovens e nas gerações vindouras. Mesmo as políticas que não visam diretamente os jovens ou que não são consideradas como fazendo parte do âmbito tradicional da política de juventude podem ter um forte impacto na vida dos jovens. É importante disponibilizar mecanismos eficientes que complementem os mecanismos de participação existentes e estejam alinhados com os princípios democráticos e adaptados às necessidades dos jovens, já que podem contribuir para uma elaboração de políticas melhor e mais eficaz.

1.2.

O CESE entende que a educação é uma das formas mais eficazes de chegar aos jovens e de os informar sobre todas as formas possíveis de participação e sobre os valores que o projeto europeu representa. Os programas existentes que apoiam o ensino formal e não formal, como o Erasmus+ e o Corpo Europeu de Solidariedade, conseguiram melhorar a opinião dos jovens no que diz respeito à participação democrática e aos valores e princípios da União Europeia.

1.3.

O CESE salienta que é claramente necessário incluir os jovens na elaboração de políticas através de uma participação significativa, da forma que lhes for mais adequada, seguida de acompanhamento, avaliação e avaliação de impacto, a fim de assegurar que as opiniões dos jovens são tidas em conta aquando da tomada de decisões políticas. A participação ao longo do processo de elaboração de políticas gera confiança entre as gerações jovens e não só, permitindo-lhes ter visibilidade e impacto nesse processo. Estes processos devem incluir uma comunicação visível e transparente dos resultados da sua participação. Este elemento é fundamental para reforçar a confiança dos jovens no processo de elaboração de políticas (2). Além disso, a inclusão social e a comunicação com grupos com necessidades diferentes são muito importantes.

1.4.

O CESE concorda que as organizações da sociedade civil podem ser fundamentais para encorajarem o empenho dos jovens nos desafios societais e, por conseguinte, a sua participação na elaboração de políticas e no processo democrático. Essas organizações podem atuar como pontes e redes de apoio para ajudar os jovens a colaborar com organismos públicos formais e permitir que se tornem cidadãos ativos. O CESE apoia estas organizações e os jovens cidadãos na sua ação e solicita medidas que a facilitem.

1.5.

O CESE incentiva as instituições da UE e os Estados-Membros a aplicarem medidas e mecanismos capazes de assegurar a ponderação da perspetiva da juventude em todos os domínios de intervenção, criando ao mesmo tempo espaço para os jovens darem um contributo coerente e especializado sobre os desafios que enfrentam. Estas estruturas devem também incluir mecanismos de acompanhamento e monitorização transparentes e visíveis e complementar os atuais instrumentos de participação dos jovens, sem conduzir a uma diminuição do financiamento. É importante disponibilizar recursos adequados que permitam uma participação significativa dos jovens na elaboração de políticas.

1.6.

A participação dos jovens nos processos políticos e de decisão pode contribuir para melhor legislação e melhores políticas, ao permitir identificar e compreender as tendências atuais e futuras que afetam a vida dos jovens e das gerações vindouras, bem como facilitar a tarefa dos autores das propostas, já que estes podem receber contributos qualitativos para complementar dados secundários.

1.7.

O CESE salienta que, embora a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE se baseie nos objetivos fundamentais da Estratégia da UE para a Juventude (3) e do Ano Europeu da Juventude, ambos destacam a importância da integração da juventude na elaboração de políticas, o que requer uma abordagem transversal. Esta é também uma das medidas estabelecidas no relatório sobre o resultado final (4) da Conferência sobre o Futuro da Europa, que foi aprovado por todos os membros com direito de voto no Plenário da Conferência e pelos cidadãos. Para se conseguir um impacto duradouro e um legado que perdure após o Ano Europeu da Juventude, é necessário capacitar os jovens para liderar a mudança e para construir um futuro melhor.

1.8.

O CESE regista a referência à avaliação da perspetiva dos jovens pela UE na comunicação da Comissão Europeia sobre os resultados da Conferência sobre o Futuro da Europa (5). Contudo, salienta que a proposta da Comissão não está de acordo com os objetivos e os meios da proposta original, não contempla uma colaboração significativa com organizações e peritos em matéria de juventude nem a integração da juventude em todas as políticas e não tem em conta o impacto a longo prazo das políticas nas gerações futuras. O CESE considera que uma avaliação da perspetiva dos jovens pela UE deve fazer parte do conjunto de ferramentas para legislar melhor, como uma ferramenta separada, uma vez que as gerações futuras e os jovens merecem uma atenção específica.

1.9.

O CESE apela para uma maior cooperação entre as instituições para alinhar as iniciativas bem-sucedidas existentes, como o Diálogo da UE com a Juventude, «A tua Europa, a tua voz» e o Encontro Europeu da Juventude, e solicita que sejam interligadas com iniciativas futuras, como a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE, em conformidade com a Estratégia da UE para a Juventude. Além disso, o CESE apresenta uma lista de propostas sobre a participação dos jovens nas suas atividades e pretende introduzir no seu trabalho o conceito de avaliação da perspetiva dos jovens pela UE.

2.   Observações na generalidade

2.1.    O papel dos jovens na construção do projeto europeu

2.1.1.

Os jovens são o motor do projeto europeu e a sua criatividade, energia e entusiasmo são a força motriz da sua sustentabilidade. O corrente ano de 2022 foi designado Ano Europeu da Juventude, tendo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmado que «a Europa precisa de todos os seus jovens» e que «a nossa União precisa de uma alma e de uma visão de futuro com que os jovens se identifiquem» (6).

2.1.2.

O projeto de construção da UE não pode ser concretizado de forma eficaz ou adequada no atual ambiente democrático se não se reconhecer o discurso sobre a participação política da juventude (7) à luz das tradições democráticas e dos contextos geopolíticos. Margaritis Schinas, vice-presidente da Promoção do Modo de Vida Europeu, afirmou que o Ano Europeu da Juventude deve implicar uma mudança de paradigma na forma como incluímos os jovens na política e no processo de decisão. A justificação subjacente consiste em permitir o acesso dos jovens a uma participação significativa e capacitá-los (8) para tal.

2.1.3.

Segundo as sondagens (9) do Eurobarómetro, menos de metade (47 %) dos europeus confiam na UE e apenas 44 % dos inquiridos têm uma imagem positiva da mesma. O futuro do projeto europeu depende em grande medida da solidez da ligação dos jovens aos valores da Europa e da sua disponibilidade para acolher uma identidade europeia. A participação ativa dos jovens nos processos políticos e de decisão é crucial, uma vez que o seu futuro será determinado pelas decisões do presente. Por conseguinte, é importante introduzir instrumentos de participação para assegurar que a voz dos jovens é tida em conta. Há que reforçar a participação na vida cívica e democrática a todos os níveis para assegurar a prosperidade futura da Europa, reconhecendo que a maturidade democrática influencia (10) os padrões de participação política entre os jovens na UE.

2.1.4.

A iniciativa da UE de organizar uma Conferência sobre o Futuro da Europa agiu como um incentivo para promover o diálogo participativo com os cidadãos em toda a União. Considera-se que a melhoria da eficácia dos atuais mecanismos de participação dos jovens, bem como o desenvolvimento de novos mecanismos, é o caminho a seguir. Conforme proposto nos resultados finais da Conferência sobre o Futuro da Europa, esse caminho poderia incluir uma «avaliação da perspetiva dos jovens» (11) aplicada à legislação, com uma avaliação de impacto e um mecanismo de consulta que integre representantes dos jovens (12).

2.1.5.

A avaliação da perspetiva dos jovens funciona como um método de prospetiva estratégica para a elaboração de políticas. A prospetiva estratégica é um conceito valioso que a Comissão Europeia pretende utilizar no processo de elaboração de políticas. Uma vez que se baseia em princípios como a exploração do horizonte, a análise de megatendências, a elaboração de cenários e o desenvolvimento de uma visão, é inevitável considerar a perspetiva da juventude e das gerações futuras nesse âmbito. Embora reconhecendo que o futuro não está predeterminado, o processo de prospetiva recolhe informações sobre cenários possíveis e visa a preparação para desafios emergentes. O diálogo intergeracional pode incluir ferramentas valiosas capazes de assegurar que as políticas elaboradas têm em conta estas tendências e cenários futuros. A realização de análises que tenham em conta a perspetiva dos jovens e das gerações futuras pode e deve contribuir para políticas melhores e mais adequadas, capazes de responder aos desafios das gerações futuras.

2.1.6.

A fim de criar políticas melhores e adequadas aos desafios futuros, é necessário que estas reconheçam e protejam os direitos dos jovens e das gerações futuras, evitando impactos negativos em qualquer grupo geracional e social específico. Alguns grupos são frequentemente ignorados ou considerados como parte de outros grupos, o que não reflete a realidade. Consequentemente, as políticas não respondem adequadamente aos desafios e contribuem para a diminuição da confiança e para o distanciamento em relação às instituições formais.

2.2.    A necessidade de uma participação significativa dos jovens

2.2.1.

A participação significativa implica a partilha de poder e a capacidade de tomar decisões, com a participação de outras partes interessadas, em condições transparentes conhecidas por todas as partes envolvidas. A existência de processos de escrutínio bem concebidos assegura a confiança de todas as partes interessadas nos processos de participação política, sendo importante comunicar a todas as partes as responsabilidades explícitas dos vários intervenientes.

2.2.2.

A confiança dos jovens nas instituições públicas estagnou desde a crise financeira mundial no final dos anos 2000 (13) e a perceção dos jovens sobre a sua influência política e a sua representação no processo de decisão permanece inalterada. A participação dos jovens na vida democrática pode assumir diversas formas. Contudo, a votação em eleições locais, nacionais ou europeias é considerada a forma mais eficaz de se fazerem ouvir junto dos responsáveis políticos (39 %) (14), embora a percentagem de jovens que confiam neste tipo de participação democrática seja ainda muito baixa. Ao mesmo tempo, no que diz respeito aos cidadãos que provavelmente continuarão afastados da política, esse afastamento deve-se à ausência de uma participação significativa e de confiança, bem como à sensação de que não faz sentido participar se o seu contributo não for tido em conta. Um dos principais obstáculos à participação dos jovens é a convicção de que os decisores políticos «não dão ouvidos a pessoas como eu» (15). A promoção da confiança e o reforço do diálogo entre os jovens e as instituições públicas torna-se, pois, crucial para assegurar a preparação e a resiliência das sociedades para fazer face a choques futuros (16).

2.2.3.

A maioria (70 %) (17) dos jovens sente que tem pouco, ou nada, a dizer sobre decisões, legislação e políticas importantes que afetam a UE no seu conjunto. Um total de 24,8 % (18) dos jovens sente que não tem qualquer influência sobre a escolha dos temas introduzidos nos debates públicos ou políticos e 40,8 % afirmam que não têm muita influência. Além disso, dois terços dos inquiridos consideram que uma maior sensibilização dos dirigentes políticos para as preocupações dos jovens contribuiria para que estes últimos influenciassem mais as políticas públicas, enquanto mais de 50 % pensam que um papel mais forte das organizações de juventude na política também serviria este propósito.

2.2.4.

Os jovens alteraram os seus modos de participação, preferindo agora formas de participação política não institucionais e, em especial, não eleitorais (19). A investigação tem mostrado cada vez mais que esta preferência está ligada à diminuição dos níveis de confiança nos organismos públicos e à insatisfação com a forma como a democracia representativa funciona. A participação política não convencional dos jovens tornou-se cada vez mais fluida, individualizada e personalizada, com preferência pelo envolvimento em questões e temas isolados, bem como pelo ativismo e manifestação diretos no sentido de «escolhas individuais relacionadas com o estilo de vida» (20). Em geral, os jovens são altamente motivados politicamente. Ao considerarem a questão da participação dos jovens, alguns especialistas em participação política preferem agora analisar onde e como os jovens pretendem expressar as suas opiniões políticas e não se os mesmos desejam participar (21). Tendo em conta o vasto leque de formas como os jovens procuram agora influenciar as políticas e a política, é claramente necessário ter em conta a natureza não convencional da participação política, a tomada de decisões participativa e o reforço dos mecanismos de comunicação e transparência num quadro institucional democrático. A elaboração de políticas no contexto dos organismos públicos deve ser ajustada e concebida em conformidade de modo a assegurar a comunicação e a participação de todos os grupos de jovens quando são tomadas decisões políticas. Com efeito, é importante que os mecanismos de participação sejam inclusivos e comunicados de forma a chegar a um público diversificado e às pessoas mais difíceis de alcançar.

2.2.5.

As organizações lideradas por jovens desenvolveram experiência e conhecimentos sobre um vasto leque de temas relacionados com as questões que os jovens enfrentam. A sua inclusão no processo de elaboração de políticas resultará em regras e regulamentação mais coerentes e adequadas. Tal é confirmado também pelo número cada vez maior de jovens que estão a aderir a estas organizações (22).

2.2.6.

A interação significativa com os jovens é fundamental. É necessário melhorar a participação dos jovens, resolvendo em particular a falta de representação democrática dos jovens e a falta de uma perspetiva da juventude fora do domínio tradicional da política de juventude. Os jovens desejam ser incluídos na elaboração de políticas que afetam as suas vidas. A justiça intergeracional (23) é a forma de reparar a desigualdade entre gerações nas sociedades envelhecidas.

2.2.7.

As ferramentas existentes para a análise do impacto na juventude, como a ferramenta n.o 31 do conjunto de ferramentas para legislar melhor, não preveem a integração da juventude nem a inclusão de organizações de juventude e jovens com conhecimentos especializados pertinentes que sejam capazes de fornecer uma análise sistemática das questões na perspetiva da juventude. Além disso, as publicações disponíveis indicam que essas ferramentas não são aplicadas com a frequência que a importância e o significado das propostas exigiriam.

3.   Observações na especialidade

3.1.    Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE

3.1.1.

A proposta baseia-se em três pilares: consulta, avaliação de impacto e medidas de atenuação (24). Constitui um quadro para melhorar a eficácia e eficiência das políticas, com base na participação reforçada dos jovens e na integração da juventude na elaboração de políticas, tendo simultaneamente em conta grupos vulneráveis de jovens, como os jovens com deficiência, os jovens que não trabalham, não estudam e não seguem uma formação (NEET) (25), os jovens que vivem em zonas remotas, etc. Com as suas diferentes componentes, a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE proporciona uma estrutura coerente para elaborar políticas melhores e de elevada qualidade que tratam de questões problemáticas com que as gerações futuras poderão vir a ser confrontadas.

3.1.2.

O primeiro passo da avaliação da perspetiva dos jovens pela UE é determinar a importância e o impacto de quaisquer futuros projetos de propostas políticas para os jovens e as gerações futuras. Tal ajudará a determinar se é necessário realizar uma avaliação completa da perspetiva dos jovens relativamente a essa política futura. Utilizando uma lista de verificação, os avaliadores determinam se o projeto de proposta é de facto pertinente para os jovens e avaliam o impacto direto e indireto da proposta nos jovens e nas gerações futuras. Se o projeto for considerado pertinente, a avaliação da perspetiva dos jovens avança para as fases de consulta aprofundada, avaliação de impacto e medidas de atenuação. Os indicadores da lista de verificação basear-se-iam nas necessidades e nas ideias dos jovens, a fim de assegurar que são tidas em conta as propostas pertinentes para esse grupo.

3.1.3.

No passo seguinte, espera-se que os respetivos avaliadores consultem de forma significativa as partes interessadas no domínio da juventude, a fim de assegurar conhecimentos especializados sistemáticos para uma análise exaustiva. Com base neste compromisso, os avaliadores procurarão identificar as preocupações dos jovens sobre os potenciais impactos do projeto de política que está a ser testado. Esta componente de participação tem de ser transparente e proporcionar espaço para que um vasto leque de representantes da juventude, organizações lideradas por jovens e jovens com conhecimentos especializados pertinentes partilhem o seu contributo. Desta forma, é possível assegurar uma abordagem sistemática das questões em que incidem os projetos de propostas políticas. A inclusão de organizações de juventude, representantes da juventude e jovens com conhecimentos especializados pertinentes pode proporcionar uma base muito diversificada e única para a avaliação de impacto. Uma participação significativa permite que os avaliadores obtenham uma visão abrangente com base no conhecimento e experiência globais destes jovens. Utilizando este contributo, a avaliação de impacto pode ser suficientemente pormenorizada para identificar os desafios e aspetos em que as políticas poderão causar perturbações.

3.1.4.

Com base nos dados disponíveis, a recolher ao longo do processo, e nos resultados das consultas, os avaliadores conseguem elaborar a avaliação de impacto orientada pelos temas mencionados na lista de verificação e também fornecer uma análise prospetiva para as gerações futuras.

3.1.5.

Se for identificado um impacto negativo, o avaliador deve propor medidas de atenuação, que devem centrar-se principalmente nos grupos em situação de vulnerabilidade e nos jovens desfavorecidos. É aconselhável que, durante a consulta, os avaliadores incluam perguntas sobre possíveis medidas de atenuação que poderiam ser incluídas na análise. Para os próximos anos, recomenda-se a realização de uma avaliação para acompanhar o impacto das políticas e a forma como as medidas de atenuação abordaram os impactos negativos.

3.1.6.

A avaliação da perspetiva dos jovens pela UE não deve substituir uma interação significativa com os jovens de modo geral e deve complementar os mecanismos de participação existentes.

3.1.7.

A proposta foi o resultado de uma série de debates com as maiores redes de jovens da Europa, embora também seja especificamente mencionada em várias recomendações do Diálogo da UE com a Juventude, desde a criação deste diálogo (e do seu antecessor, o diálogo estruturado). Os jovens expressaram um desejo forte de ver estabelecido um procedimento transparente de elaboração de políticas que lhes permita contribuir para a sua conceção e para a monitorização dos resultados.

3.1.8.

A proposta inspira-se também no teste das PME, que constitui um exemplo de uma ferramenta adequada de avaliação de impacto a nível da UE, com base em três pilares: consulta, avaliação de impacto e medidas de atenuação (26). Além disso, tal como o teste das PME, a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE também se destina a fazer parte do conjunto de ferramentas para legislar melhor, enquanto ferramenta separada, a fim de realçar o papel dos jovens no futuro da Europa, em conformidade com a comunicação da presidente da Comissão Europeia.

3.1.9.

A proposta baseia-se em exemplos de instrumentos de avaliação do impacto na juventude já existentes em vários Estados-Membros, como a Áustria, a Alemanha, a França e a Bélgica (Flandres), e também fora da UE, como na Nova Zelândia e no Canadá.

3.1.10.

A avaliação de impacto proposta proporciona uma solução para assegurar que o impacto das políticas tem em conta as necessidades e as expectativas dos jovens e permite ir além do âmbito tradicional da política de juventude. Apenas uma pequena parte das propostas da Comissão Europeia é analisada do ponto de vista da juventude. No entanto, uma parte significativa destas propostas afeta direta e indiretamente a qualidade de vida dos jovens.

3.1.11.

Propõe-se a inclusão da avaliação da perspetiva dos jovens pela UE nas avaliações de impacto do Programa Legislar Melhor, que estão disponíveis ao público, e a sua publicação no Portal Europeu da Juventude. No entanto, há que determinar a solução com maior impacto. Ainda assim, incentiva-se a Direção-Geral da Comunicação a promovê-la ativamente para assegurar a sua visibilidade, ao passo que o Secretariado-Geral deve apoiar a sua adoção em diferentes direções-gerais. A avaliação da perspetiva dos jovens pela UE também poderia ser publicada pelas instituições que decidam aplicá-la, incluindo no sítio Web do CESE. Ao publicar a avaliação e a versão final da proposta, as partes interessadas no domínio da juventude envolvidas na consulta poderão verificar de que forma o seu contributo foi tido em conta.

3.1.12.

Propõe-se que a avaliação da perspetiva dos jovens pela UE funcione como uma estrutura executável a nível local, regional e nacional, em conjunto com as instituições da União Europeia.

3.1.13.

A avaliação da perspetiva dos jovens pela UE tem potencial para melhorar as políticas, mas também tem de se basear em mecanismos de participação significativos, uma vez que o aproveitamento do conhecimento da comunidade é uma forma de assegurar a eficiência e produzir melhorias.

3.2.    Participação dos jovens no âmbito do CESE

3.2.1.

O CESE reconhece a importância da participação dos jovens na definição do futuro da Europa (27) e, por conseguinte, tem em curso várias iniciativas de sucesso, como a «A tua Europa, a tua voz», as mesas-redondas da juventude para o clima e a sustentabilidade e a Cimeira da Juventude da UE sobre o Clima, organizada conjuntamente pelo CESE e pelo Parlamento Europeu. No seguimento do seu Parecer NAT/788 (28), o CESE incluiu um delegado para a juventude na sua delegação oficial à Conferência das Partes (COP) na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, pela primeira vez, em 2021, por ocasião da 26.a COP. Além disso, no contexto do Ano Europeu da Juventude, o Prémio CESE para a Sociedade Civil 2022 recompensará iniciativas eficazes, inovadoras e criativas que visem criar um futuro melhor para e com os jovens europeus.

3.2.2.

O CESE procurará ampliar as vozes dos jovens e das organizações de juventude através de mecanismos de participação mais estruturados, significativos e direcionados para os jovens, a fim de reforçar a participação interna dos jovens e das organizações de juventude nos trabalhos do CESE. Por conseguinte, o CESE deverá tomar as seguintes medidas:

introduzir mecanismos de coordenação transparentes e transversais para integrar as perspetivas da juventude nos trabalhos do CESE e na legislação;

prever a eventual participação de jovens peritos com conhecimentos especializados pertinentes sobre pareceres fundamentais;

no contexto do Ano Europeu da Juventude, incluir a juventude como tema comum nos pareceres de iniciativa do outono;

realizar debates temáticos com organizações de juventude e organizações de base europeias para interligar mais eficazmente as perspetivas nacionais e europeias;

selecionar anualmente temas relacionados com a juventude para estudos do CESE (29);

ter sempre em conta a perspetiva geracional (como acontece no que diz respeito à perspetiva de género) em todos os pareceres elaborados pelo CESE;

construir relações dinâmicas com outras instituições da UE para identificar os mecanismos de participação dos jovens e reforçar as atividades de comunicação com os jovens e as organizações de juventude a nível nacional, regional e local;

adotar a resolução sobre a participação dos jovens no CESE, elaborada pelo Grupo de Coordenação para o Ano Europeu da Juventude;

criar um separador «Participação dos jovens» no sítio Web do CESE para destacar as atividades passadas, atuais e futuras relacionadas com a juventude, incluindo pareceres, audições públicas, eventos, etc.;

estabelecer uma estrutura permanente no CESE para assegurar que os trabalhos relativos à participação dos jovens no âmbito do CESE e com as outras instituições prossegue para além de 2022.

3.2.3.

O CESE continuará a explorar e a ponderar possíveis formas de aplicar o conceito de avaliação da perspetiva dos jovens pela UE no seu trabalho, a fim de desenvolver uma abordagem coerente sobre a participação dos jovens no CESE.

3.2.4.

O CESE insta a Comissão Europeia a responder ao presente parecer de iniciativa e à proposta da avaliação da perspetiva dos jovens pela UE e a promover uma reflexão conjunta sobre a sua aplicação.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  «Desk research, European Youth in 2021» [Investigação documental sobre a juventude europeia em 2021].

(2)  «Influencing and understanding political participation patterns of young people» [Influenciar e compreender os padrões de participação política dos jovens], Parlamento Europeu, 2021.

(3)  Resolução do Conselho Europeu sobre a Estratégia da União Europeia para a Juventude 2019-2027

(4)  «Conference on the Future of Europe, Report on the Final Outcome» [Relatório sobre o resultado final da Conferência sobre o Futuro da Europa], maio de 2022.

(5)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52022DC0404&qid=1660827033223

(6)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/speech_21_4701

(7)  Deželan T., Moxon D., «Influencing and understanding political participation patterns of young people: The European perspective» [Influenciar e compreender os padrões de participação política dos jovens: a perspetiva europeia], estudo, 2021.

(8)  Barta O., Boldt G., Lavizzari A., «Meaningful youth political participation in Europe: concepts, patterns and policy implications» [Uma participação política significativa dos jovens na Europa: conceitos, padrões e implicações políticas], estudo de investigação, 2021.

(9)  Eurobarómetro 96 — Inverno 2021-2022

(10)  Kitanova, M., «Youth political participation in the EU: evidence from a cross-national analysis» [Participação política dos jovens na UE: dados de uma análise transnacional], Journal of Youth Studies, vol. 23, n.o 7, 2020 (documento recebido em 2018).

(11)  https://www.youthforum.org/files/YFJ_EU_Youth_Test.pdf

(12)  Relatório sobre o resultado final da Conferência sobre o Futuro da Europa

(13)  «Governance for Youth, Trust and Intergenerational Justice — Fit for All Generations? Highlights» [A governação ao serviço dos jovens, da confiança e da justiça intergeracional — políticas adaptadas a todas as gerações? — Síntese].

(14)  Inquérito Eurobarómetro Flash sobre a Juventude e a Democracia, realizado entre 22 de fevereiro e 4 de março de 2022.

(15)  Relatório do inquérito aos jovens realizado pelo Parlamento Europeu (Parlamento Europeu, setembro de 2021).

(16)  «Governance for Youth, Trust and Intergenerational Justice — Fit for All Generations? Highlights» [A governação ao serviço dos jovens, da confiança e da justiça intergeracional — políticas adaptadas a todas as gerações? — Síntese].

(17)  Relatório do inquérito aos jovens realizado pelo Parlamento Europeu (Parlamento Europeu, setembro de 2021).

(18)  Relatório do inquérito aos jovens (sob o Trio de Presidências Alemanha-Portugal-Eslovénia, janeiro de 2022).

(19)  Relatório do inquérito aos jovens (sob o Trio de Presidências Alemanha-Portugal-Eslovénia, janeiro de 2022).

(20)  Relatório do inquérito aos jovens (sob o Trio de Presidências Alemanha-Portugal-Eslovénia, janeiro de 2022).

(21)  Deželan T., Moxon D., «Influencing and understanding political participation patterns of young people: The European perspective» [Influenciar e compreender os padrões de participação política dos jovens: a perspetiva europeia], estudo, 2021.

(22)  «Eurobarometer on the European Year of Youth: Young Europeans are increasingly engaged» [Eurobarómetro sobre o Ano Europeu da Juventude: os jovens europeus estão cada vez mais empenhados], Comissão Europeia, 2022.

(23)  «Governance for Youth, Trust and Intergenerational Justice — Fit for All Generations? Highlights» [A governação ao serviço dos jovens, da confiança e da justiça intergeracional — políticas adaptadas a todas as gerações? — Síntese].

(24)  https://www.youthforum.org/files/Concept-Note_final.pdf e https://www.youthforum.org/files/YFJ_EU_Youth_Test.pdf

(25)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 27

(26)  «Better Regulation Toolbox — SME Test» [Conjunto de ferramentas para legislar melhor — Teste das PME].

(27)  SOC/706 — Ano Europeu da Juventude (JO C 152 de 6.4.2022, p. 122), e SOC/589 — Uma nova Estratégia da UE para a Juventude (JO C 62 de 15.2.2019, p. 142).

(28)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 44.

(29)  Está em curso um estudo do CESE sobre a participação estruturada dos jovens: levantamento das boas práticas locais, nacionais, da UE e internacionais a fim de desenvolver os mecanismos necessários e adequados para assegurar que as vozes dos jovens sejam ouvidas.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel das tecnologias de remoção de carbono na descarbonização da indústria europeia

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/08)

Relator:

Andrés BARCELÓ DELGADO

Correlatora:

Monika SITÁROVÁ

Decisão da Plenária

18.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em secção

24.6.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

229/0/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reitera o seu firme apoio aos compromissos assumidos no âmbito do Pacto Ecológico e ao reforço da autonomia estratégica no aprovisionamento de energia e da liderança industrial.

1.2.

Não se pode ignorar os efeitos da atual guerra na Ucrânia sobre a disponibilidade de energia e de matérias-primas, e cabe ao Semestre Europeu acompanhar a situação.

1.3.

O êxito da transição ecológica na indústria transformadora requer uma base suficiente e uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação e a produção de hidrogénio verde. As tecnologias de remoção de dióxido de carbono (RDC), a captura e armazenamento de dióxido de carbono (CAC) e a captura e utilização de dióxido de carbono (CUC) ajudarão a indústria a alcançar a neutralidade climática. A implantação das energias renováveis em toda a Europa é necessária para realizar os objetivos do Pacto Ecológico.

1.4.

A descarbonização exigirá uma transformação profunda das atividades industriais (nos próximos 30 anos). Embora já existam muitas tecnologias hipocarbónicas, os seus níveis de maturidade tecnológica (TRL) (1) são baixos. Serão necessários roteiros tecnológicos ambiciosos para expandir e implantar de forma generalizada estas tecnologias revolucionárias, cabendo à UE promover a inovação através dos fundos para o clima e a inovação.

1.5.

Por conseguinte, o desenvolvimento de tecnologias, bem como a educação e a requalificação dos trabalhadores são determinantes para a transição ecológica na indústria transformadora. O diálogo social tanto a nível regional como a nível dos Estados-Membros e da UE deve promover a sensibilização, a aceitação e o apoio em prol da transição ecológica e justa na indústria. A fim de assegurar uma transição industrial eficaz, que não deixe ninguém para trás, será fundamental reforçar capacidades e criar projetos para definir as principais competências.

1.6.

O aumento da utilização de matérias-primas alternativas — em particular a biomassa sustentável — pode contribuir para a remoção sustentável do carbono da atmosfera, promovendo a gestão sustentável das terras produtivas (agrícolas e florestais) e a utilização de biomassa em produtos de vida longa que prolongam ainda mais os benefícios da remoção. Além disso, contribuiria para reduzir a dependência da UE de matérias-primas e recursos importados.

1.7.

O CESE apela para a preservação da competitividade da indústria europeia: a UE é pioneira na redução das emissões de CO2, mas é necessário que outros intervenientes sigam a sua ambição climática. Uma vez que a crise climática é mundial, a diplomacia da União Europeia tem de redobrar de esforços para persuadir eficazmente os países terceiros a intensificarem as suas ações de luta contra as alterações climáticas. Independentemente dos seus objetivos estratégicos ambiciosos, a UE posicionar-se-á cada vez mais como pioneira na descarbonização das indústrias, graças ao seu apoio político e aos conhecimentos práticos das empresas e dos seus trabalhadores sobre as capacidades industriais, as tecnologias necessárias e a forma de antecipar a mudança, permitindo a adoção de medidas concretas em conformidade.

1.8.

A manutenção de uma base industrial sólida na UE garantirá, na sociedade europeia, prosperidade, emprego de qualidade e empenho na luta contra as alterações climáticas. A indústria europeia tem de investir na Europa, no âmbito de um quadro regulamentar adequado, tanto em investigação, desenvolvimento e inovação (IDI) como em ativos fixos tangíveis, a fim de manter a sua posição competitiva.

2.   Observações gerais

2.1.

A Lei Europeia em matéria de Clima estabeleceu uma meta ambiciosa de redução das emissões para 2030, confirmando simultaneamente o objetivo de neutralidade climática para 2050. A fim de atingir o objetivo da União Europeia, importa analisar todas as atividades emissoras de gases com efeito de estufa (GEE) e identificar as vias para alcançar a neutralidade climática até 2050.

2.2.

As indústrias transformadoras são responsáveis por 20 % (2) das emissões europeias. As indústrias transformadoras com elevada intensidade carbónica na Europa são as do ferro e aço, cimento, química e petroquímica, celulose e papel, fertilizantes, vidro e cerâmica, bem como as refinarias de petróleo e as indústrias de metais não ferrosos (principalmente alumínio). As emissões de GEE do setor industrial contêm dióxido de carbono (CO2), proveniente da utilização de energia, de utilizações não energéticas de combustíveis fósseis e de fontes de combustíveis não fósseis, bem como gases que não o CO2.

2.3.

A transição ecológica da indústria transformadora é fundamental para cumprir a Lei Europeia em matéria de Clima. À transição tecnológica seguir-se-ão alterações nos métodos de trabalho, bem como nas aptidões e competências nas indústrias. No entanto, serão igualmente necessárias medidas do lado da procura para promover a adoção de produtos hipocarbónicos e de novos modelos empresariais (simbiose industrial, circularidade, resposta à procura).

3.   A indústria transformadora na via da neutralidade climática

3.1.

O presente parecer de iniciativa centra-se nos setores industriais abrangidos pelo Sistema de Comércio de Licenças de Emissão (CELE). Por conseguinte, não incide no aprovisionamento de energia, nos transportes nem nos edifícios.

3.2.

Além do desafio da descarbonização, é essencial melhorar a eficiência energética em todos os setores industriais. Embora não seja suficiente para descarbonizar a indústria europeia, a eficiência energética pode reduzir significativamente as emissões resultantes do consumo de energia. Ocorrerá uma transição dos combustíveis fósseis para tecnologias que não emitem GEE, principalmente as energias renováveis. Os prestadores de serviços essenciais e os poderes públicos são responsáveis pela transição energética dos combustíveis fósseis para as tecnologias não poluentes.

3.3.

No que toca ao desafio da descarbonização, as indústrias podem classificar-se da seguinte forma:

setores que têm de alterar radicalmente o seu processo de produção: aço (percurso integrado), fertilizantes e indústria química;

setores que têm de alterar o vetor energético no processo produtivo: aço (fornos de arco elétrico), vidro, cerâmica, papel, etc.;

setores em que é difícil reduzir as emissões, como o setor do cimento, que tem de captar e armazenar (ou utilizar) o CO2 emitido durante o processo de produção para se tornar climaticamente neutro;

setores que podem tirar proveito das tecnologias de captura e utilização de dióxido de carbono para desenvolver produtos de elevado valor acrescentado, como as refinarias de petróleo e as indústrias química e petroquímica.

3.4.

A cogeração industrial de alta eficiência (PCCE (3)) contribuirá, certamente, para uma maior eficiência energética, mas não pode descarbonizar a indústria. Alternativamente, a utilização de calor de baixa entalpia pela indústria para o aquecimento urbano seria outra forma de aumentar a eficiência energética geral e talvez pudesse ser creditada durante o percurso de transição para a descarbonização total.

3.5.

As tecnologias de remoção de dióxido de carbono (RDC) removem da atmosfera o CO2 já emitido, criando assim emissões «negativas». As tecnologias relacionadas com a CAC, como a bioenergia com captura e armazenamento de dióxido de carbono (BCAC) e a captura e armazenamento diretos a partir do ar (CADA), são uma parte importante do leque de tecnologias de emissões negativas. No entanto, apesar do seu potencial de atenuação das alterações climáticas, estas tecnologias estão atualmente apenas em fase de demonstração. Outras tecnologias de RDC incluem atividades que reforçam os sumidouros naturais de CO2, como a florestação e a reflorestação, mas não são abrangidas pelo presente parecer.

O desafio relacionado com o futuro da remoção de carbono na indústria transformadora consiste em encontrar um equilíbrio em que a captura de carbono constitui uma opção de atenuação a par de outras tecnologias de redução e remoção de carbono. As reduções e a remoção de GEE devem ser alinhadas com o Acordo de Paris e a Lei Europeia em matéria de Clima. A CAC pode permitir à UE avançar ao ritmo necessário para a remoção dos GEE, mas o objetivo deve ser evitar o armazenamento de carbono a longo prazo.

3.6.

O hidrogénio produzido através da utilização de energias renováveis (hidrogénio verde) parece ser a resposta intersetorial aos processos de descarbonização. Por exemplo, existe um projeto na Suécia que visa eliminar as emissões de GEE provenientes da produção de aço através da utilização de hidrogénio renovável. Na Finlândia, um projeto demonstrará formas de produzir hidrogénio azul e, posteriormente, verde e de capturar CO2, bem como de o armazenar permanentemente no mar Báltico.

4.   A indústria transformadora na via da descarbonização

4.1.

De todas as indústrias europeias, concentramo-nos em setores com elevado potencial de melhoria e impacto na redução das emissões europeias de CO2. Na indústria transformadora, destacam-se os setores que enfrentam mais desafios para a descarbonização. O presente parecer centra-se nas indústrias siderúrgica, do cimento, química e petroquímica, nas refinarias de petróleo, e nas indústrias da celulose e do papel, dos fertilizantes, do vidro e da cerâmica.

4.2.

Antes de descrever as tecnologias suscetíveis de ter impacto na redução e remoção das emissões de dióxido de carbono, cabe considerar a transição de fontes de energia derivadas de combustíveis fósseis para outras fontes de energia não emissoras e outras fontes renováveis. Estas fontes podem ser a energia eólica, fotovoltaica, heliotérmica, hidroelétrica e geotérmica, a biomassa e os biocombustíveis.

4.3.

Algumas indústrias teriam de adotar tecnologias existentes ou novas nos seus processos para alcançar emissões nulas de GEE, a fim de viabilizar uma sociedade com impacto neutro no clima. Dependendo de cada indústria e das suas emissões atuais de GEE, poderá ser necessário passar por uma ou várias etapas.

4.4.

O primeiro passo poderia parecer «apenas» uma alteração na etapa do processo de produção/abastecimento. Em muitas outras situações, pode ser necessário reforçar a investigação e o desenvolvimento, nomeadamente para adaptar os atuais queimadores de gás natural ao hidrogénio ou utilizar bombas de calor. Além disso, importa abordar igualmente a interação entre o hidrogénio e os materiais ou produtos.

4.5.

Indústria siderúrgica:

O desafio para a indústria siderúrgica tradicional (percurso integrado, que exige a redução de minério de ferro) já levou à introdução de várias novas abordagens tecnológicas, que visam atualmente a substituição de altos-fornos por fornos de arco elétrico alimentados com ferro de redução direta, produzido com hidrogénio verde. As outras alternativas já exploradas dependem das tecnologias de CAC, mas não conseguem cumprir a meta de redução dos GEE. A eletrólise de minério de ferro poderá emitir menos 87 % de CO2 do que o percurso integrado atual (se o fornecimento de eletricidade estiver plenamente descarbonizado). A redução do plasma de hidrogénio visa alcançar emissões nulas CO2. Com efeito, a siderurgia baseada no hidrogénio poderá emitir menos 95 % de CO2 do que o percurso integrado atual (se utilizar eletricidade plenamente descarbonizada), mas a perda de energia durante a produção de hidrogénio acabaria por aumentar o consumo energético da indústria.

O aço produzido em fornos de arco elétrico emite apenas 14 % das emissões de GEE em relação ao percurso integrado e o seu principal desafio consiste em substituir o gás natural nos fornos rolantes por hidrogénio verde ou pela indução elétrica.

A CUC (utilizando os gases residuais dos altos-fornos) pode reduzir as emissões até 65 %, se for plenamente implantada (a redução de CO2 também depende do ciclo de vida completo dos produtos químicos resultantes). Vários projetos estão numa fase mais avançada de desenvolvimento — a instalação de demonstração Steelanol (atualmente em construção — TRL 9) utiliza gases residuais para produzir bioetanol, e o projeto Carbon2Chem (TRL 7-8) visa utilizar gás residual como matéria-prima para produtos químicos.

4.6.

Indústria cimenteira:

Apenas 37 % das emissões na indústria do cimento provêm de combustíveis, sendo os restantes 63 % o resultado de uma reação química da matéria-prima (a chamada «emissão de processo»). Por conseguinte, a utilização de combustíveis derivados de fontes renováveis (biomassa ou hidrogénio) reduzirá a emissividade até 35 %, no máximo. Atualmente, estão a ser testadas tecnologias que podem permitir, no futuro, a captura e gestão ou armazenamento de CO2 (método das aminas e ciclo de cálcio). Outra forma de reduzir as emissões consiste em desenvolver os chamados cimentos com baixo teor de clínquer, que atualmente têm um TRL de 5-7. Tais cimentos têm uma emissividade até 30 % mais baixa do que os cimentos Portland puros.

4.7.

Indústria química:

Na indústria química, a eletrificação de processos de produção como a eletrificação por craqueamento a vapor visa reduzir até 90 % das emissões de CO2 por cada craqueador. O setor químico contribui de forma significativa para restaurar a sustentabilidade dos ciclos de carbono. Os produtos químicos são um enorme reservatório de carbono que pode fixar o carbono por 10 a 40 anos. Atualmente, o volume de carbono incorporado em produtos químicos é comparável às emissões totais da indústria para a produção desses produtos. A maior parte deste carbono acaba na atmosfera quando os produtos são incinerados no final da sua fase de utilização, pelo que a criação de uma estratégia ambiciosa para a economia circular é uma condição indispensável para a consecução de ciclos de carbono sustentáveis e resilientes às alterações climáticas, mantendo o carbono «no ciclo». O setor químico pode contribuir para a redução das emissões noutros setores, «absorvendo» o carbono e armazenando-o nos produtos.

4.8.

Indústria da celulose e do papel:

Na indústria da celulose e do papel, uma combinação de melhorias dos processos, nomeadamente a transição para a Indústria 4.0, juntamente com investimentos em tecnologias de produção de última geração, deverá levar a uma redução de sete milhões de toneladas de CO2 até 2050. Ao mobilizar as suas instalações de produção combinada calor-eletricidade no local, a indústria tem capacidade para participar no mercado da energia, utilizando excedentes de energias renováveis intermitentes. Os benefícios associados à descarbonização podem atingir os dois milhões de toneladas. A conversão de mais instalações industriais de modo a permitir a utilização de fontes de energia hipocarbónicas ou descarbonizadas deverá permitir uma redução de emissões correspondente a oito milhões de toneladas de CO2. Além de alguns dos conceitos inovadores identificados no projeto Two Team (4), como a tecnologia Deep Eutectic Solvents, atualmente em desenvolvimento, outras soluções inovadoras e disruptivas são suscetíveis de complementar o esforço de redução das emissões em cerca de cinco milhões de toneladas de CO2.

4.9.

Refinarias de petróleo:

As refinarias de petróleo podem contribuir para a transição energética e climática da economia da UE de duas formas: i) reduzindo substancialmente a pegada de carbono do seu processo de produção e ii) substituindo progressivamente os combustíveis e outros os produtos de origem fóssil por combustíveis e outros produtos à base de CO2 biogénico ou reciclado. A substituição gradual da energia fóssil por bioenergia, aliada às tecnologias de CUC e CAC, resultará, inclusivamente, em emissões negativas de GEE. As emissões líquidas de GEE geradas durante a utilização de combustíveis e outros produtos refinados podem ser drasticamente reduzidas através da substituição progressiva do petróleo bruto pela biomassa sustentável e pelo CO2 reciclado enquanto matéria-prima. Os combustíveis resultantes, uma vez queimados, libertarão níveis líquidos nulos ou muitos baixos de CO2 para a atmosfera, contribuindo assim para a descarbonização do transporte, especialmente dos modos mais difíceis de eletrificar. Estão em curso investimentos e novos projetos nestes domínios. A título de exemplo, três das cerca de 80 grandes refinarias da UE foram convertidas em biorrefinarias, substituindo completamente o petróleo bruto por biomassa sustentável (5). Esta estratégia de transição climática exige recursos financeiros mais baixos do que outras soluções, uma vez que as próprias refinarias e o sistema logístico para a distribuição de produtos podem, em grande medida, ser adaptados e reutilizados.

4.10.

Fertilizantes:

A indústria dos fertilizantes está a explorar a substituição do gás natural enquanto matéria-prima pelo hidrogénio verde. Estão a ser desenvolvidos vários projetos-piloto (6) em toda a UE e, quando o hidrogénio verde estiver disponível e o seu custo for definido, a indústria avançará para uma descarbonização total.

4.11.

Em conclusão, a indústria transformadora apresenta potencial para a descarbonização através da eficiência energética, da otimização dos processos e da conversão às energias renováveis. Serão necessários investimentos em IDI para alcançar o objetivo de neutralidade carbónica até 2050. As tecnologias de CAC e de captura, utilização e armazenamento de dióxido de carbono (CUAC) também são importantes para as indústrias transformadoras, como a indústria do cimento, e as indústrias em que a biomassa é a fonte de energia.

5.   Aptidões e competências na futura indústria transformadora

5.1.

Os novos processos industriais exigirão, sem dúvida, novos métodos de trabalho. As indústrias e os trabalhadores terão de adaptar a forma como desempenham as suas funções na indústria, concentrando-se na redução das emissões de CO2 logo nas primeiras etapas dos processos de produção.

5.2.

A transição ecológica da indústria transformadora alterará a produção de muitas formas em razão da plena implantação das novas tecnologias de produção e do aproveitamento da digitalização. Serão necessárias novas competências, bem como a requalificação e a melhoria de competências, para alcançar uma transição justa, que não deixe ninguém para trás. Deve prestar-se especial atenção à participação dos cidadãos e trabalhadores, das PME, das empresas sociais e dos peritos regionais de toda a UE, de modo que desempenhem um papel pró-ativo nas mudanças inevitáveis nos locais onde vivem.

5.3.

A UE tem de assegurar que o conhecimento das novas tecnologias e a forma de as implantar nas atuais indústrias sejam transmitidos aos trabalhadores da indústria. Os poderes públicos e as empresas, no âmbito do diálogo social, devem envidar esforços para mobilizar as competências já existentes e para cumprir os objetivos de descarbonização.

5.4.

A implantação total do hidrogénio verde na indústria será fundamental para muitos setores. No entanto, a implantação das tecnologias de RDC influenciará também as aptidões e competências na indústria transformadora, bem como, em grande medida, na cadeia de abastecimento.

6.   Ação e condições-quadro da UE

6.1.

O quadro jurídico da UE e as regulamentações nacionais têm de ajudar a descarbonizar a indústria. Importa ter em conta que as possibilidades e/ou recursos para investimento na transição variarão consideravelmente entre os Estados-Membros e entre as regiões da Europa.

6.2.

O Fundo para uma Transição Justa, que visa apoiar as regiões altamente dependentes das indústrias com elevada intensidade carbónica, é um primeiro passo positivo. No entanto, o seu âmbito de aplicação é demasiado limitado, pois abrange apenas as regiões altamente dependentes das indústrias do carvão, da lenhite, da turfa, do xisto betuminoso e das indústrias com elevada intensidade carbónica. O CESE, tal como o Parlamento Europeu, propõe um aumento drástico do orçamento do Fundo para uma Transição Justa, a fim de prestar apoio a outros setores que serão afetados pela descarbonização da indústria. Importa afetar recursos orçamentais adicionais no sentido de assegurar a mobilidade profissional, a criação de empregos alternativos e de qualidade nas mesmas regiões, bem como a adequação da formação, requalificação e melhoria de competências dos trabalhadores.

6.3.

A transição ecológica na indústria exigirá acesso a energia e matérias-primas neutras em carbono e abundantes a um preço acessível, estável e competitivo. Serão indispensáveis investimentos significativos na Europa, inclusivamente em infraestruturas energéticas, a fim de fornecer à indústria as enormes quantidades de energias renováveis necessárias.

6.4.

O quadro regulamentar da UE tem de levar a economia da UE a cumprir o objetivo de neutralidade climática em 2050, criando condições para libertar os enormes recursos — financeiros, tecnológicos e intelectuais –, para a realização célere de investimentos em tecnologias hipocarbónicas, incluindo tecnologias de remoção de carbono.

6.5.

São necessários incentivos regulares para estimular a implantação da captura de carbono nas indústrias transformadoras, tanto a nível europeu — através do Fundo de Inovação — como em todos os Estados-Membros, mas sem fragmentar o mercado único, que é uma das pedras angulares da UE. Serão necessárias iniciativas adicionais da UE para atrair e mobilizar o investimento privado.

6.6.

É necessário criar alianças estratégicas a nível europeu, a fim de acelerar o desenvolvimento desta indústria, permitindo à UE assumir a liderança neste domínio. As regras atuais em matéria de auxílios estatais poderiam ser adaptadas para esse efeito.

6.7.

É necessário prestar especial atenção às atividades de I&D, promovendo um diálogo sobre esta matéria a nível europeu. Importa que o Fundo de Inovação seja o instrumento por excelência para mobilizar essas atividades.

6.8.

Há que utilizar as políticas de contratação pública para impulsionar os mercados de produtos ecológicos, para que os produtores reduzam as emissões de GEE em relação aos produtos «castanhos».

6.9.

O atraso identificado na resposta ao desafio climático e a pressão do tempo exigem que os relatórios do Semestre Europeu e as recomendações dirigidas a todos os Estados-Membros incluam alguns indicadores-chave de desempenho para ajudar a alcançar a necessária descarbonização da indústria.

6.10.

O relatório de prospetiva estratégica deve rever periodicamente os progressos, os cenários/opções mais promissores e os pontos fracos nas iniciativas para alcançar os objetivos climáticos, o que se reveste de importância acrescida pelo facto de poder fornecer orientações sobre investimentos urgentes e de elevado risco, mas também sobre a agregação razoável de recursos, tanto vertical como horizontalmente.

6.11.

Um conjunto de sinais de alerta aponta para condições de concorrência não equitativas e para o risco de «fuga de carbono» para países terceiros, o que dificulta a descarbonização. Tal sublinha, mais uma vez, a importância de introduzir o controlo da competitividade como um instrumento de filtragem de riscos e de orientação.

6.12.

Há diferenças, claramente medidas, nas concentrações de emissões por Estado-Membro e nas emissões per capita, por setor económico e por região. Tendo em conta que é premente atuar, importa dar prioridade à aplicação dos resultados mais rápidos e mais consequentes que permitam avançar nas etapas de descarbonização. Por conseguinte, é necessário colocar a tónica nas indústrias metalúrgicas, de matérias minerais, de produtos químicos e de combustíveis renováveis.

As inovações nas fases iniciais e a vontade de as utilizar e comercializar variam em função da dimensão das empresas, tendo os grupos de grandes dimensões vantagem em relação às primeiras, e as PME em relação à segunda. Assim, a transferência de conhecimentos, tanto intersetorial como vertical, deve ser incentivada e facilitada através da criação de um ambiente empresarial favorável.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Nível de Maturidade Tecnológica (TRL, do inglês Technology Readiness Level): níveis de maturidade tecnológica são diferentes pontos numa escala utilizada para medir o progresso ou o nível de maturidade de uma tecnologia.

(2)  Agência Europeia do Ambiente.

(3)  PCCE: produção combinada calor-eletricidade.

(4)  https://www.cepi.org/two-team-project-report/

(5)  Gela, biorrefinaria de Veneza (eni.com) e La Mède (TotalEnergies.com).

(6)  A Fertiberia lançou a fábrica de fertilizantes Impact Zero em Puertollano, Espanha.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A transição energética e digital nas zonas rurais

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/09)

Relator:

John COMER

Correlator:

Luís MIRA

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

30.6.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

173/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que não se prestou a atenção e o apoio que seria de esperar a uma estratégia combinada de transição energética e digital nas zonas rurais. Solicita que se ponha rapidamente em prática a visão a longo prazo da Comissão para as zonas rurais da UE e que se mobilize as partes interessadas através do Pacto Rural da UE. As zonas rurais mais vulneráveis necessitam de especial atenção para que ninguém fique para trás. É fundamental centrar-se na pobreza energética e nas zonas de pobreza rural.

1.2.

O CESE está convicto de que a prosperidade futura da Europa dependerá, em grande medida, do tratamento das zonas rurais em consonância com as zonas urbanas. As comunidades rurais não devem ser desfavorecidas no que diz respeito à digitalização e às opções de utilização da energia (por exemplo, necessidade de recorrer ao automóvel devido à falta de transportes públicos).

1.3.

Cabe conferir maior preponderância ao papel desempenhado pelas comunidades locais a fim de alcançar uma transição energética justa e promover, concomitantemente, o desenvolvimento comunitário mediante a criação e a expansão de comunidades de energia renovável e de comunidades de cidadãos para a energia, em que participam de forma voluntária cidadãos, autoridades responsáveis a nível local e PME, no intuito de gerar benefícios sociais e económicos.

1.4.

O CESE solicita que as seguintes políticas e instrumentos sejam reforçados:

política em matéria de energias renováveis: a política atual nesta matéria orienta-se principalmente pela necessidade de aumentar as capacidades, em vez de aumentar as sinergias em prol do bem-estar das comunidades rurais. A necessidade de maximizar a capacidade das energias renováveis é tão essencial como quantificar e resolver todas as questões relativas ao desenvolvimento rural;

política de adjudicação: a política atual de adjudicação de instalações de energias renováveis não é útil para as comunidades rurais, uma vez que se centra principalmente na redução dos custos e não nas necessidades socioeconómicas dos cidadãos das zonas rurais. Todas as instalações de energias renováveis devem ter como objetivo assegurar a maior eficiência possível em termos de custos e contribuir de forma significativa para satisfazer as necessidades socioeconómicas das comunidades rurais e dos cidadãos rurais;

armazenamento de eletricidade: o setor do armazenamento de eletricidade tem de crescer. Um dos principais desafios será a segurança sazonal do aprovisionamento de eletricidade. O armazenamento através de baterias e a eletrificação inteligente, aliados às respostas do lado da procura, ajudarão a esse respeito. O armazenamento de hidrogénio verde será necessário em alternativa;

financiamento específico, assegurando que os fundos são efetivamente canalizados para as zonas rurais mediante afetação nos planos nacionais de recuperação e resiliência.

1.5.

O CESE solicita à Comissão que proponha um Digital Rural Act enquanto terceira componente da Estratégia Digital Europeia, a par do Regulamento Mercados Digitais e do Regulamento Serviços Digitais. A digitalização proporcionará novas oportunidades (especialmente para os jovens) suscetíveis de mudar as tendências demográficas, ao permitir que as pessoas trabalhem a partir de casa e de plataformas de trabalho em zonas rurais.

1.6.

O CESE sublinha que é imperativo assegurar a conectividade à Internet de alta velocidade em todo o território, incluindo as zonas escassamente povoadas, para que os planos de recuperação e resiliência dos Estados-Membros ou da UE possam contar como o contributo pleno das zonas rurais. Insta os governos a criar condições para que esse serviço seja prestado pelos operadores privados ou a recorrer a uma empresa estatal para o efeito.

1.7.

O CESE considera que as autoridades governamentais e os prestadores de serviços devem desenvolver aplicações conviviais especificamente adaptadas às realidades da vida e das atividades nas zonas rurais. A título de exemplo, a aplicação dessas tecnologias reduzirá a pegada de carbono da agricultura (agricultura de precisão) e contribuirá para uma melhor acessibilidade das zonas remotas (drones). O setor público deve intervir se o setor privado não fornecer essas soluções.

1.8.

O CESE frisa que os utilizadores rurais de todas as idades devem ter acesso a possibilidades de formação e de melhoria de competências adequadas para utilizarem esta nova tecnologia digital. A inclusividade das zonas desfavorecidas deve igualmente permitir o acesso aos dispositivos necessários, quer através da utilização partilhada, quer através de uma subvenção estatal para a sua aquisição.

1.9.

Em suma, o CESE entende que a implantação de tecnologias digitais nas zonas rurais é necessária para apoiar a transição energética. O sistema energético rural deve ser descentralizado. Para tal, impõe-se uma maior e melhor interligação, o que, por seu turno, exige a implantação de tecnologias digitais para adaptar a oferta à procura e assegurar fluxos de energia eficientes. As aplicações digitais nas zonas rurais terão de ser altamente eficientes do ponto de vista energético devido à menor taxa de utilização e à menor densidade populacional. A conectividade informática de baixo consumo energético é um imperativo para as zonas rurais.

1.10.

O CESE salienta que, tendo em conta que 30 % da população da UE vive em zonas rurais, a transição energética justa nessas zonas constitui um elemento fundamental da transição justa para uma União Europeia com impacto neutro no clima, sustentável e próspera, em consonância com a Agenda Territorial 2030.

1.11.

A Comissão propôs que 20 % do investimento do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) se destinem ao setor digital. O CESE recomenda que todos os Estados-Membros consagrem pelo menos 10 % destes fundos às zonas rurais, sem impor burocracia desnecessária.

2.   A transição energética nas zonas rurais

Introdução

2.1.

Existe um consenso científico generalizado de que a libertação de dióxido de carbono resultante da queima de combustíveis fósseis é a forma mais provável de a humanidade estar a influenciar as alterações climáticas a nível mundial.

2.2.

O climatólogo Michael Mann afirma, no seu livro The New Climate War [A nova guerra climática], que o aquecimento do nosso planeta entrou agora na zona de perigo e que ainda não estamos a adotar as medidas necessárias para evitar a maior crise mundial que alguma vez enfrentámos.

2.3.

As alterações climáticas perigosas já se fazem sentir em alguns locais, com a subida do nível do mar. Veneza e Miami enfrentam desafios significativos a este respeito. Na região da Amazónia assistiu-se a uma desflorestação em grande escala e a secas provocadas pelas alterações climáticas. O derretimento mais rápido do que o previsto da calota de gelo do Ártico é motivo de grande preocupação.

2.4.

É necessário que todas as partes interessadas se mobilizem à escala mundial para adotar medidas imediatas em matéria de alterações climáticas, nomeadamente medidas de atenuação e adaptação para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE). A redução célere da utilização de combustíveis fósseis deve ser uma prioridade imediata.

Zonas rurais

2.5.

Na UE, 130 milhões de pessoas, ou seja, 30 % da sua população, vivem em zonas rurais. As zonas rurais são heterogéneas, e as suas características são fortemente influenciadas pela sua localização. Em muitas zonas, em particular no sul da Europa, as alterações climáticas provocarão um aumento progressivo da escassez de água, um agravamento das inundações e um aumento da intensidade e da frequência dos incêndios florestais. No norte da Europa, o aumento da precipitação e das tempestades pode causar — e causará — danos significativos e dispendiosos nas infraestruturas. O aumento das temperaturas intensificará o ciclo da água e tornará as tempestades violentas mais frequentes. Estas circunstâncias demonstram a necessidade de realizar a transição energética e digital o mais rapidamente possível nas zonas rurais.

2.6.

A ideia de transição energética nas zonas rurais não recebeu o nível de atenção que se esperaria, o que é surpreendente, uma vez que os recursos necessários para produzir energias renováveis estão estreitamente ligados às zonas rurais. A maioria das infraestruturas de energias renováveis, como as turbinas eólicas, as centrais fotovoltaicas e as instalações de produção de biogás, situa-se nas zonas rurais. As redes de transporte de energia são também uma característica da paisagem rural. Muitos habitantes das zonas rurais consideram que estas estruturas lhes são impostas e proporcionam maiores benefícios às zonas urbanas.

2.7.

As zonas rurais têm necessidades diversas e distintas em função da sua localização. Podem ser classificadas da seguinte forma:

zonas rurais situadas numa área de deslocações pendulares (num raio de 60 km da cidade) e cujo desenvolvimento está integrado na cidade;

zonas rurais que não fazem parte do mercado de trabalho urbano, mas que dispõem de um fluxo de entrada e saída de bens e serviços ambientais e de outras atividades económicas;

zonas rurais remotas, em que a economia local depende em grande medida da exportação de produtos primários, como os produtos agrícolas, para outras áreas. Em particular, estas zonas tendem a ter populações dispersas e serviços públicos deficientes.

2.8.

Estas diferentes zonas rurais enfrentam muitos e variados desafios na execução da transição energética, o que mostra a importância de uma transição justa para alcançar o objetivo pretendido.

2.9.

Muitas zonas rurais estão fisicamente isoladas, e caracterizam-se por uma atividade económica pouco diversificada e uma baixa densidade populacional. Em muitos casos, os baixos rendimentos e o envelhecimento da população aumentam a vulnerabilidade das comunidades rurais. As pessoas que vivem sozinhas em zonas rurais isoladas, com pouca interação social, representam um enorme desafio para a execução da transição energética. A pobreza energética constitui um problema grave nessas zonas.

2.10.

A instalação de contadores inteligentes é um elemento essencial da transição energética nas zonas rurais. Até à data, este processo parece ser bastante lento nessas zonas. Importa igualmente assegurar que os agregados familiares com baixos rendimentos e as pessoas com competências informáticas limitadas podem utilizar da melhor forma os contadores inteligentes, no âmbito de uma transição energética justa em que ninguém é esquecido. O Mecanismo de Recuperação e Resiliência afetou 25 mil milhões de euros ao apoio às competências digitais e à educação para o digital. Os Estados-Membros devem reservar uma parte adequada desses fundos para a formação das populações rurais em competências e literacia digitais. O facto de algumas partes da Europa não disporem de Internet é uma situação intolerável que cumpre corrigir o mais rapidamente possível.

2.11.

No Parecer — Rumo a uma estratégia global para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais e urbanas (1), o CESE salientou que as políticas agrícolas, alimentares e rurais se devem articular com as políticas em matéria de alterações climáticas e biodiversidade. A multifuncionalidade da agricultura é outro aspeto igualmente importante, assim como a promoção de atividades não agrícolas, por exemplo a criação de empresas no setor dos serviços de energia limpa, a fim de criar oportunidades de emprego. Importa explorar o potencial do comércio eletrónico.

2.12.

A Comunicação — Uma visão a longo prazo para as zonas rurais da UE (2) propõe um Pacto Rural que visa, nomeadamente, promover a coesão territorial e criar novas oportunidades para atrair empresas inovadoras. A aplicação desta visão facilitará consideravelmente a transição energética justa nas zonas rurais. O CESE acolheu favoravelmente essa abordagem no Parecer — Visão a longo prazo para as zonas rurais da UE (3).

Transportes

2.13.

A oferta de transportes rurais é uma questão fundamental devido à escassez de transportes públicos, à dispersão da população e à distância a que se encontram as lojas e os serviços. Além disso, os habitantes das zonas rurais que trabalham nos centros urbanos percorrem frequentemente longas distâncias para chegar ao local de trabalho.

2.14.

É necessário um planeamento local e nacional que proporcione um sistema de transporte multimodal que contribua para a transição para as energias renováveis. Esse sistema deve oferecer opções e alternativas para o transporte de pessoas e de mercadorias.

2.15.

O transporte de mercadorias nas zonas rurais exige uma atenção especial no âmbito da transição energética. Por exemplo, as entregas de bens para as explorações agrícolas e a recolha dos seus produtos devem ser um elemento importante do planeamento da transição energética. O objetivo a atingir deve ser a generalização dos veículos pesados de mercadorias elétricos e dos veículos pesados de mercadorias movidos a hidrogénio. A curto prazo, os biocombustíveis sustentáveis e os veículos híbridos poderão contribuir para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

2.16.

A grande expansão das compras em linha, em particular nas zonas rurais, mostra a importância de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa das furgonetas de distribuição. O recurso a furgonetas elétricas permitiria alcançar este objetivo, uma vez criada a infraestrutura de carregamento adequada. Além disso, as empresas de entrega ao domicílio devem financiar a aquisição de furgonetas elétricas. A prioridade imediata consiste em começar a reduzir as emissões de todas as formas possíveis.

2.17.

Há que dar prioridade a uma melhor oferta de transportes públicos nas zonas rurais, que vise a redução das emissões de gases com efeito de estufa e a inserção social, bem como a criação de oportunidades de desenvolvimento rural. Os transportes públicos rurais devem ser considerados um bem público no contexto da transição energética, pelo que é necessário financiamento público para promover e facilitar os transportes públicos sustentáveis.

2.18.

O automóvel particular é considerado um meio indispensável de transporte nas zonas rurais, uma vez que, sem ele, seria impraticável viver nestas zonas. A prioridade deve ser ajudar e encorajar os habitantes das zonas rurais a reduzir, sempre que possível, a utilização do automóvel e a passar o mais rapidamente possível para veículos de baixas emissões. Os auxílios financeiros destinados a promover a aquisição de veículos elétricos devem constituir um objetivo fundamental no contexto da transição energética nas zonas rurais.

2.19.

O armazenamento através de baterias é um meio eficaz para achatar a curva da procura líquida de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. A utilização generalizada de veículos elétricos pode ajudar a este respeito, pois, quando esses veículos tiverem a possibilidade de enviar eletricidade de volta à rede, a frota elétrica pode funcionar como um ativo de armazenamento através de baterias para além das demais formas de armazenamento. O envio de eletricidade de volta à rede a partir de veículos elétricos tem de ser financeiramente atrativo para os consumidores, como refere o CESE no Parecer — Regulamento relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos (4).

Turismo

2.20.

As zonas rurais dependem frequentemente do turismo enquanto importante fonte de rendimento. Por conseguinte, devem dispor de uma infraestrutura adequada para combustíveis alternativos, a fim de promover o setor do turismo, reduzindo ao mesmo tempo as emissões de gases com efeito de estufa. As empresas de aluguer de automóveis devem ser incentivadas a optar por veículos de baixas emissões e, de preferência, veículos elétricos. A transição energética nas zonas rurais exige medidas que favoreçam o aumento dos rendimentos provenientes do turismo.

Eletricidade renovável

2.21.

A eletricidade renovável, como a energia eólica, solar e o biogás, é uma componente importante da paisagem rural. A harmonização da legislação entre os Estados-Membros deve promover e proteger os interesses dos prossumidores e incentivar os investimentos em infraestruturas de energias renováveis. É necessário que todos os Estados-Membros prevejam a possibilidade de vender a energia produzida à rede nacional e disponham de regimes de compensação adequados entre a energia renovável produzida pelos prossumidores e a energia consumida, a fim de assegurar a independência energética das zonas rurais.

2.22.

Os recentes leilões para contratação pública centralizada de eletricidade renovável têm-se generalizado e conseguiram, em muitos casos, reduzir os custos de construção das instalações eólicas e solares. Regra geral, o desenvolvimento da eletricidade rural está principalmente ligado à descarbonização do setor da energia, não havendo sinergias com os objetivos de desenvolvimento rural. Os habitantes das zonas rurais opõem-se frequentemente a tais desenvolvimentos, uma vez que anteveem poucos benefícios para a comunidade local.

2.23.

As cooperativas e outras organizações locais devem participar na escolha dos locais para as instalações de produção de eletricidade renovável, tanto em regiões terrestres como costeiras. As comunidades locais devem ter uma participação acionista e obter um benefício local dessas instalações.

2.24.

Nestes grandes projetos, o desenvolvimento das energias renováveis está principalmente ligado à descarbonização do setor da energia, sendo dada pouca atenção ao desenvolvimento rural. Os parques eólicos de pequena dimensão, bem como os pequenos digestores solares e anaeróbios geridos por cooperativas e pela população local podem ser mais orientados para o desenvolvimento rural, bem como para a inserção social e económica das comunidades rurais. É necessário alcançar um equilíbrio entre estes dois sistemas. As comunidades de energia renovável e as comunidades de cidadãos para a energia constituem uma forma de alcançar uma transição energética justa concomitantemente ao desenvolvimento comunitário.

2.25.

Um estudo de caso realizado na Suécia rural (Ejdemo e Söderholm, 2015) concluiu que, na ausência de mecanismos de partilha de benefícios, as oportunidades de emprego no contexto do desenvolvimento rural eram bastante limitadas.

2.26.

Uma comunidade de cidadãos para a energia é uma entidade jurídica em que cidadãos, PME e autoridades responsáveis a nível local se reúnem enquanto utilizadores finais para cooperarem na produção de energias renováveis. Um exemplo disso é o município de Feldheim (uma pequena aldeia a sudoeste de Berlim), que se tornou autossuficiente em energia, tendo instalado turbinas eólicas nos quintais e criado uma rede independente. Os habitantes pagam preços mínimos pela eletricidade, e a criação de uma instalação de produção de biogás permitiu à aldeia estabelecer uma rede de aquecimento urbano. Trata-se de um excelente exemplo do funcionamento de uma comunidade de energia renovável. Demonstra igualmente que uma abordagem ascendente é essencial para o futuro das zonas rurais (5).

2.27.

A resposta do lado da procura consiste em transferir o consumo elétrico para períodos em que o sistema pode fazer face à procura. É preciso achatar a curva da procura líquida de eletricidade durante os períodos de pico da procura, a fim de evitar apagões à medida que se produz cada vez mais eletricidade verde. A utilização do armazenamento através de baterias, o armazenamento hidrobombeado e a eletrificação inteligente proporcionarão flexibilidade para achatar a curva da procura líquida.

2.28.

Dirigindo-se aos deputados irlandeses em Dublim, a comissária da Energia, Kadri Simson, afirmou que a guerra na Ucrânia obrigou Bruxelas a ir mais longe nos seus esforços para pôr termo às importações de combustível russo, assegurando que, ao abrigo das propostas ainda por aprovar, a UE procurará que, até 2030, 45 % da sua energia consumida provenha de fontes renováveis. Tal representaria um aumento em relação ao atual objetivo de 32 % e mais do que duplicaria a percentagem registada em 2020 (22 %). O CESE apoia este novo objetivo, mas alerta para o facto de o mesmo só poder ser alcançado se se avançar rapidamente com novos e mais avultados investimentos na transição energética das zonas rurais.

2.29.

O vento nem sempre sopra, pelo que será necessário assegurar uma alternativa nesses casos. O hidrogénio verde pode ser essa alternativa para satisfazer as variações na procura de eletricidade, podendo ser armazenado até ser necessário.

Agricultura

2.30.

A atividade agrícola é fundamental para o desenvolvimento e a prosperidade da maior parte das zonas rurais. Este setor da economia rural enfrenta enormes desafios na concretização da transição energética.

2.31.

Não foram envidados esforços importantes para reduzir a pegada de carbono das máquinas agrícolas.

2.32.

No futuro imediato, o recurso a biocombustíveis sustentáveis parece ser a melhor forma de reduzir as emissões, uma vez que as máquinas existentes podem ser utilizadas, se alteradas de forma adequada.

2.33.

Os biocombustíveis sustentáveis não são produzidos a baixo custo, e o seu preço pode atingir mais do dobro do preço do gasóleo. Os preços podem diminuir ligeiramente com o tempo.

2.34.

No futuro, quando as máquinas agrícolas alimentadas a eletricidade se tornarem mais amplamente disponíveis, será possível reduzir as emissões de forma significativa.

2.35.

A agricultura é, na maior parte dos casos, uma atividade pouco lucrativa, pelo que os custos de capital associados à mudança para máquinas elétricas serão extremamente difíceis de financiar. Resolver o problema do financiamento da transição para máquinas elétricas ou movidas a hidrogénio será uma questão importante no contexto da transição energética nas zonas rurais.

2.36.

A instalação de painéis solares nos edifícios agrícolas permitiria aos agricultores utilizar eletricidade verde, o que representaria um ganho significativo na transição energética, uma vez que a agricultura é um setor com grande consumo de eletricidade. Qualquer excedente poderia ser revendido à rede.

2.37.

A agricultura de precisão é uma abordagem assente em dados para a gestão das explorações agrícolas que pode melhorar a produção e o rendimento das culturas e reduzir a pegada de carbono da agricultura. Tal é possível devido aos avanços na tecnologia digital com sistemas de teledeteção, de posicionamento global (GPS) e de direcionamento por satélite dos tratores. Todos estes aspetos serão importantes para a transição energética na agricultura, em conjugação com o investimento, a formação e a melhoria de competências necessários.

2.38.

Os agricultores poderão ter a possibilidade de vender a eletricidade excedentária à rede, uma vez que os produtores de produtos lácteos e de carne de bovino dispõem de vastas superfícies de telhado nas suas explorações. Alguns agricultores podem tornar-se parceiros na criação de centrais de biomassa e vender gás à rede respetiva. A utilização de resíduos florestais em centrais de biomassa é importante para facilitar a gestão florestal nas zonas que dispõem desses materiais.

2.39.

As consequências da guerra na Ucrânia significam que devemos voltar a analisar a segurança alimentar na UE. As terras devem destinar-se prioritariamente à produção de alimentos. Esta utilização não deve estar sujeita à concorrência da instalação de painéis à escala industrial nem com a produção de biomassa para energias renováveis, que devem ter um caráter complementar.

Biometano

2.40.

O biometano é um biogás do qual foram removidos o dióxido de carbono, o sulfureto de hidrogénio e a água, podendo então ser injetado diretamente na rede de gás ou utilizado num veículo movido a gás.

2.41.

Os digestores anaeróbios devem ser instalados perto de um local onde exista um abastecimento adequado de chorume. Também se pode utilizar a silagem de erva e a silagem de milho excedentárias, desde que a produção de alimentos e forragens não seja prejudicada.

2.42.

É necessário prosseguir a investigação para melhorar a eficiência dos digestores anaeróbios e reduzir os custos associados ao processo.

2.43.

Há que promover e financiar a utilização de digestores anaeróbios no âmbito da transição energética nas zonas rurais.

2.44.

A energia gerada a partir da biomassa pode ser utilizada para produzir calor ou eletricidade. A biomassa desempenhará um papel vital na produção de eletricidade renovável.

Habitações rurais

2.45.

Muitos agregados familiares das zonas rurais podem instalar tecnologias de microgeração, como painéis solares e turbinas eólicas de pequeno porte, com a possibilidade de revender qualquer excedente à rede.

2.46.

Os agregados familiares com baixos rendimentos necessitam de assistência financeira para instalar estruturas de microgeração. Tal permitiria aos agregados familiares das zonas rurais realizar uma transição energética significativa.

2.47.

Regra geral, o isolamento e a eficiência energética das habitações rurais são piores do que nas habitações urbanas. Muitas habitações rurais são moradias isoladas em locais expostos às intempéries.

2.48.

No âmbito da transição energética, cabe lançar um programa de investimento significativo para a adaptação das habitações rurais, a fim de melhorar o respetivo isolamento e eficiência energética. Esse investimento constituirá um avanço importante na redução do consumo energético e na descarbonização do aquecimento doméstico rural. Será necessário um regime de apoios, uma vez que os custos de capital de uma adaptação significativa são extremamente elevados. Os agregados familiares com baixos rendimentos e os que vivem em situação de pobreza energética necessitarão de uma ajuda especial para realizarem essa transição.

3.   A transição digital nas zonas rurais

3.1.

Em 2021, a Comissão Europeia apresentou a visão para a transformação digital da Europa até 2030. Desde logo se evidenciou a necessidade de duas propostas legislativas, o Regulamento Mercados Digitais e o Regulamento Serviços Digitais, por forma a assegurar um espaço digital mais seguro, onde os direitos fundamentais dos utilizadores são protegidos, e a estabelecer condições equitativas para as empresas europeias no mundo digital.

3.2.

Para se alimentar uma população mundial em crescimento, com o mínimo impacto ambiental e promovendo a neutralidade carbónica, é necessário existirem infraestruturas digitais e tecnológicas nas zonas rurais que permitam uma utilização eficiente e precisa dos recursos na agricultura. Mas, apesar de 30 % da população europeia residir em zonas rurais europeias e estas representarem 80 % do território dos 27 Estados-Membros, a digitalização enfrenta riscos acrescidos no mundo rural que, se não forem acautelados, porão em causa a pretensão digital da Europa. O quadro legislativo europeu do Digital Rural Act visa fazer face a estes riscos promovendo:

garantir uma cobertura de rede de banda larga equitativa para todas as regiões da Europa: o que se verifica atualmente é uma boa cobertura nos grandes centros urbanos e uma cobertura deficitária nas zonas rurais; para cumprir os objetivos da digitalização é urgente resolver este problema de modo a não abrir um fosso ainda maior entre as várias regiões;

infraestruturas: garantir o investimento privado na implantação da infraestrutura no último quilómetro, tendo em consideração benefícios não financeiros como as externalidades socioeconómicas;

capacitação: alfabetizar digitalmente os residentes nas zonas rurais;

adequação: promover o desenvolvimento de aplicações que respondam à necessidade da comunidade agrícola e rural, que apresentam fraca aderência aos serviços digitais concebidos para o meio urbano.

3.3.

O Digital Rural Act enquanto mecanismo legislativo da Comissão Europeia será, tal como o Regulamento Mercados Digitais e o Regulamento Serviços Digitais, um conjunto de regras, obrigações e responsabilidades, cujo objetivo será garantir o acesso das zonas rurais europeias a um conjunto de iniciativas, ferramentas e acessibilidades que, devido à reduzida densidade populacional, são economicamente desfavoráveis para o investimento privado. Desta forma, o Digital Rural Act garantirá a execução da digitalização nas zonas rurais quando a sua necessidade é inversamente proporcional aos proveitos financeiros obtidos.

3.4.

Finalmente, o Digital Rural Act será o maior precursor do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia do Prado ao Prato e da neutralidade carbónica da Europa em 2050, pois a transição para implantar um sistema alimentar justo, saudável e amigo do ambiente só será possível se a tecnologia e digitalização estiverem disponíveis e acessíveis ao mundo agrícola e rural.

3.5.

Tal como sublinhado no Parecer do CESE — Reforço da digitalização integradora, segura e de confiança para todos (6), importa não subestimar a importância da digitalização, na medida em que esta pode «apoiar uma maior mobilidade no mercado de trabalho, aumentar a produtividade e a flexibilidade no local de trabalho e permitir o equilíbrio entre vida profissional e pessoal quando os trabalhadores trabalham à distância a partir de casa». Para o efeito, é necessário dispor de um conjunto abrangente de competências digitais, independentemente de os trabalhadores viverem em zonas urbanas ou rurais. No entanto, quem vive em localidades remotas enfrenta barreiras acrescidas dos mais variados tipos. Por conseguinte, o CESE apela para a adoção de uma agenda específica para as competências digitais, a fim de apoiar os cidadãos europeus que vivem em zonas rurais. Essa abordagem, que deve constituir um elemento central do Digital Rural Act, contribuirá simultaneamente para colmatar a divisão digital e permitirá tirar partido dos benefícios da transformação digital da sociedade.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE — Rumo a uma estratégia global para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais e urbanas (JO C 105 de 4.3.2022, p. 49).

(2)  COM(2021) 345 final.

(3)  Parecer do CESE — Visão a longo prazo para as zonas rurais da UE (JO C 290 de 29.07.2022, p. 137).

(4)  Parecer do CESE — Regulamento relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos (JO C 152 de 6.4.2022, p. 138).

(5)  ERP WORKSHOP REPORT Workshop 21 [relatório da sessão de trabalho do Parlamento Rural Europeu — Sessão 21].

(6)  Parecer do CESE — Reforço da digitalização integradora, segura e de confiança para todos (JO C 374 de 16.9.2021, p. 11).


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/67


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Investimento público em infraestruturas energéticas como parte da solução para os desafios climático

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/10)

Relator:

Thomas KATTNIG

Correlator:

Lutz RIBBE

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.9.2022

Adoção em plenária

22.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

162/7/8

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As consequências da crise climática estão a ter um impacto maciço na Europa e no mundo. Embora as soluções disponíveis de adaptação eficaz às alterações climáticas se tenham multiplicado nos últimos anos, os especialistas assinalam a mobilização insuficiente de recursos financeiros, o empenho demasiado fraco dos cidadãos e do setor privado e a falta de liderança política.

1.2.

A fim de satisfazer a crescente procura de eletricidade e cumprir as metas climáticas, é necessário duplicar o investimento na rede elétrica, para 55 mil milhões de euros por ano, e aumentar os fundos para a construção de capacidades de produção limpas para 75 mil milhões de euros por ano (1). Neste contexto, o investimento público em sistemas de energia inteligentes e renováveis, bem como em infraestruturas de armazenamento, é muito importante para garantir a segurança do aprovisionamento, combater a pobreza energética, proporcionar preços acessíveis e criar emprego.

1.3.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia as propostas da Comissão que visam acelerar e racionalizar os procedimentos de licenciamento de energias renováveis e definir as chamadas «zonas-alvo» para projetos nesse domínio. Tais medidas revestem-se de potencial significativo para acelerar a transição energética. Por isso, tanto mais importante é definir, de forma tão concreta quanto possível, quais as simplificações que devem ser aplicadas nas chamadas zonas «preferenciais».

1.4.

A legislação europeia sobre energia não reconhece a ação climática como um objetivo da regulamentação da rede. Consequentemente, as entidades reguladoras nacionais também têm dificuldade em conceder incentivos para a reestruturação, a expansão e a modernização das redes de distribuição de eletricidade que satisfaçam os requisitos de neutralidade climática.

1.5.

No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente a importância que reveste a participação ativa de todos os consumidores — agregados familiares, empresas e comunidades de energia — no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes e a criação de incentivos para que a sociedade civil possa participar na transição energética e também contribuir para o seu financiamento.

1.6.

O nível de investimento público na União Europeia (UE) em tecnologias de energia limpa necessárias para a descarbonização é o mais baixo entre as economias de maior dimensão, pondo em risco a competitividade da UE. Desde o início da liberalização, o nível de investimento das empresas de eletricidade tem vindo a decrescer. Este declínio no investimento levou a estrangulamentos no aprovisionamento e inibiu a expansão futura das energias renováveis. Por conseguinte, o CESE apoia a proposta da Comissão de financiar a execução do plano REPowerEU através dos planos de recuperação e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE, bem como das dotações adicionais do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e da política agrícola da UE.

1.7.

A conceção e a regulamentação do mercado devem ser adaptadas às novas realidades das energias renováveis que predominarão no futuro (incluindo uma produção mais descentralizada e um maior consumo de energia produzida no local), criando as condições necessárias para os vários intervenientes e assegurando uma proteção adequada dos consumidores. O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de explorar opções para otimizar a conceção do mercado da eletricidade e defende firmemente a realização de avaliações de mercado que analisem o comportamento de todos os potenciais intervenientes no mercado da energia e a própria conceção deste mercado. Em todo o caso, o CESE sublinha a importância da realização de uma avaliação de impacto exaustiva a montante de qualquer proposta.

1.8.

O CESE recomenda, mais uma vez, a aplicação da «regra de ouro» ao investimento público, a fim de salvaguardar a produtividade e a base social e ecológica, em prol do bem-estar das gerações futuras.

1.9.

A opção de recorrer a mecanismos de financiamento misto com investidores privados só deve ser considerada se for possível assegurar que a atribuição é transparente e que o setor público não incorre em quaisquer custos adicionais injustificados em comparação com a opção de financiamento público. Deve haver total transparência relativamente aos custos adicionais justificados. É, pois, essencial que tais modelos de financiamento misto definam claramente os direitos e obrigações, clarifiquem as questões de responsabilidade e prevejam um sistema eficiente e rápido de resolução de conflitos, a fim de evitar custos adicionais a longo prazo e controvérsias sobre questões de responsabilidade.

1.10.

O CESE sublinha que a «transição justa» não se reduz à questão do financiamento da transição. Também inclui o objetivo de criar trabalho digno e empregos de qualidade, assim como segurança social, mantendo a competitividade das empresas europeias, e requer ações específicas a todos os níveis, especialmente regional.

1.11.

O CESE está convicto de que importa ter especialmente em atenção a classificação da expansão da rede enquanto interesse público superior, a inclusão da ação climática como um objetivo da regulamentação e, em geral, uma melhor sincronização no planeamento das energias renováveis e da rede elétrica. Neste contexto, é imprescindível dispor de orientações concretas a nível europeu.

1.12.

Os acontecimentos da última década, os desafios da expansão da rede, o aumento exponencial dos preços da energia, o perigo de ataques cibernéticos e, não menos importante, a guerra na Ucrânia demonstram claramente que a questão central é saber quem controlará no futuro tais infraestruturas fundamentais, como a rede de energia. Assim, o que está em causa é, acima de tudo, o interesse público. A consequência lógica seria, portanto, a propriedade pública, que deve ter por finalidade proteger o bem comum e eliminar as desigualdades existentes.

1.13.

A questão das vantagens e desvantagens da propriedade pública e privada e/ou do financiamento privado de infraestruturas energéticas para um mercado energético eficiente é sem dúvida importante e deve ser considerada na avaliação prevista pela Comissão quanto às opções para a otimização da conceção do mercado energético. Os resultados dessa análise podem constituir um valioso instrumento de decisão para os Estados-Membros, que são responsáveis por decidir sobre a propriedade pública ou privada das infraestruturas energéticas. Na opinião do CESE, a eletricidade é não só um bem estratégico fundamental para toda a economia da UE, mas também um bem público. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão Europeia a analisar em pormenor o impacto e as consequências de todo o processo de privatização e liberalização do setor energético europeu no que diz respeito à sua estabilidade, à fiabilidade do aprovisionamento e ao funcionamento do mercado da eletricidade, e a traduzir os resultados numa reconfiguração de todo o setor da energia, incluindo opções para reforçar o papel dos setores nacional e público.

2.   Contexto

2.1.

As consequências da crise climática já estão a afetar milhares de milhões de pessoas em todo o mundo, assim como os ecossistemas, como revelam os últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC), ainda mesmo antes de o aumento da temperatura ter atingido o limite de 1,5oC fixado no Acordo de Paris. É particularmente problemático que os sistemas e os grupos que serão mais duramente atingidos pelo calor, secas, inundações, doenças e escassez de água e alimentos sejam muitas vezes os que têm menos recursos para fazer face a essas situações.

2.2.

As opções disponíveis para uma adaptação eficaz às alterações climáticas têm aumentado nos últimos anos. No entanto, as medidas aplicadas e as previstas não são satisfatórias em muitas partes da Europa. Os especialistas apontam para a mobilização insuficiente de recursos financeiros, o empenho muito fraco, quer dos cidadãos quer do setor privado, e a falta de liderança política.

2.3.

A situação atual na Europa, caracterizada pela afetação rápida de montantes muito significativos para fins militares devido à guerra na Ucrânia, impele-nos a recear que os recursos financeiros fiquem imobilizados e, em consequência, a ação climática sofra atrasos. Por conseguinte, o CESE congratula-se com as medidas e os instrumentos anunciados pela Comissão no plano REPowerEU (2) para reduzir a dependência da UE em relação aos combustíveis fósseis, em particular aos importados da Rússia, adotando medidas de poupança de energia, acelerando a transição para as energias renováveis, promovendo a diversificação do aprovisionamento e unindo esforços para estabelecer um sistema energético mais resiliente e uma verdadeira União da Energia.

2.4.

Para atingir os objetivos climáticos, é necessário mais do que duplicar as capacidades de produção de energia de fontes renováveis. Atualmente, as situações em que é impossível utilizar ou transportar energia verde, obrigando a reduzir a sua produção, já representam desperdícios de várias centenas de milhões de euros anuais em países de grande dimensão, como a Alemanha. Esta perda económica multiplicar-se-á se as redes elétricas e a capacidade de armazenamento não forem desenvolvidas rapidamente e se, ao mesmo tempo, não se melhorar a possibilidade de utilizar a eletricidade produzida diretamente a nível local. É importante alinhar o desenvolvimento das redes de energia pelo objetivo de neutralidade climática no âmbito do planeamento e da regulamentação das redes. Neste contexto, as redes de distribuição desempenham um papel crucial, uma vez que a maior parte das instalações de energias renováveis estão ligadas a elas.

2.5.

Para satisfazer estes requisitos, é necessário duplicar o investimento na rede elétrica, para 55 mil milhões de euros por ano, e aumentar os fundos para a construção de capacidades de produção limpas para 75 mil milhões de euros por ano (3). Neste contexto, o CESE destaca o valor acrescentado das propostas da Comissão relativas à agilização dos procedimentos de licenciamento de projetos de energias renováveis e à criação de «zonas-alvo» para esses projetos. O CESE apoia a aceleração e a racionalização dos procedimentos de licenciamento de energias renováveis. Importa prestar especial atenção às redes de distribuição, pois é aí que entram habitualmente as energias renováveis.

2.6.

Neste contexto, o investimento público em sistemas de energia inteligentes e renováveis é muito importante para garantir a segurança do aprovisionamento, combater a pobreza energética, proporcionar preços acessíveis e criar emprego. A transformação ecológica tal como prevista no Pacto Ecológico Europeu terá seguramente um impacto enorme no emprego nos setores energéticos com utilização intensiva de CO2. Ao mesmo tempo, um aumento razoável do investimento público em sistemas energéticos com impacto neutro no clima gera um vasto leque de novas oportunidades de emprego. Para tal, é necessário garantir uma margem de manobra orçamental adequada, reformulando o quadro orçamental, como propõe o CESE no seu Parecer de iniciativa — Reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa, de outubro de 2021.

2.7.

Até agora, a legislação europeia relativa à energia não reconhece a ação climática como um objetivo da regulação da rede. Consequentemente, as entidades reguladoras nacionais também têm dificuldade em conceder incentivos para a reestruturação, a expansão e a modernização das redes de distribuição de eletricidade que satisfaçam os requisitos de neutralidade climática.

2.8.

No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente a importância que reveste a participação ativa de todos os consumidores — agregados familiares, empresas e comunidades de energia — no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes. A este respeito, as promessas infelizmente não se traduziram em iniciativas concretas. O CESE apela, portanto, para incentivos no sentido de dinamizar os prossumidores, as comunidades de energias renováveis ou comunidades de cidadãos para a energia, de modo que a sociedade civil possa participar na transição energética e os consumidores tenham a oportunidade de participar ativamente no mercado. Esta dinamização também pode atenuar o problema do aumento dos custos causado pela redução da produção de energias renováveis devido à saturação da rede.

2.9.

O CESE apoia a melhoria da adaptação das regras da UE sobre as redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, em particular no que se refere à descarbonização do sistema energético, à transição para a neutralidade climática, ao desenvolvimento das energias renováveis, à eficiência energética e à atenuação do risco de pobreza energética. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, o CESE solicita que o regulamento vise mais claramente a criação de uma dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada e de impedir qualquer forma de desintegração. Neste contexto, é louvável a iniciativa tomada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu de classificar as redes de distribuição como sendo «de interesse público superior», a par das energias renováveis.

2.10.

Os aumentos atuais dos preços constituem um encargo pesado para os cidadãos e as empresas da UE. O CESE lamenta que, no passado, os decisores políticos não tenham dado seguimento ao seu apelo (4) para a redução da dependência estratégica em relação a terceiros pouco fiáveis e que, pelo contrário, esta dependência tenha aumentado. A Rússia é o maior exportador de petróleo, gás natural e carvão para a UE e muitas centrais nucleares dependem de combustíveis e tecnologia provenientes da Rússia. A atual crise dos preços da energia teria atingido em muito menor escala os cidadãos e as empresas europeias se a Europa já tivesse reduzido as importações de combustíveis fósseis, como prometido. Por conseguinte, o CESE congratula-se com os esforços previstos no plano REPowerEU para reduzir rapidamente esta dependência, especialmente em relação à Rússia. Apoia os esforços das instituições da UE e dos Estados-Membros para resolver eficazmente o problema dos preços, em conformidade com a Comunicação de outubro de 2021, a Comunicação sobre o mercado da eletricidade [COM(2022) 236] e os instrumentos disponibilizados ao abrigo do quadro temporário relativo aos auxílios estatais.

2.11.

Face ao contexto atual, o CESE chama a atenção, mais uma vez, para o facto de que o objetivo principal não deve, contudo, ser a diversificação das dependências, mas antes, se possível, a «independência e autonomia energética estratégica». As energias renováveis e o hidrogénio serão uma força motriz no processo de descarbonização, e a sua produção deve, tanto quanto possível, realizar-se dentro da UE.

2.12.

Em algumas regiões, o gás natural liquefeito (GNL) substituirá o gás natural russo a curto e médio prazo, a par de importantes medidas de poupança de energia. A longo prazo, o hidrogénio verde é uma opção compatível com o clima se estiver disponível em quantidades suficientes e a um preço razoável. Uma vez que a Europa não pode produzir o volume total dos gases de que necessita — o que é obviamente o caso do GNL, embora a independência em relação às importações de hidrogénio ainda seja concebível –, é necessário retirar os ensinamentos certos da relação com a Rússia. O CESE adverte que a Europa deve ser particularmente cautelosa quanto aos recursos substitutos do gás proveniente da Rússia, tendo em conta o seu impacto no ambiente e as novas dependências em relação a países terceiros que não partilham os valores europeus, como a estabilidade democrática, o respeito pelos direitos humanos e o Estado de direito.

2.13.

O nível de investimento público na UE em tecnologias de energia limpa necessárias para a descarbonização é o mais baixo entre as economias de maior dimensão, pondo em risco a competitividade da UE à escala mundial. Além disso, o Tribunal de Contas Europeu alerta para o facto de a estratégia REPowerEU não ter capacidade para mobilizar fundos suficientes. Por conseguinte, o CESE apoia a proposta da Comissão de financiar a execução do plano REPowerEU através dos planos de recuperação e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE, bem como das dotações adicionais do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e da política agrícola da UE.

2.14.

O impacto da guerra na Ucrânia é visto em alguns Estados-Membros e a nível da UE como o derradeiro impulso para alcançar uma maior independência energética e a neutralidade climática. O CESE apoia esta tendência. No entanto, a situação é paradoxal: o aumento da utilização de gás de petróleo liquefeito e o regresso ao carvão voltaram ao debate e poderão levar a um retrocesso na transição energética. O CESE não vê com bons olhos esta situação, mas está ciente de que, a curto prazo, as diferentes opções de produção de energia contribuem para a segurança energética enquanto medidas de emergência. Por conseguinte, além da energia eólica e solar, cabe aproveitar as diversas fontes de energia hipocarbónica que são económica e ecologicamente compatíveis com o sistema energético. Ao mesmo tempo, apela para que sejam envidados mais esforços na transformação ecológica do sistema energético.

2.15.

A Federação Sindical Europeia dos Serviços Públicos (EPSU) publicou um relatório (5) que confirma que a liberalização do sistema energético tem dado poucas respostas ao avanço da crise climática. A utilização generalizada de alternativas viáveis às fontes de energia emissoras de carbono tem sido em grande parte possível graças à ajuda de subvenções públicas consideráveis, e não à livre concorrência do mercado. O relatório revela que, sem alterar o modelo atual do sistema energético na Europa, não é possível cumprir os compromissos do Acordo de Paris.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Devido ao rápido avanço das alterações climáticas e à crise energética atual, são necessários no imediato investimentos em infraestruturas para alcançar o objetivo da neutralidade climática até 2050 e para assegurar o aprovisionamento de energia. Ao mesmo tempo, o aumento dos preços da energia revelou as fragilidades do mercado da energia. Cabe dar resposta a questões fundamentais sobre o futuro energético, com vista a assegurar um aprovisionamento de energia ecológico, fiável e a preços acessíveis, bem como o direito à energia. O CESE assinala explicitamente a urgência do investimento público para alcançar o objetivo da independência energética em relação às importações de gás provenientes da Rússia e apoia as medidas propostas a este respeito pela Comissão no plano REPowerEU.

3.2.

Neste contexto, importa ter em conta a configuração do mercado, assim como a sua regulamentação, a criação das condições necessárias para os diversos intervenientes e o reforço da proteção adequada dos consumidores. O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de explorar opções para otimizar a conceção do mercado da eletricidade e regista a sua análise dos mercados da eletricidade e do gás, as medidas propostas para fazer face aos elevados preços da energia, as propostas para melhorar as redes de energia e as capacidades de armazenamento e as promessas renovadas de melhorar o acesso ao mercado para os pequenos intervenientes (prossumidores) e de garantir a segurança do aprovisionamento.

3.3.

A conceção e a regulamentação do mercado devem ser adaptadas às novas realidades das energias renováveis que predominarão no futuro, com destaque para a produção mais descentralizada e o reforço do consumo de energia produzida no local. Contudo, para que tal aconteça, cabe assegurar aos diferentes intervenientes as condições necessárias e proteger adequadamente os consumidores. São necessárias avaliações do mercado que analisem o comportamento de todos os potenciais intervenientes no mercado da energia e a conceção do mercado da energia. Em todo o caso, o CESE sublinha a importância da realização de uma avaliação de impacto exaustiva a montante de qualquer proposta. O CESE salienta a necessidade urgente de combater os elevados preços da eletricidade, incluindo a agregação dos preços da eletricidade e do gás, que têm um impacto negativo nas economias dos Estados-Membros.

3.4.

Há muito que se adia a questão de saber até que ponto e com que conceção de mercado é possível garantir a segurança do aprovisionamento através da dinâmica de mercado. Em princípio, um sistema energético assente em energias renováveis (produzidas, em grande medida, internamente) proporciona um elevado grau de segurança do aprovisionamento. No entanto, tal não acontecerá naturalmente — para o efeito, é necessário um quadro regulamentar adequado. Em particular, são importantes as redes inteligentes, que enviam sinais claros aos muitos milhões de produtores e consumidores para que possam agir de forma favorável ao sistema e, assim, contribuir para a segurança do aprovisionamento.

3.5.

No que se refere ao financiamento de projetos de infraestruturas, no passado, as regras orçamentais rigorosas revelaram-se repetidamente o maior obstáculo para o setor público. Assim, o objetivo deve ser isentar de qualquer regulamentação que impeça esse investimento público os projetos associados ao Pacto Ecológico Europeu, à independência energética e ao setor digital. Por conseguinte, e na sequência do seu parecer sobre a reformulação do quadro orçamental da UE (6), o CESE recomenda que se aplique a «regra de ouro» ao investimento público, a fim de salvaguardar a produtividade e a base social e ecológica em prol do bem-estar das gerações futuras.

3.6.

A opção de recorrer a mecanismos de financiamento misto com investidores privados só deve ser considerada se for possível assegurar que a atribuição é transparente e que o setor público não incorre em quaisquer custos adicionais injustificados em comparação com a opção de financiamento público. Deve haver total transparência relativamente aos custos adicionais justificados. Um relatório do Banco Europeu de Investimento (BEI) concluiu que, por exemplo, os contratos de parcerias público-privadas (PPP) no transporte rodoviário na Europa eram, em média, 24 % mais onerosos do que os projetos comparáveis com financiamento tradicional (7). É, pois, essencial que tais modelos de financiamento misto definam claramente os direitos e obrigações, clarifiquem as questões de responsabilidade e prevejam um sistema eficiente e rápido de resolução de conflitos, a fim de evitar custos adicionais a longo prazo e controvérsias sobre questões de responsabilidade.

3.7.

A Comissão salienta, com razão, que os investimentos públicos podem e devem mobilizar fundos privados. Mas o plano REPowerEU não aborda o refinanciamento dos respetivos fundos públicos. A eliminação dos subsídios aos recursos fósseis seria uma abordagem possível para organizar esse processo, tal como a tributação dos lucros inesperados resultantes da grande crise do petróleo e do gás que se traduz em ganhos extraordinariamente elevados, especialmente para as grandes empresas petrolíferas. O CESE está preocupado com o risco de os lucros extremamente elevados das empresas de energia, por um lado, e o aumento da pobreza energética causado pela explosão dos preços da energia, por outro, se transformarem num barril de pólvora social. O CESE propõe que estes lucros sejam reduzidos com a ajuda de impostos e convertidos em compensações financeiras para os consumidores de energia, por exemplo, agregados familiares financeiramente mais vulneráveis ou empresas com utilização intensiva de energia, e utilizados para a expansão da produção de energias renováveis e das infraestruturas de rede necessárias, especialmente porque esta possibilidade já está a ser equacionada ou já existe em alguns Estados-Membros. O CESE considera que a definição dessa tributação requer muito cuidado para não desencorajar as empresas do setor da energia de investirem em soluções hipocarbónicas. O CESE insta a Comissão a propor as respetivas medidas sem mais demoras.

3.8.

O objetivo das infraestruturas é, antes de mais, que estas funcionem, e não que se limitem a transportar eletricidade de um ponto para outro como um fim em si mesmo para gerar rendimentos estáveis. Os acontecimentos da última década, os desafios da expansão da rede, o aumento exponencial dos preços da energia, o perigo de ataques cibernéticos e, não menos importante, a guerra na Ucrânia demonstram claramente que a questão central é saber quem controlará no futuro tais infraestruturas fundamentais, como a rede de energia. Assim, o que está em causa é, acima de tudo, o interesse público. A consequência lógica seria, portanto, a propriedade pública, que deve ter por finalidade proteger o bem comum e eliminar as desigualdades existentes.

3.9.

O CESE sublinha que a «transição justa» não se reduz à questão do financiamento da transição. Também inclui o objetivo de criar trabalho digno e empregos de qualidade, assim como segurança social, mantendo a competitividade das empresas europeias, e requer ações específicas a todos os níveis, especialmente regional. Outros fatores fundamentais para uma «transição justa» são o papel ativo e organizacional do setor público e a garantia da participação democrática dos parceiros sociais a todos os níveis.

3.10.

A rede de energia faz parte das infraestruturas críticas. A falha ou a perturbação destas infraestruturas pode causar uma escassez de oferta devastadora e pôr em perigo a segurança pública. As infraestruturas críticas, como os transportes e o tráfego, os serviços de saúde, os serviços financeiros e os serviços de segurança — para referir apenas algumas — estão cada vez mais nas mãos de intervenientes privados na Europa devido à vaga de liberalização e privatizações das últimas décadas. Esta circunstância é problemática na medida em que os setores estão interligados e a vulnerabilidade de um setor reduz ou impede o desempenho das outras infraestruturas críticas, aquilo a que se chama o «efeito de cascata». Por um lado, estas interdependências são difíceis de avaliar; por outro, assegurar a sua eficiência é do interesse público. Especialmente no caso de perturbações do mercado ou catástrofes, a importância da ação de organismos públicos de coordenação que detenham o controlo das infraestruturas torna-se decisiva para poder assegurar uma resiliência coordenada geograficamente. Estes riscos são particularmente elevados no caso da eletricidade, sem a qual o funcionamento de uma civilização avançada do século XXI é praticamente impensável, e apagões generalizados levariam à rutura da sociedade no seu conjunto.

3.11.

Tendo em conta que os edifícios na Europa representam cerca de 40 % do consumo de energia, a combinação inteligente de novas tecnologias, as renovações eficazes e a promoção de novos modelos de participação dos cidadãos tornam-se particularmente importantes para a transição energética e o reforço da eficiência energética no setor da habitação. A Diretiva Mercado Interno da Eletricidade promove esta participação dos consumidores na produção de eletricidade renovável e constitui uma base essencial para a aceitação da produção descentralizada de energia. Neste contexto, a harmonização em todo o espaço europeu é importante para que o maior número possível de agregados familiares na Europa possa participar na transição energética. Conceitos como a partilha de energia e a produção de energia pelos cidadãos em geral abrem perspetivas significativas à utilização de redes de energia para o abastecimento em pequena escala e orientado pela procura, que descongestiona a rede.

3.12.

O CESE reitera a sua posição de que o objetivo é maximizar a redução de emissões com o menor custo socioeconómico possível. Recomenda uma combinação de instrumentos compatíveis com um mercado bem regulado, bem como medidas regulamentares quando necessário, incluindo instrumentos financeiros com o apoio do Quadro Financeiro Plurianual e do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU), a fim de contribuir para um ambiente energético mais eficiente. No entanto, também deve ser claro que, quando uma análise cuidadosa revela indícios bem fundamentados de uma falha de mercado existente ou iminente, o setor público deve tomar medidas corretivas, por exemplo, através de investimentos ou intervenções no mercado.

4.   Observações na especialidade

4.1.

Os investimentos em infraestruturas energéticas visam promover a segurança do aprovisionamento e a expansão das energias renováveis de forma rápida, eficiente e rentável, no interesse dos consumidores e da economia. Neste contexto, a questão crucial é saber quem controlará no futuro as infraestruturas centrais como a rede de energia e a infraestrutura de armazenamento. Desde o início da liberalização, o nível de investimento das empresas de eletricidade tem vindo a decrescer. Este declínio do investimento — na rede e na produção — levou a estrangulamentos no aprovisionamento e inibiu a expansão futura das energias renováveis.

4.2.

Do ponto de vista económico, coloca-se a questão de saber por que razão uma rede de energia, que os investidores consideram um investimento apelativo por ser seguro, não seria também atrativa para o Estado. Se fossem propriedade do setor público, os dividendos distribuídos anualmente por empresas privadas poderiam ser reinvestidos no interesse do bem comum e aliviariam os orçamentos públicos. até porque algumas privatizações parciais no passado acabaram por demonstrar que, tendo por base apenas argumentos financeiros, a propriedade pública teria sido a decisão mais sensata. Alguns Estados-Membros já recorrem a estruturas públicas ou semipúblicas. Ao mesmo tempo, há uma tendência para a remunicipalização. A questão das vantagens e desvantagens da propriedade pública e privada e/ou do financiamento privado de infraestruturas energéticas para um mercado energético eficiente é sem dúvida importante e deve ser considerada na avaliação prevista pela Comissão quanto às opções para a otimização da conceção do mercado energético. Os resultados dessa análise podem constituir um valioso instrumento de decisão para os Estados-Membros, que são responsáveis por decidir sobre a propriedade pública ou privada das infraestruturas energéticas.

4.3.

Neste contexto, o aprovisionamento local e regional de energia e a remunicipalização dos serviços públicos — especialmente no âmbito de estratégias de descentralização — estão a ganhar importância. Mas também os investimentos públicos para a produção descentralizada de energia a nível municipal desempenham um papel decisivo. Há que explorar outras possibilidades de financiamento, como a concessão direta de recursos financeiros através de fundos. Os telhados em edifícios públicos são particularmente adequados para abastecer bairros inteiros com energia solar de baixo custo.

4.4.

Em alguns Estados-Membros, são atribuídos incentivos financeiros para impulsionar a expansão da energia fotovoltaica. Numa carta dirigida à Comissão, a Áustria, a Bélgica, a Lituânia, o Luxemburgo e Espanha solicitam que edifícios administrativos, supermercados, telhados planos e instalações industriais sejam obrigatoriamente equipados com sistemas fotovoltaicos mediante certas condições. Os sistemas fotovoltaicos devem também passar a ser a norma tanto em casas novas como em casas renovadas. Os países mencionados solicitam à Comissão que disponibilize mais recursos do orçamento da UE para esta expansão. O CESE é favorável a esta ideia e solicita à Comissão que efetue uma análise das necessidades de investimento, regulamentação e medidas de acompanhamento, nomeadamente em matéria de investigação e desenvolvimento, para impulsionar a expansão da energia fotovoltaica e também a produção na UE.

4.5.

A energia como bem social: neste contexto, o CESE recorda a aplicação dos valores comuns da União em matéria de serviços de interesse económico geral na aceção do artigo 14.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), tal como consagrados no Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral. Tal poderia melhorar a eficiência e a acessibilidade dos preços e evitar deficiências do mercado.

4.6.

A atual crise energética ilustra a especial importância da energia como um bem pertinente para a sociedade. Além da preservação de postos de trabalho de qualidade e do emprego, ressalta igualmente a importância da ligação entre os aspetos sociais e ambientais. A propriedade pública pode assegurar o controlo democrático, o investimento público, a segurança do aprovisionamento e uma distribuição justa dos custos da reestruturação da indústria energética para fontes de energia renováveis.

4.7.

Para evitar maus investimentos, é urgente resolver as ambiguidades e incoerências existentes relativamente às estruturas essenciais do novo sistema energético, à arquitetura do mercado e às funções e regras do mercado e, acima de tudo, prevenir os efeitos sociais nos trabalhadores e consumidores. A distribuição justa dos encargos associados ao investimento, bem como a distribuição justa de eventuais ganhos, desempenham um papel importante neste contexto. A questão de saber como satisfazer as necessidades de investimento e garantir a rentabilidade é uma das questões importantes a abordar, a fim de assegurar o excelente funcionamento do mercado da energia a longo prazo. O CESE regista as conclusões do estudo da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) e da comunicação sobre os mercados da eletricidade e do gás a este respeito e congratula-se com a intenção da Comissão de avaliar o mercado da eletricidade.

4.8.

Um aspeto importante no âmbito da transição energética será a coordenação e a articulação entre importadores, operadores de redes regionais, comunidades de cidadãos para a energia, prossumidores e comunidades de energia que utilizam a eletricidade produzida localmente, por um lado, e as empresas de armazenamento e os fornecedores, por outro.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Esta é a conclusão da organização interprofissional do setor da eletricidade Eurelectric.

(2)  Plano REPowerEU, COM(2022) 230 final.

(3)  Esta é a conclusão da organização interprofissional do setor da eletricidade Eurelectric.

(4)  Parecer do CESE — Preços da energia (JO C 275 de 18.7.2022, p. 80).

(5)  «A Decarbonised, Affordable and Democratic Energy System for Europe» [Um sistema energético descarbonizado, a preços acessíveis e democrático para a Europa].

https://www.epsu.org/sites/default/files/article/files/Going%20Public_EPSU-PSIRU%20Report%202019%20-%20EN.pdf

(6)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa (JO C 105 de 4.3.2022, p. 11).

(7)  BEI (2006), «Ex ante construction costs in the European road sector: a comparison of public-private partnerships and traditional public procurement» [Custos de construção ex ante no setor rodoviário europeu: comparação entre as parcerias público-privadas e os contratos públicos tradicionais]. Relatório Económico e Financeiro 2006/01, da autoria de Blanc-Brude F., Goldsmith H. e Välilä T. https://www.eib.org/attachments/efs/efr_2006_v01_en.pdf


ANEXO

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 2.9

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

O CESE apoia a melhoria da adaptação das regras da UE sobre as redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, em particular no que se refere à descarbonização do sistema energético, à transição para a neutralidade climática, ao desenvolvimento das energias renováveis, à eficiência energética e à atenuação do risco de pobreza energética. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, o CESE solicita que o regulamento vise mais claramente a criação de uma dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada e de impedir qualquer forma de desintegração. Neste contexto, é louvável a iniciativa tomada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu de classificar as redes de distribuição como sendo «de interesse público superior», a par das energias renováveis.

O CESE apoia a melhoria da adaptação das regras da UE sobre as redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, em particular no que se refere à descarbonização do sistema energético, à transição para a neutralidade climática, ao desenvolvimento das energias renováveis, à eficiência energética e à atenuação do risco de pobreza energética. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, o CESE solicita que o regulamento vise mais claramente a criação de uma dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada, incluindo a nuclear, e de impedir qualquer forma de desintegração. Neste contexto, é louvável a iniciativa tomada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu de classificar as redes de distribuição como sendo «de interesse público superior», a par das energias renováveis.

Justificação

A produção de energia nuclear desempenha e continuará a desempenhar um papel importante entre o vasto leque de tecnologias de baixas emissões, tal como salientado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em discursos recentes.

Resultado da votação

Votos a favor:

44

Votos contra:

109

Abstenções:

14


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/76


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Cocriação de serviços de interesse geral como contributo para uma democracia mais participativa na UE

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/11)

Relator:

Krzysztof BALON

Correlator:

Thomas KATTNIG

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

226/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A cocriação de serviços de interesse geral (SIG) pelas organizações da sociedade civil, bem como diretamente pelos cidadãos, é um dos instrumentos mais eficazes para revitalizar a democracia participativa e, assim, reforçar a integração europeia. Por esta razão, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) propõe, no âmbito do presente parecer, medidas específicas para melhorar as condições-quadro da União Europeia neste domínio, a fim de reforçar a proteção dos direitos e benefícios dos cidadãos.

1.2.

Em especial as situações de crise, como a recente agressão russa contra a Ucrânia e a consequente fuga de milhões de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, salientam o papel decisivo da sociedade civil em virtude da sua capacidade de ação imediata para interligar e implementar de forma espontânea, mas bem-sucedida, modelos e procedimentos de cocriação, em especial dos SIG sociais e educativos, nos domínios em que já há experiência de uma verdadeira cocriação.

1.3.

Historicamente, os intervenientes da sociedade civil sempre prestaram serviços sociais e outros serviços de interesse geral, quando o setor público não tinha ainda consciência da necessidade desses serviços ou quando as empresas comerciais consideravam que a prestação desses serviços não era suficientemente rentável. Na maioria dos casos, o Estado entrou mais tarde em cena, seja como prestador ou adjudicante de serviços, seja como entidade reguladora e garante da qualidade dos serviços. Neste contexto, o princípio da subsidiariedade entre os Estados-Membros e a UE, consagrado no artigo 5.o, n.o 3, do Tratado da União Europeia (TUE), deve também ser aplicado no que respeita aos SIG. Ainda no que diz respeito aos SIG, o princípio da subsidiariedade deve também ser um princípio orientador na relação entre todos os níveis da administração pública dos Estados-Membros, bem como entre os poderes públicos e as organizações da sociedade civil.

1.4.

Embora a responsabilidade jurídica e política pela prestação de SIG recaia sobre os dirigentes eleitos nos órgãos representativos competentes e seja avaliada periodicamente pelos cidadãos por ocasião das eleições, a prestação adequada de SIG está sob o controlo das autoridades públicas. O CESE preconiza uma aplicação direcionada da abordagem da cocriação, ou seja, os SIG devem ser concebidos em conjunto com os utilizadores, as comunidades e as organizações da sociedade civil, uma vez que tal pode não só assegurar que satisfazem as necessidades reais, mas também permitir a participação democrática. Isto é particularmente verdade nos casos em que o pessoal assalariado coopera com voluntários ou estruturas de entreajuda.

1.5.

Por conseguinte, os Estados-Membros são instados a desenvolver e/ou a melhorar instrumentos que assegurem a participação dos cidadãos e das organizações da sociedade civil em todo o processo de prestação de serviços de interesse geral. Este objetivo passa pela criação de condições adequadas às atividades da economia social sem fins lucrativos, tal como definidas no Parecer do CESE — Reforçar as empresas sociais sem fins lucrativos enquanto pilar essencial de uma Europa socialmente equitativa (1), de 18 de setembro de 2020, e pela aplicação do artigo 77.o da Diretiva 2014/24/UE relativa aos contratos públicos (2) de uma forma que preveja a adjudicação de contratos a organizações sem fins lucrativos para a prestação de serviços de saúde, educação, sociais e culturais visados pelo referido artigo.

1.6.

O CESE salienta que a prestação de SIG de qualidade elevada no interesse dos cidadãos e da economia depende da disponibilização de recursos suficientes, nomeadamente financeiros e humanos, que cabe assegurar.

1.7.

Embora o estabelecimento de condições para a prestação e, por conseguinte, para a cocriação de SIG seja essencialmente da competência dos Estados-Membros, das regiões e dos municípios, é também urgente, neste contexto, incentivar os Estados-Membros a desenvolverem conceitos de cocriação através da criação de um conjunto de instrumentos que facilite a utilização de modelos de cocriação. Tais iniciativas devem servir de incentivo para que todos os intervenientes competentes nos Estados-Membros promovam a cocriação e a prestação de SIG pelas organizações da sociedade civil.

1.8.

O CESE propõe que a Comissão publique um documento de trabalho sobre esta matéria enquanto base para prosseguir o trabalho, com vista à criação de um «conjunto de instrumentos» destinado a orientar e incentivar os órgãos de poder nacional, regional e local a fazerem maior uso dos modelos de cocriação. Tal documento deverá incluir, nomeadamente, uma análise da cocriação à luz do artigo 14.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do Protocolo n.o 26 anexo ao TUE e ao TFUE, tendo em conta o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o papel especial da economia social sem fins lucrativos na cocriação e as condições necessárias para a mesma. Além disso, o documento deve igualmente incluir propostas para a promoção, a nível europeu e nacional, de projetos inovadores de cocriação, tendo em conta as componentes de investigação, bem como um conjunto de boas práticas. Com base no conjunto de instrumentos atrás referido, e após uma consulta alargada a nível da UE, poder-se-ia publicar um Livro Verde e, posteriormente, um Livro Branco.

1.9.

Por seu lado, o CESE criará um fórum para o intercâmbio de ideias e boas práticas neste domínio, com a participação de organizações da sociedade civil, dos parceiros sociais, de universidades e de projetos de investigação, a fim de manter e desenvolver o processo de debate a nível europeu.

2.   Contexto

2.1.

O aprofundamento da democracia participativa na União Europeia constitui um dos principais desafios quando se trata de reforçar a integração europeia contra o populismo e o nacionalismo. A cocriação de SIG pelas organizações da sociedade civil, bem como diretamente pelos cidadãos, é, por sua vez, um dos instrumentos mais eficazes para a revitalização da democracia participativa.

2.2.

Há vários anos que o CESE colabora com várias partes interessadas da sociedade civil e intervenientes do meio académico e da investigação a fim de modernizar e desenvolver os SIG. O Grupo de Estudo Temático para os Serviços de Interesse Geral é o principal responsável por este trabalho no CESE.

2.3.

Em 2019, iniciou-se uma colaboração com o consórcio do projeto «Co-creation of Service Innovation in Europe» [Cocriação para a inovação dos serviços na Europa] (CoSIE) (3), composto por universidades, municípios e organizações da sociedade civil de nove Estados-Membros (Espanha, Estónia, Finlândia, Grécia, Hungria, Itália, Países Baixos, Polónia e Suécia) e do Reino Unido. O Grupo de Estudo Temático para os Serviços de Interesse Geral deu seguimento às experiências inovadoras e conclusões do projeto CoSIE através de dois seminários intitulados «Cocriação de serviços de interesse geral: papel das organizações da sociedade civil», em 15 de abril de 2021, em Bruxelas, e «Cidadãos ao serviço dos cidadãos: cocriação e prestação de serviços de interesse geral pelas organizações da sociedade civil», em 1 e 2 de dezembro de 2021, em Lublin (Polónia), em cooperação com o município de Lublin e com a participação de parceiros da Ucrânia.

2.4.

A cocriação está indissociavelmente ligada a debates mais amplos sobre a reforma da administração pública. A abordagem da «New Public Management» (nova gestão pública — NGP) centrava-se no aumento da eficiência, na adoção de modelos de gestão do setor privado e na construção de uma relação fornecedor/cliente no domínio dos serviços públicos, tomando como ponto de partida as necessidades, os requisitos e as opções dos utilizadores destes serviços. Este era um modelo dominante nas décadas de 1990 e 2000, mas foi alvo de críticas por não ser tão eficaz e eficiente como esperado e por apresentar um potencial de inovação limitado (4). As tendências de inovação dos serviços públicos numa fase pós-NGP («paradigmettes» (5)) baseiam-se num cidadão ativo, que colabora na produção, e não num consumidor individual passivo motivado apenas pelo seu interesse pessoal, e centram-se na melhoria da integração e da coordenação entre as redes de grupos de utilizadores e de partes interessadas, e não na desintegração. A cocriação é considerada um conceito fundamental nos modelos pós-NGP (6).

2.5.

Os resultados do trabalho que o CESE tem vindo a realizar neste domínio demonstram que a cocriação e prestação de SIG pelos cidadãos ou pelas suas organizações conduz ao reforço da democracia participativa na União Europeia e ao desenvolvimento da economia social na UE, sendo estes dois de entre os vários papéis cruciais que os SIG desempenham enquanto facilitadores indispensáveis de todas as outras atividades na sociedade.

3.   Serviços de interesse geral

3.1.

No decorrer da integração europeia, e pela tensão entre «unidade» e «diversidade» que a caracteriza, foi desenvolvido um novo conceito de serviços regulados por regras e normas específicas. O objetivo é assegurar que todos os cidadãos e intervenientes tenham acesso aos serviços essenciais que, no presente e no futuro, constituem a base de uma vida digna e são indispensáveis à participação na sociedade — os serviços de interesse geral (SIG). Os SIG podem ser prestados em diferentes contextos, ou seja, em mercados concorrenciais enquanto serviços de interesse económico geral, bem como enquanto serviços de interesse geral não económicos que estão excluídos desses mercados. A Comissão faz a distinção (7) entre serviços de interesse económico geral, serviços não económicos e serviços sociais de interesse geral (de natureza económica ou não económica). O artigo 106.o do TFUE aplica-se aos serviços de interesse económico geral (SIEG) (8) ou de natureza económica.

3.2.

O conceito foi gradualmente reforçado e especificado.

3.2.1.

Os SIG fazem parte dos valores comuns europeus e desempenham um papel na promoção da coesão social e territorial na UE (9). A este respeito, o CESE remete para os valores comuns da União em matéria de serviços de interesse económico geral na aceção do artigo 14.o do TFUE, conforme estabelecidos no Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao TFUE e ao TUE. O aprofundamento da definição dos princípios estabelecidos neste âmbito pode levar a uma maior eficiência e corrigir falhas.

3.2.2.

Estes valores comuns abrangem três dimensões: o poder de apreciação das autoridades nacionais, regionais e locais para atender às necessidades dos utilizadores; o respeito pela diversidade e pelas diferenças nas necessidades, preferências e escolhas democráticas dos utilizadores, bem como pelas diversas situações geográficas, sociais e culturais; e um elevado nível de qualidade, de segurança, de acessibilidade, de igualdade de tratamento e promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores (10).

3.2.3.

Estes serviços são uma parte essencial dos sistemas económicos e sociais dos Estados-Membros da UE e, em geral, uma componente constitutiva do modelo europeu de sociedade. Os cidadãos e as empresas na Europa esperam, com razão, uma gama abrangente de serviços de interesse (económico) geral fiáveis, estáveis e eficientes, a preços acessíveis e de qualidade elevada. Estes serviços asseguram o atendimento de necessidades e interesses coletivos, as chamadas missões de interesse geral. O CESE assinala explicitamente que a prestação destes serviços de qualidade elevada, essenciais para os cidadãos e para a economia, depende da disponibilização de recursos suficientes, nomeadamente financeiros e humanos, que cabe assegurar.

3.2.4.

O acesso aos SIEG faz parte dos direitos fundamentais (11) e do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (12). Enquanto o princípio 20 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais menciona explicitamente os SIG como «essenciais», outros princípios deste Pilar abordam domínios importantes dos serviços de interesse geral, como a educação, a habitação e a assistência aos sem-abrigo, os cuidados de longa duração, a inclusão de pessoas com deficiência ou os cuidados de saúde, para citar apenas alguns.

3.2.5.

Os serviços de interesse geral não económicos estão excluídos das regras do mercado único e em matéria de concorrência, sendo apenas abrangidos pelos princípios gerais da UE (transparência, não discriminação, igualdade de tratamento, proporcionalidade) (13).

3.2.6.

A União e os Estados-Membros devem zelar «por que esses serviços funcionem com base em princípios e condições, nomeadamente económicas e financeiras, que lhes permitam cumprir as suas missões» (14).

3.2.7.

Os SIEG estão sujeitos às disposições dos Tratados, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada (15).

3.3.

Os serviços de interesse geral têm por objetivo satisfazer as necessidades de todos os cidadãos e de todos os intervenientes à medida que evoluem no tempo e no espaço, e são dinâmicos por natureza. Podem dizer respeito, por exemplo, a domínios como a segurança, a saúde, os serviços sociais, nomeadamente a inclusão de pessoas com deficiência, os cuidados de longa duração, a habitação social (16) e a educação, bem como aos domínios de serviços essenciais a que alude explicitamente o princípio 20 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (17).

3.4.

No que diz respeito aos SIG, o princípio da subsidiariedade entre os Estados-Membros e a União está consagrado no artigo 5.o, n.o 3, do TUE. A UE estabelece um quadro geral de princípios que visam atender às necessidades de todos os cidadãos e intervenientes económicos e sociais. A definição e a implantação dos SIG, por seu turno, são da responsabilidade dos Estados-Membros e dos órgãos de poder local e regional. Ainda no que diz respeito aos SIG, o princípio da subsidiariedade deve também ser um princípio orientador na relação entre todos os níveis da administração pública dos Estados-Membros, bem como entre as poderes públicos e as organizações da sociedade civil.

3.5.

Os SIG estão expostos a várias tensões entre, designadamente, a garantia dos direitos fundamentais; os objetivos locais de coesão económica, social e territorial; os objetivos de desenvolvimento sustentável, a proteção do ambiente e a luta contra as alterações climáticas; e a implementação da economia social de mercado, do mercado único e das regras de concorrência. É necessário estabelecer um equilíbrio adequado caso a caso, de forma pragmática, com a participação de todas as partes interessadas, para responder às necessidades de cada indivíduo e da comunidade.

4.   Cocriação de serviços de interesse geral

4.1.

Os intervenientes da sociedade civil sempre prestaram serviços sociais e outros serviços de interesse geral, ora porque o setor público nem sempre teve consciência da necessidade desses serviços, ora porque as empresas comerciais consideravam que a prestação desses serviços não era suficientemente rentável. Na maioria dos casos, o Estado entrou mais tarde em cena como fornecedor ou entidade reguladora e também como garante da qualidade dos serviços.

4.2.

Os serviços de interesse geral são prestados ou adjudicados pelos próprios órgãos de poder local e regional. Embora a responsabilidade política recaia sobre os representantes eleitos nestes órgãos de poder local e regional e seja avaliada periodicamente pelos cidadãos por ocasião das eleições, a prestação adequada de SIG está sob o controlo das autoridades públicas. Podem ser seguidas duas abordagens diferentes, nomeadamente «do topo para a base» (iniciativas de governos centrais e de órgãos de poder regional ou local) ou da «base para o topo» (cocriação com a participação de cidadãos e/ou organizações da sociedade civil). O presente parecer refere-se a esta última abordagem. O CESE preconiza uma aplicação alargada da abordagem da cocriação: os SIG devem ser concebidos em conjunto com os utilizadores, as comunidades e as organizações da sociedade civil, uma vez que tal pode assegurar que satisfazem as necessidades reais e, além disso, permitir a participação democrática.

4.3.

No entanto, os domínios e o nível de aplicação da cocriação dependem do contexto. Nem todos os serviços, comunidades e prestadores de serviços — em particular no domínio das infraestruturas essenciais, como o abastecimento de energia e água — se prestam a uma abordagem radicalmente nova da prestação de serviços e da partilha de responsabilidades, embora cada passo no sentido do reforço do impacto da cocriação e da promoção colaborativa de soluções eficazes se revele compensador. Para maximizar a participação dos utilizadores, poderia recomendar-se a utilização da «escala da cocriação» (18) com diferentes níveis de participação sistemática de intervenientes pertinentes dos setores público e privado, desde um nível de participação mais baixo (quando os organismos públicos procuram capacitar mais os cidadãos para poderem controlar as suas próprias vidas e os encorajam a cocriarem os serviços que lhes são oferecidos pelo setor público) até ao nível mais elevado (quando é facilitada a inovação colaborativa baseada num trabalho conjunto de definição da agenda e de identificação dos problemas, na conceção conjunta e no ensaio de soluções novas e que ainda não foram experimentadas, bem como na execução coordenada a partir da aplicação de soluções dos setores público e privado).

4.4.

A cocriação implica a adoção de formas de trabalho baseadas em pontos fortes ou em ativos. A abordagem baseada em ativos passa pela mobilização dos recursos (materiais e imateriais), e das capacidades e aspirações dos utilizadores dos serviços, em vez do mero registo e satisfação das suas necessidades. Esta abordagem baseia-se no pressuposto de que todos os cidadãos têm recursos valiosos e amiúde não reconhecidos (cultura, tempo, experiência de vida e de aprendizagem, conhecimentos práticos, redes, competências, ideias) com que podem contribuir para o desenvolvimento e a prestação de serviços. O instrumentário metodológico da cocriação abrange vários métodos, desde inquéritos de satisfação, como os que são utilizados no comércio eletrónico, e sondagens de opinião, às várias formas de expressão de opiniões com recurso à utilização de ferramentas digitais, de grupos e painéis de reflexão, a métodos participativos (por exemplo, hackathons sociais (maratonas criativas para resolução de problemas sociais), tecnologias de espaço aberto, laboratórios vivos, world cafés (conversas e debates informais centrados numa temática a explorar), service blueprints (mapeamento de processos em empresas prestadoras de serviços), design thinking (abordagem colaborativa para resolução de problemas), jornadas do utilizador, e várias ferramentas de participação em linha).

4.5.

No entanto, a cocriação não é uma solução técnica e não pode ser concretizada através de um único exercício. É uma abordagem que penetra os processos de conceção e prestação dos serviços em diversas fases. Nas suas formas mais radicais, este conjunto de instrumentos abrange formas de cogovernação que promovem uma transferência de poder e, por vezes, uma transferência de propriedade dos serviços para as pessoas e as comunidades. Tal inclui a participação formal de pessoas com experiência concreta em acordos de governação, acordos recíprocos, cooperativas e organizações comunitárias.

4.6.

Um pré-requisito de um processo de cocriação bem-sucedido é o envolvimento de todos os grupos de potenciais utilizadores, para que possam representar os respetivos interesses. Uma participação que favoreça os cidadãos com mais recursos ou com maior predisposição para participar pode conduzir a processos não democráticos.

4.7.

Outra condição sine qua non da cocriação é a existência de uma relação de confiança entre os participantes no processo, designadamente entre os prestadores dos serviços e as partes interessadas, que só poderá ser construída se houver transparência no que respeita aos objetivos que o serviço se propõe alcançar através dos processos de cocriação e se o âmbito e o alcance do serviço forem partilhados abertamente com os cocriadores. (19)

4.8.

A cocriação deve sempre ocorrer no contexto do planeamento das necessidades nacionais, regionais e locais. Os conflitos entre as diferentes necessidades devem ser sempre tidos em conta. Uma vez identificadas as necessidades, poder-se-á debater, no âmbito de consultas públicas, propostas para a sua hierarquização, nas quais assentarão as decisões tomadas pelos órgãos de mediação e decisão competentes, a fim de garantir a qualidade elevada, a segurança do aprovisionamento e a acessibilidade, bem como a igualdade de tratamento e o respeito pelos direitos dos utilizadores. O objetivo último dos SIG deve ser a criação de benefícios para a sociedade no seu conjunto. O processo de cocriação não deve de forma alguma conduzir involuntariamente a uma redução da qualidade dos serviços, a aumentos injustificados dos preços ou a uma restrição do acesso aos serviços.

4.9.

A cocriação consiste numa interação dinâmica entre os prestadores dos serviços, os utilizadores dos serviços e outras partes interessadas que envolve várias etapas potenciais:

4.9.1.

Coiniciação: definição conjunta dos objetivos e finalidades dos serviços individuais desde o início do processo;

4.9.2.

Participação das partes interessadas: envolvimento de novos atores (utilizadores, clientes, prestadores de serviços) assegurando um envolvimento contínuo no processo;

4.9.3.

Coconceção: conceção conjunta do serviço;

4.9.4.

Coexecução: prestação conjunta de serviços;

4.9.5.

Cogestão: organização e gestão conjunta dos serviços;

4.9.6.

Cogovernação: formulação conjunta de políticas;

4.9.7.

Coavaliação: avaliação conjunta da eficácia e da eficiência dos serviços e das decisões tomadas com base num conjunto de critérios.

4.10.

Neste contexto, é de referir que já existem, na prática, modelos inovadores em que a prestação de um serviço público não é possível sem a participação ativa dos utilizadores (20).

4.11.

É fundamental desenvolver os SIG, no âmbito de um esforço de colaboração com os utilizadores, as comunidades e as organizações da sociedade civil, a fim de assegurar que criam e acrescentam valor à oferta de SIG — isto é, aumento do bem-estar ou do entendimento partilhado do bem comum que possa servir de base ao desenvolvimento de políticas, estratégias e serviços. Num processo de desenvolvimento de serviços através da cocriação, as pessoas que utilizam os serviços colaboram com profissionais na conceção, criação e prestação dos serviços (21). Por conseguinte, neste processo, os papéis do inovador, do prestador do serviço e do utilizador do serviço convergem.

4.12.

O valor acrescentado da cocriação reside sempre na cooperação ativa entre os poderes públicos com responsabilidade jurídica/política pela prestação de SIG, os prestadores de serviços e os utilizadores, que devem participar no processo de cocriação democrática. A cocriação melhora, assim, a legitimidade democrática das decisões tomadas pelos dirigentes políticos.

4.13.

Este valor acrescentado contribui, em particular, para reforçar a participação democrática quando os prestadores de serviços fazem parte das organizações da sociedade civil ou do setor da economia social sem fins lucrativos, em que o pessoal a tempo inteiro coopera com voluntários ou estruturas de entreajuda, ou quando as organizações da sociedade civil que representam os interesses dos utilizadores podem exercer uma influência real sobre os prestadores de serviços, públicos ou privados. Além disso, a cocriação também tem uma dimensão moral, ou seja, reforça as comunidades, a coesão e a confiança entre os intervenientes (22).

4.14.

Este aspeto é igualmente visível em situações de crise. Um exemplo atual é a prestação de serviços por organizações da sociedade civil (especialmente nos domínios social e educacional) ao serviço e com a participação de refugiados da guerra na Ucrânia. A capacidade de ação imediata da sociedade civil para implementar de forma espontânea, mas bem-sucedida, os modelos e processos de cocriação revelou-se essencial e possível em territórios que já tinham sido bem-sucedidos em processos de cocriação.

5.   Iniciativas políticas a nível europeu

5.1.

Embora a criação de condições para a prestação e, portanto, a cocriação de SIG sejam principalmente da competência dos Estados-Membros, regiões e municípios, é necessário incentivar os governos centrais e os órgãos de poder regional e local a apoiarem de forma adequada a prestação de SIG de qualidade. Para o efeito, é urgente incentivar os Estados-Membros a desenvolverem conceitos de coconceção através da criação de um conjunto de instrumentos que facilite a utilização de modelos de coconceção. Tais iniciativas devem servir de incentivo para que todos os intervenientes competentes nos Estados-Membros promovam a cocriação e a prestação de SIG pelas organizações da sociedade civil. Tal decorre, em parte, do facto de a abordagem da cocriação contribuir significativamente para a adaptação dos serviços à mudança das necessidades e para a sua modernização e orientação para o futuro.

5.2.

Para tal, o CESE insta a Comissão Europeia a adotar uma abordagem transversal, que tenha em conta as suas diversas áreas de competência e todas as partes interessadas, a fim de elaborar um conjunto de instrumentos que integre diferentes formas de cocriação, os projetos-piloto realizados e as conclusões resultantes dos mesmos.

5.3.

Mais especificamente, o CESE propõe que a Comissão publique um documento de trabalho sobre esta matéria enquanto base para prosseguir o trabalho, com vista à criação de um «conjunto de instrumentos» destinado a orientar e incentivar os órgãos de poder nacional, regional e local a fazerem maior uso dos modelos de cocriação. Tal documento deve incluir, nomeadamente, uma análise da cocriação à luz do artigo 14.o e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do Protocolo n.o 26 anexo ao TUE e ao TFUE, tendo em conta o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o papel especial da economia social sem fins lucrativos na cocriação e as condições necessárias para a mesma, tal como estabelecido no Parecer do CESE — Reforçar as empresas sociais sem fins lucrativos enquanto pilar essencial de uma Europa socialmente equitativa, de 18 de setembro de 2020 (23). Além disso, o documento deve ainda fazer referência à aplicação do artigo 77.o da Diretiva 2014/24/UE relativa aos contratos públicos (24) de uma forma que preveja a adjudicação de contratos a organizações sem fins lucrativos para a prestação de serviços de saúde, educação, sociais e culturais visados pelo referido artigo. Além disso, o documento deve igualmente incluir propostas para a promoção, a nível europeu e nacional, de projetos inovadores de cocriação, tendo em conta as componentes de investigação, bem como um conjunto de boas práticas. Com base no conjunto de instrumentos referido, e após uma consulta alargada a nível da UE, poder-se-ia lançar um Livro Verde e, posteriormente, um Livro Branco.

5.4.

Por seu lado, o CESE criará um fórum para o intercâmbio de ideias e boas práticas neste domínio, com a participação de organizações da sociedade civil, universidades e projetos de investigação, a fim de manter e desenvolver o processo de debate a nível europeu.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 131.

(2)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0024&from=PT

(3)  https://cosie.turkuamk.fi

(4)  Drechsler, W. (2009) Towards a Neo-Weberian European Union? Lisbon agenda and public administration [Rumo a uma União Europeia neo-weberiana? A Estratégia de Lisboa e a administração pública], Halduskultuur — Administrative Culture 2009, 10(1), pp. 6-21.

(5)  Çolak, Ç. D. (2019) Why the new public management is obsolete: an analysis in the context of the post-new public management trends, [Razões da obsolescência da nova gestão pública: uma análise no contexto das tendências pós-nova gestão pública] Croatian and Comparative Public Administration 2019, 19(4), pp. 517-536, https://doi.org/10.31297/hkju.19.4.1.

(6)  Torfing, J., Sørensen, E., & Røiseland, A. (2019) Transforming the public sector into an arena for co-creation: Barriers, drivers, benefits and ways forward [Transformar o setor público num palco de cocriação: obstáculos, catalisadores, benefícios e vias de progresso]. Administration & Society 2019, 51(5), pp. 795-825, https://doi.org/10.1177/0095399716680057.

(7)  https://ec.europa.eu/info/topics/single-market/services-general-interest_pt.

(8)  Já consagrados no Tratado de Roma, atualmente no artigo 106.o do TFUE.

(9)  TFUE — Disposições de aplicação geral, artigo 14.o.

(10)  Protocolo n.o 26 do TUE e do TFUE.

(11)  Artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

(12)  Princípio 20 do Pilar.

(13)  Protocolo n.o 26 do TUE e do TFUE.

(14)  Artigo 14.o do TFUE.

(15)  Artigo 106.o do TFUE.

(16)  Com o agravamento da crise da habitação em muitos Estados-Membros, a habitação a preços acessíveis está também a tornar-se cada vez mais importante enquanto serviço essencial.

(17)  «Água, saneamento, energia, transportes, serviços financeiros e comunicações digitais».

(18)  Torfing, J., Sørensen, E., & Røiseland, A. (2019) Transforming the public sector into an arena for co-creation: Barriers, drivers, benefits and ways forward. Administration & Society 2019, 51(5), 795-825, https://doi.org/10.1177/0095399716680057.

(19)  https://cosie.turkuamk.fi/arkisto/index.html

(20)  Por exemplo, em França: «Services Publics Partagés» [Serviços Públicos Partilhados]: https://service-public-partage.fr/.

(21)  Social Care Institute of Excellence (2015) Co-production in social care: what it is and how to do it? [Coprodução na assistência social: o que é e como se faz?] Guia n.o 51 do Social Care Institute for Excellence (SCIE).

(22)  C. Fox et al. (2021) A New Agenda for Co-Creating Public Services [Uma nova estratégia para a cocriação de serviços públicos], Turku University of Applied Sciences, https://julkaisut.turkuamk.fi/isbn9789522167842.pdf.

(23)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 131.

(24)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0024&from=PT.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/83


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Parcerias temáticas ao abrigo do Acordo de Liubliana

(parecer exploratório)

(2022/C 486/12)

Relator:

David SVENTEK

Correlator:

Florian MARIN

Consulta

Conselho — Presidência checa, 26.1.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

9.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

190/1/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia vivamente as declarações constantes do Acordo de Liubliana sobre a Agenda Urbana da UE e congratula-se, em particular, com a forte ênfase nas parcerias e nas abordagens multilaterais e a vários níveis no domínio do desenvolvimento urbano sustentável.

1.2.

As parcerias temáticas devem resultar em ações concretas e sustentadas, cujos efeitos perdurem mais do que as próprias parcerias. Importa ter sempre em mente a transferência dos resultados para outros Estados-Membros, regiões, municípios ou setores, devendo a distribuição territorial e o equilíbrio geográfico dessas oportunidades ser objeto de acompanhamento, de molde a beneficiar as regiões e os municípios vulneráveis.

1.3.

A ligação entre a Agenda Urbana da UE e a política de coesão pode ser reforçada. Apesar de se tratar de duas políticas e iniciativas distintas, com objetivos diferentes que se inserem em quadros distintos, devem existir sinergias. São necessários instrumentos e ferramentas interligados para assegurar um apoio mais coerente às cidades no âmbito da política de coesão, bem como uma cooperação e integração intersetorial e interinstitucional a nível estratégico e operacional. As parcerias temáticas devem gozar de maior legitimidade no futuro.

1.4.

A existência de mecanismos de execução previsíveis e financeiramente sustentados que traduzam os objetivos estratégicos europeus em ações concretas, bem como de um financiamento adequado a nível local, é fundamental para os municípios urbanos de pequena e média dimensão e para a sua participação contínua nos processos da Agenda Urbana da UE.

1.5.

O CESE considera que os critérios utilizados para selecionar os parceiros no âmbito de parcerias temáticas devem ser mais específicos, abertos e inclusivos. O processo de seleção não deve negligenciar a oportunidade de os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil participarem nesse processo juntamente com os municípios urbanos. Importa ter em conta a avaliação ex ante realizada no âmbito da ecologização urbana e do turismo sustentável.

1.6.

As condições de trabalho, a previsibilidade das carreiras e o acesso a empregos de qualidade, assim como a igualdade de oportunidades e a adequação dos salários devem ser objeto de uma abordagem transversal, cabendo ter em conta todos os tipos de diálogos e consultas das partes interessadas, como o diálogo social, o diálogo cívico e a consulta dos cidadãos.

1.7.

O CESE propõe que se considere aplicar uma abordagem ascendente, com grupos temáticos, redes temáticas e redes para o desenvolvimento de soluções adaptadas e de base local, e recomenda que se tenha em conta a capacidade de utilização das redes temáticas e de municípios existentes, em especial no que toca às cidades de pequena e média dimensão.

1.8.

Cabe reforçar o papel do CESE na governação da Agenda Urbana da UE e do Acordo de Liubliana. O CESE deve também fazer parte do Grupo para o Desenvolvimento Urbano e do Grupo Técnico Preparatório da Agenda Urbana, além de participar na reunião dos diretores-gerais sobre questões urbanas.

1.9.

A democracia participativa, a economia do bem-estar nas cidades e as ligações urbano-rurais podem constituir temas adicionais a abordar pelas parcerias temáticas, com especial relevo para a juventude.

1.10.

O CESE reitera a sua proposta de criar um secretariado específico para melhorar a eficiência e a eficácia das parcerias temáticas, a fim de assegurar uma ligação com as políticas urbanas a nível local, garantir a assistência técnica e facilitar a criação de comunidades temáticas e o intercâmbio de boas práticas temáticas. Tal deve fazer-se em estreita cooperação com o Comité das Regiões Europeu.

2.   Observações na generalidade

2.1.

Em 26 de novembro de 2021, os ministros da UE responsáveis pelos assuntos urbanos adotaram o Acordo de Liubliana e o respetivo programa de trabalho plurianual, que dá início a uma nova fase da Agenda Urbana da UE. O documento prevê medidas concretas para renovar a referida agenda, que visam reforçar o seu impacto e a sua eficácia. O programa de trabalho plurianual complementa a declaração política e estabelece os parâmetros operacionais, o método de trabalho e as etapas para a execução da próxima fase desta iniciativa de governação a vários níveis e multilateral.

2.2.

Os 14 temas prioritários da Agenda Urbana da UE (1) continuam a ser válidos: a inclusão dos migrantes e refugiados; a qualidade do ar; a pobreza urbana; a habitação; a economia circular; o emprego e as competências na economia local; a adaptação às alterações climáticas (incluindo soluções de infraestruturas ecológicas); a transição energética; a utilização sustentável dos solos e soluções baseadas na natureza; a mobilidade urbana; a transição digital; a contratação pública responsável e inovadora; a cultura e o património cultural; e a segurança nos espaços públicos.

2.3.

O Acordo de Liubliana acrescenta os seguintes quatro temas a esta lista de temas prioritários: igualdade nas cidades, alimentação, ecologização urbana e turismo sustentável. A integração desses novos temas assentou em processos cocriativos, associados à Nova Carta de Leipzig, às políticas da UE, a outras tendências emergentes em matéria de desenvolvimento urbano e às necessidades das cidades.

2.4.

A próxima presidência checa do Conselho da União Europeia solicitou ao CESE que averiguasse de que forma as alterações do novo Acordo de Liubliana podem influenciar a criação de novas parcerias temáticas. Dois dos quatro temas acordados em Liubliana serão objeto de maior desenvolvimento durante a presidência checa da UE, a saber: a ecologização urbana e o turismo sustentável.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE apoia vivamente as declarações apresentadas no Acordo de Liubliana sobre a Agenda Urbana da UE e congratula-se, em particular, com a forte ênfase nas parcerias e nas abordagens multilaterais e a vários níveis no domínio do desenvolvimento urbano.

3.2.

Ao mesmo tempo, o CESE apoia a prossecução e o desenvolvimento da Agenda Urbana da UE, no pleno respeito do princípio da proporcionalidade. Além disso, o princípio da adicionalidade deve ser cuidadosamente gerido a nível local.

3.3.

O CESE congratula-se com o facto de o Acordo de Liubliana reconhecer a importância e o papel do CESE no apoio à Agenda Urbana da UE. Conforme indicado no respetivo programa de trabalho plurianual, o CESE tem condições e está disponível para contribuir e prestar apoio no que diz respeito à territorialidade do desenvolvimento, às parcerias e aos aspetos económicos e sociais do desenvolvimento urbano, bem como no que diz respeito à divulgação das políticas urbanas da UE.

3.4.

A diversidade, a complexidade e os desafios em matéria de sustentabilidade das políticas de desenvolvimento urbano exigem abordagens multilaterais e a vários níveis que deem prioridade às parcerias. O Acordo de Liubliana reconhece a importância das parcerias na melhoria dos conhecimentos. As parcerias temáticas devem resultar em ações concretas e sustentadas, cujos efeitos perdurem mais do que as próprias parcerias. Importa ter sempre em mente a transferência dos resultados para outras regiões, municípios ou setores, devendo a distribuição territorial dessas oportunidades ser objeto de acompanhamento. Há que motivar e incentivar as cidades a tirarem partido das oportunidades de desenvolvimento europeias e a ser ativas a nível da UE.

3.5.

A diversidade a nível de cidades e das suas políticas de desenvolvimento é difícil de gerir e constitui um problema para o qual não existe atualmente uma solução geral nas políticas de desenvolvimento urbano da UE. É necessária uma abordagem personalizada que valorize as parcerias, a sociedade civil e os parceiros sociais. As soluções para o futuro das estratégias de desenvolvimento devem incluir diversas perspetivas, competências e disciplinas. O Parecer do CESE — Revisão da Agenda Territorial da UE, da Carta de Leipzig e da Agenda Urbana da UE (2) recomenda a utilização dos instrumentos de apoio mais adequados em função do tipo de território visado, no respeito do princípio da subsidiariedade, o que permitirá reduzir os sintomas de penúria, atraso e isolamento no caso das regiões de risco.

3.6.

Cumpre assegurar uma concorrência leal entre todos os tipos de cidades no âmbito do financiamento das medidas em prol do respetivo desenvolvimento sustentável, o que passa por garantir a igualdade de acesso aos fundos para as cidades de pequena e média dimensão. Há igualmente que adaptar o princípio da concorrência a essa situação e tê-lo sempre presente.

3.7.

Um novo elemento do Acordo de Liubliana diz respeito à avaliação ex ante dos temas, que visa adotar uma abordagem pragmática, eficaz e orientada para os resultados, com o objetivo de aumentar o impacto dos futuros resultados da Agenda Urbana da UE e adaptar os critérios de seleção dos parceiros. O CESE recomenda que o intercâmbio de boas práticas, nomeadamente os modelos de parceria e cooperação, seja uma consideração constante para as partes interessadas na política urbana e as parcerias temáticas futuras.

3.8.

Há que adaptar os instrumentos financiados por fundos públicos e da UE, a fim de executar os planos de ação das parcerias temáticas. É necessário criar apoios adaptados (instrumentos financeiros, subvenções e fundos) para assegurar a eficácia do processo de aplicação das parcerias temáticas, em especial no que respeita à assistência a organizações e cidades de pequena e média dimensão. O acesso a esses apoios deve também ser justo, assegurando que as organizações e as cidades de pequena dimensão não ficam para trás.

3.9.

Os instrumentos como os investimentos territoriais integrados e o desenvolvimento local de base comunitária têm sido bem-sucedidos, cabendo prossegui-los e reforçá-los com base em mecanismos de execução estáveis e previsíveis. O CESE considera que é igualmente possível adotar uma abordagem integrada (3) para conjugar os recursos financeiros públicos e privados, a fim de reforçar as capacidades e partilhar os riscos em benefício do desenvolvimento territorial e urbano, com base no controlo democrático, na governação transparente e na responsabilização.

3.10.

A inovação é um aspeto a considerar em permanência para fazer face aos desafios relacionados com o desenvolvimento urbano sustentável. Recomenda-se que o acesso à inovação, bem como a partilha e a expansão das ideias em matéria de inovação sejam transversalmente integrados na política de coesão para 2021-2027 e nos acordos de parceria a nível dos Estados-Membros. Importa também não descurar a testagem de novas soluções inovadoras importantes, nomeadamente em domínios como as Tecnologias 4.0, a Indústria 5.0 ou as tecnologias Web3, bem como no domínio da inovação social. A Iniciativa Urbana Europeia tem um papel importante a desempenhar no reforço das capacidades e no apoio a ações inovadoras.

3.11.

As regiões e os municípios desfavorecidos e as respetivas populações vulneráveis devem constituir uma preocupação contínua nas políticas de desenvolvimento, com vista a melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos. A redução da pobreza deve também ser um eixo prioritário. O acesso inclusivo a educação, serviços sociais, cuidados de saúde e outros serviços públicos de qualidade é fundamental para assegurar uma recuperação justa para as cidades no período pós-pandemia. Na criação e execução de parcerias temáticas, deve prestar-se especial atenção aos grupos vulneráveis de citadinos, nomeadamente às pessoas idosas, às pessoas com deficiência, às minorias, aos imigrantes, aos refugiados e às pessoas social, económica e culturalmente desfavorecidas, cuja participação cabe assegurar através do reforço das capacidades no âmbito do processo. O CESE recomenda vivamente que se dê prioridade à redução das novas formas de desigualdades sociais, económicas, ambientais e territoriais e que, para tal, se assegure a participação justa e diversificada das diferentes partes interessadas.

3.12.

O Acordo de Liubliana identifica as necessidades em termos de apoio organizacional e de conhecimentos especializados, bem como algumas necessidades de apoio para cidades de menor dimensão. Uma vez que a Agenda Urbana da UE continua a ser uma iniciativa informal e voluntária, os membros devem igualmente contribuir para apoiar as parcerias e executar as medidas. O CESE considera que o apoio técnico necessário no âmbito das parcerias deve ter em conta a sustentabilidade dos resultados finais das mesmas. Importa também ter sempre em consideração uma abordagem reforçada, integrada e participativa, a par da recolha e utilização de dados com vista a investimentos assentes em dados concretos.

3.13.

Não obstante, é fundamental a existência de mecanismos de execução previsíveis e financeiramente sustentados que traduzam as estratégias europeias em ações concretas, bem como de um financiamento adequado a nível local, para os municípios urbanos de pequena e média dimensão e para assegurar a sua participação contínua nos processos da Agenda Urbana da UE. Além disso, este princípio deve ser criteriosamente gerido na execução das parcerias temáticas.

3.14.

A política de coesão oferece uma variedade de instrumentos e ferramentas para o desenvolvimento urbano sustentável no período de programação de 2021-2027. O novo objetivo político 5, «Uma Europa mais próxima dos cidadãos», visa criar ferramentas específicas para executar as estratégias de desenvolvimento local em cidades de todas as dimensões. A afetação mínima do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) para zonas urbanas em cada Estado-Membro, tendo em vista as prioridades e os projetos selecionados pelas cidades com base nessas estratégias, passou de 5 % para 8 %. Além disso, criou-se a Iniciativa Urbana Europeia para prestar um apoio mais coerente às cidades. O CESE recomenda a divulgação contínua das oportunidades de parceria temática a nível local e a associação de todas as partes interessadas pertinentes, incluindo o CESE. No futuro, a afetação urbana poderá ser mais elevada.

3.15.

Devido à volatilidade crescente e à diversidade de riscos, as parcerias temáticas devem contribuir para reforçar a resiliência e a capacidade de resposta a choques assimétricos, como a COVID-19 e outras situações semelhantes. A guerra condenável na Ucrânia influencia o desenvolvimento urbano nos países vizinhos, pelo que cabe adaptar as parcerias temáticas para fazer face às crises a curto prazo e integrá-las em abordagens estratégicas de longo prazo.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE considera necessário especificar melhor os critérios utilizados para selecionar os parceiros no âmbito de parcerias temáticas. O processo de seleção não deve negligenciar a oportunidade de os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil participarem nesse processo juntamente com os municípios urbanos, incluindo os que representam grupos vulneráveis como as pessoas idosas, as pessoas com deficiência, as minorias, os imigrantes, os refugiados e as pessoas social, económica e culturalmente desfavorecidas, entre outros. Cumpre incentivar e motivar essas organizações a participarem em parcerias no âmbito da Agenda Urbana da UE.

4.2.

De acordo com o Pacto de Amesterdão, o CESE, enquanto uma das suas partes interessadas, é convidado a contribuir, no âmbito das suas competências, para o desenvolvimento futuro da Agenda Urbana da UE. A importância do Pacto de Amesterdão foi reiterada no documento de execução da Nova Carta de Leipzig e no Acordo de Liubliana. Cabe reforçar o papel do CESE na Agenda Urbana da UE e no Acordo de Liubliana. O CESE é um interveniente europeu importante responsável pelas componentes económicas e sociais das políticas de desenvolvimento, e possui condições, conhecimentos especializados e legitimidade para contribuir para os três pilares do Acordo de Liubliana, designadamente: melhor financiamento, melhor regulamentação e melhor conhecimento. Cumpre reconhecer formalmente o CESE, assegurando que este desempenha um papel nos principais órgãos de governação do Acordo de Liubliana e faz parte do Grupo para o Desenvolvimento Urbano e do Grupo Técnico Preparatório da Agenda Urbana, além de participar na reunião dos diretores-gerais sobre questões urbanas.

4.3.

O CESE considera que as parcerias temáticas futuras devem incluir temas como a democracia participativa, a economia do bem-estar nas cidades e as ligações urbano-rurais (4), em consonância com o conceito de desenvolvimento territorial utilizado no quadro estratégico europeu. O CESE recomenda que se conserve uma ligação clara entre o processo de seleção de parceiros, a seleção dos temas e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por um lado, e os contributos da parceria para a execução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por outro.

4.4.

No futuro, as parcerias temáticas poderão ser organizadas em grupos temáticos, redes temáticas existentes e redes para o desenvolvimento de soluções adaptadas e de base local para as cidades. Importa ter presente a necessidade de alargar o acesso às redes, em especial no que toca às cidades de pequena e média dimensão. As cidades devem estar no centro da abordagem ascendente das parcerias temáticas, a fim de assegurar uma sinergia entre as situações locais e as parcerias temáticas existentes.

4.5.

O processo de consulta utilizado pelas parcerias temáticas deve incluir todas as formas de diálogo e consultas, como o diálogo social, o diálogo com os cidadãos e o diálogo cívico, bem como incluir todos os tipos de intervenientes cívicos, como os parceiros sociais, as organizações não governamentais e os cidadãos.

4.6.

O CESE propõe a criação de um secretariado para parcerias temáticas com a Comissão e outras partes interessadas pertinentes para apoiar as parcerias temáticas, assegurar a ligação com as políticas urbanas a nível local, garantir a assistência técnica e facilitar a criação de comunidades temáticas e o intercâmbio de boas práticas temáticas. Há que afetar recursos suficientes para assegurar uma administração eficiente e parcerias temáticas eficazes, em particular para a execução dos planos de ação.

4.7.

O CESE propõe o reforço da ligação entre a Agenda Urbana da UE e a política de coesão. Apesar de se tratar de duas políticas e iniciativas distintas, com objetivos diferentes que se inserem em quadros distintos, devem existir sinergias, sobretudo no âmbito da Plataforma de Partilha de Conhecimentos (5) e das atividades de capitalização a desenvolver no âmbito da Iniciativa Urbana Europeia. As medidas existentes para a execução das parcerias temáticas podem ser indicadas nos programas operacionais, nos vários convites à apresentação de propostas ou nos critérios de avaliação dos projetos. Os resultados das atividades das parcerias temáticas devem ser tidos em conta no planeamento dos novos programas operacionais no domínio da coesão.

4.8.

É necessária maior coerência e uma ligação mais forte entre as políticas urbanas aplicadas a nível local e as políticas da UE, em especial a política de coesão. São necessários instrumentos e ferramentas interligados para assegurar um apoio mais coerente às cidades no âmbito da política de coesão, bem como uma cooperação e integração intersetorial e interinstitucional a nível estratégico e operacional. Além disso, a competitividade regional deve contar com a complementaridade entre zonas urbanas e rurais, bem como com uma forte coesão social no âmbito da política de coesão de 2021-2027.

4.9.

As condições de trabalho, a previsibilidade das carreiras e o acesso a empregos de alta qualidade, bem como a oportunidades e a salários adequados constituem variáveis importantes para a justiça e a equidade dos processos de desenvolvimento urbano e devem ser abordados de forma transversal no que diz respeito à ecologização urbana, à sustentabilidade da cadeia de abastecimento alimentar, à economia circular e ao turismo sustentável. O investimento nas pessoas deve continuar a ser um dos eixos prioritários das estratégias de desenvolvimento. O acesso justo, a igualdade de oportunidades e a capacidade de exercer os direitos fundamentais são essenciais para o êxito das parcerias temáticas.

4.10.

Tendo em conta a concentração dos recursos e das necessidades nas zonas urbanas, o Semestre Europeu deve adotar uma abordagem mais individualizada no que se refere à eficácia das políticas de desenvolvimento urbano, para que ninguém nem nenhum local fiquem para trás. A coerência com outros instrumentos europeus, como o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, deve ser uma consideração constante.

4.11.

As estratégias de desenvolvimento e os projetos de natureza altamente complexa são cada vez mais procurados. O CESE propõe que, para esses tipos de investimento, os órgãos de poder local e regional reforcem a capacidade no domínio da participação dos cidadãos, da prospetiva estratégica, da preparação para diversos cenários, do planeamento estratégico e da execução de investimentos públicos. Esta condição é determinante para o êxito do desenvolvimento sustentável das cidades europeias e para as tornar mais acolhedoras para as pessoas. Além da justiça digital e da democracia digital, cumpre também ter em conta a convergência dos dados das diversas parcerias e o acesso aos mesmos através das plataformas de dados abertos.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/regional_policy/en/policy/themes/urban-development/agenda

(2)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 145.

(3)  Ver o Parecer do CESE — Revisão da Agenda Territorial da UE, da Carta de Leipzig e da Agenda Urbana da UE (JO C 429 de 11.12.2020, p. 145).

(4)  Ver o Parecer do CESE — Rumo a uma estratégia global para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais e urbanas (JO C 105 de 4.3.2022, p. 49).

(5)  https://ec.europa.eu/info/research-and-innovation/strategy/strategy-2020-2024/our-digital-future/era/knowledge-exchange-platform-kep_en


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/88


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Luta contra a pobreza energética e reforço da resiliência da UE: desafios numa perspetiva económica e social

(parecer exploratório a pedido da presidência checa)

(2022/C 486/13)

Relator:

Ioannis VARDAKASTANIS

Pedido da presidência checa do Conselho

Carta, 26.1.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Parecer exploratório

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

22.6.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

137/2/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A União Europeia (UE) e os seus Estados-Membros devem ter como prioridade absoluta a garantia da igualdade de acesso à energia e a segurança do aprovisionamento energético a preços acessíveis. A escalada dos preços da energia leva a que cada vez mais consumidores e cidadãos da UE sejam afetados pela pobreza energética em toda a Europa. As pessoas que já estavam expostas à pobreza energética deparam-se com um agravamento da sua situação e os consumidores que, no passado, não tinham dificuldades em pagar as suas faturas de energia estão agora em risco de pobreza. As atuais tensões geopolíticas, incluindo a guerra na Ucrânia e a dependência dos Estados-Membros da UE face às importações de energia, agravaram essa situação. Cumpre adotar medidas urgentes para evitar e combater a pobreza energética com que se deparam os consumidores e cidadãos da UE.

1.2.

O CESE reconhece a importância atribuída à pobreza energética nas iniciativas da UE, nomeadamente em atos legislativos e políticas, principalmente no âmbito do pacote Objetivo 55, da execução do Pacto Ecológico Europeu e da Iniciativa Vaga de Renovação. Tais medidas são fundamentais para lutar a longo prazo contra a pobreza energética e assegurar a sustentabilidade. No entanto, a resiliência da UE dependerá da forma como a UE e os Estados-Membros dão resposta aos desafios sociais, ambientais e económicos cruciais com que se deparam os seus cidadãos e empresas.

1.3.

Para combater a atual crise de pobreza energética, o CESE apela à criação de uma coligação política ampla e ambiciosa que analise e aborde esse fenómeno numa perspetiva holística, com o objetivo de reduzir para um nível mínimo essa forma de pobreza até 2030 e eliminá-la por completo a longo prazo. Essa coligação deve compreender a Comissão Europeia e a sua Plataforma de Aconselhamento sobre Pobreza Energética, o Parlamento Europeu, o Conselho, os Estados-Membros, o Comité das Regiões Europeu, o Comité Económico e Social Europeu, o Pacto de Autarcas e as organizações da sociedade civil organizada, incluindo representantes das empresas, organizações de consumidores e organizações que representem as populações mais expostas ao risco de pobreza energética. As ações da coligação devem culminar na elaboração de uma Estratégia da UE de Luta Contra a Pobreza Energética. A Comissão deve incentivar os Estados-Membros a elaborar planos ou políticas nacionais para erradicar a pobreza energética, que integrem e assegurem a coerência de todos os instrumentos políticos e de financiamento a nível nacional e da UE.

1.4.

Atendendo à importância da questão, o CESE exorta a UE a promover uma abordagem comum da pobreza energética, que permita o seu entendimento concreto e partilhado e a recolha de dados estatísticos, tendo em conta as diferenças e especificidades dos Estados-Membros. Tal abordagem impõe-se para poder acompanhar a situação e o impacto das medidas adotadas em toda a União.

1.5.

O CESE assinala que a Comissão já apresentou propostas para medidas imediatas e a longo prazo a fim de proteger os consumidores e lutar contra a pobreza energética, nomeadamente a recomendação sobre a pobreza energética, o conjunto de medidas relacionadas com os preços da energia, a Comunicação REPowerEU e, ainda, a proposta de recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática. Embora as ações dos Estados-Membros possam depender das especificidades locais e nacionais, é fundamental para a resiliência da UE que, em momentos de emergência, os Estados-Membros acionem uma série de medidas (como apoio financeiro direto e políticas sociais, assim como incentivos e auxílios à redução do consumo da energia) a fim de amortecer os efeitos negativos da subida de preços nos consumidores e nas empresas mais vulneráveis.

1.6.

O CESE salienta a importância de investir em energias justas e eficientes, de molde a minimizar a pobreza energética a longo prazo. Para o efeito, cabe assegurar que o financiamento disponível é canalizado para as energias renováveis e a eficiência energética, assim como para a renovação em larga escala dos edifícios, apoiando os grupos com os rendimentos mais baixos, assegurando que as pessoas vulneráveis dispõem de capital para investir na eficiência energética e dando prioridade aos edifícios com o pior desempenho energético. A Comissão deve trabalhar em estreita colaboração com os Estados-Membros para avaliar se o orçamento disponível responde às necessidades e exigências e corresponde às opções existentes para continuar a apoiar os Estados-Membros.

1.7.

Uma vez que a pobreza energética decorre da pobreza em geral, é igualmente fundamental que a Comissão e os Estados-Membros prossigam os esforços com vista à redução global da pobreza. A crise atual é um alerta para a necessidade contínua de melhorar o acesso ao emprego, a inclusão social e os níveis de vida condignos, em especial, das pessoas que vivem em zonas rurais e remotas, assim como de apoiar o crescimento económico dos Estados-Membros.

1.8.

A UE e os Estados-Membros têm de assegurar um ambiente propício ao investimento na Europa para uma energia hipocarbónica e sem emissões de carbono. Também a requalificação e a melhoria de competências desempenharão um papel importante na transição ecológica, na Iniciativa Vaga de Renovação e na eficiência energética. As ações de informação, aconselhamento e consultoria em matéria de energia são outras medidas benéficas que devem estar disponíveis a nível local (por exemplo, através de balcões únicos) de forma generalizada e a preços acessíveis.

2.   Observações gerais

2.1.

A pobreza energética representa uma questão cada vez mais preocupante para os cidadãos e empresas da UE. Em 2020, 8 % da população da UE disse ser incapaz de manter a sua casa adequadamente aquecida (1). É provável que essa percentagem tenha agora aumentado, devido à subida acentuada dos preços da energia desde meados de 2021. Em março de 2022, a inflação anual dos preços da energia na UE atingiu 40,2 %, sendo que, para tais preços, as taxas de variação anual mais elevada e mais baixa foram, respetivamente, de 99,6 % e de 0 % (2). Os preços da energia são igualmente afetados por tensões geopolíticas, nomeadamente a guerra na Ucrânia e a dependência dos Estados-Membros da UE face às importações de energia (3). Os preços mais elevados da energia, aliados aos preços mais elevados dos transportes e dos produtos alimentares, agravam a pressão sobre os consumidores, mais particularmente sobre os agregados familiares com rendimentos baixos, que apresentam taxas mais elevadas de pobreza energética. Por conseguinte, a pobreza energética mantém-se um desafio enorme com um impacto social significativo, pelo que tirar os cidadãos vulneráveis dessa situação é uma tarefa urgente para a UE e os seus Estados-Membros.

2.2.

A pobreza energética decorre de um conjunto de fatores, que incluem rendimentos baixos, edifícios e eletrodomésticos ineficientes, assim como a falta de informação e de acesso aos incentivos para reduzir o consumo de energia. Os preços elevados da energia afetam também os cidadãos e as empresas, aumentando as faturas dos serviços essenciais e colocando as micro, pequenas e médias empresas numa situação altamente precária (4) e em risco de insolvência, que pode conduzir à perda de postos de trabalho, contribuindo assim para a pobreza. As «microempresas vulneráveis» são também significativamente afetadas pelo impacto dos preços da inclusão dos edifícios no âmbito da Diretiva 2003/87/CE e não dispõem de meios para renovar os edifícios que ocupam. A escalada dos preços da energia tem um efeito em cascata e traduz-se em preços mais elevados para todos os tipos de bens e serviços. A Europa corre o risco de estagflação, de crescimento económico mais baixo e de inflação elevada, todos fatores adicionais que contribuem para a pobreza (5).

2.3.

As pessoas mais afetadas pela pobreza energética são as que auferem rendimentos baixos, como os trabalhadores mais pobres, os pensionistas com baixos rendimentos, os estudantes, os jovens adultos, as famílias com muitos filhos e as famílias monoparentais, bem como as populações desfavorecidas com taxas de pobreza já elevadas, incluindo as pessoas com deficiência, as pessoas idosas, os migrantes e as minorias ciganas. As mulheres correm um risco mais elevado de caírem na pobreza energética e de sofrerem dos seus efeitos, uma vez que, em média, auferem salários mais baixos e dependem em maior medida do aquecimento e do arrefecimento domésticos, pois passam mais tempo em casa devido a responsabilidades no âmbito da prestação de cuidados. Além disso, a pobreza energética afeta mais, em média, as pessoas dos Estados-Membros meridionais e de leste (6).

2.4.

A garantia de um acesso equitativo a energia limpa e a preços acessíveis para todos os cidadãos da UE representa um importante compromisso para a UE e os seus Estados-Membros. O Pilar Europeu dos Direitos Sociais inclui a energia na lista de serviços essenciais a que todas as pessoas têm o direito de aceder (princípio 20). O «acesso a fontes de energia fiáveis, sustentáveis e modernas para todos» constitui também um dos objetivos estipulados na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ODS 7). O acesso a serviços adequados em domínios como o aquecimento, o arrefecimento, a iluminação e a energia necessária para os eletrodomésticos é essencial para manter um nível de vida digno e a saúde. O acesso a serviços energéticos é também fundamental para a inclusão social. No seu conjunto, os vários benefícios decorrentes da luta contra a pobreza energética podem impulsionar diretamente o crescimento económico e a prosperidade na UE.

2.5.

Na última década, a UE abordou a pobreza energética em vários documentos jurídicos e estratégicos, incluindo no terceiro pacote energético (2009-2014), na estratégia de 2015 para a União da Energia e no pacote legislativo Energias Limpas para Todos os Europeus, de 2019, que visa facilitar uma transição energética justa. A pobreza energética é também uma componente importante de iniciativas recentes, como o Pacto Ecológico Europeu, nomeadamente a Iniciativa Vaga de Renovação e o pacote Objetivo 55. Este último tem em consideração a pobreza energética em várias das suas propostas, incluindo na proposta relativa a um novo Fundo Social para o Clima, que deverá amortecer os impactos sociais negativos do preço do carbono previsto sobre os transportes e os edifícios, bem como na proposta de reformulação da Diretiva Eficiência Energética, em que se propõe uma definição de pobreza energética (7). O pacote inclui também uma proposta de recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, que estabelece orientações específicas para os Estados-Membros sobre a forma de abordar os aspetos sociais e de emprego pertinentes da transição ecológica, que se tornou particularmente premente devido ao aumento dos preços da energia e ao contexto geopolítico.

2.6.

Em 2020, a Comissão Europeia adotou a Recomendação sobre a pobreza energética, que fornece orientações sobre indicadores adequados para medir a pobreza energética, bem como sobre a definição de um «número importante de agregados familiares em situação de pobreza energética». Essa recomendação contribui também para a partilha de boas práticas entre os Estados-Membros e identifica o apoio disponível a nível da UE, através de uma combinação de fontes de financiamento que permite às autoridades responsáveis a nível local, regional e nacional utilizarem todo o seu arsenal financeiro, incluindo subvenções e subsídios para renovações a fim de limitar o investimento inicial. Outras iniciativas importantes incluem o apoio prestado a projetos locais pela Plataforma de Aconselhamento sobre Pobreza Energética (cujo apoio técnico se encontra no seu primeiro ano de funcionamento), o conjunto de medidas relacionadas com os preços da energia, que tem ajudado os Estados-Membros a utilizarem os instrumentos adequados para ajudar os cidadãos e as empresas a fazerem face aos preços elevados da energia, o apoio a agregados familiares e a empresas vulneráveis prestado ao abrigo do REPowerEU (8), e o recém-criado grupo de coordenação sobre a pobreza energética e os consumidores vulneráveis (9).

2.7.

O CESE observa, no entanto, que sem uma execução célere, compromissos fortes e medidas concretas pelos Estados-Membros, incluindo uma abordagem comum para compreender e combater a pobreza energética a nível da UE que possa conduzir a uma definição comum deixando, simultaneamente, aos Estados-Membros margem para encontrar soluções específicas, as iniciativas apresentadas até à data pela Comissão não serão suficientes para dar resposta à crise atual que afeta cada vez mais consumidores.

3.   Lutar contra a pobreza energética numa perspetiva holística: apelo para uma coligação política e uma estratégia de luta contra a pobreza energética

3.1.

Uma vez que a pobreza energética resulta de fatores sociais, ambientais, económicos e geopolíticos, importa adotar uma perspetiva holística, que inclua uma análise global da questão e a participação de várias partes interessadas, desde os consumidores às organizações da sociedade civil, passando ainda pelas empresas e pelas autoridades responsáveis a nível local, regional, nacional e europeu. Para o efeito, o CESE apela à criação de uma coligação política ampla e ambiciosa. Essa coligação deve compreender a Comissão Europeia e a sua Plataforma de Aconselhamento sobre Pobreza Energética, o Parlamento Europeu, o Conselho, os Estados-Membros, o Comité das Regiões Europeu, o Comité Económico e Social Europeu, o Pacto de Autarcas e as organizações da sociedade civil organizada, incluindo representantes das empresas, organizações de consumidores e organizações que representem as populações mais expostas ao risco de pobreza energética.

3.2.

Os Estados-Membros devem manter um contacto permanente com os consumidores e com as autoridades responsáveis a nível local nesta matéria. Os municípios e as regiões estão, muitas vezes, em melhor posição para identificar numa fase precoce os agregados familiares em risco de pobreza energética e, por conseguinte, para combater a situação da forma mais eficaz. Juntamente com as autoridades responsáveis a nível nacional e local (incluindo as autarquias e os serviços municipalizados) (10), também as empresas locais e nacionais podem ser intervenientes importantes no âmbito de atividades que visem reduzir a pobreza energética, nomeadamente ao contribuírem para a Iniciativa Vaga de Renovação. Importa consultar e associar os consumidores vulneráveis a todos os níveis, na medida em que têm geralmente menos possibilidades de adaptar rapidamente os seus padrões de consumo. É crucial incorporar as suas experiências e comportamentos na conceção e aplicação de medidas.

3.3.

As organizações da sociedade civil têm um papel central a desempenhar no que toca à facilitação do diálogo entre cidadãos, empresas, trabalhadores, consumidores e decisores. Atendendo aos seus conhecimentos especializados e redes no terreno, cumpre associar as organizações da sociedade civil à elaboração de medidas para fazer face à pobreza energética, nomeadamente no que respeita a conceção, execução e acompanhamento das estratégias para pôr termo a este fenómeno.

3.4.

O CESE recomenda que a coligação elabore uma estratégia da UE de luta contra a pobreza energética, por iniciativa da Comissão, que deve assentar no reconhecimento do direito à energia e estabelecer metas ambiciosas mas realistas com vista à consecução dos objetivos definidos no Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, tendo em mira o fim da pobreza energética a longo prazo. A estratégia deve incluir medidas relacionadas tanto com o setor energético como com outros setores, para focar as causas profundas da pobreza energética e melhorar as condições dos consumidores vulneráveis e em situação de pobreza energética. Tal estratégia é também necessária para garantir que as transições climática e energética são concebidas e realizadas de forma justa, equitativa e inclusiva, sem deixar ninguém para trás. Poderá incluir uma reunião anual (para acompanhar os progressos e sensibilizar para a realização de ações conjuntas), requisitos em matéria de diálogos estruturados regulares e atividades de sensibilização organizadas com os Estados-Membros e com todas as partes interessadas pertinentes, bem como criar incentivos suplementares ao investimento nas transições energéticas. A Plataforma de Aconselhamento sobre Pobreza Energética poderá desempenhar um papel reforçado na sua execução e acompanhamento.

3.5.

Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia, o Conselho, o Parlamento e, a nível nacional, os Estados-Membros, têm de continuar a garantir que as iniciativas legislativas e políticas futuras e em curso abordam devidamente a pobreza energética. Tal deve ser feito, por exemplo, aquando da execução do Pacto Ecológico Europeu e da Iniciativa Vaga de Renovação, através da análise e da comunicação dos progressos a nível dos planos nacionais em matéria de energia e clima e das estratégias de renovação dos edifícios a longo prazo, bem como mediante uma maior ênfase na pobreza energética no contexto do processo do Semestre Europeu. As iniciativas legislativas e a revisão de atos em vigor constituem também oportunidades importantes para reforçar a resposta à pobreza energética. É o caso das revisões iminentes da Diretiva Desempenho Energético dos Edifícios, da Diretiva Energias Renováveis e da Diretiva Eficiência Energética, bem como da proposta relativa a um Fundo Social para o Clima. Além disso, a fim de atenuar o impacto dos preços da energia elevados, a União Europeia tem de garantir que quaisquer novas iniciativas que visem assegurar uma energia segura, sustentável e a preços acessíveis continuam a consagrar uma atenção especial aos efeitos sobre os consumidores mais vulneráveis. Tal inclui as iniciativas relativas a uma economia hipocarbónica, bem como as que visam pôr termo à dependência europeia dos combustíveis fósseis russos, como é o caso da Comunicação REPowerEU.

3.6.

A Comissão deve incentivar os Estados-Membros a elaborar planos ou políticas nacionais para erradicar a pobreza energética, que integrem e assegurem a coerência de todos os instrumentos políticos e de financiamento a nível nacional e da UE. O CESE insta os Estados-Membros cujos planos nacionais em matéria de energia e clima revelam falta de empenho na luta contra a pobreza energética a redobrarem de esforços através de quadros claros em matéria de acompanhamento e avaliação. É fundamental melhorar a comunicação de resultados, tornando-a mais precisa, dado existirem poucos dados de alta qualidade sobre a forma de quantificar e acompanhar a pobreza energética.

4.   Lutar contra a pobreza energética através da adoção de medidas imediatas e a longo prazo para medir o fenómeno e proteger os consumidores

4.1.

O CESE insta a UE a promover uma abordagem comum para compreender e combater a pobreza energética a nível da UE, que possa conduzir a uma definição comum. De facto, cada Estado-Membro pode determinar critérios próprios para definir a pobreza energética, e a falta de uma abordagem comum pode pôr em causa a capacidade da Comissão para avaliar devidamente a situação e impedir os Estados-Membros de alcançar um entendimento comum da questão e aplicar uma resposta coordenada. A definição constante da proposta de reformulação da Diretiva Eficiência Energética e os indicadores já definidos pelo Observatório da Pobreza Energética da UE (11) são um bom começo. Atendendo à urgência da questão, o CESE considera que a Comissão e os Estados-Membros têm de promover uma abordagem comum que permita um entendimento concreto e partilhado de pobreza energética, bem como a recolha de dados estatísticos (12).

4.2.

No seu conjunto de medidas relacionadas com os preços da energia, a Comissão propôs várias ações imediatas que os Estados-Membros poderiam adotar para amortecer o custo da energia para os consumidores, como limites de preços, reduções fiscais e subsídios para os consumidores e as empresas, bem como medidas sociais, como pagamentos sociais específicos e diferimentos temporários do pagamento das faturas de energia, tendo em conta a situação e as necessidades de pessoas vulneráveis como as pessoas com deficiência, as famílias monoparentais e as famílias com vários filhos. Até fevereiro de 2022, os Estados-Membros já tinham empreendido várias das ações preconizadas pelo conjunto de medidas. A título de exemplo, 18 Estados-Membros transferiram fundos para grupos vulneráveis e 11 Estados-Membros reduziram o imposto sobre a energia (13). O número de cidadãos da UE vulneráveis à pobreza energética varia em toda a União, em virtude das diferentes situações em cada Estado-Membro (e em cada região) e das medidas adotadas.

4.3.

O CESE exorta os Estados-Membros a continuarem a adotar ações imediatas sempre que necessário para proteger os consumidores em situação de pobreza energética ou expostos a esse risco, tendo em conta as necessidades e especificidades locais, regionais e nacionais. Embora não exista uma solução única, uma vez que os preços da energia variam consideravelmente em toda a UE devido, nomeadamente, ao facto de os Estados-Membros intervirem atualmente nos mercados de forma muito diferente (por exemplo, com impostos e direitos, isenções ou encargos que muitas vezes afetam apenas alguns consumidores) (14), os Estados-Membros devem assegurar-se de que os mais vulneráveis não ficam sem apoio. Cumpre prever apoios financeiros diretos e políticas sociais para amortecer os efeitos negativos dos aumentos de preços nos grupos mais vulneráveis.

4.4.

A ajuda direta a quem dela necessita deve ser direcionada e não geral; deve ter em conta a dimensão social sem impedir a transição ecológica. Poderá ponderar-se a criação de uma subvenção de duração limitada (por exemplo, para os primeiros 300 kWh de eletricidade por pessoa e por agregado familiar) até um limite de rendimento a definir. Além disso, há que conceder ajuda direta para rendimentos abaixo de um limiar a definir, sempre que não haja uma solução alternativa a preços acessíveis na respetiva situação (15).

4.5.

Além disso, os Estados-Membros devem reforçar os incentivos dados aos consumidores para que diminuam o seu consumo de energia e renovem os edifícios à luz de critérios inteligentes e sustentáveis a nível nacional, regional e local, para assegurar a eficiência energética e reduzir as respetivas faturas de energia. A Comissão deve promover esse tipo de medidas, que devem ser vistas como complementares, uma vez que não podem substituir o apoio social e financeiro que deve ser a primeira rede de segurança quando os consumidores são, dum momento para o outro, afetados gravemente pela volatilidade dos preços.

4.6.

Outras medidas benéficas podem passar por ações de informação, aconselhamento e consultoria em matéria de energia, que devem estar disponíveis a nível local (por exemplo, através de balcões únicos) de forma generalizada e a preços acessíveis e beneficiar de subsídios. Os passaportes de renovação dos edifícios (16), os certificados energéticos e os contadores inteligentes são outro tipo de medidas suscetíveis de ajudar os consumidores neste processo, incluindo os proprietários de edifícios e os arrendatários. O aconselhamento em matéria de energia tem de ser adaptado às necessidades dos consumidores, uma vez que a resposta é altamente específica. As organizações de consumidores, e os órgãos de poder local e regional em particular, devem participar no processo de elaboração de medidas e de informação dos consumidores.

4.7.

Uma vez que a pobreza energética também decorre da pobreza em geral, é fundamental que a Comissão e os Estados-Membros prossigam os esforços com vista à redução global da pobreza, focando-se nas populações já em situação de pobreza energética e nas expostas ao risco de pobreza devido à sua incapacidade de pagar preços da energia mais elevados. A crise atual é um alerta para a necessidade contínua de melhorar o acesso ao emprego, a inclusão social e os níveis de vida condignos, em especial, das pessoas que vivem em zonas rurais e remotas, assim como de apoiar, em geral, o crescimento económico dos Estados-Membros. É necessária uma nova visão para melhorar as infraestruturas de interesse geral, os serviços essenciais e os transportes. Cumpre apoiar o emprego e as PME, especialmente nas zonas desfavorecidas e rurais.

4.8.

A implementação de processos de avaliação pelos pares nos Estados-Membros e a partilha de boas práticas podem conduzir ao êxito dos projetos nos setores social e energético, que se podem disseminar pela União. Tal pode incluir projetos no domínio da eficiência energética, da literacia energética e da energia limpa (para fornecer energias renováveis às pessoas), bem como medidas sociais passíveis de contribuir para a redução das faturas de energia e da pobreza em geral.

5.   Lutar contra a pobreza energética através do investimento em energias justas e eficientes

5.1.

O CESE salienta a importância de investir em energias justas e eficientes, de molde a minimizar a pobreza energética a longo prazo. É imprescindível investir no desenvolvimento de energias renováveis limpas e na renovação em larga escala dos edifícios da União, atendendo ao subinvestimento estrutural de longo prazo neste domínio, bem como às consequências climáticas, ambientais, económicas e sociais que daí resultam. Este investimento terá também efeitos positivos na economia em termos de criação de postos de trabalho e inovação, pelo que beneficiará os cidadãos da UE a curto, médio e longo prazo.

5.2.

O CESE congratula-se com a proposta de criar um Fundo Social para o Clima da UE para dar resposta aos desafios sociais e distributivos da transição ecológica (fundamental para combater as alterações climáticas), bem como para incentivar medidas destinadas a atenuar as consequências sociais da inclusão dos setores dos edifícios e dos transportes rodoviários no sistema de comércio de licenças de emissão. No entanto, o CESE assinala que, por si só, este fundo poderá não ser suficiente para atender a todas as necessidades em matéria de eficiência e transição energética, devendo ser reforçado através de intervenções pertinentes no quadro de acordos de parceria nacionais e dos planos de recuperação e resiliência.

5.3.

É possível reduzir a pobreza energética agilizando e direcionando o financiamento para as energias renováveis. A Comissão deve colaborar estreitamente com os Estados-Membros para avaliar se o orçamento disponível satisfaz as necessidades e exigências e ponderar as opções disponíveis para apoiar os Estados-Membros (por exemplo, a proposta — apoiada por vários deputados ao Parlamento Europeu (17) e pelo CESE — relativa a um novo fundo de ajustamento às alterações climáticas, que poderia ser utilizado para reforçar a capacidade da UE para ajudar os Estados-Membros a responder rapidamente às emergências climáticas, ambientais e energéticas). Deve ter em conta a recuperação económica e a necessidade de proteger a sustentabilidade das finanças públicas nos Estados-Membros e na UE.

5.4.

Importa ainda continuar a utilizar o novo Quadro Financeiro Plurianual e o Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) para lutar contra a pobreza energética no período posterior à COVID-19. O CESE assinala que a invasão da Ucrânia pela Rússia acelerou inclusivamente a necessidade de a UE assegurar uma transição célere para as energias limpas, a fim de deixar de depender da importação de combustíveis fósseis, aumentar a resiliência do sistema energético e garantir o acesso a energias justas e eficientes para todos os cidadãos da UE, ao mesmo tempo que concretiza as metas climáticas da União. O CESE assinala que a guerra na Ucrânia e o atual contexto geopolítico não devem levar a que a UE negligencie a sua missão de atingir metas sociais e ambientais, que constituem a base para a construção de uma força económica a longo prazo.

5.5.

A UE e os Estados-Membros têm de garantir que os fundos disponíveis apoiam investimentos em larga escala nas energias renováveis e na eficiência energética, em renovações de edifícios, em subsídios para isolamento de habitações e em habitação social a preços acessíveis e eficiente em termos energéticos, bem como em projetos de habitação comunitária. É evidente que é necessário um volume de investimento privado considerável, o que requer um ambiente regulamentar e de investimento propício. Os Estados-Membros, em colaboração com os órgãos de poder local e regional, devem dar prioridade a uma renovação profunda que conduza a uma poupança de energia superior a 60 % (18) e apoiar o desenvolvimento de mão de obra qualificada.

5.6.

O Fundo de Coesão e o Mecanismo para uma Transição Justa podem disponibilizar recursos às regiões e comunidades mais afetadas pela transição para energias limpas. A Comissão Europeia deve também dar continuidade ao financiamento de projetos relacionados com a pobreza energética ao abrigo do Horizonte Europa e do subprograma do LIFE intitulado «Transição para as energias limpas». A título de exemplo, o financiamento da investigação ao abrigo do Horizonte Europa pode ser utilizado para desenvolver aparelhos e tecnologias a preços acessíveis cuja utilização permita reduzir o consumo de energia dos agregados familiares. Recorrendo a fundos da UE, a Comissão e os Estados-Membros devem incentivar as empresas — incluindo as privadas — a desenvolver soluções inovadoras e tecnologias que promovam a eficiência energética.

5.7.

O CESE exorta ainda a Comissão e os Estados-Membros a garantirem que a Iniciativa Vaga de Renovação é executada de forma a apoiar os grupos com rendimentos mais baixos. Para tal, cumpre assegurar que as pessoas vulneráveis dispõem de fundos para investir na eficiência energética e dar prioridade aos edifícios com pior desempenho, combatendo, assim, a exclusão habitacional. Importa prever um aumento significativo, principalmente para os intervenientes no terreno, do financiamento da UE consagrado à renovação de edifícios e à produção descentralizada de energias renováveis. Os destinatários prioritários devem ser os agregados familiares vulneráveis em situação de pobreza ou expostos ao risco de pobreza energética. Para tal, cumpre disponibilizar fundos suficientes ao abrigo do Fundo Social para o Clima, a fim de compensar o alargamento do sistema de comércio de licenças de emissão. Além disso, os Estados-Membros devem incrementar os investimentos nas energias renováveis e na eficiência energética. Num cenário de custos variáveis praticamente nulos, por exemplo, as energias renováveis como a energia eólica ou solar podem conduzir a preços mais baixos no mercado grossista (19).

5.8.

A requalificação e a melhoria de competências desempenharão um papel importante na transição ecológica, na Iniciativa Vaga de Renovação e na eficiência energética. A fim de desenvolver estratégias concretas de acompanhamento e antevisão das necessidades de competências, melhoria de competências e requalificação dos trabalhadores nos setores afetados, o CESE chama a atenção para os resultados dos projetos dos parceiros sociais neste domínio (20).

5.9.

O setor privado também tem um papel central a desempenhar no que toca a promover os níveis necessários de empreendedorismo e investimento, nomeadamente para fomentar o desenvolvimento de competências verdes para acelerar a transição ecológica e reduzir a pobreza energética. A fim de cumprir as normas ambientais (como, por exemplo, as auditorias energéticas) importa aumentar significativamente o número de parcerias público-privadas e o financiamento da investigação e do desenvolvimento, bem como prestar mais assistência técnica às PME. Os Estados-Membros devem partilhar boas práticas, de modo a incentivar a disseminação das mesmas.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/-/ddn-20211105-1

(2)  Conjunto de dados de base: prc_hicp_manr

(3)  https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Energy_production_and_imports

(4)  Comunicação — REPowerEU: ação conjunta europeia para uma energia mais segura e mais sustentável a preços mais acessíveis, de 8 de março de 2022.

(5)  A Comissão reconheceu o impacto negativo que os preços da energia elevados têm na economia, incluindo na competitividade das empresas, tendo o Banco Central Europeu estimado (antes da invasão russa) que, em 2022, os choques dos preços da energia reduziriam o crescimento do PIB em cerca de 0,5 pontos percentuais. Ver a Comunicação — REPowerEU: ação conjunta europeia para uma energia mais segura e mais sustentável a preços mais acessíveis, de 8 de março de 2022.

(6)  EU SILC de 2020, as estatísticas do rendimento e das condições de vida na UE que utilizam variáveis relativas à capacidade comunicada pelas pessoas no que se refere a manterem as suas casas adequadamente aquecidas, à presença de condições precárias de habitabilidade e a atrasos no pagamento das faturas de energia. Estas estatísticas revelaram que embora a pobreza energética seja transversal a toda a UE, o fenómeno é mais predominante nos Estados meridionais e de leste.

(7)  O artigo 2.o, ponto 49, da proposta de reformulação da Diretiva Eficiência Energética define pobreza energética como «a falta de acesso de um agregado familiar a serviços energéticos essenciais para manter um nível de vida digno e a saúde, nomeadamente o aquecimento, o arrefecimento, a iluminação e a energia necessária para os eletrodomésticos, no contexto nacional em questão, política social existente e outras políticas pertinentes».

(8)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_22_1511

(9)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32022D0589

(10)  COM(2020)662 final

(11)  https://energy-poverty.ec.europa.eu/energy-poverty-observatory/indicators_pt

(12)  A título de exemplo, a definição de pobreza energética proposta durante as negociações no Parlamento Europeu sobre o Fundo Social para o Clima é a seguinte: «os agregados familiares com os decis de rendimento mais baixos cujos custos energéticos excedem o dobro do rácio mediano entre os custos energéticos e o rendimento disponível, após dedução dos custos de habitação».

(13)  Giovanni Sgaravatti, Simone Tagliapietra e Georg Zachmann, «National fiscal policy responses to the energy crisis» [Políticas nacionais para proteger os consumidores do aumento dos preços da energia], Bruegel, 8 de fevereiro de 2022.

(14)  Parecer do CESE — Preços da energia (JO C 275 de 18.7.2022, p. 80).

(15)  Parecer do CESE — Preços da energia (JO C 275 de 18.7.2022, p. 80).

(16)  https://www.bpie.eu/publication/renovation-passports/

(17)  «Regional development MEPs suggest to set-up a Climate Change Adaptation Fund» [Deputados da Comissão do Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu propõem a criação de um fundo de ajustamento às alterações climáticas] | Atualidade | Parlamento Europeu (europa.eu).

(18)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32019H0786&from=PT.

(19)  Estima-se que o aumento da eletricidade produzida a partir de fontes renováveis foi responsável, em iguais circunstâncias, por uma diminuição de 24 % dos preços da eletricidade à vista na Alemanha no período 2008-2015 e de 35 % na Suécia no período 2010-2015 (Hirth, 2018).

(20)  Parecer do CESE — Preços da energia, JO C 275 de 18.7.2022, pp. 80-87.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/95


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Diálogo social no âmbito da transição ecológica (parecer exploratório a pedido da presidência checa)

(2022/C 486/14)

Relatora:

Lucie STUDNIČNÁ

Consulta

Presidência checa do Conselho, 26.1.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

162/1/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A resposta à emergência climática tornou-se uma das principais prioridades políticas. O modelo económico estabelecido desde a revolução industrial precisa agora de ser profundamente reformulado. A transição radical para uma economia circular digitalizada com impacto neutro no clima exige um esforço de adaptação significativo. A agressão da Rússia contra a Ucrânia apenas salientou a necessidade dessa transição, sujeitando a sociedade a custos e a encargos consideráveis.

1.2.

Enquanto elemento do modelo social europeu e fonte de competitividade europeia, o diálogo social tem de ser eficaz em todos os níveis — europeu, nacional, regional, setorial e do local de trabalho. Os Estados-Membros devem reconhecer o valor do diálogo social e o facto de que representa uma mais-valia e constitui um elemento importante do processo de decisão. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) defende o reforço e a promoção ativa do diálogo social. Por conseguinte, é necessário que os parceiros sociais disponham de competências adequadas e de acesso a apoio especializado.

1.3.

Assim, todo o quadro estratégico para a ação climática tem de prever uma participação forte dos sindicatos e das organizações de empregadores através de um diálogo social robusto e do envolvimento da sociedade civil. Os Estados-Membros devem envidar esforços mais significativos no sentido de envolver os trabalhadores e garantir que estes apoiam a transição para uma sociedade sustentável. Trata-se de uma responsabilidade que incumbe não apenas aos Estados-Membros, mas também às instituições da União Europeia (UE).

1.4.

Os sindicatos desempenham um papel fundamental na preparação dos trabalhadores para o processo de transformação socioecológica e na sua representação ao longo do mesmo, pelo que importa garantir um diálogo social ativo e coerente para assegurar que a ação climática beneficia os trabalhadores, torna a transição justa e não deixa verdadeiramente ninguém para trás.

1.5.

O diálogo social tem de ser acompanhado por um diálogo civil contínuo e robusto e contar com a participação, em especial, da sociedade civil organizada e das partes interessadas. Para se conseguir uma transição justa para uma economia com impacto neutro no clima, importa construir sociedades mais justas, erradicar a pobreza e combater os problemas de adaptação inerentes à transição ecológica. As organizações da sociedade civil representam milhões de pessoas em situações vulneráveis, bem como as que são sistematicamente excluídas, pelo que são uma voz importante que é necessário incluir nas decisões associadas à transição. O estabelecimento de uma cooperação estreita com o Comité das Regiões acrescentaria uma dimensão regional ao tema.

1.6.

É fundamental dar prioridade à justiça social e à aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Além disso, a UE deve também promover e apoiar ativamente a negociação coletiva, para que os trabalhadores possam ajudar a criar locais de trabalho sustentáveis e empregos verdes, competitivos e dignos. Dessa forma, a UE tornar-se-á não só mais justa e mais equitativa, como também mais competitiva e resiliente.

1.7.

É essencial que todos os postos de trabalho criados por via da transição respeitem a Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que inclui o direito ao emprego digno, a liberdade de associação e o direito à negociação coletiva, a não discriminação e a erradicação do trabalho forçado e infantil, bem como da violência e do assédio no trabalho.

1.8.

O CESE propõe um levantamento sistemático do funcionamento do diálogo social nos Estados-Membros, sendo necessários mais estudos comparativos para examinar o papel do diálogo social nos planos nacionais em matéria de energia e clima, bem como nos planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR).

1.9.

No âmbito dos esforços globais para reforçar a dimensão social do Pacto Ecológico Europeu, é necessário apoiar e reforçar ativamente — através de incentivos e financiamento — as estruturas de diálogo social, dedicando especial atenção aos Estados-Membros e aos setores em que essas instituições são frágeis.

1.10.

Em consonância com a recomendação não vinculativa do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, o CESE salienta a importância de fornecer orientações aos Estados-Membros sobre a forma de responder aos efeitos sociais e laborais da transição. Importa ter em conta as propostas avançadas, como por exemplo a proposta constante do Parecer do CESE — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática (1), no sentido de incentivar os Estados-Membros a criarem «comissões para uma transição justa».

1.11.

O CESE destaca a importância de uma informação e consulta atempadas durante o processo de reestruturação. Em consonância com a Diretiva Direitos de Consulta e Participação, cumpre reforçar os direitos dos trabalhadores à informação, à consulta e à participação (2), em todos os níveis da administração local, nacional e da UE. É importante evitar decisões sem consultas e tornar obrigatória a prestação antecipada de informações.

2.   Observações na generalidade

Antecedentes

2.1.

O presente parecer exploratório foi solicitado pela Presidência checa da UE no âmbito da avaliação da dimensão social do Pacto Ecológico Europeu e, em especial, do papel do diálogo social.

2.2.

A resposta à emergência climática tornou-se uma das principais prioridades políticas. O sistema de produção e consumo precisa de ser profundamente reformulado na sua globalidade. Embora a transição para uma economia circular digitalizada com impacto neutro no clima traga benefícios inquestionáveis, também acarreta um esforço de adaptação significativo e custos consideráveis para a sociedade.

2.3.

Esse processo de reestruturação fundamental que as nossas economias terão de empreender em poucas décadas para reduzir a zero as suas emissões líquidas é um processo orientado pelas políticas, que terá efeitos díspares nas pessoas, em função das suas características socioeconómicas, bem como nas empresas, especialmente as pequenas e médias empresas. Cabe, em grande medida, aos decisores políticos dar resposta a esses problemas.

2.4.

É certo que as alterações climáticas criam novas desigualdades e que as medidas de atenuação e de adaptação, se aplicadas sem políticas para uma transição justa, poderão criar vencedores e vencidos. Reconhecendo este facto, o anúncio do Pacto Ecológico Europeu, em 2019, incluiu compromissos no sentido de «não deixar ninguém para trás».

2.5.

O processo de transição em curso foi agravado por dois acontecimentos extraordinários: a crise da COVID-19 e uma transformação fundamental da situação geopolítica da Europa devido ao ataque da Rússia à Ucrânia. Ambos oneraram ainda mais a sociedade a curto prazo, mas podem também contribuir para acelerar a transformação.

Diálogo social

2.6.

Ao longo das últimas décadas, as grandes mudanças nos meios de produção suscitaram com frequência problemas de adaptação ou transição, em especial nos setores em que essas mudanças criaram empregos menos seguros e com remunerações baixas, deixando o trabalho digno fora do alcance de muitas pessoas, como as mulheres e as comunidades vulneráveis. Por conseguinte, cumpre abordar uma série de problemas relacionados com a transição, como a contratualização, as formas precárias de trabalho, a privatização e a reestruturação, a fim de gerar uma economia justa em que a pobreza seja erradicada. Esta questão foi igualmente abordada na Recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, adotada pelo Conselho (Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores) em 16 de junho de 2022.

2.7.

A promoção do diálogo social está consagrada no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. A iniciativa «Um novo começo para o diálogo social» (2016) reconheceu a importância do diálogo social para a recuperação e a competitividade. Vários pareceres (3) e uma resolução (4) do CESE salientaram recentemente a importância do diálogo social em transformações conexas.

2.8.

O diálogo social também deu provas dos seus contributos positivos para um processo de reestruturação bem-sucedido: as empresas com um diálogo social adequado têm melhor desempenho, são mais competitivas e resilientes e pagam salários mais elevados.

2.9.

O CESE destaca que todos os níveis do diálogo social — europeu, nacional, regional, setorial e do local de trabalho — desempenham um papel essencial, mas distinto, na gestão e facilitação da transformação ecológica. No entanto, as estruturas e as instituições a cada um desses níveis têm pontos fortes muito diferentes.

2.10.

O diálogo social tem de ser acompanhado por um diálogo civil contínuo e robusto e contar com a participação, em especial, da sociedade civil organizada e das partes interessadas. Para se conseguir uma transição justa para uma economia com impacto neutro no clima, importa construir sociedades mais justas, erradicar a pobreza e combater os problemas de adaptação inerentes à transição ecológica. As organizações da sociedade civil representam milhões de pessoas em situações vulneráveis, bem como as que são sistematicamente excluídas, pelo que são uma voz importante que é necessário incluir nas decisões associadas à transição. O estabelecimento de uma cooperação estreita com o Comité das Regiões acrescentaria uma dimensão regional ao tema.

2.11.

As instituições e os agentes do diálogo social têm diferentes níveis de capacidades e de influência nos vários Estados-Membros, em parte devido à diversidade de modelos de relações laborais e sociais existentes nos Estados-Membros, mas, em alguns casos, as políticas e recomendações em matéria de descentralização adotadas após a crise financeira e a crise da área do euro contribuíram ativamente para o seu enfraquecimento. O CESE salienta que o bom funcionamento do diálogo social é um elemento importante da economia social de mercado europeia e congratula-se por a Comissão Europeia ter reconhecido recentemente este facto nas suas recomendações ao Conselho.

2.12.

No âmbito dos esforços globais para reforçar a dimensão social do Pacto Ecológico Europeu, é necessário apoiar e reforçar ativamente as estruturas de diálogo social, dedicando especial atenção aos Estados-Membros e aos setores em que essas instituições são frágeis.

Transição justa

2.13.

Uma transição justa implica que a resposta aos efeitos sobre o emprego e a distribuição da riqueza decorrentes da transição para uma economia com impacto neutro no clima deve constituir um elemento do quadro de ação relativo ao clima (por exemplo, o pacote Objetivo 55) e não apenas uma série de medidas corretivas suplementares. Estas questões abarcam muitas dimensões, como os efeitos distributivos das políticas de descarbonização, a perda de postos de trabalho e as transições profissionais, a defesa dos direitos sociais fundamentais e a inclusão dos cidadãos e da sociedade civil organizada nos processos de decisão.

2.14.

O Fundo para uma Transição Justa e o Fundo Social para o Clima, proposto no âmbito do pacote Objetivo 55, são algumas das principais medidas da UE anunciadas até à data destinadas a atenuar o impacto da transição nas regiões mais afetadas e nas pessoas e empresas vulneráveis. O CESE saúda a proposta de recomendação do Conselho, apresentada pela Comissão, que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, a fim de fornecer orientações aos Estados-Membros sobre a forma de responder aos efeitos sociais e laborais da transição.

2.15.

Para determinar se a transição é efetivamente justa será necessário aferir a eficiência na resolução dos problemas de adaptação das empresas, dos trabalhadores e dos cidadãos, incentivando, por exemplo, a reestruturação das atividades empresariais, a melhoria de competências e a requalificação dos trabalhadores e evitando a pobreza energética e de mobilidade, com vista a garantir que ninguém fica para trás; importa, em especial, aferir até que ponto as mulheres e os homens cujos postos de trabalho desaparecerão, serão desqualificados ou ficarão, de algum modo, ameaçados, são associados ao processo, têm a garantia de um futuro útil, satisfatório e seguro em postos de trabalho de qualidade e são apoiados no seu desenvolvimento de modo a poderem desempenhar essas funções.

2.16.

Não se pode subestimar a dimensão deste desafio. Será necessário definir objetivos económicos e sociais de médio e longo prazo, cuidadosamente delineados e integrados, a fim de assegurar a produtividade e a inclusão, tendo devidamente em conta as especificidades dos diferentes Estados-Membros e envolvendo os parceiros sociais a nível nacional, regional e local em todas as fases da elaboração de políticas, nomeadamente através do diálogo social e da negociação coletiva, se for caso disso. Esses objetivos implicam uma reorientação deliberada e consciente dos recursos a nível nacional e central para as zonas e as regiões afetadas. Além de se incentivarem novos investimentos através de subvenções, empréstimos e prestação de aconselhamento especializado e de se apoiar a atividade das micro, pequenas e médias empresas, pode-se ajudar as empresas em fase de arranque através de participações de capital e criar igualmente novas empresas públicas. A par da afetação de recursos públicos, será necessário otimizar a flexibilidade das regras em matéria de auxílios estatais, ou até suspendê-las, em determinadas circunstâncias.

2.17.

É essencial que esta reestruturação em grande escala, que passa pela transformação de dezenas de milhões de postos de trabalho na Europa, ocorra de forma equilibrada e seja bem gerida e orientada para o futuro. Para isso, é indispensável um diálogo social adequado. O Fundo para uma Transição Justa, destinado a apoiar os trabalhadores na transição para um novo emprego, deve dispor de mais recursos e alargar o seu âmbito de aplicação através de medidas orientadas para setores específicos.

2.18.

As três dimensões do desenvolvimento sustentável — económica, social e ambiental — estão estreitamente inter-relacionadas e devem ser abordadas no âmbito de um quadro estratégico abrangente e coerente. As orientações da OIT, de 2015, sobre uma transição justa disponibilizam um conjunto de ferramentas práticas para os governos e os parceiros sociais na gestão deste processo de transformação.

2.19.

Segundo as referidas orientações, é fundamental obter um consenso social forte sobre o objetivo da sustentabilidade e as vias para o atingir. O diálogo social tem de ser parte integrante do quadro institucional para a adoção e a execução de políticas em todos os níveis. Importa manter continuamente consultas adequadas e informadas com todas as partes interessadas pertinentes.

Diálogo social no âmbito da transição ecológica

2.20.

O diálogo social tem de ser mais do que uma formalidade e ser eficaz em todos os níveis — europeu, nacional, regional, setorial e do local de trabalho. Por conseguinte, é necessário que os parceiros sociais disponham de competências adequadas e de acesso a apoio especializado.

2.21.

O CESE reconhece que as instituições de diálogo social são muito desiguais nos vários países da UE, devido aos diversos modelos e tradições nacionais e de relações laborais existentes nos diferentes Estados-Membros.

2.22.

O CESE propõe um levantamento e acompanhamento sistemático do funcionamento do diálogo social nos Estados-Membros (5), sendo necessários mais estudos comparativos para examinar o papel do diálogo social nos planos nacionais em matéria de energia e clima, bem como nos planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR).

2.23.

O CESE considera que as iniciativas existentes para responder aos desafios sociais da transformação ecológica se mantiveram fragmentadas. O Mecanismo para uma Transição Justa é limitado e aborda apenas uma pequena parte do processo de transição. O Fundo Social para o Clima proposto terá um âmbito de aplicação e um objetivo limitados e procurará, acima de tudo, equilibrar os efeitos distributivos regressivos de um segundo sistema de comércio de licenças de emissão previsto para os transportes e os edifícios (ver, em especial, o Parecer do CESE — Fundo Social para o Clima (6)). O CESE acolhe favoravelmente a recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática, mas assinala que esta recomendação não vinculativa não constitui a plataforma de políticas abrangente de que a UE necessita para responder aos impactos da transição nos trabalhadores, nas regiões e nas pessoas vulneráveis em causa.

2.24.

O CESE salienta que a UE precisa de criar um quadro sólido para estabelecer condições de concorrência equitativas para gerir a transição. Esse quadro robusto da UE para uma transição justa deverá, nomeadamente, antecipar e gerir as mudanças no contexto da transformação ecológica, mediante uma participação ativa dos trabalhadores, das empresas e dos cidadãos.

2.25.

O CESE destaca a importância de uma informação e consulta atempadas durante o processo de reestruturação. É importante evitar decisões sem consultas e tornar obrigatória a prestação antecipada de informações.

2.26.

O CESE apela para a promoção do diálogo social e da participação das partes interessadas em todos os níveis. Insta a que se assegure a qualidade dos novos empregos verdes, em conformidade com a Agenda do Trabalho Digno da OIT e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Em consonância com o espírito da recomendação do Conselho que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática e tendo em conta o parecer do CESE sobre o Fundo Social para o Clima, esse fundo deve dar resposta a um conjunto mais alargado de efeitos distributivos das políticas climáticas, prevendo medidas específicas contra a pobreza energética e de mobilidade destinadas a apoiar e promover a acessibilidade das tecnologias hipocarbónicas, inclusive em termos de custos, para os agregados familiares com rendimentos mais baixos.

3.   Observações na especialidade

3.1.

O CESE considera essencial reconhecer a complementaridade entre as políticas climáticas, ambientais e sociais. A dimensão social deve ser parte integrante de um quadro de ação abrangente relativo ao clima, desde a sua conceção até à sua aplicação. Tal aplica-se a todo o Pacto Ecológico Europeu e a todas as políticas concretas de execução adotadas ao abrigo do pacote Objetivo 55.

3.2.

O CESE reconhece também que este processo de reestruturação terá impactos enormes no emprego, nas relações laborais e na distribuição dos rendimentos. Todos os níveis da sociedade e da economia serão afetados, desde o nível transnacional ao do local de trabalho. O diálogo social deve desempenhar um papel fulcral na gestão deste processo, de uma forma orientada para o futuro.

3.3.

O CESE congratula-se com o quadro de ação robusto e ambicioso relativo ao clima que a Comissão Europeia estabeleceu no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, apoiado pelas medidas legislativas conexas, mas destaca também que, apesar de todas as declarações positivas, a sua dimensão social continua pouco desenvolvida.

3.4.

A dimensão social do Pacto Ecológico Europeu continua a ser principalmente da responsabilidade dos Estados-Membros da UE e dos parceiros sociais nacionais, por serem eles os mais bem colocados para compreender a situação e propor medidas a nível local, regional e nacional. No entanto, os desafios sociais e laborais da transição ecológica abrangem várias dimensões, como a perda de postos de trabalho e as transições profissionais, a requalificação e a melhoria de competências da mão de obra, os efeitos distributivos das políticas de descarbonização e também a proteção dos direitos sociais e a participação dos cidadãos. Por conseguinte, impõe-se uma ação e medidas coordenadas ao nível da UE, a fim de acompanhar e apoiar as iniciativas nacionais. É provável que as medidas de atenuação das alterações climáticas aumentem e agravem as desigualdades sociais se não forem abordadas de forma correta no nível adequado.

Concretizar a transição justa — requisitos em matéria de governação e regulamentação para o reforço do diálogo social

3.5.

As transições no mercado de trabalho, os planos sociais e as vias para novos empregos sustentáveis e dignos, associados a um compromisso de longo prazo com o desenvolvimento regional e comunitário, são elementos essenciais de um roteiro para uma transição justa.

3.6.

Importa incentivar o estabelecimento de programas de formação adaptados às necessidades individuais e do mercado de trabalho e executados por centros de transição profissional criados especialmente para o efeito. Tal implica empenho num diálogo social proativo a nível das comunidades e das regiões, em cooperação com todas as partes interessadas. Os sindicatos e os empregadores devem agir em conjunto e apoiar os programas de transição laboral.

3.7.

Ao contrário das medidas ambientais do pacote Objetivo 55, que assentam em legislação vinculativa e são abrangentes e coordenadas, os elementos sociais do mesmo pacote são fragmentados e a recomendação do Conselho proposta não tem efeitos jurídicos vinculativos.

3.8.

É necessário reforçar estes aspetos e importa tornar o diálogo social um elemento obrigatório das principais políticas nacionais estabelecidas para alcançar os objetivos da política climática para 2050, incluindo os planos nacionais em matéria de energia e clima, os PRR e os planos de transição justa.

3.9.

Para que o diálogo social produza resultados, é importante que exista um sentimento mútuo de segurança e confiança e uma ambição comum de obter resultados benéficos para todas as partes envolvidas.

3.10.

Em alguns Estados-Membros da UE, este tipo de diálogo social já existe, mas noutros não. Neste segundo caso, há que encorajar ativamente o diálogo social, por exemplo tornando obrigatório o intercâmbio atempado de determinadas informações e propondo o diálogo social como forma de resolver várias questões administrativas e relacionadas com o direito do trabalho, simplificando o acesso a financiamento, facilitando decisões de planeamento e licenças de construção, etc. Para prevenir abusos, importa associar esses benefícios à obrigação de alcançar resultados.

3.11.

O CESE está ciente de que, em alguns Estados-Membros, tal acarretará uma mudança cultural, que poderá demorar algum tempo. No entanto, o CESE está convicto de que o tempo e esforço investidos valerão sobejamente a pena.

3.12.

É necessário articular a dimensão social do Pacto Ecológico Europeu com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e refleti-la no processo do Semestre Europeu.

3.13.

Em fevereiro de 2021, a Comissão publicou um relatório (7) sobre o reforço do diálogo social, que serviu de base à elaboração do Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, apresentado em março de 2021. O plano de ação inclui o compromisso da Comissão de apresentar em 2022 uma iniciativa de apoio ao diálogo social na UE e a nível nacional. O CESE está firmemente convicto de que estas recomendações futuras da Comissão darão um forte contributo para o cumprimento desse objetivo.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 101.

(2)  JO L 80 de 23.3.2002, p. 29.

(3)  Parecer do CESE — Transição industrial rumo a uma economia europeia verde e digital: exigências regulamentares e papel dos parceiros sociais e da sociedade civil (JO C 56 de 16.2.2021, p. 10). Parecer do CESE — Não haverá Pacto Ecológico sem um pacto social (JO C 341 de 24.8.2021, p. 23). Parecer do CESE — O diálogo social enquanto pilar importante da sustentabilidade económica e da resiliência das economias, tendo em conta a influência de um debate público animado nos Estados-Membros (JO C 10 de 11.1.2021, p. 14).

(4)  Resolução sobre as Propostas do CESE para a reconstrução e a recuperação na sequência da crise da COVID-19: «A UE deve orientar-se pelo princípio segundo o qual é considerada uma comunidade com um destino comum», com base no trabalho do Subcomité para a Recuperação e a Reconstrução pós-COVID-19 (JO C 311 de 18.9.2020, p. 1).

(5)  Resolução do CESE (JO C 155 de 30.4.2021, p. 1) e Parecer do CESE (JO C 220 de 9.6.2021, p. 38).

(6)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 158.

(7)  Relatório sobre o reforço do diálogo social na UE, elaborado por Andrea Nahles.


ANEXO

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 2.25

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

O CESE destaca a importância de uma informação e consulta atempadas durante o processo de reestruturação. É importante evitar decisões sem consultas e tornar obrigatória a prestação antecipada de informações.

O CESE destaca a importância de uma informação e consulta atempadas durante o processo de reestruturação. É importante evitar decisões sem consultas e tornar prática corrente a prestação antecipada de informações , em conformidade com a recomendação do Conselho anteriormente referida .

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

55/95/0


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/102


Parecer do Comité Económico e Social Europeu do Papel da energia nuclear na estabilidade dos preços da energia na UE

(parecer exploratório a pedido da presidência checa do Conselho da UE)

(2022/C 486/15)

Relatora:

Alena MASTANTUONO

Consulta

Presidência checa do Conselho da União Europeia, carta de 26.1.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Parecer exploratório

Decisão da Plenária

21.9.2022

Competência

Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

143/73/42 (votação nominal — ver anexo II)

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A estabilidade e a acessibilidade dos preços da energia são essenciais para preservar tanto o poder de compra das famílias como a competitividade e a resiliência do tecido industrial europeu. Após uma década de relativa estabilidade dos preços de importação de energia e um aumento anual relativamente baixo dos preços no produtor no mercado interno de energia, de 0,9 %, entre 2010 e 2019, a Europa tem vindo a testemunhar um aumento acentuado dos preços da energia desde o segundo semestre de 2021. A volatilidade dos preços da energia e a insegurança do aprovisionamento energético escalaram com a guerra na Ucrânia.

1.2.

O desafio que agora se apresenta à Europa é duplo: a necessidade de combater as alterações climáticas, por um lado, e de garantir o aprovisionamento energético a um preço acessível, por outro. Como afirma a Comissão no plano REPowerEU, o desafio consiste em reduzir rapidamente a nossa dependência dos combustíveis fósseis russos, reorientando rapidamente a transição para as energias limpas e unindo esforços a fim de alcançar um sistema energético mais resiliente e uma verdadeira União da Energia. A solução tem três dimensões temporais. Na perspetiva a curto prazo, pretende-se, essencialmente, resolver a situação do aprovisionamento energético, uma vez que uma eventual escassez poderá agravar o aumento dos preços. A situação do mercado está a ser influenciada por fatores atuais e previstos do lado da oferta. Por conseguinte, há que recorrer a todas as fontes de energia disponíveis na UE, tal como indicado no plano REPowerEU. Trata-se de um cenário de crise cujo objetivo principal é assegurar o aprovisionamento energético. A perspetiva a médio prazo permite um maior respeito pela sustentabilidade e pelo equilíbrio entre as fontes de energia, enquanto a perspetiva a longo prazo consistirá em colocar a tónica nos objetivos ecológicos, desde que se reduzam os riscos geopolíticos para a segurança.

1.3.

As despesas adicionais em segurança e proteção associadas à guerra ameaçam contribuir substancialmente para o aumento dos preços da energia. A curto prazo, sempre que tal seja tecnicamente viável, as centrais nucleares existentes nos Estados-Membros que optaram por incluir a energia nuclear na sua matriz energética contribuirão para a estabilidade do aprovisionamento de energia, que influencia em grande medida a estabilidade dos preços. Sem a capacidade nuclear existente, o choque no sistema energético causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia seria certamente maior.

1.4.

A energia nuclear, enquanto fonte de eletricidade hipocarbónica, pode ser utilizada em função das necessidades para complementar o papel-chave das energias renováveis, como a energia eólica e solar, na transição para sistemas de eletricidade com emissões líquidas nulas. O CESE salienta que, neste período, a energia nuclear, enquanto fonte de energia com uma carga de base estável, pode contribuir para a estabilidade do aprovisionamento de energia. Os custos marginais da energia nuclear são estáveis e muito inferiores aos das centrais a gás e carvão. As centrais nucleares não emitem uma quantidade significativa de CO2 durante o seu funcionamento, pelo que os seus custos marginais, à semelhança das energias renováveis, não incluem qualquer custo de CO2, além de não serem afetadas pela volatilidade dos preços do carbono, como se pôde verificar em 2021 quando o preço do carbono subiu mais de 200 %. A volatilidade do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia (CELE) afeta de forma significativa o preço do gás e do carvão no mercado da UE.

1.5.

Do ponto de vista regulamentar, os preços da eletricidade no mercado grossista da UE são determinados por ordem de mérito, segundo a qual o preço é fixado pela última central elétrica. Na maioria dos casos de comportamento normal de mercado, o preço num mercado à vista é determinado pelo gás ou pelo carvão. Tal significa que a energia nuclear não influencia os preços da energia no mercado à vista, exceto quando a matriz energética inclui uma percentagem elevada de fontes hipocarbónicas. No entanto, o mercado à vista constitui apenas uma parte das vendas do mercado. As empresas de energia vendem frequentemente fornecimentos físicos de eletricidade com base em contratos bilaterais. Neste caso, os diferentes modelos de financiamento e contratos bilaterais utilizados nos Estados-Membros da UE cuja matriz energética inclui a energia nuclear ajudam a estabilizar o preço da energia para o cliente.

1.6.

A crise energética atual afetou o funcionamento do mercado da eletricidade da UE ao distorcer as suas regras básicas devido ao número de intervenções destinadas a atenuar os preços elevados da energia ou a diminuir significativamente a procura. Esta situação mostra a correlação importante entre a diminuição da oferta e o aumento da procura, que faz subir os preços da energia. Com um aprovisionamento mais robusto a partir de fontes de energia estáveis e hipocarbónicas, os preços da energia serão menos voláteis e, graças à interligação dos mercados nacionais da energia, os benefícios poderão ser partilhados em toda a UE.

1.7.

O CESE considera que o prolongamento da vida útil das centrais nucleares existentes faz sentido nesta situação específica e contribuirá, ao mesmo tempo, para a transição para uma economia neutra em carbono. Tem potencial para satisfazer as expectativas atuais em matéria de aprovisionamento de energia e diminuir o consumo do gás no setor da eletricidade, reduzindo assim o risco de escassez de gás. Além disso, pode ajudar a aliviar a volatilidade inédita dos preços causada por fatores não económicos e a responder às expectativas atuais no que diz respeito ao aprovisionamento energético. O CESE recomenda que os Estados-Membros se empenhem no desenvolvimento de soluções, no domínio da capacidade de armazenamento, e reforcem as interligações de transporte da energia, de modo a responder eficazmente às interrupções no fornecimento de energias renováveis a longo prazo e de gás a curto prazo.

1.8.

O CESE propõe à presidência checa que debata, no Fórum Europeu da Energia Nuclear, a estabilidade dos preços no setor nuclear e o papel da energia nuclear na estabilização do aprovisionamento como um meio para reduzir a dependência da UE em relação ao gás russo. O CESE gostaria de participar de forma significativa neste debate.

1.9.

O CESE propõe um reforço da cooperação bilateral com os parceiros internacionais no setor nuclear, a fim de partilhar os resultados no domínio da inovação e os progressos das novas tecnologias. O CESE recomenda à presidência checa do Conselho da UE que organize uma conferência sobre pequenos reatores modulares, que poderá assumir a forma de um fórum de alto nível UE-EUA sobre pequenos reatores modulares, para explorar este domínio de investigação promissor.

2.   Contexto e notas explicativas

2.1.

O artigo 194.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) estabelece a base jurídica da política energética da UE. Outros artigos, como o artigo 122.o (segurança do aprovisionamento), os artigos 170.o a 172.o (redes de energia), o artigo 114.o (mercado interno da energia) e os artigos 216.o a 218.o do TFUE (política energética externa), estabelecem disposições específicas. O Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Tratado Euratom) serve de base jurídica para a maior parte das ações da UE no domínio da energia nuclear.

2.2.

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia também garante aos Estados-Membros o direito de determinarem as condições de exploração dos seus recursos energéticos, a sua escolha entre diferentes fontes energéticas e a estrutura geral do seu aprovisionamento energético (1).

2.3.

O plano da UE de ser o primeiro continente com impacto neutro no clima em 2050 requer uma transição energética para fontes de energia com emissões nulas e baixas. A percentagem de energias renováveis na matriz energética não pode ser aumentada sem que haja uma reserva constituída por fontes de energia estáveis atualmente disponíveis, nomeadamente energia fóssil e nuclear, sendo, ademais, necessário investir em centrais alimentadas a gás não fóssil para fazer face às flutuações nas energias renováveis. É também extremamente importante dispor de uma capacidade de armazenamento que permita evitar apagões e satisfazer o consumo de energia crescente decorrente da eletrificação. Entre as atuais fontes de energia estáveis, a energia nuclear é a única fonte hipocarbónica que pode reduzir a dependência do gás russo.

2.4.

A energia nuclear, graças aos seus 413 gigawatts (GW) de capacidade disponível em 32 países, contribui para a descarbonização e reduz a dependência de combustíveis fósseis importados, evitando 1,5 gigatoneladas (Gt) de emissões globais e 180 mil milhões de metros cúbicos de procura mundial de gás por ano (2). Enquanto fonte de eletricidade hipocarbónica, pode ser utilizada em função das necessidades para complementar o papel-chave das energias renováveis voláteis, como a energia eólica e solar, na transição para sistemas de eletricidade com emissões líquidas nulas. De acordo com a Agência Internacional de Energia, a capacidade de produção nuclear mundial deverá duplicar até 2050 e qualquer redução nesta vertente dificultaria e encareceria a consecução dos objetivos relativos às emissões líquidas nulas.

2.5.

O Regulamento Delegado (UE) 2022/1214 da Comissão (3) reconhece o potencial da energia nuclear para contribuir para a descarbonização da economia da União e considera que a energia nuclear é uma atividade hipocarbónica. Segundo o relatório final do Grupo Técnico de Peritos em Financiamento Sustentável, de março de 2020 (4), a energia nuclear gera emissões de gases com efeito de estufa quase nulas na sua fase de produção, existindo provas extensas e evidentes do potencial contributo substancial da energia nuclear para os objetivos de atenuação das alterações climáticas. A taxonomia prevê requisitos adicionais e mais rigorosos em matéria de eliminação de resíduos, financiamento e planos de desmantelamento das centrais.

2.6.

A estabilidade e a acessibilidade dos preços da energia são essenciais para preservar tanto o poder de compra das famílias como a competitividade e a resiliência do tecido industrial europeu. Após uma relativa estabilidade dos preços de importação de energia na última década (com exceção da queda de 31 % em 2020) e um aumento anual relativamente baixo dos preços no produtor no mercado interno de energia, de 0,9 %, entre 2010 e 2019 (em 2020, os preços no produtor de energia caíram quase 10 %), a Europa tem vindo a testemunhar um aumento acentuado dos preços da energia desde o outono de 2021 (5).

2.7.

Pela primeira vez na sua história, a União Europeia vê-se confrontada com vários riscos graves ligados ao aprovisionamento energético, à segurança energética e ao aumento vertiginoso dos preços da energia. Tal deve-se, entre outras causas, ao facto de alguns Estados-Membros, por imprudência ou incapacidade de resistir à pressão externa, terem reduzido todos os recursos em reserva com demasiada rapidez, embora seja certo que a ingerência estrangeira também desempenhou um papel a este respeito.

2.8.

A evolução frenética e volátil dos preços da energia já era evidente desde o outono de 2021, ou seja, antes da guerra, tendo sido provocada por várias perturbações nos fornecimentos, bem como pelo aumento global da procura de gás. Os preços anormalmente elevados da energia desde o outono passado explicam-se pelo forte aumento da procura de gás a nível mundial, devido a uma confluência de fatores, como a retoma económica, a contração do aprovisionamento da UE, a falta de investimento e as condições meteorológicas desfavoráveis que conduziram a uma diminuição da produção de energia a partir de fontes renováveis. Em alguns casos, a especulação conduziu ao esvaziamento das instalações de armazenamento de gás (6). A atual volatilidade dos preços da energia é determinada sobretudo pelas repercussões da agressão russa contra a Ucrânia, pela incerteza quanto a uma eventual escalada noutros países e pelos esforços para reduzir, o mais rapidamente possível, a dependência energética da UE em relação à Rússia.

2.9.

As despesas adicionais em segurança e proteção associadas à guerra ameaçam contribuir substancialmente para o aumento dos preços da energia. O próximo período de diversificação da entrada de energia da UE, associado a investimentos maciços em novas infraestruturas (por exemplo, terminais de GNL, gasodutos de hidrogénio) e aos realinhamentos da rede existente de entrega de energia, poderão ser acompanhados por um aumento adicional dos preços. A situação é também agravada por uma redução significativa da produção de energia nuclear, que deverá diminuir 12 % (mais de 100 TWh) em 2022. De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia sobre o mercado da eletricidade, de julho de 2022, essa redução deve-se à diminuição temporária da disponibilidade das centrais em França, à descontinuação de 4 GW de energia nuclear na Alemanha e ao impacto da invasão russa nas centrais nucleares ucranianas.

2.10.

Nas circunstâncias atuais, e pelo menos até que haja progressos na transição energética fundamental da UE, a principal prioridade é a utilização das fontes de energia existentes disponíveis em todo o território da UE e imediatamente utilizáveis sem impedimentos e no âmbito da infraestrutura já instalada. Ao mesmo tempo, os cortes no abastecimento de produtos energéticos provenientes da Rússia já se fazem sentir, acarretando o risco de limitar o fornecimento das barras de combustível para centrais nucleares, e garantir um aprovisionamento energético estável para todos os europeus está a tornar-se um desafio no que toca ao cumprimento das metas climáticas.

2.11.

A energia nuclear permite, em certa medida, adaptar a produção de eletricidade em função da quantidade de energia que é produzida a partir de fontes renováveis. As centrais nucleares são menos flexíveis do que as centrais a gás, mas introduzem um elemento de estabilidade no sistema ao darem um contributo significativo para a carga de base energética, e nalguns Estados-Membros, a regulamentação em vigor permite que as centrais nucleares funcionem de acordo com regimes flexíveis.

2.12.

As fontes nucleares já instaladas permitem satisfazer imediatamente a maior procura de eletricidade e são caracterizadas por custos operacionais baixos. É verdade que os custos normalizados totais de produção de energia no caso das fontes nucleares são bastante elevados, sobretudo devido aos elevados custos de investimento, que refletem fortes medidas de segurança. Contudo, no caso do gás, os custos normalizados de energia são ainda mais elevados (7). Ao mesmo tempo, perante a guerra na Ucrânia, não podemos ter a certeza de continuar a ser abastecidos com gás ou barras de combustível russos enquanto não forem encontradas formas alternativas de aprovisionamento.

2.13.

A energia nuclear é a tecnologia hipocarbónica despachável com os custos mais baixos previstos no horizonte de 2025. Apenas as grandes centrais hidroelétricas de albufeira oferecem um contributo semelhante a custos comparáveis, mas estas continuam a ser altamente dependentes das características naturais de cada país. Comparativamente com a produção de energia a partir de combustíveis fósseis, as centrais nucleares deverão ser mais económicas do que as centrais a carvão. Embora as turbinas a gás de ciclo combinado sejam competitivas nalgumas regiões, os seus custos normalizados totais de produção de energia dependem fortemente dos preços do gás natural e das emissões de carbono em cada região. A eletricidade produzida a partir da operação a longo prazo das centrais nucleares através do prolongamento da sua vida útil é altamente competitiva e continua a ser a opção de menores custos não só para a produção de eletricidade hipocarbónica — em comparação com a construção de novas centrais elétricas — mas também globalmente, para o conjunto da produção de energia elétrica (8).

2.14.

Tal como acontece no caso das fontes renováveis, os custos operacionais da energia nuclear são baixos. Os custos variáveis são praticamente independentes do mercado mundial dos bens energéticos. Por este motivo, as centrais nucleares negoceiam no mercado da eletricidade a um preço estável. O preço dos combustíveis e do carbono são geralmente os que têm o maior impacto nos custos da produção de eletricidade. Estes custos variáveis ou marginais variam amplamente de uma tecnologia para outra. O custo marginal das centrais nucleares depende do preço do combustível nuclear, que é muito mais baixo do que o do gás ou do carvão. Com uma produção nuclear substancial, o preço do combustível pode ser distribuído por um maior volume de produção, uma maior quantidade de MWh. Uma vez que as centrais nucleares não emitem CO2, os seus custos marginais não incluem quaisquer custos relacionados com os preços das licenças de emissão de CO2, à semelhança das energias renováveis.

2.15.

Do ponto de vista regulamentar, os preços da eletricidade no mercado grossista da UE são determinados por ordem de mérito, segundo a qual o preço é fixado pela última central elétrica. Na maioria dos casos do cenário de comportamento normal, o preço num mercado à vista é determinado pelo gás ou pelo carvão. Tal significa que a energia nuclear não influencia os preços da energia no mercado à vista, exceto quando a matriz energética inclui uma percentagem elevada de fontes hipocarbónicas, como se prevê para o futuro modelo europeu. Atualmente, o modelo de mercado normal foi destruído pelo choque do lado da oferta, especialmente no que diz respeito ao setor do gás. Para poder contribuir para o equilíbrio do mercado e para a estabilidade dos preços, o setor do gás tem de ser acompanhado de outras fontes disponíveis e ser objeto de intervenções regulamentares visando nomeadamente a redução da procura em toda a União (9).

2.16.

O mercado à vista constitui apenas uma parte das vendas do mercado. As empresas de energia vendem frequentemente fornecimentos físicos de eletricidade com base em contratos bilaterais. Neste caso, os diferentes modelos de financiamento e contratos bilaterais utilizados nos Estados-Membros cuja matriz energética inclui a energia nuclear ajudam a estabilizar o preço da energia cobrado ao cliente, mas não necessariamente a reduzi-lo. Importa também distinguir os diferentes níveis do mercado da eletricidade (grossista versus retalhista). Na UE, os mercados retalhistas dependem de inúmeros fatores, como o nível de concorrência, mas também de outros elementos que determinam o preço final. Os preços da eletricidade pagos pelos consumidores domésticos na UE incluem impostos e taxas. De acordo com os dados do Eurostat, a percentagem média de taxas e impostos sobre a eletricidade pagos pelos consumidores domésticos na UE é de 36 %.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE reconhece e respeita a gravidade da situação. Nas circunstâncias atuais, no âmbito da gestão da crise e da emergência, os fornecimentos fiáveis de energia a um preço aceitável são a via da sobrevivência. Por essa razão, qualquer fonte disponível que seja fiável deve ser utilizada, não só para responder à procura, mas também para contribuir para a estabilidade dos preços neste período de grande incerteza.

3.2.

O CESE apoia plenamente o Pacto Ecológico Europeu e a transição da economia europeia para a neutralidade climática até 2050. Ao mesmo tempo, a transição climática tem de acompanhar os cinco pilares da União da Energia, nomeadamente os pilares relativos à segurança do aprovisionamento energético e à acessibilidade dos preços da energia. As políticas futuras devem ter por objetivo diminuir a elevada dependência em relação às importações, conforme salientado pelo CESE em vários pareceres.

3.3.

À luz dos principais objetivos da Comunicação REPowerEU da Comissão Europeia, os esforços para se manter a estabilidade dos preços da energia na UE compreende duas fases: a primeira até que sejam dados os primeiros passos, com resultados visíveis, para a redução da dependência da UE em relação à Rússia, e a segunda quando esta dependência for eliminada. O CESE admite que, na primeira fase, em que a estabilidade e a segurança desempenharão um papel fundamental, a energia nuclear proveniente de fontes existentes na UE também terá um papel a desempenhar, como salientado no plano REPowerEU (10), não esquecendo que não será fácil preparar o sistema energético da UE para o próximo inverno (criar reservas suficientes de gás, iniciar a diversificação das entregas, utilizar mais hidrogénio e metano, realizar investimentos adicionais avultados em projetos de energias renováveis e de eficiência energética), como refere a Agência Internacional de Energia nas suas recomendações de março de 2022 (11). Na segunda fase, poder-se-á regressar aos objetivos originais do Pacto Ecológico Europeu logo que sejam eliminados todos os riscos associados à segurança do aprovisionamento.

3.4.

O CESE salienta que o fornecimento de barras de combustível às centrais nucleares com reatores VVER exploradas no território da UE (na Bulgária, República Checa, Hungria, Finlândia e Eslováquia) pode estar em risco devido à guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo, congratula-se com o facto de estarem disponíveis outras alternativas de fornecimento (12) e incentiva os Estados-Membros em causa a encontrarem fornecedores alternativos o mais rapidamente possível. As centrais nucleares não exigem uma grande capacidade de armazenamento, podendo armazenar facilmente combustível para três a cinco anos, pelo que é possível mudar de fornecedor ou comprar combustível a preços vantajosos.

3.5.

O CESE sublinha que a estabilidade do mercado energético da UE é uma prioridade absoluta para o presente, já que permite eliminar a volatilidade dos preços da energia. A energia nuclear, sendo uma fonte de energia com uma carga de base muito estável (funcionando como reserva para as energias renováveis voláteis), pode contribuir substancialmente para a estabilidade do aprovisionamento em períodos de riscos extraordinários.

3.6.

O CESE salienta que a energia nuclear não elimina os riscos de volatilidade dos preços do CELE, que alcançaram um máximo histórico de 100 euros por tonelada de CO2 no início de fevereiro de 2022. Uma vez que as centrais nucleares não emitem CO2, os seus custos marginais não incluem quaisquer custos de CO2, à semelhança das energias renováveis. A volatilidade do CELE afeta de forma significativa o preço do gás no mercado da UE.

3.7.

De modo geral, os custos de investimento da energia nuclear são elevados, ao passo que os seus custos operacionais são relativamente baixos. No entanto, não estamos a começar do zero, e é possível utilizar as capacidades nucleares existentes (modernizadas) para estabilizar o mercado. As políticas devem permitir aos Estados-Membros prolongar o funcionamento das centrais nucleares já existentes, tendo em conta que assegurar a sua operação a longo prazo é, de longe, a solução mais económica para 2030 e para os anos seguintes, permitindo uma transição harmoniosa para a neutralidade climática. Importa evitar quaisquer medidas suscetíveis de prejudicar a capacidade hipocarbónica existente, ou que desincentivem a realização de investimentos nas tecnologias necessárias.

3.8.

O CESE propõe que a futura conceção das regras relativas ao mercado da eletricidade tenha em conta o papel da energia nuclear. As centrais nucleares podem fornecer eletricidade aos consumidores finais a um preço fixo, uma vez que vários países europeus utilizam diferentes modelos de contratos que asseguram estabilidade aos consumidores. Um preço de compra fixo garante um retorno do investimento e custos de capital mais baixos, além de fixar parcialmente o preço da eletricidade para os consumidores finais.

3.9.

Em 2020, a energia nuclear representava cerca de 25 % da eletricidade produzida na UE. Uma maior solidariedade e uma melhor interligação de transporte no mercado energético, contribuirão para responder eficazmente à volatilidade das energias renováveis a longo prazo e do gás a curto prazo. O CESE insta igualmente os Estados-Membros a empenharem-se no desenvolvimento das capacidades de armazenamento e a substituírem as centrais a gás por energia proveniente de fontes hipocarbónicas. Quaisquer disposições na revisão da conceção do mercado da eletricidade deverão incentivar investimentos nas tecnologias hipocarbónicas necessárias para descarbonizar o setor da energia de forma segura e economicamente acessível.

3.10.

O CESE sublinha o outro elemento da estabilidade dos preços da energia nuclear garantido pela estabilidade do aprovisionamento. Em comparação com o gás, as centrais nucleares não exigem grandes capacidades de armazenamento e conseguem facilmente armazenar combustível para três anos (13). Uma capacidade de armazenamento e de recarga de combustível mais prolongada ajudará a comprar o combustível em condições mais favoráveis, bem como a mudar para outros fornecedores. Por este motivo, insta os cinco Estados-Membros com tecnologias VVER a procurarem fornecedores alternativos.

3.11.

Quando a dependência energética da UE em relação à Rússia diminuir, estaremos num bom ponto de partida, não só para pensar, mas também para pôr em prática e concretizar o potencial de inovação da energia nuclear, nomeadamente a utilização de fontes nucleares para a produção de hidrogénio e a reciclagem de resíduos no âmbito de uma cadeia de economia circular. De acordo com a Agência Internacional de Energia, a utilização da eletricidade obtida a partir da energia nuclear para produzir hidrogénio e calor oferece novas oportunidades. A eletricidade de origem nuclear em excesso poderia ser utilizada para produzir cerca de 20 milhões de toneladas de hidrogénio em 2050 e o calor cogerado a partir de centrais nucleares poderia substituir o aquecimento urbano e outras aplicações de alta temperatura (14). Contudo, para tornar esta solução competitiva é essencial reduzir os custos de construção.

3.12.

O CESE propõe à presidência checa que debata, no Fórum Europeu da Energia Nuclear (FEEN), a estabilidade dos preços no setor nuclear e o papel da energia nuclear na estabilidade do aprovisionamento, como resposta para a redução da dependência da UE em relação ao gás russo. O CESE gostaria de participar de forma significativa neste debate.

3.13.

O CESE propõe um reforço da cooperação bilateral com os parceiros internacionais no setor nuclear, sobretudo os EUA, a fim de partilhar os resultados no domínio da inovação e os progressos das novas tecnologias. O CESE recomenda à presidência checa do Conselho da UE que organize uma conferência sobre pequenos reatores modulares, que poderá assumir a forma de um fórum de alto nível UE-EUA sobre pequenos reatores modulares, para explorar este domínio de investigação promissor.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE está bem ciente de que há alguns riscos ligados à utilização da energia nuclear e apoia a necessidade de mais investigação para a tornar ainda mais segura. Seria insensato pensar que não existem riscos. A energia nuclear é utilizada para produzir energia desde a década de 1950, e desde essa altura o nível de segurança e de proteção foi reforçado, nomeadamente para resistir a fenómenos externos extremos, tanto naturais como antropogénicos, tais como quedas de aeronaves ou explosões. O CESE insta os Estados-Membros a não deixarem de investigar e de inovar neste domínio, assegurando ao mesmo tempo o cumprimento de requisitos rigorosos em matéria de segurança e eliminação de resíduos.

4.2.

A situação atual do mercado da energia também afeta os preços do urânio, que podem ser estabilizados através de uma maior diversificação dos fornecedores ou, a longo prazo, da construção de centrais nucleares que requeiram recargas de combustível menos frequentes. As centrais nucleares baseadas em pequenos reatores modulares podem exigir reabastecimentos menos frequentes, a cada três ou sete anos, contra um a dois anos no caso das centrais convencionais. Alguns pequenos reatores modulares são até concebidos para operar até 30 anos sem reabastecimento. Além disso, a construção de centrais nucleares de terceira geração satisfaz as necessidades dos países com grandes necessidades energéticas e redes desenvolvidas (como demonstrado pelos programas em curso ou previstos em diferentes países).

4.3.

Os pequenos reatores modulares são, regra geral, mais simples e possuem um conceito de segurança mais assente em sistemas passivos e nas características de segurança inerentes do reator, como a baixa potência e pressão de operação. Os pequenos reatores nucleares proporcionam poupanças em termos de custos e de tempo de construção e podem ser instalados gradualmente, para responder ao aumento da procura de energia.

4.4.

O volume de combustível necessário para as centrais nucleares é relativamente pequeno em comparação com as necessidades das centrais a combustíveis fósseis. Um pequeno pélete de dióxido de urânio de cinco gramas produz a mesma quantidade de energia que uma tonelada de carvão ou cerca de 480 metros cúbicos de gás natural. As centrais nucleares não exigem grandes capacidades de armazenamento e conseguem facilmente armazenar combustível para três a cinco anos. A capacidade de armazenamento pode ser considerada como estabilidade para a central, uma vez que diminui a dependência em relação a um fornecedor específico e possibilita a compra de combustível nas alturas em que os preços são mais favoráveis.

4.5.

Os investimentos realizados neste setor também significam que qualquer modernização pode ser utilizada em prol da transição ecológica. As tecnologias e os métodos nucleares são utilizados para contribuir para a transição para um sistema energético cada vez mais baseado no hidrogénio em duas áreas principais: i) a produção de hidrogénio a partir da dissociação térmica/química da água assistida pela energia nuclear e ii) o contributo dos métodos e técnicas nucleares para melhorar a compreensão e permitir a subsequente adaptação dos materiais, a fim de responder mais eficazmente às necessidades em termos de armazenamento e conversão de hidrogénio (15).

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Artigo 194.o, n.o 2, do TFUE.

(2)  https://iea.blob.core.windows.net/assets/0498c8b8-e17f-4346-9bde-dad2ad4458c4/NuclearPowerandSecureEnergyTransitions.pdf

(3)  Regulamento Delegado (UE) 2022/1214 da Comissão, de 9 de março de 2022, que altera o Regulamento Delegado (UE) 2021/2139 no respeitante às atividades económicas em determinados setores energéticos e o Regulamento Delegado (UE) 2021/2178 no respeitante à divulgação pública específica relativa a essas atividades económicas (JO L 188 de 15.7.2022, p. 1).

(4)  O relatório do Grupo Técnico de Peritos está disponível em: Relatório final do Grupo Técnico de Peritos em Financiamento Sustentável | Comissão Europeia (europa.eu).

(5)  Dados do Eurostat, de fevereiro de 2022 https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/-/edn-20220210-2.

(6)  Ver o Parecer TEN/761 para mais informações (JO C 275 de 18.7.2022, p. 80).

(7)  Agência Internacional de Energia/Agência para a Energia Nuclear (AIE/AEN), 2020.

(8)  https://iea.blob.core.windows.net/assets/ae17da3d-e8a5-4163-a3ec-2e6fb0b5677d/Projected-Costs-of-Generating-Electricity-2020.pdf

(9)  Regulamento (UE) 2022/1369 do Conselho, de 5 de agosto de 2022, relativo a medidas coordenadas de redução da procura de gás (JO L 206 de 8.8.2022, p. 1).

(10)  Plano REPowerEU — COM(2022) 230 final.

(11)  AIE: Plano em dez pontos para a União Europeia reduzir a dependência do abastecimento russo em mais de um terço, sem deixar de apoiar o Pacto Ecológico Europeu, com opções de emergência para ir mais além (em inglês), março de 2022.

(12)  A central nuclear de Temelin, na República Checa, encontrou fornecedores alternativos.

(13)  Segundo o relatório anual de 2020 da Agência de Aprovisionamento da Euratom, as existências de urânio permitem alimentar reatores nucleares na UE para serviços públicos essenciais durante uma média de 2,75 anos.

(14)  https://iea.blob.core.windows.net/assets/0498c8b8-e17f-4346-9bde-dad2ad4458c4/NuclearPowerandSecureEnergyTransitions.pdf

(15)  IAEA-TECDOC-1676


ANEXO I

O seguinte contraparecer foi rejeitado durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 71.o, n.o 7, do Regimento):

ALTERAÇÃO 7

TEN/776

Papel da energia nuclear na estabilidade dos preços da energia na UE

Substituir todo o parecer apresentado pela Secção TEN pelo seguinte texto (explicação/justificação no final do documento):

Proposta por:

DIRX, Jan

HERNÁNDEZ BATALLER, Bernardo

IZVERNICEANU, Ileana

KATTNIG, Thomas

KUPŠYS, Kęstutis

LOHAN, Cillian

MOSTACCIO, Alessandro

NABAIS, João

NIKOLOPOULOU, Maria

RIBBE, Lutz

SCHMIDT, Peter

SCHWARTZ, Arnaud


Alteração

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A resposta à pergunta da presidência checa pode resumir-se da seguinte forma: a configuração atual do mercado da eletricidade não permite que a energia nuclear desempenhe um papel na estabilidade dos preços. Tal deve-se à ordem de mérito aplicável na configuração atual do mercado (ver ponto 2.8). Só se a configuração do mercado fosse adaptada com auxílios financeiros estatais consideráveis, em acréscimo do financiamento privado, é que seria possível uma estabilização dos preços através da energia nuclear.

1.2.

O CESE recomenda à presidência checa que encete um diálogo estruturado a nível da UE com o objetivo de chegar a acordo sobre uma nova configuração do mercado da eletricidade que assegure a estabilidade dos preços.

2.   Notas introdutórias

2.1.

Antes do início do seu mandato (segundo semestre de 2022), a presidência checa do Conselho da União Europeia solicitou ao Comité Económico e Social Europeu (CESE) a elaboração de um parecer exploratório sobre o papel da energia nuclear na estabilidade dos preços da energia na UE.

2.2.

O CESE tem todo o gosto em dar resposta a este pedido da presidência checa, uma vez que constitui uma oportunidade de apresentar uma descrição factual e inequívoca desse papel.

2.3.

A estabilidade dos preços é uma das condições prévias para proporcionar segurança em matéria de custos a curto e médio prazo aos clientes do mercado da eletricidade, sejam eles empresas ou singulares. Por conseguinte, a estabilidade dos preços da energia assume um papel crucial no desempenho das empresas europeias e na criação e manutenção do emprego.

2.4.

A estabilidade dos preços é igualmente necessária para todas as empresas, em especial para as pequenas e médias empresas, a fim de poderem apresentar ofertas de preço realistas em tempo útil e realizar previsões realistas.

2.5.

A fim de poder dar uma resposta tão factual e inequívoca quanto possível à presidência checa, o presente parecer exploratório não analisa outros aspetos que, apesar de interessantes, não são relevantes no âmbito da questão que está na origem do presente parecer exploratório. Em primeiro lugar, tal significa que não se questiona o direito de cada Estado-Membro de efetuar as suas próprias escolhas sobre a forma como a eletricidade é produzida no seu país. Em segundo lugar, NÃO se comentam as vantagens e desvantagens reais e potenciais da energia nuclear.

2.6.

A questão da segurança do aprovisionamento também não se enquadra no âmbito do presente parecer exploratório, merecendo um parecer à parte. Sem dúvida, no contexto atual de guerra na Europa, em que o gás e o petróleo são utilizados como armas geopolíticas, é importante manter operacionais as centrais elétricas existentes, tanto quanto possível, e deve permitir-se flexibilidade no que diz respeito à utilização temporária de combustíveis fósseis e de combustíveis hipocarbónicos. Além disso, como já referido, o CESE reconhece o direito de cada Estado-Membro de efetuar as suas próprias escolhas sobre a forma como a eletricidade é produzida no seu país. O CESE reitera o seu vivo apoio à posição da Comissão no plano REPowerEU, segundo a qual o desafio consiste em reduzir rapidamente a nossa dependência dos combustíveis fósseis provenientes da Rússia, acelerando a transição para as energias limpas e unindo esforços para realizar um sistema energético mais resiliente e uma verdadeira União da Energia.

2.7.

Embora seja tentador debater também o nível dos preços da energia, não se trata essa questão aqui, uma vez que a estabilidade dos preços não depende do nível dos preços. A estabilidade pode ou não existir a qualquer nível de preços.

2.8.

Explicam-se a seguir alguns termos técnicos:

Configuração de mercado: a forma como o preço da eletricidade é determinado no mercado.

Custo marginal: montante correspondente ao aumento dos custos totais por cada unidade adicional produzida.

Mercado à vista: mercado de comércio de produtos, como a eletricidade, em que as transações são efetuadas mediante pagamento imediato e entrega rápida.

Ordem de mérito: a ordem de preferência das centrais elétricas com base no nível dos respetivos custos marginais, começando pelos custos marginais mais baixos e terminando nos custos marginais mais elevados. Assim, as centrais elétricas com custos marginais mais elevados são progressivamente adicionadas até que a procura seja satisfeita. A ordem é a seguinte: energias renováveis, energia nuclear, carvão, petróleo e gás. No mercado da eletricidade atual, a última central elétrica da ordem de mérito (mais comummente a gás) determina o preço com base nos seus custos marginais.

3.   Resposta à pergunta

3.1.

É evidente que todas as centrais elétricas desempenham um papel no mercado da eletricidade. Por exemplo, é inquestionável que as recentes falhas de muitas centrais nucleares francesas e a consequente necessidade de importar mais eletricidade se refletem na evolução do preço. Contudo, no presente parecer exploratório, não se analisam estas situações mais ou menos temporárias, mas sim a componente estrutural do funcionamento do mercado da eletricidade.

3.2.

Cabe destacar aqui o mercado à vista, uma vez que este determina principalmente o preço que os consumidores pagam. Tal como referido, no mercado à vista, a ordem de mérito corresponde à configuração do mercado.

3.3.

O papel da energia nuclear na estabilidade dos preços da energia na UE depende de duas variáveis, a saber, se as centrais nucleares são antigas ou novas e se estamos perante a configuração atual do mercado ou uma nova configuração do mercado. Assim, a combinação destas variáveis dá origem a quatro situações diferentes.

3.4.

A fim de dar uma resposta tão clara quanto possível, é necessário distinguir quatro cenários diferentes para estas quatro situações distintas, a saber:

A

: Centrais nucleares existentes na configuração de mercado existente;

B

: Centrais nucleares existentes e uma nova configuração de mercado;

C

: Novas centrais nucleares na configuração de mercado existente;

D

: Novas centrais nucleares e uma nova configuração de mercado.

3.5.   A: Centrais nucleares existentes na configuração de mercado existente

3.5.1

Em quase todos os Estados-Membros, a eletricidade produzida nas centrais nucleares existentes não desempenha nem pode desempenhar um papel na estabilidade dos preços da eletricidade. A razão para tal é a configuração de mercado atual, assente na ordem de mérito, em que é a central com os custos marginais mais elevados que determina os preços (quase sempre o gás, mesmo em França). Existe uma exceção na UE: a Suécia, devido à sua matriz elétrica (quase 60 % de energias renováveis, principalmente energia hidroelétrica, e cerca de 30 % de energia nuclear) (1).

3.6.   B: Centrais nucleares existentes e uma nova configuração de mercado

3.6.1.

Em princípio, é concebível que as centrais nucleares tenham um efeito estabilizador nos preços — por exemplo, numa configuração de mercado em que os preços se baseiam nos custos médios e/ou em que a energia nuclear está fora da ordem de mérito. No entanto, seria necessário definir concretamente a configuração desse mercado e o seu modo de funcionamento. No Reino Unido, por exemplo, está a ser aplicado um novo modelo, que divide o mercado em dois segmentos: o da energia modulável e o da energia não modulável. O segmento da energia modulável (principalmente o gás, com uma componente residual de carvão e uma pequena parte de biomassa) seguiria o modelo dos preços marginais, ao passo que o segmento da energia não modulável assentaria nos custos totais (uma forma de remuneração do capital regulamentada sob a forma de um contrato por diferenças — que o Reino Unido já adotou com a sua nova central nuclear de Hinkley Point C (2). Tal significa que o Estado terá de subvencionar as centrais nucleares em causa quando o preço da eletricidade no mercado for inferior ao montante acordado no quadro da remuneração do capital regulamentada.

Neste caso, a nova configuração de mercado consiste em dois elementos: um segmento de mercado em que se aplica a anterior configuração de mercado (ordem de mérito com base nos custos marginais) e um segundo segmento em que, de facto, apenas existem contratos por diferenças. Consequentemente, a eletricidade produzida no âmbito dos contratos por diferenças tem um preço estável, o que se traduz num preço mais estável para o consumidor. No entanto, o preço pago pelo consumidor continuará a flutuar, uma vez que uma parte da eletricidade continua a ser calculada com base na ordem de mérito.

3.7.   C: Novas centrais nucleares na configuração de mercado existente

3.7.1

As centrais nucleares podem ter um efeito estabilizador nos preços se forem construídas centrais nucleares suficientes para que as estas sejam regularmente as últimas centrais de produção elétrica na ordem de mérito. Tal implicaria a substituição das centrais alimentadas por combustíveis fósseis por centrais nucleares, ou seja, a construção de, pelo menos, centenas de novas centrais nucleares na Europa! Nesse caso, sim, a energia nuclear fixaria o preço, mas a um nível de preços que — ver a central de Hinkley C — seria cerca do dobro do preço da eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. No entanto, devido aos preços marginais, a consequência inevitável seria que as novas centrais nucleares não se conseguiriam financiar no mercado, pelo que necessitariam de subsídios.

3.8.   D: Novas centrais nucleares e uma nova configuração de mercado

3.8.1

As centrais nucleares deveriam estar fora da ordem de mérito e sujeitas ao sistema de custo majorado. A vantagem resulta do facto de, a par dos investimentos financeiros públicos, o setor privado participar e dispor de uma remuneração do investimento, ou seja, a tarifa de custo majorado. (Ver também o ponto 3.5.1.)

4.   Síntese

4.1

A resposta à pergunta da presidência checa pode resumir-se da seguinte forma: a configuração atual do mercado da eletricidade não permite que a energia nuclear desempenhe um papel na estabilidade dos preços. Só se a configuração do mercado fosse adaptada com auxílios estatais consideráveis, em acréscimo do financiamento privado, é que seria possível uma estabilização dos preços através da energia nuclear.

4.2

Por conseguinte, o CESE recomenda à presidência checa que encete um diálogo estruturado a nível da UE com o objetivo de chegar a acordo sobre uma nova configuração do mercado da eletricidade que assegure a estabilidade dos preços.


Justificação

Na sua declaração de 8 de setembro, a presidente do CESE, Christa Schweng, e o presidente da Secção TEN, Baiba Miltovica, afirmaram: «O CESE apela para uma ação europeia conjunta no sentido de assegurar a estabilidade dos preços da eletricidade e reformar, com caráter de urgência, o mercado da energia.» É precisamente essa a essência desta proposta de alteração, elaborada a fim de proporcionar uma resposta clara e honesta à pergunta da presidência checa.

O projeto de parecer TEN/776 apresentado não se centra na questão da presidência checa, a saber, a questão do papel da energia nuclear na estabilidade do preço da eletricidade, incidindo antes, e sobretudo, na segurança do aprovisionamento e, além disso, na promoção da energia nuclear. Sem dúvida, a segurança do aprovisionamento também é muito importante, mas a pergunta da Presidência não incide sobre essa questão.

Infelizmente, a relatora também incluiu muitas imprecisões e elementos questionáveis no seu parecer. Descrevemos uma seleção de 20 destes pontos num memorando apresentado na reunião da Secção TEN no início deste mês.

Queremos salientar que a estabilidade dos preços é uma das condições prévias para proporcionar segurança em matéria de custos a curto e médio prazo aos clientes do mercado da eletricidade, sejam eles empresas ou singulares. Por conseguinte, a estabilidade dos preços da energia assume um papel crucial no desempenho das empresas europeias e na criação e manutenção do emprego.

Por conseguinte, preparámos esta proposta de alteração e solicitamos à Mesa do CESE que a aceite como contraparecer.

Nesta proposta de alteração, apresentamos uma resposta clara e inequívoca à pergunta que o parecer deve tratar, a saber, o papel da energia nuclear na estabilidade dos preços da energia na UE. Por conseguinte, NÃO se debatem os prós e contras da energia nuclear, nem o nível dos preços, uma vez que pode ou não haver estabilidade em qualquer nível de preços.

Importa compreender que, para resolver o problema dos preços da eletricidade, é necessário alterar o atual sistema de preços do mercado da energia. Esta conclusão, agora partilhada por muitas instâncias na Europa, incluindo por Ursula von der Leyen e pelo Conselho (Energia) de 9 de setembro, foi por nós reiterada ao longo do processo de elaboração do presente parecer.

Por conseguinte, descrevemos na presente proposta de alteração quatro cenários para avaliar em que situações de configuração do mercado a energia nuclear pode ou não ter um efeito estabilizador nos preços da energia. Concluímos que a energia nuclear não pode ter um efeito estabilizador em dois dos cenários, mas, sob determinadas condições, pode ter um efeito estabilizador nos outros dois cenários.

O nosso ponto de vista foi apoiado pelos três peritos convidados pelo presidente e pelo relator do grupo de estudo para uma reunião do grupo de estudo:

Jan Horst Keppler: «A energia nuclear não tem um impacto real nos preços da eletricidade, mesmo que a sua quota aumentasse 10 % ou 20 %!»

Marco Cometto (Agência Internacional da Energia Atómica, AIEA): «A curto prazo, a energia nuclear tem um impacto limitado na redução dos preços da eletricidade.»

Andrei Goicea (FORATOM): «A energia nuclear pode, em teoria, proporcionar estabilidade aos preços finais da energia, mas continua a ser uma questão de configuração do mercado.»


Resultado da votação

Votos a favor:

98

Votos contra:

135

Abstenções:

27


(1)  https://sweden.se/climate/sustainability/energy-use-in-sweden

(2)  https://www.gov.uk/government/collections/hinkley-point-c


ANEXO II

 

MEMBRO

GRUPO

MEMBRO

Delegação de voto

1

ANDERSEN, Dorthe

II

A

SORGENFREY, Bente

2

ANDERSSON, Jan Torsten

III

N

 

3

ANDERSSON, Krister

I

S

 

4

ANGELOVA, Milena

I

S

 

5

ANTONIOU, Michalis

I

S

 

6

ARDHE, Christian

I

S

 

7

ATS, Kerli

III

S

 

8

BABRAUSKIENE, Tatjana

II

A

 

9

BACK, Thord Stefan

I

S

 

10

BALDZENS, Egils

II

S

 

11

BARBUCCI, Giulia

II

A

 

12

BARCELÓ DELGADO, Andrés

I

S

 

13

BARRERA CHAMORRO, Maria Del Carmen

II

N

 

14

BARTELS, Holger

II

N

 

15

BÄUMLER, Christian

II

N

 

16

BERNIS CASTELLS, Jaume

III

S

 

17

BERTOLINI, Silvestre

II

S

 

18

BIEGON, Dominika

II

N

 

19

BLANC, Patricia

III

S

 

20

BLIJLEVENS, Réné

I

A

 

21

BOGUSZ, Malgorzata Anna

III

N

 

22

BOLAND, Séamus

III

N

 

23

BOLLON, Pierre

I

S

 

24

BORSANI, Matteo Carlo

I

S

 

25

BRISHOUAL, Rachel

III

A

 

26

BRONIARZ, Wincenty Slawomir

II

A

 

27

BRZOBOHATÁ, Zuzana

III

N

 

28

BYRNE, Peter

I

S

 

29

CABRA DE LUNA, Miguel Ángel

III

S

 

30

CALDERONE, Marina Elvira

III

N

 

31

CALISTRU, Elena-Alexandra

III

A

 

32

CAÑO AGUILAR, Isabel

II

N

 

33

CATSAMBIS, Constantine

I

S

 

34

CHAMPAS, Panagiotis

III

S

 

35

CHARRY, Philippe

II

S

DESIANO, Carole

36

CHOIX, Bruno

I

S

 

37

CLEVER, Peter

I

S

HEMMERLING, Udo

38

COMER, John

III

S

 

39

CORAZZA, Chiara

III

S

 

40

COULON, Pierre Jean

II

S

 

41

COUMONT, Raymond

II

S

 

42

CSER, Ágnes

III

S

 

43

DE FELIPE LEHTONEN, Helena

I

S

 

44

DE LEEUW, Rudy

II

N

ULENS, Miranda

45

DE LOTTO, Pietro Francesco

I

S

 

46

DE MELLO, Vasco

I

S

 

47

DE MÛELENAERE, Robert

I

S

 

48

DEGUARA, Jason

II

N

 

49

DEL RIO, Cinzia

II

N

 

50

DESTOM, Joël

III

S

 

51

DIAMANTOUROS, Konstantinos

I

S

 

52

DIMITRIADOU, Stavroula

II

N

 

53

DIRX, Jan

III

N

NEISINGH, Ody

54

DOZ ORRIT, Javier

II

S

 

55

DROBINSKI-WEIß, Elvira

III

N

 

56

DUFEK, Bohumír

II

S

 

57

DULEVSKI, Lalko

III

N

 

58

DUTTO, Diego

III

N

 

59

EDELÉNYI, András

I

S

 

60

FELSZEGHI, Sára

II

S

 

61

FORNEA, Dumitru

II

S

 

62

GARAT PÉREZ, Francisco Javier

III

S

 

63

GARCÍA DEL RIEGO, Antonio

I

S

SABATINI, Giovanni

64

GARCÍA SALGADO, Manuel

II

S

 

65

GARDIAS, Dorota

II

S

 

66

GAVRILOVS, Vitalijs

I

S

 

67

GEISEN, Norbert

III

S

 

68

GKOFAS, Panagiotis

III

S

 

69

GOBINŠ, Andris

III

N

 

70

GONDARD-ARGENTI, Marie-Françoise

I

S

 

71

GRABO, Louise

III

S

KILIM, Irma

72

HÄGGLUND, Sam

II

A

 

73

HÄGGMAN, Maria

II

A

 

74

HAJNOŠ, Miroslav

II

S

 

75

HAUKANÕMM, Monika

III

N

 

76

HEALY, Joe

III

S

 

77

HERNÁNDEZ BATALLER, Bernardo

III

N

 

78

HOFFMANN, Reiner Gerd

II

N

 

79

HOLST, Sif

III

A

 

80

IOANNIDIS, Athanasios

III

S

 

81

IZVERNICEANU DE LA IGLESIA, Ileana

III

N

 

82

JAHIER, Luca

III

N

 

83

JOHANSSON, Benny

II

A

 

84

JONUŠKA, Alfredas

I

S

 

85

JOÓ, Kinga

III

S

 

86

JUODKAITE, Dovile

III

N

 

87

KÁLLAY, Piroska

II

A

 

88

KATTNIG, Thomas

II

N

BUZEK, Tanja

89

KIUKAS, Vertti

III

S

 

90

KLIMEK, Jan

I

S

 

91

KOKALOV, Ivan

II

S

 

92

KOLBE, Rudolf

III

N

 

93

KOLYVAS, Ioannis

III

N

 

94

KOMORÓCZKI, István

I

S

 

95

KONTKANEN, Mira-Maria

I

S

 

96

KOUTSIOUMPELIS, Stavros

II

S

 

97

KROPIL, Rudolf

III

S

 

98

KROPP, Thomas

I

S

GERSTEIN, Antje

99

KRUPAVICIENE, Kristina

II

S

 

100

KÜKEDI, Zsolt

III

S

 

101

KUNYSZ, Maciej Dawid

III

A

 

102

LADEFOGED, Anders

I

S

 

103

LE BRETON, Marie-Pierre

I

S

 

104

LEFÈVRE, Christophe

II

S

 

105

LEITANE, Katrina

III

A

 

106

LOBO XAVIER, Gonçalo

I

A

 

107

LOHAN, Cillian

III

N

 

108

LUSTENHOUWER, Colin

I

N

 

109

MACHYNA, Emil

II

S

 

110

MADSEN, Niels

I

S

 

111

MALLIA, Stefano

I

S

 

112

MANOLOV, Dimitar

II

S

 

113

MARCHIORI, Alberto

I

S

 

114

MARIN, Florian

II

N

 

115

MARTINOVIC DŽAMONJA, Dragica

I

S

 

116

MASCIA, Sandro

I

S

 

117

MASTANTUONO, Alena

I

S

LEMCKE, Freya

118

MATSAS, Andreas

II

S

 

119

MAVROMMATIS, Manthos

I

S

 

120

MEDINA, Felipe

I

S

 

121

MENSI, Maurizio

III

A

 

122

MERLO, Nicoletta

II

S

 

123

MESKER, August Pierre

I

N

 

124

MEYNENT, Denis

II

N

 

125

MILTOVICA, Baiba

III

S

 

126

MINCHEVA, Mariya

I

S

PANGL, Andreas

127

MIRA, Luís

I

S

 

128

MISSLBECK-WINBERG, Christiane

I

S

 

129

MITOV, Veselin

II

S

 

130

MONE, Andrea

II

A

 

131

MOOS, Christian

III

A

 

132

MORENO DÍAZ, José Antonio

II

A

 

133

MORKIS, Gintaras

I

S

 

134

MOSTACCIO, Alessandro

III

N

 

135

MUREȘAN, Marinel Dănuț

I

S

 

136

MURGUÍA ESTEVE, Aitor

II

N

 

137

NIKOLOPOULOU, Maria

II

N

 

138

NIKOLOV, Bogomil

III

N

 

139

NOWACKI, Marcin

I

S

 

140

NYGREN, Ellen

II

A

 

141

OCHEDZAN, Justyna Kalina

III

A

 

142

O'CONNOR, Jack

II

A

 

143

ÖNGÖRUR, Berivan

II

A

 

144

OSTROWSKI, Krzysztof

I

A

 

145

PADURE, Decebal-Ștefăniță

I

S

HAUNERT, Nora

146

PAIDAS, Ioannis

II

S

 

147

PALMIERI, Stefano

II

A

 

148

PARTHIE, Sandra

I

A

 

149

PATER, Krzysztof

III

S

 

150

PAVIĆ-ROGOŠIĆ, Lidija

III

A

 

151

PENTTINEN, Markus

II

S

 

152

PETRAITIENE, Irena

II

S

 

153

PIETKIEWICZ, Janusz

I

S

 

154

PILAWSKI, Lech

I

S

 

155

PLOSCEANU, Aurel Laurentiu

I

N

 

156

POCIVAVŠEK, Jakob Krištof

II

A

 

157

POPELKOVÁ, Hana

II

S

VAN KELLE, Lottie

158

POTTIER, Jean-Michel

I

S

 

159

POTYRALA, Dariusz Miroslaw

II

S

 

160

PREDA, Bogdan

I

S

VUORI, Timo

161

PROUZET, Emilie

I

S

 

162

PUECH d'ALISSAC, Arnold

I

S

 

163

PUXEU ROCAMORA, Josep

I

S

 

164

QUAREZ, Christophe

II

S

 

165

RAMMO, Alari

III

S

 

166

RAVNIK, Branko

III

S

 

167

REALE, Maurizio

I

S

 

168

REDING, Jean-Claude

II

N

 

169

REISECKER, Sophia

II

A

RUSU, Sabin

170

RELIC, Danko

III

A

 

171

REPANŠEK, Neža

III

N

 

172

RIBBE, Lutz

III

N

 

173

RISTELÄ, Pekka

II

A

 

174

ROBYNS, Wautier

I

S

 

175

ROCHE RAMO, José Manuel

III

N

 

176

RÖPKE, Oliver

II

N

KLUGE, Norbert

177

SAKAROVÁ, Dana

II

S

 

178

SALIS-MADINIER, Franca

II

N

 

179

SAMMUT BONNICI, Dolores

I

A

 

180

SCHAFFENRATH, Martin Josef

III

N

 

181

SCHLÜTER, Bernd

III

A

 

182

SCHMIDT, Peter

II

N

 

183

SCHWARTZ, Arnaud

III

N

 

184

SCHWENG, Christa

I

A

 

185

SERRA ARIAS, Ricardo

III

S

 

186

SIBIAN, Ionut

III

N

 

187

SILVA, Carlos

II

N

 

188

SILVA, Francisco

III

N

 

189

SILVA, João

II

N

 

190

SINKEVICIUTE, Elena

III

S

 

191

SIPKO, Juraj

III

A

 

192

ŠIRHALOVÁ, Martina

I

S

 

193

SMOLE, Jože

I

N

 

194

SÕBER, Kristi

I

S

 

195

SOETE, Paul

I

S

 

196

STOEV, Georgi

I

S

 

197

STUDNICNÁ, Lucie

II

A

MILIĆEVIĆ-PEZELJ, Anica

198

SÜLE, Katalin Elza

I

S

 

199

SVENTEK, David

I

S

 

200

SZALAY, Anton

II

S

 

201

SZYMANSKI, Mateusz

II

S

 

202

TCHOUKANOV, Stoyan

III

N

 

203

TEDER, Reet

I

S

MAJETIĆ, Davor

204

THURNER, Andreas

III

N

 

205

TIAINEN, Simo

III

S

 

206

TOPOLÁNSZKY, Ákos

III

A

 

207

TRINDADE, Carlos Manuel

II

N

MAURÍCIO DE CARVALHO, Fernando

208

TUPILUȘI, Tudorel

III

S

 

209

TZOTZE-LANARA, Zoe

II

N

 

210

ULGIATI, Luigi

Não inscrito

S

 

211

UNGERMAN, Jaroslav

Não inscrito

S

 

212

VADÁSZ, Borbála

I

S

 

213

VARDAKASTANIS, Ioannis

III

N

 

214

VASK, Kaia

II

S

 

215

VERNICOS, George

I

S

 

216

VIIES, Mare

II

S

 

217

VILARES DIOGO, Edgar

III

N

 

218

VON BROCKDORFF, Philip

II

N

 

219

VORBACH, Judith

II

N

 

220

VYYRYLÄINEN, Tiina

III

S

 

221

WAGENER, Marco

II

N

WOLFF, Romain

222

WAGNSONNER, Thomas

II

N

 

223

WILLEMS, Heiko

I

S

 

224

WILLEMS, Marie Josiane

III

A

 

225

WRÓBLEWSKI, Tomasz Andrzej

I

S

 

226

WYCKMANS, Ferdinand

II

N

 

227

YIAPANIS, Anastasis

III

S

 

228

YILDIRIM, Ozlem

II

S

 

229

YLIKARJULA, Janica

I

S

 

230

ZARINA, Katrina

I

S

 

231

ZIELENIECKI, Marcin Antoni

II

S

 

232

ZORKO, Andrej

II

N

 

233

ZVOLSKÁ, Marie

I

S

HARTMAN RADOVÁ, Jana

234

ZYCH, Tymoteusz Adam

III

N

 


III Atos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

572.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 21.9.2022-22.9.2022

21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/123


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Um Espaço Europeu de Dados de Saúde: aproveitar o potencial dos dados de saúde em benefício das pessoas, dos doentes e da inovação

[COM(2022) 196 final]

e a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao Espaço Europeu de Dados de Saúde

[COM(2022) 197 final — 2022/0140 (COD)]

(2022/C 486/16)

Relator:

Gonçalo LOBO XAVIER

Consulta

Parlamento Europeu, 6.6.2022

Conselho, 13.6.2022

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

8.9.2022

Adoção em plenária

22.9/2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

198/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a comunicação da Comissão sobre o Espaço Europeu de Dados de Saúde. Na sequência da crise da COVID-19, durante a qual se desenvolveram alguns bons exemplos de cooperação, como o Certificado Digital COVID da UE, seria benéfico para a UE e os seus cidadãos que se garantisse a segurança, a harmonização e a partilha de dados, o que poderia reforçar os sistemas de saúde dos Estados-Membros em todas as suas dimensões. O CESE concorda que a transformação digital é crucial para prestar melhores cuidados de saúde aos cidadãos, criar sistemas de saúde mais fortes e resilientes, apoiar a competitividade e a inovação a longo prazo no ecossistema da saúde da UE e ajudar a UE a recuperar da pandemia.

1.2.

O CESE entende que é fundamental aproveitar as oportunidades proporcionadas pela inovação e pela digitalização para melhorar o bem-estar dos cidadãos e a qualidade dos serviços de saúde. Ao mesmo tempo, as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais chamam a atenção para as disparidades entre os Estados-Membros da UE em matéria de literacia digital, às quais cumpre dar resposta no âmbito do processo de execução da estratégia. Neste domínio, a divisa «não deixar ninguém para trás» é mais importante do que nunca.

1.3.

O CESE considera que a proposta relativa ao Espaço Europeu de Dados de Saúde constitui uma excelente oportunidade para capacitar as pessoas para acederem aos seus dados pessoais de saúde e controlarem estes dados. O CESE considera ainda que esta estratégia asseguraria um quadro coerente para a utilização dos dados de saúde dos cidadãos no contexto das políticas de investigação e desenvolvimento. Para alcançar os dois objetivos, é extremamente importante garantir que o processo é seguro e que há confiança no mesmo. Por este motivo, o CESE preconiza a realização de uma campanha de comunicação em grande escala para ajudar a reforçar a confiança dos cidadãos, que devem estar cientes dos benefícios associados ao processo de partilha. O CESE considera que seria interessante destacar os benefícios diretos para os cidadãos e os consumidores, à semelhança do que foi feito para outras partes interessadas, mas cabe assegurar requisitos obrigatórios claros em matéria de qualidade, em especial para fins de autorização e anonimização.

1.4.

O CESE entende que, como tal, o Espaço Europeu de Dados de Saúde terá um impacto positivo considerável nos direitos fundamentais no que respeita à proteção e à livre circulação dos dados pessoais. Desde que se articule adequadamente com o espaço de dados da Nuvem Europeia para a Ciência Aberta (EOSC) e com as infraestruturas europeias pertinentes em matéria de dados no domínio das ciências da vida (1), permitirá que os investigadores, os inovadores e os decisores políticos utilizem os dados de forma mais eficaz, segura e respeitadora da privacidade. Neste contexto, o CESE concorda que esta proposta constitui mais um esforço positivo para impulsionar o mercado interno e o seu potencial para melhorar a vida dos cidadãos europeus.

1.5.

Apesar de apoiar esta iniciativa, o CESE chama a atenção para o facto de a UE não poder solicitar aos cidadãos que sejam favoráveis à criação de um espaço europeu para o intercâmbio de dados de saúde num quadro de escassez de financiamento dos cuidados de saúde. A COVID-19 abalou fortemente os sistemas de saúde pública, e a UE deve estar ciente de que tem de reparar os danos e reforçar os sistemas de saúde pública, dotando-os de um orçamento adequado, antes de iniciar este projeto, que é indubitavelmente positivo. O CESE considera que, se há orçamento para esta iniciativa, a UE deve primeiro afetar fundos ao reforço dos sistemas de saúde e só depois avançar com este projeto interessante.

1.6.

O CESE salienta que é necessário clarificar junto dos cidadãos o que é a utilização primária e secundária de dados. As pessoas têm de confiar no sistema para poderem cooperar e compreender os seus benefícios, tanto a nível individual como coletivo. O CESE considera que os principais receios incidem na utilização secundária dos dados. Deve definir-se muito claramente o âmbito de utilização, os limites, o organismo de controlo e validação dos dados e as sanções aplicáveis em caso de incumprimento. O CESE está convicto de que as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais, quando envolvidos de forma adequada, podem contribuir para explicar e promover tais mensagens. A este respeito, as organizações da sociedade civil ativas no terreno podem dar um contributo significativo aos Estados-Membros no apoio à comunidade, de modo a assegurar que todos acompanham estes progressos. Da mesma forma, os médicos de clínica geral e os médicos assistentes escolhidos pelos doentes são elos fundamentais da relação de confiança entre doentes e utilizadores de dados de saúde. O CESE recomenda que esses profissionais participem estreitamente na estratégia de comunicação.

1.7.

Embora apoie, de modo geral, a proposta em apreço, o CESE insta a Comissão a ponderar claramente as vantagens e desvantagens da iniciativa, a fim de limitar os riscos, antes de decidir avançar. Há que ter consciência de que os sistemas de saúde dos Estados-Membros têm pela frente demasiados desafios. Existem ritmos diferentes e opiniões diferentes sobre os sistemas de saúde públicos e privados, e os cidadãos devem perceber que a proposta em apreço assenta em investimento e em opções de política pública e faz parte de uma estratégia e de uma evolução que acrescentarão valor ao sistema, em vez de o enfraquecerem. A comunicação com os cidadãos é essencial para evitar mal-entendidos.

1.8.

A fim de promover um melhor acesso de todos aos seguros, o que exige que as seguradoras compreendam melhor os dados pertinentes, o CESE apela para uma reflexão sobre a pertinência de se rever a proibição total da utilização secundária dos dados por parte das seguradoras. No entanto, tendo em conta o risco concomitante de individualizar os prémios de seguro e de selecionar os riscos, considerou preferível apoiar a posição da Comissão Europeia de que a utilização secundária de dados de saúde eletrónicos deve estar estritamente limitada aos objetivos perfeitamente legítimos de melhoria e condução das políticas de saúde pública e de investigação. O Comité solicita igualmente que se pondere a possibilidade de abrir estes dados às seguradoras para fins de investigação, na condição de que tal seja plenamente compatível com o RGPD e com os objetivos de interesse público acima referidos e de que as autoridades competentes, em cooperação com a sociedade civil, supervisionem esse processo.

1.9.

O CESE está firmemente convicto de que o Espaço Europeu de Dados de Saúde beneficiará os cidadãos, os profissionais de saúde, os prestadores de cuidados de saúde, os investigadores, os reguladores e os decisores políticos. Porém, tal só acontecerá se, no contexto desta estratégia, os cidadãos e as partes interessadas participarem no investimento permanente nos sistemas de saúde nacionais. Não é possível assegurar a participação dos cidadãos se estes não se sentirem um elemento central do processo. O CESE recomenda que a Comissão e os Estados-Membros associem as organizações da sociedade civil, a fim de garantir a boa execução da estratégia e de beneficiar da experiência dessas organizações, que podem fazer passar a mensagem de que se trata de uma iniciativa transparente e fiável. É crucial investir nestes domínios.

1.10.

O CESE subscreve a ideia de que os Estados-Membros e os organismos envolvidos no Espaço Europeu de Dados de Saúde podem valer-se de uma combinação de investimentos financiados pelo Programa Europa Digital, pelo Mecanismo Interligar a Europa e pelo Horizonte Europa para executar a estratégia. Além disso, o Programa Europa Digital apoiará a implantação das infraestruturas necessárias para tornar os dados de saúde acessíveis de forma segura em toda a UE e criar espaços comuns de dados. Todavia, o CESE chama a atenção para o facto de estes investimentos levarem tempo e não estarem diretamente ligados ao calendário da estratégia. Por conseguinte, importa gerir as expectativas dos cidadãos em função do calendário destes investimentos, a fim de evitar o risco de os desapontar e de estes não aderirem à estratégia e à partilha de dados em geral.

1.11.

Por último, o CESE exorta a Comissão a investir constantemente em sistemas de cibersegurança, o que pode evitar problemas graves em todos os Estados-Membros. As pessoas devem poder sentir confiança em relação a estas questões, sabendo que todos os problemas e exemplos recentes em diferentes regiões da UE criaram um sentimento de insegurança e de receio no que diz respeito à proteção de dados e à segurança dos sistemas. A UE deve tratar esta questão de forma coordenada, podendo fazer a diferença quando se aborda este tipo de investimento sensível.

2.   Contexto geral

2.1.

A Comissão Europeia lançou o Espaço Europeu de Dados de Saúde (EEDS), um dos pilares centrais de uma União Europeia da Saúde sólida. O EEDS constitui um quadro de partilha de dados no domínio da saúde que estabelece regras e práticas claras, infraestruturas e um quadro de governação para a utilização dos dados de saúde eletrónicos pelos doentes, bem como para a investigação, a inovação, a elaboração de políticas e as atividades de regulamentação, assegurando ao mesmo tempo o pleno cumprimento das normas elevadas de proteção de dados da UE.

2.2.

O EEDS contribuirá para que a UE dê um grande salto qualitativo na forma como os cuidados de saúde são prestados em toda a Europa e permitirá às pessoas controlar e utilizar os seus dados de saúde no seu país de origem ou noutros Estados-Membros, fomentando um verdadeiro mercado interno de produtos e serviços digitais de saúde.

2.3.

Os Estados-Membros assegurarão a disponibilização e aceitação, num formato europeu comum, dos resumos de saúde dos doentes, das receitas eletrónicas, dos resultados laboratoriais e dos relatórios de alta hospitalar. Serão introduzidos requisitos obrigatórios em matéria de interoperabilidade e segurança. Todos os Estados-Membros deverão designar autoridades responsáveis em matéria de saúde digital, a fim de assegurar a proteção dos direitos dos cidadãos. Tais autoridades participarão na infraestrutura digital transfronteiriça «A minha Saúde @ UE» (MyHealth@EU), que apoiará os doentes na partilha dos seus dados além-fronteiras.

2.4.

O EEDS baseia-se no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), na proposta de regulamento relativo à governação de dados, no projeto de regulamento relativo aos dados e na Diretiva Segurança das Redes e da Informação (SRI). Complementa estas iniciativas e estabelece regras mais específicas aplicáveis ao setor da saúde.

2.5.

A utilização primária de dados de saúde eletrónicos favorece a utilização de dados para obter melhores cuidados de saúde a nível nacional e transfronteiriço. Os dados médicos são normalmente armazenados em registos de saúde eletrónicos de que constam segmentos do historial médico do doente (a nível central ou envolvendo vários prestadores de cuidados de saúde). O Espaço Europeu de Dados de Saúde permitirá que as pessoas acedam aos seus dados de saúde e os disponibilizem a um profissional de saúde da sua escolha, incluindo quando estão no estrangeiro e na língua do profissional de saúde. Deste modo, o doente pode obter diagnósticos e tratamentos de melhor qualidade, com menos erros médicos, e evitar diagnósticos desnecessários.

2.6.

A utilização secundária de dados de saúde eletrónicos ocorre quando os dados de saúde são tratados para fundamentar e avaliar as políticas de saúde pública ou para realizar investigação. Tal pode reforçar a segurança dos doentes e impulsionar o desenvolvimento de novos medicamentos e dispositivos médicos, bem como da medicina personalizada e de produtos baseados na inteligência artificial. No contexto do Espaço Europeu de Dados de Saúde, os resultados de tal investigação são tornados públicos de forma agregada, preservando devidamente a confidencialidade dos dados.

2.7.

O Espaço Europeu de Dados de Saúde é um ecossistema específico para a saúde composto por regras, normas e práticas comuns, infraestruturas e um quadro de governação, que visa:

a)

capacitar as pessoas através do reforço do acesso digital aos seus dados pessoais de saúde eletrónicos, do controlo desses dados e do apoio à sua livre circulação;

b)

promover um verdadeiro mercado único dos sistemas de registos de saúde eletrónicos, dos dispositivos médicos pertinentes e dos sistemas de IA de risco elevado;

c)

fornecer um enquadramento coerente, fiável e eficiente em matéria de utilização de dados de saúde para atividades de investigação, inovação, elaboração de políticas e regulamentação.

3.   Potencial dos dados de saúde: a confiança enquanto pedra angular da estratégia

3.1.

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão sobre um Espaço Europeu de Dados de Saúde, que poderá aumentar a qualidade de vida dos cidadãos, impulsionar a inovação e criar um ambiente seguro para a proteção e a partilha de dados.

3.2.

Após a crise da COVID-19, todos os Estados-Membros sofreram as consequências da pressão exercida sobre os seus sistemas nacionais de saúde, pelo que esta iniciativa da Comissão chega no momento certo.

3.3.

O CESE está convencido de que existe uma desconfiança geral quanto à solidez do sistema, apesar de alguns resultados positivos observados em diferentes países. Os médicos de clínica geral e os médicos assistentes escolhidos pelos doentes são elos fundamentais da relação de confiança entre doentes e utilizadores de dados de saúde. O CESE recomenda a sua participação ativa na comunicação aos cidadãos de informações sobre o valor do intercâmbio de dados de saúde para eles enquanto indivíduos e para todos.

3.4.

A fim de libertar o potencial dos dados de saúde, a Comissão apresentou uma proposta legislativa para criar um Espaço Europeu de Dados de Saúde, visando capacitar as pessoas para assumirem o controlo dos seus próprios dados de saúde, permitir a sua utilização para garantir uma melhor prestação de cuidados de saúde e dar à UE a possibilidade de tirar pleno proveito do potencial que o intercâmbio, a utilização e a reutilização dos dados de saúde de forma segura e protegida proporcionam, ultrapassando os obstáculos existentes. O CESE concorda com esta ideia geral.

3.5.

Os cidadãos da UE poderão aceder aos seus dados e partilhá-los em tempo real, mantendo ao mesmo tempo um maior controlo sobre os mesmos. O Espaço Europeu de Dados de Saúde viabilizará cuidados de saúde mais eficazes, acessíveis e resilientes e uma melhor qualidade de vida, ao mesmo tempo que permitirá às pessoas controlar os seus dados de saúde e libertará o potencial da economia dos dados. Mais uma vez, o CESE e as organizações da sociedade civil consideram que a UE tem de aproveitar o facto de as pessoas estarem abertas a tal iniciativa, desde que compreendam o projeto e os benefícios do conceito.

4.   Desafios relacionados com a utilização dos dados de saúde: riscos e oportunidades

4.1.

O CESE considera fundamental que os Estados-Membros compreendam que são necessários investimentos para promover este projeto e que existem atualmente várias outras prioridades estratégicas concorrentes.

4.2.

O facto de o Espaço Europeu de Dados de Saúde se basear no RGPD (2), na proposta de regulamento relativo à governação de dados (3), no projeto de regulamento relativo aos dados (4) e na Diretiva SRI (5) cria confiança e transparência em relação aos cidadãos. Enquanto enquadramentos horizontais, os referidos atos legislativos estabelecem regras (incluindo medidas de segurança) aplicáveis ao setor da saúde. No entanto, a natureza especialmente sensível dos dados de saúde é um facto que deve ser tratado de forma adequada.

4.3.

Mais de metade dos Estados-Membros não dispõem de legislação específica em matéria de reutilização de dados de saúde eletrónicos, por exemplo, para fins de investigação, elaboração de políticas e regulamentação, e baseiam-se nas disposições gerais do RGPD, recorrendo frequentemente ao consentimento para tratarem os dados de saúde (6). Esta situação contribui para a limitação da reutilização dos dados de saúde. Nem todos os Estados-Membros dispõem de um organismo competente responsável pelo acesso aos dados de saúde — naqueles em que tal organismo existe, verifica-se um rápido aumento do número de pedidos de utilização de dados de saúde para projetos de investigação ou de elaboração de políticas (7), o que demonstra o interesse por este sistema e o nível de procura latente. O CESE compreende e considera que este conceito também apoia a necessidade de uma tal estratégia.

4.4.

O Espaço Europeu de Dados de Saúde permitirá desenvolver abordagens inovadoras em matéria de registos oncológicos, com potenciais alternativas de recolha de informações oportunas e geolocalizadas sobre vários tipos de cancro. Tal permitiria ter uma visão geral em tempo real no que diz respeito ao cancro em toda a UE. Ao mesmo tempo, seria possível identificar as tendências, disparidades e desigualdades entre os Estados-Membros e as regiões.

4.5.

Mais importante ainda, tal poderia tornar mais fácil a identificação dos desafios e dos domínios de ação específicos que necessitam de investimento e de outras ações a nível da UE, bem como a nível nacional e regional. Também tornará o rastreio do cancro e os cuidados oncológicos mais direcionados, eficazes e acessíveis, por exemplo.

4.6.

A cibersegurança é fundamental nas vidas dos cidadãos. Os benefícios da tecnologia são enormes e, quando dizem respeito aos dados das pessoas, o potencial é ainda mais elevado, mas também o é o risco de perder informações importantes e valiosas. O CESE está ciente dos riscos envolvidos e de que os recentes exemplos nos diferentes Estados-Membros exigem medidas. É muito importante ter uma estratégia coordenada para combater a «ciberpirataria» e aumentar os níveis de cibersegurança. A proposta é inútil sem este tipo de investimento.

5.   Governação, financiamento e interação com outras políticas de saúde

5.1.

O CESE está firmemente convencido de que este projeto é uma oportunidade para capacitar a UE e beneficiar de direitos e garantias mais fortes sobre os dados de saúde na UE. É suposto ser mais fácil aceder aos dados de saúde e partilhá-los com outros profissionais de saúde, sem voltar a realizar desnecessariamente os mesmos testes. Ao mesmo tempo, um acesso mais fácil a dados interoperáveis de elevada qualidade facilitará também a inovação e o desenvolvimento de novos tratamentos, de novas vacinas e da medicina personalizada. Por conseguinte, é necessária uma coordenação adequada entre todas as partes interessadas — sistemas de saúde pública, governos, cidadãos, decisores políticos e comunicadores — para alcançar estes objetivos.

5.2.

O CESE concorda que investir na digitalização significa investir em melhores cuidados de saúde e na resiliência dos sistemas de saúde dos Estados-Membros. Além disso, está também ciente de que os Estados-Membros têm a oportunidade de utilizar melhor os recursos disponibilizados pelos mecanismos financeiros europeus, em particular os planos de recuperação e resiliência (PRR), enquanto pilar principal do plano de recuperação europeu, designado Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU), que visa prestar ajuda financeira aos Estados-Membros para combater os efeitos económicos e sociais da pandemia de COVID-19 e tornar a economia europeia mais resistente a choques futuros.

5.3.

O CESE chama a atenção para os benefícios de combinar investimentos em infraestruturas que permitam a digitalização e o progresso de todas as regiões. Não faz sentido lançar um projeto desta dimensão sem a rede ou a infraestrutura adequada ou sem investir na melhoria da formação e da literacia digital dos cidadãos.

5.4.

O CESE subscreve a ideia de os Estados-Membros e os organismos envolvidos no Espaço Europeu de Dados de Saúde, em conjunto com outros setores, poderem valer-se dos mais de 480 milhões de euros do Programa Europa Digital, do Mecanismo Interligar a Europa e do Horizonte Europa. O Programa Europa Digital apoiará a implantação das infraestruturas necessárias para tornar os dados de saúde acessíveis de forma segura em toda a UE e para criar espaços comuns de dados. O CESE afirma que tais investimentos levarão tempo e que importa gerir as expectativas dos cidadãos em função do calendário desses investimentos.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Através dos seus roteiros estratégicos, o Fórum Estratégico Europeu para as Infraestruturas de Investigação facilitou a criação de infraestruturas de investigação europeias dedicadas aos dados de investigação no domínio da saúde, às coleções para biobancos e aos dados de imagiologia médica, entre outros. Para mais informações, consultar: https://roadmap2021.esfri.eu/

(2)  JO L 119 de 4.5.2016, p. 1.

(3)  JO L 152 de 3.6.2022, p. 1.

(4)  Proposta de regulamento relativo a regras harmonizadas sobre o acesso equitativo aos dados e a sua utilização (Regulamento Dados), COM(2022) 68 final

(5)  JO L 194 de 19.7.2016, p. 1.

(6)  Hansen J. et al, «Assessment of the EU Member States’ rules on health data in the light of GDPR» [Avaliação das regras dos Estados-Membros em matéria de dados de saúde no contexto do RGPD], disponível em: https://ec.europa.eu/health/system/files/2021-02/ms_rules_health-data_en_0.pdf

(7)  De acordo com a avaliação de impacto que acompanha a proposta (p. 15), a publicar.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/129


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção das indicações geográficas de produtos industriais e artesanais e que altera os Regulamentos (UE) 2017/1001 e (UE) 2019/1753 do Parlamento Europeu e do Conselho e a Decisão (UE) 2019/1754 do Conselho

[COM(2022) 174 final — 2022/0115(COD)]

(2022/C 486/17)

Relator:

Paulo BARROS VALE

Consulta

Conselho da União Europeia, 11.5.2022

Base jurídica

Artigo 118.o, n.o 1, e artigo 207.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

8.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

227/2/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a iniciativa da Comissão relativa à proteção das indicações geográficas (IG) de produtos industriais e artesanais, ao nível da UE, que preenche o vazio legislativo que existe relativamente a este tipo de produtos. A identidade regional e o saber-fazer tradicional devem ser protegidos e a legislação nesta matéria configura um importante instrumento para o desenvolvimento das regiões, já que a proteção por indicação geográfica protege produtores e consumidores. 1.1.

1.2.

O CESE considera que a proteção por IG promove o desenvolvimento das regiões, em especial das regiões menos desenvolvidas, incentivando os produtores ao garantir-lhes o reconhecimento dos seus produtos e proteção contra as imitações, atraindo e fixando a população ao proporcionar oportunidades de trabalho, mais qualificado e mais bem remunerado, e potenciando o turismo sustentável, em especial o turismo de nicho alicerçado na notoriedade da região.1.2.

1.3.

A Comissão apresenta uma proposta de regulamento relativo à proteção das IG de produtos artesanais e industriais. O CESE não está certo de que esta opção seja preferível à opção de alargar o enquadramento existente para os produtos agrícolas e géneros alimentícios, vinhos e bebidas espirituosas aos produtos industriais e artesanais. Esta segunda opção poderia evitar dispersão de legislação, procedimentos e autoridades, criando-se um sistema único de proteção por indicação geográfica aplicável a qualquer tipologia de produto.1.3.

1.4.

O CESE considera essencial que o símbolo de indicação geográfica a utilizar seja atrativo e adaptado a todas as novas formas de comunicação, dos tradicionais rótulos à comunicação digital mais avançada. Deve transmitir ao consumidor a perceção de qualidade e confiança e ajudar os produtores na sua comunicação. O CESE considera que poderá ser equacionada a atualização do símbolo atual de indicação geográfica protegida definido no Anexo do Regulamento Delegado (UE) n.o 664/2014 da Comissão de 18 de dezembro de 2013 (1), e a criação de um manual de marca.1.4.

1.5.

O CESE considera essencial que o processo de transição da proteção por indicação geográfica ao nível nacional para o nível da UE tem de ser rápido e simples. É importante não prolongar no tempo a utilização dos dois sistemas em paralelo, que confunde os consumidores e os produtores. Por outro lado, os Estados-Membros que já utilizam a proteção geográfica no âmbito do Acordo de Lisboa devem rapidamente poder ostentar o símbolo da UE e com isto adicionar perceção de qualidade aos seus produtos1.5. .

1.6.

O CESE recomenda que a Comissão acompanhe de perto os conflitos que possam surgir nos processos de certificação, em especial com os países terceiros, e exerça o seu poder negocial. A decisão de atribuição de certificação deve ser, sem dúvida alguma, do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), uma entidade reconhecidamente competente em matéria de propriedade industrial, mas deverá ser estabelecido um canal de comunicação entre ambos para analisar casos que suscitem dúvidas e que possam originar diferendos. As regiões transfronteiriças (dentro da UE e fora desta) podem constituir um desafio especial para a reunião de consensos essenciais para a proteção de produtores e consumidores.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O objetivo da proposta da Comissão é garantir uma proteção das indicações geográficas (IG (2)) para os produtos artesanais e industriais ao nível da União. Os produtos artesanais e industriais estão excluídos do mecanismo de proteção de IG atual, que abrange apenas os produtos agrícolas e géneros alimentícios, vinhos e bebidas espirituosas. Existem na UE muitos produtos de origem artesanal e industrial, com características únicas ligadas à sua região de origem, que são reiteradamente alvo de imitação e contrafação e que urge proteger.

2.2.

A inexistência de um mecanismo de proteção à escala da UE e a insegurança jurídica decorrente da existência de legislação nacional diferente, ou mesmo inexistente, dificulta a proteção dos produtos artesanais e industriais de características únicas associadas à sua região de origem. Estas lacunas podem resultar no desaparecimento de produtos e de competências a eles associadas. Os produtos de identidade regional, de características únicas e que fazem parte da tradição e identidade das regiões devem ser preservados e aproveitados para potenciar o desenvolvimento das regiões, transmitir o saber-fazer intrínseco e atrair e fixar populações.

2.3.

A UE aderiu em novembro de 2019 ao Ato de Genebra do Acordo de Lisboa relativo às Denominações de Origem e às Indicações Geográficas (3). Importa agora criar um quadro legislativo para permitir à União apresentar uma lista das suas indicações geográficas a colocar sob a proteção do sistema, que permita aos produtores europeus usufruir desta proteção.

2.4.

Tal como já teve oportunidade de manifestar (4), o CESE considera a proteção pela IG como um recurso precioso para os produtores europeus e apoia a criação de um sistema harmonizado de proteção das indicações geográficas de produtos não agrícolas. O CESE defende que este sistema ajuda os produtores a apresentar os seus produtos de qualidade mais eficazmente, num mercado globalizado, liberalizado e competitivo, com um impacto positivo ainda mais acentuado nas regiões menos desenvolvidas.

2.5.

Esta posição já tinha sido defendida pelo CESE em 2015 no seu parecer sobre as indicações geográficas da UE/produtos não agrícolas (5). Para além de se manifestar favoravelmente à extensão da proteção das IG aos produtos não agrícolas, através de regulamentação ao nível da UE, o CESE recomenda que o novo sistema possa, tanto quanto possível, decalcar o quadro vigente para os produtos agrícolas e géneros alimentícios, vinhos e bebidas espirituosas.

2.1.1

O CESE considera que a proteção pela IG dos produtos artesanais e industriais tem potencial para criar diversos impactos positivos: na qualidade dos produtos, exigida para cumprir os critérios de proteção pela IG, o que confere segurança aos consumidores; na atração e fixação de pessoas na região pela criação de emprego, mais qualificado e melhor remunerado, e pelo orgulho e notoriedade que resulta do sentimento de pertença a uma região de características únicas; no desenvolvimento de turismo sustentável e na proteção contra os prejuízos provocados pela imitação e contrafação.

3.   Observações na especialidade

3.1.

A proposta da Comissão baseia-se no disposto no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) relativamente à propriedade intelectual e à política comercial comum (6). Tem como objetivo estabelecer um sistema de proteção comum para os produtos artesanais e industriais (direito de propriedade intelectual europeu unitário) e estabelecer mecanismos centralizados para autorização, coordenação e supervisão, adaptados ao sistema de Lisboa, dando execução ao acordo celebrado com a assinatura do Ato de Genebra. O instrumento escolhido é um regulamento autónomo, em linha com o já existente para os produtos agrícolas e géneros alimentícios, vinhos e bebidas espirituosas. Foram consultadas as partes interessadas que, de um modo geral, apoiam a criação de um sistema de IG específico.3.1.

3.2.

Na avaliação de impacto, foram analisadas três opções estratégicas, para além de manter o atual quadro regulamentar (fragmentado e com fraca proteção a nível internacional) — Opção 1: Alargar o sistema de proteção das IG dos produtos agrícolas às IG dos produtos artesanais e industriais; Opção 2: Regulamento autónomo da UE para criar uma proteção sui generis das IG; Opção 3: Reforma do sistema de marcas.3.2.

3.3.

A escolha recaiu na Opção 2, com uma proposta de regulamento relativo à proteção das IG de produtos artesanais e industriais. O CESE não está certo de ser esta a melhor opção, já que, se a proposta é a de adotar um sistema idêntico ao existente para os produtos agrícolas e géneros alimentícios, vinhos e bebidas espirituosas, poderia ser mais simples o alargamento do enquadramento existente aos produtos artesanais e industriais (Opção 1). No âmbito da revisão em curso no setor agroalimentar, seria incluída esta nova classe de produtos, harmonizando os procedimentos para o reconhecimento das IG sem existir dispersão de legislação, procedimentos e autoridades.3.3.

3.4.

No que concerne à relação territorial, o CESE apoia a opção tomada quanto à escolha da indicação geográfica protegida (IGP) em detrimento da denominação de origem protegida (DOP). Com efeito, não se reputa essencial que a proteção deste tipo de produtos seja apenas para aqueles em que todas as fases de produção, transformação ou preparação tenham origem na região delimitada. A identidade de um produto artesanal ou industrial pode manter-se mesmo que alguma destas fases tenha origem noutra região, já que a sua identidade advém da história ou método de produção.3.4.

3.5.

O CESE considera que a opção de ter um sistema em duas fases, primeiro ao nível nacional e depois ao nível da UE, é a mais correta. São os Estados-Membros quem melhor conhece as características do seu território e dos produtos que podem beneficiar do sistema de proteção por indicação geográfica, e a barreira da língua não existe. Chama apenas a atenção para o facto de que o sistema nacional deverá ser ágil, pouco oneroso e garantir condições equitativas para todos os produtores, independentemente da sua origem.3.5.

3.6.

O CESE apoia a escolha do EUIPO (7) como responsável da fase de registo ao nível da UE. O EUIPO é uma instituição com larga experiência em matéria de propriedade industrial, com comprovada capacidade e competência no desempenho das suas responsabilidades, e está dotada das ferramentas necessárias para estes registos. Esta escolha é tanto mais importante quanto permite a verificação de incompatibilidades dos registos de IG com o registo de marcas e patentes.3.6.

3.7.

O CESE apoia a possibilidade de os pedidos de registo, cancelamento ou alteração do caderno de especificações de indicações geográficas poderem ser apresentados por um agrupamento de produtores, diretamente ao EUIPO, quando oriundos de um Estado-Membro que solicite a isenção de designar uma autoridade competente para a gestão da fase nacional do registo e outros procedimentos relativos desta categoria de produtos. Com efeito, nenhum produtor deverá ser excluído do sistema de proteção por IG, quando possa nele ser incluído, apesar de o seu país de origem não reconhecer a importância do investimento neste instrumento.3.7.

3.8.

O CESE acolhe favoravelmente a existência da opção de autodeclaração para a verificação da conformidade com o caderno de especificações da IG. Para estes casos, está prevista a realização de controlos aleatórios pelos Estados-Membros. O CESE alerta para a dificuldade destes controlos, ou mesmo conflitos de jurisdição que possam ocorrer quando a delimitação da IG abranja mais do que um Estado-Membro ou, em especial, um país terceiro.3.8.

3.9.

O CESE considera positivo que os produtos artesanais e industriais sejam protegidos por um título europeu que substitua os regimes nacionais existentes. Esta opção evita a coexistência de dois sistemas (europeu e nacional) e proporciona uma abordagem uniforme. É especialmente importante ao facilitar o procedimento de proteção em regiões transfronteiriças, ao uniformizar procedimentos.3.9.

3.10.

O CESE realça a importância da definição do que é um produto artesanal e industrial, tal como é referido no artigo 3.o da proposta de regulamento. Esta definição deve reunir consenso alargado entre as partes interessadas para que não restem quaisquer dúvidas sobre que produtos podem estar protegidos pelas IG. 3.10.

3.11.

O CESE defende que o fator inovação deve estar contemplado no caderno de especificações, já que pode contribuir para a salvaguarda e o desenvolvimento do património cultural. A alteração de um método de produção por inovação, tecnológica ou de processo, que não coloque em causa a qualidade, autenticidade, reputação ou características do produto atribuível à sua origem geográfica, não deve dar lugar à retirada da proteção ou a um novo processo de pedido de proteção. 3.11.

3.12.

O CESE manifesta a sua preocupação com o facto de poderem existir conflitos na escolha e/ou utilização do nome de uma região, bem como nos controlos pós-certificação, entre Estados-Membros e, em especial, com países terceiros. Uma IG transfronteiriça pode não reunir consenso quanto à nomenclatura a adotar e impedir o acesso de alguns produtores a esta proteção, e a Comissão deve ter o poder político para negociar consensos. Este poder da Comissão tem especial importância no que concerne ao controlo pós-certificação para definir critérios de avaliação de conformidade equitativos em ambos os lados da fronteira.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 179 de 19.6.2014, p.17.

(2)  Indicação geográfica (IG) é qualquer indicação relativa a um produto originário de uma zona geográfica específica, cuja qualidade específica, reputação ou outra característica esteja essencialmente relacionada com a sua origem geográfica.

(3)  O Ato de Genebra do Acordo de Lisboa, administrado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), permite às partes contratantes beneficiarem de uma proteção rápida de alto nível e por tempo indefinido para as IG. O Ato de Genebra atualiza o Acordo de Lisboa e alarga o seu âmbito de aplicação a todas as IG.

(4)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 59.

(5)  JO C 251 de 31.7.2015, p. 39.

(6)  Artigos 118.o e 207.o do TFUE.

(7)  EUIPO — Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/133


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras para prevenir e combater o abuso sexual de crianças

[COM(2022) 209 final — 2022/0155 (COD)]

e a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma Década Digital para as crianças e os jovens: a nova Estratégia europeia para uma Internet melhor para as crianças (BIK+)

[COM(2022) 212 final]

(2022/C 486/18)

Relator:

Veselin MITOV

Consulta

Conselho da União Europeia, 22.7.2022

Parlamento Europeu, 12.9.2022

Comissão Europeia, 28.6.2022

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

8.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

233/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras para prevenir e combater o abuso sexual de crianças (1) e a estratégia intitulada «Uma Década Digital para as crianças e os jovens: a nova Estratégia europeia para uma Internet melhor para as crianças (BIK+)» (2), que chegam num momento oportuno, tendo em conta a utilização mais precoce e quase diária da Internet pelas crianças e a crescente procura de material pedopornográfico observada pela Europol.

1.2.

O CESE apoia a vertente educativa da estratégia, uma vez que é fundamental reforçar as competências e a literacia digital, bem como a sensibilização para a utilização dos dados pessoais, para que todas as crianças, independentemente das suas circunstâncias, utilizem a Internet de forma conscienciosa para se protegerem dos seus possíveis perigos.

1.3.

A formação dos tutores legais e dos diferentes intervenientes em contexto escolar, educativo e desportivo, entre outros, são igualmente fundamentais, uma vez que numerosos adultos não possuem as competências necessárias. O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de organizar campanhas de literacia mediática destinadas às crianças e aos seus tutores legais, através das redes e dos multiplicadores supramencionados. Incentiva fortemente o seu alargamento a outras organizações da sociedade civil organizada, a fim de aumentar o seu impacto e desenvolver soluções criativas, uma vez que, em alguns Estados-Membros, têm uma longa experiência no terreno e na linha da frente. Por conseguinte, também devem beneficiar de apoio financeiro no âmbito das suas atividades.

1.4.

Apoia o princípio subjacente ao regulamento proposto, mas tem reservas quanto ao caráter desproporcionado das medidas previstas e ao risco de violação da presunção de inocência, já que a proposta visa obrigar as empresas tecnológicas a analisar as mensagens, as fotografias e os vídeos publicados na Internet a fim de detetar possíveis abusos cometidos contra crianças e, posteriormente, caso exista «certeza», solicitar a intervenção a posteriori de uma «autoridade de coordenação» designada pelo Estado-Membro, à qual incumbirá requerer ao juiz nacional ou a uma autoridade administrativa independente que emita uma ordem de deteção.

1.5.

A luta contra a pornografia infantil em linha é legítima e necessária, mas a imposição de um sistema de deteção prima facie, por entidades privadas, de um determinado tipo de conteúdo, por mais ilícito, ilegal e perigoso que seja, cria um risco de vigilância generalizada de todas as interações virtuais.

1.6.

O regulamento proposto prevê o dever de as empresas detetarem os padrões de linguagem associados aos abusos sexuais de crianças, recorrendo à inteligência artificial para analisar as interações de adultos que pratiquem o aliciamento de crianças. Contudo, na nossa vida digital, é fácil constatar que as verificações algorítmicas não são infalíveis. É, pois, essencial utilizá-las de forma prudente e circunscrita.

1.7.

O CESE pretende salvaguardar os interesses de todos, como o segredo da correspondência e o respeito pela vida privada, que são requisitos constitucionais (3). Ora, uma análise integral dos conteúdos no âmbito dos serviços de alojamento virtual e de comunicação representa um risco, nomeadamente, em matéria de cifragem de ponta a ponta das interações na Internet. Solicita à Comissão que melhore e clarifique o texto, a fim de salvaguardar o segredo da correspondência e o respeito pela vida privada.

1.8.

O CESE apoia a criação de uma nova agência da União Europeia cujas competências incluam duas vertentes essenciais — um pilar operacional e um pilar de investigação e análise —, uma vez que a luta contra a pornografia infantil e a pedofilia em linha exige a coordenação das operações e das análises, atendendo à sua dimensão internacional.

1.9.

O CESE acolherá favoravelmente a participação da Eurojust na arquitetura prevista pela Comissão, uma vez que a coordenação das investigações implica a coordenação dos inquéritos judiciais.

2.   Síntese das medidas propostas pela Comissão

2.1.

Em 11 de maio de 2022, a Comissão apresentou uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras para prevenir e combater o abuso sexual de crianças (4) e uma estratégia intitulada «Uma Década Digital para as crianças e os jovens: a nova Estratégia europeia para uma Internet melhor para as crianças» (5).

2.2.

Este pacote assenta na Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de novembro de 2019, sobre os direitos da criança por ocasião do 30.o aniversário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (6), nas conclusões do Conselho sobre a literacia mediática e na recomendação do Conselho, de 14 de junho de 2021, relativa à criação de uma Garantia Europeia para a Infância (7).

Estratégia constante da comunicação

2.3.

A estratégia europeia de 2012 para uma Internet melhor para as crianças desempenhou um papel central na proteção e na capacitação das crianças na Internet, nomeadamente graças à rede de Centros Internet Segura e ao portal betterinternetforkids.eu, mas tornou-se obsoleta, uma vez que as crianças utilizam mais precocemente e mais frequentemente os seus telemóveis inteligentes e computadores e dependem cada vez mais deles para as suas atividades escolares e recreativas.

2.4.

A pandemia de COVID-19 e o confinamento puseram em destaque as questões da formação digital das crianças, dos professores e dos educadores relativamente aos potenciais perigos da Internet. De acordo com a Europol, a procura de material de pornografia infantil aumentou 25 % em alguns Estados-Membros. Entre 2020 e 2021, as denúncias de casos de crianças aliciadas para fins sexuais aumentaram mais de 16 %.

2.5.

A estratégia proposta pela Comissão em maio de 2022 assenta em três pilares:

a proteção das crianças contra os conteúdos ilegais e perigosos na Internet e a melhoria do seu bem-estar em linha,

a capacitação digital para que as crianças adquiram as competências necessárias para navegarem e se expressarem de forma segura e responsável na Internet,

a participação ativa das crianças, concedendo-lhes o direito a usar da palavra e proporcionando-lhes mais atividades inovadoras para melhorar a sua experiência na Internet.

2.6.

Baseia-se na ampla consulta (8) #DigitalDecade4YOUth, organizada entre março e agosto de 2021 pela European Schoolnet, com o apoio da rede Insafe dos Centros Europeus Internet Segura, a par de outras consultas alargadas, e assenta no direito das crianças a serem ouvidas em todos os processos de decisão que as afetam (9).

2.7.

Esta iniciativa foi também complementada por um curso em linha aberto a todos (MOOC) do portal Better Internet for Kids destinado aos professores, em abril e maio de 2021, sobre o tema «A cultura digital e a segurança na Internet: a forma como a pandemia pôs à prova as nossas competências».

2.8.

Além disso, os cidadãos da UE (pais, professores, educadores, etc.) puderam participar num inquérito em linha baseado nas mesmas perguntas que a consulta #DigitalDecade4YOUth.

2.9.

As conclusões do inquérito EU Kids Online (10) [As crianças da UE e a Internet] de 2020 indicam que uma grande parte das crianças utiliza o seu dispositivo digital quase «quotidianamente», mais precocemente e durante mais tempo.

2.10.

A pandemia de COVID-19 e o confinamento puseram em evidência as questões da formação digital das crianças e dos adultos que são os seus tutores legais (ver Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027 (11)).

2.11.

Com efeito, as informações recolhidas demonstram que as crianças são amiúde expostas a conteúdos, comportamentos e contactos prejudiciais, ilícitos ou mesmo ilegais. A utilização das redes sociais ou de jogos interativos comporta riscos, como a exposição a conteúdos inadequados, a intimidação, o aliciamento de crianças e os abusos sexuais.

2.12.

De acordo com a Europol (12), nos primeiros meses da crise da COVID-19, a procura de material de pornografia infantil aumentou até 25 % nos Estados-Membros. O National Center for Missing and Exploited Children [Centro Nacional para as Crianças Desaparecidas e Exploradas] dos Estados Unidos recebeu aproximadamente 30 milhões de denúncias de suspeita de exploração sexual de crianças em 2021 e as autoridades policiais receberam alertas relativos a mais de 4 mil novas crianças vítimas destes crimes. Entre 2020 e 2021, as denúncias de casos de crianças visadas pelo aliciamento de crianças aumentaram mais de 16 %. Além disso, as crianças com deficiência são particularmente afetadas: até 68 % das raparigas e 30 % dos rapazes com deficiência intelectual ou física terão sido vítimas de violência sexual antes do seu 18.o aniversário (13).

2.13.

No entanto, na legislação da União em vigor [Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual (SCSA) e Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD)], os mecanismos de verificação da idade e de consentimento parental são amiúde ineficazes, uma vez que, em geral, um utilizador apenas tem de introduzir a data de nascimento no momento da criação do perfil em linha.

2.14.

O regulamento proposto impõe aos prestadores de serviços de alojamento virtual ou de comunicação em linha a obrigação de detetar, denunciar e suprimir os materiais referentes a abusos sexuais de crianças na Internet.

2.15.

Prevê igualmente a criação de uma agência europeia destinada a prevenir e combater o abuso sexual de crianças, a facilitar a deteção, a denúncia e a supressão de conteúdos em linha referentes a abusos sexuais de crianças, a prestar apoio às vítimas e a servir de centro de conhecimentos, competências especializadas e investigação para prevenir e combater o abuso sexual de crianças.

Observações na generalidade sobre a proposta de regulamento

2.16.

A proposta de regulamento baseia-se nas obrigações de avaliação e atenuação dos riscos que incumbem aos prestadores de serviços de alojamento virtual e de comunicações interpessoais, antes de serem emitidas ordens de deteção pelo juiz nacional ou por uma autoridade administrativa independente designada pelo Estado-Membro.

2.17.

O CESE apoia o princípio desta iniciativa, que complementa as medidas existentes e as torna mais eficazes, graças às sanções impostas aos prestadores de serviços de alojamento virtual e de serviços de comunicações interpessoais, responsabilizando-os pelo rastreamento prima facie das fotografias e dos vídeos de atos de violência contra crianças.

2.18.

Porém, manifesta-se cauteloso quanto aos riscos de violação do direito à vida privada e da cifragem das conversas. A potencial vigilância dos intercâmbios virtuais realizado por operadores privados e as possíveis acusações infundadas podem violar a presunção de inocência.

3.   Observações na especialidade

A vertente educativa da estratégia

3.1.

Educar as crianças e os seus tutores legais sobre a utilização das redes sociais e de outras ferramentas digitais é fundamental, uma vez que as crianças utilizam frequentemente produtos e serviços digitais concebidos para os adultos em que, mediante técnicas de comercialização, os algoritmos podem incentivá-las a abrirem conteúdos destinados a tirar proveito da sua ingenuidade e da sua falta de conhecimento das ferramentas digitais, ou mesmo para as levar a comunicar com pessoas perigosas que se escondem por detrás de aplicações lúdicas ou de outras ferramentas utilizadas por crianças.

3.2.

Muitas vezes, nem as crianças nem os pais se dão conta da quantidade de dados pessoais que partilham nas redes sociais. As competências e a literacia digitais, bem como a sensibilização para a utilização de dados pessoais, são essenciais para que as crianças participem no mundo virtual de forma conscienciosa.

3.3.

Os pais, os educadores, os professores, os dirigentes desportivos, as estruturas de lazer, etc., também devem dispor destas competências para orientar as crianças.

3.4.

O CESE considera que esta vertente educativa é essencial para proteger as crianças na sua vida digital e para as tornar autónomas no mundo virtual.

3.5.

De facto, muitos professores, pais e educadores não possuem as competências necessárias, tendo dificuldades em acompanhar o avanço da tecnologia.

Estas formações também devem incluir um módulo sobre os direitos das crianças, que são os mesmos em linha e fora de linha.

3.6.

Esta vertente da estratégia deve assentar numa cooperação estreita à escala europeia e internacional e no reforço do trabalho com a sociedade civil organizada e, sobretudo, com as escolas.

É fundamental que os programas nacionais de ensino incluam cursos práticos e obrigatórios sobre a navegação em linha e os seus riscos, sendo inclusivos e respeitando a diversidade, em geral, e a acessibilidade, em particular.

3.7.

O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de organizar campanhas de literacia mediática destinadas às crianças e aos seus tutores legais, através das redes supramencionadas e de multiplicadores. Incentiva fortemente o seu alargamento a outras organizações da sociedade civil organizada, a fim de aumentar o seu impacto e desenvolver soluções criativas, uma vez que, em alguns Estados-Membros, estas organizações têm uma longa experiência no terreno e na linha da frente. O CESE considera que a educação desempenha um papel fundamental neste contexto, uma vez que constitui o pilar complementar da prevenção do abuso sexual de crianças em linha.

3.8.

O CESE associa-se à Comissão para incentivar o papel ativo das crianças nos debates estratégicos que lhes dizem respeito, conferindo-lhes o direito de se reunirem e de se associarem nas plataformas sociais em linha, bem como para as envolver na elaboração da Agenda Digital. Por conseguinte, aplaude a criação da nova Plataforma Europeia para a Participação das Crianças e apela para que a voz das crianças seja seguida e não simplesmente escutada.

4.   As sanções previstas na proposta de regulamento

4.1.

Até ao momento, os prestadores de serviços de alojamento virtual e de comunicações interpessoais detetam voluntariamente os conteúdos ilegais. Lamentando implicitamente o insucesso da autorregulação, a Comissão propõe que esses fornecedores sejam obrigados a intervir, sob pena de sanções, na sequência de um procedimento de inquérito aberto pelas autoridades nacionais. Concretamente, isto significa que os fornecedores e os prestadores de serviços de alojamento virtual terão de verificar prima facie tudo o que circula nos seus servidores.

4.2.

O CESE entende que o objetivo da Comissão não é privar os cidadãos do segredo da correspondência, mas manifesta preocupação com a utilização potencialmente inapropriada de tecnologias intrusivas que podem prejudicar a proteção da vida privada se não forem suficientemente bem concebidas e enquadradas. O objetivo é duplo: utilizar a tecnologia para prevenir o abuso sexual de crianças e evitar o controlo generalizado da correspondência por operadores privados com base em algoritmos.

4.3.

O CESE considera que cumpre regulamentar as práticas de desenvolvimento, ensaio e utilização de algoritmos, incentivando, ou até exigindo, que as partes interessadas criem uma governação algorítmica adequada e eficaz para assegurar o bom funcionamento das suas ferramentas. Reputa necessário que os métodos de cálculo da explicabilidade ajudem a compreender melhor as ferramentas, a fim de evidenciar os seus enviesamentos e disfuncionamentos e, assim, reparar o problema antes de este prejudicar os utilizadores.

4.4.

O CESE observa que a proposta prevê investigações coordenadas sob o controlo do juiz nacional, mas insta a Comissão a melhorá-la, a fim de salvaguardar as liberdades individuais.

4.5.

O CESE salienta a importância de uma abordagem equilibrada, uma vez que o sistema previsto consiste na análise de mensagens, de fotografias ou de vídeos para detetar possíveis abusos de crianças e, caso exista «certeza», alertar as autoridades competentes. O mecanismo de alerta deve ter em conta a necessidade, a eficácia, a proporcionalidade e o equilíbrio das medidas previstas.

4.6.

Recorda que, no processo Schrems I (14), o Tribunal de Justiça decidiu que a legislação que permite às autoridades públicas um acesso geral ao conteúdo das comunicações põe em causa a essência do direito à vida privada garantido pela Carta dos Direitos Fundamentais. Por conseguinte, a digitalização de conteúdo armazenado num servidor, envolvendo uma análise de todas as comunicações que passam por esse servidor, suscita dúvidas.

4.7.

A responsabilidade pelo rastreamento recairá sobre as plataformas e/ou as redes sociais, às quais se poderá, por conseguinte, solicitar que localizem materiais relativos a abusos de crianças, sob pena do pagamento de coimas no valor de 6 % do seu volume de negócios realizado a nível mundial. Estas empresas devem utilizar a inteligência artificial e detetar padrões de linguagem para que seja possível bloquear os intercâmbios em que os adultos praticam o aliciamento de crianças. A utilização adequada de verificadores algorítmicos é, portanto, essencial para evitar erros que conduzam a acusações infundadas, uma vez que tais ferramentas não são infalíveis.

4.8.

A Comissão prevê igualmente obrigar as plataformas a avaliarem o risco de os seus serviços serem utilizados para a divulgação de pornografia infantil ou para o aliciamento de crianças e facilitar a elaboração de um código de conduta abrangente da UE sobre uma conceção adequada à idade (15), cujos termos e condições deixam o CESE perplexo.

4.9.

Especifica que os Estados-Membros devem designar uma autoridade independente responsável por controlar se as plataformas cumprem as suas obrigações, habilitada a solicitar, se necessário, a um juiz nacional ou a uma autoridade administrativa independente a emissão de uma ordem de deteção, limitada no tempo, visando um tipo de conteúdo específico sobre um determinado serviço, e a solicitar à empresa em causa que procure todo o conteúdo relacionado com o abuso sexual de crianças ou destinado ao aliciamento de crianças.

4.10.

Se estas autoridades independentes considerarem um serviço demasiado arriscado para as crianças, poderão solicitar aos prestadores de serviços de alojamento virtual e de comunicações interpessoais que verifiquem o seu conteúdo e os intercâmbios durante um período específico. O CESE prefere que a aplicação desta medida fique sujeita ao controlo efetivo e prévio do juiz nacional, na qualidade de guardião das liberdades individuais, e considera que a compatibilidade deste tipo de ordem com a Carta dos Direitos Fundamentais é questionável.

4.11.

Se o regulamento fosse adotado com a sua redação atual, obrigaria as empresas tecnológicas a monitorizar, com base em algoritmos, as suas plataformas para detetar abusos de crianças.

4.12.

Embora o objetivo seja louvável, o CESE considera que há o risco de tal pôr em causa o respeito pela correspondência privada em linha e pelo direito à vida privada e à proteção dos dados pessoais, pelo que tudo deve ser feito para evitar tais riscos.

4.13.

O CESE pretende salvaguardar os interesses de todas as pessoas, uma vez que alguns destes direitos são requisitos constitucionais, nomeadamente o segredo da correspondência e o respeito pela vida privada (16).

4.14.

Salienta que a perspetiva de uma obrigação geral de análise integral dos conteúdos aplicável aos serviços de alojamento virtual e de comunicação põe em risco todas as técnicas destinadas a garantir o segredo da correspondência, como a cifragem de ponta a ponta.

4.15.

A Comissão reconhece inclusive que a procura de intercâmbios em que os adultos praticam o aliciamento de crianças é geralmente mais intrusiva para os utilizadores, uma vez que exige a leitura automática das comunicações interpessoais.

5.   A criação de uma nova agência europeia

5.1.

A proposta de regulamento prevê a criação de uma agência europeia independente, sediada em Haia, a par da Europol, com um orçamento de 26 milhões de euros, que será responsável por analisar as denúncias de conteúdos ilegais, por coordenar as bases de dados de impressões digitais e conteúdos ilegais e por ajudar as empresas a encontrarem tecnologias fiáveis.

Também atuaria como intermediária entre as empresas tecnológicas, as autoridades policiais e as vítimas.

5.2.

O CESE congratula-se com o facto de as competências desta agência se organizarem em torno de duas vertentes essenciais — um pilar operacional e um pilar de investigação e análise —, uma vez que a importância da luta contra a pornografia infantil e a pedofilia em linha exige a coordenação das operações e das análises.

5.3.

O aspeto operacional é fundamental e justifica a estreita cooperação da nova agência com a Europol, cuja eficácia está sobejamente demonstrada. Os crimes sexuais em linha que vitimam crianças atingiram uma escala a nível europeu e internacional que justifica a existência deste aspeto.

5.4.

O CESE veria com bons olhos a participação da Eurojust nas operações no âmbito da arquitetura prevista pela Comissão, uma vez que a coordenação das investigações implica a coordenação dos inquéritos judiciais.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2022) 209 final.

(2)  COM(2022) 212 final.

(3)  Constitucionalização do direito à vida privada (disponível apenas na versão francesa).

(4)  COM(2022) 209 final — 2022/0155 (COD).

(5)  COM(2022) 212 final.

(6)  JO C 232 de 16.6.2021, p. 2.

(7)  JO L 223 de 22.6.2021, p. 14.

(8)  https://europa.eu/!XXv6kx

(9)  Artigo 12.o da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

(10)  EU Kids Online.

(11)  COM(2020) 624 final.

(12)  https://europa.eu/!Jh78ux

(13)  Crianças com deficiência.

(14)  Processo C-362/14, n.o 94.

(15)  COM(2022) 212 final.

(16)  Constitucionalização do direito à vida privada (disponível apenas na versão francesa).


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/139


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2011/83/UE no que respeita aos contratos de serviços financeiros celebrados à distância e que revoga a Diretiva 2002/65/CE

[COM(2022) 204 final — 2022/0147 (COD)]

(2022/C 486/19)

Relator:

Gonçalo LOBO XAVIER

Consulta

Parlamento Europeu, 18.5.2022

Conselho da União Europeia, 23.5.2022

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

8.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

229/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) aplaude a iniciativa da Comissão de alterar a Diretiva 2011/83/UE no que respeita aos contratos de serviços financeiros celebrados à distância e de revogar a Diretiva 2002/65/CE. A evolução da sociedade e do seu comportamento, as novas soluções técnicas que estão a surgir e o reforço do mercado único como forma de assegurar a livre circulação dos serviços financeiros e as regras de defesa do consumidor impõem tal abordagem. A crise da COVID-19 representou um teste extraordinário à resiliência da UE e impôs novas tendências e ideias que cabe ter em conta. O CESE apoia a proposta em apreço também deste ponto de vista.

1.2.

Apesar de concordar com a proposta, o CESE insiste na necessidade de investir na literacia digital e financeira dos cidadãos, a fim de permitir que os consumidores compreendam corretamente os seus direitos e deveres no que respeita aos contratos financeiros celebrados à distância, em particular o direito de retratação de um contrato e o direito de obter mais informações numa fase pré-contratual. Os Estados-Membros devem investir num programa de comunicação estratégica, a fim de reforçar o potencial do mercado único, em consonância com os direitos fundamentais dos consumidores.

1.3.

O CESE entende que é crucial assegurar uma abordagem equilibrada entre a experiência digital e a experiência física tradicional. Congratula-se com os progressos possibilitados pela inovação tecnológica, mas salienta que a interação humana continua a ser essencial quando se trata de esclarecer dúvidas e proteger os dados. A digitalização e a modernização são extremamente importantes para a melhoria do bem-estar dos cidadãos, mas ainda subsistem muitas diferenças neste domínio, não só entre os Estados-Membros, mas também entre as regiões, tendo sido lançados alguns apelos no sentido de manter vários elementos da infraestrutura «física» para apoiar a comunidade local. O CESE considera que a participação dos órgãos de poder local nos processos de decisão das empresas financeiras, em particular no que diz respeito à existência de infraestruturas físicas nas zonas rurais, pode contribuir para apoiar as comunidades locais. O CESE defende que se deve garantir o direito de solicitar uma «intervenção humana» nos serviços financeiros à distância.

1.4.

O CESE e as organizações da sociedade civil nele representadas acreditam no potencial do mercado único enquanto instrumento de consolidação do projeto europeu. Aumentar a confiança nos nossos sistemas financeiros é um princípio e um alicerce fundamental da sociedade no domínio dos serviços financeiros aos consumidores. Neste contexto, o CESE chama igualmente a atenção para a necessidade de investir de forma coerente na cibersegurança. Os cidadãos devem estar cientes dos riscos associados à celebração de contratos à distância. Mas, mais do que isso, é necessário que tenham confiança no sistema. Só assim se poderá reforçar o mercado único e a livre circulação dos serviços financeiros, que estão a tornar-se cada vez mais importantes, sobretudo após a crise da COVID-19, muito por força do desenvolvimento das atividades de comércio eletrónico e dos serviços digitais.

1.5.

O CESE recorda à Comissão que cumpre harmonizar a proposta em apreço com a Diretiva relativa aos direitos dos consumidores. Após tantos progressos alcançados graças a esta diretiva, e tendo em conta o lançamento da Nova Agenda do Consumidor (1), este dossiê específico sobre os serviços financeiros à distância é o momento ideal para reforçar o respeito pelos direitos dos consumidores e estimular os investimentos das empresas neste domínio. O CESE apela à participação das organizações da sociedade civil, a fim de se prepararem e acompanharem melhor a futura aplicação da diretiva. Este é um bom exemplo de um domínio em que as organizações da sociedade civil podem não só prestar apoio e contribuir para um ambiente melhor, mas também ajudar a assegurar uma abordagem positiva.

1.6.

Os mecanismos de inteligência artificial podem proporcionar um ambiente seguro e fiável para a proposta de diretiva em apreço. O CESE está consciente de que a inovação é uma força motriz da sociedade e defende que se recorra a todos os meios possíveis para proporcionar uma experiência segura e moderna aos consumidores e às empresas neste campo específico. O CESE tem vindo a trabalhar neste domínio e recomenda vivamente que se utilize a inteligência artificial para construir um mercado único mais eficaz e mais integrado, que apoie os cidadãos e garanta operações seguras no sistema financeiro (2).

1.7.

O CESE defende que, tendo em conta os objetivos e princípios do mercado único, a UE pode definir boas práticas em matéria de regulamentação dos serviços financeiros à distância. Embora a proposta em apreço preveja medidas pertinentes para as empresas e os consumidores, o CESE insiste na necessidade de clarificações no tocante à atividade das empresas sediadas fora da UE, dado que esta pode ter impacto nos cidadãos europeus. O CESE entende que há também uma necessidade de harmonização, que cumpre ter em conta e respeitar.

1.8.

O CESE solicita uma intervenção ao nível das «regras em matéria de publicidade» ligadas ao processo delicado de prestação de serviços financeiros à distância. É fundamental harmonizar as regras que regem a publicidade destes serviços, a fim de evitar a concorrência desleal e não prejudicar o sistema. Se a mensagem for forte, os resultados deverão beneficiar as empresas e os cidadãos e influenciar positivamente o comportamento dos consumidores, nomeadamente no que diz respeito à sustentabilidade. O CESE insiste igualmente na necessidade de associar as organizações de consumidores, a fim de permitir um melhor diálogo entre as empresas e os cidadãos.

1.9.

Por último, o CESE considera que é essencial investir em infraestruturas para garantir uma melhor aplicação da diretiva, beneficiar verdadeiramente dos seus princípios e, assim, obter melhores resultados. Os cidadãos podem, sem dúvida, beneficiar de serviços de melhor qualidade e mais transparentes, mas, para tal, cabe assegurar o acesso generalizado às redes 5G e uma plena cobertura de rede, bem como dispor de um conjunto de outras infraestruturas em todo o território, o que está longe de ser uma realidade. O CESE preconiza uma utilização mais eficaz e eficiente dos recursos financeiros ao abrigo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, a fim de fazer face a estas necessidades de investimento e de garantir que ninguém fica para trás.

2.   Observações gerais

2.1.

A Diretiva 2002/65/CE relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores (DMFSD) visa assegurar a livre circulação de serviços financeiros no mercado único, através da harmonização de determinadas regras de proteção dos consumidores neste domínio, e assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores. Cabe salientar que já existe uma série de diretivas e regulamentos recentes que estabelecem normas elevadas de defesa dos consumidores e que o mérito da proposta de diretiva em apreço é proporcionar uma rede de segurança nos casos em que essa proteção não exista ou possa não estar assegurada. Quando não existe legislação da UE aplicável a produtos específicos ou não existem regras horizontais da UE que abranjam os serviços financeiros prestados a consumidores, a diretiva aplica-se horizontalmente a qualquer serviço atual ou futuro de natureza bancária, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento contratado por meio de comunicação à distância (ou seja, sem a presença física simultânea do profissional e do consumidor). A diretiva estabelece a informação que deve ser prestada ao consumidor antes da celebração do contrato à distância (informação pré-contratual), concede ao consumidor um direito de retratação para determinados serviços financeiros e estabelece regras sobre serviços não solicitados e comunicações não solicitadas.

2.2.

Nos últimos 20 anos, a comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores mudou rapidamente. Os prestadores de serviços financeiros e os consumidores abandonaram os faxes e surgiram novos intervenientes (como as empresas de tecnologia financeira) com novos modelos de negócio e novos canais de distribuição (por exemplo, serviços financeiros vendidos em linha).

2.3.

A proposta da Comissão visa simplificar e modernizar o quadro legislativo através da revogação da DMFSD em vigor, incluindo simultaneamente aspetos pertinentes dos direitos dos consumidores no que diz respeito aos contratos de serviços financeiros celebrados à distância no âmbito da Diretiva Direitos dos Consumidores aplicável horizontalmente.

2.4.

O objetivo geral da legislação mantém-se inalterado, nomeadamente promover a prestação de serviços financeiros no mercado único, assegurando simultaneamente um elevado nível de defesa dos consumidores. Este objetivo é alcançado de cinco formas distintas:

Harmonização plena: as regras serão semelhantes para todos os prestadores de serviços financeiros e serão garantidos aos consumidores os mesmos direitos em todos os Estados-Membros da UE;

Informação pré-contratual: a receção de informação essencial em tempo útil e de forma clara e compreensível, quer eletronicamente, quer em papel, assegura a transparência necessária e capacita o consumidor. A este respeito, a proposta pretende reger a natureza da informação pré-contratual, a maneira como deve ser prestada e o momento em que deve ser prestada;

Direito de retratação: o direito de retratação é um direito fundamental do consumidor. É particularmente importante no domínio dos serviços financeiros, uma vez que a complexidade de certos produtos e serviços pode implicar algumas dificuldades de compreensão;

Equidade em linha: os contratos de serviços financeiros são cada vez mais celebrados por via eletrónica. É por esta razão que, para assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores, a proposta estabelece regras especiais para proteger os consumidores aquando da celebração em linha de contratos relativos a serviços financeiros;

Execução: alarga as regras em matéria de execução e as sanções atualmente aplicáveis no âmbito da Diretiva 2011/83/UE relativa aos direitos dos consumidores («Diretiva Direitos dos Consumidores») aos contratos de serviços financeiros celebrados à distância.

3.   Serviços financeiros e mercado único

3.1.

O CESE considera que a UE enfrenta sérios desafios na sequência da crise da COVID-19, nomeadamente a agressão russa na Ucrânia e uma crise financeira que se perfila no horizonte. É um facto que a confiança dos consumidores foi abalada. Além disso, cabe procurar soluções para o problema do elevado nível de endividamento das famílias, que continua longe de ultrapassado. Cabe ter em conta estes elementos no âmbito das medidas de política financeira. O sistema deve ser fiável aos olhos dos consumidores, o que é crucial para gerar confiança e assegurar a recuperação das nossas economias e da nossa sociedade.

3.2.

O CESE concorda com a necessidade de harmonização. Porém, tal não pode prejudicar ou lesar os cidadãos. Há que compreender que nem todos os cidadãos abraçam ao mesmo ritmo a digitalização, e este processo não deve deixar ninguém para trás. O CESE considera que o investimento na literacia financeira deve ser uma prioridade estreitamente alinhada com a proposta em apreço.

3.3.

É importante garantir que a proteção de dados constitui um aspeto central desse processo. É necessário que os cidadãos europeus tenham confiança na partilha de dados para fins jurídicos e de defesa dos direitos dos consumidores, o que só pode ser conseguido com um sistema sólido e fiável. A proteção de dados é atualmente uma das principais preocupações dos cidadãos, e a cibersegurança é fundamental para reforçar o processo de comunicação no quadro da prestação de serviços financeiros à distância.

3.4.

É fundamental assegurar a harmonização da proposta em apreço com a Diretiva relativa aos direitos dos consumidores. É igualmente crucial garantir que os princípios da Nova Agenda do Consumidor (3) estão no cerne desta abordagem. O CESE considera que a sociedade civil organizada e os parceiros sociais podem desempenhar um papel positivo no processo, nomeadamente ajudando os cidadãos a defender os seus direitos, mas também criando uma atmosfera construtiva em que as empresas possam competir e criar serviços de melhor qualidade e mais claros para os consumidores.

3.5.

Os mecanismos de inteligência artificial são fundamentais para a proposta em apreço, na medida em que podem facilitar as operações dos consumidores, ao simplificar os processos e os requisitos associados, especialmente para os cidadãos menos bem preparados ou «digitalizados». O CESE solicita que se clarifique estes instrumentos e que se recorra a eles para garantir melhores resultados no futuro processo de aplicação.

3.6.

Importa garantir condições equitativas neste domínio, para que todos os intervenientes, ou seja, as empresas, possam proporcionar aos cidadãos um serviço fiável. Por conseguinte, é essencial investir na transparência e na transmissão de mensagens claras, a fim de evitar a concorrência desleal de países terceiros, o que poderia comprometer o impacto positivo almejado com a proposta de diretiva em apreço.

4.   Impacto nos consumidores e nas empresas: operações em linha e fora de linha

4.1.

A digitalização é necessária para aumentar a competitividade e facilitar a vida das pessoas. O CESE considera que é essencial garantir que todos dispõem de condições adequadas de participação, bem como do mesmo nível de conhecimentos. Porém, tal está longe de ser uma realidade.

4.2.

O CESE preconiza uma «digitalização inteligente», em que a tecnologia está ao serviço dos cidadãos, facilita a comunicação e promove o bem-estar da população. Todavia, a digitalização, por si só, não é a solução para todos os problemas, cabendo articulá-la com outras prioridades. O nível de proficiência dos cidadãos na utilização da tecnologia continua a ser muito desigual em toda a UE e é necessário ter este dado presente aquando da realização de investimentos neste domínio. Por último, o CESE recorda à Comissão que, embora a utilização da tecnologia seja importante, o direito a desligar também o é, pelo que cabe ter este aspeto em conta no processo de elaboração de políticas.

4.3.

As empresas financeiras devem assegurar que todas as mudanças são bem vistas pelo mercado. Por conseguinte, a comunicação é essencial para alcançar resultados e orientar o processo de transformação.

4.4.

O CESE é evidentemente a favor das tecnologias e das inovações suscetíveis de proporcionar uma melhor experiência aos consumidores e de facilitar a vida dos cidadãos. A evolução do comportamento dos consumidores constitui uma oportunidade para imprimir uma mudança positiva e promover operações mais resilientes e sustentáveis no domínio dos contratos financeiros celebrados à distância. O CESE entende que as regras que regem a publicidade devem ser claras e harmonizadas com as que regem outras operações conexas suscetíveis de ter impacto nos consumidores. Importa garantir o respeito pelos direitos e obrigações dos consumidores.

4.5.

O CESE considera que a proposta está em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e, por conseguinte, com o princípio da proporcionalidade no que respeita às sanções impostas quer às empresas quer aos consumidores neste domínio. Trata-se de um aspeto muito positivo que importa realçar. O CESE considera um princípio basilar que a severidade das sanções reflita a gravidade da infração (neste caso a violação das regras de defesa do consumidor, tal como definida na proposta de diretiva).

4.6.

O CESE entende que é primordial assegurar uma abordagem equilibrada quanto ao direito de solicitar assistência humana no domínio dos contratos financeiros celebrados à distância. Uma grande parte da população ainda necessita deste tipo de apoio. Os bancos e as instituições devem, pois, estar cientes destas limitações e dar-lhes resposta quando tomam decisões relativas ao investimento e à manutenção de determinados serviços «físicos».

4.7.

O CESE considera que não só os bancos como todas as instituições financeiras devem investir em sistemas de educação e formação, a fim de ajudar os seus trabalhadores a prestar apoio aos clientes. Os serviços financeiros à distância são muito importantes, tal como o são os recursos humanos que prestam apoio neste domínio. Os trabalhadores devem possuir as competências e a formação adequadas para orientar os clientes. Por último, mesmo quando a inteligência artificial é utilizada para ajudar na prestação de serviços, é necessário um «toque humano» para interagir com os clientes de forma mais eficaz.

5.   Avaliação do impacto — o papel da sociedade civil

5.1.

O CESE chama, uma vez mais, a atenção da Comissão e dos Estados-Membros para a oportunidade de associar os parceiros sociais e a sociedade civil organizada ao processo de comunicação e de aplicação da diretiva. Tendo em conta não só os conhecimentos de que dispõem, mas também — e sobretudo — a sua presença «no terreno», as organizações da sociedade civil podem ajudar a assegurar uma comunicação adequada, por exemplo, para chegar a segmentos fundamentais da sociedade que vivem em zonas rurais ou que têm dificuldade em aceder a canais de informação de massa. As organizações da sociedade civil representadas no CESE podem contribuir para a boa aplicação da proposta, a fim de alcançar melhores resultados e reforçar a participação dos cidadãos no processo.

6.   Serviços financeiros e Mecanismo de Recuperação e Resiliência — o caminho a seguir

6.1.

O Mecanismo de Recuperação e Resiliência é o principal pilar do plano de recuperação europeu, o NextGenerationEU, concebido para prestar ajuda financeira aos Estados-Membros, a fim de combater os efeitos económicos e sociais da pandemia de COVID-19 e tornar a economia europeia mais resistente a choques futuros. O CESE considera que os Estados-Membros poderiam utilizar adequadamente este mecanismo para melhorar o sistema e facilitar a vida das pessoas neste domínio.

6.2.

É absolutamente indispensável investir na literacia digital e financeira, a fim de reforçar a educação e a defesa dos consumidores. É crucial melhorar as capacidades digitais e financeiras dos consumidores para atingir os objetivos da Agenda Digital, que incluem o desenvolvimento de um mercado eficiente e o reforço da defesa do consumidor. O CESE está ciente da importância da proteção dos dados e defende que os consumidores devem ter o direito a que essa proteção lhes seja plenamente garantida. O CESE está convicto de que só será possível assegurar um desenvolvimento equilibrado da comercialização à distância de produtos financeiros se os Estados-Membros disponibilizarem recursos suficientes para responder a esses desafios e promoverem a confiança no comércio em linha de serviços financeiros, por um lado, e, por outro, aferirem os progressos alcançados neste domínio e os comunicarem à Comissão, para que esta avalie os resultados e formule recomendações de boas práticas.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 45.

(2)  JO C 517 de 22.12.2021, p. 61.

(3)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 45.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/144


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 1303/2013 e o Regulamento (UE) 2021/1060 no que respeita a uma maior flexibilidade para fazer face às consequências da agressão militar da Federação da Rússia FAST (assistência flexível aos territórios)-CARE

[COM(2022) 325 final — 2022/0208 (COD)]

(2022/C 486/20)

Relatora:

Elena-Alexandra CALISTRU

Consulta

Parlamento Europeu, 4.7.2022

Conselho da União Europeia, 15.7.2022

Base jurídica

Artigos 177.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

9.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

189/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Com a proposta FAST-CARE, a Comissão Europeia deu um novo passo muito necessário para ajudar os Estados-Membros, os órgãos de poder local e os parceiros da sociedade civil a enfrentar as consequências da agressão russa contra a Ucrânia. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) saúda vivamente este novo pacote abrangente que reforça a assistência já concedida ao abrigo da Ação de Coesão a favor dos Refugiados na Europa (CARE), proporcionando mais apoio e flexibilidade no âmbito da política de coesão.

1.2.

O CESE reconhece que os efeitos diretos e indiretos da invasão não provocada da Ucrânia, em 24 de fevereiro, têm conduzido a um aumento constante do número de refugiados que chegam a todos os Estados-Membros, mas, em particular, às fronteiras da União Europeia (UE), e que, por conseguinte, cumpre tomar novas medidas. A situação atual não tem precedentes e exige a aplicação de todas as medidas possíveis adaptadas à situação e às circunstâncias específicas. Nesse sentido, o CESE considera que o pacote FAST-CARE fornece uma resposta adequada a estas circunstâncias, ao reforçar o financiamento disponível para fazer face aos desafios migratórios resultantes da agressão militar russa e ao contribuir para mitigar o problema dos atrasos na execução dos projetos devido aos efeitos conjugados da COVID-19 e do encarecimento da energia e da escassez de matérias-primas e de mão de obra em consequência da guerra.

1.3.

O CESE tem insistido na necessidade de uma resposta imediata e eficaz, recorrendo a todos os meios disponíveis. Os esforços contínuos no sentido de assegurar a flexibilidade no financiamento deverão garantir uma execução tão eficiente quanto possível dos fundos da politica de coesão no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual de 2014-2020, bem como um início sem sobressaltos dos programas de 2021-2027. O CESE congratula-se com a introdução da possibilidade, temporária, de o orçamento da UE cofinanciar a 100 % a execução dos programas no âmbito da política de coesão. Acolhe favoravelmente também a possibilidade de transferências suplementares entre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu (FSE) e o Fundo de Coesão, bem como entre diferentes categorias de regiões.

1.4.

O CESE congratula-se vivamente com o reconhecimento pela Comissão do pesado fardo que recai sobre os órgãos de poder local e as organizações da sociedade civil que operam em comunidades locais pelo facto de terem de dar resposta aos desafios migratórios resultantes da agressão militar russa. O CESE acolhe com agrado a introdução da disposição que estabelece que, pelo menos, 30 % da dotação financeira dos eixos prioritários pertinentes seja reservada para os órgãos de poder local, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil de molde a assegurar que estes tipos de beneficiários recebam uma parte adequada dos recursos, tendo em conta o seu papel ativo nas ações de acolhimento e integração dos refugiados. No entanto, essa percentagem poderá ser demasiado baixa para os países que acolhem um grande número de refugiados; por conseguinte, deve ser explorada a possibilidade de aumentar este nível em relação aos países que fazem fronteira com a Ucrânia.

1.5.

O CESE considera que as organizações não governamentais (ONG) e os parceiros sociais têm um papel crucial a desempenhar, não só enquanto organizações de execução mas também enquanto parceiros relevantes no acompanhamento da execução dos programas, e manifesta a sua abertura para facilitar um debate mais aprofundado sobre o envolvimento das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais na UE ou na Ucrânia. A sociedade civil provou a sua eficácia ao fornecer uma resposta imediata durante os primeiros tempos da guerra e, se dispuser de recursos suficientes, dará um forte contributo para a articulação entre as necessidades no terreno e a reflexão política de alto nível. O CESE insiste em que um empenho mais profundo na resposta imediata e uma melhor inclusão a longo prazo devem marcar a agenda da integração, à medida que a guerra avança.

1.6.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão de isentar os Estados-Membros do cumprimento dos requisitos de concentração temática em relação ao Quadro Financeiro Plurianual para o período de 2014-2020, dando-lhes a possibilidade de transferir fundos entre objetivos temáticos no âmbito de uma prioridade do mesmo fundo e da mesma categoria de região, tendo em conta a rápida evolução da situação no terreno. O CESE congratula-se igualmente com a disposição que introduz a possibilidade de considerar elegíveis as despesas excecionais relativas a operações concluídas ou integralmente executadas a partir da data da invasão.

1.7.

O CESE regista a combinação de medidas abrangentes que têm em conta as necessidades a nível micro/individual (por exemplo, o alargamento do período de aplicação e o aumento do custo unitário, recentemente estabelecido, autorizado para cobrir as necessidades básicas e o apoio às pessoas a quem foi concedida proteção temporária) bem como a nível macro/dos Estados-Membros (por exemplo, facilitando o faseamento de operações ao abrigo dos programas de 2014-2020 para que sejam elegíveis para apoio também ao abrigo dos programas de 2021-2027, de modo a abranger mais operações que registam atrasos, sem prejuízo da obrigação dos Estados-Membros de cumprirem os requisitos de concentração temática e as metas de contribuição para a ação climática).

1.8.

Além disso, o CESE toma boa nota das disposições que visam reduzir os encargos administrativos suportados pelos Estados-Membros, bem como dos compromissos assumidos pela Comissão Europeia no sentido de ajudar os beneficiários e as partes interessadas com a disponibilização de mais apoio e orientações, por exemplo, no que respeita à gestão de contratos públicos em que há derrapagem dos custos, e de outras medidas não legislativas e orientações. O CESE insta a Comissão a colaborar com os Estados-Membros, os órgãos de poder local e a sociedade civil para eliminar o mais possível os encargos administrativos desnecessários, assegurando simultaneamente a total transparência na atribuição e na execução dos apoios para fazer face às consequências da guerra na Ucrânia. Neste contexto, o CESE sublinha também a necessidade de promover uma participação mais ativa da sociedade civil e dos parceiros sociais da UE e da Ucrânia para assegurar um planeamento, uma gestão e um controlo da aplicação dos recursos eficazes e garantir que estes chegam às pessoas que deles mais necessitam, onde são mais necessários.

1.9.

O CESE concorda que se devem adotar todas as medidas possíveis ao abrigo do atual Quadro Financeiro Plurianual (QFP). Neste contexto, o Comité subscreve a intenção da Comissão de alterar o Regulamento QFP de modo a otimizar a utilização dos recursos remanescentes do período 2014-2020 e permitir uma transição sem dificuldades para o programa de 2021-2027. No entanto, o CESE salienta que embora tenha sempre solicitado a máxima flexibilidade (1), a todos os níveis, desde o início até ao encerramento dos programas, de modo a assegurar que os recursos disponíveis são utilizados na maior medida possível, considera que, à medida que as consequências diretas e indiretas da guerra na Ucrânia vão assumindo maiores dimensões, poderá ser igualmente necessário introduzir novos instrumentos financeiros inovadores (2). Uma solução possível, que o CESE já tinha recomendado anteriormente, consiste na criação de um fundo da União Europeia separado para a reconstrução e o desenvolvimento da Ucrânia a fim de complementar os esforços que estão a ser envidados para apoiar os Estados-Membros afetados pela guerra (3).

1.10.

O CESE insta o Conselho e o Parlamento Europeu a aprovarem o regulamento com celeridade, para que este possa ser adotado o mais rapidamente possível. A dimensão do desafio exige uma resposta coletiva e mais coordenada, especialmente tendo em conta que a estação fria se aproxima a passos largos.

2.   Observações na generalidade

2.1.

Desde 24 de fevereiro, a Comissão já apresentou várias propostas, no âmbito da Ação de Coesão a favor dos Refugiados na Europa (CARE), tendentes a assegurar que todos os fundos disponíveis no âmbito da política de coesão para 2014-2020 e do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAD), bem como o pré-financiamento no âmbito da Assistência à Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa (REACT-UE), sejam rapidamente mobilizados para fazer face às consequências imediatas da guerra russa de agressão contra a Ucrânia, e que, simultaneamente, os Estados-Membros possam prosseguir os esforços para assegurar uma recuperação resiliente, ecológica e digital, da crise provocada pela pandemia de COVID-19.

2.2.

No entanto, face ao aumento crescente das necessidades, o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu e as regiões da UE instaram a Comissão a apresentar novas iniciativas no âmbito do quadro financeiro plurianual para apoiar os esforços dos Estados-Membros neste contexto. Há agora que apoiar as necessidades a mais longo prazo dos civis deslocados, que devem ser ajudados a integrar-se nas sociedades através da disponibilização de alojamento e de cuidados de saúde, bem como de acesso ao emprego e à educação enquanto se encontram nos Estados-Membros da UE. Importa sublinhar que o problema da resposta às necessidades a mais longo prazo dos refugiados afeta comunidades já gravemente atingidas pela pandemia de COVID-19 (pense-se, por exemplo, na pressão sobre os sistemas de saúde), mas também levanta novos problemas, tais como aspetos relacionados com as questões de género (por exemplo, muito poucas crianças estão a ser inscritas nas escolas, o que constitui um obstáculo significativo à integração profissional das mulheres).

2.3.

A guerra tem causado estrangulamentos na cadeia de abastecimento e situações de escassez de mão de obra. Além disso, tem provocado a escalada dos preços das matérias-primas, nomeadamente da energia e dos materiais. Esta situação vem juntar-se às consequências da pandemia, colocando uma maior pressão sobre os orçamentos públicos e atrasando ainda mais os investimentos, especialmente em infraestruturas.

2.4.

O pacote FAST-CARE introduz várias alterações significativas na legislação em matéria de política de coesão relativa aos períodos 2014-2020 e 2021-2027 com vista a agilizar e simplificar ainda mais o apoio dos Estados-Membros à integração de nacionais de países terceiros e, ao mesmo tempo, continuar a contribuir para a recuperação das regiões da crise da COVID-19.

2.5.

Deverá ser assegurado um maior apoio para aqueles que intervêm no acolhimento das pessoas deslocadas — Estados-Membros, órgãos de poder local e organizações da sociedade civil — através das seguintes medidas:

os montantes de pré-financiamento são acrescidos de 3,5 mil milhões de euros a pagar em 2022 e 2023, o que permitirá a todos os Estados-Membros beneficiar rapidamente de maior liquidez;

a possibilidade de cofinanciamento da UE a 100 % no período de 2014-2020 é estendida a medidas que promovam a integração socioeconómica dos nacionais de países terceiros;

essa possibilidade é igualmente estendida aos programas do período 2021-2027, e será revista até meados de 2024;

o montante do custo unitário simplificado para cobrir as necessidades básicas dos refugiados, que foi fixado em 40 euros, no âmbito da iniciativa CARE, é aumentado para 100 euros por semana e por pessoa, podendo estes custos ser reclamados por um período máximo de 26 semanas, em vez das 13 semanas previstas atualmente;

a possibilidade de financiamento cruzado, já prevista no âmbito da iniciativa CARE, entre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e o Fundo Social Europeu (FSE), será alargada. Tal significa que os recursos do Fundo de Coesão poderão também ser mobilizados para fazer face às consequências dos fluxos migratórios;

as despesas incorridas com operações destinadas a fazer face aos desafios migratórios passam a poder ser declaradas de modo retroativo para efeitos de reembolso, mesmo que a operação já tenha sido concluída.

2.6.

Para garantir que os recursos são aplicados onde são mais necessários, a FAST-CARE introduz duas alterações fundamentais:

Pelo menos 30 % dos recursos mobilizados pelas flexibilidades previstas devem ser afetados a operações geridas por órgãos de poder local e organizações da sociedade civil que operam em comunidades locais, a fim de assegurar que aqueles a quem são exigidos mais esforços recebem um apoio adequado;

Os programas podem apoiar operações fora do âmbito geográfico do programa, ainda que no território do Estado-Membro, reconhecendo que os refugiados muitas vezes se deslocam dentro dos Estados-Membros.

2.7.

Em termos do apoio prático para resolver o problema dos atrasos na execução, os projetos com um custo superior a 1 milhão de euros (em especial, os projetos relativos a infraestruturas), apoiados no âmbito dos programas de 2014-2020, mas que não puderam ser concluídos dentro do prazo devido ao aumento dos preços e à escassez de matérias-primas e de mão de obra, podem continuar a receber apoio ao abrigo dos programas de 2021-2027, mesmo que estes não fossem ilegíveis para apoio de acordo com as regras de ilegibilidade aplicáveis ao período 2021-2027.

3.   Observações na especialidade

3.1.

O CESE louva os esforços da Comissão Europeia no sentido de criar meios adequados e eficientes de apoio financeiro para fazer face às consequências da agressão militar da Rússia, que tem implicações cada vez mais vastas e um impacto cada vez maior. Consequentemente, os Estados-Membros enfrentam um afluxo contínuo e substancial de pessoas em fuga da agressão russa. Esta situação vem juntar-se às consequências da pandemia de COVID-19, nomeadamente as perturbações nas cadeias de valor, que colocam pressão sobre os orçamentos públicos que estavam centrados na recuperação da economia, e criam o risco de adiamento dos investimentos, especialmente em infraestruturas.

3.2.

O CESE reconhece, tal como a Comissão, que à medida que os efeitos diretos e indiretos da guerra na Ucrânia continuam a aumentar em todos os Estados-Membros, é fundamental assegurar os meios necessários para fazer face aos desafios dos fluxos migratórios e às perturbações no mercado, através de uma combinação de medidas de financiamento, procedimentos e assistência técnica, aliada à flexibilidade, agilidade e rapidez de resposta.

3.3.

O CESE concorda plenamente que o financiamento deve ser disponibilizado mediante uma revisão específica do atual quadro financeiro, a fim de evitar a interrupção dos financiamentos necessários para as medidas fundamentais de mitigação da crise e de apoio às pessoas carenciadas. O CESE já tinha recomendado em pareceres anteriores (4) a atribuição de recursos adicionais aos Estados-Membros, enquanto pré-financiamento imediato.

3.4.

O CESE congratula-se com o facto de a possibilidade de cofinanciamento até 100 % ter sido alargada a essas medidas, em relação ao exercício contabilístico que terminou em 30 de junho de 2022, a fim de contribuir para atenuar a carga que recai sobre as finanças públicas dos Estados-Membros, bem como com o facto de o aumento substancial do pré-financiamento (5) a partir dos recursos da REACT-EU proporcionar aos Estados-Membros a liquidez necessária para prover às necessidades mais prementes.

3.5.

O CESE saúda igualmente a proposta da Comissão de introdução de uma taxa de cofinanciamento de até 100 % para as prioridades que promovem a integração socioeconómica de nacionais de países terceiros ao abrigo dos programas para 2021-2027. Apesar do período de vigência terminar em 30 de junho de 2024, a possibilidade de rever a disposição com base na forma como foi utilizada e de prorrogá-la caso se verifique ser eficaz proporciona um roteiro para a disponibilização de mais flexibilidade e liquidez quando surgem necessidades de financiamento urgentes.

3.6.

O CESE elogia fortemente a introdução da disposição que estabelece que, pelo menos, 30 % do apoio no âmbito das prioridades pertinentes deve ser concedido a beneficiários que sejam órgãos de poder local, parceiros sociais e organizações da sociedade civil que operam em comunidades locais, a fim de assegurar que estes tipos de beneficiários recebem uma parte adequada desses recursos, tendo em conta o seu papel ativo nas ações de acolhimento e integração dos refugiados. No entanto, considera que essa percentagem pode ser demasiado baixa para os países limítrofes da Ucrânia que estão a acolher um número consideravelmente mais elevado de refugiados. Por conseguinte, embora se trate de um nível mínimo, deve ser encorajada uma dotação maior, sendo desejável que, pelo menos, 50 % do apoio no âmbito de uma determinada prioridade sejam concedidos a órgãos de poder local e organizações da sociedade civil que operam em comunidades locais.

3.7.

O CESE compreende a necessidade de respeitar os objetivos originais da política de coesão e que esta não pode tornar-se um «curativo» universal para todas as emergências que possam surgir. Nesse sentido, a limitação do montante total programado no âmbito das prioridades de integração de refugiados num Estado-Membro a 5 % da dotação nacional inicial desse Estado-Membro proveniente do FEDER e do FSE + combinados é compreensível. No entanto, estes limiares deverão ser objeto de revisão numa fase mais precoce a fim de deixar margem suficiente para alterações, se necessário, nomeadamente em relação aos países limítrofes. É evidente que os desafios que se colocam aos países que acolhem a grande maioria dos refugiados que fogem da Ucrânia são maiores do que para os outros Estados-Membros da UE. Por conseguinte, os limites percentuais devem ter em conta a realidade no terreno e as disparidades em termos dos desafios enfrentados pelos diferentes Estados-Membros.

3.8.

O CESE exorta a Comissão Europeia a colaborar estreitamente com os Estados-Membros, os órgãos de poder local e as organizações da sociedade civil com vista a utilizar quanto antes e o mais eficazmente possível as possibilidades de apoio aos refugiados criadas pela FAST-CARE. Embora a proposta de regulamento preveja a obrigação de os Estados-Membros comunicarem o cumprimento da condição de 30 % no relatório final de execução, o CESE recomenda que seja exigida a apresentação continua de relatórios, bem como o envolvimento da sociedade civil na monitorização do cumprimento dessa disposição.

3.9.

As considerações anteriores aplicam-se igualmente ao planeamento, execução e acompanhamento dos programas relacionados com a aplicação da política de coesão e ao processo de seleção dos projetos a executar. Neste contexto, há que estar atento ao risco de transformar a política de coesão num conjunto de respostas fragmentadas às situações de emergência que têm abalado o nosso continente.

3.10.

Para obter uma taxa de absorção adequada que reflita uma utilização tão eficaz quanto possível dos recursos existentes, é fundamental estabelecer sinergias claras entre os princípios da coesão e os principais objetivos da política e as novas realidades sociais, económicas e ambientais no que diz respeito à escassez de mão de obra, às dificuldades nas cadeias de abastecimento e à subida dos preços e do custo da energia.

4.

O CESE regista a decisão da Comissão de não prorrogar por mais um ano a regra N+3 em relação ao período de 2014-2020, bem como a sua apreciação de que, apesar da antecipação das dotações de pagamento para 2022 e 2023 (principalmente devido ao pré-financiamento), a FAST-CARE é neutra do ponto de vista orçamental no período de 2021-2027 e não requer a alteração dos limites máximos anuais do Quadro Financeiro Plurianual para autorizações e pagamentos. Não obstante, o CESE encoraja vivamente a Comissão a acompanhar o impacto das alterações e a deixar margem para ajustamento a necessidades ou prioridades emergentes ou crescentes.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Ver Relatório do CESE — COVID-19: Fundos Europeus Estruturais e de Investimento — flexibilidade excecional.

(2)  Nos seus pareceres, o CESE tem reiterado a necessidade de assegurar que o QFP para o período de 2021-2027 preveja a possibilidade de introdução de novos instrumentos financeiros inovadores que vão além do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) (JO C 364 de 28.10.2020); COVID-19: Fundos Europeus Estruturais e de Investimento — flexibilidade excecional, Iniciativa de Investimento Resposta ao Coronavírus; Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FAEPMC) / Crise da COVID-19.

(3)  Ver Parecer do CESE — Oitavo Relatório sobre a Coesão (JO C 323 de 26.8.2022, p. 54).

(4)  Parecer do CESE — Iniciativa REACT-EU.

(5)  O CESE tem afirmado de forma reiterada em pareceres anteriores que o aumento do nível dos adiantamentos ou do pré-financiamento deve ser saudado, mas que é necessário envidar esforços adicionais para garantir que os recursos financeiros sejam mobilizados o mais rapidamente possível. Tal como referido no Projeto de Parecer — Assistência financeira aos Estados-Membros afetados por uma emergência grave em saúde pública.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/149


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Trabalho digno em todo o mundo

[COM(2022) 66 final]

(2022/C 486/21)

Relatora:

Maria del Carmen BARRERA CHAMORRO

Consulta

Comissão Europeia, 2.5.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

6.9.2022

Adoção em plenária

22.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

132/23/33

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) sublinha a importância de a Comissão definir uma estratégia para promover o trabalho digno em todo o mundo, em vez de apenas na União Europeia (UE). Destaca o facto de a Comissão apresentar, a par da proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, uma comunicação sobre o trabalho digno em todo o mundo para uma transição justa e uma recuperação sustentável, em que reafirma o compromisso da UE de defender mais eficazmente o trabalho digno, mediante normas e políticas comerciais e de investimento, assim como através de um instrumento para proibir a entrada na União Europeia de produtos fabricados, mesmo fora do mercado interno, com recurso ao trabalho forçado. O CESE congratula-se com o facto de o novo quadro combinar a proibição com um sistema de garantias de execução, assente em normas internacionais e obrigações em matéria de dever de diligência e transparência. No entanto, considera adequado que a Comissão avalie o seu impacto económico, social e ambiental, especialmente no que diz respeito às PME.

1.2.

O CESE observa que, apesar das melhorias registadas, o trabalho digno ainda não é uma realidade para muitas pessoas em todo o mundo. Face a este cenário preocupante, a Comissão assinala que a pandemia de COVID-19 e as transformações no mundo do trabalho, resultantes dos progressos tecnológicos, das alterações climáticas, da transição demográfica e da globalização, colocam sérios desafios às empresas, que podem, por sua vez, ter um impacto negativo no cumprimento efetivo das normas laborais e de proteção social dos trabalhadores em todo o mundo. O CESE entende que a UE deve continuar a reforçar o seu papel de líder mundial socialmente responsável, utilizando e desenvolvendo todos os instrumentos à sua disposição, inclusivamente legislativos. Tal como a Comissão, o CESE observa que os consumidores procuram cada vez mais produtos e serviços produzidos de forma inclusiva, sustentável e justa, que tenham em conta e assegurem o trabalho digno das pessoas que os produzem, incluindo das pessoas que trabalham na economia informal.

1.3.

O CESE acolhe com agrado o facto de a comunicação em apreço, adotada pela Comissão para promover o trabalho digno em todos os setores e domínios de intervenção, apresentar uma estratégia global que visa todos os trabalhadores nos mercados nacionais, em países terceiros e nas cadeias de abastecimento mundiais. Salienta que a UE deve utilizar todas as suas políticas, internas e externas (nomeadamente a política comercial), para promover e assegurar o trabalho digno em todo o mundo, colocando esse objetivo no centro da recuperação sustentável e inclusiva, assim como da transição digital.

1.4.

O CESE congratula-se com o facto de a UE propor um pacote global de ações e instrumentos com impacto na promoção dos quatro pilares do conceito universal de trabalho digno, explanado na Declaração da OIT de 2008 sobre Justiça Social para uma Globalização Justa, conforme alterada em 2022 e refletida nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a saber, a promoção do emprego; normas que assegurem os direitos laborais, nomeadamente a eliminação do trabalho forçado e do trabalho infantil; a proteção social adequada; e o diálogo social e a estrutura tripartida, sendo a igualdade de género um objetivo transversal.

1.5.

O CESE insta a Comissão a aprofundar determinados aspetos do princípio do trabalho digno que atualmente assumem especial relevância, tanto do ponto de vista social como económico. A título de exemplo, destaca, além da igualdade de género e da não discriminação (promoção de uma perspetiva de igualdade de género no âmbito do objetivo do trabalho digno), a luta contra o risco de exclusão dos grupos mais vulneráveis, como as pessoas com deficiência, nos mercados de trabalho, a saúde e segurança no trabalho, bem como a natureza sustentável do emprego no âmbito da transição ecológica. Trata-se aqui de objetivos transversais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Agenda 2030. Neste contexto, o CESE congratula-se com a alteração da Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, a fim de incluir o direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável.

1.6.

O CESE aprecia o facto de a Comissão propor na sua comunicação não só o reforço do cumprimento dos instrumentos existentes, mas também a adoção de novos instrumentos, nomeadamente regulamentares, nos quatro pilares da Agenda para o Trabalho Digno. No que respeita ao primeiro, no âmbito das políticas da UE com alcance para além da União, o CESE congratula-se com a promoção pela UE de normas pioneiras à escala mundial em prol da responsabilidade social, da transparência e da sustentabilidade da atividade empresarial. Congratula-se igualmente com a adoção pelo Parlamento Europeu da Resolução sobre um novo instrumento comercial destinado a proibir os produtos fabricados usando trabalho forçado (1).

1.7.

No âmbito do pacote Economia Justa e Sustentável, a Comissão apresentou igualmente uma proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (ver o Parecer INT/973). O CESE considera essa proposta um passo importante na promoção do respeito pelos direitos humanos enquanto dever das empresas e do seu pessoal de gestão. Não obstante, considera que a proposta ainda apresenta muitas lacunas (por exemplo, o âmbito de aplicação reduzido, dado que só se aplica diretamente às grandes empresas, e apenas indiretamente às PME, e a fraca representação dos trabalhadores), bem como conceitos jurídicos pouco claros (por exemplo, o requisito de relações empresariais «estabelecidas»), suscetíveis de ser aplicados de forma diferente pelas autoridades nacionais e pelos tribunais, o que cria insegurança jurídica tanto para os trabalhadores como para as empresas. Por conseguinte, preconiza um processo de diálogo equilibrado entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho, a fim de colmatar essas lacunas e melhorar a eficácia do instrumento regulamentar que será adotado.

1.8.

O CESE regista as dificuldades que algumas empresas enfrentam para controlar toda a sua cadeia de valor e garantir o trabalho digno. No entanto, considera que a redução das garantias não constitui uma solução para este problema, uma vez que diminui a eficácia da medida, gera insegurança jurídica para as empresas e abre a porta à concorrência desleal. Pelo contrário, o CESE crê que a forma adequada de fazer face a essas dificuldades de controlo geral sem gerar tais efeitos negativos consiste em estabelecer instrumentos de apoio e colaboração adequados para assegurar a eficácia dos instrumentos propostos. Para o efeito, além dos instrumentos públicos de apoio e de orientação, também os canais de participação dos representantes dos trabalhadores ao longo da cadeia de valor e no âmbito do diálogo social, nos diferentes níveis correspondentes, podem desempenhar um papel fundamental. O CESE entende que o aumento da eficácia da governação do dever de diligência em toda a cadeia de valor, facilitando o trabalho das empresas, é um motivo forte para que se reconheça e assegure a participação dos representantes dos trabalhadores.

1.9.

No domínio das relações bilaterais e regionais da UE, o CESE congratula-se, em particular, com a proposta da UE de utilizar a política comercial como instrumento para promover o cumprimento das normas internacionais de trabalho pelas empresas de países terceiros, fomentando o trabalho digno em todas as empresas e em todos os países, nomeadamente nos países vizinhos. Nesse sentido, o CESE realça a proposta de revisão do Regulamento Preferências Comerciais da UE. Destaca que um dos objetivos dessa proposta é facilitar as importações de países cujas empresas respeitam os requisitos sociais, laborais e ambientais, nomeadamente o trabalho digno. O CESE crê que tal contribuirá para melhorar o modelo de competitividade global assente não só na justiça social, mas também na concorrência leal entre as empresas.

1.10.

O CESE apoia a decisão da UE de participar ativamente na reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), a fim de integrar a dimensão social nas políticas de crescimento económico mundial, à luz dos desafios significativos a enfrentar (as transições digital e ecológica, o envelhecimento, a prevenção de futuras pandemias, etc.). A otimização do crescimento, da competitividade e dos lucros, no sentido de gerar mais riqueza, emprego e bem-estar, implica o estabelecimento de quadros e de políticas para uma transição justa, que visem nomeadamente garantir e promover o trabalho digno e sustentável a nível mundial, com uma transição justa baseada numa abordagem assente no diálogo social, como já aconteceu no passado.

1.11.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de inclusão de mecanismos de avaliação e acompanhamento do cumprimento da Diretiva Dever de Diligência. No entanto, manifesta preocupação com o facto de esses mecanismos não preverem o diálogo social com os parceiros sociais. Por conseguinte, solicita à Comissão que estabeleça claramente esses mecanismos no texto legislativo proposto.

1.12.

Ademais, apela para que a UE apoie um tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos e pondere o estabelecimento de uma convenção da OIT sobre o trabalho digno nas cadeias de abastecimento.

2.   Introdução e contexto

21.1.

A garantia e a promoção do trabalho digno e da justiça social estão no cerne dos quadros regulamentares e das políticas acordados numa base tripartida na Agenda para o Trabalho Digno da OIT e na Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, adotada em 1998 (alterada em 2022) e reiterada na Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho (2019). De igual modo, assegurar que o trabalho digno se torne a norma em todo o mundo constitui um desígnio central dos compromissos assumidos por toda a comunidade internacional no quadro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, em especial, mas não exclusivamente, do objetivo n.o 8, que visa promover o crescimento económico sustentado, inclusivo e sustentável, gerador de emprego produtivo e de trabalho digno para todos.

21.2.

O CESE subscreve o ponto de vista da Comissão de que esta estratégia de defesa e promoção do trabalho digno em todo o mundo não só é adequada, como também necessária, no âmbito do modelo de recuperação sustentável estabelecido e financiado no âmbito do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU). Os dados fornecidos pela Comissão e pela OIT indicam que, apesar das melhorias registadas, o trabalho digno ainda não é uma realidade para muitas pessoas em todo o mundo. Segundo as estimativas da OIT, há 4 mil milhões de pessoas sem acesso à proteção social e 205 milhões de pessoas sem trabalho. A nível mundial, uma em cada dez crianças (160 milhões) trabalha e 25 milhões de pessoas estão em situação de trabalho forçado. Em média, quase uma em cada quatro vítimas de trabalho forçado é explorada fora do seu país de origem, com diferenças acentuadas consoante o tipo de situação. Além disso, apesar de a saúde e segurança no trabalho constituírem um aspeto fundamental do trabalho digno, os dados da OIT indicam que, a cada minuto, mais de cinco trabalhadores morrem no mundo devido a acidentes de trabalho ou doenças profissionais.

21.3.

O CESE acolhe com agrado o facto de a UE ter decidido dar um novo impulso a um modelo de recuperação económica que concilia a criação de riqueza e de oportunidades de emprego no mundo com a garantia e a promoção do respeito pelos direitos humanos, pelo trabalho digno e pelo ambiente. A Comunicação Conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho relativa ao reforço da contribuição da UE para um multilateralismo assente em regras salienta as dificuldades de progressão em relação a esses objetivos na sequência da crise pandémica, que atingiu as pessoas, as empresas e os Estados. Para promover avanços, propõe-se, por conseguinte, na comunicação, que a regulamentação, as políticas e os investimentos assegurem e promovam uma recuperação económica digital, ecológica e inclusiva.

21.4.

Neste contexto, a Comissão apresentou 1) a Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu sobre o trabalho digno em todo o mundo para uma transição mundial justa e uma recuperação sustentável [COM(2022) 66 final de 23 de fevereiro de 2022] e 2) a Proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, objeto de outro parecer do CESE (INT/973) em fase de elaboração.

21.5.

O CESE já observou que as empresas operam cada vez mais além-fronteiras. As empresas multinacionais, com as suas cadeias de abastecimento mundiais, são os principais agentes, e as pequenas e médias empresas (PME) representam um número cada vez maior. O CESE já propôs iniciativas regulamentares e políticas para melhorar a sustentabilidade, garantir o respeito pelos direitos humanos e promover o trabalho digno nas cadeias de valor das empresas (2).

21.6.

O CESE reconhece a importância dos instrumentos assentes na responsabilidade social das empresas (RSE) para a consecução de um desenvolvimento justo, uma vez que a RSE incentiva mudanças comportamentais positivas no sentido da sustentabilidade ambiental e social. No entanto, o Comité alertou igualmente para a necessidade de melhorar esses instrumentos. Por conseguinte, insta a UE e os seus Estados-Membros a assegurarem uma aplicação mais eficiente dos instrumentos internacionais existentes, com vista a alcançar um crescimento e uma recuperação sustentáveis, justos e resilientes após a COVID-19, centrados no trabalho digno. O CESE apelou para que, por um lado, a UE apoie um tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos (3) e, por outro, pondere o estabelecimento de uma convenção da OIT sobre o trabalho digno nas cadeias de abastecimento. Manifestou igualmente o seu apoio a um quadro vinculativo eficaz e coerente da UE em matéria de dever de diligência e responsabilidade das empresas, assente no diálogo social com os parceiros sociais e numa abordagem multilateral.

21.7.

O CESE reconhece as vantagens de um quadro regulamentar da UE harmonizado em matéria de dever de diligência e de sustentabilidade. nomeadamente, o facto de promover a concorrência leal entre todas as empresas, incluindo as empresas de países terceiros que operam na UE, na medida em que ficam sujeitas às mesmas condições, além de proporcionar maior segurança jurídica. Este quadro regulamentar harmonizado facilitará a transição das empresas e dos trabalhadores para uma economia com impacto neutro no clima, pautada por condições de justiça social e laboral em todas as cadeias mundiais. Consequentemente, o CESE defende um quadro regulamentar da UE coerente e equilibrado em matéria de dever de diligência empresarial, além de eficaz e proporcionado.

21.8.

O CESE está plenamente ciente da necessidade urgente de aplicar um mecanismo de recuperação financeira pós-pandemia em todos os Estados-Membros e de apoiar todos os processos de recuperação pós-pandemia a nível mundial, bem como as várias transições para uma economia verde (neutra em termos de carbono e circular) e inovadora (digital), em plenas condições de sustentabilidade, social e ambiental, no âmbito do diálogo social com os intervenientes sociais e de modelos de governação tripartida. É esta preocupação que o CESE espera ver refletida na nova comunicação e recomendação sobre o futuro do diálogo social.

21.9.

O CESE assinala a investigação realizada por observadores internacionais em matéria de direitos humanos, nomeadamente a Organização Internacional do Trabalho, o Conselho da Europa e a Confederação Sindical Internacional (Global Rights Index [índice mundial dos direitos]), em que se confirma que a falta de garantias em matéria de direitos humanos (incluindo as garantias dos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores), bem como o incumprimento no domínio ambiental, continuam a agravar-se em todo o mundo. A pandemia só veio acentuar a situação em vários países em todo o mundo, onde pioraram as condições de vida precárias e abusivas. O trabalho infantil e o trabalho forçado também aumentaram.

21.10.

O CESE reconhece que os elementos factuais disponíveis indicam que cada vez mais empresas adotam sistemas de gestão baseados na RSE e desenvolvem modelos de negócio consentâneos com a Agenda 2030 das Nações Unidas e os ODS. No entanto, tal como a Comissão, o CESE entende que há margem para melhorias. Além disso, os progressos não só têm sido mais lentos, mas também extremamente desiguais. O CESE crê que o progresso rumo a quadros jurídicos da UE harmonizados, complementados pelo apoio técnico e a orientação prática da Comissão, constitui um avanço positivo, em particular para as PME. Dessa forma, os compromissos serão mais eficazes e beneficiarão as empresas que operam no mercado da UE, proporcionando-lhes maior segurança jurídica e condições equitativas.

3.   Principais ações propostas pela Comissão para promover o trabalho digno

3.1.

O acompanhamento dos progressos rumo ao trabalho digno é uma preocupação de longa data para a OIT, a qual tem promovido indicadores destinados a medir os progressos reais. O CESE considera esse aspeto importante tendo em conta que a própria Comissão já publicou, há alguns anos, uma comunicação a esse respeito (4), pelo que insta a Comissão a aplicar de forma mais adequada uma agenda ambiciosa e inovadora e a assegurar efetivamente que os progressos realizados aliam a competitividade à justiça social. Sublinha ainda que o trabalho digno não é apenas uma questão de emprego e de proteção social, mas é também uma questão de governação, que deve incluir o diálogo social com os parceiros sociais em todos os níveis da cadeia mundial e em todas as etapas dos processos de produção.

3.2.

O CESE considera positivo que a UE continue a promover a sua agenda rumo a um mundo do trabalho que conduza a uma consecução efetiva de todos os elementos que compõem o conceito universal de trabalho digno da OIT, indo além da mera declaração formal. Esta visão é consentânea com a inclusão de todos os componentes das normas internacionais em matéria de trabalho digno na Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (1998) (5).

3.3.

O CESE considera inaceitável que o trabalho digno ainda esteja longe de ser uma realidade para centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, o que dificulta a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos na Agenda 2030 das Nações Unidas pela comunidade internacional. Embora os ODS incluam o conceito de trabalho digno, a recente sucessão de crises, a par dos enormes desafios económicos e sociais do nosso tempo ameaçam permanentemente o trabalho digno para todos (ODS n.o 8 e outros ODS conexos).

3.4.

A eliminação do trabalho infantil e do trabalho forçado está no cerne desses esforços. O número de menores em situação de trabalho infantil aumentou mais de oito milhões entre 2016 e 2020, invertendo a anterior tendência descendente. O CESE acolhe com satisfação a proposta da Comissão no sentido de elaborar novas medidas jurídicas e não jurídicas mais eficazes, tendo em conta a política de recusa total do trabalho infantil, o que inclui a proibição de entrada no mercado da UE de produtos fabricados ou distribuídos com recurso a trabalho forçado ou trabalho infantil. Nesse sentido, o CESE considera necessário completar o novo quadro com uma avaliação do impacto económico, social e ambiental das diferentes medidas legislativas e não legislativas. Solicita ainda que se reforce a nova política comercial da UE enquanto um dos motores do crescimento económico, de molde a cumprir o compromisso de respeitar os direitos humanos internacionais, aplicar os respetivos instrumentos e lutar contra o trabalho infantil e o trabalho forçado em toda a cadeia de abastecimento. Desse modo, as novas medidas serão consentâneas com um modelo de recuperação económica e de competitividade global inclusivo.

3.5.

O CESE congratula-se com a proposta de diretiva relativa ao dever de diligência e com a introdução de novas garantias jurídicas para uma luta mais eficaz contra o trabalho forçado e o trabalho infantil em toda a cadeia de valor mundial. Concorda com a afirmação da Comissão de que a luta contra o trabalho forçado não pode ser travada apenas pelas autoridades. Congratula-se igualmente com a adoção pelo Parlamento Europeu da Resolução sobre um novo instrumento comercial destinado a proibir os produtos fabricados usando trabalho forçado (6). Várias empresas privadas já estão empenhadas na consecução destes objetivos, mas têm de ir mais longe, em consonância com a proposta de diretiva relativa à comunicação de informações sobre a sustentabilidade das empresas, a fim de assegurar a eficácia e a proporcionalidade deste quadro coerente da UE e, desse modo, reforçar a competitividade.

3.6.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão Europeia promover a utilização de um quadro jurídico coerente da UE e a política de contratação pública socialmente responsável enquanto ferramentas poderosas para lutar pelo trabalho digno e combater o trabalho forçado e o trabalho infantil. No entanto, considera que, para avançar nesse sentido, é necessária uma aplicação mais efetiva do quadro regulamentar, que aumente a eficácia prática das cláusulas sociais e ambientais no âmbito da contratação pública da UE e do comércio justo.

3.7.

O CESE saúda a nova proposta de regulamento da UE relativo ao Sistema de Preferências Generalizadas para promover o desenvolvimento sustentável nos países de rendimento baixo no período 2024-2034. Considera positivo que o novo Sistema de Preferências Generalizadas aumente as oportunidades de a UE recorrer às preferências comerciais para criar oportunidades económicas e promover o desenvolvimento sustentável em conformidade com o trabalho digno. A integração de acordos em matéria de governação, como o relativo à consulta tripartida, reforçará o papel do diálogo social com os parceiros sociais.

3.8.

O CESE regista o compromisso, no âmbito do domínio de intervenção 2, de considerar o trabalho digno uma das prioridades do novo Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional — Europa Global (IVCDCI — Europa Global (7)). Este programa sobre os direitos humanos e a democracia prevê ações específicas de promoção do trabalho digno para todos, especialmente a nível nacional e regional, incluindo a luta contra o trabalho forçado e o trabalho infantil. O CESE saúda o facto de as novas ações do IVCDCI — Europa Global incluírem a promoção do diálogo social e uma maior autonomia dos parceiros sociais, bem como o diálogo com os países parceiros, contribuindo para a ratificação e a aplicação efetivas das atuais convenções da OIT, em especial as convenções fundamentais e em matéria de governação.

4.   Observações na generalidade

4.1.

Tal como a OIT, o CESE manifesta preocupação com o facto de as empresas e os trabalhadores mais afetados pela sucessão de crises iniciada em 2008 beneficiarem menos da melhoria das condições económicas e tecnológicas, uma vez que alguns setores da economia ou do mercado de trabalho são mais favorecidos pelos esforços com vista à recuperação, enquanto outros ficam para trás.

4.2.

O CESE reafirma que a proteção do trabalho digno em todo o mundo decorre da necessidade de respeitar a dignidade humana e considera, por conseguinte, que a proposta em apreço constitui um passo importante no âmbito do respeito e da promoção dos direitos humanos nas empresas e espera que constitua um estímulo significativo à realização de mais progressos.

4.3.

No entanto, considera que continuam a existir muitas deficiências e conceitos jurídicos pouco claros sujeitos a diversas interpretações, que as autoridades e os tribunais nacionais podem aplicar de forma diferente, criando insegurança jurídica tanto para os trabalhadores como para as empresas. Por exemplo, a utilização de conceitos vagos como «relação empresarial estabelecida»» ou o estabelecimento de meras garantias contratuais de cumprimento dos códigos de conduta põem em risco a eficácia da diretiva. O CESE propõe que a Comissão clarifique de forma rigorosa estes conceitos jurídicos, incluindo as deficiências do regime de responsabilidade civil previsto, e integre opções para a representação sindical das empresas ao nível adequado para tornar o seu cumprimento mais eficaz.

4.4.

O CESE toma nota da abordagem de participação das partes interessadas na base de toda a proposta de diretiva. A participação efetiva dos sindicatos e dos representantes dos trabalhadores é importante para o êxito da proposta. No entanto, o Comité lamenta que a proposta não lhe dê a devida atenção. O CESE considera que este tipo de lacuna de proteção prejudica tanto os trabalhadores como as empresas, devido ao seu impacto coletivo. Neste contexto, a atual participação dos representantes dos trabalhadores organizados, por exemplo com base no trabalho dos conselhos de empresa europeus ou no âmbito dos acordos-quadro internacionais, deverá proporcionar uma orientação adequada e apoio ao novo quadro regulamentar.

4.5.

O CESE regista com satisfação a abordagem abrangente do trabalho digno adotada na comunicação da Comissão. Tal abordagem tem em conta o desejo dos consumidores de privilegiar modelos de produção e de distribuição de bens e serviços mais respeitadores das condições de sustentabilidade social e ambiental. A Comissão verificou que a maioria dos consumidores prefere modos de consumo, incluindo no comércio eletrónico, que privilegiam os produtos associados ao respeito pelo trabalho digno e pelo equilíbrio ambiental. Consequentemente, o CESE apela para a promoção deste papel de responsabilidade social dos consumidores através do reforço da informação e da formação, a fim de aumentar a eficácia das medidas propostas pela Comissão para garantir e promover o trabalho digno no mundo.

4.6.

O CESE considera positivo que a Comissão Europeia tenha acedido ao pedido do Parlamento Europeu de apresentar uma proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (INT/973), mas chama a atenção para o facto de a proposta da Comissão restringir o número de empresas abrangidas, limitando, desse modo, o alcance da iniciativa legislativa solicitada pelo Parlamento Europeu. O CESE reclama um processo de diálogo entre as três instituições europeias para alcançar um acordo sobre esse quadro regulamentar coerente da UE, nomeadamente o alargamento adequado do âmbito de aplicação da futura diretiva, o que melhorará a sua eficácia, incluindo na perspetiva da concorrência leal entre todas as empresas, e corrigirá algumas lacunas regulamentares do texto proposto, a fim de proporcionar às empresas maior segurança jurídica.

5.   Observações na especialidade

5.1.

O CESE toma nota do esforço proposto pela Comissão no sentido de a UE utilizar todos os instrumentos, políticas e recursos na sua esfera de competências (contratação pública, acordos comerciais, política de desenvolvimento, política de investimento, fundos, etc.) para promover o trabalho digno a nível mundial. Solicita, em particular, um desenvolvimento e uma aplicação mais eficazes do conjunto de instrumentos destinados a garantir e promover condições de trabalho dignas, assim como a ratificação das normas internacionais do trabalho, o que passa pelas reformas necessárias para apoiar a recuperação da economia, a competitividade das empresas europeias e a sua capacidade para criar empregos dignos no mundo.

5.2.

O CESE observa que a proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas sustentáveis atribui grande importância às técnicas de RSE, como é o caso dos códigos de conduta unilaterais. Estes instrumentos não têm em conta a posição dos trabalhadores. O CESE considera que seria oportuno incluir igualmente técnicas de governação coletiva para promover canais úteis para a participação dos representantes dos trabalhadores na definição dos compromissos em matéria de trabalho digno e no acompanhamento do respetivo cumprimento ao longo da cadeia de valor. Conforme descrito no ponto 4.4, os acordos-quadro internacionais devem proporcionar orientação e apoio adequados.

5.3.

O CESE concorda com a Comissão quanto à necessidade de medidas suplementares e de melhor qualidade para combater eficazmente o trabalho forçado. Para esse efeito, apoia a intenção da Comissão de aplicar, o mais rapidamente possível, a proibição de colocação no mercado da UE de produtos (nacionais ou importados) fabricados com recurso a trabalho forçado, incluindo trabalho infantil. Simultaneamente, o CESE recomenda uma análise das diferentes medidas e uma avaliação completa dos impactos económicos, sociais e ambientais dos diferentes cenários. Essa proibição tem de ser coerente com as condições de comércio justo, por um lado, e com os compromissos da UE em matéria de política comercial comum e de competitividade global da Europa, por outro.

5.4.

O CESE subscreve a posição da Comissão de que são necessárias medidas adicionais para combater eficazmente o trabalho infantil, dada a grande complexidade das causas desse fenómeno (incluindo as dificuldades financeiras, a falta de oportunidades educativas melhores, os costumes locais relacionados com o papel das crianças na sociedade, etc.). Paralelamente, solicita uma aplicação e execução coerentes dos instrumentos internacionais existentes. Por conseguinte, para erradicar o trabalho infantil, é necessária uma abordagem abrangente (holística) do desenvolvimento económico sustentável assente no trabalho digno: recursos para uma educação de qualidade, bem como rendimentos e proteção social adequada para todos.

5.5.

O CESE considera também especialmente importante a revisão da Diretiva da UE relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos (8), que exige que os Estados-Membros o proíbam por lei, tendo também como objetivo proteger as pessoas contra o trabalho forçado (que afeta de forma desproporcionada as mulheres e as raparigas e, em especial, os imigrantes, entre outros grupos mais vulneráveis). O CESE já expressou a sua satisfação com a abordagem global e integrada da proteção das vítimas de tráfico de seres humanos (9).

5.6.

O CESE realça a importância da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às obrigações verdes europeias (COM(2021)391 final), que visa explorar melhor o potencial do mercado único e da União dos Mercados de Capitais para contribuir para a consecução dos objetivos climáticos e ambientais da União, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, alínea c) do Acordo de Paris de 2016 sobre as alterações climáticas e o Pacto Ecológico Europeu. Desde o início do processo, o CESE defendeu que o Pacto Ecológico só pode e só será bem-sucedido se for também um pacto social, tendo solicitado uma definição mais precisa do conceito de «investimento social», a fim de proporcionar maior segurança jurídica aos mercados e às empresas (10).

5.7.

O CESE apoia o trabalho desenvolvido pela Comissão com vista à adoção de um novo regulamento da UE relativo ao Sistema de Preferências Generalizadas para o período 2024-2034. Observa que a Comissão reforçou o seu apoio à promoção da observância das normas internacionais do trabalho nos países beneficiários do Sistema de Preferências Generalizadas, acrescentando duas novas convenções sobre direitos laborais (as convenções n.os 81 e 144 da OIT, sobre inspeção do trabalho e sobre a consulta tripartida, respetivamente) e reconhece que a exportação de bens produzidos com recurso ao trabalho infantil e ao trabalho forçado constitui um motivo para a suspensão das preferências pautais. O CESE recomenda que se inclua a Declaração da OIT de 1998, tal como alterada em 2022, no projeto de Regulamento relativo ao Sistema de Preferências Generalizadas para o período 2024-2034.

5.8.

Além disso, o CESE saúda a intenção da Comissão de apoiar a reforma da OMC, no sentido de contribuir para o desenvolvimento sustentável, integrar a dimensão social da globalização e fomentar acordos no seu âmbito que promovam o trabalho digno e a justiça social. O CESE espera que os processos de negociação em curso alcancem um equilíbrio adequado entre os objetivos sociais e os objetivos destinados a melhorar a competitividade económica mundial.

5.9.

O CESE aprecia a proposta de inclusão de mecanismos de avaliação e controlo do cumprimento da diretiva relativa ao dever de diligência, nomeadamente de uma rede europeia de autoridades de supervisão, a fim de contribuir para a respetiva aplicação. No entanto, observa com preocupação que, em primeiro lugar, o mandato (jurisdição) desse organismo de controlo não é definido de forma clara e que, em segundo lugar, esses mecanismos não preveem o diálogo social com os parceiros sociais. Por conseguinte, solicita à Comissão que estabeleça claramente esses mecanismos no texto legislativo proposto.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0245_PT.html.

(2)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Cadeias de abastecimento sustentáveis e trabalho digno no comércio internacional, CESE 2020/02161 (JO C 429 de 11.12.2020, p. 197).

(3)  O CESE já abordou esta questão em pormenor no Parecer — Tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos (JO C 97 de 24.3.2020, p. 9.).

(4)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52006DC0249.

(5)  www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:62:0::NO:62:P62_LIST_ENTRIE_ID:2453911:NO.

(6)  https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0245_PT.html.

(7)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=CELEX%3A32021R0947.

(8)  Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas e que substitui a Decisão-Quadro 2002/629/JAI do Conselho (JO L 101 de 15.4.2011, p. 1).

(9)  JO C 51 de 17.2.2011, p. 50.

(10)  O CESE está a elaborar um parecer de iniciativa sobre este tema: Taxonomia social — Desafios e oportunidades (ver página 15 do presente Jornal Oficial).


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 43.o, n.o 2, do Regimento):

ALTERAÇÃO 3

SOC/727

Trabalho digno em todo o mundo

Ponto 2.6

Alterar:

Proposta por

BLIJLEVENS René

GERSTEIN Antje Sabine

KONTKANEN Mira-Maria

MINCHEVA Mariya

MURESAN Marinel Dănuț

POTTIER Jean-Michel


Parecer da secção

Alteração

O CESE reconhece a importância dos instrumentos baseados na responsabilidade social das empresas (RSE) para a consecução de um desenvolvimento justo, uma vez que a RSE incentiva mudanças comportamentais positivas no sentido da sustentabilidade ambiental e social. No entanto, o Comité alertou igualmente para a necessidade de melhorar esses instrumentos. Por conseguinte, insta a UE e os seus Estados-Membros a assegurarem uma aplicação mais eficiente dos instrumentos internacionais existentes, com vista a alcançar um crescimento e uma recuperação sustentáveis, justos e resilientes após a COVID-19, centrados no trabalho digno. O CESE apelou para que, por um lado, a UE apoie um tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos (1) e, por outro, pondere o estabelecimento de uma convenção da OIT sobre o trabalho digno nas cadeias de abastecimento. Manifestou igualmente o seu apoio a um quadro vinculativo eficaz e coerente da UE em matéria de dever de diligência e responsabilidade das empresas, assente no diálogo social com os parceiros sociais e numa abordagem multilateral.

O CESE reconhece a importância dos instrumentos baseados na responsabilidade social das empresas (RSE) para a consecução de um desenvolvimento justo, uma vez que a RSE incentiva mudanças comportamentais positivas no sentido da sustentabilidade ambiental e social. No entanto, o Comité alertou igualmente para a necessidade de melhorar esses instrumentos. Por conseguinte, insta a UE e os seus Estados-Membros a assegurarem uma aplicação mais eficiente dos instrumentos internacionais existentes, com vista a alcançar um crescimento e uma recuperação sustentáveis, justos e resilientes após a COVID-19, centrados no trabalho digno. O CESE apelou para que, por um lado, a UE apoie um tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos (1) e, por outro, para que a OIT explore a criação e futura adoção de quaisquer instrumentos  (2) pertinentes e adequados que contribuam para o trabalho digno nas cadeias de abastecimento. Manifestou igualmente o seu apoio a um quadro vinculativo eficaz e coerente da UE em matéria de dever de diligência e responsabilidade das empresas, assente no diálogo social com os parceiros sociais e numa abordagem multilateral.

Resultado da votação

Votos a favor:

65

Votos contra:

97

Abstenções:

13

ALTERAÇÃO 4

SOC/727

Trabalho digno em todo o mundo

Ponto 2.7

Alterar:

Proposta por

BLIJLEVENS René

GERSTEIN Antje Sabine

KONTKANEN Mira-Maria

MINCHEVA Mariya

MURESAN Marinel Dănuț

POTTIER Jean-Michel


Parecer da secção

Alteração

O CESE reconhece as vantagens de um quadro regulamentar da UE harmonizado em matéria de dever de diligência e de sustentabilidade, nomeadamente, o facto de promover a concorrência leal entre todas as empresas, incluindo as empresas de países terceiros que operam na UE, na medida em que ficam sujeitas às mesmas condições, além de proporcionar maior segurança jurídica. Este quadro regulamentar harmonizado facilitará a transição das empresas e dos trabalhadores para uma economia com impacto neutro no clima, pautada por condições de justiça social e laboral em todas as cadeias mundiais. Consequentemente, o CESE defende um quadro regulamentar da UE coerente e equilibrado em matéria de dever de diligência empresarial, além de eficaz e proporcionado.

O CESE reconhece as vantagens de um quadro regulamentar da UE harmonizado em matéria de dever de diligência e de sustentabilidade, nomeadamente, o facto de promover a concorrência leal entre todas as empresas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação , incluindo as empresas de países terceiros que operam na UE, na medida em que ficam sujeitas às mesmas condições, além de proporcionar maior segurança jurídica. Este quadro regulamentar harmonizado facilitará a transição das empresas e dos trabalhadores para uma economia com impacto neutro no clima, pautada por condições de justiça social e laboral em todas as cadeias mundiais. Consequentemente, o CESE defende um quadro regulamentar da UE coerente e equilibrado em matéria de dever de diligência empresarial, além de eficaz e proporcionado.

Resultado da votação

Votos a favor:

73

Votos contra:

100

Abstenções:

14

ALTERAÇÃO 5

SOC/727

Trabalho digno em todo o mundo

Ponto 4.6

Alterar:

Proposta por

BLIJLEVENS René

GERSTEIN Antje Sabine

KONTKANEN Mira-Maria

MINCHEVA Mariya

MURESAN Marinel Dănuț

POTTIER Jean-Michel


Parecer da secção

Alteração

O CESE considera positivo que a Comissão Europeia tenha acedido ao pedido do Parlamento Europeu de apresentar uma proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (INT/973), mas chama a atenção para o facto de a proposta da Comissão restringir o número de empresas abrangidas, limitando, desse modo, o alcance da iniciativa legislativa solicitada pelo Parlamento Europeu. O CESE reclama um processo de diálogo entre as três instituições europeias para alcançar um acordo sobre esse quadro regulamentar coerente da UE, nomeadamente o alargamento adequado do âmbito de aplicação da futura diretiva , o que melhorará a sua eficácia, incluindo na perspetiva da concorrência leal entre todas as empresas, e corrigirá algumas lacunas regulamentares do texto proposto, a fim de proporcionar às empresas maior segurança jurídica.

O CESE considera positivo que a Comissão Europeia tenha acedido ao pedido do Parlamento Europeu de apresentar uma proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (INT/973), mas chama a atenção para o facto de a proposta da Comissão restringir o número de empresas abrangidas, limitando, desse modo, o alcance da iniciativa legislativa solicitada pelo Parlamento Europeu. O CESE reclama um processo de diálogo entre as três instituições europeias para alcançar um acordo sobre esse quadro regulamentar coerente da UE, nomeadamente para que os responsáveis políticos tenham presente a posição difícil das micro, pequenas e médias empresas (MPME) e assegurem a disponibilização de instrumentos de apoio aos níveis europeu e nacional assim que o ato legislativo relativo ao dever de diligência entre em vigor  (1), o que melhorará a sua eficácia, incluindo na perspetiva da concorrência leal entre todas as empresas abrangidas pelo âmbito de aplicação da futura diretiva , e corrigirá algumas lacunas regulamentares do texto proposto, a fim de proporcionar às empresas maior segurança jurídica.

Resultado da votação

Votos a favor:

68

Votos contra:

97

Abstenções:

15

ALTERAÇÃO 1

SOC/727

Trabalho digno em todo o mundo

Ponto 1.7

Alterar:

Proposta por

BLIJLEVENS René

GERSTEIN Antje Sabine

KONTKANEN Mira-Maria

MINCHEVA Mariya

MURESAN Marinel Dănuț

POTTIER Jean-Michel


Parecer da secção

Alteração

No âmbito do pacote Economia Justa e Sustentável, a Comissão apresentou igualmente uma proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (ver o Parecer INT/973). O CESE considera essa proposta um passo importante na promoção do respeito pelos direitos humanos enquanto dever das empresas e do seu pessoal de gestão. Não obstante, considera que a proposta ainda apresenta muitas lacunas (por exemplo, o âmbito de aplicação reduzido, dado que só se aplica diretamente às grandes empresas, e apenas indiretamente às PME , e a fraca representação dos trabalhadores), bem como conceitos jurídicos pouco claros (por exemplo, o requisito de relações empresariais «estabelecidas»), suscetíveis de ser aplicados de forma diferente pelas autoridades nacionais e pelos tribunais, o que cria insegurança jurídica tanto para os trabalhadores como para as empresas. Por conseguinte, preconiza um processo de diálogo equilibrado entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho, a fim de colmatar essas lacunas e melhorar a eficácia do instrumento regulamentar que será adotado.

No âmbito do pacote Economia Justa e Sustentável, a Comissão apresentou igualmente uma proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (ver o Parecer INT/973). O CESE considera essa proposta um passo importante na promoção do respeito pelos direitos humanos enquanto dever das empresas e do seu pessoal de gestão. Não obstante, considera que a proposta ainda apresenta muitas lacunas (por exemplo, é de recear que as disposições da diretiva, sejam, na realidade, indiretamente alargadas às MPME, apesar de a proposta não as incluir expressamente  (1), e a fraca representação dos trabalhadores), bem como conceitos jurídicos pouco claros (por exemplo, o requisito de relações empresariais «estabelecidas»), suscetíveis de ser aplicados de forma diferente pelas autoridades nacionais e pelos tribunais, o que cria insegurança jurídica tanto para os trabalhadores como para as empresas. Por conseguinte, preconiza um processo de diálogo equilibrado entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho, a fim de colmatar essas lacunas e melhorar a eficácia do instrumento regulamentar que será adotado.

Resultado da votação

Votos a favor:

72

Votos contra:

107

Abstenções:

12

ALTERAÇÃO 2

SOC/727

Trabalho digno em todo o mundo

Ponto 1.12

Alterar:

Proposta por

BLIJLEVENS René

GERSTEIN Antje Sabine

KONTKANEN Mira-Maria

MINCHEVA Mariya

MURESAN Marinel Dănuț

POTTIER Jean-Michel


Parecer da secção

Alteração

Ademais, apela para que a UE apoie um tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos e pondere o estabelecimento de uma convenção da OIT sobre

o trabalho digno nas cadeias de abastecimento.

Ademais, apela para que a UE apoie um tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos e para que a OIT explore a criação e futura adoção de quaisquer instrumentos  (1) pertinentes e adequados que contribuam para o trabalho digno nas cadeias de abastecimento.

Resultado da votação: Não se procedeu a votação desta proposta de alteração por se tratar do mesmo texto que no ponto 2.6 acima.

Votos a favor:

não se aplica

Votos contra:

não se aplica

Abstenções:

não se aplica


(1)  O CESE já abordou esta questão em pormenor no Parecer — Tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos (REX/518), https://webapi2016.EESC.europa.eu/v1/documents/eesc-2019-01278-00-01-ac-tra-pt.docx/content.

(1)  O CESE já abordou esta questão em pormenor no Parecer — Tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos (REX/518), https://webapi2016.EESC.europa.eu/v1/documents/eesc-2019-01278-00-01-ac-tra-pt.docx/content.

(2)   Parecer — Trabalho digno nas cadeias de abastecimento mundiais (REX/462), ponto 1.9 (https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/decent-work-global-supply-chains-own-initiative-opinion).

(1)   Parecer — Governação sustentável das empresas (INT/973), ponto 1.6 (https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/sustainable-corporate-governance) .

(1)   Parecer — Governação sustentável das empresas (INT/973), ponto 4.9 (https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/sustainable-corporate-governance) .

(1)   Parecer — Trabalho digno nas cadeias de abastecimento mundiais (REX/462), ponto 1.9 (https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/decent-work-global-supply-chains-own-initiative-opinion).


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/161


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Conselho relativa às orientações para as políticas de emprego dos Estados-Membros

[COM(2022) 241 final]

(2022/C 486/22)

Relatora:

Mariya MINCHEVA

Consulta

Conselho da União Europeia, 14.6.2022

Base jurídica

Artigo 148.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

6.9.2022

Adoção em plenária

22.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

146/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que as orientações propostas para as políticas de emprego dos Estados-Membros são adequadas, na medida em que respondem às questões mais urgentes relativas ao mercado de trabalho.

1.2.

O CESE chama a atenção para a instabilidade geopolítica crescente, cujo impacto na procura futura deverá afetar as decisões de investimento das empresas e a segurança no emprego, além de atrasar a execução dos planos de investimento pelos setores privado e público. Face à inflação elevada e ao aumento dos preços da energia, que têm um forte impacto no poder de compra, bem como à recessão que se anuncia, torna-se ainda mais importante assegurar uma base competitiva para os investimentos sustentáveis. Os Estados-Membros devem contribuir para um mercado único verdadeiramente integrado e ajudar as pequenas e médias empresas a expandir-se.

1.3.

No atual período de turbulência, é necessário adotar medidas para reforçar o papel dos parceiros sociais e a sua participação na conceção e na aplicação de reformas e políticas laborais, sociais e económicas, nomeadamente reforçando as suas capacidades. Este aspeto também é importante para a implantação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e dos planos nacionais de recuperação e resiliência. As organizações da sociedade civil ativas no domínio do emprego e das questões sociais, os prestadores de serviços de âmbito educativo e social, as empresas sociais e as organizações de proteção social necessitam de um ambiente propício à prestação dos seus serviços a grupos vulneráveis.

1.4.

Tendo em conta que a escassez de mão de obra está a recrudescer, importa adotar medidas eficazes para incentivar os parceiros sociais a darem resposta às necessidades de competências a nível nacional, adaptando tais medidas a setores específicos e situações locais. No contexto da rápida evolução tecnológica e da dupla transição, o «tempo de vida» das aptidões e competências adquiridas anteriormente é cada vez mais curto e a aquisição ao longo da vida de aptidões e competências pertinentes é cada vez mais importante, tanto para os trabalhadores como para as empresas. É importante incentivar a mobilidade dos trabalhadores dentro da União Europeia (UE) e a migração legal de trabalhadores.

1.5.

O CESE entende que para reduzir a pobreza no trabalho é necessário, por um lado, a ação combinada de diferentes instrumentos políticos e, por outro, a implementação de medidas negociadas pelos parceiros sociais. Para além do estabelecimento de um salário digno, que inclui também a definição de um salário mínimo adequado, estes instrumentos políticos podem passar pela concessão de incentivos financeiros temporários e bem estruturados, associados a medidas específicas e eficazes de qualificação e melhoria das competências. É importante incentivar e ajudar os Estados-Membros a aplicar esses instrumentos de forma coordenada.

1.6.

A prestação de apoio específico é particularmente importante para as pessoas desempregadas de longa duração e/ou inativas, uma vez que aumenta as possibilidades de (re)entrada no mercado de trabalho e constitui um fator importante para a manutenção do emprego. Uma vez que a pandemia atingiu de forma particularmente grave os jovens, são fundamentais medidas específicas, inclusivas e orientadas para o futuro para assegurar que os jovens não são deixados para trás.

1.7.

É necessário desenvolver esforços para reintegrar as pessoas mais afastadas do mercado de trabalho, a fim de diminuir a taxa de inatividade. As várias formas de trabalho, a flexibilidade do trabalho e o teletrabalho poderão ser fatores importantes para permitir que as pessoas de grupos vulneráveis encontrem emprego, desde que sejam devidamente regulamentados através de legislação ou da negociação coletiva a nível nacional, a fim de garantir condições de trabalho justas. Há que reforçar os serviços públicos de emprego (SPE), nomeadamente digitalizando os seus serviços e promovendo a cooperação com serviços privados de emprego e outros intervenientes pertinentes do mercado de trabalho.

1.8.

Importa incentivar os Estados-Membros, em especial os que apresentam piores resultados no painel de indicadores sociais, a criar um quadro que permita aos empregadores contratar pessoas com deficiência ou estimule, sempre que possível, oportunidades de trabalho por conta própria, nomeadamente através de uma utilização coerente dos recursos da UE. As entidades da economia social são fundamentais neste contexto para apoiar e executar projetos que promovam o emprego.

1.9.

As medidas destinadas a colmatar a disparidade salarial entre homens e mulheres continuam a ser importantes e devem incluir o combate às causas profundas deste problema. A proposta de diretiva relativa à transparência salarial, atualmente em debate, deverá reforçar a aplicação do princípio da igualdade de remuneração por trabalho de igual valor entre homens e mulheres, como uma das medidas para dar resposta às disparidades salariais entre homens e mulheres, permanecendo simultaneamente sensível às preocupações relacionadas com os encargos adicionais para as empresas e, em especial, para as PME.

1.10.

Perante o fenómeno crescente do envelhecimento da população, o aumento da esperança de vida e o decréscimo da mão de obra, cabe ponderar cuidadosamente os desafios enfrentados pelos sistemas de segurança social e de saúde dos Estados-Membros, a fim de preservar a adequação e a sustentabilidade financeira dos sistemas de pensões. Cumpre adotar medidas para assegurar uma maior disponibilidade de mão de obra através de mercados de trabalho mais inclusivos, nomeadamente inserindo na vida ativa grupos atualmente excluídos ou sub-representados no mercado de trabalho.

1.11.

Assim que a Diretiva Proteção Temporária entrou em vigor, os Estados-Membros agiram rapidamente para adaptar os seus quadros regulamentares nacionais de forma a poderem apoiar os refugiados ucranianos e os nacionais de países terceiros residentes na Ucrânia que fugiram para a Europa devido à guerra. Há que combater quaisquer estrangulamentos.

2.   Observações na generalidade e contexto

2.1.

O Semestre Europeu retomou a sua ampla coordenação das políticas económicas e de emprego no ciclo de 2022 e, simultaneamente, continua a adaptar-se em consonância com os requisitos de execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência. Os relatórios por país publicados em maio de 2022 (1) incluem uma avaliação dos progressos alcançados na implantação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e do respetivo plano de ação, que estabelece metas e indicadores sociais que são parte integrante do Semestre Europeu e dos planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR). A articulação com o painel de indicadores sociais permite uma análise específica da execução do plano de ação. As recomendações específicas por país foram racionalizadas.

2.2.

Em 2021, as orientações para as políticas de emprego dos Estados-Membros constantes do anexo da Decisão (UE) 2020/1512 do Conselho foram mantidas sem alterações. Em 2022, a Comissão Europeia propôs um conjunto de alterações que refletem iniciativas políticas recentes e acrescentam novos elementos ligados à invasão da Ucrânia pela Rússia. O CESE congratula-se com a tónica colocada pela Comissão no ambiente pós-COVID-19, com vista a assegurar um crescimento sustentável.

2.3.

A guerra na Ucrânia agravou as perturbações das cadeias de aprovisionamento e aumentou a incerteza. A economia da UE também está indiretamente exposta à situação sanitária de outras regiões no que diz respeito à COVID-19. As previsões económicas para a UE apontam para um crescimento mais lento e uma inflação mais elevada, especialmente em 2022 (2). As elevadas taxas de inflação e o aumento acentuado dos preços da energia e do gás exercem uma pressão adicional sobre as empresas e a sua competitividade, bem como sobre as famílias e o seu poder de compra. Este fenómeno afetará inevitavelmente a capacidade de algumas empresas de criar novos postos de trabalho e constituirá um desafio para os sistemas de proteção social nos próximos meses, o que exigirá políticas específicas para apoiar as transições no mercado de trabalho.

2.4.

As políticas de emprego dos Estados-Membros devem procurar assegurar a inclusão e a equidade, mas também refletir a evolução económica e social. É importante avaliar cuidadosamente o impacto das políticas relativas ao mercado de trabalho para que estimulem uma recuperação sustentável sem reduzir as taxas de emprego, a qualidade dos postos de trabalho e o poder de compra das pessoas. É necessário dedicar mais atenção à escassez de mão de obra e de competências e elaborar recomendações estratégicas e iniciativas específicas em consonância com o Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

3.   Observações na especialidade

3.1.    Orientação n.o 5: Dinamizar a procura de mão de obra

3.1.1.

O crescimento sustentável, a criação de empregos de qualidade e a participação no mercado de trabalho (nomeadamente das pessoas mais velhas e mais jovens, das mulheres, das pessoas mais afastadas do mercado de trabalho, das pessoas inativas, etc.) continuam a ser desafios económicos e sociais fundamentais na Europa. Para dar resposta a estes desafios, é necessária uma base competitiva favorável ao investimento, tirando partido do potencial oferecido pelas transições ecológica e digital. O CESE subscreve o apelo da Comissão Europeia para que os Estados-Membros criem um ambiente empresarial capaz de promover o empreendedorismo responsável e o verdadeiro trabalho por conta própria, reduzir a burocracia, contribuir para um mercado único verdadeiramente integrado e eficiente e ajudar as pequenas e médias empresas a expandir-se. O CESE recomenda vivamente que a orientação n.o 5 continue a abranger as microempresas.

3.1.2.

É possível dinamizar a procura de mão de obra em toda a UE das seguintes formas: aumentando os investimentos, em especial os investimentos produtivos, em setores fundamentais da economia; atenuando a pesada carga fiscal sobre o trabalho, sempre que necessário, sem enfraquecer a proteção social nem comprometer as receitas que garantem a sustentabilidade dos sistemas de proteção social; reforçando a luta contra a evasão e a fraude fiscais e a economia informal; e disponibilizando aos empregadores e trabalhadores diversas formas de trabalho regulamentadas por legislação ou negociação coletiva, melhorando simultaneamente as condições de trabalho no âmbito das novas formas de trabalho para as tornar atrativas para os trabalhadores.

3.1.3.

A instabilidade geopolítica crescente e o seu impacto na procura futura deverão afetar as decisões de investimento das empresas e a segurança no emprego, além de atrasar a execução dos planos de investimento pelos setores privado e público. A inflação está a provocar uma queda das taxas de crescimento, prevendo-se que os salários reais primeiro diminuam e só voltem a aumentar, de forma moderada, no próximo ano. O CESE regista a posição da Comissão de que, em alguns setores, as preocupações relacionadas com a segurança no emprego deverão continuar a ter primazia sobre os aumentos dos salários nas negociações salariais (3). A inflação afeta os aumentos salariais e o poder de compra. A fim de evitar uma espiral inflacionista preços-salários muito perigosa e aumentar a produtividade, é fundamental que exista margem para os parceiros sociais melhorarem a cobertura e as práticas da negociação coletiva ao nível setorial e das empresas, onde é possível adotar medidas concretas.

3.1.4.

Simultaneamente, são necessárias medidas estruturais relativas ao mercado de trabalho para criar oportunidades de emprego de qualidade. É importante incentivar a mobilidade dos trabalhadores dentro da UE e a migração legal de trabalhadores. O CESE espera que o pacote Migração Legal: Atração de Competências e Talentos para a UE, publicado pela Comissão em 27 de abril de 2022, contribua de forma significativa para o mercado de trabalho da UE.

3.1.5.

O CESE congratula-se com a tónica colocada na economia circular enquanto setor com potencial de criação de emprego e saúda o apoio aos setores ou regiões especialmente afetados pela transição ecológica devido à sua especialização setorial ou concentração regional de um determinado tipo de indústria.

3.1.6.

O CESE chama também a atenção para a resolução, adotada na 110.a sessão da Conferência Internacional do Trabalho, sobre a inclusão do princípio de um ambiente de trabalho seguro e saudável nos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da Organização Internacional do Trabalho e sublinha a necessidade permanente de investir na cultura de prevenção de acidentes, de doenças profissionais e de riscos no local de trabalho.

3.1.7.

O CESE considera que a definição de salários mínimos adequados, seja por lei ou por negociação coletiva, constitui um instrumento valioso para combater a pobreza no trabalho. No entanto, não são por si só suficientes, sendo necessária uma ação que combine diferentes instrumentos políticos. Estes instrumentos políticos podem passar, por exemplo, pela concessão de incentivos financeiros temporários e bem estruturados ou pela remodelação do efeito redistributivo do sistema fiscal, se for caso disso. Os instrumentos financeiros devem ser combinados com medidas específicas e eficazes de qualificação e melhoria das competências, uma vez que os trabalhadores pouco qualificados estão expostos a um maior risco de pobreza no trabalho do que os trabalhadores altamente qualificados (19 % e 4,9 %, respetivamente) (4). É importante incentivar e ajudar os Estados-Membros a aplicar esses instrumentos de forma coordenada.

3.1.8.

A autonomia dos parceiros sociais e a sua liberdade de negociação coletiva numa base voluntária devem ser respeitadas. A negociação coletiva e o aumento da sua cobertura continuam a ser o melhor instrumento para encontrar um equilíbrio adequado na fixação dos salários, promovendo a equidade e o ajustamento adequado dos salários à evolução da produtividade e melhorando as condições de trabalho e as contribuições para a segurança social. Nos casos em que existem salários mínimos nacionais, a participação efetiva dos parceiros sociais é igualmente importante para identificar soluções adequadas rumo a uma convergência socioeconómica ascendente que tenham em conta a situação nacional. Nos casos em que a cobertura da negociação coletiva é baixa, os Estados-Membros devem procurar criar condições favoráveis para que os parceiros sociais pugnem pelo reforço dessa cobertura.

3.1.9.

A participação dos parceiros sociais revelou-se muito valiosa durante a crise da COVID-19. No atual período de turbulência, é necessário adotar medidas para reforçar o papel dos parceiros sociais e a sua participação na conceção e na aplicação de reformas e políticas laborais, sociais e económicas, nomeadamente reforçando as suas capacidades. Este aspeto também é importante para a implantação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e dos planos nacionais de recuperação e resiliência. É importante ter em conta também o papel das organizações da sociedade civil, no âmbito dos respetivos domínios de intervenção.

3.2.    Orientação n.o 6: Reforçar a oferta de mão de obra e melhorar o acesso ao emprego e à aquisição de aptidões e competências ao longo da vida

3.2.1.

O CESE saúda a alteração do título desta orientação no sentido de incluir o conceito de aprendizagem ao longo da vida. No contexto da rápida evolução tecnológica e da dupla transição ecológica e digital, o «tempo de vida» das aptidões e competências adquiridas anteriormente é cada vez mais curto e a aquisição ao longo da vida de aptidões e competências pertinentes é cada vez mais importante, tanto para os trabalhadores como para as empresas. Por conseguinte, cabe avaliar a responsabilidade partilhada pela aprendizagem ao longo da vida no local de trabalho.

3.2.2.

O CESE congratula-se com a abordagem proposta no sentido de disponibilizar medidas de apoio abrangentes que facilitem a gestão das mudanças no mercado de trabalho. As oportunidades de melhoria de competências e requalificação (5) são fundamentais para permitir que as pessoas acompanhem as mudanças no mercado de trabalho, pelo que devem estar garantidas e ser acessíveis ao longo da vida profissional (princípio n.o 1 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais). Contudo, a falta de motivação para participar na formação continua a ser um desafio importante, para o qual é importante estudar soluções. Os parceiros sociais desempenham um papel de relevo na avaliação das necessidades de competências. Os fundos de formação desempenham um papel importante no financiamento da formação em contexto laboral e cabe promover e partilhar boas práticas nacionais nesse domínio entre os Estados-Membros (6).

3.2.3.

A prestação de apoio específico é particularmente importante para as pessoas desempregadas de longa duração e/ou inativas, uma vez que aumenta as possibilidades de (re)entrada no mercado de trabalho e constitui um fator importante para a manutenção do emprego. Os Estados-Membros devem ser incentivados a reduzir o período de referência de 18 meses a partir do qual se preveem medidas de apoio para os desempregados de longa duração. É urgente adotar medidas específicas para atrair os jovens para carreiras profissionais.

3.2.4.

A escassez de mão de obra está a recrudescer, depois de ter diminuído durante a crise da COVID-19 (7). A falta de previsões eficazes de necessidades de competências é um problema fundamental para os empregadores em toda a UE. O investimento na educação de adultos e no desenvolvimento de competências, em estreita articulação com as necessidades do mercado de trabalho, pode desempenhar um papel essencial na retoma económica e na construção de uma Europa social.

3.2.5.

Tal aplica-se também aos refugiados que fogem da guerra na Ucrânia. Além da formação linguística, é necessário adotar medidas para facilitar o processo de reconhecimento das qualificações já adquiridas e necessárias para a integração no mercado de trabalho. Por conseguinte, o CESE congratula-se com as orientações da Comissão sobre o acesso ao mercado de trabalho, ao ensino e formação profissionais e à educação de adultos para as pessoas que fogem da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia (8).

3.2.6.

Os investimentos necessários para executar a iniciativa REPowerEU estarão estreitamente associados à necessidade de mão de obra qualificada. No que diz respeito às contas de aprendizagem individuais (9), o CESE reitera a sua posição de que a decisão de adotar ou não as contas de aprendizagem individuais como um dos mecanismos de prestação e financiamento da formação deve continuar a caber exclusivamente aos Estados-Membros. Em todo o caso, as contas de aprendizagem individuais devem apoiar o acesso a cursos de formação reconhecidos e validados. O papel dos parceiros sociais na conceção e/ou na gestão dos fundos de formação pertinentes é muito importante.

3.2.7.

O CESE concorda que é necessário envidar esforços para aumentar o nível global das qualificações em todos os Estados-Membros. Este aspeto adquire especial relevo no início do processo de aprendizagem, mas também ao longo de toda a vida profissional das pessoas. Como justamente salientado no Relatório Conjunto sobre o Emprego de 2022 (10), a tendência positiva de redução da percentagem de abandono escolar precoce abrandou e as taxas diminuíram apenas 1,1 % entre 2015 e 2020. O reforço dos sistemas de ensino e formação profissional (EFP) em contexto laboral nos Estados-Membros e a relevância do ensino superior para o mercado de trabalho são particularmente importantes, bem como o aumento do número de diplomados, especialmente mulheres, nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática, tanto no EFP como no ensino superior.

3.2.8.

A pandemia atingiu de forma particularmente grave os jovens, que foram um dos grupos mais afetados pela crise económica e social desencadeada pela pandemia. A crise da COVID-19 desfez dez anos de progressos no domínio do emprego dos jovens. A fim de se prepararem adequadamente para as mudanças no mundo do trabalho (globalização, crise climática, alterações demográficas e avanços tecnológicos), os governos e as instituições devem ter em conta o impacto de cada uma dessas megatendências. São fundamentais medidas específicas, inclusivas e orientadas para o futuro para assegurar que os jovens não são deixados para trás (11).

3.2.9.

A disparidade salarial entre homens e mulheres continua a ser um desafio na UE. Tendo em conta que este problema varia muito de país para país, é importante combater as suas causas profundas, nomeadamente a segregação no mercado de trabalho e na educação, os estereótipos de género, a falta de infraestruturas acessíveis para o acolhimento de crianças e outros tipos de cuidados, bem como a distribuição desigual das tarefas domésticas e de prestação de cuidados. É necessário erradicar a discriminação salarial (nomeadamente em razão da idade). A proposta de diretiva relativa à transparência salarial apresentada pela Comissão Europeia, atualmente em debate, deverá ajudar os Estados-Membros a reforçar a aplicação do princípio da igualdade de remuneração por trabalho de igual valor entre homens e mulheres, como uma das medidas para dar resposta às disparidades salariais entre homens e mulheres, permanecendo simultaneamente sensível às preocupações relacionadas com os encargos adicionais para as empresas e, em especial, para as PME.

3.3.    Orientação n.o 7: Melhorar o funcionamento dos mercados de trabalho e a eficácia do diálogo social

3.3.1.

A fim de melhorar o funcionamento dos mercados de trabalho, é necessário rever as funções e as responsabilidades de diversos intervenientes (os serviços públicos de emprego [SPE] e os serviços sociais). É importante ter em conta o potencial de criação de parcerias abrangentes entre serviços sociais (para chegar às pessoas mais afastadas do mercado de trabalho e as preparar para programas de formação), SPE (políticas ativas do mercado de trabalho personalizadas com uma componente de retenção, orientação e serviços de aconselhamento) e serviços privados de emprego (ações conjuntas e/ou complementares, por exemplo, partilhando a base de dados de ofertas de emprego). Importa avaliar a eficiência das medidas estratégicas e repensá-las e reformulá-las sempre que necessário. Há que reforçar a capacidade dos SPE, nomeadamente digitalizando os seus serviços. Deve incentivar-se também a cooperação com serviços privados de emprego e outros intervenientes relevantes do mercado de trabalho.

3.3.2.

Os parceiros sociais desempenham aqui um papel importante, em particular no contexto dos mercados de trabalho e setores locais em transição, podendo contribuir para uma transição harmoniosa entre setores, postos de trabalho e/ou profissões. As organizações da sociedade civil também desempenham um papel importante em virtude da sua experiência específica com várias formas de emprego (especialmente no que se refere aos grupos vulneráveis) e questões sociais, e pelo facto de serem prestadores de serviços de interesse geral no domínio social e da educação.

3.3.3.

A taxa de inatividade permanece relativamente elevada em toda a UE (12). Chegou o momento de proporcionar emprego às pessoas mais afastadas do mercado de trabalho. As diferentes formas de trabalho, a flexibilidade do trabalho e o teletrabalho poderão ser fatores importantes para permitir que as pessoas, em particular de grupos vulneráveis, encontrem emprego, desde que sejam devidamente regulamentados através de legislação ou da negociação coletiva a nível nacional, a fim de assegurar condições de trabalho justas. As infraestruturas e serviços sociais, como o acolhimento de crianças ou os cuidados continuados, permitem que as pessoas com responsabilidades de prestação de cuidados ponderem entrar no mercado de trabalho.

3.3.4.

A cooperação com os parceiros sociais é fundamental para promover condições de trabalho justas, transparentes e previsíveis, assegurando o equilíbrio entre direitos e obrigações. O CESE concorda que se devem evitar relações laborais conducentes a condições de trabalho informais e precárias, incluindo no trabalho a partir de plataformas em linha, que foi objeto de uma proposta de diretiva atualmente em análise. O CESE salienta que quaisquer medidas destinadas a regulamentar os novos padrões de trabalho, incluindo o trabalho a partir de plataformas em linha, devem prever modalidades de trabalho flexíveis, a um nível europeu e nacional adequado, e, ao mesmo tempo, oferecer as garantias essenciais para uma proteção adequada dos trabalhadores. O papel dos parceiros sociais deve ser respeitado.

3.4.    Orientação n.o 8: Promover a igualdade de oportunidades para todos, fomentar a inclusão social e combater a pobreza

3.4.1.

A promoção da igualdade de oportunidades para todos e de mercados de trabalho inclusivos é particularmente importante neste momento em que a Europa atravessa várias crises, com vista a cumprir o objetivo de uma taxa de emprego de 78 %, estabelecido no Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, e a combater a escassez de mão de obra. Tal aplica-se a todos os grupos sub-representados no mercado de trabalho, mas também à enorme vaga de pessoas que fugiram da guerra na Ucrânia. Assim que a Diretiva Proteção Temporária entrou em vigor, os Estados-Membros agiram rapidamente para adaptar os seus quadros regulamentares nacionais de forma a poderem apoiar os refugiados ucranianos e os nacionais de países terceiros residentes na Ucrânia que fugiram para a Europa devido à guerra. Há que combater quaisquer estrangulamentos.

3.4.2.

É necessária uma abordagem personalizada dos diferentes grupos vulneráveis (por exemplo, os trabalhadores mais velhos, as pessoas [incluindo jovens] com deficiência, as pessoas com responsabilidades de prestação de cuidados, os desempregados de longa duração e as pessoas com um currículo profissional fragmentado, os jovens que não trabalham, não estudam e não seguem uma formação, os migrantes, etc.). Há que ter em conta também as diferenças entre as zonas rurais e urbanas no que diz respeito ao emprego. Os fundos da UE devem ser utilizados como alavanca para incentivar os Estados-Membros, em especial os que apresentam piores resultados no painel de indicadores sociais, a proporcionarem incentivos aos empregadores para a contratação de pessoas com deficiência ou a promoverem o trabalho por conta própria. O trabalho digno é o melhor instrumento para reduzir a pobreza e reconhecer a dignidade humana.

3.4.3.

As prestações sociais e as medidas de apoio aos rendimentos temporárias devem prolongar-se enquanto forem necessárias, tendo como objetivo acompanhar os desempregados ou as pessoas com rendimentos baixos rumo a novas e melhores oportunidades de emprego. Os benefícios ligados à atividade profissional (13), associados a medidas estruturais destinadas a facilitar a inserção dos grupos vulneráveis, podem favorecer a sua entrada no mercado de trabalho, mas devem permanecer medidas de emergência e complementares transitórias, uma vez que importa promover e apoiar uma política de salários adequados que permita um nível de vida digno.

3.4.4.

As empresas da economia social são importantes, nomeadamente para proporcionar um primeiro emprego aos mais vulneráveis e prestar serviços a nível regional. O CESE congratula-se com o Plano de Ação para a Economia Social e insta a Comissão a criar iniciativas de avaliação dos melhores projetos a nível nacional.

3.4.5.

A ênfase colocada nas crianças é acolhida com especial agrado. Deve combater-se a pobreza infantil por meio de medidas abrangentes e integradas, bem como incentivar medidas destinadas a aplicar a Garantia para a Infância. O Comité concorda plenamente que a disponibilidade de serviços acessíveis, de qualidade e a preços comportáveis, designadamente nas áreas da educação e do acolhimento na primeira infância, do acolhimento extraescolar, da educação, da formação, da habitação e dos cuidados de saúde e continuados, é essencial para reduzir a pobreza infantil e assegurar a igualdade de oportunidades. De modo geral, é importante reforçar o acesso efetivo a serviços sociais de qualidade, de acordo com as necessidades de cada pessoa. A crise da COVID-19 pôs a descoberto uma dura realidade neste domínio, que não se pode esquecer quando a pandemia terminar.

3.4.6.

Simultaneamente, a transição ecológica e a consequente transição energética e, em especial, as subidas recentes dos preços da energia estão a complicar ainda mais a situação dos grupos vulneráveis (14). Apesar dos compromissos políticos, há ainda muito por fazer para combater a pobreza energética e assegurar que as medidas tomadas são bem direcionadas e eficazes.

3.4.7.

A confluência do fenómeno do envelhecimento progressivo da população, do aumento da esperança de vida e do decréscimo da mão de obra levará ao aumento do número de pessoas idosas economicamente dependentes, a menos que consigamos aumentar a mão de obra através de mercados de trabalho mais inclusivos, nomeadamente mobilizando grupos atualmente excluídos ou sub-representados no mercado de trabalho. São necessárias medidas para dar resposta aos desafios enfrentados pelos sistemas de segurança social e de saúde dos Estados-Membros. A adequação e a sustentabilidade financeira dos sistemas de pensões para todos continuam a representar uma política crucial em todos os Estados-Membros. O CESE saúda a abordagem global proposta pela Comissão no sentido da igualdade de oportunidades para homens e mulheres no que diz respeito à aquisição dos direitos de pensão e à necessidade de estratégias de envelhecimento ativo para facilitar a participação de pessoas mais velhas no mercado de trabalho e reduzir a disparidade de pensões entre homens e mulheres. O CESE sublinha a importância de evitar períodos de trabalho fragmentados durante as vidas ativas das pessoas, a fim de apoiar os sistemas de segurança social através das contribuições para o sistema e assegurar que as pessoas têm direito a um nível adequado de rendimentos de pensões na reforma.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  «2022 European Semester: Country Reports» [Semestre Europeu 2022: relatórios por país].

(2)  «European Economic Forecast — Spring 2022» [Previsões económicas europeias — Primavera de 2022].

(3)  «Spring 2022 Economic Forecast: Russian invasion tests EU economic resilience» [Previsões económicas da primavera de 2022: invasão russa põe à prova a resiliência económica da UE].

(4)  Relatório Conjunto sobre o Emprego 2022.

(5)  Ver também o relatório de estudo do Observatório do Mercado de Trabalho intitulado «The work of the future: ensuring lifelong learning and training of employees» [O trabalho do futuro: assegurar a aprendizagem ao longo da vida e a formação dos trabalhadores].

(6)  Parecer do CESE — Pacote Aprendizagem e Empregabilidade (JO C 323 de 26.8.2022, p. 62).

(7)  Relatório Conjunto sobre o Emprego 2022.

(8)  C(2022) 4050 final.

(9)  Recomendação do Conselho relativa às contas individuais de aprendizagem.

(10)  Adotado pelo Conselho em 14 de março de 2022.

(11)  O CESE está a elaborar um relatório de informação sobre A igualdade de tratamento dos jovens no mercado de trabalho.

(12)  A taxa de inatividade mais elevada é a da Itália (mais de 37 % em 2021). Também se verificam taxas de inatividade superiores a 30 % na Croácia, na Roménia, na Grécia e na Bélgica. Mais dados sobre a população economicamente inativa na Europa disponíveis aqui.

(13)  A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) define os benefícios ligados à atividade profissional como créditos fiscais permanentes ligados ao trabalho, abatimentos de imposto ou regimes equivalentes de prestações ligados ao trabalho, concebidos com o duplo objetivo de atenuar a pobreza no trabalho e reforçar os incentivos ao trabalho para os trabalhadores com baixos rendimentos.

(14)  Ver também o Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Fundo Social para a Ação Climática (JO C 152 de 6.4.2022, p. 158).


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/168


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao estabelecimento de um instrumento para reforçar a indústria europeia da defesa através da contratação pública colaborativa

[COM(2022) 349 final]

(2022/C 486/23)

Relator-geral:

Maurizio MENSI

Correlator-geral:

Jan PIE

Consulta

Conselho, 22.7.2022

Parlamento Europeu, 12.9.2022

Base jurídica

Artigo 173.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

155/1/13

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a proposta de regulamento relativo ao estabelecimento de um instrumento para reforçar a indústria europeia da defesa através da contratação pública colaborativa (EDIRPA, na sigla em inglês), que visa reforçar rapidamente as indústrias de defesa e as capacidades de defesa da Europa, tendo em conta os desafios imediatos decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia.

1.2.

O CESE apoia os objetivos do EDIRPA, nomeadamente o de melhorar a base tecnológica e industrial de defesa europeia em termos de eficiência e resposta rápida a emergências para uma União mais resiliente, e o de promover a cooperação e a interação dos Estados-Membros na contratação pública no setor da defesa. Dada a situação que se vive, com a guerra de volta à Europa e a necessidade de proteger adequadamente a sociedade em geral perante a perspetiva de eventuais tensões futuras a nível estratégico, ambos os objetivos são, hoje mais do que nunca, primordiais.

1.3.

O CESE considera que o EDIRPA é útil para estruturar e gerir mais adequadamente o atual pico de procura de equipamento urgente disponível no mercado, embora não possa ser considerado o precursor de um futuro Programa Europeu de Investimento na Defesa por ser um instrumento bastante fraco em termos de política industrial.

1.4.

O CESE concorda que são necessárias medidas para acelerar, de forma colaborativa, a adaptação da indústria às mudanças estruturais, incluindo o reforço das suas capacidades de produção, a fim de ajudar a indústria europeia a satisfazer atempadamente a procura crescente pelos Estados-Membros.

1.5.

O CESE considera igualmente que a contratação conjunta é necessária para evitar que o aumento dos investimentos nacionais no domínio da defesa agrave ainda mais a fragmentação do setor europeu da defesa, limite o potencial de cooperação, intensifique as dependências externas e dificulte a interoperabilidade, assegurando-se, assim, que todos os Estados-Membros podem satisfazer rapidamente as suas necessidades mais urgentes em termos de capacidades, identificadas ou exacerbadas pela resposta à agressão da Rússia contra a Ucrânia.

1.6.

Ao mesmo tempo, o CESE considera que a reconstituição das reservas implica, não raro, a substituição dos produtos enviados para a Ucrânia por produtos exatamente iguais. Tais aquisições, cujo impacto estruturante na indústria não será provavelmente significativo, também não impulsionam a inovação tecnológica. Por conseguinte, o CESE questiona se a lógica subjacente ao EDIRPA deverá ser diretamente alargada a um futuro Programa Europeu de Investimento na Defesa.

1.7.

O CESE congratula-se com a abordagem de incentivar a contratação pública conjunta através de um apoio financeiro direto proveniente do orçamento da UE, mas duvida que o enquadramento financeiro de 500 milhões de euros seja suficiente para fazer a diferença nas decisões dos Estados-Membros em matéria de contratação pública.

1.8.

O CESE interroga-se sobre a eficácia quer da utilização do apoio financeiro à assistência técnica e administrativa para a execução do instrumento, quer da concessão de subvenções sob a forma de financiamento não associado aos custos. Por conseguinte, insta os colegisladores a clarificarem este método para assegurar a eficácia das despesas da UE.

1.9.

O CESE acolhe favoravelmente o facto de o apoio financeiro da UE se limitar à aquisição de produtos de defesa fabricados na UE ou em países associados, e congratula-se com as condições específicas para as empresas da UE sujeitas ao controlo de países terceiros. Tal limitação não só é do interesse dos contribuintes europeus como também é necessária para alcançar o objetivo de reforçar as capacidades industriais europeias em matéria de defesa, em consonância com o objetivo da autonomia estratégica.

1.10.

Ao mesmo tempo, o CESE apela para que haja flexibilidade na interpretação da exigência de que o produto de defesa não esteja sujeito a restrições por um país terceiro não associado ou por uma entidade de um país terceiro não associado. Uma vez que o EDIRPA abrange a aquisição de equipamento disponível no comércio e visa dar resposta às necessidades mais urgentes em termos de produtos, o CESE considera que esse requisito é menos pertinente para o EDIRPA do que para o Fundo Europeu de Defesa, que visa o desenvolvimento de capacidades futuras. Por conseguinte, deve ser aplicado criteriosamente visando-se um equilíbrio entre, por um lado, a procura de maior autonomia e, por outro, a urgência da aquisição e a necessidade de interoperabilidade com o equipamento existente.

1.11.

O CESE apoia a execução prevista em regime de gestão direta, mas salienta a necessidade de assegurar que os serviços competentes da Comissão disponham atempadamente dos recursos humanos necessários para fazer face à carga de trabalho que tal implica.

1.12.

O CESE insta os Estados-Membros a cooperarem estreitamente com o grupo de trabalho para a contratação pública conjunta no domínio da defesa criado pela Comissão Europeia e pelo Alto Representante/chefe da Agência Europeia de Defesa, a fim de garantir o êxito da execução do EDIRPA.

2.   Contexto

2.1.

Os chefes de Estado ou de Governo da UE reunidos em Versalhes, em 11 de março de 2022, assumiram o compromisso de «reforçar as capacidades de defesa europeias» perante a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia. A Declaração de Versalhes afirma que os Estados-Membros devem aumentar as despesas no setor da defesa, intensificar a cooperação através de projetos conjuntos, colmatar lacunas e cumprir os objetivos em matéria de capacidades, impulsionar a inovação, nomeadamente através de sinergias civis/militares, e reforçar a indústria da defesa da UE. Além disso, o Conselho Europeu convidou «a Comissão, a apresentar, em coordenação com a Agência Europeia de Defesa, uma análise dos défices de investimento na defesa até meados de maio e a propor quaisquer outras iniciativas necessárias para reforçar a base industrial e tecnológica da defesa europeia».

2.2.

Em resposta a este convite, a Comissão Europeia e o Alto Representante apresentaram, em 18 de maio de 2022, uma comunicação conjunta sobre a análise dos défices de investimento na defesa e rumo a seguir. Nesta assinala-se que anos de subinvestimento grave na defesa conduziram a défices industriais e insuficiências em termos de capacidades na UE e aos níveis baixos atuais das reservas de equipamento de defesa. As transferências de equipamento de defesa para a Ucrânia, associadas a um nível de reservas adaptado ao tempo de paz, resultaram em défices urgentes e críticos em termos de equipamento militar.

2.3.

A comunicação conjunta recorda que os Estados-Membros devem restabelecer urgentemente a sua prontidão para o combate a nível da defesa, tendo em conta a situação em matéria de segurança e as transferências já efetuadas para a Ucrânia. A reconstituição das reservas de material permitir-lhes-ia também prestar assistência adicional à Ucrânia. Ao mesmo tempo, a comunicação conjunta apela aos Estados-Membros para que adquiram, de forma colaborativa, o equipamento e o material de defesa necessários. A aquisição conjunta de produtos urgentemente necessários proporcionaria uma melhor relação custo-benefício, melhoraria a interoperabilidade e evitaria que Estados-Membros expostos se deparassem com a impossibilidade de obter o que necessitam, devido a pedidos concorrentes à indústria da defesa, que não pode dar resposta a esse aumento súbito da procura a curto prazo.

2.4.

Neste contexto, a comunicação conjunta propõe incentivar a contratação pública colaborativa, com o apoio do orçamento da UE, através de um instrumento específico de curto prazo. O apoio financeiro da UE prestado através deste instrumento deve estimular a contratação pública colaborativa dos Estados-Membros no setor da defesa e beneficiar a base tecnológica e industrial de defesa europeia, assegurando simultaneamente a capacidade de ação das forças armadas europeias, a segurança do aprovisionamento e uma maior interoperabilidade.

2.5.

Em resposta à urgência da situação, a Comissão apresentou, em 19 de julho de 2022, uma proposta de criação de um instrumento desse tipo, sob a forma de regulamento, para reforçar a indústria europeia da defesa através da contratação pública colaborativa (EDIRPA). A Comissão conta com a rápida adoção do regulamento e a sua entrada em vigor até ao final de 2022.

2.6.

Na sequência da criação do instrumento, a Comissão tenciona propor um regulamento relativo a um Programa Europeu de Investimento na Defesa (EDIP). Segundo a Comissão, o Regulamento EDIP poderia servir de base para futuros projetos conjuntos de desenvolvimento e aquisição de elevado interesse comum para a segurança dos Estados-Membros e da União e, por extensão da lógica do instrumento de curto prazo, para uma eventual intervenção financeira da União destinada a reforçar a base industrial de defesa europeia, em especial no âmbito de projetos que nenhum Estado-Membro pode desenvolver ou adquirir sozinho.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O contexto geopolítico da União mudou drasticamente perante a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia. O regresso dos conflitos territoriais e da guerra de alta intensidade em solo europeu exige que os Estados-Membros reconsiderem os seus planos e capacidades de defesa. Afigura-se necessário proceder a uma adaptação da base tecnológica e industrial subjacente, o que permitirá apoiar e reforçar as forças armadas dos Estados-Membros, instrumento fundamental de uma democracia madura, assegurando a proteção da liberdade dos cidadãos europeus.

3.2.

O CESE congratula-se com o aumento anunciado das despesas de defesa por parte dos Estados-Membros para colmatar rapidamente os défices urgentes de equipamento militar. No entanto, sem coordenação e cooperação, este procedimento aumenta o risco de agravar a fragmentação do setor europeu da defesa, de limitar o potencial de cooperação durante o ciclo de vida do equipamento adquirido e de dificultar a interoperabilidade. Acresce que as escolhas feitas em matéria de aquisições a curto prazo têm frequentemente um impacto mais duradouro no poder de mercado da base tecnológica e industrial de defesa europeia e nas oportunidades nas próximas décadas.

3.3.

Por conseguinte, o CESE apoia a iniciativa de incentivar a aquisição conjunta para dar resposta às necessidades mais urgentes em termos de produtos de defesa. A aquisição conjunta é ainda mais importante na situação atual, em que um aumento súbito da procura de produtos semelhantes encontra uma oferta industrial adaptada ao tempo de paz e que, por conseguinte, tem dificuldade em satisfazer a procura. A cooperação em matéria de contratação pública no setor da defesa é, portanto, necessária para assegurar a solidariedade entre os Estados-Membros, reforçar a interoperabilidade, prevenir o efeito de evicção e aumentar a eficácia da despesa pública.

3.4.

É igualmente importante ajudar a indústria a adaptar-se às mudanças estruturais do novo ambiente de segurança. Uma vez que o reforço necessário das capacidades militares da Europa é um esforço a longo prazo e que a necessidade de apoiar a Ucrânia se poderá prolongar no tempo, a base tecnológica e industrial de defesa europeia terá de reforçar as suas capacidades de produção. Tal é necessário para fazer face ao atual pico da procura, mas não só.

3.5.

A este respeito, o CESE considera que a abordagem, o âmbito e enquadramento financeiro do EDIRPA, tal como propostos, são demasiado limitados para fazer a diferença no reforço das capacidades industriais da Europa. A reconstituição das reservas limita, por definição, a escolha de produtos e fornecedores, além de que 500 milhões de euros para 27 Estados-Membros ao longo de dois anos é um investimento bastante modesto.

3.6.

Em suma, o CESE considera que a proposta de regulamento pode ser um contributo útil para estruturar e gerir mais adequadamente o atual pico de procura de equipamento urgente disponível no mercado, embora seja um instrumento bastante fraco em termos de política industrial. Por conseguinte, não considera que o EDIRPA deva necessariamente ser considerado o precursor de um futuro Programa Europeu de Investimento na Defesa, anunciado como um instrumento de apoio à contratação pública colaborativa de e para sistemas desenvolvidos conjuntamente ao longo de todo o seu ciclo de vida.

4.   Observações na especialidade

4.1.

De acordo com a proposta, o EDIRPA terá em conta as atividades do grupo de trabalho para a contratação pública conjunta no domínio da defesa criado pela Comissão e pelo Alto Representante/chefe da Agência Europeia de Defesa. Esse grupo de trabalho deverá facilitar a coordenação das necessidades a muito curto prazo dos Estados-Membros em matéria de contratação e dialogar com os Estados-Membros e os fabricantes do setor da defesa da UE para apoiar as aquisições conjuntas com vista a reconstituir as reservas. As suas atividades são, portanto, cruciais para o êxito do EDIRPA, e o CESE exorta os Estados-Membros a tirarem o máximo partido delas.

4.2.

O CESE duvida que o enquadramento financeiro proposto seja suficiente para influenciar em grande medida as decisões dos Estados-Membros em matéria de contratação pública. Ao mesmo tempo, o CESE está plenamente consciente da pressão financeira sobre o atual quadro financeiro plurianual e da necessidade de financiamento adicional para o futuro EDIP. Neste contexto, será particularmente importante que o financiamento limitado do EDIRPA se concentre nos contratos públicos colaborativos mais pertinentes.

4.3.

No que diz respeito às restrições orçamentais e à seleção de projetos, o CESE interroga-se sobre a forma como o conceito de financiamento não associado aos custos pode ser aplicado, na prática, às aquisições previstas no âmbito do EDIRPA. O CESE interroga-se igualmente sobre a eficácia da utilização do orçamento destinado à assistência técnica e administrativa para a execução do instrumento.

4.4.

O CESE apoia a execução prevista em regime de gestão direta, mas salienta a necessidade de assegurar que os serviços competentes da Comissão disponham atempadamente dos recursos humanos necessários para fazer face à carga de trabalho que tal implica.

4.5.

O CESE concorda com os critérios de elegibilidade da proposta de regulamento, em particular a possibilidade de alargar os contratos já existentes.

4.6.

O CESE apoia igualmente a condição adicional de limitar o financiamento da UE à aquisição de equipamento fabricado na UE ou em países associados, inclusivamente por empresas sob o controlo de países terceiros ou de uma entidade de um país terceiro, que possam fornecer garantias de segurança pelo Estado-Membro em que estão localizadas. Esta condição reproduz as disposições pertinentes do Fundo Europeu de Defesa e garante o cumprimento do objetivo de reforçar a base tecnológica e industrial de defesa europeia.

4.7.

Ao mesmo tempo, o CESE questiona a importância da exigência de que o produto de defesa não esteja sujeito a restrições por um país terceiro não associado ou por uma entidade de um país terceiro não associado. Uma vez que o instrumento proposto abrange a aquisição de equipamento disponível no comércio e pretende dar resposta às necessidades mais urgentes em termos de produtos, este requisito parece ser menos pertinente para o EDIRPA do que para o Fundo Europeu de Defesa, que visa o desenvolvimento de capacidades futuras e para o qual a soberania tecnológica é um objetivo declarado. Por conseguinte, o CESE apela para que haja flexibilidade na interpretação desta disposição, dando aos Estados-Membros a possibilidade de equilibrar, por um lado, a procura de liberdade operacional e, por outro, a urgência da aquisição e a interoperabilidade com o equipamento existente.

4.8.

Por último, o CESE interroga-se sobre a adequação de determinados critérios de adjudicação propostos, nomeadamente os que dizem respeito ao impacto positivo da contratação na base tecnológica e industrial de defesa europeia. Dado o enfoque nas necessidades mais urgentes e na aquisição de equipamento imediatamente disponível, este impacto não é provavelmente um critério importante para os Estados-Membros, a menos que o contratante esteja localizado no seu próprio território. Além disso, os Estados-Membros que procedem a aquisições terão provavelmente dificuldade em demonstrar o impacto positivo na base tecnológica e industrial de defesa europeia, em especial quando a urgência é a principal preocupação.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/172


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o programa Conectividade Segura da União para o período 2023-2027

[COM(2022) 57 final — 2022/0039 (COD)]

e sobre a Comunicação Conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho: Abordagem da UE em matéria de gestão do tráfego espacial — Contributo da UE para superar um desafio mundial

[JOIN(2022) 4 final]

(2022/C 486/24)

Relator:

Pierre Jean COULON

Consulta

Comissão Europeia, 2.5.2022

Base jurídica

Artigo 189.o, n.o 2, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

222/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a comunicação e a proposta em apreço, que marcam o início da elaboração de um pacote europeu sobre o espaço, são necessárias e indispensáveis nos tempos que correm. Recomenda que a comunicação conjunta promova com firmeza, pela via da diplomacia ativa, a gestão multilateral do tráfego espacial no quadro das Nações Unidas, nomeadamente no âmbito do Comité para a Utilização Pacífica do Espaço Exterior (COPUOS) e da Conferência do Desarmamento, uma vez que não se dispõe de regras suficientes neste domínio.

1.2.

A gestão do tráfego espacial, incluindo dos detritos espaciais, constitui uma prioridade absoluta e requer uma abordagem europeia por parte de todos os intervenientes. Tal como referido na comunicação conjunta e demonstrado no presente parecer, o principal problema associado à multitude de programas de gestão do tráfego espacial (STM, na sigla em inglês) reside na inexistência de normalização internacional. Este facto torna evidente a necessidade de elaborar normas, diretrizes e boas práticas internacionais.

1.3.

O CESE apela, com veemência, para que se aplique concretamente um sistema de vigilância espacial de modo a garantir a sustentabilidade a longo prazo do espaço para todos os Estados-Membros.

De facto, o segundo princípio central do direito espacial corresponde à responsabilidade dos diferentes intervenientes pelas suas atividades espaciais. Divide-se em duas vertentes: a responsabilidade internacional pelo controlo das atividades e a responsabilidade pelos danos decorrentes dessas atividades no espaço exterior. É na vertente da responsabilidade internacional pelo controlo das atividades que a comunicação conjunta se inscreve.

1.4.

O CESE lamenta a falta de normalização internacional e recomenda a adoção de normas, incluindo para a gestão dos detritos de satélite, bem como de diretrizes europeias, advogando que a sociedade civil organizada deve participar neste processo.

A luta entre os intervenientes no setor espacial, que até agora eram essencialmente estatais, e os que aspiram tornar-se intervenientes principais, públicos ou privados, requer uma reforma profunda das normas internacionais, visto que estas foram adotadas numa altura em que apenas um punhado de potências tecnológicas e industriais operavam no espaço.

1.5.

No seu Parecer complementar — Novo Espaço (CCMI/196), o CESE salienta os seguintes aspetos:

a necessidade de criar sinergias com o Fundo Europeu de Defesa, reforçando as interações entre as indústrias civis, do espaço e da defesa;

o Programa-Quadro Horizonte Europa deve ser utilizado para estimular o mercado espacial, apoiando a criação de soluções comerciais inovadoras para os segmentos a jusante e a montante do setor espacial da UE e acelerando a disponibilidade das principais tecnologias necessárias;

a importância fundamental das atividades de ensino e formação para o desenvolvimento de competências avançadas em domínios relacionados com o espaço, sendo que a experiência adquirida em projetos de constelações anteriores, como o Galileo e o Copernicus, poderia ser utilizada para melhorar o sistema de conectividade espacial;

no que se refere à governação, a atribuição de responsabilidades aos intervenientes mais aptos, e comprovadamente competentes, de acordo com as regras de contratação pública, asseguraria o cumprimento efetivo do programa, fomentando simultaneamente a emergência do Novo Espaço;

além disso, o incentivo ao progresso científico e técnico constitui o cerne da competitividade e da capacidade de inovação, beneficiando as PME, as empresas em fase de arranque e as empresas inovadoras.

2.   Contexto do parecer

2.1.

Hoje, o espaço é, em muitos aspetos, um território económico adicional. A aceleração dos investimentos públicos e privados está a causar uma densificação das atividades espaciais e a transformar o espaço numa questão geoestratégica importante. A concorrência tecnológica, o surgimento de empresas em fase de arranque dedicadas ao setor espacial, a abertura de novos mercados e serviços, bem como a vontade dos Estados e dos operadores privados de reforçar as atividades em órbita, levam a uma exploração do espaço exacerbada.

2.2.

Apesar da importância estratégica do espaço, não existe uma autoridade global nem leis vinculativas aplicáveis às órbitas baixas e geoestacionárias, nem sequer um sistema de regulação ou gestão do tráfego espacial, embora o número de satélites em órbita esteja a aumentar.

2.3.

Até à data, a gestão do tráfego espacial baseia-se exclusivamente em boas práticas voluntárias e não vinculativas, nem sempre bem geridas ou aplicadas, que visam limitar o risco estatístico de colisão entre satélites e detritos. Estas práticas determinam que não devem ser produzidos intencionalmente detritos em órbita e solicitam a apassivação dos satélites em final de vida, consumindo o combustível residual, o cumprimento da «regra dos 25 anos» para os satélites em órbita baixa (os satélites em fim de vida operacional devem reentrar na atmosfera num prazo de 25 anos) e a colocação dos satélites geoestacionários não utilizados em «órbita cemitério». Mas estas regras já não são suficientes para limitar o risco de colisão.

2.4.

Além disso, surgiram novos conceitos operacionais, a saber, o sistema de vigilância e rastreio de objetos no espaço (Space Surveillance and Tracking ou SST), a coordenação do tráfego espacial (Space Traffic Coordination ou STC) e a coordenação e gestão do tráfego espacial (Space Traffic Coordination and Management ou STCM) (1).

2.5.

Por conseguinte, uma legislação efetiva sobre as atividades espaciais e o tráfego dos satélites para assegurar a sustentabilidade a longo prazo do espaço é tão urgente quanto estratégica, assim como a utilização da inteligência artificial para evitar os riscos de colisão.

2.6.

No início deste ano, a Comissão Europeia lançou o projeto Spaceways, que visa delinear um sistema de gestão do tráfego espacial com vista a definir um código da estrada espacial e determinar em que condições as licenças e as autorizações de voo poderão ser emitidas.

2.7.

O objetivo dos projetos Spaceways e EUSTM, lançados em janeiro de 2021, consiste em fornecer, até junho e agosto de 2022, respetivamente, recomendações e orientações à Comissão Europeia sobre a gestão do tráfego espacial, bem como uma avaliação jurídica, política e económica que formule recomendações e orientações finais para a execução (2).

2.8.

A comunicação conjunta da Comissão e do Alto Representante reconhece a necessidade de uma abordagem da União e prevê uma consulta, debates e diálogos regulares com todas as partes interessadas da União, civis e militares, relevantes no domínio dos transportes, nomeadamente da aviação e da indústria espacial europeia, tendo em conta as necessidades em matéria de defesa e segurança, com o apoio da Agência Europeia de Defesa. O CESE considera que a sociedade no seu conjunto, e não apenas a indústria, deveria participar neste processo.

2.9.

A comunicação em análise prevê a utilização do consórcio EUSST (3), com vista a criar a capacidade operacional essencial para a gestão futura do tráfego espacial da União, o que implica melhorar o seu desempenho, desenvolver serviços de vigilância e rastreio de objetos no espaço (SST) e novas tecnologias graças à inteligência artificial e às tecnologias quânticas, apoiar operações de remoção de detritos e de manutenção em órbita, bem como criar sinergias de financiamento entre a UE, os fundos nacionais, a Agência Espacial Europeia (AEE), o Programa Horizonte Europa e o Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa (PEDID).

2.10.

O reforço da cobertura do espaço fora do continente europeu é um aspeto importante do programa Conectividade Segura da União para o período 2023-2027. A UE deverá valer-se nomeadamente do Gabinete das Nações Unidas para os Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA) e dos organismos nacionais para criar as normas aplicáveis à gestão do território espacial, incentivando a elaboração de normas comuns no âmbito de um fórum específico e promovendo uma abordagem integrada nas organizações internacionais de normalização.

2.11.

As ambições enunciadas pressupõem, a curto prazo, que a indústria adote algumas obrigações e, a médio prazo, que os Estados-Membros elaborem uma proposta legislativa para combater a fragmentação das abordagens nacionais e evitar distorções de concorrência com os operadores sediados fora da União, impondo o princípio da igualdade de tratamento entre operadores. De igual modo, estão previstas medidas não vinculativas, tais como orientações.

A proposta legislativa seria o primeiro passo. Posteriormente, as organizações europeias deverão adotar requisitos técnicos, sob a forma de normas ou diretrizes aplicáveis a todos.

2.12.

A comunicação indica que a União dará preferência a uma abordagem multilateral no quadro das Nações Unidas, promovendo o diálogo com o Comité para a Utilização Pacífica do Espaço Exterior (COPUOS) e a Conferência do Desarmamento. Por conseguinte, terá de identificar os órgãos competentes da ONU para pôr em prática as suas ações, na medida em que se trata do futuro da humanidade, sem esquecer a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI).

Na comunicação prevê-se um método ascendente que parte das contribuições nacionais e regionais, visando um consenso entre as regras e as normas previstas, e que, numa fase posterior, integrará as componentes regionais na gestão global, cuja governação ainda está por definir.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A Comissão, na sua comunicação, avalia as necessidades de gestão do tráfego espacial e propõe uma abordagem europeia da utilização global do espaço, incluindo a utilização civil. O desenvolvimento das atividades espaciais, a multiplicação e a diversificação dos intervenientes na exploração do espaço exterior, bem como a dependência de todos os setores de atividade em relação às tecnologias de satélites e aos serviços, conduziram a uma exploração excessiva progressiva das órbitas e a uma saturação do espetro de frequências, o que exige a sua racionalização.

3.2.

As órbitas terrestres são consideradas, ao abrigo do direito internacional (União Internacional das Telecomunicações ou UIT), como recursos naturais limitados. Os princípios de liberdade e de não apropriação que regem a utilização das órbitas terrestres estão a ser postos em causa por pedidos de atribuição de frequências e pela proliferação de sistemas de satélite de países e empresas que, por vezes, desrespeitam as regras da UIT.

3.3.

A luta entre os intervenientes no setor espacial, que até agora eram essencialmente estatais, e os que aspiram a esse estatuto, incluindo os intervenientes privados, requer uma reforma profunda das normas internacionais, visto que estas foram adotadas numa altura em que apenas um punhado de potências tecnológicas e industriais operavam no espaço.

3.4.

Para além das questões jurídicas, a utilização do território espacial ocorre num contexto marcado pelo recrudescimento de tensões geopolíticas internacionais, conforme mostram os acontecimentos atuais. É o caso, nomeadamente, das operações coorbitais de intimidação, das demonstrações de superioridade tecnológica ou dos testes de armas antissatélites, que criaram um clima de desconfiança entre os Estados.

3.5.

Os desafios colocados pela saturação das órbitas e do espetro de frequências, bem como a ameaça criada pela proliferação de detritos espaciais, levaram os Estados-Membros, a AEE e o consórcio EUSST (4) a ponderar uma coordenação mais eficaz das ferramentas e tecnologias de vigilância. O CESE apela para que seja adotada regulamentação rigorosa face à proliferação de constelações privadas e de possíveis espaços de não direito.

3.6.

A comunicação conjunta ilustra o delicado reatar do diálogo internacional no sentido de adotar um código de conduta e medidas, inclusive legislativas, destinadas a garantir a utilização sustentável do espaço exterior.

Considerações jurídicas e políticas

3.7.

O CESE apoia os objetivos operacionais enunciados na comunicação e na proposta de regulamento, visando chamar a atenção para considerações jurídicas e políticas que não podem ser ignoradas face aos desafios em causa.

3.8.

O conceito de direito espacial não é fácil de definir. Não existe consenso quanto à questão da delimitação do espaço, mas reconhece-se que o direito espacial se caracteriza, em particular, pelos seus princípios orientadores.

3.9.

Embora tenham sido adotados princípios gerais, após cinco tratados internacionais e oito resoluções internacionais (5), a questão da definição do direito espacial continua pendente, uma vez que as preocupações no início da exploração espacial eram sobretudo impedir a apropriação dos corpos celestes pelas primeiras potências espaciais, em vez de definir explicitamente o objeto desse direito.

3.10.

Os princípios do direito espacial foram estabelecidos já na Resolução das Nações Unidas de 1962 (XVIII), de 13 de dezembro de 1963, e reiterados no primeiro tratado espacial de 1967.

Preveem o seguinte:

exploração e utilização do espaço exterior para benefício de toda a humanidade;

liberdade de utilização e de exploração;

não apropriação;

utilização pacífica;

responsabilidade dos Estados pelas suas atividades espaciais;

cooperação e assistência mútua;

jurisdição e controlo nacionais sobre os objetos espaciais;

responsabilidade dos Estados por danos;

estatuto dos astronautas de enviados da humanidade.

3.11.

Outros dois princípios do direito espacial refletem a sua orientação pacífica.

O primeiro princípio corresponde à obrigação de cooperação e assistência mútua imposta a todos os Estados participantes na exploração e utilização do espaço exterior, implicando um diálogo eficaz e transparente entre as potências espaciais para assegurar a sustentabilidade e a segurança das atividades realizadas. Presentemente, este diálogo centra-se em particular na questão dos detritos espaciais, conforme indicado na comunicação.

3.12.

O segundo princípio central do direito espacial corresponde à responsabilidade dos Estados e dos novos intervenientes pelas suas atividades espaciais. Divide-se em duas vertentes: a responsabilidade internacional pelo controlo das atividades e a responsabilidade pelos danos decorrentes dessas atividades no espaço exterior. É na vertente da responsabilidade internacional pelo controlo das atividades que a comunicação conjunta se inscreve.

3.13.

Aquando da elaboração dos principais tratados espaciais, o tema dos detritos espaciais e da saturação das órbitas e das frequências não constava das agendas, mas a dependência das sociedades atuais em relação aos recursos de satélites levou a um aumento acentuado do número de objetos lançados no espaço, de tal modo que a questão das órbitas e das atribuições de frequências se tornou uma verdadeira questão estratégica.

3.14.

Assistimos assim, após sessenta anos de exploração espacial, a um aumento sem precedentes dos desafios de segurança associados às órbitas. Desde o teste ASAT da China, realizado em janeiro de 2007, multiplicaram-se as demonstrações de força no espaço sob diversas formas. Também é equacionada a questão do problema de «armamento» do espaço.

No domínio do direito internacional, esta questão está no cerne de uma zona cinzenta, uma vez que ainda não existe uma definição do que constitui um meio de ataque no espaço, nem do que constitui uma agressão, embora os métodos de ataque no espaço sejam muito diversificados, incluindo os ataques de mísseis, o emprego do raio laser para encadeamento, os ciberataques a redes de comunicação, as manobras coorbitais, etc.

3.15.

A órbita geoestacionária, por outro lado, enfrenta um tipo de dificuldade diferente: o congestionamento das frequências e o risco de interferências. A órbita geoestacionária representa uma zona crítica para a continuidade dos serviços de telecomunicações para todos os Estados do planeta. Esta evolução não deixa de colocar uma série de dificuldades jurídicas, uma vez que o desenvolvimento da órbita geoestacionária levou à criação de um mercado económico, e até mesmo ao surgimento de especulação.

3.16.

Face ao atrás exposto, considera portanto o CESE que a comunicação conjunta deve promover com firmeza, pela via da diplomacia ativa, a gestão multilateral do tráfego espacial no âmbito das Nações Unidas, nomeadamente no âmbito do COPUOS e da Conferência do Desarmamento, uma vez que não se dispõe de regras suficientes neste domínio.

Gestão do tráfego espacial, uma questão de governação europeia

3.17.

A gestão do tráfego espacial não é um conceito novo. No entanto, devido à natureza e à importância dos desafios para a segurança, a proteção e a sustentabilidade das atividades espaciais, a gestão do tráfego espacial (STM) assumiu um grau de prioridade sem precedentes entre os intervenientes espaciais e os Estados cientes da sua dependência em relação aos ativos espaciais. Contudo, só os Estados dotados de capacidades tecnológicas é que dispõem de programas de vigilância e rastreio de objetos no espaço (SST) e de conhecimento da situação no espaço (Space Situational Awareness ou SSA).

3.18.

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos opera atualmente o sistema mais avançado. A sua rede de vigilância espacial (Space Surveillance Network ou SSN), que conta com radares terrestres e espaciais, proporciona aos Estados Unidos uma capacidade única de deteção e identificação, que é também utilizada como ferramenta para influenciar os seus aliados e parceiros.

Outros Estados, como a Rússia, a China, o Japão, a Índia e alguns países europeus (a França e a Alemanha), também desenvolveram programas de vigilância espacial. Tendo em conta a sua função estratégica, a grande maioria destes programas está sob controlo militar, recebendo o apoio de agências espaciais.

Na UE, a França, a Alemanha, a Itália, a Polónia, Portugal, a Roménia e a Espanha criaram o consórcio EUSST para avaliar, sem custos, o risco de colisões em órbita e da reentrada descontrolada de detritos espaciais na atmosfera terrestre, e detetar as fragmentações em órbita. Em 2023, o EUSST assumirá a forma de uma parceria que incluirá mais Estados-Membros, tendo por objetivo prestar um serviço de avaliação de risco de colisão aos operadores de satélites europeus e mundiais.

Algumas empresas privadas também criaram os seus próprios sistemas de SST/SSA, a fim de fornecer dados e serviços comerciais.

3.19.

Tal como referido na comunicação conjunta e demonstrado no presente parecer, o principal problema associado à multitude de programas de STM reside na inexistência de normalização internacional. Este facto torna evidente a necessidade de desenvolver normas, diretrizes e boas práticas internacionais.

3.20.

As iniciativas e as decisões globais relativas à STM são suscetíveis de criar um ambiente complicado para a Europa e os seus intervenientes espaciais. Segundo a política americana, os Estados Unidos devem tomar a dianteira no que respeita à elaboração de normas mais eficazes para os dados e o conhecimento da situação espacial, à criação de um conjunto de técnicas normalizadas para reduzir os riscos de colisão e à promoção a nível internacional de um conjunto de normas técnicas, práticas e regras em matéria de segurança para as operações espaciais.

3.21.

A União está ciente das dimensões estratégica, comercial e geopolítica da gestão do tráfego espacial, que não se limita à sustentabilidade do espaço exterior, abrangendo também a futura autonomia da Europa em termos de acesso e utilização do espaço.

Os intervenientes espaciais europeus já conceberam algumas políticas e iniciativas para abordar direta ou indiretamente as preocupações de gestão do tráfego espacial. Contudo, a Europa continua em atraso quando se trata de resolver a questão da realização de projetos conjuntos, e isso tem consequências.

3.22.

De facto, a competitividade futura do fabrico de satélites na UE poderia ser ameaçada se as empresas fossem forçadas a utilizar os dados da STM dos EUA ou a solicitar uma licença da STM dos EUA, a qual pode ser recusada. De igual modo, existem riscos consideráveis para os prestadores de serviços de lançamento na UE.

No que diz respeito ao novo sistema europeu de conhecimento da situação no espaço (Space Situational Awareness ou SSA), de 2021, muitos intervenientes europeus dependem largamente dos acordos de partilha de dados celebrados com os EUA. Estes acordos abrangem ministérios e exércitos (6), organizações intergovernamentais europeias (AEE e EUMETSAT), operadores de satélites comerciais e fornecedores de serviços de lançamento.

3.23.

Segundo o CESE, a União deve adotar disposições destinadas a garantir não só um nível de desempenho certificado, como também a disponibilidade a longo prazo dos serviços baseados no espaço. Além disso, se o que se pretende é aplicar uma política comum de segurança e defesa credível, para a qual os recursos espaciais dão um contributo essencial, se não mesmo vital, então a Europa deve cumprir os mais rigorosos requisitos em matéria de segurança para os utilizadores na esfera governamental e da defesa.

3.24.

O CESE observa que se, no passado, a abordagem da UE se orientava principalmente para a proteção física dos recursos espaciais — uma estratégia rígida e dispendiosa —, hoje as iniciativas da UE deixam antever uma transição para uma abordagem mais centrada na capacidade de resistência. Neste momento, a UE defende uma estratégia prospetiva para a segurança das infraestruturas espaciais. Para o efeito, lançou duas iniciativas importantes: a proposta de estabelecer um código de conduta internacional para as atividades espaciais e o programa europeu de vigilância espacial.

3.25.

No entanto, o CESE lamenta que a principal lacuna decorra da dificuldade de coordenar as capacidades de alguns Estados-Membros dotados de meios próprios de vigilância e de controlo. Por ora, é difícil chegar a um consenso sobre os objetivos a alcançar no quadro de um programa europeu de STM. A questão da gestão do tráfego espacial é, em grande medida, a ilustração perfeita da dificuldade de concretizar uma verdadeira governação europeia no setor espacial, ainda que as questões da sustentabilidade do espaço e da segurança do espaço exterior sejam comuns a todos os Estados-Membros, quer porque dispõem de capacidades espaciais, quer porque utilizam recursos espaciais.

3.26.

Estas dificuldades são obstáculos à competitividade da indústria espacial europeia a nível internacional. A longo prazo, a inexistência de normas estabelecidas pela Europa e a falta de compatibilidade com outras normas poderão pôr em risco a liberdade de acesso ao espaço. Ter a sua própria capacidade de lançamento não é suficiente. É igualmente necessário poder implantar satélites independentemente das normas estabelecidas fora da Europa, a fim de manter a competitividade espacial europeia, como foi demonstrado pelo êxito da primeira missão do Ariane 5, em 22 de junho de 2022, cujo objetivo era colocar em órbita dois satélites, um malaio e um indiano. Além disso, a próxima etapa, o lançamento do Ariane 6, será em breve realidade. O primeiro voo está previsto para 2023 e, por ser mais flexível e menos dispendioso do que o Ariane 5, torna-se mais competitivo face à concorrência da empresa SpaceX dos EUA.

3.27.

O CESE, no contexto da comunicação ora apresentada pela Comissão, reitera:

o seu empenho nas aplicações civis do sistema Galileo nos transportes ferroviários, marítimos e rodoviários;

o seu apelo para que se proceda rapidamente à implantação das infraestruturas críticas propostas pelo comissário Thierry Breton.

3.28.

Embora a existência de normas e padrões desenvolvidos a nível nacional por alguns Estados-Membros possa revelar-se útil para a definição de disposições comuns, será imperativo que a Europa se imponha como árbitro final das medidas de normalização. Esta situação exige que os Estados-Membros da UE e a AEE cheguem a acordo sobre os objetivos e os princípios dos esforços europeus no domínio da STM, definam mecanismos de consulta e coordenação, e determinem uma delimitação clara de funções, bem como uma partilha inequívoca de responsabilidades e uma repartição transparente das atividades entre os Estados-Membros e as partes interessadas europeias, sem entrar em conflito com os sistemas existentes noutros países.

3.29.

Para o CESE, a comunicação conjunta é um reconhecimento tardio, mas louvável, da importância de abordar os desafios a vários níveis que surgirão com o aumento das atividades espaciais, em que a inexistência de um quadro vinculativo arrisca comprometer o equilíbrio global.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JOIN(2022) 4 final.

(2)  O projeto Spaceways, financiado pelo Horizonte 2020 — Programa-Quadro de Investigação e Inovação, é composto por 13 intervenientes europeus importantes: fabricantes e lançadores de satélites, operadores e prestadores de serviços, bem como centros e institutos de investigação política e jurídica.

O projeto EUSTM é composto por 20 intervenientes europeus importantes.

(3)  França, Alemanha, Itália, Polónia, Portugal, Roménia e Espanha.

(4)  https://www.eusst.eu.

(5)  I. Chalaye, «Le statut des orbites terrestres et leur utilisation à la lumière des principes du droit spatial» [O estatuto das órbitas terrestres e a sua utilização à luz dos princípios do direito espacial], Instituto de Estudos Geopolíticos Aplicados (Institut EGA), Paris, outubro de 2021.

(6)  https://www.esa.int/Safety_Security/SSA_Programme_overview.


ANEXO

O Parecer complementar da Comissão Consultiva das Mutações Industriais — CCMI/196 — Novo Espaço encontra-se nas páginas seguintes:

«Parecer da Comissão Consultiva das Mutações Industriais sobre a Conectividade espacial segura e Novo Espaço: uma via industrial europeia em prol da soberania e da inovação

(parecer complementar ao Parecer TEN/775)

Relator:

Maurizio MENSI

Correlator:

Franck UHLIG

Decisão da Plenária

22.2.2022

Base jurídica

Artigo 56.o, n.o 1, do Regimento

 

Parecer complementar

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais

Adoção em secção

24.6.2022

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

21/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia as iniciativas da Comissão Europeia relativas a uma conectividade espacial segura e ao “Novo Espaço”, que se destinam a reforçar a soberania industrial e operacional dos Estados-Membros. Garantir a autonomia é fundamental não só para a futura competitividade industrial, mas também para garantir a não dependência e a resiliência estratégicas (1) , como demonstrado recentemente pela escassez de componentes eletrónicos, em especial na sequência da crise da COVID-19 e da guerra na Ucrânia, que afetaram gravemente a indústria espacial europeia.

1.2.

O CESE considera que uma conectividade segura, acessível e a preços comportáveis é um instrumento essencial para o funcionamento da democracia participativa, mas também uma condição prévia para o exercício pleno dos direitos fundamentais, e constitui uma oportunidade para lograr uma maior capacitação dos cidadãos e da sociedade civil.

1.3.

O CESE reconhece a importância do espaço para a nossa economia e sociedade, bem como a sua importância estratégica do ponto de vista da segurança e da defesa, como demonstra a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Além disso, a segurança física e a cibersegurança tanto das infraestruturas terrestres como espaciais, juntamente com os dados conexos, são fundamentais para garantir a continuidade dos serviços e o bom funcionamento dos sistemas.

1.4.

O CESE considera fundamental estimular o ecossistema espacial europeu para fazer avançar a dupla transição e enfrentar grandes desafios à escala mundial, como as alterações climáticas. Reconhece igualmente as potenciais vantagens da participação, nos programas espaciais da UE, das empresas em fase de arranque e das PME ativas no setor espacial, nomeadamente o seu contributo para a resiliência e a autonomia estratégica da UE.

1.5.

O CESE está firmemente convicto de que é importante garantir uma coordenação eficiente e adequada, uma vez que a governação de um sistema de conectividade espacial seguro e autónomo (“o programa”) envolve entidades diferentes que têm de trabalhar em conjunto.

1.6.

O CESE considera que o Programa-Quadro Horizonte Europa, já em vigor, deve ser utilizado para estimular o mercado espacial, apoiar a criação de soluções comerciais inovadoras para os setores espaciais da UE a jusante e a montante e acelerar a disponibilidade das principais tecnologias necessárias para o programa, em conjugação com as iniciativas EuroQCI (2) e ENTRUSTED (3). Em particular, um sistema europeu de componentes, sistemas e subsistemas exigiria esforços enormes e prolongados para restabelecer uma indústria europeia forte.

1.7.

O CESE recomenda a criação de sinergias com o Fundo Europeu de Defesa e através do plano de ação da Comissão sobre as interações entre as indústrias civis, do espaço e da defesa.

1.8.

O CESE considera que, para garantir a competitividade da indústria espacial europeia, as iniciativas da Comissão devem contribuir para o desenvolvimento de competências avançadas em domínios relacionados com o espaço e apoiar atividades de ensino e formação, a fim de explorar todo o potencial dos cidadãos da União neste domínio. Este fator melhoraria a importante dimensão social do programa.

1.9.

O CESE salienta a necessidade de ter em conta todas as capacidades no setor espacial para a modernização dos recursos espaciais existentes (Galileu (4), Copérnico (5)) e para o desenvolvimento de futuras constelações e serviços. Tal reforçará a resiliência dos recursos espaciais da UE e fomentará a competitividade da respetiva indústria. Atribuir responsabilidades com base na competência demonstrada deverá garantir a execução eficaz do programa.

1.10.

O CESE considera que a UE deve incentivar o progresso científico e técnico, bem como apoiar a competitividade e a capacidade de inovação do setor espacial, em especial no que diz respeito às PME, às empresas em fase de arranque e às empresas inovadoras, estimulando assim as atividades económicas a montante e a jusante. Com efeito, os programas de investigação e inovação desempenham um papel fundamental no reforço das capacidades tecnológicas da União e dos seus Estados-Membros.

2.   Antecedentes do parecer, incluindo a proposta legislativa em apreço

2.1.

A proposta da Comissão Europeia visa desenvolver um programa para o fornecimento de comunicações por satélite garantidas e resilientes. A Comissão está empenhada em promover a inovação no setor espacial e em continuar a contribuir para o desenvolvimento de um ecossistema próspero do “Novo Espaço” da UE, tendo incluído este aspeto nas prioridades principais do seu programa espacial. Para o efeito, a Comissão lançou a iniciativa CASSINI (6). Em especial, assegurará a disponibilidade a longo prazo, para os utilizadores governamentais, de serviços de comunicações por satélite fiáveis, seguros e com uma boa relação custo-eficácia a nível mundial, que apoiem a proteção das infraestruturas críticas, a vigilância, as ações externas e a gestão de crises, aumentando assim a resiliência dos Estados-Membros.

2.2.

A iniciativa deverá tirar partido dos conhecimentos especializados da indústria espacial europeia, tanto dos intervenientes industriais bem estabelecidos como do ecossistema do Novo Espaço. Assim, a conectividade mundial por satélite tornou-se agora num recurso estratégico para a proteção, a segurança e a resiliência da UE e dos seus Estados-Membros. A proposta visa igualmente permitir a disponibilidade comercial de banda larga de alta velocidade em toda a Europa, eliminando as lacunas de cobertura de rede e garantindo a coesão entre os territórios dos Estados-Membros, bem como proporcionar conectividade em zonas geográficas de interesse estratégico fora da União, nomeadamente em África e na região do Ártico. Após o Galileu e o Copérnico, a terceira constelação proposta assentará em três novos diferenciadores: a segurança desde a conceção (pela utilização de novas tecnologias, como a computação quântica) para as comunicações sensíveis (no domínio da defesa), uma constelação em várias órbitas e uma configuração assente em parcerias público-privadas (para reforçar a dimensão comercial).

2.3.

A proposta é coerente com uma série de outras políticas da UE e com iniciativas legislativas em curso relativas aos dados (como a Diretiva INSPIRE (7) e a Diretiva Dados Abertos (8)), à computação em nuvem e à cibersegurança. Nomeadamente, o fornecimento de serviços governamentais asseguraria uma maior coesão, em consonância com as estratégias digital e de cibersegurança da UE, garantindo a integridade e a resiliência das infraestruturas, das redes, das comunicações e dos dados. A proposta apoiará igualmente a competitividade e a capacidade de inovação das indústrias do setor espacial na União e contribuirá consideravelmente para garantir o acesso autónomo e a preços acessíveis da Europa ao espaço nos próximos anos, tendo simultaneamente um impacto positivo decisivo e profundo na competitividade dos modelos de exploração dos lançadores europeus (9).

2.4.

As Conclusões do Conselho Europeu de 21 e 22 de março de 2019 sublinharam que a União tem de ir mais longe no desenvolvimento de uma economia digital competitiva, segura, inclusiva e ética, com conectividade de craveira mundial (10). O Plano de Ação sobre as Sinergias entre as Indústrias Civis, da Defesa e do Espaço, da Comissão, de 22 de fevereiro de 2021, afirma que visa “[permitir] o acesso à conectividade de alta velocidade a todos os cidadãos europeus e [proporcionar] um sistema de conectividade resiliente que permitirá à Europa manter-se ligada, independentemente do que aconteça” (11).

2.5.

O programa complementará as disposições GOVSATCOM (12) da UE em vigor relativas à mutualização e partilha da atual capacidade de comunicação governamental por satélite. Devido ao tempo de vida limitado de um satélite, várias infraestruturas que são propriedade pública e que serão abrangidas pelo processo de mutualização e partilha do GOVSATCOM terão de ser reconstituídas na próxima década (13).

2.6.

O aumento dos níveis de ameaças híbridas e cibernéticas e a propensão das catástrofes naturais impulsionam a evolução das necessidades dos intervenientes governamentais no sentido de uma maior segurança, fiabilidade e disponibilidade de soluções de comunicação por satélite proporcionais. Além disso, o desenvolvimento de computadores quânticos acrescenta uma ameaça adicional, uma vez que estes serão capazes de decifrar conteúdos atualmente encriptados.

2.7.

Assistiu-se ao aparecimento de várias megaconstelações de países terceiros, apoiadas ou subvencionadas por fundos públicos nos EUA, na China e na Rússia. Aliada à escassez de frequências e de posições orbitais disponíveis e à vida útil limitada da capacidade do GOVSATCOM, esta situação exige a criação urgente de um sistema de conectividade segura no espaço da UE. O programa assegurará a capacidade e colmatará as lacunas de capacidade nos serviços de comunicação governamental por satélite.

2.8.

O programa também deverá permitir o fornecimento de serviços de comunicações por satélite comerciais por parte do setor privado. A avaliação de impacto considerou uma parceria público-privada como o modelo de execução mais adequado para garantir a prossecução dos objetivos do programa. Uma tal modalidade estimularia, nomeadamente, a inovação em todas as componentes da indústria espacial europeia (grandes integradores sistémicos, empresas de média capitalização independentes, PME e empresas em fase de arranque).

2.9.

À medida que os governos, os cidadãos e as instituições da UE se tornam cada vez mais dependentes da conectividade, as suas necessidades exigem soluções com um nível de segurança mais elevado, baixa latência (14) e maior largura de banda, sendo necessário garantir o acesso a soluções resilientes através de tecnologias inovadoras e de novas tendências e abordagens industriais. Por conseguinte, o sistema previsto ditará as tendências no que respeita à tecnologia, conforme salientado na proposta.

2.10.

Para ser eficaz em termos de custos e tirar partido das economias de escala, o programa deve otimizar a correspondência entre a oferta e a procura de serviços governamentais.

2.11.

Com efeito, as comunicações por satélite proporcionam uma cobertura generalizada, que complementa as redes terrestres. Cada vez mais, são consideradas como um recurso estratégico, o que coloca em evidência a crescente necessidade mundial de que os serviços governamentais garantam uma conectividade resiliente não só para apoiar as suas operações de segurança, mas também para interligar as infraestruturas críticas, facilitar uma interação eletrónica transfronteiras ou intersetorial eficiente e eficaz entre as administrações públicas, as empresas e os cidadãos europeus, contribuir para o desenvolvimento de uma administração em linha mais eficaz, simplificada e intuitiva a nível da administração nacional, regional e local (15) e gerir crises, bem como apoiar a vigilância marítima e das fronteiras.

2.12.

A criação do programa seguirá uma abordagem gradual em prol da qualidade. O desenvolvimento e a implantação iniciais poderão ter início a partir de 2023, a prestação de serviços iniciais e o teste em órbita de criptografia quântica até 2025, e a implantação completa com a criptografia quântica integrada, permitindo serviços completos, até 2028. O seu custo total é estimado em seis mil milhões de euros e o financiamento provirá de diferentes fontes do setor público (orçamento da UE, contribuições dos Estados-Membros e da AEE) e de investimentos do setor privado. No que diz respeito ao financiamento da UE, não prejudica a aplicação das componentes espaciais constantes do Regulamento Espacial da UE, nomeadamente o Galileu e o Copérnico.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE considera que, no mundo digital de hoje, a conectividade espacial constitui um recurso fundamental e estratégico para as sociedades modernas. Viabiliza o poder económico, a liderança digital e a soberania tecnológica, a competitividade económica e o progresso social. Ao conferir um papel mais proeminente aos intervenientes espaciais, o programa visa garantir dados e serviços relacionados com o espaço de alta qualidade e seguros, capazes de proporcionar benefícios socioeconómicos para os cidadãos e as empresas da Europa, reforçar a segurança e a autonomia da UE e fortalecer o papel da UE enquanto líder no setor espacial, permitindo-lhe competir com outras economias líderes nesse setor e com nações emergentes que exploram o espaço. Além disso, é também uma importante ferramenta técnica, que permite a liberdade de expressão e a livre circulação de ideias.

3.2.

O CESE considera que uma conectividade segura, acessível e a preços comportáveis é uma condição prévia para o funcionamento da democracia participativa, mas também para o exercício resiliente dos direitos fundamentais, e constitui uma oportunidade para lograr uma maior capacitação dos cidadãos e da sociedade civil. Os cidadãos europeus dependem cada vez mais das tecnologias, dos dados e dos serviços espaciais, sendo especialmente pertinente cumprir as regras em matéria de proteção de dados pessoais. Além disso, o espaço desempenha um papel cada vez mais importante no crescimento económico, na segurança e na importância geopolítica da UE. Neste sentido, a conectividade fiável e segura pode ser considerada um bem público para os governos e os cidadãos.

3.3.

O CESE incentiva a utilização da parceria público-privada (PPP) como modelo de execução adequado para garantir a prossecução dos objetivos do programa. A participação direta do setor privado cria um ambiente favorável ao desenvolvimento de uma conectividade de banda larga de alta velocidade e ininterrupta em toda a Europa. Para o efeito, há que eliminar as lacunas de cobertura de rede e garantir a coesão entre os territórios dos Estados-Membros, bem como proporcionar conectividade em zonas geográficas de interesse estratégico.

3.4.

Através de um processo de adjudicação concorrencial, a Comissão pode celebrar um contrato de concessão para fornecer a solução necessária e proteger os interesses da União e dos Estados-Membros. A participação da indústria por meio de uma tal concessão permitiria aos parceiros privados complementar a infraestrutura do programa com capacidades suplementares através de investimentos próprios adicionais.

3.5.

A este respeito, o CESE sublinha que o papel do setor público deve refletir-se adequadamente na futura governação do programa, dando especial atenção à segurança das infraestruturas e a um controlo cuidadoso dos custos, do calendário e do desempenho. A Comissão será responsável por gerir o programa para o estabelecimento e a supervisão da concessão. A Agência da União Europeia para o Programa Espacial será incumbida do fornecimento dos serviços governamentais e a Agência Espacial Europeia terá a seu cargo a supervisão das atividades de desenvolvimento e de validação. O CESE considera que as PME são também essenciais para a inovação e o ecossistema na nova economia espacial emergente. Como tal, o desenvolvimento de serviços espaciais para as PME deve ser incentivado ativamente, bem como a sua contratação pelas entidades públicas e pelo setor privado. Tal ajudaria a criar emprego, melhorar as competências tecnológicas e reforçar a competitividade da Europa, que são cada vez mais importantes para a dupla transição da UE para uma economia sustentável e digital. Tal garantiria uma concorrência eficaz e transparente, reforçando a autonomia tecnológica da UE, através de requisitos específicos, relacionados com a segurança e a continuidade e fiabilidade dos serviços.

3.6.

O CESE considera que, no procedimento de contratação, importa definir critérios específicos para a atribuição da concessão, assegurando a participação de empresas em fase de arranque e PME ao longo de toda a cadeia de valor da concessão, incentivando assim o desenvolvimento de tecnologias inovadoras e disruptivas. Nos casos em que o recurso a fornecedores de países terceiros possa suscitar questões do ponto de vista estratégico e da segurança, devem ser aplicadas regras de participação apropriadas.

3.7.

O CESE considera que importa incentivar as PME a tirar partido dos vários instrumentos de financiamento à disposição da UE para fortalecer o ecossistema espacial, uma vez que tal contribuiria para criar emprego, melhorar as competências tecnológicas e reforçar a competitividade industrial da Europa.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE considera que a soberania estratégica da UE e dos Estados-Membros assenta principalmente na autonomia tecnológica e na capacidade da indústria europeia, bem como na segurança das comunicações por satélite, especialmente num contexto de crescentes tensões geopolíticas. Por conseguinte, o CESE apoia firmemente as iniciativas destinadas a reforçar a soberania industrial e tecnológica dos Estados-Membros da UE.

4.2.

O CESE apoia a proposta e considera que as potenciais sinergias entre as atividades governamentais e as atividades civis comerciais constituem uma oportunidade importante do ponto de vista económico, também para os serviços adicionais oferecidos aos cidadãos europeus, no contexto de um aumento mundial dos investimentos públicos e privados em atividades espaciais.

4.3.

O CESE sublinha a importância de apoiar a competitividade e a capacidade de inovação das indústrias do setor espacial na União. Tal contribuirá consideravelmente para garantir o acesso da Europa ao espaço de forma autónoma e a preços acessíveis nos próximos anos, tendo simultaneamente um impacto positivo, decisivo e profundo na competitividade dos modelos de exploração dos lançadores europeus.

4.4.

O CESE sublinha que o programa deve permitir que os operadores de telecomunicações beneficiem do aumento da capacidade e de serviços fiáveis e seguros. Além disso, a dimensão comercial permitirá que os serviços retalhistas cheguem a um maior número de utilizadores privados em toda a UE.

4.5.

Quanto à governação do programa (capítulo V do regulamento proposto), é evidente que os papéis principais no programa serão desempenhados por quatro grandes intervenientes, a saber, a Comissão, a Agência da União Europeia para o Programa Espacial (“agência”), os Estados-Membros e a Agência Espacial Europeia (AEE).

4.6.

A este respeito, o CESE está firmemente convicto de que é imperativo estabelecer uma repartição clara de tarefas, funções e responsabilidades, juntamente com a coordenação adequada dos vários intervenientes, com vista ao bom funcionamento do programa. Por conseguinte, uma repartição precisa das responsabilidades, com base na competência demonstrada, deverá igualmente assegurar a execução eficiente do programa em termos de custos e prazos. A gestão eficiente do tráfego espacial é também essencial para melhorar a segurança, dada a quantidade crescente de detritos espaciais.

4.7.

O CESE sublinha que a cibersegurança tanto das infraestruturas terrestres como espaciais é fundamental para garantir o funcionamento e a resiliência dos sistemas.

4.8.

O CESE destaca que, para garantir a competitividade da indústria espacial europeia, o programa deverá contribuir para o desenvolvimento de competências avançadas em domínios relacionados com o espaço e apoiar atividades de ensino e formação, promovendo a igualdade de oportunidades, a igualdade de género e a capacitação das mulheres, a fim de explorar todo o potencial dos cidadãos da União neste domínio.

4.9.

O CESE salienta que o desenvolvimento e a melhoria das infraestruturas envolve muitos intervenientes industriais de vários países, cujo trabalho deve ser coordenado de forma eficiente, a fim de desenvolver sistemas fiáveis e totalmente integrados, nomeadamente em matéria de segurança e cibersegurança.

Bruxelas, 24 de junho de 2022.

O Presidente da Comissão Consultiva das Mutações Industriais

Pietro Francesco DE LOTTO


(1)  A Europa tem a segunda maior indústria espacial do mundo, que emprega mais de 231 000 profissionais e tem um valor estimado entre 53 mil milhões e 62 mil milhões de euros, de acordo com um estudo do Parlamento Europeu sobre o mercado espacial, de novembro de 2021.

(2)  A iniciativa Infraestrutura Europeia de Comunicação Quântica (EuroQCI).

(3)  Um projeto de investigação no domínio das comunicações por satélite seguras para agentes governamentais da UE. ENTRUSTED: “European Networking for satellite Telecommunication Roadmap for the governmental Users requiring Secure, inTeroperable, innovativE and standardiseD services” [Roteiro para a criação de uma rede europeia de telecomunicações por satélite para os utilizadores governamentais que necessitam de serviços seguros, interoperáveis, inovadores e normalizados].

(4)  O sistema europeu de navegação por satélite global, operacional desde dezembro de 2016, que disponibiliza serviços às entidades públicas, às empresas e aos cidadãos.

(5)  O Programa Europeu de Observação da Terra, que fornece dados de observação do planeta, é útil para prestadores de serviços, entidades públicas e organizações internacionais.

(6)  Iniciativa de concorrência para a inovação destinada às empresas espaciais em fase de arranque, da Comissão Europeia, cujo principal objetivo é apoiar as empresas em fase de arranque e as PME em diferentes fases do seu crescimento através de um conjunto de instrumentos e fundos.

(7)  Diretiva 2007/2/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2007, que estabelece uma infraestrutura de informação geográfica na Comunidade Europeia (Inspire) (JO L 108 de 25.4.2007, p. 1).

(8)  Diretiva (UE) 2019/1024 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa aos dados abertos e à reutilização de informações do setor público (JO L 172 de 26.6.2019, p. 56).

(9)  Com 18 satélites atualmente em órbita e mais de 30 previstos para os próximos 10-15 anos, a UE é também o maior cliente institucional de serviços de lançamento na Europa. Os lançadores são a segunda maior área de atividade da indústria de produção espacial na Europa, a seguir aos satélites comerciais, o que impulsiona a indústria europeia. A Comissão pretende agregar as necessidades dos serviços de lançamento dos programas da UE e atuar como cliente inteligente de soluções de lançamento europeias fiáveis e com uma boa relação custo-eficácia. É fundamental que a Europa continue a dispor de instalações com infraestruturas de lançamento modernas, eficientes e flexíveis.

(10)  Desde junho de 2019, os Estados-Membros assinaram a Declaração sobre a Infraestrutura Europeia de Comunicação Quântica (EuroQCI), acordando em trabalhar em conjunto com a Comissão e com o apoio da Agência Espacial Europeia (AEE) no sentido de desenvolver uma infraestrutura de comunicação quântica que cubra toda a UE.

(11)  COM(2021) 70 final.

(12)  Em 28 de abril de 2021, a UE adotou a componente GOVSATCOM (comunicação governamental por satélite) do Regulamento (UE) 2021/696 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de abril de 2021, a fim de assegurar a disponibilidade a longo prazo de serviços de comunicação por satélite fiáveis, seguros e com uma boa relação custo-eficácia para os utilizadores da GOVSATCOM. O Regulamento (UE) 2021/696 prevê que, numa primeira fase da componente GOVSATCOM, até aproximadamente 2025, seja utilizada a capacidade existente. Neste contexto, a Comissão deverá adquirir capacidades GOVSATCOM junto dos Estados-Membros que dispõem de sistemas nacionais e capacidades espaciais e dos fornecedores comerciais de comunicações por satélite ou de serviços de satélite, tendo em conta os interesses essenciais de segurança da União.

(13)  Com efeito, o GOVSATCOM é um recurso estratégico, com uma estreita ligação à segurança nacional, utilizado pela maioria dos Estados-Membros. Os utilizadores públicos tendem a preferir soluções públicas (os proprietários do SATCOM governamental são, nomeadamente, França, Alemanha, Grécia, Itália, Luxemburgo e Espanha) ou público-privadas (como o Satcom BW da Alemanha ou o GovSat do Luxemburgo) ou a recorrer a fornecedores privados acreditados específicos. O GOVSATCOM foi sinalizado já em 2013 (Conclusões do Conselho Europeu de 19 e 20 de dezembro de 2013) como um domínio promissor, com a possibilidade de contribuir de forma concreta para os objetivos de uma União Europeia forte, segura e resiliente. Este sistema é agora parte integrante da Estratégia Espacial para a Europa [COM(2016) 705 final], do Plano de Ação Europeu de Defesa [COM(2016) 950 final] e da Estratégia Global da União Europeia.

(14)  A baixa latência refere-se a um atraso mínimo na transmissão de dados informáticos através de uma ligação de rede. Quanto menor for a latência, mais se aproxima do acesso em tempo real. Uma ligação à rede de latência mais baixa significa que tem tempos de atraso muito curtos.

(15)  Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Resultados da avaliação intercalar do programa ISA2 (soluções de interoperabilidade para as administrações públicas europeias), 23 de setembro de 2019, COM(2019) 615 final.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/185


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano REPowerEU

[COM(2022) 230 final)

e sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) 2021/241 no que diz respeito aos capítulos REPowerEU dos planos de recuperação e resiliência e que altera o Regulamento (UE) 2021/1060, o Regulamento (UE) 2021/2115, a Diretiva 2003/87/CE e a Decisão (UE) 2015/1814

[COM(2022) 231 final — 2022/0164(COD)]

(2022/C 486/25)

Relatores:

Stefan BACK

Thomas KATTNIG

Lutz RIBBE

Consulta

Parlamento Europeu, 6.6.2022

Conselho Europeu, 3.6.2022

Comissão Europeia, 28.6.2022

Base jurídica

Artigo 304.o e artigo 194.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Plenária

21.9.2022

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

220/01/07

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Antes de analisar o conteúdo do plano REPowerEU, o CESE, enquanto representante da sociedade civil, que está a ser duramente afetada pelos aumentos drásticos dos preços, gostaria de salientar, que muitos dos problemas que cabe agora solucionar poderiam ter sido evitados, ou pelo menos limitados, se a dependência das importações de energia tivesse sido reduzida, tal como proposto pela Comissão ao longo dos últimos anos. O CESE lembra que a Comissão, quer na Estratégia Europeia de Segurança Energética de 2014 quer na Estratégia para a União da Energia de 2015, já assinalara a vulnerabilidade da UE a choques energéticos externos, tendo convidado os decisores políticos, à escala nacional e da UE, a explicar claramente aos cidadãos as opções em causa para se poder reduzir a dependência de determinados combustíveis, fornecedores de energia e rotas. No entanto, a maioria dos responsáveis políticos e vastas camadas da nossa sociedade deixaram-se iludir pela disponibilidade de energia fóssil a preços baixos e não viram a necessidade de adotar políticas de precaução. A situação atual é fruto desta negligência. O CESE lamenta que tenha sido preciso a guerra na Ucrânia e as consequentes perturbações no fornecimento de energia da Rússia para chamar a atenção para esta questão básica de segurança energética e lançar as medidas propostas no plano REPowerEU, que visam garantir a independência das importações de energia proveniente da Rússia.

1.2.

O CESE congratula-se com o objetivo do plano REPowerEU de tornar a UE independente do aprovisionamento de gás e petróleo provenientes da Rússia e concorda com a abordagem, assente em quatro pilares, focada na poupança de energia, na diversificação das importações de gás e na substituição dos combustíveis fósseis através da aceleração das energias renováveis e das soluções de financiamento. O CESE toma nota da distinção efetuada entre medidas a curto prazo e medidas a médio e longo prazo.

1.3.

O CESE sublinha a necessidade de garantir a segurança do aprovisionamento a preços tão acessíveis quanto possível, tanto para os consumidores individuais como para a indústria, e salienta que um aprovisionamento energético a partir, essencialmente, de energias renováveis europeias e de fontes de energia hipocarbónicas contribuiria significativamente para uma segurança energética aprovada.

1.4.

Neste contexto, o CESE chama a atenção para as possibilidades de apoio oferecidas pelo Fundo Social para o Clima previsto e, no que diz respeito às empresas, para as orientações no âmbito do quadro temporário de crise para os auxílios estatais. O objetivo deve ser facilitar a transição.

1.5.

Tendo em conta a urgência da situação do aprovisionamento, o CESE entende que o nível de esforço exigido para a realização do plano REPowerEU deve ser considerado adequado e, como tal, concorda com a necessidade de flexibilidade na utilização transitória de combustíveis fósseis e hipocarbónicos, carvão e energia nuclear. Durante este período, que deve ser o mais curto possível, importa não criar novas dependências nem minar os esforços no sentido de alcançar a neutralidade climática o mais rapidamente possível e, o mais tardar, até 2050, tendo em mente que a questão do estatuto da energia nuclear continua em aberto e é atualmente deixada ao critério de cada Estado-Membro.

1.6.

Dada a urgência da situação e o risco de perturbações imprevisíveis no fornecimento de energia pela Rússia, o CESE entende que importa privilegiar medidas que sejam imediatamente aplicáveis, em particular as que visam aumentar significativamente as poupanças de energia, apoiadas por acordos de parceria e pela rápida implementação de novas iniciativas. O CESE chama a atenção para o risco de a combinação de efeitos económicos e sociais da atual crise colocar o sistema democrático sob pressão caso não sejam encontradas soluções adequadas.

1.7.

O CESE apoia o objetivo proposto no pacote Objetivo 55 de aumentar a eficiência energética de 9 % para 14 % até 2030, e os esforços gerais de poupança de gás estimados em 30 % até 2030. O CESE congratula-se igualmente com o regulamento recentemente adotado pelo Conselho relativo a medidas coordenadas de redução da procura de gás em 15 % durante a época de inverno 2022-2023, e sublinha que a capacidade de poupança varia consoante os Estados-Membros. O aumento do nível das novas propostas demonstra igualmente que a urgência provocada pela guerra na Ucrânia eleva os esforços para um novo patamar. O CESE apoia, em particular, a adoção de medidas numa fase precoce para poupar energia, como as poupança de energia por parte de utilizadores individuais, iniciadas pela Comissão em parceria com a Agência Internacional de Energia (AIE), bem como de medidas determinadas pelo mercado, tais como leilões invertidos e medidas de resposta à procura.

1.8.

O CESE insta igualmente os colegisladores a atenderem ao pedido da Comissão de incluir o objetivo de reforçar a poupança de energia, proposto como parte do seu plano no pacote Objetivo 55, a fim de ganhar tempo, o que, dada a situação que se vive, é essencial.

1.9.

No que diz respeito à diversificação das importações, o CESE chama a atenção para as possibilidades oferecidas pela aquisição conjunta voluntária através da Plataforma Energética da UE e de novas parcerias energéticas, que são opções suscetíveis de aplicação imediata. Contudo, o CESE insta a Comissão a desenvolver uma estratégia geopolítica de importação de energia, que tenha em conta a urgência climática e energética, antes de celebrar parcerias energéticas com países não democráticos ou politicamente instáveis.

1.10.

O CESE apoia o objetivo de aumentar a quota de energias renováveis na matriz energética da UE e subscreve firmemente o pedido da Comissão de incluir, no pacote Objetivo 55, a meta de 45 % proposta no plano REPowerEU.

1.11.

Para alcançar estes objetivos mais ambiciosos é necessário importar uma série de equipamento técnico, uma vez que a UE deixou de ter capacidades de produção. Por exemplo, os painéis solares são importados principalmente da China. Assim, as energias fósseis dependem não só de importações, mas também do equipamento necessário. O CESE insta todos os decisores políticos a promoverem afincadamente a expansão dos locais de produção de equipamentos de energias renováveis, incluindo o armazenamento em baterias, na Europa. O lançamento de uma aliança da indústria fotovoltaica da UE pode ser visto como um primeiro passo.

1.12.

No entanto, são necessários investimentos avultados para aumentar a quota das energias renováveis na matriz energética da UE. Note-se, neste contexto, que a percentagem de investimento público da UE na investigação e no desenvolvimento de tecnologias de descarbonização é inferior à de outras grandes economias, o que compromete a competitividade da UE no que respeita às tecnologias futuras essenciais. O CESE observa que a transição ecológica e a segurança do aprovisionamento necessitam de uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação, para uma produção de hidrogénio verde bem-sucedida, para o desenvolvimento de tecnologias de armazenamento e para a exploração plena das oportunidades oferecidas pela digitalização. Por conseguinte, continua a existir uma necessidade considerável de investimento na investigação e no desenvolvimento.

1.13.

O CESE sublinha o valor acrescentado das propostas que visam acelerar os procedimentos de licenciamento de projetos de energias renováveis e a designação de zonas «preferenciais» para projetos dessa natureza. O CESE reitera a importância de cumprir as recomendações para que estes princípios sejam aplicados numa fase precoce.

1.14.

Neste contexto, frisa a importância da produção interna de energias renováveis, incluindo o hidrogénio, mas chama a atenção para o facto de algumas das energias renováveis prioritárias, como o hidrogénio, poderem não estar imediatamente disponíveis em quantidade suficiente e/ou a preços acessíveis. Para se poder prescindir das soluções de transição a médio prazo estabelecidas no ponto 1.3 acima, é importante configurar uma política europeia de descarbonização, com especial destaque para os chamados «setores de difícil redução» (indústrias com grandes necessidades de aquecimento, mas também arrendatários em prédios de apartamentos e o setor dos transportes). Atualmente, já se dispõe de instrumentos adequados como, por exemplo, os contratos por diferenças para o carbono e as iniciativas de autoconsumo coletivo. Estes instrumentos devem ser implementados o mais rapidamente possível, sem descurar os efeitos sociais e a necessidade de assegurar a competitividade internacional das empresas.

1.15.

No que diz respeito ao potencial de desenvolvimento das energias renováveis, o CESE destaca o potencial que encerram o autoconsumo, as comunidades de energia renovável e a partilha de energia. O plano REPowerEU, embora faça referência a este potencial, infelizmente não identifica formas de suprimir os principais obstáculos que dificultam este tipo de empreendimentos.

1.16.

O CESE sublinha igualmente a importância dos padrões de comportamento e tradições nacionais que influenciam as escolhas em matéria de matrizes energéticas sustentáveis. O CESE apoia uma maior utilização dos recursos disponíveis para desenvolver as energias renováveis. Tendo em conta que as escolhas nacionais divergem, há que incentivar a versatilidade e, por conseguinte, recorrer à utilização de um vasto leque de fontes de energia renováveis e hipocarbónicas que se enquadrem económica e ecologicamente num novo sistema energético baseado principalmente em fontes de energia europeias. O CESE toma nota de que, até à data, a questão do estatuto da energia nuclear continua em aberto e é deixada ao critério de cada Estado-Membro.

1.17.

O CESE concorda que as energias renováveis, as redes de armazenamento e as redes de distribuição sejam definidas como sendo de interesse público superior, mas assinala que as implicações concretas desta questão deveriam ter sido explicadas mais detalhadamente. Em pareceres anteriores, o CESE já salientou que os veículos elétricos têm um elevado potencial de «armazenamento estratégico de eletricidade». Lamentavelmente, o plano REPowerEU também não aborda esta questão.

1.18.

No que diz respeito ao investimento, o CESE chama a atenção para a necessidade de conferir maior destaque aos possíveis efeitos positivos no emprego e nas economias regionais e, neste contexto, assinala a importância de ligar os aspetos relacionados com a energia e o clima à coesão social e regional.

1.19.

O CESE lamenta que o plano REPowerEU não aborde adequadamente o refinanciamento do financiamento público, que poderia funcionar como capital de arranque para atrair investimento privado destinado à concretização da independência energética. Uma possibilidade poderia ser a tributação dos lucros inesperados resultantes da escalada dos preços do petróleo e do gás. O CESE toma nota do caráter sensível desta medida, atendendo à necessidade de evitar o desencorajamento do investimento em fontes de energia renováveis e hipocarbónicas.

1.20.

Embora o recém-adotado Regulamento do Conselho relativo a medidas coordenadas de redução da procura de gás e a Comunicação da Comissão que o acompanha — Poupar gás para garantir um inverno em segurança constituam um passo na direção certa para melhorar o nível de preparação para situações de crise, o CESE considera que deveria haver um quadro mais geral com medidas adequadas para enfrentar crises com a magnitude daquela que a UE está a atravessar devido à guerra na Ucrânia.

1.21.

O CESE toma nota das recentes observações da presidente da Comissão sobre a inadequação da atual estrutura do mercado da energia da UE e a necessidade de reformar o mercado da eletricidade. O CESE congratula-se com a intenção de explorar opções para otimizar o mercado da eletricidade, mas sublinha que qualquer proposta deve ser precedida de uma avaliação de impacto exaustiva.

1.22.

O plano REPowerEU, que, de qualquer forma, exigirá um financiamento substancial, será muito difícil de financiar no âmbito do atual quadro financeiro. Neste contexto, o CESE salienta a importância de adotar uma regra de ouro para os investimentos no comportamento socioecológico da nossa sociedade (1).

2.   Contexto

2.1.

No seu plano REPowerEU (2), a Comissão propõe um conjunto abrangente de medidas para reduzir a dependência da UE em relação aos combustíveis fósseis da Rússia, acelerando a transição para as energias limpas e unindo esforços em prol de um sistema energético mais resiliente e de uma verdadeira União da Energia. O plano REPowerEU articula-se em torno de quatro pilares.

2.2.

O primeiro pilar consiste na poupança de energia: uma redução adicional de 5 % do consumo de energia até 2030, para além da redução de 9 % proposta no pacote Objetivo 55, através de uma melhoria da eficiência energética (3). No que toca ao consumo de gás, o pacote Objetivo 55 alcançará uma redução global de 30 % até 2030. A Comissão solicitou aos colegisladores que incluíssem esta proposta no pacote Objetivo 55 antes da sua adoção. Como medida, de ordem imediata, a curto prazo, a Comissão lançará uma campanha de poupança de energia com a Agência Internacional de Energia (AIE), visando as escolhas dos indivíduos e das empresas, na qual os Estados-Membros são convidados a utilizar plenamente os instrumentos de que dispõem, incluindo a implementação efetiva e a atualização dos planos nacionais em matéria de energia e clima (PNEC) (4). O CESE toma nota do recente regulamento adotado pelo Conselho, que prevê uma redução coletiva de 15 % do consumo de gás durante a época de inverno 2022-2023 em relação à média dos últimos cinco anos (5). O regulamento é acompanhado de uma comunicação da Comissão com propostas para a sua aplicação (6).

2.3.

O segundo pilar tem por objetivo reduzir em dois terços a dependência do gás da Rússia até ao final de 2022 e pôr termo à mesma até 2027 através da diversificação das importações de gás, ou seja, mais importação de gás natural liquefeito (GNL) (+50 mil milhões de m3) proveniente dos EUA, do Egito, de Israel e da África Subsariana e importações por meio de gasodutos provenientes de fornecedores não russos (+10 mil milhões de m3). Além disso, a Plataforma Energética da UE, criada em abril, agregará a procura, facilitará aquisições conjuntas voluntárias, otimizará a utilização das infraestruturas e estabelecerá parcerias internacionais a longo prazo. A produção de gás natural na UE aumentará, sendo que, a médio prazo, serão implementadas alternativas, como o biometano e o hidrogénio renovável. A diversificação inclui também o combustível nuclear, dada a dependência de alguns Estados-Membros de fontes de aprovisionamento russas.

2.4.

No terceiro pilar, propõe-se substituir os combustíveis fósseis e acelerar a transição da Europa para as energias limpas: em primeiro lugar, visa-se aumentar a meta da Diretiva Energias Renováveis dos atuais 40 % para 45 % até 2030. A tónica é colocada nas tecnologias essenciais, como a energia solar (meta de instalar mais de 320 GW de energia solar fotovoltaica até 2025, duplicando assim a capacidade atual, e atingir 600 GW até 2030, a estratégia da UE para a energia solar, a nova Iniciativa Europeia para a Produção de Energia Solar nas Coberturas de Edifícios), a energia eólica (aceleração dos procedimentos de licenciamento, por exemplo, através das chamadas zonas «preferenciais»), as bombas de calor (duplicação da implantação para atingir dez milhões de unidades nos próximos cinco anos), e os eletrolisadores. Os colegisladores são convidados a alinhar as submetas para os combustíveis renováveis de origem não biológica no âmbito da Diretiva Energias Renováveis (75 % para a indústria e 5 % para os transportes), a acelerar o hidrogénio duplicando o número de «vales de hidrogénio» e a concluir a avaliação dos projetos importantes de interesse europeu comum sobre H2 até ao verão, a fim de construir as respetivas infraestruturas de produção, importação e transporte de 20 milhões de toneladas de H2 até 2030 (7). Importa estabelecer novas parcerias para o hidrogénio (com o Mediterrâneo e a Ucrânia) e aumentar a produção de biometano para 35 mil milhões de metros cúbicos em 2030. A conversão das instalações de biogás existentes exigirá investimentos de 37 mil milhões de euros ao longo desse período. A fim de impulsionar a eletrificação e a implantação do hidrogénio na indústria, a Comissão introduzirá não só contratos para diferenciais de carbono e vertentes específicas do plano REPowerEU ao abrigo do Fundo de Inovação, como também criará uma aliança da indústria fotovoltaica da UE. É também colocada a tónica na biomassa e nos resíduos agrícolas e florestais. A Comissão convida os colegisladores a adotarem rapidamente as propostas pendentes sobre combustíveis alternativos e outros dossiês relacionados com os transportes que visam apoiar a mobilidade ecológica. Uma iniciativa para ecologização do transporte de mercadorias está prevista para 2023. A Comissão chama a atenção para a necessidade de acelerar os procedimentos de licenciamento também através da rápida aplicação das propostas pendentes.

2.5.

O último pilar está relacionado com os investimentos inteligentes: até 2027 são necessários mais 210 mil milhões de euros, a acrescer aos investimentos a realizar no âmbito do pacote Objetivo 55. O financiamento de GNL e gás transportado por gasodutos de outros fornecedores requer um investimento de 10 mil milhões de euros até 2030. Além disso, é necessário investir um montante de 29 mil milhões de euros na rede elétrica até 2030. Para ajudar a financiar estes investimentos, a Comissão concentra-se nos planos de recuperação e resiliência, na venda em leilão de certificados do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão, nos fundos no âmbito da política de coesão e da política agrícola comum, nos fundos do Mecanismo Interligar a Europa, do Programa InvestEU e do Fundo de Inovação, bem como nas receitas de medidas fiscais.

2.6.

A Comissão apresentou um regulamento que altera o Regulamento (UE) 2021/241 que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, a Decisão (UE) 2015/1814, a Diretiva 2003/87/CE e o Regulamento (UE) 2021/1060, a fim de permitir a utilização do mecanismo para a concretização dos objetivos do plano REPowerEU.

2.7.

Em geral, poderá ser necessário continuar a utilizar petróleo, carvão e outros combustíveis fósseis durante um período de transição. A energia nuclear também tem um papel a desempenhar.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Antes de analisar o conteúdo do plano REPowerEU, o CESE, enquanto representante da sociedade civil, que está a ser duramente afetada pelos aumentos drásticos dos preços, gostaria de salientar, que muitos dos problemas que cabe agora solucionar poderiam ter sido evitados, ou pelo menos limitados, se a dependência das importações de energia tivesse sido reduzida, tal como proposto pela Comissão ao longo dos últimos anos. O CESE lembra que a Comissão, quer na Estratégia Europeia de Segurança Energética de 2014 quer na Estratégia para a União da Energia de 2015, já assinalara a vulnerabilidade da UE a choques energéticos externos, tendo convidado os decisores políticos, à escala nacional e da UE, a explicar claramente aos cidadãos as opções em causa para se poder reduzir a dependência de determinados combustíveis, fornecedores de energia e rotas. No entanto, a maioria dos responsáveis políticos e vastas camadas da nossa sociedade deixaram-se iludir pela disponibilidade de energia fóssil a preços baixos e não viram a necessidade de adotar políticas de precaução. A situação atual é fruto desta negligência. O CESE lamenta que tenha sido preciso a guerra na Ucrânia e as consequentes perturbações no fornecimento de energia da Rússia para chamar a atenção para esta questão básica de segurança energética e lançar as medidas propostas no plano REPowerEU, que visam garantir a independência das importações de energia proveniente da Rússia.

3.2.

Uma consequência das atrocidades cometidas pela Rússia contra o povo ucraniano são as sanções às importações de petróleo e gás da Rússia e os cortes nas exportações russas de energia para alguns Estados-Membros da UE. Por conseguinte, é necessário reduzir rapidamente as importações de energia proveniente da Rússia. O CESE apoia plenamente todas as iniciativas nesse sentido. O objetivo deve ser a eliminação de forma progressiva e o mais rápida possível de todas as importações de energia da Rússia, idealmente nos próximos três anos.

3.3.

Por conseguinte, o CESE apoia plenamente o plano REPowerEU na sua essência, o qual estabelece a meta certa — pôr termo à dependência da Europa em relação às importações de energia russa o mais rapidamente possível, incluindo um conjunto adequado de ações a curto e médio prazo para concretizar esse objetivo.

3.4.

A situação é extremamente dramática, especialmente numa perspetiva internacional. Enquanto a Europa importar gás e petróleo da Rússia, estará a contribuir para a guerra de agressão de Putin. A Europa necessita do gás russo para assegurar o funcionamento da sua indústria e o aquecimento das casas dos cidadãos europeus e isso enfraquece a posição diplomática da UE. Enquanto a Rússia puder utilizar o seu fornecimento à Europa para manipular os preços grossistas do gás, os cidadãos europeus e a indústria terão de suportar preços elevados e no caso de uma interrupção total do aprovisionamento de gás russo há que recear repercussões económicas profundas. Por conseguinte, a situação atual tem efeitos negativos quer nos preços quer na segurança do aprovisionamento, fazendo das empresas e dos consumidores individuais reféns. Com efeito, algumas empresas já foram obrigadas a reduzir ou a parar a produção devido aos preços elevados da energia, o que se reflete negativamente também no emprego. Ao mesmo tempo, os agregados familiares muitas vezes não sabem como pagar as suas faturas de energia. Esta situação mista também exerce pressão sobre o sistema democrático da UE e urge resolvê-la com brevidade.

3.5.

Levanta-se aqui a questão de saber se o plano REPowerEU é suficientemente ambicioso. Tendo em conta que o principal objetivo é eliminar progressivamente a dependência das importações de gás e petróleo da Rússia e alcançar a independência energética da UE em relação à Rússia, essencialmente através do aumento da quota de energias renováveis, da melhoria da eficiência energética e das importações alternativas, mas também, se necessário, recorrendo à energia fóssil, hipocarbónica e carbonífera como soluções transitórias durante um período de tempo muito curto, o esforço deve ser considerado adequado. Porém, há que perguntar se a Europa — especialmente os Estados-Membros — está a fazer tudo ao seu alcance para pôr termo ao aprovisionamento do gás russo o mais rapidamente possível. A julgar apenas pelo plano REPowerEU, e atendendo ao que sabemos até agora sobre os resultados do processo legislativo relativo ao pacote Objetivo 55, tal parece questionável.

3.6.

Existem apenas duas opções plenamente convincentes que contribuirão de forma imediata para a substituição do gás natural a longo prazo e que estão inteiramente em consonância com os objetivos estratégicos do pacote Objetivo 55, nomeadamente intensificar a produção de energias renováveis e reduzir drasticamente a procura.

3.7.

Tendo em conta os custos e o tempo necessário para desenvolver as principais soluções a médio e longo prazo, o CESE sublinha a importância da adoção de medidas imediatas, como as escolhas de particulares e de empresas, as aquisições conjuntas voluntárias através da Plataforma Energética da UE, a criação de novas parcerias energéticas com apoiantes fiáveis, o armazenamento de gás, o seguimento das recomendações de agilização dos procedimentos de licenciamento e respetiva aplicação numa fase precoce, a designação de zonas «preferenciais» e o aumento da produção de biometanol. Os colegisladores poderiam agir imediatamente para dar resposta ao pedido da Comissão de incluir no pacote Objetivo 55, a fim de ganhar tempo, as metas de aumento dos níveis de energias renováveis de 40 % para 45 %, de aumento da eficiência energética em mais 5 % e de melhoria da eficiência energética dos edifícios, estabelecidas em propostas separadas. Poderiam igualmente dar seguimento ao pedido de adoção rápida das propostas pertinentes.

3.8.

O CESE congratula-se igualmente com o regulamento recentemente adotado pelo Conselho relativo a medidas coordenadas de redução da procura de gás durante a época de inverno 2022-2023.

3.9.

Devido à extrema urgência da situação, o CESE apoia igualmente a forma como o plano REPowerEU tem em conta a eventual necessidade de recorrer a combustíveis fósseis e hipocarbónicos e ao carvão durante um período de transição, que deve ser o mais curto possível, a fim de evitar o esgotamento destas fontes. O CESE regista com agrado que, até à data, a questão da energia nuclear é deixada ao critério de cada Estado-Membro.

3.10.

O CESE congratula-se com a criação de um Fundo Social para o Clima, cujo objetivo é atenuar os impactos sociais e económicos negativos e disponibilizar aos Estados-Membros recursos financeiros para apoiar medidas destinadas a fazer face ao impacto social nos agregados familiares, nas microempresas e nos utilizadores de transportes financeiramente vulneráveis. Ao mesmo tempo, o CESE frisa que a dotação financeira proposta para o Fundo Social para o Clima não é suficiente para enfrentar, de forma responsável, os efeitos socioeconómicos do cumprimento das metas climáticas e de mobilidade. Por conseguinte, é necessário um orçamento à altura destes desafios. O CESE salienta igualmente que a capacidade de atrair e gerir fundos privados varia consoante os Estados-Membros.

3.11.

Os Estados-Membros devem também apoiar os cidadãos e, em particular, os agregados familiares financeiramente vulneráveis, tanto no curto prazo (ou seja nos próximos dois invernos), como no longo prazo.

3.12.

No que diz respeito à poupança de energia, a Comissão visa uma redução imediata de 5 % no consumo de gás (cerca de 13 mil milhões de m3) e de petróleo (cerca de 16 Mtep), o que está longe de ser ambicioso e não corresponde à dimensão da crise desencadeada pela guerra contra a Ucrânia. Mas a realidade política é que o Conselho (Energia), de 27 de junho de 2022, aceitou o nível de redução de 9 % proposto pela Comissão em 2021, não tendo em conta as propostas do plano REPowerEU de incluir a proposta no pacote Objetivo 55.

3.13.

Na Alemanha, entre janeiro e maio de 2022, o consumo de gás já foi reduzido em quase 15 % (8), apesar de os estudos de mercado indicarem que os consumidores residenciais poderiam poupar ainda mais. Este exemplo ilustra claramente que a situação e a vontade ou capacidade de ação podem ser muito diferentes consoante os Estados-Membros. É bem possível que medidas que levem em conta este facto tenham mais hipóteses de êxito, como demonstra, por exemplo, o Regulamento do Conselho relativo a medidas coordenadas de redução da procura de gás, adotado em 26 de julho de 2022, que também tem devidamente em conta as necessidades da indústria.

3.14.

As campanhas no domínio da energia não se devem limitar a apelos para poupar energia, devendo abranger medidas com impacto direto, como, por exemplo, leilões invertidos, em que uma autoridade central — a autoridade reguladora ou o operador da rede — organiza um concurso público para os consumidores industriais, que podem apresentar a sua licitação para uma redução voluntária de gás com base nos seus custos específicos. Tal poderia ajudar a atingir os respetivos níveis de aprovisionamento das reservas de gás e aumentaria a probabilidade de, num cenário de interrupção do aprovisionamento de gás russo, a UE passar o inverno sem sofrer demasiados impactos sociais e económicos. O CESE chama a atenção para o potencial da resposta à procura como meio para reduzir a procura.

3.15.

No que diz respeito às energias renováveis, o objetivo global fixado pela Comissão de 45 % de energias renováveis, em vez dos 40 % propostos em 2021, parece ter sido ignorado até agora, pelo menos pelo Conselho (Energia) de 27 de junho de 2022, apesar do pedido da Comissão para que fosse incluído no pacote Objetivo 55. Na opinião do CESE, este facto é lamentável na medida em que retarda o impacto do desenvolvimento desejado. No entanto, o CESE congratula-se com a proposta separada, apresentada em maio de 2022, que visa acelerar os procedimentos de licenciamento de projetos de energias renováveis e designar zonas «preferenciais» para projetos dessa natureza, a fim de eliminar um dos principais obstáculos à rápida implantação das energias renováveis, em particular dos projetos de energia solar e eólica. Por conseguinte, o CESE congratula-se igualmente com a recomendação formulada na Comunicação REPowerEU de proceder imediatamente à agilização dos procedimentos de licenciamento e à designação de zonas «preferenciais», enquanto se aguarda a aceitação da proposta da Comissão.

3.16.

Para alcançar estes objetivos mais ambiciosos é necessário importar uma série de equipamentos tecnológicos, uma vez que a UE deixou de ter capacidades de produção. Por exemplo, os painéis solares são importados principalmente da China. Assim, as energias fósseis dependem não só de importações, mas também do equipamento necessário. O CESE insta todos os decisores políticos a promoverem afincadamente a expansão dos locais de produção de equipamento de energias renováveis na Europa. O lançamento de uma aliança da indústria fotovoltaica da UE pode ser visto como um primeiro passo.

3.17.

No entanto, são necessários investimentos avultados para aumentar a quota das energias renováveis na matriz energética da UE. Note-se, neste contexto, que a percentagem de investimento público da UE na investigação e no desenvolvimento de tecnologias de descarbonização é inferior à de outras grandes economias, o que compromete a competitividade da UE no que respeita às tecnologias futuras essenciais. O CESE observa que a transição ecológica e a segurança do aprovisionamento necessitam de uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação, para uma produção de hidrogénio verde bem-sucedida, para o desenvolvimento de tecnologias de armazenamento e para a exploração plena das oportunidades oferecidas pela digitalização, permitindo finalmente a disponibilização de conceitos como as centrais elétricas virtuais. Por conseguinte, continua a existir uma necessidade considerável de investimento na investigação e no desenvolvimento.

3.18.

Conceitos como o autoconsumo, as comunidades de energia renovável e a partilha de energia, que foram amplamente reconhecidos no pacote Energias Limpas e que o CESE sempre apoiou, são importantes para impulsionar as fontes de energia renovável. As necessidades de investimento maciço têm de ser cobertas. Os cidadãos estão dispostos a investir no autoconsumo ou no consumo comunitário se compreenderem os benefícios que daí podem retirar. Devem sentir-se encorajados e não dissuadidos, que é o que ainda acontece em muitos Estados-Membros. A estratégia da UE para a energia solar adjacente ao plano REPowerEU reconhece este facto e, neste contexto, reitera a Diretiva Energias Renováveis II sem especificar a forma de obrigar os Estados-Membros a eliminarem finalmente os obstáculos pertinentes.

3.19.

Definir as energias renováveis e o armazenamento como sendo de interesse público superior faz sentido, mas a implicação direta continua a ser pouco clara. A rede de distribuição que liga as respetivas instalações ao consumidor também deve ser definida como sendo de interesse público superior.

3.20.

Mesmo obtendo melhorias em grande escala na redução da procura de energia (ver pontos 3.7 a 3.9) e impulsionando as fontes de energias renovável (ver pontos 3.10 a 3.12), é evidente que a UE não conseguirá alcançar a autossuficiência energética nem a curto nem a médio prazo. A autossuficiência afigura-se possível a longo prazo, mas, ao que parece, ainda não se sabe se é desejável. Depois da má experiência com a dependência da Rússia, torna-se necessário adotar uma abordagem bem pensada para selecionar os países/as regiões com que se celebram parcerias no futuro. Embora a urgência da situação careça de decisões rápidas no que diz respeito às importações de GNL e de hidrogénio (verde), há que evitar decisões vinculativas a longo prazo sem que se proceda previamente a uma análise de risco abrangente. O CESE insta a Comissão a desenvolver uma estratégia geopolítica de importação de energia, que tenha em conta a urgência climática e energética, antes de propor parcerias energéticas com países não democráticos ou politicamente instáveis.

3.21.

O GNL parece ser uma solução para muitos Estados-Membros, mas dada a sua pegada de carbono deve ser considerada uma tecnologia de transição, a utilizar por um período o mais curto possível. Nos próximos 20 anos, todas as infraestruturas de GNL recém-construídas ou serão removidas ou terão de ser capazes de transportar e distribuir hidrogénio verde. Tal constitui um princípio fundamental para todas as decisões de investimento a tomar nos próximos meses. O atributo «preparado para o hidrogénio» é, muitas vezes, utilizado como classificação, mas, na realidade, o significado desta expressão não é nada claro. À semelhança da abordagem relativa à definição de «hidrogénio verde» no respetivo ato delegado, a Comissão tem de definir «preparado para o hidrogénio», a fim de combinar a segurança do investimento com objetivos climáticos claros. Importa alterar a taxonomia em conformidade.

3.22.

Estes fatores revelam a importância de ter em conta os padrões de comportamento e abordagens nacionais ao ponderar matrizes energéticas sustentáveis. O CESE nota que a Comissão faz uma breve menção ao papel da energia nuclear no seu plano REPowerEU, tendo em conta que esta opção é da exclusiva responsabilidade dos Estados-Membros. O CESE apoia uma utilização reforçada dos recursos disponíveis na UE, incluindo a prioridade de expansão rápida e em grande escala das energias renováveis, como proposto pela Comissão. A versatilidade das opções de produção de energia contribui para a segurança do aprovisionamento energético. Por conseguinte, para além da energia eólica e solar, deve utilizar-se todo o leque de fontes de energia hipocarbónicas que se enquadrem num novo sistema energético caracterizado principalmente por fontes de energia europeias flutuantes.

3.23.

O pilar dos investimentos inteligentes estabelece as prioridades adequadas. No entanto, o CESE reitera que, com a abordagem correta, uma estrutura de aprovisionamento energético sem emissões de carbono, descentralizada e digitalizada pode ter efeitos positivos significativos no emprego e nas economias regionais (ver Parecer TEN/660). Face à atual crise, é fundamental que a União Europeia adote uma abordagem energética geral, que combine temas específicos relacionados com a energia e o clima com os objetivos da política de coesão social e regional. Este aspeto é amplamente ignorado na estratégia para a energia solar, que a Comissão apresentou juntamente com o plano REPowerEU.

3.24.

A Comissão salienta, com razão, que os investimentos públicos podem e devem mobilizar fundos privados. Mas o plano REPowerEU não aborda o refinanciamento dos respetivos fundos públicos. A eliminação dos subsídios aos recursos fósseis seria uma possível abordagem para organizar esse processo, tal como a tributação dos lucros inesperados resultantes da grande crise do petróleo e do gás que se traduz em ganhos extraordinariamente elevados, especialmente para as grandes empresas petrolíferas. O CESE propõe que estes lucros sejam reduzidos com a ajuda de impostos e convertidos em compensações financeiras para os consumidores de energia, por exemplo, agregados familiares financeiramente mais vulneráveis ou empresas com utilização intensiva de energia, e utilizados para a expansão da produção de energias renováveis e das infraestruturas de rede necessárias, especialmente porque tal já está a ser debatido ou executado em alguns Estados-Membros. O CESE considera que a definição dessa tributação requer muito cuidado para não desencorajar as empresas do setor da energia de investirem em soluções hipocarbónicas. O CESE insta a Comissão a propor as respetivas medidas sem mais demoras.

3.25.

Em linha com a utilidade provável de promover soluções adaptadas às circunstâncias locais, o CESE apoia plenamente a proposta da Comissão de utilizar os planos de recuperação e resiliência e o Mecanismo de Recuperação e Resiliência para ajudar a executar o plano REPowerEU.

3.26.

O plano REPowerEU, que, de qualquer forma, exigirá um financiamento substancial, será muito difícil de financiar no âmbito do atual quadro financeiro. Neste contexto, o CESE salienta a importância de adotar uma regra de ouro para os investimentos no comportamento socioecológico da nossa sociedade (9).

4.   Observações na especialidade

4.1.

O biometano pode contribuir para reduzir ou eliminar a dependência da Europa em relação ao gás da Rússia. No entanto, para a sua produção, nomeadamente numa tentativa de evitar incompatibilidades com a biodiversidade, há que modernizar em particular as instalações de biogás existentes. Atualmente, as unidades de biogás são frequentemente utilizadas apenas para produzir eletricidade de carga básica, ou seja, em modo contínuo. O calor libertado na produção de biogás raramente é utilizado. Ora, este procedimento é ineficaz. O biogás obtido deve ser tratado e injetado diretamente na rede de gás ou também ser utilizado para o fornecimento de calor sob a forma de instalações locais de produção combinada de calor e eletricidade. As instalações de armazenamento de gás de menor dimensão podem ajudar a produzir eletricidade na falta de vento ou de sol. Tal requer investimentos na adaptação dos sistemas existentes. A Comissão menciona na sua comunicação os incentivos respetivos, mas não aprofunda a questão. É urgente obviar a esta falha.

4.2.

Tal como referido no ponto 3.14, o GNL terá de desempenhar um papel a curto e médio prazo. O plano REPowerEU prevê a realização de avaliações e planeamento, aquisições conjuntas voluntárias e uma maior coordenação. Contudo, os Estados-Membros já estão, entretanto, a agir individualmente. A solidariedade europeia é necessária e a Comissão deve certificar-se de que nenhum Estado-Membro atua contra o interesse de outro Estado-Membro, conforme previsto no Regulamento (UE) 2017/1938 relativo à segurança do aprovisionamento de gás.

4.3.

O Regulamento Segurança do Aprovisionamento de Gás prevê igualmente um regime europeu de solidariedade abrangente em caso de emergência no setor do gás. Embora o recém-adotado Regulamento do Conselho relativo a medidas coordenadas de redução da procura de gás e a Comunicação que o acompanha — Poupar gás para garantir um inverno em segurança constituam um passo na direção certa para melhorar o nível de preparação para situações de crise, o CESE considera que deveria haver um quadro mais geral com medidas destinadas a enfrentar crises com a magnitude daquela que a UE está a atravessar devido à guerra na Ucrânia.

4.4.

As bombas de conversão de eletricidade em calor e as bombas de calor, também no contexto do aquecimento urbano, afiguram-se a abordagem mais promissora para substituir o gás natural no setor do aquecimento. No entanto, existem inúmeros obstáculos (a começar pela necessidade de trabalhadores qualificados e a terminar nas questões sociais, especialmente nos bairros com uma elevada percentagem de arrendatários). A comunicação não tem em conta estes aspetos. É necessário um olhar mais analítico e também mais crítico, envolvendo nesse exercício a sociedade civil.

4.5.

O aumento significativo dos preços da energia revelou as fragilidades do mercado da energia. A própria presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, declarou que o atual sistema do mercado da eletricidade já não funciona e tem de ser reformado. É necessário fazer perguntas fundamentais sobre o futuro energético, com vista a assegurar um aprovisionamento de energia ecológico, a preços acessíveis e fiável e o direito à energia. Importa adaptar a conceção e a sua regulamentação às novas realidades das energias renováveis dominantes e criar as condições necessárias para cada um dos intervenientes, bem como reforçar uma proteção adequada dos consumidores. O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de explorar opções para otimizar a conceção do mercado da eletricidade e apoia firmemente as avaliações do mercado que analisem o comportamento de todos os potenciais intervenientes no mercado da energia e na conceção desse mercado. Em todo o caso, o CESE sublinha que qualquer proposta deverá ser precedida de uma avaliação de impacto exaustiva. Chama a atenção para a necessidade urgente de combater a escalada dos preços da eletricidade, incluindo a agregação dos preços da eletricidade e do gás, que está a ter um impacto negativo nas economias dos Estados-Membros.

4.6.

Além disso, o CESE salienta que é cada vez mais necessária uma previsão sistemática do aumento da procura de energia por zona e por tipo de energia, tendo em conta a transformação dos tipos de energia, bem como o planeamento conceptual da arquitetura do futuro sistema energético, a fim de garantir, por um lado, que os investimentos são canalizados para onde são necessários e, por outro, a segurança do aprovisionamento. A Comissão deve definir esta visão de conjunto e comunicá-la amplamente, pois muitas vezes predomina a falta de clareza na sociedade no que toca a saber em que medida a Europa pode autoabastecer-se de energia.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE (JO C 105 de 4.3.2022, p. 11).

(2)  COM(2022) 230 final.

(3)  COM(2022) 222 final.

(4)  COM(2022) 240 final.

(5)  Documento do Conselho 11625/22.

(6)  COM(2022) 360 final.

(7)  COM(2022) 230, final, p. 7, e SWD(2022), p. 26.

(8)  Industrie spart Gas, Sparpotenzial bei Verbrauchern nicht gehoben [A indústria poupa gás, mas os consumidores privados podiam poupar ainda mais] (handelsblatt.com).

(9)  Parecer do CESE (JO C 105 de 4.3.2022, p. 11).


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/194


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Isenção temporária das regras de utilização das faixas horárias nos aeroportos devido à COVID-19

[COM(2022) 334 final]

(2022/C 486/26)

Relator-geral:

Thomas KROPP

Consulta

Comissão Europeia, 12.7.2022

Parlamento Europeu, 19.7.2022

Conselho, 4.8.2022

Base jurídica

Artigo 100.o, n.o 2, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

143/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) observa que o setor da aviação proporciona conectividade intra-UE e internacional, o que constitui uma condição essencial para o comércio e o turismo e, por conseguinte, também para a prosperidade económica europeia. O setor da aviação continua a sofrer os efeitos combinados de várias crises mundiais, como a pandemia de COVID-19, o encerramento do espaço aéreo de vários parceiros comerciais europeus (nomeadamente a China), a guerra em curso na Ucrânia, o aumento da inflação, a probabilidade crescente de uma recessão mundial e a escassez de mão de obra em vários setores económicos, nomeadamente no próprio setor da aviação. Outras regiões do mundo estão a acompanhar atentamente a forma como o setor da aviação europeu gere estes desafios. As plataformas de correspondência vizinhas em Istambul, Dubai, Doa e Londres beneficiarão da falta de competitividade das plataformas de correspondência europeias e das transportadoras aéreas internacionais europeias. Por conseguinte, o CESE tem defendido sistematicamente que nenhuma medida regulamentar que afete a aviação deve afetar a competitividade internacional da Europa. Seria prejudicial para o ambiente e para a mão de obra empregada na Europa que os fluxos de passageiros fossem desviados das ligações internacionais na Europa e transportados para destinos internacionais através de plataformas de correspondência não pertencentes à UE. As alterações propostas ao Regulamento Faixas Horárias também devem ser consideradas neste contexto mais amplo.

1.2.

O Regulamento (CEE) n.o 95/93 do Conselho (1) estabelece os processos e as normas aplicáveis à atribuição de faixas horárias nos aeroportos da UE. O artigo 10.o do regulamento em apreço especifica que as transportadoras aéreas devem utilizar pelo menos 80 % das faixas horárias que lhes são atribuídas num dado período de programação para manter a mesma série de faixas dentro do período de programação correspondente do ano seguinte (Regulamento Faixas Horárias).

1.3.

Face ao alcance e à duração inesperados da pandemia, a Comissão alterou duas vezes o Regulamento Faixas Horárias desde o início do surto, a fim de suspender efetivamente a regra «usar ou perder» (use-it-or-lose-it) as faixas horárias e de conferir à Comissão poderes delegados para lidar com novos acontecimentos imprevistos. Estas medidas de isenção das regras de utilização das faixas horárias caducarão em 29 de outubro de 2022, tendo os poderes delegados da Comissão caducado já em 21 de fevereiro de 2022. Uma nova revisão e ajustamentos adicionais são agora urgentemente necessários, a fim de refletir a realidade do mercado.

1.4.

Com base nas previsões do Eurocontrol, a Comissão parte do princípio de que o mercado da aviação recuperará gradualmente para níveis anteriores à pandemia, embora este pressuposto possa ser excessivamente otimista (2). O CESE considera que a proposta, embora bem concebida, carece das salvaguardas necessárias para evitar retrocessos indesejados na competitividade da Europa.

1.5.

O CESE congratula-se com a orientação desta nova proposta da Comissão de manter o máximo de competitividade possível no mercado da aviação. No entanto, a análise de mercado da Comissão, bem como a sua previsão para a evolução do mercado nas próximas três épocas, não são suficientemente sólidas para explicar ou mesmo justificar o regresso proposto à regra 80/20. O CESE não partilha da argumentação da Comissão de que o mercado da aviação está a regressar à «normalidade». À luz dos dados da Comissão, um limiar mais baixo, como, por exemplo, 70/30, seria mais adequado até o mercado estabilizar.

1.6.

O CESE congratula-se com a proposta da Comissão de alargar o âmbito da não utilização justificada de faixas horárias (justified non-use of slots — JNUS), de modo a abranger também perturbações de ordem política e catástrofes naturais, se estas circunstâncias conduzirem a restrições claramente descritas no setor da aviação. No entanto, o CESE não está convencido de que se justifiquem as alterações propostas à atual JNUS. Os procedimentos previstos pela Comissão acrescentam um nível desnecessário de complexidade. Com efeito, os desvios em relação aos procedimentos atuais já não podem ser qualificados como medidas de emergência, criando assim incertezas jurídicas numa altura em que todo o setor necessita urgentemente de um quadro regulamentar estável.

1.7.

O CESE apoia a proposta de aumentar a transparência da atribuição das faixas horárias, reforçando o papel da Associação Europeia de Coordenadores de Aeroportos e introduzindo a obrigação de os coordenadores publicarem os destinos a que as exceções se aplicam.

1.8.

O CESE congratula-se com as medidas propostas para mitigar os efeitos atuais e previsíveis da agressão militar da Rússia contra a Ucrânia na aviação europeia. No entanto, os pressupostos da Comissão de que as disposições normais podem ser aplicadas quatro meses após o termo das hostilidades afiguram-se demasiado otimistas.

1.9.

Não obstante apoiar plenamente as intenções da Comissão, o CESE considera que, apesar dos condicionalismos de tempo evidentes, teria sido necessária uma avaliação de impacto (AI) para aferir melhor as implicações das alterações propostas ao atual Regulamento Faixas Horárias. Na ausência de tal fundamentação através de uma AI, a Comissão baseia-se nas previsões do Eurocontrol, que não refletem necessariamente a complexidade da evolução atual do mercado.

1.10.

A AI não é apenas necessária para justificar as alterações ao Regulamento Faixas Horárias em vigor. Como o CESE já salientou (3), as medidas da UE devem ser estreitamente coordenadas com o Worldwide Airport Slot Board (WASB), a fim de evitar abordagens diferentes para a mesma questão em diferentes regiões do mundo.

1.11.

As atuais crises mundiais devem ser encaradas no contexto do seu efeito cumulativo na aviação internacional. Tendo em conta as dificuldades em conter estes efeitos por enquanto, o CESE considera que a Comissão deve rever a proposta com o objetivo de minimizar as alterações às disposições em vigor, a fim de manter o seu caráter de «legislação de emergência». A atual situação de emergência não foi de modo algum atenuada, pelo que as disposições de emergência devem ser prorrogadas pelo menos durante o período previsto pela Comissão, parecendo prematuro planear alterações como as propostas pela Comissão.

2.   Observações gerais

2.1.

Como refere a Comissão na sua exposição de motivos, o desafio regulamentar no contexto do Regulamento Faixas Horárias consiste em assegurar a utilização das faixas horárias objeto de direitos adquiridos. A Comissão alterou duas vezes o regulamento para o ajustar à regra «usar ou perder». A Comissão recebeu igualmente poderes delegados para ajustar o limiar de utilização das faixas horárias, caso a redução na procura persistisse.

2.2.

Estas medidas de isenção das regras de utilização das faixas horárias caducarão em 29 de outubro de 2022, tendo os poderes delegados da Comissão caducado já em 21 de fevereiro de 2022. No que diz respeito à regra básica «usar ou perder», a Comissão propõe agora repor, a partir de 29 de outubro de 2022, a taxa de utilização normal de 80 % das faixas horárias. A fundamentação apresentada foi que, em junho de 2022, o Eurocontrol previu que, no início da época de inverno de 2022-2023, o tráfego regressaria a 90 % dos níveis de 2019.

2.3.

O CESE não está convencido disso. Em consequência da agressão militar da Rússia contra a Ucrânia, os voos militares aumentaram significativamente, tal como o reencaminhamento de sobrevoos, nenhum dos quais é relevante para a atribuição de faixas horárias. Além disso, é necessário distinguir entre os movimentos de carga aérea, que não diminuíram significativamente durante o período de crise, e os movimentos de tráfego de passageiros, que diminuíram muito. Neste mercado de passageiros, é necessária uma maior diferenciação: em resultado do Certificado COVID-19 da UE, o tráfego intraeuropeu recuperou muito mais rapidamente para níveis anteriores à pandemia, embora o tráfego aéreo doméstico e o tráfego de longo curso se encontrem em diferentes fases de recuperação. Prevê-se que o tráfego profissional recupere muito mais lentamente do que o tráfego de lazer (4). Não é, de modo algum, um dado adquirido que o tráfego de lazer recuperará de forma consistente; parte deste crescimento pode ser atribuído ao aumento da procura de férias após dois anos de COVID-19. As principais transportadoras da rede europeia ainda não reintroduziram as suas grandes aeronaves de longo curso Airbus 380 nas respetivas frotas, precisamente porque as companhias aéreas enfrentam elevados custos de combustível e porque não preveem aumentos significativos e consistentes da procura de tráfego. Os dados fornecidos pelas partes interessadas indicam que se espera que os movimentos de tráfego aumentem para 90 % dos níveis de 2019, mas a procura por passageiros apenas para 78 %. Se a taxa de ocupação das aeronaves for inferior, é de esperar que as companhias aéreas combinem, por exemplo, vários voos por dia, a fim de manter voos rentáveis (5). A procura será afetada pelo aumento das taxas de inflação e pelos riscos crescentes de recessão em vários países. Por conseguinte, as previsões não devem basear-se nas regiões com melhor recuperação, mas refletir também os submercados particularmente afetados.

2.4.

Estes fatores levam o CESE a crer que a recuperação do mercado da aviação pode ser mais árdua do que o previsto pela Comissão. Os segmentos de mercado continuam a recuperar a diferentes velocidades: a carga 6 % em relação aos níveis de 2019; as transportadoras de baixo custo -9 %; e as companhias de voos regulares 21 %. Isto é ainda mais importante se se considerar que os limiares se referem a séries inteiras de faixas horárias, o que significa que as séries de faixas horárias (tais como os voos em períodos de ponta) têm de ser superiores ao limiar de 80 %. Nos períodos anteriores à pandemia, a taxa de utilização das faixas horárias foi de 95 %, sendo a taxa mais baixa de utilização das faixas horárias 80 %. Se o Eurocontrol prevê uma taxa média de utilização das faixas horárias de 90 %, então deve partir-se do pressuposto de que a série de faixas horárias não atingirá (em média) 80 %. Por estas razões, é demasiado prematuro regressar aos limiares de 80/20. Parece mais apropriado adotar uma taxa de 70/30 até estarem disponíveis dados mais sólidos que confirmem uma recuperação sustentável do mercado. Cabe também assinalar que os problemas enfrentados pelos aeroportos europeus mostram claramente que os efeitos da pandemia de COVID-19 ainda não foram absorvidos. As principais plataformas de correspondência da UE, como Francoforte, e de países terceiros, como Heathrow de Londres, limitaram os voos de e para estes aeroportos, o que conduziu a cancelamentos maciços de voos, numa tentativa de aliviar a pressão sobre as operações das companhias aéreas nestes aeroportos. Essas tensões foram causadas por uma série de variáveis diferentes, como a escassez de pessoal, o que é indicativo de que ainda não é possível atingir os limiares anteriores à pandemia para a taxa de utilização das faixas horárias (6).

2.5.

Um nível de 70/30 estaria em conformidade com os limiares e a justificação adotados pelo Governo do Reino Unido (7). Embora tenha sido fortemente criticado pelo setor das companhias aéreas, o CESE considera que permitiria encontrar um equilíbrio fundamentado entre o regresso à situação anterior e o reconhecimento, ao mesmo tempo, de continuar a ser necessário um nível (embora reduzido) de proteção das faixas horárias, tendo em conta os graves desafios que o setor enfrenta atualmente. Além disso, alinharia o limiar do Regulamento Faixas Horárias da UE com o das políticas dos países vizinhos e estabeleceria condições de concorrência equitativas para as plataformas de correspondência da UE e para o aeroporto de Heathrow de Londres, a maior plataforma internacional da Europa.

2.6.

Além disso, a Comissão propõe que, durante o período compreendido entre 29 de outubro de 2022 e 26 de março de 2024, fique, a qualquer momento, habilitada, mediante um ato delegado, a ajustar de forma independente a taxa de utilização das faixas horárias entre 0 % e 70 %, se os dados publicados pelo Eurocontrol demonstrarem que o tráfego aéreo semanal desce, durante quatro semanas consecutivas, abaixo de 80 % dos níveis de 2019 no período homólogo e que seja provável que a redução do nível de tráfego aéreo persista. A Comissão propõe igualmente que as companhias aéreas possam beneficiar da não utilização justificada de faixas horárias (JNUS), se as autoridades introduzirem restrições destinadas a fazer face a qualquer situação epidemiológica, catástrofe natural ou perturbação de ordem política, e apenas se essas restrições tiverem um impacto negativo no tráfego aéreo.

2.7.

O CESE apoia a Comissão nos seus esforços para assegurar a possibilidade de utilizar atos delegados de forma flexível e transparente em circunstâncias excecionais claramente definidas para adaptar o cálculo das taxas de utilização das faixas horárias e, assim, ajustar os limiares para proteger as faixas horárias. No entanto, o novo projeto fica aquém deste objetivo em vários aspetos.

2.7.1.

Ao contrário da Comissão, o CESE considera que as companhias aéreas devem poder beneficiar das exceções da JNUS em caso de recomendações públicas contra viagens. Ainda que os avisos contra viagens não tenham efeitos jurídicos imediatos, podem afetar a procura de viagens aéreas, o que se deve refletir de forma adequada.

2.7.2.

Além disso, o CESE estima que a obrigação de monitorizar os fluxos de tráfego aéreo semanais durante quatro semanas consecutivas antes de poderem ser tomadas medidas corretivas é demasiado onerosa e pode atrasar desnecessariamente as intervenções regulamentares. Uma fase de monitorização de quatro semanas não fundamentada parece arbitrária. É muito mais importante assegurar a transparência do processo de decisão.

2.7.3.

O CESE recomenda que a regra da JNUS seja aplicável ao aeroporto de partida e de chegada; ambos estão intrinsecamente ligados enquanto par de aeroportos no restabelecimento da anterior carteira de faixas horárias em determinadas rotas. Atualmente, a Comissão não prevê a obrigatoriedade deste requisito.

2.7.4.

A Comissão não fundamentou suficientemente a necessidade de alterar o cálculo da taxa de utilização das faixas horárias: o artigo 10.o, n.o 4, do Regulamento Faixas Horárias prevê que as faixas horárias protegidas sejam consideradas faixas utilizadas, ao passo que a Comissão propõe agora ignorá-las. A Comissão parte do princípio, sem mais provas, de que as regras normais em matéria de faixas horárias podem ser restabelecidas 16 semanas após a reabertura do espaço aéreo ucraniano. Tal parece excessivamente otimista, tendo em conta as hostilidades em curso, o grau de destruição das infraestruturas e as incertezas relativas ao conteúdo e à solidez de um acordo entre as duas partes. Dezasseis semanas parece ser um valor arbitrário que não deve constituir a base de uma decisão regulamentar de «regresso à normalidade».

2.8.

O CESE tem defendido reiteradamente que a Comissão procure alinhar o Regulamento Faixas Horárias, tanto quanto possível, com as práticas e políticas internacionais. Todas as partes interessadas pertinentes participam em consultas sobre a forma de adaptar a regulamentação relativa às faixas horárias às crises que o mercado enfrenta.

2.9.

O CESE congratula-se com as melhorias propostas pela Comissão para a forma de cooperação dos coordenadores das faixas horárias. Uma maior transparência no processo evita confusões desnecessárias entre todos os intervenientes no mercado.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Regulamento (CEE) n.o 95/93 do Conselho, de 18 de janeiro de 1993, relativo às normas comuns aplicáveis à atribuição de faixas horárias nos aeroportos da Comunidade (JO L 14 de 22.1.1993, p. 1).

(2)  Publicação sobre a intenção da companhia aérea alemã Lufthansa de continuar a reduzir a capacidade tendo em conta a crise atual: https://www.airliners.de/lufthansa-streicht-winterflugplan/65956.

(3)  Ver JO C 123 de 9.4.2021, p. 37, ponto 1.5.

(4)  https://www.airliners.de/prognose-globaler-geschaeftsreiseverkehr-erholt-deutlich/65958.

(5)  Publicação do número de passageiros e das previsões no aeroporto de Munique, indicando que a recuperação dos volumes de tráfego para níveis anteriores à pandemia demorará mais tempo do que o anteriormente previsto: https://www.airliners.de/wachsendes-passagieraufkommen-bayerns-flughaefen-weit-entfernt-corona-niveau/65950.

(6)  Na sua exposição de motivos, a Comissão refere a escassez de pessoal em aeroportos essenciais. No entanto, considera-a um fenómeno de curta duração. Este consideração é questionável, na medida em que a escassez de mão de obra afeta muitos setores económicos e não apenas a aviação. Não há nenhuma razão para crer que esta situação será resolvida no setor da aviação num futuro próximo.

(7)  Em 24 de janeiro de 2022, o Governo do Reino Unido ajustou a taxa de utilização das faixas horárias para 70/30 a partir de 27 de março de 2022 como passo no sentido de regras normais, protegendo simultaneamente o setor contra incertezas futuras, tal como declarado pelo ministro dos Transportes do Reino Unido, Grant Shapps.


21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/198


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Impacto geopolítico da transição energética

[JOIN(2022) 23 final]

(2022/C 486/27)

Relator:

Tomasz Andrzej WRÓBLEWSKI (PL-I)

Correlator:

Ioannis VARDAKASTANIS (EL-III)

Consulta

28.6.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Decisão da Plenária

21/09/2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Consulta

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

14.9.2022

Adoção em plenária

21.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

229/1/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O ano de 2022 ficará na história como um ano de profundas mudanças no âmbito da geopolítica e da energia em todo o mundo. O CESE louva os esforços da Comissão Europeia e dos Estados-Membros individuais, que aceleraram o processo de conquista da independência face ao aprovisionamento energético russo. No entanto, atendendo à dinâmica da guerra na Ucrânia, o CESE considera necessário acelerar ainda mais esse processo através da aplicação de um embargo rigoroso, que deve ser acompanhado do rápido desenvolvimento de fontes alternativas de energia limpa.

1.2.

O presente parecer tem em conta a consulta relativa à Comunicação — Ação Externa da UE no domínio da energia num mundo em mudança [JOIN(2022) 23], apresentada conjuntamente pela Direção-Geral da Energia da Comissão Europeia e pelo alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, em 18 de maio de 2022.

1.3.

O CESE saúda o facto de a Europa permanecer na linha da frente da transição energética, mas assinala que, para compensar os efeitos das emissões mundiais, não bastam mudanças no seio da UE, sendo claramente do seu interesse a adoção de medidas a nível internacional, tanto no que toca às alterações climáticas como à expansão económica, para assegurar um desenvolvimento sustentável a nível mundial.

1.4.

O CESE saúda uma série de iniciativas da UE que reforçam a sua resiliência interna, como é o caso do plano REPowerEU, ou que facilitam a estabilidade política, como a Parceria para a Transição Energética Justa, a Estratégia Global Gateway e a Agenda Verde para os Balcãs Ocidentais.

1.5.

Ao mesmo tempo, o CESE chama a atenção para o facto de as atuais tensões políticas exigirem uma cooperação ainda mais ativa com determinados países que estão em condições de assegurar o aprovisionamento de gás e petróleo à Europa. Entre eles contam-se os Estados Unidos e, em diferente medida, certos países da América do Sul e de África, cujas exportações de combustíveis fósseis devem ser complementadas com transferências de conhecimentos e com tecnologias de energias renováveis passíveis de acelerar a sua transição climática.

1.6.

O CESE saúda a iniciativa de ligar a Moldávia e a Ucrânia à rede energética europeia, mas insta à realização de análises regulares da situação geopolítica decorrente de alterações dinâmicas na estrutura energética de países como a Arménia, a Geórgia e o Cazaquistão.

1.7.

O CESE alerta para a necessidade de firmar relações especiais com países que sejam fornecedores importantes de metais pesados e de matérias-primas necessárias para produzir tecnologias de energias limpas e cuja soberania possa estar sob ameaça. Para esse efeito, importa desenvolver um ramo completamente novo das relações internacionais: a diplomacia energética europeia.

1.8.

À luz da experiência recente de dependência excessiva da Europa face a matérias-primas provenientes de fontes não fiáveis, o CESE insta a UE a ser tão flexível quanto possível nos seus planos ambiciosos para a transição energética, prevendo uma margem de tempo suficiente para analisar o impacto geopolítico de determinadas decisões e para ajustá-las se causarem tensões indesejadas e inesperadas a nível mundial.

2.   Introdução

2.1.

Ao longo de vários anos, as questões relacionadas com a transição energética ocuparam um lugar de destaque na agenda política em todo o mundo. Graças ao Pacto Ecológico Europeu, a União Europeia é pioneira no que toca à transição energética, com base nos seus valores da sustentabilidade, da solidariedade e da cooperação internacional. No entanto, embora a UE seja responsável por apenas 8 % das emissões mundiais (estando esse valor a diminuir), a sua política interna, por mais ambiciosa, não é suficiente.

2.2.

Conforme indicado nas conclusões da Conferência sobre a geopolítica do Pacto Ecológico Europeu (1), o multilateralismo é fundamental para fazer face às ameaças climáticas comuns e transfronteiriças e só o multilateralismo — em vez de políticas divisionistas — pode dar resposta à crise do planeta. O que precede foi também abordado no Parecer do CESE — Nova Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas (2), no qual defendeu a necessidade de «intensificar a ação internacional em prol da resiliência às alterações climáticas», conforme proposto pela Comissão, concordando com a declaração desta última de que «[a] nossa ambição em matéria de adaptação às alterações climáticas deve estar à altura da nossa liderança mundial no que respeita à atenuação das alterações climáticas».

2.3.

Uma vez que as alterações climáticas e as medidas conexas estão a provocar enormes mudanças a nível geopolítico e industrial, impulsionadas pela rápida expansão das energias renováveis, que afeta fortemente as relações internacionais, o CESE decidiu que seria fundamental colocar a tónica nos efeitos geopolíticos ao elaborar um parecer geral e abrangente sobre as alterações climáticas.

2.4.

Embora exista um consenso científico no que toca à necessidade de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera, a política climática não pode ignorar os crescentes elos positivos e negativos entre os desafios económicos, sociais e ambientais conexos.

2.5.

O funcionamento e os parâmetros do mercado da energia estão diretamente relacionados com a situação política em cada região, nomeadamente porque o aprovisionamento de combustíveis fósseis se caracteriza por uma dependência elevada em relação a um número reduzido de países produtores.

2.6.

Conforme demonstrado no Parecer do CESE — Dimensão externa da política energética da UE (3), a preponderância de determinadas fontes de importação, que não respeitam as mesmas regras de mercado e normas políticas que a UE, fez com que a questão da segurança energética passasse a ser uma prioridade na agenda da União. Nessa altura, referiram-se as consequências da agressão militar contra a Geórgia em 2008, mas esse cenário continua a ser notavelmente pertinente, atendendo à atual situação na Ucrânia, que se repercutiu fortemente no entendimento das questões relacionadas com a segurança energética e com a geopolítica.

2.7.

A médio prazo, o panorama energético mundial em nada se assemelhará ao atual. A transição energética terá um impacto crucial no contexto geopolítico, gerando ameaças e também oportunidades. A natureza desse impacto dependerá de vários fatores. A título de exemplo, a descarbonização poderá conduzir a uma maior dependência das importações de gás, o que poderá tornar as relações entre a UE e a Rússia ainda mais complexas.

2.8.

À medida que o sistema energético se for alterando, também a política energética passará por mudanças. No mundo da energia limpa surgirá um novo conjunto de vencedores e de perdedores. Há quem encare a situação como uma «corrida espacial» pela energia limpa. Os países ou as regiões proficientes em tecnologias limpas, que exportam energia verde ou importam menos combustíveis fósseis serão beneficiados com o novo sistema, ao passo que aqueles que dependem da exportação de combustíveis fósseis poderão perder influência.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Se entendermos a transformação energética como a adoção de ações e medidas sistémicas destinadas a reduzir a libertação para a atmosfera de compostos de carbono que aceleram os processos das alterações climáticas, então, para além dessa transformação energética, devemos também procurar e aplicar soluções ótimas no domínio da agricultura e da gestão florestal sustentáveis, do sequestro biológico e da criação ou utilização de gado, bem como aproveitar as oportunidades proporcionadas pelo desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento de dióxido de carbono.

3.2.

Tendo em conta o nível de emissões de gases com efeito de estufa geradas pelos países da UE em comparação com outras economias mundiais, importa envidar esforços para integrar outros países na coligação de combate às alterações climáticas, a fim de alcançar os resultados necessários. A UE deve prestar especial atenção à cooperação internacional nas suas várias formas, nomeadamente parcerias de investimento, comércio e inovação, com o objetivo de reforçar as medidas de adaptação a nível mundial e, em especial, nos países em desenvolvimento.

3.3.

As atividades comerciais levadas a cabo pelos Estados-Membros da UE deixam uma pegada de carbono considerável no resto do mundo. Cabe à UE abordar esta dimensão externa da aplicação do Pacto Ecológico Europeu, nomeadamente promovendo a transição no âmbito da sua cooperação para o desenvolvimento a nível bilateral e regional e fazendo face às consequências negativas no quadro das suas políticas comerciais.

3.4.

A geopolítica é fundamental para garantir o êxito do Pacto Ecológico Europeu, dado que a transição ecológica terá obviamente um impacto enorme nas relações internacionais. As prioridades divergentes dos países desenvolvidos e em desenvolvimento representarão um desafio de monta, na medida em que o Pacto Ecológico Europeu afetará os países de forma desigual. Ao fazer face a esses desafios, o mundo desenvolvido deve envidar todos os esforços para atenuar os impactos nos países de baixos rendimentos, para mostrar que o Pacto Ecológico Europeu não os deixará para trás.

3.5.

Um exemplo de atividade centrada na participação de parceiros mundiais é a Parceria para a Transição Energética Justa, lançada na cimeira dos dirigentes mundiais da COP 26 pelos governos da África do Sul, da Alemanha, de França, dos Estados Unidos e do Reino Unido e pela UE. A iniciativa visa ajudar a África do Sul a descarbonizar a sua economia, a emancipar-se do carvão e a realizar a transição para uma economia hipocarbónica, resiliente ao clima e assente em energias e tecnologias limpas e verdes.

3.6.

Outro exemplo é a Estratégia Global Gateway, a nova estratégia europeia com o objetivo de promover ligações inteligentes, limpas e seguras a nível digital, da energia e dos transportes, bem como reforçar os sistemas de saúde, de educação e de investigação em todo o mundo. Esta estratégia visa mobilizar até 300 mil milhões de euros em investimentos entre 2021 e 2027, de modo a sustentar uma recuperação mundial duradoura, tendo em conta as necessidades dos parceiros da UE e os interesses próprios da União.

3.7.

Um outro exemplo especialmente relevante em termos geopolíticos é a Agenda Verde para os Balcãs Ocidentais, que visa apoiar uma transformação ecológica exaustiva rumo a uma economia dos Balcãs Ocidentais que seja circular, hipocarbónica e sustentável. Em especial, a Agenda Verde para os Balcãs Ocidentais pode desbloquear o potencial da economia circular, criando mais emprego e gerando perspetivas de crescimento adicional. Para apoiar esta transição ecológica, será fundamental dispor de financiamento adequado da UE, dos governos nacionais e do setor privado. Segundo o Parecer do CESE — Energia — Fator de desenvolvimento e de um processo de adesão mais aprofundado nos Balcãs Ocidentais (4), a energia deve ser um fator de desenvolvimento e de interligação da região, e os cidadãos dos Balcãs Ocidentais devem ter uma ideia clara das vantagens económicas e ambientais proporcionadas pela adesão à UE.

3.8.

Conforme indicado nas conclusões da Conferência sobre a geopolítica do Pacto Ecológico Europeu supracitada, a transição energética será acompanhada de uma volatilidade considerável dos preços da energia. Tal representa um desafio geopolítico que a UE e os seus parceiros mundiais devem ajudar a superar, reduzindo os riscos associados à promoção e à expansão da utilização de energias limpas e evitando agravar as desigualdades existentes.

3.9.

Estes aspetos foram já referidos no Parecer do CESE — Nova Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas (5), em que o Comité instou a Comissão a procurar um melhor alinhamento das políticas de ajustamento às alterações climáticas com a justiça climática nos futuros trabalhos relativos à política de adaptação. O CESE reconheceu que as alterações climáticas podem ter diferentes impactos a nível social, económico e de saúde pública, bem como outros impactos negativos nas comunidades, e recomendou que se corrijam as desigualdades existentes através de estratégias de atenuação e adaptação a longo prazo, para que ninguém fique para trás. O CESE exortou a Comissão a esclarecer o modo exato como tenciona suprimir os obstáculos ao acesso ao financiamento dos países, das comunidades e dos setores mais vulneráveis a nível mundial e o modo como incluirá propostas para a integração da perspetiva de género e a luta contra as desigualdades a nível regional e local.

3.10.

A política externa da UE em matéria de luta contra as alterações climáticas não deve depender exclusivamente dos Estados-Membros para apresentar argumentos «externos» e para apoiar a execução de uma estratégia de transformação climática exigente, devendo também aproveitar os conhecimentos de países terceiros (por exemplo, colaborando com o Serviço de Conservação dos Recursos Naturais dos Estados Unidos [NCRS] e outras organizações similares). Recorde-se que é igualmente importante zelar pelo intercâmbio de boas práticas a nível interno e pelo desenvolvimento de uma abordagem sistémica no que respeita os desafios relacionados com a transformação, no âmbito de iniciativas como a construção do mercado comum da energia.

3.11.

O desenvolvimento dinâmico de fontes de energia renováveis exige a concomitante modernização da infraestrutura de transporte de energia e a integração do sistema energético, bem como o abandono do método centralizado de produção e fornecimento de eletricidade. É preciso promover continuamente iniciativas locais para satisfazer as necessidades energéticas em conformidade com o princípio da subsidiariedade. Conforme mencionado no Parecer do CESE — Estratégia da UE para a Integração do Sistema Energético (6), a Comissão deve encorajar os vizinhos da União Europeia, e em particular os países da Parceria Oriental, a seguirem o plano de integração do sistema e a incluírem-no nas suas próprias políticas, pois tal integração é importante para alcançar não só a neutralidade climática, mas também a estabilidade da segurança do aprovisionamento e a acessibilidade dos preços para os consumidores privados e para a economia. Há que examinar em maior pormenor se um imposto sobre o carbono nas fronteiras poderá ser útil para o efeito.

3.12.

A estratégia de apresentar a necessidade da aplicação de políticas climáticas fora da União não será credível nem eficaz se os Estados-Membros da UE não superarem devidamente os desafios sociais inerentes aos processos de transformação. Tal como indicado no Parecer do CESE — Não deixar ninguém para trás na execução da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (7), não deixar ninguém para trás significa que todos os membros da sociedade, e especialmente os mais desfavorecidos, podem realmente tirar partido das oportunidades e estão bem preparados para lidar com os riscos. Neste contexto, os grupos mais vulneráveis da sociedade, bem como as regiões e os territórios mais desfavorecidos, carecem de atenção especial.

3.13.

Uma resposta eficaz e socialmente aceitável às questões relacionadas com os diversos impactos das políticas climáticas em cada um dos países da UE conferiria à União credibilidade para atuar enquanto líder mundial em matéria de sustentabilidade. Ao mesmo tempo, um compromisso para com a sustentabilidade a nível mundial contribuirá para cumprir os objetivos da UE noutros domínios de intervenção (como o combate às causas da migração, o comércio justo a nível mundial e a redução da dependência de países ricos em petróleo no âmbito da política externa).

3.14.

Conforme indicado no parecer supracitado, a Comissão Europeia já começou a levar mais a sério uma abordagem de internalização dos efeitos externos, reconhecendo, por exemplo, que as energias renováveis estão em desvantagem enquanto os custos externos dos recursos fósseis não se refletirem totalmente no preço de mercado, ou envidando esforços para ter em consideração as externalidades negativas no setor dos transportes.

3.15.

A educação e a transferência de conhecimentos são indispensáveis, tanto a nível do ensino universal e obrigatório como da comunicação destinada ao público em geral, devendo a ênfase ser colocada nos grupos sociais diretamente afetados pela transformação. É necessário apresentar com clareza a alternativa civilizacional com que nos deparamos, de modo a defender eficazmente a tese segundo a qual o atual esforço de transformação realizado por uma parte da sociedade evitará custos muito superiores que, em caso de inação, teriam de ser pagos por toda a comunidade internacional.

3.16.

A transformação energética e o desenvolvimento de novas tecnologias verdes contribuem para gerar conhecimentos e competências únicos e para criar empregos altamente qualificados. Esta via de desenvolvimento das economias europeias representa uma oportunidade de desenvolvimento única e permite que os Estados-Membros da UE reforcem a sua posição enquanto líderes tecnológicos na área da transformação associada à redução das emissões. A adesão de mais países terceiros à aliança para combater os efeitos negativos das alterações climáticas permitirá criar mercados para as tecnologias concebidas pelas economias europeias.

3.17.

O abandono gradual dos combustíveis fósseis fomentará uma escalada das tensões entre os países da UE, enquanto importadores dessas matérias-primas, e os países terceiros fornecedores. Neste contexto, importa ter especialmente em conta a Rússia, na qualidade de fornecedor local de combustíveis para quem as receitas decorrentes da venda dessas matérias-primas representam uma parte considerável das receitas orçamentais. Além disso, os países do Médio Oriente e Norte de África e as regiões da África Subsariana cujas receitas dependem fortemente das exportações de combustíveis fósseis poderão enfrentar repercussões políticas e sociais significativas que podem desencadear vagas de refugiados e migrações para a Europa. Numa perspetiva política, as alterações ao modelo de cooperação podem indubitavelmente ser vistas como uma ameaça à posição de um país cuja economia e governação dependem das receitas obtidas através do fornecimento de combustíveis fósseis. Os investimentos e as soluções colaborativas para a promoção da energia verde poderiam ser enquadrados como uma oportunidade para apoiar a transição dessas economias.

3.18.

A ocorrência de uma guerra na Europa em pleno século XXI incita a uma reflexão sobre a utilização responsável da energia nuclear e a uma revisão das regras de taxonomia que não contribuem para combater os efeitos negativos das alterações climáticas.

3.19.

O possível embargo às importações de petróleo, gás e carvão russos no âmbito das sanções aplicadas à Rússia no seguimento da agressão contra a Ucrânia, ou, em alternativa, a interrupção das importações devido à necessidade de suspender as transferências financeiras que sustentam o regime de Putin, contribuirão para acelerar os efeitos geopolíticos previstos da suspensão da importação de combustíveis provenientes da Rússia. Ao mesmo tempo, poderá ser necessário reconsiderar o ritmo a que serão abandonados os combustíveis disponíveis em países da UE.

3.20.

Afigura-se pertinente a integração com vista à criação de uma união de países da UE no domínio do gás. Essa abordagem possibilitaria processos de aquisição conjunta, contribuiria para assegurar condições económicas favoráveis e, ao mesmo tempo, permitiria coordenar decisões de suspensão da importação dessa matéria-prima a partir do leste da Europa, o que, à luz da dimensão política de tais decisões, asseguraria a coerência da política externa dos países da UE.

4.   Desafios e oportunidades

4.1.

O impacto da política climática da União Europeia será diferente consoante a região em causa e dependendo das atividades empreendidas a nível da política externa para atenuar os riscos identificados e melhorar os processos de transição.

4.2.

Relativamente aos Balcãs Ocidentais, no âmbito do processo de adesão à UE, são elevadas as expectativas no que se refere às atividades relacionadas com o mercado da energia. Este aspeto poderá desempenhar um papel positivo considerável na definição das condições geopolíticas desta região. Ao assinarem a Declaração de Sófia sobre a Agenda Verde, os governos dos países dos Balcãs Ocidentais comprometeram-se a alcançar a neutralidade climática até 2050 e a assegurar o pleno alinhamento com o Pacto Ecológico Europeu. Em especial, a Agenda Verde para os Balcãs Ocidentais poderá libertar o potencial da economia circular, criando mais postos de trabalho e gerando novas perspetivas de crescimento. Para apoiar esta transição ecológica, será fundamental dispor de financiamento adequado da UE, dos governos nacionais e do setor privado.

4.3.

No que se refere a África, importa, antes de mais, realçar que as políticas de atenuação das alterações climáticas não representam uma prioridade para os países deste continente. Por conseguinte, à semelhança do que acontece com outros países em desenvolvimento, a UE deve colaborar com os países de África para, através da aplicação de uma abordagem ascendente, garantir que todas as iniciativas são aceites a nível local e coerentes com as prioridades dos países parceiros. Caso contrário, as ações empreendidas no domínio da política climática poderão deparar-se com falta de compreensão e com a oposição de comunidades locais a braços com problemas fundamentais. Conforme mencionado no Parecer do CESE — UE e África: realizar uma parceria equitativa para o desenvolvimento assente na sustentabilidade e em valores comuns (8), os problemas que os países em desenvolvimento enfrentam em África são muito complexos, devendo ser resolvidos através de uma abordagem multidimensional delicada. Além disso, prevê-se que até 2050 a procura de energia do continente duplique e as taxas de pobreza permaneçam elevadas. Se tal acontecer, os problemas de sustentabilidade no domínio ambiental e socioeconómico serão perpetuados e mesmo exacerbados. No entanto, poderão surgir oportunidades para os países africanos desempenharem um papel de liderança no que toca à tecnologia solar fotovoltaica e à produção em grande escala de combustíveis sintéticos. Possibilidades específicas em termos de projetos conjuntos, de atividades empresariais e de políticas poderão criar uma nova abordagem de economia de mercado socioecológica.

4.4.

No que toca à Parceria Oriental, e sobretudo tendo em conta as hostilidades em curso na Ucrânia, é especialmente importante a estreita cooperação com países que, à semelhança da UE, dependem fortemente dos combustíveis fósseis e, por isso, estão expostos à elevada volatilidade dos preços. No que se refere à Ucrânia, à Moldávia e à Geórgia, devem ser envidados esforços para ajudar estes países a tornarem-se independentes do fornecimento de combustíveis fósseis provenientes da Rússia, bem como para possibilitar a integração das suas redes de eletricidade na rede europeia. A declaração recente sobre uma rápida integração na rede elétrica da UE ilustra as ações supramencionadas, sendo necessário um esforço conjunto dos órgãos de decisão e dos operadores das redes de transporte de energia.

Bruxelas, 21 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://www.eesc.europa.eu/pt/agenda/our-events/events/geopolitics-european-green-deal

(2)  JO C 374 de 16.9.2021, p. 84.

(3)  JO C 264 de 20.7.2016, p. 28.

(4)  JO C 32 de 28.1.2016, p. 8.

(5)  JO C 374 de 16.9.2021, p. 84.

(6)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 22.

(7)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 30.

(8)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 105.