ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 440

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

61.° ano
6 de dezembro de 2018


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

537.a reunião plenária do CESE, 19.9.2018-20.9.2018

2018/C 440/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Inteligência artificial: antecipar o seu impacto no trabalho para assegurar uma transição justa (parecer de iniciativa)

1

2018/C 440/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Confiança, privacidade e segurança para os consumidores e as empresas na Internet das coisas (IdC) [parecer de iniciativa]

8

2018/C 440/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre os Indicadores mais apropriados para avaliar os ODS — o contributo da sociedade civil (parecer de iniciativa)

14

2018/C 440/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O contributo das zonas rurais da Europa para o Ano Europeu do Património Cultural 2018, com vista a garantir a sustentabilidade e a coesão das zonas urbanas e rurais (parecer de iniciativa)

22

2018/C 440/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O impacto da subsidiariedade e da sobrerregulamentação na economia e no emprego [parecer exploratório a pedido Presidência austríaca]

28

2018/C 440/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Fosso digital entre homens e mulheres (parecer exploratório a pedido do Parlamento Europeu)

37

2018/C 440/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A bioeconomia — Contributo para a realização das metas da UE para o clima e a energia e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (parecer exploratório)

45


 

III   Atos preparatórios

 

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

 

537.a reunião plenária do CESE, 19.9.2018-20.9.2018

2018/C 440/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Inteligência artificial para a Europa[COM (2018) 237 final]

51

2018/C 440/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a viabilização da transformação digital dos serviços de saúde e de prestação de cuidados no Mercado Único Digital, a capacitação dos cidadãos e a construção de uma sociedade mais saudável[COM(2018) 233 final]

57

2018/C 440/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a) Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a ações coletivas para proteger os interesses coletivos dos consumidores e que revoga a Diretiva 2009/22/CE[COM(2018) 184 final — 2018/0089 (COD)] e b) Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, a Diretiva 98/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, a Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, a fim de assegurar uma melhor aplicação e a modernização das normas da UE em matéria de defesa do consumidor[COM(2018) 185 final — 2018/0090 (COD)]

66

2018/C 440/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Uma nova Agenda Europeia para a Investigação e a Inovação — A oportunidade para a Europa traçar o seu futuro(Contributo da Comissão Europeia para a reunião informal de dirigentes sobre a inovação em Sófia em 16 de maio de 2018) [COM(2018) 306 final]

73

2018/C 440/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) n.o 596/2014 e (UE) 2017/1129 no que diz respeito à promoção da utilização de mercados de PME em crescimento[COM (2018) 331 final — 2018/0165 (COD)]

79

2018/C 440/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade[COM(2018) 336 final — 2018/0168 (COD)]

85

2018/C 440/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos requisitos de homologação de veículos a motor e seus reboques e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, no que se refere à sua segurança geral e à proteção dos ocupantes dos veículos e dos utentes da estrada vulneráveis, que altera o Regulamento (UE) 2018/… e revoga os Regulamentos (CE) n.o 78/2009, (CE) n.o 79/2009 e (CE) n.o 661/2009[COM(2018) 286 final — 2018/0145 COD]

90

2018/C 440/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que complementa a legislação da UE em matéria de homologação no que diz respeito à saída do Reino Unido da União Europeia[COM(2018) 397 final — 2018/0220 (COD)]

95

2018/C 440/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre aProposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 469/2009 relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos[COM(2018) 317 final — 2018/0161 (COD)]

100

2018/C 440/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera e corrige o Regulamento (UE) n.o 167/2013, relativo à homologação e fiscalização do mercado de veículos agrícolas e florestais[COM(2018) 289 final — 2018/0142 (COD)]

104

2018/C 440/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Um orçamento moderno para uma União que protege, capacita e defende — Quadro financeiro plurianual 2021-2027[COM(2018) 321 final], a Proposta de regulamento do Conselho que estabelece o quadro financeiro plurianual para o período de 2021 a 2027[COM(2018) 322 final/2 — 2018/0166 (APP)], a Proposta de decisão do Conselho relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia[COM(2018) 325 final — 2018/0135 (CNS)], a Proposta de regulamento do Conselho relativo aos métodos e ao procedimento para a disponibilização dos recursos próprios provenientes da matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades, do regime de comércio de licenças de emissão da União Europeia e dos resíduos de embalagens de plástico não reciclados, bem como às medidas destinadas a satisfazer as necessidades de tesouraria[COM(2018) 326 final — 2018/0131 (NLE)], a Proposta de regulamento do Conselho que estabelece as medidas de execução do sistema de recursos próprios da União Europeia[COM(2018) 327 final — 2018/0132 (APP)] e a Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CEE, Euratom) n.o 1553/89 relativo ao regime uniforme e definitivo de cobrança dos recursos próprios provenientes do imposto sobre o valor acrescentado[COM(2018) 328 final — 2018/0133 (NLE)]

106

2018/C 440/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece disposições específicas relativas ao objetivo de Cooperação Territorial Europeia (Interreg), financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e pelos instrumentos de financiamento externo[COM(2018) 374 final — 2018/0199 (COD)]

116

2018/C 440/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação de um mecanismo para remover os obstáculos jurídicos e administrativos num contexto transfronteiriço[COM(2018) 373 final — 2018/0198 (COD)]

124

2018/C 440/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui uma Autoridade Europeia do Trabalho[COM(2018) 131 final — 2018/0064 (COD)]

128

2018/C 440/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de recomendação do Conselho relativa ao acesso à proteção social dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria[COM(2018) 132 final]

135

2018/C 440/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Adaptar a política comum de vistos aos novos desafios[COM(2018) 251 final] e a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 810/2009 que estabelece o Código Comunitário de Vistos (Código de Vistos)[COM(2018) 252 final — 2018/0061 (COD)]

142

2018/C 440/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2004/37/CE relativa à proteção dos trabalhadores contra riscos ligados à exposição a agentes cancerígenos durante o trabalho[COM(2018) 171 final — 2018/0081 COD]

145

2018/C 440/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de recomendação do Conselho sobre o reforço da cooperação contra as doenças que podem ser prevenidas por vacinação[COM(2018) 244 final — SWD(2018) 149 final]

150

2018/C 440/26

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 767/2008, o Regulamento (CE) n.o 810/2009, o Regulamento (UE) 2017/2226, o Regulamento (UE) 2016/399, o Regulamento 2018/… (Regulamento Interoperabilidade) e a Decisão 2004/512/CE e que revoga a Decisão 2008/633/JAI do Conselho[COM(2018) 302 final]

154

2018/C 440/27

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à transparência e sustentabilidade do sistema da UE para a avaliação dos riscos na cadeia alimentar, que altera o Regulamento (CE) n.o 178/2002 [relativo à legislação alimentar geral], a Diretiva 2001/18/CE [relativa à libertação deliberada de OGM no ambiente], o Regulamento (CE) n.o 1829/2003 [relativo aos géneros alimentícios e alimentos para animais GM], o Regulamento (CE) n.o 1831/2003 [relativo aos aditivos na alimentação animal], o Regulamento (CE) n.o 2065/2003 [relativo aos aromatizantes de fumo], o Regulamento (CE) n.o 1935/2004 [relativo aos materiais em contacto com géneros alimentícios], o Regulamento (CE) n.o 1331/2008 [relativo ao procedimento de autorização comum aplicável a aditivos alimentares, enzimas alimentares e aromas alimentares], o Regulamento (CE) n.o 1107/2009 [relativo aos produtos fitofarmacêuticos] e o Regulamento (UE) 2015/2283 [relativo a novos alimentos] [COM(2018) 179 final — 2018/0088 (COD)]

158

2018/C 440/28

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a práticas comerciais desleais nas relações entre empresas na cadeia de abastecimento alimentar[COM(2018) 173 final]

165

2018/C 440/29

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um plano plurianual para as unidades populacionais de peixes nas águas ocidentais e águas adjacentes, e para as pescarias que exploram essas unidades populacionais, que altera o Regulamento (UE) 2016/1139, que estabelece um plano plurianual para o mar Báltico, e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 811/2004, (CE) n.o 2166/2005, (CE) n.o 388/2006, (CE) n.o 509/2007 e (CE) n.o 1300/2008[COM(2018) 149 final — 2018/0074 (COD)]

171

2018/C 440/30

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um plano plurianual de recuperação do espadarte do Mediterrâneo e que altera os Regulamentos (CE) n.o 1967/2006 e (UE) 2017/2107[COM(2018) 229 final — 2018/0109 (COD)]

174

2018/C 440/31

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores empresariais de serviços de intermediação em linha[COM(2018) 238 final — 2018/0112 (COD)]

177

2018/C 440/32

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Combater a desinformação em linha: uma estratégia europeia [COM (2018) 236 final]

183

2018/C 440/33

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Mecanismo Interligar a Europa e revoga os Regulamentos (UE) n.o 1316/2013 e (UE) n.o 283/2014[COM (2018) 438 final — 2018/0228 (COD)]

191

2018/C 440/34

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um programa de ação em matéria de intercâmbio, de assistência e de formação para a proteção do euro contra a falsificação para o período de 2021-2027 (programa Pericles IV)[COM(2018) 369 final — 2018/0194(CNS)]

199


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

537.a reunião plenária do CESE, 19.9.2018-20.9.2018

6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Inteligência artificial: antecipar o seu impacto no trabalho para assegurar uma transição justa»

(parecer de iniciativa)

(2018/C 440/01)

Relatora:

Franca SALIS-MADINIER

Decisão da plenária

15.2.2018

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

183/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A inteligência artificial (IA) e a robótica vão alargar e amplificar os efeitos da digitalização da economia nos mercados de trabalho (1). O progresso técnico tem tido, desde sempre, uma influência no trabalho e no emprego, obrigando a desenvolver novas formas de enquadramento social e societal. O CESE está convicto de que o desenvolvimento tecnológico pode contribuir para o progresso económico e social, mas considera que seria um erro negligenciar o seu impacto global na sociedade. No mundo do trabalho, a IA vai alargar e amplificar o grau de automatização dos postos de trabalho (2). Por este motivo, o CESE deseja contribuir para a preparação para as transformações sociais que acompanharão o crescimento da IA e da robótica mediante um reforço e a renovação do modelo social europeu.

1.2.

O CESE faz questão de sublinhar o potencial da IA e das suas aplicações, em especial nos domínios dos cuidados de saúde, da segurança nos transportes, da energia, da luta contra as alterações climáticas e da antecipação dos riscos em matéria de cibersegurança. A União Europeia, os governos e as organizações da sociedade civil têm um importante papel a desempenhar para tirar pleno partido dos benefícios potenciais da IA, em especial para as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, assim como para os idosos e para os doentes crónicos.

1.3.

A UE carece de dados sobre a economia digital e a transformação social que dela resulta. O CESE recomenda que sejam melhorados os instrumentos estatísticos e a investigação, em especial nos domínios da IA, da utilização dos robôs industriais e de serviços, da Internet das coisas, bem como dos novos modelos económicos (economia de plataformas, novas formas de emprego e de trabalho).

1.4.

O CESE solicita à Comissão Europeia que promova e apoie a realização de estudos ao nível dos comités europeus de diálogo social setorial sobre os impactos setoriais da IA e da robótica e, mais amplamente, da digitalização da economia.

1.5.

É sabido que a IA e a robótica vão deslocar e transformar determinados postos de trabalho, suprimir alguns e criar outros. Em qualquer dos casos, a UE deve garantir que todos os trabalhadores, os trabalhadores por conta de outrem e por conta própria ou os falsos trabalhadores independentes têm acesso à proteção social, em conformidade com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

1.6.

A Comissão propôs o reforço do Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização para que este possa beneficiar, em particular, os trabalhadores despedidos e os trabalhadores por conta própria cuja atividade tenha cessado devido à digitalização da economia (3). Para o CESE, esta é uma etapa no sentido da criação de um verdadeiro fundo europeu de transição, que contribua para a gestão socialmente responsável da transformação digital.

1.7.

O CESE recomenda que sejam aplicados e reforçados os princípios, os compromissos e as obrigações previstos nos textos existentes adotados pelas instituições europeias, bem como pelos parceiros sociais, sobre a informação e a consulta dos trabalhadores (4), em particular na introdução de novas tecnologias, como a IA e a robótica. O CESE apela para o lançamento de um programa europeu abrangente para a IA assente nesses textos e no Pilar Europeu dos Direitos Sociais que associe todas as partes interessadas.

1.8.

O CESE recomenda que as orientações que a Comissão tenciona elaborar em matéria de ética para a IA estabeleçam limites claros nas interações entre os trabalhadores e as máquinas inteligentes, para que os seres humanos nunca estejam ao serviço das máquinas. No espírito de uma IA inclusiva, essas orientações devem definir princípios para a participação, a responsabilidade e a apropriação dos processos de produção, para que, como salienta a Constituição da OIT, o trabalho proporcione a quem o exerce a satisfação de demonstrar todas as suas capacidades e todos os seus conhecimentos e de contribuir da melhor maneira para o bem comum.

1.9.

O CESE recomenda igualmente que essas orientações incluam princípios de transparência na utilização de sistemas de IA para o recrutamento, a avaliação e a gestão administrativa dos trabalhadores, assim como princípios em matéria de saúde, segurança e melhoria das condições de trabalho. Por último, devem assegurar a proteção dos deveres e das liberdades relativas ao tratamento dos dados dos trabalhadores, no respeito dos princípios da não discriminação.

1.10.

A aplicação das orientações sobre as questões de ética no domínio da IA deve ser acompanhada, e esse papel de acompanhamento ou de vigilância poderá ser atribuído a um observatório europeu para a ética nos sistemas de IA, inclusivamente nas empresas.

1.11.

O CESE recomenda igualmente que os engenheiros e os criadores de máquinas inteligentes recebam formação no domínio da ética, para evitar que surjam novas formas de «taylorismo digital» em que o ser humano fique relegado para a execução das instruções das máquinas. Devem ser promovidas a divulgação de boas práticas e a partilha de experiências neste domínio.

1.12.

O CESE solicita que seja clarificado o princípio da responsabilidade jurídica. Nas relações entre o ser humano e a máquina, os riscos emergentes em matéria de saúde e de segurança devem ser objeto de uma abordagem mais ambiciosa no âmbito da Diretiva em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos (5).

1.13.

Face ao risco de polarização social na transformação digital, o CESE convida as instituições da UE a lançar o debate sobre a questão do financiamento dos orçamentos públicos e dos sistemas de proteção social numa economia em que a densidade robótica está em crescimento (6), ao passo que os impostos sobre o trabalho continuam a ser a principal fonte de receita fiscal na Europa. Para aplicar o princípio da equidade, este debate deveria incluir a questão da redistribuição dos benefícios da digitalização.

2.   Introdução

2.1.

A IA tem conhecido uma evolução desigual desde o surgimento deste conceito, em 1956, e durante a segunda metade do século XX. Tem alternadamente suscitado grandes esperanças e grandes desilusões. Todavia, nos últimos anos, tem conhecido um novo crescimento significativo, possibilitado pela recolha, pela organização e pelo armazenamento de uma quantidade de dados inédita (megadados) na história da humanidade, bem como pelo aumento exponencial do poder computacional dos computadores e da capacidade dos algoritmos.

2.2.

O CESE elaborou um parecer sobre a IA em 2017 (7) no qual são examinados vários desafios. Como sublinhado nesse parecer, não existe uma definição unívoca e consensual de IA. Para efeitos do presente parecer, consideraremos a «IA» como uma disciplina que visa a utilização de tecnologias digitais para criar sistemas capazes de reproduzir, de forma autónoma, as funções cognitivas humanas, nomeadamente a apreensão de dados, uma forma de compreensão e de adaptação (resolução de problemas, raciocínio e aprendizagem automática).

2.3.

Os sistemas de IA são atualmente capazes de resolver problemas complexos, por vezes inacessíveis à inteligência humana. As aplicações parecem potencialmente ilimitadas, tanto nos setores da banca, dos seguros, do transporte, dos cuidados de saúde, da educação, da energia, do marketing, da defesa, como nos setores da indústria, da construção, da agricultura, do artesanato, etc. (8). Espera-se que a IA proporcione um aumento da eficiência dos processos de produção de bens e serviços, estimule a rentabilidade das empresas e contribua para o crescimento económico.

2.4.

Este novo crescimento da IA levanta de novo várias questões relativas ao seu potencial papel na sociedade, ao seu nível de autonomia e à sua interação com os seres humanos. Como sublinhado no parecer do CESE sobre a IA adotado em 2017 (9), essas questões incidem nomeadamente na ética, na segurança, na transparência, na privacidade e nas normas laborais, na educação, na acessibilidade, na legislação e regulamentação, na governação e na democracia.

2.5.

Importa que as várias abordagens sejam comparadas no debate sobre a IA, para libertar esse debate do atoleiro económico de que por vezes fica prisioneiro. Um quadro multidisciplinar seria útil na análise dos impactos da IA no mundo do trabalho, visto que este é um dos principais locais de interação entre o ser humano e a máquina. Desde sempre que o trabalho tem sido afetado pela tecnologia. Os efeitos da IA no emprego e no trabalho requerem, por conseguinte, uma especial atenção a nível político, dado que as instituições têm nomeadamente a obrigação de tornar os processos de transformação económica socialmente sustentáveis (10).

2.6.

O objetivo do presente parecer de iniciativa é evidenciar os desafios criados pela IA no domínio do trabalho, incluindo na sua natureza, nas condições de trabalho e na sua organização. Como sublinhado pelo CESE (11), são ainda necessárias melhores estatísticas e uma melhor investigação, a fim de elaborar prognósticos precisos sobre a evolução dos mercados de trabalho, bem como indicadores claros de certas tendências relativas nomeadamente à qualidade do trabalho, à polarização do emprego e dos rendimentos e às condições de trabalho na transformação digital. A UE carece de dados sobre a designada «economia colaborativa», as plataformas de trabalho à chamada, os novos modelos de subcontratação em linha, bem como sobre a utilização de robôs industriais e de serviços à pessoa, sobre a Internet das coisas e sobre a utilização e difusão dos sistemas de IA.

3.   A IA e a evolução do volume de emprego

3.1.

A questão do impacto que a introdução da IA e da robótica nos processos de produção terá no volume de emprego é alvo de controvérsia. Vários estudos tentaram responder a esta questão sem que tenham conseguido alcançar um consenso científico. A diversidade dos seus resultados (que apontam para uma percentagem de postos de trabalho ameaçados que vai de 9 % a 54 %) (12) reflete a complexidade das escolhas metodológicas e os seus impactos determinantes nos resultados da investigação.

3.2.

Os prognósticos são incertos porque entram em jogo outros fatores além da potencial técnica de automação: a evolução política, regulamentar, económica, demográfica, bem como a aceitabilidade social. Não basta que a tecnologia esteja pronta para que a sua utilização e disseminação estejam asseguradas.

3.3.

Por último, é ainda impossível prever um balanço líquido dos empregos suscetíveis de serem automatizados em cada setor sem ter em conta a transformação das profissões e o ritmo de criação de novos postos de trabalho. O desenvolvimento dos sistemas de IA tornará necessários, com efeito, novos postos de trabalho nos setores da engenharia, da informática e das telecomunicações (engenheiros, técnicos e operadores), assim como no dos megadados: encarregados de dados, analistas de dados, exploradores de dados, etc.

3.4.

O papel das instituições públicas será o de assegurar a sustentabilidade social dessa transformação digital, que poderá afetar tanto a quantidade como a qualidade do emprego (13). Um dos riscos assinalados pelos peritos é o de uma polarização do emprego entre, por um lado, as «superestrelas», que têm qualificações úteis à economia digital, e os «perdedores», por outro lado, cujas qualificações, experiência e saber-fazer serão tornados progressivamente obsoletos por esta transformação. Numa sua comunicação recente (14), a Comissão Europeia propõe uma resposta a este desafio, concentrando-se principalmente nos esforços em matéria de educação, de formação, de melhoria dos níveis básicos de literacia, numeracia e competências digitais. Esta resposta merece o apoio dos intervenientes económicos e sociais, nomeadamente no quadro do diálogo social nacional, europeu, interprofissional e setorial (15).

3.5.

Contudo, o CESE considera que esses esforços não serão suficientes para dar resposta ao conjunto dos desafios, em especial à incerteza na evolução do emprego. Existem três vias complementares que merecem ser desenvolvidas: a de uma IA «inclusiva», a da antecipação da mudança e, finalmente, quando os planos sociais se tornarem inevitáveis, a das reestruturações socialmente responsáveis e enquadradas.

4.   IA e robotização inclusivas e inteligentes

4.1.

O CESE apoia o princípio de um programa de IA e de robotização inclusivas. Isso quer dizer que quando são introduzidos nas empresas novos processos com recurso às novas tecnologias, seria conveniente associar os trabalhadores às modalidades de funcionamento desses processos. Como constata o WRR (16), a introdução «inclusiva e inteligente» de novas tecnologias, em que os trabalhadores permanecem no centro dos processos e participam no seu aperfeiçoamento, pode contribuir para promover a constante melhoria dos processos de produção (17).

4.2.

Dado o papel dos algoritmos nas condições de recrutamento, de trabalho e de avaliação profissional, o CESE apoia o princípio da transparência algorítmica, que consiste não em revelar os códigos, mas sim em tornar compreensíveis os parâmetros e os critérios das decisões tomadas. O recurso ao ser humano deve ser sempre possível.

4.3.

Uma IA centrada no trabalhador tem em conta os pontos de vista das pessoas que serão chamadas a trabalhar no quadro dos novos processos tecnológicos, define claramente as tarefas e as responsabilidades que serão mantidas nas mãos dos trabalhadores e conserva formas de apropriação do trabalho pelos trabalhadores, para que estes não se tornem meros executantes.

4.4.

O princípio da responsabilidade jurídica deve ser clarificado. Os robôs industriais ou de serviços colaboram cada vez mais com o ser humano. A IA permite aos robôs «saírem das suas jaulas», podendo provocar acidentes (18). Como tal, a responsabilidade dos sistemas autónomos em caso de acidente deve ser claramente estabelecida e os riscos para a saúde e segurança em que os trabalhadores incorrem devem poder ser cobertos. A Comissão Europeia está a lançar uma reflexão sobre estes riscos emergentes no quadro da Diretiva em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos (19). Esta abordagem deve ser mais ambiciosa no que diz respeito à segurança no trabalho.

4.5.

O princípio de equidade aplicado no mundo do trabalho consiste em não privar o trabalhador do seu trabalho. Alguns peritos salientam o risco de que a IA contribua para uma forma de desqualificação dos trabalhadores. É por isso que importa assegurar que, nos termos da Constituição da OIT, o trabalho proporcione a quem o exerce a satisfação de demonstrar todas as suas capacidades e todos os seus conhecimentos e de contribuir da melhor maneira para o bem comum. De um ponto de vista administrativo, é também uma forma de manter a motivação no local de trabalho.

5.   Antecipar a mudança

5.1.

Vários estudos têm constatado, nos últimos anos, um enfraquecimento do diálogo social europeu, e por vezes nacional, não obstante a vontade de «relançamento» expressa pela Comissão e pelo Conselho Europeu. Este diálogo social é, contudo, um dos instrumentos mais adaptados para dar resposta aos desafios sociais da digitalização. Por conseguinte, o CESE apela energicamente para que, nas empresas e em todos os níveis pertinentes, esse diálogo seja uma prática constante, com vista a preparar as transformações de modo socialmente aceitável. O CESE recorda que o diálogo social é um dos maiores garantes da paz social e da redução das desigualdades. Além das declarações políticas de relançamento, as instituições da UE têm a grande responsabilidade de encorajar e fomentar este diálogo social.

5.2.

Em especial quando se trata da introdução dessas tecnologias, este diálogo deve permitir conhecer as perspetivas de transformação dos processos de produção a nível das empresas e dos setores e avaliar as novas necessidades em termos de qualificações e de formação, e também refletir, a montante, sobre a utilização da IA para melhorar os processos organizacionais e de produção, aumentar as qualificações dos trabalhadores e otimizar os recursos libertados pela IA para desenvolver novos produtos e novos serviços ou para melhorar a qualidade do serviço ao cliente.

5.3.

Reestruturações socialmente responsáveis

5.4.

Caso se considere que os planos sociais são inevitáveis, os desafios dizem respeito à gestão social destas reestruturações. Como salientaram os parceiros sociais europeus no documento «Orientations de référence pour gérer le changement et ses conséquences sociales» (Orientações de referência para gerir a mudança e as suas consequências sociais) (20), vários estudos de caso realçam a importância de investigar todas as alternativas possíveis ao despedimento, tais como a formação, a reconversão e o apoio à criação de empresas.

5.5.

Em caso de reestruturações, a informação e a consulta dos trabalhadores deve permitir, em conformidade com as diretivas europeias e pertinentes (21), favorecer a antecipação dos riscos, facilitar o acesso dos trabalhadores à formação na empresa, desenvolver a flexibilidade da organização do trabalho num quadro de segurança e promover a associação dos trabalhadores ao funcionamento e ao futuro da empresa.

5.6.

Como salienta justamente a Comissão Europeia, a UE deve garantir o acesso de todos os cidadãos, incluindo os trabalhadores por conta de outrem e por conta própria ou os falsos trabalhadores independentes, à proteção social, independentemente do tipo e da duração da relação de trabalho, em conformidade com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (22).

6.   A IA e a evolução das condições de trabalho

6.1.

Em 25 de abril de 2018, a Comissão Europeia propôs uma «abordagem europeia» para promover as políticas de investimento no desenvolvimento da IA e aplicar as orientações em matéria de ética. Chama a atenção para a potencial transformação das nossas sociedades pelas tecnologias de IA, em especial nos setores do transporte, dos cuidados de saúde e da indústria manufatureira.

6.2.

Esta potencialidade de transformação manifesta-se no processo de produção e tem igualmente um impacto no conteúdo do trabalho. Esse impacto poderá ser positivo, em especial no modo como a IA pode melhorar esses processos e a qualidade do trabalho. Os mesmos efeitos positivos podem refletir-se nas organizações de trabalho «flexíveis», em que a partilha do poder de decisão é mais importante, bem como na autonomia das equipas, na polivalência, na organização horizontal e nas práticas inovadoras e participativas (23).

6.3.

Como salientam o CESE (24) e a própria Comissão, a IA pode apoiar os trabalhadores nas tarefas repetitivas, árduas ou perigosas, e determinadas aplicações da IA podem melhorar o bem-estar dos trabalhadores por conta de outrem e facilitar o seu quotidiano.

6.4.

Contudo, esta visão levanta novas questões, em especial no que respeita à interação entre a IA e o trabalhador e a evolução do conteúdo do trabalho. Até que ponto as máquinas inteligentes serão autónomas e quais serão as formas de complementaridade do trabalho dos seres humanos nas instalações fabris, nas empresas e nos escritórios? O CESE frisa que, no novo mundo do trabalho, é fundamental definir a relação entre o ser humano e a máquina. É essencial uma abordagem centrada no controlo do ser humano sobre a máquina (25).

6.5.

A priori, não é eticamente aceitável que um ser humano seja constrangido pela IA ou que seja considerado um mero executante da máquina, que lhe ditaria as tarefas a cumprir, o modo de as cumprir e os prazos em que as mesmas devem ser executadas. Contudo, essa fronteira ética parece, por vezes, ter sido ultrapassada (26). É por isso que importa definir claramente esta fronteira nas orientações da IA em matéria de ética.

6.6.

Deve ser uma prioridade da UE evitar reproduzir atualmente novas formas de «taylorismo digital» introduzidas pelos criadores das máquinas inteligentes. Por este motivo, como o CESE afirmou recentemente, os investigadores, engenheiros criadores e empresários europeus que contribuem para o desenvolvimento e a comercialização de sistemas de IA devem agir de acordo com critérios de responsabilidade ética e social. A integração da ética e das ciências humanas no programa curricular dos cursos de engenharia pode ser uma boa resposta a este imperativo (27).

6.7.

Uma outra questão diz respeito à supervisão e ao controlo administrativo. Há um amplo consenso sobre a necessidade de uma supervisão razoável dos processos de produção e, portanto, também do trabalho efetuado. Atualmente, novos instrumentos tecnológicos permitem, potencialmente, implementar sistemas inteligentes de controlo total em tempo real dos trabalhadores, acarretando o risco de uma supervisão e de um controlo que se tornariam desproporcionados.

6.8.

A questão da razoabilidade e proporcionalidade do controlo da execução do trabalho e dos indicadores de desempenho e da relação de confiança entre o administrador e o administrado é um tema que merece igualmente estar na ordem do dia do diálogo social nacional, europeu, interprofissional e setorial.

6.9.

A questão da imparcialidade dos algoritmos e dos dados da aprendizagem e os possíveis efeitos nocivos da discriminação continuam a gerar controvérsia. Para alguns, os algoritmos e outros programas preditivos de recrutamento podem reduzir as discriminações na contratação e favorecer contratações mais «inteligentes». Para outros, os programas de recrutamento podem sempre refletir, mesmo que involuntariamente, as tendências dos programadores desses robôs recrutadores. De acordo com alguns peritos, os modelos algorítmicos nunca serão mais do que opiniões revestidas de matemática (28). Por conseguinte, é necessário simultaneamente garantir que a intervenção humana é possível (conjugada com o princípio da transparência acima focado: o dever de exigir os critérios de decisão) e que a recolha dos dados e o seu tratamento cumprem os princípios de proporcionalidade e de finalidade. Em todo o caso, os dados não podem ser utilizados para fins diferentes daqueles para os quais foram recolhidos (29)

6.10.

A possibilidade oferecida aos Estados-Membros pelo Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados de estabelecer, no seu ordenamento jurídico ou em convenções coletivas, normas mais específicas para garantir a defesa dos direitos e liberdades no que respeita ao tratamento de dados pessoais dos trabalhadores no contexto laboral é uma verdadeira oportunidade, que os Estados e os parceiros sociais devem aproveitar (30).

6.11.

Cabe observar que os riscos não afetam apenas os trabalhadores por conta de outrem. O desenvolvimento da subcontratação em linha, do trabalho em plataforma e das diferentes formas de trabalho participativo é acompanhado de novos sistemas de administração automatizada do desempenho e da assiduidade, cujos limites éticos parecem, por vezes, ser ultrapassados (ativação da câmara Web do trabalhador pela plataforma, captura do ecrã à distância, etc.).

6.12.

Os algoritmos dessas plataformas, que definem, nomeadamente, a remuneração do trabalhador por conta própria, a sua reputação digital e a possibilidade de acesso às tarefas, são, frequentemente, opacos. Os modos de funcionamento destas não são explicados aos trabalhadores, que não têm acesso aos critérios de funcionamento que lhes são aplicados.

7.   Preparar uma transição justa

7.1.

A meio termo, o risco de polarização social salientado por vários peritos exige uma reflexão de fundo sobre o futuro dos nossos modelos sociais, incluindo do seu financiamento. O CESE solicita à Comissão que lance um debate sobre a questão da tributação e do financiamento dos orçamentos públicos e dos sistemas coletivos de proteção social numa economia em que a densidade robótica está em rápido crescimento (31), ao passo que os impostos sobre o trabalho continuam a ser a principal fonte de receita fiscal na Europa. Esse debate deve incluir a questão da redistribuição dos dividendos da digitalização.

7.2.

A Comissão propõe o reforço do Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização (FEG) e, entre outras coisas, que este possa beneficiar os trabalhadores despedidos e os trabalhadores por conta própria cuja atividade tenha cessado devido à digitalização da economia (informatização, automação) (32). Para o CESE, esta é uma etapa no sentido da criação de um verdadeiro fundo europeu de transição, que contribua para preparar e gerir de forma socialmente responsável a transformação digital e as reestruturações que dela resultarão.

7.3.

Os aspetos sociais e, mais amplamente, societais da IA são cada vez mais objeto de debate a nível nacional. Os debates recentes no Parlamento britânico (33) e no Senado francês revelaram a necessidade de promover uma abordagem ética da IA, a qual assentaria num conjunto de princípios como a lealdade, a transparência, a explicabilidade dos sistemas algorítmicos, a ética e a responsabilidade das aplicações de IA e a sensibilização dos investigadores, peritos e especialistas para a potencial utilização indevida dos resultados das suas descobertas. Em França, o relatório Villani afirma pretender «dar um sentido» à IA (34). Vários peritos das universidades de Yale, Stanford, Cambridge e Oxford chamam a atenção para as «vulnerabilidades não resolvidas» da IA e defendem a necessidade imperativa de as prever, prevenir e atenuar (35). De igual modo, o Fonds de recherche du Québec [Fundo de investigação do Quebeque] (FRQ), em parceria com a Universidade de Montreal, tem trabalhado há alguns meses num projeto de observatório mundial para os impactos societais da IA e da vertente digital (36).

7.4.

Todas estas iniciativas demonstram a necessidade de libertar o debate sobre a IA dos seus limites económicos e técnicos e alargar o debate público sobre o papel que a sociedade quer que a IA desempenhe, incluindo no mundo do trabalho. Esses debates permitirão escapar à armadilha da «falsa dicotomia» entre uma visão totalmente ingénua e otimista da IA e dos seus efeitos e uma visão catastrófica (37). O lançamento desses debates a nível nacional é uma primeira etapa útil, mas a UE tem também um papel a desempenhar, em especial na definição de orientações em matéria de ética, como a Comissão começou a fazer.

7.5.

A questão da aplicação dessas orientações deverá ser confiada a um observatório dedicado à ética nos sistemas de IA. É vital colocar a IA e as suas aplicações ao serviço do bem-estar e da emancipação dos cidadãos e dos trabalhadores, no contexto do respeito pelos direitos fundamentais, e evitar que estas contribuam direta ou indiretamente para processos de desapropriação, de desaprendizagem, de desqualificação e de perda de autonomia. O princípio do «ser humano no comando» em todos os contextos, e, portanto, no do trabalho, deve ser aplicado de forma concreta.

7.6.

Este princípio deve aplicar-se igualmente a outros setores de atividade, como os profissionais da saúde, que prestam serviços estreitamente ligados à vida, à saúde, à segurança e à qualidade de vida dos seres humanos. Apenas regras éticas rigorosas poderão garantir que não só os trabalhadores mas também os consumidores, os pacientes, os clientes e os outros prestadores de serviços possam beneficiar plenamente das novas aplicações da IA.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Acemoglu, D., Restrepo, P. (2018), «Artificial Intelligence, Automation and Work» (A inteligência artificial, a automação e o trabalho), Documento de Trabalho n.o 24196 do National Bureau of Economic Research (NBER) (Serviço Nacional de Investigação Económica), janeiro de 2018. Ver também: Conseil d’orientation pour l’emploi (Conselho consultivo para o emprego) (2017), Automatisation, numérisation et emploi (A automação, a digitalização e o emprego), volume 1 (www.coe.gouv.fr).

(2)  Acemoglu, D., op.cit.; Conseil d’orientation pour l’emploi [Conselho consultivo para o emprego] (2017), op.cit.

(3)  COM(2018) 380 final.

(4)  Diretiva 2002/14/CE; «Déclaration commune d’intention UNICE-CES-CEEP sur le dialogue social et les nouvelles technologies» (Declaração conjunta de intenções da UNICE, da CES e do CEEP sobre o diálogo social e as novas tecnologias), 1985; «Avis commun des partenaires sociaux sur les nouvelles technologies, l’organisation du travail et l’adaptabilité du marché du travail» (Parecer conjunto dos parceiros sociais sobre as novas tecnologias, a organização do trabalho e a adaptabilidade do mercado de trabalho), 1991; «Orientations de référence pour gérer le changement et ses conséquences sociales» (Orientações de referência para gerir a mudança e as suas consequências sociais), 2003.

(5)  COM(2018) 246 final.

(6)  https://ifr.org/ifr-press-releases/news/robots-double-worldwide-by-2020.

(7)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 1.

(8)  Ver nomeadamente https://www.techemergence.com.

(9)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 1.

(10)  Eurofound (2018), Automation, digitalisation and platforms: Implications for work and employment (A automação, a digitalização e as plataformas: Implicações para o trabalho e o emprego), Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo.

(11)  JO C 13 de 15.1.2016, p. 161.

(12)  Frey e Osborne, 2013; Bowles, 2014; Arntz, Gregory e Zierahn, 2016; Le Ru, 2016; McKinsey, 2016; OCDE, 2017; ver igualmente o parecer exploratório CCMI/136 (JO C 13 de 15.1.2016, p. 161).

(13)  http://www.oecd.org/fr/emploi/avenir-du-travail/.

(14)  COM(2018) 237 final.

(15)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 15.

(16)  Conselho científico neerlandês para a política governamental.

(17)  https://english.wrr.nl/latest/news/2015/12/08/wrr-calls-for-inclusive-robot-agenda.

(18)  Ver os trabalhos da Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (https://osha.europa.eu/fr/emerging-risks) sobre os «riscos emergentes». De acordo com a Agência, as abordagens e as normas técnicas atuais que visam proteger os trabalhadores contra os riscos no trabalho através de robôs colaborativos devem ser revistas tendo em conta essa evolução.

(19)  COM(2018) 246 final.

(20)  Texto conjunto da UNICE, do CEEP, da UEAPME e da CES, 16.10.2003.

(21)  Diretiva 2002/14/CE que estabelece um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade Europeia.

(22)  JO C 303 de 19.8.2016, p. 54; JO C 173 de 31.5.2017, p. 15; JO C 129 de 11.4.2018, p. 7; JO C 434 de 15.12.2017, p. 30

(23)  JO C 434 de 15.12.2017, p. 30.

(24)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 15.

(25)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 1. JO C 367 de 10.10.2018, p. 15

(26)  Vários meios de comunicação social europeus têm alertado para as condições de trabalho em determinados centros logísticos onde os trabalhadores estão completamente à mercê dos algoritmos, que lhes indicam as tarefas a cumprir em determinado prazo, e onde o desempenho é medido em tempo real.

(27)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 15.

(28)  Cathy O’Neil, doutorada na Universidade de Harvard e investigadora no domínio da Ciência dos Dados, «Models are opinions embedded in mathematics» (Os modelos são opiniões embutidas na Matemática) (https://www.theguardian.com/books/2016/oct/27/cathy-oneil-weapons-of-math-destruction-algorithms-big-data).

(29)  Ver, entre outros, os trabalhos da CNIL em França («Comment permettre à l’homme de garder la main? Les enjeux éthiques des algorithmes et de l’intelligence artificielle» (Como permitir que o ser humano mantenha a primazia? Desafios éticos dos algoritmos e da inteligência artificial»), https://www.cnil.fr/sites/default/files/atoms/files/cnil_rapport_garder_la_main_web.pdf).

.

(30)  Regulamento (UE) 2016/679 (artigo 88.o).

(31)  https://ifr.org/ifr-press-releases/news/robots-double-worldwide-by-2020.

(32)  COM(2018) 380 final.

(33)  https://www.parliament.uk/ai-committee.

(34)  http://www.enseignementsup-recherche.gouv.fr/cid128577/rapport-de-cedric-villani-donner-un-sens-a-l-intelligence-artificielle-ia.html.

(35)  https://www.eff.org/files/2018/02/20/malicious_ai_report_final.pdf.

(36)  http://nouvelles.umontreal.ca/article/2018/03/29/le-quebec-jette-les-bases-d-un-observatoire-mondial-sur-les-impacts-societaux-de-l-ia/.

(37)  Acemoglu, D., op.cit. Ver igualmente: Eurofound (2018), Automation, digitalisation and platforms: Implications for work and employment (A automação, a digitalização e as plataformas: Implicações para o trabalho e o emprego), Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, p. 23: «The risks comprise unwarranted optimism, undue pessimism and mistargeted insights» (Os riscos incluem o otimismo infundado, o pessimismo indevido e as perceções erróneas).


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/8


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Confiança, privacidade e segurança para os consumidores e as empresas na Internet das coisas (IdC)»

[parecer de iniciativa]

(2018/C 440/02)

Relator:

Carlos TRIAS PINTÓ

Correlator:

Dimitris DIMITRIADIS

Decisão da plenária

15.2.2018

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

Parecer de iniciativa

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

182/3/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A Internet das Coisas (a seguir designada «IdC»), ao interconectar pessoas e objetos, oferece aos cidadãos e às empresas um imenso leque de oportunidades que devem ser acompanhadas de um conjunto de garantias e controlos destinados a assegurar uma implantação satisfatória.

1.2.

Tendo em conta que um dos pilares da IdC é a tomada de decisões automática e sem intervenção humana, é necessário garantir que tais decisões não sejam contrárias aos direitos dos consumidores, não acarretem qualquer risco de caráter ético nem sejam contrárias aos princípios e direitos humanos fundamentais.

1.3.

O CESE insta as instituições europeias e os Estados-Membros a:

1.3.1.

zelar pela proteção da segurança e da privacidade, mediante a elaboração dos quadros regulamentares adequados, que prevejam medidas rigorosas de acompanhamento e controlo;

1.3.2.

determinar claramente a responsabilidade de todos os profissionais envolvidos na cadeia de fornecimento do produto e nos fluxos de informação conexos, evitando lacunas jurídicas quando intervêm diversos produtores e distribuidores;

1.3.3.

estabelecer recursos adequados e mecanismos efetivos de coordenação entre a Comissão e os Estados-Membros para garantir a aplicação coerente e harmonizada tanto da legislação revista como da nova regulamentação, tendo simultaneamente em conta o contexto internacional;

1.3.4.

monitorizar o desenvolvimento das tecnologias emergentes associadas à IdC, a fim de garantir um nível elevado de segurança, a plena transparência e uma acessibilidade equitativa;

1.3.5.

fomentar a normalização europeia e internacional a fim de garantir a fiabilidade, disponibilidade, resistência e manutenção dos produtos;

1.3.6.

fiscalizar os mercados e preservar as condições de concorrência equitativas na implementação da IdC, evitando a concentração do poder económico transnacional nos novos intervenientes tecnológicos;

1.3.7.

comprometer-se a promover ações de sensibilização e de reforço das capacidades em matéria de competências digitais, a par da investigação e da inovação de base neste domínio;

1.3.8.

garantir a plena aplicação e efetiva utilização dos sistemas de resolução alternativa de litígios (RAL) e de resolução de litígios em linha (RLL);

1.3.9.

incentivar a existência, a implementação e o efetivo funcionamento de um sistema europeu de ações de grupo que permita fazer cessar e também obter indemnizações sempre que a utilização da IdC cause danos ou prejuízos de natureza coletiva, como deverá decorrer do Novo Acordo para os Consumidores.

1.4.

A confiança dos consumidores estará associada ao estrito cumprimento da legislação pertinente e à comunicação de boas práticas empresariais em matéria de privacidade e segurança, incumbindo às instituições integrá-las nas estratégias de responsabilidade social das empresas e nos investimentos socialmente responsáveis.

1.5.

O impacto social e económico da IdC será positivo se for adequadamente associado ao desenvolvimento de políticas socioambientais no quadro da economia colaborativa, da economia circular e da economia da funcionalidade.

2.   Antecedentes e contexto

2.1.

Nos últimos quinze anos, o aparecimento da Internet produziu transformações em todos os domínios da vida quotidiana e teve impacto em diferentes hábitos de consumo. Por outro lado, prevê-se que, nos próximos dez anos, a revolução da Internet das coisas (IdC) chegue aos setores energético, agropecuário ou dos transportes, bem como aos setores mais tradicionais da economia e da sociedade, o que impõe a necessidade de definir políticas integrais que abordem de forma inteligente esta evolução tecnológica.

2.2.

O conceito de IdC surgiu pela primeira vez no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e baseia-se, essencialmente, num mundo cheio de dispositivos totalmente interligados de uma forma que permita automatizar conjuntamente os diferentes processos interoperáveis. Por seu turno, a União Europeia está a preparar-se para abordar a convergência digital e os novos desafios da IdC desde o lançamento do plano «i2010 — Uma sociedade da informação europeia para o crescimento e o emprego» (1), até ao recente plano de ação da IdC; ver o documento «Advancing the Internet of Things in Europe» [Fazer avançar a Internet das coisas na Europa], que, em 2016, acompanhou a Comunicação da Comissão — Digitalização da Indústria Europeia — Usufruir de todos os benefícios do Mercado Único Digital (2).

2.3.

O CESE já se pronunciou em numerosas ocasiões sobre a quarta revolução industrial, marcada pela convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas, com destaque para o parecer de 2017 (3) sobre a matéria. Com efeito, a IdC é o terreno de eleição das formas mais avançadas de IA e onde os princípios definidos pelo CESE são postos à prova, em especial o princípio do controlo humano («human in control»).

2.4.

Os dispositivos da IdC carecem, frequentemente, das normas de autenticação necessárias para garantir a segurança dos dados do utilizador. Esta situação dá origem a problemas, na medida em que deixa expostos a falhas de segurança os dispositivos, os dados e os intervenientes da cadeia de abastecimento.

2.5.

As tecnologias emergentes, como a cadeia de blocos (blockchain), podem resolver problemas de segurança e de confiança: podem ser utilizadas para rastrear as medições dos dados provenientes de sensores, evitar a duplicação com quaisquer outros dados maliciosos e preservar a integridade e a rastreabilidade das alterações; um livro-razão distribuído pode permitir a identificação de dispositivos de IdC, a autenticação e a transferência de dados segura e sem falhas; os sensores de IdC podem ser utilizados para o intercâmbio de dados através de uma cadeia de blocos em vez de um terceiro; a utilização de contratos inteligentes permite a autonomia dos dispositivos, bem como a identidade individual e a integridade dos dados; os custos de criação e de funcionamento são reduzidos devido à ausência de intermediários; por último, os dispositivos de IdC da cadeia de blocos permitem aceder ao historial dos dispositivos ligados, o que é muito útil para a resolução de eventuais problemas (4).

2.6.

Em contrapartida, estão a ser desenvolvidas tecnologias de livro-razão distribuído de código aberto para o intercâmbio de informações e valor entre dispositivos da IdC. Estas tecnologias não permitem a prospeção de dados, mas utilizam uma arquitetura inspirada num conceito matemático designado «gráfico acíclico dirigido» (DAG), que evita as comissões e favorece o aumento da capacidade da rede em função do aumento do número de utilizadores.

2.7.

Estamos perante um fenómeno com grande potencial económico (5) e social, que oferece excelentes oportunidades, mas igualmente desafios significativos com riscos implícitos, de caráter multidisciplinar e transversal e que afeta de igual modo empresas e consumidores, administrações e cidadãos. Por conseguinte, esta matéria deve ser objeto de uma abordagem comum e, simultaneamente, adequada a diversas situações específicas. A este propósito, basta referir que estimativas das Nações Unidas apontam para cinquenta mil milhões de dispositivos interligados em 2020, com aplicações para consumidores através de televisores, frigoríficos, câmaras de segurança, veículos, etc.

2.8.

As aplicações da IdC estão já a gerar benefícios económicos e sociais num mundo globalizado, nomeadamente mais serviços sensíveis ao contexto socioeconómico, ciclos de retroalimentação mais curtos, reparações à distância, suportes para a tomada de decisões, melhor afetação de recursos ou o controlo remoto de serviços. Contudo, há fatores associados muito sensíveis, como a privacidade e a segurança, a assimetria da informação e a transparência das transações, responsabilidades complexas, o bloqueio de produtos e sistemas ou ainda o aumento dos produtos híbridos que pode afetar os consumidores em termos de propriedade e expô-los à aplicação de contratos à distância, que oferecem menos garantias.

2.9.

Os enormes desafios jurídicos enfrentados pela UE e pelos Estados-Membros explicam-se pelo facto de muitas das características específicas da IdC (elevados níveis de complexidade e de interdependência, o elemento de autonomia, as componentes de geração e/ou tratamento de dados e uma dimensão aberta) serem comuns a outras tecnologias digitais emergentes, como a cadeia de blocos, a impressão 3D e a computação em nuvem. Na opinião do CESE, o documento de trabalho da Comissão Europeia (6) sobre a responsabilidade das tecnologias digitais emergentes constitui mais um passo na direção certa.

2.10.

Por último, para maximizar os benefícios e minimizar os riscos inerentes à IdC é necessário disponibilizar informações acessíveis, claras, concisas e precisas que promovam, nomeadamente, a inclusão e a conectividade digital dos consumidores mais vulneráveis, mediante a conceção de produtos e serviços plenamente rastreáveis que comportem normas integradas de confiança, privacidade e segurança.

3.   Confiança dos consumidores e dos empresários na IdC

3.1.

A IdC é um ecossistema complexo que permite a interligação de dispositivos provenientes de diferentes fabricantes, distribuidores ou criadores de software, o que pode dificultar a determinação da responsabilidade em situações de incumprimento da regulamentação ou de danos materiais ou outros danos causados a terceiros ou a sistemas por produtos defeituosos ou por produtos utilizados abusivamente por terceiros, que não os utilizadores finais, através da rede. Aliás, é possível que muitos dos operadores que participam na cadeia de valor global do produto não possuam conhecimentos e experiência suficientes em matéria de segurança ou de proteção de dados para dispositivos em rede.

3.2.

Por esse motivo, é necessária uma nova abordagem das responsabilidades que procure garantir que tanto os consumidores como as empresas que utilizam aplicações de IdC estão protegidos num ambiente em que produtos devidamente configurados podem ficar defeituosos e inseguros na sequência de incidentes de segurança digital ou de uma utilização inadequada e abusiva (por piratas informáticos, por exemplo). Esse ambiente deve permitir prever, prevenir e obter proteção contra decisões automatizadas suscetíveis de violar os princípios éticos e os direitos humanos universalmente reconhecidos.

3.3.

O CESE congratula-se com a revisão da aplicação da diretiva de 1985 relativa à responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (7), bem como com a recente criação do grupo de peritos multilateral no domínio da responsabilidade e das novas tecnologias, a fim de garantir um justo equilíbrio entre os interesses dos produtores e os dos consumidores. Um novo quadro em matéria de responsabilidade deve contemplar explicitamente a rastreabilidade da responsabilidade e da segurança, tanto ao longo da cadeia de valor do produto como durante o seu ciclo de vida, integrando a sustentabilidade como um novo fator que obrigará a considerar indispensáveis a atualização, melhoria, portabilidade, compatibilidade, reutilização, reparação ou readaptação do produto.

3.4.

Deve também ser especificamente considerada para a IdC a determinação da responsabilidade de todos os profissionais envolvidos na cadeia de abastecimento do produto, evitando lacunas jurídicas quando intervêm diversos produtores e distribuidores. O CESE considera imprescindível especificar claramente os procedimentos a observar pelos consumidores em cada situação, promovendo os mecanismos de resolução alternativa de litígios (RAL).

3.5.

O CESE destaca a importância da informação pré-contratual, da transparência das cláusulas contratuais e da clareza das instruções de funcionamento dos dispositivos; os riscos e os cuidados eventualmente associados devem ser devidamente salientados.

3.6.

A interoperabilidade e a compatibilidade dos dispositivos e do software a estes associado devem ser asseguradas, a fim de evitar problemas e de permitir ao consumir comparar fornecedores. O CESE salienta que este fator é igualmente fundamental para criar condições equitativas entre as grandes empresas e as PME.

3.7.

Por último, o CESE é favorável à neutralidade da rede, pelo que insta a Comissão a assegurar um rigoroso acompanhamento do comportamento do mercado.

4.   Privacidade dos consumidores na IdC

4.1.

O novo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) reforçou a capacidade dos consumidores para verificarem os seus dados pessoais e as suas preferências de privacidade (8). O utilizador de um dispositivo deve poder controlar a forma como os dados que gera são utilizados e as pessoas que podem aceder a esses dados, tendo em conta o facto de que a diversidade de dados, bem como a agregação e vinculação a outros dados, acarretam um risco grave para a privacidade no ecossistema da IdC.

4.2.

Convém ter presente a incidência que a multiplicidade de produtos, serviços ou entidades pode ter na privacidade e na proteção de dados quando estes são transferidos autonomamente no contexto da sua interconectividade. Do mesmo modo, quando as informações são tratadas ou reformuladas a partir de dados inicialmente inócuos, é possível conhecer com precisão os hábitos, localização, interesses e preferências dos indivíduos, o que aumenta a acessibilidade e a rastreabilidade do perfil do utilizador.

4.3.

As garantias jurídicas devem assegurar a plena capacidade dos utilizadores para exercerem o seu direito à privacidade e à proteção de dados pessoais sem qualquer limitação, evitando assim potenciais danos, como práticas discriminatórias, comercialização invasiva, perda de privacidade ou violações da segurança. Por outro lado, os consumidores devem dispor de informação sobre o valor económico dos seus dados e reservar-se o direito de os partilhar.

4.4.

Conforme previsto no RGPD, as empresas e as entidades de regulamentação devem rever periodicamente o alcance da recolha de dados pessoais e avaliar em que medida os dados tratados são proporcionais e necessários para a prestação do serviço. Os aspetos e impactos de privacidade devem ser avaliados ao longo de toda a conceção, ciclo de projeto e desenvolvimento de um produto conectado e tendo em conta o ecossistema em rede em que este opera (privacidade desde a conceção). Por conseguinte, importa aplicar os princípios da privacidade desde a conceção e da privacidade predefinida de forma coerente na IdC.

4.5.

Não obstante, a configuração predefinida de qualquer produto conectado deve prever o nível mais elevado de proteção da privacidade (desde a conceção e predefinida), de modo a evitar o acompanhamento indesejado do comportamento e da vida profissional dos utilizadores.

4.6.

Em qualquer caso, os consumidores devem dispor de informações fiáveis sobre os dados recolhidos, as pessoas que têm acesso a esses dados e a utilização que se lhes pretendem dar enquanto a relação respeitante ao produto ou serviço estiver ativa, conhecer a política de privacidade aplicável e saber se os algoritmos utilizados afetam a qualidade, o preço ou o acesso a um serviço.

5.   Segurança dos consumidores e dos empresários na IdC

5.1.

A interconectividade de dispositivos que caracteriza o ecossistema da IdC pode incentivar o desenvolvimento de práticas tecnológicas ilícitas ou indesejáveis que convertam este ecossistema num espaço propício a estas práticas e à sua propagação viral. Por este motivo, a segurança deve ser integral em todas e em cada uma das componentes do sistema.

5.2.

A oferta de produtos e atualizações ligados à cibersegurança deve ser justificada e propor cobertura não apenas para dispositivos individuais, mas ser extensiva aos riscos de segurança inerentes à interconectividade com outros dispositivos na IdC, sem que o seu número afete negativamente os padrões de qualidade da segurança proporcionada.

5.3.

Sobre esta matéria, a proposta de regulamento relativo à Agência da União Europeia para a Cibersegurança (9) prevê um quadro de certificação das tecnologias da informação e comunicação que permitirá definir mecanismos voluntários de certificação de segurança e de rotulagem para diferentes tipos de produtos, nomeadamente os da IdC. Embora se congratule com esta medida, o CESE não pode deixar de manifestar preocupação pelo facto de não ter caráter obrigatório.

5.4.

As medidas de cibersegurança deveriam incluir os riscos associados a qualquer tipo de vulnerabilidade, em especial a pirataria informática e o acesso não autorizado ou uso indevido, bem como os riscos relativos aos meios de pagamento e às fraudes financeiras. A este propósito, o CESE apoia as competências atribuídas ao grupo de peritos multilateral no domínio da responsabilidade e das novas tecnologias.

5.5.

Deve igualmente ser contemplada a segurança pessoal dos consumidores em relação a riscos como a utilização de proximidade, as bandas de frequência partilhadas, a exposição a campos eletromagnéticos ou a possíveis interferências com equipamentos essenciais conectados. O CESE advoga a aplicação de medidas de vigilância e a retirada preventiva em caso de riscos que afetem a saúde e a segurança dos consumidores ou os seus interesses pessoais e económicos.

5.6.

As empresas devem adotar padrões de boas práticas, como a segurança desde a conceção ou predefinida, e ser submetidas a avaliações externas independentes. Em caso de incidentes de segurança ou de violações de dados, as empresas são obrigadas a notificar a ocorrência e a fornecer informações relativas à responsabilidade pelos danos e pelo incumprimento da legislação.

5.7.

As empresas devem facultar aos consumidores informações simples e acessíveis, que lhes permitam tomar decisões adequadas e adotar práticas seguras, e disponibilizar-lhes as atualizações de segurança essenciais durante todo o ciclo de vida do produto.

5.8.

A ausência de normas coerentes no que respeita às redes de IdC deve igualmente ser abordada. É necessário desenvolver tecnologias avançadas de banda larga e de nova geração que melhorem as infraestruturas atuais.

6.   Propostas de medidas no âmbito da política pública (10)

6.1.

As autoridades públicas, no exercício dos seus poderes nos diferentes territórios da União Europeia, devem participar ativamente na elaboração das políticas e planos de ação para a IdC, com o objetivo de assegurar o equilíbrio entre as diferentes partes interessadas, antecipando as problemáticas e procurando atenuar prudencialmente os eventuais efeitos adversos. O CESE propõe:

6.1.1.

a criação de ambientes de teste (sand box), ou seja, espaços físicos, polos, etc., para projetos-piloto e validação de conceito. Esses ambientes devem ter por objetivo testar não apenas as tecnologias, mas também os modelos de regulamentação (11);

6.1.2.

o financiamento de infraestruturas tecnológicas que permitam o desenvolvimento de projetos inovadores de IdC no âmbito do novo programa Horizonte Europa;

6.1.3.

a designação de institutos e agências independentes como facilitadores e supervisores dos projetos de IdC. O CESE congratula-se com as medidas pertinentes previstas no regulamento relativo à cibersegurança de 2017 e exorta a Comissão a promover efetivamente processos de normalização na indústria digital, disponibilizando, para o efeito, recursos orçamentais adequados (12);

6.1.4.

a promoção de associações e plataformas de colaboração público-privadas que envolvam a comunidade científica, a indústria e os consumidores;

6.1.5.

o fomento do investimento no desenvolvimento de modelos empresariais locais que tirem partido dos benefícios da IdC e facilitem a abordagem de aspetos tão complexos como a proteção e a propriedade dos dados;

6.1.6.

a realização de ações de reforço das capacidades no âmbito empresarial, na perspetiva da corresponsabilidade. Importa garantir a integração da segurança e da privacidade desde a conceção e predefinida nos produtos e serviços das TIC, em conformidade com o «dever de diligência» defendido no novo regulamento sobre cibersegurança. Neste contexto, o CESE saúda a prevista elaboração de códigos de conduta destinados a complementar o regulamento;

6.1.7.

o fomento das iniciativas de normalização europeias e internacionais que visem garantir que os sistemas de IdC possuem as características essenciais, a saber, fiabilidade, segurança, disponibilidade, resistência, possibilidade de manutenção e utilização. Nomeadamente, a normalização é fundamental para a rápida execução de processos de fabrico industrial altamente digitalizados;

6.1.8.

a garantia de que os utilizadores da IdC, sobretudo os mais vulneráveis e os que vivem em zonas pouco povoadas, dispõem de acesso de alta qualidade e a preços razoáveis;

6.1.9.

a promoção de campanhas de sensibilização e de programas educativos destinados a facilitar a adoção da IdC por parte das empresas e dos consumidores, proporcionando-lhes a possibilidade de adquirir as capacidades e competências necessárias (13), prestando particular atenção aos grupos vulneráveis e à diversidade;

6.1.10.

o lançamento de iniciativas de caráter educativo com vista a uma prevenção adequada, atenta a integração precoce da população infantil em ambientes digitais;

6.1.11.

o lançamento de análises de diagnóstico e de estudos do impacto da IdC em domínios como os novos modelos de produção e consumo sustentáveis;

6.1.12.

a garantia da plena aplicação e efetiva utilização dos sistemas de resolução alternativa de litígios (RAL) e de resolução de litígios em linha (RLL);

6.1.13.

incentivar a existência, a implementação e o efetivo funcionamento de um sistema europeu de ações de grupo que permita fazer cessar e também obter indemnizações sempre que a utilização da IdC cause danos ou prejuízos de natureza coletiva, como deverá decorrer do Novo Acordo para os Consumidores.

6.2.

O CESE insta ainda a Comissão a avaliar as regras direta ou indiretamente relacionadas com a IdC e, se necessário, a melhorar a legislação em vigor. Neste contexto, o Novo Acordo para os Consumidores deve centrar-se igualmente nos dispositivos que se conectam, nas redes e na segurança das mesmas, bem como nos dados associados aos dispositivos.

6.3.

Por último, o CESE salienta a importância do estabelecimento de mecanismos de cooperação e de coordenação entre os Estados-Membros, com vista a uma aplicação eficiente e uniforme da regulamentação, bem como dos acordos que a União Europeia venha a celebrar no exterior do seu território devido à localização das sedes de empresas e fornecedores, com particular ênfase no intercâmbio de boas práticas. A política internacional em matéria de fluxos transfronteiriços de dados deve ser coordenada, de modo que os países em causa possam estabelecer normas de proteção igualmente elevadas nas respetivas legislações nacionais, tanto substantivas como processuais.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  COM (2005) 229 final.

(2)  COM (2016) 180 final.

(3)  Inteligência artificial — Impacto no mercado único (digital), na produção, no consumo, no emprego e na sociedade (JO C 288 de 31.8.2017, p. 1).

(4)  Ver Khwaja Shaik, Why blockchain and IoT are best friends [Por que motivo a cadeia de blocos e a IdC combinam bem], https://www.ibm.com/us-en/?lnk=m; sobre as inovações no setor financeiro europeu, ver JO C 246 de 28.7.2017, p. 8.

(5)  A Digital McKinsey estima que, em 2025, a IdC terá um impacto económico potencial de 3 900 milhões a 11 100 milhões de dólares anuais.

(6)  SWD (2018) 137.

(7)  COM (2018) 246 final.

(8)  Em vigor desde 25 de maio de 2018.

(9)  Ver documento COM (2017) 477 final.

(10)  Ver Grupo do Banco Mundial, Internet of things: The New Government-to-Business Platform (relatório sobre a Internet das coisas, a nova plataforma governo-empresas).

(11)  Ver https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/eu-and-eea-member-states-sign-cross-border-experiments-cooperative-connected-and-automated

(12)  JO C 197 de 8.6.2018, p. 17.

(13)  JO C 434 de 15.12.2017, p. 36.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/14


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre os «Indicadores mais apropriados para avaliar os ODS — o contributo da sociedade civil»

(parecer de iniciativa)

(2018/C 440/03)

Relatora:

Brenda KING

Correlator:

Thierry LIBAERT

Decisão da Plenária

15.2.2018

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

194/2/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Desde que as instituições europeias adotaram, em 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, o CESE tem instado a Comissão a elaborar uma estratégia global europeia para o desenvolvimento sustentável com objetivos, metas e ações concretos, tendo em vista a consecução dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Embora a UE tenha desempenhado um papel importante na adoção da Agenda 2030 e os ODS reflitam valores fundamentais da UE, nomeadamente a promoção de maior harmonia social, política, económica e ambiental, a Comissão Europeia não desenvolveu uma estratégia global. O documento de reflexão «Para uma Europa sustentável até 2030», que será publicado até ao final de 2018, constitui uma oportunidade para salientar a importância da adoção de uma estratégia global europeia.

1.2.

A ausência de uma estratégia europeia para o desenvolvimento sustentável coloca em risco a aplicação coerente da Agenda 2030 a nível da UE e a nível nacional. Podem ocorrer divergências na abordagem dos ODS, uma vez que vários Estados-Membros já estão a preparar as estratégias nacionais para o desenvolvimento sustentável sem que exista um quadro estratégico europeu ou orientações comuns em matéria de aplicação.

1.3.

O CESE acolhe favoravelmente o primeiro relatório anual de acompanhamento dos ODS, do Eurostat, relativo a 2017 (1), que assenta num conjunto de 100 indicadores que utilizam critérios rigorosos em matéria de dados. Contudo, o CESE identificou várias deficiências no atual conjunto de indicadores, que devem ser tidas em conta nas futuras edições do relatório anual de acompanhamento dos ODS, do Eurostat.

1.4.

O CESE solicita indicadores que criem uma base para a formulação e a definição das políticas. O atual conjunto de indicadores não mede a distância para a consecução dos objetivos nem apresenta uma análise adequada dos progressos realizados. É necessário fixar objetivos para as políticas da UE relativas aos ODS e dispor de indicadores que permitam acompanhar o respetivo cumprimento. Na ausência de objetivos políticos específicos a nível da UE, a União pode avaliar o desempenho nacional por comparação com o melhor desempenho e com o desempenho médio.

1.5.

O CESE identifica também algumas limitações técnicas que devem ser corrigidas para garantir que são utilizados os indicadores mais adequados. Por exemplo, a utilização de indicadores transversais continua a ser insuficiente para proporcionar informações sobre sinergias e incompatibilidades entre os objetivos. Os efeitos indiretos no desenvolvimento sustentável dos países parceiros e a supervisão da coerência política entre objetivos políticos externos e internos importantes também não são plenamente integrados.

1.6.

O Eurostat e os serviços de estatística nacionais devem assegurar-se de que utilizam um quadro coerente de indicadores. Deve existir um sistema abrangente e integrado de indicadores para garantir que o exercício de supervisão da execução dos ODS a nível europeu e nacional é fiável.

1.7.

O Eurostat e os serviços de estatística nacionais têm poucos recursos humanos e financeiros para a recolha de novos dados e, por conseguinte, nem sempre é possível desenvolver indicadores novos e mais específicos. O CESE solicita a afetação de recursos adequados para ultrapassar esta limitação importante.

1.8.

O Comité apela a uma participação significativa da sociedade civil na definição dos indicadores e na avaliação dos progressos da UE rumo ao cumprimento dos objetivos. A natureza transversal dos ODS exige uma cooperação multilateral integrada.

1.9.

O CESE recomenda que o conjunto de indicadores seja complementado por um relatório-sombra qualitativo, desenvolvido em estreita colaboração com organizações da sociedade civil para aumentar o sentimento de apropriação dos ODS por todas as partes interessadas. As informações qualitativas podem evidenciar tendências que não seriam percecionadas apenas com medições quantitativas. O CESE propõe-se assumir o papel de coordenador da elaboração do relatório qualitativo complementar. Além disso, o Comité recomenda que a Comissão Europeia apoie a organização de uma cimeira europeia dedicada aos ODS, para fazer o ponto da situação, em que participem todas as partes interessadas pertinentes.

1.10.

Um quadro estratégico coerente exige também que outros indicadores da UE (por exemplo, o painel de indicadores sociais ou os indicadores europeus da biodiversidade) estejam em consonância com o quadro da Agenda 2030. Uma estratégia global deve proporcionar esta visão geral da interligação entre os ODS, as políticas da UE e os diversos conjuntos de indicadores.

1.11.

O CESE solicita que o atual sistema de governação da UE seja adaptado à aplicação da Agenda 2030. Uma estratégia global da UE para o desenvolvimento sustentável que esteja plenamente alinhada com a Agenda 2030 garantirá a integração dos ODS em todas as políticas da UE e proporcionará um quadro para a coordenação e acompanhamento da execução dos ODS a nível nacional e da União. Por exemplo, os instrumentos do Semestre Europeu devem acompanhar e apoiar a execução dos ODS. Além disso, a formulação e a avaliação das políticas da UE (por exemplo, o Programa Legislar Melhor) devem ser adaptadas aos ODS para os integrar plenamente no ciclo de políticas. Deve aplicar-se um teste de sustentabilidade a todas as propostas legislativas e políticas que permita prever o seu impacto nos ODS e tomar decisões sobre a adequação de cada proposta.

1.12.

O CESE recomenda que, na Comissão, haja um vice-presidente responsável pela integração dos ODS nas políticas da UE, com uma equipa específica, um orçamento próprio e uma estrutura para trabalhar com todos os comissários e serviços da Comissão. Além disso, no seu discurso anual sobre o estado da União Europeia, o presidente da Comissão Europeia deve apresentar os progressos alcançados e definir novas medidas necessárias para a execução dos ODS.

1.13.

Por último, o CESE apela para um acordo sobre um orçamento da UE que estabeleça o desenvolvimento sustentável como o objetivo central. O Comité recorda que a versão final do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para o período de 2021-2027 indicará se a UE será capaz de cumprir os seus compromissos relativos à Agenda 2030. A proposta da Comissão publicada em maio de 2018 vai na direção certa, mas, em última análise, não aproveita a oportunidade de transformar a Agenda 2030 numa prioridade da agenda europeia.

2.   Falta de estratégia da UE

2.1.

A UE deve assumir de forma mais empenhada o seu papel de liderança na garantia e na promoção do desenvolvimento sustentável. Com efeito, a Agenda 2030 das Nações Unidas está em total consonância com o objetivo fundamental da União Europeia, que consiste em promover maior harmonia social, política, económica e ambiental na Europa e no mundo. Contudo, embora a UE e os seus Estados-Membros tenham assinado a Agenda mundial, a Europa está a ficar para trás. Até ao momento, a UE e vários Estados-Membros não implementaram uma estratégia de desenvolvimento sustentável para garantir a realização dos ODS.

2.2.

Recorde-se que o artigo 3.o do Tratado da União Europeia contém uma referência ao desenvolvimento sustentável: «Nas suas relações com o resto do mundo, a União […] contribui para o desenvolvimento sustentável do planeta […]». Embora existam, cada vez mais, elementos de sustentabilidade em diversas políticas da UE, como a política industrial, dos transportes ou da energia, subsistem a falta de ambição e a falta de financiamento. Globalmente, o CESE lamenta a evidente falta de estratégia, de coerência das políticas e de integração das políticas na coordenação estratégica geral da UE.

2.3.

O CESE é a única instituição a nível europeu que assumiu o desenvolvimento sustentável como uma prioridade principal. O Parlamento Europeu não possui qualquer estrutura dedicada ao desenvolvimento sustentável, embora alguns grupos políticos incluam a Agenda 2030 nas suas prioridades políticas para as eleições europeias de maio de 2019. Entretanto, a Comissão Europeia criou a plataforma multilateral para a execução dos ODS, que constitui um passo na direção certa, mas não é certo que esta plataforma subsista para além da atual Comissão. Por outro lado, o CESE defendeu no passado um fórum da sociedade civil mais ambicioso e mais alargado do que o fórum que viria a ser criado (2).

2.4.

No plano nacional, o nível de planeamento e execução dos ODS é heterogéneo (3). Alguns Estados-Membros já adotaram estratégias nacionais abrangentes para o desenvolvimento sustentável e, em alguns casos, órgãos de poder local e regional e partes interessadas pertinentes também têm em curso iniciativas de sensibilização para os ODS. Existe um risco de incoerência entre as abordagens nacionais devido à inexistência de um quadro europeu. O CESE apela à integração do desenvolvimento sustentável nas políticas nacionais e recomenda que a sociedade civil organizada seja plenamente envolvida na conceção e na execução, em conformidade com uma estratégia global da UE.

3.   Perspetivas futuras

3.1.

Em 13 de setembro de 2017, o presidente Jean-Claude Juncker anunciou um documento de reflexão, «Para uma Europa sustentável até 2030», sobre o seguimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, nomeadamente sobre o Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas, que será publicado durante o inverno de 2018. Na fase de preparação, a Comissão está a analisar os pontos de vista dos membros da plataforma multilateral sobre os ODS. Os membros da plataforma apresentam sugestões para melhorar a governação da UE em função dos ODS (por exemplo, adotando uma estratégia global), formulam recomendações políticas e apresentam propostas sobre o modo como o conjunto de ferramentas da UE deve evoluir para coordenar as políticas, o acompanhamento e a responsabilização.

3.2.

A execução dos ODS inclui objetivos económicos, sociais, políticos e ambientais que exigirão alterações profundas nas sociedades europeias e nas instituições da UE.

3.3.

Os debates sobre o futuro da Europa que antecedem as eleições europeias de 2019 são cruciais para aumentar o nível de informação dos cidadãos sobre o desenvolvimento sustentável. Os partidos políticos europeus devem tomar posição e abordar o desenvolvimento sustentável nos seus programas eleitorais.

3.4.

Além disso, o CESE considera que a futura Comissão Europeia e o novo Parlamento Europeu resultantes das eleições europeias de 2019 devem assumir como prioridade uma melhor integração dos ODS nas políticas da UE. O CESE insta o Parlamento Europeu a reforçar a sua capacidade de acompanhamento e supervisão da execução dos ODS e a assumir responsabilidade por estes objetivos. No que se refere à Comissão, recomenda-se ainda o reforço da liderança do vice-presidente responsável pelo desenvolvimento sustentável e a reestruturação das áreas de competência das direções-gerais, a fim de deixar claro quem é responsável por cada um dos ODS.

3.5.

A decisão final sobre o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para o período de 2021-2027 indicará se a UE será capaz de cumprir os seus compromissos relativos à Agenda 2030. O QFP é fundamental para garantir a integração dos ODS. A proposta da Comissão Europeia publicada em maio de 2018 vai na direção certa, mas não aproveita a oportunidade de transformar a Agenda 2030 numa prioridade da agenda europeia. Além do reforço limitado proposto para o objetivo de integração de considerações climáticas, o novo QFP deve afetar recursos financeiros ao desenvolvimento sustentável e garantir também que nenhum financiamento comprometa a execução dos ODS. Importa disponibilizar financiamento para os responsáveis pela execução dos ODS, incluindo os Estados-Membros, a administração local, empresas e ONG, para projetos inovadores e expansíveis.

3.6.

A UE atravessa uma grave crise política e institucional e enfrenta desafios como as desigualdades sociais crescentes, os problemas ambientais e a perda de confiança nos governos e na UE (4). Para superar esta situação, a União tem de desenvolver uma nova narrativa que seja capaz de oferecer soluções concretas para os desafios que se colocam às nossas sociedades. Os debates em curso sobre o futuro da Europa devem contribuir para esta nova narrativa, tomando em consideração a Agenda 2030 e o 6.o Cenário para a Europa (5), para que a UE se torne um motor da sustentabilidade. É necessária uma liderança mais forte dos chefes de Estado europeus para transformar os ODS num elemento central do seu discurso e da sua visão política para a Europa.

3.7.

A Agenda 2030 baseia-se nos valores fundamentais da Europa, ou seja, democracia e participação, justiça social, solidariedade e sustentabilidade, respeito pelo Estado de direito e direitos humanos, na Europa e no resto do mundo. A nova narrativa de desenvolvimento sustentável deve dar aos cidadãos respostas sobre a forma como os poderes públicos e a sociedade civil organizada tencionam concretizar a sua aspiração de bem-estar económico, social e ambiental.

4.   A questão dos indicadores

4.1.

O CESE considera que a abordagem baseada em indicadores dos ODS da UE tem de ir além de uma simples avaliação, contribuindo para a formulação e a definição das políticas em vez de ser apenas uma ferramenta para apresentação de relatórios. Os indicadores devem ajudar os decisores políticos da UE a definir as políticas futuras e a estudar as melhores formas de realizar os ODS. Os indicadores devem também ajudar os responsáveis políticos a identificar desvios na evolução rumo aos ODS e a introduzir atempadamente as alterações políticas necessárias para alcançar os objetivos até 2030.

4.2.

Na opinião do CESE, o relatório de 2017, do Eurostat, sobre o acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no contexto da UE (2017 Monitoring Report of the Sustainable Development Goals in an EU context) é um bom começo, mas ainda podem ser introduzidas melhorias. É necessário reforçar o relatório melhorando os indicadores. O método atual de avaliação dos progressos alcançados (ou seja, 1 % de mudança positiva) na ausência de metas quantificadas da UE pode induzir em erro, já que não fornece informações sobre a distância para a consecução dos ODS, ao contrário de outros relatórios. Por exemplo, enquanto o Eurostat conclui que existem progressos significativos na Europa rumo ao ODS 12 (6), outras fontes, como a OCDE, chegam a conclusões diferentes (7). O relatório de acompanhamento deve ir mais além para clarificar a natureza integrada da agenda, que implica um trabalho que reforce cada objetivo e não comprometa nenhum deles. A utilização de indicadores transversais, embora útil, continua a ser insuficiente para proporcionar informações sobre sinergias e incompatibilidades entre os objetivos. Além disso, o relatório deve avaliar os efeitos indiretos no desenvolvimento sustentável dos países parceiros e supervisionar a coerência política entre objetivos políticos externos e internos importantes. Por último, os indicadores devem poder apresentar comparações entre países europeus, identificar divergências na implementação nos Estados-Membros e ser frequentemente atualizados para se basearem nos melhores resultados científicos, conhecimentos ou informações disponíveis.

4.3.

Para dispor de um conjunto coerente de indicadores que apresente uma perspetiva clara da execução dos ODS a nível da UE, é essencial criar um sistema completo de indicadores que abarque o nível europeu e o nível nacional. Em primeiro lugar, os indicadores atuais utilizados para diferentes domínios de intervenção a nível da UE devem ser harmonizados ou, pelo menos, interligados com os indicadores dos ODS da UE. Por exemplo, conjuntos de indicadores pertinentes, como o painel de indicadores sociais ou os indicadores europeus da biodiversidade, devem ser associados aos indicadores dos ODS da UE e a relação entre eles deve ser claramente definida. Em segundo lugar, as estratégias nacionais para o desenvolvimento sustentável devem utilizar indicadores idênticos, ou pelo menos indicadores comparáveis, aos indicadores dos ODS da UE. Se assim não for, existirá um risco de incoerência entre as diferentes abordagens adotadas pelos Estados-Membros. Em terceiro lugar, a UE deve garantir um processo completo de comunicação de informações ao Fórum Político de Alto Nível para o Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas. A Comissão Europeia deve poder fornecer uma perspetiva clara da execução dos ODS a nível da UE e em todos os Estados-Membros.

4.4.

O CESE entende que é necessário resolver algumas limitações relativas ao processo de definição de indicadores. O Eurostat e os serviços de estatística nacionais têm poucos recursos humanos e financeiros para a recolha de novos dados e, por conseguinte, nem sempre é possível desenvolver indicadores novos e mais específicos. Segundo o Relatório Anual 2017 apresentado pelo Conselho Consultivo Europeu para a Governação Estatística ao Parlamento Europeu, o custo do sistema estatístico europeu representa 0,02 % do PIB, e, após os cortes que afetaram os recursos humanos no contexto da austeridade orçamental, o número de funcionários não regressou aos níveis anteriores à crise económica (8). Para melhorar o conjunto de indicadores, deve ser dada maior prioridade ao desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade, e é necessário afetar financiamento adequado ao Eurostat e aos serviços de estatística nacionais para desenvolver tais indicadores, em consonância com as metas relativas ao ODS 17. Tal permitirá adicionar novos indicadores que poderão exigir uma recolha de dados suplementar.

4.5.

No que respeita ao atual conjunto de indicadores do Eurostat, o CESE identifica uma série de deficiências que é necessário corrigir, preferencialmente até à publicação do relatório de acompanhamento anual de 2018 do Eurostat sobre os progressos para alcançar os ODS. Os aspetos a melhorar incluem os seguintes:

uma apresentação visual mais objetiva dos resultados globais, para não dar a impressão errada de que a Europa está a cumprir a maior parte dos ODS, contrariando outras investigações qualitativas ou temáticas, bem como a perceção dos cidadãos;

uma maior atenção aos efeitos indiretos do atual modelo de desenvolvimento da Europa, por exemplo tirando partido do trabalho já realizado pelo Eurostat no âmbito das pegadas ambientais, bem como do contributo da Europa para o apoio a países parceiros na consecução dos ODS;

uma abordagem mais inovadora da assimilação da indivisibilidade da agenda dos ODS, para além dos indicadores transversais, que, em si mesmos, não sinalizam desequilíbrios ou contradições entre as diferentes dimensões da sustentabilidade e não proporcionam um quadro adequado para avaliar a coerência das políticas;

um aumento dos dados sobre o desempenho das empresas, das administrações locais e das ONG;

um aumento das informações sobre o desempenho dos Estados-Membros no que respeita aos ODS, já que as médias transmitem uma imagem incompleta. A prestação de informações a nível nacional também é importante porque os Estados-Membros têm competência exclusiva relativamente a vários ODS;

melhores indicadores de responsabilidade no cumprimento dos ODS, em consonância com o ODS 16 (9) e o ODS 17 (10), por exemplo no que se refere ao espaço da sociedade civil na Europa (11) e às parcerias inovadoras;

uma metodologia mais robusta para medir os progressos rumo aos ODS quando não existe uma meta europeia, por exemplo comparando o desempenho médio com os melhores desempenhos entre os Estados-Membros da UE ou com metas conexas, derivadas de outros compromissos internacionais ou da investigação disponível.

4.6.

As séries cronológicas longas são úteis, mas os indicadores devem ser revistos e melhorados com base na identificação dos novos desafios e na evolução do conhecimento científico, incluindo novos dados. Embora os esforços do Eurostat para incluir novos indicadores em 2018 avancem na direção certa, a clareza sobre o processo e os prazos para incluir indicadores «em espera» é crucial. Por exemplo, importa prever um plano de ação e um calendário para o indicador proposto «Dimensão do problema dos sem-abrigo na UE», recomendado pela FEANTSA (Federação Europeia das Associações Nacionais que Trabalham com Sem-Abrigo), atualmente classificado como indicador «em espera».

4.7.

O papel da sociedade civil organizada no que respeita ao relatório anual do Eurostat deve ser reforçado. O Eurostat deverá consultar mais a sociedade civil sobre o processo de definição de indicadores e sobre a avaliação da evolução dos indicadores. Em termos gerais, a sociedade civil deve ser consultada com antecedência suficiente para que as recomendações sejam levadas em conta, e o Eurostat deve explicar os motivos pelos quais as recomendações da sociedade civil foram, ou não, tidas em conta.

4.8.

As decisões sobre o que é ou não acompanhado e, em especial, a conceção e a escolha dos indicadores, têm implicações políticas importantes (12). Por conseguinte, o processo de elaboração do relatório anual pelo Eurostat deve permitir que a sociedade civil acrescente uma interpretação qualitativa dos indicadores. Tal deve ser acompanhado de um inquérito frequente do Eurobarómetro, destinado a avaliar a perceção dos cidadãos sobre os progressos realizados.

4.9.

O CESE está ciente de que a sociedade civil tem uma capacidade estatística limitada para propor novos indicadores que possam cumprir os critérios de solidez estatística do Eurostat. A sociedade civil é, no entanto, capaz de definir indicadores úteis que utilizam outras fontes além dos dados do Eurostat. São exemplo deste facto os indicadores que estão a ser desenvolvidos pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável. Não obstante, o CESE considera que é necessário apoiar as organizações da sociedade civil com medidas de desenvolvimento de capacidades para assegurar que as mesmas possam contribuir de forma mais adequada para o debate com o Eurostat.

4.10.

A fim de consolidar a nova e forte narrativa baseada no desenvolvimento sustentável, atrás referida, o CESE apela a uma melhoria na forma como a Comissão Europeia e o Eurostat transmitem informações sobre os progressos em matéria de ODS. O relatório do Eurostat nem sempre é de fácil leitura e não foi amplamente divulgado, pelo que é necessário explorar novas formas de o dar a conhecer a públicos não especializados e aos cidadãos em geral. Devem ser estudados outros produtos de investigação e comunicação no quadro de uma estratégia de sensibilização ambiciosa. Por exemplo, disponibilizar uma secção de «acompanhamento pela sociedade civil» na página dos ODS do sítio Internet do Eurostat permitiria uma coapropriação interativa do acompanhamento dos objetivos.

4.11.

O CESE reconhece que o relatório anual do Eurostat não inclui, nem pode incluir, informações qualitativas. Para suprir esta lacuna (e reforçar a participação da sociedade civil), o CESE propõe que o acompanhamento da execução dos ODS seja complementado por um relatório-sombra separado, independente e qualitativo, desenvolvido em estreita colaboração com partes interessadas da sociedade civil. Este relatório-sombra deve procurar sobretudo: a) proporcionar uma reflexão sobre o relatório do Eurostat e análise do mesmo; b) complementar o relatório do Eurostat com informações qualitativas oriundas da sociedade civil organizada; e c) apresentar a interpretação da sociedade civil organizada sobre os progressos alcançados na execução dos ODS. O CESE está a realizar um estudo sobre a participação da sociedade civil no acompanhamento dos ODS (cuja conclusão está prevista para novembro de 2018), que examinará e proporá especificamente uma abordagem metodológica para a preparação deste relatório complementar ao relatório anual do Eurostat.

4.12.

A responsabilização está no centro da agenda dos ODS. Uma estratégia ambiciosa para os ODS deve ser complementada por um forte quadro de responsabilização em que a sociedade civil organizada desempenha um papel fundamental. Para tal importa sensibilizar os cidadãos de toda a União Europeia, bem como recorrer a sondagens de opinião e a outros mecanismos de retorno de informação dos cidadãos. A este respeito, a Comissão Europeia (em colaboração com o CESE) deve organizar uma cimeira dedicada aos ODS, para fazer o ponto da situação, com os Estados-Membros, o Parlamento Europeu, a sociedade civil, as empresas e os órgãos de poder local e regional, e assumir o compromisso de um diálogo regular e inclusivo com as partes interessadas. Por último, deve ser promovido o intercâmbio de boas práticas da participação da sociedade civil na avaliação dos ODS. O CESE pode desempenhar um papel fundamental no apoio às organizações da sociedade civil para o intercâmbio destes tipos de experiência, a criação de sinergias, o reforço do conhecimento e da sensibilização e a promoção da colaboração.

5.   Integração dos ODS na governação da UE

5.1.

O atual sistema de governação da UE deve ser adaptado de modo a contribuir para a aplicação da Agenda 2030. Para o efeito, todas as instituições da UE devem tomar medidas para assegurar um trabalho coordenado no sentido da concretização dos ODS.

5.2.

Apesar da liderança do vice-presidente da Comissão Europeia, o nível de adesão em vários serviços da Comissão é manifestamente baixo, o que dificulta a realização de progressos. O mesmo é válido para o Parlamento, que deve criar um processo credível transversal às comissões para debater a execução dos ODS. Por último, o grupo de trabalho relativo aos ODS no âmbito do Conselho Europeu, que é favoravelmente acolhido, deve assegurar a integração adequada dos ODS em todos os domínios de intervenção do Conselho Europeu, por exemplo, o futuro da PAC, a política de coesão, a política de transportes (13), as relações externas (14) e o próximo QFP para 2021-2027.

5.3.

Uma futura estratégia global da UE para o desenvolvimento sustentável deve ter um papel crucial na integração dos ODS em todas as políticas da UE e proporcionar um quadro para a coordenação e o acompanhamento da execução dos ODS a nível nacional e da União. Como mencionado atrás, a estratégia deve estabelecer metas, os meios para as atingir e um conjunto coerente de indicadores a utilizar para acompanhar o progresso. O CESE concorda com o Conselho quanto à necessidade de desenvolver um «quadro de indicadores de referência» (15).

5.4.

Conforme já referido, este quadro de indicadores de referência deve integrar todos os indicadores europeus pertinentes atualmente utilizados em diferentes domínios de intervenção e definir as interligações entre os indicadores existentes e os indicadores dos ODS. Por exemplo, a Comissão Europeia deve assegurar o pleno alinhamento e coerência entre o painel de indicadores sociais e os indicadores dos ODS da UE. Atualmente, dos 12 indicadores do painel de indicadores sociais, oito estão total ou parcialmente incluídos no conjunto de ODS da UE.

5.5.

A coordenação e o acompanhamento dos ODS devem ser integrados no processo do Semestre Europeu, tal como o CESE tem reiteradamente solicitado (por exemplo, nos pareceres do CESE NAT/693 (16), NAT/700 (17), SC/047 (18), SC/050 (19)). Tal deve incluir um processo de análise da adequação das estratégias de execução dos ODS ao nível dos Estados-Membros. As autoridades nacionais devem receber orientações comuns e devem ser acompanhadas para que todos os esforços apontem na mesma direção. Além disso, deve ser promovido o intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros. O Semestre Europeu deve alargar ao máximo o seu âmbito para além da dimensão económica tradicional e integrar plenamente as dimensões social e ambiental, com o mesmo nível de importância, no contexto de uma futura estratégia global para o desenvolvimento sustentável. Consequentemente, as recomendações específicas por país devem ser coerentes com os ODS, tal como a análise realizada nos relatórios nacionais no âmbito do processo do Semestre Europeu.

5.6.

O recém-criado Programa de Apoio às Reformas Estruturais visa apoiar os Estados-Membros na realização de reformas institucionais, estruturais e administrativas. Prevê-se que este programa desempenhe um papel importante nos próximos anos. Conforme já sublinhado pelo CESE (20) e pelo relatório Falkenberg (21), o Programa de Apoio às Reformas Estruturais deve basear-se no princípio de que qualquer reforma apoiada tem de ser coerente com a Agenda 2030 e os ODS.

5.7.

Para assegurar que os ODS são integrados em todas as políticas da UE, o Programa Legislar Melhor deve ser adaptado em conformidade, a fim de garantir a abordagem holística e global dos ODS. O CESE considera que os princípios dos ODS devem ser explicitamente referidos nas orientações e nas ferramentas do Programa Legislar Melhor. Além disso, as metodologias do referido programa devem ser revistas de modo a assegurar-se a sua capacidade para avaliar os objetivos a longo prazo e para medir a distância para a consecução dos ODS. Por fim, há que prestar mais atenção à coerência das políticas enquanto instrumento de execução dos ODS, utilizando, por exemplo, o quadro da OCDE relativo à coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável (CPDS).

5.8.

Ao propor novas iniciativas legislativas ou políticas, a Comissão Europeia deve indicar claramente qual o ODS visado e realizar um teste de sustentabilidade para avaliar o impacto previsto nos ODS (no âmbito do processo de avaliação de impacto, destinado a avaliar as dimensões económica, social e ambiental das propostas). Devem ser identificados os principais problemas na execução dos ODS que a política proposta visa combater. De igual modo, o acompanhamento e a avaliação das políticas da UE em vigor devem ser adaptados a fim de medirem os progressos na consecução dos ODS e a recomendarem alterações políticas que produzam maior impacto na promoção dos ODS.

5.9.

O Programa para a Adequação e a Eficácia da Regulamentação (REFIT) deve integrar também a perspetiva de desenvolvimento sustentável. O trabalho no âmbito do Programa REFIT deve assegurar que todas as propostas de simplificação e atualização da legislação da UE sejam coerentes com os ODS e apoiem a sua realização.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  «Sustainable development in the European Union: Monitoring report on progress towards the SDGs in an EU context» [Desenvolvimento sustentável na União Europeia: relatório de acompanhamento sobre os progressos para alcançar os ODS no contexto da UE], edição de 2017.

(2)  Parecer do CESE — Próximas etapas para um futuro europeu sustentável (JO C 345 de 13.10.2017, p. 91).

Parecer do CESE — Fórum da Sociedade Civil Europeia para o Desenvolvimento Sustentável (JO C 303 de 19.8.2016, p. 73).

(3)  O CESE efetua um levantamento das iniciativas em matéria de desenvolvimento sustentável empreendidas a nível nacional. Será disponibilizado no sítio Internet do CESE um resumo relativo a cada Estado-Membro.

(4)  Parecer do CESE — A transição para um futuro mais sustentável na Europa, SC/047 (JO C 81 de 2.3.2018, p. 44).

(5)  http://www.foeeurope.org/sites/default/files/other/2017/6th_scenario_future_of_europe.pdf

(6)  ODS 12 — Produção e consumo sustentáveis.

(7)  Ver, por exemplo, OCDE (2017), «Measuring Distance to the SDG Targets: an assessment of where OECD countries stand» [Medição da distância para a consecução das metas dos ODS: uma avaliação da posição dos países da OCDE].

(8)  Relatório Anual 2017 do Conselho Consultivo Europeu para a Governação Estatística, 2017, p. 25-26.

(9)  ODS 16 — Paz, justiça e instituições eficazes.

(10)  ODS 17 — Parcerias para a implementação dos objetivos.

(11)  Tirando partido de metodologias existentes, como o CIVICUS Monitor, https://civicus.org/index.php/what-we-do/innovate/civicus-monitor.

(12)  Parecer do CESE — Próximas etapas para um futuro europeu sustentável, NAT/700 (JO C 345 de 13.10.2017, p. 91).

(13)  Parecer do CESE — Papel dos transportes no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e implicações para a elaboração de políticas da UE (JO C 367 de 10.10.2018, p. 9).

(14)  Parecer do CESE — Uma parceria renovada com os países de África, das Caraíbas e do Pacífico, REX/485 (JO C 129 de 11.4.2018, p. 76).

(15)  http://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-10370-2017-INIT/pt/pdf

(16)  Parecer do CESE — Desenvolvimento sustentável: Levantamento das políticas internas e externas da UE, NAT/693 (JO C 487 de 28.12.2016, p. 41).

(17)  Parecer do CESE — Próximas etapas para um futuro europeu sustentável, NAT/700 (JO C 345 de 13.10.2017, p. 91).

(18)  Parecer do CESE — A transição para um futuro mais sustentável na Europa, SC/047(JO C 81 de 2.3.2018, p. 44).

(19)  Parecer do CESE — Análise Anual do Crescimento 2018, SC/50 (JO C 227 de 28.6.2018, p. 95).

(20)  Parecer do CESE — Programa de Apoio às Reformas Estruturais, ECO/398 (JO C 177 de 18.5.2016, p. 47).

(21)  «Sustentabilidade já!» Notas estratégicas do CEEP, n.o 18 (2016) https://www.eesc.europa.eu/sites/default/files/files/rapport_kff.pdf


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/22


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O contributo das zonas rurais da Europa para o Ano Europeu do Património Cultural 2018, com vista a garantir a sustentabilidade e a coesão das zonas urbanas e rurais»

(parecer de iniciativa)

(2018/C 440/04)

Relator:

Tom JONES

Decisão da Plenária

15.2.2018

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

201/2/7

1.   Conclusões e recomendações

Conclusões

1.1.

O CESE apoia plenamente a designação de 2018 como Ano Europeu do Património Cultural e saúda os esforços envidados pelos promotores e organizadores a todos os níveis no sentido de aumentar a visibilidade e celebrar o património cultural rico e diversificado da Europa (1).

1.2.

O CESE exorta as partes interessadas e os participantes a adotarem a definição mais vasta possível de cultura e a assegurarem a inclusão de todos os cidadãos.

1.3.

Este ano não deve ser apenas uma celebração do passado; deve também promover expressões novas, evolutivas e estimulantes da inspiração e habilidade humanas, muitas vezes fruto de tradições inscritas no património cultural rural de cada país.

1.4.

Doze meses é um período curto, mas espera-se que este esforço e investimento suplementares incentivem os cidadãos a centrar atenções nas oportunidades ligadas ao património cultural nas zonas rurais. Tal deverá permitir aos cidadãos construir um legado de bem-estar estético, social e económico renovado para as gerações atuais e futuras. A meio do período, mais de 3 500 projetos receberam o rótulo do Ano Europeu do Património Cultural, variando a percentagem de projetos rurais de região para região.

1.5.

O CESE subscreve o apelo da Aliança Europeia para a Cultura e as Artes, feito em janeiro de 2018, para que as instituições europeias e os Estados-Membros garantam um apoio substancial no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) pós-2020. Saúda igualmente o empenho na cultura proposto pela Comissão Europeia no seu projeto de orçamento de maio de 2018 e os compromissos assumidos através da Nova Agenda Europeia para a Cultura (2).

Recomendações

1.6.

O património cultural rural, com toda a sua riqueza e diversidade, deve ser formalmente reconhecido pelo seu valor artístico intrínseco e pelo seu contributo económico e social para o bem-estar de todos os cidadãos europeus (3).

1.7.

O investimento de origem pública deve ser sujeito ao mecanismo de verificação do impacto das políticas ao nível rural (rural proofing), de modo que, aquando da conceção de novas fontes de financiamento, estas englobem o apoio ao contributo contínuo das explorações agrícolas familiares e respetivos funcionários, bem como às organizações não governamentais que integram artistas individuais, grupos folclóricos, grupos de ação local e explorações de agricultura social, tendo plenamente em conta as medidas necessárias para melhorar as infraestruturas do património rural.

1.8.

As atuais fontes de financiamento da UE, nomeadamente o programa de desenvolvimento rural, devem, cada vez mais, assumir que a cultura possui um valor horizontal e apoiar projetos culturais, incluindo os que protegem, promovem e valorizam paisagens ricas em biodiversidade. O restabelecimento do pastoreio e a recuperação de pequenas casas remotas nos Pirenéus, as vinhas em Santorini e a proteção de pastagens comuns em Șeica Mare (Roménia) são disso bons exemplos, assim como o projeto cultural Leader, em Lesbos (Grécia), que visa apoiar a integração dos migrantes. Os programas agroambientais devem continuar a construir habitats agrícolas, e as áreas construídas devem atingir normas de conceção mais elevadas, respeitando os padrões culturais tradicionais sem deixarem de ser adequadas às utilizações modernas.

1.9.

As zonas arborizadas, as florestas e os cursos de água sustentáveis justificam medidas de apoio destinadas a evitar a degradação e a poluição. Há que prever recursos para conservar as faixas de proteção constituídas por árvores e arbustos colocadas no passado nas zonas rurais (por exemplo, na Polónia segundo as ideias de Dezydery Chłapowski), as quais reduzem a erosão dos solos e as emissões de CO2 e contribuem para aumentar as colheitas e enriquecer a paisagem.

1.10.

Os dias de portas abertas em exploração agrícolas, as visitas de escolas a espaços rurais, as exposições, as feiras, nomeadamente de artesanato, e os festivais culturais contribuem para que os cidadãos compreendam e apreciem melhor as zonas rurais e justificam apoio financeiro público, tal como as medidas que visam a construção de pontes entre os cidadãos do mundo rural e do mundo urbano através de projetos culturais.

1.11.

Há que encorajar as medidas destinadas a apresentar a cultura e as tradições rurais às novas gerações através de expressões modernas inovadoras e avaliar os benefícios económicos e sociais, partilhando e enaltecendo as boas práticas. Os artistas e outros agentes culturais inspiradores, por vezes oriundos de outros locais, devem ser apoiados para ajudarem as comunidades a tomar consciência de todo o potencial dos recursos culturais locais.

1.12.

A grave perda de técnicas artesanais deve ser combatida através de um maior investimento em formação, para que as transferências intergeracionais ocorram com base nos conhecimentos do passado e no incentivo à inovação. As escolas rurais devem explicar aos alunos o potencial de emprego dos recursos rurais, bem como as oportunidades profissionais externas. Coloca-se um desafio específico, não apenas aos jovens agricultores, mas a todos os jovens das zonas rurais, para que desempenhem um papel ativo na sua missão protetora de apropriação do seu património.

1.13.

O património cultural rural deve ser promovido de forma sustentável, nomeadamente para fins turísticos e para que os cidadãos urbanos aprendam a apreciar os bens culturais das zonas rurais e optem mais facilmente por viver nestas zonas e trabalhar em aglomerados mais remotos.

1.14.

A comercialização de produtos culturais rurais, incluindo o património gastronómico, deve ser promovida e protegida em termos de indicação geográfica, proporcionando uma garantia de qualidade e rastreabilidade aos cidadãos.

1.15.

O voluntariado, a participação da comunidade e as empresas sociais, bem como as empresas rurais privadas, devem ser encorajados numa lógica de desenvolvimento e partilha das suas atividades culturais, designadamente a promoção da diversidade de línguas e dialetos, em prol de todos os cidadãos. As comunidades rurais «inteligentes» devem aproveitar o valor e o potencial dos seus recursos culturais locais e procurar oportunidades de colaborar com grupos semelhantes noutros locais a fim de promover ligações, bem como aumentar as vantagens económicas decorrentes de maiores oportunidades de atividade turística.

1.16.

É provável que os projetos destinados a assinalar o Ano Europeu do Património Cultural 2018 tenham continuidade no futuro, mas é importante realizar um claro levantamento e avaliação dos investimentos e resultados quantificáveis, tendo em conta fatores económicos, sociais e culturais. Foram atribuídos aproximadamente 8 milhões de euros ao Ano Europeu do Património Cultural 2018, no seguimento das negociações do trílogo entre o Parlamento Europeu e o Conselho em 2017. Seria razoável esperar que uma parte quantificável deste apoio fosse disponibilizada para zonas rurais.

1.17.

É necessária mais investigação para quantificar e medir a qualidade dos benefícios do património e das atividades culturais em curso para o bem-estar dos cidadãos e apoiar soluções para medidas futuras. Os defensores estoicos do património necessitam de apoio para acolher os novos migrantes e tradições culturais diferentes.

1.18.

São necessárias medidas urgentes em matéria de conectividade dos transportes e da infraestrutura digital, essenciais para o povoamento das zonas rurais e o desenvolvimento do turismo cultural.

2.   Introdução

2.1.

O presente parecer incide especificamente sobre a vasta gama de recursos e talentos que as zonas rurais e os seus cidadãos possuem e que contribuirão para o património cultural da Europa e sobre a forma como esta ampla definição da cultura contribui para uma ruralidade mais viável e próspera. O CESE apoia a Carta Pan-Europeia do Património Rural, que promove o desenvolvimento territorial sustentável (4), e a referência na Declaração de Cork 2.0, de 2016, ao facto de que «[o] ordenamento do território desempenha uma função determinante na interface entre os cidadãos e o ambiente. As políticas devem incentivar o fornecimento de bens públicos ambientais, incluindo a preservação do património natural e cultural da Europa.»

2.2.

Esta iniciativa tem de ser sujeita ao mecanismo de verificação do impacto das políticas ao nível rural (rural proofing) e o CESE receia que os pequenos grupos de comunidades em aldeias e vilas não tomem conhecimento do Ano Europeu do Património Cultural 2018 a tempo de poderem preparar e celebrar a grande variedade de recursos culturais que os rodeia. Este ano não deve ser apenas uma celebração do passado; deve também promover expressões novas, evolutivas e estimulantes da inspiração e habilidade humanas, muitas vezes fruto de tradições inscritas no património cultural rural de cada país.

2.3.

Enumerar as atividades culturais existentes e retirar ensinamentos de projetos bem-sucedidos são ações com valor real, mas as celebrações de 2018 devem incluir também eventos culturais novos e inovadores alicerçados no passado e transferir o património cultural para as novas gerações de uma forma moderna, proporcionando novas oportunidades às zonas rurais. O Programa Europa Criativa apoia dois projetos rurais, «Roots and Roads» [Raízes e caminhos] e «Food is Culture» [A alimentação é cultura], que, se forem bem-sucedidos, podem contribuir para a aprendizagem e o desenvolvimento.

2.4.

Embora seja difícil quantificar os benefícios económicos e sociais da atividade cultural (mais de 300 000 postos de trabalho diretamente relacionados com a cultura europeia), a OCDE considera que a cultura deve ser utilizada como um indicador de bem-estar. É importante que os organizadores do Ano Europeu do Património Cultural 2018 lancem uma série de análises suscetíveis de justificar o investimento público futuro. Deve haver uma descrição inequívoca da forma como o Ano Europeu do Património Cultural 2018 conseguiu chegar às regiões rurais e remotas e de como qualquer legado de boas práticas, como as decorrentes dos projetos AlpFoodway (5) e Terract (6) por exemplo, poderá servir de base à definição das prioridades futuras aos níveis europeu e regional.

3.   Observações na generalidade e na especialidade

3.1.

As paisagens rurais, o mosaico de estruturas geológicas naturais e as marcas da intervenção humana na agricultura, na silvicultura, nos lagos, nos rios e nas povoações representam, porventura, o maior património cultural existente. Desde os parques nacionais e os sítios Natura 2000 aos espaços verdes da periferia urbana, existe uma beleza diversificada para apreciar, uma fonte de inspiração para gerações de artistas, músicos, literatos, bailarinos e para todos os outros que não entram em nenhuma dessas categorias. A Nova Agenda Europeia para a Cultura apresentada pela Comissão contém apenas breves referências às perspetivas do mundo rural. Afirma, ainda assim, que o restauro e a modernização do património cultural e natural contribuem para o potencial de crescimento e a sustentabilidade e que a gestão integrada dos recursos culturais e naturais encoraja as pessoas a descobrir e a assumir um compromisso com ambos. O povo Mayangna, da Nicarágua, utiliza a mesma palavra para natureza e cultura: chama-se a isto cidadania ecológica.

3.2.

Ademais, as comunidades rurais acrescentam valor às paisagens. Foram os responsáveis pelas superfícies agrícolas e florestais, os seus trabalhadores, e os artesãos — homens e mulheres — quem esculpiu estas paisagens. Gerações de pessoas hábeis que aproveitaram a terra e a água para obter alimentos e abrigo e gerar rendimento. Por exemplo, na Polónia do século XIX, desenvolveu-se a ideia de cinturas verdes e de arbustos para proteção dos solos, que conferiu à paisagem atual o seu aspeto característico. Marcaram os limites dos terrenos com pedras e ramos, construíram celeiros e oficinas. Criaram, ao longo de várias gerações, raças de animais autóctones adaptadas ao terreno e ao clima e controlaram a vegetação. Desenvolveram uma gastronomia e tradições folclóricas específicas ao seu local. Herdámos também um valioso património de excelentes edifícios — mansões, castelos, igrejas —, mas também de casas rústicas, pequenas fábricas e lojas rurais, como, por exemplo, as que foram cuidadosamente restauradas no museu folclórico de Saint Fagan, em Gales. A preservação deste tipo de arquitetura histórica é muitas vezes suportada pelo investimento privado, a que acresce algum apoio público e caritativo fundamental. Um projeto inovador no norte de Gales utiliza energia renovável produzida a partir do fundo marinho para aquecimento, reduzindo assim os custos de Plas Newydd, uma casa senhorial da National Trust (7). A celebração do passado e do presente deverá procurar equilibrar o idealismo com a realidade do empenho e do esforço humanos.

3.3.

O CESE reconhece todos os esforços envidados, incluindo os da Aliança pelo Património Europeu, para, com sensibilidade, preservar este património. O restauro requer também o apoio das autoridades responsáveis pelo ordenamento do território, para garantir que a conversão dos edifícios seja efetuada com inteligência e sensibilidade. O projeto REVAB, cofinanciado pelo Programa Erasmus, disponibiliza formação para aumentar o potencial de reutilização de edifícios agrícolas obsoletos, impedindo assim a sua demolição.

3.4.

A população rural criou uma cultura própria, reflexo do seu labor, lazer e dos desafios sociais enfrentados, em todas as formas de arte, no desporto e nas atividades coletivas gerais. As zonas rurais são frequentemente importantes baluartes da diversidade das línguas minoritárias e dialetos. Os topónimos das povoações, das quintas e dos campos têm um significado importante que merece ser compreendido e respeitado. Possuem e continuam a criar um legado valioso para a sociedade em geral.

3.5.

Contudo, as suas atividades económicas também evoluem e, por vezes, desaparecem. Nem todas as paisagens estão intocadas. Algumas são testemunho da exploração industrial, de guerras e pilhagens, da devastação causada pela seca, por inundações e por incêndios ou até da sobre-exploração causada por uma concentração excessiva de atividades turísticas. Todas têm uma história para contar, lições a reter. Atenuar o impacto das alterações climáticas exigirá uma intervenção positiva para manter a diversidade e a possibilidade de escolha de experiências. A manutenção de ligações com o passado é considerada um «serviço público», e as paisagens deterioram-se se não houver uma biodiversidade sustentável, um ordenamento do território cuidadoso e um acesso controlado. A própria expressão cultural artística dilui-se à medida que as populações rurais diminuem para níveis abaixo dos sustentáveis.

3.6.

Em 2017, o Eurostat observou que mais de um terço dos cidadãos europeus não participa em atividades culturais, razão pela qual o desenvolvimento do turismo cultural rural, associado a atividades recreativas e no domínio da saúde, é, e continuará a ser, uma importante ponte entre as populações da cidade e do campo. A cidade de Galway é um bom exemplo de parcerias culturais entre o espaço rural e urbano, e a iniciativa das Capitais Europeias da Cultura (por exemplo, Plovdiv, na Bulgária, e Matera, em Itália, em 2019) deve sempre mostrar as características culturais quer das zonas rurais quer das cidades. Em Gales, o organismo público responsável pelo património, o Cadw, tem uma iniciativa de portas abertas, incluída num projeto com a participação de 50 países, que visa ajudar os cidadãos a reconstituir o caminho da mudança para melhor compreenderem a sua existência — «para planear o futuro, é necessário compreender o passado».

3.7.

Na Grécia, há outro exemplo de partilha de conhecimentos, na Art Farm (8), desenvolvida por Sotiris Marinis, que construiu na aldeia Megali Mantineia, situada no município de Mani Ocidental, casas em árvores e um centro de formação, baseando-se no princípio de que «uma experiência neste espaço ensina o que é o nosso património rural e cultural».

3.8.

O turismo cultural rural já é uma fonte de recursos económicos e sociais e está em crescimento, sendo a base do investimento coletivo. A responsabilidade pela proteção e apoio do património cultural da Europa é uma competência nacional, regional e local, e a existência de um sentimento público de orgulho é determinante. As instituições europeias podem promover uma apropriação dos valores comuns europeus e incentivar e estimular boas práticas e experiências partilhadas (9). Os artigos regionais tradicionais, nomeadamente receitas culinárias, cervejas e vinhos ou trajes e música, apresentados na Semana Verde de Berlim (10) atraem anualmente milhares de visitantes estrangeiros e ajudam a associar o presente ao passado. O estabelecimento de uma ligação direta entre os produtores rurais de produtos alimentares e artesanais e os consumidores através dos mercados de agricultores e das vendas pela Internet é cada vez mais apreciado, como por exemplo, os grupos de produtos alimentares locais «REKO», na Finlândia.

3.9.

Os locais de retiro ou que permitem escutar e observar as aves e explorar a floresta — a sua diversidade, mas também espécies vegetais para fins medicinais — contribuem, todos eles, para aumentar a curiosidade, as possibilidades de descoberta e o bem-estar dos cidadãos. Alargar o leque de oportunidades e as possibilidades de exploração deve ajudar a evitar a concentração excessiva de visitas a locais vulneráveis. Assim, gera-se valor acrescentado em termos económicos e de emprego com base nos recursos rurais essenciais, em zonas mais remotas, valor esse já reconhecido pelas aldeias e comunidades inteligentes. Nas zonas de montanha da Lombardia, o projeto AttivAree reforça o sentimento de pertença das pessoas fortalecendo o património natural através da arte. Este projeto trabalha também na renovação de pousadas e na promoção da oferta em aldeias remotas, como Lavenone (11). As agências de viagens devem ser encorajadas a trabalhar em parceria com empresários e empresas sociais geograficamente remotos na promoção do turismo cultural sustentável.

3.10.

Divulgar e representar informações culturais utilizando tecnologias digitais reduzirá, de forma criativa, o fosso que estava a aumentar entre a cidade e o campo, entre as gerações jovens e as mais velhas. Projetos como o YourAlps (12), que restabelecem a ligação entre os jovens e o património da montanha, são bem-vindos. Há muitos exemplos recentes de formas inovadoras de representar as tradições culturais, nomeadamente projetos artísticos como os utilizados em Aasted, na Dinamarca, e na aldeia de Pfyn, na Suíça. Trata-se de projetos resultantes de iniciativas locais e de necessidades locais específicas, que recorrem a processos participativos, os quais, aliás, fazem parte da tradição cultural da Europa. Devem ser disponibilizados recursos públicos e privados a nível europeu, nacional e regional para acelerar o investimento em iniciativas semelhantes.

3.11.

De igual modo, são cada vez mais utilizadas novas ferramentas digitais, por exemplo em zonas de conflito atual ou passado, para recriar locais históricos importantes destruídos pela desertificação ou pela guerra. A tecnologia é utilizada para uma leitura mais precisa de lápides e de manuscritos que perdem legibilidade (13). O CESE congratula-se com os planos da Comissão para uma «estratégia #Digital4Culture» e espera que a mesma tenha em conta todos os aspetos rurais pertinentes. O projeto MEMOLA, por exemplo, utiliza digitalizações tridimensionais de antigas zonas de rega para ensinar novos processos de irrigação.

3.12.

É necessária mais investigação para compreender a importância da atividade cultural para as pessoas e os benefícios para a saúde daí decorrentes para todas as idades, mas sobretudo para as pessoas com doenças físicas ou mentais (14), ao mesmo tempo que atuais programas do Erasmus+, como o programa de mestrado TEMA, financiam atualmente boas oportunidades de investigação. A conferência de alto nível no quadro do Horizonte 2020 sobre «A Inovação e o Património Cultural» (15) apelou a mais esforços para um trabalho de investigação que vise a identificação de prioridades e boas práticas na promoção de atividades culturais.

3.13.

As iniciativas apoiadas por fundações de beneficência ou filantrópicas têm contribuído significativamente para preservar sítios naturais e apoiar atividades, muitas vezes através de empresas sociais, que promovem o desenvolvimento de zonas rurais de uma forma sustentável. Na Finlândia, a Fundação para a Cultura apoia a investigação sobre medidas destinadas a impedir que os resíduos agrícolas afetem a qualidade da água no mar Báltico. Colabora com agricultores no pressuposto de que o aumento da biodiversidade é sinónimo de uma paisagem mais rica. São bem-vindas outras iniciativas de beneficência, como o Fundo para o Património Cultural das Escolas de Gales, que promove concursos culturais interescolas envolvendo jovens na definição e realização da atividade cultural que escolherem (16). Um exemplo que permite aos jovens explorar o seu património cultural é a escola de Piscu (17), na Roménia, que é, simultaneamente, uma escola especializada em património e uma entidade que organiza ateliês e conferências. O próprio CESE recebeu alunos de escolas de toda a Europa, em março de 2018, para discutir as suas prioridades culturais ao abrigo da iniciativa «A tua Europa, a tua voz!» (18). Os alunos afirmaram, por exemplo, que querem viver numa Europa que valoriza e protege todas as formas de cultura, que querem evitar o elitismo e generalizar a cultura, mas também que querem ter a oportunidade de criar a sua própria cultura. Em Giffoni, uma aldeia no sul de Itália, cerca de 300 alunos realizaram filmes e vídeos para promover a sua região.

3.14.

O investimento de origem pública deve ser sujeito ao mecanismo de verificação do impacto das políticas ao nível rural (rural proofing), de modo que, aquando da conceção de novas fontes de financiamento, estas englobem o apoio ao contributo contínuo das explorações agrícolas familiares e respetivos funcionários, bem como às organizações não governamentais que integram artistas individuais, grupos folclóricos, grupos de ação local e explorações de agricultura social, tendo plenamente em conta as medidas necessárias para melhorar as infraestruturas do património rural.

3.15.

Existe margem, e procura suficiente no turismo cultural, para maiores ligações temáticas e geográficas. São desejáveis projetos de gestão conjunta de marcas e de acessos integrados. As feiras agrícolas realizadas em aldeias e vilas e os eventos a nível nacional, como o «Royal Welsh», em Builth Wells (19), que atrai cerca de 240 000 visitantes, e o festival literário «Hay on Wye», que gera cerca de 21 milhões de libras para uma pequena zona rural, prestam um contributo significativo a nível económico e social. Os dias de portas abertas em quintas, as feiras, os festivais culturais, como o «Llangollen International Eisteddfod», os concertos, as procissões, como a de Veurne, na Bélgica, os comboios a vapor em caminhos de ferro de via reduzida, as «caminhadas nórdicas» e os grupos de danças tradicionais contribuem consideravelmente, todos eles, para manter e promover o património cultural rural. O contributo de voluntários, de várias gerações, para estes eventos representa por si só uma parte significativa do nosso legado cultural. O CESE enaltece o trabalho do Centro Europeu do Voluntariado e de organizações de voluntariado nacionais e regionais na promoção de um voluntariado cultural de qualidade e encoraja estas instituições a prosseguirem os seus valiosos esforços, nomeadamente disponibilizando formação em matéria de saúde e segurança, a fim de garantir experiências seguras e agradáveis tanto a voluntários como a turistas.

3.16.

Existe, contudo, uma crescente escassez de artesãos qualificados para transferir conhecimentos e formar uma nova geração de modo a proteger e desenvolver este património diversificado. A iniciativa JEMA (20), que teve origem em França, destaca regularmente o trabalho dos artesãos e a necessidade de formar as novas gerações. Colmatar esta necessidade constitui uma boa oportunidade para a união intergeracional através de objetivos culturais e para fins culturais. Nos programas existentes ao nível regional, nacional e da UE, é fundamental que haja mais reconhecimento das competências adquiridas, bem como mais formação prática centrada não só nas atuais competências nos domínios do artesanato e do ambiente, mas também na mentoria, desenvolvendo novas técnicas e o empreendedorismo na atividade cultural. É necessário apoiar artistas e outros intervenientes para que trabalhem com as escolas rurais e urbanas locais, inclusivamente no desenvolvimento de conceitos culturais ao longo de gerações e entre grupos étnicos.

3.17.

O património cultural rural também está associado à democracia participativa. Existe uma forte tradição europeia de solidariedade comunitária e de combate ao isolamento e às desvantagens através de atividades coletivas, muitas das quais baseadas na cultura. Construir uma liderança local sustentável e concretizar as prioridades locais através do desenvolvimento local de base comunitária e do método LEADER contribui para um legado de grupos e movimentos civis organizados. As atividades culturais e sociais ajudam a unir pessoas em áreas geográficas com escassez de serviços públicos e privados. A tradicional intervenção do setor do voluntariado, por vezes como último recurso, é a base de apoio de cenários delicados e vulneráveis da sobrevivência humana. O apoio público a estas atividades é vital.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Parecer do CESE — Uma Nova Agenda para a Cultura (ainda não publicado no Jornal Oficial).

(2)  https://ec.europa.eu/culture/news/new-european-agenda-culture_en

(3)  Conferência do CESE de 20 e 21 de junho de 2016.

(4)  Resolução n.o 2 da Conferência Europeia dos Ministros Responsáveis pelo Ordenamento do Território dos Estados-Membros do Conselho da Europa (CEMAT) sobre a Carta Pan-Europeia do Património Rural: para um ordenamento sustentável do território — «The rural heritage as a factor of territorial cohesion» [O património rural como fator de coesão territorial], adotada na 15.a sessão da CEMAT, realizada em Moscovo, Federação da Rússia, em 9 de julho de 2010.

(5)  http://www.alpine-space.eu/projects/alpfoodway/en/home

(6)  http://www.terract.eu/fr/

(7)  https://www.bangor.ac.uk/studentlife/studentnews/gift-s-marine-renewable-visit-to-plas-newydd-18421

(8)  https://www.facebook.com/agroktima.artfarm/

(9)  Parecer do CESE — Uma Nova Agenda para a Cultura (ainda não publicado no Jornal Oficial).

(10)  https://www.gruenewoche.de/

(11)  Projeto AttivAree na região da Lombardia.

(12)  http://www.alpine-space.eu/projects/youralps/en/home

(13)  Projeto de Andrew Skerrett apresentado na audição do grupo de estudo em 24 de julho de 2018, em Cardiff.

(14)  Innovate Trust — Resultados positivos do projeto relativo às jornadas da horticultura.

(15)  https://ec.europa.eu/info/events/innovation-and-cultural-heritage-2018-mar-20_en

(16)  Escola Primária Darren Park, em Ferndale.

(17)  http://piscu.ro/piscu-school/#

(18)  https://www.eesc.europa.eu/pt/node/52237

(19)  http://www.rwas.wales/royal-welsh-show/

(20)  Journées Européennes des Métiers d’Art [Jornadas Europeias das Artes e Ofícios] https://www.journeesdesmetiersdart.fr/


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/28


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O impacto da subsidiariedade e da sobrerregulamentação na economia e no emprego»

[parecer exploratório a pedido Presidência austríaca]

(2018/C 440/05)

Relator:

Dimitris DIMITRIADIS

Correlator:

Wolfgang GREIF

Consulta

Presidência austríaca do Conselho, 12.2.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

192/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com o pedido da Presidência austríaca do Conselho da União Europeia de elaboração de um parecer exploratório sobre o impacto da subsidiariedade e da sobrerregulamentação na economia e no emprego. Esta iniciativa enriquece e alarga o debate em curso sobre a iniciativa «Legislar Melhor», que visa proporcionar segurança jurídica, regras claras e reduzir ao mínimo a carga regulamentar para as empresas, os cidadãos e as administrações públicas (1). O nível atual de proteção dos cidadãos, dos consumidores, dos trabalhadores, dos investidores e do ambiente nos Estados-Membros não deve ser posto em causa aquando da transposição da legislação da UE.

1.2.

O CESE reitera o seu pedido de que as questões relacionadas com o futuro, incluindo os debates sobre as competências e o nível de regulamentação, sejam abordadas a nível nacional e europeu com a plena participação dos parceiros sociais e de outras organizações da sociedade civil. Trata-se de uma expressão fundamental da democracia participativa a vários níveis que deve, por conseguinte, ser reforçada na UE e nos Estados-Membros.

1.3.

O CESE salienta a importância primordial dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade para assegurar um processo legislativo europeu sólido e abrangente. Sublinha que a UE deve centrar-se nos domínios em que a legislação da União proporcione um valor acrescentado significativo. A Comissão Europeia deve, por conseguinte, identificar as questões que, para serem tratadas da forma mais eficiente, precisam realmente de ser abordadas ao nível da UE. Sempre que as decisões exijam que se tenham devidamente em conta as características nacionais, regionais e locais, as autoridades competentes devem dispor de espaço de manobra para as especificar, com a participação ativa das partes interessadas em causa, incluindo os parceiros sociais.

1.4.

No CESE, existem opiniões distintas relativamente ao termo «sobrerregulamentação», que refletem as diferenças de pontos de vista dos diversos intervenientes. Embora o termo «sobrerregulamentação» não tenha uma definição inequívoca, de um modo geral refere-se a uma situação em que os Estados-Membros introduzem requisitos que ultrapassam os requisitos mínimos estabelecidos na legislação da UE (principalmente diretivas) aquando da transposição para o direito nacional. A Comissão Europeia deve definir orientações para ajudar os Estados-Membros a transpor corretamente os respetivos requisitos de um ato jurídico, no respeito dos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade, e assegurando condições de concorrência equitativas.

1.5.

O CESE observa que, atendendo em especial à subsidiariedade e à proporcionalidade e em consonância com o direito da UE, é da exclusiva competência dos Estados-Membros introduzir medidas adicionais, para além das previstas pelos requisitos (mínimos) da UE, a fim de refletir as suas especificidades. Tais decisões devem ser adotadas de forma transparente, após consulta dos parceiros sociais e das partes interessadas, e devem estar em conformidade com a legislação da UE. Neste contexto, o CESE não questiona a soberania, a liberdade e a responsabilidade dos Estados-Membros no estabelecimento de leis e práticas nacionais.

1.6.

O CESE exorta as instituições europeias e os Estados-Membros a intensificar os seus esforços para reduzir a carga administrativa excessiva, a fim de impulsionar o crescimento e a criação de emprego sustentável.

1.6.1.

No contexto da elaboração do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para o período de 2021-2027, o CESE exorta a Comissão Europeia a adotar com brevidade medidas para reduzir a carga administrativa desnecessária que entrava seriamente os investimentos dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI), designadamente em matéria de auxílios estatais, respeito dos procedimentos de contratação pública, práticas de auditoria e adoção tardia, ou mesmo com efeitos retroativos, de orientações pormenorizadas universais.

1.6.2.

O CESE salienta que a carga regulamentar e administrativa desnecessária constitui um obstáculo à maximização dos benefícios e à minimização dos custos regulamentares para as empresas, os cidadãos e os poderes públicos. O Comité reitera a necessidade de regulamentação simplificada, coerente e de melhor qualidade, que seja compreendida e aplicada adequadamente, com a participação, também indispensável, dos quatro níveis de governação, designadamente, UE, nacional, regional e local.

1.6.3.

Tal como em pareceres anteriores (2), o CESE recomenda à Comissão que realize um teste PME aprofundado no âmbito das suas avaliações de impacto.

1.7.

O CESE recorda que as normas mínimas europeias, em particular no contexto da política social, do consumidor e ambiental da UE, visam a aproximação das condições de vida e de trabalho em toda a União rumo a uma convergência ascendente. As normas mínimas previstas nas diretivas da UE não devem ser interpretadas como um «nível máximo» a não ultrapassar em caso algum aquando da sua transposição para os sistemas jurídicos nacionais. No entender do CESE, a aceitação do processo de integração europeia pelos cidadãos não deve, contudo, ser posta em causa por uma concorrência regulamentar que se traduza no nivelamento por baixo das normas. Todas as decisões devem ser tomadas de forma transparente e no âmbito de um diálogo aberto com os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil.

2.   Introdução

2.1.

A Presidência austríaca do Conselho da UE solicitou ao CESE a elaboração de um parecer exploratório sobre o impacto da subsidiariedade e da sobrerregulamentação na economia e no emprego.

2.2.

O CESE observa que o pedido diz respeito tanto ao princípio da subsidiariedade como à sobrerregulamentação e alarga o debate atual sobre o tema «legislar melhor», relativamente ao qual o Comité já teve oportunidade de se pronunciar em diversos pareceres adotados recentemente (3).

2.3.

A questão da subsidiariedade adquiriu recentemente uma nova relevância, sobretudo através do Livro Branco sobre o Futuro da Europa. O Grupo de Trabalho para a Subsidiariedade e a Proporcionalidade, criado por Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, em novembro de 2017, apresentou um relatório com recomendações para uma melhor aplicação do princípio da subsidiariedade (4).

O CESE considera que o relatório é de natureza circunscrita em alguns aspetos, o que reflete a composição limitada do grupo de trabalho. Por conseguinte, recomenda vivamente que os eventos de seguimento contem com a participação ativa de representantes da sociedade civil. O Comité considera urgente abordar a proporcionalidade da ação europeia e, acima de tudo, os domínios em que a UE deve intensificar, reduzir ou mesmo suspender a sua ação, em consonância com os interesses dos cidadãos, da economia e de outras vertentes da sociedade.

2.4.

No entender do CESE, estas questões relacionadas com o futuro devem ser abordadas a nível nacional e da UE com a participação dos parceiros sociais e de outras organizações da sociedade civil. Conceder a estes intervenientes um espaço análogo ao dos níveis local e regional na elaboração e aplicação das políticas nacionais e da UE contribuiria diretamente para pôr em prática, de forma visível, a subsidiariedade horizontal.

2.5.

O CESE acolhe com agrado o reconhecimento pela Presidência austríaca do valor da integração do vasto conhecimento especializado dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil na conceção, aplicação e avaliação das medidas políticas a nível nacional e da UE. Trata-se de uma expressão fundamental da democracia participativa a vários níveis que deve, por conseguinte, ser reforçada na UE e nos Estados-Membros.

2.6.

A este respeito, o CESE exorta o grupo de trabalho a ter em devida consideração os seus pareceres sobre a subsidiariedade e a proporcionalidade, que também servem de base às observações e recomendações constantes do presente parecer.

3.   O princípio da subsidiariedade

3.1.

O princípio da subsidiariedade, consagrado no artigo 5.o do Tratado da União Europeia (TUE), destina-se a garantir que a ação da UE não excede o necessário para alcançar os objetivos do Tratado e que a UE só atua nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva se os objetivos de uma medida legislativa puderem ser alcançados de forma mais eficaz a nível da UE do que a nível nacional, regional ou local.

3.2.

O CESE salienta a importância crucial destes princípios numa comunidade supranacional como a UE e congratula-se expressamente com os instrumentos estabelecidos pelo Tratado de Lisboa para a observância do princípio da subsidiariedade, desde a análise da subsidiariedade antes da adoção de um ato legislativo aos recursos que podem ser interpostos pelos órgãos legislativos nacionais por violação deste princípio.

3.3.

O CESE salienta igualmente que todos os domínios previstos no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) exigem uma Europa que funcione bem e que o princípio da subsidiariedade não deve servir para contrariar a ação da UE, que tem claro valor acrescentado europeu, para dar precedência, a priori, às abordagens nacionais ou mesmo para afastar de antemão a UE de domínios de intervenção fundamentais. Só devem ser adotadas disposições que apresentem um valor acrescentado europeu. O CESE considera que os desafios com que o continente se confronta neste momento não exigem uma renacionalização no sentido de «menos Europa», mas sim medidas audaciosas no sentido de uma Europa melhor e mais próxima dos cidadãos, que promova igualmente a coesão.

3.4.

O CESE reconhece que o papel dos Estados-Membros na aplicação da legislação da UE é particularmente crucial no caso da transposição de diretivas, que são vinculativas no que diz respeito ao resultado a alcançar mas deixam às autoridades nacionais a escolha da forma e dos métodos de execução, bem como a decisão — em conformidade com o direito da UE — de melhorar as normas, se considerarem oportuno. Ao mesmo tempo, a transposição não deve impedir o desenvolvimento de condições de concorrência equitativas para todos os intervenientes do mercado interno, o que constitui um requisito importante para o seu correto funcionamento.

3.5.

Embora os Estados-Membros sejam responsáveis pela transposição correta e atempada das diretivas, compete à Comissão Europeia, na sua qualidade de guardiã dos Tratados, garantir a aplicação adequada a nível nacional. Esta «responsabilidade partilhada» deve ser claramente visível desde o início do processo legislativo: para uma aplicação correta é necessário que a nova legislação da UE se baseie numa avaliação de impacto clara, transparente e completa, que a proposta seja apresentada numa linguagem clara e simples e que os prazos de aplicação sejam realistas.

3.6.

Contudo, o CESE adverte que, mesmo quando os requisitos acima referidos são cumpridos, a aplicação aos níveis nacional, regional e local pode revelar-se insuficiente e/ou ineficaz. A este respeito, reitera o seu apelo para que a Comissão Europeia intensifique de forma sistemática os seus esforços, em consonância com as suas competências, para iniciar mais rapidamente e com mais rigor procedimentos nos casos em que os Estados-Membros transponham de forma incorreta, ou não transponham, a legislação da UE (5), após ter explorado todas as possibilidades de cooperação.

3.7.

O CESE observa que vários compromissos jurídicos e políticos foram percecionados como ultrapassando a competência das instituições da UE e interferindo nas prerrogativas e escolhas dos Estados-Membros (por exemplo, iniciativas no domínio das relações laborais e dos sindicatos a nível nacional; regimes de pensões, sistemas de saúde e outros sistemas de segurança social, ou regulamentações profissionais, como os critérios de qualificação no setor da saúde).

Por conseguinte, o CESE opõe-se não só a um tal alargamento excessivo de competências por parte das instituições da UE, mas também à transferência para o nível nacional, sob o pretexto da subsidiariedade, de importantes domínios regulamentares do TFUE como, por exemplo, a defesa dos consumidores, as normas de proteção do ambiente e a política social europeia.

4.   Evitar a carga regulamentar e administrativa desnecessária — sobrerregulamentação

4.1.   O debate sobre a sobrerregulamentação

4.1.1.

Ao transporem a legislação da UE, os Estados-Membros introduzem por vezes medidas mais rigorosas ou avançadas do que o previsto nas disposições da legislação da UE (principalmente diretivas), ou não utilizam as possibilidades de eventual simplificação oferecidas pela diretiva. Este fenómeno é designado, em muitos documentos, «sobrerregulamentação». No primeiro caso, fala-se de «sobrerregulamentação ativa»; no segundo caso, de «sobrerregulamentação passiva».

4.1.2.

No CESE, existem opiniões distintas relativamente ao termo «sobrerregulamentação», que refletem também as diferenças de pontos de vista entre os diversos intervenientes. Para algumas partes interessadas, a sobrerregulamentação é considerada um excesso de normas, diretrizes e procedimentos acumulados aos níveis nacional, regional e local que criam uma carga administrativa desnecessária e interferem com os objetivos políticos que a regulamentação transposta pretende alcançar. No entanto, outras partes interessadas entendem que a utilização do termo estigmatizado «sobrerregulamentação» pode pôr em causa algumas normas avançadas, adotadas democraticamente pelos Estados-Membros e introduzidas nos seus sistemas jurídicos, em particular nos domínios do direito do trabalho, dos consumidores e do ambiente, bem como no que diz respeito às profissões liberais.

4.1.3.

O CESE exorta à adoção de uma abordagem pragmática e equilibrada e, para efeitos do presente parecer, centrar-se-á numa terminologia neutra e mais precisa, em consonância com o Acordo Interinstitucional sobre Legislar Melhor de maio de 2016.

4.2.   Definição de sobrerregulamentação

4.2.1.

O CESE propõe definir o termo «sobrerregulamentação» de forma mais precisa. Nos casos em que os Estados-Membros transponham o conteúdo da legislação da UE de forma mais ambiciosa (na substância ou do ponto de vista processual) ou procurem ser coerentes com a legislação nacional, podem ser utilizadas expressões como «disposições mais avançadas», «disposições mais rigorosas» ou «requisitos mais elevados». O termo «sobrerregulamentação» deve ser reservado aos casos em que, na transposição para o direito nacional, sejam acrescentados elementos inadequados e desnecessários à legislação da UE que não possam ser justificados à luz de um ou mais objetivos da medida proposta ou criem uma carga administrativa adicional desnecessária. Em qualquer caso, o termo «sobrerregulamentação» é muito genérico, a sua tradução em muitas línguas nacionais induz em erro e deveria ser substituído por um termo mais concreto.

4.2.2.

Independentemente da terminologia (e mesmo nos casos em que se pode utilizar o termo «sobrerregulamentação»), o CESE reitera que este conceito não deve, em particular, fazer referência a:

Restrição das normas existentes em domínios como direito do trabalho, direito social, direito do consumidor ou direito do ambiente, quando da transposição e aplicação da legislação da UE;

Medidas nacionais que não tenham qualquer relação (objetiva ou temporal) com a transposição do direito da UE;

Reforço de disposições gerais do direito da UE quando da sua transposição (por exemplo, estabelecimento de sanções legais concretas em casos de infração);

Aplicação de uma das várias opções explicitamente previstas para a transposição do direito da UE;

Disposições nacionais avançadas que vão além das normas mínimas, com base nas «cláusulas de não regressão» previstas no direito da UE;

Aplicação do conteúdo de uma diretiva a casos semelhantes, a fim de garantir a coerência e uniformidade da legislação nacional.

4.2.3.

O CESE reitera que o princípio da subsidiariedade permite que os Estados-Membros adotem medidas mais rigorosas, exercendo o seu direito de assegurar a realização de diferentes objetivos (por exemplo, económicos, sociais ou ambientais) e de demonstrar o seu empenho relativamente a um nível elevado de proteção, ao caráter específico dos instrumentos jurídicos, como as «diretivas», bem como a certos limites de competências. O Comité sublinha que estes compromissos mais rigorosos só devem ser assumidos no seguimento de um debate transparente e inclusivo com os parceiros sociais e as partes interessadas, num espírito de compreensão mútua e no âmbito de um processo decisório equilibrado.

4.3.   A sobrerregulamentação e o Programa Legislar Melhor

4.3.1.

No contexto do Programa Legislar Melhor, a Comissão Europeia reconhece o direito dos Estados-Membros de ir para lá das normas estabelecidas na legislação da UE (sobrerregulamentação), mas está preocupada com a falta de transparência a este respeito. O Reino Unido, os Países Baixos, a Bélgica, a Alemanha e a Áustria estabeleceram sistemas para identificar os casos de sobrerregulamentação. No Reino Unido e nos Países Baixos, a sobrerregulamentação é regulada por políticas oficiais centralizadas que visam promover o crescimento económico.

4.3.2.

Sem questionar de modo algum as atuais disposições do Tratado, em particular as competências da UE ou dos Estados-Membros, o CESE reitera, contudo, a importância de respeitar «os princípios gerais do direito da União, tais como a legitimidade democrática, a subsidiariedade e a proporcionalidade, e a segurança jurídica». Tal implica, nomeadamente, respeitar a soberania democrática, a liberdade e a responsabilidade dos Estados-Membros na conceção de leis e práticas nacionais que tenham em devida conta o papel dos parceiros sociais na matéria. O CESE apelou sempre à promoção da simplicidade, clareza e coerência na elaboração da legislação da União, bem como a uma maior transparência no processo legislativo.

4.3.3.

O CESE tem sublinhado repetidamente que a regulamentação europeia é um fator de integração essencial que não constitui um encargo ou um custo a reduzir — se equilibrada, bem proporcionada e não discriminatória «é, pelo contrário, uma garantia importante de proteção, promoção e segurança jurídica para todos os intervenientes e cidadãos europeus» (6). O Comité reitera a sua opinião de que a legislação é essencial para atingir os objetivos do Tratado, bem como para criar as condições indispensáveis a um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo em benefício dos cidadãos, das empresas e dos trabalhadores (7). Em consonância com o artigo 3.o do TFUE, a legislação contribui igualmente para melhorar o bem-estar, proteger o interesse geral e os direitos fundamentais, promover um elevado nível de proteção social e ambiental e garantir a segurança e a previsibilidade jurídicas, devendo impedir a distorção da concorrência e o dumping social (8).

4.3.4.

Quando da transposição das diretivas, os Estados-Membros acrescentam por vezes elementos desprovidos de uma relação clara com a legislação da UE em causa. O CESE considera que estes elementos adicionais devem ser postos em evidência — ou nos atos de transposição ou nos documentos conexos. Importa reconhecer, de forma geral, a legitimidade dos Estados-Membros para complementar os atos da UE que estabelecem uma harmonização mínima, desde que tal seja realizado com transparência e no respeito dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade. Existem muitos exemplos de transposição não minimalista de diretivas nos Estados-Membros que podem ser considerados sobrerregulamentação.

4.3.5.

O CESE salienta que, em caso de harmonização mínima, os Estados-Membros podem elaborar disposições que visem a criação de emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, uma proteção social adequada, um nível de emprego elevado e duradouro e a luta contra as exclusões (artigo 151.o do TFUE), a promoção e o desenvolvimento das PME, bem como um elevado nível de proteção da saúde, dos consumidores (artigos 168.o e 169.o do TFUE) e do ambiente (artigo 191.o do TFUE), sem no entanto criar cargas regulamentares ou administrativas inúteis.

4.4.

O CESE entende que as seguintes medidas ajudarão a evitar cargas regulamentares e administrativas desnecessárias:

A Comissão Europeia deve realizar avaliações de impacto integradas no âmbito da legislação europeia, tendo em devida conta a carga desnecessária e outras repercussões eventuais de qualquer texto regulamentar importante;

A legislação da UE deve ser avaliada com base no seu próprio mérito, caso a caso, a fim de alcançar uma harmonização direcionada que possa, em função das circunstâncias, ser mais avançada em determinados domínios e menos noutros. Compete à Comissão Europeia, através das avaliações de impacto, propor o nível de harmonização mais adequado, tendo em conta a necessidade de um nível elevado de proteção;

Ao transporem a legislação da UE, os Estados-Membros, a nível nacional e regional, devem ser plenamente transparentes a respeito de qualquer requisito suplementar que possa afetar de forma negativa o mercado único, a competitividade e o crescimento;

O facto de um Estado-Membro impor regras menos rigorosas do que outro não significa necessariamente que as regras deste último sejam desproporcionadas e incompatíveis com o direito da UE. Compete ao Estado-Membro proceder a uma avaliação caso a caso, tendo em conta os pontos de vista de todas as partes interessadas e o contexto regulamentar no seu todo. A avaliação de impacto poderá constituir um importante instrumento para esse fim;

Quaisquer requisitos adicionais introduzidos quando da transposição de diretivas devem ser acompanhados de documentação que indique de forma transparente as razões específicas para esses aditamentos.

4.5.

A fim de evitar colocar as empresas e outras partes interessadas numa situação de desvantagem concorrencial face aos seus homólogos noutros Estados-Membros, a Comissão Europeia deve definir orientações para ajudar os Estados-Membros a transpor corretamente os requisitos de um ato jurídico, no respeito dos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade, e assegurando condições de concorrência equitativas. A este respeito, o CESE reitera o seu apelo ao maior envolvimento possível dos parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes nos exercícios de transposição, bem como a uma forte participação dos Estados-Membros e dos parlamentos nacionais e regionais nas avaliações ex post correspondentes (9).

4.6.

Recomendações do CESE para uma transposição eficaz

4.6.1.

Os Estados-Membros devem prestar atenção aos prazos de aplicação pertinentes, para que haja tempo suficiente para a realização de consultas junto de todas as partes interessadas pertinentes:

Na preparação das posições-quadro nacionais para as negociações iniciais nos órgãos de trabalho dos Estados-Membros, deve prestar-se atenção ao prazo de transposição;

Devem verificar se as diretivas da UE preveem dois prazos, um para a elaboração da legislação nacional de aplicação e outro para a entrada em vigor da legislação;

O prazo de transposição deve ser acompanhado e monitorizado ao longo de todo o processo legislativo;

Os planos de aplicação da Comissão Europeia oferecem apoio e assistência.

4.6.2.

Consultas:

A nível da UE, a assistência prestada pela Comissão Europeia durante o processo de aplicação, por exemplo sob a forma de recomendações e de debates no âmbito de grupos de peritos, pode ser útil e contribuir para um entendimento comum entre os Estados-Membros;

A Comissão Europeia deve adaptar a metodologia de transposição existente (orientações), não só para garantir que a transposição de diretivas não entra em conflito com o direito europeu, mas também para salvaguardar a eficácia da transposição;

A disponibilização pela Comissão Europeia de plataformas Web especializadas (como a interface de notificação eletrónica existente) ou de uma base de dados eletrónica para atos legislativos específicos da UE, a fim de partilhar boas práticas, pode ser mais aprofundada. A governação a vários níveis deve ser promovida e incluir todas as partes interessadas pertinentes.

4.6.3.

Terminologia e atos delegados:

Os Estados-Membros são encorajados a verificar o emprego de uma linguagem precisa e congruente ao longo de todo o processo de negociação no Conselho;

Os termos e definições de base devem ser definidos claramente logo que possível, na fase inicial das negociações;

A Comissão Europeia deve ter em conta os diferentes significados dos termos e definições nos Estados-Membros;

As definições constantes de um ato legislativo específico devem ser coerentes com as utilizadas nos outros atos legislativos da UE;

Os atos delegados devem respeitar os requisitos estabelecidos no artigo 290.o do TFUE; o texto legislativo de base deve fornecer definições claras e explícitas;

Só se deve recorrer a atos delegados para os elementos não essenciais do ato legislativo, e apenas estes elementos podem ser completados ou alterados (10).

5.   Domínios sensíveis específicos

5.1.   Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI)

5.1.1.

A política de coesão europeia, nomeadamente os fundos estruturais e, em particular, o Fundo Social Europeu, são aplicados num contexto administrativo, institucional e regulamentar complexo e constituem um domínio específico em que uma transposição desnecessária e onerosa pode ter um efeito negativo sobre as políticas da UE. Neste contexto, as regras nacionais e/ou regionais muitas vezes acrescentam elementos, em vez de se limitarem a garantir que os requisitos mínimos (europeus) são respeitados. Muitas destas regras conduzem a uma carga administrativa adicional. Importa referir que a adoção destes requisitos adicionais baseia-se, frequentemente, no pressuposto de que são importantes, úteis, necessários e o resultado de um processo democrático.

5.1.2.

No contexto da elaboração do QFP para o período de 2021-2027, o CESE exorta a Comissão Europeia a adotar rapidamente medidas para reduzir a carga administrativa desnecessária que entrava seriamente os investimentos dos FEEI, designadamente em matéria de auxílios estatais, respeito dos procedimentos de contratação pública, práticas de auditoria e adoção tardia, ou mesmo com efeitos retroativos, de orientações pormenorizadas universais. Reduzir ou evitar a carga administrativa desnecessária é uma responsabilidade partilhada de todos os intervenientes.

5.1.3.

As práticas inadequadas podem gerar falta de confiança em todo o sistema de execução dos FEEI. Essas práticas incluem uma abordagem de aversão ao risco a todos os níveis; falta de coerência na interpretação das respostas das diferentes direções-gerais da Comissão Europeia; lacunas persistentes na harmonização das regras dos FEEI a nível nacional, regional e local; receio do incumprimento das regras relativas aos auxílios estatais; abordagens diferentes a nível da UE (tónica na transparência) e a nível nacional (tónica na relação custo-benefício) no que diz respeito à política de contratos públicos; e ainda divergências entre as culturas administrativas nacionais.

5.1.4.

As práticas inadequadas podem também afetar negativamente os beneficiários e os organismos responsáveis pelos programas e aumentar a carga e os custos administrativos da aplicação dos FEEI, tornando-os menos atrativos. A ausência de sistemas de resolução alternativa de litígios pode ter repercussões negativas nas empresas e, em particular, nas PME: atrasos no pagamento, sobrecarga administrativa, controlos inadequados, recusa de projetos, exclusão de ações coletivas, etc. Por estes motivos, o CESE apela à criação de sistemas especializados de resolução de litígios.

5.1.5.

Recomendações para ações futuras no período de 2021-2027:

5.1.5.1.

Redução da carga administrativa no domínio da gestão e do controlo:

Ação rápida a nível da UE e nacional para identificar e, se possível, eliminar as práticas, processos e procedimentos redundantes e para propor soluções mais eficazes com base em boas práticas;

A «gestão partilhada» é uma das principais causas da complexidade dos FEEI. Importa aplicar a «abordagem integrada», no âmbito da qual a administração e o controlo dos FEEI são realizados com base nas normas nacionais («gestão descentralizada»);

Os Estados-Membros devem proceder à revisão dos seus próprios sistemas de auditoria, gestão e controlo, a fim de detetar e eliminar as regras excessivas e que se sobrepõem, salvaguardando, ao mesmo tempo, a correta utilização dos fundos da UE;

A Comissão Europeia deve ter mais em conta a intensidade do auxílio e as especificidades dos diferentes modelos e mecanismos de aplicação (ou seja, subvenções, instrumentos financeiros, custos simplificados, etc.) aquando da conceção das regras e procedimentos pertinentes.

5.1.5.2.

O CESE insta à simplificação e racionalização das regras em matéria de auxílios estatais, nomeadamente eliminando todas as fontes de incerteza no que se refere à sua aplicação. Importa considerar a possibilidade de realizar alterações, incluindo às regras aplicáveis, se necessário, para que os projetos semelhantes apoiados pelos FEEI sejam tratados do mesmo modo que os projetos financiados a partir do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE) e dos programas geridos diretamente pela Comissão Europeia, como o Horizonte 2020. Ao mesmo tempo, o CESE adverte para a necessidade de limitar o número de notas de interpretação e orientação e de documentos baseados em perguntas e respostas, a fim de evitar que se tornem numa camada adicional de legislação de facto. Recomenda a sua substituição por uma ampla difusão de boas práticas e que se evite a sua aplicação com efeitos retroativos. Exorta a Comissão Europeia a abster-se de elaborar orientações válidas para todos os Estados-Membros com base num pedido ou em problemas que dizem respeito apenas a um ou a alguns Estados-Membros.

5.1.5.3.

A fim de fazer face às diferentes abordagens em relação às regras de contratação pública, o CESE propõe a criação de um grupo de trabalho conjunto composto por representantes das direções-gerais competentes e pelos responsáveis dos fundos pertinentes, que deverá interpretar as regras de forma coerente, quando necessário, bem como prestar aconselhamento coerente e proporcionar uma abordagem uniformizada relativamente às correções financeiras.

5.1.5.4.

O CESE entende que a subsidiariedade deve ser mais bem aplicada na execução dos FEEI, deixando às autoridades nacionais a responsabilidade de verificar o respeito das regras nacionais. Convida os Estados-Membros a tirarem pleno partido das opções de simplificação disponíveis no novo período de programação, a absterem-se de praticar a sobrerregulamentação, que se refere aqui a todas as normas, diretrizes e procedimentos de aplicação que podem ser considerados desnecessários face aos objetivos estratégicos definidos pelas autoridades de gestão, e a eliminarem a carga administrativa desnecessária.

5.2.   Rumo a uma melhor regulamentação

5.2.1.

O CESE salienta que a carga regulamentar e administrativa desnecessária constitui um obstáculo para as empresas, os cidadãos e os poderes públicos. O Comité reitera a necessidade de regulamentação simplificada, coerente e de melhor qualidade, que seja compreendida corretamente e aplicada de forma transparente, com a participação, também indispensável, dos quatro níveis de governação, designadamente, UE, nacional, regional e local.

5.2.2.

Alguns Estados-Membros dispõem de comités nacionais perante os quais os governos devem justificar a adoção de regras mais rigorosas do que os níveis mínimos estabelecidos na legislação da UE («sobrerregulamentação»). Nos Estados-Membros em que estes organismos não existem não é necessário criar novos organismos administrativos, mas quaisquer requisitos que vão além das normas da UE devem ser adotados de forma transparente nesses países.

5.2.3.

Como em pareceres anteriores (11), o CESE recomenda uma realização mais eficiente de testes PME no âmbito das avaliações de impacto das propostas de novos atos legislativos europeus. Insta os Estados-Membros a tirarem partido das possibilidades de conceder isenções às microempresas relativamente a determinadas regras, em conformidade com o direito da UE. O CESE reitera a sua opinião de que os objetivos de redução da carga regulamentar se devem basear numa avaliação global, que inclua um diálogo com a sociedade civil e as partes interessadas. O nível atual de proteção dos cidadãos, dos consumidores, dos trabalhadores, dos investidores e do ambiente nos Estados-Membros não deve ser posto em causa aquando da transposição da legislação da UE (12).

5.2.4.

O CESE insiste na paridade e na homogeneidade dos diversos objetivos das políticas da UE, de acordo com o Tratado, sublinhando, em particular, uma economia de mercado altamente competitiva e socialmente responsável que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e um elevado nível de proteção e de melhoria da qualidade do ambiente.

5.2.5.

O CESE convida a Comissão Europeia a ter em conta, sempre que oportuno e justificado, a utilização de modelos baseados em incentivos, bem como as normas e diretrizes internacionais.

6.   Impacto nas normas em matéria de emprego, de defesa do consumidor e de ambiente

6.1.

Nas últimas décadas, foram estabelecidas várias normas mínimas aplicáveis a nível da UE nos domínios da proteção do consumidor, do ambiente e dos trabalhadores, que visam obter uma convergência ascendente das condições de vida e de trabalho na União, ou seja, uma maior convergência social nos termos do artigo 151.o do TFUE.

6.2.

O legislador da UE deixou deliberadamente margem para a aplicação de normas mínimas pelos Estados-Membros, em consonância com os princípios dos Tratados, em particular no respeito da proporcionalidade. Por conseguinte, as diretivas preveem que, no processo de aplicação, os Estados-Membros podem ter em conta as suas normas mais elevadas. O CESE sublinha que, sempre que os Estados-Membros optem por normas de proteção mais ambiciosas, podem ser tidos em conta os princípios de «legislar melhor», entre outras considerações.

6.3.

Estas normas nacionais são o resultado de processos de negociação democráticos que envolvem em grande medida os parceiros sociais nacionais e europeus e beneficiam os trabalhadores, os consumidores e as empresas. Em consonância com os objetivos do TUE, o estabelecimento destas normas mínimas deve visar assegurar um melhor funcionamento do mercado único e, ao mesmo tempo, não deve afetar negativamente os níveis mais elevados de proteção fixados à escala nacional. As normas mínimas previstas no direito da UE até incluem frequentemente «cláusulas de não regressão», especificando que a transposição da diretiva não pode servir para justificar a redução, para o nível da norma europeia, de eventuais normas nacionais mais elevadas. Tal não significa, contudo, que as normas nacionais sejam imutáveis e não possam, em caso algum, ser alteradas.

6.4.

Quando da transposição do direito da UE para o direito nacional, os Estados-Membros podem recorrer a avaliações de impacto a fim de verificar as repercussões sociais, económicas ou de outra natureza.

6.5.

Na política social, tal como na defesa do consumidor e na proteção ambiente, a legislação da UE assegura que as normas mais elevadas dos Estados-Membros não sejam postas em causa e sejam salvaguardadas, associando simultaneamente todas as partes interessadas às avaliações de impacto. A este respeito, o CESE manifestou reiteradamente a opinião de que o Programa Legislar Melhor deve conduzir a legislação da UE de elevada qualidade sem prejudicar os principais objetivos políticos ou exercer pressões no sentido da desregulamentação relativamente às normas de proteção social e ambiental ou aos direitos fundamentais (13).

6.6.

O CESE recorda que as normas mínimas europeias, em particular no contexto da política social da UE, visam uma aproximação das condições de vida e de trabalho em toda a União rumo a uma convergência social ascendente. As normas mínimas previstas nas diretivas da UE não devem ser interpretadas como um «nível máximo» a não ultrapassar em caso algum aquando da sua transposição para os sistemas jurídicos nacionais.

6.7.

O CESE apoia o processo «Legislar Melhor» e reconhece o seu valor acrescentado. Ao mesmo tempo, alerta para o facto de que este processo não deve, em circunstância alguma, ser utilizado como pretexto para a redução dos requisitos, especialmente em domínios como o direito em matéria de proteção dos consumidores, do ambiente e do trabalho, a promoção da prosperidade e do crescimento e a criação de emprego sustentável. O CESE adverte que tal alimentaria o crescente ceticismo em relação à UE entre vastas camadas da população. No entender do CESE, a aceitação do processo de unificação europeia pelos cidadãos não deve ser posta em causa por uma concorrência regulamentar que se traduza num nivelamento por baixo das normas.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  https://ec.europa.eu/info/law/law-making-process/planning-and-proposing-law/better-regulation-why-and-how_en#need

(2)  JO C 197 de 8.6.2018, p. 1.

(3)  JO C 434 de 15.12.2017, p.11; JO C 13 de 15.1.2016, p. 192; JO C 303 de 19.8.2016, p. 45; JO C 487 de 28.12.2016, p. 51; JO C 262 de 25.7.2018, p. 22.

(4)  https://ec.europa.eu/commission/sites/beta-political/files/report-task-force-subsidiarity-proportionality-doing-less-more-efficiently_1.pdf

(5)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 22, e JO C 18 de 19.1.2017, p. 10.

(6)  Ver, entre outros, o ponto 1.2 do Parecer do CESE — Programa REFIT (JO C 303 de 19.8.2016, p. 45).

(7)  COM (2012) 746 final, p. 2.

(8)  JO C 303 de 19.8.2016, p. 45, ponto 2.1.

(9)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 22, ponto 1.2.

(10)  CES248-2013 (relatório de informação) (JO C 13 de 15.1.2016, p. 145).

(11)  JO C 197 de 8.6.2018, p. 1.

(12)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 22, pontos 4.7.1 e 4.8.3.

(13)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 22 (pontos 1.1 e 3.4.); JO C 303 de 19.8.2016, p. 45 (pontos 2.1, 2.2 e 2.5); JO C 13 de 15.1.2016, p. 192 (ponto 2.4).


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/37


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Fosso digital entre homens e mulheres»

(parecer exploratório a pedido do Parlamento Europeu)

(2018/C 440/06)

Relatora:

Giulia BARBUCCI

Parecer exploratório a pedido do Parlamento Europeu

Carta de 19.4.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

19.7.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

176/2/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As causas do fosso digital entre homens e mulheres são múltiplas e, por conseguinte, as ações devem abordar domínios diversos: o sistema de ensino da infância à idade adulta, o mercado de trabalho, a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, os serviços públicos e o fosso digital em geral. Recomenda-se a utilização de uma abordagem multidisciplinar que reúna os diferentes aspetos da inovação (tecnológica, social, cultural, etc.).

1.2.

O fosso digital entre homens e mulheres não é apenas uma questão tecnológica: é uma questão económica, social e cultural, que deve ser abordada com políticas a vários níveis e abrangentes, a fim de combater as raízes sociais e culturais mais profundas da desigualdade de género.

1.3.

É importante tomar medidas para aumentar o número de mulheres nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM), uma vez que tal também poderá melhorar as condições noutros setores, bem como na economia e na sociedade no seu todo. Ao mesmo tempo, é essencial reconhecer a importância crescente do ensino na área das TIC, bem como das competências transversais, empresariais, digitais e sociais (como a empatia, a criatividade e a resolução de problemas complexos) na era digital em todos os setores. Um ensino interdisciplinar e competências centradas no fator humano serão essenciais, pelo que estes aspetos devem ser contemplados nos sistemas de ensino.

1.4.

É fundamental assegurar a literacia e a educação digitais para todos, com especial atenção para as raparigas, a fim de eliminar o fosso digital entre homens e mulheres na raiz. Para ultrapassar os estereótipos, é da maior importância que haja mais exemplos de referência femininos no setor digital.

1.5.

É necessário incentivar a participação das mulheres em empregos técnicos e de alto nível, derrubando barreiras e estereótipos educativos e profissionais, bem como garantindo a aprendizagem digital ao longo da vida, para prevenir a exclusão das mulheres do mercado de trabalho.

1.6.

Importa disponibilizar aos professores e formadores as ferramentas adequadas para utilizar as TIC no ensino, em todos os níveis, promovendo a democracia e um sistema de educação e formação mais inclusivo e personalizado.

1.7.

Devem ser garantidas condições de trabalho e de acesso à proteção social equitativas (1), a fim de impedir a espiral da feminização da pobreza, situação que se verifica sobretudo na chamada gig economy (economia dos serviços pontuais) (2). O diálogo social e a negociação coletiva desempenham um papel fundamental neste contexto.

1.8.

A presença de mulheres em empregos de desenvolvimento de programas TIC pode ajudar a ultrapassar o preconceito de género suscetível de surgir na conceção de uma determinada tecnologia.

1.9.

O empreendedorismo feminino deve ser apoiado, eliminando obstáculos no acesso das mulheres ao trabalho por conta própria e melhorando o acesso às medidas de proteção social e respetiva qualidade (3).

1.10.

O trabalho inteligente e o teletrabalho devem ser monitorizados, por forma a evitar os riscos de diluição das fronteiras entre a prestação de cuidados, o trabalho e a vida privada.

1.11.

É importante aumentar a participação das mulheres com deficiência no mercado de trabalho, aplicando a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD) (4).

1.12.

A digitalização do setor público representa uma grande oportunidade para facilitar a participação das mulheres no mercado de trabalho e apoiar as mulheres com responsabilidades na prestação de cuidados, bem como para superar os obstáculos relacionados com a burocracia e o acesso aos serviços públicos.

1.13.

É importante combater os estereótipos de género: esta questão deve ser tida em conta em todos os domínios e políticas e ser combatida nas suas raízes sociais e culturais mais profundas.

1.14.

Um dos principais obstáculos que as mulheres enfrentam na participação em atividades em linha e nas redes sociais é a ciberintimidação. A Convenção de Istambul para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica deve ser ratificada e aplicada.

1.15.

Todas as políticas a nível nacional, europeu e internacional devem ter em conta a discriminação das mulheres no setor digital, que também tem um impacto negativo na economia e na sociedade em geral.

1.16.

As políticas públicas devem ser concebidas com uma perspetiva de género (integração transversal). A orçamentação sensível ao género e a «lente do género» podem constituir instrumentos úteis a este respeito.

1.17.

O CESE incentiva a Comissão Europeia a reforçar o Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital] e a iniciativa Digital4Her. É importante criar e desenvolver redes europeias de mulheres no setor digital para promover a participação de raparigas e mulheres em estudos e carreiras digitais, em toda a UE.

1.18.

A Comissão Europeia deve recomendar aos países da UE que estabeleçam metas e indicadores nacionais para monitorizar a situação (painel de avaliação anual). O Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) deve conduzir um estudo para aferir as melhorias ou os agravamentos. As recomendações específicas por país neste domínio podem ser dirigidas aos Estados-Membros no âmbito do Semestre Europeu.

1.19.

Os parceiros sociais, nos níveis adequados, estão empenhados em reforçar a igualdade de género na educação e no mercado de trabalho, podendo desempenhar um papel importante nesses domínios a fim de combater o fosso digital entre homens e mulheres. A negociação coletiva desempenha, em particular, um papel fundamental na aprendizagem ao longo da vida e no mercado de trabalho, na análise do papel dos géneros, na promoção do papel da mulher na tomada de decisões e em vários organismos, no apoio à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e na correção das disparidades salariais entre homens e mulheres (5).

1.20.

O CESE recomenda que o Parlamento Europeu apoie estas recomendações na sua próxima legislatura, sendo este tema fundamental para o desenvolvimento futuro da Europa.

2.   Introdução

2.1.   Desigualdade de género

2.1.1.

Na sua alocução ao Parlamento Europeu sobre as prioridades políticas da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker afirmou que a discriminação não deve ocorrer na União Europeia, fazendo da área da justiça e dos direitos fundamentais uma das dez prioridades políticas do trabalho da Comissão. A igualdade de género faz parte desta área, embora a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia já desempenhe um papel importante neste domínio, ao prever que «[d]eve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração» (6). Mariya Gabriel, comissária europeia responsável pela Economia e Sociedade Digitais, apresentou recentemente medidas como parte da sua estratégia para facilitar o aumento da participação das mulheres no setor digital. É, pois, necessário assegurar o seguimento da declaração Digital4Her, assinada pelas empresas de TI, que promove uma cultura e um ambiente de trabalho inclusivos e equilibrados em termos de género.

2.1.2.

As mulheres continuam a ser vítimas de discriminação no mercado de trabalho e na sociedade em geral. O Índice de Igualdade de Género — que mede a desigualdade nos domínios do emprego, do tempo, do dinheiro, do conhecimento, do poder, da violência e da saúde — mostra que o progresso nestes domínios é lento: o índice aumentou de 62 pontos em 2005 para 65 pontos em 2012 e 66,2 pontos em 2017 (7). As causas da discriminação são múltiplas. Para superar os desequilíbrios decorrentes desta discriminação, o primeiro capítulo do Pilar Europeu dos Direitos Sociais diz respeito à igualdade de oportunidades e de acesso ao mercado de trabalho, reconhecendo o facto de que a igualdade de género e a igualdade de oportunidades são os domínios em que a discriminação é mais comum.

2.1.3.

O fosso digital entre homens e mulheres é uma forma de desigualdade decorrente da discriminação que afeta as mulheres e que constitui provavelmente um obstáculo intransponível à sua participação a nível europeu e global. Atrasa o crescimento da economia europeia do futuro, caracterizada pela digitalização. Atualmente, 68 % dos homens e 62 % das mulheres utilizam regularmente um computador e a Internet, 33 % dos homens e 18 % das mulheres instalam programas informáticos nos seus dispositivos e 47 % dos homens e 35 % das mulheres utilizam serviços bancários em linha (8). Além disso, apesar de representarem mais de metade dos licenciados, as mulheres continuam a estar sub-representadas nos cursos das áreas da ciência e das TIC (tecnologias da informação e comunicação): as mulheres representam cerca de um terço do total de pessoas empregadas no setor, com diferentes percentagens, dependendo do tipo de trabalho (8 % em programação informática, 54 % nas posições inferiores entre os operadores de TI). O presente parecer visa fornecer recomendações e propostas para corrigir os desequilíbrios no sistema de ensino e no mercado de trabalho.

2.1.4.

As mulheres também enfrentam maiores dificuldades em linha devido à ciberintimidação: o assédio em linha atinge muito mais as raparigas (de acordo com os dados do EIGE, 51 % das mulheres são vítimas de assédio em linha, enquanto a percentagem de homens é de 42 %) (9). A Convenção de Istambul para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica deve ser ratificada e aplicada.

2.2.   Digitalização e fosso digital

2.2.1.

A digitalização não é apenas um processo tecnológico, mas também um processo económico, social, societal e cultural.

2.2.2.

De acordo com um estudo da Comissão Europeia (10), a digitalização pode adicionar anualmente ao PIB da UE 415 mil milhões de euros e uma maior presença feminina em empregos do setor digital poderá aumentar o PIB da UE em 16 mil milhões de euros por ano. Paralelamente, as empresas enfrentam dificuldades em recrutar especialistas em TIC, pelo que há espaço para mais emprego e melhor ensino no domínio digital.

2.2.3.

O fosso digital inclui não só o acesso limitado a uma ligação à Internet, mas também a falta de competências básicas necessárias para utilizar as ferramentas TIC. Um dos aspetos do fosso digital é o fosso digital entre homens e mulheres. Segundo os dados desagregados por género, recolhidos pela União Internacional das Telecomunicações, relativos a 91 economias, em 2017, a penetração global da Internet foi de 44,9 % no caso das mulheres, contra 50,9 % no caso dos homens; segundo dados do Eurostat, em 2017, 71 % das mulheres tinham acesso diário à Internet, em comparação com 74 % dos homens, e 49 % das mulheres utilizavam a banca eletrónica, contra 54 % dos homens (11). É importante enquadrar esta questão tanto do ponto de vista do mercado de trabalho, já que a digitalização diz respeito a todos os trabalhadores, como do ponto de vista do utilizador, visto que todos são utilizadores de tecnologia.

2.2.4.

Muitas vezes, o fosso digital cruza-se com outros tipos de discriminação: fazer parte de uma minoria étnica, viver numa zona rural, ser imigrante, ser portador de deficiência, ser pobre, etc.. A tecnologia pode ajudar a superar estas barreiras, tornando o mundo mais inclusivo para todos, mas, se o processo não for conduzido por atores sociais, também pode exacerbá-las.

2.2.5.

O fosso digital entre homens e mulheres é uma questão económica, social, societal e cultural, que deve ser combatido a vários níveis e com políticas abrangentes, uma vez que conduz a um aumento da desigualdade de género. Além disso, a questão da desigualdade de género deve ser tida em conta em todos domínios e políticas e ser combatida nas suas raízes sociais e culturais mais profundas.

2.2.6.

O impacto qualitativo da digitalização nas necessidades de competências também é interessante do ponto de vista do género, pois as mulheres estão mais representadas em alguns tipos de trabalho e sub-representadas noutros, nomeadamente nas áreas das CTEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). São necessárias medidas para aumentar o número de mulheres nas áreas das CTEM.

2.2.7.

Contudo, é igualmente fundamental reconhecer a importância crescente das competências sociais na era digital, em todos os setores: a principal característica da inteligência artificial (IA) e da Internet das Coisas (IdC) é que as máquinas estão a tornar-se cada vez mais sensíveis e inteligentes, pelo que a mão de obra humana apenas se torna insubstituível se competir com base em competências realmente humanas, como a capacidade de adaptação à mudança e de cooperação. Na sociedade atual, a empatia, a criatividade e a resolução de problemas complexos são competências ensinadas com mais frequência às raparigas do que aos rapazes e que as raparigas tendem a desenvolver mais (12). Recomenda-se uma abordagem multidisciplinar, que reúna aspetos diferentes da inovação (tecnológica, social, cultural, etc.) numa tentativa não só de combater os riscos, mas também de aproveitar as oportunidades da digitalização para as mulheres.

2.2.8.

Deve ser prestada especial atenção às pessoas com deficiência — e às mulheres em particular –, cuja situação é «pior do que a das mulheres sem deficiência» (13). Por isso, «[c]umpre assegurar a igualdade de acesso das mulheres e raparigas com deficiência aos diversos equipamentos informáticos e à sociedade da informação» (14).

3.   O fosso digital entre homens e mulheres no sistema de ensino

3.1.

O sistema de ensino é o principal domínio de intervenção a ser abordado. Em comparação com 2011, houve um declínio no número de mulheres que seguem estudos superiores na área das TIC (15). Melhorar a literacia e as competências digitais das mulheres a todos os níveis é, por conseguinte, essencial para lhes permitir uma participação ativa no desenvolvimento da sociedade e para que beneficiem das oportunidades resultantes da digitalização, evitando que fiquem para trás. As mulheres com deficiência devem ter o direito a uma educação inclusiva e de alta qualidade. Os estereótipos culturais e linguísticos têm de ser combatidos, fornecendo exemplos de referência diferentes às raparigas, especialmente no setor dos meios de comunicação social. Além disso, as ferramentas das TIC podem ser utilizadas no ensino e nas atividades na sala de aula.

3.2.

No ensino básico, é fundamental assegurar a literacia e a educação digitais para todos, a fim de garantir a capacidade de adaptação dos futuros homens e mulheres às tecnologias em constante evolução. Segundo o Programa de Avaliação Internacional dos Estudantes (PISA), que mede o progresso educativo dos alunos de 15 anos em todos os países da OCDE, há quase quatro vezes mais rapazes do que raparigas que pretendem seguir uma carreira nas áreas das CTEM (16). De acordo com um estudo do EIGE, na UE, 3 % a 15 % dos rapazes adolescentes desejam trabalhar como profissionais no setor das TIC, enquanto, no caso das raparigas adolescentes, apenas em quatro países da UE entre 1 % e 3 % destas aspiram a uma carreira profissional neste setor. Além disso, embora as competências digitais dos jovens na UE sejam iguais entre rapazes e raparigas, os rapazes continuam a sentir-se mais confiantes relativamente às suas competências digitais: mais uma vez, trata-se de um problema de perceção errada e de estereótipos de género (17). «O CESE recorda aos Estados-Membros a necessidade de investir em sistemas de ensino não discriminatórios e inclusivos» (18).

3.3.

É importante formar os formadores para a utilização das TIC como ferramenta de ensino. Para eliminar o fosso digital entre homens e mulheres na raiz e promover sistemas de educação e formação mais inclusivos e personalizados, é essencial prestar especial atenção às raparigas. As ferramentas digitais podem ainda ser úteis para reduzir os encargos burocráticos que recaem sobre os professores e formadores (19).

3.4.

No ensino secundário e superior interdisciplinar, o número de raparigas que frequentam cursos nas áreas das CTEM continua a ser inferior ao dos rapazes, sendo que menos de um em cada cinco licenciados são mulheres (20). O ensino interdisciplinar e as competências sociais centradas no fator humano também serão essenciais.

3.5.

É necessário reforçar a formação em alternância e o EFP (ensino e formação profissionais) e ter em conta o acesso das raparigas à formação técnica e à formação em contexto laboral (21).

4.   Fosso digital entre homens e mulheres no mercado de trabalho

4.1.

É necessário incentivar a participação das mulheres em empregos técnicos e de alto nível, derrubando barreiras e estereótipos educativos e profissionais. O aumento da presença feminina na área das TIC pode beneficiar este setor, assim como toda a economia e a sociedade.

4.2.

Os parceiros sociais a nível empresarial, nacional e europeu são fundamentais para ultrapassar o fosso digital entre homens e mulheres no mercado de trabalho. O diálogo social e a negociação coletiva podem propor soluções aceitáveis, tendo em conta as necessidades dos empregadores e dos trabalhadores (22). O aumento da presença feminina em empregos nas áreas das CTEM e de alto nível também pode contribuir para reduzir a disparidade salarial entre homens e mulheres.

4.3.

A aprendizagem ao longo da vida é essencial para evitar a exclusão do mercado de trabalho, sendo ainda mais importante no caso das mulheres. Os parceiros sociais têm um papel essencial a desempenhar neste aspeto.

4.4.

A polarização do mercado de trabalho e a economia dos serviços pontuais: ainda que as máquinas possam tecnicamente substituir os trabalhos pouco qualificados (quer os manuais quer os intelectuais, devido à IdC, aos sensores e às tecnologias de IA), se estes trabalhos forem precários e não forem garantidos quaisquer direitos, poderá ser mais fácil às empresas contratarem pessoas a baixo custo do que investir em novas máquinas. Tal já se verifica na chamada «economia dos serviços pontuais». Nestes contextos, não é garantida qualquer proteção social segundo os modelos normais de trabalho (23): devido à natureza informal deste tipo de trabalho, as mulheres correm o risco de se afastarem do emprego tradicional com prestações da segurança social para passarem a dedicar-se a trabalhos pontuais, que se encontram mais acessíveis e que são, por vezes, mais facilmente geridos em termos de horário de trabalho. A fim de prevenir esta espiral da feminização da pobreza (24), há que garantir condições de trabalho equitativas, devendo todas as partes interessadas promover um modelo de desenvolvimento baseado na qualidade. O papel dos parceiros sociais e da negociação coletiva afigura-se, neste contexto, fundamental (25).

4.5.

A tecnologia não é neutra: embora um programa informático ou um algoritmo deva reduzir a subjetividade característica de uma decisão ou processo humano, se no programa for introduzido um preconceito cultural (como o preconceito de género), este tipo de discriminação será então reproduzido de modo estrutural (e não casual). Por este motivo, as pessoas que trabalham na conceção destes sistemas devem ser tão diversas quanto possível. No mundo atual, apenas 17 % dos 8 milhões de pessoas que trabalham no setor das TIC são mulheres (26). Além disso, na UE, apenas 20 % das mulheres com idade igual ou superior a 30 anos e detentoras de um diploma na área das TIC decidem permanecer no setor das tecnologias (27). Aumentar a participação das mulheres nestes empregos, e, consequentemente, a diversidade, pode ajudar a combater o preconceito suscetível de ser introduzido na conceção de uma determinada tecnologia.

4.6.

Quebrar o «teto de vidro» para um sistema económico mais digital: apenas 32 % dos líderes económicos são mulheres (28), embora esteja demonstrado que as empresas com mulheres em posições de tomada de decisão têm melhores estilos de governação, que são normalmente mais «horizontais» e encorajam a diversidade e o pensamento criativo e inovador. Deste modo, se as empresas desenvolverem políticas de género para promover as mulheres aos mais elevados níveis da organização, a empresa beneficia em termos de capacidade de inovação. Esta abordagem, se aplicada em larga escala, beneficiará todo o sistema económico.

4.7.

O sistema produtivo europeu é composto, em grande medida, por PME que enfrentam mais dificuldades no investimento em novas tecnologias. Simultaneamente, as tecnologias digitais facilitam o microempreendedorismo: através de algumas ferramentas digitais (como o comércio eletrónico) é possível às microempresas e PME chegar aos mercados mundiais e, em termos gerais, eliminar as barreiras no acesso ao trabalho por conta própria. De acordo com o segundo estudo «European Startup Monitor», apenas 14,8 % dos criadores de empresas em fase de arranque são mulheres (29). Este problema prende-se com redes empresariais mais fracas, estereótipos e apoio financeiro insuficiente. A digitalização pode criar o ambiente adequado para o empreendedorismo feminino. Há que garantir serviços de educação e de apoio para permitir às mulheres criarem a sua própria empresa utilizando as tecnologias digitais disponíveis.

5.   Digitalização e equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar

5.1.

Segundo um estudo do EIGE, no setor das TIC, os horários de trabalho são mais longos do que noutros setores (30). Por conseguinte, a primeira questão a abordar é a partilha das responsabilidades de prestação de cuidados entre homens e mulheres: é importante tomar medidas no sentido de uma partilha mais equitativa entre homens e mulheres das tarefas relacionadas com a prestação de cuidados, também mediante a adoção da proposta de diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores (31).

5.2.

O trabalho inteligente e o teletrabalho são muitas vezes considerados instrumentos para conciliar a vida profissional e a vida familiar, tendo em conta tanto os riscos como as oportunidades. Se, por um lado, o trabalho inteligente pode ajudar os trabalhadores a gerir as suas vidas privadas (especialmente ao eliminar os «tempos mortos» gastos nas viagens de e para o trabalho), também é verdade que, se não for bem gerido, pode conduzir à diluição das fronteiras entre o tempo gasto com a família, o trabalho e o lazer. O trabalho inteligente deve ser gerido por acordos coletivos específicos às empresas, a fim de ser adaptado ao contexto cultural, aos meios de produção e à organização do trabalho. A longo prazo, o trabalho inteligente pode ainda mudar a forma como as pessoas vivem nas cidades (e nas zonas rurais) e nos espaços sociais.

5.3.

As ferramentas digitais podem igualmente representar uma oportunidade para as pessoas excluídas do mercado de trabalho, podendo igualmente facilitar a participação das mulheres no mesmo. No entanto, a exclusão do mercado de trabalho afeta mais as mulheres com deficiência (32). Por conseguinte, é muito importante aplicar a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD) (33).

6.   Digitalização do setor público

6.1.

Devido ao aumento da esperança de vida e às baixas taxas de natalidade, a população europeia está a envelhecer, estando o ónus das tarefas de prestação de cuidados a aumentar para as mulheres de meia idade. Embora seja essencial alcançar uma partilha equitativa da prestação de cuidados entre homens a mulheres, também é importante reconhecer que a digitalização, e especialmente a robótica, no setor público representa uma grande oportunidade para facilitar a participação das mulheres no mercado de trabalho e apoiar as mulheres com eventuais responsabilidades de prestação de cuidados.

6.2.

A robótica pode automatizar e, acima de tudo, facilitar algumas das tarefas mais pesadas que a prestação de cuidados acarreta (por exemplo, mover uma pessoa inválida), contribuindo para a reabilitação de pessoas feridas, a prevenção de doenças, etc.. Estas tecnologias podem melhorar a qualidade de vida de toda a sociedade, em particular das mulheres, bem como a sua participação no mercado de trabalho, de duas formas: facilitando o trabalho no setor da prestação de cuidados pessoais, em que as mulheres estão fortemente representadas, e beneficiando as mulheres que prestem cuidados não remunerados, mas apenas na condição de estas tecnologias serem acessíveis e garantidas a todos os que delas necessitam.

6.3.

As tecnologias digitais podem ainda ter um impacto profundo em todos os procedimentos burocráticos relacionados com serviços públicos. Alguns países já aplicam este tipo de tecnologia em larga escala, criando uma identidade digital única para todos os procedimentos relativos ao setor público (impostos, cuidados de saúde, educação, etc.). O alargamento deste processo poderá melhorar a qualidade de vida, embora também seja importante ter em atenção (e prevenir) os riscos relacionados com o controlo dos dados gerido por um único interveniente (ainda que este seja uma autoridade pública), assim como com a privacidade, a cibersegurança, a transparência e a ética (34).

6.4.

As administrações públicas devem preparar orçamentos com perspetiva de género para todos os serviços e atividades, promover a igualdade e levar em conta o impacto das políticas sobre as mulheres. Cada decisão de investimento deve ser tomada utilizando a «lente do género» em três domínios: igualdade de género no local de trabalho, acesso das mulheres ao capital e produtos e serviços que beneficiam as mulheres.

6.5.

Ainda que em alguns países a digitalização do setor público já esteja avançada, noutros o processo está apenas a começar, pelo que esta pode ser uma oportunidade para formar e empregar mais mulheres no setor público, numa perspetiva de género.

6.6.

Para desenvolver a digitalização, é necessário disponibilizar, sem discriminação geográfica, as infraestruturas necessárias, como a banda larga, a rede 5G, etc..

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  SOC/581 — Parecer do CESE sobre o «Acesso à proteção social» (ver página 135 do presente Jornal Oficial).

(2)  «The Social Protection of Workers in the Platform Economy» [A Proteção Social dos Trabalhadores na Economia das Plataformas], Parlamento Europeu, 7.12.2017.

(3)  JO C 173 de 31.5.2017, p. 45.

(4)  Parecer do CESE — A situação das mulheres com deficiência (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20).

(5)  «A Toolkit for Gender Equality in Practice» [Guia para a Igualdade de Género na Prática] dos parceiros sociais europeus Confederação Europeia de Sindicatos, BusinessEurope, CEEP e UEAPME.

(6)  Capítulo III, artigo 23.o.

(7)  EIGE, Índice de Igualdade de Género — Relatório de 2017.

(8)  Ver resolução do PE de 17 de abril de 2018.

(9)  EIGE, «Youth, digitalisation and gender equality: opportunities and risks of digital technologies for girls and boys» [Juventude, digitalização e igualdade de género: oportunidades e riscos das tecnologias digitais para as raparigas e os rapazes], 2018 (a publicar brevemente).

(10)  Vessela Karloukovska, DG-CNECT, Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital], Comissão Europeia.

(11)  Dados do Eurostat.

(12)  Martha Ochoa (UNi Global Union), «The path to genderless digitalisation» [O caminho para uma digitalização sem género].

(13)  Parecer do CESE — A situação das mulheres com deficiência, (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20), ponto 2.1.

(14)  Idem, ponto 5.3.6.

(15)  «Women in the digital age» [Mulheres na era digital], Comissão Europeia, 2018.

(16)  Konstantina Davak, autora do estudo «The underlying causes of the digital gender gap and possible solutions for enhanced digital inclusion of women and girls» [As causas subjacentes ao fosso digital entre homens e mulheres e soluções possíveis para aumentar a inclusão digital das mulheres e raparigas].

(17)  Lina Salanauskaite, Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE).

(18)  Parecer do CESE — Plano de ação da UE para 2017-2019 — Colmatar as disparidades salariais entre homens e mulheres, ponto 4.4, (JO C 262, 25.7.2018, p. 101).

(19)  Ekaterina Efimenko, Comité Sindical Europeu da Educação (CSEE).

(20)  Vessela Karloukovska, DG-CNECT, Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital], Comissão Europeia.

(21)  JO C 13 de 15.1.2016, p. 161; JO C 434 de 15.12.2017, p. 36.

(22)  Parecer do CESE — Os conceitos da UE para a gestão da transição num mundo do trabalho digitalizado (JO C 367, 10.10.2018, p. 15).

(23)  Parecer do CESE — Para uma diretiva-quadro europeia sobre um rendimento mínimo (a ser adotado na reunião plenária de dezembro) e parecer — Acesso à proteção social (ver página 135 do presente Jornal Oficial).

(24)  Mary Collins, Lóbi Europeu de Mulheres (LEM) (JO C 129 de 11.4.2018, p. 7).

(25)  Ver, por exemplo, os acordos dos parceiros sociais europeus, bem como a proposta de diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

(26)  Vessela Karloukovska, DG-CNECT, Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital], Comissão Europeia.

(27)  Mary Collins, Lóbi Europeu das Mulheres (LEM).

(28)  Vessela Karloukovska, DG-CNECT, Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital], Comissão Europeia.

(29)  «Women in the digital age» [Mulheres na era digital], estudo para o PE.

(30)  Lina Salanauskaite, Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE).

(31)  COM(2017) 253.

(32)  Parecer do CESE — A situação das mulheres com deficiência (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20), ponto 5.4.1.

(33)  Parecer do CESE — A situação das mulheres com deficiência (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20), 1.2, Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

(34)  «Digital Public Services (e-Government and e-Health)» [Serviços públicos digitais (administração pública em linha e saúde em linha)].


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/45


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A bioeconomia — Contributo para a realização das metas da UE para o clima e a energia e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas»

(parecer exploratório)

(2018/C 440/07)

Relatora:

Tellervo KYLÄ-HARAKKA-RUONALA

Correlator:

Andreas THURNER

Consulta

Presidência austríaca do Conselho, 12.2.2018

Base jurídica

Artigo 302.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Parecer exploratório

Decisão da Assembleia Plenária

13.3.2018

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

180/1/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que a bioeconomia consiste em criar valor acrescentado para a sociedade através da produção, conversão e utilização de recursos naturais biológicos. A transição para a neutralidade carbónica e a circularidade será cada vez mais o motor da bioeconomia, uma vez que a bioeconomia sustentável tem o potencial de gerar simultaneamente benefícios económicos, sociais e climáticos.

1.2.

O CESE assinala que a bioeconomia contribui de várias formas para a atenuação das alterações climáticas, nomeadamente, através do sequestro de CO2 da atmosfera na biomassa, do armazenamento de carbono nos produtos de base biológica e da substituição de matérias-primas e produtos baseados em combustíveis fósseis por produtos de base biológica.

1.3.

O Comité salienta também que a bioeconomia contribui para as metas da UE para o clima e a energia mediante a substituição dos combustíveis fósseis por bioenergia na produção de eletricidade, no aquecimento e arrefecimento e no transporte. Contribui igualmente para a eficiência energética e para a segurança do aprovisionamento energético.

1.4.

O CESE está convicto de que a bioeconomia desempenha um papel fundamental na concretização dos objetivos económicos, ambientais e sociais gerais previstos na Agenda 2030 das Nações Unidas (os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — ODS). O papel da bioeconomia está estreitamente relacionado com os objetivos relativos à indústria e à agricultura, bem como à criação de emprego nestes domínios.

1.5.

O Comité solicita uma adaptação da Estratégia Bioeconómica da UE para criar, em consonância com a sustentabilidade económica, ambiental e social, as condições mais favoráveis para a bioeconomia europeia e, consequentemente, uma vantagem competitiva para a UE.

1.6.

O CESE sublinha que os responsáveis políticos devem promover a mobilização e a produção de biomassa sustentável na UE e assegurar um enquadramento estável, fiável e coerente para os investimentos na bioeconomia em todas as etapas das cadeias de valor. Além disso, os responsáveis políticos devem incentivar a procura de produtos de base biológica através da adjudicação de contratos públicos e adotar um quadro coerente de regras técnicas, de segurança e em matéria de auxílios estatais que crie condições de concorrência equitativas para os produtos de base biológica.

1.7.

O CESE considera que a investigação e a inovação são fundamentais para o desenvolvimento de uma bioeconomia preparada para o futuro. Assim, deve dar-se continuidade aos esforços de inovação promovidos pela Estratégia Bioeconómica, inclusivamente à Empresa Comum Bioindústrias (BBI).

1.8.

O Comité sublinha o papel fundamental da educação, dos serviços de aconselhamento, da transferência de conhecimentos e da formação para garantir que os trabalhadores e empresários dispõem das informações e competências necessárias. As pessoas devem estar devidamente informadas sobre a bioeconomia e ter consciência das suas responsabilidades para poderem ser consumidores ativos e tomar decisões de consumo sustentáveis.

1.9.

O CESE salienta que uma infraestrutura adequada constitui um requisito prévio da bioeconomia e exige financiamento adequado. São necessários sistemas de transporte eficientes que permitam o acesso às matérias-primas e a distribuição dos produtos nos mercados.

1.10.

O CESE recomenda que a UE procure criar um sistema de fixação de preços a nível mundial para as emissões de carbono, que constituiria uma forma neutra e eficaz de promover a bioeconomia e incluir todos os intervenientes do mercado no esforço de atenuação das alterações climáticas.

1.11.

O CESE está convicto de que a participação da sociedade civil em iniciativas e processos de decisão relativos à bioeconomia é da maior importância. O Comité salienta que é fundamental garantir equidade na transição para uma economia hipocarbónica.

1.12.

O CESE sublinha que uma bioeconomia sustentável só pode vingar se se adotar uma abordagem transetorial. Por conseguinte, há que assegurar a coerência e a coordenação dos diversos objetivos e políticas da UE. É igualmente importante assegurar a coerência das medidas ao nível dos Estados-Membros.

2.   Contexto

2.1.

A Presidência austríaca do Conselho solicitou ao CESE que elaborasse um parecer exploratório sobre o papel da bioeconomia na consecução das metas da UE para o clima e a energia e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Entretanto, o CESE está a elaborar um parecer de iniciativa sobre as novas oportunidades criadas por uma bioeconomia sustentável e inclusiva para a economia europeia (CCMI/160).

2.2.

Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia está a atualizar a Estratégia Bioeconómica para a Europa de 2012. O CESE acompanha este processo e acolhe favoravelmente os esforços desenvolvidos pela Comissão. A Comissão definiu a bioeconomia como «a produção de recursos biológicos renováveis e a conversão destes recursos e fluxos de resíduos em produtos de valor acrescentado, como alimentos para consumo humano e animal, produtos de base biológica e bioenergia».

2.3.

De um modo geral, a bioeconomia implica a substituição das matérias-primas e dos combustíveis fósseis por matérias-primas e energia de base biológica. A bioeconomia engloba as atividades económicas baseadas na produção, extração, conversão e utilização de recursos naturais biológicos. Os fluxos de resíduos, os subprodutos e os desperdícios podem constituir outra importante fonte de abastecimento de matérias-primas.

2.4.

A agricultura e a silvicultura, juntamente com as pescas, desempenham um papel fundamental na produção de biomassa para reutilização. Uma ampla variedade de indústrias (como as indústrias florestal, alimentar, química, energética, têxtil e da construção) converte a biomassa, incluindo matérias-primas secundárias, em produtos de base para consumo ou produtos intermédios destinados a outras atividades. Regra geral, a bioeconomia baseia-se em grandes cadeias de valor, incluindo os transportes, o comércio e outros serviços relacionados com as atividades supramencionadas. Além disso, os serviços ecossistémicos são parte integrante da bioeconomia.

2.5.

A UE está empenhada em reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa em, no mínimo, 40 % até 2030 em comparação com os níveis de 1990 (1), com metas e regras distintas para os setores abrangidos pelo regime de comércio de licenças de emissão e os outros setores. Ademais, as atividades relacionadas com o uso do solo, a alteração do uso do solo e as florestas, ou seja, o setor LULUCF, foram integradas no quadro para 2030, com o requisito de que este setor não gira emissões líquidas e contribua para o objetivo de reforçar os sumidouros a longo prazo. Tal reflete os requisitos do artigo 4.o, n.o 1, do Acordo de Paris, que preconiza «um equilíbrio entre as emissões antropogénicas por fontes e as remoções por sumidouros de gases com efeito de estufa na segunda metade deste século» (2).

2.6.

Em consonância com as metas da UE em matéria de energia para 2030, a eficiência energética deve aumentar 32,5 % em comparação com as estimativas, e a percentagem de energias renováveis no cabaz energético total deve ser 32 %, ambas expressas como metas comuns da UE e não como metas dos Estados-Membros (3).

2.7.

Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas englobam os diferentes aspetos dos desafios económicos, sociais e ambientais enfrentados a nível mundial. Embora nenhum dos ODS vise especificamente a bioeconomia, existe uma ligação entre esta e vários ODS.

3.   Contributo da bioeconomia para as metas da UE para o clima e a energia

3.1.

A transição para a neutralidade carbónica é um grande desafio e exige uma redução significativa das emissões, bem como o aumento do armazenamento de carbono. A utilização sustentável dos recursos naturais de base biológica constitui um elemento fundamental a este respeito.

3.2.

A bioeconomia contribui para a atenuação das alterações climáticas através de vários mecanismos: o sequestro de CO2 da atmosfera na biomassa através da fotossíntese; o armazenamento de carbono nos produtos de base biológica; e a substituição de matérias-primas e produtos baseados em combustíveis fósseis por produtos de base biológica.

3.2.1.

A absorção eficaz de CO2 exige o crescimento sustentável da biomassa. A gestão ativa e sustentável das florestas e a utilização de madeira constituem elementos fundamentais para a realização das metas para o clima (tal como referido no parecer NAT/655 (4) sobre as implicações das políticas de clima e de energia e no parecer NAT/696 (5) sobre a partilha de esforços no setor LULUCF). Um metro cúbico de madeira absorve cerca de mil quilogramas de CO2. Uma vez que apenas a biomassa em crescimento tem capacidade para absorver CO2, é essencial não fixar limites para a utilização das florestas, desde que a taxa de abate não ultrapasse a taxa de replantação e crescimento das florestas e sejam adotadas práticas de gestão sustentável das florestas.

3.2.2.

Existem vários tipos de produtos de base biológica e estão a ser desenvolvidos novos produtos. Estes produtos podem armazenar carbono, mantendo-o fora da atmosfera. Os produtos de madeira duradouros, como os edifícios e o mobiliário de alta qualidade, são os meios mais eficazes para o armazenamento de carbono. Os produtos de base biológica com uma vida útil mais curta também não libertam o seu teor de carbono enquanto forem reciclados. Além disso, no final da sua vida útil, os produtos de base biológica podem ser utilizados como bioenergia e, deste modo, substituir as fontes de energia fóssil.

3.3.

A bioenergia também contribui para a meta de eficiência energética da UE. O aquecimento urbano nas comunidades e a produção combinada de calor e eletricidade (PCCE) industrial sustentável são bons exemplos desse facto. Dado que os edifícios consomem uma quantidade significativa de energia, a eficiência energética dos edifícios, em conjunto com a fonte de energia utilizada, é muito importante.

3.4.

Os transportes desempenham um papel decisivo na consecução das metas para o clima. Por conseguinte, há que recorrer a todos os tipos de medidas que contribuam para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa, tendo em conta as diferentes necessidades e características dos diversos meios de transporte (tal como referido em vários pareceres do CESE, nomeadamente o parecer TEN/609 (6) sobre a descarbonização dos transportes).

3.4.1.

A eletrificação dos transportes parece ser uma tendência crescente. Para ter um impacto positivo no clima, é necessário que a eletricidade seja produzida utilizando fontes de energia com baixas emissões de gases com efeito de estufa, incluindo fontes de energia sustentáveis de base biológica.

3.4.2.

Nos transportes, os combustíveis fósseis são parcialmente substituídos por biocombustíveis sustentáveis. Não obstante o aumento da eletrificação dos automóveis de passageiros, a aviação e o transporte marítimo, bem como os transportes rodoviários pesados e as máquinas todo o terreno continuam a estar dependentes em grande medida dos combustíveis. Os biocombustíveis avançados são especialmente promissores a este respeito.

3.5.

Para além dos benefícios para o clima, a utilização de bioenergia contribui para a disponibilidade de energia e para a segurança do aprovisionamento energético. Como tal, se for adequadamente gerida, a bioenergia desempenhará um papel importante na concretização dos objetivos de base definidos na política energética europeia.

4.   Contributo da bioeconomia para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

4.1.

Os ODS desafiam-nos a avaliar o papel da bioeconomia, não só a partir das perspetivas climática e energética, mas também dos pontos de vista económico, social e ambiental gerais, tendo em conta simultaneamente uma visão global de longo prazo. Dado que a bioeconomia é um domínio muito vasto, está relacionada com quase todos os 17 ODS. No entanto, a bioeconomia contribui especialmente para os seguintes ODS: 1, 2, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14 e 15.

4.2.

A bioeconomia tem potencial para gerar crescimento económico e emprego, não só nas zonas urbanas mas também nas regiões rurais. Por conseguinte, desempenha um papel importante na consecução do ODS 1 (erradicar a pobreza).

4.3.

O ODS 2 apela para se acabar com a fome. A biomassa é um recurso limitado e existem interligações entre a produção de alimentos para consumo humano e animal e de fibra alimentar. É necessário adotar uma abordagem responsável da bioeconomia sustentável que permita uma produção suficiente para diferentes fins — sendo prioritária a disponibilidade de géneros alimentícios — e que garanta ecossistemas saudáveis. Os princípios da eficiência de recursos e da circularidade, bem como a transição para regimes alimentares mais à base de legumes, são formas de alcançar estes objetivos.

4.4.

Uma bioeconomia sustentável contribui para o ODS 6 (água potável e saneamento), nomeadamente mantendo ecossistemas florestais saudáveis, que são uma condição prévia para a água potável.

4.5.

O ODS 7 (energia limpa e a preços acessíveis) está no centro da bioeconomia. A utilização de fluxos laterais e de fluxos de resíduos proporciona energia limpa e reduz a dependência dos recursos energéticos fósseis.

4.6.

A nível global, a bioeconomia desempenha um papel crucial na concretização dos objetivos económicos e sociais. É importante para a consecução do ODS 8 (trabalho digno e crescimento económico). Além disso, a bioeconomia na UE pode contribuir para reduzir significativamente a dependência da importação de matérias-primas fósseis, promovendo o valor acrescentado interno e apoiando as cadeias de valor locais.

4.7.

O ODS 9 apela a um aumento significativo da percentagem da indústria no emprego e no PIB, bem como à adaptação das indústrias para as tornar sustentáveis, em conjunto com o aumento da eficiência da utilização de recursos e um maior nível de adoção de processos industriais e tecnologias limpos e ecológicos. A bioeconomia está estreitamente relacionada com todos estes objetivos e a utilização sustentável da biomassa pode reforçar a liderança industrial da UE. Também tem grande potencial para promover o crescimento das PME e para as integrar nas cadeias de valor.

4.8.

A bioeconomia pode desempenhar um papel importante na consecução do ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis). O conceito de cidades climaticamente inteligentes (7) e o bem-estar nas zonas urbanas são indissociáveis das soluções proporcionadas pela bioeconomia (por exemplo, construção em madeira ou transportes e aquecimento urbano com baixas emissões).

4.9.

A bioeconomia está numa boa posição para contribuir para o ODS 12 (produção e consumo responsáveis). Ao otimizar a utilização de matérias-primas, aplicar a conceção ecológica e produzir produtos recicláveis e duradouros, a bioeconomia desempenha um papel notável na transição para a economia circular. Porém, o aumento da sensibilização dos consumidores é considerado uma condição prévia importante para criar padrões de consumo informados e responsáveis e promover a produção sustentável.

4.10.

A bioeconomia pode contribuir significativamente para a atenuação das alterações climáticas a nível mundial, tal como solicitado no ODS 13 (ação climática) e já explicado no ponto 3. Para além da ação interna, a UE pode ter um impacto assinalável a nível mundial através da exportação de produtos de base biológica, soluções climáticas e conhecimentos especializados.

4.11.

Por último, a bioeconomia afeta o ODS 14 (vida marinha) e o ODS 15 (vida terrestre). Por conseguinte, a utilização responsável, eficaz e sustentável dos recursos naturais deve estar no centro da bioeconomia.

5.   Condições essenciais para o desenvolvimento da bioeconomia

5.1.

Embora a bioeconomia contribua de muitas formas para a consecução dos objetivos em matéria de clima e energia e dos ODS, é necessário que as condições sejam favoráveis para que tal se proporcione. Se, por um lado, os ODS apoiam e melhoram as condições necessárias para ajudar a bioeconomia a evoluir, por outro, determinados ODS impõem requisitos que a bioeconomia deve cumprir.

5.2.

A Estratégia Bioeconómica da UE deve ser adaptada aos novos mercados para proporcionar, em consonância com a sustentabilidade económica, ambiental e social, as condições mais favoráveis para a bioeconomia europeia, que regista uma rápida expansão e evolução.

5.3.

Acima de tudo, os responsáveis políticos devem promover a mobilização e a produção de biomassa sustentável na UE, e a política de desenvolvimento regional da UE deve conceder financiamento suficiente para garantir o desenvolvimento das empresas rurais. Os responsáveis políticos devem também assegurar um enquadramento estável, fiável e coerente para os investimentos na bioeconomia em todas as etapas das cadeias de valor.

5.4.

Os responsáveis políticos devem igualmente adotar um quadro coerente de regras técnicas, de segurança e em matéria de auxílios estatais que crie condições de concorrência equitativas para os produtos de base biológica. O setor público também desempenha um papel importante na procura de produtos de base biológica através da adjudicação de contratos públicos. Iniciativas como uma «Semana Europeia da Bioeconomia» podem contribuir para aumentar a aceitação pelo mercado e criar sinergias entre diferentes projetos.

5.5.

A investigação e a inovação são fundamentais para o desenvolvimento de uma bioeconomia preparada para o futuro, o que pode criar uma vantagem competitiva para a UE. Tal deve ser analisado tendo em conta o imenso potencial oferecido por novos tipos de produtos biológicos, que vão desde os alimentos tradicionais e os produtos de fibra alimentar até novos tipos de materiais de construção e embalagem, têxteis e produtos químicos e plásticos de base biológica. O mesmo se aplica ao potencial da seleção vegetal e de diferentes substâncias enquanto matérias-primas para produtos biológicos (por exemplo, lignocelulose, óleo vegetal, amido, açúcar, proteína).

5.6.

Deve dar-se continuidade aos esforços de inovação promovidos pela Estratégia Bioeconómica da UE, inclusivamente à Empresa Comum Bioindústrias (8). O Centro de Conhecimento para a Bioeconomia (9) também deve desempenhar um papel importante na promoção da utilização do conhecimento para ajudar a desenvolver a bioeconomia. Além disso, os programas e iniciativas de investigação e inovação devem tornar-se mais apelativos para as empresas.

5.7.

O papel da educação, dos serviços de aconselhamento, da transferência de conhecimentos e da formação é fundamental para garantir que os trabalhadores e os empresários dispõem das informações e competências necessárias, resultando no possível aumento da sustentabilidade das atuais atividades, bem como na exploração de novas oportunidades na bioeconomia.

5.8.

Ao mesmo tempo, as pessoas devem estar devidamente informadas sobre a bioeconomia e ter maior consciência das suas responsabilidades para poderem ser consumidores ativos e tomar decisões de consumo sustentáveis, tendo em conta os diferentes níveis de predisposição, em todas as faixas etárias, para a adaptação e para a mudança. Para este efeito, devem ser organizadas campanhas de informação que reforcem a confiança dos consumidores na bioeconomia e nos produtos de base biológica.

5.9.

O acesso a matérias-primas é um dos requisitos prévios de base da bioeconomia. Por conseguinte, é necessário um ambiente empresarial adequado para a agricultura e a silvicultura, a fim de promover a disponibilidade e a mobilização da biomassa. A gestão sustentável das florestas e dos recursos terrestres e marinhos, solicitada nos ODS 14 e 15, contribui de forma decisiva para a segurança do fornecimento de matérias-primas. Neste contexto, o atual quadro legislativo e não legislativo aplicável às matérias-primas sustentáveis e renováveis na UE deve ser reconhecido e promovido. A utilização crescente de resíduos e fluxos laterais como matérias-primas para novas utilizações também contribui para assegurar a disponibilidade da biomassa. No caso das pequenas estruturas, as cooperativas ou organizações de produtores podem desempenhar um papel importante.

5.10.

Uma infraestrutura física adequada também constitui um requisito prévio da bioeconomia e, para a alcançar, é necessário financiamento suficiente para a energia, os transportes e as infraestruturas digitais. Os sistemas de transporte eficientes são fundamentais para permitir o acesso às matérias-primas e a distribuição dos produtos nos mercados.

5.11.

No que diz respeito aos mercados mundiais, a bioeconomia está estreitamente associada ao ODS 17, que visa revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. Este objetivo apela à promoção de um sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras, aberto, não discriminatório e equitativo no âmbito da OMC. É importante para o comércio de produtos agrícolas e industriais da bioeconomia. Entretanto, a cooperação ao longo das cadeias de valor regionais deve ser reforçada para promover o desenvolvimento regional.

5.12.

A fim de estimular o desenvolvimento da bioeconomia de forma neutra, a UE deve esforçar-se por criar um sistema de fixação de preços a nível mundial para as emissões de carbono, que inclua todos os intervenientes do mercado e proporcione condições de concorrência equitativas.

5.13.

A participação da sociedade civil nas estruturas das iniciativas e dos processos de decisão da bioeconomia é da maior importância para intensificar a cooperação entre os diferentes intervenientes na sociedade e aumentar a sensibilização do público para a bioeconomia sustentável.

5.14.

Embora a transição para uma economia circular e hipocarbónica constitua um enorme desafio e implique alterações estruturais profundas no que respeita aos postos de trabalho envolvidos, é importante garantir uma transição equitativa.

5.15.

Uma bioeconomia sustentável só pode vingar se for adotada uma abordagem transetorial. Por conseguinte, há que assegurar a coerência e a coordenação dos diversos objetivos e políticas da UE, especialmente no que se refere ao clima, ao ambiente, aos alimentos, à agricultura, às florestas, à indústria, à energia, à economia circular e à investigação e inovação. Para esse efeito, deve ser criado um grupo multilateral de alto nível para a bioeconomia sustentável, sob a égide do presidente da Comissão.

5.16.

Os progressos realizados na consecução dos ODS são aferidos e acompanhados através de 232 indicadores. Alguns estão relacionados com o clima e a energia, mas não existem indicadores específicos relativos à bioeconomia. Por conseguinte, a Comissão deve desenvolver os indicadores mais pertinentes para obter uma imagem realista e informativa da evolução da bioeconomia na UE.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Ver quadro de ação relativo ao clima e à energia para 2030, https://ec.europa.eu/clima/policies/strategies/2030_pt

(2)  Ver artigo 4.o, n.o 1, do Acordo de Paris, https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:474eaed2-2ef6-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.02/DOC_2&format=PDF

(3)  Ver declaração da Comissão Europeia de 19 de junho de 2018, http://europa.eu/rapid/press-release_STATEMENT-18-3997_en.htm

(4)  Ver parecer NAT/655 — Implicações das políticas de clima e de energia nos setores agrícola e silvícola (JO C 291 de 4.9.2015, p. 1).

(5)  Ver parecer NAT/696 — Partilha de esforços para 2030 e uso do solo, alteração do uso do solo e florestas (LULUCF) (JO C 75 de 10.3.2017, p. 103).

(6)  Ver parecer TEN/609 — Descarbonização do setor dos transportes (JO C 173 de 31.5.2017, p. 55).

(7)  http://www.climatesmartcities.org/

(8)  https://www.bbi-europe.eu

(9)  https://biobs.jrc.ec.europa.eu


III Atos preparatórios

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

537.a reunião plenária do CESE, 19.9.2018-20.9.2018

6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/51


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Inteligência artificial para a Europa»

[COM (2018) 237 final]

(2018/C 440/08)

Relator:

Giuseppe GUERINI

Correlator:

Gonçalo LOBO XAVIER

Consulta

Comissão Europeia, 12.7.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

199/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que a inteligência artificial (IA) e os processos de automatização têm um potencial enorme para melhorar a sociedade europeia em termos de inovação e transformação positiva, mas também colocam grandes desafios e riscos e suscitam preocupação. Por conseguinte, é essencial que as instituições europeias ajam de forma célere e integrada para desenvolverem e regulamentarem plenamente a IA.

1.2.

Uma abordagem avançada em matéria de IA na Europa tem de abranger vários domínios, designadamente: i) investimento público e privado em I&D e em infraestruturas digitais avançadas; ii) aplicação de novas regras legislativas ou adaptação das atualmente aplicáveis; iii) desenvolvimento de um conhecimento adequado e sensibilização dos cidadãos e dos consumidores, e iv) programas de formação específicos para os trabalhadores.

1.3.

É necessário identificar de forma sistemática e abordar a nível internacional, da UE e dos Estados-Membros em particular os reptos em matéria de responsabilidade que surgem no contexto das tecnologias digitais emergentes. O CESE gostaria de colaborar estreitamente com as instituições da EU na análise e avaliação de toda a legislação da UE em matéria de responsabilidade, segurança dos produtos e responsabilização civil, que merecem alterações adequadas.

1.4.

O CESE concorda com o objetivo exposto na comunicação da Comissão, designadamente, reforçar a capacidade industrial e tecnológica da UE para disseminar a IA no mercado interno. O esforço exigido para acompanhar o ritmo de outros intervenientes mundiais é tão grande que é imperioso coordenar todos os instrumentos e o financiamento disponíveis a nível nacional e europeu.

No entanto, os valores e os princípios da UE não devem ser sacrificados em nome da competitividade mundial.

1.5.

No que respeita ao objetivo da Comissão de «disponibilizar a IA a todos os potenciais utilizadores, com ênfase nas pequenas e médias empresas», o CESE considera que a resposta ao desafio da competitividade mundial exige a acessibilidade da IA ao maior número de entidades possível. Assim, a sua disponibilização a todas as empresas, nas suas diferentes formas, ativas no mercado único europeu é fundamental, nomeadamente às PME, aos agricultores, às empresas sociais, às cooperativas, às empresas individuais e às associações de consumidores.

1.6.

A Comissão Europeia e os Estados-Membros devem colaborar para formularem orientações sobre as questões éticas associadas à inteligência artificial e envolver todas as partes interessadas públicas e privadas pertinentes neste esforço. Essas orientações deverão incluir princípios de transparência na utilização dos sistemas de IA para contratar trabalhadores e avaliar ou controlar o seu desempenho. Para além dos princípios éticos, o CESE sugere a elaboração, a nível europeu, de um quadro jurídico claro, harmonizado e vinculativo a fim de regulamentar devidamente a IA e atualizar as regras vigentes afetadas pela IA, em particular no que respeita à responsabilidade do produtor e à proteção dos consumidores. O CESE gostaria de colaborar estreitamente com as instituições da UE na análise e avaliação da legislação pertinente da UE, que terá, no futuro, de ser alterada devido ao desenvolvimento da IA.

1.6.1.

A Comissão Europeia terá igualmente de proceder a uma avaliação criteriosa dos efeitos da IA no mercado de trabalho. Este exame deve ter em conta a possível substituição de alguns trabalhadores por dispositivos eletrónicos ou robôs, bem como o facto de que determinadas funções, embora não sejam totalmente automatizadas, serão profundamente alteradas pelas novas tecnologias.

1.7.

Por este motivo, o CESE recomenda que a intenção expressa de «não deixar ninguém para trás» não seja uma mera proposta ou exortação, mas que se traduza, sim, em factos concretos.

1.8.

Importa salientar o papel dos programas de formação na proteção dos trabalhadores europeus que operam num ambiente objeto de alterações profundas ocasionadas pela emergência progressiva da IA. Os cidadãos europeus devem ter acesso a informação adequada que lhes permita ser utilizadores responsáveis e informados dos dispositivos e das aplicações disponibilizados pela rápida evolução tecnológica.

1.9.

Nos casos em que novas medidas permitam às administrações públicas utilizar tecnologias para tomar decisões organizacionais e fazer escolhas mais rápidas, será necessário responder à questão da responsabilidade jurídica efetiva por essas decisões no âmbito de um quadro jurídico claro que garanta a plena responsabilização da administração perante os cidadãos.

1.10.

Há que prestar especial atenção ao papel da sociedade civil e das organizações da economia social no aumento da participação ativa das pessoas nos processos sociais e económicos que, devido à inteligência artificial, aumentarão a participação na nossa sociedade. As organizações da sociedade civil e as empresas sociais podem desempenhar um papel importante na promoção da compreensão e aceitação das tecnologias pelas pessoas, nomeadamente através de mecanismos colaborativos que permitam a participação das pessoas na transformação digital em curso.

1.11.

A atual revolução tecnológica não pode nem deve ser realizada sem a inclusão significativa e ativa dos trabalhadores, dos consumidores e das organizações sociais, e a evolução tecnológica em curso deve ser direcionada de forma a assegurar uma participação maior e mais responsável de cidadãos plenamente informados. Por este motivo, o CESE recomenda que, ao estabelecer a Aliança Europeia para a IA, a Comissão Europeia tenha em conta a necessidade de criar uma plataforma inclusiva, pluriprofissional e representativa das diferentes partes interessadas que representam os cidadãos europeus, incluindo representantes dos trabalhadores, que tenham de interagir com máquinas inteligentes (1).

2.   Observações gerais

2.1.

Os dispositivos digitais e os computadores autoadaptáveis de grande escala aumentam diariamente a capacidade de algoritmos para trabalhar com grandes volumes de dados e esta capacidade é suscetível de aumentar mais no futuro, graças a «redes neuronais» (que já são utilizadas, por exemplo, por telemóveis inteligentes para o reconhecimento visual de objetos, rostos e imagens).

2.2.

Esta evolução está a transformar o modo de «aprendizagem» tradicional utilizado até agora pelas máquinas de inteligência artificial, na medida em que já não se limitam à aprendizagem através da extração de regras dos dados, mas desenvolvem igualmente uma capacidade de aprendizagem flexível e adaptável. Este processo aumentará a capacidade da IA para aprender e agir no mundo real.

2.3.

Perante a rapidíssima evolução tecnológica em curso, é agora fundamental que a Comissão Europeia e os Estados-Membros colaborem para realizar um exame aprofundado dos desafios emergentes gerados pelo rápido desenvolvimento da IA e associar todas as partes interessadas públicas e privadas pertinentes ao processo, sem prejudicar as oportunidades de progresso e evolução tecnológica.

2.4.

A comunicação COM(2018) 237 da Comissão visa reforçar a capacidade industrial e tecnológica da UE e encorajar a expansão da IA na economia europeia, tanto no setor privado como na administração pública. Como referido anteriormente num parecer de iniciativa (2), o CESE apoia a iniciativa da Comissão, que integra, com efeito, na sua comunicação grande número das anteriores propostas do Comité, mas insta a Comissão a agir de forma imediata e decisiva.

2.5.

A adoção de uma abordagem europeia eficaz em matéria de IA implica promover investimentos significativos no domínio da investigação e da inovação, incluindo nas infraestruturas digitais, que são necessários para preparar os reptos socioeconómicos significativos que a evolução das novas tecnologias lançará à sociedade e aos mercados europeus nos próximos anos.

2.6.

A Comissão Europeia e os Estados-Membros devem colaborar para formular algumas orientações sobre as questões éticas associadas à inteligência artificial e envolver todas as partes interessadas públicas e privadas pertinentes neste processo.

2.7.

Ao mesmo tempo, deve aprovar-se um quadro jurídico harmonizado a nível europeu em consonância com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE e os princípios consagrados nos Tratados da UE. O novo quadro regulamentar deverá conter regras precisas que abordem os riscos que a aprendizagem automática acarreta, como por exemplo, a opacidade do mercado, a falta de concorrência, a discriminação, as práticas comerciais desleais, as ameaças à cibersegurança e a segurança dos produtos.

As salvaguardas regulamentares devem ser particularmente rigorosas em situações nas quais os dados que orientam os sistemas de inteligência artificial sejam automaticamente recuperados quando da utilização de dispositivos eletrónicos e computadores.

2.8.

O CESE faz notar que o documento de trabalho dos serviços da Comissão SWD(2018) 137 final que acompanha a comunicação da Comissão analisa devidamente as implicações da IA para a legislação da UE e esquematiza os reptos em matéria de responsabilidade que surgem no contexto das tecnologias digitais emergentes.

2.9.

Além disso, serão necessários planos de ação abrangentes para i) escorar a modernização dos sistemas de educação e de formação através da estimulação das novas competências exigidas pelo mercado de trabalho do futuro, e ii) garantir aos cidadãos e trabalhadores um nível de proteção elevado face aos desafios previstos (3).

2.10.

O CESE incentiva a Comissão a proceder rapidamente a novas ações em matéria de regulamentação e de incentivo ao investimento: o atual ritmo acelerado da evolução exige tempos de adaptação rápidos.

3.   A proposta da Comissão Europeia: apoio europeu à inteligência artificial e investimento na IA

3.1.

A Comissão anuncia na sua comunicação que apoiará a expansão da IA tanto a nível da investigação fundamental como das aplicações industriais. A este respeito, o CESE salienta a importância de envolver todos os tipos de intervenientes neste processo, nomeadamente as PME, as empresas de serviços, as empresas sociais, os agricultores, as cooperativas, as associações de consumidores e as associações que representam as pessoas mais velhas.

3.2.

No que respeita ao objetivo da Comissão de «disponibilizar a IA a todos os potenciais utilizadores, com ênfase nas pequenas e médias empresas», o CESE considera que a resposta ao desafio da competitividade mundial exige a acessibilidade da IA ao maior número de entidades possível. Para além do já previsto pela Comissão no sentido de desenvolver uma «plataforma de IA a pedido», é igualmente importante estabelecer formas adequadas de participação e consulta das várias partes interessadas, designadamente as PME, as redes da economia social e as organizações da sociedade civil (tendo estas últimas um papel fundamental na participação informada e ativa dos cidadãos europeus).

3.3.

A Comissão anunciou que apoiará a inovação baseada na inteligência artificial através de um projeto-piloto criado pelo Conselho Europeu de Inovação, que dispõe de um orçamento de 2,7 mil milhões de euros para o período 2018-2020.

3.4.

O CESE considera que esta iniciativa pode ser útil para o desenvolvimento da IA, mas salienta ao mesmo tempo que o financiamento da investigação deve passar rapidamente da fase de experimentação para a fase estrutural. É igualmente importante que a Comissão incentive os vários centros de investigação atualmente sediados nos Estados-Membros, tendo em vista desenvolver uma rede colaborativa a nível europeu dedicada à inteligência artificial.

3.5.

O CESE observa que a Comissão tenciona aumentar os investimentos em IA no âmbito do programa Horizonte 2020 para cerca de 1,5 mil milhões de euros até ao final de 2020. Caso seja rapidamente adotada nas parcerias público-privadas em curso, esta abordagem pode gerar 2,5 mil milhões de euros adicionais de investimento no prazo de dois anos. A mesma abordagem deve ser igualmente adotada no futuro Programa-Quadro Horizonte Europa.

3.6.

Partindo de uma perspetiva diferente, é positivo que a Comissão Europeia e o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos, que deve desempenhar um papel de direção central no apoio ao desenvolvimento da IA na UE, tenham lançado o programa «Venture EU», um fundo de fundos de capitais de risco no valor de 2,1 mil milhões de euros para promover o investimento em empresas inovadoras na Europa.

3.7.

No entanto, o esforço exigido para acompanhar o ritmo de outros intervenientes mundiais é tão significativo que é imperioso coordenar e manter sinergias entre todos os instrumentos e o financiamento disponíveis a nível nacional e europeu. É evidente que competir com a China e os Estados Unidos da América em matéria de IA exige a agregação das forças de todas as partes interessadas públicas e privadas que operam a nível europeu, a fim de garantir que a UE desempenhe um papel de liderança à escala mundial.

3.8.

Tendo em vista prosseguir de forma rentável um papel competitivo para a UE no que se refere à IA, também será importante realizar investimentos adequados em recursos informáticos apropriados de software e hardware e em infraestruturas digitais capazes de garantir um papel credível para a UE.

3.9.

O investimento em IA deve ter em conta o facto de as empresas europeias serem particularmente fortes nos domínios da automatização e da robótica, setores que fazem parte da IA em sentido lato e que podem, por conseguinte, revelar-se verdadeiramente importantes para garantir à UE um papel significativo a nível mundial no que respeita à evolução tecnológica em curso, merecendo, portanto, especial atenção.

4.   A inteligência artificial e o seu impacto nas pessoas e nos trabalhadores

4.1.

É indiscutível que a evolução da IA está a avançar a um ritmo muito acelerado. Por este motivo, as instituições europeias, ao avaliarem o impacto de cada medida regulamentar relativa à inteligência artificial, devem adotar uma abordagem multidisciplinar que integre não só aspetos administrativos, jurídicos e económicos, mas também considerações antropológicas, psicológicas, sociológicas e tecnológicas.

4.2.

A fim de apoiar estas inovações, mas, acima de tudo, orientá-las numa direção que assegure que os seres humanos manterão o lugar central, é importante que a União Europeia envide esforços no sentido de atingir um elevado nível de competitividade tecnológica sem descurar considerações éticas, sociais e humanas essenciais.

4.3.

Por conseguinte, o CESE pensa ser crucial que: i) a privacidade individual e o tratamento responsável dos dados pessoais sejam regidos por legislação adequada, tal como o lançamento eficaz do novo RGPD, que requererá, se necessário, constante atualização para se manter a par da rápida evolução da IA, ii) atos importantes da legislação da UE aplicável sejam avaliados e, se necessário, adaptados aos novos cenários ocasionados pela IA, e iii) se desenvolvam as competências e aptidões de que as pessoas, as administrações e as empresas europeias necessitam para beneficiar efetivamente das vantagens proporcionadas pela inteligência artificial.

4.4.

Como ponto de partida da análise a realizar, convém notar que a IA se baseia na utilização e no tratamento de grandes volumes de dados, que constituem a base de qualquer aplicação assente em novas tecnologias. Assim, o principal desafio para o regulador europeu é instituir o acesso transparente e regulamentado aos dados dos utilizadores finais.

4.5.

Quanto melhor for a qualidade dos dados objeto de tratamento, mais elevados serão o desempenho e a exatidão dos sistemas de IA. No entanto, importa recordar que os dados pessoais devem ser adquiridos legalmente e utilizados de formas conhecidas das pessoas diretamente afetadas, a fim de assegurar a utilização dos dados pessoais para finalidades predeterminadas e transparentes relativamente às quais o utilizador tenha dado previamente o seu consentimento informado e adequado.

4.6.

Importa salientar que pode ser necessário alterar e adaptar devidamente várias partes importantes da legislação europeia — por exemplo, as respeitantes à publicidade em linha, a práticas comerciais desleais, à responsabilidade e segurança dos produtos, aos direitos dos consumidores, às cláusulas contratuais abusivas, à venda e garantias, aos seguros e à indicação dos preços — aos novos cenários ocasionados por uma utilização mais alargada e aperfeiçoada da inteligência artificial, a fim de proteger os consumidores finais.

4.7.

No seu documento de trabalho SWD(2018) 137 final, a Comissão tomou devidamente em conta a questão fulcral da responsabilidade e segurança dos produtos ao realizar uma análise de estudos de caso e apresentar uma lista dos atos legislativos da UE que merecem uma análise mais aprofundada e avaliação. O CESE encoraja a Comissão a prosseguir este trabalho e está disposto a dar o seu contributo a este respeito.

4.8.

É igualmente importante sublinhar o papel da formação cultural, escolar e académica, por um lado, e da prestação de informações adequadas ao público em geral, por outro lado, para proteger os direitos dos cidadãos europeus face ao progresso da IA. Importa, em especial, assegurar a transparência e o rigor na gestão dos algoritmos de IA e das bases de dados em que operam.

4.9.

Por conseguinte, é fundamental que os cidadãos europeus recebam formação adequada, assim como informações simples e compreensíveis, permitindo-lhes, assim, ser utilizadores informados e responsáveis dos dispositivos e aplicações disponibilizados pela rápida evolução tecnológica em curso e que se está a tornar cada vez mais disseminada a todos os níveis.

4.10.

Perante todas estas exigências, a UE e os Estados-Membros devem oferecer soluções claras e eficazes através, nomeadamente, da promoção de um sistema de ensino moderno e da expansão constante da aprendizagem ao longo da vida no mercado de trabalho e na sociedade civil.

4.11.

A Comissão Europeia terá de proceder a uma avaliação criteriosa dos efeitos da IA no mercado de trabalho. Esta suscita grande preocupação em muitos trabalhadores europeus que progrediram nas suas carreiras mas ainda estão longe da idade de reforma e que encaram as alterações em curso com desconfiança e receio. O exame deve ter em conta a possível substituição de alguns trabalhadores por dispositivos eletrónicos ou robôs, bem como o facto de que determinadas funções, embora não sejam totalmente automatizadas, serão profundamente alteradas pelas novas tecnologias. Por conseguinte, este exame e a avaliação devem centrar-se não só nas alterações inevitáveis e previstas nas linhas de produção, mas também na reformulação dos processos organizacionais e dos objetivos empresariais na sequência de um diálogo social adequado com os trabalhadores.

4.12.

Em algumas situações, tal como acontece e já aconteceu com muitas outras tecnologias, será aconselhável testar a IA por fases e em graus sucessivos de adaptação antes da sua plena utilização, a fim de permitir que as pessoas envolvidas se sintam seguras com as novas tecnologias — nomeadamente através de percursos de formação adequados — e corrigir eventuais erros de adaptação durante o processo (4).

4.13.

A introdução de novas tecnologias nas empresas requer o estabelecimento do diálogo social entre os vários parceiros envolvidos. A este respeito, as organizações de trabalhadores e os sindicatos terão de ser constantemente informados e consultados.

5.   Inteligência artificial, administração pública e sociedade civil

5.1.

A IA consiste numa inovação tecnológica e social capaz de transformar radicalmente toda a sociedade e melhorar o setor público e a relação entre os cidadãos e a administração pública. As oportunidades oferecidas pela inteligência artificial são suscetíveis de aumentar a eficiência administrativa e a satisfação dos cidadãos com os serviços prestados pela administração pública e com o funcionamento eficaz dessa administração.

5.2.

Para a concretização destes objetivos, é essencial que os funcionários públicos estejam igualmente preparados para enfrentar a mudança e os desafios decorrentes da IA para a sociedade europeia. Os empregadores públicos e os chefes de administração — em conjunto com os professores, os formadores e o pessoal das universidades mencionados acima — devem conseguir compreender plenamente o fenómeno da IA e decidir quais as novas ferramentas a introduzir nos procedimentos administrativos.

5.3.

A introdução da IA nos setores público e privado exige a conceção de procedimentos que promovam a compreensão e aceitação das tecnologias pelos utilizadores através de mecanismos de cooperação que permitam aos cidadãos contribuir, se possível mediante sistemas de governação participativa, para o desenvolvimento de tecnologias baseadas na IA.

5.4.

Para obter resultados significativos a este respeito, pode ser útil desenvolver modos de cooperação e parceria cada vez mais fiáveis entre os setores público e privado que visem aproveitar as oportunidades decorrentes de aplicações tecnológicas, da inteligência artificial e da robótica.

5.5.

O desafio para as administrações públicas é particularmente difícil em termos jurídicos e de legitimidade, uma vez que será necessário atingir o equilíbrio adequado entre os interesses públicos (que impliquem o exercício de poder público) e os individuais (manifestação específica da liberdade de cada pessoa). A este propósito, por exemplo, a utilização da IA pelas administrações públicas exigirá a conciliação do princípio de transparência e publicação de documentos administrativos com a proteção dos dados pessoais e dos direitos de cada pessoa à privacidade no âmbito de um quadro regulamentar claro e formal.

5.6.

Nos casos em que novas medidas permitam às administrações públicas utilizar tecnologias para tomar decisões organizacionais e fazer escolhas mais rápidas, como selecionar um contratante num concurso público, gerir uma lista de espera para serviços específicos ou recrutar novos funcionários para a administração pública, será necessário responder à questão da responsabilidade jurídica efetiva por essas decisões no âmbito de um quadro jurídico claro que garanta a plena responsabilização da administração perante os cidadãos.

5.7.

As organizações da sociedade civil e as empresas sociais são importantes para a promoção da compreensão e aceitação das tecnologias pelas pessoas, nomeadamente através de mecanismos colaborativos que permitam a participação nos processos de transformação digital. O que importa neste caso é a possibilidade de criar sistemas de governação participativa, por exemplo, de modo cooperativo, para estes instrumentos, começando com as plataformas digitais que já estão a ser utilizadas para estruturar novas formas de relações económicas na gestão do trabalho.

5.8.

As autoridades administrativas encarregadas dos mecanismos de fiscalização do mercado devem ter os conhecimentos e as competências necessários para proteger a concorrência leal, os direitos dos consumidores, bem como a segurança e os direitos dos trabalhadores. A verificação dos algoritmos deve estar a cargo de organismos públicos ou independentes. Ao mesmo tempo, as empresas devem introduzir mecanismos eficazes de verificação da utilização dos dados feita pela IA.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Ver Parecer do CESE INT/845 «Inteligência artificial: antecipar o seu impacto no trabalho para assegurar uma transição justa» (parecer de iniciativa), relatora: Franca Salis-Madinier (ver página 1 do presente Jornal Oficial).

(2)  INT/806 (31 de maio de 2017) «Inteligência artificial: impacto no mercado único (digital), na produção, no consumo, no emprego e na sociedade» (JO C 288 de 31.8.2017, p. 1).

(3)  Ver Parecer do CESE SOC/578 «Gestão da transição num mundo do trabalho digitalizado» (JO C 367 de 10.10.2018, p. 15).

(4)  Ver Parecer do CESE INT/845 «Inteligência artificial: antecipar o seu impacto no trabalho para assegurar uma transição justa» (parecer de iniciativa), relatora: Franca Salis-Madinier (ver página 1 do presente Jornal Oficial).


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/57


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a viabilização da transformação digital dos serviços de saúde e de prestação de cuidados no Mercado Único Digital, a capacitação dos cidadãos e a construção de uma sociedade mais saudável»

[COM(2018) 233 final]

(2018/C 440/09)

Relator:

Diego DUTTO

Correlator:

Thomas KATTNIG

Consulta

Comissão Europeia, 18.6.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

193/0/3

1.   Conclusões

1.1.

No decurso das mudanças provocadas pela transformação digital, as pessoas têm de estar no centro dos cuidados.

1.2.

Os processos de digitalização têm de ajudar os profissionais de saúde a passar mais tempo com os doentes. Importa garantir que as profissões da saúde dispõem de recursos humanos suficientes, devidamente qualificados e dotados de competências digitais adequadas.

1.3.

A transição digital está a alterar a natureza do trabalho nos serviços de saúde e de prestação de cuidados. Todos os intervenientes no processo devem abordar esta transformação de forma profissional e de espírito aberto para alcançar elevados padrões de qualidade.

1.4.

Há que reforçar o diálogo social a nível europeu sobre hospitais, cuidados de saúde e serviços sociais. São necessários programas de formação e de educação contínua adequados, há que melhorar as condições de trabalho e a qualidade dos empregos e há que reforçar a proteção dos dados do pessoal.

1.5.

O CESE sabe que a organização e a prestação de cuidados de saúde e sociais são da responsabilidade dos Estados-Membros. Ao abrigo da Diretiva relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços (Diretiva 2011/24/UE), há que criar uma rede de saúde em linha para promover a interoperabilidade das soluções de saúde em linha.

1.6.

As ferramentas digitais devem ser uma alavanca para desenvolver novas formas de organização nos sistemas de saúde e de prestação de cuidados, uma vez que apoiam o potencial das pessoas, das comunidades locais e das economias sociais. Por meio de investimento público adequado, há que reafirmar os valores da solidariedade e da universalidade como a base destes sistemas.

1.7.

Os processos de digitalização não devem ser erradamente interpretados como um pacote de medidas de poupança nos orçamentos dos cuidados de saúde. Não podem conduzir a cortes no pessoal ou nos serviços. Há que considerar a prestação de cuidados um serviço pessoal, tornando-se necessário, em particular com o envelhecimento da população, desenvolver novos conceitos de cuidados de longa duração.

1.8.

O CESE concorda com a visão descrita na comunicação, que passa nomeadamente por promover a saúde, prevenir e combater as doenças, ajudar a dar resposta às necessidades não satisfeitas dos doentes e facilitar a igualdade de acesso dos cidadãos a cuidados de saúde de elevada qualidade por intermédio da aplicação frutífera de inovações digitais e da economia social.

1.9.

A literacia no domínio da saúde no contexto social e digital é a capacidade de uma pessoa para adquirir, compreender e utilizar informações de forma responsável a fim de promover o seu bem-estar e de se manter saudável.

1.10.

Os cidadãos têm o direito de aceder aos seus dados relativos à saúde e de decidir se e quando pretendem partilhar tais dados. É essencial ter em conta o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, que garante aos cidadãos o controlo sobre a utilização dos seus dados pessoais, em particular dos dados relativos à saúde.

1.11.

O CESE considera que o «direito de (livre) cópia» poderia ser uma forma ativa de proteção. Tal diz respeito a todos os dados gerados pelos utilizadores ao interagirem com plataformas digitais de saúde e permite que os cidadãos reutilizem os seus próprios dados.

1.12.

Os dados originais dos utilizadores têm valor útil para os algoritmos e as plataformas, pelo que devem ser considerados como um produto original gerado pelos utilizadores e ser protegidos em conformidade com leis em matéria de propriedade intelectual.

1.13.

O «direito de (livre) cópia» também ajuda a resolver um problema relacionado com a proteção e a promoção da concorrência, que está agora a ser exaustivamente testado pelos sistemas atualmente utilizados pelas plataformas digitais para expropriar dados e históricos pessoais.

1.14.

O CESE apoia (1) o processo em quatro pilares de trabalho conjunto a nível transfronteiriço para a transformação digital na saúde e nos cuidados, que inclui avaliações clínicas conjuntas, consultas científicas conjuntas, a identificação de tecnologias de saúde emergentes e a cooperação voluntária entre os Estados-Membros.

1.15.

O CESE propõe a adoção de medidas adequadas para investigar novos quadros éticos, jurídicos e sociais que tenham em consideração os riscos associados à prospeção de dados.

1.16.

O CESE propõe a promoção da investigação e da inovação no que diz respeito à integração das tecnologias digitais, a fim de renovar os processos associados aos cuidados de saúde, por exemplo, a inteligência artificial, a Internet das coisas e a interoperabilidade. O CESE apoia plenamente os cidadãos no acesso seguro a dados fiáveis relativos à saúde além-fronteiras para fazer avançar a investigação e a prevenção de doenças.

1.17.

O CESE é também a favor do apoio da UE às pequenas e médias empresas e às empresas sociais que estão a desenvolver soluções digitais para os cuidados centrados nas pessoas e a recolha de opiniões dos doentes.

1.18.

O CESE apoia o «reequilíbrio» da assimetria socioeconómica em economias orientadas para os dados através da promoção do desenvolvimento de plataformas seguras e da prestação de apoio a organizações cooperativas sem fins lucrativos para armazenar, gerir e partilhar cópias digitais de todos os dados pessoais.

2.   Contexto e considerações gerais

2.1.

Em 25 de abril de 2018, a Comissão Europeia publicou a sua comunicação sobre a transformação digital dos serviços de saúde e de prestação de cuidados no Mercado Único Digital (2), que diz respeito às reformas e soluções inovadoras necessárias para tornar os sistemas de saúde e de prestação de cuidados mais resilientes, acessíveis e eficazes na prestação de cuidados de qualidade aos cidadãos europeus e para construir uma sociedade mais saudável. Quando bem concebidas e aplicadas de forma rentável, as soluções digitais destinadas à saúde e aos cuidados podem melhorar o bem-estar de milhões de cidadãos e melhorar radicalmente a eficácia dos serviços de saúde e dos cuidados que são prestados aos doentes. A digitalização pode apoiar a continuidade dos cuidados transfronteiriços (Diretiva 2011/24/UE), um aspeto importante para quem passa tempo no estrangeiro por motivos de negócios ou de lazer. A digitalização também pode ajudar a promover a saúde — incluindo a saúde no trabalho — e a prevenir doenças. Pode apoiar a reforma dos sistemas de saúde e a sua transição para novos padrões de prestação de cuidados, centrados nas necessidades das pessoas, e possibilitar a transição de sistemas centrados nos hospitais para estruturas de prestação de cuidados mais integradas e vocacionadas para a comunidade. No decurso da mudança, há que garantir que os cidadãos estão no centro dos cuidados. Os processos de digitalização deveriam ajudar os profissionais de saúde a passar mais tempo com os doentes. Importa, pois, garantir que as profissões da saúde dispõem de recursos humanos suficientes, devidamente qualificados e dotados de competências digitais adequadas.

2.2.

A transição para a saúde e os cuidados digitais está a transformar a natureza do trabalho nestes domínios. Só será possível fazê-lo mantendo elevados padrões de qualidade se todas os intervenientes no processo abordarem a transformação de forma profissional e de espírito aberto. Importa, pois, reforçar mais o diálogo social a nível europeu no setor da saúde e dos serviços sociais, a fim de se poder desenvolver programas de formação e de educação contínua adequados e melhorar as condições de trabalho, sobretudo o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal, a proteção dos dados do pessoal e a qualidade dos postos de trabalho.

2.3.

A Comissão Europeia salienta que os sistemas de saúde e de prestação de cuidados da Europa enfrentam problemas graves, como o envelhecimento da população, a multimorbilidade, as vacinas, a escassez de profissionais de saúde devido às condições de trabalho difíceis e o problema crescente das doenças não transmissíveis evitáveis, causadas por fatores de risco como o tabaco, o álcool e a obesidade, assim como por outras doenças, incluindo as doenças neurodegenerativas e doenças raras. Assiste-se igualmente à ameaça crescente das doenças infecciosas, devido a uma maior resistência aos antibióticos e a agentes patogénicos novos ou recrudescentes. A despesa pública com a saúde e os cuidados de longa duração está a aumentar nos Estados-Membros da UE, prevendo-se que esta tendência se mantenha. É especialmente importante que os custos associados sejam utilizados para melhorar a qualidade do trabalho para os profissionais de saúde, evitando promover salários baixos e condições de trabalho onerosas. Com o envelhecimento da população, torna-se necessário desenvolver novos conceitos de cuidados de longa duração.

2.4.

Mesmo quando estão disponíveis, os dados relativos à saúde dependem amiúde de tecnologias que não são interoperáveis, o que constitui um obstáculo à sua maior utilização.

2.5.

Tal faz com que os sistemas de saúde careçam de informações fundamentais para otimizarem os seus serviços e com que os prestadores de serviços tenham dificuldade em criar economias de escala para oferecer soluções de serviços de saúde e cuidados digitais eficientes e apoiar a utilização transfronteiras de serviços de saúde. Os resultados quantificados baseados em dados relativos à saúde têm de gerar perspetivas personalizadas sobre saúde e de estar acessíveis aos clínicos gerais, aos médicos especialistas e aos cientistas, para que estes os possam utilizar na agregação de dados e na modelização preditiva, bem como na aplicação de boas práticas.

2.6.

Tal como demonstram as conclusões do relatório sobre o estado da saúde na UE (State of Health in the EU), a utilização de dados de saúde centrados no doente ainda não está suficientemente desenvolvida na UE.

2.7.

A organização e a prestação de cuidados de saúde e sociais são da responsabilidade dos Estados-Membros. Em alguns deles, sobretudo nos que possuem sistemas federais, o financiamento e a prestação dos cuidados de saúde são da responsabilidade dos órgãos de poder regional.

2.8.

Ao abrigo da Diretiva relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços (Diretiva 2011/24/UE), foi criada uma rede de saúde em linha para promover a interoperabilidade das soluções de saúde em linha.

2.9.

Também se desenvolveram estruturas de cooperação, tais como a Parceria Europeia para a Inovação no domínio do Envelhecimento Ativo e Saudável, o programa conjunto para apoiar uma vida ativa e autónoma (Programa Envelhecimento Ativo, Vida Autónoma e Assistida) e parcerias público-privadas como a Iniciativa sobre Medicamentos Inovadores e a Empresa Comum de Componentes e Sistemas Eletrónicos para uma Liderança Europeia. As estratégias regionais e nacionais de especialização inteligente desempenham igualmente um papel fulcral no desenvolvimento de ecossistemas regionais mais fortes no domínio dos cuidados de saúde. Desde 2004, dois planos de ação em matéria de saúde em linha proporcionaram um quadro para ação política aos Estados-Membros e à Comissão, tendo o grupo de partes interessadas no domínio da saúde em linha desempenhado um papel de relevo neste contexto.

2.10.

Com base, nomeadamente, nas suas posições estabelecidas em pareceres anteriores (3), o CESE considera que a proposta de ação da Comissão em três domínios deve ser apoiada. Estes domínios são o acesso seguro dos cidadãos aos dados relativos à saúde e possibilidade de os partilhar além-fronteiras; dados fiáveis para fazer avançar a investigação, a prevenção de doenças e os cuidados de saúde personalizados e ferramentas digitais para maior participação dos cidadãos e cuidados centrados no doente. Tal como atrás se refere, importa garantir que os processos de digitalização não são erradamente interpretados como um pacote de medidas de poupança nos orçamentos dos cuidados de saúde e não levam a cortes no pessoal ou nos serviços. A escassez de pessoal leva à degradação dos cuidados e ao aumento do risco de morbilidade. Importa não esquecer que a transformação digital é um fenómeno bidimensional que engloba direção e processo. Em termos de direção, centramo-nos nos fatores externos às organizações, observando constantemente «o que» a transformação digital tem por objeto. Em termos de processo, o enfoque incide sobre o pensamento no interior das organizações, especialmente no modo «como» a transformação digital está a ser levada a cabo. É, pois, imperativo ter em conta esta abordagem ao analisar o tema do parecer, a fim de garantir uma abordagem orientada para os doentes.

2.11.

Precisamente por este motivo, o CESE salienta, tal como fez num parecer anterior (4), que, para tirar partido da transformação digital, as redes da UE e as medidas de apoio previstas devem utilizar as ferramentas digitais para exercer e reforçar os nossos direitos fundamentais no domínio da saúde e dos cuidados, e não para os enfraquecer. As ferramentas digitais devem apoiar o desenvolvimento do potencial individual, das comunidades locais e da economia social; devem ser uma alavanca poderosa de promoção dos direitos e de desenvolvimento de novas formas de organização e governação da saúde e dos cuidados e devem contribuir para reafirmar os valores da solidariedade e da universalidade que constituem a base do nosso sistema de saúde. Tal deve ser garantido por meio de investimento público adequado, conforme referido num parecer anterior (5).

2.12.

Em linha com os pareceres precedentes, o CESE considera que a digitalização pode contribuir para a igualdade de acesso aos cuidados de saúde, o que é um objetivo fundamental das políticas de saúde, se reunidas as seguintes condições:

uma cobertura territorial equitativa, que tenha em conta as zonas mal servidas pelos operadores dos serviços digitais (acesso, banda larga),

a redução do fosso digital, em termos de utilização entre cidadãos, profissionais de saúde e intervenientes nos sistemas de seguro de doença/saúde,

a interoperabilidade entre os vários componentes da arquitetura digital (bases de dados, dispositivos médicos), para promover a continuidade dos cuidados em cada estrutura e entre estruturas,

a proteção dos dados da saúde, os quais não podem, em caso algum, ser utilizados em detrimento dos doentes,

a divulgação por via eletrónica das informações sobre os produtos, aprovadas pelos organismos competentes para a aprovação dos medicamentos, para melhorar o acesso (como referido num parecer anterior do CESE) (6).

2.13.

O rápido desenvolvimento da telemedicina, dos dispositivos conectados e das nanotecnologias, biotecnologias, informática e ciências cognitivas (NBIC) não deve levar a que os doentes sejam encarados como meros corpos conectados, passíveis de análise, controlo e supervisão à distância por um programa informático poderoso. Na realidade, o papel crescente da tecnologia no domínio da saúde fomenta a visão contrária, ao reafirmar o papel central das relações interpessoais e dos laços sociais na prática da medicina e dos cuidados de saúde.

3.   As repercussões da transformação digital

3.1.   As repercussões da transformação digital na saúde e nos cuidados

3.1.1.

A comunicação da Comissão ilustra o modo como a UE pode ajudar a alcançar os objetivos delineados nas conclusões do Conselho, nomeadamente ao desenvolver a cooperação e as infraestruturas necessárias na UE e, assim, ajudar os Estados-Membros a cumprirem o seu compromisso político nestes domínios. As ações propostas também apoiam o compromisso da Comissão de alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas de «assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades» e de aplicar os princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

3.1.2.

O CESE concorda com a visão descrita na comunicação, que passa nomeadamente por promover a saúde, prevenir e combater as doenças, ajudar a dar resposta às necessidades não satisfeitas dos doentes e facilitar a igualdade de acesso dos cidadãos a cuidados de saúde de elevada qualidade por intermédio da aplicação frutífera de inovações digitais e de empresas sociais.

3.1.3.

O CESE considera que é essencial reforçar a sustentabilidade dos sistemas de saúde e de prestação de cuidados da Europa, ajudando a maximizar o potencial do mercado único digital através de uma maior utilização de produtos e serviços digitais na saúde e na prestação de cuidados. Um outro objetivo das ações propostas deve ser o de estimular o crescimento e promover a indústria europeia neste setor, bem como as empresas, com e sem fins lucrativos, que concebem e gerem os serviços de saúde e de prestação de cuidados.

3.1.4.

A transformação digital permite, concretamente, o acesso e a exploração de dados a fim de possibilitar a redução das despesas de saúde à medida que a população cresce e que a esperança de vida aumenta, apoiando a otimização da ação governamental a nível nacional e europeu.

3.1.5.

A digitalização da saúde contribuirá não só para reduzir o tempo passado nos hospitais, com um impacto positivo direto nos cuidados de saúde prestados nos hospitais, mas também para facilitar a recuperação dos próprios doentes. No contexto do reconhecimento internacional, a Organização Mundial da Saúde, em cooperação com a União Internacional das Telecomunicações (UIT), propôs o conjunto de ferramentas para as estratégias nacionais de saúde em linha, que consiste, essencialmente, num método para a modernização e o desenvolvimento de estratégias, planos de ação e quadros de acompanhamento nacionais de saúde em linha.

3.2.   As repercussões da transformação digital nas pessoas

3.2.1.

A transformação digital dá aos cidadãos a oportunidade de terem um acesso mais amplo a conhecimentos, infraestruturas e serviços de cuidados de saúde inovadores e personalizados mais eficientes, bem como de contribuírem — enquanto prestadores de serviços, produtores de informação e prestadores de dados — para melhorar a saúde dos outros.

3.2.2.

Pode considerar-se também que os cidadãos têm o direito de acesso aos seus dados de saúde e a decidir se e quando pretendem partilhar esses dados. O CESE entende, além disso, que é essencial ter em conta o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, que entrou em vigor em 25 de maio de 2018 e que garantirá aos cidadãos o controlo sobre a utilização dos seus dados pessoais, incluindo dados relativos à saúde. Além disso, deve igualmente ser tida em conta a declaração da Associação Médica Mundial (AMM) sobre as considerações éticas relativas às bases de dados de saúde e aos biobancos (Declaração de Taipé), adotada pela 53.a Assembleia Geral da AMM, em Washington, nos Estados Unidos da América, em outubro de 2002, e revista pela 67.a Assembleia Geral da AMM, em Taipé, Taiwan, em outubro de 2016.

3.2.3.

A este respeito, é essencial questionar o risco de aumento do fosso nos níveis de literacia digital das pessoas. A literacia no domínio da saúde no contexto social e digital é a capacidade de uma pessoa para adquirir, compreender e utilizar informações de forma responsável a fim de promover o seu bem-estar e de se manter saudável. Para isso, é necessário garantir um nível de competências e de familiaridade com as novas ferramentas que permita às pessoas melhorarem o seu próprio bem-estar e o da comunidade através de medidas destinadas a melhorar o estilo de vida e as condições de vida.

3.2.4.

Uma vez que os utilizadores estão no centro da conceção e dos serviços, os dados que geram também devem ser considerados cruciais, sendo estabelecida regulamentação adequada relativa à titularidade dos dados e ao direito à sua utilização pelo próprio utilizador e por terceiros. As questões que devem ser colocadas são «quem é o titular dos dados?», «quem tem o direito de os utilizar?», «em que condições outras partes que prestam serviços podem utilizar os dados?», «o utilizador pode utilizar os dados livremente?», etc. A este respeito, é necessário fazer uma distinção importante entre tipos de dados: os dados em bruto, por um lado, e os dados gerados por algoritmos e serviços de inteligência artificial, por outro. Se uma outra parte gerar novos dados agregados utilizando algoritmos privados, de que modo deverá ser gerida a propriedade da informação? Como criar modelos de negócio capazes de lidar com a presença de múltiplas partes interessadas, sendo cada uma delas responsável por prestar uma parte fundamental do serviço? Importa também distinguir entre modelos de negócio baseados apenas em serviços (mais tradicionais, por exemplo apoio nas atividades da vida diária, AVD) e modelos baseados em dados centrados no doente, com a possibilidade de desenvolver novos serviços de saúde à distância (por exemplo, serviços de prevenção, apoio e adaptação ao tratamento).

3.2.5.

Os dados autênticos — ou seja, originais — de cada utilizador são o único valor útil para os algoritmos, serviços e plataformas, o que significa que podem/devem ser considerados como um produto original gerado pelos utilizadores (e só por estes com as suas características biológicas, cognitivas, culturais e comportamentais), sendo, por isso, uma «contribuição original» que deve ser protegida em conformidade com regras semelhantes em matéria de propriedade intelectual, embora com as adaptações necessárias. Uma sugestão poderia ser uma forma ativa de proteção através do «direito de (livre) cópia» de todos os dados gerados pelos utilizadores ao interagir com plataformas digitais de saúde, de modo a permitir-lhes reutilizá-los (se tal for considerado adequado) através da sua reagregação por intermédio de outros serviços/algoritmos. O «direito de (livre) cópia» também ajuda a resolver um outro problema relacionado com a proteção e a promoção da concorrência, que está agora a ser exaustivamente testado pelos sistemas atualmente utilizados pelas plataformas digitais — com base em contratos ou de outra forma — para expropriar dados e históricos pessoais.

3.2.6.

A própria UE abordou a questão mencionada no ponto 3.2.5 em várias ocasiões tendo, em alguns casos, optado pelo direito de disponibilização (cópia) dos dados (ver artigo 9.o da Diretiva 2012/27/UE relativa à eficiência energética: os Estados-Membros asseguram que, «se o consumidor final assim o solicitar, os dados do contador relativos ao abastecimento ou ao consumo de eletricidade do consumidor lhe sejam comunicados, ou a terceiros que ajam em nome do consumidor final, num formato facilmente compreensível que possa ser utilizado pelo consumidor final para cotejar as ofertas numa base comparável»).

3.2.7.

O CESE propõe a criação de uma infraestrutura informática ligada à rede, para que as pessoas com doenças raras possam ser contactadas de forma rápida e possam disponibilizar os seus dados de saúde e clínicos para fins de investigação mundial sem fins lucrativos. A União Europeia está a promover a criação de um sistema de registos de saúde eletrónicos apoiando o intercâmbio de informações e a normalização, e o desenvolvimento de redes para intercâmbio de informações entre prestadores de cuidados de saúde para coordenar ações em caso de risco para a saúde pública.

3.2.8.

Tal permitiria às pessoas/cidadãos/doentes/utentes reassumirem o pleno controlo da sua identidade digital. Permitir-lhes-ia participar na aquisição de conhecimentos obtidos a partir de dados de saúde agregados para medicina e prevenção personalizadas, e também tirar partido das vantagens económicas consideráveis derivadas destes dados agregados.

3.3.   As repercussões da transformação digital nos sistemas sociais e de saúde

3.3.1.

O CESE apoia (tal como mencionado no seu parecer) (7) o processo em quatro pilares de trabalho conjunto a nível transfronteiriço para a transformação digital na saúde e nos cuidados.

3.3.1.1.

A proposta cria um grupo de coordenação, composto por representantes dos organismos responsáveis pela avaliação das tecnologias da saúde (ATS) dos Estados-Membros, e descreve os quatro pilares da cooperação futura. O trabalho conjunto seria liderado pelos Estados-Membros através do grupo de coordenação e englobaria:

avaliações clínicas conjuntas,

consultas científicas conjuntas,

identificação de tecnologias de saúde emergentes,

cooperação voluntária entre os Estados-Membros.

3.3.1.1.1.

As avaliações clínicas conjuntas dizem respeito às tecnologias mais inovadoras, que incluem: i) os medicamentos sujeitos ao procedimento centralizado de autorização de introdução no mercado, e ii) determinadas classes de dispositivos médicos e de dispositivos médicos de diagnóstico in vitro que permitem dar resposta às necessidades médicas não satisfeitas e abordar o impacto potencial para os doentes, a saúde pública ou os sistemas de cuidados de saúde e uma dimensão transfronteiriça significativa. Tais avaliações seriam elaboradas e definidas pelos organismos de ATS dos Estados-Membros, pelas empresas farmacêuticas ou pelos fabricantes de dispositivos médicos («criador»), pelos doentes, pelos peritos clínicos e por outras partes interessadas. Depois de verificado pela Comissão, o relatório seria publicado e, em seguida, utilizado pelos Estados-Membros.

3.3.1.1.2.

As consultas científicas conjuntas, também denominadas «diálogos iniciais», permitiriam que o criador de tecnologias de saúde obtivesse aconselhamento dos organismos de ATS sobre os dados e os elementos de prova suscetíveis de ser exigidos como parte de uma avaliação clínica conjunta futura. Os criadores teriam a possibilidade de pedir uma consulta científica conjunta ao grupo de coordenação. Uma vez aprovados pelo grupo de coordenação, os relatórios de consulta científica conjunta seriam transmitidos ao criador de tecnologias de saúde, mas não seriam publicados.

3.3.1.1.3.

A «análise prospetiva», ou a identificação de tecnologias de saúde emergentes (tecnologias de saúde que ainda não foram adotadas pelo sistema de cuidados de saúde), ajudaria a garantir que as tecnologias de saúde que se preveja virem a ter um impacto importante para os doentes, a saúde pública ou os sistemas de cuidados de saúde seriam identificadas numa fase precoce do seu desenvolvimento e incluídas no trabalho conjunto.

3.3.1.1.4.

Os Estados-Membros teriam a possibilidade de manter a cooperação voluntária a nível da UE em domínios não abrangidos pela cooperação obrigatória. Tal possibilitaria, nomeadamente, a realização de avaliações de tecnologias de saúde que não os medicamentos ou os dispositivos médicos (como procedimentos cirúrgicos), bem como a avaliação de aspetos não clínicos (por exemplo, o impacto dos dispositivos médicos na organização dos cuidados).

3.3.2.

A implantação de novas soluções de cuidados de saúde facilitada pela transformação digital levanta diversas questões multidisciplinares importantes, incluindo questões de ordem ética, jurídica e social. Embora já exista um quadro jurídico para a proteção dos dados e a segurança dos doentes, é necessário abordar outras questões, como o acesso à banda larga, os riscos associados à prospeção de dados e às decisões automáticas, a garantia de normas e legislação adequadas para assegurar a devida qualidade dos serviços de saúde em linha e de saúde móvel, e a acessibilidade e a qualidade dos serviços. Do mesmo modo, a nível dos serviços, embora existam regras a nível da UE e nacional que regem os contratos públicos, a concorrência e o mercado interno, é necessário debater e adotar novas abordagens que tenham em conta a transformação digital.

3.3.3.

A transformação digital implicará uma reorganização do sistema de cuidados de saúde, com novas formas e normas de prestação de serviços (por exemplo, utilizando robôs em conjunto com os prestadores de cuidados). Além disso, os prestadores de cuidados devem seguir programas de formação adequados e específicos (por exemplo, incluindo uma formação de base social, médica ou técnica) e estar preparados para novos perfis profissionais e transformações em ambientes de trabalho. Tal levará à definição de novos modelos de serviço, políticas de apoio, certificações e normas adequadas à introdução dos serviços e tecnologias digitais em mercados e contextos de cuidados reais. A sua conceção e desenvolvimento devem seguir os princípios da conceção centrada no utilizador, da engenharia da usabilidade através da conceção, da conceção universal, etc., com os utilizadores e as suas necessidades no centro do processo, evitando a criação de um fosso digital e a exclusão de determinadas pessoas dos serviços.

3.3.4.

O CESE é favorável aos esforços da Comissão no sentido de apoiar o desenvolvimento e a adoção do formato europeu de intercâmbio de registos de saúde eletrónicos e de desenvolver medidas comuns de identificação e autenticação, conforme estabelecido no artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2011/24/UE.

3.4.   As repercussões da transformação digital no mercado digital

3.4.1.

O desafio consiste no reequilíbrio da assimetria socioeconómica numa economia orientada para os dados (8) através:

do direito legal a uma cópia em formato digital de todos os dados pessoais (médicos e não médicos); portabilidade dos dados (artigo 20.o da Diretiva Proteção de Dados da UE),

de uma plataforma segura através da qual as pessoas possam armazenar, gerir e partilhar ativamente dados de acordo com condições que elas próprias estabelecem,

de uma estrutura organizacional cooperativa sem fins lucrativos de plataformas de dados pessoais que sejam propriedade dos cidadãos,

de receitas obtidas com a utilização secundária e controlada pelos cidadãos de dados investidos em projetos e serviços que beneficiem os membros e a sociedade em geral.

3.4.2.

As avaliações clínicas conjuntas tornariam o acesso mais rápido, evitariam as duplicações a nível nacional e proporcionariam uma maior coerência, clareza e previsibilidade a todos os envolvidos no processo. A indústria dos dispositivos médicos é, em geral, mais cética em relação à proposta. A cooperação obrigatória em relação às ATS clínicas poderá atrasar o acesso dos dispositivos ao mercado, ao invés de o agilizar.

3.4.3.

Com o crescimento da entrada dos dispositivos móveis no mercado, as soluções de saúde em linha e de saúde móvel oferecerão novos serviços com processos otimizados. Estes processos incluirão a promoção da mobilidade dos profissionais de saúde e de prestação de cuidados.

3.4.4.

A transformação digital promoverá o desenvolvimento de novos modelos de negócio ágeis, fomentará a participação de várias partes interessadas nos negócios e trará benefícios resultantes da quantificação das experiências dos utilizadores. O seu êxito depende de ser centrada no cliente (ou no utilizador), para garantir que a perspetiva do utilizador é tida em conta desde o início do processo de conceção («design thinking»).

3.4.5.

A transformação digital permitirá a utilização generalizada de dados de saúde e sociais, promovendo a integração de sistemas e dispositivos com serviços de aprendizagem por máquina e a necessidade de interoperabilidade e capacidade de interação máquina-máquina (M2M), que tem de ter em consideração a variedade de requisitos e preferências dos utilizadores, o desenvolvimento de sistemas preparados para o futuro, a possibilidade de integração com as infraestruturas existentes e com os prestadores de serviços locais e eventuais tecnologias e serviços revolucionários e não planeados que possuam novos requisitos de normalização.

3.4.6.

As novas tecnologias facilitadoras, como o 5G, criarão oportunidades de melhoria dos produtos e serviços de banda larga móvel, apoiando a criação de milhões de ligações para dispositivos da Internet das coisas numa escala maciça. A proliferação do 5G e da Internet das coisas faz com que as estratégias de transformação digital sejam cruciais para muitas partes interessadas no domínio dos cuidados de saúde, sobretudo à medida que os novos comportamentos e necessidades de consumo exigem novas ofertas digitais.

3.4.7.

O CESE apoia os serviços relacionados com: informações de saúde, prevenção de doenças, desenvolvimento de sistemas de aconselhamento à distância, prescrição em linha, encaminhamento e reembolso de despesas médicas. Plataformas existentes como a Alfred, a Big White Wall, o Medicine Patient Portal, a Empower, etc. podem ser consideradas como promotoras da transformação digital no mercado único digital. Curiosamente, em 29 de maio de 2018, foi anunciado que a Nuvem Europeia para a Ciência Aberta apoiaria a ciência da UE numa posição de liderança mundial através da criação de um ambiente fidedigno para o alojamento e o tratamento de dados de investigação. A Nuvem deverá ser uma federação pan-europeia ampla de infraestruturas existentes e emergentes de excelência que respeite os mecanismos de governação e de financiamento das partes que a compõem; a participação como membro desta federação seria voluntária e a estrutura de governação incluiria partes interessadas, cientistas e ministérios dos Estados-Membros.

3.5.   As repercussões da transformação digital nos prestadores de serviços

3.5.1.

Neste contexto, o CESE define os seguintes objetivos:

foco nos prestadores de cuidados de saúde,

foco nos doentes quando entram no sistema de saúde,

transferências de dados eficientes no âmbito dos cuidados primários (saúde em linha, processo clínico eletrónico),

consentimento dos doentes na utilização dos seus dados para fins de investigação; incentivos ao fornecimento de dados suplementares (saúde móvel),

redução das dificuldades em envolver os doentes na investigação.

3.5.2.

Estudos tecnológicos, sociais e económicos recentes salientam que a inteligência artificial, a Internet das coisas e a robótica permitirão conceber e desenvolver novas abordagens nos domínios da medicina personalizada e de precisão, da fragilidade cognitiva e da robótica cooperativa. A sua aceitação no setor dos cuidados de saúde implicará a adaptação e o desenvolvimento de todos os processos relacionados com a conceção, a prestação e a avaliação dos serviços. Neste contexto, a transformação digital representa um fator fundamental, mas também facilitador (ou «acelerador») da integração das tecnologias inovadoras no domínio dos cuidados de saúde.

3.5.3.

A transformação digital tem o potencial para disponibilizar uma grande quantidade de dados que permitirão a investigação e o desenvolvimento de soluções de prestação de serviços novas e ambiciosas baseadas na inteligência artificial. Estas poderão servir de base para a criação de um quadro que permita quantificar objetivamente as doenças crónicas e identificar oportunidades de diagnóstico precoce e acompanhamento terapêutico. Além disso, recentes progressos no domínio da inteligência artificial tirariam partido da disponibilidade de dados para desenvolver sistemas capazes de aprender e de se adaptar à evolução das doenças.

3.5.4.

A utilização generalizada de dados e a capacidade das partes interessadas para os utilizarem e transformarem em função das necessidades dos utilizadores abrem novos cenários para a partilha de dados, o conhecimento e a especialização, já apoiados pelas redes europeias de referência, que proporcionam uma estrutura de governação para a partilha de conhecimentos e a coordenação de cuidados em toda a UE no domínio das doenças raras. Se um determinado local (zona ou país) não possuir conhecimentos especializados sobre uma doença específica, a rede pode ajudar os médicos a obterem conhecimentos junto de outros centros de especialização noutros locais. Do mesmo modo, os hospitais em toda a Europa podem utilizar os sistemas de conexão digital para partilhar conhecimentos e prestar apoio mútuo.

3.5.5.

Uma consequência óbvia dos pontos anteriores é a necessidade de dar prioridade à cibersegurança. Tal como salientado num relatório da Agência da União Europeia para a Segurança das Redes e da Informação (ENISA Threat Landscape Report 2017: 15 Top Cyber-Threats and Trends [Relatório da ENISA sobre o panorama das ameaças 2017: As 15 principais ameaças e tendências cibernéticas]), a complexidade dos ataques e a sofisticação das ações maliciosas no ciberespaço continuam a aumentar. No contexto dos cuidados de saúde, em que se verifica a interligação de muitos sistemas abrangentes e em que estão em causa questões significativas, como a vida dos doentes, informações pessoais sensíveis, recursos financeiros, etc., a segurança da informação reveste-se de primordial importância. No contexto da transformação digital, são necessários novos métodos e orientações para modelar os quadros de avaliação da cibersegurança, as contramedidas organizacionais e a conformidade em matéria de interoperabilidade com base na cibersegurança.

3.5.6.

O CESE é também a favor do apoio da UE às pequenas e médias empresas que estão a desenvolver soluções digitais para os cuidados centrados nas pessoas e a recolha de opiniões dos doentes. A cooperação envolverá, evidentemente, as autoridades públicas e outras partes interessadas empenhadas em promover princípios comuns ou mutuamente reconhecidos de validação e certificação das soluções digitais para adoção pelos sistemas de saúde (por exemplo, a saúde móvel e a vida autónoma).

3.5.7.

O CESE considera ainda que as iniciativas anteriores para emitir cartões de cuidados de saúde pelos Estados-Membros da UE têm de continuar, sob o prisma da transformação digital da saúde e dos cuidados no mercado digital. Dada a natureza sensível dos dados médicos que podem ser armazenados nestes cartões de saúde em linha, estes devem oferecer uma proteção sólida da privacidade do respetivo titular.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 283 de 10.8.2018, p. 28.

(2)  COM(2018) 233 final.

(3)  JO C 434 de 15.12.2017, p. 1; JO C 13 de 15.1.2016, p. 14, e JO C 458 de 19.12.2014, p. 54.

(4)  JO C 434 de 15.12.2017, p. 1.

(5)  JO C 173 de 31.5.2017, p. 33.

(6)  JO C 13 de 15.1.2016, p. 14.

(7)  JO C 283 de 10.8.2018, p. 28.

(8)  Fórum Económico Mundial — The Global Information Technology Report 2014 [Relatório mundial sobre as tecnologias da informação 2014].


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/66


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a) «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a ações coletivas para proteger os interesses coletivos dos consumidores e que revoga a Diretiva 2009/22/CE»

[COM(2018) 184 final — 2018/0089 (COD)]

e b) «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, a Diretiva 98/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, a Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, a fim de assegurar uma melhor aplicação e a modernização das normas da UE em matéria de defesa do consumidor»

[COM(2018) 185 final — 2018/0090 (COD)]

(2018/C 440/10)

Relator:

Jarosław MULEWICZ

Correlator:

Antonio LONGO

Consulta

a)

Parlamento Europeu, 2.5.2018

a)

Conselho, 22.5.2018

b)

Parlamento Europeu, 2.5.2018

b)

Conselho, 22.5.2018

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

20.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

155/1/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE toma conhecimento da proposta da Comissão Europeia relativa a uma melhor aplicação e à modernização das normas da UE em matéria de defesa do consumidor e do objetivo de atualizar as normas em vigor, por forma a ter em conta novos hábitos de consumo e adaptá-los à evolução do mercado único digital. Contudo, tal como recomendado no Parecer do CESE — Vulnerabilidade dos consumidores face às práticas comerciais no mercado único (1), ainda é necessário dar resposta às preocupações relacionadas com a não aplicação das normas em vigor.

1.2.

O CESE concorda com a Comissão Europeia quanto à necessidade de modernizar e simplificar a política da UE em matéria de consumidores e considera que o novo pacote legislativo pode contribuir para colmatar a lacuna criada pelo crescimento exponencial do comércio eletrónico, que mina a confiança dos consumidores e causa distorções do mercado único.

1.3.

De um modo geral, o Comité considera que a harmonização da legislação em matéria de defesa do consumidor não deve diminuir o nível de defesa do consumidor nos Estados-Membros, assegurando ao mesmo tempo a segurança jurídica para os profissionais. O CESE toma nota das conclusões do REFIT (Programa para a Adequação e a Eficácia da Regulamentação) de que as regras de defesa do consumidor se adequam ao fim que procuram servir, mas salienta igualmente que cada vez mais consumidores estão sujeitos a técnicas de comercialização agressivas e a práticas empresariais enganosas.

1.4.

O CESE apoia a proposta de alargar os direitos dos consumidores a todos os serviços digitais «aparentemente gratuitos» pelos quais os utilizadores trocam os seus dados pessoais e não pessoais. Também defende uma maior transparência e responsabilidade para as plataformas em linha.

1.5.

No que toca à revisão da Diretiva 2011/83/UE relativa aos direitos dos consumidores, foram manifestados dois tipos diferentes de preocupações no âmbito do Comité. Os representantes dos profissionais são a favor da atualização, da simplificação e da adaptação da informação pré-contratual, ao passo que os representantes dos consumidores consideram que isso reduziria o nível de defesa do consumidor.

1.6.

O CESE considera que as disposições em matéria de conteúdos digitais, serviços digitais e vendas em linha devem estar em consonância com a legislação relativa ao mercado único digital.

1.7.

O CESE considera que o direito de retratação constitui um instrumento eficiente de defesa do consumidor, que não deve ser comprometido. Os membros do Comité têm pontos de vista diferentes sobre a proposta da Comissão. Os representantes dos profissionais, em particular as PME, necessitam de uma maior segurança jurídica em relação aos produtos «indevidamente testados» e ao reembolso antecipado. Os representantes dos consumidores opõem-se à alteração, e apelam para a manutenção do statu quo. O Comité exorta a Comissão a reexaminar esta disposição importante, a fim de encontrar um compromisso entre os dois interesses opostos.

1.8.

O CESE considera justificadas as medidas que protegem os consumidores contra produtos em relação aos quais exista dualidade de critérios quanto à sua qualidade e apoia a proposta da Comissão destinada a assegurar uma maior transparência.

1.9.

O Comité apoia a utilização de mecanismos de resolução alternativa de litígios e de resolução de litígios em linha, como a mediação ou a arbitragem, os quais devem ser promovidos a nível europeu e nacional.

1.10.

O CESE solicita à Comissão que assegure a aplicação efetiva e o cumprimento pelos Estados-Membros das regras de defesa do consumidor em vigor, que apoie a harmonização dessas regras, que promova a cooperação transfronteiriça entre as autoridades nacionais através da cooperação no domínio da defesa do consumidor (CDC) e que lance uma campanha de comunicação para facilitar o cumprimento da legislação em matéria de defesa do consumidor pelas pequenas e médias empresas.

1.11.

O CESE convida os Estados-Membros a adotar regras mais rigorosas para fazer cumprir a legislação de defesa do consumidor em vigor, combater as infrações nacionais e transnacionais e preservar o nível atual de defesa do consumidor.

1.12.

O CESE apoia a proposta de definir critérios específicos para a introdução de coimas enquanto instrumento eficaz de defesa do consumidor. É importante prever sanções verdadeiramente dissuasivas para as empresas que infringem as regras, correspondentes a uma percentagem significativa do seu volume de negócios anual e tendo em conta infrações à escala da UE.

1.13.

O CESE toma nota da proposta de diretiva relativa a ações coletivas para proteger os interesses coletivos dos consumidores, que revoga a Diretiva 2009/22/CE. Não obstante, o Comité lamenta que as recomendações constantes do seu Parecer — Quadro europeu para a tutela coletiva (2) não tenham sido tidas em conta na redação da proposta legislativa.

1.14.

Todos os cidadãos da UE deveriam gozar de acesso fácil e rápido à justiça. Os consumidores devem ser indemnizados pelas perdas resultantes do incumprimento do contrato. Por conseguinte, é de saudar um sistema de reparação especificamente concebido para as perdas coletivas, o qual deve ser pragmático e eficiente em termos de custos, fornecer as salvaguardas necessárias e ter em conta os sistemas judiciais nacionais existentes.

1.15.

O CESE reconhece os esforços da Comissão no sentido de identificar as entidades qualificadas para reclamar uma reparação coletiva, de acordo com o princípio da subsidiariedade e com a legislação nacional.

1.16.

Além disso, os Estados-Membros devem apoiar a criação de fundos para ações judiciais para as entidades qualificadas. Nos casos em que as perdas correspondam a pequenos montantes e seja impossível determinar todos os lesados, o CESE apoia a proposta da Comissão de afetar esses montantes a fins de interesse público; contudo, reclama a clarificação desses fins (por exemplo, assistência aos consumidores, programas de informação e educação, fundos para ações judiciais).

1.17.

Por último, a possibilidade de «adesão» ou «autoexclusão» de uma ação coletiva seria outra salvaguarda importante, que deveria estar prevista na diretiva. Em consonância com a recomendação constante do seu Parecer — Quadro europeu para a tutela coletiva (3), os consumidores devem poder decidir livremente se pretendem optar pela adesão ou pela autoexclusão de uma ação coletiva.

2.   Antecedentes e introdução

2.1.

Em 11 de abril de 2018, a Comissão Europeia publicou um pacote legislativo relativo a um Novo Acordo para os Consumidores. Este pacote inclui uma proposta de diretiva («Diretiva Omnibus») que altera a Diretiva 93/13/CEE (4), a Diretiva 98/6/CE (5), a Diretiva 2005/29/CE (6) e a Diretiva 2011/83/UE (7), a fim de assegurar uma melhor aplicação e a modernização das normas da UE em matéria de defesa do consumidor, e uma proposta de diretiva relativa a ações coletivas para proteger os interesses coletivos dos consumidores e que revoga a Diretiva 2009/22/CE.

Diretiva Omnibus

2.2.

A proposta da Comissão [COM(2018) 185 final] relativa a uma melhor aplicação e à modernização das normas da UE em matéria de defesa do consumidor visa completar os mecanismos atuais relativos à defesa do consumidor, às infrações transnacionais e ao comércio eletrónico, bem como reduzir os encargos sobre os profissionais. A proposta segue as conclusões do balanço de qualidade, no âmbito do Programa REFIT, sobre a legislação em matéria de direitos dos consumidores na UE e de comercialização (8) e sobre a avaliação da Diretiva 2011/83/UE relativa aos direitos dos consumidores.

2.3.

Em especial, a Diretiva Omnibus proposta prevê:

2.3.1.

A introdução de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas de forma coordenada para infrações nacionais e transnacionais;

2.3.2.

O reforço da transparência no mercado único digital, com requisitos de transparência para as plataformas em linha;

2.3.3.

O alargamento da proteção dos consumidores aos serviços digitais, em especial aqueles em que o consumidor não paga mas fornece dados pessoais e não pessoais, os quais têm valor económico, não podendo, por isso, ser considerados «gratuitos»;

2.3.4.

A redução dos encargos para as empresas, permitindo que os profissionais utilizem novas formas de comunicação em linha, como os formulários ou os fóruns de discussão em linha, em alternativa ao correio eletrónico;

2.3.5.

A revisão de determinados aspetos relativos ao direito de retratação. Em especial, o profissional só é autorizado a reembolsar o consumidor depois de ter inspecionado o bem e verificado que o consumidor o não «usou», em vez de se limitar a experimentá-lo;

2.3.6.

A possibilidade de os Estados-Membros restringirem práticas agressivas ou enganosas não solicitadas no quadro de visitas ao domicílio ou de vendas em excursões;

2.3.7.

A inclusão explícita de produtos em relação aos quais exista dualidade de critérios quanto à sua qualidade e de todas as práticas de comercialização com eles relacionadas, incluindo práticas comerciais enganosas, particularmente comuns no setor agroalimentar.

Diretiva Ações Coletivas

2.4.

A proposta da Comissão [COM(2018) 184 final] relativa a ações coletivas para proteger os interesses coletivos dos consumidores lança as bases de um mecanismo europeu de tutela coletiva contra as infrações generalizadas da legislação em matéria de defesa do consumidor. Este instrumento, já disponível em alguns Estados-Membros, deve ser alargado a todos. Não obstante, há que aplicar o princípio da subsidiariedade, permitindo que os Estados-Membros definam este mecanismo ao nível nacional e mantenham os mecanismos já existentes.

2.5.

Só as entidades qualificadas ao nível nacional devem ser autorizadas a agir em nome dos consumidores, e devem cumprir alguns dos requisitos mínimos introduzidos pela Comissão Europeia.

2.6.

O mecanismo de indemnização está ligado a uma decisão inibitória. As entidades qualificadas só devem poder lançar uma ação de tutela coletiva quando um tribunal ou uma autoridade administrativa tiver constatado uma infração dos direitos dos consumidores. A diretiva aplica-se às infrações cometidas ao nível nacional e da UE, dando aos consumidores a possibilidade de ações coletivas.

2.7.

No que toca à indemnização das perdas sofridas pelos consumidores, a proposta faz uma distinção entre os pequenos montantes, cuja reparação deve destinar-se a um fim de interesse público, e os montantes significativos, em que os consumidores são indemnizados diretamente.

3.   Observações na generalidade sobre a Diretiva Omnibus

3.1.

O CESE congratula-se com a proposta da Comissão Europeia relativa a uma melhor aplicação e à modernização das normas da UE em matéria de defesa do consumidor e com o objetivo de atualizar as normas em vigor, por forma a ter em conta os novos hábitos de consumo, e de adaptá-las à evolução do mercado único digital. Contudo, tal como recomendado pelo Parecer do CESE — Vulnerabilidade dos consumidores face às práticas comerciais (9), ainda é necessário dar resposta às preocupações relacionadas com a não aplicação das normas em vigor.

3.2.

O CESE gostaria de remeter para o Relatório de Informação — Direito dos consumidores e do marketing (10), que avalia de que forma as organizações da sociedade civil da UE percecionam a aplicação do direito europeu dos consumidores e do marketing, e para o Relatório de Informação — Diretiva Direitos dos Consumidores (11), que avalia a aplicação da diretiva. Estes relatórios de informação basearam-se em três ferramentas diferentes de recolha de dados: um questionário, uma audição de peritos e nove missões de informação a Riga, Roma, Varsóvia, Madrid, Paris, Atenas, Vílnius, Lisboa e Bruxelas.

3.3.

O CESE observa que a proposta da Comissão tem em conta os relatórios de informação, que apelam para maiores esforços de sensibilização, de formação e de coordenação em matéria de política dos consumidores e para a regulamentação das plataformas em linha e da economia digital. No entanto, as preocupações levantadas pelo CESE em matéria de harmonização da política dos consumidores, fragmentação dos esforços nacionais de execução, financiamento de campanhas de sensibilização, incentivo à aprendizagem ao longo da vida, apoio às PME, simplificação da informação aos consumidores e promoção de mecanismos de resolução alternativa de litígios, da autorregulação e de códigos de conduta não são devidamente tratadas na proposta.

3.4.

O CESE reconhece que os consumidores podem encontrar-se em situações em que são induzidos em erro ou coagidos a assinar contratos. Foram sinalizados problemas específicos relacionados com centros de chamadas que vendem contratos de energia, telecomunicações ou água enganosos para os consumidores. Do mesmo modo, foram sinalizadas pressões semelhantes durante visitas organizadas para vender produtos a determinadas categorias de consumidores vulneráveis. Nestas situações, os consumidores devem ter o direito de rescindir o contrato de venda e/ou de serem indemnizados pelas perdas sofridas.

3.5.

Conforme recomendado pelo Parecer do CESE — Vulnerabilidade dos consumidores face às práticas comerciais, devem ser oferecidas aos consumidores soluções individuais adequadas, como, por exemplo, o reembolso, a substituição ou a rescisão do contrato de venda. As soluções devem igualmente ser adaptadas à situação de cada consumidor, permitindo-lhes optar por soluções personalizadas.

3.6.

O CESE considera igualmente que a harmonização lograda pela legislação da UE em matéria de defesa do consumidor não deve ser reduzida. Recuar não é criar condições de concorrência equitativas; não beneficia consumidores nem profissionais.

3.7.

O CESE sublinha que já são proibidas táticas de venda enganosas e agressivas no âmbito da plena harmonização introduzida pela Diretiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais. Por conseguinte, o CESE incentiva a Comissão Europeia a assegurar uma aplicação mais rigorosa pelos Estados-Membros das normas em vigor.

3.8.

O Comité está dividido quanto à proposta da Comissão de limitar determinados métodos de distribuição. Os representantes dos profissionais consideram que estas medidas não devem limitar-se às vendas ao domicílio, estigmatizando todo um setor económico, mas abranger todas as práticas agressivas; os representantes dos consumidores apoiam a possibilidade de os Estados-Membros restringirem os métodos de venda para determinadas categorias de produtos (como os medicamentos, as armas ou os produtos farmacêuticos) por motivos de saúde e de segurança.

3.9.

Neste contexto, a cooperação entre as autoridades de defesa do consumidor dos Estados-Membros no quadro do Regulamento relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor é fundamental para eliminar as práticas abusivas sem penalizar os operadores legais. As informações sobre os profissionais devem ser acessíveis aos consumidores, e devem ser lançadas campanhas de sensibilização ao nível nacional e da UE.

3.10.

No que se refere à revisão da Diretiva 2011/83/UE relativa aos direitos dos consumidores, surgiram duas posições e preocupações distintas no Comité. Os representantes dos profissionais são a favor da atualização, da simplificação e da adaptação da informação pré-contratual, ao passo que os representantes dos consumidores consideram que isso reduziria o nível de defesa do consumidor. O Comité apoia uma abordagem equilibrada entre a defesa do consumidor e a segurança jurídica dos profissionais. O CESE considera que as disposições em matéria de conteúdos digitais, serviços digitais e vendas em linha devem estar em consonância com a legislação relativa ao mercado único digital.

3.11.

No que concerne às plataformas em linha, deve prevalecer a transparência em relação à sua identificação e responsabilidade. O CESE entende que é essencial para os consumidores obterem todas as informações pertinentes sobre o seu cocontratante ao assinarem um contrato. Além disso, a transparência das plataformas em linha é um fator determinante para o desenvolvimento do mercado único digital, tanto para os consumidores como para as empresas (B2B — business-to-business(12).

3.12.

O CESE também apoia a proposta de alargar os direitos dos consumidores a todos os serviços digitais «gratuitos» pelos quais os utilizadores trocam os seus dados pessoais ou não pessoais. Uma vez que esses dados têm valor comercial, seria injusto para os consumidores considerá-los «gratuitos» e não assegurar a proteção adequada. O conjunto de medidas propostas pela Comissão Europeia torna possível reequilibrar, pelo menos parcialmente, a relação entre os líderes mundiais de plataformas em linha e os utilizadores.

3.13.

O CESE concorda com a introdução de mecanismos modernos de intercâmbio de informações entre profissionais e consumidores (nomeadamente programas de simulação de conversa — chatbots — e formulários em linha). O Comité considera que estes mecanismos devem simplificar o diálogo entre as partes, desde que sejam previstas salvaguardas adequadas para os consumidores, como a possibilidade de monitorizar o intercâmbio de informações, de obter mais informações e de apresentar queixa. Em especial, deve haver sempre o direito de usar formas tradicionais de contacto (como centros de chamadas, por exemplo).

3.14.

O CESE apoia o conceito de direito de retratação e reconhece o seu papel enquanto instrumento eficiente de defesa do consumidor, que não deve ser comprometido. A proposta da Comissão pode restringir os direitos dos consumidores, sem apresentar provas adequadas do abuso sistemático e generalizado desses direitos. Por outro lado, os profissionais, em particular as PME, necessitam de uma maior segurança jurídica em relação aos produtos «indevidamente testados» e ao reembolso antecipado. O Comité insta a Comissão a reconsiderar este aspeto importante, a fim de alcançar um compromisso equilibrado.

3.15.

O CESE congratula-se com as clarificações relativas aos produtos em relação aos quais exista dualidade de critérios, dado que, ao que parece, alguns produtos, designadamente géneros alimentícios, com composições diferentes eram rotulados de forma idêntica, comportando o risco de induzir em erro os consumidores. A descrição e rotulagem enganosas dos produtos devem ser proibidas, a fim de assegurar a transparência.

3.16.

O CESE apoia a proposta de definir critérios específicos para a introdução de coimas enquanto instrumento eficaz de defesa do consumidor. Como salientado pelo Grupo Consultivo Europeu dos Consumidores, é importante que haja sanções dissuasivas equivalentes a uma percentagem significativa do volume de negócios anual das empresas que infringem as regras e em função da dimensão da infração à escala da UE. A Comissão deveria ponderar a possibilidade de alinhar a sua proposta pelas disposições do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

3.17.

O CESE também apoia a utilização de mecanismos de resolução alternativa de litígios e de resolução de litígios em linha (13), como a mediação ou a arbitragem, os quais devem ser promovidos a nível nacional. Os acordos extrajudiciais podem ser uma opção antes da ação judicial, pelo que devem ser apoiados nos casos em que se justifiquem. Os tribunais devem continuar a ser uma opção de último recurso. A proposta da Comissão deve apoiar mais estas opções para a resolução de litígios relacionados com a defesa do consumidor.

3.18.

De um modo geral, o CESE considera que a sustentabilidade e a qualidade devem estar no cerne da cadeia de abastecimento, a fim de assegurar a defesa do consumidor durante todo o ciclo de produção.

4.   Observações na especialidade sobre ações coletivas na UE

4.1.

O CESE toma nota da proposta de diretiva relativa a ações coletivas para proteger os interesses coletivos dos consumidores, que revoga a Diretiva 2009/22/CE (14). Não obstante, o Comité lamenta que nenhuma das recomendações constantes de vários dos seus pareceres sobre o quadro europeu para a tutela coletiva (15) não tenham sido tidas em conta na redação da proposta legislativa.

4.2.

As avaliações do balanço de qualidade REFIT demonstraram que o risco de infrações ao direito da UE que afetam os interesses coletivos dos consumidores está a aumentar devido à globalização económica e à digitalização. Além disso, alguns Estados-Membros ainda não preveem mecanismos de tutela coletiva indemnizatórios especificamente concebidos para situações de perdas em grande escala e não aplicaram as salvaguardas previstas na Recomendação da Comissão Europeia, de 2013, sobre a tutela coletiva (16).

4.3.

Todos os cidadãos da UE deveriam gozar de acesso fácil e rápido à justiça. Os consumidores devem ser indemnizados pelas perdas resultantes do incumprimento do contrato. Não obstante, o mesmo se aplica aos profissionais, que não devem ser alvo de litigância indevida. As ações coletivas são um instrumento judicial, um direito processual, um direito fundamental que permite que interesses homogéneos difusos, coletivos e individuais sejam protegidos judicialmente ao abrigo do artigo 81.o do TFUE, que deve ser neutro e não circunscrito aos consumidores, mas sim alargado a domínios como o ambiente, os trabalhadores, os direitos das PME, a energia, a economia da partilha, a economia circular, as plataformas digitais, os direitos digitais, etc.

4.4.

Por conseguinte, é de saudar um sistema de reparação especificamente concebido para as perdas coletivas. Deve ser pragmático e eficiente em termos de custos, fornecer as salvaguardas necessárias e ter em conta os sistemas judiciais nacionais existentes (casos da Noruega ou da Dinamarca, por exemplo). A diretiva da UE deve definir as principais orientações com vista à harmonização das ações coletivas a nível da UE, indicando claramente o que deve ser regido por um instrumento jurídico da UE e o que deve ser deixado ao critério dos Estados-Membros, de acordo com o princípio da subsidiariedade; garantir que o mecanismo contribui para uma aplicação mais eficiente, célere, economicamente acessível e equitativa da justiça; criar as condições para uma reparação efetiva e integral dos danos; e prever financiamento adequado para assegurar a sustentabilidade do mecanismo. A atual proposta da Comissão não cumpre estes objetivos.

4.5.

O CESE reconhece os esforços da Comissão no sentido de identificar as entidades qualificadas para intentar ações coletivas, de acordo com o princípio da subsidiariedade. Deve ser igualmente esclarecido que o local de estabelecimento da entidade qualificada deve ser o local de competência, determinando a lei aplicável. Além disso, o CESE considera que a Comissão deve especificar melhor o papel do juiz na avaliação do fundamento da ação, a questão do ónus da prova e a produção de elementos de prova, a eficácia das decisões (inter partes ou erga omnes) e o regime dos recursos.

4.6.

Todas as custas judiciais das ações coletivas devem ser apoiadas de acordo com os sistemas de apoio judiciário nacionais.

4.7.

As organizações de defesa do consumidor ou da sociedade civil devem ter a possibilidade de receber financiamento e aconselhamento jurídico adequados para intentar ações que visem obter uma decisão de reparação. Fundos específicos deverão ajudar as entidades qualificadas a pagar o aconselhamento jurídico. Os Estados-Membros devem apoiar a criação de fundos, destinados às entidades qualificadas, para financiar ações judiciais.

4.8.

Em termos de compensação, a legislação proposta não dá uma resposta cabal à necessidade de indemnizar efetivamente os consumidores lesados. A proposta deveria referir claramente a indemnização da totalidade dos montantes perdidos pelos consumidores, independentemente das perdas sofridas.

4.9.

O CESE manifesta a sua preocupação com a proteção dos direitos dos empresários, nomeadamente com a salvaguarda dos segredos empresariais. Sem prejuízo da proteção dos consumidores que tenham sofrido perdas, o CESE acolheria com agrado a introdução de mecanismos que confirmassem a garantia da confidencialidade das informações prestadas, não só na fase do processo, mas também nas decisões finais.

4.10.

De mesmo modo, os profissionais veriam com satisfação a possibilidade de a resolução dos litígios ocorrer dentro de um prazo curto, incluindo através dos mecanismos alternativos de resolução de litígios acima referidos.

4.11.

O CESE convida a Comissão a incorporar na proposta de tutela coletiva uma recomendação aos Estados-Membros para que apliquem as inovações tecnológicas, tal como já foi feito pelas entidades de resolução alternativa de litígios e de resolução de litígios em linha tecnologicamente mais avançadas, nomeadamente no que se refere à recolha dos participantes para uma ação coletiva. Esta medida deverá permitir aos organizadores das ações coletivas e às organizações de consumidores que decidam aderir realizarem economias de custos significativas. A Comissão deve igualmente incentivar o intercâmbio de boas práticas, com especial destaque para a recolha de dados sobre todos os casos que são objeto de uma ação coletiva.

4.12.

Em consonância com a recomendação constante do seu Parecer — Quadro europeu para a tutela coletiva (17), o Comité considera que os consumidores devem poder decidir livremente se pretendem optar pela adesão ou pela autoexclusão de uma ação coletiva. Em particular, o CESE entende que o procedimento de adesão é mais adequado em processos com um número limitado de vítimas e perdas avultadas, ao passo que o de autoexclusão é mais apropriado em processos com muitas vítimas e perdas muito limitadas.

Bruxelas, 20 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 12 de 15.1.2015, p. 1.

(2)  JO C 170 de 5.6.2014, p. 68.

(3)  JO C 170 de 5.6.2014, p. 68.

(4)  Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95 de 21.4.1993, p. 29).

(5)  Diretiva 98/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 1998, relativa à defesa dos consumidores em matéria de indicações dos preços dos produtos oferecidos aos consumidores (JO L 80 de 18.3.1998, p. 27).

(6)  Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (JO L 149 de 11.6.2005, p. 22).

(7)  Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 304 de 22.11.2011, p. 64).

(8)  SWD(2017) 208 final e SWD(2017) 209 final, publicados em 23.5.2017.

(9)  JO C 12 de 15.1.2015, p. 1.

(10)  Relatório de informação do CESE apresentado na reunião plenária de 14.12.2016 (INT/796).

(11)  Relatório de informação do CESE apresentado na reunião plenária de 14.12.2016 (INT/795).

(12)  Parecer do CESE: TEN/662 — Equidade e transparência para os utilizadores empresariais de serviços de intermediação em linha e motores de pesquisa (ver página 177 do Jornal Oficial).

(13)  Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE (Diretiva RAL) (JO L 165 de 18.6.2013, p. 63).

(14)  Diretiva 2009/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO L 110 de 1.5.2009, p. 30).

(15)  JO C 170 de 5.6.2014, p. 68.

(16)  Recomendação 2013/396/UE da Comissão, de 11 de junho de 2013, sobre os princípios comuns que devem reger os mecanismos de tutela coletiva inibitórios e indemnizatórios dos Estados-Membros aplicáveis às violações de direitos garantidos pelo direito da União (JO L 201 de 26.7.2013, p. 60).

(17)  JO C 170 de 5.6.2014, p. 68.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/73


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Uma nova Agenda Europeia para a Investigação e a Inovação — A oportunidade para a Europa traçar o seu futuro»

(Contributo da Comissão Europeia para a reunião informal de dirigentes sobre a inovação em Sófia em 16 de maio de 2018)

[COM(2018) 306 final]

(2018/C 440/11)

Relator:

Ulrich SAMM

Correlator:

Stefano PALMIERI

Consulta

Comissão Europeia, 18.6.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

196/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com o facto de, também no contexto do Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027, a Comissão ter deixado claro que a investigação e a inovação têm de continuar a ser uma grande prioridade da UE.

1.2.

O CESE acolhe favoravelmente a atribuição de um maior peso à inovação e recorda o seu apelo para que a futura política de financiamento proporcione um apoio equilibrado a toda a cadeia de investigação e inovação, desde a investigação fundamental à investigação centrada nos produtos. A inovação é essencial para o crescimento económico e os novos instrumentos favorecerão, em particular, as PME. O CESE reitera a importância do investimento público em investigação e desenvolvimento como fator essencial para gerar e manter um efeito indireto sobre as economias dos Estados-Membros.

1.3.

O CESE saúda igualmente o objetivo de simplificar ainda mais as regras em matéria de auxílios estatais, a fim de facilitar a combinação de diferentes fundos, o que pode ser decisivo para a redução das grandes disparidades entre os Estados-Membros e as regiões em termos do número de projetos de investigação e de inovação com êxito.

1.4.

O investimento ao abrigo do Horizonte Europa deve centrar-se nos domínios com valor acrescentado europeu específico. Os projetos de investigação em colaboração devem merecer prioridade, dado que preenchem esse requisito melhor do que qualquer outro programa.

1.5.

O CESE está convicto de que muitos dos grandes desafios societais apenas podem ser ultrapassados a nível europeu e requerem esforços concertados de vários intervenientes, indo além do âmbito dos projetos individuais de investigação em colaboração. Por esta razão, apoia a ideia das missões.

1.6.

O apoio à mobilidade dos investigadores através das ações Marie Skłodowska-Curie constitui igualmente um fator importante para continuar a reforçar o Espaço Europeu da Investigação. Além disso, as políticas nacionais e da UE devem ter por objetivo estabelecer condições de trabalho adequadas e atrativas para evitar o fenómeno da «fuga de cérebros», que é contraproducente para o objetivo de alcançar a coerência na UE.

1.7.

O CESE considera necessário aumentar o volume de investimento da UE a fim de ajudar os trabalhadores europeus a acompanharem os progressos e a obterem qualificações para profissões digitais.

1.8.

O CESE considera que as iniciativas destinadas a ajudar as PME a aproveitar e a explorar os resultados da investigação e inovação devem ser apoiadas de forma mais eficaz.

2.   Introdução

2.1.

Na reunião informal de dirigentes da UE sobre a inovação, que teve lugar em Sófia, em 16 de maio de 2018, a Comissão Europeia convidou os presentes a debaterem e formularem orientações estratégicas, tendo em vista o próximo Quadro Financeiro Plurianual, em geral, e as prioridades a definir para a investigação e inovação, em particular. Para esse fim, a Comissão Europeia propôs prioridades e novas iniciativas na comunicação em apreço (1).

2.2.

Esta proposta é um primeiro passo rumo à definição do próximo programa-quadro (PQ9 ou Horizonte Europa) que visa dar continuidade ao programa Horizonte 2020 com os seus resultados positivos e melhorá-lo (2).

2.3.

São também propostas atividades para apoiar a inovação e impulsionar a liderança industrial na sequência da estratégia de política industrial renovada da UE (3).

3.   Síntese da proposta

3.1.

A proposta da Comissão Europeia visa garantir que a investigação e a inovação continuam a constituir, no futuro, uma das principais prioridades da UE em termos de políticas e de financiamento, nos diferentes instrumentos orçamentais. É dada maior ênfase à inovação para colocar a Europa na liderança da inovação criadora de mercado.

3.2.

A Comissão propõe aumentar o investimento na investigação e inovação através da afetação de 100 mil milhões de euros ao futuro programa Horizonte Europa e ao Programa Euratom de Investigação e Formação (4).

3.3.

Além disso, a Comissão propôs a mobilização de cerca de 11 mil milhões de euros para instrumentos de mercado, incluindo instrumentos financeiros e garantias orçamentais numa vertente específica ao abrigo do fundo InvestEU, que por seu turno mobilizará 200 mil milhões de euros de investimento privado para apoiar a investigação e a inovação.

3.4.

Os Estados-Membros são instados a adotar as medidas necessárias para aumentar a sua despesa em investigação e inovação a fim de alcançar a meta de 3 % do PIB.

3.5.

Lançamento de um primeiro conjunto de missões de investigação e inovação a nível da UE, com objetivos audaciosos e ambiciosos e forte valor acrescentado europeu. As missões deverão encorajar o investimento e a participação em múltiplos setores ao longo das cadeias de valor, dos domínios de intervenção (por exemplo, energia e clima, transportes, indústrias transformadoras avançadas, saúde e nutrição, digital) e das disciplinas científicas (incluindo as ciências sociais e humanas).

3.6.

A Comissão propõe que o princípio da inovação seja aplicado em todos os processos de revisão das políticas e da legislação da UE, bem como dos quadros regulamentares nacionais, assegurando que o impacto destes na inovação seja plenamente avaliado.

3.7.

Será criado um Conselho Europeu de Inovação (CEI) a fim de identificar e desenvolver as inovações de ponta e disruptivas, dando ênfase às inovações em rápida evolução e de risco elevado que tenham um forte potencial de criação de mercados inteiramente novos.

3.8.

Medidas para aumentar o investimento privado em investigação e inovação e incrementar as iniciativas:

aplicação de um fundo de fundos de capitais de risco pan-europeu (VentureEU);

transposição da Diretiva (5) relativa aos quadros jurídicos em matéria de reestruturação preventiva, à concessão de uma segunda oportunidade e às medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos de reestruturação, insolvência e quitação.

3.9.

Maior simplificação das regras em matéria de auxílios estatais para facilitar a combinação harmoniosa de diferentes fundos e uma melhor utilização de normas comuns de avaliação para os projetos de investigação e inovação.

3.10.

A Comissão defende um «sistema fiscal» (6) favorável à inovação que permita uma dedução fiscal das despesas de investimento em investigação e inovação e preveja deduções adicionais para as empresas jovens.

3.11.

Introdução de um rótulo de «ciência aberta» a atribuir a universidades e organismos públicos de investigação para encorajá-los a tornarem-se mais empreendedores e interdisciplinares.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O CESE congratula-se com o facto de, também no contexto do Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027, a Comissão ter deixado claro que a investigação e a inovação têm de continuar a ser uma grande prioridade da UE. Um programa sólido e com êxito que conjugue a excelência, infraestruturas de investigação conjuntas, cooperação transfronteiras, bem como sinergias entre o mundo académico, a indústria, as PME e os organismos de investigação, é um instrumento estratégico fundamental para alcançar um crescimento económico e uma competitividade sustentados na Europa e fazer face aos grandes desafios que a sociedade europeia enfrenta.

4.2.

O CESE acolhe favoravelmente a atribuição de um maior peso à inovação e recorda o seu apelo para que a futura política de financiamento proporcione um apoio equilibrado a toda a cadeia de investigação e inovação, desde a investigação fundamental à investigação centrada nos produtos (7). A inovação é essencial para o crescimento económico e os novos instrumentos favorecerão, em particular, as PME. O CESE reitera a importância do investimento público em investigação e desenvolvimento como fator essencial para gerar e manter um efeito indireto sobre as economias dos Estados-Membros.

4.3.

Face às elevadas expectativas relacionadas com o impacto do Horizonte Europa e ao seu papel essencial para garantir a competitividade europeia, o CESE recomenda uma dotação de 120 mil milhões de euros, tal como foi proposto pelo Parlamento Europeu. As instituições europeias têm de demonstrar que compreenderam a enorme importância da investigação e inovação para a competitividade futura da UE.

4.4.

O CESE considera necessário aumentar o volume de investimento da UE a fim de ajudar os trabalhadores europeus a acompanharem os progressos e a obterem qualificações para profissões digitais. Além disso, o CESE considera que as iniciativas destinadas a ajudar as PME a aproveitar e a explorar os resultados da investigação e inovação devem ser apoiadas de forma mais eficaz.

5.   Observações na especialidade

5.1.   Investigação ao longo de toda a cadeia de valor

5.1.1.

Os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento devem ser utilizados para trazer as regiões para a economia da inovação. Devem ser criadas sinergias com o programa Horizonte Europa, o fundo InvestEU, o Fundo Social Europeu, o programa Erasmus+, o programa Europa Digital, a política agrícola comum e outros programas.

5.1.2.

A UE é o espaço de investigação e inovação mais aberto do mundo. Não só acolhe organizações de investigação de todo o mundo nos seus projetos, como também colabora amplamente com parceiros internacionais em programas conjuntos. O investimento ao abrigo do Horizonte Europa deve centrar-se nos domínios com valor acrescentado europeu específico. Os projetos de investigação em colaboração (8) devem merecer prioridade, dado que preenchem esse requisito melhor do que qualquer outro programa: estes projetos associam os melhores cientistas, bem como as PME e as partes interessadas da indústria mais inovadoras da Europa, a fim de alcançar progressos na resolução dos desafios societais que não podem ser superados ao nível nacional. Os projetos de investigação em colaboração, graças à conjugação de diferentes aptidões e competências interdisciplinares, geram benefícios importantes para os cidadãos europeus.

5.1.3.

O CESE está convicto de que muitos dos grandes desafios societais apenas podem ser ultrapassados a nível europeu e requerem esforços concertados de vários intervenientes, indo além do âmbito dos projetos individuais de investigação em colaboração. Por esta razão, apoia a ideia das missões. O CESE reconhece que objetivos comuns ambiciosos podem ser inspiradores e criar uma dinâmica, isto é, uma vontade de agir, em várias comunidades, incluindo nos cidadãos em geral. As missões devem proporcionar uma perspetiva de financiamento a longo prazo durante todo o período de financiamento do Horizonte Europa. É essencial que as missões sejam, antes de mais, concebidas como missões de investigação em grande escala, mesmo que integrem várias partes interessadas nos seus subprojetos. Para alcançar os ambiciosos objetivos visados, as missões têm de abranger toda a cadeia de inovação e incluir atividades de investigação em todos os níveis de maturidade tecnológica. O CESE adverte contra uma promoção excessiva do mero conceito das missões e insta a que estas sejam, em vez disso, dotadas do financiamento adequado necessário para atingirem os seus objetivos, que devem ser alcançáveis e tangíveis.

5.1.4.

Um dos pontos fortes dos programas-quadro de investigação europeus é o seu compromisso concreto com a promoção a nível da UE de um espaço europeu de investigação aberto a todos os Estados-Membros. O reforço das sinergias entre o próximo programa-quadro e os fundos estruturais poderia apoiar esta abertura. Reduzir de forma mais eficaz as disparidades entre as regiões é um dos principais desafios políticos para os próximos anos, e o estabelecimento de parcerias eficazes entre as instituições de investigação pode ser uma solução.

5.1.5.

As iniciativas emblemáticas relativas às tecnologias futuras e emergentes (TFE) são um instrumento importante neste contexto. Caracterizam-se por atribuírem uma forte ênfase ao desenvolvimento de tecnologias inovadoras. Trata-se de um trunfo único. A Europa tem de favorecer o desenvolvimento de projetos em larga escala e a longo prazo que possam comportar alguma incerteza, mas que sejam tão inovadores quanto orientados para o futuro. As iniciativas emblemáticas TFE devem, por conseguinte, ser claramente diferenciadas das missões. É essencial que as futuras iniciativas emblemáticas TFE arranquem como programado e continuem a receber financiamento prioritário.

5.1.6.

A disponibilização de infraestruturas de investigação em toda a UE e em países terceiros é um dos casos de sucesso dos programas-quadro. É indiscutível que as infraestruturas de investigação de topo atraem os melhores cientistas e que, em muitos casos, os resultados inovadores só são possíveis graças ao acesso a infraestruturas de investigação. Por conseguinte, é urgente aumentar o financiamento a nível europeu para as infraestruturas de investigação e não diminuir a sua quota no orçamento como previsto pela Comissão Europeia na sua proposta. Garantir o acesso dos utilizadores dos países da UE-13 a essas infraestruturas deve ser uma prioridade.

5.1.7.

O apoio à mobilidade dos investigadores através das ações Marie Sklodowska-Curie é outro elemento fundamental para continuar a reforçar o Espaço Europeu da Investigação e produzir um impacto que não pode ser alcançado a nível nacional. O CESE saúda toda e qualquer iniciativa destinada a apoiar a mobilidade dos investigadores que trabalham em PME. O CESE manifesta-se, no entanto, preocupado com o fenómeno da «fuga de cérebros», que pode mesmo ser agravado pelo financiamento da mobilidade. Por conseguinte, apela a políticas nacionais e da UE que incidam na criação de condições de trabalho adequadas e atrativas para os investigadores a fim de evitar esta tendência, que é contraproducente para o objetivo de alcançar a coerência na UE.

5.1.8.

Importa notar que, em muitos Estados-Membros, as partes interessadas de instituições académicas com financiamento público não são autorizadas a contrair empréstimos. Por conseguinte, o Horizonte Europa deve manter a tónica no cofinanciamento e não na concessão de empréstimos.

5.1.9.

O CESE subscreve o apelo aos Estados-Membros para que adotem as medidas necessárias para aumentar a despesa em investigação e inovação a fim de alcançar a meta de 3 % do PIB.

5.2.   Investigação e inovação para novos mercados e a coesão na Europa

5.2.1.

Tal como é sublinhado no Sétimo relatório sobre a coesão económica, social e territorial, a investigação e a inovação na UE permanecem altamente concentradas num número limitado de regiões. Nos Estados-Membros do noroeste, boas ligações inter-regionais, uma mão-de-obra altamente qualificada e um ambiente empresarial atrativo permitiram tirar partido da investigação e inovação, enquanto catalisadores tangíveis da competitividade económica e da coesão social. Nos Estados-Membros meridionais e orientais, o desempenho da inovação é mais fraco, pelo que as regiões próximas dos centros de inovação — sobretudo as capitais — não beneficiam dessa proximidade. Importa por isso aplicar políticas que conectem as empresas, os centros de investigação e os serviços empresariais especializados entre todas as regiões. O CESE considera que uma maior simplificação das regras em matéria de auxílios estatais para facilitar a combinação harmoniosa de diferentes fundos pode ser fundamental para alcançar esse objetivo.

5.2.2.

Os programas de investigação e inovação pós-2020 têm de ter em conta as dimensões económica, social e territorial que caracterizam as regiões da UE e evitar a aplicação de estratégias de modelo único. Esta abordagem pode ser apoiada pela implementação de estratégias de «inovação aberta». No que respeita à dimensão territorial das políticas para a investigação e inovação, é importante desenvolver novos programas e definir novas prioridades, tendo em consideração os aspetos económicos e sociais que caracterizam os territórios onde a ação será implementada.

5.2.3.

As políticas e os programas de investigação e inovação pós-2020 devem ser coerentes com os objetivos da «economia do bem comum», um modelo económico sustentável orientado para a coesão social. A economia do bem comum é um processo de «inovação social» e de empreendedorismo positivo, útil para promover e apoiar novas ideias que, concomitantemente, atendem às necessidades sociais, estabelecem novas relações sociais e reforçam a criação de valor económico.

5.2.4.

Apesar dos compromissos abrangentes assumidos no quadro da aplicação dos programas de 2014-2020, o acesso das PME a oportunidades de crescimento baseadas na inovação teve pouco impacto em termos de competitividade e de criação de emprego. O quadro de apoio à investigação e inovação em algumas regiões continua a ser demasiado complexo, desencorajando as micro e pequenas empresas de participar nos projetos da UE em particular. O CESE saúda, assim, a criação de um Conselho Europeu de Inovação (CEI) que deverá acelerar a comercialização e o desenvolvimento das inovações por empresas em fase de arranque oriundas de projetos do Horizonte Europa. O CEI pode vir a ser um mecanismo mais célere para a conclusão das últimas etapas no que respeita a colmatar o fosso em matéria de inovação.

5.2.5.

A fim de transformar as oportunidades criadas pela investigação e inovação em fatores de competitividade e de desenvolvimento económico, é essencial apoiar a cooperação entre as PME, os organismos de investigação, desenvolvimento e inovação e as empresas em fase de arranque com base na transferência da investigação e da inovação e em atividades de orientação e de angariação de fundos. O CESE considera importante apoiar a transferência e a capitalização do modelo da «Quíntupla Hélice» (9) para estimular parcerias públicas e privadas.

5.2.6.

As PME podem ser líderes em termos de «inovações sociais abertas», em que as capacidades das pessoas para o trabalho em rede e para a criação, conceção e inovação colaborativas são fundamentais para o pleno desenvolvimento da inovação social em toda a Europa. É necessário promover políticas de inovação adequadas para as PME, na linha do que já é efetuado pela iniciativa EUREKA. Esta tarefa poderia ser assumida especificamente por instituições que podem fomentar diretamente o envolvimento das PME no desenvolvimento empresarial e na inovação, como é o caso das câmaras do comércio.

5.2.7.

Contudo, a fim de respeitar o princípio de subsidiariedade e as capacidades consideráveis das regiões e dos Estados-Membros em matéria de apoio às PME, é crucial colocar a tónica no valor acrescentado europeu. Tal pode ser conseguido através do apoio à colaboração de mais de dois agentes de inovação europeus ou da mobilização de capital para agentes inovadores com conceitos demasiado arriscados para serem apoiados a nível nacional. Além disso, a racionalização dos instrumentos acima referidos deverá conduzir a uma maior eficiência do financiamento. Por conseguinte, seria previsível que o CEI exigisse uma quota do orçamento do Horizonte Europa inferior à dos instrumentos financeiros do Horizonte 2020, em vez do aumento considerável da dotação como previsto na proposta da Comissão Europeia. O apoio dos programas de investigação e inovação pós-2020 deve incidir mais nos aspetos qualitativos dos objetivos.

5.2.8.

A «inteligência» de um sistema socioeconómico não pode ser medida apenas com base em indicadores quantitativos, como a despesa em investigação e inovação; devem ser utilizados igualmente indicadores qualitativos, como o tipo de inovações proporcionadas, as vantagens para a sociedade civil e o número de postos de trabalho criados. O CESE congratula-se, pois, com essa abordagem.

5.2.9.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão ter incluído no novo QFP a acessibilidade como uma «condição favorável». Todo o financiamento da I&I efetuado a nível nacional e da UE deve respeitar integralmente os critérios de acessibilidade, de modo que os resultados beneficiem todos os grupos sociais, incluindo as pessoas com deficiência, que representam 15 % da população da UE.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  COM(2018) 306 final.

(2)  Ver JO C 34 de 2.2.2017, p. 66, e o relatório de informação Horizonte 2020 (avaliação).

(3)  JO C 197 de 8.6.2018, p.10.

(4)  A dotação orçamental proposta de 100 mil milhões de euros para 2021-2027 inclui 97,6 mil milhões de euros ao abrigo do Horizonte Europa (dos quais 3,5 mil milhões de euros serão afetados a título do fundo InvestEU) e 2,4 mil milhões de euros para o Programa Euratom de Investigação e Formação.

(5)  COM(2016) 723 final.

(6)  Previsto no quadro relativo à matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS).

(7)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 66.

(8)  Os projetos de investigação em colaboração, como os concebidos e executados pela iniciativa EUREKA, com um mínimo de três parceiros de diferentes Estados-Membros permitem unir forças para resolver desafios que não podem ser superados apenas por um país e criar sinergias no panorama da investigação na UE, gerando assim um significativo valor acrescentado europeu.

(9)  Quintuple Helix and how do knowledge, innovation and the environment relate to each other? A proposed framework for a trans-disciplinary analysis of sustainable development and social ecology [Quíntupla Hélice e de que forma o conhecimento, a inovação e o ambiente se relacionam entre si? Uma proposta de quadro para uma análise transdisciplinar do desenvolvimento sustentável e da ecologia], International Journal of Social Ecology and Sustainable Development, Vol.1, n.o 1, p. 41-69.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/79


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) n.o 596/2014 e (UE) 2017/1129 no que diz respeito à promoção da utilização de mercados de PME em crescimento»

[COM (2018) 331 final — 2018/0165 (COD)]

(2018/C 440/12)

Relator:

Mihai IVAȘCU

Consulta

Parlamento Europeu, 11.6.2018

Conselho, 21.6.2018

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

196/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia a proposta da Comissão de tornar os mercados de capitais numa alternativa credível para o financiamento e entende que se deve alcançar um equilíbrio entre os três principais objetivos da proposta: o crescimento dos mercados de PME, a redução dos encargos e o aumento do nível de liquidez. A Comissão não deve regulamentar de forma excessiva, mas manter um nível de obstáculos que seja dissuasor para as empresas que não estejam preparadas.

1.2.

O CESE expressa a sua convicção de que a atual proposta, embora constitua um passo na direção certa, não é suficiente para combater os obstáculos que ainda existem nos mercados de PME em crescimento. Embora seja efetivamente necessária uma abordagem integrada, cada etapa deve ter a sua importância individual.

1.3.

Em comparação com as empresas dos Estados Unidos, as da União Europeia procuram em muito maior número os empréstimos bancários como opção de financiamento, aceitando até, por vezes, custos suplementares significativos. É necessária mais educação financeira, tendo em conta a dificuldade dos mercados públicos da UE em atrair novos emitentes e o facto de o número de ofertas públicas iniciais não ter aumentado de forma significativa.

1.4.

O CESE reitera o ponto de vista que expressou em anteriores pareceres de que o baixo nível de comunicação (1) e as abordagens burocráticas (2) são obstáculos significativos, sendo necessários esforços mais significativos para os superar. As comunicações provenientes de Bruxelas devem visar sempre o nível mais baixo da cadeia — as próprias PME —, através do envolvimento das associações de PME, dos parceiros sociais, das câmaras de comércio, etc.

1.5.

A proposta de manter apenas uma lista de pessoas com acesso a informação privilegiada em permanência para as PME e a proposta de prorrogação, em dois dias, do prazo para a divulgação das operações de dirigentes são acolhidas de forma muito favorável. A este respeito, o CESE propõe apenas que a Comissão estude outros métodos de transferência dos encargos das PME para outras partes interessadas, como, por exemplo, as autoridades nacionais competentes.

1.6.

O prospeto simplificado representa, efetivamente, uma redução significativa dos encargos, mas o CESE considera que devem ser analisadas outras possibilidades de simplificação gradual do prospeto de transferência para empresas que tenham comprovado a sua maturidade por estarem cotadas nos mercados de PME em crescimento durante um número significativo de anos.

1.7.

O CESE é a favor das alterações propostas ao regime em matéria de sondagem de mercado e adverte contra os pedidos de explicações excessivamente pormenorizados e/ou prescritivos por parte das autoridades nacionais competentes.

1.8.

O CESE aconselha a Comissão a analisar a possibilidade de atrair investidores institucionais, nomeadamente os fundos de pensões privados, para que invistam nestes mercados de PME em crescimento, através da oferta de incentivos, sobretudo no âmbito do tratamento fiscal. Os Estados-Membros devem explorar as possibilidades de mais programas atrativos de apoio aos investimentos a nível nacional.

1.9.

Os contratos de liquidez são muito bem-vindos, sobretudo para os mercados subdesenvolvidos. O CESE considera que o 29.o regime de contratos de liquidez elaborado pela Comissão proporcionará uma opção adicional para os emitentes, paralelamente à legislação nacional.

1.10.

O CESE salienta que são necessárias avaliações de impacto exaustivas e periódicas. Elaboradas anualmente, estas avaliações poderiam fornecer informações valiosas para futuras alterações do quadro regulamentar.

2.   A proposta da Comissão

2.1.

A proposta de regulamento em apreço faz parte da agenda da União dos Mercados de Capitais e centra-se em alterações específicas ao funcionamento dos mercados de PME em crescimento, que são regulamentados desde janeiro de 2018. A UE realizou progressos consideráveis em termos de aumento das fontes de financiamento à medida que as empresas crescem, bem como de uma maior disponibilidade de financiamento com base no mercado em toda a UE. Estão já em vigor novas regras para impulsionar o investimento dos fundos europeus de capital de risco (EuVECA) em empresas em fase de arranque e de média dimensão. Juntamente com o Fundo Europeu de Investimento, a Comissão lançou também um programa que estabelece um fundo de fundos de capitais de risco pan-europeu (VentureEU).

2.2.

O principal objetivo da proposta consiste em facilitar às pequenas e médias empresas a cotação no mercado e a utilização dos mercados de capitais para financiar o seu crescimento. A proposta inclui um aperfeiçoamento do quadro inicial que representa um passo no sentido de uma regulamentação melhor e mais eficaz.

2.3.

A proposta será aplicada a todas as empresas cotadas nos mercados de PME em crescimento, sejam ou não PME. Tal garante, em primeiro lugar, que as empresas em rápido crescimento não sejam penalizadas pelo seu desempenho económico positivo e, em segundo lugar, que estes mercados sejam capazes de atrair também grandes empresas. Ao introduzir estas novas regras, a Comissão espera que mais sistemas de negociação multilateral se registem como mercados de PME em crescimento (até agora, só três de quarenta o fizeram).

2.4.

A proposta inclui simplificações que visam:

reduzir os encargos para as PME relacionados com as obrigações de manter um registo e de divulgação, preservando simultaneamente a integridade do mercado e um fluxo abrangente de informações para os investidores;

criar regras comuns para os contratos de liquidez nos mercados de PME em crescimento, permitindo um aumento da liquidez das ações;

permitir que os emitentes apresentem um prospeto simplificado quando tentam transitar para um mercado regulamentado (uma nova categoria de prospeto de transferência permitirá aos emitentes que estejam cotados há pelo menos três anos acederem mais facilmente às principais bolsas de valores, procurando uma maior liquidez e um maior número de investidores).

3.   Observações na generalidade

3.1.

As PME representam 99,8 % de todas as empresas não financeiras da UE, gerando cerca de 58 % do valor acrescentado total e empregando mais de 90 milhões de pessoas. No entanto, todos os anos, cerca de 200 000 PME abrem falência, o que afeta mais de 1,7 milhões de trabalhadores (3).

3.2.

De acordo com o inquérito do BEI sobre o investimento no período de 2016-2017, as PME dependem normalmente de fundos internos para o investimento (mais de 60 %) (4). O restante é composto sobretudo por instrumentos bancários. O financiamento baseado no mercado está aquém do seu potencial. O CESE entende que o aumento deste tipo de financiamento é essencial para as empresas inovadoras ou para as empresas com um perfil de risco e compensação elevado.

Quadro 1

Fontes de financiamento do investimento no último exercício financeiro, UE-28  (5)

(%)

 

Micro

Pequenas

Médias

Grandes

Fundos internos ou lucros não distribuídos

71

64

59

57

Financiamento externo

28

35

38

38

Empréstimos bancários

60

60

57

54

Outros financiamentos bancários

11

8

10

11

Crédito-arrendamento

18

23

24

23

Cessão financeira

2

3

3

4

Empréstimos da família/amigos

4

2

1

1

Subvenções

4

3

4

3

Obrigações

0

0

1

4

Capitais próprios

0

0

0

1

Outras

1

1

1

1

Financiamento intragrupo

0

1

3

5

Nota: Todas as empresas que investiram no último exercício financeiro (excluem-se respostas tipo «não sei/não respondo»).

3.3.

O CESE assinala a relutância das PME em procurar financiamento nos mercados de capitais e a sua propensão para suportar os custos acrescidos do financiamento através do crédito bancário. Esta característica cultural é uma das principais diferenças em relação aos EUA, onde os mercados de capitais têm mais êxito e a dependência das empresas face aos empréstimos bancários é menor. É essencial mais educação financeira.

3.4.

Em anteriores pareceres, o CESE já expressou a sua convicção de que, «nas políticas da UE para as PME e nos mecanismos de apoio atuais, [continuam] a prevalecer uma abordagem burocrática e regras administrativas complexas, apesar dos esforços constantes a nível da UE para minimizar os encargos administrativos» (6).

3.5.

O CESE manifestou anteriormente o seu apoio a outras propostas destinadas a reduzir os encargos administrativos da elaboração de prospetos para todos os emitentes, em particular para as PME, emitentes frequentes de valores mobiliários e emissões secundárias (7). Além disso, o CESE explicou que, «[e]mbora os empréstimos bancários sejam uma realidade, o acesso a capital próprio enquanto instrumento financeiro também é necessário, mas não está suficientemente desenvolvido na Europa devido a regimes fiscais de caráter punitivo, falta de uma cultura de investimento com capital próprio, literacia financeira deficiente e regimes de insolvência fragmentados» (8).

3.6.

O CESE é favorável à iniciativa da Comissão de reduzir os encargos administrativos para as PME, permitindo-lhes aceder mais facilmente aos mercados de capitais e diversificar as suas fontes de financiamento. O CESE também apoia o objetivo enunciado na proposta de aumentar a liquidez das ações emitidas por emitentes dos mercados de PME em crescimento.

3.7.

Embora a cotação em mercados especializados proporcione vantagens evidentes às PME e lhes permita melhorar e diversificar as suas oportunidades de financiamento, na prática, os mercados públicos da UE têm tido dificuldade em atrair novos emitentes e o número de ofertas públicas iniciais não está a aumentar de forma significativa. Só estão cotadas 3 mil das mais de 20 milhões de PME existentes, e há apenas metade das ofertas públicas iniciais que havia antes da crise financeira. A liquidez insuficiente nestes mercados traduz-se em custos de angariação de capital mais elevados para os emitentes e na relutância dos detentores de capital em investir, o que significa que os intermediários de mercado estão menos dispostos a apoiar as pequenas empresas cotadas.

3.8.

O financiamento por capitais próprios é essencial para empresas inovadoras que criam valor e crescimento e, em especial, para empresas com um perfil de risco e compensação elevado. O financiamento por capital de constituição e de arranque pode impulsionar a criação e o desenvolvimento de empresas, ao passo que outros instrumentos de capital, como as plataformas especializadas para a cotação pública de PME, podem disponibilizar recursos financeiros a PME orientadas para o crescimento e inovadoras. Além disso, o financiamento por capitais próprios pode ser mais adequado do que o financiamento por empréstimos para PME que não possuam garantias, tenham fluxos de caixa negativos ou irregulares ou precisem de prazos de vencimento mais alargados para obterem retorno do seu investimento (9).

3.9.

Os mercados da UE ainda estão fragmentados e não parecem capazes de suportar um grande número de ofertas públicas iniciais. A Europa parece ocupar uma posição forte em termos de empresas de alta tecnologia inovadoras e em crescimento, mas quando estas empresas precisam de investimentos de capital substanciais, normalmente acabam por abrir falência. As empresas de rápido crescimento também deixam frequentemente o mercado da UE pelo dos Estados Unidos, procurando regimes de opções de compra de ações mais acessíveis.

3.10.

As empresas cotadas são menos dependentes do financiamento bancário, podem aceder a uma base de investimento mais ampla e têm um perfil público mais elevado. Não obstante, é preciso envidar mais esforços para desenvolver um quadro regulamentar mais favorável, a fim de apoiar o acesso a financiamento público para pequenas e médias empresas, sobretudo através da promoção do rótulo de «mercado de PME em crescimento». O correto equilíbrio entre a proteção do investidor e a integridade do mercado também deve ser alcançado através de regulamentação adequada.

3.11.

As PME com fontes de financiamento diversificadas são mais robustas e competitivas, beneficiando de custos reduzidos e de melhores perspetivas de desenvolvimento. Tal permite um mercado de trabalho mais forte e melhores oportunidades para os cidadãos que procuram um emprego, independentemente do seu nível de formação.

3.12.

O CESE recomenda que a Comissão pondere novas simplificações das regras e dos requisitos dos mercados de PME em crescimento, a fim de os diferenciar melhor dos mercados regulamentados e de os tornar mais atrativos como mercados de nível de entrada.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE apoia plenamente os esforços em curso para tornar os mercados de capitais numa alternativa credível para o financiamento, no âmbito da agenda da União dos Mercados de Capitais. No entanto, ainda se afigura duvidoso que os atuais esforços sejam suficientes para reduzir os obstáculos consideráveis que existem atualmente no mercado. As PME não parecem estar a mudar o seu comportamento em matéria de financiamento, pelo que é necessário envidar mais esforços. A Comissão reconheceu que é apenas um passo em frente, e não uma solução global para todos os desafios do mercado de capitais.

Quadro 2

Tipos de financiamento que as PME pretendem ver mais representados na combinação de financiamento nos próximos três anos, UE-28 (10)

Image

4.2.

Embora ainda não se saiba se lograrão reduzir os custos de conformidade, reduzir os encargos e promover a liquidez de mercado — uma vez que todos estes objetivos são bastante ambiciosos —, o CESE considera que as medidas propostas são um passo na direção certa.

4.3.

O CESE entende que o número reduzido de PME que obtêm acesso a financiamento com base no mercado também se deve à falta de comunicação ao nível mais baixo. As mensagens e os instrumentos a nível da UE não estão a chegar à base da cadeia — ou seja, às PME visadas. Tal resulta de vários motivos, sobretudo um nível insuficiente de comunicação e interação proativas de Bruxelas com os Estados-Membros e as associações de PME, os parceiros sociais ou as câmaras de comércio. O CESE advertiu para esta questão num parecer anterior (11), mas até agora foram poucas as melhorias observadas.

4.4.

Por outro lado, o baixo número de investidores institucionais nos mercados de ações e obrigações de PME pode ser explicado pela falta de incentivos concedidos a estes investidores, sobretudo no que diz respeito aos tratamentos fiscais. O CESE aconselha a Comissão a analisar esta possibilidade.

4.5.

O CESE acolhe com agrado a proposta de prorrogação, por dois dias, do prazo para a divulgação ao público das operações de dirigentes. Trata-se de um instrumento importante para preservar a transparência e a simetria dos mercados jovens, mas o prazo de três dias representava uma limitação crítica para as PME. O CESE considera que a alteração proposta conduzirá a uma agilização do procedimento em períodos mais difíceis ou mais atarefados para as empresas. O CESE recomenda que a Comissão estude formas de eliminar os encargos administrativos das empresas transferindo-os para outros intervenientes, como as autoridades nacionais competentes.

4.6.

O CESE já manifestou o seu total apoio à simplificação e racionalização dos requisitos para o prospeto publicado em caso de oferta de valores mobiliários nos mercados regulamentados, tornando-os mais eficazes em termos de custos e mais úteis para os investidores em termos das informações que contêm (12). Qualquer nova proposta que contribua para a consecução deste objetivo será muito bem acolhida. Tendo em conta a grande quantidade de informação que as empresas dos mercados de PME em crescimento são obrigadas a divulgar ao abrigo do Regulamento Abuso de Mercado e da Diretiva 2014/65/UE, o CESE considera que um simples prospeto de transferência é suficiente para as empresas em processo de transição para um mercado regulamentado.

4.7.

Além disso, o CESE apoia a simplificação gradual do prospeto no âmbito da transferência para o mercado regulamentado de empresas que estejam cotadas num mercado de PME em crescimento há um número razoável de anos.

4.8.

O CESE congratula-se com a proposta de manter apenas uma lista de pessoas com acesso a informação privilegiada em permanência para as empresas cotadas nos mercados de PME em crescimento, uma vez que o número de trabalhadores com acesso a informação privilegiada é limitado e não sofre muitas alterações. Tal representa uma redução significativa dos encargos.

4.9.

O CESE é favorável às modificações do regime em matéria de sondagem de mercado, uma vez que as alterações propostas facilitarão a emissão de obrigações de empresas por emitentes de mercados de PME em crescimento. No que diz respeito às justificações a apresentar, pelos emitentes dos mercados de PME em crescimento, quando há atraso na divulgação ao público de informação privilegiada, o CESE considera que as explicações pedidas, numa base casuística, pelas autoridades nacionais competentes, após notificação pelo emitente, não devem ser demasiado pormenorizadas nem demasiado prescritivas.

4.10.

O Regulamento Abuso de Mercado é uma fonte de custos administrativos e jurídicos e pode ser visto por emitentes de fora da UE como um obstáculo à cotação nos mercados da UE. O CESE recomenda que sejam feitas mais alterações para adaptar os requisitos aos mercados de PME em crescimento.

4.11.

Embora os contratos de liquidez sejam uma evolução positiva, sobretudo para os mercados subdesenvolvidos, uma proposta a nível europeu criaria condições de concorrência equitativas a partir das quais será possível desenvolver condições locais. O CESE considera que o 29.o regime de contratos de liquidez, que a Comissão está a elaborar, proporcionará aos emitentes do mercado a possibilidade de estabelecer um contrato de liquidez quer com base na legislação nacional, quando existe, quer com base numa regulamentação à escala europeia.

4.12.

A proposta da Comissão é um passo decisivo no bom sentido. No entanto, o CESE entende que deveriam ser realizadas avaliações de impacto regulares com amplo acesso a dados não confidenciais e análises baseadas em indicadores quantitativos.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 15.

(2)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 15.

(3)  Marcin Szczepanski, «Helping European SMEs to grow: Start-up and scale-up initiatives for business ventures in the EU» [Ajudar as PME europeias a crescer: iniciativas para apoiar o arranque e a expansão dos projetos empresariais na UE].

(4)  «Inquérito do BEI sobre o investimento 2016/2017: Surveying Corporate Investment Activities, Needs and Financing in the EU» [Inquérito sobre as atividades de investimento, as necessidades e o financiamento das empresas na UE], Banco Europeu de Investimento, 2017.

(5)  Apostolos Thomadakis, «Developing EU Capital Markets for SMEs: Mission impossible?» [Desenvolver o mercado de capitais da UE: missão impossível?], ECMI Commentary, n.o 46, 4 de setembro de 2017.

(6)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 15.

(7)  JO C 177 de 18.5.2016, p. 9.

(8)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 20.

(9)  Iota Kaousar Nassr e Gert Wehinger, «Opportunities and limitations of public equity markets for SMEs» [Oportunidades e limitações dos mercados bolsistas para as PME], OECD Journal: Financial Market Trends 2015/1, p. 49-84.

(10)  Apostolos Thomadakis, «Developing EU Capital Markets for SMEs: Mission impossible?» [Desenvolver o mercado de capitais da UE: missão impossível?], ECMI Commentary, n.o 46, 4 de setembro de 2017.

(11)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 15.

(12)  JO C 177 de 18.5.2016, p. 9.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/85


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade»

[COM(2018) 336 final — 2018/0168 (COD)]

(2018/C 440/13)

Relator:

Christophe LEFÈVRE

Consulta

Conselho, 6.6.2018

Parlamento Europeu, 11.6.2018

Base jurídica

Artigo 114.o, n.o 1, do TFUE

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

191/0/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente as propostas da Comissão que alteram a diretiva relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade. Contudo, lamenta que a Comissão não tenha aproveitado a ocasião para antecipar as evoluções relacionadas com os veículos autónomos, apesar das observações incluídas no estudo de impacto (1) que acompanha a proposta.

1.2.

No que diz respeito à melhoria da proteção das vítimas de acidentes de viação em caso de insolvência da seguradora, o Comité considera pertinente a proposta de indemnização das vítimas pelo organismo do Estado-Membro de residência da vítima. No entanto, a Comissão exclui o recurso a este organismo se a vítima tiver recorrido diretamente à seguradora ou tiver intentado uma ação judicial. Assim, o Comité recomenda que esta exclusão não se aplique caso, entretanto, a seguradora entre em situação de incapacidade económica (falência, liquidação) ou caso a vítima autorize o organismo a ficar sub-rogado no benefício das ações de recurso, a fim de ser indemnizada mais rapidamente. O Comité recomenda que os níveis de reparação (tipos de prejuízo) praticados sejam os mais favoráveis para a vítima, entre os níveis do país onde ocorreu o acidente e os níveis do país da sua residência.

1.3.

No que respeita à melhoria do reconhecimento das declarações de historial de sinistros, o Comité recomenda a especificação do nome do condutor em causa e do seu grau de responsabilidade na ocorrência do acidente (total, parcial ou nula). O Comité tem reservas quanto ao conteúdo do certificado no contexto de uma legislação nacional que preveja a obtenção de cobertura de seguro para um veículo independentemente do condutor, em oposição a uma legislação que preveja a obtenção de cobertura de seguro para um veículo com um condutor declarado e sujeito a um prémio fixado em função do perfil individual de risco e de sinistralidade, ou ainda para o titular da carta de condução, independentemente do veículo utilizado. O Comité solicita à Comissão que imponha a emissão de certificados de seguro e de declarações de historial de sinistros em suportes protegidos e que autorize, para efeitos de verificação da sua validade, a utilização de uma base de dados interligada consultável pelas forças de segurança.

1.4.

No que diz respeito à fiscalização do seguro para combater a circulação de veículos não segurados, o Comité acolhe favoravelmente a proposta de utilizar as tecnologias de reconhecimento das placas de matrícula para, no âmbito de um dispositivo nacional, fiscalizar os veículos sem exigir a sua paragem. Em caso de ausência de contrato de seguro, o Comité recomenda a imobilização do veículo até à apresentação de um certificado de seguro válido.

1.5.

Relativamente à harmonização dos montantes mínimos de cobertura, o Comité recomenda à Comissão que fixe uma data final para a aplicação integral dos limites mínimos das indemnizações.

1.6.

No que diz respeito ao âmbito de aplicação da diretiva, o Comité acolhe favoravelmente a clarificação relativa ao conceito de meio de transporte em terreno público ou privado, estacionado ou em movimento, excluindo a utilização para fins exclusivamente agrícolas de veículos identificados. Importa, todavia, garantir que os veículos agrícolas que circulam na via pública estejam sujeitos à diretiva.

1.7.

Por último, no que respeita à coerência com as disposições vigentes no mesmo domínio setorial, o Comité considera igualmente que as propostas da Comissão são coerentes com a livre circulação de pessoas e bens e com os princípios do mercado interno, que garantem a livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento das seguradoras.

2.   Contexto e introdução

2.1.

A Comissão propõe uma alteração da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (2) relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade.

2.2.

A Comissão visa melhorar a proteção atualmente insuficiente das vítimas de acidentes de viação e reduzir as diferenças de tratamento dos tomadores de seguros na UE no que diz respeito ao sistema bónus/málus, bem como integrar os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferidos após a entrada em vigor da primeira diretiva da UE em matéria de seguro automóvel, adotada em 1972.

2.3.

A diretiva é um instrumento jurídico fundamental para o bom funcionamento do mercado único, permitindo a liberdade de circulação, com base num prémio único, sem necessidade de subscrever um contrato de seguro suplementar para circular noutro Estado-Membro; visa igualmente garantir um elevado grau de convergência em termos de proteção das vítimas de acidentes de viação.

2.4.

A legislação assenta no sistema internacional da carta verde, ao qual aderiram 48 países; este sistema não é da responsabilidade da UE. Entre os elementos principais da Diretiva 2009/103/CE contam-se os seguintes:

obrigação de os veículos automóveis terem um contrato de seguro automóvel de responsabilidade civil, válido para todas as regiões da UE, com base num prémio único,

montantes de cobertura mínimos obrigatórios que esses contratos de seguro devem prever (os Estados-Membros podem exigir uma cobertura superior a nível nacional),

proibição de os Estados-Membros realizarem uma fiscalização sistemática do seguro dos veículos com estacionamento habitual noutro Estado-Membro,

obrigação de os Estados-Membros criarem fundos de garantia para a indemnização das vítimas de acidentes causados por veículos não segurados ou não identificáveis,

proteção das vítimas de acidentes de viação num Estado-Membro que não o seu Estado-Membro de residência («vítimas estrangeiras»),

direito de os tomadores de seguros obterem da respetiva seguradora uma declaração do seu historial de sinistros referente aos últimos cinco anos.

2.5.

No quadro do programa de trabalho da Comissão para 2016 e do plano de ação para os serviços financeiros de março de 2017, foi realizada em 2017 uma avaliação (3) da Diretiva 2009/103/CE, e, no mesmo ano, foram proferidas duas decisões do TJUE. Estes elementos levaram a Comissão a pronunciar-se.

2.5.1.   Melhoria da proteção das vítimas de acidentes de viação em caso de insolvência da seguradora

2.5.1.1.

A Comissão propõe que, em cada Estado-Membro, seja autorizado um organismo para indemnizar as pessoas lesadas que tenham residência habitual no seu território, pelo menos até aos limites da obrigação de seguro, pelos danos pessoais ou danos materiais causados por um veículo segurado, em caso de ausência de resposta fundamentada no prazo de três meses aos argumentos de um pedido de indemnização ou em caso de falência ou liquidação do organismo de seguros ou resseguros. Excetuam-se as situações em que a vítima já tenha apresentado um pedido de indemnização diretamente à seguradora ou tenha intentado uma ação judicial que esteja pendente.

2.5.1.2.

A Comissão prevê o direito desse organismo a exigir o reembolso junto do organismo do país do responsável pelo acidente.

2.5.2.   Melhoria do reconhecimento das declarações de historial de sinistros, nomeadamente num contexto transfronteiras

2.5.2.1.

A diretiva introduz a obrigação de emissão de uma declaração de historial de sinistros do contrato de seguro automóvel referente aos últimos cinco anos. Não existe qualquer requisito de que as seguradoras tenham em consideração essas declarações ao efetuarem o cálculo dos prémios.

2.5.2.2.

A Comissão recomenda que o conteúdo e a forma dessas declarações sejam normalizados, devendo especificar os elementos que permitam adaptar os prémios em função do historial de sinistros e assegurar a autenticidade dos certificados.

2.5.3.   Fiscalização do seguro para combater a circulação de veículos não segurados

2.5.3.1.

A Comissão recomenda a utilização de tecnologias de reconhecimento das placas de matrícula para fiscalizar os veículos sem exigir a sua imobilização, no âmbito de um sistema geral de fiscalização nacional, não interferindo este procedimento com a livre circulação de pessoas e veículos.

2.5.3.2.

A Comissão especifica que essa verificação do seguro dos veículos que entram no território nacional exige um intercâmbio de dados entre Estados-Membros.

2.5.4.   Harmonização dos montantes mínimos de cobertura

2.5.4.1.

A Comissão constata também que os níveis mínimos de indemnização variam em função dos países, nomeadamente por estes não os terem ajustado durante o período de transição. A Comissão recomenda a harmonização dos montantes mínimos de cobertura, podendo, no entanto, cada Estado-Membro impor limites mínimos superiores.

2.5.5.   Âmbito de aplicação da diretiva

2.5.5.1.

Integrando três acórdãos do TJUE (4), a Comissão especifica o âmbito de aplicação da obrigação de seguro automóvel de responsabilidade civil, excluindo os acidentes em que o veículo tenha sido utilizado exclusivamente para fins agrícolas, a saber, todas as atividades consonantes com a função habitual de um veículo como meio de transporte, na via pública ou em terreno privado, quer o veículo se encontre estacionado ou em movimento.

2.6.   Coerência com as outras políticas da União

2.6.1.

A Comissão considera que as suas propostas são coerentes com a livre circulação de pessoas e bens e com os princípios do mercado interno, que garantem a livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento das seguradoras.

3.   Observações gerais

3.1.

O CESE acolhe favoravelmente as propostas da Comissão que alteram a diretiva relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade. Esta alteração é o resultado da análise da experiência adquirida, prevista no quadro legislativo, mas também de avaliações de impacto e consultas públicas e ainda da integração da jurisprudência do TJUE.

3.2.   Melhoria da proteção das vítimas de acidentes de viação em caso de insolvência da seguradora

3.2.1.

O Comité considera pertinente a proposta de indemnização das vítimas pelo organismo do Estado-Membro da sua residência, para colmatar a carência das seguradoras ou em caso de ausência de resposta fundamentada num prazo razoável, e acolhe favoravelmente o facto de o organismo no país de residência da vítima poder apresentar um pedido de reembolso junto do organismo do país terceiro do segurado responsável.

3.2.2.

Uma vez que a Comissão exclui, no entanto, a possibilidade de o organismo gestor indemnizar a vítima se esta tiver recorrido diretamente à seguradora ou se estiver em curso um processo judicial, o Comité recomenda que essa exclusão não se aplique nos seguintes casos:

se, entretanto, a seguradora entrar em situação de incapacidade (falência, liquidação),

em caso de revogação da autorização das autoridades de supervisão,

se a vítima autorizar o organismo a ficar sub-rogado no benefício das ações de recurso, a fim de ser indemnizada mais rapidamente.

O Comité recomenda que os níveis de reparação (tipos de prejuízo) praticados sejam os mais favoráveis para a vítima, entre os níveis do país onde ocorreu o acidente e os níveis do país da sua residência.

3.3.   Melhoria do reconhecimento das declarações de historial de sinistros, nomeadamente num contexto transfronteiras

3.3.1.

O Comité acolhe favoravelmente a proposta que visa a sistematização da emissão de uma declaração normalizada que certifique a existência ou a ausência de sinistros nos últimos cinco anos.

3.3.2.

O Comité recomenda que seja também especificado o nome do condutor em causa, bem como o seu grau de responsabilidade na ocorrência do acidente (total, parcial ou nula).

3.3.3.

O Comité tem reservas quanto ao conteúdo do certificado no contexto de uma legislação nacional que preveja a obtenção de cobertura de seguro para um veículo independentemente do condutor, em oposição a uma legislação que preveja a obtenção de cobertura de seguro para um veículo com um condutor declarado e sujeito a um prémio fixado em função do perfil individual de risco e de sinistralidade, ou ainda para o titular da carta de condução, independentemente do veículo utilizado.

3.3.4.

O Comité interroga-se, contudo, sobre a situação gerada pelos veículos motorizados sem condutor ou, eventualmente, sobre o conceito de «condutor» responsável quando o veículo motorizado é conduzido à distância.

3.3.5.

O Comité constata que a Comissão não prevê legislar sobre a fraude documental relacionada com as declarações de historial de sinistros ou os certificados de seguro.

3.3.6.

O Comité solicita à Comissão que imponha a emissão de certificados de seguro e de declarações de historial de sinistros em suportes protegidos e que autorize, para efeitos de verificação da sua validade, a utilização de uma base de dados interligada consultável pelas forças de segurança.

3.3.7.

O Comité salienta que a Comissão não refere a possibilidade de financiar a constituição de tais sistemas de interconexão transfronteiras.

3.4.   Fiscalização do seguro para combater a circulação de veículos não segurados

3.4.1.

O Comité acolhe favoravelmente a proposta de utilizar as tecnologias de reconhecimento das placas de matrícula para fiscalizar os veículos sem que tenham de parar, desde que os controlos efetuados façam parte de um sistema geral de fiscalização nacional, não sejam discriminatórios e não exijam a imobilização do veículo.

3.4.2.

Por outro lado, a Comissão é omissa quanto às medidas a tomar em relação aos veículos assim identificados que não estejam protegidos por um contrato de seguro. O Comité recomenda a imobilização do veículo até à apresentação de um certificado de seguro válido ou de um certificado de seguro cujo período de validade tenha caducado há menos de um mês.

3.4.3.

A Comissão especifica que essa verificação do seguro dos veículos que entram no território nacional exige um intercâmbio de dados entre Estados-Membros e que é necessário proteger os direitos, as liberdades e os interesses legítimos dos titulares desses dados ao abrigo do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD).

3.4.4.

No entanto, a Comissão é omissa quanto à entidade gestora, bem como quanto ao financiamento dos custos de criação e gestão de uma base de dados interconectada de contratos de seguro válidos e inválidos.

3.5.   Harmonização dos montantes mínimos de cobertura

3.5.1.

O Comité concorda com a análise da Comissão relativa aos limites mínimos díspares e, acima de tudo, não conformes, já que são inferiores aos limites previstos pela diretiva em quase metade dos Estados-Membros da UE.

3.5.2.

Para além da simples recomendação de harmonização dos limites (5), o Comité recomenda à Comissão que fixe uma data final para a aplicação integral dos limites mínimos das indemnizações, agora que o prazo já expirou, que poderá ser o final de 2019.

3.5.3.

O Comité recomenda que os níveis de reparação (tipos de prejuízo) praticados sejam os mais favoráveis para a vítima, entre os níveis do país onde ocorreu o acidente e os níveis do país da sua residência.

3.6.   Âmbito de aplicação da diretiva

3.6.1.

O Comité acolhe favoravelmente a clarificação relativa ao conceito de meio de transporte em terreno público ou privado, estacionado ou em movimento, excluindo a utilização para fins exclusivamente agrícolas. Importa, todavia, garantir que os veículos agrícolas que circulam na via pública estejam sujeitos à diretiva.

3.7.   Coerência com as disposições vigentes no mesmo domínio setorial

3.7.1.

O Comité considera igualmente que as propostas da Comissão são coerentes com a livre circulação de pessoas e bens e estão em conformidade com os princípios do mercado interno, que garantem a livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento das seguradoras.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  https://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/10102/2018/EN/SWD-2018-247-F1-EN-MAIN-PART-1.PDF.

(2)  JO L 263 de 7.10.2009, p. 11.

(3)  https://ec.europa.eu/info/law/better-regulation/initiatives/ares-2017-3714481_pt

(4)  Acórdão Vnuk (C-162/13, 2014), acórdão Rodrigues de Andrade (C-514/16, 2017) e acórdão Torreiro (C-334/16, 2017).

(5)  Diretiva 84/5/CEE, alterada pela Diretiva 2005/14/CE.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/90


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos requisitos de homologação de veículos a motor e seus reboques e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, no que se refere à sua segurança geral e à proteção dos ocupantes dos veículos e dos utentes da estrada vulneráveis, que altera o Regulamento (UE) 2018/… e revoga os Regulamentos (CE) n.o 78/2009, (CE) n.o 79/2009 e (CE) n.o 661/2009»

[COM(2018) 286 final — 2018/0145 COD]

(2018/C 440/14)

Relator:

Raymond HENCKS

Consulta

Parlamento Europeu, 28.5.2018

Conselho, 4.6.2018

Base jurídica

Artigo 114.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

193/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Nas últimas décadas, a segurança rodoviária na União Europeia melhorou consideravelmente graças ao reforço do código da estrada, dos requisitos respeitantes ao comportamento do condutor e das condições de trabalho e de formação dos motoristas profissionais, à melhoria das infraestruturas rodoviárias e do desempenho dos serviços de emergência e ainda ao maior rigor dos requisitos da legislação da UE em matéria de segurança dos veículos, aos quais a indústria automóvel sempre soube dar resposta com soluções técnicas inovadoras.

1.2

No entanto, o número de pessoas mortas nas estradas da União continua a ser muito superior ao objetivo por ela estabelecido no Livro Branco sobre os Transportes de 2011, nomeadamente aproximar-se do objetivo de «zero mortes» até 2050 e diminuir para metade, até 2020, o número de acidentes de viação mortais.

1.3

Na sua maioria, os acidentes rodoviários são exclusivamente devidos a erro humano, em geral associado a velocidade excessiva, distração ou condução sob o efeito de álcool. Por conseguinte, será necessário incentivar mais, ou mesmo coagir, os cidadãos da UE a assumir em primeira instância, mediante a adoção de um comportamento adequado, a responsabilidade pela sua própria segurança e pela segurança dos outros utentes da estrada na União.

1.4

Importa, assim, adotar uma abordagem integrada em matéria de segurança rodoviária, no que se refere ao comportamento do condutor, às condições de trabalho e competências dos motoristas profissionais, bem como às infraestruturas. Os sistemas de segurança a bordo dos veículos, capazes de prevenir ou corrigir erros humanos, são mais um fator de segurança determinante.

1.5

O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de tornar obrigatório, para todos os veículos, um novo conjunto de medidas de segurança avançadas sob a forma de equipamentos de série para os veículos rodoviários, nomeadamente sistemas de controlo da pressão dos pneus, sistemas de adaptação inteligente da velocidade, de controlo da sonolência e da atenção do condutor, de reconhecimento da distração, de deteção de obstáculos em marcha-atrás, de sinal de paragem de emergência e de travagem de emergência.

1.6

O CESE concorda também que os veículos pesados de mercadorias e os autocarros sejam obrigatoriamente equipados com um sistema de deteção e alerta de utentes da estrada vulneráveis que se encontrem na proximidade imediata da frente e da parte lateral direita do veículo, bem como que sejam concebidos e construídos por forma a melhorar a visibilidade dos utentes da estrada vulneráveis a partir do lugar do condutor e dotados de um sistema de aviso de afastamento da faixa de rodagem. Saúda ainda a obrigação adicional de conceber e construir autocarros que também sejam acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida, incluindo pessoas em cadeiras de rodas.

1.7

Em contrapartida, interroga-se sobre a razão pela qual a Comissão não impõe os dispositivos de bloqueio da ignição sensíveis ao álcool, limitando-se a prever a mera pré-instalação dos mesmos. O CESE considera que a sua instalação deve ser obrigatória e não facultativa.

1.8

Além disso, o CESE recomenda que se preveja também um aparelho de registo de eventos (acidentes) para os camiões, veículos pesados de mercadorias e autocarros, uma vez que os tacógrafos, apesar de fornecerem parte dos dados referentes à condução, não memorizam os dados essenciais durante e após um acidente.

1.9

Por último, o CESE lamenta que os sistemas de segurança mais rigorosos do que a legislação europeia exige, voluntariamente instalados por alguns fabricantes, abrangem muitas vezes apenas os modelos de gama alta, em detrimento de modelos menos onerosos, que não incluem dispositivos de segurança avançados para além dos obrigatórios. Em consequência, nem todos os cidadãos da UE têm acesso a automóveis com um nível de segurança equivalente. Para corrigir essa situação, o CESE recomenda à Comissão Europeia que imponha, no âmbito do regulamento em apreço e como regra geral, a adaptação das normas europeias à evolução tecnológica num prazo mais curto.

1.10

O mesmo se aplica aos veículos pesados de mercadorias e aos autocarros, nomeadamente no que diz respeito ao sistema de deteção e alerta de utentes que se encontrem na proximidade imediata da frente e da parte lateral direita do veículo, cuja instalação está devidamente prevista pela proposta de regulamento em apreço, mas que também deveria passar a ser obrigatória num prazo mais curto.

2.   Introdução

2.1

Nas últimas décadas, a segurança rodoviária melhorou sensivelmente, sobretudo graças à instalação de sistemas de segurança avançados a bordo dos automóveis, à melhoria das infraestruturas rodoviárias, ao reforço das regras do código da estrada, às campanhas de sensibilização dos condutores e à rapidez e competência dos serviços de emergência.

2.2

Todavia, ainda subsistem diferenças consideráveis entre os diversos Estados-Membros, não obstante os esforços da Comissão Europeia que, através dos seus diferentes programas e orientações, procura harmonizar as regras de segurança em toda a União Europeia.

2.3

Por exemplo:

a sinalização rodoviária e a idade mínima para conduzir não são iguais em todo o lado;

a utilização do telemóvel durante a condução, com um dispositivo «mãos livres», é autorizada em alguns países;

a taxa de alcoolemia autorizada varia, em função dos Estados-Membros, entre a tolerância zero e alguma permissividade;

os limites de velocidade diferem;

os equipamentos de segurança exigidos aos ciclistas (capacete) e automobilistas (colete refletor, triângulo de pré-sinalização de perigo, estojo de primeiros socorros e extintor) não são idênticos em todos os Estados-Membros.

2.4

Em 2017, morreram 25 300 pessoas nas estradas da UE, um número que, embora represente uma diminuição de 2 % num ano (1), permanece muito aquém do necessário para reduzir significativamente o número de mortes na estrada (2), a fim de se aproximar do objetivo de «zero mortes» em acidentes de viação até 2050.

2.5

Cerca de 135 000 pessoas ficaram gravemente feridas no ano passado (3), entre elas muitos peões, ciclistas e motociclistas, que a Comissão considera serem utentes particularmente «vulneráveis».

2.6

Segundo a Comissão Europeia, estimam-se em 120 mil milhões de EUR por ano os custos socioeconómicos dos acidentes rodoviários (tratamentos médicos, incapacidade para o trabalho, etc.).

3.   Proposta da Comissão

3.1

A iniciativa em apreço faz parte do terceiro pacote de mobilidade «A Europa em Movimento», destinado a tornar a mobilidade europeia mais segura e mais acessível, a indústria europeia mais competitiva e os empregos europeus mais seguros, bem como a assegurar uma melhor adaptação aos imperativos da luta contra as alterações climáticas, nomeadamente através do reforço dos requisitos relativos aos dispositivos de segurança dos veículos rodoviários.

3.2

As disposições atuais relativas ao procedimento de homologação de automóveis da União Europeia no âmbito da segurança dos peões e da segurança do hidrogénio encontram-se, em grande medida, ultrapassadas pelo progresso tecnológico, pelo que os Regulamentos (CE) n.o 78/2009 (proteção dos peões), (CE) n.o 79/2009 (veículos a motor movidos a hidrogénio) e (CE) n.o 661/2009 (prescrições para homologação no que se refere à segurança geral dos veículos a motor) são revogados e substituídos pelas disposições equivalentes dos regulamentos da ONU e as alterações a esses regulamentos que a União aprovou ou que aplica, em conformidade com a Decisão 97/836/CE.

3.3

Em geral, o âmbito de aplicação do regulamento relativo à segurança geral dos veículos é mantido, tendo, no entanto, sido alargado no que se refere aos dispositivos de segurança que se aplicam atualmente aos veículos e às isenções conexas, de modo que abranja todas as categorias de veículos e elimine as atuais isenções associadas aos SUV (sport utility vehicle) e às furgonetas.

3.4

O projeto de regulamento estabelece os requisitos técnicos gerais para a homologação de veículos, sistemas, componentes e unidades técnicas e fornece uma lista de áreas de segurança para as quais são (ou devem ser) desenvolvidas regras mais detalhadas no direito derivado. Todos os regulamentos de segurança rodoviária da ONU de aplicação obrigatória na UE figuram num anexo ao projeto de regulamento em apreço.

3.5

A presente proposta prevê ainda que a Comissão fica habilitada a estabelecer normas e requisitos técnicos pormenorizados mediante atos delegados.

3.6

O âmbito atual do requisito de dotar os veículos de passageiros de sistemas de controlo da pressão dos pneus é alargado a todas as categorias de veículos.

3.7

Um conjunto de dispositivos avançados de segurança, tais como o sistema de adaptação inteligente da velocidade, os sistemas de controlo da sonolência e da atenção do condutor ou de reconhecimento da distração, a deteção de obstáculos em marcha-atrás, o sinal de paragem de emergência, a pré-instalação de dispositivos de bloqueio da ignição sensíveis ao álcool e o sistema avançado de travagem de emergência, passam a ser obrigatórios para todos os veículos.

3.8

Os automóveis de passageiros e os veículos comerciais ligeiros deverão ser, além disso, equipados com:

aparelhos de registo de eventos (acidentes),

sistemas de apoio à manutenção na faixa de rodagem, e

sistemas de proteção frontal concebidos e construídos de modo que estabeleça uma zona alargada de proteção de impacto da cabeça para proteger os utentes da estrada vulneráveis.

Os camiões e veículos pesados de mercadorias (categorias N2 e N3) e os autocarros (categorias M2 e M3) devem ser equipados com:

sistemas de deteção e alerta de utentes da estrada vulneráveis que se encontrem na proximidade imediata da frente e da parte lateral direita do veículo e serem concebidos e construídos por forma a melhorar a visibilidade dos utentes da estrada vulneráveis a partir do lugar do condutor, e

sistemas de aviso de afastamento da faixa de rodagem.

Os autocarros devem ser ainda concebidos e construídos de modo que sejam acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida, incluindo pessoas em cadeiras de rodas.

Os veículos movidos a hidrogénio devem cumprir os requisitos que figuram no anexo V do regulamento em apreço.

Quanto aos veículos automatizados, devem ser futuramente desenvolvidas normas e disposições técnicas de segurança pormenorizadas para servirem de base à sua utilização.

4.   Observações gerais

4.1

O CESE felicita a Comissão pela sua iniciativa que visa tornar obrigatório um novo conjunto de medidas de segurança avançadas sob a forma de equipamentos de série para os veículos rodoviários. Deseja salientar, todavia, que, para além da revisão das normas mínimas obrigatórias para os automóveis novos vendidos no mercado europeu, é necessário incentivar mais, ou mesmo coagir, os cidadãos da UE a assumir, em primeira instância, mediante um comportamento adequado, a responsabilidade pela sua própria segurança e pela segurança dos outros utentes da estrada na União.

4.2

Por si só, e sem a adoção de outras medidas complementares em matéria de comportamento dos utentes, de condições de trabalho e competências dos motoristas profissionais e de infraestruturas rodoviárias, as novas medidas relativas aos dispositivos de segurança a bordo dos veículos, por mais úteis e indispensáveis que sejam, correm o risco de apenas terem um efeito limitado sobre a pretendida diminuição dos acidentes de viação graves. O número persistentemente elevado de acidentes rodoviários na origem de um elevado número de mortes e ferimentos graves, exige um ajustamento dinâmico suplementar da política de segurança rodoviária, no âmbito do qual sejam igualmente adotadas medidas dissuasoras contra aqueles que desrespeitam as regras e põem em perigo a sua própria vida e a dos outros, para além do reforço dos requisitos relativos aos dispositivos de segurança dos veículos rodoviários e das medidas de prevenção.

4.3

O CESE considera que, apesar de devermos promover as tecnologias que exploram as interações entre os condutores, bem como os sistemas de transporte inteligentes (STI), não se pode esperar que a mobilidade do futuro, nomeadamente os sistemas de transporte inteligentes e de condução totalmente automatizada, consiga a curto ou médio prazo solucionar os desafios atualmente existentes.

4.4

No entender da Comissão, o quadro revisto será mais adequado para melhorar a proteção dos utentes da estrada vulneráveis. O artigo 3.o, n.o 1, do regulamento em apreço define o utente vulnerável como um «utente de uma estrada que utiliza um veículo motorizado de duas rodas ou um utente de uma estrada não motorizado, como um ciclista ou um peão». O CESE considera que esta definição não abrange necessariamente todas as categorias «de alto risco», nomeadamente as pessoas que apresentam fragilidades inerentes à sua idade (crianças e pessoas idosas) ou a uma deficiência.

4.5

É evidente que os riscos para os utentes da estrada se devem principalmente ao comportamento dos condutores (excesso de velocidade, consumo de álcool ou de estupefacientes, utilização de dispositivos eletrónicos portáteis durante a condução de um veículo, momentos de distração, estado físico dos condutores, períodos de condução demasiado longos e desrespeito dos períodos de repouso) e a infraestruturas desadequadas (falta de espaços reservados aos peões, ausência de iluminação adaptada às situações).

4.6

O CESE está, por conseguinte, de acordo que, para prevenir parte desses perigos, a Comissão imponha a instalação sistemática, nos automóveis novos, de:

um sistema de adaptação inteligente e flexível da velocidade, que encoraje, para além dos aspetos de segurança, uma condução que permita economizar combustível e, consequentemente, reduzir a poluição,

um sistema de controlo da pressão dos pneus,

sistemas avançados de controlo da sonolência do condutor e de reconhecimento da distração.

4.7

Em contrapartida, interroga-se sobre a razão pela qual a proposta de regulamento não impõe os dispositivos de bloqueio da ignição sensíveis ao álcool, limitando-se a prever a pré-instalação dos mesmos. Segundo um estudo do «Verband der TÜV e.V» (4), 11 % dos acidentes ocorridos em 2016 foram causados por motoristas que estavam comprovadamente em estado de embriaguez. Sabendo-se que é detetado apenas um em 600 casos de condução sob a influência de álcool, estima-se que a percentagem de acidentes resultantes do consumo de álcool seja superior a 25 %. O CESE considera que a instalação de dispositivos de bloqueio da ignição em caso de ingestão de álcool não deve ser limitada aos reincidentes cuja carta de condução foi suspensa na sequência de uma decisão judicial por conduzirem sob o efeito de álcool ou de estupefacientes, mas sim obrigatória de modo geral.

4.8

O CESE recomenda que se preveja também um aparelho de registo de eventos (acidentes) para os camiões e autocarros, uma vez que os tacógrafos desses veículos, apesar de fornecerem parte dos dados referentes à condução, não memorizam os dados essenciais durante e após um acidente.

4.9

De acordo com o estudo de impacto realizado pela Comissão, que acompanha a proposta de regulamento em apreço, num período de 16 anos, a introdução dos novos dispositivos de segurança em apreço contribuiria para uma diminuição de 24 794 mortes e de 140 740 ferimentos graves. O CESE questiona se tais estimativas, quantificadas até à unidade, não são suscetíveis de ser consideradas pouco credíveis e de afetar o valor acrescentado do estudo de impacto na sua globalidade.

4.10

Por último, o CESE chama a atenção para o facto de os fabricantes desenvolverem, voluntariamente, veículos mais seguros do que a legislação da UE exige. Infelizmente, essas melhorias abrangem muitas vezes apenas os modelos de gama alta vendidos nos principais mercados dos Estados-Membros, em detrimento de modelos menos onerosos, que não incluem dispositivos de segurança avançados para além dos obrigatórios. Em consequência, nem todos os cidadãos da UE têm acesso a automóveis com um nível de segurança equivalente. Para corrigir essa situação, o CESE recomenda à Comissão Europeia que imponha a adaptação das normas europeias à evolução tecnológica num prazo mais curto.

O mesmo se aplica aos veículos pesados de mercadorias e aos autocarros, nomeadamente no que diz respeito ao sistema de deteção e alerta de utentes que se encontrem na proximidade imediata da frente e da parte lateral direita do veículo (ângulo morto), cuja instalação também deveria ser tornada obrigatória num prazo mais reduzido.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Comunicado de imprensa da Comissão de 10 de abril de 2018, IP/18/2761.

(2)  Comunicado de imprensa da Comissão de 10 de abril de 2018, IP/18/2761.

(3)  Comunicado de imprensa da Comissão de 10 de abril de 2018, IP/18/2761.

(4)  https://etsc.eu/wp-content/uploads/5_VdTÜV_DeVol_Brussels.PPT_17.06.18.pdf


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/95


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que complementa a legislação da UE em matéria de homologação no que diz respeito à saída do Reino Unido da União Europeia»

[COM(2018) 397 final — 2018/0220 (COD)]

(2018/C 440/15)

Relator:

Séamus BOLAND

Consulta

Parlamento Europeu, 2.7.2018

Conselho, 3.7.2018

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

198/0/7

1.   Conclusões

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que complementa a legislação da União Europeia (UE) em matéria de homologação no que diz respeito à saída do Reino Unido da União Europeia.

1.2.

O CESE considera que a proposta incide nas medidas práticas necessárias para dar resposta às consequências reais para os consumidores e para a indústria de fabrico e distribuição de veículos decorrentes das alterações jurídicas inevitáveis que ocorrerão na certificação da emissão de homologações pelas entidades do Reino Unido com base na legislação da UE.

1.3.

Nesse contexto, o CESE considera que a presente proposta deve constituir um modelo para muitos outros acordos semelhantes necessários em consequência do Brexit.

1.4.

O CESE recomenda que o acordo relativamente a esta proposta reconheça a necessidade de um período de transição razoável antes da plena execução do novo sistema. Globalmente, o prazo de cessação de 29 de março é excessivamente restritivo e deve ser prorrogado nas condições acordadas entre o Reino Unido e a UE.

1.5.

O CESE concorda que, na sequência da cessação da adesão do Reino Unido, as entidades homologadoras desse país não podem continuar a certificar veículos ao abrigo da legislação da UE e que os fabricantes sediados no Reino Unido terão de solicitar a homologação a qualquer uma das 27 entidades sediadas na UE. O CESE observa que o Governo do Reino Unido considera que a sua entidade deve ser reconhecida em termos internacionais como entidade homologadora, pelo que recomenda que se esclareçam eventuais confusões a este respeito.

1.6.

O CESE constata que a presente proposta será implementada de acordo com os parâmetros definidos no acordo global de cessação negociado. Por conseguinte, recomenda que a presente proposta não seja diluída de forma alguma.

1.7.

O CESE observa que, na UE, podem registar-se modificações e alterações às diretivas com base em novas tecnologias, novas informações e assim por diante. Deste modo, recomenda a existência da flexibilidade necessária nos acordos para viabilizar as devidas negociações.

1.8.

O CESE recomenda que todos os acordos globais sobre o comércio, bem como a cessação da adesão, tomem em consideração o enorme mercado existente na UE e no Reino Unido e que todos os acordos assegurem a não ocorrência de uma perturbação negativa deste mercado.

1.9.

O CESE recomenda veementemente que os sistemas de informação, a formação e o aconselhamento necessários sejam dotados de recursos adequados e sejam disponibilizados de forma transparente a todos os setores da indústria, nomeadamente aos representantes dos consumidores e às partes interessadas do setor ambiental.

1.10.

O CESE concorda que, embora os «direitos fundamentais» não sejam afetados pela presente proposta, os direitos dos consumidores serão sempre motivo de preocupação, pelo que recomenda que tal seja reconhecido ao longo de toda a aplicação.

2.   Aspetos gerais

2.1.

Em 23 de junho de 2016, na sequência de um referendo sobre a adesão à UE, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte decidiu sair da União Europeia. Esta decisão inclui Gibraltar.

2.2.

Em 29 de março de 2017, o Reino Unido notificou a UE da sua intenção de se retirar da União, em conformidade com o artigo 50.o do Tratado da União Europeia. Uma vez este artigo invocado, deu-se início ao processo de negociação sobre a cessação da adesão, tendo em vista a boa gestão de novas disposições jurídicas complexas.

2.3.

Quando este processo estiver concluído, prevê-se que, a partir de 30 de março de 2019, o Reino Unido deixe de ser membro da UE e passe a constituir um país terceiro, a menos que o acordo proponha uma nova data de entrada em vigor.

2.4.

Reconhece-se que a saída da UE criará a necessidade de resolver inúmeras questões práticas relacionadas com a regulamentação de bens e serviços a nível da UE. Nomeadamente, as entidades homologadoras sediadas no Reino Unido deixarão de ser consideradas entidades reguladoras da UE a partir da data de cessação da adesão. Por sua vez, o que precede tem consequências para a atual e futura regulamentação de bens, designadamente dos bens já homologados.

2.5.

No entanto, importa salientar que a posição exata do Reino Unido em relação à sua entidade homologadora será objeto do acordo global negociado ainda em curso.

2.6.

Entre as variadas consequências regista-se a perturbação das várias cadeias de abastecimento de produtos, que estão rigorosamente ajustadas para fornecer bens de forma eficiente em termos de custos e em tempo útil em todos os Estados-Membros, incluindo a Grã-Bretanha.

2.7.

Além disso, a proposta está perfeitamente consciente da necessidade de manter todas as normas de qualidade, assegurando igualmente a não diluição das normas ambientais e de consumo.

2.8.

A presente proposta pode facilmente funcionar como modelo para outros acordos semelhantes e, nesse contexto, é essencial dispor do apoio de todas as partes interessadas e do público em geral.

2.9.

A proposta declara que não tem implicações para a proteção dos direitos fundamentais. Porém, o CESE observa que as alterações às estruturas de regulamentação que afetam os bens terão sempre implicações para os consumidores.

2.10.

O presente parecer incidirá na situação respeitante ao sistema de homologação aplicável aos motores, aos veículos envolvidos no transporte de mercadorias, bem como aos motores para utilização em máquinas não móveis.

3.   Síntese da proposta da Comissão

3.1.

A proposta da Comissão visa abordar o quadro legislativo da UE que rege o sistema de homologação na medida em que se aplica a vários produtos e deixará de ser aplicável ao Reino Unido após a cessação da adesão à União.

3.2.

Especificamente, e sob reserva de possíveis disposições transitórias constantes do acordo de cessação, a proposta da Comissão indica que a seguinte legislação será afetada:

Diretiva 2007/46/CE relativa à homologação dos veículos a motor e seus reboques (a ser substituída por um regulamento, que será aplicável a partir de 1 de setembro de 2020),

Regulamento (UE) n.o 168/2013 relativo à homologação dos veículos de duas e três rodas e dos quadriciclos,

Regulamento (UE) n.o 167/2013 relativo à homologação de tratores agrícolas e florestais, e

Regulamento (UE) 2016/1628 relativo à homologação de motores para máquinas móveis não rodoviárias.

3.3.

A proposta esclarece ainda que a atual entidade homologadora do Reino Unido deixará de poder continuar a exercer a sua atividade como tal nos termos da legislação da UE. Por conseguinte, tendo em vista a continuidade da conformidade com a legislação da UE e a manutenção do acesso aos mercados europeus, os fabricantes que tenham obtido homologações no Reino Unido necessitarão de obter novas homologações junto de qualquer uma das entidades homologadoras da UE-27. Tal inclui os produtos que já se encontram em produção.

3.4.

Embora existam consequências significativas para o futuro papel da entidade homologadora do Reino Unido, surgem preocupações graves para o futuro do fabrico de veículos no Reino Unido e, inversamente, na UE. Estas preocupações centram-se sobretudo na insegurança jurídica das homologações do Reino Unido e na diluição de um dos princípios mais importantes da regulamentação, que é a manutenção da coerência regulamentar em toda a União Europeia.

3.5.

A proposta visa responder a estas questões através da alteração temporária das regras em vigor, de modo que os fabricantes afetados possam solicitar a homologação junto de qualquer uma das entidades da UE-27 com o mínimo de inconveniência. Os seus principais pontos são os seguintes:

permite expressamente aos fabricantes em causa solicitar a uma entidade homologadora da UE-27 novas homologações relativas a modelos/tipos existentes,

permite que os ensaios subjacentes às homologações do Reino Unido não tenham de ser repetidos por motivo de o serviço técnico não ter sido previamente designado e notificado pela entidade homologadora da UE-27,

prevê que essas homologações possam ser concedidas se estiverem preenchidos os requisitos relativos aos novos veículos, sistemas, componentes e unidades técnicas, em vez dos relativos a modelos/tipos novos,

visa contribuir para a identificação de novas entidades homologadoras para os produtos já colocados no mercado antes da saída, para que nenhuma entidade homologadora seja chamada a realizar controlos da conformidade em circulação ou a emitir uma eventual ordem de recolha do produto.

3.6.

A proposta da Comissão reconhece a necessidade de proteger os consumidores em termos de segurança dos veículos e de manutenção das normas ambientais.

3.7.

A proposta esclarece que o trabalho das entidades homologadoras não termina com o fabrico ou a colocação no mercado de um veículo, sistema, componente ou unidade técnica, prolongando-se por vários anos após a colocação no mercado dos referidos produtos.

4.   Observações

4.1.

Os fabricantes de automóveis necessitam de novos certificados para novos modelos, que são colocados no mercado aproximadamente de sete em sete anos, mas também para alterações significativas efetuadas à conceção ou ao motor, que podem ocorrer mais frequentemente. Isto aumenta claramente a urgência de garantir que, na sequência do Brexit, se registe um realinhamento harmonioso dos mecanismos regulamentares exigidos para a sua produção.

4.2.

Aproximadamente 56 % das exportações de veículos do Reino Unido destinam-se à Europa; apenas cerca de 7 % das exportações de veículos europeus têm como destino o Reino Unido. No entanto, os dados que analisam as funções de mercado aplicadas ao fornecimento de peças sobresselentes indicam um conjunto de disposições mais complexo que exigiria um regime regulamentar harmonioso.

4.3.

O CESE observa que, não obstante a publicação da presente proposta, o seu efeito não pode ser avaliado em virtude da grande incerteza associada às negociações em curso entre a UE e o Reino Unido.

4.4.

O CESE considera que a proposta se adapta melhor à negociação com êxito de um acordo entre o Reino Unido e a UE, no qual haja consenso suficiente para implementar medidas que permitam a realização das trocas comerciais de alguma forma numa união aduaneira e/ou num mercado único.

4.5.

O CESE concorda com a declaração publicada pela Câmara dos Comuns do Reino Unido (quinto relatório da sessão 2017-2019, intitulado The impact of Brexit on the automotive sector [O impacto do Brexit no setor automóvel]) que indica que é difícil vislumbrar de que forma faria sentido, do ponto de vista económico, para os fabricantes de volume multinacional — a maioria do setor automóvel do Reino Unido — sediar a produção no Reino Unido num cenário sem acordo ou com pautas da OMC. Por conseguinte, em caso de um cenário «sem acordo», será necessário rever a proposta a fim de garantir robustez suficiente para enfrentar este cenário.

4.6.

A situação exata no que respeita ao futuro papel da entidade homologadora do Reino Unido ainda não foi acordada pelo Reino Unido e pela União Europeia. O CESE considera que a resolução desta questão é essencial para o êxito do regime regulamentar.

5.   Desafios

5.1.

O CESE acolhe favoravelmente os objetivos da proposta, designadamente a intenção de reduzir os custos para a indústria, em termos de atrasos na fronteira e de burocracia desnecessária, garantindo a aplicação da norma mais elevada. No entanto, o CESE considera que a concretização destes objetivos constitui um enorme desafio, tendo em conta a necessidade de conceber todo um novo sistema regulamentar.

5.2.

No entanto, o CESE salienta igualmente que tal regime contribuirá inevitavelmente para custos mais elevados, sobretudo porque o Reino Unido deixará de ser membro e, tal como outros países terceiros, terá necessariamente disposições diferentes.

5.3.

As questões abrangidas pela regulamentação, tais como o ambiente, os direitos dos consumidores, a qualidade dos produtos e assim por diante, são frequentemente objeto de diretivas em vigor e legislação interna da UE nova ou alterada. O CESE considera que tanto a UE como o Reino Unido terão de garantir que o acordo relativo ao regime regulamentar será suficientemente flexível para gerir o que precede, tendo em vista minimizar as perturbações.

5.4.

Na UE, o processo de fabrico e distribuição de veículos desenvolveu-se de forma altamente integrada. Existem muitas cadeias de abastecimento complexas e eficientes em funcionamento, que, na opinião de todos os peritos e do CESE, serão significativamente alteradas na sequência da saída do Reino Unido da UE. O CESE considera ainda que tal perturbação reduzirá a eficiência destes sistemas.

5.5.

Em virtude do elevado número de veículos fabricados no Reino Unido e exportados na UE, o CESE manifesta especial preocupação com a possibilidade de uma eventual exclusão do Reino Unido deste mercado afetar negativamente a competitividade global, o que, por sua vez, aumentará os custos para todos os setores da economia, bem como para os consumidores. Por conseguinte, a proposta da Comissão, que defende que todos estes interesses são protegidos, deve garantir que existe um compromisso permanente neste sentido, que deve ser consagrado em futuros acordos.

5.6.

A complexidade das alterações propostas exigirá compromissos fortes de ambos os lados para prestar informações abrangentes e programas de formação à indústria, bem como a cada entidade homologadora. Tal representa um desafio significativo em termos de recursos e exigirá um período de tempo significativo. O requisito de tempo constitui um desafio especial em virtude do atual calendário de saída do Reino Unido estipulado nos termos do artigo 50.o

5.7.

Tendo em conta o tempo que o acordo negociado tem vindo a demorar e o tempo necessário para a conformidade de vários sistemas, o CESE considera que será necessário um período de transição para além da data de cessação de março de 2019.

5.8.

Uma vez que se considera um resultado favorável a continuidade do sistema em vigor, que rege o movimento dos veículos e produtos conexos entre o Reino Unido e a UE, o CESE considera que os veículos fabricados no Reino Unido terão de estar em conformidade com a regulamentação da UE. Por conseguinte, importa salientar que, a menos que o Reino Unido esteja de algum modo associado à união aduaneira, ao mercado único ou a ambos, será extremamente difícil aplicar a presente proposta.

5.9.

O CESE considera que o novo estatuto do Reino Unido enquanto país terceiro representará desafios constantes para o regime regulamentar aplicável aos veículos móveis e não móveis. Por conseguinte, a incapacidade de resolver estes problemas de forma célere acabará por obrigar os fabricantes a alterar a natureza da sua atual cadeia de abastecimento, o que poderá afetar a continuidade dos produtos disponíveis, bem como os custos para os consumidores.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/100


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a«Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 469/2009 relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos»

[COM(2018) 317 final — 2018/0161 (COD)]

(2018/C 440/16)

Relator único:

János WELTNER

Consulta

Conselho, 21.6.2018

Parlamento Europeu, 2.7.2018

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

20.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

167/2/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE toma nota do facto de a Comissão, no seu documento de trabalho, analisar quatro opções para lidar com os problemas que a situação atual do certificado complementar de proteção (CCP) coloca.

1.2.

O CESE concorda com a conclusão da Comissão, que propõe alterações em consonância com a opção 4 (1), ou seja, uma legislação sobre a isenção para a exportação e o armazenamento mediante a alteração do Regulamento (CE) n.o 469/2009.

1.3.

O CESE congratula-se com o facto de esta proposta deixar intacta a proteção dos CCP no que se refere à introdução de produtos no mercado da União Europeia (UE).

1.4.

O CESE congratula-se igualmente com a exclusividade de mercado para titulares de CCP da UE nos Estados-Membros durante a totalidade do período de proteção conferida pelos CCP.

1.5.

O CESE considera de importância fundamental que, nos mercados exteriores à UE em que a proteção tenha caducado ou nunca tenha existido, haja uma concorrência leal para os fabricantes sediados na UE que colocam medicamentos genéricos e biossimilares nesses mercados.

1.6.

O CESE apoia vivamente essas salvaguardas que garantem a transparência e protegem contra o eventual desvio para o mercado da UE de medicamentos genéricos e biossimilares em relação aos quais o produto original está protegido por um CCP.

1.7.

O CESE apoia a posição da Comissão em relação às PME, uma vez que estas desempenham um papel importante na produção de medicamentos genéricos e no desenvolvimento de biossimilares. Com a entrada em vigor do novo CCP, as pequenas e médias empresas (PME) ficarão em melhores condições para planear as suas atividades de mercado.

1.8.

O CESE apoia o plano da Comissão para uma avaliação da legislação relativa a medicamentos órfãos e medicamentos pediátricos, com uma análise mais aprofundada em 2018-2019.

1.9.

O CESE compreende a posição da Comissão de não apresentar, de momento, embora seja vantajoso, uma proposta para um CCP unitário, dado que o pacote relativo à patente unitária ainda não entrou em vigor.

1.10.

O CESE apoia a proposta de alteração do Regulamento (CE) n.o 469/2009, tal como consta do documento COM(2018) 317. Ao mesmo tempo, recomenda que a Comissão proponha a alteração do Regulamento (CE) n.o 469/2009 de modo a permitir a aplicação imediata de uma isenção do CCP para a produção, tal como consta do documento COM(2018) 317.

2.   Contexto

2.1.

Um CCP prorrogará o período de proteção efetiva das patentes dos novos medicamentos, sempre que a sua colocação no mercado exija uma autorização.

2.2.

O titular de uma patente e de um CCP beneficia de um máximo de 15 anos de proteção, a partir do momento em que o medicamento em questão obtém a primeira autorização de colocação no mercado na UE.

2.3.

Os benefícios de um CCP para o seu titular são significativos. Uma vez que um CCP confere os mesmos direitos que a patente de base, o monopólio resultante da patente de base (de referência) é prorrogado e permite ao seu titular impedir os concorrentes de utilizar a invenção (produção do medicamento, comercialização, armazenamento, etc.) nos Estados-Membros em que foi concedido um CCP.

2.4.

Um CCP serve para compensar o investimento efetuado na investigação. Deve igualmente compensar a continuação das atividades de investigação, a monitorização e o tempo de espera entre a apresentação do pedido de patente e a autorização de colocação de um produto no mercado.

2.5.

Na UE, um CCP pode ser concedido se estiverem reunidas as seguintes condições:

2.5.1.

Na data de pedido de proteção complementar, o produto estiver protegido por uma patente de base;

2.5.2.

O produto não tiver sido já objeto de um certificado;

2.5.3.

Tenha sido concedida uma primeira autorização administrativa válida para a colocação do produto no mercado como medicamento.

2.6.

Os pontos de vista das partes interessadas (2) indicam que os CCP atuais colocam os fabricantes de medicamentos genéricos e biossimilares sediados na UE em desvantagem face aos fabricantes capazes de produzir medicamentos genéricos e biossimilares fora da UE.

2.7.

No seu formato atual, o CCP da UE aumenta a dependência das importações de medicamentos e produtos farmacêuticos provenientes de fora da UE.

2.8.

O mercado farmacêutico mundial mudou. As economias em rápido crescimento (mercados farmacêuticos emergentes) e o envelhecimento das populações das regiões industrializadas tradicionais têm conduzido a uma enorme procura de medicamentos. A despesa total global com medicamentos aumentou, passando de 950 mil milhões de euros, em 2012, para 1,1 biliões de euros, em 2017 (Estados Unidos 40 %, China 20 % e a UE menos de 15 %). Até 2022, os medicamentos biológicos representarão 25 % do valor do mercado dos produtos farmacêuticos. Esta situação está a ser acompanhada de uma transição para uma quota de mercado cada vez maior para os medicamentos genéricos e biossimilares, que, até 2020, poderá representar 80 % do volume de medicamentos e cerca de 28 % das vendas mundiais.

2.9.

Segundo a Medicines for Europe, 56 % do volume de medicamentos fornecidos atualmente na UE são medicamentos genéricos e biossimilares.

2.10.

A isenção «Bolar» (3) eliminou um efeito secundário não intencional da forte proteção de patentes, com base no fundamento de que a livre concorrência deve ser autorizada assim que a proteção expira. Trata-se de uma isenção para a produção para efeitos de testes e ensaios clínicos, que se destinava a assegurar a entrada no mercado de um medicamento genérico, com a maior brevidade possível, após o termo da proteção da patente ou do CCP.

2.11.

No que diz respeito à isenção do CCP para a produção, as empresas da UE enfrentam uma situação semelhante àquela que existia antes da introdução da isenção Bolar. Se, por um lado, o CCP tem por objetivo legítimo evitar — enquanto estiver em vigor — a produção de produtos concorrentes, para efeitos de comercialização no mercado da UE, por outro, comporta duas consequências não intencionais e imprevistas, nomeadamente:

2.11.1.

impede que os medicamentos genéricos e biossimilares sejam fabricados na UE e exportados para países terceiros (em que não é aplicável qualquer proteção jurídica) durante a vigência do CCP da UE; e

2.11.2.

impede que os medicamentos genéricos e biossimilares sejam fabricados na UE (e depois armazenados) com antecedência suficiente para serem colocados no mercado da UE imediatamente a partir do primeiro dia.

2.12.

Os fabricantes de medicamentos genéricos e biossimilares (sediados num Estado-Membro onde tenha sido apresentado um pedido de CCP para o medicamento de referência) enfrentam os seguintes problemas:

2.12.1.

Durante o período de proteção coberto pelo certificado do medicamento de referência na UE, os fabricantes não podem produzir para quaisquer fins esse medicamento, nem para exportação para fora da UE, para países onde a proteção do CCP tenha caducado ou não exista, ao passo que os fabricantes sediados nesses países terceiros o podem fazer.

2.12.2.

Imediatamente após o termo do certificado: não estão prontos para entrar no mercado da UE no primeiro dia, uma vez que o sistema de CCP da UE não permite a produção na UE até então. Em contrapartida, os fabricantes sediados em países terceiros onde a proteção do CCP tenha caducado ou nunca ter existido, podem estar prontos para entrar no mercado da UE no primeiro dia, através de exportações, obtendo assim uma considerável vantagem competitiva.

2.13.

O setor dos medicamentos genéricos e biossimilares representa atualmente 160 000 postos de trabalho na UE («Medicines for Europe»). A perda de postos de trabalho, especialmente de empregos altamente qualificados, a perda de conhecimentos especializados e a fuga de cérebros para países terceiros, nomeadamente da Ásia, devem ser evitadas através de uma alteração urgente do regulamento relativo aos CCP.

2.14.

A UE foi pioneira no desenvolvimento de procedimentos regulamentares para a aprovação de medicamentos biossimilares: a Agência Europeia de Medicamentos autorizou o primeiro medicamento biossimilar em 2006, ao passo que a Autoridade da Segurança Alimentar e Farmacêutica dos Estados Unidos (FDA) só o fez em 2015. No entanto, existem sinais claros de que a Europa está atualmente a perder a sua vantagem competitiva e os seus parceiros comerciais a recuperá-la. Por conseguinte, é premente que a UE restabeleça a competitividade dos fabricantes de medicamentos genéricos e biossimilares sediados na UE. A inação ou o adiamento de uma iniciativa enfraquecerá ainda mais a indústria da UE e anulará a posição pioneira da União e a sua vantagem competitiva, em particular no setor dos medicamentos biossimilares.

2.15.

A Estratégia para o Mercado Único considera necessária uma recalibração específica de determinados aspetos do CCP, destinada a solucionar os seguintes problemas:

2.15.1.

A perda de mercados de exportação em países terceiros não protegidos;

2.15.2.

A questão da entrada, desde o primeiro dia, nos mercados dos Estados-Membros para os fabricantes de medicamentos genéricos e biossimilares sediados na UE, mediante a introdução de uma «isenção do CCP para a produção» na legislação da UE relativa aos CCP, permitindo a produção de medicamentos genéricos e biossimilares na UE durante a vigência do CPP;

2.15.3.

A fragmentação resultante da aplicação desigual do atual regime CCP nos Estados-Membros, que poderá ser solucionada em articulação com a futura patente unitária e, após essa data, com a eventual criação de um título de CCP unitário;

2.15.4.

A aplicação fragmentada da isenção «Bolar» para a investigação.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O que podemos esperar do novo regulamento?

3.1.1.

O reforço e a retenção da capacidade produtiva e dos conhecimentos especializados na UE, reduzindo assim a deslocalização e externalização desnecessárias.

3.1.2.

O reforço do acesso dos doentes da UE aos medicamentos através da diversificação das fontes geográficas de abastecimento, reforçando, assim, a sua produção nacional.

3.1.3.

A eliminação dos obstáculos ao arranque das empresas de medicamentos genéricos e biossimilares na UE, em especial para as PME que têm mais dificuldades em superar os obstáculos e que poderão ter dificuldades caso tenham de enfrentar a concorrência de países terceiros.

3.1.4.

Uma vez que a capacidade de produção para fins de exportação pode, antes do termo da validade do certificado, ser usada tendo em vista o abastecimento rápido do mercado da UE a partir do «primeiro dia», prevê-se, igualmente, que incentive, em certa medida, o acesso a medicamentos na União, ao permitir uma entrada mais célere de medicamentos genéricos e biossimilares no mercado, após o termo da validade dos certificados, assegurando a disponibilidade de uma escolha mais ampla de medicamentos económicos quando termina o período de proteção de patentes e de CCP. Esta medida deverá ter um efeito positivo nos orçamentos nacionais para o setor da saúde.

3.1.5.

A proposta irá, em certa medida, tornar os medicamentos mais acessíveis aos pacientes da UE, especialmente nos Estados-Membros em que o acesso a alguns medicamentos de referência (por exemplo, determinados medicamentos biológicos) é difícil, criando condições favoráveis para que os medicamentos genéricos e biossimilares conexos entrem, de forma mais célere, no mercado da União assim que os certificados aplicáveis caducarem. Irá, igualmente, diversificar a origem geográfica dos medicamentos disponíveis na UE, reforçando, deste modo, a cadeia de abastecimento e a segurança do abastecimento.

4.   Observações na especialidade

4.1.

A Comissão pode encontrar forma de utilizar os fundos da UE para apoiar a criação de capacidades de produção nos Estados-Membros para efeitos de exportação durante a vigência de um CCP. Tal poderá acelerar, para determinados produtos, a expansão da produção, permitindo a entrada no mercado da UE desde o primeiro dia.

4.2.

A Comissão pode apoiar as atividades de ONG interessadas, tendo em vista o desenvolvimento de indicadores para o acompanhamento e a avaliação do novo CCP, para o futuro desenvolvimento da quota de mercado da UE de medicamentos genéricos e biossimilares produzidos na União.

Bruxelas, 20 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  SWD(2018) 240 final, p. 29.

(2)  SWD(2018) 242 final.

(3)  Diretivas 2001/83/CE e 2001/82/CE.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/104


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera e corrige o Regulamento (UE) n.o 167/2013, relativo à homologação e fiscalização do mercado de veículos agrícolas e florestais»

[COM(2018) 289 final — 2018/0142 (COD)]

(2018/C 440/17)

Relator:

Mindaugas MACIULEVIČIUS

Consulta

Parlamento Europeu, 28.5.2018

Conselho, 1.6.2018

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

190/2/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de regulamento que altera e corrige o Regulamento (UE) n.o 167/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (1). A proposta tem em conta as observações das partes interessadas e dos Estados-Membros recebidas no primeiro período de execução, pelo que deve ser apoiada.

1.2.

O CESE apoia a prorrogação, por mais cinco anos, dos poderes da Comissão de adotar os atos delegados necessários, atendendo à necessidade constante de atualizar diversos elementos do processo de homologação.

1.3.

O CESE congratula-se com o firme compromisso assumido pela Comissão de consultar diversas partes interessadas, bem como os parceiros sociais sobre todas as iniciativas neste domínio.

1.4.

O CESE reconhece o trabalho da Comissão a nível internacional. As novas normas estabelecidas através de atos delegados são definidas em estreita cooperação com organismos internacionais, como os grupos de trabalho da UNECE e da OCDE.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

A Comissão adapta o Regulamento (UE) n.o 167/2013 aos progressos técnicos, atualizando determinados requisitos e corrigindo certos erros de redação, na sequência das observações das partes interessadas e dos Estados-Membros recebidas no primeiro período de execução.

2.2.

Mais concretamente, este ato introduz clarificações em duas definições de categorias de tratores e corrige certos termos importantes para a aplicação uniforme do regulamento, sem eventuais interpretações, bem como as referências a um ato legislativo revogado.

2.3.

O Regulamento (UE) n.o 167/2013 confere à Comissão poderes para estabelecer as especificações técnicas pormenorizadas, os procedimentos de ensaio e os valores-limite, se for caso disso, em quatro atos delegados sobre i) segurança no trabalho (requisitos relativos à construção do veículo); ii) segurança funcional; iii) travagem; e iv) desempenho de propulsão e ambiental. O período de vigência da delegação de poderes na Comissão terminou em 21 de março de 2018.

2.4.

A proposta em apreço prorroga também os poderes conferido à Comissão de adotar atos delegados por mais cinco anos e estabelece a sua recondução tácita, salvo se o Parlamento Europeu ou o Conselho se opuserem expressamente a tal recondução.

3.   Observações gerais

3.1.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de regulamento que altera e corrige o Regulamento (UE) n.o 167/2013, na medida em que responde às preocupações expressas pelas partes interessadas e pelos Estados-Membros e, ao adaptar determinados requisitos e corrigir alguns erros de redação, melhora a aplicabilidade e a clareza do texto jurídico. Este aspeto é, obviamente, vantajoso para todas as partes envolvidas.

3.2.

No que diz respeito à prorrogação dos poderes conferido à Comissão de adotar atos delegados por mais cinco anos, o CESE concorda, em princípio, com a proposta e congratula-se com o facto de, na linha do que sempre defendeu, a Comissão ter considerado adequado prorrogar a delegação de poderes por um período fixo, com a possibilidade de recondução, salvo se o Parlamento Europeu ou o Conselho se opuserem (2).

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 60 de 2.3.2013, p. 1; JO C 54 de 19.2.2011, p. 42.

(2)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 67.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/106


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Um orçamento moderno para uma União que protege, capacita e defende — Quadro financeiro plurianual 2021-2027»

[COM(2018) 321 final]

a «Proposta de regulamento do Conselho que estabelece o quadro financeiro plurianual para o período de 2021 a 2027»

[COM(2018) 322 final/2 — 2018/0166 (APP)]

a «Proposta de decisão do Conselho relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia»

[COM(2018) 325 final — 2018/0135 (CNS)]

a «Proposta de regulamento do Conselho relativo aos métodos e ao procedimento para a disponibilização dos recursos próprios provenientes da matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades, do regime de comércio de licenças de emissão da União Europeia e dos resíduos de embalagens de plástico não reciclados, bem como às medidas destinadas a satisfazer as necessidades de tesouraria»

[COM(2018) 326 final — 2018/0131 (NLE)]

a «Proposta de regulamento do Conselho que estabelece as medidas de execução do sistema de recursos próprios da União Europeia»

[COM(2018) 327 final — 2018/0132 (APP)] e

a «Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CEE, Euratom) n.o 1553/89 relativo ao regime uniforme e definitivo de cobrança dos recursos próprios provenientes do imposto sobre o valor acrescentado»

[COM(2018) 328 final — 2018/0133 (NLE)]

(2018/C 440/18)

Relator:

Javier DOZ ORRIT

Consulta

Comissão Europeia, 18.6.2018

Conselho da União Europeia, 25.7.2018 e 5.9.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

7.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

140/3/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE reconhece o elevado valor acrescentado europeu dos programas nos quais a proposta da Comissão para o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para o período 2021-2027 concentra os principais aumentos na despesa. No entanto, o Comité questiona o facto de os referidos aumentos serem efetuados à custa de cortes acentuados na política de coesão (-10 %) e na política agrícola comum — PAC (-15 %), em virtude dos esforços envidados para reduzir o orçamento da UE, que passa de 1,16 % do rendimento nacional bruto (RNB) da UE27, nos orçamentos em curso, para apenas 1,11 % no QFP pós-2020.

1.2.

A UE enfrenta grandes desafios, nomeadamente a superação das consequências políticas e sociais negativas da crise e os riscos externos decorrentes da instabilidade geopolítica e do nacionalismo económico. Deveria ter como objetivo o desenvolvimento do seu potencial económico e político considerável para promover políticas sociais avançadas e orientadas para o crescimento económico e a criação de emprego, suscetíveis de assegurar uma repartição justa de ganhos obtidos com o crescimento, e para responder à necessidade de combater urgentemente as alterações climáticas e para financiar a transição para uma Europa sustentável [no contexto do artigo 3.o do Tratado da União Europeia (TUE)], bem como para aproveitar as oportunidades decorrentes do desenvolvimento da inteligência artificial, da digitalização e da indústria 4.0. Tudo isto exige um maior esforço orçamental. O CESE, em conformidade com a posição do Parlamento Europeu (1), propõe que o valor das despesas e receitas atinja 1,3 % do RNB. O nível proposto de autorizações de 1,11 % do RNB da UE é excessivamente modesto para a concretização credível da agenda política da UE.

1.3.

Em consonância com o seu Parecer — Documento de reflexão sobre o futuro das finanças da UE (2), o CESE reafirma que os cidadãos europeus precisam de mais (e melhor) Europa para superar a crise política da UE. Os poderes e os recursos financeiros atualmente afetados à UE têm vindo a estar cada vez mais desalinhados com as preocupações e as expectativas dos cidadãos europeus.

1.4.

O CESE reconhece as melhorias que a proposta da Comissão introduz na estrutura, na flexibilidade e na capacidade de promoção de sinergias, bem como o aumento da percentagem de receitas dos recursos próprios da UE. Porém, este último é insuficiente. As receitas constantes da proposta da Comissão para o QFP pós-2020 incluem apenas uma parte das propostas do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios e do Parlamento Europeu, que defendem um conjunto mais amplo de fontes adicionais de recursos próprios.

1.5.

Embora compreenda as razões na base da proposta da Comissão, o CESE manifesta desacordo com a redução, a preços constantes, de 12 % do montante do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e de 46 % do montante do Fundo de Coesão na proposta relativa ao QFP para o período 2021-2027 no que respeita aos orçamentos em curso.

1.6.

O CESE não concorda com a redução de 6 % em termos reais da autorização proposta para o Fundo Social Europeu (FSE+), especialmente em virtude da recente proclamação interinstitucional do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e do objetivo de criação de emprego de qualidade, em novembro de 2017. Em consonância com o seu recente Parecer — Financiamento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (3), o CESE esperaria que os princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e a necessidade da sua concretização, especialmente no que se refere ao emprego, constituíssem uma das linhas orientadoras na proposta de afetação das autorizações previstas no próximo QFP. Deve ser criado um programa específico de assistência aos Estados-Membros na aplicação da Declaração de Gotemburgo sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a fim de os apoiar nos seus esforços para realizar reformas destinadas a estimular a criação de empregos de qualidade no contexto do desenvolvimento sustentável.

1.7.

O CESE considera que o financiamento das políticas de coesão (a soma do FEDER, do Fundo de Coesão e do FSE) deve ser mantido no QFP para o período 2021-2027, pelo menos com os mesmos recursos e a preços constantes, como no atual quadro financeiro.

1.8.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão mencionar que investimentos estratégicos fundamentais são decisivos para a prosperidade futura da Europa e para que a Europa possa continuar na vanguarda da consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No entanto, o CESE está firmemente convicto de que os ODS e, mais especificamente, a Agenda 2030 deveriam ter sido mencionados de forma mais saliente, uma vez que a Agenda 2030 é, definitivamente, uma estratégia global para a UE nos próximos anos.

1.9.

O Comité reconhece os aumentos significativos das autorizações para o ambiente e a ação climática (+46 %). No entanto, o Comité, tendo aprovado o programa das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável até 2030 e apoiando os objetivos da UE de contribuir para a transição para uma economia hipocarbónica até 2050, observa igualmente a falta de ambição na parte do orçamento consagrada à transição para o desenvolvimento sustentável e ao combate às alterações climáticas.

1.10.

O CESE considera que, embora a criação, no orçamento da UE, de um instrumento de estabilização do investimento em caso de choques económicos significativos nos Estados-Membros que fazem parte da área do euro constitua um passo na direção certa, as autorizações previstas em termos de garantias de empréstimos e em termos de subsídios para pagamentos de juros dos empréstimos atrás referidos são excessivamente baixas para fazer a diferença durante a crise. Este programa único e limitado do possível orçamento para a área do euro não faz parte de nenhuma estratégia de reforma da UEM mencionada no QFP pós-2020.

1.11.

O CESE questiona os cortes propostos (-15 % em termos reais em comparação com a UE27, incluindo o FED entre 2014-2020 e 2021-2027) nas autorizações previstas para a política agrícola comum (PAC). Estes cortes impossibilitarão a aplicação de um modelo de desenvolvimento rural sustentável, um objetivo global da nova reforma da PAC, bem como de outros objetivos constantes da recente Comunicação da Comissão sobre o futuro da alimentação e da agricultura.

1.12.

O CESE louva a proposta da Comissão Europeia de um cabaz de novos recursos próprios. Contudo, considera igualmente que as atuais propostas não são suscetíveis de resultar em recursos próprios suficientemente elevados, autónomos, transparentes e equitativos. No entanto, o CESE é favorável à aplicação célere de uma reforma coerente do sistema, tendo em vista aumentar a percentagem de receitas provenientes de fundos próprios e garantir que os métodos para aumentar as receitas complementem e reforcem os objetivos políticos da UE. Tal reforma deverá basear-se nas recomendações do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios, bem como do Parlamento Europeu. O Comité chama a atenção das instituições europeias para a complexidade de tornar todos estes recursos próprios operacionais no período 2021-2027.

1.13.

O CESE saúda a proposta de supressão dos abatimentos (ou cheques) concedidos aos países que têm feito grandes contribuições para o financiamento do orçamento da UE.

1.14.

O CESE apoia a proposta de condicionar a receção de fundos da UE pelos Estados-Membros ao respeito pelo princípio do Estado de direito, um pilar fundamental dos valores da União, de acordo com o artigo 2.o do Tratado, e considera que essa condicionalidade pode ser alargada aos demais princípios ligados ao Estado de direito consignados nos Tratados da UE. Por conseguinte, solicita à Comissão e ao Parlamento Europeu que analisem esta possibilidade.

1.15.

O Comité acolhe favoravelmente o apoio ao investimento prestado através da garantia do InvestEU e o envolvimento previsto de outros parceiros, como os bancos e instituições de fomento nacionais ou as instituições financeiras internacionais [por exemplo, o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD)], mas lamenta que o nível de recursos seja suficiente apenas para assegurar a continuidade dos níveis anteriores dos empréstimos concedidos pelo BEI (4) e não tenha em conta o elevado défice de investimento da UE. O Comité solicita ainda a aplicação das alterações ao funcionamento do InvestEU, a fim de assegurar a canalização de um montante relativamente mais elevado de fundos para os países com menores rendimentos. Os programas da UE devem incluir a promoção da convergência, não da divergência, como um objetivo claro.

1.16.

O Comité manifesta preocupação com o facto de uma interpretação rígida dos termos do Pacto de Estabilidade e Crescimento e de outras condições macroeconómicas, bem como dos requisitos de cofinanciamento dos fundos da política de coesão, dificultar o acesso dos Estados-Membros da UE mais necessitados a este financiamento de acordo com as suas necessidades.

1.17.

O Comité acolhe favoravelmente os grandes aumentos propostos nos programas de investigação e desenvolvimento da economia e sociedade digitais e salienta a necessidade de uma estratégia bem definida para interligar a inovação com uma política industrial europeia sustentável baseada em empregos de elevada qualidade, facilitando, entre outros aspetos, a colaboração entre a investigação académica, o setor industrial, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil.

1.18.

O CESE acolhe favoravelmente as alterações propostas no que se refere a aumentos significativos em termos reais para os programas inseridos nas rubricas Migração e Gestão das Fronteiras e Países Vizinhos e Resto do Mundo. É fundamental adotar uma política comum de asilo baseada no respeito do direito internacional e na solidariedade com os refugiados e entre os Estados, e também é urgente formular uma política de migração da UE. O CESE insiste em que estas questões sejam consideradas prioritárias na execução do QFP.

1.19.

O Comité reitera que o Semestre Europeu deve estar no centro da execução dos orçamentos da UE, recorrendo, tanto quanto possível, à flexibilidade do novo QFP. Será necessário reforçar a participação dos parceiros sociais e da sociedade civil no Semestre Europeu, tendo em vista uma aplicação mais eficaz e democrática das orientações do Semestre Europeu e a interligação das esferas nacional e europeia.

1.20.

O Comité insta as instituições da UE e os governos dos Estados-Membros a intensificarem o trabalho em relação ao QFP pós-2020, para que este possa ser aprovado, de acordo com o calendário previsto, antes das próximas eleições europeias.

2.   A proposta da Comissão relativa ao Quadro Financeiro Plurianual para o período 2021-2027

2.1.

O parecer do CESE diz respeito ao pacote apresentado pela Comissão Europeia em 2 de maio de 2018. Este inclui uma comunicação sobre o QFP (5), quatro propostas de quatro regulamentos do Conselho (6) e uma proposta de decisão do Conselho sobre o sistema de recursos próprios (7).

2.2.

O limite máximo proposto para as dotações de autorização foi fixado em 1,135 mil milhões de euros para o período 2021-2027 [em preços de 2018 e incluindo o Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED)] ou 1,11 % do RNB, um aumento em relação a 1,082 mil milhões de euros (com exceção da contribuição do Reino Unido) ou 1,16 % do RNB (com exceção do Reino Unido) para o período 2014-2020. O limite máximo proposto para as dotações de pagamento para o mesmo período foi fixado em 1,105 mil milhões de euros (em preços de 2018 e incluindo o FED) ou 1,08 % do RNB, um aumento em relação a 1,045 mil milhões de euros ou 0,98 % do RNB.

2.3.

Entre as alterações propostas, deverão registar-se aumentos significativos em termos reais em comparação com o QFP para o período 2014-2020 (UE27 mais FED) no que respeita aos programas inseridos na rubrica Mercado Único, Inovação e Digital (+43 % para 166,3 mil milhões de euros e 14,7 % do orçamento total, dos quais 13,1 mil milhões de euros são dedicados ao programa InvestEU), Migração e Gestão das Fronteiras (+210 % para 30,8 mil milhões de euros e 2,72 % do orçamento total) e Países Vizinhos e Resto do Mundo (+14 % para 108,9 mil milhões de euros e 9,6 % do orçamento total). No entanto, os cortes efetivos serão significativos para as rubricas Coesão e Valores (-12 % para 242,2 mil milhões de euros para o conjunto do desenvolvimento regional e da política de coesão, e -10 % para 330,6 mil milhões de euros para a política de coesão) e Recursos Naturais e Ambiente (-16 % para 336,6 mil milhões de euros e 29,7 % do orçamento total), sendo mais importantes para a política de coesão (-10 %) e a PAC (-15 %).

2.4.

A nível das receitas, o pacote inclui propostas de elementos adicionais a tomar em consideração no sistema de recursos próprios da União, enquanto a proposta de decisão do Conselho propõe o aumento do limite máximo para as mobilizações anuais de recursos próprios destinadas a pagamentos para 1,29 % do RNB e 1,35 % do RNB em autorizações, a fim de suprir as necessidades financeiras mais elevadas da integração do Fundo Europeu de Desenvolvimento e do financiamento de novas prioridades, assegurando ao mesmo tempo uma margem de segurança suficiente para o cumprimento das obrigações financeiras.

2.5.

Para além do aumento proposto, a Comissão defendeu alterações da estrutura de financiamento da UE. A percentagem de recursos próprios tradicionais deve diminuir ligeiramente de 15,8 % para 15 %, e as contribuições nacionais de 83 % para 72 %, graças a uma redução prevista das contribuições provenientes do rendimento nacional bruto de 71 % para 58 %. Uma reforma na obtenção de recursos próprios provenientes do imposto sobre o valor acrescentado resultará num aumento da respetiva percentagem de 11,9 % para 14 %. Serão introduzidos novos recursos próprios, nomeadamente contribuições do Regime de Comércio de Licenças de Emissão, da proposta de nova matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades — quando seja possível proceder à sua introdução gradual — e uma contribuição nacional associada aos resíduos de embalagens de plástico não recicladas. Estes novos recursos podem contribuir 12 % do orçamento total da UE.

2.6.

A Comissão Europeia propõe que, para receber fundos das políticas de coesão, os Estados-Membros tenham de preencher determinadas condições macroeconómicas, executar reformas estruturais e cumprir os requisitos do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Ter preenchido este último requisito durante os anos anteriores é uma condição para beneficiar de ajuda ao abrigo do novo Instrumento de Estabilização do Investimento. Além disso, a fim de atenuar os cortes significativos defendidos nos recursos para as políticas de coesão e para a PAC, a Comissão propõe que a percentagem de cofinanciamento de projetos pelos Estados-Membros seja aumentada.

2.7.

A proposta de regulamento sobre a proteção do orçamento em caso de deficiências generalizadas na aplicação do primado do direito visa sancionar as ações num Estado-Membro que afetem ou ameacem afetar os princípios de boa gestão financeira ou a proteção dos interesses financeiros da União, nomeadamente as decorrentes de ataques à independência do sistema judiciário. As sanções podem conduzir à redução e suspensão dos pagamentos e dos compromissos financeiros da UE para com o Estado-Membro em questão. As sanções serão adotadas numa proposta da Comissão, que o Conselho pode rejeitar por maioria qualificada.

3.   Observações na generalidade

Contexto político e objetivos gerais

3.1.

Tendo em conta os desafios e riscos, tanto internos como externos, que a UE terá de enfrentar na próxima década, afigura-se necessário adotar uma estratégia política clara e um orçamento forte. Igualmente em consonância com o seu anterior Parecer — Documento de reflexão sobre o futuro das finanças da UE (8) e com a resolução do Parlamento Europeu (9), o CESE propõe que as autorizações para 2021-2027 atinjam 1,3 % do RNB.

3.1.1.

A crise económica e financeira e a sua gestão pelos responsáveis políticos europeus marcaram muitos países europeus, conduzindo a perda de competitividade, abrandamento económico, pobreza, desigualdade, rutura da coesão social e, também, divergências entre países.

3.1.2.

A desconfiança dos cidadãos em relação às instituições democráticas nacionais e europeias conduz ao crescimento de movimentos políticos que questionam os princípios e valores democráticos e a própria UE. Alguns destes movimentos políticos fazem agora parte de alguns governos dos Estados-Membros da UE (ou poderão vir a fazer num futuro próximo) e estão na base do resultado do referendo sobre o Brexit.

3.1.3.

Os países vizinhos da União Europeia são gravemente afetados, nomeadamente, por uma presença crescente de governos não democráticos e/ou autoritários; pela guerra na Síria e pelas suas consequências regionais e globais; pela instabilidade política grave e pelos conflitos armados no Médio Oriente e no Norte de África e Sael, bem como pela pressão demográfica africana e pelos consequentes movimentos migratórios em direção à Europa.

3.1.4.

Uma das consequências destes fatores é o fluxo de refugiados e migrantes para a Europa, através do Mediterrâneo. A adoção de uma política comum de asilo, baseada no respeito do direito internacional e na solidariedade para com os refugiados e entre Estados, é imperativa. É igualmente urgente a definição de uma política de migração da UE. Estas questões e o reforço da cooperação para o desenvolvimento, em particular com os países africanos, exigirão especial atenção por parte do QFP para o período 2021-2027. Embora reflita, em larga medida, estas preocupações, a proposta da Comissão incide predominantemente nos aspetos relacionados com a segurança.

3.1.5.

As decisões e a rutura unilateral de acordos internacionais muito importantes por parte da atual Administração dos Estados Unidos contribuem para a instabilidade geopolítica global e colidem com muitas políticas europeias, nomeadamente a política comercial, a política ambiental e a luta contra as alterações climáticas, a política de vizinhança e a promoção da paz e a proibição de armas nucleares, o multilateralismo nas relações externas e o apoio ao sistema das Nações Unidas.

3.1.6.

A Europa tem de enfrentar estes riscos, aproveitando as suas capacidades ao máximo e desenvolvendo o seu potencial, em domínios como a investigação, a inovação e o desenvolvimento tecnológico, o seu capital humano, a competitividade das suas empresas e da sua economia, bem como as suas capacidades de exportação. Deve ainda maximizar e concretizar, na UE e em relação ao mundo, os seus valores democráticos e o pleno respeito pelo Estado de direito, os valores que caracterizam sociedades justas, igualitárias e baseadas na solidariedade, bem como a defesa da paz e do multilateralismo nas relações internacionais. Também para o que precede são necessários orçamentos da UE fortes.

3.1.7.

A Comissão e o Parlamento Europeu apresentaram propostas de reforma da UE e da UEM que, em maior ou menor medida, promovem o aumento da integração. O final deste processo é incerto. O mercado único ainda não está concluído, o que, juntamente com o abrandamento das inovações e o aumento da inadequação de competências, compromete a competitividade europeia. O Conselho Europeu aprovou, em Gotemburgo, uma declaração sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. A concretização de todos estes objetivos exigirá um compromisso financeiro significativo da UE e dos seus Estados-Membros, bem como o compromisso político em termos de investimento eficaz e eficiente dos fundos disponíveis. O sucesso depende da participação ativa dos parceiros sociais e da sociedade civil organizada no processo decisório.

3.1.8.

O principal risco económico para o futuro da Europa é a quebra do investimento e o atraso em relação aos líderes mundiais nas inovações e na sua comercialização. O coeficiente de investimento, em relação ao PIB, está muito abaixo do seu nível antes da crise.

3.1.9.

Os principais objetivos para a consecução de um modelo europeu de desenvolvimento sustentável devem ser a promoção do investimento para criar empregos de qualidade e sustentáveis, o aumento da produtividade e a modernização da economia e das empresas, a promoção da indústria e das inovações, a promoção da convergência entre os Estados-Membros; a resposta às transições ecológicas e digitais; o desenvolvimento do pilar social, o reforço da coesão social e a erradicação da pobreza; bem como a concretização dos objetivos e compromissos dos acordos de Paris e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Para tal, é necessário um orçamento forte para o período 2021-2027, com programas adaptados que contribuam com o nível máximo de valor acrescentado europeu.

3.1.10.

Tomando estes e outros aspetos em consideração, o CESE considera que a UE necessita de orçamentos ambiciosos, que sejam instrumentos de políticas destinadas a desenvolver uma estratégia clara para reforçar a União, com mais integração, mais democracia, um apoio mais forte aos parceiros sociais e às organizações da sociedade civil na UE e no resto do mundo, um maior apoio às empresas na resposta aos desafios ambientais e digitais, uma dimensão social mais forte e um maior apoio à vida rural. Só assim pode a UE conter e superar as forças centrífugas internas e lidar com os riscos geopolíticos externos.

As despesas no novo QFP

3.2.

No entanto, a proposta da Comissão parece excessivamente orientada para a manutenção do statu quo, incorporando um desfasamento entre a dimensão e a natureza dos novos desafios da UE, por um lado, e as suas ambições e recursos disponíveis para as realizar, por outro.

3.3.

O artigo 3.o do Tratado da União Europeia (TUE) estipula que a UE deve promover o crescimento sustentável, respeitando o ambiente. A urgência da questão climática tornou-se agora uma prioridade máxima, inclusivamente para o CESE, e constitui um quadro global de ação não só para os poderes públicos, mas também para os intervenientes económicos, os trabalhadores e os cidadãos. Consequentemente, deve ser organizada e, acima de tudo, financiada (10) uma ampla transição económica, social e ambiental.

3.4.

O CESE acolhe favoravelmente as alterações na estrutura do orçamento, com a reorganização das rubricas e a consolidação dos programas, bem como a melhoria dos mecanismos de flexibilidade, que permitirá um QFP mais ágil, preservando a estabilidade que oferece.

3.5.

Embora compreenda as razões na base da proposta da Comissão, o CESE manifesta desacordo com a redução, a preços constantes, de 12 % do montante do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e de 46 % do Fundo de Coesão na proposta relativa ao QFP para o período 2021-2027 no que respeita aos orçamentos em curso.

3.5.1.

Os dados disponíveis indicam que a crise conduziu ao reaparecimento de divergências no rendimento per capita, especialmente entre o Norte e o Sul (11). Embora a percentagem da população da UE27 que vive em regiões «menos desenvolvidas» (com PIB per capita inferior a 75 % da média da UE) tenha vindo a diminuir desde 2010, a da população da UE27 que vive em regiões de «transição» (com PIB per capita entre 75 % e 90 % da média da UE) tem vindo a aumentar. No entanto, tal deve-se, em parte, ao facto de a percentagem da população da UE27 a viver em regiões «desenvolvidas» ter vindo a diminuir em virtude dos efeitos da crise (12). Assim, a convergência que se tem registado nem sempre é uma convergência ascendente do rendimento. É necessário aumentar o nível do investimento público na saúde, na educação e na inclusão social, especialmente a nível local e regional, através da aplicação da regra de ouro recomendada pelo Comité em vários dos seus pareceres mais recentes: as despesas de investimento, em especial as que promovem o crescimento sustentável a longo prazo, não são contabilizadas para o cumprimento dos objetivos do défice do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que, deste modo, continuará a assegurar a sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas.

3.5.2.

Neste contexto, o CESE observa que as condições económicas e sociais variam significativamente entre regiões, tendo algumas divergido nos últimos anos, mesmo em países relativamente mais ricos. A política de coesão deve refletir este facto, através da introdução de novos indicadores sociais alternativos, tais como a taxa de emprego e de atividade dos grupos-alvo, bem como medidas de inclusão social e erradicação da pobreza, para além do PIB relativo per capita.

3.6.

O CESE discorda da proposta de cortes efetivos nas autorizações para o FSE+ (-6 % em termos reais para o período 2021-2027 em comparação com 2014-2020). O corte efetivo será maior, uma vez que a Garantia para a Juventude será incluída no FSE+. O referido fundo deve, com efeito, permanecer pelo menos estável em termos reais até 2020, uma vez que proporciona os principais meios financeiros através dos quais a UE pode apoiar a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que é fundamental para reforçar a dimensão social da UE e promover a convergência ascendente das normas sociais. As taxas mínimas de cofinanciamento nacional não devem aumentar, uma vez que tal impediria alguns Estados-Membros de investirem em algumas regiões, desperdiçando assim oportunidades de valor acrescentado europeu. A aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais também pode promover uma maior resiliência entre os Estados-Membros da área do euro e, consequentemente, o funcionamento da UEM. As ações conjuntas dos parceiros sociais a nível europeu, nacional e regional constituem um instrumento indispensável para esse fim. Por conseguinte, o CESE lamenta que estas, ao contrário do que se verifica no atual período de programação, não sejam expressamente mencionadas na proposta de regulamento, pelo que convida a Comissão Europeia a reintroduzir a disposição.

3.7.

O CESE considera que o financiamento das políticas de coesão (a soma do FEDER, do Fundo de Coesão e do FSE) deve ser mantido no QFP para o período 2021-2027, pelo menos com os mesmos recursos e a preços constantes, como no atual quadro financeiro.

3.8.

O CESE, em consonância com o seu Parecer — O futuro da alimentação e da agricultura (13), sublinha a necessidade de proceder a uma nova reforma da PAC, que, conservando os seus dois pilares, os reoriente através da canalização de ajuda direta num nível muito superior para os agricultores e produtores pecuários, as pequenas e médias empresas e as explorações agrícolas familiares, e considera que os fundos destinados ao desenvolvimento rural devem ser utilizados para promover um modelo sustentável, que tome em consideração os compromissos dos acordos de Paris e os ODS das Nações Unidas. O financiamento da infraestrutura social nas comunidades rurais através do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural constituiu um aspeto muito importante das políticas ativas da UE contra o despovoamento rural e serviu os habitantes das zonas rurais, os agricultores, bem como as pequenas empresas e comunidades. Os cortes significativos que a Comissão propõe para a PAC (-15 %) dificultam a progressão neste sentido ou a consecução dos objetivos formulados na comunicação da Comissão sobre o futuro da alimentação e da agricultura.

3.9.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de criação, no orçamento da UE, de um instrumento de estabilização para a área do euro. Este mecanismo visará proteger as despesas de investimento em caso de choques significativos nos Estados-Membros que fazem parte da área do euro, que coloquem pressão sobre os seus orçamentos públicos. Trata-se de uma reforma necessária para tornar a UEM mais resiliente e evitar o início de uma dinâmica de divergência entre os Estados-Membros.

3.9.1.

No entanto, o Comité considera que este mecanismo, tal como proposto, não proporcionará estabilização suficiente em caso de crise. Permitiria apenas a concessão de empréstimos recíprocos (back-to-back) limitados aos Estados-Membros afetados. O montante de 30 mil milhões de euros é insuficiente para permitir a concessão de crédito a mais do que um país em simultâneo (14). De igual modo, as subvenções do pagamento de juros num montante máximo de 600 milhões de euros por ano para estes empréstimos baixos ofereceriam um alívio insignificante aos Estados-Membros e, por conseguinte, não proporcionariam estabilização suficiente na área do euro. Uma margem mais ampla no âmbito das autorizações de pagamento, que exigiria o aumento do limite máximo das contribuições, constituiria o primeiro passo para viabilizar uma capacidade de estabilização mais forte.

3.9.2.

O CESE manifesta preocupação com o facto de as propostas da Comissão sobre o próximo QFP não conterem disposições relativas à reforma da UEM e à sua governação, nem a respetiva incidência orçamental, nomeadamente no que diz respeito à criação do Fundo Monetário Europeu, nem serviços ou prestações que cheguem aos cidadãos, como o seguro de desemprego, complementar ao dos Estados, em tempos de crise.

3.10.

O Fundo InvestEU baseia-se no anterior Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE), com a mesma contribuição anual e as mesmas estimativas para os seus efeitos no investimento total. Os seus quatro investimentos incidem em quatro domínios de intervenção (infraestruturas sustentáveis; investigação, inovação e digitalização; pequenas e médias empresas; bem como investimentos sociais e competências) que rumam na direção certa. O CESE acolhe com especial agrado a quarta janela de oportunidades, uma vez que esta pode facilitar o financiamento de projetos em setores cruciais como o das competências, da educação, da formação, da habitação social, da inovação social e da integração de migrantes, refugiados e pessoas socialmente vulneráveis. Este compromisso de garantir alguns créditos do BEI, e eventualmente de outras instituições bancárias públicas, será acolhido favoravelmente, mas só será suficiente para permitir a manutenção dos níveis de crédito anteriores, podendo continuar a não beneficiar alguns Estados-Membros que têm níveis de rendimento per capita relativamente baixos. Será necessário intensificar os esforços para colmatar o défice de investimento da UE.

3.11.

O principal objetivo das políticas de coesão é promover a convergência económica e social ascendente entre os Estados-Membros. A fixação de condicionalidades rígidas pode dificultar o acesso aos fundos das políticas de coesão pelos Estados-Membros e regiões mais necessitados, com rendimentos mais baixos ou mais endividados. O que foi referido pelo CESE no seu parecer sobre o QFP para o período 2014-2020 (15) permanece válido: «[…] o CESE rejeita, contudo, a aplicação da condicionalidade macroeconómica na atribuição de fundos destinados a essa política». No entanto, o CESE defende a aplicação da política de coesão nos termos das orientações estabelecidas pelo Semestre Europeu, nas quais se verifica a participação acrescida dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil, tanto a nível nacional como a nível europeu.

3.12.

Os requisitos de cofinanciamento do FEDER, do Fundo de Coesão e do FSE, aplicados de forma rígida, impediram a sua utilização durante a política de austeridade extrema aplicada por alguns dos países que mais necessitavam do seu financiamento, promovendo assim divergências. Atualmente, continuam a limitar, em alguns países, o acesso a estes fundos, o que se pode vir a agravar no futuro, se o QFP pós-2020 aumentar a percentagem de cofinanciamento dos Estados-Membros. O CESE apela para que os critérios de cofinanciamento se tornem mais flexíveis, de modo que a situação económica e financeira de cada Estado-Membro seja tomada em consideração, e para que a afirmação anterior sobre as despesas de investimento em relação aos objetivos do Pacto de Estabilidade e Crescimento seja também tida em conta.

3.13.

Após a experiência de algumas das reformas estruturais aplicadas ou promovidas durante o período de austeridade extrema, afigura-se lógico desconfiar da subordinação do acesso aos fundos da política de coesão à aplicação das reformas supracitadas de forma genérica. O CESE não se opõe a reformas, mas considera essencial especificar de que tipo de reformas se trata. Em vários pareceres, mais recentemente no Parecer — Política económica da área do euro (2018) (16), o CESE defende reformas estruturais que aumentem o crescimento da produtividade, a segurança do emprego e a proteção social, favorecendo o investimento e reforçando a negociação coletiva, com base na autonomia dos parceiros sociais, bem como o diálogo social.

3.14.

O Comité acolhe favoravelmente as propostas de grandes aumentos nos programas de investigação e inovação e desenvolvimento da economia e sociedade digitais, dado que podem constituir a base de aumentos robustos e sustentáveis da produtividade, dos salários e do nível de vida. Seria muito importante dispor de uma estratégia bem definida para interligar a inovação com uma política industrial europeia, da qual todos os Estados-Membros poderiam beneficiar, nomeadamente os Estados-Membros com níveis de desenvolvimento inferiores. A participação dos parceiros sociais e da sociedade civil é essencial para o enquadramento e a aplicação de uma política industrial eficiente com boas ligações aos sistemas de inovação. Além disso, o atual contexto exige igualmente uma incidência sólida e forte na investigação nas sociedades, na democracia, na cultura e na transformação social.

3.15.

É igualmente necessário salientar o aumento de 92 % do orçamento do Erasmus+ (que passou para 26 368 milhões de euros para o período 2021-2027), um dos programas que mais contribuíram para a identidade europeia.

3.16.

O CESE acolhe favoravelmente o aumento dos fundos destinados à cooperação internacional e à ajuda humanitária, mas manifesta preocupação com a reconfiguração da ação externa relacionada com a segurança e a pressão migratória — passando de uma abordagem e definição de prioridades nacionais e ascendentes baseadas nas necessidades a mais longo prazo, que podem excluir as regiões mais vulneráveis. O CESE apela para que haja um compromisso no sentido de apoiar os esforços envidados pelos países parceiros para executar os seus próprios planos de concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Financiamento e recursos próprios no novo QFP

3.17.

Com o novo QFP, a Comissão propõe algumas alterações ao modo de financiamento do orçamento da UE, mas estas são modestas em comparação com as propostas do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios e do Parlamento Europeu, bem como em comparação com a necessidade de financiar despesas imprescindíveis. Com a nova proposta, aconselha-se uma mudança gradual no sentido de romper a dependência da União por parte dos contribuintes dos Estados-Membros para iniciar uma autossuficiência financeira muito progressiva. Para tal, propõe-se um número reduzido de novas fontes de receita.

3.18.

A proposta de QFP é modesta e pouco ambiciosa, num momento em que é necessário um esforço determinado para definir uma agenda coerente. Este deve ter início com as propostas do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios e do Parlamento Europeu relativamente a um conjunto amplo de fontes adicionais de recursos próprios, conduzindo a uma transição significativa para a dependência de recursos próprios no período do próximo QFP.

3.19.

O CESE reitera a posição defendida no seu Parecer — Documento de reflexão sobre o «futuro das finanças da UE» (17), no qual concordou com a análise do relatório final sobre «O futuro financiamento da UE» do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios, (18), presidido por Mario Monti. É particularmente importante que, no QFP pós-2020, as novas receitas sejam constituídas essencialmente por recursos próprios autónomos, transparentes e equitativos. Esses recursos inscrever-se-iam diretamente no orçamento da UE sem passar pelos Estados-Membros, mas de modo a não aumentar a pressão fiscal nem onerar mais do que atualmente os cidadãos mais desfavorecidos e as pequenas e médias empresas.

3.20.

Tal como afirmou no seu Parecer — Documento de reflexão sobre o «futuro das finanças da UE»17, alguns dos novos recursos propostos no relatório do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios teriam um valor acrescentado europeu do lado das receitas, sendo cobrados ao nível mais adequado, quer para impedir uma base fiscal transnacional, quer para combater os efeitos globais no ambiente: o imposto sobre as sociedades, a matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS) (19) e, em particular, as multinacionais, as transações financeiras, os combustíveis e as emissões de dióxido de carbono.

3.21.

Tal como defendido pelo Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios, os recursos próprios provenientes do imposto sobre as sociedades têm a vantagem de melhorar o funcionamento do mercado único. Ao mesmo tempo, a matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades simplifica e harmoniza as regras na UE e limita a margem para elementos prejudiciais de concorrência fiscal.

3.22.

Um imposto sobre os serviços digitais, desde que devidamente concebido, poderia refletir o valor acrescentado europeu, uma vez que a localização utilizada para efeitos fiscais pode ser bastante diferente da localização das transações, mas é uma solução provisória.

3.23.

O Comité chama a atenção das instituições europeias para a complexidade de tornar todos estes recursos próprios operacionais no período 2021-2027.

3.24.

As contribuições associadas à melhoria das normas ambientais e ao combate às alterações climáticas também prometem valor acrescentado europeu e estão estreitamente associadas ao objetivo estratégico da UE de um modelo de desenvolvimento sustentável. Além disso, apenas os impostos comuns sobre a energia e os danos ambientais podem assegurar a concorrência leal no mercado único. Neste contexto, a Comissão propõe contribuições associadas aos resíduos de plástico não reciclado e ao regime de comércio de licenças de emissão (RCLE-UE). Devem procurar-se fontes de receita em impostos sobre outros domínios da poluição ambiental que impliquem custos que afetem mais do que um único Estado-Membro. Exemplos disso são os impostos sobre o combustível rodoviário e os bilhetes de avião, como proposto pelo Parlamento Europeu e pelo Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios, assim como a introdução de um imposto sobre o carbono. Os progressos realizados no sentido de decidir e implementar estas novas fontes de receita, em consonância com a agenda política mais vasta da UE, devem ser executados rapidamente.

3.25.

A Comissão propõe ainda uma simplificação dos atuais recursos próprios provenientes do imposto sobre o valor acrescentado, que atualmente são complexos, refletindo diferenças nas taxas de IVA entre países. A simplificação para uma taxa única entre todos os Estados-Membros seria acolhida favoravelmente. A atual proposta proporciona um pequeno aumento das receitas. Contudo, a contribuição do IVA permanecerá essencialmente semelhante à associada aos níveis de RNB, na medida em que reflete a atividade económica geral num Estado-Membro ao invés de objetivos políticos específicos da UE.

3.26.

A saída do Reino Unido da UE proporciona uma oportunidade para eliminar gradualmente, na sua totalidade, o sistema de abatimentos que veio também a reduzir os pagamentos do Reino Unido e de alguns outros Estados-Membros. Tal deve ser acolhido favoravelmente, bem como o retorno ao orçamento da UE de 90 % das receitas aduaneiras, em consonância com os custos reduzidos de cobrança aduaneira nos Estados-Membros. Um pequeno complemento adicional poderia ser proveniente dos lucros do BCE (senhoriagem). Porém, no total, estas novas formas de recursos próprios permanecem excessivamente reduzidas e incertas para justificar expectativas de que permitirão uma redução significativa das contribuições associadas ao RNB.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE apoia a proposta que condiciona a receção de fundos da UE pelos Estados-Membros ao respeito pelo princípio do Estado de direito, um pilar fundamental dos valores da União, de acordo com o artigo 2.o do Tratado, desde que a sua aplicação não penalize os cidadãos ou as empresas individuais que beneficiam atualmente de fundos da UE. Uma vez que o orçamento constitui o principal instrumento de aplicação de todas as políticas da União, o Comité considera que esta condicionalidade pode ser alargada a outros princípios ligados ao Estado de direito constantes dos Tratados da UE, e solicita à Comissão e ao Parlamento Europeu que analisem essa possibilidade.

4.2.

Deve recorrer-se o mais possível à flexibilidade para promover a interligação dos programas de despesas em benefício mútuo das políticas e dos fundos. Por exemplo: a PAC e o Horizonte para a modernização tecnológica da agricultura em zonas rurais vitais e da agricultura sustentável; Investigação, Desenvolvimento e Inovação (IDI), universidades, Erasmus+ e outros programas para jovens; políticas de investimento e coesão, o Fundo Social Europeu e um novo programa de desenvolvimento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que o CESE propõe no presente parecer, para promover a convergência entre os Estados-Membros, etc. Por conseguinte, o CESE lamenta a proposta de alteração da regra N+3 para N+2 (20) e convida a Comissão Europeia a reconsiderar.

4.3.

As atuais avaliações da execução do Plano Juncker (Plano de Investimento para a Europa) põem em causa as alegações dos seus efeitos no aumento do investimento para os níveis inicialmente previstos, ainda menos para os níveis exigidos para reduzir significativamente o défice de investimento em comparação com o período anterior a 2008. Vários Estados-Membros com menores rendimentos continuam a não beneficiar suficientemente do plano. É necessário criar mecanismos adequados para corrigir esta tendência, que aumenta a divergência entre os Estados-Membros. Deve ser promovida a possibilidade de combinar financiamento proveniente de diferentes fundos, por exemplo, do Fundo de Coesão e do InvestEU.

4.4.

O reforço da coesão social e o restabelecimento da confiança dos cidadãos europeus são indissociáveis. O desenvolvimento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais pode contribuir significativamente para ambos os efeitos, nomeadamente fornecendo apoio e orientações aos Estados-Membros que realizam reformas com vista à criação de empregos sustentáveis, de elevada qualidade e de elevado valor acrescentado. O CESE propõe a criação de um programa específico do Pilar Europeu dos Direitos Sociais no âmbito do QFP para o período 2021-2027 com base nos compromissos assumidos pelos Estados-Membros que elaboraram a Declaração de Gotemburgo. O Fundo Social Europeu Mais (FSE+) contribuiria para o seu financiamento, de acordo com um sistema de indicadores que incluiria, nomeadamente, taxas de desemprego e de atividade, escolaridade e insucesso escolar, PIB per capita, indicadores de pobreza e inclusão social, tanto de caráter geral, como os indicadores regionais, como relativos a determinados grupos sociais desfavorecidos.

4.5.

O Semestre Europeu deve desempenhar um papel de liderança na execução dos orçamentos da UE, recorrendo tanto quanto possível à flexibilidade do novo QFP — por exemplo, para garantir uma relação sólida entre a política de coesão e outras políticas, tais como a inovação, o investimento e a criação de emprego. Para tal, os mecanismos para a participação dos parceiros sociais e da sociedade civil no Semestre Europeu devem ser devidamente implantados, para que saibam como interligar as suas esferas nacionais com a europeia. Ao apoiar a concretização do Semestre Europeu, a Comissão e o Conselho participariam diretamente em questões políticas nacionais. É necessário garantir que os direitos sociais, os direitos dos trabalhadores e os direitos dos consumidores não sejam limitados por medidas apoiadas por fundos da UE.

4.6.

Importa dar prioridade aos esforços que as instituições europeias e os governos nacionais, em conjugação com as organizações da sociedade civil, têm de envidar para que o QFP pós-2020 disponha de maior financiamento e para reequilibrarem as suas prioridades da forma proposta pelo CESE no presente parecer. O CESE insta-os a intensificarem o seu trabalho para que o mesmo possa ser aprovado, de acordo com o calendário previsto, antes das próximas eleições europeias.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de março de 2018, sobre o próximo QFP: preparação da posição do Parlamento sobre o QFP pós-2020 (2017/2052(INI)), correlatores: Jan Olbrycht e Isabelle Thomas, ponto 14.

(2)  JO C 81 de 2.3.2018, p. 131.

(3)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 1.

(4)  Banco Europeu de Investimento.

(5)  COM(2018) 321 final.

(6)  COM(2018) 322 final/2, COM(2018) 326 final, COM(2018) 327 final, COM(2018) 328 final.

(7)  COM(2018) 325 final.

(8)  JO C 81 de 2.3.2018, p. 131.

(9)  Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de março de 2018, sobre o próximo QFP: preparação da posição do Parlamento sobre o QFP pós-2020 (2017/2052(INI)), correlatores: Jan Olbrycht e Isabelle Thomas, ponto 14.

(10)  Ver também o Parecer NAT/735 do CESE — Pacto Europeu Clima-Finança, relator: Rudy de Leeuw, e o Parecer ECO/456 do CESE — Plano de Ação sobre Finanças Sustentáveis, relator: Carlos Trias Pintó. Ainda não publicados no Jornal Oficial.

(11)  Instituto Sindical Europeu (ISE)/Confederação Europeia de Sindicatos (CES) (2018), «Benchmarking Working Europe» [Análise comparativa do trabalho na Europa], Bruxelas: Instituto Sindical Europeu.

(12)  Darvas, Z. e Moes, N. (2018), How large is the proposed decline in EU agricultural and cohesion spending? [Qual é a dimensão da redução proposta na despesa agrícola e em matéria de coesão da UE?] Publicação no blogue Bruegel, 4 de maio de 2018.

(13)  JO C 283 de 10.8.2018, p. 69.

(14)  Ver Claeys, G. (2018), New EMU stabilisation tool within the MFF will have minimal impact without deeper EU budget reform [O novo instrumento de estabilização da UEM no âmbito do QFP terá um impacto mínimo sem uma reforma mais aprofundada do orçamento da UE], blogue Bruegel, 9 de maio de 2018. De acordo com esta análise, 30 mil milhões de euros representavam cerca de um terço do crédito concedido à Irlanda durante a crise.

(15)  JO C 229 de 31.7.2012, p. 32.

(16)  JO C 197 de 8.6.2018, p. 33.

(17)  JO C 81 de 2.3.2018, p. 131.

(18)  Future financing of the EU. Final report and recommendations of the High Level Group on Own Resources [O futuro financiamento da UE — Relatório final e recomendações do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios], dezembro de 2016.

(19)  Acolhido favoravelmente pelo CESE já em 2011 no seu Parecer — Matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (JO C 24 de 28.1.2012, p. 63), e em 2017 no seu Parecer — Matéria coletável comum do imposto sobre as sociedades (JO C 434 de 15.12.2017, p. 58).

(20)  Uma parte da autorização orçamental é automaticamente anulada pela Comissão se não tiver sido utilizada ou se não tiver sido recebido qualquer pedido de pagamento até ao fim do segundo ano seguinte ao da autorização orçamental (regra «N+2»). Fonte: Comissão.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/116


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece disposições específicas relativas ao objetivo de Cooperação Territorial Europeia (Interreg), financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e pelos instrumentos de financiamento externo»

[COM(2018) 374 final — 2018/0199 (COD)]

(2018/C 440/19)

Relator:

Henri MALOSSE

Consulta

Parlamento Europeu, 11/06/2018

Conselho da União Europeia, 19.6.2018

Base jurídica

Artigos 178.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

7.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

196/2/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A cooperação territorial europeia (CTE) é um instrumento único da política de coesão e constitui um dos raros quadros ao abrigo dos quais os operadores nacionais, regionais e locais de diversos Estados-Membros são sistematicamente chamados a realizar ações comuns e a partilhar práticas e estratégias de intervenção. Pode dizer-se que é aqui que transparece um pouco da essência europeia. Pesem embora os numerosos casos de valor acrescentado e de investimento impulsionadores de crescimento nos projetos realizados até à data, os resultados das avaliações ex post revelam efetivamente várias deficiências, que importam ser tidas em conta na nova proposta de regulamento em vários domínios de intervenção:

1.1.1.

Simplificação dos procedimentos — O CESE solicita que seja levado a cabo um «choque de simplificação» no que se refere à dimensão dos projetos. A cooperação incide principalmente em atividades locais. Afigura-se, por conseguinte, indispensável introduzir as simplificações necessárias nos formulários e nos métodos de avaliação dos projetos, bem como aplicar os procedimentos forfetários como elemento-chave da nova programação.

1.1.2.

Quadro financeiro — A política de coesão constitui um elemento decisivo para a consecução da estratégia Europa 2021-2027, que deve ser apoiado de forma prioritária do ponto de vista técnico e orçamental. O CESE adverte das consequências de uma dotação orçamental enfraquecida, que poria em causa a eficácia, a visibilidade e a notoriedade deste programa de ação. Apela, por isso, ao Parlamento Europeu para que proponha um aumento das dotações para a política de coesão, nomeadamente a favor da cooperação territorial europeia.

1.1.3.

Adicionalidade — O CESE manifesta preocupação com as novas regras, que poderão baixar a taxa de financiamento máximo da UE para 70 %, ao invés dos atuais 85 %. Solicita que a taxa de 85 % seja mantida para os pequenos projetos, para as regiões mais vulneráveis, bem como para as ações da sociedade civil. O CESE apoia também um maior recurso à participação do setor privado e à engenharia financeira europeia do fundo InvestEU no que diz respeito às ações a favor do setor produtivo.

1.1.4.

Integração dos instrumentos financeiros — O CESE solicita à Comissão que elabore uma verdadeira estratégia para coordenar e integrar os seus diferentes instrumentos financeiros disponíveis no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual para o período de 2021 a 2027 (QFP 2021-2027). Solicita que a Comissão apresente sem demora uma comunicação para esse efeito. A cooperação territorial europeia deve constituir um quadro privilegiado para pôr em prática esta coordenação indispensável.

1.1.5.

Fomentar uma verdadeira parceria com a sociedade civil — A Comissão deve impor a obrigação de envolver os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil tanto no processo de consulta como na execução das ações, uma vez que se constatou que os melhores resultados dos projetos são obtidos através do envolvimento da sociedade civil. O CESE preconiza que cada autoridade operacional tenha a obrigação de apresentar um modelo de parceria para o envolvimento da sociedade civil, incluindo um mecanismo de alerta.

1.1.6.

Manutenção e desenvolvimento da concentração temática — O CESE considera positiva a evolução no sentido de uma concentração temática das prioridades de intervenção e de investimento, mas falta ainda determinar de que forma se:

tomarão em conta as características específicas das zonas referidas no artigo 174.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) (ilhas, zonas de montanha, zonas rurais, aglomerações, etc.), sem perder de vista a necessidade de concentração, de visibilidade e de eficácia para evitar a dispersão,

colocará no cerne de todas as problemáticas a questão do desenvolvimento sustentável e da ação no domínio do clima,

aproximará realmente a Europa dos cidadãos agindo mais ao nível local.

1.1.7.

Domínio marítimo e territórios insulares — Uma vez que o domínio marítimo é o único ambiente dos territórios insulares, o CESE apela para que estes possam continuar a apresentar projetos tanto ao abrigo da cooperação fronteiriça como da cooperação territorial. Se for caso disso, deverá ser estabelecida uma nova prioridade «territórios insulares», com um orçamento definido.

1.1.8.

Estratégias macrorregionais — O CESE considera indispensável alargar o desenvolvimento das estratégias macrorregionais às novas zonas (Mediterrâneo, Balcãs, Cárpatos, etc.) e assegurar, em seu benefício, uma maior integração dos novos instrumentos financeiros europeus.

1.1.9.

Cooperação com os países vizinhos — O CESE congratula-se com a criação de um quadro único de execução aplicável aos países vizinhos/terceiros. A este respeito, sublinha também o interesse da abordagem que visa a intervenção simultânea das dotações da CTE e das dotações dos fundos europeus externos. O CESE convida a Comissão a abrir, neste contexto, os programas de cooperação territorial às regiões dos países da vizinhança da UE, mesmo que não sejam regiões fronteiriças, a fim de evitar criar ruturas nos países em causa.

1.1.10.

Inovação — O CESE apoia a proposta de um eixo prioritário relativo à inovação com um orçamento autónomo e procedimentos que permitam o acesso direto a intervenientes não estatais. O CESE sublinha, porém, que a inovação deve ser entendida também do ponto de vista societal e social.

1.1.11.

Componente digital da cooperação territorial europeia — Atualmente, a conectividade é um dos maiores desafios para os intervenientes da cooperação territorial europeia. É necessário prever meios e iniciativas para reduzir a fratura digital entre os territórios, bem como entre os elementos territoriais urbanos e rurais das regiões: desenvolver os intercâmbios de experiências e reduzir a fratura digital, por um lado, entre as regiões, e, por outro, entre os territórios urbanos e rurais.

1.1.11.1.

Para tal, o CESE recomenda, relativamente ao período de 2021-2027, que se tenha em conta a transformação digital e as exigências de aumento das competências na arquitetura do conjunto dos programas da CTE.

1.1.12.

Tomada em consideração da juventude — Ter em conta os jovens na Europa é um elemento fundamental. O CESE propõe a utilização dos métodos Erasmus+ de intercâmbio de jovens (estudantes, aprendizes, desempregados, pessoas em dificuldades) para que a juventude seja integrada na cooperação territorial através de programas de mobilidade específicos, da formação profissional e da aprendizagem de línguas. O CESE propõe inscrever nos programas de cooperação transfronteiras e transnacional eixos de propostas e de intervenções específicos a favor dos jovens e executados pelos jovens.

1.1.13.

Ações a favor das populações vulneráveis e tomada em consideração dos critérios horizontais — O CESE sublinha a importância de instituir regras precisas sobre os níveis de obrigação a respeitar em conformidade com os princípios horizontais da União e de fixar um limiar mínimo a esse respeito (10 % dos apoios da ação).

1.1.14.

Proteção civil e luta contra os principais riscos — O CESE convida a Comissão a estudar a possibilidade de integrar esta componente como eixo fundamental da cooperação territorial e a articulá-la com o novo fundo europeu de defesa e proteção civil proposto pela Comissão para o QFP 2021-2027.

1.1.15.

Publicitação — Atendendo à importância dos programas apoiados no âmbito da CTE, o CESE apoiará todas as iniciativas que permitam aumentar a visibilidade para reforçar o espírito de cidadania europeia e o conhecimento das ações concretas realizadas com o apoio da UE. Preconiza, nomeadamente, a criação de centros de informação nas regiões beneficiárias dos programas de cooperação, instalados, de preferência, junto de organizações da sociedade civil.

2.   Introdução

2.1.   A cooperação territorial e fronteiriça: essência do espírito europeu

2.1.1.

No centro da construção de um espaço europeu comum, a cooperação territorial europeia (Interreg), entendida como o conjunto dos seus elementos transfronteiriços, transnacionais, inter-regionais e de abertura aos países vizinhos, constitui a base da integração europeia, na medida em que contribui para que as fronteiras não se transformem em barreiras, aproxima os cidadãos europeus, ajuda à resolução de problemas comuns, facilita a partilha de ideias e de pontos fortes e fomenta iniciativas estratégicas que visem objetivos comuns.

2.1.2.

O artigo 174.o e o artigo 24.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) constituem o quadro jurídico para a aplicação da política de coesão económica, social e territorial, tendo por objetivo a redução da disparidade entre os níveis de desenvolvimento das regiões, e, por conseguinte, para a cooperação territorial europeia.

2.1.2.1.

O artigo 174.o estabelece que «[e]ntre as regiões em causa, é consagrada especial atenção às zonas rurais, às zonas afetadas pela transição industrial e às regiões com limitações naturais ou demográficas graves e permanentes, tais como as regiões mais setentrionais com densidade populacional muito baixa e as regiões insulares, transfronteiriças e de montanha». O CESE considera que este artigo justifica amplamente que a CTE consagre especial atenção a estas regiões e solicita à Comissão e aos Estados-Membros que diligenciem nesse sentido.

2.1.3.

A CTE (Interreg), na qualidade de objetivo prioritário da política de coesão, constitui o quadro ao abrigo do qual os operadores públicos e privados, nacionais, regionais e locais dos Estados-Membros realizam iniciativas coletivas, procedem ao intercâmbio de boas práticas e estruturam políticas de desenvolvimento no interior e no exterior da Europa. No entanto, pesem embora os numerosos casos e exemplos de valor acrescentado e de investimento impulsionador de crescimento nos projetos realizados até à data, algumas imperfeições relacionadas com deficiências no enquadramento dos diferentes programas têm consequências negativas, pelo que devem ser analisadas nas novas perspetivas para 2021-2027.

2.1.4.

Os resultados das avaliações ex post colocam efetivamente em evidência vários elementos:

Deficiência na definição funcional das regiões relativamente ao artigo 174.o do TFUE,

Dificuldades significativas na definição e execução de uma estratégia de intervenção coerente devido à opção por uma abordagem ascendente na determinação dos projetos a apoiar,

Quase ausência de sinergia entre os programas Interreg e outros programas da UE suscetíveis de potenciar os efeitos de desenvolvimento, nomeadamente os programas Erasmus+ e Horizonte 2020, o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE), o Mecanismo Interligar a Europa (MIE) e o programa COSME, e, de um modo geral, um impacto muito limitado destas ações e da respetiva visibilidade na sociedade civil e em todas as categorias de cidadãos, em particular, as mulheres, os jovens, as famílias, as pessoas com deficiência e os idosos.

2.1.5.

Alguns destes aspetos são tidos em consideração na nova proposta de regulamento, que reforça os procedimentos destinados à redução das prioridades regionais em todas as regiões europeias, incluindo as mais remotas, desenvolve novas estratégias macrorregionais e concentrações temáticas, destaca as iniciativas em prol da inovação, bem como várias outras iniciativas que, consequentemente, são objeto de análises e observações específicas. No entanto, a proposta da Comissão deve ser melhorada e clarificada em vários pontos importantes.

3.   Temas prioritários para as recomendações do CESE à Comissão

3.1.

Simplificação dos procedimentos: rumo a um choque de simplificação — A Comissão propõe um conjunto importante de disposições específicas destinadas a simplificar as regras de posicionamento e de gestão dos programas para todos os níveis implicados: beneficiários, Estados-Membros, autoridades de gestão, países terceiros participantes e Comissão. O CESE considera esta abordagem positiva. No entanto, trata-se de uma iniciativa apresentada por ocasião de cada nova programação. A Comissão não foi suficientemente longe neste processo.

3.1.1.

Em matéria de simplificação e montantes fixos, o regulamento institui o tratamento forfetário de certas despesas como um elemento-chave para o próximo período de programação e vai mais longe em certas variáveis, como os custos de pessoal (para todos os projetos inferiores a 200 mil euros, existe um taxa fixa e não é necessário apresentar faturas). Deste modo, a Comissão reconhece a necessidade de simplificação no plano administrativo e sublinha a necessidade de um acordo generalizado.

3.1.2.

A cooperação incide principalmente em atividades locais. É, por isso, necessário dispor de um programa muito mais orientado para a sociedade civil, com uma simplificação radical dos procedimentos e a criação de pequenas unidades de informação e de assistência.

3.1.3.

O CESE advoga a necessidade de uma coerência relativamente à dimensão dos projetos, que permita a introdução das simplificações necessárias nos formulários e nos métodos de avaliação dos projetos e a aplicação dos procedimentos forfetários a minima para as atividades administrativas e de gestão. O «choque de simplificação» é indispensável para permitir que os promotores de projetos se concentrem nos resultados das ações em vez de em atividades administrativas morosas.

3.1.4.

Com efeito, e como pretende a Comissão, importa levar até ao fim a lógica de avaliação dos projetos pelos «resultados» e dispensar os operadores da obrigação de apresentar continuamente relatórios de atividade (atualmente, de seis em seis meses).

3.2.

Quadro financeiro — A Comissão considera que a política de coesão e o seu corolário, a CTE, devem continuar a ser um elemento essencial do pacote financeiro. O CESE apoia esta posição. Uma dotação orçamental enfraquecida poria em causa a eficácia, a visibilidade e ainda a atual notoriedade deste programa de ação. A opção selecionada atualmente é a manutenção de um orçamento estável em relação ao último período, no contexto de uma redução na ordem dos 10 % do orçamento da União Europeia. Esta situação deverá permitir a manutenção do apoio aos programas Interreg ao nível atual, que representa um mínimo, mas o CESE apela ao Parlamento Europeu para que proponha um aumento substancial, uma vez que o impacto destas ações a nível político e nas populações pode ser considerável, desde que lhes sejam atribuídos meios significativos.

3.2.1.

No novo Regulamento Cooperação Territorial Europeia, a taxa de cofinanciamento passa para 70 % (ao invés dos atuais 85 %). Segundo a Comissão, esta evolução deverá conduzir a um reforço da intervenção financeira dos Estados e promover melhores condições de apropriação dos projetos. O CESE receia que esta medida, dita de adicionalidade, desincentive a participação dos intervenientes privados e das regiões menos favorecidas. Por conseguinte, solicita a manutenção da taxa de 85 % para as regiões mais vulneráveis na aceção do artigo 174.o do TFUE. Além disso, uma concentração das intervenções da Europa garante sempre uma maior visibilidade.

3.2.2.

Novas regras para os «pequenos projetos» — O novo regulamento apresenta uma definição clara, acompanhada de novas medidas e regras simplificadas: redefinição da assistência técnica, supressão da exigência de relatórios anuais, abordagem forfetária relativamente a diversas rubricas de despesas e condições para um arranque mais rápido para o próximo período. O CESE considera que estas iniciativas vão no bom sentido.

3.2.3.

No que diz respeito à carga administrativa para os «pequenos projetos», a perspetiva de criação de uma instituição transfronteiras responsável pela gestão de toda a administração para um conjunto de «pequenos projetos», em complemento dos montantes fixos, é igualmente acolhida de forma muito favorável pelo CESE.

3.2.4.

O CESE aprecia o empenho da Comissão em maximizar a participação privada nos programas de cooperação territorial. O Comité reforça esta posição propondo a definição de um limiar mínimo de participação dos intervenientes não estatais (excluindo os órgãos de poder regional) como empresas privadas, parceiros sociais, setor associativo, estruturas da economia social e solidária e câmaras profissionais.

3.3.

Parceria com a sociedade civil — O CESE recorda que a parceria constitui o meio essencial no âmbito da tomada em consideração dos princípios horizontais. Devem ser criadas parcerias em todos os domínios com a sociedade civil, os parceiros sociais, os órgãos de poder local e os organismos para a inclusão social. Neste contexto, o regulamento prevê a inclusão da sociedade civil nos comités de acompanhamento. Prevê igualmente a adição, nos sítios que fornecem informações sobre a execução e os resultados dos programas, de informações sobre os insucessos e sobre os projetos que não cumpram os seus compromissos.

3.3.1.

É forçoso constatar que, uma vez designados, os órgãos de poder local tendem a ignorar tudo o resto.

3.3.2.

A participação dos intervenientes da sociedade civil não deve estar limitada ao processo de consulta. É fundamental implicá-los na execução das ações e confiar-lhes responsabilidades a esse respeito, incluindo através da designação de organizações da sociedade civil como autoridades de gestão.

3.3.3.

O CESE propõe que, para cada programa da CTE, a autoridade de gestão apresente um modelo de parceria que demonstre o envolvimento da sociedade civil em cada fase de preparação, execução e avaliação das ações. Este modelo deverá incluir um mecanismo de alerta que permita aos intervenientes da sociedade civil recorrer à autoridade em causa em caso de desrespeito do princípio da parceria.

3.4.

Nova repartição dos apoios à cooperação territorial — O novo Regulamento CTE/Interreg articula o futuro programa de ação em torno de cinco componentes de cooperação: transfronteiras, transnacional, inter-regional, marítima com a intervenção das regiões ultraperiféricas e investimentos em projetos de inovação inter-regional. Esta abordagem é coerente, embora a supressão das cooperações que incluem o domínio marítimo das cooperações transfronteiras levante questões e suscite muita preocupação entre os operadores das regiões em causa. A Comissão justifica-se explicando que podem existir, nomeadamente no âmbito da cooperação marítima, sobreposições entre vários programas transfronteiriços e compromete-se a definir uma abordagem global para os programas nas zonas marítimas, incluindo a cooperação bilateral, que terá assim um impacto maior.

3.5.

A questão do domínio marítimo e o caso dos territórios insulares — O CESE considera que esta orientação a respeito da dimensão marítima pode ser compreendida quando se trata de territórios continentais, mas não se justifica quando se trata de territórios insulares, que, por definição, têm apenas fronteiras marítimas. Aliás, o CESE já em diversas ocasiões solicitou à Comissão que consagre especial atenção à questão das ilhas com limitações estruturais evidentes, reconhecidas pelo artigo 174.o do TFUE. Por conseguinte, o CESE propõe a reintegração das ações de cooperação europeia entre ilhas na cooperação transfronteiras e/ou a criação de uma sexta categoria dotada de um orçamento específico, nomeadamente a favor de um conjunto de ilhas que pertença à mesma bacia marítima, para favorecer os intercâmbios de experiências.

3.6.

Uma abertura específica à inovação — É proposta uma nova rubrica específica que funciona por convite à apresentação de propostas para a realização de projetos em todo o território europeu, de modo a ir mais longe do que a simples realização de intercâmbios de boas práticas e a evoluir para dispositivos completos de investigação-ação (11 % do orçamento Interreg). O CESE apoia esta abordagem, desde que integre também as inovações societais e sociais no âmbito das quais as cooperações entre territórios possam ter um impacto considerável junto das populações em causa e permita a participação direta dos intervenientes não estatais (investigadores, empresas, sociedade civil).

3.7.

Uma abertura às regiões ultraperiféricas (RUP) — A Comissão propõe a adoção de novas medidas para permitir a estas regiões, tendo em conta a sua localização específica, cooperar no âmbito da Comunicação da Comissão — Uma parceria estratégica reforçada e renovada com as regiões ultraperiféricas da UE (1). Trata-se de uma componente de cooperação para as RUP, entre estas e os seus vizinhos (3,2 % do orçamento Interreg). Esta disposição clara é interessante, mas também é necessário que os meios da UE a favor dos países terceiros vizinhos das RUP (essencialmente o Fundo Europeu de Desenvolvimento, FED) possam ser facilmente mobilizados para complementar estas ações, o que não acontece atualmente. O CESE solicita uma interação coordenada entre o Interreg e o FED, que seja formalizada e programada.

3.8.

Cooperação com os países terceiros — O CESE considera positivo o facto de passar a existir, num contexto internacional conturbado, um quadro idêntico para as ações que envolvam países vizinhos fora da União Europeia. No que diz respeito aos países da vizinhança, há que explorar melhor a possibilidade de as regiões não fronteiriças destes países participarem em ações de cooperação transnacional, a fim de evitar o agravamento das diferenças no interior destes países que favorecem as regiões fronteiriças da UE.

4.   Novas pistas de reflexão

4.1.

Desenvolvimento da concentração temática — O CESE recomenda a focalização dos programas nas ações articuladas com as prioridades da União Europeia definidas na proposta de QFP 2021-2027 [inovação, investigação, Europa mais verde (energia, economia circular, etc.); Europa conectada (transportes, agricultura, etc.); Europa mais social (FSE, FEDER, educação, saúde, etc.); Europa mais local através de estratégias de desenvolvimento a nível local], sem esquecer os objetivos específicos enunciados no regulamento em matéria social, de educação e de cuidados de saúde. Deverá, assim, ser consagrada uma atenção específica às estratégias de desenvolvimento local, associando todos os intervenientes da sociedade civil.

4.1.1.

No âmbito da concentração temática, é fundamental que a questão do desenvolvimento sustentável e da ação no domínio do clima, da economia circular e das energias renováveis se torne um elemento central de todas as problemáticas e seja tida em conta de forma explícita.

4.2.

Estratégias macrorregionais — As estratégias macrorregionais (mar Báltico, Danúbio, arco alpino, mares Adriático e Jónico) são, de um modo geral, encaradas como êxitos. A CTE tem um valor especial devido à sua capacidade de criar as condições ideais para a aplicação de estratégias macrorregionais de desenvolvimento graças:

à existência de um elevado grau de interação transfronteiras,

à correspondência entre os financiamentos e as prioridades estratégicas de intervenção.

4.2.1.

Estes dispositivos permitirão reforçar os programas de cooperação, nomeadamente transnacional e marítima. Poderia ser benéfico levar a cabo uma experiência no âmbito de uma estratégia macrorregional para o Mediterrâneo (Ocidental e Oriental), em articulação com as estratégias para as bacias implementadas no quadro das ações marítimas da UE, bem como uma estratégia macrorregional que abrangesse os maciços montanhosos do sudeste da Europa (Cárpatos e Balcãs), que se estendem, em ambos os casos, a países terceiros.

4.3.

Componente digital da cooperação territorial europeia — Atualmente, a conectividade é um dos maiores desafios para a cooperação territorial europeia. É necessário prever meios e iniciativas para reduzir a fratura digital entre os territórios, bem como entre os elementos territoriais urbanos e rurais das regiões. O desenvolvimento digital comporta vários fatores:

4.3.1.

Um desafio técnico e económico para o desenvolvimento dos territórios. As tecnologias digitais oferecem fortes capacidades de desenvolvimento dos territórios no contexto das novas evoluções industriais, de uma sociedade colaborativa, da emergência de novas cooperações no trabalho e de novos sistemas de valorização dos recursos locais.

4.3.2.

Um importante desafio social que afeta o desenvolvimento das competências das populações e dos territórios. Desenvolver o investimento nas competências e nos conhecimentos de utilização e não permitir o agravamento da fratura social em termos digitais. A evolução digital está a criar uma nova série de discriminações, que têm origem, nomeadamente, na capacidade de acesso ao equipamento por parte das populações pobres, no nível de vida, em aspetos culturais relacionados com o nível de educação e na idade.

4.3.3.

É importante ter em conta que o «digital» tanto pode facilitar o acesso aos direitos como, pelo contrário, pode constituir um fator suplementar de exclusão para determinadas categorias de cidadãos. Esta constatação, por si só, leva o CESE a solicitar à Comissão que tenha em consideração, nas ações da CTE, uma abordagem pedagógica coordenada com os intervenientes locais.

4.3.4.

Além disso, o CESE propõe que uma parte significativa das ações inovadoras seja consagrada ao digital, com convites à apresentação de propostas específicos, incluindo o intercâmbio de experiências e a cooperação nos territórios nos domínios referidos, e tendo como prioridade a inclusão das populações mais desfavorecidas e vulneráveis. Este aspeto é essencial para os territórios no contexto das novas evoluções industriais, de uma sociedade colaborativa, da emergência de novas cooperações no trabalho e de novos sistemas de valorização dos recursos locais. A Comissão apresentou um projeto de orçamento para o período de 2021-2027. Este projeto contempla devidamente o aspeto digital? Em caso de resposta negativa, então o orçamento não é adequado.

4.3.5.

Tecnologia digital e inteligência artificial — É imperativo que a Comissão se muna de ferramentas digitais e de inteligência artificial para a execução e avaliação dos futuros programas (megadados, novas tecnologias e investimentos dos fundos).

4.3.6.

Segundo a própria Comissão, a avaliação do impacto das ações e dos programas da UE tem por base um «estado de espírito». Os resultados de um projeto serão por vezes menos importantes do que a forma de obter resultados, e é difícil definir os indicadores (não só quantitativos, mas também qualitativos) para avaliar esse aspeto.

4.3.7.

O CESE incentiva vivamente a Comissão a procurar melhores indicadores de avaliação dos resultados imediatos e do impacto dos programas e projetos.

4.4.

Tomada em consideração da dimensão «juventude» — Ter em conta os jovens na Europa é um elemento fundamental. O CESE propõe a utilização dos métodos Erasmus+ de intercâmbio de jovens (alunos do ensino secundário, estudantes, aprendizes, desempregados, pessoas em dificuldades) para que a juventude seja integrada na cooperação territorial através de programas de mobilidade específicos, nomeadamente para a formação profissional e a aprendizagem de línguas. A reflexão do CESE incide em várias possibilidades não contraditórias, para que o território adquira sentido relativamente aos jovens.

4.4.1.

O CESE propõe que seja reservada uma percentagem das dotações da CTE para ações destinadas aos jovens e executadas pelos jovens. Em paralelo, no quadro do futuro Erasmus+ após 2021, a Comissão poderia optar por consagrar uma parte dos programas Erasmus+ a iniciativas que incidam em espaços territoriais delimitados.

4.4.2.

Por outro lado, 10 % de uma ou várias componentes do Interreg deveriam ser consagrados à mobilidade do tipo Erasmus e uma percentagem idêntica deveria ser consagrada à dotação para os projetos criados ao abrigo do Erasmus+ que sejam organizados em espaços europeus. Poderia ser conferida prioridade às regiões que se começam a definir concretamente, como, por exemplo, uma macrorregião do Mediterrâneo, e/ou, de forma experimental, a regiões em fase de criação e desenvolvimento, como, por exemplo, uma macrorregião do este do Mediterrâneo.

4.4.3.

Afigura-se, pois, necessário inscrever nos programas de cooperação transfronteiras e transnacional um ou vários eixos de proposta e de intervenção específicos a favor dos jovens e executados pelos jovens. Estes eixos deverão permitir e apoiar a passagem de simples intercâmbios culturais para a valorização de ações relacionadas com categorias que não as tradicionalmente beneficiárias do Erasmus+: movimentos juvenis e criação de associações para a luta contra a exclusão e as desigualdades sociais e para a integração das pessoas mais vulneráveis (com deficiência), ação no domínio do clima, iniciativas para contribuir para o acolhimento de refugiados migrantes, ou quaisquer outros temas nos domínios da educação e da solidariedade.

4.5.

Ações a favor das populações vulneráveis e tomada em consideração dos critérios horizontais — No que diz respeito à tomada em consideração das populações vulneráveis a todos os níveis de conceção e execução dos programas de cooperação, incluindo, nomeadamente, a seleção dos projetos, a posição da Comissão é clara quanto à obrigação imperativa de respeitar os princípios horizontais da União.

4.5.1.

Contudo, coloca-se a questão da regulamentação sobre esta matéria no quadro da CTE, que não estabelece quotas. O CESE propõe que seja definido um limite mínimo no que diz respeito às cooperações fronteiriças (10 %).

4.6.

Proteção civil e luta contra os principais riscos — Esta componente, que integra o novo fundo europeu de defesa e proteção civil proposto pela Comissão para o QFP 2021-2027, é um eixo fundamental que tem implicações para a cooperação territorial. Neste contexto, é possível fazer referência, por exemplo, à prevenção e à luta contra os incêndios florestais no Mediterrâneo ou às inundações nas regiões mais setentrionais. Trata-se de uma questão em que a cooperação para além das fronteiras nacionais é uma evidência, e que afeta diretamente a vida dos cidadãos.

4.6.1.

Por conseguinte, o CESE recomenda que lhe seja consagrada uma atenção especial no âmbito da CTE, com a possibilidade de coordenação entre vários fundos, e que sejam formuladas recomendações pormenorizadas dirigidas às autoridades responsáveis pelos programas, por forma a sensibilizá-las para os desafios e oportunidades que esta questão comporta para os seus territórios. Poderiam ser lançados convites à apresentação de propostas de projetos de demonstração nesta matéria, a fim de criar uma emulação entre as regiões.

4.7.

Integração dos diferentes instrumentos europeus — O CESE considera que a proposta em apreço não integra de forma suficiente as oportunidades de sinergias entre a CTE e os demais instrumentos financeiros atuais ou futuros da UE, nomeadamente em termos de intercâmbio de jovens, de redes e agendas digitais, de investigação e desenvolvimento, de investimentos, de proteção civil e de luta contra os principais riscos. Solicita à Comissão que corrija este facto.

4.7.1.

A CTE constitui um quadro adequado para assegurar a complementaridade dos diferentes instrumentos europeus a partir das necessidades no terreno:

Os investimentos das pequenas e médias empresas, se se conseguir combinar eficazmente as intervenções do Interreg com as do novo fundo InvestEU proposto pela Comissão no âmbito do QFP 2021-2027,

As redes (de infraestruturas, digitais, de energia) com o MIE,

As ações externas (FED, política de vizinhança),

Os fundos para a proteção civil,

O programa Erasmus+,

O programa Horizonte Europa (atual Horizonte 2020),

LIFE (Ambiente e Ação Climática),

Fundo Social Europeu;

e outros.

4.7.2.

As propostas da Comissão permanecem vagas a este respeito. O CESE solicita à Comissão, no quadro das propostas relativas ao QFP 2021-2027, que apresente uma comunicação sobre a integração dos seus instrumentos financeiros.

4.8.

Publicitação — O Interreg constitui um dos principais meios para reforçar o espírito de cidadania europeia. Importa agora aumentar a visibilidade para dar a conhecer as ações da UE. A Comissão deve, de forma simples, publicar um documento sobre a utilização e as realizações do programa Interreg e assegurar a divulgação das mesmas. O objetivo é que os cidadãos tomem conhecimento das ações concretas realizadas com o apoio da UE. Atendendo à importância desta temática, o CESE propõe a criação de centros de informação e de cooperação fronteiriça ou territorial incumbidos desta tarefa, instalados, de preferência, junto de organizações da sociedade civil.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  COM(2017) 623 final.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/124


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação de um mecanismo para remover os obstáculos jurídicos e administrativos num contexto transfronteiriço»

[COM(2018) 373 final — 2018/0198 (COD)]

(2018/C 440/20)

Relator:

Etele BARÁTH

Consulta

Parlamento Europeu, 11/06/2018

Conselho da União Europeia, 19/06/2018

Base jurídica

Artigos 175.o e 304.o do TFUE

 

 

Competência

Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

7.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

195/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe com agrado a proposta, apresentada pela Comissão Europeia, de regulamento relativo a um mecanismo para remover os obstáculos jurídicos e administrativos num contexto transfronteiriço (a seguir designado «mecanismo»). No entender do CESE, a proposta reflete uma nova abordagem e poderá reforçar as possibilidades de cooperação assente na subsidiariedade entre os diferentes Estados-Membros, promover um desenvolvimento socioeconómico sustentável e mais equilibrado das regiões fronteiriças e contribuir para o aumento do PIB na União Europeia.

1.2.

O CESE considera procedente a argumentação da proposta, pois, ainda que existam atualmente vários instrumentos institucionais de apoio às regiões fronteiriças (nomeadamente, o Interreg e o AECT), estas não dispõem das competências necessárias para adotar tais medidas jurídicas.

1.3.

O CESE considera que a aplicação da proposta de regulamento pode contribuir para eliminar obstáculos históricos, divulgar a prática quotidiana do europeísmo e reforçar o sentimento de cidadania europeia.

1.4.

O CESE insta a Comissão Europeia a clarificar todas as questões que geram incerteza jurídica, para que o processo — considerado complexo e acompanhado de garantias excessivas — não tenha um efeito dissuasor para os potenciais utilizadores desta legislação. Importa estabelecer claramente a forma de incentivar a cooperação entre dois Estados-Membros vizinhos quando as suas conceções do projeto ou abordagens em geral são divergentes.

1.5.

O CESE reitera a importância de acompanhar continuamente a boa aplicação do regulamento, dado que este não regula as soluções, mas sim o próprio processo, e pode oferecer um quadro para numerosas oportunidades de cooperação.

1.6.

A proposta de regulamento apresenta a vantagem de harmonizar em vez de uniformizar, pelo que a definição do seu âmbito de aplicação territorial constitui um elemento importante da sua aplicabilidade (ver ponto 2.7.4).

1.7.

Além disso, a proposta de regulamento parte do princípio que, para resolver um determinado problema, uma solução seria aplicar a legislação em vigor do outro lado da fronteira. No entanto, em muitos casos, esta abordagem não é viável, pois pode não existir, nem de um lado da fronteira nem do outro, legislação suscetível de contribuir para resolver o problema em questão; nestes casos, a solução pode inspirar-se num modelo proporcionado por um país terceiro. Importa propor um mecanismo para fazer face a esta situação.

1.8.

O CESE congratula-se com a coordenação instituída pela Comissão Europeia, e conta com os pontos de coordenação transfronteiras para difundir as antigas «boas práticas» (programas transfronteiriços, etc.) e territorializar as iniciativas (por exemplo, coerência com as estratégias macrorregionais integradas de desenvolvimento urbano). O Comité recomenda que, para o efeito, se tire partido dos conhecimentos especializados e da capacidade de coordenação das organizações da sociedade civil (ver ponto 2.14.2).

1.9.

A proposta de regulamento pode contribuir para um maior reforço de uma administração pública europeia inovadora e responsável, mas o CESE considera necessário impor uma obrigação de informação às partes interessadas para realçar as possibilidades de cooperação transfronteiriça, e propõe facilitar a participação nos processos graças aos meios da administração em linha, e tornar essa participação mais atrativa.

1.10.

O CESE recomenda que se preste atenção ao eventual desequilíbrio significativo entre os potenciais promotores, que deve ser compensado, prevendo-se um apoio para facilitar a participação dos parceiros mais desfavorecidos à partida.

1.11.

No que diz respeito às iniciativas e práticas jurídicas transfronteiriças, importa evitar qualquer possibilidade de regressão. Há que zelar, em especial, por que nenhuma das partes seja penalizada nem sofra prejuízos resultantes da cooperação.

2.   Observações gerais

2.1.

O CESE acolhe favoravelmente as iniciativas que visam remover os entraves ao mercado único e contribuir para a realização das suas quatro liberdades fundamentais (1). O Comité considera que a proposta relativa à criação de um mecanismo transfronteiriço, que reflete o trabalho eficaz da Presidência luxemburguesa, constitui mais um passo nesse sentido.

2.2.

A União Europeia conta com 40 regiões fronteiriças terrestres internas, que representam 40 % do seu território e quase 30 % da sua população. Diariamente, 1,3 milhões de pessoas atravessam uma fronteira para ir trabalhar (2).

2.3.

Estas travessias de fronteira podem criar dificuldades em termos de emprego, melhoria dos cuidados de saúde, utilização de serviços oferecidos por instituições públicas e prestação de serviços de emergência. O não reconhecimento dos regimes fiscais, dos direitos de pensão e de outros direitos e normas, bem como a ausência de serviços de emergência comuns, podem suscitar problemas graves. A maioria dos obstáculos que subsistem resulta de legislações nacionais divergentes dos dois lados da fronteira, de procedimentos administrativos incompatíveis, ou simplesmente da ausência de planeamento territorial comum (3).

2.4.

No entanto, as regiões fronteiriças têm, em geral, um desempenho económico inferior comparativamente às outras regiões do mesmo Estado-Membro. De modo geral, o acesso aos serviços públicos, tais como hospitais e universidades, é mais difícil nas regiões fronteiriças. Os particulares, as empresas e as autoridades públicas das regiões fronteiriças enfrentam dificuldades específicas quando se trata de se movimentarem entre dois sistemas administrativos e jurídicos diferentes. Investigadores da Universidade Técnica de Milão demonstraram que a eliminação dos obstáculos administrativos atuais permitiria aumentar o PIB da União em cerca de 8 % (4).

2.5.

Face à dimensão social deste desafio, o CESE considera particularmente importante criar mecanismos que, graças à eliminação dos obstáculos administrativos, permitam aos cidadãos escolher livremente o seu emprego e apoiem o desenvolvimento de infraestruturas e serviços de interesse geral.

2.6.

Também do ponto de vista económico é de saudar a abordagem adotada na proposta, que vai no sentido de uma maior redução dos encargos administrativos, no interesse tanto dos empregadores como dos trabalhadores.

2.7.

Devido à sua localização periférica, as regiões fronteiriças são frequentemente menos favorecidas, tanto em termos económicos como sociais (5). Uma iniciativa deste tipo poderia contribuir de forma eficaz para reforçar a coesão territorial, tendo em vista assegurar o desenvolvimento harmonioso de todos os territórios, e para permitir aos seus habitantes tirar pleno partido das potencialidades regionais. Em consonância com o Tratado de Lisboa (6), o CESE considera que este tipo de diversidade pode vir a ser uma vantagem que contribui para o desenvolvimento sustentável de toda a União.

2.7.1.

O CESE lamenta que a Comissão não tenha lançado um processo participativo, conducente à adoção de uma estratégia global e integrada para uma Europa sustentável até 2030 e mais além (7). A contextualização do novo mecanismo assume, pois, particular importância: o CESE considera que os novos pontos de coordenação transfronteiras devem assegurar, para além da harmonização jurídica, a integração das iniciativas nos diferentes processos territoriais.

2.7.2.

Estes processos territoriais incluem, nomeadamente, as estratégias territoriais dos diferentes níveis (por exemplo, estratégias macrorregionais ou estratégias integradas de desenvolvimento urbano), bem como a integração da experiência associada aos programas europeus de cooperação territorial, com destaque para as experiências e resultados dos programas transfronteiriços.

2.7.3.

A força do texto na sua redação atual, comparativamente a ideias apresentadas anteriormente, reside no facto de não excluir a possibilidade de cooperação marítima (tornando o instrumento aplicável à cooperação marítima dinâmica, como a estabelecida na região da Grande Copenhaga, ou entre Helsínquia e Taline, bem como às relações ítalo-croatas, atualmente em pleno desenvolvimento).

2.7.4.

Embora, de acordo com a interpretação da proposta legislativa, o âmbito de aplicação territorial se situe no nível NUTS III, prevê-se a aplicação do mecanismo ao menor território justificável possível, o que é de saudar vivamente. No entanto, é importante que o regulamento se adapte aos casos em que o âmbito de aplicação territorial se deva estender além dos limites administrativos propostos (por exemplo, caso a radiofrequência das ambulâncias deva funcionar num território mais alargado).

2.8.

Como transparece igualmente da nova proposta de orçamento da UE, a proteção do ambiente é hoje uma prioridade incontestável: a Comissão propõe aumentar o financiamento para apoiar o ambiente e a ação climática (8). Claramente, é de saudar qualquer tentativa de abordagem coerente do ecossistema europeu que permita proteger a natureza.

2.9.

À semelhança da posição da Comissão Europeia, expressa na sua comunicação «Impulsionar o crescimento e a coesão nas regiões fronteiriças da UE» (9) (que, através de dez propostas, salienta a forma como a UE e os seus Estados-Membros podem reduzir a complexidade, a morosidade e os custos da interação transfronteiras e promover a partilha de serviços nas regiões fronteiriças internas), o CESE é de opinião que a cooperação deve ir além da harmonização jurídica (apoio ao multilinguismo, etc.).

2.10.

No entanto, receia-se que o estabelecimento do mecanismo a título voluntário conduza a uma maior fragmentação da prática jurídica e da configuração administrativa na Europa, e, além disso, a diferenças significativas entre as práticas dos Estados-Membros mais desenvolvidos e as dos menos desenvolvidos. Com efeito, estes últimos confrontam-se não apenas com obstáculos jurídicos diferentes, mas também com desafios mais graves, por exemplo, no plano económico.

2.11.

O CESE está ciente do caráter moroso da harmonização jurídica, mas exorta os Estados-Membros a criarem uma estrutura tão homogénea quanto possível. No geral, a proposta de regulamento visa encurtar os prazos processuais, a fim de proteger os intervenientes locais. No entanto, face à complexidade do mecanismo e à morosidade dos procedimentos burocráticos, é necessária uma vontade forte de cooperação para conseguir cumprir os prazos previstos.

2.12.

A configuração do novo sistema institucional a vários níveis também levanta algumas questões. Importa definir o quadro de funcionamento dessas instituições, de modo que os obstáculos que possam surgir não tenham repercussões a nível das autoridades (capacidade insuficiente, etc.).

2.13.

A este respeito, o Comité acolhe favoravelmente o papel de coordenação da Comissão Europeia, tornado possível através da criação, em setembro de 2017, do Ponto de Contacto Fronteiriço (10).

2.13.1.

Todavia, o Comité manifesta preocupação com a falta de financiamento europeu, que poderá revelar-se problemática, sobretudo para os Estados-Membros menos desenvolvidos. Por conseguinte, considera importante prever uma possibilidade de ligação entre os diferentes fundos de financiamento e o mecanismo.

2.14.

O CESE congratula-se, em particular, com o caráter ascendente da iniciativa, na medida em que são os intervenientes locais — ou seja, os que efetivamente conhecem e enfrentam os obstáculos mencionados — os impulsionadores do processo de harmonização.

2.14.1.

As organizações da sociedade civil, pelo facto de mobilizarem os intervenientes locais pertinentes, estão em posição privilegiada para identificar os problemas locais e apresentar propostas. Por conseguinte, o CESE considera que a sua participação se reveste de especial importância e recomenda tirar partido dos seus conhecimentos especializados e da sua capacidade de coordenação (por exemplo, recorrendo aos indicadores inter-regionais das câmaras de comércio, ou à cooperação existente entre sindicatos ou organizações de interesses). O Comité considera igualmente importante ter em conta o trabalho dos conselhos económicos e sociais nacionais e regionais.

2.14.2.

Importa, além disso, que os Estados-Membros apoiem amplamente a sociedade civil, para que os intervenientes economicamente desfavorecidos também possam ser informados das oportunidades e tirar partido das mesmas.

2.14.3.

A este respeito, o CESE propõe que se apoie o trabalho das organizações criadas por regiões fronteiriças (como a Associação das Regiões Fronteiriças Europeias, a Missão Operacional Transfronteiriça ou o Serviço Europeu Central para as Iniciativas Transfronteiriças), com vista a promover os interesses das zonas fronteiriças, o estabelecimento de contactos e o intercâmbio de experiências entre os diferentes intervenientes, bem como as possibilidades de cooperação.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO L 125 de 21.4.2017, p. 1.

(2)  http://ec.europa.eu/regional_policy/pt/information/publications/communications/2017/boosting-growth-and-cohesion-in-eu-border-regions

(3)  http://ec.europa.eu/regional_policy/en/policy/cooperation/european-territorial/cross-border/review/

(4)  Camagni et al., Quantification of the effects of legal and administrative border obstacles in land border regions (Quantificação dos efeitos dos obstáculos jurídicos e administrativos fronteiriços nas regiões com fronteiras terrestres), Comissão Europeia, Bruxelas, 2017.

(5)  http://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docoffic/official/reports/cohesion7/7cr.pdf

(6)  JO C 306 de 17.12.2007.

(7)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 91.

(8)  http://europa.eu/rapid/press-release_IP-18-4002_pt.htm

(9)  http://ec.europa.eu/regional_policy/pt/information/publications/communications/2017/boosting-growth-and-cohesion-in-eu-border-regions

(10)  http://europa.eu/rapid/press-release_IP-17-3270_pt.htm


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/128


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui uma Autoridade Europeia do Trabalho»

[COM(2018) 131 final — 2018/0064 (COD)]

(2018/C 440/21)

Relator:

Carlos Manuel TRINDADE

Consulta

Conselho, 6.4.2018

Parlamento Europeu, 16.4.2018

Base jurídica

Artigos 46.o, 91.o, n.o 1, e 304.o do TFUE

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

19.7.2018

Adoção em plenária

20.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

189/16/29

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A situação do mercado de trabalho transfronteiriço apresenta problemas importantes para as empresas, para os trabalhadores e para os Estados-Membros, em particular concorrência desleal, dumping social e ilegalidades e fraudes diversas a nível fiscal e da segurança social. Além disso, a insuficiente informação para empresas e trabalhadores, a fraca cooperação entre os Estados-Membros e a pouca capacidade da generalidade das inspeções do trabalho exacerbaram os problemas e conflitos existentes. Apesar de terem sido tomadas algumas medidas, as instituições da UE, o presidente da Comissão, o CESE, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil têm destacado a necessidade de fazer mais e melhor para ultrapassar esta situação.

1.2.

A proposta de regulamento da Comissão que institui uma Autoridade Europeia do Trabalho (AET) poderá constituir, se adequadamente implementada, um passo importante na direção certa para melhorar a mobilidade transfronteiriça, cumprir a legislação europeia e nacional, promover a cooperação entre as autoridades do mercado de trabalho nacionais, melhorar o acesso a informação adequada e atualizada, combater as ilegalidades e fortalecer o mercado interno, desde que a AET respeite as competências nacionais e europeias e haja cooperação e apoio dos Estados-Membros.

1.3.

O CESE apoia esta iniciativa da Comissão para contribuir para a resolução dos problemas da mobilidade transfronteiriça. Toma nota da proposta de regulamento da Comissão que institui uma Autoridade Europeia do Trabalho e frisa que a cooperação estruturada entre Estados-Membros foi estabelecida para procurar soluções inovadoras e de valor acrescentado para empresas, trabalhadores, autoridades e inspeções de trabalho nacionais, no respeito do princípio da subsidiariedade.

1.4.

De um modo geral, o CESE concorda com o esforço da Comissão no sentido de melhorar a cooperação transfronteiriça e evitar práticas ilegais. Mais particularmente, o CESE salienta os pontos de concordância (ver 4.1), apresenta comentários (ver 4.2) e avança com algumas propostas (ver 4.3) que se espera venham a ser tidos em conta para melhorar a eficácia da ação da AET.

1.5.

O CESE recomenda que a Comissão use de prudência na integração dos diversos organismos na AET, a fim de tirar partido da experiência e dos conhecimentos especializados acumulados e de assegurar que não há sobreposição com outros instrumentos e estruturas, com vista a assegurar, em última instância, que a ação da AET é mais eficaz. É fundamental assegurar a independência da AET dotando-a de recursos próprios suficientes para o exercício das suas missões. No entanto, o CESE alerta para a eventual escassez de recursos da AET, que poderá pôr em risco a sua eficácia. Por conseguinte, para além de tomar nota destas preocupações e de outras que foram expressas sobre a eficácia em termos de custos da AET, importa assegurar a boa gestão dos seus recursos.

1.6.

Das várias propostas apresentadas, o CESE chama particular atenção para a que se refere à participação dos parceiros sociais (ver 4.3.3). As soluções para a problemática da mobilidade transfronteiriça serão mais fáceis de identificar com uma participação mais ativa dos parceiros sociais, a nível europeu, a nível nacional e a nível setorial, e é este o objetivo da presente proposta do CESE. O CESE propõe que se transforme o Grupo de Partes Interessadas da AET num Conselho Consultivo da AET e se reforce a presença dos parceiros sociais nesse organismo.

2.   Contexto

2.1.

Tem-se assistido a um aumento muito significativo da mobilidade laboral nos últimos anos: entre 2010 e 2017, o número de cidadãos que viviam ou trabalhavam num Estado-Membro que não era aquele em que nasceram aumentou de 8 para 17 milhões e o número de trabalhadores destacados aumentou 68 % desde 2010, passando para 2,3 milhões em 2016. No setor dos transportes rodoviários, mais de 2 milhões de trabalhadores cruzam todos os dias as fronteiras internas da UE para transportar mercadorias ou passageiros (1).

2.2.

Um aspeto importante da realidade social europeia prende-se com a incidência da pobreza, que não tem diminuído significativamente e que atinge 23,5 % da população da União Europeia (2). Algumas destas pessoas são inativas e desmotivadas, cidadãos com deficiência, imigrantes de países terceiros, ciganos e pessoas em situação de sem-abrigo, e parte delas vive num Estado-Membro diferente do seu país de origem. Seria mais fácil encontrar soluções para estas pessoas se os mercados de trabalho transfronteiriços funcionassem de forma mais eficiente, já que isso abriria maiores possibilidades de emprego.

2.3.

As instituições europeias têm dado a conhecer a sua opinião sobre a questão da mobilidade laboral. A Comissão afirma que «subsistem reservas quanto ao cumprimento e ao controlo eficaz e efetivo das regras da UE, situação que pode comprometer a confiança e a equidade no mercado interno. Nomeadamente, foram expressas preocupações relativamente ao facto de os trabalhadores móveis serem vulneráveis a abusos ou verem negados os seus direitos, enquanto as empresas operam num ambiente empresarial incerto ou pouco claro, estando expostas a condições de concorrência desiguais» (3). O Parlamento Europeu sublinha que é «necessário intensificar os controlos e a coordenação entre e pelos Estados-Membros, nomeadamente através de um reforço do intercâmbio de informações entre as inspeções do trabalho, e apoiar ativamente o exercício dos direitos de livre circulação» (4). O Conselho destaca «a necessidade de melhorar a cooperação administrativa e estabelecer mecanismos de assistência e troca de informações no contexto da luta contra a fraude ligada ao destacamento de trabalhadores», ao mesmo tempo que frisa «a importância de fornecer informações claras e transparentes aos prestadores de serviços e aos trabalhadores» (5).

2.4.

O discurso sobre o estado da União proferido em 13 de setembro de 2017 pelo presidente Jean-Claude Juncker sintetiza bem a posição das instituições europeias: «É nosso dever garantir que todas as normas da UE em matéria de mobilidade laboral são aplicadas de forma justa, simples e eficaz por um novo organismo europeu de inspeção e de execução. É absurdo dispormos de uma Autoridade Bancária para controlar a aplicação das normas bancárias, mas não de uma Autoridade Comum do Trabalho para garantir a equidade no mercado único» (6).

2.5.

O CESE já emitiu vários pareceres (7) sobre esta temática.

2.6.

Apesar da adoção nos últimos anos de um conjunto de iniciativas e propostas para promover uma mobilidade laboral justa, a sua aplicação e o respetivo controlo ainda são insuficientes.

2.7.

A atual situação, caracterizada por abusos e práticas ilegais em alguns Estados-Membros, está ligada ao populismo e tem promovido os sentimentos antieuropeus e o protecionismo crescente a que se tem assistido nos últimos anos em muitos Estados-Membros.

2.8.

Estas constatações evidenciam que os direitos expressos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não estão a ser cumpridos, particularmente os artigos 15.o, 16.o, 21.o, 29.o, 31.o, 34.o, 35.o e 45.o.

2.9.

Aliás, o reconhecimento desta realidade constituiu um dos argumentos principais para a proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, no sentido de garantir aos cidadãos «igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho, condições de trabalho justas, bem como proteção social e inclusão social» (8).

2.10.

Estas declaraçoes das instituições da UE corroboram os alertas e denúncias que os parceiros sociais europeus, sindicatos e empresas, e várias autoridades nacionais têm apresentado ao longo dos anos, solicitando políticas que solucionem este fenómeno.

2.11.

São reconhecidas as diferenças significativas entre os Estados-Membros a nível de atribuições e recursos das autoridades de inspeção do trabalho; em muitos casos, o número de inspetores é inferior ao recomendado pela OIT (9). Por outro lado, a quebra de meios afetados à inspeção do trabalho, as dificuldades linguísticas e os diferentes níveis de digitalização vieram evidenciar o fraco conhecimento do que se passa na mobilidade laboral transfronteiriça e tornaram necessária a intervenção da UE e a assistência aos Estados-Membros para lhes permitir corrigir estas insuficiências e agir de forma mais eficiente e pró-ativa na cooperação e adesão voluntária a iniciativas conjuntas.

2.12.

Os resultados das consultas públicas na Internet (10) e das consultas internas mostram que existe uma lacuna, em particular no que diz respeito à inadequação do apoio e das orientações para os trabalhadores e as empresas em situações transfronteiriças, incluindo o caráter incompleto e disperso da informação disponível ao público sobre os seus direitos e obrigações, o grau insuficiente de cooperação e coordenação entre os poderes públicos nacionais e a aplicação e o cumprimento ineficazes das regras. As consultas específicas produziram resultados desiguais. A maioria dos intervenientes apoia a criação de uma nova autoridade vocacionada para a melhoria da cooperação entre os Estados-Membros, facilitando o intercâmbio de informações e de boas práticas. Ao mesmo tempo, sublinham que a nova autoridade deverá respeitar plenamente as competências nacionais que o Tratado consagra, não devendo impor requisitos adicionais de comunicação de informações. Também houve vozes críticas relativamente a possíveis duplicações com as estruturas administrativas existentes.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE apoia os esforços da Comissão no sentido de combater as ilegalidades e as fraudes na mobilidade transfronteiriça. Para tal, a criação de uma Autoridade Europeia do Trabalho segue as orientações políticas de julho de 2014 para a construção de uma Europa mais social.

3.2.

O CESE apoia a opinião da Comissão quanto à necessidade de uma cooperação eficaz entre as autoridades nacionais e de uma ação administrativa concertada para gerir um mercado de trabalho cada vez mais europeu e dar resposta, através da AET — caso esta seja instituída —, com um mandato claro no que respeita à subsidiariedade e à proporcionalidade, de uma forma justa, simples e eficaz, a importantes desafios que se colocam na mobilidade transfronteiriça (11).

3.3.

O CESE endossa o entendimento da Comissão de que «a mobilidade laboral transfronteiriça na UE traz vantagens para os indivíduos, as economias e as sociedades em geral» e que tais vantagens «dependem da existência de regras claras, justas e eficazmente aplicadas em matéria de mobilidade laboral transfronteiriça e de coordenação dos sistemas de segurança social» (12).

3.4.

O CESE examinou a proposta da Comissão e considera que está em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, com a posição conjunta do Parlamento e do Conselho sobre a racionalização das agências europeias descentralizadas, com o princípio de legislar melhor, bem como com a relação entre a iniciativa proposta e a Plataforma contra o Trabalho não Declarado.

3.5.

O CESE considera que a opção da Comissão por uma solução operacional de constituição de uma nova agência com base na cooperação entre os Estados-Membros e aproveitando as estruturas existentes, entre as várias hipóteses consideradas (13), é a adequada e responde, no atual momento, às necessidades existentes. Subscreve o ponto de vista da Comissão de que esta forma de implementar a AET — através de um regulamento, se aprovado — poderá proporcionar maior segurança jurídica, sendo por isso, a mais adequada.

3.6.

O CESE considera que a criação da AET, se contar com a cooperação e o apoio de todos os Estados-Membros, poderá colmatar as importantes deficiências acima referidas. O CESE sublinha que a AET deverá estar focalizada na melhoria da mobilidade laboral, na aplicação das regras, no combate às ilegalidades e no fortalecimento do mercado interno através do reforço da cooperação transfronteiriça entre os Estados-Membros. Quanto mais a AET se fixar na sua missão, não se desfocando dos seus objetivos, melhor eliminará eventuais deturpações ou interpretações negativas da sua relevância.

3.7.

O CESE sustenta na generalidade a proposta de regulamento da Comissão, designadamente os objetivos (art.o 2.o), as atribuições (art.o 5.o), as informações sobre a mobilidade laboral transfronteiriça (art.o 6.o), o acesso a serviços de mobilidade laboral transfronteiriça (art.o 7.o), a cooperação e troca de informações entre os Estados-Membros (art.o 8.o) e a cooperação em caso de perturbações do mercado de trabalho com incidência além-fronteiras (art.o 14.o), porque definem atribuições da AET que poderão contribuir para assegurar o cumprimento dos direitos laborais e sociais em condições de igualdade no país de acolhimento, a luta contra o dumping social, a promoção de uma concorrência sã entre as empresas e o combate à fraude na mobilidade transfronteiriça, problemas que os Estados-Membros, por si só, não conseguem solucionar.

3.8.

O CESE entende que estes objetivos e atribuições esclarecem as dúvidas legítimas levantadas sobre as funções efetivas e o papel da AET.

3.9.

O CESE considera que a ação da AET tem todas as condições para ser positiva, na medida em que contribuirá para prestar aos Estados-Membros e aos parceiros sociais um apoio operacional e técnico eficaz para combater as ilegalidades, os abusos e as fraudes na mobilidade laboral. O respeito dos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos à igualdade de tratamento, ao acesso a oportunidades de emprego e à segurança social será assegurado através da prestação de informações e serviços pertinentes aos trabalhadores e aos empregadores, da cooperação e troca de informações entre as autoridades nacionais, da realização de inspeções conjuntas e concertadas, da colaboração em caso de litígios e perturbação do mercado de trabalho com incidência além-fronteiras, tais como as reestruturações de empresas que afetam vários Estados-Membros.

3.10.

O CESE espera que a AET seja uma inspiração e incentive o aumento da capacidade das autoridades nacionais, designadamente nas inspeções de trabalho e no seu pessoal, bem como na prestação de informações e aconselhamento para ajudar as empresas e os trabalhadores europeus a conhecerem as regras aplicáveis em situações transfronteiriças.

3.11.

O CESE alerta para a importância das novas formas de trabalho resultantes das inovações tecnológicas e digitais nas empresas e no mercado de trabalho, as quais se refletem naturalmente nas situações de mobilidade transfronteiriça, pelo que a AET deverá ter em conta esta nova realidade.

3.12.

O CESE espera que as sinergias potenciais resultantes da concentração de experiências, capacidades e tarefas e da cooperação prevista no âmbito da AET se concretizem, evitando sobreposições e falta de clareza, uma vez que a AET:

3.12.1.

integrará várias estruturas existentes, designadamente a Rede Europeia de Serviços de Emprego (EURES), o Comité Técnico para a Livre Circulação de Trabalhadores, o Comité de Peritos sobre o Destacamento de Trabalhadores, a Comissão Técnica, a Comissão de Contas e o Comité de Conciliação da Comissão Administrativa para a Coordenação dos Sistemas de Segurança Social e a Plataforma Europeia para combater o Trabalho não Declarado;

3.12.2.

cooperará com as agências europeias existentes no domínio laboral (Cedefop (14), ETF (15), EU-OSHA (16), Eurofound (17), Comissão Administrativa para a Coordenação dos Sistemas de Segurança Social, Comité Consultivo para a Coordenação dos Sistemas de Segurança Social e Comité Consultivo para a Livre Circulação dos Trabalhadores).

3.12.3.

No entanto, o CESE deseja e espera que esta integração e cooperação reforçadas constituam um progresso efetivo em termos de eficácia e que as boas práticas e o trabalho existente nestes vários domínios não sejam prejudicados. O CESE regista os bons exemplos nos países do Benelux, na Plataforma contra o Trabalho não Declarado e na criação do cartão de identidade europeu no setor da construção civil. Estas iniciativas devem ser salvaguardadas e replicadas na medida do possível e, com base nelas, poderão ser lançadas outras iniciativas inovadoras da mesma natureza. Um exemplo deste tipo de iniciativas inovadoras é a criação do número europeu de segurança social, a concretizar na sequência da atualização em curso do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (18) e da conclusão dos trabalhos para o Intercâmbio Eletrónico de Informações de Segurança Social (EESSI).

3.13.

O CESE salienta a importância de a participação dos parceiros sociais estar prevista no funcionamento e governação da AET (art.o 24.o). No entanto, o CESE sublinha que a forma como está prevista esta participação é manifestamente insuficiente. O CESE espera que tal participação possa vir a ter condições efetivas para constituir um verdadeiro valor acrescentado para a solução dos problemas concretos da mobilidade laboral.

3.14.

O CESE entende que a AET deve respeitar o princípio da subsidiariedade e não poderá interferir com o funcionamento dos mercados de trabalho dos Estados-Membros, designadamente com os seus sistemas de relações industriais e de negociação coletiva, a todos os níveis, com a autonomia dos parceiros sociais e com os serviços de inspeções do trabalho.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE releva e apoia:

4.1.1.

A promoção de inspeções conjuntas e concertadas com as autoridades nacionais sempre que ocorram casos de incumprimento, fraude ou abuso, mas em conformidade com a legislação dos Estados-Membros em causa. Estas inspeções deverão ser feitas numa base voluntária, a fim de respeitar as competências dos Estados-Membros. Ainda assim, chama a atenção para o facto de que a eventual ausência de participação de um Estado-Membro — que deverá ser sempre fundamentada — pode pôr em causa a eficácia da ação da AET.

4.1.2.

Que a AET não tem o poder de iniciativa de realização de inspeções conjuntas e concertadas — o que incumbe às autoridades nacionais —, mas tem a capacidade de sugerir aos Estados-Membros a sua realização quando deteta casos de incumprimentos legais, abusos ou fraudes transfronteiriças.

4.1.3.

A assunção pela AET da responsabilidade pelo Portal Europeu da Mobilidade Profissional, em interação com o Portal Digital Único, no âmbito do Sistema de Informação do Mercado Interno (IMI) e do Intercâmbio Eletrónico de Informações de Segurança Social (EESSI).

4.1.4.

O reconhecimento e valorização pela AET da autonomia dos parceiros sociais e da negociação coletiva, particularmente, a importância da sua participação ativa na concretização dos seus próprios objetivos.

4.1.5.

A importância do apoio da AET, particularmente no campo informativo e técnico aos sindicatos e empresas e também em casos de conflitos laborais transfronteiriços, reconhecendo-lhes assim o papel fundamental que desempenham para o cumprimento da legislação.

4.1.6.

A realização pela AET da mediação em conflitos entre as autoridades nacionais, designadamente no âmbito de disputas na segurança social, devendo ser clarificado este processo.

4.1.7.

Que os agentes de ligação nacional, enquanto elo de ligação com os Estados-Membros, darão certamente uma maior eficácia à AET. No entanto, deverão ser esclarecidas as suas relações funcionais com os Estados-Membros de origem, não apenas com a administração mas também com os parceiros sociais nacionais.

4.1.8.

Que é fundamental assegurar a independência da AET através da atribuição de recursos próprios suficientes para o exercício das suas missões. No entanto, o CESE alerta para a eventual escassez de recursos da AET, que poderá pôr em risco a sua eficácia. Há também uma série de preocupações quanto à eficácia da AET em termos de custos, pelo que importa assegurar a boa gestão dos seus recursos.

4.2.

Quanto às funções atribuídas à AET, o CESE observa que:

4.2.1.

Os litígios entre as administrações nacionais no domínio da mobilidade laboral e da coordenação da segurança social poderão ser resolvidos pela mediação da AET, mediante pedido das autoridades nacionais dos Estados-Membros e de comum acordo com estas.

4.2.2.

A existência de tal mediação não poderá colocar em causa um eventual recurso por qualquer das partes implicadas para os órgãos jurisdicionais competentes.

4.2.3.

É necessário clarificar as interações e a cooperação da AET com as agências e outros organismos da UE relacionados com as questões do trabalho e com o cumprimento e aplicação da legislação.

4.2.4.

A criação da AET não deve aumentar os custos administrativos adicionais para as empresas e trabalhadores.

4.3.

O CESE, tendo presente a necessidade de concretizar os objetivos subjacentes à criação da AET, propõe que a proposta de regulamento da Comissão Europeia inclua:

4.3.1.

O esclarecimento da obrigação de os Estados-Membros cooperarem com a AET, fornecendo informações e assistência e disponibilizando o acesso às bases de dados nacionais, no âmbito da legislação, da segurança social e da fiscalidade. De igual modo deverá ser esclarecido como serão partilhados os custos pelos vários Estados-Membros, designadamente a nível das inspeções conjuntas.

4.3.2.

A exigência de que a ação da AET, através de uma relação estreita, se for caso disso, com a Europol e a Eurojust, contribua para combater a fraude.

4.3.3.

A alteração do artigo 24.o do regulamento, sobre a participação dos parceiros sociais, por ser manifestamente insuficiente, propondo-se que:

seja constituído um Conselho Consultivo da AET, em substituição do designado «Grupo de Partes Interessadas»;

a competência deste Conselho, para além do que já está definido no artigo citado, seja a de emitir parecer sobre o plano de atividades de mandato e anual, sobre o relatório de atividades e sobre a proposta do Conselho de Administração para a nomeação do diretor executivo;

a composição deste Conselho seja de 17 membros, 12 dos parceiros sociais europeus (incluindo os setores relevantes da construção civil, agricultura e transportes), 3 da Comissão, o presidente do Conselho de Administração, que presidirá ao Conselho Consultivo, e o diretor executivo;

este Conselho se reúna, no mínimo, três vezes por ano.

4.3.4.

A criação pela AET de uma base de dados com as informações fornecidas pelos Estados-Membros, atualizada, com as empresas que cometam ilegalidades na mobilidade transfronteiriça.

4.3.5.

A participação da AET na introdução do número europeu de segurança social, embora o poder de iniciativa nesta matéria incumba à Comissão.

4.3.6.

A elaboração pela AET de um Relatório Anual sobre a Mobilidade Transfronteiriça, que avalie os riscos e potencialidades, em particular nas áreas geográficas e/ou setores mais vulneráveis.

Bruxelas, 20 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  SWD(2018) 68 final, p. 7.

(2)  População em risco de pobreza e de exclusão social, 2016 (Eurostat, 2018).

(3)  COM(2018) 131 final, p. 1.

(4)  COM(2018) 131 final, p. 1 e 2, 2015/2255(INI), 2013/2112(INI), 2016/2095(INI).

(5)  COM(2018) 131 final, p. 2.

(6)  O discurso sobre o estado da União de 2017 está disponível em: https://ec.europa.eu/commission/state-union-2017_pt.

(7)  JO C 75 de 10.3.2017, p. 81; JO C 264 de 20.7.2016, p. 11; JO C 345 de 13.10.2017, p. 85; JO C 197 de 8.6.2018, p. 45.

(8)  COM(2017) 250, p. 4.

(9)  De acordo com a Convenção n.o 81 da OIT, o número recomendado é de 1 inspetor por cada 10 mil trabalhadores nas economias de mercado industrializadas (OIT, 297.a reunião, novembro de 2006).

(10)  COM(2018) 131 final.

(11)  A Comissão Europeia enumera estes desafios da seguinte forma: casos de dumping social, não aplicação da legislação em vigor e as práticas fraudulentas nas situações transfronteiriças; informação, apoio e orientações inadequados para trabalhadores e empregadores em situações transfronteiriças ao nível dos direitos e obrigações; insuficiente acesso e partilha de informações entre as autoridades nacionais responsáveis por diferentes domínios da mobilidade laboral e da coordenação da segurança social; capacidade insuficiente das autoridades nacionais de organizar a cooperação com as autoridades de outros Estados-Membros; fragilidade e falta de mecanismos de ação transfronteiriça para impor a aplicação e o cumprimento da legislação; falta de um mecanismo de mediação transfronteiriça entre Estados-Membros em todos os domínios da mobilidade laboral e da coordenação da segurança social.

(12)  COM(2018) 131 final.

(13)  SWD(2018) 68 final e SWD (2018) 69 final, capítulo B.

(14)  Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional.

(15)  Fundação Europeia para a Formação.

(16)  Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho.

(17)  Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho.

(18)  JO L 166 de 30.4.2004, p.1, retificação JO L 200 de 7.6.2004, p. 1.


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 39.o, n.o 2, do Regimento):

Ponto 1.1

Alterar.

1.1.

A situação do mercado de trabalho transfronteiriço apresenta problemas importantes para as empresas, para os trabalhadores e para os Estados-Membros, em particular concorrência desleal, dumping social e ilegalidades e fraudes diversas a nível fiscal e da segurança social. Também a insuficiente informação para empresas e trabalhadores, a fraca cooperação entre os Estados-Membros e a pouca capacidade da generalidade das inspeções de trabalho agudizaram os problemas e conflitos existentes. Apesar de algumas medidas terem sido tomadas, as instituições da UE, o presidente da Comissão, o CESE, os parceiros sociais e organizações da sociedade civil têm-se pronunciado sobre a necessidade de se fazer mais e melhor para ultrapassar esta situação.

Resultado da votação

Votos a favor:

93

Votos contra:

124

Abstenções:

13

Ponto 3.7

Alterar.

3.7.

O CESE sustenta na generalidade a proposta de regulamento da Comissão, designadamente os objetivos (art.o 2.o), as atribuições (art.o 5.o), as informações sobre a mobilidade laboral transfronteiriça (art.o 6.o), o acesso a serviços de mobilidade laboral transfronteiriça (art.o 7.o), a cooperação e troca de informações entre os Estados-Membros (art.o 8.o) e a cooperação em caso de perturbações do mercado de trabalho com incidência além-fronteiras (art.o 14.o), porque definem atribuições da AET que poderão contribuir para assegurar o cumprimento dos direitos laborais e sociais em condições de igualdade no país de acolhimento, a luta contra as práticas ilegais o dumping social, a existência duma concorrência sã entre as empresas e o combate à fraude na mobilidade transfronteiriça, problemas que os Estados-Membros, por si só, não conseguem solucionar.

Resultado da votação

Votos a favor:

96

Votos contra:

121

Abstenções:

11


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/135


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de recomendação do Conselho relativa ao acesso à proteção social dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria»

[COM(2018) 132 final]

(2018/C 440/22)

Relatora:

Giulia BARBUCCI

Consulta

Comissão Europeia, 14.5.2018

Base jurídica

Artigo 292.o em conjugação com o artigo 153.o, n.o 1, alínea c), e n.o 2, terceiro parágrafo, e o artigo 352.o do TFUE

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

19.7.2018

Adoção em plenária

20.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

148/39/32

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE, em conformidade com os instrumentos internacionais fundamentais, considera que todas as pessoas devem ter direito a uma vida digna, à proteção social e à proteção contra todos os grandes riscos no trabalho e ao longo da vida, incluindo cuidados de saúde e o direito a uma reforma digna na velhice. Entende que, para esse objetivo, concorrerá uma cobertura adequada dos trabalhadores em formas atípicas de emprego e dos trabalhadores por conta própria, em consonância com os princípios definidos pelo Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que agora têm de se tornar realidade. Importa garantir o acesso e a contribuição desses trabalhadores em matéria de prestações de cuidados de saúde, licença de maternidade e licença parental, incapacidade e velhice.

1.2

O CESE recorda que o acesso aos sistemas de proteção social é um elemento fundamental na criação de sociedades mais justas e um elemento essencial de uma mão de obra produtiva, saudável e ativa. A restauração da sustentabilidade social (1) como um princípio na definição e execução das políticas da UE, com o objetivo mais alargado de criar condições de concorrência equitativas no domínio social, onde todos possam aceder à proteção social de acordo com as mesmas normas e em condições comparáveis, deve ser um objetivo comum das instituições a todos os níveis, da sociedade civil organizada e dos parceiros sociais.

1.3

O CESE recomenda aos Estados-Membros que apliquem a recomendação, se necessário, e comuniquem, através de planos de ação específicos baseados, nomeadamente, nas lacunas identificadas pela avaliação de impacto da Comissão Europeia (que apoia a recomendação) e com a plena participação dos parceiros sociais e da sociedade civil organizada.

1.4

O CESE congratula-se com os principais efeitos que se esperam da aplicação da recomendação, uma vez que serão benéficos para os cidadãos, os trabalhadores e as empresas: aumento da mutualização dos riscos, segurança de rendimentos, dinamismo do mercado de trabalho, produtividade acrescida, melhor afetação dos recursos e redução da insegurança e pobreza para os indivíduos, entre outros.

1.5

«O CESE considera que uma reforma geral do modo de financiamento do sistema pode constituir uma solução global para os problemas relacionados com o reconhecimento dos direitos em matéria de segurança social dos trabalhadores que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho. O CESE insta os Estados-Membros a procurarem soluções de financiamento que permitam assegurar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social e o acesso aos mesmos às pessoas que exercem uma atividade enquadrada nas novas formas de trabalho» (2).

1.6

O CESE recomenda que as iniciativas levadas a cabo no quadro da recomendação assegurem benefícios e disposições adequados, nomeadamente redes de segurança para aqueles que não têm possibilidade de atingir os limiares mínimos de direitos, em especial as pessoas que não podem trabalhar e respetivas famílias. O CESE lamenta que o rendimento de base tenha sido retirado da recomendação, tal como referido no documento de trabalho dos serviços da Comissão — Avaliação de Impacto (3). Já em 2013, o CESE apelou para a adoção de uma diretiva europeia que estabelecesse um rendimento mínimo europeu, considerando que tal «contribuiria para assegurar a coesão económica, social e territorial, proteger os direitos fundamentais dos cidadãos, garantir um equilíbrio entre os objetivos de ordem económica e de ordem social e redistribuir de forma equitativa os recursos e os rendimentos» (4).

1.7

O CESE entende que a idade e o género desempenham um papel significativo na exclusão de pessoas dos regimes de proteção social: estes fatores devem ser tidos especialmente em conta aquando da definição das ações a empreender no âmbito da recomendação.

1.8

O CESE observa que a eficácia na cobertura e no acesso aos sistemas deve ser assegurada e mantida, sobretudo nos casos em que a ação a nível nacional está definida e aplicada; a transferibilidade dos direitos sociais deve ser tida em conta quando os indivíduos transitam entre diferentes relações de trabalho no mercado laboral e entre regimes e agregações de direitos.

1.9

O CESE considera que a complexidade regulamentar e outros aspetos administrativos devem ser abordados por forma a garantir total transparência, a fim de aumentar a sensibilização e o conhecimento das pessoas relativamente às suas obrigações e direitos; este propósito também poderá ser alcançado através de uma maior qualidade dos dados estatísticos (desagregados por tipo de relação de trabalho, idade, género, grau de incapacidade, nacionalidade, etc.).

2.   Introdução

2.1

A recomendação relativa à proteção social é uma das iniciativas empreendidas pela Comissão ao abrigo do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. A recomendação e os seus princípios orientadores são consentâneos e coerentes com vários dos vinte princípios fundamentais do Pilar e do documento de trabalho dos serviços da Comissão que o acompanha. Em especial, o princípio 12 do Pilar determina que independentemente do tipo e da duração da sua relação de trabalho, os trabalhadores por conta de outrem e, em condições comparáveis, os trabalhadores por conta própria, têm direito a uma proteção social adequada (5).

2.2

O principal objetivo da iniciativa é conceder a todos os trabalhadores, e em especial aos trabalhadores com formas atípicas de trabalho e por conta própria, acesso concreto e efetivo a medidas de proteção social. A iniciativa visa igualmente apoiar e complementar a ação dos Estados-Membros destinada a colmatar lacunas e a assegurar que todas as pessoas que trabalham têm acesso, em condições justas e proporcionais, à proteção social e do emprego, independentemente da sua situação profissional (6).

2.3

Em primeiro lugar, a recomendação tem como objetivo «eliminar ou reduzir os obstáculos que impedem os sistemas de proteção social de proporcionar aos cidadãos uma proteção social adequada, independentemente do seu tipo de relação de trabalho ou situação no emprego, respeitando simultaneamente as competências dos Estados-Membros no que respeita à conceção dos respetivos sistemas de proteção social» (7).

2.4

A recomendação visa igualmente assegurar que um nível de proteção social adequado se encontra acessível a todos: «os limiares temporais e de rendimento (períodos de carência, períodos de espera, períodos de trabalho mínimos, duração das prestações) podem constituir um obstáculo demasiado importante ao acesso à proteção social para alguns grupos de trabalhadores com contratos atípicos e os trabalhadores por conta própria» (8).

2.5

O CESE lamenta que o rendimento de base tenha sido afastado da recomendação do Conselho. A OCDE afirma num estudo recente (9) que, tendo em conta a rápida evolução do mercado de trabalho, as discussões em curso sobre um rendimento básico conferem, todavia, um valioso impulso ao tipo de proteção social que as sociedades desejam. O CESE afirmou (10) anteriormente que o «estabelecimento de um rendimento mínimo europeu contribuiria para assegurar a coesão económica, social e territorial, proteger os direitos fundamentais dos cidadãos, garantir um equilíbrio entre os objetivos de ordem económica e de ordem social e redistribuir de forma equitativa os recursos e os rendimentos»; apelou também para a adoção de uma diretiva-quadro e para a «[análise das] possibilidades de financiamento de um rendimento mínimo europeu»;

2.6

As medidas e os princípios enunciados na recomendação têm como finalidade, por um lado, garantir o acesso à proteção social para todos os trabalhadores (e em especial para os trabalhadores em formas atípicas de emprego e os trabalhadores por conta própria) e, por outro, velar por que seja garantida uma proteção social adequada em todas as circunstâncias.

2.7

Os parceiros sociais europeus e nacionais abordaram de forma circunstanciada a questão da garantia de um acesso adequado à proteção social a todos os trabalhadores, em acordos, declarações conjuntas e negociações coletivas nacionais anteriores. Por exemplo, nos preâmbulos dos acordos dos parceiros sociais europeus relativos aos contratos de trabalho a termo e ao trabalho a tempo parcial, assinala-se a necessidade de assegurar a adaptação dos regimes de proteção social à evolução das formas de emprego flexíveis. No seu programa de trabalho para 2015-2016 (11), os parceiros sociais europeus assinalaram a necessidade de garantir a sustentabilidade e a acessibilidade dos sistemas de proteção social para todos os cidadãos.

2.8

Os parceiros sociais europeus haviam expressado preocupações na sua análise aprofundada do emprego, negociada em 2015 (12), na qual recomendaram que os Estados-Membros e a Comissão Europeia melhorassem a sua cooperação com vista a combater a corrupção e a fraude e evasão fiscais, que têm um efeito prejudicial nos sistemas de previdência social, nas empresas responsáveis e nos cidadãos. Além disso, recomendaram aos Estados-Membros que procedessem a uma análise das deficiências ao nível da sustentabilidade e adequação dos seus sistemas de proteção social, em colaboração com os parceiros sociais, e desenvolvessem esforços para garantir que esses sistemas continuem a satisfazer as necessidades das pessoas no futuro, em particular as mais vulneráveis e em risco de exclusão social (13).

3.   Observações na generalidade: contexto

3.1

Um mundo do trabalho em mudança: a digitalização, a evolução demográfica, a transição energética, a globalização e o aparecimento de novas formas de trabalho podem representar oportunidades e desafios para os governos, a sociedade civil organizada e os parceiros sociais.

3.2

Mercados de trabalho em mudança: as reformas estruturais dos mercados de trabalho conduziram à sua diversificação, e atualmente, em determinados Estados-Membros, algumas modalidades contratuais estão excluídas das medidas básicas de proteção social. Há uma diversidade crescente de modalidades contratuais e diferenças nacionais significativas em termos de contexto e sistemas: em 2016, 14 % das pessoas empregadas na UE eram-no por conta própria, 8 % eram trabalhadores temporários a tempo inteiro, 4 % eram trabalhadores temporários a tempo parcial e 13 % eram trabalhadores permanentes a tempo parcial (14).

3.3

Existem diferentes sistemas de proteção social nos diversos países, embora todos enfrentem desafios semelhantes: transformação do mercado de trabalho e alterações na legislação, envelhecimento da mão de obra e tendência para aumentar a idade legal de reforma, baixa participação dos jovens e das mulheres nos mercados de trabalho do ponto de vista qualitativo e quantitativo, inclusão de pessoas mais afastadas/com maior probabilidade de permanecer excluídas do mercado de trabalho, digitalização e novas formas de trabalho. Alguns sistemas de proteção social são construídos de forma que as contribuições para a segurança social fazem parte do salário do trabalhador. Esta questão deve também ser tomada em consideração na resposta a estes novos desafios.

3.4

Afigura-se essencial avaliar o impacto do género relativamente ao acesso e permanência no mercado de trabalho, bem como à inclusão/exclusão do acesso à proteção social. Juntamente com os jovens e os migrantes, as mulheres estão muitas vezes sobrerrepresentadas nas novas formas de trabalho (15), com repercussões sobre os direitos a prestações de proteção social.

3.5

A idade também é um fator importante no acesso à proteção social: as gerações mais novas tendem a estar mais sujeitas a formas de trabalho atípicas («[a] proporção de trabalhadores jovens entre os 20-30 anos em modalidades contratuais temporárias ou que se encontram “noutra situação ou sem contrato” é duas vezes a dos outros grupos etários» (16)). Os períodos de transição entre o ensino e as formas de emprego convencionais tornaram-se mais longos e podem ter efeitos negativos a longo prazo, quer no acesso à proteção social quer nos direitos futuros associados a pensões, inclusivamente devido à fragmentação extrema do percurso profissional (17).

3.6

As lacunas no acesso à proteção social decorrentes da situação no emprego e do tipo de relação de trabalho podem levar a que as pessoas se sintam menos inclinadas a aproveitar oportunidades de mudança de uma situação para outra no mercado de trabalho se essa transição implicar a perda de direitos e, em última análise, podem resultar num crescimento menor da produtividade do trabalho. Como tal, podem também travar o empreendedorismo e obstar à competitividade e ao crescimento sustentável.

3.7

Essas lacunas podem ainda dar origem a abusos das diferentes situações de emprego e gerar uma concorrência desleal entre as empresas que continuam a contribuir para a proteção social e as que não o fazem.

3.8

A longo prazo, é a sustentabilidade económica e social dos sistemas nacionais de proteção social que está em jogo, sobretudo tendo em conta as tendências demográficas e taxas de desemprego atuais.

4.   Observações na especialidade: síntese da recomendação

4.1

O CESE assinala que já foi adotada legislação a nível europeu para tentar colmatar as lacunas dos sistemas de proteção social [nomeadamente a Diretiva 2010/41/UE, a Diretiva 2014/50/UE e a Diretiva (UE) 2016/2341], mas, como mostram as conclusões preliminares — sobre a Diretiva 2010/41/UE, por exemplo –, não assegurou em alguns casos o acesso efetivo à proteção social dos trabalhadores por conta própria (18).

4.2

O Comité observa igualmente que a Comissão Europeia, na Análise Anual do Crescimento 2018, insiste em que a substituição de rendimento através da proteção social é fundamental para reduzir as desigualdades e promover a coesão social e o crescimento inclusivo (19).

4.3

Em termos gerais, o número de trabalhadores por conta própria na Europa diminuiu (20) ligeiramente nos últimos anos. Uma das razões subjacentes a esta realidade é a insuficiência/ausência de um nível de proteção destes trabalhadores em caso de doença, para além de existirem outras razões ligadas à vida pessoal (maternidade, paternidade, cuidados familiares, etc.) Assim, um nível de proteção adequado poderá levar a mais e melhor trabalho por conta própria. Não obstante, é absolutamente crucial que as instituições, a todos os níveis, combatam todas as formas do falso trabalho por conta própria, incluindo a nível transnacional.

4.4

O CESE acolhe e apoia, a este respeito, a decisão incluída na recomendação de ir mais longe do que inicialmente proposto na avaliação de impacto, ou seja, de recomendar «[o] alarga[mento da] cobertura formal com caráter obrigatório a todos os trabalhadores» e «assegurar que os trabalhadores por conta própria têm acesso à proteção social, alargando a cobertura formal […] [c]om caráter obrigatório, pelas prestações por doença de cuidados de saúde, maternidade/paternidade, velhice e invalidez, assim como das prestações por acidentes de trabalho e doenças profissionais[,] [e] [c]om caráter voluntário, pelas prestações por desemprego». O CESE considera que os baixos níveis de adesão a regimes voluntários, quando estes existem, dos trabalhadores por conta própria (menos de 1 % a 20 %), justificam uma ação reforçada no sentido de promover uma cobertura e uma proteção mais alargadas.

4.5

As medidas que visam uma cobertura plena dos trabalhadores por conta própria são, por conseguinte, de louvar. Abrangidos estão, se necessário, os cônjuges colaboradores, ou seja, sempre que o cônjuge ou parceiro trabalha por conta própria e o cônjuge colaborador contribui regular e ativamente para a atividade do trabalhador independente de forma que essa possa ser considerada a atividade principal do cônjuge colaborador.

4.6

Todos os cidadãos devem ter acesso a sistemas de proteção social capazes de proporcionar benefícios adequados. Estes sistemas podem basear-se num sistema de impostos e/ou seguros, para o qual as pessoas pagam contribuições equitativas e proporcionais à sua capacidade (ou delas estão isentas), obtendo benefícios em função das suas necessidades, pelo menos no que se refere a um nível mínimo adequado de assistência e a uma rede de segurança de recurso.

4.7

A sustentabilidade e o financiamento do acesso a uma proteção social adequada que acompanhe as mudanças nos mercados de trabalho (21) devem ser assegurados a bem da inclusão, adequação, justiça e igualdade numa perspetiva mais vasta de crescimento social e económico.

4.8

As medidas adotadas a nível europeu e nacional devem ser concebidas atempadamente para lograr a igualdade de tratamento e oportunidades: a despesa pública social na Europa é parte integrante do modelo social europeu; a Europa sempre foi um continente muito atrativo pelo elevado nível de segurança social em comparação com outras regiões do mundo.

4.9

Os sistemas de proteção social devem basear-se na solidariedade e na igualdade e não permitir qualquer discriminação com base em diferentes condições ou antecedentes pessoais e/ou situações profissionais.

4.10

A definição de medidas de proteção social para pessoas com deficiência deve seguir uma abordagem baseada nos direitos humanos, à luz da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. As pessoas com deficiência que não podem trabalhar e as respetivas famílias devem ser protegidas contra o risco de pobreza e ter garantido um nível de vida digno (22).

4.11

O CESE solicita a plena aplicação da recomendação em apreço pelos Estados-Membros, para que os trabalhadores em formas atípicas de emprego e os trabalhadores por conta própria passem a beneficiar de uma melhor proteção. Os sistemas de proteção social devem ser (re)estruturados para se tornarem cada vez mais inclusivos, em linha também com as recomendações da Análise Anual do Crescimento 2018, segundo as quais «[u]ma melhor complementaridade entre o mercado de trabalho e os sistemas de integração social ajudará todos os grupos vulneráveis, gerará uma maior prosperidade para todos e reforçará a coesão social».

4.12

O combate à concorrência desleal na União Europeia e a adoção de medidas contra o trabalho não declarado (em conformidade também com as medidas tomadas pela Plataforma Europeia contra o trabalho não declarado) beneficiarão as empresas, na medida em que o aumento da proteção social e a redução da concorrência desleal podem ter um impacto positivo na produtividade.

4.13

O acesso universal aos cuidados de saúde é outro elemento essencial da recomendação, em consonância com o princípio 16 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (23). Tal como demonstrado pela avaliação de impacto da Comissão, em alguns países, devido às modalidades contratuais ou à regulamentação do mercado de trabalho, os trabalhadores em formas atípicas de emprego e os trabalhadores por conta própria podem confrontar-se com um acesso limitado aos cuidados de saúde. A prestação de cuidados de saúde a todas as pessoas que trabalham por conta de outrem ou por conta própria deve ser obrigatória.

4.14

O CESE saúda igualmente o anunciado reforço da cooperação com o Eurostat, com vista a criar indicadores adequados para registar os progressos realizados em termos de cobertura formal, eficácia da cobertura e transparência, etc., bem como o trabalho que a Comissão encetará no Comité da Proteção Social para estabelecer um quadro de referência para a proteção social. Tal contribuirá para superar a falta de uma base de dados sólida e incentivará uma avaliação mais precisa do impacto das políticas implementadas no contexto da recomendação.

Bruxelas, 20 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 237 de 6.7.2018, p. 1.

(2)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 7.

(3)  Documento de trabalho dos serviços da Comissão — Avaliação de impacto que acompanha o documento.

(4)  JO C 170 de 5.6.2014, p. 23.

(5)  JO C 125 de 21.4.2017, p. 10.

(6)  Ver também a Recomendação 202 da OIT, que proporciona orientações no sentido de estabelecer e manter normas mínimas de proteção social como elemento fundamental dos seus sistemas nacionais de segurança social.

(7)  Ver proposta de recomendação relativa à proteção social, páginas 8 e 9, página 16, segundo parágrafo, página 17, considerando 4, página 26, n.os 8 e 10.

(8)  Ver proposta de recomendação relativa à proteção social, página 20, considerando 18.

(9)  Basic income as a policy option: Technical Background Note Illustrating costs and distributional implications for selected countries [Rendimento básico como opção estratégica: Nota de informação técnica que ilustra os custos e os efeitos distributivos para certos países], OCDE, 2017.

(10)  JO C 170 de 5.6.2014, p. 23.

(11)  http://resourcecentre.etuc.org/EU-social-dialogue-5.html

(12)  In-depth employment analysis [Análise aprofundada do emprego], 2015 — CES, BusinessEurope, CEEP, UEAPME.

(13)  Ver nota n.o 12.

(14)  Eurostat, 2016.

(15)  ILO: INWORK Issue Brief No 9, May 2017 [OIT: Nota Informativa n.o 9 do INWORK, maio de 2017].

(16)  Ver proposta de recomendação relativa à proteção social, página 3.

(17)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 15.

(18)  Ver C. Barnard e A. Blackham (2015), «The implementation of Directive 2010/41 on the application of the principle of equal treatment between men and women engaged in an activity in a self-employed capacity» [A implementação da Diretiva 2010/41/UE relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente], relatório da Rede Europeia de Peritos Jurídicos no Domínio da Igualdade de Género encomendado pela Direção-Geral da Justiça da Comissão Europeia; ver proposta de recomendação do Conselho relativa ao acesso à proteção social dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria, página 10.

(19)  Semestre Europeu de 2018: Análise Anual do Crescimento.

(20)  Ver: The many faces of self-employment in Europe [As múltiplas faces do trabalho independente na Europa], Eurofound.

(21)  Ver o documento de posição da BusinessEurope intitulado «Council Recommendation on access to social protection» [Recomendação do Conselho relativa ao acesso à proteção social], página 1, ponto 1 (19 de abril de 2018).

(22)  Ver: Resolution to promote employment & social inclusion of persons with disabilities [Resolução com vista à promoção do emprego e da inclusão social das pessoas com deficiência], Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência, 6 de novembro de 2017 http://www.edf-feph.org/newsroom/news/social-pillar-edf-adopts-resolution-promote-employment-social-inclusion-persons.

(23)  Princípio 16 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais: «Todas as pessoas têm direito a aceder, em tempo útil, a cuidados de saúde preventivos e curativos de qualidade e a preços comportáveis».


ANEXO

As seguintes propostas de alteração aos pontos 1.6 e 2.5 foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 1.6

Alterar.

1.6

O CESE recomenda que as iniciativas levadas a cabo no quadro da recomendação assegurem benefícios e disposições adequados , nomeadamente redes de segurança para aqueles que não têm possibilidade de atingir os limiares mínimos de direitos, em especial as pessoas que não podem trabalhar e respetivas famílias. O CESE observa lamenta que o rendimento de base tenha sido foi retirado da recomendação, tal como referido no documento de trabalho dos serviços da Comissão — Avaliação de Impacto (1) , por uma série de motivos, incluindo os critérios de cobertura e uma preferência por resolver os problemas existentes no âmbito dos atuais sistemas de segurança social nos Estados-Membros. Congratula-se, todavia, com os debates em curso nos Estados-Membros sobre o rendimento de base e outras redes de segurança destinadas a assegurar a inclusão ativa no mercado de trabalho e na sociedade em geral . Já em 2013, o CESE apelou para a adoção de uma diretiva europeia que estabelecesse um rendimento mínimo europeu, considerando que tal «contribuiria para assegurar a coesão económica, social e territorial, proteger os direitos fundamentais dos cidadãos, garantir um equilíbrio entre os objetivos de ordem económica e de ordem social e redistribuir de forma equitativa os recursos e os rendimentos» (2).

Justificação

Será apresentada oralmente.

Resultado da votação

Votos a favor:

91

Votos contra:

112

Abstenções:

10

Ponto 2.5

Alterar.

2.5

O CESE observa que o rendimento de base foi retirado da recomendação do Conselho, tal como referido no documento de trabalho dos serviços da Comissão — Avaliação de Impacto, por uma série de motivos, incluindo os critérios de cobertura e uma preferência por resolver os problemas existentes no âmbito dos atuais sistemas de segurança social nos Estados-Membros. O CESE lamenta que o rendimento de base tenha sido afastado da recomendação do Conselho. A OCDE afirma num estudo recente que, tendo em conta a rápida evolução do mercado de trabalho, as discussões em curso sobre um rendimento básico conferem, todavia, um valioso impulso ao tipo de proteção social que as sociedades desejam. O CESE afirmou anteriormente que o «estabelecimento de um rendimento mínimo europeu contribuiria para assegurar a coesão económica, social e territorial, proteger os direitos fundamentais dos cidadãos, garantir um equilíbrio entre os objetivos de ordem económica e de ordem social e redistribuir de forma equitativa os recursos e os rendimentos»; apelou também para a adoção de uma diretiva-quadro e para a «[análise das] possibilidades de financiamento de um rendimento mínimo europeu»;

Justificação

O âmbito de aplicação da recomendação não cobre as prestações mínimas de subsistência, centrando-se sobretudo em facilitar o acesso à segurança social para os grupos de trabalhadores em princípio não abrangidos pelos sistemas de segurança social dos Estados-Membros. Por conseguinte, não há razão para se lamentar a supressão do conceito de rendimento de base da proposta da Comissão. O CESE poderia, no entanto, tomar nota dos debates em curso neste domínio nos Estados-Membros e noutras instâncias, como a OCDE. No que diz respeito ao anterior parecer do CESE sobre o rendimento mínimo, também deveria haver uma ligação para a declaração do Grupo dos Empregadores, de modo a deixar claro a divergência de pontos de vista sobre este assunto. A referência à declaração do Grupo dos Empregadores foi já utilizada nos pareceres do CESE SOC/542 (Pilar Europeu dos Direitos Sociais) e SOC/564 (Impacto da dimensão social e do Pilar Europeu dos Direitos Sociais no futuro da UE).

Resultado da votação

Votos a favor:

92

Votos contra:

113

Abstenções:

13


(1)  Documento de trabalho dos serviços da Comissão — Avaliação de impacto que acompanha o documento.

(2)  JO C 170 de 5.6.2014, p. 23.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/142


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Adaptar a política comum de vistos aos novos desafios»

[COM(2018) 251 final]

e a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 810/2009 que estabelece o Código Comunitário de Vistos (Código de Vistos)»

[COM(2018) 252 final — 2018/0061 (COD)]

(2018/C 440/23)

Relator:

Ionuț SIBIAN

Consulta

Parlamento Europeu, 16.4.2018

Conselho, 2.5.2018

Comissão, 18.6.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do TFUE

 

 

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

19.7.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

168/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE reconhece que o Código de Vistos é um elemento fulcral da política comum de vistos, estabelecendo um conjunto comum de disposições legais e instruções operacionais.

1.2.

O CESE apoia os procedimentos harmonizados propostos e as condições estabelecidas pelo Código de Vistos, permitindo a eliminação de situações em que casos semelhantes são tratados de forma diferente pelos Estados-Membros da UE, ao mesmo tempo que se permite um tratamento diferenciado com base no «historial de vistos». Reputa igualmente necessário envidar esforços para criar vias de recurso harmonizadas nos casos de recusa de visto.

1.3.

O CESE congratula-se com a solução de harmonização para os vistos de entradas múltiplas, que permitem aos seus titulares viajar repetidamente para a UE durante o período de validade do visto, uma vez que tal pode contribuir para o crescimento económico, o desenvolvimento e os intercâmbios culturais e sociais, bem como para aumentar o apoio e a compreensão entre as pessoas.

1.4.

Os vistos de entrada única a emitir nas fronteiras externas, introduzidos pelo Código de Vistos para promover o turismo de curta duração, dão conta da abordagem flexível e pragmática adotada pelos Estados-Membros e que o CESE preconiza no contexto de uma série de outros aspetos relacionados com a emissão de vistos, a fim de assegurar a disponibilidade de serviços de balcão único.

1.5.

Tendo em conta que a União Europeia deve prosseguir de forma proativa a observância de uma reciprocidade plena em termos de vistos nas suas relações com países terceiros, o CESE exorta a Comissão a realizar uma consulta célere e a propor um conjunto claro de propostas exequíveis que visem a simplificação e a segurança.

1.6.

Não obstante, o CESE apoia em pleno a proposta segundo a qual a Comissão deve, antes de tomar qualquer decisão de suspender temporariamente a isenção da obrigação de visto para nacionais de um país terceiro, ter em conta a situação dos direitos humanos no país terceiro em causa e as possíveis consequências da suspensão da isenção da obrigação de visto para essa situação.

1.7.

Ao mesmo tempo, o CESE recomenda que se envidem todos os esforços para recolher dados credíveis, pertinentes e uniformes/comparáveis (tanto quanto possível) no que respeita aos países terceiros e a situações que permitam aos Estados-Membros decidir suspender temporariamente a isenção da obrigação de visto a nacionais de um país terceiro referido no anexo II do regulamento, que elenca os países terceiros cujos nacionais devem estar na posse de um visto ao atravessar as fronteiras externas e os nacionais que estão isentos de tal exigência.

1.8.

O CESE recomenda prudência na tomada de decisão sobre a revisão em alta, a intervalos regulares (de dois anos), da proposta de emolumentos cobrados pelo tratamento de um pedido de visto. Esta revisão não deve ser automática, atendendo a que o custo proposto já é elevado quando comparado com o nível de crescimento/desenvolvimento de alguns dos países terceiros em causa.

1.9.

O CESE é a favor das alterações no Código de Vistos relacionadas com a possibilidade adicional de preenchimento e assinatura do formulário de pedido de visto por via eletrónica, a fim de acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Ao mesmo tempo, exorta todos os Estados-Membros a serem favoráveis à apresentação dos pedidos de visto em linha e a diligenciarem devidamente nesse sentido; solicita igualmente à Comissão que inclua ou apresente um prazo realista para a adoção generalizada dos pedidos de visto em linha por parte dos Estados-Membros.

1.10.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão de eliminar o princípio da «comparência pessoal» para a apresentação de um pedido, para além de apoiar e preconizar regras e regulamentos que permitam a apresentação em linha de pedidos de visto. Em seu entender, importa privilegiar a possibilidade de apresentar pedidos de visto do modo mais conveniente e expedito a partir do local de residência do requerente de visto — incluindo uma utilização mais alargada de prestadores de serviços externos, se necessário, e a prestação de serviços de representação mais eficazes –, bem como reforçar a cooperação entre as missões diplomáticas dos Estados-Membros da UE.

1.11.

O CESE recomenda que a Comissão reveja as atuais categorias de requerentes que beneficiam de isenção de visto e que as defina de forma mais clara. Recomenda, além disso, que se pondere a possibilidade de oferecer a isenção de pagamento dos emolumentos a idosos e a representantes de organizações sem fins lucrativos que participem em seminários, conferências, atividades desportivas, eventos culturais ou educativos organizados por organizações sem fins lucrativos, independentemente da sua idade, ou que, pelo menos, se considere aumentar o limite de idade.

1.12.

Uma vez que «[o] disposto no presente regulamento aplica-se a todos os nacionais de países terceiros que devam possuir um visto quando atravessam as fronteiras externas dos Estados-Membros […], sem prejuízo: dos direitos de livre circulação de que beneficiam os nacionais de países terceiros que são familiares de cidadãos da União», o CESE gostaria de salientar a importância de estabelecer uma prática comum para evitar a discriminação relativa à definição de «elos familiares», atendendo aos desenvolvimentos recentes nos Estados-Membros da UE no atinente à definição de família.

2.   Observações gerais

2.1.

O CESE toma nota da comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a necessidade de adaptar a política comum de vistos aos novos desafios e, nessa ótica, apoia as duas propostas de regulamento relativas ao Código Comunitário de Vistos e à fixação da lista dos países terceiros cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de visto para transporem as fronteiras externas e da lista dos países terceiros cujos nacionais estão isentos dessa obrigação.

2.2.

Por conseguinte, o CESE reconhece que o Código de Vistos produz efeitos que vão além do objetivo de estabelecer disposições legais e procedimentos relativos ao pedido comuns e, além de facilitar as viagens realizadas de forma legal e combater a imigração clandestina, tem efeitos no crescimento económico e na criação de emprego, embora esse não fosse um dos objetivos iniciais do Código de Vistos. Em 2017, registaram-se 16,1 milhões de pedidos de visto uniforme apresentados nos consulados dos Estados Schengen, uma tendência que está a aumentar. Deste número total de pedidos, em mais de metade dos casos emitiram-se vistos de entradas múltiplas, enquanto o número de vistos não emitidos foi de 1,3 milhões, o que representa 8 % do total de pedidos (1).

2.3.

O CESE saúda as alterações propostas destinadas a facilitar o tratamento dos vistos para os requerentes e os consulados, nomeadamente: a possibilidade de apresentar um pedido seis meses antes da viagem pretendida (e nove meses no caso dos marítimos), as clarificações e o alargamento das categorias de sujeitos que podem apresentar um pedido em nome do requerente e a harmonização dos documentos comprovativos. Além disso, congratula-se com a observância do princípio de que um requerente se deve ter de dirigir a um único local para apresentar um pedido.

2.4.

No entanto, o CESE também reconhece que o acesso aos consulados continua a ser problemático, em particular nos países terceiros onde a representação da maioria dos Estados-Membros se encontra apenas e só na capital, obrigando os requerentes a suportar os custos (em termos de tempo e dinheiro) associados às deslocações de longa distância necessárias para chegar ao consulado. Por conseguinte, o CESE acolhe favoravelmente a proposta de eliminar o princípio da «comparência pessoal» para a apresentação de um pedido e apela aos Estados-Membros para que efetuem as adaptações necessárias com vista à apresentação de pedidos de visto em linha. Congratula-se, além disso, com todos os tipos de medidas introduzidas para apresentar os pedidos de visto do modo mais conveniente e expedito a partir do local de residência do requerente de visto — incluindo uma utilização mais alargada de prestadores de serviços externos, se necessário, e a prestação de serviços de representação mais eficazes –, bem como para reforçar a cooperação entre as missões diplomáticas dos Estados-Membros da UE.

2.5.

Tendo em conta a recente entrada em vigor das novas regras relativas à proteção e privacidade dos dados (Regulamento geral sobre a proteção de dados), o CESE reafirma a necessidade de se dispor de prestadores de serviços externos para assegurar a capacidade de respeitar/garantir a segurança dos dados pessoais recolhidos. Os Estados-Membros devem tomar todas as medidas necessárias para garantir que as empresas que disponibilizam serviços de vistos (a nacionais europeus ou a não europeus para vistos europeus) adotam as alterações necessárias nas suas políticas de proteção de dados de molde a respeitar o regulamento.

2.6.

O CESE reputa positivas as medidas relativas aos novos prazos mais curtos para apresentar e decidir sobre os pedidos de visto, bem como à harmonização da possibilidade de emitir vistos uniformes (em particular no atinente à decisão de emitir vistos de entradas múltiplas). Também acolhe favoravelmente a proposta de novo artigo 25.o, alínea a), relativo à cooperação em matéria de readmissão, destinado a aumentar a cooperação com os países terceiros na readmissão de migrantes irregulares, criando a possibilidade de introduzir um pedido restritivo e temporário de medidas claramente especificadas. Há que definir uma abordagem harmonizada no tocante ao modo de facilitar o procedimento de pedido de visto para os requerentes que já viajaram para a UE anteriormente.

2.7.

O CESE reconhece a necessidade de garantir e viabilizar a coerência entre a política de vistos e os compromissos assumidos noutros domínios de intervenção (por exemplo, acordos comerciais). Dever-se-á adotar a solução geralmente aceite no que respeita aos acordos em matéria de isenção de vistos celebrados pelos Estados-Membros com determinados países terceiros. A União Europeia deve velar proativamente pela observância da plena reciprocidade em termos de vistos nas suas relações com países terceiros.

2.8.

Embora compreenda os motivos subjacentes à proposta de revisão do artigo 16.o do Código de Vistos, designadamente o aumento de um terço no valor dos emolumentos, o CESE está preocupado com os potenciais entraves que tal aumento poderá levantar para os nacionais de países terceiros cujo grau de desenvolvimento e nível de riqueza é consideravelmente inferior ao dos Estados-Membros. A comparação dos valores dos emolumentos com os custos de viagem e outros custos que os requerentes de visto têm de suportar não é favorável, dado que, hoje em dia, a generalização de soluções de viagem e alojamento de baixo custo podem conduzir a uma situação em que o custo total da viagem é inferior ou igual ao valor do emolumento.

2.9.

O CESE entende que a proposta de revisão do valor dos emolumentos de dois em dois anos deve prever a possibilidade da sua redução, com base na possibilidade de aplicação dos procedimentos de pedido de visto eletrónicos (o que poderá implicar menos custos de pessoal e administrativos para os Estados-Membros). Segundo a Comunicação da Comissão — Adaptar a política comum de vistos aos novos desafios, a maioria dos Estados-Membros tem em conta as vantagens da utilização de vistos digitais (nomeadamente, a redução dos custos para os consulados, bem como um procedimento de pedido eficiente e mais orientado para o cliente, em comparação com o sistema de base documental).

2.10.

Atendendo ao atual nível dos emolumentos e ao nível proposto, o CESE defende que se pondere a possibilidade de oferecer a isenção de pagamento dos emolumentos a representantes de organizações sem fins lucrativos que participem em seminários, conferências, atividades desportivas, eventos culturais ou educativos organizados por organizações sem fins lucrativos, independentemente da sua idade, ou que, pelo menos, se considere aumentar o limite de idade (a legislação atual toma em conta o fator idade — 25 anos de idade ou menos). Além disso, os idosos devem poder beneficiar de isenções a fim de apoiar a sua integração ativa na sociedade e de contribuir para o aumento da qualidade de vida.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Estatísticas em matéria de vistos para os consulados, 2017 (https://ec.europa.eu/home-affairs/what-we-do/policies/borders-and-visas/visa-policy#stats).


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/145


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2004/37/CE relativa à proteção dos trabalhadores contra riscos ligados à exposição a agentes cancerígenos durante o trabalho»

[COM(2018) 171 final — 2018/0081 COD]

(2018/C 440/24)

Relator:

János WELTNER

Consulta

Parlamento Europeu, 16.4.2018

Conselho, 23.4.2018

Base jurídica

Artigos 153.o, n.os 1 e 2, e 304, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Mesa

17.4.2018

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

19.7.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

191/4/11

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe com agrado a proposta de alteração da Diretiva relativa à proteção dos trabalhadores contra riscos ligados à exposição a agentes cancerígenos ou mutagénicos durante o trabalho (DCM), uma vez que apresenta dados objetivos destinados a garantir condições de trabalho mais seguras.

1.2.

Na esteira do seu anterior parecer (1), o CESE insta a Comissão a realizar uma avaliação do impacto de um eventual alargamento do âmbito de aplicação desta diretiva a substâncias nocivas para a reprodução.

1.3.

Face aos efeitos tóxicos para a reprodução de muitos agentes cancerígenos e mutagénicos, o CESE considera importante que as revisões e alterações da DCM a realizar num futuro próximo prestem mais atenção ao impacto no aspeto reprodutivo da exposição profissional a tais substâncias, tanto nos homens como nas mulheres e, no caso destas últimas, atendendo em particular ao primeiro trimestre de gravidez.

1.4.

O CESE congratula-se com o facto de, na proposta de alteração em apreço, se terem definido os valores-limites de exposição profissional (LEP) vinculativos com base em dados científicos e estatísticos. As partes interessadas podem facilmente compreender uma abordagem baseada no risco, como a que consta dos documentos de apoio, pelo que esta constitui uma base adequada para um compromisso social.

1.5.

O CESE congratula-se com o procedimento assente em dados comprovados, em cujo âmbito a Comissão procurou o aconselhamento do Comité Científico em matéria de limites de exposição ocupacional a agentes químicos (SCOEL) (2) e do Comité de Avaliação dos Riscos (RAC) (3) da Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) (4).

1.6.

O CESE entende necessário criar programas-piloto de investigação e, numa segunda fase, introduzir ao nível da UE programas de desenvolvimento da vigilância da saúde ao longo da vida, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança social ou dos sistemas de saúde pública, para quem esteve exposto a agentes cancerígenos ou mutagénicos ou a compostos tóxicos para a reprodução. Em conformidade com o RGPD (5), esta vigilância deve decorrer de modo anónimo.

1.7.

O CESE salienta que, tendo em vista a melhoria da proteção dos trabalhadores contra agentes cancerígenos ou mutagénicos e substâncias tóxicas para a reprodução presentes no local de trabalho, os Estados-Membros devem assegurar que as inspeções de trabalho dispõem de recursos financeiros e humanos suficientes para levar a cabo as suas funções.

1.8.

O CESE recomenda que todas as substâncias suspeitas de serem cancerígenas, mutagénicas e/ou tóxicas para a reprodução sejam sujeitas a análises científicas nesse sentido e, se pertinente, incluídas na DCM.

2.   Contexto

2.1.

O presente parecer está relacionado com o Parecer do CESE — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2004/37/CE relativa à proteção dos trabalhadores contra riscos ligados à exposição a agentes cancerígenos durante o trabalho (6), elaborado por ocasião da alteração da DCM em 2017 (7). Todas as recomendações do CESE se mantêm válidas, à exceção das que foram incluídas na proposta de alteração em apreço (8).

2.2.

Os objetivos da proposta são coerentes com o artigo 2.o (Direito à vida) e o artigo 31.o (Condições de trabalho justas e equitativas) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

2.3.

Garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável é um objetivo estratégico da Comissão, como se refere na Comunicação relativa a um quadro estratégico da UE para a saúde e segurança no trabalho 2014-2020 (9).

2.4.

O cancro é o principal problema de saúde relacionado com o trabalho na UE-28, causando quase tantos danos à vida e à saúde dos trabalhadores como os dois problemas seguintes combinados (distúrbios musculoesqueléticos e doenças circulatórias). O seu impacto negativo também é muito superior ao dos acidentes relacionados com o trabalho (10). O cancro provoca sofrimento aos trabalhadores e aos seus familiares e amigos, causa má qualidade de vida, prejudica o bem-estar e, no pior dos casos, leva à morte (11).

2.5.

A Comissão iniciou um processo contínuo de atualização da DCM (12), a fim de se manter a par dos novos progressos nos planos científico e técnico. Este processo é consentâneo com a Estratégia da UE para o Desenvolvimento Sustentável, que inclui o objetivo de garantir que, até 2020, os produtos químicos sejam produzidos, manuseados e utilizados de modo a não constituírem ameaças significativas para a saúde humana e o ambiente. Em última análise, pretende-se substituir as substâncias que suscitam elevada preocupação por substâncias ou tecnologias alternativas adequadas (13).

3.   Proposta da Comissão

3.1.

Em sintonia com este processo e com base nos documentos de trabalho dos serviços da Comissão SWD (2018) 87 e 88, a Comissão Europeia propôs a próxima alteração da Diretiva 2004/37/CE relativa à proteção dos trabalhadores contra riscos relacionados com a exposição a agentes cancerígenos e mutagénicos no trabalho, no seu documento COM (2018) 171 (14). Anteriormente, em 2017, o CESE apoiara a proposta de alteração dessa diretiva; a atual proposta de alteração contempla as cinco substâncias seguintes (15):

3.1.1.

Cádmio e seus compostos inorgânicos no âmbito da DCM: As áreas profissionais em que ocorre a exposição incluem a produção e refinação de cádmio, o fabrico de baterias de níquel-cádmio, o fabrico e formulação de pigmentos de cádmio, a produção de ligas de cádmio, a galvanoplastia mecânica, a fundição de zinco e cobre, a extração de minérios de metais não ferrosos, a brasagem com solda de liga de prata-cádmio-prata, a preparação de compostos de policloreto de vinilo, e a reciclagem de sucata e de baterias de Ni-Cd. A Comissão estima que cerca de dez mil trabalhadores estejam expostos a este risco.

3.1.2.

Berílio e compostos inorgânicos de berílio no âmbito da DCM: Identificaram-se dez setores industriais, nomeadamente o setor da fundição, o setor vidreiro e os laboratórios, em que os trabalhadores correm o risco de exposição ao berílio. São muito comuns as ligas de cobre, alumínio, magnésio ou níquel com berílio. Aproximadamente 80 % de todo o berílio é utilizado em ligas de cobre. A exposição ao berílio provoca cancro do pulmão e beriliose, uma doença crónica incurável. A Comissão estima que 54 000 trabalhadores estejam expostos a este risco.

3.1.3.

Ácido arsénico e seus sais, bem como compostos inorgânicos de arsénio no âmbito da DCM: A exposição a compostos de arsénio ocorre, por exemplo, na produção de cobre e zinco, bem como nos setores vidreiro, da eletrónica e dos produtos químicos. A Comissão estima que entre 7 900 e 15 300 trabalhadores estejam expostos a este risco.

3.1.4.

Formaldeído: A exposição ocorre na produção de formaldeído e numa ampla variedade de produtos (adesivos e selantes, materiais de revestimento, polímeros, biocidas e produtos químicos de laboratório); a exposição pode igualmente ocorrer no decurso de atividades como a construção e engenharia civil, bem como na produção de couro e produtos de couro, pasta de papel, papel e artigos de papel, têxteis, madeira e produtos à base de madeira. O formaldeído é também utilizado na preservação de tecidos e como desinfetante em departamentos de patologia e salas de autópsia. A Comissão estima que cerca de um milhão de trabalhadores estejam expostos a este risco.

3.1.5.

4,4’-metileno-bis(2-cloroanilina) («MOCA»): Os trabalhadores expostos trabalham no setor dos plásticos, sendo o MOCA utilizado na moldagem de peças em elastómero de poliuretano em 89 instalações fabris em toda a UE. A Comissão estima que 350 trabalhadores estejam expostos a este risco.

3.2.

Os Estados-Membros têm abordagens diferentes nesta matéria. Alguns definiram valores-limite de exposição profissional vinculativos para um elevado número de agentes químicos cancerígenos, mutagénicos ou tóxicos para a reprodução (CMR), outros apenas para um número reduzido de substâncias. A proposta de alteração em apreço refere cinco substâncias, não havendo um valor-limite de exposição profissional (LEP) para nenhuma delas a nível da UE. Doze Estados-Membros (BE, BG, CY, CZ, DE, EE, ES, HU, LT, LV, NL, SE) não dispõem de LEP para uma dessas cinco substâncias. Três Estados-Membros não dispõem de LEP para qualquer uma delas (IT, LU, MT). O nível destes LEP vinculativos pode variar de país para país. Por conseguinte, o CESE congratula-se com a proposta de alteração da Diretiva 2004/37/CE que estabelece LEP mínimos a nível europeu e que quando entrar em vigor, garantirá a igualdade de condições de trabalho para todos os trabalhadores de qualquer Estado-Membro que estejam expostos a estas substâncias nocivas.

3.3.

As estimativas com base num estudo da Risk & Policy Analysts Limited (RPA 2018) (16) mostram que a proposta em apreço, se adotada, contribuirá para melhorar as condições de trabalho a longo prazo de mais de um milhão de trabalhadores da UE e evitar mais de 22 000 casos de problemas de saúde relacionados com o trabalho. O peso hoje representado pela doença, estimado em relação aos últimos quarenta anos, inclui 24 770 casos de problemas de saúde relacionados com o trabalho. A menos que se tomem medidas, o futuro peso da doença incluirá 24 689 novos casos ao longo dos próximos sessenta anos.

3.4.

De acordo com o documento de trabalho dos serviços da Comissão, convém, pois, considerar atualizar a DCM com base nas informações supramencionadas. Os princípios são os mesmos que constam da DCM e da proposta de alteração anterior. A atual proposta de alteração amplia a lista anterior, constante no anexo da DCM, passando a incluir as cinco substâncias acima enunciadas.

3.5.

O SCOEL prestou aconselhamento científico no respeitante ao cádmio, berílio e formaldeído, e o RAC no respeitante ao ácido arsénico e ao MOCA. O Comité Consultivo tripartido para a Saúde e a Segurança no Trabalho (CCSST) adotou pareceres sobre as cinco substâncias.

3.6.

Os LEP para estes cinco agentes cancerígenos e mutagénicos são estabelecidos com base em dados científicos e com referência a futuras consequências para a saúde. Também se tomam em linha de conta as diferentes repercussões económicas a eles associadas.

4.   Observações na generalidade

4.1.

A proposta de alteração em apreço tem por principal objetivo e âmbito de aplicação alargar a lista constante da DCM, que atualmente se cinge aos agentes cancerígenos e mutagénicos. Numa fase posterior, importaria ponderar a possibilidade de um alargamento ulterior, de modo a englobar substâncias tóxicas para a reprodução ou para outras funções corporais, como referido no parecer do CESE (17).

4.2.

Este parecer é corroborado pelo Eurostat na sua edição de 2017 do «Monitoring Report on Progress towards the SDGs in an EU Context» [Relatório de acompanhamento sobre os progressos para alcançar os ODS no contexto da UE] (18): «Em 2015, consumiram-se na UE 350 milhões de toneladas de produtos químicos. Destes produtos, 127 milhões de toneladas foram classificadas como perigosas para o ambiente e 221 milhões de toneladas como substâncias suscetíveis de prejudicar a saúde humana. Embora o consumo de produtos químicos tóxicos tenha diminuído a curto e longo prazo, a percentagem da maioria dos produtos químicos tóxicos no consumo total de produtos químicos manteve-se praticamente inalterada». [Percentagem de substâncias carcinogénicas, mutagénicas e tóxicas para a reprodução (CMR) no consumo total de produtos químicos na UE: 2004 — 10,7 %; 2015 — 10,3 %].

4.3.

A estratégia da UE contra os cancros relacionados com o trabalho tem de prestar mais atenção às mulheres.

4.3.1.

O padrão de exposição e o padrão de localização do cancro podem variar entre os homens e as mulheres. O cancro da mama, por exemplo, é uma doença muito rara nos homens, enquanto se trata do cancro mais comum entre as mulheres. Há toda uma gama de formas de exposição profissional que podem contribuir para o cancro da mama. A fim de obter dados relevantes para efeitos de tomada de decisão, caberia analisar separadamente nos homens e nas mulheres a incidência dos cancros com uma componente específica de género, em vez de se analisar indiscriminadamente a população total dos trabalhadores.

4.3.2.

O Comité insta a Comissão a tomar mais sistematicamente em consideração a exposição profissional das mulheres a agentes cancerígenos no âmbito de ulteriores revisões da diretiva em causa. Muitos tipos de profissões com maior concentração de mulheres (cuidados de saúde, limpeza, atividades de cabeleireiro, etc.) implicam exposição a substâncias cancerígenas. A este respeito, cabe estabelecer medidas de prevenção vinculativas (por exemplo, câmaras de pressão negativa para a preparação de produtos citostáticos para injeção pelo pessoal em instituições de saúde).

4.4.

No que respeita ao mercado único, o CESE considera importante que a Comissão defina, no âmbito da DCM, uma metodologia para a adoção de LEP vinculativos. Este processo deve incluir uma ampla consulta dos parceiros sociais, dos Estados-Membros e de outras partes interessadas, incluindo as ONG. No entender do CESE, há dois aspetos que exigem particular atenção: em primeiro lugar, a coadunação dos LEP vinculativos com o nível de risco dos diferentes compostos; em segundo lugar, a necessidade de definir LEP vinculativos com base em provas científicas, incluindo o acompanhamento de eventuais mudanças na incidência de doenças relacionadas com o trabalho. Neste contexto, há que ter em conta diferentes fatores, como a viabilidade e a possibilidade de medir os níveis de exposição. A fim de ajudar os empregadores na priorização das medidas de prevenção a adotar, os LEP vinculativos devem referir explicitamente o nível de risco associado ao nível de exposição.

4.5.

Em relação à maioria das substâncias, há um longo período de latência entre a primeira exposição e o aparecimento do cancro. O CESE reputa necessário proteger os trabalhadores, providenciando vigilância da saúde ao longo da vida, no quadro do sistema de segurança social ou do sistema de saúde nacional, a todos aqueles que estão em risco de exposição. O Eurostat pode facultar os dados pertinentes para ajudar a melhorar a Estratégia de Desenvolvimento Sustentável.

4.6.

A governação em matéria de saúde pública deve alicerçar-se exclusivamente em regulamentos assentes em dados comprovados. É possível obter elementos de prova a partir de análises científicas baseadas em dados de boa qualidade e estatisticamente aferíveis. Esta exigência é apoiada pelo próprio RGPD (19), cujo artigo 9.o é consagrado ao tratamento de categorias especiais de dados pessoais (20). Há ainda outros aspetos jurídicos a tomar em consideração, de acordo com a Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (21).

4.7.

O CESE mais uma vez recomenda a canalização de mais esforços para a realização de estudos científicos e estatísticos. O cancro relacionado com a profissão pode ter múltiplas causas. A investigação das consequências e das potenciais interações da exposição combinada a diferentes fatores merece mais atenção e financiamento.

4.8.

O CESE salienta que uma das principais tarefas no domínio da proteção dos trabalhadores contra agentes cancerígenos ou mutagénicos e substâncias tóxicas para a reprodução no local de trabalho consiste em reforçar o controlo da aplicação e execução da DCM. Os Estados-Membros devem assegurar que as inspeções do trabalho dispõem de recursos financeiros e humanos suficientes para o desempenho das suas funções, ajudando ao mesmo tempo as empresas — em particular, as PME — a cumprir estas disposições. Devem igualmente reforçar a cooperação com a Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho. O uso generalizado da plataforma em rede OiRA (do inglês «Online Interactive Risk Assessment» — Instrumento interativo em linha de avaliação de risco) pode contribuir para a avaliação dos riscos neste domínio.

5.   Observações na especialidade

5.1.

Além de ser indispensável assegurar a saúde e segurança no trabalho e da necessidade de adaptar o trabalho ao homem, como consagrado na legislação europeia, o CESE chama a atenção para o risco de que uma prevenção ineficaz da exposição a agentes cancerígenos, mutagénicos ou tóxicos para a reprodução tenha consequências negativas para as empresas — tais como custos mais elevados e uma diminuição da produtividade devido ao absentismo, custos de indemnização, perda de conhecimentos especializados e distorção da concorrência –, bem como para os Estados-Membros, devido ao aumento dos custos da segurança social e à perda de receitas fiscais.

5.2.

As autoridades dos Estados-Membros e os órgãos representativos das entidades patronais e dos trabalhadores no âmbito do CCSST tripartido acolheriam muito favoravelmente a clareza jurídica e a proteção reforçada que adviriam da redução dos LEP definidos para as substâncias referidas.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 56.

(2)  «Health and safety at work» [Saúde e segurança no trabalho] — SCOEL, Comissão Europeia, 30.6.2018.

(3)  Comité de Avaliação dos Riscos (RAC), 30.6.2018.

(4)  Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA).

(5)  JO L 119 de 4.5.2016, p. 33, artigo 4.o; ver também considerandos 35, 45, 52, 53 e 155.

(6)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 56.

(7)  COM(2017) 11 final..

(8)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 56.

(9)  COM(2014) 332 final.

(10)  EU-OSHA (2017).

(11)  SWD(2018) 88, COM(2017) 11 final

(12)  Diretiva 2004/37/CE.

(13)  Eurostat, «Sustainable development in the EU» [Desenvolvimento sustentável na União Europeia], p.189.

(14)  Procedimento 2018/0081 (COD).

(15)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 56.

(16)  Terceira alteração da Diretiva relativa aos agentes cancerígenos e mutagénicos.

(17)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 56.

(18)  Eurostat, 2017, «Sustainable development in the European Union: Monitoring report on progress towards the SDGs in an EU context» [Desenvolvimento sustentável na União Europeia — Relatório de acompanhamento sobre os progressos para alcançar os ODS no contexto da UE].

(19)  JO L 119 de 4.5.2016, p. 1.

(20)  JO L 119 de 4.5.2016, artigo 9.o, alínea h): «Se o tratamento for necessário para efeitos de medicina preventiva ou do trabalho, para a avaliação da capacidade de trabalho do empregado […] com base no direito da União ou […]»

(21)  JO L 88 de 4.4.2011, p. 45. Ver também JO C 354 de 31.12.2008, p. 70, artigo 2.o.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/150


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de recomendação do Conselho sobre o reforço da cooperação contra as doenças que podem ser prevenidas por vacinação»

[COM(2018) 244 final — SWD(2018) 149 final]

(2018/C 440/25)

Relatora:

Renate HEINISCH

Consulta

Comissão Europeia, 17.4.2018

Base jurídica

Artigo 29.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da plenária

17.4.2018

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

19.7.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

136/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   A nível europeu

1.1.1.

A cooperação dos Estados-Membros em matéria de vacinação deve ter em conta o papel das vacinas ao longo da vida de uma pessoa e incidir, especificamente, na vacinação de crianças, adolescentes, adultos e idosos, numa ótica transfronteiras. Dados do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) revelam que doenças como o sarampo, tradicionalmente doenças infantis, afetam agora adolescentes e jovens adultos em resultado da perda de imunidade. Este facto, a par dos fluxos de migração transfronteiras e da disponibilidade de novas vacinas destinadas a grupos etários específicos (por exemplo, HPV, doenças meningocócicas, herpes-zóster) requer uma abordagem da vacinação ao longo da vida.

1.1.2.

Para as crianças de hoje, a hesitação dos seus pais em relação às vacinas representa uma das maiores ameaças ao seu bem-estar — e permite que dados científicos há muito comprovados sejam postos em causa por uma agenda antivacinação. Esta tendência generalizada para suspeitar de peritos e de consensos científicos deve ser combatida através de uma comunicação baseada em provas científicas, maior transparência e sensibilização, se se quiser evitar novas epidemias de sarampo, como as que afetaram a UE, ou novos casos fatais de difteria. A participação do público em programas de investigação e inovação, como o programa «Ciência com e para a sociedade», é uma das ferramentas que a Comissão deve utilizar para educar os cidadãos sobre os benefícios da vacinação.

1.1.3.

O CESE insta a Comissão a sensibilizar a opinião pública para o papel que as vacinas desempenham na proteção das pessoas contra doenças debilitantes através da celebração de um Dia Europeu da Imunização. Este fórum deveria utilizar formas de comunicação adaptadas para sensibilizar os europeus, sobretudo, pais, crianças, profissionais de saúde, migrantes, minorias e outros grupos da população mais suscetíveis de sofrerem consequências graves de doenças que podem ser prevenidas por vacinação. Deve recorrer-se a todos os canais de comunicação, incluindo os meios de comunicação social tradicionais e as redes sociais, para divulgar dados científicos e informações acessíveis junto dos cidadãos e das organizações. Uma abordagem de aprendizagem intergeracional na comunicação em matéria de vacinação também contribuiria para promover a vacinação junto das diferentes gerações e eliminar as suspeitas.

1.1.4.

Numa época em que a informação e a comunicação são cada vez mais digitais e em que as novas tecnologias oferecem múltiplas oportunidades de melhorar o acesso e a adesão à vacinação, a União deve procurar aumentar a literacia em matéria de vacinação, de modo a atenuar a hesitação, e melhorar a literacia digital em matéria de saúde, por forma a permitir o acesso a informação digital sobre vacinação e o tratamento dessa informação.

1.1.5.

Importa não esquecer que a saúde humana e a saúde animal estão indissoluvelmente ligadas. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) estima que 75 % (1) das doenças infecciosas que afetam as pessoas provêm de animais. A crescente ameaça que representa a resistência antimicrobiana (RAM) constitui mais um fator de ligação entre a saúde humana e a saúde animal. Neste contexto, as vacinas não só previnem doenças como contribuem para a luta contra a RAM, ao reduzirem o recurso desnecessário a antimicrobianos. Este valor societal não se reflete, porém, nos mecanismos de apoio da UE, não havendo qualquer incentivo, ao nível do mercado, para os agricultores utilizarem vacinas em vez de produtos mais económicos que agravam a RAM. O CESE recomenda que, na próxima revisão da política agrícola comum (PAC), a Comissão preveja subvenções para apoiar explorações agrícolas que demonstrem a maior cobertura de vacinação, necessária para atenuar as ameaças para a economia e a saúde que a RAM representa.

1.2.   A nível nacional

1.2.1.

Devemos certificar-nos de que as doenças suscetíveis de prevenção do nosso passado distante, bem como as doenças que podem ser prevenidas através de novas gerações de vacinas, nunca voltarão a surgir no futuro. Os profissionais de saúde, incluindo farmacêuticos, enfermeiros, médicos, bem como os serviços médicos das escolas e dos locais de trabalho, são essenciais para combater a hesitação em relação às vacinas, uma vez que desempenham um papel fundamental na orientação e no aconselhamento de doentes. O CESE insta os Estados-Membros a investirem na formação contínua, por forma a permitir que os profissionais de saúde, em geral, e os farmacêuticos, em particular, se tornem embaixadores da vacinação e um baluarte da luta contra as terríveis consequências do movimento antivacinação para a saúde pública. A vacinação pode igualmente ser administrada por médicos, a fim de assegurar uma resposta segura a potenciais reações agudas ou choques anafiláticos.

1.2.2.

Os profissionais de saúde estão em risco de exposição a um vasto leque de doenças. Na qualidade de órgão consultivo que representa trabalhadores, empregadores e outros grupos de interesses, o CESE convida os Estados-Membros a zelar pela plena e eficaz aplicação da Diretiva 2000/54/CE, que determina que, sempre que exista um risco para a saúde e a segurança dos trabalhadores devido a exposição a agentes biológicos para os quais existam vacinas eficazes, o empregador deve colocar vacinas à disposição dos trabalhadores.

1.2.3.

Para além dos profissionais de saúde, os Estados-Membros devem intensificar os seus esforços para chegar aos grupos de população mais suscetíveis de sofrerem consequências graves de doenças específicas que podem ser prevenidas por vacinação, como crianças, grávidas, idosos, minorias ou grupos com problemas de saúde específicos subjacentes ou expostos a doenças sexualmente transmissíveis, como o vírus do papiloma humano (HPV) e a hepatite A e B. A combinação de consultas de rotina, como as consultas pediátricas ou as consultas no âmbito da saúde no trabalho, com programas de imunização pode contribuir para melhorar as deficientes taxas de cobertura.

1.2.4.

A Europa enfrenta um desafio histórico e difícil perante a inversão da estrutura etária da população europeia. As medidas de prevenção, como a vacinação de adultos, devem ser consideradas uma ferramenta para fazer face a este desafio e contribuir, simultaneamente, para a realização do objetivo europeu de envelhecimento ativo e saudável.

1.2.5.

Contudo, o CESE observa com preocupação que apenas um Estado-Membro atingiu a meta fixada pelo Conselho para 2009 de vacinar contra a gripe 75 % dos idosos. Considerando que, para os idosos, a gripe é, na melhor das hipóteses, debilitante e, na pior, fatal, os Estados-Membros deveriam redobrar de esforços para atingir esta meta.

1.2.6.

Os desafios que os Estados-Membros enfrentam atualmente vão da hesitação em relação à vacinação às alterações demográficas decorrentes do envelhecimento da população e à crescente circulação de pessoas, que aumenta o risco de exposição a agentes patogénicos em toda a União. O CESE convida os Estados-Membros a partilharem boas práticas e proficiência na resposta a estes desafios.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O CESE apoia a abordagem assente em três pilares da Comissão no sentido do reforço da cooperação contra doenças que podem ser prevenidas por vacinação, enquanto resposta tempestiva às ameaças urgentes para a saúde que a UE enfrenta, nomeadamente a hesitação em relação à vacinação, a redução da cobertura relativa a doenças específicas, a ocorrência de surtos sem precedentes de doenças que podem ser prevenidas por vacinação, as discrepâncias entre programas de vacinação nacionais e a escassez de vacinas.

2.2.

O CESE congratula-se com as atividades propostas para aumentar as sinergias entre a vacinação e as políticas conexas, nomeadamente no domínio da preparação para crises, da saúde em linha, da avaliação das tecnologias de saúde, da I&D e da indústria farmacêutica, a nível nacional, europeu e internacional. É fundamental desenvolver um esforço concertado para fazer face aos desafios que atualmente dificultam a eficácia dos programas de vacinação na União.

2.3.

A vacinação, principal ferramenta de prevenção primária, erradicou da Europa a poliomielite e outras doenças, como a varíola, mediante a prevenção da doença em indivíduos e a interrupção da circulação de vírus. Fora da Europa, a globalização veio aumentar os fluxos transfronteiras de vírus, agentes patogénicos e doenças, bem como de pessoas. Os recentes fluxos migratórios aceleraram esta tendência. A vacinação contribui significativamente para a saúde mundial dado que as doenças não se confinam às fronteiras regionais nem nacionais.

2.4.

Na União Europeia, os programas de vacinação são da competência dos Estados-Membros, pelo que coexistem na UE diferentes estratégias de imunização, tendo alguns Estados-Membros executado programas avançados que visam doenças específicas ao longo da vida e/ou especificidades geográficas. Considerando que a propagação de doenças não conhece fronteiras, o CESE apoia a proposta da Comissão no sentido de definir orientações sobre um calendário de vacinação comum da UE, destinado a facilitar a compatibilidade dos calendários nacionais.

2.5.

A falta de harmonização dos calendários de vacinação na União constitui igualmente um obstáculo à liberdade de circulação e de estabelecimento, que é um dos direitos fundamentais dos cidadãos da UE e dos membros das suas famílias. Com efeito, conforme sublinhado na comunicação da Comissão, as pessoas, sobretudo as crianças, podem ter dificuldades em prosseguir o processo de vacinação quando se deslocam para outro país. Todavia, a harmonização não deve ser sinónimo de redução da gama de vacinas disponível.

2.6.

Nas suas conclusões de dezembro de 2014 (2), o Conselho reconhece que, apesar de a vacinação constituir um instrumento eficaz no domínio da saúde pública, o ressurgimento de doenças contagiosas, como a tuberculose, o sarampo, a tosse convulsa e a rubéola, que podem ocasionar um número elevado de infeções e mortes, continua a constituir uma ameaça para a saúde pública. Esta evolução recente torna ainda mais imperativa a cooperação na luta contra doenças que podem ser prevenidas por vacinação.

2.7.

À luz do que precede, a recomendação do Conselho sobre o reforço da cooperação entre os Estados-Membros, a indústria e as partes interessadas a nível da UE constitui um passo na direção certa. O CESE apoia sem reservas o reforço da ação no domínio da vacinação.

3.   Observações na especialidade

3.1.

O CESE apoia a perspetiva da Comissão de que ferramentas digitais como um boletim de vacinação comum para os cidadãos da UE, acessível através de sistemas eletrónicos de informação sobre imunização, e um portal Web de sensibilização para os benefícios e a segurança da vacinação podem contribuir para a realização dos objetivos enunciados na comunicação. Neste contexto, a Comissão deve cooperar com os Estados-Membros para aumentar a literacia digital em matéria de saúde, a fim de maximizar os benefícios destas ferramentas digitais.

3.2.

Atendendo à mudança do ónus de doenças tradicionalmente pediátricas para fases posteriores da vida, bem como à disponibilidade de novas vacinas que podem prevenir doenças em adultos e idosos, os Estados-Membros são incentivados a considerar a adoção de programas de vacinação ao longo da vida, tendo em conta as estratégias de vacinação mais eficazes em termos de custos para prevenir doenças de acordo com as necessidades dos diferentes grupos etários (por exemplo, adolescentes, grávidas, doentes crónicos e idosos).

3.3.

Conforme sublinhado por Jean-Claude Juncker no seu discurso de 2017 sobre o estado da União, continuam a morrer crianças devido a doenças que podem ser prevenidas por vacinação, como é o caso do sarampo. Nas escolas, as crianças não vacinadas constituem uma ameaça significativa para os outros alunos, pelo que poderá ser necessário sujeitar a admissão nas escolas à produção de prova de vacinação, de molde a assegurar taxas elevadas de cobertura de vacinação. Neste contexto, as escolas e os professores devem ser mais bem informados sobre o papel das vacinas, de modo a serem capazes de comunicar com os pais e as crianças acerca da vacinação. Este aspeto educativo é um fator crucial dado que as escolas desempenham um papel central no processo de decisão dos pais.

3.4.

Acresce que cancros suscetíveis de ser prevenidos por vacinação ameaçam os adolescentes de hoje com cancros fatais que se poderão desenvolver numa fase posterior das suas vidas. Confrontados com uma incidência crescente do cancro, os Estados-Membros conferiram à luta contra esta doença a máxima prioridade na sua agenda política. A experiência demonstra que políticas de vacinação corretamente implementadas podem eliminar quase completamente determinadas doenças, como as infeções relacionadas com o vírus do papiloma humano (HPV). A administração de vacinas contra o HPV a adolescentes deve ser considerada uma vertente fundamental dos programas de controlo do cancro, na medida em que se trata de uma categoria única de cancro que pode ser prevenido através da vacinação.

3.5.

Por vezes, a vacinação de adultos constitui a única solução de prevenção disponível para fazer face a uma doença específica, como a gripe ou o herpes-zóster, tanto para a evitar liminarmente como para atenuar a sua gravidade. Na União Europeia, uma em cada quatro pessoas sofrerão de herpes-zóster durante a sua vida, enquanto quase 40 000 pessoas morrem prematuramente cada ano por problemas associados à gripe. Estes números apenas poderão ser reduzidos através da vacinação.

3.6.

Atendendo à conhecida hesitação de alguns profissionais de saúde, bem como aos casos e surtos de doenças que podem ser prevenidas por vacinação devido à transmissão pelos profissionais de saúde, a execução e o cumprimento de programas de vacinação destinados a estes trabalhadores devem ser atentamente acompanhados e apoiados por formação adequada, em prol da segurança dos doentes e da proteção dos próprios profissionais de saúde, em conformidade com a Diretiva 2000/54/CE.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos: «How do animal diseases affect humans» [De que forma as doenças dos animais afetam os humanos?].

(2)  Conclusões do Conselho, de 1 de dezembro de 2014, sobre a vacinação enquanto instrumento eficaz no domínio da saúde pública.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/154


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 767/2008, o Regulamento (CE) n.o 810/2009, o Regulamento (UE) 2017/2226, o Regulamento (UE) 2016/399, o Regulamento 2018/… (Regulamento Interoperabilidade) e a Decisão 2004/512/CE e que revoga a Decisão 2008/633/JAI do Conselho»

[COM(2018) 302 final]

(2018/C 440/26)

Relator-geral:

Ionuț SIBIAN

Consulta

Parlamento Europeu, 2.7.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Decisão da Mesa

10.7.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

97/3/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu apoia uma política de vistos que seja e continue a ser um instrumento para facilitar o turismo e os negócios, prevenindo, em simultâneo, riscos de segurança e o risco de migração irregular para a UE.

1.2.

O CESE apoia o desenvolvimento do Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) como a melhor solução tecnológica para facilitar o procedimento de vistos de curta duração e ajudar as autoridades responsáveis em matéria de vistos, fronteiras, asilo e migração a verificarem de forma rápida e eficaz as informações necessárias sobre os nacionais de países terceiros que precisam de visto para viajar para a UE.

1.3.

O CESE considera que, neste domínio, a harmonização dos procedimentos, práticas e resultados dos Estados-Membros da UE em matéria de política de vistos deveria constituir um dos principais objetivos.

1.4.

No que se refere à criação de indicadores de risco específicos para o tratamento dos pedidos de visto, o CESE entende que a medida é suscetível de limitar os direitos dos requerentes. O Comité insta as instituições da UE e as autoridades dos Estados-Membros a informarem e formarem adequadamente o pessoal de primeira linha, bem como o pessoal responsável pela gestão, a fim de evitar a possível definição de perfis com base na raça, sexo, etnia, religião, orientação sexual e quaisquer outras características pessoais.

1.5.

O CESE apoia o objetivo de facilitar a identificação de pessoas desaparecidas. No entanto, a redução da idade de recolha de impressões digitais de requerentes crianças dos 12 anos para os 6 anos pode ser problemática. A proposta não incluiu contributos e pareceres de agências e organizações de proteção de menores, o que impediu o CESE de avaliar cabalmente o impacto da proposta nos menores e na respetiva proteção.

1.6.

Relativamente a este mesmo objetivo, embora seja aceitável e necessário armazenar no VIS uma cópia da página biográfica do documento de viagem do requerente, o desenvolvimento desta nova ferramenta de gestão de dados para apoiar os procedimentos de regresso, como indica a proposta, é questionável. O CESE considera que as alterações propostas não conduzirão necessariamente ao regresso de nacionais de países terceiros. Ao invés, este instrumento deveria servir de incentivo aos Estados-Membros para agirem tendo na devida consideração a legalidade da estada e o interesse e o bem-estar das pessoas em causa. As autoridades devem incentivar e ajudar os nacionais de países terceiros a regularizarem a sua estadia e a ponderarem o regresso ao seu local de origem.

1.7.

No que se refere ao objetivo secundário da proposta de permitir, em condições estritas, que as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei e a Europol tenham acesso aos dados do VIS para efeitos de aplicação da lei, o CESE salienta a importância de impor condições de acesso rigorosas. O acesso deve, em princípio, exigir uma decisão judicial que garanta a necessidade dessa limitação do princípio da proteção dos dados pessoais.

1.8.

O CESE congratula-se com a abrangência das consultas efetuadas no âmbito da proposta em apreço. Não obstante, considera que tanto o Comité como outras instituições e o público em geral teriam beneficiado consideravelmente se a proposta tivesse incluído um maior número de contributos e ideias das partes consultadas. Não é claro que tipo de contributos foram prestados nem até que ponto influenciaram a forma final da proposta.

1.9.

No que diz respeito à proteção dos direitos fundamentais, o CESE congratula-se com a atenção dedicada pela Comissão Europeia a esta questão. Recomenda que se preste mais atenção à utilização que os Estados-Membros fazem dos dados pessoais dos requerentes de visto. Como referido anteriormente, são necessárias salvaguardas adicionais contra práticas que resultem na discriminação dos nacionais de países terceiros que requerem estadas de curta ou longa duração e autorizações de residência.

1.10.

A proposta teria beneficiado de dados mais circunstanciados e específicos sobre os vistos de curta e de longa duração e as autorizações de residência, país por país, tanto dos Estados-Membros da UE como de países terceiros. Teriam igualmente sido muito úteis mais informações sobre as ultrapassagens do período de estada quando se trata do tráfico de menores. Os dados são indispensáveis para avaliar a natureza e a estrutura da mobilidade e a adequação dos instrumentos utilizados.

1.11.

O CESE recomenda igualmente um empenho mais sólido no trabalho com os governos e a sociedade civil dos países terceiros, a fim de informar, preparar e assistir os seus nacionais durante todo o procedimento de pedido de visto.

2.   Observação gerais

2.1.

O CESE apoia uma política de vistos que seja e continue a ser um instrumento para facilitar o turismo e os negócios, prevenindo, em simultâneo, riscos de segurança e o risco de migração irregular para a UE.

2.2.

Embora reconheça os desafios que se colocaram nos últimos anos em matéria de migração e segurança, o CESE incita os Estados-Membros e as instituições da UE a adotarem uma abordagem consensual, equilibrada e proporcionada, com o objetivo de manter a UE tão aberta, responsável, dialogante e inovadora quanto possível.

2.3.

O CESE apoia o desenvolvimento do Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) como a melhor solução tecnológica para facilitar o procedimento de vistos de curta duração e ajudar as autoridades responsáveis em matéria de vistos, fronteiras, asilo e migração a verificarem de forma rápida e eficaz as informações necessárias sobre os nacionais de países terceiros que precisam de visto para viajar para a UE.

2.4.

O CESE apoia os objetivos gerais desta iniciativa: melhorar a segurança na UE e nas suas fronteiras; facilitar o direito dos viajantes legítimos a atravessarem as fronteiras externas, circular e permanecer livremente na zona sem controlos nas fronteiras internas; e facilitar a gestão das fronteiras externas do espaço Schengen.

2.5.

O CESE apoia os objetivos específicos desta iniciativa: facilitar o processo de pedido de visto; facilitar e reforçar os controlos nos pontos de passagem das fronteiras externas e no território dos Estados-Membros; e reforçar a segurança interna do espaço Schengen, facilitando o intercâmbio de informações entre os Estados-Membros sobre os nacionais de países terceiros titulares de vistos de longa duração e autorizações de residência.

2.6.

O CESE é igualmente favorável a que se colmatem as lacunas de informação existentes em matéria de fronteiras e segurança: vistos de longa duração e documentos de residência a incluir no VIS.

2.7.

No que diz respeito à melhoria dos controlos no tratamento dos pedidos de visto utilizando a interoperabilidade, à verificação e avaliação das informações enviadas pelos requerentes e à consulta automática, pelo VIS, de cada pedido em cada um dos sistemas disponíveis, o CESE considera que se trata de um desenvolvimento processual e tecnológico positivo.

2.8.

No que se refere à criação de indicadores de risco específicos para o tratamento dos pedidos de visto, o CESE entende que a medida é suscetível de limitar os direitos dos requerentes. Embora os indicadores de risco não contenham quaisquer dados pessoais, terão por base estatísticas e informações disponibilizadas pelos Estados-Membros sobre ameaças, taxas de recusa anormais ou ultrapassagens do período de estada de certas categorias de nacionais de países terceiros, bem como sobre riscos para a saúde pública. Há um risco significativo de que estes dados e indicadores sejam utilizados pelas autoridades responsáveis pela emissão de vistos para rejeitar pedidos de visto com base nos perfis incorporados no sistema e não nas circunstâncias individuais dos requerentes. O CESE insta as instituições da UE e as autoridades dos Estados-Membros a informarem e formarem adequadamente o pessoal de primeira linha, bem como o pessoal responsável pela gestão, a fim de evitar a possível definição de perfis com base na raça, sexo, etnia, religião, orientação sexual e quaisquer outras características pessoais.

2.9.

O CESE apoia o objetivo de facilitar a identificação de pessoas desaparecidas. No entanto, a redução da idade de recolha de impressões digitais de requerentes crianças dos 12 anos para os 6 anos pode ser problemática. A proposta não incluiu contributos e pareceres de agências e organizações de proteção de menores, o que impediu o CESE de avaliar cabalmente o impacto da proposta nos menores e na respetiva proteção.

2.10.

Relativamente a este mesmo objetivo, embora seja aceitável e necessário armazenar no VIS uma cópia da página biográfica do documento de viagem do requerente, o desenvolvimento desta nova ferramenta de gestão de dados para apoiar os procedimentos de regresso, como indica a proposta, é questionável. O CESE considera que as alterações propostas não conduzirão necessariamente ao regresso de nacionais de países terceiros. Ao invés, este instrumento deveria servir de incentivo aos Estados-Membros para agirem tendo na devida consideração a legalidade da estada e o interesse e o bem-estar das pessoas em causa. As autoridades devem incentivar e ajudar os nacionais de países terceiros a regularizarem a sua estadia e a ponderarem o regresso ao seu local de origem.

2.11.

No que se refere ao objetivo secundário da proposta de permitir, em condições estritas, que as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei e a Europol tenham acesso aos dados do VIS para efeitos de aplicação da lei, o CESE salienta a importância de impor condições de acesso rigorosas. O acesso deve, em princípio, exigir uma decisão judicial que garanta a necessidade dessa limitação do princípio da proteção dos dados pessoais.

2.12.

O CESE congratula-se com os esforços envidados pela Comissão no sentido de encomendar três estudos independentes: um sobre a viabilidade, a necessidade e a proporcionalidade da redução da idade de recolha de impressões digitais de crianças no procedimento de pedido de visto e sobre o armazenamento de uma cópia do documento de viagem dos requerentes de visto no VIS, e outros dois sobre a viabilidade e sobre a necessidade e proporcionalidade do alargamento do VIS, a fim de incluir dados sobre vistos de longa duração e documentos de residência.

2.13.

O CESE congratula-se com a abrangência destas consultas, nas quais participaram todas as partes interessadas, incluindo autoridades nacionais habilitadas a introduzir, alterar, eliminar ou consultar dados no VIS, autoridades nacionais responsáveis pela migração e pelo regresso, autoridades de proteção da criança, autoridades policiais e de luta contra o tráfico, autoridades responsáveis pelos assuntos consulares e autoridades nacionais responsáveis pelos controlos nos pontos de passagem das fronteiras externas. Foram igualmente consultadas várias autoridades fora da UE e organizações não governamentais envolvidas em questões de direitos das crianças. Não obstante, considera que tanto o Comité como outras instituições e o público em geral teriam beneficiado consideravelmente se a proposta tivesse incluído um maior número de contributos e ideias das partes consultadas. Não é claro que tipo de contributos foram prestados nem até que ponto influenciaram a forma final da proposta.

2.14.

No que diz respeito à proteção dos direitos fundamentais, o CESE congratula-se com a atenção dedicada pela Comissão Europeia a esta questão. O Comité congratula-se com as garantias adicionais introduzidas pela proposta a fim de cobrir as necessidades específicas das novas categorias de dados, tratamento de dados e titulares de dados que serão cobertas pelo VIS, no âmbito de um esforço mais amplo para proteger os direitos dos indivíduos de acesso, retificação, apagamento e recurso relativos aos dados pessoais. Recomenda que se preste mais atenção à utilização que os Estados-Membros fazem dos dados pessoais dos requerentes de visto. Como referido anteriormente, são necessárias salvaguardas adicionais contra práticas que resultem na discriminação dos nacionais de países terceiros que requerem estadas de curta ou longa duração e autorizações de residência.

2.15.

A proposta teria beneficiado de dados mais circunstanciados e específicos sobre os vistos de curta e de longa duração e as autorizações de residência, país por país, tanto dos Estados-Membros da UE como de países terceiros. Teriam igualmente sido muito úteis mais informações sobre as ultrapassagens do período de estada quando se trata do tráfico de menores. Os dados são indispensáveis para avaliar a natureza e a estrutura da mobilidade e a adequação dos instrumentos utilizados.

2.16.

O CESE recomenda igualmente um empenho mais sólido no trabalho com os governos e a sociedade civil dos países terceiros, a fim de informar, preparar e assistir os seus nacionais no procedimento de pedido de visto.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/158


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à transparência e sustentabilidade do sistema da UE para a avaliação dos riscos na cadeia alimentar, que altera o Regulamento (CE) n.o 178/2002 [relativo à legislação alimentar geral], a Diretiva 2001/18/CE [relativa à libertação deliberada de OGM no ambiente], o Regulamento (CE) n.o 1829/2003 [relativo aos géneros alimentícios e alimentos para animais GM], o Regulamento (CE) n.o 1831/2003 [relativo aos aditivos na alimentação animal], o Regulamento (CE) n.o 2065/2003 [relativo aos aromatizantes de fumo], o Regulamento (CE) n.o 1935/2004 [relativo aos materiais em contacto com géneros alimentícios], o Regulamento (CE) n.o 1331/2008 [relativo ao procedimento de autorização comum aplicável a aditivos alimentares, enzimas alimentares e aromas alimentares], o Regulamento (CE) n.o 1107/2009 [relativo aos produtos fitofarmacêuticos] e o Regulamento (UE) 2015/2283 [relativo a novos alimentos]

[COM(2018) 179 final — 2018/0088 (COD)]

(2018/C 440/27)

Relator:

Antonello PEZZINI

Correlatora:

Ester VITALE

Consulta

Conselho, 22.5.2018

Parlamento Europeu, 28.5.2018

Base jurídica

Artigos 43.o, 114.o, 168.o, n.o 4, alínea b), e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Mesa

13.2.2018

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

176/2/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) defendeu sempre uma política da UE em prol da proteção da saúde ao longo de toda a cadeia alimentar, em todas as fases do processo de produção — do agricultor ao consumidor —, que evite contaminações e riscos alimentares e promova a segurança e a higiene e uma informação clara, transparente e segura sobre os produtos.

1.2.

O CESE apoia as iniciativas da Comissão destinadas a enfrentar os desafios da transparência, da sustentabilidade e da eficácia de todo o sistema de controlo da cadeia alimentar, para promover uma melhor perceção da fiabilidade e da segurança por parte dos cidadãos, dos meios de comunicação social e de toda a sociedade civil.

1.3.

O CESE subscreve energicamente a necessidade de reforçar a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), a fim de garantir aos responsáveis pela gestão dos riscos o melhor aconselhamento científico possível, mediante uma comunicação clara e transparente, e uma cooperação mais ativa com os Estados-Membros e com os outros organismos do setor social, por forma a assegurar um sistema de segurança alimentar coerente, seguro e fiável.

1.4.

O CESE teve oportunidade de sublinhar que, «ao longo da sua existência, a EFSA demonstrou a sua competência, desempenhando incontestavelmente um papel fundamental na prevenção de riscos sanitários na Europa» (1).

1.5.

O Comité considera indispensável garantir a manutenção de um elevado nível de independência face a condicionalismos externos e a máxima competência científica na EFSA, otimizando a capacidade de análise dos riscos, para assegurar a sustentabilidade do sistema de avaliação da UE, considerado um dos mais exigentes a nível mundial.

1.6.

O CESE considera que a EFSA e os Estados-Membros, agindo de concerto, devem estar em condições de desenvolver, o melhor possível, uma adequada comunicação dos riscos, de forma independente mas coerente entre si e coordenada entre os avaliadores e os gestores dos riscos, para que os utilizadores possam obter os resultados e as conclusões de forma clara e interativa, assegurando, simultaneamente, níveis adequados de confidencialidade e de respeito pelos direitos de propriedade intelectual.

1.7.

O CESE apoia enfaticamente a criação de um registo dos estudos, facilmente acessível em linha, que inclua a identificação dos peritos e dos laboratórios certificados, as declarações sob juramento de ausência de conflitos de interesse, a descrição dos objetivos, os recursos técnicos e financeiros utilizados e as fontes.

1.8.

Na opinião do Comité, é necessário melhorar substancialmente a perceção que os consumidores têm dos riscos a que estão sujeitos na relação com os alimentos, através de uma cultura alimentar e nutricional informada e de uma capacidade de análise seletiva do risco.

1.9.

O CESE considera que o futuro plano geral estratégico europeu de comunicação dos riscos representa — se elaborado em plena sintonia com a EFSA e no respeito pela sua independência — o elemento-chave para promover a capacidade das entidades responsáveis de darem respostas eficazes, inequívocas, atempadas, interativas e adequadas às exigências dos cidadãos no que diz respeito à segurança, à transparência e à fiabilidade da cadeia alimentar.

1.10.

O CESE recomenda o reforço do diálogo estruturado e sistemático com a sociedade civil, ao qual poderá dar um contributo útil e concreto através das suas estruturas específicas dedicadas aos sistemas alimentares sustentáveis.

1.11.

No que se refere à governação da EFSA, o CESE apoia claramente a proposta de um maior envolvimento dos Estados-Membros e da sociedade civil na estrutura de gestão e nos painéis científicos, aproximando a composição do Conselho de Administração das normas estabelecidas na Abordagem Comum sobre as agências descentralizadas.

1.12.

O CESE considera que é necessário aplicar o acordo entre a EFSA e o Centro Comum de Investigação, nomeadamente no que diz respeito às atividades conjuntas sobre géneros alimentícios e alimentos para animais e ao desenvolvimento de uma metodologia de análise científica harmonizada de qualidade, que assegure a transparência, a comparabilidade, a inclusividade e a equidade entre todas as partes interessadas.

2.   Introdução

2.1.

A legislação alimentar geral (a legislação da UE em matéria de segurança dos géneros alimentícios e alimentos para animais ao longo da cadeia de produção) constitui a pedra basilar do quadro regulamentar da UE relativo a toda a cadeia alimentar: do produtor ao consumidor.

2.2.

A lei exige uma base científica para as normas no domínio dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, o que é conhecido como o princípio da análise dos riscos e integra três elementos distintos mas interligados: avaliação, gestão e comunicação dos riscos.

2.3.

O Regulamento (CE) n.o 178/2002 criou a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), uma agência científica independente, encarregada de elaborar pareceres científicos nos quais assentam as medidas adotadas pela UE ao longo da cadeia alimentar.

2.4.

Em 6 de outubro de 2017, foi apresentada oficialmente à Comissão Europeia uma iniciativa de cidadania europeia baseada em 1 070 865 declarações de apoio provenientes de 22 Estados-Membros. No âmbito desta iniciativa, denominada «Proibição do glifosato e proteção das pessoas e do ambiente contra pesticidas tóxicos» (2), a Comissão Europeia foi convidada a propor várias medidas aos Estados-Membros da UE, entre as quais: assegurar que a avaliação científica dos pesticidas para aprovação regulamentar por parte da UE se baseia unicamente em estudos publicados, que tenham sido encomendados pelos poderes públicos competentes e não pela indústria dos pesticidas. A fim de aumentar a transparência das avaliações científicas e a qualidade e independência dos estudos científicos desenvolvidos, a Comissão Europeia comprometeu-se a apresentar a proposta legislativa em apreço até maio de 2018.

2.5.

A verificação da adequação do Regulamento Legislação Alimentar Geral (LAG) [Regulamento (CE) n.o 178/2002] (3) foi concluída em 15 de janeiro de 2018.

2.6.

Essa avaliação indica que o Regulamento LAG continua a desempenhar um papel determinante e adequado na abordagem da maioria das tendências atuais.

2.6.1.

Em termos gerais, foram alcançados os objetivos principais fixados pela LAG, ou seja, um elevado nível de proteção da saúde humana, os interesses dos consumidores em relação aos géneros alimentícios e o funcionamento eficaz do mercado interno.

2.6.2.

A criação da EFSA melhorou a base científica das medidas adotadas pela UE. Foram introduzidas melhorias substanciais no que respeita à capacidade científica da competência da EFSA, à qualidade dos seus resultados científicos, à recolha de dados científicos e ao desenvolvimento e à uniformização das metodologias de avaliação dos riscos.

2.6.3.

A EFSA reforçou a cooperação com organismos científicos a nível nacional e internacional, assim como o intercâmbio de informações entre Estados-Membros.

2.6.4.

A nível da UE, não foi detetada qualquer incoerência sistémica na aplicação do princípio da análise dos riscos.

2.6.5.

As políticas rigorosas da EFSA em matéria de independência e de transparência foram regularmente reforçadas e aperfeiçoadas. Todavia, como nem todos os Estados-Membros estão representados no Conselho de Administração da EFSA, a governação desta autoridade não parece estar alinhada com a Abordagem Comum sobre as agências descentralizadas da UE.

2.6.6.

O quadro normativo no domínio da segurança alimentar criado pelo Regulamento LAG serviu, em alguns casos, de fonte de inspiração para países terceiros na elaboração da sua legislação nacional.

2.6.7.

No que respeita à avaliação dos riscos, no âmbito dos processos de autorização, a EFSA está vinculada a regras de confidencialidade e a procedimentos de análise que recomendam que se tomem em consideração todos os estudos ou provas disponíveis. Por conseguinte, nos seus pareceres, a EFSA não só leva em conta os estudos da indústria, mas baseia as suas próprias conclusões científicas num exame tão exaustivo quanto possível da bibliografia. Por seu turno, a indústria tem a obrigação de entregar os seus estudos, enquanto parte do dossiê, quando solicita uma autorização.

2.6.8.

De acordo com avaliações recentes (4), detetaram-se algumas insuficiências no sistema atual da EFSA:

dificuldade em atrair novos membros para integrarem o painel;

as competências científicas provêm apenas de alguns Estados-Membros;

tendência atual para a redução do orçamento da Administração Pública;

financiamento reduzido para a externalização das funções da EFSA.

2.6.9.

Além disso, em alguns setores, os morosos procedimentos de autorização atrasam o processo de entrada de novos produtos no mercado. Todavia, o sistema centralizado de autorizações apresenta vantagens em termos de eficiência em comparação com a utilização de diversos sistemas nacionais de autorização no setor alimentar.

2.7.

O CESE teve oportunidade de salientar que, «ao longo da sua existência, a EFSA demonstrou a sua competência, desempenhando incontestavelmente um papel fundamental na prevenção de riscos sanitários na Europa» (5).

2.8.

Num parecer anterior, o CESE, tendo em conta a influência dos pareceres científicos — que nem sempre são coerentes e inequívocos —, recomendou que a EFSA «preste especial atenção a este fenómeno, já que a literatura científica é uma referência importante do procedimento de avaliação» (6). O CESE solicitou também à Comissão Europeia que publique sistematicamente, no sítio Web da EFSA, os estudos obrigatórios em causa, bem como os dados em bruto desses estudos que levaram às conclusões adotadas.

2.9.

O CESE também frisou (7) que a avaliação da EFSA se baseia num estudo científico que deveria demonstrar a inocuidade do produto em causa. Segundo a legislação em vigor, esse estudo de referência deve ser apresentado pelo requerente, ou seja, a empresa que pretende comercializar o produto. Este é o aspeto mais sensível, pois os resultados dos estudos científicos podem ser por vezes diferentes consoante a sua fonte de financiamento e as metodologias utilizadas.

2.10.

Em termos mais gerais, o CESE defendeu recentemente que uma política alimentar adequada ao século XXI tem de respeitar vários critérios: «a qualidade dos alimentos, a saúde, o ambiente, os valores sociais e culturais, a solidez da economia, emprego digno, custos plenamente internalizados e a boa governação» (8).

2.11.

O provedor de Justiça europeu realizou inquéritos e atividades relacionadas com o modelo da UE de avaliação dos riscos na cadeia alimentar, sublinhando, numa carta dirigida à Comissão Europeia, de 15 de março de 2018, alguns princípios orientadores que visam melhorar a avaliação dos riscos na cadeia alimentar, a saber:

independência e transparência;

compromisso de publicar os «estudos orientadores» quando desenvolve as suas avaliações científicas;

maior controlo público das suas funções de avaliação dos riscos, numa fase precoce do processo;

capacidade de associar o público e as partes interessadas ao processo de avaliação dos riscos (9);

possibilidade de as partes interessadas participarem nas reuniões, indo mais longe do que acontece presentemente através das «plenárias abertas», no respeito, evidentemente, da confidencialidade.

2.12.

O provedor de Justiça europeu sublinhou também que os instrumentos de informação pública utilizados pela EFSA para sensibilizar para os riscos associados a determinadas substâncias ou produtos deveriam estar disponíveis nas 24 línguas oficiais da UE e que os direitos das pessoas com deficiência deveriam ser respeitados, devendo a comunicação dos riscos ter em consideração as suas necessidades (10).

3.   As propostas da Comissão Europeia

3.1.

A Comissão Europeia propõe a revisão do Regulamento Legislação Alimentar Geral e de oito diplomas setoriais, por forma a torná-los compatíveis com as normas de caráter geral, para reforçar a transparência e aumentar as garantias de fiabilidade, objetividade e independência dos estudos.

3.2.

A fim de melhorar a governação, propõe-se um maior envolvimento dos Estados-Membros na estrutura de gestão e nos painéis científicos da EFSA, bem como uma maior participação dos organismos científicos nacionais no fornecimento dos dados e dos estudos científicos.

3.3.

Por fim, com o lançamento de um plano geral de comunicação, pretende-se melhorar e aumentar a comunicação dos riscos aos cidadãos, através de ações comuns que visam aumentar a confiança dos consumidores e estimular uma maior consciencialização e compreensão por parte do público.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O CESE defendeu sempre uma política da UE em prol da proteção da saúde ao longo de toda a cadeia alimentar, em todas as fases do processo de produção, que evite contaminações e riscos alimentares e, assim, promova a segurança e higiene alimentar, uma informação transparente e verdadeira sobre os produtos, a fitossanidade e a saúde e o bem-estar animal.

4.1.1.

O CESE apoia veementemente a exigência de a UE garantir a máxima segurança da cadeia alimentar europeia, fornecendo, através da EFSA, o melhor aconselhamento científico possível aos responsáveis pela gestão dos riscos, comunicando ao público os riscos com clareza e transparência e cooperando com os Estados-Membros e outros organismos, a fim de assegurar um sistema de segurança alimentar coerente e fiável. Assim, seria útil:

rever as regras aplicáveis aos procedimentos de autorização para os tornar mais coerentes e eficientes e acelerar o acesso ao mercado;

rever as isenções e as normas simplificadas aplicáveis às microempresas, em conformidade com um elevado nível de proteção da saúde pública;

reavaliar o impacto das autorizações existentes que agravam o volume de trabalho da EFSA;

simplificar os processos, a fim de assegurar maior transparência.

4.2.

O CESE considera indispensável garantir a manutenção de um elevado nível de independência face a condicionalismos externos e da máxima competência científica na EFSA, otimizando a sua capacidade de avaliação dos riscos, para assegurar a sustentabilidade do sistema de avaliação da UE.

4.3.

O CESE recorda que, graças à legislação da UE, os cidadãos europeus dispõem de normas de segurança alimentar consideradas das mais exigentes a nível mundial. Por isso, o CESE sustenta que é absolutamente indispensável não só garantir níveis elevados e fiáveis de análises científicas independentes, uma total transparência e uma comunicação interativa no decurso de todo o processo de avaliação dos riscos com o pleno envolvimento e a partilha de responsabilidades de todos os Estados-Membros mas também, e sobretudo, uma ação forte e determinada sobre os mecanismos de perceção dos riscos por parte da sociedade civil.

4.4.

Na opinião do CESE, é essencial proporcionar aos consumidores produtos alimentares seguros e manter a sua confiança, a fim de assegurar uma relação positiva e fiável com os cidadãos e resultados positivos no mercado agroalimentar.

4.5.

A comunidade científica deve confiar no papel desempenhado pela EFSA em matéria de segurança alimentar e os pareceres devem constituir referências-chave para garantir a segurança dos produtos alimentares comercializados.

4.6.

O CESE considera que a EFSA é a mais bem colocada para desenvolver uma comunicação dos riscos adequada, mediante uma linguagem facilmente compreensível, para que os utilizadores possam entender os resultados e as conclusões de forma clara e transparente, assegurando, simultaneamente, níveis adequados de confidencialidade e de respeito pelos direitos de propriedade intelectual de modo a não comprometer a inovação e a concorrência.

4.7.

O reforço da coordenação entre os avaliadores dos riscos, os gestores dos riscos, os Estados-Membros e as partes interessadas, com base em princípios de comunicação previamente acordados, constitui uma condição necessária, embora não suficiente, para garantir que a comunicação dos riscos de determinados alimentos seja compreensível, apropriada, atempada e coerente na perspetiva dos diversos destinatários.

4.7.1.

Na opinião do CESE, é necessário melhorar substancialmente a perceção que os consumidores têm dos riscos a que estão sujeitos ao consumirem um produto alimentar, em termos de propagação da nocividade, da orientação cultural da alimentação e de modelos de consumo alimentar.

4.7.2.

O CESE considera que o futuro plano geral estratégico europeu de comunicação dos riscos representa — se acompanhado de um conjunto de medidas operacionais adaptadas aos diversos contextos — o elemento-chave para a avaliação da capacidade de todas as entidades responsáveis aos vários níveis de darem respostas eficazes, atempadas e adequadas às expectativas dos cidadãos no domínio da segurança, da transparência e da fiabilidade da cadeia alimentar.

4.7.3.

As incertezas devem ser reconhecidas e descritas, assinalando eventuais lacunas nos dados ou nas questões ligadas a metodologias de análise não harmonizadas. A este respeito, importa que as entidades responsáveis pela comunicação transmitam mensagens coerentes entre si e que os canais de comunicação sejam interativos e objeto de verificação mediante um acompanhamento contínuo da sua eficácia.

4.7.4.

O CESE considera também indispensável que as medidas de comunicação sejam acompanhadas de campanhas de luta contra a desinformação e as falácias para impedir que análises dos riscos corretas sejam utilizadas de forma enganadora com o intuito de travar a inovação, sobretudo das PME.

4.7.5.

Importa intensificar a coordenação com as autoridades e agências nacionais para assegurar um sistema de alerta eficaz e a coerência na comunicação e estabelecer um diálogo estruturado e sistemático com a sociedade civil, ao qual o CESE poderá dar um contributo útil e concreto através das suas estruturas específicas dedicadas aos sistemas alimentares sustentáveis.

4.7.6.

Por fim, é também necessário promover a coordenação e a cooperação a nível internacional com os nossos maiores parceiros comerciais, sobretudo no âmbito dos acordos de comércio livre, para definir orientações comuns em matéria de avaliação dos riscos e desenvolver critérios metodológicos de avaliação harmonizados, em consonância com a cobertura dos riscos globais através do Codex Alimentarius.

4.8.

Do mesmo modo, é necessário que a EFSA assuma a responsabilidade pelo fornecimento de indicações e informações claras, capazes de orientar com certeza e previsibilidade as empresas requerentes.

4.9.

Nessa medida, para dispor de todos os elementos fundamentais sobre uma determinada matéria, a EFSA deve fomentar o diálogo com as empresas quando da análise dessa matéria, fornecendo os dados iniciais de que dispõe e completando-os com as informações transmitidas pelas empresas implicadas.

4.10.

O CESE considera que é necessário reforçar a independência dos reguladores, que apoiam o trabalho da EFSA, para que os decisores e o público tenham presente a importância de dados de elevada qualidade, independentemente da sua fonte. Um maior controlo público das funções da EFSA em matéria de avaliação dos riscos, logo numa fase precoce do processo, como é o caso no âmbito de uma abordagem de compromisso com as partes interessadas, garante atualmente uma melhor relação com todas as partes interessadas.

4.11.

O CESE preconiza procedimentos mais agilizados e transparentes, que garantam, ao mesmo tempo, um justo equilíbrio dos desafios a enfrentar em matéria de respeito pelos direitos de propriedade intelectual dos proprietários dos dados.

4.12.

O CESE apoia o recente apelo do Fórum Consultivo da EFSA para mais investimento público na investigação em matéria de segurança alimentar, para evitar que a investigação financiada pela indústria favoreça interesses distintos do interesse público e para assegurar a plena confiança dos consumidores na avaliação dos riscos alimentares na UE.

4.13.

No que se refere à governação da EFSA, o CESE apoia a proposta de uma maior participação dos Estados-Membros na estrutura de gestão e nos painéis científicos da EFSA, aproximando assim a composição do Conselho de Administração da EFSA das normas estabelecidas na Abordagem Comum sobre as agências descentralizadas, paralelamente ao reforço de um diálogo estruturado com a sociedade civil.

5.   Observações na especialidade

5.1.

O CESE é favorável à proposta de criação de um registo dos estudos, desde que seja facilmente acessível em linha e inclua a identificação dos peritos e dos laboratórios certificados em causa, as declarações sob juramento de ausência de conflitos de interesse, a descrição dos objetivos e da complexidade do estudo, os recursos técnicos e financeiros utilizados e as suas fontes, os prazos e as modalidades de comunicação interativa adotadas, assim como os eventuais estudos de verificação exigidos.

5.2.

O ato legislativo de referência para as normas de laboratório é a Diretiva 2004/10/CE relativa às boas práticas de laboratório (BPL), elaboradas pela OCDE (11). É essencial que a legislação e o funcionamento dos laboratórios no domínio da segurança alimentar (12) sejam acompanhados de sistemas de auditoria ao tratamento dos dados, para garantir que os estudos estejam de acordo com a realidade.

5.3.

O CESE considera que é necessário aplicar o acordo entre a EFSA e o Centro Comum de Investigação (CCI), nomeadamente no que diz respeito às atividades conjuntas sobre géneros alimentícios e alimentos para animais, aos métodos alternativos de proteção dos animais, à exposição combinada a substâncias e misturas químicas e à recolha de dados de base para as avaliações do risco. Em especial, a EFSA e o CCI devem desenvolver metodologias de análise científica harmonizadas, que assegurem a qualidade, a transparência, a comparabilidade, a inclusividade e a equidade entre todas as partes interessadas.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 268 de 14.8.2015, p. 1.

(2)  Ver http://ec.europa.eu/citizens-initiative/public/initiatives/successful/details/2017/000002.

(3)  Cf. Executive Summary of the Refit Evaluation of the General Food Law (Regulation (EC) No 178/2002) [Resumo da avaliação REFIT da legislação alimentar geral (Regulamento (CE) n.o 178/2002)] {SWD(2018) 38 final}.

(4)  Ver SWD(2018) 37 final de 15 de janeiro de 2018.

(5)  JO C 268 de 14.8.2015, p. 1.

(6)  JO C 268 de 14.8.2015, p. 1.

(7)  Idem.

(8)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 18.

(9)  Carta do provedor de Justiça europeu https://www.ombudsman.europa.eu/cases/correspondence.faces/en/91373/html.bookmark

(10)  Idem.

(11)  Princípios da boa prática de laboratório da OCDE.

(12)  Ver o Regulamento (CE) n.o 882/2004.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/165


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a práticas comerciais desleais nas relações entre empresas na cadeia de abastecimento alimentar»

[COM(2018) 173 final]

(2018/C 440/28)

Relator:

Peter SCHMIDT

Consulta

Conselho da União Europeia, 30.4.2018

Parlamento Europeu, 2.5.2018

Base jurídica

Artigos 43.o, n.o 2, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Mesa

22.5.2018

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

172/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1

As práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar têm origem em desequilíbrios de poder entre operadores ao longo da cadeia e conduzem a efeitos nefastos nos planos económico, social e ambiental. O CESE acolhe com agrado a proposta da Comissão que visa reduzir a ocorrência de práticas comerciais desleais, encarando-a como um primeiro passo necessário para proteger os operadores mais fracos, nomeadamente os agricultores, os trabalhadores e determinados operadores, e melhorar a governação da cadeia de abastecimento alimentar. A forma de combater eficazmente as práticas comerciais desleais a nível da UE é através de uma abordagem regulamentar e um quadro legislativo dotados de mecanismos de execução sólidos e eficazes.

1.2

O CESE lamenta, porém, que a Comissão apenas tenha introduzido um nível mínimo comum de proteção em toda a UE, limitando-se a proibir determinadas práticas comerciais desleais. Impõe-se a proibição de todas as práticas abusivas.

1.3

No que se refere à limitação da proteção contra práticas comerciais desleais unicamente aos fornecedores PME, no que diz respeito às vendas destes a compradores que não sejam PME, o CESE considera que tal proteção não é suficiente para resolver eficazmente o problema dos desequilíbrios de poder nem terá um impacto significativo. A proteção deve ser alargada a todos os operadores — grandes e pequenos, dentro e fora da UE. Mesmo quando grandes operadores são vítimas de práticas comerciais desleais, o efeito económico faz-se frequentemente sentir nos intervenientes seguintes na cadeia, nomeadamente nos mais fracos.

1.4

No que respeita à execução, o CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão de criar uma rede de autoridades executoras harmonizada ao nível da UE. No entanto, os mecanismos de execução devem igualmente ser reforçados, por exemplo, através de um procedimento específico de recurso a um provedor de justiça, de ação coletiva e de aplicação da lei pelas autoridades, a fim de proteger o anonimato do queixoso. Tais mecanismos devem também ser acompanhados da possibilidade de introduzir sanções. Para facilitar o processo de reclamação, e num esforço de conferir maior equidade às negociações, os contratos por escrito devem ser obrigatórios.

1.5

O CESE recomenda que a Comissão, para além de combater as práticas comerciais desleais, incentive e apoie modelos de negócio que contribuam não só para tornar a cadeia de abastecimento sustentável (por exemplo, encurtando-a, aumentando a transparência, etc.), mas também para assegurar o seu reequilíbrio e melhorar a sua eficiência, a fim de reforçar o equilíbrio de poder.

1.6

Por último, mas não menos importante, o CESE reafirma que a promoção de práticas comerciais mais justas deve ser parte integrante de uma política alimentar da UE abrangente, tendente a garantir que a cadeia de abastecimento alimentar seja mais sustentável do ponto de vista económico, social e ambiental, com vista à implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

2.   Introdução

2.1

As práticas comerciais desleais são definidas como «práticas [comerciais] que se desviam […] da boa conduta comercial, são contrárias à boa-fé e às práticas comerciais leais e são impostas unilateralmente por um parceiro comercial a outro» (1). A cadeia de abastecimento alimentar é particularmente vulnerável às práticas comerciais desleais, devido a fortes desequilíbrios entre pequenos e grandes operadores. As práticas comerciais desleais podem ocorrer em todas as fases da cadeia de abastecimento, e quando ocorridas a um nível da cadeia podem ter repercussões noutras partes da mesma, consoante o poder de mercado das partes envolvidas (2).

2.2

Tal como descrito em pormenor no parecer do CESE — Uma cadeia de abastecimento agroalimentar mais justa, adotado em outubro de 2016 (3), a concentração do poder negocial conduziu ao abuso de posições dominantes, o que torna os operadores mais fracos cada vez mais vulneráveis às práticas comerciais desleais. Esta situação transfere risco económico do mercado para a cadeia de abastecimento e tem um impacto particularmente negativo nos consumidores e em alguns operadores, por exemplo agricultores, trabalhadores e PME. O problema das práticas comerciais desleais foi reconhecido por todas as partes interessadas da cadeia de abastecimento alimentar, tendo sido referido que a maioria dos operadores já se confrontou com práticas comerciais desleais (4).

2.3

Importa destacar, em especial, o impacto nos consumidores. A pressão sobre os preços força as empresas transformadoras de produtos alimentares a operar com os menores custos possíveis, o que pode afetar a qualidade dos alimentos disponibilizados aos consumidores, bem como a segurança dos alimentos. A fim de reduzir os custos, em alguns casos, as empresas utilizam matérias-primas mais baratas, o que afeta a qualidade e o valor dos géneros alimentícios — por exemplo, o uso de gorduras trans em muitos produtos, em substituição de óleos e gorduras mais saudáveis provenientes da Europa (5).

2.4

A pressão sobre os operadores mais fracos da cadeia de abastecimento alimentar está a aumentar. De acordo com recentes dados do Eurostat, a percentagem do valor acrescentado bruto dos retalhistas continua a aumentar. Esta situação resulta de uma elevada concentração dos setores retalhista e transformador na cadeia de abastecimento alimentar, devido a uma interpretação errada da legislação em matéria de cartéis. Afigura-se, pois, necessário melhorar o funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar, de modo a garantir uma distribuição justa das receitas em toda a cadeia de abastecimento. No entanto, a importância dos retalhistas não pode ser subestimada, tendo em conta o seu papel no fornecimento de produtos de consumo diário.

2.5

Combater as práticas comerciais desleais é uma das pedras basilares para a melhoria do funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar, a par da redução da volatilidade dos preços nos mercados e do reforço do papel das organizações de produtores. O Parlamento Europeu, numa resolução (6) adotada em junho de 2016, instou a Comissão a apresentar uma proposta sobre um quadro jurídico relativo às práticas comerciais desleais — apelo esse subscrito em outubro de 2016 pelo CESE e em novembro de 2016 pelo Grupo de Missão para os Mercados Agrícolas.

2.6

Vinte Estados-Membros já tomaram várias iniciativas legislativas para combater práticas comerciais desleais. Juntamente com a Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI), estas iniciativas têm sensibilizado para a questão da relação de poder desigual na cadeia de abastecimento alimentar. No entanto, até aqui, foram poucas as abordagens nacionais ou voluntárias que lograram resolver o problema das práticas comerciais desleais. A Comissão decidiu apresentar uma proposta legislativa específica em abril de 2018, na qual reconheceu que a multiplicidade de normas relativas a práticas comerciais desleais nos Estados-Membros ou a ausência de tais normas são suscetíveis de prejudicar o objetivo de garantir um nível de vida equitativo à população agrícola (7).

3.   Proposta da Comissão

3.1

Com a sua proposta de diretiva, a Comissão pretende reduzir a ocorrência de práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar, mediante a introdução de um nível mínimo comum de proteção em toda a UE, que consiste numa lista de práticas comerciais desleais proibidas específicas, nomeadamente, atrasos no pagamento de produtos alimentares perecíveis, cancelamentos de última hora de encomendas, alterações unilaterais ou retroativas das condições contratuais e a imposição ao fornecedor da obrigação de pagar pelos produtos desperdiçados. Outras práticas só serão autorizadas sob reserva de um acordo prévio claro e não ambíguo entre as partes: a devolução, pelo comprador ao fornecedor, de produtos alimentares que não tenha vendido; a exigência, pelo comprador ao fornecedor, de um pagamento para assegurar ou manter um acordo de fornecimento de produtos alimentares; o pagamento, pelo fornecedor, de ações de promoção à comercialização de produtos alimentares vendidos pelo comprador.

3.2

A proteção contra práticas comerciais desleais apenas se aplica às vendas de produtos alimentares por fornecedores que são pequenas e médias empresas (PME) a compradores que o não são (8).

3.3

Além disso, a proposta da Comissão prevê que os Estados-Membros designem uma autoridade pública responsável pela observância das novas regras. Constatada uma violação, o órgão responsável terá competência para aplicar uma sanção proporcional e dissuasiva. Esta autoridade executora poderá iniciar inquéritos por iniciativa própria ou com base numa reclamação. Neste caso, as partes queixosas poderão solicitar a confidencialidade e o anonimato, a fim de proteger a sua posição em relação aos seus parceiros comerciais. A Comissão estabelecerá e promoverá igualmente um mecanismo de coordenação entre as autoridades executoras, de modo a permitir o intercâmbio de boas práticas.

4.   Observações na generalidade

4.1

O CESE acolhe com satisfação a proposta da Comissão, encarando-a como um primeiro passo crucial para dar início a um processo legislativo de regulação das práticas comerciais desleais em toda a UE, conforme recomendou vivamente no seu parecer de 2016. Trata-se de uma medida necessária para proteger os operadores mais fracos da cadeia de abastecimento alimentar, nomeadamente, os agricultores e os trabalhadores, e tornar o seu rendimento menos volátil e mais estável. A proposta contribui, em especial, para dar resposta à sua falta de poder de negociação, melhorando assim a governação da cadeia de abastecimento alimentar.

4.2

No seu documento, a Comissão reconhece que é improvável que a Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI), lançada a nível da UE, evolua para um quadro de governação amplo, que tornasse supérfluas as medidas legislativas, incluindo ao nível da execução (9). Neste contexto, o CESE reitera que a SCI e outros sistemas voluntários nacionais podem, efetivamente, ser úteis para complementar — e não para substituir — os mecanismos sólidos e eficazes de execução da legislação a nível dos Estados-Membros (10).

4.3

O CESE saúda igualmente a promoção de uma rede de autoridades executoras harmonizada ao nível da UE, tal como recomendou no seu parecer anterior. Garantir uma cooperação eficaz entre as autoridades executoras é crucial para combater as práticas comerciais desleais transnacionais, que, de outro modo, poderiam não ser alvo de qualquer contestação.

4.4

O CESE lamenta, contudo, que a Comissão tenha adotado uma abordagem de harmonização mínima, que não é suficiente para combater todas as práticas abusivas que ocorrem ao longo da cadeia de abastecimento alimentar. Em concreto, o Comité lamenta profundamente que os compradores sejam os únicos a poder cometer práticas abusivas e que apenas um número restrito de práticas comerciais desleais seja proibido neste contexto, conforme se explica adiante, no ponto 5.

4.5

O CESE também questiona a proposta da Comissão de limitar a proteção contra práticas comerciais desleais unicamente aos fornecedores PME, no que diz respeito às vendas destes a compradores que não sejam PME. Para ser eficaz e bem-sucedida, a proteção contra práticas comerciais desleais deve ser aplicável a todos os intervenientes da cadeia de abastecimento alimentar, independentemente da sua dimensão, de modo a ter impacto em todas as relações comerciais. No entanto, o CESE reconhece a vulnerabilidade das PME. A proposta também não aborda a questão do poder de negociação desigual e da dependência económica, que não coincide necessariamente com a dimensão económica dos operadores.

4.6

O âmbito de aplicação da proposta não é suficientemente amplo e deveria abranger igualmente os produtos agrícolas não alimentares, nomeadamente os produtos hortícolas, bem como os alimentos para animais.

4.7

Combater as práticas comerciais desleais é uma pedra basilar (a par da redução da volatilidade do mercado e do reforço do papel das organizações de produtores) para tornar a cadeia de abastecimento alimentar mais sustentável do ponto de vista económico, social e ambiental. O CESE reafirma que a promoção de práticas comerciais mais justas deve ser parte integrante de uma política alimentar da UE abrangente, orientada para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Tal política abrangente deve, mais concretamente, garantir preços justos aos produtores, para que a agricultura continue a ser uma atividade viável (11).

4.8

Embora extravasando o âmbito da proposta da Comissão, o CESE chama novamente a atenção para a necessidade de promover uma maior apreciação do valor dos alimentos pela sociedade no seu conjunto, e apoiaria o lançamento, em toda a UE, de uma campanha de informação e sensibilização sobre «o valor dos alimentos» (12) e sobre a redução do desperdício alimentar, em colaboração com organizações interessadas.

5.   Observações na especialidade

Lista das práticas comerciais desleais proibidas

5.1

As práticas comerciais desleais podem ser definidas, em termos gerais, como práticas que se desviam significativamente da boa conduta comercial e são contrárias à boa-fé e às práticas comerciais leais (13). Tal inclui igualmente todas as práticas em que ocorre uma transferência de riscos injustificada ou desproporcionada para uma parte contratante.

5.2

A Comissão proibiu apenas um número específico de práticas comerciais desleais. O CESE, como já recomendara no seu parecer anterior, reitera a necessidade de proibir todas as práticas desleais, por exemplo (mas não exclusivamente), as que se seguem:

transferência injusta do risco comercial;

condições contratuais obscuras ou ambíguas;

modificações unilaterais e retroativas das condições contratuais, incluindo do preço;

menor qualidade dos produtos ou informação dos consumidores sem comunicação, consulta ou acordo dos compradores;

contribuições para custos de promoção ou de comercialização;

atrasos no pagamento;

comissões de admissão e fidelização;

cobrança de taxas pelo espaço de prateleira;

requisitos para produtos desperdiçados ou não vendidos;

utilização de especificações estéticas para justificar a rejeição de remessas de géneros alimentícios ou reduzir o preço pago pelos mesmos;

pressão para reduzir os preços;

cobrança de pagamentos por serviços fictícios;

cancelamento de encomendas e redução do volume previsto de última hora;

ameaças de retirada dos produtos da prateleira;

taxas fixas cobradas pelas empresas aos fornecedores como condição para assegurar a sua inclusão numa lista de fornecedores («pagar para ficar»).

Deve ser concedida aos Estados-Membros a possibilidade de alargarem esta lista, de acordo com a situação específica no seu país.

5.3

O CESE apela para que seja imposta aos retalhistas do setor alimentar a proibição efetiva de praticarem preços abaixo do preço de custo (14). Em especial, o CESE recomenda que os fornecedores, assim como os agricultores, recebam pela venda dos seus produtos um preço justo e equitativo, que assegure aos fornecedores um rendimento adequado que lhes permita investir, inovar e produzir de modo sustentável.

5.4

Todas as práticas comerciais desleais expressamente proibidas na proposta da Comissão dizem respeito a situações em que há um contrato preexistente. No entanto, é muito mais frequente que casos de pressão sobre operadores ocorram antes da assinatura de um contrato. A lista de práticas comerciais desleais proibidas deve, pois, ser alargada de modo a incluir, por exemplo, o caso de uma empresa (com poder de mercado) que exige que outra empresa lhe atribua vantagens sem qualquer razão objetivamente justificada [ver também o n.o 19, segundo parágrafo, ponto 5, da Lei alemã relativa às restrições à concorrência (GWB)]. Esta disposição da legislação anti-trust alemã revelou-se um meio adequado para combater o abuso do poder dos compradores. A decisão do Tribunal Federal de Justiça da Alemanha (BGH) no processo «Hochzeitsrabatte» (desconto de casamento) ilustra cabalmente este facto, no contexto da relação entre um poderoso retalhista de produtos alimentares alemão e os seus fornecedores (15).

Definição de PME

5.5

A limitação da proteção contra práticas comerciais desleais unicamente aos fornecedores PME não é suficiente para resolver eficazmente o problema dos desequilíbrios ao longo da cadeia de abastecimento alimentar. O CESE chama a atenção para o «efeito dominó» que pode ser criado quando os grandes operadores são vítimas de práticas comerciais desleais, as quais têm um efeito negativo manifesto independentemente de quem é o responsável. O efeito económico é inevitavelmente exercido nos intervenientes mais fracos na cadeia, ou seja, os agricultores, os trabalhadores, determinados operadores e também os consumidores.

5.6

Outro argumento a favor do alargamento da proteção é o de que os grandes operadores, em especial, podem discriminar as PME e excluí-las da cadeia de abastecimento, devido ao risco de receberem reclamações. Neste contexto, o CESE reconhece uma vez mais a vulnerabilidade das PME.

Execução da lei

5.7

Com vista a uma aplicação eficaz da lei, importa estabelecer uma distinção entre a aplicação do direito privado (ainda não prevista na proposta da Comissão) e a aplicação da lei pelas autoridades. Cabe salientar à partida que há que ter suficientemente em conta o direito do queixoso ao anonimato, uma vez que muitas empresas hesitariam em tomar medidas contra os abusos por medo de represálias, como a exclusão ou retirada dos produtos da prateleira (o «fator medo»).

5.7.1

Aplicação do direito privado

Em relação à aplicação do direito privado, a parte interessada deve ter acesso a ações inibitórias de cessação e de eliminação, bem como a pedidos de indemnização. Contudo, devido ao «fator medo», tais meios de recurso têm um peso bastante reduzido. Além disso, todas as associações interessadas deveriam poder requerer a aplicação de ações inibitórias de cessação e de eliminação. Isto garantiria uma proteção especial da parte interessada no que respeita ao anonimato, no caso de a prática comercial desleal afetar várias empresas (por exemplo, um operador do setor alimentar que exige que todos os seus fornecedores/compradores contribuam para a cobertura de custos adicionais incorridos).

A parte ou associação interessada deve poder optar entre a apresentação das reclamações perante um tribunal ou junto de um provedor de justiça. O recurso a um provedor de justiça teria a vantagem de o litígio não ter de ser conduzido em público. Deveria ser instituído um procedimento específico de acesso ao provedor de justiça. O provedor de justiça deveria também ser investido de poderes de decisão específicos. Os procedimentos voluntários não seriam, em muitos casos, eficazes nem se traduziriam em verdadeiras medidas corretivas.

Além disso, o CESE encoraja os operadores a desenvolverem iniciativas no sentido de promover uma mudança cultural e de melhorar a equidade na cadeia de abastecimento.

5.7.2

Aplicação da lei pelas autoridades

Devido ao «fator medo», a aplicação da lei pelas autoridades assume um papel particularmente importante neste domínio, exigindo, portanto, uma regulamentação adequada. Como tal, autoridades como a Comissão e as autoridades nacionais responsáveis pela concorrência devem dispor de amplos poderes de investigação e de execução. As regras em matéria de concorrência previstas no Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o (atual n.o 101) e 82.o (atual n.o 102) do Tratado, poderiam servir de exemplo para o efeito (o artigo 6.o da proposta de diretiva é, em comparação, muito mais fraco). O artigo 17.o do regulamento prevê, em concreto, inquéritos por setores económicos e por tipos de acordos. Se as autoridades fossem investidas do poder de cobrar impostos sobre os lucros, tal poderia ter um efeito dissuasivo adicional.

Cadeias de abastecimento alimentar alternativas

5.8

O CESE reafirma a importância de incentivar e apoiar a adoção de modelos comerciais alternativos que contribuam para encurtar a cadeia de abastecimento entre os produtores de alimentos e o consumidor final, inclusivamente plataformas digitais, e insiste em que o papel e a posição das cooperativas e das organizações de produtores devem ser reforçados, a fim de restabelecer o equilíbrio de poder (16). Esta questão deverá ser objeto de um futuro parecer do CESE.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Comissão Europeia, 2014.

(2)  Relatório do Grupo de Missão para os Mercados Agrícolas, novembro de 2016: https://ec.europa.eu/agriculture/sites/agriculture/files/agri-markets-task-force/improving-markets-outcomes_en.pdf

(3)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 130.

(4)  Comunicação da Comissão Europeia — Lutar contra as práticas comerciais desleais (PCD) nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar, de 15 de julho de 2014.

(5)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 130.

(6)  Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de junho de 2016, sobre práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar (2015/2065(INI)).

(7)  COM(2018) 173 final.

(8)  Definição de PME de acordo com o Regulamento (UE) n.o 1308/2013.

(9)  COM(2018) 173 final.

(10)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 130.

(11)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 18.

(12)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 130.

(13)  COM(2014) 472 final.

(14)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 130.

(15)  Ver: Bundesgerichtshof (BGH), 23.01.2018, KVR 3/17, Wirtschaft und Wettbewerb (WuW) 2018, 209 — Hochzeitsrabatte.

(16)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 130.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/171


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um plano plurianual para as unidades populacionais de peixes nas águas ocidentais e águas adjacentes, e para as pescarias que exploram essas unidades populacionais, que altera o Regulamento (UE) 2016/1139, que estabelece um plano plurianual para o mar Báltico, e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 811/2004, (CE) n.o 2166/2005, (CE) n.o 388/2006, (CE) n.o 509/2007 e (CE) n.o 1300/2008»

[COM(2018) 149 final — 2018/0074 (COD)]

(2018/C 440/29)

Relator único:

Gabriel SARRÓ IPARRAGUIRRE

Consulta pelo Conselho

12.4.2018

Consulta pelo Parlamento Europeu

16.4.2018

Base jurídica

Artigos 43.o, n.o 2, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Mesa

17.4.2018

Comissão competente

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

182/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que o estabelecimento de um plano plurianual é uma medida adequada para a gestão das águas ocidentais, embora devam ser tidas em conta as especificidades das pescarias realizadas nas águas ocidentais norte e nas águas ocidentais sul.

1.2.

O Comité entende que o regulamento em apreço deve estar em consonância com os objetivos da política comum das pescas (PCP) e, como tal, deve fazer referência à importância dos aspetos socioeconómicos na repartição das possibilidades de pesca.

1.3.

O CESE solicita que, através da regionalização, seja possível atualizar as listas de espécies abrangidas pelo regulamento em apreço, já que algumas delas dificultam a gestão das pescarias mistas devido às capturas reduzidas, ao estatuto de pesca acessória, ou mesmo à ausência de quotas em alguns Estados-Membros, sobretudo tendo em conta a entrada em vigor da obrigação de desembarcar e o surgimento do fenómeno de «espécies bloqueadoras» (choke species), que pode implicar, em alguns casos, a cessação das pescarias.

1.4.

O Comité insiste em que é necessário incrementar, através do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP), os recursos destinados à investigação científica de modo a aumentar o conhecimento da situação real das unidades populacionais, evitando assim, tanto quanto possível, a aplicação da abordagem de precaução e alcançando uma exploração sustentável destes recursos ao longo do tempo.

2.   Síntese da proposta da Comissão

2.1.

A proposta de regulamento objeto do presente parecer visa criar um plano de gestão único para as unidades populacionais de espécies demersais, incluindo as de profundidade, cujas pescarias têm lugar nas águas ocidentais.

2.2.

O referido plano garantirá que estas populações sejam exploradas no respeito dos princípios do rendimento máximo sustentável (RMS), mediante uma abordagem ecossistémica e em conformidade com a abordagem de precaução. Pretende-se, assim, contribuir para possibilidades de pesca estáveis, baseadas nas informações científicas mais recentes, e facilitar a introdução da obrigação de desembarcar.

2.3.

As unidades populacionais devem ser geridas em consonância com os intervalos FRMS (sendo F a mortalidade por pesca) recomendados pelo Conselho Internacional de Exploração do Mar (CIEM), de modo que as possibilidades de pesca de uma determinada espécie se situem na gama inferior do FRMS disponível, mas também é possível fixar possibilidades de pesca a níveis inferiores aos referidos intervalos ou, em determinadas condições e desde que a unidade populacional em causa se situe acima do RMS Btrigger (o ponto de referência da biomassa da população reprodutora), em conformidade com a gama superior do FRMS disponível nessa altura.

2.4.

As possibilidades de pesca devem, em qualquer caso, ser fixadas assegurando que exista uma probabilidade inferior a 5 % de a biomassa reprodutora descer abaixo do ponto de referência Blim (limite da biomassa).

2.5.

Na repartição destas possibilidades de pesca, os Estados-Membros devem tomar em consideração a composição provável das capturas dos navios que participam nas pescarias.

2.6.

É conferido à Comissão o poder de adotar, através de atos delegados, medidas técnicas relativas à características ou limitações das artes de pesca, a fim de melhorar a sua seletividade, reduzir as capturas indesejadas ou reduzir o seu impacto no ecossistema, e à fixação dos tamanhos mínimos de referência de conservação, assim como as medidas relativas à obrigação de desembarcar.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE considera que o estabelecimento de um plano plurianual é uma medida adequada para garantir a exploração dos recursos haliêuticos a médio e a longo prazo nas águas ocidentais.

3.2.

Não obstante, o Comité entende que devem ser tidas em conta, na elaboração do plano, as especificidades e diferenças das zonas de pesca nas águas ocidentais norte e nas águas ocidentais sul, em conformidade com as características distintas das frotas, das atividades de pesca (modos de pesca) e da duração das marés.

3.3.

O CESE reitera que o plano deve contribuir para alcançar todos os objetivos da PCP, pelo que a fixação das possibilidades de pesca deve ter em conta também os estudos de impacto socioeconómico e o limiar de viabilidade económica para cada um dos modos de pesca regulamentados, um elemento que não consta das disposições da proposta de regulamento.

3.4.

O Comité receia que a aplicação da abordagem de precaução quando não existem dados científicos suficientes possa ter consequências para determinadas pescarias e se traduza numa redução direta das possibilidades de pesca. Por esse motivo, o CESE solicita aos Estados-Membros e à Comissão Europeia que reforcem os recursos dedicados à investigação para aumentar o conhecimento sobre as referidas unidades populacionais. O CESE considera também que, se as avaliações científicas relativas às unidades populacionais não forem analíticas, os totais admissíveis de capturas (TAC) não devem ser reduzidos de forma significativa enquanto as respetivas avaliações não forem melhoradas.

3.5.

Nos casos das pescarias mistas em que se identificam problemas relacionados com espécies bloqueadoras, incluídas no plano, que possam obrigar à cessação da pesca das espécies-alvo principais, o CESE considera que é necessário estudar a possibilidade de excluir essas espécies bloqueadoras do sistema de TAC, propondo, através da regionalização, medidas alternativas de gestão que garantam o bom estado das suas unidades populacionais.

3.6.

As especificidades de algumas espécies e zonas exigem uma gestão das pescas que, para ser eficaz, deve facilitar a criação de subzonas de gestão dentro de uma divisão do CIEM. O Comité insta a Comissão a incluir esta possibilidade no regulamento em apreço.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O artigo 1.o apresenta uma lista de espécies que dificulta a gestão das pescarias mistas, uma vez que inclui espécies de profundidade, para as quais existe um regulamento próprio em matéria de TAC e de quotas, atualizados de dois em dois anos. O Comité entende, pois, que o referido artigo gera confusão. Estas espécies têm capturas reduzidas ou nulas em alguns Estados-Membros, sendo consideradas acessórias, como no caso do imperador (Beryx spp). Por outro lado, o goraz (Pagellus bogaraveo) da zona IXa apresenta um conjunto de especificidades relacionadas com as zonas de pesca (vertentes atlântica e mediterrânica, onde não há TAC nem quotas) e com a participação na pesca de frotas de países terceiros, pelo que, na opinião do CESE, não faz sentido incluí-lo na lista por não se saber em que medida esses países estão dispostos a alinhar a sua gestão pelos princípios e os interesses da UE.

4.2.

Também há espécies, como o robalo-legítimo (Dicentrarchus labrax) e o badejo (Merlangus merlangus) da zona IXa, que não estão sujeitas a um regime de TAC e quotas e, por esse motivo, o Comité considera que as referências a essas espécies devem ser suprimidas. Outras espécies, como o bacalhau-do-atlântico (Gadus morhua), o badejo (Merlangus merlangus) da zona VII ou a arinca (Melanogrammus aeglefinus), têm uma quota muito baixa para alguns Estados-Membros e podem, por conseguinte, ser claramente limitadoras para algumas frotas por serem consideradas espécies bloqueadoras. O Comité também considera necessário suprimi-las da lista.

4.3.

Observam-se ainda vários erros na definição e no alcance das unidades funcionais de lagostim (Nephrops norvegicus), o que, no entender do CESE, exige a sua revisão.

4.4.

O Comité considera que o cálculo das possibilidades de pesca em conformidade com o RMS, tal como previsto nos artigos 3.o, 4.o e 5.o, implica que se ponderem apenas variáveis associadas à conservação das unidades populacionais. O plano deve contribuir para alcançar todos os objetivos da PCP, definidos no artigo 2.o do Regulamento (UE) n.o 1380/2013, sem se concentrar apenas nas variáveis ambientais mas tendo também em conta as variáveis sociais e económicas, de forma a evitar variações bruscas nas possibilidades de pesca entre anos consecutivos.

4.5.

A fim de evitar que a gestão anual das possibilidades de pesca dificulte a aplicação de uma gestão plurianual e de promover a participação das partes interessadas na tomada de decisões, os colegisladores devem alterar o artigo 4.o da proposta de plano de gestão de modo a incluir uma base jurídica para a aprovação de regras de exploração coerentes com os princípios da PCP através da regionalização.

4.6.

O artigo 5.o, n.o 2, estabelece que se aplica a abordagem de precaução da gestão das pescas nos casos em que não existam informações científicas adequadas. O CESE propõe a criação de mecanismos eficazes no âmbito do plano, através do FEAMP, que possam reforçar a obtenção de informações cientificas num prazo e com uma periodicidade que permitam evitar o encerramento de pescarias.

4.7.

O artigo 9.o estabelece que, na repartição das possibilidades de pesca, os Estados-Membros devem tomar em consideração a composição provável das capturas dos navios que participam em pescarias mistas. O Comité considera que este princípio vai muito para além do previsto no artigo 17.o, relativo aos critérios para a repartição das possibilidades de pesca pelos Estados-Membros, do Regulamento (UE) n.o 1380/2013.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/174


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um plano plurianual de recuperação do espadarte do Mediterrâneo e que altera os Regulamentos (CE) n.o 1967/2006 e (UE) 2017/2107»

[COM(2018) 229 final — 2018/0109 (COD)]

(2018/C 440/30)

Relator único:

Gabriel SARRÓ IPARRAGUIRRE

Consulta pelo Parlamento Europeu

2.5.2018

Consulta pelo Conselho

14.5.2018

Base jurídica

Artigos 43.o, n.o 2, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da plenária

22.5.2018

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

181/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia, em linhas gerais, a proposta da Comissão, que visa transpor para o ordenamento jurídico da União Europeia a Recomendação 16-05 da Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (CICTA), que estabelece um plano plurianual de recuperação do espadarte do Mediterrâneo e cujo objetivo consiste em alcançar até 2031 um nível de biomassa da referida unidade populacional correspondente ao rendimento máximo sustentável (RMS), com uma probabilidade de, pelo menos, 60 %.

1.2.

O CESE constata que a Comissão não se limitou a transpor a referida recomendação da CICTA, tendo introduzido na sua proposta um conjunto de pontos que não constam da recomendação e que poderão colocar a frota europeia em situação de desvantagem concorrencial face às frotas de países terceiros ribeirinhos, como Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Turquia, que também se dedicam a este tipo de pesca. Assim, e para evitar que os empresários e os trabalhadores europeus sofram consequências socioeconómicas mais graves do que as que se fazem sentir nos restantes países, o CESE insta os colegisladores a terem em conta as observações específicas apresentadas a seguir.

1.3.

O CESE insta a Comissão, os Estados-Membros e os países ribeirinhos do Mediterrâneo a recorrerem a todos os meios necessários para erradicar totalmente as redes de emalhar de deriva, cuja utilização é proibida desde 1998, a fim de evitar a captura e a venda ilegal de espadarte do Mediterrâneo, o seu impacto no mercado e a concorrência desleal em relação à frota que cumpre as normas.

2.   Síntese da proposta da Comissão

2.1.

Dada a situação alarmante do espadarte do Mediterrâneo (Xiphias gladius), a CICTA adotou, na sua reunião anual de 2016, a Recomendação 16-05, a qual estabelece um plano de recuperação de quinze anos para esta espécie. A recomendação estabelece normas para a conservação, a gestão e o controlo da unidade populacional de espadarte do Mediterrâneo, a fim de se alcançar até 2031 um nível de biomassa correspondente ao RMS, com uma probabilidade de, pelo menos, 60 %.

2.2.

A proposta de regulamento objeto do presente parecer transpõe para o ordenamento jurídico da União Europeia a referida recomendação, que é diretamente aplicável desde 2017, para que a UE possa cumprir as suas obrigações internacionais e para conferir aos operadores segurança jurídica quanto às normas e obrigações a que estão sujeitos.

2.3.

Os principais elementos do plano de recuperação são: a fixação de um total admissível de capturas (TAC) de 10 500 toneladas, que será gradualmente reduzido; a fixação de um tamanho mínimo de referência para efeitos de conservação de 100 cm de comprimento da mandíbula inferior à furca ou de um peso vivo de 11,4 kg ou eviscerado e sem guelras de 10,2 kg; a fixação de um número máximo de 2 500 anzóis que podem ser calados ou mantidos a bordo; um período de encerramento de três meses de 1 de janeiro a 31 de março de cada ano; a limitação do número de navios autorizados e medidas de controlo análogas às existentes para o atum-rabilho.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE concorda com a necessidade de transpor para o ordenamento jurídico da União Europeia a Recomendação 16-05 da CICTA, razão pela qual apoia a iniciativa da Comissão.

3.2.

Não obstante, o Comité constata que a proposta da Comissão vai além da própria recomendação da CICTA e introduz novos requisitos que esta não prevê. Tendo em conta que a unidade populacional em questão não é explorada unicamente pela frota da UE, mas também por todos os países ribeirinhos do Mediterrâneo, seja no quadro de pescarias diretas, como Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Turquia, seja como capturas incidentais, o Comité não considera conveniente introduzir as referidas medidas suplementares de forma unilateral, uma vez que poderiam criar situações de discriminação da frota da UE e trazer aos operadores da União consequências socioeconómicas diferentes das dos outros países que participam nas pescarias.

3.2.1.

Tendo em vista futuras negociações, o Comité insta a Comissão a trabalhar mais intensamente com os países terceiros no âmbito da CICTA para alcançar acordos que, sem falsear a concorrência entre pescadores, acelerem a recuperação da biomassa e a sua transição para o nível de RMS.

3.3.

O Comité recorda à Comissão que a utilização de redes de emalhar de deriva para a captura de espadarte no Mediterrâneo é proibida desde 1998. Tendo em conta o impacto no estado da unidade populacional de espadarte do Mediterrâneo provocado pela utilização ilegal, por parte de alguns operadores, deste tipo de arte proibida e a concorrência desleal em relação aos operadores que cumprem as normas, o CESE solicita à Comissão, aos Estados-Membros e aos países ribeirinhos que utilizem todos os meios necessários para a sua total erradicação.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O artigo 8.o, que fixa uma limitação da capacidade por tipo de arte, não se limita a transpor o ponto 6 da recomendação da CICTA (que estabelece o seguinte: será aplicada uma limitação da capacidade durante o período de vigência do plano de recuperação; em 2017, as PCC (1) limitarão o número dos seus navios de pesca autorizados a pescar espadarte do Mediterrâneo ao número médio anual dos seus navios que pescaram, mantiveram a bordo, transbordaram, transportaram ou desembarcaram espadarte do Mediterrâneo entre 2013 e 2016; as PCC poderão, todavia, decidir utilizar o número dos seus navios que pescaram, mantiveram a bordo, transbordaram, transportaram ou desembarcaram espadarte do Mediterrâneo em 2016 se o referido número for inferior ao número médio anual de navios do período de 2013-2016; este limite será aplicável por tipo de arte aos navios de captura). A limitação só se aplica à opção que implique o número mais baixo de navios. Por este motivo, o Comité recomenda a utilização da redação literal do ponto 6 da Recomendação 16-05 da CICTA.

4.2.

O CESE considera que a redação do artigo 10.o, n.o 2, pode gerar confusão e levar à interpretação de que se propõe um encerramento completo da pesca com palangre, quando na realidade o que a recomendação da CICTA pretende é evitar a captura de juvenis de espadarte que seriam capturados com o anzol pequeno utilizado pelos navios que capturam atum-voador do Mediterrâneo. O Comité propõe, por conseguinte, a seguinte redação: «A fim de proteger o espadarte do Mediterrâneo, aplica-se à pesca dirigida ao atum-voador (Thunnus alalunga) do Mediterrâneo um período de encerramento de 1 de outubro a 30 de novembro de cada ano.»

4.3.

O artigo 14.o, n.o 2, é um dos artigos em que a Comissão é mais restritiva do que a própria recomendação da CICTA, uma vez que estabelece que «em viagens de mais de dois dias são autorizados a bordo dos navios de pesca 2 500 anzóis de substituição adicionais não montados». Em contrapartida, a recomendação, no seu ponto 18, permite anzóis montados. A proposta da Comissão criaria um problema operacional para os tripulantes dos navios, que têm cada vez mais obrigações a cumprir. Por esse motivo, o CESE recomenda que se elimine a expressão «não montados» do referido artigo e se utilize o estabelecido na própria recomendação, ou seja, que em viagens de mais de dois dias seja permitido levar a bordo um segundo conjunto de anzóis montados, desde que este esteja devidamente amarrado e estivado nos conveses inferiores para não poder ser utilizado facilmente.

4.4.

O artigo 18.o, n.o 2, estabelece que «[p]ara efeitos de controlo, a transmissão dos dados VMS (2) pelos navios de captura autorizados a pescar espadarte do Mediterrâneo não deve ser interrompida quando os navios se encontram no porto». O Comité considera que esta proposta pode implicar custos adicionais desnecessários para os pescadores e, por conseguinte, propõe que, com base no artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento de Execução (UE) n.o 404/2011 da Comissão, de 8 de abril de 2011, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1224/2009 do Conselho que institui um regime comunitário de controlo a fim de assegurar o cumprimento das regras da Política Comum das Pescas, se permita desligar o VMS no porto, desde que se garanta que este é desligado e ligado com o navio na mesma posição.

4.5.

No artigo 20.o, n.o 2, a Comissão volta a ir além do estabelecido na Recomendação 16-05 da CICTA. Com efeito, a Comissão propõe que haja observadores científicos em, pelo menos, 20 % dos palangreiros pelágicos que dirigem a pesca ao espadarte do Mediterrâneo. Em contrapartida, a recomendação da CICTA estabelece, no ponto 44, que cada PCC deve garantir que embarca observadores científicos nacionais em pelo menos 5 % dos seus palangreiros pelágicos de comprimento de fora a fora superior a 15 metros que dirigem a pesca ao espadarte do Mediterrâneo. O CESE considera injustificado e desproporcionado o aumento da cobertura para 20 %, nomeadamente no que diz respeito a navios de pequenas dimensões, com problemas de espaço e de custos, que teriam graves dificuldades em cumprir este requisito. Além disso, as frotas dos países terceiros continuariam a poder embarcar apenas 5 %. Por este motivo, o Comité recomenda que se mantenham os 5 % obrigatórios previstos pela CICTA.

4.6.

O artigo 24.o, n.o 2, estabelece que os capitães dos navios de pesca da União de comprimento de fora a fora inferior a 12 metros devem comunicar, pelo menos quatro horas antes da hora prevista de chegada ao porto, à autoridade competente do Estado-Membro um conjunto de informações. Tendo em conta os problemas que este requisito pode trazer à frota de pequena pesca em momentos pontuais, o CESE propõe que se acrescente uma frase que permita ao Estado-Membro alterar o pré-aviso de quatro horas em casos excecionais. Por exemplo, poderia aplicar-se uma redação semelhante à contida no artigo 31.o, n.o 3, do Regulamento (UE) 2016/1627 relativo ao plano de recuperação do atum-rabilho: «Caso os Estados-Membros sejam autorizados a aplicar um prazo de notificação mais curto do que aquele a que se referem os n.os 1 e 2 ao abrigo da legislação em vigor na União, as quantidades estimadas de atum-rabilho mantidas a bordo podem ser notificadas na hora assim determinada para a notificação prévia à chegada. Se a zona de pesca se situar a menos de quatro horas do porto, as quantidades estimadas de atum-rabilho mantidas a bordo podem ser alteradas a qualquer momento antes da chegada.»

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Partes Contratantes na Convenção da CICTA.

(2)  Sistema de monitorização dos navios.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/177


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores empresariais de serviços de intermediação em linha»

[COM(2018) 238 final — 2018/0112 (COD)]

(2018/C 440/31)

Relator:

Marco VEZZANI

Consulta

Parlamento Europeu, 28.5.2018

Conselho da União Europeia, 22.5.2018

Base jurídica

Artigos 114.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

190/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a proposta de regulamento da Comissão, que considera um primeiro passo importante para promover a equidade e a transparência para os utilizadores empresariais de serviços de intermediação em linha. Em especial, considera que esta proposta se reveste de grande importância, na medida em que regula, pela primeira vez, as relações B2B (empresa a empresa) no que se refere ao comércio eletrónico e recomenda a sua imediata aprovação, a fim de colmatar uma lacuna regulamentar evidente.

1.2.

O Comité considera, no entanto, que o referido regulamento não resolve, por si só, todos os problemas do mercado único digital e «não fecha o círculo». Com efeito, a «transparência», eixo fundamental do regulamento, não é suficiente, por si só, para regulamentar um mercado extremamente dinâmico e complexo como é o mercado digital, em que a desproporção de forças entre intervenientes globais e utilizadores empresariais (especialmente PME) só pode ser superada através da definição de fronteiras e relações mais claras entre as partes e do combate aos abusos de posição dominante. O CESE recomenda igualmente que o tema da dimensão social da digitalização seja abordado o mais rapidamente possível, ativando os processos de diálogo social. Do mesmo modo, merecem atenção as questões ligadas ao dumping fiscal, à economia e à propriedade dos dados com uma visão de conjunto, como de resto a Comissão tem já vindo a fazer noutros dossiês.

1.3.

O CESE recomenda a inclusão no regulamento da proibição de cláusulas de paridade de preços, que até à data vêm impedindo a concorrência, prejudicam as empresas e os consumidores e podem criar posições de oligopólio ou monopólio de grandes plataformas em linha. Na verdade, é essencial que os consumidores possam adquirir bens e serviços a preços mais baixos, que as empresas possam desenvolver com eficácia os próprios negócios através do seu sítio Web e que as novas plataformas em linha possam crescer e entrar num regime de concorrência leal com as já existentes.

1.4.

O CESE considera que qualquer tratamento diferenciado (por exemplo, ranking) em benefício de determinadas empresas (em especial mediante pagamento) deve não só ser especificado contratualmente aos utilizadores empresariais, como também ser claramente reconhecível pelos consumidores quando procuram produtos ou serviços em linha, através das expressões «anúncio patrocinado», «anúncio pago» ou similares. Igualmente fundamental é informar os utilizadores empresariais e os consumidores sobre os principais parâmetros de construção das classificações que determinam a classificação dos utilizadores empresariais.

1.5.

O Comité apoia a introdução de mecanismos de resolução extrajudicial de litígios e recomenda a identificação de critérios harmonizados que garantam a independência dos mediadores. O CESE considera que as câmaras de comércio, que já asseguram com eficácia esta atividade à escala nacional, podem ser uma opção válida. Igualmente importante é que os mecanismos destinados a implementar ações de caráter inibitório, que visam prevenir ou impedir a prática de atos que prejudicam os utilizadores empresariais, sejam simples, claros e pouco dispendiosos.

1.6.

O CESE considera que o Observatório da Economia das Plataformas em Linha da UE desempenhará um papel fundamental, quer na aplicação do regulamento em apreço, quer em todas as outras iniciativas legislativas que lhe estão associadas. Esse papel confere a este organismo, para além do valor técnico, um elevado valor político. O Comité, em resultado de um processo de reflexão baseado em numerosos pareceres sobre esta matéria, manifesta a sua disponibilidade para apoiar o trabalho do grupo de peritos com um delegado seu na qualidade de observador, que contribuirá para dar a conhecer a visão da sociedade civil organizada.

2.   Introdução

2.1.

As plataformas em linha e os motores de pesquisa são um elemento fundamental do ecossistema digital e influenciam significativamente a sua organização e funcionamento. Nos últimos anos, assumiram um papel central no desenvolvimento da rede, propondo novos «modelos sociais e económicos» com os quais orientam as escolhas e ações dos cidadãos e das empresas.

2.2.

O comércio eletrónico tem vindo a crescer exponencialmente na Europa. O volume de negócios das vendas a retalho em 2017 foi estimado em 602 mil milhões de euros (+14 % comparativamente a 2016). Tratava-se de um valor absolutamente consentâneo com as tendências de crescimento do ano anterior, com vendas na ordem dos 530 mil milhões de euros (+15 % em relação a 2015) (1).

2.3.

Segundo o Eurostat (2), em 2016, 20 % das empresas da UE-28 estavam ativas no comércio eletrónico. Estes dados ocultam grandes diferenças em função da dimensão da empresa. De facto, negoceiam em linha 44 % das grandes empresas, 29 % das médias empresas e apenas 18 % das empresas de pequena dimensão.

2.4.

Entre as empresas ativas no comércio eletrónico, 85 % fazem uso do seu sítio Web, mas o recurso a plataformas em linha está em constante crescimento, sendo esta opção já utilizada por 39 % das empresas (utilizadores empresariais(3). Estas percentagens devem-se a dois fatores: o crescente interesse pelo comércio eletrónico por parte das PME, que veem nas plataformas em linha um instrumento estratégico para penetrar no mercado digital, e o crescimento exponencial das plataformas colaborativas (social network) na marcação de tempos de vida real e virtual dos utilizadores.

2.5.

Embora mais de um milhão de PME europeias utilizem serviços de intermediação em linha, as plataformas que fornecem tais serviços são relativamente escassas, o que, por um lado, torna as PME totalmente dependentes de plataformas em linha e motores de pesquisa e, por outro lado, confere a estes últimos o poder de realizar ações unilaterais que lesam os interesses legítimos de empresas e consumidores.

2.6.

Segundo outro estudo da Comissão, quase 50 % das empresas europeias que operam em plataformas em linha deparam-se com problemas. Além disso, 38 % dos problemas que dizem respeito a relações contratuais ficam por resolver e 26 % são resolvidos com dificuldade (4).

2.7.

Os consumidores, em especial, sofrem indiretamente os efeitos da limitação de uma concorrência plena e leal. Esses efeitos manifestam-se em várias situações: desde a classificação não transparente de bens e serviços, até à falta de escolha resultante da baixa confiança das empresas no mercado digital.

2.8.

Os mecanismos de recurso para as empresas são limitados, pouco acessíveis e muitas vezes ineficazes. Não é por acaso que a grande maioria das empresas se concentra na venda em linha dos seus produtos no território nacional (93 %), principalmente devido à fragmentação legislativa que torna a resolução de litígios transfronteiriços longa e difícil (5).

2.9.

Até à data, a legislação europeia centrou-se na definição da relação entre empresas e consumidores no comércio em linha (B2C), nunca tendo abordado com determinação as relações entre empresas e plataformas em linha (B2B).

2.10.

Por esta razão, a Comissão incluiu na proposta de revisão da Estratégia para o Mercado Único Digital (6) a iniciativa de completar este aspeto da legislação europeia, com o objetivo de garantir equidade e transparência, evitando os abusos que decorrem do vazio regulamentar ou da fragmentação gerada pelas diferentes legislações nacionais.

3.   Síntese da proposta

3.1.

A proposta visa regulamentar os serviços de intermediação prestados por plataformas em linha e motores de pesquisa às empresas. Estão igualmente incluídos os serviços das aplicações de software em linha (app store) e os serviços em linha das plataformas colaborativas (social network).

3.2.

O regulamento aplica-se a todos os prestadores de serviços de intermediação em linha (sediados dentro ou fora da UE), desde que os utilizadores empresariais ou os utilizadores com sítios corporativos estejam sediados na UE e ofereçam os seus bens ou serviços a consumidores europeus, pelo menos em parte da transação. Concretamente, os consumidores devem estar situados na União, mas não precisam de aí ter o seu local de residência, nem de ter a nacionalidade de um Estado-Membro.

3.3.

Para garantir a equidade e a transparência, as plataformas devem informar as empresas de forma simples e clara sobre os termos e condições do contrato. Quaisquer alterações devem ser previamente notificadas, com uma antecedência de, no mínimo, 15 dias. Em particular, devem ser comunicados as modalidades de publicação dos anúncios e os critérios previstos para a suspensão e cessação do serviço.

3.4.

A proposta prevê igualmente que os parâmetros que determinam a classificação dos anúncios ou dos sítios sejam divulgados às empresas, mesmo quando estes são pagos. Qualquer tratamento diferenciado atribuído aos bens e serviços oferecidos aos consumidores pelos próprios prestadores de serviços em linha ou por utilizadores empresariais controlados pelos mesmos deve ser especificado nos termos e condições do contrato.

3.5.

A Comissão, com o objetivo de proteger melhor os direitos das pequenas empresas, prevê a criação, pelos prestadores de serviços em linha, de um sistema interno de tratamento de reclamações. As reclamações devem ser tratadas rapidamente e comunicadas sem ambiguidade aos utilizadores. Além disso, os prestadores de serviços deverão publicar relatórios periódicos sobre o número, o objeto e o prazo para o tratamento das reclamações, bem como sobre as decisões tomadas.

3.6.

Está igualmente previsto um sistema de resolução extrajudicial de litígios. Desta forma, uma empresa pode recorrer a um mediador indicado previamente pelo prestador de serviços, nos termos e condições do contrato.

3.7.

Os mediadores devem ser imparciais e independentes. Os prestadores de serviços são encorajados a promover a formação de associações de mediadores, especialmente para resolver litígios de caráter transfronteiriço.

3.8.

Os custos de conformidade afetarão principalmente os prestadores de serviços, ficando as PME isentas (7). As medidas acima referidas, que não impedem o recurso à via judicial, destinam-se a abordar e resolver os litígios de forma eficaz e atempadamente.

3.9.

O novo quadro regulamentar será sujeito a monitorização. Para o efeito, prevê-se a criação de um Observatório da Economia das Plataformas em Linha da UE (8), que fornecerá apoio à Comissão, quer para analisar a evolução do mercado digital, quer para avaliar o grau de implementação e o impacto do regulamento. Os resultados contribuirão para definir a revisão do regulamento, a realizar de três em três anos.

3.10.

A proposta estabelece o direito a instaurar ação inibitória por parte de organizações representativas, associações ou organismos públicos visando impedir ou proibir qualquer incumprimento por parte dos prestadores de serviços de intermediação em linha relativo às obrigações contidas no regulamento.

3.11.

A Comissão convida os prestadores de serviços em linha e as suas organizações representativas a elaborarem códigos de conduta, por forma a contribuir para a correta aplicação do regulamento, tendo especialmente em conta as necessidades das PME.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O CESE foi um dos primeiros defensores do desenvolvimento digital e dos processos económicos e sociais conexos. Em especial, o Comité, ciente dos riscos e das oportunidades associados à digitalização, sempre incentivou a Comissão a definir um enquadramento seguro, claro, transparente e justo para o mercado único digital.

4.2.

O CESE, tal como em pareceres anteriores (9), congratula-se com a proposta da Comissão no sentido de promover a equidade e a transparência dos serviços de intermediação em linha. Em especial, o Comité acolhe favoravelmente a abordagem flexível da proposta, uma vez que estabelecerá um quadro de referência claro para um setor em constante evolução, assegurando simultaneamente uma concorrência leal.

4.3.

O Comité considera esta iniciativa essencial para proteger as PME enquanto principais utilizadoras destes serviços (10), bem como para criar um quadro legislativo que garanta uma concorrência real e leal. É igualmente essencial que as PME possam maximizar as suas oportunidades de crescimento no mercado único digital, tanto através do seu próprio sítio Web como através de plataformas em linha.

4.4.

A este respeito, é importante ter em mente que a entrada no mercado digital é um desafio extremamente complexo para as PME. Com efeito, estas empresas precisam de alterar o seu sistema de produção e distribuição e de adquirir novas capacidades profissionais e competências especializadas, efetuando investimentos adequados, sem o que seriam automaticamente excluídas desse mercado, com repercussões negativas para a sua imagem. Assim, é necessário recorrer a instrumentos adicionais, inclusivamente financeiros, para acompanhar a transição.

4.5.

O Comité considera que as «cláusulas de paridade de preços» (também designadas «cláusulas de cliente mais favorecido») representam hoje um sério obstáculo ao desenvolvimento da concorrência leal e aberta no mercado único digital. Com efeito, estas cláusulas obrigam o utilizador empresarial a afixar, numa determinada plataforma em linha, a sua tarifa mais baixa quer em relação a outras plataformas em linha, quer em relação ao seu sítio Web. Isto gera uma grave distorção do mercado, uma vez que facilita o reforço das poucas plataformas em linha existentes (impedindo o desenvolvimento de novas plataformas), limita as oportunidades de acesso dos consumidores a preços mais baixos e vincula o utilizador empresarial àquela plataforma, impedindo-o de desenvolver a sua própria rede de distribuição direta aos consumidores. Esta prática já foi proibida em vários países da UE (11) por iniciativa das respetivas autoridades da concorrência, com resultados positivos para o funcionamento do mercado, beneficiando empresas e consumidores. Por estas razões, o CESE espera que as referidas cláusulas sejam proibidas em breve em toda a UE, eventualmente ao abrigo do regulamento em apreço.

4.6.

O CESE salienta que, até à data, grande parte do mercado dos serviços de intermediação em linha está nas mãos de um número reduzido de grandes operadores, muitos deles não europeus. Por conseguinte, é importante que, na fase de execução da legislação, seja monitorizada e garantida também a concorrência leal entre as plataformas em linha, bem como a possibilidade de novas plataformas, europeias em particular, ganharem espaço no mercado.

4.7.

O CESE verifica, com satisfação, que numerosos pedidos e recomendações formulados nos seus pareceres anteriores foram incluídos no regulamento. O Comité identifica, em especial, as fortes analogias e a continuidade no que respeita à transparência e clareza dos termos e condições contratuais, à explicitação dos parâmetros de classificação e de eventuais tratamentos diferenciados, à definição de mecanismos claros de reclamação e resolução extrajudicial de litígios, à responsabilização das plataformas em linha (códigos de conduta) e à monitorização dos processos (12). Regista, em particular, que qualquer tratamento diferenciado que beneficie bens ou serviços oferecidos (muitas vezes contra pagamento) deverá ser comunicado aos consumidores de forma clara e reconhecível.

4.8.

O Comité considera que a proposta se enquadra corretamente no quadro legislativo mais amplo do mercado único digital, ainda longe de estar concluído. Com efeito, a União Europeia apresenta níveis de desempenho inferiores aos dos seus principais concorrentes mundiais no que se refere ao número de utilizadores, de empresas e de transações em linha. O CESE insta, por conseguinte, a Comissão e os Estados-Membros a envidarem esforços suplementares para concluir a regulamentação de todo o setor do comércio eletrónico e, em sentido lato, da democracia eletrónica, de modo a tornar a Internet e o mercado digital locais seguros e geradores de oportunidades para todos.

4.9.

A economia dos dados é um elemento crucial do mercado digital. Em particular, o CESE considera que a propriedade dos dados não pode ser relegada apenas para um acordo contratual entre duas partes. Além disso, a transparência das informações prevista na proposta em apreço não resolve uma questão crucial, relacionada com a utilização que pode ser feita dos dados uma vez na posse de uma entidade privada. Por estas razões, o CESE recomenda que a Comissão aborde com urgência esta questão e a regulamente, no interesse primordial dos utilizadores e do próprio conceito de economia dos dados (13).

4.10.

O CESE considera que o mercado único digital deve assegurar condições equitativas para todos os agentes económicos em causa, sejam eles europeus ou não. Por este motivo, o Comité recomenda que a Comissão aborde todas as práticas comerciais desleais, como o dumping fiscal digital, estabelecendo que os impostos sobre os lucros devem ser pagos no local em que tem lugar a atividade económica correspondente (14) e ser consentâneos com o volume de negócios real (15). Note-se, por exemplo, que a plataforma «Airbnb» pagou, em França, 69 mil euros em impostos no ano de 2015, em comparação com cerca de 5 mil milhões de euros do conjunto do setor hoteleiro (16).

4.11.

O Comité considera essencial completar o quadro legislativo relativo a todo o setor do comércio eletrónico o mais rapidamente possível, a fim de criar garantias e proteções adequadas para todos os participantes no mercado único digital (17). O CESE considera, nomeadamente, essencial que se abordem os aspetos mais controversos da dimensão social da digitalização, incluindo: salários, contratos, condições e tempo de trabalho dos trabalhadores das plataformas em linha (18) ou que prestam serviços conexos (19). Para o efeito, recomenda-se que se iniciem rapidamente processos de diálogo social europeu (20). Além disso, tendo em conta o crescente número de atos legislativos destinados a regulamentar o setor, recomenda-se a elaboração de um «código dos direitos em linha dos cidadãos» (21).

5.   Observações na especialidade

5.1.

O CESE é favorável a uma definição lata do conceito de prestadores de serviços de intermediação em linha. Dada a evolução rápida e imprevisível da Internet e do comércio eletrónico, o Comité considera essencial regulamentar as modalidades e os tempos de gestão destes serviços, mais do que os operadores digitais que os fornecem, pois a natureza ou funções destes últimos pode alterar-se rapidamente em resultado do desenvolvimento rápido e imprevisível da rede (22).

5.2.

O Comité considera que a proposta em análise colmata um importante vazio legislativo e é fundamental para ultrapassar a fragmentação gerada pelas legislações nacionais, que até à data representam uma das primeiras fontes de dificuldades nos litígios transfronteiriços. O Comité considera também que a proposta se insere corretamente no quadro regulamentar já existente do mercado único digital e nos poucos regulamentos que já regem, de uma forma mais ou menos direta, as relações empresa a empresa (B2B). O abrangente quadro jurídico construído sobre os valores fundadores da UE parece garantir uma ampla margem de manobra para as instituições chamadas a garantir o cumprimento da legislação, assegurando-lhes uma capacidade efetiva de intervenção.

5.3.

O CESE é favorável à publicação pelos prestadores de serviços em linha dos principais parâmetros de classificação de anúncios e sítios Web. Todavia, o Comité salienta que essa iniciativa precisa de ser gerida com cautela, pois poderá promover a fraude por parte de utilizadores empresariais em detrimento de outras empresas ou consumidores, conduzindo a distorções do mercado.

5.4.

Os mediadores desempenharão um papel fundamental na resolução de litígios extrajudiciais. O CESE considera que as características dos mediadores e o modo como são recrutados não estão totalmente claros, assinalando as diferenças entre os vários Estados-Membros e recomendando a definição de critérios harmonizados que garantam a sua independência. O Comité propõe que se avalie a possibilidade de criar um registo profissional europeu, a fim de reforçar a confiança dos utilizadores empresariais. Ao mesmo tempo, propõe-se fazer uso do profissionalismo das câmaras de comércio e das atividades que estas já realizaram com êxito a nível nacional.

5.5.

O CESE congratula-se com a introdução de ações inibitórias para proteção dos utilizadores empresariais. Esse instrumento tem um valor crucial para superar o «fator medo» que é muitas vezes dissuasor para as pequenas empresas quando confrontadas com as grandes multinacionais do setor. O Comité considera, em particular, que os mecanismos criados para lançar essas ações devem ser claros, simples e pouco dispendiosos.

5.6.

O observatório será fundamental para acompanhar a evolução do mercado digital e a execução correta e cabal do regulamento. O CESE considera, nomeadamente, que os peritos devem ser selecionados com extrema cautela, assegurando-se a sua independência e imparcialidade. O Comité manifesta ainda a sua disponibilidade para apoiar o trabalho do grupo de peritos através de um delegado seu, na qualidade de observador, que contribuirá dando a conhecer a visão da sociedade civil organizada (23).

5.7.

Embora o instrumento do regulamento, acompanhado de um sistema harmonizado de sanções, seja considerado mais adequado, o CESE acolhe favoravelmente o convite aos prestadores de serviços em linha para que elaborem códigos de conduta que garantam a correta e cabal aplicação da legislação.

5.8.

O Comité salienta que ainda hoje vigoram, sobretudo nos Estados Unidos, práticas comerciais, seguidas por grandes plataformas, destinadas a colocar fora do mercado outros participantes, como no caso das entregas a custo zero em detrimento das empresas de entrega de encomendas. Aspetos como este poderão, a médio prazo, criar situações de oligopólio, com prejuízo para empresas e consumidores. O CESE insta, pois, a Comissão a acompanhar de perto estes processos.

5.9.

O CESE considera que esta proposta terá efeitos indiretos muito importantes tanto para os consumidores, oferecendo-lhes maior variedade de produtos e maior concorrência entre empresas, como para o emprego, gerado por um maior número de empresas a operar no mercado digital. Para esse fim, é igualmente importante que mesmo as pequenas plataformas digitais (por exemplo, plataformas cooperativas) possam encontrar o seu nicho no mercado em linha.

5.10.

O CESE reitera o seu apelo à Comissão e aos Estados-Membros para que apoiem os processos de inovação digital com estratégias de literacia digital adequadas, complementadas por percursos de educação e formação específicos, prestando especial atenção aos menores e aos indivíduos mais vulneráveis (24). Além disso, para reforçar a consciencialização dos utilizadores empresariais, é essencial envolver as organizações profissionais de modo a sensibilizar e apoiar atividades de formação específicas, com particular atenção para as PME, a fim de aproveitar plenamente as oportunidades oferecidas pelo mercado único digital.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  European E-commerce Report 2017 [Relatório sobre o Comércio Eletrónico na Europa 2017].

(2)  Eurostat, Estatísticas da economia e da sociedade digital — empresas, 2018.

(3)  Eurostat, Vendas na Internet por empresas da UE, 2018.

(4)  http://europa.eu/rapid/press-release_IP-18-3372_pt.pdf

(5)  Eurostat, Estatísticas do comércio eletrónico, 2017.

(6)  COM(2017) 228 final.

(7)  Recomendação 2003/361/CE.

(8)  O observatório será estabelecido em conformidade com a Decisão C(2018) 2393 da Comissão. Será composto por um mínimo de 10 e um máximo de 15 peritos independentes, selecionados através de concurso público. Os peritos permanecerão dois anos no cargo, desempenhando-o gratuitamente.

(9)  JO C 75 de 10.3.2017, p. 119, JO C 81 de 2.3.2018, p. 102, JO C 12 de 15.1.2015, p. 1 e JO C 271 de 19.9.2013, p. 61.

(10)  JO C 389 de 21.10.2016, p. 50.

(11)  Alemanha, França, Itália, Suécia, Bélgica, Áustria.

(12)  JO C 75 de 10.3.2017, p. 119; JO C 81 de 2.3.2018, p. 102.

(13)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 130; JO C 345 de 13.10.2017, p. 138.

(14)  JO C 75 de 10.3.2017, p. 119.

(15)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 73.

(16)  http://www.lastampa.it/2016/08/11/esteri/airbnb-in-francia-riscoppia-il-caso-tasse-KfgawDjefZxFdSNydZs8XP/pagina.html.

(17)  INT/845, Inteligência artificial/Impacto no trabalho, Franca Salis-Madinier e Ulrich Samm, 2018 (ver página 1 do presente Jornal Oficial).

(18)  JO C 125 de 21.4.2017, p. 10.

(19)  JO C 75 de 10.3.2017, p. 119.

(20)  JO C 434 de 15.12.2017, p. 30.

(21)  JO C 271 de 19.9.2013, p. 127.

(22)  JO C 75 de 10.3.2017, p. 119.

(23)  Decisão C(2018)2393 da Comissão, artigo 10.o.

(24)  JO C 173 de 31.5.2017, p. 45; JO C 173 de 31.5.2017, p. 1.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/183


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Combater a desinformação em linha: uma estratégia europeia» [COM

(2018) 236 final]

(2018/C 440/32)

Relator:

Martin SIECKER

Consulta

Comissão Europeia, 18.6.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do TFUE

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

121/16/34

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A liberdade de informação e de expressão é inviolável na UE, mas esta liberdade está a ser utilizada para negar os princípios da União, impossibilitar o debate e o pensamento crítico e servir de arma, em vez de como instrumento de informação ou persuasão. A desinformação é utilizada como uma forma extrema de abuso dos meios de comunicação social para influenciar os processos sociais e políticos, sendo particularmente poderosa quando é financiada pelos governos e utilizada nas relações internacionais. Entre os recentes casos mais graves contam-se, entre muitos outros, a desinformação financiada pelo Estado russo, a campanha do Brexit, que só pode ser classificada como um ataque frontal à UE, e a intervenção nas eleições nos EUA. Todas estas ações de desestabilização suscitam grandes preocupações para a sociedade civil europeia.

1.2.

Atualmente, estão a ser utilizados vários instrumentos e métodos para fragilizar os valores europeus e a ação externa da UE, bem como para desenvolver e suscitar atitudes nacionalistas e separatistas, manipular a opinião pública e interferir diretamente na política interna de países soberanos e de toda a União Europeia. Além disso, observa-se a influência crescente de capacidades cibernéticas ofensivas e um aumento da arsenalização das tecnologias para alcançar objetivos políticos. O impacto dessas ações é frequentemente subestimado (1).

1.3.

O CESE concorda com o apelo da Comissão para uma maior responsabilização das plataformas de redes sociais. No entanto, apesar de haver vários estudos e documentos de orientação política elaborados por especialistas europeus nos últimos anos, a comunicação não prevê quaisquer medidas práticas obrigatórias para garantir essa responsabilização.

1.4.

Com base na investigação disponível, a UE deve assegurar e prosseguir a investigação do impacto da desinformação na Europa, nomeadamente através da monitorização da resiliência dos cidadãos europeus face à desinformação nos futuros inquéritos do Eurobarómetro. Esses inquéritos devem incluir não só dados genéricos sobre as notícias falsas, mas também determinar o verdadeiro grau de imunidade dos europeus em relação à desinformação. A falta de sentido de urgência e de ambição da Comissão impede que sejam tratadas várias questões fundamentais, como estabelecer regimes de apoio aos meios de comunicação tradicionais para garantir o direito fundamental dos cidadãos a informações fiáveis e de qualidade, estudar a viabilidade da criação de parcerias público-privadas para criar plataformas digitais pagas que ofereçam serviços digitais seguros e a preços acessíveis, explorar as possibilidades de aumentar a transparência e o controlo dos algoritmos subjacentes a estes sistemas digitais, e analisar a possibilidade de desmantelar os monopólios para restabelecer condições de concorrência equitativas, a fim de prevenir a corrupção progressiva da sociedade.

1.5.

O CESE lamenta que nem a comunicação em apreço nem o relatório do grupo de peritos de alto nível mencionem a Rússia enquanto principal fonte de desinformação hostil à UE. No entanto, o primeiro passo para a resolução de qualquer problema é admitir a sua existência.

1.6.

Com base na Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de junho de 2017, sobre as plataformas em linha e o Mercado Único Digital (2), a Comissão faz referência aos apelos do CESE em prol da aplicação adequada das disposições jurídicas existentes relativas às plataformas digitais. O CESE convida também a Comissão a concluir o debate sobre o regime de responsabilidade jurídica das plataformas digitais e a aplicar uma regulamentação específica relativa à definição e às características das plataformas digitais. As plataformas digitais e as redes sociais devem comprometer-se a tomar medidas para assegurar a transparência, explicando o modo como os algoritmos selecionam as notícias apresentadas, e devem ser encorajadas a tomar medidas eficazes para melhorar a visibilidade das notícias fiáveis e fidedignas e facilitar o acesso dos utilizadores às mesmas.

1.7.

Um dos problemas da desinformação é o facto de ser impossível verificar a identidade das fontes que a propagam na Internet. É muito fácil operar no ciberespaço com uma identidade falsa — e, em geral, é exatamente isso que fazem as pessoas ativas na Internet com intenções maliciosas. A Comissão apresenta várias propostas, descritas na comunicação conjunta sobre a cibersegurança publicada em setembro de 2017. O problema é que estas propostas não são vinculativas. Para realmente fazer a diferença na luta contra a desinformação, podem ser necessárias medidas mais rigorosas em matéria de identificação quando as pessoas agem de forma proativa na Internet. Afinal, é assim que operam os meios de comunicação social de qualidade, em conformidade com a Declaração de Bordéus de 1954, que foi elaborada pela Federação Internacional de Jornalistas e estabelece princípios muito claros e rigorosos sobre o recurso a fontes. A equipa de redação deve conhecer sempre os nomes e endereços das fontes.

1.8.

O CESE concorda com a perspetiva da Comissão de que a comunidade de verificadores de factos deve trabalhar em estreita cooperação. Já existem redes semelhantes, uma das quais sob a alçada do Grupo de Trabalho East StratCom. O problema reside no facto de necessitarem de financiamento suficiente, o que atualmente não é o caso. O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a apoiarem plenamente os esforços desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho East StratCom. Tal deve incluir não só um orçamento adequado, mas também a participação ativa de todos os Estados-Membros no seu trabalho, mediante o envio de peritos destacados para o Grupo de Trabalho East StratCom e a criação de pontos de contacto. O sítio Web que apresenta os resultados dos esforços envidados por este grupo de trabalho (3) deve ser divulgado de forma mais proativa, a fim de aumentar a sensibilização da opinião pública na UE para as ameaças.

2.   Síntese da comunicação da Comissão

2.1.

O bom funcionamento de um ecossistema de informação livre e pluralista, baseado em elevadas normas profissionais, é indispensável a um debate democrático saudável. A Comissão está atenta às ameaças que a desinformação representa para as nossas sociedades abertas e democráticas.

2.2.

A Comissão pretende apresentar uma abordagem abrangente com vista a responder a essas ameaças, promovendo ecossistemas (4) digitais baseados na transparência e em informações de elevada qualidade, bem como a capacitação dos cidadãos contra a desinformação e a proteção das nossas democracias e dos processos de definição de políticas.

2.3.

A Comissão convida todas as partes interessadas a intensificarem consideravelmente os seus esforços no sentido de resolver de forma adequada o problema da desinformação. Considera que as ações propostas, se eficazmente aplicadas, contribuirão substancialmente para a luta contra a desinformação em linha.

2.4.

A Comissão identifica três causas principais para o problema (criação da desinformação, ampliação através das redes sociais e de outros meios de comunicação social em linha, divulgação pelos utilizadores de plataformas digitais) e apresenta um conjunto de propostas para o combater, em cinco domínios de intervenção:

Criar um ecossistema digital mais transparente, fiável e responsável;

Assegurar processos eleitorais seguros e resilientes;

Promover a educação e a literacia mediática;

Apoiar o jornalismo de qualidade como elemento essencial de uma sociedade democrática;

Combater ameaças de desinformação internas e externas através de comunicação estratégica.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O crescimento da desinformação organizada, criada por vários intervenientes estatais e não estatais, representa uma ameaça real para a democracia. Estas forças desestabilizadoras incluem os governos de países maiores do que qualquer Estado-Membro da União. A UE é a entidade adequada para combater esta ameaça porque, ao contrário de qualquer Estado-Membro por si só, dispõe de massa crítica e de recursos que a colocam numa posição única para desenvolver e implementar estratégias e políticas que respondam a este problema complexo.

3.2.

O funcionamento adequado da democracia depende de cidadãos bem informados que possam fazer escolhas criteriosas, com base em dados fiáveis e opiniões de confiança. Para tal é fundamental dispor de um sistema de empresas de comunicação social independentes, credíveis e transparentes, no âmbito das quais os radiodifusores públicos ocupem uma posição especial, e que empreguem um número significativo de profissionais para recolher, verificar, avaliar, analisar e interpretar as fontes noticiosas a fim de salvaguardar um determinado nível de qualidade e solidez das notícias publicadas.

3.3.

Existe uma diferença entre notícias falsas e desinformação. As notícias falsas sempre existiram ao longo da história: trata-se de um termo genérico que engloba rumores, propaganda de guerra, discurso de ódio, sensacionalismo, mentiras, utilização seletiva de factos, etc. A invenção da imprensa escrita no século XV permitiu a divulgação de notícias (falsas) a uma escala mais vasta, e o seu alcance geográfico foi ampliado após a introdução do selo postal em 1840. A tecnologia digital e a Internet eliminaram as últimas barreiras à divulgação ilimitada.

3.4.

A desinformação é definida como informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente a opinião pública, que é suscetível de prejudicar os processos democráticos e influenciar as eleições e constitui uma ameaça grave para a sociedade (5).

3.5.

Existem múltiplos intervenientes na cadeia de desinformação: os que a criam, os que a consomem, bem como as plataformas digitais que desempenham um papel fundamental no processo global, facilitando a divulgação das informações.

Aqueles que a criam (governos, instituições religiosas, grupos empresariais, partidos políticos, organizações ideológicas, entre outros) fazem-no por diversas razões (para influenciar e manipular a opinião pública, confirmar a sua suposta superioridade, obter ou aumentar o lucro, ganhar poder, gerar ódio, justificar a exclusão, etc.).

Os que a divulgam (nomeadamente as plataformas digitais, mas também os meios de comunicação social tradicionais) têm diferentes motivações, incluindo benefícios financeiros ou manipulação deliberada.

Aqueles que a consomem (utilizadores da Internet) muitas vezes não têm espírito crítico suficiente, sendo, por conseguinte, deliberadamente manipulados pelas plataformas digitais. As empresas de tecnologia intermediárias, como Twitter, Google e Facebook (para referir apenas algumas) facilitam uma partilha ilimitada e descontrolada de conteúdos nas plataformas digitais, em troca da recolha de dados pessoais que permitem a estas plataformas gerar enormes lucros com publicidade micro-orientada que proporcione mensagens comerciais adaptadas aos grupos-alvo definidos de forma precisa. A ignorância dos consumidores sobre a sua própria proteção digital contribui para agravar o problema.

3.6.

As empresas de tecnologia em questão têm uma responsabilidade partilhada, uma vez que desempenham um papel fundamental neste processo. Estas empresas não se identificam como editoras, mas «apenas» como plataformas digitais que divulgam informações e outros conteúdos criados pelos meios de comunicação social já implantados sem terem de pagar pela criação dos conteúdos através de uma equipa de redação. O conteúdo é distribuído a partir de outras fontes, sem que o material que publicam seja verificado, avaliado, analisado ou interpretado. O artigo «The great Brexit robbery: how our democracy was hijacked» [O grande assalto ao Brexit: como a nossa democracia foi desviada], publicado pelo jornal The Guardian analisou o que considerou ser uma operação obscura, levada a cabo a nível global por diversas forças da campanha pela saída do Reino Unido da UE, que influenciou o resultado do referendo, e uma das suas principais conclusões é que o Google não é «apenas» uma plataforma, mas enquadra, estrutura e distorce a forma como vemos o mundo. Tendo em conta que a desinformação e as notícias fiáveis são apresentadas de forma indiferenciada, os utilizadores têm dificuldades em distingui-las umas das outras Por conseguinte, as empresas de tecnologia devem dar prioridade à transparência em matéria de regras e de dados. É particularmente importante conhecer de forma transparente as ligações existentes entre as políticas de receitas publicitárias das plataformas e a divulgação da desinformação (a este respeito, as negociações em curso sobre o código de conduta sobre desinformação, que deveria ter sido publicado antes do final de julho de 2018, devem ser acompanhadas de perto).

4.   Observações na especialidade

4.1.

Apesar da diversidade de mensagens, canais, instrumentos, níveis, ambições e objetivos táticos, e não obstante a sua rápida adaptação, o objetivo estratégico das campanhas de desinformação é enfraquecer a democracia liberal, e semear e aumentar a desconfiança face a fontes de informação credíveis, à orientação geopolítica de um país e ao trabalho das organizações intergovernamentais. A desinformação é utilizada para explorar e aumentar as divisões entre diferentes grupos socioeconómicos, com base na sua nação, raça, rendimento, idade, educação e profissão. Para além das modalidades bem conhecidas, como os canais de notícias, a utilização de plataformas digitais, o envio em massa de mensagens de correio eletrónico, etc., a desinformação opera através de diversas vias, por exemplo, agências de relações públicas, grupos de interesses, grupos de reflexão, organizações não governamentais, grupos de influência, partidos, comunidades de peritos, atividades culturais e movimentos europeus de extrema-direita e de extrema-esquerda, que, por seu turno, são financiados através de diversos fundos públicos «independentes», contas off-shore, etc.

4.2.

O Governo russo tem utilizado uma vasta gama de ferramentas e instrumentos nas suas campanhas de desinformação, como já referido pelo Parlamento Europeu (6), a Comissão Europeia (7) e o Conselho Europeu (8). Estas campanhas de desinformação devem ser encaradas com a maior gravidade. Fazem parte da doutrina militar russa e são aceites pelos dirigentes dos principais meios de comunicação estatais russos. Estas campanhas têm por objetivo direto prejudicar a democracia liberal, o Estado de direito e os direitos humanos, e silenciar as instituições, as organizações intergovernamentais, os políticos e os indivíduos que os defendem (9).

4.3.

Vivemos numa era caracterizada por relações políticas e democráticas fortemente polarizadas. Segundo grupos de reflexão como a Freedom House e a Economist Intelligence Unit, entre outros, a democracia está sujeita a uma pressão crescente desde a crise económica mundial de 2008. Um dos resultados deste fenómeno é a emergência de um novo tipo de liderança política que representa uma rutura com a tradição democrática que construímos na Europa nos últimos 70 anos. Em vez de uma liderança liberal escolhida de forma democrática, estamos cada vez mais na presença de «homens fortes» cuja eleição suscita profundas questões sobre a integridade dos respetivos processos eleitorais. Estamos familiarizados com este tipo de liderança fora da esfera de influência da UE — por exemplo, na Rússia e na China. Mas com representantes como Donald Trump, Recep Tayyip Erdogan e os «democratas iliberais» eleitos em alguns Estados-Membros da UE — que se tornaram todos famosos pela sua preferência pela desinformação, pelo desprezo pela democracia, e pela sua relação problemática com o Estado de direito — o fenómeno que se vem alastrando está a atingir proporções extremas.

4.4.

O funcionamento adequado da democracia depende de cidadãos bem informados que façam escolhas criteriosas, com base em dados fiáveis e opiniões de confiança, mas os conceitos de «fiabilidade» e «confiança» já não são inequívocos na nossa sociedade atual. Neste tipo de ambiente social altamente polarizado, e com um excesso de informação, as pessoas estão muito vulneráveis à desinformação, o que torna relativamente fácil manipular o seu comportamento. Observaram-se operações de desestabilização deste tipo, com taxas de êxito muito elevadas, nas eleições gerais de vários Estados-Membros, bem como noutras ocasiões, como a campanha do Brexit, as campanhas de desinformação sobre os ataques à Crimeia e à Ucrânia e sobre o voo MH17 da Malaysia Airlines, abatido em 2014 por um míssil do sistema BUK do exército russo, causando a morte de todas as 298 pessoas a bordo. A Comissão é encorajada a procurar formas mais proativas de educar o público para as ameaças decorrentes de campanhas de desinformação, ciberataques, assim como para o impacto global da influência estrangeira sobre a sociedade — por exemplo, acompanhando os recentes desenvolvimentos noutros países, de forma a proporcionar aos cidadãos informações acessíveis e apelativas sobre questões urgentes em matéria de cibersegurança que incluam conselhos e boas práticas sobre a melhor forma de proteger o seu ambiente digital quotidiano.

4.5.

O CESE concorda com a Comissão quando esta afirma que, dada a complexidade da questão e o ritmo acelerado da evolução do ambiente digital, qualquer reação política deve ser abrangente, avaliar continuamente o fenómeno da desinformação e ajustar os objetivos políticos à luz dessa evolução. Não existe uma solução única que resolva todos os desafios, mas a inação não é uma opção. As propostas da Comissão representam um passo na direção certa, mas é necessário fazer mais e melhor. A transparência, a diversidade, a credibilidade e a inclusão devem orientar a ação para combater a desinformação, protegendo simultaneamente a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais.

4.6.

A Rússia parece ter um papel particularmente ativo no domínio da desinformação e da guerra híbrida contra o Ocidente, visando especialmente a UE. Para combater este problema, é necessário criar urgentemente um ecossistema digital mais transparente, fiável e responsável. O CESE recomenda a utilização do Manual de Praga, um estudo financiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos e pelo Fundo Internacional de Visegrado, que apresenta uma visão geral clara da subversão hostil russa na UE e da ameaça que esta representa para a democracia. Embora alguns Estados-Membros ainda duvidem da existência desta ameaça ou até contribuam para a sua propagação, o estudo é muito claro na conclusão de que a UE tem, absolutamente, de agir. O estudo apresenta propostas concretas sobre a forma de conceber e executar estratégias contra influências hostis e subversivas.

4.7.

O papel das plataformas digitais no âmbito da desinformação tem sido moralmente repreensível. Num período de tempo relativamente curto, estas plataformas desenvolveram essencialmente um tipo de função de serviço público semelhante ao das companhias de telefone, da radiodifusão e dos jornais no passado. Para utilizarem os seus serviços «gratuitamente», os utilizadores de plataformas digitais têm de os pagar com dados pessoais que permitem a estas plataformas vender um volume enorme de publicidade micro-orientada, tal como ilustrado no caso Cambridge Analytica. Este modelo de receitas distorcido (em termos de privacidade) é demasiado lucrativo para que estas plataformas o suprimam por iniciativa própria. Algumas vozes propõem que plataformas como o Facebook ofereçam igualmente um serviço credível e funcional semelhante ao Facebook, no qual os utilizadores teriam de pagar um valor acessível em troca da garantia do respeito pela sua privacidade. Coloca-se a questão de saber se os potenciais utilizadores ainda acreditam e confiam suficientemente na credibilidade e na integridade de portais como o Facebook após a forma como a empresa que lhe está subjacente justificou o seu comportamento perante o Senado dos EUA. Para aumentar a confiança do público nas plataformas digitais e proteger os cidadãos contra esta forma de abuso, incluindo o tratamento e a partilha indevidos de dados pessoais, as plataformas devem ser regulamentadas, como já indicado no Código de conduta sobre discursos ilegais de incitação ao ódio em linha, de 2016, no Regulamento Geral de Proteção de Dados ou na Diretiva Cibersegurança. No entanto, a autorregulação, como proposto pela Comissão, é apenas um primeiro passo neste sentido e deve ser acompanhada de outras medidas a adotar pela Comissão.

4.8.

Andrew Keen, um empresário e escritor britânico que é conhecido como o Anticristo da Internet, publicou quatro livros muito críticos sobre a evolução da Internet. Sem se opor à Internet ou às redes sociais, considera que o problema reside fundamentalmente nas atividades das grandes empresas de tecnologia, que visam recolher informações sensíveis sobre as pessoas. A privacidade é um bem precioso, define quem somos. O chamado «modelo empresarial gratuito» — em que não pagamos com dinheiro, mas renunciando à nossa privacidade — destruirá a nossa privacidade. Andrew Keen estabelece um paralelismo com o século XIX, em que a revolução industrial criou uma mudança a uma escala que pode ser comparada à da mudança que a revolução digital está a gerar atualmente. Quando a mudança é definida como uma revolução, é geralmente acompanhada de enormes problemas. No século XIX, conseguimos resolver estes problemas com instrumentos como a inovação, a regulação, as escolhas dos consumidores, a ação civil e a educação. A mensagem deste autor é que a inteligência humana — e não a inteligência artificial — pode repetir esta experiência, e que temos de utilizar todos os recursos que utilizámos para condicionar a revolução precedente para assegurar que controlamos a revolução digital, e evitar que esta nos domine.

4.9.

Com base na investigação disponível, a UE deve assegurar e prosseguir a investigação do impacto da desinformação na Europa, nomeadamente através da monitorização da resiliência dos cidadãos europeus face à desinformação nos futuros inquéritos do Eurobarómetro. Esses inquéritos devem incluir não só dados genéricos sobre as notícias falsas, mas também determinar o verdadeiro grau de imunidade dos europeus em relação à desinformação. A falta de sentido de urgência e de ambição da Comissão impede que sejam tratadas várias questões fundamentais, como estabelecer regimes de apoio aos meios de comunicação tradicionais para garantir o direito fundamental dos cidadãos a informações fiáveis e de qualidade, estudar a viabilidade da criação de parcerias público-privadas para criar plataformas digitais pagas que ofereçam serviços digitais seguros e a preços acessíveis, explorar as possibilidades de aumentar a transparência e o controlo dos algoritmos subjacentes a estes sistemas digitais, e analisar a possibilidade de desmantelar os monopólios para restabelecer condições de concorrência equitativas, a fim de prevenir a corrupção progressiva da sociedade.

4.10.

Pode ser oportuno, por exemplo, analisar a possibilidade de criar uma plataforma digital baseada numa parceria público-privada que garanta a privacidade dos utilizadores. Uma plataforma europeia deste tipo, com a Comissão como parceiro público de cofinanciamento, pode ser uma proposta muito apelativa e promissora como alternativa à «máquina de manipulação» de Mark Zuckerberg e a outros grandes monopólios privados e comerciais dos EUA e da China. Tal plataforma deve garantir o respeito da privacidade dos seus utilizadores.

4.11.

Numa economia de mercado há sempre um preço a pagar por tudo, mas com esta alternativa o modo de pagamento seria a moeda, e não a privacidade. A maior parte do orçamento necessário para este serviço semipúblico poderia ser financiado com o dinheiro dos contribuintes, como é o caso em todos os serviços públicos. O resto do orçamento seria financiado pelo pagamento, pelos utilizadores, de uma pequena quantia para salvaguardar a sua privacidade contra a insaciável voracidade de dados pessoais das atuais plataformas «sociais». Se a UE e os governos nacionais dos Estados-Membros anunciassem oficialmente uma plataforma deste tipo como parceiro preferencial e a utilizassem como alternativa aos atuais predadores de dados, esta teria a economia de escala necessária para competir com os atuais operadores do mercado. A UE também poderia recorrer aos motores de pesquisa existentes que garantem o respeito absoluto da privacidade como parceiros preferenciais e instalá-los como aplicações pré-definidas em todos os computadores utilizados pelas instituições da UE, recomendando também a sua utilização como aplicações pré-definidas às instituições governamentais dos Estados-Membros. A Comissão poderia ainda desempenhar um papel mais pró-ativo e examinar as possibilidades de regulação relativamente aos algoritmos e ao desmantelamento de monopólios.

4.12.

Embora a verificação de factos não seja a solução para o problema, reveste-se, contudo, de grande importância. Constitui o primeiro passo para compreender, expor e analisar a desinformação, o que é necessário antes de se poder conceber novas contramedidas. Importa também envidar esforços significativos para conquistar a atenção de um público mais vasto, uma vez que nem todas as pessoas utilizam plataformas de redes sociais ou mesmo a Internet. Pode ser especialmente difícil chegar aos habitantes de regiões remotas. A visibilidade nos meios de comunicação social é importante. A televisão continua a ser a fonte de informação mais comum dos cidadãos, e emitir regularmente programas que expliquem casos de desinformação nas línguas nacionais pode contribuir de forma significativa para a sensibilização da opinião pública para o problema. É importante que o processo de verificação de factos seja realizado por profissionais, a fim de evitar os erros que marcaram recentemente a primeira tentativa da Comissão. A cooperação com editoras e organizações de comunicação social cujos jornalistas participam na verificação de factos pode evitar estes problemas.

4.13.

Um dos problemas da desinformação é o facto de ser impossível verificar a identidade das fontes que a propagam na Internet. É muito fácil operar no ciberespaço com uma identidade falsa — e, em geral, é exatamente isso que fazem as pessoas ativas na Internet com intenções maliciosas. A Comissão apresenta várias propostas, descritas na comunicação conjunta sobre a cibersegurança publicada em setembro de 2017. O problema é que estas propostas não são vinculativas: um utilizador poderá optar por apenas comunicar com outros utilizadores de plataformas digitais se estes se tiverem identificado, a Comissão poderá promover a utilização de sistemas em linha de caráter voluntário que permitam identificar fornecedores de informações, etc. Com efeito, existe um potencial conflito de interesses entre a privacidade e o controlo total, e deve ser possível manter o anonimato quando se navega passivamente na Internet. No entanto, para realmente fazer a diferença na luta contra a desinformação, podem ser necessárias medidas mais rigorosas em matéria de identificação quando as pessoas agem de forma proativa na Internet. Afinal, é assim que operam os meios de comunicação social de qualidade, em conformidade com a Declaração de Bordéus de 1954, que foi elaborada pela Federação Internacional de Jornalistas e estabelece princípios muito claros e rigorosos sobre o recurso a fontes. Por vezes, existem motivos válidos para que os meios de comunicação social tradicionais de qualidade publiquem artigos com fontes anónimas, mas estes incluem sempre uma indicação de que o nome e endereço da fonte são do conhecimento da equipa de redação.

4.14.

As tecnologias não são «boas» nem «más» — são neutras. Podem ser utilizadas de forma positiva ou negativa, mas isso depende das escolhas das pessoas que as utilizam. As novas tecnologias emergentes como as que são agora utilizadas na arte da desinformação também têm potencial para desempenhar um papel fundamental no combate à desinformação. Por conseguinte, o CESE acolhe favoravelmente a intenção da Comissão de tirar pleno partido do programa de trabalho do Horizonte 2020 e do seu sucessor, Horizonte Europa, para mobilizar a investigação e tecnologias como a inteligência artificial, a cadeia de blocos e os algoritmos, a fim de melhor identificar as fontes, validar a fiabilidade das informações e avaliar a qualidade e a exatidão das fontes de dados no futuro. No entanto, é crucial examinar pormenorizadamente a possibilidade de recorrer a outras formas de financiamento para combater a desinformação, dado que a maioria das iniciativas não entra no âmbito de aplicação dos programas Horizonte.

4.15.

A democracia na UE baseia-se em processos eleitorais seguros e resilientes, mas estas características deixaram de estar garantidas. Nos últimos anos, detetaram-se práticas de manipulação e de desinformação em linha no período eleitoral em, pelo menos, 18 países, e as táticas de desinformação contribuíram, pelo sétimo ano consecutivo, para a redução global da liberdade na Internet. O CESE acolhe favoravelmente as iniciativas da Comissão no sentido de identificar boas práticas em matéria de identificação, redução e gestão dos riscos que os ataques informáticos e as campanhas de desinformação comportam para o processo eleitoral, tendo em vista as eleições para o Parlamento Europeu de 2019.

4.16.

As competências mediáticas e digitais, bem como a educação cívica, são componentes essenciais para aumentar a resiliência da sociedade, sobretudo porque os jovens, que têm uma elevada presença nas plataformas digitais, são muito recetivos à desinformação. Uma vez que a política de educação é uma responsabilidade dos governos, a organização de iniciativas e a formação de professores sobre esta matéria a todos os níveis dos sistemas de ensino nacionais são competências dos governos nacionais. Infelizmente, muitas vezes os governos não colocam no topo das suas agendas políticas a integração da literacia mediática e informativa nos sistemas de ensino nacionais. Esta situação deve ser melhorada logo que possível, mas a literacia mediática e informativa também vai além dos sistemas de ensino. É necessário proceder à sua promoção e melhoria entre todos os grupos da sociedade, independentemente da idade. Nestes domínios, as organizações não governamentais têm um papel a desempenhar. Muitas destas organizações já trabalham em toda a Europa, mas a maioria opera em pequena escala e não tem o alcance necessário. As iniciativas de cooperação nacional entre as organizações não governamentais e os governos nacionais poderiam colmatar esta lacuna.

4.17.

Os meios de comunicação social de qualidade e o jornalismo fiável desempenham um papel essencial na prestação ao público de informações sólidas e diversificadas. Estes meios de comunicação social tradicionais enfrentam problemas financeiros, dado que as plataformas distribuem conteúdos produzidos pelos meios de comunicação tradicionais sem os reembolsar pelos custos em que incorreram e, posteriormente, apropriando-se das sua receitas através da venda de publicidade. Para melhorar a posição dos editores e assegurar que os titulares de direitos serão compensados quando o fruto do seu trabalho é utilizado por terceiros para fins comerciais, seria desejável concluir rapidamente um acordo sobre a reforma dos direitos de autor da UE. Além disso, recomenda-se a procura de soluções para alargar a iniciativa anunciada pelo Parlamento Europeu, em setembro de 2018, sobre o financiamento europeu especificamente destinado a apoiar o jornalismo de investigação na UE. Uma imprensa forte e fiável conduz a uma democracia resiliente e fácil de defender, em que os valores da verdade e da responsabilidade prevalecem. O financiamento reveste-se de particular importância para os meios de comunicação social mais pequenos que enfrentam, com frequência, ações judiciais e ações vexatórias com o intuito de levar ao seu encerramento.

4.18.

A fim de combater as ameaças internas e externas de desinformação, a Comissão criou, em 2015, o Grupo de Trabalho East StratCom, tendo em vista uma comunicação estratégica proativa das políticas da UE para combater as tentativas de desestabilização pela Rússia. O CESE gostaria que a Comissão fosse mais proativa na divulgação dos esforços envidados pelo Grupo de Trabalho East StratCom ao público em geral, encaminhando-o para as informações no sítio Web do grupo de trabalho, a fim de aumentar a sensibilização da opinião pública para as ameaças à nossa democracia e aumentar a capacidade de resistência a estas ameaças. É igualmente necessário aumentar o orçamento do grupo de trabalho. Em outubro de 2017, o Parlamento Europeu aprovou um orçamento de 1 000 000 euros. Este orçamento dificilmente é comparável aos recursos financeiros investidos por outros intervenientes, como a Federação da Rússia (o Departamento de Estado dos EUA estima que a sofisticada campanha de influência do Kremlin prevê um instrumento de propaganda interna e externa no valor de 1,4 mil milhões de dólares por ano, que alega chegar a cerca de 600 milhões de pessoas em 130 países e 30 línguas).

4.19.

Paralelamente a outras ações, exorta-se a Comissão a dar atenção ao facto de as instituições e regulamentações nacionais em matéria de segurança da informação dos Estados-Membros estarem frequentemente pouco desenvolvidas. O quadro regulamentar está desatualizado, impedindo assim que as entidades reguladoras competentes fiscalizem devidamente os canais de desinformação no que diz respeito ao cumprimento das normas legislativas. A cooperação intrainstitucional é inadequada, e há uma lacuna evidente nas estratégias nacionais a longo prazo para combater as campanhas de desinformação organizadas por países terceiros e elaborar narrativas coerentes para grupos vulneráveis da população. É igualmente fundamental proceder a uma revisão aprofundada da Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual da UE, que atualmente permite que um órgão de comunicação social seja registado em qualquer Estado-Membro da UE desde que um dos membros do conselho de administração da empresa resida nesse país, o que permite chegar a audiências nos países europeus através da exploração de lacunas na regulamentação da UE.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Relatório de Informação REX/432 — A utilização dos meios de comunicação social para influenciar os processos sociais e políticos na UE e nos países vizinhos da Europa Oriental.

(2)  2016/2276 (INI).

(3)  https://euvsdisinfo.eu

(4)  A Comissão utiliza o termo «ecossistema» no seu documento. O termo «infraestrutura» poderia ser mais adequado neste contexto.

(5)  Comunicação da Comissão COM(2018) 236 final.

(6)  http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//NONSGML+TA+P8-TA-2017-0272+0+DOC+PDF+V0//PT

(7)  http://ec.europa.eu/newsroom/dae/document.cfm?doc_id=50271

(8)  http://www.consilium.europa.eu/pt/meetings/european-council/2015/03/19-20/; http://www.consilium.europa.eu/media/33457/22-euco-final-conclusions-en.pdf; https://www.consilium.europa.eu/media/35936/28-euco-final-conclusions-en.pdf

(9)  SEAE, «The Strategy and Tactics of the Pro-Kremlin Disinformation Campaign» [A estratégia e tática da campanha de desinformação pró-Kremlin].


ANEXO

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 4.3

4.3.

Vivemos numa era caracterizada por relações políticas e democráticas fortemente polarizadas. Segundo grupos de reflexão como a Freedom House e a Economist Intelligence Unit, entre outros, a democracia está sujeita a uma pressão crescente desde a crise económica mundial de 2008. Um dos resultados deste fenómeno é a emergência de um novo tipo de liderança política que representa uma rutura com a tradição democrática que construímos na Europa nos últimos 70 anos. Em vez de uma liderança liberal escolhida de forma democrática, estamos cada vez mais na presença de «homens fortes» cuja eleição suscita profundas questões sobre a integridade dos respetivos processos eleitorais. Estamos familiarizados com este tipo de liderança fora da esfera de influência da UE  — por exemplo, na Rússia e na China. Mas com representantes como Donald Trump, Recep Tayyip Erdogan e os «democratas iliberais» eleitos em alguns Estados-Membros da UE  — que se tornaram todos famosos pela sua preferência pela desinformação, pelo desprezo pela democracia, e pela sua relação problemática com o Estado de direito  — o fenómeno que se vem alastrando está a atingir proporções extremas.

Resultado da votação

Votos a favor:

68

Votos contra:

82

Abstenções:

24


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/191


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Mecanismo Interligar a Europa e revoga os Regulamentos (UE) n.o 1316/2013 e (UE) n.o 283/2014»

[COM (2018) 438 final — 2018/0228 (COD)]

(2018/C 440/33)

Relator:

Aurel Laurențiu PLOSCEANU

Correlator:

Graham WATSON

Consultas

Parlamento Europeu, 14.6.2018

Conselho da União Europeia, 3.7.2018

Base jurídica

Artigos 172.o, 194.o e 304.o do TFUE

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

144/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) defende o reforço do orçamento do Mecanismo Interligar a Europa (MIE) após 2020, com as subvenções a permanecer a sua principal componente. Há uma série de projetos de infraestruturas de transporte, de energia e digitais que são vitais para a competitividade da UE, mas que não geram o retorno do investimento necessário para atrair os investidores privados. É necessário um forte empenho da UE e das autoridades públicas nacionais a este respeito.

1.2.

O CESE recomenda à Comissão Europeia e aos Estados-Membros que encorajem mais sinergias a nível dos projetos entre os três setores, atualmente limitadas devido à rigidez do quadro orçamental no que diz respeito à elegibilidade dos projetos e dos custos.

1.3.

O CESE recomenda que a Comissão continue a prestar apoio técnico (ação de apoio ao programa MIE) para promover a elegibilidade de projetos maduros e de elevada qualidade e apoie a continuidade da prestação deste tipo de assistência, juntamente com uma atualização dos critérios de avaliação para facilitar a identificação do valor acrescentado dos projetos. Há que adotar medidas adicionais para simplificar os requisitos administrativos, e não apenas para as subvenções de pequeno montante.

1.4.

O CESE insta os colegisladores a manter o compromisso assumido no âmbito do anterior Regulamento MIE no sentido de consagrar «a maior parte» do orçamento da energia a projetos de eletricidade. Tal é essencial para garantir a conformidade do MIE com a política da UE em matéria de clima e energia e para evitar que o MIE passe a ser uma fonte importante de financiamento de projetos de energia fóssil no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual (QFP). É importante que este compromisso seja reforçado e não enfraquecido no contexto do MIE para 2021-2027.

1.5.

O CESE considera que os critérios de atribuição para os projetos enumerados no artigo 13.o devem ser alargados de modo a incluir a segurança do aprovisionamento de todos os tipos de energia (eletricidade, gás, calor, etc.) e as reduções específicas de emissões de carbono fornecidas por cada projeto.

1.6.

O CESE salienta que o MIE tem de visar projetos energéticos capazes de garantir uma maior independência e segurança energética na UE. O MIE também tem de apoiar a criação de novas instalações de armazenamento de eletricidade.

1.7.

O CESE recomenda que a capacidade financeira do programa MIE no âmbito do próximo QFP seja aumentada. No que diz respeito à repartição das subvenções pelos três setores, o CESE recomenda que sejam consideradas as necessidades financeiras de cada setor, como a intensidade de capital e o retorno do investimento, dando preferência aos investimentos que não podem ser financiados pelo mercado, a fim de manter uma elevada credibilidade e atratividade para os investidores.

1.8.

Por conseguinte, o CESE recomenda que a dotação orçamental total do MIE seja aumentada, dada a natureza crucial destes dois setores para o mercado interno.

1.9.

O CESE salienta que tanto a Comissão como os Estados-Membros devem continuar empenhados nos principais objetivos da política de transportes do MIE, a saber, a conclusão da rede principal da rede transeuropeia de transportes (RTE-T) até 2030 e a transição para uma mobilidade limpa, competitiva, inovadora e conectada, incluindo uma infraestrutura de base da UE de carregamento para os combustíveis alternativos até 2025. As ligações multimodais e transfronteiras são extremamente importantes neste contexto.

1.10.

O CESE insta os colegisladores a garantirem uma concorrência ampla e leal para os projetos que beneficiam dos fundos do MIE, respeitando a reciprocidade na prática e recorrendo a termos contratuais que combinem a eficiência e a justa repartição dos riscos.

1.11.

O CESE recomenda que os colegisladores assegurem que a participação nos correspondentes procedimentos de concurso está aberta apenas a empresas de países em que os mercados correspondentes se encontram abertos, respeitando a reciprocidade efetiva, e que o modelo de contrato utilizado é adequado aos objetivos e circunstâncias do projeto. Os termos contratuais deverão ser redigidos de modo a garantir que os riscos associados ao contrato são repartidos de forma justa, tendo como principal objetivo alcançar o preço mais económico e a execução mais eficiente do contrato. Este princípio deve ser aplicado independentemente de serem ou não utilizados contratos-tipo nacionais ou internacionais [com base na regra 3.21 das «Procurement Policies and Rules» (Políticas e regras de adjudicação de contratos) do BERD, de 1 de novembro de 2017].

1.12.

O CESE apoia firmemente a proposta de incluir a cooperação transfronteiriça para produção de energias renováveis no MIE para 2021-2027. O CESE propõe que a visão global das ações em matéria de energias renováveis no MIE seja a criação de uma rede europeia de eletricidade proveniente de fontes renováveis, que permita uma integração mais eficaz das tecnologias de energias renováveis e reflita melhor o potencial das tecnologias disponíveis em todo o continente.

1.13.

O CESE acolhe favoravelmente a inclusão de instalações de energia renovável entre os projetos elegíveis para a componente energética do MIE e recomenda a sua alteração por forma a abarcar tanto os projetos de grande escala como as carteiras de projetos de pequena escala, a fim de permitir uma concorrência pelos fundos leal entre todas as tecnologias.

1.14.

O CESE recomenda que os objetivos do MIE enumerados no artigo 3.o sejam alargados de modo a incluir não só a facilitação da cooperação transfronteiriça no domínio das energias renováveis, como também uma menção explícita à implantação destas energias.

1.15.

O CESE assinala que a compra de terrenos está excluída dos custos elegíveis previstos no artigo 15.o, alínea c), pelo que insta os colegisladores a equacionarem se este facto pode beneficiar ou desfavorecer determinados projetos e tecnologias. Para setores como o dos transportes e da energia renovável, a aquisição de terrenos representa uma parte não negligenciável do investimento.

1.16.

O CESE recorda à Comissão que os interconectores transfronteiriços de energia são fatores fundamentais para a integração das energias renováveis, não só porque permitem o transporte de longa distância de eletricidade proveniente de fontes renováveis, promovendo a utilização de fontes de eletricidade mais limpas e mais baratas em toda a Europa, mas também porque funcionam como uma fonte de flexibilidade essencial do sistema.

1.17.

O CESE recomenda que as oportunidades decorrentes da digitalização das redes, incluindo as de energia, e da criação de redes inteligentes para integrar as energias renováveis sejam plenamente aproveitadas e recomenda que a Comissão examine a forma como as sinergias entre os setores digital e energético do MIE podem ser exploradas nesta matéria. O CESE assinala a falta de projetos de redes inteligentes no MIE de 2014-2020, devido, em parte, a obstáculos ao financiamento de projetos de nível inferior de redes de distribuição, por oposição a projetos de redes de transporte de alta tensão.

1.18.

O CESE recomenda que o MIE assegure igualmente a existência de mecanismos de certificação nos casos em que a eletricidade produzida a partir de fontes renováveis é utilizada em aplicações de transportes, por exemplo através da utilização de certificados de «garantia de origem» renovável.

1.19.

O CESE salienta a necessidade de dar prioridade a projetos de grande escala a nível da UE para digitalizar os transportes, como o ERTMS (Sistema Europeu de Gestão do Tráfego Ferroviário), o SESAR (Investigação sobre a Gestão do Tráfego Aéreo no Céu Único Europeu) e a condução autónoma. Terão de ser investidos 15 mil milhões de euros até 2030 para equipar a rede principal com o ERTMS. Um projeto de grande escala ao nível da UE deve ser financiado através de subvenções dos vários agrupamentos do MIE, de fundos privados e da combinação de elementos do Fundo InvestEU.

1.20.

O CESE apela para a cobertura 5G da rede RTE-T, que é fundamental.

1.21.

O CESE apela para medidas tais como controlos eficazes, um alojamento de pernoita moderno e um número suficiente de parques de estacionamento com equipamento adequado.

1.22.

O CESE considera igualmente que devem ser examinadas formas de melhorar os métodos de comunicação dos resultados positivos do MIE. Um orçamento de comunicação pode ser um instrumento útil a este respeito. Há que ter igualmente em conta uma maior previsibilidade.

1.23.

O CESE recomenda que se pondere a realização de ações adicionais com vista a libertar todo o potencial do programa, tendo em conta que a intervenção do MIE foi decisiva para o lançamento da maior parte dos projetos e demonstrou ser um importante catalisador de investimento público e privado. Há que reforçar a ligação complementar entre o MIE e outros programas (como o Horizonte Europa, o InvestEU e o Fundo de Coesão) e melhorá-la, a fim de evitar sobreposições e otimizar os recursos orçamentais.

1.24.

O CESE considera que a dotação para a coesão é fundamental para a conclusão das partes da rede principal situadas nos Estados-Membros que beneficiam do Fundo de Coesão e recomenda à Comissão Europeia e aos Estados-Membros que mantenham a percentagem do Fundo de Coesão sob gestão direta do MIE no próximo QFP. A realização das prioridades do MIE em matéria de transportes deve ser apoiada pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. De qualquer modo, os fundos devem permanecer no Estado-Membro elegível.

1.25.

O CESE propõe um ajustamento da metodologia de avaliação, porque o êxito do MIE não é garantido exclusivamente pelo montante de fundos atribuídos nem pelo número de projetos apoiados.

O CESE propõe melhorar a metodologia de avaliação do MIE, devendo ser realizada uma verdadeira avaliação quantitativa e qualitativa no final do período de 2014-2020 dos projetos já concluídos e dos que estão numa fase avançada da obra. O CESE insta a que se examine, nomeadamente, a evolução do desenvolvimento da RTE-T, bem como as alterações nos fluxos de tráfego de passageiros e de mercadorias. Insta igualmente a que se proceda a uma análise socioeconómica do custo-benefício dos projetos RTE-T que tenha em conta os benefícios e custos sociais, económicos, climáticos e ambientais.

1.26.

O CESE apela para que sejam acordadas medidas específicas sobre os objetivos gerais em matéria de proteção do clima.

1.27.

O CESE apela para que as metrópoles sejam tidas em conta nos principais projetos de infraestruturas, quer possam ou não beneficiar de financiamento pelo Fundo de Coesão.

1.28.

O CESE recomenda a adoção de medidas concretas para tornar atraentes projetos de adaptação, repotenciação ou modernização da infraestrutura existente que continua a ser a espinha dorsal da atual rede e da capacidade instalada.

1.29.

O CESE apoia o desenvolvimento da infraestrutura de dupla utilização para fins civis e de defesa, tanto no que se refere a infraestruturas físicas como tecnológicas (como o ERTMS e o SESAR), no âmbito do MIE e recomenda uma abordagem aberta e proativa no novo contexto geopolítico internacional (Iniciativa Três Mares, etc.).

1.30.

O CESE recomenda que o MIE dê prioridade aos investimentos em infraestruturas transfronteiras da RTE-T, por forma a alcançar uma capacidade coerente e evitar estrangulamentos em todos os modos de transporte e, assim, obter uma rede de transportes plenamente integrada.

2.   Apresentação da proposta da Comissão

2.1.

A proposta tem por objetivo estabelecer a base jurídica do MIE para o período após 2020, sendo apresentada para uma União de 27 Estados-Membros.

2.2.

A proposta (1) da Comissão, de 2 de maio de 2018, relativa ao QFP pós-2020 inclui um montante de 42 265 milhões de euros para o MIE, distribuído como segue:

MIE 2021-2027

Valores a preços correntes — EUR

Transportes,

Nomeadamente:

30 615 493 000

Dotação global

Contribuição do Fundo de Coesão

Apoio à mobilidade militar

12 830 000 000

11 285 493 000

6 500 000 000

Energia

8 650 000 000

Digital

3 000 000 000

TOTAL

42 265 493 000

2.3.

A visão que se perfila é a de uma Europa que avança rumo a uma mobilidade com zero vítimas mortais em acidentes rodoviários, com emissões nulas e sem papel, para se tornar líder mundial no domínio das energias renováveis e ser pioneira na economia digital.

2.4.

O MIE apoia o investimento nas infraestruturas de transportes, de energia e digitais através do desenvolvimento das redes transeuropeias (RTE) e promove igualmente a cooperação transfronteiriça para produção de energias renováveis. Essas redes e a cooperação transfronteiriça são cruciais para o funcionamento do mercado único, sendo igualmente estratégicas para concretizar a União da Energia, o mercado único digital e o desenvolvimento de modos de transporte sustentáveis.

2.5.

O QFP para 2021-2027 estabelece um objetivo mais ambicioso de integração das questões climáticas em todos os programas da UE, fixando uma meta de 25 % da despesa da UE que deve contribuir para objetivos em matéria de clima. Espera-se que o MIE contribua grandemente para esta meta, com o objetivo de canalizar 60 % da sua dotação para objetivos climáticos.

2.6.

As futuras necessidades de descarbonização e digitalização implicarão uma convergência crescente dos setores dos transportes, da energia e digital. As sinergias entre os três setores devem, pois, ser exploradas em pleno, maximizando a eficácia e a eficiência do apoio da União. A fim de incentivar e dar prioridade às propostas transetoriais, a dimensão sinergética das ações propostas será avaliada no âmbito dos critérios de atribuição.

2.7.

O MIE visa que os transportes contribuam para a realização dos dois níveis da RTE-T (a rede principal até 2030 e a camada mais vasta até 2050). Estima-se que a conclusão da rede principal da RTE-T gerará 7,5 milhões de emprego-anos entre 2017 e 2030 com um aumento adicional do PIB na ordem de 1,6 % em 2030.

2.8.

Pela primeira vez, o financiamento da União para execução de projetos de utilização dupla civil e militar no setor dos transportes será atribuído pelo MIE.

2.9.

Relativamente ao setor da energia, o foco está na conclusão das redes transeuropeias de energia através do desenvolvimento de projetos de interesse comum relativos a uma maior integração do mercado interno da energia e da interoperabilidade das redes através das fronteiras e dos setores; no desenvolvimento sustentável ao possibilitar a descarbonização, em especial através da integração das fontes de energia renováveis e da segurança do abastecimento, nomeadamente, tornando a infraestrutura mais inteligente e digitalizando-a.

2.10.

No setor digital, o MIE maximiza os benefícios que todos os cidadãos, empresas e administrações públicas podem obter com o mercado único digital.

2.11.

As infraestruturas de transporte, de energia e digitais serão apoiadas em diferentes graus por um conjunto de programas e instrumentos financeiros da UE, incluindo o MIE, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo de Coesão, o Horizonte Europa, o InvestEU e o LIFE.

2.12.

As ações do programa devem ser utilizadas para colmatar, de modo proporcionado, as lacunas do mercado ou situações de investimento insuficiente, sem duplicar ou excluir o financiamento privado, e devem ter claro valor acrescentado europeu.

2.13.

Os resultados das avaliações ex post foram aprovados pela Comissão Europeia em 13 de fevereiro de 2018 (2) segundo cinco critérios: eficácia, eficiência, pertinência, coerência e valor acrescentado da UE. Seguem-se alguns extratos:

O MIE é um instrumento eficaz e orientado de apoio ao investimento em RTE nos setores dos transportes, da energia e digital. Desde 2014, este mecanismo já investiu 25 mil milhões de euros que geraram cerca de 50 mil milhões de euros de investimento em infraestruturas na UE.

O MIE proporciona um elevado valor acrescentado europeu a todos os Estados-Membros, ao apoiar projetos de conectividade com dimensão transfronteiriça.

Pela primeira vez, uma parte do orçamento da coesão (11,3 mil milhões de euros para o setor dos transportes) foi executada em regime de gestão direta no âmbito do MIE.

O MIE tem continuado a utilizar e a desenvolver instrumentos financeiros inovadores. No entanto, a sua utilização tem sido limitada devido às novas possibilidades oferecidas pelo FEIE.

O MIE testou igualmente as sinergias intersetoriais, mas foi limitado pelos condicionalismos do atual quadro jurídico e orçamental. As orientações políticas setoriais e o instrumento MIE teriam de ser mais flexíveis para facilitar as sinergias e ter maior capacidade de resposta face aos novos desenvolvimentos tecnológicos e prioridades, como a digitalização, e ser capazes, simultaneamente, de acelerar a descarbonização e superar desafios societais comuns como a cibersegurança.

2.14.

A Comissão propõe continuar a implementação do novo programa, para os três setores do MIE, com gestão direta da Comissão Europeia e da sua Agência de Execução para a Inovação e as Redes (INEA).

2.15.

O orçamento proposto abrange todas as despesas operacionais necessárias à execução do programa, assim como o custo dos recursos humanos e outras despesas administrativas associadas à gestão do programa.

2.16.

Face ao MIE de 2014-2020, será aplicado um quadro de desempenho mais simples e todavia mais sólido para acompanhar a consecução dos objetivos e o seu contributo para os objetivos políticos da UE. Os indicadores para acompanhar a implementação e o progresso dirão respeito, em particular, ao seguinte:

Redes interconectadas e eficientes e infraestrutura para uma mobilidade inteligente, sustentável, inclusiva, segura e protegida, assim como adaptação às exigências de mobilidade militar;

Contribuição para a interconectividade e a integração dos mercados, a segurança do aprovisionamento energético e o desenvolvimento sustentável, através da viabilização da descarbonização; contribuição para a cooperação transfronteiriça no domínio das energias renováveis;

Contribuição para a implantação da infraestrutura de conectividade digital na União Europeia.

3.   Observações na generalidade e na especialidade

3.1.

O CESE destaca a importância estratégica do programa MIE, na perspetiva da integração do mercado interno, da mobilidade inteligente e da oportunidade de proporcionar um valor acrescentado concreto aos cidadãos, à coesão social e às empresas através deste programa, da prosperidade e do valor acrescentado para a UE no seu conjunto.

Até ao final de 2017, o MIE-Transportes já tinha atribuído 21,3 mil milhões de euros em subvenções para projetos da RTE-T, gerando um investimento total na ordem dos 41,6 mil milhões de euros.

3.2.

Em 2018, serão assinadas mais convenções de subvenção relativas a um convite misto à apresentação de propostas, que combina subvenções do MIE com financiamento privado, incluindo do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos. Estima-se que por cada mil milhões de euros investidos na rede principal da RTE-T sejam criados até 20 000 postos de trabalho.

3.3.

O CESE acolhe globalmente com agrado a proposta apresentada pela Comissão Europeia de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Mecanismo Interligar a Europa e revoga os Regulamentos (UE) n.o 1316/2013 e (UE) n.o 283/2014 para o período de 2021-2027.

3.4.

O CESE reconhece que o MIE é um dos programas com maior êxito da UE e destaca a importância estratégica do MIE no que se refere à integração do mercado interno, à conclusão da União da Energia, à mobilidade inteligente e à oportunidade de a UE proporcionar um valor acrescentado concreto aos cidadãos, à coesão social e às empresas.

3.5.

O CESE considera que a capacidade financeira do programa MIE no âmbito do próximo QFP deve ser aumentada e mais equilibrada, a fim de manter a sua elevada credibilidade e atratividade para os investidores. Um orçamento insuficiente poria em risco a conclusão das redes RTE-T e RTE-E, o que, na realidade, desvalorizaria os investimentos já efetuados a partir de fundos públicos.

3.6.

O CESE salienta que o investimento em projetos de transporte digitais, inovadores e sustentáveis deve ser acelerado, para avançar para um sistema de transportes mais ecológico, verdadeiramente integrado, moderno, acessível a todos, mais seguro e eficiente. A coesão social a nível da UE tem de ser reforçada através do aumento do investimento público em projetos de valor acrescentado regional e europeu.

3.7.

O CESE considera que as sinergias a nível dos projetos entre os três setores estão atualmente limitadas devido à rigidez do quadro orçamental no que diz respeito à elegibilidade dos projetos e dos custos.

3.8.

O CESE congratula-se com o apoio técnico prestado para promover a elegibilidade de projetos maduros e de elevada qualidade e apoia a continuidade da prestação deste tipo de assistência, juntamente com uma atualização dos critérios de avaliação para identificar mais facilmente o valor acrescentado dos projetos. Há que adotar medidas adicionais para simplificar os requisitos administrativos, e não apenas para as subvenções de pequeno montante.

3.9.

O CESE salienta que tanto a Comissão como os Estados-Membros têm de continuar empenhados nos principais objetivos políticos do MIE, a saber, a conclusão da rede principal da RTE-T até 2030 e a transição para uma mobilidade limpa, competitiva, inovadora e conectada, incluindo uma infraestrutura de base da UE de carregamento para os combustíveis alternativos até 2025. As ligações multimodais e transfronteiras têm grande importância neste contexto.

3.10.

O MIE tem de visar projetos energéticos capazes de garantir uma maior independência e segurança energética na UE. O MIE tem também de apoiar a criação de instalações de armazenamento de eletricidade.

3.11.

O CESE considera que os interconectores transfronteiriços de energia são fatores fundamentais para a integração das energias renováveis, não só porque permitem o transporte de longa distância de eletricidade proveniente de fontes renováveis, mas também porque funcionam como uma fonte de flexibilidade essencial do sistema.

3.12.

O papel dos coordenadores europeus deve ser reforçado, a fim de permitir uma avaliação exaustiva dos projetos concluídos ou numa fase avançada da obra, das realizações reais e dos estrangulamentos remanescentes. A Comissão deve assegurar que a prioridade dos convites à apresentação de propostas reflete a sua avaliação.

3.13.

O CESE entende que o setor dos transportes deve tirar pleno partido das tecnologias digitais e inovadoras e reconhece que as novas infraestruturas de transportes inovadoras são mais atraentes para o investimento, em especial por parte do setor privado.

3.14.

O CESE considera que o investimento no setor dos transportes, nomeadamente na rede transeuropeia de transportes (RTE-T), é crucial para o crescimento e emprego na Europa. É por esta razão que defende o reforço do orçamento do Mecanismo Interligar a Europa após 2020, com as subvenções a permanecerem a sua principal componente. Com efeito, há uma série de projetos de infraestruturas de transporte que são vitais para a competitividade da UE, mas que não geram o retorno do investimento necessário para atrair os investidores privados. Exigem, por conseguinte, um forte empenho da UE e das autoridades públicas nacionais a este respeito.

3.15.

A Comissão Europeia deve preservar a integridade da capacidade financeira do MIE e deixar de reduzi-la a favor de outros programas (FEIE, PEDID — Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa).

3.16.

O CESE salienta a necessidade de dar prioridade a projetos de grande escala a nível da UE para digitalizar os transportes, como o ERTMS, o SESAR e a condução autónoma. Para realizar estes projetos, é necessária uma combinação de recursos: os fundos públicos do MIE e os fundos privados garantidos pelo InvestEU. A cobertura 5G da rede RTE-T é também fundamental. Entre 1995 e 2016, apenas 8 % dos 51 000 km de corredores da rede principal foram equipados com o ERTMS; a este ritmo serão necessários mais de 200 anos para equipar toda a rede principal. Concluir este objetivo até 2030 exigiria um investimento de 15 mil milhões de euros e uma enorme aceleração do programa, assegurando assim um tráfego ferroviário na Europa sem descontinuidades e com mais capacidade, segurança e pontualidade.

3.17.

A mobilidade elétrica é uma parte essencial da transição para transportes sustentáveis e pode igualmente permitir intercâmbios veículo-rede quando a capacidade de armazenamento das baterias dos veículos elétricos é utilizada como fonte de flexibilidade para a rede. A interoperabilidade nas interfaces veículo-rede deve ser uma prioridade fundamental em toda a UE. O MIE deve igualmente assegurar a existência de mecanismos de certificação nos casos em que a eletricidade produzida a partir de fontes renováveis é utilizada em aplicações de transportes, por exemplo através da utilização de certificados de «garantia de origem» renovável.

3.18.

As sinergias são fundamentais para o êxito da implementação do MIE. São exemplo de tais sinergias os pontos de carregamento de veículos elétricos alimentados por eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, os lugares de estacionamento cobertos por painéis solares fotovoltaicos e o desenvolvimento de tecnologias de interface veículo-rede.

3.19.

Deve igualmente ser considerada a eletrificação do transporte rodoviário. Para os camiões e autocarros, seriam necessários 10 mil milhões de euros para eletrificar cerca de 7 000 km de autoestradas no período de referência.

3.20.

O desenvolvimento e a reabilitação das infraestruturas de transporte na UE são ainda bastante fragmentados e representam um grande desafio em termos de capacidade e de financiamento. São de importância estratégica para assegurar tanto o crescimento sustentável, o emprego e a competitividade, como a coesão social e territorial na UE.

3.21.

No setor das infraestruturas de transporte existem 11,2 milhões de trabalhadores. Em geral, as necessidades e as condições de trabalho devem igualmente ser tidas em conta no quadro do MIE. O CESE apela para medidas tais como controlos eficazes, um alojamento de pernoita moderno e um número suficiente de parques de estacionamento com equipamento adequado.

3.22.

O CESE observa que, na sua forma atual, a proposta da Comissão enfraqueceu o compromisso anterior de consagrar «a maior parte» do orçamento no setor da energia a projetos de eletricidade. O CESE congratula-se com o facto de a Comissão ter a expectativa de que este compromisso será honrado no âmbito do atual MIE até ao final do período de programação. O cumprimento deste compromisso é essencial para garantir a conformidade do MIE com a política da UE em matéria de clima e energia.

3.23.

No que diz respeito à inclusão das instalações de energia renovável entre os projetos elegíveis para a componente energética do MIE, convém alterá-la por forma a abarcar tanto os projetos de grande escala como as carteiras de projetos de pequena escala. Trata-se de um elemento fundamental para melhorar a utilização dos fundos da UE destinados às energias renováveis, tal como descrito na reformulação da Diretiva Energias Renováveis.

3.24.

O CESE observa que, a preços constantes, a dotação de 2021-2027 para o MIE e a contribuição do Fundo de Coesão representam cortes de 12 %-13 %. É necessário rever este aspeto. Ao mesmo tempo, é importante concretizar as prioridades do MIE em matéria de transportes. A parte do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional que não tenha sido utilizada pelos Estados-Membros beneficiários nos três primeiros anos deve ser afetada no mesmo país, de acordo com essas prioridades.

3.25.

A avaliação intercalar do MIE incidiu principalmente sobre aspetos quantitativos, não obstante a natureza muito concreta da maioria dos projetos.

3.26.

Há que realizar uma verdadeira avaliação quantitativa e qualitativa no final do período de 2014-2020 dos projetos concluídos e dos que estão numa fase avançada da obra.

3.27.

A proposta não inclui uma avaliação da eficácia dos projetos, conforme criticou o Tribunal de Contas Europeu (TCE) no seu relatório de 2018. O CESE insta, por conseguinte, a que se examine, nomeadamente, a evolução do desenvolvimento da RTE-T, bem como as alterações nos fluxos de tráfego de passageiros e de mercadorias. Além disso, o CESE insta a que se proceda a uma análise socioeconómica do custo-benefício dos projetos RTE-T que tenha em conta os benefícios e custos sociais, económicos, climáticos e ambientais.

3.28.

O CESE propõe que o êxito do MIE não seja garantido exclusivamente pelo montante de fundos atribuídos nem pelo número de projetos apoiados. A metodologia de avaliação deve ser ajustada.

3.29.

O CESE considera igualmente que se devem examinar formas de melhorar os métodos de comunicação dos resultados positivos do MIE. É necessária também maior previsibilidade.

3.30.

As metrópoles europeias são as regiões da UE onde há mais tráfego, sendo que quase todo o transporte tem como origem ou destino uma metrópole. O CESE apela para que as aglomerações sejam tidas em conta nos principais projetos de infraestruturas, quer possam ou não beneficiar de financiamento pelo Fundo de Coesão.

3.31.

O CESE congratula-se com o facto de que o MIE apoiará, pela primeira vez, a infraestrutura de transporte de dupla utilização civil e militar com 6,5 mil milhões de euros, a fim de melhorar a mobilidade militar na UE, em conformidade com a comunicação conjunta de novembro de 2017 (3) e o plano de ação de março de 2018 (4).

3.32.

O CESE acolhe favoravelmente os objetivos definidos no Plano de Ação para a Mobilidade Militar e apoia uma União da Defesa tanto em termos de melhoria das infraestruturas como de criação de sinergias. A infraestrutura de dupla utilização para fins civis e de defesa deve ser desenvolvida ao longo da rede RTE-T e também nas regiões mais expostas ao risco militar.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  COM (2018) 321 final.

(2)  COM (2018) 66 final.

(3)  Bruxelas, 10.11.2017, JOIN (2017) 41 final, Comunicação Conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Melhorar a mobilidade militar na União Europeia.

(4)  Bruxelas, 28.3.2018, JOIN (2018) 5 final, Comunicação Conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre o Plano de Ação para a Mobilidade Militar.


6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/199


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um programa de ação em matéria de intercâmbio, de assistência e de formação para a proteção do euro contra a falsificação para o período de 2021-2027 (“programa Pericles IV”)»

[COM(2018) 369 final — 2018/0194(CNS)]

(2018/C 440/34)

Consulta

Comissão Europeia, 18.6.2018

Base jurídica

Artigos 133.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

207/0/1

Considerando que o conteúdo da proposta é satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 537.a reunião plenária de 19 e 20 de setembro de 2018 (sessão de 19 de setembro de 2018) decidiu, por 207 votos a favor e 1 abstenção, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER