ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 34

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

60.° ano
2 de fevereiro de 2017


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

520.a reunião plenária de 19 e 20 de outubro de 2016

2017/C 34/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Um orçamento da UE assente no desempenho e centrado nos resultados: a chave para uma boa gestão financeira [parecer de iniciativa]

1

2017/C 34/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Mecanismo europeu de controlo do Estado de direito e dos direitos fundamentais (parecer de iniciativa)

8

2017/C 34/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Observações finais do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência — Uma nova estratégia para as pessoas com deficiência na União Europeia (parecer de iniciativa)

15

2017/C 34/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Papel e impacto das iniciativas tecnológicas conjuntas (ITC) e das parcerias público-privadas (PPP) na aplicação do Programa Horizonte 2020 para uma mutação industrial sustentável (parecer de iniciativa)

24

2017/C 34/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Reforçar o setor industrial europeu dos produtos de cuidados pessoais, de higiene corporal e de beleza (parecer de iniciativa)

31

2017/C 34/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Desmantelamento de navios e sociedade da reciclagem (parecer de iniciativa)

38

2017/C 34/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Energia de prossumidores e cooperativas de energia: oportunidades e desafios nos países da UE (parecer de iniciativa)

44

2017/C 34/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Energia marinha: fontes de energia renováveis a desenvolver (parecer de iniciativa)

53

2017/C 34/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A Agenda 2030 — Uma União Europeia empenhada no desenvolvimento sustentável a nível mundial (parecer de iniciativa)

58

2017/C 34/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Avaliação intercalar do Programa Horizonte 2020 (parecer exploratório)

66

2017/C 34/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu Eliminar os obstáculos à aquacultura sustentável na Europa (parecer exploratório a pedido da Comissão Europeia)

73

2017/C 34/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A nova configuração do mercado da eletricidade e potenciais repercussões nos consumidores vulneráveis (parecer exploratório)

78


 

III   Atos preparatórios

 

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

 

520.a reunião plenária de 19 e 20 de outubro de 2016

2017/C 34/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — As normas europeias no século XXI[COM(2016) 358 final]

86

2017/C 34/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre medidas contra o bloqueio geográfico e outras formas de discriminação com base na nacionalidade, local de residência ou de estabelecimento dos clientes no mercado interno e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE[COM(2016) 289 final — 2016/0152 (COD)]

93

2017/C 34/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação coerciva da legislação de defesa do consumidor[COM(2016) 283 final — 2016/0148 (COD)]

100

2017/C 34/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos serviços transfronteiriços de entrega de encomendas[COM(2016) 285 final — 2016/0149 (COD)]

106

2017/C 34/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política de Concorrência 2015[COM(2016) 393 final — SWD(2016) 198 final]

110

2017/C 34/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um programa da União de apoio a atividades específicas que visam reforçar a participação dos consumidores e de outros utilizadores finais de serviços financeiros na elaboração das políticas da União no domínio dos serviços financeiros para o período 2017-2020[COM(2016) 388 final — 2016/0182 (COD)]

117

2017/C 34/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva (UE) 2015/849 relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e que altera a Diretiva 2009/101/CE[COM(2016) 450 final — 2016/0208 (COD)]

121

2017/C 34/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2011/16/UE no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais[COM(2016) 452 final — 2016/0209 (CNS)]

127

2017/C 34/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre as práticas comerciais desleais nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar[COM(2016) 32 final]

130

2017/C 34/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que define as características dos navios de pesca (reformulação)[COM(2016) 273 final — 2016/0145 (COD)]

140

2017/C 34/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de gestão, de conservação e de controlo aplicáveis na área da Convenção da Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT) e que altera os Regulamentos (CE) n.o 1936/2001, (CE) n.o 1984/2003 e (CE) n.o 520/2007 do Conselho[COM(2016) 401 final — 2016/0187 (COD)]

142

2017/C 34/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de país terceiro ou por um apátrida (reformulação)[COM(2016) 270 — 2016/0133 (COD)] sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria a Agência da União Europeia para o Asilo e revoga o Regulamento (CE) n.o 439/2010[COM(2016) 271 final — 2016/0131 (COD)] e sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação do sistema Eurodac de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efetiva do [Regulamento (UE) n.o 604/2013] que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas, de identificação de nacionais de países terceiros ou de apátridas em situação irregular, e de pedidos de comparação com os dados Eurodac apresentados pelas autoridades responsáveis dos Estados-Membros e pela Europol para fins de aplicação da lei (reformulação)[COM(2016) 272 final — 2016/0132 (COD)]

144

2017/C 34/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia da UE para o Aquecimento e a Refrigeração[COM(2016) 51 final]

151

2017/C 34/26

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2010/13/UE relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual, para a adaptar à evolução das realidades do mercado[COM(2016) 287 final — 2016/0151 (COD)]

157

2017/C 34/27

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 531/2012 no que respeita às regras aplicáveis aos mercados grossistas de itinerância[COM(2016) 399 final — 2016/185 (COD)]

162

2017/C 34/28

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/45/CE relativa às regras e normas de segurança para os navios de passageiros[COM(2016) 369 final — 2016/170 (COD)]

167

2017/C 34/29

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 98/41/CE do Conselho relativa ao registo das pessoas que viajam em navios de passageiros que operam a partir de ou para portos dos Estados-Membros da Comunidade e que altera a Diretiva 2010/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às formalidades de declaração exigidas aos navios à chegada e/ou à partida dos portos dos Estados-Membros[COM(2016) 370 final] [2016/171(COD)]

172

2017/C 34/30

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um sistema de inspeções para a segurança da exploração de ferries ro-ro e embarcações de passageiros de alta velocidade em serviços regulares e que altera a Diretiva 2009/16/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à inspeção de navios pelo Estado do porto e que revoga a Diretiva 1999/35/CE do Conselho[COM(2016) 371 final — 2016/0172 (COD)]

176

2017/C 34/31

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1920/2006 no que se refere ao intercâmbio de informações, ao sistema de alerta rápido e aos procedimentos de avaliação dos riscos das novas substâncias psicoativas[COM(2016) 547 final — 2016/0261 (COD)]

182


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

520.a reunião plenária de 19 e 20 de outubro de 2016

2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Um orçamento da UE assente no desempenho e centrado nos resultados: a chave para uma boa gestão financeira»

[parecer de iniciativa]

(2017/C 034/01)

Relator:

Petr ZAHRADNÍK

Decisão da Plenária

21.1.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

5.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

139/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que o orçamento da UE pode constituir um instrumento fundamental para fazer face aos desafios com que a UE se depara atualmente e às suas mudanças estruturais. No entanto, é necessário analisar e avaliar cuidadosamente o destino dado aos seus recursos financeiros, a forma como são despendidos, o modo de avaliar o desempenho dos recursos assim utilizados e de comunicar os resultados obtidos (1). Nestes casos, o orçamento da UE pode fazer face aos desafios prioritários da UE e contribuir para restaurar a confiança dos cidadãos europeus na UE, mesmo no caso de uma redução absoluta e relativa do seu montante.

1.2.

Uma condição prévia para o reforço do desempenho do orçamento da UE consiste igualmente em fixar objetivos prioritários claramente definidos a favor dos cidadãos da UE, indicadores agregados correspondentes e um sistema convincente de prestação de contas, em relação às atividades concretas financiadas pelo orçamento da UE, o que permitiria otimizar a relação custo-benefício. Para tal, pode-se, por exemplo, recorrer a condições ex ante, a instrumentos financeiros ou a uma flexibilidade e capacidade para enfrentar desafios súbitos (2). O aspeto quantitativo do orçamento da UE, que surge em primeiro lugar e que, do ponto de vista do CESE, é particularmente importante para identificar as principais prioridades e as políticas correspondentes, deve ser acompanhado também da sua dimensão qualitativa.

1.3.

O CESE subscreve a ideia de que as despesas do orçamento da UE não só devem respeitar as regras de legalidade e regularidade dos procedimentos, mas também devem ser centradas de forma sistemática nos resultados e no desempenho que o orçamento pretende obter, abrangendo os domínios prioritários da União Europeia.

1.4.

O CESE reconhece que a adoção das regras da cultura do desempenho no contexto do orçamento da UE exige uma articulação estreita entre, por um lado, o montante e a natureza das despesas e, por outro, um conjunto coerente de indicadores agregados de desempenho que permita avaliar este último e os resultados obtidos.

1.5.

Ao mesmo tempo, o CESE considera que a adoção dessa cultura do desempenho não se resume a uma medida pontual, constituindo antes um processo evolutivo que pressupõe a existência de um quadro jurídico adequado e de um conjunto de instrumentos que orientem a ação dos principais intervenientes no sentido desejado. Os próximos debates, bem como a execução, sobre um orçamento da UE centrado nos resultados devem, entre outros aspetos, especificar melhor o seu conteúdo.

1.6.

O CESE está convicto de que um orçamento da UE centrado nos resultados permite garantir a obtenção, nos domínios prioritários da União, de resultados e impactos que ofereçam um valor acrescentado claramente identificável. Deste modo, o debate sobre um orçamento da UE assente no desempenho é igualmente um debate sobre as políticas prioritárias da União com capacidade para garantir as mudanças estruturais necessárias.

1.7.

Até à data, foram efetuados exercícios-piloto para avaliar os efeitos do orçamento da União sobre a realização das prioridades e dos objetivos quantificados da Estratégia Europa 2020. O CESE considera que esta iniciativa constitui um passo na direção certa, que há que prosseguir de forma sistemática e de forma ainda mais global. A realização de testes revelou um elevado grau de disparidade entre os objetivos visados e os resultados correspondentes, bem como numerosos exemplos de uma utilização ineficaz dos recursos financeiros da UE e deficiências nos procedimentos conexos.

1.8.

O CESE preconiza que se continue a melhorar e a reforçar a interligação e a articulação entre a Estratégia Europa 2020 e o quadro financeiro plurianual para o período de 2014-2020, ou os diversos exercícios orçamentais da UE correspondentes, através de indicadores de análise do impacto e da sua interpretação subsequente. Nessa ocasião, é aconselhável que se proceda a uma reflexão sobre a Estratégia Europa 2020, a fim de verificar se também contempla as prioridades reais da UE em matéria de desenvolvimento na segunda metade da presente década.

1.9.

O CESE aprova igualmente a ideia de envidar esforços para que os contratos de parceria e os programas operacionais desempenhem eficazmente a sua função de correias de transmissão, a fim de traduzir os objetivos e prioridades da UE em objetivos operacionais prosseguidos a nível dos Estados-Membros, tanto para melhorar a gestão partilhada como para aperfeiçoar as regras processuais dos programas diretamente geridos pela Comissão Europeia em cada Estado-Membro.

1.10.

O CESE recomenda que os Estados-Membros sejam incentivados a incluir nos seus contratos de parceria e programas operacionais um conjunto coerente e comparável de resultados quantificáveis que devem ser atingidos com o apoio dos recursos orçamentais da UE e seguidamente submetidos a uma avaliação. Todos os contratos de parceria e programas operacionais devem prever indicadores comuns de resultados numa base transversal ou horizontal, que identifiquem claramente a contribuição dos diversos fundos e dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento no seu conjunto, e que devem ser concebidos de modo a permitir acompanhar os progressos realizados à escala da União, dos Estados-Membros e de cada uma das suas regiões.

1.11.

O CESE considera que a revisão intercalar do quadro financeiro plurianual para 2014-2020 é uma oportunidade para aplicar mais vigorosamente uma abordagem assente no desempenho e centrada nos resultados, que deve concretizar-se plenamente no quadro financeiro plurianual a partir de 2021.

1.12.

O CESE considera que o quadro financeiro plurianual que terá início em 2021 deve constituir, juntamente com a nova estratégia para a competitividade e o desenvolvimento e com o pilar dos direitos sociais que está em elaboração, uma plataforma estratégica fundamental a médio prazo (com um horizonte temporal idêntico ao da estratégia para a competitividade) dotada de uma estrutura e de uma ponderação das diferentes rubricas de despesas adaptadas às necessidades e prioridades reais, e que permita simultaneamente uma maior flexibilidade para fazer face às novas necessidades que surjam. O CESE também acolheria favoravelmente uma alteração das modalidades de execução dos recursos financeiros do orçamento da UE no sentido de uma maior eficácia, graças à aplicação mais ampla de instrumentos reembolsáveis e à procura de complementaridades entre estes e as dotações de subvenção. Além disso, subsiste uma ampla margem de manobra para melhorar as formas de avaliar o orçamento da UE e a sua eficácia. O fator da flexibilidade orçamental correspondente é fundamental do ponto de vista da capacidade do orçamento da UE para reagir a novas iniciativas, ameaças e oportunidades emergentes, bem como para a manutenção da capacidade da UE de agir (a título de exemplo, pode citar-se a crise migratória, a necessidade de fazer face a choques económicos ou a variação do número de membros da UE e o seu impacto sobre os fluxos orçamentais, uma base adequada de recursos do Fundo de Solidariedade em caso de catástrofes naturais), e este fator diz respeito não só ao volume e à estrutura das despesas do orçamento da UE, mas também às suas receitas.

1.13.

O CESE recomenda que se introduza na política orçamental da UE após 2020 a identificação do montante correspondente do lado das receitas do orçamento da UE e a forma como foi calculado (trata-se de encontrar uma relação equilibrada e solidária entre as contribuições dos Estados-Membros e os recursos orçamentais próprios).

1.14.

O CESE concorda com o alargamento suplementar das opções oferecidas por uma política orçamental ativa, permitindo, por exemplo, a emissão de obrigações europeias. Para esse efeito, importa melhorar o enquadramento e o processo orçamentais da UE, bem como resolver satisfatoriamente a questão do alcance da política orçamental da UE, por um lado, nos Estados da área do euro e, por outro, nos demais Estados-Membros da UE.

2.   Análise e descrição do problema

2.1.    Elementos factuais de base

2.1.1.

O orçamento da UE é um instrumento importante e crucial para o financiamento das prioridades da União, sendo equivalente a cerca de 1 % do PIB da UE. O seu montante para o exercício de 2015 ascendeu a 145,3 mil milhões de EUR, contribuindo de forma bastante significativa para assegurar a política económica de cada um dos Estados-Membros, onde representa, em média, 1,9 % da despesa pública, embora, em alguns casos, essa percentagem seja bastante superior a 10 %.

2.2.    Pontos de partida da problemática

2.2.1.

Importa assegurar que recursos financeiros tão elevados são afetados não só no respeito das regras de legalidade e regularidade, mas também, e simultaneamente, uma vez observada essa primeira condição, de modo a permitirem atingir os objetivos e os resultados correspondentes e respeitar os princípios da boa gestão financeira e da cultura do desempenho. A identificação dos efeitos reais da execução do orçamento da UE, avaliada através de indicadores e critérios macroeconómicos pertinentes, é objeto de todas as reflexões políticas atuais sobre a política orçamental da União.

Um orçamento eficaz deve orientar de forma adequada as despesas para as verdadeiras prioridades da UE, durante um determinado período. A cultura do desempenho assenta, assim, em três pilares: estratégia, simplificação e processo orçamental.

2.2.2.

O orçamento da UE e a sua execução devem obedecer às seguintes prioridades:

a adoção de uma abordagem mais baseada no desempenho e centrada nos resultados, que compense a visão tradicional do respeito das regras de legalidade e regularidade e que permita integrar novos elementos suscetíveis de refletir as necessidades financeiras atuais e futuras da UE (ver infra);

uma maior concentração no desempenho e nos resultados, a qual implica que se melhore o tratamento dos dados, a sua acessibilidade e a sua disponibilidade sob a forma solicitada, a fim de avaliar os benefícios reais, desde que os efeitos dessa atividade sejam superiores aos encargos suplementares gerados;

a avaliação da qualidade do quadro regulamentar para a afetação das despesas do orçamento da UE;

uma análise da evolução das atividades financiadas pelo orçamento da UE, não de forma isolada do ponto de vista de um dado exercício orçamental, mas — tendo em conta a natureza das mesmas — sob a forma de um processo contínuo a médio prazo, em que cada exercício representa uma trajetória específica da evolução necessária para concretizar os resultados correspondentes;

o respeito pela estreita interligação entre o orçamento da UE e o novo modelo de política económica da União (3), bem como o desempenho atual da economia da UE, numa perspetiva de médio prazo;

a necessidade de assegurar a continuidade da política orçamental da UE, bem como de realizar e avaliar os seus objetivos.

2.2.3.

O orçamento da UE contém novas componentes relacionadas com o funcionamento do quadro financeiro plurianual para o período de 2014-2020, que são pertinentes para o reforço da abordagem assente no desempenho e centrada em resultados:

a)

concentração temática: o apoio proporcionado pelos recursos financeiros da UE apenas deve beneficiar os domínios prioritários e não ser direcionado para todo o tipo de fins; há que definir as prioridades de forma precisa e fundamentá-las com uma análise quantitativa e planos de viabilidade; importa delimitar rigorosamente o âmbito das prioridades no seu conjunto; as que se justifiquem devem dispor de um financiamento suficiente para se poderem obter resultados e benefícios efetivos;

b)

abordagem integrada e de base local («place-based») e sinergias: os programas e projetos não só devem produzir resultados e benefícios enquanto tais, mas estes últimos devem corresponder aos de outros programas e projetos, graças às sinergias obtidas; estas devem produzir-se no âmbito de uma unidade territorial definida com base no princípio da subsidiariedade; para que este sistema funcione, há que estabelecer uma matriz de gestão que crie as condições adequadas para os projetos integrados;

c)

condicionalidades e reserva de eficiência: os princípios de boa gestão financeira pressupõem que o financiamento da UE tenha lugar num contexto adequado em termos de assuntos internos, macroeconómicos e institucionais de um Estado, o que constitui uma condição prévia para realizar a própria afetação de recursos; em contrapartida, é instituída uma reserva de eficiência que recompensa as entidades que apresentem bons resultados;

d)

simplificação: o sistema de financiamento da UE é extraordinariamente complexo em diversos aspetos, o que constitui um obstáculo à sua gestão eficaz e à possibilidade de avaliar os seus resultados e benefícios reais;

e)

melhor quantificação dos resultados: para formular e adaptar a política orçamental da UE, é muito importante avaliar eficazmente os resultados realmente obtidos e poder extrair com precisão e sem ambiguidades os devidos ensinamentos dos factos observados; para o efeito, é essencial melhorar o sistema de análise dos dados, a gestão do mesmo e a utilização dos indicadores.

2.2.4.

Para a União Europeia, trata-se de adaptar melhor a política orçamental e o funcionamento prático do seu orçamento às suas necessidades, estabelecendo um equilíbrio mais relevante entre, por um lado, os aspetos formais e processuais da execução orçamental e, por outro, as abordagens assentes no desempenho e centradas nos resultados. Nesta perspetiva centrada no desempenho e nos resultados, é fundamental dispor de uma abordagem que promova uma perceção e uma compreensão comuns deste conceito.

2.2.5.

No que diz respeito à avaliação da inobservância das regras formais, há muito que se utiliza o indicador da taxa de erro. Este ronda os 4 % (aproximadamente 4 % das despesas do orçamento da UE não são efetuadas em conformidade com as regras formais, o que, só por si, não constitui um mau resultado; no entanto, em valor absoluto, esta percentagem representa cerca de 6 mil milhões de EUR). O quadro seguinte apresenta a evolução da taxa de erro global nos últimos anos:

2011

2012

2013

2014

3,9  %

4,8  %

4,7  %

4,4  %

2.2.6.

O princípio fundamental do orçamento da UE reside na solidez dos fluxos financeiros e dos programas e projetos concretos que estes financiam, que permite avaliar se os recursos da UE são utilizados da melhor forma sob todos os aspetos. O CESE concorda com a tendência atual no sentido de reforçar a ênfase colocada no desempenho e nos resultados no âmbito das atividades da Comissão Europeia (como mostra a sua iniciativa relativa a um orçamento centrado nos resultados (4)) e do Tribunal de Contas Europeu (como revela a estrutura do seu relatório anual relativo ao exercício de 2014 (5) e o capítulo especificamente consagrado ao desempenho; as passagens relativas à gestão partilhada incluem, enquanto resultados, a avaliação do desempenho dos programas no final de um exercício-piloto).

2.2.7.

O CESE aprova a abordagem utilizada no exercício-piloto destinada a analisar a relação e a interligação entre a Estratégia Europa 2020 e os contratos de parceria, ou os programas operacionais, se for caso disso, dado que estes são instrumentos essenciais para executar a política de coesão da UE e componentes significativas do lado das despesas do orçamento da União. Esse exercício pode ser considerado como o ponto de partida para uma conceção global da avaliação do desempenho e dos resultados do orçamento da UE (6).

2.2.8.

O processo de tratamento, gestão e comunicação dos dados e informações entre os organismos e instituições da UE (com a Comissão Europeia em primeiro lugar) e os Estados-Membros é essencial para um acompanhamento equilibrado dos aspetos formais e de desempenho relativos ao orçamento da UE. A execução do orçamento faz-se acompanhar de uma enorme quantidade de dados e informações que, na prática, são explorados de forma muito limitada para assegurar a possibilidade de avaliar objetivamente a taxa de erro e, em especial, os resultados obtidos pelo orçamento da UE, bem como estabelecer os procedimentos necessários para melhorar a situação observada.

3.   Observações fundamentais

3.1.

O CESE considera que a principal razão de ser do orçamento da UE reside nos benefícios que este proporciona aos cidadãos da União, ao mesmo tempo que protege os interesses financeiros da mesma; os benefícios assumem a forma de um apoio financeiro baseado no respeito das prioridades de desenvolvimento e de funcionamento, que seja compatível com o quadro da política económica e com o desempenho económico real e esperado; a proteção dos interesses financeiros da União consiste em efetuar as despesas inscritas no seu orçamento de forma adequada e em conformidade com as regras, sem erros nem atos fraudulentos. A abordagem política atual deverá contribuir para concretizar esse pleno respeito e esse equilíbrio mútuo.

3.2.

O CESE considera que esta transição para um orçamento da UE centrado no desempenho não pode ser obtida através de uma medida pontual. É essencial que as normas jurídicas fundamentais e os objetivos políticos e orçamentais da UE sejam concebidos de forma compatível com a vontade de respeitar indicadores qualitativos e obter resultados mensuráveis.

3.3.

Outro contributo significativo para centrar o orçamento da União no desempenho consistiria em fazer coincidir no tempo o período orçamental (atualmente, o quadro financeiro de sete anos) e o período consagrado à principal estratégia de desenvolvimento da UE (atualmente, a Estratégia decenal Europa 2020). Deste ponto de vista, o ano de 2021 proporcionará uma oportunidade única para assegurar tal coincidência e criar as condições necessárias para que um orçamento da UE centrado nos resultados e no desempenho possa funcionar da melhor forma.

3.4.

O CESE toma nota e respeita as conclusões do relatório anual relativo ao exercício de 2014 publicado pelo Tribunal de Contas, que identificou várias questões problemáticas que obstam a que a interligação entre a Estratégia Europa 2020 e os contratos de parceria, ou os programas operacionais, se for caso disso, funcione da melhor forma. O referido relatório constata que os diferentes instrumentos não estão concebidos de forma a permitir traduzir sistematicamente os objetivos políticos da Estratégia Europa 2020 em objetivos operacionais concretos (definidos pelos contratos de parceria e programas operacionais) (7).

3.5.

O CESE considera que os potenciais benefícios resultantes da criação de sinergias entre os cinco Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (Fundos QEC), no âmbito do sistema global de regulamentação e de gestão e de um contrato de parceria em cada Estado-Membro, ainda não se concretizaram, ao passo que perdura a prática de aplicar regras diferentes a cada um desses fundos, o que leva à fragmentação da programação (em vez de se obterem as sinergias necessárias entre os mesmos).

3.6.

O CESE estima que a existência de dois novos elementos na utilização dos recursos financeiros da UE no período de 2014-2020, designadamente as condicionalidades e a reserva de eficiência, oferece ampla margem de manobra para melhorar a abordagem centrada no desempenho e nos resultados. É precisamente a aplicação de condicionalidades macroeconómicas que deve garantir que as despesas do orçamento da UE se efetuem, em cada Estado-Membro, num ambiente macroeconómico suficientemente sólido, ou que não deve permitir que um Estado-Membro que não se esforce por corrigir os seus problemas macroeconómicos possa utilizar plenamente esses recursos. A existência de reservas de eficiência deve igualmente encorajar, de forma adequada, os Estados-Membros a prestarem desempenhos centrados na realização dos objetivos estratégicos da UE utilizando o orçamento da mesma.

3.7.

O CESE considera que o exercício-piloto destinado a testar um orçamento da UE centrado no desempenho e nos resultados através da sua articulação com as prioridades da Estratégia Europa 2020 deve ser futuramente alargado a outros domínios pertinentes, de modo a permitir que a avaliação dessa orientação do orçamento da União para o desempenho e os resultados seja verdadeiramente coerente e global — importa, por exemplo, analisar as recomendações por país e a sua coerência com os indicadores resultantes da execução do Semestre Europeu.

3.8.

O CESE recomenda que, no âmbito das reflexões sobre o funcionamento do orçamento da UE, seja realizado um estudo do conceito de deficiência do mercado, devendo os recursos financeiros da UE ser orientados para a sua eliminação; as manifestações de uma deficiência do mercado (imperfeições ou inoperância do mercado) podem assumir, por exemplo, a forma de uma assimetria da informação, eventualmente quanto ao modo como as instituições financeiras avaliam a rendibilidade dos investimentos a nível comercial, o que entrava o financiamento de determinados tipos de projetos por não ter em conta certas externalidades positivas e benefícios sociais mais gerais que estes proporcionam, e não são pertinentes no contexto comercial em causa, mas têm importância em termos do apoio proporcionado pelo financiamento da União.

3.9.

O CESE concorda que é necessário melhorar sensivelmente a gestão partilhada entre os organismos e instituições da UE (com a Comissão Europeia em primeiro lugar) e os Estados-Membros. É através da gestão partilhada que 76 % das despesas totais do orçamento da UE são efetuadas. Quanto mais os Estados-Membros realizarem a nível interno os objetivos quantificados da Estratégia Europa 2020, mais o orçamento da União se articulará com os objetivos dessa estratégia e mais os seus objetivos refletirão as verdadeiras necessidades da UE a nível económico, social, territorial ou ambiental, reforçando-se a criação de um ambiente favorável, de boa gestão financeira, para que a relação entre a Comissão Europeia e os Estados-Membros decorra sem problemas.

3.10.

O CESE estima que uma manifestação importante do crescente peso da orientação do orçamento da UE para o desempenho e os resultados é a ênfase colocada numa maior utilização dos instrumentos de engenharia financeira (IEF) e de instrumentos de financiamento inovadores, cuja natureza altera radicalmente a forma como se utilizam os recursos públicos da União e as expectativas que lhes estão associadas. Apesar do indiscutível potencial dos IEF, apenas cerca de 65 % dos recursos autorizados a este título, no período de 2007-2013, chegaram aos destinatários finais (ficando o resto retido nos IEF, a fim de comprovar a sua utilização a nível formal). Este tema está a ganhar importância para o período após 2020, tendo também em conta a necessidade de reforçar a complementaridade em relação ao Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE), constituindo uma reflexão estratégica crucial quando se trata de orientar os recursos comuns da UE a partir de 2021.

3.11.

Simultaneamente, o CESE considera que reforçar a orientação para o desempenho e os resultados não deve significar, evidentemente, que se negligencie a legalidade e a regularidade dos procedimentos. A importância de respeitar as regras de direito e de processo não pode ser secundarizada. Dado que a taxa de erro inclui todos os casos em que o financiamento não devia ter sido libertado porque não foi utilizado de acordo com as regras, parte-se de algum modo automaticamente do princípio que essas regras estão corretas e não contêm contradições internas ou elementos indesejáveis. Também por este motivo, um procedimento que respeite as regras de boa gestão financeira deve prever a verificação do impacto dessas regras, a fim de pôr à prova a sua compatibilidade e coerência com as necessidades e os objetivos da UE (8).

3.12.

O CESE reconhece a grande complexidade das modalidades práticas de execução do orçamento da UE. Os esforços atualmente envidados para simplificar todas as atividades com este relacionadas, tanto em termos processuais como de conteúdo, contribuem igualmente para satisfazer o requisito de boa gestão financeira; estes esforços de simplificação devem levar à redução dos encargos administrativos excessivos e limitar a prática da «sobrerregulamentação» em cada Estado-Membro.

3.13.

O CESE considera que as propostas apresentadas na secção 3 do presente parecer, que conduzem às conclusões e recomendações finais (secção 1), constituem reflexões conceptuais fundamentais sobre a futura política orçamental da UE, suscetíveis de ser parcialmente aplicadas no âmbito do processo de revisão intercalar do quadro financeiro plurianual para 2014-2020, mas que só podem ser plenamente refletidas nas regras orçamentais a partir do exercício de 2021. O conceito das perspetivas e das reformas necessárias em relação ao orçamento e ao quadro financeiro plurianual após 2020 pode apoiar-se nos recentes pareceres do CESE sobre este tema ou inscrever-se nessa linha (9).

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Ver: Kristalina Georgieva, vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo Orçamento e Recursos Humanos, páginas da Internet consagradas a «Um orçamento da UE centrado nos resultados».

(2)  Ver análise que se segue, ponto 2.2.3.

(3)  Estratégia Europa 2020, Semestre Europeu, pacote de seis atos legislativos (six-pack), segundo pacote sobre a governação económica (two-pack), recomendações por país, entre outros; uma das abordagens possíveis pode consistir no estabelecimento de uma estreita articulação com as recomendações por país enquanto critério para a afetação eficiente dos recursos orçamentais da UE.

(4)  Kristalina Georgieva, vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo Orçamento e Recursos Humanos, anunciou esta iniciativa na conferência de 22 de setembro de 2015.

(5)  Este relatório anual foi publicado em 10 de novembro de 2015.

(6)  Pelo seu teor, várias resoluções do Parlamento Europeu aprovadas entre 2013 e 2015 (ver os relatórios de Jens Geier ou de Ingeborg Grässle) enveredam por uma via semelhante, apesar de abordarem questões setoriais; o documento sobre a quitação relativa à gestão da Comissão Europeia no exercício de 2014 (relatório elaborado por Martina Dlabajová em 2016) revela a existência de uma perspetiva global nesta matéria nos textos do Parlamento Europeu.

(7)  Ver, por exemplo, os pontos 3.10 a 3.12 do relatório anual do Tribunal de Contas relativo ao exercício de 2014.

(8)  Por exemplo, através de uma avaliação do impacto regulamentar, que constitui um instrumento muito eficaz para alcançar uma boa gestão financeira.

(9)  Ver, por exemplo, os pareceres do CESE de 2011 sobre a «Reapreciação do orçamento da UE» (JO C 248 de 25.8.2011, p. 75), de 2012 sobre o «Quadro financeiro plurianual para o período de 2014-2020» (JO C 229 de 31.7.2012, p. 32), de 2014 sobre o tema «Realizar a União Económica e Monetária — O papel da política fiscal», (JO C 230 de 14.7.2015, p. 24), de 2015 sobre a «Análise da governação económica» (JO C 268 de 14.8.2015, p. 33), de 2014 sobre o tema «Realizar a União Económica e Monetária — Propostas do Comité Económico e Social Europeu para a próxima legislatura europeia» (JO C 451 de 16.12.2014, p. 10), de 2015 sobre o tema «Completar a UEM: o pilar político» (JO C 332 de 8.10.2015, p. 8), de 2012 sobre «O PIB e mais além — Participação da sociedade civil na seleção de indicadores complementares» (JO C 181 de 21.6.2012, p. 14), de 2012 sobre um «Imposto sobre as transações financeiras» (JO C 181 de 21.6.2012, p. 55), de 2013 sobre uma «Cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras» (JO C 271 de 19.9.2013, p. 36), e de 2012 sobre o «Programa de ação no domínio aduaneiro e no domínio da fiscalidade na União Europeia para o período de 2014-2020 (Fiscus)» (JO C 143 de 22.5.2012, p. 48).


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/8


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Mecanismo europeu de controlo do Estado de direito e dos direitos fundamentais»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 034/02)

Relator:

José Antonio MORENO DÍAZ

Correlator:

Ákos TOPOLÁNSZKY

Consulta

Comité Económico e Social Europeu, 21/01/2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

27/09/2016

Adoção em plenária

19/10/2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

202/1/7

1.   Observações e propostas do CESE: um mecanismo da UE para o Estado de direito, a democracia e os direitos fundamentais

1.1.

A União Europeia não é apenas um mercado comum, é também uma união de valores comuns, conforme disposto no artigo 2.o do Tratado. Além disso, reconhece os direitos, as liberdades e os princípios consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Estes valores em que a União Europeia assenta são a base da integração e fazem parte da identidade europeia. Além de serem critérios para a adesão, têm de ser posteriormente respeitados na prática pelos Estados-Membros. É, portanto, essencial que os procedimentos previstos no Tratado sejam aplicados quando estes valores são ameaçados. O CESE acredita que as instituições europeias deveriam adotar uma abordagem proativa e preventiva nas suas atividades políticas, de forma a antever e evitar problemas.

1.2.

Tal como muitas organizações europeias da sociedade civil, o CESE está alarmado com a degradação dos direitos humanos, a deriva populista e autoritária que se está a alastrar e o risco que isto representa para a qualidade da democracia e para a proteção dos direitos fundamentais, que são garantidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, e que constituem princípios gerais do direito da UE (1).

1.3.

Os valores atrás referidos estão a ser ameaçados em toda a Europa. Muitas organizações da sociedade civil condenam esta situação em vários Estados-Membros e esperam que o CESE aprove novas iniciativas para que as instituições da UE atuem de forma decisiva. Não é só a União Europeia que está em perigo, mas também a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas nacionais e europeias. O CESE considera que o risco é gravíssimo e de natureza sistémica.

1.4.

O conteúdo específico dos princípios e normas que decorrem do Estado de direito pode variar a nível nacional, dependendo do sistema constitucional de cada Estado-Membro. No entanto, estes princípios e valores da UE são estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, bem como por documentos redigidos pelo Conselho da Europa, sobretudo a Comissão de Veneza. Entre estes princípios conta-se a legalidade, que implica um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista, a proibição de arbitrariedade pelos poderes executivos, a independência e imparcialidade dos tribunais, a fiscalização jurisdicional efetiva, incluindo o respeito dos direitos fundamentais, a igualdade perante a lei e a proteção dos direitos humanos, incluindo os das pessoas pertencentes a minorias.

1.5.

Tanto o Tribunal de Justiça da União Europeia como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem confirmaram que estes princípios não são requisitos puramente formais e processuais, mas sim meios de garantir o cumprimento e o respeito da democracia e dos direitos humanos. O Estado de direito é um princípio constitucional com componentes processuais e materiais.

1.6.

O respeito pelo Estado de direito está intrinsecamente ligado ao respeito pela democracia e pelos direitos fundamentais: não pode haver democracia nem proteção dos direitos fundamentais sem respeito pelo Estado de direito e vice-versa. Os direitos fundamentais só são eficazes se forem passíveis de serem invocados perante os tribunais. A democracia é protegida pelo papel fundamental do poder judicial, nomeadamente dos tribunais constitucionais. Importa acrescentar que se trata dos direitos das pessoas, não dos Estados-Membros ou dos governos. Deve, pois, ser dada prioridade urgente à defesa dos mesmos.

1.7.

À luz do trabalho realizado pela Comissão dos Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu e tendo em conta os relatórios da Comissão e a Resolução do Parlamento Europeu, de 27 de fevereiro de 2014, sobre a situação dos direitos fundamentais na União Europeia, o CESE considera necessário alterar — oportunamente — o artigo 51.o  (2) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de forma a alargar o seu âmbito e assegurar que todas as disposições da Carta são aplicáveis nos Estados-Membros (3).

1.8.

É mantido um diálogo regular entre o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o qual poderá ser reforçado caso a UE adira à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH). O CESE propõe à Comissão que apresente, no primeiro semestre de 2017, uma proposta para a adesão da UE à referida convenção, tal como especificado no artigo 6.o, n.o 2, do Tratado.

1.9.

As obrigações impostas aos países candidatos ao abrigo dos critérios de Copenhaga têm de continuar a aplicar-se nos Estados-Membros após a adesão à UE, por força do artigo 2.o do Tratado e, como tal, o CESE acredita que todos os Estados-Membros devem ser avaliados regularmente para verificar a sua conformidade permanente com os valores fundamentais da União Europeia e para evitar a quebra da confiança mútua.

1.10.

O CESE acredita que as instituições da UE têm de reforçar os procedimentos e mecanismos de proteção e defesa da democracia, do Estado de direito e dos direitos fundamentais em todos os Estados-Membros. Nos últimos anos, em especial desde 2014, temos constatado, com preocupação, que a Comissão, apesar de ter lançado procedimentos de infração em alguns casos, não tem cumprido eficazmente a sua função de guardiã dos Tratados, revelando-se incapaz de dar uma resposta adequada às violações dos princípios e valores europeus que tiveram lugar em vários Estados-Membros.

1.11.

O CESE insta a Comissão a intervir ativamente no domínio da proteção e defesa dos valores e princípios da UE, consagrados no artigo 2.o do TUE, em todos os Estados-Membros, e a aplicar plenamente o atual quadro de 2014.

1.12.

O CESE propõe a adoção de uma abordagem comum pelas três principais instituições da UE (Comissão, Conselho e Parlamento Europeu). O diálogo e a cooperação entre as instituições são essenciais para esta questão fundamental. O CESE recomenda ao Conselho que apoie o atual quadro da Comissão, aprovando uma decisão do Conselho que reforce o quadro e apoie o fortalecimento do Estado de direito.

1.13.

As organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental na promoção dos valores democráticos, no correto funcionamento do Estado de direito e na proteção dos direitos fundamentais. Dada a diminuição progressiva do espaço democrático e as restrições que as ONG enfrentam nos Estados-Membros, é admirável o papel positivo desempenhado pelas ONG no terreno. O Comité está a trabalhar muito ativamente com os parceiros sociais e as ONG na proteção dos direitos fundamentais e dos direitos das minorias, dos refugiados e dos imigrantes.

1.14.

Enquanto órgão que representa a sociedade civil organizada europeia, o CESE deseja encetar um diálogo com o Conselho, a Comissão e o Parlamento, de modo a melhorar a governação e a reforçar a coordenação política entre as instituições da UE e os Estados-Membros, bem como a estabelecer um sistema de alerta precoce.

1.15.

O CESE considera vital criar um mecanismo europeu juridicamente vinculativo, um quadro em que participem ativamente a Comissão, o Parlamento e o Conselho e no qual o CESE desempenhe um papel importante de representação da sociedade civil. Este mecanismo complementará o quadro da Comissão e o diálogo intergovernamental lançado pelo Conselho. Poderia chamar-se «novo mecanismo de Copenhaga» (4) e estaria sujeito a um controlo democrático e judicial (5).

Esse mecanismo deverá, entre outras coisas, examinar aspetos como a legalidade, a hierarquia das normas, a segurança jurídica, a igualdade, a não discriminação, o livre acesso à justiça e o direito a um julgamento equitativo, a prevenção do abuso do direito e da arbitrariedade pelos poderes públicos, a separação de poderes, o respeito e a defesa do pluralismo político, das minorias e da diversidade sexual, etc., o respeito pela liberdade de expressão e de imprensa, com vista a identificar as lacunas existentes e apelar a que sejam corrigidas.

1.16.

O Comité gostaria que o projeto de relatório em debate na Comissão LIBE do Parlamento Europeu seja aprovado e que seja alcançado um acordo interinstitucional sobre a aplicação do Pacto Europeu sobre a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais. De um modo geral, o CESE apoia esta proposta, já que nela está contida a base da implementação de um acordo interinstitucional juridicamente vinculativo e que reforça a governação europeia e a coordenação política entre as instituições da UE e os Estados-Membros. O CESE deve ser incluído neste pacto, de modo a permitir um debate da sociedade civil no CESE, devendo também ter um papel no semestre da democracia, do Estado de direito e dos direitos fundamentais (DED) proposto.

1.17.

O mecanismo deve ter como base indicadores baseados em dados quantitativos e qualitativos:

indicadores relativos ao Estado de direito;

indicadores relativos à qualidade da democracia;

indicadores relativos à proteção dos direitos fundamentais.

1.18.

O Comité salienta a importância dos títulos I, II, III e IV da Carta para a elaboração de indicadores, considerando que os direitos económicos, sociais e culturais fundamentais são «indissociáveis» dos direitos civis e políticos.

1.19.

É importante que tanto os Estados-Membros como as instituições, órgãos e agências da UE respeitem os direitos fundamentais, incluindo os direitos sociais, especialmente em tempos de crise. O mesmo se deve aplicar às relações e acordos com países terceiros, não apenas em termos de conformidade com estes direitos, mas também de garantia da sua aplicação efetiva.

1.20.

O mecanismo requer o lançamento de um sistema de controlo e avaliação que utilize procedimentos transparentes. Deve ser atribuída à Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) competência explícita para apoiar este mecanismo. O CESE apoia a proposta do Parlamento de criar um grupo de peritos independentes (6), presidido pelo Comité Científico da FRA.

1.21.

O Comité propõe integrar este grupo e que os peritos nomeados pelos respetivos governos sejam os provedores de justiça de cada Estado-Membro.

1.22.

Com base nos indicadores e utilizando procedimentos transparentes, o grupo de peritos irá rever e avaliar a situação de cada Estado-Membro. Neste contexto, o CESE pode contribuir através da organização de missões aos Estados-Membros com o fim de analisar a situação em colaboração com a sociedade civil local e elaborar relatórios.

1.23.

O CESE apoia a implementação do semestre DED. Com base nos relatórios dos peritos, todos os anos a Comissão elaborará relatórios específicos por país contendo recomendações; o Parlamento organizará um debate interparlamentar e elaborará uma resolução; o Conselho organizará o diálogo anual e aprovará as conclusões. O mecanismo deve funcionar no contexto de um novo processo político anual com o objetivo de assegurar uma abordagem comum e coerente na UE.

1.24.

O Comité gostaria de contribuir para a elaboração do acordo interinstitucional e pondera criar um grupo permanente que organize audições com a sociedade civil e elabore pareceres e relatórios a este respeito.

1.25.

Durante o semestre DED, em cooperação com as organizações da sociedade civil, poderá organizar um fórum anual para rever a situação da democracia, do Estado de direito e dos direitos fundamentais, e elaborar propostas e recomendações que serão enviadas à Comissão, ao Conselho e ao Parlamento. O Comité poderá também colaborar com outras instituições na elaboração de avaliações de impacto.

2.   O Tratado e questões conexas

2.1.

Nos últimos anos, tem-se verificado uma falta de mecanismos adequados à proteção dos valores consagrados no artigo 2.o do Tratado da União Europeia (TUE), segundo o qual a «União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres».

2.2.

A União funda-se nestes valores, que incluem o respeito pela democracia e pelo Estado de direito e a proteção dos direitos humanos. A UE tem a oportunidade de verificar a conformidade com estes valores no período que precede a adesão de um Estado à União Europeia através dos chamados «critérios de Copenhaga», ou «critérios de adesão» (7). A adesão à UE implica que o país candidato assegure a estabilidade das instituições que garantem a democracia, o Estado de direito, os direitos do Homem e o respeito e a proteção das minorias.

2.3.

No entanto, não existe nenhum mecanismo semelhante que se aplique após a adesão dos Estados-Membros à União. A falta de um mecanismo que controle a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais foi referida como «o dilema de Copenhaga».

2.4.

O correto funcionamento da UE baseia-se na «confiança mútua» entre as instituições europeias e os Estados-Membros e entre os próprios Estados-Membros; é necessário confiar em que as leis e decisões políticas aprovadas respeitam os mesmos princípios quanto ao Estado de direito, à democracia e aos direitos fundamentais. Tal cria condições equitativas entre os Estados-Membros relativamente à livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Além disso, possibilita a cooperação dos governos em questões de justiça e assuntos internos, nomeadamente o direito penal, o asilo e a imigração.

2.5.

A União Europeia foi criada para garantir a paz e a prosperidade em todos os seus Estados-Membros e melhorar o bem-estar dos seus cidadãos; depende não só da existência do comércio livre, mas também da proteção dos valores fundamentais da UE. Estes valores fundamentais garantem aos cidadãos da UE a possibilidade de viverem sem opressão nem intolerância, com governos democraticamente eleitos e responsáveis que atuam de acordo com o Estado de direito.

2.6.

Nos últimos anos, decisões políticas e legislativas tomadas em vários Estados-Membros deram origem a debates e diferendos com as instituições europeias e com outros Estados-Membros, tendo-se quebrado a «confiança mútua». Em muitos casos, não foi demonstrado o devido respeito pelas regras da democracia, pelo Estado de direito e pelos direitos fundamentais, não tendo a União Europeia sido capaz de dar uma resposta adequada.

2.7.

O CESE verifica com muita apreensão que em vários Estados-Membros são aprovadas leis e implementadas políticas que indicam uma degradação significativa da qualidade da democracia: violação dos direitos humanos, sobretudo das minorias, falta de independência do poder judicial e dos tribunais constitucionais, restrições à separação de poderes, limitações da liberdade de imprensa, de opinião, de reunião, de associação e de informação, de consulta e negociação coletiva e limitações de outros direitos fundamentais civis e sociais. Em diversas ocasiões, a União Europeia teve de lidar com crises em alguns Estados-Membros, resultantes de problemas específicos relacionados com o Estado de direito, e a Comissão Europeia lidou com estes acontecimentos através de pressão política e do lançamento de procedimentos de infração.

2.8.

Até ao presente não foram aplicados os mecanismos sancionatórios e de prevenção previstos no artigo 7.o do TUE, o único artigo dos Tratados que aborda a violação da democracia, do Estado de direito e dos direitos fundamentais em domínios fora da competência legislativa da UE. Há duas abordagens possíveis: a preventiva e a sancionatória. No entanto, na prática, estas abordagens nunca foram usadas, devido ao impacto político e aos requisitos rigorosos que regem a sua aplicação: apenas no caso de existir um «risco manifesto» de uma «violação grave e persistente».

2.9.

A Comissão e o Parlamento podem intervir na fase preventiva. Na segunda fase, o Conselho pode sancionar o Estado-Membro suspendendo determinados direitos, nomeadamente o direito ao voto dos seus representantes no Conselho.

2.10.

No entanto, o Conselho goza de uma ampla margem discricionária na aplicação de sanções, já que não tem critérios específicos e transparentes para a ativação do procedimento, para os indicadores que utilizará nem para o procedimento de avaliação. O Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) têm um mandato muito limitado nestas situações (8); não existem, também, quaisquer disposições que prevejam a consulta do CESE.

3.   As ações das instituições europeias

3.1.

Em março de 2014, a Comissão Europeia aprovou uma comunicação sobre Um novo quadro da UE para reforçar o Estado de direito (COM(2014) 158). O quadro será ativado nos casos em que os Estados-Membros tomem medidas ou tolerem situações que sejam sistemáticas e que possam afetar de forma negativa a integridade, a estabilidade ou o bom funcionamento das instituições e dos mecanismos de salvaguarda estabelecidos a nível nacional para assegurar o Estado de direito. Tal inclui questões relacionadas com as respetivas estruturas constitucionais, a separação de poderes, a independência ou imparcialidade do poder judicial ou o seu sistema de controlo judicial, incluindo a justiça constitucional.

3.2.

O quadro da Comissão tem como objetivo responder às ameaças ao Estado de direito nos Estados-Membros antes que sejam cumpridas as condições para a ativação dos mecanismos dispostos no artigo 7.o do TUE. É da responsabilidade da Comissão e foi concebido para colmatar lacunas. Não é uma alternativa aos mecanismos enunciados no artigo 7.o, mas sim um mecanismo que os precede e complementa. Nos casos em que seja provada de forma inequívoca a existência de uma ameaça sistémica ao Estado de direito num Estado-Membro, este quadro facilitará um diálogo estruturado entre a Comissão Europeia e o Estado-Membro. O processo de troca consistirá em três fases principais: um parecer da Comissão, uma recomendação da Comissão e o seguimento da recomendação. A Comissão pode consultar peritos ao efetuar a sua avaliação (9).

3.3.

O Comité congratula-se com a aprovação, pela Comissão Europeia, do quadro para reforçar o Estado de direito. Este quadro apresenta, no entanto, determinadas limitações.

3.3.1.

A avaliação não prevê análises periódicas comparativas aos problemas e disputas originados nos Estados-Membros relativamente à democracia, ao Estado de direito e aos direitos fundamentais. Por definição, o quadro só poderá ser ativado quando o problema se tornar «sistémico», o que é um limiar elevado. Considera-se que há uma ameaça «sistémica» quando o poder judicial já não consegue garantir que os governos atuam respeitando os limites da lei, o que já representa uma situação algo avançada.

3.3.2.

A forma como a Comissão analisa as informações tem de ser transparente, com indicadores específicos ou procedimentos objetivos, devendo igualmente definir protocolos para as consultas à sociedade civil e ao CESE.

3.3.3.

O quadro não contempla nenhum papel específico para o Parlamento Europeu, embora o Parlamento esteja a lançar as suas próprias iniciativas políticas neste domínio.

3.3.4.

Também não prevê qualquer modelo para uma cooperação interinstitucional mais estreita.

3.4.

O CESE manifesta a sua preocupação quanto à falta de seguimento, pelo Conselho, do quadro para reforçar o Estado de direito.

3.4.1.

Na sua reunião de 16 de dezembro de 2014, o Conselho dos Assuntos Gerais aprovou conclusões relativas à responsabilidade do Conselho em assegurar o respeito pelo Estado de direito. O Conselho comprometeu-se a organizar um diálogo anual entre os Estados-Membros, que terá lugar no Conselho dos Assuntos Gerais e será preparado pelo Coreper. A Presidência luxemburguesa lançou o diálogo em novembro de 2015, tendo ele como objetivo cobrir vários temas específicos que não foram divulgados: foi pedido aos governos que falassem sobre qualquer aspeto do Estado de direito que lhes interessasse e dessem um exemplo de um aspeto no qual se saíssem bem e um exemplo de um desafio. Como resultado, surgiram diversos monólogos, em vez de um diálogo. Os Estados-Membros não interagiram uns com os outros oferecendo apoio e ajuda ou formulando críticas, não foram emitidas nem recebidas recomendações e não houve qualquer compromisso no sentido de tomar medidas de acompanhamento para superar os desafios identificados. No final de 2016, durante a Presidência eslovaca, o Conselho levará a cabo uma avaliação desta experiência.

3.4.2.

As conclusões do Conselho não tiveram em conta o quadro relativo ao Estado de direito da Comissão nem fizeram qualquer referência ao mesmo, além de que não proporcionam uma perspetiva clara do papel específico que a Comissão, o Parlamento e o CESE desempenharão neste diálogo.

3.5.

A Comissão Juncker identificou o Estado de direito como uma das suas prioridades e nomeou Frans Timmermans vice-presidente responsável pelo Estado de direito e os direitos fundamentais. Desconhece-se, no entanto, se a Comissão estabelecerá critérios e indicadores para aplicar o quadro relativo ao Estado de direito.

3.6.

A Comissão ativou, pela primeira vez, este quadro ao avançar com um procedimento contra a Polónia por infração da legislação da UE, tendo em conta uma avaliação substancial da situação efetuada pela Comissão de Veneza, um organismo do Conselho da Europa (10).

3.7.

A Comissão LIBE do Parlamento Europeu está atualmente a debater um projeto de relatório de iniciativa (11) com recomendações à Comissão referentes à criação de um mecanismo da UE para a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais (2015/2254 (INL) — relatora: Sophia in ‘t Veld) que, entre outros assuntos, «convida a Comissão a submeter, até finais de 2016, uma proposta para a celebração de um pacto europeu sobre a democracia, Estado de direito e direitos fundamentais (DED), com base no artigo 295.o do TFUE, sob a forma de um acordo interinstitucional que preveja medidas que facilitem a cooperação entre as instituições da União e os seus Estados-Membros, no âmbito do artigo 7.o do TUE, integrando, alinhando e complementando os mecanismos existentes, seguindo as recomendações detalhadas fixadas no anexo».

3.7.1.

O anexo contém o PROJETO DE ACORDO INTERINSTITUCIONAL: PACTO EUROPEU SOBRE A DEMOCRACIA, O ESTADO DE DIREITO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS, que deve ser objeto de acordo entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão.

3.7.2.

O pacto inclui um painel de avaliação, um debate interparlamentar anual e medidas para minorar os possíveis riscos e violações e ativar a vertente preventiva ou corretiva do artigo 7.o.

3.7.3.

O Parlamento propõe lançar um semestre interinstitucional sobre democracia, Estado de direito e direitos fundamentais (DED), que inclua o quadro da Comissão, o diálogo anual do Conselho e o debate interparlamentar. O Semestre Europeu contará com o apoio de um secretariado e de um grupo de peritos, que será presidido pelo presidente do Comité Científico da FRA e irá estabelecer indicadores e avaliar a situação nos Estados-Membros e as recomendações.

3.7.4.

O processo político do semestre DED incluirá os relatórios anuais da Comissão, do Conselho e do Parlamento e será criado um grupo de trabalho interinstitucional para as avaliações de impacto.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Artigo 6.o do TUE.

(2)  O artigo 51.o dispõe o seguinte: «As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados-Membros, apenas quando apliquem o direito da União».

(3)  A proposta da Convenção e os pareceres do CESE não incluíram as limitações decididas pelo Conselho Europeu no artigo 51.o

(4)  Tal como proposto pelo Parlamento Europeu na sua Resolução, de 27 de janeiro de 2014, sobre a situação dos direitos fundamentais na União Europeia (2012), P7_TA(2014)1773, relator: Louis Michel, 22 de novembro, ponto 9.

(5)  Carrera, S., E. Guild e N. Hernanz (2013), The Triangular Relationship between Fundamental Rights, Democracy and the Rule of Law in the EU: Towards an EU Copenhagen Mechanism [A relação triangular entre direitos fundamentais, democracia e Estado de direito na UE — Rumo a um mecanismo de Copenhaga na UE], Bruxelas, Centro de Estudos de Política Europeia.

(6)  Nomeado pelos Estados-Membros, a ALLEA, a ENNHRI, a Comissão de Veneza, a CEPEJ, a ONU e a OCDE.

(7)  Conclusões do Conselho Europeu de Copenhaga, 21-22 de junho de 1993.

(8)  Embora, no direito da União Europeia, a proteção dos direitos humanos possua um mecanismo que permite aos cidadãos a defesa dos seus direitos, o artigo 7.o é um mecanismo geral jurídico e político que está expressamente excluído das competências do Tribunal de Justiça.

(9)  A FRA (Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia), a Rede dos Presidentes dos Supremos Tribunais de Justiça da União Europeia, o Conselho da Europa (Comissão de Veneza), a Associação dos Conselhos de Estado e das Jurisdições Administrativas Supremas e a Rede Europeia dos Conselhos de Justiça.

(10)  Parecer sobre as alterações ao ato de 25 de junho de 2015 sobre o Tribunal Constitucional da Polónia, Comissão de Veneza, 11 de março de 2016

(11)  http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-%2f%2fEP%2f%2fNONSGML%2bCOMPARL%2bPE-576.988%2b01%2bDOC%2bPDF%2bV0%2f%2fPT.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Observações finais do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência — Uma nova estratégia para as pessoas com deficiência na União Europeia»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 034/03)

Relator:

Ioannis VARDAKASTANIS

Consulta

Comité Económico e Social Europeu, 21.1.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

27.9.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

211/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD) pela União Europeia constitui um marco histórico para os direitos das pessoas com deficiência, a UE e os seus Estados-Membros. A avaliação da UE efetuada em 2015 pelo Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência encerra o primeiro período de aplicação da CNUDPD. As observações finais do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência apontam para a necessidade de cumprimento das obrigações pelas instituições da UE, uma vez que estas devem organizar e coordenar a aplicação da CNUDPD em conformidade com as referidas observações. As observações finais voltaram a confirmar a necessidade de uma alteração profunda na atual forma de elaborar as políticas europeias em matéria de deficiência. Até ao momento, a UE ainda não levou a cabo uma verdadeira adaptação da sua forma de elaborar políticas a esta nova transformação exigida pela CNUDPD.

1.2.

O CESE exorta as instituições da UE a integrarem as observações finais na legislação e na elaboração de políticas, vigentes e futuras, da UE. Solicita igualmente à Comissão Europeia (CE) que transmita a informação à CNUDPD até ao outono de 2016.

1.3.

O CESE considera que a CNUDPD e as observações finais do comité constituem uma oportunidade única para a CE apresentar uma estratégia global da UE sobre os direitos das pessoas com deficiência. As observações finais geraram uma dinâmica que as instituições da União devem aproveitar e que deve conduzir à inclusão sistemática dos direitos das pessoas com deficiência em toda a legislação, políticas e programas da UE.

1.4.

O CESE sublinha que, para integrar esses direitos, a CE deve proceder a um levantamento transversal e abrangente de toda a sua legislação, políticas e programas, por forma a assegurar a plena harmonização com as disposições da CNUDPD e a envolver ativamente neste processo as organizações representativas das pessoas com deficiência. Tal levantamento deve ser acompanhado de uma análise que avalie as lacunas na legislação em vigor, na elaboração de políticas e na integração dos direitos das pessoas com deficiência, bem como na CNUDPD. O levantamento e a análise das lacunas devem ser explicitamente incluídos na Estratégia Europeia para a Deficiência revista.

1.5.

O CESE recorda à CE a sua obrigação de proceder imediatamente à revisão e à atualização da declaração de competência e da respetiva lista de instrumentos. Deve também assumir o compromisso de reexaminar e rever a declaração de competência pelo menos uma vez durante o seu mandato.

1.6.

O CESE tem em conta que a avaliação da UE pelo Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência foi efetuada a meio do período de programação de 2014-2020 e reconhece as dificuldades da UE em integrar a nova agenda relativa aos direitos das pessoas com deficiência, resultante das observações finais, nas revisões intercalares das estratégias, políticas, programas e instrumentos de financiamento. No entanto, recomenda que a CE envide todos os esforços para integrar e incluir essas observações nestes processos de revisão e que atribua os recursos necessários para o cumprimento das suas obrigações ao abrigo da CNUDPD.

1.7.

A CNUDPD prevê explicitamente que as organizações representativas das pessoas com deficiência devem ser consultadas e envolvidas no processo de aplicação e monitorização da convenção. O CESE insta a CE a manter um diálogo estruturado, genuíno e substancial com o Movimento Europeu das Pessoas com Deficiência (ao abrigo do artigo 4.o, n.o 3, e do artigo 33.o, n.o 3). Além disso, a CE deve instituir um programa de reforço das capacidades das referidas organizações, para que estas possam desempenhar as suas funções essenciais.

1.8.

O CESE considera absolutamente fundamentais a cooperação e a parceria das instituições da UE na aplicação da CNUDPD. Recomenda, por conseguinte, a criação de um mecanismo de coordenação interinstitucional que facilite a aplicação rápida e harmoniosa das observações finais e da convenção, incluindo no que diz respeito à consulta e ao envolvimento das organizações representativas das pessoas com deficiência.

1.9.

As observações finais apontam para a necessidade de a Estratégia Europeia para a Deficiência ser profundamente reexaminada e revista. Por conseguinte, o CESE exorta a CE a fazer um balanço da evolução em matéria de direitos das pessoas com deficiência e a alargar o âmbito dessa estratégia mediante a introdução de novos domínios de ação e da sua interligação com o reexame e a revisão das políticas, programas e instrumentos de financiamento (p. ex., Estratégia Europa 2020, Estratégia para a Igualdade entre Homens e Mulheres, estratégia sobre os direitos da criança, compromissos da UE em matéria de ação externa), com um prazo de execução claramente definido, orçamento, índices de referência e indicadores específicos e precisos.

1.10.

A UE comprometeu-se a aplicar integralmente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos na Agenda 2030 das Nações Unidas e deve assegurar que tem plenamente em conta as observações finais e as disposições da CNUDPD, tanto a nível interno como a nível externo. Por conseguinte, o CESE recomenda vivamente que a CE inclua a aplicação da Agenda 2030 na Estratégia Europeia para a Deficiência revista através do estabelecimento de objetivos e ações a nível europeu, a fim de alcançar todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na UE, também no que se refere às pessoas com deficiência.

1.11.

O CESE está fortemente convicto de que a UE deve evitar que o financiamento europeu seja utilizado quer para a criação quer para a manutenção do funcionamento das estruturas de institucionalização. O CESE apoia plenamente a utilização dos fundos europeus para criar serviços a nível local para pessoas com deficiência, a fim de lhes permitir viver de forma independente nas suas comunidades. A institucionalização das pessoas com deficiência constitui uma violação dos seus direitos, e o CESE insta a CE a promover a desinstitucionalização de uma forma mais sistemática e eficaz através de políticas, programas e instrumentos de financiamento específicos.

1.12.

O CESE exorta a CE a proceder sem demora à ratificação do Protocolo Opcional à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, do Tratado de Marraquexe e da Convenção de Istambul do Conselho da Europa.

1.13.

O CESE propõe firmemente à CE que crie pontos focais em todas as suas direções-gerais, agências e órgãos, incluindo e envolvendo plenamente as organizações representativas das pessoas com deficiência no processo de elaboração de políticas, a fim de criar estruturas horizontais e verticais que promovam a plena inclusão e integração dos direitos dessas pessoas na legislação, nas políticas e nos programas da UE.

1.14.

O CESE considera que a CE deve iniciar o processo, em cooperação com outras instituições, agências e órgãos da UE, para elaborar e desenvolver cuidadosamente a nova Agenda Global dos Direitos das Pessoas com Deficiência 2020-2030, que deve ser plenamente inserida e integrada nas estratégias globais sociais e macroeconómicas (por exemplo, a Estratégia Europa 2020 e os seus mecanismos de execução), e recomenda que seja criado um grupo de trabalho com a participação de todas as partes interessadas e das organizações representativas das pessoas com deficiência para realizar e aplicar esta iniciativa. O CESE propõe que a CE inicie a aplicação da Agenda Global 2020-2030 por ocasião do Ano Europeu dos Direitos das Pessoas com Deficiência em 2021.

1.15.

O CESE reconhece as iniciativas positivas tomadas pela CE no domínio da acessibilidade, nomeadamente o acordo tripartido sobre a Diretiva relativa à acessibilidade dos sítios web dos organismos do setor público e a proposta da CE sobre a Lei Europeia da Acessibilidade, e insta as instituições da UE a concluírem as negociações. Contudo, manifesta preocupação relativamente à diretiva horizontal sobre a igualdade de tratamento e apela para que as negociações sejam desbloqueadas, bem como para que as observações finais e a CNUDPD sejam tidas em conta nesta nova fase.

1.16.

O CESE insta todas as instituições da UE a assegurarem que as medidas de austeridade não afetam a capacidade de as pessoas com deficiência exercerem os seus direitos, consagrados na convenção, e solicita, por conseguinte, à CE que crie o nível mínimo de proteção social necessário para atingir este objetivo e para respeitar igualmente os direitos destas pessoas a um nível de vida e de proteção social adequados.

1.17.

O CESE solicita à CE e ao Eurostat que desenvolvam ferramentas estatísticas para medir o impacto da aplicação da CNUDPD nas pessoas com deficiência, a nível europeu e nacional. Considera igualmente que a recolha de dados baseada numa abordagem da deficiência centrada nos direitos humanos e desagregada por deficiência, idade e género terá uma influência positiva no desenvolvimento e na aplicação da legislação, das políticas e dos programas da UE.

1.18.

O CESE reconhece que a UE tem competências para acompanhar as medidas nacionais a fim de garantir que todos os cidadãos da UE são iguais perante a lei, que não são privados da sua capacidade jurídica e dos seus direitos e que podem participar nas eleições europeias e em todas as eleições realizadas na UE em igualdade de condições com as demais pessoas. Por conseguinte, apela à CE e, em especial, à DG Justiça, para que adotem um programa baseado no método aberto de coordenação para facilitar a convergência dos Estados-Membros no que respeita ao princípio de reconhecimento do direito à igualdade perante a lei.

1.19.

O CESE compromete-se a dar o exemplo no que diz respeito ao cumprimento das obrigações específicas, realçadas pelo Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência, a serem cumpridas pela UE enquanto administração pública, garantindo que os seus recursos humanos, os direitos dos membros do CESE e os meios de comunicação estão em conformidade com a CNUDPD.

2.   Introdução

2.1.

O CESE congratula-se com as observações finais do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência (1), na medida em que traçam um programa global para que a UE altere as suas políticas adotando uma abordagem da deficiência baseada nas pessoas e nos direitos humanos.

2.2.

O CESE recorda que a CE apresentou o projeto de proposta de diretiva relativa à igualdade de tratamento antes da conclusão da CNUDPD. Além disso, as negociações entre o Parlamento Europeu e o Conselho da UE foram introduzindo progressivamente alterações que não estão conformes com as obrigações previstas na convenção. Por conseguinte, o CESE solicita à CE que introduza, nas negociações interinstitucionais em curso, uma proposta de adaptação do projeto de diretiva proposta, por forma a estar em conformidade com a CNUDPD e, naturalmente, com as observações finais em matéria de deficiência, e que inclua a proibição da discriminação múltipla e intersetorial, bem como da discriminação por associação.

2.3.

O CESE sublinha que as medidas de austeridade tiveram um impacto negativo nas condições de vida das pessoas com deficiência e das suas famílias. Os níveis de pobreza, exclusão, discriminação e desigualdade têm vindo a aumentar em resultado da crise económica, que se tornou em muitos Estados-Membros uma crise de direitos humanos, deixando um grande número de pessoas com deficiência e as suas famílias completamente desprotegidas. Por conseguinte, o CESE exorta a CE a estabelecer níveis mínimos de proteção social, a fim de proteger os direitos das pessoas com deficiência, assegurando uma qualidade de vida e proteção social adequadas. Esse mecanismo deve ser incluído no processo do Semestre Europeu.

2.4.

Além disso, o Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência recomendou que a UE criasse uma estratégia abrangente de aplicação da CNUDPD para todas as instituições da UE e com dotações orçamentais específicas integradas no quadro financeiro plurianual. O CESE considera, por conseguinte, que se deve realizar uma reunião de alto nível dos responsáveis das instituições e órgãos da UE para dar início ao processo de elaboração e adoção de uma agenda interinstitucional relativa à CNUDPD, com objetivos específicos a alcançar e metas a cumprir. A estratégia global deve identificar as responsabilidades de cada instituição da UE com vista à aplicação da CNUDPD.

2.5.

É necessário que a UE encete um diálogo estruturado, genuíno e substancial com as organizações europeias representativas das pessoas com deficiência, garantindo tanto a sua capacidade de participar de forma eficaz e significativa na elaboração de políticas e legislação da UE, como de levar a cabo de forma proativa as suas campanhas de defesa da CNUDPD. Além disso, a UE deve assegurar que as organizações representativas das pessoas com deficiência dispõem de capacidade financeira para apoiar o seu trabalho. Por conseguinte, é necessário estabelecer especificamente uma rubrica orçamental destinada ao reforço das capacidades das organizações representativas das pessoas com deficiência.

2.6.

A integração e aplicação abrangentes e transversais das disposições da CNUDPD pela UE e o desenvolvimento de uma nova agenda da UE relativa à convenção exigem a criação de um quadro de parceria e governação participativa, através do qual todos os principais intervenientes e partes interessadas, bem como as instituições da UE, possam participar plenamente no processo de elaboração de políticas de uma forma inclusiva.

2.7.

A Comissão Europeia deve proceder, imediata e urgentemente, a um levantamento e uma análise das lacunas de todos os programas e políticas internas e externas da UE, garantindo que estejam em conformidade com as disposições da CNUDPD. Além disso, todas as estratégias e políticas globais da UE devem respeitar as observações finais, incluindo a Estratégia Europa 2020 e o Semestre Europeu, o pilar europeu dos direitos sociais, a Agenda 2030 das Nações Unidas e os instrumentos de financiamento, como os FEEI.

2.8.

É da maior importância que a aplicação das observações finais pela UE seja abordada ao mais alto nível político. Mais especificamente, a CE deve incluir no seu programa de trabalho para 2017 uma iniciativa política dedicada especificamente a esta finalidade. A integração e inserção plenas das observações finais nas políticas e programas da UE requerem a elaboração pela CE de uma estratégia global de aplicação da convenção. O CESE insta a Comissão Europeia a iniciar, com caráter de urgência, o processo com vista a definir a referida estratégia, mediante a plena consulta e participação das organizações representativas das pessoas com deficiência.

2.9.

Em 2021 celebrar-se-á o 10.o aniversário da ratificação da CNUDPD pela União Europeia. O CESE considera que será adequado celebrar nesse ano o segundo Ano Europeu das Pessoas com Deficiência. O CESE observa que o primeiro Ano Europeu das Pessoas com Deficiência foi organizado pela CE em 2003, e propõe, por conseguinte, que as instituições da UE deem imediatamente início aos preparativos e tomem as medidas necessárias para declarar 2021 o segundo Ano Europeu dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

3.   Observações finais — uma oportunidade para uma UE mais inclusiva para as pessoas com deficiência

3.1.    Princípios e obrigações gerais (artigos 1.o a 4.o)

3.1.1.

Embora a UE tenha ratificado a CNUDPD, ainda não levou a cabo uma análise transversal e abrangente da legislação, políticas e programas da UE. O CESE exorta a CE a efetuar essa análise com urgência. Além disso, a CE deve designar um ponto focal para a CNUDPD em cada direção-geral, responsável pela realização dessa tarefa.

3.1.2.

É de lamentar que a UE ainda não tenha ratificado o Protocolo Opcional à Convenção. Consequentemente, o CESE exorta a UE a proceder à ratificação desse protocolo sem demora, criando condições para as pessoas com deficiência apresentarem queixa ao Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência em caso de violação dos seus direitos consagrados na convenção.

3.1.3.

A abordagem da deficiência baseada nos direitos humanos deve ser plenamente adotada e integrada na legislação e políticas europeias. O CESE insta, assim, os serviços jurídicos das instituições da UE a realizarem um estudo exaustivo sobre as implicações da ratificação da CNUDPD para o sistema jurídico da UE, a fim de lhe conferir o enquadramento adequado no plano jurídico e de elaboração de políticas. Os serviços jurídicos da UE não estão a levar em devida consideração as obrigações da UE no âmbito da CNUDPD.

3.1.4.

O CESE solicita ao secretário-geral da Comissão que examine as orientações para a avaliação de impacto e as altere de modo a incluir uma lista mais vasta de temas e questões, a fim de avaliar melhor a conformidade com a convenção.

3.1.5.

O Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência instou a UE a apresentar uma análise da declaração de competência e da sua lista de instrumentos até ao outono de 2016, tendo em conta a perspetiva abrangente adotada na observação final n.o 17. A revisão da declaração supramencionada deve ter lugar pelo menos uma vez por mandato.

3.2.    Direitos específicos (artigos 5.o a 30.o)

3.2.1.

A CE não adotou uma estratégia da UE em matéria de não discriminação e igualdade para as pessoas com deficiência em conformidade com as disposições da CNUDPD e as observações finais e, por conseguinte, o CESE solicita à Comissão que tome medidas imediatas em relação à diretiva horizontal relativa à igualdade de tratamento (ver ponto 2.2) e que proceda à revisão da Diretiva 2000/78/CE do Conselho que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego.

3.2.2.

A CE deve incluir a perspetiva das mulheres e raparigas com deficiência na sua política de igualdade de género, nomeadamente nos esforços de recolha de dados pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género. Além disso, o Compromisso Estratégico para a Igualdade de Género 2016-2019 da Comissão e o seu trabalho político e legislativo relativo ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal deve integrar plenamente os direitos das mulheres e raparigas com deficiência. O CESE exorta a UE a proceder rapidamente à ratificação da Convenção de Istambul do Conselho da Europa.

3.2.3.

A UE deve incluir e incorporar no novo Programa da UE para os direitos da criança uma ampla estratégia baseada nos direitos dos rapazes e raparigas com deficiência, e integrar os direitos das crianças com deficiência em todas as políticas da UE nesse domínio. As crianças com deficiência e as suas famílias também devem ser envolvidas em todos os processos de tomada de decisão da UE, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, da CNUDPD.

3.2.4.

A UE deve igualmente reconhecer a situação específica dos jovens com deficiência e o facto de, muitas vezes, enfrentarem diversas formas de discriminação na sua vida quotidiana, nomeadamente no que se refere à igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e à sua participação ativa na sociedade em geral. Por conseguinte, a UE deve avaliar a situação específica dos jovens com deficiência que vivem na União e propor instrumentos pertinentes (2). Além disso, a UE deve certificar-se de que esta perspetiva é incluída na próxima Estratégia da UE para a Juventude.

3.2.5.

A UE deve organizar e levar a cabo uma vasta campanha de sensibilização sobre a convenção em cooperação com os meios de comunicação social públicos (incluindo as redes sociais), a fim de lutar contra os preconceitos em relação às pessoas com deficiência. É de extrema importância que as próprias pessoas com deficiência participem nessa campanha através das organizações que as representam.

3.2.6.

A UE deve promover, facilitar e financiar a formação do pessoal do setor dos transportes e do turismo na consciencialização em matéria de deficiência e de igualdade de tratamento, e incentivar a colaboração e o intercâmbio de boas práticas entre as organizações europeias que trabalham na área da deficiência e os organismos públicos e privados responsáveis pelos transportes. Todos os materiais relacionados com o reforço das capacidades, formação, sensibilização e declarações públicas, entre outros, devem ser disponibilizados em formatos acessíveis.

3.2.7.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta da CE sobre a Lei Europeia da Acessibilidade, que deve respeitar plenamente o artigo 9.o e as restantes disposições da CNUDPD, juntamente com mecanismos nacionais de reclamação e execução que sejam eficazes e acessíveis. Exorta as instituições da UE a tomar em consideração as conclusões e recomendações constantes do parecer (3) do CESE sobre a Lei Europeia da Acessibilidade e a assegurar, durante o processo de adoção, a participação das pessoas com deficiência através das organizações que as representam.

3.2.8.

O CESE congratula-se com o acordo interinstitucional alcançado no trílogo sobre a proposta de diretiva relativa à acessibilidade dos sítios web dos organismos do setor público, exortando as instituições a converterem este acordo numa decisão e os governos nacionais a transporem urgentemente as disposições da proposta. O CESE acolhe igualmente com agrado o facto de numerosas recomendações adotadas no seu parecer (4) terem sido incorporadas no texto final da diretiva.

3.2.9.

A UE ainda não incluiu de forma significativa medidas suficientes para as pessoas com deficiência nas estratégias de redução do risco de catástrofes. O CESE apela, por conseguinte, ao Conselho da UE para que adote um quadro de redução do risco de catástrofes para as pessoas com deficiência na Europa.

3.2.10.

A UE deve pôr em prática todas as medidas necessárias para tornar o número de emergência 112 acessível a todos. O CESE realça a necessidade de serem tomadas com urgência medidas igualmente adequadas que garantam a acessibilidade dos pontos de emergência nacionais.

3.2.11.

O CESE exorta a UE e os seus Estados-Membros a adotar, nas políticas de migração e de refugiados, uma abordagem das pessoas com deficiência baseada nos direitos humanos. Além disso, o Comité sublinha o facto de a deficiência poder muitas vezes ser motivo para perseguição e discriminação em alguns países, pelo que insta as autoridades da UE a elaborar orientações e a realizar campanhas de informação (acessíveis às pessoas com deficiência) destinadas às suas agências e aos Estados-Membros sobre deficiência, migração e asilo, bem como a integrar sistematicamente a questão da deficiência nas políticas de migração e de refugiados da UE.

3.2.12.

A UE deve adotar uma abordagem da deficiência em situações de risco e de emergência baseada nos direitos humanos, adotando um plano de execução em conformidade com as conclusões do Conselho, de fevereiro de 2015, em matéria de deficiência — incluindo a gestão de catástrofes e o Quadro de Sendai. Adicionalmente, é necessário sensibilizar e disponibilizar informações sobre iniciativas de redução do risco de catástrofes para as pessoas com deficiência e os responsáveis pelos serviços de emergência e proteção civil.

3.2.13.

A CE deve desempenhar um papel de liderança no domínio da justiça e dos direitos humanos em relação às pessoas com deficiência. O CESE apela à DG Justiça para que realize uma conferência europeia destinada a todos os serviços da UE no domínio da justiça, que inclua uma reflexão sobre os direitos de acesso à justiça das pessoas com deficiência e a forma como esses direitos se interligam com outros direitos, tais como a capacidade jurídica e o reconhecimento do direito à igualdade perante a lei.

3.2.14.

A CE deve proporcionar o financiamento necessário para a formação dos funcionários da justiça, da UE e nacionais, no domínio da legislação da UE e da CNUDPD. Além disso, o CESE insta a União Europeia e os tribunais nacionais a aplicarem as suas regras e instruções internas de um modo que facilite o acesso à justiça das pessoas com deficiência. As Recomendações Gerais do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência também devem ser tidas em conta na administração da justiça, a nível nacional e da UE. Por outro lado, o CESE recomenda que a DG Justiça utilize o método aberto de coordenação para que os Estados-Membros alcancem uma abordagem equilibrada e coordenada desta questão tão importante, abrindo assim o caminho a uma resposta europeia em matéria de reconhecimento do direito à igualdade perante a lei. A CE deve criar normas europeias e promover a avaliação comparativa no que diz respeito ao acesso à justiça.

3.2.15.

O CESE exorta as instituições da UE e os Estados-Membros a abolirem as leis discriminatórias sobre tutela, permitindo que todas as pessoas com deficiência exerçam os seus direitos políticos em condições de igualdade com os outros. Assinala ainda que é indispensável adaptar de forma razoável e tornar mais acessíveis os procedimentos e os locais eleitorais e o material de voto.

3.2.16.

Infelizmente, desconhece-se quantos europeus com deficiência são privados da sua liberdade e segurança e sujeitos a tratamentos coercivos e a detenção, incluindo a esterilização forçada. O CESE insta a CE a tomar medidas eficazes para pôr fim a esta situação insustentável, a produzir dados fiáveis através do Eurostat e a pôr em prática um mecanismo de avaliação eficiente.

3.2.17.

O CESE apela à UE para que reveja as suas orientações éticas em matéria de investigação e, em especial, que estabeleça exemplos de boas práticas, mediante o desenvolvimento de formulários de consentimento em formatos acessíveis e de fácil leitura, e que impeça que terceiros tomem decisões em nome das pessoas com deficiência.

3.2.18.

A UE deve adotar legislação tendo em vista a harmonização da proteção e o combate à violência, aos abusos e à exploração, e ratificar a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (5). A UE deve adotar medidas legislativas e políticas a nível europeu contra as atividades transfronteiras nos países da UE que envolvem o tráfico de mulheres e crianças com deficiência, e insta a UE a combater a violência contra as crianças com deficiência por meio de medidas específicas e de serviços de apoio acessíveis.

3.2.19.

A iniciativa da CE sobre o pilar europeu dos direitos sociais deve incorporar e integrar plenamente as disposições da CNUDPD e criar o nível mínimo de proteção social necessário, bem como mecanismos eficazes para prevenir e atenuar a pobreza, a vulnerabilidade e a exclusão social entre as pessoas com deficiência e as suas famílias, com especial atenção às mulheres, crianças e idosos com deficiência.

3.2.20.

Existe uma clara necessidade de desenvolvimento de um sistema de coordenação europeu das prestações de segurança social na UE, incluindo um quadro claro para a portabilidade dos direitos com um número máximo de dias para o processo de reconhecimento da deficiência.

3.2.21.

A UE deve elaborar e aplicar a estratégia europeia de desinstitucionalização (6), há muito esperada e desejada, que deve, em primeiro lugar e acima de tudo, incluir um controlo muito rigoroso da utilização dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI), de modo a assegurar que são usados exclusivamente no desenvolvimento de serviços de apoio às pessoas com deficiência para que tenham uma vida independente nas suas comunidades locais. O CESE apela igualmente para a criação de um fundo europeu autónomo para a desinstitucionalização.

3.2.22.

O CESE lamenta que a CE ainda não tenha elaborado uma análise do impacto dos FEEI nas pessoas com deficiência, em consonância com a obrigação estabelecida pelo regulamento do Fundo Social Europeu no que respeita à elaboração de relatórios anuais sobre as medidas tomadas no domínio da deficiência. Essa análise deve incluir o reforço da monitorização pela CE da utilização dos FEEI em conformidade com a CNUDPD e em consulta com as organizações representativas das pessoas com deficiência, bem como os procedimentos por infração (suspensão, retirada, recuperação) lançados pela UE por incumprimento das condicionalidades ex ante.

3.2.23.

São necessários órgãos nacionais de execução mais eficazes: os seus poderes devem ser harmonizados e reforçados para facilitar o controlo da aplicação dos direitos dos passageiros em todos os modos de transporte e, além disso, o procedimento de reclamação deve ser simplificado. O CESE insta ainda a Comissão a garantir que os prestadores de cuidados podem viajar gratuitamente em todos os modos de transporte, incluindo o transporte aéreo, como já acontece ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1371/2007 (7) e do Regulamento (UE) n.o 1177/2010 (8).

3.2.24.

A Comissão deve conferir reconhecimento oficial pleno e imediato à linguagem gestual e ao alfabeto Braille, bem como efetuar uma avaliação dos seus canais de comunicação e processos internos, a fim de elaborar e apresentar as informações de forma acessível às pessoas com deficiência. Isto deve implicar a utilização de diversos formatos acessíveis, como a linguagem gestual, o alfabeto Braille, a comunicação aumentativa e alternativa, incluindo o formato de fácil leitura. A UE deve assegurar que todas as pessoas com deficiência, independentemente da sua capacidade financeira, tenham acesso a uma educação inclusiva.

3.2.25.

A UE deve adotar um quadro inclusivo obrigatório de intercâmbio em matéria de educação, de qualidade elevada, que estabeleça critérios mínimos de acessibilidade para garantir a mobilidade na União de todos os estudantes com deficiência, especialmente os jovens, no ensino secundário e superior e na formação profissional. Todas as universidades parceiras no programa de intercâmbio de estudantes Erasmus devem assegurar a acessibilidade aos programas de ensino e às instalações, garantindo a plena participação de todos os estudantes com deficiência, especialmente os jovens.

3.2.26.

A UE deve ratificar o Tratado de Marraquexe da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), bem como facilitar e promover a sua ratificação a nível nacional pelos Estados-Membros, permitindo assim a livre circulação de versões acessíveis de material impresso para pessoas com deficiência visual ou com incapacidade de leitura de textos impressos.

3.2.27.

O CESE insta a CE a elaborar e a executar uma iniciativa específica sobre a aplicação da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para pessoas com deficiência, no interior da UE e nas suas políticas externas, incluindo a cooperação para o desenvolvimento e o comércio internacional.

3.3.    Obrigações específicas (artigos 31.o a 33.o)

3.3.1.

O CESE exorta o Eurostat a organizar uma conferência com o intuito de estabelecer um mecanismo unificado para os serviços de estatística de todos os Estados-Membros da UE, a fim de dar seguimento à observação final n.o 71. Importa criar um mecanismo estatístico europeu no domínio da deficiência, baseado nos direitos humanos e desagregado por deficiência, género e idade, para recolher informações operacionais destinadas às políticas europeias e nacionais relativas às pessoas com deficiência.

3.3.2.

A CE deve integrar sistematicamente os direitos das pessoas com deficiência em todas as políticas e programas de cooperação internacional da UE. O CESE acolhe com agrado o projeto-piloto da UE «Colmatar as lacunas» e apela para a adoção de um programa de financiamento em matéria de deficiência destinado aos direitos das pessoas com deficiência. Este programa de financiamento deve ser aplicado, como é o caso em alguns países europeus, em estreita cooperação com as organizações europeias representativas das pessoas com deficiência, enquanto organismos intermediários, sendo responsáveis por dirigir, gerir e definir as prioridades a nível político e de financiamento. Importa assegurar que não é concedido financiamento europeu a projetos que não respeitam as disposições da convenção.

3.3.3.

A CE tem de respeitar plenamente a observação final n.o 75 mediante a criação e o estabelecimento de pontos focais em todas as direções-gerais, agências e órgãos. Todos os pontos focais devem realizar pelo menos três reuniões por ano, nas quais as organizações representativas das pessoas com deficiência devem estar presentes e participar plenamente. No dia 3 de dezembro de cada ano, a Comissão deve emitir o seu relatório anual sobre a aplicação da CNUDPD pela UE e os seus Estados-Membros.

3.3.4.

O CESE acolhe com agrado a decisão da CE de se retirar do quadro de monitorização independente, abrindo caminho à criação de um mecanismo verdadeiramente independente sob a supervisão de um órgão de direção constituído pelos membros do quadro independente. No entanto, para que o quadro da UE possa realizar as suas tarefas de forma eficaz, devem ser atribuídos urgentemente recursos financeiros e humanos.

3.4.    Cumprimento da convenção pelas instituições da UE (enquanto administrações públicas)

3.4.1.

Existe uma clara necessidade de as instituições da UE reverem as suas políticas de recursos humanos e de as alinharem com as disposições da CNUDPD, a fim de garantir que as pessoas com deficiência e os trabalhadores que têm familiares com deficiência usufruam de uma flexibilidade e um apoio razoáveis, de modo a conseguirem encontrar um equilíbrio adequado entre as obrigações profissionais e familiares. O CESE exorta a UE a rever o seu regime comum de seguro de doença, o sistema de pensões e as medidas em matéria de segurança social e proteção social relacionados com a deficiência, a fim de garantir a não discriminação e a igualdade de oportunidades para todas as pessoas com deficiência, nomeadamente reconhecendo que as necessidades em termos de saúde resultantes da deficiência são distintas das resultantes de uma doença, e promovendo uma vida e um trabalho independentes mediante a concessão do reembolso integral dos custos adicionais dos equipamentos ou serviços necessários.

3.4.2.

É crucial que todas as instituições da UE adotem proativamente iniciativas com vista ao cumprimento das disposições da Diretiva relativa à acessibilidade dos sítios web dos organismos do setor público, com um prazo concreto, dando um bom exemplo neste domínio fundamental dos direitos das pessoas com deficiência.

3.4.3.

O CESE exorta a CE e o Conselho Superior das Escolas Europeias a adotarem um plano e a afetarem os recursos financeiros e humanos necessários ao desenvolvimento e à aplicação de um sistema educativo inclusivo de qualidade a todos os níveis nas escolas europeias, assegurando uma flexibilidade razoável, apoio e uma política de não rejeição para todos os estudantes com deficiência do ensino primário e secundário.

3.4.4.

Uma vez que a taxa de emprego de pessoas com deficiência na UE é baixa, o CESE convida as instituições da UE a pôr em prática um programa de ação positiva em matéria de emprego (incluindo concursos específicos) para aumentar o número de pessoas com deficiência que trabalham nos seus serviços, oferecendo-lhes uma flexibilidade e um apoio razoáveis. A aplicação desta política deve ser revista de dois em dois anos para avaliar se são necessárias medidas corretivas.

3.4.5.

O CESE solicita às instituições, agências e órgãos da UE que garantam que os regulamentos existentes no que respeita ao pessoal são efetiva e integralmente aplicados em conformidade com a CNUDPD e que as regras internas e as disposições de execução são desenvolvidas em total conformidade com as disposições da convenção.

3.4.6.

O CESE compromete-se a desenvolver uma estrutura para aplicar as observações finais a nível interno, no que diz respeito à política de recursos humanos, aos meios de comunicação com os cidadãos e com os membros do CESE, bem como à plena inclusão e igualdade dos membros do CESE portadores de deficiência. Assegurará igualmente que esta questão é promovida nas suas relações com a comunidade empresarial, os sindicatos e a sociedade civil. Esta nova política será desenvolvida em estreita cooperação com o seu Grupo de Estudo Permanente para os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD).

(2)  JO C 181 de 21.6.2012, p. 2.

(3)  Parecer do CESE sobre «Lei Europeia da Acessibilidade», JO C 303 de 19.8.2016, p. 103.

(4)  JO C 271 de 19.9.2013, p. 116.

(5)  Convenções do Conselho da Europa.

(6)  JO C 332 de 8.10.2015, p. 1.

(7)  JO L 315 de 3.12.2007, p. 14.

(8)  JO L 334 de 17.12.2010, p. 1


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/24


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Papel e impacto das iniciativas tecnológicas conjuntas (ITC) e das parcerias público-privadas (PPP) na aplicação do Programa Horizonte 2020 para uma mutação industrial sustentável»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 034/04)

Relator:

Antonello PEZZINI

Correlator:

Enrico GIBELLIERI

Decisão da Plenária

21.1.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em comissão

28.9.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

212/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que as parcerias público-privadas (1) no domínio da investigação e da inovação constituem, nas suas diversas formas, um modelo de excelência e um instrumento poderoso para enfrentar as principais questões que afetam a competitividade da Europa, e têm a capacidade de responder de forma eficaz aos desafios socioeconómicos, do emprego e da sustentabilidade ambiental.

1.2.

A investigação e o desenvolvimento (I&D) não são um processo linear unidimensional. O CESE considera que a plena integração das dimensões tecnológicas, ambientais e sociais nas parcerias público-privadas do programa Horizonte 2020 requer uma nova abordagem baseada numa maior transparência quanto aos resultados alcançados e ao impacto socioeconómico obtido.

1.3.

No entender do CESE, é preciso garantir, nas parcerias, uma visão mais ampla da inovação, tendo em conta as inovações nos serviços, as inovações sociais, bem como a necessidade de atualização nas PME e na economia social com vista a uma maior integração das mesmas ao longo de todo o percurso de demonstração e desenvolvimento das aplicações.

1.4.

A legitimidade social da inovação deve ser incentivada nas ITC e nas parcerias público-privadas contratuais (PPPc), com o aumento da participação das partes interessadas economicamente mais fracas (sindicatos, PME, ONG) na orientação e no planeamento estratégico das atividades de I&D, em conformidade com as disposições do Regulamento (UE) n.o 1025/2012 relativo à normalização europeia, especialmente nas estratégias e seleção dos projetos e respetiva utilidade social.

1.5.

O CESE considera necessário intensificar a orientação das PPP para o mercado, tendo em atenção aspetos como a interoperabilidade, a normalização, a harmonização e as transferências transnacionais de tecnologia, de modo a tornar os resultados sustentáveis ao nível do território e transferíveis em toda a UE.

1.6.

No entender do CESE, é importante criar ITC e PPPc para:

reforçar a coerência com outras parcerias e iniciativas, num contexto em que há cada vez mais políticas concorrentes entre si;

alargar a cadeia de valor, colocando uma maior ênfase no mercado, e aumentar a participação do lado da procura, quer no que se refere ao número de utilizadores de países participantes, quer no que respeita a novos intervenientes em toda a cadeia de valor, através das sinergias geradas pela interoperabilidade com outras iniciativas;

conferir maior relevância a abordagens multidisciplinares, associando novas comunidades de partes interessadas, sobretudo ao nível local de proximidade;

favorecer a participação ativa das PME numa fase mais precoce do processo de inovação, de modo a desenvolverem gradualmente o seu próprio potencial de I&D.

1.7.

O CESE recomenda que as ITC e as PPPc lancem novas medidas inovadoras que permitam promover a interação com os investidores de ponta, com vista à criação de modelos empresariais inovadores e de perfis profissionais avançados, ao desenvolvimento de fóruns que incluam os parceiros sociais e a um apoio mais orientado para a rápida exploração do mercado após os projetos.

1.8.

O CESE considera importante reforçar o controlo da capacidade e da coerência de execução das ITC e das PPPc através de novos instrumentos mais flexíveis e sensíveis às necessidades do mercado, assim como abordagens mais dinâmicas da garantia da qualidade, incluindo um sistema completo de indicadores-chave de desempenho dinâmicos (KPDI), comparáveis entre as diferentes iniciativas, a fim de permitir gerar um quadro sinóptico de avaliação anual de todas as ITC e PPPc, a apresentar às instituições europeias e nacionais e aos contribuintes europeus.

1.9.

O CESE apela para mais esforços no sentido de garantir a coerência interna entre os objetivos e as prioridades do 9.o Programa-Quadro de IDT da UE e as estratégias de I&D da indústria sob a forma de ITC e PPPc, em coordenação com todas as outras formas de parceria para a inovação presentes noutras políticas regionais, nacionais e europeias.

1.10.

O CESE propõe a criação de um Conselho Europeu de Inovação com uma forte componente industrial e social, com redes pan-europeias de apoio à inovação através de infraestruturas, enquanto instrumento útil para uma maior coordenação das iniciativas, inclusivamente com as linhas de atuação das outras organizações de I&D europeias e internacionais, bem como com parcerias internacionais (2) semelhantes.

1.11.

O Comité insta os órgãos de poder local e regional a atribuir à inovação das ITC e PPPc pertinentes uma elevada prioridade quando do planeamento e execução de medidas como as estratégias de especialização inteligente, os programas operacionais e de cooperação no domínio da política de coesão, os programas de investigação e inovação e de desenvolvimento de projetos de implementação dos planos de adaptação às alterações climáticas.

1.12.

O CESE considera que investimentos estratégicos, inteligentes e atempados em soluções inovadoras adequadas e respeitadoras do ambiente e em infraestruturas ecológicas constituem a base para a retoma de um processo de reindustrialização são e eficaz assente na investigação e na inovação e nas suas aplicações no mercado.

1.13.

O CESE salienta a necessidade de «alinhar os diversos instrumentos e programas de investigação e inovação na Europa» pelos do próximo programa-quadro e de «assegurar a prossecução dos investimentos nos setores em que a Europa ocupa uma posição de liderança no mundo» (3), com base numa perspetiva de estabilidade, sujeita a verificações de eficácia periódicas.

1.14.

O CESE exorta a Comissão, o Parlamento Europeu e o Conselho a refletirem em conjunto a fim de organizar, assim que possível, uma conferência interinstitucional sobre o papel dos parceiros tecnológicos público-privados na reindustrialização da Europa, com vista ao próximo programa-quadro de IDT após 2020.

2.   As ITC e as PPPc para a investigação e a inovação

2.1.

As iniciativas tecnológicas conjuntas são parcerias público-privadas em domínios essenciais da I&D europeia previstas na Decisão 1982/2006/CE. Já desde o 7.o Programa-Quadro (7.o PQ) que os instrumentos tradicionais se vêm revelando inadequados para cumprir os objetivos de aumentar e melhorar a competitividade da economia europeia. As parcerias industriais estão orientadas para a I&D mediante: objetivos industriais de mercado bem identificados, uma melhor concentração dos recursos financeiros e humanos, um efeito de alavanca que permite dar um impulso decisivo com vista a acelerar a transferência dos progressos científicos e tecnológicos para inovações de mercado.

2.2.

O atual Programa-Quadro Horizonte 2020 introduziu grandes inovações na sua estrutura, deixando mais espaço para a participação e as sinergias com a indústria e os Estados-Membros, mediante diferentes modelos de PPP para apoiar os setores que:

criam emprego de qualidade;

respondem melhor às necessidades de crescimento sustentável e de competitividade;

têm um impacto forte, inovador e rápido no desenvolvimento das empresas europeias, especialmente das de menor dimensão e em fase de arranque (start-up);

favorecem novos perfis profissionais num mundo em rápida mudança;

são capazes de desenvolver ações locais e regionais.

2.3.

Foram lançadas várias iniciativas a fim de apoiar diversas formas de parceria, orientadas para o setor industrial, promovidas pelas comunidades científicas ou dirigidas pelos poderes públicos.

2.4.

As instituições da UE têm concedido um forte apoio às plataformas tecnológicas europeias (PTE) criadas por iniciativa industrial com vista a definir, com base numa abordagem ascendente, objetivos e prioridades estratégicas comuns.

2.5.

As 38 PTE existentes — a que se juntam três iniciativas transversais — desempenham uma função estratégica de mobilização e divulgação. Para desempenharem o seu papel, as suas atividades principais incluem:

o desenvolvimento de programas de I&D estratégicos, incluindo roteiros e planos de implementação;

a participação direta da indústria nos PQ, em colaboração com as redes nacionais;

a promoção de atividades em rede ao longo de toda a cadeia de valor tendo em vista desafios intersetoriais e modelos de inovação mais abertos;

o fomento de oportunidades de cooperação internacional enquanto canais de programação do Horizonte 2020;

o reforço das PPP no quadro do PQ e a criação de empresas comuns no âmbito de ITC com vista à gestão conjunta de intervenções públicas e privadas.

2.6.

As ITC congregam os esforços da Comissão Europeia, dos Estados-Membros, do mundo académico e da indústria em áreas científicas e tecnológicas de elevado valor para a sociedade, apoiando, em particular, a investigação e a inovação cooperativas na Europa quando tenham sido claramente identificados objetivos tecnológicos e económicos comuns.

2.7.

O principal objetivo das ITC é aumentar o impacto do investimento público e privado em investigação e reforçar o Espaço Europeu da Investigação e da Inovação, contribuindo para estimular as inovações científicas e tecnológicas de ponta no âmbito da estratégia Europa 2020.

2.8.

A ideia subjacente às ITC é a sua abertura a novos participantes e a capacidade de comunicar com um público alargado, de gerar um efeito de alavanca, com contribuições económicas europeias, numa estrutura clara, que permita encorajar a indústria, as PME e os Estados-Membros a aumentar a respetiva participação e investimentos.

2.9.

As ITC são o fruto, principalmente, do trabalho das plataformas tecnológicas europeias , sobre as quais o CESE teve a oportunidade de formular um parecer de iniciativa (4) e que conseguiram definir uma visão conjunta e partilhada sobre o desenvolvimento dos setores, identificando problemas a resolver.

2.10.

Os critérios identificados para determinar as áreas em que é necessário criar ITC são a importância estratégica do tema e objetivos claros, o elevado valor acrescentado da ação a nível europeu, o efeito de alavanca para grandes investimentos a longo prazo e respostas adequadas e céleres aos desafios do crescimento, da sustentabilidade e do clima.

2.11.

Para aquilatar o grau de inovação não basta ter em conta os fundos investidos; é também necessário dispor de indicadores dos resultados induzidos por esta despesa em termos de desempenho económico e de mercado. As PPPc devem apresentar relatórios anuais sobre as suas atividades, o aumento efetivo do valor acrescentado europeu, a eficácia dos instrumentos financeiros inovadores com efeito de alavanca e a consecução a nível qualitativo e quantitativo dos objetivos socioeconómicos de acordo com indicadores pré-definidos.

2.12.

O objetivo do presente parecer é pôr em evidência os efeitos, para a política industrial e as mutações industriais, da participação direta dos setores industriais na I&D financiada pela UE através da fórmula das parcerias institucionais (ITC) e contratuais (PPPc) e formular sugestões de melhorias.

3.   Perspetivas de desenvolvimento de ITC e PPPc com vista a uma mudança industrial sustentável

3.1.

A experiência com os PQ de I&D da UE revelou as dificuldades em tomar em conta as necessidades reais da indústria europeia, que, com demasiada frequência, correm o risco de ser ignoradas tanto na definição dos objetivos gerais como nos programas de trabalho, confirmando o paradoxo europeu: um elevado valor científico europeu acompanhado de uma baixa e lenta capacidade de o converter em inovação no mercado em comparação com os seus concorrentes a nível mundial.

3.2.

O trabalho e as atividades das plataformas tecnológicas europeias têm vindo a alterar gradualmente esta abordagem. A indústria europeia conseguiu definir objetivos e prioridades para os principais setores da indústria transformadora, que foram, na sua maior parte, incorporados na estrutura e nos objetivos do Horizonte 2020.

3.3.

De uma abordagem descendente (top-down) passou-se para uma abordagem ascendente (bottom-up), a fim de abranger todo o ciclo da inovação e visar resultados com um nível de maturidade tecnológica (TRL) mais elevado que permitam criar novas tecnologias de produção, novos produtos e novas competências.

3.4.

As PPPc e as ITC deveriam constituir instrumentos-chave para assegurar um papel ativo aos setores industriais na programação plurianual e na implementação das ações comunitárias do Horizonte 2020. O setor privado comprometeu-se a investir cerca de 10 mil milhões de EUR em iniciativas tecnológicas conjuntas com vista a estimular a inovação em sete setores, contribuindo para inverter o declínio da indústria transformadora europeia.

4.   Observações e conclusões sobre os desafios futuros para a União

4.1.

O CESE está firmemente convicto de que os diferentes tipos de parceria no domínio da investigação e da inovação constituem uma fórmula de excelência para o desenvolvimento e um instrumento poderoso para abordar as principais questões que afetam a competitividade da Europa.

4.2.

O CESE vê nas ITC e as PPPc experiências positivas para a criação de parcerias a nível europeu, caso permitam reunir, num quadro plurianual, recursos da UE e nacionais com recursos privados, know-how e capacidades de investigação e de inovação a fim de partilhar conhecimentos e difundir inovações fundamentais em setores cruciais para o êxito no mercado global.

4.3.

De acordo com o CESE, as ITC e as PPPc devem corresponder de forma eficaz às suas responsabilidades no que respeita:

aos resultados económicos;

à otimização do valor acrescentado europeu do setor em termos económicos, tecnológicos e de inovação;

à capacidade de desenvolver tecnologias competitivas no mercado;

a um efeito de alavanca financeiro acrescido;

a uma maior participação das PME, da economia social e dos utilizadores finais;

à flexibilidade e rapidez na transferência de resultados inovadores;

à criação de redes;

ao empenho claro na reindustrialização da economia europeia;

aos desafios da sustentabilidade ambiental e climática;

a uma conceção sustentável e sem emissões de CO2 de produtos e processos;

aos desafios a nível social e do emprego;

à participação ativa dos territórios.

O desenvolvimento de novas tecnologias e de inovação por parte da indústria deve levar a uma formação de qualidade dos recursos humanos e a novas competências profissionais avançadas, com uma participação mais estreita e sistemática dos parceiros sociais na definição e implementação das linhas estratégicas setoriais.

4.4.

Desde os últimos relatórios publicados pela Comissão em 2016 (5), os resultados iniciais (6) dos inquéritos qualitativos mostram que, enquanto o programa Horizonte 2020 parece responder adequadamente à necessidade de abertura às PPP, estas soluções nem sempre respondem de forma cabal aos requisitos de abertura e de estímulo à participação de intervenientes recém-chegados; não há consenso sobre a sua capacidade de apoiar o emprego, o crescimento, os investimentos e o desenvolvimento acelerado do mercado único digital, ao contrário da sua capacidade para fazer face aos desafios energéticos e climáticos.

4.5.

Da mesma forma, a capacidade das ITC e das PPPc de interagir com êxito com outros instrumentos financeiros comunitários, como os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) e o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE), é considerada extremamente baixa, embora algumas ITC tenham assinado protocolos nesse sentido. O CESE considera importante que sejam iniciadas sinergias através da promoção da participação dos intervenientes locais e regionais, facilitando o alinhamento por normas de funcionamento comuns.

4.6.

Uma vez que a taxa de rejeição das propostas de projetos se parece situar em 7 para 1 no Horizonte 2020 — um aumento face ao PQ7, no qual era de 5 para 1 —, importa reequilibrar o painel de peritos avaliadores independentes que avaliam os projetos candidatos; mais de 50 % dos projetos candidatos nos primeiros concursos de PPPc do Horizonte 2020 eram da indústria, ao passo que mais de metade dos peritos avaliadores provém do mundo académico, contra pouco mais de um quinto de pessoas com experiência no setor privado.

4.7.

As tabelas disponíveis para as ITC e as PPPc revelam características positivas importantes para a sustentabilidade e a competitividade da indústria europeia. As atividades foram formuladas por parceiros privados no âmbito de um amplo processo de consulta aberto com vista à elaboração dos programas de trabalho e respetivos anúncios de concurso em resposta às necessidades reais da indústria, com elevadas taxas de mobilização e um elevado efeito de alavanca, de 3 para 9.

4.8.

No que diz respeito à tabela relativa aos «concursos parciais realizados por ITC em 2014», este tipo de parceria deve tornar mais claro o seu estatuto institucional e os seus níveis de governação, respondendo perante o contribuinte europeu e as instituições da UE.

4.9.

Na opinião do CESE, as ITC e as PPPc, incluindo os mecanismos de abertura e de acesso participativo, devem satisfazer requisitos prioritários, consentâneos com uma forte política de crescimento, com o pleno contributo dos parceiros sociais.

4.10.

As ITC e as PPPc participam, com efeito, numa corrida a nível mundial ao primeiro lugar no desenvolvimento e comercialização das novas tecnologias do futuro e, por conseguinte, requerem o desenvolvimento e a concretização de objetivos claros de estratégia industrial:

flexibilidade;

sistemas de avaliação transparentes e eficazes;

critérios adequados de excelência científica/tecnológica e de pertinência industrial;

respeito dos princípios de boa gestão financeira;

capacidade de associação eficaz das PME;

rápido desenvolvimento de empresas em fase de arranque/empresas derivadas («spin-outs»).

4.11.

O CESE destaca a necessidade de associar todos os intervenientes dos principais setores industriais europeus, tanto por tipo de setor de comercial, como por dimensão de empresa, quer em termos de recursos humanos, da sua formação e desenvolvimento, quer dos seus representantes, a fim de melhorar a integração dos aspetos sociais e das PME, bem como a participação dos interessados nos projetos de I&D.

4.12.

A este respeito, o CESE considera importante introduzir instrumentos adequados em matéria social e de formação, bem como a monitorização, por meio de indicadores-chave de desempenho dinâmicos (key performance dynamic indicators — KPDI), não só das patentes e publicações científicas obtidas mas também da evolução do impacto socioeconómico e na formação de novos profissionais.

4.13.

No entender do CESE, a mobilização do investimento privado, a partir do financiamento público e com um forte efeito de alavanca, é um fator-chave para a consecução dos objetivos de crescimento e de emprego da Estratégia Europa 2020, especialmente o do investimento de 3 % em I&D.

4.14.

As atividades de inovação com um TRL (Technology Readiness Level) mais elevado devem continuar a gozar de planos de apoio ao investimento, com base em perspetivas de estabilidade, associados a testes de eficácia periódicos e destinados a infraestruturas e instalações industriais, no contexto do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE) do Presidente Jean-Claude Juncker.

4.15.

O CESE entende que os intervenientes da indústria devem ser mais estreitamente associados aos programas de I&D e aos diversos comités de programa, que constituem um fator-chave para o desenvolvimento de uma participação industrial abrangente de cada Estado-Membro.

4.16.

Por último, o CESE considera que os Estados-Membros e a Comissão devem rever e harmonizar, sempre que possível, o quadro regulamentar dos setores da indústria, incluindo as ITC e as PPPc, que são obrigados a maximizar o valor acrescentado em matéria de benefícios ambientais, económicos, sociais e de emprego, modelos empresariais inteligentes e soluções integradas em áreas territoriais, novas competências e inovações sociais (7).

4.17.

Na opinião do CESE, uma maior coerência e uma melhor coordenação entre as ações de I&D e a visão global da UE nas suas dimensões interna e externa devem ser características do desenvolvimento dos vários tipos de parceria em matéria de I&D em numerosas políticas da UE, e não só no Horizonte 2020. A criação de um Conselho Europeu da Inovação com uma forte componente industrial e social, acompanhado por redes pan-europeias de apoio às infraestruturas da inovação, poderá promover um quadro mais eficaz.

4.18.

Tendo em vista o PQ9 (8), o CESE julga oportuno identificar um quadro transparente para a avaliação quantitativa e qualitativa do sucesso/insucesso das atividades desenvolvidas pelas atuais ITC e PPPc, do ponto de vista económico, social e ambiental, com a participação dos utilizadores finais industriais, dos parceiros sociais e dos representantes das PME e da sociedade civil, com vista a avaliar as prioridades estratégicas e redesenhar as futuras parcerias nas quais deverão ser concentrados os esforços até 2030.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Há duas categorias de parceria público-privada (PPP): as ITC são iniciativas tecnológicas conjuntas, previstas no artigo 187.o do TFUE e sujeitas ao regime de empresa comum, e as PPPc são iniciativas conjuntas de tipo contratual, previstas no programa Horizonte 2020 com memorandos de entendimento.

(2)  Cf. União Europeia, Fórum Estratégico para a Cooperação C&T Internacional do Comité do Espaço Europeu da Investigação e da Inovação, Bruxelas, fevereiro de 2015 — ERAC-SFIC 1353/15.

(3)  Cf. COM(2016) 5 final: «várias Iniciativas Tecnológicas Conjuntas assinaram Memorandos de Entendimento com as autoridades de gestão dos Fundos Europeus de Desenvolvimento Regional estabelecendo um quadro de cooperação estruturada.»

(4)  JO C 299 de 4.10.2012, p. 12.

(5)  Ver SWD 2016/123 de abril de 2016.

(6)  Após a publicação do relatório intercalar em 2017, será possível realizar um exame mais completo.

(7)  Ver, p. ex., as fórmulas existentes em alguns Estados-Membros em que as parcerias industriais setoriais podem recorrer diretamente aos poderes públicos competentes para a análise dos entraves técnicos e regulamentares, bem como das barreiras à conversão rápida das descobertas tecnológicas em inovações no mercado, com vista à sua supressão.

(8)  Ver parecer INT/792, «Avaliação intercalar do Programa Horizonte 2020» (Ver pág. 66 do Jornal Oficial).


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/31


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Reforçar o setor industrial europeu dos produtos de cuidados pessoais, de higiene corporal e de beleza»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 034/05)

Relatora:

Madi SHARMA

Correlator:

Dirk JARRÉ

Decisão da Plenária

21/01/2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

CCMI

Adoção em secção

28/09/2016

Adoção em plenária

20/10/2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

181/1/1

1.   Conclusões e recomendações de política

1.1.

A Europa sempre desempenhou um papel importante na produção, na inovação e no desenvolvimento de produtos de cuidados pessoais, de higiene corporal e de beleza. Mais recentemente, a sua posição de liderança neste setor tem vindo a diminuir face à concorrência mundial e a condições que não reconhecem a pressão da inovação tecnológica nem a realidade comercial na manutenção da competitividade.

1.2.

O presente parecer analisa medidas destinadas a reforçar o setor industrial europeu dos produtos de cuidados pessoais, de higiene corporal e de beleza, em especial os produtos abrangidos pelo Regulamento (CE) n.o 1223/2009 relativo aos produtos cosméticos. Um «produto cosmético» é qualquer substância ou mistura destinada a ser posta em contacto com as partes externas do corpo humano (epiderme, sistemas piloso e capilar, unhas, lábios e órgãos genitais externos) ou com os dentes e as mucosas bucais, tendo em vista, exclusiva ou principalmente, limpá-los, perfumá-los, modificar-lhes o aspeto, protegê-los, mantê-los em bom estado ou corrigir os odores corporais. Uma substância ou mistura que se destine a ser ingerida, inalada, injetada ou implantada no corpo humano não é considerada produto cosmético.

1.3.

Os setores de produção de papel higiénico, de lenços e toalhitas e de artigos sanitários não se inserem no âmbito de aplicação do Regulamento relativo aos produtos cosméticos, mas muitas das recomendações são-lhes igualmente aplicáveis, devido ao valor acrescentado deste setor para a higiene pessoal.

1.4.

O parecer não abrange os produtos farmacêuticos, as tatuagens, a maquilhagem permanente, os tratamentos de beleza, os produtos administrados por via cirúrgica ou com recurso a instrumentos, nem os produtos de cuidados da pele para animais. No entanto, o CESE recomenda que todos esses elementos sejam abordados separadamente num documento específico, devido às crescentes preocupações dos consumidores quanto à presença de substâncias químicas perigosas.

1.5.

Apesar da impressionante capacidade de inovação das empresas europeias especializadas, a própria inovação e, consequentemente, a produção e a comercialização das invenções da UE foram deslocalizadas para outras partes do mundo, com graves consequências económicas e sociais. A criação de um ambiente favorável, que permita ir além da quarta revolução industrial (Indústria 4.0) através de estratégias adequadas, tendo em conta o progresso biotecnológico avançado, permitirá contribuir significativamente para a relocalização industrial e o desenvolvimento de novos produtos.

1.6.

O CESE faz as recomendações que se seguem especificamente para este setor, embora reconheça que este já se encontra bem regulamentado para assegurar a proteção e a segurança dos consumidores; considera desnecessária legislação adicional, ainda que seja de ponderar um aumento da transparência:

maior convergência tecnológica entre a engenharia das ciências da vida, o desenvolvimento da genómica, de produtos farmacêuticos e de dispositivos médicos e o setor dos cuidados pessoais e de beleza;

maior colaboração entre as grandes e as pequenas empresas e no setor da investigação biotécnica;

estratégias para minimizar o período durante o qual não são geradas receitas para as PME inovadoras;

maior fornecimento de informações específicas sobre o mercado e maior transferência do conhecimento entre as partes interessadas, a fim de reforçar a inovação na área da cosmética e promover a personalização;

melhores oportunidades de emprego no domínio da inovação e do desenvolvimento de novos produtos;

estratégias de gestão de recursos e de resíduos, com vista à sustentabilidade ambiental e à economia circular;

prioridade elevada para a investigação sobre alternativas aos ensaios em animais, juntamente com a aceitação regulamentar de métodos alternativos comprovados;

divulgação generalizada dos requisitos relativos à proteção da biodiversidade, à aplicação dos direitos de propriedade intelectual da população autóctone e ao respeito dos princípios do comércio justo;

novas soluções para a participação de grupos de utilizadores e consumidores desde a fase do desenvolvimento de novos produtos até à fase de avaliação;

revisão da cooperação internacional, com vista a aumentar a acessibilidade, a harmonização e a promoção das normas da UE em todo o mundo para combater a fraude.

2.   Panorama do setor dos cuidados pessoais

2.1.

Os produtos cosméticos e os produtos de cuidados pessoais são essenciais no quotidiano de mais de 500 milhões de consumidores europeus, de todas as faixas etárias, e vão desde os produtos de higiene diária, como o sabonete, o champô, o desodorizante e os dentífricos, até aos artigos de beleza de luxo, como os perfumes e a maquilhagem. O setor em si vale 77 mil milhões de euros (2015), tendo sido um dos poucos setores a não ser afetado pela crise financeira mundial. A Europa é reconhecida como líder mundial no setor, dominando a exportação de cosméticos. O comércio fora da Europa representou 17,2 mil milhões de euros em 2015.

2.2.

Na indústria dos cosméticos, o reconhecimento da marca é importante devido ao elevado grau de concorrência. A lealdade do cliente assenta numa publicidade fidedigna, na qualidade, na segurança e no desenvolvimento de novos produtos, de forma comparável à da indústria da moda, que se caracteriza por tendências sazonais.

2.3.

O setor é composto por empresas de todas as dimensões, havendo mais de 4 600 PME na indústria dos cosméticos na Europa. Estima-se que o segmento das PME represente 30 % do mercado, mas pode atingir os 98 % em alguns Estados-Membros da UE. A carteira de produtos varia entre os 20 000 ou mais, no caso das grandes empresas, e cerca de 160 nas de menor dimensão. Os grandes fabricantes de cosméticos apresentam carteiras com cerca de 2 000 ingredientes, as PME possuem 600 e cada um deles acrescenta anualmente ingredientes novos na ordem dos 4 %. Estes novos ingredientes têm um efeito significativo na rentabilidade e no crescimento.

2.4.

Na Europa, o setor emprega pelo menos 2 milhões de pessoas ao longo de toda a sua cadeia de valor, desde a fase de produção até ao retalho. Em 2015, a produção empregava, por si só, 152 000 trabalhadores (1), com uma proporção ligeiramente maior de mulheres (56 %) do que de homens (44 %). Nos últimos cinco anos, o emprego direto e indireto no setor aumentou 2,3 %, o que representa um acréscimo de 39 000 postos de trabalho (2).

2.5.

Estima-se que, em 2015, as despesas com I&D tenham sido de 1,27 mil milhões de euros, quantia esta que varia consideravelmente em função do país. O setor emprega mais de 26 000 cientistas, que realizam investigação em novas áreas científicas, trabalham com novos ingredientes, desenvolvem fórmulas e efetuam avaliações da segurança, conduzindo a uma impressionante quantidade de patentes na UE todos os anos.

2.6.

O setor europeu do papel, em particular dos lenços e toalhitas, ascende a mais de 10 mil milhões de euros por ano e representa 25 % do mercado mundial dos lenços e toalhitas de papel. O aumento da utilização de artigos de papel de qualidade, como toalhas de papel de cozinha, lenços de papel, papel higiénico, etc., é um importante fator indicativo de uma melhor qualidade de vida e melhores condições de higiene em geral, tanto dentro como fora de casa, pelo que contribui consideravelmente para o setor dos cuidados pessoais.

2.7.

O setor europeu dos produtos cosméticos é reconhecido como líder na proibição total de ensaios em animais, embora continuando a promover a inovação e a competitividade. O mercado atual é impulsionado pela segurança e pela inovação de igual modo, com novas paletas de cores, tratamentos específicos para a pele, produtos antienvelhecimento e fórmulas únicas. Os consumidores exigem constantemente uma maior escolha, melhor personalização e ainda mais eficácia. A fim de responder mais eficazmente às preferências e expectativas dos utilizadores, os grupos e organizações de consumidores são chamados a participar regularmente nas fases iniciais do desenvolvimento.

3.   Legislação da UE

3.1.

A monitorização dos ingredientes e os critérios de ensaio, incluindo a proibição de ensaios em animais, a proteção ambiental e a rotulagem, estão sujeitos à legislação e às orientações da UE. O quadro regulamentar para o acesso ao mercado, as relações comerciais internacionais e a convergência regulamentar estão sob a vigilância da Comissão Europeia.

3.2.

O Regulamento (CE) n.o 1223/2009 relativo aos produtos cosméticos aplica-se desde 2013, tendo substituído a Diretiva 76/768/CEE, adotada em 1976. Tem por objetivo harmonizar as regras com vista a estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos e a alcançar um elevado nível de proteção da saúde humana.

3.3.

Independentemente dos processos de fabrico ou dos canais de distribuição, os produtos cosméticos colocados no mercado da UE têm de ser seguros. O Regulamento relativo aos produtos cosméticos (incluindo anexos) e as respetivas alterações estabelecem os requisitos e as restrições regulamentares para todas as substâncias utilizadas nos produtos cosméticos. A «pessoa responsável» por um produto cosmético responde pela segurança do produto e deve garantir que o mesmo é submetido a uma avaliação de segurança científica realizada por peritos, antes da sua comercialização. A base de dados CosIng, que contém informações sobre substâncias e ingredientes cosméticos, proporciona um acesso fácil aos dados relativos a essas substâncias. Assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e de segurança do consumidor implica também que os comités científicos competentes tenham particularmente em conta os eventuais riscos para a saúde de determinadas categorias profissionais (por exemplo, cabeleireiros e esteticistas), que, no exercício da sua atividade, utilizam produtos cosméticos diariamente e estão, por conseguinte, sujeitas a níveis de exposição mais elevados do que o público em geral.

4.   Estratégias para o crescimento do setor

4.1.

Para se manterem competitivos, os fabricantes estão constantemente a inovar para descobrir novos ingredientes, a utilizar ingredientes existentes em novas aplicações e a criar produtos mais personalizados. Contudo, não podem trabalhar isoladamente e, por isso, a Comissão Europeia, os governos nacionais e as partes interessadas, em especial os representantes dos consumidores e dos trabalhadores, têm de colaborar para criar um ambiente propício ao crescimento.

4.2.

O CESE reconhece que os principais desafios ao crescimento do setor são comparáveis aos de quaisquer outros setores industriais e faz as recomendações que se seguem especificamente para os setores dos cuidados pessoais e dos produtos cosméticos:

4.2.1.

Uma maior convergência no âmbito da engenharia das ciências da vida, nomeadamente entre a investigação genómica e o setor dos cuidados pessoais e de beleza, constituiria um melhor apoio à diversificação dos produtos. A pele é o maior órgão do corpo humano, mas a distinção entre a aplicação cutânea de produtos cosméticos e os tratamentos com produtos medicinais tende a desaparecer. É necessário ter em conta determinados efeitos, como irritações, alergias e cancros da pele. Iniciativas como o EIT Saúde (3), que abrangem áreas cruciais dos cuidados de saúde, designadamente os produtos farmacêuticos, as tecnologias médicas, as biotecnologias e a saúde digital, são bons exemplos de colaboração. Os produtos cosméticos promovem a higiene pessoal e são benéficos para o bem-estar e/ou o estilo de vida (há efeitos positivos que não são reconhecidos na regulamentação, como a redução do stresse, o reforço da autoconfiança ou a melhoria da qualidade do sono). Embora os produtos cosméticos não sejam medicamentos, baseiam-se numa ciência sofisticada que estuda a pele e as suas funções. Assim, o desenvolvimento dos produtos cosméticos pode beneficiar dos progressos realizados noutros domínios das ciências biológicas, em particular na indústria farmacêutica. A colaboração na investigação deve ser incentivada a centrar-se na personalização dos produtos destinados a melhorar o estilo de vida e o bem-estar, adaptados ao perfil do consumidor.

4.2.2.

Uma melhor colaboração entre as grandes e as pequenas empresas, a par do desenvolvimento de incubadoras de empresas (4) específicas do setor ou de agrupamentos empresariais, pode reforçar a competitividade e estimular o crescimento. Todos os produtos cosméticos são submetidos a uma avaliação de segurança científica efetuada por peritos, antes de serem disponibilizados no mercado, o que pode representar restrições administrativas e financeiras para as empresas de menor dimensão. Embora seja essencial manter em vigor a avaliação da segurança, as pequenas empresas inovadoras devem desfrutar de uma série de medidas de apoio às empresas, que sustentem o período de desenvolvimento entre o processo de inovação e de desenvolvimento de novos produtos e a comercialização bem-sucedida do produto final, reduzindo, deste modo, o risco de fracasso. Tais medidas poderiam incluir uma melhor partilha de informações específicas através da tecnologia e da transferência do conhecimento, a colaboração para criar oportunidades de investimento, a análise da redução de custos e a acessibilidade a canais de financiamento (5). Além disso, os governos devem mudar de atitude quanto à indústria transformadora, no sentido de apoiar a produção local e a criação de emprego na Europa.

4.2.3.

Um maior fornecimento de informações específicas e de dados sobre o mercado entre as universidades, a indústria e os consumidores reforçará o crescimento através da transferência do conhecimento. As tendências em matéria de cuidados pessoais mostram uma preferência por artigos biológicos e naturais, como protetores solares contra os raios UVB e UVA, produtos de apoio ao envelhecimento e produtos antienvelhecimento, alargando o âmbito da inovação. Atualmente, a inovação no domínio da menopausa e do envelhecimento abre uma área de desenvolvimento no segmento dos produtos de beleza, tendo como alvo um número substancial de pessoas através de produtos que ajudem a melhorar ao máximo a sua aparência e o seu bem-estar. Com a evolução científica e tecnológica na sequenciação do genoma humano e com os progressos realizados na compreensão das suas diversas funções e da sua individualidade absoluta, o futuro da indústria dos cosméticos reside numa personalização extremamente avançada dos produtos. A investigação e o investimento nesta abordagem, em colaboração com os profissionais de saúde e o meio académico, constituem uma questão fundamental para o setor.

4.2.4.

Incentivo a uma maior participação dos trabalhadores: os trabalhadores estão na linha da frente da inovação de produtos, uma vez que a sua posição lhes permite ter uma visão panorâmica do setor, desde o processo de desenvolvimento até à reação dos consumidores. Assim, a realização de um maior número de consultas, incluindo a promoção do espírito empresarial dentro da empresa (intrapreneurship), poderá contribuir para o crescimento das empresas. O setor apresenta uma diversidade de oportunidades de emprego e pode tornar-se mais atraente através de uma melhoria da comunicação para mostrar as aptidões e competências necessárias ao desenvolvimento atual e futuro. Mais de 514 000 estudantes das ciências da vida na Europa (6) estão empenhados na criação de novas áreas de investigação e de oportunidades para uma maior colaboração intersetorial. Mais uma vez, a intensificação da colaboração entre as universidades e a indústria deverá ajudar a atrair uma maior diversidade de trabalhadores.

4.2.5.

São necessárias dotações para investigação e desenvolvimento e disposições sobre investimento, despesas com I&D e segurança, a fim de sustentar o crescimento. Podem ponderar-se mecanismos de financiamento, tanto públicos como privados, para I&D, para o registo de patentes e para o desenvolvimento de novos produtos na indústria transformadora da UE.

4.2.6.

A violação de patentes e a contrafação de produtos representam um sério risco para a rentabilidade das grandes e das pequenas empresas da UE, assim como para a saúde dos consumidores. Em 2006, os perfumes e cosméticos falsificados custaram à UE 3 mil milhões de euros em receitas perdidas. A indicação do país de fabrico no produto poderia garantir uma maior proteção da propriedade industrial das marcas.

4.2.7.

Empenho numa regulamentação «baseada no risco»: atualmente, as substâncias não são regulamentadas com base nas suas propriedades intrínsecas (por exemplo, irritante), mas sim na possibilidade de a propriedade da substância se manifestar efetivamente em condições de utilização reais (por exemplo, quando utilizada numa concentração inferior ao limiar de irritação). Esta abordagem é possível porque a utilização de produtos cosméticos está bem definida e podem ser realizadas avaliações de risco completas. Situação diferente é a da legislação sobre produtos químicos (sem utilização definida), em que é o «perigo» associado às propriedades intrínsecas que norteia a legislação. Para garantir a futura capacidade de inovação e crescimento da indústria, é crucial que se mantenha uma distinção adequada entre perigo e risco na legislação e nas políticas da UE.

4.2.8.

Promoção dos ingredientes específicos de um território: facilitar a investigação e a certificação de produtos naturais com especificidade regional através da Indicação Geográfica Protegida (7) (por exemplo, Immortelle da Córsega) permitiria promover produtos regionais da UE, reforçando o interesse nos produtos de consumo e artesanais locais. Atualmente, os custos do rastreio isotópico ou das análises laboratoriais dos produtos naturais são proibitivos para os empresários e as PME.

4.2.9.

Proibição de ensaios em animais: o Regulamento relativo aos produtos cosméticos estabeleceu a proibição dos ensaios (proíbe a realização de ensaios de produtos cosméticos acabados e de ingredientes cosméticos em animais) e a proibição da comercialização (proíbe a colocação no mercado da UE de produtos cosméticos acabados e de ingredientes que tenham sido objeto de ensaios em animais). Não há qualquer intenção de revogar esta proibição. Não obstante, os fabricantes enfrentam os seguintes desafios no que respeita à inovação, ao desenvolvimento de novos produtos e às exportações:

Aceitação regulamentar de métodos alternativos validados: em ensaios de segurança realizados numa série de domínios, foram desenvolvidas com êxito, validadas e aceites pela OCDE estratégias sem recurso a animais. Esses ensaios permitem prever com precisão as reações complexas de um sistema biológico, em particular no que respeita aos produtos cosméticos acabados, bem como determinados parâmetros de toxicidade no que se refere aos ingredientes. Também é possível substituir algumas informações de segurança em falta, por extrapolação relativamente a ingredientes já conhecidos e com relação química, ou através da imposição de um limiar de risco toxicológico. É crucial que estes métodos validados sejam aceites pelos organismos reguladores, para que a indústria possa avançar rumo a um mundo inovador e sem ensaios em animais.

I&D para melhorar a avaliação da segurança dos ingredientes e produtos: na ausência de ensaios em animais, não existe ainda um conjunto completo de ensaios in vitro destinados à avaliação da segurança de novas moléculas, como no caso dos protetores solares. A investigação para o desenvolvimento de métodos de avaliação da segurança sem o recurso a animais deve ser apoiada, quer pelo setor privado quer pelo setor público. Uma prioridade é a I&D para compreender a biologia da pele, a fim de desenvolver produtos capazes de prevenir/reduzir o cancro da pele, dado que a incidência do melanoma continua a aumentar.

Exportações: muitos dos países para os quais os produtos cosméticos europeus são exportados requerem ensaios em animais como parte da garantia da segurança do consumidor, o que dá origem a requisitos regulamentares contraditórios e coloca desafios significativos à indústria. Devem ser negociados acordos mundiais sobre esta questão.

4.2.10.

Gestão dos recursos e dos resíduos: o crescimento demográfico, o aumento do consumo e o esgotamento dos recursos, especialmente da água, são questões que se colocam tanto aos consumidores como à indústria, no que diz respeito ao consumo sustentável e à responsabilidade social das empresas. A produção de produtos respeitadores do ambiente, que tenham em conta a gestão dos recursos e dos resíduos, é uma prioridade do setor. O pacote de medidas relativas à economia circular, da Comissão Europeia, e as «Guidelines for Cosmetic Companies, especially SMEs» [Orientações para as empresas de produtos cosméticos, especialmente PME] (2012), da Associação Cosmetics Europe, são instrumentos úteis, mas será necessário fazer muito mais, uma vez que os desafios subsistem. A proteção dos recursos de que o setor necessita está ligada à necessária proteção da biodiversidade enquanto bem comum das gerações atuais e futuras. A procura de novos produtos não deve ser feita à custa da população autóctone e da sua propriedade intelectual. A divulgação, entre as empresas do setor, dos princípios do comércio justo e dos códigos de conduta ecológica é oportuna e extremamente necessária. Igualmente importante é que os consumidores abdiquem de consumir produtos cuja produção seja contrária aos princípios do desenvolvimento sustentável.

4.2.11.

Maior transparência: a vigilância do mercado é fundamental para garantir a proteção dos consumidores. Uma cooperação mais estreita entre as autoridades nacionais responsáveis pelos consumidores, as organizações de consumidores, os utilizadores e os profissionais de saúde a nível nacional aumentará a confiança dos consumidores e a transparência. A consulta das partes interessadas deve ter lugar ao longo de todo o processo de desenvolvimento do produto e inovação. A notificação dos produtos no sistema RAPEX permite que os consumidores exijam uma maior segurança em toda a cadeia de abastecimento, mas estes insistem em que a notificação de um risco grave deve estar ao seu dispor logo que possível. Os consumidores referem a necessidade de maior transparência tendo em vista o seguinte:

Garantia de uma aplicação mais rigorosa da legislação atual e uma avaliação da segurança mais inequívoca, a fim de preservar a confiança dos consumidores na segurança dos produtos e, simultaneamente, aumentar a conformidade com o Regulamento relativo aos produtos cosméticos. Tal inclui uma rotulagem mais compreensível e facilmente legível, que descreva o modo de utilização dos produtos e indique a sua finalidade.

Necessidade de transparência nos artigos publicitários — «plublirreportagem» — e na promoção dos produtos, a fim de evitar que os consumidores sejam induzidos em erro. A publicidade tem custos proibitivos para as empresas de menor dimensão. O material publicitário pago deve ser claramente identificado, nomeadamente as comparações entre produtos que, embora de marca diferente, pertencem, por vezes, à mesma empresa.

O Regulamento relativo aos produtos cosméticos não estabelece regras específicas quanto aos produtos naturais. Atualmente, não existem na UE regras harmonizadas que estabeleçam critérios para os cosméticos biológicos, o que faz com que produtos com baixo teor de ingredientes naturais possam reclamar a classificação de «biológico». Os consumidores podem ser induzidos em erro, e o setor dos produtos de beleza da UE corre o risco de ver comprometida a sua reputação como setor de confiança se não forem aplicadas orientações específicas.

4.2.12.

As oportunidades em novos mercados, nomeadamente os que estão orientados para a mudança de hábitos de compra dos consumidores, tais como o comércio eletrónico e as vendas diretas, oferecem novos modelos de venda para além do comércio transfronteiras. Os resultados iniciais do inquérito ao setor do comércio eletrónico revelaram que metade das empresas estudadas no setor dos cosméticos e dos cuidados de saúde na UE não realizam vendas transfronteiras. Embora as empresas de produtos cosméticos adiram às tecnologias digitais, permanecem espartilhadas pelos requisitos regulamentares, frequentemente específicos de cada país, a saber: rotulagem na língua do país, legislação relativa aos ensaios em animais, requisitos aplicáveis à vigilância da indústria dos cosméticos.

4.2.13.

Obstáculos ao comércio: a UE apresenta um bom excedente na balança comercial dos produtos cosméticos. Contudo, a Comissão deve continuar a exercer pressão no sentido da convergência, em fóruns como o «International Cooperation on Cosmetic Regulation» (ICCR), bem como no âmbito das negociações comerciais, para que a regulamentação da UE se torne uma norma internacional. O Regulamento relativo aos produtos cosméticos continua a ser o modelo de inspiração para a segurança dos consumidores nas regiões emergentes (ASEAN, Rússia, América Latina e China), o que proporciona uma oportunidade, para os reguladores e a indústria da UE, de contribuir para sistemas de regulação dos principais mercados de exportação que são altamente compatíveis com o sistema da UE:

o apoio à harmonização é necessário para aumentar o comércio no mercado interno. Os entraves comerciais são agravados na UE pela falta de uma administração aduaneira única. Cada Estado-Membro tem uma agência separada responsável pela legislação aduaneira da UE, que não é administrada de maneira uniforme. As regras da UE sobre os procedimentos relativos à classificação, avaliação, regras de origem e questões aduaneiras são muitas vezes aplicadas de forma diferente em cada Estado-Membro, com níveis de IVA diferentes;

o combate à fraude, contrafação e adulteração nas importações e dentro da UE é uma questão séria. Os países da UE devem cooperar, trocar informações e agir com maior celeridade face a efeitos indesejáveis graves resultantes da utilização de produtos cosméticos. O aumento do número de produtos fraudulentos e adulterados, em parte como resultado do aumento das importações, a par dos recursos limitados nos Estados-Membros para o controlo dos produtos, traduz-se num aumento dos riscos para a saúde dos consumidores;

acordos comerciais: os produtos cosméticos têm sido um dos capítulos mais complexos no âmbito do debate sobre a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (PTCI). As normas da UE poderiam ser mais amplamente utilizadas na sequência da PTCI e de outros acordos comerciais, promovendo a credibilidade e a confiança nas marcas de produtos fabricados na UE e facultando às empresas da UE acesso a um mercado com mais consumidores.

Bruxelas, 20 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Eurostat.

(2)  Fonte: Cosmetics Europe.

(3)  www.eithealth.eu.

(4)  http://www.biocity.co.uk/medicity/nottingham.

(5)  JO C 13 de 15.1.2016, p. 152.

(6)  Euromonitor International.

(7)  http://ec.europa.eu/agriculture/quality/schemes/index_en.htm.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/38


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Desmantelamento de navios e sociedade da reciclagem»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 034/06)

Relator:

Martin SIECKER

Correlator:

Richard ADAMS

Decisão da Plenária

21.1.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

CCMI

Adoção em secção

28.9.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

202/2/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Os armadores da UE controlam aproximadamente 40 % da frota mercante mundial. Também representam aproximadamente um terço dos navios (em arqueação) em fim de vida varados em estaleiros subnorma no sul da Ásia. A UE é o maior mercado a enviar navios em fim de vida para desmantelamento perigoso e poluente. Com a maior comunidade de estaleiros, a UE também tem uma responsabilidade particular na regulamentação da reciclagem de navios.

1.2.

O CESE defende que eliminar os abusos do desmantelamento irresponsável de navios através de um sistema que crie valor acrescentado suficiente em navios em fim de vida para compensar os custos mais elevados da reciclagem responsável é uma questão social e moral importante. Provavelmente, a maior parte da reciclagem de navios continuaria a ser efetuada em países com baixos custos salariais, mas com melhores condições de trabalho e ambientais. Ao mesmo tempo, isto também permitiria tornar os estaleiros de desmantelamento da UE mais competitivos.

1.3.

A ação da Organização Marítima Internacional (OMI) teve pouco impacto até à data, mas devem continuar a ser envidados todos os esforços para atingir um instrumento juridicamente vinculativo através deste fórum. O papel da UE neste processo pode ser dinâmico e ter impacto. A procura de uma solução eficaz para o desmantelamento irresponsável de navios tem estado na agenda da UE há vários anos, o que resultou, até à data, no Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios, que será de plena aplicação, o mais tardar, em 31 de dezembro de 2018. No entanto, uma falha fundamental consiste no facto de os armadores poderem facilmente evitar o referido regulamento ao simplesmente arvorarem pavilhão de um país não pertencente à UE.

1.4.

Falta, por exemplo, no regulamento um instrumento económico que permita à Comissão orientar a evolução para o caminho desejado. Um relatório muito detalhado desenvolveu um modelo para esse instrumento mediante a introdução de uma «licença de reciclagem de navios» (LRN). Até ao final do presente ano, a Comissão irá apresentar uma proposta baseada nesta ideia, que incentivará os armadores a desmantelarem navios em fim da vida útil em instalações aprovadas pela UE, de forma social e ambientalmente aceitável.

1.5.

A vantagem do mecanismo financeiro proposto consiste na sinergia que poderia trazer ao quadro regulamentar existente. Os mecanismos de controlo não iriam interferir com os do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios. As atuais instituições da UE já estão preparadas para administrar e aplicar esta licença. No entanto, o CESE insta a Comissão a avaliar se a proposta poderá ser considerada pelos parceiros comerciais da UE como uma ingerência contrária à concorrência na gestão do transporte marítimo internacional.

1.6.

Apenas reconhecendo a responsabilidade do armador com base no princípio do «poluidor-pagador» e acrescentando o custo de reciclagem responsável aos custos operacionais do navio, será possível eliminar as atuais práticas prejudiciais. Todos os operadores e utilizadores de navios de transporte de carga a granel, de fretes e de passageiros têm um papel no processo. Primeiro, ao reconhecerem a existência de um problema grave e, em segundo lugar, ao apoiarem um mecanismo financeiro progressivo e executável como a LRN, capaz de uma difusão a nível mundial, sob os auspícios da OMI e com uma campanha de informação que ultrapasse as fronteiras da UE.

1.7.

O CESE apoia a Comissão Europeia nesta tarefa. Além de se integrar muito bem na política europeia da sociedade da reciclagem, pode igualmente constituir um passo importante no sentido de reformar o setor de desmantelamento perigoso e poluente na Ásia Meridional e de impedir que o mesmo seja restabelecido em outro lugar. O CESE reconhece o potencial da Convenção de Hong Kong caso incorpore os princípios do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios, e sublinha que é necessário um instrumento financeiro. Insta a UE a prestar assistência técnica aos estaleiros de todo o mundo para que cumpram esses requisitos.

2.   Situação atual

2.1.

Sem transporte marítimo, a economia mundial não funcionaria. Todos os anos, aproximadamente 1 000 navios de alto mar (navios-cisterna e de contentores, de carga e de passageiros) são vendidos para desmantelamento. Mais de 70 % destes navios em fim de vida terminam em praias da Índia, do Bangladeche ou do Paquistão para operações de desmantelamento perigosas. Os restantes são maioritariamente desmantelados na China e na Turquia, onde infraestruturas mais adequadas são mais propícias a práticas limpas e seguras, desde que se apliquem os procedimentos adequados (1).

2.2.

A maior parte dos navios retirados de serviço é desmantelada de forma inaceitável através do método de «varadouro». Este método consiste em ancorar os navios em praias arenosas, onde são desmantelados maioritariamente por trabalhadores sem qualificações (existem inclusivamente relatos de trabalho infantil no Bangladeche), sem equipamento totalmente apropriado e com pouca ou nenhuma proteção contra a enorme quantidade de substâncias perigosas libertadas (2).

2.3.

O setor da reciclagem de navios deslocou-se para a Ásia Oriental (China e Taiwan) na década de 1970, altura em que foram introduzidas normas ambientais e de saúde no trabalho mais rigorosas na Europa. Na década de 1980, o setor também se deparou com uma regulamentação mais estrita na Ásia Oriental e, por conseguinte, deslocou-se para a Ásia Meridional. Nos últimos 30 anos, foram comunicadas 470 mortes na Índia. Em 2014, foram comunicados 25 mortos e 50 feridos graves em estaleiros na Ásia Meridional. Pelo menos 16 trabalhadores perderam a vida em estaleiros no Bangladeche no ano passado e, este ano, já ali morreram doze trabalhadores até à data. Muitos outros trabalhadores ficaram gravemente feridos ou doentes devido aos fumos tóxicos e sofreram mortes dolorosas por cancros causados por substâncias perigosas como o amianto. Os ambientes naturais em redor destas instalações de varadouro encontram-se seriamente degradados (3).

3.   A causa do problema — evitar a responsabilidade

3.1.

O problema da reciclagem de navios reside na ausência de governação internacional eficaz para obter uma solução a nível mundial. A OMI, uma agência da ONU, elaborou a «Convenção de Hong Kong para a Reciclagem Segura e Ecológica dos Navios» («Convenção de Hong Kong»), que continua por ratificar e com impacto incerto. Como em muitas outras áreas, a UE, ao promover boas práticas e soluções pragmáticas, pode fornecer um quadro regulamentar e jurídico capaz de produzir resultados positivos a nível mundial e eficaz no tratamento de um conjunto particular de questões extraterritoriais prevalecentes no setor do transporte marítimo.

3.2.

A legislação internacional exige que cada navio mercante seja registado num país. A CNUCED (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) comunicou que quase 73 % da frota de navios mundial tem registo ou pavilhão de um país diferente daquele em que o armador beneficiário está registado. As razões para mudar o pavilhão de um navio para um país diferente incluem elisão fiscal, a possibilidade de contornar regulamentações ambientais e laborais nacionais e a possibilidade de recrutar tripulações de países com salários mais baixos. Muitos destes registos livres também são designados de «pavilhões de conveniência» ou «pavilhões de não conformidade». Estes pavilhões provêm de países com fracos resultados em matéria de aplicação da lei internacional. Aproximadamente 40 % de todos os navios em fim de vida varados no sul da Ásia foram importados com pavilhões de conveniência ou de pavilhões de não conformidade, como os pavilhões de São Cristóvão e Neves, das Comores e de Tuvalu. Estes pavilhões de «fim de vida» raramente são utilizados durante a vida útil de qualquer navio e oferecem taxas de desconto especiais para últimas viagens e registos a curto prazo rápidos e fáceis sem quaisquer requisitos de nacionalidade.

3.3.

Apenas um pequeno número de armadores tomou medidas voluntárias para assegurar uma reciclagem limpa e segura dos respetivos navios obsoletos. Menos de 8 % dos navios vendidos para desmantelamento mantêm um pavilhão europeu e estes são desmantelados maioritariamente de forma segura e sustentável. A maior parte dos navios que atingem o final da sua vida útil é vendida aos chamados «compradores a pronto», que conduzem o navio para o respetivo destino final na Ásia Meridional. A maioria dos armadores não lida diretamente com as instalações de reciclagem: distancia-se convenientemente da eliminação final e deixa-a a cargo destes compradores a pronto, que se especializam em navios em fim de vida e assumem o papel de intermediários entre os armadores e os estaleiros de desmantelamento. O serviço que prestam inclui deslocar e tripular um navio para a sua última viagem e lidar com a burocracia necessária e as autoridades no destino de desmantelamento.

Tanto armadores privados como públicos recorrem a estas práticas.

3.4.

Este negócio é lucrativo para:

quem organiza o desmantelamento localmente, ao preço mais baixo, explorando os trabalhadores e prejudicando o ambiente;

os armadores em todo o mundo, que recebem um melhor preço pelo navio desmantelado;

os interesses empresariais dos países envolvidos, uma vez que proporciona uma importante fonte de sucata de aço, que é utilizada na economia local e nacional;

os governos que recebem receitas das trocas comerciais e têm poucos incentivos para regulamentar ou controlar o setor e aplicar as salvaguardas jurídicas existentes.

3.5.

Apesar de existirem, desde 2009, ações coordenadas e voluntárias dos armadores, tais como um conjunto de orientações sobre a elaboração de inventários de materiais perigosos e outras medidas relativas aos navios em fim de vida, em 2015, o Bangladeche, onde as condições são conhecidas como as piores, foi o destino preferido dos navios em fim de vida (4).

4.   Lidar com o problema — tentativas para garantir a responsabilização

4.1.

Em 2009, a OMI adotou um instrumento específico para o transporte marítimo, a Convenção de Hong Kong, que cria um quadro regulamentar com o objetivo último de providenciar as condições de concorrência equitativas e sustentáveis necessárias para as atividades de reciclagem de navios a nível mundial. Na verdade, esta reivindicação não resiste à evidência dos factos. Embora tal seja um pequeno passo em frente, a aplicação e as disposições de execução são insuficientes e abertas a uma grande variedade de interpretações, não existe uma certificação ou auditoria independente estipuladas e, na prática, o desmantelamento em varadouro continua a ser permitido.

4.2.

A Convenção de Hong Kong só entrará em vigor 24 meses após a ratificação por parte de 15 Estados, representando 40 % da arqueação global e cuja capacidade anual de reciclagem de navios representa pelo menos 3 % da arqueação combinada dos signatários. Até ao momento, apenas cinco países, dos quais o Panamá é o único grande Estado de pavilhão, ratificaram a Convenção de Hong Kong, mas nenhum deles cumpre a capacidade de reciclagem de navios exigida para a entrada em vigor da convenção. Por conseguinte, não se prevê para breve a entrada em vigor da convenção.

4.3.

Outra iniciativa da OMI, o Fundo Fiduciário Internacional para a Reciclagem de Navios, não recebeu apoio a nível internacional. Embora a OMI tenha proporcionado uma reforma positiva do setor marítimo em diversos domínios, uma ação eficaz em matéria de desmantelamento de navios não foi uma delas. O setor da reciclagem de navios tendeu a instalar-se ou a deslocar-se para países com baixos custos salariais e onde as normas de saúde e segurança e ambientais são pouco exigentes e não são cumpridas. O papel de «facilitador» destes Estados só pode ser eliminado ao associar um fundo financeiro significativo, mantido de forma independente, a cada navio, que possa ser reclamado se for reciclado de forma responsável. O transporte marítimo é um setor mundial, enquanto o desmantelamento de navios, em que 70 % dos navios são desmantelados em três praias da Ásia Meridional, é um escândalo regional que merece uma solução eficaz.

4.4.

Na UE, os navios colocados fora de serviço são considerados resíduos perigosos e abrangidos pela Convenção de Basileia, que regulamenta todos os tipos de transporte de resíduos perigosos e que é transposta, a nível da UE, através do Regulamento sobre transferências de resíduos. Teoricamente, este deveria impedir o desmantelamento irresponsável dos navios da UE. As regras da convenção e do referido regulamento são também sistematicamente contornadas pelos armadores através da venda de navios em fim de vida a compradores a pronto assim que estes navios abandonam as águas da UE para a última viagem. No entanto, após a entrada em vigor do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios na União, os navios em fim de vida que navegam sob pavilhão de um Estado-Membro da UE serão excluídos, a partir de 2019, do âmbito de aplicação do Regulamento da UE sobre transferências de resíduos e da Convenção de Basileia, que regulamenta todos os tipos de transporte de resíduos perigosos.

4.5.

Após análise, a UE e os respetivos Estados-Membros concluíram que tanto a Convenção de Hong Kong como a Convenção de Basileia parecem oferecer um nível de controlo e aplicação equivalente para navios classificados como resíduos. ONG de todo o mundo, o Relator Especial das Nações Unidas sobre direitos humanos e resíduos tóxicos, bem como o Parlamento Europeu e o CESE, denunciaram a Convenção de Hong Kong por esta não fornecer soluções adequadas.

4.6.

A procura de uma solução eficaz faz parte da agenda da UE há vários anos. Em 2007, a Comissão Europeia elaborou um Livro Verde (5) sobre o tema, seguido de uma comunicação em 2008 (6), e, por último, de uma proposta para um Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios (7) em 2012. O regulamento entrou em vigor em 30 de dezembro de 2013, mas a sua aplicação plena só é obrigatória a partir de 31 de dezembro de 2018. O regulamento aplica antecipadamente vários requisitos da Convenção de Hong Kong. Além disso, o Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios define uma lista europeia de instalações de reciclagem aprovadas onde os navios com bandeiras da UE terão de ser desmantelados. Estas instalações devem ser submetidas a certificações e auditorias independentes. O Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios vai além da Convenção de Hong Kong ao definir normas mais estritas para as instalações de reciclagem e ao ter em conta a gestão de resíduos a jusante e os direitos laborais.

4.7.

No entanto, o Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios é muito moderado em relação ao Livro Verde anterior e à comunicação sobre o mesmo tema. Nesses dois documentos, são analisados acuradamente problemas relacionados com a reciclagem dos navios na Ásia Meridional e expressa-se a convicção de que são necessárias medidas severas para combater as condições inaceitáveis nestes países. No entanto, as medidas do referido regulamento não resolvem estes problemas. Embora o regulamento defina normas rigorosas para instalações de reciclagem de navios que excluem eficazmente o método de varadouro subnorma, é muito fácil para os armadores contornar estas normas através da transferência de propriedade ou simplesmente da mudança para um pavilhão não pertencente à UE. Conforme o CESE conclui, a vontade política de responsabilizar o setor do transporte marítimo esteve manifestamente ausente e sentiu-se que a Comissão deveria ter elaborado uma proposta melhor, mais criativa e audaciosa, mais rica em iniciativas e em consonância com o nível de ambição de documentos anteriores da Comissão (8).

5.   Uma abordagem mais eficaz

5.1.

Falta, por exemplo, no regulamento um instrumento económico que permita à Comissão orientar a evolução para o caminho desejado. A Comissão reconheceu a falha fundamental de os armadores conseguirem evitar facilmente o Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios ao simplesmente arvorarem o pavilhão de um país não pertencente à UE na sua proposta inicial de 2012, que incluía uma cláusula sobre a «responsabilidade de penúltima propriedade». Embora esta cláusula tenha sido rejeitada durante as negociações tripartidas, o PE assegurou a inclusão de um artigo no regulamento que instava a Comissão a analisar eventuais mecanismos financeiros alternativos.

5.2.

Em julho do ano em curso, a Comissão publicou um novo estudo, realizado pela Ecorys, a DNV-GL e a Universidade Erasmus de Roterdão, sobre uma «licença de reciclagem de navios» (LRN) com o fim de incentivar os armadores a assumirem finalmente a sua responsabilidade relativamente a um desmantelamento de navios limpo e seguro.

5.3.

Esta LRN criaria um fundo dedicado específico para cada navio, que seria conservado em depósito numa importante instituição financeira, acumulando capital para financiar a reciclagem segura e sustentável. O montante da licença seria determinado pela combinação de arqueação, tipo de transporte, frequência de escalas nos portos da UE, conceção com base no princípio do fluxo circular de reciclagem e reutilização de materiais («cradle-to-cradle») e presença de substâncias tóxicas a bordo. O capital é constituído pelos armadores que, cada vez que um dos seus navios fizer escala num porto da UE, pagarão a taxa adequada para o fundo associado a esse navio específico.

5.4.

No fim da vida útil, este fundo seria reclamado caso o navio fosse efetivamente reciclado num estaleiro aprovado pela UE e, consequentemente, utilizado para compensar a perda de receitas derivadas da opção por um desmantelamento responsável. Até ao final do ano, a Comissão apresentará uma posição formal sobre o referido estudo.

5.5.

Uma grande vantagem do mecanismo financeiro proposto consiste na sinergia que poderia trazer ao quadro regulamentar existente. Em particular, os mecanismos de controlo no âmbito do mecanismo financeiro proposto resultariam bastante bem com os mecanismos de controlo existentes no âmbito do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios, como a inspeção das instalações antes e após a respetiva inclusão na lista europeia. As licenças também poderiam ser incluídas na lista de certificados que devem ser verificados regularmente pela inspeção do Estado do porto como parte das obrigações preexistentes. Da mesma forma, a atual Agência Europeia da Segurança Marítima (EMSA) parece reunir as melhores condições para levar a cabo as tarefas de inspeção e emissão de licenças, ao passo que uma das instituições financeiras europeias, como o Banco Europeu de Investimento (BEI) ou o Fundo Europeu de Investimento (FEI), parece estar em melhor posição para administrar as receitas de uma possível LRN. O CESE insta a Comissão a avaliar se a proposta poderá ser considerada pelos parceiros comerciais da UE como uma ingerência contrária à concorrência na gestão do transporte marítimo internacional.

5.6.

Este fundo contribuiria de alguma forma para a proposta do CESE no sentido de apoiar um setor de reciclagem de navios mais abrangente e viável na Europa. Na UE, há capacidade suficiente que deixou de ser utilizada para a construção e a reparação de navios, mas que se presta ao desmantelamento e à reciclagem de navios. Esta possibilidade enquadra-se perfeitamente no objetivo da UE de desenvolver uma sociedade da reciclagem sustentável com uma economia circular, em que os resíduos são transformados em matéria-prima através de um sistema engenhoso e bem estruturado. Tendo em conta os preços alternadamente voláteis e progressivamente crescentes das matérias-primas e a elevada taxa de desemprego em vários Estados-Membros europeus, bem como o facto de diversas plataformas petrolíferas nas águas da UE estarem a atingir o fim de vida economicamente viável, esta opção poderia ser altamente rentável para toda a Europa. Ademais, um setor de desmantelamento de navios em fim de vida representa uma oportunidade para o desenvolvimento dos territórios marítimos e a formação de jovens e desempregados em profissões emergentes.

5.7.

Em 12 de abril de 2016, a Comissão publicou orientações técnicas para instalações de reciclagem de navios que requeiram aprovação no âmbito do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios. As instalações que pretendam ser incluídas na lista de aprovadas pela UE devem assegurar condições de trabalho saudáveis e seguras, o controlo da poluição, incluindo gestão de resíduos a jusante, e a aplicação de direitos laborais internacionais. Podem candidatar-se instalações de dentro e fora da UE. Além das instalações da UE, os melhores estaleiros da China e da Turquia irão provavelmente figurar na lista, que será publicada no final do ano em curso. As instalações de reciclagem que utilizam o método de varadouro já apresentaram a sua candidatura. O CESE concorda com o Parlamento Europeu e a Comissão que o atual método de varadouro não deve ser admitido na lista da UE.

5.8.

Se a Europa pretende desmantelar os seus navios de forma responsável, faz sentido que assegure a integração desses custos nos custos operacionais do navio. Numa economia de mercado nada é gratuito, tudo tem um preço. Para desmantelar os navios de forma responsável, esse preço é pago com dinheiro. No desmantelamento irresponsável, uma parte do preço é paga à custa de outros valores, como a destruição do ambiente local e a perda de vidas humanas. Dado que a UE não pretende aceitar estes valores como meios de pagamento legais, não devemos aceitar a sua utilização como moeda legítima no tráfego de pagamentos com países em desenvolvimento fora da Europa.

5.9.

Num período de excesso de capacidade e de baixo rendimento no setor, existem fortes indicadores de que a grande maioria dos armadores resiste a medidas que envolvam encargos mais elevados. No entanto, o impacto nos armadores será modesto. Para mudar o comportamento de 42 % dos armadores, estima-se que as medidas necessárias para atingir esse objetivo acrescentem 0,5 % aos custos operacionais de navios de menor envergadura e cerca de 2 % aos dos navios de maior envergadura. Se as taxas aplicáveis aos preços das licenças aumentarem e/ou se o período de acumulação de capitais for reduzido, a percentagem de navios vendidos para a reciclagem sustentável de navios aumentará até 68 %. A longo prazo, o relatório calcula que cerca de 97 % dos navios que operam nos portos europeus poderão acumular fundos suficientes para cobrir a diferença para a reciclagem ecológica (9).

5.10.

No entanto, o fundo de receitas das LRN deve demonstrar que corresponde ao custo da reciclagem responsável e que será aplicado e cobrado de forma equitativa a todos os operadores que atracam em portos da UE. No entanto, uma medida regional (a nível continental) como a licença de reciclagem de navios da UE não pode ser aplicada de forma eficaz em todo o mundo sem a cooperação dos armadores e da OMI. Um instrumento financeiro da UE que seja aplicável a qualquer navio que atraque num porto da UE pode estimular essa solução a nível mundial, que poderia ser difundida através da OMI. Os governos dos Estados-Membros com um número significativo de armadores residentes devem envidar esforços consideráveis para desenvolver legislação relevante em harmonia com as políticas relativas à fraude e coerente com as orientações da OMC.

5.11.

Também é possível gerar e apoiar a vontade política através de uma opinião pública informada. A divulgação das condições escandalosas na maioria das instalações de reciclagem no sul da Ásia está a ter algum efeito, mas atualmente não existe nenhuma forma de os membros do público interessados influenciarem diretamente o setor do transporte marítimo através da compra ou boicote de serviços de embarcações relevantes. Esta realidade deve ser alterada incentivando importantes utilizadores empresariais de serviços de frete marítimo a exigirem que os seus bens sejam transportados em navios que cumpram políticas de fim de vida responsáveis e irrevogáveis.

5.12.

Como em muitas outras áreas, a UE, ao promover boas práticas e soluções pragmáticas, tem um papel a desempenhar e pode fornecer um quadro regulamentar de apoio capaz de produzir resultados positivos a nível mundial e eficaz no tratamento de um conjunto particular de questões extraterritoriais prevalecentes no setor do transporte marítimo.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Lista de 2015 de todos os navios desmantelados a nível mundial (em inglês).

(2)  Desmantelamento de navios no Bangladeche e na Índia, vídeo do National Geographic: «Where Ships Go to Die, Workers Risk Everything» (2014).

(3)  ONG «Shipbreaking Platform».

(4)  Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios — «Guidelines on Transitional Measures for Shipowners Selling Ships for Recycling» [Orientações sobre as medidas de transição para os armadores que vendem navios para reciclar], 2.a edição, janeiro de 2016.

(5)  Livro Verde — COM(2007) 269 final.

(6)  COM(2008) 767 final.

(7)  Regulamento (UE) n.o 1257/2013 (JO L 330 de 10.12.2013, p. 1).

(8)  JO C 299 de 4.10.2012, p. 158.

(9)  Quadro 4.2, p. 83.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/44


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Energia de “prossumidores” e cooperativas de energia: oportunidades e desafios nos países da UE»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 034/07)

Relator:

Janusz PIETKIEWICZ

Decisão da plenária

21.1.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

(parecer de iniciativa)

 

 

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

225/4/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que o desenvolvimento global da produção descentralizada de energia por «prossumidores» (produtores-consumidores) deve constituir uma componente importante e sustentável da política energética da União Europeia. Esta é uma solução eficaz, que poderá mesmo acabar por se provar indispensável, tendo em conta a segurança energética e o impacto ambiental e social.

1.2.

A quota de energia produzida por «prossumidores» em relação ao total da produção de energia deve corresponder às especificidades de cada Estado-Membro. O CESE propõe, por conseguinte, que a Comissão Europeia elabore um enquadramento geral para a energia de «prossumidores», ao passo que as regulamentações específicas neste domínio devem ser da competência de cada Estado-Membro.

1.3.

A energia de «prossumidores», cuja produção é possível independentemente das condições climatéricas locais, adequa-se a um vasto leque de fontes de energia renováveis.

1.4.

Os «prossumidores» surgiram no mercado em virtude das novas tecnologias, da revolução digital e das expectativas dos consumidores que ambicionam participar diretamente nos processos económicos.

1.5.

A fim de permitir uma melhor compreensão do conceito de «prossumidor» nos Estados-Membros, o CESE recomenda à Comissão que estabeleça uma definição de base que abranja os aspetos gerais comuns, tais como a dimensão da instalação, a produção de energia individual ou coletiva, a propriedade da instalação ou a questão da energia excedentária.

1.6.

Qualquer pessoa pode tornar-se «prossumidor», independentemente dos direitos de propriedade dos respetivos imóveis, instalações ou equipamentos. Assim, tanto o proprietário de uma habitação unifamiliar como o locatário de uma fração num edifício plurifamiliar pode ser «prossumidor».

1.7.

Os benefícios económicos decorrentes da produção de energia por «prossumidores» — em especial, menores custos de transporte de energia, melhor utilização de fontes de energia locais e estimulação profissional das comunidades locais — deverão, a médio prazo, potenciar este tipo de produção de energia sem mecanismos de apoio adicionais.

1.8.

As poupanças e as vantagens sociais que decorrem de um consumo mais consciente e mais ativo, a utilização descentralizada de fontes de energia renováveis, a redução das perdas da rede e a eficiência resultante da colaboração podem rapidamente gerar uma boa rentabilidade do capital investido nas instalações dos «prossumidores», no desenvolvimento industrial, nas condutas de abastecimento e nas redes locais, nos respetivos sistemas de gestão, bem como no desenvolvimento das técnicas de armazenamento de energia.

1.9.

Os regimes de apoio aos «prossumidores» não podem, de modo algum, distorcer a concorrência no mercado da energia ou afastar outros operadores. Pelo contrário, tais regimes devem ter em conta a existência de consumidores de energia nesse mercado que não podem ou não querem ser «prossumidores».

1.10.

As soluções financeiras suscetíveis de ter um impacto no comportamento dos «prossumidores», tais como impostos, tarifas e outras taxas, devem ser-lhes favoráveis. Em caso algum deverão dar origem a uma discriminação dos «prossumidores» no mercado da energia.

1.11.

A base para um desenvolvimento dinâmico da energia de «prossumidores» consiste na construção de boas relações de parceria entre os «prossumidores», os demais produtores de energia e as empresas que asseguram o transporte e a distribuição de eletricidade. Há que criar condições para garantir que o desenvolvimento da produção de energia por «prossumidores» traz benefícios para todos os intervenientes no mercado da energia. O CESE recomenda à Comissão que realize estudos com vista a desenvolver soluções neste domínio.

1.12.

São necessárias soluções que protejam os «prossumidores» das práticas monopolistas de empresas de transporte e distribuição de eletricidade, assim como dos grandes produtores de energia.

1.13.

Em geral, os «prossumidores» produzem energia para consumo próprio (para si ou para um grupo de cidadãos, agregados familiares, explorações agrícolas ou pequenas empresas). Não é possível adaptar o desempenho das instalações especificamente às suas próprias necessidades energéticas. Importa, por isso, encontrar uma solução para o problema dos excedentes de energia. Esta questão é tanto mais importante na medida em que se procura levar os «prossumidores» a poupar energia — que deve ser sempre o objetivo.

1.14.

A otimização do consumo de energia pelos «prossumidores» deve ser apoiada por sistemas de estilo de vida inteligente (smart living). O CESE entende que o sistema de soluções concebido pela Comissão Europeia deve ter em conta este aspeto.

1.15.

Dado o pequeno volume de energia produzido pelos «prossumidores», o seu acesso à rede não deve ser restringido.

1.16.

O desenvolvimento da produção de energia por «prossumidores» exige uma adaptação correspondente e um funcionamento adequado das redes de distribuição e de transporte. Os «prossumidores» têm de participar nos custos associados a esse processo, embora estejam ainda por definir regras transparentes para essa participação nos custos.

1.17.

Uma condição essencial para o desenvolvimento da produção de energia por «prossumidores» é a expansão em simultâneo de redes locais inteligentes. A utilização generalizada de contadores inteligentes faz parte, no entender do CESE, da infraestrutura da rede, pelo que os custos não podem ser diretamente imputados aos consumidores. O CESE chama a atenção para a necessidade de proteger os dados recolhidos.

1.18.

Os benefícios decorrentes da produção de energia por «prossumidores» aumentarão rapidamente na sequência do desenvolvimento de pequenas instalações de armazenamento de energia. O Comité propõe prosseguir a investigação científica no que se refere à otimização das atuais técnicas de armazenamento de energia e à procura de outras novas.

1.19.

Uma possibilidade para intensificar o desenvolvimento da produção de energia por «prossumidores» é a criação de cooperativas de energia ou outras formas de associação dos «prossumidores». Estes são mais eficazes quando operam em grupo. Contribuem, nomeadamente, para a redução dos custos da produção de eletricidade, reforçam a sua posição no mercado da energia e participam diretamente na melhoria da segurança do aprovisionamento energético local.

1.20.

Um grupo de «prossumidores» consegue adaptar melhor a sua produção de energia às necessidades, o que permite poupanças adicionais no transporte da energia, levando a uma redução dos custos da energia para os membros do grupo. Devido à diminuição das flutuações da oferta e da procura, um grupo de «prossumidores» é melhor para a rede de distribuição e de transporte do que «prossumidores» individuais.

1.21.

O CESE propõe à Comissão Europeia que as suas medidas destinadas a promover edifícios com consumo de energia quase nulo tenham em conta a grande importância de desenvolver a produção de energia por «prossumidores».

1.22.

O Comité propõe à Comissão que tenha em consideração as questões da produção de energia por «prossumidores» nas iniciativas em curso destinadas a reformar o mercado da energia e a rever o pacote legislativo sobre a energia produzida a partir de fontes renováveis.

1.23.

O CESE é de opinião que os benefícios decorrentes da produção de energia por «prossumidores» devem desempenhar um papel nas políticas ativas destinadas a reduzir a pobreza energética e a proteger os grupos mais vulneráveis da sociedade, bem como na resolução dos problemas relacionados com a «economia grisalha» (silver economy) e com o envelhecimento da população. Neste contexto, a colaboração das organizações da sociedade civil é de importância decisiva.

1.24.

O amplo desenvolvimento da produção de energia por «prossumidores» oferece também oportunidades para fomentar o empreendedorismo local, podendo criar novos postos de trabalho no fabrico dos equipamentos e/ou na prestação dos serviços necessários.

1.25.

O empenho dos órgãos de poder local e regional na produção de energia por «prossumidores» tem uma grande influência no seu desenvolvimento futuro. O CESE propõe à Comissão que dê relevo a este tema no âmbito do Pacto de Autarcas.

1.26.

Tendo em conta as disparidades entre os Estados-Membros no desenvolvimento da produção de energia por «prossumidores», haveria que pôr em prática diferentes instrumentos para o intercâmbio de experiências. O Comité incentiva a Comissão a acompanhar o desenvolvimento da produção de energia por «prossumidores» nos Estados-Membros no âmbito do relatório anual sobre o estado da União da Energia. Os dados recolhidos serão extremamente úteis para as medidas a adotar nos Estados-Membros.

1.27.

A introdução generalizada da produção de energia por «prossumidores» é um processo complexo, multifacetado e moroso. Por conseguinte, é deveras importante encontrar soluções estáveis a longo prazo para apoiar o desenvolvimento deste tipo de produção de energia.

2.   Contexto

2.1.

O acesso à energia, a segurança do aprovisionamento energético e uma política de preços que tenha em conta as necessidades de todos os grupos da sociedade e dos consumidores em situação precária constituem desafios fundamentais para todas as sociedades, para todas as administrações políticas e para os consumidores individuais.

2.2.

Até há pouco tempo, não era possível gerar energia senão através da combustão, excetuando, talvez, a energia hidráulica. Os progressos tecnológicos possibilitaram a produção de energia em grande escala sem recorrer à combustão. Atualmente, é possível produzir energia na sua forma mais limpa, nomeadamente a partir da luz solar, sem poluir o ambiente. Além disso, esta fonte de energia é gratuita e inesgotável, sendo necessário apenas o investimento nas instalações técnicas.

2.3.

Igualmente eficaz é a produção de eletricidade a partir da energia eólica, utilizando-se a mesma fonte de energia, ou seja, o sol — que, ao aquecer a Terra, gera movimentos de massas de ar. O mesmo se aplica à biomassa, que, essencialmente, se produz através da fotossíntese.

2.4.

Atendendo à disponibilidade limitada de combustíveis fósseis na sequência do consumo crescente, à dependência de muitos países em relação às importações de energia, bem como ao aquecimento global e à poluição atmosférica, não existe alternativa ao desenvolvimento das energias renováveis. Por isso, a Europa, e com ela a maioria das grandes economias, investe cada vez mais nas energias renováveis.

2.5.

Na Cimeira da Terra de 1992, no Rio de Janeiro, os países participantes chegaram a acordo sobre os princípios fundamentais da política socioeconómica que exigiam a proteção do ambiente através, designadamente, da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas.

2.6.

Em setembro de 2015, a Assembleia-Geral das Nações Unidas adotou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um dos quais (objetivo n.o 7) diz respeito ao acesso a energias renováveis para todos. Atualmente, 1 200 milhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso à eletricidade.

2.7.

Mais de 120 milhões de cidadãos da UE encontram-se em risco de pobreza ou exclusão social. Dez por cento dos europeus integram agregados familiares onde ninguém está empregado, e o número de pessoas sem-abrigo está a aumentar. Estes números explicam, simultaneamente, a pobreza energética.

2.8.

Nas sociedades civis verifica-se um apoio generalizado às energias renováveis. Este facto foi corroborado em 2015 pela encíclica do Papa Francisco relativa ao ambiente e por declarações sobre as alterações climáticas proferidas por líderes religiosos muçulmanos, hindus e budistas, que apelaram às suas comunidades para que se empenhassem num futuro isento de emissões ou numa redução acentuada das mesmas.

2.9.

A necessidade de abandonar os combustíveis fósseis foi reforçada na conferência COP 21 das Nações Unidas, realizada em 2015, em Paris, na qual participaram cerca de 200 países. Neste contexto, foi estabelecido o objetivo prioritário de manter o aumento da temperatura média da Terra bem abaixo dos 2oC em relação aos níveis pré-industriais e continuar a envidar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5oC.

3.   Revolução digital: o impulso para o desenvolvimento da produção de energia por «prossumidores»

3.1.

Nos últimos cinquenta anos, a população mundial triplicou. A fragilidade do sistema financeiro global fez surgir a ameaça de uma estagnação a longo prazo da economia mundial. Uma taxa de desemprego elevada e o aumento do custo da energia provocaram instabilidade em muitos países, subida dos custos da atividade empresarial e encargos adicionais para os consumidores.

3.2.

O mundo vê-se confrontado com a necessidade de uma mudança de paradigma económico e de uma transformação dos modelos empresariais, que também exigem adaptações nas sociedades. Graças à revolução digital em todo o mundo e à Internet das coisas, dispomos dos instrumentos para um novo sistema.

3.3.

Até 2020, mais de 50 mil milhões de dispositivos estarão ligados à Internet, ou seja, sete vezes mais do que a população mundial. O telefone inteligente, mais do que o computador pessoal, é já hoje o principal meio de comunicação com o mundo. Em 2020 existirão cerca de 6 100 milhões de dispositivos deste tipo no mercado.

3.4.

A Internet das coisas abre o caminho para que milhões de pessoas participem nas redes sociais. Reconhece-se cada vez mais o modelo da «economia da partilha», que se adapta melhor à organização da sociedade e visa a coesão social. Na economia, as organizações centralizadas e geridas hierarquicamente perdem gradualmente terreno em prol do conceito da partilha, facultando a muitos grupos sociais marginalizados a possibilidade de participar ativamente na vida económica.

3.5.

As plataformas digitais permitem transformar os consumidores em produtores, que criam e divulgam informações e produtos construídos com impressoras 3D. Tais plataformas possibilitam a partilha de veículos, casas, vestuário e outros bens. O consumidor-produtor pode mesmo oferecer formação na Internet, obter aconselhamento médico ou encontrar um trabalhador para realizar obras de renovação em sua casa. Os empresários ativos na economia social podem, em vez de contrair um crédito bancário tradicional, recorrer ao financiamento colaborativo (crowdfunding) para financiar a sua atividade económica nesta nova economia assente no princípio da partilha.

3.6.

Num mundo de oportunidades digitais, o capital social é tão importante como o capital financeiro, o acesso torna-se mais importante do que a propriedade e o «valor de troca» dos mercados capitalistas é progressivamente substituído pelo «valor de partilha» da comunidade colaborativa.

3.7.

O desenvolvimento da tecnologia digital e os novos modelos empresariais no setor da energia, nomeadamente o da produção descentralizada, permitem que as zonas rurais, os subúrbios de aglomerações urbanas, as zonas residenciais constituídas por habitações unifamiliares e as comunidades de locatários e proprietários, tanto de habitações independentes como de cooperativas habitacionais, sejam encarados como grandes centrais elétricas com um enorme potencial. Estas fontes descentralizadas dão origem a uma nova doutrina da segurança do aprovisionamento energético, que segue o princípio de uma gestão da base para o topo e assenta nas habitações particulares, nas explorações agrícolas, nas pequenas empresas ou nas microcooperativas.

3.8.

No setor da energia, a Internet permite — no âmbito da economia da partilha — que milhões de pessoas participem nas redes sociais, produzindo eletricidade nas suas casas, nos edifícios de escritórios ou nos telhados de estabelecimentos comerciais e, posteriormente, partilhando-a através da «Internet da energia», da mesma forma que atualmente gerimos e trocamos informações na rede. Este sistema, que carece ainda de um aperfeiçoamento significativo, tem como componentes o armazenamento da energia, a «internetização» das redes elétricas e os veículos elétricos.

4.   Rumo a fontes de energia renováveis e descentralizadas

4.1.

A produção de energia limpa como complemento do mercado atual e a substituição dos combustíveis fósseis exigem uma transformação dos sistemas energéticos e a aplicação de regras sobre a participação dos novos intervenientes neste mercado.

4.2.

Nos termos do Tratado de Lisboa (artigo 3.o, n.o 3), a economia social de mercado assenta num crescimento económico equilibrado. Os parceiros da sociedade civil desempenham um papel importante neste processo, e a aceitação pública da transformação dos sistemas energéticos é determinante, especialmente a nível local.

4.3.

A UE definiu metas relativas a uma União da Energia até 2030 e a uma transição da Europa para uma economia altamente eficiente e hipocarbónica. Duas metas importantes são a redução das emissões de gases com efeito de estufa em 40 % e o aumento da percentagem de fontes de energia renováveis para 27 %, sem que tenham sido definidos indicadores específicos para cada país. Uma economia eficiente em termos de consumo energético deverá garantir a segurança do aprovisionamento energético e um crescimento económico com níveis reduzidos de emissões de CO2, bem como, a longo prazo, um aumento da produção local e do consumo de energia produzida localmente. Segundo os dados mais recentes disponíveis, em 2014 as energias renováveis permitiram reduzir as emissões de CO2 em 380 Mt a nível mundial.

4.4.

Entre as metas concretas definidas pela UE até 2030 conta-se também a redução das despesas dos consumidores privados e das empresas com a energia. Graças às novas oportunidades criadas pelas novas tecnologias, estes devem tornar-se participantes ativos no mercado da energia.

4.5.

O balanço energético da UE depende das importações e exportações. Mais de metade do consumo interno bruto anual de energia na UE, no valor de 400 mil milhões de euros, corresponde a importações. Diversos estudos demonstram que, até 2030, a dependência da UE do abastecimento externo de energia pode atingir os 70 %. Estima-se que, em 2014, as energias renováveis tenham permitido reduzir a utilização de combustíveis fósseis em 114 Mtep.

4.6.

Atualmente, a melhoria do balanço energético é uma questão vital para a UE. Uma solução possível é a produção de energia diretamente por consumidores individuais a partir de múltiplas fontes locais. Sem um amplo apoio de base à produção de energia a partir de fontes renováveis para satisfazer as necessidades locais, muitos países poderão ter dificuldade em garantir a segurança do aprovisionamento no âmbito dos sistemas atuais.

4.7.

Graças ao desenvolvimento de técnicas de produção de energia em instalações domésticas, bem como a soluções cada vez melhores para o armazenamento de energia nesses dispositivos, para o transporte de energia por redes inteligentes e para a utilização de contadores inteligentes, e devido a uma gestão local da procura de energia, as instalações dos consumidores podem influenciar consideravelmente o cabaz energético de cada país.

4.8.

O setor das energias renováveis é um motor importante da inovação tecnológica, indispensável à transformação profunda do sistema energético da Europa no contexto da Estratégia para o Mercado Único Digital.

4.9.

A transformação de consumidores passivos em «prossumidores» ativos em diversos setores económicos e a possibilidade de integrar microempresas e estratégias do mercado único na era digital da Internet das coisas são elementos essenciais da Estratégia para o Mercado Único Digital [COM(2015) 192 final], apresentada em maio de 2016 pela Comissão, que assenta em três pilares: 1) melhor acesso a bens e serviços em linha, 2) criação de condições adequadas para o desenvolvimento de redes e serviços digitais e 3) otimização do potencial de crescimento da economia digital. A aplicação desta estratégia poderá contribuir com 415 mil milhões de euros por ano para as economias da UE e criar centenas de milhares de novos postos de trabalho, inclusive no setor das energias renováveis.

4.10.

O mercado, no qual prevalecem os grandes produtores e distribuidores de energia, deve ser aberto a operadores individuais e tornar-se mais compartimentado. A eletricidade deixará de ser gerida exclusivamente a nível central e de fluir no sentido «descendente», das grandes centrais para os consumidores de energia. Será produzida a partir de numerosas fontes de energia renováveis descentralizadas.

4.11.

O grau de descentralização da produção de eletricidade deve corresponder às necessidades específicas dos consumidores de energia. Assim, as diferenças são associadas sobretudo ao facto de existirem ou não setores industriais com utilização intensiva de energia no país em causa.

4.12.

Atualmente, a segurança do aprovisionamento energético depende cada vez mais da proteção dos sistemas energéticos contra ataques terroristas. Com o desenvolvimento da produção de energia descentralizada, aumenta também a segurança do aprovisionamento energético, uma vez que as estruturas descentralizadas são menos suscetíveis a ameaças terroristas.

4.13.

As fontes de energia descentralizadas abrem igualmente novas perspetivas quanto ao problema da continuidade do abastecimento de energia a operadores cuja atividade dependa fortemente do fornecimento de energia elétrica (por exemplo, explorações avícolas, instalações de transformação ou entrepostos frigoríficos). Em alguns Estados-Membros, as falhas de eletricidade totalizam apenas 20 minutos por ano, enquanto outros registam interrupções do fornecimento de energia, em média, entre 450 e 500 minutos. As microinstalações de «prossumidores» asseguram aos produtores nesses países a continuidade da atividade económica.

4.14.

O desenvolvimento geral da produção de energia descentralizada por «prossumidores» proporciona oportunidades, que podem ser aproveitadas em domínios importantes para a sociedade da UE no âmbito da Estratégia Europa 2020, designadamente para resolver os problemas demográficos associados ao envelhecimento da população e para combater a pobreza e a exclusão social.

4.14.1.

Um dos objetivos desta estratégia é reduzir em, pelo menos, 20 milhões o elevadíssimo número de 122 milhões de cidadãos em risco de pobreza e exclusão social. Para tal, devem ser aplicados programas de apoio, instrumentos para uma política ativa do mercado de trabalho e fundos específicos, dos quais pelo menos 20 % provenientes do Fundo Social Europeu. O apoio logístico e financeiro a estas pessoas na criação de microcooperativas de energia e/ou na participação em empresas locais da Internet das coisas pode abrir o caminho para a sua integração profissional e social, ajudando-as a escapar ao risco de pobreza.

4.14.2.

A «economia grisalha» coloca desafios semelhantes. A UE está perante um desafio histórico e sem precedentes, a saber, um aumento acentuado da esperança de vida e, em simultâneo, a digitalização generalizada da vida, o que exige soluções económicas não convencionais, assim como novas estratégias sociais.

4.14.3.

Em 2060 haverá dois idosos por cada jovem europeu (1). A população idosa e os trabalhadores mais velhos não devem ser encarados como uma ameaça ou um encargo para a sociedade, mas como uma oportunidade de criar, na era da revolução digital, uma economia rica em emprego, que tire partido da ampla experiência e dos períodos de lazer dos idosos, bem como do seu capital financeiro — por modesto que seja — para investimentos seguros da era digital. Uma possibilidade seria a integração profissional de pessoas mais velhas no setor da energia, enquanto idosos com conhecimentos digitais, por exemplo, em instalações cooperativas situadas em complexos residenciais ou edifícios de habitação plurifamiliares.

5.   Energia de «prossumidores»

5.1.

Uma característica importante do capitalismo moderno é o desenvolvimento de um modelo de consumo associado ao processo de produção e à comercialização, em que o consumo deixa de ser um privilégio de elites abastadas para se tornar um fenómeno generalizado.

5.2.

O termo «prossumidor» (prosumer) foi introduzido em 1980 pelo escritor e futurista Alvin Toffler. Na sua obra «A Terceira Vaga», o autor definiu «prossumo» (prosumption) como o fenómeno que faz desvanecer a separação entre produção e consumo no mercado. Entendia esta terceira vaga como um processo em que indivíduos ou grupos de «prossumidores» organizados participam na produção de um bem para consumo próprio e como um esbatimento da fronteira entre produtores e consumidores.

5.3.

Um conceito de mercado em que os consumidores, incluindo os agregados familiares, eram vistos exclusivamente como elementos passivos do mercado já não era adequado aos desafios criados pelo progresso tecnológico. Marshall McLuhan e Barrington Nevitt assinalaram já em 1972 que, com o desenvolvimento das tecnologias eletrónicas, o consumidor poderia vir a tornar-se produtor.

5.4.

Para o funcionamento da economia na sociedade moderna, o abastecimento de energia aos consumidores finais tem de ser fiável e economicamente acessível, para além de ter em conta as necessidades dos grupos vulneráveis da sociedade com vista a combater a pobreza energética.

5.5.

Os «prossumidores» podem ser pessoas individuais, grupos de cidadãos, agregados familiares ou explorações agrícolas, eventualmente organizados em associações, fundações ou cooperativas, que são ao mesmo tempo produtores e consumidores de energia produzida de forma descentralizada, em pequenas instalações situadas perto das habitações ou no topo de edifícios residenciais ou comerciais (por exemplo, pequenas turbinas eólicas, painéis fotovoltaicos, coletores solares e bombas de calor). As pequenas empresas, designadamente empresas sociais, e as administrações locais podem também ser «prossumidores».

5.6.

Além da energia elétrica, o conceito de «prossumidor» abrange igualmente o aquecimento e a refrigeração.

5.7.

Em princípio, os «prossumidores» produzem energia para consumo próprio. Tornam-se coprodutores dos bens que consomem. As pessoas que produzem uma quantidade de energia semelhante à que consomem também são consideradas «prossumidores», mesmo que os dois processos não ocorram em simultâneo. É o que acontece, por exemplo, quando produzem energia essencialmente durante o dia — altura em que consomem uma quantidade relativamente pequena para suprir as suas necessidades, vendendo o excedente a outros consumidores —, e a maior parte da sua energia é consumida nos períodos em que produzem muito menos.

5.8.

O «prossumo» individual implica uma organização diferente da vida quotidiana. Advém primordialmente da insatisfação com a produção maciça e normalizada. Na era da digitalização, os consumidores modernos querem ser tratados como indivíduos e encontram aqui uma oportunidade de satisfazer as suas necessidades e aspirações de forma personalizada. Procuram conscientemente associar-se a projetos relacionados com a proteção ambiental e o combate às emissões de gases com efeito de estufa.

5.9.

Os «prossumidores» associam a transição para um sistema energético moderno ao desenvolvimento e à necessidade de criatividade e de independência. O grupo mais ativo de «prossumidores» no mercado pertence à «geração Internet». Esta geração distingue-se por entender o mundo não da perspetiva do consumo mas da criação. Empenha-se em satisfazer as necessidades de liberdade, credibilidade perante a sociedade, inovação e um ritmo de vida acelerado.

5.10.

As primeiras experiências dos «prossumidores» tiveram origem em operações simples de autosserviço e de comércio eletrónico, no âmbito de atividades do consumidor não ditadas pelo mercado. As origens do «prossumo» prendem-se também com as mudanças no mercado de trabalho, a informatização das atividades quotidianas, a possibilidade de trabalhar a partir de casa (teletrabalho), o aumento dos tempos livres e a necessidade de os aproveitar da melhor forma.

5.11.

Ao nível do mercado, o desenvolvimento do «prossumo», e não apenas no setor da energia, está associado à queda dos rendimentos das famílias durante a crise, ao aumento dos preços de bens e serviços, à necessidade de poupança de custos no quotidiano e à produção de bens e serviços para consumo próprio por motivos económicos.

5.12.

Muitos países reconhecem as vantagens do desenvolvimento de fontes de energia descentralizadas, inclusive das microinstalações. O limite máximo de potência nestes casos é, geralmente, de 50-100 kW. Este limite aplica-se sobretudo às instalações de «prossumidores».

5.13.

A energia produzida por «prossumidores» pode ser encarada como um elemento importante da transição para uma produção descentralizada e, como tal, uma evolução absolutamente desejável do ponto de vista da segurança do aprovisionamento energético e dos desafios de ordem ambiental e social.

5.14.

A ampla implementação do conceito de «prossumidor» facilitará significativamente a consecução dos objetivos estabelecidos na COP 21 de Paris.

5.15.

Na sua política energética, a UE incentiva os consumidores e permite-lhes utilizar ativamente as novas tecnologias. Nos últimos anos, desenvolveram-se novas tecnologias associadas à utilização de energias renováveis, tanto para instalações industriais em grande escala como para projetos de menor dimensão e, simultaneamente, verificou-se uma redução acentuada do custo do investimento inicial necessário. Por exemplo, o custo dos painéis fotovoltaicos diminuiu 80 % entre 2008 e 2012. Assim, as empresas e os agregados familiares podem produzir e consumir a sua própria eletricidade de forma rentável.

5.16.

Tendo em conta a utilidade do desenvolvimento de um sistema de energia de «prossumidores», importa apoiar os potenciais «prossumidores» para que assumam uma posição ativa neste domínio. Este apoio poderia incluir a supressão de obstáculos e a simplificação dos procedimentos administrativos, a facilitação do acesso à rede ou a criação de condições favoráveis para a venda dos excedentes de energia.

6.   Cooperativas de «prossumidores» de energia

6.1.

Uma cooperativa de «prossumidores» de energia é uma associação voluntária constituída por um número ilimitado de pessoas com personalidade jurídica, cujo propósito é dar resposta, em conjunto, às necessidades energéticas dos seus sócios.

6.2.

Um «prossumidor» pode atuar individualmente ou, no caso de um edifício residencial plurifamiliar, em conjunto com os vizinhos. Trata-se de uma cooperativa quando o investimento numa instalação de produção de energia por «prossumidores» é realizado por várias pessoas, que podem ser também grupos de habitantes de uma determinada zona. O objetivo é produzir energia elétrica ou térmica a partir de fontes de energia renováveis para suprir as necessidades próprias e, eventualmente, transferir o excedente para a rede mediante remuneração. Enquanto na Alemanha são necessárias três pessoas singulares para formar uma cooperativa, na Polónia o critério é de dez pessoas singulares ou três pessoas coletivas.

6.3.

A experiência alemã nos últimos anos demonstra que o objetivo das cooperativas não é maximizar os lucros mas, acima de tudo, proporcionar assistência económica e apoio aos seus sócios. Uma em cada quatro cooperativas, num universo de quase mil, é financiada exclusivamente pelas quotas dos sócios. Das restantes, dois terços financiam-se através de cooperativas de crédito. A cada sócio corresponde um voto, independentemente do montante da sua quota. Geralmente, a quota mínima não é elevada e encontra-se definida nos estatutos da cooperativa. Se uma cooperativa sofrer prejuízo, este é coberto até ao montante investido pelos sócios.

6.3.1.

As cooperativas têm de ser administradas de modo tão eficiente como qualquer outra empresa. A vantagem das cooperativas é visível na percentagem muito pequena de insolvências (aproximadamente 0,1 % de todas as insolvências empresariais na Alemanha). Inicialmente, os dividendos totalizavam, em média, 5 % a 6 %; atualmente, essa média é de 2 % a 3 %.

6.3.2.

Na Alemanha, os municípios são parceiros importantes das cooperativas de energia, e não só por disponibilizarem telhados e edifícios municipais para instalações. Muitas vezes, é o autarca que toma a iniciativa de formar uma cooperativa de energia, persuadindo a população da sua localidade.

6.4.

O grande benefício da associação sob a forma de uma cooperativa de energia é a oportunidade de produzir energia a um custo mais baixo do que isoladamente.

6.5.

As cooperativas de «prossumidores» de energia reforçam a posição dos «prossumidores» em relação aos grandes operadores do mercado da energia.

6.6.

Contribuem também para aumentar a segurança do aprovisionamento energético de uma zona residencial, vindo esse contributo dos próprios habitantes. Este aspeto é de um valor inestimável para a criação de soluções que se adaptem da melhor forma às necessidades e condições das comunidades locais.

6.7.

Nos países mais antigos da UE, o movimento cooperativo desempenhou um papel importante no crescimento económico e na concorrência, promovendo os valores europeus da solidariedade, da autonomia e da democracia. Ainda hoje as cooperativas nesses países encerram um enorme potencial económico. Nos países da Europa Central e Oriental do antigo bloco socialista, as origens socialistas do movimento cooperativo, bem como a regulamentação pelo poder central e regional de então, constituem hoje um impedimento e prejudicam a imagem das cooperativas de «prossumidores» de energia.

6.8.

A produção para consumo próprio permite reduzir os custos da energia, sobretudo das pequenas e médias empresas, para as quais os elevados preços da eletricidade constituem um pesado encargo. Para os consumidores residenciais surgiram novos modelos, desde painéis fotovoltaicos, nos telhados próprios ou de terceiros, até projetos sustentados por cooperativas para a produção de energia a partir de fontes renováveis.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 389 de 21.10.2016, p. 28.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Energia marinha: fontes de energia renováveis a desenvolver»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 034/08)

Relator:

Stéphane BUFFETAUT

Decisão da Plenária

21/01/2016

Base Jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

06/10/2016

Adoção em plenária

19/10/2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

218/3/8

1.   Conclusões

1.1.

Há anos, cientistas e engenheiros dedicam-se ao aproveitamento da energia dos oceanos. As correntes, as marés e o movimento das ondas do mar constituem reservas de energia infinitamente renováveis. Em França, a central maremotriz de La Rance detida pela companhia francesa de eletricidade EDF, inaugurada em 1966 pelo General Charles De Gaulle, tem uma capacidade de 240 MW distribuídos por 24 turbinas, com potência de 10 MW cada uma. As turbinas eólicas de última geração geram no máximo 8 MW. Trata-se, portanto, de uma tecnologia eficaz, embora a barragem de La Rance tenha sido durante muito tempo o único exemplo no mundo de um equipamento deste tipo. Atualmente, existe outro exemplo de uma instalação comparável no lago Sihwa, na Coreia do Sul, cuja capacidade atinge 254 MW. No Reino Unido havia também projetos, mas acabaram por ser bloqueados ou suspensos devido a oposições por razões ecológicas.

1.2.

Daqui resulta que estes investimentos são pertinentes quando efetuados em localizações geográficas favoráveis com fortes coeficientes de maré, e deveriam ser tidos mais em conta nos cabazes energéticos nacionais.

1.3.

As primeiras aplicações industriais já são realidade, o que demonstra que estas técnicas não devem ser encaradas como experiências de duvidosa utilidade, mas sim como fontes de energia limpas que merecem ser desenvolvidas.

1.4.

O CESE considera, portanto, que há vantagem em desenvolver este tipo de produção de eletricidade renovável, e que não se deve colocar a tónica exclusivamente nas tecnologias eólicas ou solares. É certo que as energias marinhas não podem ser utilizadas em qualquer localização, mas seria insensato descurar uma fonte de energia renovável previsível, cujo impacto no ambiente é reduzido ou gerível. Todos sabemos que o futuro energético assenta na diversidade das fontes de abastecimento.

1.5.

A Alemanha, a Bélgica, a Dinamarca, a França, a Irlanda, o Luxemburgo, a Noruega, os Países Baixos e a Suécia decidiram, em 6 de junho de 2016, reforçar a sua cooperação no domínio da energia eólica marítima. Com efeito, estes países assinaram, com os comissários europeus responsáveis pela energia e pelo clima, um plano de ação específico para os mares no norte do continente. Esta cooperação traduzir-se-á, nomeadamente, na harmonização das regulamentações e do regime de subvenção da energia eólica marítima e na interconexão das redes elétricas.

1.5.1.

O CESE recomenda vivamente que, em relação às energias marinhas — hidroeólicas ou barragens maremotrizes —, seja adotada uma abordagem semelhante de cooperação entre os Estados-Membros e os países da vizinhança da União Europeia que disponham de localizações adequadas a este tipo de instalações, que são principalmente os países ribeirinhos do Atlântico e do mar do Norte.

1.6.

Entende que também não se deve descurar as técnicas ainda numa fase embrionária, como a energia ondomotriz e a energia térmica dos oceanos, mas que, em período de escassez de fundos públicos, a sua exploração deve obedecer a critérios de eficácia. Por conseguinte, é necessário dar prioridade às tecnologias que prometem resultados mais rápidos.

1.7.

Sublinha que o investimento neste domínio colocaria, a prazo, a União Europeia numa posição de vanguarda no domínio das novas fontes de energia renováveis. As empresas europeias já são detentoras de 40 % das patentes em matéria de energias renováveis. O CESE recomenda prosseguir os esforços de investigação e de desenvolvimento, não só no domínio das energias marinhas, mas também do armazenamento da energia produzida a partir de fontes de energia intermitentes, a fim de aumentar a produção de energias renováveis.

1.8.

Alerta para o facto de haver a tentação de reservar a atribuição de subsídios exclusivamente para as energias renováveis clássicas. Com efeito, tal atitude propiciaria uma redução das possibilidades, bem como a distorção da economia da energia renovável em benefício de técnicas promovidas por grupos de pressão eficazes.

2.   Considerações gerais

2.1.

O nosso planeta está essencialmente coberto de oceanos, pelo que seria mais corretamente designado planeta Mar em vez de planeta Terra. Desde sempre, o Homem utiliza os recursos haliêuticos como fonte de alimento. Recentemente, conseguiu explorar os recursos dos fundos submarinhos (nódulos polimetálicos, petróleo, etc.). Já a energia gerada pelos oceanos é utilizada há séculos, mas à escala artesanal, pelos moinhos de marés existentes em determinadas faixas costeiras.

2.2.

Hoje em dia, a necessidade de combater a poluição em todas as suas formas, e de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa deveria despertar o nosso interesse pelo potencial energético do mar. Em suma, a questão está em saber porque é que a União Europeia e os Estados-Membros com acesso ao mar podem ignorar as oportunidades que os oceanos oferecem no domínio da energia.

2.3.

Com efeito, apesar da dimensão considerável do domínio marítimo europeu, a exploração dos enormes recursos das energias renováveis está ainda numa fase muito embrionária. No entanto, a União Europeia e os Estados-Membros podem contribuir para promover a aplicação de novas técnicas de exploração das energias marinhas por empresas inovadoras e grupos industriais do setor da energia. É o que pretende o fórum das energias marinhas.

2.4.

As fontes de energia renovável marinhas são várias: ondas, vagas, correntes, fluxos de maré, diferenças de temperatura entre as águas de superfície, ventos. Cada técnica e cada método requerem determinadas condições geográficas e ecológicas, o que significa que a utilização destas técnicas inovadoras só pode ser considerada tendo em conta esses condicionalismos e as consequências que deles advêm.

3.   Aproveitamento energético das correntes, das marés, das ondas e das vagas: as hidroeólicas

3.1.

Qualquer pessoa que contemple o oceano, calmo ou encapelado, sabe que aquela imensidão está em perpétuo movimento e apercebe-se das forças que aí atuam. Assim, é natural que se coloque a questão de saber se é possível explorar ou captar a energia desenvolvida pelo mar.

3.2.

Na prática, quais são as técnicas que foram estudadas ou postas em prática?

as barragens de estuários com turbinas movidas pelas correntes de maré. Em França, a barragem de La Rance funciona há décadas de forma satisfatória. No Reino Unido há dois projetos, mas foram bloqueados por grupos de pressão ambientalistas;

as turbinas instaladas no alto mar montadas em eixos verticais ou em corpos flutuantes;

as turbinas fixadas no fundo do mar, as chamadas hidroeólicas. Na Bretanha há projetos que serão brevemente postos em prática.

3.3.

Na prática, é sobretudo o aproveitamento das correntes de maré que parece ser a técnica mais promissora. Porém, o potencial destas técnicas depende muito do local onde são instaladas. Com efeito, as zonas do Atlântico e do mar do Norte, com os maiores coeficientes de maré, são as mais interessantes. A eficácia é maior nas zonas com grande amplitude de maré. A grande vantagem deste tipo de exploração consiste em fornecer uma energia previsível e regular, dado que as marés são constantes e a sua amplitude é bem conhecida de antemão.

Segundo a empresa EDF, o potencial a explorar pela União Europeia seria de cerca de 5 GW (dos quais 2,5 nas zonas costeiras francesas), o equivalente a 12 reatores nucleares de 10 800 MW. No entanto, o aproveitamento das correntes de maré está em fase de investigação tecnológica e não está ainda operacional, excetuando-se o caso da barragem de La Rance.

3.4.

Quais são as tecnologias hidroeólicas em fase de teste?

Na Bretanha, ao largo de Paimpol, a Arcouest (1,5 MW), um protótipo de uma central hidroeólica, foi imersa em 2014. Esta central é desenvolvida pela Open Hydro (grupo de empresas de construção naval — DCNS) para o primeiro parque hidroeólico da EDF em Paimpol/Bréhat. Consiste em quatro turbinas com 2 a 3 MW de potência instalada. Trata-se de um tipo de instalação simples e robusta, com uma abertura no centro e munida de um rotor a velocidade reduzida, que funciona sem lubrificante, o que minimiza o seu impacto na vida marinha. Este sistema hidroeólico foi testado durante quatro meses. A turbina esteve ininterruptamente em funcionamento durante 1 500 horas e foi objeto de numerosas medidas mecânicas e elétricas. Os resultados dos testes foram positivos e confirmaram a validade deste tipo de tecnologia hidroeólica. Decidiu-se, portanto, iniciar a operação de um parque de demonstração no verão de 2015. As turbinas foram construídas e estão prontas a ser instaladas, mas as condições meteorológicas e marítimas obrigaram a adiar a sua instalação. Assinale-se que estas duas turbinas foram construídas em Cherbourg e em Brest, o que demonstra que estas novas tecnologias são suscetíveis de criar atividades industriais nas zonas costeiras.

A estrutura hidroeólica semi-submersa que pode ser içada para trabalhos de manutenção. Trata-se de uma técnica britânica desenvolvida pela sociedade Tidalstream. O protótipo foi instalado um sistema STT (Ship-to-Turbine) que opera no estreito de Pentland. Trata-se de um aparelho, composto por 4 turbinas de 20 m de diâmetro, com uma potência máxima total de 4 MW. Comparando este sistema com uma turbina eólica offshore, verifica-se que a eólica tem de ter um diâmetro de 100 m para, com uma velocidade do vento de 10 m/s, obter uma potência equivalente. Além disso, a base da eólica, situada a 25 m abaixo do nível do mar, é 25 % maior do que a do sistema STT. Por conseguinte, a Tidalstream considera que o seu sistema é competitivo em comparação com as eólicas offshore e onshore. O custo da eletricidade produzida pelo sistema STT poderia atingir 0,03 GBP/kWh (cerca de 0,044 EUR/kWh). Este sistema foi testado e validado por ensaios realizados no rio Tamisa.

A turbina hidroeólica montada em eixo vertical, que está a ser desenvolvida pela empresa Marine Current Turbines (MCT). Esta tecnologia implica a montagem de um eixo vertical ancorado no fundo marinho, o que limita a profundidade de imersão. As turbinas hidroeólicas, pelo facto de deslizarem ao longo do eixo, podem ser içadas à superfície para trabalhos de reparação e manutenção.

As turbinas hidroeólicas montadas num corpo flutuante fundeado foram instaladas em 2003 no estreito de Hammerfest na Noruega.

Por último, as turbinas movidas pelas correntes de maré, que são fixadas na base de uma barragem de estuário como a de La Rance, que é o exemplo mais antigo deste tipo de central e está em operação desde a década de 1960. No Reino Unido estão a ser estudados dois projetos, que, no entanto, foram bloqueados por motivos ambientais.

4.   Aproveitamento energético das ondas e das vagas: energia ondomotriz

4.1.

Existe um vasto leque de soluções ondomotrizes, alguns protótipos são imersos, outros instalados à superfície, em terra ou no mar. Os sistemas de captura de energia variam consoante o protótipo: captura de energia mecânica à superfície (ondulação) ou sob a água (translações ou movimentos orbitais), captura das variações de pressão à passagem das ondas (diferenças de altura da água) ou ainda captura física de uma massa de água por retenção.

4.2.

O principal inconveniente destes sistemas é que, contrariamente ao aproveitamento energético das correntes de maré, a energia das ondas é pouco previsível. Atualmente, a exploração da energia do movimento das ondas e das vagas encontra-se em fase de investigação tecnológica e ainda não está operacional. No entanto, estão a ser testadas seis técnicas diferentes:

a cadeia flutuante articulada, também designada «serpente do mar». Trata-se de uma sequência de longos flutuadores alinhados no sentido do vento perpendicularmente às vagas e cuja extremidade é fixada ao fundo marinho por um cabo. As vagas criam uma oscilação da cadeia e as oscilações são captadas nas articulações para comprimir um fluido hidráulico que, por sua vez, aciona uma turbina. Este sistema foi testado com resultados díspares;

a placa oscilante submersa;

a coluna de oscilação vertical;

o coletor de pressão submerso;

a coluna de água;

o dispositivo de galgamento oceânico.

5.   Aproveitamento da energia térmica dos oceanos (ETM) ou energia maretérmica

5.1.

Trata-se de aproveitar a diferença de temperatura entre as águas superficiais e as águas profundas dos oceanos. Um acrónimo frequentemente utilizado é OTEC, sigla inglesa para conversão da energia térmica dos oceanos. Os textos da União Europeia utilizam o termo «energia hidrotérmica» para designar a energia armazenada sob a forma de calor nas águas superficiais.

5.2.

Graças à energia solar, a temperatura da água à superfície é elevada e pode ultrapassar 25oC nas zonas intertropicais, enquanto nas águas profundas, onde não chega a radiação solar, a água é fria, com temperaturas entre aproximadamente 2oC e 4oC, exceto nos mares fechados, como o Mediterrâneo. Além disso, as camadas frias não se misturam com as camadas quentes. Esta diferença de temperatura pode ser aproveitada por uma máquina térmica, que necessita de uma fonte fria e de uma fonte quente para produzir energia, utilizando, respetivamente, as águas profundas e as águas de superfície como fontes.

5.3.

No entanto, para poder funcionar de modo eficaz e rentável, este tipo de aproveitamento do diferencial térmico dos oceanos tem de ser instalado em zonas específicas que devem corresponder a uma determinada temperatura das águas superficiais e a uma certa profundidade das águas. Com efeito, as condutas necessárias podem ir até cerca de mil metros de profundidade, com custos e uma tecnologia controlados. Não faria, pois, sentido instalar este sistema a quilómetros da costa, o que implicaria a necessidade de tubos mais longos e, por conseguinte, acarretaria custos adicionais. Na prática, a zona ótima situa-se entre o Trópico de Câncer e o Trópico de Capricórnio, isto é, entre +30.o e -30.o de latitude, portanto, para a União Europeia, nos seus territórios ditos periféricos.

6.   Aproveitamento da energia eólica no mar: os parques eólicos offshore

6.1.

Embora não sejam energias marinhas propriamente ditas, importa igualmente referir as torres eólicas fundeadas ou flutuantes (logicamente ancoradas), que são, de longe, as mais utilizadas no mar e que, em relação às técnicas atrás referidas, parecem ser quase convencionais, embora tenham incontestavelmente um impacto ambiental e visual. Não raro, foi levantada a questão de a sua utilização suscitar conflitos com os pescadores. Na prática, os parques eólicos, cuja base é fixada no fundo do mar, constituem reservas marinhas propícias à proliferação de peixes. Indiretamente, essas instalações beneficiam também os pescadores através da reconstituição das unidades populacionais a partir dessas zonas interditas à pesca e onde as fundações das torres se transformam em recifes artificiais.

6.2.

Este é o método mais utilizado na Europa e está em rápido crescimento. Atualmente, há cerca de uma centena de parques eólicos instalados, sobretudo no mar do Norte, no oceano Atlântico (Grã-Bretanha) e no mar Báltico. Existem poucas instalações ou projetos no Mediterrâneo, um mar profundo com pouca ou sem plataforma continental.

6.3.

As grandes etapas da aplicação destas técnicas podem ser resumidas da seguinte forma:

a primeira instalação no mar remonta a 1991, na Dinamarca (Vindeby), e tem uma potência de 450 kW;

a fundação mais profunda a 45 m de profundidade foi instalada em 2007 na Grã-Bretanha (Beatrice Wind Farm) e tem uma capacidade de duas vezes 5 MW;

a primeira grande turbina eólica flutuante em águas profundas (220 m) foi instalada em 2009 na Noruega (Hywind) e tem uma potência de 2,3 MW;

o parque eólico marinho mais poderoso tem uma potência de 6 MW e encontra-se na Bélgica (Bligh Bank);

o maior parque eólico marinho está a ser construído no Reino Unido (Dogger Bank) e deverá ter uma capacidade de 12 000 MW com 166 turbinas. Refira-se que o Reino Unido, no afã de alcançar a sua independência energética, já dispõe de 1 452 turbinas repartidas por 27 parques eólicos.

6.4.

Existem também dois projetos importantes ao largo das costas francesas, um na Bretanha e o outro entre Noirmoutier e a ilha de Yeu. Os concursos públicos foram lançados e já foram selecionados os consórcios de operadores.

6.5.

O retorno económico dos parques eólicos marinhos depende da localização, nomeadamente da intensidade e da regularidade do vento, podendo assim variar do simples ao dobro. Acontece que, por vezes, nos períodos de vazio, os excedentes de energia eólica são vendidos a preços negativos na bolsa da eletricidade. Assim, o considerável aumento deste tipo de produção de eletricidade pode resultar em excedentes dificilmente exploráveis, pelo facto de estarem relacionados com fenómenos meteorológicos pontuais e aleatórios (ver parecer de Gerd Wolf sobre as energias intermitentes).

6.6.

O desenvolvimento deste método e os progressos tecnológicos associados à exploração de parques eólicos nos últimos vinte anos fizeram baixar o custo dos investimentos e da exploração. No início dos anos 2000, o custo do megawatt-hora produzido era de 190 euros, situando-se atualmente entre 140-160 euros. Em comparação, um reator nuclear moderno de tipo EPR produz o megawatt-hora a130 euros, mas a produção é estável e previsível.

6.7.

É evidente que as outras técnicas de exploração no mar devem poder fazer face à concorrência das eólicas no mar para se poderem desenvolver à escala industrial e demonstrar que proporcionam vantagens concorrenciais em relação à energia eólica marítima, cujos custos de manutenção e controlo são significativos. Atualmente, as centrais hidroeólicas e as barragens de estuário parecem ser os sistemas mais eficazes e mais rentáveis. Uma das suas vantagens consiste em fornecer uma energia previsível e regular.

7.   Que futuro para as energias renováveis marítimas?

7.1.

Tratando-se de energias verdes, elas são elegíveis para apoio ao abrigo de diferentes sistemas europeus ou nacionais, nomeadamente o preço de compra preferencial. No entanto, com exceção dos parques eólicos offshore, estas tecnologias têm ainda de ser testadas à escala real, nomeadamente as hidroeólicas. Resta esperar que um certo conservadorismo ecológico não venha contrariar as novas técnicas experimentadas. Como se sabe, as barragens de estuário não puderam desenvolver-se, nomeadamente devido à oposição feroz de ambientalistas e pescadores. Qualquer equipamento tem impactos ambientais. Por conseguinte, há que medi-los da forma mais precisa possível a fim de avaliar o verdadeiro equilíbrio entre custos e benefícios.

7.2.

Recentemente, foi imerso um primeiro parque hidroeólico entre Paimpol e a ilha de Bréhat. As correntes de marés enchentes ou vazantes movimentam as pás das turbinas; cada máquina tem uma potência de 1 MW e estas hidroeólicas têm capacidade para satisfazer as necessidades de eletricidade de 3 000 agregados familiares.

7.3.

Por último, a eficácia das técnicas de aproveitamento da energia marinha depende da sua localização, o que faz com que não sejam uma fonte de energia universalmente eficaz. Neste domínio deve imperar mais bom senso do que aquele demonstrado em relação a algumas outras energias renováveis subvencionadas, como, por exemplo, os painéis solares que, por vezes, são instalados mais pelos benefícios fiscais que proporcionam do que pela sua eficácia. Importa também assinalar que a tributação do CO2 contribuirá para que técnicas de produção de energia renovável atualmente embrionárias se venham a tornar interessantes do ponto de vista económico.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/58


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A Agenda 2030 — Uma União Europeia empenhada no desenvolvimento sustentável a nível mundial»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 034/09)

Relator:

Ioannis VARDAKASTANIS

Decisão da Plenária:

21.1.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

Secção Especializada de Relações Externas

Adoção em secção

29.9.2016

Adoção em plenária

20.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

141/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente a Agenda 2030 na medida em que esta estabelece um conjunto ambicioso de objetivos e metas para transformar o nosso mundo e constitui uma mudança histórica no modo de lidar com as desigualdades económicas, sociais e ambientais a nível mundial. A União Europeia (UE), que desempenha um papel de relevo a nível internacional nos domínios da diplomacia, da promoção dos direitos humanos, do comércio, do desenvolvimento e da ajuda humanitária, bem como da colaboração com organizações multilaterais e, a nível bilateral, com países terceiros, pode influenciar de forma significativa o processo de consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) à escala mundial. Contudo, o processo de notificação voluntária pode comprometer a execução coerente, eficaz e mensurável da Agenda 2030. O CESE insta a UE a considerar a execução da Agenda 2030 como uma obrigação e uma oportunidade para formular futuras políticas e programas da UE. O CESE assinala também que a UE deve adotar a Agenda 2030 na medida em que esta proporciona uma nova narrativa virada para o futuro visando tornar a UE numa União do Desenvolvimento Sustentável e, por conseguinte, apresenta aos cidadãos da UE e ao resto do mundo uma nova visão para um desenvolvimento humano inclusivo.

1.2.

A Agenda 2030 reflete plenamente os valores europeus de prosperidade para todos, direitos humanos, justiça social, luta contra a pobreza, governação democrática, economia social de mercado e proteção do ambiente. Por conseguinte, cabe à UE desempenhar um papel de liderança na execução da Agenda 2030 e contribuir para a consecução dos ODS a nível mundial. Deste modo, a UE será reconhecida como um ator de primeiro plano na promoção de um desenvolvimento sustentável e responsável nos planos ambiental, social e económico, bem como no que se refere ao respeito pelos direitos humanos, à igualdade entre homens e mulheres, à não discriminação e ao apoio dos grupos vulneráveis. A erradicação da pobreza deve ser a grande prioridade para as políticas e os programas da UE. Além disso, os princípios da «justiça climática» e da «transição justa» devem ser plena e efetivamente integrados de forma transversal na estratégia global da UE para a execução da Agenda 2030.

1.3.

O CESE salienta que a UE só poderá cumprir o seu compromisso para com o desenvolvimento sustentável a nível mundial e, desse modo, promover de forma substancial e eficaz a execução da Agenda 2030, se proceder às necessárias alterações para adaptar as suas políticas e programas aos três pilares dos ODS, de forma equilibrada e inclusiva. A UE e os Estados-Membros têm uma obrigação ética e política para com os cidadãos da UE e o resto do mundo de abordar a questão da execução da Agenda 2030 de forma politicamente coerente e coordenada. É urgente que as instituições da UE e os Estados-Membros estabeleçam um consenso ao mais alto nível político sobre a via a seguir, através de um acordo interinstitucional entre a Comissão, o Conselho e o Parlamento, a fim de fornecer uma base sólida para a futura ação política (1). Este acordo sobre a implementação dos ODS deve constituir a base de uma estratégia global para articular a Agenda 2030 com o objetivo de tornar a UE uma União do Desenvolvimento Sustentável.

1.4.

Num parecer anterior (2), o CESE já havia apelado para a criação de um Fórum da Sociedade Civil Europeia para o Desenvolvimento Sustentável destinado a promover e a acompanhar a execução da Agenda 2030, a fim de assegurar a coerência das políticas e programas internos e externos da UE. Neste fórum devem participar plenamente, enquanto atores principais, todas as partes interessadas, incluindo o Conselho, a Comissão, o Parlamento e a sociedade civil, de modo a tornar o trabalho do Fórum transparente e responsável perante os cidadãos europeus. O CESE disponibiliza-se para facilitar este processo.

1.5.

A própria UE deve agir de modo proativo e apresentar voluntariamente à sessão do Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas uma análise das suas políticas e programas internos e externos, a partir de 2017. A UE será a primeira organização regional a fazê-lo. Além disso, deverá elaborar relatórios temáticos anuais em articulação com as análises temáticas anuais do Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas. A sociedade civil deve participar plenamente neste processo através do Fórum Europeu para o Desenvolvimento Sustentável. O CESE manifesta disponibilidade para prestar apoio a este processo, na qualidade de facilitador (3).

1.6.

Incumbe à UE a obrigação de cumprir na íntegra os tratados e os acordos europeus e internacionais em matéria de ambiente, direitos humanos e direitos económicos, sociais e culturais. Por conseguinte, a legislação internacional e europeia deve estar na base da intervenção da UE para a execução, o acompanhamento e a avaliação da Agenda 2030. O caráter voluntário da Agenda 2030 não deve comprometer a obrigação que incumbe à UE de integrar plena e efetivamente a legislação europeia e internacional na sua estratégia global para a implementação dos ODS. As obrigações internacionais da UE devem ser aplicáveis a todos os seus programas e políticas.

1.7.

Importa que a Comissão Europeia aborde a forma como os instrumentos da ação externa são tidos em conta na Agenda 2030. O exercício de levantamento das políticas externas é um primeiro passo, embora insuficiente, que deve ser conjugado com uma análise pormenorizada e uma avaliação abrangente das lacunas, que identifique os hiatos efetivamente existentes entre os programas e políticas de ação externa atuais e os futuros, os quais devem transversalizar e integrar plenamente, com o justo equilíbrio, os pilares económico, social e ambiental da Agenda 2030. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a adotar medidas específicas para que este aspeto seja tido em conta na próxima comunicação sobre a implementação dos ODS.

1.8.

A Comissão Europeia tem de integrar plenamente e transversalizar a Agenda 2030 na ação externa da União Europeia. A UE é um dos principais atores do mundo, que interage com outras partes interessadas (públicas, intergovernamentais, privadas e não governamentais) através dos seus instrumentos de ação externa. Por conseguinte, a intervenção da Comissão Europeia deve incidir em áreas fundamentais como as políticas de comércio e de desenvolvimento, a política de vizinhança, as políticas ambientais e climáticas, a política externa e de segurança, a economia social e solidária, a promoção dos direitos humanos, a ajuda humanitária, a redução do risco de catástrofes e a transferência de tecnologias, de modo a avançar com a execução da Agenda 2030. A Comissão Europeia tem de integrar plenamente a Agenda 2030 no Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento e o CESE lamenta que a Agenda 2030 não tenha sido suficientemente incluída na estratégia global da UE para a política externa e de segurança (4). A Comissão Europeia deve incluir na comunicação sobre a Agenda 2030, há muito esperada, um programa significativo com vista a assegurar a coerência e a coordenação das políticas nos seus programas de ação externa, a fim de assegurar a transversalização do desenvolvimento sustentável em todas as políticas externas.

1.9.

A Comissão Europeia e, mais particularmente, a Alta Representante para a Política Externa e de Segurança Comum, devem estabelecer mecanismos eficazes para possibilitar uma coordenação coerente da ajuda pública ao desenvolvimento e da Agenda de Ação de Adis Abeba, de modo a assegurar a orientação da ajuda pública ao desenvolvimento para parcerias, programas e projetos específicos, desenvolvidos em conformidade com os três pilares da Agenda 2030, salvaguardando plenamente os princípios da erradicação da pobreza, de que «ninguém fica para trás», da justiça climática, da transição justa, do crescimento e desenvolvimento inclusivos, promovendo a modernização, o desenvolvimento de infraestruturas e de empresas sustentáveis e a luta contra as desigualdades, e garantindo o respeito pelos direitos humanos.

1.10.

O CESE recomenda que a Comissão Europeia adote uma abordagem baseada na condicionalidade dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento ao integrar a Agenda 2030 nos instrumentos de ação externa, devendo, por conseguinte, ser aplicada ao conjunto de políticas e programas relacionados com os ODS uma semelhante condicionalidade da Agenda 2030.

1.11.

As delegações da UE nos países terceiros devem realizar inquéritos para avaliar o nível de consciencialização e de conhecimento do público sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A Comissão Europeia deve organizar e realizar atividades e campanhas de sensibilização para que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável seja uma agenda europeia. Além disso, deve providenciar a realização de inquéritos periódicos do Eurobarómetro com o objetivo de avaliar o nível de consciencialização e de conhecimento dos cidadãos europeus sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. As organizações da sociedade civil têm um papel fundamental a desempenhar neste processo.

1.12.

O CESE insta a Comissão Europeia a apresentar um relatório anual sobre a execução da ação externa e a aplicação dos fundos no que diz respeito à Agenda 2030, como parte do plano de apresentação de relatórios anuais da UE sobre a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A Comissão Europeia deve também elaborar, e incluir nos seus programas e políticas de ação externa, um conjunto de indicadores e valores de referência para a Agenda 2030, com vista a facilitar o processo de avaliação e de apresentação de relatórios sobre o modo como os instrumentos de ação externa da UE canalizam eficazmente os fundos para projetos e programas relacionados com os ODS e, mais concretamente, sobre o modo como os pilares económico, social e ambiental da Agenda 2030 são tidos em conta nos instrumentos de ação externa da UE.

1.13.

A Comissão Europeia deve promover o modelo de governação multilateral nos seus programas e políticas de ação externa, velando por que as organizações da sociedade civil em países terceiros sejam verdadeiros parceiros na implementação dos ODS. A transparência, a responsabilização e a parceria devem estar na base deste novo processo de consulta e decisão participativa. A execução da Agenda 2030 de forma democrática pressupõe a plena participação das organizações da sociedade civil em todas as fases do processo, incluindo o acompanhamento e a avaliação.

1.14.

O CESE insta a Comissão Europeia a transversalizar o reforço das capacidades das organizações da sociedade civil nos seus instrumentos de financiamento e nos seus programas e políticas de ação externa. A Comissão deve estabelecer um programa e uma linha de financiamento específicos para apoiar o reforço das capacidades das organizações da sociedade civil de modo a poderem participar plenamente neste processo. Os atuais programas de reforço das capacidades têm de estar mais explicitamente abertos às organizações da sociedade civil que trabalham em assuntos internos e atuam como «pontes» entre as componentes interna e externa (5).

1.15.

O CESE, dado que interage com um vasto leque de parceiros em muitos países em todo o mundo, manifesta disponibilidade para facilitar uma verdadeira e significativa participação de todos os parceiros (sobretudo da sociedade civil) na implementação e no acompanhamento dos ODS, comprometendo-se, para o efeito, a contribuir enquanto facilitador para a participação da sociedade civil na implementação dos ODS a nível nacional.

2.   Introdução

2.1.

O CESE congratula-se com o compromisso assumido pelos líderes mundiais, em 25 de setembro de 2015, numa resolução intitulada «Transformar o nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável», que estabelece um conjunto de objetivos para erradicar a pobreza, proteger o planeta e assegurar prosperidade para todos. Cada objetivo tem metas específicas que devem ser atingidas nos próximos 15 anos. Por conseguinte, a Agenda 2030 deve promover o estabelecimento de parcerias fortes e inclusivas entre todas as partes interessadas e, desse modo, apoiar decididamente a adoção de um novo modelo de governação a nível mundial.

2.2.

A Agenda 2030 caracteriza-se por adotar uma abordagem integrada, una e universal em relação aos pilares económico, social e ambiental, permitindo assim alcançar um equilíbrio sem igual entre as três dimensões do desenvolvimento sustentável. É por isso que a Agenda 2030 constitui uma mudança histórica no modo como são abordadas as desigualdades económicas, sociais e ambientais em todo o mundo.

2.3.

A Agenda 2030 consiste num plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade, propondo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas que abordam de forma equilibrada as dimensões económica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável, a fim de garantir prosperidade para todos, tirar partido das realizações dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, colmatar as lacunas e os défices que estes apresentam e apresentar ao mundo uma nova visão para o desenvolvimento sustentável e o crescimento inclusivo em benefício de toda a população. A Agenda 2030 tem igualmente por objetivo proteger, promover e assegurar os direitos humanos e a igualdade para todos, prestando mais atenção à igualdade entre homens e mulheres (objetivo n.o 5).

2.4.

O CESE acolhe favoravelmente a importância atribuída ao princípio de que «ninguém fica para trás», que se aplica a todos os ODS e metas, e que, por conseguinte, deve ser absolutamente transversal ao estabelecimento de parcerias e à elaboração de políticas e ações para executar e acompanhar a Agenda 2030.

2.5.

A Agenda 2030 criou uma estrutura de governação de alto nível dentro das Nações Unidas, o Fórum Político de Alto Nível (FPAN), uma plataforma multilateral incumbida de efetuar análises sistemáticas e acompanhar a execução da Agenda 2030. Na primeira reunião do FPAN, após a assinatura da Agenda 2030, realizada em julho de 2016, vinte e dois governos, incluindo quatro Estados-Membros, apresentaram voluntariamente, pela primeira vez, relatórios sobre os esforços desenvolvidos para executar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável nos seus países (os países foram a Estónia, a Finlândia, a França e a Alemanha, bem como a China, Colômbia, Egito, Geórgia, Madagáscar, México, Montenegro, Marrocos, Noruega, Filipinas, República da Coreia, Samoa, Serra Leoa, Suíça, Togo, Turquia, Uganda e Venezuela).

2.6.

Durante a execução da Agenda 2030 importa colocar a tónica na ação, nas políticas, nos programas e na criação de parcerias transparentes com a participação de várias partes interessadas, com o objetivo de erradicar as disparidades económicas, sociais e ambientais em todo o mundo, com base nos princípios da universalidade, da indivisibilidade, da transparência, da responsabilização e no respeito dos direitos humanos.

2.7.

A Agenda 2030, pela sua natureza universal e indivisível, diz respeito tanto a países em desenvolvimento como a países desenvolvidos, e a sua execução pressupõe mudanças económicas, sociais e ambientais de todas as partes. Uma vez que a UE deve dar o exemplo no que respeita à execução da Agenda 2030, a UE e os Estados-Membros devem alinhar todas as políticas e programas a fim de realizar os objetivos de luta contra a pobreza e a desigualdade, de preservação do planeta e de crescimento económico inclusivo de forma equilibrada e coerente, beneficiando de igual modo todas as camadas da população e integrando os três pilares do desenvolvimento sustentável.

2.8.

As instituições da UE devem dar início a processos aos mais altos níveis de decisão política para tornar a UE uma União do Desenvolvimento Sustentável. É, pois, da maior importância desenvolver uma estratégia global de implementação dos ODS para promover, integrar e assegurar, de forma equilibrada, a coerência e a coordenação das políticas e programas da UE, tendo igualmente em conta os três pilares da Agenda 2030.

3.   Tornar a UE um líder mundial na execução da Agenda 2030

3.1.

O maior desafio da execução da Agenda 2030 consiste na erradicação da pobreza em todas as suas formas, incluindo a pobreza extrema. Trata-se também de um princípio fundamental transversal e de um valor consagrado em todos os Tratados da União Europeia, além de ser uma condição prévia para o desenvolvimento sustentável (objetivo n.o 1). A UE, devido à sua forte presença a nível mundial, tornou-se um dos principais atores com influência decisiva no crescimento económico e nas políticas de desenvolvimento em todo o mundo. Por conseguinte, dispõe de uma oportunidade única para orientar os seus programas e políticas de ação externa para a execução da Agenda 2030 a nível mundial, assegurando que os três pilares da Agenda 2030 são integrados de forma equilibrada em todos os instrumentos de ação externa da UE. Tendo em conta a universalidade e a indivisibilidade da Agenda 2030, é de esperar que as atenções de virem para a forma como a UE responde eficazmente a este desafio.

3.2.

A UE deve procurar mecanismos de partilha dos encargos e dos benefícios das alterações climáticas, pelo impacto que têm nos direitos humanos, na pobreza e na igualdade. Um mecanismo deste tipo é a «justiça climática», um conceito utilizado para equacionar o aquecimento global como um problema ético e político e não apenas como um problema ambiental ou físico, ou seja, associando os efeitos das alterações climáticas à ideia de justiça, nomeadamente de justiça ambiental e justiça social, e analisando questões como a igualdade, os direitos humanos, os direitos coletivos e as responsabilidades históricas pelas alterações climáticas. Uma das premissas fundamentais do conceito de justiça climática é que os mais afetados são os menos responsáveis pelas alterações climáticas.

3.3.

É igualmente fundamental transversalizar e integrar nas políticas e programas internos e externos da UE o conceito de «transição justa», que contribui para salvaguardar os direitos dos cidadãos e dos trabalhadores (por exemplo, trabalho digno) e, ao mesmo tempo, para modernizar as economias nacionais e os agentes económicos, tornando-os respeitadores do ambiente e socialmente responsáveis, através de instrumentos de ação externa da UE.

3.4.

A realização equilibrada dos pilares económico, social e ambiental da Agenda 2030 através da ação externa da UE deve incluir estratégias para promover a economia hipocarbónica, circular e colaborativa, a sustentabilidade na produção e no consumo de alimentos, o investimento na inovação e na modernização de infraestruturas a longo prazo e o incentivo às empresas sustentáveis (6).

3.5.

A Agenda 2030 baseia-se no princípio e na abordagem do voluntariado, o que pode prejudicar a sua plena e rápida execução. No entanto, a UE deve tornar a execução da Agenda 2030 um processo obrigatório, tanto a nível interno como externo; os seus 17 objetivos são totalmente compatíveis com os princípios e valores da UE, tal como consagrados nos Tratados, pelo que devem ser transversalizados e implementados através das políticas e dos programas da UE. A ação externa da UE deve assentar nesses princípios e valores.

3.6.

A plena execução da Agenda 2030 pela UE exige um verdadeiro compromisso ao mais alto nível político das instituições da UE e dos Estados-Membros, a fim de transversalizar, integrar e incluir, de forma rápida e eficaz, os ODS em todas as políticas e programas da UE.

3.7.

O caráter universal da Agenda 2030 e os compromissos assumidos pelos países em todo o mundo, independentemente do seu nível de desenvolvimento económico e social e do seu nível de vida, constitui um desafio muito importante para a UE, que deve assumir a liderança e oferecer orientação para a execução progressiva da Agenda 2030 a nível mundial. Contudo, para que a UE atinja este objetivo, e se torne um agente facilitador da Agenda 2030, deve tomar as decisões necessárias e efetuar as alterações necessárias às suas políticas e programas.

3.8.

É de assinalar que decorreu um ano desde que a Agenda 2030 foi acordada e a Comissão Europeia tem tratado a sua execução de uma forma muito incoerente e descoordenada. A primeira sessão do FPAN teve lugar em julho de 2016, nas Nações Unidas, tendo quatro Estados-Membros (Estónia, Finlândia, França e Alemanha) apresentado as avaliações realizadas a título voluntário. O CESE lamenta que a Comissão Europeia não tenha apresentado uma estratégia coerente e coordenada na primeira sessão do FPAN, a fim de facilitar e melhorar a coordenação e a realização de sinergias, tanto entre os Estados-Membros como entre estes e as instituições da UE.

3.9.

Esta falta de coordenação reflete-se igualmente nos documentos de consulta, tanto relativamente à estratégia global para a política externa e de segurança como ao novo Consenso sobre o Desenvolvimento, o que demonstra quão limitada é a integração e transversalização da Agenda 2030. No início do ano, a Comissão Europeia lançou consultas sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais sem fazer referência à Agenda 2030, nem ao seu pilar social. Refira-se que o CESE está a elaborar um parecer sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que apresenta os seus pontos de vista sobre a matéria. O CESE sublinha com veemência que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável não pode nem deve ser executada pela UE de forma compartimentada.

3.10.

A UE e os Estados-Membros prestam ajuda ao desenvolvimento de cerca de 150 países e constituem os principais doadores de ajuda pública ao desenvolvimento (APD), sendo responsáveis por mais de 50 % do total da APD concedida anualmente. Segundo dados provisórios, o montante total de APD da UE (instituições da UE e Estados-Membros) aumentou para 68 mil milhões de EUR em 2015, o que representou um crescimento pelo terceiro ano consecutivo, subindo 15 % em relação a 2014 e atingindo o seu nível mais elevado até à data. O CESE insta a UE e os Estados-Membros a aumentarem o total de APD: em 2015, ascendeu a 0,47 % do rendimento nacional bruto (RNB) da UE embora a meta seja de 0,7 %.

3.11.

O inquérito do Eurobarómetro revela que quase nove em cada dez cidadãos da UE apoiam a ajuda ao desenvolvimento (89 %, ou seja, um aumento de 4 pontos percentuais desde 2014). Mais de metade afirma que a UE deve cumprir os níveis de ajuda prometidos (7). Os cidadãos europeus esperam que a UE concretize os seus compromissos relativos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, fornecendo uma nova visão para uma Europa sustentável, e cumpra as suas obrigações de execução.

3.12.

A Comissão Europeia deve efetuar uma revisão das políticas e dos programas que se orientam para países terceiros, a fim de garantir a sua compatibilidade com a Agenda 2030. O exercício de levantamento que a Comissão Europeia está a realizar deve ser complementado por uma análise abrangente e detalhada das lacunas, a fim de identificar falhas e incoerências entre as políticas e os programas da UE orientados para países terceiros e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

3.13.

Há falta de dados fiáveis e desagregados sobre a situação das pessoas vulneráveis em todo o mundo. Por conseguinte, a Comissão Europeia deve apoiar o trabalho do Grupo Interagências e de Peritos sobre os Indicadores para os ODS. O Eurostat precisa de reforçar a sua capacidade de medir o impacto que a Agenda 2030 tem nos grupos vulneráveis da UE. O CESE solicita a publicação de um relatório anual sobre a execução das medidas e a aplicação dos fundos no que diz respeito à Agenda 2030, como parte do plano de apresentação de relatórios anuais do Eurostat sobre a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na Europa.

3.14.

As instituições da UE devem adotar as medidas necessárias para poderem responder ao desafio da concretização do princípio de que «ninguém fica para trás» e integrá-lo plenamente nas suas políticas e programas. Para tal, é necessário um nível significativo de dados desagregados, fiáveis e acessíveis.

3.15.

A Comissão Europeia deve implicar e consultar a sociedade civil sempre que realizar a avaliação global ou estabelecer processos para acompanhar a execução da Agenda 2030. No entanto, o CESE considera que a Comissão Europeia deve integrar atividades de reforço das capacidades da sociedade civil em todas as suas políticas e programas, tornando, deste modo, a sociedade civil um verdadeiro parceiro na implementação dos ODS através da concessão de financiamento para a cooperação internacional da sociedade civil da UE e de organizações da sociedade civil de outras regiões. Para o efeito, o CESE solicita à Comissão que aprove a criação do Fórum Europeu para o Desenvolvimento Sustentável, tal como recomendado no parecer sobre o «Fórum da Sociedade Civil Europeia para o Desenvolvimento Sustentável» (8).

3.16.

As instituições da UE devem criar um mecanismo de coordenação interinstitucional para transversalizar e integrar de forma eficaz, rápida e coerente os objetivos e metas da Agenda 2030 em todas as políticas e programas de ação externa da UE. O empenho global da UE na implementação dos ODS a nível mundial exige uma planificação estratégica para o futuro das políticas e programas de ação externa da UE. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão Europeia a:

3.16.1.

apresentar, na futura comunicação sobre a Agenda 2030, um programa significativo com vista a assegurar a coerência e a coordenação das políticas nos seus programas de ação externa. Uma comunicação sem um verdadeiro plano para transformar as políticas externas da UE em políticas motivadas pela Agenda 2030 ficará aquém das expectativas dos cidadãos em todo o mundo. Este plano deve fazer parte de uma estratégia global da UE que abranja as medidas necessárias e efetue as alterações necessárias para executar a Agenda 2030 de forma coerente nas políticas e nos programas da UE a nível mundial. O modelo de governação multilateral deve constituir um elemento fundamental da estratégia global, assegurando a plena participação das organizações da sociedade civil na implementação dos ODS (9);

3.16.2.

assegurar que a estratégia global da UE para a política externa e de segurança seja um mecanismo mais amplo, de forma a alargar a Agenda 2030 a domínios como o comércio, o desenvolvimento, a democracia, os direitos humanos, a ajuda humanitária, a redução do risco de catástrofes, a transferência de tecnologia e a ação climática;

3.16.3.

assegurar que a proposta para o futuro Consenso sobre o Desenvolvimento estabeleça uma verdadeira coordenação entre as instituições da UE e os Estados-Membros, prestando assistência a países terceiros. Esta coordenação deve implicar uma centralização de recursos. O Consenso deve incluir uma coordenação bilateral eficaz entre a UE e os Estados-Membros sobre as suas prioridades nacionais, as parcerias com a UE e a integração de outros doadores públicos e privados. Espera-se que tal tenha um efeito multiplicador para concretizar a Agenda 2030 e reduza o impacto negativo da fragmentação e sobreposição de ajudas, como é atualmente o caso;

3.16.4.

promover a economia social e solidária através das suas políticas e programas de ação externa. O CESE considera que a economia social e solidária está em total conformidade com a concretização dos ODS e, por conseguinte, este setor da economia pode ser fulcral para o equilíbrio dos pilares económico, social e ambiental da Agenda 2030;

3.16.5.

clarificar e especificar os meios que devem ser utilizados para a execução da Agenda 2030, procurando fortes sinergias com a Agenda de Ação de Adis Abeba e o Fórum sobre o Financiamento do Desenvolvimento.

3.17.

A nova abordagem holística da Agenda 2030, com a natureza universal e indivisível dos três pilares inter-relacionados, apresenta um modelo mais abrangente do desenvolvimento humano, pelo que os resultados da execução da Agenda 2030 não podem ser aferidos da forma tradicional, recorrendo exclusivamente ao PIB para medir o crescimento económico e o desenvolvimento inclusivo.

3.18.

A União Europeia deve conceber e pôr em prática políticas e programas específicos com vista à plena execução da Agenda 2030, com especial destaque para a promoção da democracia, dos direitos humanos, das políticas ambientais, do Estado de direito e do crescimento inclusivo, visando uma melhoria efetiva das condições de vida dos grupos vulneráveis. Estes devem ser elementos fundamentais das políticas e programas de ação externa da UE, com ênfase na promoção de uma aplicação equilibrada dos três pilares da Agenda 2030.

3.19.

O Serviço Europeu para a Ação Externa deve igualmente conceber e executar um plano coerente que inclua ações e iniciativas mensuráveis. Ao desempenhar um papel de liderança numa transversalização coerente da Agenda 2030 nas suas ações, políticas e programas, a União Europeia deverá ser considerada pelo resto do mundo como pioneira, que desbrava caminho para uma execução equilibrada e justa da Agenda 2030.

3.20.

A Comissão Europeia deve estabelecer uma condicionalidade da Agenda 2030, a ser moldada pelos 17 objetivos e incluída em todas as políticas e programas financiados pela UE através da sua ação externa. Os beneficiários desses programas devem ser responsáveis pelo cumprimento dessa condicionalidade quando os põem em prática. Sem dúvida, a condicionalidade da Agenda 2030 tem de ser integralmente aplicada, de modo igual, em todas as políticas e programas da UE. O princípio da condicionalidade já foi incluído no quadro regulamentar dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (10).

3.21.

É amplamente reconhecido que a Agenda 2030 introduz uma mudança de paradigma na agenda do desenvolvimento, que se deve refletir plenamente nos programas da UE de cooperação para o desenvolvimento. Por conseguinte, os 17 objetivos da Agenda 2030 devem ser plenamente transversalizados e integrados na agenda da UE de cooperação para o desenvolvimento. Ao desenvolver e aplicar a ação externa, a UE deve igualmente ter em conta e respeitar plenamente os tratados internacionais, nomeadamente em matéria de ambiente e direitos humanos (11).

3.22.

A Comissão Europeia deve incluir, nas suas políticas e programas de ação externa, medidas destinadas a aferir a compreensão e a perceção que os cidadãos têm do impacto da execução da Agenda 2030. Por conseguinte, a Comissão Europeia deve realizar um inquérito do Eurobarómetro nos Estados-Membros e inquéritos pertinentes nos países parceiros. Cabe assinalar e realçar que, de acordo com o Eurobarómetro, apenas «um terço dos europeus já ouviu falar ou leu sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (36 %)».

4.   Garantir um papel significativo das organizações da sociedade civil no processo de execução da Agenda 2030 em todo o mundo

4.1.

A Agenda 2030 solicita uma transição mundial para um modelo de governação multilateral, que confere um papel mais importante à sociedade civil. Tal implica novas formas de trabalhar, mais colaborativas e inclusivas, assentes num processo de decisão participativo.

4.2.

O processo de negociação da Agenda 2030 mobilizou e atraiu novos intervenientes da sociedade civil e essa participação deve, por isso, ser capitalizada, reforçada e formalizada durante o processo de execução. Com efeito, os contributos positivos e eficazes das organizações da sociedade civil durante as negociações da Agenda 2030 tornaram indispensável o seu papel na execução desta Agenda, fazendo da sociedade civil um parceiro de pleno direito no processo.

4.3.

A sociedade civil tem de desempenhar um papel crucial na execução da Agenda 2030 a nível mundial, regional e nacional. É necessário garantir que a sociedade civil desempenha igualmente um papel eficaz a nível nacional, nos Estados-Membros e nos países parceiros. A fim de tornar esta participação e parceria uma realidade, o CESE insta a Comissão Europeia a transversalizar, integrar e incluir atividades de reforço das capacidades da sociedade civil nas suas políticas e programas.

4.4.

O CESE está ciente das restrições, barreiras e obstáculos com que se deparam as organizações da sociedade civil em muitas partes do mundo e que esta situação lamentável dificulta a sua participação real e efetiva neste processo. Assim, exorta a Comissão Europeia a impor aos países parceiros a obrigação de facilitar a participação efetiva da sociedade civil através de consultas sistemáticas, bem como o seu envolvimento nas atividades de planeamento, execução e acompanhamento da Agenda 2030 no que diz respeito a projetos e programas, especialmente os financiados pela UE. Para este efeito, as delegações da UE nos países parceiros devem acompanhar de perto estes aspetos e notificar a Comissão Europeia e a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. As delegações da ONU nos países parceiros devem também organizar reuniões de consulta com organizações da sociedade civil sobre programas de financiamento da UE.

4.5.

Todavia, a sociedade civil deve procurar adaptar-se de forma proativa às exigências da Agenda 2030 de modo a influenciar eficazmente a sua execução. Não há dúvida de que a Agenda 2030 exorta as organizações da sociedade civil a tornarem-se uma verdadeira força propulsora da sua execução, o que significa que a sociedade civil deve encarar este processo como uma mudança radical de paradigma quanto à sua organização e funcionamento. Este objetivo só pode ser alcançado se a sociedade civil se preparar e restruturar de modo a poder participar plenamente no processo de decisão. As organizações da sociedade civil devem ser representativas, democráticas, transparentes e responsáveis.

4.6.

A futura criação do Fórum para o Desenvolvimento Sustentável na UE é um bom exemplo de uma plataforma que poderia também ser criada em outras regiões e países do mundo, desde que adaptada às condições locais (12).

4.7.

O CESE está disposto a facilitar uma participação significativa das organizações da sociedade civil na execução, no acompanhamento e na revisão da Agenda 2030 a nível mundial. Pode apoiar este processo, aproveitando plenamente a sua vasta rede de contactos, parceiros e partes interessadas em muitas regiões do mundo. Solicita também à Comissão Europeia a integração e transversalização de um apoio estrutural e significativo nos seus programas e políticas de ação externa, a fim de permitir que as organizações da sociedade civil em países terceiros participem enquanto parceiros de pleno direito no processo de execução da Agenda 2030.

Bruxelas, 20 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Como recomendado no parecer do CESE sobre o «Desenvolvimento sustentável: Levantamento das políticas internas e externas da UE» (NAT/693), relator: Ioannis Vardakastanis, correlatora: Jarmila Dubravská (JO C 487 de 28.12.2016, p. 41).

(2)  Parecer exploratório do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Fórum da Sociedade Civil Europeia para o Desenvolvimento Sustentável» (JO C 303 de 19.8.2016, p. 73).

(3)  Ver nota de rodapé 1.

(4)  Ver nota de rodapé 1.

(5)  Ver nota de rodapé 1.

(6)  Ver nota de rodapé 1.

(7)  Eurobarómetro Especial n.o 441 «Ano Europeu para o Desenvolvimento — os pontos de vista dos cidadãos da UE sobre desenvolvimento, cooperação e assistência».

(8)  Ver nota de rodapé 2.

(9)  Parecer do CESE sobre o «Fórum da Sociedade Civil Europeia para o Desenvolvimento Sustentável», relatora: Brenda King, ponto 1.4 (JO C 303 de 19.8.2016, p. 73); parecer do CESE sobre o «Estado atual da Estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo», relator: Stefano Palmieri (JO C 12 de 15.1.2015, p. 105).

(10)  Regulamento (UE) n.o 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho (JO L 347 de 20.12.2013, p. 320).

(11)  Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 21 de dezembro de 1965.

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos 16 de dezembro de 1966.

Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais 16 de dezembro de 1966.

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres 18 de dezembro de 1979.

Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes 10 de dezembro de 1984.

Convenção sobre os Direitos da Criança 20 de novembro de 1989.

Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias 18 de dezembro de 1990.

Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados 20 de dezembro de 2006.

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 13 de dezembro de 2006.

(12)  Ver nota de rodapé 2.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/66


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Avaliação intercalar do Programa Horizonte 2020»

(parecer exploratório)

(2017/C 034/10)

Relator:

Ulrich SAMM

Consulta

Presidência eslovaca do Conselho, 14.3.2016

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

(parecer exploratório)

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.10.2016

Adoção em plenária

20.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

180/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe com satisfação o Programa Horizonte 2020, enquanto programa sólido e bem-sucedido que conjuga excelência, infraestruturas de investigação conjuntas, cooperação transfronteiras, bem como sinergias entre o mundo académico, a indústria, as PME e os organismos de investigação.

1.2.

O Programa Horizonte 2020 é um instrumento político fundamental na implementação da Estratégia Europa 2020 para «contribuir para o crescimento económico sustentável e para a competitividade na Europa, reforçando a capacidade de inovação dos Estados-Membros e da União, a fim de responder aos grandes desafios que a sociedade europeia enfrenta».

1.3.

Por conseguinte, o CESE, em consonância com a Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia (ITRE) do Parlamento Europeu, apela à restituição de 2,2 mil milhões de euros do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE) ao programa de investigação e inovação da UE Horizonte 2020.

1.4.

O CESE congratula-se com o facto de a inovação ter mais peso no Programa Horizonte 2020. A inovação é fundamental para o crescimento económico. O instrumento a favor das PME recentemente introduzido é um exemplo positivo de um processo eficiente de candidatura, seleção e acompanhamento.

1.5.

O financiamento da investigação de base é um enorme êxito. As subvenções do Conselho Europeu de Investigação (ERC) são muito apreciadas: são consideradas prémios de alto nível para investigadores individuais e funcionam como um padrão de referência a nível europeu.

1.6.

O CESE manifesta a sua apreensão pelo facto de o financiamento destinado à investigação sobre desafios societais ter sido reduzido de forma significativa. Muitas histórias de êxito da colaboração no domínio da investigação ao nível da UE, no âmbito do 6.o PQ e do 7.o PQ, acabaram com o Horizonte 2020. A investigação em colaboração deve desempenhar novamente um papel de elemento indispensável na cadeia de investigação e inovação.

1.7.

O CESE apela a uma avaliação cuidadosa no sentido de encontrar um equilíbrio razoável entre os três pilares de financiamento: excelência científica, liderança industrial e desafios societais. Esta avaliação deve ter em conta as suas diferenças em termos de impacto, tempos de realização, alavancagem e, especialmente, valor acrescentado específico para a UE.

1.8.

A União Europeia deve proporcionar um apoio bem equilibrado a toda a cadeia de investigação e inovação, desde a investigação fundamental até à investigação centrada nos produtos.

1.9.

O CESE sublinha também que as ciências sociais e humanas devem desempenhar um papel fundamental na análise e previsão dos desenvolvimentos societais causados por alterações nas condições de trabalho e de vida resultantes da evolução demográfica, da globalização, das alterações climáticas, das tecnologias emergentes, da digitalização e da educação para novos postos de trabalho de elevada qualidade.

1.10.

O CESE está a seguir com grande interesse o desempenho do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT) e as recomendações formuladas pelo Tribunal de Contas. Esperamos que a avaliação intercalar conduza a melhorias consideráveis no EIT.

1.11.

A criação de um novo Conselho Europeu de Inovação (EIC), tal como proposto pela Comissão, destinado diretamente aos empreendedores/inovadores, pode tornar-se um órgão central que otimiza os instrumentos de financiamento para a inovação, criando, deste modo, uma forma eficiente de colmatar o fosso em matéria de inovação.

1.12.

O CESE recomenda vivamente que, aquando da introdução de um novo instrumento de financiamento, os restantes instrumentos sejam revistos de forma aprofundada, com vista a reduzir o seu número e a harmonizá-los tanto quanto possível.

1.13.

O CESE gostaria de salientar que o fornecimento de financiamento destinado à mobilidade e ao acesso a infraestruturas transfronteiras, aliado ao apoio a investigadores, constitui um recurso fundamental do Espaço Europeu da Investigação, que deve ser apoiado de forma mais eficaz.

1.14.

O CESE manifesta especial preocupação quanto às grandes disparidades entre os Estados-Membros no que diz respeito ao financiamento nacional da investigação e inovação. Esta situação deu origem a diferenças consideráveis a nível de êxito no que respeita à obtenção de financiamento da UE.

1.15.

O CESE recomenda que todos os instrumentos sejam revistos a fim de realizar melhorias que possam ajudar a ultrapassar estas disparidades. Para esse efeito, a investigação em colaboração que reúna diversos Estados-Membros terá um papel importante, bem como as novas medidas com vista à difusão da excelência e ao alargamento da participação.

1.16.

O CESE apela ao reforço do financiamento nacional da investigação e inovação e gostaria de chamar a atenção dos Estados-Membros para o facto de o financiamento da UE nesta área não poder substituir os esforços nacionais.

1.17.

O CESE apoia igualmente as conclusões do Conselho de 27 de maio de 2016, sublinhando que, no âmbito do Programa Horizonte 2020, devem ser tomadas medidas para assegurar que o financiamento com base em empréstimos não será alargado em detrimento do financiamento da investigação e inovação baseado em subvenções.

1.18.

É preciso atingir taxas de sucesso razoáveis para evitar o desperdício de recursos e a criação de um sentimento de frustração entre os melhores participantes do setor industrial e do mundo académico. Existem várias propostas de contramedidas, e a Comissão deve dar-lhes imediatamente aplicação para o restante período do Horizonte 2020.

1.19.

A necessidade de uma maior simplificação dos procedimentos previstos no Horizonte 2020 permanece uma questão central. O CESE regista os esforços bem-sucedidos da Comissão para facilitar as candidaturas. Em contrapartida, a fase de execução dos projetos pode agora comportar encargos adicionais. O CESE recomenda que a Comissão aceite, na medida do possível, o princípio de que o cumprimento das regras nacionais constitui o critério principal, desde que estas regras respeitem as normas acordadas.

1.20.

A avaliação intercalar deve analisar em que medida o Horizonte 2020 contribui qualitativamente para os seus objetivos de fomentar a excelência científica, responder aos desafios societais urgentes e apoiar a liderança industrial para um crescimento económico maior e inclusivo que crie empregos reais na Europa, em vez de se centrar demasiado em medidas quantitativas, como o número de publicações, patentes e o retorno do investimento, como foi o caso da avaliação do 7.o PQ. Recomenda ainda a criação de indicadores compatíveis para os investimentos quer na investigação quer na inovação no âmbito dos fundos estruturais e do FEIE.

2.   Introdução

2.1.

O Horizonte 2020 — Programa-Quadro de Investigação e Inovação (2014-2020) foi lançado em 2014 para reforçar a excelência científica, fazer face aos principais desafios enfrentados pela sociedade na Europa e promover o crescimento económico. Seguiu-se ao sétimo Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (2007-2013). A estrutura do Horizonte 2020 difere de forma significativa do 7.o PQ, pois o programa agora também abrange o Instituto Europeu de Tecnologia (EIT) e partes do anterior Programa-Quadro para a Competitividade e Inovação (PCI). Tal como se pode observar na nova estrutura e designação, a inovação tem um papel muito mais importante no Horizonte 2020 do que no seu predecessor.

2.2.

O CESE forneceu uma análise detalhada das propostas de regulamentos relativas ao Horizonte 2020 no seu parecer de março de 2012 (1).

2.3.

O CESE acolhe favoravelmente o Horizonte 2020 como um programa sólido e bem-sucedido, que reúne excelência, infraestruturas de investigação e a maioria dos investigadores dos diferentes Estados-Membros da UE, Estados associados e de todo o mundo, e que produz resultados importantes, bem como sinergias entre o mundo académico, a indústria, as PME e as organizações de investigação. Trata-se do maior programa de financiamento público da investigação e inovação e constitui um forte sinal de que a UE está a investir no seu futuro.

2.4.

Os seguintes três pilares principais do Horizonte 2020 abrangem mais de 90 % do orçamento deste programa:

1)

«Excelência científica» (Excellent Science) com o Conselho Europeu de Investigação (ERC), as tecnologias emergentes e futuras (TEF), a mobilidade para investigadores (Ações Marie Skłodowska-Curie) e infraestruturas de investigação europeias (24,4 mil milhões de euros).

2)

«Liderança industrial» (Industrial Leadership), centrado na competitividade da indústria europeia mediante seis subprogramas, com especial ênfase no financiamento das PME (17 mil milhões de euros).

3)

«Desafios societais» (Societal Challenges), com sete subprogramas (29,7 mil milhões de euros).

2.5.

O programa foi acordado entre o Conselho e o Parlamento Europeu, com um orçamento total superior a 70 mil milhões de euros (quase 80 mil milhões de euros a preços correntes) para financiamento ao longo de sete anos. O orçamento do programa foi reduzido em 2,2 mil milhões de euros em 2015, de forma que estes fundos pudessem ser utilizados pelo FEIE.

2.6.

O Horizonte 2020 tem um papel multifacetado na estratégia da UE. É o instrumento financeiro que implementa a União da Inovação, a iniciativa emblemática da Estratégia Europa 2020 que visa assegurar a competitividade global da Europa. Tem as suas raízes, todavia, no Tratado de Lisboa, nomeadamente nos artigos 179.o e seguintes, que estabelece o objetivo de alcançar um Espaço Europeu da Investigação e atribui à União Europeia a tarefa relativa à «execução de programas de investigação, de desenvolvimento tecnológico e de demonstração, promovendo a cooperação com e entre as empresas, os centros de investigação e as universidades».

2.7.

O Horizonte 2020 foi criado num momento de sérios desafios económicos e de desemprego dos jovens na Europa e, consequentemente, colocou uma ênfase mais forte na inovação face aos anteriores programas de investigação da UE. A inovação é geralmente entendida neste contexto como a introdução comercial de produtos ou serviços novos ou significativamente melhorados.

2.8.

Neste contexto, o Horizonte 2020, com o seu foco no crescimento económico, também criou um novo instrumento a favor das PME, especificamente concebido para as ajudar individualmente a serem mais inovadoras. O seu objetivo é que 20 % do financiamento ao abrigo dos pilares 2 e 3 seja absorvido pelas PME e coloca uma ênfase mais forte nos instrumentos financeiros.

3.   Da investigação à inovação

3.1.

O CESE reconhece o sucesso do Horizonte 2020 e congratula-se com a mudança de foco no sentido de mais inovação para uma economia em crescimento. No entanto, também gostaria de destacar alguns perigos, no que respeita à cadeia de investigação e inovação, que considera poderem ameaçar o sucesso do programa.

3.2.

A União Europeia precisa de abordar toda a cadeia de investigação e inovação, desde a investigação fundamental até à investigação centrada nos produtos. Só um apoio equilibrado em toda esta cadeia garantirá que a produção de competências resultará na aplicação das mesmas e trará benefícios económicos e societais. O CESE apela a uma avaliação cuidadosa a fim de encontrar um equilíbrio razoável entre os três pilares de financiamento (excelência científica, liderança industrial e desafios societais), tomando em consideração as suas diferenças a nível de impacto, tempos de realização, alavancagem e, especialmente, valor acrescentado específico para a UE.

3.3.

A investigação fundamental na Europa tem um enorme êxito. O financiamento da base para o topo proveniente das TEF, das Ações Marie Skłodowska-Curie (MSCA) e do ERC deve efetivamente ser mantido a um alto nível. As subvenções do ERC são muito apreciadas: são consideradas prémios de alto nível para investigadores individuais e funcionam como um padrão de referência a nível europeu.

3.4.

Também é de registar que a investigação moderna é, em grande medida, realizada em colaboração. Por conseguinte, independentemente da importância de apoiar investigadores a título individual, é de lamentar que o financiamento da investigação fundamental em colaboração tenha sido significativamente reduzido no Horizonte 2020.

3.5.

A investigação fundamental que necessita de um longo período até a inovação ser alcançada, e que é sobretudo motivada por desafios societais, na sua maioria não é abrangida pelo ERC. Este tipo de investigação em colaboração teve grande êxito nos programas-quadro anteriores, mas com o Horizonte 2020 perdeu grande parte da sua importância. Os desafios societais foram reduzidos em 3,5 % a fim de financiar o FEIE, e a investigação em colaboração nos níveis de maturidade tecnológica (TRL) inferiores 1-5 perdeu terreno para TRL superiores. Tal levou a que muitas universidades e organizações de investigação se afastassem da investigação sobre desafios societais, tendo como consequência a redução da interação entre a indústria e o mundo académico, em vez do seu fortalecimento. O CESE insta a Comissão a reagir a esta evolução preocupante. É da maior importância que o financiamento para os desafios societais seja recuperado e que a investigação nos níveis de maturidade tecnológica 1-5 ocupe um lugar mais proeminente na vertente dos desafios societais do Horizonte 2020, a fim de abranger todo o ciclo de investigação e inovação. Neste contexto, continua a ser muito importante que a Comissão comunique com as partes interessadas aquando da formulação dos detalhes dos desafios societais a nível do programa de trabalho.

3.6.

O CESE congratula-se com o facto de a inovação ter mais peso no Horizonte 2020. A inovação é fundamental para o crescimento económico. O instrumento a favor das PME recentemente introduzido é um exemplo positivo de um processo eficiente de candidatura, seleção e acompanhamento. O sucesso deste instrumento pode ser constatado pelo facto de o objetivo original de uma percentagem de 20 % do orçamento para as PME já ter sido ultrapassado. A avaliação deve analisar o impacto e a eficácia deste instrumento relativamente aos diferentes tipos de PME e os motivos que as levam a candidatar-se individualmente (como acontece com a maioria) ou em consórcio (a nível nacional ou da UE). Há também que ter a preocupação de analisar em que medida a redução do financiamento nacional para as PME está relacionada com pedidos de financiamento a nível da UE. É crucial que o financiamento para as PME também continue acessível às PME a nível regional e local e que o financiamento da UE não seja utilizado para justificar cortes nesta importante fonte de apoio a nível local.

3.7.

A participação da indústria é crucial para o sucesso do Horizonte 2020. É evidente que o montante total de financiamento do Horizonte 2020 para as indústrias é menos significativo do que as despesas da indústria em investigação e inovação. As maiores vantagens para os parceiros industriais podem ser vistas ao nível da criação de redes, de novos laços com as universidades, organizações de investigação e outras partes interessadas, como as cidades. Os projetos da UE têm um papel importante na criação de massa crítica para o desenvolvimento de novos padrões e no fornecimento à indústria de novas competências, novos clientes e mercados e novos talentos. Este efeito benéfico para a competitividade da Europa deve continuar a ser fomentado. Importa assinalar que os indicadores de sucesso, como o número de novos empregos, ainda não são aplicáveis ao Horizonte 2020, tendo em conta o tempo necessário para a inovação e a criação de emprego.

3.8.

O CESE está a seguir com grande interesse o desempenho do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT). A UE precisa de uma forte interação entre a indústria, a investigação e o ensino, que constitui o principal objetivo do EIT. Ora, de acordo com o relatório especial do Tribunal de Contas (abril de 2016), o EIT enfrenta diversos desafios importantes. Embora alguns deles já tenham sido abordados recentemente, contamos que a avaliação intercalar conduzirá a grandes melhorias em geral no EIT.

3.9.

A Comissão iniciou o debate sobre o âmbito de aplicação e a criação do Conselho Europeu de Inovação (EIC). O EIC deverá destinar-se diretamente aos empreendedores/inovadores e pode vir a ser um mecanismo mais célere para a conclusão das últimas etapas no que respeita a colmatar o fosso em matéria de inovação. O EIC pode tornar-se um órgão central, onde os instrumentos de financiamento pertinentes para a inovação sejam otimizados. Tal exige obviamente uma sincronização e harmonização cuidadosas com todos os outros instrumentos de financiamento. O CESE congratula-se com esta iniciativa e está preparado para contribuir para o debate, logo que existam propostas concretas.

3.10.

Um dos principais desafios para os próximos anos passa por explorar todo o potencial do Horizonte 2020 no apoio à inovação social, essencial para alcançar as metas da Estratégia UE 2020. O CESE relembra que, devido à sua natureza, as empresas da economia social têm um papel importante a desempenhar nesse sentido e insta a Comissão Europeia e os Estados-Membros a assegurarem que o acesso dessas empresas ao financiamento do Horizonte 2020 ocorre em condições de igualdade face a outros agentes.

3.11.

O CESE sublinha também que as ciências sociais e humanas são muito importantes na Europa. A nossa sociedade irá inevitavelmente mudar devido ao envelhecimento e às alterações demográficas, o que conduz a novas prioridades de investigação (2). Além disso, sofrerá mudanças fundamentais na via para as condições sustentáveis. As alterações nas condições-limite decorrentes de fenómenos como a globalização, as alterações climáticas, o acesso à energia e as tecnologias emergentes — de que a digitalização é o principal motor — irão mesmo acelerar as mudanças societais. Melhorar o nosso sistema de ensino será fundamental para garantir que estamos preparados para o futuro, com as competências adequadas para futuros empregos de elevada qualidade. Importa atribuir grande prioridade à avaliação do impacto de todos estes desenvolvimentos na nossa sociedade, incluindo os problemas que possam ser desencadeados por alterações nas condições de trabalho e de vida, e as ciências sociais devem desempenhar um papel fundamental neste contexto.

4.   O Espaço Europeu da Investigação e o valor acrescentado para a UE no âmbito do Horizonte 2020

4.1.

Um dos objetivos do «Programa-Quadro de Investigação e Inovação» (Horizonte 2020) é concluir o Espaço Europeu da Investigação (EEI). O Horizonte 2020 também é considerado um instrumento político para a implementação das iniciativas da Estratégia Europa 2020 e da União da Inovação. Os elementos essenciais do EEI são uma política europeia comum de infraestruturas de investigação, projetos de investigação em colaboração, mobilidade transfronteiras dos investigadores e a coordenação de grandes programas de investigação nas difíceis condições-limite em que os programas da UE têm de funcionar, num ambiente no qual grande parte do financiamento público para a investigação e inovação é gerida pelos Estados-Membros.

4.2.

Até agora, o Fórum Estratégico Europeu para as Infraestruturas de Investigação (ESFRI) serviu como instrumento de coordenação útil na identificação de novas infraestruturas de investigação de interesse pan-europeu. Embora a criação de instalações de investigação em larga escala dependa do financiamento nacional, o nível europeu é importante para apoiar consórcios e para permitir aos investigadores o acesso a infraestruturas através das fronteiras europeias. O CESE partilha as preocupações das comunidades de investigadores acerca da insuficiência deste apoio e insta a Comissão a reforçá-lo de forma significativa, garantindo assim o acesso por parte dos investigadores europeus às instalações nacionais e europeias que constituem um recurso fundamental do EEI.

4.3.

De um modo geral, a mobilidade no EEI é da maior importância. Apelamos, por conseguinte, a que se mantenham num nível proeminente os programas de financiamento como as Ações Marie Skłodowska-Curie.

4.4.

Acolhemos favoravelmente a iniciativa «Open to the World» [Aberta ao mundo], partindo do princípio de que a qualidade científica continua a ser o principal motor desta atividade. Os primeiros sinais de que a redução da participação de países terceiros está a afetar até as economias industrializadas — por exemplo, os EUA — devem ser cuidadosamente analisados, a fim de apurar as causas deste desenvolvimento preocupante.

4.5.

O CESE gostaria de salientar que a investigação em colaboração com um mínimo de três parceiros de diferentes Estados-Membros tem de continuar a ser o pilar do financiamento da investigação europeia. Permitir que diferentes intervenientes no domínio da investigação e inovação unam forças para abordar desafios que não podem ser enfrentados apenas por um país e criar sinergias no panorama da investigação na UE é algo que deve ser efetuado a nível da União e que cria um valor acrescentado significativo para esta.

4.6.

O CESE manifesta especial preocupação quanto às grandes disparidades entre Estados-Membros no que respeita ao financiamento nacional da investigação e inovação. Consequentemente, esta situação levou a diferenças consideráveis a nível do sucesso no que respeita à obtenção de financiamento da UE. Observamos com profunda preocupação que estas disparidades estão a aumentar. Nomeadamente, os Estados-Membros da UE-13 têm tido pouco êxito na obtenção de financiamento no âmbito do Horizonte 2020. As diferenças no financiamento nacional da investigação e inovação são abissais, o que não acontece apenas devido a diferenças no PNB dentro da UE. Além disso, os Estados-Membros mais fortes também gastam muito mais em termos relativos na investigação e inovação do que os seus homólogos mais fracos.

4.7.

Pode afirmar-se com clareza que o facto de não se ter atingido a meta de 3 % do PNB para o financiamento em investigação e inovação (Lisboa 2007) se deve essencialmente à falta de financiamento nacional da investigação e inovação. O Horizonte 2020 contribui apenas parcialmente para esta meta. O CESE apela a que o financiamento nacional da investigação seja reforçado e gostaria de chamar a atenção dos Estados-Membros para o facto de o financiamento da investigação na UE não poder substituir os esforços nacionais. Tal é essencial para combater os perigos da fuga de cérebros em determinados Estados-Membros.

4.8.

Deve ser efetuada uma análise ao fosso crescente entre os Estados-Membros, para avaliar a sua origem. O CESE congratula-se com as novas medidas no âmbito da «Difusão da excelência e alargamento da participação», que poderão contribuir para reduzir esse fosso. Outras medidas a considerar são o aconselhamento às estruturas de apoio para os candidatos, ou o acréscimo da participação de países da UE-13 como critério de prioridade entre projetos de qualidade equivalente, desde que os candidatos satisfaçam os mesmos critérios de excelência. Gostaríamos de propor especialmente o reforço de um instrumento de financiamento já existente — investigação em colaboração —, que estabelece pontes entre as comunidades de investigação, contribuindo assim para diluir as disparidades.

4.9.

O CESE apoia as atividades da ciência aberta (3). Embora se tenham registado progressos na utilização do acesso aberto a publicações, ainda há graves problemas com algumas editoras — um obstáculo que pode ser ultrapassado mediante a coordenação de esforços na UE. O desenvolvimento de dados abertos é de louvar, mas é necessário ainda um processo da base para o topo, dentro das comunidades de investigação, para definir os detalhes da sua implementação.

4.10.

Uma nuvem europeia para a ciência, como proposto pela Comissão, pode oferecer aos investigadores europeus um ambiente virtual para armazenar, partilhar e reutilizar dados de forma interdisciplinar e transfronteiras. O CESE apoia esta iniciativa (4), acreditando que pode ser um elemento importante para os dados abertos. O CESE exorta a Comissão a ter cuidadosamente em consideração os sistemas de computação em nuvem transfronteiras que já existem e funcionam bem em determinadas comunidades científicas, bem como as atividades nacionais que visam alcançar o mesmo objetivo.

5.   Rumo a processos eficientes

5.1.

O CESE saúda os esforços da Comissão Europeia para acrescentar mais «simplificações» ao Horizonte 2020. Os pequenos intervenientes sentir-se-ão particularmente atraídos por menos burocracia, regras mais simples e maior segurança jurídica.

5.2.

O instrumento a favor das PME recentemente introduzido é um exemplo positivo de um processo eficiente de candidatura, seleção e acompanhamento. As empresas consideram muito positivos fatores como a rapidez no deferimento de pedidos de subvenção e financiamento de ideias da base para o topo. Estes fatores devem ser utilizados como melhores práticas para outros instrumentos no âmbito do Horizonte 2020.

5.3.

Registaram-se inúmeros progressos importantes na simplificação das regras e instrumentos, tais como a grande melhoria do Portal dos Participantes, mas existem aspetos importantes que ainda têm de ser resolvidos, uma vez que prejudicam seriamente a atratividade do programa. Por exemplo, a emissão interna de faturas tal como efetuada pela maioria das indústrias e das organizações académicas torna-se quase impossível, e disposições mais rigorosas sobre a «capacidade máxima» das instalações utilizadas trouxeram complicações acrescidas. A relutância da Comissão em reembolsar os custos reais com salários individuais, em vez dos valores constantes do último exercício encerrado, foi parcialmente resolvida, mas ainda constitui um encargo administrativo adicional. Os regulamentos no âmbito do Horizonte 2020 ainda requerem frequentemente a manutenção de contabilidade paralela. A enorme competência administrativa ainda necessária para que os participantes implementem estes aspetos do Horizonte 2020 torna a participação especialmente complicada para as PME e também desencoraja os parceiros internacionais.

5.4.

O CESE encoraja, por conseguinte, a Comissão a simplificar mais o Horizonte 2020 e a respeitar as regras de participação deste programa, que visam uma «aceitação mais ampla das práticas contabilísticas habituais dos beneficiários». Recomenda ainda que reflexões sobre futuros programas-quadro procurem registar progressos nesta direção, aceitando os princípios contabilísticos habituais dos participantes sempre que possível, partindo do princípio que o respeito pelas regras nacionais é o critério principal, desde que estas estejam de acordo com as normas acordadas. Estas normas podem ser desenvolvidas e testadas em colaboração com o Tribunal de Contas Europeu.

5.5.

Tendo em vista o próximo programa-quadro, o CESE apela veementemente a que se evite a criação de mais instrumentos. Em vez disso, incentiva a Comissão a reduzir ativamente o número de instrumentos e a aproveitar a avaliação da ITC para os limitar aos mais eficazes.

5.6.

O CESE, em consonância com a Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia (ITRE) do Parlamento Europeu, apela à restituição de 2,2 mil milhões de euros do FEIE ao programa de investigação e inovação da UE, Horizonte 2020, a fim de compensar os efeitos negativos consideráveis dos cortes. O FEIE investe em projetos que não podem ser encarados como compensação de projetos que já não podem ser realizados no âmbito do Horizonte 2020, uma vez que a grande maioria dos projetos do FEIE não abrange aspetos ligados à investigação, mas sim à aplicação das tecnologias existentes. Trata-se de algo certamente meritório, mas que não deve limitar a fonte de novas tecnologias inovadoras para a competitividade da Europa que o Horizonte 2020 pode oferecer.

5.7.

No Horizonte 2020, o cofinanciamento clássico de projetos aos quais a Comissão concede subvenções para projetos específicos, contribuindo assim para os custos totais, está progressivamente a perder terreno para os instrumentos financeiros. Todavia, o financiamento da investigação mediante empréstimos só é útil para a indústria e para o mundo académico no final da cadeia da inovação e não no domínio da inovação de ponta. Por outro lado, muitos intervenientes importantes não estão abrangidos por estes instrumentos, uma vez que em vários Estados-Membros as organizações de investigação não estão autorizadas a contrair empréstimos. O CESE apela a que, quer o Horizonte 2020, quer os seus sucessores, permaneçam focados sobretudo no cofinanciamento.

5.8.

O CESE apoia, por conseguinte, as conclusões do Conselho de 27 de maio de 2016 que destacam que, no âmbito do Programa Horizonte 2020, devem ser tomadas medidas para assegurar que o financiamento com base em empréstimos não será alargado em detrimento do financiamento da investigação e inovação baseado em subvenções. A indústria europeia deve ter acesso a novas tecnologias revolucionárias resultantes de projetos de elevado risco, e estas não serão descobertas com base em empréstimos.

5.9.

Os primeiros anos do Horizonte 2020 registaram taxas de sucesso que, em alguns casos, foram apenas de 3 %. De um modo geral, as taxas de sucesso mudaram de 1:5 no 7.o PQ para 1:8 no Horizonte 2020. Há que atingir taxas de sucesso razoáveis para evitar o desperdício de recursos e a criação de um sentimento de frustração entre os melhores participantes do setor industrial e do mundo académico. Quando as taxas de sucesso são muito reduzidas, os custos originados pelos esforços desenvolvidos nas propostas podem exceder o financiamento disponibilizado. Existem várias propostas de contramedidas (impacto definido de forma mais precisa, processos em duas fases, aconselhamento profissional, seguimento das boas práticas), e a Comissão deve implementá-las imediatamente para o período remanescente do Horizonte 2020.

5.10.

O selo de excelência para candidaturas excelentes que não foram financiadas pode ser especialmente útil para as PME que esperam obter financiamento dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento. A questão de saber se as regras relativas aos auxílios estatais podem causar problemas nestes casos é algo que ainda precisa de ser esclarecido.

5.11.

O CESE recomenda que a avaliação intercalar analise em que medida o Horizonte 2020 contribui qualitativamente para os seus objetivos de fomentar a excelência científica, abordar desafios societais urgentes e apoiar a liderança industrial para um maior crescimento económico e inclusivo que crie emprego na Europa, em vez de se focar demasiado em medidas quantitativas, como o número de publicações, patentes e o retorno do investimento, como foi o caso da avaliação do 7.o PQ. Recomenda ainda a criação de indicadores compatíveis para os apoios, tanto à investigação como à inovação, no âmbito dos fundos estruturais e do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos.

Bruxelas, 20 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 181 de 21.6.2012, p. 111.

(2)  JO C 229 de 31.7.2012, p. 13.

(3)  JO C 76 de 14.3.2013, p. 48.

(4)  Parecer sobre a «Iniciativa Europeia para a Nuvem — Construir uma economia de dados e conhecimento competitiva na Europa» (TEN 592) (JO C 487 de 28.12.2016, p. 86).


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/73


Parecer do Comité Económico e Social Europeu «Eliminar os obstáculos à aquacultura sustentável na Europa»

(parecer exploratório a pedido da Comissão Europeia)

(2017/C 034/11)

Relator:

Gabriel SARRÓ IPARRAGUIRRE

Consulta

Comissão Europeia, 29/04/2016

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Decisão da Mesa

15/03/2016

 

 

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

30.9.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

220/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE manifesta profunda preocupação pelo facto de a situação da aquacultura na União Europeia não ter melhorado, apesar de a política comum das pescas (PCP), a organização comum de mercado (OCM) e o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP) preverem a promoção desta atividade.

1.2.

O CESE constata que a principal causa subjacente à lentidão dos procedimentos administrativos para a prática da aquacultura e à falta de disponibilidade de locais para as explorações reside na complexidade da aplicação da regulamentação ambiental da UE, nomeadamente a Diretiva-Quadro «Água», a Diretiva-Quadro «Estratégia marinha» e as diretivas relativas à rede Natura 2000, pelas administrações públicas dos Estados-Membros e das suas regiões. Esta situação conduz a requisitos demasiado onerosos para as empresas de aquacultura e que, paradoxalmente, não asseguram uma maior proteção do ambiente.

1.3.

O CESE insta a Comissão Europeia a desenvolver ao máximo as suas obrigações de coordenação das competências partilhadas no domínio da aquacultura, nomeadamente a simplificação dos procedimentos administrativos e a participação das administrações públicas nacionais e regionais que intervêm no domínio da aquacultura.

1.4.

O CESE insta a Comissão Europeia a assegurar que os Estados-Membros seguem as orientações relativas à aplicação das normas ambientais europeias, a fim de reduzir os encargos administrativos desnecessários, preservando simultaneamente a qualidade das águas e dos ecossistemas.

1.5.

O CESE salienta que, sem a resolução dos problemas relativos aos procedimentos administrativos e à disponibilidade de locais para explorações, a aquacultura na União não poderá tirar o devido partido dos recursos disponíveis do FEAMP, tal como aconteceu com o antigo Fundo Europeu das Pescas (FEP). Por outro lado, preocupa-o que as medidas destinadas a reduzir o défice orçamental nos Estados-Membros possam implicar o fim do financiamento de iniciativas no domínio da aquacultura sustentável suscetíveis de gerar desenvolvimento e emprego.

1.6.

O Comité insta a Comissão Europeia a implementar, com urgência, o Conselho Consultivo para a Aquacultura e a contribuir ativamente para o seu bom funcionamento. Este fórum só será eficaz se contar com a colaboração tanto das partes interessadas como das administrações públicas nacionais e europeias, especialmente a Comissão Europeia.

1.7.

O CESE apela à Comissão Europeia para que, em conjunto com os Estados-Membros, proceda a um acompanhamento exaustivo dos planos estratégicos nacionais plurianuais para a aquacultura, a fim de determinar o grau de cumprimento dos objetivos, e assegure a participação de todos os departamentos das administrações públicas nacionais com competências em matéria de ambiente.

1.8.

O Comité alerta a Comissão Europeia para o facto de os próximos anos serem decisivos para o futuro da aquacultura na União Europeia. O esforço que tem desenvolvido com vista a estabelecer um quadro regulamentar favorável à aquacultura sustentável pode ter sido em vão se não for realizado um acompanhamento rigoroso da situação e não forem eliminados os estrangulamentos atuais que, como já foi referido, se encontram nos departamentos das administrações públicas dos Estados-Membros que não participaram na elaboração dos respetivos planos estratégicos nacionais plurianuais para a aquacultura.

2.   Contexto

2.1.

A atual regulamentação relativa à política comum das pescas e à organização comum do mercado dos produtos da pesca e da aquacultura atribui um protagonismo sem precedentes ao desenvolvimento sustentável da aquacultura na União Europeia.

2.2.

O Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP) dispõe de um orçamento específico para o desenvolvimento da aquacultura sustentável, com uma dotação generosa de 1 200 milhões de euros para o período 2014-2020.

2.3.

O CESE elaborou, nos últimos anos, dois pareceres sobre a aquacultura (1) ,  (2), que salientam a importância desta atividade para a União Europeia e instam a Comissão Europeia e os Estados-Membros a promoverem uma aquacultura responsável e sustentável.

2.4.

Em 2013, a Comissão Europeia publicou orientações estratégicas para o desenvolvimento sustentável da aquacultura na UE, as quais visavam ajudar os Estados-Membros a definir objetivos nacionais nessa matéria, tendo em conta as respetivas situações de partida, as condições vigentes ao nível nacional e as disposições institucionais.

2.4.1.

Entre outras propostas, as orientações recomendavam aos Estados-Membros a elaboração de planos estratégicos nacionais plurianuais para a aquacultura que estabelecessem objetivos comuns e, se possível, indicadores destinados a avaliar os progressos realizados na consecução desses objetivos. Esses planos estratégicos deveriam promover a competitividade do setor aquícola e apoiar o seu desenvolvimento através da inovação, bem como impulsionar a atividade económica, promover a diversificação, melhorar a qualidade de vida nas regiões costeiras e rurais e garantir condições equitativas para os operadores aquícolas no que diz respeito ao acesso ao espaço marinho e terrestre.

2.4.2.

Em 2013, todos os Estados-Membros onde se pratica a aquacultura apresentaram os respetivos planos estratégicos nacionais plurianuais. A maioria das medidas e ações propostas nesses planos foi incorporada posteriormente nos seus respetivos programas operacionais para financiamento através do FEAMP, o que deveria facilitar a implementação dessas medidas e ações.

2.5.

A nova política comum das pescas prevê a criação de um Conselho Consultivo para a Aquacultura, que deverá assumir o papel do extinto Comité Consultivo da Pesca e da Aquacultura (Grupo 2: Aquacultura). Este conselho terá como missão facilitar o debate sobre questões relevantes para a aquacultura e apresentar recomendações e propostas às instituições europeias. Paralelamente, está em curso a criação de um Conselho Consultivo dos Mercados, dedicado a uma colocação no mercado mais adequada dos produtos da aquacultura, além dos da pesca.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A FAO estima que a produção mundial de alimentos deve aumentar cerca de 70 % até 2050 para alimentar os 9 mil milhões de pessoas que se prevê que habitarão o planeta nessa altura. Esta organização salienta, em particular, a importância da aquacultura como fonte de alimento com potencial de crescimento e recomenda a sua promoção enquanto atividade que gera alimento, emprego e riqueza.

3.2.

O consumo de peixe e outros alimentos de origem aquática é recomendado pelos seus valores nutricionais e pela sua importância para a manutenção de uma boa saúde. Permitir aos cidadãos o acesso a uma dieta suficientemente rica em produtos aquáticos é uma prioridade social. O consumo anual per capita de produtos aquáticos na União Europeia é de aproximadamente 23,9 kg e está em ligeiro crescimento.

3.3.

O CESE constata que a balança comercial externa de produtos aquáticos para consumo humano da União Europeia é deficitária. O mercado interno representa uma procura anual de cerca de 13,2 milhões de toneladas de produtos aquáticos, dos quais aproximadamente 10 % são produzidos pela aquacultura da UE, 25 % provêm da pesca extrativa e 65 % são importados. A percentagem das importações tem registado um aumento, embora tenha estabilizado nos últimos anos. Seja como for, esta situação representa um forte desequilíbrio que coloca a UE numa posição débil no que diz respeito à sua segurança alimentar presente e futura.

3.4.

A produção anual da aquacultura na União Europeia eleva-se a 1,2 milhões de toneladas, das quais 65,4 % são provenientes da aquacultura marinha e 34,6 % da aquacultura continental. O seu valor em primeira venda é de cerca de 4 mil milhões de euros. As formas de produção são de natureza diversa, que vão de sistemas tradicionais em lagoas ou lagos a outras mais técnicas, nomeadamente instalações em tanques, jaulas em mar aberto ou sistemas de recirculação.

3.5.

O Regulamento FEAMP foi aprovado e publicado em maio de 2014. Os programas operacionais dos Estados-Membros para o FEAMP só foram adotados definitivamente pela Comissão Europeia no outono de 2015, com um ano e cinco meses de atraso.

3.5.1.

O Tribunal de Contas Europeu publicou, em 2014, um estudo sobre a eficácia do apoio à aquacultura pelo anterior Fundo Europeu das Pescas (FEP), tendo concluído que o FEP não apoiou eficazmente o desenvolvimento sustentável da aquacultura. O Tribunal considerou que, a nível europeu, as medidas de apoio não foram devidamente concebidas e acompanhadas, não tendo proporcionado um quadro suficientemente claro para o desenvolvimento da aquacultura. Ao nível dos Estados-Membros, as medidas de apoio não foram devidamente concebidas e executadas, e os planos estratégicos nacionais e respetivos programas operacionais não criaram uma base suficientemente clara para fomentar a aquacultura.

3.6.

A aquacultura na União Europeia oferece atualmente cerca de 85 000 postos de trabalho diretos; porém, este valor mantém-se inalterado. O CESE congratula-se com a estimativa da Comissão Europeia de que cada ponto percentual de aumento do consumo de produtos da aquacultura na UE implicaria a criação de 3 a 4 mil postos de trabalho a tempo inteiro. Por outro lado, é de salientar a existência de cerca de 200 mil postos de trabalho indiretos nas indústrias conexas da aquacultura, na transformação e em atividades complementares.

3.7.

O Comité reconhece a importância de os Estados-Membros terem elaborado e apresentado à Comissão Europeia os respetivos planos estratégicos nacionais plurianuais para a aquacultura. No entanto, considera que a participação dos atores económicos, ambientais e sociais na sua elaboração foi insuficiente, quando comparada com a intervenção das administrações públicas e, nomeadamente, das autoridades competentes diretamente relacionadas com a aquacultura.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O Comité constata que o desequilíbrio na balança comercial externa de produtos aquáticos da UE não é aceitável, nem do ponto de vista económico, devido ao défice comercial que produz, nem a nível social, devido às oportunidades de emprego perdidas.

4.2.

O CESE observa que, após um período de estagnação até 2000, o crescimento da produção da aquacultura na União Europeia ainda não foi relançado, apesar dos esforços envidados pelas diferentes instituições europeias, nacionais e regionais. Os volumes produzidos permanecem estagnados, apesar de se registar um ligeiro aumento no respetivo valor de mercado.

4.3.

As causas do impasse que se verifica na aquacultura na União Europeia, quando este setor continua a crescer a um ritmo elevado no resto do mundo, foram corretamente descritas pela Comissão Europeia nas suas orientações estratégicas de 2013 para o desenvolvimento sustentável da aquacultura na UE. As duas principais razões apontadas foram a complexidade dos procedimentos administrativos para a realização da atividade e a dificuldade de acesso legal a locais para as explorações ou para a ampliação das mesmas.

4.4.

O Comité reconhece os esforços que a Comissão Europeia desenvolveu com vista a ajudar as administrações nacionais e regionais a aplicar a regulamentação europeia em matéria de ambiente, sem impor encargos desnecessários aos aquicultores. Para o efeito, foram publicadas orientações sobre a aquacultura e os sítios Natura 2000 e sobre a Diretiva-Quadro Água, estando a ser elaboradas as que dizem respeito à Diretiva-Quadro Estratégia Marinha. Lamenta, contudo, a falta de conhecimento e implementação dessas orientações pelas administrações nacionais e regionais com competências em matéria de ambiente.

4.5.

O CESE constata que, devido ao atraso na aprovação do Regulamento FEAMP e dos programas operacionais dos Estados-Membros, os operadores dos Estados-Membros só poderão começar a beneficiar daquele fundo no final de 2016 na melhor das hipóteses, o que representa um atraso de quase três anos.

4.6.

Relatórios como o do Tribunal de Contas Europeu de 2014 referem que o desenvolvimento sustentável da aquacultura foi travado pela falta de ordenamento adequado do espaço marítimo e pela complexidade dos procedimentos de autorização. O Tribunal também confirmou que, até à data, não tinham sido alcançados os principais objetivos de crescimento do setor da aquacultura, que permaneceu estagnado durante muitos anos.

4.7.

O Comité congratula-se com o facto de o orçamento do FEAMP afetar ao desenvolvimento sustentável da aquacultura quase o triplo do orçamento do anterior FEP.

4.7.1.

O CESE salienta as dificuldades com que se defrontam os principais Estados-Membros produtores de aquacultura na União Europeia para contribuir com a parte que lhes cabe do cofinanciamento dos fundos do FEAMP, devido às restrições orçamentais decorrentes da sua obrigação de cumprir os compromissos de redução do défice.

4.8.

O CESE concorda com a absoluta necessidade de um fórum europeu, com a participação de todas as partes interessadas, para debater a situação da aquacultura e fornecer recomendações consensuais às instituições europeias e nacionais, como aconteceu com o Comité Consultivo da Pesca e da Aquacultura (CCPA). Assim, congratula-se com o novo Conselho Consultivo para a Aquacultura (CCA) e a sua ampla representação de atores económicos, sociais e ambientais, bem como de investigadores e consumidores. No entanto, lamenta o atraso verificado na sua criação e implementação, que provocou um hiato de três anos entre a supressão do primeiro e a constituição do segundo.

4.8.1.

O Comité manifesta a sua preocupação por a Comissão Europeia não manter o mesmo nível de participação no novo CCA que tinha no extinto CCPA, o que se deve à circunstância de, no CCPA, ter sido a própria Comissão a dirigir o secretariado executivo, situação que não acontece no secretariado do novo CCA, que será completamente independente da Comissão. Esta circunstância pode afetar a capacidade tanto de convocar reuniões com as administrações públicas europeias como de divulgar as recomendações. O CESE receia que a Comissão possa ser considerada uma simples participante no CCA, quando deve continuar a desempenhar um papel de liderança.

4.9.

O CESE verifica que os planos estratégicos nacionais plurianuais dos Estados-Membros em matéria de aquacultura ainda não deram frutos. Além disso, os mecanismos de acompanhamento dos resultados não estão a ser implementados na maior parte dos Estados-Membros.

4.9.1.

O CESE constata que os escassos resultados obtidos até à data na execução dos planos estratégicos nacionais plurianuais para a aquacultura se devem ao facto de os estrangulamentos que entravam o desenvolvimento sustentável da aquacultura não estarem a ser tratados com determinação suficiente. Estes obstáculos encontram-se, na sua maioria, em departamentos das administrações públicas dos Estados-Membros que não participaram na elaboração dos planos estratégicos e que, por conseguinte, não os conhecem. Estes departamentos devem, por este motivo, participar ativamente na execução dos planos estratégicos.

4.10.

O CESE insta a Comissão Europeia a incentivar as administrações públicas dos Estados-Membros e das suas regiões a terem em conta, na aplicação das normas ambientais europeias, o desenvolvimento sustentável nas suas três vertentes: ambiental, social e económica, bem como a necessidade de melhorar a segurança alimentar da União.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Parecer do CESE sobre o tema «Construir um futuro sustentável para a aquacultura — Um novo ímpeto para a estratégia de desenvolvimento sustentável da aquacultura europeia» (JO C 18 de 19.1.2011, p. 59).

(2)  Parecer do CESE sobre «Orientações estratégicas para o desenvolvimento sustentável na aquacultura na UE» (JO C 67 de 6.3.2014, p. 150).


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/78


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A nova configuração do mercado da eletricidade e potenciais repercussões nos consumidores vulneráveis»

(parecer exploratório)

(2017/C 034/12)

Relator:

Vladimír NOVOTNÝ

Consulta

Conselho da União Europeia, 14/03/2016

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

 

Parecer exploratório

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

06/10/2016

Adoção em plenária

19/10/2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

146/66/43

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE apoia a ideia de base de uma nova configuração do mercado da eletricidade da UE, considerando-a necessária à garantia de um aprovisionamento de eletricidade estável, em conformidade com os objetivos da União Europeia da Energia. A transição, num horizonte de médio e longo prazo, da produção e comercialização de eletricidade para estruturas descentralizadas, bem como a realização do objetivo estabelecido na Diretiva «Energias renováveis» da UE, pressupõem uma configuração do mercado da eletricidade completamente nova. Neste contexto, o CESE remete para os seus pareceres TEN/577, TEN/578 e TEN/583, nos quais aborda esta matéria, referindo-se também ao futuro papel dos consumidores, prossumidores e novos participantes no mercado.

1.2.

O CESE considera que as redes de distribuição ditas «inteligentes», conjugadas com contadores inteligentes e tecnologias de armazenamento, constituirão também uma componente importante da nova configuração do mercado da eletricidade a médio e longo prazo. Estas redes inteligentes e tecnologias de regulação e armazenamento podem, portanto, produzir efeitos positivos, quer em termos de otimização do consumo, quer em termos de poupança de eletricidade.

1.3.

O CESE chama a atenção para o potencial não só dos pequenos produtores-consumidores (os chamados «prossumidores»), mas também de outros novos modelos, como, por exemplo, as cooperativas de energia, as quais podem contribuir para reduzir a pobreza energética. A fim de integrar plenamente os prossumidores no mercado da energia, o Comité considera essencial, entre outros aspetos, eliminar os obstáculos administrativos e outros obstáculos desnecessários que possam entravar a sua atividade, e assegurar o seu acesso às redes de distribuição com base nas condições prevalecentes no mercado em matéria de financiamento da exploração das referidas redes.

1.4.

O CESE considera que o recurso a controlos inteligentes de regulação nos denominados lares «inteligentes» constitui também uma componente importante da nova configuração do mercado da eletricidade. A sua utilização reforçará o papel ativo que cabe aos lares quando da sua plena integração na nova configuração do mercado da eletricidade e reduzirá o risco de pobreza energética. Estas mudanças importantes serão facilitadas por programas de formação para incentivo de vastas camadas da população, bem como pelo apoio à sua implementação junto da categoria das famílias vulneráveis e de outros consumidores vulneráveis no mercado da energia, como por exemplo as pequenas e médias empresas.

1.5.

O CESE está convicto de que todas as mudanças que previsivelmente ocorrerão com a nova configuração do mercado da eletricidade são condicionadas pela capacidade de este novo mercado fornecer incentivos associados ao preço a curto prazo (preço) e aos sinais de preço a longo prazo (custo), o que permitirá e favorecerá um amplo investimento no setor da energia elétrica da UE. Tal significa também que os preços devem refletir na íntegra o verdadeiro custo, ou seja, devem incluir também os chamados custos externos.

1.6.

Nos últimos anos, a evolução dos mercados da eletricidade resultou numa redução significativa dos preços grossistas, que, no entanto, não veio beneficiar os pequenos consumidores nem as PME, uma vez que os preços que lhes são cobrados aumentaram, em vez de terem diminuído.

1.7.

Através de uma configuração adequada do mercado da eletricidade, apoiada por investimentos estratégicos em sistemas, que associe também e precisamente os cidadãos socialmente mais desfavorecidos, por exemplo, através de cooperativas de energia, será possível articular a política energética com a política social e gerar um valor acrescentado regional.

1.8.

A política deve responder claramente à questão de saber quem, no futuro, deverá e/ou poderá produzir eletricidade no âmbito de uma produção descentralizada. Este aspeto é também crucial para se solucionar o problema da pobreza energética.

1.9.

Um exemplo disso é a região da Podláquia, na Polónia, onde está a ser implementado um programa de financiamento para pequenas instalações fotovoltaicas. Com uma ajuda ao investimento de 60 %, associada ao plano da Polónia de introduzir um sistema de medição do consumo líquido, é possível reduzir para metade os custos de eletricidade suportados pelos consumidores do país.

2.   Introdução

2.1.

Em 14 de março de 2016, a Presidência eslovaca do Conselho da UE solicitou, por carta dirigida ao CESE, a elaboração de um parecer sobre a dimensão social da nova configuração do mercado da eletricidade na dinâmica do desenvolvimento económico e social.

2.2.

No seu pedido, a Presidência eslovaca indicava que a nova configuração do mercado da eletricidade traz novas possibilidades para os consumidores, na condição de poderem interagir com o mercado de forma mais ativa. Para além do possível impacto que o aumento dos preços da eletricidade poderá ter na competitividade da indústria da União, é todavia essencial ter em conta os eventuais perigos que esse aumento poderá representar para os consumidores socialmente vulneráveis.

2.3.

Em vários pareceres anteriormente emitidos (1), (2), o CESE fez uma análise aprofundada da evolução esperada do mercado da energia e considera que as suas recomendações e conclusões não perderam atualidade. Refira-se também que o presente parecer se centra nos riscos, mas também nas oportunidades, que a nova configuração do mercado da eletricidade poderá representar para os grupos da população socialmente vulneráveis e nas manifestações específicas de pobreza energética em relação à acessibilidade da energia elétrica.

3.   Visão da nova configuração do mercado da energia

3.1.

A nova configuração dos mercados da eletricidade assente em princípios de sustentabilidade deve ter como papel essencial assegurar a todos os consumidores um aprovisionamento de eletricidade seguro e a um preço acessível e competitivo.

3.2.

O quadro estratégico da UE para uma União da Energia visa os seguintes objetivos estratégicos essenciais:

a segurança energética, a solidariedade e a confiança;

um mercado interno da energia plenamente integrado;

a eficiência energética como contributo para a moderação do consumo de energia;

a descarbonização da economia; e

uma União da Energia em prol da investigação, da inovação e da competitividade.

3.3.

As linhas principais do quadro estratégico do mercado da eletricidade são:

a transição para sistemas energéticos hipocarbónicos;

a integração rentável das energias renováveis intermitentes;

o encerramento das centrais elétricas convencionais e a transição para a produção descentralizada de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis;

a evolução do papel dos consumidores no mercado da eletricidade; e

um nível acrescido de segurança e fiabilidade do aprovisionamento de eletricidade.

3.4.

A evolução do papel desempenhado pelos consumidores no mercado da eletricidade deverá constituir um aspeto fundamental da nova configuração deste mercado (3).

4.   Pobreza energética e respetiva prevenção

4.1.

Num passado recente, o CESE adotou vários pareceres sobre a problemática da pobreza energética, nomeadamente o parecer TEN/516 sobre uma «Ação coordenada a nível europeu para prevenir e combater a pobreza energética» (relator: Pierre Jean Coulon, 2013) (4), que foi objeto de análises pormenorizadas a nível nacional, por exemplo por parte do Conselho Económico e Social da Bulgária no seu parecer «Measures to overcome energy poverty in Bulgaria» (Medidas para vencer a pobreza energética na Bulgária) (ESC/3/030/2015). O CESE considera que as recomendações e as conclusões formuladas nesses documentos se mantêm atuais e não tenciona repeti-las no presente documento.

4.2.

O tema da pobreza energética é abordado, entre outros, no parecer TEN/578 sobre «Um novo quadro para os consumidores de energia» e no parecer TEN/583 sobre «Energia de “prossumidores” e cooperativas de energia: Oportunidades e desafios nos países da UE».

4.3.

A pobreza energética caracteriza-se por um acesso limitado às fontes de energia em virtude da inexistência de infraestruturas energéticas ou do seu mau funcionamento, ou ainda por uma incapacidade de pagar o fornecimento de produtos energéticos. Se existem riscos de falhas no funcionamento das infraestruturas, é indispensável aumentar a respetiva capacidade ou criar novas capacidades para garantir a segurança e a fiabilidade do aprovisionamento de eletricidade. Os próprios operadores de rede constatam que as unidades de produção descentralizada, como as instalações fotovoltaicas em residências particulares, podem contribuir para a estabilidade do aprovisionamento regional e, em alguns casos, também para a estabilização de redes regionais mais fracas.

4.4.

Embora muitas vezes a pobreza energética seja percecionada em relação aos consumidores finais privados, importa não esquecer que algumas pequenas e médias empresas são também frequentemente afetadas, com todas as consequências daí decorrentes para a sua competitividade.

4.5.

A pobreza energética está normalmente ligada à capacidade de assegurar o aquecimento dos lares e também pode estar ligada, nos Estados meridionais da UE, à disponibilidade de climatização nos meses quentes de verão. A pobreza energética manifesta-se especificamente na incapacidade de pagamento das faturas da eletricidade. Para esses casos, há abordagens baseadas numa ajuda direta ou indireta aos consumidores em situação de pobreza energética.

4.6.

A ajuda direta aos consumidores vulneráveis é fornecida sobretudo sob a forma de programas de subvenção com caráter social, como o reembolso direto em dinheiro ou em espécie, e está enquadrada nos sistemas internos de proteção social de cada Estado-Membro.

4.7.

A definição de consumidor vulnerável varia de Estado-Membro para Estado-Membro, em função da situação específica e do sistema social de cada um deles.

4.8.

A ajuda indireta é prestada sob a forma de tarifas sociais ou especiais. Atualmente, dez Estados-Membros praticam tarifas sociais, oito definiram um estatuto de consumidor vulnerável e um total de dezasseis pratica preços da eletricidade regulados no seu mercado interno. O CESE manifestou a sua oposição veemente aos preços regulados (ver parecer TEN/578).

4.9.

No entanto, será possível reduzir os riscos de pobreza energética através da adoção de um conjunto de medidas compatíveis com a nova configuração do mercado da eletricidade. Essas medidas incluem, nomeadamente:

a melhoria da acessibilidade da informação sobre os preços da eletricidade propostos pelos diferentes fornecedores;

a eliminação dos obstáculos à mudança de fornecedor de serviços energéticos;

o reforço da concorrência e uma oferta transparente de serviços energéticos complexos;

a garantia da transparência dos contratos, dos preços e das faturas da energia;

a formação e educação dos clientes, com uma forte participação ativa do poder local;

a eliminação das práticas comerciais desleais e das técnicas de pressão para a celebração de contratos de fornecimento de energia;

a poupança no consumo de energia e a divulgação ao consumidor de informações sobre formas de consumo limpo, bem como a disponibilização generalizada aos consumidores domésticos e a outros pequenos consumidores de controlos inteligentes de medição e de regulação;

o apoio ao isolamento térmico dos apartamentos e casas, a renovação e a modernização dos edifícios antigos, a fim de reduzir as perdas de energia;

o apoio de programas de incentivo e de formação destinados aos consumidores vulneráveis;

o apoio de iniciativas locais de luta contra a pobreza energética;

a proibição de aplicação de tarifas excessivamente onerosas aos consumidores vulneráveis;

o aumento da eficácia e fiabilidade do aprovisionamento de eletricidade.

4.10.

Nos últimos anos, a evolução dos mercados da eletricidade resultou numa redução significativa dos preços grossistas, que, no entanto, não veio beneficiar os pequenos consumidores nem as PME, uma vez que os preços que lhes são cobrados aumentaram, em vez de terem diminuído.

4.11.

O CESE salienta que os pequenos produtores-consumidores (prossumidores) podem também desempenhar um papel especial na redução da pobreza energética. A fim de os integrar plenamente no mercado da energia, é portanto indispensável eliminar, o mais rapidamente possível, todos os obstáculos administrativos e facilitar o seu acesso às redes, mantendo as condições do mercado e respeitando as normas de qualidade dos fornecedores de eletricidade.

4.12.

O CESE entende que, apesar da aplicação das medidas referidas, conformes às regras do mercado, para apoiar os consumidores vulneráveis, o encargo da luta contra a pobreza energética e respetivas consequências continuará no futuro a ser essencialmente suportado pelos sistemas sociais dos Estados-Membros, dado que estes constituem a única alternativa conforme do ponto de vista do mercado.

4.13.

Através de uma configuração adequada do mercado da eletricidade, apoiada por investimentos estratégicos em sistemas, que associe também e precisamente os cidadãos socialmente mais desfavorecidos, por exemplo, através de cooperativas de energia, será possível articular a política energética com a política social e gerar um valor acrescentado regional.

4.14.

A política deve responder claramente à questão de saber quem, no futuro, deverá e/ou poderá produzir eletricidade no âmbito de uma produção descentralizada. Este aspeto é também crucial para se solucionar o problema da pobreza energética.

4.15.

As energias renováveis proporcionam oportunidades completamente novas de combate à pobreza energética enquanto problema social. Por exemplo, um estudo do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, realizado em 2014, concluiu que, potencialmente, 80 % da população europeia poderia produzir eletricidade através de instalações fotovoltaicas a um preço inferior ao da eletricidade proveniente da rede pública. O problema é que nem toda a população dispõe de um telhado ou de uma superfície para instalar unidades fotovoltaicas. Uma forma de solucionar este problema poderá passar por alargar a definição do conceito de «prossumidor» e apoiar instalações comuns (cooperativas de energia).

4.16.

Num estudo recentemente publicado pela consultora CE Delft, estima-se que, até 2050, no máximo 83 % dos agregados familiares poderiam produzir a sua própria eletricidade.

4.17.

No entanto, um problema importante reside no facto de os cidadãos socialmente desfavorecidos não disporem de meios para efetuarem os investimentos necessários. A «desvantagem» das energias renováveis reside no facto de implicarem investimentos iniciais elevados, embora depois as despesas correntes sejam muito reduzidas (como se sabe, o sol e o vento são gratuitos). Mas este problema também pode ser resolvido a nível político, entre outras medidas, através de investimentos estratégicos adequados.

4.18.

Um exemplo disso é a região da Podláquia, na Polónia, onde está a ser implementado um programa de financiamento para pequenas instalações fotovoltaicas. Com uma ajuda ao investimento de 60 %, associada ao plano da Polónia de introduzir um sistema de medição do consumo líquido, é possível reduzir para metade os custos de eletricidade suportados pelos consumidores do país.

4.19.

Neste contexto, o Comité recomenda à Comissão, ao Conselho e ao Parlamento Europeu que tenham também mais em conta as evoluções a médio e longo prazo passíveis de se revelarem positivas para os consumidores, como, por exemplo, a eletromobilidade. Prevê-se que, nos próximos 20-30 anos, haja um número cada vez maior de carros elétricos no mercado. Um carro elétrico consome cerca de 14 kWh/100 km, o que com um preço de eletricidade de 0,25 cêntimos/kWh significa um custo de 3,50 euros. Uma viagem de 100 km efetuada com um veículo com um motor de combustão custa 8,40 euros (consumo de 7 l/100 km a um preço de 1,20 euros/litro). Uma instalação com cerca de 6 módulos fotovoltaicos é suficiente para produzir a eletricidade que um carro elétrico necessita para um percurso de 10 000 km. Ora, com um investimento de cerca de 3 000 euros seria possível produzir, numa instalação própria, a eletricidade necessária para alimentar um carro deste tipo durante 20 anos. Os aspetos financeiros da transição para a eletromobilidade — tanto no que toca aos cidadãos como às regiões — não têm sido suficientemente debatidos.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 82 de 3.3.2016, p. 13.

(2)  JO C 424 de 26.11.2014, p. 64.

(3)  JO C 82 de 3.3.2016, p. 22.

(4)  JO C 341 de 21.11.2013, p. 21.


ANEXO

O seguinte contraparecer foi rejeitado a favor do parecer da secção adotado pela Assembleia, mas obteve pelo menos um quarto dos votos expressos.

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE espera que a nova configuração do mercado da eletricidade proposta pela Comissão Europeia, enquanto parte do pacote energético de outono/inverno, conduza à plena integração das fontes renováveis no mercado comum da energia elétrica, o que constitui um instrumento importante para o cumprimento dos compromissos da UE em matéria de proteção do clima.

1.2.

Esta proposta deve ter por objetivo garantir a fiabilidade e a segurança do aprovisionamento de energia elétrica a longo prazo e eliminar as atuais distorções no mercado, conduzindo a preços de eletricidade que garantirão a competitividade da economia europeia e que serão estáveis e acessíveis para os consumidores finais, inclusivamente para os grupos da população com rendimentos modestos.

1.3.

O CESE está convicto de que a nova configuração do mercado da eletricidade, na sua forma definitiva, permitirá reduzir ou eliminar os riscos de potenciais efeitos negativos sobre a pobreza energética.

1.4.

O CESE considera que o processo da transformação que fará evoluir o mercado da eletricidade para uma nova configuração está associado a riscos de impacto nos grupos vulneráveis de consumidores de eletricidade, nomeadamente os cidadãos.

1.5.

Segundo o CESE, os riscos associados à transformação do mercado da eletricidade, dotando-o de uma nova configuração, estão nomeadamente ligados à necessidade de reforçar substancialmente a capacidade das redes nacionais de transporte de eletricidade em 220/440 kW e a interligação das suas capacidades, de alargar a função das redes de distribuição à função atualmente desempenhada pelos sistemas de transmissão (por exemplo, assegurar a estabilidade da rede) e de as converter em sistemas «inteligentes», de resolver o problema do armazenamento de grandes capacidades de energia elétrica, de descentralizar a produção de eletricidade, de conectar a produção descentralizada à rede de distribuição e de alterar o papel e o comportamento dos consumidores de eletricidade no mercado.

1.6.

Trata-se de processos de transformação a longo prazo, cuja realização exigirá décadas, investimentos avultados que deverão atingir várias centenas de milhares de milhões de euros, bem como outras despesas comparáveis ligadas ao desenvolvimento de novas soluções técnicas, muitas vezes ainda desconhecidas.

1.7.

No que diz respeito à aplicação integral dos princípios do mercado, uma parte significativa desses custos será repercutida na componente regulamentada do preço da eletricidade, o que poderá ter efeitos negativos no decorrer do processo de transformação, empurrando os grupos vulneráveis da população para uma situação de pobreza energética.

2.   Introdução

2.1.

Em 14 de março de 2016, a Presidência eslovaca do Conselho da UE solicitou, por carta dirigida ao CESE, a elaboração de um parecer sobre a dimensão social da nova configuração do mercado da eletricidade na dinâmica do desenvolvimento económico e social.

2.2.

O CESE foi solicitado a analisar mais aprofundadamente os fatores que influenciam o mercado da eletricidade e a avaliar a sua influência na evolução dos preços da energia na UE, de modo que esta evolução seja sustentável, não apenas de um ponto de vista ambiental (em matéria de proteção do clima), mas também económico e social, e muito particularmente no que diz respeito à segurança e disponibilidade do aprovisionamento de eletricidade.

2.3.

No seu pedido, a Presidência eslovaca indicava que a nova configuração do mercado da eletricidade traz novas possibilidades para os consumidores, permitindo-lhes interagir com o mercado de forma mais ativa. Para além do impacto que o aumento dos preços da eletricidade poderá ter na competitividade da indústria da União, é todavia essencial ter em conta os eventuais perigos que esse aumento poderá representar para os consumidores socialmente vulneráveis.

2.4.

Em vários pareceres anteriormente emitidos, o CESE fez uma análise aprofundada da evolução esperada do mercado da energia e considera que as suas recomendações e conclusões não perderam atualidade. Por conseguinte, o presente parecer centra-se unicamente nos riscos que a nova configuração do mercado da eletricidade poderá representar para os grupos da população socialmente vulneráveis e nas manifestações específicas de pobreza energética em relação à acessibilidade da energia elétrica.

3.   Principais problemas com que o mercado da eletricidade da UE se confronta atualmente e riscos associados ao seu desenvolvimento a médio prazo

3.1.

Os principais problemas com que o mercado da eletricidade da UE se confronta atualmente podem resumir-se como se segue:

o mercado da eletricidade é objeto de uma importante distorção;

os investimentos em equipamento no que respeita às novas fontes de energia reguláveis não são suficientes;

o desenvolvimento das infraestruturas de transporte é negligenciado em benefício do crescimento das fontes de energia renováveis;

a segurança e a fiabilidade do aprovisionamento de eletricidade são cada vez menores e encontram-se ameaçadas;

a inexistência de uma coordenação eficaz das políticas energéticas nacionais, embora se reconheça que esta coordenação deve assumir a forma de uma cooperação e coordenação à escala das regiões transnacionais com base nas condições reais que prevalecem nos mercados existentes;

a distorção do mercado da eletricidade agrava-se em virtude de uma integração ineficaz dos mercados.

3.2.

Um outro fator negativo significativo da disfunção que atinge na prática os mercados da eletricidade na UE prende-se com o facto de que determinados aglomerados importantes de fontes de energia renováveis se encontram geograficamente afastados das zonas com um elevado consumo de eletricidade; a isto acresce a insuficiência das capacidades de transporte ao nível dos Estados-Membros. A produção não controlada de eletricidade, nomeadamente a partir da energia eólica, dá origem, quando ocorrem picos temporários, a um desvio da eletricidade para os Estados vizinhos, o que provoca posteriormente situações de crise nas redes de transporte com um risco elevado de colapso geral.

3.3.

Em vários Estados-Membros, como reação à instabilidade do aprovisionamento a partir de fontes renováveis, são introduzidos mecanismos de capacidade, acompanhados de determinados elementos discriminatórios, como, por exemplo, uma orientação para tecnologias de produção de eletricidade previamente selecionadas ou a exclusão dos fornecimentos transfronteiras. O novo modelo de mercado da eletricidade deveria ter em conta e colmatar as lacunas existentes, sendo, contudo, essencial aumentar a qualidade das infraestruturas elétricas da UE.

3.4.

As redes de transporte dos Estados-Membros não asseguram a cobertura operacional de uma carência local de recursos entre os Estados-Membros; afigura-se desde logo problemático prosseguir a integração do mercado da eletricidade nas circunstâncias atuais. Na Europa existem alguns mercados regionais de eletricidade que não cooperam entre si e cuja ação não é suficientemente coordenada.

3.5.

A interconexão destes mercados realiza-se de forma progressiva em conformidade com a legislação em vigor (códigos de rede). Atualmente, ainda se verificam diferenças consideráveis entre estes mercados, tanto em termos de segurança operacional como do nível de preços a que são fornecidos os produtos e os serviços. Este processo de integração será muito difícil, ainda que imprescindível.

3.6.

Vários Estados-Membros, para dar resposta aos problemas de integração das fontes renováveis intermitentes nos seus sistemas energéticos, recorrem a mecanismos de capacidade que asseguram a fiabilidade e a disponibilidade do aprovisionamento de eletricidade em períodos de indisponibilidade das fontes renováveis devido à sua dependência das condições naturais. Este recurso aos mecanismos de capacidade assume a forma de mercados de capacidade ou de reservas estratégicas. Enquanto as reservas estratégicas são, por natureza, neutras para o mercado da eletricidade, devendo merecer a preferência enquanto solução favorável do ponto de vista do mercado, os mercados de capacidade apresentam o risco de distorções do mercado.

3.7.

A perspetiva da situação energética para os próximos vinte anos é um fator importante que terá influência na forma definitiva da nova configuração do mercado da eletricidade, bem como, naturalmente, no impacto nos consumidores vulneráveis. A este respeito, é necessário ter em conta os seguintes fatores:

3.7.1.

Face à evolução do contexto energético na UE nos últimos dez anos, torna-se necessário encontrar urgentemente uma solução com base numa reflexão estratégica objetiva. A fiabilidade de um aprovisionamento de eletricidade sustentável a preços aceitáveis ou acessíveis não deve ser somente matéria de grandes discursos, mas sim estar solidamente assente nos três pilares fundamentais do desenvolvimento sustentável. Por si só, a renovação das redes exigirá provavelmente um investimento de 655 mil milhões de dólares americanos.

3.7.2.

No período compreendido entre 2016 e 2025, cerca de 150 GW de capacidade térmica, ou seja, um quarto das capacidades térmicas atuais da UE, chegarão ao fim da sua vida útil. Para assegurar a manutenção de um sistema de produção de eletricidade adequado e o aprovisionamento dos consumidores, será necessário construir novas centrais térmicas de potência estável que representem uma capacidade instalada de 100 GW, sabendo que, até 2035, as fontes fósseis serão responsáveis por uma capacidade de 200 GW, mesmo que se verifiquem as hipóteses em matéria de desenvolvimento tecnológico, tanto no domínio da eficiência energética como no do armazenamento da energia elétrica.

3.7.3.

No entanto, no presente contexto do mercado da eletricidade, não é possível investir em tais capacidades de produção e, para garantir a segurança energética, serão necessárias reformas de fundo sistémicas, a fim de assegurar uma estrita aplicação dos mecanismos de mercado e, em simultâneo, reduções nos preços para o consumidor final.

O contraparecer foi rejeitado por 141 votos a contra, 91 a favor e 22 abstenções.


III Atos preparatórios

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

520.a reunião plenária de 19 e 20 de outubro de 2016

2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/86


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — As normas europeias no século XXI»

[COM(2016) 358 final]

(2017/C 034/13)

Relator:

Antonello PEZZINI

Consulta

Comissão, 17/08/2016

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 358 final]

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.10.2016

Adoção em plenária

20.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

147/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera fundamental uma nova visão para organizar um Sistema Europeu de Normalização (SEN) capaz de se adaptar a contextos internacionais em contínua evolução e de trazer maiores benefícios para as empresas, os consumidores, os trabalhadores e o ambiente.

1.2.

Enquanto «casa da sociedade civil», o CESE atribui especial importância à melhoria da transparência e da inclusão no âmbito do SEN e reivindica um papel proativo na orientação estratégica, aplicação e divulgação de normas, bem como no apoio a uma cultura da normalização.

1.3.

O CESE salienta a importância de reforçar o papel estratégico da normalização técnica com vista a assegurar:

a qualidade, a segurança e o desempenho de bens e serviços;

um nível cada vez mais elevado de proteção dos consumidores, dos trabalhadores e do ambiente;

níveis de inovação mais elevados para a competitividade das empresas.

1.4.

O CESE congratula-se com o lançamento da Iniciativa Conjunta em matéria de Normalização (ICN) entre os parceiros públicos e privados do SEN com vista à identificação de uma abordagem comum no estabelecimento de prioridades e no desenvolvimento de ações conjuntas destinadas a modernizar e simplificar a adoção das normas.

1.5.

O CESE manifesta, contudo, grande preocupação face à insuficiência de orientações concretas e de dotações financeiras, essenciais para transformar uma visão comum inovadora em estratégias e ações concretas de modernização.

1.6.

Neste contexto, o CESE recomenda que a parceria público-privada ICN (1) seja integrada, estrutural e financeiramente, no âmbito das iniciativas tecnológicas conjuntas do programa Horizonte 2020 (2), com o objetivo de:

assegurar a consecução de objetivos técnicos e regulamentares bem identificados nos setores industrial, dos serviços e do consumo;

conseguir uma maior e melhor concentração de recursos financeiros e humanos e de conhecimentos em torno de prioridades partilhadas.

1.7.

O CESE apoia o ponto de vista da Comissão quanto à criação de um sistema integrado e estruturado, com o objetivo de alcançar uma estratégia comum que reduza a fragmentação das normas e dos seus sistemas de programação.

1.8.

O CESE defende, por conseguinte, um melhor sistema de governação de estratégias de ação regulamentar, que tenha em consideração a convergência das tecnologias e a informatização das empresas e dos serviços, bem como as novas e crescentes competências sociais e ambientais, e que possa apoiar o atual comité técnico para a normalização.

1.9.

O diálogo interinstitucional europeu sobre a normalização deve assegurar que todas as entidades representativas pertinentes têm um papel privilegiado. Importa constituir grupos permanentes de avaliação e orientação nas instituições da UE, principalmente com o CESE e o Comité das Regiões (CR), tendo em conta as competências de consulta obrigatória que lhes confere o artigo 114.o do TFUE.

1.10.

Na opinião do CESE, é necessário reforçar, no âmbito do SEN e das direções-gerais competentes da Comissão, as capacidades de utilização coordenada do instrumento da normalização técnica, importante para todos os setores, nomeadamente para o setor dos serviços.

1.11.

O CESE considera prioritário iniciar uma ação em prol de uma verdadeira cultura europeia da normalização, desde o nível da educação básica até ao dos decisores políticos e dos negociadores de acordos internacionais, mediante o lançamento e desenvolvimento de uma incisiva campanha europeia de sensibilização.

1.12.

O CESE salienta que uma política europeia de normalização verdadeiramente inovadora deve, sobretudo, refletir o princípio da satisfação do cliente, ou seja, dos cidadãos, das empresas e dos trabalhadores, e atingir elevados níveis de segurança, qualidade e eficácia, novos empregos e competitividade internacional, com uma abordagem equilibrada e flexível entre normalização e criatividade (3).

2.   O sistema de normalização técnica face aos desafios europeus e mundiais

2.1.

A normalização técnica desempenha um papel fundamental no funcionamento do mercado interno e na competitividade internacional de produtos e serviços, enquanto instrumento estratégico para assegurar a qualidade, o desempenho e a segurança de bens e serviços, a interoperabilidade das redes e dos sistemas, uma maior proteção das empresas, dos trabalhadores, dos consumidores e do ambiente, bem como níveis mais elevados de inovação e de inclusão social.

2.2.

À luz da mais recente evolução tecnológica, das prioridades políticas e das tendências a nível mundial, particularmente no domínio dos serviços, bem como da revolução informática, é necessário rever o Sistema Europeu de Normalização (SEN), preservando os seus numerosos elementos de sucesso, mas corrigindo os seus defeitos, procurando um justo equilíbrio entre dimensão europeia e dimensão nacional e entre liberdade de inovação, criatividade e interoperabilidade em termos técnicos e normativos, e — de um modo mais geral — respondendo às novas exigências e expectativas das empresas, dos consumidores, dos trabalhadores e da sociedade europeia no seu conjunto.

2.3.

Enquanto «casa da sociedade civil», o CESE atribui especial importância à melhoria da transparência e da inclusão no âmbito do SEN e reivindica um papel cada vez mais proativo na orientação estratégica, na aplicação e na divulgação de normas, bem como no apoio a uma cultura da normalização, enquanto base do êxito das empresas e das gerações futuras.

2.4.

O CESE defendeu sempre que «um processo europeu de normalização rápido, eficaz e com a participação das partes interessadas constitui não só um pilar fundamental da arquitetura do mercado único, que é a pedra angular da integração europeia e da estratégia “Europa 2020” concebida para concretizá-la, mas também e sobretudo um fator essencial da competitividade da economia europeia e um motor da inovação» (4). Precisamente por isso são necessárias normas claras e transparentes para defesa dos consumidores e das empresas, bem como do ambiente e da sociedade.

2.5.

O principal objetivo geral do SEN é aumentar o contributo das normas e do processo de normalização europeia para a livre circulação de bens e serviços no mercado interno, para incentivar o crescimento e a inovação e para promover a competitividade das empresas europeias, especialmente das PME — assegurando, simultaneamente, elevados níveis de proteção dos consumidores, dos trabalhadores e do ambiente —, mediante procedimentos mais abrangentes, mas de elaboração célere, inclusivos e transparentes, tanto a nível nacional como a nível europeu, assentes em critérios reconhecidos, como os previstos no acordo da OMC sobre os obstáculos técnicos ao comércio e no Regulamento (UE) n.o 1025/2012.

2.6.

O CESE referiu recentemente que, «mercê do contributo de todos os parceiros sociais e das partes interessadas, a normalização europeia deverá contribuir cada vez mais para completar e enriquecer os processos em curso nas economias mundiais», manifestando-se a favor de «uma maior presença e influência da cultura da normalização europeia nos processos mundiais de normalização» (5), inclusivamente através da sensibilização para a comunicação, a facilidade de acesso e a contenção dos custos.

2.6.1.

É igualmente importante manter um equilíbrio adequado entre normalização e criatividade (6), garantindo também aos artesãos e às empresas de menor dimensão a possibilidade de se expressarem livremente e de enriquecerem produtos e serviços, respeitando os limites de base estabelecidos pelas normas.

2.7.

A normalização europeia terá um papel fulcral na criação e no funcionamento do mercado único de produtos e serviços mediante a harmonização gradual, a nível da UE, de normas nacionais, muitas vezes suscetíveis de criar obstáculos técnicos ao acesso aos mercados nacionais e ao comércio e intercâmbio dentro da Europa.

2.8.

Com a convergência das tecnologias e a informatização da sociedade, das empresas e dos serviços públicos, a separação tradicional entre a normalização geral e a digital está a diminuir, como claramente demonstrado também noutro parecer (7) do CESE, acarretando a necessidade de uma abordagem coerente pela Comissão na conceção e definição das prioridades em matéria de normalização.

2.9.

Face às preferências expressas por vários agentes económicos e industriais da UE no sentido de normas internacionais ISO/CEI, o reforço do SEN assume uma importância fundamental com vista a assegurar padrões internacionais associados a uma normalização europeia célere, eficaz e inclusiva de todos os intervenientes, especialmente em termos de representação das pequenas empresas, dos consumidores e das restantes partes interessadas.

2.10.

Um reforço do desenvolvimento de normas europeias voluntárias no domínio dos serviços pode promover o emprego e o crescimento com um aumento das prestações de serviços transfronteiras e uma maior integração dos mercados, permitindo aproveitar plenamente o potencial do setor para a economia europeia, salvaguardando e respeitando, ao mesmo tempo, as condições de trabalho e de vida locais e contribuindo para derrubar os entraves resultantes da utilização de sistemas de certificação nacionais.

2.11.

Em resposta à rápida evolução dos ciclos tecnológicos, à maior complexidade e interação nos sistemas industriais e às fronteiras cada vez mais ténues entre produtos, serviços e TIC, a Comissão Europeia lançou uma Iniciativa Conjunta em matéria de Normalização entre os parceiros públicos e privados do SEN — como sugerido pelo CESE — com a definição de uma visão comum partilhada e um percurso comum centrado numa série de iniciativas tendentes a definir prioridades e a modernizar, acelerar e simplificar a adoção das normas até finais de 2019, mediante:

sensibilização, formação e compreensão do Sistema Europeu de Normalização;

oportunidade, qualidade e alinhamento das prioridades e dos planos regulamentares no âmbito da investigação e inovação;

coordenação, cooperação, transparência e inclusividade das representações, mesmo das de menor dimensão;

participação ativa e transparente de todas as partes interessadas;

competitividade e dimensão internacional, com o desenvolvimento de modelos regulamentares comuns.

3.   Propostas da Comissão Europeia

3.1.

A comunicação da Comissão apresenta uma visão acompanhada de um pacote de normalização que prevê uma série de objetivos de modernização do Sistema Europeu de Normalização (SEN).

Iniciativa Conjunta em matéria de Normalização (ICN): um processo inovador de parceria entre organismos europeus e nacionais de normalização, a indústria e associações profissionais, PME, associações de consumidores, sindicatos, organizações ambientalistas, os Estados-Membros, a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) e a Comissão, com o objetivo de promover ações concretas para acelerar e agilizar os trabalhos de normalização técnica;

Padrões europeus técnicos e regulamentares para os serviços: um guia para promover o desenvolvimento de normas europeias voluntárias no setor dos serviços, reduzir os obstáculos decorrentes de normas e regimes de certificação nacionais e melhorar as informações destinadas aos fornecedores de serviços;

Diálogo interinstitucional estruturado entre a Comissão, o Parlamento Europeu, o Conselho, o CESE e o CR: um sistema de elaboração anual de relatórios e de retorno de informação sobre a aplicação da política de normalização da UE;

Apresentação de programas de trabalho anuais: o programa de trabalho para 2017 estabelece as prioridades anuais do SEN.

3.2.

A Comissão, particularmente no setor dos serviços, tenciona:

levar a cabo análises das áreas de conflito ou de duplicação entre normas nacionais;

acordar critérios para estabelecer prioridades em matéria de normas europeias no domínio dos serviços;

realizar uma revisão direcionada da recolha de informação sobre as normas nacionais em vigor e sobre as práticas para as autorizações relativas às normas e às certificações;

solicitar ao CEN uma lista anual das áreas de potencial conflito ou duplicação entre as normas de qualidade nacionais ou de potenciais lacunas na elaboração de normas;

ter em conta a dimensão europeia antes de decidir a elaboração de uma norma nacional;

recomendar aos Estados-Membros que explorem a via da utilização de normas europeias no domínio dos serviços.

3.2.1.

A Comissão propõe, além disso, facilitar a disponibilização de informações sobre as normas europeias harmonizadas através de um melhor acesso ao balcão único digital proposto na estratégia para o mercado único.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O CESE está de acordo — uma vez mais (8) — com a urgência de uma modernização efetiva e eficaz do Sistema Europeu de Normalização, em debate há mais de cinco anos, e considera indispensáveis uma nova visão comum e ações concretas para dar resposta, sempre numa base voluntária, aos desafios globais da normalização mediante um inovador processo de colaboração, baseado no consenso, com vista ao desenvolvimento atempado de normas num ambiente tecnológico em rápida evolução.

4.2.

Na opinião do CESE, há que iniciar o processo regulamentar desde a fase de investigação e desenvolvimento com ações de conormalização e pré-normalização e potenciar os mecanismos de transferência das normas europeias a nível internacional com o apoio da indústria e dos representantes das PME, dos consumidores, dos parceiros sociais, dos ambientalistas e dos intervenientes pertinentes da sociedade civil.

4.3.

O CESE considera que, para tornar efetivas e eficazes, nos planos interno e internacional, as ações de modernização do SEN indicadas no documento comum da ICN, é prioritário:

alinhar sistemas de programação, elaboração e acompanhamento dos diversos quadros europeus de referência, reforçando a sua coordenação;

assegurar um quadro plurianual reforçado de dotação financeira aos organismos europeus de normalização, a fim de dar um seguimento concreto às ações previstas (9);

apoiar financeiramente e do ponto de vista organizacional uma participação inclusiva dos organismos e das entidades representativas mais débeis e menos apetrechadas através de ações de desenvolvimento de padrões técnicos e normativos, de «sensibilização, formação e compreensão» e de inclusividade «europeia» e na «dimensão internacional».

4.3.1.

A este propósito, o CESE recomenda o lançamento de uma iniciativa de parceria público-privada no âmbito das iniciativas tecnológicas conjuntas (ITC) do programa Horizonte 2020, com base no percurso delineado na Iniciativa Conjunta em matéria de Normalização, com uma dotação financeira adequada e um sistema estruturado de definição de estratégias e de prioridades.

4.4.

O CESE está igualmente preocupado com a ausência de uma forte e inovadora arquitetura de alinhamento das prioridades, quer a nível de diferentes políticas da UE e das várias direções-gerais que as aplicam, quer a nível de instrumentos de programação, para além do Comité de Normalização, das iniciativas ITC — ainda que louváveis — e do diálogo estruturado.

4.4.1.

O CESE considera, por conseguinte, necessário um novo órgão de governação que elabore e acompanhe as estratégias de ação regulamentar que abrangem todos os aspetos da normalização, desde os científicos e tecnológicos aos sociais e ambientais, e que se junte ao atual comité técnico para a normalização.

4.4.2.

O Comité considera que a urgência de se avançar finalmente no sentido de uma forte modernização e valorização do SEN não pode encontrar respostas eficazes numa atitude de «businesss as usual», tendo em conta as solicitações urgentes do Conselho de março de 2015 a este propósito. O diálogo interinstitucional estruturado europeu sobre a normalização deve assegurar um papel proativo privilegiado às entidades representativas, em particular ao CR e ao CESE, tendo em conta as competências de consulta obrigatória que o artigo 114.o do TFUE confere ao CESE.

5.   Observações na especialidade

5.1.

Normas técnicas europeias estabelecidas de forma rápida e atempada. Há interesses divergentes no que toca à rapidez e às dificuldades na aplicação de uma solução única para todos os casos («one size fits all») com vista a reduzir os prazos necessários e as lacunas no acompanhamento dos processos. É mais importante agir de forma atempada do que rápida, sobretudo porque a rapidez pode comprometer a criação de um consenso.

5.2.

Apoio à competitividade das empresas europeias. Ultrapassar os obstáculos à participação das PME em processos de elaboração/aplicação regulamentar e reforçar as ligações entre normalização, inovação e projetos de investigação, inclusivamente mediante ações de desenvolvimento de capacidades para as pequenas empresas.

5.3.

Apoio à legislação e às políticas da UE. Verifica-se uma crescente procura de normas de apoio à legislação e às políticas da UE para a obtenção dos padrões requeridos, pelo que é necessário reforçar as capacidades de coordenação e comunicação entre os diversos intervenientes e partes interessadas.

5.4.

Maior capacidade de antecipação. Na definição dos processos europeus de normalização, é necessário aumentar a capacidade de resposta atempada às necessidades de antecipação regulamentar, nomeadamente para reduzir os riscos de uma regulamentação nacional suscetível de prejudicar a eficácia global do SEN.

5.5.

Inclusividade. É necessário melhorar a capacidade de representação dos intervenientes da sociedade civil e pequenas organizações, através de atividades de desenvolvimento de capacidades. O CESE teve já a oportunidade de sublinhar «a importância de facilitar o acesso ao processo de normalização às PME e aos agentes da sociedade civil […]» e de «um acompanhamento aprofundado dos esforços envidados pelos principais intervenientes na normalização, a fim de reforçar a dimensão de inclusividade do SEN» (10). É preciso assegurar às organizações visadas no anexo III um estatuto específico de membro/parceiro, com direitos e deveres claros, particularmente no que respeita ao direito de emitir parecer.

5.6.

Apoio às normas europeias a nível mundial. É necessário reforçar a eficácia, a capacidade de representação, a competência e a coerência, em especial no que respeita às normas ISO/CEI/UIT, particularmente no tocante às pequenas empresas, aos consumidores e ao ambiente — e em contexto multilateral e de acordos de comércio livre.

5.7.

Governação. Importa:

redefinir estruturas de governação e de coordenação eficientes;

melhorar as redes de comunicação interoperáveis da Comissão no que respeita ao processo de regulamentação;

harmonizar os métodos de trabalho com estruturas de planeamento transparentes e inclusivas de parcerias público-privadas e mecanismos de diálogo interativo.

5.8.

Apoios financeiros plurianuais. É essencial um quadro plurianual de dotações financeiras, não só para a investigação pré-regulamentar e corregulamentar (11), para ações no âmbito das prioridades temáticas consagradas à ciência e sociedade e às ciências sociais e humanas, e para a formação de uma consciência e de uma cultura generalizada da normalização, mas também para apoiar estratégias e iniciativas-piloto de cariz regulamentar em domínios de ponta, recorrendo à utilização de cofinanciamento no quadro geral e regulamentar do programa Horizonte 2020.

5.9.

Disposições e estratégias para o futuro. Necessidade de estudos de impacto de futuras normas internacionais no mercado europeu e de análises prospetivas setoriais e intersetoriais. São necessárias avaliações periódicas e medidas de seguimento da eficácia da aplicação das ações adotadas, com a participação de mecanismos adequados nas instituições, tais como um grupo permanente para a normalização no CESE e organismos análogos no CR e no Parlamento Europeu.

5.10.

Normalização como instrumento das políticas da UE. Para todas as políticas europeias há que reforçar, no âmbito do SEN e nas várias direções-gerais competentes da Comissão, as capacidades de ativação e de utilização coordenada do instrumento de normalização técnica relevante para cada um dos setores.

5.11.

Diálogo interinstitucional estruturado. Na opinião do CESE, este instrumento deve ser totalmente interativo e proativo, beneficiando da atividade de grupos permanentes nas instituições europeias e com a participação, desde o início dos trabalhos de programação, do CR e do Comité Económico e Social Europeu, tendo em conta as competências conferidas pelo TFUE (12) em especial a este último, no que respeita ao mercado interno, do qual a normalização é parte integrante.

Bruxelas, 20 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Iniciativa Conjunta em matéria de Normalização (Joint Initiative on Standardization).

(2)  Ver, por exemplo, a parceria público-público em matéria de metrologia.

(3)  Ver parecer TEN/593 — Prioridades de normalização no domínio das TIC para o Mercado Único Digital (JO C 487 de 28.12.2016, p. 92).

(4)  JO C 376 de 22.12.2011, p. 69.

(5)  JO C 177 de 18.5.2016, p.1.

(6)  Ver nota de rodapé 3.

(7)  Ver nota de rodapé 5.

(8)  Ver nota de rodapé 4.

(9)  Ver anexo 1 da ICN no que se refere à Estratégia para o Mercado Único, de 13.6.2016, Amesterdão.

(10)  «Normalização Europeia para 2016» (JO C 303 de 19.8.2016, p. 81).

(11)  Ver o programa EMPIR (Programa Europeu de Metrologia para a Inovação e Investigação) 2014-2020.

(12)  Ver, em particular, o artigo 114.o do TFUE.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/93


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre medidas contra o bloqueio geográfico e outras formas de discriminação com base na nacionalidade, local de residência ou de estabelecimento dos clientes no mercado interno e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE»

[COM(2016) 289 final — 2016/0152 (COD)]

(2017/C 034/14)

Relator:

Joost VAN IERSEL

Consulta

Parlamento Europeu, 09/06/2016

Conselho da União Europeia, 10/06/2016

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 289 final — 2016/0152 (COD)]

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

04/10/2016

Adoção em plenária

19/10/2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

216/3/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de regulamento relativo ao bloqueio geográfico, tanto no que se refere às empresas como aos consumidores, considerando-o um elemento indispensável da Estratégia para o Mercado Único Digital. No entanto, trata-se de um pequeno passo e não de um ponto de viragem. As empresas e os clientes — sejam os clientes os consumidores individuais ou as empresas enquanto utilizadoras finais — continuarão a deparar-se com dificuldades consideráveis nas suas compras e vendas em todo o mercado único.

1.2.

O CESE insta a Comissão Europeia e o Conselho a adotarem disposições jurídicas ambiciosas e bem definidas para o êxito do mercado único digital, em benefício dos consumidores e das empresas, o que deverá ser também condição prévia para a criação de uma economia europeia resiliente face ao resto do mundo. Essas medidas deverão igualmente promover uma imagem positiva da União Europeia.

1.3.

Resta saber se este regulamento logrará efetivamente uma atenuação das dificuldades dos consumidores. Embora o comércio tradicional fora de linha continue a ser importante no futuro, o número de empresas atualmente ativas no comércio em linha transfronteiriço é bastante limitado. Não obstante, o potencial para compras e vendas em linha, especialmente além-fronteiras, é enorme.

1.4.

Existe uma necessidade premente de criar condições de concorrência equitativas no comércio em linha e fora de linha. Por conseguinte, a UE deve centrar-se não apenas em pôr fim ao bloqueio geográfico injustificado, mas também em combater os restantes obstáculos no mercado único que desencorajam ou entravam os comerciantes nas vendas transfronteiriças em linha e/ou fora de linha.

1.5.

Há que estimular a confiança das empresas e dos consumidores mediante a adoção concomitante de outras disposições jurídicas, sendo algumas das mais importantes um regulamento relativo à entrega de encomendas (1) — com vista a amenizar os problemas de transporte e a reduzir os custos através de concorrência leal, que inclua também disposições de caráter social e respeite plenamente a legislação da UE neste domínio — e uma revisão equilibrada das regras da UE em matéria de direitos de autor.

1.6.

O CESE opõe-se a um bloqueio geográfico injustificado. No entanto, reconhece a existência de vários motivos fundamentados que levam as empresas, em particular PME e microempresas, a evitar ou recusar o comércio em linha transfronteiriço, ou a ajustar os respetivos preços e/ou condições, devido a diferenças entre os mercados. Estes motivos dizem respeito, nomeadamente, aos diferentes enquadramentos legais, requisitos nacionais mais estritos, custos adicionais de transporte, requisitos linguísticos em matéria de informações pré-contratuais e requisitos administrativos.

1.7.

O CESE salienta que o bloqueio geográfico justificado, decorrente das amplas variações entre as políticas industriais dos Estados-Membros e divergências dos ordenamentos jurídicos, está a prejudicar o desenvolvimento espontâneo de PME e de empresas em fase de expansão que operam à escala europeia. Estas divergências, por seu turno, estão a comprometer a transparência e a previsibilidade, tão necessárias para estimular o investimento e restaurar a confiança dos mercados na era digital.

1.8.

A proposta de regulamento não impõe, e bem, nenhuma obrigação ao comerciante de entregar mercadorias ou prestar serviços no país do cliente se aquele (ainda) não operar ou fizer entregas nesse país.

1.9.

Qualquer cliente no mercado único terá legitimamente acesso a qualquer oferta e poderá adquirir um bem ou serviço, desde que se encarregue de levantar a mercadoria ou beneficie do serviço num território em que o comerciante já opere, sendo então defensável que o comerciante aplique as suas regras nacionais.

1.10.

Além disso, o CESE congratula-se com os requisitos de informação impostos aos comerciantes para reforçar a transparência e a prestação de informações ao cliente, em consonância com a Diretiva relativa aos direitos dos consumidores de 2011. Poderá ser útil criar um sítio Web da UE informativo. No contexto da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores de 2011, é imposta às empresas a obrigação de garantir a transparência dos preços. O CESE incentiva as empresas a irem além dos requisitos mínimos para ganharem a confiança dos consumidores.

1.11.

O CESE congratula-se com as primeiras conclusões do inquérito ao setor do comércio eletrónico, recentemente publicadas pela Comissão Europeia (2), designadamente de que o comércio eletrónico constitui um importante estímulo para a transparência e concorrência a nível dos preços. O bloqueio geográfico injustificado inibe esta evolução natural.

1.12.

Alguns aspetos merecem, no entanto, maior clarificação, em particular o seguinte:

1.12.1.

Urge formular com maior clareza a disposição que estabelece a legislação aplicável — o artigo 1.o, n.o 5, dispõe que o comerciante pode «vender» tal como no seu país, com base nas suas regras nacionais.

1.12.2.

Os serviços pós-venda (em casos de não conformidade, custos de devolução, opções de indemnização, etc.) não são especificamente abrangidos pelo regulamento e, por conseguinte, são regulados pela Diretiva relativa aos direitos dos consumidores de 2011. Ao Regulamento relativo ao bloqueio geográfico deve ser aditada uma referência à legislação pertinente da UE aplicável. Para tal, há que realizar uma análise mais ponderada.

1.12.3.

Algumas disposições importantes, como o artigo 7.o, que trata das sanções aplicáveis às infrações, e o artigo 8.o, que se ocupa da assistência prestada aos consumidores, atribuem aos Estados-Membros a responsabilidade pela aplicação do regulamento. Cabe assegurar que eventuais divergências de interpretação não conduzam a uma maior fragmentação e, consequentemente, ao enfraquecimento do impacto do regulamento. O CESE saúda a pretensão da Comissão de aplicar em toda a UE um modelo uniforme para as queixas dos consumidores (3).

1.13.

A data referida no artigo 11.o para a aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), ou seja, 1 de julho de 2018, deve permanecer em aberto e ser determinada apenas numa fase posterior, em função da duração do processo legislativo.

1.14.

O CESE apoia a proposta da Comissão de um modelo uniforme de formulário para a apresentação de queixas.

2.   Introdução

2.1.

Tanto a transformação digital das empresas como o mercado digital estão a propagar-se rapidamente a nível mundial. Tendo em conta as enormes consequências destes processos dinâmicos, a Comissão afirmou, e bem, que o mercado único digital é uma das suas principais prioridades.

2.2.

O CESE também está fortemente envolvido no debate sobre a transformação digital. Numa série de pareceres, já formulou observações sobre os aspetos globais e horizontais da digitalização, bem como sobre propostas relativas a assuntos específicos apresentadas pela Comissão (4).

2.3.

Na perspetiva do CESE, a revolução digital exige condições sólidas que permitam promover o mercado único nesta nova era. Estas condições devem ser definidas por um quadro jurídico adequado novo e/ou revisto, que garanta os direitos dos cidadãos e dos consumidores. Além disso, as empresas devem ser incentivadas a utilizar ferramentas digitais e soluções inovadoras para operar além-fronteiras.

2.4.

Cada uma das 16 propostas legislativas e não legislativas contidas no pacote relativo ao mercado único digital, incluindo a proposta relativa ao bloqueio geográfico, deve ser devidamente considerada neste ponto de partida.

2.5.

A avaliação das práticas atuais torna evidente que subsistem muitos obstáculos às transações em linha transfronteiriças. Muitas vezes, o desenvolvimento limitado do mercado transfronteiriço não é uma consequência da segmentação desleal do mercado, mas sim da incerteza dos comerciantes relativamente às atitudes dos consumidores e aos obstáculos administrativos ainda existentes, aos diferentes quadros regulamentares e às barreiras linguísticas. As incertezas deste tipo são igualmente prejudiciais para a confiança dos consumidores.

2.6.

A falta de informação também contribui para que o comércio eletrónico (tanto as compras como as vendas) esteja a evoluir rapidamente a nível nacional mas continue pouco desenvolvido no contexto transfronteiriço.

2.7.

No que respeita ao comércio transnacional, existem também diferenças substanciais entre setores, empresas grandes e pequenas, tipos de operadores (por exemplo, retalhistas ou intermediários) e sítios web, enquanto o volume do comércio internacional em linha varia consideravelmente entre Estados-Membros.

2.8.

A situação é complexa. A fim de promover as condições de concorrência equitativas e soluções transparentes necessárias para as empresas e para os consumidores, o pacote legislativo relativo ao mercado único digital deve ser aplicado de forma coerente, assegurando, simultaneamente, a plena compatibilidade das outras disposições jurídicas sobre questões afins, por exemplo, relativas ao IVA, à entrega de encomendas, à eliminação de resíduos e aos direitos do consumidor.

2.9.

As tendências económicas e tecnológicas são irreversíveis. Assim, num mundo em que o comércio em linha aumentará inevitavelmente, o objetivo de criar condições de concorrência equitativas, a nível europeu, para cidadãos e empresas tem de ser alcançado o mais rapidamente possível.

3.   Âmbito alargado

3.1.

Neste período de progressos disruptivos, em que todos os setores — tanto os de produção como os de serviços — estão em constante mudança, surgem novos modelos empresariais de economia da partilha e os métodos comerciais estão a adaptar-se a esta evolução. As redes sociais e os serviços estão a influenciar profundamente o desenvolvimento de novos padrões de comercialização e aquisição de bens, o que tem enormes implicações para as empresas e os consumidores. A UE deve alinhar a legislação atual e futura com as novas realidades de mercado sem adotar uma abordagem rígida para não prejudicar o desenvolvimento de novos modelos de negócio e soluções inovadoras.

3.2.

O bloqueio geográfico está em contradição com um princípio básico do mercado único. Embora existam frequentemente motivos justificados para um tratamento diferenciado em termos de preços ou de condições, resultantes, por exemplo, da fragmentação de mercado que ainda subsiste ou de diferenças entre mercados nacionais, tanto as empresas como os consumidores beneficiarão de um mercado aberto e competitivo que proporcione maior variedade de escolha e melhor qualidade a preços justos.

3.3.

A importância do comércio eletrónico B2C — sejam os clientes os consumidores individuais ou as empresas enquanto utilizadoras finais — tem de ser encarada num contexto mais abrangente. As empresas, agora mais do que nunca, são obrigadas a inovar e a trabalhar com eficiência a preços moderados. Os novos progressos superam limites e ajudam a aumentar a solidez e a capacidade de resistência das empresas. Por este motivo, e não só, o CESE apoia plenamente o objetivo de eliminar qualquer discriminação contra o cliente com base na nacionalidade e/ou residência.

3.4.

No entanto, a decisão de se internacionalizar é, e continuará a ser, um direito exclusivo de cada empresa. A experiência mostra que a (grande) maioria das empresas opta por uma abordagem nacional.

3.5.

Em relação aos Estados Unidos, a Europa continua a registar um atraso. Os setores digitais da China e da Índia estão a conquistar posições fortes. Entre os 20 líderes mundiais do setor da Internet não existe nenhuma empresa europeia. Segundo estudos internacionais, a Europa é líder na criação de empresas. No entanto, a fragmentação do mercado europeu prejudica o desenvolvimento espontâneo de empresas em fase de arranque ou a expansão à escala europeia. A segmentação do mercado obsta, muitas vezes, ao seu desenvolvimento.

3.6.

A Comissão faz, e bem, uma distinção entre bloqueio geográfico justificado e injustificado. O bloqueio geográfico justificado no comércio B2C ocorre principalmente como resultado da fragmentação do mercado da UE e de situações com falta de transparência.

3.7.

A revelação clara de (novas) falhas no mercado interno constitui um evidente efeito secundário da luta contra o bloqueio geográfico. É fundamental analisar cuidadosamente, caso a caso, se existem ou não fundamentos para restringir o acesso a um determinado serviço ou para adotar um tratamento diferenciado em termos de preços e/ou condições com base na nacionalidade ou na residência.

3.8.

Teria sido extremamente útil a apresentação de um cenário de eventual bloqueio geográfico e de desenvolvimento do mercado num grande mercado interno como o dos Estados Unidos — por mais difícil e oneroso que isso seja —, uma vez que tal cenário poderia constituir um modelo a seguir pela Europa. Tal como na Europa, os Estados federados dos Estados Unidos também podem ter determinados poderes legais que dificultam a realização de operações à escala nacional, mas estes são certamente menos abrangentes do que na Europa. É provável que a livre iniciativa e a procura do consumidor favoreçam fortemente o comércio eletrónico B2C, criando assim um ambiente fértil para a concorrência e também para as empresas em fase de arranque ou de expansão que crescem rapidamente no mercado interno dos Estados Unidos.

3.9.

Este cenário poderia ajudar a prever a evolução na Europa. As análises da Comissão, baseadas em inquéritos às empresas, descrevem as práticas atuais em mercados que são, por natureza, predominantemente nacionais. O exemplo dos Estados Unidos pode ilustrar o potencial real da atividade económica decorrente do comércio eletrónico B2C após a remoção de todos os grandes obstáculos.

3.10.

A promoção das vendas transfronteiriças já está há algum tempo na ordem do dia da UE. Foram elaboradas algumas diretivas neste domínio, como a Diretiva «Serviços» (2006) e a diretiva relativa aos direitos dos consumidores (2011), que colocam a tónica na proteção do consumidor, tendo simultaneamente por objetivo obrigar as empresas a garantir transparência suficiente para o consumidor e a pôr termo à discriminação transfronteiriça injustificada.

3.11.

O CESE lamenta que a implementação desadequada e a aplicação incorreta, além de uma execução deficiente, da legislação da UE em vigor criem frequentemente obstáculos duradouros.

3.12.

Até hoje, todavia, o efeito das disposições legislativas no incentivo ao comércio eletrónico transfronteiriço continua a ser limitado. Com base em amplos estudos de mercado e inquéritos às empresas e aos consumidores, a Comissão conclui que as compras em linha se tornaram normais para o consumidor, mas as compras em linha transfronteiriças continuam a ser a exceção. Apenas metade das empresas que vendem em linha também o fazem além-fronteiras (5).

3.13.

O CESE concorda que restrições transfronteiriças relacionadas com a nacionalidade ou a residência comprometem a confiança no mercado único, pelo que devem ser combatidas. Com base em investigações alargadas, pode concluir-se de forma totalmente justificada que os consumidores e o setor empresarial apoiam fortemente a abertura do mercado europeu ao comércio eletrónico B2C. O Parlamento Europeu é da mesma opinião (6).

4.   Situação atual

4.1.

A fim de melhorar as compras e vendas transfronteiriças, a Comissão elaborou um pacote de medidas em diversos domínios como, por exemplo, o registo do IVA e as regras do IVA para o comércio eletrónico, a entrega de encomendas, a reforma dos direitos de autor, ou a reforma do regulamento relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor. É igualmente essencial que os acordos verticais entre fornecedores e distribuidores e as medidas unilaterais tomadas por empresas individuais estejam totalmente em consonância com a política de concorrência da UE.

4.2.

A proposta de regulamento relativo ao bloqueio geográfico faz parte desde pacote global. É de salientar que vários setores importantes não são abrangidos por este regulamento, como é o caso dos doentes/setor da saúde, transporte ferroviário de passageiros, serviços financeiros (de retalho), música em formato digital, serviços audiovisuais e determinados jogos de azar. A ideia de base é que estes setores requerem disposições setoriais específicas, que, no entender do CESE, devem ser adotadas em breve para colmatar as lacunas da legislação relativa ao mercado único digital.

4.3.

O mesmo se aplica também à questão, extremamente importante, dos direitos de autor. Embora as questões de direitos de autor sejam, com razão, excluídas do âmbito de aplicação desta proposta, ainda que com ela estejam indubitavelmente relacionadas, o CESE exorta a Comissão a tomar medidas adequadas para combater a fragmentação neste domínio, atenuar as frustrações dos consumidores e ajudar a construir um verdadeiro mercado único digital.

4.4.

O resumo da consulta pública de 2015 sobre o bloqueio geográfico conclui que os consumidores e as empresas estão, de um modo geral, insatisfeitos com a atual fragmentação do mercado único. Contudo, aparentemente, as empresas e associações comerciais aceitam a atual situação, associando-a às divergências entre os ordenamentos jurídicos dos diferentes Estados-Membros (7).

4.5.

O CESE observa que é importante para as PME que a proposta não crie uma obrigação de entrega em toda a Europa. Todavia, as PME beneficiarão com certeza das oportunidades (8) de vender produtos e serviços em todo o continente, especialmente nas regiões fronteiriças, gozando, enquanto utilizadoras finais, dos mesmos direitos que os consumidores, o que facilita a compra de produtos e serviços provenientes de outros Estados-Membros. O CESE salienta, além disso, que o êxito da aplicação do regulamento relativo aos serviços de entrega de encomendas é necessário para apoiar e incentivar o comércio transfronteiriço.

4.6.

As divergências entre os ordenamentos jurídicos ajudam a explicar a diferença entre bloqueio geográfico justificado e injustificado. À exceção da categoria de empresas que simplesmente decidem não se internacionalizar, as reservas das empresas quanto à eliminação do bloqueio geográfico devem-se, em grande medida, à atual incerteza no que respeita a práticas divergentes na Europa, que prejudicam o comércio internacional.

4.7.

Os consumidores têm muitas queixas acerca do comércio transfronteiriço, ainda que a dimensão dos exemplos disponíveis seja algo limitada e a realização de uma avaliação mais aprofundada seja recomendável. As queixas abrangem um vasto leque de questões, nomeadamente a falta de informação, as restrições ou recusas de entrega, a falta de justificação ou explicação para a recusa de bens ou serviços, o reencaminhamento, as diferenças de preço, a recusa de certos cartões de crédito e a diferenciação baseada nos endereços de faturação e de entrega ou na língua. Algumas destas práticas decorrem de diferenças entre os ordenamentos jurídicos. Outras, contudo, decorrentes de cláusulas contratuais ou práticas concertadas, geram uma segmentação vertical do mercado bastante generalizada, que assenta, por exemplo, em características pessoais, e devem ser proibidas (9). O reforço da confiança das empresas e dos consumidores nos mercados em linha é essencial para estimular o comércio eletrónico transfronteiriço em benefício dos consumidores, das empresas e dos cidadãos.

4.8.

O bloqueio geográfico injustificado deve ser proibido, assim como o tratamento diferenciado em termos de preço, condições ou outros aspetos para serviços prestados no mesmo momento e no mesmo local (por exemplo, através da localização de endereços IP ou definição de perfis). Não existe justificação para um tratamento diferenciado sistemático no que respeita a serviços como o aluguer de veículos, parques de diversões ou hotéis. No entanto, devem ser permitidas promoções temporárias ou diferenças de preço, por exemplo, durante as férias escolares — ou seja, numa base temporária e horizontal.

4.9.

As restrições contratuais a vendas transfronteiriças assumem várias formas e as restrições contratuais territoriais podem ser encontradas em todas as categorias de produtos (10). Todavia, algumas restrições aparentemente injustificadas são, de facto, aceitáveis; um exemplo comum é a diferenciação de preços. A Comissão tem razão quando refere a existência de uma zona cinzenta (11) neste contexto. Por exemplo, as diferenças de preço podem ser (pelo menos em parte) explicadas pelo facto de existirem mercados diferentes, categorias diferentes de consumidores visados e custos mais elevados em resultado de regulamentações, prestações de aconselhamento jurídico, serviços de pagamento e tratamento de entregas e de devoluções diferentes ou suplementares, a nível nacional (12).

4.10.

As perceções negativas e correspondentes queixas sobre as falsas promessas do mercado único são generalizadas entre os consumidores e também no meio empresarial. Estas queixas resultam, essencialmente, de dois fenómenos concomitantes: diferentes políticas industriais nacionais e legislação divergente.

4.11.

O CESE criticou por diversas vezes a existência de 28 políticas industriais, pois uma abordagem nacional das políticas industriais prejudica as operações comerciais a nível da UE e, em especial, compromete a margem das PME para a realização de operações transfronteiriças. Políticas nacionais descoordenadas com uma evidente falta de uniformidade, quando é o caso, prejudicam o planeamento transfronteiriço. As medidas governamentais imprevisíveis ou arbitrárias aumentam a incerteza.

4.12.

O atual panorama é certamente diversificado: existem normas nacionais diferentes e regimes de certificação diferentes; alguns sítios Web estão bloqueados de modo a impedir a venda a partir de outro país; os regimes de pagamento normalmente diferem entre si; as exigências linguísticas podem ser proibitivas; as autoridades de fiscalização do mercado, por vezes, impõem condições adicionais (13) e as atuais diretivas da UE são incorretamente ou nem sequer aplicadas. Um exemplo conhecido é o do artigo 20.o da Diretiva Serviços, que os Estados-Membros ignoram sistematicamente, embora neste caso concreto exista falta de clareza quanto à forma de fazer cumprir o artigo devidamente. Todos estes fatores comprometem a transparência do mercado e as condições de concorrência equitativas que se pretendem.

4.13.

O mercado interno é uma questão essencial. A sociedade em linha coloca o mercado único no centro das atenções, aproximando as empresas e os consumidores de todo o continente. Um clique do rato abre instantaneamente uma enorme variedade de opções e de escolhas. As oportunidades de especialização e de soluções personalizadas podem aumentar exponencialmente. No entanto, deve ter-se em conta que, mesmo que o mercado único funcione perfeitamente, continuarão a existir diferenças entre regiões.

4.14.

As barreiras artificiais estão a impedir que as empresas, especialmente as PME, se desenvolvam espontaneamente. As empresas procuram ações concertadas para contornar os problemas ou superar os obstáculos, a fim de assegurar uma posição no mercado. Os acordos verticais ou horizontais entre comerciantes e distribuidores, bem como diversas formas de segmentação do mercado geralmente consideradas como bloqueio geográfico injustificado, também têm amiúde de ser vistos como medidas defensivas contra o que as empresas consideram ser obstáculos nacionais arbitrários. Por exemplo, os custos do transporte e dos serviços pós-venda podem acabar por ser inesperadamente mais elevados devido a políticas nacionais. Uma empresa obrigada a realizar entregas em qualquer circunstância pode ter dificuldade em cumprir as suas obrigações num contexto de condições desconhecidas.

4.15.

Em alguns casos, recorre-se a intermediários transfronteiriços para atenuar as dificuldades nacionais que se colocam entre a empresa no país de origem e os clientes noutro país. No entanto, por muito útil que tal possa parecer, não facilita, de um modo geral, as relações diretas entre as empresas fornecedoras e os clientes.

4.16.

Não há dúvida de que o bloqueio geográfico injustificado tem de ser identificado e combatido, mas o CESE insiste em que, para criar as condições adequadas, também é necessário tirar as conclusões certas da atual fragmentação do mercado interno, que decorre de abordagens nacionais divergentes.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Parecer do CESE sobre a «Proposta de regulamento relativo aos serviços transfronteiriços de entrega de encomendas», que complementa as propostas apresentadas no presente parecer (ver página 106 do Jornal Oficial).

(2)  O inquérito foi publicado em maio de 2015 e as primeiras conclusões foram divulgadas em 15 de setembro de 2016.

(3)  Dadas as diferenças de abordagem que existem entre países, não será nada fácil concretizar este objetivo. Este aspeto está atualmente a ser debatido entre a Comissão e o Conselho.

(4)  JO C 264 de 20.7.2016, p. 86,

JO C 264 de 20.7.2016, p. 57,

JO C 264 de 20.7.2016, p. 51,

JO C 71 de 24.2.2016, p. 65.

(5)  Ver a avaliação de impacto sobre o bloqueio geográfico e outras formas de discriminação com base na nacionalidade, local de residência ou de estabelecimento na Europa [COM(2016) 289 final, p. 2]. No entanto, na sua comunicação de 2012 sobre serviços, a Comissão afirmou, com razão, que as empresas são livres de determinar o âmbito geográfico para o qual orientam as suas atividades na UE «mesmo quando vendem em linha».

(6)  Ver resolução do Parlamento Europeu, de 19 de janeiro de 2016, intitulada «Rumo ao ato para o mercado único digital» [2015/2147(INI)], capítulo 2.

(7)  Resumo das respostas à consulta pública de 2015 da Comissão Europeia sobre o bloqueio geográfico, p. 15.

(8)  Veja-se a Aliança Europeia das Pequenas Empresas (ESBA — European Small Business Alliance).

(9)  Ver também o documento de reflexão com as conclusões iniciais do inquérito ao setor do comércio eletrónico conduzido pela DG Concorrência [SWD(2016) 70 final, ponto 7].

(10)  Ibidem, pontos 98 e 99.

(11)  Ibidem, ponto 102. Esta zona cinzenta deve ser definida com maior clareza.

(12)  Ibidem, ponto 114.

(13)  Veja-se o exemplo da Alemanha.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/100


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação coerciva da legislação de defesa do consumidor»

[COM(2016) 283 final — 2016/0148 (COD)]

(2017/C 034/15)

Relator:

Bernardo HERNÁNDEZ BATALLER

Consulta

Parlamento Europeu, 9.6.2016

Conselho, 30.6.2016

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 283 final — 2016/0148 (COD)]

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

219/4/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE expressa o seu apoio à proposta da Comissão, que considera ao mesmo tempo oportuna e competente na análise e no desenvolvimento da matéria em exame. A este propósito, cabe salientar a amplitude dos benefícios que a aplicação da proposta deverá trazer a todos os intervenientes implicados, consumidores, empresas e autoridades nacionais, como referido na própria proposta.

1.2.

Ao mesmo tempo, o CESE manifesta-se inquieto e preocupado pelo facto de a regulamentação de toda esta matéria na proposta poder vir a afetar os direitos fundamentais e a sua aplicação por parte dos Estados-Membros.

1.3.

Por outro lado, o CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a assegurar que as normas de procedimento comuns previstas no artigo 8.o da proposta sejam aplicadas de forma eficaz, de acordo com os princípios das boas práticas administrativas.

1.4.

Por último, o CESE exorta a Comissão a investir na coordenação necessária com os Estados-Membros, com vista à execução das medidas previstas na proposta em apreço, e a promover a concretização das ações coordenadas.

2.   Contexto

2.1.

O Regulamento (CE) n.o 2006/2004, de 27 de outubro de 2004 (1), relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor (a seguir designado «Regulamento CDC») foi aprovado com o parecer favorável do CESE (2).

2.2.

O Regulamento CDC harmoniza o quadro de cooperação entre as autoridades nacionais do Espaço Económico Europeu, assegurando que a ação das administrações responsáveis pela defesa do consumidor abrange todo o território do mercado único.

2.3.

A legislação a que é aplicável o Regulamento CDC é estabelecida no respetivo anexo, atualizado sempre que entra em vigor nova legislação. Atualmente, inclui vinte diretivas e regulamentos no âmbito do acervo da União em matéria de direito dos consumidores e da comercialização de produtos e serviços.

2.4.

O Regulamento CDC pretende velar pelo correto funcionamento dos mercados de retalho em toda a UE.

2.4.1.

O Regulamento CDC define competências mínimas para as autoridades nacionais e permite que estas ponham cobro a infrações transfronteiriças.

3.   Avaliação do Regulamento CDC

3.1.

O artigo 21.o-A do regulamento dispõe que a Comissão deve apreciar a eficácia e os procedimentos nele previstos e analisar a eventual inclusão no seu anexo de outros atos legislativos, apresentando, quando for caso disso, uma proposta legislativa relativa à sua alteração.

3.2.

Na sequência de uma avaliação externa (3), e após uma consulta pública, a Comissão publicou um relatório (4) enunciando os fatores que poderiam ser prejudiciais à eficácia do regulamento:

a)

as competências mínimas insuficientes das autoridades para cooperarem de forma eficaz e rápida, sobretudo na esfera digital;

b)

a insuficiente partilha de informações comerciais;

c)

a capacidade limitada do mecanismo de reprimir as infrações que implicam vários países. As autoridades nacionais concordam que é frequente verificarem-se simultaneamente infrações semelhantes nos seus mercados. Devem ser abrangidas as «infrações generalizadas» e as de duração «relativamente curta» mas cujos efeitos sejam nocivos;

d)

a necessidade de alterar o anexo do regulamento, alargando o seu âmbito de aplicação, com base nos seguintes critérios:

i)

interesses coletivos dos consumidores;

ii)

pertinência transfronteiriça;

iii)

dimensão policial e coerência com a legislação setorial e horizontal constante do anexo;

e)

inexistência de obrigações jurídicas adicionais para as empresas.

3.3.

Por fim, propunha-se o reforço dos mecanismos de cooperação para executar o Regulamento CDC e para poder aplicar com eficiência o direito dos consumidores com vista a um mercado único forte e dinâmico.

4.   A proposta da Comissão

4.1.

O objetivo geral da proposta consiste em eliminar as distorções da concorrência e os entraves ao mercado interno. Procura preservar e aumentar a eficácia e a eficiência do sistema de aplicação transnacional da legislação da União em matéria de defesa do consumidor.

4.2.

O atual Regulamento CDC é atualizado, aprofundando o nível de harmonização, por forma a resolver as questões salientadas na avaliação e a reforçar a aplicação coerciva transnacional da legislação da União em matéria de defesa do consumidor no mercado único.

4.3.

A proposta respeita o princípio da subsidiariedade, uma vez que a defesa do consumidor é competência partilhada da União Europeia e dos Estados-Membros. Por outro lado, também respeita o princípio da proporcionalidade, ao estabelecer um conjunto mínimo de poderes comuns a todas as autoridades competentes dos Estados-Membros no seu âmbito de aplicação.

4.4.

Na cooperação para combater as «infrações generalizadas» propõe-se, entre outros instrumentos, a adoção de um procedimento comum à escala da União para fazer face a infrações altamente prejudiciais que afetem, pelo menos, três quartos dos Estados-Membros, que representem, no mínimo, três quartos da população da UE.

4.4.1.

Propõe-se que, em casos de «infrações generalizadas», a Comissão decida lançar o procedimento comum e assegure obrigatoriamente a sua coordenação. Os Estados-Membros afetados deverão participar obrigatoriamente nesta ação comum.

4.5.

Nas disposições introdutórias da proposta, as definições são atualizadas a fim de ter em conta o alargamento do âmbito do regulamento às «infrações generalizadas» e às «infrações cessadas».

4.6.

É estabelecido o processo de designação das autoridades competentes e dos serviços de ligação únicos, clarificando as suas funções. É ainda estabelecido o conjunto mínimo de poderes de inquérito e coercivos, clarificando os atuais e acrescentando outros novos que as autoridades competentes consideram necessários para atuar num contexto transfronteiriço.

4.7.

Por outro lado, a proposta prevê um mecanismo de assistência mútua, o qual, por sua vez, é constituído por dois instrumentos:

pedidos de informação, que permitem às autoridades competentes obter informações e elementos de prova além-fronteiras, e

pedidos de medidas coercivas, através dos quais uma autoridade competente pode requerer que outra autoridade competente de outro Estado-Membro atue coercivamente.

4.8.

No que toca ao mecanismo de coordenação das atividades de vigilância, investigação e aplicação da legislação em matéria de infrações generalizadas, são previstos instrumentos como ações coordenadas, ações conjuntas contra as infrações generalizadas com importância ao nível da UE e investigações concertadas dos mercados.

4.8.1.

É estabelecido um novo instrumento de combate às infrações generalizadas com importância ao nível da União, passíveis de prejudicar os consumidores de uma vasta parte da União. Estabelece o patamar a partir do qual as suspeitas de infração são consideradas de importância ao nível da União.

4.8.2.

O patamar é determinado com base em dois critérios que devem ocorrer simultaneamente (o número de países envolvidos e a população afetada) e, sendo caso disso, a ação conjunta é lançada por decisão. O objetivo é acabar com a infração e assegurar, sempre que pertinente, a compensação do consumidor através de compromissos do operador.

4.8.3.

A proposta prevê disposições comuns aplicáveis aos procedimentos relativos às ações coordenadas e conjuntas, tais como o direito do operador a ser ouvido, o papel do coordenador, a tomada de decisões e as línguas utilizadas. Além disso, estabelece a base jurídica para as investigações concertadas dos mercados (sweeps).

4.9.

Por último, são previstas outras ações ao nível da União, como a coordenação de outras atividades que contribuem para a vigilância e a aplicação coerciva da lei, o intercâmbio de funcionários entre as autoridades competentes, o intercâmbio de informações sobre a política dos consumidores e a cooperação internacional.

4.9.1.

A proposta inclui um anexo com uma lista dos instrumentos legais que protegem os interesses dos consumidores e define o âmbito de aplicação do regulamento em razão da matéria (ratione materiae).

5.   Observações na generalidade

5.1.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão, que levará a uma cooperação reforçada e aumentará a segurança jurídica, desenvolvendo mecanismos modernos, eficientes e eficazes para reduzir os prejuízos que as infrações transnacionais causam aos interesses coletivos dos consumidores e ao mercado único.

5.2.

A proposta favorecerá todos os operadores económicos afetados pela concorrência desleal de operadores não conformes, os quais desenvolveram modelos de negócio que lhes permitem escapar ao cumprimento das leis e prejudicar os consumidores de outros Estados-Membros.

5.2.1.

Deste modo, será reforçada a defesa dos consumidores e a segurança jurídica das empresas e assegurada uma execução transfronteiriça mais coerente, assim como a igualdade de condições no mercado único, sem que seja necessário impor encargos desproporcionados às empresas.

5.2.2.

Nessa continuidade, o CESE recorda que, no exercício dos poderes conferidos às autoridades, importa assegurar um equilíbrio adequado entre os direitos fundamentais em jogo, como sejam um elevado nível de defesa do consumidor, a liberdade de empresa e a liberdade de informação. O CESE insiste na importância de respeitar o direito de defesa e o direito de ser ouvido no decorrer do processo e de o fazer na língua da sua escolha.

5.3.

O texto não só apresenta soluções a priori eficazes, em consonância com a complexidade e amplitude das «infrações generalizadas», mas inclui ainda medidas que promovem a defesa efetiva dos direitos dos consumidores e dos utilizadores e que poderá ser interessante aplicar a casos que não são objeto da proposta.

5.4.

Para dar cumprimento ao objeto e à finalidade da proposta é necessário que as autoridades disponham de poderes e meios para cooperar eficazmente e para adotar as medidas em aplicação do regulamento. O CESE apoia o reforço do conjunto mínimo de poderes de inquérito e de aplicação coerciva da legislação e dos meios previstos para as autoridades competentes, tendo em conta as diferentes tradições jurídicas dos Estados-Membros.

5.4.1.

Para uma aplicação eficaz da legislação, importa que seja possível ordenar a restituição dos ganhos ilícitos obtidos com as infrações, que o CESE já apoiou anteriormente (5). A proposta faz uma distinção, a justo título, entre o conjunto mínimo de poderes das autoridades competentes ao prever a indemnização do consumidor e a restituição dos ganhos obtidos com as infrações.

5.4.2.

No que respeita à publicidade das sanções, é importante que a proposta contemple essa possibilidade como medida de saneamento do mercado, com o objetivo de tornar mais transparente o seu funcionamento e dar expressão concreta ao direito à liberdade de informação (6).

5.5.

Por outro lado, a proposta não explora medidas proativas de apoio ao objetivo visado, limitando-se a uma abordagem reativa cujo efeito coercivo poderá, em determinados casos, não ser capaz de neutralizar o impacto das infrações da forma esperada, especialmente se os procedimentos comuns, ou a sua eficácia, forem morosos.

5.6.

Acresce que haverá que rever a aplicação futura do regulamento para avaliar o seu impacto na correção do mercado, visto que as ações punitivas nem sempre permitem retificar de maneira suficiente as práticas irregulares ou inverter as suas consequências, especialmente no que diz respeito à sua repetição e reincidência.

5.7.

Talvez uma orientação mais integral da proposta no sentido da erradicação das irregularidades generalizadas pudesse aumentar as garantias de êxito, para o qual serão igualmente determinantes as perceções e as expectativas dos consumidores e dos utilizadores.

5.7.1.

Assim, o conhecimento pelo público e a aplicação simultânea de medidas proativas e reativas, valorizando especialmente a autorregulação e a corregulação, bem como uma atuação corresponsável do consumidor, podem criar sinergias que conduzam a maior eficiência e eficácia da proposta.

5.8.

O CESE congratula-se com a possibilidade de participação das organizações da sociedade civil prevista na proposta, o que permite fomentar a boa governação, a transparência e a aplicação do princípio de abertura no funcionamento das instituições da União (7).

5.8.1.

Para atingir os objetivos previstos em matéria de responsabilidade partilhada de todos os atores é essencial alargar o mecanismo de alerta à participação de outras entidades.

6.   Observações na especialidade

6.1.

Poderia ter sido aproveitada a oportunidade para incluir na proposta a especificação de medidas acessórias ou alternativas à sanção pecuniária propriamente dita.

6.2.

Quanto à cooperação com outros poderes públicos e organismos designados, seria conveniente estabelecer critérios de coordenação que garantam uma transversalidade uniforme para assegurar o melhor cumprimento possível do disposto no artigo 6.o, de modo a prevenir divergências ou disfunções na sua aplicação.

6.3.

Do mesmo modo, é muito positivo o desenvolvimento do artigo 8.o, pois a enumeração dele constante explicita os poderes mínimos que permitem às autoridades atuar, o que, enquanto se aguarda a sua determinação, poderá, em muitos casos, proporcionar um espetro de intervenção mais amplo do que o atual.

6.4.

Importa, em qualquer caso, que os Estados-Membros zelem por que as autoridades competentes e os serviços de ligação únicos disponham dos recursos orçamentais necessários ao eficaz exercício das suas competências.

6.5.

O CESE considera necessário assegurar que o desenvolvimento e aplicação do mecanismo de assistência mútua e os procedimentos administrativos visados obedecem escrupulosamente a princípios como a transparência e a simplificação administrativa.

6.6.

No que se refere à coordenação das atividades de vigilância, investigação e aplicação da legislação em matéria de infrações generalizadas, seria útil uma formulação mais clara que permitisse uma compreensão mais fácil e rápida do texto, dada a profusão de circuitos e vias processuais e a casuística que daí decorrerá. O mesmo vale para as fases de cada procedimento.

6.7.

No atinente ao artigo 24.o, não é claro se os compromissos propostos pelo operador, uma vez aceites pelos consumidores, implicam o encerramento de qualquer outra ação de correção iniciada ou que possa vir a ser iniciada mais tarde, embora se deduza, do conteúdo do artigo 25.o, que os compromissos e as medidas coercivas se excluem mutuamente, o que poderia ser contrário à legislação atual dos Estados-Membros dentro do seu território.

6.7.1.

Do mesmo modo, não é claro que se possa aplicar fórmulas incompatíveis a todos os casos que surjam, uma vez que a análise das circunstâncias específicas de cada um pode recomendar a conjugação de ambas as fórmulas, ainda que em medidas diferentes. Talvez esta ambiguidade possa deixar margem para uma aplicação mais diferenciada da proposta, embora garantindo que sejam evitados tratamentos não uniformes.

6.7.2.

Por último, no que se refere aos inquéritos concertados nos mercados de consumo, seria oportuno alargar os inquéritos como prática administrativa com caráter preventivo, em conformidade com o anteriormente referido, o que não só evita o surgimento de situações de risco de infrações generalizadas, mas permite também impedir distorções temporais decorrentes das ações iniciadas até esse momento, para além de possibilitar uma reação precoce.

6.8.

Para efeitos de eficiência e eficácia, cumpre assinalar a necessidade de aplicar de forma coordenada os mecanismos de vigilância e alerta nos sistemas já implementados, e mesmo de os associar diretamente, numa tentativa de homogeneizar ou normalizar o seu funcionamento integrado.

6.9.

No capítulo VI poder-se-ia incluir um artigo que estabelecesse um procedimento de comunicação eficaz ao público quando necessário e que fixasse os seus critérios de aplicação e desenvolvimento.

6.10.

Quanto à base de dados e ao sistema de intercâmbio de informações sobre infrações, cabem as mesmas observações formuladas a propósito do mecanismo de vigilância no que toca à necessidade de utilizar os mecanismos de vigilância e alerta de forma coordenada.

6.11.

O CESE considera que o prazo para a apresentação do relatório sobre a aplicação da proposta em apreço é demasiado longo e, atendendo à importância dos objetivos visados, considera que ele deve ser abreviado ou, em alternativa, que deve ser criado um sistema de avaliação contínua parcial, a fim de permitir identificar precocemente qualquer desvio de funcionamento e lançar, se necessário, ações pertinentes de modificação da proposta e da sua aplicação.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO L 364 de 9.12.2004, p. 1.

(2)  JO C 108 de 30.4.2004, p. 86.

(3)  Relatório final do Consórcio de Avaliação da Política dos Consumidores (European Policy Evaluation Consortium) de 17.12.2012.

(4)  COM(2016) 284 final de 25.5.2016.

(5)  JO C 175 de 28.7.2009 p. 20, e JO C 162 de 25.6.2008, p. 1.

(6)  JO C 248 de 25.8.2011 p. 87, e JO C 218 de 23.7.2011, p. 69.

(7)  JO C 11 de 15.1.2013, p. 3.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/106


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos serviços transfronteiriços de entrega de encomendas»

[COM(2016) 285 final — 2016/0149 (COD)]

(2017/C 034/16)

Relator:

Raymond HENCKS

Consulta

Parlamento Europeu, 09/06/2016

Conselho da União Europeia, 21/06/2016

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 285 final — 2016/0149 (COD)]

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

04/10/2016

Adoção em plenária

19/10/2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

212/0/8

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Diferentes estudos encomendados pela Comissão demonstraram que as tarifas de serviços transfronteiriços de entrega de encomendas, aplicadas sobretudo a particulares e às PME, são, por vezes, cinco vezes mais elevadas do que o seu equivalente nacional, e que estas diferenças não podem ser explicadas por custos de mão-de-obra ou outros custos no país de destino. Por conseguinte, os consumidores e os retalhistas em linha não podem beneficiar plenamente do mercado único.

1.2.

O CESE reconhece a necessidade de a Comissão adotar novas medidas para que todos os retalhistas em linha e os consumidores, nomeadamente os particulares e as PME em zonas remotas, possam finalmente beneficiar de serviços transfronteiriços de entrega de encomendas, que sejam, simultaneamente, acessíveis, de elevada qualidade e a preços acessíveis.

1.3.

A Comissão pretende combater as tarifas elevadas através do regulamento em apreço, o qual, no entanto, se aplica apenas aos prestadores do serviço universal que disponibilizam serviços de entrega de encomendas.

1.4.

O CESE receia que as medidas previstas no referido regulamento, nomeadamente a introdução do elemento da transparência das tarifas e das quotas-partes terminais, a publicação de uma oferta de referência, bem como a avaliação da acessibilidade dos preços, cuja necessidade não pode, apesar de tudo, ser posta em causa, correm o risco, na ausência de medidas complementares, de ser insuficientes e de não incentivarem os serviços transfronteiriços de entrega de encomendas a praticar tarifas razoáveis.

1.5.

O CESE lamenta que a Comissão adie a adoção de eventuais medidas mais restritivas até ao final de 2018, na expectativa de que a situação até lá melhore. A Comissão não fornece, no entanto, qualquer indicação sobre o que pretende fazer caso tal melhoria não se venha a confirmar.

1.6.

O CESE solicita à Comissão que, na linha das suas medidas em matéria de tarifas de itinerância no setor dos telemóveis, lance, pelo menos, um último apelo urgente a todos os serviços transfronteiriços de entrega de encomendas para que diminuam as suas tarifas, e anuncie que, caso contrário, intervirá através da adoção de regulamentação e da fixação de limites tarifários.

1.7.

No que diz respeito à avaliação da acessibilidade dos preços, o CESE solicita há vários anos o esclarecimento do conceito de acessibilidade dos serviços de interesse económico geral e a adoção de medidas legislativas que obriguem os Estados-Membros a definir indicadores para determinar a referida acessibilidade. Considera, portanto, que as disposições do regulamento ora em análise representam um primeiro passo na direção certa, tendo presente que tal avaliação deve, se necessário, ser acompanhada de medidas adequadas.

2.   Os serviços de entrega de encomendas no quadro do comércio eletrónico

2.1.

A entrega física de bens encomendados em linha é um dos elementos fundamentais da expansão do comércio eletrónico. O comércio eletrónico na União Europeia desenvolve-se a um ritmo muito mais lento à escala transnacional do que nacional. Assim, em 2014, e a níveis muito variáveis consoante os Estados-Membros, apenas 15 % dos consumidores fizeram aquisições em linha noutros Estados-Membros, embora 44 % o tenham feito no seu próprio país.

2.2.

As tarifas, bem como a qualidade e os procedimentos de entrega física de bens encomendados em linha e as condições de uma eventual devolução das encomendas, constituem alguns dos fatores que influem na decisão do consumidor de efetuar uma encomenda em linha. Portanto, a satisfação de um comprador em linha depende em parte da sua experiência com entregas. A disponibilidade de soluções de entrega eficientes e a preços comportáveis é particularmente importante para as PME, para as microempresas e para os consumidores privados localizados em zonas isoladas ou periféricas.

2.3.

Em muitos Estados-Membros, a entrega de encomendas até 31,5 kg é um serviço em franca expansão. Vários operadores desenvolveram soluções suscetíveis de responder melhor às expectativas dos seus clientes, sobretudo mediante uma série de serviços complementares, tais como envio normal ou diferido, entrega expresso ou no mesmo dia, acompanhamento do envio, prova de entrega, escolha do local de entrega, pontos de entrega de encomendas, serviços automáticos de entrega de encomendas, envio por correio registado, valor declarado, etc., enquanto os envios postais com peso inferior a 2 kg, que correspondem a 80 % dos envios gerados pelo comércio eletrónico, são, frequentemente, considerados «encomendas pequenas» e integrados na correspondência postal.

2.4.

A entrega de encomendas até 10 kg, que pode ser aumentada até 20 kg, está abrangida por uma obrigação de serviço universal, segundo a qual os Estados-Membros devem assegurar a disponibilização, em todos os pontos do território e a preços acessíveis para todos os utilizadores, de um serviço de base nacional e transfronteiriço.

2.5.

O mercado do comércio eletrónico é extremamente diversificado e, muitas vezes, dominado por alguns grandes retalhistas em linha que produzem diariamente um número elevado de encomendas e que, por conseguinte, estão muito bem preparados para negociar as tarifas e as condições de envio com os operadores de serviços de entrega de encomendas, os quais são pressionados no sentido de concederem tarifas «negociadas» muito vantajosas e condições de entrega específicas. Estes retalhistas em linha assumem muitas vezes as despesas de entrega de encomendas, mesmo quando se trata de entregas transfronteiriças. Somente os grandes distribuidores de encomendas têm capacidade para concorrer neste mercado «negociado», tanto a nível nacional como transfronteiriço, sendo que, no segundo caso, é cada vez mais necessário ter acesso a uma rede de distribuição internacional.

2.6.

Contudo, estas oportunidades não estão atualmente disponíveis, nem para as compras em linha transfronteiriças de volume reduzido ou ocasionais, nem para os remetentes individuais, incluindo várias PME; os serviços de entrega não beneficiam de tarifas negociadas e têm apenas acesso a uma rede de distribuição internacional que cobra preços elevados, o que, em última análise, se repercute no consumidor final, que se vê muitas vezes obrigado a pagar um preço de entrega sobreavaliado. Nestes casos, as tarifas de entrega transfronteiriça podem ser três a cinco vezes mais elevadas do que o seu equivalente nacional (1), não podendo estas diferenças ser explicadas por custos de mão-de-obra ou outros custos no país de destino. Exemplos de preços excessivos e diferenças substanciais na relação nos dois sentidos entre diferentes Estados-Membros, são documentados na avaliação de impacto da Comissão [SWD(2016) 166 final].

2.7.

Há vários anos que a Comissão se preocupa com este problema, tendo apresentado diversas comunicações a este respeito, a saber:

COM(2011) 942 final: Um enquadramento coerente para reforçar a confiança no mercado único digital do comércio eletrónico e dos serviços em linha;

COM(2012) 698 final: Livro verde — Um mercado de entrega de encomendas integrado para o crescimento do comércio eletrónico na UE;

COM(2013) 886 final: Roteiro para a conclusão do mercado único da entrega de encomendas Criar confiança nos serviços de entrega de encomendas e fomentar as vendas em linha

COM(2015) 192 final: Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa.

2.8.

A Comissão pretende desenvolver soluções suscetíveis de corresponder melhor às expectativas dos consumidores.

2.9.

Uma vez que estas iniciativas produziram resultados limitados, a Comissão vê-se obrigada a apresentar o regulamento em apreço, apoiado por um documento de acompanhamento [SWD(2016) 167 final], um anexo [COM(2016) 285 final] e um volumoso estudo de impacto de 289 páginas [SWD(2016) 166 final].

3.   Conteúdo da proposta de regulamento

3.1.

O aperfeiçoamento dos serviços transfronteiriços de entrega de encomendas é uma das medidas previstas na «Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa», que visa promover o acesso dos consumidores e das empresas a bens e serviços digitais em toda a União.

3.2.

As medidas propostas incluem:

à melhoria do funcionamento dos mercados, por um lado, reforçando a eficácia e a coerência da supervisão regulamentar do mercado de entrega de encomendas, e, por outro, à promoção da concorrência no domínio dos serviços transfronteiriços de entrega de encomendas;

ao aumento da transparência das tarifas e das quotas-partes terminais para, por um lado, reduzir as disparidades tarifárias injustificadas e, por outro, diminuir as tarifas pagas por particulares e pequenas empresas, especialmente em zonas remotas;

à avaliação, pela autoridade reguladora nacional, da acessibilidade das tarifas de entrega;

ao acesso transparente e não discriminatório aos serviços e às infraestruturas necessários à prestação de serviços transfronteiriços de entrega de encomendas.

4.   Observações na generalidade

4.1.

Dado que as diversas iniciativas lançadas pela Comissão, incluindo o livro verde de 2012 sobre um mercado de entrega de encomendas integrado para o crescimento do comércio eletrónico na UE e, em 2013, um roteiro para a conclusão do mercado único da entrega de encomendas. Criar confiança nos serviços de entrega de encomendas e fomentar as vendas em linha (2) — produziram resultados magros apenas no que respeita às tarifas transfronteiras, é agora essencial que a Comissão tome novas medidas para assegurar que todos os retalhistas e os consumidores, em especial os particulares e as PME em zonas remotas, possam beneficiar de serviços de entrega de encomendas transfronteiriços acessíveis, de elevada qualidade e a preços acessíveis.

4.2.

Segundo o estudo da Universidade Saint-Louis de Bruxelas, os preços cobrados aos particulares e às pequenas empresas, pelos prestadores de serviços pela entrega de encomendas são cerca de cinco vezes mais elevados do que os seus equivalentes nacionais, enquanto o estudo da consultora Copenhagen Economics constatou que os preços praticados pelos outros operadores são três a cinco vezes mais elevados do que as tarifas nacionais, não podendo essas diferenças ser explicadas por custos de mão de obra ou outros custos no país de destino.

4.3.

O CESE constata, portanto, que os preços cobrados aos particulares e às pequenas empresas são sobreavaliados, seja qual for o serviço de entrega de encomendas. A Comissão pretende combater este problema incumbindo a autoridade reguladora nacional de avaliar a acessibilidade das tarifas de serviços transfronteiriços de entrega.

4.4.

O CESE aprova o facto de a Comissão, para não perder ainda mais tempo, ter optado por um regulamento. Receia, no entanto, que as medidas preconizadas pelo regulamento em análise sejam pouco eficazes. Ao limitar-se a preconizar a transparência das tarifas e das quotas-partes terminais, a publicação de uma oferta de referência e a avaliação da acessibilidade das tarifas — todas elas medidas indispensáveis –, a Comissão corre o risco de, na ausência de medidas complementares, não incentivar os prestadores de serviços de entrega em questão a praticar tarifas razoáveis.

4.5.

O CESE lamenta que a Comissão adie a adoção de eventuais medidas mais restritivas até ao fim de 2018, aguardando a apresentação de um relatório de avaliação sobre a aplicação do regulamento em apreço. Nesse relatório, a Comissão pretende avaliar em que medida a acessibilidade dos serviços transfronteiriços de entrega de encomendas apresenta melhorias, e se o acesso grossista transfronteiriço é concedido de forma transparente e não discriminatória pelos prestadores do serviço universal que disponibilizam serviços de entrega de encomendas. Contudo, a Comissão não fornece qualquer indicação sobre as suas intenções futuras caso as melhorias e o acesso não discriminatório acima referidos não se concretizem.

4.6.

O CESE teria preferido que a Comissão, na linha das suas medidas em matéria de tarifas de itinerância no setor dos telemóveis, tivesse lançado, pelo menos, um último apelo urgente a todos os serviços transfronteiriços de entrega de encomendas para que diminuam as suas tarifas, e anuncie agora que, caso contrário, intervirá através da adoção de regulamentação e da fixação de limites tarifários.

4.7.

Além disso, as propostas do regulamento relativas à transparência das tarifas e das quotas-partes terminais, à publicação de uma oferta de referência, à avaliação da acessibilidade das tarifas e ao acesso transfronteiriço transparente e não discriminatório aplicam-se apenas aos prestadores do serviço universal que disponibilizam serviços de entrega de encomendas.

4.8.

Ora, no mercado total de entrega de encomendas, a parte dos prestadores do serviço universal varia entre os 10 % (Bulgária, Espanha, Reino Unido, Itália) e os 25 % (República Checa, Dinamarca, França, Estónia), enquanto apenas uma pequena percentagem (entre 5 % a 10 %) dessas encomendas está abrangida pelas obrigações do serviço universal. Deste modo, o regulamento em apreço aborda apenas uma parte marginal do mercado, que é, no entanto, indispensável para os consumidores e as PME em zonas remotas que não dispõem de outras alternativas.

4.9.

No que diz respeito à avaliação da acessibilidade dos preços, o CESE solicita há vários anos o esclarecimento do conceito de acessibilidade dos serviços de interesse económico geral e a adoção de medidas legislativas que obriguem os Estados-Membros a definir indicadores para determinar a referida acessibilidade (3). Considera, portanto, que as disposições do regulamento ora em análise representam um primeiro passo na direção certa, tendo presente que tal avaliação deve, se necessário, ser acompanhada de medidas adequadas.

4.10.

Contudo, a avaliação prevista no regulamento em apreço limita-se apenas às tarifas de categorias de envios enumeradas na lista pública de tarifas transfronteiriças constantes do anexo do regulamento, nomeadamente as encomendas de 0,5, 1, 2 ou 5 kg (com ou sem acompanhamento e localização). O CESE entende que essa avaliação deve ser alargada a encomendas de 10, 15 e 20 kg, também aqui tendo em vista uma eventual regulamentação futura das tarifas de serviços transfronteiriços de entrega de encomendas.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Estudo da consultora Copenhagen Economics, «E-commerce and delivery» (Comércio eletrónico e entregas); Livro verde — Um mercado de entrega de encomendas integrado para o crescimento do comércio eletrónico na UE [COM(2012) 698 final].

(2)  JO C 451 de 16.12.2014, p. 51.

(3)  JO C 177 de 11.6.2014, p. 24.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/110


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política de Concorrência 2015»

[COM(2016) 393 final — SWD(2016) 198 final]

(2017/C 034/17)

Relator:

Juan MENDOZA CASTRO

Consulta

Comissão Europeia, 17/08/2016

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 393 final — SWD(2016) 198 final]

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

04/10/2016

Adoção em plenária

19/10/2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

211/1/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera o relatório de 2015 positivo e entende que é fundamental para a economia social de mercado da UE dispor de uma política de concorrência que garanta condições equitativas em todos os setores.

1.2.

As importações baseadas numa concorrência desleal constituem uma ameaça para as empresas europeias. As medidas anti-dumping são imprescindíveis para defender os postos de trabalho e proteger os setores económicos afetados.

1.3.

O CESE partilha da preocupação das PME, dos sindicatos e das associações patronais da UE perante a possibilidade de se conceder o estatuto de economia de mercado à China.

1.4.

As PME, que são fundamentais para a recuperação económica, são as mais vulneráveis aos abusos de posição dominante.

1.5.

O controlo dos auxílios estatais permite uma utilização mais eficiente dos recursos e a melhoria das finanças públicas. No entanto, tais auxílios podem ser essenciais para garantir a prestação de serviços de interesse económico geral.

1.6.

O CESE recomenda que se melhorem as informações disponibilizadas sobre os auxílios estatais concedidos, a fim de assegurar maior divulgação e transparência.

1.7.

A inovação digital é controlada por um número diminuto de empresas de países terceiros ativas à escala mundial, e para a Europa é fundamental assumir uma posição de liderança graças ao seu mercado único digital.

1.8.

O grande desafio para a política europeia da concorrência num setor dominado por gigantes tecnológicos consiste em assegurar o acesso dos consumidores aos melhores produtos e aos melhores preços e em que todas as empresas, sejam elas de grande ou de pequena dimensão, compitam num mercado aberto em função do mérito dos seus produtos. O CESE considera que a ação da UE é, em geral, equilibrada e adequada à regulamentação, a despeito de algumas críticas que lhe são tecidas.

1.9.

A União Europeia da Energia alcançou resultados significativos em matéria de segurança do aprovisionamento (o que representa um êxito estratégico), de redução de gases com efeito de estufa, de promoção das energias renováveis e de aumento da escolha dos consumidores. No entanto, enfrenta grandes desafios ligados ao custo da energia, a uma maior interligação das redes e à assunção de um papel de liderança na implementação do Acordo de Paris.

1.10.

No setor da energia, cabe conciliar o controlo das concentrações com as fusões e aquisições que se anteveem, com vista a diminuir os custos de produção, o que reduzirá o número de empresas.

1.11.

O Regulamento (CE) n.o 1/2003 reforçou as autoridades da concorrência nacionais e contribuiu para a consolidação do prestígio internacional da política de concorrência da UE. A coordenação entre as autoridades da concorrência nacionais e entre estas e a Comissão tornam mais eficazes as ações no caso de operações transfronteiras.

1.12.

No atinente à crise financeira, o CESE reitera que importa minimizar a exposição dos contribuintes aos custos de resgate dos bancos.

1.13.

O CESE defende que as regras da UE que limitam as taxas de intercâmbio aplicáveis aos cartões de crédito e de débito se devem aplicar independentemente do país onde está sedeado o emissor e que não se deve impedir os bancos de oferecerem taxas de intercâmbio inferiores à dos retalhistas estabelecidos noutro país do Espaço Económico Europeu (EEE).

1.14.

O CESE insiste na necessidade de a Comissão prosseguir os seus esforços no sentido de fomentar a concorrência, reduzindo as distorções que resultam das discrepâncias entre os 28 sistemas fiscais.

1.15.

A generalização dos sistemas de concorrência que resulta da globalização torna indispensável a cooperação internacional. À luz das crescentes exigências e da participação em diferentes instâncias (OCDE, CNUCED, Rede Internacional da Concorrência), o CESE salienta que é necessário dotar a UE de recursos adequados para que a voz da UE, que atualmente é tida em conta e respeitada, se continue a fazer ouvir.

2.   Relatório sobre a Política de Concorrência 2015

2.1.

A Comissão afirma que uma «política de concorrência da UE sólida e eficaz foi sempre um dos fundamentos do projeto europeu».

2.2.

Os aspetos centrais do relatório estão agrupados em três capítulos:

a política de concorrência enquanto motor da inovação e do investimento em toda a UE;

o aproveitamento das oportunidades do mercado único digital; e

a construção de uma União Europeia da Energia integrada e respeitadora do ambiente.

2.3.

A Comissão refere as ações específicas que leva a cabo nesses domínios, sublinhando que na aplicação das regras da concorrência teve como princípios orientadores salvaguardar a imparcialidade, impor o Estado de direito e servir o interesse europeu comum.

2.4.

Nos últimos 25 anos, o número de regimes de concorrência em todo o mundo aumentou drasticamente, passando de cerca de 20 no início da década de 1990 para cerca de 130 em 2015, englobando 85 % da população mundial.

3.   Observações gerais

3.1.    Política de concorrência da UE

3.1.1.

O CESE acolhe favoravelmente o relatório de 2015, que aborda questões fundamentais para o desenvolvimento da economia e o bem-estar dos cidadãos da UE.

3.1.2.

Uma política de concorrência baseada em condições equitativas em todos os setores é o pilar da economia social de mercado na Europa. Constitui, além disso, um instrumento essencial para assegurar o funcionamento adequado de um mercado interno dinâmico, eficiente, sustentável e inovador, e fomentar o crescimento económico, a criação de emprego e a competitividade a nível mundial.

3.1.3.

A política da concorrência não deve constituir um obstáculo à emergência de líderes industriais na economia europeia. Para ser eficaz e credível, não pode visar exclusivamente a redução dos preços ao consumidor, devendo também fomentar o desenvolvimento e a competitividade das empresas europeias nos mercados mundiais.

3.1.4.

A existência de uma base industrial forte é vital para a prosperidade e o crescimento. Ciente da ameaça que a concorrência desleal representa para as empresas europeias, o CESE recorda que as medidas anti-dumping salvaguardam dezenas de milhares de postos de trabalho diretos e indiretos e protegem os setores económicos das políticas desleais de importação.

3.1.5.

As importações em condições de dumping, que põem em perigo milhares de postos de trabalho na UE, constituem uma forma de concorrência desleal. O CESE considera que dificilmente se pode afirmar que a China opera em condições de mercado, uma vez que não cumpre quatro dos cinco critérios estabelecidos pela prática da Comissão e pelo Regulamento (CE) n.o 1225/2009 (1).

3.1.6.

Os fundos estruturais da UE não devem ser utilizados para apoiar, direta ou indiretamente, a deslocalização de serviços ou da produção para outros Estados-Membros.

3.1.7.

As PME são o pilar da retoma económica na Europa. Contudo, são também elas, pela sua dimensão, as mais vulneráveis às práticas de abuso de posição dominante, que, em muitos casos, as condenam ao desaparecimento. Esta questão deve ser alvo de uma especial atenção na política da concorrência, sobretudo no caso das práticas dos grandes grupos empresariais.

3.1.8.

O CESE mais uma vez salienta a falta de um verdadeiro mecanismo judiciário de ações coletivas por forma a dar uma efetiva satisfação aos direitos de indemnização das vítimas de práticas anti-trust continuando a considerar que a Diretiva 2014/104/UE de 26 de novembro de 2014 e a Recomendação relativa aos princípios comuns para os mecanismos de resolução coletiva de conflitos no quadro das infrações às leis da concorrência não são de molde a dar a necessária satisfação à tutela coletiva dos direitos das vítimas afetadas por aquelas infrações.

3.2.    Auxílios estatais

3.2.1.

A modernização dos auxílios estatais permite à UE utilizar os recursos de forma mais eficiente e melhorar a qualidade das finanças públicas. Contribui, além disso, para que os Estados-Membros possam cumprir a Estratégia Europa 2020 para o crescimento e a consolidação orçamental.

3.2.2.

No entanto, os auxílios estatais podem ser essenciais para garantir a prestação de serviços de interesse económico geral, como a energia, os transportes e as telecomunicações. Além disso, são muitas vezes o melhor instrumento político para assegurar a prestação de serviços fundamentais à salvaguarda das condições económicas e sociais nas regiões isoladas, remotas ou periféricas e insulares da União.

3.2.3.

O CESE entende que é necessário assegurar a coerência entre a política de concorrência e as demais políticas da União, nomeadamente quando se trate de investimentos para fomentar a inovação e a investigação, como é o caso da IDI, do financiamento do risco e da generalização da banda larga.

3.2.4.

Os cidadãos da UE não se consideram suficientemente informados sobre o complexo sistema de auxílios estatais e sublinham a dificuldade de aceder às informações sobre quais as empresas que beneficiam desses auxílios (2). A fim de assegurar maior divulgação e transparência, o CESE recomenda que os Estados-Membros publiquem sempre os destinatários, os montantes e os objetivos dos auxílios.

3.3.    Concorrência no mercado único digital

3.3.1.

O mercado único digital é uma estratégia fundamental da UE para pôr termo à fragmentação dos múltiplos mercados nacionais e integrá-los numa abordagem europeia (3). A inovação digital é controlada por um número diminuto de empresas de países terceiros ativas à escala mundial, e para a Europa é fundamental assumir uma posição de liderança graças ao seu mercado único digital.

3.3.2.

O grande desafio para a política europeia da concorrência num setor dominado por gigantes tecnológicos passa por assegurar o acesso dos consumidores aos melhores produtos aos melhores preços e que todas as empresas, sejam elas de grande ou de pequena dimensão, compitam num mercado aberto e com base no mérito dos seus produtos.

3.3.3.

Casos que a Comissão está a analisar:

Serviços de pesquisa na Internet. A comunicação de objeções da Comissão baseia-se no facto de a Google favorecer de forma sistemática os seus próprios produtos de comparação de preços. Estão também a ser investigadas três outras reservas levantadas.

Livros eletrónicos. A Amazon impõe cláusulas que podem limitar a concorrência, por exemplo, o direito a ser informado de condições mais favoráveis ou alternativas oferecidas pelos seus concorrentes.

Prestação transfronteiriça de serviços de televisão paga no Reino Unido e na Irlanda. Os acordos de concessão de licenças celebrados entre a Sky UK e seis grandes estúdios cinematográficos dos Estados Unidos exigem à Sky UK que bloqueie o acesso fora do seu território objeto da licença.

Dispositivos móveis, como telemóveis inteligentes e tabletes. Entre outras práticas, o Android exige aos fabricantes que pré-instalem o Google Search e o programa de navegação Chrome da Google e obriga-os a selecionarem nos seus dispositivos o Google Search como serviço de pesquisa automático como condição para a concessão de licenças para certas aplicações exclusivas da Google.

Circuitos integrados em banda de base que são utilizados em dispositivos eletrónicos. Está-se a investigar se a Qualcomm, o maior fornecedor mundial, ofereceu incentivos financeiros a um importante fabricante de telemóveis inteligentes e tabletes, como contrapartida para que estes utilizem unicamente os seus produtos.

3.3.4.

Em geral, trata-se de possíveis práticas monopolistas e de abuso de posição dominante. A complexidade técnica e o grande impacto dos casos investigados levantam críticas, nomeadamente, de que a UE «declarou a guerra a Silicon Valley». O CESE não concorda com essas críticas e apoia a ação da Comissão, que considera equilibrada e em conformidade com a legislação.

3.3.5.

A Google, que em 2015 obteve receitas de 74,5 mil milhões de dólares, goza de uma posição dominante no espaço económico europeu com uma quota superior a 90 % nos mercados de serviços de pesquisa na Internet, sistemas operativos com licença para telemóveis inteligentes e lojas de aplicações para o sistema operativo móvel Android. Afirma-se que a investigação da Comissão compromete a possibilidade de a UE se tornar num centro de ideias inovadoras e que foram utilizados argumentos técnicos erróneos. No entanto, a Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos concluiu, em 2012, que a Google, que controla dois terços do mercado norte-americano, recorria a práticas anticoncorrenciais e de abuso de posição dominante em prejuízo dos utilizadores e concorrentes (4). Uma investigação realizada nesse país chegou à mesma conclusão (5).

3.4.    Uma União Europeia da Energia respeitadora do clima

3.4.1.

A União Europeia da Energia obteve resultados importantes:

Segurança do aprovisionamento: a UE conseguiu um êxito estratégico e está hoje muito mais bem preparada para enfrentar uma crise como a de 2009. Diminuiu-se a dependência da Europa face ao gás proveniente da Rússia para um terço e melhoraram-se substancialmente as infraestruturas para a circulação interna do gás, as alternativas de aprovisionamento externo e a capacidade de armazenagem.

Os objetivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa e de aumento do uso de fontes de energia renováveis (20-20-20 até 2020) parecem poder ser cumpridas antes do prazo, e a eficiência energética encontra-se aparentemente num estádio de desenvolvimento próximo do objetivo fixado, ainda que tal se deva, em parte, à recessão económica.

Procedeu-se à abertura dos mercados e a escolha dos consumidores aumentou.

3.4.2.

No entanto, o CESE, que já manifestara o seu apoio à estratégia-quadro de 2015 (6), deve colocar uma tónica especial nos grandes desafios que a UE tem pela frente nos próximos anos:

reduzir o custo da energia, que ainda é muito elevado para o consumidor europeu, dadas as consequências sociais (risco de pobreza energética), económicas (afeta fortemente as PME) e para a competitividade externa das empresas (a energia é consideravelmente mais barata noutros mercados, como o dos Estados Unidos);

melhorar a integração dos mercados, aumentando a interligação das redes; e

assumir um papel de liderança na implementação dos objetivos da COP 21 de Paris, para coroar de êxito a mudança radical que pressupõe a transição gradual e economicamente viável para uma economia hipocarbónica.

3.4.3.

O CESE apoia a Comissão na aplicação firme da legislação anti-trust, que é essencial no combate aos comportamentos abusivos dos operadores dominantes no mercado. Importa sublinhar o acordo juridicamente vinculativo entre a Comissão e a Bulgarian Energy Holding.

3.4.4.

Em 2012, o setor da energia recebeu 122 mil milhões de euros de ajudas públicas (UE-28) (7). Sem tais apoios o preço já elevado que a energia representa para os consumidores seria impossível de suportar. Na aplicação das políticas em matéria de auxílios estatais (8), a Comissão deve tomar em consideração que a produção de certos tipos de energias renováveis — as maiores beneficiárias dos auxílios (44 mil milhões de euros) — tem elevados custos de produção, o que impede as empresas fornecedoras de serem competitivas no mercado.

3.4.5.

O CESE toma nota de que a Comissão aprovou a aquisição das divisões de energia da Alstom pela americana General Electric (GE) (9).

3.4.6.

A Comissão afirma que o «controlo das concentrações na UE continuou a constituir um instrumento eficaz para manter o mercado energético da UE». Importa conciliar esta questão com o facto de os baixos preços do petróleo poderem tornar inevitável a fusão de empresas para reduzir os custos de produção. Certas previsões apontam para uma diminuição de um terço das empresas produtoras de gás e de petróleo.

4.   Reforço do mercado único da UE

4.1.    Fiscalidade

4.1.1.

O CESE concorda que a transparência e a partilha equitativa da carga fiscal são essenciais para o mercado único. A evasão, a fraude e os paraísos fiscais representam um elevado custo para o contribuinte europeu e, ao mesmo tempo, distorcem a concorrência. Estima-se que, cada ano, a UE perde entre 50 e 70 mil milhões de euros de receitas fiscais devido à evasão fiscal, o que representa um pouco mais de 16 % do investimento público na UE. Se acrescentarmos as perdas de receitas resultantes de práticas de otimização fiscal legais, ou pretensamente legais, os prejuízos aumentam significativamente (10).

4.1.2.

O plano de ação para a implementação de um imposto sobre as sociedades justo e eficaz constitui um passo importante para reduzir o planeamento fiscal agressivo, um fenómeno que produz a erosão da base coletável dos Estados-Membros e promove a concorrência desleal (11).

4.1.3.

O CESE insiste na necessidade de a Comissão prosseguir os seus esforços no sentido de fomentar a concorrência, reduzindo as distorções que resultam das discrepâncias entre os 28 sistemas fiscais. O complexo sistema de determinação dos preços de transferência em vigor para as transações dentro de um mesmo grupo é particularmente dispendioso e oneroso para as empresas que operam na UE, dá origem a litígios entre as administrações dos Estados-Membros e redunda na dupla tributação das empresas. É oportuno instaurar uma matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS) para as empresas com atividades transfronteiras.

4.1.4.

A Comissão está a investigar os acordos fiscais entre alguns Estados-Membros e grandes empresas multinacionais, nomeadamente o Luxemburgo (com a FIAT, Starbucks, McDonald’s e Amazon) e os Países Baixos (com a Starbucks). No caso da Apple, a Comissão considera que, graças ao tratamento fiscal que lhe foi concedido, esta empresa pôde evitar a tributação sobre a venda da quase totalidade dos seus produtos no EEE, pelo que deve devolver à Irlanda uma quantia estimada em 13 mil milhões de euros. Sem prejuízo da decisão que for adotada, o Comité apoia a Comissão na investigação de acordos fiscais suscetíveis de prejudicar a concorrência.

4.2.    Autoridades da concorrência nacionais

4.2.1.

O Regulamento (CE) n.o 1/2003 (12) reforçou as autoridades da concorrência nacionais e contribuiu para a consolidação do prestígio internacional da política de concorrência da UE. A Comissão realizou uma consulta pública sobre o reforço das autoridades da concorrência nacionais, que são atualmente as que lidam com o maior número de casos. A coordenação entre as autoridades da concorrência nacionais e entre estas e a Comissão tornam mais eficazes as ações no caso de operações transfronteiras.

4.3.    Pagamentos com cartão

4.3.1.

Muito embora os diversos sistemas de pagamento eletrónico se tenham generalizado, globalmente, os consumidores pagam 85 % das suas aquisições em numerário. Na UE, a situação é semelhante em vários Estados-Membros, embora nos países escandinavos este valor só atinja os 10 %. Em qualquer caso, os pagamentos com cartão são essenciais para o funcionamento do comércio e extremamente importantes para os consumidores. O Regulamento (UE) 2015/751 impõe limites às taxas de intercâmbio (13).

4.3.2.

A comunicação de objeções enviada à MasterCard sustenta que esta impede os bancos de oferecerem taxas de intercâmbio mais baixas a retalhistas situados noutro país do Espaço Económico Europeu e cobra taxas de intercâmbio mais elevadas a cartões emitidos noutras partes do mundo. As associações europeias de consumidores denunciaram reiteradamente práticas abusivas de empresas emissoras como a Visa e a MasterCard, que tiram partido do seu domínio do mercado. O CESE espera que o resultado das investigações permita pôr termo a esse impedimento e que os limites impostos nas taxas de intercâmbio na UE se apliquem independentemente do país onde são emitidos os cartões.

4.4.    Auxílios estatais aos bancos

4.4.1.

A Comissão faz referência aos auxílios estatais aprovados a vários bancos de diferentes Estados-Membros. Até à data, a crise teve um elevado custo para o contribuinte europeu. Para evitar o colapso de todo o sistema bancário, os governos intervieram para salvar os seus bancos com apoios urgentes, numa escala sem precedentes. Na área do euro, entre 2008 e 2014, o apoio público às instituições financeiras atingiu 8 % do PIB, dos quais se recuperaram 3,3 % (14).

4.4.2.

Para além do elevado custo para o erário público, os resgates bancários — questão que deverá resolver-se mediante a aplicação da regulamentação em vigor desde 1 de janeiro de 2015 (15) — podem dar azo a distorções da concorrência.

O CESE defende que se deve:

minimizar a exposição dos contribuintes aos custos de resgate dos bancos;

dotar os poderes públicos das competências necessárias para adotar medidas preventivas; e

conferir às autoridades de resolução o poder de reduzir o valor das dívidas não garantidas de uma instituição em graves dificuldades e de converter a dívida em capital (16).

5.   Concorrência na era da globalização

5.1.

A generalização dos sistemas de concorrência que resulta da globalização torna indispensável a cooperação internacional. O CESE apoia vivamente a participação ativa da Comissão em instâncias como o Comité da Concorrência da OCDE, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED) e a Rede Internacional da Concorrência (RIC).

5.2.

Atualmente, a voz da União Europeia é ouvida e respeitada nesses fóruns. O Comité sublinha que é necessário dispor de recursos materiais e humanos conformes com essa responsabilidade.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 389 de 21.10.2016, p. 13. Ver igualmente «ETUC — BusinessEurope joint declaration on China»s Market Economy Status» [Confederação Europeia de Sindicatos (CES) — Declaração conjunta da BusinessEurope sobre o estatuto de economia de mercado da China] (19.7.2016) e «Granting of Market Economy Status to China» [Concessão do estatuto de economia de mercado à China], Parlamento Europeu, dezembro de 2015.

(2)  «Perception and Awareness about transparency of State Aid», [Transparência dos auxílios estatais: perceção e conhecimento]. Eurobarómetro, julho de 2016.

(3)  JO C 71 de 24.2.2016, p. 65.

(4)  http://www.wsj.com/articles/inside-the-u-s-antitrust-probe-of-google-1426793274.

(5)  «Does Google content degrade Google search? Experimental evidence» [O conteúdo do Google empobrece as pesquisas? Provas experimentais], Harvard Business School, 2015.

(6)  JO C 383 de 17.11.2015, p. 84.

(7)  «Subsidies and Costs of EU Energy», [Subvenções e custos da energia na UE], 11 de novembro de 2014. http://ec.europa.eu/energy/en/content/final-report-ecofys.

(8)  JO C 200 de 28.6.2014, p. 1.

(9)  A GE anunciou que, entre 2016 e 2017, suprimirá 6 500 postos de trabalho na Europa, dos quais 765 em França. Le Monde, 14 de janeiro de 2016.

(10)  Ver «Bringing transparency, coordination and convergence to corporate tax policies in the European Union» [Assegurar a transparência, a coordenação e a convergência das políticas de tributação das sociedades na União Europeia], setembro de 2015.

(11)  JO C 71 de 24.2.2016, p. 42.

(12)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho «Dez anos de aplicação da legislação anti-trust ao abrigo do Regulamento n.o 1/2003: Progressos alcançados e perspetivas».

http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52014DC0453.

(13)  JO L 123 de 19.5.2015, p. 1.

(14)  Boletim do BCE.

(15)  JO L 173 de 12.6.2014, p. 190.

(16)  JO C 44 de 15.2.2013, p. 68.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/117


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um programa da União de apoio a atividades específicas que visam reforçar a participação dos consumidores e de outros utilizadores finais de serviços financeiros na elaboração das políticas da União no domínio dos serviços financeiros para o período 2017-2020»

[COM(2016) 388 final — 2016/0182 (COD)]

(2017/C 034/18)

Relatora:

Reine-Claude MADER

Consulta

Parlamento Europeu, 22/06/2016

 

Conselho, 11/07/2016

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 388 final — 2016/0182 (COD)]

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

04/10/2016

Adoção em plenária

19/10/2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

223/2/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão ter em conta os interesses dos consumidores e aforradores e com a ajuda prestada às suas organizações. Com efeito, considera que os serviços financeiros devem ser objeto de uma atenção especial, dada a sua complexidade técnica que é dificilmente acessível ao público em geral, bem como as questões em jogo.

1.2.

O Comité apoia a iniciativa adotada no âmbito do projeto-piloto lançado no final de 2011 pela Comissão de apoiar a criação de um centro de conhecimentos especializados em matéria financeira, em benefício dos consumidores e utilizadores finais dos serviços financeiros, com vista a associá-los à elaboração das políticas da UE no domínio dos serviços financeiros e a restabelecer a confiança no sistema financeiro da UE.

1.3.

O CESE constata que as duas ONG — Better Finance e Finance Watch — preenchem os critérios de elegibilidade para as subvenções de funcionamento atribuídas pela Comissão Europeia mediante convites abertos à apresentação de propostas e que as suas ações foram objeto de uma avaliação globalmente positiva em 2015.

1.4.

No entanto, considera útil insistir numa série de condições a cumprir.

Legitimidade

1.5.

O Comité insiste que a legitimidade das referidas organizações deve assentar nos membros que as compõem e na sua governação, mas também nas medidas adotadas a fim de tornar compreensível, para o público em geral, a complexidade técnica da legislação e dos instrumentos financeiros.

1.6.

A este respeito, o CESE entende que cabe envidar um esforço especial com vista a associar efetivamente os utilizadores finais ao trabalho das referidas associações. Tal esforço deve traduzir-se na composição e governação da Better Finance e da Finance Watch, bem como na adoção de novos métodos de trabalho adaptados.

Independência, transparência e responsabilidade financeiras

1.7.

O CESE congratula-se com a transparência financeira apresentada pela Finance Watch (1), mas considera que tanto esta organização como a Better Finance devem prosseguir os seus esforços com vista a lograr uma maior independência financeira, nomeadamente face à Comissão Europeia, pois dessa independência depende a credibilidade e a legitimidade das suas ações perante os cidadãos.

1.8.

O CESE recorda que estas associações podem ser financeiramente responsabilizadas em caso de irregularidades. Com efeito, a Comissão Europeia e o Tribunal de Contas dispõem de poderes para auditar, com base em documentos e verificações no local, os operadores económicos abrangidos direta ou indiretamente pelas subvenções atribuídas. Por seu lado, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) pode efetuar inspeções e verificações no local, a fim de verificar a existência de fraudes, corrupção ou quaisquer outras atividades ilegais que prejudiquem os interesses financeiros da União (2).

1.9.

O CESE regozija-se com o caráter plurianual do enquadramento financeiro previsto para a execução do programa da União destinado a reforçar a participação dos consumidores e outros utilizadores finais de serviços financeiros, na medida em que permitirá assegurar maior estabilidade financeira às associações beneficiárias. Estas podem, assim, beneficiar de um horizonte temporal mais alargado para organizar o seu funcionamento e definir o seu programa.

Visibilidade junto dos cidadãos

1.10.

O CESE salienta que, apesar dos esforços envidados em matéria de comunicação e visibilidade, nomeadamente através de artigos na imprensa económica e da organização de conferências, a Finance Watch e a Better Finance permanecem em grande medida desconhecidas do público e das associações nacionais de consumidores, que deveriam, aliás, receber diretamente os seus boletins informativos.

1.11.

Toma nota dos resultados da avaliação ex post do projeto-piloto destinado a apoiar a criação de um centro de conhecimentos especializados em matéria financeira em benefício dos consumidores e utilizadores finais de serviços financeiros, lançado no final de 2011 pela Comissão (3). Convida estas ONG a aumentarem os seus esforços com vista a reforçar o papel, o interesse e as informações ao dispor dos utilizadores finais e dos consumidores na elaboração das políticas da UE no setor financeiro.

Equilíbrio entre profissionais e utilizadores

1.12.

O CESE reconhece a necessidade de adquirir conhecimentos técnicos que permitam aos utilizadores dos serviços financeiros dialogar em pé de igualdade com os especialistas financeiros. Esses conhecimentos são fulcrais para a credibilidade da ação destas associações junto do mundo da finança, que dispõe de mais recursos.

1.13.

O CESE apela a um equilíbrio justo que promova a ideia de finanças estáveis, sustentáveis e orientadas para perspetivas a longo prazo.

2.   Apresentação da proposta de regulamento  (4)

2.1.

A proposta de regulamento inscreve-se na continuidade das iniciativas que a Comissão Europeia lançou desde 2007 com vista a restabelecer a confiança dos consumidores após a crise financeira.

2.2.

O objetivo da Comissão é garantir que se tenha em conta de forma mais cabal o ponto de vista dos consumidores, o que conduziu à criação, em 2010, do Grupo de Utilizadores de Serviços Financeiros (FSUG), à sistematização da participação dos consumidores e dos representantes da sociedade civil nos grupos de peritos criados em 2011 e ao lançamento de um projeto-piloto de subvenções destinadas a apoiar a criação de um centro de conhecimentos especializados em matéria financeira.

2.3.

Na sequência de um convite para a apresentação de propostas lançado pela Comissão, foram selecionadas duas organizações sem fins lucrativos: a Finance Watch, criada em 2011 como associação internacional sem fins lucrativos ao abrigo do direito belga, cuja missão consiste em representar os interesses da sociedade civil no setor financeiro, e a Better Finance, que resulta da reorganização de associações europeias de investidores e acionistas existentes desde 2009 e se destina a formar um centro de conhecimentos especializados em matéria financeira composto, sobretudo, por investidores privados, aforradores e outros utilizadores finais.

2.4.

Estas organizações receberam subvenções de funcionamento da Comissão Europeia entre 2012 e 2015. A Finance Watch recebeu 3,04 milhões de euros entre 2012 e 2014 e a Better Finance recebeu 900 mil euros ao longo de três anos. Estas subvenções representam 60 % dos seus custos elegíveis.

2.5.

A avaliação realizada em 2015 concluiu que os objetivos estratégicos fixados pela Comissão foram alcançados, embora salientando que é necessário melhorar os aspetos ligados à informação dos consumidores e à tomada em consideração dos seus pontos de vista.

2.6.

A Comissão constata ainda que, apesar dos esforços envidados, estas organizações não conseguiram obter um financiamento estável e suficiente de financiadores independentes do setor financeiro, tornando assim indispensável o financiamento da UE para poderem prosseguir as suas atividades.

2.7.

A proposta de regulamento estabelece, para o período 2017-2020, um programa de investigação, de sensibilização, nomeadamente junto de um público não especializado, de atividades destinadas a reforçar as interações entre os membros das organizações beneficiárias, e de atividades de representação que promovem as posições desses membros a nível da UE.

2.8.

Os objetivos visam continuar a reforçar a participação dos consumidores e outros utilizadores finais de serviços financeiros na elaboração das políticas da União nessa matéria e a contribuir para a sua informação sobre as questões em jogo na regulamentação do setor financeiro.

2.9.

Foi fixado um limite máximo de 6 000 000 euros para o financiamento da Finance Watch e da Better Finance no período compreendido entre 1 de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2020.

2.10.

Todos os anos, os beneficiários devem apresentar uma descrição das ações realizadas e previstas.

3.   Observações na generalidade e na especialidade

3.1.

Devido à crise financeira, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu tomaram consciência do desequilíbrio entre a representação dos profissionais do setor financeiro nas diversas instâncias e a dos utilizadores desses serviços.

3.2.

Nos termos do artigo 169.o, n.o 2, alínea b), do TFUE, que prevê ser da sua responsabilidade promover os interesses dos consumidores e assegurar um elevado nível de defesa destes últimos, a Comissão Europeia propõe cofinanciar a ação de associações especializadas no domínio dos serviços financeiros.

3.3.

O CESE não pode deixar de secundar esse objetivo, que já defendeu em diversos pareceres, nos quais frisou a necessidade de colocar o consumidor no centro de todas as políticas, o que implica dotar os seus representantes dos meios necessários (5).

3.4.

O Comité apoia, nomeadamente devido à complexidade das questões ligadas à poupança e ao investimento, a criação de um centro de conhecimentos especializados em matéria financeira independente da comunidade financeira, que esteja à disposição das organizações representantes dos interesses dos consumidores, dos aforradores e dos utilizadores finais que não têm conhecimentos especializados no domínio financeiro, dada a sua complexidade técnica que é dificilmente acessível ao público em geral e as questões em jogo.

3.5.

A este respeito, considera que é necessária extrema vigilância relativamente à ausência de ligações financeiras ou outras suscetíveis de influenciar negativamente a ação destas associações.

3.6.

O Comité insiste que a legitimidade destas organizações deve assentar nos membros que as compõem e na sua governação, mas também nas medidas adotadas a fim de tornar compreensível para o público em geral a complexidade técnica da legislação e dos instrumentos financeiros.

3.7.

O CESE salienta que, apesar dos esforços envidados em matéria de comunicação e visibilidade, nomeadamente através de artigos na imprensa económica e da organização de conferências, a Finance Watch e a Better Finance permanecem em grande medida desconhecidas do público e das associações nacionais de consumidores, que deveriam, aliás, receber diretamente os seus boletins informativos.

3.8.

O Comité considera que os peritos não se destinam a substituir os representantes da sociedade civil, devendo contudo colocar à sua disposição os recursos necessários para compreender as questões em jogo, avaliar as medidas a adotar e apresentar propostas.

3.9.

O CESE concorda com a Comissão Europeia quanto à necessidade de promover a participação dos consumidores e outros utilizadores finais na elaboração das políticas da UE, restabelecendo, paralelamente, a sua confiança no sistema financeiro europeu.

3.10.

O Comité toma nota do programa da União previsto na proposta de regulamento e dos seus objetivos, e salienta que as instituições e as organizações revelam uma grande dificuldade em interagir com os cidadãos.

3.11.

O CESE constata que a criação da Finance Watch e da Better Finance coincide com a implementação do projeto-piloto (6) e insiste na necessidade de assegurar a independência de todos os seus membros face ao setor industrial, comercial e económico.

3.12.

O CESE considera que a duração e a forma de financiamento adotadas são adequadas: regozija-se com o caráter plurianual do enquadramento financeiro previsto para a execução do programa da União destinado a reforçar a participação dos consumidores e outros utilizadores finais de serviços financeiros, na medida em que permitirá assegurar maior estabilidade financeira às associações beneficiárias. Estas podem, assim, beneficiar de um horizonte temporal mais alargado para organizar o seu funcionamento e definir o seu programa, pese embora o montante da subvenção prevista ser modesto perante os objetivos almejados.

3.13.

O CESE entende ainda que esses organismos devem obter fontes de financiamento complementares com vista a assegurarem o seu desenvolvimento, o equilíbrio das suas contas e a sua independência, nomeadamente face à Comissão.

3.14.

O CESE insiste na necessidade de adotar rapidamente o regulamento, para que a dinâmica iniciada com o projeto-piloto não seja interrompida.

3.15.

O CESE apoia o processo de avaliação, que é indispensável para averiguar se os objetivos foram atingidos e se as regras de transparência e de responsabilidade financeiras mencionadas no artigo 8.o da proposta de regulamento são respeitadas (7).

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Total dos recursos para 2015 da Finance Watch: doadores e fundações: 32,1 %, projetos de investigação: 7,4 %, subvenções da UE: 56,4 %, organização de eventos: 1,3 %, quotizações dos membros: 2,7 %. Fonte: http://www.finance-watch.org/a-propos/gouvernance-et-financement.

(2)  Artigo 8.o da Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um programa da União de apoio a atividades específicas que visam reforçar a participação dos consumidores e de outros utilizadores finais de serviços financeiros na elaboração das políticas da União no domínio dos serviços financeiros para o período 2017-2020, Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 248 de 18.9.2013, p. 1) e Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96 do Conselho, de 11 de novembro de 1996, relativo às inspeções e verificações no local efetuadas pela Comissão para proteger os interesses financeiros das Comunidades Europeias contra a fraude e outras irregularidades (JO L 292 de 15.11.1996, p. 2).

(3)  http://ec.europa.eu/finance/finservices-retail/docs/users/151222-staff-working-document_en.pdf.

(4)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um programa da União de apoio a atividades específicas no que diz respeito ao reforço da participação dos consumidores e outros utilizadores finais de serviços financeiros na elaboração das políticas da União no domínio dos serviços financeiros para o período 2017-2020, COM(2016) 388 final — 2016/0182 (COD).

(5)  JO C 181 de 21.6.2012, p. 89.

(6)  Projeto-piloto que visa conceder subvenções para apoiar o desenvolvimento de um centro de conhecimentos especializados em matéria financeira, em benefício dos utilizadores finais e das partes interessadas não pertencentes ao setor, assim como reforçar a sua capacidade para participar na elaboração das políticas da UE no domínio dos serviços financeiros lançado em 2011 — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um programa da União de apoio a atividades específicas no que diz respeito ao reforço da participação dos consumidores e outros utilizadores finais de serviços financeiros na elaboração das políticas da União no domínio dos serviços financeiros para o período 2017-2020. COM(2016) 388 final — 2016/0182 (COD), página 2.

(7)  Supracitado.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/121


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva (UE) 2015/849 relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e que altera a Diretiva 2009/101/CE»

[COM(2016) 450 final — 2016/0208 (COD)]

(2017/C 034/19)

Relator:

Javier DOZ ORRIT

Consulta

Conselho, 19.8.2016

Parlamento Europeu, 12.9.2016

Base jurídica

Artigos 50.o e 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 450 final — 2016/0208 (COD)]

 

 

Competência

Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

5.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

182/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que a luta contra o terrorismo e o seu financiamento, bem como o combate ao branqueamento de capitais e outras formas conexas de criminalidade económica, devem ser prioridades permanentes da política da UE.

1.2.

O CESE manifesta o seu acordo, em termos gerais, com as medidas previstas na proposta de alteração da Diretiva relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo (1) e com a urgência da sua transposição.

1.3.

Dada a natureza global destes fenómenos, o Comité insta a UE e os Estados Membros a desempenharem no futuro um papel ainda mais proeminente e a assumirem a liderança nas instâncias e nos fóruns internacionais empenhados na luta contra o branqueamento de capitais e a criminalidade grave que lhe está associada. São necessárias ações e medidas coordenadas a nível internacional e mundial, que permitam agir de forma mais incisiva e obter melhores resultados, e a Europa pode desempenhar um papel de liderança neste contexto.

1.4.

O Comité está ciente do esforço que a adaptação à diretiva representa para as empresas e entidades obrigadas, bem como para as autoridades de controlo. Trata-se, no entanto, de um esforço necessário que todos devem envidar para atingir os objetivos plenamente partilhados, entre os quais a defesa do sistema financeiro e de outras entidades obrigadas contra a sua utilização para a prática de infrações. O Comité propõe a realização de uma avaliação do impacto da aplicação destas medidas.

1.5.

O CESE manifesta a sua preocupação perante o facto de uma série de fatores poderem limitar seriamente a eficácia prática das 4.a e 5.a Diretivas Branqueamento de Capitais (AMLD). Em primeiro lugar, a lista de países terceiros de risco elevado, publicada em 14 de julho de 2016, não inclui numerosos países ou jurisdições sobre os quais existem sérios indícios de que funcionam como paraísos fiscais para efeitos de branqueamento de capitais, e não inclui qualquer dos 21 países mencionados nos Documentos do Panamá. Dado que as medidas de diligência reforçada ao abrigo da 5AMLD apenas se aplicam aos países terceiros declarados de risco elevado, o CESE propõe que seja elaborada uma nova lista de países terceiros de risco elevado ou que se alargue o âmbito de aplicação das medidas previstas no artigo 18.o-A da 5AMLD. O CESE considera prioritária a criação dos registos públicos dos beneficiários efetivos de contas bancárias, sociedades, fundos fiduciários e transações e o acesso aos mesmos por parte das entidades obrigadas.

1.6.

O CESE insta as instituições da UE a reforçar as suas políticas destinadas à eliminação dos paraísos fiscais. Considera, designadamente, necessário que todas as obrigações decorrentes da 5AMLD e, especialmente, as relativas à identificação dos beneficiários efetivos de contas bancárias, sociedades, fundos fiduciários e transações se estendam a todos os territórios ou jurisdições sob soberania dos Estados-Membros.

1.7.

É necessário articular de forma mais estreita a luta contra o branqueamento de capitais com os combates que teremos de desenvolver contra a elisão e a evasão fiscais, a corrupção e outros delitos conexos — tráfico de armas, de drogas, de seres humanos, etc. — e contra a criminalidade económica organizada. Importa desenvolver novas iniciativas contra todos estes fenómenos e as suas ligações com o branqueamento. Além disso, será necessário introduzir medidas contra a concorrência fiscal desleal.

1.8.

A luta contra o terrorismo e o branqueamento de capitais exige uma cooperação mais estreita entre os vários serviços de informação e segurança dos Estados-Membros, e entre estes e a Europol.

1.9.

O CESE entende que os tratados de comércio livre e de associação económica devem incluir um capítulo sobre medidas contra a elisão e a evasão fiscais, o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. O Comité insta a Comissão a incluir esta medida como uma proposta da UE nas negociações em curso, especialmente da PTCI, e nos tratados já em vigor aquando da respetiva revisão.

1.10.

O trabalho das Unidades de Informação Financeira (UIF) dos Estados-Membros e a sua coordenação europeia permanente são essenciais. O CESE considera desejável criar um instrumento europeu de vigilância, coordenação e antecipação das mudanças tecnológicas.

1.11.

Atendendo à enorme importância do combate ao branqueamento de capitais, e no interesse de uma aplicação equitativa e eficaz das regras neste domínio em todos os Estados Membros, é fundamental que os textos e os conceitos usados nas medidas previstas sejam o mais claros possível, promovendo, simultaneamente, a segurança jurídica necessária, em benefício de todos os que têm de aplicar esses textos.

1.12.

Seria oportuno proceder a uma harmonização a nível europeu do tratamento jurídico — definições e sanções penais — do conjunto de delitos relacionados com o branqueamento de capitais, a evasão fiscal, a corrupção e o financiamento do terrorismo, bem como das suas ligações. O mesmo é válido para a harmonização das sanções por violação das disposições das Diretivas Branqueamento de Capitais.

1.13.

O CESE propõe que se estabeleçam medidas de controlo das filiais das entidades obrigadas em países terceiros de risco elevado e que não se monitorizem apenas os clientes.

1.14.

O CESE convida a Comissão a estudar medidas adicionais para proteger os direitos dos cidadãos contra a utilização ilegal ou abusiva das informações registadas pelas autoridades competentes ou pelas entidades obrigadas.

1.15.

O Comité congratula-se com o rápido tratamento destas propostas e espera que possam entrar em vigor rapidamente, sem prejuízo da qualidade dos resultados. Há que estabelecer um calendário realista para a transposição dos textos e respetiva aplicação nos Estados-Membros, bem como orientações claras.

2.   Antecedentes e proposta da Comissão

2.1.

Os ataques terroristas brutais em França, Bélgica e outros países e as fugas de informação sobre o branqueamento de capitais procedentes de atividades criminosas em paraísos fiscais europeus, a última das quais foi a do CIJI (2) sobre os Documentos do Panamá, levaram a Comissão Europeia a propor novas medidas contra a utilização do sistema financeiro para fins de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Em 5 de julho de 2016, a Comissão adotou, em conjunto com a proposta da 5AMLD, uma outra proposta com vista a facilitar às autoridades tributárias o acesso a informações sobre branqueamento de capitais (3) e uma comunicação sobre medidas futuras destinadas a reforçar a transparência e a combater a elisão e a evasão fiscais (4).

2.2.

Num estudo recente do Parlamento Europeu (5) refere-se que «os Documentos do Panamá puseram em evidência o papel dos paraísos fiscais como facilitadores de evasão fiscal e a natureza agressiva de algumas práticas de evasão fiscal, onde a distinção entre fraude e evasão é mascarada. Nesse sentido, a opacidade resultante do sigilo, a falta de rastreabilidade e a ausência de intercâmbio de informações fiscais têm desempenhado um papel importante nos casos de incumprimento das sanções económicas e permitiram ocultar informações úteis e necessárias ligadas à criminalidade organizada, incluindo o branqueamento de capitais relacionado com a atividade terrorista, a corrupção e o tráfico de droga.»

2.3.

O CIJI publicou os Documentos do Panamá. A sua base de dados — Offsore Leaks Database  (6) — contém referências a 45 131 sociedades da UE (7). Dos 21 territórios que o gabinete Mossack Fonseca utilizava nas operações de elisão e evasão fiscais e branqueamento de capitais, três são membros da UE e três são jurisdições dependentes de um deles (8).

2.4.

A 5AMLD concretiza uma parte das propostas do Plano de Ação para reforçar a luta contra o financiamento de terrorismo (9): as que implicam uma alteração da 4.a Diretiva (4AMLD) (10) e da Diretiva tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades (11). O plano propõe antecipar a data de transposição da 4AMLD de 26 de junho de 2017 para 1 de janeiro de 2017, que é igualmente o prazo para a transposição das duas propostas de diretiva de 5 de julho de 2016.

2.5.

O complexo quadro político e legislativo da 5AMLD inclui, só em 2015, outras duas iniciativas: a Agenda Europeia para a Segurança (12) e a proposta de diretiva relativa à luta contra o terrorismo (13), que estabelece uma nova tipificação das infrações relacionadas com o financiamento do terrorismo.

2.6.

Em 14 de julho de 2016, a Comissão aprovou o Regulamento Delegado sobre a identificação dos países terceiros de risco elevado e uma lista anexa (14) que inclui a aprovada pelo Grupo de Ação Financeira (GAFI) na sua reunião de Busan (Coreia do Sul) em 24 de junho de 2016.

2.7.

A proposta relativa à 5AMLD impõe alguns novos compromissos de diligência que devem ser aplicados pelas entidades obrigadas — instituições financeiras, profissionais do setor, prestadores de serviços a fundos fiduciários e jogos de azar, agentes imobiliários, etc. — aos seus clientes, novos e atuais. Prevê, sobretudo, no seu artigo 18.o-A, medidas de diligência reforçada com respeito aos clientes de países terceiros de risco elevado. Os Estados-Membros podem também aplicar as contramedidas a jurisdições de risco elevado, incluindo a proibição nas mesmas de filiais ou escritórios de representação ou de realizar transações financeiras.

2.8.

Uma novidade consiste no facto de as plataformas de câmbio de moeda virtual e os prestadores de serviços de custódia de carteiras digitais serem incluídos no seu âmbito de aplicação, sendo considerados entidades obrigadas para efeitos de medidas de diligência. Suprime-se o anonimato para a utilização em linha de cartões pré-pagos e reduz-se o limiar de obrigação de identificação de 250 para 150 euros na sua utilização presencial.

2.9.

A 5AMLD propõe igualmente o reforço dos poderes das UIF e a promoção da cooperação entre as mesmas; a facilitação da identificação dos titulares de contas bancárias e de pagamento, estabelecendo registos centrais automatizados nacionais dos mesmos; e a obrigação da identificação e do registo dos beneficiários efetivos das empresas (baixando o limiar de detenção das ações de 25 % para 10 %), fundos fiduciários e fundações e instituições similares, bem como a autorização do acesso público a essas informações sob certas condições.

3.   Observações na generalidade

3.1.

As diversas formas de delinquência que recorrem ao branqueamento de capitais e aos paraísos fiscais em detrimento dos direitos fundamentais de toda a população são muito graves. O branqueamento de capitais continua a aumentar, apesar dos esforços promovidos pelas autoridades europeias e nacionais.

3.2.

A liberalização dos fluxos financeiros no mundo e a velocidade da aplicação das novas tecnologias digitais nas suas transações dificultam a luta contra a utilização do sistema financeiro para fins criminosos. As investigações sobre os recentes atentados do terrorismo jiadista na Europa forneceram informações sobre formas de financiamento não abrangidas pela 4AMLD. Essa realidade justifica que se proponha alterá-la numa altura em que ainda não entrou em vigor e antecipar o prazo para a sua transposição.

3.3.

O CESE concorda, em linhas gerais, com as medidas propostas na 5AMLD e considera que podem ser úteis para ajudar o pôr cobro ao terrorismo e ao branqueamento de capitais.

3.4.

Poderia ser suscitada uma exceção pelas consequências sobre os direitos fundamentais, nomeadamente, a proteção dos dados pessoais, de uma utilização indevida por parte das autoridades competentes de um grande volume de informações confidenciais. A proposta relativa à 5AMLD prevê certas salvaguardas a esse respeito. O conhecimento de determinadas condutas governamentais, como demonstrado pelas revelações da WikiLeaks (2010 e 2012) e pelos documentos publicados por Edward Snowden (2013), levam-nos a propor que a Comissão considere medidas adicionais destinadas a proteger os direitos dos cidadãos contra o uso indevido de informações registadas. Propomos, em particular, que analise a viabilidade da criação de algum tipo de enquadramento penal comum para a utilização indevida de informações e dados pessoais. O CESE poderia cooperar na realização deste estudo.

3.5.

Sem prejuízo das propostas em apreço e das demais iniciativas e ações a nível europeu que o Comité propõe no presente parecer, é extremamente importante que a UE e os Estados-Membros assumam no futuro uma função ainda mais proeminente e desempenhem um papel de liderança nas instâncias e fóruns internacionais ativos na luta contra o branqueamento de capitais e contra a criminalidade grave que lhe está associada, que são fenómenos mundiais e, em regra, transfronteiriços. São necessárias ações e medidas coordenadas a nível internacional e mundial, que permitam agir de forma mais incisiva e obter melhores resultados, e a Europa pode desempenhar um papel de liderança neste contexto.

3.6.

São numerosos os cidadãos europeus que continuam a sofrer as consequências da crise, das políticas de ajustamento e do aumento da pobreza e da desigualdade, numa altura em que tomam conhecimento de que grandes empresas multinacionais praticam a evasão e elisão fiscais e que personalidades da vida económica, política, cultural ou desportiva fogem aos impostos e recorrem ao branqueamento de capitais em paraísos fiscais. Alguns dos procedimentos e jurisdições são também utilizados para financiar organizações terroristas capazes de cometer os crimes mais hediondos na Europa e em outros lugares. Trata-se de uma situação insustentável. É imperioso exigir que as autoridades europeias e nacionais ponham fim a essas práticas de forma eficaz.

3.7.

Não obstante o exposto no ponto 3.2, a consecução dos objetivos das AMLD poderá ser severamente prejudicado pela debilidade da ação política destinada a acabar com os paraísos fiscais, imprescindíveis para o branqueamento de capitais. Pode também ser prejudicada por uma coordenação insuficiente das iniciativas contra o branqueamento de capitais com a luta contra os crimes que o promovem (elisão fiscal, pertença a organizações terroristas ou criminosas, tráfico de armas, drogas e seres humanos, etc.) num contexto marcado pela persistência de práticas de concorrência fiscal desleal na UE.

3.8.

A lista de países de risco elevado que a Comissão publicou, em 14 de julho de 2016 (15), não inclui qualquer um dos que consta da lista dos Documentos do Panamá. É um facto paradoxal, visto que um dos argumentos apresentados pela Comissão para propor a 5AMLD são as revelações contidas nestes documentos. A lista contém apenas um país de risco elevado que não coopera: a Coreia do Norte. Do grupo II, que inclui países que se comprometeram a corrigir as deficiências e que solicitaram assistência técnica para implementar o Plano de Ação do GAFI, consta o Irão. No grupo I, referente aos países que já desenvolveram um plano de ação que lhes permitirá sair da lista desde que satisfaçam os requisitos, incluem-se nove países (quatro deles em guerra: Afeganistão, Iraque, Síria e Iémen). Uma parte do dinheiro que financia o terrorismo passa por esses países. No entanto, o que todas as análises e investigações sobre o tema demonstram é que o branqueamento de capitais procedentes de outras formas de criminalidade não é realizado nesses países.

3.9.

É lamentável que um organismo como o GAFI, que realiza um trabalho muito importante de análise da criminalidade financeira internacional e propõe meios para a combater, não tenha encontrado forma adequada de elaborar as listas de países de risco. É lógico que a Comissão se sirva das recomendações (16) e outras propostas do GAFI para combater o branqueamento de capitais. Porém, neste caso, seguir as suas propostas pode anular parte da eficácia da 5AMLD, uma vez que as medidas reforçadas consagradas no artigo 18.o-A apenas se aplicarão aos países terceiros de risco elevado.

3.10.

O CESE considera que para assegurar a eficácia da 5AMLD na prática importa rever a lista de países terceiros de risco elevado a fim de a alargar aos países ou territórios onde as principais operações de branqueamento de capitais são efetuadas, ou alargar o âmbito de aplicação do artigo 18.o-A a todas as entidades obrigadas e jurisdições que, tendo em conta as informações em poder das UIF, sejam suspeitas de branqueamento de capitais. O CESE propõe igualmente a elaboração de uma lista única de jurisdições que não cooperam na repressão das infrações económicas.

3.11.

O facto de uma percentagem não negligenciável de operações de branqueamento ser realizada em jurisdições dependentes de Estados-Membros deveria levar todas as instituições da UE a estabelecer um compromisso político firme no sentido de erradicar os paraísos fiscais no seu território. Concretamente, os requisitos de identificação dos beneficiários efetivos das contas bancárias, das empresas e de todas as partes dos fundos fiduciários e das transações, exigidos às entidades obrigadas da UE ao abrigo da proposta relativa à 5AMLD, devem ser alargados a todos os territórios cuja soberania depende dos Estados-Membros, incluindo aqueles que gozam de legislação fiscal especial. Neste contexto, e a fim de cumprir as suas obrigações, as entidades obrigadas devem ter a possibilidade de se basear também nos dados dos registos nacionais (oficiais). Da mesma forma, as medidas reforçadas consagradas no artigo 18.o-A devem ser aplicáveis a jurisdições dependentes de Estados-Membros da UE que realizam operações de branqueamento de capitais.

3.12.

A elisão e a evasão fiscais estão intimamente relacionadas com o branqueamento de capitais. Uma parte do dinheiro objeto de branqueamento provém da elisão e evasão fiscais. É necessário coordenar a prevenção e repressão dos dois tipos de crimes, tanto a nível legislativo como na ação política e na atuação dos serviços de informação, na polícia e nos sistemas judiciais. O CESE congratulou-se com as iniciativas mais recentes da Comissão no combate à elisão e evasão fiscais na UE, mas estas continuam a ser insuficientes, pelo que são necessárias medidas adicionais que se articulem com as adotadas contra o branqueamento de capitais.

3.13.

A luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo exige uma estreita cooperação entre os vários serviços de informação e segurança dos Estados-Membros, bem como entre estes e a Europol. Há que reconhecer que os atuais níveis de cooperação são insuficientes. Apesar das declarações públicas das autoridades nacionais e europeias e das manifestações das populações em prol do reforço desta cooperação, ficam evidentes, após cada ataque terrorista, importantes deficiências na coordenação. Por vezes, são detetadas falhas de coordenação entre os diferentes serviços do mesmo Estado. É preciso empenhar todos os meios com vista a acabar com esta situação.

3.14.

Nos últimos anos, a UE tem negociado ou assinado importantes acordos de comércio livre e de associação económica. Negoceia atualmente um tratado da importância da PTCI. Estes tratados devem proporcionar uma excelente oportunidade para estabelecer medidas bilaterais ou birregionais de combate à elisão e à evasão fiscais, ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. O CESE insta a Comissão a estudar a forma de introduzir um capítulo deste tipo nos tratados atualmente em fase de negociação e na revisão dos já existentes. O CESE concorda plenamente neste aspeto com as conclusões do PE constantes do estudo supramencionado (17).

4.   Observações na especialidade

4.1.

As UIF dos Estados-Membros devem desenvolver um importante trabalho de informação, vigilância e prevenção, incluindo a antecipação das rápidas mudanças que ocorrem a nível das tecnologias que podem ser utilizadas no branqueamento de capitais e no financiamento do terrorismo. É necessária celeridade nas respostas nacionais e na partilha europeia das respetivas investigações. A coordenação permanente e ágil das UIF é essencial. O CESE considera que seria desejável criar um instrumento europeu de vigilância, coordenação e antecipação tecnológica.

4.2.

É preciso que as entidades obrigadas, tal como definidas na 4.a e 5.a AMLD, realizem as tarefas de vigilância e controlo de pessoas e movimentos suspeitos. No entanto, não são contemplados nestas diretivas requisitos ou obrigações no que respeita às atividades das entidades obrigadas nos países terceiros de risco elevado. Deveria pôr-se fim a esta situação, na qual se fiscalizam mais os clientes do que as próprias entidades.

4.3.

Das recomendações enunciadas no parecer do CESE CCMI/132, intitulado «Combate à corrupção» (18), são particularmente úteis, relativamente ao presente parecer, as seguintes: a) desenvolver uma estratégia quinquenal para combater a corrupção, que seja coerente e global, com o seu plano de ação subsequente; b) criar uma Procuradoria Europeia e reforçar as capacidades da Eurojust; e c) exigir que as empresas multinacionais divulguem informações financeiras importantes sobre a sua atividade em todos os países em que operam.

4.4.

Segundo o CESE, seria necessário harmonizar à escala europeia o tratamento penal — definições e sanções — do conjunto de crimes relacionados com o branqueamento de capitais, a evasão fiscal, a corrupção e o financiamento do terrorismo e suas ligações. A Comissão e a Autoridade Bancária Europeia devem também promover a harmonização das sanções por incumprimento de obrigações por parte das entidades obrigadas.

4.5.

A luta contra o branqueamento de capitais é extremamente importante e deve ser incisiva, diligente e eficiente. Por conseguinte, é importantíssimo que os textos e os conceitos contidos nas medidas propostas sejam tão claros quanto possível, promovendo, simultaneamente, a segurança jurídica necessária, em benefício de todos os que têm de aplicar esses textos, e contribuindo para uma aplicação uniforme em toda a União.

4.6.

O Comité congratula-se com o rápido tratamento destas propostas e espera que estas sejam aprovadas rapidamente e a curto prazo para que possam entrar em vigor, sem prejuízo da qualidade dos resultados. Há que estabelecer um calendário realista para a transposição dos textos e respetiva aplicação nos Estados-Membros, bem como orientações claras.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Doravante designada «5AMLD», da sigla em inglês, COM(2016) 450 final.

(2)  International Consortium of Investigative Journalists (Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação).

(3)  COM(2016) 452 final.

(4)  COM(2016) 451 final.

(5)  Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS), «The inclusion of financial services in EU free trade and association agreements: Effects on money laundering, tax evasion and avoidance. Ex-Post Impact Assessment» [A inclusão dos serviços financeiros nos acordos de comércio livre e de associação da UE: efeitos no branqueamento de capitais e na evasão e elisão fiscais. Avaliação de impacto ex post], p. 18 Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS), «The inclusion of financial services in EU free trade and association agreements: Effects on money laundering, tax evasion and avoidance. Ex-Post Impact Assessment» [A inclusão dos serviços financeiros nos acordos de comércio livre e de associação da UE: efeitos no branqueamento de capitais e na evasão e elisão fiscais. Avaliação de impacto ex post], p. 18.

(6)  Offshore Leaks Database.

(7)  EPRS, op.cit., p. 19 e 20.

(8)  EPRS, op.cit., p. 21.

(9)  COM(2016) 50 final.

(10)  JO L 141 de 5.6.2015, p. 73.

(11)  JO L 258 de 1.10.2009, p. 11.

(12)  COM(2015) 185 final.

(13)  COM(2015) 625 final de 2.

(14)  COM(2016) 4180 final.

(15)  Regulamento Delegado C(2016) 4180 e anexo contendo a lista de países: http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/3/2016/PT/3-2016-4180-PT-F1-1-ANNEX-1.PDF

(16)  Padrões internacionais de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e da proliferação.

(17)  EPRS, op. cit, p. 59.

(18)  JO C 13 de 15.1.2016, p. 63.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/127


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2011/16/UE no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais»

[COM(2016) 452 final — 2016/0209 (CNS)]

(2017/C 034/20)

Relator:

Petru Sorin DANDEA

Consulta

Conselho da União Europeia, 27.7.2016

Base jurídica:

Artigos 113.o e 115.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 452 final — 2016/0209 (CNS)]

Competência

Secção Especializada da União Económica e Monetária, Coesão Económica e Social

Adoção em secção

5.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

227/3/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE felicita a Comissão pela sua iniciativa e congratula-se com os seus esforços para lutar contra a evasão fiscal e o branqueamento de capitais. Tais práticas, para além de conduzirem à erosão da base tributável dos Estados-Membros, constituem uma das principais fontes de financiamento das organizações criminosas e terroristas a nível mundial.

1.2.

Tendo em conta as graves consequências da fraude e evasão fiscais, o CESE apoia as regras estabelecidas na proposta de diretiva que altera a Diretiva relativa à cooperação administrativa. O facto de incluir, nas categorias de informações que são objeto de um intercâmbio de informações entre os serviços fiscais dos Estados-Membros, informações sobre os beneficiários efetivos das operações financeiras que, no seguimento de verificações efetuadas no âmbito de controlos, exames e auditorias, suscitem suspeitas de se tratar de ilegalidades ou mesmo de operações de branqueamento de capitais, permitirá reforçar a capacidade administrativa e a eficácia da luta contra o branqueamento de capitais.

1.3.

Uma vez que a plena aplicação da alteração da Diretiva relativa à cooperação administrativa depende da adoção do projeto de diretiva que altera a Quarta Diretiva relativa ao branqueamento de capitais (1), o CESE recomenda aos Estados-Membros e ao Parlamento Europeu que adotem na íntegra o pacote de medidas regulamentares proposto pela Comissão.

O CESE insta os Estados-Membros a assegurarem os recursos humanos, financeiros e logísticos necessários às administrações fiscais para a aplicação adequada das novas regras em matéria de luta contra o branqueamento de capitais.

2.   Proposta da Comissão Europeia

2.1.

No quadro do Plano de Ação de combate à evasão e elisão fiscais e do Plano de Ação para reforçar a luta contra o financiamento do terrorismo, a Comissão Europeia apresentou, em julho de 2016, um pacote de medidas regulamentares destinadas a melhorar o acesso das administrações fiscais às informações antibranqueamento de capitais. Entre essas medidas figura a proposta de diretiva do Conselho (2) que altera a Diretiva 2011/16/UE no que respeita ao acesso das autoridades fiscais às informações antibranqueamento de capitais.

2.2.

A proposta da Comissão altera o artigo 22.o da Diretiva relativa à cooperação administrativa, de modo que as informações específicas sobre operações financeiras de branqueamento de capitais passem a ser objeto do intercâmbio de informações entre as administrações fiscais dos Estados-Membros.

2.3.

Por conseguinte, o objetivo da presente iniciativa é permitir que as administrações fiscais acedam, de forma sistemática, às informações antibranqueamento de capitais para o exercício das suas funções de controlo da correta aplicação da diretiva relativa à cooperação administrativa pelas instituições financeiras.

2.4.

A proposta de diretiva estabelece regras contra as práticas de evasão fiscal que afetam diretamente o funcionamento do mercado interno. Além disso, visa assegurar o acesso das administrações fiscais às informações sobre os beneficiários efetivos das operações financeiras que, no seguimento de verificações efetuadas durante controlos, exames e auditorias, suscitem suspeitas de se tratar de ilegalidades ou mesmo de operações de branqueamento de capitais em benefício de organizações criminosas ou terroristas.

3.   Observações na generalidade e na especialidade

3.1.

A proposta de diretiva visa a aplicação uniforme, em todos os Estados-Membros, das regras em matéria de intercâmbio, entre as administrações fiscais dos Estados-Membros, das informações sobre os beneficiários efetivos de algumas operações financeiras suspeitas de serem operações de branqueamento de capitais. Tal como já o fizera em anteriores pareceres (3), o CESE felicita a Comissão pela sua iniciativa e congratula-se com os seus esforços para lutar contra a evasão fiscal e o branqueamento de capitais. Tais práticas, para além de conduzirem à erosão da base tributável dos Estados-Membros, constituem uma das principais fontes de financiamento das organizações criminosas e terroristas a nível mundial.

3.2.

O CESE concorda com as regras sobre o acesso das administrações fiscais aos mecanismos, procedimentos, documentos e informações sobre as transações financeiras suspeitas de serem operações de branqueamento de capitais. Na declaração do G20, de 18 de abril, o Grupo de Ação Financeira Internacional é instado a apresentar propostas para melhorar a aplicação das normas internacionais em matéria de transparência, nomeadamente sobre a disponibilidade das informações relativas aos beneficiários efetivos, e o intercâmbio das mesmas a nível internacional. Por conseguinte, o CESE recomenda à Comissão e aos Estados-Membros que intensifiquem os seus esforços de negociação a nível internacional, junto de órgãos como a OCDE e o G20, tendo em vista a aplicação das referidas normas a nível mundial.

3.3.

Tendo em conta que a plena aplicação da proposta de diretiva sobre a alteração da Diretiva relativa à cooperação administrativa depende da adoção do projeto de diretiva que altera a Quarta Diretiva relativa ao branqueamento de capitais (4), o CESE recomenda aos Estados-Membros e ao Parlamento Europeu que adotem na íntegra o pacote de medidas regulamentares proposto pela Comissão.

3.4.

Tendo em conta o recrudescimento das atividades terroristas a nível mundial, bem como dos atentados que causaram a perda de vidas humanas em diversos Estados-Membros, o Comité considera que as regras propostas pela Comissão devem ser urgentemente adotadas. A introdução de regras mais eficazes para combater o branqueamento de capitais permite eliminar uma das principais fontes de financiamento das organizações terroristas.

O CESE insta os Estados-Membros a assegurarem os recursos humanos, financeiros e logísticos necessários à aplicação das novas regras em matéria de branqueamento de capitais que figuram no pacote de medidas apresentado pela Comissão Europeia. O CESE considera igualmente que o desenvolvimento de programas para assegurar o intercâmbio de boas práticas entre os peritos dos serviços fiscais dos Estados-Membros poderia contribuir para uma aplicação mais eficaz da nova regulamentação.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  COM(2016) 450 final.

(2)  COM(2016) 452 final.

(3)  JO C 271 de 19.9.2013, p. 31.

(4)  Ver nota de rodapé 1.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/130


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre as práticas comerciais desleais nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar»

[COM(2016) 32 final]

(2017/C 034/21)

Relator:

Peter SCHMIDT

Consulta

Comissão Europeia, 4.3.2016

Base jurídica

Artigo 43.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 32 final]

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

30.9.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

221/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE destaca a necessidade de resolver o problema da vulnerabilidade dos operadores mais fracos da cadeia de abastecimento alimentar, pondo fim às práticas comerciais desleais (PCD) pelos retalhistas de produtos alimentares (N.B.: no presente parecer, o termo «retalhistas» refere-se ao comércio a retalho em grande escala) e por algumas empresas transnacionais, que aumentam os riscos e o sentimento de incerteza de todos os operadores da cadeia de abastecimento alimentar, gerando assim custos desnecessários.

1.2.

O CESE reconhece que a mera eliminação das PCD não é suficiente para resolver os problemas estruturais do mercado na cadeia de abastecimento alimentar, tais como os desequilíbrios do mercado temporários, a vulnerabilidade dos agricultores, etc.

1.3.

O CESE reitera as preocupações e recomendações formuladas no seu anterior parecer sobre as «Relações comerciais entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios — ponto da situação» (1). Em particular, insta novamente a Comissão a adaptar a legislação europeia às características específicas das várias partes que compõem o setor alimentar.

1.4.

O CESE constata o falhanço do mercado, visto que num sistema insuficientemente regulamentado a situação continua a degradar-se (2).

1.5.

O CESE apoia fortemente a resolução do Parlamento Europeu, de 7 de junho de 2016 (3), salientando a necessidade de estabelecer um quadro normativo ao nível da UE que permita lidar com as PCD aplicadas pelos retalhistas de produtos alimentares e por algumas empresas transnacionais e assegurar aos agricultores e consumidores europeus a oportunidade de beneficiarem de condições justas de compra e venda. O CESE considera que, devido à natureza das PCD, a existência de legislação da UE que as proíba é simultaneamente um requisito e uma necessidade.

1.6.

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a tomarem medidas urgentes com vista a evitar as PCD, criando uma rede de autoridades de execução competentes, harmonizada ao nível da UE, que permita participar no mercado único em condições de igualdade.

1.7.

O CESE saúda a criação da Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI — Supply Chain Initiative) ao nível da UE e de outros regimes voluntários nacionais, mas apenas como complemento de mecanismos de execução sólidos e eficazes ao nível dos Estados-Membros. Existe, contudo, a necessidade de assegurar a participação de todas as partes interessadas (entre as quais agricultores e sindicatos) e a apresentação de denúncias em regime de anonimato. Afigura-se também necessário estabelecer sanções com efeito dissuasivo. Além disso, tais plataformas devem ser capazes de reagir com independência. O CESE propõe ainda que os eventuais litígios sejam mediados antes de chegar a julgamento por um Provedor de Justiça com poderes regulatórios.

1.8.

O CESE apela à eliminação de práticas abusivas, por exemplo as incluídas na lista do ponto 3.3 do presente parecer.

1.9.

Em particular, o CESE recomenda que os fornecedores, tais como os agricultores, sejam pagos a um preço não inferior ao custo de produção. O CESE apela também para que seja imposta aos retalhistas de produtos alimentares a proibição efetiva de praticarem preços abaixo do preço de custo.

1.10.

O CESE recomenda que seja promovida e apoiada a criação de modelos comerciais alternativos que contribuam para encurtar a cadeia de abastecimento entre os produtores alimentares e o consumidor final, por exemplo através das políticas de contratação pública ao nível dos Estados-Membros.

1.11.

O CESE propõe que o papel e a posição das cooperativas e das organizações de produtores sejam reforçados, a fim de restaurar o equilíbrio de poderes, visto tratarem-se de tipos de negócio adequados e importantes, que permitem aos agricultores enquanto proprietários melhorar coletivamente a sua posição de mercado — incluindo nas condições do mercado único da UE — e reequilibrar de forma ativa a distribuição do poder negocial na cadeia de abastecimento alimentar.

1.12.

O CESE insta os operadores da cadeia de abastecimento a promoverem relações de comércio justo com base em contratos estáveis de longo prazo e a cooperarem mutuamente, trabalhando em conjunto para satisfazer as necessidades e exigências dos consumidores.

1.13.

Apela à proteção e à garantia do anonimato dos autores de denúncias que expõem casos de PCD.

1.14.

Recomenda a introdução do direito de intentar ações coletivas.

1.15.

Propõe que seja lançada, em toda a UE, uma campanha de informação e sensibilização sobre «o valor dos alimentos». Uma tal iniciativa é necessária para assegurar, a longo prazo, uma mudança de comportamento dos consumidores.

2.   Introdução

2.1.

A cadeia de abastecimento agroalimentar liga setores importantes e diversos da economia europeia, que são essenciais para o bem-estar económico, social e ambiental, assim como para a saúde dos cidadãos europeus. Contudo, nos últimos anos, verificou-se uma deslocação do poder de negociação na cadeia de abastecimento, sobretudo em benefício do setor retalhista e de algumas empresas transnacionais e em detrimento dos fornecedores, em especial dos produtores primários.

2.2.

Atualmente, a comercialização e a venda de produtos alimentares é dominada por um pequeno número de empresas. Por exemplo, muitos dos estabelecimentos grossistas num número cada vez maior de Estados-Membros são maioritariamente controlados por três a cinco retalhistas que, juntos, detêm uma quota de mercado de 65 % a 90 %, entre os retalhistas modernos (4), (5).

2.3.

A concentração do poder negocial conduziu ao abuso de posições dominantes, o que torna os operadores mais fracos cada vez mais vulneráveis às práticas comerciais desleais (PCD). Esta situação transfere risco económico do mercado para a cadeia de abastecimento e tem um impacto particularmente negativo nos consumidores e em alguns operadores, por exemplo agricultores, trabalhadores e PME.

2.4.

O CESE já se pronunciou sobre as PCD no seu parecer sobre as «Relações comerciais entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios — ponto da situação», em fevereiro de 2013 (6). Desde então, a situação das PCD pouco melhorou. Pelo contrário, o poder da grande distribuição até aumentou, o que poderá resultar na ocorrência de práticas abusivas contra alguns operadores, por exemplo agricultores, trabalhadores e PME.

3.   Impacto das práticas comerciais desleais

3.1.

As PCD podem ser definidas, em termos gerais, como práticas que se desviam significativamente da boa conduta comercial e são contrárias à boa-fé e às práticas comerciais leais (7).

3.2.

As PCD podem ocorrer em qualquer fase da cadeia de abastecimento e entre vários operadores. Contudo, são mais prevalecentes em fases posteriores da cadeia de abastecimento, nas quais existe uma maior concentração de poder entre retalhistas e algumas empresas transnacionais. Nos casos em que se detetam PCD em fases precoces da cadeia de abastecimento, são normalmente o resultado de uma transferência do risco decorrente de PCD em fases posteriores.

3.3.

Tais práticas podem incluir, mas não se limitam, de modo algum, às seguintes:

transferência injusta do risco comercial;

condições contratuais obscuras ou ambíguas;

modificações unilaterais e retroativas das condições contratuais, incluindo do preço;

menor qualidade dos produtos ou informação dos consumidores sem comunicação, consulta ou acordo dos compradores;

contribuições para custos de promoção ou de comercialização;

atrasos no pagamento;

comissões de admissão e fidelização;

cobrança de taxas pelo espaço de prateleira;

requisitos para produtos desperdiçados ou não vendidos;

utilização de especificações estéticas para justificar a rejeição de remessas de géneros alimentícios ou reduzir o preço pago pelos mesmos;

pressão para reduzir os preços;

cobrança de pagamentos por serviços fictícios;

cancelamento de encomendas e redução do volume previsto de última hora;

ameaças de retirada dos produtos da prateleira;

taxas fixas cobradas pelas empresas aos fornecedores como condição para assegurar a sua inclusão numa lista de fornecedores («pagar para ficar»).

3.4.

As PCD têm vastas repercussões para operadores e consumidores e também para o ambiente. Contudo, tais práticas são, por natureza, rentáveis e, como tal, quem as aplica usufrui de ganhos a curto prazo, em detrimento de outros operadores da cadeia de abastecimento. A longo prazo, os operadores da cadeia de abastecimento precisam de manter relações de fornecimento sustentáveis e evitar ruturas de abastecimento, de modo a poderem competir e continuar a responder à constante evolução das exigências dos consumidores.

3.5.   Impacto das PCD nos fornecedores

3.5.1.

As PCD têm repercussões diversas e de amplo alcance para os operadores que a elas são submetidos, podendo resultar numa perda de receitas para os fornecedores, motivada quer por uma redução dos preços, quer por um aumento dos custos incorridos em resultado dessas práticas. Estima-se que as PCD tenham um custo de 30 a 40 mil milhões de EUR para os fornecedores (8). Além das contínuas pressões exercidas sobre os preços dos fornecedores, estas práticas criam um ambiente de incerteza, contribuindo assim para a estagnação da inovação e do investimento na cadeia de abastecimento e para a eventual falência de fornecedores competentes e responsáveis.

3.5.2.

A pressão exercida sobre os agricultores e as empresas de transformação de alimentos, e a consequente pressão para a redução dos preços, também conduz a salários reduzidos no setor agrícola e na indústria de transformação alimentar. No que diz respeito ao trabalho de cariz mais permanente, a corrida aos preços baixos também conduz a uma redução dos salários, necessária para assegurar as margens de lucro dos fornecedores.

3.5.3.

As PME são frequentemente as empresas mais expostas às PCD. Por exemplo, no comércio mundial de bananas, onde a produção dos pequenos agricultores é utilizada para «completar» os volumes produzidos pelas grandes plantações, estes fornecedores correm o risco de serem os primeiros a serem excluídos de uma venda se uma encomenda for cancelada sem a devida antecedência (9).

3.5.4.

Em determinadas áreas da produção e transformação alimentar já não existe liberdade contratual. Na Alemanha, alguns desenvolvimentos recentes revelam que os preços de retalho foram reduzidos unilateralmente sem negociação com os fornecedores. No Reino Unido, o leite é muitas vezes um «líder das perdas» no setor alimentar, com os produtores de leite britânicos forçados a vender o leite que produzem a preços cada vez mais baixos, em certos casos abaixo do preço de custo. Em Espanha, no setor da transformação, pagar abaixo do preço de custo é legal, o que debilita seriamente a formação dos preços ao longo da cadeia.

3.5.5.

O setor dos produtos frescos é altamente suscetível às PCD devido à elevada perecibilidade dos produtos que fornece ao mercado europeu. Para assegurarem um tempo de vida útil adequado para o cliente final e consumidor, os agricultores dispõem de pouco tempo para venderem os seus produtos. Muitas vezes, os compradores comerciais de retalhistas e intermediários aproveitam-se destas situações para imporem reduções de preços inegociáveis durante a receção das mercadorias.

3.5.6.

Várias investigações permitiram concluir que há determinados operadores com um poder de compra inquestionável que origina abusos consubstanciados na adoção de práticas comerciais desleais (10). Tais práticas abusivas podem surgir em qualquer fase da cadeia de abastecimento e são também evidentes nas relações entre os agricultores e a indústria alimentar, uma vez que a relativa concentração do poder também confere «poder de compra» às empresas deste setor (11).

3.5.7.

O aumento das vendas de produtos de «marca branca» pelos retalhistas (marca própria) permite-lhes mudar de fornecedor com frequência se encontrarem produtores mais baratos durante ou após o início das relações contratuais. Contudo, os produtos de «marca branca» não são desleais em si, podendo mesmo ajudar as PME a entrar no mercado e garantir aos consumidores uma maior variedade de escolha.

3.5.8.

A expansão de algumas atividades de retalho através da integração vertical na aquisição e transformação pode conduzir ao corte dos preços pelos retalhistas. Este é um exemplo do aumento do poder negocial através da contínua concentração de poder.

3.5.9.

A venda abaixo do custo de produção e a utilização de produtos agrícolas de base, como o leite, o queijo, a fruta e os legumes, como «produtos de saldo» (ou seja, abaixo do custo de compra) pelos grandes retalhistas e por algumas empresas transnacionais põem em risco a sustentabilidade a longo prazo da produção agrícola europeia.

3.6.   Impacto das PCD nos consumidores

3.6.1.

As PCD têm um impacto negativo significativo nos consumidores europeus. Os grandes operadores absorvem frequentemente os custos gerados pelas PCD, mas as empresas mais pequenas são sujeitas a maiores pressões e não conseguem investir e inovar, o que as impede de entrar em mercados de elevado valor (12). Esta situação origina uma menor variedade e disponibilidade de produtos para o consumidor, levando, em última instância, a um aumento dos preços no consumidor.

3.6.2.

A falta de transparência nos rótulos é prejudicial aos consumidores, que não conseguem fazer escolhas informadas apesar de terem, em inúmeras ocasiões, manifestado uma preferência por produtos agroalimentares locais, saudáveis, ecológicos e de qualidade. Esta opacidade afeta negativamente o nível de confiança dos consumidores, agravando a crise que afeta o setor agrícola.

3.6.3.

A pressão sobre os preços força as empresas transformadoras de produtos alimentares a operar com os menores custos possíveis, o que pode afetar a qualidade dos alimentos disponibilizados aos consumidores. A fim de reduzir os custos, em alguns casos, as empresas utilizam matérias-primas mais baratas, que afetam a qualidade e o valor dos géneros alimentícios — por exemplo, o uso de gorduras trans em muitos produtos, em substituição de óleos e gorduras mais saudáveis provenientes da Europa.

3.7.   Impacto das PCD no ambiente

3.7.1.

Há que reconhecer o impacto das PCD no ambiente. As PCD constituem um incentivo à sobreprodução, pois os fornecedores veem nesta solução uma garantia contra a incerteza, o que, por sua vez, pode levar a um desperdício de alimentos, causando um desnecessário esgotamento dos recursos, entre os quais o solo, a água, os produtos agroquímicos e os combustíveis (13), (14).

4.   Resumo do relatório da Comissão sobre as práticas comerciais desleais nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar

4.1.

A Comissão elaborou um relatório (15) que avalia a existência e a eficácia de quadros normativos nacionais que aplicam medidas de combate às PCD, bem como o papel desempenhado à escala da UE pela Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI — Supply Chain Initiative) voluntária e respetivas plataformas nacionais.

4.2.

O relatório de 2016 da Comissão sublinha o facto de uma grande maioria de Estados-Membros já ter adotado medidas regulamentares e sistemas públicos de aplicação da lei para combater as PCD. Alguns Estados-Membros foram mais longe do que outros, mas são ainda muitos aqueles que não conseguem dar resposta ao «fator medo» sentido pelas vítimas de PCD. Uma vez que as PCD podem ser combatidas com êxito através de diferentes abordagens, a Comissão considera que uma abordagem normativa harmonizada a nível da UE não traria qualquer valor acrescentado na fase atual.

4.3.

A Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI) (16) é uma iniciativa conjunta de oito associações da UE, que representam o setor alimentar e das bebidas, fabricantes de produtos de marca, o setor retalhista, PME e comerciantes agrícolas. A SCI foi criada no âmbito do «Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar» (17) com o objetivo de ajudar as partes interessadas a lidar com as PCD.

4.4.

O relatório conclui que a SCI melhorou o conhecimento das PCD e é potencialmente uma alternativa mais rápida e menos onerosa às ações judiciais. Pode também facilitar a resolução de problemas transfronteiriços. A Comissão destaca ainda alguns aspetos de potencial melhoria da SCI, entre os quais assegurar a imparcialidade da estrutura de governação e permitir a apresentação individual de denúncias de forma confidencial.

5.   Observações gerais

5.1.

A posição do CESE sobre o relatório da Comissão está em consonância com a resolução do Parlamento Europeu sobre PCD na cadeia de abastecimento, aprovada em 7 de junho de 2016 com o forte apoio de todos os partidos (18). O Parlamento destaca a necessidade de instituir um quadro legislativo à escala da UE e exorta a Comissão a apresentar propostas de combate às PCD na cadeia de abastecimento alimentar, de modo a assegurar rendimentos justos para os agricultores e uma maior variedade de escolha para os consumidores. O Parlamento destaca ainda a necessidade de promover a SCI e outros sistemas voluntários de âmbito nacional ou europeu, não como uma alternativa, mas antes como «complemento de mecanismos de execução sólidos e eficazes ao nível dos Estados-Membros, assegurando o anonimato das queixas e estabelecendo sanções dissuasivas e com uma coordenação ao nível da UE» (19).

5.2.

A Comissão considera que ainda é muito cedo para avaliar o sucesso da Iniciativa Cadeia de Abastecimento. Contudo, o CESE observa que a SCI não foi eficaz na redução das práticas comerciais desleais e abusivas do poder de compra pelos seguintes motivos:

5.2.1.

O peso do setor retalhista na SCI é altamente dissuasor da participação efetiva de qualquer agricultor na plataforma, tendo em conta a desconfiança existente entre estes dois intervenientes. A SCI não garante o nível de confidencialidade de que os fornecedores necessitam para ultrapassarem o «fator medo». Além disso, a SCI não pode, por iniciativa própria, investigar as cadeias de abastecimento, dependendo da apresentação de denúncias por parte dos operadores, o que coloca o ónus da prova nas vítimas de PCD.

5.2.2.

A Comissão propõe que a SCI permita a autorregulação das PCD. A ausência de sanções financeiras leva, contudo, a que os compradores não se sintam dissuadidos de recorrer a PCD rentáveis. Como exemplo, veja-se o caso da Tesco PLC, que foi recentemente acusada de adotar práticas comerciais desleais nas relações com os seus fornecedores, apesar de ser membro da SCI. Embora a Tesco tenha sido penalizada de forma não financeira pela legislação britânica (The Groceries Code Adjudicator — o provedor dos supermercados no Reino Unido), não foi sancionada pela SCI. A única medida dissuasora ao dispor da SCI é a capacidade de expulsar da plataforma uma empresa infratora, algo que ainda não foi aplicado à Tesco PLC. Este é um exemplo claro da incapacidade da SCI para evitar as PCD.

5.2.3.

O CESE observa ainda a ausência de agricultores e de sindicatos entre os membros da SCI. Se, por um lado, algumas organizações nunca aderiram à iniciativa ou às suas homólogas nacionais, a Confederação dos Produtores Agrícolas e Proprietários Florestais finlandesa (MTK), membro fundador da plataforma nacional de aplicação da SCI na Finlândia, abandonou a iniciativa por considerar que a ausência de confidencialidade aumentava os riscos para os agricultores.

6.   Atuais mecanismos de execução no combate às PCD na Europa

6.1.

Vinte Estados-Membros dispõem de instrumentos legislativos e iniciativas regulamentares, mas o seu sucesso é moderado (20). Quinze desses Estados-Membros levaram a cabo avaliações nos últimos cinco anos que demonstraram uma prevalência significativa de PCD na cadeia de abastecimento. Contudo, existe uma grande disparidade entre os diferentes níveis de regulamentação, e muitas autoridades nacionais não têm poderes para aplicar sanções financeiras ou aceitar denúncias anónimas.

6.2.

O código de conduta Groceries Supply Code of Practice  (21) (GSCOP), do Reino Unido, é considerado um dos instrumentos legislativos mais progressistas no combate às PCD (22). Antes da criação deste código, existia um voluntário mas que, por não ter peso legislativo, foi considerado ineficaz na prevenção das PCD. O GSCOP é regulado pelo Groceries Code Adjudicator (GCA), que possui competências jurídicas para receber denúncias anónimas relativas a PCD, iniciar investigações ex officio, divulgar casos de más práticas adotadas pelas empresas e multar os retalhistas até um valor equivalente a 1 % do seu volume de negócios anual por infrações ao GCSOP. Ainda assim, apesar das suas realizações, o GCA só tem poder para regular as relações entre os retalhistas e os seus fornecedores diretos (em grande parte estabelecidos no Reino Unido). A questão apresenta um «risco moral», em que tanto os retalhistas como os fornecedores diretos transferem os riscos para os fornecedores indiretos através de PCD.

6.3.

Outras investigações semelhantes à realizada no Reino Unido foram levadas a cabo em Espanha (23), Finlândia (24), França (25), Itália (26) e Alemanha, todas elas revelando uma elevada prevalência de PCD na cadeia de abastecimento alimentar.

6.4.

Muitos dos operadores europeus realizam transações comerciais em vários Estados-Membros, o que permite a essas empresas adotar práticas de busca do foro mais favorável (forum shopping), com resultados perniciosos para as legislações nacionais dos Estados-Membros. A ausência de uma legislação harmonizada ao nível da UE criou condições de desigualdade no seio do mercado único. Além disso, nos casos em que a legislação apenas regula as transações entre fornecedores diretos e retalhistas, a compra de géneros alimentícios por intermediários contratados por retalhistas reduz a eficácia da referida legislação, tal como acontece no Reino Unido. Esta situação reforça ainda mais a preconização de uma legislação a nível europeu.

6.5.

As mercadorias estrangeiras chegam normalmente aos retalhistas da UE através de importadores e de outros intermediários. Desta forma, é escasso o conhecimento da existência de tais autoridades (27) e quem as conhece não tem acesso à maioria das autoridades de execução para obter uma compensação por PCD.

7.   Apelo à criação de uma rede europeia de autoridades de execução nacionais para evitar as PCD

7.1.

Tendo em conta as observações apresentadas acima, o CESE apela à criação de uma rede europeia de autoridades de execução para evitar as PCD. A natureza das PCD exige e justifica a sua proibição na legislação europeia, de modo a proteger todos os fornecedores de géneros alimentícios, independentemente da sua localização, incluindo em países terceiros. Para que tal medida seja eficaz, as autoridades integradas na rede terão de reunir as seguintes características:

acesso livre a todos os intervenientes e partes interessadas na cadeia de abastecimento alimentar da UE, independentemente da sua localização geográfica;

medidas efetivas de proteção do anonimato e da confidencialidade dos intervenientes que desejem apresentar uma denúncia de PCD;

capacidade de investigação de empresas ex officio no que diz respeito a abusos do poder de compra;

poder de aplicar sanções financeiras e não financeiras a empresas infratoras;

coordenação ao nível da UE entre as autoridades de execução dos Estados-Membros;

potencial de coordenação internacional com autoridades de execução em países terceiros para evitar as PCD dentro e fora do mercado único.

7.2.

Todos os Estados-Membros devem visar a criação de organismos nacionais de execução para lidar com denúncias de PCD, os quais devem possuir, no mínimo, as características acima referidas.

7.3.

As medidas legislativas de prevenção das PCD podem e devem ter uma boa relação custo-eficácia.

7.4.

Na sua resolução, o Parlamento Europeu solicita também à Comissão que tome medidas para assegurar mecanismos de execução eficazes, como o desenvolvimento e coordenação de «uma rede de autoridades nacionais mutuamente reconhecida a nível da UE» (28).

7.5.

O British Institute of International and Comparative Law (BIICL) [Instituto Britânico de Direito Internacional e Comparativo] recomendou que a UE adotasse uma diretiva destinada a definir objetivos para a prevenção das PCD, comuns às autoridades de execução dos Estados-Membros, bem como a estabelecer normas de coordenação europeia de tais autoridades (29).

8.   Boas práticas atualmente implementadas pela indústria para evitar a ocorrência de práticas comerciais desleais

8.1.

Os contratos de preço fixo ou com garantia de preço mínimo, baseados numa negociação justa entre compradores e fornecedores, oferecem a estes últimos um maior nível de segurança do que a venda dos seus produtos no mercado livre. Contudo, apesar de estes tipos de contrato garantirem preços definidos aos fornecedores, esta prática seria mais vantajosa com a fixação de volumes de produtos ou de garantias mínimas. Atualmente, os volumes podem ser alterados retroativamente e os produtos podem ser rejeitados pelos compradores quando se verificam alterações na procura. Por vezes, estas ações são comunicadas no último minuto, resultando em custos imprevistos com novas ações de comercialização, reembalagem ou eliminação dos alimentos.

8.2.

Alguns fornecedores da UE começaram a empregar agentes terceiros para inspecionar os produtos à chegada ao destino, com vista a impedir a devolução de produtos por parte dos importadores com base em queixas falsas. Tais queixas surgem quando se verificam alterações ao nível da oferta e da procura, aumentando o risco para os compradores nas fases posteriores da cadeia de abastecimento. Esta questão é de certa forma sazonal, uma vez que, quando a oferta é elevada e os preços são baixos, os fornecedores correm um maior risco de receber queixas do que quando a oferta é escassa. Apesar de o recurso a agentes terceiros reduzir claramente a frequência das devoluções aos exportadores, tais serviços constituem um custo acrescido para os fornecedores, limitando a sua capacidade de investir e inovar nas respetivas empresas. Além disso, os fornecedores mais pequenos não têm geralmente condições para suportar os custos desse apoio e, por isso, não beneficiam desta prática.

9.   Cadeias de abastecimento alimentar alternativas

9.1.

Existem muitos exemplos de cadeias de abastecimento alimentar alternativas com práticas comerciais mais justas e um maior equilíbrio da distribuição ou reafetação. Apesar de existirem algumas abordagens promissoras no setor cooperativo, estas encontram-se cada vez mais ameaçadas pelo crescente poder dos grupos empresariais e multinacionais.

9.2.

Com vista a aumentar a justiça na cadeia de abastecimento alimentar da UE, é necessária uma combinação de medidas para lidar com o poder concentrado nas grandes empresas da cadeia de abastecimento, de modo a evitar as PCD, e para reforçar o estabelecimento de um contrapoder através do desenvolvimento de cooperativas e canais alternativos de distribuição alimentar.

9.3.

As cooperativas e as associações de agricultores na Europa e noutros continentes permitiram aos fornecedores agregar as suas produções de modo a aumentar o poder de venda, penetrar nos mercados tradicionais e negociar melhores preços. Tais modelos empresariais permitem aos pequenos fornecedores ter um maior controlo sobre a produção e a comercialização dos seus produtos e oferecem uma alternativa às operações de produção intensiva. O Parlamento Europeu instou a Comissão a incentivar a adesão a modelos empresariais, «a fim de reforçar o respetivo poder de negociação e a sua posição na cadeia de abastecimento alimentar» (30). Além disso, é necessário reforçar a promoção a nível regional e setorial da cooperação entre produtores e cooperativas (31).

9.4.

Os sistemas de agricultura apoiada pela comunidade e outras cooperativas de agricultores e consumidores permitem aos consumidores contribuir diretamente para a produção dos seus próprios alimentos. Estudos recentes sugerem que existem atualmente 2 776 destes sistemas a operar na Europa, alimentando 472 055 pessoas (32). Alguns modelos de entrega de cabazes de produtos frescos, de maior dimensão, também beneficiam de pequenas cadeias de abastecimento que entregam os produtos diretamente em casa do consumidor ou em pontos de recolha centralizada.

9.5.

A venda direta de produtos agroalimentares por agricultores, como os mercados de produtores, tem uma dupla vantagem: os produtores não sofrem práticas abusivas e usufruem de mais autonomia e de uma maior receita, enquanto os consumidores têm acesso a produtos frescos, genuínos, sustentáveis e de origem conhecida. Um estudo (33) demonstrou que os agricultores obtêm muito mais rendimentos da sua produção através destas cadeias de abastecimento do que através dos mercados tradicionais. Tais iniciativas deveriam beneficiar de um maior financiamento público, por exemplo no âmbito do segundo pilar da PAC, uma vez que geram crescimento e emprego, ao mesmo tempo que dão resposta às necessidades dos consumidores.

9.6.

Os Estados-Membros devem desenvolver mecanismos para melhorar a situação dos agricultores e das empresas locais de produção alimentar, através de contratos diretos com os poderes públicos quando aplicam novas diretivas sobre contratos públicos, que não se limitem à lógica do menor preço.

9.7.

Além disso, deveria ser lançada uma campanha de informação e sensibilização à escala europeia sobre o valor dos alimentos. Uma maior sensibilização dos consumidores para a importância da produção alimentar e uma maior valorização dos alimentos revelam-se cada vez mais necessárias e podem contribuir para práticas comerciais mais justas.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 133 de 9.5.2013, p. 16.

(2)  Ver nota de rodapé 1.

(3)  Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de junho de 2016, sobre práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar [2015/2065(INI)].

(4)  Friends of the Earth, 2015. Eating From The Farm [Alimentos diretamente da quinta].

(5)  Consumers International, 2012. The relationship between supermarkets and suppliers: What are the implications for consumers? [Relação entre supermercados e fornecedores: quais as implicações para os consumidores?]

(6)  Ver nota de rodapé 1.

(7)  Comissão Europeia, 2014. Lutar contra as práticas comerciais desleais (PCD) nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar, COM(2014) 472 final.

(8)  Europe Economics. Estimated costs of Unfair Trading Practices in the EU Food Supply Chain [Estimativa dos custos das práticas comerciais desleais para a cadeia de abastecimento da UE].

(9)  Make Fruit Fair, 2015. Banana Value Chains in Europe and the Consequences of Unfair Trading Practices [Cadeias de valor da banana na Europa e consequências das práticas comerciais desleais]. http://www.makefruitfair.org/wp-content/uploads/2015/11/banana_value_chain_research_FINAL_WEB.pdf

(10)  Weekly Report, Berlim 13/2011 página 4 e seguintes.

(11)  Ver nota de rodapé 1.

(12)  Fair Trade Advocacy Office, 2014. Who’s got the power? Tackling imbalances in agricultural supply chains [Quem detém o poder? Corrigir os desequilíbrios nas cadeias de abastecimento de produtos agrícolas]. Página 4.

(13)  Comissão IMCO do PE, 2016. Relatório sobre práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar [2015/2065(INI)].

(14)  Feedback, 2015. Food Waste In Kenya: uncovering food waste in the horticultural export supply chain [Desperdício alimentar no Quénia: divulgação do desperdício de alimentos na cadeia de exportação de produtos hortícolas].

(15)  COM(2016) 32 final.

(16)  http://www.supplychaininitiative.eu/pt-pt

(17)  http://ec.europa.eu/growth/sectors/food/competitiveness/supply-chain-forum/index_pt.htm

(18)  Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de junho de 2016, sobre práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar [2015/2065(INI)].

(19)  Resolução do Parlamento Europeu [2015/2065/(INI)], Ibid.

(20)  Ver nota de rodapé 15.

(21)  GOV UK. 2016: www.gov.uk/government/publications/groceries-supply-code-of-practice

(22)  O código foi criado após uma investigação conduzida pela autoridade da concorrência do Reino Unido concluir que os retalhistas gozavam de um poder desproporcionado na cadeia de abastecimento, resultando numa transferência do risco para toda a cadeia de abastecimento.

(23)  Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia, Informe sobre las relaciones entre fabricantes y distribuidores en el sector alimentario [Relatório sobre as relações entre produtores e distribuidores no setor alimentar], 2011.

(24)  Autoridade Finlandesa para a Concorrência (FCA), «O estudo da FCA demonstra que o comércio de bens de consumo diário utiliza o seu poder de compra de diversas formas que são questionáveis para a concorrência», 2012.

(25)  Autorité de la Concurrence, «Avis n.o 12-A-01 du 11 janvier 2012 relatif à la situation concurrentielle dans le secteur de la distribution alimentaire à Paris» [Parecer relativo à situação da concorrência no setor da distribuição alimentar em Paris].

(26)  Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, Indagine conoscitiva sul settore della Grande Distribuzione Organizzata [Inquérito sobre o setor da grande distribuição organizada], 2013.

(27)  Feedback, 2015 Ibid.

(28)  Resolução do Parlamento Europeu [2015/2065/(INI)], Ibid.

(29)  Hiperligação: http://www.biicl.org/documents/872_biicl_enforcement_mechanisms_report_-_final_w_exec_sum.pdf?showdocument=1

(30)  Resolução do Parlamento Europeu [2015/2065/(INI)], Ibid.

(31)  JO C 303 de 19.8.2016, p. 64.

(32)  European CSA Research Group, 2015. Overview of Community Support Agriculture in Europe [Perspetiva geral da agricultura apoiada pela comunidade na Europa]. http://urgenci.net/wp-content/uploads/2016/05/Overview-of-Community-Supported-Agriculture-in-Europe.pdf

(33)  http://www.foeeurope.org/sites/default/files/agriculture/2015/eating_from_the_farm.pdf


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/140


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que define as características dos navios de pesca (reformulação)»

[COM(2016) 273 final — 2016/0145 (COD)]

(2017/C 034/22)

Relator:

Gabriel SARRÓ IPARRAGUIRRE

Consulta

Conselho da UE, 1.6.2016

Parlamento Europeu, 6.6.2016

Base jurídica

Artigo 43.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 273 final — 2016/0145 (COD)]

Decisão da Mesa

14.6.2016

 

 

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

30.9.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

222/0/2

1.   Conclusões

1.1.

O CESE subscreve a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que define as características dos navios de pesca (reformulação), considerando-a necessária e muito adequada ao direito da União.

2.   Contexto

2.1.

O objetivo da proposta da Comissão consiste em proceder a uma codificação do Regulamento (CEE) n.o 2930/86 do Conselho, de 22 de setembro de 1986, que define as características dos navios de pesca, com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 3259/94 do Conselho, de 22 de dezembro de 1994.

2.2.

Esta codificação vem na sequência das conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Edimburgo, reunido em dezembro de 1992, que confirmou a decisão da Comissão de proceder à codificação de todos os atos normativos (original e alterações posteriores) após um máximo de dez alterações.

2.3.

A codificação é necessária para a simplificação, clarificação e transparência do direito da União, a fim de torná-lo mais acessível e fácil de compreender pelo cidadão comum, o que lhe proporcionará novas oportunidades e a possibilidade de beneficiar dos direitos específicos que lhe são atribuídos.

2.4.

A codificação deve ser efetuada respeitando integralmente o processo de aprovação dos atos da União.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A proposta da Comissão preserva integralmente o conteúdo dos atos codificados.

3.2.

Foi, porém, introduzida uma alteração substantiva no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento (CEE) n.o 2930/86, a fim de delegar na Comissão o poder de adaptar ao progresso técnico as especificações para a definição da potência contínua do motor. Por conseguinte, a proposta é apresentada sob a forma de uma reformulação.

3.3.

A proposta de reformulação foi elaborada com base numa consolidação preliminar do Regulamento (CEE) n.o 2930/86, em 23 línguas oficiais, e do instrumento que o altera, realizada pelo Serviço das Publicações da União Europeia, através de um sistema de processamento de dados.

3.4.

A proposta contém três anexos, que indicam a alteração do anexo (adaptado) do Regulamento (CE) n.o 3259/94 e, sempre que os artigos passaram a ter novos números, a correspondência entre os antigos e os novos números da proposta.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE concorda com as alterações introduzidas no artigo 5.o, n.o 3, que habilita a Comissão a adotar atos delegados para adaptar ao progresso técnico as especificações para a definição da potência contínua do motor, nos termos das especificações adotadas pela Organização Internacional de Normalização na sua norma internacional recomendada ISO 3046/1, segunda edição, de outubro de 1981.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/142


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de gestão, de conservação e de controlo aplicáveis na área da Convenção da Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT) e que altera os Regulamentos (CE) n.o 1936/2001, (CE) n.o 1984/2003 e (CE) n.o 520/2007 do Conselho»

[COM(2016) 401 final — 2016/0187 (COD)]

(2017/C 034/23)

Relator:

Thomas McDONOGH

Consulta

Parlamento Europeu, 22/06/2016

Conselho, 30/06/2016

Base jurídica

Artigos 43.o, n.o 2, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

[COM(2016) 401 final — 2016/0187 (COD)]

 

 

Decisão da Mesa do Comité

12/07/2016

 

 

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

30/09/2016

Adoção em plenária

19/10/2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

224/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com a transposição para o direito da UE das medidas adotadas desde 2008 pela Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (CICTA). O Comité insta a Comissão Europeia a desempenhar um papel mais assertivo nesta e em outras organizações regionais de gestão das pescas (ORGP).

1.2.

O CESE exorta todas as partes interessadas a aplicarem estas e outras medidas de conservação com o máximo rigor. A maioria dos pescadores respeita as regras e merece condições de concorrência equitativas.

1.3.

O CESE solicita à Comissão Europeia que averigue e, se necessário, suprima o artigo 7.o, n.o 2, e que altere, de acordo com as linhas sugeridas no presente parecer, os artigos 9.o, n.o 1, 31.o, 32.o, 34.o a 36.o e 38.o, n.o 4. A exceção ao transbordo no mar proposta nos artigos 52.o a 59.o deve também ser cuidadosamente reexaminada e eventualmente suprimida se a obrigação geral de transbordo no porto prevalecer.

2.   Contexto

2.1.

Para além de acordos bilaterais, tais como os acordos de parceria ou de reciprocidade no domínio da pesca sustentável, a política comum das pescas (PCP) confere à UE a possibilidade de celebrar acordos multilaterais no âmbito das ORGP. O objetivo destes acordos consiste em reforçar a cooperação regional a fim de garantir a conservação e exploração sustentável dos recursos haliêuticos.

2.2.

A CICTA é responsável pela conservação dos tunídeos e espécies afins (cerca de 30 no total) no oceano Atlântico e nos mares adjacentes. A UE é parte contratante desde 1997, em substituição de cada um dos Estados-Membros.

2.3.

A CICTA tem autoridade para adotar recomendações vinculativas que devem ser transpostas para o direito da União desde que não sejam abrangidas por legislação anterior.

3.   Observações

3.1.

O artigo 7.o, n.o 2, da proposta, que limita a substituição dos navios por outros de capacidade equivalente ou inferior, baseia-se na Recomendação 14-01 da CICTA, que já não está em vigor. A Recomendação 15-01, a nova recomendação para os tunídeos tropicais, não inclui, na sua redação atual, qualquer limitação quanto a substituições.

3.2.

O artigo 9.o, n.o 1, relativo aos planos de gestão para os dispositivos de concentração de peixes (DCP) estabelece o prazo para transmissão ao secretariado da CICTA em 1 de julho de cada ano, que foi a data fixada na Recomendação 14-01. O prazo estabelecido na Recomendação 15-01 é 31 de janeiro. Uma vez que este é aplicável à Comissão, os Estados-Membros deverão dispor de um prazo mais curto, por exemplo, 15 de janeiro.

3.3.

Os artigos 31.o, 32.o, 34.o, 35.o e 36.o, que impõem a proibição de desembarque de tubarões não autorizados, podem incluir uma referência ao artigo 15.o, n.o 4, do regulamento de base da PCP (1), que estabelece exceções à regra geral de proibição das devoluções.

3.4.

O artigo 38.o, n.o 4, deve ter início, tal como na Recomendação 07-07 da CICTA, com a expressão «se possível». Tal não deverá impedir a negociação de um compromisso mais vinculativo no âmbito da ICCAT.

3.5.

Os artigos 54.o e 55.o destinam-se a introduzir exceções na área da Convenção CICTA para os palangreiros no que diz respeito ao transbordo no mar, mas no caso da frota da UE deve-se aplicar a regra geral de que todas as operações de transbordo se realizam no porto.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Regulamento (UE) n.o 1380/2013.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/144


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de país terceiro ou por um apátrida (reformulação)»

[COM(2016) 270 — 2016/0133 (COD)]

sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria a Agência da União Europeia para o Asilo e revoga o Regulamento (CE) n.o 439/2010»

[COM(2016) 271 final — 2016/0131 (COD)]

e sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação do sistema Eurodac de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efetiva do [Regulamento (UE) n.o 604/2013] que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas, de identificação de nacionais de países terceiros ou de apátridas em situação irregular, e de pedidos de comparação com os dados Eurodac apresentados pelas autoridades responsáveis dos Estados-Membros e pela Europol para fins de aplicação da lei (reformulação)»

[COM(2016) 272 final — 2016/0132 (COD)]

(2017/C 034/24)

Relator:

José Antonio MORENO DÍAZ

Consulta

Conselho da União Europeia, 15.6.2016

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 270 — 2016/0133 (COD)], [COM(2016) 271 final — 2016/0131 (COD)], [COM(2016) 272 final — 2016/0132 (COD)]

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

27.9.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

215/1/4

1.   Conclusões

1.1.

O CESE considera imprescindível uma reforma eficaz e efetiva do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) e uma melhoria dos canais legais de admissão na União Europeia, numa perspetiva de respeito dos direitos das pessoas que são perseguidas.

1.2.

Nessa linha, deve ser proposto um verdadeiro sistema comum e vinculativo para todos os Estados-Membros que harmonize todas as legislações nacionais ou, na sua ausência, introduzir-se pelo menos um sistema comum de reconhecimento mútuo das decisões em matéria de asilo entre todos os países membros da UE que permita um verdadeiro Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA).

1.3.

Em qualquer caso, o CESE saúda o objetivo proposto de melhorar e agilizar os procedimentos de determinação com vista a uma maior eficácia, mas considera que há que clarificar e incluir previsões que concedam mais garantias relativamente a questões processuais, tratamento individualizado dos pedidos, manutenção das cláusulas discricionárias, manutenção do prazo de cessação da obrigação de tomada a cargo por um Estado-Membro, direitos dos requerentes e limitação do mecanismo corretivo da repartição.

1.4.

É necessário assegurar a coerência das disposições propostas no regulamento com as disposições existentes neste domínio, e com as medidas conexas que a CE tenciona desenvolver no âmbito da mudança fundamental do SECA, bem como a coerência com outras políticas da União.

1.5.

Todos os Estados-Membros devem ser responsáveis por fornecer ao requerente informações pormenorizadas e atualizadas sobre os procedimentos decorrentes do sistema de Dublim em conformidade com os requisitos estabelecidos no artigo 4.o.

1.6.

Há que garantir o princípio da proporcionalidade, a fim de favorecer uma sustentabilidade efetiva do sistema, no que se refere ao acesso rápido dos requerentes ao procedimento de asilo e à capacidade das administrações dos Estados-Membros para aplicar o sistema.

2.   Contexto

2.1.

Em 6 de abril de 2016, a Comissão publicou uma comunicação que reconhece as deficiências na conceção e na aplicação do Sistema Europeu Comum de Asilo, nomeadamente das normas de Dublim, e define cinco domínios prioritários para melhorar esta situação.

2.2.

A Comissão propõe reformar o Sistema Europeu Comum de Asilo a fim de construir um sistema mais justo, eficiente e sustentável, através de uma reformulação do atual Regulamento (UE) n.o 604/2013 que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional.

2.3.

A Comissão constata que o sistema de Dublim não foi concebido para assegurar uma partilha sustentável, equitativa e eficaz das responsabilidades em relação aos requerentes de proteção internacional em toda a União. O denominado «sistema de Dublim» não funcionou de forma adequada nem homogénea: a experiência dos últimos anos demonstrou que, no caso de fluxos migratórios maciços, um número limitado de Estados-Membros tem de examinar a maioria dos pedidos de proteção internacional, o que, por vezes, leva à inobservância crescente das normas em matéria de asilo da União Europeia.

2.4.

Para colmatar essas deficiências, a Comissão propõe alterar o regulamento, a fim de:

reforçar a eficácia do sistema que determina um único Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional;

desencorajar os abusos do sistema de asilo e prevenir deslocações secundárias dos requerentes dentro da UE;

estabelecer um sistema de repartição mais equitativo através de um mecanismo corretivo que detetará automaticamente se um Estado-Membro se vê a braços com um número desproporcionadamente elevado de pedidos de asilo;

fornecer esclarecimentos sobre as obrigações dos requerentes de asilo na União Europeia, bem como as consequências do incumprimento das mesmas;

alterar o Regulamento Eurodac, adaptando-o às alterações ao sistema de Dublim, a fim de assegurar a aplicação correta deste último;

reforçar o mandato do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO), estabelecendo a Agência da União Europeia para o Asilo.

3.   Análise

3.1.    Critérios de Dublim propostos para determinar a responsabilidade do Estado-Membro

No atual Regulamento (UE) n.o 604/2013, o critério geral mais comum para determinar a transferência diz respeito à documentação e ao local de entrada, o que dá origem a importantes responsabilidades para os Estados-Membros com fronteiras externas. As informações constantes do sistema Eurodac e do Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) são aceites como prova pela maioria dos Estados-Membros, embora, por vezes, não sejam consideradas provas suficientes.

Na proposta, o critério de determinação do Estado-Membro será aplicado uma única vez e o artigo 9.o prevê que um requerente deve apresentar o pedido no primeiro Estado-Membro de entrada, independentemente de essa entrada ter sido irregular ou de permanência legal. A hierarquia dos critérios descritos nos artigos 10.o a 17.o mantém disposições semelhantes:

3.1.1.

Menores: a proposta de reformulação mantém as considerações estabelecidas, mas apenas para menores não acompanhados que requeiram proteção internacional.

3.1.2.

Membros da família: a proposta alarga a definição de membros em dois sentidos, passando a abranger os irmãos e tendo em consideração as famílias constituídas antes da chegada ao Estado-Membro, não necessariamente no país de origem como contemplado no Regulamento de Dublim III. Essas considerações revestem uma importância fundamental, e o Comité salienta, em especial, as situações de emergência que efetivamente se registam ao se considerar os irmãos como «não membros da família» e que afetam, muitas vezes, os menores não acompanhados, cujos únicos laços familiares num Estado-Membro são os irmãos.

3.1.3.

Título de residência ou visto: a proposta mantém a responsabilidade do Estado-Membro por analisar o pedido de proteção internacional nos casos de emissão desses documentos, embora introduza considerações destinadas a clarificar os critérios de responsabilidade.

3.1.4.

Entrada irregular num Estado-Membro: a proposta elimina as disposições relativas à cessação de responsabilidade doze meses após a data em que teve lugar a passagem ilegal da fronteira.

3.1.5.

Cláusulas discricionárias: a proposta limita a capacidade dos Estados-Membros e estabelece apenas a possibilidade de assumir a responsabilidade por um pedido de proteção internacional que não seja da sua competência com base em relações familiares não contempladas na definição de membros do grupo familiar.

3.1.6.

Em relação aos dependentes, não são propostas alterações e, assim, quando um requerente for dependente da assistência de um filho, de um irmão ou do pai ou da mãe legalmente residente num dos Estados-Membros, devido a gravidez ou ao nascimento recente de um filho, ou por ser portador de doença ou deficiência grave ou ser de idade avançada, ou quando os mesmos forem dependentes da assistência do requerente, os Estados-Membros devem manter juntos ou reunir o requerente a esses familiares, desde que os laços familiares existissem já no país de origem, que a pessoa ou o requerente seja capaz de prestar assistência à pessoa dependente, e que os interessados manifestem o seu desejo por escrito.

3.2.    Procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional

3.2.1.

A proposta de reformulação do Regulamento de Dublim tem como objetivo estabelecer um sistema mais equitativo e sustentável, a fim de simplificar o procedimento e reforçar a eficácia, mas as alterações introduzidas nem sempre favorecem a consecução desse objetivo.

O artigo 3.o da proposta de reformulação introduz uma análise da admissibilidade de um pedido de proteção internacional antes da determinação do Estado-Membro responsável, sem ter, porém, em conta a existência de familiares noutro Estado-Membro ou as necessidades dos menores.

Os critérios de admissibilidade que podem ser tidos em conta previamente são os conceitos de país terceiro seguro, primeiro país de asilo, país de origem seguro e o conceito jurídico indeterminado de «perigo para a segurança».

A proposta introduz alterações aos prazos, reduzindo-os significativamente, e agiliza os procedimentos de retomada a cargo.

3.2.2.

A reformulação suprime as disposições relativas à cessação da responsabilidade constantes do atual artigo 19.o (quando o requerente abandonou voluntariamente o território da UE durante um período mínimo de três meses ou tenha sido expulso). Pressupõe que o mesmo Estado-Membro será responsável por um pedido apresentado em qualquer altura por uma pessoa, mesmo que tenha regressado ao seu país de origem durante longos períodos de tempo, a sua situação pessoal e familiar tenha mudado nesse período ou as condições desse Estado-Membro se tenham alterado substancialmente.

3.3.    Garantias processuais e respeito dos direitos fundamentais no procedimento de determinação do Estado-Membro responsável

3.3.1.

Direito à informação: o artigo 6.o, n.o 1, reforça o direito à informação dos requerentes de proteção internacional sujeitos a procedimentos de determinação do Estado-Membro responsável e detalha as informações a fornecer.

3.3.2.

Direito de recurso efetivo: o artigo 27.o da reformulação obriga a que a notificação da decisão de transferência para o Estado-Membro responsável seja efetuada por escrito e sem demora, contendo informações sobre as vias de recursos disponíveis, e o artigo 28.o garante o efeito suspensivo dos recursos contra as decisões de transferência apresentados pelos requerentes de proteção internacional, definindo prazos, demasiado curtos (apenas sete dias para interpor recurso), para este procedimento de revisão.

3.3.3.

Direito à liberdade de circulação e retenção dos requerentes sujeitos a procedimentos de determinação do Estado-Membro responsável: o artigo 29.o da proposta reduz para metade os prazos dos procedimentos caso o requerente esteja retido. Também reduz de seis para quatro semanas o prazo para efetuar a transferência, caso contrário a pessoa deixa de estar em regime de retenção.

3.4.    Obrigações e sanções

3.4.1.

A proposta introduz explicitamente as obrigações dos requerentes de proteção internacional:

apresentar o pedido de proteção internacional no Estado-Membro em que entra pela primeira vez de forma irregular ou, se se encontrar legalmente num Estado-Membro, nesse Estado-Membro;

apresentar em tempo útil todas as informações e todos os elementos de prova e, o mais tardar, durante a entrevista para determinar o Estado-Membro responsável, bem como cooperar com as autoridades do Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável;

estar presente e à disposição das autoridades do Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável;

respeitar a decisão de transferência para o Estado-Membro responsável.

3.4.2.

Em caso de incumprimento, o artigo 5.o estabelece consequências desproporcionadas em termos processuais e de acolhimento, que vão contra as disposições das Diretivas Procedimentos de Asilo (Diretiva 2013/32/UE) e Acolhimento (Diretiva 2013/33/UE) em vigor e da Carta dos Direitos Fundamentais da UE:

Se o pedido não for apresentado no Estado-Membro emissor de autorização de estadia legal ou no Estado-Membro em que o requerente entrou de forma irregular, a apreciação do pedido será realizada no âmbito de um procedimento acelerado, nos termos do artigo 31.o, n.o 8, da Diretiva 2013/32/UE. No entanto, o referido artigo não contempla este caso, o que pressupõe um alargamento dos casos em que se aplica um procedimento que, na prática, envolve uma redução dos prazos para a apreciação do mérito do pedido, uma diminuição das garantias e dificuldades acrescidas de, num prazo curto, identificar perfis vulneráveis. Tal adquire uma relevância especial perante a obrigação estabelecida pelo artigo 24.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE de não acelerar os procedimentos no caso de requerentes em situações de particular vulnerabilidade.

Ter-se-á em conta apenas as informações e os documentos fornecidos até ao momento da entrevista para determinar o Estado-Membro responsável. No entanto, a confirmação dos laços familiares necessita, muitas vezes, de provas de filiação que podem demorar.

A exclusão das condições de acolhimento previstas nos artigos 14.o a 19.o da Diretiva 2013/33/UE noutro Estado-Membro: entre estas condições de acolhimento que seriam excluídas encontram-se a escolaridade e educação de menores (artigo 14.o da Diretiva 2013/33/UE) em patente violação do direito à educação dos menores (artigos 14.o e 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais), os cuidados de saúde para além dos cuidados de urgência (artigo 19.o da Diretiva 2013/33/UE) ou um nível de vida adequado aos requerentes que garanta a sua subsistência e a sua saúde física e mental (artigo 17.o da Diretiva 2013/33/UE).

Exclui-se a possibilidade de contestação da decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional pelos requerentes que tenham visto o seu pedido rejeitado e que tenham sido transferidos para outro Estado-Membro (artigo 20.o, n.o 5, da proposta). Esta disposição pode violar o artigo 46.o da Diretiva 2013/32/UE e o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

3.5.    Mecanismo corretivo da repartição

É estabelecido um mecanismo corretivo para os casos em que um Estado-Membro é confrontado com um número desproporcionadamente elevado de pedidos, com base nos critérios anteriores. Para determinar essa situação, calcula-se, com base no PIB e na dimensão da população, um valor de referência para o número de pedidos e de pessoas efetivamente reinstaladas por que cada Estado-Membro pode ser responsável. Se o número exceder 150 % desse valor, o mecanismo corretivo é ativado automaticamente, reatribuindo os requerentes de proteção internacional desse Estado-Membro (beneficiário) a outros Estados-Membros (de destino) sujeitos a uma pressão inferior.

3.6.    Reforço do sistema Eurodac

A proposta da Comissão prevê a adaptação e a melhoria do sistema Eurodac, criado em 2000 para a organização e utilização de uma base de dados europeia onde se encontram registadas as impressões digitais dos requerentes de proteção internacional e de várias categorias de emigrantes em situação irregular. Este sistema visa facilitar a aplicação do Regulamento de Dublim, permitindo determinar o Estado-Membro que foi o primeiro ponto de entrada na UE de um requerente de proteção internacional. Prevê-se a possibilidade de alargar o âmbito de aplicação e incluir e armazenar dados de pessoas oriundas de países terceiros que não sejam requerentes de proteção internacional e residam de forma irregular na UE.

3.7.    Novo mandato para uma Agência da União Europeia para o Asilo

A Comissão propõe alterar o mandato do EASO a fim de facilitar o funcionamento do Sistema Europeu Comum de Asilo e do Regulamento de Dublim.

A Comissão coloca a possibilidade de transformar o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, alargando o seu mandato de forma a reforçar as suas funções e velar pela aplicação efetiva do Sistema Europeu Comum de Asilo.

4.   Recomendações específicas

4.1.    Menores não acompanhados

As disposições contradizem o «interesse superior do menor», tendo em conta que são muitos os casos de menores não acompanhados que, por razões diversas, não têm acesso ao procedimento de proteção internacional nem lhes é garantida uma avaliação das suas necessidades individuais.

4.2.    Entrada irregular por um Estado-Membro

A eliminação das disposições relativas à cessação de responsabilidade doze meses após a data em que teve lugar a passagem ilegal da fronteira parece afastar-se de um dos objetivos prioritários da reformulação, a saber, garantir uma repartição sustentável das responsabilidades e um sistema mais equitativo. Essa eliminação não garantirá a referida equidade aos Estados-Membros com fronteiras externas.

4.3.    Cláusulas discricionárias

4.3.1.

O CESE não subscreve a limitação da cláusula aos casos baseadas em laços familiares diferentes dos da definição de membros da família, dado que é essencial ter em conta que podem ocorrer falhas num Estado-Membro não só quantitativas, devido ao número de requerentes de proteção internacional, mas também qualitativas, que dizem respeito a questões estreitamente relacionadas com a aplicação efetiva da Diretiva 2013/32/UE relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional no que se refere ao acesso ao procedimento de asilo pelos requerentes de proteção internacional, informação e aconselhamento, garantias processuais e procedimentos especiais para as pessoas que deles necessitem. Da mesma forma, a Diretiva 2013/33/UE reformulada que estabelece normas em matéria de acolhimento contém normas comuns para garantir aos requerentes de proteção internacional condições de vida comparáveis em todos os Estados-Membros, bem como o pleno respeito dos seus direitos fundamentais.

4.3.2.

Podem surgir situações em que um Estado-Membro não esteja em condições de garantir as disposições das referidas diretivas, pelo que é necessário manter a redação do Regulamento de Dublim III no que se refere à decisão de cada Estado-Membro poder decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado, mesmo que essa análise não seja da sua competência.

4.3.3.

Da mesma forma, há que ter em conta que muitos requerentes de proteção internacional são portadores de doença e/ou deficiência grave e não têm laços familiares em nenhum Estado-Membro; no entanto, devido às suas circunstâncias específicas, não se encontram em situação — por motivos médicos — de ser transferidos para o Estado-Membro responsável, o que estabelece a sua relação de dependência com o Estado-Membro em que apresentaram o seu pedido de proteção internacional. Importa incluir estes casos na nova proposta de redação das cláusulas discricionárias.

4.3.4.

É imprescindível manter a assunção da responsabilidade por razões humanitárias ou culturais, a fim de conferir prioridade aos requerentes de proteção internacional em situações de particular vulnerabilidade, em conformidade com as disposições da Diretiva 2013/32/UE, e garantir o tratamento diferenciado em função da apreciação das suas circunstâncias específicas.

4.4.    Procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional

4.4.1.

A análise da admissibilidade sem primeiramente apurar a existência de familiares noutro Estado-Membro ou as necessidades dos menores, quando resulta na não admissão de um pedido de proteção internacional, pode entrar em conflito com o direito ao respeito pela vida familiar consagrado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 8.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

4.4.2.

A aplicação automática dos conceitos de país terceiro seguro, primeiro país de asilo, país de origem seguro, bem como o conceito jurídico de «perigo para a segurança», pode conduzir a situações discriminatórias em função da nacionalidade ou das rotas de migração. Além disso, no caso do país de origem seguro e do risco de segurança, o artigo 3.o, n.o 3, estabelece a aplicação de um procedimento acelerado. Este procedimento acelerado não pode, em caso algum, comprometer as garantias processuais devido à brevidade dos prazos, nem pode redundar numa apreciação não individualizada dos pedidos de proteção internacional, proibida pelo artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2013/32/UE.

4.4.3.

O artigo 33.o da proposta não introduz nenhuma melhoria no que se refere à transmissão entre Estados-Membros de informações sobre casos vulneráveis, situações médicas e outras particularidades dos requerentes a transferir, apesar de ser uma das principais deficiências observadas na aplicação prática do sistema de Dublim.

4.4.4.

A disposição referente à cessação de responsabilidade se o requerente sair de forma voluntária da UE mais de três meses ou tiver sido expulso pode conduzir a situações em que não se tenham em conta os laços familiares criados no país de origem após um primeiro pedido de proteção internacional na UE ou em que não sejam asseguradas, aquando do segundo pedido, as condições de acolhimento e processuais no Estado-Membro responsável que existiam no momento da apresentação do primeiro pedido.

4.5.    Garantias processuais

4.5.1.

No tocante ao direito à informação, a disposição sobre a transmissão de informações por intermédio de um documento de informação não tem em conta que, na maioria dos Estados-Membros, aquele só contém informações gerais, numa linguagem pouco ou nada inteligível para os requerentes. Estas informações devem ser sempre fornecidas na entrevista.

4.5.2.

Em relação ao direito a um recurso efetivo, o Comité entende que não se deve limitar o referido recurso apenas aos três casos contemplados, dado que tal limitaria o acesso a uma tutela judicial efetiva:

risco de tratamento desumano ou degradante no Estado-Membro responsável por falhas no sistema de asilo;

decisões de transferência com base nos critérios relativos aos menores (artigo 10.o), à família (artigos 11.o, 12.o e 13.o) e aos dependentes (artigo 18.o);

decisões de assunção da responsabilidade pela análise (não transferência), quando não tenham sido aplicados os critérios da família.

4.5.3.

No que se refere ao direito à liberdade de circulação e à possibilidade de retenção dos requerentes sujeitos a procedimentos de determinação do Estado-Membro responsável, a limitação do tempo de retenção (duas semanas) não acrescenta nada de novo em relação aos casos excecionais em que se pode ordenar a retenção. Dadas as divergências nas práticas estatais observadas pela própria Comissão, é recomendável estabelecer critérios claros e precisos sobre o caráter excecional da retenção e a apreciação da necessidade e da proporcionalidade da medida.

4.6.    Mecanismo corretivo da repartição

4.6.1.

A utilização de um critério tão elevado, 150 % da capacidade do Estado-Membro em causa, pode comprometer as condições de acolhimento e processuais com que se deparam os requerentes de proteção internacional que já se encontram nesse Estado até se alcançar este valor. Se, de acordo com os critérios, foi estabelecida uma capacidade de acolhimento, parece lógico ativar este mecanismo quando essa capacidade é ultrapassada e não esperar até alcançar os 150 %. Além disso, para que o mecanismo seja eficaz, a repartição deve aplicar-se a todas as pessoas elegíveis para requerer asilo, independentemente do país de origem.

4.6.2.

Este mecanismo é aplicado antes da determinação do Estado-Membro responsável, que é efetuada posteriormente pelo Estado-Membro a que o requerente foi atribuído. Isto significa que, depois de ser transferido do Estado-Membro beneficiário para o Estado-Membro de destino, o requerente de proteção internacional pode ser novamente transferido para um terceiro Estado-Membro onde se encontram os membros da sua família, o que redunda numa falta de eficácia do sistema e num maior atraso no acesso ao procedimento de determinação do estatuto de proteção internacional.

4.6.3.

Além disso, ao ser automático, não se tem em conta as circunstâncias individuais dos requerentes de proteção internacional nem as necessidades especiais, como as situações de vulnerabilidade, que podem tornar inoportuna a transferência para o Estado-Membro de destino.

4.6.4.

O mecanismo corretivo não tem em conta os requerentes de proteção internacional que tenham chegado antes da entrada em vigor da reformulação em apreço. Além disso, ficam excluídos da repartição os requerentes cujo pedido foi indeferido antes da aplicação dos critérios de determinação do Estado-Membro responsável, nos termos do artigo 3.o, bem como os requerentes chegados ao Estado-Membro antes de este alcançar os 150 % de capacidade. Tudo isto pode distorcer o objetivo último deste mecanismo e ter um efeito muito limitado na repartição da responsabilidade pela análise dos pedidos e no acolhimento.

4.6.5.

A possibilidade de os Estados-Membros não participarem neste mecanismo corretivo mediante o pagamento de um certo montante por cada requerente de proteção internacional não atribuído ao seu território pode criar situações discriminatórias, permitindo que os Estados-Membros elejam por razões de religião, etnia ou nacionalidade quais os requerentes de proteção internacional que aceitam ou não no seu território.

4.7.    Sistema Eurodac

Qualquer consideração em relação à adaptação do regulamento deve justificar a necessidade e a proporcionalidade das medidas adotadas, tendo em conta a sensibilidade dos dados incluídos, especialmente no tocante aos requerentes de proteção internacional e à confidencialidade do procedimento.

4.8.    Mandato para uma Agência da União Europeia para o Asilo

O CESE concorda com as propostas apresentadas, na medida em que, desde o lançamento do EASO, as expectativas não foram concretizadas, considerando necessário reforçar e desenvolver, na nova proposta, o papel do atual fórum de consulta das organizações, cujos poderes, na prática, estão muito fragilizados. A futura agência deve contar com as informações das referidas organizações e com o trabalho que desenvolvem em cada um dos Estados-Membros para uma monitorização da aplicação correta do Sistema Europeu Comum de Asilo.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/151


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia da UE para o Aquecimento e a Refrigeração»

[COM(2016) 51 final]

(2017/C 034/25)

Relatora:

Baiba MILTOVIČA

Consulta

Comissão Europeia, 16/02/2016

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 51 final]

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

229/3/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Uma estratégia dedicada ao aquecimento e à refrigeração, tendo em conta o seu impacto direto na vida quotidiana de todos os cidadãos da UE, já é há muito necessária e é deveras bem-vinda. Se forem seguidas as boas práticas e criado um quadro político coerente, apoiado por financiamento disponível, são muitas as oportunidades de melhorias em toda a Europa.

1.2.

Esta estratégia abrangente da UE é extremamente ambiciosa. Implica que a consecução dos objetivos da UE em matéria de clima e energia dependerá, em grande medida, de uma execução eficaz e coerente desta estratégia a nível dos Estados-Membros. Sugere que o reforço do papel das energias renováveis nos setores do aquecimento e da refrigeração poderá ser o fator que mais contribui para alcançar os objetivos a médio e longo prazo e deve ser reconhecido como tal no programa evolutivo da União da Energia.

1.3.

O CESE recomenda, por conseguinte, que o relatório anual sobre o estado da União da Energia contenha uma secção específica que identifique os progressos alcançados no âmbito desta estratégia.

1.4.

O Comité congratula-se com o trabalho realizado pela Comissão no sentido de identificar e coligir dados pertinentes para o aquecimento e a refrigeração. Estes dados são vitais. O Eurostat deve dar prioridade à recolha de um conjunto de dados mais abrangente, em especial no referente à energia utilizada para fins de aquecimento.

1.5.

O consumidor tem um papel fundamental a desempenhar na aplicação eficaz de qualquer estratégia global, e o Comité insta a que se dê seguimento à sua proposta de um diálogo europeu abrangente sobre a energia, a fim de melhorar significativamente a consciencialização e a criação de incentivos claros para estimular os consumidores a alterarem o comportamento. Tais incentivos devem ser financeiros, mas devem também salientar o impacto social positivo das várias medidas contidas na estratégia, para além de se orientarem para as pessoas vulneráveis e suscetíveis à pobreza energética.

1.6.

O Comité recomenda que se realize, com caráter de urgência, uma análise comparativa dos regimes do setor público e do setor privado que se destinam a apoiar programas de aquecimento e refrigeração eficientes e com baixas emissões de carbono.

1.7.

Há que adotar uma nova abordagem da política de ordenamento do território urbano, em consonância com a estratégia proposta, aos níveis local e regional em todos os Estados-Membros, para assegurar a execução da estratégia. O Comité sublinha o papel do Pacto de Autarcas a este respeito.

1.8.

Os objetivos ambiciosos da UE em matéria de energia e clima têm de ser concretizados mediante contributos explícitos dos Estados-Membros aplicados nos planos nacionais através, por exemplo, de objetivos quinquenais, especificados por setor, com uma métrica desenvolvida especificamente para os setores do aquecimento e da refrigeração.

2.   Introdução

2.1.

A Estratégia para o Aquecimento e a Refrigeração apresenta a primeira avaliação a nível da UE específica para o setor no seu conjunto. O aquecimento e a refrigeração representam cerca de 50 % do consumo total de energia da UE e continuarão a ser o principal motor a longo prazo da procura de energia, sendo que o aquecimento dos edifícios corresponde ao setor mais predominante. Devido ao caráter duradouro das tecnologias de aquecimento dos edifícios, estas desempenharão um papel importante na questão de saber se a UE conseguirá atingir os seus objetivos a médio e a longo prazo em matéria de clima e energia. O aquecimento do espaço e da água de consumo doméstico nos edifícios é atualmente uma das maiores utilizações de energia do setor e é o mais problemático na descarbonização. O aquecimento é atualmente efetuado sobretudo com energia proveniente de combustíveis fósseis, fornecida diretamente aos edifícios, o que suscita questões relacionadas com a segurança local e as emissões.

2.2.

Todos os setores da sociedade civil estão implicados. As exigências energéticas da maioria das grandes indústrias transformadoras, em que o calor é geralmente aplicado de forma generalizada, afetam diretamente a sua competitividade; a refrigeração é essencial em grande parte da transformação dos alimentos e da cadeia de distribuição, armazenamento e venda a retalho, ao mesmo tempo que o custo e a eficiência do aquecimento e refrigeração domésticos são do interesse de todos.

2.3.

Um número crescente de agregados familiares em todos os Estados-Membros gasta uma percentagem elevada do seu rendimento em energia, aumentando o nível de pobreza energética. Os idosos, os grupos vulneráveis e as pessoas com baixos rendimentos são particularmente suscetíveis e o CESE propôs a criação de um observatório da pobreza energética, a fim de analisar e resolver este problema (1). Para obter resultados efetivos, é necessário conjugar medidas sociais, financeiras e técnicas, que operem em sinergia. Conferir maior ênfase à recolha de dados exatos relativos ao aquecimento ajudará a lutar contra a pobreza energética.

2.4.

O aquecimento e a refrigeração, enquanto tais, não se podem transportar facilmente nem de forma económica, o que gera «mercados» fortemente localizados e fragmentados. A refrigeração constitui apenas 5 % das necessidades de energia, o aquecimento representa 95 %, o que é muito superior à refrigeração, embora esta seja essencial nos Estados-Membros mais quentes. O investimento de capital em sistemas de aquecimento e de refrigeração tende a ser de médio a longo prazo, mas o desenvolvimento da tecnologia e a inovação neste setor ocorrem rapidamente.

2.5.

Em pareceres anteriores (2), o CESE apelou para uma abordagem política integrada e coerente em todo o setor da energia e também para o reforço do papel da sociedade civil neste contexto e do diálogo com a mesma sobre estas questões. Este aspeto é agora formalmente considerado prioritário através do pacote «União da Energia» e, além disso, a identificação do aquecimento e da refrigeração como um setor fulcral proporciona a oportunidade de estabelecer uma correspondência e coerência entre os numerosos pacotes legislativos relacionados com o clima e a energia que estão em fase de elaboração.

3.   Síntese da comunicação da Comissão e observações

3.1.

A comunicação avalia o potencial do setor para contribuir para os objetivos estratégicos da UE em matéria de clima e energia e é acompanhada por um documento de trabalho dos serviços da Comissão que fornece uma base analítica e científica. Visa dar prioridade ao aquecimento como um domínio de intervenção política para a eficiência energética e incentiva um debate informado e um consenso sobre este tema e as questões correlacionadas da redução da procura de energia e da descarbonização.

3.2.

Este quadro estratégico identifica quatro domínios de intervenção essenciais: a eficiência térmica dos edifícios; tecnologias de aquecimento eficientes e sustentáveis; integração do potencial da indústria não explorado, melhorando a sua eficiência; sinergias mais estreitas com o sistema de eletricidade, em que as bombas de calor e outros sistemas de energias renováveis desempenham um papel importante. Muitas das ações possíveis estão definidas, mas as soluções pormenorizadas serão apresentadas como parte do pacote de revisão legislativa da União da Energia.

3.3.

A visão dominante é a da descarbonização dos edifícios, através da reabilitação, de sistemas de aquecimento e de refrigeração mais eficientes, da expansão dos sistemas urbanos de aquecimento e da transição dos combustíveis fósseis para fontes de energia hipocarbónicas. Os edifícios residenciais constituem a maior parte do parque imobiliário europeu, dos quais 60 % a 70 % datam de 1980 ou antes, e as habitações particulares registam o maior consumo específico (kWh/m2/ano). As baixas taxas de renovação dos edifícios fazem aumentar os elevados encargos financeiros para os consumidores. As famílias da UE gastam, em média, 6,4 % do seu rendimento disponível no consumo de energia associado à habitação [COM(2014) 520 final], cerca de dois terços para aquecimento e um terço para outros fins. Cada vez mais agregados familiares têm dificuldades em fazer face aos custos da energia. É fundamental que os sistemas de aquecimento e de refrigeração sejam economicamente acessíveis, para que os consumidores domésticos possam manter uma boa qualidade de vida.

3.4.

Uma vez que nem todos os setores industriais conseguem seguir uma rota de aprovisionamento de energia com baixas emissões de carbono, nomeadamente porque muitas indústrias transformadoras exigem combustíveis fósseis altamente energéticos, será essencial utilizar uma percentagem muito maior do calor residual produzido por algumas instalações industriais e centrais elétricas como subproduto. O documento de trabalho reconhece a utilização do calor residual industrial em sistemas urbanos de aquecimento e também o papel crescente das novas tecnologias e dos combustíveis alternativos, que poderão dar um contributo significativo.

3.5.

A estratégia identifica vários desafios importantes. Os combustíveis fósseis representam mais de 80 % da energia gasta, tornando este setor essencial para alcançar os objetivos de baixas emissões de carbono e uma transição para um sistema energético mais eficiente e seguro. Dois terços dos edifícios da UE — a maioria dos quais ainda serão utilizados em 2050 — foram construídos antes da imposição de requisitos de eficiência energética. Os incentivos para «melhorar» podem ser fragmentados por regimes de propriedade ou de arrendamento e enfraquecidos pela falta de programas de financiamento adequados. Há uma falta de concorrência ditada pelo mercado no setor do aquecimento, uma falta de formação e de conhecimentos especializados entre os construtores e instaladores, bem como falta de consciência dos potenciais benefícios entre os consumidores domésticos. A taxa de renovação dos edifícios é baixa (0,4 % a 1,2 % por ano) e, além disso, a pobreza energética é um problema crescente em toda a UE.

3.6.

Quase 50 % dos edifícios têm caldeiras com uma eficiência abaixo de 60 % em comparação com os atuais níveis de tecnologia (atualmente exigidos por lei em caso de substituição), superiores a 90 %. Além disso, o aquecimento das casas particulares (com combustíveis fósseis e biomassa) tem um efeito importante na poluição atmosférica em algumas regiões da Europa. No entanto, uma parte significativa das caldeiras opera muito para além do seu tempo de vida técnica. O custo continua a ser um fator que condiciona em grande medida a substituição e, ainda que a sua compensação seja invariavelmente muito positiva, é difícil encontrar o capital inicial, nomeadamente quando se transita para uma fonte de calor que utiliza energias renováveis, como a energia solar, a energia geotérmica ou bombas de calor. Neste século, a indústria realizou grandes poupanças em termos de eficiência energética, mas as PME em particular têm dificuldades em dar prioridade a essas melhorias e financiá-las.

3.7.

O aquecimento urbano, que corresponde atualmente a 9 % do aquecimento na UE, é destacado como sendo suscetível a uma expansão substancial, dada a utilização de calor residual e a sua maior capacidade para mudar para fontes de calor com energias renováveis ou combinadas do que os agregados familiares. A cogeração de calor e eletricidade está igualmente subdesenvolvida e o potencial dos edifícios inteligentes — de habitações particulares, serviços ou indústria —, quando combinado com uma rede inteligente, oferece também potenciais ganhos de eficiência, bem como a oportunidade de uma maior participação dos agregados familiares como «prossumidores» (produtores-consumidores). A estratégia propõe indiretamente o desenvolvimento do «prossumo» (produção-consumo) ao nível dos agregados familiares através de novas tecnologias de aquecimento e uma maior sensibilização.

3.8.

Propõem-se instrumentos e soluções. Uma integração coerente, a revisão e a aplicação dos instrumentos da UE no âmbito do desenvolvimento da União da Energia constituirão os pilares da estratégia. Em particular, é possível destacar a Diretiva «Eficiência energética» (DEE), a Diretiva «Desempenho energético dos edifícios» (DDEE), o quadro da UE em matéria de conceção ecológica e rotulagem energética, a Diretiva «Energias renováveis» e o regime de comércio de licenças de emissão (RCLE). A estratégia deve ser um elemento fundamental para uma coordenação mais eficaz destas medidas.

3.9.

A Comissão descreve de forma pormenorizada as ações específicas que empreenderá para responder aos desafios identificados e para apoiar as medidas legislativas já em vigor. Entre estas contam-se a promoção das energias renováveis, o incentivo à participação dos cidadãos, uma maior cooperação com as associações de consumidores, um maior empenho na inovação através, por exemplo, do Plano Estratégico para as Tecnologias Energéticas, e o incentivo a novas abordagens das medidas de financiamento. A estratégia deve ser orientada para o consumidor e destacar a transição para sistemas descarbonizados baseados em energias renováveis e calor residual.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O aquecimento e a refrigeração desempenham um papel crucial na indústria, na transformação e armazenamento de alimentos e no setor terciário. Têm igualmente um impacto em todos os cidadãos da UE, pois é uma aspiração universal ter condições de vida e de trabalho confortáveis. O custo e a disponibilidade de energia para aquecimento e refrigeração determinam não só o grau de pobreza energética numa sociedade, mas também a competitividade de setores de atividade inteiros. Por conseguinte, o CESE congratula-se com esta primeira análise estratégica do aquecimento e da refrigeração na UE.

4.2.

De acordo com a visão apresentada no documento, a execução das estratégias definidas será fundamental para reduzir os custos, melhorar a segurança energética, reduzir a dependência das importações e cumprir os objetivos em matéria de clima. O Comité apoia inteiramente esta visão, mas assinala a amplitude e a complexidade dos desafios enunciados na estratégia (alguns dos quais poderão ser subestimados), tais como: as exigências substanciais que recairão sobre os Estados-Membros, as mudanças necessárias no comportamento dos cidadãos, a eficácia dos regimes de apoio financeiro, a pressão contra a incerteza nos preços da energia e a definição e aplicação das soluções técnicas mais eficazes.

4.3.

Em muitos Estados-Membros, os consumidores são servidos por sistemas urbanos de aquecimento, o que pode ter benefícios consideráveis em termos de custo, eficiência e utilização de calor residual. O Comité insta as instituições da UE a reconhecerem o destaque inequívoco e positivo que a estratégia atribui a este setor e a apoiarem o desenvolvimento e a melhoria de sistemas municipais de aquecimento urbano através de medidas financeiras e de provisões para renovação e melhorias técnicas. A modernização das centrais térmicas pode trazer benefícios significativos no que toca ao consumo de energia e às emissões, e as novas regras de conceção do mercado, em elaboração, deverão exigir a aplicação das melhores tecnologias disponíveis. Em particular, cabe explorar potenciais sinergias entre a valorização energética dos resíduos (com potencialidades consideráveis) e o aquecimento urbano.

4.4.

A estratégia poderia dedicar maior atenção ao papel dos consumidores e, nomeadamente, à importância da educação e da formação na mudança de comportamentos. Um desafio em particular prende-se com a consciencialização da utilização e dos custos do aquecimento em edifícios de ocupação múltipla. Edifícios inteligentes e um aquecimento inteligente precisam de ocupantes inteligentes com competências efetivas de literacia digital. A estratégia não destaca suficientemente o papel que o consumidor tem de desempenhar para tornar eficaz qualquer estratégia global. É necessário realizar uma investigação aprofundada sobre os fatores que desencadeiam a mudança de comportamentos, reconhecendo a tendência para abdicar das economias de eficiência em troca de «conforto» e a relutância entre os consumidores em alterar de forma significativa o seu estilo de vida para maximizar os benefícios das novas tecnologias.

4.5.

A estratégia deixa claro que os pacotes financeiros em questão serão essenciais para incentivar o necessário investimento público e privado. O CESE constata que apenas uma parte muito pequena do financiamento aprovado pelo BEI para o setor da energia através do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos se destina a projetos relevantes de aquecimento e refrigeração. O documento de trabalho não contém quaisquer exemplos ou análises dos regimes pertinentes nos Estados-Membros, sendo que somente alguns se revelaram eficazes na promoção do investimento.

4.6.

Tendo em conta a importância crucial do aquecimento e da refrigeração para alcançar as metas da UE em matéria de clima e de energia, o CESE considera que o relatório sobre o estado da União da Energia, publicado anualmente, deve conter uma secção específica que identifique os progressos e a via a seguir com base nos desafios identificados na secção 3 da estratégia. Tal terá duas vantagens importantes:

mostrará o papel central do aquecimento na consecução das metas e possibilitará o reconhecimento deste facto em todos os aspetos da União da Energia;

fará o relatório incidir concretamente nos consumidores, sustentando a ambição de colocar os consumidores e os grupos vulneráveis no centro das atenções.

5.   Observações na especialidade

5.1.

O documento de trabalho que acompanha a comunicação utiliza dados provenientes de numerosas fontes para formar uma ideia sobre o modo de utilização da energia no aquecimento e na refrigeração em toda a UE. Apresenta estimativas e deduções razoáveis, mas, em grande medida, descreve a situação do setor em 2012/13. Teria sido útil dispor de mais dados indicadores das tendências dos últimos dez anos. O Eurostat deve dar prioridade à recolha de um conjunto de dados mais abrangente, em especial no referente à energia utilizada para fins de aquecimento (3).

5.2.

É também de salientar que, se 90 % do crescimento estimado da energia a partir de fontes renováveis utilizada para fins de aquecimento até 2020 for proveniente de biomassa, a redução das emissões de partículas e de gases no processo de combustão da biomassa continua a ser um desafio. As conclusões do relatório atualizado sobre a política da UE em matéria de bioenergia sustentável para o período 2020-2030 (que fará parte do pacote da UE sobre fontes de energia renováveis, previsto para antes do final de 2016) serão particularmente importantes e devem ter em conta o impacto negativo na saúde de alguns tipos de biomassa, a par de outras questões.

5.3.

Existem variações significativas entre os sistemas de energia, as estruturas jurídicas, as tecnologias de construção e os modelos empresariais nos Estados-Membros. Os futuros pacotes legislativos pertinentes para a consecução da estratégia deverão permitir ajustamentos a nível nacional.

5.4.

Reconhecendo esta diversidade entre os Estados-Membros e tendo fixado os objetivos necessários, é importante manter a neutralidade tecnológica na forma de melhor os alcançar a nível nacional e local. A vasta experiência dos municípios e das administrações locais no desenvolvimento de planos de ação em matéria de energia sustentável, tal como previsto pelo Pacto de Autarcas, proporciona perspetivas valiosas.

5.5.

A estratégia propõe que os bancos de retalho disponibilizem financiamento para empréstimos especiais destinados à renovação de imóveis particulares arrendados, mas os mutuantes europeus de crédito hipotecário (European Mortgage Federation — Federação Europeia de Hipotecas; European Covered Bond Council — Conselho Europeu de Obrigações Cobertas) têm planos para permitir que os proprietários de imóveis sejam elegíveis para beneficiar de uma redução das taxas de amortização dos seus empréstimos hipotecários se efetuarem renovações para fins de eficiência energética, bem como taxas de juro mais baixas sobre os empréstimos para o pagamento dessas obras. O CESE insta os reguladores europeus a analisarem esta iniciativa com urgência e positivamente.

5.6.

O Comité assinalou, em diversos pareceres, o crescimento das empresas de serviços energéticos (4) e o papel que podem desempenhar na promoção da diversidade e da eficiência energética junto dos consumidores. Embora acolha este contributo com agrado, o CESE exorta a Comissão a incentivar os Estados-Membros a garantirem uma supervisão e um acompanhamento adequados das empresas de serviços energéticos ou organismos privados similares, no intuito de proteger os interesses dos clientes. A confiança dos consumidores nestes serviços e noutros programas de aconselhamento energético é uma questão crucial (5).

5.7.

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão Europeia associada ao Fórum dos Cidadãos para a Energia em Londres e apela a uma maior participação dos cidadãos, apoiada por uma maior cooperação com as associações de consumidores europeias. A complexa evolução legislativa, regulamentar, tecnológica, social e comportamental na qual assenta a transição energética exigirá uma compreensão e capacitação dos cidadãos, de modo a tirar pleno partido do seu potencial. A questão de uma maior ênfase na participação cívica é tratada na proposta do CESE relativa ao Diálogo Europeu sobre a Energia, que dá resposta a estas aspirações.

5.8.

Esta estratégia solicita que seja concedida a maior prioridade a uma abordagem radical e coordenada do aquecimento e da refrigeração. Uma tal abordagem deve ser integrada nas avaliações e nos pacotes legislativos em curso. Por conseguinte, a revisão da Diretiva 2012/27/UE relativa à eficiência energética e da Diretiva 2010/31/UE relativa ao desempenho energético dos edifícios, a nova Diretiva «Energias renováveis» para o período 2020-2030 e a política atualizada da UE em matéria de sustentabilidade no domínio da bioenergia devem fazer uma referência específica à importância do aquecimento e da refrigeração e adotar as medidas de coordenação propostas na estratégia em apreço.

5.9.

Assim, o Comité assinala com preocupação a oportunidade desperdiçada de conferir prioridade à eficiência energética na proposta de Regulamento Partilha de Esforços, publicada recentemente [COM(2016) 482 final]. Os Estados-Membros da Europa Oriental poderiam aproveitar melhor a renovação dos edifícios como solução para problemas de poluição, dependência energética e pobreza energética, e este regulamento poderia canalizar recursos para que tal aconteça.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 341 de 21.11.2013, p. 21.

(2)  JO C 383 de 17.11.2015, p. 84, JO C 198 de 10.7.2013, p. 56, JO C 318 de 29.10.2011, p. 155, JO C 277 de 17.11.2009, p. 75.

(3)  JO C 264 de 20.7.2016, p. 117.

(4)  JO C 120 de 20.5.2005, p. 115; JO C 162 de 25.6.2008, p. 62; JO C 24 de 28.1.2012, p. 134.

(5)  JO C 383 de 17.11.2015, p. 84.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/157


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2010/13/UE relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual, para a adaptar à evolução das realidades do mercado»

[COM(2016) 287 final — 2016/0151 (COD)]

(2017/C 034/26)

Relator:

Raymond HENCKS

Consulta

Comissão Europeia, 06/07/2016

Base jurídica

Artigos 53.o, n.o 1, e 62.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

[COM(2016) 287 final — 2016/0151 (COD)]

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

218/2/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE reconhece que, tendo em conta a evolução do mercado audiovisual, consequência do surgimento de novas formas de serviços, do aparecimento de novos operadores e do desenvolvimento de novas formas de consumo «a pedido», a adaptação do quadro regulamentar europeu relativo aos serviços de comunicação social audiovisual se tornou indispensável. Apoia as diligências da Comissão Europeia no sentido de atualizar a Diretiva «Serviços de comunicação social audiovisual» (SCSA), de 2010, sob reserva das observações que se seguem.

1.2.

O valor dos serviços de comunicação social audiovisual não pode ser tido como meramente comercial. O CESE considera que as medidas que visam a proteção de menores e adolescentes, assim como as medidas que visam garantir a participação das pessoas com deficiência, idosas, pobres ou excluídas na vida social e cultural, não podem estar dependentes de considerações de ordem económica.

1.3.

O CESE toma nota da supressão programada do atual artigo 7.o da Diretiva SCSA sobre a acessibilidade para as pessoas com deficiência, que deve ser substituído pela proposta de diretiva relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros no que respeita aos requisitos de acessibilidade dos produtos e serviços [COM(2015) 615 final]. Caso esta proposta da Comissão não venha a ser aprovada, há que revalorizar o dito artigo 7.o, obrigando os Estados-Membros a promover, de forma não exaustiva, a língua gestual, a legendagem, a descrição áudio e a criação de menus de navegação de fácil compreensão.

1.4.

O CESE aprova que a UE, num espírito de diversidade cultural, favoreça a difusão de obras europeias, e que os grandes prestadores de SCSA sejam obrigados a propor uma determinada quota para estas obras nos seus programas ou catálogos. Propõe, contudo, que a quota mínima de 20 % de obras europeias imposta aos grandes fornecedores de serviços de vídeo a pedido aumente para 50 %, à semelhança da quota mínima fixada para a radiodifusão televisiva. Propõe ainda que se preveja uma quota mínima de 20 % para os fornecedores que tenham um volume de negócios pouco elevado ou baixas audiências, explicando exatamente o que significa «volume de negócios pouco elevado» e «baixas audiências».

1.5.

O CESE opõe-se à opção facultativa concedida aos Estados-Membros de, no âmbito da sua competência, impor aos serviços a pedido, bem como aos serviços estabelecidos no estrangeiro que visam o seu público nacional, contribuições financeiras sob a forma de investimentos diretos em obras ou de pagamentos aos fundos cinematográficos nacionais, o que poderá falsear a concorrência, dependendo do facto de um Estado-Membro introduzir ou não estas contribuições, e penalizar os serviços audiovisuais de um Estado-Membro destinados aos seus cidadãos estabelecidos num outro Estado-Membro.

1.6.

No que diz respeito à proteção de menores, o CESE apoia o facto de a proposta de diretiva prever o alinhamento das normas de proteção aplicáveis aos fornecedores de plataformas de partilha de vídeos com as que se aplicam às plataformas de radiodifusão televisiva. Contudo, solicita que se aproveite a ocasião para esclarecer a disposição do artigo 27.o da Diretiva SCSA (2010/13/UE), que exige que os Estados-Membros tomem medidas para assegurar que as emissões televisivas não incluem, durante as horas em que os menores se encontram no campo de difusão, quaisquer programas suscetíveis de prejudicar gravemente o seu desenvolvimento físico, mental e moral. O CESE propõe que se fixe um horário exato em que se proíbe a publicidade a bebidas alcoólicas.

1.7.

O CESE apoia a alteração proposta pelo novo artigo 6.o, que estabelece que os serviços de SCSA não podem conter qualquer incitamento à violência ou ao ódio contra um grupo de pessoas ou respetivos membros com base no sexo, na origem racial ou étnica, na religião ou crença, na deficiência, na idade ou na orientação sexual. Chama, no entanto, a atenção para o facto de o novo artigo 28.o-A, relativo às plataformas de vídeo, não fazer referência ao sexo, à orientação sexual e à deficiência, e de a terminologia utilizada ser por vezes diferente. Propõe que, no artigo 28.o-A, n.o 1, alínea b), sejam retomadas as mesmas formulações usadas no artigo 6.o.

1.8.

No âmbito da proteção de todos os cidadãos contra os conteúdos que contenham um incitamento à violência ou ao ódio e da proteção dos menores contra os conteúdos suscetíveis de prejudicar o seu desenvolvimento, o CESE apoia a promoção da corregulação e da autorregulação através de códigos deontológicos, na medida em que o Grupo de Reguladores Europeus para os serviços de comunicação social audiovisual (ERGA) seja efetivamente instituído e dotado dos meios para o exercício efetivo das suas competências, designadamente a prevista no artigo 30.o-A, n.o 3, alínea c).

1.9.

O CESE não subscreve a proposta da Comissão Europeia de reservar mais espaço e flexibilidade à publicidade para os serviços de comunicação social audiovisual em detrimento dos consumidores, que serão confrontados com um número mais elevado de interrupções na programação para que seja inserida publicidade de maior duração durante o horário nobre e às horas de grande audiência. Estas novas regras de interrupções publicitárias arriscam-se, ainda, a prejudicar a integridade das obras e o direito moral dos autores.

1.10.

O CESE considera que as regras de supervisão pelas autoridades reguladoras nacionais são deficientes no que respeita às empresas fictícias de um Estado-Membro que utilizam capacidade de satélite de um país terceiro para atingir uma grande audiência noutro Estado-Membro, e que devem ser revistas e completadas por uma disposição que sujeita um operador que dispõe de uma licença audiovisual num Estado-Membro, mas que presta serviços audiovisuais noutro Estado-Membro, às disposições regulamentares dos dois Estados-Membros.

2.   Introdução

2.1.

Desde 1989, os meios de comunicação social audiovisual são regulados por normas europeias que garantem a diversidade cultural e a livre circulação de conteúdos na UE. A Diretiva «Serviços de comunicação social audiovisual» (SCSA), que foi atualizada várias vezes em função dos avanços tecnológicos e comerciais, harmoniza, a nível europeu, todas as legislações nacionais relativas aos meios de comunicação social audiovisual. Atualmente, compreende as emissões televisivas e os serviços de vídeo a pedido (VOD).

2.2.

O panorama audiovisual evolui rapidamente graças à crescente convergência entre a televisão e os serviços distribuídos através da Internet. Aparecem novos modelos económicos, novos instrumentos tecnológicos de comunicação, novos agentes, sobretudo fornecedores de serviços de vídeo a pedido e plataformas de partilha de vídeo, que oferecem conteúdos audiovisuais na Internet.

2.3.

A radiodifusão televisiva e o vídeo a pedido estão sujeitos a regras diferentes e a níveis variáveis de proteção dos consumidores. A Comissão tenciona, por conseguinte, conseguir um melhor equilíbrio das regras aplicáveis aos operadores televisivos tradicionais, aos fornecedores de serviços de vídeo a pedido e às plataformas de partilha de vídeos.

3.   Conteúdo da proposta da Comissão

3.1.

No âmbito da sua estratégia para um mercado único digital, a Comissão propõe uma atualização da Diretiva SCSA, de forma a criar um ambiente mais equitativo para todos os agentes do mercado, a promover a diversidade cultural europeia e os filmes europeus, a proteger melhor os menores, a lutar contra os discursos de ódio e de incitamento à violência, a garantir a independência das autoridades reguladoras do setor audiovisual e a oferecer aos órgãos de difusão uma maior flexibilidade em matéria de publicidade. A Diretiva SCSA alterada aplicar-se-á também às plataformas em linha e aos sítios de partilha de vídeos e conteúdos.

3.2.

A Comissão propõe as seguintes medidas:

3.2.1.   Uma atitude responsável pelas plataformas de partilha de vídeos

As plataformas de vídeos devem proteger os menores de conteúdos prejudiciais e proteger todos os cidadãos do incitamento à violência, ao ódio ou ao racismo. A Comissão convidará todas as plataformas de partilha de vídeos a cooperarem no seio da Aliança tendo em vista uma maior proteção dos menores em linha, com o objetivo de elaborar um código deontológico para a indústria. As autoridades reguladoras nacionais no domínio do audiovisual serão encarregadas de garantir o respeito pelas regras, podendo aplicar coimas de acordo com a legislação nacional vigente. As medidas de proteção dos consumidores previstas na diretiva sobre o comércio eletrónico serão igualmente aplicáveis às plataformas de partilha de vídeos.

3.2.2.   O reforço do papel das autoridades reguladoras nacionais no domínio audiovisual

Doravante, a diretiva garantirá a independência das autoridades reguladoras nacionais. O papel do Grupo de Reguladores Europeus para os serviços de comunicação social audiovisual (ERGA), composto pelas 28 autoridades nacionais de audiovisuais será definido na legislação da UE. O ERGA avaliará os códigos deontológicos em matéria de corregulação e aconselhará a Comissão Europeia.

3.2.3.   Um maior desenvolvimento da criatividade europeia

A Comissão deseja que os operadores televisivos continuem a dedicar, pelo menos, metade da programação a obras europeias e obrigará os fornecedores de serviços a pedido a garantir pelo menos 20 % de conteúdo europeu nos seus catálogos. A proposta deixa também claro que os Estados-Membros poderão solicitar aos serviços a pedido disponibilizados no seu território que deem um contributo financeiro para a produção de obras europeias.

3.2.4.   Uma maior flexibilidade relativamente à publicidade emitida pelos operadores televisivos

A nova regulação audiovisual não aumenta, para os operadores televisivos, a duração máxima admissível para o tempo de publicidade durante o período compreendido entre as 7h00 e as 23h00, mas concede-lhes uma maior flexibilidade reservando-lhes um largo poder de escolha dos momentos de transmissão de publicidade. Propõe-se, assim, a supressão de um limite de horas e a imposição de um limite diário de 20 % de publicidade durante o período compreendido entre as 7h00 e as 23h00. Os operadores televisivos e os fornecedores de serviços a pedido gozarão ainda de uma maior flexibilidade no que se refere à utilização da colocação de produtos e de patrocínios.

4.   Observações gerais

4.1.

O CESE manifesta o seu compromisso com a diversidade dos serviços de comunicação social audiovisual (SCSA), a promoção da livre circulação de informação, do desenvolvimento da cultura e da livre formação de opiniões, em condições que permitam salvaguardar o pluralismo de informações e a diversidade cultural e linguística.

4.2.

Vê com bons olhos o facto de a diretiva em apreço pretender respeitar os direitos fundamentais e observar os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em especial o direito à liberdade de expressão, a liberdade de empresa, o direito a um recurso judicial, bem como a promoção da aplicação dos direitos da criança.

4.3.

Apoia a Comissão nas suas diligências no sentido de valorizar o património europeu, estimular a criação audiovisual europeia e aumentar a produção e a circulação de programas europeus de qualidade elevada, respeitando os princípios da dignidade humana e garantindo um nível elevado de proteção dos menores, dos consumidores e dos dados pessoais, bem como uma concorrência justa e leal.

4.4.

O CESE reconhece que, tendo em conta a evolução do mercado audiovisual, consequência do surgimento de novas formas de serviços, de novos instrumentos tecnológicos de comunicação, do aparecimento de novos agentes e do desenvolvimento de novas formas de consumo «a pedido», a adaptação do quadro regulamentar europeu relativo aos serviços de comunicação social audiovisual se tornou indispensável.

4.5.

Tendo em conta a complexidade das disposições legislativas relativas à prestação de serviços de comunicação audiovisual, o CESE considera oportuno, para uma maior transparência e racionalidade, consolidar num texto comum as alterações e os aditamentos que a diretiva em exame pretende introduzir na Diretiva 2010/13/UE, de 10 de março de 2010, relativa aos SCSA.

4.6.

Os serviços de comunicação social audiovisual são serviços públicos essenciais de natureza económica, social e cultural, portadores de valores e significados que, em grande parte, são decorrentes dos direitos humanos, não devendo, portanto, ser tratados como se tivessem apenas valor comercial. Esta questão é sobretudo válida para os menores e adolescentes, cuja formação e educação depende cada vez mais dos meios de comunicação, tendo em conta a influência dos serviços de comunicação social audiovisual na forma como as opiniões dos espetadores são formadas, mas é também pertinente para as pessoas com deficiência, idosas, pobres ou excluídas, que são convidadas a intervir e a integrar-se na vida social e cultural, o que é indissociável de uma prestação de serviços de comunicação social audiovisual acessíveis e com preços comportáveis.

4.7.

O CESE nota que o atual artigo 7.o da extremamente vaga e omissa Diretiva SCSA foi suprimido e deve ser substituído pela diretiva relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros no que respeita aos requisitos de acessibilidade dos produtos e serviços [COM(2015) 615 final], que neste momento se encontra em fase de proposta de diretiva.

4.8.

Se a iniciativa da Comissão no sentido de criar, através de um ato legislativo europeu, um quadro geral em matéria de acessibilidade aos produtos e serviços, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das pessoas com deficiência, não resultar, há que incluir, num novo artigo 7.o da Diretiva SCSA, disposições legislativas mais restritivas, que obriguem os Estados-Membros a promover, de forma não exaustiva, a linguagem gestual, a legendagem, a descrição áudio e menus de navegação facilmente compreensíveis, nos termos do considerando 46 da Diretiva SCSA de 2010. O CESE sublinha, neste contexto, que nos Estados-Membros em que as emissões audiovisuais são geralmente legendadas, o número de cidadãos bilingues ou multilingues é particularmente elevado.

4.9.

O CESE aprova que a UE, num espírito de diversidade cultural, favoreça a difusão de obras europeias, e que os grandes prestadores de SCSA sejam obrigados a propor uma determinada quota para estas obras nos seus programas ou catálogos.

4.10.

Relativamente à quota mínima de 20 % de obras europeias imposta aos grandes prestadores de serviços de VOD, esta obrigação não lhes exigirá esforços adicionais, uma vez que eles já a cumprem (ver as estatísticas do Observatório Europeu do Audiovisual). Além disso, esta quota é muito moderada em comparação com a que é aplicada às emissoras terrestres de radiodifusão televisiva, que são obrigadas a respeitar uma proporção mínima de 50 % de obras europeias. A quota mínima para os serviços de VOD devia ser igual à que foi fixada para a radiodifusão televisiva.

4.11.

O CESE manifesta reservas em relação à possibilidade de conceder às PME que têm um volume de negócios pouco elevado ou baixas audiências derrogações relativas às obras europeias, já que esta concessão pode constituir uma nova forma de concorrência desleal. Considera que importa fixar uma quota mínima de 20 % e solicitar que se explique exatamente o que significa «volume de negócios pouco elevado» e «baixas audiências».

4.12.

Os Estados-Membros estarão autorizados, no âmbito da sua competência, a impor aos serviços a pedido, bem como aos serviços estabelecidos fora do seu território destinados ao seu público nacional, contribuições financeiras sob a forma de investimentos diretos em obras ou de pagamentos para os fundos cinematográficos nacionais.

4.13.

O CESE é contra o caráter facultativo desta medida, que pode distorcer as regras da concorrência, consoante um Estado-Membro introduza ou não o pagamento destas contribuições, e pode prejudicar os serviços audiovisuais de um Estado-Membro destinados aos seus cidadãos residentes num outro Estado-Membro.

4.14.

No que diz respeito à proteção de menores, o CESE apoia o facto de a proposta de diretiva prever o alinhamento das normas de proteção aplicáveis aos fornecedores de plataformas de partilha de vídeos com as que se aplicam às plataformas de radiodifusão televisiva. Solicita, contudo, que se aproveite a ocasião para esclarecer a disposição do artigo 27.o da Diretiva SCSA (2010/13/UE), que exige que os Estados-Membros tomem medidas para assegurar que as emissões televisivas não incluem, durante as horas em que os menores se encontram no campo de difusão, quaisquer programas suscetíveis de prejudicar gravemente o seu desenvolvimento físico, mental e moral. O CESE propõe que se fixe um horário exato em que se proíbe a publicidade a bebidas alcoólicas, bem como a fármacos de venda livre e bens alimentares considerados nocivos pelos seus efeitos no aumento da obesidade infantil.

4.15.

No âmbito da proteção de todos os cidadãos contra os conteúdos que contenham um incitamento à violência ou ao ódio e da proteção dos menores contra os conteúdos suscetíveis de prejudicar o seu desenvolvimento, o CESE apoia a promoção da corregulação e da autorregulação através de códigos deontológicos, que devem ser elaborados de forma a serem amplamente aceites pelos principais atores. O CESE recorda (1) que, para os instrumentos de regulação serem válidos e reconhecidos, em qualquer ordem jurídica é preciso definir expressamente a sua configuração e o seu âmbito de aplicação através de disposições jurídicas vinculativas e explícitas, que assegurem a sua aplicação judicial, quer a nível nacional quer da UE, e respeitem em simultâneo a natureza desses instrumentos, em particular o acordo voluntário dos participantes. É neste quadro que assume particular relevância a necessidade de instituir o ERGA e de o dotar dos meios necessários para o exercício efetivo das suas competências, designadamente a prevista no artigo 30.o-A, n.o 3, alínea c).

4.16.

A Comissão Europeia deseja conceder aos serviços de comunicação audiovisual mais espaço e flexibilidade para a emissão de publicidade. Assim, os filmes produzidos para a televisão, as obras cinematográficas ou os programas noticiosos poderão ser interrompidos por publicidade televisiva ou televendas uma vez por cada período de programação de, pelo menos, 20 minutos, ao passo que esses períodos de programação estão, neste momento, fixados em 30 minutos, o que significa que, a partir de agora, poderá ser feita uma interrupção adicional por hora. A duração máxima autorizada para a publicidade por período de programação de uma hora, atualmente fixada nos 20 %, ou seja, 12 minutos por hora, é substituída por uma proporção diária de spots de publicidade televisiva ou de televendas fixada nos 20 %, ao longo do período compreendido entre as 7h00 e as 23h00, ou seja, um total de 192 minutos. Além disso, serão autorizados os spots isolados, e as disposições relativas aos patrocínios e à colocação de produtos tornar-se-ão mais flexíveis.

4.17.

Daí se conclui que as difusões em causa poderão ser interrompidas com mais frequência e durante mais tempo durante as horas escolhidas pelos operadores televisivos, desde que respeitem o máximo de 192 minutos de publicidade entre as 7h00 e as 23h00.

4.18.

É claro que, doravante, as interrupções na programação para inserir publicidade serão constantes durante o horário nobre e as alturas de maior audiência, ao passo que a publicidade será escassa durante o início da manhã e o fim da tarde, de forma a criar a margem de manobra necessária ao respeito da quota de 20 % de publicidade durante o dia. Estas novas regras de interrupções publicitárias arriscam-se, ainda, a prejudicar a integridade das obras e o direito moral dos autores.

4.19.

O CESE desaprova estas novas regras da publicidade e solicita que as disposições atuais se mantenham, quando não mesmo sejam reforçadas, como já anteriormente recomendado pelo CESE.

4.20.

A distinção entre «serviços lineares» e «serviços não lineares», ultrapassada em virtude da evolução digital, poderá ser abandonada.

4.21.

O CESE aprova as medidas tomadas para garantir a independência das autoridades reguladoras nacionais do audiovisual, sabendo que em alguns Estados-Membros a separação jurídica e funcional de qualquer outra entidade pública ou privada não estava garantida e era propensa a abusos.

4.22.

O CESE considera que as regras de supervisão pelas autoridades reguladoras nacionais são deficientes no que respeita às empresas fictícias de um Estado-Membro que utilizam capacidade de satélite de um país terceiro para atingir uma grande audiência noutro Estado-Membro. A fim de evitar tais práticas abusivas, o CESE recomenda que se complete a diretiva em apreço com uma disposição que sujeita um operador que dispõe de uma licença audiovisual num Estado-Membro, mas que presta serviços audiovisuais noutro Estado-Membro, às disposições regulamentares dos dois Estados-Membros.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 248 de 25.8.2011, p. 118.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/162


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 531/2012 no que respeita às regras aplicáveis aos mercados grossistas de itinerância»

[COM(2016) 399 final — 2016/185 (COD)]

(2017/C 034/27)

Relator:

Raymond HENCKS

Consulta

Parlamento Europeu, 4.7.2016

Conselho da UE, 7.7.2016

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

[COM(2016) 399 final — 2016/185 (COD)]

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

224/3/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE, que sempre pugnou pela abolição de qualquer tarifa específica para as comunicações móveis de itinerância, felicita a Comissão pelas iniciativas no sentido de promover a «aplicação no estrangeiro das mesmas tarifas do país de origem» a partir de 15 de junho de 2017, e de eliminar previamente as deficiências do mercado grossista de itinerância que podem comprometer a consecução deste objetivo.

1.2.

Paralelamente à abolição das tarifas de itinerância, será necessário tomar medidas preventivas para evitar que os operadores compensem a diminuição das receitas resultante dessa abolição com um aumento das tarifas nacionais ou adotando outras medidas abusivas. Do mesmo modo, será importante assegurar que as tarifas nacionais, sobretudo os pacotes tarifários, sejam mais transparentes e que as autoridades reguladoras elaborem, em colaboração com as organizações de consumidores, um modelo de informação normalizada sobre a composição dos preços.

1.3.

O CESE considera que os preços grossistas médios máximos que o operador da rede visitada pode cobrar ao prestador de serviços de itinerância, propostos pela Comissão para a prestação de serviços de chamadas, SMS e dados em itinerância, são razoáveis e deixariam margem suficiente para permitir uma concorrência sã entre os prestadores grossistas de serviços móveis de itinerância.

1.4.

Em contrapartida, o CESE manifesta grandes reservas a respeito da nova opção que a proposta de regulamento em apreço oferece aos operadores de negociarem «regimes de preços grossistas inovadores» não abrangidos pelos limites máximos regulados e que não estariam diretamente relacionados com os volumes reais consumidos. As negociações comerciais assentes em pagamentos fixos, compromissos antecipados ou contratos baseados na capacidade, poderão criar cartéis e gerar abusos de posição dominante por parte dos operadores de grande dimensão ou que disponham de uma rede com cobertura nacional, em detrimento dos operadores de menor dimensão e dos operadores de redes móveis virtuais, o que só reforçará os oligopólios existentes e os acordos bilaterais de itinerância que a Comissão aponta como a origem das atuais deficiências do mercado.

1.5.

O CESE apoia a proposta de regulamento em apreço, segundo a qual, em caso de litígio entre operadores a respeito dos mercados grossistas de itinerância, as autoridades reguladoras seriam obrigadas a consultar o Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE) sobre as medidas a tomar, o que permitirá emprestar maior coerência às abordagens regulamentares aplicadas por essas autoridades nacionais. O CESE propõe que se completem as disposições em matéria de litígios e que se convide as autoridades nacionais a incentivar, se for caso disso, as partes em causa a recorrer, em primeiro lugar, à resolução extrajudicial de litígios.

2.   Introdução

2.1.

O objetivo da União de criar uma Europa conectada, com base numa infraestrutura de ponta e em serviços fixos e sem fios a preços acessíveis, foi entravado, entre outros obstáculos, pelos preços excessivos das comunicações móveis europeias em itinerância, muito superiores às tarifas cobradas pelo mesmo serviço no interior de cada país.

2.2.

Uma vez que os repetidos apelos lançados pela Comissão, desde 2006, aos operadores de comunicações móveis para baixarem as tarifas excessivas das comunicações móveis em itinerância foram infrutíferos, em 2007 a União começou por introduzir um limite tarifário («a eurotarifa») para o mercado grossista e retalhista das chamadas de voz intraeuropeias, seguido de um limite para os SMS e, por último, de um limite para a transmissão de dados de itinerância, tudo na expectativa de que se desenvolvesse uma concorrência sã e de que os utilizadores deixassem de ser obrigados a pagar preços excessivos.

2.3.

As tarifas máximas de itinerância para as comunicações de voz, o envio de SMS e a utilização de serviços de dados, incluindo MMS, tiveram de ser, assim, sucessivamente reduzidas (ver quadro infra), com o objetivo final de abolir totalmente as taxas de itinerância e alinhar as tarifas das comunicações intraeuropeias com as aplicadas a nível nacional.

 

Chamadas de voz

EUR/minuto

sem IVA

SMS

EUR/SMS

sem IVA

Dados

EUR/kilobyte

sem IVA

Preço grossista

Preço retalhista chamada efetuada

Preço retalhista chamada recebida

Preço grossista

Preço retalhista

Preço grossista

Preço retalhista

Preço médio antes de 1.9.2007

 

0,7692

0,417

----

----

----

----

Regulamento (CE) n.o 717/2007

Preço máximo 1.9.2007 — 31.8.2008

0,30

0,49

0,24

----

----

----

----

Preço máximo 1.9.2008 — 30.6.2009

0,28

0,46

0,22

----

----

----

----

Preço máximo 1.7.2009 — 30.6.2010

0,26

0,43

0,19

0,04

0,11

1,00

----

Regulamento (CE) n.o 544/2009

Preço máximo 1.7.2010 — 30.6.2011

0,22

0,39

0,15

0,04

0,11

0,80

----

Preço máximo 1.7.2011 — 30.6.2012

0,18

0,35

0,11

0,04

0,11

0,50

----

Preço máximo 1.7.2012 — 30.6.2013

0,14

0,29

0,08

0,03

0,09

0,25

0,70

Regulamento (UE) n.o 531/2012

Preço máximo 1.7.2013 — 30.6.2014

0,10

0,24

0,07

0,02

0,08

0,15

0,45

Preço máximo 1.7.2014 — 30.6.2015

0,05

0,19

0,05

0,02

0,06

0,05

0,20

Preço máximo 1.7.2015 — 30.6.2017

0,05

0,19

0,05

0,02

0,06

0,05

0,20

Preço máximo 1.7.2015 — 30.6.2022

0,05

 

 

0,02

 

0,05

 

2.4.

Nenhuma rede móvel cobre todos os Estados-Membros. Consequentemente, a fim de poderem prestar serviços de comunicações móveis aos seus clientes nacionais em viagem noutro Estado-Membro, os prestadores de serviços de itinerância têm de adquirir esses serviços grossistas aos operadores ativos no país visitado ou trocar com eles serviços de itinerância.

2.5.

A introdução de limites tarifários na União foi acompanhada da adoção de medidas de caráter estrutural, nomeadamente para o mercado grossista de itinerância (1). Deste modo, os operadores das redes móveis visitadas devem:

satisfazer todos os pedidos razoáveis de acesso à itinerância, só podendo recusar os pedidos de acesso grossista à itinerância com base em critérios objetivos;

publicar uma oferta de referência suficientemente pormenorizada, tendo em conta as orientações do ORECE, e disponibilizá-la às empresas que solicitem acesso grossista à itinerância;

fornecer às empresas que solicitem acesso um projeto de contrato para esse acesso, no prazo de um mês a contar da receção do pedido inicial pelo operador da rede móvel. O acesso grossista à itinerância deve ser concedido num prazo razoável, não superior a três meses a contar da celebração do contrato;

responder num prazo não superior a dois meses ao pedido apresentado por um operador para encetar negociações comerciais, a fim de incluir também componentes não abrangidos pela oferta de referência.

2.6.

Por último, o Regulamento (UE) 2015/2120 prevê que, com efeitos a partir de 15 de junho de 2017, mas sob reserva de uma utilização responsável e de um resultado positivo da análise do correto funcionamento do mercado, os prestadores de serviços de itinerância não cobrem sobretaxas, para além do preço de retalho doméstico, aos clientes de itinerância em nenhum Estado-Membro por chamadas de voz de itinerância reguladas efetuadas ou recebidas, por mensagens SMS itinerantes reguladas enviadas ou por serviços regulados de itinerância de dados utilizados, nem qualquer tarifa geral para permitir que o serviço ou equipamento terminal seja utilizado no estrangeiro.

2.7.

No entanto, em circunstâncias específicas e excecionais, a fim de assegurar a sustentabilidade do modelo doméstico de tarifação, um prestador de serviços de itinerância que não consiga cobrir a totalidade dos custos reais e projetados incorridos com a prestação dos serviços regulados, pode pedir autorização para aplicar uma sobretaxa. Esta sobretaxa é apenas aplicada quando se revelar necessária para recuperar os custos de prestação de serviços regulados de itinerância a nível retalhista, tendo em conta as tarifas grossistas máximas aplicáveis.

2.8.

Ora, conclui-se do relatório relativo à análise do mercado grossista de itinerância [COM(2016) 398] que as medidas estruturais previstas não foram suficientes para reforçar a concorrência no mercado interno de itinerância e realizar um mercado interno dos serviços de comunicações móveis em que não haja diferenciação entre as tarifas domésticas e as tarifas de itinerância.

2.9.

A referida análise demonstrou que o funcionamento dos mercados grossistas continua a ser afetado por várias deficiências resultantes de situações oligopolistas, conjugadas com acordos de itinerância bilaterais, pela ausência de produtos substitutos a nível grossista e por preços claramente superiores aos custos estimados, designadamente no caso dos serviços de dados.

2.10.

Dado existir uma correlação estreita entre os mercados grossistas e retalhistas, e não havendo margem suficiente entre os preços por grosso e a retalho, o objetivo de «aplicação no estrangeiro das mesmas tarifas do país de origem» torna-se irrealizável e estruturalmente insustentável, sobretudo para os operadores de menor dimensão, os operadores de redes móveis virtuais e os operadores com bastante mais tráfego de saída do que de entrada.

2.11.

Em consequência, a Comissão vê-se obrigada a propor uma nova intervenção regulamentar da UE nos mercados grossistas de itinerância.

2.12.

O artigo 6.o-D do Regulamento (UE) 2015/2120, que altera o Regulamento (UE) n.o 531/2012, exorta a Comissão a apresentar, até 15 de dezembro de 2016, entre outros, um ato de execução que estabeleça as regras pormenorizadas sobre a aplicação pelos operadores de uma «política de utilização responsável» para o consumo de serviços regulados de itinerância a nível retalhista prestados ao preço de retalho doméstico aplicável. De momento, o referido ato de execução continua pendente após a Comissão ter retirado a primeira proposta.

3.   Conteúdo da proposta da Comissão

3.1.

A proposta de revisão do Regulamento (UE) n.o 531/2012 prevê:

a redução, no período de 15 de junho de 2017 a 30 de junho de 2022, da tarifa média máxima de itinerância a nível grossista:

de uma chamada: de 0,05 EUR por minuto para 0,04 EUR por minuto;

de um SMS: de 0,02 EUR para 0,01 EUR;

de um serviço de dados: de 0,05 EUR/MB para 0,0085 EUR/MB;

a possibilidade de as duas partes que celebram um acordo de itinerância grossista concordarem explicitamente em não sujeitar a aplicação do acordo aos limites máximos a nível grossista previstos pelo regulamento, durante um determinado período;

em caso de litígio entre os operadores de redes visitadas e outros operadores a respeito dos serviços grossistas de itinerância, a obrigação de as autoridades reguladoras nacionais consultarem o ORECE sobre as medidas a tomar;

após 15 de junho de 2017, a elaboração pela Comissão de um relatório a apresentar de dois em dois anos ao Parlamento Europeu e ao Conselho, com base nos dados recolhidos pelo ORECE sobre a evolução da concorrência nos mercados de itinerância na União.

4.   Observações gerais

4.1.

Nos seus pareceres anteriores, o CESE sempre apoiou as propostas da Comissão no sentido de impor limites às tarifas de itinerância, por entender que iam no bom caminho, ou seja, abolir a médio prazo qualquer forma específica de tarifas de comunicações móveis de itinerância. Por conseguinte, não pode deixar de secundar as novas propostas apresentadas pela Comissão no intuito de eliminar as deficiências do mercado grossista de itinerância, que podem comprometer a concretização do objetivo de «aplicação no estrangeiro das mesmas tarifas do país de origem» a partir de 15 de junho de 2017.

4.2.

No que se refere à «aplicação no estrangeiro das mesmas tarifas do país de origem», o CESE recorda que sempre alertou para a possibilidade de efeitos contraproducentes, instando as autoridades reguladoras a tomarem medidas preventivas para evitar que os operadores compensem a diminuição das receitas resultante da abolição das tarifas de itinerância, nomeadamente através do aumento das tarifas nacionais ou da adoção de outras medidas abusivas em prejuízo do consumidor, como, por exemplo, uma faturação do acesso à rede sem que uma comunicação seja estabelecida (taxa de ativação).

4.3.

Para que os consumidores possam efetivamente beneficiar «no estrangeiro das mesmas tarifas do país de origem», sem aumento das tarifas nacionais, o CESE reitera a sua proposta de que as autoridades reguladoras elaborem, em colaboração com as organizações de consumidores, um modelo de informação normalizada sobre a composição dos preços, de modo a aumentar a transparência das tarifas nacionais e, em especial, dos pacotes tarifários.

4.4.

O CESE está perfeitamente ciente de que as tarifas grossistas máximas devem permitir que os operadores recuperem os seus custos, possibilitando, ao mesmo tempo, uma margem de lucro razoável. Ora, como reconhecido pela Comissão (2), a avaliação dos custos incorridos com a prestação de serviços de itinerância a nível grossista é uma tarefa complexa, que implica um vasto leque de escolhas e pressupostos, não estando isenta de incertezas.

4.5.

Tendo em conta os diferentes elementos que compõem o custo da prestação de serviços de itinerância a nível grossista (tarifa da terminação móvel no país de origem e no país de destino) e outros custos, nomeadamente os custos de trânsito não regulados, os limites máximos propostos pela Comissão afiguram-se razoáveis e deixariam margem suficiente para permitir uma concorrência sã entre os prestadores grossistas de serviços móveis de itinerância.

4.6.

O CESE manifesta grandes reservas a respeito da nova opção que a proposta de regulamento em apreço oferece aos operadores de negociarem «regimes de preços grossistas inovadores» não abrangidos pelos limites máximos regulados e que não estariam diretamente relacionados com os volumes reais consumidos. As negociações comerciais assentes em pagamentos fixos, compromissos antecipados ou contratos baseados na capacidade poderão criar cartéis e gerar abusos de posição dominante por parte dos operadores de grande dimensão ou que disponham de uma rede com cobertura nacional, em detrimento dos operadores de menor dimensão e dos operadores de redes móveis virtuais.

4.7.

O CESE apoia a proposta de que, em caso de litígio entre operadores a respeito dos mercados grossistas de itinerância, as autoridades reguladoras sejam obrigadas a consultar o ORECE sobre as medidas a tomar, o que permitirá emprestar maior coerência às abordagens regulamentares aplicadas por essas autoridades nacionais. O CESE propõe que se completem as disposições em matéria de litígios e que se convide as autoridades nacionais a incentivar, se for caso disso, as partes em causa a recorrer, em primeiro lugar, à resolução extrajudicial de litígios.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO L 172 de 30.6.2012, p. 10.

(2)  COM(2016) 398 final.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/167


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/45/CE relativa às regras e normas de segurança para os navios de passageiros»

[COM(2016) 369 final — 2016/170 (COD)]

(2017/C 034/28)

Relator:

Thomas ABRAHAMSSON

Consulta

Parlamento Europeu, 09/06/2016

 

Conselho da União Europeia, 22/06/2016

Base jurídica

Artigo 100.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 369 final — 2016/170 (COD)]

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

229/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente, na generalidade, a proposta da Comissão de alteração da Diretiva 2009/45/CE relativa às regras e normas de segurança para os navios de passageiros. Como indicado no relatório de qualidade [REFIT — Ajustar o rumo: balanço de qualidade da legislação da UE no domínio da segurança dos navios de passageiros, COM(2015) 508 final], partes da Diretiva 2009/45/CE carecem de clareza no que diz respeito a uma série de definições e de requisitos e contêm exigências desatualizadas ou que se sobrepõem, o que conduziu a uma aplicação incoerente do quadro normativo relativo aos navios de passageiros. As alterações propostas destinam-se a simplificar a legislação, a eliminar sobreposições e redundâncias e a clarificar os requisitos e o âmbito de aplicação, mantendo, simultaneamente, o atual nível de segurança.

1.2.

A legislação da UE no domínio da segurança dos navios de passageiros reveste-se de grande importância, tendo em conta que, todos os anos, 120 milhões de pessoas são transportadas por navios de passageiros afetos ao tráfego doméstico. A proposta de alteração da Diretiva 2009/45/CE exclui, todavia, do seu âmbito de aplicação todos os navios de pequeno porte de comprimento inferior a 24 metros, enquanto, neste momento, apenas são excluídos os navios de passageiros existentes, mas não os novos.

1.3.

A justificação dada para esta proposta prende-se, em primeiro lugar, com o facto de a Diretiva 2009/45/CE se aplicar atualmente apenas a 70 dos 1 950 navios de pequeno porte e, em segundo lugar, com o princípio da subsidiariedade: estes navios são construídos para uma vasta gama de serviços e seria extremamente difícil estabelecer um conjunto de regras comuns, pelo que os Estados-Membros estariam numa melhor posição para regulamentar.

1.4.

O CESE toma nota da justificação acima referida, mas recomenda que a aplicação a navios novos de comprimento inferior a 24 metros seja mantida no interesse da segurança dos passageiros.

1.5.

A proposta de alteração da Diretiva 2009/45/CE clarifica que, para os fins desta diretiva, o alumínio é um material equivalente ao aço, sendo-lhe portanto aplicáveis os correspondentes requisitos de segurança contra incêndios. Atualmente, nem todos os Estados-Membros certificam os navios construídos com alumínio ao abrigo da diretiva em apreço, o que cria uma situação de desigualdade. O CESE congratula-se com esta clarificação.

1.6.

O CESE acolhe favoravelmente a importância que as atuais regras da UE em matéria de segurança dos navios de passageiros atribuem à acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida (considerando 17 da Diretiva 2009/45/CE) e manifesta satisfação pelo facto de as normas da UE apresentarem um importante valor acrescentado em relação às normas internacionais, que não incluem qualquer disposição obrigatória a este respeito. O CESE congratula-se com esta disposição e considera que se deve aplicar a todos os tipos de navios de serviços de passageiros afetos ao tráfego doméstico.

1.7.

O CESE congratula-se com a clarificação da nova alínea z-A) pela Comissão. Esta alínea clarifica que o termo «material equivalente» designa uma liga de alumínio ou de qualquer outro material incombustível que conserva propriedades de resistência mecânica e de integridade equivalentes às do aço no termo da exposição ao fogo na prova-tipo devido ao isolamento de que é dotado. Dado que alguns Estados-Membros não têm vindo a certificar os navios de alumínio em conformidade com a diretiva em apreço, o CESE apoia, em princípio, a clarificação. No entanto, o CESE recomenda que as correspondentes normas técnicas constantes do anexo da Diretiva 2009/45/CE sejam clarificadas em mais pormenor, em colaboração com os peritos nacionais.

2.   Introdução e contexto

2.1.

A configuração geográfica da Europa como uma vasta península fornece uma indicação de quão cruciais são os serviços de transporte marítimo, incluindo o transporte de passageiros. Mais de 400 milhões de pessoas transitam pelos portos da UE todos os anos, das quais 120 milhões são transportadas por navios de passageiros afetos ao tráfego doméstico. Daí a importância de assegurar as mais elevadas normas de segurança nas águas da UE, uma vez que a legislação em matéria de segurança dos navios tem implicações consideráveis, nomeadamente para o ambiente, o direito do trabalho, a mobilidade dos cidadãos da UE e a facilitação do comércio de navios de passageiros, dado que estes cumprem as mesmas normas em toda a UE.

2.2.

No seguimento do desastre ocorrido na Estónia, a Organização Marítima Internacional aprovou uma série de alterações à Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS), incluindo requisitos para melhorar a estabilidade dos navios ro-ro em caso de avaria.

2.3.

Todavia, continuam a ocorrer incidentes, o que levou a Europa a introduzir, nas últimas duas décadas, regras suplementares de segurança para os navios de passageiros, incluindo algumas regras específicas, como o registo das pessoas a bordo, a par das disposições da Convenção SOLAS para as viagens internacionais, que também abrangem as viagens entre dois ou mais Estados-Membros, bem como muitas outras regras da UE para viagens nacionais.

2.4.

As propostas decorrem do programa REFIT, aplicado pela Comissão a esta legislação no domínio da segurança dos navios de passageiros. O acrónimo REFIT refere-se ao programa para a adequação e a eficácia da regulamentação.

2.5.

O objetivo é simplificar e racionalizar, na medida do possível, as atuais regras europeias em matéria de segurança para os navios de passageiros, a fim de:

manter as regras da UE apenas se tal se afigurar necessário e proporcionado;

assegurar uma aplicação correta e uniforme;

eliminar sobreposições e contradições.

Estes objetivos refletem as recomendações do CESE relativas ao programa REFIT, formuladas no seu recente parecer exploratório sobre a matéria (SC/044 de 26 de maio de 2016).

2.6.

Este pacote de propostas coerente visa alcançar estes objetivos. O pacote relativo à segurança dos navios de passageiros inclui propostas de revisão de quase toda a regulamentação europeia na matéria, excluído, obviamente, a Diretiva 2003/25/CE, de natureza puramente técnica, relativa a prescrições específicas de estabilidade para os navios ro-ro de passageiros.

2.7.

O pacote inclui as três propostas seguintes:

limitar e clarificar o âmbito de aplicação da Diretiva 2009/45/CE (normas técnicas aplicáveis aos navios de passageiros em rotas marítimas nacionais);

melhorar e clarificar as obrigações de prestação de informações decorrentes da Diretiva 98/41/CE (relativa ao registo das pessoas que viajam em navios de passageiros) em relação a outros instrumentos (Diretiva 2010/65/UE relativa às formalidades de declaração e Diretiva 2002/59/CE relativa à instiuição de um sistema comunitário de acompanhamento e de informação do tráfego de navios), bem como a eliminação de sobreposições nestes domínios;

clarificar e simplificar o sistema da UE de vistorias e inspeções aos navios ro-ro (ferries capazes de transportar carros e comboios, bem como passageiros) e embarcações de passageiros de alta velocidade.

2.8.

O presente parecer centra-se na primeira proposta.

2.9.

A Diretiva 2009/45/CE, de 6 de maio de 2009, consiste numa reformulação da Diretiva 98/18/CE, que teve de ser revogada por motivos de clareza. Introduz um nível uniforme de segurança para os navios de passageiros que realizam viagens domésticas. Não obstante, após 15 anos, a Comissão considerou necessário rever esta diretiva, na sequência da realização de um balanço de qualidade que salienta a necessidade de simplificar e clarificar os requisitos em vigor, posição que o CESE subscreve plenamente.

2.10.

O CESE participou ativamente na elaboração da legislação relativa à segurança marítima, mediante a emissão de diversos pareceres. Relativamente à questão específica da segurança dos navios de passageiros, importa referir que, em 29 de maio de 1996, o Comité emitiu um parecer sobre as regras e normas de segurança para os navios de passageiros (1), seguido, em 11 de dezembro de 2002, de um parecer sobre as prescrições específicas de estabilidade para os navios ro-ro de passageiros e sobre a revisão da Diretiva 98/18/CE relativa às regras e normas de segurança para os navios de passageiros. Além disso, importa salientar que, mais recentemente, em 16 de janeiro de 2008, o Comité apoiou sem reservas a proposta relativa à referida reformulação da Diretiva 98/18/CE.

2.11.

À luz da importância do exercício de revisão que está a ser levado a cabo pela Comissão, o CESE pretende demonstrar a elevada importância que atribui à melhoria contínua da segurança dos navios de passageiros afetos ao tráfego doméstico.

3.   Síntese da proposta da Comissão

3.1.

A Diretiva 2009/45/CE relativa às regras e normas de segurança para os navios de passageiros é aplicável aos navios de aço e material equivalente e às embarcações de alta velocidade, independentemente do seu comprimento. Aplicável a nível da UE e apenas a viagens domésticas, esta diretiva estabelece prescrições técnicas para a construção, a estabilidade, a prevenção de incêndios e os meios de salvamento dos navios, tendo por base as disposições da Convenção SOLAS (de 1974, na sua versão alterada) e algumas prescrições motivadas por vários acidentes de navegação que causaram a perda de vidas humanas. Daí a necessidade de abordar a natureza algo fragmentada da legislação.

3.2.

Na sequência de um balanço de qualidade realizado no espírito dos programas REFIT e «Legislar Melhor», a Comissão concluiu que havia margem para reforçar o nível de segurança, eficiência e proporcionalidade proporcionado pela diretiva acima referida. A revisão proposta visa, por conseguinte, simplificar e racionalizar o atual quadro normativo que, embora cumpra os seus objetivos e continue a ser muito pertinente, exige a supressão de determinados requisitos e definições desatualizados, ambíguos ou redundantes.

3.3.

A Comissão propõe um pequeno número de alterações à atual diretiva nos seguintes domínios:

exclusão de navios de comprimento inferior a 24 metros do âmbito de aplicação da diretiva em questão, pelo facto de os navios de pequeno porte serem geralmente construídos em materiais distintos do aço e já serem certificados ao abrigo da legislação nacional;

clarificação do âmbito de aplicação da diretiva, especificando que o alumínio é um material equivalente ao aço (com implicações para os requisitos de resistência ao fogo) e deixando claro que os navios de serviços ao largo para parques eólicos estão excluídos, bem como os navios tradicionais;

clarificação e simplificação da definição de zonas marítimas constante da Diretiva 2009/45/CE, suprimindo a referência a «onde as pessoas naufragadas podem desembarcar», bem como o conceito de «refúgio».

3.4.

Além disso, o relatório REFIT recomenda a adoção de diretrizes ou normas para os navios de pequeno porte e os navios não construídos em aço ou material equivalente, assentes em requisitos funcionais, como parte de um quadro normativo baseado em objetivos.

3.5.

Por último, importa salientar que a proposta da Comissão procura preservar o atual nível comum de segurança estabelecido pela Diretiva 2009/45/CE para os navios que efetuam viagens domésticas nas águas da UE, o que facilita a transferência de navios entre registos nacionais e permite a concorrência em viagens domésticas em condições de igualdade.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O CESE observa que o balanço de qualidade aplicado às regras e normas de segurança da UE para os navios de passageiros pode ter sido afetado pela falta de dados e solicita, por conseguinte, no futuro, um melhor sistema de recolha de dados e de acompanhamento, de forma a tornar mais rigorosas as avaliações da UE após a implementação.

4.2.

Embora tome nota dos motivos da exclusão dos navios de pequeno porte (inferiores a 24 metros de comprimento) do âmbito de aplicação da diretiva, o CESE entende que esta se deve continuar a aplicar a novos navios com comprimento inferior a 24 metros.

4.3.

No relatório REFIT, bem como no considerando 17 da Diretiva 2009/45/CE, é observado que as normas da UE preveem o acesso das pessoas com mobilidade reduzida aos serviços de transporte de passageiros por ferries no tráfego doméstico, um elemento que é recomendado, mas não obrigatório, nos termos das normas internacionais. O CESE congratula-se com esta disposição e considera que se deve aplicar a todos os tipos de navios de serviços de passageiros afetos ao tráfego doméstico.

4.4.

O CESE considera ainda essencial que todos os passageiros que se encontrem a bordo de navios recebam informações detalhadas sobre a segurança a bordo do navio. É fundamental assegurar que essas informações detalhadas estão também disponíveis para as pessoas com deficiência.

5.   Observações na especialidade às alterações propostas à Diretiva 2009/45/CE

5.1.    Artigo 2.o — Definições

5.1.1.

Alínea h) — A definição de «navio novo» como um navio cuja quilha estivesse assente ou que se encontrasse em fase de construção equivalente em ou após 1 de julho de 1998 está desatualizada, embora não seja proposta qualquer alteração.

5.1.2.

Alínea u) — A alteração de «Estado de acolhimento» para «Estado do porto» não é explicada. O CESE recomenda à Comissão que forneça uma explicação para esta alteração terminológica e a eventual alteração de conteúdo.

Além disso, a diretiva parece, nesta alínea, não fazer qualquer distinção entre bandeiras da UE e bandeiras não pertencentes à UE, distinção essa que pode ser importante uma vez que os navios em questão efetuam cabotagem marítima [Regulamento (CEE) n.o 3577/92 do Conselho, de 7 de dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima)].

5.1.3.

Nova alínea z-A) — Esta alínea clarifica que a noção de «material equivalente» significa uma liga de alumínio ou de qualquer outro material incombustível que conserva propriedades de resistência mecânica e de integridade equivalentes às do aço no termo da exposição ao fogo na prova-tipo devido ao isolamento de que é dotado. Dado que alguns Estados-Membros não têm vindo a certificar os navios de alumínio em conformidade com a diretiva em apreço, o CESE apoia, em princípio, a clarificação. No entanto, o CESE recomenda que as correspondentes normas técnicas constantes do anexo da Diretiva 2009/45/CE sejam clarificadas em mais pormenor, em colaboração com os peritos nacionais.

Por último, o CESE considera que a nova definição de «material equivalente», especialmente a referência a «qualquer outro material incombustível», pode ser confusa, pois não especifica de modo adequado a que tipo de material este deve ser equivalente para ser abrangido pelo âmbito de aplicação da diretiva alterada.

5.1.4.

Nova alínea z-D) — A definição proposta de «iate/embarcação de recreio» é a seguinte: «um navio que não transporta carga nem mais de 12 passageiros que não se dedicam ao comércio, independente do meio de propulsão». O CESE entende que, por motivos de clareza, a atual redação «passageiros para fins comerciais» deve ser mantida.

5.2.    Artigo 3.o — Âmbito

5.2.1.

N.o 1, alínea a) — [A presente diretiva aplica-se aos…] «navios de passageiros novos e existentes de comprimento igual ou superior a 24 metros». A proposta de alteração da Diretiva 2009/45 exclui, deste modo, todos os navios de pequeno porte, enquanto a presente regulamentação apenas exclui os navios existentes, não os «novos» navios de comprimento inferior a 24 metros. Ver ponto 5.1.1 supra para a definição de «navio novo».

5.2.2.

As razões invocadas para a exclusão prendem-se com o facto de a Diretiva 2009/45/CE atualmente se aplicar apenas a 70 dos 1 950 navios de pequeno porte.

5.2.3.

Outra razão indicada para a exclusão proposta prende-se com o princípio da subsidiariedade, dado que estes navios são construídos para uma vasta gama de serviços e seria extremamente difícil estabelecer um conjunto de regras comuns, pelo que os Estados-Membros estariam numa melhor posição para regulamentar.

5.2.4.

O CESE tem dificuldade em compreender estes argumentos. Se 96 % da frota de navios de pequeno porte não está abrangida por esta diretiva, pois são construídos com materiais distintos do aço ou materiais equivalentes, ou são navios utilizados exclusivamente em zonas portuárias, etc., excluir os navios de comprimento inferior a 24 metros não traz qualquer vantagem a estes navios. Mas e quanto aos restantes 4 %?

5.2.5.

Se as regras harmonizadas não forem adequadas a determinados navios de comprimento inferior a 24 metros, os Estados-Membros podem, atualmente, conceder isenções ao abrigo do artigo 9.o da diretiva. Mas se a proposta de alteração à diretiva nesta alínea for aceite, alguns navios de comprimento até 24 metros deixarão de estar abrangidos pela diretiva.

5.2.6.

Um navio de passageiros de 24 metros não é necessariamente uma embarcação insignificante, pois pode acolher até 250 passageiros a bordo. Poderia argumentar-se que os passageiros devem ter o mesmo direito à segurança, quer o navio tenha 23,9 metros ou 24,1 metros de comprimento. Por estes motivos, o CESE considera que a diretiva se deve continuar a aplicar a navios novos de comprimento inferior a 24 metros, e os Estados-Membros devem poder continuar a permitir isenções, se considerarem necessário.

5.3.    Artigo 5.o

No que respeita à alteração ao artigo 5.o, n.o 3, relativo às inspeções, o CESE considera que também devem ser referidos os ferries ro-ro e as embarcações de passageiros de alta velocidade afetos ao tráfego doméstico que operem em serviço regular, tal como definido no âmbito da nova proposta de diretiva [COM(2016) 371 final], que revoga a Diretiva 1999/35/CE (ver artigo 1.o). Com o objetivo de intensificar a racionalização das atividades de inspeção das administrações nacionais, de maximizar o período em que o navio pode ser explorado comercialmente e de eliminar eventuais sobreposições entre inspeções específicas ao abrigo da nova proposta de diretiva [COM(2016) 371 final], que revoga a Diretiva 1999/35/CE, e as vistorias exigidas pelo artigo 12.o, propõe-se o seguinte:

substituir o termo «vistoria» por «inspeção», nos termos do artigo 5.o, e

fazer uma referência clara, nos termos do artigo 5.o, às prescrições em matéria de inspeções ao abrigo da nova proposta de diretiva [COM(2016) 371 final], que revoga a Diretiva 1999/35/CE.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 212 de 22.7.1996, p. 21.


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/172


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 98/41/CE do Conselho relativa ao registo das pessoas que viajam em navios de passageiros que operam a partir de ou para portos dos Estados-Membros da Comunidade e que altera a Diretiva 2010/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às formalidades de declaração exigidas aos navios à chegada e/ou à partida dos portos dos Estados-Membros»

[COM(2016) 370 final] [2016/171(COD)]

(2017/C 034/29)

Relator:

Vladimír NOVOTNÝ

Consulta

Parlamento Europeu, 9.6.2016

 

Conselho da União Europeia, 22.6.2016

Base jurídica

Artigo 100.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

[COM(2016) 370 final] [2016/171(COD)]

 

 

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

205/9/15

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que a alteração proposta conduzirá a uma melhor segurança da navegação e, em particular, para os viajantes nas águas da UE e contribuirá para uma maior eficiência das operações de salvamento em caso de acidente marítimo.

1.2.

O CESE é a favor de incluir a nacionalidade nas informações registadas, a fim de permitir, em caso de acidente marítimo, uma notificação mais rápida das famílias sobre os familiares a bordo e de evitar incertezas quanto à sua sorte.

1.3.

O CESE, em conformidade com os resultados do trabalho de consulta da Comissão, salienta a questão das pequenas empresas transportadoras e a necessidade de as proteger contra o aumento da burocracia. Na opinião do Comité, a proposta garante a prossecução da concorrência nas águas da UE em condições de igualdade para todos os operadores.

1.4.

O CESE aplaude o facto de a proposta de diretiva ser acompanhada de um plano de execução que enuncia as ações necessárias para a aplicação das medidas de simplificação e identifica os principais desafios técnicos, jurídicos e relacionados com o calendário associados à introdução destes novos procedimentos.

1.5.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de alteração da Diretiva 98/41/CE do Conselho como um contributo significativo no sentido da aplicação do programa para a adequação e a eficácia da regulamentação (REFIT) da Comissão e do programa destinado a melhorar o quadro regulamentar da UE.

2.   Introdução

2.1.

No seguimento do balanço de qualidade da legislação da UE no domínio da segurança dos navios de passageiros, a Comissão Europeia apresenta um conjunto de propostas para simplificar e racionalizar o atual quadro normativo da UE em matéria de segurança dos navios de passageiros, a fim de prevenir potenciais sobreposições de obrigações e incoerências em atos legislativos diferentes, mantendo, simultaneamente, as regras da UE e assegurando a sua correta aplicação.

2.2.

O objetivo deste conjunto de propostas, que inclui uma alteração à Diretiva 2009/45/CE sobre requisitos técnicos para navios de passageiros, uma proposta de diretiva de substituição da Diretiva 1999/35/CE sobre a prestação de serviços regulares pelos navios de passageiros e, mais importante, uma alteração à Diretiva 98/41/CE sobre o registo de pessoas que viajam em navios de passageiros, é apresentar um quadro legislativo claro, simples e atualizado que seja mais fácil de utilizar, acompanhar e fazer cumprir, aumentando, assim, o nível de segurança geral no setor do transporte marítimo.

2.3.

As propostas apresentadas baseiam-se no programa REFIT da Comissão e contribuem para a execução do programa destinado a melhorar o quadro regulamentar da UE.

2.4.

A proposta cumpre o Programa Legislar Melhor da Comissão, assegurando que a legislação em vigor é simples e clara, não cria encargos desnecessários e acompanha a evolução política, social e tecnológica. Procura igualmente contribuir para a realização dos objetivos da estratégia de transporte marítimo no horizonte de 2018, assegurando serviços de qualidade por ferryboat em transportes regulares de passageiros no interior da UE.

3.   O documento da Comissão

3.1.

A Diretiva 98/41/CE do Conselho prevê a contagem e o registo de todos os passageiros e tripulantes a bordo de navios de passageiros que operam a partir de ou para portos da UE. No quadro das disposições vigentes, estes dados têm de ser armazenados no sistema de informações da companhia de navegação e estar facilmente disponíveis — a todo o momento — para transmissão à autoridade de segurança responsável pela busca e salvamento. Os dados registados nem sempre incluem a nacionalidade (além do nome, idade e sexo), tornando mais difícil a assistência às potenciais vítimas e suas famílias.

3.2.

Em consequência, os operadores que já transmitem esses dados à plataforma nacional única estão sujeitos a um regime de dupla declaração. As regras em vigor ignoram a evolução de sistemas como o SafeSeaNet ou a plataforma nacional única e implicam que a autoridade nacional competente tenha de contactar a companhia de navegação em caso de emergência. Tal está em total consonância com o programa REFIT da Comissão e visa explorar o potencial de digitalização do registo, da transmissão, do acesso e da proteção de dados.

3.3.

A eficácia das operações de busca e salvamento depende do acesso imediato a dados exatos a respeito das pessoas que se encontram a bordo. A atual redação da diretiva não garante suficientemente esta prática. A Comissão propõe-se, por conseguinte, atualizar, clarificar e simplificar os requisitos em vigor em matéria de contagem e registo dos passageiros e tripulantes a bordo de navios de passageiros, por forma a aumentar o nível de segurança que os mesmos proporcionam.

3.4.

Considera-se que a obrigação, prevista na proposta, de registar as informações sobre as pessoas a bordo num sistema eletrónico existente (que, em caso de emergência, permite um acesso imediato aos dados por parte da autoridade competente) constitui um avanço em comparação com o atual nível de segurança, sem gerar custos significativos para os operadores ou as administrações autorizadas.

3.5.

A Comissão Europeia propõe a eliminação das exigências de declaração redundantes e o alinhamento das exigências de declaração existentes para todos os operadores, permitindo o registo dos dados respeitantes ao número de pessoas a bordo num sistema eletrónico existente. Em caso de emergência ou de acidente, tal permite a transmissão imediata dos dados à autoridade competente em vez da extração dos mesmos a partir do sistema da companhia de navegação, antes da partida ou da chegada a qualquer porto da UE. Assegura igualmente que as informações necessárias sobre a tripulação e os passageiros — em relação a todas as viagens cuja distância seja superior a 20 milhas náuticas — serão registadas no mesmo sistema eletrónico em vez de no sistema da companhia de navegação, antes da partida ou chegada a qualquer porto da UE.

3.6.

Propõe ainda as seguintes disposições: evitar as sobreposições e exigir — em relação a todas as viagens cuja distância seja superior a 20 milhas náuticas — o registo da nacionalidade dos passageiros e respetiva transmissão à autoridade competente, segundo os mesmos critérios e com os mesmos meios que para o registo e transmissão dos dados já exigidos respeitantes ao nome, à idade, etc.; clarificar as definições associadas às exigências de registo dos passageiros estabelecidas na Diretiva 98/41/CE, como a de «distância de viagem»; eliminar a exigência de aprovação dos sistemas de registo dos passageiros estabelecida pela Diretiva 98/41/CE; e racionalizar o mecanismo de comunicação de isenções/equivalências nos termos da Diretiva 2009/45/CE e da Diretiva 98/41/CE. A proposta aperfeiçoa igualmente as definições e os requisitos correspondentes da Diretiva 98/41/CE.

3.7.

A proposta garante a prossecução da concorrência nas águas da UE em condições de igualdade para todos os operadores.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de alteração da Diretiva 98/41/CE do Conselho enquanto contributo significativo no sentido da aplicação do programa REFIT da Comissão e do programa destinado a melhorar o quadro regulamentar da UE.

4.2.

O Comité considera que a utilização proposta de métodos modernos de comunicação eletrónica é adequada e aumentará a eficiência e a eficácia do sistema no que diz respeito ao registo e declaração de pessoas a bordo dos navios de passageiros.

4.3.

O CESE entende que a alteração proposta conduzirá a uma maior segurança da navegação nas águas da UE e contribuirá para uma maior eficácia das operações de salvamento em caso de acidente marítimo.

4.4.

O CESE é a favor de incluir a nacionalidade nas informações registadas, a fim de permitir, em caso de acidente marítimo, uma notificação mais rápida das famílias sobre os familiares a bordo e de evitar incertezas quanto à sua sorte.

4.5.

O CESE acolhe favoravelmente a abordagem da Comissão Europeia, a qual, durante a elaboração da proposta de alteração da diretiva, realizou consultas específicas junto de profissionais do setor dos transportes marítimos, bem como de representantes dos passageiros. Os resultados dessas consultas encontram-se sintetizados e avaliados no documento de trabalho da Comissão apenso à proposta de alteração da Diretiva 98/41/CE do Conselho. As conclusões das consultas estão incorporadas na proposta de diretiva.

4.6.

O CESE considera necessário o reforço da proteção de dados pessoais sujeitos a registo, bem como a modernização completa da Diretiva 98/41/CE em conformidade com a evolução do quadro jurídico no domínio da proteção de dados pessoais, em particular o Regulamento (UE) 2016/679.

5.   Observações na especialidade

5.1.

À imagem da Comissão Europeia, o CESE entende que a proteção das informações pessoais deve ser contrabalançada por requisitos que dizem respeito à acessibilidade restrita aos dados que serão entregues às autoridades nacionais competentes mediante pedido (sendo o sistema SafeSeaNet o mecanismo de intercâmbio em caso de emergência ou na sequência de um acidente, conforme definido na Diretiva 2002/59/CE). À semelhança da plataforma nacional única, o sistema SafeSeaNet baseia-se na legislação da UE relativa à proteção de dados pessoais e garante direitos de acesso e de segurança claramente definidos. O CESE recomenda que se especifique pormenorizadamente na proposta de diretiva o período de conservação dos dados.

5.2.

O CESE considera que a transmissão proposta à plataforma nacional única deve assegurar de forma rigorosa que os requisitos de confidencialidade (tal como definidos no artigo 8.o da Diretiva 2010/65/UE) são cumpridos e que essa transmissão está em conformidade com a legislação da UE em matéria de proteção de dados pessoais.

5.3.

O CESE, em conformidade com os resultados do trabalho de consulta da Comissão, salienta a questão das pequenas empresas transportadoras e a necessidade de as proteger contra o aumento da burocracia. Por este motivo, o CESE apoia a proposta da Comissão, que deve permitir às pequenas empresas transportadoras o cumprimento dos requisitos de registo através de uma ligação à Internet enquanto opção mais barata e flexível ou da transmissão do número de pessoas a bordo através do Sistema Automático de Informações, um sistema de radiodifusão marítimo baseado na transmissão de sinais de rádio de frequência muito elevada. Tal permitiria ao centro local de busca e salvamento obter facilmente o número de pessoas a bordo, em qualquer momento, independentemente da existência de uma pessoa de contacto.

5.4.

O CESE aplaude o facto de a proposta de diretiva ser acompanhada de um plano de execução que enuncia as ações necessárias para a aplicação das medidas de simplificação e identifica os principais desafios técnicos, jurídicos e relacionados com o calendário associados à introdução destes novos procedimentos.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/176


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um sistema de inspeções para a segurança da exploração de ferries ro-ro e embarcações de passageiros de alta velocidade em serviços regulares e que altera a Diretiva 2009/16/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à inspeção de navios pelo Estado do porto e que revoga a Diretiva 1999/35/CE do Conselho»

[COM(2016) 371 final — 2016/0172 (COD)]

(2017/C 034/30)

Relator:

Jan SIMONS

Consulta

Parlamento Europeu, 9.6.2016

Conselho da União Europeia, 22.6.2016

Base jurídica

Artigo 100.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 371 final — 2016/0172 (COD)]

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

6.10.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

222/2/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente, na sua globalidade, os fins a que se propõe o programa para a adequação e a eficácia da regulamentação (REFIT) da Comissão, com o objetivo abrangente de prever um quadro jurídico claro, simples e coerente em matéria de segurança dos navios de passageiros, que seja mais fácil de executar, acompanhar e fazer cumprir, garantindo o nível de segurança global dos passageiros e das tripulações dos navios.

1.2.

O CESE sublinha a importância de dispor de um regime de inspeção da UE aplicável aos navios de passageiros que operam em viagens domésticas e/ou internacionais, mantendo condições de igualdade de concorrência nas águas da UE para todos os navios de passageiros, independentemente do respetivo pavilhão. Ainda assim, o CESE considera que a UE deve sobretudo empenhar-se na manutenção de normas adequadas de segurança marítima e de proteção do meio marinho a nível mundial, as quais são, por sua vez, aplicadas aos navios que operam em águas da UE.

1.3.

O CESE entende que a nova proposta de diretiva carece ainda de uma maior clarificação e de disposições adicionais para evitar sobreposições nas inspeções ou a imposição de encargos suplementares desnecessários às administrações dos Estados-Membros, que impliquem uma redução das operações comerciais do navio ou um aumento da fadiga das tripulações. Nesse âmbito, é necessário:

evitar uma potencial sobreposição entre as inspeções ao abrigo da nova proposta de diretiva e da Diretiva 2009/16/CE relativa à inspeção de navios pelo Estado do porto;

uma coordenação adequada entre as autoridades competentes dos Estados-Membros na programação das inspeções.

1.4.

Embora a nova proposta de diretiva vise, acertadamente, reduzir a fadiga das tripulações dos navios, o CESE recomenda o cumprimento dos requisitos mínimos para os marítimos trabalharem a bordo de um navio, incluindo a certificação médica e a formação abrangidas pela NFCSQ (Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos), que são essenciais no âmbito da segurança marítima. Este cumprimento deve ser assegurado nos termos das atuais convenções internacionais, como a Convenção do Trabalho Marítimo, de 2006, que está incorporada no direito da UE através da Diretiva 2009/13/CE do Conselho.

1.5.

Face ao atrás exposto, o CESE reconhece que as muitas disposições de clarificação exigirão um ajustamento dos processos atualmente utilizados pelos Estados-Membros e pelas companhias de navegação. Por conseguinte, o CESE apoiará o papel da EMSA e a utilização do atual Grupo de Peritos para a Segurança dos Navios de Passageiros, no âmbito do Grupo para a Segurança Marítima, tendo em vista facilitar os processos de aplicação e de transposição, em conjunto com os grupos de peritos correspondentes que se ocupam das inspeções de navios pelo Estado do porto e da execução das plataformas únicas nacionais.

1.6.

O CESE tem sete observações específicas a fazer do ponto de vista técnico. Podem ser encontradas na secção 5 do presente parecer.

2.   Introdução

2.1.

A configuração geográfica da Europa como uma vasta península fornece uma indicação de quão cruciais são os serviços de transporte marítimo, incluindo o transporte de passageiros. Mais de 400 milhões de pessoas transitam pelos portos da UE todos os anos, das quais 120 milhões são transportadas por navios de passageiros afetos ao tráfego doméstico. Daí a importância de assegurar as mais elevadas normas de segurança nas águas da UE, uma vez que a legislação em matéria de segurança dos navios tem implicações consideráveis, nomeadamente para o ambiente, as leis laborais, a mobilidade dos cidadãos da UE e a simplificação do comércio em navios de passageiros, uma vez que estes cumprem as mesmas normas em toda a UE.

2.2.

Ainda marcados na memória coletiva — especialmente daqueles que se interessam pelas questões marítimas — estão os acidentes trágicos dos ferries de alto mar, o Herald of Free Enterprise e o Estonia, em 1987 e na noite de 27 para 28 de setembro de 1994, respetivamente; o primeiro partiu de Zeebrugge, Bélgica, e o segundo, de Taline, rumo a Estocolmo, tendo naufragado na costa finlandesa. O Herald of Free Enterprise encalhou num banco de areia; morreram 193 pessoas. No Estonia, perdeu a vida um número sem precedentes de 852 pessoas. Causa: as portas da proa, pelas quais os passageiros e os veículos embarcam e desembarcam («roll-on-roll-off», daí a designação de «navios ro-ro»), não foram fechadas de forma adequada e foram arrancadas durante uma violenta tempestade, respetivamente. Em consequência, os navios meteram água, adernaram e capotaram rapidamente, tudo em menos de meia hora.

2.3.

Na sequência do acidente ocorrido com o Estonia, a Organização Marítima Internacional aprovou um conjunto de alterações à Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS), incluindo requisitos para melhorar a estabilidade dos navios ro-ro quando estes são danificados.

2.4.

Todavia, os incidentes continuam a ocorrer, o que levou a Europa a introduzir, nas últimas duas décadas, mais regras em matéria de segurança para os navios de passageiros, incluindo algumas regras específicas, tal como o registo de pessoas a bordo em viagens internacionais, a par da SOLAS, que também abrange as viagens entre dois ou mais Estados-Membros, bem como muitas outras regras da UE para viagens nacionais.

2.5.

As propostas decorrem do programa REFIT, que é levado a cabo pela Comissão no que respeita a esta legislação no domínio da segurança dos navios de passageiros. O acrónimo REFIT refere-se ao programa para a adequação e a eficácia da regulamentação.

2.6.

O objetivo é simplificar e racionalizar, onde for possível, as atuais regras europeias em matéria de segurança dos navios de passageiros a fim de:

manter as regras da UE apenas se tal se afigurar necessário e proporcionado;

assegurar uma aplicação correta e uniforme;

eliminar sobreposições e contradições.

Estes objetivos refletem as recomendações do CESE relativas ao REFIT, nos termos do recente parecer exploratório (SC/044, de 26 de maio de 2016).

2.7.

Este pacote coerente de propostas visa alcançar estes objetivos.

O pacote relativo à segurança dos navios de passageiros inclui propostas para a revisão de quase toda a regulamentação europeia em matéria de segurança dos navios de passageiros, excluindo, obviamente, a Diretiva 2003/25/CE, puramente técnica, relativa a requisitos específicos de estabilidade para os navios ro-ro de passageiros.

2.8.

O pacote compreende as seguintes três propostas:

limitar e clarificar o âmbito de aplicação da Diretiva 2009/45/CE (normas técnicas para os navios marítimos de passageiros em rotas nacionais);

melhorar e clarificar as obrigações de prestação de informações resultantes da Diretiva 98/41/CE (relativa ao registo das pessoas que viajam em navios de passageiros) em relação a outros instrumentos (Diretiva 2010/65/UE relativa às formalidades de declaração e Diretiva 2002/59/CE relativa a um sistema comunitário de acompanhamento e de informação do tráfego de navios), bem como a remoção de sobreposições nestes domínios;

clarificar e simplificar o sistema da UE de vistorias e inspeções aos navios ro-ro (ferries capazes de transportar carros e comboios, bem como passageiros) e embarcações de passageiros de alta velocidade.

2.9.

O presente parecer centra-se nesta última proposta.

3.   Síntese da proposta da Comissão para um sistema de inspeções

3.1.

O objetivo da proposta é clarificar e simplificar o sistema de vistorias e inspeções da UE para os ferries ro-ro e para as embarcações de passageiros de alta velocidade, que atualmente são realizadas nos termos da Diretiva 1999/35/CE (vistorias obrigatórias para a exploração segura dos serviços regulares de ferries ro-ro e embarcações de passageiros de alta velocidade) e da Diretiva 2009/16/CE (inspeção de navios pelo Estado do porto).

3.2.

A proposta está em consonância com as Diretivas 2009/21/CE e 2009/45/CE (vistorias do Estado de bandeira a navios de mar que empreendem viagens internacionais e domésticas, respetivamente). Também neste âmbito, a aplicação das diretivas parece variar entre Estados-Membros.

3.3.

A proposta pretende eliminar a noção de «Estado de acolhimento» (ao abrigo da Diretiva 1999/35/CE, cabe ao Estado de acolhimento ou ao Estado onde o navio opera, sob pavilhão de outro país, a responsabilidade pela inspeção dos ferries ro-ro). As inspeções devem ser incorporadas nas inspeções de controlo do Estado do pavilhão e do Estado do porto. Por último, deve ser clarificado em que momento devem ocorrer as duas inspeções anuais previstas na atual Diretiva 1999/35/CE.

3.4.

Por conseguinte, é proposto que a Diretiva 2009/16/CE seja alterada e a Diretiva 1999/35/CE seja revogada, sendo ambas substituídas por uma nova diretiva. Os pontos essenciais da nova diretiva são os seguintes:

limitar o âmbito de aplicação da diretiva exclusivamente aos navios que prestam serviços regulares de ferries ro-ro e embarcações de passageiros de alta velocidade entre portos situados num Estado-Membro ou entre um porto situado num Estado-Membro e um porto situado num Estado terceiro em que o pavilhão do navio é idêntico ao do Estado-Membro em causa;

suprimir uma série de referências e definições redundantes, como as de «passageiro», «Estado de acolhimento», «viagens internacionais», «certificado de isenção», e eliminar a referência à investigação de acidentes marítimos, que é agora abrangida pela Diretiva 2009/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho;

prever um sistema de inspeção baseado nos navios (em vez de nas companhias de navegação) antes do início de um serviço regular. Os navios devem ser submetidos a uma inspeção, em conformidade com o anexo II, devendo igualmente verificar-se uma série de questões relativas à gestão da segurança enunciadas no anexo I;

estipular que os navios abrangidos pelo âmbito de aplicação da diretiva são inspecionados duas vezes por ano, com um certo intervalo entre as inspeções, e que uma dessas inspeções deva ser uma inspeção em serviço durante uma travessia regular;

prever que os Estados-Membros possam, se assim o desejarem, combinar a inspeção com uma vistoria pelo Estado do pavilhão, que teria de ser realizada a um navio numa base anual;

harmonizar as disposições relativas aos relatórios de inspeção, às proibições de partida, aos recursos, às despesas, à base de dados de inspeções e às sanções, com as previstas na Diretiva 2009/16/CE;

conciliar a diretiva com as disposições do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia no que diz respeito ao exercício dos poderes da Comissão em relação a atos delegados;

alterar a Diretiva 2009/16/CE a fim de assegurar a manutenção do atual teor e frequência das inspeções a ferries ro-ro e embarcações de passageiros de alta velocidade;

prever a avaliação da diretiva pela Comissão.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O CESE acolhe favoravelmente, na sua globalidade, os fins a que se propõe o programa REFIT da Comissão, com o objetivo abrangente de prever um quadro jurídico claro, simples e coerente em matéria de segurança dos navios de passageiros que seja mais fácil de executar, acompanhar e fazer cumprir, garantindo o nível de segurança global dos passageiros e das tripulações dos navios. De igual modo, os programas REFIT e as avaliações também complementam os objetivos da Estratégia Europeia para o Transporte Marítimo [COM(2009) 8 final], que visa explorar todo o potencial da crescente procura de transporte marítimo de curta distância e de serviços de transporte marítimo destinados às empresas e aos cidadãos da Europa.

4.2.

Como comprovam os dados estatísticos de acidentes, o atual quadro normativo garante um nível elevado de segurança dos navios de passageiros em águas da UE. O CESE concorda com a ênfase renovada no tratamento das características específicas dos ferries ro-ro e das embarcações de passageiros de alta velocidade em matéria de segurança mediante a proposta desta nova diretiva e a alteração da Diretiva 2009/16/CE. Os resultados do REFIT clarificam e simplificam os atuais requisitos relativos às vistorias ao abrigo da atual Diretiva 1999/35/CE, às inspeções alargadas a realizar pelo Estado do porto e às vistorias anuais a realizar pelo Estado do pavilhão, mantendo o mesmo nível de segurança para os passageiros que viajam em ferries ro-ro e em embarcações de passageiros de alta velocidade em serviços regulares nas águas da UE.

4.3.

O CESE sublinha a importância de dispor de um regime de inspeção da UE aplicável aos navios de passageiros que operam em viagens domésticas e/ou internacionais, mantendo condições de igualdade de concorrência nas águas da UE para todos os navios de passageiros, independentemente do respetivo pavilhão.

4.4.

O CESE congratula-se com o facto de a simplificação prevista, além de garantir uma maior clareza jurídica, racionalizar o número de inspeções realizadas pelas administrações nacionais e, simultaneamente, maximizar o tempo de exploração comercial do navio.

4.5.

Desde 2009, o novo regime de inspeção (NIR) ao abrigo do Memorando de Acordo de Paris tem privilegiado o desempenho, incrementando o número das inspeções realizadas a navios de baixa qualidade e aumentando o intervalo das inspeções a navios de elevada qualidade. O CESE regista a concretização do referido NIR, especialmente porque os encargos administrativos são uma preocupação crescente para os navios no comércio marítimo de curta distância e tendo em conta que cada inspeção adicional aumenta este encargo.

4.6.

O CESE salienta que o cumprimento dos requisitos mínimos para que os marítimos trabalhem a bordo de um navio, incluindo a certificação médica e a formação abrangidas pela NFCSQ, é essencial para a segurança marítima e, por conseguinte, deve ser assegurado nos termos das atuais convenções internacionais, como é o caso da Convenção do Trabalho Marítimo, de 2006, que está incorporada no direito da UE através da Diretiva 2009/13/CE do Conselho. Esta diretiva alterou ainda legislação específica para os marítimos no que respeita ao tempo de trabalho, ou seja, a Diretiva 1999/63/CE, que visa proteger a saúde e a segurança dos marítimos estabelecendo requisitos mínimos no que respeita ao tempo de trabalho. Simultaneamente, a
Diretiva 1999/95/CE
visa melhorar a segurança no mar, combater a concorrência desleal de armadores de Estados terceiros e proteger a saúde e a segurança dos marítimos a bordo de navios que utilizem portos da UE.

4.7.

O CESE reconhece que as muitas disposições de clarificação exigirão um ajustamento dos processos atualmente utilizados pelos Estados-Membros e pelas companhias de navegação. Por conseguinte, o CESE apoiará o papel da EMSA e a utilização do atual Grupo de Peritos para a Segurança dos Navios de Passageiros, no âmbito do Grupo para a Segurança Marítima (grupo de peritos informal e permanente, incumbido de questões de segurança marítima, criado pela Direção-Geral da Mobilidade e dos Transportes), tendo em vista facilitar os processos de aplicação e de transposição, em conjunto com os grupos de peritos correspondentes que se ocupam das inspeções de navios pelo Estado do porto e da execução das plataformas únicas nacionais. O CESE congratula-se com o convite recentemente dirigido às organizações das partes interessadas no sentido de participarem no Grupo de Peritos para a Segurança dos Navios de Passageiros, visto que essas plataformas de debate, a exemplo do Fórum Europeu do Transporte Marítimo Sustentável (ESSF), podem revelar-se muito úteis pelo facto de reunirem a Comissão Europeia, as partes interessadas do setor e ONG, bem como as autoridades competentes dos Estados-Membros.

4.8.

Quanto às inspeções periódicas ao abrigo do artigo 5.o, é possível que um navio em serviço regular submetido às inspeções abrangidas pela nova proposta de diretiva também seja, simultaneamente, objeto de inspeções pelo Estado do porto, realizadas nos termos da Diretiva 2009/16/CE, na redação que lhe foi dada pelo artigo 14.o desta diretiva, sobre a inspeção de ferries ro-ro e embarcações de passageiros de alta velocidade em serviços regulares. A nova proposta de diretiva deve evitar, por uma questão de racionalização, a potencial sobreposição de inspeções entre as duas diretivas supramencionadas.

4.8.1.

Muito embora os parâmetros de risco do atual sistema de inspeção pelo Estado do porto possam significar que o navio deixa de ser elegível para uma inspeção alargada pelo Estado do porto no momento em que está programada a inspeção segundo a nova proposta de diretiva, é ainda assim necessário estabelecer a devida coordenação entre Estados-Membros, no sentido de cumprir o intervalo requerido entre as duas inspeções nos termos do artigo 5.o, n.o 1, alínea b).

4.8.2.

Ao abrigo do artigo 10.o da nova proposta de diretiva, compete à Comissão criar uma base de dados das inspeções. Há que esclarecer se esta base de dados de inspeções será mantida em simultâneo com o sistema THETIS, o Memorando de Acordo de Paris-EMSA, e, especialmente, em que medida as inspeções realizadas ao abrigo da nova diretiva influenciam o perfil de risco dos navios, nos termos do Memorando de Acordo de Paris.

4.8.3.

Fazendo referência ao artigo 1.o, n.o 1, cumpre esclarecer se a menção a «Estado terceiro» significa Estado que não é membro da UE ou, simultaneamente, Estado-Membro da UE e Estado que não é membro da UE. No entendimento do CESE, «Estado terceiro» deve referir-se unicamente a um Estado que não é membro da UE, por forma a evitar a confusão com os ferries ro-ro e embarcações de passageiros de alta velocidade sujeitos a inspeções pelo Estado do porto nos termos do artigo 14.o da nova proposta de diretiva.

4.9.

O CESE entende que a UE tem o papel primordial de assegurar que as alterações dos instrumentos internacionais, a que se refere o artigo 2.o da nova proposta de diretiva, salvaguardam as normas adequadas de segurança marítima e de proteção do meio marinho a nível global. O CESE considera, assim, que as disposições sobre eventuais desvios futuros face à legislação internacional, tal como referido nos artigos 12.o e 13.o da nova proposta de diretiva, devem ser utilizadas como último recurso e devem compreender, consoante o caso, medidas europeias para garantir que qualquer conflito entre legislação marítima e instrumentos internacionais resulta, no final, numa solução compatível a nível internacional.

5.   Observações na especialidade

5.1.

Quanto à definição de «serviço regular» de acordo com o artigo 2.o, n.o 5, alínea a), e o artigo 14.o da nova proposta de diretiva, o CESE sugere a sua clarificação do seguinte modo: «segundo uma lista publicamente disponível ou planeada de horários de partida e de chegada».

5.2.

Existem requisitos redundantes e confusos entre as Inspeções prévias ao início da exploração previstas no artigo 3.o, n.o 2, e as Exceções à obrigação de realizar uma inspeção prévia ao início da exploração previstas no artigo 4.o, n.o 1. O CESE propõe unir estes dois números num novo artigo 4.o, n.o 1, a fim de referir de forma coerente as condições ao abrigo das quais o navio é dispensado de inspeções, desde que as anteriores inspeções ou vistorias aos navios sejam consideradas satisfatórias pelo Estado-Membro. Este novo número deve igualmente fazer referência às inspeções prévias ao início da exploração exigidas para os ferries ro-ro e as embarcações de passageiros de alta velocidade nos termos da Diretiva 2009/16/CE, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 14.o da nova proposta de diretiva.

5.3.

Embora a nova proposta de diretiva estabeleça um procedimento caso tenha de se substituir rapidamente um ferry ro-ro ou uma embarcação de passageiros de alta velocidade, devido a circunstâncias imprevistas (artigo 4.o, n.o 3), o CESE propõe definir um procedimento específico para a substituição de um navio por um período de tempo limitado, sempre que o artigo 4.o, n.o 1, não seja aplicável, na eventualidade de uma manutenção programada do navio em serviço regular.

5.4.

A regularidade das duas inspeções anuais que se exige nos termos do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), deve ser igualmente especificada no artigo 14.o-A, n.o 2, por forma a garantir um nível de segurança comum, numa perspetiva temporal, entre essa diretiva e a Diretiva 2009/16/CE. Além disso, a regularidade das duas inspeções anuais, que devem ser realizadas ao longo de um período de 12 meses, não foi especificada para os navios que operem em serviço sazonal, devendo por isso ser objeto de clarificação.

5.5.

A menção no artigo 5.o, n.o 1, alínea b), aos «aspetos suficientes referidos nos anexos I e II» que a inspeção deverá abranger durante um serviço regular é confusa. O CESE sugere que o inspetor, com base no seu critério profissional, decida os aspetos que têm de ser inspecionados, e em que medida, com vista a verificar a situação geral nestes domínios e a evitar a duplicação de aspetos que já tenham sido obrigatoriamente verificados ao abrigo da regulamentação internacional. Sugere-se a mesma alteração no artigo 14.o-A, n.o 2, alínea b). Além disso, por uma questão de clareza, o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), e o anexo III poderiam indicar que se trata de uma inspeção em serviço a realizar durante uma travessia regular. Mais concretamente, deveriam ser ponderadas inspeções em serviço nas rotas marítimas de muito curta distância, tanto do ponto de vista prático como do tempo limitado disponível durante a travessia.

5.6.

Não obstante a óbvia inspiração no artigo 19.o relativo à correção e detenção da Diretiva 2009/16/CE, a nova proposta de diretiva deveria especificar que «na realização das inspeções nos termos da presente diretiva, são envidados todos os esforços para evitar que um navio seja indevidamente detido ou atrasado».

5.7.

Tendo em conta que os ferries ro-ro e as embarcações de passageiros de alta velocidade são definidos separadamente no artigo 2.o da nova proposta de diretiva, o CESE sugere, para uma maior clareza, que se faça sempre e exclusivamente referência a «ferries ro-ro e embarcações de passageiros de alta velocidade». Por conseguinte, o considerando 6 da proposta deverá ser alterado em conformidade.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/182


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1920/2006 no que se refere ao intercâmbio de informações, ao sistema de alerta rápido e aos procedimentos de avaliação dos riscos das novas substâncias psicoativas»

[COM(2016) 547 final — 2016/0261 (COD)]

(2017/C 034/31)

Consulta

Conselho, 7.9.2016

Base jurídica

Artigo 148.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

[COM(2016) 547 final — 2016/0261 (COD)]

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

228/2/5

Considerando que o conteúdo da proposta é satisfatório e, de resto, havia sido já objeto do parecer do CESE sobre «Novas substâncias psicoativas» (EESC-2013-06166-00-00-AC-TRA), adotado em 21 de janeiro de 2014 (1), o Comité, na 520.a reunião plenária de 19 e 20 de outubro de 2016 (sessão de 19 de outubro), decidiu emitir parecer favorável ao texto proposto, remetendo para a posição defendida no documento mencionado.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Parecer do CESE sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às novas substâncias psicoativas», COM(2013) 619 final — 2013/0305 (COD), COM(2013) 618 final — 2013/0304 (COD) (JO C 177 de 11.6.2014, p. 52).