ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 268

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

58.° ano
14 de agosto de 2015


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015

2015/C 268/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O atual sistema de garantia da segurança dos alimentos e do abastecimento alimentar na UE e possibilidades de o melhorar (parecer de iniciativa)

1

2015/C 268/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Ilhas inteligentes (parecer de iniciativa)

8

2015/C 268/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A cooperação europeia em redes de energia (parecer de iniciativa)

14

2015/C 268/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel do desenvolvimento sustentável e a participação da sociedade civil nos acordos de investimento autónomos entre a UE e os países terceiros

19


 

III   Actos preparatórios

 

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

 

506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015

2015/C 268/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento — Um Plano de Investimento para a Europa[COM(2014) 903 final] e a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos e que altera os Regulamentos (UE) n.o 1291/2013 e (UE) n.o 1316/2013[COM(2015) 10 final — 2015/0009 (COD)]

27

2015/C 268/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Análise da governação económica — Relatório sobre a aplicação dos Regulamentos (UE) n.o 1173/2011, (UE) n.o 1174/2011, (UE) n.o 1175/2011, (UE) n.o 1176/2011, (UE) n.o 1177/2011, (UE) n.o 472/2013 e (UE) n.o 473/2013[COM(2014) 905 final]

33

2015/C 268/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 1304/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao Fundo Social Europeu, no que respeita ao aumento do pré-financiamento inicial pago a programas operacionais apoiados ao abrigo da Iniciativa para o Emprego dos Jovens[COM(2015) 46 final]

40

2015/C 268/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção contra os efeitos da aplicação extraterritorial de legislação adotada por um país terceiro e das medidas nela baseadas ou dela resultantes (reformulação) [COM(2015) 48 final — 2015/0027 (COD)]

45


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015

14.8.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 268/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O atual sistema de garantia da segurança dos alimentos e do abastecimento alimentar na UE e possibilidades de o melhorar»

(parecer de iniciativa)

(2015/C 268/01)

Relator:

Igor ŠARMÍR

Em 27 de fevereiro de 2014, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos da alínea A) do artigo 29.o das Disposições de Aplicação do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

O atual sistema de garantia da segurança dos alimentos e do abastecimento alimentar na UE e possibilidades de o melhorar.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 5 de março de 2015.

Na 506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015 (sessão de 18 de março), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 181 votos a favor, nove votos contra e 17 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com o facto de a segurança dos alimentos ser uma das prioridades da União Europeia e por ter sido criado um sistema sólido destinado a assegurar a sua realização. Regozija-se, em particular, com o facto de a segurança dos alimentos na UE fazer parte, desde 2002, dos domínios de competência de uma agência especializada, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA, na sigla em inglês), que dispõe de todos os meios necessários para avaliar a segurança dos produtos colocados no mercado europeu.

1.2.

O CESE considera que, ao longo da sua existência, a EFSA demonstrou a sua competência, desempenhando incontestavelmente um papel fundamental na prevenção de riscos sanitários na Europa. Graças a esta agência, a UE tem um dos sistemas de proteção da saúde pública mais eficazes do mundo. No entanto, dado que a saúde pública é uma questão extremamente sensível e que a confiança dos consumidores é uma das principais preocupações da EFSA, é necessário continuar a explorar as possibilidades de melhoria do sistema atual, nomeadamente à luz de novas questões suscitadas pela ciência. Para este fim, o CESE gostaria de fazer algumas propostas.

1.3.

A transparência do procedimento de avaliação dos produtos novos — químicos ou outros — suscetíveis de entrar na cadeia alimentar é uma condição importante para assegurar que os consumidores confiam no sistema e nos produtos avaliados. O CESE entende ser possível realizar algumas melhorias neste domínio. Por exemplo, os estudos regulamentares apresentados pelos fabricantes com vista a provar a inocuidade do produto em causa não são publicados nas revistas científicas e os dados em bruto desses estudos não são divulgados sistematicamente à comunidade científica. Além disso, em muitos casos, é expressamente invocado o segredo comercial. O CESE não considera esse procedimento adequado do ponto de vista jurídico, visto que, segundo a própria EFSA, os dados dos estudos regulamentares não são confidenciais.

1.4.

O CESE solicita à Comissão Europeia que altere adequadamente a regulamentação em causa a fim de que passe a ser obrigatório divulgar sistematicamente, após a peritagem da EFSA, os estudos regulamentares em causa, bem como os dados em bruto desses estudos, através do sítio web da EFSA.

1.5.

O CESE congratula a EFSA pelas suas recentes iniciativas de publicação proativa de informações.

1.6.

No passado, a agência encontrava-se numa situação delicada devido aos conflitos de interesses de alguns dos seus peritos. O CESE felicita a EFSA pelos esforços que envidou em 2012 para normalizar a situação, mas recomenda vigilância constante devido à extrema sensibilidade deste aspeto da avaliação oficial.

1.7.

O trabalho da EFSA é dificultado pela existência de estudos científicos cujos resultados são claramente influenciados pela sua fonte de financiamento e poderiam suscitar forte controvérsia. O CESE recomenda que a EFSA preste especial atenção a este fenómeno, já que a literatura científica é uma referência importante do procedimento de avaliação.

1.8.

O CESE felicita a EFSA pelos consideráveis esforços envidados desde há vários anos para compreender melhor a ação das misturas e para desenvolver novas metodologias que possam ser aplicadas no procedimento de avaliação, e incentiva a EFSA a aplicar essas metodologias o mais rapidamente possível.

1.9.

O CESE recomenda prudência na aplicação do princípio de que «é a dose que faz o veneno», uma vez que, ao longo dos últimos vinte anos, um número considerável de endocrinologistas provou que, no caso das substâncias designadas como «desreguladores endócrinos», a variável determinante não é a dose mas o momento em que ocorre a exposição à substância. Esses novos conhecimentos ainda não são tidos em conta no quadro regulamentar, tal como já se assinalou num relatório recente do Parlamento Europeu (1).

1.10.

O CESE recomenda à Comissão Europeia que, após consulta da comunidade de endocrinologistas, defina uma lista de produtos suscetíveis de terem um impacto negativo no desenvolvimento do sistema endócrino. Solicita à Comissão que aplique o princípio da precaução às substâncias constantes dessa lista na pendência de um consenso da comunidade científica quanto ao eventual perigo hormonal que elas representam ou à sua inocuidade.

1.11.

As pragas e as doenças importadas de países terceiros podem ter efeitos desastrosos nos produtores e consumidores da União Europeia. O reforço dos controlos nas fronteiras, a aplicação do princípio da reciprocidade e a vontade política das autoridades europeias são fatores indispensáveis para assegurar a coerência do sistema.

1.12.

A UE deve velar pela criação de um dispositivo comercial que não diminua as garantias já obtidas em relação à segurança alimentar dos cidadãos europeus. A revisão da legislação em matéria de fitossanidade e de saúde animal constitui uma oportunidade para melhorar a implementação dos sistemas de controlo, para os aplicar uniformemente e para evitar os efeitos negativos ao nível social, ambiental e económico.

1.13.

O CESE solicita que se assegure a rastreabilidade total dos alimentos «da exploração agrícola até à mesa» (incluindo dos alimentos importados), para que os consumidores possam escolher alimentos que atinjam uma determinada qualidade e respeitem as normas de segurança em vigor na UE.

2.   Observações gerais

2.1.

O presente parecer analisa duas questões ligeiramente diferentes que, no entanto, têm um denominador comum, nomeadamente, tranquilizar a sociedade europeia quanto à disponibilidade de alimentos seguros. A primeira parte aborda o sistema atual de avaliação dos produtos novos destinados a entrar na cadeia alimentar. A segunda parte tem por objetivo assinalar alguns aspetos problemáticos do comércio internacional de produtos agroalimentares, tanto para os agricultores como para os consumidores e os cidadãos em geral.

2.2.

A segurança dos alimentos é uma das prioridades oficiais da UE e é sem dúvida bem assegurada no plano institucional pela Comissão Europeia e pela EFSA. É aliás indiscutível que a gestão dos riscos microbiológicos pode ser considerada uma questão já resolvida. Todavia, no século XX, os riscos químicos vieram acrescentar-se aos riscos microbiológicos e, neste domínio, a situação é menos clara.

2.3.

Ao longo dos últimos sessenta anos, foram dispersas no ambiente mais de cem mil moléculas novas, resultantes da química de síntese. Contudo, apenas uma pequena parte destes produtos (1 % a 2 %) foi avaliada quanto aos possíveis riscos para a saúde humana (2), o que é preocupante, nomeadamente em relação à segurança dos alimentos. Com efeito, para além das substâncias que entram diretamente na cadeia alimentar (aditivos, resíduos de pesticidas ou de matérias plásticas), e que, em princípio, são submetidas ao procedimento de avaliação, existem outras substâncias que podem entrar indiretamente na cadeia através do solo, do ar e da água.

2.4.

Após uma utilização e consumo mais ou menos prolongados, alguns produtos de química de síntese já foram retirados do mercado pelo facto de a sua toxicidade e/ou propriedades cancerígenas terem sido comprovadas cientificamente (ver, por exemplo, o ponto 2.5). No entanto, existem outros produtos que ainda não foram proibidos, não obstante suspeitas científicas mais ou menos fundamentadas. Por conseguinte, é perfeitamente legítimo investigar a ligação entre a exposição da população humana a estes novos produtos químicos de síntese e o aumento exponencial, nos países desenvolvidos, da incidência de cancro, doenças neurodegenerativas, esterilidade, diabetes ou obesidade.

2.5.

A UE instituiu um sistema fidedigno de prevenção dos riscos associados à entrada dos produtos novos — químicos ou outros — na cadeia alimentar. No plano institucional, a Comissão Europeia (DG SANTE) é responsável pela gestão dos riscos, ao passo que a EFSA, agência europeia competente no plano técnico, é responsável pela avaliação dos mesmos. A instauração do novo sistema já produziu alguns resultados tranquilizadores para os consumidores. Por exemplo, após avaliações aprofundadas, o número de pesticidas autorizados na UE diminuiu radicalmente entre 2000 e 2008 (de 1  000 para 250). Por outro lado, esta evolução preocupa os agricultores, que começam a ser prejudicados pela inexistência de substâncias ativas que lhes permitam combater as pragas. Paradoxalmente, muitas destas substâncias ativas proibidas na UE são autorizadas em países terceiros que exportam os seus produtos para o mercado europeu.

2.6.

Apesar de existir um sistema robusto, a experiência adquirida com o seu funcionamento demonstrou que certos aspetos das peritagens podem ainda ser melhorados, especialmente porque as novas descobertas científicas e respetivas aplicações comerciais constituem frequentemente novos desafios de caráter sistémico e metodológico ao procedimento de avaliação.

3.   Possibilidades de melhorar o sistema de avaliação dos produtos novos que entram na composição dos géneros alimentícios

3.1.

A avaliação da EFSA baseia-se num estudo científico que deve demonstrar a inocuidade do produto em causa. Segundo a legislação em vigor, esse estudo de referência deve ser apresentado pelo requerente, ou seja, a empresa que pretende comercializar o produto. Este aspeto é preocupante, uma vez que os resultados dos estudos científicos podem ser radicalmente diferentes consoante a sua fonte de financiamento (ver ponto 3.4). Não obstante, é certo que a regulamentação europeia aplicada pela EFSA estabelece condições a respeitar na realização dos estudos, bem como mecanismos que, no seguimento do procedimento de avaliação, devem levar em conta o fator acima referido.

3.2.

Outro aspeto problemático do procedimento de avaliação é a confidencialidade destes estudos regulamentares, que se afigura controversa, dado que os estudos não são publicados em revistas científicas e que os dados em bruto são muitas vezes abrangidos pelo «segredo comercial», o que impede a comunidade científica de efetuar uma contraperitagem (3). O CESE compreende a necessidade de proteger, através do segredo comercial, os dados e as informações sobre os produtos novos que possam revelar a composição dos produtos ou o processo de fabrico, mas esse não é o caso dos dados utilizados nos estudos regulamentares, que apenas refletem a reação das cobaias ao consumo dos produtos estudados. Visto que, em tais casos, a aplicação do segredo comercial não se justifica pela proteção dos interesses legítimos dos produtores (4), o CESE considera-a abusiva e apela a que a legislação seja adaptada de forma a que os dados em bruto dos estudos regulamentares sejam sistematicamente disponibilizados à comunidade científica (no sítio web da agência), após a peritagem da EFSA.

3.3.

A EFSA é uma agência pública criada para garantir que os produtos novos que entram na composição dos géneros alimentícios são objeto de uma peritagem científica independente. Contudo, foi criticada no passado devido à situação de conflito de interesses em que se encontravam alguns dos seus peritos que, na maioria dos casos, exerciam igualmente o cargo de consultores do ILSI (5). O CESE aprecia o facto de, em 2012, a EFSA ter feito um esforço importante para resolver este problema, após o que a situação ficou normalizada. Visto que este é um aspeto sensível, o Comité recomenda uma vigilância continuada.

3.4.

No âmbito dos trabalhos de avaliação, as agências competentes consultam igualmente estudos relativos ao domínio em causa publicados na literatura científica. Já se demonstrou, todavia, que os resultados dos estudos científicos podem ser radicalmente diferentes consoante a sua fonte de financiamento (6). A independência dos investigadores é fundamental para assegurar a viabilidade do sistema e a missão da EFSA é dificultada pela necessidade de se fazer a distinção entre os estudos científicos de alto nível e os estudos de valor duvidoso, devido a falhas metodológicas ou de outra natureza.

4.   Possibilidades de melhorar a metodologia utilizada no procedimento de avaliação dos produtos potencialmente perigosos

4.1.

A metodologia de avaliação dos produtos químicos passíveis de serem incorporados nos géneros alimentícios baseia-se no denominado princípio de Paracelso, segundo o qual «tudo é veneno e nada é veneno. É a dose que faz o veneno». Assim, basta determinar, para cada produto, uma dose diária admissível. Por outras palavras, a grande maioria dos produtos novos pode ser consumida diariamente, desde que não se ultrapasse uma quantidade determinada.

4.2.

Durante séculos, a aplicação do princípio de Paracelso foi considerada fiável. No entanto, as novas substâncias sintéticas que desde há várias décadas são incluídas na composição dos géneros alimentícios constituem um desafio novo que não se coaduna com a aplicação cega deste princípio.

4.3.

O primeiro problema diz respeito à gestão da alimentação das pessoas consideradas individualmente. Com efeito, os consumidores ignoram completamente a existência da dose diária admissível e, por conseguinte, não têm a possibilidade sequer teórica de impedir que o consumo de uma determinada substância passível de entrar na composição de vários géneros alimentícios consumidos diariamente (7) ultrapasse a quantidade «autorizada». Na realidade, este conceito continua a ser científico e muito técnico, sendo a sua aplicação reservada a um pequeno círculo de especialistas.

4.4.

O organismo humano não está exposto a uma substância química apenas mas a uma elevada quantidade de resíduos de pesticidas, matérias plásticas e aditivos alimentares contidos na alimentação. Todavia, a dose diária admissível é determinada apenas para cada substância química individualmente, sem ter em conta os possíveis efeitos de acumulação ou de sinergia. Infelizmente, estes efeitos estão longe de ser puramente hipotéticos, uma vez que vários estudos já revelaram que a ação acumulada de várias substâncias cujos testes, individualmente, não demonstram qualquer problema, pode ter consequências graves (8).

4.5.

As agências responsáveis pela avaliação dos produtos potencialmente perigosos, como a EFSA ou a FDA nos Estados Unidos, estudam desde há vários anos os efeitos de acumulação e de sinergia, mas a regulamentação ainda não reflete os resultados do seu trabalho (9), o que se prende, em parte, com as dificuldades científicas e a complexidade da tarefa. No entanto, a EFSA declara estar quase pronta para aplicar na regulamentação os conhecimentos científicos adquiridos neste domínio, pelo que o CESE incentiva a agência a fazê-lo o mais rapidamente possível.

4.6.

Por último, o princípio de Paracelso foi posto em causa pelo fenómeno das substâncias conhecidas como «desreguladores endócrinos», que tendem a imitar o funcionamento das hormonas, na maioria dos casos o estrogénio, hormona feminina. Segundo um número não despiciendo de endocrinologistas, estas substâncias têm frequentemente um efeito nocivo, mesmo quando o organismo é exposto a quantidades claramente inferiores à dose diária admissível, não sendo sequer possível determinar um limiar abaixo do qual os efeitos nocivos desapareceriam (10). Foi demonstrado que, no caso dos desreguladores endócrinos, a variável determinante não é a dose mas o momento em que ocorre a exposição à substância. Concretamente, o período mais perigoso é a fase em que o sistema endócrino dos indivíduos se está a desenvolver (durante a fase pré-natal, na primeira infância e na puberdade). Outra particularidade dos desreguladores endócrinos é o facto de a sua toxicidade se poder manifestar vários anos ou mesmo décadas após a exposição.

4.7.

Os endocrinologistas consideram hoje em dia muitas substâncias naturais ou sintéticas como desreguladores endócrinos, entre as quais várias substâncias regularmente presentes na alimentação humana, como, por exemplo, vários pesticidas, as dioxinas, os bifenilos policlorados e os ftalatos, se bem que o debate mais aceso atualmente seja em torno do bisfenol-A, matéria utilizada nas embalagens (11).

4.8.

Foi revelado que os desreguladores endócrinos contribuem decisivamente para uma redução inquietante da fertilidade masculina (fenómeno constatado desde a segunda guerra mundial), bem como para o aumento significativo da incidência de cancro dos testículos e da próstata, de cancro da mama e de outras patologias graves (12).

4.9.

Os organismos europeus competentes, nomeadamente a EFSA e a DG SANTE, hesitam em tomar as medidas vivamente recomendadas pelos endocrinologistas porque consideram não haver consenso da comunidade científica quanto aos efeitos nocivos de doses muito pequenas (13). No entanto, uma grande parte dos cientistas que fazem investigação original no domínio da endocrinologia considera muito perigosa a ação de doses muito reduzidas das substâncias que reconhecem como desreguladores endócrinos, especialmente para as mulheres grávidas e as crianças na primeira infância. Na sua opinião, trata-se de um facto comprovado, demonstrado por «milhares de estudos científicos» (14), ao passo que a EFSA considera que os efeitos provocados por doses muito reduzidas constituem uma mera hipótese.

4.10.

Na sequência de um relatório exaustivo (15) encomendado pela DG ENV que confirmou a opinião dos endocrinologistas, a DG SANTE, em outubro de 2012, convidou a EFSA a examinar os critérios de definição de desreguladores endócrinos e a avaliar a pertinência dos métodos de ensaio em vigor nesta matéria. Todavia, esse trabalho ainda não foi feito. Por enquanto, a Comissão propõe apenas um roteiro que estabelece orientações para a definição dessas substâncias (16), enquanto a tarefa propriamente dita foi adiada para final de 2016.

4.11.

A comunidade de endocrinologistas já manifestou várias vezes a sua discordância com a posição da EFSA e de outras agências consultivas ou de regulamentação quanto aos desreguladores endócrinos, nomeadamente através da declaração de consenso publicada pela Sociedade Americana de Endocrinologia, que conta com mais de mil profissionais (17), por ocasião do colóquio internacional organizado em Berlim, em setembro de 2012, ou por meio da Declaração de Berlaymont, de maio de 2013 (18). Todos os signatários da referida declaração são especialistas com trabalhos publicados sobre o assunto e consideram urgente que a regulamentação europeia comece a ter em conta os conhecimentos acumulados ao longo de vários anos. Por exemplo, o último regulamento relativo aos pesticidas, de março de 2013, requer a realização de testes para determinar se um novo produto é, entre outras coisas, uma substância mutagénica, mas não para avaliar a sua atividade hormonal. Isto demonstra que as preocupações dos endocrinologistas estão ainda longe de ser levadas a sério pelas autoridades competentes.

4.12.

O CESE considera urgente que o processo de regulamentação comece a ter em conta os conhecimentos adquiridos em endocrinologia, pelo que subscreve a posição expressa pelo Parlamento Europeu (19). Mesmo não havendo consenso da comunidade científica em sentido lato, o parecer de uma grande parte da comunidade de endocrinologistas deveria ser amplamente suficiente para que o princípio da precaução fosse aplicado às substâncias identificadas pelos endocrinologistas como desreguladores endócrinos.

5.   Comércio internacional: pragas e doenças agrícolas

5.1.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) incumbe os seus membros de entabular negociações para realizar e facilitar o comércio de produtos agrícolas, reduzindo gradual e substancialmente os apoios domésticos e a proteção dos seus produtos, com o intuito de favorecer uma liberalização cada vez maior.

5.2.

Num mercado mundial cada vez mais liberalizado, em que a circulação comercial dos produtos vegetais se intensifica e se reforça em resultado dos acordos comerciais que a UE continuamente celebra com países terceiros, o risco de introduzir novas pragas e novas doenças agrava-se cada vez mais.

5.3.

Os produtores europeus sentem grande inquietação e fortes receios quanto à chegada de agentes prejudiciais que, para muitos, representam um grande perigo e que, até ao momento, não estavam ainda implantados no território europeu. Em certos casos, o seu aparecimento e propagação podem provocar um declínio acentuado de diversas produções europeias, particularmente em culturas pouco disseminadas, provocando assim graves perdas económicas para os produtores.

5.4.

Independentemente da ameaça que o aparecimento de pragas ou de doenças de origem estrangeira representa para a atividade agrícola no que toca a certas produções, este provoca o aumento dos custos de produção dos agricultores europeus e, consequentemente, reduz a rentabilidade das suas explorações. Além disso, estes flagelos podem ter um impacto económico, ambiental ou social significativo em todo o território europeu.

5.5.

Um exemplo atual da gravidade deste problema, não só claro e eloquente mas também incontestável, é o caso recente da importação de citrinos provenientes da África do Sul. Por ocasião da última campanha, foram desembarcadas nos portos europeus quantidades significativas destes citrinos sul-africanos contaminados por um perigoso fungo, denominado guignardia citricarpa, que provoca a doença do ponto preto (alternariose). Mais concretamente, este agente patogénico foi detetado 35 vezes nos citrinos sul-africanos de importação.

5.6.

O laxismo da UE põe assim em risco os 5 00  000 hectares de terreno reservados à produção de citrinos no seu território, visto que não há um tratamento eficaz para erradicar esta doença, cujo aparecimento poderia ter efeitos extremamente prejudiciais do ponto de vista económico, ambiental e social, comprometendo a segurança do abastecimento.

5.7.

Apesar de melhorar certos aspetos da Diretiva 2000/29/CE do Conselho, de 8 de maio de 2000, relativa às medidas de proteção contra a introdução na Comunidade de organismos prejudiciais aos vegetais e produtos vegetais e contra a sua propagação no interior da Comunidade (20), o projeto de nova regulamentação em matéria fitossanitária continua a não abordar alguns aspetos cruciais, pelo que os problemas mais importantes continuam, na sua grande maioria, a aguardar solução.

5.8.

Importa igualmente destacar que as condições de produção dos géneros alimentícios importados a partir de países terceiros não são as mesmas que vigoram na UE. Estes Estados permitem a utilização de vários produtos fitossanitários não autorizados pelos países europeus, admitem limites máximos de resíduos mais elevados do que no território europeu e apresentam condições socioprofissionais divergentes das europeias, que oferecem um nível de proteção reduzido ou mesmo inexistente.

5.9.

Do ponto de vista dos consumidores europeus, convém insistir na diferença acentuada que se gerou entre os produtos estrangeiros e os da UE, do ponto de vista da segurança e da rastreabilidade.

5.10.

A legislação em vigor limita e restringe a utilização de uma quantidade cada vez maior de matérias ativas no combate a uma determinada praga ou doença. Estas restrições impostas aos agricultores europeus podem chegar a afetar 50 % dos produtos disponíveis nos últimos anos. Além disso, as pessoas que aplicam estes tratamentos devem cumprir requisitos mais exigentes, o que requer um nível de formação mais elevado e o recurso a formas mais variadas de proteção no momento de aplicar os tratamentos em causa.

5.11.

O princípio da reciprocidade deve garantir que todas as produções chegadas a um determinado mercado tenham sido obrigatoriamente produzidas no respeito dos requisitos ou normas aplicáveis às produções cultivadas na Europa no que toca à segurança sanitária, à ecocondicionalidade, à utilização de matérias ativas, etc.

Bruxelas, 18 de março de 2015

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de março de 2013, sobre a proteção da saúde pública contra os desreguladores endócrinos [2012/2066(INI)].

(2)  Esta estimativa foi feita de forma independente por Vincent Cogliano do CIIC (Centro Internacional de Investigação do Cancro) e por Andreas Kortenkamp, diretor do Centro de Toxicologia da Universidade de Londres.

(3)  Por exemplo, os dados em bruto do estudo regulamentar relativo ao milho geneticamente modificado MON 863 só foram colocados à disposição da comunidade científica na sequência de uma decisão de um tribunal alemão em 2005. Em janeiro de 2013, a empresa Monsanto ameaçou intentar uma ação judicial contra a EFSA por revelação de um segredo comercial, após a diretora da agência, sob pressão dos meios de comunicação social e de parte da comunidade científica, ter divulgado na Internet dados relativos ao milho GM NK 603.

(4)  Segundo a própria EFSA, os dados dos estudos regulamentares (de referência) não são confidenciais.

(5)  ILSI (International Life Science Institute) — Organização de lobby das empresas multinacionais dos setores agroquímico, agroalimentar e biotecnológico, como a Coca-Cola ou a Monsanto. Na primavera de 2012, após um relatório do Tribunal de Contas Europeu (Relatório especial n.o 15/2012) que revelou a falta de clareza na gestão de conflitos de interesse na EFSA, o Parlamento Europeu adiou para segunda leitura a sua decisão de aprovar a execução do orçamento da agência para 2010, enquanto aguardava informações complementares sobre a política de resolução de conflitos de interesse.

(6)  Ver, por exemplo, Frederick vom Saal e Claude Hughes, «An extensive new literature concerning low-dose effects of bisphenol-A shows the need for a new risk assessment» [Nova e ampla literatura sobre os efeitos de baixas doses de bisfenol A revela a necessidade de reavaliar os riscos], Environmental Health Perspectives, vol. 113, agosto de 2005, p. 926-933.

(7)  Por exemplo, o aspartame, um edulcorante sintético, está presente em 6  000 produtos diferentes.

(8)  Ver, por exemplo, Sofie Christiansen, Ulla Hass et al., «Synergic disruption of external male sex organ development by a mixture of four antiandrogens» [Desregulação sinérgica do desenvolvimento dos órgãos sexuais masculinos externos devido a uma mistura de quatro antiandrógenos], Environmental Health Perspectives, vol. 117, n.o 12, dezembro de 2009, p. 1839-1846.

(9)  Em 2006, o comissário europeu responsável pela Agricultura, interrogado pelo deputado Paul Lannoye, reconheceu que existe um vazio regulamentar no que toca à avaliação das misturas de substâncias, mas, mesmo após esta constatação, não se realizaram progressos significativos.

(10)  «The 2013 Berlaymont Declaration on Endocrine Disruptors» [Declaração de Berlaymont sobre desreguladores endócrinos].

(11)  Em 2008, a venda de biberões fabricados com bisfenol A foi proibida no Canadá. Em 2011, a UE tomou a mesma medida. A França proibiu a utilização, a partir de 1 de janeiro de 2015, do bisfenol A em todos os produtos destinados a entrar em contacto com os géneros alimentícios, medida que foi justificada por um parecer científico da agência nacional ANSES. Em 21 de janeiro de 2015, a EFSA emitiu um parecer afirmando que o bisfenol A, nos atuais níveis de exposição, não representa riscos para a saúde dos consumidores de nenhuma faixa etária.

(12)  Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de março de 2013, sobre a proteção da saúde pública contra os desreguladores endócrinos [2012/2066(INI)], considerandos A e C, e «The 2013 Berlaymont Declaration on Endocrine Disruptors».

(13)  A EFSA refere, nomeadamente, o colóquio que organizou em Bruxelas em junho de 2012, em que os peritos em endocrinologia representavam apenas uma parte (minoritária) dos participantes.

(14)  Afirmação do endocrinologista americano Frederick vom Saal na conferência internacional organizada em Berlim, em setembro de 2012.

(15)  Andreas Kortenkamp, Olwenn Martin, Michael Faust, Richard Evans, Rebecca McKinlay, Frances Orton e Erika Rosivatz, «State of the art assessment of endocrine disrupters» [Ponto da situação dos desreguladores endócrinos], relatório final, 23 de dezembro de 2011.

(16)  Roteiro da Comissão Europeia intitulado «Defining criteria for identifying Endocrine Disruptors in the context of the implementation of the Plant Protection Product Regulation and Biocidal Products Regulation» [Definição de critérios para identificar desreguladores endócrinos no contexto da implementação da regulamentação dos produtos fitossanitários e da regulamentação relativa aos produtos biocidas], junho de 2014.

(17)  Evanthia Diamanti-Kandarakis et alii., «Endocrine-disrupting chemicals: an Endocrine Society scientific statement» [Substâncias químicas desreguladoras endócrinas: uma declaração científica da Sociedade de Endocrinologia], Endocrine Reviews, vol. 30, n.o 4, junho de 2009, p. 293-342.

(18)  Ver nota 10.

(19)  Ver nota 1.

(20)  JO L 169 de 10.7.2000, p. 1.


14.8.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 268/8


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Ilhas inteligentes»

(parecer de iniciativa)

(2015/C 268/02)

Relatora:

Anna Maria DARMANIN

Em 10 de julho de 2014, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema

Ilhas inteligentes

(parecer de iniciativa).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 4 de março de 2015.

Na 506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015 (sessão de 19 de março), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 147 votos a favor, um voto contra e cinco abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações

1.1.

As ilhas apresentam características únicas que colocam dificuldades específicas. Todavia, é possível transformar essas características em oportunidades adotando políticas de desenvolvimento sustentáveis e inteligentes para dotar as ilhas das vantagens competitivas associadas ao crescimento sustentável e a melhores empregos.

1.2.

No contexto do desenvolvimento e da aplicação de políticas de desenvolvimento inteligentes e sustentáveis, também importa levar em conta as características específicas das ilhas, em particular no tocante à sua vulnerabilidade aos efeitos das alterações climáticas. As políticas e as iniciativas deverão, pois, assegurar uma integração adequada das medidas de adaptação às alterações climáticas, a fim de garantir que as ilhas adquirem e aumentam a sua resiliência às alterações climáticas em todos os setores da economia.

1.3.

As políticas inteligentes para ilhas inteligentes incluiriam um «teste do impacto insular», visando avaliar cada política europeia à luz das suas potenciais repercussões nas ilhas e tomando em devida consideração a dimensão insular. O Comité exorta a Comissão a aplicar semelhantes testes em todas as direções-gerais.

1.4.

O CESE propõe uma série de recomendações políticas com vista a promover as ilhas inteligentes, cada uma das quais será explicada e descrita em pormenor nos pontos 4 a 11 abaixo. Dizem respeito aos seguintes temas:

agenda digital: investimento em infraestruturas, conclusão do mercado único e investimento em investigação e desenvolvimento;

aprovisionamento energético: as ilhas como bancos de ensaio no domínio da energia oceânica, das marés, das ondas, solar e eólica, bem como da combinação das tecnologias deste setor;

mobilidade urbana e transportes: iniciativas no âmbito dos programas Horizonte 2020 e Interreg orientadas para os transportes marítimos e a mobilidade urbana na ótica da sustentabilidade nas ilhas; auxílios estatais em combinação com transportes sustentáveis;

política marítima: vigilância marítima; investigação e desenvolvimento nos domínios da exploração mineira marítima e da oceanografia, utilizando as ilhas como centros de investigação; avaliação do impacto das ilhas na política marítima; papel das ilhas na política marítima;

comércio de bens e serviços: boas práticas no comércio de nicho; adaptação das políticas em prol do comércio de nicho nas ilhas; laboratórios experimentais abertos para o desenvolvimento económico e social nas ilhas;

turismo: acessibilidade; especificidades da natureza do turismo e seu impacto;

gestão dos recursos hídricos: adaptação da política neste domínio às especificidades próprias das ilhas;

ensino, formação e aprendizagem ao longo da vida.

1.4.1.

Entende-se que a execução destas recomendações cabe, em primeira instância, e em função das competências e responsabilidades — partilhadas ou não — em causa, ao nível local, regional, nacional ou europeu, recomendando-se vivamente a cooperação entre os diferentes níveis.

2.   Âmbito de aplicação

2.1.

No presente parecer, o CESE toma por base a definição do termo «ilhas» das Nações Unidas. Todavia, cinge-se, por um lado, às ilhas que fazem parte do Espaço Económico Europeu (EEE), enquanto, por outro, incorpora as ilhas de pequena e média dimensão que formam Estados autónomos membros do EEE, neste caso concreto Chipre, Malta e Islândia.

2.2.

O conceito de «ilhas inteligentes» designa, na aceção do CESE, uma região insular geradora de desenvolvimento económico local sustentável e de uma elevada qualidade de vida graças à excelência do seu desempenho numa série de domínios-chave da sustentabilidade — como a economia, a mobilidade, a energia, o ambiente, as TIC, a água, a educação e o capital humano — e ao nível da governação.

3.   Introdução

3.1.

As ilhas europeias estão, por vezes, em desvantagem em relação ao continente europeu devido ao seu isolamento e perifericidade. Todavia, a par das desvantagens, a geografia também lhes confere grandes vantagens. No contexto atual, as ilhas encerram um enorme potencial de crescimento e desenvolvimento não só em benefício próprio mas também de toda a Europa. É por isso que o CESE preconiza políticas inteligentes e iniciativas de desenvolvimento inteligente a nível europeu, nacional e regional que também tenham em conta as características específicas das ilhas. Não obstante, a responsabilidade pelas políticas inteligentes nas regiões insulares deve ser partilhada por todos os níveis supramencionados e não recair apenas sobre um deles. Tendo em conta esta responsabilidade partilhada, mas não apenas por este motivo, o CESE defende a criação de um grupo de peritos em questões insulares que supervisione as políticas e respetiva aplicabilidade e efeitos nas ilhas. Além disso, o CESE recomenda o estabelecimento de uma plataforma aberta para as ilhas que atue como fórum de coordenação e intervenção entre os territórios insulares no respeitante aos objetivos das ilhas inteligentes.

3.2.

As particularidades das ilhas refletem-se amiúde em determinados fenómenos sociais específicos, como o êxodo da população, à medida que os habitantes se deslocam para o continente em busca de melhores oportunidades, as dificuldades relacionadas com o transporte e, por vezes, a marginalização. Contudo, algumas ilhas conseguiram transformar estas desvantagens em trunfos desenvolvendo nichos de mercado em que se souberam demarcar.

3.3.

Tendo em conta as especificidades das ilhas, o CESE apela a que as políticas da UE incluam um «teste do impacto insular», visando avaliá-las à luz das suas potenciais repercussões nas ilhas, e a que prestem a devida atenção à dimensão insular. O Comité exorta a Comissão a aplicar testes idênticos em todas as direções-gerais.

4.   Capacidade digital

4.1.

Sendo claro que a Internet se tornará numa área de crescimento para a Europa, os nossos objetivos para 2020 pressupõem que todos os europeus tenham acesso à banda larga até 2020 e que 50 % da população faça compras em linha até 2015.

4.2.

Em relação ao objetivo de garantir uma cobertura de Internet generalizada até 2020, há problemas de infraestruturas e há territórios, incluindo algumas ilhas, que estão atrasados neste campo. Com efeito, as taxas de penetração da Internet em determinadas ilhas são baixas e o acesso público à Internet é reduzido.

4.3.

Embora um dos objetivos da Estratégia Europa 2020 fosse garantir que toda a Europa tivesse cobertura de Internet até 2013, esta meta ainda não foi atingida em certas ilhas, fundamentalmente devido a problemas relacionados com as infraestruturas.

4.4.

A capacidade digital é uma das formas pelas quais as ilhas podem diminuir a barreira de isolamento geográfico, não só graças às oportunidades que o comércio eletrónico oferece para o empreendedorismo, o emprego e as PME, mas também na medida em que permite aos cidadãos colherem mais benefícios do mercado único.

4.5.

Para o efeito, o CESE solicita que se tomem medidas específicas a nível europeu e nacional com vista a:

i.

investir em infraestruturas para assegurar a máxima penetração da banda larga nas regiões insulares;

ii.

concluir o mercado único digital, assegurando assim que as ilhas não são penalizadas e permitindo-lhes participar plenamente no mercado único;

iii.

investir na investigação e no desenvolvimento a nível europeu, aproveitando o potencial das ilhas para estimular o emprego e o crescimento nas zonas remotas. Importa, além disso, utilizar tais atividades de I&D como instrumento para lograr mais inovação social nas ilhas.

5.   Sustentabilidade energética

5.1.

A Europa estabeleceu metas em matéria de energia para 2020, 2030 e 2050, a fim de se tornar mais sustentável e reduzir a utilização de combustíveis fósseis para a satisfação das suas necessidades energéticas. Algumas ilhas da UE não só dependem dos combustíveis fósseis para todas as suas necessidades energéticas como a sua obtenção também está sujeita a restrições de transporte e distribuição.

5.2.

É consequentemente importante que as ilhas se tornem mais sustentáveis em termos da utilização de energia. Pela sua natureza, elas estão bem posicionadas para tirar o máximo partido da energia oceânica, eólica e solar.

5.3.

Há histórias de sucesso que demonstram que as ilhas têm potencial para adquirir autossuficiência sustentada em termos de necessidades energéticas. Por exemplo, Samsø, ao largo da costa da Dinamarca Central, é desde 1997 a «ilha das energias renováveis» deste país. Utilizando onze turbinas eólicas em terra, conseguiu, ao fim de uma década, tornar-se totalmente autossuficiente com base em energias renováveis. Idêntico feito logrou a ilha de El Hierro, nas Canárias, em 2014, utilizando turbinas eólicas e energia hidroelétrica.

5.4.

As ilhas na Europa poderiam retirar grandes benefícios das energias renováveis. Para além de reduzir a pegada de carbono, este setor é uma fonte de crescimento e de emprego nesse e noutros domínios, como é o caso de Samsø, que se tornou numa atração turística graças aos esforços realizados em prol da autossuficiência sustentável.

5.5.

O CESE apela, por isso, a que se adotem medidas a nível europeu e nacional com vista a:

i.

centrar a investigação e o desenvolvimento no domínio da energia oceânica, da energia das ondas e das marés nas ilhas, não as utilizando apenas como bancos de ensaio — ainda que esta se trate de uma questão conexa —, mas também tirando partido da perícia local em matéria de conhecimentos e investigação;

ii.

estudar os efeitos da utilização combinada de diferentes fontes de energia renovável em territórios bem específicos e de dimensões reduzidas como as ilhas;

iii.

prever iniciativas de inovação especificamente orientadas para as ilhas.

Tais medidas deverão tomar em conta as condições específicas das ilhas nos diferentes mares e oceanos.

6.   Transportes e mobilidade nas cidades insulares

6.1.

Os transportes são uma questão particularmente difícil para as pessoas que vivem nas ilhas, pois, estando rodeadas de mar, dependem fortemente dos ferry-boats e das companhias aéreas. Além disso, no tocante à importação e exportação de mercadorias, as ilhas também estão muito dependentes dos transportes marítimos, razão por que de um modo geral os serviços de ferry-boat beneficiam de auxílios estatais e de subvenções, visando reduzir em parte os custos incorridos pelos residentes insulares com este tipo de transporte. Há ainda muitas empresas de transporte que utilizam combustíveis de baixa qualidade, o que constitui uma ameaça para os trabalhadores dos transportes marítimos, a população local e os turistas.

6.2.

Embora a mobilidade urbana dependa da utilização generalizada de veículos a motor, estão a aparecer cada vez mais métodos sustentáveis de transporte urbano — refira-se, por exemplo, a utilização de veículos de emissões reduzidas nas ilhas Eolianas. As ilhas oferecem grandes possibilidades no que toca à introdução ou a um maior recurso a veículos híbridos e elétricos.

6.3.

O CESE recomenda a adoção de medidas no sentido de:

i.

orientar projetos específicos no âmbito do Programa-Quadro Horizonte 2020 para projetos de transporte marítimo eficientes em termos energéticos para as ilhas;

ii.

conceder auxílios estatais em matéria de transportes às empresas que tomem medidas concretas para reduzir as emissões e utilizem combustíveis de alta qualidade nos transportes marítimos;

iii.

orientar projetos Interreg para a mobilidade urbana eficiente em termos energéticos nas ilhas;

iv.

pôr a tónica na criação de postos de trabalho dignos e mais sustentáveis nas ilhas. O CESE também apela à redução do emprego precário ao nível do pessoal das companhias aéreas que servem os territórios insulares e dos navios de cruzeiro, cuja atividade beneficia amiúde da atratividade das ilhas;

v.

integrar a questão da acessibilidade das pessoas idosas e das pessoas com deficiência no âmbito das políticas de transporte inteligentes nas ilhas.

7.   Política marítima

7.1.

Nos últimos anos, a economia azul e o seu potencial passaram a receber mais atenção. Os assuntos marítimos revestem-se de grande importância para as ilhas, visto que estão rodeadas de mar.

7.2.

As ilhas podem colher benefícios concretos da implementação das políticas marítimas a nível da UE.

7.3.

Na linha de pareceres anteriores, o CESE reitera a importância das ilhas da UE para a preservação das tradições marítimas e dos conhecimentos especializados ligados às atividades marítimas. As ilhas da UE têm uma vantagem comparativa enquanto fornecedoras de trabalhadores marítimos, cujo saber acumulado e transmitido ao longo de gerações importa não perder. Todavia, num período de elevado desemprego em terra, a indústria naval da UE padece de uma reconhecida falta de trabalhadores marítimos europeus aptos a integrar a sua frota naval.

7.4.

O CESE recomenda a adoção de medidas no sentido de:

i.

diligenciar para que as ilhas colham benefícios concretos da vigilância marítima;

ii.

atribuir às ilhas tarefas em matéria de investigação e desenvolvimento nos domínios da exploração mineira marítima, da oceanografia e da cartografia dos fundos marinhos e reforçar as suas capacidades nestas áreas; as ilhas podem desempenhar um papel maior na proteção da biodiversidade, importando apoiar as iniciativas empreendidas a vários níveis neste domínio;

iii.

realizar uma análise de impacto à escala europeia sobre o papel específico das ilhas da Europa nos assuntos marítimos, a cargo da Comissão Europeia;

iv.

concentrar esforços no domínio dos assuntos marítimos, incidindo em particular sobre o papel desempenhado pelas ilhas neste contexto;

v.

atrair trabalhadores insulares da União Europeia para as profissões marítimas, através de uma ação da UE, e fornecer-lhes a formação necessária.

8.   Produtos e serviços das ilhas

8.1.

As ilhas têm-se desenvolvido a ritmos diferentes na Europa: se algumas seguem ainda um modelo MIRAB (Migration, Remittance, Aid and Bureaucracy; ver Bertram e Watters, 1985) assente na migração, remessas, ajudas e burocracia, outras constituem pequenas economias turísticas insulares (SITE — Small Island Tourist Economies; ver McElroy, 2006), enquanto outras atingiram já um estádio Profit (Resources, Overseas, Finance, Transportation; ver Baldacchino, 2006), em que tiram partido do respetivo capital humano, recursos, condição ultramarina, finanças e transportes.

8.2.

Eis alguns exemplos claros de boas práticas ao nível das ilhas que se encontram neste último estádio:

Jersey: gestão da riqueza privada;

Malta: jogos eletrónicos;

Islândia: computação em nuvem;

Chipre: registo de pavilhões;

Creta: tratamento ocular LASIK.

8.3.

As ilhas são mais competitivas quando conseguem identificar nichos de mercado em que se passam a distinguir.

8.4.

O CESE formularia, pois, as seguintes recomendações:

i.

identificar boas práticas para as ilhas;

ii.

orientar as políticas regionais de modo a velarem pelo desenvolvimento de tais nichos;

iii.

utilizar as ilhas como laboratórios experimentais abertos para o desenvolvimento desses produtos ou serviços, que poderão depois ser amplamente adotados no continente europeu.

9.   Turismo insular

9.1.

As ilhas são muitas vezes associadas ao turismo (o modelo SITE). Contudo, não obstante a sua importância, importa não o encarar como o único nem o principal setor de atividade, mas ter em devida conta o contexto económico mais vasto em que se insere.

9.2.

O turismo de nicho dá uma clara vantagem competitiva às ilhas, em comparação com zonas mais acessíveis na Europa continental, mas não tem forçosamente de corresponder a um tipo de turismo mais dispendioso. Neste aspeto, a acessibilidade das ilhas é fundamental para assegurar a acessibilidade em termos financeiros, físicos e de transportes no respeito dos requisitos em matéria de proteção ambiental.

9.3.

O CESE formularia, pois, as seguintes recomendações:

i.

velar por que as políticas relacionadas com o turismo tenham em conta as especificidades insulares;

ii.

considerar a acessibilidade do turismo tanto do ponto de vista do transporte para as ilhas, já supramencionado, como em termos financeiros, de mobilidade e de respeito dos requisitos em matéria de proteção ambiental.

10.   Gestão dos recursos hídricos

10.1.

As ilhas enfrentam problemas idênticos em matéria de gestão dos recursos hídricos, nomeadamente a escassez de água, práticas inadequadas — incluindo o abuso dos recursos disponíveis — e o aumento da procura devido ao turismo.

10.2.

As ilhas vulcânicas acrescentam à gestão dos recursos hídricos uma dimensão geralmente omitida nas políticas neste domínio — a das nascentes e fontes de água utilizadas para fins terapêuticos.

10.3.

O CESE recomenda, por conseguinte, que as políticas em matéria de gestão dos recursos hídricos tenham em consideração as especificidades das ilhas, atendendo a que as suas necessidades se tendem a centrar nos seguintes aspetos:

i.

reutilização da água;

ii.

distinção entre água potável e água não potável;

iii.

dessalinização;

iv.

recolha de águas pluviais;

v.

melhoria da sustentabilidade das nascentes e fontes de água utilizadas para fins terapêuticos.

11.   Ensino, formação e aprendizagem ao longo da vida

11.1.

A educação costuma ser encarada como um elemento essencial para melhorar as condições de vida, algo que é sobretudo verdade no caso das ilhas. Embora as instituições do ensino superior dos territórios insulares se distingam amiúde em áreas específicas, refletindo também a abordagem de nicho, o ensino superior geral também deve estar acessível aos habitantes das ilhas.

11.2.

Para o efeito, impõe-se explorar mais o potencial do mundo digital para garantir que a aprendizagem e o ensino são tão acessíveis à população insular quanto à continental. O exemplo das Cíclades, onde se recorre amplamente à teleconferência para fins de formação, ilustra de forma clara este potencial.

11.3.

As ilhas estão mais sujeitas ao êxodo das populações devido à deslocalização, pelo que a aprendizagem ao longo da vida pode e deve ser uma das políticas e práticas destinadas a reter uma mão-de-obra que não só tem um grande potencial de empregabilidade como também aprecia a perspetiva de permanecer nas ilhas.

11.4.

O CESE entende, pois, que a ação política neste domínio deve:

i.

refletir sobre o papel da educação no desenvolvimento das ilhas;

ii.

aplicar abordagens de aprendizagem ao longo da vida para garantir a empregabilidade e mão-de-obra capaz de aproveitar plenamente o potencial do mercado de trabalho nas ilhas;

iii.

garantir que as ilhas não ficam privadas da sua mão de obra.

Bruxelas, 19 de março de 2015

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


14.8.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 268/14


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A cooperação europeia em redes de energia»

(parecer de iniciativa)

(2015/C 268/03)

Relator:

M. COULON

Em 16 de outubro de 2014, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

A cooperação europeia em redes de energia

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 4 de março de 2015.

Na 506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015 (sessão de 18 de março), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 167 votos a favor e três abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera vital para os cidadãos e as empresas uma cooperação europeia reforçada em matéria de redes de energia.

1.2.

Os atores da sociedade civil e dos territórios têm um papel importante a desempenhar na transição energética, que é a única forma de assegurar a eficácia, o controlo dos preços e a luta contra as alterações climáticas.

1.3.

O CESE propõe a criação de espaços de intercâmbio entre os territórios e as representações da sociedade civil por iniciativa conjunta do Comité Económico e Social Europeu e do Comité das Regiões, dos quais também façam parte os conselhos económicos e sociais ou instituições similares de cada Estado-Membro.

1.3.1.

O CESE congratula-se com a proposta apresentada pela Comissão na sua comunicação sobre a União da Energia, que consiste em criar um fórum das infraestruturas energéticas. Seria importante que este fórum desse grande protagonismo à sociedade civil, de modo a:

sistematizar a experiência adquirida e a emergência de boas práticas locais;

favorecer a reflexão sobre a regulamentação local e orientar o financiamento para modelos eficazes;

trabalhar as questões da aceitabilidade e da adesão aos diferentes desafios energéticos.

1.4.

O CESE propõe a criação de uma «caderneta europeia de poupança energética». Esta caderneta, que qualquer europeu pode adquirir, beneficiando de uma remuneração ligeiramente superior à taxa de inflação anual na União, mobilizaria capitais exclusivamente dedicados a projetos energéticos europeus e permitiria reforçar os financiamentos públicos ou privados (empresas).

2.   Introdução

2.1.

Nos próximos anos, o desenvolvimento das redes de energia será um desafio «vital» para a Europa. A sua extensão e reforço são uma condição sine qua non para o êxito da transição energética (fundamental para combater as alterações climáticas), da competitividade e atratividade da Europa e, por último, da segurança do abastecimento dos consumidores.

2.2.

Esta dinâmica implica a mobilização de centenas de milhares de milhões de euros previstos no programa de relançamento da Comissão para um crescimento económico gerador de atividade e emprego. Estes investimentos serão acompanhados da utilização generalizada das redes inteligentes (de transporte e de distribuição), que se afirmam como um mercado de grandes dimensões. O financiamento adicional inovador deverá ser conseguido através de um financiamento valorizado por parte dos cidadãos.

2.3.

Uma verdadeira política europeia de infraestruturas energéticas exige que se desenvolvam setores fundamentais em matéria de inovação, que reforçarão a competitividade europeia num contexto de concorrência mundial.

2.4.

A prioridade atribuída às redes energéticas inclui-se no primeiro plano de uma maior cooperação e integração europeias em matéria de energia, que são atualmente muito necessárias e que já foram amplamente abordadas em trabalhos anteriores do CESE, designadamente nos respeitantes à construção de uma Comunidade Europeia da Energia. Esta é precisamente a ambição da União da Energia proposta pela nova Comissão e dirigida pelo vice-presidente Maroš Šefčovič.

2.5.

Indo ao encontro das prioridades do CESE, a União da Energia visa oportunamente promover o diálogo e a cooperação, únicos geradores da redução dos custos, do aumento da eficácia e de uma resposta às necessidades dos cidadãos e das empresas.

3.   Os desafios das infraestruturas de gás na Europa

3.1.

Em 2014, a situação na Ucrânia reavivou as preocupações da Europa sobre o seu aprovisionamento de gás natural. Dado que as reservas do Mar do Norte ou dos Países Baixos estão em declínio, a diversificação das importações é atualmente um enorme desafio, assim como a capacidade do continente de enfrentar eventuais interrupções do seu aprovisionamento. Isto requer que nos próximos anos se iniciem ou finalizem vários projetos de construção de gasodutos transfronteiriços, de compressores para inverter os fluxos sempre que necessário e de terminais de metano. Ao mesmo tempo, serão necessárias infraestruturas internas da Europa para favorecer a integração do mercado interno e evitar as diferenças de preço causadas por congestionamento dos fluxos de aprovisionamento.

3.2.

Por outro lado, a transição energética faz variar de diversas formas as perspetivas da indústria do gás e envia sinais diferentes que podem, por vezes, ser contraditórios. Com efeito, as infraestruturas de gás requerem investimentos que se amortizam ao longo de várias décadas. Neste contexto, a intenção de reduzir os consumos de energia ou de passar da utilização de fontes de energia carbónicas para energias renováveis incentiva muito pouco tais investimentos. Além disso, ninguém previu o aparecimento do gás de xisto nos Estados Unidos nem as importações de carvão oriundo desse país, o que conduziu a um investimento excessivo nas capacidades de produção de eletricidade em ciclo combinado, que deveria servir de contraponto às centrais de produção intermitente. A transição energética implica, todavia, um desenvolvimento do biogás, que requer uma adaptação das redes de modo a ter em conta a recolha e o caráter disperso destas fontes de produção.

3.3.

Para o gás natural, torna-se fundamental dar uma trajetória clara e legível à estratégia energética europeia, dados os avultados investimentos necessários, que são avaliados, até 2020, em 70 mil milhões de euros pela Comissão Europeia e em 90 mil milhões de euros pela ENTSO-G.

4.   O desafio das redes de eletricidade na transição energética

4.1.

As redes de transporte e de distribuição de eletricidade são a coluna vertebral do sistema elétrico europeu e um recurso fundamental para a transição energética. Importa adaptá-las aos novos meios de produção, renováveis, mais dispersos no espaço e intermitentes, e às novas necessidades de consumo, a fim de assegurar o equilíbrio entre a oferta e a procura de eletricidade. As primeiras linhas de alta e de muito alta tensão foram desenvolvidas em torno de meios de produção centralizada, num primeiro momento térmica, depois hidráulica e, mais tarde (em vários países), nuclear. As necessidades de consumo das zonas urbanas e industriais, que tiveram um crescimento muito rápido a partir da década de 1950, serviram de base para traçar as linhas novas. Atualmente, a Europa é atravessada por grandes fluxos de eletricidade de origem renovável, que atravessam as fronteiras nacionais e tornam ainda mais necessária a solidariedade indispensável entre os territórios.

4.2.

Os objetivos da UE para 2020 e 2050, tendo em conta o clima e o ambiente, a segurança do aprovisionamento energético e a competitividade, têm provocado uma explosão dos investimentos em meios de produção elétrica descentralizados e de origem renovável. Em França e na Alemanha, mas também em Espanha e em Itália, já cerca de 95 % das instalações deste tipo de produção estão ligadas à rede de distribuição de eletricidade (de baixa e média tensão). Ora, esta energia descentralizada é produzida essencialmente de modo intermitente, quando há vento ou sol, o que requer, por conseguinte, uma evolução radical dos papéis e funções dos distribuidores de eletricidade. No passado, a rede de distribuição conhecia apenas uma quantidade reduzida de pontos de congestão do aprovisionamento elétrico, e a eletricidade produzida de forma centralizada e transferida para a rede de transporte (de alta e muito alta tensão) era distribuída ao consumidor final numa lógica de tipo descendente, de montante a jusante. No futuro, a gestão da rede vai mudar. A ligação à rede de cada vez mais fontes energéticas renováveis descentralizadas, a recarga de veículos elétricos e o papel reforçado dos clientes capazes de participar ativamente no mercado de gestão da carga irão alterar as responsabilidades e atividades dos distribuidores de eletricidade, assim como as relações entre as redes de distribuição e as redes de transporte. Assim, as redes de distribuição do futuro serão cada vez interligadas e complexas, abrangendo múltiplas fontes de produção e ligando níveis de consumo cada vez mais diversificados e variáveis no tempo; os fluxos de eletricidade poderão mesmo ser invertidos e transitar das redes de distribuição para as redes de transporte, em caso de produção local muito superior ao consumo. Regra geral, pode prever-se que as dificuldades com que se debatem atualmente as redes de transporte de eletricidade, em especial a gestão dos congestionamentos, serão dentro em breve uma realidade nas operações quotidianas dos gestores das redes de distribuição de eletricidade.

Maior flexibilidade na produção

4.3.

A transição energética iniciada em todos os países europeus tem alterado a localização das fontes de produção: as novas instalações, mais dispersas do que os meios de produção «convencionais», já não coincidem com a anterior cartografia. Normalmente, a produção eólica ou fotovoltaica situa-se em zonas afastadas dos principais centros de consumo. Na Alemanha, por exemplo, é bastante difícil transportar a energia eólica produzida no Mar do Norte ou no Mar Báltico para os centros de consumo do sul, e a insuficiência da atual capacidade de transporte leva a que a produção renovável deva, por vezes, ser refreada, o que provoca um desperdício físico e económico. A rede deve portanto adaptar-se rapidamente para poder acolher as novas fontes de produção. Também as políticas de energia de cada Estado-Membro, nomeadamente no que diz respeito à velocidade e à magnitude da implementação das energias renováveis, devem levar em conta o impacto nos sistemas energéticos dos outros Estados-Membros.

4.4.

Para além da questão da sua ligação à rede, o desenvolvimento em massa destas novas fontes de produção variáveis (em oposição às fontes de produção controláveis, até agora predominantes) leva os envolvidos a refletir sobre a gestão do sistema elétrico e a imaginar novas ferramentas de monitorização.

4.5.

O armazenamento de eletricidade, quando estiver operacional, será uma boa solução para a intermitência das energias renováveis e para a variabilidade (diária ou sazonal) do consumo. No entanto, as tecnologias atuais são limitadas e circunscritas essencialmente à bombagem hidráulica, uma tecnologia comprovada (utilizada desde há quase 80 anos), mas limitada pela escassez das instalações e pelo seu impacto ambiental. Além disso, implica instalações de grande dimensão, que requerem o fluxo de eletricidade nos dois sentidos: bombagem e restituição. O ideal seria um armazenamento disperso.

4.5.1.

Existem outras vias a explorar, por exemplo, a armazenagem sob a forma de hidrogénio, mas qualquer delas só poderá conduzir a um desenvolvimento industrial em larga escala daqui a pelo menos uma década.

4.6.

Atualmente, não é possível armazenar energia suficiente de forma descentralizada, eficiente, rentável e ecológica, mesmo utilizando as diversas possibilidades ligadas ao autoconsumo, pelo que a boa gestão dos fluxos continua a ser a melhor solução para integrar e valorizar as novas energias renováveis. Uma rede suficientemente conectada e resiliente, à escala regional, nacional e europeia, possibilita precisamente esta solução. Ao assegurar a partilha das capacidades de produção a diversos níveis, através de interconexões, a teia das redes de energia permite economias significativas e garante o abastecimento de eletricidade em toda a União Europeia.

4.7.

Esta economia de meios não se deve simplesmente à dimensão da rede, mas também à interação entre diferentes fatores sociais, culturais, geográficos e meteorológicos, ou entre diferenças nos modos de produção. Retomemos a questão da interligação das redes europeias: assinala-se que, por um lado, os picos de consumo ao fim da tarde ou à noite se dão a horas diferentes em países vizinhos devido às diferenças nos estilos de vida: não se janta à mesma hora na Bélgica, na Alemanha, em França ou em Espanha, nem tampouco na Roménia, Bulgária, Grécia ou Polónia. Além disso, os sistemas elétricos dos países europeus são mais ou menos sensíveis a determinados fatores: os períodos sensíveis em França advêm muitas vezes das temperaturas baixas — pelo que o pico de consumo terá lugar numa noite de inverno particularmente fria, cerca das 19 horas —, ao passo que a Alemanha é muito sensível à sua produção eólica e a Espanha, por seu lado, terá os picos de consumo a meio dos dias de verão, cerca das 13 horas, devido à utilização da climatização.

4.8.

A conjugação das capacidades de produção através das interligações permite a cada país partilhar o risco decorrente desses fatores e, assim, diminuir a procura de capacidade de produção.

4.9.

As redes de transporte de eletricidade permitem incrementar as reservas energéticas renováveis em larga escala e gerir melhor os condicionalismos resultantes do seu caráter intermitente. A rede permite recorrer menos às capacidades de compensação consideradas como «de reserva» que, muitas vezes, são centrais térmicas alimentadas a combustíveis fósseis (carvão, gás, fuelóleo) com elevadas emissões de gases com efeito de estufa. As redes (de transporte e distribuição) asseguram a transmissão de sobreproduções locais pontuais, enviando, por exemplo, uma produção fotovoltaica elevada durante a hora de almoço num bairro residencial para as zonas de consumo. Estas permitirão igualmente cobrir as necessidades desta mesma população durante a noite e nos dias com pouco ou sem sol.

Necessidade de regular o consumo

4.10.

Uma rede europeia bem gerida, assente em infraestruturas adaptadas à nova geografia da produção, revela-se um instrumento essencial para a transição energética, mas constitui apenas uma parte da história.

4.11.

Nos países industrializados, os modos de produção plenamente controláveis utilizados até ao início da década de 1990 — como a energia hidráulica ou nuclear — criaram uma mentalidade segundo a qual a produção se deve adaptar ao consumo (oferta e procura), e não o contrário. Cabia ao operador da rede ajustar a produção e o fornecimento às variações do consumo, a fim de garantir um equilíbrio permanente entre a produção e o consumo de eletricidade.

4.12.

Mas a situação alterou-se de forma irreversível. O desenvolvimento de novas utilizações da eletricidade (generalização do ar condicionado, multiplicação dos equipamentos eletrónicos, telefones móveis e outras aplicações, etc.) e as mudanças em curso nas utilizações, nomeadamente no setor dos transportes (veículos elétricos), requerem que o consumo atual seja cuidadosamente gerido de forma a não sobrecarregar os meios de produção e as redes elétricas e a evitar investimentos sobredimensionados.

4.13.

Há que ter em conta os picos de consumo, associados a uma crescente variabilidade do clima: nos países em que a eletricidade é utilizada como fonte de aquecimento, os picos de consumo são cada vez mais elevados nos períodos difíceis. Assim, em França, assistiu-se a um consumo superior a 102 GW no final de fevereiro de 2012, ou seja, um aumento de 30 % em relação aos dados de há 10 anos. As vagas de calor mais frequentes, associadas ao aumento dos aparelhos de climatização, também já geram picos de consumo, o que pode ser problemático para a produção. Na Europa Ocidental, por exemplo, os picos de consumo de eletricidade correspondem aos períodos de frio no inverno e de calor no verão, ou seja, a um regime anticiclónico caracterizado nomeadamente pela ausência de vento. Esta situação não tem grande impacto se a eletricidade de origem eólica representar apenas uma pequena percentagem da produção total, mas se houver uma subida do atual volume produzido por esta fonte, o panorama muda.

4.14.

A gestão da carga é uma forma específica e útil de controlar a procura, permitindo atenuar os picos de consumo e, de um modo mais geral, nivelar a curva de carga. Consiste em reduzir, num determinado momento, o consumo físico de um determinado local ou grupo de consumidores. A redução do consumo será diluída no setor residencial ou assumirá formas diferentes se disser respeito a zonas industriais. Há que ter ainda em conta o efeito de «adiamento do consumo».

4.15.

A regulação do consumo é um instrumento útil, a par do desenvolvimento de redes inteligentes (com investimentos mínimos), dos meios de produção ou do armazenamento. Neste ponto, os operadores das redes devem desempenhar um papel ativo e contribuir para o desenvolvimento de novas técnicas de gestão do consumo. Para tornar os consumidores progressivamente mais ativos e intervenientes, não basta apenas adotar novas tecnologias mas também implantar verdadeiros mecanismos de mercado. Hoje em dia, os consumidores ativos estão a ganhar grande destaque, e os operadores das redes (de transporte e distribuição) são atores de primeiro plano. Em França, por exemplo, desde que começaram as iniciativas de gestão da carga, em 2010, foi possível, através de concursos públicos, aumentar significativamente os volumes de redução da carga, de 100 MW na primeira experiência para mais de 700 MW no final de 2013. Neste ponto, há muitas questões que terão de ser concertadas entre os operadores, os órgãos de poder local e regional, os trabalhadores do setor e as organizações de consumidores.

4.16.

Os novos mecanismos de mercado a aplicar nos próximos anos, como por exemplo o mecanismo de capacidade, deverão permitir apoiar esta tendência a médio e longo prazo e contribuir assim para promover ainda mais a flexibilidade na procura de eletricidade.

5.   Da otimização económica e social à otimização ambiental

5.1.

A partilha e otimização dos meios de produção, por um lado, e a multiplicação e flexibilização do consumo, por outro, indicam que as redes de transporte e de distribuição de eletricidade adquirem a função essencial de assegurar a solidariedade territorial. Com efeito, a rede de transporte permite harmonizar os balanços regionais ou mesmo nacionais heterogéneos, os potenciais de produção díspares e os perfis de consumo diversos e variáveis. Para além da flexibilidade que confere entre a produção e o consumo, a rede de transporte de eletricidade é também um instrumento de otimização ambiental do sistema elétrico.

5.2.

A gestão dos fluxos de eletricidade tem em conta as limitações técnicas e derivadas da «hierarquia» económica e social das diferentes fontes de produção elétrica. As chamadas energias «inevitáveis» (cuja produção se perde se não for consumida imediatamente, como a energia eólica ou solar fotovoltaica), são utilizadas em primeiro lugar, seguidas da energia hidroelétrica a fio de água e da eletricidade nuclear, cujo custo marginal é baixo. Seguem-se os chamados meios de produção fósseis, como o carvão, o gás e o fuelóleo, dependendo do custo do combustível. Já a energia hidroelétrica de retenção funciona sobretudo como uma reguladora das outras fontes, tal como outras instalações de produção convencionais e flexíveis (ex. centrais elétricas a gás).

5.3.

Este sistema garante, em teoria, uma utilização ótima e económica das fontes de produção. No entanto, os diversos fatores a ter em conta geram pressões no sistema, podendo o aumento de potência das energias renováveis contribuir para o desequilibrar.

5.4.

Para além da integração técnica das energias renováveis no sistema elétrico, o seu desenvolvimento, alcançado graças aos regimes de apoio (nomeadamente financeiros), coloca a questão da articulação destas energias com os mecanismos normais de mercado.

5.5.

Esta questão tem de ser posta no devido contexto: os meios de produção térmicos, em especial os ciclos combinados alimentados a gás, dificilmente são rentáveis devido à estagnação do consumo, o que pode ser positivo do ponto de vista social, mas também do ponto de vista da diminuição do preço do carvão e do CO2 na Europa. Neste contexto, a inserção de energias renováveis pode gerar desequilíbrios nos mercados organizados. Nomeadamente, verificou-se várias vezes a existência de preços negativos no mercado de energia por grosso, situação paradoxal que corre o risco de se manifestar em certos países europeus, várias centenas de horas por ano. A supressão nos últimos anos, devido à falta de valorização económica, de mais de 70  000 MW de ciclos combinados a gás, com todas as consequências técnicas, sociais e económicas, reflete a falta de coordenação entre o desenvolvimento do novo modelo energético europeu e as regras do jogo resultantes do mercado interno da energia.

5.6.

A desativação de muitas centrais térmicas, nomeadamente a gás, em toda a Europa poderá gerar problemas. Para além dos problemas sociais, as margens de segurança existentes atualmente, que permitiram, por exemplo, suportar a vaga de frio continental sentida em 2012, diminuirão ao longo de todo o período 2014-2018, com uma redução acentuada em 2015 e 2016. Os diferentes cenários estudados por várias empresas revelam que, caso ocorra novamente um evento como a vaga de frio de fevereiro de 2012 nas mesmas condições climatéricas (vento, irradiação, temperatura), poderá deixar de ser possível, em 2016, cumprir o critério de segurança do aprovisionamento fixado por determinados Estados-Membros, que prevê uma interrupção de três horas, em média, do abastecimento de eletricidade.

5.7.

Atualmente, o mercado da eletricidade tem dificuldade em enviar sinais eficazes de longo prazo, que são indispensáveis para estimular os investimentos necessários e conseguir realizar as ambições europeias em matéria de clima e energia. Importa urgentemente criar um novo modelo na União Europeia e em grande parte dos países limítrofes, para garantir a segurança do aprovisionamento de eletricidade. Este modelo deve permitir não só favorecer o aparecimento de novas oportunidades tecnológicas e industriais em torno de redes inteligentes mas também repensar a economia dos sistemas elétricos no seu conjunto, a fim de o tornar coerente com os diferentes objetivos fixados para 2030 e para o período após 2030.

Bruxelas, 18 de março de 2015

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


14.8.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 268/19


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O papel do desenvolvimento sustentável e a participação da sociedade civil nos acordos de investimento autónomos entre a UE e os países terceiros»

(2015/C 268/04)

Relator:

Jonathan PEEL

Na reunião plenária de 10 de julho de 2014, nos termos do disposto no artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar um parecer de iniciativa sobre o

O papel do desenvolvimento sustentável e a participação da sociedade civil nos acordos de investimento autónomos entre a UE e os países terceiros.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 24 de fevereiro de 2015.

Na 506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015 (sessão de 19 de março), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 165 votos a favor, um voto contra e oito abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Nos últimos anos, a UE negociou com êxito uma série de acordos de comércio livre (ACL) dotados de um capítulo específico sobre o desenvolvimento sustentável e de um mecanismo conjunto da sociedade civil para acompanhar a sua aplicação. Em cada um dos casos, o Comité pode desempenhar um papel determinante. A UE está também a realizar duas negociações separadas sobre acordos de investimento autónomos, podendo vir a haver outras no futuro. O Comité considera essencial que estes acordos contenham um capítulo sobre o desenvolvimento sustentável, com um mecanismo adequado que possibilite a participação da sociedade civil.

1.2.

Serão negociados distintos acordos de investimento autónomos, em vez de ACL plenos, por motivos vários, conforme as circunstâncias, mas o seu âmbito de aplicação será forçosamente mais limitado. A exigência de incluir um capítulo distinto sobre o desenvolvimento sustentável nos acordos continuará a ser incontornável, mas a inclusão formal da participação da sociedade civil implicará esforços maiores. Num ACL como o celebrado com a Coreia são estabelecidos muitos comités mistos, mas um acordo de investimento contará com muito poucos.

1.2.1.

Será, por conseguinte, necessária muita habilidade para conseguir inserir diretamente o contributo da sociedade civil. Este objetivo deve ser perseguido através da utilização de um mecanismo de diálogo já existente, como o da Mesa-Redonda UE-China, ou mediante a promoção do diálogo intersetorial, recorrendo com mais frequência aos parceiros sociais. Em todo o caso, o Comité deve ser incluído na elaboração de possíveis soluções.

1.3.

Parte da ênfase da UE no desenvolvimento sustentável decorre, evidentemente, da sua vontade geral de promover e reforçar o empenho unânime na democracia, no Estado de direito, nos direitos humanos, na transparência e na previsibilidade, bem como em domínios fundamentais como os direitos de propriedade intelectual.

1.3.1.

No cerne da questão estão a proteção do ambiente, o combate às alterações climáticas, a promoção do trabalho digno, a saúde e a segurança no trabalho e o vasto leque de assuntos abordados pelas principais convenções da OIT e pelas mais importantes convenções em matéria de ambiente. O Comité considera que é chegado o momento de estes acordos darem mais ênfase à execução efetiva, através de esforços de colaboração que passem pelo reforço das capacidades tanto a nível dos recursos humanos como das transferências de tecnologia.

1.3.2.

A declaração conjunta da 27.a reunião da UE-ACP, em outubro de 2014 (1), define claramente os princípios e as preocupações do Comité que, neste caso, são partilhados pela sociedade civil de países terceiros. A síntese desta declaração salienta a importância do desenvolvimento sustentável e de concluir este ano os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), além da necessidade de envolver a sociedade civil (ou as partes interessadas não estatais) neste tipo de negociações. Embora estas recomendações tenham sido formuladas no contexto dos acordos de parceria económica (APE), são igualmente aplicáveis a acordos de investimento.

1.4.

O Comité salienta que qualquer acordo de investimento celebrado pela UE deve estar plenamente em consonância com a atividade do grupo de trabalho aberto das Nações Unidas que define os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), com a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de Paris (CQNUAC — COP 15) e com as atuais negociações multilaterais relativas à redução das pautas aduaneiras sobre bens ambientais (ecológicos).

1.4.1.

O Comité já referiu anteriormente que é necessário compreender melhor a articulação existente entre as três dimensões do desenvolvimento sustentável «a fim de encontrar soluções justas, moderadas e eficazes» (2). No entanto, a sustentabilidade deve desempenhar um papel essencial nas atuais negociações de investimento da UE com a China, especialmente porque temos conhecimento de que há uma procura importante, na China, de investimentos ecológicos e sustentáveis, através da importação de conhecimentos e tecnologias da UE.

1.5.

O Comité lamenta que os níveis de investimento gerais tenham caído, pelo menos, 5 % desde 2000.

1.6.

É igualmente de referir que, segundo as estimativas da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Cnuced) (3), serão necessários cerca de 7 biliões de dólares de investimento ao longo do período de vigência dos objetivos de desenvolvimento sustentável, e que pelo menos um terço deste montante terá de provir do setor privado. Este setor será pois um fator essencial de qualquer acordo de investimento. A questão da proteção dos investimentos é crucial, mas está a ser tratada noutro parecer do Comité. No entanto, o Comité reafirma que o direito de a UE e outros Estados regularem e perseguirem objetivos legítimos de política pública (incluindo saúde, segurança e ambiente) é fundamental.

1.6.1.

O Comité recomenda vivamente que a Comissão preste especial atenção ao apoio às PME e às empresas mais especializadas no que toca a questões de investimento e outras. Estas empresas são importantes impulsionadoras da inovação — particularmente importante para manter e desenvolver a sustentabilidade — e representam 99 % do tecido económico da UE, criando entre 70 e 80 % dos postos de trabalho.

1.6.2.

Os contratos públicos terão de ser abrangidos por todo e qualquer acordo de investimento, a par das parcerias público-privadas (PPP), no âmbito das quais os governos trabalham lado a lado com o setor privado. A posição do Comité sobre as PPP foi objeto do parecer ECO/272, adotado em 21 de outubro de 2010. Embora, de um modo geral, favorável às PPP, o parecer também sublinhou certas reservas, que continuam a ser muito pertinentes. Além disso, o Comité já anteriormente referira que «as parcerias entre os setores público e privado podem ser um instrumento essencial para aplicar as estratégias de desenvolvimento, desde que se assegure previamente um equilíbrio adequado e uma boa comunicação entre as partes interessadas» (4). Por conseguinte, todos os acordos de investimento deverão prever a possibilidade de investimentos públicos e de PPP. Ambos deverão garantir que os objetivos em matéria de sustentabilidade são atingidos.

1.6.3.

O Comité recomenda ainda que o capítulo sobre desenvolvimento sustentável de todo e qualquer acordo de investimento mencione o papel da responsabilidade social das empresas, incluindo uma referência ao investimento socialmente responsável, exemplificado pelos princípios de investimento responsável das Nações Unidas (UNPRI) (5). Neste sentido, os acordos devem encorajar as instituições de financiamento públicas e privadas a declarar voluntariamente que os dados relativos ao impacto ambiental, social e na governação (conhecidos como os critérios «ESG», na sigla em inglês) foram tidos em conta nas análises que efetuaram e nas decisões de investimento responsável que tomaram. Note-se que está prevista para o início de 2015 uma nova comunicação da Comissão sobre a RSE, mas é essencial que ambas as partes negociadoras reconheçam plenamente as orientações internacionais mais amplas, nomeadamente as orientações da OCDE para as empresas multinacionais (6) e os princípios orientadores das Nações Unidas sobre as Empresas e os Direitos Humanos, que estão em fase de implementação. O Comité salienta que nenhuma medida da UE ou internacional deve prejudicar ou pôr em causa estes princípios.

2.   Contexto

2.1.

O investimento tornou-se uma competência da UE ao abrigo do Tratado de Lisboa, que o integrou na política comercial comum (PCC), devendo a UE trabalhar no sentido da «supressão progressiva das restrições às trocas internacionais e aos investimentos estrangeiros diretos» (7) (IDE). O Tratado também exigiu que todos os aspetos pertinentes do comércio, do investimento, do desenvolvimento e do alargamento sejam mais estreitamente integrados e se influenciem mutuamente, inclusivamente para garantir uma coordenação muito maior.

2.2.

A Comissão, na altura, publicou a comunicação «Rumo a uma política europeia global em matéria de investimento internacional» (8). Este documento, com base nos acórdãos do TJE, define o investimento direto estrangeiro (IDE) «de um modo geral» como «qualquer investimento estrangeiro que sirva para estabelecer relações duradouras e diretas com a empresa à qual o capital é disponibilizado com vista ao exercício de uma atividade económica», ou como a transferência de capital de um investidor estabelecido num país para uma empresa estabelecida noutro.

2.2.1.

Em resposta, o parecer do Comité (9)«[saudou] particularmente o facto de [se] reiterar que a política comercial e de investimento da UE “deve coadunar-se” e ser coerente com a política económica e outras políticas da União, incluindo “as políticas no domínio da proteção do ambiente, do trabalho digno, da saúde e segurança no trabalho” e de desenvolvimento».

2.3.

No entanto, a tendência para uma maior integração de todos os aspetos da política externa da UE não data dessa altura. Na sua comunicação de 2006 intitulada «Europa global», emitida quando as negociações levadas a cabo no âmbito da Agenda de Desenvolvimento de Doha da OMC tinham efetivamente chegado a um impasse, a Comissão declarou que era essencial garantir que os benefícios da liberalização comercial fossem transferidos para os cidadãos. «Posto que perseguimos a justiça e coesão sociais a nível interno, devemos também tentar promover os nossos valores pelo mundo fora, incluindo as normas ambientais e sociais e a diversidade cultural» (10). Na sua resposta a esta comunicação, o Comité, por seu lado, solicitou a inclusão de um capítulo de desenvolvimento sustentável em cada um dos ACL posteriores, bem como a atribuição de um papel ativo de monitorização à sociedade civil (11).

2.4.

Desde então, registou-se um número considerável de acordos comerciais da UE em que o capítulo sobre o desenvolvimento sustentável ocupa um lugar de destaque. A partir do acordo UE-Coreia, de 2010, na altura o primeiro ACL da União a ser concluído desde há vários anos, estes acordos também incluíram a criação de um mecanismo conjunto da sociedade civil para acompanhar a aplicação dos capítulos relativos ao desenvolvimento sustentável. Estes mecanismos estão agora a começar a produzir efeitos. O fórum da sociedade civil UE-Coreia reuniu-se regularmente, e os órgãos consultivos associados ao ACL entre a UE e a América Central, ao ACL entre a UE e a Colômbia/Peru e ao acordo de parceria económica UE-Cariforum também deram início aos seus trabalhos.

2.5.

Nos acordos de comércio livre abrangentes e aprofundados com a Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia, recentemente assinados mas ainda não operacionais, no acordo económico e comercial global entre a UE e o Canadá (AECG) e nos acordos entre a UE e Singapura existem mecanismos semelhantes, que podem ser facilmente previstos noutras negociações comerciais da UE ainda em curso.

2.6.

O investimento, por sua vez, passou a constituir uma parte essencial do mandato negocial nestas negociações, desde que aquele passou a integrar as competências da UE, nomeadamente nas negociações do AECG e ainda mais acentuadamente nas negociações relativas à TTIP (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento) com os EUA, em que o I significa «investimento». O mandato acordado para a Coreia e os outros acordos de comércio livre referidos no ponto 2.4 são anteriores à inclusão do investimento nas competências da UE. Este domínio foi acrescentado posteriormente ao mandato para as negociações com Singapura, que foram concluídas separadamente.

2.7.

As negociações relativas a um acordo de investimento autónomo, separado, foram formalmente lançadas na Cimeira UE-China, em novembro de 2013, seguindo-se em março de 2014 o lançamento de negociações para um acordo idêntico com a Birmânia. Estas são as primeiras negociações autónomas da UE sobre investimento, ou seja, que não fazem parte de uma negociação mais ampla com vista a um ACL (12). Este tipo de acordo pode igualmente constituir uma alternativa atraente nos casos em que as longas negociações de ACL da UE pareçam ter perdido toda a dinâmica — por exemplo, antes da crise ucraniana tinha sido sugerida a possibilidade de a UE iniciar negociações separadas com a Rússia sobre investimento.

2.8.

O presente parecer tem por objetivo examinar o possível papel de um capítulo sobre desenvolvimento sustentável nos acordos de investimento autónomos, assim como as possibilidades de participação formal e ativa da sociedade civil.

3.   O caráter evolutivo do investimento

3.1.

Inicialmente, o investimento (como uma das «questões de Singapura» aprovadas em 1996) deveria fazer parte das negociações comerciais multilaterais da OMC lançadas em Doha, mas foi subsequentemente retirado na Conferência Ministerial da OMC de 2003, em Cancún. A tentativa da OCDE de lançar um acordo multilateral sobre investimento falhou em 1998. O acordo TRIM (medidas de investimento relacionadas com o comércio) celebrado na ronda de negociações do Uruguai (Uruguay Round) da OMC, há 20 anos, aplica-se unicamente às medidas que afetam o comércio de mercadorias, mas não aos serviços ou a outros domínios essenciais que entretanto se desenvolveram.

3.2.

A separação entre comércio e investimento está a tornar-se cada vez mais complexa, exigindo uma abordagem integrada. O investimento direto estrangeiro (IDE) é fundamental e cada vez mais importante na estratégia empresarial global da UE. Para muitos, dependendo dos custos de produção comparativos, o ponto de produção ideal situa-se o mais próximo possível do mercado final, o que se revela particularmente importante à medida que se abrem novos mercados, em especial nas rápidas economias emergentes e em desenvolvimento. Para outros, a capacidade imediata de transferir rapidamente o aprovisionamento e a produção de um país para outro é importante, como já aconteceu devido a divergências na aceitação da utilização da biotecnologia.

3.2.1.

Os movimentos monetários e a evolução dos custos também afetam as cadeias de abastecimento, provocando flutuações e variações a curto prazo na produção. As elevadas barreiras à importação — outrora um ponto a favor do investimento — são atualmente mais suscetíveis de dissuadir o investimento direto estrangeiro.

3.2.2.

As cadeias globais de abastecimento e de produção podem também abranger muitos países. Por exemplo, um telemóvel com destino à Europa pode ser construído na China e integrar tecnologia avançada importada de outro país da Ásia Oriental. Antes da adesão da China à OMC, esses produtos entravam geralmente na UE importados diretamente. De facto, cerca de metade das exportações da China provém de empresas estrangeiras que investiram nesse país — proporção que atinge os 65 % no setor eletrónico.

3.2.3.

A comunicação de 2010 também refere que o «estado atual da investigação sobre IDE e emprego mostra que não foi até agora identificado qualquer impacto negativo mensurável no emprego total resultante do investimento no exterior» (13), apesar de admitir que, «embora o saldo global seja positivo, podem naturalmente surgir efeitos negativos a nível setorial, geográfico e/ou individual». É mais provável que estes efeitos afetem as pessoas menos qualificadas.

3.3.

As práticas comerciais e de investimento estão a desenvolver-se muito rapidamente. Por exemplo, a Internet está na origem de alterações radicais, com um crescimento exponencial da compra de bens em linha a nível internacional, dos pagamentos dessas compras por via eletrónica e do acompanhamento do processo de envio das mercadorias, a fim de assegurar a sua entrega correta. As alterações introduzidas pela utilização crescente do eBay, PayPal e meios equivalentes (como o Alibaba) revolucionarão o comércio e o investimento. As TIC são já um fator determinante no investimento direto estrangeiro.

3.3.1.

Esta situação representa um enorme potencial para as PME e outras empresas mais especializadas, na medida em que lhes permite, assim como às empresas locais, aceder a mercados até ao momento inacessíveis, especialmente para as PME baseadas em zonas mais remotas. Tal pode significar um impulso significativo para as PME que investem no estrangeiro e para a criação de postos de trabalho a nível local. Dado que as PME constituem 99 % do tecido económico da UE, são os principais motores da inovação, desempenham um papel preponderante na manutenção e no desenvolvimento da sustentabilidade e criam entre 70 % e 80 % dos postos de trabalho, o CESE insta a Comissão a prestar especial atenção ao apoio a estas empresas em questões de investimento, assim como noutros domínios.

4.   Acordos de investimento autónomos

4.1.

Os dois processos de negociações em curso sobre acordos de investimento autónomos da UE, com a China e com a Birmânia, serão muito diferentes, embora os mandatos de base sejam semelhantes. Todos os Estados-Membros da UE (exceto a Irlanda) têm acordos bilaterais em matéria de investimento com a China, mas nenhum o fez com a Birmânia. No caso da China, o acesso aos mercados é uma parte importante das negociações; com a Birmânia, o principal aspeto é a proteção dos investidores. Após um longo período de isolamento, o Governo da Birmânia pretende agora atrair e incentivar o investimento estrangeiro.

4.2.

A China e a Birmânia têm níveis de desenvolvimento completamente díspares. A China é uma importante superpotência, bem integrada no sistema de comércio mundial, enquanto a Birmânia está a emergir lentamente de décadas de isolamento imposto e voluntário. Este país tem necessidade de reforçar as suas capacidades, ao passo que a China não. O volume total de comércio de mercadorias da UE com a Birmânia em 2013 foi de 533 milhões de euros; com a China ascendeu a 428 mil milhões de euros (tendo os serviços representado 49,9 mil milhões de euros adicionais, em 2012) (14).

4.2.1.

Em 2012, o investimento da UE na China foi, no entanto, de apenas 15,5 mil milhões de euros (5,3 mil milhões de euros em 2009), ao passo que o investimento chinês na UE foi de apenas 7,6 mil milhões de euros (0,3 mil milhões de euros em 2009) (15) — ou seja, apenas cerca de 2,6 % do investimento estrangeiro na UE nesse ano. Estes valores são muito reduzidos. Saliente-se que, ao passo que 30 % do IDE da UE é dirigido aos EUA, menos de 2 % é investido na China (se bem que esses 2 % representam cerca de 20 % de todo o IDE recebido nesse país). Por seu turno, a China é responsável por menos de 0,7 % do volume total de investimento direto estrangeiro na UE (poderá também haver investimento indireto através de Hong Kong ou de outro local), ao passo que os EUA são responsáveis por 21 %.

4.2.2.

Cada negociação de acordo de investimento tem as suas caraterísticas específicas. No caso da Birmânia, trata-se de estabelecer princípios e normas para desenvolver e incentivar o investimento estrangeiro; com a China, pretende-se um acordo muito mais ambicioso. No entanto, em ambos os casos, grande parte do investimento subsequente provirá do setor privado ou será realizado em conjunto com este.

4.3.

Um dos principais domínios de competência das partes num acordo de investimento será facilitar o investimento através do fornecimento de infraestruturas necessárias e sustentáveis. Os governos são responsáveis por fornecer uma base regulamentar sólida para as infraestruturas, tanto a nível regional como para garantir redes eficazes e eficientes de energia, água e transportes, realizando, para tal, um trabalho de base sistemático e eficaz. A conceção das redes de energia e de água é complexa e pode ser necessária uma década ou mais até estas estarem plenamente operacionais. O quadro regulamentar também tem de ser planeado a longo prazo. A Cnuced (16) estima que, dos 7 biliões de dólares americanos de investimento necessários ao longo do período de vigência dos objetivos de desenvolvimento sustentável, pelo menos um terço provirá do setor privado — incluindo para a construção de novas cidades e de escolas, hospitais e estradas.

4.4.

Neste sentido, será essencial facilitar as parcerias público-privadas (PPP). Todos os acordos de investimento deverão assegurar que o enquadramento regulamentar facilita investimentos estrangeiros nos contratos públicos e nas PPP, que sejam previsíveis e sustentáveis a longo prazo. As empresas também precisam de fazer planos a longo prazo, especialmente para garantir o sucesso dos seus investimentos. O fracasso de qualquer das partes não será benéfico para ninguém. Importa que haja intervenientes fortes, tanto governamentais como do setor privado, que desenvolvam novas sinergias e aprendam novas formas de participação. Neste sentido, o contributo da sociedade civil deve desempenhar um papel fundamental, especialmente ao nível dos parceiros sociais.

4.5.

No caso da China, um dos principais benefícios de um acordo deste tipo seria que ele substituiria e atualizaria num só documento os 27 acordos bilaterais de investimento celebrados com os Estados-Membros. Em vez de simplesmente tentar consolidar estes acordos, a UE deve procurar celebrar um acordo de nova geração e de alto nível (tal como fez com o Canadá). Além do acesso ao mercado, as negociações abrangem também uma série de questões mais amplas, incluindo os contratos públicos, a política de concorrência, o papel das empresas estatais, o acesso a setores até agora vedados e as questões relacionadas com o desenvolvimento sustentável.

4.5.1.

É essencial que o acordo de investimento UE-China gere valor acrescentado e conduza a um reforço do diálogo político, bem como a um nível mais elevado de integração e de intercâmbio tecnológico.

4.5.2.

O Comité chama a atenção para o conjunto de princípios de investimento acordados entre a UE e os EUA em 2012 (17), que sublinham a importância crucial de criar e manter um clima de investimento aberto e estável, bem como políticas que contribuam para o desenvolvimento económico sustentável, o crescimento, a criação de emprego, o aumento da produtividade, a inovação tecnológica e a competitividade.

4.6.

Em todo o caso, a necessidade de incluir um capítulo sobre o desenvolvimento sustentável em qualquer acordo de investimento com a China é evidente, em especial porque o investimento ecológico e sustentável é uma das principais solicitações deste país. A maioria dos observadores crê que o principal motivo do interesse da China num tal acordo reside na necessidade de os chineses procurarem investimentos e conhecimentos técnicos da UE que os ajudem na expansão das cidades existentes, garantindo um máximo de sustentabilidade, e na construção de novas cidades sustentáveis em todo o país. A China assistiu aos erros cometidos não só no mundo desenvolvido, em que os centros das cidades foram abandonados, mas também nas economias rapidamente emergentes, em que houve um crescimento urbano desordenado devido a uma expansão muito rápida, descontrolada e não planeada das cidades. A urbanização na China cresce de forma exponencial: mais de 50 % dos chineses já vivem em cidades — um número inimaginável há alguns anos. Por exemplo, Shenzhen, uma cidade que não existia há 40 anos, quadruplicou a sua população entre 2000 e 2010, atingindo mais de 10 milhões de habitantes. Os chineses estão determinados a evitar o mais possível muitos dos problemas encontrados noutros locais.

5.   O papel do desenvolvimento sustentável nas negociações sobre os investimentos

5.1.

O Comité regozija-se com o compromisso da Comissão de introduzir uma componente relativa ao desenvolvimento sustentável nos acordos de investimento. Qualquer capítulo específico sobre o desenvolvimento sustentável deverá basear-se nos princípios estabelecidos no primeiro capítulo deste género, o capítulo 13 do acordo de comércio livre UE-República da Coreia, de 2010 (18), e desenvolvidos subsequentemente, nomeadamente em recentes acordos de parceria económica e nos acordos com Singapura e o Canadá (ainda não ratificados). Será igualmente necessário proceder a determinados ajustes das provisões relativas aos investimentos, nomeadamente para destacar o investimento responsável, uma maior transparência, a eficiência energética, a promoção de serviços ambientais e outros fatores pertinentes.

5.1.1.

O Comité saúda igualmente os compromissos assumidos pela Comissão Europeia e pelo Conselho para assegurar que a política de investimento não será contrária a nenhum dos aspetos específicos do desenvolvimento sustentável.

5.2.

O anexo 13 do acordo UE-Coreia torna claro que, para a realização dos objetivos do capítulo sobre o desenvolvimento sustentável, as partes cooperarão tanto numa troca de pontos de vista sobre «os impactos positivos e negativos» do acordo, bem como em fóruns internacionais responsáveis pelos aspetos sociais ou ambientais do comércio e desenvolvimento sustentável, incluindo a OMC, a OIT, o PNUA e os acordos multilaterais em matéria de ambiente. Qualquer disposição resultante de uma atualização deste anexo deverá incluir igualmente as recentes iniciativas pertinentes do Banco Mundial, da FAO e de outras instâncias.

5.2.1.

O artigo 13.4 do referido acordo indica claramente que todas as convenções sociais fundamentais (normas e acordos multilaterais em matéria de trabalho) são abrangidas, assim como os acordos multilaterais em matéria de ambiente, no artigo 13.5. O artigo 13.6 refere expressamente o investimento direto estrangeiro em «mercadorias e serviços ambientais, nomeadamente, tecnologias ambientais, energia renovável sustentável, produtos e serviços eficientes do ponto de vista energético e mercadorias com rotulagem ecológica».

5.2.2.

São também muito importantes o artigo 13.7, que previne qualquer enfraquecimento ou redução da legislação para incentivar o investimento, e o artigo 13.9, consagrado à transparência.

5.2.3.

Apesar de cada acordo negociado ter as suas próprias caraterísticas, é essencial uma abordagem coerente com um formato facilmente reconhecível e aceitável.

5.2.4.

Um mecanismo formal de diálogo sobre o desenvolvimento sustentável, semelhante ao previsto no capítulo 13/anexo 13 do acordo com a Coreia, será tão importante como num ACL pleno. No caso da Birmânia, a capacidade para debater a aplicação das convenções da OIT será crucial: entre 1997 e 2013, a Birmânia foi suspensa do Sistema de Preferências Generalizadas/«Tudo Menos Armas» da UE, devido a violações dos princípios da Convenção da OIT sobre o trabalho forçado.

5.2.5.

No que diz respeito à China, o capítulo sobre o desenvolvimento sustentável e o fórum de debate específico devem procurar aprofundar o atual diálogo UE-China sobre o emprego e a política social e o diálogo UE-China relativo à política ambiental, que foi estabelecido em 2005, mas que recebeu um novo alento mais recentemente através da declaração conjunta de 2012 relativa ao reforço do diálogo sobre a política ambiental e o crescimento verde. Este capítulo deve igualmente abranger a poluição da água e do ar, a gestão dos resíduos e a silvicultura.

5.2.6.

Todos os capítulos sobre o desenvolvimento sustentável deverão examinar de forma aprofundada o reforço do papel desempenhado pelo setor privado no investimento. As obrigações exigidas aos investidores serão essenciais e deverão ser compensadas por uma forma adequada de proteção dos mesmos. Há que ter em conta as obrigações dos investidores em relação aos requisitos de desenvolvimento sustentável, incluindo o investimento socialmente responsável, nos esforços para sustentar e manter a sua competitividade nos mercados mundiais. Para alguns, o apoio ao desenvolvimento sustentável será o objetivo principal do seu investimento, mas, para outros, esta questão será secundária. As partes negociadoras devem facilitar o investimento, mas não podem decidir que tipos de investimento serão realizados. No entanto, uma estratégia eficaz de investimento da UE é crucial para manter a competitividade da UE numa altura de rápidas mudanças económicas e de grandes transformações na relação de forças do poder económico em todo o mundo, em especial através do investimento das empresas e PME mais especializadas, que são importantes fontes de inovação.

5.2.7.

O artigo 13.6, n.o 2, do acordo com a Coreia refere o comércio equitativo e ético no que diz respeito ao comércio de mercadorias, mas também os regimes que «envolvem responsabilidade social e responsabilização das empresas». O anexo 13 também prevê o «intercâmbio de informações e cooperação» sobre estas questões, incluindo «a aplicação efetiva e o acompanhamento das orientações acordadas a nível internacional». O Comité recomenda veementemente que esta abordagem seja também utilizada nos acordos de investimento. A responsabilidade social das empresas (RSE) será extremamente importante em qualquer acordo de investimento.

5.2.8.

Este mecanismo seria muito útil para abordar conjuntamente as questões de RSE com os nossos parceiros de investimento e deveria dar especial atenção à sensibilidade cultural, à promoção da transparência e de uma abordagem ética, e à luta contra a corrupção. Integrar as preferências dos consumidores trará benefícios económicos, para além de que promoverá, por exemplo, uma energia mais ecológica e eficaz. São fundamentais a sensibilização, o intercâmbio de boas práticas e a colaboração construtiva entre as empresas e as partes interessadas, juntamente com o reforço de capacidades para as PME, sobre as quais recaem custos desproporcionados. Os investimentos chineses no estrangeiro podem falhar facilmente devido à falta de uma compreensão plena daquilo que lhes é exigido. Facilitar uma ligação mais estreita entre os investidores, as necessidades da sociedade e, por conseguinte, as preferências dos consumidores seria um serviço precioso para todas as partes.

5.2.9.

A Comissão define a RSE como «a responsabilidade das empresas pelo seu impacto na sociedade». A RSE é orientada para as empresas e consiste em iniciativas voluntárias que cumprem ou ultrapassam os requisitos legais. Trata-se de criar novo valor através da inovação. A responsabilidade social das empresas abrange considerações económicas, sociais e ambientais, em consulta com todas as partes interessadas pertinentes, mas é, sobretudo, uma abordagem que deve ser flexível e diversificada. Não se pode enquadrar num formato único, já que cada empresa tem a sua identidade própria. Por conseguinte, as práticas de RSE variam muito, mas, se forem corretamente utilizadas, são um instrumento valioso para criar oportunidades de negócio e aumentar a competitividade de uma empresa.

5.2.10.

Está prevista para breve uma nova comunicação da Comissão sobre a RSE. As principais orientações internacionais de referência são, entre outras, as orientações da OCDE para as empresas multinacionais (19) e os princípios orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, que estão em fase de implementação. É importante que nenhuma medida a nível da UE ou internacional prejudique ou ponha em causa estes princípios. Importa igualmente recordar que os Estados têm o dever de proteger e cumprir os direitos humanos, ao passo que as empresas têm a responsabilidade de os respeitar.

6.   O papel da sociedade civil

6.1.

A sociedade civil tem a função de aproximar os governos e o setor privado, mantendo um envolvimento continuado e assegurando um papel de acompanhamento. No entanto, a questão da participação direta da sociedade civil, nomeadamente o controlo direto dos acordos de investimento com a participação ativa dos atores estatais e não-estatais, requer diferentes soluções específicas a cada país, dependendo dos atuais níveis de diálogo social e de compreensão entre os diferentes grupos sociais.

6.2.

No acordo UE-Coreia existem vários mecanismos de diálogo entre as duas partes. O fórum da sociedade civil presta contas ao Comité de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, onde têm assento os governos de ambas as partes. Nos acordos de investimento apenas está previsto um comité — e poderá nem sempre ser adequado levantar questões de investimento a este nível, especialmente se uma das partes não quiser fazer deste tema uma questão política ou diplomática. Assim, poderá ser necessário encontrar um novo mecanismo para um fórum da sociedade civil.

6.3.

Em países como a China ou a Birmânia existe uma perceção muito diferente, mais fechada, sobre a sociedade civil, pelo que será necessária uma grande capacidade de persuasão para convencer os responsáveis a incluir órgãos da sociedade civil nos organismos de acompanhamento. A China estabeleceu parcerias em vários países africanos centradas no investimento apenas de natureza comercial, em vez de, por exemplo, ajuda ao desenvolvimento. Os mecanismos de consulta já existentes não são diretamente comparáveis com os da UE, mas o reforço de todo e qualquer diálogo entre os organismos competentes já seria um complemento muito importante para os acordos. Por seu lado, a UE fez do diálogo social e civil uma pedra angular do seu modelo social e conferiu-lhe um quadro institucional.

6.3.1.

O Comité deve ser incluído na elaboração de possíveis soluções. Por conseguinte, o CESE entende que a melhor via a seguir seria reproduzir o princípio da Mesa-Redonda UE-China, em que estão igualmente representados o CESE e o Conselho Económico e Social da China, ou um outro mecanismo de diálogo criado em função das circunstâncias sociais específicas do país em causa.

6.3.2.

Em alternativa, pode encontrar-se outra via de inclusão da sociedade civil através da experiência considerável da Comissão em programas de reforço das capacidades em matéria de comércio e questões conexas. Por exemplo, os programas com ministérios de países terceiros destinados a gerir a aplicação das regras da OMC tiveram uma componente relativa à sociedade civil, envolvendo associações patronais e sindicatos que cooperaram com os organismos das Nações Unidas (por exemplo, a OIT, a Cnuced, a ONUDI) na realização dos programas. O papel dos parceiros sociais será igualmente importante, dada a grande percentagem de investimento global que conta com a participação das empresas.

Bruxelas, 19 de março de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  ACP EU Meeting_Oct 2014_Final Declaration-EN (2).

(2)  JO C 271 de 19.9.2013, p. 144.

(3)  Comunicado de imprensa do Fórum Mundial do Investimento da Cnuced, Genebra, 14 de outubro de 2014.

(4)  JO C 67 de 6.3.2014, p. 1.

(5)  Estas questões poderão ser tratadas de forma mais abrangente num próximo relatório de informação do Comité.

(6)  Orientações da OCDE para as empresas multinacionais, 2011.

(7)  Artigo 206.o do TFUE.

(8)  Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Rumo a uma política europeia global em matéria de investimento internacional [COM(2010) 343].

(9)  JO C 318 de 29.10.2011, p. 150.

(10)  COM(2006) 567 final, de 4 de outubro de 2006, ponto 3.1, alínea iii).

(11)  JO C 211 de 19.8.2008, p. 82.

(12)  Há quem deseje negociações plenas entre a UE e a China com vista a um ACL.

(13)  «Impact of EU outward FDI», 2010, Copenhagen Economics.

(14)  Dados da DG Comércio.

(15)  Dados da Comissão.

(16)  Ver nota de rodapé 3.

(17)  http://trade.ec.europa.eu/doclib/html/149331.htm

(18)  JO L 127 de 14.5.2011, p. 62.

(19)  Orientações da OCDE para as empresas multinacionais, 2011.


III Actos preparatórios

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015

14.8.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 268/27


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento — Um Plano de Investimento para a Europa»

[COM(2014) 903 final]

e a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos e que altera os Regulamentos (UE) n.o 1291/2013 e (UE) n.o 1316/2013»

[COM(2015) 10 final — 2015/0009 (COD)]

(2015/C 268/05)

Relator:

Michael SMYTH

Em 19 de dezembro de 2014, em 28 de janeiro de 2015 e em 3 de março de 2015, respetivamente, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho decidiram, nos termos dos artigos 172.o, 173.o, 175.o, 182.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento — Um Plano de Investimento para a Europa

[COM(2014) 903 final]

e a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos e que altera os Regulamentos (UE) n.o 1291/2013 e (UE) n.o 1316/2013

[COM(2015) 10 final — 2015/0009 (COD)]

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 2 de março de 2015.

Na 506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015 (sessão de 19 de março), o Comité Económico e Social Europeu aprovou, por 200 votos a favor, seis votos contra e 11 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese e recomendações

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente o Plano de Investimento para a Europa e congratula-se com a mudança de enfoque, deixando de pôr a austeridade e a consolidação orçamental em primeiro plano. A Comissão reconhece agora que há um défice de investimento e de procura agregada e que o setor financeiro ainda não está em condições de desempenhar plenamente o seu papel no estímulo do crescimento.

1.2.

O Plano de Investimento é um passo na direção certa, mas levanta uma série de questões importantes sobre a sua dimensão face às enormes necessidades de investimento da Europa, o elevado nível de alavancagem esperado, o potencial fluxo de projetos de investimento adequados, a estratégia comercial para atrair capitais privados da Europa e do exterior, a participação das PME (com especial destaque para as microempresas e as pequenas empresas), e a sua calendarização.

1.3.

Há dúvidas quanto à possibilidade de desenvolver uma reserva de projetos que ofereça um retorno capaz de atrair investidores institucionais. O CESE lamenta que a Comissão Europeia não tenha aderido aos princípios do seu próprio Regulamento (UE) n.o 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (1) (artigo 5.o), posteriormente desenvolvidos no Regulamento Delegado (UE) n.o 240/2014 da Comissão (2), e recomenda vivamente que os parceiros sociais e a sociedade civil organizada sejam incluídos no processo de identificação a nível nacional. O não envolvimento das partes interessadas na elaboração das propostas é evidente na lista de projetos potenciais publicada em dezembro.

1.4.

Há que prestar muito mais atenção à instauração de um ambiente propício e previsível em matéria de investimento. Sem a confiança dos investidores, uma legislação adequada nem uma redução dos custos da atividade empresarial na UE, dificilmente se poderá esperar obter um crescimento sequer moderado nem a necessária criação de novos postos de trabalho.

1.5.

O Plano propõe que as contribuições dos Estados-Membros para o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE) não sejam incluídas no cálculo do défice orçamental, proposta que é de louvar. A Comissão deve explicar por que motivo as despesas em infraestruturas públicas estratégicas não são tratadas da mesma forma. Qual é a diferença entre o tratamento orçamental favorável concedido às contribuições dos Estados-Membros para os investimentos produtivos no âmbito do FEIE e a «regra de ouro» propriamente dita?

1.6.

O CESE considera que é chegada a hora de reconhecer que a Europa necessita de um programa de investimento público e privado sustentado para recuperar o crescimento, o emprego e a prosperidade. Deverá recorrer-se a um quadro orçamental europeu mais favorável para incentivar a realização de investimentos públicos estratégicos como os previstos no Plano, os quais estão na base do desenvolvimento económico presente e futuro. O CESE convida a Comissão a encetar um debate sobre a formulação adequada de uma regra orçamental para a Europa que tenha plenamente presente que a sua definição encerra inúmeras dificuldades e que se centre na criação de condições adequadas.

1.7.

O CESE apela à Comissão para que tenha em consideração as recomendações da OIT, segundo as quais convém centrar-se em atrair projetos viáveis das regiões com as taxas de desemprego mais elevadas, com a participação ativa dos parceiros sociais e das partes interessadas nacionais. O CESE recomenda que se tenham em conta as estratégias macrorregionais aquando da identificação e avaliação dos potenciais projetos.

2.   Contexto

2.1.

O nível de investimento na Europa baixou 15 % em relação ao valor máximo registado antes da crise. Ao mesmo tempo, verificam-se em toda a Europa elevadas taxas de poupança, os balanços das empresas apresentam excesso de liquidez e os investidores institucionais têm dinheiro de sobejo, enquanto os orçamentos dos Estados-Membros estão a ser esticados ao máximo ou a contrair.

2.2.

Esta escassez de investimento é tanto mais inaceitável quanto o atual custo de capital, tanto em termos nominais como reais, baixou para um nível histórico. Torna-se, pois, evidente que os mercados, enquanto eixos de articulação entre a procura de investimento e a oferta de financiamento a ele destinado, não estão funcionar corretamente na Europa. Há uma falta de confiança da comunidade de investidores no ambiente económico. A incerteza está a afetar gravemente a confiança das empresas. O terceiro pilar do Plano visa abordar a reforma do quadro regulamentar e simplificar as condições para o investimento em toda a Europa, o que não será fácil de concretizar.

2.3.

Qual é a essência do Plano de Investimento para a Europa? O Plano tem três pilares:

a criação de um Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE) específico, garantido por um montante de 21 mil milhões de euros do orçamento da UE e das reservas do BEI, que, segundo estimativas da Comissão, pode mobilizar um montante adicional de 294 mil milhões de euros de fundos para investimentos ao longo de três anos;

uma reserva de projetos de investimento estratégicos, apoiada por uma plataforma especializada de assistência técnica ao investimento;

a supressão dos obstáculos ao investimento e a melhoria do quadro regulamentar.

2.4.

O FEIE assemelha-se a uma entidade de finalidade especial (EFE), criada no âmbito do BEI para efetuar investimentos de risco superior aos realizados pelo resto da instituição, o que permite manter a notação AAA do BEI. Neste aspeto, o FEIE constitui uma inovação. Representa também uma rutura importante com a ortodoxia, uma vez que os fundos provenientes do orçamento da UE serão utilizados como garantia ou mecanismo de proteção para minorar as perdas potenciais dos investimentos deste fundo.

2.5.

Quanto ao efeito de alavanca, os 21 mil milhões de euros de capital de arranque permitirão ao BEI conceder empréstimos de 63 mil milhões de euros, recorrendo ao seu modelo de negócio habitual. A Comissão parte do pressuposto de que o FEIE procurará então investidores do setor privado e outros para projetos adequados e desbloqueará um total de 315 mil milhões de euros de investimento em capital. A chave para este efeito de alavanca reside no facto de este fundo proteger o BEI do risco, permitindo-lhe investir em projetos mais arriscados.

2.6.

O Comité toma nota de que a Comissão defende a eliminação dos entraves ao investimento. Os recursos financeiros previstos correspondem apenas a uma média anual do montante de investimento em falta para se chegar a uma taxa de investimento robusta, pelo que este investimento adicional seria necessário todos os anos. Para que a iniciativa alcance os seus objetivos, o ambiente empresarial deve ser muito mais propício ao investimento. Por exemplo:

é imprescindível a existência de melhor regulamentação e de um ambiente regulatório mais estável, que apoie a tomada de decisões a longo prazo;

os custos da atividade empresarial na Europa são excessivamente elevados. É importante solucionar as questões dos elevados preços da energia, entre outras;

para fazer da UE a melhor plataforma de acesso ao mercado mundial, é necessária uma política comercial europeia ambiciosa.

3.   Observações sobre o Plano de Investimento para a Europa

3.1.

Embora a primeira reação ao Plano de Investimento para a Europa tenha sido favorável, foram-lhe desde então apontadas uma série de críticas. Alguns comentadores manifestaram-se inequivocamente contra, ao passo que outros o acolheram de forma positiva, embora assinalando algumas lacunas. Muitas das críticas resultam de uma falta de compreensão do contexto do Plano em tempo real. Idealmente, um plano de investimento europeu abrangente deveria ser impulsionado por projetos estratégicos financiados com fundos públicos destinados a estimular o crescimento e a criação de emprego.

3.2.

Uma das principais críticas apontadas ao Plano é o facto de ser demasiado limitado, dada a dimensão do défice de investimento na Europa. Prevê-se que o Plano tenha um efeito multiplicador de 1:15. Há quem considere que este nível de efeito de alavanca simplesmente não é credível (3). A Comissão espera que o montante inicial de 21 mil milhões de euros tenha um duplo efeito de alavanca: primeiro, com o financiamento obrigacionista proveniente do setor privado, que aumentará a dimensão do FEIE, e, em segundo lugar, quando os projetos forem apoiados pelo capital deste fundo, o que atrairá mais investimento privado. Não há dúvida de que o efeito multiplicador esperado é substancial, mas, segundo a Comissão, está dentro dos níveis de alavancagem alcançados pelo BEI no passado. Não obstante o maior risco associado aos projetos a financiar pelo FEIE, o facto de este fundo se encontrar sob a égide do BEI e de ser por ele gerido deve assegurar um efeito de alavanca provavelmente bastante elevado.

3.3.

O lançamento de grandes projetos de infraestruturas, designadamente quando se trata de projetos transfronteiras, pode demorar vários anos, por razões políticas, ambientais, por entraves regulamentares ou, por vezes, simplesmente devido à atitude «NIMBY» (4). Estes entraves levantam duas outras questões. Em primeiro lugar, haverá um número suficiente de grandes projetos de infraestruturas em reserva que sejam simultaneamente estratégicos e atrativos para os investidores? Em segundo lugar, um investimento de 315 mil milhões de euros repartido ao longo de três anos equivale a cerca de 100 mil milhões de euros por ano. Este valor é 40 % superior aos atuais níveis de investimento da UE e não parece ser exequível. Estas críticas são válidas até certo ponto. Cerca de 25 % (75 mil milhões de euros) do financiamento do FEIE destinar-se-á às PME e às empresas de média capitalização, devendo estar plenamente operacional num prazo relativamente curto. A parte restante dos investimentos do Fundo será reservada para o tipo de projetos descritos no relatório da task force especial sobre o investimento na UE. Uma análise desta lista exaustiva indica que há um número considerável de projetos potenciais no domínio da energia, dos transportes, da inovação e da tecnologia digital que poderiam beneficiar do apoio do FEIE.

3.4.

Uma das principais críticas apontadas ao Plano de Investimento é que o seu impacto será a médio ou longo prazo, quando o que é necessário é um programa de investimento a mais curto prazo, à semelhança do Plano de Relançamento da Economia Europeia posto em prática durante a recente recessão. As consequências orçamentais desta abordagem poderiam ser geridas num quadro contabilístico nacional mais flexível, questão que é abordada na secção 4 deste parecer.

3.5.

A capacidade do BEI para gerir um fundo tão ambicioso também suscitou interrogações. No que se refere ao financiamento das PME e das empresas de média capitalização, especialmente as microempresas e as pequenas empresas, há quem considere que o BEI não terá recursos humanos suficientes para chegar diretamente às empresas. Haverá, por conseguinte, um maior recurso aos bancos comerciais para selecionar as microempresas, as PME e as empresas de média capitalização, a fim de lhes proporcionar financiamento relativamente barato. Neste caso, o risco é que os bancos selecionem as empresas que são as suas clientes preferenciais e a que de qualquer forma teriam concedido financiamento, produzindo um forte efeito de inércia (o chamado «deadweight»). O CESE reafirma que há que evitar este tipo de situação, o que pode ser feito, nomeadamente, em consulta com as organizações representativas das PME.

3.6.

Uma solução possível para este risco consiste em conceder às agências de desenvolvimento regional e às associações empresariais um papel de maior relevo na identificação das microempresas, PME e empresas de média capitalização passíveis de obter apoio do Fundo. Estas agências e associações que, regra geral, conhecem melhor e estão mais próximas das empresas mais pequenas podem contribuir eficazmente para as avaliações do risco. Embora reconheça que se colocam algumas questões quanto ao risco moral, o CESE já defendeu esta abordagem noutras ocasiões e entende que ela poderia constituir uma medida eficaz na implementação do Plano de Investimento (5).

3.7.

Estabeleceram-se paralelos entre o Plano de Investimento para a Europa e a iniciativa para o crescimento europeu lançada em 2012 (6). Esta iniciativa envolvia um pacote de 120 mil milhões de euros de financiamento proveniente de dotações orçamentais reafetadas, mas do qual só uma pequena parte foi disponibilizada. Trata-se de uma crítica legítima, pelo que é indispensável que a implementação do Plano seja transparente e bem comunicada. O CESE congratula-se com o facto de o Plano e o FEIE serem acompanhados de perto pelo Parlamento Europeu e o Conselho. Também o CESE deverá ter um papel a desempenhar no controlo da execução do Plano ao longo dos próximos três anos.

3.8.

É lamentável que a Comissão Europeia não tenha nem os recursos financeiros nem o apoio político necessários para mobilizar uma quantidade considerável de recursos adicionais, a fim de lançar as bases para um verdadeiro plano de investimento europeu. Esta restrição orçamental afigura-se absolutamente vinculativa. Numa situação em que há muito poucos recursos disponíveis no orçamento da UE, o que o Plano de Investimento para a Europa propõe acaba por constituir a melhor solução alternativa.

3.9.

A Comissão considera que o plano constitui um verdadeiro complemento a outras políticas estruturais porque o FEIE só intervém quando não há fontes alternativas de financiamento disponíveis. Além disso, considera-se que o FEIE será complementar a outros investimentos do BEI porque tem maior propensão para o risco. O FEIE será também mais flexível no atinente aos instrumentos financeiros que utiliza. Estes instrumentos poderão incluir capital próprio, quase-capital, capital de risco, empréstimos ou garantias para a titularização de empréstimos. Sempre que possível, o FEIE operará em colaboração com os bancos de fomento nacionais. A Comissão propõe apoiar o Plano criando fundos europeus de investimento a longo prazo (FEILP) e desenvolvendo, a par disso, iniciativas para criar novos mercados de titularização e mecanismos para alargar a base de financiamento dos projetos e das PME. Ainda que bem-vindos, estes desenvolvimentos pecam por tardios.

3.10.

A Comissão prevê que o Plano de Investimento seja suficientemente flexível no que diz respeito ao FEIE, à reserva de projetos e à plataforma de aconselhamento ao investimento, de modo a permitir outras fases de investimento nos anos subsequentes. O Plano conta com uma estrutura de governação rigorosa dentro do BEI. Todos os projetos apoiados pelo FEIE também terão de ser aprovados pelo Conselho do BEI, tal como exigido pelo Tratado. O CESE recomenda que os parceiros sociais e as partes interessadas sejam estreitamente associados ao processo de identificação de projetos de investimento público a nível nacional (uma das formas possíveis consiste em utilizar os comités de acompanhamento dos acordos nacionais de parceria).

3.11.

O FEIE procurará promover projetos de risco mais elevado que reforcem o crescimento, o emprego e a produtividade. Ainda não se sabe exatamente se as plataformas de coinvestimento (incluindo o FEIE, os bancos de fomento nacionais e as instituições financeiras privadas) serão suficientemente atraentes para os participantes. Neste sentido, o CESE recomenda que se implemente uma estratégia proativa de comercialização para atrair investimentos privados, proporcionando maior clareza sobre a criação das plataformas de investimento e atribuindo à Plataforma Europeia de Aconselhamento ao Investimento um papel na promoção de possibilidades de investimento dentro e fora da Europa. A capacidade de assunção de riscos do Plano (21 mil milhões de euros) é significativa. Ainda que os níveis de risco sejam mais elevados no contexto do Plano, é muito pouco provável que a totalidade da garantia seja exigida e muito menos que tal ocorra num só momento.

3.12.

Segundo estimativas da Comissão, se o Plano de Investimento atingir plenamente o seu objetivo de investimento, serão criados ao longo dos próximos três anos mais 1 a 1,3 milhões de postos de trabalho. Este número não é negligenciável, mesmo tendo em conta que na UE há 25 milhões de desempregados. A OIT publicou recentemente as suas próprias estimativas de criação de emprego do Plano. A principal conclusão do relatório da OIT é que, se a conceção do programa e a sua repartição forem cuidadosamente preparadas, serão criados mais de 2,1 milhões de novos empregos até meados de 2018. Por exemplo, caso o financiamento ao abrigo do FEIE fosse atribuído tendo em consideração os níveis de desemprego, seria possível maximizar o aumento do emprego, bem como a sua equidade (7). O CESE apela a que as prioridades das estratégias macrorregionais sejam tidas em consideração quando da tomada de decisões acerca de potenciais projetos. Por conseguinte, é claro que os critérios a utilizar para a seleção de projetos a apoiar no âmbito do Plano deverão ser tornados públicos logo que possível.

3.13.

Se o Plano de Investimento conseguir atrair para o FEIE capital adicional proveniente dos Estados-Membros, a Comissão dará um parecer favorável a esses contributos aquando da avaliação dos critérios da dívida e do défice no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento. À partida, isto representa de certo modo uma mudança de atitude da Comissão, que, todavia, não vai suficientemente longe. O CESE manifesta a sua disponibilidade para participar ativamente na continuação do debate sobre a forma de promover melhores investimentos em toda a Europa, nomeadamente mediante uma maior flexibilidade no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento. O CESE convida a Comissão a continuar a explorar as possibilidades de criar um ambiente orçamental favorável aos investimentos na Europa.

4.   Chegou a hora de uma nova «regra de ouro» para a Europa?

4.1.

O CESE congratula-se com a proposta de as contribuições dos Estados-Membros para o FEIE não serem incluídas no cálculo do défice orçamental. No entanto, esta medida leva a questionar por que motivo as despesas em infraestruturas públicas estratégicas não são tratadas da mesma forma. Qual é a diferença entre o tratamento orçamental favorável concedido às contribuições dos Estados-Membros para os investimentos produtivos no âmbito do FEIE e a «regra de ouro» propriamente dita?

4.2.

Os defensores da «regra de ouro» europeia alegam que há aqui uma grande incoerência. No quadro da atual política orçamental europeia, os incentivos negativos foram a causa da quebra do investimento público. De um modo geral, o investimento público aumenta a reserva de capital público e gera crescimento para as gerações presentes e futuras. Daqui resulta que as gerações futuras devem contribuir para o financiamento desses investimentos, dado que a recusa em autorizar o recurso à dívida para financiar os benefícios que deles resultarão para as gerações futuras imporá um ónus fiscal desproporcionado sobre a geração atual e traduzir-se-á em subinvestimento (8) — é aliás o que se está a passar atualmente na Europa.

4.3.

Poder-se-ia argumentar que a maior flexibilidade demonstrada nos investimentos ao abrigo do FEIE constitui, com efeito, uma «minirregra de ouro». A questão da formulação adequada de uma regra orçamental para a Europa deve ser debatida tendo plenamente presente que a sua definição encerra inúmeras dificuldades. O debate também se deve centrar na criação de condições adequadas. O CESE considera que é chegada a hora de reconhecer que a Europa necessita de um programa de investimento público e privado significativo para recuperar o crescimento, o emprego e a prosperidade. Deverá recorrer-se a um quadro orçamental europeu mais favorável para incentivar a realização de investimentos públicos e privados estratégicos como os previstos no Plano, os quais estão na base do desenvolvimento económico presente e futuro.

Bruxelas, 19 de março de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  JO L 347 de 20.12.2013, p. 320.

(2)  JO L 74 de 14.3.2014, p. 1.

(3)  Ver, por exemplo: «Europe’s Great Alchemist» [O grande alquimista da Europa], The Economist, 29 de novembro de 2014; Daniel Gros, «The Juncker Plan: From EUR21 to EUR315 billion, through smoke and mirrors» [O plano Juncker: De 21 a 315 mil milhões de euros num passo de magia], CEPS, 27 de novembro de 2014.

(4)  NIMBY é o acrónimo de «Not In My Back Yard» [no meu quintal não].

(5)  Ver, por exemplo, o parecer do CESE sobre o «Financiamento das empresas — Mecanismos de oferta alternativos» (JO C 451 de 16.12.2014, p. 20).

(6)  CEPS, novembro de 2014, página 2.

(7)  «An Employment Oriented Investment Strategy for Europe» [Uma estratégia de investimento orientada para o emprego ao serviço da Europa»], OIT, janeiro de 2015.

(8)  Para uma análise exaustiva da literatura sobre este tema e as modalidades da «regra de ouro», ver o documento de trabalho «Implementing the Golden Rule for Public Investment in Europe» [Implementar a «regra de ouro» para o investimento público na Europa], de Achim Truger. http://blog.arbeit-wirtschaft.at/wp-content/uploads/2015/03/Endfassung.pdf, in: Materialien zu Wirtschaft und Gesellschaft Nr. 138, Working Paper-Reihe der AK-Wien.


14.8.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 268/33


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Análise da governação económica — Relatório sobre a aplicação dos Regulamentos (UE) n.o 1173/2011, (UE) n.o 1174/2011, (UE) n.o 1175/2011, (UE) n.o 1176/2011, (UE) n.o 1177/2011, (UE) n.o 472/2013 e (UE) n.o 473/2013»

[COM(2014) 905 final]

(2015/C 268/06)

Relator:

David CROUGHAN

Correlator:

Carmelo CEDRONE

Em 19 de dezembro de 2014, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Análise da governação económica — Relatório sobre a aplicação dos Regulamentos (UE) n.o 1173/2011, (UE) n.o 1174/2011, (UE) n.o 1175/2011, (UE) n.o 1176/2011, (UE) n.o 1177/2011, (UE) n.o 472/2013 e (UE) n.o 473/2013

[COM(2014) 905 final]

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 2 de março de 2015.

Na 506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015 (sessão de 19 de março), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 165 votos a favor, dois votos contra e três abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As regras europeias em matéria de governação económica, concebidas em tempo de crise, desempenharam um papel importante na consolidação orçamental, na coordenação das políticas económicas e, com a introdução da avaliação dos projetos de orçamento, na prossecução da integração orçamental. No entanto, o CESE está preocupado por o custo ter sido elevado em termos de crescimento e de emprego e a União Europeia ter sido mais lenta do que as restantes economias avançadas a superar a crise económica, o que revela deficiências na implementação das políticas decorrentes, em grande medida, do caráter incompleto da governação económica numa união económica e monetária.

1.2.

As medidas adotadas no âmbito do Semestre Europeu deram início ao processo de consolidação orçamental e restabelecimento da credibilidade, mas esta abordagem baseada em regras, embora adequada para épocas normais, é agora parte do problema. Os Estados-Membros em dificuldades precisam de maiores recursos para sair do impasse da recessão e para garantir o crescimento e a criação de emprego e, através do crescimento, uma consolidação orçamental sustentável.

1.3.

O CESE considera que não se pode deixar o Banco Central Europeu (BCE) combater sozinho a atual recessão na área do euro. As medidas de flexibilização quantitativa agora empreendidas pelo BCE têm de ser acompanhadas por iniciativas políticas de maior envergadura dos Estados-Membros que vão além do Plano de Investimento para a Europa anunciado pela Comissão.

1.4.

As diferenças entre os níveis de competitividade relativa dos Estados-Membros numa União Económica e Monetária, que anteriormente teriam sido corrigidas através da valorização ou desvalorização da moeda, não podem ser resolvidas simplesmente pela imposição de recomendações e reformas, sob pena de sanção, apenas aos países considerados não competitivos.

1.5.

Há que estabelecer com urgência mecanismos e instrumentos concretos para uma boa coordenação da política económica conducente à convergência e à solidariedade. Este processo não deve implicar, de início, alterações ao Tratado, mas o CESE considera que, a longo prazo, será necessário alterá-lo.

1.6.

Na revisão do Quadro Financeiro Plurianual, em 2016, será necessário apoiar reformas estruturais urgentes que tenham um interesse comum para a UE, nomeadamente o reequilíbrio macroeconómico, com alguma forma de mecanismo orçamental, como o Instrumento de Convergência e Competitividade proposto no «Plano pormenorizado para uma UEM efetiva e aprofundada».

1.7.

O CESE manifesta-se preocupado com o facto de o equilíbrio estrutural — uma variável não observável, baseada num cálculo teórico e controverso do diferencial entre o produto real e o produto potencial de uma economia, sujeito a revisões substanciais — desempenhar um papel tão fundamental nas vertentes preventiva e corretiva do procedimento relativo aos défices excessivos (PDE).

1.8.

No processo do Semestre Europeu, a redução do défice governamental anual recebe um destaque muito maior enquanto solução para o elevado rácio dívida/PIB do que outras medidas mais frutíferas destinadas a aumentar o crescimento do PIB. A Comissão deve não só acompanhar a execução das recomendações específicas por país, mas também efetuar uma análise ex post para averiguar se as suas recomendações conduzem a um aumento do produto, do crescimento e do número de postos de trabalho de elevada qualidade no Estado-Membro em questão.

1.9.

O Comité acolhe favoravelmente a tónica colocada na flexibilidade no âmbito das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), sendo que a Comissão terá em conta determinados investimentos públicos no cálculo do défice orçamental, mas considera que esta é uma medida limitada e parcial. Um desvio razoável em relação ao limite de 3 % para o défice deveria ser contemplado como uma exceção temporária durante um certo número de anos, sem estar automaticamente sujeito a sanções.

1.10.

O défice democrático originado pelo facto de organismos não eleitos terem um peso preponderante na governação acarreta o risco de uma fraca adesão às recomendações e de hostilidade em relação ao projeto europeu. A execução insuficiente das recomendações específicas por país pode ser combatida através de uma participação efetiva da sociedade civil e dos parceiros sociais na elaboração dessas recomendações.

1.11.

O Parlamento Europeu deve desempenhar um papel relevante no estabelecimento das prioridades económicas de cada Semestre Europeu e na supervisão parlamentar das recomendações específicas por país. O processo do Semestre Europeu deve ser mais amplamente publicitado pelos Estados-Membros e pela Comissão, a fim de assegurar uma melhor compreensão pelos cidadãos.

2.   A análise da governação económica em resumo

2.1.

O Semestre Europeu, introduzido em 2011, foi acompanhado de um reforço do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que entrou em vigor em 13 de dezembro de 2011 com um novo conjunto de regras para a supervisão económica e orçamental, composto por cinco regulamentos e uma diretiva, conhecidos em conjunto como o «Six Pack» [pacote de seis atos legislativos]. Em 30 de maio de 2013, foram adicionados mais dois regulamentos, designados «Two Pack», para reforçar a integração e a convergência económicas entre os Estados-Membros da área do euro. A análise em apreço diz respeito à eficácia dos sete regulamentos e à direção a seguir no futuro. Aborda, de um modo geral, as três vertentes da governação económica a nível da UE: supervisão orçamental (1), desequilíbrios macroeconómicos (2) e a monitorização dos países da área do euro que enfrentam dificuldades no domínio da estabilidade financeira (3).

3.   Observações relativas à governação económica atual

3.1.   Supervisão orçamental

3.1.1.

O Comité congratula-se com a tónica da Análise Anual do Crescimento para 2015, publicada em concomitância com a análise da governação económica, que aponta para um Semestre Europeu integrado e reforçado graças à simplificação das várias fases e dos seus resultados, tal como recomendado no parecer do CESE sobre a Análise Anual do Crescimento para 2014 (4).

3.1.2.

O CESE entende que o Semestre Europeu desempenha um papel imprescindível no processo de convergência e ajustamento. O Comité apelou igualmente para o lançamento de uma estratégia de comunicação e de simplificação, como tarefa comum da Comissão, do Parlamento Europeu, dos Estados-Membros e da sociedade civil (5).

3.1.3.

O Comité congratula-se com a prossecução da integração orçamental, introduzida com a fixação de um calendário comum para os Estados-Membros apresentarem e publicarem, até meados de outubro de cada ano, os seus projetos de propostas de orçamento, monitorizados por organismos nacionais independentes, a fim de os sujeitar às observações da Comissão antes da adoção final pelos governos dos Estados-Membros. O processo deve tornar-se mais democrático e transparente e ser mais amplamente publicitado pelos Estados-Membros e pela Comissão, a fim de assegurar uma melhor compreensão pelos cidadãos. O Comité acolheria com agrado uma avaliação pela Comissão do papel e da qualidade dos organismos nacionais independentes.

3.1.4.

O CESE observa que, de acordo com os projetos de propostas de orçamento para 2015, a redução do esforço orçamental em 2015 conduzirá a uma postura globalmente neutra na área do euro. Assinala igualmente que, dos sete países que apresentam um risco de incumprimento, três poderão enfrentar eventuais medidas ao abrigo do PDE em março. Este procedimento exige também uma maior transparência, uma consulta com os governos nacionais e a sociedade civil, em particular os parceiros sociais, bem como a supervisão pelo Parlamento Europeu.

3.1.5.

No curto período em análise, o Comité considera que a reforma das regras orçamentais da UE no âmbito dos regulamentos pertinentes em matéria de supervisão orçamental contribuiu, indubitavelmente, para a ação de consolidação orçamental, tal como demonstra o défice da UE-28, que desceu de 4,5 % do PIB em 2011 para 3 % em 2014.

3.1.6.

Não obstante, o custo foi elevado para um êxito muito limitado, o que indica algumas falhas no contributo das políticas da UE para o crescimento económico e o emprego. Em contrapartida, no mesmo período, o défice dos EUA desceu de 10,6 % para 4,9 %; o crescimento do PIB norte-americano acelerou de 1,6 % para 2,4 % (cf. desaceleração na UE de 1,7 % para 1,3 %); o desemprego nos EUA caiu de 8,9 % para 6,2 % (cf. aumento na UE de 9,6 % para 10,2 %) e importa salientar que o emprego nos Estados Unidos aumentou em 6,3 % ao passo que na UE estagnou em - 0,1 %.

3.1.7.

O CESE está muito menos confiante do que a Comissão de que os objetivos em termos de défice estrutural no âmbito do procedimento relativo aos défices excessivos permitam um aconselhamento mais preciso e transparente em relação às políticas. Embora o Comité aceite que esta medida, isenta das distorções provocadas pelo ciclo económico e por medidas orçamentais isoladas, oferece a oportunidade de visualizar um panorama mais transparente, ela constitui, porém, uma variável não observável, baseada num cálculo teórico e controverso de potenciais diferenças entre o produto efetivo e o produto potencial da economia, passível de revisões substanciais e, em alguns casos, suscetível de conduzir a políticas inadequadas.

3.1.8.

O rácio dívida/PIB é um elemento importante da sustentabilidade orçamental. Tem duas componentes: o montante da dívida e a dimensão do PIB, nenhum dos quais pode ser analisado sem ter em conta o seu impacto no outro. Uma abordagem que se centre numa redução do défice demasiado rápida com o objetivo de reduzir ainda mais o nível da dívida mas resulte na estagnação ou redução do PIB terá um efeito contraproducente no que respeita ao objetivo de reduzir o rácio dívida/PIB propriamente dito.

3.1.9.

O Comité acolhe favoravelmente a tónica colocada na flexibilidade no âmbito das regras do PEC, devendo a Comissão ter em conta, ao determinar a solidez da situação orçamental de um Estado-Membro: a) os investimentos públicos no Plano de Investimento para a Europa; b) os investimentos relacionados com o cofinanciamento ao abrigo dos fundos estruturais; c) as reformas que tenham um impacto a longo prazo na sustentabilidade das finanças públicas; d) as condições cíclicas (6). No entender do CESE, todavia, isto representa uma medida limitada e parcial.

3.1.10.

O CESE adverte que, não obstante uma maior colaboração com o Parlamento Europeu e com os parlamentos nacionais através de missões no local e da supervisão dos projetos de orçamento na área do euro, o défice democrático continua a estar inerente ao processo, na medida em que as instituições da UE, que essencialmente não têm contas a prestar, exercem uma influência considerável sobre o processo decisório a nível nacional.

3.1.11.

Um défice participativo (isto é, ausência de uma verdadeira participação nacional no processo decisório) que não seja compensado por uma legitimação através de resultados positivos (ou seja, a resolução eficiente de problemas económicos) leva a uma apropriação pouco entusiasta dos programas económicos e a uma hostilidade crescente em relação ao projeto europeu, tal como demonstram as eleições europeias (7).

3.1.12.

A Comissão deve efetuar avaliações ex post, não só da execução pelos Estados-Membros das suas recomendações políticas, mas também no sentido de averiguar se essas recomendações promoveram efetivamente o regresso da economia a uma trajetória sustentável, não só em termos de ajustamentos financeiros e orçamentais, mas também de crescimento económico, desenvolvimento, e criação de postos de trabalho de elevada qualidade.

3.2.   Procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos

3.2.1.

O Comité reconhece e apoia a necessidade do procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos (PDM), já que a supervisão de variáveis essenciais não orçamentais pode identificar possíveis tendências negativas antes que se concretizem. A crise veio demonstrar claramente o fracasso do PEC ao acompanhar unicamente os equilíbrios orçamentais enquanto os aspetos do desenvolvimento e do emprego continuaram a ser ignorados ou tratados de modo apenas marginal.

3.2.2.

O Parlamento Europeu deve desempenhar um papel relevante no estabelecimento das prioridades económicas de cada Semestre Europeu e na supervisão parlamentar das recomendações específicas por país (8).

3.2.3.

Um aspeto que suscita grande preocupação para o Comité é a abordagem unilateral da correção dos desequilíbrios macroeconómicos. A questão é encarada unicamente como um problema nacional, com a ênfase quase exclusivamente na correção de défices prejudiciais e com uma visão positiva dos excedentes. Para abordar a questão de forma adequada, é necessária uma avaliação dos desequilíbrios e do seu impacto na economia à escala europeia.

3.2.4.

A fim de assegurar que o PDM e, consequentemente, a Estratégia Europa 2020, não se limitem a reproduzir os fracassos da Estratégia de Lisboa, a Comissão precisa de promover um método melhor para avaliar a qualidade de execução das recomendações específicas por país e deve estar preparada para acompanhar o processo e conceder incentivos aos Estados-Membros (flexibilidade, regras de ouro, etc.) antes de recorrer à imposição de sanções em último recurso.

3.2.5.

Ao contrário da supervisão orçamental, que habitualmente tem resultados facilmente mensuráveis a curto prazo, as recomendações de política que constituem uma parte significativa das recomendações específicas por país referem-se a políticas e resultados menos concretos, tais como a competitividade, ou a diversos aspetos das condições para a atividade empresarial, ou ainda a reformas nos regimes de segurança social, cujo nível de execução ou impacto pode ser difícil de medir.

3.2.6.

Na revisão do Quadro Financeiro Plurianual, em 2016, será necessário apoiar reformas estruturais urgentes de interesse comum para a UE, nomeadamente o reequilíbrio macroeconómico, com alguma forma de mecanismo orçamental. O CESE insta a que se considerem os instrumentos possíveis: o Instrumento de Convergência e Competitividade para permitir às economias sob pressão realizar reformas estruturais urgentes a bem do interesse comum da UE, delineado em seis páginas do «Plano pormenorizado para uma UEM efetiva e aprofundada» e posteriormente objeto de uma comunicação (9); uma revisão do Livro Verde sobre as obrigações de estabilidade, preconizada no Regulamento (UE) n.o 1173/2011, atualmente em exame no presente parecer; e um tipo de regime mínimo de segurança social que ajudaria as economias em dificuldade.

3.2.7.

Segundo a Comissão, as análises aprofundadas estão no cerne do PDM, cujas recomendações políticas são incluídas nas recomendações específicas por país. O CESE apoia esta prática, que tem o potencial de produzir análises mais completas, uma vez que implica a realização de missões no local, que contribuem em grande medida para o conhecimento da economia em análise, e tem o valor acrescentado de permitir o estabelecimento de relações de trabalho profícuas entre os funcionários da Comissão e das administrações financeiras nacionais.

3.2.8.

Dado que as reformas no âmbito do PDM se orientam para benefícios a mais longo prazo, receia-se que os governos nacionais possam não as considerar prioritárias e consagrem mais do que promessas vãs à sua execução. Uma parte essencial das recomendações específicas por país para corrigir os desequilíbrios deve centrar-se na realização do mercado interno.

3.2.9.

A participação efetiva da sociedade civil e dos parceiros sociais nesta secção do Semestre Europeu seria uma forma importante de garantir o cumprimento, bem como de melhorar o seu perfil político e a apropriação a nível nacional.

3.2.10.

O CESE considera que, no que respeita à forma como a Comissão e os Estados-Membros melhor podem interagir, é possível retirar ensinamentos da experiência adquirida com os países sujeitos a programas de ajustamento, onde foi efetuada uma supervisão contínua e profunda.

3.2.11.

Um documento de trabalho dos serviços da DG ECFIN sugere que só foram postos em prática uns meros 41 % das recomendações específicas por país durante o período de dois anos 2012-2013 e que se registou uma ligeira deterioração de um ano para o outro (10), o que pode fazer soar alguns fortes sinais de alarme. Precisamos de uma avaliação dos motivos para o desfasamento existente entre as recomendações e a sua execução.

3.2.12.

O CESE adverte que a abordagem do painel de avaliação, que é retrospetiva e constitui uma ferramenta importante para justificar análises aprofundadas, não identifica necessariamente a acumulação de desequilíbrios suscetíveis de precipitar uma crise no futuro. Existe, por conseguinte, o perigo de os decisores políticos não disporem de bases sólidas para tomar medidas eficazes (11), podendo a sua atenção vir mesmo a ser desviada de necessidades políticas mais importantes.

3.3.   Países da área do euro com dificuldades no domínio da estabilidade financeira

3.3.1.

O CESE reconhece a necessidade de apoiar, através de uma supervisão específica, os países que 1) sejam afetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira ou à sustentabilidade das suas finanças públicas ou 2) solicitem ou recebam assistência financeira de instituições da UE, de outros Estados-Membros ou do FMI.

3.3.2.

O CESE concorda plenamente que, caso um Estado-Membro seja incluído num programa de ajustamento macroeconómico, todas as outras obrigações, incluindo o Semestre Europeu, fiquem suspensas e esse Estado-Membro seja sujeito a uma supervisão pós-programa permanente.

3.3.3.

O processo para o período em que um Estado-Membro pretenda solicitar assistência financeira continua por testar, visto que este regulamento só entrou em vigor depois de os quatro países em questão terem já começado a participar num programa de ajustamento.

3.3.4.

O CESE exorta a Comissão a realizar e publicar um estudo sobre os resultados dos programas de ajustamento nesses quatro países, nomeadamente para averiguar se a adoção de uma abordagem diferente pela Comissão teria contribuído para um maior êxito do país que apresenta um resultado aparentemente menos positivo.

4.   Necessidade de uma visão mais profunda da governação da UEM

4.1.

A UE é um dos maiores e mais prósperos blocos económicos do mundo e tem sobrevivido até agora com um sistema disfuncional de governação económica, consequência da decisão de formar uma união económica e monetária com uma moeda e uma política monetária únicas, embora mantendo, ao mesmo tempo, as políticas orçamentais e económicas nacionais.

4.2.

O CESE considera que não se pode deixar o Banco Central Europeu combater sozinho a atual recessão na área do euro. As medidas de flexibilização quantitativa agora empreendidas pelo BCE têm de ser acompanhadas por iniciativas políticas de maior envergadura dos Estados-Membros. O Plano de Investimento para a Europa anunciado pela Comissão é um passo necessário, mas insuficiente, na direção certa. Sem uma maior integração orçamental, a abordagem numa perspetiva nacional da coordenação económica no âmbito do Semestre Europeu impede que a área do euro siga uma estratégia orçamental adequada.

4.3.

A crise revelou falhas profundas, que representam uma ameaça existencial para o euro. Forçou a realização de reformas substanciais da governação económica, elaboradas à pressa e adotadas através de acordos intergovernamentais, em vez de pelo método comunitário. As diferenças entre os níveis de competitividade relativa dos Estados-Membros numa União Económica e Monetária, que anteriormente teriam sido corrigidas através da valorização ou desvalorização da moeda, não podem ser resolvidas simplesmente impondo recomendações e reformas, sob pena de sanção, apenas aos países considerados não competitivos.

4.4.

As medidas adotadas no âmbito do Semestre Europeu deram início ao processo de consolidação orçamental e restabelecimento da credibilidade, mas esta abordagem baseada em regras, embora adequada para épocas normais, é agora parte do problema. O CESE considera que a governação económica (em especial da área do euro) não pode continuar a depender unicamente dos regulamentos atualmente em análise. Os Estados-Membros em dificuldades precisam de maiores recursos para sair do impasse da recessão e para garantir o crescimento e a criação de emprego e, através do crescimento, uma consolidação orçamental sustentável.

4.5.

O CESE partilha das preocupações suscitadas pelo relatório anual sobre a evolução social na Europa, publicado recentemente pela Comissão (12), que afirma que as medidas aplicadas para resolver a crise aumentaram as dificuldades financeiras e o nível de endividamento das famílias e acentuaram a pobreza e a exclusão social e que a deterioração da situação social durante um período prolongado influenciou negativamente a crença e a confiança dos cidadãos na capacidade dos governos e das instituições para solucionar esses problemas. Os dados indicados no relatório da Comissão relativamente à qualidade do trabalho (tempo parcial, trabalho inseguro e instável) e ao desemprego, especialmente entre os jovens, são impressionantes.

4.6.

O CESE solicita que os indicadores sociais (13) ocupem um lugar de maior destaque no painel de avaliação e sejam utilizados para regular as políticas orçamentais, a começar pelo Semestre Europeu, a fim de evitar comprometer os princípios fundamentais da UE — desenvolvimento económico harmonioso e equilibrado, crescimento sustentável e respeitador do ambiente, elevada taxa de convergência económica, elevado nível de emprego e de proteção social, coesão económica e social, solidariedade entre os Estados-Membros — estabelecidos pelos Tratados de Roma e posteriormente consagrados nos Tratados de Maastricht, Amesterdão e Lisboa, mas que o Pacto Orçamental e todos os textos conexos não têm suficientemente em conta.

4.7.

Para dar um novo sentido à integração dos Estados-Membros e, em particular, dos países da área do euro, é necessário propor uma abordagem de governação europeia que permita aos países mais endividados e em que o crescimento do PIB é nulo ou negativo realizar os investimentos necessários para tornar os seus sistemas de produção novamente competitivos e relançar o desenvolvimento. Uma tal abordagem deve ter em devida conta os princípios da coesão económica e social consagrados nos Tratados fundadores da UE.

4.8.

Um desvio razoável, por qualquer Estado-Membro, em relação ao limite de 3 % para o défice poderia ser considerado uma exceção temporária durante um certo número de anos, não dando automaticamente lugar à imposição de sanções. No âmbito desta nova abordagem de governação, a Comissão deve examinar cuidadosamente as necessidades assinaladas pelos países em dificuldade, avaliar se o plano de investimento proposto pelo Estado-Membro é adequado e exequível à luz dos compromissos assumidos no Semestre Europeu (estabilidade/convergência e programas nacionais de reformas) e aprová-lo com a supervisão do Parlamento Europeu.

4.9.

Os parâmetros utilizados para elaborar os orçamentos e interpretar os dados devem ser uniformes, alinhados e aplicáveis a todos os países e respetivas administrações através de um procedimento transparente, compreensível e acessível ao público. Um regulamento único com regras claras e simples deveria ser suficiente, assegurando a participação da sociedade civil, dos parceiros sociais e dos parlamentos nacionais.

4.10.

Seguindo esta abordagem, o Semestre Europeu deveria passar a ser uma grande oportunidade para a UEM, a fim de restaurar a confiança mútua e lançar um processo comum, tanto no que se refere às reformas estruturais (que terão de ser acordadas por todos os países da área do euro) como ao orçamento. O quadro regulamentar deve evoluir no sentido de um novo orçamento para a área do euro, ensaiando um processo de desenvolvimento conjunto e adotando o máximo possível de transparência e veracidade como palavras de ordem para a opinião pública europeia.

Bruxelas, 19 de março de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  Regulamento (UE) n.o 1173/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, relativo ao exercício eficaz da supervisão orçamental na área do euro (JO L 306 de 23.11.2011, p. 1);

Regulamento (UE) n.o 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, que altera o Regulamento (CE) n.o 1466/97 relativo ao reforço da supervisão das situações orçamentais e à supervisão e coordenação das políticas económicas (JO L 306 de 23.11.2011, p. 12); e

Regulamento (UE) n.o 473/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, que estabelece disposições comuns para o acompanhamento e a avaliação dos projetos de planos orçamentais e para a correção do défice excessivo dos Estados-Membros da área do euro (JO L 140 de 27.5.2013, p. 11).

(2)  Regulamento (UE) n.o 1174/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, relativo às medidas de execução destinadas a corrigir os desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro (JO L 306 de 23.11.2011, p. 8); e

Regulamento (UE) n.o 1176/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, sobre prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconómicos (JO L 306 de 23.11.2011, p. 25).

(3)  Regulamento (UE) n.o 472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, relativo ao reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados-Membros da área do euro afetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira (JO L 140 de 27.5.2013, p. 1).

(4)  JO C 214 de 8.7.2014, p. 46.

(5)  Ver parecer do CESE sobre o tema «Realizar a UEM — A próxima legislatura europeia» (JO C 451 de 16.12.2014, p. 10).

(6)  COM(2015) 12 final.

(7)  Relatório Especial do Centro de Estudos Políticos Europeus n.o 98, Enhancing the Legitimacy of EMU Governance [Reforçar a legitimidade da governação da UEM], dezembro de 2014.

(8)  Idem.

(9)  COM(2013) 165 final.

(10)  ECFIN Economic Brief, n.o 37, outubro de 2014, Implementing Economic Reforms — are EU Member States responding to European Semester Recommendations? [Execução das reformas económicas — Estão os Estados-Membros da UE a dar resposta às recomendações formuladas no âmbito do Semestre Europeu?].

(11)  Daniel Gros e Alessandro Giovannini, Instituto Affari Internazionali, n.o 14, março de 2014, The «relative» importance of EMU Macroeconomic Imbalances in the MIP [A importância «relativa» dos desequilíbrios macroeconómicos da UEM no PDM].

(12)  Evolução do emprego e da situação social na Europa, dezembro de 2014.

(13)  Por exemplo: aumento do PIB, desemprego, desemprego de longa duração, pessoas em risco de pobreza, investimento público, relação preços-salários, etc.


14.8.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 268/40


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 1304/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao Fundo Social Europeu, no que respeita ao aumento do pré-financiamento inicial pago a programas operacionais apoiados ao abrigo da Iniciativa para o Emprego dos Jovens»

[COM(2015) 46 final]

(2015/C 268/07)

Relator-geral:

Pavel TRANTINA

Em 12 e 23 de fevereiro de 2015, o Parlamento Europeu e o Conselho decidiram, respetivamente, nos termos do artigo 164.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 1304/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao Fundo Social Europeu, no que respeita ao aumento do pré-financiamento inicial pago a programas operacionais apoiados ao abrigo da Iniciativa para o Emprego dos Jovens

[COM(2015) 46 final]

Em 17 de fevereiro de 2015, a Mesa do Comité decidiu incumbir a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania da preparação dos correspondentes trabalhos.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, na 506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015 (sessão de 18 de março), designar relator-geral Pavel Trantina e adotou, por 213 votos a favor, um voto contra e seis abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações

1.1.

O CESE saúda os esforços da Comissão Europeia para aumentar substancialmente o pré-financiamento inicial ao abrigo da Iniciativa para o Emprego dos Jovens (IEJ) e considera que este é um importante passo em frente. Esta medida deverá ajudar os Estados-Membros que apresentam os níveis de desemprego juvenil mais elevados e, frequentemente, maiores restrições orçamentais a começar a aplicar eficazmente a IEJ.

1.2.

Apesar das reservas que tem manifestado continuamente em relação aos montantes e ao modo de garantir o financiamento da Iniciativa para o Emprego dos Jovens e da Garantia para a Juventude (1), o CESE concorda com a Comissão quanto à necessidade de alterar o regulamento do Parlamento e do Conselho relativo ao Fundo Social Europeu (FSE) na linha da proposta apresentada.

1.3.

O CESE está convicto de que esta iniciativa deverá incentivar os Estados-Membros a dar prioridade, nos seus orçamentos nacionais, à luta contra o desemprego dos jovens. A burocracia dos procedimentos não deve impedir que os 6 mil milhões de euros afetados à Iniciativa para o Emprego dos Jovens sejam adequadamente disponibilizados nem retardar quaisquer outras iniciativas que visem combater de forma eficiente a atual taxa de desemprego dos jovens.

1.4.

No entender do CESE, a IEJ representa uma oportunidade para analisar o futuro do trabalho nos Estados-Membros: os serviços públicos de emprego devem tornar-se muito mais proativos, devem ser criadas melhores sinergias entre, por um lado, o ensino e a formação e, por outro, os intervenientes do mercado de trabalho e os jovens devem ser informados prontamente e de forma adequada sobre os seus direitos e oportunidades.

1.5.

O CESE encoraja fortemente o envolvimento da sociedade civil organizada na conceção e no acompanhamento dos programas nacionais da IEJ numa base de parceria. Recorda o seu empenho de longo prazo na questão do desemprego juvenil. Está convicto de que o envolvimento dos parceiros sociais na estratégia de crescimento, nas reformas do mercado laboral, nos programas educativos e nas reformas dos serviços públicos de emprego, bem como das organizações juvenis na aplicação do instrumento «Garantia para a Juventude», assegura a aceitação de vastas camadas da população e, consequentemente, a estabilidade social (2).

1.6.

O CESE insta a Comissão Europeia a acompanhar de perto os desafios à aplicação da Iniciativa para o Emprego dos Jovens e, em especial, da Garantia para a Juventude. Esse processo de acompanhamento deve basear-se não só em análises quantitativas, mas também em indicadores mais qualitativos.

1.7.

É necessário um maior investimento na educação e na formação para apoiar a execução de políticas de aprendizagem ao longo da vida e, em última análise, como parte de uma abordagem holística da educação. Os estágios e os aprendizados devem ser programas de qualidade. Devem basear-se em objetivos de aprendizagem e, de preferência, fazer parte dos programas curriculares, e não substituir a criação de novos postos de trabalho.

1.8.

O CESE está convicto de que a Comissão Europeia, os Estados-Membros e o Parlamento Europeu, em cooperação com os parceiros sociais e outras organizações da sociedade civil, devem desempenhar um papel fundamental, garantindo um orçamento adequado da UE para estimular a criação de emprego para os jovens.

2.   Contexto

2.1.

A Iniciativa para o Emprego dos Jovens foi proposta pelo Conselho Europeu em 2013, com um orçamento de 6 mil milhões de euros para o período de 2014-2020. Visava, em particular, apoiar os jovens que não trabalham, não estudam nem seguem uma formação (NEET) nas regiões da União que registavam em 2012 uma taxa de desemprego juvenil superior a 25 %, inserindo-os no mercado de trabalho.

2.2.

Por conseguinte, os fundos da Iniciativa para o Emprego dos Jovens devem ser utilizados para reforçar e acelerar as medidas estabelecidas no Pacote «Emprego dos Jovens» de 2012. Os fundos estão disponíveis, em particular, para os países da UE financiarem medidas destinadas a aplicar, nas regiões elegíveis, a Recomendação relativa à Garantia para a Juventude, acordada pelo Conselho de Ministros do Emprego e dos Assuntos Sociais da UE em 2013.

2.3.

Em dezembro de 2014, a taxa de desemprego dos jovens era de 21,4 % na UE-28 e de 23,0 % na área do euro (3), embora em certos países continue a ser inaceitavelmente elevada: superior a 40 % ou mesmo 50 %. Ainda que estas taxas estejam a decrescer lentamente, continuam muito acima dos níveis anteriores à crise e os jovens ainda não saíram da crise. Mais de metade dos jovens europeus sente que, no seu país, a juventude foi marginalizada e excluída da vida económica e social devido à crise (4).

2.4.

Um ano após a adoção do Regulamento FSE no âmbito da Iniciativa para o Emprego dos Jovens, não foi ainda aproveitado todo o seu potencial. O adiantamento das verbas da IEJ, por um lado, e outras medidas específicas empreendidas no seu âmbito, por outro, não induziram a rápida mobilização dos recursos atribuídos à iniciativa, ao contrário do que se esperava. Entre os principais motivos identificados para tal contam-se o processo de negociação em curso dos programas operacionais pertinentes e a concretização das respetivas modalidades de aplicação nos Estados-Membros; a capacidade limitada das autoridades de lançarem convites à apresentação de projetos e processarem, com a rapidez necessária, os pedidos recebidos; bem como a falta de pré-financiamento suficiente para avançar com as medidas que se impõem.

2.5.

A proposta em apreço deverá dar resposta a este e outros desafios. Segundo esta, o pré-financiamento inicial disponibilizado para a dotação específica da IEJ em 2015 é reforçado em cerca de mil milhões de euros. Isto não altera o perfil financeiro global das dotações nacionais já acordadas, apenas propõe a disponibilização das dotações que já estejam previstas no orçamento da UE para a IEJ. Assim, esta proposta torna mais flexível o acesso dos Estados-Membros a esse financiamento e permite uma maior mobilização.

3.   Observações específicas

3.1.   A IEJ e o direito dos jovens a oportunidades de qualidade

3.1.1.

As medidas financiadas ao abrigo da Iniciativa para o Emprego dos Jovens devem basear-se numa abordagem da juventude e do emprego assente nos direitos; especialmente em tempo de crise profunda, a qualidade do trabalho para os jovens não deve ser comprometida. Os projetos ao abrigo da IEJ deverão contribuir para promover a criação de empregos de qualidade. É cada vez mais evidente que, em alguns Estados-Membros, o trabalho temporário e a tempo parcial está a tornar-se uma obrigação e não uma opção para os jovens.

3.1.2.

Os programas de estágio e de aprendizagem deverão ser prolongados ao abrigo da Iniciativa para o Emprego dos Jovens. Os estágios devem ter qualidade e constituir uma experiência no local de trabalho valiosa e útil para os jovens. Devem basear-se em objetivos de aprendizagem e, de preferência, fazer parte dos programas curriculares, ajudando à transição do mundo da educação para o mundo do trabalho, e não substituir a criação de novos postos de trabalho. As empresas devem ser encorajadas a contratar os estagiários uma vez terminado o seu período de estágio.

3.2.   Princípio da parceria

3.2.1.

O CESE realça com veemência que os programas operacionais (incluindo os financiados pelo FSE e, portanto, que financiam a IEJ) devem orientar-se para ações e medidas «favoráveis à parceria». A igualdade de tratamento e o pluralismo nas parcerias, as parcerias orientadas para programas específicos e o reforço das capacidades deveriam ser as principais orientações (5). O CESE é de opinião que se deve tirar partido dos comités de acompanhamento, enquanto instrumentos de parceria que envolvem também a sociedade civil organizada, para realizar debates exaustivos sobre a aplicação da IEJ nos Estados-Membros e para efetuar o respetivo acompanhamento.

3.2.2.

Só é possível começar a reduzir o desemprego dos jovens através de uma verdadeira abordagem intersetorial e do desenvolvimento de parcerias eficientes, com a participação do setor empresarial, da juventude, de organizações da sociedade civil, dos serviços públicos de emprego, dos formadores e educadores, bem como dos órgãos de poder local e regional.

3.2.3.

A fim de fazer face à natureza heterogénea do desemprego juvenil, contribuir para a conceção de serviços personalizados e assegurar um melhor contacto com os jovens, sobretudo os mais vulneráveis, que se encontram afastados do mercado de trabalho, os jovens e as suas organizações devem participar na conceção, no acompanhamento e, se for caso disso, na execução das medidas financiadas pela Iniciativa para o Emprego dos Jovens a nível nacional, regional e local.

3.2.4.

As organizações e os representantes dos jovens podem igualmente facilitar a comunicação, desempenhando um papel na identificação dos jovens beneficiários de medidas ao abrigo da IEJ, na luta contra o desemprego juvenil e na informação dos jovens sobre as oportunidades dos programas.

3.3.   Papel dos serviços públicos de emprego na aplicação da IEJ

3.3.1.

As políticas do mercado de trabalho que incentivam intervenções precoces para ajudar os jovens a ingressar no mercado de trabalho são benéficas para toda a sua carreira. No entanto, é igualmente muito difícil para os jovens permanecer no mercado de trabalho após uma primeira experiência, pelo que deveriam ser acompanhados a longo prazo por serviços de orientação profissional.

3.3.2.

Para serem eficientes, as medidas ao abrigo da Iniciativa para o Emprego dos Jovens, e em especial os programas da Garantia para a Juventude, terão de andar de mãos dadas com um aumento da capacidade administrativa dos serviços públicos de emprego. Não basta reaproveitar os atuais sistemas fracassados sob uma designação diferente. Uma Garantia para a Juventude justa e inclusiva deve assegurar uma transição rápida do mundo do ensino para o mundo do trabalho, oferecendo uma orientação profissional personalizada conducente a ofertas de boa qualidade para todos os jovens.

3.4.   Necessidade de coerência

3.4.1.

As medidas da Iniciativa para o Emprego dos Jovens devem não só ter efeitos imediatos na redução do desemprego dos jovens, mas também visar uma redução a médio e longo prazo, o que exige investimentos específicos a longo prazo.

3.4.2.

Os cortes nos serviços sociais e da juventude estão em contradição com o espírito da Iniciativa para o Emprego dos Jovens e comprometem o potencial das medidas para combater o desemprego dos jovens.

3.4.3.

A fim de responder às diferentes necessidades de todos os jovens, em especial os mais vulneráveis, os projetos financiados ao abrigo da Iniciativa para o Emprego dos Jovens devem fazer parte de um pacote coerente de medidas que abranja vários mecanismos de apoio. Há que garantir o acesso dos jovens a regimes de segurança social e regulamentar as formas atípicas de emprego, a fim de contrabalançar alguns dos efeitos negativos da insegurança que decorre desse tipo de emprego. Além disso, deve ser prestada uma atenção específica ao combate da discriminação no mercado de trabalho em razão da idade, do género, de uma origem migrante e outras.

3.4.4.

A Iniciativa para o Emprego dos Jovens não deve impedir os Estados-Membros de utilizarem o Fundo Social Europeu para financiar projetos mais amplos relacionados com a juventude, sobretudo nos domínios da pobreza e da inclusão social. O CESE solicita à Comissão Europeia que monitorize a utilização dos recursos do FSE em projetos relacionados com a juventude.

3.5.   Da escola para o trabalho e do trabalho para a escola

3.5.1.

Tendo em conta as mudanças rápidas que se preveem para o mercado de trabalho, hoje, mais do que nunca, é necessário investir fortemente na educação e na formação. Nesta continuidade, as políticas em matéria de competências devem ser encaradas como um meio de dar resposta às necessidades do mercado laboral, mas devem também reconhecer as competências adquiridas através da educação não formal, apoiar a execução de políticas de aprendizagem ao longo da vida e, em última análise, integrar-se numa abordagem holística da educação.

3.5.2.

A transição entre a educação e o mundo do trabalho pode também ser apoiada através de um sistema dual inteligente que combine a formação com o trabalho, o que proporciona aos jovens a oportunidade de adquirirem a sua primeira experiência profissional em paralelo com uma educação de qualidade.

3.5.3.

O desenvolvimento de competências empreendedoras e multifuncionais pode ser útil para tornar os jovens cidadãos ativos e inovadores. O empreendedorismo deve ser igualmente considerado um caminho viável para a criação de emprego para os jovens. Devem ser tomadas medidas para eliminar os obstáculos que os jovens enfrentam na constituição da sua própria empresa, tais como a falta de acesso ao crédito, a ausência de um nível mínimo de proteção social para os jovens empresários, bem como falta de apoio por parte das estruturas educativas e governamentais.

3.5.4.

O empreendedorismo social deve também ser promovido pela sua capacidade de criar emprego e contribuir para o desenvolvimento da comunidade, apoiar a sustentabilidade ambiental e produzir capital social.

3.6.   Acompanhamento da qualidade

3.6.1.

O CESE insta a Comissão Europeia a acompanhar de perto os desafios para a aplicação da IEJ e, em especial, da Garantia para a Juventude, que foram identificados nas recomendações específicas por país de 2014 no que respeita à qualidade das ofertas, à ausência de um apoio ativo aos jovens NEET, à capacidade administrativa dos serviços de emprego públicos e à falta de um envolvimento efetivo com todos os parceiros pertinentes.

3.6.2.

Esse processo de acompanhamento deve basear-se não só em análises quantitativas, mas também em indicadores mais qualitativos. Tal permitirá, para além de identificar as medidas que não são eficazes para atrair os jovens para o mercado de trabalho, examinar também os motivos para o fracasso dessas medidas.

3.6.3.

O CESE congratula-se com o quadro de indicadores para o acompanhamento da Garantia para a Juventude do Comité do Emprego (COEM). Estes indicadores são muito ambiciosos e implicarão um trabalho administrativo considerável por parte das autoridades nacionais. Os Estados-Membros terão de ser responsáveis por assegurar uma recolha de dados eficiente.

3.7.   Alargamento do âmbito de aplicação da IEJ

3.7.1.

A Iniciativa para o Emprego dos Jovens permite aos Estados-Membros alargar o âmbito das medidas políticas através da inclusão dos jovens até aos trinta anos. Os Estados-Membros devem ter em conta esta possibilidade ao acompanhar e avaliar a IEJ no seu país.

3.8.   Criação de emprego

3.8.1.

São necessárias políticas macroeconómicas favoráveis ao emprego para aumentar o investimento e o crescimento. O investimento público em infraestruturas e na proteção social pode multiplicar as oportunidades de emprego, enquanto os investimentos em setores específicos e inovadores, como a economia verde e o setor das TIC, podem garantir a sustentabilidade desse crescimento e a criação de emprego de qualidade para os jovens. Políticas orçamentais favoráveis aos jovens, nomeadamente para apoiar essas intervenções específicas do lado da procura, devem fazer parte desta abordagem mais ampla para combater o impacto da crise nos jovens.

Bruxelas, 18 de março de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  JO C 271 de 19.9.2013, p. 101.

(2)  JO C 424 de 26.11.2014, p. 1.

(3)  Números do Eurostat sobre o desemprego juvenil.

(4)  Parlamento Europeu (2014), Eurobarómetro Flash do Parlamento Europeu: Juventude Europeia em 2014.

(5)  JO C 44 de 15.2.2013, p. 23.


14.8.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 268/45


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção contra os efeitos da aplicação extraterritorial de legislação adotada por um país terceiro e das medidas nela baseadas ou dela resultantes (reformulação)

[COM(2015) 48 final — 2015/0027 (COD)]

(2015/C 268/08)

Em 12 de fevereiro de 2015 e em 4 de março de 2015, o Parlamento Europeu e o Conselho, respetivamente, decidiram, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção contra os efeitos da aplicação extraterritorial de legislação adotada por um país terceiro e das medidas nela baseadas ou dela resultantes (reformulação)

[COM(2015) 48 final — 2015/0027 (COD)]

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 506.a reunião plenária de 18 e 19 de março de 2015 (sessão de 18 de março), decidiu, por 165 votos a favor, um voto contra e seis abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 18 de março de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE