ISSN 1725-2482

doi:10.3000/17252482.C_2011.218.por

Jornal Oficial

da União Europeia

C 218

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

54.o ano
23 de Julho de 2011


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

471.a Sessão Plenária de 4 e 5 de Maio de 2011

2011/C 218/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Impacto da crise económica e financeira na distribuição da mão-de-obra nos sectores produtivos, com especial destaque para as PME(parecer exploratório)

1

2011/C 218/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel das políticas da família no processo das alterações demográficas – Intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros(parecer exploratório)

7

2011/C 218/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as Avaliações de impacto da sustentabilidade e política comercial da UE

14

2011/C 218/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Máquinas Agrícolas e Equipamento de Construção e de Manutenção: Qual a melhor maneira de sair da crise financeira? (parecer de iniciativa)

19

2011/C 218/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Vertente externa da política industrial europeia — A política comercial da UE tem devidamente em conta os interesses da indústria europeia? (parecer de iniciativa)

25

2011/C 218/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as Empresas públicas de países terceiros nos mercados dos contratos públicos da UE (parecer de iniciativa)

31

 

III   Actos preparatórios

 

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

 

471.a Sessão Plenária de 4 e 5 de Maio de 2011

2011/C 218/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Uma política industrial integrada para a era da globalização – Competitividade e sustentabilidade em primeiro plano[COM(2010) 614 final]

38

2011/C 218/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à aplicação eficaz da supervisão orçamental na área do euro[COM(2010) 524 final — 2010/0278 (COD)]

46

2011/C 218/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às medidas de execução para corrigir os desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro[COM(2010) 525 final — 2010/0279 (COD)] e a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre prevenção e correcção dos desequilíbrios macroeconómicos[COM(2010) 527 final — 2010/0281 (COD)]

53

2011/C 218/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Branco sobre os Sistemas de Garantia de Seguros[COM(2010) 370 final]

61

2011/C 218/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão sobre a vigilância e a comunicação de dados sobre as matrículas de automóveis novos de passageiros[COM(2010) 657 final]

66

2011/C 218/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor[COM(2010) 791 final — 2011/0001 (COD)]

69

2011/C 218/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece requisitos técnicos para as transferências de créditos e os débitos directos em euros e que altera o Regulamento (CE) n.o 924/2009[COM(2010) 775 final – 2010/0373 (COD)]

74

2011/C 218/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial[COM(2010) 748 final/2 — 2010/0383 COD]

78

2011/C 218/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta da directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Directivas 2003/71/CE e 2009/138/CE no que respeita às competências da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma e da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados[COM(2011) 8 final — 2011/006 (COD)]

82

2011/C 218/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões em resposta ao relatório do Grupo de Peritos sobre a Avaliação Intercalar do Sétimo Programa-Quadro de Investigação, Desenvolvimento Tecnológico e Demonstração e ao relatório do Grupo de Peritos sobre a Avaliação Intercalar do Mecanismo de Financiamento da Partilha de Riscos[COM(2011) 52 final]

87

2011/C 218/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — A política de luta contra o terrorismo da UE: principais realizações e desafios futuros[COM(2010) 386 final]

91

2011/C 218/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de trabalho sazonal[COM(2010) 379 final — 2010/0210 (COD)]

97

2011/C 218/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de entrada e residência de nacionais de países terceiros no quadro de transferências dentro das empresas[COM(2010) 378 final — 2010/0209 (COD)]

101

2011/C 218/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros para efeitos de prevenção, detecção, investigação e repressão das infracções terroristas e da criminalidade grave[COM(2011) 32 final – 2011/0023 (COD)]

107

2011/C 218/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1234/2007 no que diz respeito às relações contratuais no sector do leite e dos produtos lácteos[COM(2010) 728 final — 2010/0362 (COD)]

110

2011/C 218/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos sistemas de qualidade dos produtos agrícolas[COM(2010) 733 final — 2010/0353 (COD)]

114

2011/C 218/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho no que respeita às normas de comercialização[COM(2010) 738 final — 2010/0354 (COD)]

118

2011/C 218/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 834/2007 relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos[COM(2010) 759 final — 2010/0364 (COD)]

122

2011/C 218/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento (UE) n.o …/… do Parlamento Europeu e do Conselho de … que altera o Regulamento (CE) n.o 1290/2005 do Conselho relativo ao financiamento da política agrícola comum e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 165/94 e (CE) n.o 78/2008 do Conselho[COM(2010) 745 final — 2010/0365 COD]

124

2011/C 218/26

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 485/2008 do Conselho relativo aos controlos, pelos Estados-Membros, das operações que fazem parte do sistema de financiamento pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia[COM(2010) 761 final — 2010/0366 (COD)]

126

2011/C 218/27

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a Ataques contra os Sistemas de Informação e que revoga a Decisão Quadro 2005/222/JAI do Conselho[COM(2010) 517 final – 2010/0273 (COD)]

130

2011/C 218/28

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Conselho relativa à gestão do combustível irradiado e dos resíduos radioactivos[COM(2010) 618 final]

135

PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

471.a Sessão Plenária de 4 e 5 de Maio de 2011

23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Impacto da crise económica e financeira na distribuição da mão-de-obra nos sectores produtivos, com especial destaque para as PME»

(parecer exploratório)

2011/C 218/01

Relator: Antonello PEZZINI

Relator: Karel HAVLÍČEK

Em 15 de Novembro de 2010, Péter Györkös, representante permanente da República da Hungria junto da União Europeia, em nome da futura Presidência húngara, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu a elaboração de um parecer exploratório sobre o

Impacto da crise económica e financeira na distribuição da mão-de-obra nos sectores produtivos, com especial destaque para as PME.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI), que emitiu parecer em 4 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 153 votos a favor, 5 votos contra e 11 abstenções o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE regista com grande apreço o interesse da Presidência húngara por um tema crucial para a sociedade civil organizada, nomeadamente o do impacto da actual crise económica e financeira para a mão-de-obra e a sua distribuição nos vários sectores produtivos, com especial destaque para as PME.

1.2   O CESE recorda, além disso, que já por diversas vezes se pronunciou sobre os problemas das pequenas e médias empresas, que, com o sector público e a economia social, compõem o tecido conjuntivo da economia e do emprego europeus.

1.3   As PME foram fortemente abaladas pela crise económica e financeira global, não obstante terem amiúde reagido por meio de uma maior flexibilidade e de respostas inovadoras de sucesso.

1.4   O Comité considera que a UE pode fazer mais para apoiar as PME, apesar das suas declarações de princípio. Neste momento, é absolutamente necessária uma acção comunitária coerente e coordenada, orientada para um conjunto de prioridades em prol da melhoria das condições operacionais no mercado interno, bem como para a internacionalização das PME.

1.4.1   O CESE identifica, como acções prioritárias, o desenvolvimento das potencialidades do novo empreendedorismo, em particular do feminino, o emprego juvenil e o apoio da iniciativa emblemática «Juventude em Movimento».

1.4.2   Recomenda que se organize regularmente uma conferência anual das PME para fazer o balanço da situação europeia destas empresas no que diz respeito ao emprego. Esta conferência deveria reunir diversas organizações profissionais nacionais e europeias e de todas as instituições europeias.

1.5   Em particular, o CESE apela à elaboração de um roteiro para assegurar mais imediatamente as condições necessárias ao desenvolvimento de novas empresas inovadoras e um apoio às PME existentes, para contribuir para a criação de emprego – necessário para sair da crise –, e para retomar o crescimento sustentável. As medidas previstas deveriam ser programadas a nível europeu, nacional e regional, e incluir tanto as empresas privadas comerciais e não comerciais como as da economia social. Além deste roteiro, deve estar prevista formação para desempregados e jovens que lhes faculte o acesso a novos empregos.

1.5.1   A UE poderia apoiar, em concordância com os Estados-Membros, nas regiões de convergência, a utilização dos fundos estruturais destinados ao apoio das PME.

1.6   No entender do CESE, o processo de internacionalização das PME deve ser acelerado, aumentando o acesso das mesmas aos novos mercados e, por conseguinte, a sua capacidade para gerar emprego.

1.6.1   O acesso aos novos mercados deveria ser precedido de acordos comerciais sólidos que previssem protocolos simples de aplicação imediata por parte das PME.

1.7   O CESE considera fundamental a divulgação da cultura empresarial e do espírito de iniciativa num ambiente que apoie os empresários, compreenda os riscos do mercado e valorize o capital humano.

1.8   Há que encorajar a formação, a transferência de conhecimentos e de qualificações, os novos métodos de trabalho e a flexibilidade, sobretudo neste momento de crise, para assegurar a manutenção dos postos de trabalho e para reforçar o papel dos trabalhadores como instrumento de reforço das empresas.

1.9   O Comité sublinha a importância dos contratos públicos, no respeito das normas sociais e ambientais, como instrumento para apoiar a sobrevivência das empresas e o emprego local. Numa crise onde está em jogo uma grande parte do emprego, o conceito de «pensar primeiro em pequena escala» deveria ser obrigatório. Uma utilização correcta, responsável e inteligente da procura pública deveria estimular uma concorrência aberta e a inovação.

1.10   No entender do CESE, há que reforçar o desenvolvimento de pólos empresariais e de grupos sectoriais de PME. A partilha de contratos e de conhecimentos entre pequenas e grandes empresas poderia impulsionar dinâmicas inovadoras através de sistemas em rede, inclusivamente a nível sectorial.

1.11   O CESE recomenda que o desenvolvimento das iniciativas sectoriais de ponta seja objecto de melhor coordenação dos pontos de vista da tecnologia, do emprego, do investimento e da valorização dos recursos humanos, a fim de tirar o máximo proveito desta iniciativa.

1.12   Há que reconhecer a necessidade de conceber novos mecanismos financeiros. O CESE está em crer que o desafio financeiro e outros factores de crise para as PME se agravaram em virtude de uma incapacidade para programar novas intervenções, inclusivamente mediante o reforço de instrumentos como os programas Jeremie, Jasper e Jessica.

1.13   Segundo o CESE, a Comissão deveria acelerar a revisão da legislação existente, dando o exemplo aos Estados-Membros, para reduzir os efeitos cumulativos da legislação e para reduzir burocracia e custos.

1.14   As novas propostas legislativas, no entender do CESE, deveriam ser submetidas a uma análise prévia para estabelecer o seu impacto na competitividade, com o auxílio de fichas de impacto operacionais comunitárias e nacionais.

1.15   O CESE convida a Comissão a insistir e a aumentar as suas intervenções na promoção das tecnologias hipocarbónicas e da economia verde, que são uma fonte de novos empregos de melhor qualidade.

1.16   Seria útil, entende o CESE, apoiar e promover a difusão de redes internacionais, também a nível sectorial, para os protagonistas da criatividade e da inovação. Recomenda, a este propósito, que a rede europeia Enterprise Europe Network desempenhe funções de informação e aconselhamento em geral, mas também sectorial, e lhe sejam atribuídas funções administrativas de balcão único.

1.17   O CESE pede para acelerar a adopção do estatuto europeu das PME e a aplicação do Small Business Act a nível dos Estados-Membros, sobre o qual o CESE já se pronunciou.

2.   Introdução

2.1   A crise económica em 2008 pôs termo à tendência positiva registada pelas PME entre 2002 e 2008, com números que apontam para uma perda de 3,25 milhões de postos de trabalho para o período de 2009-2010 (1).

2.2   A taxa de desemprego da UE ascendeu aos 9,6 % em 2010 e é maior ainda nos sectores da administração pública, dos transportes e das telecomunicações. Os sectores do comércio retalhista e da indústria transformadora registaram uma expansão ligeira, enquanto o mercado de trabalho para os jovens – dos 15 aos 24 anos – permanece em regressão, com uma taxa de desemprego da ordem dos 21 %, o que corresponde a um dos valores mais elevados desde o início da crise.

2.2.1   Por outro lado, a crise económica e factores como a globalização, os progressos tecnológicos, o envelhecimento da população e a transição gradual para uma economia com baixas emissões de carbono e de partículas, deram um grande impulso a transformações rápidas nas qualificações e nas competências exigidas no mercado de trabalho, com novas profissões registando forte crescimento.

2.3   A nível sectorial, a recessão parece ter acelerado a tendência actual para a transferência de postos de trabalho das actividades do sector transformador primário e de base para o sector dos serviços, com previsões que apontam para reduções substanciais do emprego na indústria primária e na agricultura, esperando-se igualmente perdas de postos de trabalho na indústria transformadora e produtora para o período de 2010-2020. Prevê-se ainda um crescimento do emprego nos serviços, em particular nos serviços ligados ao sector da indústria e de mercado, bem como aumentos na distribuição e nos transportes, bem como nos sectores da hotelaria, da restauração e do turismo, da saúde, da educação e da segurança.

2.4   Quanto aos perfis profissionais, a tendência a consolidar e a reforçar até 2020 deveria privilegiar as competências de nível médio a elevado (40 %), nomeadamente as dos quadros dirigentes, das profissões liberais e técnicas, que constituem os chamados «empregos de alta intensidade de conhecimentos e competências».

2.4.1   Prevê-se que a maior diminuição ocorra ao nível da percentagem de trabalhadores com baixas qualificações formais ou menos qualificados. Verificou-se que o emprego nos sectores que produzem bens de investimento é mais vulnerável às crises económicas gerais devido à particular importância das competências nestes sectores, visto lhes estarem amiúde associadas competências específicas.

2.5   O CESE já por diversas vezes (2) recordou «a importância das pequenas e médias empresas (PME) para a economia da União Europeia», assinalando que «em termos económicos, a inovação e o emprego dependem cada vez mais das PME, e, por conseguinte, deverá ser dada prioridade ao desenvolvimento do empreendedorismo entre os jovens» (3).

2.6   Na UE há mais de vinte milhões de empresas independentes, das quais mais de 99 % são pequenas e médias empresas com menos de 250 trabalhadores. A grande maioria (92 %) é constituída por micro-empresas, que possuem menos de dez trabalhadores. Além disso, o emprego nas PME representa mais de 67 % do emprego na UE (4). Muitas dessas PME só sobreviveram à crise como resultado do empenho do seu pessoal.

2.7   Importa ainda ter em conta que inúmeros obstáculos, como sejam

um ambiente desfavorável ao desenvolvimento do empreendedorismo,

dificuldades no acesso ao crédito,

dificuldades na internacionalização e no acesso aos mercados,

um fluxo de conhecimentos ou uma capacidade de gestão deficientes,

uma protecção da propriedade intelectual insuficiente,

são passíveis de pôr um travão ao empreendedorismo e à criação e ao rápido desenvolvimento de PME inovadoras, bem como de impedir a persecução da política do pleno emprego.

2.8   Em 2009, o número de grandes empresas que registaram reduções de pessoal foi duas vezes superior ao das pequenas empresas e mais de três vezes superior ao das micro-empresas. Estes números confirmam a capacidade destes últimos tipos de empresas para actuarem como forças estabilizadoras em relação aos ciclos económicos.

2.9   As tendências do mercado de trabalho comunitário continuam, no entanto, a caracterizar-se por fortes desequilíbrios entre países, com níveis de desemprego juvenil inaceitáveis. Se é verdade que, no biénio 2010-2011, a taxa média europeia poderá atingir valores críticos superiores a 10 %, a distribuição da mão-de-obra por sector, território e, sobretudo, faixa etária, é muito mais preocupante.

2.9.1   O último relatório sobre o emprego na Europa em 2010 indica que os jovens tendem a ser as principais vítimas da crise, com uma incidência do desemprego na faixa etária dos 15-24 anos que atinge e em alguns Estados-Membros ultrapassa os 30 %.

2.10   As análises das tendências de distribuição da mão-de-obra europeia nos vários sectores (5) – incluindo critérios de idade, género e tipo de empresa – indicam:

uma taxa global de emprego na UE-27 (6) que passou de 62,2 % em 2000 para 64,6 % em 2009,

uma taxa de emprego juvenil (7) que, no mesmo período, passou de 37,5 % para 35,2 %,

uma taxa de emprego feminino que, globalmente, passou de 53,7 % para 58,6 % e, no caso das jovens do sexo feminino, de 34,1 % para 33,1 %,

uma taxa de emprego no sector industrial da UE-27 que passou de 26,8 % em 2000 para 24,1 % em 2009,

uma taxa de emprego nos serviços que passou de 65,9 % em 2000 para 70,4 % em 2009,

uma taxa de emprego na agricultura que passou de 7,3 % em 2000 para 5,6 % em 2009.

2.11   Na UE-15, os dados apontam para uma situação ligeiramente melhor no respeitante tanto à taxa global de emprego (63,4 %-65,9 %) como à taxa de emprego feminino (54,1 %-59,9 %).

2.12   Conferir competências e novas qualificações aos jovens de ambos os sexos é um objectivo do programa comunitário «Juventude em Movimento», embora o seu alcance se afigure limitado face à dimensão do problema, havendo que integrá-lo com outras iniciativas para criar novas actividades e novas empresas.

2.13   O CESE – por sinal, também através da própria Comissão Consultiva para as Mutações Industriais (CCMI) – já se pronunciou sobre as consequências da crise para o emprego no sector da indústria transformadora, na indústria automóvel, na indústria têxtil, na indústria metalúrgica, na aeronáutica, nas indústrias culturais e criativas, na construção naval, nas indústrias siderúrgicas e carboníferas, na indústria dos electrodomésticos, no sector florestal e agrícola e no sector dos serviços.

2.14   Em todos os sectores, a par das empresas de grandes dimensões, observa-se uma presença significativa de PME, nomeadamente no sector da indústria transformadora (das 2 376 000 empresas europeias, 2 357 000 são PME), no sector da construção (2 914 000 de 2 916 000), nos sectores do comércio grossista e a retalho, da reparação de viaturas e de motociclos, dos bens de consumo das famílias (no total, 6 491 000 de 6 497 000), para não falar dos serviços imobiliários, da restauração, do sector hoteleiro e dos transportes.

2.15   O CESE sublinha a complementaridade plena entre pequenas, grandes e médias empresas, que amiúde se manifesta na qualidade da subcontratação, na eficiência da contratação externa, assim como na criação de empresas derivadas inovadoras.

2.16   A possibilidade de criar novos empregos como forma de combater a crise e de estimular o crescimento económico sustentável e competitivo através de pequenas e médias empresas dos sectores público, privado e da economia social interessa em particular a alguns sectores dos serviços (8):

empresas derivadas no domínio da investigação e desenvolvimento,

o sector informático e actividades afins,

actividades de manutenção e de reestruturação do património imobiliário,

actividades auxiliares de intermediação financeira,

o sector hoteleiro e da restauração,

o sector turístico e cultural,

o sector dos correios, telecomunicações e transportes,

o sector do fornecimento de electricidade, gás e água,

os sectores previstos na iniciativa dos mercados-piloto, nomeadamente a saúde em linha, a construção sustentável, os tecidos inteligentes, os produtos biológicos, a reciclagem, as energias renováveis e a economia verde.

2.17   No atinente à distribuição territorial do contributo das PME para o valor acrescentado e para o emprego da UE no período de 2002-2007, não se registam grandes diferenças ao nível do emprego, ao passo que o contributo das PME em termos de valor acrescentado parece apontar para a existência de fortes disparidades entre a UE-12 e a UE-15, com um diferencial de produtividade do trabalho entre as PME as grandes empresas mais elevado nos Estados-Membros mais recentes do que nos mais antigos.

2.18   Ademais, para além da criação de novos postos de trabalho, as PME contribuem em larga medida para o dinamismo e o desempenho inovador da economia, enquanto importantes vectores de aplicação de conhecimentos científicos e tecnológicos mediante a transferência e a comercialização de ideias e de descobertas. Importa notar, a este propósito, que as novas abordagens enunciadas no princípio «pensar primeiro em pequena escala» e no Small Business Act não obtiveram ainda plena aplicação a nível europeu, particularmente à escala regional e nacional.

2.19   No entender do CESE, há que reforçar a criação de pólos inovadores de PME com elevada capacidade de desenvolvimento enquanto motores de inovação, mediante sistemas em rede que lhes permitam entrar rapidamente no mercado com produtos de alta qualidade e de fácil utilização.

2.20   A chave para reforçar o desenvolvimento e a competitividade das PME é o apoio à sua internacionalização nos mercados mundiais e o desenvolvimento das suas potencialidades no mercado interno, assegurando a igualdade das condições de concorrência e de operacionalidade.

2.21   Se, em média, as PME contribuem em mais de 50 % para o PIB nacional, elas também são responsáveis, em média, por apenas 30 % das exportações para fora da UE, embora o seu contributo se integre amiúde nas cadeias globais de valor.

2.22   Por outro lado, acentuou-se muito a necessidade de um acesso mais simples ao crédito, tendo a UE apoiado governos, instituições financeiras e grandes empresas durante a crise, ao passo que pouco ou nada se tem feito para apoiar as PME e a criação de empregos produtivos e duradouros a nível local. Conviria reforçar instrumentos como os programas Jeremie, Jessica e Jasper.

2.23   O CESE preconiza que os governos da UE apoiem com determinação:

os programas nacionais e regionais de estímulo ao empreendedorismo,

os instrumentos para manter activas as pequenas e médias empresas,

o desenvolvimento de novas actividades ligadas à inteligência dos produtos e dos serviços,

a redução de encargos burocráticos,

a formação para desempregados e jovens que lhes faculte o acesso aos novos empregos,

a qualificação e a formação permanente da mão-de-obra,

o diálogo social,

um melhor acesso aos programas comunitários, com uma atenção particular ao financiamento das PME,

a luta contra a evasão fiscal e o trabalho clandestino,

a redução e a simplificação dos encargos administrativos, promovendo os balcões únicos e as redes sectoriais.

2.24   Em particular, o CESE recomenda que se acelere a revisão em curso para facilitar o acesso a programas comunitários de investigação e de inovação.

2.25   É necessário colmatar as deficiências do mercado na promoção de postos de trabalho duradouros, no desenvolvimento do espírito empresarial, na inovação e no crescimento económico sustentável, mediante pacotes de medidas dinâmicas aptas a comportar e a acompanhar a criação, o crescimento e a saída de mercado das empresas, com condições claras e transparentes.

3.   Observações

3.1   O presente parecer exploratório foi elaborado a pedido da Presidência húngara e visa reflectir sobre o impacto da actual crise económica e financeira na mão-de-obra e na sua distribuição pelos vários sectores produtivos, com especial destaque para as pequenas e médias empresas.

3.2   Segundo o CESE, para sair da crise e desempenhar um papel de protagonismo na globalização, é necessária uma acção comunitária imediata coerente e coordenada, orientada para um conjunto de prioridades e capaz de passar das palavras aos actos, em prol da melhoria das condições operativas no mercado interno e nos mercados mundiais, visando apoiar a inovação nas pequenas e médias empresas e fomentar o espírito empresarial, de molde a identificar novos percursos de formação e de qualificação dos trabalhadores, bem como a adaptar o mercado de trabalho aos novos desafios.

3.3   Para assegurarem plenamente o seu contributo positivo para o emprego, mesmo no novo contexto da globalização – e não obstante a actual crise internacional nos países industrializados –, as PME devem poder competir num plano de igualdade aos seguintes níveis:

elaboração de um roteiro destinado a criar as condições necessárias para que as PME possam contribuir plenamente para a criação de emprego,

desenvolvimento da capacidade inovadora das pequenas e médias empresas e apoio das redes, dos pólos de produção, dos serviços e dos parques tecnológicos (9)

garantias de acesso aos mercados externos, ao financiamento e ao reforço dos seguros e das garantias de pagamento nas transacções internacionais,

estruturas inteligentes de apoio económico aos mercados (10), a par da reciprocidade plena na abertura do mercado europeu e dos mercados externos,

respeito das normas sociais e ambientais e da propriedade industrial e intelectual,

medidas contra a informação assimétrica no acesso ao crédito, assegurando uma oferta apropriada na concessão de crédito e de empréstimos e na participação em capitais de risco,

estruturas de formação contínua, tanto para o desenvolvimento do empreendedorismo e da gestão empresarial como para assegurar uma mão-de-obra qualificada num quadro de flexigurança negociada entre os parceiros sociais,

um diálogo social a nível nacional e europeu que reconheça as especificidades das PME, garantindo a sua representação adequada a nível comunitário, mas que também permita às partes sociais dar uma resposta apropriada às repercussões da crise,

luta contra a economia informal e reforço da política de concorrência no tocante às ajudas de Estado.

3.4   O CESE entende que é necessário racionalizar e simplificar os encargos administrativos e regulamentares relativos à criação de empresas, sobretudo ao nível dos Estados-Membros, a fim de garantir que as empresas existentes possam tirar proveito das oportunidades tecnológicas e comerciais para se desenvolverem, e de que as novas PME possam criar novos postos de trabalho, aplicando plena e concretamente o princípio de «pensar primeiro em pequena escala» e o Small Business Act.

3.4.1   É igualmente necessária a adopção do estatuto europeu das PME e o estudo da sociedade cooperativa europeia para promover a sua divulgação.

3.5   Há que facilitar o processo de internacionalização das PME, aumentando a participação das empresas em parcerias de investigação e assegurando o acesso aos mercados externos.

3.5.1   Tal objectivo também deverá ser perseguido mediante uma estratégia que facilite a constituição de redes internacionais entre os protagonistas da criatividade e da inovação – nomeadamente, quadros de gestão, investigadores e profissionais liberais – para fomentar sinergias e uma melhor internacionalização das profissões liberais.

3.6   Importa ainda difundir a cultura empresarial e promover o espírito de iniciativa e o empreendedorismo feminino, desenvolvendo as competências estratégicas e de gestão necessárias e reforçando a formação.

3.6.1   Convém igualmente introduzir um roteiro, com estatísticas semestrais relativas às variáveis económicas e sociais das PME europeias.

3.7   A formação permanente de quadros de gestão e de mão-de-obra deve permitir a dotação de recursos humanos qualificados e actualizados num contexto de promoção da igualdade de género. O CESE apela a uma acção prioritária a nível comunitário, nacional e regional, para combater o desemprego juvenil, aumentando a oferta em termos de possibilidades de aprendizagem, de estágios profissionais de qualidade e de patrocínios a licenciados, sobretudo em áreas científicas, e lançando uma campanha de valorização do trabalho no sector industrial e da transformação e do empreendedorismo, particularmente o feminino.

3.8   Para o CESE, há que estimular as capacidades de absorção da inovação. Importa, nomeadamente, reforçar as redes de competências e de conhecimentos e desenvolver os distritos industriais de nova geração, assim como as infra-estruturas de transferência tecnológica e de mobilidade dos recursos humanos entre a indústria, os centros de investigação e as universidades, também no âmbito do Instituto Europeu de Tecnologia (IET), que deve integrar as PME.

3.9   O desenvolvimento das iniciativas sectoriais de ponta deveria, entende o CESE, ser mais bem coordenado dos pontos de vista da tecnologia, do investimento e da formação e valorização dos recursos humanos.

3.10   Os mercados de trabalho europeus sairão da crise profundamente transformados. Os trabalhadores e os empresários deverão, por isso, estar preparados, com as competências e os apoios adequados, para se adaptarem a uma realidade em mutação: «A crise desfez os progressos alcançados no passado, tornando-se urgente reformar os mercados de trabalho para garantir a adequação das competências à procura do mercado e a existência de condições de trabalho propícias à criação de emprego.» (11).

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Relatório European SMEs under pressure [As PME europeias sob pressão] (2010).

(2)  Ver o parecer do CESE sobre As diferentes medidas políticas, para além de um financiamento adequado, susceptíveis de contribuir para o crescimento e o desenvolvimento das PME, JO C 27 de 3.2.2009, p. 7; o parecer do CESE sobre Apoiar as PME na adaptação à evolução dos mercados globais, JO C 255 de 22.9.2010, p. 24; e parecer do CESE sobre Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões –«Think Small First»– Um«Small Business Act»para a Europa, JO C 182 de 4.8.2009, p. 30.

(3)  Ver parecer do CESE sobre A Estratégia de Lisboa após 2010, JO C 128 de 18.5.2010, p. 3.

(4)  Fonte: Eurostat.

(5)  Eurostat – indicadores do mercado de trabalho / União Europeia 27 – 2010.

(6)  Classificação Eurostat faixa etária 15-64.

(7)  Classificação Eurostat faixa etária 15-24.

(8)  Ver Hartmut Schrör, Enterprise Births, Survivals and Deaths – Employment effects [Criação, sobrevivência e morte das empresas – efeitos no emprego] (Eurostat, Statistics in Focus, 44/2008).

(9)  Ver parecer do CESE sobre Os distritos industriais europeus face às novas redes do saber, JO C 255 de 14.10.05, p. 1; parecer do CESE sobre o Papel dos parques tecnológicos na transformação industrial dos novos Estados-Membros da UE, JO C 65 de 17.3.2006, p. 51; e parecer do CESE sobre Mutações industriais, desenvolvimento do território e responsabilidade das empresas, JO C 175 de 28.7.2009, p. 63.

(10)  Ver acesso e estrutura simplificada da Base de Dados de Acesso aos Mercados (BDAM).

(11)  Ver László Andor, Comissário da UE para o Emprego – IP/10/1541, de 23 de Novembro de 2010.


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/7


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O papel das políticas da família no processo das alterações demográficas – Intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros»

(parecer exploratório)

2011/C 218/02

Relator-geral: Stéphane BUFFETAUT

Co-relatora geral: Béatrice OUIN

Por carta de 15 de Novembro de 2010 o Embaixador Péter GYÖRKÖS solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, em nome da Presidência húngara da União Europeia e em conformidade com o artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a elaboração de um parecer exploratório sobre

O papel das políticas da família no processo das alterações demográficas – Intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros.

Em 7 de Dezembro de 2010, a Mesa do Comité decidiu incumbir da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania (relator Stéphane BUFFETAUT e co-relatora: Béatrice OUIN.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu decidiu na 471a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio de 2011) designar relator-geral Stéphane BUFFETAUT e co-relatora Béatrice OUIN, e adoptou, por 183 votos a favor, 3 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1

As políticas da família aplicadas na Europa têm influências e conteúdos diversos, mas um mesmo objectivo, isto é, apoiar as famílias. As políticas nacionais e regionais mais globais, as políticas de investimento e de formação, de habitação e de emprego podem transformar este ou aquele Estado-Membro, esta ou aquela região num território atractivo para as famílias e constituir um ambiente que lhes seja favorável.

1.2

É interessante comparar os sistemas implementados, porque isso permite identificar as boas práticas, mas uma coisa é certa: para um sistema ser plenamente eficaz, é preciso que a oferta de serviços e os mecanismos de apoio respondam às expectativas das famílias e dos pais ou futuros pais. Essas expectativas podem variar de país para país consoante a cultura nacional, os costumes sociais e as tradições. Assim, os poderes públicos têm de evitar preconceitos ideológicos e propor medidas que dêem realmente às pessoas a possibilidade de optarem por fundar uma família e terem o número de filhos que desejem.

1.3

Apesar de as políticas da família não serem da competência da União Europeia, ela pode legislar em domínios que dizem respeito à conciliação entre vida familiar e vida profissional, à igualdade profissional entre homens e mulheres, bem como à protecção e desenvolvimento da infância.

1.4

A União Europeia pode também desempenhar um papel útil para o conhecimento da situação e da evolução demográficas e para o intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros.

1.5

Actualmente, estão a desenvolver-se algumas iniciativas e financiamentos correspondentes, sob a égide da União Europeia, além de que os fundos estruturais e o Fundo Social Europeu já apoiaram políticas em prol das famílias ou podem apoiá-las no futuro.

1.6

Seria desejável coordenar melhor todas estas iniciativas e colocá-las sob a autoridade, ou pelo menos, a coordenação de um órgão que tenha por missão definir uma política global e estabelecer linhas de acção e pistas de estudo. Este papel de chefe de orquestra e de coordenador poderia ser confiado, de um ponto de vista mais político e de gestão, à Comissão Europeia através, nomeadamente, da Aliança Europeia para as Famílias e, do ponto de vista científico, ao Eurofound.

1.7

Seria desejável que as associações que representam as famílias participem na elaboração das políticas da família ou que têm influência sobre as famílias, tanto a nível da União Europeia como dos Estados-Membros.

1.8

Muitas das políticas decididas a nível europeu têm um impacto directo na vida das famílias. Nestas condições, o CESE recomenda que a dimensão familiar seja não só integrada transversalmente em todas as políticas europeias, nomeadamente quando se realizam estudos de impacto hoje em dia necessários para toda a legislação europeia (1), mas também em todas as avaliações das políticas existentes, que devem ser revistas.

1.9

O Comité apoia firmemente a ideia de instituir o ano de 2014 como o Ano Europeu da Família.

2.   Introdução: ponto da situação demográfica

2.1

As famílias europeias estão em plena mutação: queda da fecundidade muito abaixo do limiar de renovação das gerações há várias décadas (2), recuo da idade do primeiro parto, aumento do número de separações, da percentagem de famílias monoparentais e de famílias sem recursos estáveis, alongamento da duração da vida, aumento do número de idosos dependentes devido sobretudo à herança demográfica. A evolução das estruturas familiares acarreta novos desafios que há que ter em conta na concepção, execução e coordenação das políticas da família.

2.2

O declínio da família alargada em benefício da família «nuclear» - devido, nomeadamente, à vida urbana e às mudanças no modo de vida – foi acompanhado de atitudes mais individualistas, da emergência de novos grupos sociais de risco e de uma exclusão social mais frequente. São os desempregados de longa duração, as famílias monoparentais, os trabalhadores pobres e os filhos pobres ou em risco de pobreza. Estes fenómenos, infelizmente, afectam todas as sociedades europeias. Calcula-se que 17 % dos europeus são afectados pela pobreza e exclusão social, o que não deixa de ter consequências nas políticas da família.

2.3

Embora o declínio demográfico esteja presente em toda a União Europeia, é manifesta a diversidade tanto a nível da situação demográfica dos Estados-Membros e das suas diferentes regiões, como das políticas de apoio à família. Dentro de um mesmo país a densidade demográfica é muito variável, com regiões densamente povoadas ao lado de outras desertas, o que coloca a questão do ordenamento do território e da manutenção dos serviços públicos, inclusivamente os que se destinam às famílias. A divisa da União Europeia «unidos na diversidade» é particularmente pertinente neste âmbito. O envelhecimento da população europeia, isto é o aumento da proporção de idosos, explica-se, é certo, por um elemento positivo – a elevação da esperança de vida e da vida saudável –, mas a segunda causa é negativa, ou seja a queda importante da natalidade que leva à não renovação das gerações.

2.4

Nenhum dos Estados-Membros atinge o limiar da renovação das gerações (3), embora dois - a França e a Irlanda - estejam muito próximos dele. A fecundidade nos Estados Unidos da América atinge praticamente esse limiar, ao passo que na Europa é cerca de 25 % inferior a esse valor.

2.5

Neste contexto geral, os contrastes são fortes. Dezoito Estados-Membros registam um saldo natural positivo, em que os nascimentos ultrapassam o número de mortes, enquanto nove possuem um saldo negativo, com o número de mortes superior ao dos nascimentos (por ordem crescente: Portugal, Estónia, Itália, Letónia, Lituânia, Hungria, Roménia, Bulgária e Alemanha).

2.6

A inversão da tendência depende principalmente de uma nítida melhoria do índice sintético de fecundidade (total fertility rate). Os fluxos migratórios exercem também uma influência, mas não são suficientes, pois os imigrantes não se instalam necessariamente nas regiões onde o índice de natalidade é mais baixo e, além disso, também envelhecem. De resto, a imigração implica condução de políticas de integração activas para evitar dificuldades de coabitação entre comunidades, mais sensíveis ainda em países de acolhimento demograficamente pouco dinâmicos.

3.   O impacto da crise nas famílias

3.1

A crise económica teve uma série de efeitos que afectaram o bem-estar de certas famílias e dificultaram a resposta a dar ao pedido de apoio claramente necessário. A situação económica afectou, em primeiro lugar, o emprego e os recursos de numerosas famílias.

3.2

Esta crise e a situação crítica das finanças públicas em muitos Estados-Membros podem também levar os governos a alterar ou atrasar a aplicação de determinadas medidas das políticas da família.

3.3

A maior parte das políticas nacionais dizem directamente respeito às famílias ou repercutem-se nelas. É o caso das políticas de luta contra a exclusão, das políticas de formação, habitação, transportes públicos, energia, protecção social, educação, emprego, etc., o que demonstra a necessidade de se dispor de um acompanhamento transversal dessas políticas na perspectiva do seu impacto sobre as famílias (family mainstreaming) (4).

4.   Políticas de apoio às famílias

4.1

Uma política familiar global inclui medidas fiscais e prestações familiares, acções a favor da igualdade profissional entre homens e mulheres, serviços de acolhimento e cuidados às crianças e aos dependentes, direitos familiares nos regimes de seguro de velhice, bem como a possibilidade de conciliar a vida familiar com a vida profissional através de licenças parentais e de trabalho a tempo parcial por opção própria. Estas políticas existem em toda a União Europeia embora variem de país para país em função da importância dada a um ou outro aspecto ou de serem concebidas mais como políticas sociais do que familiares. Esta diversidade não é surpreendente, pois as tradições, as necessidades, a visão social ou mesmo filosófica variam de país para país tal como as expectativas das famílias.

4.2

Os factores que inspiraram estas políticas também diferem de caso para caso: umas vezes são de ordem moral e cívica, outras vezes de cariz mais económico ou político, outras ainda orientada directamente para a natalidade. Seja qual for a sua origem, o bem-estar moral, sanitário e educativo das crianças constitui um elemento essencial, como o é o facto de permitir aos pais terem os filhos que quiserem e conciliarem responsabilidades familiares com vida profissional e social.

4.3

Os países escandinavos prestaram uma atenção especial à igualdade entre os dois genitores tanto na vida profissional como nas tarefas familiares e, desde a década de setenta, começaram a aplicar políticas sociais e de formação profissional permitindo conciliar melhor a vida profissional com a vida familiar, mas também facilitar o regresso à vida activa após uma licença parental. Na Suécia, essas políticas assentaram em reformas importantes da licença parental, em serviços públicos de acolhimento para crianças pequenas, em fiscalidade específica para as famílias (supressão do regime de tributação conjunta desde 1971) e na legislação familiar. A política familiar em vigor possui três vertentes: ajuda às famílias propriamente dita, ajuda aos pais que trabalham sob a forma de licença parental remunerada e partilha entre o pai e a mãe dos direitos a esta licença. Daqui resultou um elevado grau de trabalho feminino, uma participação acrescida dos homens nos cuidados dos filhos pequenos, taxas de fecundidade superiores à média da União Europeia e o decréscimo da pobreza infantil. A Finlândia criou, em 1988, um subsídio para os cuidados dos filhos em casa e a Noruega adoptou medida semelhante em 1998, a fim de dar reconhecimento e recursos aos pais que cuidam dos filhos a tempo inteiro.

4.4

Nos Países Baixos, o aspecto fundamental é o desenvolvimento do trabalho a tempo parcial para que mais tempo possa ser dedicado à educação dos filhos, sendo este o país em que os homens mais utilizam este sistema. Todavia, enquanto 73,2 % dos homens têm um emprego a tempo inteiro, só 45,9 % das mulheres estão no mesmo caso. 19 % dos pais utilizam esta possibilidade de tempo parcial (percentagem de longe a mais alta de toda a Europa), contra 41 % das mães. Esta possibilidade pode ser utilizada até aos 8 anos da criança, sendo acompanhada por uma redução de impostos de 704 euros por mês. O crédito de horas é igual a 26 vezes o número de horas de trabalho semanal, é válido para cada filho e, portanto cumulável. Deste modo, é possível recorrer aos serviços de guarda de crianças quando se trabalha a tempo parcial.

4.5

Em França, a política familiar é antiga e caracterizada por uma grande estabilidade ao longo do tempo, independentemente das maiorias políticas, e pela conjugação de subsídios, de um regime fiscal favorável às famílias, de disposições nos regimes de pensões e de direito laboral que criam licenças específicas remuneradas, de regimes de guarda para as crianças entre os 0 e os 3 anos e de jardins-de-infância gratuitos a partir dos três anos. A política familiar é assumida tanto pelo Estado como pelos departamentos e pelos municípios, independentemente das tendências políticas. Os departamentos e os municípios completam a política nacional através de políticas familiares locais de guarda das crianças e de apoio às famílias. O abono de família propriamente dito destina-se a compensar as despesas suportados pela família por cada filho e favorece as famílias numerosas. Não está sujeito a condições de rendimentos dado tratar-se de um princípio universal. O abono destina-se à criança, o que distingue uma política familiar de uma política social. Por isso, a França é um dos países europeus com as taxas de emprego feminino e de fecundidade mais elevadas. A questão da livre escolha do modo de guarda dos filhos é essencial na política familiar francesa, mas, para que haja verdadeiramente livre escolha, é preciso que haja escolha, ou seja, que exista oferta suficiente.

4.6

No Reino Unido, as políticas estão mais centradas, com eficiência, na luta contra a pobreza das famílias e das crianças, admitindo-se, de uma forma geral, que o Estado não tem de interferir nas opções de vida individuais. Estas políticas inscrevem-se num contexto em que a flexibilidade do mercado de trabalho permite às mães regressarem muito facilmente ao mercado de trabalho, e esta grande flexibilidade permite também responder ao carácter muito heterogéneo das expectativas das famílias. A taxa de fecundidade das mulheres mais centradas na vida familiar é aproximadamente o dobro da das mulheres mais implicadas na vida profissional.

4.7

A Alemanha, país confrontado com uma situação demográfica crítica, lançou há alguns anos uma ambiciosa política com vista a conciliar vida profissional e vida familiar na prática e, sem dúvida, também nas mentalidades, pois era bastante mal visto trabalhar com filhos pequenos. Foram criados sistemas de guarda mais desenvolvidos com horários adaptados, bem como uma licença parental de catorze meses remunerada à razão de dois terços do salário. Estas medidas foram acompanhadas de ajudas específicas e bem direccionadas para lutar contra a pobreza das crianças através de um complemento de rendimento.

4.8

Seja como for, os estudos realizados demonstram claramente que uma taxa elevada de emprego feminino é frequentemente acompanhada de um índice de fecundidade elevado ou relativamente elevado quando há possibilidades reais de conciliar a vida profissional e a vida familiar. Ou seja, depois de um período de transição demográfica em que se regista uma quebra drástica do número de filhos por mulher, quando as taxas de mortalidade, em particular infantil, juvenil-adolescente e materna se reduzem consideravelmente, os comportamentos de higiene se difundem e é possível decidir o momento para ter os filhos, o período pós-transição caracteriza-se por uma situação em que os dois genitores trabalham fora de casa. Todavia, a taxa de emprego a tempo inteiro dos pais mantém-se mais elevada do que a das mães, em particular quando as condições de acesso aos serviços e às licenças parentais remuneradas são insuficientes.

5.   Vários cenários

5.1

Na actual situação demográfica da União Europeia, é extremamente importante conhecer a incidência nos índices de fecundidade das políticas levadas a cabo. Com efeito, é possível imaginar vários cenários na evolução demográfica.

5.2

Num primeiro cenário, que prevê a evolução segundo as tendências actuais, a União Europeia continuaria a registar um índice de fecundidade abaixo do limiar de renovação das gerações e desigual entre os países, com, porém, um ligeiro aumento da população em virtude dos efeitos de inércia própria às lógicas demográficas, efeitos esses que acabariam por se atenuar devido ao aumento da esperança de vida dos idosos e a um saldo migratório positivo. Neste caso, assistir-se-ia a um acentuado envelhecimento da população na UE, não obstante os fluxos migratórios (efeito de «estrutura»), um forte aumento do número de idosos, o chamado «gerontocrescimento» (efeito de «tendência») e a uma possível quebra da população activa, mau grado o aumento da idade da reforma. Além disso, em cerca de metade dos países europeus, registar-se-ia uma diminuição da população.

5.3

Essa situação acabaria por acentuar as disparidades demográficas entre Estados-Membros e poderia abalar a coesão da União Europeia, pois as políticas a aplicar e as reivindicações das populações poderiam variar consideravelmente de país para país devido às suas características demográficas.

5.4

O cenário de «catástrofe» caracteriza-se pelo intensificar do inverno demográfico, com um número de nascimentos bastante inferior ao das mortes. Neste caso, assistir-se-ia ao efeito cumulativo de um forte envelhecimento na base devido uma fecundidade muito baixa, inferior em metade ao limiar de renovação das gerações (nível de fecundidade que já se constata em algumas regiões da União Europeia) e talvez de um envelhecimento no topo devido à maior longevidade das pessoas acima dos 65 anos. Com efeito, esta sociedade muito envelhecida deixaria porventura de ter meios para financiar os rendimentos e os cuidados de saúde dos idosos.

5.5

Estes dois elementos do cenário «catástrofe» acarretariam a emigração dos jovens licenciados, que trocariam uma União Europeia a envelhecer por países mais empreendedores, ao passo que a imigração tenderia a diminuir devido à menor atractividade da Europa pelo facto de ser menos dinâmica, mais pobre e com grandes dificuldades orçamentais e de equilíbrio das contas sociais.

5.6

A ser assim, a União Europeia ver-se-ia a braços com uma pirâmide etária muito desequilibrada, com muito mais idosos do que jovens, e uma população activa em forte queda e muito envelhecida.

5.7

Por fim, o cenário mais optimista é o da renovação demográfica, isto é, da «primavera demográfica», no qual o índice de fecundidade aumentaria para se aproximar da taxa de renovação geracional. O aumento do número de nascimentos estimularia numerosos sectores económicos. Consequentemente, a população activa, que tinha vindo a diminuir, voltaria a aumentar na geração seguinte. Este dinamismo demográfico reflectir-se-ia num dinamismo económico que contribui para financiar a segurança social. A União Europeia voltaria a ser atractiva para os seus próprios cidadãos, que deixariam de ser tentados a emigrar, e atrairia imigrantes mais qualificados.

5.8

Estes cenários não são, como é óbvio, previsões, mas meras hipóteses, que permitem conceber políticas adaptadas para recuperar da situação actual e evitar o pior.

6.   Podem as políticas de apoio à família explicar as diferenças de taxa de fecundidade?

6.1

Todos os Estados-Membros desenvolvem um conjunto de políticas que, combinadas, formam uma política da família, seja essa ou não a sua designação (5). As políticas visam objectivos diversos:

reduzir a pobreza e salvaguardar os rendimentos das famílias;

apoiar a primeira infância e o desenvolvimento harmonioso das crianças;

conciliar a vida profissional e a vida familiar,

dar resposta à exigência de igualdade entre homens e mulheres;

permitir que os pais, ou futuros pais, tenham o número de filhos que desejam e quando o desejam, aumentando assim a taxa de fecundidade.

6.2

Se quiséssemos classificar os países em função das políticas que desenvolvem e definir categorias, poderíamos afirmar que há:

países com uma política familiar débil e uma taxa de fecundidade inferior à média europeia;

países com uma política familiar desadequada e uma taxa de fecundidade inferior à média europeia;

países onde o esforço a favor das famílias, em termos de PIB, é inferior ou igual à média da União Europeia, mas que, apesar disso, têm uma taxa de fecundidade superior à média;

países com políticas familiares fortes e uma fecundidade superior à média da União Europeia (6).

Assim, a incidência das políticas na fecundidade varia consoante os elementos em que essas políticas se baseiam.

6.3

É interessante comparar as políticas da família, porque isso permite identificar as boas práticas, mas uma coisa é certa: para que um sistema seja plenamente eficaz é preciso que a oferta de serviços e os mecanismos de apoio, nomeadamente financeiro e/ou fiscal, respondam às expectativas das famílias e dos pais ou futuros pais. Essas expectativas podem variar de Estado-Membro para Estado-Membro consoante a cultura nacional, os costumes sociais e as tradições. Assim, os poderes públicos têm de evitar preconceitos ideológicos e propor medidas que dêem realmente às pessoas a possibilidade de optarem por fundar uma família e de terem o número de filhos que desejam. As medidas devem também ser pensadas em função do tipo de povoamento dos territórios. A partir destas constatações, e no respeito destas diferenças, é possível desenvolver um sistema de informação e de intercâmbio de boas práticas. A intervenção dos poderes públicos justifica-se plenamente, dado que a família, enquanto estrutura em que se cria o capital humano (7), constitui o fundamento de todo o edifício social. Viu-se na crise, em que as famílias desempenharam amiúde uma função de amortecedor social.

7.   Os elementos fundamentais do êxito das políticas da família

7.1

Apesar de algumas divergências, as políticas de apoio à família bem sucedidas têm pontos em comum:

criação de mecanismos que permitam conciliar vida profissional e vida familiar (estruturas de qualidade para acolhimento das crianças, nomeadamente infra-estruturas públicas para a primeira infância, medidas de apoio às famílias para acolher e cuidar de pessoas dependentes, flexibilidade na organização do trabalho, licenças específicas), sabendo que estes mecanismos devem ser adaptados às condições de cada país e dar resposta às expectativas dos pais e mães e às necessidades de desenvolvimento afectivo, psicológico e físico das crianças;

prevenção e luta contra a pobreza das famílias;

continuidade das políticas postas em prática, independentemente da alternância das forças políticas no governo, e sua universalidade. Essas políticas são conduzidas no interesse da criança, independentemente de qualquer consideração de rendimento familiar. Esta continuidade é um elemento muito importante pois os projectos familiares constroem-se a longo prazo. Uma política familiar adequada e permanente constitui um factor de desenvolvimento sustentável;

reconhecimento da família e valorização do seu papel e do sucesso familiar. Na sociedade contemporânea o sucesso foi sobretudo concebido como individual e profissional; ora há outras formas de sucesso pessoal, isto é, ligado aos outros e ao bem comum, entre as quais o sucesso familiar, associativo ou cultural, que deveriam ser mais valorizadas nos meios de comunicação social (8) e nos sistemas educativos nacionais;

atenção prestada à situação específica das famílias numerosas.

7.2

A par dos elementos de política da família em sentido restrito, duas políticas há que se revestem claramente de grande importância: as políticas do emprego e da habitação (9). Sem emprego e sem casa é difícil avançar para um projecto familiar. Para fundar uma família é necessário um mínimo de confiança no futuro. Uma taxa de desemprego dos jovens elevada ou contratos de trabalho precários podem ter repercussões importantes na renovação das gerações, porquanto, se para educar uma criança é preciso muito tempo, os anos de maior fecundidade passam depressa. Por isso, seria necessário prestar atenção à situação dos estudantes e dos jovens em geral que são pais ou desejam sê-lo.

7.3

Quando são desenvolvidas com continuidade e correspondem de facto às expectativas das famílias, as políticas da família contribuem para o desenvolvimento harmonioso das crianças e a realização pessoal dos pais, para a harmonia da vida social e a recuperação de uma taxa de fecundidade mais elevada.

7.4

Um inquérito recente realizado pelo Movimento Mundial das Mães junto de onze mil mães mostra que elas desejam:

em primeiro lugar, conciliar trabalho e vida familiar,

em segundo lugar, que a sociedade reconheça a importância do papel de mãe,

em terceiro lugar, ter mais tempo para os filhos.

7.5

Seria interessante realizar um inquérito semelhante junto dos pais, pois eles poderiam perfeitamente perfilhar as mesmas prioridades, em particular o reconhecimento do seu papel, o que forçosamente os levaria a empenharem-se mais na vida familiar (10). A este respeito, são interessantes as recentes propostas que visam incentivar os pais a utilizarem a licença parental, ou mesmo a instituir uma licença de paternidade obrigatória e remunerada, visto que se inserem na necessária revalorização da paternidade e na não menos necessária responsabilização dos pais, em particular, em caso de divórcio. Deste ponto de vista, seria útil fazer um levantamento das boas práticas de empresas que encontram formas de organização do trabalho adaptadas às responsabilidades parentais. A responsabilidade das empresas estende-se também às medidas destinadas a contribuir para um bom equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar. É nas empresas que estas medidas são concretamente aplicadas. Seria interessante criar um rótulo para as empresas «amigas» das famílias, como há em Espanha, com o apoio do ministério da Saúde e dos Assuntos Sociais (11).

7.6

O Comité propôs em anterior parecer (12) que se previssem «iniciativas que permitam aos avós ou a outros membros da família mais próxima cuidarem das crianças, caso os pais também o desejem e isso seja no interesse da criança.» Em relação ao tempo consagrado à família, o CESE já adoptou o princípio segundo o qual „cada um deve poder (….) dispor de um número de anos suficiente de crédito de tempo para as suas actividades familiares (…). Deveria ser possível optar por protelar a idade de reforma se se preferir dispor de algum tempo (financiado como a reforma) durante a sua vida activa“ (13). Assim, o tempo de trabalho no exterior seria parcial ou temporariamente interrompido, mas o rendimento não seria excessivamente amputado. Seria conveniente efectuar um cálculo económico preciso, especialmente para determinar a poupança realizada em termos de sistemas colectivos de guarda, poupança que poderia ser utilizada para ter em conta o tempo dedicado à educação dos filhos no cálculo do valor das pensões. É igualmente importante garantir os direitos dos avós em relação aos netos.

7.7

Para elaborar políticas da família adaptadas às necessidades, seria igualmente necessário realizar inquéritos sobre as aspirações dos jovens, as mudanças provocadas pela maior mobilidade das famílias, a relação entre o acesso dos jovens à habitação e a decisão de fundar família ou sobre os efeitos das novas formas familiares na fecundidade. Esses inquéritos poderiam ajudar a compreender melhor as expectativas das famílias, o que constitui uma das chaves das políticas a pôr em prática.

8.   Qual o papel da União Europeia?

8.1

As políticas da família não são da competência da União Europeia. De resto, o artigo 9.o da Carta dos Direitos Fundamentais explicita que o direito da família é regido pelas leis nacionais. Todavia, a União Europeia pode legislar em domínios que dizem respeito à conciliação entre vida familiar e vida profissional, e os parceiros sociais podem negociar acordos que se transformarão em directivas. Isto já aconteceu com a licença parental e nos debates sobre a duração da licença de maternidade. A União Europeia pode também legislar no domínio da igualdade profissional entre homens e mulheres, que é uma das componentes de qualquer política familiar, e no da protecção e desenvolvimento das crianças com base na recente estratégia da Comissão Europeia sobre os direitos da criança (14).

8.2

A Estratégia Europa 2020 estabelece um objectivo de taxa de emprego para homens e mulheres que só poderá ser atingido se for conjugado com uma política da família que permita a ambos trabalharem e terem o número de filhos que desejem, o que não é o caso hoje em dia na maior parte dos países da União Europeia.

8.3

A União Europeia pode também desempenhar um papel útil para o conhecimento da situação e da evolução demográfica em todas as esferas geográficas, para a avaliação das políticas de apoio à família, quer se trate de políticas dos Estados ou de políticas da família conduzidas pelas entidades locais, bem como para o intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros.

8.4

A Aliança Europeia para as Famílias, lançada durante a última Presidência alemã, tinha previsto a criação de um observatório, o que nunca chegou a concretizar-se.

8.5

Neste momento, estão em curso algumas iniciativas e alguns financiamentos liderados pela União Europeia:

o grupo de peritos sobre questões demográficas,

o fórum demográfico europeu,

workshops sobre melhores práticas,

a rede sobre as políticas da família,

o portal Internet da Aliança Europeia para as Famílias,

seminários regionais.

O financiamento destas acções totaliza cerca de 500 000 euros, a que há que acrescentar o projecto de investigação FAMILYPLATFORM, que está a chegar ao seu termo, outros projectos de investigação sobre demografia que, por conseguinte, dizem também respeito a questões relacionadas com a família, e ainda a base de dados da OCDE sobre a família.

8.6

Seria desejável integrar melhor todas estas iniciativas e colocá-las sob a autoridade - ou pelo menos a coordenação - de um órgão incumbido de definir uma política de conjunto e determinar os eixos de acção e estudo. Uma vez que não é altura de criar novos órgãos autónomos na União Europeia, esse papel de chefe de orquestra e de coordenador poderia ser confiado, de um ponto de vista mais político e de gestão, à Comissão Europeia através da Aliança Europeia para as Famílias, e, do ponto de vista científico, à Eurofound, que, enquanto agência tripartida da União Europeia, seria a mais indicada para o fazer. Deste modo, os Estados-Membros poderiam dispor de uma verdadeira base de dados, graças a uma boa coordenação de todas as iniciativas já desenvolvidas a nível da União Europeia. Além disso, a Aliança deveria desenvolver contactos e cooperar com as estruturas e as acções do método aberto de coordenação social, método esse que está a ser objecto de reflexão na Comissão Europeia e com todas as partes interessadas.

8.7

O Fundo Social Europeu e o Fundo de Desenvolvimento Regional já contribuíram para a aplicação de medidas de política familiar em alguns Estados-Membros, e seria conveniente estudar a maneira de desenvolver este tipo de intervenção. A política da família deve também inscrever-se na plataforma europeia contra a pobreza.

8.8

Nesta perspectiva, há que prever, no Programa de Investigação (15) e Inovação, um financiamento destinado aos estudos e à investigação na área da demografia, mas também à sociologia, à antropologia e à filosofia, áreas também ligadas às questões da família. Além disso, seria ainda conveniente realizar estudos sobre a eficácia e o impacto das políticas dirigidas à família. A este respeito, seria desejável que a actividade da Family Platform não terminasse, antes fosse prosseguida, como é preconizado por todas as associações e partes interessadas que actuam no domínio da família.

8.9

Seria desejável que as associações que representam as famílias participassem mais na elaboração das políticas da família ou com incidência na família, tanto a nível da União Europeia como dos Estados-Membros.

8.10

Todos os europeus foram ou são membros de uma família, qualquer que seja o seu destino ou a sua história e seja qual for a evolução geral das famílias nas últimas décadas. Ninguém nasce por geração espontânea e todas as sondagens de opinião mostram que os valores familiares fazem parte daqueles que ainda se mantêm no topo da lista dos valores fundamentais dos cidadãos europeus. Ora, muitas das políticas decididas a nível europeu possuem um impacto directo na vida das famílias (livre circulação das pessoas, emprego e segurança social, protecção do ambiente e dos consumidores, determinação das taxas do IVA sobre os artigos da primeira infância (16), política dos meios de comunicação social ou ainda programas de educação e programas culturais ou sociais).

8.11

Nestas condições, o CESE recomenda que a dimensão familiar seja não só integrada transversalmente em todas as políticas europeias, nomeadamente quando se realizam estudos de impacto hoje em dia necessários para toda a legislação europeia (17), mas também em todas as avaliações das políticas existentes, tendo em vista a sua eventual revisão. Em Espanha, a tarificação da água previa um custo por metro cúbico crescente em função do consumo, para reduzir o consumo de um recurso raro. Ora, este mecanismo penalizava as famílias numerosas, pois uma família de cinco pessoas consome logicamente mais água do que uma pessoa só ou uma família sem filhos. Este sistema de tarificação foi posto de lado após acção em tribunal (18). Seria desejável efectuar sistematicamente, a nível europeu, um estudo de impacto da legislação sobre a família, para evitar eventuais efeitos perversos que penalizem as famílias.

8.12

Convém também sublinhar até que ponto as políticas regionais, as políticas de investimento e de formação, de habitação e de emprego estão intimamente relacionadas e fazem com que um determinado Estado ou uma determinada região sejam atractivos para as famílias e os jovens, independentemente mesmo das políticas familiares em sentido restrito, e podem contribuir para o forte dinamismo demográfico global.

8.13

O Comité apoia firmemente a ideia de definir o ano de 2014 como o Ano Europeu da Família e de celebrar o vigésimo aniversário do Ano Internacional da Família das Nações Unidas. Com efeito, o futuro das sociedades reside nas gerações futuras e estas nascem no seio das famílias. Mas, a concluir, importa salientar que há um factor que é determinante na decisão de fundar uma família - a esperança num futuro melhor. Os governos são responsáveis pela esperança dos povos que governam. É esta a grandeza, é este o peso da sua missão.

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Parecer do CESE sobre «Promover a solidariedade entre gerações»JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 4.8.

(2)  Ou seja, o fenómeno que os especialistas designam por «inverno demográfico».

(3)  Este limiar é de 2,1 crianças por mulher na União Europeia. O valor de 0,1 crianças por mulher explica-se por ser necessário compensar os efeitos da sobremasculinidade dos nascimentos e os derivados da percentagem de raparigas que não atingirão a idade da maternidade.

(4)  Parecer do CESE sobre «Promover a solidariedade entre gerações»JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 4.8.

(5)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.7.2007 p. 66., ponto 7.

(6)  «Comunicação ao Grupo de Reflexão sobre o Futuro da União Europeia» (presidido por Felipe González) – Gérard-François Dumont, «UE Prospective démographique» – http://www.diploweb.com/UE-Prospective-demographique.html

(7)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.07.07 p. 66., ponto 6.4 e sobre «Promover a solidariedade entre gerações», JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 3.11.

(8)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.07.07 p. 66., ponto 8.15 e sobre «Promover a solidariedade entre gerações», JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 3.13.

(9)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.7.2007 p. 66., ponto 4.6.

(10)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.7.2007 p. 66., ponto 8.11.

(11)  http://www.en.aenor.es/aenor/certificacion/resp_social/resp_efr.asp.

(12)  Parecer do CESE sobre «Promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho», JO C 277 de 17.11.2009, ponto 1.12.

(13)  Parecer do CESE sobre «Igualdade de género, crescimento económico e taxa de emprego», JO C 318/15 de 23.12.2009, ponto 4.2.6.2.

(14)  COM(2011) 60 final.

(15)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.7.2007 p. 66., ponto 4.5.

(16)  O Comité pronunciou-se a favor da redução deste imposto, designadamente para as fraldas descartáveis para bébés. Ver parecer do CESE sobre «Promover a solidariedade entre gerações»JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 4.7.

(17)  Parecer do CESE sobre «Promover a solidariedade entre gerações»JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 4.8.

(18)  http://sentencias.juridicas.com/docs/00285332.html


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/14


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Avaliações de impacto da sustentabilidade e política comercial da UE»

2011/C 218/03

Relatora: Evelyne PICHENOT

Em 22 de Abril de 2010, a Comissão Europeia, decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre as

Avaliações de impacto da sustentabilidade e política comercial da UE.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 7 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 161 votos a favor, 3 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

A fim de melhorar os resultados das avaliações de impacto da sustentabilidade associadas à política comercial da União Europeia, o CESE recomenda que a Comissão reveja este dispositivo para que ele tenha mais em conta as preocupações da sociedade civil e a realidade da globalização. Assim, o Comité propõe a remodelação deste instrumento e a sua integração num ciclo de avaliações coerente.

1.1   Para tal, o CESE considera essencial que qualquer acordo comercial contenha, a partir de agora, um mecanismo de acompanhamento que conte com a participação da sociedade civil, já que essa é a única forma de garantir o controlo dos compromissos assumidos e a vigilância dos riscos e das oportunidades que a abertura comercial acarreta para o desenvolvimento sustentável. Esse mecanismo de acompanhamento é indispensável na abordagem dinâmica proposta, já que permite reavaliar, em momentos específicos, os riscos e as oportunidades apontados no estudo inicial.

1.2   Para assegurar a coerência entre este dispositivo e os objectivos de desenvolvimento sustentável, o CESE recomenda que as avaliações de impacto da sustentabilidade:

se integrem numa avaliação ex-ante, in itinere e ex-post;

se articulem com estudos preliminares, realizados em tempo útil antes da definição do mandato de negociação;

dediquem uma atenção prioritária à detecção dos riscos sociais e ambientais, em complemento com a avaliação económica que levou a UE a querer estabelecer um acordo comercial;

ao medir os efeitos agregados da liberalização em cada um dos pilares do desenvolvimento sustentável, privilegiem uma avaliação mais específica, com informação pormenorizada ao nível dos sectores ou dos agregados familiares, especialmente nos casos de economias com proporções elevadas de actividade informal;

sirvam de referência para enriquecer o debate público no Parlamento Europeu sobre a análise das consequências;

envolvam as outras políticas da União nas medidas de acompanhamento;

1.3   Para aumentar a pertinência das informações prestadas, o CESE recomenda que as avaliações de impacto de sustentabilidade sejam adaptadas segundo as seguintes linhas de força:

reequilíbrio entre os três pilares;

os consultores devem servir-se de um leque alargado de métodos disponíveis – nomeadamente qualitativos – para lançar luz sobre os aspectos não económicos do acordo comercial em causa;

deve desenvolver-se abordagens ecológicas (análise do ciclo de vida, pegada de carbono, medição dos serviços ecossistémicos);

a equipa de consultores encarregada dos estudos deve incluir obrigatoriamente peritos do país parceiro envolvido no acordo comercial em causa;

os parceiros sociais, os especialistas em questões ambientais e os representantes do mundo dos negócios devem ser convidados para trocas de pontos de vista directas e aprofundadas;

o impacto na igualdade entre os géneros;

as avaliações de impacto da sustentabilidade devem examinar também as condições de trabalho das profissões jurídicas e do domínio da saúde, em especial a independência e a garantia da integridade física dos seus representantes.

1.4   Para organizar um novo processo participativo, o CESE recomenda que:

os estudos sejam acessíveis em todas as fases, a todas as partes interessadas e países parceiros, e sejam acompanhados por um relatório conciso;

a consulta se ajuste às diferentes fases do ciclo, seja aberta a todas as partes interessadas da sociedade civil e disponha de recursos financeiros adequados;

o CESE possa colaborar a montante das avaliações de impacto da sustentabilidade através de um parecer sobre a escolha dos indicadores, e a identificação das organizações da sociedade civil a consultar e propor os mecanismos de consulta;

o CESE seja consultado para emitir parecer sobre a análise das consequências apresentada ao Parlamento Europeu e ao Conselho;

o CESE seja reconhecido como parceiro importante para a organização das consultas e do seguimento, juntamente com as sociedades civis dos países parceiros e em concertação com as delegações da UE;

o CESE actue como facilitador para que a consulta da sociedade civil no âmbito da análise de impacto se articule com a futura aplicação dos mecanismos de acompanhamento instituídos nos acordos;

o dispositivo de avaliação ex-post tenha em conta os relatórios intercalares do comité de acompanhamento.

2.   Avaliações de impacto da sustentabilidade: instrumento necessário mas que precisa de ser revisto

2.1   Na sua comunicação Comércio, crescimento e questões internacionais  (1), a Comissão Europeia declarou que pretende intensificar as consultas com as partes interessadas e a sociedade civil para melhor medir o impacto das políticas comerciais no desenvolvimento sustentável. Consciente de que a DG Comércio desempenhou um papel pioneiro ao introduzir as avaliações de impacto da sustentabilidade, o CESE congratula-se com o facto de Comissão ter reaberto o debate para analisar os ganhos que o método já alcançou mas também para tentar colmatar os seus limites ou lacunas. No presente parecer exploratório, o CESE foca propostas destinadas a melhorar o desempenho deste dispositivo e a clarificar as suas finalidades. Propõe-se também responder às dúvidas levantadas quanto à utilidade social e política destas avaliações.

2.2   Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Parlamento Europeu ganhou novas competências e encontra-se em pé de igualdade com o Conselho da UE em matéria de política comercial. A primeira ratificação de um acordo após a entrada em vigor do tratado (o acordo com a Coreia do Sul, em Março de 2011) deu às partes interessadas, especialmente em sectores sensíveis, a oportunidade de testarem a importância deste novo poder de que gozam os deputados europeus. Neste sentido, a anterior fórmula de diálogo com a sociedade civil deve agora articular-se com estas alterações institucionais.

2.3   O CESE destaca com grande interesse as modificações introduzidas no dispositivo pela recente comunicação da Comissão, referida supra. A avaliação de impacto da sustentabilidade continuará a estar ligada à consulta da sociedade civil e haverá um empenho formal em realizá-la durante as negociações e em compilar as ilações dela retiradas num documento oficial. A isto, junta-se uma nova fase: a Comissão anunciou que os acordos comerciais serão sujeitos a uma avaliação ex-post para, deste modo, se avaliar o seu impacto. Por fim, é introduzida uma etapa fulcral do debate político, após a negociação e antes da assinatura do acordo, em que a Comissão empreenderá uma análise das consequências, que será transmitida ao Parlamento e ao Conselho. De agora em diante, as avaliações de impacto da sustentabilidade deixam de ser um simples instrumento limitado às negociações para passarem a guiar todo o ciclo de elaboração, execução e seguimento das políticas, o que confere maior actualidade e importância às propostas de revisão do dispositivo apresentadas no presente parecer.

2.4   Na ausência de uma conclusão satisfatória a nível multilateral, são os acordos de comércio livre bilaterais ou regionais que integram cada vez mais elementos conducentes a uma governação mais sustentável do comércio mundial, tanto pelo recurso a um ciclo de avaliação mais completo (ex-ante e ex-post), como pelo seu conteúdo (capítulos sobre sustentabilidade que incluem compromissos ambientais e sociais).

2.5   Existe já um diálogo estruturado (2) entre a DG Comércio e a sociedade civil, que inclui sessões de informação e trocas de pontos de vista durante diversas etapas das negociações comerciais. Este diálogo responde à obrigação de se consultar as organizações da sociedade civil europeia e dos países parceiros para elaborar as avaliações de impacto da sustentabilidade e trata-se de uma ampla experiência de diálogo civil em que o CESE gostaria de participar mais intensamente.

2.6   Na actual fase de desenvolvimento ou de retomada das negociações comerciais bilaterais ou regionais, esta fórmula de informação/consulta indica boas possibilidades mas suscita também certas críticas (3). No que diz respeito às avaliações de impacto da sustentabilidade propriamente ditas, a utilização generalizada de modelos de simulação matemática como os modelos de equilíbrio geral calculável, concebidos para avaliar a eficácia das políticas macroeconómicas e não o seu impacto ambiental e social desagregado, tende a conceder um peso significativo à avaliação económica. Muitas vezes, os resultados da aplicação destes modelos, apresentados nas avaliações de impacto da sustentabilidade, apenas confirmam as observações empíricas sem prestar grande qualidade informativa aos negociadores e às partes interessadas por não identificarem impactos importantes ou suficientemente específicos. Além disso, as avaliações de impacto da sustentabilidade são dificultadas pela falta de dados estatísticos sobre o sector informal, ou pela fraca fiabilidade desses dados, pelo que não contemplam adequadamente as possíveis repercussões nesse sector.

2.7   No que toca ao procedimento, vários estudos (4) demonstram as limitações destas avaliações de impacto da sustentabilidade e da organização das consultas. Por serem levadas a cabo numa fase demasiado tardia do processo de negociação, as avaliações não permitem influenciar verdadeiramente o teor dos acordos nem sensibilizar, em tempo útil, os intervenientes para os impactos mais problemáticos. Além disso, a identificação e selecção dos principais interessados a consultar durante o processo não são suficientemente claras.

2.8   Nos casos em que os valores de certos indicadores sociais se alterem substancialmente devido às consequências da crise financeira e económica, será importante completar ou alterar o estudo inicial para que se possa actualizar os dados e os cenários utilizados e aumentar a pertinência das medidas de acompanhamento propostas.

3.   Integrar as avaliações de impacto da sustentabilidade num ciclo de avaliações coerente

3.1   As avaliações de impacto da sustentabilidade não têm sido satisfatórias porque fornecem informações demasiado tardias, que não constituem grande novidade para a negociação, não têm implicações políticas claras nem prevêem consultas adequadas. Por isso, o CESE propõe que elas sejam revistas segundo uma abordagem dinâmica. Em primeiro lugar, importa que as avaliações de impacto da sustentabilidade se centrem na detecção de riscos (ambientais e sociais) específicos e na avaliação e vigilância desses riscos ao longo do tempo. O valor acrescentado das avaliações de impacto da sustentabilidade residirá precisamente no facto de elas facultarem estas informações sobre os riscos previstos e observados.

3.2   Desta forma, a avaliação será ex-ante (riscos previstos), in itinere (evolução dos riscos) e ex-post (impacto observado). Assim, a avaliação de impacto da sustentabilidade adquire um carácter dinâmico, sem se limitar a ser um método ou ferramenta de diagnóstico. Nesta óptica, ela não deverá continuar a ser encarada como uma ferramenta estática que permite calcular o valor aritmético dos três pilares, mas sim como um processo de co-produção e de partilha de informações específicas, que passam a actuar como «sinalizadoras», ou alertas, à atenção da sociedade civil e dos negociadores, a quem cabe uma função de vigilância.

3.3   Para que seja eficaz, o processo de avaliação do impacto da sustentabilidade deve inserir-se num ciclo coerente de avaliação das políticas da UE, que têm o objectivo comum de conseguir um desenvolvimento sustentável.

3.3.1   Antes de mais, é necessária coerência entre os três pilares, com o necessário reforço da perspectiva ambiental e climática. Além disso, importa reforçar explicitamente na vertente social as questões do respeito pelos direitos humanos e das condições de trabalho dignas (5).

3.3.2   Em segundo lugar, importa que haja coerência entre as políticas e medidas de acompanhamento previstas e os riscos e oportunidades identificados. As recomendações devem envolver o maior leque possível de políticas e medidas da UE (fundos estruturais e programas específicos, ajuda ao desenvolvimento, fundo de ajustamento à globalização, Instrumento Europeu para a Democracia e os Direitos Humanos, financiamento pelo BEI). Por outro lado, a programação destes instrumentos deve ter em conta as avaliações de impacto da sustentabilidade.

3.3.3   Por fim, deve haver coerência entre as diferentes avaliações levadas a cabo pela Comissão. Importa, em particular, esclarecer a ligação entre a análise de impacto anterior ao mandato de negociação e a avaliação de impacto da sustentabilidade. A abrangência de uma avaliação de impacto da sustentabilidade pode, se necessário, ser ajustada e revista dependendo de o estudo preliminar sobre os riscos sociais e ambientais ter sido ambicioso ou, pelo contrário, modesto e incompleto.

3.4   Os deputados eleitos do Parlamento Europeu, os representantes do Estados-Membros e a sociedade civil devem participar mais em todo o processo do que participam actualmente. A redacção, pela Comissão, de uma análise das consequências do acordo comercial, a transmitir ao Parlamento Europeu e ao Conselho, adquire uma dimensão estratégica no ciclo e a sua tomada em consideração pelas instituições permite concentrar o diálogo civil num momento fulcral do debate político.

3.5   Será necessário generalizar e adaptar as avaliações de impacto da sustentabilidade aos actuais e futuros mandatos de negociação dos acordos de comércio livre com os nossos parceiros económicos estratégicos (Estados Unidos, China, Rússia, Japão, Índia, Brasil), de forma a abranger mais precisamente aspectos ligados ao Protocolo dos direitos económicos e sociais da ONU, aos direitos de propriedade intelectual, aos códigos dos contratos públicos e aos acordos de investimento.

4.   Aumentar a pertinência das informações obtidas

4.1   É imperativo transmitir os resultados aos negociadores durante uma fase precoce dos debates, para que as potenciais consequências positivas ou negativas sejam efectivamente tidas em conta. Os estudos devem ser acessíveis em todas as fases, a todas as partes interessadas e aos países parceiros. O período de elaboração do estudo foi alargado para nove meses, que devem ser aproveitados para reforçar o processo consultivo nos países parceiros.

4.2   Para responder às críticas sobre a utilidade das avaliações de impacto da sustentabilidade, convém renunciar às generalidades e à medição qualitativa de efeitos agregados (económicos versus ambientais versus sociais). Importa focar acima de tudo riscos ambientais e sociais específicos, bem como o potencial existente nestes domínios, para além da necessária avaliação das oportunidades económicas que, por princípio, são positivas na maior parte dos modelos. Aliás, são estas oportunidades que levam a que se negociem os acordos em causa, após a análise de impacto que antecede o mandato.

4.3   A avaliação dos riscos ambientais e sociais deve servir-se do maior leque de métodos disponível, desde os quantitativos aos mais qualitativos, concebidos expressamente para lançar luz sobre um aspecto não económico das políticas comerciais em causa, como, por exemplo, o impacto na igualdade entre os géneros, a segurança do abastecimento alimentar e a segurança dos alimentos. Em particular, importa desenvolver as abordagens mais ecológicas, como as análises do ciclo de vida, a pegada de carbono e os efeitos sobre a biodiversidade. Uma outra vertente consiste em recorrer a métodos qualitativos para avaliar as consequências sociais para o emprego e o trabalho digno nos sectores visados.

4.4   Neste ponto, a Comissão deveria solicitar explicitamente, nos termos de referência dos concursos, a participação de especialistas em questões sociais e/ou ambientais. Recomenda-se vivamente um maior envolvimento dos peritos dos países parceiros e os da OIT, da OMS ou da FAO, conforme o caso, especialmente quando se trata de economias com uma grande proporção de actividades informais. Além disso, os consultores devem examinar as condições de exercício das profissões liberais nos domínios jurídico e médico, a fim de prestar informações sobre a protecção legal dos interesses dos trabalhadores e da sua integridade física.

4.5   O impacto dentro da Europa não deve ser negligenciado, especialmente nas avaliações de impacto da sustentabilidade que dizem respeito a parceiros estratégicos, nomeadamente nos domínios do emprego ou de reestruturações. Neste ponto, o envolvimento dos parceiros sociais é essencial, inclusivamente para detectar eventuais tensões entre os objectivos sociais e ambientais, numa perspectiva de transição justa e de crescimento ecológico e inclusivo. É importante procurar reunir sistematicamente informações sectoriais junto da Comissão Consultiva das Mutações Industriais do CESE, bem como dos comités europeus de diálogo social sectorial que integram as trocas comerciais na sua agenda. A manutenção de contactos directos com os parceiros sociais dará maior legitimidade aos resultados da avaliação de impacto.

4.6   Além disso, os compromissos, voluntários e/ou negociados, de responsabilidade social de empresas multinacionais e os acordos-quadro internacionais devem ser progressivamente utilizados como elementos de informação para as avaliações de impacto da sustentabilidade.

4.7   Os recursos financeiros e humanos afectados ao reforço das capacidades dos países parceiros (conhecimentos especializados – especialmente nos domínios ambiental e social – e mecanismos de consulta) são fulcrais para a qualidade das avaliações de impacto da sustentabilidade e para o lançamento do grupo de acompanhamento. Importa aprofundar e desenvolver a coordenação neste domínio entre a DG Desenvolvimento e Cooperação e a DG Comércio, integrando ainda a planificação do novo Serviço Europeu para a Acção Externa.

4.8   O impacto dos acordos de comércio livre nos países externos ao acordo comercial ou nas regiões ultra-periféricas deve ser progressivamente articulado com o contributo dos peritos locais e da sociedade civil, com vista a medir as consequências ecológicas e sociais da alteração dos fluxos comerciais.

4.9   Esta abordagem, que promove um diagnóstico útil para os negociadores e para os futuros avaliadores, deverá traduzir-se por uma revisão do guia prático das avaliações de impacto da sustentabilidade que a Comissão elaborou em 2006 (6). Essa revisão e a aplicação do guia revisto devem envolver de perto os peritos da DG Desenvolvimento e Cooperação, da DG Emprego, da DG Ambiente, da DG Acção Climática e da DG Saúde e Consumidores.

5.   Rever o processo de participação da sociedade civil

5.1   Várias destas recomendações dão resposta às expectativas dos visados pela consulta pública que a DG Comércio lançou em 2010 sobre a nova política comercial, que foram bastante críticos nas suas respostas. Tal como as avaliações de impacto da sustentabilidade devem fazer parte de um ciclo coerente de avaliação das políticas, também as consultas devem ser repensadas numa óptica dinâmica e vistas como um processo adaptado às diferentes fases do ciclo e assente num inventário de boas práticas.

5.2   No âmbito das consultas institucionais, o CESE poderia envolver-se mais a montante na elaboração de uma determinada avaliação de impacto da sustentabilidade, elaborando um parecer sobre os indicadores sociais ou ambientais escolhidos, ou que identifique medidas de acompanhamento ou proponha os mecanismos de consulta mais adequados.

5.3   Durante a análise das consequências perante o Parlamento Europeu, a sociedade civil espera que a Comissão preste contas sobre a forma como as conclusões da avaliação de impacto da sustentabilidade foram tidas em conta pelos negociadores e sobre as modificações introduzidas em determinados capítulos dos acordos para evitar os problemas identificados.

5.4   O estudo inicial deve ser inserido num dispositivo de acompanhamento e de avaliação precoce (2 a 3 anos) que permita, com o envolvimento próximo da sociedade civil, identificar com precisão e, se necessário, rever os impactos observados, bem como apontar novos riscos. O acompanhamento e avaliação devem concentrar-se nos riscos e na forma como estes mudam ao longo do tempo, bem como na eficácia das medidas de acompanhamento.

5.5   O CESE dispõe de uma rede de relações estáveis com importantes elementos das sociedades civis de países terceiros, para dar resposta ao novo ciclo de avaliação que inclui a avaliação de impacto da sustentabilidade. Assim, pode funcionar como interface para as consultas. Aliás, o Comité já tem experiência de organização de diálogos com as sociedades civis dos países parceiros em várias fases das negociações.

5.6   Os grupos geográficos permanentes do CESE de intercâmbio com a sociedade civil de países terceiros são um trunfo importante para criar o embrião dos comités de acompanhamento dos acordos, em conjunto com todos os actores da sociedade civil. Por terem experiência de diálogo e de confronto dos diversos aspectos dos acordos de associação ou de parceria, estes órgãos de trabalho do CESE são espaços privilegiados de debate sobre os equilíbrios alcançados no acordo comercial. Cada uma das estruturas conjuntas contribui com conhecimentos especializados, obtidos no terreno e específicos da zona geográfica em causa, sobre as ligações empíricas entre o comércio internacional e o desenvolvimento sustentável.

5.7   O mecanismo de acompanhamento previsto no acordo com o Cariforum dá resposta à necessidade de as sociedades civis vigiarem a forma como o acordo é aplicado. O mecanismo da Coreia do Sul permite acompanhar o capítulo do acordo relativo ao desenvolvimento sustentável. A aplicação destes mecanismos de acompanhamento contribui decisivamente para dar credibilidade aos compromissos europeus em matéria de desenvolvimento sustentável. A qualidade da avaliação de impacto da sustentabilidade irá determinar a posterior validade do seguimento e a confiança das várias partes no processo consultivo. Por isso, o CESE reitera o seu interesse na introdução de um comité de acompanhamento para todos os acordos comerciais.

5.8   O CESE apoia a iniciativa de cooperação da DG Comércio destinada a incluir em cada acordo um capítulo dedicado ao desenvolvimento sustentável que afirme compromissos sociais e ambientais. As avaliações de impacto da sustentabilidade contribuem para esta acção incitativa na medida em que indicam, de forma empírica e prática, as oportunidades que o comércio oferece neste domínio, bem como as disposições transitórias ou as medidas de ajuste, de compensação ou de salvaguarda necessárias, com o objectivo de eliminar ou reduzir os riscos sociais e ambientais em conformidade com os compromissos assumidos no acordo.

5.9   O CESE, que funciona como elemento central do acompanhamento do acordo com o Cariforum, basear-se-á nos laços previamente criados com a sociedade civil. De igual modo, desenvolverá parcerias com a sociedade civil sul-coreana para supervisionar os mecanismos de acompanhamento que devem ser criados. Importa ainda retirar lições da primeira avaliação ex-post do acordo com o Chile para rever o processo participativo.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  COM(2010) 612 de 9.11.2010

(2)  Relatório de actividades de 2010 da DG Comércio sobre o diálogo com a sociedade civil: http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2010/february/tradoc_145785.pdf [em inglês].

(3)  Relatório final de 2010 sobre a consulta pública acerca da nova política comercial da União Europeia: http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2010/september/tradoc_146556.pdf [em inglês]

(4)  Anne Chetaille (2005). Les études d’impact des accords commerciaux sur le développement durable: bilan et perspectives. [Avaliações do impacto dos acordos comerciais no desenvolvimento sustentável: balanço e perspectivas.] Gret, Paris.

Ruddy e Hilty (2007). Impact assessment and policy learning in the European Commission [Avaliações do impacto e aprendizagem de políticas na Comissão Europeia]. Sciencedirect.

Pascal Gabriel (2008). Problématiques environnementales, emploi et cohésion sociale. Un examen des développements politiques au niveau international [Problemáticas ambientais, emprego e coesão social. Análise dos desenvolvimentos políticos a nível internacional]. Syndex/DG Emprego.

Ekins e Voituriez (2009). Trade, Globalisation and Sustainability Impact Assessment [Comércio, Globalização e Avaliações de Impacto da Sustentabilidade], Earthscan, Londres.

(5)  Relatório de informação sobre Trabalho digno e desenvolvimento sustentável no Mediterrâneo, CESE, Setembro de 2010.

(6)  Guia prático sobre as avaliações de impacto da sustentabilidade, DG Comércio: http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2006/march/tradoc_127974.pdf [em inglês]


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Jornal Oficial da União Europeia

C 218/19


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Máquinas Agrícolas e Equipamento de Construção e de Manutenção: Qual a melhor maneira de sair da crise financeira?» (parecer de iniciativa)

2011/C 218/04

Relator: Virgilio RANOCCHIARI

Co-relator: Patrizio PESCI

Em 15 de Julho de 2010, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

Máquinas Agrícolas e Equipamento de Construção e de Manutenção: Qual a melhor maneira de sair da crise financeira?

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais, que emitiu parecer em 4 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 151 votos a favor, 3 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   As indústrias europeias de equipamento de construção e de máquinas agrícolas foram extraordinariamente afectadas pela crise, numa altura em que a procura mundial sofre profundas alterações. Não obstante, o sector faz parte de uma indústria muito competitiva e tecnologicamente avançada.

É, contudo, necessária uma série de acções ao nível da UE para assegurar a sustentabilidade e a competitividade do sector e evitar, a mais longo prazo, a sobrecapacidade de produção da UE:

um enquadramento jurídico que não limite a capacidade dos fabricantes de inovar e desenvolver equipamento que corresponda aos requisitos dos clientes;

condições de igualdade de concorrência em toda a União, através de uma real supervisão do mercado: as autoridades aduaneiras e de fiscalização do mercado devem aplicar efectivamente o Regulamento (CE) n.o 765/2008 e reforçar os controlos no mercado da UE;

legislação relativa aos produtos e uma política comercial que assegurem livre acesso aos mercados mundiais;

legislação europeia que tenha em conta a importância relativamente decrescente dos mercados europeus. O centro do mercado mundial está a deslocar-se, cada vez mais, para a América do Sul e para a Ásia, pelo que devem ser previstas todas as medidas necessárias, incluindo a redução da burocracia e a promoção de medidas voluntárias da indústria, para manter as unidades de produção dos fabricantes europeus na UE;

harmonização, na Europa e no mundo, das normas de segurança rodoviária e de protecção do ambiente;

melhores condições de trabalho e aplicação de medidas em toda a UE para evitar futuros excessos de capacidades e levar por diante o desenvolvimento de novos produtos e novas ideias no âmbito da organização do trabalho baseado nos conhecimentos de todas as partes envolvidas;

um programa de financiamento e incentivos para apoiar a competitividade das PME.

1.2   No seguimento da audição que teve lugar em Bolonha, em 11 de Novembro de 2010, no âmbito da EIMA (Exposição Internacional de Máquinas Agrícolas), e em que participaram numerosos interessados, são formuladas, nos pontos seguintes, recomendações novas e mais pormenorizadas.

2.   Contexto do parecer

2.1   A indústria europeia de máquinas agrícolas e de equipamento de construção oferece soluções técnicas para satisfazer eficazmente necessidades humanas essenciais, como a de alimentar a crescente população mundial, proporcionar-lhe habitação e assegurar as infra-estruturas necessárias.

2.2   Os elevados custos dos terrenos na Europa suscitaram uma procura europeia de soluções altamente eficazes e inovadoras para a agricultura e a construção que colocou a indústria europeia numa posição de liderança tecnológica à escala mundial.

2.3   Apesar da estagnação da procura na Europa, os mercados dos países asiáticos, latino-americanos, africanos e da Comunidade de Estados Independentes têm vindo a crescer e continuarão a desenvolver-se rapidamente. Surgiram, portanto, outros actores mundiais, que estão a tornar-se competitivos, mesmo fora dos seus mercados nacionais.

2.4   A crise financeira mundial afectou consideravelmente ambos os sectores. Quando chegou ao sector da habitação, provocou uma forte contracção do sector do equipamento de construção, no segundo semestre de 2008, a que se seguiu um corte drástico nos investimentos no sector da construção, que registou uma quebra de 42 % do volume de negócios, em 2009. Este corte ficou a dever-se, principalmente, à falta de possibilidades de financiamento dos clientes e ao abrandamento da actividade de construção.

2.5   Os efeitos da crise só mais tarde atingiram o sector das máquinas agrícolas, que, apesar de a quebra registada em 2009 ter sido menos marcada (– 22 %), não começou a recuperar em 2010 como os outros sectores industriais, devendo a quebra do volume de negócios em 2010 cifrar-se em 9 %. O principal vector da crise foi, uma vez mais, a falta de possibilidades de financiamento dos clientes, a par da incerteza.

2.6   Observa-se uma crescente deslocação da procura de produtos. Enquanto os mercados do exterior da Europa, com requisitos legais muito menos rigorosos, continuam a crescer, a procura de produtos da UE, que respeitam uma legislação em matéria de segurança e de ambiente cada vez mais restritiva, não cessa de diminuir, o que aumenta a já complexa carteira de produtos e, simultaneamente, dá origem à deslocação das unidades de produção, sendo os produtos destinados a mercados do exterior da União produzidos mais perto da fonte da procura, com a consequente perda de empregos na União.

3.   Máquinas agrícolas e equipamento de construção: Importância estratégica do sector, desafios futuros, estrutura do mercado

3.1   Pequenas quantidades, grande diversidade de produtos – Forte dependência dos fornecedores

Os dois sectores apresentam muitas similitudes no que respeita à escala e à gama de produção dos fabricantes.

Existem grandes empresas multinacionais que produzem uma vasta gama de produtos, que cobrem os tipos de equipamento mais utilizados, como os tractores agrícolas, as escavadoras e as carregadoras de rodas.

Paralelamente, há outros fabricantes, que vão de fabricantes regionais com uma certa dimensão até PME, que produzem os tipos de equipamentos mais correntes mas que conseguem sobreviver graças a produtos de nicho altamente especializados.

O grau de especialização e a variedade de produtos colocados no mercado é, frequentemente, desproporcionado em relação à dimensão do fabricante. Por exemplo, é bastante frequente os produtores oferecerem 200 modelos diferentes, com equipamento concebido para fins muito específicos e vendas inferiores a 1 000 unidades anuais; muitos outros sobrevivem vendendo séries de menos de 100 unidades por ano de cada modelo.

3.2   Emprego e produção

3.2.1   O mercado das máquinas agrícolas reflecte fielmente as tendências do sector agrícola.

Sem as máquinas mais recentes não existiria um sector agrícola moderno, eficiente e competitivo. Actualmente, trabalham na agricultura mais de 10 milhões de pessoas e, embora o número de trabalhadores deste sector esteja a diminuir, ainda é possível identificar diferenças importantes entre a UE-15 e os «novos» Estados-Membros que aderiram à União após 2004.

Na UE-15, «apenas» 4,0 % dos trabalhadores estão empregados neste sector, enquanto nos 12 novos Estados-Membros esta percentagem é de 13,4 %.

Por este motivo, na opinião do CESE é necessária uma política agrícola comum (PAC) forte para os agricultores, mas também para que a indústria possa manter investimentos em I&D que respondam, simultaneamente, aos requisitos da legislação e às exigências dos compradores.

No sector das máquinas agrícolas, existem cerca de 4 500 fabricantes, que, em 2008, geraram um volume de negócios de aproximadamente 28 000 milhões de euros. Este sector emprega 135 000 pessoas, a que acrescem 125 000 pessoas que trabalham na distribuição e na manutenção.

Dois terços da produção da UE-27 estão concentrados na Alemanha, Itália, França, Espanha e Reino Unido, enquanto, no seu conjunto, os 12 «novos» Estados-Membros respondem por apenas 7 % das máquinas produzidas.

3.2.2   Na UE, o sector da construção emprega 7,1 % da população activa.

A produção de equipamento de construção segue o mesmo padrão das máquinas agrícolas, com a Itália, Alemanha, França, Espanha e Reino Unido a responderem por quase três quartos da produção europeia total. No total, existem na União cerca de 1 200 empresas do sector, que, em 2008, atingiram um volume de negócios global de 31 000 milhões de euros, que, em 2009, não foi além de 18 000 milhões de euros, o que corresponde a um decréscimo de 42 %.

Esta indústria empregava directamente 160 000 trabalhadores, estimando-se que, indirectamente, na cadeia de abastecimento, e nas redes de distribuição e manutenção, assegurava mais 450 000 postos de trabalho. Em 2010, segundo estimativas da indústria, registou-se uma redução de 35 % nos empregos directos e de 20 % nos indirectos.

Contudo, observa-se uma marcada falta de pessoal qualificado e jovem. Um inquérito sobre a mão-de-obra realizado pela Technology Industries [Federação das Indústrias Tecnológicas] da Finlândia revelou que as dificuldades em recrutar pessoal qualificado aumentaram. A falta de mão-de-obra faz-se sentir em profissões que se encontram no topo da lista há mais de dez anos: soldadores, serralheiros, mecânicos e engenheiros.

3.3   Dependência de fornecedores de componentes e motores

Os fabricantes europeus de ambos os sectores sempre foram líderes mundiais em termos tecnológicos e na qualidade do equipamento proposto. Nestes sectores, a tecnologia avançada, que vai desde funções altamente automatizadas e de GPS de alta resolução para uma agricultura de precisão até à transmissão variável contínua e à electrónica, tem de estar sempre na vanguarda.

Por outro lado, devido à necessidade de operar em condições extremas (poeira, lama, gelo, calor e frio extremos), os componentes exteriores não estão aperfeiçoados ou não satisfazem as exigências, tanto quanto seria necessário.

A indústria está cada vez mais preocupada com a possibilidade de, futuramente, não poder contar com os parceiros europeus necessários para garantir, através do desenvolvimento comum, a liderança tecnológica.

Os motores são uma componente fundamental do desenvolvimento de produtos e do respeito da legislação. Contudo, contrariamente ao que se verifica na indústria automóvel, apenas as grandes empresas multinacionais possuem as instalações necessárias para produzir os motores.

O número de produtores de motores independentes tem vindo a diminuir, e estes ocupam uma posição mínima no mercado. A maior parte dos fabricantes de equipamento vê-se frequentemente obrigada a depender de fornecedores de motores controlados pelos seus concorrentes.

3.4   Importância da rede de distribuição e manutenção

A rede de distribuição e manutenção constitui um dos factores decisivos para o êxito de um fabricante. Se não forem convenientemente utilizadas e mantidas, estas máquinas tão complexas comportam riscos para a segurança e a saúde. Em consequência, é necessária uma rede de distribuidores devidamente formados, capazes de ajudar na selecção da tecnologia mais adequada e de oferecer manutenção e reparação de alta qualidade, garantindo o serviço rápido e fiável necessário a equipamentos complexos, respondendo às expectativas de elevado desempenho dos clientes, em sectores em que as condições climáticas, os picos sazonais e os prazos imperativos são factores a ter em conta.

3.5   O efeito da crise económica no crescimento e na produção

A crise económica afectou duramente ambos os sectores, num momento em que a procura mundial se encontrava a um nível muito elevado. A procura de equipamento de construção caiu, em todo o mundo, no quarto trimestre de 2008. Em 2009, as vendas totais dos fabricantes europeus registaram uma quebra de 42 %, o que originou uma importante acumulação de existências e uma utilização muito reduzida das capacidades. No tocante ao ano de 2010, como já referido, registou-se uma nova redução de 9 %, sendo que no final de 2010 a procura na Ásia voltou a aumentar.

No sector das máquinas agrícolas, os efeitos da crise começaram a fazer-se sentir mais tarde, dado que a agricultura é menos dependente do clima económico geral. Não obstante, em 2009, as vendas caíram 22 % e, em 2010, mais 9 %.

Em ambos os sectores, está previsto um aumento de um dígito para 2011, o que fica bastante aquém do necessário para voltar à situação anterior à crise.

Durante a crise, o factor mais limitativo foi a falta de disponibilidade de crédito - principalmente para que os clientes possam financiar novas máquinas, mas também para os fabricantes. Claro que, adicionalmente, a falta de actividade, especialmente no sector da construção, também reduziu a procura de novo equipamento. A procura revelou-se muito volátil em ambos os sectores.

4.   Dificuldades e desafios a enfrentar após a crise

A crise económica evidenciou algumas das peculiaridades dos dois sectores e gerou uma situação muito difícil, que requer uma intervenção política.

4.1   Insuficiência de fornecedores e de proficiência

Importa sublinhar que a indústria do equipamento de construção está a sofrer mudanças substanciais e fundamentais.

O centro do mercado mundial está a deslocar-se cada vez mais para a América do Sul e para a Ásia.

Enquanto em 2005 a Europa respondia por 20 % da procura mundial de equipamento de construção, em 2014 representará apenas 14 % dessa procura (1).

A mudança mais notável está a verificar-se na China e na Índia. Com efeito, prevê-se que a procura de equipamento de construção na China represente 34 % da procura mundial em 2014, contra apenas 18 % em 2005, o que significa que a procura irá duplicar em 9 anos.

As consequências desta mudança revestem-se da maior importância, porquanto, conjuntamente, a procura dos EUA e da UE corresponderá a apenas 29 % da procura mundial.

A crise acelerou significativamente a tendência para deslocar grande parte da produção para mais próximo dos novos mercados fora da Europa. Em consequência, o número de fornecedores importantes de componentes presentes na Europa diminuiu muito acentuadamente. O que está em causa não é apenas a deslocação da produção, mas também a proficiência necessária.

Dado que as necessidades e as especificações dos mercados estrangeiros são diferentes das dos mercados europeus, é cada vez maior a preocupação em relação a uma eventual escassez de fornecedores europeus de componentes a preços razoáveis, capazes de responder às necessidades europeias.

Outro problema é a disponibilidade de aço numa economia mundial em recuperação, em que os aumentos de preços e as medidas proteccionistas terão um impacto negativo neste sector, como o demonstram os dados relativos ao período que antecedeu à crise.

4.2   Efeitos no emprego: Envelhecimento da mão-de-obra, falta de pessoal qualificado e fuga de cérebros

A indústria da engenharia mecânica emprega 3,6 milhões de pessoas na Europa (2).

Destas, 10 % trabalham nas indústrias das máquinas agrícolas e do equipamento de construção. De um modo geral, a sua mão-de-obra está a envelhecer: apenas 20,1 % dos trabalhadores têm menos de 30 anos, enquanto nos demais sectores de produtos não financeiros a média é de 1 em cada 4 trabalhadores.

Do lado dos utilizadores, os agricultores vêem-se confrontados com o mesmo problema: apenas 7 % dos agricultores europeus têm menos de 35 anos. A agricultura e a construção atraem menos pessoas do que outros sectores, devido ao facto de o trabalho ser mais árduo e menos bem remunerado do que em muitos outros sectores na Europa.

A má imagem pública do sector, que impede as pessoas de reconhecerem a sua importância para toda a comunidade, a falta de trabalhadores qualificados e de engenheiros, a falta de correspondência entre as qualificações necessárias e as qualificações disponíveis no mercado de trabalho, a diversidade e a disparidade das nomenclaturas de qualificações e de certificados nacionais para os diferentes ciclos de estudos, a ausência de ensino de qualidade na área das ciências naturais e da engenharia, etc., são problemas com que o sector se via confrontado e que foram agravados pela crise económica.

A indústria tentou limitar ao máximo a extinção de postos de trabalho. No entanto, como já referido, o número de empregos na indústria do equipamento de construção sofreu uma redução de 35 % em relação a 2008 (3).

A crise originou ainda uma fuga de cérebros para o Extremo Oriente e a América do Sul, onde os mercados são mais prósperos e a crise teve efeitos menos dramáticos.

5.   Acções necessárias ao nível da UE

5.1   Assegurar a aplicação das medidas destinadas a combater a concorrência desleal

A importação para a UE de equipamento de construção não conforme, bem como a sua venda e utilização, continua a constituir um problema grave para a indústria europeia de equipamento de construção. O equipamento colocado pela primeira vez no mercado da UE deve observar todos os requisitos vigentes em matéria de segurança e de ambiente. As máquinas que não satisfaçam estes requisitos são não-conformes e os Estados-Membros devem impedir a sua colocação no mercado da UE.

Com efeito, trata-se de concorrência desleal, que compromete a capacidade dos fornecedores de boa-fé de investirem em actividades de I&D, o que, por seu turno, ameaça a competitividade da indústria europeia de equipamento de construção e os postos de trabalho desta indústria. As máquinas não-conformes têm maior probabilidade de causar acidentes e, frequentemente, não observam as normas ambientais da UE.

Os fabricantes que cumprem a legislação da UE vêem-se, assim, confrontados e ameaçados pelos produtos colocados no mercado da UE em condições desleais, a uma fracção do preço de mercado dos produtos conformes. As autoridades não dispõem dos meios e dos recursos necessários para fazer face a esta situação, enquanto a legislação nem sempre é inequívoca na defesa dos produtos legais.

É ilegalmente colocado no mercado da UE um número crescente de máquinas, sem que sejam tomadas medidas eficazes pelas autoridades aduaneiras e de fiscalização do mercado, apesar de, em 1 de Janeiro de 2010, ter entrado em vigor legislação mais rigorosa (Regulamento (CE) n.o 765/2008).

Recomendação: O CESE insta a Comissão Europeia e as autoridades dos Estados-Membros a tomarem todas as medidas necessárias para assegurar a concorrência leal no mercado da UE e para garantir a igualdade de condições entre os fabricantes que necessitam de competir a nível internacional.

5.2   Há que tomar as decisões certas para melhorar o ambiente

A exemplo do que se verifica no sector automóvel, um dos maiores desafios que se coloca a estes dois sectores é a legislação que rege as emissões das máquinas móveis. Comparativamente com o sector automóvel, os custos unitários de conformidade das máquinas móveis são extremamente elevados, uma vez que a produção e as vendas são muito menores e o número de diferentes modelos é muito mais elevado.

Na próxima fase de emissões, que tem início em 2011 (IIIB), e na fase subsequente, prevista para 2014 (Fase IV), as emissões dos principais poluentes serão reduzidas em mais de 90 % em relação aos níveis actuais. Estas alterações irão afectar os motores, mas irão igualmente obrigar a uma concepção radicalmente diferente de toda a máquina.

As tecnologias impostas por estes níveis de emissão requerem a utilização de combustíveis com um teor de enxofre ultra-baixo, que são difíceis de obter na Europa para o sector não rodoviário e que não se encontram disponíveis fora da Europa. Em consequência, não será possível vender o equipamento, tanto novo como usado, fora da Europa.

A título de medida para atenuar a crise, a indústria solicitou um instrumento legislativo que permita o aumento dos níveis de emissões dos motores já previstos no regime de flexibilidade das directivas existentes. Com um único aumento das emissões em cerca de 0,5 %, o sector poderia realizar economias muito consideráveis. A Comissão Europeia apoiou o pedido e apresentou duas propostas de alteração às directivas pertinentes, que estão a ser apreciadas pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. Contudo, os progressos neste domínio são muito lentos, o que pode reduzir o efeito económico positivo previsto.

O CESE recomenda que as disposições que reforçam a flexibilidade na próxima fase da legislação relativamente às emissões de máquinas móveis não rodoviárias e uma proposta similar relativa aos tractores agrícolas sejam adoptadas com a maior brevidade.

As futuras reduções das emissões de fuligem e de óxido de azoto (NOx) exigirão tecnologias especiais, que irão aumentar o consumo de combustível e, em consequência, as emissões de CO2. Os esforços dos fabricantes impediram o aumento efectivo do consumo de combustível, ao melhorarem a eficácia da máquina. Eventual nova legislação relativa à limitação/redução do carbono deve ser coerente com a legislação vigente em matéria de emissões e deve prever um período de tempo suficiente entre o final das fases actualmente previstas para as emissões e a sua introdução.

Recomendação: Antes de considerar o desenvolvimento de legislação mais restritiva ou de nova legislação aplicável aos mesmos produtos, deve ser realizada, ao nível da UE, uma avaliação de impacto que tenha em conta eventuais consequências negativas para a competitividade da indústria no mercado mundial e eventuais melhorias escassas, na prática, para estas máquinas.

5.3   Idade avançada do equipamento em utilização – Necessidade de um regime de abate para máquinas móveis

As máquinas utilizadas na agricultura e na construção têm uma esperança de vida longa. O tempo de vida médio dos tractores é superior a 15 anos. Em consequência, a constante melhoria do desempenho do novo equipamento em termos ambientais tem um impacto limitado e lento no desempenho ambiental global do equipamento em utilização. A adopção de incentivos ao abate de equipamento muito antigo e poluente permitiria realizar progressos mais rapidamente. Acresce que esta abordagem apresenta igualmente claras vantagens em relação ao apetrechamento de equipamento antigo com sistemas de pós-tratamento. O apetrechamento de equipamento antigo com filtros suscita inúmeros outros desafios e ineficácias em termos de segurança e de desempenho.

O CESE recomenda a adopção de um regime de abate, que constituiria uma solução adequada para o problema das máquinas antigas e poluentes e contribuiria para um ambiente mais limpo e para condições de trabalho mais seguras.

O CESE considera que qualquer regime que vise a adaptação das máquinas para limitar as emissões constitui uma solução incorrecta para o problema do equipamento poluente utilizado em zonas urbanas. Em vez de solucionar o problema, um regime deste tipo mantém em funcionamento máquinas ruidosas e inseguras, podendo mesmo agravar os riscos em caso de instalação incorrecta.

O CESE recomenda ainda o desenvolvimento de requisitos harmonizados para a instalação de sistemas de pós-tratamento, não só devido ao seu potencial de redução dos gases de escape, mas também para minimizar os riscos decorrentes da instalação destes sistemas em máquinas agrícolas e em equipamento de construção.

5.4   O desafio do CO2 pode ser superado pela indústria

Tal como acontece no sector rodoviário, o consumo de combustível é o principal responsável pelas emissões de CO2 do sector. É necessário avaliar as possibilidades de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa à luz do desempenho específico do equipamento e não apenas tendo em conta o consumo de combustível por quilómetro, como é o caso no sector automóvel.

Nos últimos anos, foram realizados progressos consideráveis, com a criação de máquinas mais eficientes. Os custos ao longo do ciclo de vida, de que o combustível constitui uma parcela importante, são um elemento cada vez mais decisivo para as escolhas dos potenciais compradores.

Contudo, para assegurar uma redução óptima das emissões de CO2, a optimização não deve centrar-se apenas no motor, enquanto fonte de potência, mas em toda a máquina, nas aplicações e nos processos, para além da eficiência operacional e da eventual utilização de fontes de energia alternativas com um reduzido teor de carbono.

O CESE insta as instituições da UE e os representantes dos Estados-Membros a apoiarem uma abordagem global e orientada para o mercado da redução das emissões de CO2 das máquinas móveis. Como não existe uma resposta única para todas as situações, o desenvolvimento de soluções adequadas para os tipos de máquinas responsáveis pelas emissões mais elevadas (tractores, multifunções, etc.), que avaliem a eficiência global da máquina (por exemplo, o consumo de combustível por tonelada de cereal colhido ou por quilómetro de estrada asfaltado), constituiria uma solução pragmática e consistente.

5.5   A harmonização é fundamental, na Europa e em todo o mundo, tanto em matéria de segurança rodoviária como de ambiente

Com o afastamento dos mercados da Europa, a importância de legislação aplicável aos produtos harmonizada à escala mundial e da normalização está a aumentar rapidamente. Isto aplica-se igualmente à harmonização das normas de segurança rodoviária, actualmente inexistentes para os equipamentos de construção e alguns veículos agrícolas.

Além disso, a indústria europeia enfrenta o desafio de os requisitos europeus se tornarem cada vez mais estritos comparativamente com os do resto do mundo, que fazem com que as versões europeias das máquinas sejam demasiado caras ou incompatíveis.

No que respeita à protecção do ambiente, por exemplo, o impacto de todas as decisões tomadas ao nível da UE deve ser cuidadosamente apreciado antes da adopção e da aplicação de qualquer acto legislativo na UE.

O sector das máquinas agrícolas e do equipamento de construção tem contribuído para a protecção do ambiente, ao reduzir as emissões das suas máquinas, conforme requerido pela Directiva 97/68/CE para MMNR (máquinas móveis não rodoviárias) e pela Directiva 2000/25/CE para os tractores. Deste modo, será alcançada uma redução considerável das partículas (97 %), do NOx (96 %) e de CO (85 %).

A indústria envidou igualmente esforços consideráveis com vista à redução das emissões de ruído. A indústria trabalhou durante 10 anos para se conformar à legislação pertinente em matéria de emissões de ruído relativamente a 22 máquinas de construção.

Além disso, já existem normas internacionais aplicáveis ao ciclo de vida das máquinas e a própria indústria promoveu normas de reciclagem aplicáveis a equipamento de terraplanagem.

Para garantir a futura competitividade dos produtos europeus, é, pois, fundamental que a legislação seja coerente a nível mundial.

O CESE insta as instituições da UE e os representantes dos Estados-Membros a apoiar, participar e intervir no desenvolvimento de normas mundiais. Neste contexto, a UNECE (4) afigura-se o laboratório ideal para o desenvolvimento dessas normas.

5.6   Condições de trabalho e diálogo social no sector

Tanto no sector das máquinas agrícolas como no do equipamento de construção existem muitos pequenos e médios intervenientes, sendo, por isso, necessários regimes especiais de diálogo social. A representação do pessoal é menos importante e as possibilidades de intercâmbio transnacional de informações são mais escassas do que em sectores onde existem conselhos de empresa europeus. Não obstante, as diversas empresas do sector demonstram uma certa unidade e necessitam também de coordenação e intercâmbio organizados. Dessa forma, obter-se-á uma melhoria no diálogo entre as empresas e os trabalhadores.

O trabalho precário está a surgir tanto no sector metalúrgico como em outros sectores. As consequências desta situação incluem formação profissional contínua deficiente, a ameaça permanente de perder trabalhadores competentes e experientes para outros sectores. As condições de trabalho são também afectadas negativamente por este tipo de emprego.

Recomendação: A CE deve promover uma análise do sector centrada especificamente no nível de condições de trabalho. Recomendamos igualmente a aplicação, em toda a UE, de medidas para melhorar as condições de trabalho. Por último, seria extremamente importante determinar medidas para evitar um excesso de capacidades no futuro, como os que ocorreram durante a crise económica, e fomentar o desenvolvimento de novos produtos e novas ideias no âmbito da organização do trabalho baseado nos conhecimentos de todas as partes envolvidas.

5.7   Manutenção de mão-de-obra jovem e qualificada na Europa

Falta de pessoal qualificado, envelhecimento da mão-de-obra, fuga de cérebros para outros continentes: eis alguns dos problemas com que o sector das máquinas agrícolas e do equipamento de construção se vê confrontado no que respeita à mão-de-obra. É cada vez mais difícil atrair trabalhadores jovens e qualificados para este sector. A indústria e as instituições devem continuar a realizar os investimentos necessários em formação, ensino e aprendizagem ao longo da vida, porquanto este é um sector fundamental da indústria europeia.

Sem um ensino de qualidade e jovens qualificados não há perspectivas de futuro, além de que a inovação técnica requer engenheiros criativos e com um nível muito bom de formação. Há que aplicar em diferentes níveis programas destinados a promover a educação e a formação dos trabalhadores e a sua utilidade para os mesmos, especificando igualmente o valor acrescentado e os benefícios para os empregadores de investirem nos trabalhadores e nas suas competências. Uma aceitação mais generalizada desses programas será conseguida através das partes envolvidas no diálogo social.

Recomendação: Os Estados-Membros devem apoiar mais a indústria ao nível do ensino e da formação profissional, da aprendizagem ao longo da vida e do desenvolvimento de competências no domínio da engenharia mecânica. A elaboração de programas financiados de reconversão dos trabalhadores excedentários, antes que a situação se apresente, é crucial para o futuro.

5.8   AS PME devem permanecer no âmago da inovação

Conforme salientado na recente comunicação da DG Empresa sobre «Uma política industrial para a era da globalização», um dos principais desafios e respostas políticas para incentivar as PME de diversos sectores (incluindo os sectores das máquinas agrícolas e do equipamento de construção) é o acesso ao financiamento, que continua limitado.

Embora as PME sejam, muitas vezes, responsáveis pela introdução de inovações no mercado, a possibilidade de investir em inovação tem sido comprometida por limitações no acesso ao financiamento. Em todos os Estados-Membros, o acesso ao financiamento tornou-se mais difícil durante a crise financeira e económica. Em especial, as PME deste sector conheceram condições de crédito mais restritivas. Em consequência, a maior parte dos governos introduziu ou alargou regimes de garantia pública ou concedeu ajudas estatais directas. Contudo, não tem sido suficiente.

Por conseguinte, o CESE recomenda aos Estados-Membros e à Comissão Europeia que apoiem as PME dos sectores das máquinas agrícolas e do equipamento de construção com projectos e fundos que respondam às suas necessidades.

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Dados da Off Highway Research: www.offhighway.co.uk.

(2)  Dados do Eurostat: «European Business: Facts and Figures», edição de 2009.

(3)  Dados do CECE (Comité Europeu do Material de Construção).

(4)  Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (Genebra, www.unece.org).


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/25


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Vertente externa da política industrial europeia — A política comercial da UE tem devidamente em conta os interesses da indústria europeia?» (parecer de iniciativa)

2011/C 218/05

Relator: Antonello PEZZINI

Co-Relator: Marcel PHILIPPE

Em 16 de Setembro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema

Vertente externa da política industrial europeia – A política comercial da UE tem devidamente em conta os interesses da indústria europeia?

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI), que emitiu parecer em 4 de Abril de 2011. Foi relator Antonello Pezzini e co-relator Marcel Philippe.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 106 votos a favor, 2 votos contra e 3 abstenções o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE concorda com as declarações do Conselho Europeu de Bruxelas, de Dezembro de 2010, quanto à necessidade de «responder de forma mais eficiente aos desafios e de aproveitar as oportunidades ligadas à mundialização, efectuando avaliações de impacto antes do lançamento de negociações comerciais» para assegurar mercados abertos e «condições justas de comércio e de concorrência». A política comercial da UE deveria, de qualquer modo, ter em conta as condições desiguais em que se vê frequentemente obrigada a concorrer.

1.2   O Comité solicita urgentemente à UE que adopte uma abordagem concertada e coerente em relação à dimensão externa da sua estratégia integrada de política industrial, que assegure à União um papel de liderança no sistema comercial e uma orientação comum nos acordos comerciais multilaterais e bilaterais.

1.3   O CESE considera indispensável regras idênticas para todos os operadores, a fim de que possam competir num quadro de concorrência leal, com um crescimento económico e social sustentável e competitivo e no pleno respeito das normas económicas, sociais e ambientais internacionais, tendo em conta que, até 2015,90 % do crescimento mundial terá lugar fora da Europa, um terço do qual só na China. Assim sendo, a política comercial da UE deve também apoiar a política de desenvolvimento da União e deve levar em conta as desigualdades existentes entre blocos comerciais e na sociedade, especialmente nos países em desenvolvimento.

1.4   O CESE considera necessário:

estabelecer um quadro comum de «governação europeia reforçada» capaz de tirar partido do potencial do mercado único, com vista ao relançamento internacional da indústria europeia;

falar a uma só voz a nível mundial;

velar por que os Estados-Membros adoptem uma atitude coerente.

1.5   Segundo o Comité, deve ser prosseguido e intensificado o longo trabalho, iniciado em 1988, tendente à concretização do mercado interno, inclusivamente através da realização de um direito europeu dos contratos para as empresas, baseado num regulamento que preveja um novo regime avançado a que possam, opcionalmente, recorrer as empresas nos seus contratos transnacionais.

1.6   O Comité considera que é possível manter a liderança mundial da indústria europeia, não só através da inovação, da investigação e da aplicação de novas tecnologias, mas também realizando infra-estruturas eficazes e solicitando a aplicação ao mercado mundial de uma regulamentação inteligente que promova formas limpas e sustentáveis de produção e de distribuição.

1.7   O Comité entende que deve ser dada especial atenção às intervenções a nível comunitário, nacional e regional, na educação, na formação contínua dos recursos humanos e na difusão dos conhecimentos.

1.8   O CESE recomenda que se tenham sempre em consideração os interesses da indústria europeia e que estes sejam vigorosamente defendidos nas negociações, utilizando de modo claro, transparente e diversificado todos os instrumentos regulamentares à disposição, incluindo os acordos comerciais.

1.9   O CESE sublinha, em especial, a importância de proporcionar às empresas um quadro regulamentar pertinente, previsível e sobretudo menos oneroso, e às PME, em particular, um melhor contexto empresarial.

1.10   É no interesse das empresas europeias que os acordos e os contactos bilaterais garantam, de forma clara e transparente:

normas sociais que respeitem os trabalhadores e estejam em conformidade com as convenções internacionais;

regras de protecção do ambiente;

limites à exploração dos recursos ecológicos;

normas para a poupança energética e para a defesa do clima;

a utilização generalizada dos rótulos ecológicos;

a cultura da certificação EMAS (Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria);

o respeito das normas técnico-normativas;

a defesa da propriedade industrial e intelectual;

alguns instrumentos eficazes de protecção comercial e de acesso aos mercados e às matérias-primas estratégicas que dêem resposta às preocupações da sociedade civil de ambas as partes quanto à gestão de recursos;

iniciativas para facilitar a actividade das PME nos países terceiros;

sistemas de diálogo social e de verificação, por parte da sociedade civil, inclusivamente através de avaliações de impacto ex ante e ex post; e

um elevado nível de protecção dos consumidores.

1.11   O CESE concorda com as declarações do Conselho Europeu de Bruxelas, de Dezembro de 2010, quanto à necessidade de «responder de forma mais eficiente aos desafios e de aproveitar as oportunidades ligadas à mundialização, efectuando avaliações de impacto antes do lançamento de negociações comerciais para assegurar mercados abertos e condições justas de comércio e de concorrência. A política comercial da UE deveria, de qualquer modo, ter em conta as condições desiguais em que se vê frequentemente obrigada a concorrer ».

1.12   O Comité solicita que seja dado um seguimento concreto às recomendações do Conselho da UE no sentido de «reforçar ulteriormente a coerência e a complementaridade entre a sua política interna e a sua política externa» (1).

1.13   O Comité considera que a UE deve desenvolver as suas vantagens competitivas para uma defesa mais eficaz e estratégica dos seus interesses e uma maior credibilidade do modelo económico e social europeu na cena mundial.

2.   Introdução

2.1   A indústria, considerada na sua globalidade, incluindo também os serviços especializados de que a indústria depende e os serviços que dependem da indústria, constitui um conjunto muito vasto que representa cerca de metade (47 %) do PIB da UE.

2.2   A indústria pode dar contributos específicos para dinamizar o crescimento de toda a economia mediante:

uma maior produtividade da Europa;

à exportação de produtos manufacturados (2);

ao progresso tecnológico: mais de 80 % das despesas em IDT do sector privado da UE provêm do sector da indústria transformadora.

2.3   O desafio para contrariar o processo de desindustrialização consiste em fazer convergir todas as políticas da UE para o objectivo de reforçar o potencial de crescimento e de competitividade da indústria, apoiando, sobretudo, a sua dimensão externa.

2.4   Não se trata de definir uma política isolada, mas sim de incluir uma dimensão de competitividade industrial e dos serviços conexos em todas as políticas da UE, a começar pela política comercial comum.

2.5   A abertura dos mercados é, indubitavelmente, condição indispensável para o crescimento do emprego. Todavia, a UE precisa de actualizar a sua estratégia para apoiar melhor a internacionalização das empresas num quadro de simetria e de reciprocidade que garanta condições equitativas para todos os protagonistas.

2.6   Uma abordagem coerente exigirá que se tenha em conta uma série de sectores com um considerável valor acrescentado:

A futura política comercial da UE deverá ser integrada no quadro da Estratégia Europa 2020, o que pressupõe um conjunto de regras preciso e eficaz, concebido para:

apoiar os mercados abertos e equitativos, exigindo o respeito das mesmas regras nos países emergentes e defendendo as exigências dos países menos desenvolvidos;

defender a propriedade industrial e intelectual;

criar conhecimentos novos e mais integrados;

desencorajar a contrafacção;

defender e divulgar o valor da economia social de mercado (3);

propor e exigir um elevado nível de protecção e de melhoria da qualidade do ambiente; e

promover o euro como moeda de regulação das trocas comerciais internacionais.

A abertura do mercado global e a consequente reciprocidade das pautas aduaneiras são fortemente limitadas pelas barreiras não pautais: «A UE deve […] garantir o respeito dos seus direitos ao abrigo dos acordos bilaterais e multilaterais e abrir os mercados que estão fechados de forma ilegal (4)», para assegurar simetria, reciprocidade e regras do comércio equitativas.

Deveriam ser revistas e reforçadas as iniciativas de apoio à internacionalização das PME. A percentagem das exportações das PME para fora do mercado interno é actualmente inferior a 15 %.

A política da UE deverá explorar melhor outros modos de conseguir a internacionalização, tais como:

1.

o investimento directo estrangeiro,

2.

a cooperação tecnológica,

3.

as actividades de subcontratação.

Os países europeus deveriam empenhar-se no desenvolvimento de um diálogo reforçado com os parceiros sociais e com todos os agentes económicos e sociais.

Na óptica do emprego, deveria ser dado um novo impulso para apoiar as iniciativas sectoriais avançadas, a exemplo das acções-piloto dos mercados de ponta (lead markets).

2.7   É preciso consolidar o papel do euro na cena internacional como moeda de regulação das trocas comerciais internacionais, tanto para as matérias-primas como para os produtos manufacturados.

2.8   A globalização desenfreada da economia mundial e o desenvolvimento das economias emergentes impõem uma revisão substancial das políticas comerciais da UE de modo a terem plenamente em conta os interesses da indústria europeia e para que esta conserve e reforce o seu papel na aldeia global.

2.9   Em termos gerais, a política industrial da UE concretiza-se através de:

medidas de carácter geral destinadas a desenvolver o mercado interno;

uma política comercial externa (política antidumping, negociações comerciais bilaterais e multilaterais com incidência em vários sectores industriais);

numerosas políticas sociais, regionais e ambientais a favor do desenvolvimento dos recursos humanos;

uma política de concorrência com instrumentos jurídicos necessários para compensar as deficiências do mercado e aplicar os auxílios estatais;

uma política de investigação e de desenvolvimento;

acções de apoio à inovação;

o reforço da cooperação entre as empresas europeias;

a procura do diálogo e da cooperação entre os parceiros sociais, e sua extensão aos países em desenvolvimento, em especial através da negociação de acordos-quadro internacionais;

os esforços para a realização de políticas ambientais;

uma política ambiciosa e eficaz em matéria de educação e formação.

2.10   O comércio, a economia, o diálogo inter-religioso e cultural e, por conseguinte, a prosperidade dos povos, são condicionados e determinados pela qualidade das relações entre os Estados, os governos e os organismos internacionais. Além disso, é preciso ter em conta os diferentes níveis de desenvolvimento e as várias abordagens que possam ser adoptadas para resolver problemas comuns.

2.11   No presente parecer, o CESE pretende concentrar-se na dimensão externa da política industrial.

2.12   Neste contexto, é reconhecido um papel primordial à política industrial, inclusivamente com base num dado novo: a consciência da necessidade de restituir à indústria e às empresas o lugar central que lhes compete.

2.13   «Uma política industrial para a era da globalização» (5) . Esta iniciativa permite definir algumas prioridades tendentes a melhorar o clima empresarial, especialmente para as PME, e favorecer o desenvolvimento de uma base industrial sólida e sustentável.

2.14   Um «Crescimento verdadeiramente inteligente, sustentável e inclusivo (6)» está associado ao reforço de um sector da indústria transformadora diversificado, inovador e capaz de operar com sucesso nos mercados globais.

3.   Áreas de interesse e de acção para uma dimensão externa coerente

3.1   São múltiplas as áreas de interesse e de intervenção que põem em realce a vocação externa da política industrial europeia, mas o CESE pretende concentrar-se nos seguintes âmbitos:

a estratégia europeia para o acesso às matérias-primas;

a internacionalização das PME;

a normalização e os direitos de propriedade intelectual (DPI);

o diálogo regulamentar;

a política comercial comum;

a imagem e as perspectivas da UE;

as iniciativas sectoriais: os mercados de ponta e as plataformas europeias.

3.1.1   O acesso às matérias-primas. Um acesso seguro e fácil às matérias-primas constitui a chave para as infra-estruturas e a condição prévia para o desenvolvimento industrial. As iniciativas da UE são fundamentais para:

eliminar distorções e criar novas regras e acordos respeitantes ao acesso às matérias-primas, especialmente energéticas;

exigir esforços contínuos para garantir, incluindo a nível da OMC, que os países produtores respeitam as normas ambientais e sociais mínimas;

melhorar as condições para uma extracção sustentável das matérias-primas na Europa;

apoiar os sectores europeus ou nacionais responsáveis pela reciclagem para limitar o desperdício, criar postos de trabalho de elevado valor acrescentado e minorar os efeitos ambientais e sociais dos processos extractivos;

promover a eficiência no uso dos recursos e a utilização de matérias-primas secundárias;

reforçar as autoridades e as instituições responsáveis pela gestão das matérias-primas nos países em desenvolvimento que dispõem deste tipo de recursos;

apoiar as investigações que já se encontram em curso, na mira de obter a energia de fusão através das iniciativas JET e ITER, utilizando matérias-primas (deutério, lítio e trítio) muito abundantes na natureza, sobretudo na água do mar.

3.1.1.1   Para consolidar e reforçar a sua presença e a sua competitividade a nível mundial, a indústria europeia deve dotar-se de uma estratégia forte e integrada que dê particular atenção ao aprovisionamento energético, aplicando uma verdadeira «diplomacia das matérias-primas».

3.1.1.2   O acesso às matérias-primas, especialmente energéticas, deve ser um pilar fundamental da nova política industrial. O ponto-chave deve ser o reforço das relações económicas e políticas da UE com os países terceiros para:

eliminar as distorções nas condições de acesso, com acções contra as restrições às exportações (7);

apoiar a produção de metais na Europa;

intensificar os esforços em relação às matérias-primas que a Europa já possui;

verificar a lista de 14 matérias-primas «estratégicas» para o futuro da produção da UE, a saber: antimónio, berílio, cobalto, fluorite, gálio, germânio, grafite, índio, magnésio, nióbio, grupo da platina (platina, paládio, irídio, ródio, ruténio e ósmio), terras raras, tântalo e tungsténio;

criar reservas estratégicas das principais matérias-primas;

considerar o algodão uma matéria estratégica;

criar um serviço geológico europeu.

3.1.2   A internacionalização das PME. Outro desafio crucial é o da dimensão internacional da indústria europeia. As pequenas e médias empresas devem poder concorrer nos mercados globais a par da grande indústria, valorizando, simultaneamente, os pólos de produção a que pertencem.

3.1.2.1   É necessário criar e reforçar os instrumentos de apoio à prospecção e ao financiamento (seguros, garantias de pagamento, etc.), para que as PME possam crescer a nível internacional.

3.1.2.2   Segundo um estudo recente da DG Empresas, 25 % das pequenas e médias empresas europeias realizaram actividades de importação ou exportação durante os últimos três anos fora do mercado interno europeu, mas apenas 13 % tiveram contactos com países terceiros. Se se considerar os mercados emergentes da área BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), a percentagem oscila entre 7 % e 10 %.

3.1.2.3   Com efeito, a internacionalização beneficia as empresas, oferecendo-lhes mais oportunidades:

de perspectivas de contratação de novos trabalhadores. As PME que operam a nível internacional registam uma taxa de crescimento do emprego da ordem de 7 %, contra a modesta percentagem de 1 % das outras PME;

de perspectivas de inovação.26 % das PME que operam a nível internacional introduziram produtos ou serviços inovadores, contra 8 % das restantes.

3.1.2.4   É importante melhorar o desempenho do comércio internacional para reforçar o crescimento e a competitividade.

3.1.2.5   É necessário, em particular, potenciar e ampliar as iniciativas-piloto para a criação dos centros europeus de apoio às empresas nos países terceiros (os chamados European Business Centres  (8),), bem como os esforços que visam a plena operacionalidade das equipas de acesso aos mercados (Market Access Teams).

3.1.3   A normalização. É necessária uma forte política de normalização e defesa dos direitos de propriedade intelectual (DPI), que assegure uma dimensão externa dos processos de normalização.

3.1.3.1   É preciso evitar que as normas se transformem em barreiras comerciais e que o crescimento do número de normas nacionais em matéria de serviços crie barreiras ao comércio.

3.1.3.2   O CESE está convicto de que se deve impor aos responsáveis pela criação de normas a obrigação legal de respeitarem os princípios da OMC e do Acordo TBT (Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio) no processo de desenvolvimento das normas.

3.1.3.3   Outro tema fundamental é o da interoperabilidade: os serviços e as aplicações devem ser efectivamente interoperáveis para serem aceites pelo mercado e responderem aos objectivos estabelecidos.

3.1.4   O diálogo regulamentar. Para ser realmente competitiva, a indústria europeia necessita de condições equitativas de concorrência à escala global (global playing field) em termos de regras e de regulamentos.

3.1.4.1   Às barreiras comerciais «pautais» juntam-se, frequentemente, barreiras «não pautais» de natureza regulamentar. Por este motivo, o CESE considera que se devem intensificar os esforços em várias frentes, quer para reduzir as barreiras existentes, quer para evitar o aparecimento de novas barreiras.

3.1.4.2   Neste contexto, o princípio do legislar melhor é fundamental para reduzir os elevados custos que, frequentemente, se devem a um excesso de regulamentação, e para beneficiar de um acesso mais eficaz aos mercados internacionais através de mecanismos de reconhecimento mútuo.

3.1.5   A política comercial comum constitui um pilar das relações externas da União Europeia e rege as relações comerciais dos Estados-Membros com os países terceiros, com o objectivo fundamental de garantir uma concorrência leal e regras de comércio equitativas.

3.1.5.1   É necessário assegurar uma maior eficácia das acções de luta contra a contrafacção e a pirataria, tanto no interior como no exterior do mercado único, em virtude das graves repercussões num número crescente e diferenciado de sectores.

3.1.5.2   Melhorar os nossos desempenhos no comércio transfronteira e internacional, de acordo com as novas disposições do Tratado de Lisboa, é importante para reforçar o crescimento, a competitividade e a sustentabilidade das empresas a longo prazo, velando por que a UE fale a uma só voz.

3.1.5.3   Os instrumentos de defesa comercial e de acesso aos mercados procuram, em particular, proteger as empresas europeias das barreiras ao comércio. A União deve poder garantir um desenvolvimento harmonioso do comércio mundial, promovendo o seu carácter equitativo e sustentável, que tenha em conta os diferentes níveis de desenvolvimento dos países terceiros, acompanhando os países menos desenvolvidos no processo de industrialização e exigindo o pleno respeito das normas por parte dos países emergentes.

3.1.5.4   A UE deve definir critérios económicos precisos para negociar e concluir acordos de comércio livre e para seleccionar os seus parceiros, em particular no respeitante ao potencial dos mercados em termos de dimensão e de crescimento económico, assegurando a aplicação de mecanismos claros de avaliação ex ante (de coerência política) e ex post (de pleno respeito pelas simetrias e reciprocidades), apoiando-se igualmente no diálogo social europeu e na sociedade civil organizada.

3.1.5.5   É necessário acompanhar as reduções pautais no âmbito da OMC de um esforço generalizado tendente a melhorar as condições de trabalho, em conformidade com as normas da OIT.

3.1.6   A imagem e as perspectivas da União. Precisamos de uma visão norteada por uma lógica de desenvolvimento sustentável e capaz de promover sociedades inclusivas, economias abertas e relações pacíficas, numa perspectiva global e a longo prazo.

3.1.6.1   A imagem da União Europeia, no plano interno mas sobretudo externo, deve ser mais cuidada, assegurando coerência, unidade e capacidade de acção rápida, para a sua completa valorização. É necessário definir e concretizar uma acção articulada com base em níveis de sinergia coerentes entre si, para:

garantir uma abertura equilibrada dos mercados, salvaguardando ao mesmo tempo os recursos limitados do planeta e velando por tornar seguro e sustentável o acesso da Europa aos recursos que se revestem de importância estratégica;

reforçar o diálogo económico com todos os principais parceiros, no quadro de uma abordagem multilateral;

continuar com o reforço do papel internacional do euro;

propor a UE como «potência reguladora internacional», promotora da elevação das normas no âmbito industrial, ambiental e social, bem como em matéria de condições de trabalho «dignas», de contratos públicos e de propriedade intelectual;

relançar as três principais políticas de desenvolvimento externo da UE, isto é, o alargamento, a política de vizinhança e a União para o Mediterrâneo, bem como uma nova parceria com a África, no quadro dos acordos com os países ACP (9).

3.1.6.2   O CESE está profundamente convicto de que, na ausência de um exercício de prospectiva participativa, a nível europeu, sobre as perspectivas globais da política industrial europeia, não será possível desenvolver uma visão estratégica comum indispensável para um relançamento vigoroso e coerente da dimensão externa da política industrial europeia.

3.1.6.3   É igualmente sua convicção de que o interesse das indústrias europeias reside no crescimento e de que a única maneira de o realizar é não estarmos permanentemente expostos a uma concorrência a baixo custo.

3.1.7   As iniciativas sectoriais: mercados de ponta e plataformas

3.1.7.1   A Europa deve construir o seu futuro com base nos seus pontos fortes. Diversas soluções sectoriais são constantemente desenvolvidas para melhorar a competitividade global da Europa e contribuir para a sua atractividade enquanto lugar para viver e trabalhar.

3.1.7.2   Entre as áreas de ponta importa assinalar:

as infra-estruturas tecnológicas;

as redes de aprovisionamento energético;

a sociedade do conhecimento e a sociedade digital;

a saúde e a mobilidade;

as tecnologias horizontais necessárias para as indústrias europeias.

3.1.7.3   Segundo o CESE, é necessário colocar num quadro reforçado e coerente as várias perspectivas sectoriais existentes, isto é:

as plataformas tecnológicas europeias;

as iniciativas relativas aos mercados de ponta;

os diferentes comités consultivos de alto nível;

as plataformas de inovação, como LeaderShip, Cars 21 e ICT Task Force (grupo de trabalho sobre as TIC);

o grupo de alto nível da indústria química.

3.1.7.4   O CESE considera, além disso, que alguns sectores particularmente sensíveis e promissores mereceriam ser mais desenvolvidos, nomeadamente:

o espaço,

a mobilidade sustentável,

os desafios sociais futuros em matéria de alterações climáticas,

os desafios competitivos, como a indústria química, a engenharia e o sector agro-alimentar, e

os sectores de elevada intensidade energética.

4.   Dimensão externa das políticas da UE, chave de sucesso para a indústria europeia

4.1   Como salienta a Presidência húngara, «estamos a assistir a uma transformação extremamente rápida e profunda em todo o mundo, e a Europa deve, mais do nunca, estar em condições de enfrentar uma concorrência mundial muito mais forte».

4.2   Vinte milhões de empresas na Europa, em particular pequenas e médias empresas, conduzidas por criadores, trabalhadores, artesãos e empresários, devem poder inovar, reforçar a sua competitividade e criar postos de trabalho com o apoio de uma política industrial europeia dotada de uma dimensão externa integrada.

4.3   O CESE congratula-se com as Conclusões do Conselho Europeu, de 17 de Dezembro de 2010, em matéria de competitividade internacional e de mercado único.

4.4   O CESE sublinha, em especial, a importância de proporcionar às empresas, em geral, um quadro regulamentar pertinente, previsível e menos oneroso, e às PME, em particular, um melhor contexto empresarial que lhes permita actuar numa perspectiva de longo prazo.

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Ver alínea a) do Anexo I das Conclusões do Conselho Europeu de 16 de Setembro de 2010.

(2)  Esses produtos representam cerca de três quartos das exportações europeias; fonte DG Empresas.

(3)  Ver artigo 3.o do Tratado de Lisboa.

(4)  COM(2010) 612/final 4, pt. 4.

(5)  Ver a iniciativa emblemática 10, COM(2010) 2020 final.

(6)  Ibidem.

(7)  Como as impostas pela China, pela Índia e por outros países.

(8)  Na China, Tailândia, Índia e Vietname.

(9)  Parecer do CESE sobre a «Vertente externa da Estratégia de Lisboa renovada», JO C 128/2010, p. 41.


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/31


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Empresas públicas de países terceiros nos mercados dos contratos públicos da UE» (parecer de iniciativa)

2011/C 218/06

Relator: Corrado ROSSITTO

Co-relator: Ulrich PAETZOLD

Em 16 de Setembro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre as

Empresas públicas de países terceiros nos mercados dos contratos públicos da UE.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais, que emitiu parecer em 4 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 152 votos a favor, 4 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE considera que a abertura dos sistemas de contratação pública de todos os países à concorrência internacional, com base no Acordo sobre Contratos Públicos ACP/OMC, constitui um trunfo capaz de garantir reciprocidade e uma simetria regulamentar de base, bem como de contrariar medidas proteccionistas e práticas de concorrência desleal, não obstante a adopção de acordos específicos com países emergentes, em conformidade com o direito primário e derivado da UE na matéria e com os acórdãos do Tribunal de Justiça da UE.

1.2   No entender do CESE, a EU deve aumentar o seu poder negocial para, com base no respectivo direito primário e derivado, melhorar o acesso aos mercados públicos de países terceiros, tendo em conta que abriu mais de 80 % dos seus mercados públicos, ao passo que as outras grandes economias desenvolvidas apenas o fizeram em 20 %.

1.3   O Comité apela veementemente ao Parlamento Europeu, ao Conselho e à Comissão para que assegurem, quer no plano interno, quer no internacional, uma protecção mais eficaz e mais estratégica dos interesses da UE em matéria de acesso aos mercados públicos, reforçando a sua credibilidade na cena mundial, mas também a longevidade e o desenvolvimento do modelo económico e social europeu.

1.4   Na opinião do CESE, todas as empresas adjudicatárias devem estar sujeitas às mesmas condições de concorrência no mercado, de forma a garantir uma concorrência leal em igualdade de condições, numa plataforma de reciprocidade com empresas de países terceiros que respeitem os princípios fundamentais dos contratos internacionais, sobretudo no atinente à proibição de auxílios estatais directos ou indirectos, aos métodos de cálculo de preços e ao princípio da precaução em matéria de custos e de riscos.

1.5   O Comité recomenda aos legisladores do mercado interno da União Europeia e aos negociadores da UE na cena internacional em matéria de contratos públicos internacionais que demonstrem coerência e consciência das possíveis consequências recíprocas no exercício da sua actividade, promovendo a igualdade de tratamento, a não discriminação, o reconhecimento mútuo, a proporcionalidade, a transparência, a luta contra a corrupção, o respeito das normas sociais e ambientais e o respeito dos direitos fundamentais.

1.6   O CESE reputa indispensável proceder a um controlo sistemático da coerência entre os resultados das negociações conduzidas pela Comissão Europeia a nível bilateral e multilateral por mandato dos Estados-Membros, seguido da aplicação plena e efectiva a nível nacional das medidas adoptadas.

1.7   O CESE considera que o Acordo sobre Contratos Públicos (ACP) deveria passar de plurilateral a multilateral, com novas adesões e medidas transitórias em matéria de compensações, preferências de preço, introdução de entidades ou sectores e de novos limites. Importa igualmente retomar a ideia de excluir do ACP, a título provisório, os contratos financiados com fundos europeus, no caso de empresas de países que mantêm medidas de protecção nacionais.

1.8   O CESE apela à rápida adopção da anunciada iniciativa para garantir o acesso de empresas e produtos de países terceiros ao mercado de contratos públicos da UE (RAMC - Regime de Acesso ao Mercado de Contratos). Preconiza uma abertura recíproca dos mercados mediante mecanismos claros, transparentes e comprovados, a fim de garantir um acesso simétrico aos mercados públicos, adaptando devidamente o pacote de contratos públicos de 2004.

1.9   Segundo o CESE, há que reforçar a abordagem com base na prevenção e num sistema de «alerta rápido» em relação a projectos ou normas de carácter restritivo em matéria de contratos implementados em países terceiros, permitindo identificar eventuais obstáculos numa fase inicial e denunciá-los à escala internacional. Para tal, há que aperfeiçoar a base de dados da Comissão Europeia relativa ao acesso aos mercados, disponibilizando informações fiáveis e rapidamente acessíveis sobre concursos, formalidades e especificações técnicas dos cadernos de encargos – particularmente para as PME europeias –, juntamente com bases estatísticas e indicadores de impacto dos fenómenos de distorção.

1.10   O Comité recomenda a introdução de medidas de agilização e simplificação dos procedimentos, adaptando-as aos novos desafios ao nível da UE, a fim de garantir que as entidades adjudicantes a nível interno e internacional aproveitam plenamente as potencialidades económicas e inovadoras das PME, inclusivamente mediante acções de formação, de informação e de assistência às entidades adjudicantes e proponentes em concursos internacionais e em mercados terceiros, em particular no tocante à formação dos seus quadros e dirigentes.

2.   Introdução

2.1   Na União Europeia, o volume anual de contratos públicos de bens e serviços corresponde a cerca de 17 % do produto interno bruto, equivalente a cerca de 2,1 biliões de euros, dos quais cerca de 3 % se situam acima do limiar do GPA (o Acordo sobre Contratos Públicos concluído no quadro do acordo da OMC, também designado por GPA – Government Procurement Agreement) (1). Calcula-se que a consistência do mercado global de contratos públicos se situe entre os 10 a 20 % do PIB, embora não haja dados comparáveis para os países não membros do GPA. Em todo o caso, o nível global de contratos públicos é claramente superior aos 10 % do PIB mundial.

2.2   As empresas europeias, das grandes multinacionais às PME mais empreendedoras, fazem por se impor nos mercados mundiais, mas encontram dificuldades crescentes no acesso ao mercado de contratos públicos. Tais dificuldades prendem-se menos com obstáculos nas fronteiras do que com obstáculos «além-fronteiras», mais complexos e tecnicamente mais problemáticos, mais morosos em termos de identificação, análise e eliminação, com normas e práticas restritivas, arriscando-se a impedir uma participação mais eficaz das empresas da UE em concursos públicos de países terceiros.

2.3   O presente parecer de iniciativa aborda um aspecto específico do mercado dos contratos públicos, como indicado no título – nomeadamente, a participação de empresas públicas de países terceiros em concursos públicos no mercado da UE –, a fim de que a UE possa

assegurar o bom funcionamento do seu mercado interno em matéria de contratos públicos,

garantir que as empresas públicas de países terceiros sejam autorizadas a operar no mercado europeu respeitando as mesmas condições e critérios de admissão de todas as outras empresas

garantir às empresas europeias reciprocidade e simetria de acesso aos mercados públicos de países terceiros.

Há outros aspectos relacionados com contratos públicos que são ou serão objecto de pareceres do CESE.

2.4   A ligação entre a abertura do comércio externo e as reformas do mercado interno é uma via de dois sentidos. Se, em ambos os casos, o objectivo é reduzir o custo de barreiras regulamentares desnecessárias obstantes à circulação de bens, serviços e investimentos, a crescente interdependência do mercado interno e dos mercados internacionais exige que os legisladores do mercado interno da UE e os seus negociadores no âmbito do comércio internacional e dos contratos públicos internacionais estejam cientes da potencial reciprocidade das consequências no exercício das suas actividades e apliquem uma política coerente, orientada para a promoção dos princípios de direito comunitário primário e derivado, tal como confirmados pelo Tribunal de Justiça e pela Carta dos Direitos Fundamentais:

Respeito dos direitos humanos

Luta contra a corrupção

Respeito das normas sociais e ambientais

Transparência

Proporcionalidade

Igualdade de tratamento

Não discriminação

Reconhecimento mútuo.

2.5   Em matéria de normas e regulamentações, de serviços, investimentos e contratos públicos, bem como de direitos de propriedade intelectual e de sistemas de certificação, há inúmeros parceiros comerciais da UE que continuam a aplicar procedimentos onerosos e pouco transparentes e medidas de política industrial com vista à substituição forçada das importações, às transferências forçadas de tecnologia e a um acesso preferencial dos produtores locais às matérias-primas.

2.6   Se as empresas europeias estão sujeitas a uma concorrência crescente no próprio mercado interno – que privilegiou uma abertura transparente e envidou grandes esforços para criar um mercado interno europeu sem barreiras –, afigura-se agora evidente que tal abertura deixa o mesmo mercado interno completamente desprovido de defesas contra os actores de mercados terceiros, que não estão empenhados em aplicar idêntica abertura nos respectivos mercados.

2.7   Apesar de a UE dispor de normas rigorosas na matéria, destinadas a garantir condições de concorrência equitativas, a experiência demonstra que nenhuma daquelas se aplica às empresas públicas de países terceiros, particularmente quando estas participam em concursos públicos, o que viola os próprios princípios na base do mercado interno, para grande prejuízo da indústria e a economia europeias.

2.8   Assim, o CESE reputa necessário analisar a forma como a UE poderá garantir o bom funcionamento do mercado interno, mesmo nos casos em que as empresas públicas de países terceiros estão autorizadas a operar no mesmo, continuando a lutar empenhadamente contra o proteccionismo e opondo-se a quaisquer formas de dumping social e ambiental (2), de opacidade de custos, preços e apoios estatais, de incumprimento da legislação em matéria de disposições orçamentais e das regras de mercado livre, no interesse dos consumidores, das empresas e dos contribuintes europeus.

2.9   No Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, os contratos públicos foram expressamente excluídos da obrigação de base sobre o tratamento nacional, bem como dos compromissos do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços. Importa, no entanto, ter em conta (3) que, até 2015, 90 % do crescimento mundial será gerado fora da Europa, percentagem da qual só a China será responsável por um terço. Nos próximos anos, haverá que aproveitar a oportunidade oferecida pelos elevados níveis de crescimento de países terceiros, particularmente na Ásia oriental e meridional.

2.10   Se o mercado da UE é já consideravelmente aberto, o dos seus principais parceiros comerciais é-o em muito menor medida, sobretudo a nível regional e local. Basta considerar os seguintes exemplos em diversos continentes:

2.10.1   Na China, os níveis de abertura do mercado permanecem ainda muito aquém das suas potencialidades. A China, com um PIB equivalente a 3 573,8 mil milhões de euros em 2009, exportou nesse ano para a UE 227 mil milhões de euros em bens e serviços, tendo importado da UE o correspondente a 99,7 mil milhões de euros. As cláusulas em prol da aquisição de produtos locais existem desde 2003, como previsto no artigo 10.o da lei em matéria de contratos públicos. Em 2007, a política de promoção dos produtos chineses foi reforçada por dois decretos que limitam a possibilidade de contratos para bens estrangeiros aos casos em que os produtos locais sejam «irrazoavelmente» mais caros e de menor qualidade. Em 2009, esta norma foi interpretada em sentido estrito, excluindo toda e qualquer possibilidade, em particular no caso de produtos inovadores e de alta tecnologia, ao mesmo tempo que foi decretado um controlo apertado para os contratos de construção nos «pacotes de estímulo interno» de 2008 e 2009. Em Novembro de 2009, a China introduziu uma «lista de acreditação de produtos locais inovadores», enquanto em 2010 o Conselho de Estado propôs alterações às empresas controladas pelo Estado no sentido de as levar a operar apenas no mercado doméstico. Ao mesmo tempo, porém, concedeu auxílios estatais à indústria chinesa de alta tecnologia para a tornar mais competitiva nos mercados externos (4).

2.10.1.1   No domínio dos contratos de obras públicas, a China abandonou um sistema de licenças para a gestão de projectos, a gestão de obras e outros serviços de construção, substituindo-os por um novo sistema de empresas de construção totalmente estrangeiras (WFOCE – Wholly Foreign Owned Construction Enterprise) e de empresas comuns (JV – Joint Ventures), em que as empresas estrangeiras ficam efectivamente excluídas de projectos abrangidos por concursos públicos nacionais, sendo apenas admitidas aos raros concursos internacionais para projectos na China. Ambos os sistemas – WFOCE e JV – devem observar o sistema de qualificação chinês, que requer um capital nominal de, pelo menos, 5 vezes o valor do projecto, um quadro de pessoal essencial de, pelo menos, 300 elementos residentes na China durante um ano, no mínimo, referências de obras anteriores executadas na China e, no caso das JV, a consideração do parceiro com a qualificação mais baixa (5).

2.10.1.2   A oferta actual da China nas negociações da OMC no quadro do Acordo sobre Contratos Públicos não inclui a grande maioria das obras de construção susceptíveis de despertarem o interesse das empresas europeias, nem em termos de actividades, nem ao nível das entidades adjudicantes.

2.10.1.3   Na Rússia – que não assinou o ACP/OMS –, uma regulamentação do Ministério para o Desenvolvimento Económico de Dezembro de 2008 impõe condições restritivas no acesso a contratos governamentais e municipais e dá preferência aos produtos e serviços nacionais, sobrestimando o seu valor até 15 %, enquanto em 2009 foram adoptadas medidas anti-crise do tipo «Compre russo».

2.10.2   No Brasil, a lei dos contratos públicos foi alterada em Julho de 2010 para permitir às autoridades adjudicantes reservar uma margem de 25 % para bens e serviços produzidos total ou parcialmente no Brasil. Em 2009, o PIB do Brasil foi de 1 128,5 mil milhões de euros (6).

2.10.3   Nos EUA, o Congresso reforçou os requisitos «Compre americano» da lei para a retoma e o reinvestimento americanos (American Recovery and Reinvestment Act - ARRA) (7). Em 2009, o PIB dos EUA situou-se nos 10 122,6 mil milhões de euros, com exportações de bens e serviços para a UE na ordem dos 286,8 mil milhões de euros e importações da UE de 323,8 mil milhões (8).

2.10.4   No Japão – o sétimo maior mercado de exportação da UE, com exportações na ordem dos 36 mil milhões de euros e importações de 56,7 mil milhões de euros, em 2009 –, as empresas da UE têm dificuldades de acesso aos contratos públicos, apesar de o Japão fazer parte do ACP/OMC. Com efeito, apenas 4 % de todos os contratos foi aberto a empresas da UE, no valor de cerca de 22 mil milhões de euros (em 2007), correspondente a menos de 0,7 % do PIB japonês. Em contrapartida, o Japão usufruiu de um acesso ao mercado público da UE no valor dos 312 mil milhões de euros, equivalente a 2,5 % do PIB da UE (9).

2.10.5   No Vietname, foi aprovada, em Abril de 2010, uma directiva sobre o uso de produtos e materiais nacionais e sobre os contratos a eles relativos, financiados com fundos estatais. Em 2009, o PIB do Vietname atingiu os 66,8 mil milhões de euros, com exportações de bens para a UE no valor de 7,8 mil milhões de euros e importações da UE de 3,8 mil milhões de euros.

2.10.6   Na Austrália, dois Estados adoptaram, em 2009, disposições sobre contratos públicos considerados estratégicos (superiores a 250 milhões dólares australianos). No Estado de Vitória, 40 % dos produtos utilizados tem de ser de origem local (australiana/neozelandesa). No Estado de Nova Gales do Sul, estabeleceu-se uma preferência de preço de 20 %, a que se acrescentam, conforme os casos, preferências adicionais de 2,5 % a 5,0 %. Em 2009, o PIB da Austrália ascendeu a 712,8 mil milhões de euros, com exportações de bens e serviços para a UE de 14,4 mil milhões de euros e importações equivalentes a 34,1 mil milhões de euros.

2.11   Há também casos como o da Turquia, onde, pelo contrário, o sistema de contratos públicos melhorou após a adopção da lei n.o5812 de 2008, que harmonizou as disposições internas com as comunitárias. Assim, os contratos para o fornecimento de bens, empreitadas e prestação de serviços assentam em mecanismos abertos de concorrência, embora haja que melhorar a transposição das directivas da UE relativamente aos sistemas de recurso (10). Em 2008, os contratos acima do limiar da UE ascenderam aos 7 303 milhões de euros para empreitadas, 8 459 milhões de euros para serviços e 8 402 milhões de euros para bens.

3.   O actual quadro legislativo

3.1   Actualmente, o quadro legislativo que regula o mercado dos contratos públicos para as empresas europeias é constituído pelos seguintes elementos:

o quadro comunitário de base, constituído pelas Directivas Contratos Públicos de 2004: a Directiva 2004/18/CE relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços e a Directiva 2004/17/CE relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, juntamente com a Directiva 2007/66/CE que altera as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos e o Código de Boas Práticas relativo ao acesso das PME aos concursos públicos (11);

O Tratado de Lisboa, que introduziu no direito primário da União Europeia o reconhecimento do direito à autonomia regional e local, incluindo a possibilidade de as autoridades públicas recorrerem a instrumentos próprios para cumprir as suas missões de serviço público, como acontece com as diversas formas de parcerias público-privadas;

os numerosos acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de contratos públicos;

o instrumento central para a abertura dos contratos públicos internacionais, constituído pelo Acordo Multilateral da OMC relativo aos contratos públicos (ACP), actualmente em fase de revisão. O Acordo geral da OMC sobre o Comércio de Serviços (GATS) exclui, por seu turno, os contratos públicos das suas principais disposições sobre o acesso aos mercados, sem prejuízo do mandato para a organização de negociações multilaterais sobre contratos públicos de serviços, no âmbito do qual a UE desempenha um papel determinante no estabelecimento de compromissos em matéria de acesso ao mercado, na proibição de discriminação nos contratos de serviços e na instituição de normas processuais comuns relativas às aquisições;

as cláusulas relativas aos contratos públicos nos acordos de comércio livre (ACL), nos acordos de associação (AA), nos acordos de parceria e cooperação (APC), nos acordos de estabilização e associação (AEA), nos acordos de parceria económica (APE), nos acordos provisórios sobre comércio e matérias conexas (AP) e nos acordos de cooperação comercial e económica;

a aplicação do direito comunitário dos contratos públicos e das concessões às parcerias público-privadas institucionalizadas.

4.   Observações

O CESE considera que a abertura dos sistemas de contratação pública de todos os países à concorrência internacional, com base no Acordo sobre Contratos Públicos ACP/OMC, constitui um trunfo capaz de garantir reciprocidade e uma simetria regulamentar de base, bem como de contrariar medidas proteccionistas e práticas de concorrência desleal, não obstante a adopção de acordos específicos com países emergentes.

4.1   O Comité salienta os dados revelados por indicações recentes da Comissão de que «Até 2015, 90 % do crescimento mundial será gerado fora da Europa, percentagem da qual só a China será responsável por um terço» (12).

4.2   O Comité partilha do princípio de que, para desenvolver as suas vantagens competitivas, a Europa deve ser capaz de assegurar uma protecção mais eficaz e mais estratégica dos seus interesses, reforçando a sua credibilidade na cena mundial e ao mesmo tempo a sua longevidade e o desenvolvimento do modelo económico e social europeu. Para ser mais credível, a Europa deve aumentar o seu poder de negociação com vista a melhorar o acesso aos mercados de países terceiros, dado que a União abriu mais de 80 % do seu mercado dos contratos públicos, ao passo que as outras grandes economias desenvolvidas apenas o fizeram em 20 % (13).

4.3   No entender do CESE, em matéria de contratos públicos, o quadro regulamentar comunitário actualmente em vigor apresenta-se adequado – em princípio – e é considerado suficiente para regular o mercado europeu sob os aspectos económicos, sociais e ambientais. Infelizmente, há alguns Estados-Membros que não aproveitam ao máximo as possibilidades oferecidas por esse quadro regulamentar para assegurar uma concorrência leal e correm o risco de abrir os seus mercados, sem assegurar a reciprocidade, a empresas públicas de países terceiros que não respeitam os princípios fundamentais dos contratos internacionais. Todavia, é indispensável que essas regras sejam respeitadas com rigor, o mesmo acontecendo com os princípios fundamentais do Tratado e da Carta dos Direitos Fundamentais.

4.4   O CESE considera que a cooperação público-público não deve criar mercados paralelos que fogem às regras dos contratos públicos e excluem os operadores privados.

4.5   A UE é por uma vocação uma economia aberta e apoiante do comércio livre, oferecendo um acesso seguro no plano jurídico e não discriminatório a um amplo número de contratos públicos. Importa garantir simultaneamente confidencialidade e transparência para promover a inovação e um mercado sustentável de contratos públicos, que:

privilegie a proposta economicamente mais vantajosa em detrimento das outras,

tenha em conta todo o ciclo de vida da obra;

4.6   Na opinião do CESE, todas as empresas adjudicatárias devem estar sujeitas às mesmas condições de concorrência de mercado. A este respeito, o CESE nutre dúvidas quanto às condições de participação das chamadas «empresas estatais» de países terceiros, sobretudo no que respeita à proibição de auxílios estatais directos ou indirectos, ao método de cálculo dos preços e ao princípio da precaução em matéria de custos e de riscos. Com efeito, o mercado europeu assegura o acesso sem quaisquer garantias adequadas contra a concorrência desleal, com fortes riscos de um eventual dumping social e ambiental e de as referidas «empresas» estatais não respeitarem as normas éticas dos Tratados e da Carta dos Direitos Fundamentais.

4.7   Na opinião do CESE, é necessário:

4.7.1

Nas negociações internacionais e com países terceiros, deixar claro que os valores, direitos e princípios fundamentais da União, tal como consagrados no direito primário da União com base nos Tratados e na Carta dos Direitos Fundamentais, devem ser respeitados e não são negociáveis.

4.7.2

Nas negociações internacionais, que a UE se exprima uma só voz, de modo forte, coerente e solidário, evitando acções nacionais individuais susceptíveis de prejudicar a posição de negociação comum e efectuando uma avaliação comparativa da abertura real dos mercados nacionais nas condições e nos limites previstos pelos acordos concluídos a nível europeu.

4.7.3

Conseguir uma maior coordenação entre os serviços da Comissão Europeia que lidam com os diferentes aspectos das negociações comerciais, industriais e de cooperação, em consonância com as normas relativas aos contratos públicos a nível multilateral previstas no Acordo sobre Contractos Públicos (ACP) de 1994, nos ACL de nova geração, nos acordos de parceria e cooperação (APC), ou nos acordos de associação (AA), no quadro da Parceria Euromediterrânica, apostando em abordagens mais orientadas para as barreiras não pautais e exercendo pressão no sentido de abrir os contratos às empresas europeias.

4.7.4

Converter o Acordo sobre Contratos Públicos (ACP) de acordo plurilateral em multilateral, com novas adesões e medidas transitórias em matéria de compensações, preferências de preço, introdução de entidades ou sectores e de limiares mais elevados.

4.7.5

Excluir do ACP, a título provisório, os contratos financiados com fundos europeus, no caso de empresas de países que mantêm medidas de protecção nacionais – uma ideia que o CESE já avançou em anteriores pareceres (14).

4.7.6

Aplicar de forma rigorosa e circunstanciada os princípios da reciprocidade e da proporcionalidade a determinados sectores, nas «Notas Gerais e Derrogações às Disposições do Artigo III do Apêndice I da CE» do ACP.

4.7.7

Impor às empresas dos países terceiros as mesmas condições exigidas às empresas europeias nos seus mercados. A UE não pode continuar a basear as negociações na reciprocidade formal em vez da reciprocidade económica efectiva. Em caso de desequilíbrios, deve ser prevista uma cláusula de salvaguarda suspensiva.

4.7.8

Caso os seus principais parceiros comerciais beneficiem da abertura geral da UE de modo não recíproco, considerar a introdução de restrições orientadas para o acesso aos sectores dos contratos públicos da UE, a fim de os incitar a propor uma abertura recíproca do mercado.

4.7.9

Adoptar, ao mais breve trecho, a iniciativa relativa às condições de acesso das empresas de países terceiros ao mercado europeu de contratos públicos (MASP), através de mecanismos claros, transparentes e comprovados, visando uma abertura recíproca dos mercados e garantir um acesso simétrico aos mercados públicos nas economias desenvolvidas e nas grandes economias emergentes nos sectores previstos na Directiva 2004/17/CE (15) e no seu programa de trabalho para 2011 (16).

4.7.10

Realizar uma cooperação técnica mais estreita entre os representantes dos Estados-Membros e a Comissão em matéria de acesso aos mercados e de intensificação das consultas com representantes da indústria.

4.7.11

Estabelecer controlos apertados e medidas que garantam a sua aplicação real, no que se refere à inexistência de auxílios estatais directos ou indirectos – considerados proibidos na UE – sobretudo para concursos comunitários que beneficiam de financiamentos comunitários do BEI, dos fundos estruturais ou destinados às redes europeias, no pleno respeito das garantias em matéria de normas sociais e ambientais comunitárias.

4.7.12

Aperfeiçoar a base de dados da Comissão Europeia relativa ao acesso aos mercados, disponibilizando informações fiáveis e rapidamente acessíveis sobre concursos, formalidades e especificações técnicas dos cadernos de encargos que de facto impeçam a participação em países terceiros, e fornecendo bases estatísticas e indicadores de impacto dos fenómenos de distorção.

4.7.13

Reforçar a abordagem com base na prevenção e num sistema de «alerta rápido» em relação a projectos ou normas de carácter restritivo em matéria de contratos implementados em países terceiros, permitindo identificar eventuais obstáculos numa fase inicial e denunciá-los à escala internacional, atacando-os na fonte mediante recurso sistemático ao procedimento de notificação, no quadro do Acordo sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio;

4.7.14

Introduzir medidas ao nível de UE para as PME, visando garantir que as entidades adjudicantes a nível interno e internacional aproveitam as potencialidades económicas e inovadoras das PME.

4.7.15

Assegurar formação, informação e assistência aos proponentes em concursos internacionais e em mercados terceiros, particularmente aos seus quadros e dirigentes, reconhecendo que, em matéria de protecção comercial e de acesso aos mercados e à informação, as PME enfrentam problemas críticos inerentes à sua dimensão.

4.7.16

Prever a alteração do artigo 55.o, n.o 3, da Directiva 2004/18/CE e do artigo 57.o, n.o 3, da Directiva 2004/17/CE respeitantes às propostas anormalmente baixas, de forma a tornar obrigatória a exclusão de qualquer proposta apresentada por uma empresa estatal, da qual não conste a prova de que a referida proposta não beneficia de qualquer auxílio estatal, directo ou indirecto, proibido pelas regras comunitárias. A este propósito, veja-se o exemplo de um «teste de auxílio estatal» constante no anexo 4 do US Millennium Challenge Corporation.

4.7.17

Acrescentar, como caso de exclusão obrigatória ao artigo 45.o  (17) da Directiva 2004/18/CE e ao artigo 54.o  (18) da Directiva 2004/17/CE, a violação dos direitos de propriedade intelectual relativamente à utilização de patentes ou de dados técnicos adquiridos de modo fraudulento.

4.7.18

Assegurar que os futuros instrumentos jurídicos europeus para a livre circulação de trabalhadores de países terceiros não acabam por incentivar empresas estatais de países terceiros que beneficiam de auxílios estatais proibidos.

4.7.19

Velar pela publicação rápida e circunstanciada, numa base de dados centralizada da UE, de normas e práticas restritivas em matéria de contratos públicos que impedem a participação eficaz das empresas da UE em concursos públicos em países terceiros, nomeadamente: actos legislativos «Compre local», ou com percentagens crescentes de conteúdos locais («Local Content»), «pacotes de estímulo» para tecnologias e inovações de carácter local ou com vista à recuperação económica nacional, que privilegiem os operadores locais e discriminem as empresas estrangeiras.

4.7.20

Reforçar ainda mais a coerência e a complementaridade entre as políticas internas e a política externa da UE, dando seguimento às indicações do Conselho Europeu de Setembro de 2010 no sentido de «rever a interface entre a política industrial e a política da concorrência à luz da mundialização e […] promover fortemente um plano de igualdade» (19).

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Fonte: estimativas da Comissão Europeia no documento COM(2010) 612 final.

(2)  Ver COM(2010) 612/1.

(3)  Ver COM(2010) 612/4

(4)  Uma preocupação fundamental em matéria de contratos públicos e de propriedade intelectual é a política de «inovação local», destinada a apoiar a afirmação das empresas chinesas na cadeia de valor. O sistema de inovação local anunciado em Novembro de 2009 prejudica gravemente o acesso aos contratos públicos chineses, numa grande variedade de sectores inovadores, desde as tecnologias ecológicas às telecomunicações. Ver SEC(2011) 298 final.

(5)  Ver comunicação da Comissão, documento da OMC n.o S/C/W/286, pontos 15 a 19. Além disso, a aquisição de uma empresa chinesa por parte de uma sociedade estrangeira anula as qualificações adquiridas pela empresa chinesa, devendo recomeçar da estaca zero.

(6)  2010/7 As alterações à legislação brasileira em matéria de contratos públicos introduzem uma cláusula do tipo «Compre brasileiro» de carácter «temporário».

(7)  A legislação inclui duas novas disposições do tipo «Compre americano» (Buy American): uma proíbe a utilização dos fundos concedidos ao abrigo desta lei para projectos de construção, alteração, manutenção ou reparação de edifícios públicos ou de obras públicas, a não ser que a totalidade do ferro, do aço e dos bens manufacturados utilizados no projecto seja produzida nos Estados Unidos; a outra disposição proíbe a utilização dos fundos concedidos ao abrigo desta lei para a aquisição, por parte da Homeland Security [Ministério da Segurança Interna], de um conjunto detalhado de produtos têxteis, a não ser que os mesmos sejam cultivados e transformados nos Estados Unidos.

(8)  Um outro exemplo é a proibição feita à administração norte-americana de contratar empresas ditas «invertidas», ou seja, empresas originalmente sujeitas ao sistema fiscal dos EUA que se estabeleceram num país com um regime fiscal diferente, levantando sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o ACP/OMC. Esta medida tem como consequência que uma empresa da UE estabelecida nos EUA não pode vender à administração norte-americana, apesar de abrangida pelo ACP/OMC.

(9)  Ver SEC 2011/298.

(10)  Avaliação dos contratos públicos na Turquia 2009 – SIGMA (programa de apoio à melhoria na administração e gestão), uma iniciativa conjunta OCDE-UE.

(11)  SEC(2008) 2193, dos serviços da Comissão Europeia.

(12)  COM(2010) 612, pt. 1.

(13)  Declaração comum de 9.2.2011 da França, Alemanha, Espanha, Portugal, Itália e Polónia para uma maior reciprocidade entre a UE e os seus parceiros comerciais.

(14)  Parecer do CESE sobre Contratos públicos internacionais, JO C 224 de 30.8.2008, p.32.

(15)  COM(2009) 592.

(16)  COM(2010) 612 e COM(2010) 623, vol. II, p. 36.

(17)  Artigo 45o - Situação pessoal do candidato ou do proponente.

(18)  Artigo 54.o – Critérios de selecção qualitativa.

(19)  Ver Conselho Competitividade de 10.12.2010 – Conclusões do Conselho sobre uma política industrial integrada para a era da globalização, ponto 15.


III Actos preparatórios

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

471.a Sessão Plenária de 4 e 5 de Maio de 2011

23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/38


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Uma política industrial integrada para a era da globalização – Competitividade e sustentabilidade em primeiro plano»

[COM(2010) 614 final]

2011/C 218/07

Relator: Joost VAN IERSEL

Co-relator: Enrico GIBELLIERI

Em 28 de Outubro de 2010, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Uma política industrial integrada para a era da globalização – Competitividade e sustentabilidade em primeiro plano

COM(2010) 614 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI) que emitiu parecer em 4 de Abril de 2011.

Na 471a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 119 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE congratula-se com a comunicação sobre a política industrial enquanto iniciativa emblemática da Estratégia Europa 2020. Apoia vivamente a sua abordagem holística e o reforço da interligação das políticas da UE, bem como uma coordenação aprofundada entre a UE e os Estados-Membros, visando um sector industrial europeu competitivo e sustentável na economia global.

1.2

O CESE exorta o Conselho e a Comissão a elaborarem uma lista de prioridades e um calendário com base na comunicação e nas respectivas conclusões do Conselho (1).

1.3

No entender do CESE, o reforço das interligações deveria conduzir a abordagens integradas num mercado interno plenamente desenvolvido no âmbito de uma economia de mercado social através de legislação inteligente, I&D e inovação, acesso ao financiamento, uma política hipocarbónica e eficiente do ponto de vista energético, políticas no domínio do ambiente, dos transportes, da concorrência e do emprego, melhoria das aptidões e das competências, comércio e assuntos afins, e acesso às matérias-primas.

1.4

Simplificar o planeamento interno e a coordenação no âmbito das instituições da UE e privilegiar uma relação mais próxima entre a UE e os Estados-Membros coloca a melhoria da governação no centro da futura política industrial. Os Estados-Membros devem melhorar a coordenação entre si, o mesmo se aplicando às regiões e às áreas metropolitanas. Em suma, há que intensificar as ligações horizontais e verticais na Europa para acompanhar o ritmo dos outros continentes.

1.5

O CESE destaca a importância dos relatórios anuais da Comissão sobre as políticas industriais nacionais, que se deveriam orientar para objectivos estabelecidos de comum acordo. Estes relatórios deveriam ser abertamente debatidos, a fim de melhorar a coordenação, promover as boas práticas e contribuir para a igualdade de condições de concorrência a nível europeu.

1.6

O CESE insiste num nível apropriado de financiamento privado e público para a competitividade e a inovação que contrabalance as reduções orçamentais. Regozija-se com a melhoria anunciada das condições transfronteiriças para o capital de risco, bem como com as propostas de criação de obrigações para o financiamento público e privado de projectos europeus nos sectores da energia, transportes e TIC (2). Há que examinar a possibilidade de criar obrigações a favor de projectos noutros domínios, nomeadamente projectos de investigação e de demonstração. Os fundos estruturais e de coesão também têm de se concentrar em objectivos de política industrial. É necessário desenvolver ideias inovadoras para atrair capitais privados para o sector industrial.

1.7

A política industrial diz respeito a todo o tipo de indústrias transformadoras e de serviços interligados. As fronteiras entre os sectores estão a diluir-se. As PME estão a tornar-se cada vez mais importantes tanto em termos de valor acrescentado como de criação de emprego. Estes factores exigem uma legislação e/ou regulamentação horizontal e sectorial inteligente, bem como medidas de acompanhamento. Há que levar em conta a complexidade das redes internacionais e dos processos industriais integrados.

1.8

Devido à complexidade e à multiplicidade de interligações, o CESE sublinha a necessidade de compromissos (conjuntos) por parte de intervenientes públicos e privados, através de grupos de alto nível, de plataformas tecnológicas, do diálogo social e de programas educacionais.

1.9

O CESE destaca as seguintes prioridades:

necessidade de legislação inteligente, estabilidade regulamentar, avaliações apropriadas e avaliações ex post;

acesso a financiamento ao nível da UE – PQ7/PQ8, PCI (3), BEI e FEI, nomeadamente para as PME;

a União da Inovação deve estar estreitamente ligada à política industrial, em particular no domínio das tecnologias facilitadoras essenciais e das indústrias com elevado consumo de energia;

promover a coordenação inter e intra cadeias do conhecimento – nomeadamente entre centros de investigação, universidades e empresas;

uma patente europeia é um teste à credibilidade da política industrial;

promover o envolvimento e a participação dos trabalhadores;

necessidade de educação e de formação a todos os níveis, a par da promoção do espírito empresarial, a fim de garantir empregos estáveis e de alta qualidade, com remunerações adequadas e sustentáveis. Importa igualmente divulgar as boas práticas;

a evolução da conjuntura mundial exige uma política comercial activa e uma supervisão eficaz do mercado, bem como uma Europa que se exprima assumidamente a uma só voz, visando obter condições equitativas de concorrência à escala mundial;

uma economia europeia hipocarbónica e eficiente em termos de recursos deve implicar que a UE exija que as mesmas normas sejam respeitadas pelos seus parceiros comerciais;

salvaguardar o acesso às matérias-primas e a fontes de energia diversificadas.

2.   Introdução

2.1

A «nova visão» da política industrial data de Abril de 2004 (4). Após um longo processo de liberalização e de privatização, continuou a prevalecer uma grande variedade de conceitos nacionais de política industrial.

2.2

Ao nível da UE, ganharam proeminência condições-quadro que reforçavam o sector industrial e realizaram-se análises sectoriais.

2.3

O CESE participou activamente neste processo e em diversos pareceres referiu o interesse renovado do mesmo para os vários sectores e as suas especificidades ao nível da UE (5).

2.4

Desde então, o cenário tem vindo a alterar-se constantemente. Devido à crise económica e financeira, as divergências de opinião em matéria de governação na UE e as disparidades no desempenho industrial dos Estados-Membros estão a afectar a capacidade da Europa para reagir às mudanças.

2.5

Em paralelo, surgiram novos temas e desafios societais, incluindo o envelhecimento da sociedade, a protecção do ambiente e o desenvolvimento sustentável, o acesso à energia, a intensificação da globalização, a sociedade baseada no conhecimento e a sociedade digital, para além de mutações nos mercados de trabalho.

2.6

A inovação está na ordem do dia, inspirada tanto pelos contínuos progressos da investigação e da tecnologia como pelo aumento da concorrência nos mercados nacionais e internacionais.

2.7

Na última década, a escolarização e a formação a todos os níveis assumiu-se gradualmente como uma prioridade.

2.8

Não obstante os progressos evidentes, manteve-se a fragmentação do mercado interno e a ausência de uma orientação bem definida, em parte devido à disparidade de práticas empresariais. A relação entre a conclusão do mercado interno e as políticas industriais é com demasiada frequência ignorada. O CESE tem apelado repetidamente a que sejam criadas condições adequadas, tendo em conta a necessidade de regras por medida para cada sector e questões temáticas que tomem em consideração as redes de valor amplamente ramificadas a nível mundial.

3.   Aspectos novos da comunicação

3.1

A política industrial visa manter uma indústria transformadora robusta na Europa e sensibilizar globalmente a sociedade e as partes interessadas para a necessidade de a Europa avaliar e criar as condições adequadas para que a indústria – transformadora e de serviços – se possa consolidar e florescer nos mercados nacionais e internacionais.

3.2

A política industrial deverá estar à altura do desafio lançado pelas crescentes incertezas e desequilíbrios, bem como pela concorrência feroz e as agendas dos outros actores mundiais, definindo um quadro que assegure uma base industrial forte na Europa, investimento e criação de emprego.

3.3

A política industrial é uma iniciativa emblemática da Estratégia Europa 2020, juntamente com outras iniciativas emblemáticas e domínios importantes, como a inovação, as competências, o comércio e o mercado único. A abordagem holística acentua a necessidade de coordenar eficazmente todas as políticas da UE e de garantir a sua coerência. A coordenação e a coerência, aliadas à transparência e à visibilidade das políticas da UE, têm de apoiar o progresso e a inovação tecnológicos (particularmente ao nível das tecnologias facilitadoras essenciais), as reestruturações, a criação de emprego (6) de qualidade e a presença europeia em mercados internacionais.

3.4

A Comissão propôs um novo instrumento no atinente aos «testes de competitividade» através de um processo de avaliação, que não se deverá ficar pela mera competitividade em termos de preço ou de custo, mas deverá incluir factores de investimento e de inovação.

3.5

Dá-se prioridade à dimensão externa da política industrial europeia, amiúde negligenciada. O mesmo se aplica à atenção crescente de que tem sido alvo o acesso às matérias-primas enquanto condição de base para qualquer política industrial.

3.6

É posta uma tónica renovada numa abordagem horizontal integrada, aliada a aplicações sectoriais e abordagens por medida, bem como à necessidade de ter em conta a interligação dos vários sectores e a interdependência das cadeias específicas de valor e de aprovisionamento (questão crucial para as PME), as redes e pólos, o impacto dos serviços empresariais e o acesso ao financiamento.

3.7

Paralelamente a processos contínuos de mutação e de reestruturação em vastos domínios da indústria europeia, a comunicação destaca novos sectores que registam um aumento nos investimentos e na oferta de trabalho, como a indústria espacial (7), os novos serviços de segurança e as indústrias culturais e criativas.

3.8

O CESE destaca a extrema importância e ambição da proposta da Comissão – baseada no artigo 173.o do Tratado de Lisboa – de publicar relatórios anuais sobre o estado e o desenvolvimento das políticas industriais nacionais, visando reforçar análises comuns e abordagens e políticas definidas por comum acordo.

3.9

O CESE constata com satisfação que o Conselho Competitividade subscreve plenamente o quadro de orientações estratégicas da acção da UE, o que facilitará uma visão partilhada das prioridades. Acima de tudo, o Conselho salienta igualmente a necessidade de coordenação das políticas industriais dos Estados-Membros.

4.   Observações gerais

4.1

Dado o contexto actual, o CESE considera que a comunicação sobre política industrial e as conclusões do Conselho, são extremamente oportunas.

4.2

O facto de a política industrial ser uma iniciativa emblemática da Estratégia Europa 2020 mostra que a Comissão está empenhada em preparar uma estratégia coordenada tanto ao nível da UE como dos Estados-Membros, cujo empenho é crucial e urgente.

4.3

O CESE realça a importância de uma indústria transformadora sustentável e competitiva na Europa, o que requer uma base industrial sólida em ligação com serviços vitais para a indústria. Há fontes qualificadas que destacam a transição gradual ao nível do emprego da indústria transformadora para os serviços ligados à indústria, não apenas em termos dos produtos intermédios mas também dos serviços prestados pelos próprios produtores (8).

4.4

Para forjar o futuro são essenciais políticas fortes: energia inteligente, nanotecnologia e ciências da vida, novos materiais, serviços empresariais e comunicação social, assim como a necessidade de alargar as TIC. A Europa não tem empresas como a Apple ou a Google. A China tem vindo a avançar a passos largos e já está a ultrapassar a Europa em certos domínios.

4.5

A UE precisa urgentemente de uma visão e de um programa para aumentar os investimentos produtivos e a produtividade. Princípios comuns bem definidos de acção na UE e nas Estados-Membros deverão gerar incentivos para a realização de programas de investimento ambiciosos por parte de companhias privadas e de entidades públicas.

4.6

A política industrial precisa de um nível adequado de financiamento privado e público. A redução orçamental em curso deve ser contrabalançada por outros recursos financeiros definidos por comum acordo (9).

4.7

O CESE identifica três temas principais que deverão ser aprofundados nos anos vindouros:

a interligação e a interacção de um vasto leque de políticas horizontais e sectoriais da UE;

a existência comprovada de redes complexas e de processos de produção integrados (10); e

a avaliação e a coordenação reforçada das políticas nacionais ao nível da UE e entre os Estados-Membros.

4.8

Simplificar o planeamento interno e a coordenação no âmbito das instituições da UE e privilegiar uma relação mais próxima entre a UE e os Estados-Membros coloca a melhoria da governação no centro da futura política industrial.

4.9

Os Estados-Membros desenvolvem as suas próprias abordagens e metas a nível industrial. Para que a «nova visão» da política industrial seja bem-sucedida, o Conselho deverá elaborar as conclusões do Conselho Competitividade enquanto base para uma cooperação reforçada.

4.10

O CESE concorda plenamente com a necessidade de uma abordagem holística e integrada. O reforço da interligação das políticas da UE é um conceito importante para uma economia social de mercado na Europa. Deverá conduzir a uma abordagem integrada ao futuro industrial da Europa num mercado interno operacional através de legislação inteligente, da política de I&D e inovação, do acesso ao financiamento, da política energética e hipocarbónica, da política ambiental, da política de transportes, da política da concorrência, da melhoria das aptidões e das competências, da política comercial e assuntos afins, e do acesso às matérias-primas. As abordagens sectoriais permitirão aumentar as potencialidades. Estas questões serão abordadas em comunicações separadas (11).

4.11

O CESE acolhe favoravelmente testes de competitividade eficazes, que deverão ter início numa base selectiva.

4.12

É primordial manter ou mesmo reforçar os recursos financeiros da UE em I&D. Projectos europeus de grande envergadura, nomeadamente no plano energético, e a criação de uma infra-estrutura pan-europeia, em co-financiamento com um ou mais Estados-Membros, deverão produzir efeitos de alavanca.

4.13

Os pólos industriais tendem a emergir nas bacias industriais tradicionais em constante desenvolvimento com base em novos investimentos, na tecnologia e na inovação, em cadeias de valor, nas competências e nas aptidões e em redes regionais e internacionais (12). As regiões desenvolvidas estão na vanguarda da Europa.

4.14

O CESE crê que políticas e acções integradas a nível europeu, aliadas a uma maior transparência e a informação actualizada sobre a evolução das várias situações a nível nacional, contribuirão substancialmente para obter condições equitativas de concorrência e um mercado interno robusto – o cerne da integração europeia.

4.15

Os dados e as análises são cruciais. O CESE felicita a Comissão pelo trabalho analítico detalhado que tem vindo a realizar. As análises exaustivas e a existência de dados rigorosos e comparáveis a nível europeu são indispensáveis para qualquer política. Um acompanhamento e avaliação mais apertados e prospectivos exigem dados fiáveis sobre as tendências dinâmicas mais recentes (13). Não obstante os progressos em curso, há ainda muito por fazer.

4.16

A par das estatísticas nacionais, o Eurostat tem um papel vital a desempenhar. É conveniente que esteja adequadamente equipado para recolher os dados correctos e analisar a evolução das tendências e das dinâmicas europeias e mundiais, devendo ser dotado de meios reforçados para aceder à informação, que deverá estará disponível tão rápida e exaustivamente quanto possível.

5.   Governação ao nível da UE e abordagens horizontais e específicas: sectores e redes de valor

5.1

O agrupamento das actividades da Comissão sob um só conceito põe em relevo a necessidade de descompartimentar para aumentar a visibilidade e a eficácia.

5.2

Embora a política industrial permaneça até certo ponto nacional, a lista de domínios referidos na comunicação ao nível dos quais a UE (a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu) detém responsabilidades de actuação e de intervenção é igualmente impressionante. Neste contexto, o quadro coerente da Estratégia Europa 2020 é promissor.

5.3

O CESE concorda com os objectivos políticos da Comissão. Contudo, o papel específico da Comissão nem sempre está definido com clareza, em parte devido à falta de competências formais numa série de domínios. Em determinados sectores, como o da energia, continuam a prevalecer metas e procedimentos de carácter nacional e as competências da Comissão e dos Estados-Membros não são aplicadas de modo coerente.

5.4

Neste contexto, há que melhorar a autoridade e a eficácia do Conselho Competitividade, que, juntamente com a Comissão, estabelece metas e é responsável pela regulação num amplo leque de matérias.

5.5

O CESE insta o Conselho e a Comissão a estabelecer uma lista operacional de prioridades e o respectivo calendário. Estas prioridades também têm de incluir a infra-estrutura económica, como redes avançadas de transportes, fontes de energia diversificadas e acesso a elas, a agenda digital e as TIC.

5.6

A dimensão externa do mercado interno e o objectivo de condições equitativas de concorrência a nível mundial cada vez mais exigem uma política comercial activa e um corpo diplomático europeu eficaz.

5.7

A indústria está uma vez mais a sofrer mutações fundamentais graças à I&D e à inovação, às alterações na regulamentação e aos mercados internacionais da indústria e dos serviços. Estas transformações afectam todos os sectores. As prioridades, tal como delineadas nos programas de trabalho da UE, devem reflectir as tendências, a fim de assegurar boas condições de enquadramento e incluir uma agenda concreta que forneça orientações e dê segurança aos investimentos industriais. É necessário um quadro regulamentar estável e de longo prazo.

5.8

A relação entre a política industrial e o mercado único é de suma importância. O CESE insiste que, paralelamente a políticas industriais mais específicas, o processo de decisão no Pacto para o Mercado Único reafirme de modo inequívoco o papel da Comissão e da UE e a necessidade de condições equitativas de concorrência a nível europeu.

5.9

O CESE reitera a necessidade de manter o objectivo de afectar 3 % do PIB para despesas de I&D. A redução dos recursos financeiros não deverá prejudicar forças de inovação decisivas.

5.10

Em diversos pareceres, o CESE mostrou-se favorável a grupos sectoriais de alto nível, a plataformas tecnológicas, à promoção de pólos de inovação e à cooperação transfronteiriça entre painéis de investigação e centros de investigação, contando sempre com o financiamento da UE, tendo em vista a eficiência e o valor acrescentado das políticas e dos instrumentos financeiros. Há que desenvolver projectos exemplares e de demonstração.

5.11

Um projecto bem-sucedido é a iniciativa «mercado-piloto» (Lead Market Initiative), que visa a redução de obstáculos a produtos e serviços de seis sectores importantes (14). Do mesmo modo, a UE deveria abraçar novos projectos industriais, como, por exemplo, em matéria de veículos não poluentes e energeticamente eficientes, captura e armazenamento de carbono, redes pan-europeias, empreendimentos espaciais e de tecnologias facilitadoras essenciais.

5.12

O CESE considera a adopção da patente europeia um teste paradigmático à credibilidade da política industrial da UE. Não se conseguindo obter para já uma patente europeia para toda a UE, conviria que pelo menos um número restrito de países avançasse com o projecto.

5.13

Em termos mais gerais, no actual contexto mundial, a protecção dos direitos de propriedade intelectual constitui uma grande prioridade.

5.14

As abordagens especificamente concebidas para os vários sectores são essenciais para assegurar uma regulamentação melhor e mais adequada e para desenvolver os instrumentos e as medidas necessários.

5.15

Todavia, a globalização, a fragmentação transfronteiriça das cadeias de aprovisionamento e a grande interdependência dos vários actores tornam a tradicional abordagem sectorial à indústria menos relevante da perspectiva de elaboração das políticas. Tal não deverá ser entendido como uma negação da existência de alguns problemas muito específicos em determinados sectores, mas estes deverão ser tratados caso a caso numa perspectiva europeia.

5.16

Uma abordagem sectorial flexível permite trocas de pontos de vista frutuosas e constitui uma boa base para o empenhamento das partes interessadas públicas e privadas. Para além da Comissão e dos representantes dos governos, estas incluem empresas, institutos de investigação, o ensino (superior), parceiros sociais, ONG e representantes regionais.

6.   Questões-chave específicas

6.1

A política industrial é um conceito geral e abrange uma série de domínios afins que estão interligados.

6.2

O acesso a financiamento é um problema sério que tem de ser enfrentado com urgência. O CESE regozija-se com a melhoria anunciada das condições transfronteiriças para o capital de risco, bem como com as propostas de criação de obrigações para o financiamento público e privado de projectos europeus nos sectores da energia, transportes e TIC (15). Há que examinar a possibilidade de criar obrigações a favor de projectos noutros domínios, bem como considerar outras medidas, inclusivamente regimes de dedução fiscal.

6.3

As PME têm sido particularmente afectadas pela crise. Há que desenvolver ideias inovadoras para mobilizar o capital privado, como, por exemplo, através do «crowdfunding» (financiamento colectivo). O CESE propõe que a Comissão organize mesas-redondas com partes interessadas externas, a fim de estudar formas e meios de mobilizar capital privado para fins industriais. É necessário levar em conta as práticas a nível mundial e difundir ideias e práticas profícuas.

6.4

O CESE recomenda igualmente encorajar o BEI, juntamente com o FEI, nos seus esforços para desenvolver instrumentos orientados que ajudem ao crescimento das PME europeias.

6.5

O papel do BEI é tão mais importante quanto constitui um exemplo para outros investidores privados, bem como um catalisador para atrair financiamentos adicionais, o que também inclui a promoção de investimentos de longo prazo necessários para o desenvolvimento de processos inovadores. Há que introduzir critérios sociais e ambientais nos empréstimos do BEI, com avaliações ex-post do impacto da sua despesa na indústria europeia em geral e com vista à consecução dos objectivos da UE.

6.6

No tocante ao PQ7 e ao PQ8, o CESE congratula-se com a atenção crescente que a Comissão tem vindo a dar a projectos industriais inovadores e na cooperação (transfronteiriça).

6.7

Actualmente, o financiamento europeu em I&D orienta-se para a difusão e o aprofundamento do conhecimento. Há que apoiar projectos consentâneos com os pontos de vista das plataformas tecnológicas da UE e do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (IET) (16). O CESE preconiza uma maior simplificação ao nível da aplicação. Os financiamentos da UE deveriam ser investidos de modo orientado, por forma a gerar um efeito de multiplicação de investimentos públicos e/ou privados.

6.8

Tal implica que tanto o PQ8 como a investigação fundamental sejam norteados por objectivos de política industrial. Em todo o caso, para projectos industriais de larga escala é necessária uma coordenação efectiva entre os financiamentos comunitários (centralizados) e os nacionais.

6.9

O mesmo se aplica ao PCI, o Programa para a Competitividade e a Inovação para as PME no domínio da energia, das TIC e do empreendedorismo.

6.10

Há que repensar o desenvolvimento nas regiões monoindustriais, a fim de encorajar a diversificação industrial de um modo mais eficaz. O desenvolvimento sustentável será apoiado pelo financiamento europeu de projectos hipocarbónicos e ambientais.

6.11

A relação entre a inovação e a política industrial é por demais evidente. A inovação é um domínio muito amplo que também abrange aspectos de natureza não técnica. As iniciativas emblemáticas da inovação e da política industrial, enquanto parcerias para a inovação, partilham em larga medida, e a justo título, os mesmos objectivos e o mesmo enfoque, o que contribuirá para uma maior eficiência e visibilidade.

6.12

Há que evitar uma potencial desindustrialização, reforçando a ligação entre a inovação e a indústria (17), nomeadamente pondo a tónica nas tecnologias facilitadoras essenciais. É necessário melhorar as condições para as indústrias assentes na investigação científica.

6.13

A política de investigação e inovação a nível nacional e europeu está intimamente ligada à política industrial, em particular num contexto de reduções orçamentais e face aos esforços que estão a ser desenvolvidos noutros continentes nesta matéria. É igualmente preocupante a redução e a transparência para o exterior das despesas de investigação das empresas.

6.14

A conversão dos resultados da investigação e da ciência em produtos mediante tecnologia aplicada continua a ser um ponto fraco em toda a Europa. Embora a investigação fundamental continue a ser crucial, o CESE frisa a necessidade de uma transição mais eficaz, sustentável e rápida dos resultados obtidos em laboratório para a economia real.

6.15

Os objectivos no processo de transição para uma economia hipocarbónica e de baixo consumo energético podem gerar oportunidades adicionais de inovação pioneira.

6.16

A melhoria da coordenação inter e intra cadeias do conhecimento deveria constituir uma prioridade e ser debatida por todas as partes interessadas do sector público e privado, a fim de colmatar lacunas e promover valor acrescentado e eficácia.

6.17

As universidades ainda não desempenham em pleno o seu papel enquanto parte integrante do triângulo do conhecimento. Há que pôr a tónica em redes abertas e transfronteiriças entre as universidades e a indústria, cabendo à UE velar pela sua promoção.

6.18

O capítulo social da Estratégia Europa 2020 abrange diversos elementos. A criação de emprego através de investimentos privados, da cadeia de aprovisionamento e valor e das PME é crucial. Este objectivo também contribuiria para uma maior aceitação da estratégia por parte da opinião pública.

6.19

Há que promover o envolvimento e a participação dos trabalhadores. O CESE destaca a necessidade de diálogo social efectivo e de promover objectivos e compromissos comuns nesta era de mutações dinâmicas. O diálogo social também é necessário para avançar soluções socialmente aceitáveis e incutir confiança nas transformações económicas. Além disso, deve promover a sensibilização e a aceitação por parte dos cidadãos.

6.20

Todos os Estados-Membros têm as suas próprias tradições neste domínio. No entender do CESE, a participação e o envolvimento dos trabalhadores deve realizar-se a nível empresarial, regional, nacional e europeu, para promover uma visão de futuro e contribuir para a mudança. Ao nível da UE, os diálogos sociais sectoriais são um instrumento extremamente valioso que a Comissão deve continuar a apoiar e promover onde não exista ainda.

6.21

A educação e a formação a todos os níveis estão no topo da lista. As análises do mercado de trabalho (a nível sectorial) devem constituir uma base para as orientações dos programas de ensino, tendo em vista as necessidades em matéria de competências profissionais a médio e longo prazo. Há que eliminar as disparidades de género. Em algumas áreas, como nas engenharias e em profissões técnicas, o desfasamento entre a oferta e a procura no mercado de trabalho é preocupante. Há que promover o espírito empresarial.

6.22

É necessário estabelecer orientações e divulgar boas práticas para elaborar os programas de ensino (superior) (18). O CESE exorta a Comissão a reforçar o seu empenho neste domínio.

6.23

A evolução da conjuntura mundial exige uma política comercial europeia activa. Tem-se vindo a atenuar a divisão do trabalho entre países de «alto valor» e países de «baixo valor». Estão a dar-se progressos fundamentais a grande ritmo nos planos económico e social, em particular na Ásia. A obtenção de condições equitativas de concorrência à escala mundial é, por conseguinte, ainda mais importante, nomeadamente ao nível das normas ambientais e sociais, da reciprocidade do acesso ao mercado e da propriedade intelectual (19).

6.24

O CESE preconiza que todas as decisões a nível europeu, assim como a avaliação de legislação futura, tenham em conta a questão das condições equitativas de concorrência à escala mundial. Em simultâneo, urge criar na UE mecanismos mais eficazes de controlo e de supervisão do mercado. As competências dos controlos aduaneiros devem ser reforçadas.

6.25

Neste domínio, há que não subestimar a relevância da normalização enquanto importante instrumento no mercado único. As empresas americanas e chinesas amiúde se conformam espontaneamente a tais normas, dado o seu papel pioneiro a nível mundial.

6.26

O CESE destaca a ligação entre a política industrial, a política comercial e outras questões afins. Urge eliminar os entraves artificiais ao comércio e ao investimento noutras partes do mundo. As negociações nestas matérias podem ir para além do quadro da OMC e têm de ser realizadas no âmbito de quadros bilaterais ou de outros quadros multilaterais. A dimensão externa da política industrial implica que a UE fale a uma só voz em fóruns económicos internacionais (20).

6.27

A UE tem de combater agressivamente as restrições no acesso às matérias-primas que são impostas por parceiros comerciais. O CESE congratula-se com as recomendações de acção em matéria de preços de matérias-primas e de consolidação do mercado no sector mineiro. Há que enfrentar igualmente a questão da especulação nos mercados de produtos de base.

6.28

Os instrumentos políticos deveriam ser examinados cuidadosamente e definidos de acordo com o seu impacto na competitividade da indústria, sem prejuízo para os objectivos e normas da UE em matéria de ambiente e de clima (21). Uma economia hipocarbónica e eficiente em termos de recursos na Europa deveria pressupor que a UE exigisse aos seus parceiros comerciais a concretização das mesmas normas (22). Os acordos multilaterais são a solução preferível. Há que evitar sanções comerciais.

6.29

No atinente às normas sociais, o CESE invoca as declarações da OIT sobre as normas laborais fundamentais de 1998 sobre discriminação, trabalho infantil e trabalho forçado, bem como sobre a liberdade dos sindicatos e a negociação colectiva (23). As convenções da OIT são mais concretas, mas há países que não as subscreveram ou não as aplicaram.

6.30

A responsabilidade social das empresas (RSE) tem de ser praticada internacionalmente com base nas declarações da OIT e nas directrizes da OCDE, para além de outros instrumentos amplamente reconhecidos a nível internacional (24). As empresas estão a começar a utilizar a RSE como um rótulo para melhorar a sua imagem.

7.   Relação entre as políticas industriais nacionais e a UE

7.1

Apesar de diferenças de Estado para Estado, a economia americana funciona com um mercado único e um governo central, o mesmo se aplicando à China e a outros países.

7.2

Ao invés, na Europa, todos os Estados-Membros possuem a sua própria política industrial (25). O padrão varia muito devido à heterogeneidade de estruturas e tradições nacionais ao nível dos processos de decisão, das relações específicas entre os sectores público e privado, das estruturas económicas e das vantagens comparativas. Ademais, a actual crise poderá gerar a tentação de exercer um proteccionismo camuflado.

7.3

Devido a todas estas disparidades, o rendimento em termos de crescimento económico e de emprego nos Estados-Membros varia muito. O Conselho destaca as vantagens dos relatórios anuais sobre o desenvolvimento da política industrial a nível nacional. Dado o conjunto limitado de competências da Comissão nesta matéria, trata-se de um trabalho que está longe de ser fácil.

7.4

O principal objectivo da Estratégia Europa 2020 é aproximar a UE dos Estados-Membros. Os relatórios da Comissão podem constituir uma componente adicional da governação da UE. A transparência, os exemplos de sucesso e as boas práticas podem levar a uma convergência positiva das atitudes em termos de governação. Deverão gerar debates no Conselho sobre os vários conceitos e os seus resultados práticos.

7.5

Como é evidente, cada Estado-Membro é livre de definir os seus pontos fortes e produzir conhecimento e outras infra-estruturas, se as suas acções estiverem em consonância com a legislação europeia. As plataformas de debate sobre as várias experiências podem fomentar a cooperação entre grupos de Estados-Membros.

7.6

O acompanhamento e a avaliação dos desempenhos nacionais podem gerar novas oportunidades entre governos, entre governos e a Comissão e, é claro, para as empresas – em particular, para o enorme número de PME apostadas na internacionalização.

7.7

Há diversos países que possuem plataformas de inovação com metas nacionais, que raramente vão ao encontro dos objectivos europeus comuns. O CESE preconiza que se examine de que forma é que as abordagens transfronteiriças poderiam aumentar a eficácia. Há que divulgar e debater as boas práticas.

7.8

Os relatórios anuais devem analisar a coerência da política industrial da UE e das políticas nacionais. Recentemente, alguns Estados-Membros, como a Alemanha, a França, o Reino Unido, a Espanha e os Países Baixos, também publicaram documentos políticos sobre as respectivas políticas nacionais (26). A sua ligação aos objectivos e acções europeus permanece, no entanto, escassa. O CESE recomenda à Comissão que, no seu próximo relatório anual, analise estes relatórios nacionais de uma perspectiva europeia.

7.9

Também se estão a intensificar as trocas de pontos de vista entre Estados-Membros acerca das políticas industriais desejáveis. Dever-se-iam difundir por toda a União as práticas deste tipo, bem como os resultados operacionais, a fim de que as perspectivas de carácter estritamente nacional possam dar lugar a perspectivas mais alargadas.

7.10

As regiões e as áreas metropolitanas também deverão adoptar tais práticas. Há que torná-las aptas a desenvolver pólos e a reforçar a cooperação entre o ensino, os centros de conhecimento e a indústria (por exemplo, através do desenvolvimento de redes regionais sectoriais).

7.11

A avaliação da Comissão deve abarcar os desempenhos e as práticas em domínios específicos como a contratação pública – 17 % do PIB –, ao nível da qual, segundo estudos e contrariamente às directivas da UE, ainda prevalecem objectivos industriais nacionais.

7.12

Um caso especial é o equipamento militar, que é amiúde descurado. A redução dos orçamentos tem muitas vezes um efeito negativo nas despesas militares. Os estudos independentes têm de lançar as bases para uma melhor relação custo-benefício.

7.13

A este respeito, o CESE sublinha a necessidade de eliminar entraves na UE, bem como de desenvolver cadeias de aprovisionamento transfronteiriças competitivas. Há que promover efeitos induzidos e efeitos derivados entre a produção militar e a produção civil. Em paralelo, urge prever uma harmonização europeia das licenças de exportação.

7.14

Os serviços públicos são um outro domínio interessante. Com base numa análise da Comissão, é necessário promover uma maior abertura à cooperação transfronteiriça e/ou às boas práticas.

7.15

Os estudos da UE podem produzir dados relevantes sobre a qualidade de uma vasta gama de condições nos Estados-Membros. Há que encorajar a simplificação das práticas administrativas (sem prejuízo da segurança dos produtos e da defesa do consumidor) e a redução dos encargos financeiros (27). Em alguns países e domínios, estes processos estão já em curso.

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Conclusões adoptadas pelo Conselho (Competitividade) de 10 de Dezembro de 2010 (ref.a 17838/10). Em 4 de Fevereiro de 2011, os primeiros trabalhos do Conselho Europeu em matéria de energia e promoção da inovação foram promissores.

(2)  Ver Análise Anual do Crescimento, n.o 9 – COM(2011) 11 final.

(3)  Programa-Quadro para a Competitividade e a Inovação.

(4)  COM(2004) 274 final.

(5)  Os pareceres do CESE relevantes podem ser consultados em: http://www.eesc.europa.eu/?i=portal.en.enterprises-and-industry.

(6)  Ver o parecer do CESE sobre «Locais de Trabalho Inovadores: Fonte de produtividade e de emprego de qualidade», adoptado em 18.3.2011 (ainda não publicado no Jornal Oficial), em especial o ponto 2.6.

(7)  O CESE sublinha a relevância particular das indústrias do sector espacial para o desenvolvimento das zonas rurais e remotas.

(8)  Ver, entre outros, Les secteurs créateurs d'emploi à court-moyen terme après la crise [Os sectores criadores de emprego a curto e médio prazo após a crise] (Centre d'analyse stratégique junto do Gabinete do Primeiro-Ministro francês, Novembro de 2010).

(9)  A Alemanha, por exemplo, aumentou recentemente o orçamento para a inovação em 20 %.

(10)  Ver o parecer do CESE sobre o «Desenvolvimento da cadeia de valor e de aprovisionamento num contexto europeu e global» (JO C 168 de 20.7.2007, p. 1).

(11)  O primeiro exemplo da aplicação deste método é a LeaderSHIP 2015, uma estratégia lançada em 2005 para o sector da construção naval europeia.

(12)  Refiram-se, a título ilustrativo, os progressos realizados em algumas regiões e áreas metropolitanas europeias, onde há estruturas industriais antiquadas que estão a dar lugar a investimentos orientados para o futuro e a um novo dinamismo.

(13)  O CESE já o preconizara anteriormente num Relatório de Informação intitulado Estudo sectorial sobre deslocalizações (2006), que demonstrava de modo irrefutável a existência de erros na comparabilidade dos dados utilizados pela Comissão.

(14)  A iniciativa «mercado-piloto» identificou os seguintes mercados: saúde em linha, têxteis de protecção, construção sustentável, reciclagem, produtos de base biológica e energias renováveis.

(15)  Ver nota 2.

(16)  Estão em curso as primeiras três Comunidades de Conhecimento e Inovação (CCI).

(17)  Ver, entre outros, The de-industrialisation of Europe. There is no more time to lose! [A desindustrialização da Europa. Já não há tempo a perder!], Académie Royale de Belgique, 2010.

(18)  Ver o parecer do CESE sobre «Universidades para a Europa» (JO C 128 de 18.5.2010, p. 48).

(19)  Ver a comunicação sobre a União da Inovação – COM(2010) 1268 final.

(20)  Ver os pareceres do CESE sobre a «Vertente externa da política industrial europeia – A política comercial da UE toma correctamente em conta os interesses da indústria europeia?» (Ver página 25 do presente Jornal Oficial) e JO C 128 de 18.5.2010, p. 41.

(21)  Ver o parecer do CESE sobre «O impacto da evolução actual dos mercados da energia nas cadeias de valor da indústria europeia» (JO C 77 de 31.3.2009, p. 88), especialmente o ponto 1.6.

(22)  Ver o parecer do CESE sobre «O impacto dos acordos internacionais para redução das emissões de gases com efeito de estufa nos processos de mutação industrial na Europa » (JO C 185 de 8.8.2006, p. 62).

(23)  Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho (1998).

(24)  São de destacar as iniciativas Pacto Mundial (Global Compact) da ONU e as Normas Internacionais de Informação Financeira. (NIIF, entre as quais as Normas Internacionais de Contabilidade). São igualmente relevantes as orientações da ONU em matéria de empresas e direitos humanos, redigidas por John Ruggie.

(25)  Com algum exagero, isto equivale a 27 políticas industriais e de inovação.

(26)  São de destacar os seguintes: Germany as a competitive industrial nation (Alemanha); Feuilles de route des comités stratégiques de filière (França); Growth Agenda (Reino Unido, seguir-se-á em breve um programa detalhado), Plan Integral de Política Industrial 2020 (Espanha); Naar de top: de hoofdlijnen van het nieuwe bedrijfslevenbeleid (Países Baixos).

(27)  Grupo Stoiber.


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/46


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à aplicação eficaz da supervisão orçamental na área do euro»

[COM(2010) 524 final — 2010/0278 (COD)]

2011/C 218/08

Relator: Vincent FARRUGIA

Em 6 de Dezembro de 2010, o Conselho decidiu, nos termos dos artigos 136.o e 121.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à aplicação eficaz da supervisão orçamental na área do euro

COM(2010) 524 final — 2010/0278 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 8 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 139 votos a favor, 10 votos contra e 33 abstenções o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE reconhece que é necessária uma reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) para resolver os problemas provocados pela crise de 2008, bem como problemas de longa data que já eram patentes antes da crise. Além disso, o CESE salienta que o PEC não permitiu prevenir e conter os desequilíbrios fiscais devidos a outras causas, incluindo desequilíbrios macroeconómicos e insuficiências ao nível das práticas e da regulamentação dos sectores bancário e financeiro.

1.2   Embora acolha favoravelmente a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à aplicação eficaz da supervisão orçamental na área do euro, que considera um passo na direcção de uma reforma que se impõe, o CESE chama a atenção para a necessidade de uma revisão adequada dos elementos das vertentes preventiva e correctiva nela incluídos.

1.3   O CESE entende que as regras orçamentais devem ter devidamente em conta:

a questão da qualidade das actividades fiscais, no que toca à melhoria do contributo dos mecanismos da receita e da despesa para o lado da oferta da economia;

que a melhor maneira de garantir a sustentabilidade das situações orçamentais e financeiras é uma maior ênfase na prevenção, mais do que em medidas correctivas;

que os mecanismos baseados em incentivos têm mais probabilidades de êxito do que os mecanismos assentes apenas em medidas punitivas.

Este ponto de vista não menoscaba a importância das medidas correctivas, essenciais para promover a disciplina orçamental.

1.3.1   Esta abordagem é considerada consentânea com o objectivo da Estratégia Europa 2020 de um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo.

1.4   No que respeita à vertente preventiva, e de acordo com os objectivos definidos na Análise Anual do Crescimento, a Comissão propõe que a fixação de metas numéricas para os resultados orçamentais se baseie num sistema duplo, com uma abordagem do topo para a base e outra da base para o topo. A primeira centra-se na fixação de um objectivo para o esforço de consolidação orçamental requerido para toda a área do euro, ao passo que a segunda contempla a distribuição desse esforço por acções a levar a cabo por cada Estado-Membro. Isto reforçaria, através de uma abordagem formal, os esforços da Comissão de ter mais devidamente em conta as especificidades nacionais na aplicação do PEC.

1.5   Nesta abordagem, os benefícios decorrentes da credibilidade associada a uma união monetária podem exigir dos Estados-Membros esforços adicionais de consolidação orçamental proporcionais à sua dimensão relativa e à sua capacidade de realizar tais esforços.

1.6   O CESE sugere ainda que a imposição de depósitos remunerados, depósitos não remunerados e sanções seja efectuada de modo a que eles sejam financiados directamente, e antes de mais, através da correcção dos elementos das políticas que estejam a dar origem a uma situação orçamental insustentável. Esta seria determinada mediante uma avaliação dos desvios dos elementos da despesa e da receita em relação à via da convergência determinada através da vertente preventiva. Além disso, o seu valor seria calculado a partir do valor dos elementos da despesa e/ou da receita que possam ser considerados como causadores directos da insustentabilidade da política orçamental. Isto permitiria melhorar a qualidade da política orçamental.

1.7   Sugere-se ainda que as sanções aplicadas no âmbito da vertente correctiva sejam sempre acompanhadas de uma avaliação de impacto rigorosa, para que o seu efeito se traduza numa melhoria da qualidade das políticas orçamentais.

1.8   Para alcançar um equilíbrio entre os incentivos e as sanções na vertente correctiva, o CESE propõe que os depósitos remunerados e não remunerados possam ser obtidos pelo Estado-Membro em causa sempre que seja conseguida uma redução da dívida pública pelo menos equivalente aos juros e susceptível de ser sustentável no futuro. As sanções, por seu turno, serão orientadas para o Mecanismo Europeu de Estabilidade.

1.9   O CESE está convicto de que uma reforma adequada da supervisão orçamental será essencial para reforçar a governação e restabelecer a credibilidade da área do euro.

2.   Execução eficaz da supervisão orçamental na área do euro

2.1   A crise financeira e económica global de 2008 provocou um aumento significativo dos défices orçamentais e da dívida pública. Esses défices agravaram preocupações de há mais longa data quanto à sustentabilidade financeira. O desempenho orçamental assimétrico dos Estados-Membros – havendo, em alguns casos, uma possibilidade real de incumprimento da dívida –, associado à insuficiência da coordenação orçamental e dos mecanismos de compensação, é outro grande desafio. A esses receios juntam-se as lacunas dos sistemas financeiros e bancários e das infra-estruturas de regulação, associadas à possibilidade de incumprimento da dívida.

2.2   O PEC, um conjunto de regras para a coordenação das políticas orçamentais nacionais no âmbito da União Económica e Monetária, foi instituído com o objectivo específico de fomentar a disciplina orçamental, mas a experiência recente pôs a descoberto lacunas e fragilidades do sistema que podem comprometer seriamente a estabilidade do euro. Deu-se assim início a um debate sobre a importância da governação económica da UE (1), na sequência do qual a Comissão apresentou, em Setembro de 2010, um pacote legislativo desdobrado em seis comunicações. O pacote é constituído por:

Um reforço do PEC com a introdução de um princípio de prudência na política orçamental (2),

A prevenção e a correcção dos desequilíbrios macroeconómicos (3),

A instituição de quadros orçamentais nacionais de qualidade (4) e

Uma execução mais rigorosa (5).

2.3   O presente parecer centra-se especificamente nas medidas de execução constantes da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à aplicação eficaz da supervisão orçamental na área do euro (6). Note-se que o CESE também está a elaborar um projecto de parecer sobre o documento COM(2010) 527 final (7).

3.   Contexto

3.1   O principal instrumento de coordenação e supervisão das políticas orçamentais na área do euro é o PEC, que aplica as disposições do Tratado em matéria de disciplina orçamental. Em Junho de 2010, o Conselho Europeu chegou a acordo sobre a necessidade urgente de reforçar a coordenação das políticas económicas e, mais concretamente, quanto ao seguinte:

(i)

reforço das vertentes preventiva e correctiva do PEC – incluindo a aplicação de sanções – tomando em devida consideração a situação específica de cada Estado-Membro da área do euro;

(ii)

atribuição, no âmbito da supervisão orçamental, de um papel muito mais relevante aos níveis e à evolução da dívida e à sustentabilidade em geral;

(iii)

garantia de que todos os Estados-Membros têm, a nível nacional, regras e quadros orçamentais de médio prazo consentâneos com o PEC;

(iv)

garantia da qualidade dos dados estatísticos.

3.2   No que respeita à execução eficaz da supervisão orçamental na área do euro, a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho visa a introdução de novas alterações nos regulamentos (CE) n.os 1466/97 e 1467/97, que lançaram as bases do PEC (8). O regulamento proposto procura, sobretudo, consolidar a vertente preventiva e reforçar a vertente correctiva do PEC.

3.2.1   No que respeita à vertente preventiva, a proposta de regulamento refere que o actual objectivo orçamental a médio prazo (OMP), indicado nos programas de estabilidade e convergência, e o requisito da convergência anual de 0,5 % do PIB serão mantidos, mas tornar-se-ão operativos graças à introdução de um novo princípio de prudência na política orçamental. De acordo com a proposta, esse princípio implica que o ritmo de crescimento anual da despesa não deverá exceder uma taxa prudente de crescimento do PIB a médio prazo, salvo se o excesso for compensado por um aumento da receita pública ou se uma eventual redução discricionária da receita for contrabalançada pela diminuição da despesa. Em caso de desvio em relação à política orçamental prudente, a Comissão emitirá uma recomendação baseada num mecanismo de execução criado ao abrigo do artigo 136.o do Tratado, impondo um depósito remunerado de valor equivalente a 0,2 % do PIB.

3.2.2   A vertente correctiva está associada à obrigação dos Estados-Membros da área do euro de evitarem défices e dívidas que excedam os limiares numéricos de 3 % e 60 % do PIB, respectivamente, sendo que, no caso da dívida, também se considera aceitável uma redução sensível que a aproxime de um valor que respeite o critério da dívida.

3.2.2.1   A proposta da Comissão reconhece que a importância central dada ao equilíbrio orçamental anual pode levar a uma concentração excessiva em considerações de curto prazo, e que a dívida merece mais atenção como indicador da sustentabilidade orçamental a longo prazo.

3.2.2.2   O regulamento proposto prevê, relativamente à vertente correctiva, que as medidas de execução sejam reforçadas com a introdução de um novo conjunto de sanções financeiras aplicáveis aos Estados-Membros da área do euro, que serão impostas numa fase mais precoce do processo e de forma gradual. Quando se declarar que um determinado país apresenta um défice excessivo, será exigida a constituição de um depósito não remunerado de valor equivalente a 0,2 % do PIB. Em caso de incumprimento, o depósito será convertido em multa.

3.2.3   A Comissão propõe que os aspectos operacionais da execução, tanto da vertente preventiva como da correctiva, fiquem sujeitos a um procedimento de votação invertida, nos termos do qual a Comissão recomendará ao Conselho que intime o Estado-Membro em causa a constituir o depósito. Essa recomendação mantém-se salvo se o Conselho deliberar em contrário por maioria qualificada e no prazo de dez dias a partir da data da apresentação da recomendação.

3.2.4   A proposta de regulamento dispõe que o Conselho pode reduzir o montante do depósito por unanimidade com base ou em circunstâncias excepcionais ou num pedido fundamentado apresentado pelo Estado-Membro em causa. No caso da vertente preventiva, uma vez o Conselho satisfeito com a forma como o Estado-Membro resolveu a situação, o depósito, acrescido dos juros vencidos, será devolvido ao Estado-Membro em questão. No caso da vertente correctiva, a proposta de regulamento dispõe que o depósito não remunerado é liberado após correcção da situação de défice excessivo, mas os juros vencidos e o montante das multas cobradas serão distribuídos pelos Estados-Membros da área do euro que não tenham défices excessivos nem estejam sujeitos a procedimentos relativos a desequilíbrios excessivos.

3.2.5   A proposta enquadra-se no âmbito de uma tendência no sentido de uma avaliação macroeconómica mais ampla, que inclua o apuramento de desequilíbrios estruturais com efeitos negativos para a competitividade. Neste sentido, foram também publicadas uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às medidas de execução para corrigir os desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro (9) e uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre prevenção e correcção dos desequilíbrios macroeconómicos (10).

3.3   Uma supervisão orçamental eficaz na área do euro deve andar a par com uma atenção especial aos quadros orçamentais nacionais.

3.4   Estas propostas inserem-se numa reforma mais ampla da governação económica, que foi impulsionada na sequência da fixação dos objectivos da Estratégia Europa 2020. Prevê-se que a coordenação das políticas económicas, que integra a supervisão da situação orçamental através da verificação do cumprimento das regras orçamentais e das reformas estruturais, seja incluída no Semestre Europeu, que define um período durante o qual as políticas orçamentais e estruturais dos Estados-Membros serão analisadas tendo em vista a detecção de eventuais incongruências e desequilíbrios emergentes, e o reforço da coordenação, enquanto se encontram ainda em preparação decisões orçamentais de grande importância (11).

4.   Observações na generalidade

4.1   As reformas do PEC tendentes a corrigir as fragilidades do sistema são necessárias dadas quer as debilidades que se manifestaram com a emergência da crise excepcional de 2008, quer os problemas que já antes eram evidentes.

4.2   Com efeito, já vários anos antes da crise vários países da área do euro mantinham défices orçamentais acima do valor de referência de 3 % e estavam a aumentar os rácios da dívida pública (12). A emergência da crise financeira e económica redundou numa significativa deterioração da situação orçamental, de tal modo que se estima que, na área do euro, o défice orçamental médio e o rácio da dívida pública se tenham fixado, no final de 2010, em 6,3 % e 84,1 % do PIB, respectivamente (13). O PEC não foi concebido para prevenir esses desequilíbrios, que em muitos casos se deveram igualmente a fortes tensões na situação macroeconómica e financeira global.

4.3   Há duas observações fundamentais a fazer a respeito do PEC. A primeira diz respeito aos aperfeiçoamentos que podem ser introduzidos no mecanismo de execução. A segunda tem a ver com a confiança excessiva no critério do défice orçamental e o relativo esquecimento a que foi votada a questão da dívida. O ciclo económico não foi suficientemente tido em conta na aplicação do PEC.

4.3.1   No que respeita ao incumprimento, foram vários os países que, ao longo dos anos, violaram tanto o critério do défice como o da dívida. A não aplicação de sanções favoreceu práticas orçamentais que descuravam quer a sustentabilidade orçamental dos Estados-Membros que as adoptaram, quer o impacto de uma política orçamental insustentável de qualquer Estado-Membro da UEM no conjunto desta. O incumprimento que se verificou no passado fragilizou o PEC e reduziu a sua credibilidade.

4.3.1.1   Espera-se que as reformas das vertentes preventiva e correctiva do Pacto, que incluirão um conjunto de novas e mais severas sanções financeiras, corrijam esta falha. Falta, porém, saber até que ponto as medidas de execução serão efectivamente aplicadas.

4.3.1.2   Num certo sentido, poder-se-á afirmar que a adopção de um pacote ineficaz seria, neste momento, um risco demasiado elevado. Os mercados financeiros seguirão com redobrada e inusitada atenção a evolução dos equilíbrios orçamentais e macroeconómicos nos países da área do euro. A falta de credibilidade das medidas de execução ditará o fracasso do PEC, afectando seriamente a estabilidade da área do euro.

4.3.1.3   Importa igualmente ter em conta o facto de as propostas de reforço da supervisão estarem a ser adoptadas no rescaldo de uma crise sem precedentes, num momento em que continua a registar-se um fraco crescimento económico. Os governos viram-se obrigados a intervir para evitar o colapso total do sistema financeiro, injectando dinheiro nos bancos. Também tiveram de agir para minimizar os custos sociais e económicos da crise.

4.3.2   Quanto à confiança excessiva no critério do défice, é notório que a revisão do PEC feita em 2005 procurou recentrá-lo nos défices estruturais, de modo a ter em conta a situação cíclica de cada Estado-Membro. Não obstante, a disciplina orçamental numa perspectiva de longo prazo não foi contemplada. O destaque acrescido dado ao critério da dívida corrigirá, em certa medida, esta falha.

4.3.2.1   Em todo o caso, o mecanismo deve ter em conta as razões subjacentes à acumulação da dívida. A dívida contraída para financiar projectos públicos de elevada rentabilidade económica e social não pode ser equiparada à que se destina a cobrir despesas de baixa rentabilidade.

4.3.2.2   Embora se preveja que a reforma dos mecanismos de supervisão tenha em conta as especificidades de cada país, nomeadamente a composição da dívida, os riscos associados à estrutura da dívida, o endividamento do sector privado e as responsabilidades relacionadas com o envelhecimento da população, seria igualmente importante fazer a distinção entre dívida externa e dívida interna, já que esta última concorre para a estabilidade macroeconómica.

4.3.2.3   Outra crítica ao mecanismo de supervisão prende-se com a importância atribuída a certos valores de referência, que são essencialmente arbitrários (14). Não obstante, é reconhecido que a adopção de valores de referência tem vantagens importantes em termos de simplificação, transparência e eficiência da governação.

4.3.2.4   Por outro lado, a divergência de alguns Estados-Membros em relação a esses valores indica até que ponto a convergência é difícil na UE. É desejável uma rápida convergência entre os diferentes países e o destaque recentemente dado pelo Conselho Europeu a este assunto é justificado. Por outro lado, isso exige um equilíbrio delicado a nível de cada país entre o empenho na disciplina orçamental e as necessidades específicas de reestruturação, investimento e crescimento, que podem justificar a concessão de apoios orçamentais.

4.4   Importa reiterar que a sustentabilidade orçamental não pode ser avaliada independentemente dos desequilíbrios macroeconómicos. Justifica-se, por isso, uma supervisão macroeconómica mais alargada para acompanhar a correcção dos desequilíbrios.

4.5   Os motivos que aconselham a criação de quadros orçamentais nacionais em complemento do PEC assentam no reconhecimento de que, apesar de a disciplina orçamental ser uma preocupação comum a todos os países da área do euro, a definição da política orçamental compete aos órgãos legislativos nacionais.

4.5.1   Até que ponto pode uma abordagem mais descentralizada da disciplina orçamental pode ser seguida dependeria, em última análise, de alterações significativas do Tratado, que submeteriam o interesse nacional aos interesses comuns, mas também pode resultar de disposições mais flexíveis acordadas pelo Estado-Membro. Se estas alterações não forem feitas, é provável que haja uma tendência para promover o interesse nacional, por muito importantes que sejam os interesses comuns (15). Por isso, é importante examinar o papel que as regras de responsabilidade orçamental a nível nacional podem assumir na promoção da disciplina orçamental, promovendo, através da sua aplicação com êxito, a sustentabilidade fiscal em toda a área do euro.

5.   Observações na especialidade

5.1   Embora os objectivos do regulamento proposto, baseados no reforço do PEC com instrumentos que facilitam uma aplicação eficaz, sejam louváveis, há determinados detalhes das vertentes preventiva e correctiva do Pacto que, no entender do CESE, devem ser tidos em conta.

5.2   O objectivo da despesa, descrito na vertente preventiva e baseado numa taxa prudente de crescimento do PIB a médio prazo, não tem em conta a composição da despesa pública, embora um objectivo global quanto à despesa seja útil no interesse da simplificação e da eficiência da governação. O mesmo acontece com as regras orçamentais, que se centram apenas em indicadores globais como os critérios do défice e da dívida. Estes critérios não têm em consideração o crescimento a longo prazo do lado da oferta induzido por algumas categorias da despesa pública e pela melhoria da qualidade da despesa orçamental e dos mecanismos geradores de receitas em geral.

5.2.1   Por conseguinte, é necessário dar muito maior destaque à qualidade das finanças públicas através de uma avaliação da composição e eficácia da despesa pública. Isto pode ser especialmente importante para o investimento no capital humano através de despesas com a educação e a saúde, com a investigação e o desenvolvimento, com infra-estruturas públicas e com o desenvolvimento de instituições (16)  (17). Assim, propõe-se que este tipo de despesa fique excluído do limite de despesas, sobretudo quando seja financiado por programas da UE e co-financiado a nível nacional. A fim de preservar a qualidade das despesas sociais, os elementos não discricionários dos subsídios de desemprego também deveriam ficar excluídos. Além disso, a concretização dos objectivos orçamentais deve estar inteiramente de acordo com os objectivos da Estratégia Europa 2020 de um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, e o alcance desses objectivos pode implicar mais despesas estatais (18).

5.2.2   Para evitar a incerteza da regulamentação, o CESE propõe igualmente uma definição clara dos termos «política orçamental prudente», «taxa prudente de crescimento a médio prazo do PIB» e «circunstâncias excepcionais».

5.3   O mecanismo de execução deve ser accionado não apenas devido a desvios dos valores numéricos, mas também tendo em conta considerações de ordem mais ampla, nomeadamente em relação às condições económicas, políticas e sociais que prevalecem no Estado-Membro. Esta proposta destina-se não a enfraquecer o mecanismo de prevenção, mas sim a permitir que sejam tidas em conta as condições específicas em cada país da área do euro. Isto é congruente com a proposta de regulamento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos, segundo o qual, uma vez accionado o mecanismo de alerta, deve ser feita uma análise completa do Estado-Membro em questão.

5.4   Sugere-se ainda que a imposição de depósitos remunerados, depósitos não remunerados e multas seja sempre efectuada de modo a que os mesmos sejam directamente financiados mediante uma correcção dos elementos das políticas que estejam a dar origem a uma situação orçamental imprudente e insustentável determinada com base nos desvios às disposições da vertente preventiva. Além disso, o seu valor seria calculado a partir do valor dos elementos da despesa e/ou da receita que possam ser considerados como causadores directos da insustentabilidade da política orçamental. Esta abordagem evitaria o risco de os depósitos e as multas serem financiados através das despesas públicas de elevada rentabilidade. Embora se deva reconhecer que não é fácil detectar os comportamentos insustentáveis, há que envidar esforços para adoptar definições inequívocas e viáveis que possam ser usadas neste contexto.

5.4.1   Adicionalmente, é imprescindível que o depósito só seja liberado mediante compromisso do Estado-Membro em causa de redireccionar esses fundos para despesas produtivas. A este respeito, o recurso a abordagens custo-benefício, semelhantes às utilizadas para a repartição das dotações dos fundos estruturais e do Fundo de Coesão (19), poderia ser justificado.

5.5   É necessário, ainda, ter em devida conta as implicações da execução nos casos em que a imposição de depósitos não remunerados e sanções possa ocorrer numa altura em que o quadro económico e social do Estado-Membro pode ser considerado vulnerável. Consequentemente, qualquer recomendação feita pela Comissão no sentido de accionar a vertente correctiva deve ser alvo de uma avaliação de impacto a fim de determinar de que modo a sua aplicação levaria efectivamente a uma melhoria da qualidade da política orçamental em cada Estado-Membro e na área do euro em geral. Importa que a execução não dê origem a mais erros do que aqueles que procura solucionar.

5.6   O artigo 7.o do regulamento diz respeito à distribuição do montante dos juros e multas obtido pela Comissão, que deve ser feita proporcionalmente à parte de cada Estado-Membro no rendimento nacional bruto total dos países da área do euro que não apresentam défice nem desequilíbrios excessivos. O sistema de distribuição pode assim provocar maiores desequilíbrios na UEM, contribuindo potencialmente para o aprofundamento das divergências entre os Estados-Membros da área do euro que não cumprem os requisitos de uma união monetária.

5.7   Para alcançar um equilíbrio entre os incentivos e as sanções na vertente correctiva, o CESE propõe que os depósitos remunerados e não remunerados possam ser obtidos pelo Estado-Membro em causa sempre que seja conseguida uma redução da dívida pública pelo menos equivalente aos juros e susceptível de ser sustentável no futuro. As sanções, por seu turno, serão orientadas para o Mecanismo Europeu de Estabilidade.

5.8   A premissa subjacente a esta sugestão é a de que o PEC deve servir de incentivo à adopção de práticas sustentáveis e não como mecanismo estritamente punitivo.

5.9   Embora se reconheça que o objectivo da procura da convergência económica e orçamental básica se deve fundamentar em metas comuns, há quem defenda que, para avaliar a sustentabilidade orçamental no curtíssimo prazo, poderá ser necessário aplicar, com alguma flexibilidade, um objectivo universal, pelo menos até se ter atingido uma convergência económica mínima entre os diferentes países, mas também sem esquecer a forma desigual como a recente recessão afectou os vários Estados-Membros.

5.9.1   É igualmente importante criar condições de enquadramento que permitam que todos os Estados-Membros beneficiem dos factores externos de credibilidade favoráveis que se esperam de uma grande união monetária. Daqui decorre que aos países poderão ser exigidos esforços adicionais de consolidação orçamental proporcionais à sua dimensão relativa na zona monetária e à sua capacidade de empreender esses esforços, de modo a que o objectivo global comum da área do euro seja alcançado com coerência. Esta abordagem beneficiaria directamente todos os países através da credibilidade económica que daí resultaria para a área como um todo, e sobretudo graças às políticas dos países com melhor desempenho.

5.9.2   A eficácia desta abordagem depende em grande medida do mecanismo de supervisão proposto pela Comissão, que garante que os países que ficam para trás façam o necessário para, com a rapidez ideal, atingirem a convergência. Importa salientar o mais possível a importância de dados estatísticos correctos e de melhorar esses dados e os relatórios de forma a assegurar que informações credíveis estejam sempre disponíveis em tempo útil.

5.9.3   O Comité sugere, pois, que, de imediato e até ser alcançada uma convergência económica adequada entre os vários Estados-Membros, seja utilizado um sistema com duas abordagens – do topo para a base e da base para o topo – a fim de reforçar e complementar os esforços actualmente despendidos para restaurar a sustentabilidade da área do euro, introduzindo-lhes os elementos de flexibilidade necessários de forma programada e bem regulada.

5.9.4   A abordagem do topo para a base baseia-se na fixação de uma meta para toda a área do euro que determine o esforço de consolidação orçamental requerido a esse nível. Alcançar essa meta reforçará a credibilidade da área do euro em geral, o que beneficiará todos os Estados-Membros. A abordagem ascendente implica a distribuição do esforço a realizar em toda a área por acções a levar a cabo por cada Estado-Membro. Essa distribuição terá em conta vários critérios económicos objectivos como, por exemplo, o nível de desenvolvimento, as necessidades de investimento, a amplitude da reforma do regime de pensões e das reformas estruturais, a qualidade das finanças públicas e a eficácia do regime fiscal. Além disso, impedirá que uma aplicação demasiado restritiva do PEC cause danos permanentes ao crescimento de certos países.

5.9.5   Por um lado, esta forma de proceder introduzirá um elemento de solidariedade justificável entre os países da área do euro e, por outro, constitui um importante passo no sentido de uma melhor coordenação e integração orçamental. Assim que tenha sido atingido um nível mínimo de convergência económica, a distribuição dos esforços entre os Estados-Membros equivalerá a uma situação em que todos os países prosseguem objectivos numéricos comuns. Entretanto, a necessária flexibilidade deixará de se verificar país a país, como aconteceu frequentemente no passado em situações aparentemente pontuais e talvez injustificadas, e passará a fazer parte de um sistema coeso e consistente para realizar os necessários esforços de consolidação orçamental ao nível da área do euro. Esta abordagem pode contribuir em grande medida para manter a credibilidade no sistema.

5.9.6   Esta abordagem é de natureza semelhante à da adoptada no processo de determinação dos objectivos da Estratégia Europa 2020, nos termos do qual os Estados-Membros fixam os seus objectivos nacionais em conformidade com os objectivos globais definidos para a UE. Com efeito, o anexo 1 da Análise Anual do Crescimento, que apresenta objectivos temporários diversificados para os Estados-Membros, refere que um dos elementos importantes da Estratégia é o facto de cada Estado-Membro fixar o seu grau de ambição relativamente aos objectivos gerais da Estratégia «Europa 2020». Diz-se que o cumprimento desses objectivos é facilitado pelo debate político interno necessário para os estabelecer, no qual são tidas em conta as situações de partida e considerações de ordem nacional. Dessa forma, pode propor-se igualmente a definição de períodos de transição explícitos, com um calendário realista de consolidação, para os países que tenham de realizar esforços de consolidação particularmente substanciais.

5.9.7   Esta solução não equivale a enfraquecer o mecanismo preventivo proposto pela Comissão, uma vez que assenta num alinhamento a longo prazo pelas mesmas metas numéricas para todos os países da área do euro. Destina-se, isso sim, a permitir um enquadramento formal que permita diferentes ritmos de convergência para cada país da área do euro, de modo análogo às abordagens específicas por país propostas pela própria Comissão. Esta seria igualmente uma forma não despicienda de promover a credibilidade do sistema, inscrevendo formalmente a flexibilidade nos planos de convergência para cada país.

5.10   Por último, importa sublinhar que o diálogo social tem um papel importante a desempenhar. A nível nacional, o diálogo social é importante para o desenvolvimento de um quadro político nacional centrado na política orçamental e na supervisão macroeconómica. Um diálogo social e político maduro e global permite enfrentar os desafios sociais e económicos, em particular os de longo prazo como o da reforma do regime de pensões e o das despesas da saúde. Para que os governos possam alcançar objectivos como a sustentabilidade orçamental e o equilíbrio macroeconómico, são necessárias fortes parcerias sociais e uma intensa colaboração, incluindo um consenso político.

5.10.1   O CESE também tem um papel importante a desempenhar ao proporcionar um diálogo eficaz entre os seus membros sobre sustentabilidade orçamental. Para o efeito, o CESE poderá fazer, em estreita colaboração com o diálogo social nacional, recomendações e sugestões sobre as reformas. Como é sugerido no parecer sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Reforçar a coordenação das políticas económicas com vista à estabilidade, crescimento e emprego – Instrumentos para uma melhor governação económica da UE, o CESE poderá realizar sessões anuais especificamente dedicadas à formulação de recomendações e sugestões sobre as reformas. O CESE poderá ainda desempenhar um papel relevante velando por que os parceiros sociais e outras organizações da sociedade civil estejam em sintonia com os objectivos da União relacionados com o desenvolvimento social e económico.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Ver parecer do CESE, JO C 107 de 6.4.2011, p. 7.

(2)  COM(2010) 522 final e COM(2010) 526 final.

(3)  COM(2010) 527 final.

(4)  COM(2010) 523 final.

(5)  COM(2010) 524 final e COM(2010) 525 final.

(6)  COM(2010) 524 final.

(7)  Ver parecer do CESE sobre Desequilíbrios macroeconómicos, Ver página 53 do presente Jornal Oficial.

(8)  Os regulamentos foram alterados em 2005 pelos Regulamentos (CE) n.os 1055/2005 e 1056/2005 e complementados pelo Relatório do Conselho de 20 de Março de 2005 sobre «Melhorar a aplicação do PEC».

(9)  COM (2010) 525 final.

(10)  COM (2010) 527 final.

(11)  O Semestre Europeu foi lançado através da Análise Anual do Crescimento (COM (2011) 11 final), publicada em Janeiro de 2011. Esta publicação reúne as diferentes medidas que são essenciais para a aceleração da recuperação a curto prazo, concentrando-se igualmente nos objectivos da Estratégia Europa 2020.

(12)  Estatísticas do Eurostat, 16.12.2010.

(13)  Comissão Europeia, Previsões Económicas Europeias, Outono de 2010.

(14)  Wyplosz, C (2002), Fiscal Discipline in EMU: Rules or Institutions? [Disciplina Orçamental na UEM: Regras ou Instituições?], Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, e CEPR.

(15)  Direcção-Geral das Políticas Internas da União – Departamento de Política Geral, Direcção A: Políticas Económicas e Científicas, Assuntos Económicos e Monetários, «Multilateral Surveillance» [«Supervisão multilateral»] (Charles Wyplosz).

(16)  Salvador Barrios e Andrea Schaechter (2008), «The Quality of Public Finances and Growth» [«A Qualidade das Finanças Públicas e o Crescimento»], Comissão Europeia, Economic Papers, 337.

(17)  António Afonso, Werner Ebert, Ludger Schuknecht e Michael Thöne (2005), «Quality of Public Finances and Growth» [«A Qualidade das Finanças Públicas e o Crescimento»], BCE, Working Paper Series n.o 438.

(18)  Ver parecer do CESE, JO C 107 de 6.4.2011, p. 7.

(19)  Comissão Europeia (2008), Direcção-Geral da Política Regional, Guide to Cost-Benefit Analysis of Investment Projects [Guia da análise custo-benefício dos projectos de investimento], Junho de 2008.


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às medidas de execução para corrigir os desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro»

[COM(2010) 525 final — 2010/0279 (COD)]

e a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre prevenção e correcção dos desequilíbrios macroeconómicos»

[COM(2010) 527 final — 2010/0281 (COD)]

2011/C 218/09

Relator: Stefano PALMIERI

Em 1 de Dezembro de 2010, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos dos artigos 136.o e 121.o, n.o 6, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre as seguintes propostas:

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às medidas de execução para corrigir os desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro

COM(2010) 525 final — 2010/0279 (COD) e

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre prevenção e correcção dos desequilíbrios macroeconómicos

COM(2010) 527 final — 2010/0281 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social que emitiu parecer em 8 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio de 2011), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 189 votos a favor, 2 votos contra e 11 abstenções o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente o facto de a Comissão Europeia ter compreendido, no âmbito do reforço da governação económica europeia, a necessidade de dedicar mais atenção aos desequilíbrios de natureza macroeconómica – em pé de igualdade com os défices nos orçamentos públicos – enquanto factores de instabilidade económica e financeira e social das economias dos Estados-Membros da UE.

1.2   O CESE reconhece que a actual crise económica pôs efectivamente à prova a resistência económica, social e também política da União Europeia, em geral, e da União Económica e Monetária (UEM), em particular. Para prevenir a crise, tornou-se evidente que não basta ter em conta a dimensão quantitativa do crescimento económico de um país, é igualmente indispensável avaliar a qualidade do seu crescimento, identificando os factores macroeconómicos que estão ou não na base da sustentabilidade de uma tal dinâmica.

1.3   O CESE espera que o reforço da governação económica europeia se concretize prestando igual atenção às exigências de estabilidade e de um crescimento gerador de novos empregos.

1.4   Por esse motivo, o reforço da governação económica, a pedra angular das políticas económicas, sociais e de coesão da UE, poderia contribuir realmente para alcançar os objectivos estabelecidos pela Estratégia Europa 2020 e pela nova política de coesão europeia.

1.5   O CESE tenciona contribuir para se encontrar o amplo consenso necessário ao reforço eficaz da governação económica, identificando, por um lado, alguns limites e riscos inerentes à abordagem da Comissão e, por outro, as consideráveis potencialidades que dela resultam.

1.6   Se, conforme sublinha a Comissão (1), a manifestação e a persistência nos Estados-Membros dos desequilíbrios de natureza macroeconómica é imputável a factores de competitividade e se por competitividade se entende, parafraseando a sua definição (2), «a capacidade de a economia proporcionar à sua população um nível de vida cada vez melhor e uma taxa de emprego elevada, numa base sustentável», é necessário, como salientou o CESE, contar com um leque mais completo de causas económicas, financeiras e sociais para avaliar esses desequilíbrios.

1.7   Assim sendo, o CESE considera que o painel de avaliação dos desequilíbrios deve integrar indicadores económicos, financeiros e sociais. Neste contexto, o CESE adverte para a necessidade de ter em conta os desequilíbrios decorrentes da gravidade e da exacerbação das desigualdades na distribuição nos Estados-Membros, os quais estiveram, designadamente, na origem da recente crise económica e financeira (3).

1.8   Os desequilíbrios macroeconómicos não são apenas as repercussões da união monetária, mas também o resultado do mercado interno comum. A repartição do trabalho transfronteiriça baseia-se em diferentes vantagens e desvantagens da concorrência nos respectivos mercados. As medidas previstas não deveriam, assim, visar um nivelamento de tais diferenças quando estas decorrem de dinâmicas do mercado interno e não produzem efeitos negativos.

1.9   O CESE considera que, na avaliação dos desequilíbrios macroeconómicos, se deve procurar avaliar correcta e equitativamente não só os factores de competitividade associados aos preços como também os factores que não têm com eles qualquer relação.

1.10   O CESE defende que a reflexão sobre os indicadores que integrarão o painel de avaliação previsto pela Comissão Europeia seja alargada de modo a abarcar, ao nível europeu e nacional, um amplo leque de actores institucionais e de organismos representativos da sociedade civil, entre os quais o próprio CESE e o Comité das Regiões.

1.11   O CESE considera que o painel de avaliação proposto pela Comissão, no âmbito do mecanismo de alerta, deverá ser visto essencialmente como um instrumento de primeira avaliação, em virtude dos problemas técnicos inerentes a essa abordagem (a fixação de limiares de alerta, o «peso» a atribuir às várias fontes de desequilíbrio, o período de tempo a considerar). Por esse motivo, terá de ser seguido de uma avaliação económica mais ampla e aprofundada dos desequilíbrios do Estado-Membro em questão.

1.12   O CESE alerta para o perigo de, na prática, se tratar a relação entre a identificação dos desequilíbrios, o recurso a medidas correctivas e o reequilíbrio dentro de um prazo razoável como algo de adquirido. Aqui entram em jogo outros factores para dilatar o espaço temporal: a) as complexas interligações entre objectivos e instrumentos macroeconómicos; b) o controlo indirecto dos instrumentos pelos decisores políticos; c) a possível ineficácia do sistema de sanções proposto para os países da UEM.

1.13   O CESE sublinha o risco de eventuais medidas restritivas de reequilíbrio virem a favorecer políticas pró-cíclicas que ampliariam e prolongariam a fase actual de contracção económica. É até possível que a combinação das políticas económicas prescritas a cada um dos Estados-Membros, porque necessárias para reabsorver os desequilíbrios internos, se venha a revelar, na realidade, inadequada para a UE no seu todo.

1.14   O CESE considera que, no âmbito das medidas para prevenir desequilíbrios macroeconómicos essencialmente associados a situações de endividamento excessivo do sector privado, se tem subestimado a capacidade de supervisão e de controlo do Banco Central Europeu (BCE) a exercer ombro a ombro com a rede dos bancos centrais nacionais, o Comité Europeu do Risco Sistémico e o Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária. O CESE solicita, por conseguinte, que sejam criadas, no âmbito de uma coordenação entre os referidos organismos, as condições necessárias para garantir a eficácia de uma supervisão directa ou indirecta sobre o sistema bancário, e sejam feitas intervenções oportunas de regulação do crédito cujos critérios convirá definir devidamente.

1.15   O CESE constata que, no pacote legislativo para prevenir e corrigir os desequilíbrios macroeconómicos, falta uma reflexão oportuna sobre o orçamento da UE. Perante um surto de choques assimétricos nos Estados-Membros da área do euro, é indispensável recorrer a instrumentos adequados para reequilibrar o sistema macroeconómico. Neste contexto, o CESE chama a atenção para a oportunidade de avaliar as potencialidades de um sistema de orçamento mais flexível e com mais recursos do que o actual. Isso permitiria fazer as transferências necessárias das zonas beneficiadas pelos choques para as prejudicadas por eles, quer mediante estabilizadores automáticos quer através do financiamento de projectos de investimento pan-europeus (p. ex. através da emissão de euro-obrigações) (4).

1.16   O CESE reitera que uma coordenação eficaz das políticas económicas europeias – susceptível de suscitar nos cidadãos europeus uma forte legitimidade democrática – passa necessariamente por um papel mais incisivo do Parlamento Europeu, do CESE e do Comité das Regiões, ou seja, das instituições representativas dos cidadãos, dos parceiros sociais e da sociedade civil (5).

1.17   O CESE considera que o papel do Parlamento Europeu na busca de um consenso sobre o quadro macroeconómico de referência, as prioridades a estabelecer para resolver os problemas a enfrentar e a definição das políticas económicas a adoptar poderá ser decisivo. Pode ser o lugar onde se delineará – juntamente com os demais órgãos institucionais europeus – uma estratégia comum que não se cinja meramente a enunciar regras e procedimentos formais, mas que inclua igualmente políticas concretas e detalhadas, numa tentativa de aumentar a confiança dos cidadãos europeus e corresponder às suas expectativas.

1.18   O CESE congratula-se com a conclusão do Conselho Europeu de 24 e 25 de Março de 2011, segundo a qual será mantida uma «estreita cooperação» com o CESE na realização do Semestre Europeu, «para garantir um elevado grau de apropriação das medidas adoptadas». Neste sentido, o CESE está disponível para uma colaboração abrangente e espera que o Conselho dê início rapidamente aos respectivos debates com o Comité.

1.19   O CESE – enquanto fórum do diálogo civil – poderia organizar uma reunião anual específica (no Outono) para debater as recomendações dirigidas aos Estados-Membros, proporcionando uma troca de pontos de vista com os vários conselhos económicos e sociais nacionais, os parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu, permitindo, ao mesmo tempo, avaliar as estratégias adoptadas e difundi-las para granjear a sua aceitação a nível nacional.

1.20   O CESE considera que se deve tornar mais intensa e funcional a utilização do Diálogo Macroeconómico (DME), de modo a não deixar a prevenção e a correcção dos desequilíbrios entregues apenas à Comissão e aos governos dos Estados-Membros. Este diálogo poderia converter-se num instrumento para avaliar, mediante concertação entre os governos e os parceiros sociais, a situação económica ao nível da UE e as iniciativas a adoptar, em estreita ligação com os processos de diálogo social e de concertação ao nível nacional, no intuito de garantir a coerência entre as dinâmicas da UE no seu todo e de cada um dos Estados-Membros.

2.   Medidas de correcção dos desequilíbrios macroeconómicos internos propostas pela Comissão Europeia nas suas comunicações COM(2010) 525 e 527 finais

2.1   Em 30 de Julho de 2010, a Comissão Europeia apresentou a comunicação «Reforçar a coordenação das políticas económicas com vista à estabilidade, crescimento e empregoinstrumentos para uma melhor governação económica da UE» (6) , com a qual se propunha prosseguir o que anunciara na sua comunicação Reforçar a coordenação da política económica  (7).

2.2   À luz da crise financeira internacional, a Comissão e a Task Force do Presidente VAN ROMPUY reconhecem que o respeito dos parâmetros estabelecidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e reforçados ulteriormente, no âmbito da reforma da governação, não é suficiente para garantir a estabilidade da UEM. Há o risco de os desequilíbrios macroeconómicos nos Estados-Membros causarem danos ao sistema económico europeu no seu todo, contribuindo não só para a deterioração das finanças públicas como também para o surgimento de tensões nos mercados financeiros.

Nesta linha de pensamento, a Comissão apresentou em 29 de Setembro de 2010, um pacote legislativo composto de seis propostas (8) destinadas a estabelecer um quadro regulamentar para prevenir e corrigir nos Estados-Membros os desequilíbrios quer de carácter orçamental (relativamente ao PEC) (9) quer de carácter macroeconómico. O presente parecer tem por alvo a proposta da Comissão para a supervisão dos desequilíbrios macroeconómicos que tem por base os documentos COM(2010) 525 e 527 finais que tratam, respectivamente, do procedimento a adoptar no caso de desequilíbrios excessivos nos Estados-Membros com sanções circunscritas aos países da UEM e do mecanismo de alerta a que estão subordinados todos os Estados-Membros.

2.3.1   O mecanismo de alerta para todos os Estados-Membros compõe-se dos seguintes elementos:

uma avaliação regular dos riscos decorrentes de desequilíbrios macroeconómicos em cada um dos Estados-Membros, com base num quadro de referência composto por indicadores económicos e limiares de lançamento de alerta (painel de avaliação);

a identificação pela Comissão, com base numa leitura económica e não mecânica do painel de avaliação, dos Estados-Membros em que se considera haver riscos de desequilíbrio, para avaliar a verdadeira gravidade da situação;

uma análise aprofundada sobre a situação económica geral dos Estados-Membros, cujo painel de avaliação ofereça uma imagem particularmente negativa;

no caso de um risco real, a eventual recomendação dirigida pela Comissão ao Estado-Membro em questão para corrigir o desequilíbrio, no âmbito das demais recomendações de políticas previstas no «Semestre Europeu» (artigo 121.o, n.o 2 do TFUE);

no caso de haver um sério risco de desequilíbrio ou – na área do euro – de este se propagar aos demais Estados-Membros comprometendo o bom funcionamento da UEM, a eventual abertura de um procedimento por desequilíbrios excessivos (artigo 121.o, n.o 4 do TFUE).

2.3.2   Este procedimento requer que os Estados-Membros em questão apresentem ao Conselho da União Europeia um plano de medidas correctivas. Se estas medidas forem consideradas adequadas, o procedimento será suspenso até ser aplicado o plano correctivo acordado, mas o Estado-Membro terá de comunicar periodicamente ao Conselho ECOFIN os progressos que for conseguindo. O procedimento ficará apenas encerrado quando o Conselho, com base numa recomendação da Comissão, entender que o desequilíbrio foi reduzido de tal modo que já não pode ser considerado excessivo.

2.3.3   Apenas serão impostas sanções (até a um máximo de 0,1 % do PIB) aos países da área do euro, em caso de inacção perante desequilíbrios excessivos, se o Estado-Membro em causa não apresentar, dentro dos dois prazos fixados sucessivamente, um plano de medidas correctivas adequado ou não aplicar as medidas previstas.

2.4   O instrumento fundamental para accionar o mecanismo de alerta sobre desequilíbrios macroeconómicos é o painel de avaliação proposto pela Comissão, completado por uma análise específica da situação económica dos Estados-Membros. É caracterizado por

i)

um número limitado de indicadores para detectar os principais desequilíbrios e os problemas de competitividade;

ii)

limiares de alerta que, ao serem ultrapassados, accionarão o estado de observação;

iii)

a eventualidade de fixar limiares diferenciados consoante a pertença ou não à área do euro;

iv)

um carácter «evolutivo», uma vez que a composição dos indicadores deve-se ir adequando com o tempo às alterações verificadas nas várias fontes de desequilíbrio.

2.4.1   Segundo as primeiras diligências da Comissão para a escolha dos indicadores para o painel de avaliação (10), parecem encontrar-se entre os a seguir enunciados, dos quais os primeiros três dizem respeito à posição do Estado-Membro em relação ao exterior e os últimos quatro à situação interna:

o saldo das contas correntes em relação ao PIB, que reflecte a posição líquida credora ou devedora em relação ao resto do mundo;

a sua situação financeira externa líquida em relação ao PIB, que representa a contrapartida, em termos de stock, do saldo das contas correntes;

as variações da taxa de câmbio real efectiva com base nos custos unitários da mão-de-obra, que dão um índice sintético da competitividade do país (com valores-limiar diferenciados para a área do euro);

a variação dos preços reais do imobiliário, para controlar a formação de bolhas especulativas ou, em alternativa, a variação da quota-parte do valor acrescentado do sector imobiliário no total;

a dívida do sector privado expressa em percentagem do PIB, para avaliar a vulnerabilidade do sector privado face a alterações do ciclo económico, da inflação e da taxa de juro;

a variação do crédito concedido ao sector privado, que representa a contrapartida, em termos de fluxo, do volume das dívidas privadas;

a dívida pública em relação ao PIB, como indicador tradicional da situação das finanças dos Estados-Membros.

3.   A persistência das diferenças de competitividade na área do euro

3.1   A existência de desequilíbrios macroeconómicos internos nos Estados-Membros relaciona-se com as persistentes divergências entre a procura e a oferta nos Estados-Membros, que se traduzem em excedentes ou défices sistemáticos nas poupanças totais de uma economia. Isso deve-se a factores múltiplos que influenciam a relação entre a oferta e a procura e tende a afectar negativamente o funcionamento da economia dos Estados-Membros, da UEM e da UE no seu todo.

3.2   É, pois, de saudar a atenção com que a Comissão tenciona abordar doravante os desequilíbrios de natureza macroeconómica nos Estados-Membros – em pé de igualdade com os défices nos orçamentos públicos – enquanto factores de instabilidade económica e financeira para a UE no seu todo.

3.3   Depois de ter considerado durante mais de dez anos o equilíbrio das finanças públicas como o único elemento sujeito a supervisão, no âmbito da UEM, a Comissão propõe aqui uma abordagem que permite uma avaliação dos desempenhos nacionais seguramente mais completa e extensível a todos os Estados-Membros. Parece cada vez mais evidente que não basta ter em conta a dimensão quantitativa do crescimento económico de um país, mas é igualmente indispensável avaliar a qualidade do próprio crescimento, ou seja, identificar os factores macroeconómicos que estão ou não na base da sustentabilidade de uma tal dinâmica.

3.4   Pensava-se, erroneamente, que com a criação da UEM, as diferenças de competitividade entre os Estados-Membros teriam apenas um carácter transitório. Ora, a experiência com o euro, para além de revelar o carácter persistente dessas divergências, tornou evidente que estes ameaçam os próprios alicerces dessa mesma UEM, criando situações dificilmente sustentáveis, como vêm demonstrando as crises financeiras destes últimos meses.

3.4.1   Sobretudo durante os dez anos que precederam a crise económica, houve persistentes divergências ao nível da produtividade – expressas em taxas de câmbio real efectivas – e da competitividade (evolução das exportações) dos países pertencentes à área do euro e da competitividade (gráficos 1 e 2 do anexo) (11). O carácter excepcional dessa situação não reside tanto no modo como se manifesta mas no seu prolongamento no tempo, já que em casos precedentes (anos setenta e oitenta) as divergências foram assimiladas rapidamente, graças ao reajustamento das taxas de câmbio nominais dos países envolvidos.

3.4.2   Tais divergências tiveram repercussões nos saldos das balanças comerciais dos Estados-Membros. A balança comercial da Alemanha e a do grupo dos países «periféricos» constituído por Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha revela uma evolução contrária, e os défices parecem equivaler aos excedentes (12) (gráficos 3 e 4 do anexo). A dinâmica não apresenta um carácter transitório e as divergências tendem a crescer a partir da criação da UEM, ainda que a crise de 2008 pareça tê-las atenuado.

3.4.3   A perpetuação das divergências em termos de competitividade e de exportações tende a reflectir-se tanto nas suas contas correntes e nas posições líquidas dos activos estrangeiros (gráficos 5 e 6 do anexo), gerando, deste modo, situações que, a médio prazo, são dificilmente sustentáveis para alguns dos Estados-Membros da área do euro.

4.   Pontos críticos da intervenção proposta

4.1   Perante uma situação tão problemática, que requer soluções vigorosas, a abordagem escolhida pela Comissão e, por conseguinte, os riscos que daí podem advir continuam a suscitar um certo número de interrogações.

4.2   Se, conforme sublinha a Comissão Europeia (13), a manifestação e a persistência dos desequilíbrios de natureza macroeconómica são imputáveis a factores de competitividade e se por competitividade se entende, parafraseando a sua definição, «a capacidade de a economia proporcionar à sua população um nível de vida cada vez melhor e uma taxa de emprego elevada, numa base sustentável» (14), o CESE reputa conveniente contar com um amplo leque de causas económicas, financeiras e sociais que estão na base desses desequilíbrios económicos e, por conseguinte, de indicadores a integrar no painel de avaliação, capazes de assinalar os potenciais desequilíbrios macroeconómicos.

4.2.1   Entre os factores da competitividade encontram-se quer os associados aos preços (sintetizados na taxa de câmbio real efectiva) quer os que não têm com eles qualquer relação, tão ou mais importantes. Esta última categoria inclui a diferenciação do produto, o teor tecnológico dos bens produzidos, a qualidade da oferta dos produtos, a qualidade dos serviços relacionados com o produto (serviços de assistência), etc. É toda uma série de elementos determinantes para definir a competitividade de um aparelho produtivo, os quais, embora dificilmente quantificáveis num único indicador, requerem de qualquer modo a identificação de parâmetros capazes de detectar o nível e a dinâmica dos Estados-Membros da UEM.

4.2.2   As primeiras diligências da Comissão para a escolha dos indicadores parecem demonstrar que se tem subestimado a influência que têm nos desequilíbrios a gravidade e a exacerbação das desigualdades entre os Estados-Membros, durante um longo período de tempo (pelo menos, nos últimos vinte anos) caracterizado por fortes desníveis em termos de distribuição e de remuneração. É de referir, em particular, o papel de detonador da crise económica e financeira em consequência dos desequilíbrios entre a expansão mundial da oferta de bens e serviços e a deterioração do poder de compra dos consumidores (15).

4.2.3   O conjunto de indicadores a integrar no painel de avaliação deveria permitir identificar os factores capazes de gerar desequilíbrios na relação entre a oferta e a procura decorrentes de fenómenos de natureza macroeconómica, financeira e social. Por exemplo, poderia ser útil incluir no painel de avaliação quer o índice de concentração de Gini, que revela valores particularmente elevados no caso dos países mediterrânicos e anglo-saxónicos (16), quer a diferença entre a produção actual e a produção potencial de um país (o hiato do produto), para poder ter em conta o seu ciclo conjuntural.

4.2.4   Convém, portanto, que a reflexão sobre os indicadores que integrarão o painel de avaliação seja alargada de modo a abarcar, ao nível europeu e nacional, um leque mais amplo de actores institucionais e de organismos representativos da sociedade civil, entre os quais o CESE e o Comité das Regiões.

4.3   Além disso, na abordagem da Comissão, o paralelismo estabelecido entre a governação fiscal e a governação macroeconómica parece bastante frágil e assentar em fundamentos científicos pouco sólidos. Embora haja, de facto, argumentos válidos para manter sob controlo a política fiscal dos Estados-Membros da UEM, no que se refere aos desequilíbrios macroeconómicos, ainda que o procedimento de supervisão tenha origem em exigências concretas, os seus motivos e as suas modalidades parecem prestar-se mais a controvérsias (17)  (18).

4.3.1   Dadas as múltiplas causas dos desequilíbrios, os factores a monitorizar simultaneamente são numerosos (comércio externo, custos de produção, desníveis em termos de distribuição, factores de produtividade associados ou não aos preços, euforia imobiliária e bolhas especulativas, etc.), interagindo igualmente com elementos culturais e sociais exteriores ao sistema de produção, como, por exemplo, as preferências e os comportamentos dos consumidores e aforradores. Para além das dificuldades de identificação e de escolha desses factores, surge o problema de fixar os limiares de alerta e de determinar a forma de «pesar» as várias fontes dos desequilíbrios (19).

4.3.2   Aduz-se a isso o facto de, na prática, não se dever tratar a relação entre a identificação dos desequilíbrios (mediante limiares de alerta), o recurso a medidas correctivas e o ulterior regresso a uma situação de equilíbrio dentro de um prazo razoável como algo de adquirido. Não é certo que a intervenção para garantir o reequilíbrio macroeconómico permite determinar quais as reacções mais adequadas da política económica. É que qualquer decisão errónea poderia favorecer políticas pró-cíclicas que ampliariam e prolongariam a fase actual de contracção económica com intervenções restritivas, quando são antes necessárias intervenções expansivas, para estimular a procura. É mesmo possível que a combinação das políticas económicas prescritas aos vários Estados-Membros, por serem necessárias para reabsorver os desequilíbrios internos, se venha a revelar, na realidade, inadequada para a UE no seu todo.

4.3.3   Os indicadores para os quais a Comissão se parece inclinar para efeitos de supervisão – sobretudo os preços e os salários e, portanto, a competitividade – dependem, em primeira instância, de actores externos à esfera pública (empresas e sindicatos). Deste modo, a política económica apenas poderá exercer sobre eles um controlo indirecto e deferido, que passa por incentivos, regulação da concorrência e diálogo social. Daí resulta que estas variáveis são pouco propensas a automatismos e a intervenções rápidas, não sendo por acaso que a Comissão reivindica a necessidade de garantir a flexibilidade na aplicação das novas regras e a sua evolução contínua.

4.4   Falta, além disso, no pacote legislativo proposto uma reflexão sobre a política monetária e de crédito, que seria um terreno mais fértil para melhorar a coordenação no âmbito da supervisão financeira e do controlo sobre a acumulação excessiva de débitos (e simultaneamente de créditos) no sector privado (20). e sobre o qual o CESE já apresentou algumas propostas (21). Tão pouco é evocado o papel que – sem prejuízo da autonomia estatutária de que usufrui a justo título – o Banco Central Europeu (BCE) poderia desempenhar, ombro a ombro com a rede dos bancos centrais nacionais e as novas instâncias Comité Europeu do Risco Sistémico e o Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária.

4.4.1   Estas últimas parecem, pelo menos potencialmente, à altura de instaurar uma política europeia de supervisão do crédito mais prudente e mais vigilante do que no passado, quando regras e práticas inadequadas permitiram excessos e mergulharam alguns Estados-Membros numa crise que colocou em perigo a estabilidade de toda a União Económica e Monetária. É preciso recordar que países que se encontram actualmente em dificuldades, como a Irlanda e a Espanha, cumpriam até 2007 os requisitos estabelecidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, com orçamentos equilibrados e uma dívida pública pouco elevada, enquanto que expandiam a oferta na vertente do crédito que, por seu turno, ia alimentando a euforia imobiliária, sem que esta expansão excessiva do crédito tivesse chamado a atenção das autoridades monetárias da UE. Estes problemas, sobre os quais o CESE já manifestou a sua apreensão (22), relacionam-se igualmente com o papel das agências de notação e, em particular, com o impacto das suas decisões sobre as finanças públicas dos Estados-Membros.

4.4.2   Por esse motivo, o CESE considera oportuno atribuir à UE poderes específicos de supervisão e de regulamentação, a fim de impedir uma expansão excessiva do crédito nos Estados-Membros, nomeadamente no atinente à concessão de empréstimos hipotecários (23). Numa zona financeira integrada, como a da UEM, seria conveniente que os poderes de supervisão e de regulamentação fossem confiados não às autoridades nacionais mas a um organismo terceiro. As novas autoridades financeiras poderiam assumir competências e poderes para exercerem eficazmente uma supervisão directa ou indirecta sobre o sistema bancário e fazerem intervenções de regulação do crédito cujos critérios convirá definir devidamente.

4.5   Por último, falta no pacote legislativo proposto uma reflexão sobre o orçamento da UE. Face à possível emergência de choques assimétricos nos Estados-Membros da área do euro, ou seja, variações da procura e da oferta positivas nuns países e negativas noutros, e à impossibilidade de utilizar a alavanca da taxa de câmbio ou da taxa de juro, será necessário recorrer a outros instrumentos de ajustamento do sistema económico (24). Para além dos preços e dos salários, geralmente pouco flexíveis, a teoria económica considera que o único instrumento eficaz numa tal situação é a existência de um sistema orçamental mais flexível com mais recursos do que o actual. Isso permitiria fazer as transferências necessárias das zonas beneficiadas pelos choques para as prejudicadas por eles, quer mediante estabilizadores automáticos quer através do financiamento de projectos de investimento pan-europeus (p.ex; através da emissão de euro-obrigações) (25).

4.6   Para conseguir mais facilmente o equilíbrio entre incentivos e sanções na correcção de desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro, o CESE defende que as multas aplicadas não sejam distribuídas pelos Estados-Membros em função do seu rendimento nacional bruto (RNB), conforme propõe a Comissão, mas deveriam reverter a favor do mecanismo europeu de estabilização.

4.7   O CESE volta a recordar (26) aqui que há o risco de regras e automatismos se revelarem ineficazes para prevenir crises graves, quase sempre resultado de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, e acabarem, além disso, por agravar ainda mais a situação. Por um lado, podem minar a confiança nas instituições da UE que, aos olhos dos cidadãos europeus, se eximem a fazer escolhas políticas para se entregarem nas mãos dos «tecnocratas de Bruxelas», conforme revelam as sondagens do Eurobarómetro (27). Por outro lado, há uma cristalização na abordagem tradicional quando é preciso resolver problemas que relega para segundo plano as questões do crescimento, da justiça social e da degradação ambiental, o que pode matar à nascença as ambições da Estratégia Europa 2020.

4.8   Dá a impressão de que a mesma óptica de curto prazo que condiciona as actividades financeiras, e que parece ter sido identificada como factor latente da crise, está a surgir agora como pedra angular da política europeia (28). Prevalecem as intervenções pontuais, quer a nível das instituições da UE quer a nível intergovernamental (29), tanto para fazer face a situações críticas, que exigem uma capacidade de reacção imediata, como para acompanhar as evoluções da opinião pública nos Estados-Membros mais importantes, que os políticos perscrutam com apreensão, sobretudo num contexto de derrotas eleitorais constantes.

5.   Potencialidades da intervenção para reabsorver os desequilíbrios macroeconómicos

5.1   Uma coordenação eficaz das políticas económicas europeias, que não se deixe influenciar pelas dinâmicas eleitorais e pelas mudanças repentinas da opinião pública, passa por um papel mais incisivo do Parlamento Europeu, do Comité das Regiões e do CESE, ou seja, as instituições representativas dos cidadãos e da sociedade civil. É através deles que o processo de coordenação previsto pela Comissão poderá conferir uma forte legitimidade democrática aos procedimentos preventivos e correctivos e será, portanto, possível encontrar um amplo consenso que se afigura indispensável para a eficácia da sua aplicação.

5.2   É de referir, em particular, que no Semestre Europeu, na sua configuração actual, se reserva ao Parlamento Europeu um papel secundário, circunscrito à fase inicial de debate e à primeira orientação do processo de coordenação, quando esta instituição poderia ter uma função mais útil e mais eficaz quando coordenada com a actividade dos parlamentos nacionais, na fase de debate e de aprovação dos orçamentos dos vários Estados-Membros. Também poderá ser decisivo o papel do Parlamento Europeu na busca de um consenso sobre o quadro macroeconómico de referência, as prioridades a estabelecer para resolver os problemas a enfrentar e a definição das políticas económicas a adoptar. Pode ser o lugar onde se delineará uma estratégia comum que não se cinja meramente a enunciar regras e procedimentos formais, mas que inclua igualmente políticas concretas e detalhadas, numa tentativa de aumentar a confiança dos cidadãos europeus e corresponder às suas expectativas.

5.3   A ênfase dada aos desequilíbrios de competitividade implica que é preciso dedicar mais atenção à concertação entre os governos, parceiros sociais e a sociedade civil, sobretudo na área do euro onde os Estados-Membros já não dispõem da opção de ajustamento da taxa de câmbio. As relações entre os governos, os parceiros do diálogo social (sindicatos e organizações patronais) e a sociedade civil deveriam, portanto, fazer parte integrante da estratégia delineada pela Comissão.

5.4   É neste contexto, na sua qualidade de fórum capaz de favorecer o diálogo entre as organizações representativas da sociedade civil, que o CESE, no respeito do seu papel de órgão consultivo das instituições europeias, poderá contribuir para o reforço da governação económica da UE. O seu valor acrescentado vem justamente do facto de estarem nele representadas as organizações que podem contribuir – após atenta avaliação – para o consenso sobre as políticas económicas nos Estados-Membros. Poderá também, deste modo, contribuir consideravelmente para o empenho e a responsabilização não só dos líderes políticos como, e sobretudo, dos cidadãos dos Estados-Membros e do tecido produtivo, social e civil que compõe a UE.

5.4.1   O CESE poderia convocar uma reunião anual específica para debater as recomendações e o modo de chegar a um consenso sobre as reformas a nível nacional, tendo em conta o impacto social das medidas adoptadas (30). Esse debate poderia ter lugar no Outono, após a adopção formal das recomendações pelos Estados-Membros e as suas conclusões serviriam de base à troca de pontos de vista com os vários conselhos económicos e sociais nacionais, os parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu, permitindo, ao mesmo tempo, avaliar as estratégias adoptadas e difundi-las para granjear a sua aceitação a nível nacional.

5.5   Convém, além disso, incentivar a uma utilização mais intensa e funcional do Diálogo Macroeconómico (DME). Graças a um salto de qualidade, este diálogo poderia converter-se num instrumento útil para avaliar, mediante concertação entre os governos e os parceiros sociais, a situação económica ao nível da UE e as iniciativas a adoptar, em estreita ligação com os processos de diálogo social e de concertação ao nível nacional, no intuito de garantir a coerência entre as dinâmicas da UE e dos Estados-Membros, no respeito das compatibilidades sociais.

5.5.1   A prevenção e a correcção dos desequilíbrios não devem ficar entregues unicamente à Comissão e aos governos dos Estados-Membros (31). O processo de formação dos salários e dos preços constitui um aspecto crucial de todo o mecanismo de monitorização dos desequilíbrios macroeconómicos, pelo que qualquer acção política neste âmbito deverá ter em conta o artigo 153.o, n.o 5, do TFUE e envolver os parceiros sociais, tanto ao nível nacional como europeu. Neste contexto, o DME ao nível europeu poderá ser reforçado graças a uma estrutura e a uma organização estáveis, enquanto ao nível nacional, deverá ser melhor articulado com o diálogo social e as instituições competentes. Os governos nacionais deveriam apoiar e incentivar a presença de empresas e sindicatos nestes organismos e as formas de contratação colectiva aí praticadas. Face à complexidade dos desequilíbrios e aos atrasos na sua correcção por reformas nacionais, um DME reforçado poderia ser um instrumento mais eficaz, rápido e coordenado, capaz de preservar a coerência entre as problemáticas macroeconómicas e as dinâmicas do mercado de trabalho.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  European Commission - DG EcoFin, The impact of the global crisis on competitiveness and current account divergences in the euro area, Quarterly Report on the Euro Area, n. 1/2010.

(2)  COM(2002) 714 final.

(3)  OIT-FMI, The Challenges of Growth, Employment and Social Cohesion [Os desafios do crescimento, do emprego e da coesão social], documento de trabalho para a conferência conjunta OIT-FMI, Oslo, 13 de Setembro de 2010, pp. 67-73.

(4)  Monti M., A New Strategy for the Single Market. At the Service of Europe’s Economy and Society, Report to the President of the European Commission, Maio de 2010. Delors J., Fernandes S., Mermet E., Le semester européen: un essai à transformer. Notre Europe, Les Brefs, n. 22, Fevereiro de 2011. Amato A., Baldwin R., Gros D., Micossi S., Padoan P., A new political deal for Eurozone sustainable growth: An open letter to the President of the European Council, VoxEU.org, Dezembro de 2010, disponível em linha: www.voxeu.org/index.php?q=node/5893.

(5)  Nos pontos 1.15 a 1.18 são retomadas algumas das recomendações formuladas no parecer ECO/282 sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Reforçar a coordenação das políticas económicas com vista à estabilidade, crescimento e emprego – Instrumentos para uma melhor governação económica da UE, JO 2011/C 107/02, p. 7.

(6)  COM(2010) 367 final, objecto do parecer do CESE sobre Reforçar a coordenação das políticas económicas, JO 2011/C 107/02, p. 7.

(7)  COM(2010) 250 final.

(8)  Para mais pormenores, consultar: http://ec.europa.eu/economy_finance/articles/eu_economic_situation/2010-09-eu_economic_governance_proposals_en.htm.

(9)  Parecer do CESE sobre a Supervisão orçamental na área do euro (Ver página 46 do presente Jornal Oficial).

(10)  Comissão Europeia – DG ECFIN: Um quadro estruturado para prevenir e corrigir desequilíbrios macroeconómicos: accionar o mecanismo de alerta e Um procedimento de supervisão estruturado para prevenir e corrigir desequilíbrios macroeconómicos prejudiciais: Uma explicação da proposta da Comissão de 29 de Setembro de 2010, Nota à atenção do Comité de Política Económica e dos suplentes do Comité Económico e Financeiro, 11 de Novembro de 2010 (Conselho Europeu de Investigação – ERC, 2011, Ligações externas).

(11)  European Commission - DG EcoFin, Surveillance of Intra-Euro-Area Competitiveness and Imbalances, European Economy, n. 1/2010.

(12)  Altomonte C., Marzinotto B., Monitoring Macroeconomic Imbalances in Europe: Proposal for a Refined Analytical Framework, Note for the European Parliament's Committee on Economic and Monetary Affairs, Setembro de 2010.

(13)  European Commission - DG EcoFin, The impact of the global crisis on competitiveness and current account divergences in the euro area, Quarterly Report on the Euro Area, n. 1/2010.

(14)  Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões – Política Industrial na Europa Alargada (COM(2002) 714 final).

(15)  OIT-FMI, The Challenges of Growth, Employment and Social Cohesion [Os desafios do crescimento, do emprego e da coesão social], documento de trabalho para a conferência conjunta OIT-FMI, Oslo, 13 de Setembro de 2010, pp. 67-73.

(16)  OECD, Growing Unequal? Income Distribution and Poverty in OECD Countries, Outubro de 2008.

(17)  Trata-se aqui de efeitos colaterais negativos (spillover) causados por países com um défice elevado que se propagam, através das taxas de juro comuns, a países cujo comportamento é virtuoso. De Grauwe P., Economics of Monetary Union, Oxford University Press, 2009, capítulo 10 (Economia da União Monetária, Il Mulino, 2009).

(18)  Tabellini G., Reforming the Stability Pact: Focus on financial supervision, VoxEU.org, Outubro de 2010, disponível em linha: www.voxeu.org/index.php?q=node/5622

(19)  Belke A., Reinforcing EU Governance in Times of Crisis: The Commission Proposal and beyond, Deutsches Institut fur Wirtschaftsforschung (Instituto Alemão de Investigação Económica) – DIW Discussion Papers, Berlin, Novembro de 2010.

(20)  De Grauwe P., Why a tougher Stability and Growth Pact is a bad idea, VoxEU.org, Outubro de 2010, disponível em linha http://www.voxeu.com/index.php?q=node/5615. Giavazzi F., Spaventa L., The European Commission's proposals: Empty and useless, VoxEU.org, Outubro de 2010, disponível em linha: www.voxeu.org/index.php?q=node/5680. Tabellini G., Reforming the Stability Pact: Focus on financial supervision, VoxEU.org, Outubro de 2010, disponível em linha: www.voxeu.org/index.php?q=node/5622.

(21)  Parecer do CESE sobre As implicações da crise da dívida soberana para a governação da UE, JO 2011/C 51/03, p.15.

(22)  Pareceres do CESE sobre Agências de notação de crédito, JO 2009/C 277/25, p. 117, e Agências de notação de risco, JO C 2011/C 54/12, p. 37.

(23)  Spaventa L., How to prevent excessive current account imbalances, EuroIntelligence, Setembro de 2010, disponível em linha: http://www.eurointelligence.com/index.php?id=581&tx_ttnews%5Btt_news%5D=2909&tx_ttnews%5BbackPid%5D=901&cHash=b44c8f9ae0. www.eurointelligence.com/index.php?id=581&tx_ttnews[tt_news]=2909&tx_ttnews[backPid]=901&cHash=b44c8f9ae0

(24)  Se as variações positivas e negativas se equilibram ao nível da União Monetária, o Banco Central da União não tem nenhum motivo para intervir na política monetária (De Grauwe P., Economics of Monetary Union, op. cit., cap. 1).

(25)  Monti M., A New Strtategy for the Single Market. At the Service of Europe’s Economy and Society, Report to the President of the European Commission, Maio de 2010. Delors J., Fernandes S., Mermet E., Le semester européen: un essai à transformer. Notre Europe, Les Brefs, n. 22, Fevereiro de 2011. Amato A., Baldwin R., Gros D., Micossi S., Padoan P., A new political deal for Eurozone sustainable growth: An open letter to the President of the European Council, VoxEU.org, Dezembro de 2010, disponível em linha: www.voxeu.org/index.php?q=node/5893.

(26)  Já fez esta mesma observação no seu parecer sobre Reforçar a coordenação das políticas económicas, JO 2011/C 107/02, p. 7.

(27)  O declínio da confiança não diz tanto respeito às instituições da UE propriamente ditas, mas sobretudo à utilidade de pertencer à UE. Dados do Eurobarómetro 73 – Primeiros resultados, perguntas QA9a e QA10a.

(28)  Monti M., Europe must buck short-term tendencies, Financial Times, 13 de Dezembro de 2010.

(29)  Basta pensar no pacto de competitividade apresentado pelos governos da França e da Alemanha em 4 de Fevereiro de 2011.

(30)  Já fez esta mesma observação no seu parecer sobre Reforçar a coordenação das políticas económicas, JO C 107 de 6 de Abril de 2011, p. 7.

(31)  Watt A., Economic Governance in Europe: A Change of Course only after Ramming the Ice, Social Europe Journal, 30 de Julho de 2010, disponível em linha www.social-europe.eu/2010/07/economic-governance-in-europe-a-change-of-course-only-after-ramming-the-ice. Watt A., European economic governance: what reforms are to be expected and what are needed? (Governação económica europeia: que reformas são de esperar e quais as necessárias?), artigo para European Alternatives, 2010, disponível em linha www.euroalter.com/wp-content/uploads/2010/11/Watt-ENG.pdf.


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/61


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Branco sobre os Sistemas de Garantia de Seguros»

[COM(2010) 370 final]

2011/C 218/10

Relator: Joachim WUERMELING

Em 12 Julho de 2010, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do TFUE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Livro Branco sobre os Sistemas de Garantia de Seguros

COM(2010) 370 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 5 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 148 votos a favor, 7 votos contra e 10 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE acolhe favoravelmente o Livro Branco da Comissão Europeia sobre os Sistemas de Garantias de Seguros e apoia a iniciativa da Comissão de propor medidas para protecção dos tomadores de seguros na UE.

1.2   O CESE louva os esforços da Comissão no sentido de introduzir regras harmonizadas para os sistemas de garantias de seguros (SGS) e apoia a sua intenção de elaborar uma directiva da UE que proporcione um elevado nível de protecção, sob a forma de padrões mínimos de harmonização, a fim de que os sistemas nacionais possam prever um âmbito de protecção mais amplo. O SGS será usado como último recurso quando estiverem esgotados os outros instrumentos, designadamente prudenciais.

1.3   Importa ter presente que nos últimos anos houve uma clara melhoria das disposições relativas à solvabilidade das seguradoras, nomeadamente através da supervisão e dos requisitos de fundos próprios. A experiência demonstra que a taxa de falências entre seguradoras é reduzida e deverá diminuir ainda mais graças às medidas agora propostas. Isso deve ser tido em conta na elaboração dos sistemas de garantias para assegurar o equilíbrio entre benefícios e custos. Assim, o CESE é favorável a normas europeias que permitam, por um lado, alcançar o objectivo da protecção dos consumidores e dos trabalhadores, e, por outro, mantenham os encargos para as empresas e os segurados a níveis reduzidos.

1.4   No entender do CESE, a Comissão tem razão em levantar no Livro Branco a questão de uma cobertura ilimitada dos sistemas de garantias. Importa evitar que mesmo seguradoras sólidas acabem por ter problemas devido a obrigações de garantia ilimitada. É por isso de louvar que a Comissão ponha, no Livro Branco, a hipótese de definir limitações para os pedidos de indemnização.

1.5   Quando apresentar uma iniciativa legislativa, a Comissão deverá prestar especial atenção ao momento a partir do qual o SGS deve ser activado. Este não deve ser utilizado antes que sejam esgotadas todas as outras possibilidades de intervenção prudencial. A esse respeito, o mero incumprimento do requisito de capital mínimo nos termos da Directiva Solvência II será suficiente para activar o SGS.

1.6   O CESE recomenda que sejam examinadas novamente as diferentes opções de financiamento dos SGS com base nos resultados do quinto estudo de impacto quantitativo (QIS5) sobre a Directiva Solvência II. A solução mais acertada deveria ser a definição a nível europeu de um nível mínimo de protecção, determinando a dotação concreta consoante o risco nacional e o risco de cada sector.

1.7   A regulamentação europeia deverá assegurar um nível elevado e adequado de protecção em relação aos sistemas de garantias nacionais já existentes. As questões relativas ao formato concreto a adoptar podem ser deixadas ao critério dos Estados-Membros, nomeadamente o cálculo pormenorizado das contribuições, o momento do financiamento, a decisão quanto à continuidade contratual ou à indemnização e a introdução de sistemas de garantia específicos para cada ramo.

2.   Introdução

2.1   Os seguros protegem os consumidores contra riscos básicos como doença, acidentes ou responsabilidade civil e providenciam reformas na velhice (1). A falência de uma seguradora pode levar a um prejuízo irreparável da totalidade ou de partes importantes do património do consumidor, podendo até provocar situações de pobreza.

2.1.1   A questão da necessidade de um SGS assume formas diferentes nos vários ramos de seguros. Enquanto, no caso dos seguros de vida, existe normalmente o perigo de perda do capital aforrado, essa questão não se coloca a nível dos seguros contra danos.

2.1.2   Os seguros de vida de capitalização visam a protecção a longo prazo na velhice ou dos dependentes sobrevivos. Em caso de incumprimento sem uma garantia contra a insolvência, perder-se-ia uma parte significativa da poupança privada para a reforma. Nos casos extremos, seria necessária a intervenção dos regimes de protecção social públicos. Assim, o CESE entende que é neste ramo que é mais urgente a introdução de SGS.

2.1.3   No caso dos seguros contra danos e de responsabilidade civil, é necessário proteger os tomadores de seguros que à data de insolvência tenham um pedido de indemnização por regularizar. Contudo, não se coloca aos outros segurados o problema de ter de contrair uma nova apólice junto de outra seguradora em condições menos favoráveis pelo facto de o tomador ter entretanto envelhecido ou por a sua saúde se ter deteriorado. Em geral, é possível obter no mercado uma cobertura consecutiva em condições equivalentes.

2.2   Segundo dados da Comissão, das 5 200 companhias seguradoras (2008), 130 companhias entraram em situação de incumprimento desde 1994. A este respeito, cabe, porém, recordar que as empresas estão sujeitas à obrigação legal de deter capitais próprios para fazer face, integralmente ou pelo menos em parte, às suas responsabilidades perante os tomadores de seguros nessas situações.

2.3   É por isso que até agora não se considerou necessário introduzir sistemas de garantia à escala europeia para as raras situações de insolvência de uma seguradora. A Comissão começou, é certo, a elaborar uma directiva em 2001, mas o projecto foi adiado. Nas economias de mercado, os sistemas de garantia colectivos são pouco usuais, mas foram muitas vezes introduzidos no sector financeiro conta tida dos riscos específicos para o consumidor.

2.4   No sector bancário, já existe desde 1994 uma garantia de depósitos a nível europeu para prevenir o perigo de uma «corrida aos bancos» que possa pôr em causa a estabilidade dos mercados financeiros (2). Essa garantia está em fase de actualização (3). Contudo, os riscos no sector dos seguros são diferentes dos do sector bancário. Não há, sobretudo, risco de corrida aos bancos ou necessidades de refinanciamento. Assim, um SGS eficaz deverá ter uma configuração estruturalmente diferente da do sector bancário.

2.5   A fim de proteger os direitos e o património dos clientes, o legislador adoptou uma regulamentação exaustiva: uma supervisão completa e pró-activa, elevados requisitos de fundos próprios, normas rigorosas para os investimentos financeiros e protecção dos direitos adquiridos na legislação em matéria de falências. A transposição da Directiva Solvência II torna ainda menor o perigo de uma seguradora enfrentar dificuldades financeiras (4).

2.6   Os riscos ligados ao seguro directo estão, além disso, particularmente cobertos pelos resseguros, o que limita ainda mais o risco de falência. O agrupamento e a diversificação de um elevado número de riscos ao nível dos resseguros reforçam as ligações entre as seguradoras, o que protege ainda mais o consumidor.

2.7   Por outro lado, na sequência da crise dos mercados financeiros a UE adoptou uma nova base europeia para a supervisão financeira. A criação da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares (EIOPA) inscreve-se nessa abordagem no que se refere especificamente às seguradoras.

2.8   O sector dos seguros manteve-se, em grande medida, estável durante a crise financeira. Embora não estivesse na origem da crise (5), foi afectado pelas suas repercussões. As seguradoras europeias sofreram grandes perdas e as taxas de juro mantidas a um nível baixo devido aos programas de retoma e à política monetária tornam difícil obter as rendas necessárias a partir dos capitais investidos. Os casos mais espectaculares de dificuldades no sector, como o da norte-americana AIG ou, mais recentemente, o da Ambac, não resultam da actividade seguradora tradicional, mas sim de negócios bancários que visavam a cobertura dos riscos. Esta situação poderá vir a repetir-se no futuro, sobretudo no caso de empresas e de conglomerados financeiros que exercem tanto actividades bancárias como de seguros.

2.9   Dos 27 Estados-Membros, 12 já dispõem de SGS (6). Esses sistemas são muito complexos: em certos Estados-Membros, há garantias apenas para determinados ramos de seguros. Além disso, o âmbito de cobertura dos sistemas é diferente. Em alguns casos há igualmente garantias estatais.

2.10   Os grupos de seguros activos à escala europeia operam em regra nos mercados nacionais através de filiais nacionais autónomas, as quais contribuiriam para os respectivos SGS nacionais. Se uma grande empresa europeia atravessasse dificuldades, os SGS nacionais geralmente bastariam para proteger os clientes. Ainda assim, o CESE insta à criação de um sistema de garantias europeu para as seguradoras multinacionais que actue nos casos em que os sistemas de garantias nacionais se revelem insuficientes.

2.11   Em última análise, os custos decorrentes do SGS serão compensados através do aumento dos prémios pagos pelos tomadores de seguros. É certo que permitem proteger cada consumidor contra o risco de insolvência, mas são todos os consumidores que arcam com as despesas.

3.   Comentários sobre as considerações da Comissão no capítulo 3 do Livro Branco

3.1   Natureza das eventuais medidas da UE (secção 3.1 do Livro Branco)

Os mercados nacionais de seguros apresentam grandes diferenças a nível da estrutura de produtos e dos riscos. Deve assim ser escolhido o instrumento da directiva de harmonização mínima, para proporcionar aos Estados-Membros tomar na devida consideração as especificidades da legislação nacional em matéria de insolvência, contratos e tributação e no domínio social, assim como a opção de manutenção dos mecanismos de garantia já existentes e com provas dadas no que sejam compatíveis com as disposições da directiva.

3.2   Nível de centralização e papel dos SGS (secção 3.2 do Livro Branco)

3.2.1   O que importa antes de mais é evitar que as companhias seguradoras entrem em situação de incumprimento. Para isso, é preciso um sistema de supervisão eficiente. Se isso não for suficiente, pode recorrer-se aos SGS.

3.3   Âmbito geográfico (secção 3.3 do Livro Branco)

A Comissão favorece, acertadamente, o princípio do país de origem, em sintonia com os princípios da supervisão europeia dos seguros: o controlo do conjunto das actividades das seguradoras autorizadas na UE decorre, em conformidade com a Directiva Solvência II, no país de origem. Este princípio é também aplicável às actividades comerciais efectuadas por filiais não autónomas no âmbito da liberdade de estabelecimento ou da livre circulação de serviços através de serviços transfronteiras.

3.4   Apólices cobertas (secção 3.4 do Livro Branco)

3.4.1   Tendo em conta as diferenças entre os seguros de vida e os seguros contra danos, justifica-se a criação de mecanismos de garantia distintos para estes ramos. Dentro de cada um dos ramos, o risco é razoavelmente homogéneo. Neste caso, ainda se justifica um apoio mútuo. Em compensação, seria difícil justificar que os tomadores de um seguro de habitação tenham de contribuir para um SGS cujos fundos seriam utilizados para salvar uma companhia de seguros de vida. Dado que esta situação pode estar dependente de especificidades nacionais, nomeadamente da eventual exigência de constituição de empresas juridicamente distintas para cada um dos ramos de seguros (princípio da separação dos ramos), o legislador deve conceder margem de manobra aos Estados-Membros a este respeito.

3.4.2   No que se refere ao seguro automóvel, e acompanhando o parecer do Comité das Autoridades Europeias de Supervisão dos Seguros e Pensões Complementares (CAESSPC), o CESE entende que deve ser incluído na futura directiva dos SGS por razões de clareza, equilíbrio concorrencial e maior facilidade de compreensão por parte dos consumidores.

3.4.3   A protecção dos regimes de pensões profissionais não é abrangida pelas propostas da Comissão. Só os regimes de pensões de reforma clássicos são abrangidos pelo SGS. O CESE considera, no entanto, que é necessário tomar medidas em relação aos fundos de pensões profissionais e é favorável à inclusão desta questão no quadro do seguimento do Livro Verde sobre regimes europeus de pensões adequados, sustentáveis e seguros.

3.4.4   O envolvimento, de uma forma adequada e praticável, do tomador de seguros constitui para este um incentivo eficaz a informar-se sobre a solidez da seguradora, na medida em que isso seja possível ao consumidor.

3.4.5   Seria conveniente definir limites máximos ou outras formas de limitação das prestações dos SGS, designadamente limites de minimis ou franquias, tal como proposto pelo CAESSPC no seu parecer. Neste contexto, importa assegurar que não é imposta uma cumulação de limitações aos tomadores de seguros, o que permitiria aliviar de forma sensível os SGS, repercutindo-se nos custos. Isto teria vantagens para todos os segurados, que são quem suporta os custos.

3.5   Requerentes elegíveis (secção 3.5 do Livro Branco)

3.5.1   A Comissão refere, com razão, que uma garantia que dê cobertura a todos os intervenientes no mercado implica custos desproporcionais. A primeira frase do Livro Branco descreve os SGS como uma medida de defesa do consumidor. Tal não significa, porém, que a garantia se deve limitar aos consumidores. No entanto, devem também estar protegidas as entidades que em vários direitos nacionais beneficiam da mesma protecção acordada aos consumidores, seja na qualidade de tomadores de seguros, segurados ou beneficiários.

3.5.2   Os Estados-Membros devem ter a possibilidade de excluir à partida do âmbito de aplicação dos SGS os seguros puramente comerciais, como sejam os seguros contra a cessação de actividade, ou os transportes. Os Estados-Membros também devem decidir se seria ou não adequado incluir as pequenas empresas no âmbito de aplicação da directiva.

3.6   Quando apresentar uma iniciativa legislativa, a Comissão deverá prestar especial atenção ao momento a partir do qual o SGS pode ser activado e a quem toma a decisão. A Comissão prevê que o SGS não intervenha apenas em caso de insolvência, mas sim para evitar a insolvência. No entender do CESE, efectivamente, para ser eficiente e corresponder à sua natureza e às finalidades para que foi concebido, o incumprimento do requisito de capital mínimo nos termos da Directiva Solvência II deve ser suficiente para activar o SGS.

3.7   Financiamento (secção 3.6 do Livro Branco)

3.7.1   Calendário de financiamento (secção 3.6.1 do Livro Branco)

3.7.1.1   A opção por um sistema de financiamento ex post, ex ante ou misto é uma decisão controversa. Todos os sistemas têm vantagens e desvantagens.

3.7.1.2   O financiamento ex post retira menos liquidez ao mercado, o que representa custos mais reduzidos e também prémios mais baixos para os tomadores de seguros. Além disso, evita o problema do investimento provisório dos fundos obtidos. Num sistema de financiamento ex post, não é gasta uma parte dos fundos, ainda antes de se verificar uma eventual insolvência, em despesas administrativas.

3.7.1.3   Em contrapartida, com um sistema de financiamento ex post é mais difícil enfrentar o problema do risco moral. Dado que os operadores de mercado com pouca solidez já foram excluídos do mercado quando ocorre o financiamento, em virtude da sua insolvência, já não são chamados a suportar os custos.

3.7.1.4   A principal vantagem do financiamento ex ante reside no facto de permitir o cálculo das contribuições com base no risco de insolvência. Os operadores de mercado com práticas comerciais arriscadas estão sujeitos a contribuições agravadas. Além disso, há uma maior probabilidade de evitar os efeitos pró-cíclicos num sistema de financiamento ex ante do que ex post.

3.7.1.5   A questão do momento do financiamento pode ser decisiva para a eficácia de um SGS. As vantagens de um sistema de financiamento ex nunc ultrapassam de longe os inconvenientes e não se vislumbram razões para que tradições e especificidades nacionais deixem esta decisão aos Estados-Membros. A eficiência do sistema exige uma forma única de financiamento ex nunc consagrada na directiva.

3.7.2   Nível a atingir (secção 3.6.2 do Livro Branco)

3.7.2.1   As contribuições financeiras para os SGS devem ser limitadas, tal como preconiza o CAESSPC no seu parecer. Uma obrigação de cobertura ilimitada tornaria imprevisíveis os riscos financeiros para cada empresa. Tal obrigação equivaleria a tornar cada seguradora responsável por todo o mercado (7). A gestão dos riscos de cada seguradora deixaria, assim, de depender das suas próprias decisões e passaria a depender do comportamento de risco das suas concorrentes.

3.7.2.2   Numa primeira fase, a Comissão definiu como objectivo de dotação dos SGS cerca de 1,2 % dos prémios brutos emitidos. O CESE recomenda que as diferentes opções sejam novamente revistas à luz dos dados actualmente disponíveis sobre a Directiva Solvência II. Convirá ter em mente que a Directiva Solvência II e os outros mecanismos de intervenção foram introduzidos para assegurar uma melhor defesa do consumidor, como salientou o CAESSPC no seu parecer.

3.7.2.3   Nos seus cálculos, a Comissão parte de uma probabilidade média de intervenção do sistema de garantia de 0,1 %. Este cálculo baseia-se numa cobertura de capital próprio equivalente a 100 % do requisito de capital de solvência (RCS). Se em determinados Estados-Membros ou ramos o capital próprio for superior ao RCS, o risco de falência diminui em consequência. Assim, a directiva deveria permitir que os SGS nacionais determinem a dotação em função do risco real nos mercados e nos ramos de seguros nacionais.

3.7.2.4   No Livro Branco, a Comissão não examina a questão da necessidade ou não de fazer novas contribuições para o SGS após a ocorrência de um dano. Importa, contudo, definir regras e limites claros nessa matéria, a fim de excluir uma responsabilidade ilimitada e permitir que as empresas conheçam previamente as suas obrigações e a elas se possam adaptar.

3.7.3   Contribuições (secção 3.6.3 do Livro Branco)

3.7.3.1   O regime de contribuições deve basear-se nos dados disponíveis, para reduzir os encargos burocráticos. Nos seguros de vida, deve ser por referência aos investimentos financeiros existentes; nos seguros contra danos, por referência às provisões de carácter técnico. A dotação em capitais próprios relativamente ao RCS poderia ser um critério. O legislador europeu deve fixar a metodologia a seguir e deixar a cargo dos Estados-Membros os pormenores do regime de contribuições, para que possam ser tidas em consideração as especificidades nacionais.

3.7.3.2   Antes da activação dos SGS, as seguradoras solventes devem ter oportunidade de adquirir empresas em risco sem intervenção financeira, se quiserem assegurar a base de clientes.

3.8   Transferência de carteiras e/ou indemnizações (secção 3.7 do Livro Branco)

3.8.1   Estão disponíveis duas técnicas para os SGS: o pagamento pontual de uma indemnização ao tomador do seguro ou a continuidade da apólice através de um mecanismo de garantia contra insolvência, após os activos serem transferidos para esse mecanismo. Esta transferência de carteiras é, no entender do CESE, vantajosa para o tomador de seguros de vida. No caso dos seguros contra danos e acidente, os pagamentos de compensação deverão ser suficientes para proteger o consumidor. Contudo, a directiva não deve impedir que possa ser utilizado o sistema mais vantajoso para o consumidor.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 48 de 15.2.2011, p. 38, ponto 1.4.

(2)  JO L 135 de 31.5.1994, p. 5; JO L 84 de 26.3.1997, p. 22.

(3)  COM(2010) 368 final 2010/0207 (COD) de 12.7.2010.

(4)  JO C 224 de 30.8.2008, p. 11, ponto 3.1.

(5)  JO C 48 de 15.2. 2011, p. 38, ponto 1.3.

(6)  O relatório n.o DAF/AS/WD (2010)20 da OCDE, de 10 de Novembro de 2010, proporciona uma visão de conjunto exaustiva dos diferentes sistemas nos países da OCDE.

(7)  JO C 48 de 15.2.2011, p. 38, ponto 2.7.3.1.


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada em reunião plenária, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 54.o, n.o 3, do Regimento):

Ponto 2.10

Alterar.

«2.10

Os grupos de seguros activos à escala europeia operam em regra nos mercados nacionais através de filiais nacionais autónomas, as quais contribuiriam para os respectivos SGS nacionais. Se uma grande empresa europeia atravessasse dificuldades, os SGS nacionais geralmente bastariam para proteger os clientes. Ainda assim, o CESE insta à criação, de um sistema de garantias europeu para as seguradoras multinacionais que actue nos casos em que os sistemas de garantias nacionais se revelem insuficientes.».

Justificação

Actualmente, é prematuro encarar este tipo de medida à escala europeia.

Resultado da votação

A favor

:

68

Contra

:

78

Abstenções

:

13


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/66


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão sobre a vigilância e a comunicação de dados sobre as matrículas de automóveis novos de passageiros»

[COM(2010) 657 final]

2011/C 218/11

Relator: Mihai MANOLIU

Em 10 de Novembro de 2010, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da UE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão sobre a vigilância e a comunicação de dados sobre as matrículas de automóveis novos de passageiros

COM(2010) 657 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Interno, Produção e Consumo que emitiu parecer em 5 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 148 votos a favor, com 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1

O CESE considera que mobilidade sustentável significa mover pessoas e bens na Europa da forma mais eficiente, reduzindo as emissões e economizando combustível. Isso requer informação e acesso ao modo, ou modos, de transporte mais adequados, bem como investimento em tecnologia, infra-estrutura e sistemas de gestão que encorajem um movimento livre e sustentável.

1.2

No entender do CESE, mobilidade sustentável significa conceber um quadro regulamentar que permita ao sector automóvel europeu prosperar e continuar a inovar e a produzir tecnologias e veículos de baixas emissões para um futuro sustentável.

1.3

O CESE já realçou que o quadro legislativo para a aplicação do objectivo médio para o novo parque automóvel terá de fixar metas de redução neutras do ponto de vista da concorrência, socialmente justas e sustentáveis, respeitando a diversidade de fabricantes de automóveis europeus e evitando distorções da concorrência não justificadas entre fabricantes de automóveis.

1.4

O Comité acolhe favoravelmente o facto de, «no espírito da iniciativa “Legislar melhor”», a Comissão Europeia tenha por objectivo «promover a interacção coerente entre diferentes áreas políticas, garantir previsibilidade e procurar a protecção do interesse público (por exemplo, ambiente e segurança) e, ao mesmo tempo, tentar reduzir o peso da regulamentação no sector».

1.5

Congratula-se com a manifesta vontade de desenvolver uma abordagem global e de integrar simultaneamente as diferentes dimensões do desenvolvimento da indústria e da sua competitividade e as diferentes partes interessadas.

1.6

O CESE considera importante que, quando da definição das normas de emissão, se tenha em conta as respectivas implicações para os consumidores, os mercados e a competitividade dos fabricantes, bem como para a promoção da inovação e a redução do consumo energético. É igualmente importante garantir segurança de planeamento para os fabricantes de automóveis.

2.   Contexto

2.1

O mercado da UE de automóveis novos de passageiros sofreu uma descida de 5,5 % em 2010, com um total de 13 360 599 novas unidades matriculadas nesse ano, segundo dados da Associação dos Construtores Europeus de Automóveis (ACEA). Os resultados de 2010 ficaram marcados pelo termo dos programas governamentais de incentivo à renovação do parque automóvel em muitos países da UE. Em Dezembro, foram matriculadas 1 009 638 unidades, o que representa uma redução de 3,2 % relativamente ao período homólogo no ano precedente.

2.2

No mês de Dezembro (– 3,2 %), a procura de carros novos caiu significativamente em Espanha (– 23,9 %), Itália (– 21,7 %) e no Reino Unido (– 18,0 %). O mercado francês manteve-se estável (– 0,7 %), enquanto o mercado alemão registou um aumento de 6,9 %.

2.3

O segmento dos automóveis de passageiros engloba uma das mais amplas gamas de modelos de sempre. Novos tipos de veículos versáteis, como os utilitários desportivos e os crossovers carrinha/SUV (veículos utilitários desportivos) competem por uma quota de mercado com sedãs, coupés, descapotáveis, hatchbacks (3 ou 5 portas) e carrinhas. Estes novos tipos de carroçaria estão presentes em todos os segmentos de veículos, dos automóveis compactos aos veículos de luxo.

2.4

Esta é uma boa notícia para os compradores, que usufruem de maior escolha ao nível dos preços, estilo e funcionalidade. O comportamento dos consumidores tem um impacto nas emissões globais dos automóveis de passageiros, pelo que há que informá-los se os novos automóveis de passageiros cumprem as metas relativas às emissões.

2.5

A mobilidade sustentável passa, não só por assegurar que os consumidores beneficiam de uma verdadeira possibilidade de escolha, mas também por encorajá-los a adquirir o veículo mais adequado às suas necessidades e educá-los para as técnicas de condução ecológica, de modo a reduzir a poluição desnecessária e poupar dinheiro.

2.6

No caso da produção de veículos, tal significa encontrar materiais mais sustentáveis, melhorar a logística na cadeia de abastecimento a fim de reduzir desperdícios e emissões desnecessárias e conceber um maior número de partes recicláveis em fim de vida.

2.7

As políticas governamentais também devem envolver formas economicamente mais eficazes de baixar as emissões de CO2, incentivos fiscais conjuntos e o desenvolvimento de combustíveis alternativos e das energias renováveis, bem como das respectivas infra-estruturas.

2.8

Deve, pois, ser concebido um novo método que permita ter na devida conta as reduções de CO2 conseguidas graças aos veículos bicombustível e aos veículos multicombustível capazes de funcionar com combustíveis alternativos e sustentáveis.

2.9

A indústria terá de investir ainda mais em tecnologias de redução das emissões, incluindo tecnologias de gestão de tráfego inteligentes. Terá igualmente de melhorar a eficiência dos motores.

2.10

A UE estabeleceu uma estratégia ambiciosa para reduzir as emissões de CO2 dos veículos rodoviários, tendo já alcançado muitos resultados. O Regulamento (CE) n.o 443/2009 que define normas de desempenho em matéria de emissões dos automóveis novos de passageiros (1) dispõe que as emissões médias de CO2 destes automóveis devem atingir os 130 g de CO2/km até 2015.

2.11

Os construtores automóveis estão a esforçar-se por cumprir as difíceis metas de redução das emissões de CO2 dos automóveis novos até 2012 e outros objectivos fixados para 2020. A indústria participará activamente no debate sobre transportes sustentáveis.

2.12

Nos últimos vinte anos, as emissões de CO2 dos automóveis e veículos comerciais caíram drasticamente, registando uma diminuição de cerca de 20 % desde 1995. A Comissão Europeia confirmou este progresso e reconheceu que o investimento em tecnologia automóvel fora o seu principal motor. Para atingir outras reduções significativas, o CESE considera que a sociedade deve ir além da tecnologia automóvel.

2.13

No entender do CESE, trata-se aqui de desenvolver uma abordagem dita integrada, assegurando a competitividade e o crescimento sustentável da indústria automóvel para salvaguardar a produção de automóveis na Europa e proporcionar um quadro eficiente para o desenvolvimento e a colocação no mercado de veículos limpos e eficientes do ponto de vista energético.

2.14

Os Estados-Membros devem controlar o número de veículos matriculados para avaliar o impacto no processo de monitorização e no cumprimento da meta de emissões médias de CO2 na UE do novo parque automóvel de passageiros, de acordo com o parecer do Comité das Alterações Climáticas.

2.15

O CESE estima necessário definir objectivos ao nível da UE para os novos automóveis de passageiros, a fim de evitar a fragmentação no mercado interno, como consequência da adopção de medidas diferentes pelos Estados-Membros.

2.16

A existência de objectivos comuns proporciona aos fabricantes maior segurança de planeamento e maior flexibilidade para cumprirem as exigências de redução de CO2, o que não aconteceria com objectivos de redução nacionais definidos isoladamente.

3.   Dados: transmissão, fontes, gestão e controlo

3.1

Em conformidade com o artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 443/2009, os Estados-Membros devem registar e comunicar todos os anos à Comissão certos dados relativos aos automóveis novos de passageiros matriculados no seu território no ano anterior (2).

3.2

Esses dados servirão de base para determinar o objectivo de emissões específicas de CO2 aplicável aos fabricantes de automóveis novos de passageiros e para avaliar se os fabricantes cumprem esses objectivos. É necessário harmonizar as regras relativas à recolha e comunicação dos referidos dados.

3.3

A fim de avaliar cabalmente se cada fabricante cumpre o seu objectivo de emissões específicas de CO2 e de adquirir a experiência necessária de aplicação do referido regulamento, a Comissão deve dispor de dados pormenorizados. Os Estados-Membros devem assegurar que tais dados são registados e comunicados à Comissão.

3.4

Seja qual for a fonte de dados utilizada por cada Estado-Membro para preparar os dados de vigilância agregados e os dados de vigilância pormenorizados, esses dados são baseados nas informações contidas no certificado de conformidade do automóvel de passageiros em causa.

3.5

As principais fontes de dados a utilizar pelos Estados-Membros para a recolha são os certificados de conformidade ou a documentação relativa à homologação. O certificado de matrícula não pode substituir o certificado de conformidade para efeitos de matrícula de um veículo. O certificado de matrícula só é emitido depois de o veículo ter sido matriculado.

3.6

É importante que os dados relativos à matrícula de automóveis novos de passageiros sejam exactos e possam ser processados eficazmente para efeitos do estabelecimento do objectivo de emissões específicas. Os Estados-Membros devem registar e comunicar informações sobre os veículos matriculados pela primeira vez que são concebidos para utilizar combustíveis alternativos, incluindo a percentagem de estações de serviço no seu território.

3.7

Os Estados-Membros asseguram a manutenção, a recolha, o controlo, a verificação e a transmissão dos dados de vigilância agregados e dos dados de vigilância pormenorizados.

3.8

Os dados devem ser vigiados e registados por fabricante, pelo que convém que este seja identificado e diferenciado da marca (nome comercial).

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO L 140 de 5.6.2009, p. 1.

(2)  Regulamento (UE) n.o 1014/2010 da Comissão relativo à vigilância e comunicação de dados sobre a matrícula de automóveis novos de passageiros nos termos do Regulamento (CE) n.o 443/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, JO L 293 de 11.11.2010, p. 15.


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/69


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor»

[COM(2010) 791 final — 2011/0001 (COD)]

2011/C 218/12

Relator: Bernardo HERNÁNDEZ BATALLER

Em 19 de Janeiro de 2011 e em 18 de Janeiro de 2011, respectivamente, o Conselho e o Parlamento Europeu decidiram, nos termos do artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor

COM(2010) 791 final — 2011/0001 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 5 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 104 votos a favor, 13 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE apoia a proposta da Comissão e acolhe favoravelmente a sua intenção de introduzir mais clareza, certeza e segurança jurídica no quadro jurídico da União.

1.2   Todavia, o CESE lamenta que a revisão proposta seja insuficiente e não englobe todos os aspectos do regulamento que é necessário alterar, à luz da experiência acumulada desde a entrada em vigor do Regulamento (CE) no 2006/2004.

1.3   O CESE solicita à Comissão que tenha em conta, na próxima revisão do Regulamento (CE) n.o 2006/2004, as sugestões que constam do presente documento, para melhorar o funcionamento da actual cooperação entre as autoridades nacionais competentes em matéria de consumo.

2.   Contexto

2.1   O CESE já se pronunciou a favor da proposta (1) de Regulamento (CE) n.o 2006/2004, embora tivesse lamentado a existência de determinadas lacunas, especialmente no que diz respeito ao sistema de assistência mútua e de reciprocidade previstos, que são susceptíveis de criar situações prejudiciais ao funcionamento do mercado interno.

2.2   Em 27 de Outubro de 2004, foi adoptado o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (2) relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor, em conformidade com os termos essenciais da proposta.

3.   Relatório de aplicação

3.1   Em 2 de Julho de 2009, a Comissão apresentou um relatório de aplicação do Regulamento (CE) no 2006/2004 (3) em que analisa o quadro institucional e de aplicação para a criação da rede, o funcionamento próprio da rede e o quadro de cooperação. No seu parecer (4), o CESE já deplorava o facto de não ter sido consultado pela Comissão sobre o referido.

3.2   Para concluir, a Comissão considera que a rede ainda não alcançou o seu pleno potencial e, assinala que a mesma deve melhorar a eficácia do seu funcionamento através de uma série de medidas que, oportunamente, também poderiam incluir a revisão do Regulamento (CE) n.o 2006/2004 quanto aos aspectos relativos às modalidades de aplicação, à adopção de um plano de acção anual para a aplicação da legislação, aos exercícios conjuntos como os «varrimentos» (sweeps), à promoção de uma interpretação uniforme da legislação da UE ou à sua definição para dar mais visibilidade à rede.

4.   Proposta da Comissão

4.1   Em 3 de Janeiro de 2011, a Comissão apresentou uma proposta de alteração ao Regulamento (CE) n.o 2006/2004, com o objectivo de actualizar os conteúdos do anexo do regulamento sobre a cooperação no domínio da defesa do consumidor, de forma a reflectir a evolução legislativa recente em matéria de defesa do consumidor.

4.2   A actualização do anexo consiste em suprimir a legislação que não é pertinente para a cooperação no domínio da defesa do consumidor entre as autoridades nacionais encarregadas da aplicação da legislação e em substituir às disposições obsoletas por novas disposições relativas à defesa do consumidor.

4.3   Tal implica, nomeadamente, a supressão de algumas referências (por exemplo, à Directiva Publicidade Enganosa e Comparativa) (5) ou a substituição de outras (como é o caso da Directiva Crédito ao Consumo, da Directiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual ou da Directiva Utilização a Tempo Parcial de bens Imóveis).

5.   Observações na generalidade

5.1   O CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão, por considerar que a clareza da redacção do quadro jurídico da União implica maior certeza e segurança jurídica para todos os cidadãos. Preocupa-o a situação dos trabalhadores por conta própria e das pequenas empresas, que têm problemas semelhantes aos dos consumidores que celebram contratos com as grandes empresas e, sobretudo, com as indústrias de rede.

5.2   Solicita uma vez mais à Comissão que estimule de forma coerente esta cooperação administrativa, que o Comité considera necessária para o bom funcionamento do mercado interno, e reconhece os esforços da Comissão a favor da transparência graças à aprovação da recomendação de 1 de Março de 2011 que inclui as «orientações para a aplicação das regras de protecção de dados no Sistema de Cooperação no domínio da Defesa do Consumidor  (6)».

5.3   Não obstante o que precede, considera que a proposta é excessivamente limitada e não aborda muitas questões que dizem respeito à cooperação entre as autoridades competentes em matéria de consumo e que ainda se encontram pendentes. A Comissão nem sequer trata os aspectos que no seu relatório de aplicação do Regulamento (CE) n.o 2006/2004 considera como «lacunas».

5.3.1   Segundo o CESE, a proposta de alteração poderia ter previsto algumas das medidas que seguem.

5.4   Vigilância sistemática do mercado

5.4.1   O exercício das funções de vigilância e inspecção dos bens e dos serviços abrangidos pela regulamentação da UE requer uma planificação conjunta e muito precisa, tanto em termos de calendário como de conteúdos, na programação das acções a realizar em cada caso pelas autoridades nacionais competentes em matéria de consumo. É conveniente criar mecanismos de verificação equivalentes para garantir o respeito das disposições supranacionais, através de campanhas sistemáticas de vigilância do mercado que permitam manter, a todo o momento, um nível de protecção dos consumidores elevado e uniforme no mercado único.

5.4.2   Esta coordenação anual da actividade de inspecção poderia, especialmente no que toca às normas de carácter horizontal, ser complementada por iniciativas de informação e de análise do mercado, recorrendo aos screening que uniformizariam os «varrimentos» que se realizam actualmente.

5.5   Procedimento sancionatório

5.5.1   Para evitar um «efeito fronteira» na aplicação das medidas correctoras no caso de incumprimento da regulamentação da UE em vigor, deveria prever-se uma harmonização mínima dos critérios comuns do procedimento sancionatório e das sanções que as autoridades competentes em matéria de consumo teriam de impor para conseguir eficácia e garantias equivalentes para a abertura e a resolução de dossiês semelhantes sobre infracções idênticas.

5.6   O CESE considera que as divergências em aspectos essenciais dos regimes sancionatórios podem levar ao no incumprimento das disposições da UE, colocar gravemente em perigo a defesa do consumidor e a integridade do mercado, falsear a concorrência no mercado interno e, em última análise, minar a confiança dos consumidores.

5.7   O CESE considera que é indispensável reforçar a convergência e o rigor dos regimes sancionatórios para evitar o risco de disfuncionamento do mercado único. Para tal, propõe que se defina um conjunto mínimo de critérios comuns para garantir uma aproximação mínima dos regimes sancionatórios nacionais, que prevejam:

tipos adequados de sanções administrativas para as infracções a disposições fundamentais,

publicação das sanções graves,

multas administrativas suficientemente elevadas, tendo em conta a infracção cometida,

critérios a considerar na aplicação das sanções,

sanções para as pessoas singulares e colectivas,

introdução eventual de sanções penais para as infracções mais graves,

mecanismos adequados de apoio à aplicação eficaz das sanções.

5.8   Monitorização da qualidade dos bens e dos serviços

5.8.1   Um caso particular no âmbito do desenvolvimento da iniciativa «Vigilância sistemática do mercado» atrás referida é constituído pela metodologia de monitorização dos bens e dos serviços e as determinações analíticas pertinentes que têm em vista verificar o cumprimento das normas correspondentes e a informação certificada, e, especialmente, assegurar a prevenção e a qualidade inerente a tais bens e serviços.

5.8.2   Trata-se de criar um procedimento comum para a monitorização que conduza à convergência metodológica nesta prática, e de conceber e elaborar uma planificação transnacional que permita alargar o espectro da monitorização mediante uma utilização o mais eficaz possível dos recursos disponíveis em cada administração participante, de modo a evitar duplicações e sobreposições que poderiam causar pressões diferenciais indesejáveis neste domínio.

5.8.3   Além de estabelecer critérios uniformes de actuação na selecção dos produtos a controlar, também é necessário determinar, no âmbito do procedimento comum, os aspectos relativos à identificação das amostras, à formalização dos documentos, à realização dos exames analíticos preliminares, de forma contraditória e dirimente, bem como todos os restantes elementos não contemplados nas normas de qualidade ou em qualquer outra legislação pertinente.

5.9   A necessidade desta iniciativa é evidente num contexto de mercado global em que a comercialização transfronteiriça pressupõe, cada vez mais, a prática habitual na procura que os consumidores efectuam para satisfazer os seus desejos e necessidades.

5.10   Segurança dos produtos. Embora se trate de uma área de cooperação por excelência, e, por conseguinte, tenha um grau de desenvolvimento harmonioso mais completo, ainda apresenta algumas lacunas que escapam ao sistema de intercâmbio rápido de informações geralmente designado por sistema de alerta, mas que poderiam ser melhoradas e completadas graças à aplicação de ferramentas e de instrumentos de avaliação, gestão e comunicação dos riscos, à semelhança dos que se prevêem para os riscos associados aos produtos alimentares.

5.10.1   Concretamente, a elaboração periódica de um eurobarómetro para a análise da percepção que têm os consumidores dos riscos associados a produtos não alimentares é, sem dúvida, uma vantagem quando se trata de abordar outros aspectos conexos, designadamente os aspectos relativos à informação e à educação dos cidadãos em matéria de consumo.

5.10.2   Outra medida a propor neste domínio para reforçar a eficácia dos sistemas de alerta actuais consistiria em integrá-los numa única ferramenta que permita a interoperabilidade, ou seja, o intercâmbio de dados, independentemente da sua origem e das suas fontes, tanto em termos de informação, como de órgãos de gestão competentes (sanitários, agroalimentares, de consumo, fiscais, etc.).

5.11   Aspectos éticos e ambientais na autorização para a comercialização de bens e serviços. É muito interessante e imprescindível para a sua aplicação que os procedimentos relacionados com a notificação de alerta sejam alargados a produtos que devem ser retirados do mercado por motivos de carácter ecológico, ético ou por qualquer outra razão relacionada com práticas empresariais contrárias à dignidade das pessoas ou prejudiciais para o ambiente em que estas se desenvolvem, de acordo com a lista das infracções referidas nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, com a deterioração do ambiente ou o esgotamento dos recursos naturais – tanto ao nível da produção e da distribuição, como ao nível da comercialização dos bens e da prestação dos serviços correspondentes.

5.11.1   No contexto de uma produção deslocalizada, é especialmente problemático o desconhecimento por parte dos consumidores das informações pertinentes sobre a origem dos produtos (onde e como o produto foi fabricado e distribuído, bem como o impacto económico e social para a comunidade que o fabrica ou produz). Por isso, os consumidores devem, na medida do possível, poder dispor de informações, através da Internet ou por outros meios, que os levem a não consumirem inconscientemente produtos derivados de práticas ilegais. Do mesmo modo, é preciso incluir informações que permitam que os consumidores tenham em conta, nas suas decisões de compra, outros critérios além dos critérios habituais de qualidade e de preço, garantindo, assim, que com os seus actos os consumidores não contribuem involuntariamente para a perpetuação de práticas ilícitas directa ou indirectamente relacionadas com o produto que, se tivesse acesso às informações pertinentes, o consumidor não teria certamente comprado.

5.11.2   O direito que assiste ao consumidor de dispor de uma informação integral sobre os bens que são objecto de oferta – o que se poderia designar por «rastreabilidade social dos produtos» – seria tão favorável à defesa da concorrência como à concretização do poder dos consumidores e do seu papel no mercado através das opções que eles livremente assumem no momento da decisão de compra («a tua compra é o teu voto»).

5.12   Fomento das boas práticas empresariais em matéria de consumo responsável

5.12.1   A importância e a projecção que cada vez mais têm os programas de responsabilidade social das empresas exigem um protagonismo das políticas de consumo nesta matéria, bem como a participação de carácter consultivo dos consumidores na elaboração das declarações de responsabilidade das empresas.

5.12.2   A adopção de critérios e políticas comuns de promoção relativamente à supervisão dos programas de responsabilidade social das empresas transfronteiriças ao nível do seu impacto no conjunto dos consumidores e utilizadores de âmbito supranacional deve, além disso, incluir mecanismos convincentes de reconhecimento de boas práticas, como a auto-regulação, os códigos de conduta, os rótulos de qualidade e qualquer outra iniciativa voluntária que vise a convergência de interesses.

5.12.3   Além disso, estas acções reforçam a competitividade das empresas no quadro de um mercado de concorrência leal e em que é possível criar um círculo virtuoso oferecendo vantagens a todos os agentes que nele operam (produtores, distribuidores, consumidores) através de sinergias que demonstram que os antagonismos não são inevitáveis, especialmente em contextos de reciprocidade no exercício das diferentes actividades e do reconhecimento, pelos consumidores e os utilizadores, da mais-valia que tal pressupõe.

5.12.4   No quadro desta iniciativa, também há que ter em conta, de modo específico, os elementos relacionados com a agroecologia, o comércio equitativo, o consumo responsável, a soberania alimentar, etc., e outros aspectos actualmente importantes como os relacionados com os organismos geneticamente modificados.

5.13   Acções colectivas

5.14   As acções colectivas inibitórias estão abrangidas pela regulamentação da UE, o que não é o caso das acções colectivas de indemnização ou de ressarcimento, em relação às quais o CESE se pronunciou em várias ocasiões a favor da criação de um quadro europeu harmonizado que inclua a possibilidade de reclamar os chamados «danos bagatela».

5.15   Em caso de infracções graves, a apreensão dos benefícios ilícitos e as indemnizações punitivas deveriam ser concebidas como medidas complementares às sanções que as autoridades devem impor. Os montantes correspondentes, conforme já foi reiterado pelo CESE (7), devem servir para alimentar um «fundo de apoio às acções colectivas» com vista a facilitar acções colectivas de indemnização por parte das associações de consumidores. Por outro lado, também as organizações de consumidores e as autoridades deveriam participar no financiamento deste fundo. Para o efeito, o CESE (8) recorda à Comissão a necessidade de aprovar uma regulamentação supranacional que harmonize as acções colectivas, para poder obter um elevado nível de protecção dos interesses económicos dos consumidores.

5.16   O CESE reitera a sua posição favorável à introdução no regulamento da possibilidade de reforço da cooperação entre as autoridades públicas e as organizações de consumidores, para que a autoridade nacional competente possa encarregar «outros organismos» de fazer cessar ou de proibir as infracções na UE.

5.17   Mecanismos alternativos de resolução de litígios

5.17.1   A Comissão publicou um documento de consulta «sobre o recurso a mecanismos alternativos para resolver litígios relacionados com as transacções e as práticas comerciais na União Europeia», sobre o qual não foi consultado. O CESE aguarda com interesse a proposta da Comissão para se pronunciar novamente sobre estes sistemas complementares de acesso à acção judicial efectiva.

5.17.2   Para o efeito e para aumentar a confiança dos consumidores, deveríamos reflectir sobre a possibilidade de criar um «rótulo europeu» para os estabelecimentos ou as empresas que aderem a estes sistemas.

5.18   Redes e centros de recursos

5.18.1   É necessário estimular centros europeus de recursos através de medidas de desenvolvimento das redes de cooperação actuais, para encorajar a informação, a formação e a educação dos consumidores (por exemplo, centros europeus do consumidor, publicações, programas e projectos, etc.).

5.19   Rastreabilidade dos preços. Num mercado único em que os consumidores partilham as mesmas preocupações e problemas e cujo carácter global pode, por um lado, dificultar o acesso a uma informação fidedigna e, por outro lado, ocultar os mecanismos de formação dos preços dos bens, por outro, seria interessante criar um método de rastreabilidade dos preços de artigos análogos e de primeira necessidade que permita dar mais coesão ao mercado único em benefício dos consumidores e utilizadores e, sobretudo, garantir maior transparência de modo a renovar a confiança dos consumidores, que é um poderoso indicador da saúde económica de um determinado território, neste caso, a União Europeia.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 108 de 30.4.2004, p. 86.

(2)  JO L 364 de 9.12.2004, p. 1

(3)  COM(2009) 336 final.

(4)  JO C 18 de 19.1.2011, p. 100.

(5)  A Directiva 2006/114/CE pretende defender os interesses dos consumidores só no que diz respeito à publicidade comparativa. No anexo ao regulamento inclui-se só uma referência aos artigos pertinentes desta directiva.

(6)  JO L 57 de 2.3.2011, p. 44.

(7)  JO C 162, de 25.6.2008, p. 11 e JO C 175, de 28.7.2009, p. 20.

(8)  JO C 324, de 30.12.2006, p. 1.


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

A)   O ponto infra do parecer da secção foi substituído por alteração adoptada pela Assembleia, mas os votos a favor da sua manutenção representaram mais de um quarto dos sufrágios expressos (artigo 54.o, n.o 4 do Regimento):

«5.7

O CESE considera que é indispensável reforçar a convergência e o rigor dos regimes sancionatórios para evitar o risco de disfuncionamento do mercado único. Para tal, propõe o estabelecimento de um conjunto mínimo de critérios comuns para garantir uma aproximação mínima dos regimes sancionatórios nacionais, que prevejam:

tipos adequados de sanções administrativas para as infracções a disposições fundamentais,

publicação das sanções,

multas administrativas suficientemente elevadas,

sanções para as pessoas singulares e colectivas,

critérios a considerar na aplicação das sanções,

introdução eventual de sanções penais para as infracções mais graves,

mecanismos adequados de apoio a uma aplicação eficaz das sanções.»

Resultado da votação

Votos a favor

:

82

Votos contra

:

44

Abstenções

:

10

B)   As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 54.o, n.o 3 do Regimento):

Ponto 5.12.2

Suprimir

«

»

Justificação

Na prática, é impossível colocar todas as informações exigidas no rótulo do produto, especialmente no caso das PME, na medida em que isto constituirá um encargo (administrativo) adicional para as PME que produzem e distribuem bens e serviços, criará uma desvantagem competitiva e suscitará problemas ao nível da importação de produtos de países terceiros.

Além disso, seria útil saber se as organizações de consumidores já dispõem de estudos sobre a utilização destas informações pelos consumidores e sobre a disponibilidade dos consumidores para pagarem os custos adicionais incorridos pelo seu fornecimento.

Resultado da votação

Votos a favor

:

45

Votos contra

:

75

Abstenções

:

4

Ponto 5.16

Suprimir.

«

».

Justificação

Não é aceitável que uma organização que representa uma das partes seja responsável por fazer cessar ou proibir infracções no seio da UE.

Resultado da votação

Votos a favor

:

38

Votos contra

:

76

Abstenções

:

8


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/74


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece requisitos técnicos para as transferências de créditos e os débitos directos em euros e que altera o Regulamento (CE) n.o 924/2009»

[COM(2010) 775 final – 2010/0373 (COD)]

2011/C 218/13

Relator: Joachim WUERMELING

Em 18 de Janeiro de 2011 e 28 de Janeiro de 2011, o Parlamento Europeu e o Conselho decidiram, respectivamente, consultar o Comité Económico e Social Europeu, nos termos do artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece requisitos técnicos para as transferência de créditos e os débitos directos em euros e que altera o Regulamento (CE) n.o 924/2009

COM(2010) 775 final – 2010/0373 (COD).

A Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo incumbida dos correspondentes trabalhos emitiu parecer em 5 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 137 votos a favor, 8 votos contra e 19 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações do Comité

1.1   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia a criação pela Comissão do espaço único de pagamentos em euros (SEPA). Para a realização do mercado interno é extremamente importante que os pagamentos em euros que não em numerário possam ser efectuados de qualquer conta segundo regras comuns em toda a Europa.

1.2   Contudo, o CESE julga necessário alterar determinados pontos específicos da proposta de regulamento da Comissão, a fim de permitir uma transição sem problemas no interesse dos consumidores e das empresas, enquanto utentes, e dos bancos, enquanto prestadores de serviços.

1.3   O CESE entende que os prazos previstos na proposta para a transição para o SEPA são demasiado curtos. A funcionalidade, a segurança e a acessibilidade do sistema só poderão ser garantidas se todas as instituições de crédito dispuserem de tempo suficiente para se prepararem. Para as transferências, o prazo para a aplicação deveria ser não só de um ano mas sim de três anos após a entrada em vigor do regulamento. No caso das operações de débito directo, a data-limite deve ser de quatro anos, e não dois, após a entrada em vigor do regulamento.

1.4   A autorização de adoptar actos delegados prevista na proposta deve ser sensivelmente limitada ou simplesmente suprimida, uma vez que a adaptação ao progresso técnico e à evolução do mercado das disposições previstas no regulamento em matéria de regras de pagamento tem importantes repercussões na prática. Os responsáveis políticos deverão decidir quanto a esses aspectos ao longo do processo legislativo, no qual o CESE deve ser envolvido.

1.5   O CESE acolhe com especial favor o facto de a proposta proibir as taxas multilaterais de intercâmbio para as operações de débito directo. Isso permite maior clareza e transparência nas relações contratuais complexas que estão na base das operações de pagamento e beneficia sobretudo as pequenas e médias empresas.

2.   Antecedentes do parecer

2.1   A criação do espaço único de pagamentos em euros (SEPA) é uma das prioridades da Comissão Europeia para a concretização do mercado interno. Com os novos sistemas SCT (transferências de créditos SEPA) e SDD (débitos directos SEPA), os utilizadores de instrumentos de pagamento podem efectuar pagamentos que não em numerário nacionais e transfronteiriços segundo um mesmo procedimento. Isso facilita os pagamentos, reduz os encargos administrativos e diminui os custos para todas as partes do comércio no interior da UE, quer se trate de consumidores quer de empresas. De futuro, os mais de 500 milhões de cidadãos e as mais de 20 milhões de empresas do mercado interno poderão beneficiar do novo sistema.

2.2   As primeiras disposições jurídicas de base para o SEPA foram adoptadas já nos últimos anos. A Directiva 2007/64/CE relativa aos serviços de pagamento no mercado interno introduziu condições e direitos harmonizados para os clientes de serviços de pagamento na UE. Isso criou na prática o mercado interno para os serviços de pagamento. No entanto, a diversidade dos sistemas nacionais e os diferentes procedimentos para pagamentos nacionais e transfronteiriços não deixou de existir. Foi, contudo, lançada uma base jurídica para a criação de um sistema uniforme para todos os pagamentos internacionais.

2.3   O Regulamento (CE) n.o 924/2009 relativo aos pagamentos transfronteiriços na Comunidade dispôs que as taxas deveriam ser essencialmente idênticas para as operações de débito directo nacionais e transfronteiriças. Ao mesmo tempo, foi criada a base para a infra-estrutura de pagamento do SEPA.

2.4   O CESE emitiu pareceres sobre ambos esses actos legislativos (1), louvando o facto de, após a introdução do euro, vir a ser criado igualmente um espaço único de pagamentos em euros.

2.5   As transferências de créditos SEPA (SCT) são possíveis desde 28 de Janeiro de 2008 para os pagamentos bancários. O prazo para uma transferência não pode ultrapassar, desde Novembro de 2009, três dias de processamento bancário. A partir de 2012, esse prazo será reduzido para um só dia de processamento bancário.

2.6   Os débitos directos SEPA (SDD) estão disponíveis desde 2 de Novembro de 2009. Estão previstos dois procedimentos diferentes: o débito directo SEPA de base («SEPA Core Direct Debit») enquanto opção geral e o débito directo SEPA entre empresas («SEPA Business to Business Direct Debit») para os pagamentos entre parceiros comerciais. Desde Novembro de 2010 que todos os bancos estão obrigados a disponibilizar os SDD de base.

2.7   O recurso aos pagamentos SEPA é ainda muito limitado. No início de 2011, ou seja, três anos após a sua introdução, as SCT representavam ainda apenas 4 % das transferências. Se esta tendência se mantiver, demorará mais de 25 anos até que as vantagens do SEPA sejam plenamente aproveitadas.

2.8   A Comissão Europeia considera demasiado limitados os progressos alcançados com o SEPA numa base exclusivamente de mercado. Por isso, propõe medidas legislativas para tornar obrigatória a introdução dos instrumentos de pagamento SEPA. Os instrumentos de pagamento nacionais deverão ser substituídos pelos pagamentos SEPA numa data específica.

2.9   Segundo estimativas encomendadas pela Comissão Europeia, os bancos, pelo lado dos prestadores de serviços, terão de consagrar 52 mil milhões de euros à migração para as operações de pagamento SEPA. Segundo as mesmas estimativas, porém, os consumidores, pelo lado da procura, beneficiarão de preços mais baixos e de vantagens operacionais.

2.10   A proposta da Comissão Europeia de 16 de Dezembro de 2010 prevê datas-limite para a supressão das operações de transferência de créditos e de débito directo nacionais e para a aplicação exclusiva dos instrumentos de pagamento SEPA. Após a entrada em vigor do regulamento nos países da zona euro, as operações nacionais de transferência de crédito continuarão a ser possíveis durante 12 meses adicionais e as operações nacionais de débito directo continuarão a ser possíveis durante 24 meses adicionais.

2.11   Uma diferença fundamental entre as SCT ou os SDD e os actuais procedimentos nacionais para os consumidores e as empresas é que mesmo, para os pagamentos puramente nacionais, se torna obrigatório utilizar o número internacional de conta bancária (IBAN) e o código de identificação bancária (BIC), em vez do número de conta e do código bancário nacionais a que estão habituados. O IBAN é um número de conta bancária estandardizado e internacional composto de um máximo de 34 caracteres. O BIC é o código bancário internacional de uma instituição de crédito e é composto de um máximo de 11 caracteres.

3.   Observações na generalidade

3.1   O CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão Europeia. A proposta de regulamento constitui o passo decisivo para dar expressão concreta a um espaço único de pagamentos em euros funcional e eficaz.

3.2   O mercado interno é um dos principais motores do crescimento económico da UE. A introdução do euro foi uma etapa importante no fomento da coesão entre os Estados-Membros. Por conseguinte, o CESE entende que é puramente lógico assegurar o êxito do projecto de um sistema de pagamentos uniforme em toda a Europa.

3.3   O CESE considera, porém, que a proposta de regulamento é demasiado ambiciosa na definição das datas-limite para o abandono das operações de pagamento nacionais. O que é fundamental é o êxito do projecto, e não a rapidez da sua execução. Os pagamentos destinam-se essencialmente aos consumidores, mas constituem igualmente uma questão sensível para todos os outros intervenientes económicos. Tal como quando da introdução do euro, devem ser tomadas todas as provisões concebíveis, como sejam testes, períodos de ensaio, campanhas de informação, etc., para evitar perturbações do funcionamento, avarias, pagamentos errados, extravio de montantes transferidos e problemas semelhantes. Para isso, haverá que prever o tempo necessário. Por isso, o CESE chama a atenção para os riscos da precipitação, que poderá comprometer o êxito do projecto junto dos cidadãos. Por outro lado, convém ter igualmente presente que períodos de transição demasiado longos poderão ocasionar custos adicionais.

3.4   Ainda não estão esclarecidas todas as questões para garantir uma transição sem problemas para o sistema SEPA. Importa recordar que muitos dos pontos ainda em aberto só podem ser resolvidos ao nível nacional entre as partes associadas ao projecto SEPA. Haverá sobretudo que encontrar um equilíbrio adequado entre os interesses dos bancos, do lado da oferta, e os dos utilizadores, do lado da procura.

3.5   Os consumidores e os intervenientes económicos perguntam-se muitas vezes por que motivo o sistema SEPA impõe a substituição das operações de pagamento nacionais, já comprovadas. O uso frequente ao longo dos anos tornou as operações nacionais, com os antigos números de conta e códigos bancários, familiares para os utilizadores. As novas operações SEPA vêm simplificar as transferências e as operações de débito directo transfronteiriças, mas o SEPA também será obrigatório para as operações de pagamento nacionais. É por isso que a Comissão Europeia e os bancos deverão procurar demonstrar mais eficazmente as vantagens das novas operações SEPA no que respeita a rapidez e custos.

3.6   O êxito do SEPA depende em grande medida da sua aceitação pelos utilizadores, quer se trate dos consumidores quer de outros intervenientes económicos. Para isso, haverá antes de mais que fomentar o mais depressa possível o grau de conhecimento dos instrumentos de pagamento SEPA e dos seus elementos, o IBAN e o BIC. É precisa uma campanha de informação mais intensiva por parte das instituições de crédito, que ainda não decorreu de maneira suficiente em todos os Estados-Membros. Acresce que os requisitos dos novos produtos SEPA não são ainda suficientemente conhecidos por vastos sectores da população, mas também por muitas PME.

3.7   O IBAN, de 34 caracteres, seria mais fácil de utilizar se fosse introduzido um separador (espaço vazio, travessão, novo campo) entre cada quatro caracteres. Não deve esquecer-se que sobretudo os utilizadores mais idosos podem ter problemas com os novos dados e as novas sequências de algarismos. Por isso, os bancos devem prever uma assistência aos utilizadores, nomeadamente através de programas de conversão.

3.8   Além disso, os novos instrumentos de pagamento terão ainda de ser sujeitos a testes adequados. Isso não foi ainda possível para todos os produtos SEPA, uma vez que o SDD, por exemplo, só pode ser usado de forma generalizada desde que a acessibilidade de todos os bancos se tornou obrigatória a partir de Novembro de 2009. Só a experiência dará a todas as partes implicadas, do lado quer dos bancos quer dos utilizadores, a possibilidade de detectar e suprimir as dificuldades iniciais e os entraves práticos. Importa garantir sobretudo, através de prazos de transição adequados, que as novas operações de pagamento SEPA possam ser efectuadas automaticamente e de forma generalizada.

3.9   Para o CESE, a migração obrigatória para o SEPA deve ser acompanhada das disposições de segurança necessárias, sem prejuízo da viabilidade das operações sobretudo para a banca de retalho. O ordenante, o beneficiário e o prestador do serviço de pagamento devem ter a garantia de que os pagamentos decorrem de forma correcta, pontual e fiável.

3.10   Não menos importantes são as dificuldades de aplicação ao nível nacional na migração para o SEPA. Assim, por exemplo, na Alemanha – o país que de longe mais operações de débito directo regista na UE – não foi ainda esclarecido se os mandatos de débito directo existentes podem ser igualmente aplicados aos SDD. Convirá encontrar uma solução eficaz e juridicamente segura que não traga desvantagens desproporcionais nem aos consumidores nem às empresas. Não teria cabimento escrever a todos os clientes para solicitar novos mandatos. Os custos e os encargos administrativos seriam enormes, e mesmo os interesses do consumidor não seriam respeitados se ficasse sujeito a uma avalanche de correspondência dos seus parceiros comerciais.

3.11   Além disso, é necessário envolver melhor os utilizadores na definição das operações de pagamento a nível europeu e nacional, não só na actual fase de aplicação dos instrumentos SEPA como sobretudo na evolução futura das operações. Com a criação do Conselho Europeu do SEPA, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu deram um primeiro passo no sentido de um melhor envolvimento dos utilizadores no processo de definição das operações. Infelizmente, as organizações de utilizadores representadas nesse conselho não reflectem de forma suficiente todas as partes implicadas no SEPA. Também seria importante criar, dentro do Conselho Europeu do SEPA, um grupo de peritos sobre a evolução técnica das operações de pagamento do SEPA, composto de número igual de prestadores e utilizadores dos serviços.

4.   Observações na especialidade

4.1   Artigo 5.o, n.os 1 e 2 – Prazos suficientes para a migração para o SEPA

4.1.1   O CESE considera demasiado curtos os prazos propostos pela Comissão Europeia para a migração obrigatória para o sistema SEPA. Antes disso, haverá ainda que garantir que os novos produtos SEPA são tão eficientes e seguros como as actuais operações de pagamento nacionais.

4.1.2   Para as transferências, o prazo para a aplicação deveria ser não só de um ano mas sim de três anos após a entrada em vigor do regulamento.

4.1.3   No caso das operações de débito directo, a data-limite deve ser de quatro anos, e não dois, após a entrada em vigor do regulamento.

4.1.4   Estes prazos mais longos são necessários antes de mais para conquistar a confiança dos consumidores nas novas operações de pagamento SEPA. O conhecimento do SEPA deve ser promovido, sobretudo no que respeita à familiarização com o IBAN e o BIC. Além disso, as vantagens do sistema SEPA devem ser mais eficazmente divulgadas. Os novos produtos terão de se revelar eficientes e seguros na utilização prática. Importa igualmente resolver problemas a nível nacional como a migração dos mandatos.

4.1.5   As empresas também precisam de prazos mais alargados devido aos encargos com a adaptação das operações. As empresas terão de fazer investimentos adicionais e adaptar os seus processos de trabalho e os seus sistemas operacionais, incluindo a conversão dos dados de todos os seus clientes ao IBAN e ao BIC. A Comissão Europeia afirmou ela própria, na avaliação de impacto, que o ciclo de investimentos nos sistemas informáticos das empresas dura geralmente três a cinco anos.

4.2   Artigo 5.o, n.o 4, e artigo 12.o - Não a uma transferência excessiva de competências

4.2.1   O CESE julga necessário que as decisões fundamentais relativas ao sistema SEPA continuem a ser tomadas pelo legislador europeu com o envolvimento dos órgãos consultivos, como o CESE. Conferir à Comissão Europeia poderes, sob a forma de actos delegados, para qualquer adaptação ao progresso técnico ou à evolução do mercado é ir longe de mais. Mesmo pequenas modificações das operações para os pagamentos europeus podem ter consequências substanciais para consumidores, empresas e prestadores de serviços de pagamento, pelo que devem ser previamente debatidas em pormenor e decididas de acordo com o processo legislativo ordinário.

4.2.2   O artigo 290.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) dispõe que a delegação na Comissão do poder de adoptar actos delegados só é possível para completar ou alterar certos elementos não essenciais do acto legislativo em questão.

4.2.3   Os requisitos técnicos para SDD e SCT listados no anexo à proposta de regulamento são critérios determinantes para os futuros produtos SEPA. A mínima alteração desses requisitos pode influenciar consideravelmente os procedimentos seguidos pelos prestadores e pelos utilizadores. Por último, entre os requisitos constantes do anexo conta-se igualmente a obrigação de suprimir os regimes de pagamento nacionais, que não são compatíveis com os requisitos do SEPA. É de rejeitar, por isso, qualquer alteração dos requisitos técnicos sem o devido envolvimento do Parlamento Europeu e do Conselho.

4.3   Artigo 6.o - Clareza sobre os custos no futuro

4.3.1   O CESE louva o facto de no futuro deixar de ser aplicável às operações de débito directo qualquer taxa de intercâmbio multilateral. É preciso garantir que as futuras taxas sobre as operações de pagamento sejam transparentes e possam ser incluídas nos serviços concretos prestados pelos bancos.

4.3.2   A Comissão Europeia tem salientado desde o lançamento do projecto que as novas operações SEPA não poderão ser mais onerosas do que as antigas operações nacionais. O CESE apoia esta posição com veemência e insta a Comissão a adoptar todas as medidas necessárias para garantir que as novas operações SEPA não serão mais onerosas do que as antigas operações nacionais mediante um aumento das taxas nacionais, como aconteceu durante a introdução do euro. Caso contrário, será difícil garantir a aceitação das novas operações sobretudo por parte dos consumidores. As taxas de intercâmbio multilaterais não são comuns em todos os países da zona euro. Seria, por isso, seria enviar um sinal errado se essas taxas voltassem a ser introduzidos em certos países da zona euro com as novas operações SEPA.

4.3.3   O CESE salienta ainda que nas operações directas que não podem ser efectuadas correctamente por um prestador de serviços de pagamento, pelo facto de a ordem de pagamento ter sido rejeitada, recusada, devolvida ou rectificada (operações R), apenas se pode debitar ao consumidor uma taxa multilateral de intercâmbio no caso de saldo insuficiente nas suas contas na data em que é devido o pagamento do débito directo. Em todos os outros casos, essa taxa será paga pelo beneficiário. O beneficiário, o banco do beneficiário ou o banco do ordenante não estão autorizados a imputar ao ordenante taxas por operações R de que não é responsável.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 318 de 23.12.2006, p. 51, e JO C 228 de 22.9.2009, p. 66.


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas em reunião plenária, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 54.o, n.o 3, do Regimento):

Ponto 3.11 (novo)

Aditar novo ponto.

«

».

Justificação

A segurança de um sistema de pagamento pan-europeu é crucial para reforçar a confiança dos consumidores nos serviços de pagamento.

Resultado da votação

A favor

:

64

Contra

:

74

Abstenções

:

13

Novo ponto 3.12

Aditar novo ponto.

«»

Justificação

Em conformidade com o artigo 62.o da Directiva relativa aos serviços de pagamento.

Resultado da votação

A favor

:

64

Contra

:

83

Abstenções

:

10


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/78


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial»

[COM(2010) 748 final/2 — 2010/0383 COD]

2011/C 218/14

Relator-geral: HERNÁNDEZ BATALLER

Em 15 de Fevereiro de 2011, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 4 do artigo 67.o e do n.o 2 do artigo 81.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

«Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial»

COM(2010) 748 final/2 — 2010/0383 (COD).

Em 1 de Fevereiro de 2011, a Mesa do Comité incumbiu a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente da preparação dos trabalhos sobre esta matéria.

Dada a urgência dos trabalhos, na sua 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu designou Bernardo Hernández Bataller para relator-geral e aprovou por 162 votos a favor, 1 voto contra e 2 abstenções, o presente parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE apoia a proposta da Comissão pois considera que ela é apta a alcançar o objectivo de remover obstáculos jurídicos, o que facilitará a vida dos cidadãos e das empresas, melhorando a tutela judicial.

1.2   O CESE insta a Comissão a prosseguir na via da supressão dos obstáculos jurídicos na União Europeia de modo a realizar um verdadeiro espaço judicial europeu, tendo assim em consideração todas as suas observações aduzidas em vários pareceres sobre a matéria.

2.   Introdução

2.1   O Regulamento (CE) n.o 44/2001 veio substituir, a partir de 1 de Março de 2002, a Convenção de Bruxelas e, em geral, todo o conjunto de instrumentos bilaterais celebrados entre os diferentes Estados-Membros nesta matéria. Também denominado «Regulamento Bruxelas I», constitui o acto jurídico mais importante da União no domínio da cooperação judiciária em matéria civil até ao presente.

2.2   Fundamentalmente, o Regulamento n.o 44/2001 permite, em determinados casos, intentar uma acção nos tribunais de um Estado-Membro contra qualquer pessoa singular ou colectiva envolvida num procedimento judicial transnacional e que resida num Estado diferente daquele em que a acção é interposta, favorecendo o «elemento de conexão mais próximo».

2.2.1   Por outro lado, o artigo 5.o do regulamento prevê que, em matéria contratual, em especial no caso de venda de bens, seja possível interpor uma acção contra a empresa no Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.

2.2.2   Desta forma, os âmbitos de aplicação da nova regra são enunciados no artigo 5.o (responsabilidade contratual e extracontratual, acções de indemnização, exploração de sucursais e agências, etc.).

2.2.3   A Secção 3 do regulamento é consagrada à competência em matéria de seguros, permitindo-se que o tomador do seguro intente uma acção contra o segurador nos tribunais em que o requerente tiver o seu domicílio, inclusivamente quando este residir num Estado-Membro diferente. Todavia, se o segurador pretender intentar uma acção contra o tomador de seguro, o segurado ou um beneficiário, é obrigado a fazê-lo nos tribunais do Estado-Membro em que estes tenham domicílio.

2.3   O Regulamento (CE) n.o 44/2001 enuncia uma série contínua de atribuições expressas de competência, por vezes de forma mais reforçada, com um intuito vinculativo e de protecção de certos grupos (contratos de consumo, contratos individuais de trabalho). Todavia, continuam a utilizar-se as regras tradicionais de atribuição de competência nos casos de litígios que incidam sobre imóveis, dissolução de pessoas colectivas ou inscrições em registos e execuções de decisões judiciais.

2.4   O Regulamento (CE) n.o 44/2001, depois de consagrar duas secções exaustivas à execução de decisões judiciais e ao reconhecimento de actos autênticos de outro Estado-Membro, finaliza com uma série de Disposições Finais e Disposições Transitórias, entre as quais se salienta a relação deste novo instrumento de cooperação em matéria judiciária com outras convenções mais específicas das quais seja parte um Estado-Membro.

2.5   Em 21 de Abril de 2009, a Comissão adoptou um relatório sobre a aplicação do Regulamento e um Livro Verde, tendo-se o CESE pronunciado (1) já a favor de algumas propostas de revisão da Comissão.

3.   Proposta de regulamento

3.1   O objectivo global da revisão do regulamento consiste em continuar a desenvolver o espaço europeu de justiça mediante a supressão dos obstáculos que subsistem à livre circulação das decisões judiciais, em consonância com o princípio do reconhecimento mútuo. A importância deste objectivo foi sublinhada pelo Conselho Europeu no seu Programa de Estocolmo de 2009 (2). Mais especificamente, a proposta visa facilitar a litigância transfronteiras e a livre circulação de decisões judiciais na União Europeia. A revisão deverá igualmente contribuir para criar o enquadramento jurídico necessário à recuperação da economia europeia.

3.2   Os elementos da revisão da proposta são os seguintes:

supressão do procedimento intermédio de reconhecimento e de execução das decisões judiciais (exequatur), exceptuando as decisões proferidas nos processos de difamação e no âmbito de acções colectivas de indemnização, e com várias possibilidades para impedir, em circunstâncias excepcionais, que uma decisão judicial proferida num Estado-Membro produza efeitos noutro Estado-Membro;

inclusão de uma série de formulários normalizados que visam facilitar o reconhecimento ou a execução das decisões judiciais estrangeiras quando não houver procedimento de exequatur, bem como o pedido de reapreciação ao abrigo de um procedimento que salvaguarde os direitos da defesa;

alargamento das regras de competência do regulamento aos litígios em que estão envolvidos requeridos de países terceiros, contemplando nomeadamente as situações em que a mesma questão esteja pendente num tribunal da UE e de um país terceiro. A alteração assegurará que as regras de competência em matéria de protecção dos consumidores, trabalhadores e segurados se aplicarão igualmente se o requerido tiver domicílio num país terceiro;

melhoria da eficácia dos acordos de eleição do foro, que inclui duas alterações:

quando as partes designaram um ou mais tribunais para decidir sobre o litígio, a proposta dá prioridade ao tribunal escolhido para decidir da sua competência, independentemente de a acção lhe ter sido submetida em primeiro ou em segundo lugar;

a proposta introduz, além disso, uma regra de conflito de leis harmonizada em matéria de validade material dos acordos de eleição do foro, assegurando desta forma um resultado similar sobre esta questão independentemente do tribunal a cuja apreciação foi submetida a acção;

melhor articulação entre o regulamento e a arbitragem;

melhor acesso à justiça para determinados tipos de litígios; e

clarificação das condições ao abrigo das quais as medidas provisórias podem circular na UE.

4.   Observações na generalidade

4.1   O Comité acolhe muito favoravelmente a proposta da Comissão e apoia a adopção de um texto reformulado do actual Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, sobre a competência judiciária, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria civil e comercial (Bruxelas I).

4.2   Como se depreende claramente da proposta da Comissão, trata-se de uma iniciativa necessária para melhorar o funcionamento do espaço de liberdade, segurança e justiça e o mercado interno, que, aliás, só pode ser impulsionado a nível supranacional e que representa, de igual modo, um valioso instrumento jurídico num mundo globalizado, na medida em que favorecerá as transacções comerciais internacionais e atenuará os conflitos que surgem nas relações que transcendam o âmbito territorial da UE.

4.2.1   Saliente-se, neste sentido, que o conjunto de inovações dos mecanismos jurídicos relevantes propostos, bem como a classificação de algumas regras e princípios já aplicáveis na UE neste âmbito, são decorrentes das experiências que os operadores jurídicos transnacionais, os peritos e os órgãos competentes dos Estados-Membros transmitiram publicamente à Comissão Europeia.

4.2.2   Neste sentido, para além de se tomar em consideração, com carácter geral, o princípio da subsidiariedade, que justifica a acção supranacional na ausência de competência dos Estados-Membros para alterar unilateralmente determinados aspectos do Regulamento Bruxelas I, em vigor, nomeadamente o procedimento exequatur e as disposições sobre competência e coordenação dos processos judiciais dos Estados-Membros entre si, ou entre estes e os procedimentos de arbitragem, dá-se relevância também à denominada «subsidiariedade funcional», em complemento do princípio da democracia participativa consagrada no TUE na sequência do Tratado de Lisboa. O CESE já se pronunciou oportunamente a favor de muitas das propostas que a Comissão actualmente apresenta (3).

4.3   A proposta preconiza, em termos realistas, ponderados e flexíveis, soluções técnicas para problemas detectados no período de aplicação do Regulamento Bruxelas I, que implicariam, em síntese: a supressão do exequatur, exceptuando as decisões proferidas nos processos de difamação e no âmbito de acções colectivas de indemnização; a aplicação do regulamento a litígios em que participem requeridos de países terceiros; um reforço da eficácia dos acordos de reeleição do foro; a melhoria da relação entre o regulamento e a arbitragem; a classificação das condições ao abrigo das quais as medidas provisórias e cautelares proferidas por uma instância judicial de um Estado-Membro podem aplicar-se noutros Estados-Membros; e, em síntese, a melhoria do acesso à justiça e do funcionamento de certas questões pendentes nos tribunais internos.

4.3.1   Não existe razão de fundo para que as acções colectivas não fiquem abrangidas pela supressão do exequatur da proposta, pelo que a redacção do artigo 37.o não satisfaz. O CESE já se pronunciou por diversas vezes a favor da regulação supranacional das acções colectivas. A Comissão terá que examinar uma eventual alteração ao artigo 6.o do Regulamento 44/2001, tendo em vista admitir a concentração processual de acções de requerentes num mesmo processo, sempre que as razões dos peticionários estiverem ligadas por uma relação de tal modo estreita que seria conveniente tratar as acções e julgá-las simultaneamente para evitar decisões que se possam revelar inconciliáveis se forem julgadas em separado.

4.3.2   No que diz respeito à exclusão da difamação, na realidade, o âmbito do artigo 37.o, n.o 3, alínea a) é mais amplo ao abranger as resoluções ditadas noutro Estado-Membro relativas a obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de direitos de personalidade. É conveniente que a Comissão examine o alcance desta excepção e a possibilidade de a suprimir, de modo a que não possam ficar excluídos aspectos do quotidiano dos cidadãos.

4.3.3   A fim de aprofundar a reflexão sobre as mudanças necessárias nos mecanismos e procedimentos judiciais objecto da proposta, é conveniente, no entanto, tecer algumas observações a ter em conta pela Comissão na sua futura análise.

4.3.4   Desta forma, no respeitante ao artigo 58.o, n.o 3 do texto reformulado do Regulamento, que estabelece que, no caso de recursos interpostos de uma declaração de executoriedade, o tribunal competente «deve decidir sem demora», poderia especificar-se a duração máxima do prazo para esse efeito, a fim de evitar atrasos injustificados ou demoras lesivas para quem recorre à justiça.

4.3.5   Neste sentido, poderia estabelecer-se como limite, quer o prazo de noventa dias, previsto no n.o 2 do artigo 58.o para as decisões sobre os recursos interpostos para impugnar um pedido de declaração de executoriedade, quer um prazo intermédio, que iria entre as seis semanas, previstas no n.o 3 do artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 (relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões judiciais em matéria matrimonial e de responsabilidade parental) e o citado prazo de noventa dias.

4.3.6   De igual modo, poderia contemplar-se uma reformulação do novo mecanismo de cooperação judiciária estabelecido no artigo 31.o do texto reformulado do regulamento, a fim de reforçar o papel do órgão jurisdicional competente quanto ao mérito e prevenir eventuais acções de má-fé que visem adiar a resolução do litígio.

4.3.7   Com efeito, o dever de «coordenação» entre o tribunal competente quanto ao mérito e o tribunal de outro Estado-Membro junto do qual se apresenta um pedido de medidas provisórias e cautelares, que a citada disposição circunscreve ao dever, que recai sobre este último de recolher informação sobre todas as circunstâncias relevantes do processo (ver urgência da medida solicitada ou possíveis indeferimentos de medidas similares pelo tribunal competente quanto ao mérito), poderia completar-se com outra disposição, na qual se determine o carácter excepcional da admissibilidade de tais medidas ou, inclusivamente, com carácter geral, se estabeleça a inibição a favor do juiz que decide sobre o mérito.

4.3.8   Tal prática seria, de resto, totalmente coerente com o papel central que, por razões de celeridade e de implementação do princípio do reconhecimento mútuo, o Tribunal de Justiça reconhece ao órgão competente para decidir quanto ao mérito no âmbito da interpretação de normas conexas, como o citado Regulamento (CE) n.o 2201/2003.

4.4   Destaque-se a manutenção da cláusula de ordem pública, prevista no artigo 34.o, n.o 1, do vigente Regulamento Bruxelas I e no artigo 48.o, n.o 1, da proposta do texto reformulado, unicamente nos casos em que se suprime o exequatur que permite aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros requeridos não reconhecer as decisões que forem manifestamente contrárias à sua ordem pública.

4.4.1   Trata-se, sem dúvida, de uma faculdade que pode dar azo também a interpretações e aplicações discricionárias por parte dos juízes requeridos para o efeito, mas, como aliás demonstra a sua utilização durante os anos de vigência do Regulamento Bruxelas I, o risco é actualmente bastante reduzido graças, pelo menos, a três limites jurídicos: os critérios estabelecidos a este respeito pelo Tribunal de Justiça (4), a vigência com carácter vinculativo da Carta dos Direitos Fundamentais da UE e a consolidação de uma vasta e abundante jurisprudência do próprio Tribunal de Justiça, que impõe a noção de ordem pública a favor do efeito útil do direito da União.

4.4.2   Todavia, o Comité convida a Comissão Europeia a estar particularmente atenta à conduta dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, para assegurar uma correcta implementação do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais, sempre que estas incidam sobre a competência jurisdicional por razões de ordem pública.

4.5   Muito embora a proposta de texto de regulamento reformulado estabeleça acessoriamente, ainda que constitua uma novidade, uma regra de reconhecimento das convenções de arbitragem que designam um foro de um Estado-Membro da UE, diminuindo os riscos da prática de «forum shopping», tal não se afigura no entanto suficiente.

4.5.1   Dado o recurso generalizado e crescente a esta fórmula de resolução de conflitos, em particular no âmbito comercial, e o seu desejável alargamento a outros âmbitos essenciais aos interesses dos cidadãos (ver direito do consumo e direito do trabalho), o Comité convida a Comissão a ponderar, a breve trecho, a criação de um instrumento jurídico supranacional para o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais. A proposta, embora deixando em aberto a possibilidade de controlo judicial no seu artigo 1.o, n.o 2, alínea d), exclui expressamente a arbitragem do seu âmbito de aplicação.

4.6   De igual modo, a Comissão poderia incentivar, em nome da clareza do conteúdo e da celeridade da adopção das decisões judiciais, a elaboração de uma comunicação ou de um guia sobre a interpretação do artigo 5.o da proposta que retoma praticamente os termos do vigente artigo do Regulamento Bruxelas I.

4.6.1   De acordo com as duas disposições, em matéria contratual é competente o tribunal do lugar em que foi ou deve ser cumprida a obrigação em questão, salvo convenção em contrário, no caso da venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será o lugar num Estado-Membro onde os bens foram ou devam ser entregues, e, no caso de uma prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde os serviços foram ou devam ser prestados.

4.6.2   A jurisprudência do Tribunal de Justiça que interpreta os conceitos de «serviços» e «bens» em relação às liberdades do mercado interno não é aplicável no âmbito do Regulamento de Bruxelas I, e, como consequência, o Tribunal de Justiça dirimiu até à data questões interpretativas sobre o alcance do citado artigo 5.o mediante referência a determinadas regras internacionais que não vinculam nem a UE nem todos os seus Estados-Membros, pelo que não são norma comum nos contratos intracomunitários.

4.7   Paradoxalmente, o que parece que subjaz à nova redacção do artigo 24.o, n.o 2, da proposta do texto reformulado são as razões de celeridade processual, na medida em que condiciona meramente a aplicação do artigo 24.o, n.o 1 (que confere competência com carácter geral ao tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça), a que um acto contenha informações dirigidas ao requerido relativamente ao seu direito de contestar a competência do tribunal e às consequências da comparecência em juízo. Esta disposição, facilmente aplicável através da inclusão de cláusulas de estilo, pode lesar os direitos das partes mais fracas de uma contratação, sobretudo quando o próprio artigo 24.o, no seu n.o 2, circunscreve a sua aplicação aos contratos de seguros, aos contratos de consumo e aos contratos individuais de trabalho.

4.7.1   Dado que será o tribunal demandado que deverá certificar-se de que essas informações foram fornecidas ao requerido, sem fixar qualquer requisito para o efeito, o Comité deseja salientar a situação de incerteza e de discricionariedade eventualmente decorrente da sua aplicação nas 27 jurisdições soberanas da UE. Consequentemente, convida a Comissão Europeia a reconsiderar a formulação da citada disposição, a fim de reforçar a posição jurídica dos consumidores e dos trabalhadores, e para assegurar regras uniformes de conduta dos tribunais competentes.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 255 de 22.9.2010, p. 48.

(2)  Aprovado na reunião do Conselho Europeu de 10 e 11 de Dezembro de 2009.

(3)  JO C 117 de 26.4.2000, p. 6.

(4)  Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Março de 2000, processo C-7/98, Krombach, Colectânea de Jurisprudência 2000, p. I 01935


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/82


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta da directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Directivas 2003/71/CE e 2009/138/CE no que respeita às competências da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma e da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados»

[COM(2011) 8 final — 2011/006 (COD)]

2011/C 218/15

Relator: Joachim WUERMELING

Em 3 de Fevereiro de 2011 e em 2 de Março de 2011, respectivamente, o Parlamento Europeu e o Conselho decidiram, nos termos do artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Directivas 2003/71/CE e 2009/138/CE no que respeita às competências da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma e da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados

COM(2011) 8 final — 2011/0006 COD.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 5 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 111 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE acolhe muito favoravelmente a proposta de directiva da Comissão Europeia que altera as Directivas 2003/71/CE e 2009/138/CE. Apoia os esforços da Comissão para modificar a legislação sectorial com vista ao funcionamento eficaz do Sistema Europeu de Supervisores Financeiros (SESF). O Comité reitera o seu firme apoio às novas regras de supervisão para os seguros («Solvência II»), em particular à luz das experiências com a recente crise financeira.

1.2

No entanto, a procura de normas seguras de solvência deve ter em conta a necessidade de assegurar a capacidade do mercado dos seguros de assumir os riscos dos seus clientes e cumprir o seu papel como prestador de financiamento às comunidades e às empresas de todas as dimensões.

1.3

O CESE congratula-se com a nova alteração da Directiva Solvência II no que diz respeito aos requisitos transitórios e com a prorrogação por dois meses da data de execução.

1.4

O CESE destaca a necessidade do princípio de uma transição do sistema actual (Solvência I) para o novo sistema (Solvência II). Deve haver uma transição sem sobressaltos para o novo regime. Há que evitar perturbações no mercado graças a uma abordagem que ligue as medidas de supervisão aos requisitos transitórios de forma coerente. A Directiva Solvência II não deve traduzir-se na consolidação dos mercados, sobretudo no que diz respeito às seguradoras de dimensão pequena e média.

1.5

Os requisitos transitórios apresentados na proposta actual devem permitir um processo de «phasing in/phasing out», que tenha em conta a capacidade das empresas de concretizarem as mudanças. Uma duração máxima idêntica ao período de transição poderá ser reduzida pela Comissão caso haja provas concludentes que o autorizem. É obvio que os períodos transitórios variarão consoante as diferentes áreas.

1.6

O calendário de execução deve reflectir de forma realista a capacidade dos supervisores e das empresas de seguros, incluindo as mais pequenas, de alcançar os objectivos fixados pela Directiva Solvência II. O CESE insta a Comissão e a Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA) a garantirem que o novo regime não acarrete uma sobrecarga administrativa nem uma complexidade impossível de gerir, que poderia ter um impacto negativo na qualidade do serviço prestado aos consumidores.

1.7

O CESE apoia a legitimação democrática das futuras normas europeias («conjunto único de regras») para as seguradoras. Deve também ser tida em consideração a definição do alcance adequado das normas técnicas como instrumento adicional para a convergência da supervisão, tendo em vista a elaboração de um conjunto único de regras.

1.8

O CESE é de opinião que deve ser feita uma distinção nítida entre, por um lado, as questões puramente do domínio técnico e, por outro, as questões do domínio político, que incumbe às instituições da UE com mandato político.

1.9

O CESE sublinha, no entanto, o estatuto da EIOPA enquanto órgão autónomo. No âmbito da sua função que consiste em contribuir para a criação de um conjunto único de regras, a EIOPA actua em conformidade com os mandatos fixados pelas instituições legislativas com responsabilidade política.

1.10

O CESE crê que o sector dos seguros deveria continuar a oferecer aos consumidores pensões garantidas a longo prazo e continuar a ser um parceiro fiável para os seus planos de pensões. Por conseguinte, é indispensável uma estrutura de taxas de juro adequada, a fim de calcular o capital de solvência. O CESE preconiza uma solução que permita assegurar a viabilidade económica de tais produtos.

1.11

O CESE recomenda também que os métodos utilizados para estes cálculos não sejam encarados exclusivamente como uma questão técnica e que sejam definidos sob a supervisão do Parlamento e do Conselho, tendo em conta os efeitos políticos que a definição de tais métodos pode ter a nível geral na preparação dos cidadãos, dada uma maior esperança de vida e a reduzida taxa de renovação das gerações.

1.12

O CESE sublinha a importância de uma consulta contínua aos grupos de partes interessadas da EIOPA, que incluem representantes de sindicatos da indústria, utilizadores de serviços financeiros e especialistas em regulamentação e supervisão.

2.   Contexto e considerações gerais

2.1

Em 19 de Janeiro de 2011, a Comissão adoptou uma proposta de directiva que altera as anteriores directivas sobre as actividades no sector dos serviços financeiros: a Directiva Prospectos e a Directiva Solvência II. A proposta foi chamada Directiva Omnibus II por ser a segunda directiva que agrupa diversas alterações a directivas existentes a fim de adaptá-las à nova estrutura europeia de supervisão financeira.

2.2

A Directiva Solvência II abrange o acesso à actividade das instituições de seguros e o seu exercício. A reforma da supervisão europeia dos seguros, cuidadosamente elaborada, tem por objectivo reforçar de forma sustentável o sector dos seguros e torná-lo mais competitivo: os requisitos de capital para as seguradoras estarão muito mais baseados no risco (pilar I). Também serão actualizados os requisitos para a gestão dos riscos qualitativos (pilar II) e para a informação que as seguradoras devem disponibilizar (pilar III).

2.3

A Directiva Omnibus II visa adaptar o dispositivo europeu de supervisão, de acordo com as conclusões do Grupo de Peritos de Alto Nível, presidido por Jacques de Larosière, e a comunicação da Comissão de Maio de 2009, que propunha estabelecer um Sistema Europeu de Supervisores Financeiros (SESF), constituído por uma rede de autoridades nacionais de supervisão que trabalhariam em conjunto com as novas Autoridades Europeias de Supervisão (ESA).

2.4

O CESE adoptou vários pareceres (nomeadamente, CESE 100/2010 e 446/2010) sobre a nova arquitectura da supervisão, expressando o seu amplo apoio às reformas e destacando a necessidade de distinguir entre as questões técnicas e as políticas, que incumbem às instituições da UE investidas de mandato político. Os pareceres do CESE destacavam a necessidade de as novas autoridades manterem o diálogo com os órgãos representativos do sector dos serviços financeiros, os sindicatos, os utilizadores de serviços financeiros e também com o CESE como representante da sociedade civil organizada da Europa.

2.5

O CESE apoiou de forma geral o trabalho da Comissão para conferir às autoridades recém-criadas os poderes que lhes permitirão estabelecer normas técnicas e resolver as diferenças entre os órgãos nacionais de supervisão, o que a actual proposta tenciona levar a cabo nos domínios dos valores mobiliários, dos seguros e das pensões complementares de reforma.

2.6

O CESE saúda os objectivos gerais da directiva, nomeadamente, a protecção de todos os utilizadores de serviços financeiros e a garantia de estabilidade dos mercados através de uma abordagem flexível, o seu compromisso com os princípios de necessidade e proporcionalidade para avançar na convergência da supervisão, bem como a criação de um conjunto único de regras. Estes objectivos podem contribuir para tornar o mercado único mais efectivo e manter a Europa na vanguarda das normas internacionais, sem perder o contacto com os mercados de serviços financeiros internacionais.

2.7

A Directiva Omnibus II altera essencialmente a Directiva Solvência II ao dotar de novas competências as normas técnicas vinculativas e alinhar os procedimentos das medidas de execução pelo Tratado de Lisboa. A proposta inclui alterações de carácter geral, comuns à maior parte da legislação sectorial para o domínio financeiro, como incluído na Directiva Omnibus I, e necessárias para que as directivas funcionem no contexto das novas autoridades, como, por exemplo, a alteração da designação CAESSPCR para «EIOPA» e a garantia de que estão disponíveis canais apropriados para a troca de informações.

2.8

Também adapta o regime actual de competências de execução (nível 2) ao Tratado de Lisboa. A Directiva Solvência II entrou em vigor antes do novo Tratado. Por conseguinte, é necessária a transformação dos mandatos de nível 2 actuais em mandatos para actos delegados, medidas de execução ou normas técnicas regulamentares. É necessário prever procedimentos de controlo adequados.

2.9

A Directiva Solvência II também introduz requisitos transitórios. Tal é necessário para uma transição sem sobressaltos para o novo regime. Há que evitar a perturbação dos mercados e ter em consideração o impacto nos muitos produtos importantes do sector segurador.

3.   Alterações da Directiva Solvência II

3.1

No seu parecer sobre a Directiva Solvência II (CESE 976/2008), o CESE acolheu favoravelmente o grande empenho em reforçar o sector dos seguros e torná-lo mais competitivo, através de uma melhor afectação de capital, melhor gestão dos riscos e melhor informação. Neste sentido, o CESE considera que o regime Solvência II é também a resposta apropriada à luz da experiência com a recente crise financeira. Apoia a Comissão na sua abordagem de não realizar uma alteração de fundo na Directiva Solvência II. No entanto, nos casos em que o ajustamento das medidas de execução pareça inadequado, podem ser necessárias mais alterações em áreas específicas de alcance limitado.

3.2

Com o tempo, à medida que a crise provocada pelo comércio de derivados de crédito suscita dúvidas quanto à solidez das actividades financeiras, surgiram receios de que o ajustamento das normas de solvência aplicáveis a actividades de seguros seria afectado pela suposição de uma tendência para evitar riscos extremos. O CESE toma nota das declarações da Comissão, que confirmam o seu empenho numa visão equilibrada destas normas. Solicita à Comissão que evite criar problemas de volatilidade num sector em que a norma são os compromissos a longo prazo.

3.3

Desde o início do processo de revisão da Directiva Solvência II que se realizaram vários estudos de impacto quantitativo. O mais recente, conhecido como QIS5, envolveu aproximadamente dois terços do mercado europeu de seguros. A EIOPA publicou recentemente os resultados, que exigem uma análise aprofundada. Através dos estudos de impacto levados a cabo, tornou-se claro que o calendário e o alcance da migração para o novo regime poderá ter graves consequências para a disponibilidade e acessibilidade dos seguros para comunidades, empresas e particulares, assim como para as condições de funcionamento das companhias de seguros.

3.4

O Comité reitera o apoio dado aos princípios de proporcionalidade e flexibilidade. Insiste em que isto deverá levar a requisitos claros e adequados que tenham devidamente em conta a diversidade do mercado de seguros, em termos de dimensão e da natureza das companhias de seguros. Na fase actual, o CESE inquieta-se perante a possibilidade de a execução da Directiva Solvência II implicar um grau de complexidade que as pequenas e médias empresas de seguros serão incapazes de enfrentar.

3.5

É essencial uma concepção apropriada dos requisitos transitórios da Directiva Solvência II e da supervisão financeira da UE para garantir a estabilidade dos mercados de seguros. Estes objectivos serão postos em risco se não se rumar na direcção certa.

Prorrogação para 1 de Janeiro de 2013

3.6

O CESE aprova a prorrogação por dois meses da data de execução da Directiva Solvência II, que entrará em vigor em 1 de Janeiro de 2013.

3.7

O CESE concorda com a Comissão que é melhor começar a aplicar o novo regime Solvência II, com os seus novos requisitos de cálculo, informação, etc., no início tradicional do ano financeiro para a maioria das empresas de seguros (1 de Janeiro) em vez de começar com Solvência II em pleno ano financeiro, como sugerido na Directiva Solvência II (1 de Novembro). Consequentemente, as outras datas da Directiva Solvência II, sobretudo no que se refere aos requisitos transitórios e à cláusula de revisão, devem ser prorrogadas também por dois meses, conforme previsto na Directiva Omnibus II.

Regime transitório

3.8

A proposta da Comissão responde ao apelo de proceder a uma transição sem sobressaltos entre as normas melhoradas da Directiva Solvência I e as normas da Directiva Solvência II, a fim de evitar a perturbação do mercado. Os grupos com actividades dentro e fora da UE deverão poder gerir a evolução dos seus negócios com mais eficácia.

3.9

É importante que a transição abranja os três pilares da Directiva Solvência II: o CESE concorda com a Comissão que deveria ser possível aplicar requisitos transitórios no que diz respeito ao cálculo, à governação e à informação. É necessário ter em consideração o impacto para todo o leque de produtos de seguros importantes para os mercados nacionais. O quinto estudo de impacto quantitativo (QIS5) deve ser encarado como fonte principal das considerações para os requisitos transitórios. Este estudo revela a urgente necessidade de um conceito transitório coerente («phase in/phase out»), de forma que as empresas e os supervisores tenham tempo suficiente para se prepararem devidamente.

3.10

O CESE recomenda realizar uma avaliação adequada para determinar como vincular de forma coerente estes requisitos transitórios às acções de supervisão em caso de não conformidade com as novas normas. Uma transição sem sobressaltos deve também ter em conta os níveis actuais de intervenção da supervisão, que asseguram que a protecção dos titulares de um seguro não será menor do que actualmente.

3.11

O CESE recomenda que a transição refira de forma mais explícita que as normas melhoradas da Directiva Solvência I podem ser encaradas como um nível mínimo (opcional).

3.12

No que se refere aos requisitos de informação, o CESE recomenda que se estabeleça de forma mais detalhada não apenas os métodos, mas também o conteúdo e o momento da divulgação da informação durante o período transitório. Dado que existem dúvidas quanto ao que deve ser incluído nos relatórios trimestrais e também na declaração inicial, parece mais adequado permitir o ajustamento às normas de informação após o dia 1 de Janeiro de 2013. Isto será essencial para as pequenas e médias empresas. Em particular, não deveriam ser impostas as mesmas obrigações de informação às sociedades mútuas e a outras seguradoras que não têm acesso à bolsa, como são impostas às empresas internacionais que têm preparadas desde o início as contas de acordo com as Normas Internacionais de Informação Financeira (IFRS). Nem deveriam ser obrigadas a trabalhar com os mesmos prazos curtos.

Assegurar garantias a longo prazo para as pensões

3.13

O CESE destacou a importância de seguros de pensões sólidos e bem geridos e de outras formas de planos de pensões, dado o envelhecimento das sociedades europeias, no parecer sobre o Livro Verde – Regimes europeus de pensões adequados, sustentáveis e seguros (CESE 72/2011).

3.14

A elaboração de políticas para o cálculo de taxas de juro para as pensões é crucial para as condições que os consumidores podem obter de tal protecção. O CESE assinala a sua preocupação quanto à estrutura das taxas de juro em debate actualmente. Provocará provavelmente um drástico corte na oferta e um aumento dos custos dos produtos de pensão.

3.15

Neste sentido, o CESE critica o facto de, segundo a proposta Omnibus II da Comissão, a estrutura das taxas de juro e o prémio de iliquidez não serem decididos por órgãos legislativos. A estrutura das taxas de juro e o risco das taxas de juro determinam o futuro dos planos de pensões privados. Uma decisão política tão importante não pode ser tomada unicamente a nível administrativo pela EIOPA.

Desafios para a EIOPA

3.16

Mais fundamental, dado que esta proposta e as medidas de execução ainda têm de ser adoptadas, o calendário para o lançamento efectivo do regime Solvência II parece ser especialmente problemático. Não se podem responsabilizar a empresas de seguros pelas instruções que serão publicadas num prazo posterior. Por conseguinte, o CESE encoraja a Comissão a publicar sem demora estas instruções ou a permitir prazos de ajustamento razoáveis.

3.17

De forma similar, o CESE está consciente da grande carga de trabalho por causa da EIOPA, sobretudo porque ainda se encontra em processo de expansão e ainda não conta com todo o pessoal previsto. Por isso, o CESE considera que a proposta em apreço pode sobrecarregar as capacidades disponíveis e espera que a Comissão tenha devidamente em conta o equilíbrio das prioridades a seguir.

3.18

O CESE é de opinião que se deve analisar cuidadosamente se a EIOPA terá recursos suficientes para as competências e tarefas que lhe são atribuídas pela segunda Directiva Omnibus, sobretudo no que diz respeito aos dados técnicos e à mediação vinculativa, quando entrar em vigor o regime Solvência II. A proposta de a EIOPA desenvolver um projecto de medidas de execução até 31 de Dezembro de 2011 parece um tanto ambiciosa.

3.19

O CESE está ciente de que a EIOPA está em processo de formação do seu pessoal e dos conhecimentos. O regime transitório deveria reflectir os recursos atribuídos à EIOPA, a fim de evitar perturbações. Os recursos deveriam ser consentâneos com as competências e as tarefas.

3.20

Tal poderia afectar o equilíbrio de funções entre os órgãos de supervisão dos Estados-Membros, que devem realizar a supervisão quotidiana das empresas abrangidas pela sua esfera de forma coerente, e a nova autoridade.

3.21

Mais concretamente, o CESE considera que deveria ser confirmado o papel de liderança que o supervisor do grupo tem na aprovação de modelos internos para o grupo e que a directiva não deveria deixar dúvidas quanto às respectivas competências e responsabilidades.

3.22

O CESE crê que a Comissão está certa ao abordar os distintos papéis dos supervisores nacionais e da nova Autoridade de Supervisão dos Seguros da UE, a EIOPA. É importante incluir adequadamente a possibilidade de a EIOPA resolver diferendos de uma forma equilibrada nos domínios em que já foram previstos processos de tomada de decisão conjunta na Directiva Solvência II ou noutra legislação sectorial.

Competências de execução

3.23

O CESE considera que o funcionamento do «sistema Lamfalussy» de aplicar a regulamentação financeira a diferentes níveis legais exige um sistema em cascata coerente para garantir que as normas técnicas são criadas com base em medidas de execução, de forma que nenhum aspecto seja regulado sem uma base de responsabilidade política, especialmente no que se refere à subsidiariedade, e que a orientação das medidas de execução permaneça uniforme e clara.

3.24

O CESE toma nota da proposta da Comissão a favor de normas técnicas vinculativas (nível 3) para áreas em que já foram previstas medidas de execução (nível 2). O âmbito de aplicação das normas técnicas vinculativas adicionais deveria ser limitado. Seria desejável que o futuro equilíbrio entre as instituições europeias, por delegação de poderes, se caracterizasse por uma maior transparência.

3.25

O CESE é de opinião que dar prioridade às normas técnicas vinculativas pode ser crucial para garantir a qualidade das normas harmonizadas. É possível que determinadas normas técnicas de execução não sejam necessárias na fase inicial de aplicação do regime Solvência II e que, por conseguinte, a EIOPA tenha mais tempo para as desenvolver tendo em conta a prática do sector e as experiências dos supervisores. Outras normas técnicas de execução poderiam ser encaradas como opcionais («possibilidade») e deveriam ser aplicadas unicamente quando no futuro for precisa uma harmonização.

3.26

Há que ter cuidadosamente em conta o âmbito das normas técnicas. É oportuno questionar se o nível de regulamentação previsto é realmente necessário a nível europeu em termos de subsidiariedade. Em caso de dúvida, para cada uma das medidas de execução (nível 2) não deveriam ser previstas normas técnicas adicionais (nível 3), isto é, o nível 3 parece não ser necessário no que se refere à avaliação interna do risco e da solvência e à classificação de fundos próprios ou de fundos circunscritos para fins específicos.

3.27

As normas a vários níveis não seriam transparentes. Além disso, é possível que existam variações nacionais para as mesmas questões de regulamentação. Tal seria demasiado complexo, particularmente para as PME. Há que dar especial atenção à proposta de ampliar o conteúdo de determinadas medidas de execução.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


23.7.2011   

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Jornal Oficial da União Europeia

C 218/87


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões em resposta ao relatório do Grupo de Peritos sobre a Avaliação Intercalar do Sétimo Programa-Quadro de Investigação, Desenvolvimento Tecnológico e Demonstração e ao relatório do Grupo de Peritos sobre a Avaliação Intercalar do Mecanismo de Financiamento da Partilha de Riscos»

[COM(2011) 52 final]

2011/C 218/16

Relator-geral: Gerd WOLF

Em 9 de Fevereiro de 2011, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões em resposta ao relatório do Grupo de Peritos sobre a Avaliação Intercalar do Sétimo Programa-Quadro de Investigação, Desenvolvimento Tecnológico e Demonstração e ao relatório do Grupo de Peritos sobre a Avaliação Intercalar do Mecanismo de Financiamento da Partilha de Riscos

COM(2011) 52 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em ….

Dada a urgência dos trabalhos (artigos 20.o e 57.o, n.o 1, do Regimento), o Comité Económico e Social Europeu nomeou Gerd Wolf para relator-geral na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), e adoptou, por 118 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité saúda o relatório do grupo de peritos e subscreve plenamente as recomendações nele formuladas; apoia também a forma como a Comissão se pronunciou a esse respeito na sua comunicação, sobre a qual o Comité expressa opiniões específicas.

1.2   Tendo igualmente em conta o relatório do grupo de peritos, o Comité recomenda, em especial:

Aumentar o orçamento para investigação e inovação de modo que o orçamento global reflicta, indubitavelmente, a importância e o peso que esta matéria tem na Estratégia Europa 2020;

Centrar as atenções nas tarefas, cujo êxito depende de uma cooperação supranacional;

Preservar e reforçar a investigação em colaboração;

Incorporar as grandes infra-estruturas nas medidas de desenvolvimento;

Tendo em conta a situação da concorrência a nível global, dar um destaque ainda maior ao tema das «tecnologias-chave», sem as quais não é possível enfrentar os desafios da concorrência global nem fazer face aos principais temas societais;

Facilitar, através de relações mais estreitas entre os Fundos Estruturais e o Programa-Quadro, uma maior participação dos Estados-Membros que se encontravam sub-representados até à data;

Disponibilizar, no mínimo, 20 % do orçamento geral para programas a actividades de I&D, cuja gestão ficará a cargo do Conselho Europeu de Investigação;

Simplificar, de modo radical, os procedimentos administrativos e ponderar, a esse título, a possibilidade de uma moratória para novos instrumentos.

1.3   O Comité insta os Estados-Membros a assumirem o «compromisso dos 3 %» e, desde que economicamente viável, a superarem este objectivo.

1.4   Tendo em conta a terminologia utilizada no relatório do grupo de peritos para designar as três categorias de investigação, o Comité tem reservas quanto à expressão «ciência para a ciência». Propõe que, em sua substituição, se empregue o conceito de «ciência para o conhecimento».

1.5   O Comité acolhe favoravelmente o parecer da Comissão sobre o relatório do Grupo de Peritos sobre a Avaliação Intercalar do Mecanismo de Financiamento da Partilha de Riscos. Concorda com a avaliação feita e considera que este mecanismo é um instrumento de financiamento extremamente útil e capaz de promover a inovação.

2.   Comunicação da Comissão

2.1   Na sequência de decisões do Parlamento Europeu e do Conselho, um grupo de peritos externos realizou uma avaliação intercalar (1) do 7.o Programa-Quadro de I&D, que contém dez recomendações muito claras e úteis. Por seu turno, face ao relatório do grupo de peritos e às suas recomendações, a Comissão publicou a comunicação ora em análise, na qual toma uma posição em relação às recomendações constantes da avaliação intercalar.

O presente parecer tem por objecto essa comunicação e, implicitamente, também o relatório do grupo de peritos e as recomendações nele contidas.

2.2   A comunicação da Comissão faz especial referência às seguintes afirmações contidas nas recomendações do relatório do grupo de peritos:

1)

Promover os objectivos do Espaço Europeu da Investigação (EEI) e da União da Inovação integrando a base de investigação;

2)

Desenvolver e implementar infra-estruturas de investigação de elevada qualidade;

3)

Manter, no mínimo, o nível de financiamento;

4)

É necessária uma estratégia de inovação bem articulada;

5)

A simplificação deve dar um salto quântico;

6)

A combinação de medidas de financiamento no âmbito do 7.o PQ e de programas subsequentes deve permitir um equilíbrio diferente entre abordagens ascendentes e descendentes no domínio da investigação;

7)

Deve ser considerada a possibilidade de uma moratória sobre novos instrumentos;

8)

Intensificar as medidas que visam aumentar a participação das mulheres no 7.o PQ na fase final do programa;

9)

Preparar o caminho para uma maior participação dos Estados-Membros actualmente sub-representados através de melhores ligações entre os Fundos Estruturais e o PQ;

10)

Abrir o 7.o PQ à cooperação internacional.

2.3   Basicamente, a Comissão é favorável às recomendações do relatório do grupo de peritos e afirma a sua intenção de pô-las em prática no próximo Programa-Quadro. Contudo, não deixa de introduzir algumas modulações - quase sempre menores – quanto à importância que é atribuída a determinadas recomendações, bem como alguns elementos de elucidação, ou melhor, algumas interpretações.

3.   Observações na generalidade

3.1   O Comité reconhece que o relatório do grupo de peritos e a comunicação de apreciação do mesmo por parte da Comissão constituem a base para o Livro Verde (2) da Comissão, no qual se apresentam os princípios previstos pela Comissão para o futuro apoio a prestar à investigação e à inovação. Por conseguinte, estes dois documentos adquirem um significado que transcende o âmbito da avaliação intercalar.

3.2   O Comité constata, com grande satisfação, que a maioria das recomendações do relatório do grupo de peritos (ponto 2.2) coincidem largamente com afirmações ou recomendações feitas em anteriores pareceres do Comité.

3.3   Em relação a algumas das recomendações do relatório do grupo de peritos que a Comissão comentou, o Comité, muito sucintamente, defende o seguinte:

3.3.1   Promover os objectivos do Espaço Europeu da Investigação (EEI) e da União da Inovação integrando a base de investigação.

O Comité subscreve, sem reservas, a recomendação do grupo de peritos de que a UE deve promover os temas em que seja essencial haver massa crítica e cujo êxito dependa de uma cooperação supranacional. No entender do Comité, tal aplica-se, em particular, à investigação em colaboração, que já deu provas do seu sucesso e cujo papel determinante e integrativo importa preservar e desenvolver.

3.3.2   Desenvolver e implementar infra-estruturas de investigação de elevada qualidade.

Como já referido em anteriores pareceres, o Comité concorda plenamente com esta afirmação. As infra-estruturas de grande porte, pelo facto de ultrapassarem, regra geral, a capacidade de um Estado-membro individual de financiá-las e utilizá-las, cumprem as condições previstas no ponto 3.3.1 e devem, portanto, beneficiar do apoio da Comissão durante a fase de construção e operação.

3.3.3   Manter, no mínimo, o nível do financiamento.

Enquanto, a este propósito, o relatório do grupo de peritos afirma que a percentagem do orçamento total da UE reservada ao 7.o PQ na sua fase terminal deverá ser considerada um mínimo - o que, na opinião do Comité, constitui uma posição no mínimo defensável -, a reacção da Comissão na sua comunicação deixa depreender uma posição ainda mais defensiva. A este respeito, o Comité manifesta extrema preocupação face a esta tendência que vem contrariar as intenções e metas políticas até hoje delineadas no contexto da Estratégia Europa 2020. Por esta razão, o Comité insta a Comissão e todos os intervenientes políticos com responsabilidade na matéria a atribuírem à investigação e à inovação o devido peso e importância no âmbito do orçamento da UE e da Estratégia Europa 2020.

3.3.4   É necessária uma estratégia de inovação bem articulada.

O Comité concorda na íntegra com esta afirmação e remete para os seus pareceres INT/545 (3) e INT/571. As inovações conduzem ao progresso, ao crescimento, à prosperidade, à segurança social, à competitividade internacional e ao emprego. Devem ser um precioso auxiliar para ultrapassar os enormes desafios que a sociedade enfrenta; para isso, requerem e favorecem um ambiente social de confiança e certeza que, no contexto de uma competitividade global, pode induzir progressos e criar um dinamismo construtivo. Para florescerem, carecem de uma abordagem europeia e de um mercado único europeu, em que o Espaço Europeu da Investigação, com um sólido Programa-Quadro de I&D, desempenhe um papel central.

3.3.5   A simplificação deve dar um salto quântico.

O Comité concorda na íntegra com esta afirmação e remete para o seu parecer (4) sobre esta temática (se bem que a metáfora «salto quântico» constitua uma interpretação errada do conceito físico correspondente). A diversidade cada vez maior dos diversos subprogramas e dos respectivos instrumentos, regidos, em parte, por regras e procedimentos muito diferentes, tornou se um problema central do financiamento da investigação da UE, o que veio aumentar a complexidade para os requerentes e beneficiários, criando uma estrutura enovelada, agravada pela existência de regras e entidades financiadoras distintas nos Estados Membros. Por conseguinte, impõe-se uma simplificação radical, incluindo a aceitação das habituais práticas contabilísticas dos Estados-Membros.

3.3.6   A combinação de medidas de financiamento no âmbito do 7.o PQ e de programas subsequentes deve permitir um equilíbrio diferente entre abordagens ascendentes e descendentes no domínio da investigação.

Correcto, se o que se pretende indicar é a necessidade de dar mais peso às abordagens ascendentes. Enquanto que as abordagens descendentes resultam de uma perspectiva estratégica dos principais intervenientes baseada no estado actual do conhecimento, as abordagens ascendentes aproveitam o potencial criativo dos cientistas e engenheiros cujos trabalhos incidem directamente nos objectos a investigar ou a melhorar. Em domínios de desafios sociais relevantes, como saúde, clima e energia, ou sempre que estão envolvidas tecnologias-chave, deveria ser colocada maior tónica nas ideias e nas propostas da base para o topo avançadas pelas vasta comunidade científica, e não apenas nas directivas emanadas do topo para a base. «A política de inovação deve visar sobretudo as inovações organizacionais e as inovações motivadas pelos trabalhadores» (5).

3.3.7   Deve ser considerada a possibilidade de uma moratória sobre novos instrumentos.

Correcto, como já referido em diversos pareceres do Comité que abordam o problema do aumento do número, já de si elevado, de instrumentos existentes. Este assunto está também directamente relacionado com o processo de simplificação referido no ponto 3.3.5. Caso se considere que as claras afirmações do relatório do grupo de peritos (6) não são suficientes, haverá que proceder a uma análise dos instrumentos de apoio, em cooperação com um leque variado de utilizadores, para determinar que instrumentos foram bem-sucedidos e, nessa base, eliminar ou reduzir os instrumentos menos úteis.

3.3.8   Intensificar as medidas para aumentar a participação das mulheres no 7.o PQ na fase final do programa.

Correcto. Isto implica encorajar mais mulheres a frequentarem cursos de ciências naturais e aplicadas, para além de ter a ver com a questão mais geral das mulheres em posições na vida profissional. No respeitante às carreiras em I&D, importa, antes de mais, proporcionar a possibilidade de carreiras duplas (7), um aspecto particularmente importante devido à mobilidade que se exige dos investigadores.

3.3.9   Preparar o caminho para uma maior participação dos Estados-Membros actualmente sub-representados, através de melhores ligações entre os Fundos Estruturais e o PQ.

Correcto. Ver a este respeito o parecer do Comité sobre o Livro Verde. O Comité apoia a afirmação feita no Livro Verde da Comissão (8): «A longo prazo, a excelência de craveira mundial só pode prosperar num sistema em que todos os investigadores da UE disponham dos meios para desenvolver a sua excelência e aspirar aos primeiros lugares. Para tal é necessário que os Estados-Membros prossigam as suas ambiciosas agendas de modernização da sua investigação pública e mantenham o financiamento público. O financiamento da UE, também graças aos fundos da política de coesão, deve contribuir para promover a excelência se e conforme adequado.»

3.3.10   Abrir o 7.o PQ à cooperação internacional.

Correcto. Também em relação a esta importante medida (9), o Comité já manifestou o seu apoio. A cooperação internacional promove o progresso científico e técnico, mas também o entendimento entre as nações. Importa ainda reconhecer que, neste domínio, já muito foi alcançado. Contudo, o êxito da cooperação internacional depende também da atractividade do Espaço Europeu de Investigação e do desempenho das universidade e dos institutos de investigação europeus.

3.4   O Comité acolhe favoravelmente o parecer da Comissão sobre o relatório do Grupo de Peritos sobre a Avaliação Intercalar do Mecanismo de Financiamento da Partilha de Riscos. Concorda com a avaliação feita no relatório do grupo de peritos e considera que este mecanismo é um instrumento de financiamento extremamente útil e capaz de promover a inovação. Remete, neste sentido, para as observações sobre capital de risco, em particular no que diz respeito à criação de novas empresas, feitas no ponto 4.8 do seu parecer sobre União da Inovação  (10).

4.   Observações na especialidade

4.1   No que se segue, pretende-se focar os aspectos que, no entender do Comité, não foram suficientemente abordados na comunicação da Comissão ou que deveriam ter sido comentados no relatório do grupo de peritos.

4.2   Tecnologias-chave

A Comissão apresentou uma comunicação e o Comité preparou um parecer específico (11) sobre o significado, para a competitividade global, de uma posição de liderança no desenvolvimento de tecnologias-chave. O desenvolvimento e a disponibilidade de tecnologias-chave é condição para que a economia europeia possa enfrentar a concorrência global e fazer face aos grandes desafios que se colocam à sociedade. Contudo, a comunicação objecto do presente parecer não atribui suficiente importância a este aspecto essencial. Por conseguinte, o Comité recomenda explicitamente que, quando da preparação do 8.o PQ, seja conferida mais importância e visibilidade a este tema.

4.3   Conselho Europeu da Investigação

Nas recomendações do relatório do grupo de peritos e na respectiva comunicação da Comissão não é suficientemente reconhecido o êxito já perceptível da secção «Ideias» do programa avaliado e gerido pelo Conselho Europeu da Investigação, nem o elevado nível das actividades desenvolvidas no seu contexto. Por esse motivo, o Comité reitera a sua recomendação de afectar a esta vertente do programa 20 % do orçamento global do 8.o PQ.

4.4   Terminologia

Para fazer face aos grandes desafios que se colocam, o relatório do grupo de peritos recomenda a adopção da seguinte estrutura do programa no que se refere ao espírito subjacente:

Ciência para a ciência – Os investigadores definem a agenda

Ciência para a competitividade – A indústria define a agenda

Ciência para a sociedade – A sociedade civil define a agenda.

Estas formulações afiguram-se muito directas e hábeis, pelo que o Comité receia que as mesmas não correspondam suficientemente à complexa articulação entre as abordagens ascendente e descendente ou entre a investigação fundamental e a investigação aplicada. Neste âmbito, chama a atenção para o seu parecer INT/571, voltando a insistir que não existe nenhuma investigação do tipo «ciência para a ciência» mas apenas do tipo «ciência para o conhecimento». No caso das três categorias acima indicadas, mencionadas no relatório do grupo de peritos, trata-se, acima de tudo, de saber se, ou em que medida, os novos conhecimentos que deverão resultar da investigação podem a priori ser considerados relevantes e úteis para a resolução dos problemas existentes.

4.4.1   O Comité chama ainda a atenção para o seu parecer INT/545 sobre as inovações de carácter incremental ou revolucionário, no qual observa que precisamente as inovações revolucionárias e de vanguarda não decorrem, ou só muito raramente, da actividade das indústrias já existentes, sendo antes através delas que nascem indústrias e sectores económicos completamente novos.

4.4.2   O Comité recomenda, pois, que, apesar de a terminologia empregue parecer compreensível, se pondere uma vez mais sobre a mesma, de modo a evitar equívocos conducentes a decisões erradas ou a incorrecções na afectação de recursos.

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Pode ser consultado em linha, na página http://ec.europa.eu/research/evaluations.

(2)  COM(2011) 48 final.

(3)  JO C 132 de 3.5.2011, p. 39 – União da Inovação.

(4)  Por exemplo, JO C 48 de 15.2.2011, p. 129-133.

(5)  JO C 132 de 3.5.2011, p. 22 – Locais de Trabalho Inovadores, ponto 2.6.

(6)  Ver, a este respeito, o relatório do grupo de peritos a partir do ponto 4.3.

(7)  CESE 305/2004, em particular o ponto 5.5.5.2, JO C 110 de 30.4.2004, p. 3.

(8)  COM(2011) 52 final.

(9)  Por exemplo, JO C 306 de 16.12.2009.

(10)  JO C 132 de 3.5.2011, p. 39 (União da Inovação).

(11)  Por exemplo, JO C 48 de 15.2.2011, p 112.


23.7.2011   

PT

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C 218/91


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — A política de luta contra o terrorismo da UE: principais realizações e desafios futuros»

[COM(2010) 386 final]

2011/C 218/17

Relator: Cristian PÎRVULESCU

Em 20 de Julho de 2010, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — A política de luta contra o terrorismo da UE: principais realizações e desafios futuros

COM(2010) 386 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 24 de Março de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 167 votos a favor, 2 votos contra e 1 abstenção, o presente parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Agora que os efeitos da actual crise económica se fazem sentir de forma marcada, o CESE chama a atenção para o risco acrescido de radicalização no que respeita ao terrorismo motivado por razões tanto religiosas como ideológicas. O respeito dos direitos fundamentais deve constituir um critério essencial para a avaliação da política de luta contra o terrorismo, quer na fase de elaboração, quer posteriormente na fase de execução.

1.2   O CESE preconiza que se reconsidere a componente da prevenção e se lhe acrescente uma dimensão a montante, tendo em vista o desenvolvimento de relações de cooperação e o apaziguamento das tensões numa fase precoce. Trata-se de uma dimensão transversal, que abrange tanto a política de luta contra o terrorismo como outras políticas da União Europeia e dos Estados-Membros, por exemplo, as relativas à juventude, à cultura, à educação ou à participação na vida política e cívica.

1.3   O CESE recomenda que nos documentos oficiais da União Europeia e dos organismos especializados se passe a empregar a expressão «terrorismo que tem por base o fanatismo, o racismo e a xenofobia» em vez de «terrorismo islamista».

1.4   O CESE recomenda que todas as instituições da União Europeia, bem como os governos nacionais, concebam as suas políticas a partir dos dados qualitativos e quantitativos disponíveis sobre a dinâmica do terrorismo. Dada a diversidade deste fenómeno, seria um erro conceber uma política aplicada indiscriminadamente a todas as situações, tanto mais que seria dispendiosa e ineficaz. Da mesma maneira, há que usar o princípio da proporcionalidade, de modo que a reacção em termos de esforços e custos seja proporcional à dimensão das ameaças desse tipo.

1.5   O CESE recomenda que, para além dos quatro vectores (prevenir, proteger, perseguir e reagir) e dos aspectos transversais (respeito dos direitos fundamentais, cooperação internacional, parcerias com países terceiros e financiamento), os documentos estratégicos relativos à política da UE de luta contra o terrorismo retomem também uma tipologia do terrorismo em função das suas motivações e da sua incidência (separatismo, política de extrema-esquerda ou anarquismo, ou ainda de extrema-direita, causa específica, e, por fim, terrorismo de base religiosa). Esta estruturação estratégica ajudará os governos nacionais, as instituições europeias e as restantes partes envolvidas a adaptarem a sua visão, e os instrumentos que utilizam, aos desafios específicos dos diferentes tipos de terrorismo.

1.6   O CESE recomenda que no âmbito da estratégia específica da UE de combate à radicalização e ao recrutamento para o terrorismo e do plano de acção correspondente sejam previstas medidas concretas com o intuito de limitar as desigualdades e discriminações, as quais devem ter, designadamente, por base o trabalho realizado pela Agência Europeia para os Direitos Fundamentais.

1.7   O CESE recomenda à Comissão Europeia e aos governos nacionais que procedam a uma avaliação pormenorizada do impacto económico dessas medidas de segurança nas actividades dos operadores privados. Adverte que o desenvolvimento de tecnologias dispendiosas e procedimentos mais complicados podem repercutir-se negativamente nas actividades dos agentes económicos e dos cidadãos.

1.8   O CESE salienta que a utilização ilegal ou inadequada de dados de natureza pessoal, muitas vezes sensíveis, combinada com os poderes acrescidos das autoridades, pode conduzir a uma discriminação e a uma estigmatização de determinadas pessoas e/ou grupos.

1.9   A fim de aumentar a credibilidade da política antiterrorista e dar mais relevância à problemática do respeito dos direito fundamentais, o CESE recomenda à Comissão Europeia que atenda à solicitação do Parlamento Europeu, expressa na sua Resolução de 2007 sobre a alegada utilização de países europeus pela CIA para transporte e detenção ilegal de prisioneiros, para que se proceda a uma avaliação da legislação antiterrorista em vigor nos Estados-Membros e de outros procedimentos que possam resultar em acções deste tipo.

1.10   O CESE recomenda que a União Europeia promova com mais eficácia o modelo de luta contra o terrorismo, com base em normas e procedimentos democráticos, nos países em que a política antiterrorista possa pôr em causa a qualidade da democracia e o respeito dos direitos fundamentais.

2.   Introdução

2.1   A comunicação da Comissão ora em apreço descreve os elementos principais para uma avaliação política da actual estratégia da UE de luta contra o terrorismo, como solicitado pelo Parlamento Europeu, e constitui uma importante etapa preparatória no quadro da estratégia mais vasta de segurança interna.

2.2   Fazer o balanço dos resultados obtidos no passado e considerar os desafios futuros é particularmente relevante após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa e a adopção de um novo programa de trabalho plurianual e de um plano de acção no domínio da justiça, da liberdade e da segurança (Programa de Estocolmo). Eis a razão por que essa avaliação é necessária. A comunicação em análise valoriza e completa as medidas e iniciativas relativas à luta contra o terrorismo identificadas no Programa de Estocolmo (1) e no Plano de Acção para a sua aplicação (2), que apresentam as grandes linhas das futuras acções da UE.

2.3   A Estratégia da UE de luta contra o terrorismo adoptada em 2005 (3), que continua a ser o principal quadro de referência para a acção da UE neste domínio, articula-se em torno de quatro vectores: prevenir, proteger, perseguir e reagir. A Comunicação da Comissão segue a mesma estrutura. Para cada um dos quatro vectores, assinala algumas realizações importantes e identifica os desafios futuros.

2.4   O CESE congratula-se com a avaliação integrada da política da União Europeia de luta contra o terrorismo, vendo nela um passo importante para uma visão equilibrada tanto das ameaças terroristas, como dos instrumentos destinados a combatê-las.

2.5   O CESE solicita que a estratégia de luta contra o terrorismo revista, tal como a estratégia para a segurança interna recentemente lançada, defina objectivos e instrumentos através dos quais os imperativos da segurança dos indivíduos não ponham em causa a protecção dos direitos e das liberdades fundamentais. Tais direitos, que constituem a pedra angular do Estado de direito e de qualquer sociedade democrática, não devem poder ser suspensos ou limitados.

2.6   O CESE já emitiu dois pareceres que incidiam directamente sobre a problemática da política antiterrorista, tendo-se concentrado na prevenção e, mais concretamente, na luta contra a radicalização. Ambos apresentavam a posição do Comité nas suas linhas gerais. Através do presente parecer, pretende-se rever e reformular esses dois pareceres anteriores, de modo a contribuir para o reajustamento da política de luta contra o terrorismo, à luz das novas tendências do fenómeno.

3.   Observações na generalidade

3.1   A crise económica afectou as estruturas não só das economias europeias, mas também das relações sociais, políticas e culturais no seio da Europa. Enfraqueceu os laços de solidariedade entre os cidadãos, os grupos e as instituições políticos. Neste contexto, a desconfiança e a intolerância relativamente às minorias alastraram rapidamente, incitando estas últimas a adoptarem uma posição defensiva.

3.2   O CESE considera que a política da União Europeia de luta contra o terrorismo constitui um domínio complexo e sensível, que exige que os imperativos de garantia da segurança, de desenvolvimento tecnológico e dos instrumentos legislativos sejam enquadrados por um sistema sólido de protecção dos direitos fundamentais.

3.3   Dada a diversidade do fenómeno terrorista e as suas causas profundas, o CESE recomenda que se complete a política da União Europeia de luta contra o terrorismo com uma perspectiva de integração e de cooperação política que permita esvaziar os actos terroristas de toda e qualquer justificação. No debate sobre a prevenção, torna-se pertinente procurar de imediato reforçar certos objectivos, como, por exemplo, a inclusão social, a luta contra a pobreza, a igualdade dos géneros e a melhoria da qualidade dos empregos, nomeadamente no âmbito da dimensão social da Estratégia Europa 2020.

3.4   O último relatório da Europol inclui diversos dados pertinentes sobre a dinâmica do fenómeno terrorista na União Europeia (4). Em 2009, registou-se uma redução do número de atentados terroristas, incluindo os que fracassaram, os que foram impedidos e os que se concretizaram. O seu número caiu para metade comparativamente a 2007, seguindo uma curva claramente descendente.

3.5   Não foi só a incidência dos atentados terroristas que mudou, foi também a sua estrutura. Em 2009, o tipo de atentado terrorista mais comum era o de tipo separatista (257 atentados), seguido dos perpetrados por extremistas de esquerda ou por anarquistas (40 atentados), depois pela extrema-direita (4 atentados) e, por fim, os motivados por razões específicas (2 atentados). Note-se que o terrorismo que tem por base motivações religiosas, sentido pelo grande público como o mais comum e o mais perigoso, é afinal o mais raro, com um único atentado registado em 2009 (em Itália).

3.6   O CESE lamenta as perdas de vidas humanas e os prejuízos materiais provocados por actuações de tipo terrorista. A curva descendente da incidência do terrorismo mostra, contudo, que o fenómeno pode ser contido, se adoptarmos uma combinação inteligente e sensata de políticas e medidas. O fenómeno deve ser abordado de forma específica pelas políticas antiterroristas em função da sua área de influência, das suas motivações, do seu tipo e das suas causas.

3.7   Perante as diferenças significativas existentes entre a percepção do terrorismo pelo grande público e as suas manifestações concretas, o CESE solicita aos governos e às instituições da UE que contribuam para informar devidamente os cidadãos sobre as suas causas, as suas dimensões e os seus efeitos. Chama a atenção para os riscos de uma informação incorrecta e parcial sobre o fenómeno e salienta, por outro lado, o perigo de a ameaça terrorista ser utilizada como argumento para justificar a exclusão social, a intolerância e a discriminação. Como o objectivo do terrorismo é espalhar o medo, exagerar a amplitude da ameaça terrorista pode servir, de facto, os interesses dos potenciais autores de tais actos. Por outro lado, importa evitar um «mercado do terrorismo» que tende a expandir-se e poderia suscitar um interesse especial dos diversos agentes económicos e institucionais em combater a ameaça terrorista.

3.8   No que se refere à perseguição penal e à repressão das infracções associadas ao terrorismo, existe uma dinâmica interessante. A maioria das detenções foi efectuada com base na pertença dos suspeitos a organizações de tipo terrorista, e não na sequência de infracções directamente ligadas à preparação ou à realização de atentados terroristas. Este facto mostra que as autoridades nacionais conseguem impedir a organização ou a execução de atentados terroristas logo na sua fase embrionária.

3.9   A evolução e a utilização da tecnologia neste domínio, e nomeadamente em matéria de vigilância, de recolha e de armazenamento de dados, devem ser ajustadas ao grau de gravidade das ameaças. A política de luta contra o terrorismo não deve traduzir-se numa invasão da privacidade dos cidadãos. Com efeito, tal situação poderia contribuir para gerar um sentimento geral de insegurança em vez de o conter, provocando simultaneamente uma perda da confiança na acção dos governos nacionais e das instituições europeias.

3.10   O CESE considera que a sociedade civil europeia tem um papel importante a desempenhar na contenção das ameaças terroristas, A sociedade civil, pela sua natureza bastante diversificada em termos de valores, formas de organização e meios de acção, deve ser associada a todas as dimensões da política de luta contra o terrorismo e, nomeadamente, à fase de prevenção. Da mesma maneira, poderia desempenhar um papel na elaboração de um modelo de comunicação, de cooperação e de solidariedade a montante da prevenção propriamente dita, fase durante a qual os indivíduos não estão livres de caírem na engrenagem de actos de tipo terrorista (5). Além disso, o CESE considera que a forma mais eficaz de combater o terrorismo consiste em tratar as suas causas, mais do que os seus efeitos.

3.11   O CESE entende que a sociedade civil europeia tem capacidade para constituir a interface entre os cidadãos, os governos nacionais e locais, e as comunidades ou grupos susceptíveis de perpetrarem actos terroristas. A sociedade civil pode assumir um papel específico susceptível de complementar as intervenções públicas, contribuindo com instrumentos e programas específicos (por exemplo, nas áreas da mediação e educação).

4.   Observações na especialidade

Principais realizações e desafios futuros

4.1   Prevenir

4.1.1   O CESE congratula-se com o facto de a estratégia ter sido recentemente reorientada em torno do eixo da prevenção. Este vector vai ser reforçado, no quadro do Programa de Estocolmo, durante os próximos cinco anos, no que respeita tanto à investigação em matéria de segurança, como aos aspectos políticos e societais. O CESE também considera que o problema da utilização da Internet para fins terroristas – comunicação, angariação de fundos, formação, recrutamento e propaganda - deve ser tratado com prioridade. Todavia, a vigilância das comunicações não deve transformar-se num instrumento susceptível de afectar a vida privada dos cidadãos.

4.1.2   O CESE apoiou a iniciativa da elaboração de uma estratégia específica da União Europeia de luta contra a radicalização e o recrutamento de terroristas (6). Esta estratégia tem três objectivos principais: desmantelar as actividades de redes e indivíduos que aliciam pessoas para fins terroristas; garantir que as opiniões da maioria prevaleçam sobre o extremismo e promover mais energicamente a democracia, a segurança, a justiça e a igualdade de oportunidades. O CESE aguarda com interesse os resultados das avaliações intercalares da execução da estratégia e declara-se disposto a contribuir para o ajustamento da estratégia à luz dessas conclusões. Saliente-se, por outro lado, que o último Plano de Acção de Luta contra o Terrorismo não inclui nenhuma iniciativa dependente da rubrica Localização das desigualdades e das discriminações, quando existentes na União Europeia, e promoção da integração a longo prazo, quando necessário (7).

4.1.3   O CESE congratula-se com a atenção dispensada à prevenção, mas frisa que esta não permite tratar as causas do terrorismo de forma apropriada. Como já realçara num anterior parecer, «é possível explicar muitos dos desvios terroristas como o resultado de processos de desafeição, radicalização e recrutamento que se nutrem de desigualdades horizontais entre grupos dentro de um mesmo território, de fenómenos de exclusão e discriminação – social, política ou económica» (8). Assim, propõe que se intensifique o diálogo com vista a definir, como reacção ao desenvolvimento do fenómeno terrorista, respostas de tipo político, que deverão reconsiderar as relações políticas, institucionais, sociais e económicas a nível dos Estados-Membros e visar uma pacificação efectiva das tensões históricas.

4.1.4   O CESE felicita a Comissão Europeia pela criação, em 2008, da Rede Europeia de Peritos em Radicalização (ENER), pois considera que uma contribuição institucionalizada que tenha em consideração a especificidade de cada sociedade e de cada tipo de acto terrorista pode ajudar ao ajustamento das políticas da União Europeia e dos Estados-Membros neste domínio.

4.1.5   Tendo em conta que a maioria dos actos terroristas perpetrados na União Europeia são de natureza histórica e estão ligados à problemática separatista, o CESE entende que convém envolver ainda mais o Comité das Regiões no debate europeu, uma vez que este é um órgão consultivo da União Europeia composto por representantes do poder local e regional, com o qual se deverá estabelecer um diálogo.

4.1.6   O CESE é favorável ao projecto da Comissão de elaborar uma comunicação sobre as melhores práticas dos Estados-Membros em matéria de luta contra a radicalização e o recrutamento dos terroristas. O CESE recomenda que, nesta futura comunicação, a Comissão tenha em conta as conclusões e as recomendações formuladas no seu parecer sobre «O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte» (9). As melhores práticas registadas ajudarão as partes envolvidas a compreenderem melhor os diferentes tipos de terrorismo, classificados segundo a sua motivação e a sua incidência. Trata-se de um progresso na elaboração de políticas específicas a cada Estado-Membro e a cada tipo de ameaça terrorista em causa.

4.2   Proteger

4.2.1   O CESE congratula-se com os esforços desenvolvidos pela Comissão Europeia, pelos Estados-Membros, pela comunidade científica e pelo sector privado para proteger a vida dos cidadãos e a integridade das infra-estruturas. Este vector, que compreende actividades como, por exemplo, as avaliações de ameaças no conjunto da União Europeia, a segurança da cadeia de abastecimento, a protecção das infra-estruturas críticas, a segurança dos transportes e os controlos fronteiriços, bem como a investigação em matéria de segurança, é o mais complexo e o mais dispendioso de todos. Contudo, o desenvolvimento dos sistemas de protecção deve ser proporcional à gravidade das ameaças, e adaptado aos diferentes tipos de terrorismo.

4.2.2   A segurança dos transportes no território dos Estados-Membros constitui um domínio fundamental. O mercado interno baseia-se na livre circulação de bens, capitais, serviços e pessoas. A mobilidade dos cidadãos dos Estados-Membros, tanto no interior como no exterior das suas fronteiras, é uma componente importante das economias e dos modos de vida europeus. Essa mobilidade facilita o conhecimento mútuo, a comunicação e a tolerância. O CESE considera que a segurança dos transportes, em todos os seus aspectos, merece atenção considerável por parte das instituições europeias e dos governos nacionais.

4.2.3   O CESE toma nota dos esforços realizados pela comunidade científica no domínio da segurança, com vista ao desenvolvimento de tecnologias que protejam a integridade das pessoas e das infra-estruturas. No entanto, a comunidade científica tem de estar ciente do potencial impacto da tecnologia na vida e na intimidade das pessoas e tem de garantir que a tecnologia não possa ser utilizada de forma abusiva ou lesiva da dignidade e dos direitos das pessoas.

4.2.4   O CESE congratula-se com o facto de o sector privado (por exemplo, no ramo das tecnologias da informação e da comunicação ou da indústria química) cooperar no combate à ameaça terrorista. Da mesma maneira, saúda a abertura demonstrada pelos operadores privados de transportes a medidas de segurança reforçadas, cuja aplicação pode provocar perdas económicas. A este respeito, o CESE recomenda vivamente à Comissão Europeia e aos governos nacionais que procedam a uma avaliação pormenorizada do impacto económico dessas medidas de segurança sobre as actividades dos operadores privados. Adverte que o desenvolvimento de tecnologias dispendiosas e procedimentos mais complicados podem repercutir-se negativamente nas actividades dos agentes económicos e dos cidadãos.

4.2.5   Uma vez que, a nível europeu, grande parte das actividades ligadas à protecção dos transportes de passageiros é realizada em cooperação com agentes privados, afigura-se necessário integrá-los nos programas de formação e informação, de forma que os procedimentos de segurança não atentem contra a integridade ou a dignidade dos passageiros.

4.3   Perseguir

4.3.1   O Comité está muito satisfeito com as recentes evoluções verificadas neste vector, nomeadamente no que diz respeito à recolha e análise de informações, às medidas para impedir os movimentos e as actividades terroristas, à cooperação policial e judiciária e ao combate ao financiamento do terrorismo. Relativamente a este sector de intervenção, todas as partes envolvidas podem fazer valer a sua perspectiva quanto ao fornecimento de respostas à ameaça terrorista, em função da sua tipologia.

4.3.2   O Comité é de opinião que o êxito da luta contra a ameaça terrorista depende também da colaboração bilateral das autoridades nacionais entre si e com as agências europeias especializadas. A este respeito, é preciso chamar a atenção para a delicada problemática da recolha e da utilização de informações de carácter privado. A protecção do direito à vida privada deve constituir uma preocupação constante no âmbito do combate ao terrorismo. A Autoridade Europeia para a Protecção de Dados (AEPD) realçou que a utilização ilegal ou inadequada de dados de natureza pessoal, muitas vezes sensíveis, combinada com os poderes acrescidos das autoridades, pode determinar a discriminação e estigmatização de determinadas pessoas e/ou grupos (10).

4.3.3   Uma componente importante da luta contra o terrorismo consiste também em limitar o seu acesso a financiamentos. O Comité toma nota das alterações introduzidas na legislação da União Europeia referentes aos procedimentos de inscrição de cidadãos na lista das pessoas e entidades relacionadas com o terrorismo, no sentido de respeitar os direitos fundamentais. O CESE considera que os procedimentos de sanções individuais e de congelamento dos bens devem ser correctos, claros e transparentes. As pessoas suspeitas devem ter a possibilidade de se defender e de contestar as decisões das autoridades.

4.3.4   O Comité partilha do entendimento de que a transparência, a boa governação e a responsabilidade são fundamentais para as ONG. Os procedimentos voluntários a nível europeu podem ser úteis, não devendo, porém, dar lugar a novas regras que, trazendo consigo obstáculos regulamentares e/ou financeiros irrealistas, sejam contrárias à legislação em vigor nos Estados-Membros e susceptíveis de afectar a capacidade do sector ou o empenho dos cidadãos em defender os benefícios de que usufruem. O Comité manifesta a sua disponibilidade para cooperar na procura de soluções que visem a criação de uma estratégia comum contra o terrorismo e que respeitem o direito e do desejo dos cidadãos de se organizarem em associações independentes, um direito fundamental que deve ser respeitado.

4.4   Reagir

4.4.1   O Comité congratula-se com as recentes evoluções neste vector, incluindo a capacidade civil de resposta para enfrentar as consequências de um atentado terrorista, os sistemas de alerta rápido, a gestão de crises e o apoio às vítimas do terrorismo. O CESE entende que os Estados-Membros devem reforçar a sua capacidade de reacção, com vista a proteger com eficácia a vida e a segurança das pessoas em situações críticas.

4.4.2   O Comité saúda os esforços desenvolvidos com vista a limitar a obtenção de substâncias químicas, biológicas, radiológicas ou nucleares (QBRN) para fins terroristas. Há que prosseguir prioritariamente a implementação do Plano de Acção QBRN da União Europeia, que retoma 130 acções específicas nos sectores da prevenção, da detecção e da reacção aos incidentes que implicam essas substâncias, tendo no entanto em consideração as potenciais consequências das medidas propostas para o sector económico em causa. E há que proceder a consultas alargadas com representantes do referido sector.

4.4.3   O CESE felicita ainda a Comissão Europeia pelos esforços desenvolvidos em matéria de assistência às vítimas do terrorismo, nomeadamente a disponibilização de cerca de 5 milhões de euros para o financiamento de medidas nesta área e o apoio a uma rede das respectivas associações. O Comité considera que esse apoio deve ser prosseguido e melhorado.

Questões horizontais

4.5   Respeito dos direitos fundamentais

4.5.1   O Comité congratula-se com o facto de o respeito dos direitos fundamentais constituir uma prioridade horizontal. Contudo, o empenho da Comissão relativamente ao respeito dos direitos fundamentais deve ser acompanhado de uma mobilização semelhante por parte dos governos nacionais. Da mesma maneira, a protecção dos direitos fundamentais não deve ser limitada à fase de concepção e elaboração dos instrumentos, devendo cobrir também a sua implementação.

4.5.2   O sistema europeu de protecção dos direitos humanos é, do ponto de visto jurídico, sólido e o CESE considera que este aspecto dever-se-ia reflectir mais nas comunicações e acções da Comissão. Importa que os governos nacionais apliquem, com determinação, os instrumentos específicos. O empenho político tem que se reflectir na prática. Há que interditar, definitivamente, e sancionar as práticas que toleram ou organizam actos de tortura no território dos Estados-Membros. O princípio de não repulsão tem de ser respeitado. Além disso, há que perseguir e combater as práticas discriminatórias que se encontrem expressamente identificadas e sancionadas na legislação internacional, europeia e nacional.

4.5.3   O Comité sugere à Comissão que identifique mecanismos de acompanhamento e de tomada de decisão mais rápidos no que se refere ao respeito dos direitos fundamentais no contexto da política antiterrorista. Nesse sentido, é possível mobilizar melhor o potencial da sociedade civil europeia, que está essencialmente preocupada em proteger os direitos e as liberdades dos cidadãos.

4.6   Cooperação internacional e parcerias com países terceiros

4.6.1   O terrorismo, nomeadamente o que tem por base motivações religiosas, apresenta uma importante dimensão internacional. A União Europeia deve colaborar com países terceiros com vista a limitar a ameaça terrorista, embora – como já foi dito – já não seja o alvo privilegiado desse tipo de perigos.

4.6.2   A União Europeia deve promover, em cooperação com países terceiros, procedimentos e normas democráticos de luta contra o terrorismo. Existem na União Europeia múltiplos sistemas que garantem e promovem verdadeiramente os direitos humanos. Em contrapartida, em muitos outros países, a política de luta contra o terrorismo corre o risco de ser desvirtuada e de prejudicar a qualidade da democracia e o respeito dos direitos fundamentais.

4.7   Financiamento

4.7.1   O Comité congratula-se com a existência do programa geral sobre «Segurança e Protecção das Liberdades», que inclui o programa específico sobre «Prevenção, preparação e gestão das consequências em matéria de terrorismo». As despesas de cada vector da estratégia (prevenir, proteger, perseguir e reagir) devem ser reequilibradas e o empenho político na prevenção deverá dispor dos meios financeiros correspondentes. Da mesma maneira, haverá que prestar mais atenção às relações público-privado na luta contra a ameaça terrorista. O Comité aguarda com interesse os resultados das avaliações intercalares do referido programa e espera que os fundos disponíveis sejam fáceis de obter e que a sua utilização permita atingir os resultados previstos.

5.   Perspectivas

5.1   Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, é possível aprofundar a coordenação entre as políticas dos Estados-Membros, incluindo em matéria de política de luta contra o terrorismo. De igual modo, através do Tratado, a União Europeia adquire mais responsabilidades no que toca ao respeito dos direitos humanos. Assim, é possível elaborar uma política de luta contra o terrorismo que abranja, em todas as suas etapas, inclusive na implementação, as normas e os procedimentos mais avançados de respeito dos direitos humanos. O Comité considera que esta política de luta contra o terrorismo deverá ser ajustada em função da evolução concreta do fenómeno, mas que a tónica tem de ser claramente colocada na prevenção, entendida no sentido lato, como, por exemplo, levando directamente em conta as causas societais, políticas e económicas do terrorismo.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 115 de 4.5.2010, p. 1.

(2)  COM(2010) 171 final de 20 de Abril de 2010.

(3)  Doc. n.o 14469/4/05 de 30 de Novembro de 2005.

(4)  O relatório 2010 da Europol sobre a situação e as tendências do terrorismo na Europa (TE-SAT) está disponível, em inglês, no seguinte endereço: http://www.europol.europa.eu/publications/EU_Terrorism_Situation_and_Trend_Report_TE-SAT/Tesat2010.pdf

(5)  JO C 128 de 18.5.2010, p. 80.

(6)  A Estratégia da UE de combate à radicalização e ao recrutamento para o terrorismo foi revista em Novembro de 2008 (CS/2008/15175).

(7)  Conselho da União Europeia, Plano de Acção da UE de Luta contra o Terrorismo, Bruxelas, 17 de Janeiro de 2011.

(8)  JO C 211 de 19.8.2008, p. 61.

(9)  Parecer do CESE sobre «O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte» de 23.10.2008 in JO C 100 de 30.4.2009, p. 100.

(10)  Parecer da Autoridade Europeia para a protecção de dados sobre a Comunicação da Comissão Europeia - A política de luta contra o terrorismo da UE, Counter-Terrorism Policy and Data Protection, contributo de Giovanni Buttarelli na audição realizada no Comité Económico e Social Europeu (CESE) em 9 de Fevereiro de 2011.


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/97


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de trabalho sazonal»

[COM(2010) 379 final — 2010/0210 (COD)]

2011/C 218/18

Relatora: Christa SCHWENG

Em 29 de Setembro de 2010, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre:

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de trabalho sazonal

COM(2010) 379 final — 2010/0210 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 24 de Março de 2011

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 165 votos a favor, 3 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE congratula-se com a proposta de directiva em apreço, que faz parte dos esforços europeus para desenvolver uma abordagem abrangente da imigração legal. A directiva proposta pode contribuir para suprir a necessidade acrescida de mão-de-obra durante determinadas épocas do ano e que não possa ser satisfeita por trabalhadores disponíveis a nível nacional. Simultaneamente, a proposta vem também dar um importante contributo para a luta contra a imigração ilegal.

1.2

O CESE congratula-se, em especial, com o procedimento de admissão rápido e simplificado, uma vez que o trabalho sazonal, pela sua natureza, implica o exercício de actividades temporárias e que é precisamente nesses períodos do ano que as empresas se vêem confrontadas com uma penúria de mão-de-obra.

1.3

O CESE apoia também as disposições que deixam ao critério dos Estados-Membros a decisão de proceder a análises da situação no respectivo mercado de trabalho. Neste contexto, recomenda que se consultem os parceiros sociais sobre todas as medidas relativas à admissão de trabalhadores sazonais de países terceiros.

1.4

O CESE exorta o Conselho, a Comissão e o Parlamento Europeu a fazerem uma reflexão sobre as disposições referentes à duração máxima da estada, uma vez que um período de seis meses por ano civil não dá resposta às necessidades das empresas, por exemplo em países com dois períodos de campanha. Por conseguinte, propõe que os Estados-Membros possam, em casos justificados, prever excepções à duração máxima de estada em estreita articulação com os parceiros sociais. Neste contexto, importa assegurar que a natureza sazonal do contrato de trabalho e as respectivas possibilidades de controlo sejam respeitadas.

1.5

O CESE solicita que sejam incluídas na directiva regras claras que definam em que sectores económicos poderão ser executadas actividades sazonais. Defende a possibilidade de excepções às regras em estreita articulação com os parceiros sociais ao nível nacional.

1.6

O CESE salienta que os trabalhadores sazonais têm um acesso temporalmente limitado ao mercado de trabalho do respectivo Estado-Membro. Em conformidade com a aplicação do princípio «lex loci laboris», devem ter, em termos de direito laboral, direitos equiparados aos dos trabalhadores do Estado de acolhimento, independentemente de estes direitos estarem previstos em leis e em convenções colectivas gerais ou regionais. A equiparação em termos de segurança social deverá, no entanto, ficar dependente da existência de acordos bilaterais.

2.   Introdução e conteúdo da proposta de directiva

2.1

No âmbito da comunicação da Comissão intitulada Plano de acção sobre a migração legal  (1), a Comissão Europeia previu a aprovação de um total de cinco propostas legislativas relativas à migração de trabalhadores entre 2007 e 2009, incluindo uma proposta de directiva relativa às condições de entrada e residência de trabalhadores sazonais. Através do Programa de Estocolmo, adoptado pelo Conselho em 10 e 11 de Dezembro de 2009, a Comissão e o Conselho reiteraram o seu empenho em executar o Plano de acção sobre a migração legal.

2.2

A Comissão apresentou a sua proposta (2) em 13 de Julho de 2010, apontando como justificação a necessidade que os Estados-Membros têm do trabalho sazonal e o facto de haver cada vez menos cidadãos da UE disponíveis para este tipo de trabalhos. Apesar de uma procura cada vez maior de mão-de-obra altamente qualificada na UE, continuará a registar-se nos sectores tradicionais uma necessidade crescente e estrutural de trabalhadores pouco qualificados. Além disso – e segundo a Comissão – a experiência mostra que os trabalhadores sazonais de determinados países terceiros são explorados e se vêem forçados a trabalhar em condições indignas, sujeitos a possíveis riscos para a sua saúde e segurança.

2.3

Das consultas relativas à preparação da proposta de directiva ficou a percepção clara de que há falta de regras uniformes na UE quanto às condições de admissão de determinadas categorias fulcrais de migrantes económicos (sobretudo trabalhadores altamente qualificados no âmbito de destacamentos de empresas multinacionais e trabalhadores sazonais). Estas condições de admissão deveriam ser o mais simplificadas, desburocratizadas e flexibilizadas possível.

2.4

A proposta da Comissão prevê um procedimento simplificado para a admissão de trabalhadores sazonais de países terceiros com base em definições e critérios comuns. Os trabalhadores sazonais receberão, mediante determinados requisitos, um título combinado de trabalho e residência que lhes permitirá uma estada de 6 meses por ano civil. Os Estados-Membros podem prever uma autorização de trabalho multissazonal de até três anos ou um procedimento de readmissão facilitado em períodos de campanha subsequentes. As condições de trabalho dos trabalhadores sazonais estão claramente definidas e prevêem que estes sejam tratados em igualdade de circunstâncias com os trabalhadores nacionais no que se refere a determinados direitos.

3.   Observações na generalidade

3.1

A avaliação de impacto da Comissão refere uma variação considerável da dimensão do trabalho sazonal efectuado por nacionais de países terceiros na União Europeia, que vai desde 919 trabalhadores sazonais autorizados na Hungria a 24 838 em Espanha, passando pelos mais de 3 860 em França e 7 552 na Suécia (todos os dados são relativos ao ano de 2008). Os trabalhadores sazonais desempenham em numerosos Estados-Membros tarefas que requerem poucas qualificações, como por exemplo na agricultura (60 % do trabalho sazonal na Itália, 20 % do trabalho sazonal na Grécia) e no turismo (em Espanha, as autorizações de trabalho no sector de hotelaria e restauração representaram 13 % de todas as autorizações de trabalho concedidas em 2003). Determinadas regiões austríacas dependem de trabalhadores sazonais, pelo que a quota para a campanha de Inverno 2008/2009 foi fixada em 8 000 trabalhadores.

3.2

O CESE já analisou em numerosos pareceres anteriores a questão das condições únicas de entrada para nacionais de países terceiros. No âmbito da consulta relativa ao Livro Verde sobre a migração económica (3), o CESE pronunciou-se a favor da fixação de disposições específicas para os trabalhadores sazonais, incluindo a necessidade de apresentação de um contrato de trabalho.

3.3

A Comissão invocou como fundamento o artigo 79.o, n.o 2, alíneas a) e b). No entender do CESE, o artigo 153.o poderia também ter servido de base jurídica à proposta de directiva uma vez que nela são igualmente regulamentadas as condições de trabalho e emprego. Tal teria também implicado a consulta aos parceiros sociais. No entanto, o CESE está ciente de que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da União Europeia, caso uma proposta de directiva prossiga duas finalidades, e uma delas for identificável como principal ou preponderante, essa proposta deve ter por fundamento somente a base jurídica exigida pela finalidade principal ou preponderante.

3.4

Um procedimento ao nível da UE para a autorização da estada e do exercício de uma actividade profissional sazonal por nacionais de países terceiros contribui de forma significativa para harmonizar o aumento da procura de mão-de-obra em determinadas épocas do ano com a oferta. As empresas têm na actualidade, e terão no futuro, necessidade de mão-de-obra tanto pouco qualificada como muito qualificada. Apesar do aumento do desemprego provocado pela crise, verifica-se em alguns países, sectores e profissões que a mão-de-obra da UE não cobre de todo, ou de uma forma suficiente, as necessidades sazonais.

3.5

O CESE lembra que aos trabalhadores europeus, independentemente de serem trabalhadores móveis ou sazonais num outro país que não o seu país de origem, é aplicável tanto o direito europeu como o respectivo direito nacional. A directiva relativa aos trabalhadores sazonais nacionais de países terceiros não pode criar uma categoria específica de trabalhadores. O direito laboral do Estado em que é realizado o trabalho deve ser aplicado na íntegra.

3.6

O CESE perfila a opinião de que um procedimento ao nível da UE pode, além disso, contribuir para permitir que os trabalhadores sazonais exerçam legalmente uma actividade profissional, impedindo a exploração existente em muitas regiões. Neste contexto, deve também levar-se em conta a chamada Directiva Sanções (Directiva 2009/52/CE) (4), que obriga os empregadores a certificar-se de que a estada de um trabalhador é legal, sendo as infracções susceptíveis de punição. A Directiva 2008/115/CE, a chamada Directiva Regresso, impede que trabalhadores sazonais de países terceiros passem eventualmente à ilegalidade após expirar o seu título de residência, prevendo a cessação das situações irregulares de nacionais de países terceiros através de um procedimento justo e transparente que dê prioridade ao regresso voluntário em detrimento do repatriamento.

3.7

A proposta de directiva em apreço conduziu precisamente a uma série de análises pormenorizadas sobre a questão da manutenção da subsidiariedade e proporcionalidade por sete parlamentos nacionais (5), em que surgiram vozes criticando, entre outros aspectos, tanto a duração do direito de permanência como a questão do alojamento.

3.8

No sentido de ir ao encontro da preocupação manifestada pelos parlamentos nacionais quanto ao respeito do princípio da subsidiariedade, o CESE sugere que a decisão quanto à duração do título de residência fosse estabelecida a nível nacional e de acordo com as especificidades de cada país. Assim, também os Estados-Membros que têm uma necessidade acrescida de trabalhadores sazonais tanto durante a campanha de Inverno como durante a de Verão poderiam a manter a regulamentação vigente a nível nacional.

4.   Observações na especialidade

4.1

O CESE salienta que as definições escolhidas de «trabalhador sazonal» e «actividade sazonal» deixam em aberto um amplo espaço de actuação, ficando assim à discrição dos Estados-Membros os sectores que deverão qualificar como dependentes do ritmo das estações. Daqui resulta uma certa contradição com o Considerando 10, pois este refere claramente que as actividades dependentes do ritmo das estações do ano surgem geralmente em sectores como a agricultura, durante a época de cultivo ou colheita, ou o turismo, durante o período de férias. Deveriam, por isso, ser incluídas na directiva regras claras que definam em que sectores podem ser exercidas actividades sazonais, prevendo-se a possibilidade de os Estados-Membros abrirem excepções às regras em estreita articulação com os parceiros sociais.

4.2

A exigência de que, nas actividades dependentes do ritmo das estações do ano, as necessidades de mão-de-obra ultrapassem as necessidades de trabalhadores para as actividades habituais, torna necessária uma interpretação e, logo, provoca uma incerteza jurídica. O CESE entende que se deve suprimir uma referência a uma necessidade « acrescida» ou «acrescida» de trabalhadores. Deverão ser as autoridades, em conjunto com os parceiros sociais nacionais, a determinar se uma tal necessidade «(substancialmente) acrescida» de mão-de-obra existe.

4.3

O CESE congratula-se expressamente com o facto de a apresentação de um contrato de trabalho de duração limitada válido ou de uma oferta vinculativa de emprego, assim como a indicação da remuneração e do período de trabalho, constituírem condição prévia para a emissão do título combinado de trabalhador sazonal, podendo assim ser analisadas as condições contratuais de base para contratação de nacionais de países terceiros pelas autoridades que emitem o título de residência, e garantindo-se simultaneamente o respeito pelas condições de trabalho nacionais.

4.4

Entre os motivos de recusa de um pedido de autorização figura também a eventualidade de «um empregador já [ter] sido sancionado por trabalho não declarado e/ou emprego ilegal». O CESE condena com veemência o trabalho não declarado, embora saliente que este motivo de recusa poderia ser interpretado de uma forma que até infracções leves conduzissem a uma recusa prolongada de contratos. No contexto da segurança jurídica dever-se-ia deixar claro, como acontece com a Directiva Sanções, que este motivo de recusa seria válido apenas por um determinado período, proporcional à gravidade do facto, após a aplicação da sanção.

4.5

O CESE congratula-se com o facto de os Estados-Membros que o desejarem poderem continuar a realizar análises do mercado de trabalho, encarando também positivamente a possibilidade de estes poderem recusar contratos invocando quotas de admissão. Tanto as análises do mercado de trabalho como a fixação de quotas de admissão devem, no entanto, ser feitas com a participação dos respectivos parceiros sociais nacionais e dos serviços de emprego. A definição de quotas deve ser feita de um modo que o procedimento de autorização individual não se prolongue excessivamente.

4.6

O período máximo de estada de seis meses por ano civil previsto no artigo 11.o para os trabalhadores sazonais é, no entender do CESE, demasiado rígido e poderia contrariar o princípio da subsidiariedade. Para dar às empresas de Estados-Membros com duas campanhas a possibilidade de recorrerem nesses dois períodos a trabalhadores de países terceiros, os Estados-Membros deviam ter a possibilidade de prever, em estreita articulação com os parceiros sociais a nível nacional, excepções ao período máximo da autorização de estada e trabalho para trabalhadores sazonais de acordo com um determinado prazo. Neste contexto, importa assegurar que a natureza sazonal do contrato de trabalho e as respectivas possibilidades de controlo sejam respeitadas.

4.7

A referência ao ano civil é contrária à prática e não toma em consideração as regiões turísticas onde existe uma época de Inverno e outra de Verão. Deste modo, os empregadores e/ou os trabalhadores ver-se-iam forçados a elaborar um novo contrato enquanto vigoravam os contratos em curso.

4.8

Também o artigo 11.o, n.o 2, que permite que os trabalhadores sazonais «dentro do período referido no n.o 1 (…) [sejam] autorizados a prolongar o seu contrato ou a ser contratados como trabalhadores sazonais por um empregador diferente», não tem, no entender do CESE, uma formulação clara e suscita outras questões: a expressão «período referido no n.o 1» refere-se ao ano civil ou ao período de seis meses? Pode um trabalhador sazonal, por exemplo, prolongar deste modo o seu título de residência por 11 meses por ano civil?

4.9

O Comité sugere que a possibilidade de se trocar de empregador fique sujeita a determinadas condições e seja conforme à respectiva legislação nacional: os trabalhadores sazonais são regra geral contratados para suprir as necessidades de mão-de-obra de um determinado empregador, e estas necessidades coincidem também com a duração do seu título de residência. Em todo o caso, qualquer mudança de empregador deve ser comunicada às autoridades de modo a permitir a realização de controlos.

4.10

A facilitação da readmissão é encarada, fundamentalmente, pelo CESE como positiva, pois tal disposição permite a um empregador recorrer a trabalhadores sazonais com os quais tenha tido uma experiência positiva. Os empregadores que não tenham respeitado as obrigações decorrentes do contrato de trabalho, e que por isso tenham sido objecto de sanções, não podem, segundo a proposta, apresentar pedidos para trabalhadores sazonais. Para evitar que mesmo pequenas infracções levem à exclusão de trabalhadores sazonais deverá determinar-se se as sanções foram aplicadas por infracção de .

4.11

Sob o título «Garantias processuais», a directiva prevê que os Estados-Membros adoptem uma decisão no prazo de 30 dias sobre o pedido e sejam obrigados a dela notificarem o requerente. O CESE congratula-se, em princípio, com a fixação de um prazo para a decisão, mas salienta que, durante este prazo, as autoridades devem poder verificar as informações prestadas.

4.12

As disposições constantes do artigo 14.o, segundo as quais o empregador deve provar que o trabalhador sazonal beneficiará de um alojamento que garanta um nível de vida aceitável, levantam a questão de saber se tal implica a obrigatoriedade de o empregador pôr esse alojamento à disposição. Caso tal interpretação se aplique, o CESE entende que isso seria contrário à prática. Caso seja o empregador a disponibilizar o alojamento, deverá ser autorizado às autoridades competentes o acesso a esses locais para fins de inspecção.

4.13

O CESE salienta que os trabalhadores sazonais têm um acesso temporalmente limitado ao mercado de trabalho do respectivo Estado-Membro. Em conformidade com a aplicação do princípio «lex loci laboris», devem ter, em termos de direito laboral, direitos equiparados aos dos trabalhadores do Estado de acolhimento, independentemente de estes direitos estarem previstos em leis e em convenções colectivas gerais ou regionais. O CESE considera, por isso, que a referência às convenções colectivas gerais e respectivas definições, que figura no artigo 16.o, n.o 1, parágrafo 2, deveria ser suprimida.

4.14

A disposição que prevê um tratamento igual para os trabalhadores sazonais e para os trabalhadores nacionais nos ramos da segurança social deveria em princípio – pelo menos nos domínios das reformas, prestações de pré-reforma, prestações de sobrevivência, desemprego e abono de família – poder apenas aplicar-se sob condição de que existam os correspondentes acordos bilaterais. A obrigatoriedade de efectuar pagamentos para o respectivo sistema nacional devia conferir também a este grupo de pessoas o direito a receber as correspondentes prestações.

4.15

Além disso, os Estados-Membros devem ser incentivados a dotarem as respectivas autoridades de controlo (inspecções de trabalho) dos meios necessários e de formação específica que lhes permitam cumprir a sua missão no respeito pelos direitos fundamentais.

4.16

Os parceiros sociais são, em conjunto com as autoridades públicas, actores importantes no respectivo mercado de trabalho nacional, devendo, por isso, participar estreitamente nas decisões relativas à determinação dos sectores em que é admissível o trabalho sazonal, bem como nas análises do mercado de trabalho e nas inspecções para verificar o cumprimento das disposições em matéria de condições de trabalho.

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  COM(2005) 669 final.

(2)  COM(2010) 379 final.

(3)  JO C 286 de 17.11.2005, p. 20.

(4)  Directiva 2009/52/CE, JO L 168/2009 de 30.6.2009, p. 24.

(5)  http://www.ipex.eu/ipex/cms/home/Documents/dossier_COD20100210.


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/101


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de entrada e residência de nacionais de países terceiros no quadro de transferências dentro das empresas»

[COM(2010) 378 final — 2010/0209 (COD)]

2011/C 218/19

Relator: Oliver RÖPKE

Em 29 de Setembro de 2010, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de entrada e residência de nacionais de países terceiros no quadro de transferências dentro das empresas»

COM(2010) 378 final — 2010/0209 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 24 de Março de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 152 votos a favor, 2 votos contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE saúda os esforços da Comissão Europeia de estabelecer, com a proposta de directiva relativa às condições de entrada e residência de nacionais de países terceiros no quadro de transferências dentro das empresas, condições de admissão transparentes e harmonizadas para esta categoria de trabalhadores.

1.2   O CESE coloca, todavia, sérias reservas a algumas das suas passagens e à abordagem adoptada pela Comissão Europeia relativamente aos parceiros sociais europeus na fase preliminar de elaboração da proposta.

1.3   O CESE lamenta que o artigo 79.o do TFUE tenha sido escolhido como única base jurídica da proposta de directiva, quando esta contém disposições importantes sobre o estatuto laboral dos quadros de gestão, trabalhadores qualificados e estagiários com diploma de ensino superior e terá, por conseguinte, repercussões consideráveis nos mercados de trabalho dos Estados-Membros. Numa iniciativa desta natureza, a Comissão deveria, antes de apresentar uma proposta de directiva concreta, consultar formalmente os parceiros sociais, ao abrigo do artigo 154.o do TFUE. Essa consulta não só sublinharia a vontade expressa no Tratado de Lisboa de reforçar o papel do diálogo social na UE, seria também uma oportunidade de dirimir, entre os parceiros sociais, a montante, algumas das questões que suscitam actualmente controvérsia.

1.4   A proposta de directiva, que estabelece as condições de entrada de nacionais de países terceiros e dos seus familiares no quadro de transferências dentro das empresas, diz respeito não só a um grupo relativamente restrito de quadros de gestão, mas também a especialistas e a estagiários com diploma de ensino superior. Aliás, na opinião do CESE, uma directiva circunscrita apenas a esses quadros teria permitido tratar de forma mais adequada o estatuto especial e as necessidades específicas deste grupo de pessoas. É, contudo, tanto mais importante fazer respeitar, no atinente a todos os trabalhadores abrangidos pela directiva, o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação em termos de remuneração e de condições de trabalho e excluir qualquer utilização abusiva da directiva.

1.5   O CESE propõe, deste modo, que os trabalhadores reafectados dentro da mesma empresa sejam tratados em pé de igualdade, não só ao nível do salário como das condições de trabalho em geral, com os trabalhadores do Estado de acolhimento ou do pessoal fixo da empresa. Esta igualdade não se deverá cingir às convenções colectivas de aplicação geral, mas ser igualmente válida para todas as disposições legais e inerentes às convenções colectivas – inclusivamente os acordos de empresa. O reagrupamento familiar deveria ser, na opinião do CESE, regulado de forma idêntica à prevista na Directiva «Cartão Azul» (Directiva 2009/50/CE).

1.6   A Comissão Europeia escolheu para a publicação da directiva um momento em que a UE está mergulhada na maior crise económica e financeira da sua história. Há Estados-Membros que se encontram ainda muito longe de uma recuperação económica e apresentam taxas de desemprego tão elevadas que se pode contar desde já com grandes fluxos migratórios, também dentro da UE. Na sua Análise Anual do Crescimento de 2011 (1), a Comissão refere-se explicitamente ao risco de um crescimento económico nascente não ser acompanhado da dinâmica indispensável à criação de emprego e adverte, por isso, para a necessidade de aumentar a utilização relativamente incipiente do potencial de mão-de-obra existente na UE. Por outro lado, de acordo com o último Relatório Conjunto sobre o Emprego (2010), o CESE observa que determinados Estados-Membros e algumas categorias de emprego continuam a registar um défice de mão-de-obra.

1.7   Os trabalhadores necessários serão igualmente originários de países terceiros onde o nível salarial e social ainda é nitidamente inferior ao da UE. É, pois, indispensável um controlo eficaz do cumprimento da directiva com a preocupação de evitar uma carga burocrática supérflua para as empresas. A Comissão Europeia está a desenvolver actualmente para o efeito, em cooperação com os Estados-Membros, um sistema electrónico de intercâmbio para simplificar a cooperação administrativa transfronteiras no âmbito da directiva de destacamento de trabalhadores (Directiva 96/71/CE). Convém que um sistema deste tipo abranja igualmente os casos de transferência dentro das empresas de nacionais de países terceiros.

1.8   O CESE considera útil especificar melhor as definições de «gestor», de «especialista» e de «estagiário com diploma de ensino superior», não só para oferecer às empresas envolvidas uma maior segurança jurídica como também garantir que estas não extrapolem os compromissos assumidos no âmbito do GATS e os acordos comerciais bilaterais com países terceiros. Essas definições deveriam ser formuladas de modo a abarcar claramente as três categorias de trabalhadores altamente qualificados cuja transferência a directiva se propõe regular.

1.9   Na opinião do CESE, se fizer jus às exigências aqui enunciadas, a directiva poderia contribuir efectivamente para facilitar a transferência de competências dentro das empresas para e na UE e promover a competitividade da sua economia.

2.   Proposta de directiva

2.1   Com a directiva em análise, será mais fácil para as empresas multinacionais com entidades situadas tanto dentro como fora do território da UE a transferência de trabalhadores de países terceiros de uma empresa com sede fora da UE para filiais ou sucursais num Estado-Membro. Essa possibilidade deveria ser, portanto, também aplicável aos gestores, especialistas e estagiários com diploma do ensino superior.

2.2   É considerado «gestor» uma pessoa que trabalhe como quadro superior e seja o principal responsável pela gestão da entidade de acolhimento, sob o controlo ou a direcção gerais principalmente do conselho de administração ou dos accionistas da sociedade, ou seus homólogos.

2.3   É considerado «especialista» uma pessoa com conhecimentos excepcionais, essenciais e específicos à entidade de acolhimento, tendo em conta não só os conhecimentos específicos a essa entidade de acolhimento, mas também se essa pessoa é altamente qualificada para um tipo de trabalho ou de actividade profissional que exige conhecimentos técnicos específicos.

2.4   É considerado «estagiário com diploma de ensino superior» uma pessoa com habilitações de ensino pós-secundário superior de pelo menos três anos, que seja transferida para alargar os seus conhecimentos e experiência numa empresa na perspectiva de vir a ocupar um lugar de gestão nessa empresa.

2.5   A directiva não será aplicável aos investigadores, uma vez que há já uma directiva que lhes é dirigida especificamente (Directiva 2005/71/CE).

2.6   Os Estados-Membros podem exigir que o trabalhador destacado disponha já de um contrato de trabalho por um período não inferior a doze meses na multinacional que o transfere e podem fixar igualmente o número máximo de pessoas admitidas. A duração máxima dessa transferência é de três anos para gestores e especialistas e de um ano para estagiários com diploma de ensino superior.

2.7   Um procedimento de admissão acelerado e uma autorização única de residência e de trabalho poderiam tornar as transferências mais atraentes.

2.8   Os trabalhadores transferidos são autorizados a desempenhar a sua missão em qualquer outra entidade situada nesse Estado-Membro pertencente ao mesmo grupo de empresas e nas instalações de clientes dessa entidade de acolhimento, desde que a duração da transferência nos outros Estados-Membros não seja superior a doze meses. Mas há excepções a esta regra.

2.9   As convenções relativas ao salário mínimo e as convenções colectivas do país de acolhimento devem ser respeitadas. Além disso, a proposta de directiva consagra direitos tais como liberdade de associação, filiação e adesão a uma organização representativa de trabalhadores ou empregadores, reconhecimento de diplomas, em conformidade com os procedimentos nacionais pertinentes, e acesso a bens e serviços, bem como à segurança social. Contudo, não está prevista a aplicação de toda a legislação laboral e de segurança social do país de acolhimento.

3.   Introdução

3.1   A partir da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, a política de migração passou a ser parcialmente da competência da UE. Em várias ocasiões, tanto o Conselho Europeu como o Conselho da União Europeia têm apelado ao seu desenvolvimento (Conclusões do Conselho de Tampere de 1999, Programa da Haia de 2004, Programa de Estocolmo de 2009 e Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo).

3.2   Após uma consulta pública, sob a forma de Livro Verde, a Comissão Europeia apresentou, em 2005, um «Plano de Acção sobre Migração Legal» em que anunciava várias propostas de directiva em matéria de migração laboral. Em 25 de Maio de 2009, o Conselho adoptou uma directiva (2) relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado (Directiva Cartão Azul). Contudo, a chamada Directiva Autorização Única está ainda a ser objecto de negociações no Conselho e no Parlamento Europeu. Em simultâneo com a proposta em apreço, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de directiva sobre o trabalho sazonal.

3.2.1   Originalmente, a Comissão havia apresentado, já em 2001, uma proposta de directiva horizontal que deveria abarcar todas as formas de imigração para fins profissionais. Como um acto jurídico horizontal se revelou irrealizável, a Comissão decidiu optar então por uma abordagem sectorial.

3.3   A proposta de directiva relativa às transferências dentro das empresas foi apresentada pela Comissão Europeia em 13 de Julho de 2010. O seu objectivo é harmonizar, ao nível da UE, a regulamentação relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros que são transferidos de uma empresa com sede fora do território da UE para uma entidade do mesmo grupo situada na UE.

3.4   A proposta de directiva contém disposições aplicáveis a esta categoria de trabalhadores que residem e são originários de países terceiros, estão vinculados por um contrato de trabalho a uma empresa estabelecida fora da UE e são destacados para trabalhar numa entidade situada na UE pertencente à mesma multinacional.

3.5   Na exposição de motivos, a Comissão Europeia refere que a directiva prevista contribuirá para realizar os objectivos da Estratégia Europa 2020. Graças ao estabelecimento de condições de admissão transparentes e harmonizadas para os trabalhadores destacados temporariamente, será possível dar uma resposta rápida à procura pelas empresas multinacionais de transferências dentro do mesmo grupo de quadros de gestão e especialistas de países terceiros. Um destacamento poderia preparar os estagiários com diploma de ensino superior para assumirem uma função de gestão na empresa. A Comissão está convicta de que a directiva proposta contribui para remover entraves burocráticos supérfluos, mas salvaguardando simultaneamente os direitos dos trabalhadores e oferecendo garantias suficientes mesmo nos tempos difíceis que atravessamos.

3.6   Por princípio, a política de migração europeia deve, por um lado, ser atraente para os melhores cérebros mas garantir, por outro, que é impossível contornar as normas sociais e laborais, graças nomeadamente a medidas de controlo adequadas. Não obstante o objectivo desta directiva não ser predominantemente a migração duradoura, dever-se-ia ter em mente esta exigência.

3.7   A promoção desses movimentos transnacionais de pessoal exige um clima de concorrência leal e de respeito pelos direitos dos trabalhadores, que passa pela criação de um estatuto jurídico seguro para os trabalhadores transferidos dentro das empresas. A proposta refere igualmente uma série de direitos para esses trabalhadores, como por exemplo o pagamento de uma remuneração fixada em conformidade com as convenções colectivas do país de acolhimento. Não prevê, contudo, a aplicação da legislação laboral na sua íntegra. As remunerações dos gestores são, na maioria dos casos, muito mais elevadas do que qualquer salário mínimo, mas o mesmo não se pode dizer dos especialistas e dos estagiários com diploma do ensino superior.

3.8   No seu parecer sobre a «Proposta de directiva do Conselho relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado» (3), o CESE considerava que a legislação sobre a admissão de trabalhadores imigrantes está ligada, designadamente, à evolução do mercado de trabalho e que as autoridades nacionais devem, por conseguinte, dialogar com os parceiros sociais. O CESE referiu igualmente no seu parecer sobre a «Proposta de directiva do Conselho relativa a um procedimento de pedido único de concessão de uma autorização única para os nacionais de países terceiros residirem e trabalharem no território de um Estado-Membro e a um conjunto comum de direitos para os trabalhadores de países terceiros que residem legalmente num Estado-Membro» (4) que cada Estado-Membro poderá decidir, em colaboração com os parceiros sociais, sobre as características da imigração.

3.9   No seu parecer sobre a «Integração dos trabalhadores imigrantes» (5), o CESE afirmou que a integração no local de trabalho em condições de igualdade de oportunidades e de tratamento também representa um desafio para os parceiros sociais, que devem promovê-la nas negociações colectivas e no diálogo social, nomeadamente a nível europeu.

3.10   Os pontos anteriores deixam bem claro que o CESE está persuadido de que os parceiros sociais devem ser associados à elaboração da legislação, tanto a nível nacional como a nível europeu.

3.11   No contexto das transferências dentro das empresas, convém ponderar na questão da mobilidade externa em que condições os cidadãos dos Estados-Membros da UE podem ser destacados para países terceiros. É antes de mais necessário garantir que a directiva proposta não debilite a capacidade da União de conseguir compromissos recíprocos no âmbito do modo 4 (circulação ocasional de pessoas singulares) do GATS ou de acordos bilaterais. Isso é de importância crucial para sectores tais como a indústria da construção que, até à data, está desligada do GATS.

4.   Observações na generalidade

4.1   Foram muito díspares as primeiras reacções dos parceiros sociais europeus à proposta de directiva. Por exemplo, a organização de empregadores BUSINESSEUROPE saudou a proposta em linhas gerais, considerando-a como um contributo para aumentar a transparência e simplificar os procedimentos de admissão dos trabalhadores transferidos dentro das empresas. Criticou, todavia, algumas das disposições nela contidas, sobretudo a que estabelece que o trabalho anterior no mesmo grupo de empresas deve ter tido a duração mínima de 12 meses. Além disso, as restrições impostas aos Estados-Membros no recurso a disposições mais favoráveis poderão significar uma deterioração das normas nacionais actualmente em vigor.

4.2   Em contrapartida, a Confederação Europeia de Sindicatos (CES) coloca sérias reservas à proposta de directiva e pediu à Comissão a sua retirada. Critica, por exemplo, a escolha do artigo 79.o do TFUE como base jurídica única da directiva, não obstante as consideráveis repercussões que a mesma (tal como a directiva sobre o trabalho sazonal) terá nos mercados de trabalho dos Estados-Membros. Reivindica que neste tipo de propostas sejam consultados os parceiros sociais, nos termos do artigo 154.o do TFUE. Além disso, segundo esta organização, a proposta não garante a igualdade de tratamento dos trabalhadores transferidos dentro da mesma empresa nem prevê mecanismos de controlo e sanções, no caso de incumprimento das normas estabelecidas.

4.3   Em termos de política de migração, esta abordagem está, pelo menos parcialmente, no prolongamento do conceito de «migração circular». Este conceito, que prevê uma migração transitória, temporária, tem sido frequentemente criticado por não surtir o efeito desejado em termos de política de integração e de mercado de trabalho. Caso se faça sentir, a longo prazo, na Europa um défice de mão-de-obra especializada e de habitantes jovens em sectores e profissões de alguns países, dever-se-ia procurar supri-lo, em primeira instância, organizando uma intensa campanha intra-europeia de qualificação de pessoal e tirando o máximo partido da livre circulação dos trabalhadores dentro da UE. Só depois se deveria reflectir no recurso a uma migração laboral controlada, com progressivamente cada vez mais direitos e, ao fim de um certo tempo, uma autorização de residência permanente.

4.4   Mas há também quem veja no conceito de migração temporária ou circular a medida mais adequada para promover quanto antes o afluxo de trabalhadores altamente qualificados para a Europa, que poderiam depois colocar em prática a experiência adquirida no seu país de origem. Deste modo, a Europa poderá criar, concomitantemente, condições de partida idênticas às dos seus concorrentes no âmbito da concorrência mundial, visto dispor dos melhores cérebros.

4.5   Variantes específicas da abordagem referente à migração temporária já fracassaram no passado em alguns Estados-Membros. Como se partia do princípio de que seria uma migração a curto prazo, não se investiu em medidas de integração. Uma parte destas lacunas continua até hoje por colmatar.

4.6   Em 2007, a Comissão Europeia publicou uma importante comunicação relativa à migração circular e às parcerias para a mobilidade entre a União Europeia e países terceiros (6) que apresentava as vantagens, mas também as especificidades deste conceito. O CESE contribuiu para este debate de forma objectiva com um parecer de iniciativa (7) em que reconhecia que também pode ser útil prever procedimentos de admissão temporária e que a rigidez actual das legislações europeias constitui um grande obstáculo para a imigração circular.

4.7   Insere-se neste contexto, naturalmente, a questão do reagrupamento familiar, ainda mais relevante quando a migração temporária se prolonga por vários anos ou se transforma em imigração definitiva. O reagrupamento familiar deveria ser, por conseguinte, regulado de forma idêntica à prevista na Directiva «Cartão Azul» (Directiva 2009/50/CE).

4.8   Por último, o CESE salientou em muitos dos seus pareceres a importância crucial da integração (8).

4.9   A UE e as autoridades nacionais devem cooperar entre si para promover a política de integração. Ainda recentemente o CESE salientou (9) que a política comum de imigração deve incluir a integração, que é um processo social bidireccional de adaptação mútua entre os imigrantes e a sociedade de acolhimento, que se deve apoiar através de uma boa governação na União Europeia, a nível nacional e a nível regional e local. No seu parecer sobre «Integração e agenda social» (10), o CESE propõe que se articule um processo de inclusão da integração nos diferentes instrumentos políticos, legislativos e financeiros da UE, a fim de promover a integração, a igualdade de tratamento e a não discriminação.

4.10   A proposta de directiva em análise entra, todavia, em conflito com estes esforços de integração, uma vez que, ao partir do princípio de que esta migração é temporária, se poderá negligenciar as medidas de integração.

4.11   Para evitar a concorrência desleal, os trabalhadores transferidos dentro da mesma empresa devem usufruir, pelo menos, das mesmas condições de trabalho do «núcleo» estável dos trabalhadores do grupo. Este princípio deve ser válido não só para o salário mínimo, mas estender-se igualmente a todas as normas laborais do país de destino. Por outras palavras, a legislação laboral do Estado-Membro de acolhimento deve ser aplicada na sua íntegra.

4.12   No atinente a estes direitos, o CESE constatou já no seu parecer sobre o «Livro Verde sobre uma abordagem da União Europeia em matéria de gestão da migração económica» (11) o seguinte: «Este debate deverá ter como ponto de partida o princípio da não discriminação. O trabalhador migrante, seja qual for o período da sua autorização de residência e de trabalho, terá os mesmos direitos económicos, laborais e sociais dos demais trabalhadores.».

4.13   No seu parecer sobre o «Procedimento de pedido único de concessão de uma autorização única para os nacionais de países terceiros» (12), o CESE destacava já o papel dos parceiros sociais nos diferentes âmbitos (empresarial, sectorial, nacional e europeu), na promoção da igualdade de tratamento no local de trabalho. Importa referir aqui também os conselhos de empresa europeus como actores fundamentais, pois que no fim de contas a proposta apresentada afecta, regra geral, grandes multinacionais com muitas sucursais.

4.14   É fundamental o papel assumido pelo controlo do cumprimento das normas. O CESE referiu no seu parecer sobre a «Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece sanções contra os empregadores de nacionais de países terceiros em situação irregular» (13) que este controlo não seria tarefa fácil, visto os órgãos de controlo não possuírem pessoal qualificado suficiente, haver problemas na repartição das responsabilidades entre os órgãos envolvidos e haver muitas empresas que devem ser alvo de controlos. Os Estados-Membros devem, por isso, zelar por que estes órgãos de controlo tenham pessoal suficiente para poderem realizar a sua missão com eficácia.

4.15   O âmbito de aplicação da directiva não está claramente definido. Convém demarcar, sobretudo, a definição de «especialistas», para impedir que, na prática, todos os trabalhadores de um grupo de empresas possam trabalhar, por um período que se pode prolongar até três anos, na entidade estabelecida num dado Estado-Membro. A definição de «estagiário com diploma do ensino superior» deveria ser igualmente reexaminada, para que apenas sejam efectivamente destacados os estagiários que se queiram preparar para exercer funções de gestão muito concretas. Nesta formulação dever-se-ia ter em conta a proposta apresentada em 2005 pela UE no âmbito do GATS.

4.16   Convém ponderar a exclusão de certos sectores do âmbito de aplicação da directiva, sempre que tal seja consensualmente reivindicado pelas entidades patronais e pelos sindicatos do sector em causa.

4.17   No caso de transferências de um Estado-Membro para outro, há problemas reais no que se refere ao pagamento das remunerações a que o trabalhador tem direito. As reservas colocadas regularmente ao dumping salarial gerado pelas transferências de outros Estados-Membros (no âmbito de aplicação da Directiva de Destacamento de Trabalhadores) são válidas igualmente para o âmbito de aplicação da proposta em apreço. Particularmente no parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o destacamento de trabalhadores (14) se realça que a falta de possibilidades de controlo causará problemas.

5.   Observações na especialidade

5.1   A definição de «especialista» é confusa e, como está formulada, poderia ser interpretada como abarcando praticamente todos os contratos de trabalho, uma vez que apenas se exige «conhecimentos excepcionais, essenciais e específicos». Esta definição («pessoa com conhecimentos excepcionais, essenciais e específicos à entidade de acolhimento, tendo em conta não só os conhecimentos específicos a essa entidade de acolhimento, mas também se essa pessoa é altamente qualificada para um tipo de trabalho ou de actividade profissional que exige conhecimentos técnicos específicos») é muito mais lata do que a definição equivalente que consta da parte do GATS que fixa os compromissos assumidos pela UE, já que (pelo menos na versão alemã) não se exige nenhum conhecimento excepcional. Deste modo, qualquer trabalhador especializado pode ser destacado, o que aumenta consideravelmente o risco de pressão salarial.

5.2   Embora as transferências dentro das empresas digam essencialmente respeito a grandes empresas multinacionais, dever-se-ia impor requisitos mínimos à entidade de acolhimento, para impedir abusos. De qualquer modo, esta deveria ter uma certa dimensão, e sobretudo um determinado número de trabalhadores, para evitar abusos que possam ocasionar que uma transferência dentro da mesma empresa permita o surgimento de empresas individuais compostas por uma única pessoa: o especialista ou o gestor transferidos.

5.3   Importa igualmente assegurar que as empresas de trabalho temporário (que fazem parte de uma multinacional) não possam destacar trabalhadores para entidades pertencentes ao grupo.

5.4   A proposta de directiva prevê que os Estados-Membros podem indeferir um pedido de transferência dentro da mesma empresa se, em conformidade com a legislação nacional, tiverem sido impostas ao empregador ou à entidade de acolhimento sanções por trabalho clandestino e/ou emprego ilegal. Estas disposições deveriam ser igualmente aplicáveis a casos de pagamento de remuneração inferior ao salário mínimo previsto pelas convenções colectivas. À luz do princípio da proporcionalidade, os empregadores deveriam ser excluídos da possibilidade de apresentar um pedido apenas temporariamente e não definitivamente, conforme prevê a proposta. Também deveria haver uma diferenciação consoante a gravidade da infracção.

5.5   A mera possibilidade de regresso do trabalhador à entidade do país de onde foi destacado também não basta. Dever-se-ia, em vez disso, prever um contrato de trabalho válido para além do termo do destacamento, para garantir que os trabalhadores não sejam recrutados apenas para permitir uma transferência.

5.6   A proposta prevê unicamente o cumprimento da legislação nacional em matéria de remuneração. Todavia, em áreas tão delicadas como a transferência dentro da mesma empresa, a directiva deveria estabelecer que todas as disposições de direito laboral do país de acolhimento (tanto jurídicas como no âmbito das convenções colectivas) devem ser igualmente válidas para os trabalhadores transferidos nestas condições e que tanto a entidade responsável pela transferência como a entidade de acolhimento se comprometem, previamente à transferência, a respeitar essas disposições. O mais importante é evitar contratos de trabalho precários e diferenças em relação ao pessoal fixo da empresa.

5.7   Nos termos do disposto no artigo 16.o, um Estado-Membro adquire a competência de conceder autorizações de residência e de trabalho também para o território nacional de outros Estados-Membros. Ora, as autoridades dos vários Estados-Membros não têm competência para conceder essas autorizações. Esta competência também não pode ser assumida pela UE que também não tem poderes para conceder esse tipo de autorizações para os vários Estados-Membros. Além disso, não se prevê qualquer possibilidade de o segundo Estado-Membro verificar de alguma maneira a autorização de trabalho emitida pelo primeiro Estado-Membro, em conjunto com a autorização de residência. Haverá, por conseguinte, que especificar que uma autorização será válida exclusivamente para o Estado-Membro que a concedeu.

5.8   Também continua por esclarecer qual o sistema a adoptar numa nova transferência para um segundo Estado-Membro, uma vez que nesse caso se tratará de uma transferência de um Estado-Membro para outro. Seja como for, é necessário prever procedimentos específicos para a cooperação administrativa entre os Estados-Membros.

5.9   A proposta em apreço prevê a introdução de procedimentos simplificados, mas fica-se sem saber em que consiste exactamente essa simplificação. Um procedimento acelerado não deverá agir, contudo, em detrimento da exactidão na verificação dos dados. Em quaisquer circunstâncias, é fundamental garantir que as autoridades possam verificar cada caso, sem delongas, sobretudo no atinente ao pagamento dos salários.

5.10   As transferências terão uma duração total que não poderá ultrapassar os três anos. Ora, com um período tão longo, já não se pode falar de empregos de breve duração requeridos pelas necessidades internas da empresa. Os trabalhadores destacados deveriam poder integrar-se em condições normais na entidade de acolhimento, o que implica que lhes deveria ser aplicável toda a legislação laboral e social do Estado de acolhimento.

5.11   As transferências de três anos ultrapassam, em muitos sectores, a duração habitual dos contratos de trabalho. Para a migração laboral de trabalhadores altamente qualificados, foi, contudo, já adoptada a Directiva 2009/50/CE (Directiva Cartão Azul).

5.12   Por outro lado, a fixação de um salário mínimo não consegue impedir o dumping salarial em todas as situações, já que, no caso de uma «nova transferência» para um segundo Estado-Membro, a proposta prevê a aplicação das condições previstas no Estado que concedeu a autorização. Isto tem por consequência que, em caso de nova transferência, em vez de se optar pelo salário mínimo possivelmente mais elevado do país para onde o trabalhador é destacado, se aplicaria o salário mínimo do Estado que concedeu a autorização. Haverá, portanto, que esclarecer que será pago o salário mínimo em vigor no Estado em que o serviço é efectivamente prestado. Importa garantir, neste contexto, não só a validade das várias convenções colectivas como também o princípio da igualdade de tratamento.

5.13   A proposta de directiva em apreço não contempla a possibilidade de os trabalhadores destacados intentarem uma acção judicial contra a sua empresa junto dos tribunais da União Europeia. Para os trabalhadores transferidos de países terceiros, a jurisdição competente, por exemplo, no caso de um conflito relacionado com o pagamento de salários fixados pelas convenções colectivas do Estado de acolhimento, seria, por regra, a do Estado responsável pela transferência e não a do respectivo Estado-Membro. Se um trabalhador destacado dentro da mesma empresa decidir intentar uma acção judicial para defender os seus legítimos direitos, isso causará dificuldades inaceitáveis ao queixoso. O acesso à justiça é, todavia, um dos princípios fundamentais de uma sociedade democrática e deve, por isso, ser um dado adquirido no país de destino do destacamento.

5.14   O CESE convida o Parlamento Europeu e o Conselho a empenhar-se em colmatar, no ulterior processo legislativo, as lacunas da proposta de directiva em análise, a fim de assegurar que esta contribua efectivamente para facilitar a necessária transferência de competências dentro das empresas na UE.

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  COM(2011) 11 final de 12.1.2011.

(2)  COM(2007) 637 e 638 de 23.10.2007.

(3)  JO C 27 de 3.2.2009, p. 108.

(4)  JO C 27 de 3.2.2009, p. 114.

(5)  JO C 354 de 28.12.2010, p. 16.

(6)  COM(2007) 248 final.

(7)  JO C 44 de 16.2.2008, p. 91.

(8)  Ver os seguintes pareceres: JO C 125 de 27.5.2002, p. 112; JO C 80 de 30.3.2004, p. 92; JO C 318 de 23.12.2006, p. 128; JO C 347 de 18.12.2010, p. 19; JO C 354 de 28.12.2010, p. 16; parecer do CESE sobre o «O papel da imigração legal no contexto do desafio demográfico» (Relator: Luís Miguel Pariza Castaños).

(9)  JO C 48 de 15.2.2011, p. 6.

(10)  JO C 347 de 18.12.2010, p. 19.

(11)  JO C 286 de 17.11.2005, p.20.

(12)  Ver nota 4.

(13)  JO C 204 de 9.8.2008, p. 70.

(14)  JO C 224 de 30.8.2008, p. 95.


23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/107


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros para efeitos de prevenção, detecção, investigação e repressão das infracções terroristas e da criminalidade grave»

[COM(2011) 32 final – 2011/0023 (COD)]

2011/C 218/20

Relator-geral: José Isaías RODRÍGUEZ GARCÍA-CARO

Em 2 de Março de 2011, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros para efeitos de prevenção, detecção, investigação e repressão das infracções terroristas e da criminalidade grave

COM(2011) 32 final – 2011/0023 (COD).

Em 14 de Março de 2011, a Mesa do Comité Económico e Social Europeu incumbiu a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente da preparação dos correspondentes trabalhos.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu, na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 5 de Maio) designou José Isaías Rodríguez García-Caro, relator-geral, e adoptou por 80 votos a favor, 2 votos contra e 7 abstenções o presente parecer.

1.   Conclusões

1.1   O Comité Económico e Social Europeu acolhe favoravelmente a proposta de directiva, com as reservas manifestadas no presente documento, e exprime a sua preocupação, pois a escolha recorrente entre segurança e liberdade ou, mais concretamente, entre o aumento da segurança e a restrição dos direitos dos cidadãos, no que toca à protecção dos dados pessoais, não pode, em caso algum, ir contra os princípios gerais que regem os direitos fundamentais dos indivíduos.

1.2   O CESE concorda com a opinião geral expressa pela Autoridade Europeia para a Protecção de Dados, pelo Grupo de Trabalho do Artigo 29.o para a Protecção de Dados, pela Agência Europeia dos Direitos Fundamentais e pelo Parlamento Europeu. Considera, igualmente, que a proposta não apresenta argumentos suficientes para justificar a necessidade de utilizar de forma generalizada e indiscriminada os dados dos registos de identificação dos passageiros (PNR) de todos os cidadãos que viajam em voos internacionais, pelo que, a seu ver, é desproporcionada a medida que se pretende adoptar.

1.3   O CESE apoia, em particular, a observação da Autoridade Europeia para a Protecção de Dados, efectuada no seu último parecer sobre a proposta, de não se fazer um uso sistemático e indiscriminado dos dados PNR, mas de os utilizar com base numa análise caso a caso.

1.4   O CESE considera que a opção centralizada de uma unidade única de informações de passageiros pode ser menos onerosa para as transportadoras aéreas e para os próprios países do que a opção descentralizada nos Estados-Membros contemplada pela proposta. Pode também permitir uma maior supervisão e um maior controlo dos dados de carácter pessoal contidos nos PNR, ao evitar que estes sejam transmitidos repetidamente.

2.   Introdução à proposta de directiva

2.1   A proposta de directiva tem por objectivo regular a transferência, pelas transportadoras aéreas, dos dados PNR de voos internacionais com entrada ou saída nos Estados-Membros, bem como o tratamento dos dados e o seu intercâmbio entre os Estados-Membros e com países terceiros. Pretende harmonizar as disposições dos Estados-Membros em matéria de protecção de dados, com o intuito de utilizar os PNR na luta contra o terrorismo (1) e a criminalidade grave (2), na acepção que é dada a estes últimos pela legislação da UE.

2.2   A proposta apresenta uma definição das formas de utilização dos dados PNR pelos Estados-Membros, os dados que devem recolhidos, para que fins devem ser utilizados, a transferência desses dados entre as unidades de informações de passageiros dos diferentes países e as condições técnicas para essa transferência. Para o efeito, optou-se por um sistema descentralizado de recolha e tratamento dos dados PNR em cada Estado-Membro.

3.   Observações na generalidade

3.1   O Comité Económico e Social Europeu, enquanto legítimo representante da sociedade civil organizada, é o interlocutor adequado para transmitir os pontos de vista da referida sociedade civil. Nesse sentido, agradece ao Conselho que tenha submetido a presente proposta à consulta facultativa do CESE.

3.2   A proposta de directiva submetida à consulta do Comité Económico e Social Europeu pode definir-se como uma harmonização a priori das legislações dos Estados-Membros nesta matéria, já que a maioria deles carece de legislação específica aplicável à utilização de dados PNR com os fins especificados na proposta. Neste contexto, o Comité considera sensato estabelecer um quadro jurídico comum ao qual as legislações dos Estados-Membros se adaptem, de modo que as garantias e a segurança para os cidadãos, no que toca à protecção destes dados, sejam as mesmas em todo o espaço da União.

3.3   Conforme descrito na proposta, estamos perante uma legislação que permite tratar e analisar um vasto leque de dados de milhões de cidadãos que nunca cometeram, nem nunca cometerão, uma infracção na acepção da directiva. Assim, serão utilizados dados de pessoas absolutamente normais para identificar perfis de criminosos perigosos. O Comité considera que nos encontramos perante uma escolha entre segurança e liberdade ou, mais concretamente, entre o aumento da segurança e a deterioração dos direitos dos cidadãos, no que toca aos dados pessoais.

3.4   Tendo em conta o longo trajecto que a proposta percorreu, os principais interlocutores tiveram oportunidade de formular reiteradamente pareceres qualificados e muito diversos nesta matéria. Em 2007, a Comissão adoptou a proposta de decisão-quadro do Conselho sobre a utilização de dados PNR, que antecedeu a proposta de directiva, e, desde então, várias entidades pronunciaram-se sobre ela, nomeadamente a Autoridade Europeia para a Protecção de Dados (3), que, aliás, emitiu, em Março deste ano, o seu parecer sobre este novo texto, o Grupo de Trabalho do Artigo 29.o para a Protecção de Dados, que também se pronunciou em Abril do presente ano (4), a Agência Europeia dos Direitos Fundamentais e o Parlamento Europeu, que emitiu uma resolução relativa à proposta de 2007 (5) e que participa, com a actual proposta, no seu processo legislativo, em conformidade com o disposto no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

3.5   O CESE concorda com a opinião geral de todos estes interlocutores qualificados. Considera, igualmente, que a proposta não apresenta argumentos suficientes para justificar a necessidade de utilizar de forma generalizada e indiscriminada os dados PNR de todos os cidadãos que viajam em voos internacionais, pelo que, a seu ver, é desproporcionada a medida que se pretende adoptar, em especial quando se reconhece, na justificação e no conteúdo da proposta, que «[…] a nível da UE, não se encontram disponíveis estatísticas pormenorizadas que indiquem em que medida esses dados contribuem para a prevenção, detecção, investigação e repressão da criminalidade grave e do terrorismo» (6). Consequentemente, apoia, em particular, a observação da Autoridade Europeia para a Protecção de Dados de não se fazer um uso sistemático e indiscriminado dos dados PNR, mas de os utilizar com base numa análise caso a caso.

3.6   Em conformidade com o exposto e com os pareceres emitidos anteriormente pelo CESE, há que recordar e incluir no presente documento a seguinte recomendação, adoptada no parecer sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho – Um espaço de liberdade, de segurança e de justiça aos serviço dos cidadãos  (7): «As políticas de segurança não devem prejudicar os direitos fundamentais (direitos humanos e liberdades públicas) e os princípios democráticos (Estado de direito) partilhados por toda a União. A liberdade de cada indivíduo não pode ser preterida em proveito da segurança colectiva e do Estado. Muitas propostas políticas repetem um erro já cometido no passado: sacrificar a liberdade para melhorar a segurança».

3.7   Em todo o caso, o texto que for aprovado no final do processo legislativo deve garantir a máxima confidencialidade e protecção dos dados de carácter pessoal contidos nos PNR, respeitando os princípios constantes da Decisão-Quadro 2008/977/JAI do Conselho relativa à protecção dos dados pessoais tratados no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal (8) e da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (9). As excepções à regra não podem, em caso algum, ir contra os princípios gerais que regem os direitos fundamentais dos indivíduos.

3.8   Não obstante, e partindo do pressuposto de que a proposta de directiva defende uma utilização certamente excepcional dos dados de carácter pessoal, o CESE considera que as disposições de maior excepção constantes dos artigos 6.o e 7.o do texto deveriam ser reduzidas à sua expressão mínima para evitar o uso abusivo dessas excepções, devendo qualquer pedido de dados, efectuado em derrogação das regras gerais estabelecidas nos artigos 4.o e 5.o da proposta, ser sempre fundamentado.

3.9   Com vista a garantir que os dados sejam utilizados exclusivamente para os fins estabelecidos na proposta de directiva e que seja possível, em qualquer momento, saber quem acede às bases de dados PNR ou aos dados já tratados, o texto da proposta de directiva deveria conter a obrigatoriedade de estabelecer um sistema de rastreabilidade que permita identificar o agente ou a autoridade que tenha tido acesso aos dados e qual o tratamento ou a manipulação a que estes foram sujeitos.

4.   Observações na especialidade

4.1   Relativamente ao artigo 3.o

Num mundo globalizado, o conteúdo do considerando (18) da proposta não parece fazer sentido, excepto num contexto que justifique a opção escolhida no artigo 3.o, ou seja, a adopção de um modelo descentralizado. Na opinião do CESE, este modelo pode aumentar os custos para as transportadoras aéreas pelo facto de estas terem de transmitir os dados às unidades de todos os Estados-Membros onde o voo internacional faça escala. Além disso, permitirá que os dados pessoais sejam tratados e transferidos por várias unidades. Este sistema não parece ser muito compatível com os critérios de eficácia e eficiência a que deveríamos todos almejar.

4.2   Relativamente ao artigo 4.o, n.o 1

O CESE propõe aditar, no final do n.o 1 deste artigo, a frase «… e informar as transportadoras aéreas para que não os transfiram novamente». Entende que, uma vez detectada uma anomalia, devem ser dadas instruções imediatas de correcção.

4.3   Relativamente aos artigos 4.o, n.o 4, e 5.o, n.o 4

O CESE considera que existe uma incongruência de redacção entre os dois artigos. O artigo 4.o, n.o 4, estabelece que a unidade de informações de passageiros de um Estado-Membro transfere os dados tratados para as autoridades competentes, caso a caso. No entanto, nos termos do artigo 5.o, n.o 4, os dados PNR e o resultado do tratamento desses dados recebidos pela unidade de informações de passageiros podem ser objecto de tratamento ulterior pelas autoridades competentes. O CESE considera que esta contradição evidente deve ser corrigida ou devidamente clarificada para que não se preste a interpretações.

4.4   Relativamente ao artigo 6.o, n.o 1

Em conformidade com o disposto na observação relativa ao artigo 4.o, n.o 1, o CESE considera que este sistema de transferência de dados para diferentes unidades de informações de passageiros aumenta as formalidades administrativas das transportadoras aéreas, quando se advoga justamente a sua redução, e aumenta os custos de exploração, o que se pode repercutir nos consumidores através do preço final dos bilhetes.

4.5   Relativamente ao artigo 6.o, n.o 2

Do ponto de vista da segurança e da protecção dos dados pessoais dos cidadãos, o CESE considera que a transferência «por quaisquer outros meios apropriados», em caso de avaria dos meios electrónicos de envio, não é mais adequada. O CESE insta a que se especifiquem mais concretamente os meios de transferência que podem ser utilizados.

4.6   Relativamente ao artigo 6.o, n.o 3

O CESE é de opinião que a redacção deste ponto poderá ser mais eficaz se, no início, for suprimido o termo «podem», para que a aplicação do artigo não fique ao critério de cada Estado-Membro. O parágrafo deveria começar da seguinte forma: «Os Estados-Membros autorizam as transportadoras …».

4.7   Relativamente aos artigos 6.o, n.o 4, e 7.o

O CESE considera que a redacção do artigo 6.o, n.o 4, e que todo o artigo 7.o prevêem uma série de excepções sucessivas e de calibre cada vez maior que anulam a transferência «caso a caso» prevista no artigo 4.o, n.o 4, e dão azo a uma transferência quase generalizada, em que todos têm o direito de transferir e receber informações sobre os dados PNR. O artigo 7.o é um compêndio de excepções à regra.

4.8   Relativamente ao artigo 8.o

Para não se chegar a uma situação de excepção máxima, que consiste em transferir dados para países terceiros que, por sua vez, os podem transferir para outros países terceiros, este artigo deveria especificar que essa transferência apenas se realiza após o tratamento dos dados pela unidade de informações de passageiros ou pela autoridade competente do Estado-Membro, que transfere esses dados para um país terceiro, e sempre caso a caso.

4.9   Relativamente ao artigo 11.o, n.o 3

Pelo mesmo motivo apresentado relativamente ao artigo 4.o, n.o 1, o CESE propõe aditar, no final do parágrafo, a frase «… e informar as transportadoras aéreas para que não os transfiram novamente».

4.10   Relativamente ao artigo 11.o, n.o 4

O sistema de rastreabilidade proposto pelo CESE no ponto 3.9 do presente parecer pode enquadrar-se logicamente neste artigo, pois é uma forma de registar, em qualquer momento, quem acede às informações.

Bruxelas, 5 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO L 164 de 22.6.2002, p. 3.

(2)  JO L 190 de 18.7.2002, p. 1.

(3)  JO C 110 de 1.5.2008.

(4)  Parecer n.o 145 de 5.12.2007 e parecer n.o 10 de 5.4.2011.

(5)  P6_TA(2008) 0561.

(6)  COM(2011) 32 final, p. 6.

(7)  Parecer do CESE sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho – Um espaço de liberdade, de segurança e de justiça ao serviço dos cidadãos, JO C 128 de 18.5.2010, p. 80.

(8)  JO L 350 de 30.12.2008, p. 60

(9)  JO L 281 de 23.11.1995, p. 31.


23.7.2011   

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Jornal Oficial da União Europeia

C 218/110


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1234/2007 no que diz respeito às relações contratuais no sector do leite e dos produtos lácteos»

[COM(2010) 728 final — 2010/0362 (COD)]

2011/C 218/21

Relatora: Dilyana SLAVOVA

Em 22 de Dezembro de 2010, o Conselho decidiu, nos termos dos artigos 42.o e 43.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre:

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1234/2007 no que diz respeito às relações contratuais no sector do leite e dos produtos lácteos

COM(2010) 728 final — 2010/0362 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 6 de Abril de 2011.

Na 471.a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 150 votos a favor, 3 votos contra e 13 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE constata que a crise de 2007-2009 colocou o sector do leite e dos produtos lácteos, e sobretudo os produtores, em enormes dificuldades.

1.2

O CESE constata os desequilíbrios existentes ao longo da cadeia de abastecimento, especialmente o desequilíbrio entre os retalhistas, por um lado, e os agricultores e transformadores, por outro, que impede uma distribuição mais justa do valor acrescentado dos produtos para os produtores de leite. O CESE recomenda à Comissão que tome medidas para garantir uma aplicação uniforme da transparência ao longo de toda a cadeia (produtores – transformadores – distribuidores – retalhistas).

1.3

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão estar a tirar partido das recomendações formuladas pelo Grupo de Peritos de Alto Nível no Sector Leiteiro e a responder em tempo útil aos desafios com que este sector se encontra confrontado.

1.4

O CESE está persuadido de que todas as partes envolvidas estão interessadas em optimizar a eficiência da cadeia de abastecimento de leite e produtos lácteos e salienta que uma justa distribuição do valor acrescentado ao longo dessa cadeia, aumentando, em especial, o poder de negociação dos produtores, contribuirá para reforçar a sua eficiência, competitividade e sustentabilidade globais.

1.5

O CESE considera que os quatro elementos (relações contratuais, poder de negociação dos produtores, organizações interprofissionais e transparência) se encontram estreitamente interligados e são interdependentes, devendo ser, por isso, abordados em conjunto.

1.6

O CESE reconhece que a estrutura da produção leiteira pode variar consideravelmente entre os Estados-Membros e, por isso, concorda que a utilização de contratos continue a ser facultativa. Contudo, em princípio, deve ser permitido que os Estados-Membros tornem os contratos obrigatórios no seu território, tendo em atenção a necessidade de salvaguardar o bom funcionamento do mercado interno. É extremamente importante sublinhar que a proposta não é aplicável às cooperativas e chamar a atenção para as boas práticas existentes em alguns dos Estados-Membros.

1.7

O CESE está de acordo que tais contratos devem incluir, pelo menos, os seguintes quatro aspectos fundamentais, a negociar livremente entre as partes: (1) o preço a pagar /fórmula de preços no momento da entrega, (2) o volume, (3) o calendário das entregas durante a campanha e (4) a duração do contrato.

1.8

O CESE incentiva a criação de organizações de produtores e de organizações interprofissionais, sobretudo em alguns dos novos Estados-Membros, cujo sector leiteiro fragmentado possui muito pouco poder de negociação. O CESE reconhece o valor acrescentado das organizações do sector dos frutos e produtos hortícolas que reforçam as ligações entre as diversas partes interessadas em cada área de actividade, visto poderem melhorar o conhecimento e a transparência da produção e dos mercados; considera que uma evolução semelhante poderia melhorar o funcionamento global da cadeia de abastecimento do leite e produtos lácteos.

1.9

O CESE considera necessário clarificar e desenvolver a aplicação das regras da concorrência da UE no sector do leite e dos produtos lácteos para permitir que as organizações de produtores primários beneficiem de maior poder de negociação.

1.10

O CESE salienta que a maior transparência pode contribuir para que o sector do leite e dos produtos lácteos funcione melhor, em benefício de todos os intervenientes e, neste contexto, congratula-se com as recomendações do Grupo de Peritos de Alto Nível no Sector Leiteiro à Comissão no sentido de garantir que a transparência não distorça a concorrência no mercado interno.

1.11

O CESE congratula-se com o trabalho da Comissão, salientando ao mesmo tempo o facto de a proposta não conseguir resolver todos os problemas do sector do leite e dos produtos lácteos.