ISSN 1725-2482

doi:10.3000/17252482.C_2011.051.por

Jornal Oficial

da União Europeia

C 51

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

54.o ano
17 de Fevreiro de 2011


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

466.a reunião plenária de 19, 20 e 21 de Outubro de 2010

2011/C 051/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a participação financeira dos trabalhadores na Europa (parecer de iniciativa)

1

2011/C 051/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Mutações e perspectivas da indústria metalúrgica e metalomecânica (parecer de iniciativa)

8

2011/C 051/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as implicações da crise da dívida soberana para a governação da UE (parecer de iniciativa)

15

2011/C 051/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as relações transatlânticas e a promoção internacional do modelo social europeu (parecer de iniciativa)

20

2011/C 051/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a renovação do método comunitário (orientações) (parecer de iniciativa)

29

 

III   Actos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

466.a reunião plenária de 19, 20 e 21 de Outubro de 2010

2011/C 051/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 54.o do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade [COM(2010) 388 final — 2008/0173 (COD)]

35

2011/C 051/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à fusão das sociedades anónimas [COM(2010) 391 final — 2008/0009 (COD)]

36

2011/C 051/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu — Uma estratégia europeia para veículos não poluentes e energeticamente eficientes [COM(2010) 186 final]

37

2011/C 051/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde — Realizar o potencial das indústrias culturais e criativas [COM(2010) 183 final]

43

2011/C 051/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas e que revoga a Decisão-Quadro 2002/629/JAI [COM(2010) 95 final — 2010/0065 (COD)]

50

2011/C 051/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao Ano Europeu do Envelhecimento Activo (2012) [COM(2010) 462 final]

55

2011/C 051/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre como mobilizar o investimento privado e público com vista ao relançamento da economia e à mudança estrutural a longo prazo: desenvolver parcerias público-privadas [COM(2009) 615 final]

59

2011/C 051/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, no que se refere à duração da obrigação de respeitar uma taxa normal mínima [COM(2010) 331 final — 2010/0179 (CNS)]

67

2011/C 051/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Política climática internacional pós-Copenhaga: Agir de imediato para redinamizar a acção mundial relativa às alterações climáticas [COM(2010) 86 final]

69

2011/C 051/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre o avanço da aplicação da política integrada de produtos [COM(2009) 693 final]

75

2011/C 051/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta alterada de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 708/2007 relativo à utilização na aquicultura de espécies exóticas e de espécies ausentes localmente [COM(2010) 393 final — 2009/0153 COD]

80

PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

466.a reunião plenária de 19, 20 e 21 de Outubro de 2010

17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a participação financeira dos trabalhadores na Europa (parecer de iniciativa)

2011/C 51/01

Relator: Alexander von SCHWERIN

Co-relatora: Madi SHARMA

Em 17 de Fevereiro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

Participação financeira dos trabalhadores na Europa.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 2 de Setembro de 2010.

Dada a renovação do Comité, a Assembleia decidiu votar o presente parecer na plenária de Outubro e designou Alexander Graf von SCHWERIN relator-geral ao abrigo do artigo 20.o do Regimento.

Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 170 votos a favor, 9 votos contra e 22 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   A participação financeira dos trabalhadores representa uma oportunidade para as empresas e os trabalhadores, bem como para a sociedade em geral, melhorarem e aumentarem a sua participação nos resultados da crescente europeização da actividade económica. Com o presente parecer de iniciativa, o Comité Económico e Social Europeu pretende, por conseguinte, sensibilizar mais o público para este tema. O objectivo é encorajar a Europa a desenvolver um enquadramento que promova a coesão social e económica da Europa, simplificando a aplicação da participação financeira dos trabalhadores em diversos níveis (por exemplo, participação nos lucros, participação accionária, poupança salarial).

1.2   Tal como a Europa foi crescendo, também as empresas, sobretudo as pequenas e médias empresas (PME), foram alargando as suas actividades transfronteiriças. Uma das prioridades da Estratégia Europa 2020 é colocar a tónica na aplicação do Small Business Act, tendo especialmente com vista à melhoria da situação financeira das PME. A participação financeira dos trabalhadores pode ser um dos mecanismos para apoiar este objectivo e reforçar a competitividade das PME europeias. Independentemente da dimensão das empresas, as fórmulas de participação financeira dos trabalhadores devem respeitar as soluções ao nível das empresas e proteger os direitos dos trabalhadores, de modo a ter em conta a diversidade de empresas e países.

1.3   Por conseguinte, o presente parecer de iniciativa visa:

reacender o debate sobre a participação financeira dos trabalhadores a nível europeu e dar um novo impulso ao debate na UE;

sensibilizar o público para este tema e encorajar os parceiros sociais a nível europeu e nacional a abordar este tema em profundidade;

identificar os obstáculos a uma participação financeira dos trabalhadores transfronteiras e apresentar eventuais soluções.

se necessário, exortar as respectivas instituições europeias a formular soluções;

dar exemplos de questões ainda em aberto que precisam de ser tratadas mais exaustivamente.

1.4   A introdução da participação financeira dos trabalhadores tem de ter um carácter voluntário e não pode substituir o salário, devendo ser, pelo contrário, um complemento dos sistemas de remuneração sem constituir um entrave à negociação salarial propriamente dita. Além disso, deve ser acessível a todos os trabalhadores e completar outras formas de participação dos trabalhadores. A participação financeira dos trabalhadores deve ser mantida fora da constituição de regimes de reforma, podendo, contudo, ser um elemento complementar de protecção na velhice, a título individual.

1.5   Espera-se da participação financeira dos trabalhadores as seguintes vantagens:

melhorar o poder de compra local e aumentar, assim, as oportunidades para as empresas de uma determinada região;

contribuir, enquanto factor, de grande valor qualitativo, da boa gestão empresarial, para a melhoria dos rendimentos através da participação nos resultados das empresas;

aumentar, enquanto parte integrante da acumulação de capital, a motivação e reforçar a ligação dos trabalhadores à empresa através de uma maior identificação com esta.

1.6   O CESE apela, por conseguinte, a que seja publicada uma nova recomendação do Conselho (como a Recomendação 92/443/CEE de 27 de Julho de 1992) relativa à promoção da participação dos trabalhadores nos lucros e nos resultados das empresas e a que sejam apresentadas propostas sobre, por exemplo, como proceder em caso de obstáculos em planos transfronteiriços.

1.6.1   Para isso, importa tomar as seguintes medidas a nível europeu:

1)

A utilização da participação financeira dos trabalhadores deve ser facilitada em toda a Europa com base em princípios comuns.

2)

O aumento e a diversificação das fórmulas de participação financeira dos trabalhadores devem ser analisados e apresentados de maneira compreensível tendo em mente a sua aplicação prática, para facilitar a sua utilização, em particular, nas PME.

3)

As empresas que desenvolvem actividades transfronteiras devem, por conseguinte, ser ajudadas, sobretudo, a transpor obstáculos fiscais em função do Estado-Membro da UE ou do EEE, de modo a alcançarem mais facilmente o objectivo de reforçar a ligação dos trabalhadores e a sua identificação com a empresa através da participação financeira.

4)

As fórmulas de participação financeira dos trabalhadores devem ter em vista a melhoria da oferta das empresas, a participação dos trabalhadores, a promoção da acumulação individual de capital, a maior participação dos trabalhadores nos resultados das empresas e a transferência de direitos de um país para outro.

5)

A participação positiva dos trabalhadores mediante o exercício de direitos de propriedade e a responsabilidade que lhes é inerente poderia contribuir para o reforço da governação das sociedades (corporate governance) .

6)

Os exemplos de boas práticas de participação financeira dos trabalhadores devem tornar-se mais visíveis e contribuir, assim, para a sua difusão. Há que prever actividades com esse objectivo numa rubrica orçamental específica do orçamento da UE.

7)

A participação financeira dos trabalhadores enquanto modelo de transmissão das empresas (employee-buy-outs – aquisição pelos trabalhadores) é adequada para assegurar a continuidade e aumentar, assim, a competitividade das empresas europeias, arreigando-as, ao mesmo tempo, à região.

8)

Os salários e o poder de compra dos trabalhadores ficaram aquém do crescimento da produtividade e dos rendimentos dos accionistas (1). Os efeitos da crise financeira também terão um impacto negativo junto dos trabalhadores assalariados. Neste contexto, a participação financeira dos trabalhadores, consoante a forma que revista, poderá constituir uma compensação (parcial) pela perda de poder de compra e um elemento corrector de flutuações recorrentes, embora não deva substituir-se à progressão salarial.

9)

Devem ser desenvolvidas fontes de informação sobre as implicações da participação financeira dos trabalhadores, tanto para as empresas, como para os trabalhadores, bem como acções de formação e de aconselhamento por instituições independentes, ou seja, organizações não governamentais.

10)

Sempre que as negociações colectivas sejam um procedimento usual, as condições para a participação financeira dos trabalhadores deverão também ser reguladas por acordos colectivos de trabalho.

2.   Antecedentes

2.1   Conselho da União Europeia e Comissão Europeia

A recomendação do Conselho (posteriormente Conselho da União Europeia) relativa à promoção da participação dos trabalhadores nos lucros e nos resultados das empresas (2), já formulava, em 1992, princípios gerais que contam com o apoio do CESE:

Aplicação regular;

Cálculo segundo uma fórmula pré-estabelecida;

Aplicação complementar ao sistema de remuneração tradicional;

Variabilidade da participação em função dos resultados das empresas;

Acesso à participação financeira por todos os trabalhadores;

Aplicação em empresas privadas e públicas;

Aplicação em empresas de todas as dimensões;

Simplicidade das fórmulas de participação;

Informação e formação aos trabalhadores sobre as fórmulas de participação;

Carácter voluntário da introdução e da adesão às fórmulas de participação.

Em 2002, na comunicação da Comissão Europeia sobre Um quadro de acção para promover a participação financeira dos trabalhadores  (3), estes princípios foram corroborados.

2.2   Relatórios PEPPER realizados pela Comissão Europeia

2.2.1   Resultados: Dinâmica positiva da participação financeira dos trabalhadores

Os relatórios PEPPER demonstram a importância a longo prazo deste tema para a política europeia: o relatório PEPPER IV (4) testemunha a propagação cada vez maior da participação dos trabalhadores na UE-27 durante a última década. No período de 1999 a 2005, o número de empresas que oferecem fórmulas de participação no capital a todos os trabalhadores aumentou cerca de 5 %, passando, em média, de 13 % para 18 %. Nesse mesmo período, o número de empresas com fórmulas de participação nos lucros aumentou 6 %, passando, em média, de 29 % para 35 % (dados da rede CRANET, média ponderada de todos os países). O número de trabalhadores que participam nestas fórmulas também cresceu, embora em menor escala (European Working Conditions Survey – EWCS [dados do inquérito sobre as condições de trabalho na Europa]).

2.2.2   Recomendações

Propõe-se no relatório PEPPER IV a publicação de uma recomendação do Conselho da União Europeia sobre uma plataforma europeia para a participação financeira dos trabalhadores. Neste contexto, e de acordo com o princípio do voluntariado, a abordagem modular transnacional engloba todas as fórmulas de participação financeira praticadas, a saber:

1)

participação nos lucros (em numerário, diferida ou com base em acções);

2)

participação individual no capital (acções dos trabalhadores ou opções de acções);

3)

planos de propriedade de acções para trabalhadores (ESOP – Employee Stock Ownership Plan) (fórmula de participação colectiva no capital, financiada através de uma garantia de participação nos lucros em complemento da remuneração).

Ao mesmo tempo, esta plataforma oferece margem de manobra ao desenvolvimento de novas fórmulas de participação dos trabalhadores. Para soluções específicas, todas as fórmulas poderiam ser combinadas.

2.2.3   Promoção de incentivos fiscais opcionais

Os incentivos fiscais não são uma condição essencial para a participação financeira dos trabalhadores. Têm, no entanto, efeitos claramente positivos nos países em que são concedidos. Independentemente das competências exclusivas dos Estados-Membros em matéria de tributação, a coordenação, a harmonização e o reconhecimento mútuo facilitam a participação financeira dos trabalhadores nas empresas que desenvolvem actividades transfronteiras. O cálculo de «taxas de imposto efectivas» para cenários estandardizados permitiria estabelecer uma comparação directa na UE-27 e asseguraria, assim, uma maior harmonização. Não haverá conflitos com o direito nacional, enquanto os incentivos fiscais continuarem a ser facultativos.

2.2.4   Síntese da situação actual

Os parceiros sociais e os responsáveis políticos precisam de ter uma visão clara e minuciosa sobre as fórmulas aplicadas nacionalmente, bem como sobre a sua oferta e utilização. Até à data, não existem estudos específicos sobre a participação financeira dos trabalhadores que forneçam dados sobre os vários países. Há que colmatar este hiato através, por exemplo, de levantamentos periódicos.

2.3   Preparativos de projectos promovidos pela Comissão: «Abordagem modular» para um modelo à escala da UE

2.3.1   Para estabelecer uma ligação entre as múltiplas e muito diversas fórmulas de participação financeira dos trabalhadores existentes nos Estados-Membros da UE, a Comissão Europeia apoiou os trabalhos preparatórios visando o estabelecimento da chamada «abordagem modular» (Building Block Approach)  (5). Esses trabalhos preparatórios estabelecem uma distinção entre três fórmulas essenciais de participação financeira dos trabalhadores na Europa (participação nos lucros, participação individual no capital, conceito ESOP; ver também o anexo).

2.3.2   A «abordagem modular»corresponde ao postulado da Comissão Europeia (transparência, não discriminação, etc.). A garantia de benefícios fiscais não é proposta mas também não fica excluída. Todos os elementos são facultativos tanto para as empresas como para os trabalhadores e podem ser combinados entre si, conforme as necessidades específicas das empresas.

2.3.3   O relatório PEPPER IV sugere que um modelo de participação financeira dos trabalhadores que possa ser utilizado no contexto transfronteiriço e tenha igual apoio em todos os Estados-Membros da UE tornaria a participação financeira dos trabalhadores mais atractiva para todas as partes interessadas. Em especial, empresas localizadas em vários países beneficiariam dos custos administrativos mais baixos de um modelo uniforme, o qual facilitaria, ao mesmo tempo, a sua transferência de país para país. Essa uniformidade e a comparabilidade das fórmulas de participação financeira dos trabalhadores seriam igualmente vantajosas para as PME.

2.3.4   Até à elaboração de um modelo aplicável em toda a UE, há que trabalhar, entretanto, no reconhecimento mútuo das diferentes fórmulas nacionais de participação financeira praticadas, e também do seu tratamento fiscal.

3.   Vantagens de uma maior propagação da participação dos trabalhadores

3.1   Vantagens para as empresas da participação financeira

I.

À luz da Estratégia Europa 2020, a introdução da participação financeira dos trabalhadores pode ajudar as empresas da Europa, em especial as PME, a melhorar a sua competitividade, na medida em que aumenta a identificação dos trabalhadores qualificados e reforça a ligação com a sua empresa tanto nos períodos de prosperidade como nos de crise. Assim, a participação financeira dos trabalhadores contribui igualmente para assegurar o futuro.

II.

Parte dos resultados financeiros das empresas é distribuída localmente pelos trabalhadores, o que contribui para aumentar o poder de compra regional.

III.

A participação financeira dos trabalhadores pode ajudar na luta contra as mutações demográficas, porque se oferece assim à mão-de-obra altamente qualificada, muitíssimo requisitada, um local atraente para trabalhar e viver. Isso promove a contratação de trabalhadores especializados.

IV.

Aumentar a motivação dos trabalhadores através da sua participação financeira contribui para aumentar a produtividade das empresas e melhorar a qualidade da sua gestão.

V.

A participação financeira dos trabalhadores, sob a forma de capital externo ou de capital próprio, pode aumentar o rendimento do capital próprio ou a quota de capital próprio de uma determinada empresa. Tal pode favorecer a obtenção de capital externo e dar uma notação mais alta às empresas.

VI.

A participação financeira dos trabalhadores enquanto modelo de transmissão de empresas, sob a forma de venda total ou parcial da empresa aos seus trabalhadores, pode ser um instrumento adequado para as PME e as empresas familiares assegurarem a sua continuidade (6).

3.2   Vantagens para os trabalhadores da participação financeira

I.

Através da participação financeira, os trabalhadores podem, a título voluntário, beneficiar de um rendimento complementar à remuneração prevista no contrato de trabalho e/ou nos acordos colectivos.

II.

Os trabalhadores têm assim a oportunidade de acumularem capital de forma mais simples e duradoura, o que pode contribuir para beneficiarem de recursos complementares na sua vida pós-laboral.

III.

Os trabalhadores que têm a possibilidade de participar nas empresas sentem que, ao contribuírem para os resultados das empresas, são levados mais a sério. Sentem-se mais valorizados.

IV.

A participação financeira dos trabalhadores aumenta a sua autonomia no local de trabalho e dá-lhes a oportunidade de participarem na estratégia futura da empresa. Desta forma, os trabalhadores podem também contribuir para a segurança do emprego a longo prazo.

V.

Enquanto fonte suplementar de rendimento, a par da remuneração fixa, a participação dos trabalhadores melhora a sua situação financeira e ajuda-os a ultrapassar períodos de crise ou situações profissionais instáveis.

VI.

Num mercado de trabalho cada vez mais europeu, seria, no entanto, adequado que as fórmulas de participação financeira dos trabalhadores de um país pudessem ser reconhecidas e transferidas para outro no contexto da mobilidade laboral.

VII.

Em situações de reestruturação e de crise, a que têm de fazer face os parceiros sociais, os trabalhadores que mantêm o seu emprego e salário podem apoiar – temporariamente – as suas empresas, no intuito de conservarem o seu posto de trabalho.

3.3   Transmissão de empresas e participação no capital

3.3.1   A Comissão Europeia (7) indica que, no contexto do envelhecimento da população europeia, um terço dos empresários da UE, principalmente os responsáveis por empresas familiares, abandonará a actividade durante os próximos dez anos. Tal indica um aumento substancial de transmissões de empresas, que poderá afectar anualmente até 690 mil empresas não cotadas na bolsa e 2,8 milhões de postos de trabalho. As PME, enquanto principal empregador, representam um factor essencial na política do mercado de trabalho. Pode perguntar-se aqui se é possível manter as empresas afectadas pela substituição geracional e os postos de trabalho que delas dependem. Um modelo de participação financeira dos trabalhadores concebido para este efeito poderá dar resposta a esta necessidade cada vez mais candente da transmissão de empresas.

3.3.2   Os modelos ESOP poderão revelar-se úteis para a transmissão de empresas (ver anexo). Um dos principais aspectos deste modelo é o facto de ter sido concebido especificamente para empresas não cotadas na bolsa. Encoraja os proprietários a transmitirem as suas empresas para os seus trabalhadores em vez de vendê-las a terceiros e prevê uma aquisição gradual pelos trabalhadores que pode ir até aos 100 % da propriedade. Tal permite aos proprietários, que assim o desejem, colocar as suas acções à venda sem obrigar os restantes proprietários a vender as suas. Neste caso, os trabalhadores não têm de disponibilizar capital próprio, dado que a aquisição da empresa pelo seu pessoal é financiada por uma participação nos lucros complementar do salário. Por esta razão, este modelo não comporta, essencialmente, nenhum risco adicional para os trabalhadores. No caso da aquisição de um lote mais substancial de acções num curto espaço de tempo, é possível financiá-la por um crédito com um prazo médio de sete anos, o qual vai sendo amortizado a partir dos lucros da empresa.

3.3.3   Em matéria de transmissão de empresas, e na perspectiva de um futuro quadro europeu, também importa referir expressamente o modelo comprovado das sociedades cooperativas. Há exemplos de boas práticas (ver anexo) de aquisição da empresa pelos trabalhadores em forma de cooperativa, que, na falta de sucessores, impedem assim o encerramento da empresa. O CESE considera que esta questão muito particular da relação entre participação financeira e transmissão de empresas deveria ser objecto de análise própria num texto à parte.

3.4   Crises nas empresas e participação no capital

3.4.1   As empresas também podem passar por períodos financeiros difíceis. Neste contexto, a manutenção da empresa é prioritária. Quando os parceiros sociais têm de fazer face a uma situação de reestruturação ou de crise deveria ser possível, excepcionalmente, uma participação financeira, ainda que devam ser ponderadas as suas potenciais desvantagens. Neste contexto, é necessária uma solução sustentável que permita aos trabalhadores que mantiveram o seu emprego e o seu salário (tendo em consideração a flexigurança e os períodos de desemprego e/ou requalificação) participarem, a longo prazo, na retoma da empresa e da economia. O interesse legítimo dos trabalhadores na viabilidade económica e, consequentemente, no êxito a longo prazo repercute-se, assim, positivamente na empresa.

3.4.2   A participação financeira dos trabalhadores nas empresas que os empregam é, frequentemente, considerada como um risco duplo. As críticas à participação financeira dos trabalhadores argumentam que, em caso de insolvência, se encontram em perigo não só o posto de trabalho, mas também o capital disponibilizado pelos trabalhadores. Aqui, cabe destrinçar entre a participação no capital, que não afecta a remuneração (dado ser «complementar»), e as poupanças do trabalhador que são investidas na sua empresa. No último caso, as reivindicações dos trabalhadores devem ser atendidas de forma prioritária, ou seja, antes das apresentadas pelos restantes credores em caso de liquidação e/ou falência. Além disso, há que encontrar soluções como a partilha dos riscos ou os resseguros para casos transfronteriços.

3.5   Governação das sociedades e participação no capital

3.5.1   Sem prejuízo de outras formas de co-gestão ou de intervenção nas decisões das empresas, a participação no capital, em função da fórmula aplicada, abre caminho a uma participação nos processos de decisão, por exemplo, através do exercício do direito de voto dos accionistas. No caso de a participação assumir a forma de acções, o direito de voto dos accionistas pode ser exercido tanto de maneira individual como colectiva, através, por exemplo, de uma sociedade de participação.

3.5.2   As empresas que emitem um elevado número de acções para os seus trabalhadores dispõem de um grupo de accionistas exigentes, mas também pacientes e leais, os seus trabalhadores. Tal permite às empresas resistir com mais determinação à orientação a curto prazo hoje predominante nos mercados financeiros. Pretende-se que esta fórmula de participação dos trabalhadores tenha como efeito secundário a tomada de decisões empresariais sustentáveis e a observância da responsabilidade social a longo prazo das empresas, em substituição de uma excessiva predisposição para o risco por parte dos gestores.

3.5.3   A participação dos trabalhadores enquanto accionistas fomenta uma orientação a longo prazo para os interesses da empresa. A boa governação das sociedades é a consequência provável de uma tal orientação, que contribui para garantir a continuidade da empresa a longo prazo.

3.5.4   Quem participa na empresa através do seu emprego também deseja, sem dúvida, uma transparência total nas contas, assim como participar nas decisões da empresa. Neste sentido, a participação assente em direitos de co-propriedade é sinónimo de participação baseada nos direitos de informação, consulta e co-gestão.

3.6   Participação no capital e participação nos processos de decisão

3.6.1   Ao contrário das preocupações habituais, especialmente em empresas que ainda não a aplicaram, a participação financeira dos trabalhadores não limita os empresários na sua autonomia, garantindo-lhes antes um apoio na tomada de decisões.

3.6.2   Para os accionistas de uma empresa é vantajoso saber que têm do seu lado, não só outros accionistas, mas também os trabalhadores da empresa, que perseguem os mesmos objectivos. A participação positiva dos trabalhadores mediante o exercício de direitos de propriedade e a responsabilidade que lhes está associada pode contribuir para o reforço da governação das sociedades (8). Além disso, a possibilidade de partilhar propostas de estratégia para a empresa enriqueceria o leque de decisões empresariais, dentro dos limites acima referidos. Os trabalhadores accionistas têm de beneficiar dos mesmos direitos que os outros accionistas.

3.6.3   Por último, convém esclarecer que nem os direitos de propriedade adquiridos através da participação financeira dos trabalhadores nem o vínculo laboral contratual devem poder alterar os direitos de co-gestão adquiridos nos Estados-Membros em causa. A participação financeira dos trabalhadores não tem qualquer impacto nestes direitos.

4.   Uma abordagem europeia: Módulos para problemas práticos e soluções concretas

O desenvolvimento e a promoção de fórmulas de participação financeira dos trabalhadores na Europa compreensíveis e simples são de grande importância política para a realização de um espaço económico e social europeu. Em princípio, a participação nessas fórmulas terá de continuar a ser voluntária para empregadores e trabalhadores. O seu financiamento é complementar da remuneração prevista no contrato de trabalho e/ou nos acordos colectivos ou provém da distribuição das participações nos lucros.

4.1   Combinação da participação no capital com a participação nos resultados: Futura tendência da participação financeira dos trabalhadores

4.1.1   No caso de uma participação nos lucros baseada em acções em que é previsto um período de detenção, tendo em conta a possibilidade de tributação diferida, convém distinguir três fases:

a fase inicial da participação dos trabalhadores nos lucros da empresa;

a fase intermédia, em que os meios acumulados são investidos em participações na empresa; e

a fase final, em que as acções adquiridas são cedidas aos trabalhadores.

4.1.2   Existem já fórmulas de participação no capital, em que a aquisição de acções é financiada por um fundo fiduciário através da concessão de uma participação nos lucros complementar do salário. Por norma, isso é feito através da criação de uma sociedade de participação financeira (9), que gere as acções dos trabalhadores enquanto fundo fiduciário. A administração da sociedade de participação financeira deve reflectir a escolha de todos os trabalhadores accionistas com base numa votação democrática, e sem interferência da gestão. Os melhores exemplos de sociedades de participação financeira são os seguintes: AUCHAN (10) (França), HOMAG AG (11) (Alemanha), Pfalz Flugzeugwerke PFW Aerospace AG (12) (Alemanha), Voestalpin AG (13) (Áustria), Fundação Oktogonen (Suécia) (14), Herend-ESOP (15) (Hungria), Tullis Russel ESOP (16) (Reino Unido), Eircom-ESOP (17) e Aerlingus-ESOP (18) (Irlanda).

4.1.3   Para uma maior propagação das sociedades de participação financeira, é necessário trabalhar sobre exemplos de boas práticas reconhecidos (ver também anexo).

4.2   Incentivos fiscais e reconhecimento mútuo de conceitos de participação financeira dos trabalhadores

4.2.1   Já ficou demonstrado (19) que os incentivos fiscais não são uma condição essencial para a participação dos trabalhadores. São, no entanto, um instrumento eficaz para promover a sua propagação nos países que concedem esses incentivos. Embora sejam o sistema mais utilizado, a introdução de um modelo europeu impondo incentivos fiscais transcenderia as competências da UE e colidiria com as competências legislativas nacionais. Contudo, tendo em conta que, na realidade, são cada vez mais comuns actividades empresariais e carreiras profissionais transfronteiras, a participação financeira dos trabalhadores não terá a propagação desejada na Europa se as fórmulas de participação continuarem a ser estritamente nacionais. Deste modo, a aplicação de uma participação financeira dos trabalhadores em filiais estrangeiras só é, em muitos casos, possível através da aquisição de conhecimentos especializados dispendiosos que encarecem a operação de tal modo que, na maioria das vezes, a ideia é abandonada. Um modelo de incentivo facultativo, homogéneo e simples, com a mesma configuração fiscal e incentivos da mesma natureza em toda a UE, poderia aumentar a disponibilidade para a participação financeira dos trabalhadores, facilitando, assim, também a introdução de modelos válidos para grupos de empresas (20).

4.2.2   A tributação diferida poderia servir de mínimo denominador comum para uma proposta de modelo.

4.2.3   Antes de se encontrar um modelo europeu com benefícios fiscais comuns, deverão ser empreendidos esforços visando o reconhecimento mútuo dos modelos dos vários Estados-Membros. Isso tornaria a participação financeira dos trabalhadores mais atractiva e viável antes mesmo de se encontrar uma solução comum europeia.

4.2.4   Para além de incentivos fiscais, as empresas podem também conceder incentivos sob a forma de descontos.

4.3   Participação financeira dos trabalhadores nas sociedades cooperativas

4.3.1   As sociedades cooperativas de produção são um bom exemplo de participação financeira dos trabalhadores, em especial nos casos em que os trabalhadores são também na sua maioria co-proprietários. De acordo com os valores e princípios das sociedades cooperativas reconhecidos internacionalmente, todos os trabalhadores/sócios têm o pleno direito de participar no processo de decisão (21). A experiência mostra que, quando os trabalhadores são proprietários da sua empresa, exercem controlo sobre a mesma e colaboram na sua gestão. A garantia destes direitos produz melhores resultados económicos e aumenta a capacidade de sobrevivência das empresas em épocas de crise, contribuindo assim para a manutenção a longo prazo dos postos de trabalho no seu espaço regional. Uma representação dos seus interesses, garantida por lei, contribuirá para a criação de um quadro favorável a uma maior participação financeira.

4.4   Participação financeira dos trabalhadores no sector público

4.4.1   A participação financeira dos trabalhadores é um fenómeno que diz sobretudo respeito a empresas com a forma jurídica de sociedade anónima ou sociedade de responsabilidade limitada, em que a sua aplicação é relativamente fácil. Certos tipos de empresas, sobretudo de actividades não comerciais, e por conseguinte os seus trabalhadores, são pela sua natureza excluídos desta possibilidade (serviço público, empresas sem fins lucrativos) ou têm grande dificuldade em aplicar a participação financeira (associações, fundações, etc.). Encontram-se, todavia, nesta situação muitas empresas e, consequentemente, muitos trabalhadores, que se vêem impedidos de aderir a sistemas de participação financeira.

4.4.2   Ressalvando o princípio da subsidiariedade, o objectivo deve ser, por conseguinte, adoptar um modelo que permita o acesso à participação financeira dos trabalhadores de todas as categorias profissionais e de todos os tipos de empresas, devendo aqui atender-se à situação particular do sector público.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Para mais informações, ver Daniel Vaughan-Whitehead, The Minimum Wage Revisited in the Enlarged EU [Sálario mínimo revisitado na UE alargada], 2010, Edward Elgar-ILO.

(2)  92/443/CEE.

(3)  COM(2002) 364 final.

(4)  The PEPPER IV Report – Assessing and Benchmarking Financial Participation of Employees in the EU-27 [O relatório PEPPER IV – Avaliação e qualificação da participação financeira dos trabalhadores na UE-27], Berlim, 2009; http://www.eurofound.europa.eu/areas/participationatwork/pepperreports.htm; Resumo disponível em língua alemã, francesa e inglesa em: http://www.intercentar.de/en/research/focus-financial-participation-of-employees/.

(5)  Sobre os resultados ver Jens Lowitzsch et al., Mitarbeiterbeteiligung für ein Neues Soziales Europa [Participação dos trabalhadores em prol de uma nova Europa social], Berlim/Paris/Bruxelas 2008; Roma 2009, Cracóvia 2010; disponível em língua alemã, francesa e inglesa em: http://www.intercentar.de/en/research/focus-financial-participation-of-employees/.

(6)  Este aspecto já tinha sido realçado pela Comissão Europeia na sua Recomendação sobre a transmissão das pequenas e médias empresas (94/1069/CE) e foi reforçado na sua comunicação relativa à transmissão de pequenas e médias empresas (JO C 93 de 28.3.1998, p. 2).

(7)  Comunicação da Comissão – Realizar o programa comunitário de Lisboa em prol do crescimento e do emprego (COM(2006) 117 final).

(8)  Assim, na Áustria, por exemplo, é possível desenvolver a participação dos trabalhadores sob a forma de sociedade de participação financeira.

(9)  Na Europa continental, trata-se em geral de uma sociedade de responsabilidade limitada, de uma fundação ou de uma associação; nos países anglo-americanos, consiste numa sociedade «trust».

(10)  Objectivo: Promoção da lealdade e da motivação dos trabalhadores; ver http://www.groupe-auchan.com/emploi.html.

(11)  Objectivo: Financiamento do crescimento; http://www.homag.com/de-de/career/Seiten/mitarbeiterkapitalbeteiligung.aspx.

(12)  Objectivo: Separação do grupo de empresas da EADS; http://www.netz-bund.de/pages/mitarbges.pdf, a partir da p. 32.

(13)  Objectivo: Privatização e participação estratégica; http://www.voestalpine.com/annualreport0809/en/management_report/employees.html.

(14)  Objectivo: Promoção da lealdade e da motivação dos trabalhadores; ver relatório anual de 2009 da Handelsbanken (Annual Report 2009), http://www.handelsbanken.se/shb/inet/icentsv.nsf/vlookuppics/investor_relations_en_hb_09_eng_ar_rev/$file/hb09eng_medfoto.pdf, pp. 53 e 56.

(15)  Objectivo: Privatização e promoção da lealdade e da motivação dos trabalhadores; http://www.herend.com/en/manufactory/story/, sem informações sobre o ESOP, ver ano de 1992.

(16)  Objectivo: Transmissão de empresas; http://www.tullis-russell.co.uk/group/about/.

(17)  Objectivo: Privatização e participação estratégica; http://www.esop.eircom.ie/.

(18)  Objectivo: Privatização e participação estratégica; http://www.aerlingus.com/aboutus/investorrelations/shareregister/.

(19)  Ver relatório PEPPER IV, parte 1, capítulo IV, pp. 56-58.

(20)  Ver Thyssen Krupp: http://www.thyssenkrupp.com/de/investor/belegschaftsaktie.html (em alemão).

(21)  Ver, por exemplo, a Recomendação 193 da Organização Internacional do Trabalho sobre a promoção das cooperativas.


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/8


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Mutações e perspectivas da indústria metalúrgica e metalomecânica» (parecer de iniciativa)

2011/C 51/02

Relator: José Isaías RODRÍGUEZ GARCÍA-CARO

Co-relator: Enrico GIBELLIERI

Em 16 de Fevereiro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

Mutações e perspectivas da indústria metalúrgica e metalomecânica.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Comissão Consultiva das Mutações Industriais emitiu parecer em 8 de Setembro de 2010.

Atendendo à renovação do mandato do Comité, a Assembleia decidiu examinar este parecer na reunião plenária de Outubro e designou José Isaías Rodríguez García-Caro relator-geral, em conformidade com o artigo 20.o do Regimento.

Na 466.a reunião plenária, de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 72 votos a favor, com 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Importância estratégica

O sector metalúrgico e metalomecânico é fundamental para a transição para uma economia eficiente em recursos e com emissões de carbono reduzidas, em linha com os objectivos da Estratégia Europa 2020. O objectivo de aumentar a eficiência na utilização de recursos é um desafio para o sector e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de negócio: uma economia eficiente na utilização de recursos não pode existir sem a indústria metalúrgica e metalomecânica. Este é um sector robusto que gera muito emprego e uma indústria fundamental na criação de valor acrescentado, que fortalece a cadeia de valor europeia e é um elo nessa mesma cadeia para uma economia eficiente em recursos.

1.2   O sector metalúrgico e metalomecânico é também de importância vital como sector inovador e abastecedor, em especial no que se refere à iniciativa «Uma Europa eficiente em termos de recursos» para ajudar a dissociar o crescimento económico da utilização de recursos, apoiar a transição para uma economia com reduzidas emissões de carbono, aumentar a utilização de fontes de energia renováveis, modernizar o sector dos transportes e promover a eficiência energética.

1.3   Visibilidade

A indústria metalúrgica e metalomecânica sofre de falta de visibilidade.

1.4   É importante assinalar que o sector metalúrgico e metalomecânico não deve ser confundido com o sector da produção de metal. A produção de ferro, metal e liga metálica (Nace 27) é analisada em conjunto com as actividades de fabricação de produtos metálicos, ou seja, a metalurgia (Nace 28), numa das publicações estatísticas da Eurosat, European Facts and Figures. Torna-se assim muito difícil avaliar correctamente o emprego e as tendências industriais no sector metalúrgico e metalomecânico. A falta de visibilidade manifesta-se nas avaliações de impacto que dificilmente têm em conta aspectos microeconómicos muito importantes para a futura regulamentação neste sector. É fundamental apoiar o desenvolvimento do seu potencial, em particular no âmbito do crescimento das suas exportações e retirar lições práticas da sua cultura empresarial e de inovação.

1.4.1   Por esta razão, o CESE apela à Comissão que tenha devidamente em conta este sector da indústria transformadora, no que respeita quer à sua organização quer à repartição de recursos humanos, e que melhore o nível de representação e o número de interlocutores da indústria metalúrgica e metalomecânica a nível da DG Indústria e Empreendimento ou da DG Comércio, em consonância com o seu peso específico e o seu carácter de indústria geradora de emprego, com 4,3 milhões de postos de trabalho na União Europeia. Como tal, o CESE recomenda que a Comissão Europeia confira à indústria metalúrgica uma maior representação formal nos serviços e actividades da Comissão (por exemplo, no diálogo UE-China).

1.5   O âmbito correcto para o fazer seria aplicar o princípio de «pensar primeiro nos pequenos» (Think Small First).

Os encargos administrativos envolvidos para facultar às autoridades a informação constante das legislações locais e da UE são muito pesados, o que não beneficia as PME. Assim, dado o clima geral de investimento que existe em muitos países, é cada vez mais fácil, conveniente e lucrativo para as empresas adquirir parte dos seus produtos fora da UE, em vez de aumentar a produção, desenvolver tecnologias e investir na inovação. Esta situação compromete a competitividade a longo prazo e afasta os jovens técnicos do mercado europeu.

O CESE sustenta que se deve verdadeira e efectivamente ter em conta o princípio de «pensar primeiro nos pequenos» na hora de aplicar a Estratégia Europa 2020 no âmbito da política industrial tal como foi apresentada no Conselho Europeu de Junho de 2010, assim como na futura comunicação sobre a agenda política industrial para a Europa, que se baseia na iniciativa emblemática «Uma política industrial para a era de globalização».

1.5.1   O CESE apela às autoridades nacionais dos Estados-Membros a que apoiem os empreendedores a todos os níveis, facilitando os mecanismos para a criação de empresas e favorecendo o espírito empresarial, o que é fundamental.

Outro aspecto vital das condições gerais em que operam as empresas são as políticas sociais e de emprego. O CESE insta os Estados-Membros a envidar esforços comuns para contribuir, em particular no âmbito da política social, para melhorar o ambiente em que se baseia o desenvolvimento de empresas competitivas e rentáveis, que permitam criar postos de trabalho sustentáveis na indústria metalúrgica europeia. Há que assegurar que a indústria pode antecipar possíveis mudanças empresariais ou de estratégia nas empresas clientes e de produção de materiais, através do diálogo social e da informação e consulta pontual e eficaz. Neste âmbito poderia contemplar-se não só a possibilidade de promover os intercâmbios entre os Estados-Membros e os agentes sociais da UE para que aprendam mutuamente e identifiquem instrumentos eficazes, mas também o papel da flexigurança.

1.6   Pessoal qualificado, antecipação adequada das necessidades de formação e aproximar o sector dos jovens

Atendendo ao tamanho médio das empresas, é ainda mais importante dispor de pessoal qualificado em número suficiente. Para tal, são essenciais medidas não só para combater a escassez de pessoal qualificado (quer se trate de aprendizes de alto nível, trabalhadores qualificados, técnicos, engenheiros ou investigadores), mas também para lhes proporcionar uma educação e formação (tanto formal quanto profissional) adequadas.

1.6.1   O CESE salienta a importância fundamental de reforçar a todos os níveis as iniciativas que visem melhorar a imagem desta indústria e a sua atractividade para os jovens. É indispensável que este sector de relativa intensidade de mão-de-obra possa manter e, se possível, melhorar os seus trabalhadores, tanto no que se refere ao número de empregados como à sua qualidade. O CESE apela à Comissão que estude a possibilidade de levar a cabo um estudo à escala europeia sobre as qualificações educativas e técnicas de que precisa a indústria metalúrgica e metalomecânica, com o objectivo de antecipar as necessidades de formação. Tal estudo poderia ser um importante documento de referência para intensificar a cooperação entre este sector e as universidades técnicas e os centros de formação profissional. O CESE recomenda que o recentemente criado diálogo social europeu para o sector metalúrgico e metalomecânico lidere e fomente o estudo e que explore todas as possibilidades de intercâmbios de informação que se julgue oportunas para melhorar a situação das PME e dos seus trabalhadores.

1.7   Inovação

A cooperação entre os produtores de metal e a indústria metalúrgica e metalomecânica reveste-se de especial importância para o êxito das actividades de investigação e desenvolvimento. De uma forma geral, deveriam ser consagrados mais fundos para investigação da produção de metal e produtos metálicos a nível da UE e, em particular, de tecnologia de materiais e nanotecnologia, de forma a melhorar as características mecânicas dos materiais metálicos através da investigação e, assim, aumentar e promover a vantagem competitiva e de inovação do sector. O CESE recomenda que quando se determinar a estrutura do 8.o Programa-quadro, as entidades europeias competentes, e em particular a União Europeia, façam o possível por facilitar o acesso geral aos projectos. Deveria ser apoiada em especial a cooperação com as PME, uma vez que estas têm recursos humanos limitados para investigar, apresentar e executar possíveis projectos de inovação.

1.7.1   Uma vez que as inovações industriais não se baseiam totalmente apenas em novos conhecimentos científicos mas num largo espectro de formas de inovação (por exemplo, novos conceitos para logística ou marketing, inovação organizacional, inovação do modelo empresarial, concepção de produtos), o CESE apela a que se elaborem políticas de inovação a nível da UE que reflictam melhor estes aspectos.

1.7.2   Uma vez que a concepção e o desenvolvimento de produtos são realizados nas fases iniciais ou finais da cadeia de produção, a protecção dos direitos de propriedade intelectual e a falsificação constituem um desafio cada vez maior. Também neste aspecto são muito poucas as empresas metalúrgicas que podem dedicar os mesmos recursos que as empresas de maior envergadura dedicam à protecção da sua propriedade intelectual.

1.8   Falta de imagem

O sector metalúrgico sofre de uma falta de «imagem». Oferecer uma imagem adequada do sector e das suas oportunidades é uma tarefa que esta indústria deve empreender e que deveria beneficiar igualmente do apoio das autoridades. Neste sentido, o CESE recomenda às autoridades nacionais e europeias que analisem a condição do sector de um ponto de vista da sua condição de barómetro industrial e de indicador fiável do «estado de saúde» da cadeia de produção industrial e da contribuição das pequenas e médias empresas.

Também parece problemática a falta de aceitação da indústria e de projectos industriais, resultado de uma imagem negativa com décadas. Uma nova cooperação entre políticas, indústria e administração deve ser conseguida de forma a criar uma melhor imagem das empresas que cumprem todos os requisitos legais.

1.9   Política comercial

Tanto a DG Comércio como a DG Indústria e Empreendimento deveriam conhecer de forma suficiente a indústria metalúrgica e metalomecânica e adoptar uma abordagem equilibrada no momento de avançar com medidas que tenham impacto nas empresas do sector. Por isso, o CESE recomenda à Comissão Europeia que elabore medidas oportunas e que tenha em conta o interesse a nível da UE e o correspondente impacto em toda a cadeia de valor e do conjunto do tecido industrial no momento de decidir sobre um determinado sector. A Comissão Europeia deveria manter nas suas relações com países terceiros o princípio de reciprocidade, especialmente na política comercial.

1.10   Agrupamentos (Clusters)

Há um interesse claro em desenvolver uma visão para o sector metalúrgico e metalomecânico, baseada nos diversos agrupamentos (clusters) existentes em toda a União Europeia. Foram já identificados os seguintes: País Basco (Espanha), Brescia (Itália), Flandres (Bélgica), Lituânia, região do Loire (França), Silésia (Polónia), sul da Vestefália (Alemanha), Vorarlberg (Áustria), Valência (Espanha). Contudo, seria conveniente realizar mais estudos para avaliar as implicações, principais tendências, transformações do tecido industrial e possíveis avaliações comparativas (benchmark) das distintas zonas.

1.11   Financiamento

O CESE é a favor de que se conceda mais destaque à necessidade de oferecer mecanismos de liquidez à indústria de fabricação, em particular para as PME deste sector, o que poderia dar lugar a melhores práticas em toda a Europa.

2.   Introdução

2.1   O Tratado de Lisboa estabelece um novo quadro para o funcionamento da União Europeia; uma nova Comissão Europeia iniciou os seus trabalhos e uma nova legislatura começou no Parlamento Europeu em 2009. Entretanto, a União Europeia, em geral, e a base industrial europeia, em particular, enfrentam uma dinâmica mundial e desafios sem precedentes desde a criação da UE.

2.2   É necessário fazer frente a estes desafios com empenho, se se deseja acabar com o aumento do desemprego, com a crescente destruição do tecido industrial e com a cada vez menor confiança dos cidadãos.

2.3   Com o presente parecer de iniciativa sobre o sector metalúrgico e metalomecânico europeu, o CESE pretende responder a algumas das questões que, a longo prazo, determinarão se se mantém a força inovadora, a capacidade de resistência económica e a posição competitiva global desta indústria europeia. A CCMI explora os desafios e oportunidades para o sector que resultam da transição para uma economia sustentável e com uma gestão mais eficiente de recursos, tal como está definido na Estratégia 2020 da UE.

2.4   Entre estas questões figuram as seguintes: Como enfrentar estes desafios? Saberão as instituições da UE dar-lhes resposta? Em que aspectos podem gerar valor acrescentado? Será a «Europa 2020 – Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo» a fórmula adequada para o êxito?

3.   A metalurgia, omnipresente

3.1   As empresas metalúrgicas existem em todas as partes da UE, em praticamente todas as regiões e cidades europeias. São empresas flexíveis, inovadoras, muitas vezes (relativamente) pequenas, pragmáticas, baseadas na prestação de serviços, criadoras (e conservadoras) de emprego, e estão profundamente enraizadas na cadeia de fornecimentos industriais que conhecemos. Estas empresas são tão evidentes que muitas vezes damos a sua existência por garantida. Ainda que se tenham dado os primeiros passos – situação da qual nos devemos congratular –, em particular através da elaboração recente do primeiro estudo pan-europeu pela Comissão Europeia, algumas empresas deste sector têm, provavelmente devido ao tamanho das suas empresas, diversidade, versatilidade e resistência mas, ao contrário dos interesses de todo o sector, permaneceram em grande medida «invisíveis» e não são alvo da «visão» política.

3.2   Esta invisibilidade reflecte-se, por exemplo, numa das publicações estatísticas do Eurostat, European Facts and Figures, onde a produção de ferro, aço e liga metálica (Nace 27) é analisada em conjunto com as actividades de fabricação de produtos metálicos, ou seja, a metalurgia (Nace 28). Esta situação torna muito difícil a análise individual e correcta do emprego e das tendências industriais do sector metalúrgico.

3.3   Contudo, esta invisibilidade já não se justifica. O sector metalúrgico é o elo «oculto» fundamental que tanta importância tem para a cadeia de fornecimento industrial da UE e que, tendo em conta o tamanho relativamente reduzido das suas empresas individuais, apresenta valores verdadeiramente impressionantes na economia europeia.

3.4   Os dados seguintes ilustram brevemente o tamanho e a importância estratégica do sector metalúrgico para a economia e a mão-de-obra europeias.

3.4.1

Conta com um sem-número de pequenas empresas (400 mil) em toda a Europa, a maioria das quais (aproximadamente 95 %) tem menos de 50 trabalhadores.

3.4.2

A indústria metalúrgica e metalomecância emprega em toda a Europa 4,2 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 12 % da totalidade do emprego industrial.

3.4.3

É um sector criador de emprego: é significativo que, ao contrário da maioria dos outros sectores, as suas taxas de emprego na Europa durante os últimos 10 anos tenham aumentado constantemente até à recente recessão económica. Por exemplo, o emprego do sector aumentou aproximadamente cerca de 8 % entre 2000 e 2006.

3.4.4

É um sector económico de grande envergadura: o seu valor de produção (em 2008) foi de 530 mil milhões de euros.

3.4.5

Desempenha um papel central no tecido industrial da UE, ao produzir componentes para outras indústrias.

4.   Importância estratégica do sector metalúrgico e metalomecânico

4.1   Um elo fundamental da cadeia de fornecimento

O sector metalúrgico e metalomecânico europeu constitui um elo fundamental na cadeia europeia de fornecimento industrial, uma vez que produz componentes e produtos acabados para todos os outros sectores de fabricação.

Os componentes que se fornecem em particular às indústrias do automóvel, aeroespacial, de transporte e de maquinaria, incluindo em especial à indústria de construção mecânica, que constitui em si mesma um elemento-chave para o sector na transição para uma economia com uma gestão mais eficaz dos recursos.

Os perfis e chapas de aço são essenciais para o sector de construção (edifícios de armação de aço, barras de reforço, infra-estruturas de aço, revestimentos para edifícios, materiais, etc.).

Recipientes para as indústrias processadoras, como a indústria alimentar, farmacêutica, química, petroquímica, etc.

Produtos como fixações (parafusos, porcas e pernos) e ferramentas utilizadas tanto pela indústria como pelos consumidores.

4.2   Uma indústria sólida

O sector metalúrgico conta com uma estrutura sólida que não tem grandes excessos de capacidade.

4.3   Um sector que gera emprego

O sector metalúrgico emprega cerca de 12 % da mão-de-obra industrial da UE a 27 e abarca aproximadamente um quinto das empresas de fabricação que nela operam.

4.4   Um sector que gera valor acrescentado

A indústria metalúrgica europeia gerou à volta de 10 % do valor acrescentado da UE a 27 e 7,4 % (em 2006) da produção industrial. A este respeito, o sector metalúrgico (produção bruta e volume de fabricação) é um dos campeões europeus do «valor acrescentado», que supera claramente outros sectores industriais.

4.5   Um grande sector de «pequenos»

O sector metalúrgico europeu é um importante sector industrial por direito próprio, apesar de (ou talvez graças a) ser formado sobretudo por uma grande variedade de empresas maioritariamente pequenas (1) (mais de 90 % são pequenas e médias empresas familiares). Assim, o sector está dominado em muitos países – a Alemanha é a principal excepção – por microempresas (de 10 ou menos trabalhadores), que representam 80 % das empresas do sector (2006).

4.6   Um sector que reforça a cadeia de fornecimento europeia

4.6.1   É provável que a estrutura industrial do sector metalúrgico e metalomecânico não seja aleatória ou arbitrária, mas uma adaptação prática das necessidades do mercado, que criou em última instância a cadeia de abastecimento industrial na Europa para oferecer a necessária flexibilidade, inovação e função de nicho que actualmente ostenta. A este respeito, o facto de uma empresa metalúrgica e metalomecânica ser pequena ou média não deve ser considerado uma debilidade, mas uma vantagem relativa.

4.6.2   Sobretudo quando os estudos mostram que a indústria é e continuará a ser em grande medida um sector de pequenas e médias empresas. De facto, estão a tornar-se mais pequenas, proporcionalmente, em relação aos seus grandes parceiros da cadeia de abastecimento que, ao contrário da indústria metalúrgica e metalomecânica, empreenderam um importante processo de consolidação. Não obstante, as possibilidades de consolidação dentro do sector metalúrgico e metalomecânico são, em termos gerais e por motivos estruturais, muito limitadas.

4.6.3   É necessária uma colaboração estreita ao longo da cadeia de fornecimento. Em relação à cadeia de fornecimento, o CESE solicita à Comissão Europeia e aos Estados-Membros que estudem a importante questão de melhorar as parcerias e estreitar a colaboração ao longo da cadeia e muito especialmente a criação de canais que permitam ao sector metalúrgico e metalomecânico identificar e influenciar o desenvolvimento de novas qualidades e classes de aço adaptadas aos requerimentos exigidos.

4.7   Um sector fechado

As relações da indústria metalúrgica com os seus clientes e fornecedores em termos de tamanho e economias de escala tornar-se-ão cada vez mais assimétricas nos próximos anos. Como tal, a indústria metalúrgica encontra-se (cada vez mais) numa posição fechada que reduz as suas possibilidades de controlar o seu destino e influenciar o contexto económico. Esta situação exerce uma pressão cada vez maior sobre os custos fixos e a qualidade de emprego do sector.

4.8   Respostas para o futuro baseadas em análises precisas

Tendo como ponto de partida estes elementos estratégicos, o presente parecer de iniciativa pretende formular respostas baseadas nas experiências reais do sector, cujas empresas e agrupamentos (clusters) fortalecem todas as grandes regiões europeias com postos de trabalho, formação e oportunidades. Um sector versátil, resistente e inovador, com uma extraordinária capacidade de adaptação e de manutenção de empregos nas circunstâncias mais variadas, que poderia servir de modelo para encontrar respostas aos desafios que se avizinham e, sobretudo, para assumir a diferença.

5.   O que é preciso fazer a nível europeu?

5.1   A indústria metalúrgica e metalomecânica: campeã das PME

5.1.1   Ainda que existam diferenças regionais em termos absolutos (as empresas metalúrgicas alemãs costumam ser, por exemplo, maiores do que as da restante Europa), o sector metalúrgico e metalomecânico apresenta uma clara característica distintiva em relação ao tamanho das empresas de outros sectores da economia, que consiste no predomínio e omnipresença de pequenas e médias empresas.

5.1.2   O CESE considera que os políticos não deveriam limitar-se a reconhecer rapidamente este aspecto para depois o voltar ignorar. Análises recentes mostram que este aspecto distinto referente às PME não deve ser visto como uma característica marginal do sector ou como um atributo acidental, mas sim como um elemento fundamental do vigor do sector.

5.1.3   O CESE apela à UE que continue a examinar de forma exaustiva os principais atributos deste sector e identifique com clareza e precisão que aspectos beneficiam o sector metalúrgico e metalomecânico, quais são os seus principais pontos fortes e que como tal representam factores de criação de valor acrescentado dentro da cadeia de fabricação da UE.

5.1.4   Posteriormente, a União Europeia deveria adoptar políticas em matéria das PME para satisfazer estas necessidades concretas. Deveriam ser elaboradas políticas eficazes e boas práticas, neste caso utilizando para tal instrumentos de avaliação comparativas (benchmarking), para satisfazer as necessidades específicas das PME do sector metalúrgico europeu. Desta forma, as qualidades e vantagens do sector seriam melhorados e promovidos e ser-lhes-ia prestado apoio a fim de que continue a ser campeão europeu das PME industriais.

5.1.5   Além disso, estudos baseados nos pontos fortes do sector serviriam assim para comprovar que se trata de uma das forças motrizes da inovação industrial na Europa, para pôr em relevo as suas vantagens e melhorar a sua imagem, o que é extremamente necessário para que o sector atraia mão-de-obra (especialmente trabalhadores jovens). É necessária uma visão política para situar a indústria europeia na frente política como uma fonte «geradora de emprego» e uma força inovadora dentro da cadeia industrial.

Num momento em que emanam promessas teóricas, retóricas e muitas vezes vagas de inúmeras instâncias administrativas de toda a Europa em relação à importância das PME europeias, seria importante, em vez de propor abordagens vagas de «tamanho único», melhorar e definir com precisão medidas práticas e realistas para compreender, reforçar e defender este sector importante.

5.1.6   Como resultado do tamanho médio das empresas do sector, a maioria dos trabalhadores do sector da indústria metalúrgica e metalomecânica não tem acesso a «conselhos de empresa europeus» ou redes europeias equivalentes que representem os seus interesses. Não obstante, a maioria das empresas do sector não só trabalha já numa cadeia de valor europeia, como também tem como concorrência outras empresas do sector estabelecidas fora da União Europeia. Como resultado, os salários, assim como o tempo e as condições de trabalho estão sujeitos, em muitos casos, a uma competição directa. Para evitar desajustes a nível de informação, o CESE defende uma informação eficaz e pontual, assim como a consulta dos trabalhadores e a promoção do diálogo social. Dada a importância do emprego nas PME na Europa, a política europeia deveria poder dar resposta às necessidades destes trabalhadores.

5.2   Disponibilidade de matérias-primas e, em especial, de aço

5.2.1   Garantir a disponibilidade de matérias-primas a preços justos é um elemento-chave para a indústria metalúrgica e metalomecânica, pois as matérias-primas têm cada vez mais repercussões num mercado transformado e globalizado.

5.2.2   Por serem pequenas, as empresas metalúrgicas e metalomecânicas europeias não podem competir na UE no que respeita aos custos laborais nem vencer as economias de escala como as que têm os seus fornecedores, por exemplo, as siderurgias. Assim, é indispensável que possam aceder às suas incorporações em condições competitivas de mercado, em especial de matérias-primas e energia.

5.2.3   Desta forma, o CESE recomenda à Comissão Europeia que insista em manter o princípio de reciprocidade nas suas relações com países terceiros e, neste sentido, estude os factores que situam as empresas europeias num plano de desequilíbrio no que respeita ao acesso a matérias-primas em relação a empresas de outros países como, por exemplo, da China, que competem na Europa para a aquisição de sucata – sem que por sua vez as empresas europeias tenham o mesmo acesso à compra de sucata –, dado o carácter fechado deste mercado.

5.2.4   Também é importante apoiar a sua capacidade para planificar e fazer frente à volatilidade e os cenários distintos possíveis (gestão de riscos), assim como velar por que o contexto normativo imposto à siderurgia europeia não constitua um obstáculo aos investimentos neste sector da União Europeia. A passagem de contratos multianuais ou anuais a contratos com prazos cada vez mais curtos ou, de maneira cada vez mais generalizada, transacções à vista, vai previsivelmente acentuar esta tendência e dificultar progressivamente a capacidade de planificação das empresas metalúrgicas e metalomecânicas. O CESE recomenda às instituições europeias que tenham em conta esta tendência para estruturar medidas que permitam gerir a crescente volatilidade dos preços às PME do sector do metal. O CESE recomenda em particular que se inclua este aspecto importante na redacção da futura comunicação sobre a estratégia europeia para as matérias-primas.

5.2.5   Desta forma, o CESE chama a atenção para a crescente concentração do sector mineiro de ferro e apela à Comissão que tenha em conta os riscos que a criação de monopólios virtuais a nível mundial pode implicar para a indústria europeia, tal como reflectiram os sectores europeus das siderurgias, o sector da engenharia e automóvel nas suas tomadas de posição elaboradas no âmbito da fusão anunciada das empresas mineiras BHP Billiton Plc e Rio Tinto Plc.

5.3   Energia

5.3.1   Garantir um aprovisionamento estável de energia reveste-se de uma importância incontornável para a indústria metalúrgica e metalomecânica da UE, que necessita de garantir um abastecimento de todas as fontes de energia em condições competitivas do mercado.

5.3.2   O estabelecimento e financiamento de infra-estruturas e as necessárias ligações transfronteiriças, bem como a eliminação das barreiras nas fronteiras nacionais, em particular a transmissão de electricidade, são questões-chave para garantir a concorrência entre os fornecedores e os distribuidores de electricidade.

5.3.3   Assim, é importante estabelecer o equilíbrio correcto, no momento de tomar decisões relacionadas com a política energética, entre o aspecto ambiental e os efeitos económicos sobre a estabilidade e os preços do aprovisionamento, equilíbrio esse que é um factor-chave para a competitividade deste sector.

5.4   Competir com igualdade

5.4.1   As empresas radicadas na UE também enfrentam uma maior concorrência internacional, quer no mercado interno de produtos importados, quer nos mercados de exportação. Além disso, as condições muito diferentes no interior da UE (por exemplo, preços da energia, processos de autorização para instalações/plantas, condições de exploração) tornam a situação mais difícil. O CESE insta a Comissão Europeia a assegurar a igualdade das condições de concorrência da UE, a nível interno e internacional, com outros países.

5.4.2   O CESE apela à Comissão Europeia que vele por garantir uma concorrência ao mesmo nível de igualdade dos outros países a nível internacional.

5.4.3   Por último, as autoridades encarregues da defesa da concorrência devem prestar muita atenção aos abusos resultantes ao tamanho pequeno deste sector em relação aos seus clientes e, em particular, aos seus fornecedores.

5.5   Financiamento

5.5.1   As entidades financeiras desempenham um papel importante para o cumprimento dos objectivos da política industrial, pelos riscos que assumem ou não, bem como pelo seu grau de acessibilidade. A crise financeira que escureceu o horizonte da economia real desde 2008 afectou também a indústria metalúrgica e metalomecânica. Enquanto a procura de empréstimos foi relativamente fraca no clima economicamente adverso em 2009, a tendência mais forte prevista durante 2010 está cada vez mais a levar a carências na concessão de financiamento às empresas, uma vez que o pedido de empréstimos aumentou. Tais carências são mais sentidas pelas PME, que dependem quase exclusivamente do financiamento bancário. A indústria metalúrgica e metalomecânica constituída em grande parte por PME está a sentir dificuldades que ameaçam tornar-se numa crise grave.

5.5.2   As entidades bancárias não se mostraram relutantes em assumir riscos no momento de investir em fundos de cobertura e outros valores; contudo, estão relutantes em assumi-los quando se trata de cumprir a sua tarefa fundamental de facilitar fundos à economia real. É importante destacar que o sector financeiro deve ser um meio para alcançar um fim. Por causa desta conjuntura, o sector bancário enfrenta as consequências da aplicação da Directiva Requisitos de Fundos Próprios da UE, que imporá uma pressão adicional de redução do efeito de alavanca aos bancos e orientações muito mais restritivas na assunção de riscos. É necessário examinar de forma aprofundada a regulamentação, de forma a evitar consequências negativas para a disponibilidade de crédito para todo o sector.

5.5.3   O CESE é a favor de que se conceda mais destaque à necessidade de oferecer mecanismos de liquidez à indústria de fabricação, em particular às PME deste sector, o que poderia dar lugar a melhores práticas em toda a Europa.

5.5.4   A indústria metalúrgica e metalomecânica constitui um importante sector para as exportações europeias. O CESE é a favor de medidas de apoio para desenvolver o seu potencial, em particular no âmbito do aumento das exportações. Algumas destas medidas deverão, sem dúvida, referir-se à melhoria do seu acesso aos recursos financeiros e aos créditos à exportação.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Relatório final relativo ao Contrato-quadro para a realização de estudos de competitividade do sector da União Europeia – Competitividade do sector metalúrgico e de produtos metálicos da UE, 18 de Novembro de 2009, página 91, Capítulo «Estrutura da indústria e distribuição das dimensões das empresas Extensão e papel das PME no sector metalúrgico e de produtos metálicos»: Uma análise por dimensão às empresas do sector metalúrgico e de produtos metálicos (por número de empregados) (ver quadro abaixo) demonstra que o sector é dominado por microempresas (menos de 10 empregados), que constituíam 80 % de todas as empresas deste sector em 2006. Ao mesmo tempo, cerca de 17 % de todas as empresas do sector metalúrgico e de produtos metálicos poderiam ser consideradas pequenas em 2006 (10-49 empregados). Como tal, mais de 95 % de todas as empresas do sector metalúrgico e de produtos metálicos empregavam menos de 50 pessoas em 2006, 3 % poderiam ser classificadas como de dimensão média (50-249 empregados), enquanto 0,5 % das empresas eram grandes (250 ou mais empregados).


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as implicações da crise da dívida soberana para a governação da UE (parecer de iniciativa)

2011/C 51/03

Relator: Michael SMYTH

Em 29 de Abril de 2010, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

As implicações da crise da dívida soberana para a governação da UE.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social que emitiu parecer em 7 de Setembro de 2010.

Dada a renovação do Comité, a Assembleia decidiu votar o presente parecer na plenária de Outubro e designou Michael SMYTH relator-geral ao abrigo do artigo 20.o do Regimento.

Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 120 votos a favor, 7 votos contra e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   A crise da dívida soberana – desencadeada pelas crises fiscal e financeira – ameaça a própria existência da UEM e exige respostas financeiras, económicas e políticas eficazes. Chamou a atenção para as insuficiências do Pacto de Estabilidade e Crescimento enquanto mecanismo para garantir a responsabilidade orçamental nos Estados-Membros.

1.2   O CESE aprova as acções levadas a cabo até à data pelo Conselho e pelo ECOFIN para apoiar os Estados-Membros em dificuldades financeiras através do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) e do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). Esta é uma solução temporária, mas que poderá estar na base de um processo e de um enquadramento mais permanentes para um apoio financeiro condicionado através da criação de um verdadeiro fundo monetário europeu. Pode também ser analisada a criação de uma agência europeia de gestão das dívidas públicas que emita obrigações europeias.

1.3   O CESE recomenda que, para não comprometer os objectivos do programa de relançamento da economia europeia, se lancem programas de redução da dívida soberana na zona euro capazes de garantir a estabilidade económica e monetária desta zona, e que sejam compatíveis com os objectivos de relançamento económico e do emprego – gravemente ameaçados pela crise – defendidos na comunicação da Comissão Europeia «Europa 2020 – Uma estratégia para o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo».

1.4   Há muitas lições a aprender com a crise da dívida que servirão para a governação futura da UE. As propostas iniciais do grupo de trabalho sobre política económica relativas à vigilância e às sanções representam passos na direcção certa. No entanto, o CESE considera que as sanções deviam ter como contrapartida uma maior solidariedade europeia no que toca à gestão das dívidas públicas, mas constata, porém, ainda não haver nenhum mecanismo formal para lidar com o incumprimento da dívida soberana. Esta continua a ser uma deficiência estrutural do sistema da UEM que deve ser resolvida pelos decisores políticos. As sanções deveriam ser, porém, tanto de carácter político como económico, a fim de evitar um agravamento ainda maior da dívida dos países em causa.

1.5   Grande parte da culpa da crise da dívida soberana pode ser assacada a políticas orçamentais irresponsáveis perseguidas por alguns Estados-Membros. Outra parte pode ser atribuída a empréstimos bancários imprudentes que fomentaram bolhas nos preços da construção e dos activos, bem como ao comportamento especulativo das agências de notação de crédito. Os montantes elevadíssimos financiados pelos contribuintes para salvar a banca em alguns Estados-Membros e a subsequente fragilidade do sistema financeiro mundial contribuíram também para a crise. No futuro, são necessárias reformas eficazes do sistema bancário mundial que evitem o ressurgimento deste comportamento.

1.6   O CESE deseja que as medidas para reforçar a governação económica europeia, que serão lançadas em Janeiro de 2011 pelo Semestre Europeu através de uma melhor coordenação das políticas económicas dos Estados-Membros (1), visem salvaguardar o emprego na Europa, gravemente ameaçado pela crise.

1.7   Entende, todavia, que, pelo menos para os países da zona euro, não chega coordenar as políticas económicas, mas é necessária uma verdadeira política económica comum, bem como, pelo menos na primeira fase, a coordenação da política orçamental.

2.   Contexto da crise – políticas orçamentais na base da União Económica e Monetária

2.1   A disciplina orçamental é um dos elementos-chave da estabilidade macroeconómica, sendo particularmente importante quando se trata de uma união monetária como a zona euro, onde vários Estados soberanos conservam a responsabilidade pelas suas políticas orçamentais. Na zona euro, já não existem políticas monetárias e cambiais nacionais para responder a choques específicos por país. As políticas orçamentais são, portanto, omnipotentes, mas conseguem ajustar-se melhor a esses choques se tiverem uma base sólida.

2.2   Foram estabelecidos vários mecanismos e disposições para garantir políticas orçamentais sólidas e limitar os riscos para a estabilidade dos preços. Essas disposições estão consagradas nos artigos 121.o, 123.o, 124.o, 125.o e 126.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e incluem o Pacto de Estabilidade e Crescimento (baseado nos artigos 121.o e 126.o), o procedimento relativo aos défices excessivos (artigo 126.o), a proibição do financiamento monetário (artigo 123.o), a proibição do acesso privilegiado às instituições financeiras (artigo 124.o) e a regra da não co-responsabilização financeira (artigo 125.o).

2.3   A regra básica da política orçamental consagrada no Tratado estabelece que os Estados-Membros devem evitar défices públicos excessivos. Para tal, os Estados-Membros devem cumprir um limite geral anual para o défice público de 3 % do PIB e manter a dívida nacional bruta, em relação ao PIB, igual ou inferior a um limite de 60 %.

2.4   Em circunstâncias excepcionais, um défice excessivo temporário poderá não ser considerado excessivo desde que se mantenha perto desse limite. A decisão sobre se um Estado-Membro está numa situação de défice excessivo cabe ao Conselho (ECOFIN), por recomendação da Comissão Europeia. Se o Conselho decide que um Estado-Membro se encontra numa situação de défice excessivo, há que seguir os passos estabelecidos no procedimento aplicável, que, em último caso, pode levar à imposição de sanções ao país envolvido.

2.5   O objectivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento é garantir a adopção de políticas orçamentais sempre sólidas. O pacto estabelece a obrigação de os Estados-Membros aderirem ao objectivo de médio prazo de alcançar situações orçamentais «próximas do equilíbrio ou excedentárias», como definido nas considerações específicas por país. O ajuste a estas posições deverá permitir aos Estados-Membros lidar com flutuações cíclicas normais sem ultrapassar o valor de referência de 3 % do PIB para o défice público. Na realidade, o conceito subjacente ao Pacto de Estabilidade e Crescimento e o seu funcionamento têm estado muito afastados. Tal como o Banco Central Europeu comentou recentemente:

«Todavia, o cumprimento pelos Estados-Membros individuais das normas orçamentais do Tratado de Maastricht e do Pacto de Estabilidade e Crescimento tem sido irregular. As infracções ao valor de referência de 3 % do PIB para o défice público têm sido repetidas e persistentes em alguns países, levando a concluir que, pelo menos nesses casos, a aplicação do pacto tem carecido de rigor e de vontade política suficientes. Em diferentes graus nos diversos países, os planos orçamentais não têm sido seguidos devido a previsões de crescimento demasiado optimistas, revisões dos dados ex post, flutuações das receitas superiores ao esperado e derrapagens persistentes das despesas.» («Ten years of the Stability and Growth Pact», artigo no Boletim Mensal do BCE, Outubro de 2008.)

2.6   O incumprimento aparente das regras orçamentais na base da UEM é anterior à actual crise económica mundial, mas pode dizer-se que os riscos de incumprimento da dívida soberana na união monetária representam uma segunda fase da crise. Depois de uma década ou mais de crescimento de acesso fácil ao crédito, que provocou bolhas nos preços do imobiliário e da construção, alguns Estados-Membros depararam-se com uma espiral de dívidas subsequente à implosão económica. É de certa forma irónico que os governos da Grécia, de Espanha e de Portugal não tenham tido que recorrer a montantes de emergência financiados pelos contribuintes para salvar os seus sistemas bancários durante a crise bancária, quando os seus problemas com a dívida soberana ameaçam agora a estabilidade da banca em toda a UE. Isto confirma que os montantes financiados pelos contribuintes para salvar a banca não foram a principal causa do aumento da dívida pública.

2.7   Durante a crise bancária, várias vezes se ouviu dizer que alguns bancos eram «demasiado grandes para falir». Agora fala-se de Estados-Membros, em sérias dificuldades com uma dívida pública crescente, que são «demasiado importantes para registarem incumprimentos». Tal como houve uma aceitação dolorosa pelos contribuintes da necessidade de resgatar os bancos «pecadores», um ajuste talvez ainda mais doloroso das finanças públicas de alguns Estados-Membros é agora pedido pelos mercados de obrigações internacionais. A incerteza criada pela questão do incumprimento da dívida soberana já começou a ter um impacto negativo no próprio euro e suscitou receios de que vários Estados-Membros da zona euro tenham sido atingidos.

2.8   A crise da dívida soberana é uma crise de confiança para a UE em geral e para a zona euro em particular e exige uma solução tanto política como financeira. Pôs em causa, entre outros aspectos, a adequação das disposições orçamentais acima referidas e que visam garantir a estabilidade da moeda única. Justifica-se de certa forma afirmar que o Pacto de Estabilidade e Crescimento falhou e que a Europa necessita, agora, de criar um novo quadro monetário e orçamental que consiga enfrentar mais eficazmente resultados económicos extremamente adversos ou até o incumprimento de um Estado-Membro. Se isto estiver correcto, que forma poderá revestir esse quadro?

3.   Quadros monetários e orçamentais alternativos

3.1   Nos últimos meses assistiu-se a uma série de desenvolvimentos ao nível da teoria política e da aplicação das políticas. Uma proposta interessante apresentada para resolver a crise da dívida soberana e o incumprimento público foi a criação de um Fundo Monetário Europeu (FME) (2). A ideia na base desta proposta é o argumento de que o Fundo Monetário Internacional (FMI) não tem experiência na resolução da ameaça de incumprimento da dívida soberana de um membro de uma união monetária e que a UE teria mecanismos de execução muito mais sólidos se existisse um FME.

3.2   A noção de Fundo Monetário Europeu deve ser encarada como uma resposta política semelhante às respostas ao recente colapso financeiro em que o objectivo era evitar a falência de grandes instituições financeiras. À medida que a UE sai da crise bancária, o debate político tem-se centrado em reformas que permitam a insolvência organizada de instituições financeiras e o auto-financiamento de fundos de emergência para os bancos de maior dimensão com problemas de solvência. Por outras palavras, depois de estabilizados os sistemas financeiros, os decisores europeus concentram-se agora em garantir que, no futuro, serão as instituições financeiras, e não os contribuintes, a arcar com as responsabilidades pesadas de um resgate em tempos de crise. As propostas de reformas bancárias incluem níveis de capital mais elevados, uma fiscalização mais apertada, a redução dos bónus nos bancos e a elaboração de planos de liquidação, os chamados «testamentos em vida». No respeitante à UEM e para proteger a moeda única, o sistema também tem de ser reforçado, a fim de resistir à instabilidade causada pelo incumprimento de um dos seus membros.

3.3   Os defensores de um FME afirmam que estaria em harmonia com a noção de cooperação reforçada estabelecida no Tratado e, assim, não seria necessário alterá-lo. Um FME, devidamente constituído, resolve as deficiências do sistema da UEM causadas até agora pelo incumprimento do Pacto de Estabilidade e pela aparente falta de credibilidade da regra da não co-responsabilização financeira.

3.4   Como financiar um fundo deste tipo? A fim de minimizar o problema de risco moral enfrentado agora pela Alemanha e França em relação a co-financiar o pacote de emergência para a Grécia, só os países em infracção aos critérios do Tratado de Maastricht contribuiriam para o FME. As suas taxas de contribuição seriam determinadas por duas regras:

1 % ao ano do montante da «dívida excessiva», que é definido como a diferença entre o nível real de dívida pública (no final do ano anterior) e o limite de 60 % do PIB determinado em Maastricht. No tocante à Grécia, com um índice dívida-PIB de 115 %, isso implicaria uma contribuição para o FME de 0,55 %.

1 % do défice excessivo, ou seja, o montante do défice de um determinado ano que ultrapassa o limite de 3 % do PIB definido em Maastricht. No tocante à Grécia, o défice de 13 % do PIB implicaria uma contribuição para o FME de 0,10 % do PIB.

No que se refere a 2009, a contribuição total da Grécia seria de 0,65 % do PIB, consideravelmente menos do que os níveis de austeridade agora exigidos.

3.5   O FME teria igualmente a possibilidade de pedir empréstimos nos mercados de forma a dispor de recursos financeiros suficientes, para além das contribuições acumuladas, para satisfazer quaisquer necessidades. O FME poderia intervir fornecendo apoio financeiro através da liquidação de parte das suas participações ou através da garantia de emissão de uma dívida soberana por um Estado-Membro. A título de exemplo e analisando a situação retrospectivamente, se tivesse sido utilizado o mecanismo de financiamento proposto, o FME teria conseguido acumular 120 mil milhões de euros em reservas desde o início da UEM. Associado aos níveis adequados de empréstimos de mercado, isto proporcionaria montantes suficientes para financiar o resgate de qualquer dos Estados-Membros mais pequenos da zona euro.

3.6   No tocante à execução, a UE tem uma série de opções, desde interromper os fundos estruturais a retirar as novas garantias de financiamento, passando por afastar o país do mercado monetário da zona euro. Estas sanções seriam utilizadas progressivamente, dado que individualmente colocam bastante pressão económica nos Estados-Membros que não aplicam os programas de reformas previamente aprovados.

3.7   Uma das supostas vantagens do FME proposto é poder gerir uma «insolvência organizada» de um membro da zona euro que não siga as disposições de um programa de reformas. Em comparação com as incertezas associadas à reestruturação da dívida nos mercados de obrigações internacionais, o FME pode propor aos detentores da dívida soberana do Estado-Membro insolvente converter essa dívida, com um desconto normalizado, em créditos no FME. Desta forma, a perturbação causada pela insolvência seria limitada, e as perdas sofridas pelas instituições financeiras também seriam reduzidas.

3.8   Os defensores de um FME afirmam que o fundo oferece maiores vantagens do que simplesmente recorrer ao FMI. O FME poderia presidir a uma «insolvência» soberana organizada, o que minimizaria a propagação do impacto negativo nos mercados de obrigações e outros mercados financeiros. Tal como com as lições aprendidas com a crise bancária, as políticas não devem ter apenas como fim evitar uma crise futura, mas também preparar soluções para essa eventualidade. O mesmo se deve aplicar à crise da dívida soberana. Passada a crise, a Europa tem de se preparar para uma eventual repetição dessa situação.

3.9   Outro ponto interessante reside na tensão entre a necessidade da retoma da economia europeia e a redução da dívida. Diversos estudos comprovaram que, na zona euro, as disciplinas orçamentais dos critérios de Maastricht e do Pacto de Estabilidade e Crescimento abrandaram o crescimento económico em comparação com os EUA e o Reino Unido (3). A ironia reside no facto de a crise financeira ter começado nos EUA e de a reacção política ter sido um enorme impulso monetário e orçamental anticíclico. A política macroeconómica da zona euro tem sofrido de inércia devido a uma tendência política para a estabilidade monetária em vez de para o crescimento. Tal é compreensível no contexto do estabelecimento da credibilidade da moeda única e do BCE, mas pode agora ser encarado como um potencial obstáculo à retoma económica. Efectivamente, pode-se defender que a flexibilização dos limites do Pacto de Estabilidade e Crescimento poderá ajudar a estimular a retoma económica e a pôr um ponto final na crise da dívida.

3.10   Há quem defenda que qualquer reacção política ou institucional à crise da dívida soberana deve resolver as questões da redução da dívida sem pôr em risco os objectivos do programa de relançamento da economia europeia. Uma eventual forma de o conseguir poderá ser conjugar um processo de redução das dívidas com uma expansão dos investimentos de forma a eliminar os efeitos de deflação da redução da dívida. Esta proposta baseia-se no Livro Branco de Delors sobre Crescimento, Competitividade e Emprego, de 1993, e tem no seu cerne uma opção de transferência da dívida. Desta forma, uma percentagem da dívida soberana de cada Estado-Membro seria convertida em obrigações da União Europeia. A transferência manteria a obrigação dos Estados-Membros de honrarem o serviço das suas quotas da dívida convertidas agora em euro-obrigações. Não se trataria, portanto, de uma amortização da dívida nem de um aumento dos empréstimos dos Estados-Membros com dívidas problemáticas, mas antes de uma redução dos custos de serviço da percentagem convertida. Os defensores desta proposta afirmam que é possível aplicá-la em harmonia com as orientações existentes do Tratado. Para além da transferência das dívidas, propõe-se igualmente que os empréstimos do Banco Europeu de Investimento (BEI) e das instituições financeiras nacionais sejam alargados, de forma a financiarem o programa de relançamento da economia europeia e a atenuarem a redução dos rendimentos do trabalho e do comércio resultante de uma redução drástica das dívidas (4).

3.11   A resposta oficial à crise da dívida foi posta em marcha após a reunião extraordinária do Conselho de 9 de Maio de 2010. Envolve a constituição de um Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, com base no artigo 122.o, n.o 2 (situações excepcionais), do TFUE e num acordo intergovernamental dos Estados-Membros da zona euro. O MEEF tem 60 mil milhões de euros à sua disposição e funciona segundo certos critérios semelhantes aos do FMI. Foi igualmente criada uma entidade instrumental (special purpose vehicule), referida em seguida como Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). A entidade instrumental durará três anos e disporá de, no máximo, 690 mil milhões de euros para ajudar os Estados-Membros da zona euro que enfrentam dificuldades financeiras excepcionais. Para além disso, o Banco Central Europeu (BCE) começou a intervir em mercados de obrigações mediante a aquisição da dívida de governos em dificuldades financeiras.

3.12   Estas novas disposições contêm vários aspectos importantes. Em primeiro lugar, não são uma opção financeira barata. O Estado-Membro em questão reembolsará, através da Comissão, a totalidade do capital e dos juros. Neste sentido, o MEEF não equivale a uma não co-responsabilização financeira, sendo, portanto, compatível com o artigo 125.o. Em segundo lugar, o MEEF e o FEEF representam linhas de crédito, não rubricas orçamentais e, por isso, mantêm-se no âmbito da decisão sobre «recursos próprios». Em terceiro lugar, o FEEF funcionará por um período de três anos, mas os seus efeitos poderão estender-se por vários anos se emitir obrigações com prazos de vencimentos mais longos. Em quarto lugar, está previsto que o FEEF emita obrigações que serão garantidas por todos os Estados-Membros da UE até 120 %. O objectivo é que lhes seja atribuída a notação de risco AAA, reduzindo dessa forma os custos do seu serviço (5). Por último, o MEEF constitui a prova evidente de que a solidariedade da UE continua a ser o principal pilar da UEM.

3.13   Os próximos meses mostrarão até que ponto as propostas do MEEF conseguirão atacar eficazmente a actual crise da dívida, dependendo o seu êxito do grau de execução, por cada Estado-Membro, dos ajustes orçamentais exigidos pela UE e pelo FMI. A UE reiterou o seu desejo de reforçar a disciplina orçamental e encontrar uma solução definitiva para a crise. Esta suscitou especulações de que o MEEF e o FEEF se poderiam tornar permanentes, mas tal será difícil na medida em que exigiria a aprovação unânime de todos os Estados-Membros. A falta de propostas adicionais para resolver a possibilidade de um incumprimento da dívida soberana significa que os decisores não permitirão que tal venha a acontecer. Embora essa atitude seja plenamente compreensível, não elimina o potencial para tais incumprimentos.

4.   Experiência adquirida

4.1   É cada vez mais óbvio que a crise da dívida podia ter sido evitada se os Estados-Membros e a UE tivessem sido mais governados, e é imperativo que as fraquezas de governação do passado não se repitam. Para tal, o grupo de trabalho para a coordenação da política económica comunicou uma série de medidas para reforçar a fiscalização orçamental compatíveis com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, que têm a ver com a avaliação pelos pares dos projectos de orçamento dos Estados-Membros, a aplicação mais precoce de sanções em caso de violação dos limites de 3 % e 60 % das dívidas, a execução do procedimento aplicável por défice excessivo caso a redução da dívida não se faça nos prazos e maior independência dos serviços nacionais de estatísticas em relação aos governos nacionais.

4.2   O papel e o comportamento das principais agências de notação do risco de crédito durante as crises financeira e da dívida têm sido, no mínimo, pouco recomendáveis (6). A Chanceler Merkel propôs uma nova agência europeia de notação independente que competiria com as três principais existentes (7). Foi igualmente proposto que o Eurostat deveria poder atribuir notações às finanças públicas dos Estados-Membros. Se essa competência já existisse, o Eurostat talvez tivesse enviado alertas mais precoces em relação à crise da dívida grega (8).

4.3   A Comissão foi criticada por falta de vigilância e proactividade na garantia da qualidade dos dados sobre as finanças públicas nacionais. Este ponto está ligado a questões mais vastas de vigilância, avaliação e cumprimento que estão no cerne da falha dos mecanismos no Pacto de Estabilidade e Crescimento. Qualquer solução a longo prazo que surja tem de resolver eficazmente estas questões.

4.4   Embora não se tenha tido de recorrer a montantes financiados pelos contribuintes para salvar a banca na Grécia, em Espanha e em Portugal, o nível desses montantes de emergência na UE em geral e nos EUA contribuiu para colocar uma pressão sem precedentes nos mercados de obrigações soberanas e precipitou esta crise. É essencial que sejam levadas a cabo verdadeiras reformas da banca mundial que possam evitar a repetição de tal instabilidade financeira, económica e social.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  COM(2010) 367 – Reforçar a coordenação das políticas económicas com vista à estabilidade, crescimento e emprego – instrumentos para uma melhor governação económica da UE.

(2)  Esta proposta é apresentada em pormenor por D. Gros e T. Mayer em «How to deal with sovereign debt default in Europe: Towards a Euro(pean) Monetary Fund.» Boletim n.o 202, Centro de Estudos de Política Europeia, Maio de 2010. Muitos dos argumentos incluídos no presente documento provêm deste precioso documento.

(3)  Ver Fitoussi, J.P. e Saraceno, F.: «Europe: How deep is a Crisis? Policy Responses and Structural Factors Behind Diverging Performances», Journal of Globalisation and Development. Volume 1, N.o 1, Berkeley Electronic Press. 2010.

(4)  Para uma apresentação completa destas propostas ver Holland, S.: «A European Monetary Fund, Recovery and Cohesion»in Insight, http://www.insightweb.it/web/node/136 (acedido em 10.6.2010).

(5)  A 21 de Setembro, todas as agências de notação do risco de crédito declararam a sua intenção de atribuir uma notação de risco AAA às obrigações emitidas pelo FEEF.

(6)  Para um debate completo sobre as lacunas das agências de notação, ver a Comissão de Títulos e Câmbios (SEC) dos Estados Unidos: «Summary Report of Issues Identified in the Commission Staff’s Examinations of Select Credit Rating Agencies» http://www.sec.gov/news/studies/2008/craexamination070808.pdf (acedido em 10.6.2010).

(7)  O Irish Times informa que a Chanceler alemã disse que a nova agência, obviamente, não seria politicamente dependente, mas que actuaria no espírito de uma economia sustentável menos orientada para o curto prazo. Irish Times de 21 de Maio de 2010.

(8)  Durante a nossa visita ao Eurostat, fomos informados de que este organismo alertara precoce e repetidamente para o elevado défice grego e para a crise da dívida pública, mas que ninguém lhe dera ouvidos.


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/20


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as relações transatlânticas e a promoção internacional do modelo social europeu (parecer de iniciativa)

2011/C 51/04

Relatora: Laure BATUT

Em 14 de Julho de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

As relações transatlânticas e a promoção internacional do modelo social europeu.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 3 de Setembro de 2010.

Dada a renovação do Comité, a Assembleia Plenária decidiu votar o presente parecer na reunião plenária de Outubro e designou Laure Batut relatora-geral ao abrigo do artigo 20.o do Regimento.

Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 110 votos a favor, 34 votos contra e 16 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE inscreve-se no quadro da integração progressiva do mercado livre euro-atlântico e deseja aprofundar as relações euro-americanas, em particular, no plano social, a fim de antecipar as consequências da conclusão da integração económica transatlântica, para que as duas sociedades – americana e europeia – tirem proveito desta integração em condições de igualdade e, juntas, se tornem mais competitivas face às economias emergentes.

1.2   Considerando que os dados económicos e sociais abrangidos pela expressão «modelo social europeu» (MSE) representam um sistema único no mundo, que está na base de um desenvolvimento frutuoso (1) e que, na actual crise mundial, serve de forte amortecedor para as populações afectadas, o CESE recorda que os signatários do Tratado de Lisboa optaram por garantir a promoção deste modelo e deseja que no âmbito do diálogo transatlântico seja desenvolvida a legitimidade:

1)

da identidade europeia,

2)

dos valores e da cultura da Europa, incluindo a protecção ambiental,

3)

do CESE, que representa, através dos seus membros, a sociedade civil organizada da União.

1.3   Os regimes de protecção social colectiva, os serviços públicos e o diálogo social concretizam o «modelo social europeu». O CESE convida as instituições de União a representar mas também a promover em todas as circunstâncias, particularmente no diálogo transatlântico, este modelo reivindicado pelos seus cidadãos.

1.3.1   Se a vertente social, em geral, fizesse parte das prioridades da UE, os europeus ficariam com um argumento de peso para a incluir nos diálogos existentes no âmbito do TEC e do TALD (2).

1.3.2   Para que os valores sociais da União sejam melhor conhecidos nos Estados Unidos e uma melhor compreensão entre ambos os lados do Atlântico conduza a prazo à convergência no desenvolvimento dos seus interesses sociais e a uma maior compreensão social – o CESE gostaria que a União informasse a sociedade civil americana acerca do modelo social europeu, podendo o TEC e o TALD servir de veículo para o efeito. A promoção do modelo social (3) europeu passa, no entender do CESE, por uma maior visibilidade da União Europeia nos Estados Unidos.

1.4   O CESE preconiza que, para além de novas regulamentações financeiras, a zona euro-atlântica se dote de normas comuns sobre as agências de notação e de novas regras de concorrência mais respeitadoras dos interesses dos cidadãos. Espera da União Europeia posições fortes que garantam o seu nível de vida e do diálogo transatlântico uma melhor compreensão das sociedades civis de ambos os lados do Atlântico.

1.5   Trata-se de valorizar o diálogo das sociedades civis organizadas mas também o diálogo no mundo do trabalho, tanto internamente como no âmbito das relações com os representantes das empresas, começando pelos órgãos euro-americanos existentes. A Comissão Europeia, que aumentou a sua contribuição para o diálogo para 2011/2012 de 600 000 para 800 000 euros, poderia facilitar esse diálogo. O CESE, por seu turno, estaria disposto a assegurar, com homólogos americanos, a organização de um conselho euro-americano da sociedade civil. Falta encontrar entre as duas sociedades civis o modo de dar a palavra aos trabalhadores e desenvolver a informação-consulta, sobretudo, neste período crítico após o crash financeiro de 2008. O CESE considera que com mais diálogo civil e social teria sido possível evitar esta crise que dura há três anos.

1.5.1   O diálogo transatlântico deve ter como objectivo que as partes aprendam uma com a outra e contribuam concretamente para a promoção dos direitos humanos, políticos e civis, mas também económicos e sociais. Os direitos económicos e sociais dos cidadãos deveriam ser apresentados pela União Europeia no âmbito do diálogo transatlântico como parte integrante das suas próprias posições.

1.5.2   O CESE estima que o diálogo União Europeia-Estados Unidos sairia enriquecido se abordasse questões sociais fundamentais para a coesão das sociedades de ambos os continentes como, por exemplo, a educação, inicial e ao longo da vida, que são de competência nacional, mas também «federal», e tão necessárias para a economia de serviços baseada no conhecimento em ambas as sociedades. No interesse da criação de emprego e da melhoria do nível de vida dos europeus, a agenda política deveria, antes de mais, dar prioridade à questão dos investimentos produtivos e da inovação, domínio em que os Estados Unidos desenvolveram uma capacidade de criação e de promoção muito superior à da Europa.

1.5.3   Entende que indicadores estabelecidos em comum permitiriam avaliar e comparar as situações sociais e laborais das duas partes no diálogo.

1.6   Considera a questão das migrações muito importante para as democracias e faz votos para que este tema seja tratado no âmbito do diálogo social transatlântico, com uma possível participação do Fórum Europeu da Integração (FEI).

1.7   Entende que o diálogo transatlântico pode contribuir para uma mais rápida tomada de consciência da necessidade de maior sustentabilidade e da protecção do ambiente e que a sociedade civil e os consumidores têm um papel a desempenhar nesta matéria.

1.8   O CESE quer ser inovador, incluindo de forma institucional os representantes da sociedade civil organizada no diálogo transatlântico. Considera que falta à União neste diálogo uma dimensão verdadeiramente «europeia» a nível social. Preconiza que todas as fases dos diálogos transatlânticos tenham em conta a dimensão social.

1.9   Com a adopção de um programa de cooperação e a criação do TEC (4), ambas as partes comprometeram-se a acelerar a concretização de uma verdadeira integração, com vista a «alcançar um mercado transatlântico único até 2015» (5). Os obstáculos são muitos, nomeadamente legislativos, mas o objectivo está definido, e o CESE quer antecipar-se de forma a ter a certeza de que as opções europeias históricas que moldaram o seu modelo social (6) não desaparecerão. As sociedades europeia e americana, que se assemelham pelos seus valores de referência, não são muito «integráveis» do ponto de vista social. Se os europeus reconhecem a necessidade de adaptar determinados aspectos deste modelo devido à actual crise económica, é para melhor acautelar os princípios a longo prazo.

2.   Integração económica

2.1   Os Estados Unidos são o motor do complexo económico norte-americano já criado pelo Acordo de Comércio Livre da América do Norte. Os países membros da União Europeia e os Estados Unidos representam, em conjunto, 60 % do PIB mundial, asseguram 40 % do comércio mundial e 62 % dos investimentos directos. De um lado e do outro, 7 milhões de empregos dependem das relações transatlânticas.

2.2   Num estudo publicado (7) antes de a UE e os Estados Unidos se atolarem na crise, a OCDE estimava que a integração total das duas economias poderia gerar um crescimento de 3 % em cada um dos parceiros, assegurando-lhes a liderança económica sobre quase todos os outros países do mundo.

2.3   O CESE entende que a crise poderá transformar as relações euro-americanas e que é urgente encorajar a discussão dos parceiros sociais sobre os modelos no âmbito do TEC e do TALD. A crise vai, porventura, atrasar o processo de integração e deixará tempo para explorar em conjunto certas áreas como a utilidade das instituições de diálogo, raras nos Estados Unidos, ou a questão da imigração, fenómeno com que os dois blocos se confrontam tanto no plano social como do emprego e que constitui um paliativo ao envelhecimento demográfico (reserva de mão-de-obra).

2.4   É geralmente aceite que os planos de relançamento da União Europeia e dos Estados Unidos, apesar de não terem nada em comum, tiveram as mesmas consequências, na medida em que acentuaram os défices públicos, reforçaram a acção pública e intensificaram a necessidade de controlos, bem como de reorientação e redistribuição da riqueza. Estas diferenças e semelhanças podem ser objecto de debate no âmbito do TALD e no da futura estrutura consultiva bilateral.

2.4.1   Os efeitos da crise são debatidos a alto nível (cimeiras UE-EUA), como aliás outros temas, no âmbito dos diálogos entre a Comissão e os seus interlocutores da Administração americana e suas agências em matéria de finanças, economia e mercados internos. A sociedade civil europeia ressente-se com a falta de regulamentação sobre as práticas seguidas pelos bancos e pelas agências de notação, bem como com a sua falta de transparência (8). Além disso, a sociedade em geral sofre as consequências dos planos de relançamento e, apesar de um dos objectivos do Tratado ser a promoção do «progresso económico e social» dos povos europeus, reduzem-se as prestações sociais consideradas demasiado onerosas. O que falhou foram os sistemas financeiros que causaram graves danos à economia real e vieram aumentar as dificuldades que se faziam sentir nos sistemas sociais resultantes já da falta de crescimento e de emprego. O CESE, consciente de que o proteccionismo não é sinónimo de emprego, é favorável ao comércio e ao investimento sem entraves, desde que os direitos sociais não sejam descurados. No entanto, o restabelecimento da confiança, que constitui uma das principais prioridades, deve resultar de uma nova e inteligente regulação dos mercados financeiros. O CESE considera igualmente prioritário promover, no âmbito do diálogo transatlântico, a dimensão social na economia e no comércio. O CESE faz votos para que os representantes da União Europeia nos diálogos transatlânticos, enquanto representantes dos cidadãos, continuem a assegurar a promoção do modelo social europeu nas questões económicas e comerciais. A Comissão, quanto a ela, actua no respeito do Tratado e vela pela aplicação das suas disposições.

2.4.2   Na opinião do CESE é útil que se reforcem os laços económicos entre ambos os lados do Atlântico e se instaure a solidariedade económica entre os Estados-Membros da União. Estes dois elementos favorecerão, em seu entender, o regresso do crescimento e do desenvolvimento da economia e, concomitantemente, o desenvolvimento da vertente social europeia. Não faltará, pois, aos europeus matéria para discutir no âmbito do diálogo das sociedades civis.

2.5   O projecto de integração do mercado transatlântico (9) é pouco conhecido dos cidadãos. A experiência da integração norte-americana no âmbito do Acordo de Comércio Livre da América do Norte havia reservado às vertentes social e ambiental um lugar muito secundário, sem que nem uma parte nem a outra se esforçasse por promover o emprego. Forçoso é constatar que nos EUA, no Canadá e no México o ambiente se degradou, os salários caíram e os empregos deslocalizaram-se para a China. Por seu turno, a integração europeia produziu riqueza (aumento do PIB), mas fechou minas e estaleiros navais, perdeu a indústria metalúrgica e os têxteis, reestruturou totalmente determinados sectores, como as pescas, a agricultura e o sector automóvel. Mas, desde o mercado comum estavam previstas compensações. O CESE espera ser capaz de antecipar certas consequências ambientais (por exemplo as OMG) e sociais do processo de integração em curso e de as debater. Algumas delas são já visíveis – emprego na indústria cinematográfica, protecção de dados privados (SWIFT).

3.   Possíveis efeitos da integração transatlântica

3.1   As estruturas económicas e comerciais da UE e dos Estados Unidos são bastante semelhantes. Um primeiro efeito possível seria a intensificação da concorrência, não tanto sobre os custos, mas essencialmente sobre a quantidade, a qualidade e a diferenciação dos produtos. A taxa de câmbio do dólar permite aos Estados Unidos recuperarem competitividade na exportação. As taxas de juro são mais baixas nos Estados Unidos, e a Reserva Federal é geralmente mais reactiva do que o Banco Central Europeu. Sem mudanças radicais, a zona euro não teria actualmente a capacidade de reacção necessária para evoluir num vasto mercado transatlântico.

3.2   A integração poderia pesar nos custos e nas condições de trabalho e aumentar a precarização, tanto mais que o mercado de trabalho foi flexibilizado, a moderação salarial é maior e as deslocalizações são mais frequentes numa estratégia de desinflação competitiva. Os europeus temem o efeito dessas pressões para baixar as suas normas sociais, sanitárias e ambientais, a taxa de emprego e o nível de vida, quando, de facto, a integração deveria ser benéfica para ambas as partes. O aumento do desempenho económico e da produtividade são uma das soluções, mas uma parte dos que perderam o emprego não o recuperará. Os Estados-Membros, que se reconstruíram no pós-guerra graças a um forte consenso socioeconómico interno, estão já a sofrer tensões derivadas das diferenças dos seus sistemas, que se fazem sentir com maior intensidade desde Maio de 2010 devido à especulação sobre a moeda comum.

3.3   Num cenário de crescente fragmentação dos processos de produção (10), os países emergentes poderiam ser os grandes beneficiários da integração transatlântica acentuando a concorrência entre as duas maiores economias da zona da OCDE. Para o CESE, este é um dos temas prioritários que importa debater nos diálogos transatlânticos.

4.   Modalidades da integração

4.1   A criação de um bloco euro-atlântico não pode realizar-se mantendo os cidadãos na ignorância. A União poderia, neste domínio, agir democraticamente e valorizar internamente o diálogo entre cidadãos e no mundo do trabalho e, bem assim, no âmbito dos órgãos euro-americanos criados para o efeito. A Comissão Europeia poderia facilitar esse diálogo, atribuindo-lhe ainda mais meios do que os que acaba de aumentar (11). O CESE, por seu turno, estaria disposto a assegurar, com homólogos americanos, a organização de um conselho euro-americano da sociedade civil.

4.2   O CESE entende que, em conformidade com o Tratado de Lisboa, a integração transatlântica deve ser objecto de consulta dos cidadãos. Sem uma posição clara das instituições acerca da decisão de promover internacionalmente o modelo social europeu, a integração euro-atlântica arrisca-se a destruir o «pacto social» europeu e, por isso, os cidadãos têm que ser consultados.

4.3   O CESE deseja que no âmbito do diálogo transatlântico seja desenvolvida a legitimidade:

1)

da identidade europeia,

2)

dos valores e da cultura da Europa, incluindo a protecção ambiental,

3)

do CESE, que representa, através dos seus membros, a sociedade civil organizada da União.

5.   Regulamentação bancária

5.1   São necessárias reformas urgentes da economia globalizada. O CESE lamenta a enorme lentidão da reforma das instituições financeiras internacionais, em detrimento da concorrência leal e da manutenção dos grandes equilíbrios sociais.

5.2   É urgente definir em conjunto normas comuns sobre as agências de notação para evitar que a sua acção tenha consequências negativas (12): atribuíam boas classificações aos bancos que conduziram à crise e atribuem agora más classificações aos Estados por causa das dívidas e dos défices provocados precisamente pelos planos de salvamento desses mesmos bancos, que os cidadãos vão pagar. A acção dos bancos e as agências de notação são dois pontos que as sociedades civis da União Europeia e dos Estados Unidos poderiam discutir no âmbito do diálogo transatlântico.

6.   Liberdades e direitos humanos

6.1   Reconhecidos como princípios, a liberdade e os direitos humanos não são respeitados da mesma maneira pelas duas partes: a liberdade de circulação ainda não é tratada da mesma forma na Europa e nos EUA. As questões dos vistos, dos passaportes e dos controlos de segurança deveriam evoluir para uma maior harmonização com base num modelo definido em comum.

6.2   O exemplo do Código SWIFT (13) é elucidativo: na sua resolução legislativa de 11 de Fevereiro de 2010 (14), o Parlamento Europeu opôs-se à renovação de um acordo sobre tratamento e transferência de dados financeiros da União Europeia para os Estados Unidos que a sociedade SWIFT realiza. Tratava-se de dar, ou não, acesso directo aos servidores europeus para efeitos de luta contra o terrorismo. As novas competências do PE permitiram-lhe reequacionar a transferência em bloco para os Estados Unidos dos dados confidenciais dos europeus sobre os respectivos movimentos bancários, que implica, de facto, a perda das garantias e protecções consagradas nos direitos dos Estados-Membros. Os deputados quiseram que a União precisasse a sua visão do mercado transatlântico no que se refere à protecção dos direitos. A sua preferência vai para um sistema que contenha mais Europa, um novo papel para a Europol e o direito dos cidadãos a reparação. Ainda que as garantias sejam actualmente incompletas, o acordo assinado em 8 de Julho de 2010 é passível de revisão anual. Isto vai ao encontro da posição do Comissário Barnier, para quem o mercado interno deve estar ao serviço de um projecto de sociedade, definido colectivamente pelas instituições europeias (15). É precisamente o que o CESE pretende com o presente parecer, ou seja, que a União afirme a sua própria concepção do mercado transatlântico e promova o seu modelo social no respeito do seu grande vizinho americano.

6.3   O direito à vida e a bioética, domínios em que a União tem posições progressistas, devem ser protegidos e mantidos de comum acordo, fora dos acordos comerciais.

6.4   O CESE faz votos para que a parceria transatlântica contribua para o respeito dos direitos humanos, políticos e civis, mas também económicos e sociais. Os Estados Unidos possuem uma longa história de defesa dos direitos civis e políticos, e a União Europeia acrescentou à lista o desenvolvimento dos direitos económicos e sociais. O interesse dos dois continentes passa pela vontade política de fazer beneficiar todos os seus cidadãos e residentes da integralidade de direitos e possibilidades de cada um dos continentes.

7.   Direitos sociais

7.1   O CESE já fez notar que o diálogo «social» transatlântico não resultou totalmente (16). Os direitos sociais parecem estar abrangidos no termo «direitos fundamentais», mas o seu significado é, de facto, o de direitos «civis e políticos».

7.2   O CESE considera que não basta recordar regularmente que os Estados Unidos e a União Europeia partilham os mesmos valores e que, para além da economia, possuem em comum a defesa da liberdade, da democracia e dos direitos humanos. A União deveria recordar sempre na sua acção exterior que os outros direitos «fundamentais» – os direitos sociais – são parte integrante das suas próprias posições. Os seus textos fundamentais compreendem uma «cláusula social horizontal» que prevê que, tanto na elaboração como na execução das suas políticas, são tidas em consideração «exigências relacionadas com a promoção de um nível elevado de emprego, a garantia de uma protecção social adequada, a luta contra a exclusão social e um nível elevado de educação, formação e protecção da saúde humana» (17).

7.3   De facto, é o «Estado social», são os regimes sociais e o respeito dos direitos sociais, inerentes aos direitos humanos, que identificam a Europa aos olhos dos outros continentes.

O modelo social europeu combina protecção das liberdades públicas, mecanismos da economia social de mercado e políticas públicas determinadas. É composto por três pilares: os regimes de protecção social colectiva, os serviços públicos e o diálogo social. De certa forma, resume o «modo de vida europeu». O CESE lamenta que a União não promova este modelo enquanto tal. Todos estes aspectos estão inscritos no Tratado de Lisboa. Este modelo deve ser valorizado politicamente numa abordagem «Europa = Bem-estar para todos», incluindo nas negociações transatlânticas. O CESE entende que a União deve reivindicar que os elementos deste Estado social estejam no centro das discussões euro-atlânticas, porquanto não o fazer seria prejudicial para os cidadãos, para a identidade e a diversidade europeias.

8.   Sistemas de segurança social

8.1   Os europeus aceitaram uma certa redistribuição das riquezas nacionais pelos regimes nacionais de segurança social colectiva, destabilizada pela crescente globalização do comércio. Ao deixar de defender o modelo social europeu, a UE corre o risco de contribuir para a sua destruição. Quando um horário de trabalho limitado permite passar mais tempo com a família – pilar social na Europa –, quando são concedidas licenças de maternidade e parentais longas tendo em vista um melhor desenvolvimento das crianças, quando são assegurados cuidados de saúde intensivos e os idosos dependentes são ajudados é toda uma sociedade que vive melhor: não se trata de presentes do Estado, pois os gastos enormes evitados nesse momento foram repartidos pelas quotizações e ou pelos impostos pagos pelos beneficiários aos longo dos anos.

8.2   Actualmente, as relações transatlânticas nesta matéria não são paritárias. Os Estados Unidos são uma federação de Estados sem Estado social (nem a nível federal, nem a nível dos Estados), mas que estão a ponderar introduzir mudanças sociais (lei federal sobre o seguro de saúde). A União Europeia possui um Estado social nacional em cada Estado-Membro, mas ainda não para os três pilares a nível «federal», o qual prescreve objectivos de convergência através do seu método aberto de coordenação. O CESE considera que esta desigualdade entre a UE os EUA não deve ser suprida nivelando por baixo o modelo social europeu. Interroga-se sobre a capacidade de resistência dos direitos dos Estados-Membros quando da integração transatlântica, se não houver uma acção comunitária e vontade política de promover o modelo europeu, especialmente neste período de crise.

8.3   O CESE considera que o diálogo social transatlântico, que deseja ver concretizado, deveria reflectir sobre este desafio «abertura/segurança», que está no centro da evolução em curso. Está em causa o bem-estar de 300 milhões de pessoas, de um lado, e de 500 milhões do outro.

8.4   Os regimes sociais representam muitas vezes na Europa o equivalente aos orçamentos dos Estados. Os 16 % do PIB americano consagrados às despesas de saúde, apesar de constituírem um montante muito elevado, proporcionam aos cidadãos uma cobertura inferior à dos Europeus, obtida esta com custos mais reduzidos (a média dos países da OCDE é de 8,9 % do PIB). A sua massa faz funcionar a economia real. Representam um amortecedor de crise vital para o Estado e para os cidadãos, excepto quando o sistema de protecção é individual e assenta em fundos financeiros privados, sujeitos às contingências dos mercados. O CESE entende que deveria caber aos responsáveis políticos a decisão de impedir que a abertura total à concorrência no âmbito de uma grande zona económica euro-americana integrada baixe o nível de protecção dos cidadãos. Neste sentido, o CESE não pode deixar de se congratular com o êxito da actual Presidência americana na instauração de um regime inovador de seguro de saúde nos Estados Unidos.

8.4.1   Saúde

8.4.1.1   O objectivo da União de uma maior convergência social ascendente, acompanhada de um princípio de não regressão social, tem a aprovação dos cidadãos e deve ser mantido. As mulheres europeias nunca aceitariam, por exemplo, um recuo dos seus direitos à licença de maternidade, que é muito curta nos Estados Unidos e por vezes não é paga.

8.4.1.2   O CESE estima que o diálogo Europa-Estados Unidos sairia enriquecido se abordasse estas questões fundamentais para a coesão das sociedades de ambos os continentes. A sociedade americana está fortemente dividida em relação à proposta de protecção da saúde regulamentada e socializada, financiada por impostos e sujeita ao controlo dos representantes eleitos. Isto denota, talvez, falta de informação sobre o modelo europeu, que, sem ser centralizado a nível continental, oferece a todos, incluindo aos cidadãos de países terceiros, garantias solidárias e colectivas através de regimes de assistência universal na doença que contribuem para o PIB. O CESE faz votos para que a União divulgue esta informação junto da sociedade civil americana, podendo o diálogo das sociedades civis organizadas servir de veículo para o efeito.

8.4.2   Reformas

8.4.2.1   No que diz respeito às reformas, tal como em relação às outras vertentes dos regimes de protecção social, há diferenças entre europeus, e esta situação tem repercussões consideráveis na economia em geral. A este título, os representantes da sociedade civil deveriam ser ouvidos no diálogo euro-americano devido às profundas mudanças que os acordos comerciais destinados a integrar as duas comunidades poderão provocar nos níveis de vida dos seus cidadãos.

8.4.3   Desemprego

8.4.3.1   Os Estados-Membros da União Europeia possuem, todos eles, regimes públicos de fundo de desemprego. A integração da zona atlântica arrisca-se, por razões de competitividade, a levar ao aumento da flexibilidade sem maior segurança. Os europeus, tal como os americanos, têm razões para temer a fragilização das suas situações (18). A situação dos trabalhadores nos Estados Unidos tem-se vindo a degradar desde 1970. Com a crise, a precariedade e o número de trabalhadores pobres («working poors») estão a aumentar nos dois lados do Atlântico. Confrontados com uma crise económica sem precedentes, os dois lados do Atlântico receiam que a situação piore caso se opte por uma maior flexibilidade. O CESE entende que a flexigurança pode, por vezes, ajudar os trabalhadores quando a segurança prometida existe realmente, mas nada pode substituir um emprego estável proporcionando um salário e uma reforma dignos. A União Europeia tem uma tradição de diálogo social que tem devidamente em conta os interesses das partes. Dispõe de diplomas sobre o diálogo social e de instituições. São necessárias organizações de empregadores e de trabalhadores representativas e experientes para levar a cabo as negociações.

9.   Serviços públicos  (19)

9.1   Educação

9.1.1   Nos Estados Unidos, as universidades, não gratuitas, são reconhecidas como as melhores do mundo e procuradas pelos europeus, tanto para estudar como para ensinar. Os europeus, à semelhança dos americanos, vêem o futuro do emprego mais aberto aos trabalhadores com boa formação e altamente qualificados:

Serão os mais bem colocados para obterem empregos bem pagos, alimentando assim a prosperidade americana.

O número de empregos que exigem um nível de estudos superior deveria aumentar muito mais rapidamente que o dos empregos que exigem qualificações mais baixas, prevendo-se um crescimento mais forte para os lugares que exigem um diploma universitário ou profissional pós-secundário.

[Gabinete Executivo do Presidente dos Estados Unidos – Conselho dos Conselheiros Económicos (CEA), Jobs of the Future (Empregos do Futuro)].

9.1.2   A formação é a ponte para o futuro. Na UE, onde o ensino é, de um modo geral, gratuito, a redução dos serviços públicos e a contenção das políticas orçamentais nacionais levaram a maiores desigualdades de oportunidades. A União Europeia, com a Estratégia de Lisboa, aconselha os seus Estados-Membros a adequarem as universidades (ciclo de estudos superiores), antes de mais, e depois, talvez, os liceus (ciclo de estudos secundários), às necessidades das empresas.

9.1.3   O CESE considera que a educação para todos, a igualdade entre homens e mulheres que ela permite e a conciliação da vida familiar e profissional deveriam ser sinónimo de garantia de oportunidades para os cidadãos. A educação poderia ser objecto de intercâmbios e de diálogo entre as sociedades de ambos os lados do Atlântico, bem como a educação ao longo da vida e os seus modos de funcionamento, para que a economia de serviços baseada no conhecimento beneficie ambas as sociedades, sem abandonar todos aqueles que ficam de fora do sistema educativo.

9.2   Acordo geral sobre o comércio de serviços

9.2.1   Foram os cidadãos da União que se bateram para salvar a sua indústria do cinema e salvaguardar a especificidade da cultura europeia perante os perigos que corria face à liberalização mundial dos serviços. A defesa da identidade europeia passa pelo reforço do diálogo entre culturas, de forma a preservar a riqueza que nasce da diversidade; dela dependem inúmeros aspectos, como o emprego, a salvaguarda do património e o desenvolvimento da inovação e da criatividade.

9.2.2   A cultura não é uma mera mercadoria. Para o CESE, a cultura deve fazer parte do diálogo transatlântico das sociedades civis organizadas.

9.3   O caso específico da imigração e da integração

9.3.1   Ambas as sociedades, em processo de envelhecimento, devem gerir a sua imigração. O desafio está em conciliar envelhecimento demográfico e necessidade de mão-de-obra, definindo um limiar de tolerância para a coesão social. Este limiar depende das políticas de integração, que devem ser pensadas a longo prazo, numa perspectiva global e bidireccional, imigrantes/sociedade de acolhimento. As pressões internas e externas são fortes. O CESE considera a questão das migrações muito importante para as democracias e pretende que ela seja objecto do diálogo social transatlântico, com o possível envolvimento sobre este ponto do FEI.

10.   Diálogo social

10.1   O diálogo social é um dos pontos sobre os quais as duas sociedades mais divergem. O diálogo social que se impôs na história europeia tem agora valor de cultura, mas falta aos cidadãos americanos, que não dispõem, por conseguinte, de meios para se fazerem ouvir. Há que encontrar vários canais entre as duas sociedades para dar a palavra aos trabalhadores e desenvolver a informação/consulta, sobretudo neste período crítico após o crash financeiro de 2008. O CESE entende que são necessárias normas comuns para avaliar e comparar as situações sociais e laborais dos dois blocos, nomeadamente o tempo de trabalho e os benefícios sociais, a fim de ter uma visão clara da competitividade de cada um deles, enquanto a globalização do comércio utilizar os salários como variável de ajustamento.

10.2   Na sua resolução de 2009, o Parlamento Europeu pondera uma colaboração política com o Congresso Americano e uma forte aproximação dos bancos centrais dos Estados Unidos e da União Europeia. Contudo, as convenções da OIT não foram ratificadas pelos Estados Unidos. Um estudo (20) efectuado nos Estados Unidos revela um mundo do trabalho em que as protecções fundamentais, como o direito a um salário mínimo, a horas extraordinárias remuneradas, a pausas para almoço, a indemnizações por acidente, a melhores condições de trabalho, são negadas a um número considerável de trabalhadores.

10.3   O CESE considera que, no quadro do diálogo social transatlântico, a parte actualmente consagrada à consulta dos representantes da sociedade civil e, particularmente, dos trabalhadores é insignificante.

11.   Ambiente

11.1   Uma política americana de defesa do ambiente teria repercussões nas opções orçamentais e no emprego. O CESE pensa que o diálogo transatlântico pode contribuir para uma mais rápida tomada de consciência da questão da necessidade de maior sustentabilidade e que a sociedade civil e os consumidores têm um papel a desempenhar para tornar a economia mais «verde».

11.2   A União Europeia e os Estados Unidos deveriam, em conjunto, ser capazes de inventar novas indústrias em torno da necessidade de energias renováveis. A Califórnia e Portugal fizeram as mesmas opções quanto à importância a dar às energias solar e eólica. Seria desastroso para o futuro das duas potências terem ideias mas utilizar tecnologias chinesas para as concretizar (ver o caso da energia fotovoltaica).

12.   A nível institucional

12.1   O anterior parecer do CESE sobre as relações transatlânticas referiu diversas evoluções possíveis do Diálogo Transatlântico do Trabalho (TALD) e do TEC (Conselho Económico Transatlântico).

12.2   O CESE gostaria de ser inovador e incluir de forma institucional os representantes da sociedade civil num diálogo transatlântico das sociedades civis organizadas. Todos os diálogos, relatórios, estudos e acordos desenvolvidos no âmbito das relações transatlânticas deveriam incluir um capítulo sobre as repercussões sociais das medidas previstas, para além da criação de empregos. Os Estados-Membros ainda não dotaram a União Europeia de uma política social integrada, quando é um facto que ela aplica um verdadeiro modelo comum e que poderia fazer valer o seu ponto de vista no diálogo com os Estados Unidos. A UE deve promover o modelo social europeu, procurando aumentar a sua visibilidade nos Estados Unidos.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Como o demonstra o aumento do PIB dos Estados-Membros desde a criação da UE; ver também nota de pé de página n.o 6.

(2)  TEC (Transatlantic Economic Council – Conselho Económico Transatlântico); TALD (Transatlantic Labour Dialog - Diálogo Transatlântico do Trabalho, diálogo dos sindicatos).

(3)  JO C 309, de 16.12.2006, p. 119-125.

(4)  Acordo assinado na Casa Branca por G.W. Bush, A. Merkel e J. M. Durão Barroso.

(5)  PE, Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de Março de 2009, sobre o estado das relações transatlânticas à vista das eleições nos EUA.

(6)  Sobre o modelo social europeu ver: Preâmbulo do Tratado de Lisboa «Confirmando o seu apego aos direitos sociais fundamentais, tal como definidos na Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de 1961, e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989…»; TUE, artigos 3.o, 6.o e 32.o; TFUE, artigo 9.o e Título X; Tratado de Lisboa - Carta dos Direitos Fundamentais, artigos 28.o, 34.o, 35.o e 36.o.

(7)  OCDE, Departamento dos Assuntos Económicos, 2005, «Les bénéfices de la libéralisation des marchés de produits et de la réduction des barrières aux échanges et aux investissements internationaux: le cas des États-Unis et de l'Union européenne» (Os benefícios da liberalização dos mercados de produtos e da redução das barreiras ao comércio e ao investimento internacional: O caso dos Estados Unidos e da União Europeia).

(8)  Capítulo 1, JO C 277 de 17.11.2009, pp. 117-124.

(9)  Este projecto, apresentado conjuntamente pelos Comissários Leon Brittan (Comércio Externo), Martin Bangemann (Indústria e Telecomunicações) e Mario Monti (Mercado Interno) em Março de 1998, dizia respeito às relações UE-EUA, em quatro vertentes: – uma zona de comércio livre no domínio dos serviços; – a eliminação das barreiras técnicas ao comércio, através nomeadamente de acordos de reconhecimento mútuo; – a liberalização dos contratos de direito público, da propriedade intelectual e dos investimentos; – eventualmente, a supressão progressiva dos direitos aduaneiros aplicáveis aos produtos industriais até 2010, adiada entretanto para 2015.

(10)  Prossegue a desindustrialização tanto na Europa como nos Estados Unidos, em que o emprego na indústria transformadora sofreu uma redução de 30 % nesta última década e a quota-parte dos Estados Unidos no comércio mundial passou de 13 %, há 10 anos, para 9 %; na União Europeia, continuam as deslocalizações da produção. Sobre a duração do tempo de trabalho, ver o estudo de Rones & al, 1997, citado na Revue Internationale de l' IRES n.o 54-01.2001.

(11)  Em 2009, a DG Relex da Comissão Europeia lançou um convite à apresentação de propostas, no valor de 800 000 euros, para projectos da sociedade civil destinados a incentivar o diálogo UE-EUA.

(12)  JO C 277 de 17.11.2009, pp. 117-124.

(13)  SWIFT: Society for Worldwide Interbank Financial Communications, sociedade americana de direito belga que gere as transferências internacionais de dados financeiros de mais de 200 países.

(14)  PE (05305/1/2010 REV1-C7-0004/2010-2009/0190(NLE). Acordo SWIFT II, PE de 8.7.2010 (11222/1/2010/REV1 e COR1-C7-0158/2010-0178-( NLE)).

(15)  Debate organizado em 17.3.2010, por Euractiv.fr com a Representação da Comissão em Paris, e o apoio do DTCC, Depositary Trust and Clearing Corporation, em Questions d’Europe No 165 du 6.4.2010 Fondation Robert Schuman.

(16)  JO C 288 de 22.9.2009, pp. 32-39.

(17)  TFUE, artigo 9.o.

(18)  «Middle Class in America».

(19)  JO C 128 de 18.5.2010, pp. 97-102.

(20)  Dirigido pela Dra. Annette Bernhardt, co-directora política do National Employment Law Project NELP (projecto de lei sobre o emprego).


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

A proposta de alteração seguinte foi rejeitada pela Assembleia em plenária, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 1.4

Alterar.

«O CESE preconiza que, para além de novas regulamentações financeiras, a zona euro-atlântica se dote de normas comuns sobre as agências de notação e de novas regras de concorrência o seu nível de vida .».

Justificação

O nível de vida não pode ser garantido, tem de ser adquirido através dos esforços conjuntos dos membros das sociedades.

Resultado da votação:

A favor

:

66

Contra

:

76

Abstenções

:

21


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/29


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a renovação do método comunitário (orientações) (parecer de iniciativa)

2011/C 51/05

Relator-geral: Henri MALOSSE

Co-relator: Georges DASSIS

Em 17 de Dezembro de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

A Renovação do Método Comunitário (orientações).

Incumbido da preparação dos correspondentes trabalhos, o subcomité para a Renovação do Método Comunitário emitiu parecer em 19 de Maio de 2010, sendo relator Henri Malosse e co-relator Georges Dassis).

Dada a renovação do mandato do Comité, o Comité Económico e Social Europeu, na 466.a reunião plenária de 19, 20 e 21 de Outubro de 2010 (sessão de 21 de Outubro), designou Henri Malosse relator-geral, e adoptou, por 187 votos a favor, 5 votos contra e 6 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1   A União Europeia, apesar dos sucessos consideráveis e de uma projecção crescente, continua a duvidar e a fazer duvidar de si mesma. A União Económica e Monetária, apesar de se poder vangloriar do êxito do euro, está a ser fortemente abalada pela crise financeira, mais do que qualquer outra parte do mundo. A Estratégia de Lisboa não permitiu à União Europeia posicionar-se como líder mundial na economia do conhecimento. Face a estas dificuldades, os cidadãos impacientam-se cada vez mais e são muitos os que se perguntam se a União será capaz de enfrentar os grandes desafios do nosso tempo – a globalização, as alterações climáticas e a saída da crise económica e financeira.

1.2   Nos momentos de dúvida, é sempre bom remeter-se aos princípios fundamentais da construção europeia. O método comunitário, graças ao qual a União Europeia conheceu dias risonhos, deve ser renovado e relançado.

1.3   O CESE defende a aplicação do método comunitário nos domínios que criam, actualmente, expectativas nos cidadãos, isto é, o relançamento da economia europeia, a dinamização dos nossos sistemas de educação, inovação e investigação, a segurança do fornecimento de energia, o desenvolvimento sustentável e o combate contra os flagelos climáticos, a promoção da igualdade de oportunidades e do espírito de empreendedorismo, a liberdade de circulação e a mobilidade das pessoas no âmbito do respeito dos direitos sociais, o desenvolvimento de serviços de interesse geral de dimensão europeia, nomeadamente em matéria de comunicações, ambiente, saúde, segurança e protecção civil.

1.4   Este relançamento do método comunitário só poderá ser eficaz se for acompanhado de meios adequados, tais como aumento consequente do orçamento europeu, desenvolvimento de parcerias públicas-privadas, uma melhor coordenação entre os orçamentos nacionais e europeus e consolidação de um fundo monetário europeu.

1.5   O CESE considera também que o método comunitário dos anos 2010 não pode ser o mesmo dos anos 60 ou 80. Hoje em dia, é necessário implicar e fazer participar os cidadãos, nomeadamente através da democracia participativa e dos actores da sociedade civil. O CESE reivindica, assim, um papel mais importante para a sociedade civil europeia na iniciativa das políticas europeias, mas também a nível da avaliação do impacto dessas políticas, a fim de assegurar a sua aplicação efectiva ou corrigir os seus efeitos nefastos.

1.6   Aplicado, deste modo, aos desafios do tempo presente e às expectativas dos cidadãos, dotado de meios efectivos de aplicação e renovado através de uma maior participação da sociedade civil, o método comunitário pode e deve voltar a ser a alavanca de relançamento da integração europeia.

2.   Porquê renovar o método comunitário?

2.1   Desde o início da aventura europeia, o método comunitário fez a originalidade e o sucesso da construção europeia que conduziu à União Europeia actual. Este método caracteriza-se por:

meios comuns colocados ao serviço de objectivos comuns,

projectos com o cunho do interesse geral,

debates abertos e democráticos, com o contributo da sociedade civil,

decisões tomadas por maioria e respeitando o direito,

um controlo administrativo e judicial efectivo da sua aplicação,

um impacto e uma ligação directos nos meios económicos e sociais.

Foi com base neste método comunitário que foi possível assegurar o essencial dos progressos europeus.

2.2   Os Estados-Membros conservaram competências bastante dominantes ou mesmo autónomas nos domínios não regidos directamente pelos Tratados, que vão desde questões que tradicionalmente se prendem com os direitos soberanos dos Estados ligadas à defesa e à polícia, a outras questões mais especificamente políticas, culturais e históricas, como a fiscalidade ou as relações sociais. A cooperação intergovernamental nesses domínios é, em si mesma, um aspecto importante da construção europeia, que valia a pena analisar para medir o seu impacto real e avaliar a sua adaptação às realidades e desafios da União Europeia actualmente.

2.3   O sucesso da abordagem comunitária relativa aos principais objectivos comuns foi acompanhada pelo desenvolvimento económico e pelo aprofundamento político do processo de integração europeia. Estes resultados deram-lhe igualmente uma forte força de atracção, revelando-se um método sem verdadeira alternativa no continente europeu, com alargamentos sucessivos, primeiro a Oeste, tanto a Norte como a Sul, e depois a Leste com o fim da cortina de ferro.

2.4   No entanto, ao longo dos últimos anos, o método comunitário perdeu o seu vigor e a sua força de atracção. A Comissão Europeia nem sempre pareceu ter os meios nem a vontade de tomar iniciativas à altura dos desafios e das expectativas. Contudo, actualmente, a União Europeia vê-se confrontada com novos desafios, com uma globalização cada vez mais feror e uma crise financeira e económica que coloca em dificuldades muitas empresas, nomeadamente as PME, e aumenta as disparidades sociais de um número crescente de pessoas que estão em situação de exclusão social, ou, pelo menos, em grandes dificuldades. Os cidadãos europeus estão cada vez mais desconfiados face a uma construção europeia que lhes parece trazer mais problemas do que soluções.

2.5   A falta de impacto europeu na cimeira mundial de Copenhaga de 2009 sobre as alterações climáticas e a incapacidade da União de reagir face às dificuldades financeiras de um dos Estados-Membros da Zona Euro agravaram esta impressão de mal estar que também agitou os meios financeiros.

2.6   Perante a aceleração do movimento da globalização, a União Europeia parece muito lenta e enredada nas suas contradições, nas suas complexidades e na sua lentidão. Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o CESE preconiza a renovação do método comunitário para alcançar um relançamento indispensável, a fim de que a Europa encontre o lugar que lhe compete na cena económica e política mundial. As recomendações do CESE dizem respeito nomeadamente às seguintes questões principais:

a valorização da identidade e do interesse geral europeus;

a adequação dos objectivos e dos meios;

o empenhamento da sociedade civil.

3.   Valorizar a identidade e o interesse geral europeus

3.1   Não poderemos relançar o método comunitário sem afirmar com maior firmeza a identidade comum europeia, a fim de a promover para lá dos interesses nacionais e das diversidades. Assim, de nada serve multiplicar as prescrições jurídicas para a abertura dos contratos públicos, se os Estados-Membros e as administrações nacionais não têm nenhum incentivo real para comprar o que é europeu, visto que, em razão das sensibilidades dos seus contribuintes e da pressão das suas empresas, o conceito de «europeu» continua a ser equiparado ao de «estrangeiro». No entanto, face à globalização, só uma Europa consolidada em volta de objectivos comuns essenciais será capaz de os atingir.

3.2   Isto pressupõe nomeadamente a determinação de um interesse geral comunitário. A Comissão devia estimular mais o debate neste domínio e não se retrair como vimos recentemente face à crise financeira e às dificuldades de um dos Estados-Membros da zona euro. Ela parece, em demasiadas ocasiões, lidar com cautela com as susceptibilidades imediatas dos Estados-Membros e das administrações nacionais, quando precisamente o interesse comum de todos exige soluções que apelem à solidariedade e à noção de comunidade de interesses.

3.3   A Comissão Europeia parece ter cada vez mais dificuldade em definir e representar este interesse geral europeu. No entanto, é esse o seu papel. É necessário que ela reencontre o impulso dos anos 60 e 80. Hoje em dia, ela já não está só e a instauração de um novo triângulo institucional, com um Parlamento reforçado e com um presidente designado do Conselho Europeu, deveria encorajá-la a desempenhar plenamente o seu papel de órgão de proposta e de controlo.

3.4   O Parlamento Europeu deve desempenhar doravante um papel preponderante na determinação do interesse geral europeu, já que ele representa os cidadãos. Ao seu lado, espera-se que os dois comités consultivos (CESE e CR) possam desempenhar um papel de alavanca para estimular e reforçar as iniciativas da Comissão Europeia, sem negligenciar o direito de iniciativa dos cidadãos nem todos os outros interlocutores da sociedade civil.

3.5   A renovação do método comunitário só fará sentido se for acompanhada da revisão da noção de «subsidiariedade», que foi interpretada apenas num sentido único, ou seja, como um instrumento para travar a aplicação deste método comunitário e a aplicação de novas políticas comunitárias. Vai ser necessária uma nova abordagem deste conceito, mais dinâmica e baseada no princípio de que, por razões de eficácia e de economia de escala, será preferível, com mais frequência, transferir para o nível europeu aquilo que exige meios importantes: infra-estruturas, investigação e desenvolvimento, política industrial, defesa, política estrangeira, segurança, luta contra os flagelos sanitários, etc. Os cidadãos serão capazes de compreender esta exigência se os líderes políticos nacionais deixarem de lhes ocultar a verdade.

3.6   Perante o fosso crescente entre cidadãos e instituições europeias, convém que a União defina novos domínios de aplicação do método comunitário que correspondam a expectativas importantes dos cidadãos.

3.6.1   Chegou, pois, o momento de desenvolver serviços de interesse geral nos domínios em que a evolução das situações e dos desafios assim o requer – protecção civil, ajuda internacional de urgência, serviços de alfândegas, transportes, centros de investigação, redes de banda larga, etc. A partir destas novas bases, poderíamos promover concessões europeias de interesse geral através de parcerias público-prívadas para desenvolver as redes transeuropeias (transportes, energia, telecomunicações), reforçando assim a coesão e a competitividade da União Europeia.

3.6.2   Para facilitar a vida dos cidadãos e das empresas e os consciencializar da realidade do mercado único, deviam ser tomadas, finalmente e sem demora, uma série de iniciativas cuja utilidade de interesse geral já foi constatada há muito tempo: uma política industrial europeia caracterizada por sinergias para fazer face à globalização, um estatuto europeu para as PME, para as fundações e as associações, um balcão fiscal único para as actividades transfronteiriças das PME e uma patente comunitária. Será igualmente necessário desenvolver instrumentos legislativos para assegurar a livre circulação de pessoas no respeito pelos direitos sociais e pelas convenções colectivas. Podem também ser realizadas outras iniciativas na sequência de iniciativas dos cidadãos, apoiadas nomeadamente pelo Parlamento e pelo CESE, por exemplo em matéria de segurança do abastecimento energético, desenvolvimento sustentável e protecção dos consumidores.

3.6.3   Como o CESE tem sublinhado repetidamente, a escolha das directivas no domínio crucial dos contratos públicos foi um fracasso, sem dúvida o mais grave na realização do mercado único. Mais de 30 anos após o Acto Único Europeu, os contratos públicos ainda estão demasiado fragmentados. A acumulação de directivas europeias muito detalhadas e de legislações nacionais adicionais, bem como de derrogações múltiplas, levou, por falta de espírito comunitário, a que se mantivesse a compartimentação do que representa 15 % do PIB europeu. Neste domínio, como noutros em que isso se revele pertinente, a Comissão Europeia devia privilegiar o regulamento de aplicação directa em vez da directiva, cuja aplicação implica uma transposição para o plano nacional.

3.6.4   A União Europeia deve investir mais no «triângulo do conhecimento»: educação, investigação e inovação. A educação, que sabemos ser um elemento chave para a recuperação da Europa, não pode ficar de fora da União Europeia. Com base no sucesso da iniciativa Erasmus, seria importante que se desenvolvessem, à escala europeia e com uma nova abordagem de interesse geral, programas de mobilidade mais ambiciosos, intercâmbios apoiados por uma rede europeia de universidades, iniciativas particulares para promover as competências chave e desenvolver o espírito de empresa, bem como acções a favor de públicos específicos. Em matéria de investigação e inovação, o 8.o programa-quadro europeu deve ser o símbolo da nova Europa e concentrar-se em domínios como as nanoteconologias, com centros de investigação comunitários, um verdadeiro projecto industrial europeu e meios humanos e financeiros adequados.

3.6.5   A União Económica e Monetária devia afirmar-se como o núcleo central da identidade e da coesão europeias, o que está longe de ser o caso actualmente, como o demonstrou a dispersão das políticas nacionais dos países da UE membros da Zona Euro face à crise económica e financeira. Os membros da Zona Euro deviam transformar-se num laboratório avançado de integração económica e financeira, desenvolvendo entre si cooperações reforçadas que tivessem repercussões positivas no dinamismo e na eficácia do conjunto da União. O CESE apoia a proposta da Comissão que tem como objectivo estabelecer um «controlo» das políticas económicas dos Estados-Membros. Crê que este papel deve ir muito mais além do que um mero papel contabilístico do tipo OCDE e ter em conta as prioridades políticas dos cidadãos da União, nomeadamente em termos de coesão social, luta contra a exclusão, criação de empregos e desenvolvimento da criatividade e do espírito empresarial.

3.6.6   A União Europeia, escorada na sua moeda única, deve falar igualmente a uma só voz no quadro das concertações económicas e financeiras internacionais, nomeadamente no G20 e consolidar a nível europeu as suas participações no FMI e no Banco Mundial.

3.6.7   O reforço da política externa europeia é um elemento chave do Tratado de Lisboa. Inclui, nomeadamente, a criação de um serviço diplomático, de um lugar de alto representante (acumulado com a função de vice-presidente da Comissão) e de delegações da União Europeia em países terceiros que substituam as delegações da Comissão Europeia. É importante colocar em prática de forma ambiciosa o Tratado, para que a Europa fale, de facto, a uma só voz, tenha um discurso mais firme e coerente no exterior e, ao mesmo tempo, organize de forma estruturada, nos planos político, económico, cultural, científico e comercial, uma verdadeira coordenação das acções externas, pondo fim às pequenas rivalidades que só enfraquecem a posição da União.

4.   Assegurar a adequação dos objectivos e dos meios

4.1   Se muitos objectivos comunitários foram apenas parcialmente realizados, isto deveu-se amiúde à falta de determinação quanto à sua plena realização e ao facto de não lhes terem sido atribuídos os meios necessários.

4.1.1   Assim, no atinente ao relançamento do mercado interior, o relatório de Mario Monti (1) faz sugestões muito pertinentes para assegurar, por fim, a sua realização efectiva: dinamização da rede SOLVIT, avaliação da aplicação das directivas, envolvimento das administrações nacionais, dos parlamentos nacionais e da sociedade civil, bem como supressão dos últimos estrangulamentos, nomeadamente no que toca à mobilidade das pessoas. O CESE recomenda, por isso, que este relatório seja seguido de um plano de acção preciso com um calendário de aplicação, após uma consulta adequada da sociedade civil.

4.1.2   Será necessário um apoio orçamental da União sob a forma apropriada (dotações orçamentais, empréstimos, parcerias público-privado, etc.) para responder aos novos domínios de aplicação do método comunitário. O sucesso da CECA em 1951 baseou-se numa adequação dos meios aos objectivos. O orçamento actual da União (menos de 1 % do PIB) é demasiado escasso para realizar os objectivos esperados pelos cidadãos em todos os domínios em que ela devia intervir por uma questão de melhor eficácia. Um crescimento regular do orçamento entre 2013 e 2020 em direcção a um objectivo de 2 % do PIB parece um objectivo realista e que, tendo em conta as economias de escala, em nada obsta às exigências de redução das dívidas públicas dos Estados-Membros, mas desde que o princípio de transferências orçamentais do nível nacional para o nível europeu seja compreendido pelos governos e devidamente explicado aos cidadãos. Isso permitiria, nomeadamente, financiar as necessidades em investimentos e grandes redes, apoiar o triângulo do conhecimento (educação, investigação e inovação), reforçar a política de coesão e dar à União os meios humanos e financeiros necessários para a sua política externa.

4.1.3   Para financiar este esforço até 2020, a UE necessitará de recursos próprios e de uma melhor coordenação entre os orçamentos nacionais e o orçamento europeu. Face aos défices crescentes das finanças públicas após a crise financeira de 2008, será fácil demonstrar que reduziremos a dívida mais depressa, sem no entanto penalizar o crescimento, se colocarmos em comum os recursos para financiar as despesas públicas como a defesa, a segurança nas fronteiras, as ajudas externas, a investigação, a política industrial, etc. Os Estados-Membros devem manifestar a sua vontade política de se empenharem nesta via.

4.1.4   Face à crise financeira, um primeiro passo significativo teria sido a criação de um verdadeiro Fundo Monetário Europeu de intervenção e de estabilização da Zona Euro (uma espécie de Reserva Federal Europeia) que permitisse enfrentar de forma solidária as dificuldades sentidas por um dos seus membros. Foi necessária a queda do euro e a agravação da crise num Estado-Membro para que os países criassem o embrião de um fundo desse género e se decidissem a intervir, já não num plano bilateral, mas de forma colectiva, continuando, de resto, a recorrer à ajuda adicional do FMI.

4.1.5   Além disso, parece claro que a realização dos objectivos de integração e coesão necessitariam de uma melhor afectação das dotações da UE para apoiar mais os programas transfronteiriços, aos quais se consagrou apenas 1 % do orçamento, embora eles constituam pontos de união indispensáveis ao bom funcionamento do mercado único. O sucesso da Estratégia 2020 reside tanto na questão dos meios, como numa adesão efectiva dos cidadãos aos seus objectivos, o que não acontece actualmente.

4.2   A Europa dos 27 já não pode ser governada como a Europa dos 6. O triângulo institucional reserva, e muito judiciosamente, um lugar mais importante ao Parlamento Europeu. É também conveniente que as instituições e a prática dêem, o mais rapidamente possível, consistência ao direito de iniciativa dos cidadãos, que se deve tornar um verdadeiro instrumento de democracia.

4.2.1   A extensão das competências comunitárias foi acompanhada da extensão do processo de co-decisão entre o Parlamento e o Conselho. Em contrapartida, os sucessivos Tratados que organizaram as novas regras não foram capazes de adaptar os processos de consulta em conformidade. Actualmente, o CESE é consultado sobre projectos da Comissão no início do processo de co-decisão, quando na verdade devia ser consultado muito antes.

4.2.2   O CESE poderia assegurar de forma mais eficaz o seu papel consultivo se fosse consultado antes dos co-decisores, imediatamente após ser elaborada a análise de impacto. O conceito de parecer exploratório ganharia, então, plenamente sentido. O parecer do Comité poderia assim juntar-se à análise de impacto, sendo ambos adicionados à proposta da Comissão transmitida aos co-decisores. O relator do CESE devia, igualmente, poder ser ouvido pela comissão competente do Parlamento Europeu.

4.2.3   A Comissão devia também assegurar consultas apropriadas sempre que prevê retirar uma proposta feita anteriormente, muito em particular quando esta diz respeito directamente aos actores da sociedade civil. Assim, a Comissão não deveria ter retirado sem consulta o projecto do estatuto europeu das associações.

4.2.4   Em matéria de governação, a União deve assegurar de forma mais activa o princípio de igualdade entre homens e mulheres, permitindo a estas aceder em posição de igualdade aos centros de decisão e consulta.

4.3   O Tratado de Lisboa voltou a estender o campo de decisões tomadas por maioria qualificada, passando assim a ser a regra de funcionamento da Europa a 27. A unanimidade não deixa, porém, de ser necessária em certos domínios muito ligados aos assuntos comunitários, como por exemplo a fiscalidade. A experiência demonstra claramente que uma tal exigência bloqueia facilmente o funcionamento da União nos domínios onde a unanimidade ainda existe. É, portanto, no mínimo paradoxal que a União Europeia – que ambicionava vir a ser a economia do conhecimento mais competitiva e mais dinâmica do mundo – não tenha conseguido, mau grado as intenções repetidamente reiteradas do Conselho Europeu, desbloquear a adopção da patente comunitária que continua a estar sujeita à regra da unanimidade.

4.3.1   Vários precedentes indicam, no entanto, que o método comunitário permitiu encontrar, por vezes, quando era necessário, meios para contornar o obstáculo da unanimidade. Assim, o protocolo social e a Carta dos Direitos Sociais Fundamentais puderam ser adoptados a 11, tendo-se o Reino Unido juntado aos outros posteriormente. Será que não poderíamos recorrer a este tipo de flexibilidade noutros domínios em que o problema do bloqueio se coloca actualmente, como a patente comunitária ou a harmonização da matéria colectável das sociedades?

4.3.2   A UEM é sem dúvida um bom exemplo de cooperação reforçada bem sucedida, que teve início com um grupo limitado de países, mantendo-se aberta àqueles que tenham a capacidade de se integrar. Mas o Eurogrupo ainda não conseguiu, face a um Banco Central Europeu de carácter federal, desenvolver uma governação económica comum à altura da União Monetária. O atraso acumulado nos anos 2000 é, actualmente, preocupante. Caso não seja progressivamente reabsorvido no decurso da nova década de 2010, este atraso coloca em perigo a coesão, a competitividade e os empregos da Zona Euro, sem esquecer evidentemente a própria perenidade do euro. Para remediar esta situação, é imperativo rever o funcionamento do Eurogrupo, no sentido de mais eficácia e transparência, nomeadamente fazendo com que os chefes de Estado ou de Governo da Zona Euro se reúnam regularmente (e não apenas em situação de crise) e alargando as reuniões aos outros ministros (assuntos sociais, indústria, etc.) envolvidos na realização do euro.

4.4   Com uma Europa de 27 Estados-Membros, a questão da transposição correcta das directivas e da euro-compatibilidade das políticas nacionais adquire, evidentemente, uma dimensão essencial. De nada serve facilitar a adopção das directivas se os Estados-Membros mostram relutância em aplicá-las nos prazos prescritos ou adicionam disposições nacionais supérfluas.

4.4.1   A Comissão devia desenvolver os seus painéis de avaliação da transposição das directivas, o que permite muitas vezes exercer uma pressão eficaz sobre os Estados-Membros em falta. Os diferentes elementos da sociedade civil organizada deviam ser consultados sobre estas situações.

4.4.2   As ajudas comunitárias deviam-se focalizar-se mais, sempre que tal seja necessário, no melhoramento das condições em que os Estados-Membros transpõem e aplicam a regulamentação comum e na eliminação de obstáculos e atritos que ainda existem nesses domínios.

5.   Promover o empenhamento da sociedade civil

5.1   Tendeu-se demasiado a esquecer o objectivo da construção europeia enunciado por Jean Monnet: «Não coligamos Estados, unimos pessoas». A desconfiança manifestada pelos eleitores durante as consultas realizadas nos últimos anos sobre o futuro da Europa deve levar-nos a interrogarmo-nos sobre as formas de participação da sociedade civil, hoje em dia claramente insuficientes.

5.2   A regulamentação comunitária continua a ser elaborada em condições demasiado distantes dos cidadãos. As expectativas justificadas em termos de liberdade, segurança e simplificação são frequentemente frustradas devido a bloqueios ou compromissos, muitas vezes «ao desbarato», dos Estados-Membros ou das suas administrações nacionais. É por isso que é preciso desenvolver a participação dos representantes da sociedade civil, nomeadamente dos utilizadores, nos comités de regulamentação, à semelhança dos métodos utilizados nos projectos de simplificação SLIM, mas desta vez antes do processo de elaboração da regulamentação e não depois de esta já ter sido adoptada, quando pretendemos corrigir os defeitos mais criticados pelos utilizadores.

5.3   É igualmente imperativo reconhecer aos actores da sociedade civil espaços europeus de liberdade e responsabilidade que lhes permitam definir as regras comuns que lhes dizem respeito, através de práticas autónomas de autoregulação, ou de precisar certos aspectos da regulamentação pública nos seus domínios, através de convites do legislador a elaborar co-regulamentações. A autonomia contratual dos parceiros sociais europeus foi-lhes reconhecida pelo Tratado de Maastricht, por sua solicitação expressa. Apesar de o Tratado o não prever explicitamente, desenvolveram-se igualmente abordagens semelhantes em outros domínios: normalização técnica, reconhecimento de qualificações profissionais, prestação de serviços, comércio, nomeadamente o comércio em linha, segurança das entregas e dos pagamentos, direitos dos consumidores, energia e ambiente. O Comité recenseou-as e apoiou-as num relatório de informação. Um acordo interinstitucional europeu de 2003 enquadrou as suas modalidades. É necessário, agora, que o legislador europeu preveja na sua regulamentação espaços de liberdade que encorajem estas práticas, sob o seu controlo e em complementaridade às suas actividades. Este apoio devia estender-se também aos modos alternativos de regulamentação de conflitos, tais como conciliações e mediações.

5.4   Não seremos capazes de fazer progredir a Europa se não encorajarmos os europeus a sentirem-se e a agirem como europeus. Isto pressupõe dar-lhes instrumentos comuns que ainda lhes faltam – direitos económicos e sociais mais claros, procedimentos mais simples, meios jurídicos mais autónomos, verdadeiros estatutos comuns (associações, sociedades e fundações). É, primeiro que tudo, a nível local (dos cidadãos, das associações e dos eleitos locais) que a Europa deve ser vista como uma necessidade e tornar-se uma ambição e um orgulho comuns.

5.5   Consequentemente, é necessário lançar um programa plurianual com um calendário preciso que abranja toda a década de 2010, para dar aos europeus os meios de desempenharem um papel impulsionador, sem o qual não será possível renovar o método comunitário.

5.6   O CESE, o CR e as grandes organizações europeias da sociedade civil que estão ligadas aos três grupos do Comité (Empregadores, Trabalhadores e Interesses Diversos), poderiam, com o apoio indispensável do Parlamento Europeu, lançar uma vasta consulta sobre os temas mais importantes de interesse geral para a próxima década susceptíveis de beneficiar de um relançamento do método comunitário, ou seja, na realidade, de novas políticas comuns.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  «Uma nova estratégia para o mercado único – Ao serviço da economia e da sociedade europeias» – Relatório apresentado ao Presidente da Comissão Europeia por Mario Monti em 9 de Maio de 2010.


III Actos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

466.a reunião plenária de 19, 20 e 21 de Outubro de 2010

17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/35


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 54.o do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade

(versão codificada)

[COM(2010) 388 final — 2008/0173 (COD)]

2011/C 51/06

Em 9 de Setembro de 2010, o Parlamento Europeu decidiu, nos termos do artigo 50.o, números 1 e 2 g), e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 54.o do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade

COM(2010) 388 final — 2008/0173 (COD).

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010 decidiu por 123 votos a favor, com 2 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/36


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à fusão das sociedades anónimas

(Versão codificada)

[COM(2010) 391 final — 2008/0009 (COD)]

2011/C 51/07

Em 16 de Setembro de 2010, o Parlamento Europeu decidiu, nos termos do artigo 50.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à fusão das sociedades anónimas

COM(2010) 391 final — 2008/0009 (COD).

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010 decidiu por 114 votos a favor, com 4 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/37


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu — Uma estratégia europeia para veículos não poluentes e energeticamente eficientes

[COM(2010) 186 final]

2011/C 51/08

Relator-Geral: Peter MORGAN

Em 28 de Abril de 2010, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu - Uma estratégia europeia para veículos não poluentes e energeticamente eficientes

COM(2010) 186 final.

Em virtude da renovação do mandato do Comité, a assembleia plenária decidiu votar este parecer na sua reunião plenária de Outubro, tendo designado Peter MORGAN para relator-geral, nos termos do artigo 20.o do Regimento.

Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 183 votos a favor e 14 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE apoia o desenvolvimento de uma estratégia da UE sobre veículos não poluentes e energeticamente eficientes. Esta estratégia vem ao encontro das preocupações do CESE com o esgotamento dos hidrocarbonetos, as emissões de CO2 e a poluição atmosférica. É essencial que a estratégia seja holística. Não há qualquer vantagem em transferir simplesmente a poluição e as emissões para a produção de electricidade e o fabrico de veículos ou se as estratégias ecológicas causarem danos ambientais como a desflorestação. A observância dos objectivos de Quioto pela UE foi comprometida pelos transportes rodoviários; esta estratégia já há muito que deveria ter sido adoptada.

1.2   Nas próximas duas décadas, os veículos com motores de combustão interna continuarão a ser o modo de transporte mais importante, pelo que o CESE espera que a estratégia incentive tecnologias inovadoras para estes veículos, bem como formas mais inovadoras de propulsão. É demasiado cedo para fazer escolhas tecnológicas definitivas. Nesta fase, temos que ficar abertos a todas as opções.

1.3   A estratégia tem que incentivar a competitividade da indústria automóvel da UE ao nível mundial. A regulamentação deve garantir que os veículos se tornem cada vez menos poluentes e mais económicos, mas a competitividade futura também vai depender de uma inovação radical dos motores de combustão interna dos automóveis, dos autocarros e dos veículos pesados de mercadorias, além do desenvolvimento dos veículos eléctricos.

1.4   O desenvolvimento dos veículos eléctricos tem sido uma ambição durante mais de um século, mas várias questões, especialmente o ciclo de vida da bateria, fizeram com que não tivessem sido uma alternativa viável aos veículos com motores de combustão interna. A questão ambiental mudou as regras elementares. Quantos mais veículos eléctricos forem colocados em circulação, melhor será o desempenho ambiental dos fabricantes e dos utilizadores. Ao mesmo tempo, os pequenos veículos com motor de combustão interna podem contribuir para a redução do congestionamento urbano.

1.5   Em Julho, o CESE aprovou um parecer elaborado por Frederic Adrian Osborn (CESE 429/2010 fin) intitulado «Generalização da aceitação dos veículos eléctricos». As recomendações deste parecer são devidamente consideradas na estratégia.

1.6   Trata-se de uma estratégia da UE, mas o seu êxito depende das políticas dos governos nacionais e locais dos Estados-Membros, da respectiva capacidade industrial e do poder de compra e do comportamento dos consumidores. É inevitável que a aplicação se processe a diferentes ritmos, na medida em que os Estados-Membros se encontram em pontos de partida muito diferentes. É essencial que as cidades e os Estados mais avançados estejam à altura de enfrentar os desafios dos Estados Unidos e da Ásia.

1.7   A sociedade europeia tem que dar o seu contributo para que a estratégia seja operacional. A Directiva 2009/33/CE apela à participação do sector público. As empresas do sector privado devem participar através de relatórios ambientais. As pessoas que se decidem pela compra, trate-se de veículos particulares ou da empresa, devem receber um misto de incentivos financeiros e de desincentivos que as oriente para veículos não poluentes e eficientes.

1.8   O CESE é de opinião que as instituições da UE, que utilizam na sua maioria transportes para trajectos curtos entre Bruxelas, Luxemburgo e Estrasburgo, deveriam aproveitar a oportunidade para desenvolver um plano de transportes exemplar, não poluente e eficiente.

1.9   O CESE gostaria de sublinhar que serão necessários investimentos avultados nas futuras redes de distribuição e infra-estruturas físicas para substituir os biliões de dólares investidos na economia de hidrocarbonetos.

1.10   As recomendações seguintes constam da secção 5 abaixo indicada:

1.10.1

A UE e os Estados-Membros devem apoiar a I&D no domínio dos veículos com motores de combustão interna (VCI) para pequenos veículos inovadores e sistemas de produção revolucionários, e eliminar os obstáculos à colocação no mercado.

1.10.2

Também se recomenda a aplicação aos veículos pesados de objectivos semelhantes aos que se encontram em vigor para os fabricantes de automóveis.

1.10.3

Devem ser sistematicamente apoiados programas a favor de veículos pesados de mercadorias e de autocarros não poluentes e eficientes, até que os veículos sejam competitivos no mercado mundial.

1.10.4

Dado que se prevê que os biocombustíveis satisfaçam 7 % das necessidades da UE neste sector até 2020, o CESE insta a Comissão a confirmar este objectivo ou a modificar a sua política.

1.10.5

Os Estados-Membros devem encorajar os fabricantes e os utilizadores potenciais a inovarem com combustíveis gasosos alternativos.

1.10.6

Os Estados-Membros devem incentivar uma aprovação atempada dos veículos eléctricos, para evitar que a UE perca terreno em relação a outras regiões, na adopção deste tipo de veículos.

1.10.7

Os principais fabricantes de veículos automóveis devem ser encorajados a lançar e a intensificar o fabrico de baterias na Europa.

1.10.8

A Comissão deve garantir que os organismos de normalização apressem os trâmites processuais em relação aos veículos eléctricos (VE).

1.10.9

A Comissão e os Estados-Membros devem associar-se para garantir o aprovisionamento futuro de elementos de terras raras e de metais nobres escassos.

1.10.10

A estratégia a longo prazo para os veículos eléctricos a células de combustível de hidrogénio deve incluir outras opções para o caso de estes VEPC não serem viáveis.

1.10.11

As autoridades públicas, as empresas de serviço público e as grandes empresas públicas e privadas devem seguir as orientações e os objectivos estabelecidos para o consumo de combustível e as emissões de CO2.

1.10.12

Devem ser estabelecidas orientações para os vários critérios a utilizar nos contratos públicos ao abrigo da Directiva 2009/33/CE.

1.10.13

Os relatórios das empresas públicas e privadas sobre a utilização dos hidrocarbonetos e as emissões de CO2 devem ser alterados para identificar a parte correspondente ao transporte.

1.10.14

Não constam do plano de acção global os aspectos relacionados com a OMC.

1.10.15

Os representantes da sociedade civil que assumiram compromissos em matéria ambiental devem ser incluídos no novo Grupo de Alto Nível CARS21.

1.10.16

Na redefinição da sua abordagem da estratégia industrial, a UE terá de considerar como um dos primeiros sectores a indústria automóvel. A UE precisa de estabelecer uma estrutura de governação forte com a missão urgente de promover mudanças regulamentares, adoptar medidas de incentivo, mobilizar os investimentos necessários e impulsionar a criação de novos mercados.

1.10.17

A UE não deve ficar para trás. É imperioso que os comissários responsáveis coordenem os seus esforços e os países, as empresas e os centros de investigação que dispõem dos necessários recursos entrem urgentemente em acção. Este plano de acção deve ser considerado como um apelo à mobilização.

2.   Introdução

2.1   A estratégia da Comissão pretende fornecer um enquadramento político apropriado e neutro do ponto de vista tecnológico. A curto prazo, trata-se de uma estratégia dupla que inclui tanto os veículos com motores de combustão interna como os veículos eléctricos a bateria.

2.2   A estratégia para os veículos com motores de combustão interna também persegue um duplo objectivo, na medida em que requer uma melhoria adicional dos motores convencionais a gasolina e a gasóleo, bem como a introdução de combustíveis alternativos como os biocombustíveis líquidos e os combustíveis gasosos. Todavia, a utilização de combustíveis gasosos exige a modificação dos motores a combustão interna, um sistema específico de armazenamento do combustível a bordo do veículo e uma rede de distribuição apropriada, o que não acontece com os biocombustíveis.

2.3   A estratégia para os veículos eléctricos abrange os veículos eléctricos como o Nissan Leaf, os veículos híbrido-eléctricos como o Toyota Prius e os veículos híbrido-eléctricos recarregáveis como o Chevrolet Volt. Os veículos híbrido-eléctricos não são veículos eléctricos no verdadeiro sentido da palavra, porque não podem ser ligados a tomadas eléctricas.

2.4   Se a I&D no âmbito da tecnologia do hidrogénio der bons resultados, os veículos eléctricos serão alimentados por células a combustível de hidrogénio e teremos os chamados veículos eléctricos a pilhas de combustível.

3.   Plano de Acção da Comissão para os Veículos Ecológicos (o Plano de Acção)

3.1   Quadro regulamentar

Homologação dos veículos de duas e três rodas e quadriciclos.

Aplicação do regulamento sobre as emissões de CO2 dos veículos automóveis até 2011.

Comercialização da «adicionalidade verde» dos veículos.

Regulação do consumo de combustíveis dos sistemas A/C móveis.

Medidas adicionais relativas ao CO2 e às emissões poluentes.

Ciclo revisto dos ensaios para a medição das emissões.

Inventário de medidas que proporcionam benefícios ambientais.

Directiva alterada sobre as emissões de ruído.

Critérios de sustentabilidade para os biocombustíveis.

Estratégia para veículos pesados não poluentes e eficientes.

3.2   Investigação e inovação

Melhoria dos motores convencionais, dos comboios movidos a electricidade, das tecnologias das baterias e das tecnologias do hidrogénio.

Regras simplificadas para os subsídios destinados à investigação.

Estratégia a longo prazo para a investigação.

Apoio do Banco Europeu de Investimento.

3.3   Adopção pelo mercado

Orientações sobre os incentivos financeiros dos Estados-Membros.

Revisão da Directiva Tributação da Energia.

Orientações para os Estados-Membros no domínio da fiscalidade dos veículos.

Controlo da aplicação da directiva relativa a uma estratégia europeia para veículos não poluentes e energeticamente eficientes.

Investigação para conhecer as expectativas e os hábitos de consumo dos consumidores.

Directiva (alterada) Rotulagem Energética dos Veículos.

Projecto de demonstração sobre a electromobilidade.

3.4   Questões globais

Cooperação internacional, especialmente em matéria de normalização.

Regulamentações harmonizadas da Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas (CEE-ONU).

Iniciativa «matérias-primas» relativa aos elementos de terras raras e metais nobres escassos.

3.5   Emprego

Conselho Sectorial Europeu de Competências.

Fundo Social Europeu.

3.6   Revisão intercalar da legislação sobre emissões de CO2

Normas de desempenho em matéria de emissões dos automóveis novos de passageiros no horizonte de 2020 e 2030.

Redução das emissões de CO2 dos veículos comerciais ligeiros no horizonte de 2013 e 2020.

4.   Acções específicas para veículos eléctricos

4.1   Segurança

Requisitos de segurança eléctrica.

Requisitos de resistência à colisão.

4.2   Normalização da interface de carregamento

Desenvolvimento e aplicação desta norma.

Interacção com o desenvolvimento das normas a nível mundial.

4.3   Infra-estrutura

Infra-estrutura de carregamento.

Investimento nas infra-estruturas e nos serviços.

4.4   Produção e distribuição de electricidade

Abordagem baseada no ciclo de vida.

Fontes de energia com reduzido teor de carbono.

Gestão da carga.

4.5   Baterias

Veículos em fim de vida útil/reciclagem de baterias.

Investigação sobre baterias.

Transporte de baterias.

4.6   Governação

Relançamento do Grupo de Alto Nível CARS21 para eliminar os obstáculos à adopção pelo mercado de tecnologias alternativas.

Programa Europeu para as Alterações Climáticas (PEAC) – Aplicação da estratégia para reduzir as emissões de CO2.

Livro Branco sobre a Política Europeia dos Transportes.

Mercado interno – evitar a fragmentação e garantir uma massa crítica suficiente.

5.   Perspectiva do CESE sobre o plano de acção

5.1   Melhoria dos veículos de combustão interna convencionais

5.1.1   O CESE apoia a melhoria dos VCI e, em particular, as medidas relativas às emissões de CO2 e de poluentes, o ciclo revisto de ensaios para a medição das emissões, a melhoria da I&D para os motores convencionais, a inclusão dos veículos ligeiros de transporte de mercadorias no âmbito de aplicação da regulamentação e a revisão intercalar da legislação sobre emissões.

5.1.2   Os materiais avançados oferecem uma considerável margem para a inovação em termos de concepção técnica e de fabrico de pequenas viaturas. Actualmente, estão a surgir novos processos de produção revolucionários baseados na utilização destes materiais. Está a ser estimulada a formação de novas empresas na indústria automóvel, que representam um desafio para os operadores estabelecidos. Importa apoiar estas inovações merecem no âmbito da I&D e prestar assistência às novas empresas para garantir a aplicação rigorosa das regras da concorrência à indústria automóvel.

5.1.3   O CESE congratula-se com o facto de o plano de acção incluir o desenvolvimento de uma estratégia sobre o consumo de combustível e as emissões de CO2 dos veículos pesados. Todos os planos devem aplicar-se a este segmento do mercado, incluindo os autocarros, os veículos pesados de transporte de mercadorias e os veículos concebidos para utilizações especiais, por exemplo os camiões de recolha do lixo. Recomenda-se a aplicação aos veículos pesados de objectivos semelhantes aos que vigoram para os fabricantes de automóveis e, tal como acontece com os automóveis, os objectivos devem ser extensíveis aos utilizadores.

5.1.4   Considerando que muitos dos fabricantes de veículos pesados estão implantados na Europa, há margem para uma cooperação construtiva entre os utilizadores e os produtores para desenvolver novos veículos inovadores. Já há exemplos de projectos inovadores na Ásia, na América e na Europa, como os autocarros com baixas emissões de carbono, que utilizam menos 30 % de combustíveis e produzem menos 35 % de CO2. Os veículos híbrido-hidráulicos, que utilizam a energia produzida na travagem, podem ser 30 % mais eficazes e estão perfeitamente adaptados a utilizações que comportam paragens frequentes, como a recolha do lixo. Existem muitos projectos de fabrico de veículos híbrido-eléctricos. Alguns Estados-Membros utilizam capitais de arranque para promover este tipo de inovações, subvencionando muitas vezes o custo dos veículos experimentais. Os programas deste tipo devem ser apoiados coerentemente até que saiam da linha de produção veículos competitivos e surjam encomendas para exportar automóveis fabricados na Europa.

5.2   Combustíveis alternativos para os veículos de combustão interna

5.2.1   O programa da Comissão sobre biocombustíveis parece um tanto confuso. A situação actual pode descrever-se como um braço-de-ferro entre, por um lado, os peritos em agricultura e os peritos em questões climáticas da Comissão Europeia e, por outro, entre os grupos de pressão europeus dos sectores automóvel e agrícola e os ambientalistas. O debate abarca o conceito relativamente novo dos «efeitos indirectos na reafectação de terras» e articula-se em torno dos potenciais efeitos sobre o ambiente ao nível mundial da reafectação de terras indispensável para obter as colheitas necessárias para realizar os objectivos da UE em matéria de biocombustíveis. Dado que se prevê que os biocombustíveis satisfaçam 7 % das necessidades de combustíveis da UE até 2020, o CESE insta a Comissão a confirmar ou a modificar a sua política. Esta política apenas poderá ser viável na sua íntegra quando a tecnologia permitir finalmente uma segunda geração de biocombustíveis.

5.2.2   A comunicação destaca as restrições aplicáveis aos combustíveis gasosos alternativos como o gás de petróleo liquefeito (GPL), o gás natural comprimido (GNC) e o biogás. Os motores dos veículos e os reservatórios de combustível têm que ser modificados e será necessária uma rede de reabastecimento suficientemente ampla e de fácil acesso. Todavia, estas condições podem ser satisfeitas no caso de frotas compostas por um grande número de veículos operarem dentro de um raio de autonomia de um depósito. Isso é o que acontece com algumas empresas privadas e muitas autoridades públicas e empresas de serviços públicos. Além de exigirem das autoridades públicas e das empresas que introduzam programas a favor de veículos não poluentes e eficientes, os Estados-Membros deveriam encorajar os fabricantes e os utilizadores potenciais a inovarem neste domínio para alcançarem os seus objectivos.

5.3   Veículos eléctricos, veículos híbrido-eléctricos e veículos híbrido-recarregáveis

5.3.1   Frederic Adrian Osborn revelou uma grande perspicácia no seu parecer, na medida em que definiu as condições necessárias para a substituição de veículos de combustão interna por veículos eléctricos no mercado dos veículos privados. Na realidade, porém, esta substituição não terá lugar a curto prazo. Importa, por conseguinte, ampliar a base da campanha a favor dos veículos ecológicos.

5.3.2   Conforme foi referido no estudo realizado por Bain & Company, os veículos eléctricos são os iPhones da indústria automóvel. Antes do iPhone, os utilizadores de telefones portáteis preocupavam-se com o ciclo de vida da bateria. Como as aplicações iPhone são revolucionárias, os utilizadores aceitam o facto de terem de carregar os seus telefones diariamente. A experiência de conduzir um veículo eléctrico é de tal maneira diferente da de conduzir um veículo de combustão interna que se prevê que os seus primeiros utilizadores não se preocuparão com a autonomia dos veículos eléctricos nem dos veículos híbrido-recarregáveis que serão comercializados em 2011 e 2012.

5.3.3   Os primeiros utilizadores comprarão veículos eléctricos como um segundo automóvel que usarão para se deslocarem para o local trabalho, para estacionarem junto às estações de caminhos-de-ferro e para a mobilidade de proximidade. A sua autonomia equivale a um dia de condução. A bateria de um veículo eléctrico pode ser recarregada durante a noite utilizando uma tomada eléctrica na garagem do proprietário.

5.3.4   O carregamento da bateria no local de trabalho poderá aumentar a autonomia quotidiana. Não é necessário dispor de uma infra-estrutura de carregamento muito complexa. As limitações actuais em matéria de autonomia não exigem praticamente nenhuma normalização no plano internacional. A carga das redes eléctricas deveria ser minimizada através do carregamento nocturno, aproveitando a electricidade que doutro modo não seria consumida neste período.

5.3.5   Muitos Estados-Membros, nomeadamente o Reino Unido, a França e a Alemanha, tencionam oferecer generosos incentivos para a compra de veículos eléctricos. Embora os veículos eléctricos continuem a ser mais caros do que os veículos de combustão interna, apesar dos incentivos, o atractivo da tecnologia e a motivação pessoal dos proprietários deveriam ser suficientes para garantir a absorção dos volumes de produção iniciais. Além disso, o empenhamento dos seus proprietários será recompensado por vantagens tais como o estacionamento gratuito, a isenção do pagamento de portagens nas cidades e outros incentivos nas zonas urbanas.

5.3.6   Embora o CESE subscreva a proposta de fornecer orientações para os incentivos financeiros dos Estados-Membros, insta estes últimos a promoverem quanto antes a disseminação de veículos eléctricos na UE para não ficar atrás de outras partes do mundo onde se oferece incentivos análogos.

5.3.7   A componente mais cara de um veículo eléctrico é a bateria. Para quem usa o automóvel, os principais aspectos a ter em conta são a dimensão, o peso, a capacidade, a segurança, a eficácia, a fiabilidade e a longevidade.

5.3.8   O problema estratégico da UE é que não existem grandes fabricantes de baterias no seu território, embora a Nissan tencione abrir fábricas no Reino Unido e em Portugal. A tecnologia das baterias tornar-se-á extremamente sofisticada e será cada vez mais importante, porque será o factor determinante para o desempenho e a competitividade dos veículos. A Europa tem que estar representada neste sector. O CESE recomenda que os principais fabricantes de veículos automóveis se associem para lançar e intensificar o fabrico de baterias na Europa. O novo grupo CARS21 deve ter em conta este aspecto.

5.3.9   O comércio de baterias tem muitas ramificações que precisam de ser consideradas: a garantia, a substituição, a troca e a locação, bem como os processos de fim de ciclo de vida, de recuperação, de eliminação dos resíduos e de reutilização. É fundamental que as empresas da UE marquem presença neste sector.

5.3.10   A mais longo prazo, os condutores de veículos eléctricos devem ter acesso a redes de recarregamento. Os sistemas pioneiros adoptados em grandes cidades, por exemplo Londres e Paris, e os que estão a ser desenvolvidos à escala nacional na Dinamarca e em Israel, darão um contributo importante para os projectos referidos nos pontos 4.2 e 4.3. Considerando as iniciativas actuais da China de electrificação de cinco cidades, é imperativo que a UE entre rapidamente em acção, especialmente no que diz respeito às normas.

5.3.11   A questão do aprovisionamento em matérias-primas é também tratada no plano de acção. O Japão e a Coreia do Sul estão a negociar concessões e empresas conjuntas (joint ventures) na América do Sul. A Coreia do Sul tem um investimento de 12 mil milhões de dólares, associado a ajudas, na Bolívia. Não há dados que apontem para uma posição comparável da UE. A Comissão e os Estados-Membros devem colaborar com as empresas mineiras sediadas na UE para garantir o aprovisionamento futuro.

5.4   Veículos eléctricos a células de combustível de hidrogénio

5.4.1   A UE está a financiar investigação sobre uma futura economia do hidrogénio e o desenvolvimento de veículos eléctricos a células de combustível de hidrogénio. Em pareceres anteriores, o CESE aprovou a estratégia da Comissão para o hidrogénio. Todavia, segundo alguns observadores, o conceito de economia do hidrogénio não será viável. Alegam que não existe uma verdadeira fonte de hidrogénio, nem um método adequado para o seu armazenamento e distribuição. Muitos dos problemas com o hidrogénio derivam das suas propriedades físicas e químicas. O mais provável é que a tecnologia não seja capaz de resolver estes problemas. Por conseguinte, a estratégia da UE deve prever opções na eventualidade de não serem viáveis a longo prazo os veículos eléctricos a células de combustível de hidrogénio. É demasiado cedo para fazer escolhas ao nível das tecnologias. Nesta fase, temos que ficar abertos a todas as opções.

5.5   O empenho individual, do sector público e do sector privado

5.5.1   Os objectivos dos fabricantes de automóveis em matéria de consumo de combustível e de emissões aplicam-se a toda a gama de veículos que produzem. O CESE entende que as autoridades públicas, as empresas de serviço público e as grandes empresas privadas também se devem guiar pelas orientações e os objectivos em matéria de consumo de combustível e de emissões de CO2. Esta é uma maneira de incentivar a utilização de combustíveis gasosos alternativos, mas há muitas mais oportunidades neste sector.

5.5.2   O CESE congratula-se com o facto de a Directiva 2009/33/CE relativa à promoção de veículos de transporte rodoviário não poluentes e energeticamente eficientes entrar em vigor em finais de 2010. Todavia, o CESE teria preferido que fossem estabelecidas orientações para os vários critérios a utilizar nos concursos públicos e concebido um processo que fosse tornando estes critérios mais exigentes com o passar do tempo. Tais critérios devem ser introduzidos logo que possível e, no entender do CESE, entrar em vigor ainda antes da revisão prevista para daqui a dois anos.

5.5.3   O CESE também gostaria que as empresas seguissem o exemplo do sector público e modificassem os seus relatórios sobre a utilização de hidrocarbonetos e as emissões de CO2, para identificar a parte correspondente ao transporte e aferir os progressos conseguidos.

5.6   Competitividade internacional

5.6.1   A situação internacional é difícil. Os Estados Unidos, a China, o Japão e a Coreia do Sul têm todos governos que são unânimes na sua determinação de aproveitar a oportunidade oferecida pelos veículos não poluentes e energeticamente eficientes. Ora a UE tem que conciliar os pontos de vista de 27 governos com diferentes capacidades industriais e financeiras e com os níveis variáveis de prosperidade muito variáveis. Como o transporte respeitador do ambiente é radicalmente diferente de tudo o que se conhecia antes, a vantagem industrial é remetida efectivamente para a estaca zero, dando à China, cuja sua indústria é protegida por direitos de importação, a possibilidade de ultrapassar o Japão. A UE não deve ficar para trás. É imperioso que os comissários responsáveis coordenem os seus esforços e os países, as empresas e os centros de investigação que dispõem dos necessários recursos entrem urgentemente em acção. Este plano de acção deve ser considerado como um apelo à mobilização.

5.6.2   O ponto 3.4 do plano de acção, relativo às questões globais, reveste-se de importância fundamental, mas na opinião do CESE falta uma referência à OMC. Nesta nova situação que se pode classificar de revolucionária, é necessário que o acesso das empresas da UE ao mercado não seja entravado por barreiras proteccionistas.

5.7   Governação

5.7.1   A Comissão decidiu restabelecer o Grupo de Alto Nível CARS 21. O relatório elaborado pelo grupo original foi aprovado pela indústria automóvel, mas foi criticado por grupos ambientalistas por considerarem que faltava nele uma estratégia para tornar os automóveis novos menos poluentes e mais económicos. O novo Grupo de Alto Nível deveria ser composto por representantes da sociedade civil empenhados nas questões ambientais, como contrapeso aos interesses da indústria.

5.7.2   A China, a Coreia e os Estados Unidos ocupam a dianteira em termos de inovação, de desenvolvimento e de investimento neste domínio. A Europa corre o risco de ficar para trás, vítima de um conservadorismo de vistas curtas e de uma atitude pouco audaciosa da indústria estabelecida, mas também de uma falta de visão política e de capacidade de liderança por parte dos seus governos. Para poupar a indústria europeia a este destino, a União precisa de estabelecer uma estrutura de governação forte, que integre empresas progressistas e líderes políticos e da sociedade civil unânimes na necessidade de avançar urgentemente com mudanças regulamentares, de adoptar medidas de incentivo, de mobilizar os investimentos necessários e de impulsionar a criação de novos mercados.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/43


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde — Realizar o potencial das indústrias culturais e criativas

[COM(2010) 183 final]

2011/C 51/09

Relator: Claudio CAPPELLINI

Co-relator: Jörg LENNARDT

Em 27 de Abril de 2010, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Livro Verde – Realizar o potencial das indústrias culturais e criativas

COM(2010) 183 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais, que emitiu parecer em 8 de Setembro de 2010.

Atendendo à renovação do mandato do Comité, a Assembleia decidiu examinar este parecer na reunião plenária de Outubro e designou Joost van Iersel relator-geral, em conformidade com o artigo 20.o do Regimento.

Na 466a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 71 votos a favor, sem votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Recomendações e propostas

Face às questões levantadas pela Comissão no Livro Verde (COM (2010) 183 final, de 27 de Abril de 2010) e à luz das recomendações da plataforma sobre o potencial das indústrias culturais e criativas e do diálogo a nível interno – inclusive no âmbito de audições ad hoc –, o CESE formula recomendações e propostas concretas de apoio às indústrias culturais e criativas (ICC) europeias.

1.1   Recomendações

O CESE

a)

exorta a Comissão a prosseguir esforços em prol de uma melhor definição e uma mais adequada representação estatística do sector, atendendo, em especial, à situação social e económica das pessoas que desenvolvem actividades artísticas. Com efeito, não há uma definição inequívoca e consensual de «indústria cultural e criativa», o que seria um requisito fundamental para:

i.

promover o reconhecimento da especificidade das ICC;

ii.

analisar o seu impacto no crescimento a longo prazo, na competitividade internacional, no desenvolvimento regional e na coesão territorial;

iii.

fomentar a adopção de políticas que tenham em conta as especificidades culturais do sector, através de uma aplicação eficaz do artigo 151.o, n.o 4, do Tratado CE, actualmente artigo 167.o, n.o 4, do TFUE.

b)

recomenda que a Comissão redobre esforços para criar um «espaço europeu da criatividade», favorecendo um quadro regulador europeu assente no acesso equitativo ao mercado, na livre concorrência, na luta contra o abuso de posição dominante, no apoio e no desenvolvimento das PME e do artesanato, na promoção da diversidade cultural, na protecção dos direitos de propriedade intelectual e no combate à pirataria, prestando particular atenção às potencialidades digitais do sector;

c)

preconiza a introdução de incentivos fiscais e de novos modelos e instrumentos para favorecer o financiamento de actividades de concepção de projectos no sector, assim como a constituição de parcerias público-privadas com participação dos cidadãos (PPPP). Por outras palavras, pretende-se, neste domínio, que os modelos tradicionais de PPP se façam acompanhar de formas de participação directa dos cidadãos (1);

d)

sublinha a contribuição das ICC para os objectivos estratégicos da «coesão europeia» e recomenda que os órgãos de poder local (municípios, regiões, etc.), em colaboração com outras entidades (universidades, bancos, associações, fornecedores de conteúdos públicos e/ou privados, etc.), favoreçam a promoção das ICC e a sua integração no desenvolvimento regional;

e)

destaca a necessidade de medidas adequadas para contrariar a vulnerabilidade das empresas do sector, particularmente as PME, e da situação precária das pessoas que desenvolvem actividades artísticas e, simultaneamente, de atrair uma massa crítica de investimentos no sector, tirando partido das chamadas «economias de aglomeração», para combater a penetração no mercado europeu de produtos culturais instiladores de comportamentos com efeitos negativos para a cultura europeia ou passíveis de levar a uma autêntica colonização cultural;

f)

põe a tónica no potencial das TIC (por exemplo, as iniciativas da UE relativas à Internet no futuro) para oferecer novas oportunidades (banda larga ou serviços de apoio à criatividade, sobretudo em regiões desfavorecidas ou de baixos rendimentos), tanto ao nível da realização de produtos e de serviços criativos, como da sua distribuição e consumo por parte dos utilizadores finais;

g)

realça a necessidade de promover um maior conhecimento sobre a indústria criativa nos programas de instrução básica e de formação profissional, como já foi assinalado, a nível europeu, pela Carta Internacional do Artesanato Artístico;

h)

reputa imperativo estudar os instrumentos mais apropriados para facilitar o acesso ao crédito das empresas criativas ou dos profissionais do sector, preconizando, por um lado, uma maior atenção aos aspectos de sustentabilidade económica e financeira dos projectos/obras por parte das empresas e, por outro, o reforço das capacidades das instituições de crédito para avaliarem as potencialidades económicas e financeiras dos projectos culturais e criativos;

i)

insiste, por último, na necessidade de promover, nas instituições europeias, uma maior reflexão sobre o impacto social do desenvolvimento de pólos (clusters) de criatividade e sobre a melhoria das condições de trabalho dos profissionais dos sector.

1.2   Propostas

Com base no exposto, o CESE apresenta às instituições europeias e à Comissão no seu conjunto (não apenas às suas unidades especializadas) uma série de propostas operacionais de apoio às ICC:

a)

encetar um «diálogo estruturado» com todas as partes interessadas e, em colaboração com as instituições comunitárias relevantes, lançar uma campanha de iniciativas de reflexão e de sensibilização sobre o papel das ICC no território europeu, com particular atenção para as regiões desfavorecidas e os territórios ao abrigo da política de coesão; o CESE está inteiramente disponível para promover este diálogo estruturado e para colaborar com as outras instituições comunitárias, pondo à disposição as suas competências técnicas e a sua rede de relações;

b)

criar, a partir de projectos-piloto realizados em alguns territórios da União Europeia, espaços físicos de encontro e de experimentação de natureza informal (com base no modelo das oficinas da ciência, dos centros do futuro e dos parques multimédia, entre outros), capazes de promover a participação directa de grupos-alvo compostos por cidadãos/utilizadores/associações e de associações da sociedade civil organizada. O objectivo é fomentar a participação de toda a UE no desenvolvimento do potencial da indústria criativa, não apenas nos grandes centros urbanos, tidos amiúde como os únicos promotores de processos de desenvolvimento criativo. Neste âmbito, as comunidades locais e regionais, as associações de PME e de artesanato podem desempenhar um papel fundamental para favorecer a integração das ICC no desenvolvimento regional (aplicando o princípio do «pensar primeiro em pequena escala», ou Think Small First, previsto no Small Business Act europeu).

c)

fomentar o «mercado interno» da criatividade, promovendo:

i.

a circulação;

ii.

o exercício efectivo do direito de estabelecimento;

iii.

o reconhecimento mútuo das qualificações profissionais, dos diplomas e das competências passíveis de certificação;

iv.

o desenvolvimento de um verdadeiro sistema de apoio ao sector (uma fiscalidade harmonizada para a protecção das pessoas que desenvolvem actividades criativas e do património criativo, acordos contra a dupla tributação, etc.);

v.

a troca de boas práticas e o desenvolvimento de co-produções e de parcerias transnacionais, para além das parcerias público-privadas (por exemplo, convenções múltiplas entre utilizadores e fornecedores de conteúdos), recorrendo igualmente a parcerias público-privadas com participação dos cidadãos, a nível local e regional.

d)

intensificar o diálogo das instituições universitárias com as PME e das empresas artesanais com as associações que as representam; melhorar as competências informáticas e tecnológicas dos estudantes e lançar iniciativas para a criação de novas empresas do sector, inclusive sob a forma de «tutoria por pares»;

e)

apoiar o financiamento da criatividade através, por um lado, da elaboração, a nível europeu, de linhas directrizes de planos de negócios para projectos/serviços/obras criativas e culturais, assim como de indicadores específicos de desempenho, capazes de facilitar a avaliação técnico-económica dos investimentos no sector; por outro lado, através de facilidades de crédito, de fundos de garantia conjuntos público-privados às PME e fundos rotativos, para além de novas formas de associação e de parceria entre os vários intervenientes dos subsectores em causa (TIC, edição, produção cinematográfica, música, etc.).

2.   O que são as indústrias culturais e criativas (ICC)?

2.1   As indústrias culturais e criativas (ICC) europeias, tal como reconhecido pela Estratégia Europa 2020, desempenham um papel central no crescimento, na competitividade e no futuro da Europa comunitária e dos seus cidadãos. São, por natureza, forças de inovação e criadoras de postos de emprego, desempenhando o papel de interface entre as diversas actividades industriais. Produzem ainda uma vantagem comparativa ímpar, sendo factores de desenvolvimento local e motores das mutações industriais.

2.2   O CESE destaca ainda o papel das ICC na sociedade europeia em prol do pluralismo e da diversidade cultural e enquanto instrumentos de promoção da identidade europeia. Contribuem, além disso, para a melhoria da qualidade de vida, a tolerância e a prevenção de comportamentos contrários à dignidade humana, à integração e à hospitalidade.

2.3   O presente parecer tem por ambição revelar o pleno potencial das indústrias culturais e criativas, enquanto pedras angulares da nova Estratégia Europa 2020 – como já frisado pelo Conselho Europeu e por actores-chaves no contexto das mutações industriais europeias. Tal pressupõe, em primeiro lugar, um conhecimento adequado dos fenómenos que são objecto de estudo, distinguindo entre conceptualização, análise dos processos de produção e consumo e governação.

2.4   Embora se fale de ICC de um modo geral, há que estabelecer uma distinção entre «cultura» e «criatividade». Com efeito, enquanto «cultura» designa, grosso modo, o conjunto de conhecimentos, usos e graus de desenvolvimento artístico e científico numa dada época ou grupo social (2), a «criatividade» é entendida especificamente como a capacidade de pensar de forma inovadora ou de produzir novas ideias, que combinem, de forma inédita, elementos da realidade (processos, objectos, conhecimentos, etc.). Esta não deverá, por seu turno, ser confundida com o termo «inovação», que se refere, de uma forma mais geral, a processos e produtos evolutivos do conhecimento, da técnica e dos instrumentos (3).

Esta distinção é fundamental, pois permite, por um lado, separar conceitos amiúde utilizados indistintamente na linguagem corrente. Por outro, reflecte as profundas interligações entre cultura, criatividade e inovação (ver também as conclusões do Conselho da UE sobre o contributo da cultura para o desenvolvimento regional e local, de 29 de Abril de 2010).

2.5   A natureza multidimensional da cultura e da criatividade dificulta o estabelecimento de uma abordagem analítica única – num extremo, há quem circunscreva a criatividade ao âmbito estrito das actividades culturais; no outro, há quem defenda que todas as indústrias são, por natureza, criativas. Em consequência, na identificação dos chamados «sectores criativos» corre-se um certo risco de arbitrariedade, o que se poderá repercutir na eficácia das políticas de apoio à Estratégia Europa 2020.

2.6   A demarcação das fronteiras do sector está igualmente relacionada com um problema de percepção tanto interna (intervenientes do sector que não se concebem como parte integrante de uma mesma indústria específica) como externa (sociedades que não reconhecem a especificidade sectorial de quem opera nas indústrias culturais e criativas).

3.   Panorama das ICC na Europa

3.1   Segundo a definição da Comissão Europeia, as ICC contribuem, no seu conjunto, com cerca de 2,6 % para o PIB da UE-27 e dão emprego a cerca de 5 milhões de pessoas (fonte: Livro Verde COM(2010)183 final). Outras fontes sugerem números ainda mais significativos. A diversidade das estatísticas reflecte naturalmente a diversidade da avaliação dos agrupamentos sectoriais que se enquadram na definição de ICC (ver recomendação, ponto 1.1. a)).

3.2   A balança comercial da UE-27 nos principais sectores ligados à criatividade registou (dados de 2007) um saldo positivo de 3 000 milhões de euros. Segundo a UNCTAD (Creative Economy Report, 2008), a indústria criativa continua a ser um dos principais sectores do comércio mundial em termos de crescimento. No período de 2000-2005, o comércio de bens e serviços ligados à criatividade cresceu quase 9 % a nível mundial, confirmando as perspectivas favoráveis de crescimento a longo prazo.

3.3   Os profissionais típicos do sector são, por um lado, os artistas, os criadores, os produtores, os editores e os performers, mas continuam a ser essenciais as áreas profissionais mais clássicas, tanto de carácter técnico como empresarial, como o artesanato. Convém destacar, porém, a ausência de legislação adequada no sector, de um reconhecimento específico das suas categorias profissionais e de protecção social apropriada (no caso, por exemplo, de contratos a curto e muito curto termo, em matéria de previdência social ou da promoção da mobilidade internacional).

3.4   As ICC apresentam, no entanto, potencialidades relevantes para o crescimento e o emprego da UE. A criatividade é, com efeito, universalmente considerada o motor do crescimento sustentável, inteligente e inclusivo, tal como a cultura exerce um papel fundamental no desenvolvimento de uma sociedade da informação e do conhecimento. Além disso, ambas são instrumentos para uma oferta mais competitiva e articulada, ao mesmo tempo que promovem a procura de conteúdos, educando para a diversidade cultural e contribuindo para a luta contra a exclusão e a discriminação.

3.5   A criatividade desempenha, além disso, um papel-chave ao nível da competitividade internacional, conferindo «valor imaterial» aos produtos e transformando-os numa forma particular de «experiência». Actualmente, são cada vez mais numerosas as actividades económicas – ainda que não pertencentes aos sectores criativos em sentido estrito – que canalizam recursos cada vez mais avultados para as actividades criativas associadas à concepção dos seus produtos. Assim, o sector criativo, para além de fundamental para a competitividade internacional das empresas, tem um impacto positivo no resto da economia (4).

3.6   Um outro elemento a não subestimar é a contribuição do desenvolvimento deste sector para a qualidade de vida dos seu locais de implantação, através da influência que exerce no sistema educativo, nos modelos de comportamento para os jovens, no interesse acrescido pela cultura, de que as actividades das ICC são um veículo de difusão, contribuindo para reforçar o dinamismo das cidades e dos territórios em causa.

3.7   De sublinhar, finalmente, as potencialidades oferecidas pela aplicação das novas tecnologias no sector – pense-se, nomeadamente, no fenómeno dos novos média sociais que permitem partilhar textos, imagens e conteúdos audiovisuais entre os utilizadores. Trata-se de um sector, do qual poderão emergir ideias interessantes, diálogos produtivos e debates frutuosos (veja-se, por exemplo, a Wikinomics), mas que, ao mesmo tempo, evidencia dificuldades de gestão, nomeadamente em matéria de direitos de propriedade intelectual dos conteúdos partilhados. Por último, as novas tecnologias podem contribuir para combater a pirataria digital.

3.8   Todavia, o sector permanece vulnerável. É dominado, por um lado, pelas PME, enquanto, por outro, está sujeito à formação de regimes de oligopólio que aniquilam a competição (o chamado efeito «best-seller») – pense-se, nomeadamente, nas empresas multimédia ou nas empresas de publicidade que operam a nível mundial.

O papel desempenhado pelas PME continua a ser fundamental. São elas que assumem os riscos ligados à inovação não tecnológica, ao investimento em novos talentos e em novas formas estéticas e à tentativa de assegurar aos consumidores uma oferta variada e diversificada.

3.9   É, contudo, necessária uma massa crítica de investimentos capaz de combater a penetração no mercado europeu de produtos instiladores de comportamentos e valores alheios à cultura europeia. Neste sentido, seria útil adoptar medidas específicas de apoio e de auxílio à promoção de sistemas locais de PME, ao desenvolvimento de pólos regionais e de «economias de aglomeração».

3.10   As políticas para a indústria cultural e criativa na Europa continuam a ser heterogéneas. Em alguns Estados-Membros, o sector beneficia de investimentos públicos relevantes, ao passo que noutros estes são de natureza essencialmente privada (5). À parte a avaliação da eficácia de tais políticas, é inegável que a fragmentação das legislações e dos mercados nacionais nesta matéria constitui, de facto, uma distorção da concorrência no mercado interno europeu. O próprio Livro Verde realça a importância de redobrar esforços em prol de uma maior concorrência europeia no sector, favorecendo assim a diversidade cultural. Um incentivo adequado à avaliação comparativa continua, além disso, a ser fundamental para a promoção de políticas europeias para o sector.

3.11   Ao nível da UE, tanto a Comissão (comunicação de 10 de Maio de 2007Uma agenda europeia para a cultura num mundo globalizado) como o Conselho (Plano de Trabalho para a Cultura 2008-2010, de 10 de Junho de 2008) e o Parlamento (ver Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de Abril de 2008, sobre as indústrias culturais na Europa) estabeleceram como objectivo optimizar o potencial das ICC, particularmente as PME. Entre as actividades programadas, refira-se a European Creative Industries Alliance (Aliança Europeia das Indústrias Criativas), que será lançada em 2011, no âmbito do Programa para o Espírito Empresarial e a Inovação (EEI) do Programa Competitividade e Inovação (PCI) (6). Outras iniciativas dizem respeito à criação de um grupo de trabalho para as ICC incluindo peritos dos próprios Estados-Membros, à realização de estudos sobre a contribuição da cultura para a criatividade, à dimensão empresarial das indústrias culturais e criativas, à contribuição da cultura para o desenvolvimento económico local e regional, para além da elaboração do Livro Verde sobre as ICC.

4.   Os temas em debate e as prioridades emergentes da consulta das partes interessadas

4.1   A Comissão, com a publicação do Livro Verde de 27 de Abril de 2010, abriu o debate sobre o potencial de crescimento das ICC, sublinhando o papel da diversidade cultural, da globalização e da digitalização enquanto motores do processo, bem como a necessidade de dotar as indústrias do sector de instrumentos adequados – como a possibilidade de experimentar e de investir, facilitando o acesso ao crédito – e de promover o seu desenvolvimento mediante uma nova orientação das políticas territoriais.

4.2   A acção da Comissão articular-se-á em três grandes linhas políticas: uma Agenda digital para a Europa – uma das sete iniciativas emblemáticas da Estratégia Europa 2020, no âmbito da qual a Comissão prevê criar um mercado único de conteúdos e de serviços em linha; acções específicas para reforçar o papel das ICC como catalisadoras da inovação e das transformações estruturais no contexto da iniciativa emblemática a União da inovação e uma estratégia em matéria de propriedade intelectual destinada a promover o equilíbrio necessário entre protecção e difusão dos novos modelos empresariais.

4.3   Contudo, o Livro Verde também deixa questões em aberto, com o fito de estimular um debate alargado a todos os intervenientes europeus no domínio da criatividade (em sentido lato). Com o presente parecer, o CESE pretende contribuir igualmente para o debate encetado pela Comissão, avançando sugestões e propostas operacionais concretas. Neste contexto, a principal referência do CESE continuam a ser as recomendações formuladas pela plataforma sobre o potencial das indústrias culturais e criativas. Do diálogo entre as partes interessadas, e no decurso das audições ad hoc no Comité, emergiram, no entanto, novos elementos.

4.4   Os espaços físicos da criatividade, os pólos de criatividade (clusters) e o seu papel no desenvolvimento territorial

4.4.1   Um primeiro aspecto do debate sublinhado no Livro Verde diz respeito aos «espaços para a experimentação, a inovação e o espírito empresarial» da criatividade e o papel desempenhado pelas novas tecnologias da informação. Na prática, criar a possibilidade de espaços de encontro para colaborações interdisciplinares, destinados também à experimentação das soluções mais inovadoras da indústria criativa, em que se explorarem com os cidadãos/utilizadores novas linguagens e formas de expressão, como, por exemplo, a fruição multisensorial dos conteúdos artísticos digitais (centros do futuro e/ou de negócios para os produtos e serviços da indústria criativa, realidade virtual e parques multimédia).

4.4.2   Tais espaços físicos, caracterizados por uma «febre transformadora», podem também funcionar como estímulo para combater a «perifericidade» de certos territórios em relação aos grandes centros urbanos de desenvolvimento criativo (os principais pólos da criatividade europeia correspondem, em geral, aos principais centros urbanos, como a região de Île de France, Inner London, a província de Milão, Amesterdão, Madrid, entre outros (7). – Ver Priority Sector Report: Creative and Cultural Industries, do Observatório Europeu dos Agrupamentos de Empresas – European Cluster Observatory).

4.4.3   São múltiplas as razões para a formação de pólos industriais de natureza criativa, nomeadamente: o desenvolvimento económico das cidades e regiões, o desenvolvimento da economia do conhecimento, o turismo criativo, a eficácia das cadeias de produção, os efeitos colaterais em termos da inovação, entre outros. Tendo isso em conta, haveria que realizar projectos específicos de alargamento de tais agrupamentos de empresas, promovendo a sua maior difusão em todo o território da União Europeia e a criação de redes a nível europeu.

4.4.4   Esta questão também está relacionada (ver Conclusões do Conselho da UE de 29 de Abril de 2010) com o papel central da indústria criativa – das suas redes e clusters – enquanto motor do desenvolvimento regional. O Priority Sector Report: Creative and Cultural Industries, do Observatório Europeu dos Agrupamentos de Empresas (European Cluster Observatory), revela empiricamente a existência de uma relação directa entre a localização da indústria criativa e o desenvolvimento territorial. O problema é escolher as formas de cooperação mais aptas a favorecer a integração das ICC no desenvolvimento estratégico regional.

4.4.5   Uma característica saliente dos clusters culturais e criativos é a dependência, sobretudo na fase de arranque, de intervenções de natureza pública e a necessidade de acções positivas de integração capazes de envolver o conjunto dos intervenientes locais: a administração pública, as empresas, o sistema de ensino e formação e a universidade, os agentes culturais, as profissões intelectuais e a sociedade civil. Com efeito, não se pode subestimar os laços entre tais agrupamentos de empresas e a comunidade territorial de origem. Emanando do «saber comum» do lugar, eles ganham raízes num ambiente propício e irreproduzível, que favorece a inovação e a mudança (ver casos de estudo como Bilbau, Valência, Amesterdão, a região do Ruhr, etc.).

4.4.6   Os órgãos de poder local (municípios, regiões, etc.), em colaboração com outras entidades (universidades, bancos, associações, fornecedores de conteúdos públicos e/ou privados, etc.), desempenham um papel fundamental na integração das ICC no desenvolvimento regional, com vista a cumprir os objectivos estratégicos do sector. A política de coesão da UE reconhece, designadamente, as múltiplas contribuições das ICC para os seus objectivos estratégicos (convergência, competitividade e emprego, cooperação territorial e integração das faixas mais vulneráveis da sociedade), ainda que o seu impacto específico seja difícil de precisar.

4.4.7   Entre os exemplos concretos de pólos de agregação e confronto da cultura e da criatividade fora dos grandes centros urbanos, amiúde em regiões desfavorecidas e/ou transfronteiriças, o CESE ressalta, para além da experiência consolidada de Valência, a experiência muito recente dos «laboratórios urbanos» da região da Apúlia na Itália, onde foram restaurados, equipados, apetrechados e mobilados imóveis obsoletos, edifícios escolares em desuso, edifícios históricos abandonados, antigos mosteiros, matadouros, mercados e quartéis, transformando-os, com o apoio do poder regional, em autênticos «contentores» culturais e criativos para os jovens.

4.5   O «espaço europeu» da criatividade – o quadro regulador

4.5.1   Um outro tema-chave para combater a «perifericidade» é a mobilidade dos artistas e dos operadores da indústria criativa. Na verdade, a troca de boas práticas continua a ser necessária para abrir novas perspectivas e incentivar os cidadãos europeus a conhecer e compreender melhor as culturas uns dos outros.

4.5.2   Todavia, são inúmeros os obstáculos à mobilidade, relacionando-se a maioria com as disposições em matéria de vistos, os regimes fiscais e outros entraves administrativos ligados às diferenças de regulamentação do sector de país para país e, muitas vezes, entre várias administrações regionais.

4.5.3   As propostas operacionais para favorecer a mobilidade são as seguintes: promover co-produções europeias e/ou a troca de experiências e de competências de carácter intra e inter-sectorial, tanto na fase de produção como na de concepção; garantir fundos para a tradução para as línguas menos faladas e não europeias; promover acções específicas para o reconhecimento mútuo das actividades, das qualificações profissionais e das competências passíveis de certificação; a assinatura de acordos contra a dupla tributação. As profissões intelectuais contribuem para criar uma «economia cultural criativa». Neste sentido podem participar num projecto-piloto em rede capaz de atrair contributos criativos provenientes também do exterior da União Europeia.

4.5.4   Neste contexto, as TIC oferecem novas oportunidades, tanto em termos da realização de produtos criativos, como da sua distribuição e consumo por parte dos utilizadores finais. Em Maio de 2010, a Comissão Europeia apresentou uma ambiciosa agenda digital para a Europa (a primeira das sete estratégias emblemáticas da Estratégia Europa 2020). Assente em sete objectivos, aquela prevê um novo mercado único para usufruir dos benefícios da era digital, um aumento significativo das possibilidades de acesso dos cidadãos europeus à Internet rápida e muito rápida, para além da intenção de dotar todos os cidadãos europeus de competências digitais e de lhes tornar os serviços em linha acessíveis.

4.5.5   O principal obstáculo às potencialidades digitais do sector é, no entanto, a ausência de um quadro regulamentar em matéria de protecção da propriedade intelectual dos conteúdos culturais e criativos em formato digital (cujas regras actuais estão amiúde orientadas para as exigências dos grandes operadores), bem como o direito de acesso aos conteúdos por parte de todos os utilizadores/cidadãos e PME, particularmente os que residem em regiões desfavorecidas (com frequência, sujeitos a regras de acesso restritivas e vexatórias).

4.5.6   A questão dos direitos de propriedade intelectual deve ser entendida em ligação com o problema da pirataria e da contrafacção, que, segundo estimativas, só em 2008 terá tido um impacto negativo na indústria criativa (cinema, televisão, produção musical e software) equivalente a 10 mil milhões de euros de receitas perdidas e 185 000 postos de trabalho a menos (ver o estudo TERA, Construir uma economia digital: a importância de salvaguardar os níveis de emprego nas indústrias criativas da UE). A pirataria digital é um crime que afecta empresas pequenas e grandes e que exige medidas mais incisivas e coordenadas a nível europeu para assegurar também a defesa dos consumidores e combater o fenómeno das produções ilegais em mais larga escala.

4.5.7   Neste âmbito, vale a pena aferir as potencialidades do modelo da fonte aberta (open source) e da wikinomics, dada a sua capacidade específica para valorizar o trabalho das pequenas empresas caracterizado por processos produtivos fragmentados, contributos criativos de grande individualidade, ciclos produtivos variáveis e recursos económicos limitados.

4.5.8   O relatório «CReATE project report on ICT and CI» (8) sobre as TIC e as indústrias criativas identifica quatro tendências principais que poderão permitir às TIC converter-se em motor do desenvolvimento económico das ICC: distribuição digital para facilitar a partilha dos conteúdos em linha; desenvolvimento das experiências visuais; a redução do efeito de «barreiras» e o desenvolvimento sustentável de novas empresas, particularmente nas regiões desfavorecidas da UE; capacidade para adaptar a organização do trabalho à dispersão territorial dos recursos, interligados apenas pela tecnologia e pelos fornecedores de conteúdos no âmbito de parcerias público-privadas com participação dos cidadãos.

4.5.9   Uma segunda questão levantada pela Comissão diz respeito à promoção da colaboração entre escolas de arte e design e empresas, particularmente artesanais, assim como o desenvolvimento das competências digitais, sobretudo onde são ainda inexistentes ou incipientes. Já o manifesto da UE para a criatividade, de 2009, sublinhara a necessidade de «reinventar o ensino», para que este possa preparar os cidadãos para a sociedade do conhecimento. Há, todavia, um problema específico de falta de coordenação entre ensino e mundo empresarial, particularmente em matéria do desenvolvimento da criatividade, das chamadas cibercompetências e, de um modo mais geral, da capacidade de adaptação dos recursos humanos ao extraordinário desenvolvimento do sector.

4.5.10   Neste contexto, as propostas operacionais são as seguintes:

a)

promoção de um maior conhecimento da indústria criativa na instrução básica; promoção de um «espírito empresarial criativo», criando maiores oportunidades de colaboração entre as escolas e os institutos de arte e design (por exemplo, estágios e seminários);

b)

realização de concursos e prémios para os jovens talentos e para os institutos que promovam as suas competências;

c)

promoção da educação artística e cultural e, de forma mais geral, do interesse pelo trabalho e pelos produtos da indústria criativa nos programas do ensino primário e secundário;

d)

iniciativas de apoio aos recém-licenciados do sector mediante facilidades económicas directas ou às empresas que lhes dão emprego;

e)

apoio à «empregabilidade» mediante processos de formação contínua e o reconhecimento europeu dos graus;

f)

aprofundamento dos conhecimentos informáticos e tecnológicos dos estudantes dos institutos de arte e design;

g)

estabelecimento de parcerias com as associações de PME e de artesanato na UE, que poderão contribuir eficazmente para o processo de transmissão dos saberes, do espírito empresarial e de todos os valores «imateriais» que estão na base do desenvolvimento criativo.

4.6   O financiamento da criatividade

4.6.1   Uma terceira questão levantada pela Comissão diz respeito ao financiamento da criatividade, ou seja, de como estimular os investimentos privados e as PPPP e melhorar o acesso ao crédito das ICC. A este propósito, note-se, por um lado, que uma maior atenção, por parte das empresas, aos aspectos da sustentabilidade económica e financeira dos projectos/obras lhes facilitaria inegavelmente o acesso ao crédito, e, por outro, que as instituições de crédito revelam pouca competência na avaliação e na previsão da rentabilidade económica e financeira de «ideias inéditas».

4.6.2   Avançam-se, neste âmbito, as seguintes propostas concretas:

a)

partilha das linhas directrizes de planos de negócios para projectos/serviços/obras criativas e culturais, assim como dos indicadores específicos de qualidade dos processos e de desempenho económico-financeiro, capazes de facilitar a avaliação técnico-económica dos investimentos no sector, evitando encargos económicos e administrativos inúteis para as PME;

b)

formar adequadamente os avaliadores, desenvolver políticas e programas destinados a ajudar as ICC com uma abordagem holística;

c)

garantir, com parcos recursos, facilidades de financiamento para as fases de concepção e de arranque dos projectos ou para a verificação preliminar da exequibilidade e sustentabilidade dos mesmos (por exemplo, uma certificação de viabilidade), permitindo atrair recursos adicionais para as fases de produção e para a divulgação dos resultados junto de um leque mais alargado de empresas interessadas;

d)

adoptar regimes fiscais que não penalizem as ICC, em particular as PME individuais ou colectivas, através de créditos fiscais e/ou isenções fiscais (por exemplo, reduzindo o IVA para os produtos «fora de linha» ou «em linha» do sector, tal como sucede nos EUA);

e)

criar facilidades de crédito, através de fundos mistos público-privados de garantia às PME (rede europeia de consórcios de garantia de crédito às PME) e rotativos;

f)

promover novas formas de associação e parcerias entre os diferentes intervenientes dos vários sectores (por exemplo, TIC, música, editoras, etc.).

4.6.3   Um tema relacionado é o do apoio europeu aos investimentos no sector. As políticas europeias de orientação e apoio ao sector também deveriam contribuir para fomentar a harmonização dos regulamentos nacionais e regionais e das políticas de promoção do sector em matéria de ajudas públicas e de acesso ao crédito, tanto privado como subsidiado, com o fito de criar parcerias e projectos entre territórios com diferentes níveis de desenvolvimento (ver o relatório de KEA, Business Innovation Suport Services for Creative Industries) (9).

4.7   A dimensão social da criatividade

4.7.1   Por último, há que destacar o tema do impacto social do desenvolvimento dos pólos (clusters) de criatividade. Com efeito, é intrínseca ao desenvolvimento das ICC uma estreita ligação entre o crescimento económico e o crescimento social das comunidades onde aquelas estão implantadas. O sector está intimamente ligado ao seu ambiente de referência: os agrupamentos de empresas alimentam-se das relações socioeconómicas locais, que não são reproduzíveis noutros contextos, do enraizamento territorial dos operadores do sector e da relação estreita do sector com a educação e a formação. Este facto requer a adopção de um diálogo estruturado entre as ICC e as administrações locais, adequando as competências institucionais/administrativas através de uma formação específica e da participação activa das comunidades locais.

4.7.2   O CESE reitera, por isso, a necessidade de fomentar, ao nível das instituições europeias, um diálogo estruturado sobre o tema do impacto social do desenvolvimento dos pólos (clusters) de criatividade e sobre a melhoria das condições de trabalho dos operadores do sector. O sector necessita, com efeito, de intervenções específicas em matéria de protecção social, tendo em conta as especificidades que o caracterizam, como, por exemplo, a difusão do trabalho precário, a existência de contratos a curto e muito curto prazo, a ausência de protecção adequada dos direitos de propriedade intelectual e a inexistência de normas que promovam a mobilidade dos trabalhadores, dos profissionais e dos artistas.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Ver, num outro contexto, o parecer sobre Melhorar os modelos de parcerias público-privadas participativas lançando os serviços em linha para todos na UE-27 (TEN/402, adoptado pelo CESE na reunião plenária de Setembro de 2010, ainda não publicado no JO).

(2)  Ver parecer do CESE sobre As indústrias culturais na Europa (JO C 108 de 30.4.2004, p. 68).

(3)  Ver parecer do CESE sobre «Libertar e reforçar o potencial de investigação, desenvolvimento e inovação na Europa» (JO C 325 de 30.12.2006, p. 16; ver, em particular, o ponto 4.12 e a nota 55).

(4)  Um estudo realizado pela sociedade KEA a pedido da Comissão Europeia (http://www.keanet.eu/report/BISScreativeindustries.pdf) destaca, neste contexto, três canais fundamentais: as ligações com o desenvolvimento local/regional, as relações intra-sectoriais (por exemplo, entre conteúdos criativos e TIC ou entre cultura e turismo) e as interligações entre sectores «criativos» e «não criativos». Este relatório foi redigido por ocasião do workshop organizado em Amesterdão pela DG Empresas e Indústria, durante o qual também foi elaborada a Declaração de Amesterdão (http://www.europe-innova.eu/creative-industries).

(5)  Naturalmente, uma avaliação pontual dos modelos de política industrial adoptados nos vários Estados-Membros exigiria, uma vez mais, uma definição inequívoca e consensual de ICC. Em todo o caso, os financiamentos públicos destinam-se, em geral, à promoção do sector cultural (teatro, cinema, arte, fundações, etc.), com um impacto significativo em todo o sector, dada a interrelação existente entre investimentos culturais e desenvolvimento das indústrias criativas.

(6)  A iniciativa terá um orçamento de 7,5 milhões de euros, prevendo-se que tenha um elevado efeito de alavancagem financeira (cerca de 100 milhões de euros em três anos).

(7)  Tais «aglomerações territoriais» dizem respeito, sobretudo, a subsectores específicos como o dos meios de comunicação por via informática, registo audio e registo vídeo.

(8)  Para mais informações sobre o relatório do projecto CreATe sobre as TIC e as indústrias criativas, consultar: http://www.lets-create.eu/.

(9)  Ver nota 4.


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/50


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas e que revoga a Decisão-Quadro 2002/629/JAI

[COM(2010) 95 final — 2010/0065 (COD)]

2011/C 51/10

Relator: Ionuț SIBIAN

Em 22 de Julho de 2010, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas e que revoga a Decisão-Quadro 2002/629/JAI

COM(2010) 95 final – 2010/0065 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 2 de Setembro de 2010.

Dada a renovação do Comité, a Assembleia decidiu votar o presente parecer na plenária de Outubro e designou Ionuț SIBIAN relator-geral ao abrigo do artigo 20.o do Regimento.

Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE apoia o empenho da UE na prevenção e na luta contra do tráfico de seres humanos, assim como na protecção dos direitos das vítimas de tráfico. Congratula-se também com a abordagem global e integrada da directiva proposta.

1.2

O tráfico de seres humanos é uma violação séria dos direitos humanos, um crime com várias facetas que têm, todas elas, de ser tidas em consideração. A definição proposta pela directiva abrange vários tipos de vítimas e de exploração, nomeadamente a mendicidade forçada e a exploração de actividades criminosas, que são dois novos domínios abrangidos por este acto legislativo. A definição cobre igualmente o tráfico para efeitos de remoção de órgãos, que constitui uma violação extremamente grave da integridade física e dos direitos humanos. O CESE apoia fortemente esta definição abrangente das infracções relacionadas com o tráfico de seres humanos.

1.3

O CESE concorda com a opinião de que as sanções penais para as infracções ligadas ao tráfico devem ser proporcionais à extrema gravidade destes crimes. Assim, recomenda a instauração de penas e sanções mais pesadas, aliadas à confiscação dos bens obtidos graças a actividades ilegais. As investigações financeiras têm de fazer parte das investigações sobre o tráfico de seres humanos. É imperativo harmonizar as penas e sanções entre os Estados-Membros.

1.4

Para além da instauração de sanções para os criminosos, outro aspecto da maior importância na luta contra esta enorme violação dos direitos humanos é garantir que as penas são cumpridas logo que proferidas pelo tribunal. O CESE recomenda que nos casos de tráfico de seres humanos não seja possivel comutar a pena ou libertar as pessoas antes de cumprido integralmente o período de prisão fixado na sentença.

1.5

O CESE corrobora a opinião de que as vítimas de tráfico estão numa situação vulnerável e devem ser protegidas no decurso do processo judicial contra a vitimização secundária e os traumas adicionais. O CESE recomenda que o artigo 7.o da directiva, que actualmente afirma que «os Estados-Membros devem, de acordo com os princípios de base do seu sistema jurídico, prever a possibilidade de não instaurar processos penais nem aplicar sanções às vítimas […]», seja reformulado, substituindo a palavra «possibilidade» por um termo mais forte, de forma a que a não-instauração de processo penal ou não-aplicação de sanções à vítima se torne a regra e não a excepção.

1.6

Tendo em conta a situação especial das vítimas de tráfico, o CESE propõe que lhes seja garantido apoio jurídico gratuito de qualidade a partir do momento em que elas tenham sido reconhecidas como tal.

1.7

No caso de menores, a assistência e o apoio deveriam consistir essencialmente no reagrupamento das crianças com as suas famílias, se estas últimas não estiveram envolvidas no tráfico.

1.8

Para conseguir a plena integração das vítimas e evitar que elas voltem a ser objecto de tráfico, deveria ser-lhes dado um período de reflexão (1) durante o qual, para além de assistência médica, lhes seria ministrada educação e formação profissional.

1.9

O princípio da não-repulsão tem também de ser aplicado no caso do tráfico de seres humanos, evitando que as vítimas sejam repatriadas para o país de origem, se tal constituir uma ameaça à sua vida ou à liberdade.

1.10

O CESE partilha da opinião de que de entre as medidas e decisões a tomar em matéria de tráfico de seres humanos se deveria incluir a prevenção. Neste contexto, é necessário um conhecimento e uma análise aprofundados das causas primárias do tráfico, a fim de se poder lutar contra esses factores de forma eficaz e reduzir, assim, a incidência do tráfico de seres humanos.

1.11

O tráfico de seres humanos é um problema simultaneamente mundial e local. O CESE crê que as políticas repressivas – acção policial e judicial – só serão eficazes se houver uma vasta cooperação entre ONG, associações patronais, o sector privado, sindicatos e todos os níveis de governo. Tem de ser criado um contexto hostil para os traficantes de seres humanos.

1.12

A sociedade civil também desempenha um papel central nos esforços de luta contra o tráfico. O CESE acolhe positivamente o facto de a directiva prever a cooperação com organizações da sociedade civil. É crucial que estas organizações sejam envolvidas em cada fase do processo, desde a identificação das vítimas até à prestação de assistência. As organizações da sociedade civil podem desempenhar um papel-chave na reintegração social de potenciais vítimas e, por conseguinte, produzir um efeito preventivo indirecto e contribuir para a prevenção da vitimização secundária e do envolvimento no tráfico de seres humanos.

1.13

O CESE concorda em que há falta de dados comparáveis no que diz respeito ao tráfico de seres humanos. Por conseguinte, é necessário recolher dados de qualidade sobre este fenómeno de forma harmonizada nos Estados-Membros da UE, criando, para o efeito, relatores nacionais.

1.14

A designação de relatores nacionais nesta matéria deveria tornar-se sistemática, e a sua tarefa claramente definida. De acordo com a directiva, os Estados-Membros têm direito a estabelecer relatores nacionais ou mecanismos equivalentes. O CESE considera que se deveria mencionar apenas um tipo de instituição e que esse órgão nacional deveria coordenar as políticas e as acções a nível regional e com os outros Estados-Membros, para evitar grandes discrepâncias entre os países da UE.

1.15

O CESE anseia por ver acções consistentes, satisfatórias e decisivas como resultado do acordo alcançado pelos Estados-Membros, relativo à designação de um coordenador europeu para a luta contra o tráfico de seres humanos a nível da UE.

2.   Proposta da Comissão

A proposta de directiva em apreço baseia-se na Convenção do Conselho da Europa e adopta a mesma abordagem global, que inclui a prevenção, a repressão, a protecção e o acompanhamento das vítimas. Além disso, a proposta comporta os seguintes elementos principais com valor acrescentado:

Medidas para tornar as penas proporcionais à gravidade dos crimes;

Uma norma de competência extraterritorial mais abrangente e vinculativa, que obriga os Estados-Membros a introduzirem uma acção judicial contra os nacionais e os residentes habituais que cometeram o crime de tráfico fora do território do Estado-Membro;

Alargamento do âmbito da disposição relativa à não-aplicação de sanções às vítimas pela sua participação em actividades ilegais, independentemente dos meios ilícitos que tenham sido utilizados pelos traficantes, de acordo com o Protocolo de Palermo;

Nível mais elevado de assistência às vítimas, em especial no que diz respeito ao tratamento médico, assim como medidas de protecção;

Protecção assegurada no país de origem se as vítimas forem enviadas para lá;

Medidas de protecção especiais para crianças, mulheres e outros grupos vulneráveis vítimas do tráfico de seres humanos;

Além disso, a integração de disposições de teor semelhante no acervo da UE mostra as vantagens decorrentes da existência de obrigações mais fortes na ordem jurídica da UE, nomeadamente a imediata entrada em vigor das medidas e o acompanhamento da sua aplicação.

3.   Observações na especialidade

3.1

O CESE apoia o empenhamento da UE em prevenir e combater o tráfico de seres humanos e proteger os direitos das pessoas objecto de tráfico. O objectivo da proposta de directiva é estabelecer regras mínimas para as sanções a aplicar a crimes de tráfico de seres humanos e intensificar os esforços para impedir este fenómeno e proteger as suas vítimas.

3.2

O CESE acolhe favoravelmente a abordagem global e integrada da directiva. Dado que o tráfico de seres humanos é uma forma de escravatura moderna e um negócio altamente rentável para a criminalidade organizada, que está em expansão na Europa (segundo os dados da avaliação efectuada pela Europol em 2009), é fundamental que a UE adopte uma abordagem global neste domínio centrada nos direitos humanos e colocando a tónica nas relações externas, políticas de regresso e reintegração, questões sociais, inclusão social, migração e asilo.

3.3

O CESE nota que a directiva tem em conta a evolução recente no fenómeno do tráfico de seres humanos e, por conseguinte, a definição do tráfico de seres humanos está em conformidade com as normas acordadas a nível internacional, tais como as definidas no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, em complemento à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e a Convenção do Conselho da Europa relativa à Luta contra o Tráfico de Seres Humanos.

3.4

O preâmbulo da proposta de directiva contém especificações claras relativas à definição do termo «pessoas particularmente vulneráveis». Uma vez que as crianças são mais vulneráveis e correm maior risco de se tornarem vítimas de tráfico, deveria ser dada especial atenção a esta categoria de vítimas. O CESE considera que, em primeiro lugar, devem ser salvaguardados os interesses da criança, tal como estipulado na Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e a Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

3.5

Não obstante, é importante que a definição de tráfico de seres humanos abranja todos os tipos de vítimas, incluindo mulheres e homens, reconhecendo a possibilidade de estarem numa posição de vulnerabilidade.

3.6

Todas as facetas deste crime são tidas em consideração. A definição de tráfico de seres humanos abrange vários tipos de vítimas e de exploração, nomeadamente a mendicidade forçada e a exploração de actividades criminosas, que são dois novos domínios abrangidos pela directiva proposta. A definição cobre igualmente o tráfico para efeitos de remoção de órgãos, uma violação extremamente grave da integridade física e dos direitos humanos. O CESE manifesta o seu forte apoio a esta definição abrangente das infracções relativas ao tráfico de seres humanos.

3.7

O CESE considera que os Estados-Membros deveriam integrar nas suas legislações uma definição mais abrangente de tráfico (e além disso, uma terminologia mais ampla em matéria de luta contra o tráfico), a fim de proporcionar um quadro quer permita atacar este fenómeno complexo e em evolução nas suas mais variadas formas. Por exemplo, deveriam também ser tidas em consideração as possíveis formas de criminalidade que recorram à internet e às tecnologias da informação, em geral.

3.8

A directiva constitui um importante passo no estabelecimento de níveis claros de penas e sanções. O documento tem como objectivo garantir o nível de sanções entre os Estados-Membros.

3.9

O CESE está consciente das dificuldades encontradas no processo de elaboração da directiva, nomeadamente no que diz respeito ao estabelecimento de níveis máximos uniformes para as sanções. No entanto, é importante que as sanções sejam harmonizadas, uma vez que há variações consideráveis entre os Estados-Membros: de três a vinte anos de prisão para infracções básicas e de dez anos a prisão perpétua se houver circunstâncias agravantes. Apesar das diferenças entre os vários sistemas e políticas em matéria penal, o CESE considera que uma política de sanções severas e pesadas e incriminações firmes, é a resposta ao aumento do número destes crimes.

3.10

A partir dos dados disponíveis, foi estimado que, todos os anos, várias centenas de milhares de pessoas são vítimas de tráfico para e dentro da UE. Além disso, em 2008, o número de casos de tráfico de seres humanos registados pela Eurojust aumentou mais de 10 % em relação a 2007. Hoje em dia, este tráfico existe de uma ou de outra forma nos 27 Estados-Membros e a incidência deste crime está a aumentar.

3.11

O peso das penas e sanções para aqueles que lucram com o tráfico de seres humanos deveria reflectir a gravidade do crime e ter um efeito verdadeiramente dissuasivo. As sanções propostas poderiam muito bem ser revistas, endurecendo as penas, uma vez que cinco anos de prisão, na opinião do CESE, não reflectem realmente a gravidade deste crime. Sanções mais pesadas serviriam melhor os objectivos da directiva em análise. No caso de circunstâncias agravantes, as penas deveriam ser ajustadas em conformidade. A prática de comutar sentenças de prisão devido a bom comportamento ou por ocasião da celebração de festividades nacionais ou outros acontecimentos não se deveria aplicar a esta categoria de crimes.

3.12

Assegurar que as penas são cumpridas é outro aspecto que deve ser considerado de importância fundamental pelos Estados-Membros. Dada a gravidade do crime, não deveria ser aceite a prática de comutação das sentenças de prisão e de libertação antes de cumprido integralmente o período fixado na sentença.

3.13

Para além das medidas punitivas previstas na directiva em análise, os Estados-Membros deveriam incluir sanções com vista à confiscação de bens, o que assestaria um rude golpe nos interesses económicos que motivam estas actividades (2), à proibição de saída do país e a restrições de certos direitos cívicos e políticos. As investigações sobre o tráfico de seres humanos deveriam igualmente incluir investigações financeiras.

3.14

O CESE corrobora a opinião de que as vítimas de tráfico estão numa situação vulnerável e devem ser protegidas contra a vitimização secundária e os traumas adicionais durante o processo judicial. Devem igualmente estar em condições de exercer eficazmente os seus direitos e obter a assistência e o apoio necessários.

3.15

O CESE concorda inteiramente em que as vítimas do tráfico de seres humanos devem ser protegidas da acção judicial e da aplicação de sanções devido a actividades criminosas praticadas como consequência de serem objecto de tráfico (por exemplo, utilização de documentos falsos, prostituição, imigração ilegal, etc.). Esta protecção é necessária para evitar uma maior vitimização e para encorajar as vítimas a testemunhar em processos judiciais. O artigo 7.o refere: «Os Estados-Membros devem, de acordo com os princípios de base do seu sistema jurídico, prever a possibilidade de não instaurar processos penais nem aplicar sanções às vítimas…». O CESE recomenda que a palavra «possibilidade» seja substituída por um termo mais forte, de forma a que a não instauração de processo penal ou não aplicação de sanções à vítima se torne a regra e não a excepção.

3.16

As vítimas de tráfico deveriam ser protegidas de vitimização secundária e de traumas adicionais durante os processos penais. Por conseguinte, deveria ser dada a possibilidade a todas as vítimas de tráfico de testemunhar atrás de uma tela ou em sala separada, de modo a não serem directamente confrontadas com os traficantes/autores do crime, o que poderia causar stress ou medo.

3.17

O CESE considera que qualquer pessoa, a partir do momento que é identificada como vítima de tráfico de seres humanos, deveria beneficiar de assistência jurídica gratuita e de qualidade, que é também do interesse do Estado, na medida em que garante que a vítima obtém a protecção necessária o mais rapidamente possível e assegura a sua participação voluntária em investigações e processos penais.

3.18

O CESE considera essencial reafirmar o princípio da não-repulsão, assegurando que as vítimas não são repatriadas para o país de origem, caso isso possa constituir uma ameaça à sua vida ou à liberdade.

3.19

O CESE considera que a norma de competência extraterritorial proposta pela directiva poderia criar conflitos de competência no processo penal.

3.20

A assistência e o apoio a crianças vítimas de tráfico de seres humanos deveriam consistir essencialmente no reagrupamento familiar das crianças se as famílias não estiveram envolvidas no tráfico.

3.21

Para conseguir a plena integração das vítimas e evitar que elas voltem a ser objecto de tráfico, deveria ser-lhes dado um período de reflexão (3) durante o qual, para além de assistência médica, lhes seria ministrada educação e formação profissional. O período de reflexão deveria ser concedido independentemente de as vítimas testemunharem contra os infractores e independentemente do regresso voluntário ao seu país de origem.

3.22

O CESE partilha da opinião de que de entre as medidas e decisões a tomar em matéria de tráfico de seres humanos se deveria incluir a prevenção, a protecção e a assistência às vítimas, bem como uma cooperação mais estreita entre todas as partes interessadas.

3.23

Os Estados-Membros deveriam ter em consideração as causas que estão na origem do tráfico, nomeadamente a pobreza e as disparidades na legislação dos diferentes países. Distribuição desequilibrada da riqueza, défice na educação, discriminação, má governação, taxas de desemprego elevadas, sistemas de aplicação da lei ineficientes, conflitos armados e corrupção criam um ambiente favorável ao tráfico de seres humanos. A luta contra estes factores deveria contribuir igualmente para a redução do tráfico de seres humanos.

3.24

Apesar de a directiva definir «pessoa colectiva» como uma pessoa que pode ser considerada responsável por infracções penais referentes ao tráfico de seres humanos (excluindo os Estados ou organismos públicos no exercício da autoridade do Estado), é importante que os Estados tomem todas as medidas necessárias para identificar e erradicar a participação ou a cumplicidade do sector público neste tráfico. Os funcionários públicos envolvidos em tais actividades ilegais ou criminosas deveriam ser processados e condenados sem qualquer excepção.

3.25

Os Estados-Membros devem ter em conta que este tráfico também se rege pela lei da oferta e da procura. A este respeito, deveriam ser tomadas medidas para diminuir a procura e assim ajudar a reduzir o tráfico existente. Se os Estados-Membros adoptassem medidas apropriadas para desencorajar a procura que estimula todas as formas de exploração e tomassem igualmente precauções para minimizar o risco de as pessoas se tornarem vítimas de tráfico, seria dado um enorme passo em frente para a redução da ocorrência deste crime.

3.26

O tráfico de seres humanos é um problema simultaneamente mundial e local. O CESE crê que as políticas repressivas – acção policial e judicial – só serão eficazes se houver uma vasta cooperação entre ONG, associações patronais, o sector privado, sindicatos e todos os níveis de governo. Tem de ser criado um contexto hostil para os traficantes de seres humanos.

3.27

De acordo com a proposta de directiva, as medidas que os Estados-Membros devem tomar consistem em campanhas de informação e sensibilização, programas de investigação e educação, se necessário em colaboração com organizações da sociedade civil, com vista à diminuição do risco de pessoas, nomeadamente crianças, se tornarem vítimas do tráfico de seres humanos. O CESE considera que campanhas isoladas não são suficientemente eficientes e propõe campanhas de educação contínuas a nível europeu.

3.28

O CESE acolhe positivamente o facto de a proposta de directiva prever a cooperação com organizações da sociedade civil. É crucial que estas organizações sejam envolvidas em cada fase do processo, desde a identificação das vítimas até à prestação de assistência.

3.29

As organizações da sociedade civil podem desempenhar um papel-chave na reintegração social de potenciais vítimas e, por conseguinte, produzir um efeito preventivo indirecto e contribuir para a prevenção da vitimização secundária e da participação no tráfico de seres humanos. Os Estados-Membros deveriam cooperar estreitamente com as ONG para dar assistência. Em cooperação com elas, os Estados-Membros poderiam apoiar o desenvolvimento de linhas telefónicas de assistência directa e outros recursos informativos para grupos em risco, vítimas de tráfico e as suas famílias.

3.30

O CESE sublinha que a Comissão Europeia (4) lançou um convite à apresentação de propostas no âmbito de um programa específico designado «Prevenir e combater a criminalidade», que fazia parte de um programa geral sobre «Segurança e protecção das liberdades». O objectivo é intensificar a política da UE de luta contra o tráfico, o que deveria contribuir para melhorar as medidas não legislativas de combate ao tráfico de seres humanos. A este respeito, as prioridades estabelecidas para 2010 incluem: prevenção, protecção das vítimas, acusação e investigação dos infractores, mecanismos de coordenação e cooperação, assim como a compilação de dados fiáveis. Este programa disponibiliza 4 milhões de euros e prevê o financiamento de 12 projectos. É um bom início, mas as ONG necessitam de muito apoio na luta contra o tráfico de seres humanos e os Estados-Membros deveriam assumir o compromisso de apoiar as organizações da sociedade civil nesta tarefa.

3.31

O CESE considera que a auto-regulação (por exemplo através de códigos de conduta), as práticas de comércio justo e a gestão da cadeia de abastecimento introduzidas nas empresas poderiam garantir que as vítimas de tráfico não seriam forçadas a trabalhar e não estariam, por conseguinte, envolvidas na produção de bens e serviços das empresas. A elaboração de orientações sobre boas práticas no recrutamento de trabalhadores migrantes e o estabelecimento de uma cooperação bilateral entre os países de origem e de acolhimento para monitorizar as condições de recrutamento e de trabalho dos trabalhadores migrantes são igualmente métodos muito bem-vindos para impedir este fenómeno.

3.32

Dado que as medidas para lutar contra o tráfico não se podem limitar à adopção de instrumentos legislativos, sendo necessária a aplicação de medidas suplementares não legislativas, como a compilação e a transmissão de dados, a cooperação, o desenvolvimento de parcerias e o intercâmbio das melhores práticas, o CESE gostaria de sublinhar a necessidade de uma abordagem única e coerente a nível europeu.

3.33

O CESE concorda em que há falta de dados comparáveis no que diz respeito ao tráfico de seres humanos. Por conseguinte, é necessário recolher dados de qualidade sobre este fenómeno de forma harmonizada nos Estados-Membros da UE, criando, para o efeito, relatores nacionais.

3.34

A designação de relatores nacionais nesta matéria deveria tornar-se sistemática, e a sua tarefa claramente definida. De acordo com a directiva, os Estados-Membros têm direito a estabelecer relatores nacionais ou mecanismos equivalentes. O CESE considera que se deveria mencionar apenas um tipo de instituição e que esse órgão nacional deveria coordenar as políticas e as acções a nível regional e com os outros Estados-Membros, para evitar grandes discrepâncias entre os países da UE.

3.35

Apesar de o tráfico de seres humanos fazer parte de muitos acordos entre a União Europeia e países terceiros (por exemplo, da Parceria Estratégica África-UE e da Parceria Oriental) e ser igualmente uma das prioridades dos Acordos de Estabilização e Associação realizados entre a União Europeia e os Balcãs Ocidentais, o CESE considera que a luta contra o tráfico de seres humanos se deveria tornar numa das tarefas prioritárias destes acordos. Dever-se-ia promover activamente a criação de acordos semelhantes entre a UE e outros países.

3.36

O CESE espera que do acordo alcançado pelos Estados-Membros relativo à designação de um coordenador europeu para a luta contra o tráfico de seres humanos a nível da UE resultem medidas coerentes, satisfatórias e determinantes.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Este período de reflexão poderia ser de pelo menos seis meses como na Noruega.

(2)  O relatório da Europol publicado em 2009 sobre o tráfico de seres humanos na União Europeia mostra que se trata de uma actividade que rende muitos milhões de euros por ano.

(3)  Este período de reflexão poderia ser de pelo menos seis meses como na Noruega.

(4)  Direcção-Geral Justiça, Liberdade e Segurança, Direcção F: Segurança, Unidade F4: Apoio Financeiro – Segurança.


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/55


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao Ano Europeu do Envelhecimento Activo (2012)

[COM(2010) 462 final]

2011/C 51/11

Relatora: Renate HEINISCH

Co-relator: José Isaías RODRÍGUEZ GARCÍA-CARO

Em 7 de Setembro de 2010, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu decidiram, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao Ano Europeu do Envelhecimento Activo (2012)

COM(2010) 462 final.

Em 14 de Setembro de 2010, a Mesa do Comité decidiu incumbir da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, na sua 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010 designar Renate HEINISCH relatora-geral e José Isaías RODRÍGUEZ GARCÍA-CARO co-relator-geral e adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1

O CESE é favorável à proposta de designar o ano 2012 Ano Europeu do Envelhecimento Activo. No entanto, este título e o conceito que lhe está subjacente não reflectem o que, em sua opinião, deveria estar no centro desse Ano Europeu, ou seja, um envelhecimento activo, mas também com saúde, dignidade e alegria de viver. Assim, o «envelhecimento activo» não deve entender-se apenas como a possibilidade de prolongar a actividade profissional ou a participação na sociedade. Solicita-se, por isso, à Comissão que adopte um título menos restritivo que leve também em conta estes outros aspectos da qualidade de vida.

1.2

Até à data, os Anos Europeus, no seu formato actual, não conseguiram agradar plenamente, tanto no que respeita ao modo como se processaram como ao seu teor. É importante que as iniciativas levadas a cabo sejam mais visíveis e mais eficazes em termos de conteúdo.

1.3

A actual proposta da Comissão não prevê uma coordenação clara a nível da UE. É, no entanto, indispensável uma coordenação por uma entidade central e competente para que a iniciativa tenha um impacto forte e duradouro.

1.4

A coordenação central é também necessária à elaboração de um orçamento e distribuição dos recursos. O CESE entende que falta aqui um quadro orçamental concreto.

1.5

Para que o Ano Europeu 2012 tenha efeitos positivos, impõe-se harmonizar, a nível europeu, os conceitos de «envelhecimento», «activo», «saudável» e «digno». Só uma interpretação consensual destas noções fundamentais levará a medidas comparáveis.

1.6

O CESE congratula-se por o Parlamento Europeu, os Estados-Membros, o Comité das Regiões e ele próprio serem associados à realização das actividades, como referido no artigo 5.o. Considera-se particularmente apto a assumir a liderança no tocante às medidas de sensibilização e à condução de debates construtivos entre os parceiros sociais e a sociedade civil organizada, bem como à divulgação do seu conteúdo. Contempla, em particular, a criação de um observatório para avaliar os desenvolvimentos a nível europeu e nacional e, consequentemente, apoiar a «Aliança Europeia para o Envelhecimento Activo», cuja criação foi também proposta e que seria incumbida de coordenar as medidas a nível da UE. Poderia ainda desempenhar o papel de «Embaixador do Ano Europeu». Além disso, seria útil organizar uma conferência sobre os aspectos mais importantes do Ano Europeu, cujas conclusões seriam incluídas num parecer de iniciativa a elaborar pelo observatório.

2.   Observações na generalidade

2.1

Os desafios da evolução demográfica com que os Estados-Membros se deparam têm sido debatidos, já desde há alguns anos, tanto na Comissão Europeia como no CESE. Esses debates focaram, entre outras questões, a solidariedade entre gerações, os trabalhadores mais velhos, os cuidados de saúde, os cuidados às pessoas idosas e os cuidados prolongados, a violência contra os mais velhos, a aprendizagem ao longo da vida, as necessidades dos idosos e o impacto do envelhecimento da população nos sistemas de saúde e de protecção social (1).

2.2

A proposta de proclamar 2012 o «Ano Europeu do Envelhecimento Activo» inscreve-se na linha dos objectivos das últimas Presidências do Conselho, da Estratégia Europa 2020 e dos Anos Europeus 2010 (combate à pobreza e exclusão social) e 2011 (voluntariado). O CESE concorda que o título abreviado (envelhecimento activo) é conciso, englobando, ainda que não expressamente mencionado, o princípio da solidariedade entre gerações. Não reflecte, porém, a diversidade dos temas a abordar.

2.3

A Organização Mundial de Saúde define o envelhecimento activo como o processo de optimizar as oportunidades para a saúde, participação na sociedade e segurança a fim de melhorar a qualidade de vida das pessoas na velhice (2). Esta definição sugere que a promoção do envelhecimento activo passa sobretudo por proporcionar aos idosos boas condições de saúde e autonomia. Podem, assim, aumentar as possibilidades de participação dos idosos tanto no mercado de trabalho, mercê da melhoria das condições de trabalho, como na sociedade graças à eliminação das várias formas de exclusão social e às actividades de voluntariado. Não se pode falar de envelhecimento activo sem um mínimo de segurança. O CESE está, por conseguinte, convicto de que um título como Ano Europeu do Envelhecimento Activo, Saudável e Digno seria bastante mais eloquente.

2.4

O CESE envolveu sempre as direcções-gerais pertinentes nos debates que realizou durante a elaboração dos pareceres mencionados supra (3). Por isso, congratula-se com o plano da Comissão de envolver no Ano Europeu de 2012 todas as direcções-gerais pertinentes com os seus recursos estruturais e financeiros próprios, pelo que considera importante que essa participação se faça de forma coordenada.

2.5

Neste contexto, o CESE considera positivo que o tema do Ano Europeu 2012 continue a ser debatido, tanto no ateliê «Envelhecimento Saudável: Preparar os consumidores para um envelhecimento activo» (4) como no Terceiro Fórum Demográfico (5).

2.6

Aprova também o calendário de três anos (de 2011 ao início de 2014) previsto na proposta. Este período mais longo ajudará a inscrever o tema em todos os domínios políticos pertinentes.

2.7

O CESE acolhe favoravelmente as prioridades temáticas referidas na proposta. No ponto 3.3 («Conteúdo das medidas»), apresenta aditamentos de conteúdo que considera necessários.

3.   Observações na especialidade

3.1   Artigo 1.o«Objecto»

3.1.1

No debate público sobre a evolução demográfica, o envelhecimento da população foi durante muito tempo considerado um fardo para a sociedade em geral e para os sistemas de saúde e de protecção social, em particular. Esta perspectiva negativa começa, gradualmente, a modificar-se. Cada vez mais se presta atenção ao potencial dos mais velhos e se valorizam as oportunidades oferecidas por uma sociedade em envelhecimento.

3.1.2

No entanto, para que os aspectos positivos decorrentes da evolução demográfica beneficiem tanto os idosos como a sociedade em geral é condição indispensável que as pessoas possam envelhecer em boas condições de saúde e de segurança, já que só desse modo poderão explorar activamente o seu potencial e pô-lo ao serviço da solidariedade intergeracional. Só um título como o proposto no ponto 2.3 levaria também em conta estas condições imprescindíveis.

3.1.3

Para que o Ano Europeu 2012 tenha efeitos positivos, impõe-se harmonizar, a nível europeu, os conceitos de «envelhecimento», «activo», «saudável» e «digno». Só uma interpretação consensual destas noções fundamentais levará a medidas comparáveis.

3.2   Artigo 2.o«Objectivos»

3.2.1

Por «envelhecimento activo» não se deve entender apenas a possibilidade de prolongar a actividade profissional ou a participação na sociedade através de actividades de voluntariado. Deve-se, antes, reconhecer e valorizar os diversos contributos dos mais velhos para a sociedade em geral e evitar a exclusão social. Entre esses contributos contam-se a ajuda financeira e/ou social a familiares mais jovens, os cuidados prestados ao parceiro e aos amigos, a criatividade intelectual e artística e a capacidade de inovação, a transmissão de experiências e de valores e muito mais. Até certo ponto, todas estas actividades podem ser exercidas mesmo se a pessoa em causa estiver limitada por problemas de saúde ou de outra ordem. É nesses casos, em que as condições são mais penosas, que o seu exercício é ainda mais louvável.

3.2.2

Neste contexto, o Comité louva e apoia os objectivos fixados pela Comissão destinados a i) criar melhores condições de trabalho para os trabalhadores mais velhos, ii) fomentar a participação na sociedade e iii) incentivar o envelhecimento saudável. Considera, no entanto, que a eles se deveria acrescentar o objectivo do envelhecimento com dignidade e em segurança.

3.2.3

O CESE considera também adequadas as medidas previstas para alcançar os objectivos enumerados, os quais deverão ser perseguidos pela seguinte ordem:

sensibilizar,

estimular a cooperação e as sinergias entre os Estados-Membros,

propor um quadro de compromisso e de acção concreta.

3.3   Artigo 3.o«Conteúdo das medidas»

3.3.1

O Comité considera adequadas as medidas referidas no artigo 3.o da proposta. São, no entanto, formuladas de modo demasiado geral, assemelham-se às formulações utilizadas nos Anos Europeus anteriores e prestam-se a todo o tipo de campanhas. Deveriam procurar chegar mais aos cidadãos e não ficar limitadas à esfera dos especialistas. Algumas das propostas apresentadas na consulta empreendida a este respeito poderiam ter um impacto mais forte junto do público. Além disso, o CESE sugere que se incluam nos debates subsequentes as seguintes questões, já abordadas em pareceres anteriores:

3.3.1.1

Para permitir aos cidadãos mais velhos prolongarem a sua participação na vida activa, são necessárias vastas medidas e melhorias (6).

3.3.1.2

Para facilitar e valorizar a diversificada contribuição voluntária e benévola dos cidadãos mais velhos para a sociedade em geral e para as gerações mais novas, importa criar um estatuto europeu do voluntariado, harmonizar este conceito, reconhecer e melhorar as qualificações dos voluntários (7) e criar um enquadramento para este tipo de «trabalho», para que ele não tenha consequências negativas nas oportunidades de acesso dos mais jovens ao mercado laboral.

3.3.1.3

Para manter o potencial de actividade dos mais velhos é necessário reforçar a prevenção e promover a saúde e a educação para a saúde em todas as faixas etárias (8).

3.3.1.4

Deve procurar-se abrir o sistema de ensino formal aos mais velhos, com vista a apoiar a sua formação contínua e a sua inclusão social. Esta abertura deve contemplar também o acesso dos mais velhos, qualquer que seja o seu grupo social, às novas TIC (por exemplo, através do programa da UE Envelhecer bem na sociedade da informação) (9).

3.3.1.5

É necessário ter em mente que a evolução demográfica também gera oportunidades, por exemplo, no que diz respeito, à criação de novas carreiras e empregos nos domínios da prestação de cuidados, à coordenação de diversos sectores de actividade, ao aconselhamento político, etc. O novo grupo de consumidores constituído pelos cidadãos mais velhos também representa uma oportunidade para a economia, por exemplo nos domínios do «desenho para todos», da assistência à autonomia no domicílio (AAL – Ambient Assisted Living) e do aconselhamento em questões de defesa do consumidor. Importa ainda apoiar os consumidores e reforçar os seus direitos (10).

3.3.1.6

Em todos os domínios referidos as medidas devem pautar-se por uma orientação igualitária, tratando todos os grupos populacionais sem distinção: homens e mulheres, pessoas mais e menos saudáveis, população migrante e nativa. Importa dedicar uma atenção especial às pessoas que vivem em situação de pobreza (11).

3.3.2

Para alcançar os objectivos nos domínios propostos, são necessárias diversas estratégias e iniciativas:

3.3.2.1

Campanhas regulares de sensibilização sobre o potencial das pessoas mais velhas, a fim de melhor as apreciar e de as motivar para o exercício da cidadania activa a nível local, regional e nacional. Aqui incluem-se também campanhas na comunicação social para difusão de uma nova perspectiva do envelhecimento.

3.3.2.2

Promoção de projectos europeus como, por exemplo, o «Transage» e a rede europeia LILL (Learning in Later Life), com vista a possibilitar o encontro e intercâmbio de experiências entre pessoas idosas de diferentes países europeus e sensibilizar para a aprendizagem ao longo da vida (incluindo a «aprendizagem para uma vida longa»).

3.3.2.3

Apoio de projectos visando a coexistência de gerações como, por exemplo, a criação de redes e centros intergeracionais, cafés onde se partilhem vivências, festivais europeus de cinema de várias gerações, etc., que permitam multiplicar as aprendizagens mútuas entre jovens e idosos e combater o isolamento dos mais velhos.

3.3.2.4

Neste contexto, é especialmente importante levar em consideração as diferenças locais e regionais. As actividades organizadas a nível local revelaram-se particularmente eficazes.

3.4   Artigo 4.o«Coordenação com os Estados-Membros»

3.4.1

Para garantir a adequada coordenação das actividades nacionais, é absolutamente necessário designar atempadamente coordenadores nacionais (no máximo até Março de 2011). Cada Estado-Membro deve zelar por que os responsáveis pela coordenação nacional envolvam um leque alargado de partes interessadas a nível nacional, regional e local, incluindo também organizações e intervenientes de menor dimensão, e os informem sobre a apresentação de pedidos, os procedimentos e as possibilidades de apoio existentes.

3.5   Artigo 5.o«Coordenação a nível da União»

3.5.1

O CESE toma nota das acções da Comissão para coordenar os trabalhos a nível da União, previstas neste artigo, mas manifesta apreensão quanto ao facto de a actual proposta não referir uma coordenação clara entre as diversas direcções-gerais e ao nível da UE. A coordenação por uma entidade central e competente é indispensável para que a iniciativa no seu conjunto tenha um impacto forte e duradouro.

3.5.2

Assim sendo, reputa necessárias as seguintes medidas:

3.5.2.1

Criação da Aliança Europeia para o Envelhecimento Activo  (12) já proposta pelo CESE, segundo o modelo da Aliança Europeia para as Famílias, com vista a inscrever o tema do envelhecimento activo, saudável e digno em todos os domínios políticos e assegurar a coordenação das medidas após 2012.

3.5.2.2

Afectação de recursos orçamentais à aplicação das medidas apresentadas, já que o CESE considera difícil, e possivelmente insuficiente, o financiamento no âmbito dos fundos e programas já existentes. Foram afectados 6 milhões de euros para o Ano Europeu do Voluntariado (2011) e 17 milhões para o Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social (2010). Solicita-se também um orçamento suficiente para o Ano Europeu de 2012. Dada a crise financeira, o CESE poderá aceitar que se utilizem na íntegra as verbas provenientes de programas já existentes, mas, nesse caso, importa deixar bem claro em que medida e para que projectos são utilizados os recursos dos fundos e dos programas propostos e como se faz a sua coordenação.

3.5.2.3

Enquanto «ponte entre as instituições europeias e a sociedade civil organizada», o CESE está disposto a desempenhar um papel de destaque no Ano Europeu de 2012. O Comité contempla, em particular, a criação de um observatório para avaliar os desenvolvimentos a nível europeu e nacional e, consequentemente, apoiar a «Aliança Europeia para o Envelhecimento Activo». Poderia ainda desempenhar o papel de «Embaixador do Ano Europeu». Além disso, seria útil organizar uma conferência sobre os aspectos mais importantes do Ano Europeu, cujas conclusões seriam incluídas num parecer de iniciativa.

3.6   Artigo 6.o«Coerência e complementaridade»

3.6.1

A questão do envelhecimento activo, saudável e digno deverá desenvolver-se tendo como base os resultados dos Anos Europeus anteriores (2010 e 2011) e ser considerada neste contexto mais alargado, uma vez que tanto o combate à pobreza como o incentivo à participação voluntária na sociedade estão directamente relacionados com um envelhecimento activo, saudável e digno.

3.7   Artigo 7.o«Avaliação»

3.7.1

O Comité considera muito positiva a elaboração de um relatório de avaliação do Ano Europeu, previsto, o mais tardar, para o início de 2014. Neste caso – como, aliás, no caso de outros programas – importa desenvolver procedimentos que prevejam a abolição das medidas que se tenham revelado ineficazes.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Ver a lista de pareceres: http://www.eesc.europa.eu/sections/soc/index_en.asp.

(2)  «(…) as the process of optimizing opportunities for health, participation and security in order to enhance quality of life as people age», Organização Mundial de Saúde (2002) Active Ageing - A Policy Framework [Envelhecimento Activo – Enquadramento Político], p. 12.

(3)  Ver ponto 2.1, nota 1.

(4)  «Healthy Ageing: Consumer empowerment for active ageing», em 18.10.2010.

(5)  «Third Demography Forum», em 22 e 23.11.2010.

(6)  A este respeito, veja-se, por exemplo, o parecer de iniciativa do CESE de 25.3.2009 sobre a Situação dos Trabalhadores Mais Velhos Face às Mutações Industriais – Assegurar o apoio e gerir a diversificação da estrutura de idades nos sectores de actividade e nas empresas Relator: Marian Krzaklewski (JO C 228 de 22.9.2009, p. 24).

(7)  A este respeito, veja-se, por exemplo, o parecer do CESE de 13.12.2006 sobre O papel e o impacto do voluntariado na sociedade europeia, relatora: Erika Koller, co-relatora: Soscha Eulenburg (JO C 325 de 30.12.2006, p. 46).

(8)  A este respeito, veja-se, por exemplo, o parecer exploratório As consequências do envelhecimento da população para os sistemas sociais e de saúde, relatora: Renate Heinisch (JO …).

(9)  A este respeito, veja-se, por exemplo, o parecer do CESE de 13.3.2008 sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Plano de acção para a educação de adultos — Nunca é tarde para aprender, relatora: Renate Heinisch, co-relatora: An Le Nouail Marlière, co-relator José Isaías Rodríguez García-Caro (JO C 204, de 9.8.2008, p. 89).

(10)  Ver parecer indicado na nota 8.

(11)  Em 2008, o número de pessoas mais velhas (faixa etária de 65 anos ou mais) em risco de pobreza chegou a 19 % na UE a 27. Ver http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/living_conditions_and_social_protection/data/database.

(12)  Ver parecer indicado na nota 8.


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre como mobilizar o investimento privado e público com vista ao relançamento da economia e à mudança estrutural a longo prazo: desenvolver parcerias público-privadas

[COM(2009) 615 final]

2011/C 51/12

Relator: Bernard HUVELIN

Em 19 de Novembro de 2009, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Mobilizar o investimento privado e público com vista ao relançamento da economia e à mudança estrutural a longo prazo: desenvolver parcerias público-privadas

COM(2009) 615 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 7 de Setembro de 2010.

Atendendo à renovação do mandato do Comité, a Assembleia decidiu examinar este parecer na reunião plenária de Outubro e designou Bernard HUVELIN relator-geral, em conformidade com o artigo 20.o do Regimento.

Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 151 votos a favor, 3 votos contra e 11 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1   A Comissão acaba de publicar uma comunicação intitulada Mobilizar o investimento privado e público com vista ao relançamento da economia e à mudança estrutural a longo prazo: desenvolver parcerias público-privadas (PPP), datada de 19 de Novembro de 2009, na qual indica as suas orientações políticas para o futuro.

Este documento é uma iniciativa louvável e pode ser considerado uma interessante reflexão de base sobre PPP, de grande actualidade, num contexto em que há necessidade de mobilizar os investidores privados, tanto mais num período de crise financeira, e em que se registou em 2009 uma redução importante das parcerias público-privadas (tanto em número como em volume). O documento faz, por um lado, um inventário das suas vantagens e especificidades e, por outro, analisa as razões que nos últimos anos travaram o desenvolvimento da sua utilização. No entanto, convém ter também em conta algumas eventuais desvantagens inerentes às PPP e a experiência com algumas iniciativas no passado (custo das transacções, risco de renegociação, redução a médio ou a longo prazo da intensidade da concorrência, expectáveis aumentos frequentes dos custos a longo prazo, cláusulas – ocultas na complexidade dos contratos – com desvantagens a longo prazo para os parceiros públicos, perda do controlo democrático), bem como os problemas, decorrentes das disposições do EUROSTAT, que resultam da possibilidade de contornar a declaração de défices orçamentais e levam a que sejam concedidos incentivos indevidos (muitas vezes com aumento dos custos).

A Comissão refere nomeadamente nesse documento que se propõe «examinar novas formas de apoiar o desenvolvimento das PPP». A sua comunicação deveria ser completada por propostas de desenvolvimento do quadro institucional, que permita reduzir os problemas e os inconvenientes das PPP.

Os argumentos a favor das PPP mencionados na comunicação são os seguintes:

melhorar a relação custos-benefícios das infra-estruturas, explorando a eficiência e o potencial inovador de um sector privado competitivo;

repartir o custo do financiamento das infra-estruturas ao longo de toda a sua vida útil;

melhorar a partilha dos riscos entre os sectores público e privado;

promover os esforços realizados em matéria de desenvolvimento sustentável, inovação e de investigação e desenvolvimento;

Atribuir ao sector privado a possibilidade de desempenhar um papel de liderança e central na elaboração dos programas industriais, comerciais e de infra-estruturas essenciais;

por último, aumentar as quotas de mercado das empresas da UE no domínio dos contratos públicos de países terceiros.

Há que recordar, por último, e na medida do necessário, que para a Comissão o conceito de parceria público-privada abrange tanto os contratos de concessões (pagamentos assegurados pelo utente da infra-estrutura) como o contrato de parceria público-privada, com o pagamento, total ou parcial, pela entidade pública.

1.2   Os cinco objectivos apontados pela Comissão para 2010

A Comissão propõe na sua comunicação:

criar um grupo PPP no qual os intervenientes poderão debater os problemas com que se defrontam e definir as orientações para ajudar os Estados-Membros a diminuir os encargos administrativos e a reduzir os prazos de aplicação;

reforçar, em concertação com o BEI, os recursos financeiros disponíveis para as PPP, elaborando ou melhorando os instrumentos financeiros nos domínios fundamentais da sua acção;

zelar para que no caso de financiamentos comunitários, a atribuição dos fundos públicos não seja objecto de nenhuma discriminação baseada no gestor do projecto (privado ou público);

elaborar um quadro mais eficaz para a inovação, incluindo a possibilidade de a UE participar em organismos de direito privado e investir directamente em projectos específicos;

por último, reflectir sobre a apresentação de instrumentos legislativos específicos, referentes às concessões, tendo por base os resultados da avaliação de impacto em curso.

1.3   No entanto, o exame do texto da Comissão conduz-nos a considerar que não foram referidos alguns aspectos menos positivos constatados em determinados países ou em certos tipos de contrato. Trata-se nomeadamente dos insucessos no desenrolar de determinadas operações que é necessário mencionar, fundamentalmente para daí retirar as devidas consequências para as propostas defendidas pelo CESE. As principais causas de insucesso que puderam ser registadas incidem essencialmente nos seguintes aspectos:

insuficiente transparência em alguns países ou de certos contratos ou análises de viabilidade económica, dos relatórios de desempenho, etc., entre os parceiros públicos e privados, incluindo nos subcontratos a outras empresas, que constitui um entrave ao controlo democrático;

eventuais pressões que podem ser exercidas sobre os políticos para a realização de algumas PPP, que implicam aumentos de custos, pois nas PPP em que os investimentos na construção no início do período de vigência do contrato são financiados, fundamentalmente, com capital privado os projectos (de infra-estruturas) – em comparação com o processo convencional com base em financiamento público – podem ser realizados antecipadamente mercê das actuais normas orçamentais do EUROSTAT. Nas PPP em que a remuneração do operador é feita através do orçamento, o financiamento privado aumenta indirectamente o endividamento do Estado, pois, tal como no caso dos empréstimos públicos, o financiamento privado cria obrigações de pagamento futuras que limitam a flexibilidade do legislador relativamente aos orçamentos subsequentes;

a ausência, em alguns casos, de uma verdadeira avaliação prévia que possibilite uma escolha objectiva tanto do procedimento de criação da PPP como do adjudicatário do contrato;

em alguns casos, a repartição dos riscos entre a parte pública e a privada que escapa ao princípio de uma verdadeira parceria entre os intervenientes;

por último, em alguns casos, as lacunas na fiscalização pelas autoridades públicas competentes.

Todos estes pontos foram tomados em consideração nas propostas do CESE.

1.3.1   A proposta do CESE é assim orientada em torno de três ideias:

1.3.2   Antes de mais, estar-se consciente de que uma abordagem séria pelo CESE pode ter uma real influência nessa matéria, importante para o futuro das infra-estruturas em geral (e portanto para o crescimento económico e a gestão pública), sem nunca esquecer de que estamos perante uma contribuição – a ponderar de forma crítica – para a elaboração de um instrumento para utilização dos mandantes do sector público, sendo que estes mantêm naturalmente em qualquer caso a liberdade de o utilizar ou não.

O CESE ambiciona ser um verdadeiro motor neste domínio, contribuindo para o desenvolvimento e a promoção das boas práticas observadas mas velando, ao mesmo tempo, por que sejam reduzidos os falsos incentivos, reconhecidos e solucionados os problemas em matéria de controlo democrático e social e tidos devidamente em conta os efeitos a longo prazo das PPP. Ainda muito está por realizar de forma a que o instrumento proposto seja o melhor possível.

1.3.3   Em seguida, e atentos às boas práticas registadas e aos insucessos em determinados casos, é necessário sugerir aditamentos ao documento da Comissão de forma a dar a este instrumento (a PPP) uma base que seja aceitável em todos os Estados-Membros, mas também para ter em consideração os resultados positivos e as dificuldades encontradas na sua aplicação e elaborar as disposições para as evitar no futuro.

1.3.4   O CESE solicita que a aplicação das disposições contratuais das PPP seja realizada no respeito do conjunto de leis e regulamentações sociais aplicáveis às actividades em questão (concepção, construção, manutenção). As entidades competentes deverão poder insistir na contratação do pessoal habitual nas condições em vigor anteriormente. A esse respeito, o CESE recomenda que as colectividades que participam nos contratos PPP integrem essas exigências sociais nos seus cadernos de encargos e tenham em conta as respostas recebidas quando das negociações com os adjudicatários. O mesmo se deverá aplicar à acessibilidade das pessoas com mobilidade reduzida às instalações realizadas no quadro das PPP, em conformidade com as leis e regras em vigor em toda a União Europeia.

1.3.5   Atendendo a que nos projectos de PPP são utilizados dinheiros públicos e se deve tratar de uma decisão livremente adoptada pelo mandante do sector público, o CESE solicita que:

se proceda à publicação dos contratos de projectos de PPP;

se pondere a hipótese de modificar as normas do EUROSTAT no sentido de o capital externo investido em projectos de PPP ser objecto, quando da análise do cumprimento das regras orçamentais, do mesmo tratamento dado ao capital público investido em projectos realizados segundo o modelo tradicional de financiamento a cargo do orçamento

2.   Enquadramento económico e argumentos a favor das PPP na Europa

Segundo a Business Europe, apenas 4 % dos projectos de infra-estruturas no mundo são objecto de PPP. O Reino Unido é o Estado-Membro da UE que celebra mais contratos de parceria público-privada (58 % do total europeu) e os outros principais países utilizadores do instrumento PPP são a Alemanha, Espanha, França, Itália e Portugal.

Uma vez que a OCDE considera que os custos anuais para as estradas, vias ferroviárias, e para o fornecimento de electricidade e de água atingirão 2,5 % do PIB mundial em 2030, é imperativo que os poderes públicos utilizem todas as formas contratuais possíveis que permitam dar resposta às expectativas e necessidades dos serviços e das infra-estruturas públicas. O impacto histórico dos contratos de concessão e das PPP é, perante este problema, uma realidade incontornável, visto que demonstra que, ao mobilizar as competências, as capacidades e os capitais, as PPP podem ser uma firme base de apoio ao crescimento económico tanto mais que será necessário integrar nessa reflexão a redução prevista dos orçamentos destinados ao investimento em razão dos planos de austeridade que imperam na maior parte dos países europeus.

2.1   Os argumentos a favor das PPP são amplamente referidos no documento da Comissão, o qual, no entanto, não salienta os casos de insucesso de alguns projectos de PPP, imputáveis às seguintes causas:

a realização de projectos segundo o modelo das PPP, ainda que não seja adaptado a este instrumento. Neste contexto, há que salientar que a transferência para as empresas privadas dos diversos níveis de geração de valor associada a uma imputação dos riscos (dos custos) a essas empresas não traz necessariamente vantagens em termos de eficiência, e nomeadamente desde que se verifique uma série de condições (incerteza ambiental limitada, elevado potencial de optimização entre os diferentes níveis de geração de valor, intensidade competitiva não despicienda, conhecimentos técnicos do sector público em matéria de desenvolvimento, adjudicação e controlo de contratos, bem como outros aspectos relacionados);

foram realizadas algumas PPP que implicam aumentos de custos, pois nas PPP, em que os investimentos na construção no início do período de vigência do contrato são financiados, fundamentalmente, com capital privado, os projectos (de infra-estruturas) – em comparação com o processo tradicional com base em financiamento público – podem ser realizados antecipadamente mercê das actuais normas orçamentais do Eurostat. Nas PPP, em que a remuneração do operador é feita através do orçamento, pode-se aumentar indirectamente a dívida pública, pois, tal como no caso dos empréstimos públicos, no âmbito de algumas PPP são criadas obrigações de pagamento futuras que limitam a flexibilidade do legislador relativamente a orçamentos subsequentes. Do ponto de vista da política económica, deve ser, evidentemente, rejeitada a realização de PPP que contornem o princípio de base da limitação dos empréstimos públicos. Além disso, os políticos e outras partes interessadas deixam de ter interesse em realizar um controlo objectivo da viabilidade económica;

a insuficiente transparência de alguns contratos entre os parceiros públicos e privados, incluindo a subcontratação a outras empresas;

a transparência muitas vezes insuficiente dos contratos, das análises de viabilidade económica, dos relatórios de desempenho, etc., leva a que os diversos problemas de oportunismo que existem nestes contratos complexos, de longa duração e que prevêem possibilidades de pré-financiamento, não possam ser suficientemente dominados nem sujeitos a controlo democrático;

a ausência, em alguns casos, de uma verdadeira avaliação prévia que possibilite uma escolha objectiva tanto do procedimento de criação da PPP como do adjudicatário do contrato;

em alguns casos, a repartição dos riscos entre a parte pública e a privada que escapa ao princípio de uma verdadeira parceria entre os intervenientes;

por último, em alguns casos, as lacunas na fiscalização pelas autoridades públicas competentes no tocante, sobretudo, às repercussões nos orçamentos públicos e na qualidade das prestações.

Para melhor enquadrar os complementos a efectuar no seu parecer, o CESE adopta uma apresentação ligeiramente diferente, tendo em conta o que entende ser uma hierarquia mais realista das vantagens e dos inconvenientes da utilização das PPP.

2.1.1   Tem-se frequentemente tendência em considerar que o argumento orçamental é o primeiro argumento a ter em consideração na eventual escolha de uma PPP: sem o querer pôr de parte (iremos analisá-lo mais tarde) consideramos que um exame pormenorizado e a experiência adquirida demonstram que não é o elemento mais importante tendo em conta o balanço económico geral.

O primeiro argumento que pode justificar o recurso a uma PPP é a optimização do factor tempo. Todos os observadores imparciais e atentos das operações referentes às PPP verificam:

que o recurso às PPP permite lançar um equipamento público com muito maior celeridade do que através de um processo clássico. Esta vantagem em tempo induz uma «utilidade social» que ainda não se consegue efectivamente medir, mas que é obviamente importante. Essa utilidade social traduz-se, geralmente, num aumento da actividade económica, que por sua vez irá gerar receitas fiscais que irão atenuar o esforço financeiro da colectividade;

que se ganha frequentemente nos prazos de preparação e de estudos em relação a um contrato público clássico, na medida em que todas as escolhas, no âmbito das competências que lhe são cometidas, foram efectuadas pelo cliente público;

por último, que se respeita melhor os prazos de realização, devido a uma maior responsabilização dos executantes.

Estes ganhos potenciais nos prazos deveriam assim ser considerados o ponto forte de um contrato de PPP, mesmo que por vezes possam parecer contrários às práticas tradicionais dos donos da obra e com a sua utilização quase rotineira dos procedimentos clássicos.

Em particular, em período de planos de relançamento e de saída da crise, as PPP podem constituir um acelerador formidável da execução das decisões adoptadas e uma ferramenta de primeira ordem para dar ao efeito de relançamento esperado a velocidade multiplicadora dos seus resultados.

2.1.2   O segundo argumento a favor das PPP, é a sua capacidade natural de promover a coerência de um projecto, ou seja, a eficácia económica máxima para a colectividade.

Isso deve-se, como foi referido no texto da Comissão, a uma integração mais completa da cadeia de produção, da concepção à manutenção e à exploração, passando pela realização propriamente dita da infra-estrutura em causa.

Por natureza, neste contexto, o projectista sabe que deve optimizar os processos e a qualidade da construção, porque terá seguidamente de assumir a exploração a longo prazo, e que deve deixar à colectividade, findo o contrato, uma obra em condições adequadas, no respeito pelas normas e regulamentos de execução. A sua reflexão é, por esse motivo, naturalmente integradora, o que é muito mais difícil de conseguir com a divisão das tarefas e das responsabilidades, como ocorre frequentemente nos contratos públicos.

2.1.3   O terceiro dos argumentos principais que justificam o recurso às PPP é naturalmente o financiamento.

Pode-se imaginar facilmente o decisor público, que gere um orçamento, de que conhece os limites, e que procura os meios para realizar um equipamento necessário à colectividade que gere; este decisor pode encontrar no contrato de PPP a solução financeira para um problema que sabe que não pode resolver no âmbito dos seus procedimentos orçamentais.

Antes de examinar mais adiante as propostas que poderiam ser apresentadas para ampliar as soluções financeiras das PPP em geral, seria talvez de questionar, perante este género de situação, os limites, sobejamente conhecidos, mas que ninguém se atreve a alterar, das regras da contabilidade pública na quase totalidade dos países europeus e, nomeadamente, da impossibilidade «contabilística» de amortizar sobre o seu tempo de utilização normal, o custo de um investimento público.

O financiamento através de um contrato de PPP, que permite que a colectividade possa escalonar esse encargo por uma duração normal de amortização, não será um primeiro passo para uma alteração, por muitos desejada, das regras da contabilidade pública, que travam cada vez mais decisões e que não reflectem nunca realidades patrimoniais frequentemente evidentes?

Promover, através do modelo PPP, o lançamento de uma reflexão política sobre esse tema, poderia ser uma forma de a União Europeia dar provas de pragmatismo. De resto, em determinados países, a introdução das PPP foi apresentada como um primeiro passo em direcção à necessária reforma da gestão pública e dos respectivos instrumentos.

2.2   Antes que se tomem decisões políticas de grande impacto, o CESE insta a que se proceda a um estudo de impacto global e a avaliações independentes das vantagens e desvantagens dos projectos de PPP, a que se consultem os parceiros sociais e se valorizem as suas propostas, incluindo as das organizações representativas das PME. Há que examinar designadamente a celeridade dos processos, a questão dos custos, a qualidade da prestação de serviços e as consequências sociais para as partes envolvidas e para os utentes. O CESE considera importante que as empresas, tanto pequenas como médias, beneficiem das melhores possibilidades de participação em PPP.

3.   Pistas de reflexão do CESE

As pistas de reflexão devem estar e sintonia com os três argumentos desenvolvidos (prazo – coerência do projecto – soluções financeiras) e inserirem-se nas propostas da Comissão e no actual contexto legislativo e regulamentar.

Essas propostas são agrupadas em duas categorias:

uma respeitante ao financiamento, em geral,

outra referente às estruturas jurídicas, procurando distinguir entre as normas vigentes:

o que é necessário manter,

o que é necessário alterar,

o que é necessário desenvolver.

Devem claramente ter em conta as três exigências fundamentais deste procedimento particular, que se aplicam a todos os processos de adjudicação de contratos públicos ou seja:

avaliação prévia, que permite justificar ao mesmo tempo a realização do investimento projectado e a escolha do procedimento escolhido pelo dona da obra;

transparência, na consulta e na escolha inicial, bem como no desenrolar da operação;

por último, fiscalização, tanto pelas entidades administrativas responsáveis pela fiscalização como pelas assembleias eleitas, responsáveis pelos orçamentos em causa.

3.1   No plano financeiro

Neste plano salientam-se quatro pistas fundamentais.

3.1.1   A definição das PPP constante dos procedimentos do EUROSTAT deve ser revista de forma a que as despesas ligadas a projectos de PPP figurem na dívida pública de uma forma semelhante às obrigações de pagamento no domínio dos contratos públicos clássicos.

3.1.2   Até ao momento o papel dos fundos estruturais teve pouco peso no financiamento das PPP. Não será isso um pouco paradoxal uma vez que existe, por natureza, uma perfeita concordância entre os objectos em causa?

Mesmo se já existiram neste plano algumas experiências (sete países recorreram aos fundos estruturais), é provável que se possa fazer muito melhor e, sem qualquer dúvida, poder-se-á sensibilizar os Estados e as colectividades públicas potencialmente interessados, para que tenham uma visão global do instrumento PPP, que pode ser associado a toda e qualquer forma de financiamento público, sendo que, naturalmente, os provenientes das entidades europeias terão prioridade.

3.1.3   Como propõe a Comissão, o facto de solicitar ao BEI que desempenhe, através da sua competência, um papel central na política de financiamento das PPP na Europa, deve ser considerado uma evidência, tanto num papel de coordenação e de aconselhamento das acções realizadas neste domínio, como também num papel de acompanhamento dos sistemas financeiros, que necessitam, no actual período de crise, cada vez mais competência e conhecimentos.

O BEI tem, nestes domínios, a dupla vantagem da competência técnica e da necessária neutralidade política. O BEI poderia assim desempenhar um papel permanente de interface com os órgãos nacionais ou locais de fiscalização.

O que conduz a solicitar-lhe uma assistência específica:

na desejável ampliação do papel operacional do EPEC (Centro Europeu de Especialização em PPP – organismo especificamente criado no BEI para acompanhar as operações PPP na Europa), junto do qual conviria constituir um organismo público europeu necessário para o acompanhamento e a elaboração da política comum no domínio das PPP, bem como da assistência prática junto dos Estados-Membros. A organização e o acompanhamento do auxílio às colectividades de pequena dimensão, que não dispõem dos meios adequados, deveria fazer parte das novas missões do EPEC;

na criação e direcção de um grupo de peritos do sector privado (com uma composição equitativa de representantes dos empregadores, dos sindicatos e da sociedade civil, incluindo organizações representativas das PME, especialistas financeiros, juristas, etc.) que constituiria um interessante interface com os peritos do sector público que compõem o EPEC, numa abordagem consultiva;

no acompanhamento sistemático de todos os contratos PPP a nível europeu;

por último, na criação de mecanismos de refinanciamento das PPP, para além do seu período de constituição, nomeadamente através da mobilização do mercado obrigacionista, como proposto no ponto 3.1.4.

3.1.4   O exame das PPP demonstra que, no plano financeiro, as suas características fundamentais (longa duração – assinaturas públicas de primeira qualidade) fazem com que sejam uma ferramenta de um potencial excepcional para a captação da poupança no mercado, incluindo a poupança relacionada com a preparação das reformas.

Certos países trabalham já activamente na criação de um ou mais fundos especializados, com acesso ao mercado financeiro, dedicados ao refinanciamento das operações de PPP posteriores ao período de construção (e por conseguinte posteriores aos riscos inerentes aos prazos e aos custos que deles podem decorrer). Seria útil a criação a nível europeu de tal ferramenta e a sua gestão técnica poderia ser assegurada, pelo menos numa fase de lançamento, pelo BEI.

Ao mesmo tempo, porém, o CESE assinala que muitos projectos de PPP envolvem serviços de interesse (económico) geral. Importa, assim, para além de critérios puramente financeiros, velar pela qualidade, pelo acesso e pela acessibilidade dos preços destes serviços.

3.2   No plano jurídico e regulamentar

O CESE deseja contribuir, a longo prazo, para que as PPP sejam aplicadas somente se conduzirem a uma redução dos custos, de acordo com determinadas condições-quadro políticas (normas sociais, qualidade dos serviços, etc.), com base numa abordagem a longo prazo e tendo em conta os custos de transacção, os problemas de renegociação, etc. Simultaneamente, os incentivos ao pré-financiamento devem ser suprimidos, o que remete para a urgência de uma reflexão sobre a reforma dos critérios do EUROSTAT. O exame das PPP mostra que, no quadro da actual complexidade e, em certos países ou com certos tipos de contrato, da transparência insuficiente (relativa a contratos, estudos de rentabilidade, etc.), certas PPP se situam fora de uma fiscalização democrática. Neste contexto, a Comissão Europeia é convidada a sensibilizar os Estados-Membros, com a maior brevidade possível, para os problemas daí resultantes.

A situação existente é retratada em três rubricas. No que existe:

O que é necessário manter?

O que é necessário alterar?

O que é necessário desenvolver?

3.2.1   O que manter dos textos actuais?

No plano dos textos e do direito, não se encontra nenhuma definição precisa do conceito de PPP no conjunto das disposições que regulam os contratos públicos, as concessões e tudo o que se refere à realização de infra-estruturas.

Após a sua análise e tendo em conta a experiência adquirida nos numerosos países que já utilizam as PPP, resulta que esta inexistência de definição estrita a nível europeu, em nada prejudica o desenvolvimento das operações nem o seu acompanhamento pelas entidades europeias.

Se se deduzir do silêncio da Comissão que esta entende não ser necessária uma definição mais precisa, então o CESE pode e deve partilhar deste ponto de vista, que deixa aos Estados-Membros a possibilidade de adoptarem uma definição adaptada ao seu contexto particular e à sua forma de agir.

Esta perspectiva deixa assim em aberto a questão da manter tal qual determinados textos actualmente em vigor, recordando que uma votação recente do Parlamento Europeu recomenda no domínio dos contratos públicos, que se utilize primeiro os textos existentes em vez de procurar elaborar nova legislação.

Neste contexto, o CESE recomenda que se mantenha a Directiva 2004/18/CE relativa à concessão de obras públicas no que respeita ao processo de adjudicação desses contratos, sem que esta seja completada por uma definição de PPP, cuja regulamentação é da competência do poder público de cada Estado-Membro da UE. Nessa directiva define-se a «concessão de obras públicas» como um contrato que apresenta as mesmas características que o contrato de empreitada de obras públicas, com excepção de que a contrapartida das obras a efectuar consiste quer unicamente no direito de exploração da obra, quer nesse direito acompanhado de um pagamento.

A definição da adjudicação de serviços é realizada de forma idêntica (a palavra serviço substitui a palavra obras públicas), mas a directiva nada estabelece no que respeita aos requisitos da sua adjudicação, ao passo que consagra um capítulo aos processos de adjudicação das empreitadas de obras públicas.

As definições acima não se inserem de forma voluntária nos pormenores de precisões nacionais e que tornariam, efectivamente, impossível qualquer convergência para um texto comum.

Com base em constatações pragmáticas, o CESE considera que não é necessário dispor de uma definição mais detalhada do conceito de concessão (ou seja um contrato a longo prazo que inclui a concepção, construção, financiamento, gestão e/ou a manutenção de uma construção ou um serviço público), porque a situação actual desempenha um papel eficaz de cobertura de todos os tipos de contratos públicos, diferentes dos contratos públicos clássicos, sujeitando-os a um mínimo de normas europeias de adjudicação.

O CESE entende que é melhor evitar legislar neste domínio que pode rapidamente tornar-se de uma extrema complexidade, uma vez que actualmente os intervenientes dispõem em todos os Estados-Membros, e consoante as suas tradições nacionais, de contratos PPP em sentido amplo (concessões de pagamento pelo utente, contratos de parcerias com pagamento público e outros contratos de parcerias público-privadas), que respondem de uma forma correcta aos problemas.

3.2.2   O que é necessário alterar?

Todavia, no que se refere à Directiva 2004/18/CE, o CESE propõe, a fim de melhorar a coerência dos textos pertinentes, que se reflicta, no âmbito do presente parecer, sobre a clarificação das condições de atribuição de concessões de serviços, que ficaram esquecidas na referida directiva, mas que definem claramente as concessões de serviços.

Neste contexto, o CESE aproveita para clarificar a delicada questão da parceria público-privada institucional (PPPI), parcialmente resolvida através de uma comunicação interpretativa de 2008 que se propunha recordar o cumprimento das regras da concorrência pelas entidades públicas que recorrem a entidades para-públicas.

Na realidade, esta comunicação é desconhecida das entidades públicas que a ignoram voluntária ou involuntariamente. Se a Comissão se propusesse prosseguir na via de uma legislação específica para as concessões, seria necessário nelas incluir expressamente a regulamentação sobre a criação e renovação de actividade das PPPI com vista à melhoria da legislação, de forma a evitar os abusos a respeitos dos quais a jurisprudência europeia oferece um vasto panorama, e que vão, por vezes, contra a transparência que se pretende.

3.2.3   O que é necessário desenvolver?

Na aplicação dos procedimentos, o CESE recomenda que sejam melhor enquadradas as três abordagens inerentes às PPP em geral, ou seja:

a avaliação prévia, muito utilizada para medir o impacto em termos de custos globais das PPP relativamente à contratação pública clássica «o quadro de referência sector público» é igualmente uma boa ferramenta;

o diálogo competitivo, que é por vezes objecto de manobras de tergiversação no que respeita à ética, prazos e às exigências impostas às empresas privadas;

o acompanhamento das operações PPP para medir tão precisamente quanto possível o interesse e, desta forma, melhorar a avaliação prévia das operações posteriores.

3.2.3.1   A avaliação prévia

Esta análise inicial que, em princípio, deveria permitir justificar o recurso a esse procedimento e não a outro, deveria ser a regra imperativa para tudo o que se refere à adjudicação de contratos públicos.

Com efeito, que melhor meio poderia existir para a entidade adjudicante avaliar o impacto, ou melhor, os impactos da decisão que está a preparar? O carácter desta avaliação prévia cuja publicação dos resultados se tornou obrigatória, seria em muitos casos, um grande passo para a transparência e muito necessária quando se procuram soluções optimizadas e um maior rigor na concorrência.

Também deve ser essa a ocasião de medir, na noção de custo global, a incidência das eventuais diferenças nos financiamentos, entre a taxa aplicável pelos mercados às entidades públicas que solicitam o empréstimo e o aplicável ao projecto PPP, salientando-se que este aspecto da avaliação prévia já é obrigatório nos países mais avançados no domínio das PPP.

Em França a avaliação prévia é realizada tendo em consideração 4 critérios; custo global, transferência de riscos, desenvolvimento sustentável e o desempenho do contrato. O CESE propõe que se sistematizem esses critérios e que se lhes acrescente a publicação dos contratos e a aplicação estrita da legislação social dos países em questão conforme foi acima recordado (1.3.4).

3.2.3.2   Diálogo concorrencial

Essa abordagem, diferente da simples negociação bilateral utilizada na conclusão dos processos clássicos, é actualmente utilizada em grande escala e mesmo obrigatória em certos países para a adjudicação dos contratos PPP, em sentido amplo. Essa abordagem consiste, após uma escolha preliminar efectuada pelo cliente, em precisar o contrato final, em concertação com o ou os dois parceiros seleccionados, por iteração e melhorias sucessivas dos dados do contrato.

No entanto, o exame exaustivo da utilização que lhe é actualmente dada revela vários factos:

certas entidades públicas, pouco habituadas a estes procedimentos, iniciam diálogos competitivos mal preparados que conduzem a questionar certos elementos do contrato que está a ser negociado, a prazos excessivamente longos e a pedidos às vezes exagerados de pormenores às empresas numa fase final;

os adjudicantes públicos continuam a ser tentados a perverter a utilização deste procedimento para não respeitar os direitos da propriedade intelectual e de protecção das ideias inovadoras.

É verdade que as ideias emitidas estão protegidas pela confidencialidade das propostas, mas a experiência demonstra, na realidade, que não é isso que ocorre e que se pode facilmente atribuir a «fugas» indetectáveis, o que, na realidade, é uma operação contrária à ética.

Uma certa harmonização do quadro contratual comunitário deveria ter em conta os meios para proteger a propriedade intelectual, que é ela própria a garantia dos progressos da inovação.

3.2.3.3   O acompanhamento das operações PPP

Para respeitar a transparência e as exigências de fiscalização, é necessário sistematizar um recenseamento das operações PPP e um acompanhamento da sua execução a nível nacional e europeu. Esta missão, para além da já mencionada para o BEI e o EPEC, deve ser confiada a uma organização neutra que não privilegie ou prejudique sistematicamente as PPP nas avaliações e poderia ser confiada ao grupo de peritos.

4.   Conclusões

A Comunicação da Comissão é um texto que se reveste de muito interesse e de grande actualidade num contexto em que é necessário mobilizar os investimentos públicos e privados, sobretudo no período de crise financeira que estamos a atravessar. Convém prosseguir com o desenvolvimento do quadro institucional para desenvolver as PPP e explorar as possibilidades e as vantagens importantes que estas comportam, mas igualmente para atenuar os problemas que afectam várias PPP – atrás referidos no presente parecer – (problemas de pré-financiamento e aumento frequente expectável dos custos nas relações contratuais de longo prazo no quadro de PPP).

Não se pode simplesmente negligenciar as possibilidades oferecidas pelas PPP para contribuir para o desenvolvimento das infra-estruturas públicas (grandes e pequenas) e para o progresso económico da União Europeia.

No entanto, é necessário que, no quadro dos projectos de PPP, a Europa se dote dos meios para retirar as devidas lições das dificuldades, por vezes encontradas no passado, e melhore os dispositivos de fiscalização existentes, efectuando uma recolha sistemática dos resultados finais das operações. O CESE considera importante que as PME também beneficiem de melhores condições para participar em projectos de PPP.

Já existem muitos instrumentos jurídicos comunitários e nacionais, pelo que o CESE considera que não é necessário voltar à estaca zero para elaborar um quadro único e teoricamente perfeito. Isso seria perder muito tempo para obter um benefício limitado ou até mesmo contraproducente. Os intervenientes trabalham diariamente em função destes sistemas jurídicos e, pô-los em causa, conduziria a atrasar as encomendas públicas ou até mesmo a uma pesada desestabilização da ferramenta PPP. As definições actuais dadas pela Directiva 2004/18/CE não devem ser alteradas nem completadas. Cada Estado-Membro fica, deste modo, livre de adoptar a definição jurídica das PPP que mais se adequar à sua situação específica e às boas práticas consolidadas.

Optimizemos, portanto, os meios existentes, precisando e melhorando alguns pontos e utilizando as competências existentes, nomeadamente a plataforma do BEI no domínio do financiamento, reforçando o papel do EPEC e do grupo de peritos, que contribuiria ainda mais fortemente para popularizar os métodos contratuais, a recolha, a promoção e a valorização das boas práticas e o diálogo com o sector privado a nível europeu criando um grupo «espelho» de peritos privados.

O desenvolvimento da transparência, da avaliação prévia, com base no custo global, das análises dos sucessos e dos insucessos e o respeito das legislações constituem pistas para estudos futuros.

É necessário reflectir sobre a criação de um mecanismo de refinanciamento das PPP para além do seu período de construção de forma a mobilizar o mercado obrigacionista, que é muito pouco solicitado a esse respeito.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/67


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, no que se refere à duração da obrigação de respeitar uma taxa normal mínima

[COM(2010) 331 final — 2010/0179 (CNS)]

2011/C 51/13

Relator: Edgardo IOZIA

Em 24 de Junho de 2010, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 113.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre

Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, no que se refere à duração da obrigação de respeitar uma taxa normal mínima

COM(2010) 331 final — 2010/0179 (CNS).

Em 13 de Julho de 2010, a Mesa do Comité Económico e Social Europeu decidiu incumbir a Secção Especializada, União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, da preparação dos trabalhos correspondentes.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu, na 466.a reunião plenária, de 21 de Outubro de 2010, designou relator-geral Edgardo IOZIA e adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Síntese e observações do Comité

1.1

O CESE regista a necessidade de prorrogar por mais cinco anos, e espera-se que pela última vez, o chamado regime transitório, que expira em 31 de Dezembro de 2010. Tal regime foi adoptado no longínquo ano de 1992 e referia-se à aplicação da taxa normal mínima de IVA, fixada em 15 %. O CESE exprime o seu parecer favorável relativamente à adopção da directiva proposta.

1.2

Na verdade, o facto de não se prorrogar o regime poderia provocar efeitos de distorção no funcionamento do mercado interno. Hoje em dia, a diferença entre os diversos regimes de taxa normal presentes na Europa situa-se em 10 pontos percentuais, passando de 15 % em Chipre e no Luxemburgo para 25 % na Dinamarca, Hungria e Suécia. A Comissão já em duas ocasiões propôs, com toda a justiça, que se impusesse um limite máximo, mas o Conselho nunca deu o seu assentimento. Note-se que, para decisões nesta matéria, os Tratados prevêem a unanimidade.

1.3

O CESE vê com bons olhos a decisão da Comissão de lançar, até ao fim do ano corrente, um Livro Verde sobre a nova estratégia em matéria de IVA e a possibilidade de se proceder, progressivamente, a uma harmonização das taxas. O CESE, que será em devido tempo consultado sobre o Livro Verde, espera que se consiga, tão cedo quanto possível, chegar a um regime totalmente harmonizado de tributação europeia e pôr definitivamente de parte o regime transitório.

1.4

Em muitos dos seus pareceres sobre o assunto, o Comité defendeu que se deve chegar a um regime de tributação indirecta harmonizado, simples, com uma carga administrativa menor e benefícios evidentes para as empresas e os cidadãos, que garanta uma tributação justa e receitas certas para o erário público, faça diminuir os riscos de fraude fiscal e ajude a realizar o mercado interno.

1.5

O CESE está ciente de que a manutenção da exigência de unanimidade para as decisões em matéria fiscal comprometeu a possibilidade de uma rápida aprovação do regime definitivo relativo à tributação no país de origem. O facto de não se ter chegado a acordo quanto à modificação dos Tratados implicará um penoso arrastamento dos prazos para uma decisão sobre o assunto. Quarenta e três anos depois do início do processo conducente a um regime europeu de tributação indirecta encontramo-nos, devido à exigência de unanimidade, exactamente no ponto de partida.

1.6

«É uma vergonha para os Estados-Membros que a concretização de um conceito cujo princípio foi aceite há trinta e três anos esteja ainda tão longínqua como era então. A história da legislação relativa ao IVA na Europa é um catálogo de fracassos, não imputáveis à Comissão, que agiu com louvável coerência e sem poupar esforços para tentar fazer avançar a situação, mas aos Estados-Membros que têm vindo sucessivamente a frustrar tais esforços» (1). Estas palavras, proferidas pelo CESE em 2001, são de uma confrangedora actualidade!

1.7

O CESE considera não ser possível continuar a adiar a adopção de um novo sistema de tributação que garanta um combate eficaz contra a fraude fiscal, permitindo o aumento das receitas para os Estados-Membros e a União, a diminuição dos encargos administrativos e o desenvolvimento do mercado interno.

2.   Antecedentes

2.1

Por proposta da Comissão e após consulta do PE e do CESE, o Conselho estabeleceu por unanimidade o nível da taxa do IVA, nos termos do artigo 12.o, n.o 3, alínea a), segundo travessão da Directiva 77/388/CEE.

2.2

Não conseguindo a unanimidade necessária, a Comissão foi forçada a propor quatro prorrogações com base no único resultado alcançado por unanimidade, o de uma taxa mínima de 15 %, fixado na Directiva 92/77/CEE. Nenhuma das propostas no sentido de atingir uma harmonização fiscal definitiva obteve, alguma vez, a unanimidade requerida.

3.   A proposta da Comissão

3.1

Tendo em mente que se aproxima o prazo de 31 de Dezembro de 2010 previsto na Directiva 2006/112/CE, a Comissão propõe mais uma prorrogação que fixa a taxa normal, que não pode ser inferior a 15 %, e que vigorará entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro 2015.

3.2

No n.o 9 da proposta em apreço, a Comissão prevê a publicação, a breve trecho, de um Livro Verde sobre uma nova estratégia em matéria de IVA que dará azo também a uma consulta sobre a futura harmonização fiscal. À luz do resultado dessa consulta aos Estados-Membros a Comissão poderá tomar uma decisão adequada sobre o nível das taxas normais de IVA na UE.

4.   Observações do Comité

4.1

O CESE, à luz da situação actual nos 27 Estados-Membros em matéria fiscal e, em particular, no que respeita ao IVA, não pode senão manifestar a sua concordância, considerando, como já aconteceu no passado, essa proposta um «acto obrigatório».

4.2

A decisão da Comissão de publicar um Livro Verde sobre toda esta matéria, com o objectivo de ultrapassar definitivamente o regime transitório e impor um processo de harmonização na selva das taxas, das derrogações, dos regimes reduzidos, das disposições provisórias e em toda a malha legislativa, encontra eco no CESE, que se sente fortemente motivado a apoiar a concretização desse projecto, se bem que, no passado, as experiências neste domínio tenham demonstrado a preponderância dos pequenos interesses nacionais, que, na realidade, sempre foram contrários à simplificação e à plena realização do mercado interno.

4.3

Calcula-se que as fraudes fiscais a nível europeu se elevem a um montante entre os 200 e os 250 mil milhões de euros. O Comité concorda com o Parlamento Europeu quanto à necessidade de combater com muito maior eficácia a fraude, que «afecta não só o financiamento dos orçamentos dos Estados-Membros mas também o equilíbrio global do sistema de recursos próprios da UE, na medida em que a redução do recurso próprio IVA tem de ser compensada por um aumento do recurso próprio baseado no rendimento nacional bruto» (2).

4.4

Para esse fim, o CESE considera indispensável uma acção coordenada e convergente dos Estados-Membros que permita atingir diversos objectivos inter-relacionados: simplificação administrativa, aumento das receitas provenientes do imposto mediante um combate eficaz contra a evasão fiscal, harmonização das taxas de forma a permitir o desenvolvimento do mercado interno sem oferecer a nenhuma parte vantagens ou desvantagens concorrenciais decorrentes do valor do imposto.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Parecer do CESE sobre a Estratégia para melhorar o funcionamento do sistema do IVA no mercado interno, JO C 193 de 10.7.2001, p. 45.

(2)  Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 4 de Dezembro de 2008, sobre a proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE do Conselho relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado com vista a lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias.


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/69


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Política climática internacional pós-Copenhaga: Agir de imediato para redinamizar a acção mundial relativa às alterações climáticas

[COM(2010) 86 final]

2011/C 51/14

Relator: Stéphane BUFFETAUT

Em 9 de Março de 2010, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre Política climática internacional pós-Copenhaga: Agir de imediato para redinamizar a acção mundial relativa às alterações climáticas

COM(2010) 86 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 31 de Agosto de 2010.

Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 118 votos a favor, 7 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1

O Acordo de Copenhaga foi, em primeira instância, bastante decepcionante por ter falhado um acordo geral sobre metas e medidas de combate ao aquecimento global. Mas examinando-o com mais atenção, pode-se dizer que contém alguns progressos, não apenas no que se refere ao objectivo de permanecer abaixo de um aumento das temperaturas em 2 °C em relação ao período pré-industrial, mas também porque permitiu avançar no atinente quer às questões das transferências de tecnologia e do financiamento dos países em vias de desenvolvimento quer a acordos mais específicos sobre a utilização das terras e a silvicultura. As suas conclusões devem agora servir de base para as próximas rondas de negociações em Cancún e na África do Sul.

1.2

No entanto, dificilmente se pode considerar este acordo como um êxito da diplomacia da União Europeia. Esta deve, por conseguinte, interrogar-se se não terá de rever a sua estratégia diplomática. A criação do novo serviço diplomático, na sequência da adopção do Tratado de Lisboa, poderá alterar a constelação política dentro da Comissão. Seja como for, o compromisso unilateral de reduzir as emissões da UE em 20 %, ou mesmo em 30 %, até 2020, não teve o impacto previsto e não levou a um acordo vinculativo. Temos, com efeito, parceiros extremamente pragmáticos que desconfiam de tudo o que se parece com grandes declarações de princípio que acabem por implicar regulamentos e eventuais obrigações. No entanto, o objectivo de princípio de limitar o aumento da temperatura em 2 °C acabou por ser aceite.

1.3

A União Europeia não teve muito êxito nem muita influência nas negociações de Copenhaga, em parte porque as suas ambições eram demasiado elevadas para serem seguidas por muitos países nesta fase e, em parte, devido ao cepticismo de alguns quanto à praticabilidade dos objectivos europeus. A UE deveria agora concentrar-se nos meios concretos para atingir os objectivos de redução de carbono que ela própria fixou e, simultaneamente, como parte deste plano, dar novo alento à sua economia. Conseguir um sucesso visível neste duplo esforço, reforçaria a sua credibilidade e influência nas negociações internacionais.

Continuando a ser fiel às decisões tomadas, nomeadamente no pacote energia/clima, a União Europeia deveria:

comprometer-se, de acordo com a proposta dos ministros do Ambiente da Alemanha, da França e do Reino Unido, a antecipar o cumprimento da sua meta de redução de CO2 de 30 %, em vez dos 20 % actualmente previstos, se o contexto económico e social o permitir sem perda de competitividade, e ainda a zelar por que esta redução seja acompanhada de medidas adequadas e dos investimentos necessários para alcançá-la. A considerável redução das emissões provocada pela crise económica não basta por si só para justificar uma meta mais elevada, porquanto o relançamento da economia poderá implicar um novo aumento;

mobilizar e coordenar os meios de investigação comunitários e nacionais em matéria de novas tecnologias de baixo teor de carbono e no domínio da eficácia energética. Trata-se de melhorar a afectação dos recursos para uma maior eficácia, de forma a provar que, para além das declarações políticas e das normas jurídicas, se mobilizam os meios necessários para a acção concreta. É igualmente crucial assegurar uma estreita cooperação entre a investigação e os actores económicos, como a indústria e a agricultura, de modo a que tecnologias promissoras possam chegar rapidamente ao mercado.

adoptar uma abordagem mais modesta na comunicação para não dar a impressão aos nossos parceiros que queremos impor-lhes um modelo europeu supostamente exemplar.

enquanto não se chega a um acordo global, concentrar os seus esforços diplomáticos em acordos mais sectoriais, como a gestão dos solos e florestas, a transferência de tecnologias (velando por manter a nossa vantagem comparativa neste domínio), o sistema de acompanhamento e avaliação dos compromissos, as ajudas financeiras e o modo como são afectadas. A conferência internacional sobre o clima e a floresta que se realizou em Oslo, em Maio último, é um bom exemplo de uma iniciativa bem sucedida.

desenvolver uma diplomacia activa, com o apoio dos Estados-Membros no sentido de uma aproximação aos Estados Unidos, à Rússia, e ao grupo BASIC, dado que nenhum acordo mundial é possível sem os Estados Unidos e os outros grandes países.

ser um elemento motor em negociações bilaterais ou multilaterais, noutras instâncias além da ONU, a fim de preparar um acordo mundial. Tudo isto deveria fazer-se com a maior transparência possível para não inquietar certos Estados que poderiam temer que lhes fossem impostas soluções já feitas.

praticar, face aos grandes investimentos da China, dos Estados Unidos e da Coreia do Sul na economia «verde», uma política europeia ambiciosa, se a UE pretende ser o motor da economia do futuro, manter as suas vantagens competitivas e não ficar dependente das patentes, do conhecimento e das técnicas de outrem. Os objectivos de redução das emissões podem ser um instrumento útil, mas não são por si só suficientes para conseguir o salto tecnológico necessário para um desenvolvimento realmente sustentável.

1.4

No intuito de apoiar os seus esforços diplomáticos, a União Europeia deveria também mobilizar a sociedade civil organizada a fim de sensibilizar a opinião pública para a necessidade de fazer evoluir a nossa sociedade no sentido de um menor desperdício dos recursos naturais, de uma maior utilização de recursos renováveis e de comportamentos mais cívicos.

2.   Introdução

2.1

O desfecho da Cimeira de Copenhaga suscitou reacções tão diversas quanto contraditórias.

2.2

Para alguns Estados e intervenientes no debate, o acordo de Copenhaga é o primeiro passo animador, dado que numerosos Estados o aprovaram, entre os quais a China, a Índia e os Estados Unidos, e subscreveram o objectivo de um aumento da temperatura inferior a 2 °C em relação à era pré-industrial. Para outros, no entanto, ele foi um profundo desapontamento, pois não se alcançou nenhum acordo detalhado sobre as medidas para alcançar este objectivo ou o modo de partilhar responsabilidades entre os diversos países.

2.3

Foi também decepcionante o grau de ambição e de empenho nacional reflectido no acordo, pois os objectivos voluntários nacionais de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, posteriormente apresentados como resposta ao acordo, também ficaram aquém do que seria necessário para manter o aumento de temperatura abaixo de 2 °C e daquilo que a UE e outros esperavam que fosse acordado.

2.4

Esta conferência foi claramente uma decepção em termos diplomáticos para a União Europeia e ainda mais para a Comissão. Em particular, o anúncio do compromisso unilateral de redução em 20 %, ou mesmo em 30 % das emissões de CO2 da UE até 2020 não surtiu o efeito diplomático pretendido de encorajar outros países desenvolvidos a assumirem compromissos semelhantes e de delinear compromissos mais específicos para os países em desenvolvimento. Importa, pois, analisar por que razão a estratégia diplomática da União Europeia fracassou e ver de que modo poderá ser redireccionada para ter mais sucesso.

3.   Uma abordagem mais pragmática e mais modesta

3.1

Não obstante as relações entre os Estados Unidos e a China serem complicadas, tudo leva a crer que o Acordo de Copenhaga é, na realidade, a expressão do entendimento entre os Estados Unidos e os Estados que constituem o grupo BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China).

3.2

Podem ser retiradas várias conclusões:

Muitos países emergentes, bem como os Estados Unidos e vários outros países desenvolvidos, continuam a dar mais prioridade à manutenção (ou retoma) das suas trajectórias de crescimento económico a curto prazo do que ao combate ao aquecimento global (ainda que o aumento deste a médio prazo possa causar muitos mais danos a todas as economias se não houver uma redução das emissões de gases com efeito de estufa). Este grupo de países poderá continuar a ter nos próximos anos uma voz dominante na definição das ambições a perseguir, a menos que ou até que uma combinação de novos eventos relacionados com o clima os obrigue a repensar o problema mais a fundo. A UE terá de adaptar a sua estratégia a este novo equilíbrio de forças.

A abordagem americana baseia-se mais na confiança nos avanços científicos e técnicos e é mais pragmática do que regulamentar. Os EUA (e a China) vão claramente nos próximos anos concentrar os seus esforços na criação das indústrias hipocarbónicas mais avançadas do futuro. A Europa tem de assegurar, pelo menos, que envidará esforços, tal como estipulado, para orientar a sua própria economia no sentido de a transformar numa economia hipocarbónica.

Os países em vias de desenvolvimento ou emergentes temem igualmente que o zelo dos países desenvolvidos seja um meio disfarçado para travar ou atrasar o seu desenvolvimento, tanto mais que os países desenvolvidos estão ainda longe de atingir todos os objectivos que se propuseram cumprir.

Se a União Europeia, que se vê como um exemplo a seguir, parece não ter convencido o resto do mundo do fundamento da sua abordagem, é sem dúvida porque se baseou demasiado em cálculos abstractos das metas de redução que cada país tem de atingir e no seu sistema de comércio de emissões ainda imperfeito. Além disso, ainda não demonstrou cabalmente, em termos práticos, a viabilidade de tais metas, investindo suficientemente na investigação, na inovação e nas técnicas de transformação que permitem a emergência de uma nova economia com baixo teor de carbono e mais eficaz do ponto de vista energético, tanto para si como para o resto do mundo. Esperamos que a Estratégia Europa 2020 seja um instrumento útil neste sentido. Temos de ser capazes de demonstrar que caminhar rapidamente para uma economia hipocarbónica na Europa será, em termos práticos, um sucesso que trará enormes vantagens competitivas, a menos que os outros façam o mesmo/. Isto terá mais influência no mundo do que praticar um discurso pessimista sobre metas ambiciosas aparentemente impossíveis de atingir, dos esforços que isso implica e da importância moral de partilhar o ónus daí resultante.

3.3

Neste contexto, convém não depositar todas as nossas esperanças na possibilidade de se chegar, a nível internacional, a um acordo final sobre todos os pontos, antes do fim de 2011. Seria preferível não haver um acordo final do que ter um acordo com objectivos inadequados propício a uma atitude demasiado complacente face às crescentes ameaças climáticas. O melhor seria apresentar esses objectivos inadequados como uma medida temporária e transitória, preferível a ficar de braços cruzados, mas válida apenas até que se chegue a um acordo mais adequado, com objectivos mais exigentes, a celebrar mais tarde, quando alguns dos países e grupos líderes tiverem registado mais avanços em direcção a uma economia hipocarbónica e forem capazes de se comprometerem firmemente a alcançar objectivos mais ambiciosos e à altura das circunstâncias e a pressionarem outros países a imitarem o seu exemplo.

3.4

Entretanto, a hipótese de continuar a não dispor de um acordo geral não deve impedir a comunidade internacional de avançar, passo a passo, na via das negociações concretas e de realizar acordos sectoriais sobre a florestação, a eficácia energética, as transferências de tecnologias, as contribuições financeiras ou a cooperação em matéria de veículos eléctricos. O Acordo de Oslo de Maio último sobre as florestas tropicais, na sequência de uma conferência internacional sobre o clima e a floresta, é outro bom exemplo de uma iniciativa bem sucedida. Conduziu a uma parceria que agrupa nove países doadores que são a Noruega, os Estados Unidos, a França, a Alemanha, a Suécia, o Reino Unido, a Dinamarca, o Japão, a Austrália, com a União Europeia e cerca de quarenta países com extensas áreas de floresta. Esta nova parceria visa a criação imediata de um mecanismo financeiro destinado a ajudar os Estados que preservam as suas florestas. Foram autorizadas dotações no total de 4 mil milhões de dólares para o período de 2010-2012, imprimindo assim um novo impulso ao mecanismo de redução das emissões que resultam da desflorestação e da degradação florestal (REDD) e valorizando as florestas.

3.5

Poder-se-ia resumir esta abordagem à seguinte expressão: «menos palavras e mais actos». É também essencial adoptar uma atitude mais modesta, não nos objectivos mas na forma como são apresentados.

3.6

É necessário aplicar o Acordo de Copenhaga tal como ele é e como ponto de partida para a criação de uma dinâmica geral, sem cair em disputas ideológicas. O importante é sim propor projectos concretos e aliar-se a grupos de países prontos a investir em tal ou tal projecto. Poder-se-ia assim procurar evitar que os Acordos de Quioto se tornem num mito sagrado, embora se deva ser sensível aos anseios de muitos países em desenvolvimento, que pretendem manter alguns elementos fundamentais da abordagem de Quioto.

3.7

Não só é crucial a questão dos países emergentes, como também a dos países pobres. Não podemos deixar que pensem que a luta contra as alterações climáticas tem a finalidade de mantê-los sob tutela. Haverá que manter as linhas do plano «Justiça climática» do governo francês, a fim de mostrar o empenhamento e a boa vontade dos países ricos.

3.8

Neste sentido, o acordo financeiro de Copenhaga deve ser respeitado, com afectação célere de novos fundos. A contribuição da UE foi fixada em 2,4 mil milhões de euros por ano para o período 2010-2012. É necessário, contudo, que este financiamento seja aplicado o mais depressa possível. No que diz respeito aos Estados Unidos, é claro que estes apenas honrarão os seus compromissos financeiros se a China e a Índia mudarem de posição, nomeadamente no que se refere ao sistema de medida, controlo e verificação.

4.   Para saber o que fazer, é necessário conhecer a situação à partida. Para além das tomadas de posição ideológicas ou políticas, qual é então a verdadeira natureza do Acordo de Copenhaga?

4.1

Nos últimos vinte anos, os debates a nível internacional sobre alterações climáticas basearam-se nos trabalhos científicos do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, no âmbito do qual cientistas de relevo de todos os domínios implicados e de todas as partes do mundo se reuniram para rever e avaliar as provas de uma origem humana das alterações climáticas e o respectivo impacto. Avaliações sucessivas efectuadas pelo Painel Intergovernamental ao longo dos anos mostram um nível cada vez mais elevado de segurança e de consenso científico quanto à veracidade da origem humana das alterações climáticas e às respectivas repercussões.

4.2

Infelizmente, os trabalhos mais recentes do Painel acusaram falhas processuais, que foram aproveitadas pela comunicação social e pelos cépticos inveterados para lançar a dúvida e comprometer os argumentos a favor de uma intervenção precoce para atenuar as alterações climáticas por ocasião da Cimeira de Copenhaga. É óbvio que o Painel deverá melhorar os seus procedimentos a fim de garantir que os seus trabalhos são perfeitamente transparentes e que todas as provas e conclusões estão sujeitas à mais rigorosa avaliação pelos pares, como recomendado pelo InterAcademy Council (IAC).

4.3

Nenhuma das revisões do Painel pôs em causa as suas conclusões fundamentais e, apesar dos erros processuais assinalados, parece ser cada vez mais forte o consenso científico internacional quanto à realidade incontestável da origem antropogénica das alterações climáticas e das suas causas. Governos de todas as partes do mundo continuam convictos desse simples facto e comprometeram-se, no âmbito do Acordo de Copenhaga, a cumprir o objectivo de manter o aquecimento global inferior a 2 °C. O CESE apoia enfaticamente essa conclusão e essa expressão de vontade política.

4.4

O Acordo de Copenhaga também cria um quadro para o registo dos compromissos nacionais de redução das emissões de gases com efeito de estufa e dos planos para alcançar esse objectivo. Depois de Copenhaga, vários países apresentaram pormenores dos seus planos e compromissos actuais. Esta divulgação é útil enquanto sinal de que estão a ser tomadas ou propostas medidas em muitas partes do mundo. Mas os compromissos declarados até à data ainda não são suficientes para manter o aquecimento global abaixo dos 2 °C. Mesmo segundo as estimativas mais optimistas, os compromissos actuais dos países desenvolvidos só permitirão uma redução de 18 % até 2020, o que não atinge sequer o valor mais baixo da estimativa do Painel Intergovernamental de que será necessária uma redução de 25 a 40 % até essa data. No entender do CESE, a UE deve, pois, partir para as negociações internacionais com a premissa de que os presentes compromissos nacionais não são mais do que um primeiro passo e procurar reforçá-los ou clarificá-los na medida do possível.

4.5

O processo da ONU, tal como tem funcionado até agora corre o risco de andar em círculos sem chegar a lado nenhum. Outras instâncias ou outros sistemas de negociações multilaterais (G20, acordos multilaterais, etc.) podem, sem dúvida, revelar-se a curto prazo essenciais para imprimir uma nova dinâmica às negociações da ONU visto oferecerem uma base mais sólida e mais realista. Não se trata de modo algum de substituir as Nações Unidas, mas de utilizar tais instâncias ou sistemas de negociação para preparar acordos sob a égide da ONU. O importante é chegar a acordos concretos que se traduzam em factos e políticas, mesmo que estes acordos abarquem apenas um aspecto das questões relativas às alterações climáticas ou às inovações em matéria de energia limpa ou de baixo teor de carbono. A União Europeia podia desempenhar aqui um papel-chave, assegurando a transparência das negociações e desenvolvendo uma diplomacia activa em prol dos países em desenvolvimento e das pequenas nações.

4.6

A este respeito, há que acompanhar atentamente a aplicação dos compromissos assumidos pelos Estados no âmbito do Acordo de Copenhaga, bem como do plano quinquenal chinês e de uma eventual legislação americana.

4.7

Isto deve induzir a União Europeia a repensar a sua atitude sobretudo para não dar a impressão de querer impor um acordo vinculativo inspirado naquele que impôs a si própria. Podemos, de resto, interrogar-nos sobre a natureza de um tal acordo. Quando se fala de acordo vinculativo, pressupõe-se a possibilidade de vincular para o fazer respeitar, mas é evidente que não temos meios para tal nem os nossos parceiros o desejam. Seria evidentemente mais oportuno falar de um acordo contendo obrigações precisas e verificáveis.

4.8

Manifestamente um grande número de países não está disposto a aceitar um acordo vinculativo sobre objectivos gerais. Numa abordagem por fases, estes países aceitariam mais facilmente a ideia de obrigações precisas e verificáveis.

4.9

A via a seguir é, sem dúvida, concluir acordos sector a sector mais concretos e técnicos, acordos de cooperação científica e de investigação e, bem entendido, acordos sobre transferência de tecnologia e ajuda aos países menos desenvolvidos, no respeito pela sua soberania mas com a garantia de que os fundos e as ajudas recebidos são utilizados correctamente.

5.   Dado isto, como preparar de maneira eficaz a conferência de Cancun?

5.1

Em primeiro lugar, a Europa precisa antes de mais de dar o exemplo e demonstrar como uma transição mais rápida para uma economia hipocarbónica pode ser um sucesso do ponto de vista económico. De momento, há o risco de os programas para o aumento das fontes de energia renovável e a promoção da eficiência energética abrandarem em todos os sectores e de as novas indústrias inovadoras nestes sectores perderem terreno para a concorrência estrangeira, que está a ser fortemente impulsionada na China, na Coreia do Sul e noutros países. A Europa precisa de medidas mais firmes que estimulem as nossas principais indústrias hipocarbónicas e lhes facultem os investimentos necessários para manterem a sua posição competitiva no mundo. Este sector deve receber um apoio especial no quadro da aplicação da Estratégia Europa 2020 e dos programas nacionais de relançamento.

5.2

A comissária responsável pelo Clima e os ministros do Ambiente da Alemanha, da França e do Reino Unido recomendaram que a UE se comprometesse, unilateralmente, a aumentar para 30 % a sua meta de redução de CO2 até 2020, a qual se situa actualmente em 20 %. Esta recomendação tem como objectivo criar, em primeiro lugar, a vontade e o empenhamento político para tomar as medidas adequadas e fazer os investimentos necessários em energias renováveis e na eficiência energética. Na opinião do CESE, a considerável redução das emissões provocada pela crise económica não basta por si só para justificar uma meta mais elevada, uma vez que uma retoma acarretará um novo aumento das emissões. No entanto, o CESE seria a favor de antecipar a meta estabelecida de 30 %, se o contexto económico e social o permitir sem perda de competitividade e esta redução se fizer acompanhar de medidas adequadas e dos investimentos necessários para alcançá-la. A UE precisa, antes de mais, de ganhar credibilidade. Se, por um lado, as metas de redução de CO2 têm de ser ambiciosas, por outro, também têm de ser efectivamente alcançadas.

5.3

Ao nível internacional, afigura-se importante realizar um intenso trabalho preparatório junto de instâncias como o G20, que reúne os países responsáveis por 90 % das emissões, para que encontrem preliminarmente as bases para um acordo. Os progressos diplomáticos conseguidos serão depois retomados nos trabalhos das Nações Unidas. Esta diligência deveria ser transparente e associar da melhor forma os países menos desenvolvidos.

5.4

Seguidamente, há que chegar, no âmbito da ONU, a um processo de negociação menos complexo. Como é consabido, as negociações de Copenhaga foram de extremamente complexas e desenrolaram-se em seis sessões, frequentemente em paralelo.

5.5

É imperioso tomar como ponto de partida uma arquitectura de negociação simplificada, abandonando, caso necessário, a referência ao protocolo de Quioto que, afinal, abrange apenas 30 % das emissões. Naturalmente que isto deveria ser apresentado e explicado de maneira diplomática e sem dar a impressão de que os principais países produtores de emissões procuram eximir-se à sua responsabilidade e impô-la aos outros.

5.6

Há que se concentra-se em elementos fundamentais: limitação e redução das emissões com objectivos claros, ajudas científicas, técnicas e financeiras aos países menos desenvolvidos, seguimento dos acordos concluídos e o caso específico da florestação, evitando fechar-se em sistemas jurídicos complexos «ideais» para intimidar alguns dos intervenientes e fazer fracassar as negociações.

5.7

O CESE concorda igualmente com os objectivos de negociação específicos definidos nos pontos 3.2 e 3.3 da comunicação da Comissão, destinados a compor um quadro robusto e transparente para o cálculo das emissões e do desempenho, a mobilizar o financiamento de arranque rápido para o futuro próximo, a garantir o financiamento a longo prazo para os países em desenvolvimento, a alargar e reforçar o mercado internacional do carbono e a reformar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM) que, de momento, não consegue cumprir satisfatoriamente com os seus objectivos.

5.8

A comunicação relativa à política internacional do clima contém, em contrapartida, propostas mais pertinentes e mais realistas. Com efeito, a Comissão insiste na necessidade de aplicar o Acordo de Copenhaga, sublinhando a orientação «sustentável» da Estratégia Europa 2020, que considera o crescimento sustentável como uma prioridade fundamental da visão de uma Europa eficaz no em termos de recursos, criadora de novos empregos verdes e capaz de imprimir um forte impulso à eficiência e à segurança energéticas.

5.9

Do mesmo modo, salienta a importância de progredir na definição do sistema de acompanhamento, controlo e verificação. Sabe-se, no entanto, que este ponto causou grandes dificuldades durante as negociações, nomeadamente com a China. Deve-se, por conseguinte, encontrar um quadro claro e transparente que não fira sentimentos de independência e de dignidade nacionais. A União Europeia poderia desempenhar aqui um papel fundamental, propondo aos países terceiros interessados métodos para a aplicação de instrumentos de medida e de controlo.

5.10

As disposições financeiras imediatas previstas pelo Acordo de Copenhaga devem ser aplicadas o mais depressa possível. Seria esta a melhor maneira para provar a boa-fé dos países desenvolvidos em relação aos países em desenvolvimento, apoiando-se se necessário em iniciativas existentes.

5.11

No que diz respeito aos financiamentos a longo prazo, a Comissão julga poder mobilizar diversos tipos de recursos:

os gerados pelo mercado internacional do carbono, ainda que este não tenha correspondido até ao momento às expectativas, por um lado, porque não tem um carácter mundial e, por outro, porque é um mercado artificial – o CO2 não tem nenhum valor real - que poderia degenerar num mercado especulativo dos «direitos de poluir»;

as contribuições dos sectores dos transportes marítimos e aéreos;

os fundos públicos – mas sabe-se como está a situação das finanças públicas dos Estados-Membros.

Assim sendo e apesar das dificuldades, manter e cumprir os nossos compromissos financeiros é também uma prova de confiança perante os países terceiros e, sobretudo, os países mais pobres. Resta ainda o problema intrincado de determinar os critérios para a concessão destes fundos, de avaliar a pertinência dos projectos e a sua gestão para cumprirem com a sua finalidade.

5.12

Importa igualmente aumentar os esforços de investigação e desenvolvimento de fontes de energia renováveis e de promoção da eficácia energética, nem que seja tão-somente devido à diminuição dos recursos fósseis líquidos ou gasosos (petróleo e gás). Trata-se de conseguir uma melhor afectação dos recursos para alcançar uma maior eficácia, de forma a provar que, por detrás das declarações políticas e da legislação, há a vontade de mobilizar os meios necessários para a acção concreta. É preocupante que projectos de futuro tão essenciais como o Galileo ou o ITER sejam confrontados sistematicamente com dificuldades de financiamento.

5.13

No intuito de apoiar os seus esforços diplomáticos, a União Europeia deveria também mobilizar a sociedade civil organizada a fim de sensibilizar a opinião pública para a necessidade de fazer evoluir a nossa sociedade no sentido de reduzir o desperdício dos recursos naturais, utilizar mais recursos renováveis, assim como de adoptar comportamentos mais cívicos.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/75


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre o avanço da aplicação da política integrada de produtos

[COM(2009) 693 final]

2011/C 51/15

Relator: Josef ZBOŘIL

Em 21 de Dezembro de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre o avanço da aplicação da política integrada de produtos

COM(2009) 693 final.

A Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, responsável pela preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, adoptou o seu parecer em 7 de Julho de 2010.

Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE acolhe favoravelmente o relatório da Comissão Europeia sobre a aplicação da política integrada de produtos (PIP), que inclui uma apresentação detalhada do processo de execução dos seus princípios. O relatório inscreve-se apropriadamente no âmbito mais lato do Plano de Acção para um Consumo e Produção Sustentáveis e uma Política Industrial Sustentável (Plano de Acção CPS/PIS).

1.2   A estratégia assente numa abordagem integrada toma em devida consideração o princípio da subsidiariedade e as especificidades de cada Estado-Membro. O CESE gostaria de destacar o facto de as acções concretas se realizarem essencialmente nos níveis subsidiários e graças à interacção no mercado de fornecedores e consumidores.

1.3   Apesar de a PIP incluir a questão das forças do mercado, o CESE entende que há ainda muito por fazer ao nível da utilização dos instrumentos de mercado, como a fiscalidade e os incentivos ambientais, para que se possa passar à sua aplicação de forma coordenada. O CESE recomenda que se dê mais atenção à troca de experiências entre os Estados-Membros, pondo um acento particular nos incentivos e respectiva aplicação e no papel dos acordos voluntários a longo prazo.

1.4   O CESE está convicto de que a normalização poderia beneficiar um grande número de produtos, nomeadamente na medida em que poderia ter efeitos positivos na sua reciclabilidade, eficácia e comportamento ambiental, entre outros aspectos. Ela desempenha igualmente um papel fundamental na aplicação da Directiva Concepção Ecológica e deve ser reforçada no futuro.

1.5   O CESE considera que uma maior aproximação dos dois sistemas de gestão do ambiente (o EMAS deve alinhar-se mais com a ISO 14001) poderia contribuir para assegurar uma aplicação mais sistemática do EMAS, enquanto parte do Plano de Acção CPS/PIS.

1.6   Todos os instrumentos, disposições e políticas – inclusivamente no âmbito da aplicação do Plano de Acção CPS/PIS – deverão ser elaborados e adoptados de forma a não afectar as condições de concorrência nem o funcionamento do mercado interno, respeitando plenamente o princípio de legislar melhor e o objectivo de sustentabilidade. É imperativo evitar que as novas políticas que foram adoptadas por razões práticas se sobreponham ou contradigam os instrumentos e as políticas da UE já em vigor.

1.7   Uma boa relação custo-eficácia também é essencial para o êxito do Plano de Acção CPS/PIS. A avaliação de impacto inicial deveria ser complementada com estudos sobre os efeitos macro e microeconómicos, que, na vida económica real, divergem amiúde de modo significativo.

1.8   O processo de avaliação deveria ter igualmente em conta, tão cedo quanto possível e com a maior transparência, as principais cadeias de valor. A legislação em vigor relativa à concepção ecológica e à rotulagem não deve tornar-se um entrave aos produtos europeus, devendo antes contribuir para a sua afirmação tanto no mercado interno como nos mercados internacionais. Todas as iniciativas, particularmente em matéria de rotulagem ou em prol da transformação dos padrões de consumo, deverão ter uma base científica sólida e comprovada e ser aplicadas apenas nos domínios onde tal transformação for exequível.

1.9   O CESE deseja expressar o seu apoio à filosofia da PIP e ao Plano de Acção CPS/PIS, destinado a promover o desenvolvimento de produtos e processos de produção mais sustentáveis, na linha de pareceres anteriores nesta matéria (1). Esta abordagem traduzir-se-á num maior valor acrescentado tanto para o ambiente como para a competitividade da economia europeia.

1.10   O CESE preconiza, por isso, que se dê prioridade aos programas da UE existentes, como o plano SET (Plano Estratégico Europeu para as Tecnologias Energéticas), o plano ETAP (Plano de Acção sobre Tecnologias Ambientais) ou as actividades das plataformas tecnológicas. Será particularmente importante garantir uma boa coordenação e um nível adequado de ambição.

1.11   A cooperação reforçada entre os actores da investigação e do desenvolvimento em matéria de eco-inovação, a esfera económica e comercial, os centros de investigação e as universidades deveria reflectir-se em inovações no sector, que são absolutamente cruciais.

1.12   Prosseguir com a aplicação da PIP à margem do Plano de Acção CPS/PIS no futuro seria incorrer no risco de incoerências e incertezas jurídicas desnecessárias. Por esse motivo, o CESE aprova plenamente que quaisquer futuras actividades PIP passem a ser avaliadas e realizadas no âmbito do Plano de Acção CPS/PIS.

1.13   A implantação da PIP e do Plano de Acção CPS/PIS tem que ser um processo dinâmico, que se baseie no diálogo permanente e na cooperação entre as diferentes partes interessadas (desde as empresas e os responsáveis políticos, às organizações de consumidores e às ONG que trabalham na área do ambiente), para reforçar os instrumentos de comunicação com os consumidores, a produção ecológica e o fomento das aquisições e dos contratos públicos sustentáveis.

2.   Documento da Comissão

2.1   A Comissão adoptou, em 18 de Junho de 2003, uma comunicação intitulada Política integrada de produtos – Desenvolvimento de uma reflexão ambiental centrada no ciclo de vida  (2). Na base da filosofia PIP estão as seguintes constatações:

A produção e a utilização de bens e serviços (i.e. produtos) estão na origem de grande parte dos impactos globais no ambiente. A situação agrava-se, em resultado do número cada vez maior de produtos consumidos na UE e no mundo inteiro.

O impacto e a pressão no meio ambiente exercem-se nas várias fases do ciclo de vida dos produtos (da cadeia de produção à eliminação em fim de ciclo, passando pela utilização). As medidas que visam a sua redução devem ser concebidas por forma a evitar que o ónus ambiental se transfira de fase para fase do ciclo de vida ou de região para região.

Dada a grande variedade de produtos, nenhum instrumento político pode, por si só, combater todos os diferentes impactos que causam. O instrumento ou instrumentos têm de ser seleccionados caso a caso e usados de forma coordenada e muitas vezes trans-sectorial.

2.2   A comunicação define o objectivo da PIP e estabelece cinco «princípios»: (1) Conceito de ciclo de vida; (2) Relação com o mercado; (3) Participação das partes interessadas; (4) Aperfeiçoamento contínuo dos produtos; (5) Uso coordenado dos instrumentos políticos. A PIP materializar-se-ia em torno de três eixos de acção estratégicos:

Contribuir para as grandes iniciativas políticas, como a Estratégia da UE para o Desenvolvimento Sustentável (3), o Sexto Programa de Acção em matéria de Ambiente (4) e o quadro decenal de programas para um consumo e produção sustentáveis (5).

Complementar as políticas já existentes relacionadas com os produtos, criando um enquadramento no âmbito do qual se possam ponderar os problemas ambientais em ligação com o ciclo de vida dos produtos.

Reforçar a coordenação e a coerência dos instrumentos da política de produtos relacionados com o ambiente.

2.3   Os princípios da PIP foram integrados no quadro mais global da política para um consumo e produção sustentáveis/política industrial sustentável (CPS/PIS), com a adopção do Plano de Acção CPS/PIS de 2008  (6), que incorpora e leva por diante o processo iniciado com a comunicação relativa à PIP.

2.4   A Directiva relativa à concepção ecológica dos produtos consumidores de energia integra os princípios da PIP na legislação respeitante à concepção dos produtos. O seu âmbito de aplicação foi alargado, em 2009, a outros grupos de produtos (relacionados com o consumo de energia), no contexto do Plano de Acção CPS/PIS (7).

2.5   A nova Directiva-Quadro Resíduos  (8) torna juridicamente obrigatórios vários elementos da PIP, designadamente o requisito de que a política de resíduos englobe todo o ciclo de vida dos materiais.

2.6   As estratégias temáticas relativas à utilização sustentável dos recursos naturais e à prevenção e reciclagem de resíduos abraçam aquele conceito e o do aperfeiçoamento contínuo (9), bem como o da relação com o mercado (10). Ilustração disso é o facto de a estratégia relativa aos resíduos preconizar a criação de mercados de reciclagem fortes na UE.

2.7   Imediatamente após a adopção da comunicação relativa à PIP, a Comissão avançou com a criação da Plataforma LCA (avaliação do ciclo de vida), que integra uma base de dados europeia de referência sobre o ciclo de vida dos produtos, com controlo da qualidade, e um manual.

2.8   No cômputo geral, deram-se passos importantes na UE no sentido de nortear a política de produtos pela protecção do ambiente. Porém, como a PIP é um processo, e não um mecanismo estático, há ampla margem para o seu desenvolvimento.

2.9   O conceito pode também aplicar-se à redução do rasto ecológico dos produtos não industriais e dos serviços. Os instrumentos «fiscalidade» e «subsídios» da PIP não foram ainda utilizados a nível da UE.

2.10   É difícil documentar a aplicação da PIP do ponto de vista da integração das diferentes políticas, já que só raramente se lhe faz referência expressa. Não obstante, aumentou grandemente a receptividade dos sectores industriais fundamentais e dos decisores políticos ao conceito de ciclo de vida e é substancialmente maior a disponibilidade de dados sobre o ciclo de vida dos produtos e o consenso quanto à metodologia. Avançou-se também na identificação dos produtos com maior potencial de aperfeiçoamento e na definição de medidas para o efeito.

2.11   A informação dos consumidores, a legislação no domínio da concepção ecológica, a produção ecológica e os contratos públicos «verdes» de aquisição de bens e serviços formam hoje o núcleo do Plano de Acção CPS/PIS. Este plano de acção leva por diante o processo iniciado com a comunicação relativa à PIP, com o objectivo de libertar o potencial de oferta de produtos sustentáveis no mercado e promover um consumo mais inteligente. A comunicação conclui que a revisão do plano de acção prevista para 2012 será uma oportunidade excelente para reavaliar a evolução da PIP.

3.   Observações na generalidade

3.1   O CESE acolhe favoravelmente o relatório da Comissão Europeia sobre a aplicação da política integrada de produtos e o respectivo documento de trabalho, que consiste numa apresentação detalhada, elaborada pelos serviços da Comissão, do processo de execução dos princípios da PIP. A apresentação inclui as iniciativas e a sua concretização ao nível da Comissão, bem como uma comparação esclarecedora da situação nos diferentes Estados-Membros e das suas especificidades. O relatório inscreve-se apropriadamente no âmbito mais lato do Plano de Acção para um Consumo e Produção Sustentáveis e uma Política Industrial Sustentável (Plano de Acção CPS/PIS).

3.2   A comunicação inicial sobre a PIP, publicada pela Comissão Europeia em 2003, contribuiu claramente para gerar um debate frutuoso. Visava avaliar o papel das instituições europeias, dos Estados-Membros e dos actores interessados, com vista a reduzir ao máximo o impacto dos produtos no ambiente. Além disso, o debate alterou por completo a percepção do problema. Concorreu para que fossem envidados esforços contínuos no sentido de criar instrumentos políticos e jurídicos que permitam reduzir globalmente o impacto ambiental dos produtos.

3.3   O objectivo era estabelecer um quadro conceptual baseado no princípio da avaliação do ciclo de vida dos produtos, o que poderá ajudar a melhorar a coordenação e a coerência entre os diferentes instrumentos políticos relacionados com o impacto ambiental dos produtos.

3.4   Em termos gerais, os cinco princípios subjacentes à PIP foram integrados com êxito no trabalho dos órgãos administrativos e legislativos e das partes interessadas. Estes princípios também estão na base do Plano de Acção CPS/PIS, que se tornou o prolongamento lógico do processo iniciado pela comunicação relativa à PIP.

3.5   O CESE saúda o facto de os cinco princípios básicos terem sido formalizados em directivas da UE e documentos políticos: (1) o conceito de ciclo constituiu a base da Directiva Concepção Ecológica; (2) o Plano de Acção CPS/PIS e os incentivos foram propostos com o fito de reforçar a cooperação com o mercado à escala nacional e europeia; (3) a participação das partes interessadas, tanto a nível europeu como nacional, concretiza-se mediante uma série de iniciativas; (4) o aperfeiçoamento contínuo da funcionalidade dos produtos é também uma parte integrante do Plano de Acção CPS/PIS; por último, (5) registaram-se melhorias na coordenação e na coerência dos instrumentos para garantir a plena utilização das sinergias potenciais decorrentes da abordagem integrada do Plano de Acção CPS/PIS.

3.6   A estratégia assente numa abordagem integrada toma em devida consideração o princípio da subsidiariedade e as especificidades de cada Estado-Membro, empenhando-se em não afectar as condições de concorrência no mercado interno. O CESE gostaria de destacar o facto de a aplicação efectiva dos princípios e dos instrumentos políticos se realizar essencialmente nos níveis subsidiários, graças à interacção no mercado de fornecedores e consumidores. Este aspecto deverá reflectir-se na utilização de instrumentos eficazes e amplamente aceites por todas as partes interessadas.

3.7   Embora a política integrada de produtos tenha dado frutos e sido aplicada por vários instrumentos políticos concretos, o CESE defende que urge agora velar mais atentamente pela eficácia da sua execução. Há, nomeadamente, que aferir o seu grau de êxito e identificar obstáculos e falhas, de modo que a avaliação de 2012 do Plano de Acção CPS/PIS possa integrar as eventuais medidas correctivas necessárias para garantir o nível de eficácia exigido.

3.8   O CESE crê igualmente que esta política orientada para os produtos só poderá produzir plenos efeitos se as medidas forem aplicadas à escala mundial, tendo em conta todas as diferenças económicas e culturais. O Sistema de Preferências Generalizadas (SPG), centrado em acordos comerciais regionais e nos esforços de países em vias de desenvolvimento em prol do desenvolvimento sustentável, constitui um bom exemplo de um mecanismo que permite aplicar eficazmente os cinco princípios da PIP à escala mundial.

4.   Observações na especialidade

4.1   Apesar de a PIP incluir a questão das forças de mercado – crucial para o seu êxito e o de outros instrumentos –, o CESE entende que há ainda muito por fazer ao nível da utilização dos instrumentos de mercado, como a fiscalidade e os incentivos ambientais, para que se possa passar à sua aplicação de forma coordenada. É inegável, porém, que o papel da UE neste processo será menor do que o dos Estados-Membros. O Livro Verde adoptado pela Comissão em 2007 e a ampla consulta das partes interessadas chamaram de certa forma a atenção para o papel dos instrumentos de mercado. Todavia, o CESE recomenda que se dê mais atenção à troca de experiências entre os Estados-Membros, pondo um acento particular nos incentivos e respectiva aplicação e no papel dos acordos voluntários a longo prazo.

4.2   Os produtos e o seu impacto ambiental também estão estreitamente relacionados com a questão da normalização. O CESE está convicto de que a normalização poderia beneficiar não só as normas de emissão dos veículos motorizados mas também uma grande quantidade de outros produtos. Poderia, nomeadamente, ter um efeito positivo na sua reciclabilidade e comportamento ambiental, entre uma série de outros factores ambientais. Além disso, a normalização desempenha um papel fundamental na aplicação da Directiva Concepção Ecológica, e deve ser reforçada no futuro. Tem ainda a vantagem de permitir a participação de todas as partes interessadas.

4.3   Os sistemas de ecogestão EMAS e ISO 14001 são instrumentos facultativos de apoio ao conceito da PIP e políticas afins. Parece evidente que os requisitos mais rigorosos do EMAS em matéria de administração e auditoria desencorajam a sua generalização e são proibitivos para as pequenas e médias empresas. O sistema ISO 14001 é mais utilizado, em parte devido ao seu âmbito alargado, mas sobretudo por ser a ferramenta mais apropriada para companhias que operam à escala mundial. O CESE entende que uma maior aproximação dos dois sistemas poderia contribuir para assegurar uma aplicação mais sistemática do EMAS, enquanto parte do Plano de Acção CPS/PIS.

4.4   Todas as disposições, políticas e instrumentos – inclusivamente no âmbito da aplicação do Plano de Acção CPS/PIS – deverão ser elaborados e adoptados de forma a não prejudicar o ambiente concorrencial nem o funcionamento do mercado interno, respeitando plenamente o princípio de legislar melhor e o objectivo de sustentabilidade.

4.5   Os instrumentos políticos já aplicados estão a dar resultados que constituem um passo positivo no sentido da sustentabilidade do consumo e da produção na UE. É necessário, portanto, evitar que as novas políticas se sobreponham ou contradigam as políticas e os instrumentos da UE existentes, sob pena de prejudicar consideravelmente a competitividade económica da UE, devendo a decisão final caber sempre ao consumidor informado.

4.6   O CESE está convicto de que só políticas coerentes e isentas de encargos burocráticos e administrativos inúteis poderão fornecer um quadro jurídico favorável ao investimento na UE. Só no âmbito de um tal quadro será possível criar e preservar postos de trabalho e reduzir sistematicamente a pressão sobre o ambiente. O quadro jurídico para as substâncias químicas e os materiais de construção e a legislação relativa a produtos eléctricos e electrónicos comportam o risco de contradição entre diferentes medidas. A incerteza e incoerência jurídica nestes casos é significativa, requerendo uma abordagem ponderada. A próxima revisão do REACH (11) constitui uma excelente oportunidade de reforçar a coerência e ponderar a fusão de algumas medidas sectoriais no quadro jurídico horizontal em matéria de produtos químicos que foi recentemente adoptado pela UE.

4.7   Uma boa relação custo-eficácia também é essencial para o êxito do Plano de Acção CPS/PIS. A avaliação inicial do impacto e dos benefícios deveria ser complementada com estudos sobre o potencial do sector económico no seu conjunto e das empresas individuais, dado que, na vida económica real, os resultados das análises macro e microeconómicas divergem amiúde de modo significativo.

4.8   O processo de avaliação deveria ter igualmente em conta, tão cedo quanto possível e com a maior transparência, as principais cadeias de valor. A legislação em vigor relativa à concepção ecológica e à rotulagem não deve tornar-se um entrave aos produtos europeus face à concorrência de outras regiões económicas ou à procura insuficiente de produtos sustentáveis. Pelo contrário, deveria contribuir para a sua afirmação tanto no mercado interno como nos mercados externos. Todas as iniciativas, particularmente em matéria de rotulagem ou em prol da transformação dos padrões de consumo, deverão ter uma base científica sólida. As vantagens da rotulagem são reduzidas ao nível dos produtos inter-empresas. Além disso, constitui um instrumento para fornecer informações aos consumidores sobre o comportamento ambiental dos produtos. Também deveriam ser explorados outros instrumentos de informação, incluindo normas internacionais.

4.9   A esfera económica deverá permanecer suficientemente flexível para assegurar um desenvolvimento de produtos orientado para a satisfação das necessidades dos consumidores num ambiente de mercado claramente definido. A aplicação de princípios de desenvolvimento sustentável em toda a UE assenta numa abordagem voluntária do sector económico.

4.10   O CESE deseja, por isso, expressar o seu apoio à PIP e ao Plano de Acção CPS/PIS, destinado a promover o desenvolvimento de produtos e processos de produção mais sustentáveis. Esta abordagem traduzir-se-á num maior valor acrescentado tanto para o ambiente como para a competitividade da economia europeia, podendo, inclusivamente, abrir novos mercados na UE e no resto do mundo. Estes novos mercados deverão ser eficazes e favoráveis à eco-inovação, o que exigirá fundos da UE, para além de investimentos públicos a nível nacional, por forma a apoiar a investigação e o desenvolvimento em matéria de tecnologias sustentáveis. Dever-se-ia ponderar a possibilidade de afectar receitas provenientes dos instrumentos financeiros relacionados com as emissões de CO2 para investimentos em tecnologias sustentáveis.

4.11   O CESE está convicto de que se deveria, consequentemente, dar prioridade aos programas da UE existentes, como o plano SET (Plano Estratégico Europeu para as Tecnologias Energéticas), o plano ETAP (Plano de Acção sobre Tecnologias Ambientais) ou as actividades das plataformas tecnológicas. Todavia, serão necessários novos esforços financeiros para operar as mudanças necessárias no mercado. Será particularmente importante garantir uma boa coordenação e um nível adequado de ambição, sobretudo no atinente às acções financiadas por fundos públicos locais, regionais e da UE.

4.12   A mesa-redonda europeia para o consumo e produção sustentáveis de produtos alimentares, co-presidida pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) e apoiada pela Agência Europeia do Ambiente, é uma iniciativa bem-sucedida. A participação de partes interessadas a nível europeu torna possível uma abordagem harmonizada e baseada no ciclo de vida, conducente a um diálogo aberto e orientado para resultados concretos ao longo da cadeia alimentar. O objectivo é promover uma abordagem coerente e com base científica e conferir à cadeia alimentar um papel decisivo no consumo e produção sustentáveis na Europa, tendo igualmente em conta a agenda global do programa CPS (12).

4.13   A implantação da PIP e do Plano de Acção CPS/PIS tem que ser um processo dinâmico, que se baseie no diálogo permanente e na cooperação entre as diferentes partes interessadas (desde as empresas e os responsáveis políticos, às organizações de consumidores e às ONG que trabalhem na área do ambiente), para reforçar os instrumentos de comunicação com os consumidores, a produção ecológica e o fomento das aquisições e dos contratos públicos sustentáveis.

4.14   A cooperação reforçada entre os actores da investigação e do desenvolvimento em matéria de eco-inovação, a esfera económica e comercial, os centros de investigação e as universidades não deveria reflectir-se apenas em inovações necessárias no sector. Deveria também contribuir para garantir a transferência de conhecimentos especializados em matéria de direitos de propriedade intelectual e do desenvolvimento de conhecimentos e de novas competências, sem os quais a PIP não passaria de uma quimera.

4.15   Prosseguir com a aplicação da PIP à margem do Plano de Acção CPS/PIS seria incorrer no risco de incoerências e incertezas jurídicas desnecessárias. Por esse motivo, o CESE aprova plenamente que quaisquer futuras actividades PIP passem a ser avaliadas e realizadas no âmbito do Plano de Acção CPS/PIS.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 80 de 30.3.2004, pp. 39-44, e JO C 218 de 11.9.2009, p. 46.

(2)  COM(2003) 302 final.

(3)  Nova Estratégia da UE para o Desenvolvimento Sustentável, documento n.o 10117/06 de 9 de Junho de 2006.

(4)  COM(2001) 31 final.

(5)  Ver http://www.un.org/esa/dsd/dsd_aofw_scpp/scpp_tenyearframprog.shtml.

(6)  COM(2008) 397 final.

(7)  Directiva 2009/125/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Outubro de 2009 relativa à criação de um quadro para definir os requisitos de concepção ecológica dos produtos relacionados com o consumo de energia.

(8)  Directiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas directivas.

(9)  COM(2005) 670 final.

(10)  COM(2005) 666 final.

(11)  Regulamento (CE) n.o 1907/2006 relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas. A Comissão tem a possibilidade de rever e alterar anexos do REACH, em conformidade com o artigo 131.o, ao passo que várias revisões estavam especificamente previstas no artigo 138.o e noutras disposições do REACH.

(12)  www.food-scp.eu.


17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/80


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta alterada de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 708/2007 relativo à utilização na aquicultura de espécies exóticas e de espécies ausentes localmente

[COM(2010) 393 final — 2009/0153 COD]

2011/C 51/16

Relator-geral: José María ESPUNY MOYANO

O Parlamento Europeu, em 2 de Setembro de 2010, decidiram, nos termos do artigo 43.o, n.o 2, do TFUE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta alterada de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 708/2007 relativo à utilização na aquicultura de espécies exóticas e de espécies ausentes localmente

COM(2010) 393 final — 2009/0153 COD.

Em 14 de Setembro de 2010, a Mesa do Comité Económico e Social Europeu incumbiu a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente da preparação dos respectivos trabalhos.

Dada a urgência dos trabalhos, na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu designou José María Espuny Moyano relator-geral e aprovou por 177 votos a favor, 2 votos contra e 10 abstenções, o presente parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE congratula-se com a nova definição mais exacta das chamadas «instalações aquícolas fechadas», baseada nas conclusões do projecto IMPASSE (acção concertada de investigação sobre os efeitos ambientais das espécies exóticas na aquicultura), bem como com a clarificação da sua localização, ou seja, a distância a que se encontram das águas livres, e outras melhorias na redacção do Regulamento (CE) n.o 708/2007, sobretudo porque reflectem em larga medida as recomendações do parecer CESE 453/2010.

1.2   O CESE considera que, conquanto se adoptem as medidas necessárias para evitar qualquer alteração nos ecossistemas e na biodiversidade, a aquicultura deverá continuar a tirar partido dos benefícios da introdução de espécies exóticas ou de espécies localmente ausentes na União Europeia. Tal estimulará o desenvolvimento sustentável desta actividade.

1.3   O CESE realça a importância de estabelecer claramente as condições que devem reunir as «instalações aquícolas fechadas», a fim de reduzir a carga burocrática que sobre elas pende.

1.4   O CESE apoia, além disso, as alterações à redacção do Regulamento (CE) n.o 708/2007, em consequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, cuja finalidade principal é autorizar a modificação dos anexos I, II, III e IV através de disposições de «comitologia».

2.   Introdução

2.1   A aquicultura é uma actividade em evolução constante que tem de encontrar soluções para responder à procura do mercado, entre as quais, a diversificação das espécies piscícolas cultivadas e comercializadas.

2.2   No passado, a aquicultura europeia trouxe, com a introdução de espécies exóticas, tantos benefícios à sociedade como as demais actividades agrícolas e pecuárias. Actualmente, quatro das dez espécies principais produzidas pelo sector aquícola da União Europeia podem ser consideradas exóticas (a truta arco-íris, a ostra do Pacífico, a carpa comum e a amêijoa japonesa) e a sua presença passou a ser vista como algo de habitual e necessário.

2.3   No entanto, a introdução de espécies exóticas invasoras é considerada hoje uma das causas fundamentais da alteração da biodiversidade ao nível mundial. A entrada não desejada de espécies exóticas aquáticas na União Europeia ocorre, sobretudo, através das águas de lastro dos navios de grande calado, da pesca desportiva e da aquariofilia. As alterações climáticas também estão a favorecer a entrada espontânea de espécies exóticas nos ecossistemas europeus.

2.4   O Regulamento (CE) n.o 708/2007 relativo à utilização na aquicultura de espécies exóticas e de espécies ausentes localmente foi objecto de algumas alterações sobre as quais o CESE se pronunciou no seu parecer CESE 453/2010 (relator: Valério SALVATORE), que foi adoptado por larga maioria de votos e continua a ser inteiramente válido. Algumas das sugestões nele formuladas, por exemplo, a necessidade de clarificar que as instalações aquícolas fechadas devem encontrar-se sempre em terra firme, a exigência de uma distância mínima de segurança e a necessidade de protecção contra predadores, etc., são tidas em conta a partir de agora na proposta de alteração (modificações ao artigo 3.o), o que revela a pertinência das recomendações do CESE.

3.   Observações na generalidade

3.1   A União Europeia deverá adaptar o quadro legislativo que rege as práticas aquícolas relacionadas com espécies exóticas e espécies ausentes localmente, bem como com outras espécies não alvo associadas, tanto em consequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa como dos contributos e sugestões de vários organismos, entre os quais o CESE.

3.2   O objectivo desse quadro jurídico é minimizar o risco de efeitos nocivos na biodiversidade, especialmente para as espécies, os habitats e as funções dos ecossistemas. O mesmo deve basear-se no princípio da precaução, incluir procedimentos de avaliação dos riscos potenciais e prever a elaboração de planos de emergência.

3.3   As espécies exóticas da aquicultura já há muito introduzidas na União Europeia e cultivadas segundo os métodos habituais, devem ter um tratamento diferenciado que facilite a continuidade do seu cultivo, sem cargas administrativas suplementares, desde que os seus movimentos não envolvam espécies não alvo.

3.4   O Regulamento (CE) n.o 708/2007 do Conselho estabelece um quadro regulamentar das práticas de aquicultura relacionadas com espécies exóticas e espécies ausentes localmente, com o fito de avaliar e minimizar o possível impacto de tais espécies nos habitats aquáticos.

3.5   A redução dos riscos ambientais requer a adopção de medidas tais como protocolos de actuação nas instalações receptoras, avaliação prévia dos riscos ambientais e quarentenas.

3.6   Para a gestão adequada dos riscos da utilização de espécies exóticas e espécies localmente ausentes, é indispensável que as várias partes envolvidas, especialmente os Estados-Membros, assumam as suas responsabilidades.

3.7   Para melhorar a regulamentação na matéria, convém tirar partido da evolução dos conhecimentos sobre a utilização de espécies exóticas na aquicultura, sobretudo os novos conhecimentos científicos obtidos mediante iniciativas de investigação financiadas pela União Europeia, como o projecto IMPASSE.

4.   Observações na especialidade

4.1   Importa adaptar o Regulamento (CE) n.o 708/2007 relativo à utilização na aquicultura de espécies exóticas e de espécies ausentes localmente às novas disposições do artigo 290.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia respeitante aos poderes delegados e do seu artigo 291.o respeitante aos poderes de execução. Desta forma, o Regulamento (CE) n.o 708/2007 será coerente com o novo dispositivo de decisão ao abrigo do novo Tratado.

4.2   As instalações de aquicultura fechadas, por serem consideradas seguras e com um risco muito reduzido de fuga dos espécimes, deverão estar isentas, designadamente, da obrigação de realizar avaliações prévias do impacto ambiental.

4.3   Tendo em mente as isenções de que beneficiarão as instalações de aquicultura fechadas, é particularmente relevante definir as características de biossegurança que deve reunir esse tipo de estruturas.

4.4   É essencial que os requisitos de segurança das instalações de aquicultura fechadas tenham em conta que a água em que as espécies são cultivadas não é a única possibilidade de fuga dos espécimes cultivados. Há outros aspectos a ter em consideração como a sua localização em terra firme, a protecção contra predadores, os efeitos de eventuais inundações, as medidas de prevenção contra roubo e vandalismo, o efeito-barreira contra agentes patogénicos e a gestão dos organismos mortos.

4.5   A lista das instalações de aquicultura fechadas em toda a União Europeia deverá poder ser consultada a qualquer momento por todos os Estados-Membros. Deverá, por isso, ser elaborada sem demora, actualizada periodicamente e estar disponível na Internet.

4.6   Sendo o transporte de espécies exóticas e localmente ausentes de e para as instalações aquícolas fechadas é um processo complexo, terá de ser efectuado em condições tais que não seja possível a fuga dos espécimes.

4.7   Os movimentos de espécies aquáticas exóticas através do comércio de animais de estimação, dos lagos de jardim e dos aquários representam um risco para a biodiversidade idêntico ao da aquicultura, pelo que devem ficar sujeitos às mesmas normas e aos mesmos requisitos a que esta está sujeita.

4.8   Embora se trate de uma questão não abordada na alteração do Regulamento (CE) n.o 708/2007, é incorrecto definir «instalação aquícola aberta» como uma instalação em que a aquicultura é praticada num meio aquático não separado do meio aquático selvagem por barreiras que impedem a fuga de espécimes cultivados. Nas instalações de aquicultura abertas há sim barreiras físicas que garantem o cativeiro dos espécimes cultivados. O que não há é a certeza absoluta de que, em determinadas circunstâncias (temporais, inundações, predadores, etc.), alguns dos espécimes não escapem para as águas livres.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON