ISSN 1725-2482

doi:10.3000/17252482.C_2010.255.por

Jornal Oficial

da União Europeia

C 255

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

53.o ano
22 de Setembro de 2010


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009

2010/C 255/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Comércio e segurança alimentar (parecer exploratório)

1

2010/C 255/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A crise financeira e o seu impacto na economia real (parecer de iniciativa)

10

2010/C 255/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Uma actuação concertada para o reforço da carreira e da mobilidade dos investigadores na União Europeia

19

2010/C 255/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Apoiar as PME na adaptação à evolução dos mercados mundiais (parecer de iniciativa)

24

2010/C 255/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Programa de Ajuda à Aviação Europeia (parecer de iniciativa)

31

 

III   Actos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009

2010/C 255/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às denominações têxteis e à correspondente etiquetagem de produtos têxteis[COM(2009) 31 final/2 – 2009/0006 (COD)]

37

2010/C 255/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (reformulação) e aplica o Small Business Act[COM(2009) 126 final – 2009/0054 (COD)]

42

2010/C 255/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde sobre a revisão do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial[COM(2009) 175 final]

48

2010/C 255/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Alargar as fronteiras das TIC – Uma estratégia de investigação sobre as tecnologias futuras e as tecnologias emergentes na Europa[COM(2009) 184 final]

54

2010/C 255/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Conselho relativo à suspensão temporária dos direitos autónomos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações de um determinado número de produtos industriais nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores[COM(2009) 370 final – 2009/0125 (CNS)]

59

2010/C 255/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu: Promover a boa governação em questões fiscais[COM(2009) 201 final]

61

2010/C 255/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Uma nova parceria para a modernização das universidades: Fórum da UE para o Diálogo Universidades-Empresas[COM(2009) 158 final]

66

2010/C 255/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Acção Contra o Cancro: Parceria Europeia[COM(2009) 291 final]

72

2010/C 255/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a iniciativa europeia em matéria de doença de Alzheimer e outras formas de demência[COM(2009) 380 final]

76

2010/C 255/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde – Promover a Mobilidade dos Jovens para fins de Aprendizagem[COM(2009) 329 final]

81

2010/C 255/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Orientar melhor as ajudas aos agricultores das zonas com desvantagens naturais[COM(2009) 161 final]

87

2010/C 255/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 1999/62/CE relativa à aplicação de imposições aos veículos pesados de mercadorias pela utilização de certas infra-estruturas[COM(2008) 436 final – 2008/0147 (COD)]

92

2010/C 255/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões relativa à protecção das infra-estruturas críticas da informação – Proteger a Europa contra os ciberataques e as perturbações em grande escala: melhorar a preparação, a segurança e a resiliência[COM(2009) 149 final]

98

2010/C 255/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Objectivos estratégicos e recomendações para a política comunitária de transporte marítimo no horizonte de 2018[COM(2009) 8 final]

103

2010/C 255/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre aComunicação da Comissão – Um futuro sustentável para os transportes: rumo a um sistema integrado, baseado na tecnologia e de fácil utilização[COM(2009) 279 final] e sobre o tema Pontos de partida para a política europeia de transportes após 2010

110

2010/C 255/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: A Internet das coisas – Um plano de acção para a Europa[COM(2009) 278 final]

116

2010/C 255/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Conselho relativo à comunicação à Comissão de projectos de investimento em infra-estruturas energéticas na Comunidade Europeia e que revoga o Regulamento (CE) n.o 736/96 do Conselho[COM(2009) 361 final – 2009/0106 (CNS)]

121

2010/C 255/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar a crise[COM(2009) 160 final]

124

2010/C 255/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à supressão das interferências radioeléctricas (compatibilidade electromagnética) produzidas pelos tractores agrícolas ou florestais (Codificação)[COM(2009) 546 final – 2009/0154 (COD)]

132

2010/C 255/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que revoga a Decisão 79/542/CEE do Conselho, que estabelece uma lista de países terceiros ou de partes de países terceiros e as condições de sanidade animal e saúde pública e de certificação veterinária aplicáveis à importação, para a Comunidade, de determinados animais vivos e da respectiva carne fresca[COM(2009) 516 final – 2009/0146 (COD)]

133

PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009

22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/1


458.A REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 E 17 DE DEZEMBRO DE 2009

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Comércio e segurança alimentar»

(parecer exploratório)

(2010/C 255/01)

Relator: Mario CAMPLI

Co-relator: Jonathan PEEL

Por carta de 21 de Janeiro de 2009, Margot Wallström, vice-presidente da Comissão Europeia, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a elaboração de um parecer exploratório sobre

Comércio e Segurança Alimentar.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas que emitiu parecer em 19 de Novembro de 2009, sendo relator Mario Campli e co-relator Jonathan Peel.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 191 votos a favor, 1 voto contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Conclusões

1.1.1   O CESE considera que o direito à alimentação e o direito à participação na sociedade civil em todas as suas dinâmicas constituem direitos fundamentais de cidadania e inclui a segurança alimentar mundial entre os direitos humanos fundamentais.

1.1.2   Num mundo no qual se produzem alimentos suficientes para todos, mais de mil milhões de pessoas não têm actualmente acesso a uma quantidade de alimentos suficiente. A principal causa desta situação de insegurança alimentar é a pobreza, num contexto de desestruturação de economias, tradições alimentares e infra-estruturas de mercado locais, provocada por estratégias internacionais a partir dos anos 80.

1.1.3   O CESE está consciente de que no âmbito de políticas complementares de desenvolvimento, orientadas para a redução da pobreza e o crescimento do rendimento, o comércio regulado pode contribuir para que pessoas e grupos consigam sair da condição de insegurança alimentar, especialmente no quadro do desenvolvimento dos mercados regionais.

1.1.4   O recurso generalizado a medidas proteccionistas não ajuda a alcançar a segurança alimentar mundial, uma vez que não garante a flexibilidade necessária e cria obstáculos, em particular em África, a qualquer tipo de integração regional concreta.

1.1.5   O CESE considera que um comércio regulado deve integrar na sua dinâmica de decisão e aplicação os princípios do direito à alimentação e que os Estados devem abster-se de assumir obrigações internacionais que vão contra esses princípios.

1.1.6   O CESE está ciente de que as políticas que visam a auto-suficiência alimentar são onerosas e não são coerentes com uma abordagem de governação global. Ao mesmo tempo, reconhece a abordagem da soberania alimentar como o direito legítimo de um povo de definir com autonomia as políticas para a sua própria segurança alimentar e para alimentar de forma sustentável a sua população, respeitando a soberania alimentar de terceiros.

1.1.7   O CESE afirma a necessidade de reformar os instrumentos, os organismos e as políticas de governação global da segurança alimentar e do comércio, de acordo com o princípio e a prática da coerência política em matéria de desenvolvimento.

1.1.8   O CESE considera que todas as estratégias possíveis e úteis de luta contra a pobreza e de crescimento da segurança alimentar podem proporcionar resultados frutuosos e estáveis, se ao mesmo tempo avançarem os processos democráticos e se reforçar o Estado de direito nos países que vivem uma situação de insegurança alimentar.

1.2   Recomendações

1.2.1   No que se refere a uma abordagem política global, o CESE apresenta as seguintes recomendações:

1.2.1.1   a União Europeia deve aplicar o Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento, tendo em vista uma estratégia política unívoca que seja reconhecida pelos parceiros mundiais e promova uma reforma profunda do sistema FAO-WFP-IFAD;

1.2.1.2   a União Europeia deve integrar estruturalmente os princípios do direito à alimentação nas suas políticas comerciais e lançar uma acção de concertação com os outros Estados-Membros da OMC, para que esses princípios façam parte das negociações multilaterais;

1.2.1.3   a União Europeia deve examinar como, no contexto das políticas de Responsabilidade Social das Empresas (RSE), as actividades económicas e comerciais das sociedades europeias ou com sede na UE podem ser supervisadas no que se refere às suas repercussões na segurança alimentar mundial. Nesse sentido, o CESE compromete-se a elaborar um parecer de iniciativa específico sobre O agronegócio europeu no mundo: Estratégias, desafios e boas práticas;

1.2.1.4   a União Europeia deve incluir nos futuros acordos de parceria económica e nos outros acordos de comércio livre um papel institucional para a sociedade civil, tal como previsto no acordo Cariforum-CE;

1.2.1.5   os organismos financeiros internacionais devem elaborar regulamentação adequada dos mercados financeiros para impedir a especulação no domínio das matérias-primas agrícolas;

1.2.1.6   as organizações internacionais dedicadas às questões ambientais e da saúde humana devem desencorajar hábitos alimentares marcados pelo consumo excessivo de proteína animal;

1.2.1.7   a comunidade internacional deve criar um sistema de reservas alimentares internacionais que funcione em coordenação estreita com o sistema de alerta precoce da FAO;

1.2.1.8   a comunidade internacional deve rever a classificação da ONU a fim de estabelecer uma distinção clara entre os países em desenvolvimento de rendimento médio e os mais pobres e os países menos avançados;

1.2.1.9   todos os membros da OMC e, em primeiro lugar, a UE, devem incluir nos mandatos de negociação as análises de impacto e de vulnerabilidade por país e grupo específico de pessoas;

1.2.1.10   os membros da OMC devem dar o seu aval a medidas temporárias de restrição às exportações que, ao permitir controlar com eficácia os preços dos alimentos nos países em desenvolvimento, ajudam a gerir as crises alimentares de grupos sociais específicos;

1.2.1.11   os governos dos países em desenvolvimento devem associar, de uma forma estável, as organizações de agricultores à programação do desenvolvimento agrícola e reforçar todas as formas de organização da produção concebidas pelos agricultores, assim como as promovidas pelos trabalhadores e consumidores.

1.2.2   No que se refere especificamente às negociações em curso dos Acordos de Parceria Económica (APE), o CESE recomenda à UE que:

1.2.2.1   actue, sobretudo em África, em prol de uma maior integração regional enquanto factor determinante para promover tanto o desenvolvimento como a segurança alimentar e como elemento essencial na revisão do Acordo de Cotonou, prevista para 2010;

1.2.2.2   garanta as sinergias entre as várias iniciativas de integração regional que se sobrepõem, bem como entre os vários APE provisórios e acordos globais;

1.2.2.3   se esforce por que as negociações possam adequar-se rapidamente às capacidades e às potencialidades dos países ACP, e garantam resultados imediatos em sectores como a simplificação das regras de origem;

1.2.2.4   incentive o maior número possível de países ACP (Grupo de Estados de África, Caraíbas e Pacífico) a escolherem a agricultura e o desenvolvimento rural como sectores prioritários;

1.2.2.5   reforçar a verba de mais de 2 mil milhões de euros fixada pela UE a título das ajudas ao comércio e da assistência em matéria comercial, tendo em conta os efeitos da crise económica;

1.2.2.6   promova o desenvolvimento e crescimento das indústrias transformadoras africanas de grande valor acrescentado, sobretudo de produtos alimentares, nomeadamente através da melhoria das infra-estruturas;

1.2.2.7   favoreça significativamente a investigação e o desenvolvimento tecnológico a nível local, especialmente nos sectores ligados à agricultura.

1.2.3   No que se refere especificamente às negociações em curso da Agenda de Desenvolvimento de Doha (ADD) da OMC, o CESE recomenda:

1.2.3.1   que os Membros da OMC utilizem o reexame estratégico da política comercial para relançar o debate sobre como deverão ser conduzidas as futuras negociações comerciais no domínio agrícola, em cujo contexto um estatuto específico deveria ser conferido à segurança alimentar, e sobre as formas que a assistência técnica aos países em desenvolvimento deverá adoptar no futuro;

1.2.3.2   que os membros da OMC concluam a Ronda de Doha para o Desenvolvimento até 2010, como solicitado pelo G20, como prova do empenho em matéria de desenvolvimento e dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM);

1.2.3.3   que a UE consolide as concessões já feitas aos países em desenvolvimento em vez de procurar mais concessões para si própria;

1.2.3.4   que a UE alargue a iniciativa Everything But Arms (EBA) – Tudo Excepto Armas – a todos os países considerados pela FAO como em situação de «crise alimentar» ou «de alto risco», mesmo que não façam parte dos países menos desenvolvidos ou dos países ACP;

1.2.3.5   que a UE recorra a instrumentos comerciais com vista a promover uma maior segurança alimentar, como por exemplo uma aplicação antecipada do acordo para a «facilitação das trocas» proposto pela OMC, a assistência em matéria sanitária e fitossanitária ou o apoio aos pequenos agricultores independentes que não fazem parte da cadeia de aprovisionamento controlada.

2.   A segurança alimentar no contexto das duas crises

2.1   Definições

2.1.1   O CESE está de acordo com a definição de segurança alimentar estabelecida na Cimeira Mundial da Alimentação de 1996 e universalmente aceite, segundo a qual todas as pessoas, têm sempre acesso físico, económico e social a alimentos suficientes, seguros e nutritivos que satisfaçam as necessidades e preferências alimentares próprias para poder ter uma vida activa e saudável.

2.1.2   Nesse sentido, o CESE sublinha que a segurança alimentar é um problema complexo, que tem de ser encarado sob quatro aspectos:

a)

disponibilidade de uma quantidade suficiente de alimentos;

b)

acesso físico, económico e social;

c)

utilização correcta;

d)

estabilidade quanto a disponibilidade, acesso e utilização.

2.2   A situação actual e as duas crises (alimentar e financeira)

2.2.1   A análise da insegurança alimentar põe em evidencia as seguintes características essenciais (1): a) está a aumentar e actualmente, após duas crises, afectou mais de um bilião de pessoas; b) está cada vez mais concentrada (89 % na Ásia, Pacífico e África Subsaariana); c) mantém o seu cariz fortemente rural (70 % das pessoas em situação de insegurança alimentar residem em zonas rurais), mas a componente urbana e periurbana está a crescer.

2.2.2   A acção conjunta da crise dos preços agrícolas e da crise financeira tornou-se na principal causa do último aumento do número de pessoas em situação de insegurança alimentar. Aumentou também o número de catástrofes com consequências na segurança alimentar. Dos desastres provocados pelo Homem, os de natureza socioeconómica são cada vez mais importantes do que as guerras e conflitos.

2.2.3   Os preços das matérias-primas agrícolas caracterizaram-se por flutuações nos últimos 30 anos, porém com uma tendência decrescente em termos reais a médio prazo. A subida registada em 2007-2008 foi particularmente violenta tanto pela sua dimensão como pela rapidez (em pouco mais de 12 meses, o índice de preços dos alimentos da FAO aumentou cerca de 60 %). de assinalar, contudo, que, mesmo no momento mais agudo da crise (Março de 2008), os preços permaneceram abaixo dos máximos históricos registados no início dos anos 70.

2.2.4   No que se refere a evoluções mais recentes, cabe sublinhar que, depois de a bolha especulativa financeira rebentar, os preços agrícolas registaram uma redução significativa, mas permanecem em níveis superiores aos anteriores à crise de 2007-2008.

2.2.5   O CESE observa que na base desta oscilação dos preços e da sua volatilidade forte e crescente, estão causas estruturais, conjunturais e também especulativas.

2.2.6   Destaca em particular uma relação estreita entre a recente evolução dos preços agrícolas e o preço do petróleo, que influencia os custos de produção na agricultura e incita à produção de biocombustíveis, sobretudo quando apoiada por ajudas públicas.

2.2.7   Outros factores contribuíram para a crise alimentar, como por exemplo, a diminuição gradual dos investimentos agrícolas e a baixa produtividade crónica das explorações agrícolas dos países pobres, a urbanização acelerada, o aumento do rendimento em alguns países emergentes (China e Índia), com a consequente transição para uma dieta mais rica em carne e o desmantelamento dos sistemas de reservas alimentares.

2.2.8   O CESE sublinha que neste novo cenário se verifica uma tendência crescente por parte de capitais especulativos e de fundos de investimento, incluindo europeus, para inserirem na sua carteira títulos ligados a matérias-primas agrícolas, aumentando a volatilidade dos preços e distorcendo o mercado a termo.

2.2.9   Por conseguinte, o CESE sublinha que se não houver reformas rápidas e incisivas dos mercados financeiros, os movimentos especulativos sobre os preços das matérias-primas agrícolas voltarão a recrudescer nos próximos meses e no futuro, o que poderá ter graves consequências no aumento da insegurança alimentar.

2.2.10   A crise financeira, juntamente com a crise dos preços das matérias-primas agrícolas, deu origem nos países em desenvolvimento a processos em cadeia, como por exemplo, redução do fluxo de capital de investimentos externos, redução de remessas, impossibilidade de os governos aprovarem programas de despesa pública, tendência para recorrer a «ajudas associadas», redução do investimento interno, aumento da pobreza, redução das sementeiras com a perspectiva de colheitas menos abundantes e uma nova subida dos preços dos alimentos.

2.2.11   Os grupos sociais mais afectados são os que apresentam mais factores de vulnerabilidade: população rural sem terras, agregados familiares com mulheres como chefe de família e população urbana pobre. No que se refere aos vários países, os mais afectados são os que têm uma dependência estratégica das importações, o que põe em evidencia a necessidade vital do desenvolvimento agrícola local.

2.2.12   Perante este cenário, o CESE sublinha que urge aumentar os recursos financeiros internacionais para o desenvolvimento. Nesse sentido, o Comité apoia a ideia de tributar as transacções financeiras (2), podendo as receitas ser destinadas às intervenções para a segurança alimentar.

2.2.13   É ainda fundamental uma utilização diferente dos recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) por parte dos ACP para aumentar a segurança alimentar. Actualmente, apesar de 70 % da população em situação de insegurança alimentar residir em zonas rurais, os governos dos ACP atribuíram apenas 7,5 % do 9.o Fundo Europeu de Desenvolvimento (2000-2007) ao desenvolvimento rural e apenas 1,5 % a actividades explicitamente ligadas à agricultura.

2.3   Problemas emergentes

2.3.1   Uma análise de longo prazo da insegurança alimentar exige que se conheçam outros fenómenos emergentes e estruturalmente relacionados entre si:

Água: a relação entre a segurança alimentar e a questão da água foi estabelecida na resolução da ONU de 20 de Abril de 2001; é necessário que o «direito de acesso à água» seja reconhecido a nível político e jurídico, na medida em que o acesso à água potável é condição fundamental para a saúde pública e constitui uma componente de uma alimentação adequada do ponto de vista qualitativo.

Terra «ao desbarato»: recentemente, à escassez de terras aráveis juntou-se um novo fenómeno de carácter económico e político – a aquisição de grandes extensões de terras por parte de Estados, sociedades privadas e fundos de investimento que asseguram o controlo da produção e ameaçam muitas vezes a independência dos Estados (3). Por conseguinte, é urgente um quadro jurídico, bilateral e multilateral, que defina uma repartição equitativa dos benefícios, com referência ao trabalho, às normas ambientais, ao desenvolvimento tecnológico e à segurança alimentar do país interessado.

Clima: quem mais sofre com as consequências das alterações climáticas são os pequenos proprietários agrícolas com menor capacidade de adaptação e os operadores do sector da pesca nos países em desenvolvimento.

Biocombustíveis: o CESE já sublinhou noutros pareceres o impacto da produção de biocombustíveis no aumento dos preços dos alimentos, bem como na sua volatilidade.

Questão demográfica: nos últimos anos o crescimento demográfico não se fez acompanhar por um aumento semelhante da produtividade agrícola, uma vez que os investimentos no sector foram diminutos. Por conseguinte, são decisivas políticas demográficas específicas, sobretudo nos países de risco.

3.   Direito à alimentação

3.1   O CESE sublinha a necessidade de, paralelamente aos instrumentos de gestão das tendências dos mercados e das suas instituições específicas, elaborar novos dispositivos de direito internacional. Combinar a afirmação plena do direito dos povos com a melhoria progressiva da eficácia dos instrumentos da economia de mercado pode constituir um novo quadro estratégico para lidar com a complexidade e a globalidade da segurança alimentar.

3.2   Para que esta estratégia proporcione resultados frutuosos e estáveis, é preciso que os processos democráticos avancem e o Estado de direito se reforce nos países em situação de insegurança alimentar.

3.3   O CESE concorda com a definição do direito à alimentação como o direito a um acesso regular, permanente e livre, directamente ou por aquisição, a uma alimentação adequada e suficiente do ponto de vista quantitativo e qualitativo, que corresponda às tradições culturais da população a que pertence o consumidor e que permita assegurar uma vida psíquica e física, individual e colectiva, isenta de angústia e que seja satisfatória e digna (4). Esta definição está intimamente relacionada com o conceito de segurança alimentar referido explicitamente no primeiro ponto do «Plano de Acção da Cimeira Mundial Alimentar» e analisado no ponto anterior do presente parecer.

3.4   Em Novembro de 2004, os países membros da FAO definiram Orientações Voluntárias (5) para interpretar esse direito social, económico e cultural e recomendar as acções concretas que conviria empreender para concretizar o direito à alimentação.

3.5   Presentemente, vários países têm uma constituição que menciona expressamente o direito à alimentação, mas poucos aprovaram leis internas para proteger esse direito, como a África do Sul e o Brasil, que adoptaram também uma legislação ordinária que reconhece que o direito à alimentação e à água pode constituir o fundamento de uma acção judicial (interposição de recurso em tribunal, etc.).

3.6   Aprofundando esta pista, na sua missão à OMC, o relator especial das Nações Unidas sobre o direito à alimentação salientou quatro orientações (6): determinar o papel do comércio em ligação com os direitos humanos e os objectivos de desenvolvimento; destacar a importância de um quadro multilateral para o comércio; visar uma alteração de perspectiva, que permita avaliar o impacto da liberalização em função das necessidades de quem vive em situação de insegurança alimentar e não com base em valores agregados (por exemplo, PIB por habitante); integrar de uma forma duradoura nas negociações o impacto na saúde, a nutrição e o ambiente. Por conseguinte, os Estados deveriam abster-se de assumir obrigações internacionais que sejam incompatíveis com estes objectivos.

3.7   Neste sentido, alguns Estados começaram a desenvolver estratégias precisas e a considerar a segurança alimentar como bem público. Muitos países em desenvolvimento apelaram por sua vez a medidas concretas de protecção da sua segurança alimentar, introduzindo a categoria desenvolvimento/segurança alimentar no acordo sobre a agricultura. No decorrer das negociações, outros países propuseram a criação de uma «cláusula de segurança alimentar» que reconheça as necessidades particulares de segurança alimentar. Em virtude dessa cláusula seria possível inserir na agenda das negociações eventuais isenções que confiram a determinados países maior autonomia para proteger a sua produção alimentar de base, entendida a segurança alimentar como um fundamento essencial da segurança nacional.

3.8   O CESE insta a UE a adoptar uma iniciativa política forte, tendo em vista a adesão formal aos princípios do direito à alimentação e a inclusão nos futuros mandatos de negociação do carácter imperativo do direito à alimentação, de acordo com a definição da ONU.

4.   Comércio e segurança alimentar

4.1   Interrelações e impacto

4.1.1   O CESE reconhece a importância dos mercados internacionais, abertos e regulados, para melhorar a eficiência da produção agrícola mundial.

4.1.2   Contudo, manifesta a sua preocupação em relação à crescente vulnerabilidade de determinados países que, ao especializarem-se, se tornam cada vez mais dependentes dos mercados internacionais. A segurança alimentar pode ser posta em perigo por uma dependência excessiva da evolução dos preços das próprias exportações e dos géneros alimentícios importados, particularmente voláteis nos últimos anos.

4.1.3   Nota-se que a abertura dos mercados produz efeitos que não são neutros do ponto de vista da distribuição e comporta custos de adaptação muitas vezes insustentáveis para algumas faixas da população.

4.1.4   O CESE sublinha que a abertura dos mercados pode abrir perspectivas importantes para o desenvolvimento rural, graças ao aumento das exportações, se se tomarem medidas em relação ao desequilíbrio das forças do mercado ao longo da fileira de produção e às deficiências de infra-estruturas, tecnológicas ou institucionais, que podem transformar em consequências negativas os efeitos positivos da abertura dos mercados em termos de acesso aos alimentos.

4.1.5   A maior parte das pessoas em situação de insegurança alimentar possuem pequenas courelas ou são trabalhadores agrícolas. Não dispondo de crédito, de infra-estruturas nem de conhecimento tecnológico e de mercado, estas pessoas não estão em condições de alterar os seus modos de produção e tirar proveito das oportunidades de desenvolvimento oferecidas pela abertura dos mercados.

4.1.6   O CESE chama novamente a atenção para o fenómeno da concentração cada vez maior do comércio mundial de produtos alimentares nas mãos de poucos operadores, em particular no sector dos cereais. O CESE observa, com preocupação, o desenvolvimento deste fenómeno em todo sector agroindustrial-alimentar, a começar pelo sector estratégico das sementes.

4.1.7   Constata que essas tendências de tipo oligopolístico podem acentuar-se com abertura progressiva dos mercados se esse processo não for convenientemente gerido e regulado. Nesse sentido, a competitividade dos mercados deve ser salvaguardada respeitando embora as regras da concorrência.

4.1.8   As interrelações entre comércio e segurança alimentar são múltiplas e os seus impactos são contrastantes. Em geral, as análises econométricas revelam que o crescimento económico induzido pelo processo de liberalização comercial não é por si só suficiente para reduzir substancialmente o número de pessoas em situação de pobreza e insegurança alimentar se não for acompanhado de outras políticas e acções complementares.

4.1.9   Uma estratégia global para a segurança alimentar articula-se em torno das seguintes acções e políticas: redução da pobreza e crescimento do rendimento, políticas de previdência, políticas agrícolas e de desenvolvimento rural, investigação e desenvolvimento, comércio e desenvolvimento integrado regional, ajuda alimentar, políticas demográficas e luta contra a corrupção.

4.2   Negociações comerciais: problemas e desafios actuais

4.2.1   É necessário agir de imediato no âmbito das negociações da OMC (Ronda de Desenvolvimento de Doha), devendo-se para tal relançar a Agenda de Doha para o Desenvolvimento (ADD), a fim de mostrar a vontade de cumprir o empenho assumido de concluir as negociações até 2010, como propõe o G20.

4.2.2   A Comissão afirmou que a política comercial tem um papel importante a desempenhar para enfrentar a crise alimentar, mas que este não é o principal factor. As alterações climáticas, a instabilidade política e a falta de segurança, a ausência de governo e de Estado de Direito, a corrupção, o crescimento demográfico e a crise económica e energética são factores de relevo nesse contexto, para não falar das ameaças crescentes ao aprovisionamento da água em vários pontos do planeta e do aumento do preço dos combustíveis. Contudo, se utilizada correctamente, a política comercial pode mitigar o problema, mas também pode piorar a situação se for utilizada de forma inadequada. É ainda importante distinguir claramente a necessidade premente de assistência alimentar a mais longo prazo.

4.2.3   O CESE refere que, face ao alastrar da crise alimentar e financeira, alguns países adoptaram medidas proteccionistas (em 2008 foram notificadas na OMC mais de 60) que a longo prazo não contribuem para a segurança alimentar, não garantem a flexibilidade, constituem um obstáculo, sobretudo em África, a qualquer forma de integração regional concreta e são incompatíveis com uma abordagem global da segurança alimentar.

4.2.4   Tal como refere o relatório elaborado pelo CESE (7) por ocasião do décimo seminário regional ACP-UE que teve lugar em Gaborone, em Junho de 2009, o comércio internacional de produtos agrícolas e alimentares representa apenas 10-11 % (em termos de tonelagem) das reservas alimentares actualmente disponíveis a nível mundial.

4.2.5   Apesar disto, a política comercial da UE deve ser analisada tanto a curto como a longo prazo. A curto prazo cabe referir, antes de mais, as negociações bilaterais da Ronda de Desenvolvimento de Doha da OMC, até à data suspensas, bem como as negociações comerciais bilaterais da UE previstas na Comunicação da Comissão «Europa Global», de Outubro de 2006, e, por último, as negociações dos APE (Acordos de Parceria Económica) a decorrer com os países ACP. No que se refere a estes últimos, o único acordo concluído até à data é com o Cariforum, um acordo que comporta implicações muito significativas para o futuro envolvimento da sociedade civil. Contudo, os APE provisórios celebrados com outros países ACP também têm um papel importante a desempenhar.

4.2.6   A longo prazo, será essencial uma revisão estratégica. Deveria atribuir-se um estatuto especial à segurança alimentar. Deveria ser relançado o debate sobre o tipo de equilíbrio (em particular entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, tendo em conta as alterações climáticas, a prevista escassez de água e outros problemas semelhantes) a definir para futuras negociações agrícolas da OMC. Convirá também definir o tipo de assistência técnica a prestar doravante aos países em desenvolvimento e analisar a necessidade de prosseguir com o chamado «compromisso único», muitas vezes prejudicial para esses países. A assistência técnica deveria visar o desenvolvimento da capacidade dos países ou regiões para formular e negociar a política comercial e não simplesmente para aplicar essa política.

4.2.7   Em breve, importará definir, num sistema de trocas aberto e regulamentado, quais são os instrumentos mais válidos para combater a insegurança alimentar nos países mais pobres e para alcançar o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio número 1 (ODM 1), reduzindo a percentagem da população afectada pela má nutrição e aumentando a produção alimentar mundial para responder ao aumento previsto da procura.

4.2.8   A FAO (Organização para a Agricultura e Alimentação) identificou 17 países em situação de insegurança alimentar, definidos como estando «em crise alimentar», enquanto outros 17 estariam em «risco elevado». Destes 34 países (8), 23 são membros da OMC, 25 são países menos desenvolvidos e 25 são países ACP. Alguns deles são membros da OMC há muito tempo mas desempenham um papel limitado nas negociações da ADD. Outros, como por exemplo o Quénia e o Zimbabué, tiveram de superar momentos difíceis. O Quénia é o país mais activo no âmbito das negociações. Actualmente, apenas a Nicarágua participa nas negociações bilaterais no quadro do programa «Europa Global», enquanto a maioria dos países participa nas negociações dos APE.

4.2.9   O CESE considera que, com a inclusão de alguns países em desenvolvimento no G20, a classificação da ONU deve ser revista no sentido de uma distinção clara entre os países em desenvolvimento de rendimento médio e os mais pobres e os países menos avançados.

4.2.10   No que se refere às negociações do Programa de Doha para o Desenvolvimento sobre a Agricultura:

todas as partes nas negociações consideram que uma maior segurança alimentar, não se coaduna com o retorno às ajudas nacionais e às ajudas à exportação;

também não é necessário alterar radicalmente a posição da UE em relação ao terceiro pilar o acesso aos mercados. Este pilar inclui as reduções tarifárias previstas e outras questões que conduziram ao impasse actual da Agenda de Doha, apesar de nos últimos meses de 2008 se terem registado progressos significativos em inúmeros domínios, como por exemplo a nova flexibilidade para os «países em desenvolvimento importadores líquidos de produtos alimentares» (NFIDCS), a que o Comité é particularmente favorável;

na opinião do Comité, a UE deveria apostar na consolidação das concessões já feitas em domínios-chave como o mecanismo especial de salvaguarda (que permite aos países em desenvolvimento aumentar temporariamente as tarifas no caso de se verificarem aumentos bruscos das importações e descida dos preços), os produtos especiais (para os quais são permitidas reduções tarifárias mais moderadas, em particular por motivos de segurança alimentar) ou os contingentes pautais, e não tanto em procurar um acordo mais vantajoso para os países em desenvolvimento. Contudo, estas medidas não devem representar uma ameaça para o desenvolvimento do comércio Sul-Sul;

o Comité insta ainda a UE a alargar a sua iniciativa «Tudo Excepto Armas» (que por si só já é um resultado positivo) e as concessões previstas para os 49 países menos desenvolvidos em matéria de isenção de direitos e contingentes no quadro da ADD aos outros (9) países que constam da lista da própria FAO (excepto se a situação se revelar politicamente inaceitável), em conformidade com os acordos APE provisórios e com a possibilidade de incluir outros países no caso de a FAO ter de os juntar à sua lista. É neste espírito que a UE pode dar um contributo útil para a segurança alimentar global, através de instrumentos comerciais.

4.2.11   O Comité considera, porém, que a Comissão pode dar um contributo máximo à segurança alimentar global através das negociações em curso dos APE e sobretudo com a revisão do Acordo de Cotonou, prevista para 2010.

4.2.12   A UE considera justamente que o comércio é um dos sectores prioritários da sua política de desenvolvimento. Graças a essas negociações, a UE e os países ACP prevêem concluir sete novos acordos comerciais numa base regional e compatível com a OMC, destinados a eliminar progressivamente as barreiras às trocas comerciais e a favorecer a cooperação em todos os sectores relacionados com o comércio. Este último é visto sobretudo como um instrumento de desenvolvimento. Vale a pena recordar que entre os objectivos iniciais se encontra a promoção do desenvolvimento sustentável, a eliminação da pobreza, a integração regional e a inclusão progressiva dos países ACP na economia mundial. Esses objectivos devem continuar a estar no centro de todas as negociações em curso.

4.2.13   Com estas negociações, a UE deve visar os seguintes objectivos:

maior integração regional: trata-se de um objectivo importante, sobretudo em África, enquanto factor determinante para promover o desenvolvimento e a segurança alimentar, assim como elemento essencial na revisão do Acordo de Cotonou;

sinergias entre as várias iniciativas de integração regional que se sobrepõem, bem como entre os vários APE provisórios e os acordos mundiais;

negociações que possam adequar-se rapidamente às capacidades e potencialidades dos países ACP, garantindo resultados imediatos em sectores como a simplificação das regras de origem (que a indústria agrícola deveria promover) e a certeza jurídica para assegurar um acesso isento de direitos e contingentes nos mercados da UE. Essas negociações não devem ser utilizadas para introduzir outras questões que não estejam relacionadas com os APE, como a contratação, ou para exercer pressão para as enfrentar;

a escolha da agricultura e do desenvolvimento rural como sectores prioritários por parte do maior número possível de países ACP (apenas 4 países em 78 escolheram a agricultura, só 15 países escolheram o desenvolvimento rural a título do 9.o FED – de acordo com o qual a UE disponibilizou cerca de 522 milhões de euros para a integração regional e a assistência em matéria comercial), com recursos adicionais destinados em particular a promover de forma significativa a investigação e o desenvolvimento a nível local no domínio agrícola e alimentar;

um aumento posterior do montante, já definido pela UE e aprovado pelo CESE, de mais de 2 mil milhões de euros em ajudas ao comércio até 2010 e assistência em matéria comercial. Esse aumento é necessário para enfrentar os efeitos da crise económica mundial.

4.2.14   O CESE (10) defendeu que o desenvolvimento económico de África passa em primeiro lugar pelo aprofundamento do seu mercado interno para que seja capaz de desenvolver um crescimento endógeno que permita estabilizar e integrar este continente na economia mundial. A integração regional e o desenvolvimento do mercado interno são os pontos de partida, os trampolins que permitirão uma abertura positiva de África ao comércio mundial. O CESE reitera este apelo, sobretudo com vista a garantir uma maior segurança alimentar.

4.2.15   São as indústrias transformadoras que criam produtos de elevado valor acrescentado e essas indústrias devem ser incentivadas a desenvolver-se e a crescer. Sobretudo no sector agrícola, uma indústria local de transformação dos produtos alimentares pode desenvolver-se apenas na presença de um mercado local suficientemente amplo. Não obstante, o comércio intra-africano permanece muito limitado, isto é, menos de 15 % do comércio global africano.

4.2.16   Os APE são essencialmente acordos regionais ou bilaterais. Por conseguinte, importa que não constituam obstáculos ao multilateralismo, que sejam vistos como um apoio a uma abordagem multilateral e sejam compatíveis com o próprio multilateralismo e susceptíveis de o reforçar (11). O Comité considera que os resultados a nível regional e bilateral podem estimular o processo multilateral enquanto abordagens que proporcionam debates mais aprofundados e um maior alinhamento das posições. É importante que o poder de negociação dos países em desenvolvimento mais pobres e dos países menos avançados não seja enfraquecido a nenhum nível de negociação.

4.2.17   A UE deve ainda procurar contribuir mais para a segurança alimentar global através de outros mecanismos relativos a trocas comerciais, como por exemplo:

reforçando as iniciativas que visam potenciar as capacidades nos países que sofrem de insegurança alimentar, entre as quais um sistema de ajuda ao comércio efectivo, como parte integrante das negociações multilaterais, sobretudo através da promoção da I&D local, o reforço das tecnologias e a introdução de melhores normas de produção, além de uma maior utilização da assistência técnica em matéria comercial, tal como prevêem as negociações dos APE;

facilitando as trocas: conclusão e aplicação de qualquer acordo preliminar de adesão ao compromisso único no âmbito da Agenda de Doha;

reforçando o apoio em matéria de medidas sanitárias e fitosanitárias (SFS): questões de saúde pública dos animais e das plantas, por exemplo, utilização excessiva de antibióticos, febre suína ou febre aftosa;

lançando iniciativas como o Sistema Generalizado de Preferências Plus, cuja utilização está condicionada à adesão a normas internacionais no domínio dos direitos humanos, boa governação, direito laboral e normas ambientais e comércio ético (encorajando os princípios do «comércio justo e solidário» que levam em conta a questão da rastreabilidade, alargando este conceito para voltar a abranger as vendas efectuadas em hasta pública);

apoiando o desenvolvimento de uma maior capacidade de transformação nos países em vias de desenvolvimento, em particular destacando agentes da indústria europeia, experiência já efectuada pela Comissão juntamente com o UNCTAD;

estudando possíveis medidas de salvaguarda contra a especulação de matérias-primas noutras partes do mundo que seja prejudicial para os agricultores e a sua produção (cacau, café, etc.).

4.2.18   Apesar de o objectivo inicial dos APE ter sido em parte corrigir o problema da erosão das preferências, persistem questões essenciais que afectam mais directamente o comércio Sul-Sul. Alguns países da América Latina querem uma liberalização mais rápida e mais completa dos produtos tropicais, nomeadamente bananas e açúcar – motivo de velhos conflitos – o que vai contra os interesses de outros países, sobretudo os ACP. O que está em jogo é a possibilidade para alguns países exportadores líquidos de produtos alimentares de vender mais barato alguns produtos, incluindo o açúcar, comprometendo a rentabilidade dessas culturas precisamente nos países que delas mais carecem. Este problema também está no centro do fenómeno da insegurança alimentar.

4.2.19   Também deve ser tido em conta o impacto da perda de receitas fiscais nos países em desenvolvimento que tivessem de reduzir os direitos aduaneiros, com repercussões nas suas políticas sociais.

4.2.20   Não obstante, a UE deve promover as trocas Sul-Sul em geral, primeiro porque constituem um factor de crescimento importante e segundo porque permitem tratar em profundidade a ameaça de uma insegurança alimentar crescente.

4.3   Reforma da governação mundial

4.3.1   O CESE sublinha, antes de mais, que uma situação de segurança alimentar requer a realização de uma concepção global de desenvolvimento socioeconómico, resultante de uma dupla convergência, ou seja, entre as diferentes políticas (social, económica e territorial) e entre as várias instituições nacionais e internacionais. Esta gestão específica necessita da contribuição e colaboração da sociedade civil organizada.

4.3.2   No que se refere, em particular, à acção das instituições e entidades actualmente responsáveis pela governação mundial da segurança alimentar, o CESE não vê a necessidade de novos organismos mas sim a de uma profunda reorganização e reforma dos existentes, de acordo com o critério duplo da especialização das funções de cada um (evitando assim a sobreposição e dispersão de recursos humanos e financeiros), bem como da necessidade de unicidade da governação mundial, em particular no que se refere ao sistema das Nações Unidas (FAO, IFAD e WFP), que deveria assumir a liderança em matéria de segurança alimentar. Um Comité para a Segurança Alimentar (CSA), devidamente reorganizado e relançado, pode constituir um instrumento para a coordenação das políticas de segurança alimentar e dos vários níveis em que se desenvolvem.

4.3.3   O CESE sublinha ainda que é imprescindível coordenar as acções de segurança alimentar do Banco Mundial e outras instituições relevantes, sendo indispensável que a UE fale a uma só voz nestas instâncias.

4.3.4   Sublinha ainda que, no que se refere aos fluxos de ajuda alimentar encaminhados do Norte para o Sul, é preciso ter em conta que as intervenções sob a forma de ajuda alimentar massiva podem distorcer os mercados locais, prejudicando a segurança alimentar dos produtores agrícolas. Por conseguinte, o CESE apoia a decisão do Programa Alimentar Mundial (PAM) de se orientar para uma abordagem diferente no que se refere às intervenções.

5.   As percepções e o papel da sociedade civil

As percepções da sociedade civil europeia

5.1   No atinente à problemática vital da alimentação, o CESE destaca os seguintes aspectos essenciais:

a)

grande parte das preocupações do quotidiano das pessoas está relacionada com a alimentação (a alimentação como nutrição);

b)

uma parte importante das aspirações das pessoas a uma vida boa e agradável está relacionada com a alimentação (alimentação como cultura e estilo de vida);

c)

para uma grande parte da humanidade, ainda hoje, no início do terceiro milénio, a alimentação é uma conquista incerta todos os dias (alimentação como sobrevivência).

5.2   Por conseguinte, enquanto expressão da sociedade civil organizada, o CESE sublinha, por um lado, que a questão actual da alimentação (saúde, qualidade e disponibilidade dos alimentos) se tornou numa componente permanente nas relações entre indivíduos e grupos sociais e nos circuitos dos meios de comunicação social. Por outro lado, inclui o direito à cidadania e o poder de participação na sociedade civil em todas as dinâmicas da alimentação e coloca a segurança alimentar mundial no âmbito dos direitos. O acesso aos alimentos deve ser considerado, por conseguinte, um direito humano fundamental.

5.3   O CESE constata ainda que, primeiro no contexto da crise alimentar e, em seguida, no da crise financeira, foi possível observar nas diferentes componentes da sociedade civil, a nível mundial e europeu, reacções diferentes e muitas vezes opostas, que confirmam a sua participação importante na dinâmica da alimentação, assim como uma desorientação: das revoltas da fome (pelo menos 22 em 2008, com vítimas mortais), à atenção prestada por parte dos consumidores europeus a produtos financeiros de carácter especulativo relacionados com os preços dos produtos agrícolas, passando pelas preocupações dos produtores agrícolas que se fizeram ouvir na Europa e no mundo e, em geral, pelas preocupações crescentes de todos os cidadãos perante as questões de segurança alimentar, saúde pública e gestão dos recursos hídricos.

O papel da sociedade civil nos países em desenvolvimento

5.4   No contexto da procura do equilíbrio entre segurança alimentar e comércio regulado, o CESE sublinha a necessidade de reforçar o papel da sociedade civil e a de um diálogo mais estruturado entre ela e os poderes de decisão nos vários níveis. Sublinha em particular a função de concertação das organizações de produtores agrícolas e a importância do papel das suas diferentes formas de organização da produção.

5.5   Por conseguinte, o CESE considera estratégica a participação dos agricultores na elaboração de políticas nacionais de desenvolvimento e nos processos de decisão, bem como nas avaliações de impacto referentes às negociações comerciais e à sua aplicação.

5.6   Nesse sentido, é necessário canalizar ajuda financeira específica para a formação profissional dos agricultores e em particular das mulheres, dado o seu papel estratégico nas zonas rurais, para que os agricultores e agricultoras possam afirmar-se como protagonistas activos dos processos políticos e do desenvolvimento tecnológico.

5.7   O CESE sublinha ainda a importância da economia social e das suas empresas e organizações nos países ACP, designadamente para responder aos diferentes efeitos da crise alimentar e financeira, em particular no que se refere às pessoas que trabalham na economia informal e nas zonas rurais (12).

5.8   Por último, o CESE reitera o seu papel activo específico. A sua experiência permite-lhe identificar potenciais parceiros noutros países, em todos os sectores da sociedade civil (produtores, trabalhadores e consumidores), para reforçar o seu papel a nível nacional, sendo este aspecto vital para a solução dos problemas a nível local. Simultaneamente, a UE pode ter no CESE um barómetro para avaliar se as suas iniciativas em cada país são eficazes, melhorando o seu funcionamento. O Comité Consultivo da Sociedade Civil Cariforum-CE é um bom exemplo disso mesmo.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver FAO, O estado da insegurança alimentar no mundo, relatório 2008 e relatório 2009.

(2)  Ver parecer do CESE sobre o Relatório do Grupo de Larosière JO C 318 de 23.12.2009, p. 57.

(3)  Ver FAO, IIED e IFAD, Land grab or development opportunity? [Açambarcamento ou oportunidade de desenvolvimento?], 2009.

(4)  ONU, Resolução da Comissão de Direitos Humanos 2001/25: The Right to Food [Direito à Alimentação] e Relatório do Relator Especial sobre o direito à alimentação, Jean Ziegler, ponto 14, 7 de Fevereiro de 2001.

(5)  Conselho da FAO, Voluntary Guidelines to support the progressive realization of the right to adequate food in the context of national food security [Orientações Voluntárias de apoio à realização progressiva do direito a uma alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional], Novembro de 2004.

(6)  Relatório do relator especial Oliver De Schutter, Missão na Organização Mundial do Comércio, de 9 de Março de 2009.

(7)  DI CESE 34/2009 Garantir a sustentabilidade da segurança alimentar nos países ACP.

(8)  Camarões, República Central Africana, Comores, República Democrática do Congo, Costa do Marfim, Djibouti, Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Guiné, Guiné Bissau, Haiti, Quénia, Lesoto, Libéria, Madagáscar, Mongólia, Moçambique, Nicarágua, Níger, Palestina, Ruanda, Senegal, Serra Leoa, Salomão, Somália, Suazilândia, Tanzânia, Tajiquistão, Timor Leste, Iémen, Zâmbia e Zimbabué

(9)  Camarões, Costa do Marfim, Quénia, Mongólia, Nicarágua, Palestina, Suazilândia, Tajiquistão, Zimbabué.

(10)  JO C 77 de 31.3.2009, p. 148-156.

(11)  JO C 211 de 19.8.2008, p. 82–89.

(12)  ILO, Declaration and Plan of action for the promotion of social conomy enterprises and organizations in Africa (Declaração e Plano de Acção para a promoção de empresas e organizações de economia social em África) Joanesburgo, 19-21 de Outubro de 2009


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/10


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A crise financeira e o seu impacto na economia real»

(parecer de iniciativa)

(2010/C 255/02)

Relator: Carmelo CEDRONE

Em 26 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no artigo 29.o, n.o 2 do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

A crise financeira e o seu impacto na economia real.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social que emitiu parecer em 13 de Novembro de 2009, sendo relator Carmelo Cedrone.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 122.votos a favor, 75 votos contra e 33 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e propostas

1.1   Perante uma crise como a actual, o CESE considera que é necessária uma grande vontade de coordenação das intervenções, através de compromissos comuns adequados à gravidade da situação, para definir as acções e as propostas a curto e longo prazo susceptíveis de promover a retoma e de evitar a repetição dos eventos que estiveram na base da actual derrocada financeira.

1.2    Finança internacional : Com base nas posições já manifestadas pelo CESE convém recordar que é, no entanto, necessário aprovar, de forma célere, um sistema de regras que, permitindo a livre circulação de capitais, introduza paralelamente um sistema de supervisão e de sanções susceptível de impedir a reprodução dos efeitos negativos de um sistema sem «controlos». Estas regras devem ser capazes de restabelecer um mercado mais íntegro e transparente. Uma das condições preferidas para tal é a eliminação dos paraísos fiscais, do segredo bancário e de alguns mecanismos perversos do passado ligados aos títulos especulativos. É necessário voltar a distinguir os bancos comerciais dos bancos de investimento.

1.3    Finança europeia : É necessário realizar o mercado único da finança europeia para garantir não só uma maior transparência, a simplificação dos intercâmbios e informação adequada a todos os operadores, mas também um sistema de vigilância, sob a responsabilidade do Banco Central Europeu e do sistema europeu dos bancos centrais (SEBC-BCE), incumbido de tarefas de orientação e de coordenação internacional das actividades de supervisão. A gestão quotidiana, o controlo e a monitorização dos mercados financeiros dos vários países poderia, por seu turno, ser confiada aos organismos de supervisão nacionais (1).

1.4    Sistema monetário O Comité considera oportuno e necessário aprofundar a questão do sistema monetário internacional a fim de estabilizar os mercados cambiais e evitar a concorrência desleal ao nível da OMC e no comércio internacional.

1.5    Apoiar a economia real e as empresas : governação económica

Seria necessário elaborar um segundo plano europeu de apoio mais ambicioso no atinente aos recursos financeiros e à articulação das intervenções a lançar nos diversos sectores económicos nos vários países, incluindo através de reformas estruturais, ou, pelo menos, caso tal não seja possível, elaborar um plano fortemente coordenado para enviar um sinal positivo às empresas e aos cidadãos sobre o valor acrescentado e a qualidade da integração europeia;

reformular de forma radical as várias políticas da competência da UE (Fundos Estruturais, Fundo de Coesão, PAC, ambiente, formação, investigação, Estratégia de Lisboa, etc.), começando pela simplificação dos procedimentos e dos regulamentos;

financiar um sistema de redes europeias (energia, transportes, comunicações) através do lançamento de um «empréstimo» comunitário e incentivando as parcerias público-privadas;

chegar a acordo quanto a uma linha comum de intervenção para os bancos europeus a fim de estimular a reabertura normal dos canais de crédito às empresas, com modalidades especiais para as PME, por exemplo através da extensão do período da dívida, da criação de um fundo de garantia ou de financiamentos directos pelo Estado e pelo Banco Europeu de Investimento;

permitir aos trabalhadores das PME acederem, quando tal não aconteça, aos «amortecedores sociais» e ao apoio ao emprego;

chegar a acordo quanto a intervenções no domínio da política fiscal para estimular a procura, a retoma e o emprego, a par das intervenções de natureza macroeconómica e monetária;

tornar o mercado de trabalho, actualmente demasiado segmentado, «mais europeu», ou seja, mais integrado através de vasos comunicantes, eliminando os obstáculos que se interpõem quer dentro dos próprios países, quer entre os países; é necessário um mercado de trabalho inclusivo, susceptível de recuperar não só os desempregados de breve ou longa duração, mas também todos aqueles que nunca tiveram um emprego (cerca de 100 milhões de europeus). Naturalmente, tal deve obedecer às normas sociais e económicas aplicadas aos trabalhadores do país de destino.

tomar medidas para atrair investimentos na indústria, incluindo investimento externo, assegurando que a Europa oferece vantagens comparativas em relação a outras regiões, no que diz respeito às leis da concorrência, às normas e aos acordos a favor do emprego, à produtividade do trabalho e aos regimes fiscais. O nível de desemprego é um indicador que mostra até que ponto as capacidades da UE em termos de recursos humanos são descuradas pelos empresários e pelas empresas internacionais.

1.6    Ajudar os cidadãos europeus : coesão e governação social

Efectuar um acordo entre todas as partes interessadas, um «pacto europeu para o crescimento, o desenvolvimento sustentável, a competitividade e o emprego», que coloque o indivíduo, a coesão e a solidariedade no centro do sistema económico e que proteja os cidadãos e os trabalhadores das pesadas consequências da crise;

prever formas de participação dos trabalhadores na vida das empresas para criar e/ou alargar a «democracia económica»; convém ainda melhorar e alargar o diálogo social;

favorecer uma alteração da «política do consumo», privado e colectivo, por exemplo as grandes redes, através de investimentos que melhorem a qualidade e a disponibilidade dos serviços;

aumentar o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização; lançar (em cooperação com as universidades) um programa a favor dos jovens que pretendam criar uma empresa e dos trabalhadores despedidos que pretendam estabelecer-se por conta própria, incluindo através de empresas da economia social como alternativa;

adoptar medidas para reduzir a tributação do trabalho;

alargar o programa Erasmus progressivamente a todos os estudantes universitários que pretendam participar;

SIMPLIFICAR ao máximo todos os procedimentos comunitários;

alargar o pacto a empresas e a empresários nacionais e internacionais, para que os investimentos sejam canalizados para os Estados-Membros e não para o exterior, permitindo, assim, que se crie emprego para os recursos humanos excedentes da UE.

Construir uma Europa política a partir das bases : governação política (no futuro)

1.7.1   No futuro, há que impedir que os cidadãos continuem a pagar o preço da NÃO-Europa, como o revelam amplamente os limites da intervenção comunitária para combater a crise, limites estes que se devem não ao excesso de Europa, mas, pelo contrário, à sua falta. O Tratado de Lisboa constitui um passo em frente considerável nesta direcção. O CESE participará nos novos dispositivos institucionais e dará o seu parecer à nova Comissão e ao novo Parlamento no âmbito das novas competências que o Tratado lhe confere.

1.7.2   A UE deve colocar no centro da sua reflexão a questão do «défice democrático» e da democracia dos seus órgãos, incluindo através de novas formas de participação directa dos próprios cidadãos e da «sociedade civil», que não pode continuar indiferente face ao aparecimento de novas injustiças e de novos poderes.

1.7.3   Visto o exposto, torna-se necessário conferir à UE uma representação externa eficaz e criar um «espaço político europeu» dotado dos instrumentos necessários para contrabalançar os novos equilíbrios que se estão a formar a nível económico e a nível político internacional, decorrentes precisamente da crise, e que ameaçam não só minar os direitos dos cidadãos, como ainda torná-los mais pobres. Como já se referiu, o CESE apoiará a acção do novo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e continuará a dar o seu parecer sobre tudo o que diz respeito à sociedade civil na cena internacional.

2.   Introdução

2.1   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considerou oportuno elaborar o presente parecer de iniciativa para dar uma visão de conjunto da crise e sugerir propostas destinadas à Comissão e ao Conselho, na qualidade de representante da economia real e da sociedade civil organizada, em particular no atinente ao restabelecimento dos fluxos financeiros para as empresas, o crescimento e o emprego.

2.2   Na realidade, durante anos, estivemos perante o efeito de uma euforia generalizada (Samuelson) provocada por uma informação pouco precisa que destacava as vozes dos «peritos» que garantiam a «validade» do que sucedia, a superioridade do modelo «vigente», afirmando que, mais tarde ou mais cedo, o mercado regularia tudo e eliminaria os «excessos».

2.3   Não obstante o exposto, o CESE está convicto de que o empenho das empresas e dos trabalhadores, graças à sua responsabilidade económica e social, saberá imprimir um novo alento positivo à crise, se adequadamente apoiados pelo poder público nacional e europeu.

3.   Situação actual – A crise financeira internacional

Origens : As origens da crise já estão de tal modo documentadas que não vale a pena examiná-las novamente. Todavia, o CESE considera adequado recordar, pelo menos, duas causas que estão na sua base, nomeadamente a evolução da finança internacional, sustentada por uma cultura económica ultraliberal, que acabou por se alimentar a si própria mais do que à economia real, provocando uma mega «inflação» financeira. Tudo isto se passou sem que existisse um número suficiente de regras e estas, além de poucas, também não foram muito respeitadas. Esta é a segunda causa da crise. As regras existentes ou não funcionaram ou não foram aplicadas pelos organismos de supervisão e pelas agências de notação, cujo comportamento tornou os mercados menos transparentes (2).

3.1.1   É agora evidente que dentro da «bolha» financeira, os banqueiros estavam, conscientemente ou não, envolvidos em actividades de alto risco com provisões e precauções totalmente inadequadas. Nos bancos de retalho foram concedidos empréstimos imprudentes mediante hipotecas e cartões de crédito para aumentar o volume de negócios. Nos bancos de investimento, estes empréstimos e outros, tais como o financiamento através de empréstimos LBO (leveraged buy-outs), foram agrupados e reagrupados em produtos derivados complexos e negociados sem a devida diligência ou reservas adequadas. É evidente que vigoravam incentivos inapropriados para os quadros superiores e membros do pessoal cujas actividades afectaram o perfil de risco do banco e que, em virtude desses mesmos incentivos, as recompensas individuais se sobrepuseram aos interesses da maioria das partes envolvidas no sistema bancário e dos cidadãos que haviam adquirido os títulos. No entanto, esta situação não justifica o uso impróprio e a falta de escrúpulos a que se assistiu. Um comportamento que prejudicou e deu má fama a todo o sistema financeiro.

3.2    Causas : Esta deformação foi tornada possível pela ausência de intervenção política, pelas omissões e pelos erros cometidos igualmente pelos governos, e não apenas pela finança, mas também pelas próprias políticas macroeconómicas e monetárias. A nível mundial, um exemplo é o laxismo da política orçamental dos EUA. Com uma UE sem instrumentos adequados para agir, com um modelo económico-social atacado de vários lados, como se fosse a causa de todos os males. Com organismos internacionais demasiado fracos para poderem intervir. Um período cuja duração foi demasiado longa. Com frequência, o poder político refugiou-se por trás da globalização, culpando-a de tudo, assumindo assim uma grande responsabilidade nas causas que levaram à crise (1).

Consequências : Os efeitos foram desastrosos, mas não devemos sucumbir ao pessimismo. Lamentavelmente, uma parte da economia financeira foi regida pela euforia e cobiça, pela especulação e por um clima de irresponsabilidade generalizada. Também a forte concentração bancária (ao ponto de persuadir todos de que «os bancos são demasiado grandes para poderem falir!») e a falência da gestão do risco só podia levar às consequências actuais devido a um efeito de dominó sem que nada viesse travá-lo. Assim, a crise, que no início era financeira, transformou-se em crise macroeconómica e propagou-se à economia real. Por esta razão, estamos actualmente perante uma crise financeira, que se estendeu aos sectores produtivos, provocando uma crise económica, monetária, comercial e social e, por conseguinte, uma crise de confiança.

3.3.1   Todavia, há que reconhecer, em honra da verdade, que os últimos trinta anos permitiram um desenvolvimento e um crescimento económico sem precedentes a nível mundial, em particular nos países em vias de desenvolvimento. Este crescimento foi possível também devido ao desenvolvimento dos mercados financeiros, que trouxeram benefícios a muita gente, que acabou por se perder na ilusão de que esta situação se podia prolongar eternamente sem dificuldades.

3.3.2   A crise terá seguramente consequências a nível da reorganização dos poderes a nível global e nacional, como o G20 de Pittsburgh já o demonstrou. Finda a crise, uma nova «geografia» económica e política terá surgido. Desse modo, a crise financeira inicial converteu-se em crise macroeconómica que se propagou à economia real com uma quebra do PIB e um aumento alarmante da taxa de desemprego. Neste contexto, o CESE interroga-se quanto à posição da UE e ao papel que esta deve assumir no futuro.

4.   Que fazer? Instrumentos para intervir e combater a crise

4.1   Reorganizar o sistema financeiro

O CESE considera satisfatórios os resultados do G20 de Londres e do G8 de Áquila, pois ultrapassaram as previsões pessimistas formuladas na véspera destes encontros e demonstraram que a economia e a finança mundial ou são governadas em conjunto ou são ingovernáveis. O princípio da «governação mundial» foi aprovado, conferindo assim à intervenção política o espaço que esta merece. É de esperar que também os governos europeus tirem as ilações necessárias (ponto 4.4). Os resultados devem, no entanto, traduzir-se numa aplicação concreta e eficaz, para além das alterações introduzidas pelos acordos de Basileia II, através de uma Basileia III que leve ao reordenamento e à reforma dos organismos internacionais.

4.1.1.1   Naturalmente, teria sido desejável que, na subsequente reunião do G20 em Pittsburgh, as boas intenções tivessem resultado em actos concretos. Com efeito, evitou-se encarar de frente os verdadeiros problemas em causa, designadamente as regras e a reforma do sistema financeiro (1), os desequilíbrios comerciais entre os EUA e a China, a estrutura das sociedades anónimas, o aumento do desemprego, etc.. Deste modo, caso não se intervenha, o risco persiste de que alguns detentores de interesses financeiros considerem a crise como um inconveniente de pouca importância, sendo portanto lícito retomar os antigos comportamentos (3).

4.1.2   O CESE considera que as tarefas dos organismos de supervisão devem ser reforçadas (4), mas convém, em primeiro lugar, que estes organismos estejam em condições de funcionar, de serem autónomos do poder político e de disporem de poder sancionatório. Há que eliminar e ou tornar transparentes os paraísos fiscais de modo que não se tornem instrumentos de branqueamento de capitais e de evasão fiscal. Com efeito, o problema principal advém da falta de transparência. Todos deveriam estar ao corrente da verdadeira natureza dos empréstimos bancários, dos activos, das reservas e dos perfis de risco dos bancos.

4.1.3   O CESE espera que as orientações e as (poucas!) decisões tomadas em Londres, Áquila e Pittsburgh marquem uma ruptura, num prazo razoável, e a introdução (ou reintrodução) de uma nova cultura económica e de mercado, menos ideológica e mais transparente. Além disso, há que ter cautela quando se fala de moral ou de ética no mercado financeiro como alguns pretendem fazer, pois tal pode ser entendido como uma provocação por aqueles que estão a pagar um preço altíssimo pela crise. É melhor falar de direitos, de sanções, de regras e de instrumentos para aplicá-las.

4.1.4   Este é o modo mais convincente e eficaz de repor a confiança dos consumidores e, por conseguinte, de relançar a procura. Necessitamos de uma nova linguagem económica, uma linguagem que fale da economia real, dos investimentos, do trabalho, dos riscos, dos direitos, dos deveres e da salvaguarda da concorrência.

4.1.5   O CESE considera que os actores da economia real, as empresas e os trabalhadores, devem fazer ouvir a sua voz e os seus argumentos com maior veemência e devem reapropriar-se do seu papel, um papel vital para promover o desenvolvimento económico e social, a competitividade, a inovação, o crescimento e o emprego. Seria útil que os responsáveis políticos fizessem o mesmo.

O sistema monetário internacional também deveria ser revisto. Com efeito, na reunião do Grupo do G20 de Londres, do G8 de Áquila e do G20 de Pittsburgh, o tema do funcionamento e da reforma do sistema monetário internacional, excepção feita à questão da repartição das quotas no FMI, não surgiu como uma das prioridades centrais para relançar a economia mundial na via do crescimento sustentável. No entanto, alguns dos compromissos assumidos pelo G20 e pelo G8, caso fossem aplicados, poderiam ter um forte impacto no mercado cambial e, por conseguinte, nas modalidades de funcionamento deste sistema.

4.1.6.1   As decisões de ajudar os países em desenvolvimento, e em particular a África, de triplicar os recursos do Fundo Monetário Internacional (até 750 mil milhões de dólares) e de prever 250 mil milhões suplementares de Direitos de Saque Especiais (DSE), com vista a dar apoio financeiro às economias dos países mais afectados pela crise, fornecem um primeiro elemento de reflexão sobre a massa considerável de dólares que será posta em circulação para apoiar os países com elevados défices correntes.

4.1.6.2   Em segundo lugar, o aumento da dívida pública dos Estados Unidos (que atingirá no próximo triénio um endividamento total perto dos 100 % do PIB), escorado na nova política de deficit spending do presidente Obama para fazer sair o país da recessão, dará mais um estímulo à emissão de um volume considerável de dólares com consequências importantes para o sistema económico internacional. Uma situação semelhante já se verificou a partir da segunda metade dos anos 60, a qual culminou com a desvalorização do dólar e com o desmoronamento, em 1971, do sistema das taxas de câmbio fixas de Bretton Woods.

4.1.6.3   As maiores preocupações em relação a esta situação são sentidas pela China (cujas reservas em moeda externa aumentaram mais de 5 biliões de dólares durante a última década e que provavelmente continuarão a crescer também nos próximos anos, ainda que a um ritmo mais moderado) que vê com preocupação o enfraquecimento do dólar que pode levar a uma possível perda do valor das suas enormes reservas monetárias.

4.1.6.4   O euro, que se tornou em poucos anos a segunda moeda de reserva internacional, não é uma alternativa válida para a substituição do dólar, mesmo admitindo que tal seja conveniente e desejável. É ainda mais impossível pensar, como desejam as autoridades monetárias chinesas, numa «moeda de reserva supranacional» representada pelos DSE utilizada não só como acontece actualmente entre os governos e as instituições internacionais, mas também como instrumento de pagamento das transacções comerciais e financeiras internacionais. A emissão de novos DSE é indubitavelmente um instrumento útil para criar reservas suplementares para as economias que apresentam défices correntes, mas não pode ser considerada como uma solução a longo prazo para a actual crise.

4.1.6.5   É fortemente provável, e desejável, que o euro assuma cada vez mais as características necessárias para ser uma moeda de reserva internacional e de referência para a determinação dos preços dos bens nos mercados mundiais, mas o CESE gostaria que também a moeda chinesa, expressão de uma economia cada vez mais decisiva no contexto económico mundial, saísse da protecção que lhe é dada pelas autoridades chinesas. Durante dez anos o renminbi (yuan) esteve estreitamente indexado ao dólar e apenas em 2005 o seu valor passou a estar associado a um cabaz composto de outras moedas. O renminbi deve passar a ser uma moeda de livre conversão nos mercados internacionais.

4.1.6.6   O CESE considera que é necessário envidar mais esforços a nível internacional. A China não pode continuar, como no passado, a basear-se no crescimento sustentado das exportações, acumulando excedentes correntes e pedindo aos outros que resolvam os problemas de gestão das taxas de câmbio a nível internacional que ela própria contribuiu para criar com políticas monetárias e fiscais que promovem a acumulação das poupanças e travam a despesa interna.

4.1.6.7   O sistema monetário internacional, que assenta em taxas de câmbio flutuantes, caracteriza-se por flutuações constantes e acentuadas das divisas provocadas pela especulação. Esta situação, que tem consequências extremamente negativas para a economia mundial, pode ser corrigida mediante acordo político entre bancos centrais dos principais países industrializados. Os bancos comprometer-se-iam a agir de forma concertada sempre que uma divisa fosse alvo de forte pressão em alta ou em baixa, a fim de conter a volatilidade das taxas de câmbio dentro de margens razoáveis.

4.1.7   Criar regras europeias da finança – Realizar um mercado único europeu da finança (5). Não obstante as normas vigentes a nível europeu e o euro, ainda estamos longe deste objectivo, incluindo na zona do euro. A crise revelou que há que avançar sem demora nesta direcção através de reformas oportunas, indo bem mais longe do que já foi feito até à data, como desejado pelo Relatório Larosière e pelas propostas da Comissão. Tal daria ao BCE condições de agir mais rapidamente e com maior flexibilidade. Convém não esquecer que a missão primeira da finança é apoiar as empresas, estimular o espírito empresarial, o crescimento e o emprego, uma missão que poderia ser mais facilmente cumprida com um mercado financeiro reformado, mais competitivo, transparente e mais integrado nos seus vários aspectos.

4.2   Apoiar a economia real

4.2.1   Na comunicação da Comissão dirigida ao Conselho Europeu da Primavera de 2009, com o título ambicioso Impulsionar a retoma europeia  (6), a recuperação da confiança dos cidadãos e dos operadores económicos é citada como a primeira medida de intervenção para ultrapassar a crise actual, para fomentar a procura e criar novos postos de trabalho. É necessário que as medidas propostas produzam efeitos concretos e não se fiquem apenas por anúncios de boas intenções.

4.2.2   O CESE considera em particular que o problema central a enfrentar se prende com o emprego e a falta de liquidez das empresas (7). Segundo estimativas recentes da OIT, desde o início da crise, em Dezembro de 2007, cerca de 40 milhões de postos de trabalho foram suprimidos (dos quais 7 milhões exclusivamente na área da OCDE), sendo as previsões para o futuro relativamente pessimistas. Este drama social só pode ser ultrapassado através do retorno da confiança no funcionamento dos mercados e com intervenções públicas que promovam o crescimento, a competitividade, a inovação e o emprego. A Europa necessita de uma política económica e de um programa que atraia as empresas e que as ajude a crescer e a criar emprego!

4.2.3   O CESE concorda plenamente com o objectivo que a Comissão se propôs atingir. Aprovam-se as intervenções referidas na comunicação, pois dizem respeito a medidas que urge aplicar no sector bancário e financeiro, no apoio à economia real e na valorização do mercado interno europeu. Contudo, estas medidas dão mostras de uma abordagem tradicional e, sem dúvida, pouco inovadora centrada numa melhor utilização das políticas económicas sectoriais geridas directamente e/ou coordenadas pela Comissão Europeia.

4.2.4   A recuperação da confiança dos operadores económicos e dos cidadãos europeus na capacidade das instituições comunitárias e das autoridades nacionais superarem a crise advém do reconhecimento de que a crise não deve ser imputada apenas a fenómenos, se bem que dramáticos, de tipo conjuntural, ou a imperfeições ou deficiências do mercado.

4.2.5   A particularidade da crise por que a economia mundial (e europeia) está a passar radica precisamente numa causa mais profunda e sistémica que se prende com os valores éticos e morais (responsabilidade, legalidade, justiça social) que estão na base das sociedades modernas e que inspiram as suas acções em todos os domínios da vida económica, social e civil. A recuperação da confiança no funcionamento dos sistemas económicos e financeiros não pode ser conseguida agindo apenas nos «mecanismos» de mercado que funcionaram mal, mas sim através de políticas macro ou microeconómicas europeias.

4.2.6   Não obstante concordar-se com esta perspectiva dos problemas actuais, as soluções propostas na comunicação da Comissão afiguram-se insuficientes ou, de qualquer dos modos, pouco eficazes para levar às alterações necessárias nos diversos sistemas de produção nacionais, mas também a nível das políticas europeias e internacionais para apoiar o crescimento das economias dos Estados-Membros. Entretanto, a crise manifesta os seus efeitos negativos mais na Europa, onde o PIB é mais baixo, do que nos EUA, que respondeu, em contrapartida, com um programa forte e unitário e com intervenções públicas mais robustas e mais eficazes. A UE deveria promover a aplicação de medidas harmonizadas entre os Estados-Membros. Tal seria conveniente para que a UE adopte um segundo plano de intervenção mais eficaz e homogéneo que o primeiro.

4.2.7   Cingindo a sua reflexão às medidas a aplicar no curto e médio prazo para a retoma da economia europeia, o CESE considera que a atenção e os recursos financeiros da UE e dos Estados-Membros devem centrar-se primordialmente num número limitado de intervenções que tenham um grande impacto nos diversos mercados e nos operadores económicos em geral. Estas intervenções devem incidir na recuperação da confiança no funcionamento do sistema financeiro, nos melhoramentos a fazer ao plano de relançamento da economia europeia, nas modificações a efectuar nas principais políticas de intervenção da União, no apoio aos Estados-Membros mais afectados pela crise, começando pelos países da Europa de Leste.

Recuperação da confiança no funcionamento do sistema financeiro. O relançamento da economia europeia é possível, caso se restabeleça a estabilidade e a operacionalidade dos mercados financeiros através de novas regras e de novos sistemas de macro e micro supervisão que garantam um funcionamento ordenado e responsável a nível internacional. A finança deve voltar a desenvolver o seu papel tradicional e insubstituível para promover o crescimento económico, nomeadamente financiar as actividades reais dos operadores (empresas, famílias, redes e serviços, infra-estruturas, ambiente e energia).

4.2.8.1   Fica ainda por resolver o problema da pesada intervenção dos Estados, infelizmente inevitável, para apoiar o sistema bancário. O CESE considera que esta situação não pode manter-se a longo prazo e que é necessário definir uma «estratégia de saída» destas intervenções, colocando condições ao sistema bancário através de uma abordagem sistemática, por exemplo, uma reestruturação interna para melhorar a quantidade e a qualidade das reservas orçamentadas. Uma estratégia que ponha em andamento um mercado do crédito e da finança internacional, independente e transparente, que evite a repetição de tudo quanto se passou.

4.2.8.2   Relativamente ao maior controlo e transparência das operações financeiras, desejado pela Comissão e referido pelo grupo dos países do G20 em Londres, do G8 em Áquila e do G20 em Pittsburgh, e tendo em conta, também, a proposta de reforma do sistema financeiro europeu anunciada pela Comissão e pelo Conselho, o CESE examinará esta proposta. Alerta, no entanto, para que, caso se confie a supervisão financeira a um novo organismo autónomo europeu, este deverá ter um real poder de intervenção (8).

4.2.8.3   Esta escolha deve favorecer o processo de harmonização das diversas legislações existentes na Europa no sector da supervisão financeira, a par das suas capacidades sancionatórias.

4.2.9   Melhoria do plano de relançamento da economia europeia

4.2.9.1   Em parecer precedente (9), o CESE avançou com a hipótese de uma revisão profunda do plano de relançamento proposto pela Comissão, não só e não tanto em termos dos recursos financeiros considerados insuficientes face à gravidade da crise, mas mais em relação a uma articulação e uma planificação diferentes das intervenções a lançar nos Estados-Membros para promover a retoma.

4.2.9.2   As condições de acesso a essas intervenções, independentemente dos sectores hoje considerados prioritários em termos de necessidades financeiras (sector automóvel, sector da construção, PME, etc.) devem garantir a coerência e uniformidade das medidas aplicadas no pleno respeito das regras definidas pelo mercado interno europeu.

4.2.9.3   Com efeito, não é desejável que iniciativas isoladas financiadas no plano europeu pela quota-parte do orçamento comunitário ou pela quota-parte pertencente aos governos nacionais para intervenções de emergência nas empresas, nos sectores ou nos países em crise, possam de algum modo recriar situações de privilégio ou de protecção para alguns sectores empresariais em detrimento de outros.

4.2.9.4   O mercado único é um dos motores fundamentais da economia europeia, pelo que o seu reforço e desenvolvimento é a melhor garantia para fazer crescer as iniciativas produtivas e o número de novos postos de trabalho. A coordenação e a monitorização das intervenções previstas nos planos europeu e nacional devem assegurar aos cidadãos europeus que a Comunidade está em condições de gerir as ajudas financeiras em conformidade com a legislação comunitária e no interesse das populações e dos territórios que são mais vulneráveis à crise.

4.2.9.5   Para o CESE, no âmbito destas intervenções de apoio às actividades produtivas, há que dar particular atenção às PME (através de um plano específico de facilidades de financiamento com procedimentos simplificados, ver, por exemplo, o «Small Business Act»). O plano europeu não é suficientemente claro quanto aos tipos de intervenções que se pretende aplicar para apoiar a recuperação das pequenas e médias empresas. No que respeita às empresas de menor dimensão, cujo contributo para o emprego global da UE é importantíssimo, o CESE é da opinião de que as iniciativas deveriam ser formuladas no âmbito de um quadro de referência macroeconómico que tivesse em conta as especificidades nacionais e locais, os diversos níveis de especialização sectorial, as diversas necessidades em termos de novas competências, tecnologias inovadoras e infra-estruturas de apoio às empresas.

4.2.9.6   Sem um quadro de referência europeu e nacional adequado às perspectivas de crescimento futuro das PME, corre-se o risco, como no passado, de fragmentar e fraccionar as intervenções, com o resultado de se auxiliar todos mas sem, na realidade, ajudar alguém a crescer de dimensão e na qualidade dos produtos e serviços realizados.

4.2.9.7   O CESE considera ainda que o diálogo social e a concertação, portanto um maior envolvimento das empresas, dos sindicatos e das organizações da economia social, podem ajudar a ultrapassar a crise.

4.2.10   Alterações a efectuar nas principais políticas da UE

4.2.10.1   O CESE considera que a recuperação da confiança dos operadores europeus passa também por uma modificação profunda dos meios operacionais utilizados pela Comissão para gerir as políticas comuns em importantes sectores económicos e sociais, e em particular na política de coesão. Em relação a esta última política, o CESE já elaborou em parecer (10), onde avança com inúmeras propostas de alteração.

4.2.10.2   A grave crise económica sentida em todos os países europeus, e que se prevê possa prolongar-se durante 2010, impõe uma reforma radical na gestão dos fundos estruturais (FEDER e FSE) e uma revisão das intervenções definidas para o período de programação de 2007-2013. A Comissão está a elaborar algumas propostas de alteração para simplificar os procedimentos, acelerar os pagamentos, redefinir os domínios de intervenção de algumas políticas sectoriais, mas estas medidas revelam-se ainda insuficientes. São necessárias medidas para salvaguardar a coesão da UE, actualmente em risco devido à crise.

4.2.10.3   O esforço solicitado pelo CESE à Comissão para adaptar as intervenções previstas à nova realidade decorrente da crise internacional deve ser mais lato, pelo que é necessária uma reconsideração integral destas políticas. Além disso, as tensões que se começam a sentir entre as administrações centrais e regionais quanto à gestão dos recursos dos fundos estruturais para enfrentar as urgências são mais um elemento de reflexão a ter em conta ao «repensar» as ajudas para os territórios mais desfavorecidos da União.

4.2.10.4   No caso das políticas de coesão, o CESE considera igualmente que se deve formular para cada país destinatário destes recursos prioridades sectoriais e locais específicas, com vista a fazer convergir os recursos comunitários e nacionais para programas e projectos com maior impacto económico e social. Coerência na selecção das intervenções, coordenação a nível europeu e nacional nas políticas de apoio às empresas, programas comuns de formação especializada e desenvolvimento de novas competências, são estes os princípios em que a política de coesão se deve inspirar para rever as suas linhas de orientação.

4.2.10.5   Em suma, a crise deve ser a ocasião de a UE utilizar melhor as políticas à sua disposição, mas também de aplicar novas para melhorar as infra-estruturas e lançar, por exemplo, um plano para o ambiente ou para a criação de novas redes europeias de energia e de comunicação (como a banda larga) através de um financiamento público europeu (sob a forma de euro-obrigações?), o que daria um impulso extraordinário ao relançamento da economia.

4.2.10.6   O CESE considera que esta é uma ocasião formidável para se proceder a uma reflexão aprofundada sobre o orçamento comunitário, na sua configuração actual, tanto no plano qualitativo como quantitativo, e para pôr em cima da mesa, eventualmente através de um grupo de peritos, a política fiscal, uma questão fundamental para o crescimento e o desenvolvimento, à qual não se poderá continuar a fugir ou a utilizar como dumping social e económico a nível europeu.

4.2.11   Apoio aos Estados-Membros mais afectados pela crise, começando pelos países da Europa de Leste

4.2.11.1   O CESE considera que a Comissão deve prever, se não um fundo ad hoc para os países mais afectados pela crise (uma proposta rejeitada pelos Estados-Membros mais influentes da UE), certamente um conjunto de intervenções financeiras, incluindo através do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, com vista a iniciativas de estabilização das economias mais vulneráveis da UE, como se começa a fazer. Neste domínio, há que dar particular atenção aos países do Leste, pelo que se devem afectar dotações específicas para tal. São múltiplas as razões subjacentes a esta reivindicação de dotações específicas para estes países. Caso tal não aconteça, é de esperar a queda do segundo pilar da integração, a saber, o alargamento, juntamente com o mercado único.

4.2.11.2   Nos próximos meses, e anos, a UE deverá enfrentar situações extremamente difíceis de resolver, designadamente, a crise económica e do emprego, os conflitos sociais, as reformas institucionais a lançar, as diversidades internas entre os Estados-Membros, e tudo isto num contexto de eurocepticismo crescente a nível dos partidos políticos, dos governos nacionais de muitos Estados da UE e da opinião pública assaz insatisfeita com as decisões tomadas no nível europeu.

4.2.11.3   A confiança no modelo económico e social europeu e nas suas capacidades para encontrar soluções adequadas e no interesse de todos os Estados-Membros será restaurada se a UE resolver os problemas dos países mais vulneráveis ajudando-os a ultrapassar a situação difícil em que se encontram.

4.2.11.4   A crise atravessada por muitos países do Leste nos sectores do crédito, dos serviços financeiros e das empresas transformadoras não assume proporções de tal modo grandes que represente um obstáculo inultrapassável para a UE. Muitas destas actividades surgiram graças à assistência e aos investimentos directos provenientes dos 15 países da UE, sendo difícil de imaginar agora, que após o percurso de aproximação que lhes foi imposto para se tornarem membros plenos da União, tenham de recorrer, devido à política«caso a caso» a intervenções económicas mínimas e de pouca envergadura. Trata-se de um erro estratégico e económico irreparável no curto e médio prazo e de uma forma de miopia política bastante grave que pode prejudicar o futuro da integração europeia.

4.3   Ajudar os cidadãos europeus

4.3.1   Após a crise «alcançaremos um novo equilíbrio, mas não nos mesmos níveis que anteriormente; temos de nos preparar para um nível de vida inferior». Se esta previsão (11) se tornar realidade, a única coisa clara é a certeza de que alguns terão de viver, e espera-se que seja por um período curto, a um nível ainda «mais baixo».

4.3.2   O risco a evitar é que sejam, mais uma vez, as empresas e os trabalhadores a pagar o preço do salvamento do mercado, enquanto o capital continuará a deslocar-se para mercados mais seguros, continuando a fugir ao fisco. Podemos assistir, deste modo, a mais uma diminuição dos rendimentos do trabalho, podendo provocar uma deslegitimação social da economia de mercado. Caso se pretenda evitar este risco, há que reforçar e alargar o modelo europeu da economia social de mercado, colocando as pessoas no centro do sistema económico.

4.3.3   Perante isto, o CESE entende que também a política fiscal deve ser objecto de maior atenção pelos governos e pela União, devendo-se prosseguir na via da coordenação para evitar condições díspares contrárias ao mercado único. Além disso, há que privilegiar as reformas que aumentem a matéria colectável, em vez das taxas de imposição, tendo mais em conta o património e não a actividade das empresas e o trabalho.

4.3.4   Ademais, há que evitar que as consequências da crise financeira tenham repercussões drásticas sobre os sistemas de pensões dos Estados-Membros, como aconteceu nos EUA onde algumas entidades de gestão dos planos de reforma acumularam perdas de monta, devido à crise com os fundos de alto risco (hedge funds), o que fez com que os trabalhadores que subscreveram estes planos vissem o valor das seus economias diminuir em metade. O CESE entende que há que envidar esforços no sentido de definir quadros normativos e modelos de pensão que protejam os interesses dos cidadãos e dos trabalhadores europeus.

4.3.5   O aumento da injustiça e das desigualdades reduziu e continuará a reduzir ainda mais os espaços de liberdade e constitui uma ameaça para a democracia dos países europeus, e em particular da UE, que ainda tem um grave «défice democrático» a colmatar. No mínimo, esta situação compromete a adesão dos novos pobres às políticas a aplicar para ultrapassar a crise e fomentar um desenvolvimento sustentável.

4.3.6   O CESE considera que este momento é uma ocasião importante para a UE mostrar a sua proximidade através de iniciativas concretas e tangíveis em prol dos cidadãos, das empresas e dos trabalhadores mais afectados pela crise.

Tal deve ser feito através de medidas destinadas a proteger os direitos. Por conseguinte, a UE deve poder intervir na política social através de iniciativas próprias. A questão social deve ser parte integrante do pacto estratégico referido no ponto 4.4.3. As intervenções devem ainda realizar-se noutra frente, nomeadamente as políticas económicas (entre as quais um financiamento extraordinário à Estratégia de Lisboa) e de apoio às empresas mais vulneráveis (que a UE deve pôr em aplicação, juntamente com os Estados-Membros (ponto 4.2).

4.3.7.1   Há que promover as intervenções estruturais no mercado de trabalho, que se deve tornar mais permeável e inclusivo, através de regras adoptadas a nível europeu e recorrendo ao FSE, simplificando os procedimentos e antecipando os pagamentos.

4.3.7.2   Há que promover acções em benefício das empresas que se comprometem a aplicar e respeitar o princípio da responsabilidade social na Europa e o princípio da cláusula social fora do território europeu.

4.3.8   O CESE gostaria e solicita à Comissão que, através de incentivos económicos, como, por exemplo, os fundos estruturais, faça todo o possível, juntamente com os parceiros sociais europeus, para favorecer acordos e/ou encontrar soluções que reduzam o impacto da crise nas empresas e nos trabalhadores, incluindo através da difusão das boas práticas que surgem em alguns países.

4.3.9   O CESE solicita ao Conselho que envide todos os esforços necessários à aplicação de um código europeu que indique os domínios em que convém agir para reduzir o fosso salarial e para estabelecer uma nova justiça distributiva e não apenas no sector financeiro. Este fosso levou a um aumento desproporcionado das desigualdades, sem que para tal houvesse uma justificação. Conviria proceder através de um acordo europeu que envolva todas as partes.

4.4   Rumo a uma União Europeia política: Uma UE política a partir das bases

4.4.1   O CESE entende que a UE, para enfrentar e superar a crise, necessita de instrumentos de decisão, que não estão actualmente à sua disposição e que são a principal causa do seu défice de acção que ameaça, hoje, marginalizá-la em relação às grandes potências, como a China e os EUA. Por esta razão, o CESE considera que a UE deve dotar-se de uma capacidade efectiva de acção, mesmo que através de instrumentos provisórios, para não neutralizar o trabalho e os esforços realizados neste período de profundas alterações.

Governação política: O CESE considera que uma das causas principais da actual crise se deve às divisões e aos erros da «intervenção política». Sem uma visão unitária, a política foi incapaz de agir, acabando por renunciar ao seu papel de guia a nível mundial e europeu. Os resultados desta acção estão agora à vista de todos.

4.4.2.1   Governação internacional: A UE ainda não dispõe de uma política externa comum, nem de um poder autónomo para gerir a crise, quando seria necessário falar a uma só voz, pelo menos a nível da zona do euro, nas reuniões internacionais e, em particular, nos organismos que se pretende reformar para contrabalançar o poder de decisão dos outros blocos económicos e políticos. A UE é o maior mercado mundial de bens e de serviços e o primeiro contribuinte em termos de ajudas públicas destinadas a financiar o desenvolvimento dos países mais pobres e a sua moeda, o euro, é a segunda moeda internacional de reserva. Assim, sob vários aspectos, a UE é um «gigante económico», mas se tivermos em conta a sua capacidade de decisão no domínio internacional trata-se de um «anão político» – um verdadeiro paradoxo incompreensível para os cidadãos europeus. É necessário, pelo contrário, que a política global seja mais influenciada pelas propostas e pelos «valores» europeus.

4.4.2.2   Os chefes de Estado e de governo devem, por isso, ter a coragem de reconhecer esta limitação e fixar-se este objectivo. Actualmente, actuam como um navio sem timoneiro, uma situação que tem custos económicos e políticos importantes. Não vale a pena invocar os historiadores e/ou os pais da pátria para se convencer («Se a Europa tivesse alguma vez ficado unida na partilha do seu património comum, não haveria limite à felicidade, à prosperidade e à glória dos seus trezentos ou quatrocentos milhões de habitantes», Discurso de Zurique de Winston Churchill, 1946). Convém formular rapidamente um acordo vinculativo para gerir a crise, o qual se possa transformar num método comunitário e não fazer o inverso como está a acontecer.

4.4.3   Governação económica: O objectivo principal a atingir é dotar a UE dos instrumentos necessários para definir e desenvolver orientações comuns de política macroeconómica e sectorial (pelo menos para a zona do euro, com efeitos positivos para os 27 Estados-Membros) e completar a política monetária europeia com uma política económica comum, começando pela zona do euro, política esta que não deve continuar confinada à simples vontade de coordenação, mas que deve prever intervenções nos sectores estratégicos de interesse europeu (ambiente, energia, inovação, imigração, emprego, coesão, etc.). Há que formular um novo pacto europeu para o crescimento, o desenvolvimento sustentável, a competitividade e o emprego, que valorize, em especial, a economia social e ambiental de mercado e que vise completar o mercado interno, em conformidade com os objectivos da Estratégia de Lisboa.

4.4.4   Governação social: A política social e de coesão devem ser dois dos objectivos prioritários do pacto europeu. A UE deveria ter uma maior capacidade de intervenção na política social para definir uma «base mínima» ou um limiar mínimo de direitos sociais fundamentais (12). Por todas estas razões é necessária uma Europa mais capaz de agir. Convém recordar que a UE nasceu enquanto projecto económico (CECA, CEE e euro), visando fins políticos

4.4.5   Por conseguinte, o CESE entende que, no período actual, convém alargar a participação dos cidadãos, em particular dos jovens, no processo de construção da UE, experimentando novas formas de participação a partir das bases. Esta questão não deve ser deixada ao acaso. Assim, se a UE lançasse, por exemplo, uma proposta eficaz e duradoura, que colocasse os cidadãos no primeiro plano, graças a novos processos de participação nas decisões sobre as políticas europeias de maior relevo, ela teria grande impacto na opinião pública e seria um instrumento óptimo para aproximar os cidadãos europeus das suas instituições, colmatando, deste modo, o défice democrático da UE. Esta é uma questão vital para o futuro da União, que não pode continuar a ser procrastinada, mesmo se o Tratado de Lisboa constitui um pequeno avanço.

4.4.6   A «sociedade civil europeia», que não pode ser evocada por acaso, nem continuar a ser uma esfera à parte ou a servir apenas de caução, pode dar um contributo importante neste sentido. Trata-se de um desafio para o CESE e para o seu Programa para a Europa.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver parecer do CESE sobre o Relatório do Grupo de Larosière JO C 318 de 23.12.2009, p. 57.

(2)  Ver parecer do CESE sobre o Relatório do Grupo de Larosière, JO C 318 de 23.12.2009, p. 57 e o parecer do CESE sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho Europeu – Plano de relançamento da economia europeia, JO C 182 de 4.8.2009, p. 71.

(3)  Situation of the financial and banking system [Situação do sistema financeiro e bancário] – Artigo elaborado conjuntamente por Christine Lagarde, ministra francesa da Economia, da Indústria e do Emprego, Anders Borg, ministro sueco das Finanças, Wouter Bos, ministro neerlandês das Finanças, Jean-Claude Juncker, ministro luxemburguês das Finanças, Elena Salgado Mendez, ministra espanhola das Finanças, Peer Steinbrück, ministro alemão das Finanças, e Giulio Tremonti, ministro italiano das Finanças, publicado em vários jornais europeus, em 4 de Setembro de 2009.

(4)  Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à supervisão macroprudencial comunitária do sistema financeiro e que cria um Comité Europeu do Risco Sistémico - COM(499) final de 23.9.2009; Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui uma Autoridade Bancária Europeia - COM(501) final de 23.9.2009; Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui uma Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma - COM(502) final de 23.9.2009; Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui uma Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados - COM(503) final de 23.9.2009.

(5)  Ver nota 3.

(6)  COM(2009) 114 final, Impulsionar a retoma europeia, 4.3.2009.

(7)  Parecer do CESE sobre os Resultados da Cimeira do Emprego, JO C 306 de 16.12.2009, p. 70.

(8)  Ver parecer do CESE sobre o Relatório do Grupo de Larosière, JO C 318 de 318 de 23.12.2009, p. 57. Na sua intervenção na reunião plenária do CESE, em 30 de Setembro de 2009, José Manuel Barroso exprimiu um ponto de vista que ia neste mesmo sentido.

(9)  Ver parecer do CESE sobre o Plano de relançamento da economia europeia, JO C 182 de 4.8.2009, p. 71.

(10)  Ver parecer do CESE sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre os resultados das negociações referentes a estratégias e programas da política de coesão para o período da programação de 2007-2013, JO C 228 de 22.9.2009, p. 141.

(11)  John Nash, prémio Nobel da Economia, Outubro de 2008.

(12)  Na sua intervenção na reunião plenária do CESE, em 30 de Setembro de 2009, José Manuel Barroso exprimiu um ponto de vista que ia neste mesmo sentido.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/19


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Uma actuação concertada para o reforço da carreira e da mobilidade dos investigadores na União Europeia»

(2010/C 255/03)

Relator único: Pedro ALMEIDA FREIRE

Em 16 de Julho de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

Uma actuação concertada para o reforço da carreira e da mobilidade dos investigadores na União Europeia.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 10 de Novembro de 2009 sendo relator único Pedro Almeida Freire.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 174 votos a favor, com 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações

O reforço dos recursos humanos em ciência e tecnologia na Europa e a promoção da mobilidade são factores chave para a concretização do Espaço Europeu de Investigação (EEI) e para que a UE mantenha a sua competitividade a nível mundial e seja capaz de fazer face aos principais desafios futuros.

São necessárias acções urgentes com vista a facilitar a coordenação entre políticas de educação, investigação, trabalho e segurança social para assegurar o desenvolvimento coordenado de instrumentos de política educativa, científica e de política social, a fim de responder aos objectivos europeus nesta matéria.

O Comité Económico e Social Europeu propõe o reforço, por um lado, e maior coordenação, por outro, dos programas existentes em matéria de recursos humanos e promoção da mobilidade e, designadamente, aproveitar a oportunidade trazida pelo debate sobre o 8.a Programa Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico da UE para, entre outras medidas, reforçar a componente capital humano e promover a criação de uma plataforma de formação avançada nas acções de investigação.

O CESE propõe ainda a criação de um Observatório de Recursos Humanos em Ciência e Tecnologia na Europa, capaz de compilar, analisar e fornecer informação coerente e comparável sobre a evolução do tema vertente e sobre as políticas nacionais em matéria de recursos humanos, quer na Europa, quer numa perspectiva mundial.

O CESE apela a uma acção coordenada para o reforço da carreira e da mobilidade dos investigadores na UE, em matéria de condições de emprego e desenvolvimento das próprias carreiras, designadamente no recrutamento, progressão na carreira e direitos sociais.

Finalmente, o CESE exorta a que o novo Pacto Europeu para a Inovação, que a UE se prepara para desenvolver, e a futura revisão da Estratégia de Lisboa, tenham em devida consideração a importância do aumento e da qualificação dos recursos humanos em ciência e tecnologia.

2.   Introdução

2.1   As políticas de investigação, desenvolvimento tecnológico e inovação desempenham um papel cada vez mais relevante no quadro da Estratégia de Lisboa, quer a nível comunitário, quer a nível nacional.

2.2   O novo impulso dado ao Espaço Europeu de Investigação e, neste contexto, ao desenvolvimento do capital humano na estratégia europeia para a competitividade, crescimento e emprego, são prova de que o reforço dos recursos humanos em ciência e tecnologia na Europa e a mobilidade, desempenham um papel chave para o sucesso desta estratégia.

2.3   A União Europeia prepara-se para definir uma nova estratégia para a inovação, mais integrada e social, na qual o triângulo do conhecimento deverá estar no centro das preocupações. As pessoas são fulcrais neste contexto para garantir que a UE mantenha a sua competitividade a nível mundial e seja capaz de enfrentar os principais desafios das próximas décadas.

2.4   A livre circulação do conhecimento e a mobilidade têm vindo a ser reconhecidos pelos Chefes de Estado e de Governo como factores determinantes para as políticas de educação e investigação na UE e para a cooperação europeia. São vários os programas europeus que procuram, na sua esfera de acção, dar resposta a estes desafios, designadamente: – O programa Erasmus para a mobilidade dos jovens no ensino superior; – O Programa Erasmus Mundus para o reforço da cooperação com países terceiros por via de mestrados e doutoramentos conjuntos e a criação de parcerias entre instituições de ensino superior; – O Programa Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico, no qual o programa específico «Pessoas», de promoção da mobilidade de investigadores, mais conhecido por acções Marie Curie, desempenha um papel fulcral. O próprio processo de Bolonha no domínio do ensino superior tem por objectivo promover a dimensão europeia do ensino superior, a mobilidade e a cooperação. Ainda assim, não obstante os programas existentes e os esforços que têm sido prosseguidos, é reconhecido por todos que muito há ainda a fazer.

2.5   No seguimento do parecer sobre a Comunicação da Comissão «Melhores carreiras e mais mobilidade: Uma parceria europeia para os investigadores» (1), o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar o presente parecer de iniciativa, a fim de mais uma vez dar o seu contributo no contexto de uma estratégia de reforço do capital humano na União Europeia e da aposta numa nova política de investigação e numa nova estratégia de inovação que tenham em atenção os recursos humanos na perspectiva das políticas de integração que sempre tem defendido e no contexto de uma agenda de política social.

2.6   2010 será o momento de renovar a Estratégia de Lisboa e de lançar o novo plano europeu para a inovação, ao mesmo tempo que o Espaço Europeu de Investigação renova a sua visão para 2020.

2.7   Num contexto de crise económica, a aposta num maior investimento em investigação e desenvolvimento, quer público, quer privado, e o reforço dos recursos humanos em ciência e tecnologia devem manter-se como prioridade nas agendas políticas nacional e da UE.

2.8   Existe pois uma necessidade premente de definição de objectivos comuns ao nível da UE e de encorajar acções com vista a alcançar o nível de recursos humanos em investigação e desenvolvimento necessários para a concretização das metas ambiciosas que a UE se propôs.

2.9   Tais objectivos passam por assegurar um crescimento positivo do fluxo de jovens que estudam ciências e tecnologias (da matemática às ciências naturais e da engenharia às ciências sociais e humanas), e dos doutoramentos nessas áreas, estimulando um aumento crescente da fracção de mulheres na população científica, assim como garantir condições de atracção para a Europa e de fixação nela de recursos humanos qualificados em ciência e tecnologia, de forma a equilibrar o deficit actual nas relações transatlânticas e assegurar fluxos positivos nas relações da Europa com o resto do Mundo. Tratam-se de novos objectivos que devem renovar, neste campo, a agenda de Lisboa.

2.10   A sua concretização exige que na Europa se desenvolvam centros e redes de competência excepcionais à escala mundial, capazes de atrair internacionalmente os melhores talentos, a par do indispensável alargamento da base social da educação e da cultura científica e tecnológica.

3.   A necessidade de uma política forte em matéria de recursos humanos em C&T, a nível nacional e europeu

3.1   O CESE reconhece a oportunidade trazida pelo Livro Verde para o Espaço Europeu de Investigação (EEI) (2), no qual uma das grandes prioridades do EEI é uma parceria europeia para os investigadores, com melhores carreiras e mais mobilidade, bem como pela já referida Comunicação da Comissão, que mereceu um parecer deste Comité. Com o presente parecer o CESE pretende ir mais além e apoiar as propostas constantes do documento «Uma parceria europeia para aumentar a atractividade das carreiras no domínio da investigação e do desenvolvimento tecnológico (IDT) e melhorar as condições de mobilidade dos investigadores na Europa – Acções prioritárias propostas», elaborado pelos Ministros português e luxemburguês, José Mariano Gago e François Biltgen respectivamente, em 30 de Abril de 2009 (3), com a colaboração dos seus colegas ministros, dando assim o seu contributo para fazer progredir com acções concretas uma política da UE em matéria de recursos humanos em ciência e tecnologia.

3.2   O CESE reconhece o grande trabalho que tem vindo a ser levado a cabo ao nível da UE sobre esta matéria. O próprio CESE já elaborou vários pareceres de iniciativa em matérias ligadas ao tema vertente.

3.3   Os recursos humanos em ciência e tecnologia têm sido parte integrante da estratégia da UE desde Março de 2000. Em 2002, na Cimeira de Barcelona, foi definida a meta europeia de aumentar a percentagem do PIB dedicada à investigação e desenvolvimento (I&D) para 3 % até 2010. O crescimento em recursos humanos associado a esta meta foi estimado de cerca de meio milhão adicional de investigadores (4).

3.4   Foi pois desde logo justificada a necessidade de uma política Europeia comum nesta área, muito para além do chamado método aberto de coordenação das políticas nacionais, que passa inclusive pela mudança das condições de emprego e desenvolvimento das carreiras dos próprios investigadores, incluindo jovens investigadores, em matéria de recrutamento, progressão na carreira e direitos sociais.

3.5   Apesar de a meta do investimento em I&D implicar que 2 dos 3 % do PIB são provenientes do sector privado, a indústria não pode fazer este esforço sozinha e os governos têm uma responsabilidade acrescida. Uma vez que a maioria das oportunidades de emprego para os investigadores são criadas pela indústria, melhores condições para o desenvolvimento da investigação no e pelo sector privado, incluindo pelas pequenas e médias empresas, têm de ser geradas na Europa para ir de encontro aos objectivos adoptados, através, por exemplo, do incentivo à criação de redes e clusters de empresas em sectores chave para a economia europeia.

3.6   O nível de financiamento público por investigador na Europa é ainda significativamente inferior ao dos EUA e do Japão. As condições e perspectivas para o emprego no sector público deveriam pois ser parte integrante dos objectivos da política científica dos governos europeus. Por outro lado, existe uma grande desproporção em matéria do número de investigadores no total da população, em comparação aos EUA e Japão: cerca 6 investigadores por 1 000 habitantes na UE, entre 9-10 investigadores por 1 000 habitantes no Japão e EUA.

3.7   As instituições de ensino superior, enquanto principais agentes da formação de investigadores precisam de inovar nas formas de melhor integrar a educação e a formação nos curricula e melhor colaborar com a indústria, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida. De facto, estas têm de mudar a perspectiva e atitude face a este problema na sua missão de formar recursos humanos para uma sociedade do conhecimento, alterando os curricula, apostando na formação em associação à I&D industrial, oferecendo novas oportunidades, incluindo para aqueles que iniciam uma carreira de investigação tardiamente, abrindo o acesso às mulheres, às minorias étnicas e aos grupos menos favorecidos, incluindo os cidadãos com necessidades especiais, os quais podem ver na investigação e no conhecimento um campo de aproveitamento social e de valorização pessoal na sociedade moderna.

3.8   O envolvimento de estudantes, não apenas de 2.o e 3.o ciclos mas também de 1.o ciclo, em actividades de investigação como componente normal do currículo, incluindo no sector privado, é ainda muito limitado e deve ser enfatizado.

3.9   Há ainda necessidade de medidas que tornem as carreiras em ciência, engenharia e tecnologia mais atraentes para os jovens, sem descurar as ciências sociais e humanas. A diferença entre as carreiras na indústria e na universidade ou no sector público é grande, mas os governos nacionais e a Comissão Europeia devem desempenhar um papel relevante e de forma coordenada nesta matéria. Trata-se de um factor chave para o desenvolvimento do EEI e para a futura prosperidade e competitividade da UE.

3.10   A educação científica é um outro factor relevante pois pode estimular a curiosidade e o interesse das crianças e dos jovens pelas carreiras científicas. A necessidade de uma aposta nas qualificações e na qualidade da educação, desde o ensino básico e secundário, é fundamental para um EEI bem sucedido, através do trabalho experimental e contacto com o mundo científico e com a indústria, além de uma aposta na própria qualificação dos professores (5).

3.11   As estratégias para a popularização da ciência e divulgação científica são já reconhecidas como essenciais para a compreensão pública da ciência e a aproximação da ciência à sociedade e sobretudo aos jovens. Devem porém ser cada vez mais incentivadas, incluindo a nível europeu, através do apoio a iniciativas de interesse comum, pela importância que detêm sobretudo num mundo globalizado em que a necessidade de compreensão de questões controversas, por um lado, e de comunicar os sucessos da ciência, por outro, são fundamentais.

3.12   A questão das mulheres na ciência é outro factor da maior importância. Não obstante os números serem muito diferentes desde há 20 anos, as mulheres continuam a estar sub-representadas em muitas áreas de investigação científica, em muitos países, e sobretudo não chegam a lugares de liderança. Tem havido um trabalho importante ao nível da Comissão Europeia e de alguns Estados Membros mas muito há ainda a fazer. As mulheres continuam a ser a fonte mais óbvia de aumento dos recursos humanos em ciência e tecnologia na Europa, apesar de as medidas de incentivo carecerem de uma forte articulação entre as políticas científicas e as políticas sociais e económicas de apoio às mulheres.

3.13   A dimensão internacional do EEI não pode ser descurada quando falamos de recursos humanos em ciência e tecnologia (6). A UE deverá competir internacionalmente para atrair os melhores recursos humanos qualificados e garantir condições para a sua permanência na Europa, através de uma melhor coordenação entre as políticas nacionais e comunitárias. Não obstante, deverá imperar uma perspectiva de cooperação no sentido de potenciar a circulação e transferência de conhecimento, bem como a mobilidade, numa óptica de reciprocidade e, sobretudo no que toca a investigadores de países em desenvolvimento, contribuir ao mesmo tempo para o reforço da qualificação dos seus países de origem.

4.   A necessidade de acções políticas concretas destinadas a alcançar progressos imediatos na agenda europeia para os recursos humanos em ciência e tecnologia

4.1   O Comité gostaria de sublinhar a importância de uma abordagem comum europeia, com acções políticas concretas destinadas a alcançar progressos imediatos em matéria de recursos humanos em ciência e tecnologia na Europa.

Reafirmando o já explanado no parecer relativo à Comunicação da Comissão sobre a Parceria Europeia para os Investigadores, sobretudo no que respeita ao recrutamento de investigadores e condições inerentes, julgamos desejável e realista um desenvolvimento sustentado e persistente na UE que em média represente um crescimento de cerca de 5 % ao ano, durante os próximos 10 anos. Tal permitiria elevar numa década os níveis actuais de recursos humanos em Ciência e Tecnologia em mais de 50 %. O Comité propõe que essas acções sejam desenvolvidas designadamente nas seguintes vertentes:

4.2.1   Aumentar o número e a proporção de jovens que optam por estudar matérias relacionadas com a ciência e a tecnologia;

4.2.2   Aumentar o número e a proporção de diplomados que se inscrevem em doutoramentos, assim como diversificar os perfis de doutoramento e reforçar os mecanismos de garantia de qualidade;

4.2.3   Atrair e reter nas instituições europeias uma maior percentagem de estudantes e investigadores na área da ciência e tecnologia provenientes da Europa e do resto do mundo e duplicar o número de doutoramentos fora do país de origem;

4.2.4   Reiterar a importância de assegurar um quadro jurídico, administrativo e financeiro para incentivar a implementação das acções acima descritas, em matéria de coordenação de políticas de investigação e políticas de trabalho e sociais.

4.3   O número de jovens que optam por estudar matérias relacionadas com a ciência e a tecnologia tem de facto aumentado na maioria dos países europeus, o que já não acontece no que toca à proporção em relação ao número total de estudantes, São várias as acções possíveis para atrair os jovens para a ciência e a tecnologia, entre elas: – Melhorar o ensino em ciência e tecnologia e contribuir para o desenvolvimento de redes científicas de escolas, professores de ciências e investigadores, tanto a nível nacional como internacional; – Apoiar as acções de promoção da cultura científica e o alargamento da base social do desenvolvimento científico e tecnológico, nomeadamente os centros científicos e os museus de ciências; – Prestar serviços de informação bem como serviços de orientação escolar e profissional capazes de responder às necessidades sociais no que se refere aos cursos de ciência e tecnologia.

4.4   Sem descurar a garantia de qualidade, outro objectivo imediato deverá ser criar incentivos para o aumento do número de doutoramentos e a diversificação dos perfis, envolvendo a indústria quando adequado. Com este objectivo poderão ser promovidas acções para: – Aumentar a proporção de bolsas de estudo para doutoramento concedidas mediante concurso geral a nível nacional ou internacional; – Atrair para a Europa diplomados de países terceiros para cursos de doutoramento; – Alargar o grau de importância que adquiriu recentemente o doutoramento para atingir níveis elevados de competência profissional, em variadas áreas e não apenas em carreiras de investigação.

4.5   A atractividade à escala internacional deverá ser uma meta a atingir que passa por: – Melhorar e incentivar a mobilidade dos estudantes, investigadores e professores entre instituições, sectores e fronteiras, nomeadamente entre o sector académico e a indústria; – Promover o recrutamento aberto, competitivo e transparente de investigadores; – Melhorar as condições de vida das famílias dos investigadores e facilitar o acesso dos parceiros dos investigadores ao mercado do trabalho; – Reduzir de forma significativa a burocracia associada ao financiamento público da investigação.

4.6   A melhoria das condições de trabalho e de emprego dos investigadores é factor crítico para aumentar a mobilidade e o interesse nas carreiras científicas, incluindo para aumentar a proporção de mulheres na investigação, com uma adequada protecção social. A generalização progressiva dos contratos de trabalho com vista a tornar as carreiras competitivas e atractivas, além de proporcionar condições adequadas de emprego para homens e mulheres, incluindo de licença de maternidade e de licença parental e outras medidas de segurança social favoráveis à mobilidade dos investigadores, são factores chave do sucesso de qualquer política de investigação e inovação.

4.7   O CESE apoia os esforços dos Estados-membros no sentido de estudarem a possibilidade de adoptar medidas que facilitem a transferência dos direitos de pensão complementar dos investigadores móveis, tirando partido do quadro jurídico existente e através de acordos bilaterais e multilaterais. Aguarda ainda com expectativa o resultado do estudo de viabilidade sobre um possível fundo de pensões pan-europeu para os investigadores da UE, que está a ser levado a cabo com financiamento comunitário, apoiando quaisquer medidas, que entende urgentes, com vista a facilitar a transferência dos direitos de pensão complementar dos investigadores.

4.8   O CESE apoia ainda e defende acções urgentes com vista a facilitar a coordenação entre políticas de educação, investigação, trabalho e segurança social para assegurar o desenvolvimento coordenado de instrumentos de política educativa, científica e de política social a fim de responder aos objectivos europeus em matéria de recursos humanos no domínio da ciência e tecnologia.

Como medidas concretas ao nível da UE para ir de encontro aos objectivos e metas atrás expostos, o CESE gostaria de:

4.9.1   No contexto do debate a iniciar em breve sobre o futuro 8.o Programa Quadro (PQ) de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (I&DT) da UE, determinar que as acções de investigação apoiadas pelo PQ, devem constituir obrigatoriamente uma plataforma de formação avançada, designadamente para doutoramentos, em condições de abertura competitiva a estudantes de qualquer país;

4.9.2   Propor a criação de um Observatório de Recursos Humanos em Ciência e Tecnologia na Europa, que forneça informação coerente e comparável sobre a evolução do tema e sobre as políticas nacionais nesta matéria, quer na Europa, quer numa perspectiva mundial (7);

4.9.3   Ainda no contexto do novo 8.o Programa Quadro de I&DT, ampliar as acções Marie Curie, de apoio à mobilidade de investigadores, e acções conexas, e reforçar a dimensão da cooperação internacional na vertente dos recursos humanos; reforçar o Programa Erasmus Mundus, como forma de incentivar a cooperação com países terceiros em matéria de formação avançada.

4.10   Finalmente, o CESE apela a que a futura revisão da Estratégia de Lisboa tenha em devida consideração a importância do aumento e da qualificação dos recursos humanos em ciência e tecnologia e a garantia de um desenvolvimento sustentado de uma política comum nesta matéria ao nível da União Europeia.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 81.

(2)  Livro Verde «O Espaço Europeu da Investigação: novas perspectivas» [COM(2007) 161 final] de 4 de Abril de 2007.

(3)  Doc. 10003/09 do Conselho, de 18 Maio de 2009.

(4)  Vd. relatório do High Level Group on Human Resources for Science and Technology in Europe, «Report by the High Level Group on Increasing Human Resources for Science and Technology in Europe 2004», European Communities 2004.

(5)  Vd. publicações «Encouraging Student Interest in Science and Technology Studies», Global Science Forum, OECD 2008, «Mathematics, Science and Technology Education Report, The Case for a European Coordinating Body», European Roundtable of Industrialists (ERT), Agosto 2009.

(6)  Parecer do CESE sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho: Um quadro estratégico europeu para a cooperação científica e tecnológica internacional», relator: Gerd Wolf (JO C 306 de 16.12.2009, p. 13).

(7)  Trata-se de proposta já veiculada em 2004 pelo High Level Group on Human Resources for Science and Technology in Europe (vd. nota de rodapé 4).


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/24


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Apoiar as PME na adaptação à evolução dos mercados mundiais»

(parecer de iniciativa)

(2010/C 255/04)

Relator: Claudio CAPPELLINI

Co-relator: Ulrich PAETZOLD

Em 26 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

Apoiar as PME (1) na adaptação à evolução dos mercados mundiais.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Comissão Consultiva das Mutações Industriais emitiu parecer em 26 de Novembro de 2009, sendo relator Claudio Cappellini e co-relator Ulrich Paezoldt.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 180 votos a favor e 3 abstenções, o seguinte parecer:

Parte 1

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité reconhece que as PME têm diferentes atitudes quanto à internacionalização, usando estratégias distintas e beneficiando de níveis de apoio muito variados. O presente parecer visa, por isso, apresentar oito recomendações para orientar e promover medidas de apoio à adaptação das PME à evolução dos mercados mundiais. O parecer destina-se às instituições da UE, aos Estados-Membros, às PME e respectivas associações, bem como à sociedade civil organizada da UE em geral.

1.2   Recomendação 1: Respeitar os empresários, seu direito de tomar decisões e necessidade de assumirem a responsabilidade por essas decisões. O apoio às empresas deve ajudar os empresários a adaptar-se às mudanças nos mercados mundiais, mas não deve inibir as decisões dos próprios empresários nem protegê-los contra os riscos dessas decisões. As medidas de apoio às PME deveriam promover eficazmente a inovação (participando activamente nas plataformas tecnológicas trans-sectoriais do Sétimo Programa-quadro [PQ7]) e não envolver riscos, excepto se se destinarem a corrigir problemas específicos do mercado. Nessas condições, a evolução dos mercados mundiais pode ter um impacto desproporcionalmente elevado nas empresas mais pequenas (como por exemplo, as que participam em cadeias de valor mundiais, ou no caso de economias dominadas por empresas pequenas).

1.3   Recomendação 2: Reduzir os entraves ao comércio. Promover a abertura dos mercados através de negociações comerciais e assegurar um uso juridicamente correcto, por países terceiros, de instrumentos de defesa comercial, adoptar normas globais de comércio e assegurar o bom funcionamento do mercado interno sem descurar a importância da igualdade de condições de acesso aos mercados continuam a ser as melhores formas de apoiar as PME. A melhor política é garantir que as empresas capazes de exportar não se vejam impedidas de o fazer devido a entraves pautais ou não pautais.

1.4   Recomendação 3: Fomentar a competitividade comercial melhorando a qualidade. Os benefícios e a utilidade de respeitar as normas e os requisitos comunitários e de participar em programas de promoção da qualidade como o PQ7 e o PCI devem ser divulgados em países terceiros através de campanhas de sensibilização organizadas pelos Estados-Membros, pela Comissão Europeia e por associações de empresas. Ao mesmo tempo, saliente-se que o respeito das normas da UE é obrigatório para a importação de bens e serviços para a UE.

1.5   Recomendação 4: A política comercial deve«pensar em pequeno». Para desenvolver parcerias que melhorem o acesso aos mercados, as PME terão que se coordenar melhor para poderem gerir o processo complexo das negociações comerciais. A transparência das negociações pode ser melhorada se a dimensão das PME for salientada em todas as avaliações do impacto na sustentabilidade (AIS). Convirá dar igualmente mais atenção à representatividade dos delegados das empresas. A base de dados sobre o acesso aos mercados e os serviços de apoio sobre direitos de propriedade intelectual (DPI) nos novos mercados também poderão contribuir. A actividade comercial das PME também pode ser ajudada por uma política de concursos públicos mais favorável e por pagamentos mais rápidos no interior da UE.

1.6   Recomendação 5: Adequar as políticas às necessidades das PME. As PME e os responsáveis políticos têm uma percepção muito divergente dos entraves à internacionalização. O apoio deve ser prestado de forma prática e acessível através de intermediários locais e nacionais familiarizados com as PME. Um bom exemplo disso é a promoção de boas relações pessoais entre empresas através do apoio a contactos iniciais. Há ainda muito por fazer para adequar as políticas às necessidades reais das PME, como se vê no caso do acesso ao financiamento. Formas práticas de apoio às PME, como a mediação, reduções fiscais, pagamento imediato e medidas que facilitem a rápida repartição dos fundos através da isenção das regras em matéria de auxílios estatais, devem ser encorajadas sobretudo para os sectores mais expostos à globalização e à crise económica e financeira (nomeadamente o sector automóvel).

1.7   Recomendação 6: Apoiar as PME através dos seus trabalhadores. O objectivo é assegurar que as PME possam encontrar mão-de-obra qualificada e motivada no mercado de trabalho. Para manter a competitividade das PME da UE, haverá que garantir a disponibilidade dos mais elevados níveis de qualificações, designadamente em sectores como a engenharia, a manutenção técnica ou a construção. O «compromisso comum a favor do emprego» da Comissão vem enriquecer este processo. O diálogo social, sobretudo sectorial, deve ser aproveitado para ajudar as PME a colaborar com os seus trabalhadores a fim de preservar e desenvolver as aptidões destes e de lhes permitir ser os primeiros a tirar partido do potencial, actual e futuro, do mercado interno. Para gerir a evolução global, conviria promover parcerias e projectos a longo prazo a nível comunitário entre as organizações de PME e universidades e centros de investigação especializados na área económica, em colaboração com as instituições das economias emergentes.

1.8   Recomendação 7: As redes são importantes para as PME, sobretudo à medida que se vão internacionalizando. As redes constituem uma oportunidade para as PME, mas também colocam problemas específicos ligados à propriedade intelectual e aos clientes dominantes, os quais podem ser resolvidos da melhor forma através de abordagens sectoriais. Enquanto interveniente à escala mundial, a UE ainda não realizou todo o seu potencial de melhoria do contributo das PME para o comércio com países terceiros. Um aspecto particularmente interessante é o papel que a UE e os Estados-Membros podem desempenhar no apoio a PME suficientemente competitivas para assumirem um papel destacado nas fases inicial e intermédia das cadeias de valor. Há que prestar atenção a esta questão, em conformidade com anteriores recomendações da CCMI e tendo em conta a necessidade de reposicionar as políticas industriais da UE nos mercados globais.

1.9   Recomendação 8: Inovar e avaliar. Os responsáveis políticos têm que inovar na economia real, sobretudo em condições sociais, económicas e ambientais difíceis. As medidas de apoio devem reagir prontamente a estes desafios, ser avaliadas com base em dados fiáveis e comunicar com os intervenientes mais representativos, a fim de aprender com os exemplos de êxito e com a evolução dos desempenhos. As PME podem dar um contributo importante para o desenvolvimento de produtos/serviços mais ecológicos e para a chamada «economia verde».

2.   As PME desempenham um papel fundamental na resposta da UE à evolução dos mercados mundiais

2.1   Os 23 milhões de PME da UE são fundamentais para a adaptação da economia da UE à evolução dos mercados mundiais. As PME empregam dois terços dos trabalhadores do sector privado, preservam o dinamismo do mercado de trabalho e ajudam a desenvolver uma economia comunitária competitiva, inovadora e inclusiva. Os processos de fragmentação e especialização económicas que caracterizam a globalização criam nichos que podem ser explorados pelas PME. O contributo das PME para a prosperidade da UE e para os seus diversos modelos sociais, empresariais e culturais deve ser reconhecido. As PME são a coluna vertebral da produção da UE e podem contribuir para o emprego e para o valor acrescentado da União (2).

2.2   Enquanto principal exportador e dador de ajudas ao desenvolvimento à escala mundial, a UE já tem uma orientação global. As PME são um grupo heterogéneo, e muitas não têm a capacidade, os recursos ou a vontade para enfrentar os mercados mundiais. O Comité salienta que a mundialização e a internacionalização são questões importantes mesmo para as PME que apenas estão activas em mercados locais e regionais (3). A mundialização redefiniu os compromissos sociais que ancoravam as PME nos sistemas económicos nacionais, e o Comité reconhece que a actual crise vem alterar novamente o modo como as PME se relacionam com os seus mercados nacionais e internacionais (4). O papel reforçado da Comissão Europeia e dos Estados-Membros a este nível deve ser reexaminado e colocado na ordem do dia da UE. Uma representação única da UE nas instituições financeiras internacionais (já solicitada pelo representante do Eurogrupo no Conselho) e uma visão conjunta para todo o Eurogrupo no interesse da zona euro também poderiam ajudar as PME a redefinir o seu papel mundial.

2.3   A reacção das PME à evolução dos mercados mundiais depende de muitos factores. Apesar do empenho em concretizar o mercado único, poucas PME da UE-27 exportam ou importam do estrangeiro (5). Os países mais pequenos e as empresas de maiores dimensões tendem a estar mais internacionalizados (6). O sector dos serviços, que é dominado por PME, contribui cerca de 70 % para o valor acrescentado bruto da UE-27, mas o seu contributo total para o comércio transfronteiriço foi de apenas 20 % durante o ano relativamente próspero de 2006 (7). Os destinos e os sectores da internacionalização variam, tal como as estratégias seguidas (p. ex., exportação ou sociedades mistas) e a orientação do comércio. Os entraves à internacionalização também diferem, sendo que para as PME o principal obstáculo é a ausência de conhecimentos sobre os mercados estrangeiros (13 % das PME exportadoras citaram este como o principal entrave), seguido pelas pautas aduaneiras nos países destinatários e pela falta de capital (ambos com 9 %) (8).

2.4   As PME têm menos actividades transfronteiriças do que empresas maiores, quer dentro quer fora do mercado interno. Isso pode dar a impressão errónea de que a UE é para as grandes sociedades, ao passo que os Estados-Membros são para as PME. O Comité frisa que as PME são a espinha dorsal da economia da UE e assumem um papel de destaque na economia social da UE, sobretudo quando empresas maiores externalizam os seus serviços em países terceiros.

O Comité aplaude, por isso, a evolução das políticas da UE para as PME ao longo dos anos, desde o Plano de Acção para as PME de 1986, passando pelo Programa Integrado de 1994, pelos diversos programas plurianuais, pela Estratégia de Lisboa de 2000, pela Carta Europeia das Pequenas Empresas de 2000, pelo PCI (Programa de Competitividade e Inovação) e pelo Small Business Act (SBA) para a Europa.

2.5   Muitas empresas operam sem esperar dos poderes públicos outros apoios que a supressão de entraves administrativos e regulamentares. Para essas empresas, as intervenções da UE para ajudar as PME servem apenas para corrigir os problemas de funcionamento do mercado. Mas em pareceres anteriores (9) o Comité defendeu expressamente que o apoio às PME deve ir muito mais além se se pretende atingir os objectivos do SBA e satisfazer as necessidades dos 23 milhões de PME europeias. A Semana das PME alargou os objectivos da política para as PME a novos domínios ao procurar «informar», «apoiar,» inspirar, «partilhar» e «encorajar» as PME (10), como já fora salientado no parecer do CESE INT/445 sobre a aplicação do Small Business Act para a Europa, e mais recentemente pelo Comité das Regiões.

2.6   O presente parecer centra-se especificamente em recomendações para encorajar as PME a exportar e numa política destinada a ajudá-las a adaptar-se à evolução dos mercados mundiais. Destina-se à Comissão Europeia, ao Parlamento Europeu e aos Estados-Membros, assim como às PME e suas associações, sectoriais ou trans-sectoriais. O parecer começa por explicar por que motivo a justificação tradicional das intervenções para resolver os problemas de funcionamento do mercado podem bem ser uma parte fundamental desta política. Contudo, lamenta igualmente que os mecanismos que permitem identificar esses problemas, identificar soluções e atribuir competências executivas nem sempre sejam claros ou adequados. Por estas razões, é necessário desenvolver outros princípios a fim de aproximar a política das PME, mais do que do conceito abstracto de «mercado». Nesse sentido, o CESE poderia promover, com outras instituições nacionais ou comunitárias interessadas, a elaboração de um relatório bienal a nível mundial para avaliar o posicionamento das PME nos mercados mundiais através de indicadores de mercado apropriados.

3.   Recomendação 1: As decisões cabem aos empresários

3.1   As medidas devem respeitar os empresários, seu direito de tomar decisões e necessidade de assumirem a responsabilidade por essas decisões. Os incentivos às exportações podem revelar-se prejudiciais, dado que distorcem os mercados e incitam as empresas a correr riscos que não estão preparadas para gerir. Em geral, as medidas políticas devem encorajar as empresas a inovar e a correr riscos comerciais, mas não envolver, salvo para resolver problemas específicos de funcionamento do mercado.

3.2   A globalização acarreta desafios complexos, incluindo riscos e oportunidades, para as PME e os responsáveis políticos. O acesso aos mercados globais requer informação difícil de obter, os fornecedores nem sempre são fiáveis e as cadeias de valor envolvem problemas em termos de direitos de propriedade intelectual (DPI) para as PME. As PME adoptam posturas distintas quanto à internacionalização: algumas «nasceram» para os mercados mundiais, ao passo que outras só muito lentamente conseguem adaptar-se. O desafio para os responsáveis políticos é fazer com que a sua percepção das necessidades das PME corresponda às necessidades reais dessas PME. É por isso que a ênfase deve continuar a ser colocada num apoio que continue a deixar uma ampla margem de manobra aos empresários.

4.   Recomendação 2: Os mercados devem permanecer livres

4.1   A ênfase na competência discricionária dos empresários é essencial para a liberalização dos mercados e um postulado fundamental da política comunitária para as PME. O SBA visa aproveitar melhor o potencial do mercado interno, e o Comité sustentou já que a melhoria do funcionamento do mercado interno é a forma mais eficaz de aumentar a capacidade de exportação das PME (11) e que um melhor acesso das PME aos mercados de exportação é fundamental para a dimensão externa da Estratégia de Lisboa (12). A supressão dos entraves ao comércio e a promoção de mercados abertos e competitivos através de negociações comerciais, da adopção de normas de comércio globais e da conclusão do mercado interno continuam a ser a forma mais eficaz de apoiar as PME exportadoras, contanto que a abertura dos mercados garanta condições equitativas de acesso a todos e não ponha em causa o acervo comunitário. A melhor política é garantir que as pequenas empresas capazes de exportar não se vejam impedidas de o fazer devido a entraves pautais ou não pautais. Exemplos de medidas adequadas são:

a.

a conclusão da Ronda de Doha, de acordos bilaterais como o Acordo sobre Contratos Públicos da OMC e de outras negociações internacionais sobre comércio, a fim de suprimir os entraves ao comércio nas fronteiras (p. ex., entraves pautais, procedimentos aduaneiros) e para lá das fronteiras (entraves não pautais, padrões, normas técnicas e regulamentação) (13);

b.

medidas para enfrentar a má protecção ou a protecção demasiado custosa dos direitos de propriedade intelectual e assuntos correlatos (como as transferências de tecnologia), como a Rede Europeia de Empresas, o serviço de assistência em matéria de DPI do Projecto IPeuropAware, o serviço de apoio às PME sobre DPI na China ou o Centro Europeu de Negócios e Tecnologia criada na Índia, em 2008, e no qual está envolvido o Instituto Europeu de Patentes;

c.

medidas permanentes para combater práticas governamentais discriminatórias na adjudicação de contratos públicos;

d.

medidas tomadas pela Comissão Europeia em resposta às propostas do eurodeputado Ignasi Guardans Cambo, que o Comité exorta a Comissão a divulgar (14).

5.   Recomendação 3: Fomentar a competitividade comercial através da qualidade

5.1   A complexidade das questões que acompanham a decisão de qualquer empresário de internacionalizar a actividade da sua empresas significa que o apoio às PME deve ser capaz de se adaptar à abordagem escolhida, às alianças formadas e aos sectores envolvidos. Por esse motivo, o Comité apoia o novo Regulamento Geral de Isenção por Categoria, que torna as regras em matéria de auxílios estatais mais consentâneas com as necessidades das PME, uma vez que permite que lhes sejam concedidos apoios significativos quando houver provas de que o mercado não contribuiu para um resultado eficaz para as PME (15). O Comité defendeu a importância de as PME participarem plenamente em programas de promoção da qualidade, como os previstos ao abrigo do PQ7 (16), e de utilizarem o novo guia da Comissão sobre os auxílios estatais às PME. As organizações de PME deveriam examinar atentamente as acções de formação da Comissão (17). Mudanças mais radicais na cultura empresarial, nas cadeias de valor ou na posição de mercado, sobretudo no caso das PME, devem ser acompanhadas a nível comunitário sector por sector. São necessários progressos substanciais neste domínio.

5.2   Todas as empresas que se lançam em operações comerciais a partir da UE devem respeitar os mais elevados padrões de segurança dos consumidores, responsabilidade social da empresa e sustentabilidade ambiental. A UE obriga, pois, as empresas a fazer investimentos consideráveis, e conviria procurar torná-los mais rentáveis. Assim, o Comité exorta os Estados-Membros, a Comissão Europeia e as associações representativas das PME a estudar formas de divulgar a qualidade dos produtos/serviços da UE nos mercados externos. Uma estratégia de marketing destinada a publicitar a qualidade dos produtos da UE não tem necessariamente que se restringir a campanhas como o rótulo «CE» ou à indicação «Made in Europe». Tornar os mercados de países terceiros mais receptivos à qualidade dos produtos sector por sector seria um auxiliar importante da comercialização para muitas PME, sobretudo as que operam em novos sectores (como a energia «verde»). Há que examinar e avaliar de forma mais sistemática as iniciativas de comércio equitativo a nível regional/mundial que envolvam com êxito organizações de PME comunitárias.

5.3   As PME importam tanto como exportam para fora do mercado interno (5). As PME dos Estados-Membros mais pequenos, e em especial as envolvidas no comércio grossista ou a retalho ou na manufactura, tendem a abastecer-se no exterior (8), mas não em países terceiros. A promoção dos padrões europeus e do rótulo CE, aliada a um melhor controlo da observância das normas e a uma maior capacidade de análise dos mercados em países terceiros, aumentaria o leque de fornecedores para importação para a UE. O reforço das capacidades para permitir que as empresas de países terceiros possam ater-se às normas também ajudará o comércio, de harmonia com a estratégia de ajuda ao comércio da UE, e promoverá a confiança, a liberalização e o comércio equitativo, segundo o presidente da Comité dos Obstáculos Técnicos ao Comércio (OTC) da OMC (18).

6.   Recomendação 4: A política comercial deve «pensar em pequeno».

6.1   O Comité salienta que alguns aspectos específicos do Small Business Act (SBA) são importantes para a formulação da política comercial. As PME têm menos capacidade de gerir os encargos regulamentares e de dar a conhecer os seus pontos de vista aos responsáveis políticos (19). O mesmo vale para os entraves pautais e não pautais. Na sequência da proposta da Comissão de «uma parceria mais forte para um melhor acesso dos exportadores europeus aos mercados» (20), as organizações empresariais deveriam participar activamente na Parceria para o Acesso aos Mercados e no seu comité consultivo para o acesso aos mercados (CCAM). Além disso, cumpre assegurar que os interesses das PME são devidamente tidos em conta em todas as negociações comerciais. Os mecanismos actuais de promoção do comércio livre, como sejam as medidas anti-subsídios ou anti-dumping, não são os mais adequados para as PME, que não dispõem dos recursos e competências necessários para apresentar queixa. As mesas-redondas UE-China e UE-Índia do CESE podem facilitar o diálogo e os trabalhos preparatórios entre as sociedades civis de todas as partes (com destaque para as PME e as categorias da economia social).

6.2   O Comité reconhece que as principais formas de as PME darem a conhecer os seus pontos de vista são através dos Estados-Membros e do Comité 133 (comité consultivo geral sobre a política comercial), assim como das associações comerciais e das federações industriais que procuram influenciar a Comissão e a OMC. No entanto, as negociações comerciais são complexas e é preciso estabelecer e coordenar melhor, em toda a política comercial, parcerias mais fortes para garantir às PME um melhor acesso aos mercados. A Comissão e os Estados-Membros deveriam promover a coordenação dos interesses das PME a fim de melhor os defenderem junto de outros organismos de normalização, como a ISO. Exemplos de medidas adequadas são:

a.

Os Estados-Membros e a Comissão devem anunciar nas Avaliações do Impacto na Sustentabilidade (AIS) de que forma consultaram as PME e qual a representatividade das associações que consultaram (21).

b.

O Comité acolhe favoravelmente a Base de Dados de Acesso aos Mercados (BDAM) e as outras medidas de protecção da propriedade intelectual, como os serviços de apoio em matéria de DPI. O destacamento regular de funcionários da Comissão Europeia em PME e nos pontos de contacto nacionais de DPI permitiria compreender melhor as questões em jogo nestes domínios comerciais.

c.

A discriminação na adjudicação de contratos públicos e o atraso nos pagamentos são problemas que afectam enormemente as PME (22). O Comité acolhe favoravelmente a análise, em 2006, da aplicação da directiva sobre a matéria mas entende que há que ter igualmente em conta o impacto da crise financeira. É necessário aumentar a pressão moral e seguir exemplos bem-sucedidos, como a decisão formal do governo da Irlanda, em Junho de 2009, de reduzir o prazo para os pagamentos efectuados pelos serviços governativos aos seus fornecedores de 30 para 15 dias.

7.   Recomendação 5: Adequar as políticas às necessidades das PME

7.1   As políticas devem ser concebidas de modo a corresponderem antes de mais às necessidades das empresas, e em particular das PME, mais do que às dos responsáveis políticos, dos mecanismos de execução ou do princípio da subsidiariedade. Tanto a Cimeira APEC da OCDE sobre a internacionalização das PME como o grupo de peritos da Comissão identificaram entraves às exportações das PME (23). Todavia, estudos recentes revelam que os responsáveis políticos e as PME têm opiniões desencontradas sobre esses entraves e a forma de os suprimir (24). As PME diferem enormemente quanto à sua natureza jurídica e comercial e gerem a internacionalização de maneiras distintas: por etapas, através de empreendedorismo estratégico, pela formação, pela proximidade e exploração de nichos no mercado, e algumas «nasceram» mesmo para a internacionalização, concentrando-se nos mercados mundiais desde o início (25).

7.2   O Comité preconizou uma série de medidas não financeiras para promover as PME (26), incluindo eventos cooperativos (tais como o extinto programa INTERPRISE ou feiras com subcontratantes) que facilitem o contacto pessoal entre os empresários (27) e programas de formação dos formadores, a fim de ajudar as organizações que defendem os interesses da PME melhorando a assistência que lhes é prestada.

7.3   Um exemplo da actual incapacidade de adequar as políticas às PME é a questão do acesso ao financiamento e aos seguros de crédito. Estes são problemas graves para as PME, especialmente para as exportadoras. Apesar do enorme apoio financeiro estatal ao sector bancário, as empresas continuam a denunciar a escassez de crédito e de seguros de crédito disponíveis. Essa escassez revela falhas institucionais nos mercados financeiros e torna necessárias medidas específicas para melhorar a concessão de empréstimos e de seguros de crédito às empresas (28). Por isso, o Comité apoia as conclusões da Mesa-redonda de Turim da OCDE, que reafirmou a importância de rever as condições de actividade das instituições financeiras e apelou a regimes fiscais, administrativos, normativos e jurídicos fiáveis que proporcionem condições idênticas a todas as entidades económicas, independentemente da sua dimensão (29).

7.4   O Comité também apoia as outras recomendações práticas da Mesa-redonda de Turim para auxiliar as PME na sua gestão financeira, incluindo:

a.

tornar efectivas as garantias através de uma melhor mediação entre os fornecedores de crédito e as PME;

b.

aliviar a falta de liquidez através de benefícios fiscais e isenções das contribuições para a segurança social ou de regimes de férias e reduções fiscais para os investidores privados em PME;

c.

embora não se trate de uma questão específica das PME, é vital que todas as empresas sejam pagas o mais rapidamente possível pelas cadeias de valor e pelos serviços públicos (30).

7.5   O Comité também acolhe positivamente o Quadro comunitário temporário relativo às medidas de auxílio estatal, acordado em Dezembro e anunciado no Plano de Relançamento da Economia Europeia, e nomeadamente:

a.

o novo limite para o montante de auxílio compatível de 500 000 euros durante dois anos;

b.

a possibilidade de os Estados-Membros concederem, sem notificar casos individuais, garantias de crédito em condições favoráveis e ajudas sob a forma de taxas de juro subsidiadas aplicáveis a todos os tipos de empréstimo e empréstimos bonificados para a produção de artigos «verdes» que envolvam a adaptação precoce a futuras normas de produção da UE ou vão mais além do que essas normas;

c.

a alteração das orientações relativas ao capital de risco, que elevou a injecção de capital de risco em PME permitida por ano de 1,5 para 2,5 milhões de euros, e a redução do nível de participação privada de 50 para 30 %.

7.6   As PME devem ter acesso prioritário aos 5 biliões de euros previstos ao longo de dois anos no comunicado do G20 (31). Os fundos concedidos terão que ser controlados rigorosamente para garantir que chegam aos beneficiários a que se destinam. As PME dos novos Estados-Membros podem receber apoios extraordinários ao abrigo dos actuais Tratados.

7.7   Uma representação única da UE junto das instituições financeiras internacionais, no âmbito da moeda única, e uma UE com políticas económicas, industriais e comerciais mais coerentes e coordenadas a nível mundial seriam benéficas tanto para as PME (como foi já salientado em diversas audições da Primavera organizadas pelo CESE sobre a actual crise económica e financeira) como para os Estados-Membros.

8.   Recomendação 6: Apoiar as PME através dos seus trabalhadores

8.1   Os trabalhadores e as suas competências são fundamentais para a competitividade das PME. Na UE, as PME empregam uma maior percentagem da população activa total do que as suas congéneres nos EUA ou no Japão, pelo que é indispensável envolver mais activamente as organizações representativas das PME no diálogo social e em outros domínios políticos. Por exemplo, seria possível aumentar o nível de competências quer dos engenheiros quer dos técnicos qualificados se houvesse uma maior participação das PME em I&D (colectivos) e na exploração comercial da investigação (nomeadamente através de acordos de licença).

8.2   As PME devem tirar o máximo partido do Plano de Acção a favor do Emprego apresentado pela Comissão em Junho de 2009, assim como da sua política de antecipação das mudanças estruturais e industriais. A comunicação da Comissão intitulada «Um compromisso comum a favor do emprego» (32) define três prioridades principais: preservar o emprego, criar postos de trabalho e promover a mobilidade; actualizar competências e adequá-las às necessidades dos mercados de trabalho; e aumentar o acesso ao emprego. Entre os aspectos a salientar incluem-se:

a.

um instrumento de microfinanciamento dotado de 100 milhões de euros, podendo conceder empréstimos de até 25 000 euros a empresas que empregam menos de 10 trabalhadores;

b.

cinco milhões de estágios e outras medidas para jovens em risco de desemprego;

c.

uma análise sector por sector do mercado de trabalho da UE, para melhorar as competências e adequá-las às necessidades actuais e futuras do mercado de trabalho (33);

d.

um guia prático para ajudar as empresas e os seus trabalhadores a gerir melhor a reestruturação;

e.

um manual de formação sobre pequenas empresas, para ajudar as PME a preservar e obter as competências de que precisam.

9.   Recomendação 7: A importância das redes para a internacionalização das PME

9.1   Muitas PME conformam-se aos preços vigentes, em vez de os fixarem, e em geral participam nos mercados internacionais mais através de cadeias de fornecimento e de valor e através da importação do que pela exportação. Estas redes constituem uma oportunidade para as PME, mas também colocam problemas específicos ligados à propriedade intelectual e aos clientes dominantes, os quais podem ser resolvidos da melhor forma através de abordagens sectoriais. Enquanto interveniente à escala mundial, a UE ainda não realizou todo o seu potencial de melhoria do papel das PME nos mercados de países terceiros, quer como importadoras quer como exportadoras. Um aspecto particularmente interessante é o papel que a UE e os Estados-Membros podem desempenhar no apoio a PME suficientemente competitivas para assumirem um papel destacado nas fases inicial e intermédia das cadeias de valor. Há que envidar esforços sobretudo para:

a.

ajudar as PME da UE a aceder às etapas de maior valor acrescentado do processo global de produção (associando-as a programas de inovação, investigação e promoção das competências, incluindo os das universidades);

b.

pôr as PME em contacto com investidores internacionais interessados nas oportunidades do mercado interno da UE, a fim de promover uma colaboração industrial duradoura;

c.

ajudar as PME com os problemas que as cadeias de valor e as redes lhes colocam (direitos de propriedade intelectual, pagamento imediato no respeito das obrigações regulamentares e contratuais, etc.);

d.

coordenar e apoiar as redes existentes, incluindo consórcios nacionais e comunitários de PME para a exportação, agrupamentos locais e organizações representativas de PME, a fim de auxiliar as PME a tirar melhor partido das suas competências quer no mercado interno quer nos mercados vizinhos (p. ex., regiões transfronteiriças). Os apoios da Rede Europeia de Empresas criada pela Comissão, das câmaras de comércio e das câmaras de comércio bilaterais para a exportação são importantes, mas deveriam ser reforçados e mais bem coordenados entre si e com os de outras redes e organizações de PME activas neste domínio. As diferentes formas de associação entre PME e as diversas soluções de auxílio técnico a empresas compatíveis com as normas da OMC e com as regras em matéria de ajudas de Estado deveriam ser objectos de mais estudos e medidas.

9.2   O Comité adoptou já uma série de pareceres sobre a externalização e as cadeias de valor (34). Estes aspectos têm um impacto directo na economia europeia, e especialmente nas PME, que se internacionalizam em grande número através desses tipos de relação. As PME beneficiam dessas redes globais, partilhando os riscos da internacionalização, obtendo acesso a novas tecnologias e melhorando a sua eficiência através da externalização e da especialização nas suas competências essenciais. Mas também enfrentam desafios concretos para compreender de que forma se integram no resto da cadeia de valor, como proteger a sua própria propriedade intelectual nessa cadeia e como aceder a fases mais lucrativas da mesma (35). O Comité recorda que continua a faltar uma política para as empresas capazes de assumir um papel destacado nas fases inicial e intermédia das cadeias de valor e remete para anteriores pareceres, nos quais enumerou as questões a solucionar.

10.   Recomendação 8: Inovação e avaliação das políticas

10.1   O Comité recomenda que se fomente uma melhor compreensão do impacto das políticas acima referidas mediante um acompanhamento e uma avaliação eficazes dos resultados e um reexame regular dos objectivos, com particular destaque para a internacionalização das PME que deverão gerir a evolução dos mercados mundiais graças à inovação a curto e longo prazo:

a.

a experiência deve ser encarada como uma fonte importante de inovação, que permite que as estratégias políticas aprendam e evoluam;

b.

as opções políticas tomadas devem basear-se sempre em factos concretos, deverão ser recolhidos mais dados, com maior frequência e a partir de um amplo leque de fontes (p. ex., a análise do desempenho das PME da UE) (36);

c.

um grupo de trabalho sobre internacionalização, composto de diferentes partes interessadas, deverá auxiliar a Comissão Europeia a aplicar as suas políticas juntamente com representantes dos Estados-Membros, das organizações de PME, do CESE e do Comité das Regiões.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Para uma definição de PME, ver a Recomendação 2003/361/CE de 6.5.2003, JO L 124 de 20.5.2003, p. 36 ss.

(2)  EUROSTAT, Estatísticas Estruturais das Empresas, 2004-2005.

(3)  Comissão da UE, 2003, «Internationalisation of SMEs» [Internacionalização das PME], in Observatory of European SMEs, n.o 4.

(4)  CESE, Um Programa para a Europa: As propostas da sociedade civil, apresentado em 24 de Março de 2009.

(5)  Commission Final Report of the Expert Group On Supporting the internationalisation of SMEs: Final Report of the Expert Group, December 2007 [Comissão Europeia, Apoiar a internacionalização das PME, relatório final do grupo de peritos].

(6)  Observatório das PME europeias, «Internationalisation of SMEs» [Internacionalização das PME], in Observatory of European SMEs, n.o 4, 2003

(7)  Europe in figures - Eurostat statistical yearbook 2008 [A Europa em números – Estatísticas anuais do Eurostat 2008].

(8)  Eurobarómetro flash. #196.

(9)  Pareceres do CESE sobre As diferentes medidas políticas, para além de um financiamento adequado, susceptíveis de contribuir para o crescimento e o desenvolvimento das PME, JO C 27 de 3.2.2009, p. 7, Contratos públicos internacionais, JO C 224 de 30.8.2008, p. 32, e Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Think Small First um Small Business Act para a Europa, JO C 182 de 4.8.2009, p. 30.

(10)  «O que é a Semana das PME?» http://ec.europa.eu/enterprise/policies/entrepreneurship/sme-week/about/index_en.htm.

(11)  Parecer do CESE sobre Um mercado único para a Europa do século XXI, JO C 77 de 31.3.2009, p. 15.

(12)  Comunicação da Comissão COM (2008) 874 final.

(13)  Ver «Global Europe» [Europa Global], http://ec.europa.eu/trade/issues/sectoral/competitiveness/global_europe_en.htm, e «Market Access Strategy» [Estratégia de Acesso aos Mercados], http://ec.europa.eu/trade/issues/sectoral/mk_access/index_en.htm, regulamentação sobre entraves ao comércio, http://ec.europa.eu/trade/issues/respectrules/tbr/index_en.htm, etc.

(14)  Ignasi Guardans Cambó, Relatório A6-0002/2008, adoptado em 19.2.2008.

(15)  Para exemplos de boas práticas nos Estados-Membros ver DG ENTR 2008, Supporting the Internationalisation of SMEs – a good practice guide [Apoiar a Internacionalização das PME – Guia de boas práticas].

(16)  Parecer do CESE sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Concelho relativa à participação da Comunidade num programa de investigação e desenvolvimento empreendido por vários Estados-Membros destinado a apoiar as PME executantes de investigação e desenvolvimento, JO C 224, 30.8.2008, p. 18.

(17)  Ver sobretudo a pág. 24 do manual da Comissão sobre as regras em matéria de auxílios estatais às PME, Bruxelas, 25.2.2009, http://ec.europa.eu/competition/state_aid/studies_reports/sme_handbook.pdf.

(18)  Fact Sheet: Aid for Trade [Ficha de informação: ajuda ao comércio], Bruxelas, 3 de Abril de 2009; Anexo A, 2.o parágrafo, do Programming Guide for Strategy Papers Aid for trade [Guia de programação dos documentos estratégicas sobre a ajuda ao comércio], Bruxelas, Novembro de 2008; relatório do presidente do Comité OTC sobre os entraves técnicos ao comércio: TBT Committee Workshop on the Role of International Standards in Economic Development [Seminário do Comité OTC sobre a importância das normas internacionais para o desenvolvimento económico], 19 de Março de 2009.

(19)  Parecer do CESE sobre Melhorar a execução e o cumprimento da legislação comunitária, JO C 24 de 31.1.2006, p. 52.

(20)  Comissão Europeia, Uma parceria mais forte para um melhor acesso dos exportadores europeus aos mercados (COM(2007)183).

(21)  Ver EIM, Study on the Representativeness of business organisations for SMEs in the EU [Estudo sobre a representatividade das organizações de PME], Zoetermeer, Maio de 2009.

(22)  A Comissão publicou uma «Review of the effectiveness of European Community legislation on combating late payments» [Análise da eficácia da legislação da UE destinada a combater o atraso nos pagamentos] em http://ec.europa.eu/enterprise/regulation/late_payments/further_reading.htm#Review.

(23)  OCDE APEC, «The Athens Action Plan For Removing Barriers To SME Access To International Markets» [Plano de acção de Atenas para a supressão dos entraves ao acesso das PME aos mercados internacionais], adoptado na Conferência Global OCDE-APEC em Atenas, em 8 de Novembro de 2006.

(24)  OCDE 2008, Removing Barriers to SME Access to International Markets [Suprimir os entraves ao acesso das PME aos mercados internacionais]; C. Dannreuther 2008 «A Zeal for a Zeal? SME Policy and the Political Economy of the EU» [Zelo por zelo? Política para as PME e a economia política da UE] in Comparative European Politics 23, pp. 377-399; C. Dannreuther 2007 «EU SME policy: On the edge of governance» [Política da UE para as PME: À margem da governação], CESinfo Forum 2/2007.

(25)  Estas empresas apresentam quatro características essenciais: uma visão global desde a sua criação, produtos com potencial nos mercados mundiais, independência, e capacidade de internacionalização rápida. Página 389 de Mika Gabrielsson, V.H. Manek Kirpalani, Pavlos Dimitratos, Carl Arthur Solberg, Antonella Zucchella (2008) «Born globals: Propositions to help advance the theory» [Empresas «nascidas» para o mercado mundial: subsídios para uma teoria], in International Business Review 17, pp. 385–401.

(26)  Ib. n. 9.

(27)  Ver http://ec.europa.eu/enterprise/entrepreneurship/partnership/interprise.htm.

(28)  FMI 2009 «Trade Finance Stumbles» [O financiamento do comércio fraqueja], in Finance and Development.

(29)  OCDE, «Turin Round Table on the Impact of the Global Crisis on SME & Entrepreneurship Financing and Policy Responses» [Mesa-redonda de Turim sobre o impacto da crise mundial nas PME e no financiamento do empreendedorismo e respostas políticas], realizada em Intesa Sanpaolo, Palazzo Turinetti Turim, Itália, 26-27 de Março de 2009.

(30)  Small Business Act ib. n. 9 e parecer do CESE sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, JO C 407 de 28.12.1998, p. 50.

(31)  Declaração dos líderes do G20, «The Global Plan for Recovery and Reform» [Plano global de retoma e reforma], 2 de Abril de 2009.

(32)  COM(2009) 257 final.

(33)  Comunicação «Novas Competências para Novos Empregos», COM(2008) 868 final.

(34)  Pareceres do CESE sobre o Desenvolvimento da cadeia de valor e de aprovisionamento num contexto europeu e global, JO C 168 de 20.7.2007, p. 1, e sobre a Integração do comércio mundial e externalização — Como enfrentar os novos desafios, JO C 10 de 15.1.2008, p. 59.

(35)  OCDE, Enhancing the Role of SMEs in Global Value Chains [Promover o papel das PME nas cadeias de valor mundiais].

(36)  OCDE 2008, Making Local Strategies Work: Building the Evidence Base [Garantir o êxito das estratégias locais: criar uma base empírica]


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/31


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Programa de Ajuda à Aviação Europeia»

(parecer de iniciativa)

(2010/C 255/05)

Relator: Jacek KRAWCZYK

Co-relator: Marcel PHILIPPE

Em 16 de Julho de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o

Programa de Ajuda à Aviação Europeia.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais, que emitiu parecer em 26 de Novembro de 2009, sendo relator Jacek Krawczyk e co-relator Marcel Philippe.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 167 votos a favor, com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   A crise actual não tem precedentes e tem afectado todos os elementos da cadeia de valor do transporte aéreo, embora de maneira diferente. Num ambiente parcialmente desregulamentado, em que o último elo da cadeia (as transportadoras aéreas) foi o único a ser verdadeiramente liberalizado, os restantes elos podem compensar em parte ou na totalidade as perdas de receitas decorrentes da redução do tráfego através da aplicação indevida do princípio da recuperação de custos ou do abuso da posição competitiva.

1.2   Em causa estão a capacidade da aviação europeia de resistir à crise e, portanto, a sua competitividade internacional. Enquanto outras regiões do mundo tomaram rapidamente medidas eficazes para remediar o declínio temporário no transporte de passageiros e de mercadorias, as regiões europeias enfrentam problemas de outra natureza, com efeitos muito negativos para os seus fornecedores. Impostos nacionais de todo o tipo, o aumento dos custos de utilização da infra-estrutura (aeroportos e controlo do tráfego aéreo), a redução do financiamento disponível e limitações ambientais unilaterais são apenas alguns exemplos dos problemas enfrentados pelo sector da aviação europeu.

1.3   O presente parecer enumera as medidas a curto e médio prazo que os responsáveis políticos deverão examinar e aplicar para que a aviação europeia possa combater a crise com êxito e sair dela tão forte como antes.

1.4   A reestruturação da cadeia de valor deve ser compreendida e acompanhada por todas as partes envolvidas no tráfego aéreo, a saber: aeroportos, prestadores de serviços de navegação aérea, prestadores de serviços em escala, companhias aéreas e construtores aeronáuticos.

1.5   O CESE recorda que o sector da aviação europeu no seu todo é considerado de importância estratégica para a Europa, sendo um vector de crescimento graças à sua mão-de-obra altamente qualificada/competente. Por esta razão, as medidas necessárias para combater a crise que afecta o sector devem velar pela manutenção das competências necessárias para garantir o desenvolvimento da base industrial e tecnológica europeia.

1.6   Para antecipar melhor a evolução futura da indústria e/ou do sector, dever-se-á encorajar o desenvolvimento do diálogo social entre partes interessadas, bem como acções de formação e uma gestão proactiva de competências e empregos. Os actores públicos e privados devem participar em actividades que promovam intercâmbios entre escolas e empresas e apoiem a I&D necessários ao desenvolvimento do sector.

1.7   As propostas para o programa de ajuda à aviação europeia constam do ponto 9 do presente parecer e incluem iniciativas relacionadas com os seguintes aspectos:

Adaptação das infra-estruturas e custos,

Dificuldades financeiras causadas pela falta de financiamento e pela diminuição dos lucros,

Aspectos ambientais,

Quadro normativo,

Concorrência internacional,

Investigação e desenvolvimento.

2.   Impacto da crise na indústria da aviação

2.1   A Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA) previu, em Março de 2009, que as perdas da indústria da aviação mundial atingissem os 4,7 mil milhões de dólares em 2009, mas corrigiu esta estimativa, em Maio, para 9 mil milhões e, em Setembro, para 11 mil milhões de dólares. Em 2010, prevê-se que as perdas atinjam os 3,8 mil milhões de dólares.

2.2   No atinente à procura, os membros da Associação das Companhias Aéreas Europeias (AEA) registaram uma diminuição de passageiros equivalente a 8,2 % durante o primeiro semestre de 2009. As viagens em primeira classe caíram mais de 19,9 %. No primeiro semestre de 2009, os operadores de transporte aéreo de mercadorias enfrentaram uma quebra de 22,1 % na procura. O Conselho Internacional de Aeroportos (ACI) confirma estes dados, prevendo uma descida de 8,1 % na procura do transporte de passageiros e de 21,1 % na procura do transporte de mercadorias. De acordo com o ACI, os 25 principais aeroportos europeus perderam 41 milhões de passageiros nos primeiros 9 meses de 2009. A Associação Europeia das Companhias Aéreas Regionais (ERAA), que representa as transportadoras aéreas que realizam voos no interior da Europa, registou uma baixa colectiva de 7,2 % no transporte de passageiros durante o primeiro semestre de 2009.

2.3   Em 2008, o sector do transporte aéreo representava cerca de 1,5 milhões de postos de trabalho na Europa, sendo as transportadoras aéreas o principal empregador, com 49 %. Só no primeiro semestre de 2009, os membros da AEA suprimiram 34 mil postos de trabalho (cerca de 8 % da mão-de-obra total), o que provocou um efeito de avalanche que atingiu cerca de 90 mil postos de trabalho «indirectos» em toda a Europa, a maioria dos quais altamente qualificados. O aeroporto de Amesterdão foi um exemplo de redução da mão-de-obra em grande escala.

2.4   As transportadoras aéreas de baixo preço têm tido mais êxito do que as restantes, ainda que não tenham estado imunes à crise: cinco faliram desde Agosto de 2008. A sua parcela do mercado europeu triplicou e atingiu os 37 % em 2009, em relação aos 12 % de 2003. Em Julho de 2009, no pico da crise, a remodelação das capacidades dessas transportadoras foi praticamente desnecessária, uma vez que a procura não diminuiu, ou apenas muito pouco. Isso deve-se em parte à sua capacidade de evitar os aeroportos centrais, mais congestionados, e de reorganizar a sua actividade em função das necessidades financeiras do momento. No entanto, a sua dependência de ajudas públicas directas ou indirectas numa altura em que as finanças públicas escasseiam levanta dúvidas quanto à sustentabilidade destas transportadoras a médio prazo. As transportadoras de baixo preço tornaram-se parte da realidade social; ocorre agora questionar-se sobre o futuro desta forma de transporte e sobre o seu impacto na cadeia de valor.

2.5   Apesar do declínio drástico na capacidade de oferta, os resultados de exploração das transportadoras aéreas que operam em rede passaram dos –0,2 mil milhões de euros no primeiro trimestre de 2008 para os –1,9 mil milhões de euros no mesmo período em 2009. De acordo com a IATA, as transportadoras aéreas europeias serão as mais atingidas, com perdas de 3,8 mil milhões de dólares em 2009. O ACI prevê que os aeroportos europeus percam 98 milhões de passageiros em 2009, sendo os aeroportos mais pequenos os mais gravemente afectados.

2.6   Na Europa, 33 transportadoras deixaram ou estão prestes a deixar de operar desde o início da crise (de Setembro de 2008 a Setembro de 2009).

2.7   De acordo com as últimas análises sobre o mercado europeu do transporte aéreo, realizadas para a Comissão Europeia, a Airbus registou uma descida de 41,3 % nas encomendas de 2008, em comparação com 2007, que foi um ano excepcional em termos de caderno de encomendas.

2.8   Do ponto de vista dos construtores, 2009 tem sido, até ao momento, um ano igualmente mau. Desde Outubro de 2009, a Boeing recebeu um total de 195 encomendas e 111 anulações, sendo o rendimento líquido de apenas 84 encomendas. No mesmo período, a Airbus recebeu 149 encomendas e 26 anulações, correspondendo o rendimento líquido a 123 encomendas. Comparativamente, no ano passado, ambas as empresas registaram, respectivamente, 662 e 777 encomendas.

2.9   Face à queda das encomendas, ao prolongamento dos prazos de entrega e/ou à redução de entregas, os construtores aeronáuticos têm pouca margem de manobra e tentam proteger a sua margem de lucro reduzindo os custos. Esta situação afecta, ao mesmo tempo, a sua capacidade de investimento no desenvolvimento de novas tecnologias e aeronaves.

3.   Implicações a longo prazo para o sector

3.1   A estratégia adoptada pelos principais contratantes (Airbus, Boeing, Dassault, ATR, Alenia, Safran, Goodrich, Thales, Liebherr, etc.) visa reduzir os prazos e os custos de desenvolvimento, bem como transferir a produção e a investigação para fora da Europa. Os fornecedores e os subcontratantes têm de adoptar esta estratégia com os seus próprios parceiros (1).

3.2   Se a estratégia dos contratantes coincidir com uma redução significativa das encomendas, isso causará dificuldades ao nível do volume de trabalho para muitos subcontratantes, comprometendo eventualmente a sua sobrevivência. Na mesma lógica, devem ser desencorajadas as estratégias empresariais que prevejam a deslocalização e a transferência de tecnologias para fora da Europa, atendendo às suas repercussões sociais (fuga de recursos financeiros, perda de competitividade e de valor acrescentado, impacto no ambiente e nos sectores socioeconómicos).

3.3   A longo prazo, esta política poderá provocar uma perda considerável de postos de trabalho altamente qualificados na Europa, o que poderá comprometer seriamente a competitividade da indústria europeia.

3.4   O aumento do desemprego, a diminuição dos rendimentos privados e a crise de confiança levaram a que os passageiros reduzissem o número de viagens, especialmente em primeira classe, e substituíssem o transporte aéreo por outros modos de transporte.

3.5   Em 2001, os membros da AEA assistiram a uma redução de 7 % no nível dos rendimentos e demoraram três anos a inverter as perdas, mas o contexto actual é muito pior. Uma perda global de 15 % parece indicar que as transportadoras aéreas precisarão de mais de três anos para regressar à normalidade.

Os cortes nos custos por parte das transportadoras não estão a ser acompanhados por medidas simultâneas da parte dos aeroportos e dos prestadores de serviços de navegação aérea. A reacção à recessão económica não tem sido uniforme em toda a cadeia de valor.

4.1   Além disso, uma legislação complexa e muitas vezes contraditória limita a capacidade de resposta da indústria da aviação aos desafios da crise.

As transportadoras aéreas controlam directamente apenas 37 % dos seus custos operacionais. Cerca de um terço dos custos é gerado por elementos independentes do seu controlo directo, por exemplo:

5.1   Em 2008, os custos operacionais «externos» representavam um montante total de 50,5 mil milhões de euros e, embora grande parte desse montante se tenha devido ao aumento descontrolado dos preços do petróleo (mais de 45 %), os restantes 55 % (27,5 mil milhões de euros) foram constituídos por taxas aeroportuárias, taxas de controlo de tráfego aéreo e outros custos.

5.2   As taxas aeroportuárias, que representaram um custo total de 2,8 mil milhões de euros no ano passado, aumentaram, subitamente, mais de 5 % em muitos aeroportos. Apenas alguns aeroportos europeus conseguiram apoiar os esforços dos seus utilizadores reduzindo os seus encargos de forma comparável. Em média, as taxas aeroportuárias por passageiro aumentaram 15 % no primeiro trimestre de 2009.

5.3   O aumento dos preços do petróleo representa uma ameaça à sustentabilidade das transportadoras aéreas. O preço dos combustíveis para aviação aumentou aproximadamente 50 % desde o início do ano. De acordo com a IATA, o preço médio dos combustíveis passará dos 61 dólares por barril, em 2009, para 72 dólares por barril, em 2010.

5.4   De forma semelhante, as taxas unitárias do controlo do tráfego aéreo aumentaram, em média, 3,4 % na Europa no primeiro trimestre de 2009. Este aumento foi justificado pela aplicação do princípio da recuperação dos custos, que permite a cada prestador de serviços de navegação aérea compensar a redução do tráfego pelo aumento das tarifas.

5.5   A ideia de um Céu Único Europeu (uma oportunidade ainda por aproveitar, que poderia trazer reduções de custos até aos 5 mil milhões de euros por ano, assim como outras melhorias como rotas mais directas, evitando a emissão de 16 milhões de toneladas de CO2) não influenciará as condições económicas a curto prazo, dado que os blocos funcionais de espaço aéreo só entrarão em vigor em 2012.

5.6   Devido à sua estrutura de custos, as transportadoras aéreas estão expostas à mínima variação dos preços do petróleo. No interesse da economia e da responsabilidade social das empresas, há que tomar medidas imediatas e urgentes para promover a utilização de motores e combustíveis «revolucionários». Neste sentido, é essencial apoiar fortemente o financiamento de I&D.

5.7   O desenvolvimento de programas de aviação é cada vez mais oneroso, pelo que se torna mais difícil encontrar financiamento para a produção de novas aeronaves. Se as companhias aéreas não tiverem acesso a financiamento bancário, todo o sector da aviação sairá enfraquecido.

5.8   Há que explorar novas formas de financiar o desenvolvimento e a produção de aeronaves que permitam que os industriais e os operadores empatem menos do seu capital próprio graças a mecanismos de atenuação dos pagamentos na altura da aquisição das aeronaves.

5.9   Historicamente, os contratos públicos associados a programas militares de aeronáutica sempre apoiaram o sector (que tem sobretudo duas vertentes, civil e militar) nos períodos mais difíceis do ciclo. É imprescindível contemplar a possibilidade de assegurar urgentemente este apoio, coordenado a nível da UE, o que poderia facilitar, também, a reorganização de uma indústria ainda demasiado fragmentada.

5.10   Deve ponderar-se o recurso a ajudas estatais às empresas (já elegíveis ao abrigo da legislação em vigor) através de compromissos para a manutenção de empregos e competências nas empresas em causa.

É, hoje, mais premente do que nunca assegurar condições equitativas a nível internacional. A crise levou a que muitos governos em todo o mundo se prontificassem a salvar as suas transportadoras aéreas. A China subsidiou directamente as transportadoras China Eastern (750 milhões de euros) e China Southern (320 milhões de euros) no início de 2009. As tarifas dos aeroportos chineses foram suspensas e os preços dos combustíveis para aviação reduzidos. Na Índia, a Air India recebeu do governo 600 milhões de euros sob a forma de empréstimos participativos e em condições favoráveis.

6.1   Algumas destas transportadoras, como as do Golfo, são conhecidas por aplicarem a quinta e a sexta liberdades, usando a Europa como reservatório importante e rico em recursos.

6.2   As transportadoras que beneficiam de ajudas estatais continuam a realizar voos intercontinentais, não obstante a quebra drástica no coeficiente de ocupação. Em alguns casos, chegam, mesmo, a aumentar o número deste tipo de voos, em alturas em que as companhias aéreas europeias, por pressão do mercado, são forçadas a reduzir estes voos (as companhias aéreas do Golfo aumentaram a sua capacidade em 14 % no ano em curso, utilizando, na maior parte dos casos, os principais aeroportos europeus).

7.   Para reagir à actual crise sem precedentes, a Comissão Europeia propôs que as companhias aéreas conservassem o direito às mesmas faixas horárias durante o Verão, mas esta medida foi insuficiente e chegou tarde demais. A adopção formal e a publicação dessa regulamentação no final de Junho, quase três meses depois do início da época de Verão, não permitiram que o regulamento ajudasse a indústria a responder, de forma mais flexível, às rápidas mudanças que se verificaram nas condições do mercado.

Embora as transportadoras aéreas tenham recusado, inicialmente, a ideia das ajudas estatais individuais, foram identificadas várias áreas que necessitavam de acções regulamentares urgentes para combaterem a crise.

8.1   Prevê-se a aplicação do direito às mesmas faixas horárias durante o Inverno, afim de apoiar a indústria da aviação, e em particular as transportadoras aéreas, no combate à crise económica, através da adaptação da sua capacidade à redução cada vez maior da procura. Esta solução é não discriminatória, dado que beneficia todas as transportadoras aéreas e todos os modelos de negócio, e é também uma medida isolada e de curto prazo. Para surtir efeito, terá de ser aplicada atempadamente. Algumas transportadoras de baixo custo também apoiam esta medida.

8.2   Dado que a crise está a afectar, em primeiro lugar, o sector financeiro, a maior parte das instituições financeiras especializadas no financiamento do sector da aviação desapareceu ou reorientou a sua estratégia para outros ramos.

8.3   A partir de Julho de 2009, para renovar a sua frota, as transportadoras aéreas pertencentes à AEA fizeram encomendas no valor de 29 mil milhões de dólares para a construção de 535 aeronaves durante os próximos anos, um número inferior às 561 aeronaves encomendadas no mesmo período em 2008.

8.4   Estima-se que apenas entre 75 e 80 % destas encomendas sejam garantidas ou financiadas pelo mercado financeiro, actualmente ou no futuro. Os restantes 20 a 25 % serão cancelados ou encontrarão formas alternativas de financiamento, actualmente inexistentes.

8.5   Só em 2008, o Banco Europeu de Investimento (BEI) concedeu empréstimos a projectos realizados nos Estados-Membros num valor de aproximadamente 52 mil milhões de euros, dos quais apenas 2,7 mil milhões foram atribuídos à indústria de transportes europeia (transportadoras aéreas, aeroportos, controlo do tráfego aéreo, indústria de construção).

8.6   No seu relatório final, de Maio de 2009, o Grupo para a Aviação Internacional e as Alterações Climáticas (GIACC) da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) recomendou à ICAO a adopção das seguintes três metas globais:

a.

A curto prazo, até 2012: melhorar anualmente em 2 % a eficiência do combustível utilizado pela frota em serviço;

b.

A médio prazo, até 2020: melhorar anualmente em 2 % a eficiência do combustível;

c.

Entre 2021 e 2050: melhorar anualmente em 2 % a eficiência do combustível a nível mundial.

8.7   É crucial que a aviação internacional seja representada e tratada como um sector na Cimeira de Copenhaga (COP 15), a realizar em Dezembro. Também é essencial que o acordo de Copenhaga fixe objectivos para a redução das emissões pelo sector da aviação a nível mundial. Este debate deve dizer respeito tanto às companhias aéreas como aos construtores aeronáuticos.

8.8   Tendo em conta a introdução do Regime do Comércio de Licenças de Emissão da UE (RCLE-UE) em 2012, é indispensável que as transportadoras europeias comecem a substituir os seus aviões por aeronaves mais eficientes. A última geração de B737 ou A320 permite reduzir as emissões entre 7 e 8 %, em comparação com a geração anterior. Devem ser previstos fundos para promover inovações radicais na tecnologia aplicada aos motores, às estruturas e aos combustíveis.

8.9   A idade média das frotas em serviço continua a ser relativamente avançada (o que afecta os resultados das companhias aéreas), pelo que importa criar estruturas adequadas de desmantelamento. Os exemplos existentes rareiam e não estão suficientemente coordenados. Dever-se-ia estabelecer um verdadeiro sector europeu, sob os auspícios dos poderes públicos.

8.10   Os construtores e os seus subcontratantes devem ser, como é óbvio, envolvidos nestas iniciativas, as quais poderão gerar postos de trabalho e receitas adicionais através da extensão da actividade industrial a todo o ciclo de vida do produto, até à retirada da aeronave.

8.11   Os prestadores de serviços de navegação aérea operam segundo o princípio da recuperação dos custos, ou seja, aumentam os custos unitários quando os níveis de tráfego diminuem, pelo que a crise afecta «duplamente» as transportadoras aéreas. Os prestadores de serviços de navegação aérea precisam de ajustar a sua base de custos às novas condições económicas e a um tráfego aéreo significativamente mais reduzido.

8.12   O pacote do Céu Único Europeu influirá indirectamente no princípio da recuperação dos custos, ao impor metas de desempenho aos blocos funcionais de espaço aéreo e aos Estados-Membros. No entanto, o pacote só será introduzido em 2012. O programa SESAR, concebido para estabelecer uma estrutura única, deverá substituir os 22 sistemas operativos, as 30 linguagens de programação e os 31 sistemas nacionais actualmente em uso.

8.13   Dado que os Estados-Membros já adoptaram a Directiva relativa às taxas aeroportuárias, em alturas de crise deveriam agir como se as principais disposições da directiva já estivessem a ser aplicadas. A Comissão tem agora competências efectivas no quadro das taxas aeroportuárias na UE.

8.14   No ano passado, a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA) (2) recebeu competências jurídicas em matéria de normas de segurança nas operações de voo, concessão de licenças de voo às tripulações e controlo das operadoras de países terceiros.

8.15   A melhoria da segurança deve continuar a apoiar-se em análises baseadas em dados e na avaliação dos riscos. As melhorias proporcionadas pela indústria, em parceria com os governos, permitiram progressos constantes na segurança da aviação, e a UE deve continuar a ser líder neste domínio, dado que a segurança é vital para a indústria da aviação. Importa garantir que a AESA se concentre exclusivamente em questões de segurança.

8.16   Há muito tempo que o sector da aviação aguarda um acordo final sobre o reconhecimento mútuo das medidas de segurança (3) da UE e dos EUA. É chegado o momento de tomar uma decisão política, para que as medidas de segurança dos EUA possam ser consideradas equivalentes. Este reconhecimento beneficiará os 6 milhões de passageiros que vêm anualmente dos EUA e fazem escala num aeroporto comunitário.

O sector da aviação europeu representa um elemento essencial da economia, dado que contribui, em grande medida, para um dos seus pilares fundamentais, ou seja, a mobilidade (de bens e de pessoas). Constitui, também, uma parte importante da forte base industrial, do desenvolvimento tecnológico e do crescimento económico. É fundamental continuar a assegurar a sustentabilidade dessa base industrial, da qual depende a recuperação económica nesta época de globalização. Deste modo, os governos deverão ter como principais objectivos assegurar a manutenção dos pilares que suportam as suas economias enfraquecidas, incluindo a aviação, e possibilitar o surgimento das condições necessárias ao regresso rápido a um ambiente saudável. Neste sentido, o CESE recomenda, com firmeza, a tomada das seguintes acções e medidas de auxílio:

9.1   A cadeia de valor (aeroportos, construtores aeronáuticos, fornecedores de querosene, prestadores de serviços em escala, prestadores de serviços de navegação aérea, transportadoras aéreas) deverá continuar sujeita aos efeitos dos ciclos económicos e às pressões da concorrência em geral. Está em curso uma reestruturação para minimizar os efeitos negativos do abrandamento económico.

9.2   A Comissão deve iniciar todos os processos para facilitar e aplicar uma derrogação à regra de utilização da norma dos 80/20 para o Inverno 2009/2010.

9.3   Tendo em conta que, a médio prazo, o tráfego aéreo deverá aumentar anualmente entre 4 e 5 % e que deverão ser construídos, nos próximos vinte anos, 25 mil aeronaves com capacidade para mais de 100 passageiros, a capacidade de produção da Europa terá que ser gerida adequadamente. Quando a reestruturação for inevitável, haverá que ter em conta a manutenção das capacidades e das competências.

9.4   O Comité recomenda que os processos de informação e consulta dos parceiros sociais sejam respeitados em caso de reestruturação. Encoraja todos os parceiros sociais a empreenderem um diálogo social estruturado e proactivo a nível empresarial, nacional e europeu.

9.5   Os poderes públicos devem ajudar as companhias vulneráveis a manter as suas competências e os seus postos de trabalho através, por exemplo, da melhoria do acesso a formação profissional nos períodos de abrandamento. As entidades públicas podem assumir a liderança na promoção do desenvolvimento e da aquisição de competências necessárias a médio e longo prazos. Neste contexto, o CESE considera que se deverá aplicar um sistema de gestão previsional de necessidades no quadro de empregos e competências, em associação com os parceiros sociais.

9.6   Nos seus pareceres, incluindo o mais recente (SOC/347), o Comité destaca a importância de uma educação escolar e universitária de alto nível e de boas ligações entre a indústria e as escolas/universidades para assegurar a transmissão dos conhecimentos e competências necessários a todos os que procuram emprego.

9.7   Este tipo de apoio coordenado pelos poderes públicos (UE, Estados, regiões, etc.) é determinante para lidar com os efeitos da crise, que está a afectar o sector industrial numa altura em que grande parte da população chega à idade da reforma. Se não se mantiverem as competências na indústria de construção, esta não conseguirá responder aos desafios a longo prazo.

9.8   O BEI tem de regressar à política que aplicava antes de 2007, que permitia às transportadoras europeias beneficiar de empréstimos. Esse regresso é urgente, e o financiamento deve visar especificamente a construção de novas aeronaves, e não uma expansão da frota.

9.9   Também seria útil prever mecanismos de cobertura contra riscos financeiros, como os decorrentes das flutuações das taxas cambiais (ver ponto 4.6 do dossier CCMI/047). Essa cobertura poderia também assumir a forma de garantias aos empréstimos, baseadas em adiantamentos reembolsáveis ou em empréstimos pelo BEI.

9.10   Há que prever financiamento adicional para I&D na indústria da aviação, para que o sector possa reagir aos desafios futuros, incluindo as exigências do RCLE-UE. Contudo, a solução ideal para atenuar as consequências das alterações climáticas, seria uma abordagem sectorial global no âmbito da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), uma vez que permitiria encontrar uma solução global para um problema global.

9.11   Dado o potencial inovador e estratégico da indústria aeronáutica para a base industrial e tecnológica da Europa, os apoios a I&D (comprometidos pela crise) poderiam ser obtidos através do empenho da UE na fase de aplicação do 7.o PQID e do futuro 8.o PQID. Importa não reduzir os apoios a I&D, para não pôr em risco a excelência da Europa neste domínio. I&D e cooperação também são indispensáveis para alcançar o objectivo de desenvolver uma indústria da aviação mais sustentável, com combustíveis alternativos e novos métodos operacionais.

9.12   Os principais contratantes são menos afectados pelas crises do que os seus fornecedores e subcontratantes, que detêm a maior parte das competências e dos empregos da indústria. Uma forma de apoio poderia consistir em empréstimos conjuntos e garantias para os subcontratantes. Os construtores devem apoiar os esforços dos fornecedores, assegurando-lhes receitas e volume de trabalho a longo prazo.

9.13   Há que aplicar urgentemente o pacote do Céu Único Europeu II. A fragmentação do espaço aéreo na Europa causa uma elevada sobrecarga, não só para os passageiros, mas também para as transportadoras. No seu último parecer, o CESE apoiou com veemência o Céu Único Europeu II. A aviação é uma indústria global e a interoperabilidade é necessária para evitar encargos excessivos e ineficiência. Neste sentido, há que envidar esforços permanentes para assegurar a interoperabilidade entre os programas SESAR e NextGen. O mecanismo de financiamento para a aplicação do SESAR tem de ser definido pela Comissão em 2010, a fim de possibilitar uma participação o mais alargada possível neste projecto revolucionário.

9.14   Importa instar os Estados-Membros a acelerar a aplicação da Directiva relativa às taxas aeroportuárias. A Comissão deve examinar a pertinência de exercer as competências que lhe são conferidas pela directiva.

9.15   A Comissão apresentará uma comunicação aos Estados-Membros e ao EUROCONTROL sobre a introdução de uma moratória nas taxas aeroportuárias. O CESE louva os esforços empreendidos pela DG TREN nesta matéria e encoraja-a instantemente a continuar a pressionar os Estados-Membros.

9.16   As instituições europeias têm de encorajar a consulta dos prestadores de serviços de navegação aérea e das transportadoras aéreas, nos termos do Regulamento n.o 1794/2006 que estabelece o regime de tarifação. É necessário rever o Regulamento de modo a incluir o «sistema de melhoria do desempenho» introduzido no pacote do Céu Único Europeu II.

9.17   Importa que a AESA se concentre exclusivamente em questões de segurança. A segurança dos voos deve ser garantida e melhorada.

Importa que até Abril de 2010 (data de entrada em vigor das novas regras de segurança da UE, estabelecidas no Regulamento n.o 300/2008) sejam aplicadas normas uniformes de segurança em toda a UE. Além disso, dever-se-á apresentar aos Estados-Membros, e aplicar com a maior brevidade possível, uma proposta final sobre normas de segurança comuns entre a UE e os EUA, com base na avaliação mútua das medidas de segurança de ambas as partes.

9.18   São necessários mais acordos internacionais de aviação entre a UE e os países terceiros, para criar condições equitativas a nível mundial. O acordo celebrado entre a Comissão e o Canadá foi calorosamente acolhido pelo CESE no seu parecer sobre a matéria.

9.19   Genericamente, a crescente cooperação regional e internacional entre os intervenientes industriais (operadores, construtores e poderes públicos) poderia ajudar a estimular a oferta e a actividade geral no sector, desde que esse intercâmbio seja socialmente responsável e envolva todos os parceiros sociais.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver igualmente o parecer do CESE sobre A aeronáutica europeia: situação e perspectivas (JO C 175 de 28.7.2009, pp. 50-56).

(2)  Nota da Tradução: em todo o texto, o termo «segurança corresponde ao inglês safety» («ausência de perigo ou risco»), excepto no ponto 8.16 e no segundo parágrafo do ponto 9.17, em que corresponde ao inglês «security» («protecção»). Em português, o termo «segurança» abrange ambas as acepções e tem sido utilizado na tradução de toda a legislação sobre a matéria.

(3)  Ver nota ao ponto 8.14.


III Actos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009

22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/37


458.A REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 E 17 DE DEZEMBRO DE 2009

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às denominações têxteis e à correspondente etiquetagem de produtos têxteis»

[COM(2009) 31 final/2 – 2009/0006 (COD)]

(2010/C 255/06)

Relator: Claudio CAPPELLINI

Em 27 de Fevereiro de 2009, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às denominações têxteis e à correspondente etiquetagem de produtos têxteis

COM(2009) 31 final/2 – 2009/0006 (COD).

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 17 de Novembro de 2009, sendo relator Claudio Cappellini.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 160 votos a favor, sem votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE apoia a iniciativa da Comissão Europeia em matéria de denominação e etiquetagem de produtos têxteis, que poderá dar um contributo importante para processos de inovação e soluções sociais mais avançados na indústria têxtil da UE, assim como para a sensibilização e informação do consumidor europeu, sobretudo em altura de crise. O Comité Económico e Social Europeu salienta, tal como em anteriores pareceres e relatórios de informação sobre o futuro da indústria têxtil (1), a urgência de o sector desenvolver políticas coerentes e integradas, designadamente de etiquetagem, para garantir a sua vantagem competitiva.

1.2   O CESE acolhe favoravelmente o regulamento e apoia o disposto no artigo 4.o no que se refere às disposições nacionais relativas às indicações de proveniência e à concorrência.

1.3   O CESE convida a Comissão Europeia e as partes interessadas a examinar de que forma o regulamento determinará:

as agendas europeias de investigação estratégica, através do desenvolvimento e da disseminação de novas fibras e de produtos têxteis inovadores e da transparência;

a simplificação do actual quadro normativo, com potenciais efeitos positivos para os intervenientes privados e para as autoridades públicas a nível comunitário, nacional e regional;

a melhoria do actual quadro regulamentar, a fim de o tornar mais coerente (2).

1.4   O CESE julga fundamental respeitar a necessidade de os consumidores terem acesso a informação clara, abrangente e completa sobre cada produto, sobretudo no caso de produtos têxteis, e apoia a intenção da Comissão de simplificar os procedimentos e de reduzir os custos que a transposição de uma directiva actualmente implica.

1.5   O Comité apela ao envolvimento sistemático da sociedade civil, dos parceiros sociais do sector têxtil e de outros intervenientes institucionais no Comité das Denominações e da Etiquetagem dos Produtos Têxteis (artigo 20.o da proposta de regulamento). Também devem ser tidos em conta outros sistemas de reexame regular do regulamento, a fim de assegurar vantagens competitivas sobre os padrões e as normas de etiquetagem dos têxteis de outras indústrias internacionais (ver mercados da indústria têxtil da UE (3)). Após a entrada em vigor do regulamento, um processo de revisão mais participativo também poderia facilitar um debate aberto sobre a maior parte dos problemas sanitários (p. ex., alergias, índices de ionização, etc.) associados aos produtos têxteis que não se devam às fibras em si, e sim às substâncias químicas usadas na cadeia de produção, nomeadamente para tinturaria ou amaciamento, ou a processos mecânicos como pentear ou cardar.

1.6   Para o acompanhamento da aplicação do regulamento, o CESE propõe uma campanha de informação orientada sobre a denominação e a etiquetagem dos produtos têxteis e a realização de estudos sectoriais em parceria com organizações de PME, centros de investigação, consumidores e produtores têxteis. Estes intervenientes podem contribuir em grande medida para reforçar a importância de fibras e produtos sustentáveis do ponto de vista ambiental e para sensibilizar para o potencial do mercado.

1.7   Esta iniciativa também poderia facilitar um debate aberto sobre a etiquetagem não obrigatória dos produtos têxteis acabados, como a manutenção e a lavagem das roupas (símbolos da passagem a ferro, lavagem, branqueamento, etc.), informação que não é obrigatória porque não há requisitos comunitários na matéria. A introdução de um sistema semelhante ao usado pelo Ginetex (4) em conformidade com a norma ISO 3758, ou mesmo a adopção da norma ASTM D-5489 dos EUA, poderia constituir uma mais-valia sobretudo para o utilizador final. Isso permitiria assegurar, nomeadamente:

uma vida mais longa aos produtos têxteis;

que os produtos não sejam degradados nem degradem outros durante o tratamento;

que as lavandarias saibam que tratamento aplicar;

que os produtos mantenham a sua aparência;

uma escolha informada do artigo mais adequado no local de compra.

Além disso, a aplicação generalizada de etiquetas de manutenção e limpeza reduziria o consumo de energia e água necessário para o tratamento dos têxteis.

1.8   A aplicação da nova regulamentação também aproximará a UE das normas seguidas nos mercados de outros países, como os EUA (5), o Japão (6), a Austrália (7), etc.

1.9   No sector têxtil são usadas milhares de substâncias químicas com adição não especificada de outras substâncias, algumas das quais tóxicas; estas últimas são usadas na tinturaria e noutras transformações dos tecidos. Na UE, as substâncias tóxicas são seleccionadas, eliminadas ou tratadas preventivamente de acordo com a legislação ambiental e sanitária. O CESE preconiza uma coordenação adequada entre o Regulamento relativo à etiquetagem de produtos e o Regulamento REACH, a fim de simplificar e acelerar os procedimentos e evitar sobreposições.

2.   Historial

2.1   A legislação da UE relativa às denominações e à etiquetagem dos produtos têxteis tem por base o artigo 95.o do Tratado CE. Pretende estabelecer um mercado interno para os produtos têxteis, assegurando que o consumidor recebe as informações adequadas. Os Estados-Membros reconheceram na década de 1970 a necessidade de uma harmonização da legislação comunitária no domínio das denominações dos produtos têxteis. A existência de denominações de fibras têxteis diferentes (não-harmonizadas) nos Estados-Membros da UE suporia obstáculos técnicos às actividades comerciais no mercado interno. Além disso, os interesses dos consumidores ficam mais bem protegidos se as informações prestadas neste domínio forem as mesmas no âmbito do mercado interno.

2.2   A indústria têxtil da UE iniciou um longo processo de reestruturação, modernização e adaptação tecnológica para enfrentar os enormes desafios económicos com que o sector se tem deparado nos últimos anos. As empresas europeias, e sobretudo as PME, têm conseguido reforçar a sua posição global ao concentrar-se em vantagens competitivas como a qualidade, o design, a inovação ou produtos com elevado valor acrescentado. A indústria da UE desempenha um papel de vanguarda a nível mundial no desenvolvimento de novos produtos, têxteis técnicos e não tecidos para aplicações inovadoras como geotêxteis, produtos de higiene, a indústria automóvel ou a medicina.

2.3   Um domínio fundamental da investigação é o desenvolvimento de novas fibras e compostos de fibras especializadas para produtos têxteis inovadores, definidos como uma das prioridades temáticas da agenda de investigação estratégica da Plataforma Tecnológica Europeia para o Futuro dos Têxteis e do Vestuário. A inovação nas fibras a montante da cadeia de processamento dos têxteis constitui um importante promotor de novos produtos, de opções de processamento e de domínios de aplicação em vários dos sectores a jusante (8). Com efeito, o número de pedidos de novas denominações de fibras a acrescentar à legislação da UE aumentou muitíssimo nos últimos anos, e a tendência deverá intensificar-se ainda mais à medida que o sector têxtil europeu evolui para uma indústria mais inovadora.

2.4   Os pedidos de registo de novas denominações têm sido apresentados por empresas diversas, tanto de grandes como de pequenas dimensões. A indústria estima que, em geral, 90-95 % das actividades de I&D se concentram na melhoria e no desenvolvimento de fibras já existentes. Embora provavelmente só 5-10 % dessas actividades resultem numa fibra que necessite de uma nova denominação genérica, essas fibras muitas vezes proporcional novas utilizações e novos processos tecnológicos numa variedade de domínios, como o vestuário, a medicina, o ambiente ou as aplicações industriais.

2.5   Nos últimos anos, foram acrescentadas oito novas fibras aos anexos técnicas das directivas mediante modificações:

A Directiva 93/37/CE (9) acrescentou quatro novas fibras à lista (caxegorá, liocel, poliamida e aramida).

A Directiva 2004/34/CE (10) acrescentou a polilactida à lista de fibras.

A Directiva 2006/3/CE (11) acrescentou o elastomultiéster à lista de fibras.

A Directiva 2007/3/CE (12) acrescentou a elastolefina à lista de fibras.

A Directiva 2009/121/CE (13) acrescentou a melamina à lista de fibras.

2.6   Prevê-se que o número de novas fibras acrescentadas aos anexos técnicos venha a aumentar nos próximos anos. A indústria (pela voz da BISFA (14)) observou que as tendências futuras eram difíceis de prever. Contudo, acrescentou que dois pedidos por ano era uma estimativa realista (15).

2.7   A actual proposta não altera o equilíbrio político entre os Estados-Membros e a UE. Está previsto um novo Comité para assistir a Comissão e emitir um parecer sobre as medidas de aplicação propostas no sentido de alterar o regulamento, obedecendo a regras emitidas por um comité de regulamentação com controlo, situação que se verifica actualmente no âmbito das directivas em vigor.

2.8   A ideia de uma revisão da legislação relativa às denominações têxteis surgiu em anos recentes, em resultado da experiência acumulada com as alterações técnicas efectuadas regularmente para introduzir novas denominações de fibras nas directivas em vigor. A revisão da legislação da UE relativa às denominações têxteis e à etiquetagem (16) foi anunciada em 2006 no «Primeiro relatório intercalar sobre a Estratégia de simplificação do quadro regulador» (17) e foi incluída no Programa Legislativo e de Trabalho da Comissão para 2008.

2.9   Os motivos para esta proposta foram os seguintes:

simplificar o quadro normativo em vigor, de maneira a causar um impacto potencialmente positivo nos agentes privados e nas autoridades públicas. Assim, a revisão da legislação visa acelerar a introdução e a disponibilização de novas fibras;

simplificar e melhorar o quadro normativo em vigor para o desenvolvimento e a disseminação de novas fibras;

fomentar a inovação no sector têxtil e do vestuário e permitir que os utilizadores das fibras e os consumidores beneficiem mais rapidamente de produtos inovadores;

aumentar a transparência do processo;

acrescentar novas fibras à lista de denominações harmonizadas;

introduzir mais flexibilidade para adaptar a legislação de modo a acompanhar as necessidades da evolução tecnológica esperada na indústria têxtil.

2.10   A revisão não tem por objectivo alargar a legislação da UE a outras exigências de etiquetagem que não as ligadas à composição das fibras e à harmonização das denominações das fibras têxteis abrangidas pelas directivas em vigor.

3.   Processo de consulta sobre a revisão da directiva

3.1   Devido ao âmbito limitado da presente revisão, procedeu-se a uma consulta direccionada das partes interessadas, em que participaram associações da indústria e dos retalhistas, sindicatos, organizações de consumidores, organismos de normalização europeus, assim como autoridades nacionais.

3.2   Os interessados e os representantes dos Estados-Membros foram convidados a apresentar os seus pontos de vista, sugestões e propostas durante um período que se estendeu entre Janeiro e Agosto de 2008, no quadro de reuniões organizadas pelos serviços da Comissão e por escrito.

3.3   As principais conclusões desta consulta dos interessados foram as seguintes:

A introdução de novas denominações de fibras na legislação europeia é importante para promover a inovação na indústria europeia e para aumentar o nível de informações prestadas ao consumidor.

A vertente política das alterações técnicas à legislação relativa às denominações têxteis não justifica os procedimentos e custos onerosos envolvidos na transposição de uma directiva, pelo que

É necessário encontrar uma alternativa legislativa menos pesada.

3.4   Os resultados do processo de consulta estão disponíveis no relatório de avaliação de impacto e respectivos anexos.

4.   Avaliação de impacto

4.1   Com base nos resultados da consulta às partes interessadas e no estudo «Simplification of EU legislation in the field of Textile Names and Labelling – an Impact Assessment of policy options» (18) [Simplificação da legislação comunitária no domínio da denominação e etiquetagem dos produtos têxteis – Avaliação do impacto das opções políticas], a Comissão efectuou uma avaliação do impacto das várias opções políticas na perspectiva da realização dos objectivos anteriormente indicados.

4.2   O Comité de Avaliação de Impacto da Comissão Europeia analisou uma versão preliminar do relatório da avaliação de impacto preparado pelo serviço relevante, tendo-a aprovado sob reserva de algumas alterações (19).

4.3   A análise e a comparação das várias opções e do impacto respectivo conduzem às conclusões seguintes:

A inclusão de elementos de orientação sobre o conteúdo do processo que formaliza o pedido e o reconhecimento de laboratórios que assistirão as empresas na compilação desse processo traduzir-se-ão em benefícios potenciais caso resultem na entrega de processos de maior consonância com as exigências dos serviços da Comissão, o que poderia implicar uma economia de tempo significativa, tanto para a indústria, como para as autoridades públicas.

Os maiores benefícios para a indústria traduzir-se-iam na redução do tempo que medeia entre a apresentação de um pedido de introdução de uma nova denominação de fibra e a capacidade de colocar no mercado a mesma fibra, já com a nova denominação. Isto traduz-se numa economia de custos administrativos e na possibilidade de comercializar a fibra mais cedo, com o consequente aumento de benefícios da venda.

Os maiores benefícios para as autoridades dos Estados-Membros surgiriam da substituição das directivas por um regulamento, uma vez que já não precisariam de transpor as alterações para a legislação nacional, o que poderia gerar uma economia de custos significativa para os Estados-Membros.

A revisão também significaria que os consumidores estariam seguros de que as fibras denominadas preenchem características específicas. Os consumidores também poderão obter benefícios adicionais pelo facto de as novas fibras chegarem ao mercado mais cedo.

5.   Objectivos gerais

5.1   O regulamento pretende promover a investigação, o desenvolvimento, a inovação e a tecnologia, encorajar parcerias entre as administrações comunitárias, nacionais e regionais e os centros de investigação, melhorar a formação e as competências disponíveis, comercializar produtos com elevado valor acrescentado no mercado interno e nos mercados de outros países (20) e assegurar um desenvolvimento e modelos de consumo sustentáveis.

5.2   O regulamento também deverá contribuir para:

dar mais valor acrescentado à indústria têxtil e às indústrias com ela relacionadas e promover o acervo de experiência na UE e o crescimento económico;

reforçar a transparência para os consumidores e promover novos modelos de consumo;

encorajar a participação da sociedade civil no ACOMPANHAMENTO do regulamento.

6.   Objectivos específicos

6.1   A denominação da fibra deve dar a máxima informação sobre a sua natureza, contrariamente, por exemplo, à regulamentação dos EUA, que segue uma abordagem diferente (21). Essa especificação é consentânea com a metodologia da BISFA, segundo a qual o nome genérico deve conter informação sobre o monómero dominante no polímero da fibra e/ou igualmente propriedades ou tecnologias de processamento específicas à fibra.

6.2   A informação na etiqueta deve ser exacta; embora o regulamento não omita verdadeiramente esta obrigação, alguns dos seus artigos não requerem expressamente que a etiqueta contenha toda a informação: por exemplo, no artigo 9.o (Produtos têxteis multifibras), a etiqueta pode conter quer a composição percentual completa do produto, quer a denominação da fibra correspondente a pelo menos 85 % da massa total. Esta informação, embora não seja inexacta, pode não ser completa se for tomada a opção da alínea a) ou da alínea b) do artigo. Para que a informação seja exacta e completa, os 15 % restantes também devem ser indicados na etiqueta.

6.3   Todas as características do produto devem ser indicadas, em conformidade com o disposto n.os 1.o, 2.o, 3.o e 6.o travessões do Anexo II da proposta de regulamento.

6.4   No que toca a custos e calendário, os períodos de tempo previstos são os seguintes, mas não incluem a preparação o pedido, que dependerá da eficiência de cada requerente (22):

Avaliação do pedido: 1 a 3 meses;

Criação do grupo de trabalho: 3 meses;

Exame pelo Centro Comum de Investigação e prova do anel: 6 a 9 meses;

Relatório sobre o exame técnico: 1 a 3 meses;

Projectos de proposta: 1 a 3 meses;

Modificação do regulamento: 6 a 12 meses.

6.5   As reduções de custos para a indústria foram analisadas em dois cenários possíveis, um de alto custo e outro de baixo custo, cada um com limites mínimos e máximos, mas em última análise a redução variará entre 47 500 e 600 000 euros por pedido. Também foram contemplados os benefícios potenciais de reduzir de 6 a 21 meses o período para a colocação de uma fibra no mercado, por atraso ou perda de receitas. Esses benefícios variam entre 2 000 e 3 milhões e meio de euros. Na redução dos custos para as autoridades públicas, foi contemplada uma diminuição de 25 % dos custos do CCI, que permitiria poupar entre 75 000 e 100 000 euros por fibra (15).

6.6   Quando uma nova fibra entra rapidamente no mercado, o tempo necessário para as diferentes fases de avaliação e aprovação para os pedidos mais recentes (últimos cinco anos) foi, no melhor dos casos, de 36 meses, e de 66 meses no pior. De acordo com o novo regulamento o tempo previsto para o procedimento será de 18 a 33 meses, o que significa uma redução de 50 % quer no melhor quer no pior dos casos (15).

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  O sector dos têxteis, vestuário e calçado representa uma componente essencial da indústria transformadora da UE dos 27. Com cerca de 250 000 empresas e um volume de negócios que ronda 240 mil milhões de euros, o sector representa aproximadamente 4 % do valor acrescentado total de toda a indústria transformadora da UE dos 27 (cerca de metade do qual provém unicamente do sector dos têxteis). Com os seus 3,2 milhões de trabalhadores, este sector é o único na União a contar com uma maioria de mulheres (64,5 %), representando além disso 9,3 % da mão-de-obra do sector da transformação da UE dos 27, cuja maior parte trabalha no sector do vestuário (aproximadamente 1,5 milhões). A UE constitui o principal mercado de destino e o principal exportador do sector, com uma quota mundial próxima de 20 % (dados de 2005). CCMI/041

Para mais informação sobre as tendências e os problemas do sector têxtil, ver o relatório de informação da CCMI em:

http://eescregistry.eesc.europa.eu/viewdoc.aspx?doc=%5C%5Cesppub1%5Cesp_public%5Cces%5Cccmi%5Cccmi041%5Cen%5Cces1572-2007_fin_ri_en.doc.

(2)  Uma das directivas (96/74/CE) a substituir pelo regulamento já foi substituída pela Directiva 2008/121/CE. Se o novo regulamento entrar em vigor, deve ser coerente com a nova directiva.

(3)  17 MERCADOS PRINCIPAIS – Fonte: Euratex

ÁSIA: China, Japão, Índia, Coreia do Sul, Formosa, Indonésia, Paquistão, Tailândia, Malásia

AMÉRICA DO NORTE: Estados Unidos, Canadá

AMÉRICA CENTRAL: México

AMÉRICA DO SUL: Brasil, Argentina, Chile

OCEÂNIA: Austrália

ÁFRICA: África do Sul

(4)  GINETEX: Grupo Internacional de Etiquetagem para a Manutenção dos Têxteis.

(5)  Etiquetagem sobre o tratamento de têxteis no vestuário e outros artigos - 16 CFR Parte 423.

(6)  Norma Industrial Japonesa para a Etiquetagem sobre Tratamento.

(7)  Norma AS/NZA (Austrália e Nova Zelândia) 1957:1998 – «Têxteis: Etiquetagem para tratamento».

(8)  Ver a agenda de investigação estratégica da Plataforma Tecnológica Europeia para o Futuro dos Têxteis e do Vestuário.

(9)  JO L 169 de 27.6.1997, p. 74.

(10)  JO L 89 de 26.3.2004, p. 35.

(11)  JO L 5 de 10.1.2006, p. 14.

(12)  JO L 28 de 3.2.2007, p. 12.

(13)  JO L 242 de 15.9.2009, p. 13.

(14)  BISFA: Organismo Internacional de Estandardização das Fibras Criadas pelo Homem.

(15)  Fonte: Relatório de avaliação de impacto sobre a simplificação da legislação da UE em matéria de denominação e etiquetagem de produtos têxteis.

(16)  Directivas 96/74/CE (com a última redacção que lhe foi dada), 96/73/CE (com a última redacção que lhe foi dada) e 73/44/CEE.

(17)  COM(2006) 690 final.

(18)  Disponível em: http://ec.europa.eu/enterprise/textile/documents/clothing_study_oct_2007.pdf.

(19)  http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=SEC:2009:0091:FIN:EN:PDF

(20)  Os têxteis da UE enfrentam grandes dificuldades, muitas vezes de natureza não tarifária, para aceder ao mercado de países terceiros. Muitos entraves devem-se a requisitos ou práticas de marcação, etiquetagem, descrição ou composição do produto que podem ser discriminatórios em relação aos produtos do país em questão.

(21)  Fonte: Normas e regras ao abrigo da Lei sobre a identificação dos produtos de fibras têxteis, 16 CFR Parte 303.

(22)  BISFA: Organismo Internacional de Estandardização das Fibras Criadas pelo Homem.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/42


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (reformulação) e aplica o Small Business Act»

[COM(2009) 126 final – 2009/0054 (COD)]

(2010/C 255/07)

Relatora: Ana BONTEA

Em 1 de Julho de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre:

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais

e aplica o Small Business Act

COM(2009) 126 final – 2009/0054 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 17 de Novembro de 2009, sendo relatora Ana Bontea.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 145 votos a favor, 3 votos contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE acolhe favoravelmente e apoia a aplicação do Small Business Act, bem como a proposta de directiva em apreço, por considerar que a melhoria do quadro legislativo para encurtar os prazos de pagamento e a luta contra os atrasos de pagamento são medidas extremamente importantes e indispensáveis.

1.2   Medidas legislativas, mesmo que necessárias e importantes, não são suficientes para eliminar os atrasos de pagamento, sendo necessário desenvolver acções múltiplas e complexas e intensificar a cooperação a todos os níveis. As próprias PME e as suas organizações têm um papel importante a desempenhar neste processo.

1.3   O CESE defende que todas as entidades e instituições públicas, aos níveis europeu, nacional, regional e local, devem estar sujeitas à obrigação de cumprir prazos de pagamento curtos. O CESE felicita a Comissão Europeia pelas medidas adoptadas para os pagamentos que efectua em gestão directa e manifesta todo o seu apoio à continuação e ao desenvolvimento deste trabalho a todos os níveis. Relativamente ao período temporal necessário à transposição da directiva, convida-as, ainda, a aplicarem imediatamente estes princípios, a fim de assegurar um apoio eficiente às empresas no actual contexto da crise.

O CESE considera que a proposta de directiva em apreço carece de alguns melhoramentos, propondo, principalmente, as seguintes medidas:

para os contratos públicos:

A criação, sem demora, de uma regra para que os pagamentos sejam efectuados no prazo de 30 dias, eliminando-se a derrogação a esta regra ou, pelo menos, limitando-a a um máximo de 60 dias a contar da data de fornecimento. As entidades públicas não podem, de modo algum, defrontar-se com maiores dificuldades de financiamento das suas actividades do que as PME;

A eliminação ou, pelo menos, a limitação da derrogação ao prazo máximo de 30 dias do procedimento de recepção;

para todas as transacções comerciais:

relativamente aos atrasos de pagamento, imposição ao devedor da obrigação legal de pagamento de juros de mora, de compensações e de indemnizações por custos internos mínimos caso o contrato não preveja disposições mais favoráveis aos credores;

criação de regulamentação sobre disposições contratuais manifestamente abusivas e dívidas não impugnadas;

tomada em consideração, no âmbito do exercício da liberdade contratual, dos princípios de concorrência leal e de ética de negócios, limitando o abuso de direito.

1.4   Reiterando as suas anteriores propostas (1), o CESE salienta que para atingir plenamente o objectivo da directiva são necessárias medidas que melhorem o acesso das PME aos mercados públicos, permitindo-lhes beneficiar mais de normas fixas.

1.5   A transposição da directiva e o acompanhamento das medidas adoptadas implica que haja cooperação e um diálogo social de qualidade entre as autoridades, os parceiros sociais e as organizações das PME.

1.6   Há que evitar prazos de pagamento excessivamente longos e atrasos de pagamento em caso de subcontratação ou nas relações das PME com as grandes empresas, incluindo as grandes empresas retalhistas (2). Nos sectores em que há maior risco de haver atrasos injustificados de pagamento, as autoridades nacionais poderiam, segundo os casos, monitorizar/publicar os prazos de pagamento, sem que daí decorressem obrigações ou custos adicionais para as empresas.

1.7   O CESE recomenda aos Estados-Membros que intensifiquem a cooperação e prevejam acções comuns de informação e de apoio às PME em caso de atrasos de pagamento nas transacções transfronteiriças.

1.8   Ao nível europeu, poderia revelar-se útil a criação de um sítio Internet com informações prestadas pelos Estados-Membros, em todas as línguas correntes, sobre a transposição da directiva, o quadro jurídico e os procedimentos aplicáveis à cobrança de dívidas, incluindo a arbitragem e a mediação ou outras informações práticas. Ao nível nacional, conviria promover a divulgação destas informações através de balcões únicos e das organizações das PME.

1.9   As medidas que visam acelerar os pagamentos das entidades públicas são igualmente úteis no tocante ao direito fiscal (reembolso do IVA, regularização dos impostos, etc.). Também neste domínio, foram constatadas em alguns países más práticas que deram origem a bloqueios financeiros.

1.10   O CESE reitera a sua proposta que visa a «criação de um comité consultivo aberto às partes interessadas, que poderia funcionar com o apoio do CES» (3).

2.   Introdução

2.1   Situação e efeitos dos atrasos de pagamento

2.1.1   Nas transacções comerciais da UE:

Regra geral, os pagamentos são diferidos;

Há numerosos atrasos no pagamento de facturas, em particular de contratos públicos, com um atraso médio de pagamento de 67 dias (4), em comparação com 57 dias no sector privado;

A «cultura dos atrasos no pagamento», que se desenvolveu em alguns Estados, tornou-se uma prática muito comum com efeitos económicos e sociais particularmente graves (ela é responsável por um em cada quatro casos de falência e pela perda, anualmente, de mais de 450 000 postos de trabalho). Em tempos de crise, este efeito é ainda mais acentuado (devido a más práticas, as empresas vêem-se privadas da cobrança de 270 mil milhões de euros, o equivalente a 2,4 % do PIB da UE. Uma percentagem elevada se tivermos em conta que a do plano de relançamento da economia é de 1,5 % (5);

Os atrasos de pagamento são utilizados como forma de crédito bancário;

Não raro, os prazos de pagamento injustificadamente longos resultam de uma posição privilegiada que pode afectar gravemente sobretudo as pequenas empresas, as empresas artesanais e inclusivamente as médias empresas.

2.1.2   As PME detêm uma posição precária nas negociações, em vários aspectos:

nível de competitividade e lugar que ocupam no mercado;

preocupação de não comprometer as relações com os clientes;

possibilidades limitadas de competir no que diz respeito aos prazos de pagamento oferecidos aos seus clientes;

falta de experiência e disponibilidade limitada de recursos humanos e materiais para lançar procedimentos legais de cobrança de dívidas, situação que se agrava em caso de transacções transfronteiriças.

2.1.3   Os atrasos de pagamento:

acarretam para as empresas credoras custos adicionais significativos e complicam a sua gestão financeira, para além de terem um impacto negativo no fluxo de liquidez, causarem elevadas despesas bancárias, reduzirem as oportunidades de investimento e criarem ainda mais incerteza para muitas delas, principalmente as PME, o que afecta gravemente a sua competitividade, rentabilidade e viabilidade, especialmente em períodos em que o acesso ao financiamento é difícil e oneroso;

resultam, não raro, em atrasos a montante no processo de pagamento a fornecedores e trabalhadores (com impacto social negativo), de pagamento de impostos, taxas e contribuições para o orçamento nacional e para a segurança social (com efeitos negativos na cobrança de receitas públicas), bloqueando também o acesso das empresas ao financiamento (por exemplo, o atraso no pagamento de impostos, taxas e contribuições para os cofres da segurança social resultante da falta de pagamento dentro do prazo das facturas limita o acesso aos auxílios estatais e aos programas financiados pelos Fundos Estruturais);

são responsáveis pela falência de empresas que normalmente seriam viáveis, podendo desencadear falências em cascata com efeitos negativos consideráveis tanto a nível económico como social;

desencorajam os operadores económicos de participarem na adjudicação de contratos públicos, o que afecta a concorrência e o funcionamento do mercado interno, para além de reduzir a capacidade das entidades públicas de assegurar uma utilização eficiente dos fundos públicos e de utilizar da melhor forma o dinheiro dos contribuintes;

podem favorecer a corrupção (no sentido de acelerar o pagamento de facturas no âmbito de contratos públicos) ou a adjudicação para além dos limites financeiros definidos;

podem ter efeitos negativos no comércio intracomunitário, ou seja, a maioria das empresas considera que há um risco muito elevado de haver atrasos de pagamento nas transacções comerciais intracomunitárias, o que resulta num crescente sentimento de insegurança e num aumento dos custos.

2.2   Quadro jurídico

2.2.1   Ao nível comunitário existe apenas uma disposição sobre esta matéria, nomeadamente a Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (6).

2.2.2   O Regulamento (CE) n.o 44/2001 (7), o Regulamento (CE) n.o 805/2004 (8), o Regulamento (CE) n.o 1896/2006 (9) e o Regulamento (CE) n.o 861/2007 (10) são aplicáveis aos processos de contestação em tribunal de dívidas por atrasos de pagamento.

2.3   Objectivos a nível europeu

2.3.1   O Small Business Act  (11) realçou a importância vital que as PME assumem para a competitividade europeia, tendo salientado que lhes deve ser facilitado o acesso efectivo ao financiamento e que elas precisam de tirar maior partido das oportunidades que o mercado único oferece.

2.3.2   O plano de relançamento da economia europeia  (12) refere que o acesso das empresas a fontes de financiamentos suficientes e acessíveis determina as perspectivas de investimento, crescimento e emprego num contexto de recessão económica, exortando a UE e os Estados-Membros a garantir que as entidades públicas paguem as facturas no prazo de um mês.

2.3.3   A proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais e aplica o Small Business Act visa melhorar a capacidade de autofinanciamento das empresas europeias e também facilitar o bom funcionamento do mercado interno, através da eliminação dos obstáculos às transacções comerciais transfronteiriças resultantes dos atrasos de pagamento.

3.   Observações na generalidade

3.1   O CESE acolhe favoravelmente a aplicação do Small Business Act e a proposta de directiva, considerando que é particularmente importante e útil proceder, sem demora, à melhoria do quadro legislativo em matéria de luta contra os atrasos de pagamento.

3.2   O CESE já se mostrou favorável à aplicação rápida do Small Business Act, através de acções propostas ao nível comunitário, tendo apoiado em particular «o projecto revisto de directiva sobre os prazos de pagamento que deveria aumentar as obrigações e as penalizações para as autoridades públicas em caso de pagamento posterior a 30 dias  (13)».

3.3   O CESE, ao apoiar estas medidas, tem em vista os efeitos negativos, complexos e de grande escala que os atrasos de pagamento têm sobre as empresas, sobretudo as PME, mas também sobre os trabalhadores e as transacções comerciais intracomunitárias.

3.4   Para além de lutar contra os atrasos de pagamento, é também muito importante encurtar os prazos de pagamento. Assim, o título da directiva poderia ser completado nesse sentido e as medidas nela previstas poderiam ser agrupadas em função destes dois objectivos.

3.5   Medidas legislativas, mesmo que necessárias e importantes, não são suficientes para eliminar os atrasos de pagamento. Este problema tem causas múltiplas e complexas, devendo ter-se em conta a situação desde a adopção, há 8 anos atrás, da Directiva 2000/35/CE, bem como as circunstâncias locais. O CESE insta os Estados-Membros a participarem activamente na identificação e na aplicação das medidas mais adequadas para lutar contra os atrasos de pagamento, salientando quão importante é haver uma cooperação e um diálogo de qualidade entre as autoridades, os parceiros sociais e as organizações das PME. As próprias PME e as suas organizações têm um papel importante a desempenhar neste processo, sendo imprescindível que desenvolvam mais esforços de informação, melhorem os seus procedimentos internos e actuem ao nível dos devedores.

3.6   O CESE entende oportunas as seguintes medidas susceptíveis de obterem resultados positivos:

Criação de uma obrigação geral de pagamento no prazo de 30 dias das facturas de contratos públicos, uma medida que visa estabelecer procedimentos normalizados e transparentes para acelerar os pagamentos;

Atribuição aos credores de um direito de indemnização correspondente, no mínimo, a 5 % do montante facturado, como medida para dissuadir as entidades públicas de fazer pagamentos com atraso;

Recuperação dos custos administrativos internos incorridos pelo credor, o que teria efeitos dissuasores nos devedores, para além do juro legal;

Supressão da possibilidade de os Estados-Membros excluírem acções relativas a montantes inferiores a 5 euros, uma vez que se trata de transacções de pequena monta;

Melhoria das disposições relativas a cláusulas contratuais manifestamente abusivas; o artigo 6.o da proposta de directiva é relevante nesta matéria;

Reforço da transparência relativamente aos direitos e obrigações previstos na directiva; e

Criação de um sistema de avaliação e acompanhamento que permitirá reforçar a informação e a participação das instituições europeias e de todas as partes interessadas.

3.7   No entanto, o CESE considera ser necessário melhorar consideravelmente a proposta de directiva no que diz respeito ao conteúdo, para que, em termos práticos, numerosas empresas possam efectivamente beneficiar da redução e do respeito dos prazos de pagamento, bem como de vias de recurso eficientes contra os devedores.

4.   Observações na especialidade

4.1   O CESE defende que todas as entidades, aos níveis europeu, nacional, regional e local, devem estar sujeitas à obrigação de cumprir prazos de pagamento curtos

4.1.1   Em termos práticos, a criação de uma obrigação geral, para os contratos públicos, de pagamento no prazo máximo de 30 dias, bem como a inclusão de uma disposição que estipule que o processo de aceitação/verificação não deve exceder 30 dias, terão um impacto positivo significativo.

4.1.2   Todas as entidades e instituições públicas, aos níveis europeu, nacional, regional e local, devem estar sujeitas à obrigação de pagar as facturas dentro de prazos curtos, e dar-lhe cumprimento.

4.1.3   O CESE felicita a Comissão Europeia por ter estabelecido novos objectivos mais estritos no domínio dos pagamentos que efectua em gestão directa, ter reduzido os prazos do pré-financiamento e dos pagamentos iniciais, ter simplificado os procedimentos gerais antes do arranque dos projectos no terreno e, ainda, ter encorajado a simplificação das medidas de controlo, manifestando todo o seu apoio à continuação e ao desenvolvimento deste trabalho a todos os níveis. O CESE convida as autoridades nacionais a adoptarem medidas urgentes para reduzir e respeitar os prazos de pagamento, recomendando-lhes que valorizem as boas práticas existentes.

4.1.4   O CESE considera que o artigo 5.o da proposta de directiva, referente aos pagamentos no âmbito dos contratos públicos, não permite atingir as expectativas nem realizar os louváveis objectivos da Comissão, pelo que sugere o seguinte:

Por motivos de lógica e clareza, e no sentido da concretização do objectivo proposto de que «os prazos de pagamento nos contratos adjudicados por entidades públicas não deveriam, por regra, poder exceder 30 dias» (14), é conveniente que o artigo 5.o estabeleça expressamente a obrigação de pagamentos das facturas dos contratos públicos dentro de um prazo máximo de trinta dias, fixe um prazo máximo para o procedimento de recepção e preveja a aplicação de medidas em caso de desrespeito destas regras, precisando-se que as medidas são cumulativas.

Preocupa o CESE que a derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 4, que permite a negociação de prazos de pagamento mais dilatados em casos justificados, venha a ser aplicada incorrectamente pelas entidades públicas devido à ausência de critérios objectivos e precisos para avaliar a justificação de prazos de pagamento mais longos ou a validade dos motivos apresentados; as entidades públicas são, ao mesmo tempo, juiz e parte interessada e as dificuldades com que se debatem para financiar as suas actividades não são maiores do que as das PME. Consequentemente, o CESE propõe a eliminação da derrogação a esta regra ou, pelo menos, a sua limitação, de modo que os prazos de pagamento nestes casos não excedam 60 dias a contar da data de fornecimento.

O CESE propõe ainda a eliminação ou, pelo menos, a limitação do âmbito de aplicação da derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 3, relativa ao período máximo de duração do procedimento de aceitação que não deve não exceder 30 dias.

4.1.5   A aplicação do princípio da liberdade contratual apresenta algumas particularidades que importa salientar:

Uma vez que a directiva não contém disposições que impõem limites ao abuso de direito no que se refere à aplicação da liberdade contratual, o CESE sugere que, neste contexto, sejam tidos em conta os princípios da concorrência leal e da ética de negócios. Neste sentido, o CESE já propusera num anterior parecer «no interesse de uma concorrência salutar, convidar os Estados-Membros a prever disposições de direito da concorrência (luta contra práticas de comércio desleais) para tornar ilícitas cláusulas abusivas de prazos de pagamento anormalmente elevados que excedam o ciclo médio de venda (superiores a 60 dias) e sem razões legítimas» (15).

Nos contratos públicos é exigida uma garantia de correcta execução dos mesmos apenas aos empresários, ao passo que as entidades não dão garantias semelhantes no que toca ao pagamento a tempo. Há que equilibrar esta situação.

O princípio da liberdade contratual não pode funcionar plenamente quando se trata de estabelecer condições de pagamento e de recepção para os contratos públicos, uma vez que as empresas não têm um verdadeiro poder de negociação em relação às entidades;

O exercício da liberdade contratual deveria conduzir a disposições mais favoráveis para o credor e não a disposições contrárias à regra geral. Assim, propõe-se substituir na expressão «salvo disposição em contrário e devidamente justificada» (artigo 5.o, n.o 3) os termos «em contrário» por «mais favorável ao credor». Esta proposta aplica-se igualmente ao artigo 4.o, n.o 1, relativo à indemnização pelos custos de recuperação.

4.2   Imposição ao devedor da obrigação legal de pagamento de juros de mora, de compensações e de indemnizações por custos internos mínimos

4.2.1   Na Finlândia e na Suécia, os juros devidos por atrasos nos pagamentos são pagos automaticamente sem que sejam necessárias decisões judiciárias. Importa generalizar esta prática. O CESE propõe a imposição da obrigação legal (de direito) de pagamento de juros de mora, de compensações e de indemnizações por custos internos mínimos, através da aplicação do princípio da liberdade contratual no sentido de poderem ser negociadas condições ou quantias mais favoráveis para o credor, sem que as PME tenham de empreender mais esforços ou hesitem em exercer esse direito devido à precariedade da posição que detêm.

4.3   Relações com as organizações associativas

4.3.1   As organizações patronais e representativas das PME devem ser consultadas e envolvidas na transposição da directiva, bem como na aplicação e no acompanhamento das medidas adoptadas com vista a encurtar e a respeitar os prazos de pagamento. É necessário ajudá-las a desenvolverem serviços de informação, directos ou em linha, e a prestarem aos seus membros serviços de aconselhamento e de assistência em matéria de atrasos de pagamento e de cláusulas abusivas.

4.3.2   O CESE propõe que do artigo 6.o, n.o 3, relativo aos meios de acção aplicáveis à anulação de cláusulas manifestamente abusivas, conste expressamente menção às «organizações patronais e das PME», assinalando que o termo escolhido («organizações») pode dar azo a problemas de transposição.

4.3.3   As organizações patronais e, em particular, as organizações das PME também podem dar um contributo importante para a elaboração dos relatórios a que se refere o artigo 10.o da proposta de directiva, devendo deles constar os seus pontos de vista.

4.4   O CESE salienta a necessidade de assegurar a existência de vias de recurso eficazes e eficientes contra os devedores

4.4.1   No tocante à cobrança de dívidas, o CESE realça a importância de procedimentos simples, rápidos, eficientes e acessíveis às empresas, em particular às PME, e reclama a possibilidade de obtenção um título executório num prazo máximo de 90 dias em caso de dívidas não impugnadas (artigo 9.o). Importa igualmente aperfeiçoar os procedimentos de constatação de cláusulas contratuais manifestamente abusivas.

5.   Outras observações e propostas

5.1   O CESE considera que a regulamentação em matéria de cláusulas contratuais manifestamente abusivas (artigo 6.o) deve ser melhorada e, para tal, propõe a definição dos critérios de qualificação das mesmas e a inclusão na lista das cláusulas consideradas manifestamente abusivas aquelas que excluem o pagamento de uma indemnização por custos de recuperação, bem como uma cláusula de reserva de propriedade e a garantia de boa execução da obrigação de pagamento.

5.2   O CESE reafirma a sua posição no que toca à situação das pessoas singulares, que, embora de um ponto de vista estritamente jurídico, não sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação da directiva na sua versão actual, estão sujeitos a condições semelhantes nas suas relações com determinadas empresas e com a administração pública. O CESE insta a Comissão a «analisar estas questões, a fim de determinar se convém incluir na directiva certos aspectos das relações com os consumidores ou se é preferível elaborar propostas específicas» (15).

5.3   O CESE propõe que se defina a expressão «dívidas não impugnadas» (artigo 9.o). As contestações devem ser declaradas inadmissíveis nos casos em que existe uma factura assinada pelo beneficiário ou um documento comprovativo da recepção dos bens.

5.4   O CESE chama também a atenção para os seguintes aspectos:

A disposição que exclui os contratos anteriores a 8 de Agosto de 2002 do âmbito de aplicação da nova directiva deve ser retirada do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), e inserida no artigo 11.o, n.o 4, que fixa a data de transposição.

A definição de «juro de mora» (artigo 2.o, n.o 5) deveria prever a possibilidade de negociar o montante, inclusive com entidades públicas.

Para evitar problemas de transposição, há que enumerar completamente as três categorias de contratos públicos, nomeadamente fornecimento de mercadorias, prestação de serviços e prestação de trabalhos, ou designá-los usando a expressão genérica «contratos públicos» (artigo 5.o, n.os 1, 2 e 6, omitindo os contratos de prestação de trabalhos).

A substituição da expressão «data em que o devedor tiver recebido a factura» por «data em que a factura tiver sido enviada ao devedor» (artigo 3.o, n.o 2, alínea b), e artigo 5.o, n.o 2, alínea b)) contribuiria para simplificar a prova e reduzir os custos de envio postal ou de elaboração de facturas electrónicas.

No artigo 4.o, n.o 1, importa clarificar se o conceito de «dívida» engloba apenas o valor do produto ou, também, o IVA e outros custos, como, por exemplo, o transporte.

O artigo 5.o, n.o 5, relativo ao direito a uma indemnização correspondente a 5 % do montante devido deve especificar se uma indemnização superior a esta percentagem será possível desde que haja provas nesse sentido.

5.5   Importa evitar a imposição de prazos de pagamento injustificadamente longos e de prazos de pagamento em caso de:

subcontratação de contratos públicos (aos subcontratantes devem ser aplicadas as mesmas regras de pagamento que são aplicáveis às entidades públicas);

fornecimentos no âmbito do comércio retalhista de grande dimensão. Neste domínio, o CESE já propôs que fosse instituído um código de conduta voluntário, apoiado em contratos escritos, que permitisse às PME o acesso à grande distribuição com um mínimo de garantias (16), impedindo a grande distribuição e/ou os grandes fornecedores de exercerem pressão.

5.6   O relatório a que se refere o artigo 10.o deverá ser elaborado e publicado anualmente, pelo menos durante os três anos seguintes à aplicação da directiva, de forma a viabilizar uma avaliação contínua e tornar mais fácil o intercâmbio de boas práticas.

5.7   O CESE apoia a valorização e o desenvolvimento das boas práticas existentes no domíno da luta contra os atrasos de pagamento e da redução dos prazos de pagamento:

Comissão Europeia:

Medidas que visam a redução, de 30 para 20 dias, dos prazos para pagamento do pré-financiamento inicial de financiamentos não reembolsáveis e de contratos da UE (o que representa 9,5 mil milhões de euros); relativamente aos outros pagamentos geridos a nível central, o objectivo é reduzir os prazos de pagamento de 45 para 30 dias (em caso de subvenções);

Reforço da utilização de taxas forfetárias e de montantes fixos para os financiamentos não reembolsáveis e os contratos comerciais geridos a nível central;

Simplificação dos procedimentos gerais numa fase anterior ao lançamento dos projectos, o que pode contribuir para acelerar os pagamentos. São propostas medidas que dão aos serviços da Comissão a possibilidade de publicação de concursos públicos abrangendo um prazo de dois anos e de utilização de procedimentos normalizados para o efeito;

Encorajamento à simplificação das medidas de controlo sempre que possível.

Reino Unido: As entidades comprometeram-se a efectuar o pagamento das facturas dentro de um prazo de 10 dias;

Irlanda, Bélgica, Polónia, Portugal e República Checa: Os respectivos governos comprometeram-se a reduzir os atrasos de pagamento, em particular quando estão em causa entidades públicas;

Bélgica: O Governo Federal criou um novo «crédito ponte» específico, alimentado por um fundo de investimento federal, destinado a financiar atrasos de pagamento por parte de entidades públicas e não apenas ao nível federal;

Espanha: Para 2009, o Instituto de Crédito Oficial (ICO) criou um mecanismo de liquidez de 10 mil milhões de euros para os empréstimos preferenciais, que permitirá às PME e aos empresários em nome individual satisfazer as suas necessidades de liquidez. A estes fundos são aplicáveis regras de co-financiamento, em que, por exemplo, 50 % provêm do ICO e 50 % de outros institutos de crédito. Além disso, o mecanismo de «pagamento em adiantado» das autarquias locais permite reunir as facturas expedidas por empresas e empresários em nome individual relativas à execução de trabalhos e à prestação de serviços encomendados por autarquias locais.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 224 de 30.8.2008; JO C 182 de 4.8.2009.

(2)  N.T.: A expressão «empresas retalhistas» corresponde à sigla (CMAV), constante do original em romeno, para o «comércio retalhista de grande dimensão».

(3)  JO C 407 de 28.12.1998, pp. 50-55.

(4)  Há grandes disparidades entre os Estados-Membros e uma clara divisão entre o Norte e o Sul.

(5)  Segundo dados da Intrum Justitia, Índice Europeu de Pagamentos em 2009.

(6)  JO L 200 de 8.8.2000.

(7)  JO L 12 de 16.1.2001.

(8)  JO L 143 de 30.4.2004.

(9)  JO L 399 de 30.12.2006.

(10)  JO L 199 de 31.7.2007.

(11)  JO C 182 de 4.8.2009, p. 30.

(12)  COM(2008) 800 final.

(13)  COM(2008) 394 final, JO C 182 de 4.8.2009, p. 30.

(14)  Ponto (16) dos considerandos da proposta de directiva.

(15)  JO C 407 de 28.12.1998, pp. 50-55.

(16)  JO C 175 de 28.7.2009, pp. 57-62.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/48


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde sobre a revisão do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial»

[COM(2009) 175 final]

(2010/C 255/08)

Relator: Bernardo HERNÁNDEZ BATALLER

Em 21 de Abril de 2009, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Livro Verde sobre a revisão do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial

COM(2009) 175 final.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 17 de Novembro de 2009, sendo relator Bernardo Hernández Bataller.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 174 votos a favor e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE partilha a opinião da Comissão de proceder à supressão do exequatur para facilitar a livre circulação de decisões judiciais no mercado interno e a aplicação das mesmas aos cidadãos e às empresas.

1.2   O CESE considera oportuno o alargamento do âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 44/2001 às decisões administrativas e solicita, por isso, à Comissão que proceda à análise necessária para suprimir os obstáculos existentes actualmente.

1.3   Considera igualmente importante a adopção de medidas que facilitem a utilização transnacional da arbitragem, defendendo o estabelecimento de uma norma de conflitos supranacional e uniforme em matéria de validade das convenções de arbitragem com conexão à lei do Estado do lugar de arbitragem. Tal não deve, porém, alterar o modo de funcionamento da Convenção de Nova Iorque, ou deve, no mínimo, ter esta convenção em conta quando da adopção de novas medidas.

1.4   Uma estratégia comum de carácter supranacional que estabeleça regras claras e precisas em matéria de competência internacional reforçará a protecção jurídica dos cidadãos e garantirá a aplicação harmoniosa da legislação comunitária de carácter vinculativo. Para tal, devem ser incluídas regras para os requeridos domiciliados em países terceiros e regras de competência subsidiária, adoptadas medidas para impedir o recurso ao tribunal mais favorável e fomentada a utilização de cláusulas-tipo de eleição do foro.

1.5   Há igualmente que adoptar normas que promovam a segurança jurídica e reduzam os elevados custos acarretados pela possibilidade de duplicação de litígios em matéria de propriedade intelectual apresentados junto dos tribunais nacionais.

1.6   No atinente aos processos judiciais que clarificam direitos protectores e vinculativos, como por exemplo os decorrentes do contrato de trabalho ou das relações de consumo, será necessário alterar o Regulamento (CE) n.o 44/2001 de forma a permitir a acumulação de acções judiciais e possibilitar as acções colectivas perante os tribunais de justiça.

2.   Introdução

2.1   Entre os objectivos do Tratado da União Europeia figura «manter e desenvolver um espaço de liberdade, segurança e justiça» e no artigo 65.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia estabelece-se que as medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que tenham uma incidência transfronteiriça, e na medida do necessário ao bom funcionamento do mercado interno, incluirão «o reconhecimento e a execução das decisões em matéria civil e comercial, incluindo as decisões extrajudiciais».

2.2   O Conselho Europeu de Tampere, em Outubro de 1999, tornou o princípio do reconhecimento mútuo (1) das decisões judiciais numa verdadeira pedra angular da cooperação judiciária na União Europeia, tanto em matéria civil como penal.

2.3   Com a entrada em vigor do Tratado de Nice, em Fevereiro de 2003, o processo de decisão constante do artigo 67.o é substituído pela deliberação por maioria qualificada e pelo processo de co-decisão no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil, excepto em direito de família.

A Convenção de Bruxelas de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial constitui um contributo muito positivo para o acervo comunitário.

2.4.1   A jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias sobre a Convenção e a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão tornaram possível a aprovação do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (2), sobre o qual o CESE já emitiu parecer (3), defendendo a pertinência de um instrumento comunitário que substituísse a Convenção.

2.4.2   O Regulamento (CE) n.o 44/2001 estabelece regras uniformes para resolver os conflitos de competência e facilitar a livre circulação das decisões, transacções judiciais e actos autênticos com força executória na União Europeia. Já demonstrou ser um instrumento vital na realidade processual civil e comercial transfronteiriça.

2.4.3   Inicialmente, a Dinamarca não participava na cooperação judiciária em matéria civil. Presentemente, o regulamento está em vigor na Dinamarca desde 1 de Julho de 2007, em virtude do acordo celebrado entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (4).

2.4.4   O Tratado de Lisboa facilitará a actuação a nível europeu no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, generalizando a aplicação do método comunitário (5), com a aprovação por maioria qualificada das propostas apresentadas pela Comissão e promovendo o protagonismo do Parlamento Europeu, o controlo democrático pelos parlamentos nacionais e o papel de controlo da legalidade do Tribunal de Justiça.

3.   O Livro Verde da Comissão

3.1   O artigo 73.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 estabelece que, o mais tardar cinco anos após a sua entrada em vigor, a Comissão deve apresentar um relatório relativo à aplicação do regulamento, acompanhando-o de propostas destinadas a adaptar o mesmo.

3.2   O Livro Verde contém uma série de propostas relativas aos aspectos que a Comissão considera mais essenciais, reflectindo a experiência na aplicação do Regulamento (CE) n.o 44/2001 e a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

3.3   O Livro Verde pretende lançar um debate público sobre a supressão do exequatur  (6), a aplicação do regulamento na ordem jurídica internacional, a eleição do foro, a propriedade industrial, a litispendência e acções conexas, as medidas provisórias, a interface entre o regulamento e a arbitragem, o âmbito de aplicação e a competência.

3.4   O Livro Verde também refere o reconhecimento e a execução e, em especial, a livre circulação de actos autênticos, que foi solicitada pela resolução do Parlamento Europeu de 18 de Dezembro de 2008, e a possibilidade de utilizar um formulário uniforme comum na fase de execução.

4.   Observações na generalidade

4.1   O Regulamento (CE) n.o 44/2001 demonstrou ser um instrumento jurídico vital na realidade processual e comercial. O CESE partilha o mesmo ponto de vista do Conselho e da Comissão de que as medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil são necessárias para o bom funcionamento do mercado interno.

4.2   O debate proposto pela Comissão revela-se pertinente à luz da experiência acumulada na aplicação do regulamento nos últimos anos. Trata-se de melhorar o direito fundamental das pessoas à acção, direito consagrado na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais e no artigo 65.o do Tratado CE, constituindo, por seu turno, um princípio geral do Direito reconhecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

A supressão do exequatur em relação a todas as decisões tomadas pelos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros em matéria civil e comercial é plenamente coerente com o objectivo de garantir a sua eficácia e de preservar a segurança jurídica no âmbito do mercado interno e o direito fundamental de acesso ao processo (7) e à instauração de acção judicial, reconhecidos no artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e no artigo 47.o, n.o 1, da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais (8).

4.3.1   Tal está, portanto, em conformidade com a cláusula de subsidiariedade prevista implicitamente no primeiro parágrafo do artigo 65.o do Tratado CE, que estabelece que as medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil com incidência transfronteiriça só podem ser adoptadas se forem necessárias ao bom funcionamento do mercado interno.

4.3.2   Por um lado, e no que diz respeito aos requisitos para que uma decisão adquira força executória supranacional, as garantias previstas no Regulamento (CE) n.o 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003 (Bruxelas II-A), talvez sejam suficientemente adequadas, na medida em que os artigos 41.o e 42.o concedem força executiva directa às decisões em matéria de direito de visita e regresso de menores quando haja em ambos os casos duas garantias: que as decisões sejam executórias na sua origem e que tenham obtido a certificação correspondente no Estado-Membro de origem (9).

4.3.3   Neste sentido, o único impedimento que se podia colocar seria outro órgão diferente ter proferido posteriormente outra decisão executória, algo que seria muito excepcional no âmbito da alteração ao Regulamento (CE) n.o 44/2001 prevista pela Comissão.

4.3.4   Por outro lado, e em relação à salvaguarda dos direitos de defesa, uma interpretação conforme ao princípio de reconhecimento mútuo permitirá ao tribunal onde foi instaurada a acção aplicar as mesmas regras que são de aplicação a nível nacional aos casos de notificação a estrangeiros ou nacionais não residentes, desde o início do processo.

4.3.5   Em caso de ausência de tais disposições ou de manifesta inadequação das normas existentes relativas ao direito a um processo justo (por exemplo, a compreensão linguística, a fiabilidade dos meios de transmissão e recepção da acção, etc.) seria oportuno estabelecer regras subsidiárias de garantia na legislação supranacional.

4.3.6   Não obstante, o CESE defenderia um processo de revisão supranacional mais harmonizado em matéria civil e comercial, desde que a defesa dispusesse de uma via de recurso a posteriori (reapreciação excepcional) como salvaguarda.

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (10), o capítulo II do Regulamento (CE) n.o 44/2001 em vigor não só unifica as regras de competência para os litígios intracomunitários, mas também para os que contenham um elemento estrangeiro, incluindo as situações em que o requerido não se encontra domiciliado num Estado-Membro.

4.4.1   Assim, seria possível estabelecer regras de competência especiais que ofereceriam um quadro supranacional para este caso, ao contrário do que acontece actualmente, como definido no artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 que remete a decisão para os tribunais nacionais, ainda que estas regras estivessem sujeitas às excepções previstas nos artigos 22.o e 23.o do mesmo regulamento.

No atinente à introdução de «regras de competência subsidiária», as três actualmente em análise parecem adequadas:

a competência com base no exercício de actividades, caso o litígio diga respeito às mesmas (já existe uma disposição semelhante no artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 relativo aos processos de insolvência, que confere a competência ao Estado onde se situa o centro dos interesses principais do devedor);

a competência com base na localização dos bens que são reclamados para satisfazer uma dívida; e

por último, a competência com base num forum necessitatis  (11), que deverá respeitar escrupulosamente os termos em que o Direito Internacional reconhece o princípio da territorialidade objectiva (12), os quais sublinham o dever de provar a adequação da remissão para uma determinada competência.

4.5.1   O carácter excepcional da utilização das regras do forum necessitatis reflecte-se, entre outras disposições, no artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009 (13) que faculta a competência a um Estado-Membro para resolver um litígio sempre que não exista competência reconhecida a outro Estado-Membro à luz do regulamento e que não seja possível conduzi-lo num Estado terceiro com o qual o litígio esteja estreitamente relacionado.

4.5.2   Não obstante, no atinente ao alargamento do âmbito de aplicação das regras, face ao risco de existência de acções paralelas se forem estabelecidas regras uniformes em matéria de acções contra requeridos de países terceiros, essas regras uniformes supranacionais devem restringir-se aos seguintes casos processuais:

quando as partes concluíram um acordo exclusivo de eleição do foro a favor dos tribunais de um país terceiro;

quando o litígio é abrangido, por outro motivo, pela competência exclusiva dos tribunais de um país terceiro; ou

quando uma acção paralela já foi instaurada num país terceiro.

No que diz respeito ao reconhecimento e execução das decisões de órgãos judiciários de países terceiros com competência exclusiva num litígio, é necessário estabelecer um procedimento supranacional uniforme que evite os custos e as perdas de tempo associados às diferenças actualmente existentes entre os regimes. Trata-se, nomeadamente, de estabelecer um regime comum sobre as condições a preencher para reconhecimento das decisões dos tribunais de países terceiros, um aspecto que o CESE considera importante.

4.6.1   Neste sentido, com base no parecer 1/2003 do TJCE, é reconhecida à União Europeia a competência exclusiva para assinar as convenções internacionais pertinentes, tanto a nível bilateral como unilateral, e, por isso, considera-se apropriado o estabelecimento de um procedimento supranacional uniforme.

4.7   Litispendência

4.7.1   Como se sabe, a regra de litispendência prevê que, no caso de haver duas acções com um mesmo objecto e sobre feitos idênticos que sejam examinadas por dois tribunais diferentes, o tribunal a que se tenha recorrido em último lugar deverá declarar-se incompetente para apreciar a acção em favor do outro tribunal.

4.7.2   No que se refere ao estabelecimento de regras supranacionais que assegurem a eficácia dos acordos de eleição do foro concluídos entre as partes no caso de existirem acções paralelas, razões de eficácia, celeridade e segurança jurídica parecem aconselhar a modificação, no regulamento, da regra de litispendência, com a salvaguarda de uma obrigação de comunicação e cooperação directas entre as duas competências pertinentes.

4.7.3   A criação de um mecanismo de cooperação e de comunicação entre os tribunais envolvidos e da obrigação de o tribunal que declinou a competência reapreciar a acção caso o tribunal onde a acção foi instaurada em primeiro lugar se declare incompetente teria um impacto positivo pois, desta forma, seriam evitados conflitos de competência negativos como o existente no Regulamento (CE) n.o 2201/2003 (14).

4.7.4   Neste sentido, a «litispendência com salvaguardas» permitiria estabelecer um prazo-limite dentro do qual a jurisdição competente, por ordem cronológica, em aplicação da regra da «prioridade no tempo», deverá pronunciar-se quanto à sua competência e, caso a mantenha, terá a obrigação de comunicar ao outro tribunal informações regulares sobre o andamento do processo, de acordo com outros prazos vinculativos.

O estabelecimento de uma «regra de diligência», que obrigasse os tribunais a comunicar pontualmente os desenvolvimentos importantes a dois ou mais órgãos jurisdicionais que se encontrassem em situação de litispendência sobre um mesmo assunto e que se tivessem declarado exclusivamente competentes, reforçaria de forma inequívoca a segurança jurídica.

4.8.1   Por último, o CESE considera que uma cláusula-tipo de eleição do foro, de carácter supranacional incluída no Regulamento (CE) n.o 44/2001, facilitaria aos cidadãos e às empresas o acesso à instauração de acções, porque evitaria a insegurança em torno da validade do acordo de eleição do foro com vista a evitar, através das medidas necessárias, o recurso ao tribunal mais favorável.

4.9   Medidas cautelares

4.9.1   Em relação às medidas cautelares, é também oportuna uma revisão de alguns aspectos dos artigos 31.o e 47.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 em vigor, especialmente se tais medidas forem requeridas às autoridades judiciais de um Estado-Membro, mesmo que um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer da questão de fundo.

4.9.2   Tendo em conta que as medidas cautelares só podem ser ordenadas por um tribunal para proteger a situação processual de quem as requer quando, em geral na maioria dos Estados-Membros, estão preenchidas duas condições – fumus boni iuris e periculum in mora  (15) – e a fim de evitar o abuso do direito, seria conveniente introduzir algumas restrições a essa alternativa.

4.9.3   Primeiro, a obrigação do tribunal ao qual foi submetido o pedido de comunicar com o tribunal competente sobre a essência do litígio e, uma vez avaliada esta informação, decidir sobre a pertinência da sua aprovação, tendo como principal referência a boa conclusão da acção.

4.9.4   Segunda, a obrigação de quem requer as medidas cautelares ou provisórias de depositar uma fiança cujo montante será fixado de forma prudencial pelo órgão jurisdicional competente em função da magnitude da essência da acção e do seu necessário efeito dissuasor para evitar abusos do direito.

4.9.5   Nos casos em que há apenas uma obrigação de actuação e noutros casos semelhantes que não impliquem o pagamento de um montante líquido devido e exigível, a isenção de fiança poderia ser regulada mediante a apreciação factual pelo juiz das circunstâncias concorrentes, a fim de evitar obstáculos à obtenção de protecção jurisdicional.

4.10   Supressão do exequatur

4.10.1   A opção de não reconhecimento mantém-se, baseada em condições específicas definidas no artigo 34.o do regulamento, referentes à ordem pública, à impossibilidade de defesa das partes envolvidas e à incompatibilidade das decisões.

4.10.2   Estas circunstâncias concedem algum poder discricionário aos tribunais difícil de controlar e, obviamente, contribuem para a insegurança jurídica, assim como para possíveis atrasos indevidos nos processos.

4.10.3   Por outro lado, parece aceitável que, se o exequatur na concessão da execução das medidas provisórias for suprimido, a adaptação necessária ao artigo 47.o do regulamento em questão se inspire no artigo 20.o do Regulamento (CE) n.o 4/2009 (13) em vigor, designadamente uma cópia da decisão, um extracto da decisão traduzida com o formulário correspondente.

4.10.4   Uma vez que as alterações previstas no regulamento pretendem contribuir para a aplicação geral do princípio de reconhecimento mútuo no seu âmbito de aplicação, não parece coerente que se continue a distinguir entre «reconhecimento» e «execução».

4.10.5   Seria, por isso, desejável a sua supressão ou uma revisão cuidadosa das condições para a sua aplicação.

4.10.6   Além disso, se se pretende que o «reconhecimento» das decisões abarque todo o âmbito civil e comercial, será necessário alterar o conteúdo do artigo 1.o em vigor de forma a alargar o seu âmbito de aplicação às decisões administrativas, dado que isso significaria que os cidadãos e as empresas beneficiariam mais do funcionamento do mercado interno.

4.10.7   Esta observação aplica-se igualmente à proposta de incluir no regulamento a cobrança de sanções pecuniárias aos devedores e das sanções impostas pelos tribunais ou autoridades fiscais dos Estados-Membros.

4.10.8   Para simplificar os trâmites e agilizar as execuções, o acesso à justiça pode ser melhorado mediante um formulário uniforme comum, disponível em todas as línguas oficiais da Comunidade, de que conste um extracto da decisão.

4.10.9   Assim, seria possível reduzir os custos da execução mediante a supressão do requisito relativo à indicação de um domicílio ou de um representante ad litem, tornado obsoleto no seguimento da adopção do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 (16).

4.11   Acto autêntico europeu

4.11.1   Inicialmente, o artigo 50.o da Convenção de Bruxelas fazia referência aos «actos autênticos (…) que (…) tenham força executiva», sendo essa disposição interpretada pelo TJCE (17) no sentido de actos executórios por força do direito do Estado de origem, cuja autenticidade foi estabelecida por uma autoridade pública ou por qualquer outra autoridade habilitada por esse Estado a fazê-lo.

4.11.2   No Regulamento (CE) n.o 44/2001, esse conceito foi incluído no artigo 57.o. Todavia, o Parlamento solicitou à Comissão que iniciasse os trabalhos relativos a um acto autêntico europeu.

4.11.3   O CESE defende que a Comissão deve dar início aos trabalhos necessários para abordar a questão da livre circulação de actos autênticos, que poderão levar ao estabelecimento de um acto autêntico europeu.

4.12   Defesa dos consumidores

4.12.1   De acordo com o Considerando (13) do Regulamento (CE) n.o 44/2001, no respeitante aos contratos de consumo, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral. Este critério foi confirmado pela jurisprudência do TJCE (18).

4.12.2   O Comité partilha as preocupações da Comissão expressas nos considerandos do regulamento e da jurisprudência do TJCE, na medida em que sempre foi a favor de manter um elevado nível de protecção dos consumidores, que devem ser abrangidos por normas protectoras e vinculativas.

4.12.3   Por razões de coerência da ordem jurídica comunitária, seria conveniente harmonizar a redacção do artigo 15.o, n.o 1, alíneas a) e b) do regulamento e as definições de contrato de crédito aos consumidores e de contrato de crédito ligado apresentadas no artigo 3.o, alíneas c) e n) da Directiva 2008/48/CE (19).

4.12.4   Por último, no que diz respeito às acções colectivas, este tipo de acção procura reduzir os custos processuais que normalmente acabam por dissuadir o consumidor de intentar uma acção contra um empresário domiciliado noutro Estado-Membro, em especial, as despesas associadas a litígios fora do seu domicílio habitual e, em caso de ter de litigar perante o seu próprio juiz, as despesas decorrentes da necessidade de ter de executar a fortiori a decisão noutro Estado-Membro.

4.12.5   Dado que com o actual regulamento (artigo 6.o, n.o 1) não é possível acumular acções, especialmente acções de vários requerentes contra o mesmo requerido perante os tribunais de um Estado-Membro, será necessário alterar esta disposição do regulamento de forma a facilitar as acções colectivas dos consumidores e as acções por danos e prejuízos por incumprimento das normas comunitárias da concorrência, sobre as quais o CESE já se pronunciou favoravelmente.

4.13   Propriedade intelectual

4.13.1   Embora a Directiva 2004/48/CE (20) relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual tenha por objectivo aproximar determinadas questões processuais, são necessárias normas supranacionais para colmatar a falta de segurança jurídica e reduzir os elevados custos gerados pela possibilidade de duplicação perante os tribunais nacionais.

4.13.2   Por isso, o CESE considera que devem ser adoptadas medidas para impedir a contrafacção de marcas e insta a Comissão e os Estados-Membros a concretizarem a Convenção sobre a Patente Europeia, no pleno respeito da pluralidade linguística.

4.14   Arbitragem

4.14.1   O CESE tem para si que, na reforma do Regulamento (CE) n.o 44/2001, se deviam adoptar medidas adequadas para garantir que as decisões podem circular livremente na Europa e impedir acções paralelas.

4.14.2   Concretamente, com a supressão (parcial) da exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação do regulamento:

seriam permitidas medidas cautelares em apoio da arbitragem;

seria permitido o reconhecimento das decisões sobre a validade de uma convenção de arbitragem; e

seria facilitado o reconhecimento e a execução das decisões que integram uma decisão arbitral.

4.14.3   O CESE concorda com a adopção de medidas que facilitem a utilização transnacional da arbitragem, defendendo o estabelecimento de uma norma de conflitos supranacional e uniforme em matéria de validade das convenções de arbitragem com conexão à lei do Estado do lugar de arbitragem.

4.14.4   De qualquer dos modos, o CESE é da opinião de que seria mais conveniente não alterar o modo de funcionamento da Convenção sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, celebrada em Nova Iorque, em 1958, ou que, no mínimo, se devia ter esta convenção em conta quando da adopção de novas medidas.

4.15   Alargamento do âmbito de aplicação das decisões administrativas

4.15.1   O CESE está ciente de que o Regulamento (CE) n.o 44/2001 só se aplica às decisões em matéria civil e comercial. Não obstante, considera que para o bom funcionamento do mercado interno, a Comissão e os Estados-Membros deveriam examinar as possibilidades de alargar o âmbito de aplicação material deste regulamento a decisões administrativas definitivas, segundo procedimentos que considerem oportunos, incluindo o previsto no artigo 309.o do Tratado CE.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu,

Mario SEPI


(1)  O princípio do reconhecimento mútuo garante a livre circulação de decisões judiciais sem ser necessário harmonizar as regras processuais dos Estados-Membros.

(2)  JO L 12 de 16.1.2001, p. 1.

(3)  JO C 117 de 16.4.2000, p. 51.

(4)  JO L 299 de 16.11.2005, p. 61.

(5)  O método comunitário funda-se na ideia de que se defende melhor o interesse geral dos cidadãos quando as instituições comunitárias desempenham plenamente o seu papel no processo de decisão, no respeito do princípio da subsidiariedade.

(6)  O exequatur é o procedimento que tem por objectivo decidir da possibilidade de reconhecer uma decisão judicial proferida em território estrangeiro e permitir a sua execução num Estado distinto daquele que a proferiu.

(7)  O acesso ao processo faz parte do direito constante do artigo 6.o, n.o 1, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (ver os acórdãos Golder, de 21.2.1975, pt. 28 a 31, e o acórdão Dewer, entre outros).

(8)  JO C 364 de 18.12.2000.

(9)  Também neste contexto, ver os Regulamentos (CE) n.o 4/2009, n.o 1896/2006 e n.o 861/2007.

(10)  Acórdão de 1.3.2005 proferido no Processo C-281/02, OWUSU, e parecer 1/03 de 7 de Fevereiro de 2006, pp. 143-145.

(11)  Significa que um tribunal reconhecerá a competência assumida por um tribunal estrangeiro se, na sua opinião, esse tribunal tiver assumido essa mesma competência para evitar uma denegação de justiça, por não existir um tribunal competente. Trata-se mais de uma questão de acesso à justiça do que do reconhecimento de decisões.

(12)  Por exemplo, nos acórdãos do TJI de 7 de Setembro de 1927, no Processo Lótus, e de 5 de Fevereiro de 1970, no Processo Barcelona Traction.

(13)  JO L 7 de 10.1.2009, p. 1.

(14)  JO L 338 de 23.12.2003, p. 1.

(15)  As medidas cautelares pressupõem, em princípio, a aprovação antecipada, e por vezes parcial, de um pedido antes de proferido o acórdão. Segundo a doutrina processual clássica (ver, como exemplo, Calamandrei, Introdução ao estudo sistemático das providências cautelares), a adopção dessas medidas devia depender da satisfação das duas condições, a aparente justeza do mérito (fumus boni iuris) e o risco de não execução da finalidade legítima do recurso (periculum in mora). O TJCE também integrou essa doutrina no acórdão do presidente do Tribunal, de 19.7.1995, Comissão/Atlantic Container Line e outros (Processo C-149/95), no acórdão do presidente do Tribunal de Primeira Instância, de 30.6.1999, Pfizer Animal Health/Conselho (Processo T-13/99) e Processos Factortame, de 19 de Junho de 1990, e no acórdão do presidente do Tribunal de Justiça, de 28.6.1990.

(16)  Regulamento (CE) n.o 1393/2007 relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros, JO L 324 de 10.12.2007.

(17)  Acórdão do TJCE de 17.6.1999, Processo C-260/97, Unibank.

(18)  Acórdão do TJCE de 17.9.2009, Processo C-347/08, Vorarlberger Gebietskrankenkasse.

(19)  JO L 133 de 22.5.2008, p. 66.

(20)  JO L 157 de 30.4.2004, p. 45.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/54


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Alargar as fronteiras das TIC – Uma estratégia de investigação sobre as tecnologias futuras e as tecnologias emergentes na Europa»

[COM(2009) 184 final]

(2010/C 255/09)

Relatora: Anna Maria DARMANIN

Co-relator: Gerd WOLF

Em 20 de Abril de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Alargar as fronteiras das TIC – uma estratégia de investigação sobre as tecnologias futuras e as tecnologias emergentes na Europa

COM(2009) 184 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 17 de Novembro de 2009, sendo relatora Anna Maria Darmanin e co-relator Gerd Wolf.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O reforço da I&D e da inovação é um elemento essencial para recuperar da actual crise económica e financeira.

1.2   Entre os principais domínios da I&D, nos quais se inclui o clima, a energia e os cuidados de saúde, as TIC desempenham um papel fundamental enquanto tecnologia transversal que afecta quase todos os aspectos da sociedade, da economia, das ciências e da tecnologia.

1.3   No que diz respeito à I&D para as TIC, o subprograma «Tecnologias Futuras e Emergentes» (TFE) funciona como um precursor que, a longo prazo, poderá conduzir a tecnologias da informação e da comunicação novas, porventura revolucionárias.

1.4   O CESE apoia, por isso, sem reservas as propostas apresentadas na comunicação da Comissão sobre as tecnologias futuras e as tecnologias emergentes. Aprova também o aumento proposto de 20 % por ano do orçamento atribuído às TFE no âmbito das TIC.

1.5   No entanto, esse aumento limita-se a acompanhar o acréscimo previsto do programa TIC geral, pelo que não modificará o peso relativo das TFE. Assim, o CESE recomenda que o Sétimo Programa-Quadro (7.o PQ) aumente progressivamente em 15 % a proporção das TFE e que esse acréscimo prossiga n.o 8.o PQ.

1.6   No que diz respeito às regras de participação do Sétimo Programa-Quadro, o CESE apela aos Estados-Membros e suas organizações de financiamento que contribuam com a parte que lhes cabe, para assegurar a boa execução do programa.

1.7   Para além disso, o CESE insta também os Estados-Membros a desenvolverem programas nacionais sólidos de I&D nos domínios das TIC e das TFE para, desse modo, assumirem o papel de parceiros fortes na cooperação europeia e internacional. Grande parte dos fundos estruturais deveria ser investida para este fim. Na opinião do CESE, a realização de progressos neste domínio é um elemento importante da nova Estratégia de Lisboa (1) e deve ser alcançada com recurso ao método aberto de coordenação.

1.8   O CESE apoia ainda a estrutura proposta do programa TFE em duas vertentes diferentes: «Fomentar novas ideias em domínios promissores» (investigação TFE proactiva) – incluindo os projectos emblemáticos propostos recentemente – e «Exploração de novas ideias» (investigação TFE aberta). A abertura do plano TFE a novas ideias é particularmente importante para estimular o potencial científico e intelectual dos Estados-Membros.

1.9   O CESE aplaude também os elementos adicionais do programa TFE proposto, como a abordagem pluridisciplinar, a programação efectuada conjuntamente por vários Estados-Membros e a cooperação internacional. No entanto, é importante garantir que as iniciativas promissoras não são abafadas pela complexidade dos procedimentos e que a participação de cientistas e instituições de renome é encorajada.

1.10   O Comité reclama acções imediatas e tangíveis no domínio da patente comunitária europeia.

1.11   O CESE apela à Comissão e aos Estados-Membros para que atraiam os maiores talentos para esta área da investigação e evitem uma fuga de cérebros dos jovens cientistas mais competentes. Assinala ainda com satisfação que alguns organismos de investigação científica já puseram em prática programas bem sucedidos para enfrentar este desafio.

1.12   O CESE reitera a sua anterior recomendação a favor da introdução no programa TIC geral de uma nova categoria «TIC para a ciência e a investigação».

2.   Comunicação da Comissão

2.1   No âmbito do programa específico «Cooperação», a I&D dedicada às tecnologias da informação e da comunicação (TIC) representa o pilar central do Sétimo Programa-Quadro da Comunidade Europeia de actividades em matéria de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração (2007 a 2013) (2) (7.o PQ). Apenas uma pequena parte do programa de I&D para as TIC (actualmente, cerca de 10 % do seu orçamento) se dedica à investigação das tecnologias futuras e emergentes (TFE). Ao passo que o programa TIC na generalidade se dedica essencialmente a utilizar o conhecimento científico já existente para desenvolver TIC inovadoras, a investigação sobre as TFE funciona como precursora do programa TIC, na medida em que aborda questões científicas mais fundamentais cuja resolução poderá, a longo prazo, conduzir a tecnologias da informação e da comunicação completamente novas, porventura revolucionárias.

2.2   A comunicação da Comissão estabelece o objectivo de reforçar a investigação para as tecnologias futuras e emergentes (TFE) no âmbito do programa TIC, o que completará e reforçará as acções descritas na recente Comunicação da Comissão sobre uma Estratégia para a I&D e a Inovação no domínio das TIC na Europa  (3).

2.3   Dispondo actualmente de um financiamento de cerca de 100 milhões de euros por ano, o programa TFE apoia cientistas e engenheiros que se aventuram em domínios inéditos e que transcendem as fronteiras das TIC tradicionais. A Comissão defende que o orçamento do 7.oPQ para a investigação para as TFE deve aumentar 20 % por ano entre 2011 e 2013 e convida os Estados-Membros a igualarem este esforço com aumentos semelhantes.

2.4   O plano europeu de investigação sobre as TFE é único no sentido em que combina as seguintes características:

É seminal. Estabelece novas bases para as futuras TIC, explorando ideias não convencionais e paradigmas científicos novos, cujo horizonte é demasiado distante ou que são demasiado arriscados para a investigação industrial.

É transformativo. Tem por motor ideias que desafiam e podem mudar radicalmente a nossa compreensão dos conceitos científicos que estão por detrás das tecnologias da informação existentes.

É de alto risco. Mas os riscos são contrabalançados pelos elevados retornos potenciais e pela hipótese de descobertas revolucionárias.

Tem uma finalidade precisa. Visa influenciar as futuras agendas de investigação da indústria sobre as TIC.

É pluridisciplinar. Tira partido das sinergias e da fertilização cruzada entre diferentes disciplinas como a biologia, a química, as nanociências, as neurociências e as ciências cognitivas, a etologia, as ciências sociais ou a economia.

É agregador. Junta as melhores equipas da Europa e, cada vez mais, de todo o mundo, em torno de temas de investigação comuns.

2.5   O plano TFE é posto em prática através de investigação temática em domínios emergentes (investigação TFE proactiva) e da exploração aberta e sem restrições de ideias totalmente novas (investigação TFE aberta))

2.6   Na sua comunicação, a Comissão propõe uma estratégia com vários elementos, destinada a:

reforçar a investigação sobre as TFE no âmbito da área temática «TIC»,

lançar iniciativas emblemáticas no domínio das TFE,

fazer uma programação conjunta e lançar iniciativas conjuntas no domínio das TFE no âmbito do Espaço Europeu da Investigação (EEI),

aumentar a participação dos jovens investigadores na investigação sobre as TFE,

impulsionar a capitalização mais rápida do conhecimento científico e acelerar a inovação,

facilitar a colaboração com os líderes mundiais no campo da investigação e atrair para a Europa talentos de todo o mundo.

2.7   A Comissão convida os Estados-Membros a subscrever os objectivos, as metas e a estratégia propostos e a encorajar as autoridades nacionais e regionais, as universidades e organizações públicas de investigação e as partes interessadas do sector privado a participar na preparação das futuras acções.

3.   Observações na generalidade

3.1   As TIC no âmbito do 7.o PQ. No seu parecer sobre o Sétimo Programa-Quadro da Comunidade Europeia de actividades em matéria de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração (2), o CESE afirmou que «uma actividade de investigação e de desenvolvimento devidamente financiada, eficiente e que se distingue pela sua excelência constitui, nomeadamente, a premissa fundamental para a inovação, a competitividade e a prosperidade e, por conseguinte, também para o florescimento cultural e prestações sociais de qualidade. Os investimentos em I&D (investigação e desenvolvimento) fazem aumentar – com um factor multiplicador muito elevado – o potencial económico». Esta afirmação é ainda mais verdadeira à luz da actual crise económica e financeira grave que, aliada aos problemas energéticos e climáticos, ilustra a necessidade urgente de fazer avançar a investigação e de descobrir inovações revolucionárias.

Efeitos das TIC. Neste contexto, as TIC desempenham um papel essencial enquanto tecnologia transversal que apoia quase todos os aspectos e processos da vida moderna. Ao longo das últimas décadas, as TIC e outras tecnologias relacionadas lograram mudanças revolucionárias e avanços nos padrões de funcionamento da sociedade, o que afectou os estilos de vida individuais, a produção industrial, o comércio, a administração e a própria ciência.

3.2.1   As TIC enquanto ferramentas de investigação. As TIC são um instrumento que promove a investigação e o desenvolvimento de outros campos de inovação, por exemplo, nos domínios da energia (4), do clima, da saúde e do envelhecimento demográfico, para além de um vasto leque de questões socioeconómicas. Por isso, elas representam não só um domínio de inovação de direito próprio mas também uma ferramenta de inovação de outras áreas da ciência, da sociedade e da tecnologia. Espera-se portanto que o contínuo desenvolvimento das TIC acelere e fomente estes avanços.

3.3   I&D para as TIC. Regra geral, a I&D para as TIC utiliza os conhecimentos científicos para desenvolver ou melhorar novos dispositivos, métodos e instrumentos de computação e comunicação, que podem ir desde o processamento de dados distribuído ao sistema universal de telecomunicações móveis. O leque completo dos vários projectos está disponível para consulta em http://cordis.europa.eu/fp7/ict/projects/home_en.html (em inglês).

3.4   O programa TFE. Não obstante, a I&D para as TIC requer também um conhecimento mais profundo das leis da natureza, particularmente da maneira como a natureza processa informação, de forma a ampliar os nossos actuais limites e a permitir enveredar por domínios de conhecimento completamente novos, que encerram novo potencial para a inovação e para a tecnologia da informação e das comunicações. É esse o objectivo do programa TFE, que já atraiu a elite da comunidade científica internacional.

3.5   Função precursora. O CESE é da opinião de que o programa TFE da Comissão tem sido muito bem sucedido e tem, de facto, funcionado como um precursor. Assim sendo, o Comité apoia a proposta da Comissão de continuar e ampliar o programa, aplaudindo igualmente o proposto aumento de 20 % do orçamento das TFE por ano, bem como o conceito de se aventurar por áreas não estudadas, em busca de novas oportunidades importantes.

3.6   Aumento da parcela das TFE. O CESE reconhece que o investimento que se fizer agora nas TFE será a semente para as TIC do futuro. Por isso, e como o aumento de 20 % por ano do orçamento das TFE se limita a acompanhar o acréscimo previsto do programa TIC geral, sem modificar o peso relativo das TFE, o CESE recomenda que o 7.o PQ aumente progressivamente em 15 % a proporção relativa das TFE e que esse acréscimo prossiga n.o 8.o PQ.

3.7   Duas vertentes. O CESE apoia igualmente a estrutura do programa TFE em duas vertentes diferentes: por um lado, a investigação temática proactiva «Fomentar novas ideias em domínios promissores» (investigação TFE proactiva) – incluindo os projectos emblemáticos propostos (5) (como os sistemas auto-organizados descentralizados) – e, por outro lado, a «exploração de novas ideias» (investigação TFE aberta), que assume uma abordagem das bases para o topo e está aberta a candidatos que apresentem ideias completamente novas. A abertura do plano TFE é particularmente importante para estimular o potencial científico e intelectual dos Estados-Membros.

3.8   Os Estados-Membros e as regras de participação. Enquanto a maior parte do desenvolvimento das TIC é levado a cabo pela indústria e pelas PME (6), o programa TFE em análise dirige-se essencialmente às universidades e aos institutos de investigação privados da UE. No âmbito das regras de participação (7) para o Sétimo Programa-Quadro de actividades em matéria de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração, o programa TFE estimula a cooperação entre os Estados-Membros e o financiamento por parte dos governos nacionais. Por isso, o CESE apela a que as organizações de financiamento dos Estados-Membros contribuam com a parte que lhes cabe, de forma a facilitar ou aumentar a participação neste importante programa.

3.9   A I&D para as TFE a nível dos Estados-Membros. Para além disso, o CESE insta também os Estados-Membros a desenvolverem programas nacionais sólidos de I&D nos domínios das TIC (8) e das TFE para, desse modo, assumirem o papel de parceiros fortes na cooperação europeia e internacional. Grande parte dos fundos estruturais deveria ser investida para este fim.

Características do programa e critérios de selecção. O Comité considera excelente e merecedor de apoio o objectivo principal de tratar e promover novas ideias temáticas, metodológicas e tecnológicas e refere que os restantes objectivos mencionados nos pontos 2.4 e 2.6 são também atraentes e importantes. Regozija-se ainda com o facto de as características e elementos mencionados nos pontos 2.4 e 2.6 (especialmente se forem conjugados) promoverem a originalidade e a excelência científicas enquanto critérios de selecção de primeira ordem. O CESE considera que a originalidade, a excelência e a pertinência são fundamentais e, na sua opinião, têm gozado do devido reconhecimento, devendo continuar a ser esse o caso no futuro.

3.10.1   Ausência de uma «abordagem de modelo único». Por estes motivos, o programa TFE deve evitar uma abordagem única e rígida para a aplicação dos instrumentos de que dispõe. Ainda que o programa inclua e alie diversas características (9), sendo cada uma delas válida e importante, os projectos a apoiar não devem ser seleccionados consoante preencham ou não todas elas. Ou seja, não deve ser obrigatório satisfazer todos os requisitos.

3.11   Aceitação das falhas. Uma vez que a exploração de terrenos novos produz geralmente recompensas globais significativas, é necessário que os projectos de alto risco que caracterizam o programa TFE aceitem também os fracassos sem estigmatizar os investigadores envolvidos nem pôr em causa o apoio por parte do Sétimo Programa-Quadro. Mesmo nos projectos mais emblemáticos não se pode excluir o risco de fracasso. O CESE congratula-se pelo facto de este princípio estar presente, e em posição de destaque, no documento da Comissão.

3.12   O programa TFE e a lista do ESFRI. O roteiro do Fórum Estratégico Europeu para as Infra-Estruturas de Investigação (lista do ESFRI (10)) deve ser encorajado e apoiado de forma a tirar o máximo partido do potencial das infra-estruturas de investigação existentes e novas, bem como para assegurar o desenvolvimento de laços entre estas infra-estruturas e o programa TFE.

4.   Observações na especialidade

Este capítulo desenvolve alguns dos assuntos mencionados nos pontos 2.4 e 2.6 supra.

4.1   Abordagens pluridisciplinares. O CESE reconhece e salienta os desafios mencionados na comunicação da Comissão, sendo um deles a promoção da cooperação entre disciplinas, que é crucial para o êxito das TFE. Por isso, reconhece que as abordagens pluridisciplinares são uma exigência intrínseca para os projectos seleccionados e para os «temas mais emblemáticos» (11) recentemente propostos.

4.2   Participação da indústria, das PME e da sociedade. Os conselhos consultivos devem integrar representantes da indústria, das PME e da sociedade, de forma a garantir que o programa TFE, fundamentalmente orientado para as tecnologias futuras e emergentes, encontre, no futuro, uma utilização prática em aplicações industriais ou sociais. O CESE assinala que isso se tem verificado até ao momento (12) e recomenda que a prática se mantenha. Para além disso, reclama uma participação mais activa dos investigadores das ciências sociais.

4.3   Atrair os maiores talentos e evitar as «fugas de cérebros». O CESE já por várias vezes chamou a atenção para o desafio importante de atrair os maiores talentos para a investigação e de evitar uma fuga de cérebros dos jovens cientistas mais competentes (13). É com satisfação que o Comité assinala que alguns organismos de investigação científica (14) já puseram em prática programas bem sucedidos para contrariar esta tendência. O CESE recomenda que mais organizações em todos os Estados-Membros ajam no mesmo sentido e que a Comissão apoie esta política. Aconselha, para além disso, o reforço de programas para estudantes, com vista a atrair licenciados para determinados campos de investigação, e que, já na escola secundária em geral, seja despertado o interesse dos alunos pela inovação, a ciência e a investigação. Tais programas necessitariam de ser aplicados de forma a identificar a excelência dos investigadores ainda durante a licenciatura.

4.4   Programação conjunta  (8). O CESE lembra que a esmagadora maioria da I&D financiada com dinheiro público é levada a cabo dentro dos Estados-Membros ou custeada por eles, pelo que solicita novamente a criação de um procedimento coordenado entre os países da UE, de forma a tirar o máximo partido do potencial de cada um para a I&D. Mais, apela ao apoio do Programa-Quadro comunitário para a I&D.

4.5   Colaboração na investigação para os domínios das TFE. O Comité reitera o seu parecer recente (8) sobre este assunto e aplaude a recomendação da Comissão de que se vença a fragmentação dos actuais esforços europeus no domínio da investigação e se reforce mais as colaborações em projectos de investigação dedicados a áreas específicas das TFE. Dado que os requisitos estipulados nas regras de participação não são ainda suficientes, o CESE recomenda que a Comissão convide os Estados-Membros a lançar, com a máxima brevidade possível, iniciativas conjuntas ao abrigo da programação conjunta para a investigação, em domínios como as tecnologias quânticas e da neuro-informação, em que existem roteiros europeus de investigação, e que essas iniciativas sejam posteriormente alargadas a outros domínios das TFE de interesse comum. Na opinião do CESE, a realização de progressos neste domínio é um elemento importante da nova Estratégia de Lisboa (1) e deve ser alcançada com recurso ao método aberto de coordenação.

4.6   Colaboração internacional. O Comité partilha a opinião da Comissão de que a investigação para as TFE se presta especialmente bem a uma colaboração internacional (global), uma vez que estabelece os alicerces para as futuras TIC e estuda desafios científicos globais. Neste contexto, recorda o seu recente parecer a este respeito (15) e manifesta o seu acordo com a afirmação da Comissão de que os principais concorrentes da Europa reconheceram a importância da investigação fundamental para conquistarem e manterem uma posição de liderança em matéria de TIC.

4.7   Complexidade dos procedimentos. No tocante às questões abordadas nos pontos 4.4 e 4.5, o CESE reconhece que os procedimentos inerentes a esta cooperação podem aumentar consideravelmente a complexidade dos trabalhos técnicos e científicos. Importa pois envidar esforços para assegurar que as iniciativas promissoras não sejam abafadas por questões processuais e que a participação de cientistas e instituições de renome seja encorajada.

4.8   Necessidade de uma patente comunitária europeia. O Comité salienta o facto de que a existência de uma patente comunitária europeia ajudaria a proteger mais rápida e eficazmente os direitos de propriedade intelectual resultantes do investimento europeu em I&D. Por isso, lamenta que não se tenham registado progressos neste domínio ao longo dos últimos dez anos.

4.9   TIC para a ciência e a investigação. O CESE reitera a sua anterior recomendação (15) a favor da introdução no programa TIC geral de uma nova categoria «TIC para a ciência e a investigação», que dedique especial atenção ao desenvolvimento de software. O Comité é da opinião de que esta medida beneficiaria o programa TFE alargado.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 277 de 17.11.2009, p. 1.

(2)  JO C 65 de 17.3.2006, p. 9.

(3)  COM(2009) 116 final.

(4)  Ver também C(2009) 7604 final de 9.10.2009.

(5)  Consulte-se o relatório do Grupo Consultivo para as Tecnologias da Sociedade da Informação (ISTAG) de 31 de Julho de 2009, versão final.

(6)  Neste contexto, o CESE chama igualmente a atenção para o útil papel desempenhado pela iniciativa EUREKA, que oferece aos parceiros de um projecto um acesso rápido a várias fontes de conhecimentos gerais e especializados e de competências, para além de facilitar o acesso a programas de financiamento público ou privado a nível nacional (http://www.eureka.be/about.do).

(7)  JO C 309 de 16.12.2006, p. 35.

(8)  JO C 228 de 22.9.2009, p. 56.

(9)  COM(2009) 184 final, ponto 2.

(10)  JO C 182 de 4.8.2009, p. 40.

(11)  Consulte-se, a título de exemplo, o relatório da Comissão de 2007-2008 sobre as consultas efectuadas a propósito das TFE, ISBN 978-92-79-09565-8, Setembro de 2008.

(12)  Lista dos membros do Grupo Consultivo para as Tecnologias da Sociedade da Informação (ISTAG): http://cordis.europa.eu/fp7/ict/istag/home_en.html (em inglês)

(13)  JO C 110 de 30.4.2004, p. 3.

(14)  Por exemplo, a Associação Helmholtz de centros de investigação alemães e o Instituto Max Planck.

(15)  JO C 306 de 16.12.2009, p. 13.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Conselho relativo à suspensão temporária dos direitos autónomos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações de um determinado número de produtos industriais nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores»

[COM(2009) 370 final – 2009/0125 (CNS)]

(2010/C 255/10)

Relator-geral: Mário SOARES

Em 7 de Setembro de 2009, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Conselho relativo à suspensão temporária dos direitos autónomos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações de um determinado número de produtos industriais nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores

COM(2009) 370 final – 2009/0125 (CNS).

Em 17 de Novembro de 2009, a Mesa do Comité Económico e Social Europeu incumbiu a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, da preparação dos correspondentes trabalhos.

Em conformidade com o artigo 20.o do Regimento, o Comité Económico e Social Europeu, na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), designou relator-geral Mário Soares e adoptou, por 133 votos a favor e 2 votos contra, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité está de acordo com a proposta de regulamento apresentada pela Comissão.

1.2   O Comité considera que o carácter de regiões ultraperiféricas das ilhas dos Açores e da Madeira justifica plenamente a adopção de medidas de apoio ao desenvolvimento da economia local, que tradicionalmente depende quase em exclusivo das receitas do turismo. Actualmente, outras regiões ultraperiféricas, como as ilhas Canárias, também beneficiam de um regime semelhante.

1.3   As medidas propostas fomentam a manutenção e o desenvolvimento de outras actividades económicas que não estão directamente ligadas ao turismo, deste modo contribuindo para a estabilização e a manutenção do emprego local, o qual fica assim menos exposto às flutuações do sector turístico.

1.4   O Comité considera que esta medida é positiva para o desenvolvimento económico desta região e para a manutenção do emprego local.

2.   Síntese da proposta de regulamento da Comissão

2.1   Âmbito de aplicação

2.1.1   A Comissão propõe a suspensão temporária dos direitos autónomos impostos pela Pauta Aduaneira Comum aplicáveis às importações nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores de uma série de produtos acabados para fins agrícolas, comerciais ou industriais (especificados no anexo I), bem como de uma série de matérias-primas, peças e componentes utilizadas para fins agrícolas ou de transformação industrial e manutenção (especificadas no anexo II) nas referidas regiões.

2.1.2   Os produtos acabados terão de ser utilizados por empresas locais, nas ilhas, durante um período mínimo de dois anos, antes de poderem ser vendidos livremente a outras empresas localizadas noutra parte do território aduaneiro da Comunidade Europeia.

2.1.3   As matérias-primas, peças e componentes terão de ser utilizadas para fins agrícolas e de transformação industrial e manutenção nestas ilhas.

2.1.4   A fim de evitar qualquer utilização abusiva ou alteração dos fluxos comerciais tradicionais destes produtos, prevê-se que os produtos que beneficiem da suspensão de direitos sejam sujeitos a controlos de destino final.

2.2   Duração

A suspensão é válida entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2019.

2.3   Singularidade desta medida em relação ao regime vigente anteriormente

2.3.1   São beneficiários desta medida todos os operadores económicos localizados no território das regiões referidas.

2.3.2   Até há muito pouco tempo, só os operadores localizados nas zonas francas dos Açores e da Madeira podiam beneficiar desta medida, com base no Regulamento (CEE) n.o 1657/93 do Conselho. Este regulamento expirou a 31 de Dezembro de 2008 sem obter os efeitos inicialmente previstos e, por este motivo, a Comissão, por proposta dos órgãos de poder regional dos Açores e da Madeira, e com o apoio do Estado português, decidiu propor a extensão do seu âmbito de aplicação, elaborando um regulamento com um campo de aplicação alargado a todos os operadores económicos localizados nestes territórios.

2.4   Base jurídica

A base jurídica é o artigo 299.o, n.o 2, do TCE.

2.5   Justificação da medida

A medida tem como objectivo apoiar os sectores económicos que não estão directamente dependentes das receitas do turismo, a fim de procurar compensar as flutuações do sector turístico e, dessa forma, estabilizar o emprego local.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/61


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu: Promover a boa governação em questões fiscais»

[COM(2009) 201 final]

(2010/C 255/11)

Relator: Umberto BURANI

Em 28 de Abril de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu: Promover a boa governação em questões fiscais

COM(2009) 201 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 13 de Novembro de 2009, sendo relator Umberto Burani.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e propostas

1.1   A comunicação representa a contribuição da Comissão para a luta contra a evasão fiscal e os paraísos fiscais anunciada pelo G20 e confirmada pelo Conselho Ecofin e pelo Conselho Europeu. A boa governação em questões fiscais é um objectivo que tem vindo a ser perseguido há algum tempo. Com efeito, entre os países da União Europeia e com países terceiros, foram publicadas normas de cooperação, assistência mútua, tributação da poupança e cobrança de créditos fiscais, tendo ainda sido adoptado um código de conduta para evitar a concorrência fiscal prejudicial. Todas estas medidas demonstram de forma concreta que a Europa entende que uma boa governação no campo fiscal se reveste de uma importância fundamental.

1.2   A comunicação em apreço delineia as principais acções que a Comissão se propõe realizar, particularmente no respeitante ao acompanhamento das iniciativas da OCDE. No seu conjunto, constitui um plano integrado de regulamentações, negociações e inovações nos critérios por que se regem algumas políticas. O CESE manifesta o seu total acordo em relação ao conjunto das medidas propostas e às considerações da Comissão. No atinente a um ponto em particular, nomeadamente o relativo à coerência entre o apoio financeiro dado a diversos países sob várias formas e o correspondente nível de cooperação em questões fiscais, espera-se que a UE adopte uma posição firme e responsável. Mais concretamente, deveria ser posto um fim à política de ajudas incondicionais, isentas de contrapartidas.

1.3   Seria ocioso enumerar os aspectos em que o CESE está de acordo com as propostas da Comissão, na medida em que tal prolongaria inutilmente o texto sem lhe acrescentar qualquer valor. O CESE entende, contudo, ser seu dever referir alguns problemas de fundo, que, do seu ponto de vista, merecem ser considerados atentamente.

Na nota introdutória da Comissão, a governação em questões fiscais é entendida como um meio para dar uma «resposta coordenada» ao branqueamento de capitais, à corrupção e ao terrorismo, reiterando-se assim o princípio de uma luta global contra tais fenómenos. Na realidade, porém, esta afirmação dá azo a dúvidas, já que, por si só, a governação em questões fiscais não pode responder às exigências da luta contra outros fenómenos cujas causas são de natureza diferente, não obstante o seu potencial impacto a nível fiscal – o branqueamento de capitais enquanto produto do crime organizado, do terrorismo e da corrupção.

1.4.1   A terceira Directiva relativa à luta contra o branqueamento de capitais  (1) considera a fraude fiscal um «crime grave», que, como tal, deveria estar sujeito às normas da própria directiva. Na prática, contudo, não é este o caso. A evasão (ou fraude) fiscal é objecto de uma série de directivas específicas que a retiram da esfera de competência das autoridades responsáveis pela luta contra o branqueamento de capitais e a colocam sob a alçada exclusiva das autoridades fiscais. Surge assim um problema de sobreposição de normas que torna necessária uma delimitação clara de poderes e de competências, isto é, a directiva referida deveria ser redireccionada para o seu objectivo expresso, excluindo os crimes fiscais e financeiros quando estes não tiverem origem criminosa ou terrorista; as directivas fiscais, pelo contrário, deveriam excluir da esfera de competência das autoridades fiscais os crimes de óbvia origem criminosa ou terrorista. Ainda que permaneça sempre uma «zona cinzenta» no limite entre os dois fenómenos, pelo menos os princípios básicos ficarão estabelecidos de forma clara.

1.4.2   Actualmente, as directivas relativas à luta contra o branqueamento de capitais e as directivas fiscais parecem seguir por vias diferentes. A responsabilidade por esta situação não é imputável à Comissão, mas a uma subdivisão de poderes e competências. A nível mundial, a luta contra o branqueamento de capitais e o combate ao crime organizado são levados a cabo sob a égide do GAFI (2); a nível europeu, sob a égide do Conselho de Justiça e Assuntos Internos; a evasão fiscal está sob a responsabilidade do G20 e, na Europa, do Conselho ECOFIN. Não há um documento que aluda sequer à necessidade de colaboração, de troca de informações e de divisão de tarefas entre as várias autoridades. O CESE apela à resolução desta situação, a qual torna abstracto e inatingível o objectivo último da «luta global».

1.5   É precisamente no contexto da luta global que surge o problema dos paraísos fiscais, os quais são objecto de atenção apenas e só quando se fala de evasão fiscal, eclipsando o problema do dinheiro pertencente ao crime organizado ou destinado ao financiamento do terrorismo. O fenómeno diz respeito não só aos centros mais conhecidos, com os quais as autoridades fiscais têm negociações em curso, mas também, e sobretudo, a determinados centros financeiros emergentes localizados em regiões onde a abertura a negociações pode ser condicionada por questões de natureza geopolítica.

1.6   Um problema difícil e do qual não se fala é o das bandeiras de conveniência  (3), fonte de um importante fluxo de capitais perfeitamente legais, mas isentos de obrigações fiscais. Em geral, estes têm como destino temporário os paraísos fiscais, dos quais tornam a sair para serem reinvestidos. Embora questionáveis sob diversos pontos de vista, as bandeiras de conveniência existem com o consentimento tácito de todos os países. Na luta contra os paraísos fiscais dever-se-á evitar que esta tenha repercussões indesejadas sobre actividades lícitas, bem como o desvio dos capitais para centros financeiros menos cooperantes.

1.7   Conclusão: o CESE frisa que, no domínio da luta contra a evasão fiscal, bem como nos aspectos financeiros da luta contra o crime organizado e o terrorismo, a Europa fez e continua a fazer muito. Todavia, deseja chamar a atenção dos legisladores para uma série de deficiências: falta uma coordenação orgânica entre a luta contra a evasão fiscal e a luta contra o crime, assim como uma delimitação clara das tarefas e das competências das autoridades responsáveis pela luta contra estes vários fenómenos. Com frequência, estes últimos apresentam aspectos relacionados tanto com a evasão fiscal como com o crime e o terrorismo, sendo por isso de difícil atribuição, o que só vem reforçar a necessidade de uma colaboração estruturada entre as várias autoridades. De uma tal colaboração não se encontram sinais nos programas do Conselho e da Comissão.

2.   Conteúdo da comunicação

2.1   O documento da Comissão contém uma série de reflexões em questões de governação fiscal que fazem eco dos resultados de diversas reuniões, nomeadamente a dos países do G20, em Novembro de 2008, a do Conselho ECOFIN, em Dezembro de 2008, a dos ministros das Finanças e dos governadores dos Bancos Centrais do G20, em Março de 2009, do Conselho Europeu, em 19 e 20 de Março de 2009 e, por último, do cimeira do G20, em Abril de 2009. As conclusões destas reuniões convergem no que diz respeito à vontade de tomar providências contra as jurisdições não cooperantes, incluindo os paraísos fiscais, prevendo sanções destinadas a proteger as finanças públicas e os sistemas financeiros. Na cimeira do G20, em particular, afirmou-se que «a era do sigilo bancário terminou».

2.2   A comunicação visa recensear a contribuição concreta da UE para a governação na área da fiscalidade directa. Em três capítulos distintos, o documento analisa possíveis formas de a melhorar, instrumentos que a promovam na prática e o papel dos Estados-Membros no apoio às iniciativas da OCDE e da ONU através de acções coordenadas ao nível da UE e a nível internacional.

2.3   A boa governação em questões fiscais é um objectivo que a Comissão pretende atingir há algum tempo através da cooperação ao nível da própria UE e, num âmbito mais lato, através da colaboração com a OCDE na luta contra o branqueamento de capitais através dos paraísos fiscais.

No conjunto, o quadro legislativo e regulamentar da UE em matéria de cooperação fiscal pode ser considerado satisfatório: foram adoptadas, ou estão em apreciação, directivas relativas à assistência mútua, à tributação da poupança e à cobrança de créditos fiscais. Resta saber de que forma e com que prontidão é que os Estados-Membros aplicarão a legislação comunitária.

2.4.1   Relativamente à concorrência fiscal prejudicial, foi publicado um «código de conduta para a fiscalidade das empresas» (4) que já obteve resultados encorajadores, ainda que apresente margem para melhoramentos. O código foi adoptado pelos Estados-Membros e territórios dependentes e a sua extensão a países terceiros faz parte do programa de trabalho para 2009-2010. O tema recorrente neste contexto é a transparência. A Comissão também é clara quanto à sua posição em relação à aplicação das normas sobre as ajudas do Estado às medidas relativas à fiscalidade directa.

A Comissão pretende propor uma acção coordenada dos Estados-Membros para assegurar um acompanhamento adequado às iniciativas da OCDE a nível internacional, de momento aguardando que «os importantes compromissos recentemente assumidos … sejam aplicados.» Estes compromissos têm duas vertentes. Por um lado, a OCDE pretende desmantelar os regimes fiscais preferenciais dos seus 30 países-membros, por outro, exerceu – e pretende continuar a exercer – pressão sobre os países não membros a fim de obter da sua parte o compromisso político de cooperação com os países da OCDE.

2.5.1   A OCDE estabeleceu contactos com inúmeros países — o mundo inteiro, praticamente — e já obteve os primeiros êxitos, pois que 35 países não membros, incluindo diversos paraísos fiscais, assumiram o compromisso político de cooperar ao nível da transparência e da troca de informações em questões fiscais. Uma série de outros países (5) comprometeram-se recentemente a respeitar as normas da OCDE relativas à troca de informações a pedido, independentemente dos requisitos nacionais e do sigilo bancário.

Ao nível da política internacional, a Comissão está a procurar chegar a acordo sobre práticas de boa governação fiscal com diversos países (6), de uma forma mais estruturada. Em Maio de 2008, a ECOFIN solicitou que fosse incluída uma disposição sobre a boa governação na área fiscal nos acordos celebrados pela Comunidade com os países terceiros. Em Dezembro do mesmo ano, a inclusão da disposição assumiu um carácter ainda mais premente com o apelo a uma luta mais decidida contra os paraísos fiscais e as jurisdições que se recusam a cooperar.

2.6.1   No atinente à tributação dos rendimentos da poupança, a Comissão conseguiu que alguns países terceiros (7), bem como os territórios dependentes ou associados dos Estados-Membros (alguns dos quais recentemente identificados como paraísos fiscais), aplicassem medidas fiscais similares ou equivalentes às das directivas comunitárias. Estão em curso negociações exploratórias com outros países (8), mas ainda não foram encetadas negociações formais.

2.6.2   Estão em curso negociações com os países do Espaço Económico Europeu (EEE) (9) e com a Suíça. Os países EEE aplicam directamente a legislação da UE relativa ao mercado interno, enquanto em matéria de auxílios estatais estão em vigor «normas análogas» às normas comunitárias. As relações com a Suíça são reguladas pelo acordo de comércio livre de 1972, ainda que alguns dos aspectos do mesmo tenham sido recentemente postos em causa. Com o Liechtenstein estão em curso negociações com vista a um novo acordo antifraude. Toda esta matéria encontra-se em fase de desenvolvimento.

2.6.3   Os princípios de transparência, cooperação e troca de informações foram incluídos nos planos de acção e nos acordos celebrados com diversos países no âmbito da política europeia de vizinhança e da política de alargamento. A Comissão está a realizar um esforço para estender esses princípios a diversos países terceiros. No respeitante a certos países, os primeiros contactos afiguram-se promissores, mas será necessário definir as posições a assumir em relação aos países que até agora rejeitaram a ideia.

2.6.4   Objecto de especial atenção são as negociações com os países em vias de desenvolvimento. A par de algumas posições de abertura verificam-se resistências que será necessário superar, eventualmente condicionando os financiamentos previstos pelo IEVP (Instrumento Europeu de Vizinhança e Parceria) e pelo 10.o Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) à aceitação das normas de governação fiscal.

2.7   A comunicação dedica um capítulo específico à enumeração das iniciativas em curso, tanto internas, sob a forma das directivas mencionadas no ponto 2.4, como externas, para permitir o acompanhamento prático das iniciativas mencionadas no ponto 2.5. É de salientar que a Comissão, com toda a razão, apela ao Conselho que lhe conceda suficiente flexibilidade nas negociações, uma condição indispensável para adaptar a política geral às exigências específicas de cada país. É dada especial atenção aos incentivos relativos à cooperação para o desenvolvimento, aos quais se recorreria para suscitar uma maior abertura por parte dos países recalcitrantes (vide supra 2.6.4).

2.8   A Comissão termina, chamando a atenção do Conselho para a importância das medidas propostas e para a necessidade de assegurar uma transposição rápida das directivas já adoptadas para o plano nacional, de acelerar o processo relativo às directivas em fase de apreciação, de lograr uma maior coerência e coordenação das políticas ao nível da UE e, por fim, de assegurar uma maior coerência entre as posições individuais dos Estados-Membros e os princípios de governação acordados.

3.   Observações e comentários

3.1   O CESE congratula-se com a comunicação da Comissão. Na verdade, urgia traçar uma linha de acção e de comportamentos na complexa questão da luta contra a evasão fiscal, no contexto de uma boa governação fiscal. O Comité só pode dar o seu apoio e plena aprovação a todos os aspectos mencionados e às medidas propostas pela Comissão. Entende, por outro lado, ser seu dever chamar a atenção para alguns problemas de fundo e outros aspectos de pormenor que, do seu ponto de vista, merecem consideração atenta.

A Comissão levanta o problema da coerência entre a política de apoio financeiro da UE a certos países e o seu nível de adesão aos princípios da boa governação na área fiscal (vide supra, ponto 2.7). É referida a possibilidade de «adopção de medidas oportunas» por ocasião da próxima avaliação intercalar do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) e de introdução de medidas específicas no Acordo de Cotonu (10). Tais medidas poderiam consistir na redução dos fundos concedidos aos países não cooperantes e na concessão de incentivos, sob a forma de assistência técnica e de dotações suplementares, aos países que demonstrarem vontade de manter os seus compromissos.

3.2.1   Propõe-se portanto introduzir na política comunitária de apoio a outros países a noção de que as ajudas devem ser merecidas através de uma demonstração concreta da vontade de cooperar – não só mas também – na área fiscal. O CESE defende que os actos que regem as modalidades de ajuda deveriam conter uma cláusula explícita neste sentido. Há que introduzir uma alteração clara e explícita na política de concessão de fundos, a qual deverá tornar-se um meio para fomentar um processo concreto e controlável de progresso moral, social e económico. Os governos corruptos não são sensíveis aos pedidos de cooperação, pelo que o único modo de os convencer é pôr os seus interesses em causa. Resta saber em que medida é que a política proposta pela Comissão é passível de ser posta em prática. Na verdade, há obstáculos de natureza política e social que poderiam ter um papel determinante na sua aplicação.

Outras considerações tomam como ponto de partida a declaração introdutória da Comissão, que vê na boa governação em questões fiscais um meio para dar uma «resposta coordenada» aos problemas do branqueamento de capitais, da corrupção e do terrorismo. Desta forma se reitera a noção várias vezes mencionada e igualmente subscrita pelo CESE de que só uma luta global conseguirá levar a cabo uma estratégia de defesa da sociedade contra todo o tipo de crimes financeiros, sejam eles de índole criminosa, terrorista ou fiscal.

3.3.1   Todas as medidas referidas na comunicação da Comissão são úteis no plano da governação fiscal. O CESE sublinha, contudo, que falta uma clara referência orgânica a uma estratégia global. As acções em curso ou em fase de projecto na área fiscal deveriam operar em paralelo e em consonância com as acções correspondentes na área da luta contra o branqueamento de capitais, a corrupção, o crime organizado e o terrorismo. Uma medida preliminar poderia passar pela eliminação das «zonas cinzentas» e das incongruências existentes entre as directivas relativas a questões fiscais e as directivas relativas à luta contra o branqueamento de capitais.

As directivas relativas à luta contra a fraude fiscal não fazem referência às disposições da terceira Directiva relativa à luta contra o branqueamento de capitais  (11), apesar de esta também incluir a fraude fiscal (ou pelo menos alguns aspectos da mesma) na categoria de crimes graves  (12). Poder-se-ia por isso perguntar se as disposições da terceira Directiva são aplicáveis no campo fiscal, em particular no que diz respeito às exigências de informação, às funções da UIF (13) e ao envolvimento de terceiros, entre os quais, as profissões liberais (14). A resposta a tal pergunta é, no entanto, negativa. Nas directivas«fiscais», a luta contra a fraude é atribuída única e exclusivamente às autoridades fiscais, não se fazendo qualquer referência às competências das UIF, a possíveis ligações com as mesmas, ou às disposições da terceira Directiva.

3.4.1   Há assim nas directivas comunitárias uma discrepância entre campos legislativos e campos de acção. Na prática, os limites entre a fraude fiscal e o branqueamento de capitais de origem criminosa, ainda que teoricamente definíveis, podem revelar-se incertos ou inexistentes. A título de exemplo, a fuga ao pagamento do IVA pode ser encarada como contrabando (branqueamento) ou como fraude fiscal e pode revelar ligações de empresas aparentemente «normais» ao tráfico de droga, de armas, etc. A corrupção implica sempre uma evasão fiscal, mas frequentemente oculta crimes bem mais graves de outra índole. As transferências de dinheiro fiscalmente «duvidoso» podem encobrir actividades terroristas. Neste contexto, são numerosas as dúvidas interpretativas, bem como os possíveis conflitos de competências.

3.5   Toda esta matéria requer, por isso, uma reflexão de fundo e uma revisão orgânica. Há que redireccionar a terceira Directiva para o seu objectivo expresso, nomeadamente a luta contra o crime organizado e o terrorismo, excluindo do seu âmbito os crimes fiscais e financeiros quando estes não tiverem origem criminosa ou terrorista. Por seu turno, as directivas fiscais deveriam excluir do âmbito de competência das autoridades fiscais todo e qualquer crime de óbvia natureza criminosa ou terrorista. Mesmo sem se estabelecer uma hierarquia de valores, a luta contra o crime organizado e o terrorismo tem uma importância política e social ainda maior do que a luta contra a evasão fiscal. Estes dois domínios estão, no entanto, estreitamente associados, não apenas em virtude da já mencionada dificuldade em delimitá-los, mas também com vista à execução prática do conceito de «luta global», o qual implica uma obrigação de cooperação e de troca de informações entre as diferentes autoridades. Na realidade, a necessidade de cooperação entre as diferentes autoridades é mencionada numa comunicação de 2004 (15), mas não consta em nenhuma directiva.

3.6   A subdivisão de competências, bem como a sua sobreposição, reflectem a repartição de poderes ao nível do Conselho, sendo os problemas da evasão fiscal e dos paraísos fiscais tratados pelo Conselho ECOFIN, ao passo que os relativos à luta contra a criminalidade e o terrorismo incumbem o Conselho de Justiça e Assuntos Internos. Por outro lado, encontram-se as mesmas subdivisões a nível mundial: o G20 e o GAFI/FATF (16) parecem pertencer a mundos diferentes. Na OCDE há uma ligação, mas só a nível central; os seus interlocutores a nível nacional variam de acordo com as competências ministeriais.

As declarações oficiais fazem pensar que há vontade política de avançar com uma luta global eficaz, mas não se vislumbram soluções práticas, a não ser que as instâncias máximas políticas e financeiras tomem consciência clara do problema. Em todo o caso, é urgente e inadiável uma análise preliminar de determinadas questões de fundo, entre as quais é sem dúvida de destacar a avaliação do fenómeno dos paraísos fiscais  (17) na sua globalidade. Graças à acção da OCDE e da Comissão, nos últimos tempos muitos «paraísos» aceitaram cooperar na luta contra a evasão fiscal (18), com a abolição ou a limitação do sigilo bancário, de tal modo que já nenhum país consta da «lista negra» (19). O futuro próximo revelará até que ponto e em que medida é que estas promessas terão sido cumpridas.

3.7.1   Por outro lado, as diferentes listas não são exaustivas e dão azo a dúvidas. Uma certa falta de transparência parece caracterizar os centros financeiros emergentes, alguns dos quais possuem ou poderão vir a possuir no futuro, características de «refúgio» – ainda que não de «paraíso» – fiscal ou de outra natureza. É o caso de alguns países do Sudeste asiático e os países do Golfo, mas também, em certa medida, a Índia, Singapura e a China (Hong-Kong é só a linha da frente das finanças chinesas). Ainda que conste das cláusulas-padrão, as negociações passam frequentemente por cima da questão do financiamento do terrorismo, uma vez que este circula por canais obviamente avessos a exposição pública e menos ainda a negociações. Estes e outros problemas são de tal modo delicados que se torna compreensível a reserva que os envolve, mas não é por isso que podem ser ignorados.

3.7.2   Outros aspectos há que também não são mencionados, nomeadamente, o tráfico de armas – muitas vezes vendidas legalmente e com expressa autorização oficial – que, por canais obscuros, irá depois fomentar a guerra e o terrorismo em inúmeros países e é frequentemente financiado com os lucros provenientes do narcotráfico. Tudo isto gera um enorme fluxo de dinheiro que parece desaparecer num buraco negro insondável. Trata-se de um fenómeno bem conhecido, mas que certamente não é resolúvel com directivas, acordos ou investigações – é de uma natureza muito diferente e que envolve a política mundial.

3.7.3   No conjunto, o fenómeno dos paraísos fiscais é assim um problema que tem de ser enfrentado, mesmo tendo em conta os aspectos de natureza geopolítica que condicionam quaisquer tentativas de solução. No plano das possibilidades práticas, a luta contra a evasão fiscal e o branqueamento de capitais (mas sobretudo contra o terrorismo) deve assumir um carácter global na medida das possibilidades, tendo em consideração que uma vitória global é ainda um objectivo longínquo. Acima de tudo, é necessário prestar atenção para evitar o desvio de actividades de centros conhecidos para outros que o são menos e que poderão ser hostis ou estar menos abertos a negociações. A actual crise está a acelerar a transformação gradual do equilíbrio de forças entre os centros financeiros mundiais, constituindo a Ásia e o mundo islâmico os novos poderes emergentes, cujas lógicas e comportamentos não coincidem necessariamente com os seus correspondentes tradicionais no mundo ocidental.

Um outro problema, de certo modo relacionado com os paraísos fiscais, é o das bandeiras de conveniência (FOC – flags of convenience), que registam 63 % da frota mercante mundial e um número significativo de grandes embarcações de recreio. Na sua maioria, as bandeiras de conveniência estão sediadas em paraísos fiscais, canalizando um fluxo considerável de capitais de origem perfeitamente legal, ainda que total ou parcialmente isentos de obrigações fiscais. Entre os países que acolhem tais registos incluem-se também alguns países da UE. As frotas que operam com bandeiras de conveniência fazem-no em condições privilegiadas de concorrência relativamente às que arvoram bandeiras nacionais e os fretes cobrados são uma forma de contornar, ainda que não de fugir, à fiscalidade «oficial». Além disso, não estão sujeitas aos acordos colectivos dos trabalhadores de transportes marítimos.

3.8.1   Não está prevista nenhuma intervenção de carácter fiscal relativa às bandeiras de conveniência, não só porque faltam as bases legais para qualquer tipo de acção, mas também porque eventuais intervenções assentes em considerações meramente fiscais arriscar-se-iam, entre outros aspectos, a prejudicar uma actividade económica vital para o mundo inteiro e a acabar com um importante fluxo de investimentos na economia mundial. Para além das sérias questões de ordem moral que levantam, as bandeiras de conveniência distorcem a concorrência e escapam aos acordos colectivos dos trabalhadores – tudo isto com o consentimento tácito ou a tácita aceitação dos governos de todo o mundo. A nível comunitário, as únicas normas que se lhes aplicam são as relativas à segurança na navegação e à regulação do tráfico marítimo.

3.8.2   Estas questões são referidas para pôr em evidência que nem todo o capital que aflui aos paraísos fiscais e volta a sair para ser investido nos centros financeiros mundiais (20) cabe na categoria da evasão fiscal, do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. Neste sentido, as acções na área fiscal propostas pelo G20 e apresentadas pela Comissão devem ser apoiadas. As acções devem abranger também os aspectos do branqueamento de capitais e o terrorismo, mas procurando evitar repercussões indesejadas sobre actividades e fluxos financeiros lícitos ou, pelo menos, não ilegais.

3.8.3   Lograr a transparência e a cooperação dos paraísos fiscais constituiria um sucesso histórico. As zonas cinzentas que subsistem e provavelmente continuarão a subsistir mostram que, independentemente dos grandes princípios, há que apontar para objectivos razoáveis, mesmo que não perfeitos. Em última análise, torna-se clara a necessidade de que as iniciativas no campo financeiro e fiscal sejam conduzidas e controladas pelos poderes políticos no âmbito das suas estratégias em matéria de relações internacionais. Neste último domínio, a União Europeia precisa de uma política comum – um objectivo que os governos deveriam considerar prioritário, mas que no estado actual da situação se afigura ainda longínquo.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Directiva 2005/60/CE relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, JO L 309 de 25.11.2005.

(2)  Grupo de Acção Financeira da OCDE.

(3)  Um navio arvora uma «bandeira de conveniência» (FOC – flag of convenience, na designação inglesa) quando está registado num país com poucas regras com o objectivo de reduzir os custos operativos ou de evitar as legislações onerosas. A Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes elaborou uma lista de 32 registos que classifica como «bandeiras de conveniência».

(4)  Acordado na reunião do Conselho Ecofin de 1 de Dezembro de 1997.

(5)  Entre outros, Suíça, Áustria, Bélgica, Luxemburgo, Hong-Kong, Macau, Singapura, Chile, Andorra, Liechtenstein, Mónaco.

(6)  Países das Caraíbas, ilhas do Pacífico.

(7)  Suíça, Liechtenstein, San Marino, Mónaco e Andorra.

(8)  Hong-Kong, Macau e Singapura.

(9)  Islândia, Liechtenstein e Noruega.

(10)  Acordo de parceria entre os membros do grupo de países de África, das Caraíbas e do Pacífico, por um lado, e, por outro, da UE e os respectivos Estados-Membros, celebrado em Cotonu em 23 de Junho de 2000.

(11)  Directiva 2005/60/CE relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, JO L 309 de 25.11.2005, conhecida também como 3rd Money-Laundering Directive (MLD).

(12)  Vide artigo 3.o, n.o 5, alínea d) da terceira Directiva: «Por “crime grave” entende-se … a fraude … tal como definida no n.o 1 do artigo 1.o e no artigo 2.o da Convenção relativa à Protecção dos Interesses Financeiros das Comunidades Europeias». A evasão fiscal, pelo menos no respeitante ao IVA, está assim explicitamente incluída entre os crimes contemplados pela terceira Directiva.

(13)  Unidade de Informação Financeira. Vide artigo 21.o da terceira Directiva.

(14)  Vide artigo 2.o, n.o.3 da terceira Directiva.

(15)  Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Prévenir et combattre les malversations financières et pratiques irrégulières des sociétés COM(2004) 611 final.

(16)  Grupo de Acção Financeira da OCDE.

(17)  É interessante notar que o termo inglês «fiscal haven» foi traduzido na maior parte das outras línguas como «paraíso fiscal». A diferença entre «haven» (refúgio) e «heaven» (paraíso) não parece ser atribuível a um mero erro de tradução – ela parece, na realidade, reflectir uma diferença de mentalidades.

(18)  Na verdade, a cláusula-padrão relativa ao crime organizado e ao terrorismo é incluída nos acordos com os paraísos fiscais, mas o aspecto «fiscal» é sempre prevalecente.

(19)  Há outras duas listas, uma «cinzenta-clara» e outra «cinzenta-escura», de acordo com o grau de cooperação acordado.

(20)  Calcula-se que 35 % dos fluxos financeiros mundiais circula através dos paraísos fiscais, desconhecendo-se, porém, a base em que assenta este cálculo.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/66


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Uma nova parceria para a modernização das universidades: Fórum da UE para o Diálogo Universidades-Empresas»

[COM(2009) 158 final]

(2010/C 255/12)

Relator: Brendan BURNS

Em 2 de Abril de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Uma nova parceria para a modernização das universidades: Fórum da UE para o Diálogo Universidades-Empresas

COM(2009) 158 final.

Foi incumbida da elaboração dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que adoptou parecer em 15 de Outubro de 2009, sendo relator Brendan Burns.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 60 votos a favor, 12 votos contra e 11 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações

1.1   O CESE considera que aplicar o termo «universidade» a todas as instituições de ensino superior, sem ter em conta a sua denominação nem o seu estatuto entre os Estados-Membros, poderá ser confuso. Pelo contrário, para favorecer as parcerias entre as instituições de ensino superior e as empresas é necessário distinguir que áreas são pertinentes para tal parceria e possibilitar que ambas as partes sejam livres de julgar do carácter vantajoso para ambos. Por conseguinte, o CESE propõe que se utilize o termo mais geral «instituições de ensino superior» e se passe, portanto, a utilizá-lo no título do fórum.

1.2   A Comunicação da Comissão Europeia, tal como o fórum da UE para o diálogo entre as universidades ou instituições de ensino superior e as empresas devem limitar o seu envolvimento a uma cooperação e uma intervenção bem definidas, que devem ser analisadas antecipadamente de forma correcta, particularmente no contexto actual de crise que não permite saber com segurança se as empresas terão a possibilidade de investir directamente nos futuros diplomados (com uma visão mais a longo prazo). O fórum deve servir para dar a conhecer o interesse geral a longo prazo nos domínios da educação e da evolução do mercado de trabalho.

1.3   É desejável que se consultem os parceiros sociais e representantes da sociedade civil no que respeita a este tema. O diálogo com as empresas e a criação do fórum deve ser substancial, sem se tornar um mero mecanismo que pouco mais faça para além de recolher mais fundos para financiar as actuais actividades das universidades; este processo de empenhamento e de criação de fóruns também não deve tornar se um instrumento que permita às empresas «dominar» as instituições de ensino superior.

1.4   O CESE preferiria promover uma parceria mais equilibrada entre as universidades e as empresas, em que ambas as partes reconheçam mutuamente os seus diferentes objectivos e responsabilidades sociais e, simultaneamente, identifiquem e utilizem os temas e os pontos de ligação entre elas, dando origem a uma cooperação e a contributos valiosos (1).

1.5   Aprendizagem ao longo da vida – é necessário conduzir investigação no terreno de forma a identificar claramente as tarefas levadas a cabo nas empresas e os resultados a alcançar, antes que os fóruns possam estabelecer quaisquer objectivos em termos de educação e formação profissionais.

1.6   Cabe às empresas assumir a responsabilidade de definir esses resultados com base nas tarefas empreendidas, ou que é necessário empreender, no local de trabalho e tendo em conta as necessidades de formação dos trabalhadores ao longo da sua vida.

1.7   O acesso a programas de aprendizagem ao longo da vida não deve ser determinado exclusivamente pelo anterior sucesso académico dos candidatos ou pela obtenção prévia de determinadas qualificações. A aprendizagem ao longo da vida deve basear-se nas necessidades práticas dos trabalhadores e do seu local de trabalho. Qualquer formação no local de trabalho deve orientar-se para a obtenção de resultados práticos. A obtenção de qualificações académicas não deve ser o principal objectivo dos programas de aprendizagem ao longo da vida.

1.8   No mundo empresarial, nada substitui a experiência prática. Por isso, o fórum deve incluir propostas sobre a forma como o pessoal académico pode adquirir experiência prática valorizante junto das empresas de grande e pequena dimensão. Foram já realizadas inúmeras experiências neste âmbito e devem ser analisados os exemplos de boas práticas.

1.9   As PME e as microempresas devem ser incentivadas a assumir um papel mais activo no fórum.

1.10   Importa também empregar uma definição mais prática de PME no contexto do funcionamento do fórum. O Comité sugere o seguinte:

Categoria empresarial

Número de trabalhadores

Média

<100

Pequena

<20

Micro

<5

2.   Contexto

2.1   A educação e a formação são fundamentais para a realização dos objectivos globais da Estratégia de Lisboa. Para que a sociedade europeia possa afirmar-se e concorrer na nova economia global, os cidadãos deverão mostrar mais iniciativa. A modernização dos sistemas de ensino europeus é um dos desafios a superar para alcançar esse objectivo, e o papel das universidades e das empresas será fundamental nesse processo.

2.2   Já existem parcerias entre grandes empresas multinacionais e universidades, institutos e organizações de investigação. As Iniciativas Tecnológicas Conjuntas, as plataformas tecnológicas europeias, os pólos de excelência e o recém-criado Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia são bons exemplos de novas formas de colaboração e parceria. Infelizmente, essas relações não estão suficientemente desenvolvidas entre as instituições de ensino superior e as microempresas e as PME.

2.3   É necessário encetar novas vias de investigação, de forma a compreender melhor o mundo em mutação do ensino superior e o papel do pessoal académico. Numa altura em que as universidades assumem um papel de destaque na construção de uma «sociedade do conhecimento» europeia, pesquisas recentes demonstram que, à medida que aumentam as expectativas do público em relação às universidades, estas enfrentam pressões difíceis de gerir: por um lado, espera-se que se dediquem mais à investigação e sejam mais competitivas e eficientes do ponto de vista económico; por outro, espera-se que formem mais alunos, de modo mais personalizado, e que mantenham elevados padrões académicos. Estas pressões lançam confusão sobre a verdadeira missão das universidades, que assim se arriscam a perder importância enquanto geradoras e difusoras de conhecimento (2).

2.4   A comunicação de Maio de 2006 relativa à modernização do ensino superior (3) concluiu que as empresas podiam contribuir em três domínios:

Governação: os modelos empresariais poderiam ser importados pelo mundo universitário;

Financiamento: as empresas podem ter um papel a desempenhar no apoio financeiro à investigação e à educação;

Currículos: os estudantes precisam de uma educação que os prepare para o mercado de trabalho presente e futuro. As empresas devem envolver-se nesse processo e proporcionar estágios que ajudem os estudantes a fazer a transição dos estudos para a vida activa. As empresas também devem ser encorajadas a autorizar o seu pessoal a seguir novos cursos e a reciclar as suas competências ao longo da sua vida profissional.

2.5   Em 2008, a Comissão criou um Fórum para o Diálogo Universidades-Empresas a fim de fomentar a cooperação entre as universidades e as empresas e ajudar as primeiras a adaptar-se melhor e mais rapidamente às necessidades do mercado e a desenvolver parcerias que tirem partido do conhecimento científico e tecnológico.

2.6   No fórum participam instituições de ensino superior, empresas, associações empresariais, intermediários e poderes públicos. Este possibilita a troca de boas práticas, o debate de problemas comuns e a cooperação com vista a soluções possíveis.

3.   Síntese da proposta da Comissão

3.1   A Comissão reconhece a necessidade de uma melhor cooperação entre as universidades e as empresas. São, pois, necessárias medidas de apoio aos esforços dos Estados-Membros no sentido de modernizar os seus sistemas de ensino superior.

3.2   A presente comunicação tem por objectivos:

Fazer o balanço da experiência adquirida com o primeiro ano do fórum e com outras actividades pertinentes a nível europeu sobre os desafios e obstáculos à cooperação entre universidades e empresas. Um documento de trabalho dos serviços da Comissão desenvolve mais pormenorizadamente este aspecto.

Fazer propostas para as próximas etapas do trabalho do fórum.

Definir acções concretas de seguimento, tendo em vista o reforço da cooperação entre universidades e empresas.

3.3   As principais conclusões do relatório que influenciarão os trabalhos do fórum são:

O desenvolvimento de uma cultura de empreendedorismo nas universidades requer profundas alterações na gestão e orientação destas últimas;

A formação em empreendedorismo deve ser global e estar aberta a todos os estudantes interessados, em todas as disciplinas académicas;

As universidades devem associar os empresários ao ensino do empreendedorismo;

Professores e docentes deveriam ter acesso a uma formação em ensino de empreendedorismo e conhecimento do mundo empresarial;

As universidades e as instituições públicas de investigação devem definir uma estratégia de longo prazo clara para a gestão dos direitos de propriedade intelectual (DPI);

Há que superar as dificuldades especiais com que as PME se defrontam para entrar em parcerias com as universidades;

A aprendizagem ao longo da vida deve ser plenamente integrada nas missões e estratégias das universidades;

A actualização/modernização de competências deve ser valorizada e reconhecida pelos empregadores no mercado do trabalho;

A aprendizagem ao longo da vida deve ser desenvolvida em parceria com empresas, já que as universidades não podem concebê-la e proporcioná-la sozinhas;

As condições nacionais e regionais de enquadramento devem proporcionar um ambiente que propicie às universidades a cooperação com as empresas;

A cooperação entre universidades e empresas tem de inserir-se em estratégias institucionais. A liderança e uma gestão eficaz dos recursos humanos são cruciais para a sua concretização.

3.4   A fim de promover o debate sobre esses objectivos, a Comissão tenciona dotar o fórum de uma organização reforçada para reuniões plenárias e seminários temáticos. Foi recomendado o lançamento de um sítio Web. A Comissão encorajará ainda o envolvimento das autarquias locais e das regiões e de parceiros de fora da UE.

3.5   Com base nas conclusões do fórum, a Comissão prevê explorar possíveis novas formas de parcerias estruturadas entre universidades e empresas, em especial PME, e analisar em que medida estas parcerias poderiam receber o apoio de programas comunitários. A Comissão investigará também se o âmbito do diálogo com o mundo empresarial poderia ser alargado a outros sectores da educação e formação.

4.   Observações na generalidade

4.1   O CESE acolhe favoravelmente os esforços da Comissão Europeia com vista a melhorar as relações entre as instituições de ensino superior e as empresas, mas lamenta que a comunicação pouco mais faça do que confirmar os problemas já descritos em documentos anteriores, chegando sempre às mesmas conclusões: há um problema que é preciso resolver. Contudo, o Comité manifesta preocupação quanto ao facto de a Comissão, ao propor na sua comunicação certas medidas para melhorar a cooperação entre as instituições de ensino superior, o fazer de forma unilateral, afirmando, por exemplo, que as universidades deveriam adoptar as estruturas de gestão das empresas, facilitar a participação directa dentro delas de profissionais do sector e introduzir uma formação em empreendedorismo (ver ponto 3.3).

4.2   O CESE receia que a comunicação tenha seguido uma metodologia demasiado académica e que as suas recomendações sejam excessivamente vagas e abertas a leituras diferentes. A utilização do termo «universidades» para todas as instituições de ensino superior, independentemente do seu estatuto e designação nos Estados-Membros, presta-se a confusões. Diferentes instituições de ensino superior prestam serviços diferentes às empresas. As instituições orientadas para as competências práticas oferecem produtos diferentes do que as instituições que se centram no conhecimento teórico. Por exemplo, a função primordial das universidades clássicas, em que predominam as ciências humanas e sociais, bem como a investigação fundamental, consiste em produzir saber e manter a continuidade cultural.

4.3   A maior parte dos empregadores reconhece a distinção tradicional entre as universidades e as outras formas de ensino superior e partem do princípio de que as universidades formarão indivíduos com uma compreensão profunda das matérias leccionadas. Para os empresários, um diploma é mais um indicador de potencial do que uma prova de competência, ao passo que as habilitações e os diplomas de ensino profissional são tidos como garantia da capacidade de desempenhar tarefas específicas. A comunicação em apreço e o documento de trabalho dos serviços da Comissão que a acompanha não ajudam a clarificar nenhuma destas questões.

4.4   O CESE está ciente dos problemas gerados pela crescente introdução da dinâmica empresarial nas universidades. Está em crer que a transferência de processos e procedimentos educacionais americanos e sua aplicação, sem mais, na Europa não será eficaz. As universidades europeias precisam de encontrar uma nova forma de estabelecer diálogos com as empresas e de melhorar os serviços, qualificações e resultados que oferecem, sem prejudicar a sua capacidade fundamental de investigação, primordial para a sobrevivência da União no contexto da concorrência mundial.

4.5   Na actual situação económica, todas as instituições do ensino superior da Europa terão de se orientar mais para o «cliente» e ganhar uma maior consciência dos custos/benefícios que proporcionam à sociedade. Para ajudarem estas instituições a assumir este novo papel, o fórum para o diálogo universidades-empresas deve tornar-se o parceiro ideal No entanto, convém definir a noção de «cliente», não só do ponto de vista do interesse geral mas também daquele que respeita a cada estudante.

4.6   Estas alterações nas prioridades terão um impacto financeiro nas universidades. É necessário ponderar cuidadosamente até que ponto deve o mercado definir as prioridades académicas. A dedicação exclusiva à competitividade e a uma orientação mais empresarial enquanto valores absolutos pode, entre outras coisas, levar a uma restrição dos currículos e dos domínios de investigação. Aliás, esta tendência é ilustrada pelo declínio global das disciplinas clássicas. Este processo (4) não se limita às humanidades, ocorrendo igualmente em disciplinas científicas clássicas como a química, a física e a matemática, bem como na economia e noutras ciências sociais.

4.7   Na comunicação, a Comissão declara que o principal objectivo das recomendações é tornar as universidades europeias «líderes essenciais da ambição da Europa de vir a tornar-se a mais avançada economia e sociedade do conhecimento a nível mundial». Por louvável que seja este objectivo, há reservas quanto ao facto de se identificar exclusivamente as universidades como «líderes». O CESE preferiria assistir a uma parceria equilibrada entre empresas e universidades, em que ambas reconheçam os talentos e as fraquezas de cada um e ambas desempenhem o mesmo papel impulsionador de mudanças. Nesse contexto, as empresas contribuiriam com a sua experiência prática do mercado e as universidades com os conhecimentos e o apoio intelectuais. O CESE recorda, no entanto, que o «motor» desta ambição europeia é também constituído por inúmeros outros factores que não apenas as empresas e instituições de ensino superior. Esta ambição deve ser reconhecida em várias políticas nacionais e europeias, e em particular no apoio da sociedade (ou na ausência deste) à educação e à luta contra o desemprego.

4.8   O CESE reconhece a importância de adequar a oferta de ensino às necessidades do mercado de trabalho e a ênfase colocada pelo documento de trabalho nos resultados (pontos 5.2, 5.2.3 e 5.5.5), mas mantém a sua opinião de que este não pode ser o único papel da universidade. Tem reservas, porém, quanto à forma como esses resultados serão determinados, quem os definirá e de que modo a educação e formação profissionais poderão ser integradas nos cursos e nas habilitações universitários ou profissionais. A definição desses resultados seria fundamental para assegurar a correspondência entre as habilitações e as necessidades dos empregadores, e sobretudo das PME e das microempresas, mas assinala que, tendo em conta a duração de uma formação em relação à evolução dos mercados de trabalho europeus, que não estão harmonizados, será difícil fazer coincidir formação e emprego na empresa. No que diz respeito aos domínios relacionados com as empresas, as universidades devem permitir aos estudantes e/ou diplomados responder às exigências actuais de um mundo económico em mudança através da transmissão de conhecimentos teóricos adequados.

4.9   A aprendizagem ao longo da vida é vital para as empresas e os cidadãos, mas a comunicação não foca o problema da igualdade de acesso. Trata-se de um problema grave, sobretudo para as pessoas que não receberam uma educação universitária. É óbvio que sem recomendações específicas, as pessoas que já têm diplomas universitários poderão aceder mais facilmente a apoios e a novos cursos, ao passo que as que não têm tais habilitações só dificilmente poderão beneficiar de educação universitária ou de programas universitários de aprendizagem ao longo da vida.

4.10   As propostas parecem partir do princípio de que a Comissão conseguirá determinar as áreas em que há mais falta de competências apenas através de reuniões com empregadores e professores. É irónico que um documento que defende mais investigação científica se coíba de recomendar métodos científicos específicos para determinar com precisão as áreas mais problemáticas e redefinir os programas de ensino e formação destinados a colmatar as lacunas. A criação de instituições (por exemplo, associações) nas instituições de ensino superior, em parceria com grandes empresas, permite identificar quais as qualificações que os diplomados necessitam na prática e assegurar que estes estão em condições de responder mais adequadamente às exigências da economia. Além disso, estas instituições podem ajudar os diplomados a obterem emprego nas empresas.

4.11   Essa falta de evidência seria particularmente importante no que diz respeito à aprendizagem ao longo da vida. Deveria conduzir-se pesquisas no terreno para identificar claramente que tarefas são levadas a cabo nas empresas e que tarefas é necessário empreender. Uma vez identificadas as necessidades, é necessário orientar a formação e criar as qualificações correspondentes para que se obtenha os resultados identificados. Devido à natureza prática da definição de resultados destas empresas, é essencial que as empresas assumam o papel que lhes cabe no processo de desenvolvimento e estabeleçam estes objectivos. Informar os interessados será crucial. Por exemplo, sabendo que há uma grande oferta de emprego num sector, como o marítimo, os potenciais «estudantes» deveriam ser informados sobre as universidades (nacionais ou europeias) que oferecem formação para essas profissões, muito variadas e, em alguns casos, altamente qualificadas.

4.12   O ponto 2 da comunicação da Comissão afirma que «a cooperação entre universidades e empresas envolve duas comunidades com acentuadas diferenças em termos de cultura, valores e missões». Explica em seguida como foram estabelecidas parcerias entre os dois sectores e reconhece que «o grau de cooperação permanece muito desigual entre países, universidades e disciplinas académicas. Além disso, a incidência dessa cooperação na gestão ou nas culturas organizacionais dos dois sectores em questão é limitada. Poucas universidades dispõem de uma estratégia de cooperação com as empresas a nível institucional e as que dela dispõem estão concentradas num pequeno número de Estados-Membros».

4.13   Esta constatação reflecte um dos principais problemas da relação universidades-empresas, a saber, que muitas universidades com métodos de ensino antiquados raramente procuram compreender a cultura, os valores e a motivação das empresas e consideram que qualquer evolução da situação deve provir das empresas, e não das universidades. Uma verdadeira cooperação requer que os representantes das empresas tenham em conta a função específica das universidades e as suas diversas responsabilidades para com a sociedade, bem como o facto de que as contribuições das instituições de ensino superior para as empresas se efectuam sobretudo por vias indirectas. Até que este problema seja resolvido, quaisquer recomendações sobre a cooperação universidades-empresas terão um impacto muito reduzido.

4.14   Um outro problema salientado por esta constatação é que a actual cooperação se baseia nas universidades que cooperam com grandes empresas, muitas vezes multinacionais, com um impacto socioeconómico comprovado. A questão pertinente é, pois, que esperança podem as PME e as microempresas alimentar se mesmo as grandes empresas, como os factos demonstram, têm tão pouca influência sobre as universidades. Este problema é referido no ponto 3.3: «Há que superar as dificuldades especiais com que as PME se defrontam para entrar em parcerias com as universidades». Contudo, não são avançadas sugestões concretas quanto a essas dificuldades ou à forma de as superar.

4.15   O documento não dá uma definição clara de PME. O termo é mencionado nove vezes na comunicação, dez vezes na avaliação de impacto e setenta e seis vezes no documento de trabalho dos serviços da Comissão, mas a impressão geral com que se fica ao ler os documentos da Comissão é que não se refere às pequenas empresas mas mais às empresas com mais de 200 trabalhadores e com um volume de negócios de mais de 10 milhões de euros. A actual definição de PME utilizada pela Comissão Europeia é a seguinte:

Categoria empresarial

Número de trabalhadores

Volume de negócios anual

 

Total do balanço anual

Média

<250

€50 milhões

ou

€43 milhões

Pequena

<50

€10 milhões

ou

€10 milhões

Micro

<10

€2 milhões

ou

€2 milhões

Esta definição em nada ajuda as instituições de ensino superior ou o fórum ao tentar identificar PME, especialmente se forem empregues os dados referentes ao volume de negócios anual. O CESE considera que a utilização destas definições de PME dificulta a identificação dos parceiros empresariais. Por isso, seria conveniente que se adoptasse uma definição mais simples de PME que reflicta a realidade.

4.16   São necessárias uma análise profunda e a ilustração com exemplos concretos da aposta no «incremento do empreendedorismo» em todo o sistema de ensino. O CESE considera que para tal efeito o fórum poderá não ser o local mais apropriado para examinar esse problema tão vasto. A necessidade de desenvolver a criatividade das crianças, bem como de outros talentos que poderão utilizar no exercício das suas profissões futuras e a necessidade de os adultos serem empreendedores no trabalho ((nomeadamente no que respeita aprendizagem ao longo da vida) são duas coisas diferentes.

4.17   As empresas receiam que o «empreendedorismo» se tenha tornado na nova moda do ensino superior. As universidades têm um papel a desempenhar na promoção e no desenvolvimento do empreendedorismo, mas, nos últimos tempos, isto passou a incluir a formação de indivíduos para empresários. O Fórum Económico Mundial (Formar uma Nova Vaga de Empresários – Abril de 2009) referiu que a maior parte do que se ouve dizer sobre empreendedorismo está totalmente errado. Não é magia, não é nenhum mistério e também não tem nada a ver com genes. Trata-se de uma disciplina e, como qualquer outra disciplina, pode ser aprendida. O CESE está em crer que esta orientação recentemente tomada por algumas universidades tem defeitos fundamentais. As universidades podem ensinar como realizar tarefas empresariais – como contabilidade e marketing -, podem ensinar técnicas de gestão, mas ninguém, nem mesmo os professores universitários, podem ensinar como avaliar e assumir riscos financeiros e pessoais que, tantas vezes, desafiam qualquer racionalidade lógica.

4.18   O CESE remete para o seu parecer sobre a «Parceria entre as instituições de ensino e os empregadores» (5), que também reflecte sobre esta problemática.

5.   Observações sobre o documento de trabalho dos serviços da Comissão

5.1   O CESE lamenta que o documento de trabalho referido na comunicação (ponto 2) pouco ou nada acrescente ao conteúdo da própria comunicação. Aliás, o documento de trabalho apenas vem gerar mais confusão ao apresentar conclusões sem fundamentação.

5.2   O documento de trabalho foi claramente redigido do ponto de vista das universidades e concentra-se na forma como estas podem beneficiar do diálogo com as empresas. É de lamentar que seja assim, uma vez que o documento não oferece uma visão equilibrada de como o fórum deveria funcionar. A distinção entre universidades, estabelecimentos de ensino pós-secundário e outros organismos de formação também é extremamente confusa, e não fica claro se o que se pretende é que todas as universidades se tornem instituições de formação ou o contrário.

5.3   Para o CESE, o documento de trabalho é uma oportunidade perdida, que não abre perspectivas novas e mais amplas às empresas nem analisa os problemas específicos das PME.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver pareceres do CESE sobre «Universidades para a Europa», relator: Joost van Iersel (JO C 128 de 18.5.2010, p. 48) e sobre «Cooperação e transferência de conhecimentos entre os organismos de investigação, a indústria e as PME — Uma condição importante para a inovação», relator Gerd Wolf (JO C 218 de 11.9.2009, pp. 8-14).

(2)  Fundação Europeia da Ciência (FEC). 2008. Higher Education Looking Forward: An Agenda for Future Research [O Ensino Superior Orientado para o Futuro: Uma agenda para futuras pesquisas], John Brennan, Jürgen Enders, Christine Musselin, Ulrich Teichler e Jussi Välimaa.

(3)  Comunicação de 10.5.2006 da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu «Realizar a agenda da modernização das universidades: ensino, investigação e inovação» COM(2006) 208 final.

(4)  Wilshire, Bruce. 1990. The Moral Collapse of the University: Professionalism, Purity and Alienation [O Colapso Moral da Universidade: Profissionalismo, pureza e alienação], Albany: State University of New York Press; Readings, Bill. 1996. The University in Ruins [A Universidade em Ruínas]. Cambridge, Harvard University Press.

(5)  Parecer do CESE, relator: Henri Malosse in (JO C 228 de 22.9.2009, p. 9).


ANEXO

ao PARECER

do

Comité Económico e Social Europeu

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada em reunião plenária, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 54.o, n.o 3, do Regimento):

Ponto 1.2

Alterar como se segue:

« fórum da UE para o diálogo entre as universidades ou instituições de ensino superior e as empresas deve limitar o seu envolvimento a uma cooperação e uma intervenção . .».

Resultado da votação:

Votos a favor: 27

Votos contra: 49

Abstenções: 7


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/72


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Acção Contra o Cancro: Parceria Europeia»

[COM(2009) 291 final]

(2010/C 255/13)

Relatora: Ingrid KÖSSLER

Em 24 de Junho de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões – Acção Contra o Cancro: Parceria Europeia»

COM(2009) 291 final.

Incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu parecer em 10 de Novembro de 2009, sendo relatora Ingrid Kössler.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 176 votos a favor com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Recomendações

1.1   O CESE saúda a iniciativa da Comissão de constituir uma parceria europeia em torno de uma acção de luta contra o cancro. O cancro representa uma carga muito pesada para as pessoas individualmente e para a sociedade europeia em geral e é a principal causa de morte da população em idade activa. Em 2006, o cancro foi a segunda causa de morte mais comum na UE, a seguir às doenças cardiovasculares, tendo sido responsável por duas em cada dez mortes nas mulheres e por três em cada dez nos homens, o que corresponde a aproximadamente 3,2 milhões de cidadãos europeus diagnosticados com cancro todos os anos (1).

O CESE salienta a importância de a UE levar a cabo uma acção comum que se traduza no intercâmbio de informação, de conhecimentos especializados e de boas práticas para assistir os Estados-Membros na sua luta contra o cancro.

1.2.1   O CESE assinala que há diferenças inaceitáveis entre os Estados-Membros em matéria de incidência e mortalidade do cancro e apoia o objectivo de, no final da vigência da parceria, todos os Estados-Membros disporem de planos integrados de combate ao cancro.

1.2.2   O CESE partilha da tese da Comissão segundo a qual as estratégias integradas de luta contra o cancro devem assentar em objectivos claros que sirvam de motor à implementação e permitam verificar se foram conseguidos os efeitos desejados.

1.2.3   O CESE concorda com a importância de medidas preventivas visto garantirem o bem-estar das pessoas e contribuírem para que tenham, no futuro, uma vida mais longa e mais saudável.

1.2.4   O CESE vê a parceria no período que decorre até 2013 como um novo passo fundamental no processo iniciado em 2003 (2) e reconhece a necessidade de prossegui-la de uma forma ou de outra após essa data, tendo em mente que o horizonte temporal dos vários objectivos vai para além dela (2020).

1.2.5   O CESE realça como é essencial um estilo de vida saudável e considera fundamental a parceria como uma forma de persuadir as autoridades nacionais competentes e os profissionais da saúde a multiplicarem esforços nesse sentido.

1.2.6   O CESE realça que a parceria está em consonância com o artigo 152.o do Tratado CE (saúde pública), segundo o qual todas as políticas e acções da Comunidade devem assegurar um elevado nível de protecção da saúde.

1.2.7   O CESE está empenhado em apoiar esta parceria apostando nos contactos com as organizações da sociedade civil a nível local e nacional.

1.2.8   O CESE chama a atenção para a importância de utilizar os Fundos Estruturais reservados às infra-estruturas de saúde e à formação no sector, os quais não são suficientemente aproveitados pelos Estados-Membros.

2.   Contexto geral

2.1   O CESE insiste mais uma vez que o cancro atinge e afecta muitas pessoas e os seus entes mais próximos. O cancro representa um encargo enorme para a sociedade e é a principal causa de morte da população em idade activa.

2.2   O elevado número de casos de cancro tem, por conseguinte, muitas e profundas implicações para os Estados-Membros.

2.3   Como se prevê que a sua incidência aumente nos próximos tempos, o impacto desta doença será futuramente ainda maior.

2.4   Graças a uma prevenção eficaz, poder-se-á evitar aproximadamente um terço dos casos de cancro e, graças a um diagnóstico precoce, será possível tratar mais um terço de casos com êxito e muitas vezes até a sua cura.

2.5   As quatro formas de cancro mais comuns na UE são: o cancro da mama, do colo do útero e colorrectal, o cancro do pulmão e o cancro da próstata.

2.6   As formas de cancro que causam o maior número de mortes na UE-27, por ordem de taxa de mortalidade, são: o cancro do pulmão, do colo do útero e colorrectal, o cancro da mama, o cancro da próstata e o cancro do estômago (3).

2.7   A incidência e a mortalidade nessas cinco formas de cancro podem diminuir graças a um estilo de vida melhor.

2.8   O cancro do pulmão é a forma de cancro que mais mortes causa na UE. Em 2006, quase um quinto das mortes foram causadas por cancro do pulmão e, na sua maioria, pelo tabagismo. Na Europa, morrem todos os anos desta doença cerca de 335 000 pessoas (3).

3.   Síntese da proposta da Comissão

3.1   A proposta da Comissão para uma Parceria Europeia de Acção Contra o Cancro para o período 2009-2013 tem por objectivo apoiar os Estados-Membros na concepção de planos integrados de luta contra o cancro capazes de aliviar a carga que esta doença representa para a UE e atingir a meta de uma redução de 15 % até 2020 (510 000 novos casos).

3.2   A Comissão Europeia propõe acções com objectivos a alcançar nas seguintes quatro áreas:

Área 1: Promoção da saúde e diagnóstico precoce

Objectivo: reduzir o peso do cancro, aplicando a recomendação do Conselho sobre o rastreio do cancro e promovendo campanhas de informação em larga escala sobre as possibilidades de rastreio, destinadas ao público em geral e aos profissionais da saúde em particular.

Área 2: Identificação e divulgação das boas práticas

Objectivo: suprimir as desigualdades de mortalidade pelo cancro atribuível aos cuidados de saúde, reduzindo a disparidade entre os Estados-Membros com melhor e pior desempenho neste domínio.

Área 3: Cooperação e coordenação em matéria de investigação sobre o cancro

Objectivo: conseguir a coordenação de um terço dos trabalhos de investigação, independentemente da sua fonte de financiamento, até 2013.

Área 4: Processo de avaliação comparativa

Objectivo: assegurar dados rigorosos e comparáveis sobre o cancro.

4.   Saúde e diagnóstico precoce

4.1   O CESE reputa necessária uma estratégia horizontal para reduzir a carga cada vez mais pesada que o cancro representa para a UE.

4.2   Esta doença pode ser causada por muitos factores mas é possível, em certos casos, preveni-la. É, por isso, fundamental, que a prevenção incida no estilo de vida, nas condições de trabalho e no meio ambiente.

4.3   Este trabalho de prevenção terá de guiar-se pelo princípio de «integrar a dimensão da saúde em todas as políticas». A parceria poderá, com efeito, ser reforçada pela integração da política de saúde em outros domínios, por exemplo, o ambiente e a agricultura, tanto ao nível nacional como europeu e em conformidade com a estratégia de saúde da UE.

4.4   O CESE considera especialmente importante concentrar a prevenção nos problemas associados a estilos de vida que aumentam o risco de cancro. É sobretudo fundamental sensibilizar as gerações mais jovens para o facto de um estilo de vida saudável diminuir o risco de contrair essa doença. Incutir este conhecimento nos jovens que, mais tarde ou mais cedo, serão também pais, poderá ter um impacto considerável nos seus filhos e nas gerações futuras.

4.5   São hoje conhecidos os factores que aumentam o risco de cancro. O principal é, sem sombra de dúvida, o tabagismo.

4.6   Outros factores de risco são: a obesidade, a falta de actividade física, a exposição demasiada aos raios solares e o consumo excessivo de álcool.

4.7   É incomparavelmente mais elevado o número de mortes em consequência do tabagismo, o excesso de peso, o escasso consumo de frutas e legumes e a exposição demasiada aos raios solares.

4.8   O CESE reputa essencial que a parceria se concentre na prevenção e no controlo.

4.9   O CESE acolhe favoravelmente a proposta de fixar objectivos globais para a prevenção e o rastreio, mas isso torna indispensável encontrar indicadores à altura de acompanhar a realização desses objectivos.

4.10   A prevenção e o diagnóstico precoce (rastreio) são decisivos para um tratamento bem sucedido e a possibilidade de cura.

4.11   O CESE deseja recordar que, não obstante a UE ter recomendado já em 2001 a colocação nos maços de cigarros de imagens alusivas aos riscos do tabaco, apenas três Estados-Membros fazem uso delas. É preciso que este número aumente o mais depressa possível. Essas imagens alusivas são também uma via eficaz para influenciar as crianças e impressionar aquelas que já sabem ler.

4.12   O CESE chama a atenção para a importância de adoptar medidas contra o tabagismo passivo.

4.13   É crucial que os jovens tenham um estilo de vida melhor (4) e, para tal, haverá que introduzir nos programas de ensino dos Estados-Membros uma disciplina sobre o estilo de vida que informe os jovens o mais cedo possível e divulgue conhecimentos sobre como viver mais tempo. A informação sobre os riscos do tabagismo, maus hábitos alimentares, o escasso consumo de frutas e legumes e sobre os aspectos negativos da exposição aos raios solares deverá ser ministrada logo nos primeiros anos de vida. Nas escolas primárias dos Estados-Membros deverá haver, pelo menos, duas a três horas de ginástica por semana. A actividade física e o interesse pela vida ao ar livre e o desporto contribuem para combater o excesso de peso mesmo na idade adulta (5).

4.14   O CESE chama a atenção para o papel essencial desempenhado pelos investigadores, os profissionais da saúde, as organizações de pacientes, os economistas, os professores, o pessoal paramédico, as autoridades de supervisão, os políticos, outros decisores e a sociedade civil na concretização dos objectivos da parceria nos Estados-Membros.

4.15   O CESE realça a importância das organizações europeias de pacientes e o papel fundamental que podem desempenhar no âmbito da parceria. Também são essenciais as organizações e as redes de voluntários para fazerem chegar às pessoas a mensagem de como evitar contrair cancro e de como é importante um diagnóstico precoce. O CESE salienta igualmente o papel que os meios de comunicação podem ter na sensibilização das pessoas para um estilo de vida saudável e para a importância de um diagnóstico precoce, bem como na promoção de medidas preventivas.

4.16   O CESE sublinha que medidas de prevenção eficazes, para além de poderem prolongar a esperança de vida de 20 a 30 anos, têm vantagens económicas, pelo facto de os seus custos serem consideravelmente menores do que os custos decorrentes do tratamento da doença.

4.17   O CESE realça a importância de definir indicadores que sirvam, ao longo dos anos, para monitorizar a prevenção primária. Para avaliar as medidas de prevenção primária adoptadas durante um certo período pelos Estados-Membros, propõe-se que estes calculem a intervalos regulares o número de jovens de quinze anos que fumam e o façam igualmente em relação aos indicadores de excesso de peso (p.ex. o índice de massa corporal). Os cuidados pré-natais nos vários Estados-Membros são eventualmente uma área em que se poderia monitorizar o excesso de peso das mulheres. Outra possibilidade seria, no caso dos homens, o recrutamento para o serviço militar.

Rastreio

4.18   O CESE salienta que o rastreio é um investimento numa saúde melhor e uma maneira de prevenir a doença.

4.19   O CESE considera fundamental que os programas de rastreio possam ser avaliados.

4.20   O CESE concorda que os programas de rastreio propostos devem cobrir o maior número possível de pessoas no caso do cancro da mama, do colo do útero e colorrectal, tal como estabelecido na recomendação do Conselho sobre o rastreio do cancro, até 2013. Aliás, já em 2003 haviam sido fixados objectivos bem claros que não foram, todavia, alcançados.

4.21   O CESE também considera que os Estados-Membros devem redobrar os seus esforços para implementar completamente a recomendação do Conselho sobre o rastreio do cancro até 2013. Apreciaria que todos os Estados-Membros definissem objectivos razoáveis e progressivos neste sentido.

4.22   O CESE reputa essencial prever informação e apoio dirigidos especificamente a grupos vulneráveis, para compenetrá-los das vantagens de participarem no rastreio. Também é importante ter em conta o stress e a tensão que pode causar o receio de contrair uma doença cancerosa.

4.23   O CESE espera que, os futuros programas de rastreio propostos a nível comunitário, tenham a sua base em factos comprovados. Espera igualmente que a UE recomende a cobertura de certas faixas etárias no âmbito da introdução desses programas nos Estados-Membros. A definição uniforme em todos os Estados-Membros das faixas etárias relevantes e da periodicidade das convocatórias para o rastreio poderia reduzir as diferenças nos resultados e trazer benefícios para a investigação.

4.24   O CESE saúda a criação, a nível europeu, de um regime-piloto voluntário de acreditação para o rastreio.

5.   Identificar e divulgar as boas práticas

5.1   O CESE concorda com o objectivo de acabar com as desigualdades na mortalidade pelo cancro, reduzindo a disparidade entre os Estados-Membros.

5.2   O CESE salienta a importância de todos os Estados-Membros começarem a compilar estatísticas e a elaborar registos para a consecução deste objectivo. Tudo depende de comparações transparentes e acuradas. Um requisito mínimo para realizar esse objectivo é que exista ou seja criado nos Estados-Membros um registo da população onde sejam registados os novos casos de cancro, bem como as causas da morte. Deste modo, obter-se-á dados correctos sobre a incidência, a prevalência, a sobrevivência e a mortalidade. O CESE propõe que, numa fase mais avançada, os registos dos hospitais sejam interligados com estes dados, facilitando assim a comparação das estratégias e dos tratamentos.

5.3   O CESE concorda com a identificação dos obstáculos à recolha de dados e propõe medidas adequadas para que os Estados-Membros que ainda não tenham registos os adoptem rapidamente.

5.4   O CESE considera igualmente fundamental a recolha de dados sobre os custos que o cancro representa para a sociedade. Isso seria útil neste contexto e revelaria a amplitude deste problema societal.

5.5   O CESE aprova a realização de uma sondagem de opinião na UE sobre o registo dos dados relacionados com o cancro. Poderiam servir aqui de exemplo as experiências dos Estados-Membros nórdicos.

5.6   O CESE concorda que o cancro pode ter origem em muitos factores, como o estilo de vida, as condições de trabalho e o meio ambiente, pelo que o trabalho de prevenção deve ser realizado numa frente muito ampla.

5.7   O CESE gostaria de salientar especialmente a importância de medidas de prevenção no âmbito do tabagismo. Em muitos Estados-Membros, sobretudo nos de adesão mais recente, há grande número de fumadores. Além disso, são frequentemente os grupos social e economicamente mais vulneráveis que mais fumam. Importa advertir para o facto de o chamado tabagismo passivo também ter riscos para a saúde.

Investigação

5.8   O CESE pensa, tal como a Comissão, que deve melhorar o intercâmbio de conhecimentos entre os países e que é necessário promover as infra-estruturas da investigação.

5.9   O CESE saúda a proposta de facilitar o acesso do público à informação relativa à investigação sobre o cancro, designadamente aos ensaios clínicos.

5.10   O CESE salienta, tal como a Comissão, a importância de iniciativas comuns europeias em matéria de investigação sobre a prevenção, por exemplo, investigação sobre o estilo de vida, que tem sido negligenciada embora seja área essencial e estratégica em que se deve apostar em conformidade com os objectivos da parceria. Também é necessário analisar, no âmbito da investigação, os riscos de efeitos secundários e das sequelas deixadas pelos tratamentos, assim como as questões psicossociais associadas a essa doença.

5.11   O CESE salienta a importância da concorrência na investigação e considera que é sobretudo ao nível das infra-estruturas que é possível melhorar a cooperação no âmbito da investigação. O CESE congratula-se com a criação de biobancos comuns, com o intercâmbio mais fácil de material, o intercâmbio de conhecimentos e os estudos clínicos, uma vez que, por um lado, o material produzido individualmente pelos Estados-Membros não é suficiente e, por outro, se avançará mais depressa se vários países colaborarem entre si (centros de estudos multi-europeus).

5.12   O CESE considera positivo haver uma instância incumbida da avaliação da investigação e da prática científica com uma perspectiva europeia. Uma instância independente desse tipo poderá avaliar e verificar todas as provas numa certa área da medicina na Europa. Isso quer dizer que se poderá comparar os trabalhos de investigação realizados numa determinada área segundo critérios predefinidos para uma investigação acurada.

5.13   O CESE apreciaria que uma tal instância identificasse sobretudo áreas para projectos de investigação estratégicos comunitários, no âmbito do cancro, com grande relevância mas sem interesse comercial.

Análise comparativa

5.14   Objectivo: garantir a disponibilidade de dados exactos e comparáveis sobre o cancro necessários para a adopção de medidas políticas.

5.15   O CESE concorda com a Comissão que é fundamental dispor de dados comparáveis e de um registo dos casos de cancro nos Estados-Membros.

5.16   O CESE realça igualmente a necessidade de definir indicadores comparáveis e susceptíveis de avaliação. Um primeiro passo seria que todos os Estados-Membros adoptassem um registo de casos de cancro e os notificassem à mesma instância. Tanto o CIIC (Centro Internacional de Investigação do Cancro) como a UICC (União Internacional Contra o Cancro) poderiam ser os destinatários dessa notificação, já que são ambos activos ao nível europeu.

5.17   O CESE considera que a transparência das comparações é fundamental para apresentar e divulgar as boas práticas.

5.18   Dados comparáveis e o aumento do seu intercâmbio são igualmente essenciais para a investigação.

5.19   O CESE recorda que todos os elos da cadeia de cuidados, como o tratamento, a reabilitação e os cuidados paliativos, são muito importantes para aliviar a carga que representam as doenças cancerosas e o sofrimento tanto dos pacientes como dos seus entes mais próximos. O CESE desejaria que a acção se concentrasse, antes de mais, na prevenção primária (profilaxia) e na prevenção secundária (rastreio), para detectar o mais cedo possível esse tipo de doença e iniciar rapidamente o tratamento.

5.20   O CESE reputa fundamental integrar as iniciativas adoptadas que abarcam toda a cadeia de cuidados, ou seja, o tratamento, a reabilitação e os cuidados paliativos, bem como a prevenção primária e secundária, em planos nacionais de luta contra o cancro.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Fonte: Centro Internacional de Investigação do Cancro (CIIC), 2007.

(2)  Recomendação do Conselho, de 2 de Dezembro de 2003, sobre o rastreio do cancro (2003/878/CE) in JO L 327 de 16.12.2003, p. 34.

(3)  Fonte: CIIC 2007.

(4)  COM(2007) 630 final, pontos 11 e 15.

(5)  Recomendação da UE. (será fornecida a referência após reunião do grupo)


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/76


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a iniciativa europeia em matéria de doença de Alzheimer e outras formas de demência»

[COM(2009) 380 final]

(2010/C 255/14)

Relatora: Maureen O'NEILL

Em 22 de Julho de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

«Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a iniciativa europeia em matéria de doença de Alzheimer e outras formas de demência»

COM(2009) 380 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 10 de Novembro de 2009, sendo relatora Maureen O'Neill.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Conclusões

1.1.1   O CESE congratula-se com a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a iniciativa europeia em matéria de doença de Alzheimer e outras formas de demência porque se trata de um assunto de importância fundamental na Europa com implicações para os indivíduos, as famílias e a sociedade, dado o envelhecimento da população.

1.1.2   O CESE reconhece que a responsabilidade primária de lidar com a demência e de providenciar cuidados pertence aos Estados-Membros, mas congratula-se com a atenção chamada pela comunicação para o papel da UE no aumento dos progressos nacionais.

Nota sobre a terminologia: dado que o termo «doença de Alzheimer» não inclui todas as formas de demência, este documento refere-se à «doença de Alzheimer e outras formas de demência» ou simplesmente a «demência».

1.2   Recomendações (sem ordem de prioridade, mas antes pela ordem em que aparecem no texto)

1.2.1   O CESE recomenda que a Comissão apoie campanhas de sensibilização para melhorar o conhecimento público da demência a fim de aumentar o diagnóstico atempado e reduzir o estigma.

1.2.2   O CESE recomenda que o leque de áreas de investigação apoiadas seja mais amplo.

1.2.3   O CESE congratula-se com a abordagem da programação conjunta em investigação e insta a Comissão a aplicá-la atempadamente.

1.2.4   O CESE recomenda que o método aberto de coordenação seja estendido à saúde para que a Comissão possa encorajar activamente o desenvolvimento de estratégias nacionais específicas e enquadramentos de qualidade para lidar com a demência.

1.2.5   O CESE insta a Comissão a promover amplamente a utilização do Programa de Saúde para desenvolver modelos de cuidados de saúde e para trabalhar activamente com os governos nacionais na utilização dos Fundos Estruturais Europeus a fim de desenvolver e aplicar na Comunidade a formação para os cuidados com a demência a nível local em termos de cuidados em situações agudas e de cuidados prolongados.

1.2.6   O CESE dá particular ênfase à importância da aplicação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos às pessoas que sofrem de demência.

1.2.7   O CESE apoia o ponto da comunicação sobre a criação de uma rede europeia utilizando os equipamentos proporcionados pelo programa de saúde.

1.2.8   O CESE insta à divulgação e aplicação da comunicação a nível local, nacional, da UE e internacional, usando, em colaboração com as organizações de Alzheimer, os governos nacionais, a Comissão e outros órgãos apropriados, incluindo o CESE.

2.   Contexto

2.1   O Livro Branco «Juntos para a saúde: uma abordagem estratégica para a UE (2008-2013)» (1) identificava explicitamente e abordava a importância de desenvolver uma melhor compreensão das doenças neurodegenerativas como a doença de Alzheimer e outras formas de demência.

2.2   A Comissão tornou prioritário que o assunto seja devidamente reconhecido, dada a magnitude do problema e o impacto nos indivíduos, nos portadores de cuidado e nos custos para a sociedade.

2.3   A acção a longo prazo proposta centrar-se-á nas estratégias para a prevenção, na intervenção não médica e nas competências para os prestadores de cuidados profissionais e voluntários e na ênfase numa abordagem com base na colaboração entre os Estados-Membros e a Comissão na área da investigação (2).

2.4   A Comissão Europeia estabelecerá igualmente uma ligação entre as partes relevantes do futuro trabalho sobre a doença de Alzheimer e o Pacto Europeu para a Saúde e Bem-Estar Mental, adoptado em 2008, reconhecendo, desta forma, que a saúde mental é uma dimensão particular da doença de Alzheimer.

2.5   O Parlamento Europeu aprovou também uma declaração (3) sobre as prioridades na luta contra a doença de Alzheimer e outras formas de demência, para ser dado empenho político à investigação, à prevenção e à protecção social, eliminando o estigma e conferindo importância a apoiar as associações de Alzheimer na luta contra esta doença e outras formas de demência.

3.   Contexto

3.1   A demência caracteriza-se por uma perda progressiva das funções mentais causada por uma variedade de situações clínicas, das quais a mais comum é a doença de Alzheimer que afecta cerca de 50-60 % das pessoas com demência. Outras situações clínicas incluem a demência vascular e a demência de Lewy-Body. Um projecto realizado pela Plataforma de Pacientes da UE Alzheimer Europe, com o apoio da Comissão Europeia, identificou as formas raras de demência mais significativas (4).

3.2   Estimou-se em 2008 que n.os 27 Estados-Membros 7,3 milhões de pessoas com idades entre os 30 e os 99 anos sofriam dos diferentes tipos de demência. São afectadas mais mulheres (4,9 milhões) do que homens (2,4 milhões) (4).

3.3   Devido ao aumento geral da esperança média de vida e ao envelhecimento da geração dos «baby boomers», pensa-se que o número de idosos aumentará substancialmente, com os grupos mais idosos a terem o maior aumento relativo. É provável que continue o aumento do número de situações clínicas ligadas à idade, em particular a demência, com as previsões actuais a anteciparem uma duplicação do número de pessoas afectadas nos próximos 20 anos. A Alzheimer's Disease International considera que 104 milhões de pessoas em todo o mundo terão demência em 2050.

3.4   O impacto das demências, tanto actualmente como no futuro, na família e nos cuidadores profissionais, assim como na saúde pública e nos custos dos cuidados de saúde é significativo. A Alzheimer Europe (2008) calculou que os custos directos e informais da doença de Alzheimer e de outras demências, em 2005, ascendiam a 130 mil milhões de euros para os 27 Estados-Membros da UE – 21 mil euros por pessoa por ano, dos quais 56 % gerados por cuidados informais (5).

3.5   Na conferência «A luta contra a doença de Alzheimer e patologias relacionadas» durante a Presidência francesa, sublinhou-se que era vital partilharmos o nosso conhecimento, enquanto europeus, e mobilizar as competências e as experiências nos vários Estados-Membros para combater esta doença; as conclusões foram discutidas pelo Conselho (Saúde) em Dezembro de 2008.

3.6   É aos Estados-Membros que cabe a principal responsabilidade de lutar contra as demências e de providenciar cuidados de saúde. No entanto, de acordo com o artigo 152.o do Tratado em relação à saúde espera-se que a UE dê o seu apoio às acções nacionais e o artigo 165.o exige que a Comunidade e os Estados-Membros coordenem a sua investigação e desenvolvimento tecnológico a fim de assegurar que as políticas nacionais e comunitárias são consistentes umas com as outras.

4.   A Comunicação da Comissão

O objectivo da comunicação da Comissão é definir áreas e acções a nível da UE que sejam uma mais valia no apoio aos Estados-Membros.

4.1   A comunicação define cinco aspectos fundamentais para serem abordados pela acção da comunidade:

Prevenção

Melhor compreensão das demências – coordenação da investigação

Partilhar boas práticas

Assegurar que os direitos das pessoas com demência são defendidos

Criar uma rede europeia.

4.2   Será lançada em 2010 uma acção conjunta entre a Comissão da UE e os Estados-Membros, definida no plano de trabalho para a aplicação do Segundo Programa de Saúde para 2008-2013, que fará parte do objectivo global da Estratégia de Lisboa em relação a melhoramentos nos resultados na saúde (6).

5.   Prevenção

Actualmente não é possível prevenir, nem curar a doença de Alzheimer ou outras formas de demência e o declínio cognitivo tem sido visto como uma parte inevitável do envelhecimento. Contudo, à medida que aumentam os conhecimentos sobre o envelhecimento e o cérebro estão a ser investigadas possíveis formas de prevenção.

5.1   Uma vez que as demências podem estar mais ou menos ligadas a problemas cardiovasculares, a prevenção inclui uma dieta adequada (7); o controle da tensão arterial e do colesterol são também importantes, assim como não fumar, consumir álcool moderadamente (8) e fazer exercício físico.

5.2   Outras estratégias preventivas incluem a actividade social, o envolvimento e o apoio, e ainda o estímulo intelectual.

5.3   Uma boa saúde física e mental ao longo da vida podem ajudar a manter a função cognitiva. Isto é por vezes chamado «estilo de vida do cérebro saudável» (9).

5.4   As provas para apoiar estas estratégias são ainda limitadas e o CESE apoia a Comissão no seu pedido de mais investigação específica para que se compreenda melhor o potencial das estratégias preventivas. Isto é apoiado também pela Alzheimer's Europe.

5.5   O CESE congratula-se com a acção proposta de incorporar a dimensão da demência nas acções actuais e futuras da UE sobre prevenção na saúde, incluindo a educação, e de trabalhar com os Estados-Membros para desenvolver e dar orientação no sentido de uma divulgação mais vasta junto do público e das organizações de cuidados de saúde e assistência social.

5.6   Um desafio fundamental é conseguir diagnósticos mais precoces e mais fiáveis. Isto diminuiria a incerteza para os indivíduos em causa e para os que cuidam deles, permitindo que fizessem planos apropriados a nível financeiro, jurídico, médico e outros.

5.7   Entre as barreiras a um diagnóstico precoce encontra-se o facto de as pessoas não reconhecerem os sintomas ou considerarem-nos parte normal do envelhecimento. Isto é também influenciado pela negação e pelo medo devido ao estigma associado à demência. Um inquérito recente mostrou que a demora média do aparecimento dos sintomas ao diagnóstico variava consideravelmente entre os países europeus, podendo ir de 10 meses na Alemanha a 32 meses no Reino Unido.

5.8   No entanto, o CESE está preocupado com o número de pessoas em toda a UE que poderão não ter acesso a diagnóstico por falta de conhecimentos ou de serviços disponíveis, particularmente nas zonas rurais e nas comunidades locais desfavorecidas.

5.9   O CESE apoia o pedido da Alzheimer's Europe para que a Comissão da UE e os governos nacionais apoiem campanhas de sensibilização para o público em geral e para um vasto leque de partes interessadas a nível nacional, regional e local, incluindo os meios de comunicação social, a fim de melhorar o reconhecimento dos sintomas da demência e reduzir o estigma (10).

6.   Melhor compreensão das demências – coordenação da investigação

6.1   O CESE reconhece o empenho da Comissão no seu apoio à investigação através dos programas-quadro em relação à investigação cerebral, causas e estratégias de prevenção para um envelhecimento saudável e para a saúde pública.

6.2   No entanto, o CESE sublinha que também é necessária investigação sobre a eficácia dos vários modelos de cuidados, intervenções psicossociais e não-farmacêuticas, bem como sobre o impacto das alterações demográficas, como o divórcio/segundo casamento/coabitação, migração e urbanização, na experiência da demência e nos cuidados dessa doença.

6.3   Embora tenha sido financiada pela UE uma parte substancial de investigação sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) e os cuidados da demência, é necessária mais, e os resultados essenciais sugerem que se a tecnologia for usada de forma ética e integrada nos planos de saúde pode ajudar as pessoas com demência a fazer escolhas, a permanecer em casa com segurança, podendo ainda melhorar a qualidade de vida em todos os cenários.

6.4   O CESE congratula-se com o empenho da Comissão nas acções específicas sobre investigação das TIC no âmbito dos programas-quadro, assim como nos projectos-piloto em grande escala que foram lançados entre a UE e 23 países europeus sobre produtos e serviços das TIC (11).

6.5   Dada a crescente prevalência da demência é essencial que haja cooperação entre as instituições de investigação e os organismos de financiamento nos Estados-Membros. O CESE congratula-se com a abordagem da programação conjunta, numa base voluntária, para garantir que os fundos disponíveis vindos dos Estados-Membros e dos programas da UE são gastos da melhor forma possível.

6.6   O CESE acredita, por isso, que é essencial que os Estados-Membros se empenhem nesta investigação, no seu financiamento e no trabalho em colaboração.

7.   Partilhar boas práticas

7.1   Dada a reconhecida necessidade de mais investigação, a importância de um diagnóstico precoce, o leque de tratamentos e os cuidados sociais e de saúde disponíveis em todos os Estados-Membros, o método aberto de coordenação desempenha um papel crucial no que respeita à eficácia da protecção social, à inclusão social e aos serviços de cuidados a longo prazo disponíveis.

7.2   É essencial proporcionar serviços de qualidade às pessoas com demência e aos que cuidam delas. Para alguns Estados-Membros isto faz parte de uma estratégia global, mas até à data apenas dois apresentaram formalmente uma estratégia na UE e o CESE considera que a Comissão, ao estender o método aberto de coordenação à saúde, podia incentivar o desenvolvimento de estratégias nacionais específicas e de enquadramentos de qualidade que poderiam servir como parâmetros de referência para outros Estados-Membros e para melhoramentos em relação à política, aos serviços, à formação e à investigação.

7.3   O CESE congratula-se com o empenho em proporcionar formação especial ao pessoal da saúde e prestador de cuidados, bem como aos membros da família das pessoas com demência, com a sua abordagem holística dos cuidados. O CESE acredita na utilização do Programa de Saúde da UE para desenvolver modelos de cuidados complementados pelos Estados-Membros que utilizariam os Fundos Estruturais Europeus para possibilitar a sua aplicação. Isto é particularmente importante à luz da falta de pessoal formado na área dos cuidados sociais e de saúde (12). É essencial proporcionar na Comunidade formação do pessoal para melhorar a compreensão da doença de Alzheimer e da demência, assim como sobre práticas éticas em termos de cuidados em situações agudas e de cuidados prolongados.

7.4   O CESE apoia a partilha de boas práticas nas áreas identificadas da prevenção e dos serviços que melhoram a qualidade de vida das pessoas com doença de Alzheimer e outras formas de demência.

7.5   O CESE apoia fortemente o maior envolvimento das associações de Alzheimer nacionais, europeias e internacionais, assim como de outras organizações de pacientes relevantes. Estas organizações proporcionam uma grande variedade de serviços às pessoas com demência e aos que cuidam delas e desempenham um papel importante na prevenção da exclusão social e da discriminação, bem como na promoção dos direitos dos indivíduos com demência.

7.6   Estas organizações fornecem informações (13) valiosas que podem influenciar e informar a investigação, a política e a prática, e dar voz às pessoas com demência e aos que cuidam delas. O CESE gostaria de dar o seu apoio e usar a sua influência através do seu envolvimento no trabalho de ligação com uma grande variedade de organizações em todos os Estados-Membros e internacionalmente.

7.7   O CESE apoia o pedido da Alzheimer Europe aos governos nacionais para que reconheçam o importante contributo das associações ligadas à doença de Alzheimer e as financiem a fim de apoiar, no contexto da solidariedade pan-europeia, os novos doentes trazidos pelo aumento previsto do número de pessoas que sofrerão de doença de Alzheimer e outras formas de demência.

8.   Assegurar que os direitos das pessoas com demência são defendidos

8.1   «Acima de tudo, as pessoas com demência são amigos, parentes, vizinhos e membros, como nós, da sociedade. O facto de terem um problema médico específico é secundário» (14). O CESE defende o direito dos indivíduos com doença de Alzheimer e outras formas de demência a serem tratados com dignidade e a terem direito à autodeterminação.

8.2   O impacto nos indivíduos e nos cuidadores tanto do diagnóstico como da perda progressiva de capacidades pode ser socialmente isolador e negativo, com efeitos a nível da sua saúde e do seu bem-estar. O CESE insta a Comissão e os governos nacionais a informar e a educar a sociedade para que elimine o estigma que está associado à demência.

8.3   O CESE insta a que os direitos das pessoas com demência sejam defendidos no contexto da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que foi fortalecida pelos direitos das pessoas com deficiência e os direitos dos pacientes (15). Tem de ser dada informação sobre a doença e os serviços disponíveis e aqueles indivíduos e os que cuidam deles têm de ser envolvidos nas decisões tomadas a seu respeito.

8.4   O CESE apoia que a Comissão influencie os líderes políticos da UE no reconhecimento dos direitos dos idosos incapacitados para permitir que os seus direitos sejam defendidos e para que estejam livres de negligência ou maus-tratos (16).

9.   Criar uma rede europeia

9.1   O CESE considera a criação de uma rede europeia através do Programa de Saúde como sendo extremamente importante. Permitiria a partilha de boas práticas, contribuiria para o desenvolvimento de normas e abordagens consistentes (17) em relação a pessoas idosas vulneráveis em todos os Estados-Membros e criaria a oportunidade de desenvolver princípios e definições comuns sobre os direitos das pessoas com demência.

9.2   Além disso, uma rede europeia podia contribuir para:

uma melhor educação para um grupo mais vasto, para pessoal prestador de cuidados sociais e de saúde em relação à demência e a como os que são afectados por ela e os que cuidam deles podem ser apoiados;

uma melhor educação sobre a demência para reduzir o estigma e encorajar o diagnóstico precoce;

uma melhor coordenação entre os profissionais que trabalham com pessoas com demência e com os que cuidam delas para que se possam satisfazer as suas necessidades individuais (18);

em todos os Estados-Membros.

9.3   A rede podia incluir o trabalho com os governos nacionais para o desenvolvimento de declarações antecipadas para um indivíduo enquanto ele ainda tem a capacidade de consentir, no que diz respeito a tratamento médico, cuidados, apoio, assuntos financeiros e jurídicos e a possibilidade de designar antecipadamente uma pessoa de confiança para falar em seu nome.

9.4   O CESE gostaria de instar a uma colaboração estreita entre a rede e a Alzheimer's Europe para assegurar o fornecimento de informação consistente e de qualidade sobre a demência que é de importância vital para reduzir o estigma, para encorajar as pessoas a procurar aconselhamento médico e a tomarem conhecimento dos serviços e do apoio disponíveis, assim como para promover os direitos dos indivíduos a fim de garantir a sua dignidade e autodeterminação.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 77 de 31.3.2009, p. 96.

(2)  Dementia Year Book 2008 (Anuário da Demência 2008) Alzheimer Europe.

(3)  Declaração do Parlamento Europeu PE414.434.

(4)  COM(2009) 380 final.

(5)  Alzheimer Europe (2008), Dementia in Europe Yearbook (Anuário da Demência 2008).

(6)  Decisão n.o 1350/2007/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007, que cria um segundo Programa de Acção Comunitária no domínio da Saúde (2008-2013). Ver http://ec.europa.eu/health/ph_information/indicators/lifeyears_en.htm

(7)  JO C 24 de 31.1.2006, p. 63.

(8)  JO C 318 de 23.12.2009, p. 10.

(9)  Dementia Risk Reduction: The evidence. Alzheimer's Austrália Paper 13 September 2007.

(10)  Alzheimer Europe Paris, Declaração sobre as prioridades políticas do movimento Alzheimer. (2006)

(11)  Decisão n.o 742/2008/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Julho de 2008, COM(2007) 332 final, JO L 201 de 30.7.2008, p. 49.

(12)  JO C 317 de 23.12.2009, p. 105.

(13)  A «European Collaboration on Dementia» (EuroCoDe) existe para produzir indicadores consensuais e para realizar inquéritos conjuntos.

(14)  Alzheimer Europe Year Book 2008 (Anuário da Demência 2008).

(15)  JO C 10 de 15.1.2008, p. 67.

(16)  JO C 44 de 16.2.2008, p. 109.

(17)  JO C 204 de 9.8.2008, p. 103.

(18)  «Baseline assessment of current information provision to people with dementia and their carers» (avaliação de base do actual fornecimento de informação às pessoas com demência e aos que cuidam delas); Alison Bowes NHS Quality Improvement Scotland e o Dementia Services Development Centre, em Stirling, Escócia.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/81


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde – Promover a Mobilidade dos Jovens para fins de Aprendizagem»

[COM(2009) 329 final]

(2010/C 255/15)

Relatora: Eve PÄÄRENDSON

Em 8 de Julho de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Livro Verde – Promover a Mobilidade dos Jovens para fins de Aprendizagem

COM(2009) 329 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 4 de Dezembro de 2009, sendo relatora Eve Päärendson.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 173 votos a favor, 4 votos contra e 2 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Recomendações

1.1   O CESE aprova plenamente o empenho da Comissão na promoção da mobilidade dos jovens para fins de aprendizagem (a seguir designada por «mobilidade na aprendizagem»). Para concretizar essa maior mobilidade, os potenciais países de acolhimento devem ser encorajados a actuar de forma a atrair os jovens para os seus países e as suas cidades.

Os objectivos da mobilidade na aprendizagem só serão realizados mediante uma cooperação total e generalizada e esforços envidados a todos os níveis (UE, Estados-Membros, regiões, estabelecimentos de ensino, parceiros sociais e organizações da sociedade civil, bem como os próprios jovens).

1.2.1   A Comissão e os Estados-Membros devem empenhar-se mais activamente na supressão dos obstáculos à mobilidade e no intercâmbio de boas práticas. O Comité insta os Estados-Membros a aplicar correctamente a legislação comunitária e a eliminar os obstáculos administrativos e legislativos relacionados com as autorizações de residência, os direitos à segurança social e o reconhecimento dos cartões de estudantes de outros países. Dado que a mobilidade na aprendizagem foi essencial para o êxito do Processo de Bolonha e do Espaço Europeu do Ensino Superior, o Comité considera que a mobilidade poderá ser também o elemento fundamental para o desenvolvimento de um Espaço Europeu de Aprendizagem ao Longo da Vida. A adopção de um «estatuto do estagiário europeu» ou de um «estatuto do estudante europeu» garantirá a igualdade de tratamento e resolverá muitos receios e preocupações sobre, por exemplo, o reconhecimento dos diplomas, a assistência médica e o apoio aos estudantes.

1.2.2   Para a validação e o reconhecimento do ensino formal e não formal, é necessário reconhecer formalmente, assinar e ratificar a Convenção de Lisboa sobre o Reconhecimento das Qualificações.

1.3   Para gerar um maior apoio à mobilidade na aprendizagem, incluindo apoio financeiro, é importante que todas as partes tenham consciência dos benefícios e os reconheçam. A interligação entre a mobilidade na aprendizagem e a empregabilidade deve ser mais divulgada e salientada.

A capacidade para promover a mobilidade dos jovens europeus e atrair jovens dotados dos países terceiros para a Europa será determinante para manter a competitividade da Europa e a sua posição de líder no sector tecnológico. O Comité está convicto de que os problemas de concessão de vistos que impedem a mobilidade têm de ser imediatamente resolvidos. Considera igualmente que a expansão gradual e a longo prazo dos programas de mobilidade na aprendizagem a países terceiros, como a China, a Índia, o Japão e os EUA, constituiria um investimento pertinente.

1.4.1   O Comité recomenda com firmeza que se envidem grandes esforços tanto para evitar a fuga de cérebros da Europa como para tornar a Europa um lugar atraente para cientistas de origem europeia e não europeia.

1.5   A União Europeia e os Estados-Membros não aproveitarão os benefícios sociais e económicos de uma maior mobilidade estudantil se não houver um aumento substancial dos recursos destinados à mobilidade para fins de aprendizagem. Em tempos de crise, devem ser efectuados investimentos estruturais numa Europa mais competitiva e com um nível de educação mais elevado. A fim de aumentar o financiamento, a UE deve mobilizar todos os mecanismos e parceiros existentes e incluir a mobilidade em todas as políticas pertinentes, permitindo o financiamento pelos fundos estruturais e pelo programa-quadro de I&D. O Fundo Social Europeu deve tornar-se uma fonte suplementar de financiamento, sobretudo para o ensino e a formação profissionais (EFP), completando o financiamento existente do programa Aprendizagem ao Longo da Vida 2007-2013.

1.6   Maior mobilidade na aprendizagem só terá algum impacto se a qualidade da experiência de aprendizagem no estrangeiro for suficiente boa. Assim, o Comité recomenda que todos os programas de mobilidade adiram à Carta Europeia da Qualidade da Mobilidade.

1.7   O Comité recomenda igualmente a reforma dos actuais programas de mobilidade, designadamente Erasmus, Leonardo, Comenius, Grundtvig e Marie Curie, a fim de simplificar os procedimentos e garantir o menor número possível de obstáculos burocráticos. É especialmente importante que os estabelecimentos de ensino, o poder local e regional, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil sejam envolvidos neste processo.

1.8   O compromisso em prol da mobilidade deve reflectir-se numa ambiciosa avaliação comparativa da mobilidade no âmbito do novo quadro estratégico de cooperação europeia na educação e na formação (EF2020). Esta avaliação comparativa deveria distinguir entre diferentes grupos-alvo (estudantes no domínio do ensino e formação profissionais, professores, educação não formal, estudantes do ensino superior e secundário) e deveria basear-se num conjunto muito mais completo de dados estatísticos.

1.9   Para aprofundar os conhecimentos sobre os programas de mobilidade na aprendizagem e aumentar o número de jovens que se decidem por períodos de estudo no estrangeiro, importa informar melhor do que até aqui sobre este tema.

1.10   O Comité concorda com a criação de um portal Internet europeu único que reúna toda a informação sobre os programas pan-europeus de mobilidade na aprendizagem e onde as empresas possam encontrar informações (currículos) sobre jovens à procura de estágios ou de contratos de aprendizagem, e vice-versa. As redes europeias de empresas (incluindo organizações de PME) e as associações europeias de profissionais devem ser incentivadas a incluir informação sobre os programas de mobilidade estudantil nos seus sítios Internet e a publicitá-los junto dos seus membros.

1.11   A fim de reforçar o processo político decorrente do Livro Verde, o Comité recomenda que a noção de mobilidade para fins de aprendizagem seja definida e a gama de idades do público-alvo seja especificada.

1.12   O Comité está convicto de que, para se promover a mobilidade na aprendizagem, o ensino de línguas deve passar a ser uma prioridade curricular dos estabelecimentos de ensino e de formação a todos os níveis. Recomenda igualmente que se examine a possibilidade de tornar obrigatório um ano de estudos no estrangeiro para os professores de línguas em todos os estabelecimentos de ensino superior e insta os Estados-Membros a desenvolverem maiores esforços nas suas políticas educativas para realizar o objectivo de cada cidadão europeu falar pelo menos duas outras línguas comunitárias.

2.   Síntese do Livro Verde da Comissão

2.1   Em 8 de Julho de 2009, a Comissão Europeia publicou um Livro Verde sobre Promover a Mobilidade dos Jovens para fins de Aprendizagem, que visa envolver diversas partes interessadas no debate acerca das medidas que melhor poderão promover as oportunidades oferecidas aos jovens europeus de aprofundar os seus conhecimentos e competências mediante uma estadia num outro país para fins de estudo ou trabalho, voluntariado ou formação adicional no contexto da aprendizagem ao longo da vida.

2.2   O Livro Verde possui um âmbito alargado, procurando abranger a situação de todos os jovens nos diferentes contextos de aprendizagem: ensino básico e secundário; licenciatura, mestrado e doutoramento; estágios; contratos de aprendizagem; intercâmbios juvenis; trabalho voluntário ou ensino e formação profissionais, tanto dentro como fora da União Europeia (1). O Livro Verde visa promover uma mobilidade na aprendizagem estruturada, incidindo em especial na mobilidade física dos jovens (16-35 anos), mas reconhecendo simultaneamente o valor da mobilidade virtual (no desenvolvimento de parcerias, formação e projectos de cibergeminação). Propõe uma reflexão sobre a melhor forma de explorar os mecanismos e instrumentos novos e existentes para favorecer a mobilidade dos jovens e a forma mais adequada de mobilizar os diferentes níveis de governo (comunitário, nacional, regional e local) e outras partes interessadas (as empresas, a sociedade civil e os indivíduos). Evidencia um conjunto de áreas onde deverão ser realizados esforços adicionais e apresenta diversas opções. São referidos exemplos de boas práticas sempre que pertinente. Existem apoios financeiros, programas no domínio da educação e formação e orientações práticas para a mobilidade estudantil, mas há que divulgar e facilitar o acesso a essa informação.

2.3   O programa Erasmus, com uma experiência de 20 anos, é a prova dos benefícios da mobilidade no ensino superior. No seu relatório sobre a Estratégia de Lisboa, de Dezembro de 2007, a Comissão Europeia sublinhou que a mobilidade do tipo do programa Erasmus devia tornar-se uma componente natural do ensino universitário (2). A Comissão salientou a importância do investimento na educação e formação, ou seja, na promoção do conhecimento e das competências a fim de combater a actual crise económica. A mobilidade na aprendizagem deve passar a ser uma oportunidade aberta a todos os jovens na Europa, de forma a garantir a competitividade e a coesão futuras da UE, ou seja, tornar-se a regra em vez de ser a excepção (3). A mobilidade do conhecimento devia tornar-se uma quinta liberdade da UE.

2.4   O Comunicado de Lovaina, adoptado em 29 de Abril de 2009, pelos ministros do ensino superior dos países que participam no Processo de Bolonha, estabelece que, até 2020, pelo menos 20 % dos graduados do Espaço Europeu do Ensino Superior deverão ter beneficiado de um período de estudo ou formação no estrangeiro (4).

2.5   Assim, o Livro Verde lança uma consulta pública e insta a respostas às seguintes questões:

Como motivar mais jovens a realizarem um período de estudo, de formação adicional, de voluntariado ou de trabalho no estrangeiro?

Quais os principais obstáculos à mobilidade a ultrapassar?

Qual a melhor forma de todas as partes interessadas, designadamente os estabelecimentos de ensino básico, secundário e superior, as empresas e as associações empresariais, o poder nacional e local e as organizações da sociedade civil, colaborarem mais estreita e eficazmente, em particular, para incentivar os jovens de outras nacionalidades a adquirirem experiência com elas? Neste sentido, como motivar as empresas a receberem participantes dos programas de mobilidade, incluindo jovens empresários e aprendizes?

3.   Mobilidade: benefícios, obstáculos e problemas potenciais

3.1   O Livro Verde assinala justamente que a mobilidade para fins de aprendizagem «é uma das formas mais importantes de os indivíduos, em especial os jovens, poderem reforçar a sua futura empregabilidade e o seu desenvolvimento pessoal».

Um período noutro país para estudos, no âmbito do emprego actual, para aquisição de maior experiência profissional ou para trabalho voluntário oferece aos jovens uma oportunidade real de alargar os seus horizontes. Todavia, segundo as estatísticas apresentadas no Livro Verde, em 2006, os programas (5) em vigor ofereceram oportunidades de mobilidade a cerca de 310 000 jovens, o que representa somente 0,3 % dos jovens na UE com 16-29 anos de idade. Os dados do Eurostat indicam que, à margem destes programas, mais 550 000 estudantes universitários por ano estudam no estrangeiro.

3.2.1   Não obstante, a mobilidade mantém-se reduzida, apesar dos vários esforços desenvolvidos pelas instituições europeias e outras partes interessadas através de programas de apoio e de outras oportunidades. Continua também a ser mais acessível a certos grupos de estudantes do que a outros, por exemplo os estagiários e aprendizes ainda se deparam com muitas dificuldades de natureza prática, começando pelo facto de cerca de 80 % do financiamento se destinar ao ensino superior.

3.3   Em vez de ser a excepção, o Livro Verde visa tornar a mobilidade na aprendizagem ou no trabalho uma característica natural do modo de vida dos jovens europeus. Os jovens devem ser mais informados sobre os muitos benefícios que poderão obter de uma experiência de mobilidade, em termos de desenvolvimento das competências linguísticas e outras tão importantes num mundo cada vez mais multicultural. A mobilidade na aprendizagem e experiência profissional cria nos jovens a mentalidade certa, desenvolvendo a sua iniciativa própria, um espírito aberto ao exterior e a auto-confiança. A experiência mostra que quem participou numa experiência de mobilidade na aprendizagem tem maior probabilidade de se tornar trabalhador móvel numa fase posterior da sua vida.

3.4   O CESE preconiza o reforço da mobilidade dos jovens para fins de aprendizagem e desenvolvimento da sua experiência profissional, na medida em que aumenta a mobilidade em todas as idades. Para concretizar essa maior mobilidade, os potenciais países de acolhimento devem ser encorajados a actuar de forma a atrair os jovens para os seus países e as suas cidades.

Os principais beneficiários da mobilidade na aprendizagem são os jovens, as instituições de ensino e de investigação e as empresas. A longo prazo, reforçará a competitividade da UE, ajudando a construir uma sociedade fortemente baseada no conhecimento, e promoverá a cidadania europeia, fortalecendo o sentido de identidade europeia e criando uma atitude mais positiva face à Europa nos seus cidadãos. A mobilidade fomenta a aprendizagem das línguas e o multilinguismo.

3.5.1   A mobilidade estudantil contribui para a livre circulação do conhecimento, que pode ser considerada a quinta liberdade da UE. Para promover a mobilidade na aprendizagem, os sistemas e as instituições de ensino e de formação deverão tornar-se mais abertos, reforçando também a cooperação entre os estabelecimentos de ensino a fim de os tornar mais eficazes. A mobilidade entre empresas e entre empresas e instituições de ensino e de investigação também terá um impacto muito maior na criação de aglomerados de empresas e de parcerias tecnológicas, o que reforçará a competitividade da Europa e a sua capacidade de inovação.

3.5.2   Uma maior mobilidade trará benefícios particulares às principais instituições académicas através da maior diversidade cultural e da capacidade de contratar equipas de cientistas verdadeiramente excepcionais. Uma maior mobilidade também é vantajosa para as empresas com valores multiculturais e multilingues e as empresas com actividades comerciais internacionais. Num mundo onde a competitividade da UE está cada vez mais a ser desafiada por países em rápido desenvolvimento, nomeadamente a China, a Índia, o Brasil e a África do Sul (e outros mais surgirão), o futuro das empresas comunitárias, e sobretudo o futuro das oportunidades de emprego de qualidade, reside numa liderança da UE nas novas tecnologias e em nichos de mercado, o que depende muito de ser capaz de manter um elevado nível de investigação e desenvolvimento, ou no sector mais vasto dos serviços.

Contudo, há que se precaver contra certos obstáculos e perigos, incluindo:

eventual concentração da investigação de alto nível e do ensino e formação associados em alguns centros de excelência e de elite na Europa à medida que estudantes excepcionais se concentram neles, em detrimento de instituições menos conhecidas.

eventual concentração dos estudos nas principais línguas mundiais, como o inglês, o francês, o espanhol e o alemão, em detrimento dos Estados-Membros com línguas menos divulgadas além das suas fronteiras.

devido a uma concentração crescente no inglês, os estudantes e investigadores móveis poderão ser incentivados a deslocarem-se no seio do mundo anglófono, incluindo os EUA, a China, o Japão e outras zonas do Leste Asiático, sendo provavelmente difícil convencê-los a regressar à Europa. Qualquer evolução no domínio da mobilidade a nível comunitário deverá incluir incentivos suficientes para que os académicos móveis se instalem na UE a longo prazo.

uma maior fuga de cérebros à medida que as oportunidades de emprego forem surgindo nos chamados países de rendimento médio (6), no mundo em desenvolvimento.

dado que os principais beneficiários são os estudantes de artes, e não de ciências, as pequenas empresas científicas só conseguirão empregar as competências básicas, acabando por subcontratar pontualmente as competências linguísticas e outras competências similares.

3.6.1   A conservação da posição da Europa enquanto líder tecnológico fundamental exige o estímulo dos maiores talentos. Presentemente, os EUA ainda são considerados os líderes da chamada «guerra pelo talento». Cerca de 400 000 europeus com educação científica e técnica vivem e trabalham na América do Norte. Das melhores 50 universidades a nível mundial, 36 encontram-se nos EUA em comparação com apenas 10 na UE. Todavia, a posição de liderança dos EUA não permanecerá consensual na medida em que o talento já não se restringe exclusivamente ao mundo ocidental. A China, a Índia, o Brasil, a Rússia e outros países estão a ganhar posição na corrida mundial da inovação e do talento. As empresas europeias enfrentarão uma concorrência feroz no estímulo, captação e conservação de talentos.

Apesar de várias tentativas anteriores, mediante programas de apoio (7) e outros instrumentos (8), de promover a mobilidade na aprendizagem, existem ainda outros obstáculos:

obstáculos jurídicos (encargos administrativos);

obstáculos de natureza prática (conhecimentos linguísticos, diferenças culturais, financiamento insuficiente, desigualdade económica, problemas relacionados com a portabilidade do financiamento, carência de informação facilmente acessível sobre os programas de mobilidade, nomeadamente devido à falta de sítios Internet eficientes);

obstáculos ao reconhecimento mútuo das qualificações;

reconhecimento da mobilidade na aprendizagem nos currículos nacionais e problemas com o direito de residência;

amplas diferenças nas práticas de financiamento e de controlo das universidades europeias, sendo algumas independentes (como no Reino Unido) e outras mais controladas pelo Estado;

falta de empenho dos Estados-Membros (9) e do sector privado (10).

3.7.1   A língua é um entrave importante à mobilidade na aprendizagem (11), pois sem se falar a língua do país de acolhimento, as experiências de aprendizagem e integração na vida social serão muito dificultadas. É de assinalar que apenas 18 % de europeus saiu da sua região, apenas 4 % mudou-se para outro Estado-Membro diferente daquele onde nasceu e apenas 3 % para fora da UE. Nos EUA, 32 % dos cidadãos vivem num estado diferente do seu estado de nascimento. Esta situação poderá estar ligada à diversidade de línguas na UE (12).

Contudo, um dos principais obstáculos que terá de ser ultrapassado será garantir que a estadia no estrangeiro não se tornará de forma alguma numa experiência negativa para os estudantes envolvidos. A narrativa de uma má experiência é muito contraproducente, em especial no caso de estudantes mais vulneráveis, incluindo os portadores de deficiência, de orientação sexual minoritária, com fraco poder económico, pertencentes a uma minoria étnica ou outros. A estadia no estrangeiro deverá ser suficientemente longa para enraizar novas ideias e suscitar atitudes e comportamentos mais flexíveis. A mobilidade virtual pode ser um instrumento útil para os jovens portadores de deficiência. Os jovens para quem a mobilidade física é uma impossibilidade podem participar na mobilidade virtual na aprendizagem através do recurso a tecnologias da informação. A mobilidade virtual na aprendizagem não deve substituir a mobilidade física na aprendizagem.

3.8.1   No tocante aos estudantes mais jovens, especialmente em idade escolar, será muito importante proporcionar-lhes uma ajuda pessoal em aspectos como a mudança de residência, problemas linguísticos, condições adequadas de alojamento durante todo o período, apoio financeiro completo, acima dos níveis das bolsas existentes sempre que necessário, e integração na comunidade de acolhimento.

4.   Soluções: respostas às perguntas do Livro Verde

4.1   É importante que todas as partes compreendam e reconheçam os benefícios da mobilidade na aprendizagem. As entidades patronais, e em especial as PME, têm de compreender que a mobilidade na aprendizagem pode criar valor acrescentado para as suas empresas, por exemplo, através da promoção de contratos de aprendizagem e de estágios transnacionais ou ajudando-as a penetrar num novo mercado. Todavia, num mercado livre, é importante evitar regulamentação excessiva a nível comunitário.

4.2   Preparação para um período de mobilidade para fins de aprendizagem: informação e orientação

4.2.1   O Comité considera que, muitas vezes, os próprios jovens não se apercebem dos benefícios da mobilidade na aprendizagem, nomeadamente que aumenta as suas perspectivas de integração no mercado de trabalho. Embora tenham sido criados portais de informação sobre a mobilidade na Internet (13), incluindo pela Comissão Europeia, há sérias dúvidas de que sejam suficientemente simples ou acessíveis. O Comité concorda com a criação de um portal Internet europeu único que reúna toda a informação sobre os programas pan-europeus de mobilidade na aprendizagem e onde as empresas possam encontrar informações sobre jovens (currículos de estudantes) à procura de estágios ou de contratos de aprendizagem, e vice-versa.

4.2.2   As redes europeias de empresas e as associações de profissionais (incluindo organizações de representantes das PME) devem ser incentivadas a incluir informação sobre os programas de mobilidade na aprendizagem nos seus sítios Internet e a publicitá-los junto dos seus membros.

Os «pontos de serviço» são importantes para oferecer aconselhamento às PME e outras empresas interessadas e as incentivar a maiores esforços no sentido de criar mais colocações para jovens.

4.2.3.1   Línguas e cultura

4.2.3.2   Para se conseguir eliminar verdadeiramente um dos maiores obstáculos à mobilidade na aprendizagem e realizar o objectivo de cada cidadão europeu falar pelo menos duas outras línguas comunitárias (14), o Comité recomenda que se examine a possibilidade de tornar obrigatório um ano de estudos no estrangeiro para os professores de línguas em todos os estabelecimentos de ensino superior e insta os Estados-Membros a desenvolverem maiores esforços nas suas políticas educativas para realizar aquele objectivo.

4.3   Questões de ordem jurídica

4.3.1   O Comité insta os Estados-Membros a aplicar correctamente a legislação comunitária e a eliminar os obstáculos ao nível da administração e da legislação: autorizações de residência, os direitos à segurança social e o reconhecimento dos cartões de estudantes de outros países. O Comité está convicto de que os problemas de concessão de vistos que impedem a mobilidade têm de ser imediatamente resolvidos. No tocante à admissão na UE de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de formação não remunerada, de intercâmbio de estudantes ou de voluntariado por um período superior a três meses, a Directiva 2004/114/CE estabelece as condições específicas que tornarão mais fácil a requisição dos respectivos vistos. No entanto, os critérios definidos na directiva e ligados a grupos específicos podem, na verdade, constituir um obstáculo à mobilidade (15). O Comité aprova que os Estados-Membros da UE analisem a possibilidade de alargar o âmbito de aplicação da Directiva 2004/114/CE aos jovens que participam no Serviço Europeu de Voluntariado, em intercâmbios de estudantes ou em formação não remunerada.

4.4   Que deve ser feito para promover mais mobilidade para o interior e o exterior da União Europeia?

4.4.1   A mobilidade deverá desempenhar um papel importante nas relações entre a UE e os seus vizinhos, que deverão participar no debate político e na organização de programas.

4.4.2   Como já referido, a população europeia tem de actualizar as suas competências para poder satisfazer os desafios colocados pela globalização e pela concorrência crescente. Os cientistas europeus têm de ter acesso às melhores instituições a nível mundial de forma a trazerem as suas experiências e conhecimentos especializados para o espaço europeu de investigação, e os estudantes europeus devem ter acesso aos melhores estabelecimentos de ensino no mundo. A capacidade para promover a mobilidade dos jovens europeus e atrair jovens de países terceiros para a Europa será determinante para a competitividade futura da Europa. Para os atrair, a UE necessita de ter as melhores universidades. As universidades e os empresários europeus procuram oportunidades para reforçar a cooperação tendo em vista desenvolver uma vantagem competitiva no mundo da investigação e desenvolvimento (16).

4.4.3   Para tal, o Comité considera necessário aumentar, a longo prazo, o número de países estrangeiros envolvidos nos programas comunitários para a mobilidade. Estima igualmente correcto alargar o âmbito geográfico do programa Erasmus Mundus, devendo o mesmo ser considerado para o programa Erasmus para Jovens Empresários.

4.4.4   O CESE considera que a expansão gradual e a longo prazo dos programas de mobilidade na aprendizagem a países terceiros, como a China, a Índia, o Japão e os EUA, constituiria um investimento pertinente.

4.4.5   O Comité recomenda com firmeza que se envidem grandes esforços tanto para evitar a fuga de cérebros da Europa como para tornar a Europa um lugar atraente para cientistas de origem europeia e não europeia.

4.5   Reconhecimento e validação

4.5.1   O facto de a validação e o reconhecimento do ensino formal e não formal serem ainda insuficientes ou inexistentes constitui um obstáculo importante à mobilidade. O estudo PRIME realizado pela Erasmus Student Network (ESN) indica que um terço dos estudantes tem problemas de reconhecimento dos seus estudos efectuados no estrangeiro. É patente que as instituições de ensino superior e os governos têm ainda muito a fazer. O Comité recomenda que todos os Estados-Membros reconheçam, ratifiquem e apliquem imediatamente e de forma correcta a Convenção de Lisboa sobre o Reconhecimento das Qualificações.

4.5.2   O CESE concorda em que a mobilidade para fins de aprendizagem deve ser acessível a todos os jovens nas diferentes formas de ensino e de aprendizagem: formal, não formal e informal. É também de promover a mobilidade educativa entre os diferentes níveis de ensino. Há que criar ligações entre o ensino geral, a formação profissional e o ensino superior, e há que implantar sistemas de créditos que facilitem a mobilidade no sistema de ensino e formação profissionais (EFP), onde se registam profundas diferenças nas estruturas nacionais. Além disso, há que desenvolver percursos entre a formação inicial e a formação contínua. A execução rápida e coerente do Quadro Europeu de Qualificações é essencial para realizar este objectivo.

4.5.3   É essencial assimilar plenamente, onde necessário, as especificidades nacionais relativas a requisitos de acesso ao ensino superior, reconhecimento de graus académicos, propinas, subsídios, concessão de bolsas, entre outros aspectos. Por exemplo, os requisitos para um grau de mestrado europeu não são idênticos aos de um grau de mestrado japonês, além de que um estudante japonês teria de continuar a pagar uma propina à própria universidade, o que tornaria a frequência de uma universidade europeia incomportavelmente dispendiosa.

4.6   Uma nova parceria para a mobilidade na aprendizagem

4.6.1   Os objectivos da mobilidade na aprendizagem só serão realizados mediante uma cooperação total e generalizada e esforços envidados a todos os níveis (UE, Estados-Membros, regiões, estabelecimentos de ensino, parceiros sociais e organizações da sociedade civil, bem como os próprios jovens). É essencial uma verdadeira vontade de agir dos Estados-Membros rumo a uma mobilidade na aprendizagem.

4.7   Definição de objectivos para a mobilidade na UE, sim ou não?

4.7.1   O Comité considera que os dados estatísticos utilizados no Livro Verde devem ser mais aprofundados, na medida em que só estatísticas verdadeiras permitem perceber o grau de eficácia dos actuais programas de mobilidade na aprendizagem (17) e contribuem para a elaboração de estratégias futuras com objectivos reais de mobilidade (%) para os diferentes grupos-alvo.

4.7.2   É fundamental que o Processo de Bolonha defina um objectivo claro para a mobilidade, devendo ser estabelecidos objectivos similares noutras áreas de ensino. Assim, o Comité concorda com a definição de objectivos de mobilidade para o ensino e a formação profissionais, para o pessoal docente, para os alunos do ensino básico e secundário e para o ensino não formal. Esses objectivos devem ser estabelecidos não só para a UE em geral, mas também para todos os Estados-Membros. As regiões e os estabelecimentos de ensino devem também estipular os seus próprios objectivos. Quando da definição dos objectivos, há sempre que dar prioridade à qualidade da formação.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  A aprendizagem pode ser formal, no contexto do sistema educativo, ou informal, no contexto dos intercâmbios juvenis e do voluntariado de jovens.

(2)  Relatório estratégico sobre a Estratégia de Lisboa renovada para o crescimento e o emprego: lançamento de um novo ciclo (2008-2010), COM(2007) 803 final.

(3)  Relatório do Fórum de Especialistas de Alto Nível sobre a Mobilidade, de Junho de 2008, em: http://ec.europa.eu/education/doc/2008/mobilityreport_en.pdf.

(4)  Ver http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/conference/documents/Leuven_Louvain-la-neuve_Communiqué_April_2009.pdf.

(5)  Erasmus, Leonardo, Comenius, Grundtvig, Marie Curie, programa Cultura, Juventude em Acção, Serviço Europeu de Voluntariado no âmbito do programa Juventude em Acção, programa Europa para os Cidadãos.

(6)  Tunísia, Brasil e África do Sul.

(7)  Erasmus, Leonardo, Comenius, Grundtvig, Marie Curie, programa Cultura, Juventude em Acção, Serviço Europeu de Voluntariado no âmbito do programa Juventude em Acção, programa Europa para os Cidadãos.

(8)  O Europass, o Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos do Ensino Superior (ECTS), o Suplemento ao Diploma, o Quadro Europeu de Qualificações para a Aprendizagem ao Longo da Vida, o Sistema Europeu de Transferência de Créditos do Ensino e Formação Profissionais (ECVET), o Youthpass, o EURAXESS, a directiva sobre a concessão de vistos aos estudantes e o pacote relativo ao visto científico.

(9)  Os doutoramentos são diferentes em todos os Estados-Membros e há uma grande diversidade de sistemas de ensino e formação profissionais (EFP) nos países.

(10)  O sector privado não está suficientemente informado sobre os programas para a promoção da mobilidade para fins de aprendizagem e há dúvidas quanto às vantagens que esses programas poderão oferecer às empresas.

(11)  Os valores de 2002-2003 indicam que são ensinadas uma média de 1,3 e 1,6 de línguas estrangeiras por estudante nos Estados-Membros no ensino secundário geral inferior e superior, respectivamente. Os estudantes do sistema de ensino e formação profissionais (EFP) estão ainda mais longe do objectivo de dominar duas línguas estrangeiras.

(12)  Apenas 3 % das PME europeias têm filiais, sucursais ou parcerias noutros países.

(13)  O PLOTEUS (portal sobre as oportunidades de aprendizagem no espaço europeu), o Portal Europeu da Juventude, o portal Estudar na Europa, o Euraxess (sobre a mobilidade dos investigadores), o sítio Web com todas as acções Marie Curie, o YourEurope, o Euroguidance, os portais EURES e Eurodesk, o Erasmus para Jovens Empreendedores e o sitio Web sobre os apoios às PME.

(14)  Objectivo definido pelo Conselho Europeu de Barcelona de 2002.

(15)  Por exemplo, a directiva estipula que os estudantes de países terceiros deverão dispor de um montante mínimo de recursos para cobrir as suas despesas de subsistência.

(16)  Ver também a Comunicação da Comissão sobre Uma nova parceria para a modernização das universidades: Fórum da UE para o Diálogo Universidades-Empresas, COM(2009) 158 final.

(17)  Também se deveria considerar uma avaliação comparativa de programas bilaterais de mobilidade para fins de aprendizagem, como, por exemplo, o programa Vulcanus, na Europa e no Japão (para estudantes de engenharia e ciências), uma vez que são eficazes e com metas bem definidas.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/87


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Orientar melhor as ajudas aos agricultores das zonas com desvantagens naturais»

[COM(2009) 161 final]

(2010/C 255/16)

Relatora: Ludmilla TODOROVA

Em 21 de Abril de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Orientar melhor as ajudas aos agricultores das zonas com desvantagens naturais

COM(2009) 161 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 11 de Novembro, tendo sido relatora Ludmilla Todorova.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 81 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   Em vários pareceres (1), o Comité enfatizou a importância fundamental de compensações adequadas como um instrumento indispensável para preservar a paisagem cultivada e a agricultura. O apoio às zonas desfavorecidas (ZD) é de enorme importância para garantir a continuidade da produção agrícola, contribuir para a vitalidade das zonas rurais e prevenir o abandono da terra e o despovoamento em zonas com desvantagens naturais.

1.2.   O regime ZD deve também contribuir para preservar a capacidade de produção alimentar, o que pode tornar-se cada vez mais importante se o actual processo de alterações climáticas reduzir a capacidade de produção noutros locais. Assim, a filosofia subjacente ao regime deve basear-se no princípio de que há benefícios públicos que podem ser garantidos ao promover a manutenção da actividade agrícola em zonas com desvantagens, que de outro modo poderiam ser abandonadas.

1.3.   É importante não confundir o regime ZD com os compromissos agro-ambientais assumidos voluntariamente. O regime ZD deve, em princípio, oferecer compensação aos agricultores que trabalham em circunstâncias mais difíceis e que são menos capazes de obter uma remuneração do mercado, apesar de serem os que mais contribuem para a manutenção da paisagem.

1.4.   Os oito critérios biofísicos propostos podem constituir uma base adequada para a delimitação das ZD, mas é fundamental que os dados relevantes estejam disponíveis e que sejam seleccionados os valores-limite correctos. Por isso, o CESE recomenda que os Estados-Membros efectuem uma análise aprofundada do impacto dos critérios propostos, incluindo a elaboração de mapas pormenorizados.

1.5.   A comunicação defende que uma área deve ser considerada como ZD se 66 % da superfície satisfizer os valores-limite de pelo menos um dos oito critérios. Nesse caso, o CESE avaliaria os resultados da delimitação da ZD e manifestaria a sua opinião sobre os valores-limiar em causa.

1.6.   A utilização de critérios cumulativos, baseados em dados científicos, em áreas heterogéneas que sofram simultaneamente de múltiplas desvantagens é muito benéfica, uma vez que permite ter em conta de forma prática as interacções entre diferentes influências. Além disso, os critérios de designação propostos poderiam ser alargados de forma a incluir factores adicionais, tais como o isolamento, que também podem ser vistos como uma desvantagem natural.

1.7.   Após a designação das ZD com base nos critérios biofísicos comuns, é possível que venha a revelar-se necessário proceder a alguns ajustes. Nesse caso, o CESE considera que o indicador mais adequado a utilizar seria um valor relacionado com a produção, que reflectisse a verdadeira situação económica do agricultor, incluindo os custos de oportunidade decorrentes do trabalho familiar e a equidade. A Comissão assegurar-se-á de que os critérios utilizados pelos Estados-Membros são objectivos e não-discriminatórios e que cumprem os objectivos do regime.

1.8.   O CESE solicita que o trabalho adicional exigido aos agricultores nas zonas com desvantagens, assim como os investimentos acrescidos e os custos operacionais que eles enfrentam, sejam devidamente tidos em conta na nova fórmula de pagamentos apresentada no Regulamento (CE) n.o 1698/2005.

1.9.   Deve ser previsto um período de transição adequado para permitir aos agricultores adaptarem-se ao novo regime ZD.

2.   Contexto

2.1   Em vigor desde 1975, os pagamentos aos agricultores de zonas desfavorecidas (ZD) – agora denominados pagamentos para compensação de desvantagens naturais – apoiam a manutenção da actividade agrícola nas zonas de montanha, nas zonas desfavorecidas que não as zonas de montanha (as chamadas «ZD intermédias» que são o objecto da presente comunicação) e nas zonas afectadas por desvantagens específicas (por exemplo, ilhas e zonas costeiras, que correspondem a 9 % da área agrícola). As zonas de montanha abrangem quase 16 % da superfície agrícola da UE, sendo designadas em função da altitude, do declive ou de uma combinação destes dois factores. As zonas situadas a norte do paralelo 62.o são também consideradas zonas de montanha. Cerca de 31 % das terras agrícolas da UE estão classificadas como ZD intermédias, com base em mais de 100 critérios nacionais muito diferentes, cuja diversidade no conjunto da UE foi apontada, pelo Tribunal de Contas Europeu, como possível fonte de desigualdade de tratamento (2). Nem todas as explorações agrícolas nestas zonas beneficiam de um pagamento ZD.

2.2   O n.o 3, alínea a), do artigo 50.o do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 (3) estabelece uma nova definição de zonas com desvantagens naturais que não as de montanha e as afectadas por desvantagens específicas, ou seja, «zonas afectadas por desvantagens naturais significativas, nomeadamente uma baixa produtividade do solo ou más condições climatéricas, e onde a manutenção de uma actividade agrícola extensiva é importante para a gestão do espaço rural», enquanto o artigo 37.o introduz uma modificação no cálculo do pagamento. Contudo, em 2005, o Conselho não chegou a acordo quanto a um possível sistema de classificação dessas zonas aplicável a toda a Comunidade. Foi decidido, por conseguinte, manter em vigor o sistema anterior durante um período limitado, tendo sido solicitado à Comissão que empreendesse uma análise do regime ZD. Prevê-se que o novo sistema de delimitação de zonas entre em vigor em 2014.

2.3   A actual classificação das ZD intermédias baseia-se em três tipologias de indicadores enumeradas no artigo 19.o do Regulamento FEOGA (CE) n.o 1257/1999 (4): presença de terras pouco produtivas; uma produção económica sensivelmente inferior à média; uma população escassa, ou com tendência para a diminuição, que dependa predominantemente da actividade agrícola. A classificação baseia-se em critérios socioeconómicos que, na opinião da Comissão, deixaram de reflectir os objectivos fundamentais dos pagamentos para compensação de desvantagens naturais. Além disso, a evolução dos dados demográficos e económicos não foi tida em conta para actualizar a delimitação. Por outro lado, a classificação foi feita por referência a uma ampla gama de critérios nacionais, que não são, num grande número de casos, comparáveis a nível europeu.

2.4   A informação necessária para avaliar o resultado de uma nova abordagem para a delimitação numa escala suficientemente pormenorizada (por exemplo, município, UAL 2 na nomenclatura das unidades territoriais estatísticas) só pode ser obtida a nível nacional. A Comissão sugere que os Estados-Membros sejam convidados a simular a aplicação, nos respectivos territórios, de oito critérios biofísicos (baixa temperatura, stress térmico, drenagem, textura e pedregosidade, profundidade radical, propriedades químicas, declive e balanço hídrico dos solos) e a elaborar mapas das áreas que seriam elegíveis de acordo com essas simulações. Considera-se que uma zona é afectada por desvantagens naturais significativas se 66 % da sua superfície agrícola utilizada satisfizer pelo menos o valor-limiar de um dos critérios.

2.5   Actualmente, 13 Estados-Membros empregam diversos indicadores combinados para calcular um índice utilizado para classificar as zonas segundo classes ou limiares específicos. Em alguns casos, os «sistemas de índices» podem ser considerados mais sofisticados do que os critérios biofísicos, podendo pois detectar melhor a presença de desvantagens numa zona. No entanto, na opinião da Comissão, o estabelecimento de um sistema comum de índices a aplicar de forma coerente por todos os Estados-Membros exigiria um enorme esforço em termos de concepção, de colheita de dados, de análise e de execução. Por conseguinte, o estabelecimento de um sistema pan-europeu de índices enquanto instrumento para detectar adequadamente a presença de desvantagens naturais não seria nem eficiente nem realista.

2.6   É também necessário, segundo a Comissão, nos casos em que as desvantagens naturais possam ser superadas, afinar o método de delimitação das zonas através da aplicação dos critérios biofísicos, em combinação com indicadores adequados relacionados com a produção.

2.7   A comunicação afirma que regras de elegibilidade adequadas a nível da exploração são uma forma útil de direccionar a ajuda para além da delimitação das zonas. Segundo a Comissão, são actualmente usados cerca de 150 critérios de elegibilidade diferentes a nível da exploração nos vários Estados-Membros e alguns deles podem levantar determinados problemas quanto à compatibilidade com a OMC porque excluem dos apoios certos sectores de produção ou actividades agrícolas. Alguns Estados-Membros excluem, presentemente, os agricultores a tempo parcial da recepção de ajuda, embora esses agricultores contribuam para o objectivo da medida.

2.8   Foram enviadas para consulta pública, a 22 de Maio de 2008, quatro opções de revisão:

Opção 1: Status Quo+

Neste cenário, os Estados-Membros seriam convidados a suprimir os indicadores socioeconómicos actualmente utilizados para a delimitação das ZD e a identificar os critérios que considerassem mais adequados para definir desvantagens naturais com efeitos na agricultura.

Opção 2: Critérios comuns

As ZD seriam designadas por meio dos critérios biofísicos comuns.

Opção 3: Regras de elegibilidade

A legislação comunitária proporcionaria um quadro de base para os critérios de elegibilidade, indicando os princípios e o tipo de critérios a utilizar para excluir os sistemas de agricultura intensiva (como, por exemplo, encabeçamento máximo, rendimento médio, margem bruta padrão).

Opção 4: Elevado valor natural

Esta opção implicaria uma delimitação mais precisa das zonas: somente terras agrícolas classificadas como de elevado valor natural em zonas afectadas por desvantagens naturais poderiam ser consideradas zonas desfavorecidas (ZD).

3.   Posição do CESE

3.1   A agricultura é um dos sectores económicos mais importantes da UE, dando emprego a cerca de 30 milhões de pessoas. Manter o modelo europeu de agricultura, salvaguardar a disponibilidade de alimentos com qualidade e proporcionar emprego são condições essenciais para a continuidade do tecido social nas zonas rurais, mas também para que este possa assumir a sua responsabilidade mais geral de gestão do território. Isso contribuirá, igualmente, para preservar a grande diversidade actual de alimentos, tradições locais e artesanato. Uma agricultura sustentável tem muitos efeitos secundários positivos, proporcionando serviços públicos como a manutenção da biodiversidade, a conservação dos habitats das espécies selvagens e uma paisagem atraente e cuidada.

3.2   As ZD não montanhosas representam 30 % das explorações agrícolas, 39 % da área agrícola utilizada, 31 % da mão-de-obra agrícola e 26 % do potencial económico expresso em termos de dimensão económica. As zonas rurais estão a ficar despovoadas em toda a Europa e as ZD são as regiões mais vulneráveis. Este processo pode ter um impacto muito nocivo. Assim, o apoio às ZD é de enorme importância para garantir a continuidade da produção agrícola, contribuir para a vitalidade das zonas rurais e prevenir o abandono da terra e o despovoamento em áreas que enfrentam desvantagens naturais.

3.3   Em vários pareceres, o CESE já salientou as dificuldades enfrentadas pelos agricultores nas ZD e enfatizou a importância fundamental de compensações adequadas para garantir que a terra continue a ser utilizada para a produção agrícola. O CESE considera a compensação como um instrumento indispensável para preservar a paisagem cultivada e a agricultura em áreas que são particularmente sensíveis do ponto de vista económico, ambiental e social. O CESE dedica particular atenção aos problemas das regiões do Norte da UE.

3.4   Ao longo da comunicação em apreço, a Comissão procura identificar áreas (através da elaboração de mapas) que apresentam limitações graves para a produção agrícola. Os critérios propostos poderão, numa primeira fase, apresentar uma base adequada para avaliar as desvantagens naturais em toda a UE. Uma vez que um regime de apoio às ZD que funcione bem é tão importante para o futuro da PAC, é todavia necessária uma avaliação cuidadosa dos critérios sugeridos. O Comité congratula-se, por isso, com a cooperação entre a Comissão e o Conselho para esse fim (5).

3.5   É fundamental dispor de dados para os oito critérios biofísicos a fim de definir e classificar as zonas agrícolas intermédias de forma clara e objectiva. É muito importante que os Estados-Membros realizem uma análise aprofundada do impacto dos critérios propostos, incluindo mapas pormenorizados. Além disso, permitir aos Estados-Membros que dêem à Comissão simulações para critérios adicionais e para diferentes limiares também ajuda a incorporar melhor as características específicas de cada Estado-Membro no debate. A delimitação das ZD a nível municipal (UAL 2) pode ser considerada como sendo suficientemente pormenorizada.

3.6   A comunicação defende que uma zona deve ser considerada ZD se 66 % da superfície satisfizer os valores-limite de pelo menos um dos oito critérios. Isto implica adicionalidade, o que significa que podem ser adicionados até oito subtotais diferentes (e descontadas as eventuais sobreposições) para obter o total da superfície classificada numa dada região. Embora o objectivo do exercício de zonagem seja exactamente fazer chegar apoio a locais onde ele é crucial para a manutenção da agricultura, a Comissão entende que o limite proposto já é demasiado elevado e receia que isso possa levar à potencial exclusão de ZD actuais. O CESE considera que, na ausência de resultados de simulação, o valor-limiar de 66 % tem que ser visto com considerável precaução e só poderá ser discutido mais aprofundadamente quando as simulações e os mapas estiverem disponíveis.

3.7   Deve ser dada particular atenção à utilização de critérios cumulativos baseados em dados científicos em áreas heterogéneas que sofram simultaneamente de múltiplas desvantagens. A vantagem dos sistemas usados anteriormente (que eram, em muitos casos, sistemas de índices) era que incorporavam vários critérios e, assim sendo, enquanto instrumentos, eram mais específicos e significativos. Reflectiam muito melhor as condições no terreno e as relações entre as mesmas. A utilização de um indicador composto que alie vários critérios baseados em dados objectivos e científicos poderia permitir que uma área fosse classificada como ZD mesmo quando os critérios individuais não levassem a essa classificação. Esta situação existe em alguns Estados-Membros para a classificação, por exemplo, de áreas montanhosas. Estes instrumentos são muito benéficos, uma vez que abordam de forma prática as interacções entre muitos factores influentes.

3.8   Nos casos em que a desvantagem natural tenha sido ultrapassada devido ao progresso técnico ou a outras formas de intervenção (tais como irrigação ou drenagem), a Comissão propõe um ajustamento que deve ser usado apenas para excluir áreas que seriam de outro modo designadas como ZD e não para incluir áreas adicionais. Há, no entanto, um grande problema em excluir zonas da delimitação porque ultrapassaram as suas desvantagens naturais através da adaptação adequada das suas práticas agrícolas. Devemos salientar que não se pode considerar que as desvantagens naturais tenham sido completamente eliminadas, apesar de um certo nível de intervenções. Devem também ser tidos em consideração os encargos com os investimentos, que são quase sempre muito elevados, bem como os custos de manutenção. Além disso, deve dar-se a devida atenção ao facto de que essas adaptações, na maioria dos casos, só são possíveis com financiamento adicional (por exemplo, para métodos de drenagem e irrigação).

3.9   Num anterior parecer, o CESE já reclamou que a afinação dos pormenores destas regras se processe de forma a equilibrar as regras comunitárias com a flexibilidade necessária a nível nacional e regional (6). Depois de aplicados os critérios biofísicos, é possível que venha a revelar-se necessária uma afinação das ZD designadas. O CESE considera que, nesse caso, deve ser possível proceder a esses ajustes e que essa tarefa deve decorrer ao nível dos Estados-Membros. Na opinião do CESE, o melhor indicador a utilizar neste processo secundário seria um valor relacionado com a produção, que reflectisse a verdadeira situação económica do agricultor, incluindo os custos de oportunidade decorrentes do trabalho familiar e a equidade. A Comissão assegurar-se-á de que os critérios utilizados pelos Estados-Membros são objectivos e não-discriminatórios e que cumprem os objectivos do regime. Esta abordagem alternativa melhorará o acesso das explorações agrícolas de pequena e média dimensão ao apoio financeiro, ao mesmo tempo que evitará que se penalizem agricultores que invistam para ultrapassar desvantagens naturais. A fim de evitar incerteza entre os agricultores, a sua inclusão no regime deve ser válida pelo menos para todo o período de programação.

3.10   Cumpre salientar a total ausência, na proposta, de uma referência a desvantagens geográficas (isolamento, distância dos centros de consumidores, dos centros de decisão e dos serviços, etc.) que, no entanto, representam uma das maiores contrariedades que as explorações situadas nas ZD têm de enfrentar. Podiam igualmente ser permitidos ajustes baseados na dispersão das explorações, no aceso ao mercado ou nas possibilidades dos transportes na região.

3.11   Os critérios de designação propostos podiam ser estendidos. Um critério extra podia ser «os dias de capacidade dos campos», reconhecendo as limitações dos solos molhados impossíveis de trabalhar e permitindo assim a interacção entre tipos de solo e clima, por exemplo em climas marítimos. Adicionalmente, alguns dos valores limiares sugeridos deviam ser analisados cuidadosamente para revelar as condições reais. Um exemplo é o valor de 15 % para o critério de declive proposto pela Comissão. O Comité já solicitou que se tenha em conta as temperaturas negativas acumuladas no Inverno (7).

3.12   Tendo em conta que os novos critérios poderão excluir áreas actualmente elegíveis, são de esperar consequências graves a nível das explorações. O CESE considera essencial que haja um período de transição adequado para permitir aos agricultores adaptarem-se ao novo regime de apoio às ZD. A orientação da política para o futuro da PAC também deve ser integrada neste processo.

3.13   O regime ZD pretende canalizar ajuda para explorações em zonas que sofram de desvantagens naturais e é parte integrante da política de desenvolvimento rural, o chamado segundo pilar da PAC. O regime ZD deve também contribuir para preservar a capacidade de produção alimentar, o que pode tornar-se cada vez mais importante se o actual processo de alterações climáticas reduzir a capacidade de produção noutros locais. Assim, a filosofia subjacente ao regime deveria basear-se no princípio de que há benefícios públicos que podem ser obtidos ao promover a manutenção da actividade agrícola em áreas com desvantagens, que de outra forma poderiam ser abandonadas.

3.14   O regime ZD não deve ser confundido com compromissos agro-ambientais assumidos voluntariamente. Ambos os regimes devem ser vistos como complementares e não como mutuamente exclusivos. A concessão de ajudas às zonas desfavorecidas não deveria estar relacionada com o cumprimento de obrigações ambientais que vão para além das normas relativas à condicionalidade. Ao contrário do primeiro pilar da PAC (pagamentos directos e apoio do mercado), o regime ZD deve, em princípio, oferecer compensação aos agricultores que trabalham em circunstâncias mais difíceis do que os de áreas sem desvantagens naturais e que são menos capazes de obter uma remuneração do mercado, apesar de serem os que mais contribuem para a manutenção da paisagem.

3.15   Os Estados-Membros terão de calcular os pagamentos ZD usando a nova fórmula de pagamentos definida no Regulamento (CE) n.o 1698/2005, que estipula que os pagamentos devem compensar os custos incorridos e as perdas de rendimento. Assim, o CESE solicita que seja dado o devido valor ao trabalho adicional exigido aos agricultores nas zonas em desvantagem, assim como aos investimentos acrescidos e aos custos operacionais que eles enfrentam; pede ainda que trabalho, investimentos e custos sejam tidos em conta nos pagamentos compensatórios.

3.16   O novo sistema de pagamentos deve melhorar a transparência. No entanto, continuará a haver variações consideráveis nos níveis de pagamentos ZD de um Estado-Membro para outro e dentro de cada Estado-Membro. Este resultado é inevitável quando se permite que os órgãos de poder individuais decidam por si mesmos como utilizar os fundos de desenvolvimento rural que recebem através do FEADER, incluindo a liberdade de não dispor de todo de um regime ZD.

3.17   Muitos Estados-Membros não têm dado apoio suficiente às suas ZD. O CESE insta os Estados-Membros a reconhecer a enorme importância do apoio ZD e a manter a porção atribuída ao regime ZD dentro das dotações nacionais para o desenvolvimento rural, independentemente do resultado do presente exercício de delimitação das ZD.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 318, 23.12.2006, p. 93; JO C 44, 16.2.2008, p. 56; JO C 318 de 23.12.2009, p. 35.

(2)  JO C 151, 27.6.2003.

(3)  JO L 277, 21.10.2005, p. 1.

(4)  JO L 160, 26.6.1999, p. 80.

(5)  Conclusões do Conselho de 22 e 23 de Junho de 2009.

(6)  JO C 44, 16.2.2008, p. 56.

(7)  JO C 318 de 23.12.2009, p. 35, ponto 1.7.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/92


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 1999/62/CE relativa à aplicação de imposições aos veículos pesados de mercadorias pela utilização de certas infra-estruturas»

[COM(2008) 436 final – 2008/0147 (COD)]

(2010/C 255/17)

Relator: Gérard DANTIN

Em 28 de Agosto de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 1 do artigo 71.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 1999/62/CE relativa à aplicação de imposições aos veículos pesados de mercadorias pela utilização de certas infra-estruturas

COM(2008) 436 final – 2008/0147 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação que emitiu parecer em 12 de Novembro de 2009, sendo relator Gérard Dantin.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 218 votos a favor, 16 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O sector dos transportes tem um papel essencial na promoção da mobilidade e do desenvolvimento socioeconómico da UE. A optimização das infra-estruturas de transporte deve dar resposta aos desafios de crescimento e sustentabilidade.

Verifica-se uma forte preocupação a nível europeu com os efeitos das alterações climáticas, com a preservação do ambiente e com todas as questões ligadas à saúde e ao bem-estar social, condizente com uma utilização mais eficiente dos transportes.

1.2.1   Deste ponto de vista, o Comité recorda que a legislação comunitária actual proíbe os Estados-Membros que o desejam de integrar os custos externos nas portagens nos eixos de trânsito. Recorda que um país, próximo da UE e confrontado com dificuldades comparáveis, já aplicou essa política de internalização dos custos externos e transferência modal, que pode ser positiva em determinadas circunstâncias, tanto de um ponto de vista económico como ambiental.

1.3   A Comissão está há bastante tempo a desenvolver esforços para elaborar mecanismos que permitam medir e internalizar os custos externos dos transportes. Tal inscreve-se numa estratégia que tem por objectivo «aplicar uma política de tarifação correcta, que reflicta com maior acuidade os custos reais da utilização dos veículos, comboios, aviões e navios, associados à poluição, ao congestionamento e às alterações climáticas» (COM(2008) 436 final/2, Exposição de motivos, ponto 1.1).

1.4   Num contexto de globalização dos mercados, embora a competitividade do transporte rodoviário constitua um parâmetro importante, o Comité considera que a aplicação do princípio do poluidor-pagador, que aprova, bem como a procura do interesse geral devem levar a que esta competitividade seja acompanhada de medidas que se destinem nomeadamente a reduzir a poluição ambiental e sonora, os danos provocados na paisagem e os custos sociais como, por exemplo, os associados aos problemas de saúde, aos custos indirectos dos acidentes e aos congestionamentos e obstáculos, que geram custos económicos significativos suportados pela entidade territorial e, por conseguinte, pelos cidadãos europeus. Dessa forma, o CESE pode acolher favoravelmente o projecto de directiva, mas, por uma questão de coerência, apenas se a Comissão Europeia tiver em conta as observações feitas pelo CESE no seu parecer de Julho de 2009 sobre a «Estratégia de internalização dos custos externos» (1).

O CESE reitera a sua aprovação da promoção pela Comissão da co-modalidade dos transportes, incluindo o transporte intermodal.

Dado que um dos objectivos da Comissão é zelar pela coesão territorial, económica e social, a aplicação da internalização dos custos externos através de imposições aos veículos pesados de mercadorias pela utilização das infra-estruturas permitirá aos Estados-Membros reduzir uma série de custos resultantes das consequências da poluição e dos inconvenientes enunciados no ponto 1.4, tanto ocupem uma situação geográfica central como periférica. A eventual diminuição da competitividade do transporte rodoviário daí resultante deve ser apreciada globalmente, no âmbito da procura do interesse geral, em relação aos benefícios económicos obtidos pela redução das consequências nomeadamente da poluição e do congestionamento da rede.

Além disso, a internalização devia permitir e tornar mais fácil o respeito das três vertentes da Estratégia de Lisboa – económica, social, ecológica – em matéria de transporte. Este novo instrumento deveria contribuir para esse fim.

1.5.1   O Comité gostaria que fosse estabelecido um quadro europeu favorável à contabilização dos custos externos, a que nenhum Estado-Membro se devia poder eximir. Este quadro devia integrar uma série de condições gerais a satisfazer, dentro de uma determinada margem, pelas tarifas correspondentes à neutralização dos custos externos. Os pagamentos e as taxas devidos devem estar relacionados com a utilização e não com a posse de um modo de transporte (2).

1.6   A modificação da directiva em vigor contribui para a programação de medidas de reforço da investigação em prol de um transporte rodoviário mais ecológico, designadamente os sistemas de transporte inteligentes (STI) (3), os motores, os combustíveis, a tonelagem e os revestimentos.

1.7   Importa também sublinhar que, se a UE decidir aplicar uma política de taxas de externalidade, ela deve abranger todos os modos de transporte.

1.8   Apesar da sua promulgação recente, o Comité considera necessário, tal como o Conselho e o Parlamento, que a Directiva 2006/38/CE seja alterada para que adquira maior eficácia. Para esse efeito o CESE considera que o projecto de directiva em apreço, elaborado a pedido do Parlamento Europeu, é oportuno.

1.9   Complementarmente, a concretização de determinadas medidas do plano de acção sobre logística para o sector do transporte rodoviário de mercadorias, das quais são de realçar a utilização de sistemas inteligentes de comunicação directamente relacionados com a activação das aplicações do projecto Galileu ao transporte, contribuirá, sem qualquer dúvida, para reduzir os custos externos.

1.10   O Comité considera que, apesar de, neste momento, os operadores de transporte rodoviário serem penalizados pelos custos resultantes do congestionamento do tráfego devido ao impacto deste último na produtividade do transporte, todas as medidas destinadas a reduzir esse congestionamento, que é em parte o assunto da directiva em análise, contribuirão no futuro para melhorar a produtividade dos transportes rodoviários e de outros modos de transporte.

1.11   As receitas geradas pelas imposições devem ser utilizadas para melhorar a qualidade do sector do transporte, seja em termos de desempenho ecológico, social ou económico.

1.12   O Comité considera imprescindível a utilização de sistemas electrónicos nas cabinas de portagem para se poder cobrar os direitos de utilização das infra-estruturas, sendo necessário a interoperabilidade dos diferentes sistemas existentes na UE.

1.13   O Comité estima que a directiva deveria incentivar os Estados-Membros a terem em conta, em função de critérios que conviria definir de maneira concertada, o nível das emissões de gases com efeito de estufa dos veículos sujeitos às imposições pela utilização das infra-estruturas, bem como o esforço realizado para reduzi-las.

1.14   Segundo um estudo de avaliação de impacto realizado pela Comissão, há que tomar em consideração os efeitos da internalização sobre a economia em geral, quer se trate de benefícios ou de custos directos e indirectos, bem como o impacto sobre os custos das mercadorias transportadas tanto na Comunidade Europeia, como na importação e na exportação.

2.   Introdução

2.1   Com uma população de 497 milhões de habitantes numa área de 4 324 782 km2 e um parque automóvel de 294 milhões de veículos (4), a UE precisa de transportes sustentáveis para satisfazer as suas necessidades de mobilidade. A União constitui a maior potência económica do planeta, representando mais de 18 % do volume total das importações e exportações mundiais. Sendo as relações comerciais as impulsionadoras económicas e sociais de toda a sociedade moderna, impõe-se, portanto, procurar formas de conciliar desenvolvimento e sustentabilidade.

2.2   A internalização é um mecanismo concebido para imputar os custos externos dos meios de transporte provocados pelos congestionamentos, ruído, poluição atmosférica e alterações climáticas, bem como para assegurar que as tarifas pagas pelos utilizadores dos transportes reflectem o seu preço social. Constitui uma forma de aplicar o princípio do «poluidor-pagador» em conformidade com o que foi solicitado pelo Parlamento Europeu.

2.3   A Comissão já analisou e colocou a hipótese desta internalização dos custos externos no seu Livro Verde de 1995 e no seu Livro Branco de 1998, enquanto o Livro Branco de 2001, após a revisão intercalar de 2006, confirmou que a Comissão estava disposta a elaborar uma tarifação eficaz das infra-estruturas.

2.4   Em 1993, foi adoptada a primeira directiva relativa à aplicação pelos Estados-Membros dos impostos sobre certos veículos pela utilização de certas infra-estruturas, conhecida pelo nome de «Eurovinheta».

Posteriormente, este documento foi alterado pela Directiva 1999/62/CE relativa à aplicação de imposições aos veículos pesados de mercadorias pela utilização de certas infra-estruturas.

2.5.1   A Directiva 2001/14/CE, pelo seu artigo 10.o, torna obrigatória para o transporte ferroviário a aplicação, por transposição, de medidas adoptadas noutros modos de transporte.

2.6   Em 10 de Junho de 2008, os Estados-Membros foram obrigados a adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para se adaptarem aos requisitos da Directiva 2006/38/CE, que regulamentava as imposições pela utilização das infra-estruturas.

2.7   Em 2006, o Parlamento Europeu e o Conselho solicitaram à Comissão que apresentasse, até Junho de 2008 (5), «um modelo passível de aplicação geral, transparente e compreensível, para a avaliação dos custos externos (…), destinado a servir de base para o futuro cálculo das despesas a pagar pela utilização das infra-estruturas», deixando claro que ele deveria, por outro lado, «ser acompanhado de uma análise do impacto da internalização dos custos externos relativamente a todos os modos de transporte, bem como de uma estratégia para uma aplicação gradual deste modelo a todos os modos de transporte».

2.8   Em Julho de 2008, a Comissão apresentou ao Conselho e ao Parlamento um pacote legislativo sobre transportes mais ecológicos que incluía, para além da proposta de directiva em exame no presente parecer, uma comunicação integrando um modelo e uma estratégia com o objectivo de aplicar uma política de tarifação correcta, que reflicta com maior acuidade os custos reais da utilização de veículos, comboios, aviões e navios, associados à poluição, ao congestionamento e às alterações climáticas, bem como uma comunicação destinada a reduzir o ruído do transporte ferroviário de mercadorias. A comunicação estratégica, já mencionada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, é, portanto, um ponto de referência para as duas propostas suplementares.

2.9   A directiva em análise é uma directiva de harmonização das portagens rodoviárias que não impõe mas permite aos Estados-Membros que o desejem instaurar a internalização de um número limitado de custos externos (congestionamento, ruído, poluição).

Poderá permitir aos Estados-Membros, em particular, adaptar as suas portagens em função do congestionamento e, assim, distribuir melhor o tráfego propondo portagens mais baixas aos operadores de transporte rodoviário, a fim de os incentivar a circular fora das horas de ponta. O impacto económico dessa adaptação deverá ser positivo tanto para o transporte rodoviário como para os transitários.

2.10   Note-se que a proposta de directiva não impede os Estados-Membros de instituir portagens nas zonas urbanas.

3.   Observações na generalidade

3.1   O Comité, como já afirmou em pareceres anteriores, aprova o princípio do poluidor-pagador e a sua aplicação, que é o assunto da directiva em análise. A aplicação desse princípio bem como a procura do interesse geral dos cidadãos europeus daí decorrente estão no centro das preocupações do Comité neste domínio. Considera que a lógica do princípio do poluidor-pagador requer, na sua aplicação, que se lute contra os efeitos sociais e ambientais dos custos externos do transporte rodoviário, que estão no cerne da directiva em apreço, apostando ao mesmo tempo na procura de novas formas de os resolver.

Nesta perspectiva, o Comité reconhece o esforço realizado pela Comissão para elaborar as suas propostas e congratula-se com a possibilidade de analisar todas as iniciativas que ambicionem uma melhoria da sustentabilidade dos transportes, que se traduzirá numa melhoria da situação social, ambiental e económica da UE. Dessa forma, o CESE pode acolher favoravelmente o projecto de directiva, mas, por uma questão de coerência, apenas se a Comissão Europeia tiver em conta as observações feitas pelo CESE no seu parecer de Julho de 2009 sobre a «Estratégia de internalização dos custos externos» (6). Tal como correctamente sublinha, o sistema de tarifação proposto incentivaria as empresas de transporte rodoviário a utilizar veículos menos poluentes, a optar por itinerários menos congestionados, a optimizar a carga dos seus veículos e, por último, a utilizar mais racionalmente as infra-estruturas financiadas pela entidade territorial através de taxas, reduzindo assim o seu congestionamento.

3.2   No tocante ao possível impacto da aplicação da directiva, o Comité questiona-se sobre as implicações que a proposta de alteração à Directiva 1999/62/CE poderá ter para o posicionamento dos produtos europeus nos mercados mundiais. Gostaria que a Comissão se mantivesse atenta a esta questão.

Em qualquer caso, o Comité considera que o interesse geral e colectivo deve estar no centro das preocupações e que, desta perspectiva, os eventuais inconvenientes ligados à internalização dos custos poderão ser compensados pelos ganhos obtidos, nomeadamente em matéria de redução da poluição ambiental e sonora, dos danos provocados na paisagem, dos custos sociais como, por exemplo, os associados aos problemas de saúde e aos custos indirectos dos acidentes, que geram custos económicos significativos suportados pela entidade territorial e, por conseguinte, pelos cidadãos europeus. É este o objecto da directiva em análise.

3.3   Apesar da promulgação recente, o Comité considera necessário, tal como o Conselho e o Parlamento, que a Directiva 2006/38/CE seja alterada para que adquira maior eficácia.

Para esse efeito o CESE considera que o projecto de directiva em apreço, elaborado a pedido do Parlamento Europeu, é oportuno.

Permite ainda à União Europeia enviar um sinal importante ao mercado, tendo em vista melhorar o seu desempenho económico e ambiental indispensável à realização dos objectivos fixados no âmbito do pacote Energia.

3.4   O Comité considera que a Comissão deve zelar pelo bom funcionamento do mercado interno, prevenir distorções de concorrência entre as empresas de transporte dos seus Estados-Membros e assegurar a sua coesão territorial, económica e social.

A aplicação de imposições pela utilização das infra-estruturas exigirá reavaliações tarifárias nos países periféricos e nos Estados de trânsito, que sofrerão um aumento dos custos de importação e exportação dos seus produtos sem uma equiparação comum ao que lhes custa, hoje, a poluição, a deterioração das infra-estruturas, os engarrafamentos, os efeitos perniciosos na saúde dos seus cidadãos e no ambiente. Contudo, o CESE tem consciência de que, num mercado integrado, a circulação das mercadorias se faz sem outra polarização que a da oferta e da procura, segundo o momento, da periferia para o centro ou inversamente. As tarifas de utilização, aplicáveis a todos os operadores de transporte rodoviário, têm, no seio da União, a virtude de colocar todos os profissionais em pé de igualdade, dado que é o consumidor final que paga a factura.

3.5   O Comité tem consciência de que, das consequências negativas atribuídas ao transporte rodoviário, apenas uma parte é imputável ao transporte de mercadorias.

Consequentemente, a tarifação devia ser estabelecida no âmbito de uma estratégia global.

3.6   O Comité considera que, tal como exige a directiva, a Comissão deve apresentar quanto antes um modelo para a avaliação de todos os custos externos acompanhado de uma avaliação do impacto da internalização dos custos externos de todos os modos de transporte, bem como de uma estratégia de aplicação, comum e progressiva, a todos os modos, evitando medidas que distorçam a concorrência entre eles e impeçam a correcta aplicação da co-modalidade.

3.7   Conforme se assinalou por ocasião da reavaliação da política europeia de transportes em 2006, para optimizar as cadeias logísticas europeias, tornar o transporte mais ecológico e mais eficiente e, em última instância, garantir um transporte mais sustentável através da co-modalidade (7), é necessária toda uma panóplia de instrumentos políticos aos níveis comunitário e nacional.

Neste contexto, o Comité considera oportuno, no momento presente, que, independentemente do conteúdo da directiva em apreço, o programa de trabalho da Comissão atribua maior importância a medidas paralelas e complementares, de carácter positivo, que podem consistir, por exemplo, no estímulo à aquisição de veículos ecológicos, à utilização de combustíveis alternativos, aos investimentos em investigação, desenvolvimento e inovação ou à cooperação intermodal, na promoção do recurso aos transportes públicos, na realização de acções de formação relativas à segurança rodoviária e à condução económica e na criação de corredores de livre circulação a nível europeu, de modo a evitar os congestionamentos e os obstáculos artificiais e que terá por consequência uma melhoria da situação dos trabalhadores dos transportes internacionais ao permitir-lhes regressar a casa.

3.8   O Comité gostaria que a aplicação do conteúdo operacional desta directiva fosse acompanhada do desenvolvimento do transporte multimodal, a fim de constituir uma verdadeira solução alternativa à utilização das infra-estruturas rodoviárias.

3.9   O Comité tem em conta o facto de, neste momento, os operadores de transporte rodoviário serem penalizados pelos custos resultantes do congestionamento do tráfego devido ao impacto deste último na produtividade do transporte. Todas as medidas destinadas a reduzir esse congestionamento, que é em parte o assunto da directiva em análise, contribuirão no futuro para melhorar a produtividade dos transportes rodoviários.

Nesta questão, o Comité sublinha a importância do custo do congestionamento, que poderá ser tratado pelos Estados-Membros no âmbito da portagem e dos custos externos propostos pela Comissão. Efectivamente, os custos do congestionamento representam 1,1 % do PIB da União Europeia (8). Na ausência de novas medidas, estima-se que 29 % da rede rodoviária europeia esteja congestionada em 2020 com um impacto negativo em termos de consumo de combustível (consumo suplementar de 10 % a 30 % em caso de forte congestionamento) (9) e das emissões de CO2. O congestionamento representa 42 % do total dos custos externos do transporte rodoviário. Os veículos pesados têm um impacto notório, causando até 3,5 vezes mais engarrafamentos nas estradas interurbanas do que os veículos individuais (10).

3.10   O Comité considera que as receitas das imposições devem ser utilizadas para melhorar a qualidade do sector do transporte, seja em termos de desempenho ecológico, social ou económico.

No tocante à afectação das receitas das imposições pelos custos externos, convém zelar com uma atenção muito particular pela melhoria das condições de trabalho dos motoristas, nomeadamente construindo áreas de estacionamento protegidas que lhes permitam descansar em boas condições, pela melhoria das frotas de transporte, através de investimentos na investigação, no desenvolvimento e na inovação, e pela promoção do respeito da legislação social.

Nessa perspectiva, a directiva poderá incluir uma referência pormenorizada de carácter social ao impacto da afectação das receitas geradas na melhoria das condições de trabalho dos motoristas.

3.11   O CESE solicita à Comissão que estabeleça medidas adequadas que permitam aos operadores de transportes rodoviários repercutir nos seus clientes os custos gerados pelas imposições aplicadas após a entrada em vigor da directiva em apreço. O objectivo é impor o custo real ao transporte de mercadorias, mas não limitar as condições sociais dos trabalhadores desse modo de transporte.

3.12   À semelhança da Comissão, o Comité também entende que, no que respeita às cabinas de portagem tradicionais, a utilização de sistemas de portagem electrónicos é essencial para evitar perturbações no fluxo de tráfego, prejudiciais a todos os utilizadores, e para prevenir os efeitos ambientais locais negativos das filas de trânsito que se formam nas praças de portagem. Deste ponto de vista deve ser dada uma atenção muito especial aos trabalhadores que tenham ficado sem emprego em virtude da instalação de sistemas electrónicos, designadamente procedendo à procura de empregos alternativos na bacia de emprego em causa e criando as formações eventualmente necessárias.

4.   Observações na especialidade

4.1   O Comité congratula-se com o facto de as portagens e os direitos de utilização não provocarem qualquer tipo de discriminação, seja de que natureza for, antes aplicando a todos o mesmo princípio, a fim de racionalizar a utilização e de evitar custos inúteis para a sociedade no seu conjunto.

4.2   O Comité considera que, a fim de conciliar um habitat de qualidade para a população e as necessidades de comunicação dos cidadãos, as autoridades devem dar mais atenção ao ordenamento do território pelas autarquias, evitando as concentrações urbanas ao longo das vias públicas interurbanas, e considera que é conveniente encorajar a investigação sobre a aplicação de revestimentos tecnicamente melhorados, que promovam uma redução da poluição sonora, beneficiando, deste modo, os habitantes.

4.3   Dado que evitar um nível elevado de congestionamento e poluição rodoviários constitui um objectivo social importante, o Comité tem para si que seria oportuno analisar as diferentes tipologias dos veículos que originam os engarrafamentos, de modo a obter uma imagem mais realista para eventuais estratégias para minorar os efeitos.

4.4   Contanto que seja assegurado um nível elevado de objectividade, o Comité congratula-se por constatar que o montante da taxa de externalidade será estipulado por uma autoridade independente do organismo encarregado de gerir e internalizar a totalidade ou uma parte da taxa.

4.5   No entender do Comité, é justo que as eventuais majorações para a internalização dos custos associados a infra-estruturas de regiões montanhosas sejam reservadas para financiar a realização de projectos prioritários de interesse europeu que promovam a co-modalidade e representem uma alternativa de transportes combinados ao modo de transporte que contribui para o financiamento das infra-estruturas.

4.6   O Comité considera pertinente que, no caso de controlos em que o condutor não esteja em condições de apresentar os documentos do veículo que atestem a classe EURO de emissões do veículo, os Estados-Membros possam aplicar portagens até ao nível máximo exigível, desde que se preveja a possibilidade de regularização posterior, com reembolso equivalente ao montante pago em excesso.

4.7   O Comité estaria de acordo com o tratamento diferenciado dos veículos em função do seu grau de poluição atmosférica e sonora.

4.8   O Comité considera positivo que a aplicação e a cobrança das portagens e dos direitos de utilização sejam efectuadas com a menor perturbação possível para a fluidez do trânsito. Considera também indispensável suprimir os pontos de estrangulamento que existem actualmente em algumas portagens associadas a passagens de fronteira.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 317 de 23.12.2009, p. 80.

(2)  Ver a nota de pé-de-página n.o 1.

(3)  JO C 277 de 17.11.2009, p. 85.

(4)  De acordo com os dados estatísticos da Direcção-Geral da Energia e dos Transportes da Comissão relativos ao ano de 2006, o parque automóvel da UE-27 é composto por 30 837 000 veículos de duas rodas, 229 954 000 automóveis de passageiros, 797 900 autocarros e 32 249 000 camiões.

(5)  Artigo 11.o da Directiva 2006/38/CE: Até 10 de Junho de 2011, a Comissão apresenta ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório sobre a aplicação e os efeitos da presente directiva, tendo em conta os desenvolvimentos verificados no domínio tecnológico e a evolução da densidade de tráfego, incluindo a utilização de veículos de mais de 3,5 e menos de 12 toneladas, e avaliando o seu impacto no mercado interno, nomeadamente nas regiões insulares, sem litoral e periféricas da Comunidade, os níveis de investimento no sector e o respectivo contributo para a prossecução dos objectivos de uma política de transportes sustentável.

Os Estados-Membros transmitem à Comissão as informações necessárias para o relatório até 10 de Dezembro de 2010.

Até 10 de Junho de 2008, a Comissão apresenta, após apreciação de todas as opções, incluindo os custos relacionados com o ambiente, o ruído, o congestionamento e a saúde, um modelo de avaliação de todos os custos externos que seja aceite por todos, transparente e compreensível e sirva de base para o cálculo futuro dos encargos com a infra-estrutura. Este modelo é acompanhado de uma análise de impacto da internalização dos custos externos relativamente a todos os modos de transporte e de uma estratégia de aplicação gradual do modelo a todos os modos de transporte. Os referidos relatório e modelo são acompanhados, se necessário, de propostas ao Parlamento Europeu e ao Conselho para uma futura revisão da presente directiva..

(6)  Ver a nota de pé de página n.o 1.

(7)  «Co-modalidade», a utilização eficiente dos diferentes modos de transporte, em separado ou em integração intermodal no âmbito do sistema europeu de transportes, de modo a garantir uma utilização óptima e sustentável dos recursos.

(8)  Comunicação da Comissão Europeia – Tornar o transporte mais ecológico.

(9)  Comissão Europeia, Estudo de impacto sobre a internalização dos custos externos, pág. 55.

(10)  Ver o estudo realizado pela CE Delft sobre a internalização dos custos externos dos transportes (IMPACT).


ANEXO AO PARECER

do Comité Económico e Social Europeu

A proposta de alteração seguinte, que obteve pelo menos um quarto dos votos expressos, foi posta à votação e rejeitada:

Ponto 3.9

Alterar como segue:

«O Comité tem em conta o facto de […]

Nesta questão, o Comité sublinha a importância do custo do congestionamento, que poderá ser tratado pelos Estados-Membros no âmbito da portagem e dos custos externos propostos pela Comissão. Efectivamente, os custos do congestionamento representam 1,1 % do PIB da União Europeia (1). Na ausência de novas medidas, estima-se que 29 % da rede rodoviária europeia esteja congestionada em 2020 com um impacto negativo em termos de consumo de combustível (consumo suplementar de 10 % a 30 % em caso de forte congestionamento) (2) e das emissões de CO2. O congestionamento representa 42 % do total dos custos externos do transporte rodoviário. . ».

Justificação

A última frase «Os veículos pesados têm um impacto notório, causando até 3,5 vezes mais engarrafamentos nas estradas interurbanas do que os veículos individuais» é retirada do estudo «IMPACT» da CE Delft, conforme menciona a nota de pé de página (ainda que, estranhamente, não refira a página exacta). Verifica-se, contudo, que esta frase (situada, segundo investigação efectuada pelos subscritores da proposta de alteração, no cimo da página 34) reza antes: «This approach reflects the responsability for congestion in proportion to the road space consumed (Esta abordagem reflecte a responsabilidade pelo congestionamento proporcionalmente ao espaço de rodovia ocupado)», o que é totalmente diferente. Parece, portanto, preferível elidir a frase do que reproduzi-la erroneamente, tanto mais que as frases anteriores foram retiradas de outros estudos que se referem ao total da circulação rodoviária, ao passo que o excerto do estudo da CE Delft se refere aos camiões individualmente. O texto correspondente diz respeito meramente a um cálculo padronizado do espaço consumido na estrada. O congestionamento propriamente dito é causado por uma insuficiente capacidade de absorção pela infra-estrutura de um determinado fluxo de tráfego composto por veículos ligeiros de passageiros e veículos pesados em circulação simultânea em determinada altura ou por circunstâncias extraordinárias, como acidentes ou más condições climatéricas. O primeiro caso depende da intensidade ou combinação de veículos ligeiros e pesados (Eurostat-27: a proporção de camiões nunca chega sequer a 20 % dos fluxos de trânsito, numa relação de cerca de 230 milhões de veículos ligeiros de passageiros para apenas 34 milhões de autocarros, camionetas e camiões de carga). No segundo caso, a média de acidentes na UE provocados por veículos pesados, entre 1996 e 2006, não passou dos 13 %. E também aqui apenas uma fracção deles está na origem dos congestionamentos.

Resultado da votação

Votos a favor: 91

Votos contra: 138

Abstenções: 10


(1)  Comunicação da Comissão Europeia sobre “Tornar o transporte mais ecológico”.

(2)  Comissão Europeia, Estudo de impacto sobre a internalização dos custos externos, p. 55.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/98


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões relativa à protecção das infra-estruturas críticas da informação – “Proteger a Europa contra os ciberataques e as perturbações em grande escala: melhorar a preparação, a segurança e a resiliência”»

[COM(2009) 149 final]

(2010/C 255/18)

Relator: Thomas McDONOGH

Em 30 de Março de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões relativa à protecção das infra-estruturas críticas da informação – «Proteger a Europa contra os ciberataques e as perturbações em grande escala: melhorar a preparação, a segurança e a resiliência»

COM(2009) 149 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 12 de Novembro de 2009, sendo relator Thomas McDonogh.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 179 votos a favor e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité saúda a comunicação da Comissão sobre o plano de acção para a protecção das infra-estruturas críticas da informação (ICI) na Europa. O CESE partilha a preocupação da Comissão quanto à vulnerabilidade da Europa a ciberataques em grande escala, a falhas técnicas, a ataques humanos e catástrofes naturais, bem como quanto aos danos avultados que isso pode acarretar para a economia e o bem-estar dos cidadãos. Concorda com a Comissão quanto à necessidade urgente de acções que aumentem a coordenação e cooperação na UE para lidar com este problema fulcral e reconhece, também, a necessidade de estabelecer rapidamente um quadro político abrangente para a protecção das ICI.

1.2   O Comité toma nota das conclusões da conferência ministerial da UE sobre a protecção das ICI e manifesta-se alarmado com o facto de a Europa estar mal preparada para lidar com ciberataques ou perturbações às ICI em grande escala, já que as iniciativas de protecção das ICI empreendidas pelos vários Estados-Membros são frequentemente desiguais e apresentam falhas de coordenação. Compreende-se que a evolução da Internet e a ausência de sistemas abrangentes dedicados à segurança e resiliência das infra-estruturas de informação tenha dado origem à grave situação em que nos encontramos. No entanto, agora que se reconhece a necessidade de agir, o Comité insta a Comissão a tomar medidas decisivas e céleres para fazer face ao problema.

1.3   O Comité apoia o plano de acção de alto nível, assente em cinco pilares, delineado na comunicação e aplaude o trabalho da Comissão. É extremamente difícil definir uma abordagem integrada, multilateral e a vários níveis para melhorar a segurança e resiliência das ICI, especialmente dado o conjunto muito desarticulado de intervenientes e a grande complexidade das infra-estruturas de informação europeias. O CESE reconhece também o papel da ENISA no que toca a apoiar e contribuir para a realização dos objectivos da comunicação em apreço.

1.4   O Comité assinala que os intervenientes não tomaram iniciativas suficientes para aplicar a Resolução do Conselho n.o 2007/C 68/01 no que diz respeito à segurança e resiliência das ICI (1). A dificuldade em desenvolver políticas eficazes para proteger as mais importantes infra-estruturas europeias de informação facilita a tarefa às pessoas interessadas em atacar as ICI por motivos políticos ou financeiros. Por isso, o Comité gostaria que a Comissão assumisse mais peremptoriamente o forte papel de liderança necessário para unir todos os intervenientes e pôr em prática medidas eficazes que protejam a Europa de potenciais ameaças às suas infra-estruturas críticas da informação. Mais, acredita que o plano de acção apresentado na comunicação só realizará os objectivos propostos se houver uma autoridade reguladora adequada que se responsabilize pela sua aplicação.

1.5   O CESE chama a atenção da Comissão para pareceres seus anteriores que comentaram a necessidade de se conseguir uma sociedade da informação segura e que manifestaram preocupações quanto à segurança da Internet e à protecção das infra-estruturas críticas.

2.   Recomendações

2.1   A União Europeia deve atribuir a uma autoridade reguladora adequada, incluindo membros da Agência Europeia dos Direitos Fundamentais, a responsabilidade pela aplicação efectiva de medidas de protecção das infra-estruturas críticas da informação de toda a UE.

2.2   Todos os Estados-Membros devem desenvolver uma estratégia nacional, uma política e quadro regulamentar sólidos, processos nacionais integrados de gestão de riscos e medidas e mecanismos de preparação adequados. Assim sendo, todos os Estados-Membros devem formar uma equipa de resposta a emergências informáticas (CERT) e associá-la ao grupo das CERT governamentais europeias (CGE) (2).

2.3   A Comissão deve agilizar os trabalhos para a instituição de uma parceria público-privada destinada à resiliência (PPPER) e integrar esta parceria nos trabalhos da Agência Europeia para a Segurança das Redes e da Informação (ENISA) e do grupo das CERT governamentais europeias (CGE).

2.4   Todos os níveis da política para a protecção das ICI devem guiar-se pelas práticas de gestão de riscos. Importa especialmente quantificar e comunicar aos agentes responsáveis relevantes o potencial custo de falhas na segurança e na resiliência das infra-estruturas.

2.5   Devem também ser impostas sanções financeiras de outra natureza aos agentes que não cumpram as responsabilidades que lhes cabem ao abrigo da política de protecção das ICI, devendo essas sanções ser proporcionais aos riscos e prejuízos decorrentes das falhas do sistema que tenham ocorrido por sua negligência.

2.6   A responsabilidade pela segurança e resiliência das ICI deve recair maioritariamente sobre os agentes de maior relevo, – os governos e os fornecedores de infra-estruturas e de tecnologia – que não devem poder furtar-se às suas responsabilidade através da transferência de obrigações para consumidores empresariais ou privados.

A segurança e a resiliência devem obrigatoriamente fazer parte da concepção de todos os sistemas de tecnologias da informação e das comunicações (TIC) a implantar na UE. Assim, incitamos os agentes privados implicados na protecção das ICI a trabalharem constantemente para melhorar certas questões relacionadas com a resiliência – por exemplo, a gestão das redes e dos riscos e a continuidade operacional.

2.7.1   A definição de normas e de boas práticas e o zelo pelo seu cumprimento devem constituir uma parte fundamental de qualquer política destinada a prevenir falhas, a definir medidas de resposta às situações de emergência e a recuperar as ICI.

2.7.2   Deve dar-se prioridade à implantação das tecnologias do IPv6 (o mais recente Protocolo Internet) e dos Domain Name System Security Extensions (DNSSEC – uma série de melhorias à segurança do Sistema de Nomes de Domínio) na Internet de toda a UE, já que estas novas tecnologias aumentariam a segurança da Internet.

2.8   O Comité encoraja os intervenientes públicos e privados a trabalhar regularmente em conjunto para testar a sua preparação e as suas medidas de resposta através de exercícios de emergência. Apoia também sem reservas a sugestão da Comissão de organizar até 2010 o primeiro exercício para toda a Europa.

2.9   Importa fomentar na Europa um sector forte de segurança da informação, equiparável à competência do sector nos Estados Unidos, que é muito bem financiado. Assim, deve aumentar-se significativamente o investimento em I&D para as questões da protecção das ICI.

2.10   Deve aumentar-se também o financiamento a programas de sensibilização e de desenvolvimento de competências e de conhecimentos no domínio da cibersegurança.

2.11   Devem ser estabelecidas agências de informação e apoio em todos os Estados-Membros, para ajudar as PME e os cidadãos a compreender e a cumprir as responsabilidades que lhes são imputadas ao abrigo da política de protecção das ICI.

2.12   A bem da segurança, a UE deve firmar a sua posição sobre o futuro do governo da Internet (3), que necessita de uma abordagem mais multilateral que respeite as prioridades nacionais dos EUA sem deixar de reflectir os interesses da União Europeia. A União Europeia deveria alicerçar a sua acção numa reflexão aprofundada acerca das interacções entre segurança cibernética e respeito pelas liberdades públicas e privadas.

3.   Contexto

Ameaça de ciberataques em grande escala a infra-estruturas críticas da informação

3.1.1   As infra-estruturas críticas da informação abrangem as tecnologias da informação e das comunicações (TIC) que fornecem a informação e as plataformas de comunicação subjacentes à provisão de bens e serviços essenciais, incluindo funções sociais vitais como o fornecimento de energia e de água, os transportes e os serviços bancários, de saúde e de emergência.

3.1.2   As ICI caracterizam-se por uma elevada complexidade no que diz respeito à integração de sistemas, à interdependência com outras infra-estruturas (por exemplo, as da energia) e à interconectividade de redes transfronteiriças. Por isso, estas infra-estruturas complexas estão expostas a numerosos riscos, que podem dar origem a falhas sistémicas catastróficas, capazes de afectar serviços sociais fundamentais em vários Estados-Membros. Os riscos decorrem de erros humanos, falhas técnicas, ataques humanos (designadamente ataques com motivações criminosas e políticas) e catástrofes naturais. O estudo dos riscos evidencia as falhas destes sistemas e, ao mesmo tempo, revela como é possível controlá-los através de práticas, intencionais ou não, atentatórias das liberdades públicas e privadas. A Comissão tem a seu cargo velar pelo respeito dos direitos fundamentais na elaboração do direito comunitário.

3.1.3   Os governos e os fornecedores de serviços essenciais não divulgam falhas de segurança e de resiliência a não ser que a isso sejam obrigados. Apesar disso, temos assistido a inúmeros exemplos notórios de ameaças a infra-estruturas críticas, decorrentes de falhas na segurança e resiliência das ICI:

em 2007 e 2008, ocorreram ciberataques em grande escala na Estónia, Lituânia e Geórgia;

em 2008, rupturas em cabos submarinos transcontinentais situados no Mediterrâneo e no Golfo Pérsico afectaram o tráfego na Internet em vários países;

em Abril de 2009, agentes responsáveis pela segurança nacional dos EUA advertiram para o facto de «ciberespiões» se terem infiltrado na rede eléctrica americana, deixando atrás de si programas de software que poderiam causar perturbações no sistema.

Em Julho, os EUA e a Coreia do Sul tiveram de lidar com um notório ataque de recusa de serviço que envolveu entre 100 000 e 200 000 PC «zombie» e que afectou várias páginas Internet governamentais.

3.1.4   Este problema é largamente exacerbado pelas intenções maliciosas de bandos criminosos e pela utilização da ciberguerra para fins políticos.

Tirando partido das fragilidades dos sistemas operativos dos computadores pessoais ligados à Internet, os bandos criminosos criaram botnets – computadores pessoais ligados em rede por malware (programas malignos) de forma a constituir um único computador virtual (como os «zombies» ou os «drones») comandado por criminosos. Estes botnets são utilizados para uma série de actividades criminosas, bem como para servir de base a ciberataques de grande escala levados a cabo por terroristas e por governos envolvidos na ciberguerra, que «alugam» a utilização dos botnets a criminosos. Crê-se que um destes botnets, denominado «Conficker» tem mais de cinco milhões de PC à sua disposição.

3.1.5   O custo económico de uma falha das ICI pode ser extremamente elevado. O Fórum Económico Mundial calculou que a probabilidade de ocorrer uma ruptura importante nas ICI nos próximos 10 anos é de 10 a 20 %, com um potencial custo global de 250 mil milhões de dólares americanos e de milhares de vidas.

A questão da prontidão de resposta, segurança e resiliência

3.2.1   A Internet é a principal plataforma de apoio de muitas das ICI europeias. A arquitectura da Internet baseia-se numa interconexão de milhões de computadores, estando o processamento, as comunicações e o controlo distribuídos globalmente. Esta arquitectura disseminada no espaço é essencial para manter a Internet estável e resiliente, com uma rápida capacidade de recuperação do fluxo de tráfego sempre que surja um problema. No entanto, significa também que qualquer desordeiro motivado e detentor de conhecimentos básicos pode lançar ciberataques em grande escala a partir das margens da rede, usando botnets, por exemplo.

3.2.2   As redes globais de comunicações e as ICI baseiam-se num elevado nível de interconectividade transfronteiriça. Assim, se a rede de um país for pouco segura e resiliente, isso pode afectar negativamente a segurança e a resiliência das ICI em todos os outros países aos quais esse país está interligado. Esta interdependência internacional coloca sobre a UE o ónus de estabelecer uma política integrada para gerir a segurança e resiliência das ICI em toda a União.

3.2.3   A maior parte dos intervenientes em vários Estados-Membros está pouco informada e sensibilizada para os riscos das ICI. Muito poucos países têm uma política abrangente para gerir esses riscos.

3.2.4   As reformas propostas para o quadro regulamentar das redes e serviços de comunicações electrónicas reforçarão as obrigações dos operadores de assegurarem a adopção de medidas adequadas para identificar os riscos, assegurar a continuidade dos serviços e notificar os casos de violação da segurança (4).

3.2.5   A grande maioria das tecnologias de apoio às plataformas das ICI é fornecida pelo sector privado, pelo que são necessários elevados níveis de competência, confiança, transparência e comunicação entre todos os envolvidos – governos, empresas e consumidores – para se conseguir uma cooperação adequada que assegure a devida protecção das ICI.

3.2.6   É essencial uma abordagem multilateral, internacional e a vários níveis.

3.3   Plano de acção assente em cinco pilares

A Comissão propõe um plano de acção assente em cinco pilares para enfrentar estes desafios:

1.

Preparação e prevenção: assegurar a preparação a todos os níveis;

2.

Detecção e resposta: criar mecanismos adequados de alerta rápido;

3.

Mitigação e recuperação: reforçar os mecanismos de defesa das ICI na UE;

4.

Cooperação internacional: promover internacionalmente as prioridades da UE;

5.

Critérios para o sector das TIC: apoiar a aplicação da directiva relativa à identificação e designação das infra-estruturas críticas europeias (5).

Cada um destes pilares dedica-se a desafios específicos, fixando datas para a realização dos objectivos que, nalguns casos, vão até ao fim de 2011.

4.   Observações

4.1   Será muito difícil desenvolver e aplicar uma estratégia eficaz para a protecção das ICI através da abordagem delineada na comunicação, que requer muitas consultas e depende do voluntarismo e da cooperação dos intervenientes. Dada a gravidade e urgência do desafio, o Comité recomenda que a Comissão examine as políticas levadas a cabo no Reino Unido e nos Estados Unidos da América, que delegam numa autoridade reguladora adequada responsabilidade e poder.

4.2   O Comité concorda com a solicitação da Resolução 58/199 da Assembleia Geral da ONU a favor da criação de uma cultura mundial de cibersegurança e da protecção das infra-estruturas críticas da informação. Uma vez que a segurança e resiliência das ICI assenta na interdependência entre países («uma corrente é tão forte quanto o seu elo mais fraco»), é alarmante que apenas 9 Estados-Membros tenham, até ao momento, criado equipas de resposta a emergências informáticas (CERT) e aderido ao grupo das CERT governamentais europeias (CGE). Urge dar maior prioridade na agenda intergovernamental à formação destas equipas.

4.3   Todos os cidadãos cuja vida possa depender da prestação de serviços essenciais são parte interessada na cibersegurança da UE. Eles têm portanto a responsabilidade de proteger, da melhor forma possível, a sua ligação à Internet contra ataques. Mais responsáveis ainda são os fornecedores de tecnologia e de serviços das TIC que veiculam as ICI. É vital que todos os intervenientes estejam devidamente informados acerca da cibersegurança. É igualmente importante que a Europa disponha de um vasto grupo de peritos com competências na área da segurança e da resiliência das TIC.

4.4   O Comité recomenda que todos os Estados-Membros tenham um organismo encarregado de informar, educar e apoiar o sector das PME nas questões da cibersegurança. As empresas de grande dimensão podem facilmente adquirir os conhecimentos de que necessitam, mas as PME precisam de apoio.

4.5   Uma vez que as ICI são fornecidas maioritariamente pelo sector privado, é importante fomentar níveis elevados de confiança e de cooperação com todas as empresas responsáveis por estas infra-estruturas críticas da informação. A iniciativa da PPPER lançada pela Comissão em Junho é louvável e deve ser encorajada. No entanto, o Comité considera que ela deve ser apoiada por legislação que torne obrigatória a cooperação dos intervenientes que não participem de forma responsável.

4.6   A disciplina da gestão de riscos existe para ajudar a resolver o tipo de problemas focados no presente documento. A Comissão deve insistir para que se sigam, sempre que necessário, as melhores práticas em matéria de gestão de riscos, no âmbito do seu plano de acção. É particularmente meritória a prática de quantificar os riscos e os custos de uma falha a todos os níveis das ICI. Se se conhecer a probabilidade e custo provável de uma falha, será mais fácil motivar os interessados a agir, para além de que será mais fácil também responsabilizá-los financeiramente por incumprimento das obrigações que lhes incumbem.

4.7   As partes envolvidas de maior relevo tendem a tentar limitar a sua responsabilidade, aproveitando o seu poder de mercado para forçar os clientes ou fornecedores a aceitar condições que isentam a grande empresa das suas devidas responsabilidades, através, por exemplo, de acordos de licenciamento de software ou de conexão com fornecedores de serviços de Internet que limitam a responsabilidade da empresa em questões de segurança. Estes acordos deverão ser considerados ilegais e a responsabilidade deve ser imputada ao principal agente.

4.8   A segurança e resiliência podem, e devem, fazer parte da concepção de todas as redes de TIC. É prioritário estudar a topologia das arquitecturas de rede existentes nos Estados-Membros e globalmente na UE, de forma a identificar concentrações inaceitáveis de tráfego de comunicações e pontos que representam um risco elevado de avarias na rede. Em particular, a elevada concentração, nalguns Estados-Membros, de tráfego de Internet num número muito limitado de nós de interconexão de Internet (Internet Exchange Points – IXP) representa um risco inaceitável.

4.9   O Comité chama também a atenção da Comissão para os comentários que teceu a propósito do documento COM(2008) 313 final, Fazer Progredir a Internet – Plano de acção para a implantação da versão 6 do Protocolo Internet (IPv6) na Europa  (6), que destacavam as vantagens, em termos de segurança, da adopção do IPv6 para a Internet de toda a UE. Recomenda-se ainda a instalação, sempre que possível, das tecnologias DNSSEC para aumentar a segurança da Internet.

4.10   Ao lançar a sua política para a segurança no ciberespaço, o Governo dos EUA atribuiu à cibersegurança 40 mil milhões de dólares do seu orçamento para 2009 e 2010. Trata-se de uma enorme injecção de fundos no sector da segurança, que levará muitas empresas dedicadas à segurança das tecnologias da informação, incluindo empresas europeias, a concentrar os seus esforços nos Estados Unidos. Para além disso, estimulará as empresas de segurança americanas a assumir a liderança mundial. É altamente recomendável que a Europa desenvolva também um sector de vanguarda, ao nível das empresas americanas, e que o sector da segurança dedique atenção e esforço suficientes às necessidades infra-estruturais europeias. O Comité solicita, portanto, à Comissão que pondere formas de contrabalançar o enorme estímulo financeiro dado pelos Estados Unidos.

4.11   O Comité apoia a recente Comunicação da Comissão sobre o «Governo da Internet: as próximas etapas» (3) e crê que a UE deve exercer uma influência mais directa nas políticas e práticas da ICANN (Sociedade Internet para os Nomes e Números Atribuídos) e da IANA (Internet Assigned Numbers Authority [Autoridade Internet para os Números Atribuídos]), para além de que a actual vigilância unilateral levada a cabo pelos EUA deve ser substituída por acordos que estabeleçam uma responsabilidade multilateral e internacional.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2006) 251.

(2)  http://www.egc-group.org.

(3)  COM(2009) 277 final.

(4)  Artigos 13.o-A e 13.o-B do COM(2007) 697 (final) referentes às propostas de alteração da Directiva 2002/21/CE.

(5)  Directiva 2008/114/CE do Conselho.

(6)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 92.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/103


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Objectivos estratégicos e recomendações para a política comunitária de transporte marítimo no horizonte de 2018»

[COM(2009) 8 final]

(2010/C 255/19)

Relatora: Anna BREDIMA

Em 21 de Janeiro de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Uma política marítima integrada para a União Europeia

COM(2009) 8 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação que emitiu parecer em 12 de Outubro de 2009, sendo relatora Anna Bredima.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 187 votos a favor e 7 votos contra, com 15 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1   O CESE acolhe favoravelmente a Comunicação em apreço, considerando que, globalmente, constitui uma base sólida e realista para uma futura política europeia de transporte marítimo até 2018, em que se reconhece, de facto, a dimensão mundial do transporte marítimo europeu no que respeita à posição concorrencial à escala mundial, à segurança e ao ambiente e, também, à necessidade de um saber-fazer marítimo de elevada qualidade.

1.2   A comunicação surge num momento crítico em que o transporte marítimo se vê confrontado com sérios desafios: a crise económica e financeira mundial que agrava a crise estrutural e cíclica do sector do transporte marítimo; debates sobre a poluição atmosférica dos navios na perspectiva da Conferência de Copenhaga da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (Dezembro de 2009); e a crescente escassez a nível mundial de marítimos. Esta situação é agravada pela pirataria marítima e pela imigração ilegal para a UE através do mar Mediterrâneo.

1.3   É absolutamente necessário «atrair» novos recrutas para a carreira marítima e tomar medidas para os «reter» nesta profissão. Há igualmente necessidade de enveredar por uma abordagem mais coordenada, com a participação de todas a partes interessadas (administrações marítimas, escolas, armadores, associações, uniões de marinheiros). Importa melhorar a qualidade da formação profissional do pessoal marítimo na Europa. Para isso, todos os Estados-Membros devem desenvolver programas de formação e estabelecer obrigações vinculadas à bandeira, para salvaguardar o conhecimento marítimo na Europa. Nesse sentido, têm de desenvolver a qualidade dos seus centros de formação marítima. Dever-se-á elaborar programas a longo prazo visando a melhoria das condições de trabalho e de vida a bordo e procurar aumentar a tripulação dos navios (sistema de vigília de três turnos), para combater os problemas e os perigos associados à fadiga. A UE deverá apresentar uma directiva que estipule a tripulação mínima. Além disso dever-se-á recorrer à Internet, aos meios de comunicação social e a programas televisivos para dar projecção à vida no mar. Exorta-se a Comissão a estudar este assunto ao nível comunitário.

1.4   O CESE, em cooperação com os conselhos económicos e sociais nacionais e com outros parceiros da sociedade civil organizada, pode promover a identidade e o património marítimos da UE e comunicar boas práticas a fim de atrair jovens para a carreira marítima. Uma Conferência sobre Profissões Marítimas, a organizar pelo CESE, seria útil para fazer passar esta mensagem à escala europeia.

1.5   O transporte marítimo europeu detém uma posição de liderança mundial, que importa reforçar através das linhas directrizes em matéria de auxílios estatais, com vista a manter condições concorrenciais justas e salvaguardar a competitividade da frota comunitária à escala mundial. O CESE defende, simultaneamente, que se complete a regulamentação comunitária em matéria de auxílios. Em princípio, estes devem ser atribuídos, no futuro, apenas a navios que arvorem pavilhões da UE. Dever-se-á igualmente velar por que não seja possível contornar as normas europeias.

1.6   Face à crise mundial, a comunicação refere, correctamente, que desde há muito que a UE tem vindo a assumir o compromisso de promover a concorrência aberta e equitativa. Torna-se necessário envidar ainda mais esforços para evitar medidas proteccionistas, pois estas só iriam retardar ainda mais o regresso a economias saudáveis. É importante repor os princípios básicos do transporte marítimo, restabelecer a confiança e promover um comportamento ético das partes envolvidas. O mesmo é aplicável ao sector do financiamento dos navios.

1.7   O acordo marítimo concluído entre a UE e a China deve ser considerado uma «boa prática» (acordo modelo) a ser aplicada a outros parceiros comerciais como a Índia, o Brasil, a Rússia, a ASEAN e o Mercosul. A Comissão é instada a elaborar uma estratégia para o mar Negro que assegure o transporte dos recursos energéticos destinados à Europa com proveniência do mar Cáspio.

1.8   O CESE convida a Comissão a averiguar a existência de acordos marítimos bilaterais relativos à partilha de cargas entre os Estados-Membros da UE e países terceiros e, se necessário, a activar a aplicação do acervo comunitário (Regulamentos n.os 4055/86 e 4058/86).

1.9   O CESE reitera o seu apoio ao investimento em I&D para navios, combustíveis e portos mais ecológicos, também com o objectivo de aumentar o número de empregos verdes.

1.10   Na perspectiva da Conferência de Copenhaga sobre Alterações Climáticas (Dezembro de 2009), o CESE reitera que aplicar um regime de comércio de licenças de emissão ao sector do transporte marítimo é consideravelmente mais complicado do que no sector da aviação. No que respeita à protecção do ambiente, o CESE acrescenta que acolhe positivamente o novo impulso que deverá ser dado à filosofia de um transporte marítimo de qualidade e considera que a UE não se deve esquecer, tendo em conta a densidade do tráfego nos seus mares e costas, de lutar contra as práticas como as lavagens dos tanques dos petroleiros no mar e os navios não conformes com as normas.

1.11   O estabelecimento de limites para o teor de enxofre nas zonas de controlo das emissões dos navios, o que à partida é uma medida respeitadora do ambiente, pode ter um efeito contrário, ou seja, uma transferência modal do mar para terra. A política europeia de co-modalidade e a promoção de serviços marítimos de curta distância não devem ser ameaçados.

1.12   O CESE reitera a necessidade urgente de a UE agir face ao recrudescimento dos actos de pirataria contra navios comerciais ao largo da África e do Sudeste Asiático. A Comissão deve promover a criação de jurisdições e legislações apropriadas para fazer face à actual impunidade perante os actos de pirataria. Há que procurar cooperar estreitamente com os organismos da ONU, para melhorar as condições políticas, económicas e sociais nos países de origem, especialmente na Somália. O CESE opõe-se inteiramente ao porte de armas pelo pessoal marítimo. Para controlar a imigração ilegal por via marítima, importa que a UE desenvolva uma cooperação com os países terceiros de origem e de trânsito dos imigrantes.

2.   Introdução

2.1   Em 21 de Janeiro de 2009, a Comissão Europeia apresentou uma comunicação sobre os objectivos estratégicos e sobre as recomendações para a política comunitária de transporte marítimo no horizonte de 2018 (1), que reflecte as consultas exaustivas às partes interessadas, aos Estados-Membros e a um grupo de profissionais de alto nível do sector, e um estudo sobre as tendências no transporte marítimo.

2.2   O CESE adoptou dois pareceres sobre os documentos que precederam esta comunicação, nomeadamente a Comunicação intitulada Para uma futura política marítima da União  (2), de 26 de Abril de 2007, e a Comunicação intitulada Uma política marítima integrada para a União Europeia  (3), de 22 de Abril de 2008, congratulando-se com o facto de a maioria das suas sugestões ter sido adoptada pela Comissão. O CESE reitera, com firmeza, o seu apoio a uma perspectiva inclusiva que abranja todas as actividades marítimas a fim de evitar efeitos indesejáveis para as políticas sectoriais.

2.3   O CESE congratula-se com a comunicação, considerando que, no seu conjunto, constitui uma base sólida e realista para uma política europeia de transporte marítimo até 2018, salientando o papel fundamental dos serviços europeus de transporte marítimo para o comércio mundial e europeu, bem como para o quotidiano dos cidadãos da UE. A comunicação reconhece, de facto, a dimensão mundial do transporte marítimo europeu no que respeita à posição concorrencial à escala mundial, à segurança e ao ambiente e, também, à necessidade de um saber-fazer marítimo de elevada qualidade.

A comunicação surge num momento crítico em que o transporte marítimo se vê confrontado com sérios desafios: a) a crise económica e financeira mundial está a agravar a crise estrutural e cíclica do transporte marítimo. Embora a elaboração da comunicação tenha começado antes de deflagrar a crise internacional, os princípios nela contidos permanecem válidos mesmo em tempos de crise; b) debates sobre a poluição atmosférica dos navios, que vão culminar na Conferência de Copenhaga da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (Dezembro de 2009); c) a crescente escassez a nível mundial de marítimos.

2.4   Estes desafios são agravados pelo recrudescimento da pirataria, um mal que assolava a Idade Média, e da imigração ilegal através do mar Mediterrâneo.

2.5   A Comunicação em apreço deve ser lida em conjunto com a Comunicação Um futuro sustentável para os transportes: rumo a um sistema integrado, baseado na tecnologia e de fácil utilização (COM(2009) 279 final), que identifica as questões da urbanização, do congestionamento urbano, do envelhecimento da população e da imigração ilegal como tendências que colocam desafios à política dos transportes no século XXI. A futura política marítima pode dar resposta a estes desafios e será essencial para os resolver.

3.   Recursos humanos, competências e saber-fazer marítimos

É absolutamente necessário «atrair» novos recrutas para a carreira marítima tendo em vista salvaguardar no sector marítimo europeu – líder mundial - um saber-fazer marítimo de elevada qualidade. O CESE está alarmado com a elevada taxa de abandono dos alunos de escolas navais em alguns Estados-Membros e com o elevado índice de desistência da carreira marítima. A vocação marítima da UE poderá estar seriamente ameaçada, a menos que se promova, sem demora, uma abordagem holística para tornar a profissão marítima mais atractiva. É necessário desenvolver o estudo realizado pelos parceiros sociais (ESCA/ETF) sobre carreiras e oportunidades. As medidas destinadas a «atrair» marítimos deveriam ser acompanhadas de medidas para os «reter».

3.1.1   Em tempos de crise e no mundo actual em que grassa o desemprego, não devemos perder a oportunidade de promover a carreira marítima. Apesar da crise, o emprego a bordo da frota da UE manteve-se. A solidão e a distância da família são as principais razões para que as profissões marítimas tenham vindo a perder atractividade.

3.1.2   Há igualmente necessidade de enveredar por uma abordagem mais coordenada, com a participação de todas a partes interessadas (administrações marítimas, escolas, armadores, associações, uniões de marinheiros), recorrendo-se à Internet, aos meios de comunicação social e a programas televisivos, para dar projecção à vida no mar. Exorta-se a Comissão a estudar este assunto ao nível comunitário.

3.2   Em 2003, a Associação de Armadores da Comunidade Europeia (ECSA) e a Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF) levaram a cabo um projecto que visava eliminar o assédio e outras formas de agressão a bordo de navios e aplicar políticas eficazes de igualdade de oportunidades nas companhias. Este projecto vai ao encontro dos objectivos do comité europeu de diálogo social no sector do transporte marítimo, promovendo a presença de mulheres nas tripulações marítimas.

3.3   Importa melhorar a qualidade da formação profissional do pessoal marítimo na Europa. Para isso, todos os Estados-Membros devem desenvolver programas de formação e estabelecer obrigações vinculadas à bandeira, para salvaguardar o conhecimento marítimo na Europa. Nesse sentido, têm de desenvolver a qualidade dos seus centros de formação marítima. Dever-se-á elaborar programas a longo prazo visando a melhoria das condições de trabalho e de vida a bordo. Solicita-se à Comissão que analise e estude a questão do aumento da tripulação dos navios, bem como os problemas e perigos associados à fadiga, com o objectivo de mitigar os riscos, e que tome medidas adequadas. Há também que desenvolver programas de promoção, educação e formação profissional. Além disso, as condições de trabalho e de vida a bordo devem ser melhoradas, através da criação de condições concorrenciais equitativas a nível global, com base na ratificação da Convenção sobre Trabalho Marítimo, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2006. A legislação internacional deve ser respeitada, em especial a Convenção Internacional da OMI sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos, de 1995 (Convenção NFCSQ), actualmente em revisão.

3.4   É importante intensificar as actividades de promoção, a educação e a formação para alcançar a mais elevada qualidade. A Comissão deve examinar as melhores práticas existentes nos Estados-Membros, ao nível do ensino secundário, para promover o ingresso na carreira marítima. O CESE apoia as propostas que visam o intercâmbio de cadetes (programa Erasmus), as viagens de instrução dos cadetes como parte da sua formação e a melhoria da prestação de cuidados médicos a bordo dos navios. Reitera (4) ainda que a experiência da Universidade Flutuante merece ser explorada como forma de atrair estudantes para a carreira marítima.

3.5   O CESE salienta a necessidade de acautelar o tratamento equitativo dos marítimos, em linha com as directrizes da OMI/OIT sobre igualdade de tratamento do pessoal do mar, em caso de Acidente Marítimo. A criminalização deve ser tratada a nível internacional. A OMI deve analisar minuciosamente os casos em que os Estados de bandeira da OMI tenham criminalizado marítimos injustamente, em particular através da sua detenção. Neste contexto, o CESE chama a atenção para o facto de que a criminalização dos marítimos denigre a imagem desta profissão numa altura em que há imensa falta de marítimos altamente qualificados (5). A futura política da UE deve alinhar-se pelos princípios acordados ao nível internacional e pelas normas da Convenção MARPOL e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).

3.6   O CESE insta os Estados-Membros a ratificarem a Convenção sobre Trabalho Marítimo, aprovada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2006, que permitirá criar condições concorrenciais justas e contribuirá para atrair jovens para a carreira marítima.

3.7   O CESE, em cooperação com os conselhos económicos e sociais nacionais e com outros parceiros da sociedade civil organizada, pode promover a identidade e o património marítimos da UE e comunicar boas práticas a fim de atrair jovens para a carreira marítima. Uma Conferência sobre Profissões Marítimas, a organizar pelo CESE, seria útil para fazer passar esta mensagem à escala europeia.

4.   O sector comunitário do transporte marítimo em mercados mundializados

4.1   O CESE acolhe, com agrado, que a Comissão reconheça a necessidade de regras mundiais para uma indústria global, bem como a importância de haver uma regulamentação internacional dos transportes marítimos e a necessidade de responder aos desafios que se colocam em matéria normativa em instâncias internacionais como a Organização Marítima Internacional (OMI). O transporte marítimo europeu detém uma posição de liderança mundial, que importa reforçar através das linhas directrizes em matéria de auxílios estatais (cuja revisão está prevista para 2011), um instrumento decisivo para assegurar condições concorrenciais justas e salvaguardar a competitividade da frota comunitária à escala mundial. É necessário prorrogar estas linhas directrizes para manter o status quo. O CESE defende, simultaneamente, que se complete a regulamentação comunitária em matéria de auxílios. Em princípio, estes devem ser atribuídos, no futuro, apenas a navios que arvorem pavilhões da UE. Dever-se-á igualmente velar por que não seja possível contornar as normas europeias.

4.2   Face à crise mundial, a Comissão refere, correctamente, que desde há muito que a UE tem vindo a assumir o compromisso de promover a concorrência aberta e equitativa. Há que evitar medidas proteccionistas, pois estas só iriam retardar ainda mais o regresso a economias saudáveis. O ambiente não pode servir de pretexto para a adopção de medidas proteccionistas.

4.3   O transporte marítimo tem que se recentrar nos princípios básicos e num comportamento ético. É necessário restabelecer a confiança, quer no sector do transporte marítimo, quer no sector bancário. Importa também evitar a especulação ligada à construção naval sem prova da sua necessidade económica. Há que desenvolver uma nova abordagem que articule o financiamento e a construção em termos de projectos rentáveis. Os Estados-Membros da UE têm de ser solidários para poderem mitigar o impacto da crise financeira e económica (6) que está a afectar o sector marítimo.

4.4   O sector do transporte marítimo da UE caracteriza-se pelo espírito empresarial. O grande número de empresas de transporte marítimo privadas (muitas delas familiares) é uma característica importante das frotas da UE. Os legisladores europeus devem ser sensibilizados para as características deste modelo e para as instituições que o compõem. A crise no sector do transporte marítimo está a afectar gravemente as pequenas e médias empresas que constituem a coluna vertebral do transporte marítimo europeu. Em simultâneo, o CESE sublinha que é necessário erradicar os navios que não cumpram as normas qualquer que seja o pavilhão que arvorem. Nestes casos, os navios não podem beneficiar de nenhum tipo de ajuda.

4.5   Na sequência da abolição unilateral da isenção das regras antitrust em relação às conferências marítimas na UE (2006), a Comissão é convidada a acompanhar de perto as consequências da existência de regimes de concorrência não uniformes à escala mundial. Actualmente, há 110 jurisdições em matéria de concorrência que prevêem regimes diferentes para uma indústria global como o transporte marítimo de linhas regulares (7).

5.   Transporte marítimo de qualidade

5.1   O CESE considera que a recente adopção do terceiro pacote de segurança marítima, que estabelece um quadro regulamentar adequado ao transporte marítimo, vem reforçar as regras comunitárias nesta matéria com base na abordagem global da IMO. O pacote permitirá visar o transporte marítimo não conforme às normas, dando um ímpeto à filosofia de um transporte marítimo de qualidade. A base de dados EQUASIS, criada pela Agência Europeia de Segurança Marítima (AESM), fornece informações úteis sobre a qualidade dos navios.

O transporte marítimo continuará a crescer no futuro próximo, para dar resposta ao volume crescente de comércio mundial. Por conseguinte, as suas emissões aumentarão também. É possível, contudo, obter reduções significativas através de uma série de medidas técnicas e operacionais. Para isso poderão contribuir a investigação e o desenvolvimento de grupos de propulsão e combustíveis alternativos, bem como novas estruturas de navios. Em termos sobretudo de emissões atmosféricas de CO2, os navios são uma das formas mais eficientes de transporte devido à sua constante modernização e eficiência energética, apesar das distâncias envolvidas.

5.2.1   Na perspectiva da Conferência de Copenhaga sobre Alterações Climáticas (Dezembro de 2009), o CESE reitera (8) que aplicar um regime de comércio de licenças de emissão ao sector do transporte marítimo é consideravelmente mais complicado do que no sector da aviação e, em particular, no sector do transporte marítimo de tramp. A eventual criação de um instrumento baseado no mercado para o transporte marítimo não deve afectar negativamente a competitividade do sector da marinha mercante europeia no mercado mundial.

5.2.2   O estabelecimento de limites para o teor de enxofre dos navios nas zonas de controlo das emissões dos navios é uma medida respeitadora do ambiente. Há que alargar este instrumento a outras bacias marítimas

5.3   O CESE reitera (2) o seu pedido de que a legislação comunitária em matéria ambiental seja aplicada às embarcações de recreio e, se possível, aos navios militares (3). A política ambiental deve igualmente analisar a questão da poluição marítima invisível.

5.4   O CESE propõe (9) uma estratégia equilibrada para melhorar as condições ambientais e sociais nos estaleiros de reciclagem, mantendo, simultaneamente, a sua capacidade para colmatar a falta, em todo o mundo, de estaleiros de desmantelamento. A estratégia deverá ser aplicada num período transitório até à entrada em vigor internacional da Convenção de Reciclagem de Navios da IMO (2009).

6.   Colaboração a nível internacional

6.1   O CESE tem aumentado a sensibilização na UE para os problemas do transporte marítimo existentes em áreas geográficas específicas (3), nomeadamente no oceano Árctico, no mar Báltico e no mar Mediterrâneo. É gratificante que a Comissão tenha respondido com a apresentação das comunicações sobre a região do Árctico, a estratégia do mar Báltico e a estratégia do mar Mediterrâneo. O CESE nota que a comunicação salienta o facto de a frota comunitária assumir importância estratégica para o bom funcionamento do aprovisionamento de petróleo e de gás da UE. Convida, portanto, a Comissão a elaborar uma estratégia para o mar Negro, que envolva todos os países ribeirinhos, para assegurar o transporte de recursos energéticos provenientes do mar Cáspio com destino à Europa.

6.2   Convém intensificar os esforços no sentido de alcançar um acordo sobre serviços marítimos na OMC. O acordo marítimo concluído entre a UE e a China pode ser considerado uma «boa prática» (acordo modelo) a ser aplicada a outros parceiros comerciais como a Índia, o Brasil, a Rússia, ASEAN e o Mercosul.

6.3   O CESE convida a Comissão a examinar a existência de acordos marítimos bilaterais relativos à partilha de cargas entre os Estados-Membros da UE e países terceiros e, se necessário, a activar a aplicação do acervo comunitário (Regulamentos n.os 4055/86 e 4058/86). Neste sentido, a Comissão deve também desencorajar a celebração de acordos bilaterais entre países terceiros.

6.4   Quanto à proposta que visa aumentar a visibilidade da IMO, em casos de competência partilhada entre a UE e os Estados-Membros é possível reforçar a cooperação/coordenação dos Estados-Membros sem pôr em causa a sua participação a título individual. O CESE reitera que «a contribuição especializada dos Estados-Membros da UE nas organizações internacionais (como a OMI ou a OIT) goza de grande reputação, que não deveria ser posta em causa, antes valorizada» (2).

O CESE reitera a necessidade urgente de a UE agir face ao recrudescimento dos actos de pirataria (10) contra navios comerciais ao largo da África e do Sudeste Asiático. A ausência de tribunais e legislações adequados faz com que os actos de pirataria beneficiem de impunidade. Assim, a Comissão deve promover a criação de jurisdições e legislação relevantes nas áreas afectadas. Há que procurar cooperar estreitamente com os organismos da ONU, para melhorar as condições políticas, económicas e sociais nos países de origem. É urgente combater as causas da pirataria, em terra, e restabelecer a ordem, a lei e condições sociais e económicas sólidas, em particular na Somália. Para tal, a UE deve prestar ajuda ao desenvolvimento e tomar medidas diplomáticas. O CESE opõe-se inteiramente ao porte de armas pelo pessoal marítimo.

6.5.1   Segundo dados recentes (11), estima-se que os actos de pirataria irão custar à economia mundial 16 mil milhões de dólares. Em 2008, registaram-se 111 actos de pirataria ao largo do Corno de África e, no primeiro semestre de 2009, outros 240 puseram em perigo a vida de 1 000 marinheiros. Nos últimos 18 meses, foram pagos aos piratas somalis resgates no valor de 150 milhões de dólares americanos.

6.6   A imigração ilegal, para além das evidentes implicações humanitárias que tem, causa graves problemas ao transporte marítimo e à segurança nas fronteiras marítimas. É imperativo reforçar a rede de vigilância marítima integrada no mar Mediterrâneo (Safe Sea Net, FRONTEX). Para controlar a imigração ilegal por via marítima, a UE deverá desenvolver uma cooperação com os países terceiros de origem e de trânsito dos imigrantes.

7.   Transporte marítimo de curta distância

7.1   No contexto dos transportes sustentáveis e da promoção do transporte marítimo de curta distância, há que investir mais na melhoria das infra-estruturas portuárias e das ligações ao interior. A revisão da RTE-T (Rede Transeuropeia de Transporte) deverá ter plenamente em conta este parâmetro. O CESE convida a Comissão a identificar as incompatibilidades na interface entre redes marítimas e terrestres com o objectivo de facilitar a ligação da UE com os países vizinhos com quem partilha fronteiras.

8.   Investigação e inovação marítimas

8.1   O CESE (8) convidou a Comissão a assumir a liderança mundial no domínio da investigação e inovação marítimas e congratula-se por a comunicação em apreço ter dado uma resposta positiva.

8.2   O CESE apoia os investimentos em I&D destinados a navios, combustíveis e portos mais ecológicos que, por sua vez, possibilitarão o aumento de empregos verdes. Um outro aspecto a ter em conta é a necessidade de orientar a I&D para uma redução ainda maior das emissões dos navios.

8.3   Para o efeito, a Comissão deverá promover soluções para os desafios ambientais, energéticos, de segurança e sociais, através da combinação de uma política marítima coerente com uma política de construção naval. Os estaleiros europeus devem canalizar as suas capacidades para a construção de navios mais ecológicos no âmbito da Leadership 2015 e de outros programas relevantes.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2009) 8 final.

(2)  JO C 168 de 20.7.2007, pp. 50-56.

(3)  JO C 211 de 19.8.2008, pp. 31-36.

(4)  JO C 211 de 19.8.2008, pp. 31-36; cf. New York Harbour School, www.newyorkharbourschool.org.

(5)  Segundo dados do estudo realizado, em 2009, pela empresa de consultores Drewry (Drewry Shipping Consultants Study), a frota mundial necessitará de 42 700 novos oficiais até 2013.

(6)  Relatório de informação «As origens longínquas da crise financeira» (CESE 397/2209), relator Umberto Burani, 11 de Março de 2009.

(7)  JO C 157 de 28.6.2005, pp. 130-136.

JO C 309 de 16.12.2006, pp. 46-50.

JO C 204 de 9.8.2008, pp. 43-46.

(8)  JO C 277 de 17.11.2009, p. 20.

(9)  JO C 277 de 17.11.2009, p. 67.

(10)  COM(2009) 301 final.

(11)  Relatório do Centro do Gabinete Marítimo Internacional (GMI) de combate à pirataria, Agosto de 2009. A recente comunicação sobre a parceria UE-África identifica a pirataria e a imigração ilegal por via marítima como questões centrais da cooperação na área do transporte.


ANEXO

ao

PARECER

do Comité Económico e Social Europeu

O seguinte ponto foi rejeitado, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 1.5

«O transporte marítimo europeu detém uma posição de liderança mundial, que importa reforçar através das linhas directrizes em matéria de auxílios estatais, com vista a manter condições concorrenciais justas e salvaguardar a competitividade da frota comunitária à escala mundial. O CESE defende, simultaneamente, que se complete a regulamentação comunitária em matéria de auxílios, devendo estes ser atribuídos, no futuro, apenas a navios que arvorem pavilhões da UE. Dever-se-á igualmente velar por que não seja possível contornar as normas europeias através de navios fretados (bare boat charter).».

Resultado da votação

Votos a favor: 92

Votos contra: 91

Abstenções: 7

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 1.11

«O estabelecimento de limites para o teor de enxofre nas zonas de controlo das emissões dos navios, é uma medida respeitadora do ambiente, . .».

Justificação

Não há provas de que a introdução de zonas de controlo das emissões de SO2 contribua para aumentar o transporte terrestre em detrimento do marítimo.

Resultado da votação

Votos a favor: 92

Votos contra: 96

Abstenções: 18

O seguinte ponto foi rejeitado, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 5.2.1

«Na perspectiva da Conferência de Copenhaga sobre Alterações Climáticas (Dezembro de 2009), o CESE reitera (1) que aplicar um regime de comércio de licenças de emissão ao sector do transporte marítimo é consideravelmente mais complicado do que no sector da aviação e, em particular, no sector do transporte marítimo de tramp. A eventual criação de um regime de comércio de emissões (RCE) para o transporte marítimo não deve afectar negativamente a competitividade do sector da marinha mercante europeia no mercado mundial.».

Resultado da votação

Votos a favor: 112

Votos contra: 83

Abstenções: 16

O seguinte ponto foi rejeitado, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 5.2.2

«O estabelecimento de limites para o teor de enxofre dos navios nas zonas de controlo das emissões dos navios, o que à partida é uma medida respeitadora do ambiente, pode ter um efeito contrário, ou seja, uma transferência modal do transporte marítimo para o terrestre. A política europeia de co-modalidade e a promoção de serviços marítimos de curta distância não devem ser ameaçados. A tomada de decisões deverá ser precedida das correspondentes avaliações de impacto.».

Resultado da votação

Votos a favor: 94

Votos contra: 93

Abstenções: 17


(1)  JO C 277 de 17.11.2009, p. 20.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/110


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a«Comunicação da Comissão – Um futuro sustentável para os transportes: rumo a um sistema integrado, baseado na tecnologia e de fácil utilização»

[COM(2009) 279 final]

e

sobre o tema «Pontos de partida para a política europeia de transportes após 2010»

(Parecer exploratório)

(2010/C 255/20)

Relator: Lutz RIBBE

Em 17 de Junho de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Comunicação da Comissão – Um futuro sustentável para os transportes: rumo a um sistema integrado, baseado na tecnologia e de fácil utilização

COM(2009) 279 final.

Por carta de 2 de Julho de 2009, a Presidência sueca do Conselho da União Europeia solicitou ao Comité Económico e Social Europeu um parecer sobre o seguinte tema:

Pontos de partida para a política europeia de transportes após 2010.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 12 de Novembro de 2009, sendo relator Lutz Ribbe.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 171 votos a favor, 5 votos contra e 11 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE partilha da análise que a Comissão faz da actual política de transportes, segundo a qual continuamos ainda muito longe de concretizar os objectivos fixados em matéria de sustentabilidade, impondo-se uma mudança radical de direcção.

1.2   O CESE adverte não só para a necessidade de redobrar esforços relativamente aos objectivos ambientais (como sejam o combate às alterações climáticas, a preservação dos recursos, a biodiversidade, o ruído, a poluição atmosférica, etc.), como também para o facto de continuarem por resolver muitas questões sociais no domínio dos transportes. Estas incluem, nomeadamente, os direitos dos trabalhadores e as condições laborais e salariais das pessoas que trabalham no sector dos transportes, assim como a disponibilidade e acessibilidade dos transportes públicos para as pessoas com deficiência, os jovens e os idosos. Prendem-se, além disso, com a liberdade de escolha dos utentes dos transportes, que não podem ou não querem dispor de automóvel próprio.

1.3   O Comité apoia os objectivos formulados no documento da Comissão, mas não considera que os instrumentos descritos sejam suficientes para induzir a viragem fundamental necessária.

1.4   Os objectivos preconizados já são, em grande parte, amplamente conhecidos e alguns deles são defendidos pela Comissão desde há muitos anos. Todavia, a sua concretização tem sido insatisfatória, como demonstram os exemplos da internalização dos custos externos ou da promoção de uma nova política de transportes urbanos.

1.5   A Comissão deveria apresentar opções políticas claras e definir objectivos concretos e quantificáveis na versão final do seu Livro Branco.

1.6   O Comité considera imperioso realizar um debate sobre as decisões políticas e as decisões de ordenamento que geram tráfego ou sobre as formas de o evitar. Convida a Comissão a prestar uma atenção redobrada a estas questões quando apresentar um Livro Branco ou novas orientações políticas.

2.   A Comunicação da Comissão Europeia

2.1   Em 2001, a Comissão publicou um Livro Branco (1) que estabelece uma agenda para a política europeia de transportes até 2010. Este programa foi actualizado na revisão intercalar de 2006 (2). Face à aproximação do termo do período de dez anos, a Comissão entende ter chegado o momento de encarar o futuro e preparar o caminho para a evolução ulterior da política de transportes.

2.2   Na sua comunicação, a Comissão apresenta os primeiros resultados deste seu exercício de reflexão e das considerações tecidas com base em diversos estudos, debates e conclusões de consultas.

2.3   No balanço que faz, a Comissão observa que «os transportes são uma componente essencial da economia europeia». O sector dos transportes, no seu conjunto, equivale a cerca de 7 % do PIB e a mais de 5 % do emprego total na UE. A Comissão descreve e salienta também a importância que os transportes assumem para a coesão económica e social das regiões, da Europa e do mundo, para a competitividade da indústria europeia e para a concretização dos objectivos de Lisboa.

2.4   Mas, ao mesmo tempo, a Comissão também constata que, em matéria de política de transportes, «os resultados em termos dos objectivos da EDS da UE foram, todavia, mais limitados: conforme indicado no relatório intercalar de 2007  (3) , o sistema europeu de transportes não entrou ainda, em diversos aspectos, numa via sustentável».

2.5   A Comissão prossegue, explicando que «o ambiente continua a ser o principal domínio político em que é patente a necessidade de novos melhoramentos. Nenhum outro sector da UE registou uma taxa de crescimento das emissões de gases com efeito de estufa tão elevada, em relação aos níveis de 1990, como o dos transportes  (4) . […] A aplicação desta análise à evolução passada do sector dos transportes permite concluir que este aumentou fortemente a sua actividade, registando progressos insuficientes na redução da sua intensidade energética e de produção de gases com efeito de estufa».

2.6   A dissociação entre crescimento dos transportes e crescimento do PIB, que era um dos objectivos do Livro Branco de 2001 e da Estratégia para o Desenvolvimento Sustentável, realizou-se apenas no transporte de passageiros, mas não no transporte de mercadorias. Uma das justificações apresentadas é que «o crescimento do transporte de mercadorias está igualmente associado a práticas económicas – concentração da produção em menos locais para conseguir economias de escala, deslocalização, entregas just-in-time, reciclagem generalizada do vidro, do papel e dos metais –, que permitiram a redução dos custos e, possivelmente, das emissões noutros sectores, em contrapartida do aumento das emissões dos transportes».

2.7   Embora a eficiência energética dos transportes (e dos diversos meios de transporte) esteja a aumentar, isso não é suficiente para compensar os volumes de transporte mais significativos (5). Por outras palavras, o problema reside não só no volume de tráfego como também no facto de que «a transição para modos de transporte mais eficientes registou progressos limitados, nomeadamente através do desenvolvimento do transporte marítimo de curta distância […]».

2.8   Na secção intitulada «Tendências e Desafios», a Comissão tece as seguintes observações:

a percentagem de pessoas idosas (com mais de 65 anos) na UE irá sofrer um aumento significativo, o que implicará, por um lado, hábitos de viagem diferentes, mas também obrigará a sociedade a consagrar mais recursos públicos ao pagamento de pensões, aos cuidados de saúde e à enfermagem. A Comissão prevê que tal venha a limitar, no futuro, os recursos públicos disponíveis para os transportes;

os transportes terão um papel fundamental a desempenhar na consecução dos objectivos climáticos da UE e «a inversão de algumas das tendências actuais será uma necessidade»;

a escassez dos combustíveis fósseis terá um impacto considerável no sector dos transportes, não só do ponto de vista tecnológico (97 % das necessidades energéticas do sector são cobertas por combustíveis fósseis), como também estrutural (o transporte de combustíveis fósseis representa, actualmente, cerca de metade do volume de transporte marítimo internacional);

a percentagem da população europeia residente nas zonas urbanas irá aumentar (6), constatando-se que, já hoje, os transportes urbanos representam cerca de 40 % das emissões de CO2 e 70 % das emissões de outros poluentes resultantes dos transportes rodoviários; e

o aumento da população e da riqueza, a nível mundial, equivale a mais mobilidade e a mais transportes: são citados estudos, segundo os quais o número de automóveis em todo o mundo passará dos cerca de 700 milhões actuais para mais de 3 000 milhões em 2050, «gerando graves problemas de sustentabilidade, a menos que se verifique uma transição para veículos com poucas ou nenhumas emissões e seja introduzido um conceito diferente de mobilidade».

2.9   Em suma, a Comissão afirma, com razão, que importa desenvolver uma «visão a longo prazo da mobilidade sustentável das pessoas e dos bens».

2.10   Para o efeito, formula sete objectivos políticos gerais:

Criação de transportes de qualidade e seguros;

Uma rede devidamente mantida e plenamente integrada;

Reforço da sustentabilidade ambiental dos transportes;

Manter a UE na vanguarda dos serviços e das tecnologias de transporte;

Protecção e desenvolvimento do capital humano;

Preços inteligentes que funcionam como os sinais de trânsito;

Planeamento atento aos transportes: melhoria da acessibilidade.

3.   Observações na generalidade

3.1   O CESE congratula-se com o facto de a Comissão se debruçar novamente sobre esta temática e apresentar, na sequência de um amplo processo de consulta, ideias preliminares sobre o futuro do sector dos transportes, pese embora estas sejam, em alguns casos, ainda muito pouco concretas. A análise que a Comissão faz do sector dos transportes é clara: estamos ainda muito longe de concretizar os objectivos fixados em matéria de sustentabilidade e exigem-se alterações fundamentais. Porém, ainda não se reconhece aqui uma visão nítida, dotada de objectivos e instrumentos concretos para limitar e reduzir, designadamente, o transporte individual motorizado. A Comissão deveria apresentar estes objectivos e instrumentos num plano de acção detalhado com objectivos quantificáveis.

3.2   O CESE concorda, em muitos aspectos, com as reflexões da Comissão, por exemplo, no que se refere à necessidade de utilizar da melhor forma possível as infra-estruturas existentes, o que implica também a criação e o aperfeiçoamento das tecnologias da informação e comunicação, de «tornar realidade um sistema logístico inteligente e integrado», de dar espaço a ideias inovadoras sobretudo no transporte urbano, de melhorar a co-modalidade, de reforçar a transição para modos de transporte mais ecológicos e de promover a utilização de tecnologias inovadoras, susceptíveis de reduzir as emissões, etc. Mas nada disto é novidade e muito menos representa uma visão nova.

3.3   Nos últimos anos, o CESE elaborou uma série de pareceres sobre a optimização técnica e organizacional da gestão dos fluxos de transporte, para os quais aqui se remete.: «Revisão intercalar do Livro Branco da Comissão de 2001 sobre os Transportes» (7); «Estratégia de internalização dos custos externos» (8); «Plano de acção para a logística do transporte de mercadorias» (9); «Facilitar a aplicação transfronteiras da legislação no domínio da segurança rodoviária» (10); «Revisão da política relativa à RTE-T» (11); «Tornar o transporte marítimo e o transporte por via navegável interior mais ecológicos» (12); «Livro Verde Para uma futura política marítima da União» (13); «Transportes rodoviários em 2020» (14); «Para uma rede ferroviária vocacionada para o transporte de mercadorias» (15); e ainda «Rede ferroviária europeia para um transporte de mercadorias competitivo» (16); Programa de Acção «NAIADES» (17); «Uma política marítima integrada para a União Europeia» (18).

3.4   O CESE considera importante sublinhar que a política de transportes do futuro tem de ir bem mais longe do que limitar-se à «mera» satisfação, optimizada na óptica do desenvolvimento sustentável, dos fluxos de transporte actuais ou previsíveis. A comunicação da Comissão contém afirmações, sem dúvida certas a este respeito, mas ainda assim demasiado vagas e abstractas. Com efeito, é esta a principal falha apontada às reflexões.

3.5   Embora a Comissão esclareça que o sistema actual terá de sofrer mudanças muito profundas, por exemplo, no ponto 53, onde afirma que «o sistema de transportes será objecto de mudanças substanciais», ou no ponto 70, onde refere a necessidade de «uma revisão substancial do sistema de transportes» e de «um conceito diferente de mobilidade» (ponto 37), o CESE sente a falta de explicações mais concretas sobre o significado exacto destas afirmações.

3.6   O documento constitui, sem dúvida, uma excelente síntese de todo um conjunto de posições e ideias já conhecidas, mas não representa ainda uma verdadeira «visão». Muitos aspectos continuam por esclarecer, como a questão, que permanece em aberto há anos, relativa à forma de proceder à «internalização dos custos externos».

3.7   O CESE gostaria, por isso, de aproveitar este parecer exploratório para abordar uma série de questões essenciais, que não mereceram suficiente atenção no documento da Comissão. Espera que estes pontos sejam retomados e aprofundados nas próximas reflexões da Comissão.

4.   Observações na especialidade

4.1   Para medir a importância dos transportes não basta apenas analisar a contribuição do sector dos transportes para o PIB ou para o emprego. Sempre que se reúnem pessoas, sempre que se trocam mercadorias, ou seja, sempre que decorrem actividades sociais ou económicas, gera-se «tráfego». Dito por outras palavras, se não houvesse trocas comercias nem transportes, nenhuma sociedade poderia funcionar e o PIB seria quase nulo.

4.2   As pessoas querem e devem ter mobilidade, tal como as mercadorias querem e devem ser trocadas. Nesse sentido, a Comissão tem razão em considerar, nos pontos 39 e 40 da sua comunicação, que «os transportes proporcionam acesso a muitas das nossas liberdades: liberdade de viver e trabalhar em diversas partes do mundo, liberdade de beneficiar de diferentes produtos e serviços e liberdade de estabelecer trocas comerciais e contactos pessoais. … A reivindicação destas liberdades aumentará, possivelmente, na sociedade mais multicultural e heterogénea do futuro […]».

4.3   Os transportes são, pois, extremamente importantes, mas não constituem um fim em si mesmo. Nem todo o transporte tem de ser automaticamente considerado «bom» para a sociedade, só porque contribui para a circulação de pessoas ou de bens. Com efeito, o impacto dos transportes nem sempre é positivo, como a Comissão explica de forma muito elucidativa na sua comunicação. Por conseguinte, uma competência fundamental da política consiste em definir um enquadramento claro para as «liberdades» atrás referidas e, inclusivamente, em estabelecer limites sempre que elas afectem ou ameacem outras liberdades ou necessidades, por exemplo, quando estão em causa a saúde humana, o nosso ambiente e/ou o nosso clima, ou ainda as necessidades das gerações futuras.

4.4   Simultaneamente, a política (de transportes) deve zelar por que todos os cidadãos disponham de uma boa oferta de meios de transporte e de um acesso seguro aos mesmos. Numa óptica de sustentabilidade, isso aplica-se também, e muito em particular, às camadas sociais mais vulneráveis, às pessoas com deficiência, às crianças e aos jovens, etc. Além disso, importa envidar esforços no sentido de melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores do sector dos transportes.

4.5   No passado, porém, a política de transportes optou, muitas vezes, pela via mais fácil, preocupando-se essencialmente com a organização e a satisfação da procura de transportes. Mais do que isso, em muitos casos, ela própria impulsionou o aumento da procura e criou novas necessidades de transporte, designadamente, através do subvencionamento prioritário, errado do ponto de vista da economia política, do transporte individual motorizado, bem como através da promoção de uma divisão económica do trabalho exclusivamente baseada no petróleo barato e da correspondente afectação de unidades de produção e zonas residenciais. Julgava-se que os problemas daí resultantes podiam ser resolvidos a um nível estritamente técnico ou de infra-estruturas. Mas o que foi esquecido no debate – e é isso que tem de mudar – foi a questão da origem do tráfego e da pertinência de determinadas operações de transporte. O Comité tem plena consciência de que a responsabilidade por esta situação não cabe exclusivamente à Comissão, uma vez que, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, muitas decisões foram tomadas a nível nacional, regional ou municipal.

4.6   O CESE saúda expressamente a franqueza com que a Comissão aborda certas questões. No ponto 59, refere que «muitos serviços públicos têm sido progressivamente centralizados com vista a um aumento da sua eficiência. As distâncias entre os cidadãos e os prestadores de serviços (escolas, hospitais, centros comerciais) têm aumentado. As empresas têm seguido a mesma tendência, mantendo um número mais reduzido de centros de produção, armazenagem e distribuição. A tendência para a concentração de actividades gerou uma vasta onda de mobilidade “forçada”, devido a um agravamento das condições de acesso». Na opinião do CESE, o que falta na comunicação é uma análise das conclusões políticas que daí devem ser retiradas.

4.7   Pode considerar-se um facto incontestado que as tendências descritas, como sejam a centralização dos serviços públicos e também das empresas, são influenciadas de forma directa ou indirecta pelas condições económicas e decisões políticas. Seria importante que, no futuro, antes de se tomarem decisões em matéria de política e de ordenamento, se analisassem mais atentamente as suas repercussões ao nível do tráfego e do sistema de transportes. Alguma vez aconteceu um projecto não se concretizar porque, a nível político, foi decidido que o novo tráfego que iria gerar (induzir) não era desejável?

4.8   No âmbito do processo iniciado rumo a «um futuro sustentável para os transportes», seria, pois, conveniente a Comissão esclarecer, à luz das constatações, carências e necessidades descritas na sua comunicação, quais as evoluções e os enquadramentos definidos no passado a nível europeu e nacional que considera terem sido errados. Terá sido correcto centralizar as escolas ou as administrações como o fizeram alguns Estados-Membros? Terão os processos de concentração dos matadouros e das centrais leiteiras, muitas vezes financiados com fundos estruturais da UE, sido realmente úteis do ponto de vista da sustentabilidade (e do desenvolvimento regional, por exemplo)? Terá a expansão das infra-estruturas realmente promovido o desenvolvimento regional sustentável ou, antes pelo contrário, não terá uma política desadequada em matéria de infra-estruturas de transporte conduzido à desertificação das zonas rurais e à emergência da mobilidade forçada?

4.9   Outro exemplo que podemos citar são as importações de rações baratas para a Europa no quadro da divisão internacional do trabalho, que deram origem a processos de concentração no sector pecuário e induziram novos fluxos de transporte. Isto foi possível, sobretudo, porque nem os preços das rações, nem os custos de transporte retratam a «realidade ecológica e económica», nem tão-pouco reflectem os custos sociais, muitas vezes negativos. Os elevados custos decorrentes das alterações climáticas, na origem das quais estão justamente também os transportes, ou as despesas de saúde causadas pelo ruído e pelas emissões dos transportes, só por si, suscitam questões importantes para uma política de mobilidade sustentável na UE. Deverá esta situação perpetuar-se no futuro? Como irá isso afectar a política de transportes? Estas são questões que o documento da Comissão, infelizmente, não responde.

4.10   O CESE exige que todos os domínios políticos, desde a política económica à política da concorrência, passando pela política para o desenvolvimento, sejam sujeitos a uma avaliação de impacto quanto ao seu efeito de indução de tráfego. A reforma da política agrícola comum europeia no sentido de fortalecer os circuitos económicos regionais encerra, por exemplo, um grande potencial de evitar o tráfego e de encurtar os trajectos de transporte na Europa.

4.11   O objecto de um tal debate não é a mobilidade em si, ou seja, o número de percursos efectuados, mas sim a sua extensão e o modo como são efectuados, ou seja, com que custos e com que meios de transporte.

4.12   É precisamente neste aspecto que muito mudou nos últimos anos. Os percursos tornaram-se cada vez mais longos e nem sempre foram usados os modos de transporte mais ecológicos. Isso aplica-se quer ao transporte de passageiros, quer aos fluxos de bens, ou seja, ao transporte de mercadorias. Desde sempre que os cereais chegam do campo ao consumidor final, passando primeiro pelo moinho e pela padaria. O que mudou foram as vias de transporte. O facto de, actualmente, devido às condições em vigor noutros domínios políticos e à insuficiente harmonização no interior da UE, ser vantajoso, do ponto de vista da gestão empresarial, transportar massa pré-confeccionada ao longo de centenas de quilómetros em camiões-frigoríficos para depois ser cozida no local de destino e transformada em rosquilhas é apenas um exemplo que ilustra bem a necessidade de acção.

4.13   Desde há várias gerações que as pessoas não efectuam mais do que três a quatro trajectos diários. A população alemã, por exemplo, efectua todos os dias cerca de 281 milhões de deslocações, o que corresponde a cerca de 3,4 trajectos por pessoa. Por dia, percorrem cerca de 3,2 mil milhões de quilómetros (19), contra «apenas» 3,04 mil milhões de km em 2002.

4.14   As deslocações e a extensão dos percursos dependem de decisões privadas, políticas e empresariais. O factor decisivo, neste contexto, é o preço a pagar pela solução de transporte. Neste domínio, é necessário e expectável que muita coisa venha a mudar no futuro, não só devido à subida dos preços das matérias-primas (especialmente dos combustíveis fósseis) e à «internalização dos custos externos», que o CESE tem defendido e exigido em diversas ocasiões, como também devido à redução do financiamento público para as infra-estruturas, conforme foi prevista pela Comissão, etc. Faltam, no entanto, mensagens políticas claras quanto às conclusões que devem daí ser retiradas neste momento. O CESE considera que as decisões em matéria de infra-estruturas devem ser tomadas, cada vez mais, numa perspectiva global de desenvolvimento sustentável. Devem levar em conta não só a melhoria das ligações, os aumentos de produtividade e as poupanças de tempo, mas também, em crescente medida, os custos ecológicos e sociais.

4.15   Cada medida nova no domínio das infra-estruturas de transporte comporta custos elevadíssimos e o impacto da sua concretização dura várias décadas. O facto de a Comissão observar que a percentagem de pessoas idosas na nossa sociedade irá aumentar e que cada vez mais pessoas irão viver nas cidades (o que faz alterar as necessidades de mobilidade) e que, provavelmente, haverá menos recursos públicos disponíveis para as despesas no domínio das infra-estruturas de transporte, é sinal da necessidade de alterações substanciais ao nível dos investimentos em infra-estruturas.

4.16   O CESE propõe, por isso, no contexto da «revisão substancial do sistema de transportes» e do «novo conceito de mobilidade», que a Comissão e a Presidência do Conselho procedam a uma análise aprofundada das questões de princípio, como sejam a origem do tráfego e a mobilidade forçada. O Comité sublinha, uma vez mais, que não se trata de um debate sobre a limitação das liberdades ou necessidades de mobilidade, mas sim de uma discussão necessária sobre a estratégia para o desenvolvimento sustentável, que ainda não integra suficientemente a política de transportes, com o objectivo de garantir que as gerações vindouras possam continuar a desfrutar da liberdade de mobilidade.

4.17   No ponto 53, a Comissão aborda um aspecto importante: «Os trabalhadores de certos segmentos deste sector poderão, todavia, ser afastados dos seus postos de trabalho na sequência do ajustamento a um contexto económico e energético radicalmente diferente. Importa garantir que tal mudança seja devidamente prevista e gerida, para que a modificação das condições seja igualmente uma fonte de novos empregos e para que os trabalhadores do sector dos transportes possam participar no processo e reagir a este».

4.18   O ponto fulcral reside precisamente na devida previsão da mudança, o que implica enunciar, com a maior clareza possível, quais os sectores que serão beneficiados ou prejudicados. Muitos dados já são conhecidos, mas precisam de ser debatidos abertamente. Num dos seus primeiros pareceres sobre o desenvolvimento sustentável (NAT/229), o CESE já salientou que justamente estes processos de mudança necessários causam medo e resistência, em especial nos sectores da sociedade que beneficiam com o actual sistema não sustentável e, como tal, são os primeiros afectados pelas alterações estruturais.

4.19   A par destas questões estruturais sobre a origem do tráfego e a extensão dos percursos, importa também esclarecer a questão do tipo de meio de transporte. O CESE acolhe com satisfação as afirmações da Comissão sobre esta matéria, designadamente as seguintes:

Os montantes cobrados aos utentes dos transportes (rodoviários) (20) têm muitas vezes «pouca ligação com os custos reais para a sociedade das suas opções»;

Uma tarifação correcta das externalidades para todos os modos e meios de transporte teria o efeito de evitar tráfego e de permitir uma escolha melhor, ou seja, mais ecológica, dos meios de transporte. O CESE considera, porém, que faltam indicações sobre a forma de concretizar essa «tarifação correcta»;

«É premente operar uma transição tecnológica para veículos com poucas ou nenhumas emissões». O CESE considera que, neste contexto, a redução da dimensão dos veículos e o consequente recurso à propulsão eléctrica terão um papel importante a desempenhar, embora os cálculos da Agência para as Energias Renováveis revelem que só mediante o recurso à electricidade produzida a partir de fontes renováveis será possível prestar um contributo significativo para o combate às alterações climáticas (21). Todavia, as novas tecnologias de propulsão por si só não bastam, pois não poderão resolver, por exemplo, o problema dos engarrafamentos ou das cidades feitas à medida do automóvel particular;

Sobretudo nos aglomerados urbanos, em contínuo crescimento, importa promover fortemente o recurso aos transportes públicos, à bicicleta e à marcha. Esta recomendação coincide com as afirmações da Comissão obtidas nas chamadas «redes dos cidadãos» (22), tendo o CESE ainda recentemente reiterado as suas críticas quanto à timidez com que as ideias formuladas nessas redes são colocadas em prática. Sobretudo a política de transportes urbanos requer conceitos fundamentalmente novos, que ponham em causa o papel até agora predominante do automóvel;

No entender do CESE, as políticas de transportes urbanos desenvolvidas ao longo dos últimos anos/décadas, por exemplo, em Londres ou em Bielefeld (Alemanha) são a prova de que é possível inverter tendências negativas e concretizar uma política de transportes sustentável, desde que exista empenho por parte dos decisores políticos;

Neste contexto, o CESE questiona a afirmação da Comissão no ponto 32, de que «a expansão urbana […] ocasiona uma necessidade acrescida de modos de transporte individual». A densidade automóvel relativamente baixa em grandes cidades como Berlim ou Copenhaga mostra-nos, por exemplo, que uma política de transportes adequada potencia uma evolução exactamente contrária da repartição modal;

O CESE aguarda um debate fundamentado sobre instrumentos eficazes para dar claramente prioridade aos modos e meios de transporte mais ecológicos em todos os investimentos e quadros de acção, bem como o desenvolvimento de normas sociais e ambientais uniformes para todos os modos de transporte, a fim de garantir a concorrência leal e o desenvolvimento sustentável;

Importa sobretudo contemplar o impacto de diversas políticas económicas e urbanas desenvolvidas por certos Estados-Membros, assim como a experiência adquirida no âmbito de vários projectos da UE realizados em parceria com municípios que promovem uma política exemplar que reduz o transporte motorizado, ao mesmo tempo que satisfaz, amplamente, as necessidades de vida e mobilidade. O CESE é a favor da criação de um serviço de coordenação na UE responsável pela recolha e difusão de exemplos de boas práticas neste domínio.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2001) 370 final.

(2)  COM(2006) 314 final.

(3)  COM(2007) 642 final.

(4)  Salvo indicação em contrário, a fonte de informações é a DG TREN (2009), EU energy and transport in figures. Statistical pocketbook 2009 [EU, Energia e Transportes em Números, 2009 - Estatísticas de bolso].

(5)  O CESE chama a atenção para a revisão intercalar do Livro Branco sobre os transportes (COM(2006) 314, Gráfico 3-2), que reproduz cálculos da Comissão, segundo os quais as emissões de CO2 decorrentes dos transportes continuarão a aumentar até 2020, contrariando assim os objectivos de combate às alterações climáticas estabelecidos pela UE.

(6)  De cerca de 72 % em 2007 para 84 % em 2050.

(7)  JO C 161 de 13.7.2007, p. 89.

(8)  JO C 317 de 23.12.2009, p. 80.

(9)  JO C 224 de 30.8.2008, p. 46.

(10)  JO C 77 de 31.3.2009, p. 70.

(11)  JO C 318 de 23.12.2009, p. 101.

(12)  JO C 277 de 17.11.2009, p. 20.

(13)  JO C 168 de 20.7.2007, p. 50.

(14)  JO C 277 de 17.11.2009, p. 25.

(15)  JO C 27 de 3.2.2009, p. 41.

(16)  JO C 317 de 23.12.2009, p. 94.

(17)  JO C 318 de 23.12.2006, p. 218.

(18)  JO C 211 de 19.8.2008, p. 31.

(19)  Estudo intitulado «Mobilität in Deutschland» [Mobilidade na Alemanha], encomendado pelo Ministério Federal dos Transportes, das Obras Públicas e do Desenvolvimento Urbano.

(20)  Tais como impostos sobre os veículos automóveis e sobre a energia, portagens e taxas de utilização de infra-estruturas.

(21)  Cf. http://www.unendlich-viel-energie.de/de/verkehr/detailansicht/article/5/erneuerbaren-energien-koennen-strombedarf-fuer-elektroautos-spielend-decken.html.

(22)  Ver «Desenvolver a rede dos cidadãos - A importância de bons transportes de passageiros locais e regionais e a contribuição da Comissão Europeia para o seu desenvolvimento» - COM(1998) 431 final de 10.7.1998.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/116


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: A Internet das coisas – Um plano de acção para a Europa»

[COM(2009) 278 final]

(2010/C 255/21)

Relator: Zenonas Rokus RUDZIKAS

Em 18 de Junho de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: A Internet das coisas – Um plano de acção para a Europa

COM(2009) 278 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 12 de Novembro de 2009, sendo relator Zenonas Rokus Rudzikas.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 60 votos a favor com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Tendo em conta a evolução particular das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), bem como a sua importância especial para as diferentes áreas de desenvolvimento de um Estado e da vida dos seus cidadãos, o CESE congratula-se com a comunicação da Comissão Europeia sobre A Internet das coisas – Um plano de acção para a Europa  (1), que visa a criação de um novo paradigma, nomeadamente, a transição de uma Internet que interliga pessoas para uma Internet que liga pessoas a coisas ou coisas entre si. Em suma, uma «Internet das coisas» (IdC).

1.2   O CESE concorda com a opinião da Comissão de que a IdC criará novos e melhores empregos, proporcionará novas oportunidades de negócio e de crescimento, reforçará a competitividade global da Europa e melhorará a qualidade de vida dos cidadãos.

A IdC contribuirá grandemente para responder aos desafios sociais, por exemplo nos domínios da monitorização da saúde, da ecologia e da protecção do ambiente, dos transportes e noutras áreas das actividades humanas. As comunicações em rede por meio de aplicações IdC produzirão efeitos profundos na nossa sociedade induzindo, gradualmente, uma verdadeira mudança de paradigma neste domínio.

1.3   Apesar de apoiar o documento da Comissão e de concordar, essencialmente, com as considerações e recomendações nele contidas, o CESE entende que faltam propostas concretas relativamente a um calendário e a prazos de aplicação.

1.4   Dado o carácter global da Internet, as iniciativas, as medidas e os actos legislativos da Comissão Europeia não serão suficientes para controlar esta estrutura de escala mundial. Há que dar maior importância ao papel das organizações internacionais e ao impacto das negociações e dos acordos ratificados por uma maioria de Estados. É urgente dispor de um «Protocolo de Quioto cibernético» ou do equivalente cibernético ao acordo sobre o clima que se pretende adoptar em Copenhaga.

1.5   O CESE recomenda à Comissão que se pronuncie de forma concreta sobre os princípios de gestão da Internet das coisas, com vista ao estabelecimento de uma relação equilibrada entre a gestão centralizada e descentralizada da Internet, bem como sobre a monitorização contínua das questões da privacidade e da protecção dos dados pessoais. Não basta «lançar o debate»; são também necessárias medidas concretas ulteriores.

1.6   O CESE reconhece a particular importância assumida pela normalização dos sistemas e dos processos na criação desta «torre de Babel» cibernética. Contudo, a normalização deve ter em conta a diversidade e as particularidades das línguas, das culturas e das tradições de cada país.

1.7   O CESE saúda a intenção da Comissão de continuar a financiar, no âmbito do sétimo Programa-Quadro, projectos de investigação no domínio da Internet das coisas. Contudo, tal não é suficiente. Há ainda que financiar as linhas de investigação relacionadas com o desenvolvimento da Internet das coisas, cujo apoio seria primordial para abrir caminho a avanços qualitativos neste domínio (nanotecnologias, optoelectrónica, computadores quânticos, computação em grelha e em nuvem, tecnologias de comunicação oral por computador, etc.). Estas actividades devem ser objecto de maior coordenação.

1.8   O rápido desenvolvimento das TIC requer uma actualização permanente do conhecimento. O princípio da aprendizagem ao longo da vida aplica-se justamente a este domínio. Os professores e os alunos do ensino básico, secundário e universitário, assim como todos os adultos têm de alargar constantemente os seus conhecimentos. As técnicas de ensino à distância serão particularmente eficientes neste contexto. É impreterível adoptar medidas para combater a «fractura digital geográfica», assumindo a sociedade civil organizada especial relevância na aplicação destes esforços.

1.9   O CESE reconhece a importância da inovação e indica à Comissão que há que proteger melhor a propriedade intelectual e apoiar as patentes de novos sistemas e equipamentos, assim como de processos e métodos. Há que promover, em primeiro lugar, os projectos que visam proteger o património cultural e a diversidade cultural e linguística, assim como outros tipos de riqueza intelectual dos povos.

1.10   O CESE chama a atenção da Comissão para o facto de se ter de aprofundar os estudos sobre o impacto das ondas electromagnéticas no ser humano. Mesmo que os sistemas de IdC emitam apenas impulsos fracos, o número de fontes de radiação pode aumentar de forma exponencial, sendo que a maior parte destas fontes emitirá radiações continuamente, pelo que esta «poluição electrónica do ambiente» em rápido crescimento pode vir a criar problemas no futuro. A ciência moderna ainda não esclareceu de forma definitiva se há um limiar de intensidade entre radiações inofensivas e perigosas e qual o impacto de uma exposição contínua. Cabe-nos a nós o papel de aprendiz de feiticeiro?

2.   Particularidades do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação

A visão da IdC prevê uma rede sem fios, integrada ao nível mundial, de sistemas e de equipamentos inteligentes (designados por «coisas») e de vários sensores e accionadores, em que os objectos comunicam entre si e com as pessoas através de protocolos padronizados. Esta rede irá interligar milhares de pessoas. Em seguida, enumeram-se algumas das especificidades das TIC.

2.1   A principal característica das TIC é o seu desenvolvimento particularmente rápido, de forma quase explosiva, que numas das suas etapas de desenvolvimento produziu a Internet. No espaço de praticamente uma única geração, as TIC passaram dos vários laboratórios científicos para a luz do dia. O cálculo paralelo e distribuído (tecnologias GRID) está a penetrar também a um ritmo alucinante. Na Lituânia, por exemplo, projectos como o BalticGrid I e II ou os projectos nacionais LitGrid e GridTechno estão a ser aplicados com o apoio da UE.

2.2   Outra característica das TIC é que estas estão em contínuo desenvolvimento largamente graças à interacção de várias outras áreas científicas, assim como à aplicação e síntese dos métodos e resultados, o que leva ao aparecimento de uma nova qualidade.

2.3   As TIC reconhecem o contributo das outras áreas científicas e prestam-lhes a devida homenagem, na medida em que lhes proporcionam métodos de investigação, equipamento e outros meios operacionais, beneficiando, deste modo, também os cidadãos no seu quotidiano. Se antigamente a matemática era considerada a «rainha» (ou como muitos pretendem, a «serva») das ciências, a informática tomou-lhe, entretanto, a dianteira. Pode acrescentar-se, como dizia o filósofo francês François Rabelais, em 1532, no limiar da outra revolução – a imprensa –, que «ciência sem consciência não é mais que a ruína da alma» (in Pantagruel, capítulo VIII).

2.4   Outra característica das TIC é a sua natureza predominantemente aplicada patente no rápido aperfeiçoamento dos equipamentos e sistemas baseados nas TIC. Basta pensar na dinâmica de desenvolvimento do sector da telefonia móvel, nas tendências de alteração das propriedades dos computadores, no desenvolvimento de linguagens de algoritmos ou na expansão da Internet.

2.5   Dada a sua natureza, a IdC leva inevitavelmente a uma intelectualização generalizada da tecnosfera que nos rodeia. Os objectos tornam-se «inteligentes» e susceptíveis de tomar decisões e de agir por si próprios num dado momento em que apreendem as suas próprias qualidades e possibilidades, bem como o meio que os rodeia, de modo a atingir objectivos prévios ou cumprir tarefas que lhes foram cometidas. É concebível que as coisas inteligentes estarão em condições de realizar as mais diversas actividades e cumprir um sem-número de tarefas, sendo capazes, a um determinado momento, de reagir com o seu meio, ou seja, de se adaptarem ao meio, alterarem a sua configuração, repararem sozinhas os seus próprios defeitos e mesmo decidir quem tem acesso a si, bem como mudar de proprietário.

2.6   Perante o enorme mercado global representado pelas TIC e dado o seu desenvolvimento particularmente rápido já mencionado, que requer um aperfeiçoamento e uma actualização constantes dos conhecimentos científicos, este é um nicho científico especialmente atraente para os países europeus com um nível elevado de formação e uma cultura de trabalho desenvolvida.

2.7   No entanto, também as TIC têm um reverso da medalha: por um lado, a sua aplicação contribui para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, mas, por outro, também pode ter consequências negativas. De referir aqui, por exemplo, os riscos em relação à vida privada, o perigo do ciberterrorismo e da utilização da Internet para disseminação de conteúdos pornográficos, homofóbicos e racistas. Além disso, em especial entre os jovens, há o risco de se criar uma dependência em relação à Internet que pode levar a que se troque uma grande parte do mundo real por uma vida num «mundo virtual».

2.8   Perante as especificidades das TIC e do seu «rebento» – a Internet –, e dada a sua importância para a economia de um país e para a qualidade de vida dos seus cidadãos, o CESE tem vindo a dar grande atenção a este domínio já desde há algum tempo. Remete, por conseguinte, em particular, para o parecer CESE 1514/2008 (TEN/342) sobre A Internet das coisas (relator: Daniel Retureau), para alguns dos pareceres (2) adoptados nos últimos anos, bem como para os documentos neles citados.

3.   Observações na generalidade

3.1   Tendo em conta a importância especial das TIC para as diferentes áreas de desenvolvimento de um Estado e da vida dos seus cidadãos, o CESE congratula-se com a comunicação da Comissão Europeia sobre A Internet das coisas – um plano de acção para a Europa, que visa a criação de um novo paradigma, nomeadamente, a transição de uma Internet que interliga pessoas para uma Internet que liga pessoas a coisas ou coisas entre si.

3.2   O CESE concorda com a Comissão em que a IdC criará novos e melhores empregos, proporcionará novas oportunidades de negócio e de crescimento, reforçará a competitividade global da Europa e melhorará a qualidade de vida dos cidadãos.

3.3   O CESE regozija-se com os investimentos feitos pela Comissão Europeia no desenvolvimento das TIC através dos Programas-Quadro de Investigação e Desenvolvimento (5.o, 6.o e 7.o PQ) e do Programa-Quadro para a Competitividade e a Inovação. Com efeito, já se verificaram progressos significativos: os equipamentos são visivelmente mais pequenos e, em breve, serão inferiores ao limiar de visibilidade para o olho humano, os objectos estão cada vez mais conectados por tecnologias sem fios, sendo cada vez mais móveis, e os sistemas distinguem-se pela sua crescente heterogeneidade e complexidade. As tecnologias mais recentes, como a identificação por radiofrequências (RFID), a comunicação em campo próximo (NFC – near field communication), a versão 6 do Protocolo Internet (IPv6) e as ligações por banda ultralarga, estão a ser cada vez mais divulgadas.

A atribuição do prémio Nobel da Física de 2009 a três cientistas pela descoberta de uma tecnologia de condução de luz e seu contributo para a primeira gravação e transmissão de imagens com a ajuda de sensores ópticos digitais também comprova os progressos revolucionários alcançados neste domínio. Este avanço possibilitou o surgimento da Internet dos dias de hoje e o seu desenvolvimento rumo a uma futura IdC.

3.4   Dadas as profundas alterações sociais que surgirão com a construção da IdC, este processo requer um controlo, a fim de poder contribuir efectivamente para o crescimento económico e o bem-estar dos indivíduos, sem prejuízo da protecção da vida privada e da segurança da informação.

O CESE saúda todas as medidas da Comissão que visam erradicar os obstáculos à introdução da IdC.

3.5.1   Importa dar prioridade à protecção de dois direitos fundamentais dos cidadãos da UE, nomeadamente o respeito pela vida privada e a protecção de dados pessoais. Nesse sentido, importa considerar estes direitos enquanto processos ininterruptos e reagir às violações que forem detectadas.

3.5.2   É especialmente importante que, à luz destes direitos, os componentes da IdC sejam concebidos desde o início já com a preocupação de acautelar a protecção da privacidade e a segurança e de integrar plenamente as exigências dos utilizadores, com vista a criar um ambiente de confiança, aceitação e segurança. Na esfera económica, a segurança da informação está relacionada com a disponibilidade, a fiabilidade e a confidencialidade dos dados comerciais, bem como com a avaliação de novos riscos.

3.5.3   Tendo em conta que qualquer perturbação da IdC pode ter consequências significativas para a economia e a sociedade de uma determinada região, ou mesmo, de todo o mundo, há que assegurar a melhor protecção possível das infra-estruturas de informação da IdC.

3.5.4   Para tornar a IdC num fenómeno de massas, é muito importante a normalização, porque facilitará a utilização da IdC e ajudará as empresas a melhorar a sua competitividade internacional. Seria particularmente eficiente associar a normalização a uma rápida introdução da IPv6, dado que isso permitiria fornecer directamente a um número quase ilimitado de objectos, incluindo a todos os habitantes do mundo, um endereço Internet.

3.6   O CESE considera especialmente louváveis as medidas da Comissão que apoiam a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico neste domínio interdisciplinar, que integra os resultados de numerosas linhas de investigação e tecnologias e cuja síntese forma um novo produto de qualidade, a saber, a Internet do futuro, ou seja, a IdC. É de elogiar o intento da Comissão de promover as parcerias entre o sector público e o privado para resolver este problema fundamental.

A IdC cria novas oportunidades para a economia e a produção, mas precisa de um novo modelo comercial, especialmente no âmbito do comércio electrónico.

3.7   Os sistemas da IdC serão desenvolvidos, geridos e utilizados por múltiplas partes interessadas com diferentes modelos comerciais e movidas por interesses variados. Assim, importa estabelecer requisitos para promover o crescimento e a inovação, complementar os sistemas existentes com novos elementos e adaptar os novos sistemas aos já existentes de forma flexível.

3.8   Devido ao seu impacto transfronteiriço, a IdC é um produto verdadeiramente global, pelo que no seu desenvolvimento e aplicação há que dar especial destaque ao diálogo internacional, ao intercâmbio de boas práticas e à coordenação de medidas conjuntas actuais.

3.9   O CESE aplaude as medidas e os meios apresentados pela Comissão, através dos quais se deverá assegurar a disponibilidade, em tempo útil, de recursos espectrais adequados, bem como monitorizar e avaliar a necessidade de frequências harmonizadas adicionais especificamente para a IdC. No respeitante ao aumento do número de equipamentos e objectos que emitem ondas electromagnéticas, convirá garantir que todos os equipamentos e sistemas respeitam, também no futuro, a necessidade de segurança e de protecção da saúde da população.

3.10   O CESE apoia os esforços empreendidos pela Comissão no sentido de se criar um mecanismo que envolva as diferentes partes interessadas a nível europeu (e, quiçá, mundial?) para monitorizar a evolução da IdC e avaliar quais as medidas adicionais que deverão eventualmente ser tomadas pelos poderes públicos, para assegurar a aplicação, com a maior brevidade possível, deste ambicioso projecto. Para tal, será necessário assegurar um diálogo permanente e o intercâmbio de boas práticas com as outras regiões do mundo.

3.11   O CESE apoia, especialmente, o objectivo da Comissão de a Europa definir, com a adopção de uma abordagem proactiva, o modo de funcionamento da IdC, de forma que a Internet das coisas se transforme numa Internet das coisas para as pessoas. O CESE prontifica-se a participar no alcance deste objectivo que, embora ambicioso, é também realista. Neste contexto, cabe à sociedade civil organizada um contributo significativo, devendo os seus representantes ser consultados sobre todos os aspectos da vida social e privada, designadamente no sentido da preservação das liberdades públicas e privadas.

4.   Observações na especialidade

O CESE congratula-se com o documento da Comissão e apoia, essencialmente, as considerações e propostas nele contidas, mas não pode deixar de fazer algumas observações, propostas e recomendações.

4.1   No plano de acção e nas catorze linhas de acção apresentadas não há nenhuma referência concreta a um calendário e a prazos de aplicação. Só no final do documento, designadamente no ponto 5 relativo às conclusões, se afirma que a IdC «não é ainda uma realidade palpável, mas antes uma visão prospectiva de uma série de tecnologias que, combinadas, poderão nos próximos 5 a 15 anos modificar radicalmente o modo de funcionamento das nossas sociedades». Neste contexto, pode deduzir-se que este plano de acção será aplicado nos próximos quinze anos. É evidente que a maioria das linhas de acção propostas será aplicada, coordenada ou, pelo menos, monitorizada durante esse período de tempo. No entanto, para alguns domínios (por exemplo, as linhas de acção 1, 4, 8, 9 e 14), poder-se-ia fixar ou definir mais concretamente um prazo de aplicação.

4.2   Dado o seu carácter global, mais tarde ou mais cedo todos os países do mundo participarão na IdC, pelo que as iniciativas, as medidas e os actos legislativos da Comissão Europeia não serão suficientes para controlar esta estrutura à escala mundial. Há que atribuir maior importância ao papel das organizações internacionais e ao impacto das negociações e dos acordos ratificados por uma maioria de Estados. É urgente dispor de um «Protocolo de Quioto cibernético» ou do equivalente cibernético ao acordo sobre o clima que se pretende adoptar em Copenhaga.

4.3   O CESE recomenda à Comissão que se pronuncie de forma mais concreta sobre os princípios de gestão da Internet das coisas, com vista ao estabelecimento de uma relação equilibrada entre a gestão centralizada e descentralizada da Internet, bem como sobre a monitorização contínua das questões da privacidade e da protecção dos dados pessoais, a fim de minimizar ao máximo os riscos para a protecção da vida privada e dos dados pessoais e o perigo de ataques terroristas.

4.4   O CESE salienta que o «direito ao silêncio dos chips» (a possibilidade de as pessoas se desconectarem do seu ambiente em rede) não representa uma garantia suficiente para a protecção da vida privada nem para a segurança dos objectos. Desligar um telemóvel, por exemplo, não impede que alguém aceda a um conjunto de informações relevantes sobre o proprietário. Não basta, por conseguinte, «lançar o debate»; são também necessárias medidas concretas ulteriores.

4.5   O CESE reconhece a particular importância assumida pela normalização dos sistemas e dos processos na criação desta «torre de Babel» cibernética, dado que assegura a boa «comunicação», por exemplo, de um frigorífico na China com uma prateleira repleta de iogurtes da Danone num supermercado situado em França. Contudo, a normalização tem de ter em conta a diversidade e as particularidades das línguas, das culturas e das tradições de cada país.

4.6   O CESE acolhe favoravelmente a intenção da Comissão de continuar a financiar, através do sétimo Programa-Quadro, projectos de investigação e o desenvolvimento tecnológico no domínio da IdC. No entanto, o financiamento deste domínio deverá ser considerado prioritário, uma vez que os resultados por ele alcançados influem decisivamente na competitividade global da Europa e no bem-estar dos seus cidadãos. Além das áreas de investigação referidas na Linha de acção 7, há que mencionar as nanotecnologias, a computação em grelha e em nuvem, a optoelectrónica, os computadores quânticos e outros domínios da física e da informática, cujo apoio seria primordial para abrir caminho a avanços qualitativos neste domínio. Estas actividades devem ser objecto de maior coordenação.

4.7   O rápido desenvolvimento e disseminação das TIC requerem pessoal qualificado. Os professores universitários têm de actualizar sistematicamente os conteúdos das suas disciplinas, para que os estudantes tenham acesso às informações mais recentes e sejam capazes de configurar e utilizar a IdC. Também é necessário preparar os alunos do ensino secundário e criar um sistema de formação contínua para os adultos. Neste domínio, o princípio da «aprendizagem ao longo da vida» e as técnicas de ensino à distância são particularmente pertinentes. É impreterível adoptar medidas para combater a «fractura digital geográfica», assumindo a sociedade civil organizada e as suas estruturas especial relevância na aplicação destes esforços.

4.8   O CESE reconhece a importância da inovação e dos projectos-pilotos e indica à Comissão que há que proteger a propriedade intelectual e apoiar as patentes de novos sistemas e equipamentos, assim como de processos e métodos. Seria desejável que a Comissão reagisse de forma mais decisiva, em vez de optar, meramente, por «considerar hipóteses». Há que promover, em primeiro lugar, os projectos que visam proteger o património cultural e a diversidade cultural e linguística (sob a perspectiva de que as línguas sem base computorizada estão predestinadas a desaparecer), assim como outros tipos de riqueza intelectual dos povos.

4.9   O CESE chama a atenção da Comissão para o facto de se ter de aprofundar os estudos sobre o impacto das ondas electromagnéticas no ser humano. Mesmo que os sistemas de IdC emitam apenas impulsos fracos, o número de fontes de radiação pode aumentar de forma exponencial e a maior parte destas fontes emitirá radiações continuamente, pelo que esta «poluição electrónica do ambiente» em rápido crescimento pode vir a criar problemas no futuro. A ciência moderna ainda não esclareceu de forma definitiva se há um limiar de intensidade entre radiações inofensivas e perigosas e qual o impacto de uma exposição contínua. Por vezes, a nível quântico um impulso electromagnético pode ser suficiente para provocar o desenvolvimento cancerígeno descontrolado de uma célula. Cabe-nos a nós o papel de aprendiz de feiticeiro?

4.10   Uma IdC funcional baseia-se em informações complicadas e estruturadas, bem como em algoritmos complexos. É, sem dúvida, composta por módulos de objectos «inteligentes» centralizados e isolados. Uma tal estrutura de organização pode assemelhar-se à estrutura do trabalho desenvolvido pela Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (CERN), em que a recolha, a análise, o armazenamento e a utilização de dados é feita através de uma infra-estrutura tecnológica em grelha, que se apoia na iniciativa de computação em grelha para a eCiência (EGEE (3)) e em outros projectos. No caso da IdC, o processamento de dados é, porém, ainda mais complicado, pelo que a EGEE deve ser apenas considerada como ponto de partida para o desenvolvimento, a concepção e a introdução dos respectivos componentes da IdC.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2009) 278 final.

(2)  JO C 256 de 27.10.2007, pp. 66-72; JO C 224 de 30.8.2008, pp. 50-56; JO C 175 de 28.7.2009, pp. 92-96; JO C 128 de 18.5.2010, p. 69 e ver parecer do CESE sobre a Protecção das infraestruturas críticas da informação, Ver página 98 do presente Jornal Oficial.

(3)  Enabling Grids for E-sciencE, www.eu-egee.org.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/121


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho relativo à comunicação à Comissão de projectos de investimento em infra-estruturas energéticas na Comunidade Europeia e que revoga o Regulamento (CE) n.o 736/96 do Conselho»

[COM(2009) 361 final – 2009/0106 (CNS)]

(2010/C 255/22)

Relator único: Valerio SALVATORE

Em 4 de Setembro de 2009, em conformidade com o artigo 262o do Tratado que institui da Comunidade Europeia, o Conselho decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de Regulamento do Conselho relativo à comunicação à Comissão de projectos de investimento em infra-estruturas energéticas na Comunidade Europeia e que revoga o Regulamento (CE) n.o 736/96 do Conselho

COM(2009) 361 final – 2009/0106 (CNS).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas, Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 12 de Novembro de 2009 sendo relator Valerio Salvatore.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 177 votos a favor com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE aprova a intenção da Comissão Europeia de introduzir novas regras para projectos de investimento em infra-estruturas energéticas e apoia a proposta de regulamento em exame que tem em conta os recentes desenvolvimentos na política energética europeia. A proposta responde às exigências contingentes do sector, facilitando a recolha de informações adequadas, satisfatórias e transparentes e estabelecendo uma carga administrativa proporcional à sua utilidade.

1.2   O CESE partilha do raciocínio que inspirou a proposta de regulamento da Comissão segundo o qual haverá que conciliar a necessidade de garantir informações regulares e coerentes que sirvam de base a análises periódicas e transsectoriais do sistema energético, com o objectivo de reduzir os custos administrativos e promover a transparência. A proposta da Comissão de cumprir esses requisitos representa uma visível melhoria em relação ao sistema actual. Nesse sentido, a proposta em exame que tem a sua base jurídica nos artigos 284.o do Tratado CE e 187.o do Tratado EURATOM, afigura-se plenamente conforme aos princípios fundamentais da subsidiariedade e da proporcionalidade.

1.3   O CESE releva que as especificações relativas aos limiares mínimos, descritos no anexo à proposta de regulamento e para além dos quais é aplicável a obrigação de comunicação de informações relevantes, não são devidamente motivadas pela Comissão Europeia. É necessário que os órgãos europeus e nacionais de decisão ponderem com os operadores do sector e as organizações da sociedade civil sobre a definição de valores mais adequados para esses limiares mínimos que garantam a segurança em termos de ambiente, transparência e viabilidade económica.

1.4   O CESE sugere que as análises periódicas da Comissão, para além de anteciparem eventuais desfasamentos entre a oferta e a procura de energia e contribuírem para identificar possíveis lacunas em termos de infra-estruturas sirvam igualmente de instrumento para acompanhar os progressos verificados nos projectos declarados para que sejam concluídas dentro de prazos razoáveis.

1.5   O CESE considera fundamental garantir a segurança das infra-estruturas existentes e das relativas aos novos projectos. Os investimentos dos operadores económicos devem visar sobretudo a modernização, a manutenção e a adequação tecnológica para garantir a segurança das redes de energia e contribuir assim para prevenir os problemas e assegurar a eficiência energética e a sustentabilidade ambiental, a que não se pode nem deve em nenhuma circunstância renunciar.

1.6   O CESE realça que a recolha de informações e de dados relativos às infra-estruturas de interesse comunitário permitirão o reforço do princípio da solidariedade energética entre os Estados-Membros. Além disso, o instrumento das análises periódicas promoverá a diversificação das fontes de energia, diminuindo assim a dependência energética dos vários países exportadores de recursos convencionais e favorecendo a segurança de aprovisionamento.

1.7   No atinente à electricidade produzida a partir de fontes renováveis, o CESE reputa essencial evitar despesas administrativas que sobrecarreguem as pequenas e médias empresas e, em particular, as especializadas em tecnologias verdes emergentes, já colocadas em posição de desvantagem pelos custos de produção mais elevados do que os das fontes energéticas convencionais.

1.8   O CESE sugere que, para uma maior transparência, a qual é declarada como objectivo pela Comissão Europeia, os Estados-Membros tenham em devida conta as opiniões dos habitantes dos locais que acolherão novas instalações de produção, por intermédio das associações representativas da sociedade civil.

1.9   O CESE exorta a Comissão Europeia a zelar para que os custos dos investimentos não se venham a repercutir nos consumidores.

2.   Introdução

2.1   A liberalização do mercado interno da energia abre novas oportunidades a investimentos no sector energético. O novo contexto legislativo impõe a consecução de objectivos específicos no âmbito das energias renováveis e dos biocombustíveis.

Face ao previsto e desejável aumento dos investimentos em infra-estruturas na Europa, é necessário criar um quadro harmonizado para a recolha de dados e informações sobre projectos de abertura e de encerramento de instalações de produção de energia.

2.2   A Comissão propõe a revogação do Regulamento (CE) n.o 736/96 e a sua substituição por um novo regulamento que preveja o acompanhamento adequado dos projectos de investimento em infra-estruturas para a produção, o transporte e o armazenamento de energia e de dióxido de carbono.

2.3   A recolha de dados relevantes e adequados sobre a evolução das infra-estruturas energéticas nos Estados-Membros é indispensável para se poder realizar análises periódicas e transsectoriais com o fito de identificar antecipadamente eventuais deficiências estruturais e desequilíbrios entra a procura e a oferta de energia. Importa, além disso, garantir a transparência aos operadores do mercado e reduzir os custos administrativos.

2.4   O Regulamento (CE) n.o 736/96, para além de ser obsoleto por excluir do seu raio de acção grande parte das instalações de produção de energia renovável, não prevê um sistema adequado de recolha de informações e de acompanhamento dos projectos energéticos dos Estados-Membros. O sistema actualmente em vigor pode ser, portanto, um obstáculo à segurança dos investimentos visto não garantir a transparência e poder travar, a longo prazo, a transição para uma economia com baixa produção de carbono. A legislação actual não parece, por outro lado, oferecer garantias de segurança das redes e das instalações de produção e de armazenamento de energia e de dióxido de carbono.

3.   A proposta da Comissão

3.1   A proposta de regulamento apela à obrigação dos Estados-Membros de comunicarem à Comissão dados e informações sobre os projectos de investimento relativos à produção, armazenagem e transporte de petróleo, de gás natural, de energia eléctrica, de biocombustíveis e de dióxido de carbono que estejam previstos ou em construção no seu território, dentro dos próximos cinco anos. Essa obrigação também se aplica ao encerramento das instalações existentes planeada para os próximos três anos.

3.2   Os dados solicitados dizem respeito à capacidade das instalações, à localização, nome, tipo e principais características das infra-estruturas, a data provável de entrada em serviço, o tipo de fontes de energia utilizadas, as tecnologias de interesse para a segurança do aprovisionamento e o equipamento dos sistemas de captação de carbono. No caso do seu encerramento, as informações necessárias são o carácter e a capacidade da infra-estrutura em causa e a data provável do encerramento.

3.3   A Comissão propõe que os Estados-Membros comuniquem as informações pertinentes de dois em dois anos, a partir de 31 de Julho de 2010. Por seu turno, os operadores prestarão essas informações aos Estados-Membros em cujo território planeiam realizar projectos de investimento até 31 de Maio do ano de comunicação. As informações devem dar conta da situação em que se encontram os projectos, a partir de 31 de Março do ano de comunicação.

3.4   A Comissão promove o modelo de complementaridade para evitar a duplicação de informações. Por força desse princípio, os Estados-Membros serão dispensados da comunicação dos dados se já tiverem transmitido à Comissão informações equivalentes ao abrigo de legislação específica do sector ou no âmbito de um plano plurianual de investimento.

3.5   A Comissão utiliza as informações transmitidas para apresentar, pelo menos de dois em dois anos, uma análise transsectorial da evolução estrutural do sistema energético da UE cujos resultados serão debatidos com os Estados-Membros e as partes interessadas. Esses dados podem ser tornados públicos, sob reserva da protecção dos dados pessoais e comercialmente sensíveis.

3.6   A Comissão adoptará as medidas necessárias à execução do presente regulamento, nomeadamente no que respeita às metodologias de cálculo a utilizar, às definições técnicas e ao conteúdo dos dados solicitados. Está prevista a revisão do presente regulamento no prazo de cinco anos a contar da sua entrada em vigor.

4.   Observações na generalidade

4.1   O CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão dada a importância do novo regulamento para a realização dos objectivos da política energética europeia. A solução escolhida privilegia uma síntese entre a exigência de monitorizar e recolher informações relevantes sobre projectos de investimento e a de conter os custos administrativos e, em última instância, a de promover a transparência.

O objectivo do regulamento é a monitorização do sistema energético da UE mediante análise dos dados e das informações sobre projectos de investimento nas infra-estruturas energéticas, recolhidos por conta da Comissão e, em particular, pelo seu Observatório do Mercado da Energia.

4.2.1   A existência de um mercado interno e a exigência de realizar um sistema de monitorização adequado, operacional a nível supranacional, bastam para explicar a grande pertinência de um acto legislativo preestabelecida mais a nível comunitário que nacional. Neste sentido, portanto, a intervenção regulamentar proposta pela Comissão coaduna-se perfeitamente com o princípio geral da subsidiariedade.

4.2.2   A escolha de um regulamento como instrumento jurídico, em substituição do regulamento anterior que regia as intervenções nesta matéria e o seu conteúdo, impondo aos Estados-Membros a obrigação de comunicarem as informações pertinentes, com a preocupação de não lhes imputar uma carga administrativa excessiva, comprova a perfeita conformidade da proposta em análise com o princípio da proporcionalidade.

4.3   A proposta da Comissão dá preferência a um mecanismo complementar de comunicação em relação a um sistema de comunicação integrado e completo. O CESE vê por bem sublinhar que esta opção é propícia a uma boa relação custo-eficácia e contribui para reduzir os custos administrativos para as empresas e os Estados-Membros, tendo repercussões positivas no preço final da energia, evitando a duplicação de dados e melhorando a sua qualidade.

4.4   O CESE considera que informações periódicas, completas e de qualidade não só permitem à Comissão acompanhar e identificar as lacunas nas infra-estruturas energéticas europeias, mas favorecem também a compreensão desta problemática por parte de todos os órgãos de decisão política, nacionais e europeus, bem como dos operadores de mercado e dos investidores.

5.   Observações na especialidade

5.1   O CESE aprecia a clareza das definições dadas no artigo 2.o da proposta de regulamento. Essas definições, não previstas no Regulamento (CE) n.o 736/96 actualmente em vigor, facilitam a compreensão do texto legislativo e não deixam dúvidas sobre o seu raio de acção.

5.2   O CESE considera que a realização de dois em dois anos do exercício das análises transsectoriais permite um acompanhamento adequado da evolução dos projectos infra-estruturais de energia na Europa.

5.3   O CESE sempre tem defendido que não se pode dissociar o tema da segurança das infra-estruturas do tema da segurança de aprovisionamento. Ainda recentemente (1), o CESE, insistiu na necessidade de garantir a segurança das instalações e das redes de transporte de energia e de dióxido de carbono. É, pois, fundamental que nas suas análises periódicas a Comissão tenha em conta os aspectos de modernização e de manutenção das instalações e das redes existentes.

5.4   Na opinião do CESE, têm importância prioritária as informações relativas aos projectos de interesse comunitário. Da sua qualidade depende a possibilidade de a Comissão Europeia orientar os Estados-Membros na aplicação do princípio da solidariedade energética bem como na diversificação das fontes de aprovisionamento, com o fito de reduzir a dependência energética de um escasso número de exportadores de recursos energéticos convencionais. Para o CESE, as infra-estruturas transnacionais de energia são uma questão de interesse eminentemente comunitário. O Comité já assinalou em anteriores pareceres que «os SIG comunitários são necessários à construção comum da Europa» e que uma unificação progressiva das redes «(gás, electricidade, petróleo) (…) poderia reduzir significativamente os custos de exploração e de investimento e incitar ao investimento em novos projectos de redes [no âmbito de parcerias públicas (União e Estados Membros) e privadas para aumentar a segurança de aprovisionamento de energia] (2)».

5.5   O CESE observa que o sistema previsto pela Comissão privilegia uma abordagem centralizada da produção de energia, não obstante os inúmeros sinais de que, futuramente, o sistema energético europeu poderá ter por base instalações descentralizadas de produção de electricidade para consumo doméstico (painéis fotovoltaicos, micro-cogeração, etc.). Importa garantir o acesso às redes de transporte de energia eléctrica a partir destas instalações, sem impor às pequenas e médias empresas encargos administrativos excessivos.

5.6   O CESE releva que as especificações relativas aos limiares mínimos, descritos no anexo à proposta de regulamento e para além dos quais é aplicável a obrigação de comunicação de informações relevantes, não são motivadas devidamente pela Comissão Europeia.

5.7   O CESE convida a aprofundar o debate sobre a utilidade e a sustentabilidade da captação e de armazenamento de carbono (CAC), tendo já, aliás, expresso as suas reservas sobre o interesse e a inocuidade dos projectos de captação e de transporte de CO2. O CESE constata, todavia, que a proposta da Comissão Europeia prevê nas disposições do regulamento a inclusão das informações relativas aos projectos de transporte e de armazenagem de dióxido de carbono. Esta previsão deve ser, portanto, interpretada no único sentido de que essas infra-estruturas ficam sujeitas às análises periódicas do sistema energético europeu.

5.8   O CESE considera indispensável que, a nível local, a construção de infra-estruturas energéticas não se processe contra a vontade da população e dos seus representantes locais. O CESE apoia o espírito de transparência segundo o qual os cidadãos são bem informados sobre a amplitude dos projectos previstos mediante avaliações de impacto económico, social e ambientais adequadas.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 306 de 16.12.2009, p. 51.

(2)  JO C 128 de 18.5.2010, p. 65.


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/124


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar a crise”»

[COM(2009) 160 final]

(2010/C 255/23)

Relator: Luca JAHIER

Em 28 de Abril de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar a crise»

COM(2009) 160 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas que emitiu parecer em 19 de Novembro de 2009, sendo relator Luca Jahier.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 151 votos a favor, 5 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE considera que, volvida a fase de maior risco sistémico da crise económica e financeira internacional, convém não esquecer as graves consequências que ela está a provocar em grande parte dos países em desenvolvimento, as quais põem em perigo os resultados obtidos nos dez últimos anos e vêm juntar-se às consequências da crise energética e alimentar, com possível agravamento das já existentes situações de conflito e de instabilidade política.

Cabe à comunidade internacional tomar, desde já, todas as iniciativas e decisões que lhe competem para ajudar os países mais pobres a fazer face a uma crise pela qual não são minimamente responsáveis.

1.2   Congratula-se com a comunicação da Comissão, que é a primeira decisão-quadro adoptada pela comunidade internacional e que continua a ser a mais positiva e completa de todas as adoptadas até ao momento, com inúmeras propostas e perspectivas, mesmo a médio prazo, que deverão agora ser convenientemente desenvolvidas.

O CESE nota que as duas maiores limitações de que padece esta comunicação são a falta de recursos suplementares e o efeito limitado no tempo das decisões relativas à crise (como os adiantamentos sobre as dotações de autorização para o corrente ano).

1.3   Saúda os resultados das cimeiras internacionais mais recentes (1), em especial a articulação das propostas relativas aos países pobres, a confirmação dos objectivos no sentido de aumentar a qualidade e a quantidade das ajudas, bem como a vontade de rever essas mesmas ajudas. Todavia, os resultados são largamente insuficientes para responder a questão essenciais como:

a necessidade premente de mais verbas e de novos instrumentos de financiamento do desenvolvimento;

o processo de reforma do sistema das ajudas;

a interligação entre governação no domínio fiscal e desenvolvimento.

1.4   Considera que, em primeiro lugar, importa manter todos os compromissos assumidos nos últimos anos, aspecto já confirmado pelo presidente Durão Barroso, e convida a Comissão a exigir dos Estados-Membros que respeitem o calendário dos aumentos que eles próprios fixaram e que até agora nunca reviram, se bem que, na prática, os factos já tenham desmentido esses compromissos, a crer nas decisões de redução de verbas tomadas por alguns Estados-Membros.

O CESE está convicto da urgência de novos e substanciais financiamentos suplementares, como foi recomendado por todas as grandes instâncias internacionais, que permitam canalizar para os países pobres novas ajudas e investimentos. Retoma a proposta de consagrar à gestão da crise pelo menos 0,7 % das verbas mobilizadas pela comunidade internacional e avaliadas hoje em cerca de 7 000 mil milhões de dólares.

1.5   O CESE considera que depois do duplo impacto da crise energética e da crise alimentar é necessário definir prioridades mais concretas para os novos investimentos no quadro de um maior empenho nos Objectivos do Milénio para o Desenvolvimento (OMD).

Fazer do sector agrícola, da questão da segurança alimentar e do investimento para medidas de urgência ligadas às alterações climáticas uma prioridade estratégica é algo que é do interesse dos países pobres e da Europa, tendo em vista relançar uma nova fase de investimentos decisivos nos países pobres e assegurar o desenvolvimento sustentável a longo prazo.

1.6   O CESE convida a nova Comissão a desempenhar um papel cimeiro a nível internacional para reformar em profundidade o sistema das ajudas e dos investimentos para o desenvolvimento, de molde a enfrentar os novos desafios do presente milénio, entre os quais um crescimento sustentável e os fluxos migratórios, e a dar nova dinâmica aos esforços de eficiência e de transparência de todo o sistema das ajudas.

1.7   O CESE considera que a União Europeia não deve recuar no reconhecimento e apoio aos actores não estatais, em particular do sector privado, às organizações sindicais, aos agricultores, às organizações de mulheres e dos consumidores.

É um traço distintivo da abordagem europeia. Lamenta que a comunicação em apreço não faça nenhuma alusão ao papel que eles podem desempenhar para fazer face à crise, tanto mais que a sociedade civil é um dos poucos actores internacionais capaz de mobilizar recursos suplementares. Acresce que em muitos países pobres as consequências da crise penalizam fortemente o sector privado e enfraquecem a capacidade de acção dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil, que são cruciais para responder com sustentabilidade ao desenvolvimento a longo prazo.

1.8   Em matéria de ajuda pública ao desenvolvimento, o CESE preconiza que se criem e instalem novos mecanismos inovadores de financiamento do desenvolvimento, entre os quais a taxa Tobin. Neste contexto, é particularmente importante reconhecer o papel central das remessas dos imigrantes, aplicando a decisão do G8 sobre a redução de 50 % das comissões sobre as transferências e adoptando estratégias para maior protecção dos trabalhadores migrantes face à crise.

1.9   O CESE considera que importa manter todas as medidas de abertura dos mercados, relançando as negociações de Doha, apoiando os processos de integração regional (2) e reforçando os instrumentos de financiamento do comércio, com uma atenção particular às exigências de um comércio justo e equitativo para os países mais pobres. Também convém relançar os investimentos directos estrangeiros, sobretudo graças ao efeito alavanca de linhas de financiamento inovadoras abertas pelo FMI e o Banco Mundial, a partir de novas emissões de direitos de saques especiais por parte do FMI e a criação pelo Banco Mundial de um fundo apropriado para os mais vulneráveis (Vulnerability Fund).

1.10   O CESE entende ainda que é fundamental fazer do combate à corrupção, às actividades criminosas e à fraude fiscal (evasão e fraude) a nível mundial uma prioridade absoluta, o que fará arrecadar consideráveis recursos que poderão ser consagrados a acções de desenvolvimento. O Comité incentiva a Comissão a desenvolver quanto antes esta questão e a formular propostas pertinentes.

2.   Introdução

2.1   No início da crise financeira internacional, os analistas estavam convencidos de que ela não iria atingir os países em desenvolvimento, sobretudo os mais pobres. Com o passar dos meses, começaram a vislumbrar-se possíveis repercussões nos países em desenvolvimento, sobretudo devido à esperada contracção da economia internacional. Só em Abril de 2009, com a Cimeira dos G20 em Londres e nas reuniões do FMI e do Banco Mundial, se tornou evidente que a crise estava a alastrar-se aos principais países em desenvolvimento, ameaçando lançar na pobreza mais 100 milhões de pessoas, que se juntarão aos já 160 milhões que vivem na pobreza absoluta em resultado da crise energética e alimentar de 2007/2008.

2.2   As perspectivas são sombrias. No passado dia 19 de Junho, a FAO revelou os elementos mais proeminentes de um relatório sobre a insegurança alimentar no mundo, segundo o qual em 2009, pela primeira vez na História, o número de pessoas vítimas da fome no mundo superará os mil milhões, com um aumento global de 11 %, o que provocará crises humanitárias catastróficas e ameaça deitar por terra todos os êxitos dos anos oitenta e noventa. Em 22 de Junho, o Banco Mundial reviu drasticamente em baixa todas as suas previsões, considerando provável uma contracção da economia mundial de cerca de 3 % em 2009, com uma redução do comércio mundial de 10 % e uma queda dos fluxos internacionais de capitais privados que, passarão do bilião de dólares, em 2007 e dos 707 mil milhões, em 2008, para 363 mil milhões de dólares, em 2009. Calcula-se que actualmente o crescimento total dos países em desenvolvimento é pouco mais de 1 %. Todavia, exceptuando a China e a Índia, o conjunto dos países em desenvolvimento regista uma contracção de 1,6 % do PIB. A África surge como o continente mais afectado, com uma previsão de crescimento para 2009 66 % inferior a 2007. Segundo a OIT, 50 milhões de pessoas são susceptíveis de perder o emprego em 2009 e os números de trabalhadores pobres poderá aumentar para 200 milhões.

2.3   A crise financeira e económica causou quatro choques: a) a queda do volume global das trocas comerciais com uma redução drástica das receitas da exportação e um défice financeiro para os países em desenvolvimento que oscila entre 270 e 700 mil milhões de dólares (3); b) a redução dos fluxos privados de investimento, mais substanciais para os países de rendimentos médios e para aqueles onde estão em curso avultados investimentos estruturais; c) a forte contracção das remessas dos emigrantes que, em certos países em desenvolvimento africanos, representam 30 % do PIB e que, só em 2006, ascenderam a 270 mil milhões de dólares, ou seja, mais do dobro do montante total do apoio ao desenvolvimento; d) a patente redução da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) por parte de muitos doadores bilaterais em 2009 e 2010. Estes dois últimos choques, que amplificaram os efeitos da crise alimentar precedente e do aumento dos preços da energia, são especialmente palpáveis em África onde esses fluxos são muitas vezes vitais para muitos orçamentos públicos e para a sobrevivência das famílias e comunidades locais.

2.4   Entre as consequências destes choques sucessivos e interdependentes, cujos efeitos diferem naturalmente consoante a região e o país, são de assinalar particularmente:

um abrandamento do crescimento ou séria contracção das economias locais;

rápido aumento do desemprego, da pobreza e da fome, sobretudo nas zonas urbanas, com graves consequências para os grupos mais vulneráveis, em particular as mulheres e os menores;

contracção das receitas fiscais com graves consequências para os orçamentos públicos que, sobretudo em África, foram consequentemente sujeitos nos últimos anos a operações de consolidação;

ameaça contínua dos investimentos públicos, em particular no que se refere à manutenção e às infra-estruturas;

mais dificuldades no acesso a bens e serviços por parte de largas faixas da população, relacionadas igualmente com a deterioração dos já frágeis sistemas de protecção e de assistência social;

redução das receitas do turismo;

problemas crescentes de acesso ao crédito e a fluxos de investimento, em particular para o sector privado;

impacto fortemente negativo na capacidade de realizar os objectivos de desenvolvimento do milénio (ODM), aliás fortemente comprometidos já pelo menos há dois anos, após os êxitos parciais obtidos no quinquénio 2000-2005;

risco de insuficiência de meios para fazer face às consequências das alterações climáticas.

2.5   O cenário é ainda mais inquietante quando se pensa nas consequências para a estabilidade política e a segurança interna e externa de várias partes do mundo. Já em 2008, um estudo do governo britânico calculava que era possível que em 2010 metade da população mais pobre vivesse em países em conflito permanente ou quase permanente.

2.6   Por último, a crise poderá gerar novos fluxos migratórios tanto dentro de cada país ou de cada região como para países mais ricos. E tudo isto, para além de agravar as tensões já existentes, em particular nas fronteiras da UE, pode ocasionar novas perdas preocupantes de recursos humanos que são vitais para muitos países pobres.

3.   Resposta da Comissão

3.1   A Comissão Europeia foi a primeira a tomar decisões concretas em relação ao G20 de Londres, partindo do princípio claro de que, conforme sintetizou o seu presidente Durão Barroso, «a recessão não deve, não pode e não será utilizada como pretexto para faltarmos às nossas promessas de aumentarmos a ajuda.»

3.2   A comunicação em apreço é uma das mais positivas decisões-quadro propostas até à data no âmbito da comunidade internacional para ajudar os países pobres a enfrentar a crise. Para além de realçar a necessidade de honrar os compromissos no âmbito da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e mobilizar outros recursos destinados ao desenvolvimento (por exemplo, mediante a proposta ambiciosa mas porventura pouco realista de multiplicar cada euro despendido neste tipo de ajuda por cinco euros noutras formas de incentivo ao desenvolvimento), a comunicação sublinha a importância de acelerar os desembolsos e antecipar a ajuda – caso único entre doadores – e de aplicar procedimentos de execução mais flexíveis, convidando o BEI a centrar a sua acção em iniciativas contracíclicas em domínios como as infra-estruturas e o sector financeiro. Além disso, a Comissão compromete-se a acelerar as operações de apoio orçamental, aventando igualmente a hipótese de, em casos excepcionais, avançar com medidas de ajuda macroeconómica para os países da Política Europeia de Vizinhança (PEV).

3.3   A Comissão constata que a ineficácia das ajudas é demasiado onerosa e sugere uma profunda reforma de todo o sistema internacional de ajudas públicas ao desenvolvimento. Solicita, por sua vez, aos Estados-Membros que promovam abordagens colectivas para fazer face à crise. Ao mesmo tempo, a UE, enquanto primeiro doador mundial, deveria agir como motor da simplificação da arquitectura da ajuda internacional.

3.4   A comunicação dedica pouca ou nenhuma atenção às medidas de apoio ao sector social e de emprego, seja graças a mecanismos de apoio às despesas sociais seja graças ao apoio à construção de infra-estruturas, nacionais ou regionais, também com especial ênfase na afectação de recursos para o Mediterrâneo e África. A Comissão promete igualmente empenhar-se na revitalização da agricultura e no crescimento verde, tanto através de financiamentos inovadores para as alterações climáticas como da transferência de tecnologias respeitadoras do ambiente e sustentáveis.

3.5   A comunicação propõe, por último, medidas para secundar o sistema de trocas internacionais, aumentando a eficiência dos programas de ajuda ao comércio e os créditos à exportação. A Comissão recomenda ainda a realização de um debate sobre o reforço dos mecanismos de reestruturação da dívida pública dos países em desenvolvimento, sugerindo também medidas de apoio à governação fiscal a nível internacional, regional e nacional.

3.6   O Conselho da União Europeia aprovou as principais recomendações contidas na comunicação, realçando a importância de os Estados-Membros honrarem os seus compromissos «exortando os Estados-Membros, a Comissão e o Banco Europeu de Investimento (BEI) a tomarem medidas coordenadas em 2009, sempre que possível com base em análises conjuntas por país do impacto da crise, em cooperação com as instituições internacionais e os países parceiros, com vista a identificar os países e grupos da população mais vulneráveis e menos resilientes» (4).

3.7   O condicionalismo mais evidente de todas as decisões assumidas pela UE reside, contudo, no facto de não estar prevista qualquer afectação adicional de recursos, ressalvados os 100 milhões de euros concedidos por ano ao Fundo Fiduciário UE-África para infra-estruturas.

4.   Ameaçadas a ajuda pública ao desenvolvimento

4.1   A crer nos dados fornecidos pelo Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE, 2008 foi o ano de maiores desembolsos da ajuda pública ao desenvolvimento, em termos absolutos. Atingiu-se um montante de 120 mil milhões de dólares com um aumento de 10 % em termos reais que equivale a 0,30 % do PIB total dos países da OCDE. Houve também no ano transacto um crescimento dos programas bilaterais, após uma forte queda durante o biénio 2006-2008.

4.2   A contribuição da UE teve um aumento de 4 mil milhões de euros em relação a 2007, atingindo um montante total de 49 mil milhões de euros em 2008, equivalente a 0,40 % do PIB. Recorde-se que, aquando do consenso de Monterrey em 2002, a Comissão propôs-se alcançar, até 2006, o objectivo intermédio de 0,39 %. Convém, além disso, sublinhar que se está ainda muito aquém do objectivo de destinar 0,20 % do PIB aos países menos desenvolvidos (PMD). Actualmente, é canalizado para África apenas um montante de 20 mil milhões de dólares, o que contrasta com o objectivo estabelecido para 2010 de 50 mil milhões.

4.3   Há fortes reservas quanto à possibilidade concreta de a UE garantir os aumentos ulteriores, calculados em 20 mil milhões de euros, necessários para conseguir em 2010 o objectivo de 0,56 % do PIB. No seu «Aid Watch 2008», a plataforma europeia das organizações não governamentais CONCORD previu para o biénio de 2009-2010 uma redução de 27 mil milhões de dólares de ajudas. Além disso, esse mesmo relatório considera necessário rever os números da UE, uma vez que abrangem capítulos de despesas que não deveriam contar para as ajudas públicas ao desenvolvimento: 5 mil milhões para a remissão da dívida externa, 2 mil milhões para bolsas de estudo e mil milhões para custos relacionados com os refugiados. Tirando estes números, CONCORD chega a uma percentagem de apenas 0,34 % do PIB em 2008, assaz distante do objectivo fixado para 2010 de 0,56 %.

4.4   Também segundo o Global Monitoring Report do Banco Mundial de 2009, não obstante o crescimento registado em 2008 e os compromissos já assumidos por alguns doadores importantes, o objectivo de aumentar das ajudas estabelecido em Gleneagles em 2005 (130 mil milhões de dólares ao ano até 2010) torna-se absolutamente irrealista face à situação actual.

4.5   São cada vez mais as vozes que defendem a necessidade de afectar novos recursos muito para além dos compromissos de Gleneagles. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sublinha que não se trata apenas de manter os compromissos assumidos, mas também de aumentar substancialmente as dotações, destinando, por exemplo, pelo menos 0,7 % de todos os recursos para salvar os bancos (estimados em cerca de 7 biliões (milhões de milhões) de dólares) e relançar a economia, ajudando deste modo os países em desenvolvimento a alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e a relançar despesas e investimentos a longo prazo nos países pobres. Como o próprio presidente do Banco Mundial teve ocasião de referir várias vezes desde o início da crise são necessários esforços redobrados para mobilizar recursos adicionais para ajudar os países pobres a enfrentar as consequências devastadoras de uma crise que não é da sua responsabilidade. De acordo com cálculos recentes do Banco Mundial, o financiamento global necessário, nem que seja só para compensar os países em desenvolvimento pelas perdas sofridas, oscilam entre 350 e 635 mil milhões de dólares, um montante que está a anos-luz do que a comunidade internacional tem conseguido mobilizar até agora, não só em ajudas públicas ao desenvolvimento como também por outras vias de afectação de ajudas e de empréstimos.

4.6   Além disso, abstraindo das intenções expressas pela UE, o relatório da OCDE revela que para a grande maioria dos doadores bilaterais a crise tende a aumentar o desfasamento entre os compromissos e as verbas atribuídas e a gerar cada vez mais novos atrasos e adiamentos nos pagamentos. As ajudas provenientes dos países não membros do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento têm cada vez mais importância, mas o seu volume global ainda não influi significativamente nas tendências gerais. O total das ajudas destes países que comunicaram os seus dados à OCDE foi, em 2007, de 5,6 mil milhões de dólares.

4.7   Embora os dados disponíveis sejam muito parciais, há tendências positivas no atinente aos doadores privados, cujas dotações se elevaram em 2007 a 18,6 mil milhões de dólares, ou seja, um aumento de 25 % em relação a 2006. Segundo os únicos dados internos disponíveis nos Estados Unidos, mas não comunicados à OCDE, os fluxos provenientes de doadores privados elevaram-se em 2007 a 37 mil milhões de dólares. Por outro lado, muitas das principais fundações, como a Gates Foundation, anunciaram para 2009 um aumento das verbas que pode chegar aos 20 %.

5.   Eficácia das ajudas e o combate à corrupção

5.1   Em tempos de crise é fundamental melhorar a eficácia das ajudas. A sua imprevisibilidade, a fragmentação das intervenções e a falta de coordenação entre os doadores causam hoje em dia prejuízos económicos mais que evidentes. A Comissão considera que a volatilidade da ajuda pública ao desenvolvimento pode levar à subida dos custos de 15 % a 20 %, ao passo que uma aplicação completa do programa para a eficácia da ajuda poderia gerar economias entre os 5 e os 7 mil milhões de euros ao ano. Torna-se, portanto, indispensável aplicar urgentemente as disposições estabelecidas na Declaração de Paris de 2005 e na Agenda de Accra de 2008, tendo em mente as decisões já tomadas na UE que permitirão realmente mudar a situação, isto é, divisão do trabalho entre os Estados-Membros e a Comissão, melhor utilização dos planos de acção nacionais, previsibilidade da ajuda e maior responsabilidade pelos resultados, incluindo uma menor condicionalidade (5).

5.2   A nível da OCDE, observa-se que os progressos na melhoria da qualidade das ajudas são ainda insuficientes. Existem em todo o mundo 225 agências bilaterais e 242 multilaterais que todos os anos financiam centenas de milhares de actividades. Só a título de exemplo, há no mundo mais de 90 fundos destinados à saúde, a OMS tem de prestar contas a 4 600 doadores apresentar-lhes cerca de 1 400 relatórios por ano. Em média, o governo de um país em desenvolvimento recebe e responde por ano cerca de 200 missões de doadores oficiais, além de várias outras centenas de missões de doadores privados. Por outro lado, o último inquérito de monitorização da OCDE revela que, em média, apenas 45 % das ajudas são atribuídas dentro dos prazos previstos.

5.3   Para alcançar os objectivos definidos a nível internacional, será, pois, necessário acelerar. É, sobretudo, essencial uma verdadeira vontade política por parte dos 27 governos dos Estados-Membros da UE que se traduza:

em transparência na utilização dos doze indicadores da Declaração de Paris;

na aplicação dos códigos de conduta da UE;

na busca mais generalizada de coerência entre as políticas, especialmente as políticas do comércio e do desenvolvimento;

num investimento decidido na reforma global do sistema das ajudas internacionais que valorize os intervenientes não estatais e permita o relançamento de uma nova fase de acção multilateral.

5.4   Nesta abordagem convém igualmente ter em mente o grande volume de recursos absorvidos em muitos países em desenvolvimento por fenómenos de corrupção e de exportação ilegal de capitais, mais patentes nos investimentos associados à exploração das matérias-primas e em grandes projectos de construção de infra-estruturas. Está ainda provado que uma parte substancial das ajudas é engolida pela corrupção, o que é catastrófico para as populações locais e mina a confiança dos contribuintes dos países doadores. Segundo o relatório sobre a corrupção mundial de 2008 «Transparency International», esta custa actualmente 50 mil milhões de dólares, ou seja, quase metade do volume total das ajudas aos países em desenvolvimento e um montante equivalente aos investimentos necessários para realizar os objectivos em matéria de água potável e higiene pública. Uma melhoria palpável da governação, em particular da rastreabilidade das ajudas, e sistemas em que seja mais explícita a condicionalidade das dotações deverão ser elementos determinantes de todos os compromissos a nível comunitário e multilateral. É no mínimo deplorável que a comunicação não se pronuncie a este respeito.

6.   O papel do sector privado e da sociedade civil

6.1   A importância do papel dos intervenientes não estatais (INE), que o Acordo de Cotonou define como sendo o sector privado, os parceiros económicos e sociais, incluindo as organizações sindicais, e a sociedade civil sob todas as suas formas (artigo 6.o), é já amplamente reconhecido. Surpreende, por isso, que a a comunicação não faça referência ao seu papel na gestão da crise, quando são os únicos que têm demonstrado capacidade em mobilizar recursos adicionais. Além disso, em muitos países pobres as consequências da crise penalizam fortemente o sector privado e debilitam a capacidade de acção dos parceiros sociais e das várias organizações da sociedade civil que são afinal cruciais para encontrar respostas sustentáveis para o desenvolvimento a longo prazo.

6.2   Em 18 de Maio passado, o Tribunal de Contas da UE publicou o seu relatório especial sobre a gestão pela Comissão da participação dos INE (6) na cooperação comunitária para o desenvolvimento em que, embora se declare satisfeito com os investimentos crescentes dos fundos comunitários através dos INE (7), formula três críticas principais:

participação limitada no processo de cooperação dos INE, reduzidos frequentemente a meros executores de projectos ou fornecedores de serviços e consultados apenas pontualmente e muito tardiamente;

acção insuficiente no desenvolvimento das capacidades, privilegiando sistemas de comunicação e de participação que excluem na prática a maioria das organizações pequenas e médias de base e não urbanas;

numerosas lacunas nos sistemas de acompanhamento e de aplicação dos procedimentos geralmente demasiado complexos e de difícil compreensão para muitas organizações e que, por vezes, não fornecem dados adequados sobre os progressos das iniciativas e o seu impacto final.

6.3   As insuficiências apontadas pelo Tribunal de Contas leva o CESE a reiterar veementemente o que tem vindo a defender há anos quanto à necessidade de privilegiar o investimento nos INE, seja reforçando todos os procedimentos que permitem um verdadeiro alargamento da participação, seja duplicando, até atingir os 20 %, o volume dos fundos veiculados directamente através dos INE, conforme referido em parecer anterior (8).

7.   Revisão das ajudas e criação de novos instrumentos de financiamento

7.1   A necessidade de lançar uma grande reforma das instituições financeiras internacionais, em primeiro lugar o Banco Mundial e o FMI, é algo que se tornou evidente a crer nas orientações claras da Conferência das Nações Unidas de Junho, segundo a qual as instituições financeiras internacionais devem virar-se claramente para o desenvolvimento e ser objecto de reformas de modo a favorecer o ponto de vista, a voz e a participação dos países em desenvolvimento e a reflectir melhor a realidade (9).

De facto, é paradoxal verificar que face à crise, 82 % dos empréstimos concedidos pelo FMI beneficiaram países do espaço europeu e só 1,6 % países africanos, e que dos 1 100 mil milhões de dólares decididos na cimeira G20 de Londres, de 2 de Abril de 2009, um pouco mais de 20 mil milhões de dólares foi para os países mais pobres.

7.2   A UE deve esforçar-se por provocar uma revisão radical desta distribuição. Em primeiro lugar, deverá velar por que seja tida em conta e posta em prática a proposta do Banco Mundial de criar um novo fundo específico, o Vulnerability Fund, destinado sobretudo a financiar a segurança alimentar, a protecção social e o desenvolvimento de recursos humanos, através do desenvolvimento de um quadro específico e comum entre o Banco Mundial e agências especializadas das Nações Unidas. Do mesmo modo, é necessário providenciar para que o FMI emita novos direitos especiais de saque, no valor de 250 mil milhões de dólares, pelo menos, especificamente destinados a disponibilizar liquidez para financiar o desenvolvimento.

7.3   A UE deve igualmente ter um papel motor para que o financiamento do comércio e o relançamento das negociações de Doha tenham como preocupações centrais as necessidades dos países em desenvolvimento e se adoptem medidas de apoio e salvaguarda para os países mais pobres e para a segurança alimentar.

7.4   O CESE está há muito convicto de que é preciso trabalhar energicamente para criar e desenvolver novos instrumentos para financiar o desenvolvimento. Face ao pouco que até agora foi feito, o que é lamentável, entende que é necessário alargar o âmbito das mais recentes iniciativas e decisões, como por exemplo, o fundo internacional para o financiamento da vacinação (IFF – International Finance and Facility Fund for Immunisation), de 2006, para financiar a vacinação nos países pobres; os Advanced Market Commitment do mesmo período; a iniciativa da Cimeira do G8 de Aquila no sentido de, nos próximos cinco anos, reduzir em 50 % os custos das transacções oficiais das remessas dos imigrantes para os países de origem, de que resultaria um aumento de recursos para esses países na ordem dos 13 a 15 mil milhões de dólares por ano. O CESE apoia a proposta de lançar finalmente a discussão sobre a aplicação de uma taxa voluntária de 0,005 % sobre as transacções financeiras internacionais (Taxa Tobin) recentemente relançada pelos governos francês e alemão na cimeira do G20 em Pittsburg. Estas novas modalidades de financiamento, a acrescer aos compromissos das ajudas públicas ao desenvolvimento, deveriam estar mais intimamente ligadas aos Objectivos do Milénio, à questão urgente das alterações climáticas e aos custos que os países pobres terão de suportar no futuro.

7.5   A reflexão sobre a reforma do sistema internacional das ajudas, que a Comissão muito judiciosamente retoma no ponto 11 da sua proposta, é ainda mais urgente porquanto a UE pode ter aqui um papel de primeiro plano no que diz respeito, pelo menos, a quatro pontos:

sistema internacional de alerta que possa controlar de futuro os efeitos da crise nas condições de vida das populações e nas perspectivas de desenvolvimento de modo a orientar ajudas e investimentos;

sistema que controle os progressos e meça o grau de eficácia das próprias acções, de acordo com o que foi decidido na cimeira do G8;

investimentos mais substanciais na estabilização das zonas de conflito, na construção institucional, na gestão das crises, reforçando as capacidades locais e regionais de programação e intervenção, incrementando a criação de sistemas universais de protecção social e prevendo os necessários investimentos para responder aos novos desafios da segurança alimentar e das alterações climáticas.

reforço e extensão das possibilidades de acesso ao microcrédito para apoiar as iniciativas empresariais que de outro modo não têm acesso ao crédito bancário.

7.6   Fazer da segurança alimentar e do crescimento verde - dois objectivos de investimento estratégico a longo prazo - pode constituir um fio condutor importante para relançar novamente o sistema de ajudas e de investimentos, que a existência da crise justifica plenamente. Tal sistema poderá também contribuir para melhor coordenar recursos e competências provenientes dos países emergentes e fornecer uma oportunidade concreta de parceria económica para a Europa e a OCDE.

7.7   No atinente à UE é conveniente acrescentar duas observações:

uma sobre a avaliação atenta do desenvolvimento do instrumento dos auxílios orçamentais nos últimos anos, considerando a necessidade de estes auxílios serem sobretudo canalizados para sectores como a saúde, o trabalho digno, o ensino e a formação, as infra-estruturas, os serviços sociais e o crescimento verde, como é desejo do próprio Parlamento Europeu (10);

a outra sobre a distribuição das tarefas no novo colégio de comissários, confiando ao comissário que tutela o Desenvolvimento o controlo directo da EuropeAid, actualmente tutelado pelo comissário para as Relações Externas.

7.8   Em nenhum outro domínio como o desenvolvimento é tão urgente que a UE fale sempre de uma só voz e reforce a sua própria acção unitária e coordenada com os Estados-Membros, quer para se posicionar nos novos cenários internacionais saídos da crise quer para tornar mais eficazes tanto as potencialidades inerentes ao seu próprio papel como as potencialidades e competências actualmente disponíveis a nível mundial. Mais do que nunca, face aos actores presentes na cena internacional, o desenvolvimento dos países mais pobres e da África, em particular, reveste-se de interesse estratégico para o futuro da Europa (11).

7.9   O reforço da cooperação internacional para combater a corrupção e a evasão fiscal é já um dado adquirido no seguimento da crise, em particular no que toca o combate aos paraísos fiscais. Segundo o ONUDC, os tráficos ilícitos e a evasão fiscal movimentam hoje entre 1 bilião e 1,6 biliões de dólares, metade dos quais provém dos países em desenvolvimento ou das economias em transição. Destes 500 a 800 mil milhões de dólares apenas 3 % são imputáveis à corrupção, 30 % a actividades de natureza criminosa e 67 % à evasão fiscal. Por outras palavras, a evasão fiscal custa aos países em desenvolvimento uma verba que oscila entre 300 e 500 mil milhões de dólares, dos quais 285 ligados ao sector informal e 160 à fraude fiscal de muitas sociedades transnacionais que operam nestes países (12). O CESE considera ser urgente efectuar uma mudança radical de rumo neste sector, possibilidade que parece ser hoje mais realista. Tal mudança permitiria disponibilizar recursos para o investimento e as ajudas ao desenvolvimento, bem como desenvolver sistemas fiscais mais sólidos e mais justos em muitos países pobres, condição indispensável para o reforço das instituições e para qualquer perspectiva saudável de desenvolvimento no longo prazo.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Em particular a cimeira da ONU, de Junho de 2009 e a do G8, realizada em Aquila, em Julho de 2009.

(2)  Ver parecer do CESE sobre a comunicação da Comissão «Integração regional para o desenvolvimento dos países ACP», JO C 317, 23.12.2009, p. 126, relator G. Dantin e co-relator L. Jahier.

(3)  WB, 2009 e ADB, Março de 2009. Valores extremos das avaliações disponíveis.

(4)  Conclusões do Conselho «Relações Externas» da UE de 18 de Maio de 2009.

(5)  COM(2009) 160 final e CONS UE de 22.7.2008.

(6)  A definição dos INE dada pelo Tribunal de Contas neste contexto inclui unicamente as organizações da sociedade civil e exclui o sector privado.

(7)  Segundo o EuropeAid, calcula-se que os montantes dos contratos celebrados com os INE em 2006 e 2007 são, respectivamente, de 836,43 e 915,26 milhões de euros (excluindo as ajudas humanitárias que são geridas através do ECHO), representando 10 % das ajudas da UE aos países em desenvolvimento. Cerca de 50 % dos financiamentos do ECHO (Serviço de Ajuda Humanitária da Comunidade Europeia) destinam-se às ONG (cerca de 353 milhões de euros em 2007).

(8)  Parecer de Susanna Florio JO C 234 de 2003 intitulado «O papel da sociedade civil na política europeia de desenvolvimento».

(9)  Conferência da ONU sobre a crise económica e financeira, Junho de 2009.

(10)  Projecto de resolução da Comissão DEVE, Setembro de 2009.

(11)  Ver parecer de Luca Jahier JO C 318 de 2009, sobre a as relações entre a UE, África e China e, o parecer sobre a dimensão externa da estratégia de Lisboa, JO C 128 de 2010 de Luca Jahier.

(12)  Ver estudo da CIDSE mencionado na bibliografia, Novembro de 2008.


ANEXO

A proposta de alteração foi rejeitada no debate em plenária, com um quarto dos votos a favor:

Proposta de alteração: Jonathan Peel

Ponto 7.9

Alterar:

7.9

O reforço da cooperação internacional para combater a corrupção e a evasão fiscal é já um dado adquirido no seguimento da crise, em particular no que toca o combate aos paraísos fiscais. Segundo o ONUDC, os tráficos ilícitos e a evasão fiscal movimentam hoje entre 1 bilião e 1,6 biliões de dólares, metade dos quais provém dos países em desenvolvimento ou das economias em transição. . O CESE considera ser urgente efectuar uma mudança radical de rumo neste sector, possibilidade que parece ser hoje mais realista. Tal mudança permitiria disponibilizar recursos para o investimento e as ajudas ao desenvolvimento, bem como desenvolver sistemas fiscais mais sólidos e mais justos em muitos países pobres, condição indispensável para o reforço das instituições e para qualquer perspectiva saudável de desenvolvimento no longo prazo.

Justificação

A referência a estes números deve ser eliminada, já que eles não constam do relatório do ONUDC, ao contrário do que o parecer sugere.

Votação:

A favor: 59

Contra: 93

Abstenções: 9

Total da votação: 161


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/132


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à supressão das interferências radioeléctricas (compatibilidade electromagnética) produzidas pelos tractores agrícolas ou florestais (Codificação)»

[COM(2009) 546 final – 2009/0154 (COD)]

(2010/C 255/24)

Em 9 de Novembro de 2009, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à supressão das interferências radioeléctricas (compatibilidade electromagnética) produzidas pelos tractores agrícolas ou florestais

COM(2009) 546 final – 2009/0154 (COD).

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro) decidiu por 179 votos a favor, com 2 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/133


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que revoga a Decisão 79/542/CEE do Conselho, que estabelece uma lista de países terceiros ou de partes de países terceiros e as condições de sanidade animal e saúde pública e de certificação veterinária aplicáveis à importação, para a Comunidade, de determinados animais vivos e da respectiva carne fresca»

[COM(2009) 516 final – 2009/0146 (COD)]

(2010/C 255/25)

Em 27 de Outubro de 2009 o Conselho, em conformidade com o disposto nos artigos 37.o e 152.o, n.o 4, alínea b), do Tratado que institui a Comunidade Europeia, decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que revoga a Decisão 79/542/CEE do Conselho, que estabelece uma lista de países terceiros ou de partes de países terceiros e as condições de sanidade animal e saúde pública e de certificação veterinária aplicáveis à importação, para a Comunidade, de determinados animais vivos e da respectiva carne fresca

COM(2009) 516 final – 2009/0146(COD).

Considerando que o conteúdo da proposta é satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité na 458.a reunião plenária, de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 16 de Dezembro), decidiu por 178 votos a favor e 4 abstenções emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu,

Mario SEPI