ISSN 1725-2482

Jornal Oficial

da União Europeia

C 10

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Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

51.o ano
15 de Janeiro de 2008


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

RESOLUÇÕES

 

Comité Económico e Social Europeu
438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007

2008/C 010/01

Resolução do Comité Económico e Social Europeu sobre As catástrofes naturais

1

 

III   Actos preparatórios

 

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

 

438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007

2008/C 010/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde sobre uma maior eficácia na execução das decisões judiciais na União Europeia: Penhora de contas bancáriasCOM(2006) 618 final

2

2008/C 010/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Simplificação do quadro regulamentar no sector das máquinas

8

2008/C 010/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu — Um quadro regulador concorrencial para o sector automóvel no século XXI — Posição da Comissão face ao relatório final do grupo de alto nível CARS 21 — Uma contribuição para a Estratégia do Crescimento e do Emprego da União EuropeiaCOM(2007) 22 final

15

2008/C 010/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos dispositivos de protecção em caso de capotagem dos tractores agrícolas ou florestais de rodas (Versão codificada) COM(2007) 310 final — 2007/0107 (COD)

21

2008/C 010/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos dispositivos de reboque e de marcha atrás dos tractores agrícolas e florestais de rodas (Versão codificada) COM(2007) 319 final — 2007/0117 (COD)

21

2008/C 010/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às chapas e inscrições regulamentares, bem como à sua localização e modo de fixação no que respeita aos veículos a motor e seus reboquesCOM(2007) 344 final — 2007/0119 (COD)

22

2008/C 010/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão: Plano de acção para a eficiência energética: concretizar o potencialCOM(2006) 545 final

22

2008/C 010/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às taxas aeroportuáriasCOM(2006) 820 final — 2007/0013 (COD)

35

2008/C 010/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Produção sustentável de electricidade a partir de combustíveis fósseis: rumo a emissões quase nulas do carvão após 2020COM(2006) 843 final

39

2008/C 010/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a regras comuns de acesso ao mercado dos serviços de transporte em autocarro (reformulação)COM(2007) 264 final — 2007/0097 (COD)

44

2008/C 010/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à protecção do ambiente através do direito penalCOM(2007) 51 final — 2007/0022 (COD)

47

2008/C 010/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que prevê procedimentos comunitários para o estabelecimento de limites máximos de resíduos de substâncias farmacologicamente activas nos alimentos de origem animal e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 2377/90COM(2007) 194 final — 2007/0064 (COD)

51

2008/C 010/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Conselho relativo ao estabelecimento de um quadro comunitário para a recolha, gestão e utilização dos dados do sector das pescas e para o apoio à consultoria científica relacionada com a política comum da pescaCOM(2007) 196 final — 2007/0070 (CNS)

53

2008/C 010/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 96/22/CE do Conselho relativa à proibição de utilização de certas substâncias com efeitos hormonais ou tireostáticos e de substâncias ß-agonistas em produção animalCOM(2007) 292 final — 2007/0102 (COD)

57

2008/C 010/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1924/2006 relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentosCOM(2007) 368 final — 2007/0128 (COD)

58

2008/C 010/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Integração do comércio mundial e externalização — Como enfrentar os novos desafios

59

2008/C 010/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Os direitos do paciente

67

2008/C 010/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Promover uma produtividade sustentável no trabalho na Europa

72

2008/C 010/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Harmonização dos indicadores na área da deficiência como instrumento de monitorização das políticas europeias

80

2008/C 010/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu — Para uma utilização mais eficaz dos incentivos fiscais em favor da investigação e do desenvolvimento (I&D)COM(2006) 728 final

83

2008/C 010/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A economia da UE: balanço de 2006 — Reforço da zona do euro: principais prioridades políticasCOM(2006) 714 final — SEC(2006) 1490

88

2008/C 010/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre As consequências económicas e sociais da evolução dos mercados financeiros

96

2008/C 010/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Políticas económicas de apoio à estratégia industrial europeia

106

2008/C 010/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a:

113

PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

RESOLUÇÕES

Comité Económico e Social Europeu 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007

15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/1


Resolução do Comité Económico e Social Europeu sobre «As catástrofes naturais»

(2008/C 10/01)

Na reunião da Mesa de 25 de Setembro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu expressar consternação perante os graves incêndios ocorridos durante o passado mês de Agosto, bem como a sua solidariedade para com os afectados e para com a sociedade civil.

Na reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité adoptou a presente resolução por 192 votos a favor, nenhum voto contra e uma abstenção.

Na sequência das diversas catástrofes naturais que afectaram vários Estados-Membros, o Comité tinha debatido a necessidade de o mecanismo comunitário de Protecção Civil existente ser dotado de meios suficientes para efectuar a coordenação das intervenções nas catástrofes que ocorram dentro e fora da Europa.

Tendo em conta o ocorrido, o Comité reitera a posição adoptada no parecer CESE 1491/2005 (NAT/283) e insta especialmente a Comissão para que garanta uma efectiva intervenção do Mecanismo Comunitário de Protecção Civil concretizada no seguinte:

1.

Exigir que todos os Estados-Membros cumpram as disposições comunitárias de protecção civil através de um instrumento legislativo adequado.

2.

Dotar o mecanismo comunitário dos seguintes instrumentos:

Um sistema de comunicações via satélite,

Equipas de socorro próprias,

Meios de identificação dos recursos humanos e do material disponível na UE,

A regionalização das bases operacionais e plena coordenação entre si,

Formação técnica adequada das equipas.

3.

Adoptar disposições comunitárias sobre responsabilidade civil e criminal que permitam perseguir e punir os causadores de tais catástrofes.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


III Actos preparatórios

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007

15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/2


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde sobre uma maior eficácia na execução das decisões judiciais na União Europeia: Penhora de contas bancárias»

COM(2006) 618 final

(2008/C 10/02)

Em 24 de Outubro de 2006, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 18 de Julho de 2007, sendo relator J. PEGADO LIZ.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 131 votos a favor, 1 voto contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese

1.1

Com o presente Livro Verde, e no seguimento de uma série de iniciativas com vista à criação de um espaço judiciário europeu, a Comissão lança uma consulta relativa à eventual criação de um instrumento legislativo comunitário que torne mais eficaz a execução de créditos pecuniários assegurando o congelamento prévio de montantes em dinheiro existentes em contas bancárias do devedor, em qualquer Estado-Membro.

1.2

Do referido Livro Verde, que não pode ser tomado em consideração independentemente da leitura e da análise do Documento de Trabalho que lhe é Anexo (1), bem como do Estudo encomendado que lhe serve de base, resulta, apesar de alguma inconsistência conceptual na definição do próprio âmbito objectivo e subjectivo da medida e de uma tradução particularmente deficiente em várias versões linguísticas, que o objectivo adiantado pela Comissão será o de avançar com uma proposta de regulamento, de carácter opcional, que defina o regime jurídico de uma providencia cautelar europeia com a natureza de um arresto preventivo de contas bancárias, independentemente da natureza da dívida e da qualidade dos sujeitos.

1.3

Na ausência de qualquer estudo de impacto de uma tal medida, a que se soma a circunstância de os estudos de direito comparado que lhe estão na base apenas terem tomado em consideração 15 dos 27 Estados-Membros da UE, o Comité, embora compartilhando das preocupações da Comissão, não considera que esteja devidamente demonstrada a sua necessidade em termos de subsidiariedade e de proporcionalidade, e que resultado equivalente não possa ser alcançado satisfatoriamente mediante a simples alteração pontual de dois preceitos do Regulamento Bruxelas I.

1.4

O Comité também não encontra justificação lógica para a limitação do objecto de uma tal iniciativa, a vir a ser adoptada, apenas ao arresto preventivo de quantias em dinheiro depositadas em contas bancárias, sugerindo o seu alargamento a outros haveres móveis do devedor e a sua extensão, com as necessárias adaptações, à penhora posterior à obtenção de um titulo executivo, para além de julgar imprescindível fazê-la acompanhar, em simultâneo, com uma iniciativa relativa à transparência das contas bancárias, às obrigações de informação e às regras do sigilo e da protecção de dados, que são o seu pressuposto.

1.5

Sempre no caso de vir a ser comprovadamente julgada imprescindível a introdução de uma tal medida, o Comité concorda com a Comissão em que o instrumento adequado será um regulamento de carácter opcional para o congelamento de contas bancárias do devedor existentes em Estados-Membros que não o da residência ou sede do credor.

1.6

Se tal vier a suceder, o Comité avança com uma série detalhada de recomendações de carácter técnico-jurídico relativas à definição do que julga ser o regime mais adequado para a iniciativa, no que respeita, designadamente, à competência dos tribunais, às condições de decretamento da medida, aos limites dos montantes a apreender e às isenções, às garantias de defesa do devedor e de terceiros titulares de contas conjuntas ou solidárias, aos recursos e aos prazos, ao regime das custas judiciais, às obrigações e às responsabilidades dos bancos onde estejam sedeadas as contas em causa e às normas de direito interno ou internacional privado aplicáveis supletivamente, por forma a dar cabal satisfação ao pedido de parecer da Comissão.

2.   Súmula do Livro Verde

2.1

Com o presente Livro Verde, a Comissão lança uma consulta às partes interessadas sobre a forma de melhorar a execução de créditos pecuniários e sugere a eventual criação de um sistema europeu de «penhora de contas bancárias».

2.2

A Comissão começa por identificar as dificuldades existentes em matéria de execução em processo civil no «espaço judiciário europeu» por força da fragmentação das regulamentações nacionais na matéria, reconhecendo que o Regulamento (CE) n.o 44/2001 (Bruxelas I) (2) «não assegura o reconhecimento de uma medida cautelar, nomeadamente de uma penhora bancária obtida “ex parte” num Estado-Membro diferente daquele em que foi ordenada».

2.3

A Comissão considera que esta lacuna é susceptível de falsear a concorrência entre as empresas consoante o grau de eficácia dos sistemas judiciais dos países em que exerçam a sua actividade e assim constituir um entrave ao correcto funcionamento do mercado interno, que exige a harmonização da eficácia e da celeridade na cobrança dos créditos, designadamente de natureza pecuniária.

2.4

A Comissão aventa, consequentemente, a hipótese de ser criada uma «ordem europeia de penhora de contas bancárias que permita garantir a um credor o montante que lhe é devido ou que reclama impedindo a sua retirada ou transferência pelo devedor para uma ou mais contas bancárias abertas no território da União Europeia» e examina, em detalhe, os contornos do seu eventual regime jurídico, cujos parâmetros enuncia em 23 questões.

3.   Enquadramento da iniciativa

3.1

Esta iniciativa enquadra-se, correctamente, num conjunto vasto de medidas que a Comissão vem tomando no intuito louvável de criar um espaço judiciário europeu que sirva de suporte, do lado dos aspectos judiciais, à realização do mercado único (3), em particular na sequência da transformação da Convenção de Bruxelas em Regulamento Comunitário (4) e do Regulamento relativo ao título executivo europeu (5).

3.2

Sendo certas as observações empíricas da Comissão relativamente às dificuldades de execução de decisões judiciais nos vários países da Europa e as diferenças de regime a que elas são submetidas por falta de harmonização do processo executivo a nível da União, com as consequências que ela bem destacou (6), as quais, decerto, só se terão agravado com a recente adesão de 12 novos países membros, o certo é que, no presente Livro Verde, a Comissão não sujeita a sua iniciativa ao indispensável escrutínio dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

3.3

Não se acha, designadamente, demonstrado que o mesmo resultado, ou um resultado de efeito aproximado, não fosse possível ser obtido pela mera alteração de um ou dois preceitos do Regulamento Bruxelas I, alargando-lhe o âmbito de aplicação e mantendo todo o sistema instituído, com evidentes ganhos de simplificação, designadamente os artigos 31.o e 47.o  (7).

3.4

Por outro lado, a avaliação do seu impacto preliminar, a que a Comissão também ainda não procedeu, e que deverá ter em conta não apenas os 15 Estados-Membros cuja situação foi analisada no estudo que serviu de base ao presente Livro Verde (8), mas todos os Estados que já hoje compõem a União Europeia — não poderá ser desacompanhada da adequada ponderação de medidas relativas a uma maior transparência do património dos devedores e do indispensável acesso a informação relativa às suas contas bancárias, sem prejuízo da devida protecção do sigilo bancário, porque só da apreciação do seu conjunto poderá resultar uma avaliação correcta da (a) necessidade, (b) extensão e (c) justificação da iniciativa.

4.   Observações gerais

4.1

Nas suas observações à iniciativa proposta, o CESE distingue:

a)

Com carácter de generalidade, as questões de fundo relativas à natureza e âmbito da providência, e

b)

Na especialidade, as questões relacionadas com o formalismo processual.

4.2   Questão prévia: os termos e os conceitos

4.2.1

Tratando-se de um Livro Verde, prévio à eventual adopção de um instrumento jurídico, muito provavelmente um regulamento comunitário, os termos utilizados para a identificação dos conceitos que por seu turno irão definir a natureza da providência de carácter processual a criar, tem de obedecer a critérios de extremo rigor e precisão técnico-jurídica em qualquer das línguas comunitárias.

4.2.2

Ora acontece que, pelo menos em cinco versões linguísticas (9), a designação utilizada pela Comissão para identificar a providência cautelar eventualmente desejável não é unívoca nem equivalente e pode conduzir a algumas confusões de carácter técnico-jurídico quanto à sua natureza jurídica. A correcção das traduções, em face da natureza jurídica da medida, deve ser assegurada desde já pela Comissão, para evitar incertezas baseadas apenas na desadequada terminologia usada (10).

4.2.3

Da análise do regime jurídico que pretende sugerir — a necessidade do «fumus boni iuris» e do «periculum in mora» e da sua finalidade — congelar ou bloquear os montantes depositados em contas bancárias até à decisão final e execução em procedimento civil para cobrança de créditos pecuniários, obviamente de natureza civil e comercial e não dos resultantes de procedimentos penais, parece poder concluir-se correctamente que se trata de uma providência do tipo cautelar com a natureza de um arresto preventivo.

4.3   Âmbito da providência (11)

4.3.1

Por outro lado, o Comité interroga-se sobre a limitação do âmbito da providência cautelar a «contas bancárias».

4.3.2

Numa execução de créditos pecuniários, de natureza necessariamente universal, respondem todos os bens do devedor até ao limite da quantia exequenda. Uma providência cautelar como a anunciada poderia ter como objecto outros bens susceptíveis de apreensão do devedor, incluindo títulos de crédito, acções, obrigações e outros direitos e créditos sobre terceiros, e não apenas dinheiro depositado em certas contas bancárias ou em outras instituições financeiras, não se afigurando que exista uma excessiva complexidade no alargamento do seu âmbito pelo menos a bens móveis não sujeitos a registo e aos direitos de crédito do devedor (incluindo acções, obrigações, rendas, créditos sobre terceiros, etc.), ou seja, os bens móveis directamente ligados a uma conta bancária.

4.3.3

Acresce que também não parece justificar-se a limitação do âmbito do instrumento comunitário exclusivamente ao arresto preventivo de contas bancárias, podendo, com vantagem, ser tornado extensivo, com as necessárias adaptações, à penhora dos mesmos haveres posterior à obtenção de um título executivo, dado que o mesmo tipo de dificuldades de apreensão e desaparecimento dos bens, justificativos da medida proposta, se pode aí também identicamente verificar.

4.3.4

A Comissão deverá assim ponderar devidamente e justificar a utilidade e o custo de uma medida deste tipo, exclusivamente limitada ao arresto preventivo de dinheiro constante das contas bancárias do devedor.

4.4   Momento do requerimento da providência

4.4.1

Pela sua natureza antes definida, fica de imediato resolvida a questão do momento do requerimento da providência cautelar em causa. De acordo com a melhor técnica jurídica, uma providência cautelar desta natureza deve poder ser requerida em qualquer momento do procedimento judicial de que é dependência, designadamente antes do início da acção principal, como procedimento preparatório e preventivo, exactamente onde a sua utilidade prática é mais relevante.

4.4.2

Evidentemente que haverá que ter em conta especificidades de regime óbvias, consoante o procedimento cautelar intervém antes de a acção principal ter sido decidida ou depois de ter sido obtida decisão declarativa do direito, antes ou no decurso de um processo executivo, ou consoante tenha havido ou não recurso para tribunais superiores da sentença em primeira instância, ou, finalmente, quando o título executivo não tenha a natureza de sentença (letra, livrança, cheque ou outro título com eficácia executiva).

4.5   A competência do Tribunal

4.5.1

De certo modo, a questão da competência do tribunal para apreciar e decretar a providência cautelar também se acha resolvida pelo que se referiu anteriormente. Competente será, obviamente, o tribunal competente para conhecer do mérito da causa, a partir do momento em que a acção/execução já se acha interposta.

4.5.2

Mas competente deverá ser também o tribunal do local da situação das contas bancárias se a providência for requerida antes da propositura da acção/execução. Neste caso haverá, no entanto, de prever que assim que seja proposta a acção/execução principal, o procedimento cautelar já decretado deverá ser remetido ao tribunal competente quanto ao fundo, o qual, mesmo que pertencendo a outra jurisdição nacional, o deverá aceitar como tal, sem qualquer processo de reconhecimento (12).

4.6   Condições de decretamento

4.6.1

Da sua natureza resulta a necessidade de assegurar as condições que a Comissão muito justamente identifica no ponto 3.2. do Livro Verde, o «fumus boni iuris» e o «periculum in mora». No entanto, se já existir uma decisão judicial ou outro título com força executiva, apenas haverá que fazer prova do «periculum in mora», ou seja, da urgente necessidade da realização da providência de arresto.

4.6.2

Julga-se aconselhável que seja prevista, como condição de admissibilidade do pedido de decretamento da providência, a prova de que o credor tenha efectuado esforços razoáveis no sentido da cobrança voluntária da dívida, ainda que por meios extrajudiciais.

4.6.3

A desnecessidade da audição prévia do devedor é condição fundamental da eficácia da providência, podendo, no entanto, ser acompanhada de prestação de caução, a fixar pelo juiz, suficiente para ressarcir os prejuízos resultantes da eventual anulação da medida na acção principal ou em recurso, se não tiver efeito suspensivo, sempre que a medida seja decretada antes da existência ou da obtenção de uma sentença definitiva.

4.7   Montante a garantir e isenções

4.7.1

O montante a garantir por força da providência há-de ser limitado ao do alegado crédito vencido e não pago e dos juros de mora (contratuais ou legais) apurados até ao momento da apresentação do requerimento da providência.

4.7.2

Não se julga que seja legítimo, no âmbito de um procedimento cautelar, necessariamente provisório, e com o alcance gravoso que representa o congelamento dos montantes constantes de contas bancárias, incluir quaisquer outras importâncias, designadamente para fazer face a juros vincendos, honorários de advogados, despesas judiciais, despesas bancárias ou outras.

4.7.3

O CESE tem consciência de que a implementação de um sistema como o presente pode acarretar custos adicionais para os bancos. No entanto, não se afigura legítimo imputar tais custos aos montantes a congelar nas eventuais contas bancárias do pretenso devedor. Caberá às leis nacionais definir o regime de custos bancários e da sua cobrança aos credores que utilizem tal procedimento, os quais entrarão na regra de custas do tribunal, a definir a final.

4.7.4

Haverá ainda que estabelecer, no instrumento comunitário, os parâmetros da definição de limites de isenção dos montantes a arrestar, para fazer face a necessidades básicas do devedor e do seu agregado familiar, se se tratar de pessoa singular, que possam ser postas em causa pelo decretamento da providência.

4.7.5

Ao banco caberá informar o tribunal, após a execução da providência, dos limites aplicáveis ao cumprimento da ordem de arresto consoante a natureza da conta do devedor (conta-ordenado, conta-poupança, conta crédito-habitação), a natureza dos rendimentos ou proventos que a alimentam (ordenados, vencimentos, honorários de profissões liberais, rendimentos de trabalho por conta de outrem, rendas, pensões, participações sociais, etc.) ou a natureza das despesas que lhes estão associadas (crédito-habitação, leasing de viatura, alugueres, crédito a consumo, alimentos a familiares, etc.), de acordo com a lei do país da localização da conta bancária e na medida em que tenha conhecimento da natureza desses rendimentos e despesas.

4.8   Contas de terceiros

4.8.1

Identicamente não se afigura legítimo alargar o âmbito da providência cautelar a contas de terceiros. Quando não seja possível, com rigor, identificar a parte própria do devedor é de presumir que as partes dos titulares são iguais.

4.8.2

Igualmente inaceitável se afigura que, pelo mesmo montante, respondam várias contas, embora se reconheça a dificuldade de resolver a questão quando, tratando-se de contas em vários países, cada um dos Tribunais competentes seja solicitado a decretar a medida, sem o conhecimento de que a mesma providência foi requerida noutro local e até ao momento em que todos os processos sejam centralizados no tribunal competente quanto ao fundo.

4.8.3

Julga-se, por isso, que fará todo o sentido acompanhar esta iniciativa, simultaneamente, da estatuição de claras obrigações de informação relativamente ao requerente e aos bancos requeridos, bem como deveres de cooperação e de colaboração entre os bancos e os tribunais nos vários Estados-Membros, sempre no respeito devido à privacidade, à protecção de dados e ao sigilo bancário, conforme aliás correctamente referido no estudo atrás identificado, em que se baseou o presente Livro Verde.

4.8.4

Assim se poderá, por exemplo, consagrar a redução «ex-post» dos montantes apreendidos, logo após a obtenção da informação dos vários bancos, se mais de um existir, em prazo curto a ser definido.

4.9   Garantias de defesa do devedor

4.9.1

A protecção do devedor é fundamental que seja assegurada, fornecendo-lhe os meios para impugnar a decisão cautelar, em prazo razoável, que se sugere não seja inferior a 20 dias de calendário, com o intuito de demonstrar:

a)

a inexistência, total ou parcial, da dívida;

b)

a inexistência do «periculum in mora»;

c)

que o montante arrestado é incorrecto;

d)

que as suas necessidades vitais ou do seu agregado familiar (tratando-se de um devedor individual) são ofendidas com a medida.

4.9.2

Para esse efeito deve prever-se que o devedor seja notificado pelo tribunal competente logo após a verificação de que foram apreendidas quantias suficientes no seguimento da cominação ao Banco para proceder ao arresto da conta bancária, pelo montante alegadamente em dívida ou até à sua concorrência. Igual informação deve ser facultada ao devedor pelo Banco em causa, imediatamente após o congelamento da conta, nas condições determinadas pelo tribunal.

4.9.3

Deverão igualmente ser previstos no instrumento comunitário, os meios de defesa e os fundamentos ou motivos da impugnação/recurso, harmonizando-os a nível comunitário, para garantir uma igualdade na apreciação das situações em qualquer jurisdição competente e a identidade das armas de defesa. Questão importante será a definição do efeito do recurso (suspensivo ou não) e o tribunal competente para o apreciar, quando não seja a mesma jurisdição nacional a competente para o decretamento da providência e para proferir a decisão sobre o fundo da questão.

4.9.4

Igualmente importante será definir um prazo de caducidade a contar do dia em que é dado conhecimento ao credor da execução da providência, para a instauração da acção principal ou do pedido de exequatur sugerindo-se como razoável o prazo de 60 dias de calendário, independentemente da decisão da providência cautelar.

4.10   Instrumento comunitário e sua natureza

4.10.1

No seu Livro Verde, a Comissão não é clara quanto ao instrumento legal que tem em vista para levar a cabo a sua iniciativa. Atendendo aos objectivos que se pretendem, e como forma de garantir uma identidade de tratamento nos diversos Estados-Membros, e, aliás, à semelhança do que já se passa noutros instrumentos de índole semelhante no âmbito do espaço judiciário europeu, o CESE é de opinião que o instrumento deverá revestir a forma de regulamento.

4.10.2

Questão diversa, mas intimamente ligada a esta, é a do seu campo de aplicação. A ser julgada necessária a medida, crê-se que a Comissão bem andaria se, à semelhança de outros instrumentos idênticos, decidisse que o procedimento em causa fosse de aplicação exclusiva às questões transfronteiras e de carácter opcional («28.o regime»), deixando aos credores a escolha do instrumento comunitário harmonizado ou, em alternativa, o caminho existente e possível das disposições de DIP aplicáveis.

4.11   Custas

O CESE sugere que o regime de custas aplicável a este procedimento siga as regras já consagradas no artigo 7.o do Regulamento (CE) n.o 805/2004, eventualmente com as necessárias adaptações (13).

5.   Observações na especialidade

5.1

Relativamente às questões de natureza meramente formal, o CESE é de entendimento que o procedimento de «exequatur» deve ser suprimido relativamente à decisão que decreta a providência cautelar, seja qual for o tribunal competente.

5.2

Entende também que o sistema de notificação do tribunal ao banco e ao alegado devedor deve ser desprovido de formalidades desnecessárias, desde que garanta a autenticidade do acto e a identidade do devedor, afigurando-se-lhe que o regime já existente do Regulamento (CE) n.o 1348/2000 é ajustado para o efeito (14). A identificação das contas a arrestar deverá ser o mais completa possível por forma a evitar uma ordem genérica de arresto.

5.3

Entende, igualmente, o CESE que a ordem do tribunal competente deverá ser executada pelo banco nos termos em que é proferida, salvaguardando, no entanto, operações legítimas já em curso, designadamente compromissos anteriores garantidos por letras, livranças ou cheques, bem como as obrigações perante credores privilegiados como o Estado, a Segurança Social e os trabalhadores. De qualquer modo, o banco deve responder pelo saldo existente à data da recepção da ordem de apreensão, devendo organizar-se de forma a que, quando chegada essa ordem, mesmo fora das horas de expediente, por via electrónica, o congelamento se dê «ipso facto», sob pena de ser responsabilizado em caso de negligência, pelo desaparecimento das quantias que ulteriormente forem movimentadas.

5.4

Mais entende o CESE que os bancos devem informar imediatamente o tribunal, por qualquer meio de comunicação, inclusivamente electrónico, do modo como a decisão foi cumprida.

5.5

A norma comunitária não deverá definir regras próprias para o caso do concurso de credores na mesma conta bancária, inclinando-se o CESE para que sejam aplicadas as leis nacionais.

5.6

Quanto à questão da conversão da medida cautelar em execução, entende o CESE que deverá ser regida pelo direito do país que for competente para essa execução de acordo com as regras gerais de conflitos aplicáveis.

5.7

Finalmente, o CESE chama em particular a atenção da Comissão para a necessidade de prever um mecanismo de tradução dos documentos inerentes ao funcionamento da presente medida, semelhante ao estabelecido no artigo 21.o n.o 2 alínea b) do Regulamento (CE) n.o 1896/2006 de 12 de Dezembro de 2006.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  SEC(2006) 1341.

(2)  Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (Bruxelas I) in JO L 12 de 16.1.2001. O Parecer do CESE sobre o assunto foi da autoria do conselheiro Malosse (CES 233/2000 de 1 de Março de 2000in JO C 117 de 26.4.2000).

(3)  De que se recordam entre outros:

Comunicação da Comissão «Plano de Acção relativo ao acesso dos consumidores à justiça e à resolução dos litígios de consumo no mercado interno» de 14 de Fevereiro de 1996 [COM(96) 13 final].

Comunicação da Comissão «Para uma maior eficácia na obtenção e execução das decisões na União Europeia» [COM(97) 609 final, in JO C 33 de 31.1.1998].

Livro Verde sobre o acesso dos consumidores à justiça e a resolução dos litígios de consumo no Mercado Único, [COM(93) 576 final].

Livro Verde sobre os modos alternativos de resolução dos litígios em matéria civil e comercial [COM(2002) 196 final de 19.4.2002].

Recomendação da Comissão de 12 de Maio de 1995, relativa aos prazos de pagamento nas transacções comerciais e Comunicação da Comissão a ela relativa respectivamente in JO L 127 de 10.6.1995 e JO C 144 de 10.6.1995.

Directiva 98/27/CE de 19 de Maio de 1998 relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores in JO L 166 de 11.6.1998.

Directiva 2000/35/CE, de 29 de Junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais in JO L 200, de 8.8.2000.

Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (Bruxelas I) in JO L 12 de 16.1.2001. O Parecer do CESE sobre o assunto foi da autoria do conselheiro Malosse (CES 233/2000 de 1 de Março de 2000in JO C 117 de 26.4.2000).

Regulamento (CE) n.o 805/2004, de 21 de Abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados in JO L 143 de 30.4.2004. O Parecer do CESE sobre o assunto foi da autoria do conselheiro Ravoet (CESE 1348/2002, de 11 de Dezembro de 2002) in JO C 85 de 8.4.2003.

Regulamento (CE) n.o 1206/2001 do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no âmbito da obtenção de provas em matéria civil ou comercial in JO L 174 de 27.6.2001. O Parecer do CESE sobre este assunto foi da autoria do conselheiro Hernández Bataller (CES 228/2001 de 28 de Fevereiro de 2001) in JO C 139 de 11.5.2001.

Programa de medidas destinadas a aplicar o princípio de reconhecimento mútuo das decisões em matéria civil e comercial (in JO C 12 de 15.1.2001).

Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência in JO L 160 de 30.6.2000. O Parecer do CESE sobre o assunto foi da autoria do conselheiro Ravoet (CES 79/2001, de 26 de Janeiro de 2001in JO C 75 de 15.3.2000).

Regulamento (CE) n.o 1347/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal, idem. O Parecer do CESE sobre o assunto foi da autoria do conselheiro Braghin (CES 940/1999 de 20 de Outubro de 1999in JO C 368 de 20.12.1999).

Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros; idem. O Parecer do CESE sobre o assunto foi da autoria do conselheiro Hernández Bataller (CES 947/1999 de 21 de Outubro de 1999in JO C 368 de 20.12.1999).

Decisão do Conselho, de 28 de Maio de 2001, que cria uma rede judiciária europeia em matéria civil e comercial, in JO L 174 de 27.6.2001. O Parecer do CESE sobre este assunto foi da autoria do conselheiro Retureau (CES 227/2001 de 28 de Fevereiro de 2001in JO C 139 de 11.5.2001).

Regulamento (CE) n.o 1896/2006 de 12 de Dezembro de 2006 (JO L 399, de 30.12.2006) que cria um procedimento de injunção de pagamento. O Parecer do CESE sobre a Proposta de Regulamento (COM(2004) 173 final de 19.03.2004) foi da autoria do conselheiro Pegado Liz (CESE 133/2005 de 22.02.2005, JO C 221 de 8.9.2005).

Proposta de Regulamento que cria um procedimento europeu para acções de pequeno montante (COM(2005) 87 final de 15.03.2005). O Parecer do CESE sobre este assunto foi da autoria do conselheiro Pegado Liz (CESE 243/2006 de 14 de Fevereiro de 2006).

(4)  Regulamento (CE) n.o 44/2001 de 22.12.2000 sobre cuja Proposta o CESE se pronunciou no seu Parecer de que foi relator o conselheiro Malosse (in JO C 117 de 26.4.2000).

(5)  Regulamento (CE) n.o 805/2004 de 21.04.2004 sobre cuja proposta (COM(2002) 159 final de 27.08.2002) o CESE se pronunciou no seu Parecer CESE 1348/2002 de 11.12.2002 de que foi relator o conselheiro Ravoet (in JO C 85 de 8.4.2003).

(6)  Designadamente na sua Comunicação «Para uma maior eficácia na obtenção e execução das decisões na UE» (JO C 33 de 31.1.1998).

(7)  O texto dos dois artigos é muito amplo, pelo que se torna necessário adoptar a interpretação decorrente da doutrina jurisprudencial, nomeadamente do caso Denilauer (Acórdão C-125/79, de 21.05.1980, Col., pág. 1553) relativo ao artigo 31.o. As questões relacionadas com a caducidade, mecanismos de exequatur, as condições de processamento (a verificação do «fumus bonus iuris» e do «periculum in mora»), meios/garantias de defesa e os montantes/isenções do arresto poderiam ser objecto dos dois mencionados artigos, alargando-lhe o ambito e, assim, dando satisfação aos objectivos da proposta da Comissão.

(8)  Para uma completa elucidação do teor do presente Livro Verde é essencial ter em conta não só o Documento de Trabalho da Comissão (SEC (2006) 1341) de 24.10.2006 mas o Estudo N.o JAI/A3/2002/02, na sua versão actualizada de 18.02.2004, do Prof. Dr. Burkhard HESS, Director do Instituto de Direito internacional privado comparado da Universidade de Heidelberg, cujo texto se encontra e

http://europa.eu.int.comm/justice_home/doc_centr/civil/studies/doc_civil_studies_en.htm.

(9)  Aquelas que o relator melhor conhece, lamentando não ter acesso às outras 15.

(10)  Com efeito, o termo «attachment», mesmo no seu sentido técnico-jurídico, é ambíguo, podendo designar quer o que em português se designa por «penhora» quer por «arresto». Mesmo em inglês, para a natureza jurídica da medida prevista melhor teria sido utilizar o termo «arrestment» ou «freezing order», para bem distinguir da figura do «garnishment». Por outro lado, apenas a tradução italiana «sequestro conservativo» traduz correctamente o carácter preventivo e conservatório da medida; a «saisie» francesa com a explicação adicional de poder ser «délivrée par un tribunal siégeant en référé», cumpre o objectivo; já o «embargo» espanhol parece insuficiente para caracterizar o destino da medida. De todo o modo, em português, a tradução por «penhora» é totalmente errada e deve ser substituída por «arresto».

(11)  Entendemos que deverá ser limitada às dÌvidas civis e comerciais.

(12)  Cf. Acordão Van Uden Maritime B.V. do Tribunal de Justiça de 17.11.1998, Processo. C-391/95 (Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-07091).

(13)  O artigo 7.o dispõe assim: «Sempre que uma decisão inclua uma decisão com força executória sobre o montante dos custos das acções judiciais, incluindo as taxas de juro, essa decisão será certificada como Título Executivo Europeu igualmente no que respeita aos custos, a não ser que o devedor tenha especificamente contestado a sua obrigação de suportar esses custos durante a acção judicial, em conformidade com a legislação do Estado Membro».

(14)  Regulamento (CE) n.o 1348/2000 de 29.05.2000, in JO L 160 de 30.6.2000.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/8


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Simplificação do quadro regulamentar no sector das máquinas»

(2008/C 10/03)

Em de 8 de Janeiro de 2007, os vice-presidentes da Comissão Europeia Margot WALLSTRÖM e Günter VERHEUGEN solicitaram ao Comité Económico e Social Europeu que elaborasse um parecer exploratório sobre a Simplificação do quadro regulamentar no sector das máquinas.

A Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, encarregada de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 18 de Julho de 2007 com base no projecto do relator Edgardo Maria IOZIA.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 138 votos a favor, 2 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

A indústria mecânica europeia é uma indústria de ponta estratégica para a economia europeia. Em 2006, um volume de negócios de várias centenas de milhões de euros foi gerado por mais de 130 000 empresas que exportam um terço da sua produção. A indústria mecânica e electromecânica emprega na União mais de quatro milhões de trabalhadores altamente qualificados e cria um valor acrescentado muito notável.

1.2

A indústria mecânica e electromecânica, mais do que qualquer outra, poderá contribuir para a realização dos objectivos da Agenda de Lisboa, graças ao desenvolvimento da formação contínua, ao intercâmbio de experiências e boas práticas, à manutenção ao mais alto nível da sua capacidade competitiva e da sua capacidade de penetração nos mercados mundiais.

1.3

O Comité apoia a iniciativa da Comissão orientada para o reforço da competitividade do sector e para a melhoria do quadro jurídico de referência, graças a uma regulamentação mais eficaz tendo e mais adequada à situação do sector composto por dezenas de milhares de pequenas e médias empresas. Legislar melhor, pelo menos neste sector, não significa ausência de legiferar, mas oferecer um quadro de estabilidade e de clareza, facilitar a aplicação das normas e garantir custos administrativos o mais baixos possível.

1.4

O Comité congratula-se com o facto de ter recebido da Comissão esta missão delicada de identificar, com o maior consenso possível, os domínios da legislação comunitária susceptíveis de simplificação, na esteira das actividades que estimularam os órgãos legislativos a melhorar e a simplificar a legislação.

1.5

O Comité toma nota de que estão em curso várias iniciativas legislativas para o sector e que convém ter em conta os diversos interesses em jogo, sejam eles económicos, sociais ou ambientais. A realização do mercado interno não deverá ocorrer em detrimento de outros aspectos que merecem a máxima atenção na Agenda de Lisboa, como a saúde e a segurança dos trabalhadores, a protecção dos consumidores e a preservação do ambiente. Na opinião do Comité, é imprescindível uma estratégia que integre e coordene as várias iniciativas.

1.6

O Comité considera positivas as propostas da Comissão contidas na comunicação de 17 de Fevereiro de 2007 destinadas a alterar a nova abordagem e a reforçar o papel e as actividades de controlo dos Estados-Membros, os quais não disponibilizam sempre os recursos necessários para o efeito. Preconiza, além disso, o reforço dos órgãos da Comissão incumbidos da coordenação, do acompanhamento e, pontualmente, do controlo da gestão das modalidades de acreditação, das actividades das instâncias de notificação e da qualidade das suas certificações. Convém encorajar a criação de uma «plataforma de comunicação» entre os operadores e os Estados-Membros que terão de agir proporcional e coerentemente com base nos objectivos fixados pelas directivas e as políticas comunitárias, para fazer convergir os sistemas e os modelos de fiscalização dos mercados.

1.7

O Comité defende que todos os intervenientes nas actividades de normalização participem ex ante na definição das normas. Para tal, é igualmente necessário reforçar tanto a participação nos comités técnicos, sobretudo ao nível local, como a avaliação de impacto, sem abusar da consulta telemática que, embora sendo um instrumento útil, não deve ser, principalmente neste campo, o único meio de consulta das partes interessadas.

1.8

No atinente à normalização «harmonizada», o Comité entende que esta deverá ser realizada sem custos ou, quando muito, com um custo simbólico, em especial no caso das pequenas e médias empresas. Assinala, além disso, desigualdades de tratamento entre as empresas dos países em cuja língua são publicadas as normas (inglês, francês e, ocasionalmente, alemão) e as empresas que têm de arcar com os custos de tradução, por vezes muito elevados.

1.9

O Comité reputa necessário eliminar todos os custos administrativos injustificados, reduzindo consideravelmente os encargos que pendem sobre o sistema produtivo.

1.10

O Comité espera que a Comissão tenha seriamente em conta o imperativo de promover a estabilidade da regulamentação, considerando também as sugestões dos operadores e dos principais intervenientes. No atinente ao quadro jurídico e à base legal de referência, o Comité recomenda à Comissão que, antes de elaborar disposições, verifique se os mesmos objectivos não poderão ser alcançados por outras vias, como a da auto-regulação e da co-regulação, conquanto seja garantida a máxima transparência e a participação de todas as partes interessadas, e que trate sempre o objecto principal e o conteúdo da norma como referência indispensável para escolher uma base jurídica entre os vários artigos do Tratado.

1.11

O Comité propugna a remoção dos entraves técnicos à realização do mercado interno. Qualquer regulamentação nacional e local injustificada, cria um obstáculo real e intransponível à livre circulação das mercadorias.

1.12

O Comité recomenda que a futura legislação seja sempre precedida de uma avaliação de impacto ex ante, tendo em conta o grau de proporcionalidade, a par de um acompanhamento ex post, muito rigoroso, com o fito de suprimir os danos que, doutro modo, poderiam ser fatais para o futuro das empresas do sector.

1.13

O diálogo social sectorial europeu é fundamental para identificar iniciativas comuns destinadas a apoiar a evolução do emprego e da competitividade do sector, no respeito dos princípios inalienáveis de segurança dos trabalhadores, dos cidadãos e do ambiente. As práticas da responsabilidade social das empresas, poderão facilitar este diálogo constante entre empresas e partes interessadas, prevenindo usos impróprios, aumentando a sensibilização, promovendo a formação contínua e criando relações construtivas com o território de referência e os consumidores finais.

2.   Conteúdo do pedido da Comissão

2.1

A Comissão Europeia, por iniciativa dos vice-presidentes WALLSTRÖM e VERHEUGEN, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu a elaboração de um parecer exploratório analisando a coerência global do quadro regulamentar aplicável a um sector industrial, neste caso concreto o das máquinas, para identificar as margens de simplificação possíveis. A análise focará, para além da legislação sectorial específica, o quadro regulamentar no segmento «máquinas».

2.2

Numa óptica de implicação das partes interessadas no processo de simplificação, em particular quando se trata de identificar pontualmente as regras determinadas por problemas específicos na sua gestão, a Comissão reconhece que o Comité, com a sua vasta e notável experiência e a sua composição realmente pluralista, é o local ideal para reflectir e sintetizar os pontos de vista dos operadores económicos, dos trabalhadores e da sociedade civil europeia.

2.3

Face à experiência adquirida pelo Comité com os seus diversos pareceres sobre a melhoria e a simplificação da legislação (1), e nos termos do artigo 8.o do Protocolo de cooperação entre as duas instituições, a Comissão decidiu incumbi-lo desta importante tarefa. Se as conclusões dos trabalhos do Comité forem frutuosas e positivas, a Comissão aventou a hipótese de reiterar semelhante solicitação quanto a muitos outros domínios relevantes para a agenda «legislar melhor» da Comissão e do CESE.

2.4

A Comissão especificou melhor o seu ponto de vista, elucidando que legislar melhor não significa forçosamente reduzir a legislação, mas sim manter pelo menos o mesmo nível de protecção para trabalhadores, consumidores e ambiente, com o objectivo de garantir um quadro regulador que redunde no aumento da competitividade.

3.   Observações na generalidade

3.1

O Comité declara-se desde já vivamente interessado em levar a cabo a tarefa de encontrar uma síntese entre os vários interesses em jogo, para avançar com uma proposta de melhoria e simplificação do actual quadro regulador e legislativo. O melhor trunfo do Comité é a sua capacidade de influir no processo de decisão através do seu método de buscar o maior consenso possível entre os pontos de vista dos representantes da sociedade civil que exprimem interesses diversos. A sua inabalável fidelidade aos princípios e aos valores comunitários, o equilíbrio, a qualidade e a inovação dos seus pareceres fazem do Comité um precioso e arguto interlocutor das instituições comunitárias. O estímulo, para não dizer o desafio, que representa o pedido da Comissão para todos os componentes do Comité que deverão aproveitar ao máximo esta oportunidade, poderá vincar o seu papel de fórum de encontro, de debate e de diálogo reconhecido pelos Tratados à sociedade civil organizada.

3.2

A oportunidade oferecida ao Comité de assinalar, a montante, os domínios onde é necessário intervir para melhorar o quadro regulador de referência, abre o caminho a um novo método de cooperação entre as instituições europeias. É óbvio que todas as partes interessadas, cada uma de per si, já comunicaram as suas exigências e os seus desideratos à Comissão. As empresas de produção e de transformação, os trabalhadores, os consumidores, as instâncias de normalização e as autoridades públicas já se pronunciaram sobre o modo como desejariam ver «melhorada» a legislação em vigor. No entanto, os métodos de consulta adoptados até à data não permitiram uma síntese das várias solicitações, dando a um ou outro interveniente a sensação de não ser suficientemente ouvido.

3.3

Ora, o Comité tem todas as condições para fazer esta síntese, seja graças à sua experiência variada e qualificada, seja devido à valiosa rede de contactos a que os seus membros podem recorrer para obter contributos pertinentes e autorizados. O Comité já se pronunciou, em parte, sobre este tema no seu parecer de iniciativa «Mutações industriais no sector da indústria mecânica» (2).

3.4

O Comité constata que estão em curso ou foram anunciadas várias iniciativas no âmbito da regulamentação comunitária sobre produção industrial e, em particular, sobre o sector das máquinas. Estas iniciativas suscitam problemas complexos e de cariz diverso, que convém examinar atentamente para ter em conta os vários interesses protegidos pela regulamentação comunitária: a livre circulação de mercadorias, a saúde e a segurança dos trabalhadores, a protecção dos consumidores, a protecção do ambiente e os objectivos da Estratégia de Lisboa, tanto económicos como sociais. Esta regulamentação tem origem em instrumentos legislativos diversos e nunca foi objecto de um estudo desta natureza. O Comité considera que chegou realmente a hora de tratar esta matéria de um modo orgânico e estrutural.

3.5

A legislação comunitária no âmbito da produção e da comercialização dos produtos industriais tem sido elaborada progressivamente. Isso permitiu, em linhas gerais, uma harmonização legislativa que simplificou consideravelmente o contexto regulamentar em que operam as empresas, embora se deva dizer que o processo ainda não está concluído.

3.6

O acervo comunitário adoptado a partir da segunda metade dos anos oitenta estriba-se em dois grandes corpos regulamentares que ora se referem ao mercado, ora se referem ao local de trabalho. A aplicação eficaz desta regulamentação pressupõe o envolvimento de muitos e vários actores: instâncias de normalização e de notificação, projectistas e fabricantes, importadores e responsáveis pela comercialização, montadores e instaladores, organismos públicos de controlo e de sanção (incluindo serviços aduaneiros e poderes judiciários), empresários, trabalhadores e representantes dos trabalhadores, etc. As organizações dos consumidores exprimiram, aliás, o seu interesse numa participação concreta e efectiva, que consideram ter sido até agora insuficiente. A cooperação entre todos eles é tão essencial quanto a cooperação entre as autoridades públicas nacionais e europeias.

3.7

Tudo indica que a aplicação destas regras não irá causar grandes dificuldades, mas esta avaliação globalmente positiva não deve dissimular uma série de problemas concretos.

4.   Segurança melhorada mas ainda insuficiente

4.1

Anualmente, na UE, o número de vítimas mortais de acidentes de trabalho oscila entre 6 000 e 8 000 (das quais 40 % de idade inferior a 35 anos), sem contar com as centenas de milhares de inválidos. Uma parte destes acidentes é provocada por instrumentos de trabalho. Em alguns casos, devem-se igualmente à ineficácia dos acessórios de protecção individual ou a uma formação inadequada. Cerca de um quarto dos trabalhadores da UE declaram ser obrigados a utilizar acessórios de protecção individual para protegerem a sua segurança e a sua saúde. Os principais agentes físicos que são factores de risco no local de trabalho têm geralmente uma ligação com os utensílios de trabalho: ruído, vibrações, raios ionizantes e não ionizantes. Os factores ergonómicos têm também um papel fundamental no âmbito da saúde e segurança no local de trabalho. Em alguns casos, os instrumentos de trabalho podem ter influência na exposição a substâncias químicas e a eficácia dos acessórios de protecção tem-se revelado sempre fundamental.

4.2

Convém prestar especial atenção aos produtos destinados ao consumo corrente de um público indiferenciado e certamente não prevenido dos riscos potenciais intrínsecos às máquinas que compra ou aluga. Infelizmente, os frequentes acidentes com consumidores em consequência de uma utilização não conforme não constam das estatísticas.

5.   Cooperação por vezes difícil entre os vários intervenientes

5.1

Constata-se que a cooperação entre os intervenientes no mercado único depara com reais dificuldades e também com fortes reticências quando se trata de actuar com total transparência: da parte do sector privado para proteger-se da concorrência ou de possíveis sanções e do sector público por mera inércia burocrática, muito renitente por vezes! É, por exemplo, evidente a necessidade de incrementar a cooperação entre empresas construtoras e utilizadoras ou de aumentar a transparência na interpretação dos requisitos essenciais das directivas da «nova abordagem» pelas instâncias de normalização, pelas autoridades de controlo, pelas instâncias notificadoras e pelos assessores que prestam assistência técnica aos empresários.

5.2

Este problema esteve no centro das atenções da Comissão na sua recente iniciativa da «nova abordagem», anunciada em 14 de Fevereiro passado, intitulada «Novo pacote para a circulação de produtos no mercado interno», a qual consta de um regulamento que estabelece os requisitos de acreditação e fiscalização do mercado relativos à comercialização de produtos (COM(2007) 37) (3) e de uma decisão relativa a um quadro comum para a comercialização de produtos (COM(2007) 53) (4). Este «pacote» tem por objectivo reforçar as estruturas de fiscalização do mercado para excluir dele os produtos não seguros, removendo-os do mercado interno da Comunidade, e agir contra as empresas fraudulentas. As instâncias de verificação, certificação e inspecção envolvidas nos ensaios dos produtos serão sujeitas a controlos mais severos no atinente à forma de acreditação, para assegurar um nível regulamentar comum tanto para as empresas como para os órgãos de controlo. (Neste momento operam na UE cerca de 1 800 instâncias de notificação, isto é, laboratórios, centros de inspecção e de certificação, que são entidades do sector privado que recebem uma acreditação da administração pública para exercerem as suas actividades). Não deixa de ser estranho constatar que algumas destes organismos «independentes» são entidades que emanam directamente das associações de empresas construtoras, o que coloca o problema de conflito de interesses. Por exemplo, só no sector dos ascensores, foram acreditados, mais de 80 organismos de notificação.

5.2.1

Vinte e dois anos após a publicação da resolução do Conselho de 7.5.1985, que introduz os princípios da «nova abordagem», a Comissão propõe a actualização e o reforço da fiscalização dos mercados, para aumentar a fiabilidade do rótulo CE. O Comité considera que o método da «nova abordagem», tratado em vinte e cinco directivas, das quais vinte e uma com especificações para a atribuição do rótulo e quatro sem elas, tem dado bons resultados e favorecido o desenvolvimento do mercado interno, mas continua a reputar oportuna a revisão proposta. Importa aumentar os poderes e as responsabilidades dos Estados-Membros, mas também da Comissão, que deverá reforçar os seus órgãos para poder controlar sistematicamente as actividades de fiscalização dos mercados, das modalidades de acreditação das instâncias de notificação e, em certos casos, também as suas actividades. No âmbito do inquérito realizado pela Comissão, as organizações sectoriais exprimiram-se, por larga maioria, a favor do reforço das autoridades nacionais e, por conseguinte, das europeias.

5.3

O Comité aplaude esta iniciativa, que limita a arbitrariedade e os erros de avaliação que obstam ao desenvolvimento do mercado interno, trazendo, além disso, desvantagens competitivas aos operadores que respeitam as normas. A distorção da concorrência decorrente de uma supervisão deficiente é problema cadente que permite relevar uma das limitações da nova abordagem. É ainda fundamental garantir a simplicidade e a clareza do quadro regulador, sobretudo para as pequenas e médias empresas, e reforçar a cooperação entre as autoridades de fiscalização dos mercados, tanto dentro da área UE/EEE como internacionalmente. O Comité apoia a criação de uma «plataforma de comunicação» entre os operadores e os Estados-Membros que terão de agir proporcional e coerentemente, com base nos objectivos das directivas e das políticas comunitárias, permitindo a convergência gradual dos sistemas e dos modelos de fiscalização dos mercados. É absolutamente fundamental a participação dos serviços aduaneiros nestas actividades.

5.4

Ao nível europeu, seria conveniente uma cooperação mais estreita entre todas as direcções-gerais pertinentes (p.ex. ENTR, ENV, EMPL, SANCO), com o fito de elaborarem «manuais» de utilização das directivas em vigor, que não substituiriam obviamente as normas, mas poderiam ser uma ajuda preciosa e permitiriam poupar muito dinheiro em consultas inúteis.

5.5

No caso dos produtos sazonais, como as máquinas para jardinagem, seria oportuno prever procedimentos acelerados para não perder oportunidades de mercado. Para tal, o Comité sugere a criação de um «Instituto de mediação», a quem se poderiam dirigir os interessados com pedidos específicos e justificados, sem prejuízo da aplicação estrita de todas as normas em vigor, especialmente as de segurança.

6.   Obrigações administrativas nem sempre justificadas

6.1

Outra prioridade anunciada pela Comissão é a redução de diligências administrativas supérfluas, que têm uma influência negativa na competitividade. O Comité segue com interesse os esforços da Comissão neste sentido, consubstanciados entretanto no plano de acção apresentado em 24 de Janeiro de 2007, com o objectivo de reduzir em 25 %, até 2012, as obrigações administrativas das empresas.

6.2

A Comissão poderia ajudar a resolver concretamente certos problemas de aplicação das directivas, centralizando, por exemplo, todas as comunicações que neste momento têm de ser enviadas a cada um dos Estados-Membros, o que causa significativas dificuldades, muitas vezes só para detectar o endereço certo. Estão neste caso a directiva 2000/14/CE sobre a emissão de ruídos, que prevê o envio de uma declaração de conformidade a um Estado-Membro e à Comissão, ou a directiva 97/68/CE sobre a emissão de poluentes gasosos e de partículas pelos motores de combustão interna, segundo a qual as empresas terão de notificar para opção de «flexibilidade» às autoridades de cada Estado-Membro a aprovação obtida e apresentar relatórios semestrais.

6.3

As empresas lutam na prática com grandes dificuldades para aplicar as directivas sobre a protecção dos trabalhadores dos agentes físicos. Este problema afecta especialmente as PME, no caso da directiva relativa às vibrações (2002/44/CE) ou da relativa aos riscos de exposição a radiações ópticas não ionizantes (2006/25/CE). É possível que surja o mesmo problema na aplicação da próxima directiva sobre radiações ópticas artificiais. É preciso elaborar manuais e instruções de aplicação, porque doutro modo estas directivas nunca atingirão os seus objectivos. Obviamente, no caso de ser impossível aplicá-las concretamente, convinha ponderar e concretizar rapidamente as alterações necessárias para as empresas poderem cumprir as suas obrigações legais.

6.4

Seria oportuno, no âmbito da produção industrial e, em particular, no sector das máquinas, ter em conta as várias exigências associadas ao cumprimento das obrigações administrativas. A rastreabilidade das intervenções dos vários intervenientes é um elemento essencial tanto para a segurança física dos utilizadores como para a segurança jurídica das relações contratuais vigentes no mercado. Haverá, por conseguinte, que encontrar soluções equilibradas que assegurem condições de transparência e rastreabilidade sem multiplicar desnecessariamente os encargos administrativos.

7.   O papel da normalização

7.1

A normalização técnica é essencial para o funcionamento das regras comunitárias e permite dar um conteúdo concreto às exigências elementares de segurança previstas na legislação. O respeito das normas confere uma presunção de conformidade às exigências definidas pelas directivas. A eventual certificação pelas instâncias de notificações acreditadas é indissociável da existência de um quadro regulador.

7.2

No seu conjunto, as instâncias europeias de normalização têm realizado um trabalho muito útil com base em mandatos conferidos pela Comissão. Seja como for, a elaboração de normas deveria permitir a maior participação das partes interessadas para facilitar comparações ulteriores. É, aliás, notório que essa elaboração seja hoje apanágio de número restrito de actores. A maioria das indústrias utilizadoras não dispõe de meios nem de recursos necessários para realizar regularmente esta actividade e a participação dos trabalhadores e dos consumidores é ainda bastante marginal. Nesta situação, é difícil ter em conta a importância da experiência adquirida, havendo normas que não correspondem a todas as preocupações sentidas no terreno. O Comité preconiza uma maior participação das partes interessadas nos comités técnicos, sobretudo ao nível local, num sector onde poucas pessoas têm realmente poder de decisão. Verifica, por outro lado, com apreensão que os custos cada vez mais elevados da normalização poderão agir em detrimento da competitividade, mas também da segurança, nos casos em que se prefere, por exemplo, correr o risco de utilizar impropriamente máquinas e desrespeitar as normas. Por exemplo, há PME na Europa de Leste que estão habituadas a andar «às cegas» ou a usar de «artifícios».

7.3

O Comité acolhe favoravelmente as iniciativas anunciadas em 15 de Março de 2007 no Plano de Acção Europeu para a Normalização, que convida os Estados-Membros a fazerem regularmente o ponto da situação e a comunicarem as medidas adoptadas, para promover a participação de todas as partes interessadas na normalização europeia e internacional. A Comissão, por sua vez, deveria ter em conta as observações feitas e integrá-las na normalização europeia. É absolutamente crucial envolver as PME nas diligências de normalização, quer ao nível europeu quer ao nível nacional, e dar-lhes a oportunidade de contribuírem eficaz e concretamente para os processos de normalização futuros.

7.4

Em certos casos, poderá ser difícil às empresas respeitarem as obrigações previstas na legislação em matéria de saúde e segurança. Com efeito, a avaliação dos riscos a partir do momento em que uma máquina começa a funcionar implica uma certa complementaridade entre o fabricante e a empresa utilizadora. Podem surgir problemas se as normas não prevêem a obrigação de fornecer informação adequada sobre os riscos residuais a ter em consideração pela empresa. Se as empresas não forem correctamente informadas sobre os riscos residuais da máquina que adquiriram, ser-lhes-á difícil observar as obrigações de avaliação dos riscos que lhes são impostas pela directiva-quadro 89/391 e pelas suas 19 directivas específicas complementares em matéria de protecção activa e passiva dos trabalhadores.

7.5

Pode ser problemática para as pequenas e médias empresas a difusão das normas, face aos custos elevados da sua aquisição. Se a normalização levar a procedimentos de certificação, os custos administrativos serão em geral muito superiores aos que decorrem directamente da legislação.

7.6

A análise dos riscos a cargo dos especialistas do CEN é fundamental para as empresas, mas esta terá de ser completada com uma análise específica do contexto laboral em que será utilizada a máquina. Só que os custos destas normas harmonizadas são elevados, sobretudo para as PME. O Comité recomenda, por isso, que se analise a proposta de disponibilizar, gratuitamente ou por um preço simbólico, as normas «harmonizadas» decorrentes do mandato conferido pela Comissão Europeia ao CEN, para poderem cumprir os requisitos estabelecidos pela legislação. A difusão gratuita pela Internet, já foi aliás aplicada com êxito pelo sector das telecomunicações, tendo algumas das normas ETSI (European Telecommunication Standard Institute) sido colocadas directamente na web.

8.   Promover a estabilidade da regulamentação

8.1

O Comité salienta que não é necessário alterar constantemente directivas que têm dado provas da sua eficácia. Não obstante terem sido particularmente complexos os trabalhos e as conclusões que levaram à melhoria global da directiva de base 98/37/CE, a famosa directiva «Máquinas», conseguiu-se afinal o equilíbrio ideal entre os vários interesses em jogo. Mas noutros casos talvez seja aconselhável não insistir demasiado nas chamadas «melhorias», por exemplo, alterando a directiva «baixa voltagem» (73/23/CE) ou, como fez notar a associação dos construtores de máquinas na sua nota de 5 de Novembro de 2004, fundindo a directiva 87/404/CE com a directiva PED sobre equipamentos sob pressa (97/23/CE).

8.2

O mercado exige um quadro regulamentar estável e claro para poder planificar calmamente os investimentos e regras inequívocas que não sejam alteradas com demasiada frequência. Por outro lado, é concreto o risco de a «simplificação» levar ao aumento dos custos administrativos e dos custos associados a procedimentos de avaliação de conformidade mais complexos.

8.3

No que se refere à possibilidade de lançar mão do artigo 95.o do Tratado, o Comité compreende as exigências das empresas construtoras. Realça, todavia, que o quadro jurídico que serve de referência à adopção das directivas deve observar os princípios fundamentais do Tratado, em particular no atinente à base jurídica das várias normas. É evidente que a finalidade e o conteúdo do próprio acto são as referências objectivas em que se respalda a aplicação das diversas normas. O Tribunal de Justiça da CE reconheceu-o através de numerosos acórdãos, também recentes, excluindo o recurso a duas bases jurídicas quando exista incompatibilidade entre os procedimentos previstos para cada uma delas e/ou quando a cumulação de bases jurídicas seja susceptível de lesar os direitos do Parlamento. Quando, como na concepção de produtos, prevalece outra finalidade, nem sempre é viável a tendência das empresas a tomar como base o artigo 95, n.o3, do Tratado, que limita visivelmente os poderes dos Estados-Membros ao aumentar as competências comunitárias (como prevê, por exemplo, o artigo 137.o ou o artigo 175.o) (5). As empresas apontam, de facto, os custos suplementares (que se repercutem no utilizador final) que têm de suportar para fazer as alterações necessárias no desenho e na produção das máquinas, com base nos pedidos de cada Estado-Membro. Importa conceber modelos legislativos complementares que não se sobreponham mas restrinjam ao essencial as possibilidades dos Estados-Membros de adoptarem medidas diversas, segundo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

8.4

A recente directiva «REACH» assinala uma viragem importante na protecção dos consumidores e dos trabalhadores. O Comité deu o seu acordo às soluções técnicas aprovadas e à a perspectiva de flexibilidade associada à possibilidade de simplificação. Observa, contudo, com certa apreensão que as pequenas e médias empresas poderiam deparar com algumas dificuldades, especialmente se os controlos das importações não forem tão rigorosos como exige a aplicação desta directiva fundamental. O Comité exorta, portanto, a Comissão a controlar atentamente as modalidades de fiscalização do mercado dos Estados-Membros que, justamente no sector em análise, revelaram no passado certa dificuldade em cumprir eficazmente as suas obrigações, sobretudo devido à séria escassez de meios colocados à disposição dos organismos de fiscalização designados. Neste contexto, poder-se-ia prever a repartição de tarefas entre os organismos de fiscalização com base no princípio de prioridade da produção nos Estados-Membros, por exemplo, por tipos de produto (torneiras, equipamentos para elevar e deslocar mercadorias, bombas e compressores, maquinaria para a indústria transformadora, etc.).

8.5

Não obstante o contributo fundamental do sector de indústria mecânica para toda a economia europeia, parece que os Estados-Membros investem muito pouco nas actividades institucionais que lhes são delegadas. A Comissão poderia exigir dados para aferi-los com os resultados práticos obtidos. Muitas vezes a qualidade e a quantidade dos controlos é deixada à capacidade ou à vontade individuais, mas os recursos disponíveis são aqui fundamentais.

9.   Remover os entraves técnicos ao pleno desenvolvimento do mercado único

9.1

Nas legislações nacionais, persistem vários entraves técnicos que causam grandes problemas às empresas. Por exemplo, um sector interessado é o das máquinas móveis (não rodoviárias), quando têm de circular nas vias públicas. As divergências na regulamentação em vigor nos Estados-Membros, uns mais intransigentes que outros, obrigam as empresas a equiparem-se com máquinas diferentes. Há alguma confusão quanto à terminologia, por exemplo, na utilização dos termos «sociedades» e «empresas». A revisão obrigatória prevista em alguns deles gera custos suplementares que se multiplicam para os países que prevêem uma inspecção por uma instância específica, seja na fase de concepção, de ensaio ou de transporte. O Comité apreciaria que se conseguisse a rápida harmonização da legislação, sobretudo no tocante às medidas de segurança. No caso dos tractores, por exemplo, para além das actuais previsões em matéria de espelhos retrovisores e de limites de velocidade, conviria prever especificações técnicas para os faróis, anteriores e posteriores, mas sobretudo para o espaço de travagem. Actualmente, circulam nas estradas europeias tractores que já têm quarenta anos. O rejuvenescimento progressivo do parque em circulação garantiria níveis muito mais incisivos de segurança activa e passiva.

9.2

O Comité recomenda que se regule a utilização das máquinas de trabalho na via pública, especialmente,

adoptando uma proposta para harmonizar as legislações nacionais em vigor sobre a utilização das máquinas de trabalho na via pública;

recorrendo ao método da nova abordagem;

prevendo normas de referência que prevejam uma presunção de conformidade com as obrigações estabelecidas;

incluindo disposições adequadas de avaliação de conformidade, prevendo para alguns sistemas (volante, travões) uma avaliação de conformidade mais severa.

10.   A futura legislação: participação e avaliação de impacto

10.1

O Comité apreciaria que, futuramente, as autoridades regulamentares e as partes envolvidas cooperem mais estreitamente na elaboração das futuras políticas de regulamentação. Face à necessidade de interacção, é imprescindível encetar um verdadeiro diálogo e evitar a realização de consultas por via electrónica. Na sua opinião, as consultas constantes e periódicas sobre certos temas específicos poderia evitar problemas, assegurando uma melhor qualidade legislativa e uma maior eficácia das normas.

10.2

O Comité reputa essencial desenvolver um método de avaliação de impacto nas várias opções, comum às instituições europeias, Parlamento, Conselho e Comissão e apoiado por um sistema eficaz de controlo de qualidade.

10.3

A Comissão deveria verificar sempre se os objectivos perseguidos exigem realmente um quadro regulador ou se a auto-regulação ou a co-regulação são suficientes. Considera, por outro lado, que, dentre as várias opções, se deverá seguir a que seja capaz de garantir os mesmos objectivos com menos custos e encargos administrativos e garanta maior transparência e a máxima participação das partes interessadas.

10.4

O diálogo social sectorial entre as partes assume aqui um papel fundamental. O interesse comum poderá concretizar-se em iniciativas de desenvolvimento de acções de formação específicas, sobretudo em termos de segurança no local de trabalho, mas também da formação contínua que aumenta não só as qualificações mas também a sensibilidade para com os vários problemas de gestão e organização associados à utilização mais adequada e mais segura das máquinas. A responsabilidade social das empresas, concretizada através do alargamento do diálogo aos representantes da sociedade civil e das autarquias locais, poderia favorecer o desenvolvimento de uma cultura de empresa segura e produtiva, sobretudo nas pequenas e médias empresas que têm logicamente maiores dificuldades em gerir os riscos.

10.5

Na opinião do Comité, seria profícua uma reflexão que permitisse a todas as partes interessadas fazer um balanço dos resultados e dos limites da legislação comunitária. Seria, assim, possível definir um percurso comum para evitar que as várias iniciativas em curso redundem em soluções parciais ou mesmo contraditórias. A decisão da Comissão de verificar com as partes interessadas a nova directiva «Máquinas» encontra-se no rumo certo: iniciativas desta natureza deveriam justamente multiplicar-se. O Comité chama especialmente a atenção para as ligações entre as várias iniciativas, como as que se inscrevem no plano de acção para a redução de obrigações administrativas supérfluas e na «nova abordagem» (em 14 de Fevereiro de 2007 a Comissão adoptou uma proposta de regulamento e uma decisão do Conselho e do Parlamento Europeu relativa ao quadro de revisão da nova abordagem, com base numa consulta pública sobre o futuro do mercado interno). Está plenamente convencido que uma boa articulação e uma boa coordenação entre estas iniciativas é susceptível de melhorar realmente a regulamentação em vigor e permitirá a sua aplicação uniforme nos vinte e sete Estados-Membros.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  JO C 24 de 31.1.2006 (relator: RETUREAU) e JO C 309 de 16.12.2006 (relator: CASSIDY).

(2)  JO C 267 de 27.10.2005 (relator: VAN IERSEL).

(3)  Parecer INT/352, em elaboração (relator: PEZZINI).

(4)  Parecer INT/353, idem.

(5)  C-94/03. Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Comissão das Comunidades Europeias contra Conselho da União Europeia — Escolha da base jurídica.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu — Um quadro regulador concorrencial para o sector automóvel no século XXI — Posição da Comissão face ao relatório final do grupo de alto nível CARS 21 — Uma contribuição para a Estratégia do Crescimento e do Emprego da União Europeia»

COM(2007) 22 final

(2008/C 10/04)

Em 7 de Fevereiro de 2007, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 18 de Julho de 2007, sendo relator F. DAVOUST.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 144 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese e principais recomendações

1.1

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão, «Legislar melhor», que «visa promover a interacção coerente entre diferentes áreas políticas, garantir previsibilidade e procurar a protecção do interesse público (por exemplo, ambiente e segurança) e, ao mesmo tempo, tentar reduzir o peso da regulamentação no sector». Congratula-se com a manifesta vontade de desenvolver uma abordagem global e de integrar simultaneamente as diferentes dimensões do desenvolvimento da indústria e da sua competitividade e as diferentes partes interessadas.

1.2

De modo mais geral, a abordagem de conjunto representada pela iniciativa CARS 21 corresponde a uma vontade de coordenação dos responsáveis das políticas públicas entre eles e com as diferentes partes interessadas do sector, que merece pleno apoio. A comunicação da Comissão, que situa o trabalho regulador já realizado e define as medidas para o futuro neste âmbito, ilustra o interesse desta abordagem a par das dificuldades que enfrenta.

1.3

Os principais trunfos da abordagem residem numa clarificação para o conjunto das partes interessadas das orientações das políticas europeias relativas ao automóvel. Nos principais níveis, melhora-se a previsibilidade das políticas comunitárias e reduz-se a carga regulamentar que pesa sobre a indústria.

1.4

Nesta perspectiva, a redução dos fardos administrativos que a substituição das 38 directivas comunitárias pelos regulamentos correspondentes da CEE-ONU permite, surge como um resultado directo da iniciativa. Simultaneamente, o trabalho realizado sobre as questões do ambiente e da segurança rodoviária permite mostrar que uma abordagem integrada é exequível e dá ao quadro regulador maior legitimidade aos olhos das partes interessadas e torna-o mais previsível para os industriais. Tal iniciativa conduz a um consenso, que é a base da acção de cada um.

1.5

Devem-se salientar igualmente as dificuldades de aplicação desta iniciativa, que são de três tipos:

(i)

a procura de consenso tende a adiar as arbitragens;

(ii)

o conteúdo da análise e das recomendações é muito sensível à lista estabelecida das partes interessadas;

(iii)

a opção de uma abordagem integrada pode conduzir a uma análise das questões levantadas que dilui as responsabilidades.

1.6

A lista das 39 medidas previstas na comunicação da Comissão é muito longa e, separadamente, cada uma parece defensável. A integração do conjunto dos 39 pontos é provavelmente mais problemática e levanta questões de compatibilidade e de calendário que ficam em suspenso. Assim, as questões ambientais e as questões de segurança são tratadas de forma integrada mas as duas questões, em si, não são abordadas de modo integrado. Levantar a questão do preço dos produtos que cumprem o conjunto das obrigações previstas, como o fazia o grupo de alto nível, teria, sem dúvida, permitido esta integração, mas significaria igualmente colocar em destaque a obrigação de escolher entre opções. Além disso, o grupo de alto nível desejava que as suas conclusões fossem acompanhadas de um «roteiro» válido para o conjunto dos responsáveis pelas políticas públicas. Este documento representava a abordagem integrada desejada pela Comissão para o CARS 21. O CESE lamenta que a comunicação da Comissão não tenha proposto esse roteiro, mesmo com alterações.

1.7

A análise do grupo de alto nível assenta, em larga medida, no ponto de vista dos fabricantes de automóveis. O que significa uma representação das questões a resolver bastante dominada pelas questões de produtos e tecnologias. O CESE salienta que se os interesses dos automobilistas fossem tidos em melhor conta o mesmo exercício teria reflectido um ponto de vista diferente. Assim, convirá, no futuro, rever a lista das partes interessadas, à luz das avaliações e reavaliações.

1.8

Uma abordagem integrada ou global poderá conduzir a que as partes interessadas atribuam as responsabilidades umas às outras. Assim, em matéria de segurança rodoviária ou de ambiente, os fabricantes poderiam considerar que são os responsáveis das infra-estruturas ou os automobilistas que têm comportamentos não merecedores dos esforços, tecnológicos em particular, desenvolvidos pelos fabricantes.

1.9

Todos estes elementos assinalam que a comunicação da Comissão não poderia esgotar a questão das políticas públicas relativas aos veículos e das opções que têm pela frente. O CESE apoia a iniciativa nesta perspectiva: importa prosseguir o debate público sobre as políticas do automóvel, aberto aos parceiros sociais e, de modo mais alargado, a todas as partes interessadas, e esclarecer as opções em diferentes oportunidades, e não fixar de modo definitivo uma lista das possíveis vias de progresso, e deixar aos peritos e aos fabricantes a possibilidade de se conciliarem.

1.10

A Comissão conclui a comunicação considerando «existir uma oportunidade única para desenvolver uma cultura distinta de elaboração das medidas no que se refere à política industrial. A Comissão entende que princípios como a qualidade da legislação, a simplificação, as avaliações de impacto, as consultas das partes interessadas, os prazos de realização e a escolha dos instrumentos devem estar na raiz do desenvolvimento das propostas legislativas».

O CESE associa-se a esta iniciativa e, com este parecer, desejaria assistir a Comissão na sua plena aplicação.

Nesta perspectiva, o Comité recomenda:

Dar tempo aos fabricantes para desenvolverem as tecnologias necessárias para fazer face a estas exigências mais estritas, sem encarecimento considerável dos produtos e, in fine, sem abrandamento da renovação dos parques;

não limitar a abordagem das questões ambientais à questão do CO2, e ir além das soluções tecnológicas para desenvolver uma abordagem mais holística e atenta ao lugar que o automóvel e os transportes rodoviários ocupam nas sociedades europeias;

organizar o fórum «Reestruturações», o balanço previsto para 2009 e os estudos de impacto em que deverá assentar, salvaguardando a abordagem integrada promovida no âmbito do CARS 21, e garantido maior legitimidade a montante (na selecção da lista das partes interessadas) e a jusante (na integração das recomendações dos trabalhos dos grupos de trabalho;

associar de modo mais directo, e numa fase mais precoce, o CESE, cuja natureza e composição lhe dão vocação para permitir esta forma de implicação das diferentes componentes das sociedades europeias nas políticas elaboradas pela Comissão ao seu serviço.

2.   A proposta da Comissão

2.1   A iniciativa da Comissão: originalidade e exemplaridade de CARS 21

2.1.1

No âmbito da sua política para melhorar a qualidade da actividade legislativa e enfrentar os desafios de uma concorrência mundial mais generalizada, a Comissão convidou, em 2004, o grupo de alto nível CARS 21, que reuniu as principais partes interessadas (Estados-Membros, indústria, ONG e deputados do PE) bem como os três principais comissários associados ao assunto (empresa e indústria, ambiente, transportes), a emitir recomendações sobre as políticas a seguir.

2.1.2

De modo mais preciso, o caderno de encargos confiado ao grupo de alto nível então constituído era o seguinte: emitir recomendações em relação à política dos poderes públicos e ao quadro regulador futuros relativos à indústria automóvel europeia para o curto, médio e longo prazo, que permitam melhorar a competitividade global, manter o emprego, garantindo mesmo os progressos do desempenho dos veículos em termos de segurança e de ambiente, a preços suficientemente pouco elevados acessíveis às famílias.

2.1.3

A Comissão pretende, deste modo, fazer do automóvel um exemplo de modernização das suas intervenções de política industrial e inscrevê-las de modo explícito na Agenda de Lisboa: para garantir um desenvolvimento sustentável das actividades de produção, sustentável em termos económicos, socialmente responsável e respeitador do ambiente, a Comissão deseja que as suas intervenções sejam precedidas de um vasto processo de concertação entre as partes interessadas, que permita esclarecer o presente e o futuro, bem como conseguir um vasto consenso sobre o que convém fazer. Ou seja, as partes interessadas representadas no grupo de alto nível eram os fabricantes de automóveis, os produtores de petróleo, os fabricantes de equipamentos, os distribuidores e reparadores de automóveis, os utilizadores de automóveis, os poderes públicos nacionais e as três principais DG envolvidas (ambiente, transporte e energia, e empresas e indústria). A DG empresas e indústria coordenou o trabalho efectuado ao longo de 2005. Foi organizada uma audição pública em Abril de 2005. O relatório foi adoptado pelo grupo de trabalho em Dezembro de 2005. As suas conclusões foram objecto de vasta consulta pública em 2006. A comunicação da Comissão baseia-se simultaneamente no relatório CARS 21 e nos 34 contributos recebidos em 2006.

2.1.4

O relatório CARS 21 remete para um esforço muito louvável da Comissão para evitar a proliferação de iniciativas regulamentares não coordenadas e, portanto, nem sempre compatíveis.

2.1.5

Para tal, como refere inúmeras vezes o relatório, o grupo de trabalho advoga uma perspectiva holística que consiste em pretender reconstituir o modo de interacção das diferentes dimensões. Os membros do grupo de alto nível pretendem, deste modo, tornar a regulamentação mais legível e previsível e evitar que as diferentes DG da Comissão tomem medidas com consequências mal avaliadas e cuja compatibilidade não seja garantida.

2.1.6

No seu relatório, o grupo de trabalho fixou uma lista de 18 recomendações organizadas em sete capítulos: melhoria da regulamentação, ambiente, segurança rodoviária, comércio, investigação e desenvolvimento, impostos e incentivos fiscais, propriedade intelectual. Em conclusão, propôs igualmente, para os próximos dez anos, um roteiro aos responsáveis pela concepção das políticas públicas e pela regulamentação com impacto na indústria automóvel. Em plena consonância com os objectivos fixados pela Comissão, o roteiro assim concebido pretendia dar às políticas europeias do automóvel a coerência e a previsibilidade necessárias aos investidores privados para garantir a competitividade do sector: definindo o percurso regulamentar a seguir para os próximos anos, este roteiro pretende garantir esta previsibilidade.

2.1.7

A comunicação é a resposta da Comissão ao relatório apresentado pelo grupo CARS 21 Integra a avaliação das recomendações efectuada pela Comissão e as reacções que o relatório CARS 21 suscitou no âmbito da consulta organizada em 2006, e indica a direcção que a Comissão pretende seguir na sua futura política automóvel. As principais linhas de acção são as seguintes:

Redução dos encargos administrativos: A Comissão irá propor a substituição de 38 directivas CE por regulamentos internacionais CEE/ONU (1), no que diz respeito, por exemplo, aos pneus, vidros de segurança, faróis de nevoeiro e cintos de segurança. A indústria poderá assim basear-se num texto único, válido em todo o mundo. Serão igualmente introduzidos mecanismos de auto-ensaio e ensaio virtual para 25 directivas e regulamentos CEE/ONU a fim de reduzir os custos de conformidade e tornar os procedimentos menos longos e menos dispendiosos.

Redução das emissões de CO2 : A estratégia da Comissão baseia-se numa abordagem integrada que inclui não apenas a tecnologia dos motores, mas também avanços tecnológicos (como, por exemplo, o estabelecimento de requisitos mínimos de eficiência energética para os sistemas de ar condicionado, a fixação de limites máximos de resistência ao rolamento dos pneus e a utilização de indicadores de mudança de velocidade), bem como um recurso acrescido aos biocombustíveis. Esta estratégia coloca igualmente a tónica nos esforços adicionais dos Estados-Membros no tocante, por exemplo, à gestão do trânsito, a um melhor comportamento dos automobilistas, às infra-estruturas e a uma maior redução das emissões de CO2.

Segurança rodoviária: A Comissão considera que uma estratégia de segurança rodoviária eficaz deve assentar numa combinação de melhorias a nível da tecnologia dos veículos, das infra-estruturas rodoviárias, do comportamento dos automobilistas e de medidas de repressão. São propostas no total 11 novas medidas, entre as quais a inclusão obrigatória de um sistema de controlo electrónico da estabilidade, de dispositivos de alerta para o uso dos cintos de segurança e a utilização obrigatória de faróis durante o dia para os novos veículos.

Política comercial: A comunicação propõe avaliar o potencial da utilização de acordos comerciais bilaterais (nomeadamente na Ásia) para melhorar o acesso ao mercado e frisa a necessidade de fazer aplicar os direitos de propriedade intelectual à escala mundial.

Investigação e desenvolvimento: os combustíveis renováveis e não poluentes e os veículos limpos, bem como os veículos e estradas inteligentes são identificados como as principais prioridades de investigação. Com cerca de 20 mil milhões de euros (aproximadamente 5 % do volume de negócios do sector) consagrados à investigação e ao desenvolvimento de produtos, a indústria automóvel é, em termos absolutos, o maior investidor industrial em I&D da Europa.

3.   Observações na especialidade

Antes de analisar o método, o interesse e os limites desta abordagem da questão das políticas do automóvel e das políticas sectoriais em geral, o presente parecer focará os cinco grandes domínios e as respectivas propostas da Comissão.

3.1   Mercado interno: simplificação e internacionalização do quadro regulamentar

3.1.1

O CESE apoia a proposta de alargar no futuro a todas as categorias de veículos a directiva-quadro relativa à recepção dos veículos a motor. Salienta, em particular, o interesse desta disposição para a marcação das peças sobressalentes.

3.1.2

O CESE apoia a vontade manifestada de simplificar e internacionalizar o quadro regulamentar, ao mesmo tempo que desejaria que a vontade de harmonização não se imponha como uma prioridade absoluta acima de todas as outras considerações.

3.1.3

Nesta perspectiva, o CESE, considerando, como a Comissão, que no plano dos princípios são preferíveis os compromissos multilaterais, apoia plenamente a Comissão, quando esta afirma estar «consciente da necessidade de manter a possibilidade de a UE legislar de forma independente do sistema da CEE/ONU quando tal for necessário para responder a objectivos da UE em termos de saúde, ambiente ou outros objectivos estratégicos». Dado o carácter potencialmente crítico de tais disposições em matéria de comércio internacional e de acesso aos mercados, deve-se manter uma certa reserva de modo que os fabricantes europeus possam ter meios de reagir às disposições estabelecidas em outras regiões do mundo e susceptíveis de prejudicar a sua competitividade.

3.2   Transportes rodoviários sustentáveis no plano ambiental

3.2.1

O CESE congratula-se com a qualidade das medidas tomadas e previstas para tornar os transportes rodoviários sustentáveis no plano ambiental. Na sequência dos compromissos da Comissão, que salienta a sua vontade de «analisar cuidadosamente os impactos da actividade reguladora futura no emprego e na segurança», o CESE alerta a Comissão para a necessidade de dar aos fabricantes tempo para desenvolverem as tecnologias necessárias para fazer face a estas exigências mais estritas, sem encarecimento considerável dos produtos e, in fine, e sem abrandamento da renovação dos parques. Esta questão, cuja importância foi salientada no relatório CARS 21, parece ter sido marginalmente tida em conta na comunicação da Comissão.

3.2.2

Nesta mesma óptica, o CESE constata com interesse a vontade da Comissão de prestar maior atenção no futuro ao verdadeiro comportamento dos veículos em matéria de emissões (ponto 8) e lamenta que a Comissão não tire partido desta abertura em matéria de controlo, manutenção e reparação dos veículos.

3.2.3

O CESE salienta que a iniciativa integrada preconizada pela Comissão se traduz numa focalização nas emissões poluentes e, em particular, nas emissões de CO2 dos veículos novos vendidos na Europa nos anos vindouros. Com efeito, a Comissão só manifesta interesse pelas soluções tecnológicas (biocombustíveis, hidrogénio, veículos e sistemas de transporte inteligentes) ou económicas (possível inclusão do sector dos transportes rodoviários) que pretende promover. O CESE lamenta que a Comissão não explore de modo suficiente as potencialidades oferecidas por uma abordagem holística mais atenta ao lugar que o automóvel e os transportes rodoviários ocupam nas sociedades europeias.

3.2.4

O CESE salienta que o relatório CARS 21 manifestava uma preocupação explícita, por exemplo, pelo ritmo de renovação dos parques e o considerava como um factor chave. Insistia igualmente na importância dos congestionamentos. O CESE desejaria que estas pistas de promoção de um automóvel mais respeitador do ambiente sejam, a par de outras, como a promoção de novas modalidades de acesso ao automóvel, objecto de análise num mesmo pé de igualdade como as soluções tecnológicas.

3.2.5

O CESE quer salientar que a oferta e a procura de veículos menos poluentes merecem ser estimuladas. Importa, pois, que a Comissão se dedique à elaboração de incentivos fiscais coordenados, tecnicamente neutros e tanto quanto possível harmonizados em favor de determinados veículos e combustíveis, por exemplo, em função do volume das emissões de CO2, o que contribuiria para reduzir a quantidade de CO2 emitida pelos veículos, influindo directamente nos consumidores e na procura.

3.3   Reforçar a segurança nas estradas europeias

3.3.1

O CESE apoia a abordagem global das questões de segurança rodoviária preconizada pela Comissão, assente na «interacção entre os progressos realizados na tecnologia dos veículos, na infra-estrutura rodoviária, no comportamento dos condutores e na aplicação da regulamentação».

3.3.2

As mesmas questões que as levantadas sobre a abordagem da questão ambiental são mais uma vez levantadas neste ponto. Assim, um dos termos chave do relatório CARS 21, que permitia mostrar que haveria arbitragens em detrimento dos desempenhos dos veículos em matéria de ambiente e segurança, era «at a price affordable to the consumer» (a um preço acessível para o consumidor). Este termo não consta da comunicação.

3.3.3

Assim, em matéria de segurança rodoviária, na comunicação da Comissão a lista das propostas é a seguinte (2):

tornar obrigatória a inclusão de sistemas de retenção Isofix para crianças em todos os veículos M1 novos;

tornar obrigatória a utilização das luzes de circulação diurna (foi lançada uma consulta pública sobre esta matéria em 1 de Agosto de 2006);

tornar obrigatória a inclusão do controlo electrónico da estabilidade, de início nos veículos pesados e em seguida nos veículos ligeiros de passageiros e veículos comerciais ligeiros, logo que tenha sido desenvolvido um método de ensaio;

tornar obrigatórios os avisadores do uso do cinto de segurança para todos os veículos novos;

alterar os requisitos da fase II da Directiva relativa à protecção dos peões a fim de melhorar as disposições da Directiva 2003/102/CE (3).

3.3.4

Numa preocupação de garantir que estas propostas não conduzam a um aumento excessivo do preço dos veículos novos, o CESE preconiza uma abordagem mais claramente centrada no preço dos veículos e no seu impacto no ritmo de renovação dos parques e, assim, na segurança rodoviária. Chama a atenção para o atraso que se regista na segunda fase do projecto de directiva relativa à protecção dos peões, que se traduz numa redução do prazo necessário para a sua aplicação por parte dos fabricantes e complica a planificação das medidas a tomar. O CESE sublinha, além disso, a necessidade de clarificar rapidamente o calendário de aplicação da directiva e o pormenor das exigências com que os fabricantes se devem conformar. Insta a Comissão a ter em conta que a segurança rodoviária significa igualmente que o parque circulante seja objecto de manutenção pelos consumidores, mesmo quando antigo. Preconiza uma avaliação e uma classificação das medidas previstas em função da relação custo/vantagens de cada uma, quando comparadas com o preço para o utilizador em relação aos impactos prováveis no número de acidentes, e suas consequências em termos de morbilidade e de sequelas para os utilizadores da estrada. Na mesma óptica, o CESE insta a Comissão a não ter exclusivamente em conta as tecnologias embarcadas, mas a integrar, de modo mais explícito, o leque das disposições susceptíveis de terem impacto no comportamento dos utilizadores da estrada (educação, prevenção, sinalização …). Nesta perspectiva o CESE salienta que convirá, no futuro, estar especialmente atentos às consequências que a evolução demográfica terá para estas matérias e ao facto de os condutores idosos e muito idosos constituírem uma parte cada vez maior dos utentes de automóveis e das estradas.

3.3.5

Na mesma óptica, e conforme preconiza o relatório CARS 21, o CESE salienta a importância dos incentivos fiscais destinados a favorecer a procura de veículos mais seguros. Deve-se estimular a oferta e a procura de veículos mais seguros.

3.4   Comércio e mercados extracomunitários

O CESE apoia a abordagem das questões de comércio internacional desenvolvida pela Comissão e, em particular, a atenção que presta aos acordos internacionais bilaterais, aos obstáculos não pautais ao comércio e à questão dos direitos de propriedade intelectual, por exemplo, na Ásia. O CESE apoia a abordagem das questões de comércio internacional desenvolvida pela Comissão e, em particular, a atenção que presta aos acordos internacionais bilaterais, aos obstáculos não pautais ao comércio e à questão dos direitos de propriedade intelectual, por exemplo, na Ásia. Convirá que, no momento da selecção dos países com os quais se tem em vista celebrar acordos de comércio livre, se tenham mais em conta os critérios económicos, designadamente a dimensão do mercado potencial e as perspectivas que oferece, assim como a abordagem recíproca em matéria de eliminação, de um e de outro lado, dos obstáculos ao comércio, etc. Para além das questões a montante, o CESE chama a atenção da Comissão para a necessidade de uma integração mais explícita do mercado das peças sobressalentes, tanto para harmonizar as modalidades vigentes nos diferentes países europeus, como para elaborar uma estratégia em relação à China, à Índia ou à Rússia. Para além das questões a montante, o CESE chama a atenção da Comissão para a necessidade de uma integração mais explícita do mercado das peças sobressalentes, tanto para harmonizar as modalidades vigentes nos diferentes países europeus, como para elaborar uma estratégia em relação à China, à Índia ou à Rússia.

3.5   Investigação e desenvolvimento

O CESE apoia plenamente a promoção da IDT e a convicção da Comissão segundo a qual os três pilares do desenvolvimento sustentável só poderão vingar se forem mantidos e aprofundados os esforços privados e públicos de investigação. Na mesma óptica manifestada no ponto 3.4, o CESE chama todavia a atenção para a necessidade de integrar neste esforço o conjunto da vertente, inclusive a jusante. Assim, devem-se levantar precocemente as questões de custos dos progressos tecnológicos, de reparação dos produtos, através das formações necessárias à adaptação da reparação e das infra-estruturas, e a Comissão deve, para tal, lançar uma política voluntarista. Convém que a Comissão oriente uma parte apropriada do sétimo programa-quadro para acções no domínio de uma abordagem integrada da segurança rodoviária, que englobe também as infra-estruturas, por exemplo os sistemas de comunicação electrónica e outras.

3.6   Tributação, indicações fiscais

O CESE apoia a Comissão que «insta o Parlamento Europeu e o Conselho a adoptarem a proposta de directiva  (4) o mais rapidamente possível». Quando o Parlamento adoptar esta proposta de directiva que preconiza a harmonização fiscal, resta convencer o Conselho quanto à oportunidade de fazer convergir as disposições que actualmente são fonte de distorções entre os mercados de veículos e de serviços automóveis na União.

3.7   Mercado das peças sobressalentes

Lamentando, no entanto, que os desafios que representam estas questões não tenham merecido maior destaque nas reflexões da Comissão, o CESE apoia a apologia do Regulamento (CE) n.o 1400/2002 (5) e a intenção de aplicá-lo em toda a Comunidade de modo homogéneo. O CESE apoia o imperativo de livre acesso à informação técnica. A este respeito, o CESE salienta que importa estar atento à aplicação das disposições que impõe a adopção do formato OASIS.

3.8   O método CARS 21 e sua aplicação pela Comissão

3.8.1

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão, «Legislar melhor», que «visa promover a interacção coerente entre diferentes áreas políticas, garantir previsibilidade e procurar a protecção do interesse público (por exemplo, ambiente e segurança) e, ao mesmo tempo, tentar reduzir o peso da regulamentação no sector». Congratula-se com a manifesta vontade de desenvolver uma abordagem global e de integrar simultaneamente as diferentes dimensões do desenvolvimento da indústria e da sua competitividade e as diferentes partes interessadas.

3.8.2

No respeitante às vertentes sociais e industriais mencionadas nas primeiras páginas do relatório, o CESE desejaria, como a Comissão, interligá-las, uma vez que o emprego tem uma relação directa com a competitividade da indústria europeia, por um lado, e dos diferentes lugares, por outro lado. Nesta óptica, o CESE associa-se de modo global à análise proposta da situação da indústria na Europa.

3.8.3

Congratula-se com o facto de a Comissão considerar que «parece provável que a montagem dos veículos para o mercado europeu seja realizada essencialmente na Europa», todavia considerando, como a Comissão, que tal não significa, provavelmente, estabilidade de emprego.

3.8.4

O CESE insta a Comissão a estimular o diálogo entre parceiros sociais a fim de se poder antecipar e gerir os movimentos de deslocalização e de relocalização do emprego na União e no exterior, como descritos no relatório CARS 21. Insta com a Comissão para que lance, na mesma perspectiva, uma reflexão sobre o destino que a evolução da fileira reserva para os subcontratantes de segunda linha ou mais, particularmente fragilizados pela evolução em curso.

3.8.5

Na mesma perspectiva, os dispositivos de ajuda previstos pela Comissão e a ideia de convocar um fórum «Reestruturação» da indústria automóvel, tendo em vista «fazer face aos desafios e melhor antever a mudança e adaptar-se-lhe» têm o pleno apoio do CESE. O CESE insta a Comissão a fazer uso desta oportunidade a fim de prever nos seus trabalhos, e de incluir nos possíveis dispositivos de ajuda, o conjunto da cadeia e, em particular, os actores a jusante. Com efeito, tais iniciativas inserem-se numa lógica de concertações ou de reflexões estratégicas conjuntas no sector de que necessitam os diferentes actores. O CESE salienta a sua vocação para ter um papel de relevo nestes trabalhos e debates, permitindo em particular uma representação mais visível do conjunto dos parceiros sociais e, de modo mais alargado, das partes interessadas.

3.8.6

Por exemplo, as necessidades de formação são maiores e muitas vezes muito menos concretizadas nas PME ou nas empresas muito pequenas, e os Fundos estruturais e outros instrumentos de apoio às reestruturações devem beneficiar igualmente estes actores da cadeia.

3.8.7

A Comissão conclui a sua comunicação considerando

«existir uma oportunidade única para desenvolver uma cultura distinta de elaboração das medidas no que se refere à política industrial. A Comissão entende que princípios como a qualidade da legislação, a simplificação, as avaliações de impacto, as consultas das partes interessadas, os prazos de realização e a escolha dos instrumentos devem estar na raiz do desenvolvimento das propostas legislativas».

3.8.8

O CESE associa-se a esta iniciativa e, com este parecer, desejaria assistir a Comissão na sua plena aplicação. Para tal, chama a atenção da Comissão para o carácter por vezes parcial da abordagem desenvolvida. Mais precisamente, mesmo se não foram esquecidas, as análises desenvolvidas no relatório CARS 21, como as conclusões da Comissão, parecem marcadas por uma sub-representação, no debate, dos consumidores e dos actores a jusante. O CESE considera que a abordagem do automóvel em geral e das questões de ambiente e de segurança é insuficientemente holística: remete para uma representação da indústria demasiado centrada no produto e nas tecnologias, e insuficientemente integradora da questão dos parques e das utilizações do automóvel.

3.8.9

Assim, o CESE entende que o balanço a efectuar em 2009 deverá ter este parecer em conta e integrar melhor do que até aqui o ponto de vista da fileira e dos utilizadores a jusante. Será necessário, para tal, manter aberta a «consulta das partes interessadas», organizá-la melhor de forma que o sistema automóvel em consideração seja mais do que o dos fabricantes, e para que as «análises de impacto» se possam prever em novos termos. Quanto aos estudos de impacto, conviria melhorar a sua qualidade. Devem ser objectivos e neutros e seguir uma abordagem complexa, baseada em dados factuais e verificados. Não é judicioso que um serviço da Comissão, encarregado de emitir parecer político sobre uma problemática realize ele próprio a análise de impacto sobre esta questão. O CESE aprova a proposta de criar um comité de análises de impacto e convida a Comissão a convocar as partes interessadas geralmente esquecidas pelos arquitectos privados do sistema automóvel a regulamentar.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa.

(2)  COM(2007) 22 final, página 15.

(3)  Directiva 2003/102/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Novembro de 2003 relativa à protecção dos peões e outros utentes da estrada vulneráveis em caso de colisão com um veículo a motor e que altera a Directiva 70/156/CEE do Conselho (JO C 321 de 6.12.2003, p. 15); Parecer do CESE: JOC 234, de 30.9.2003, p. 10.

(4)  Proposta de directiva do Conselho relativa à tributação aplicável aos veículos automóveis ligeiros de passageiros (COM(2005) 261 final; Parecer do CESE, JO C 195, de 18.8.2006, p. 80.

(5)  Regulamento (CE) n.o 1400/2002 da Comissão, de 31 de Julho de 2002, relativo à aplicação do n.o 3 do artigo 81.o do Tratado a certas categorias de acordos verticais e práticas concertadas no sector automóvel (JO C 203 de 1.8.2002, p. 30).


15.1.2008   

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Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos dispositivos de protecção em caso de capotagem dos tractores agrícolas ou florestais de rodas» (Versão codificada)

COM(2007) 310 final — 2007/0107 (COD)

(2008/C 10/05)

Em 2 de Julho de 2007, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro) decidiu, por 172 votos a favor e 4 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

 

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


15.1.2008   

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Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos dispositivos de reboque e de marcha atrás dos tractores agrícolas e florestais de rodas» (Versão codificada)

COM(2007) 319 final — 2007/0117 (COD)

(2008/C 10/06)

Em 2 de Julho de 2007, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro) decidiu, por 163 votos a favor, 1 voto contra e 5 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

 

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


15.1.2008   

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Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às chapas e inscrições regulamentares, bem como à sua localização e modo de fixação no que respeita aos veículos a motor e seus reboques»

COM(2007) 344 final — 2007/0119 (COD)

(2008/C 10/07)

Em 13 de Julho de 2007, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro) decidiu, por 165 votos a favor e 8 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

 

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


15.1.2008   

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Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão: Plano de acção para a eficiência energética: concretizar o potencial»

COM(2006) 545 final

(2008/C 10/08)

Em 19 de Outubro de 2006, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262 do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas, Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 5 de Setembro de 2007, sendo relator E. M. IOZIA.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 27 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 145 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu acolhe favoravelmente e apoia os objectivos e medidas propostos pela Comissão Europeia. A eficiência energética constitui o primeiro e mais importante domínio de acção com vista a realizar os objectivos previstos no âmbito da Política Energética para a Europa (PEE). Esses objectivos são: reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, designadamente no intuito de lutar contra o aquecimento anómalo do planeta, diminuir a dependência externa e, por último, preservar a competitividade do sistema Europa, mantende a disponibilidade da energia a preços razoáveis.

1.2

O Comité considera estes objectivos realistas, sobretudo tendo em conta o recente relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), embora considere que é necessário procurar por todos os meios reduzir o consumo de energia e tecnicamente exequível realizar poupanças de energia superiores a 20 %. Para que este objectivo possa ser atingido, deve ser acompanhado de planos nacionais diferenciados em função das condições financeiras e tecnológicas de partida, tendo em vista garantir uma repartição equitativa dos objectivos entre os Estados-Membros, proporcionalmente ao potencial de cada um deles. Será igualmente oportuno fixar objectivos intermédios, por exemplo para 2012 e 2016, a fim de eventualmente reforçar as medidas, caso sejam observadas divergências significativas.

1.3

O Comité considera oportuno sugerir à Comissão o lançamento de um debate específico sobre os «estilos de vida» e sobre o que comummente se designa por «qualidade de vida». O Comité pergunta à Comissão se esta considera realmente possível manter no futuro, para as próximas gerações, os mesmos estilos de vida que implicam um aumento do consumo e das emissões. A consciência de que isso não é possível coloca um desafio apenas possível de vencer com uma acção decidida, corajosa e oportuna. Outro problema é aceitar a ideia de que as poupanças de energia, embora associadas a um aumento imediato do poder de compra da população, não devem servir para financiar outros consumos, por um efeito de bumerangue.

1.4

O Comité propõe que se acrescente uma acção prioritária suplementar: a criação de redes urbanas de aquecimento e refrigeração, que permitiriam evitar uma perda de 33 % decorrente da transformação da energia primária.

1.5

O Comité preconiza a adopção de acções prioritárias positivas, que fomentem a criação e o desenvolvimento de novas profissões ligadas ao sector da eficiência energética, a divulgação de novos serviços integrados para a energia, a valorização de I&D (investigação e desenvolvimento), o desenvolvimento da reciclagem e do tratamento dos resíduos sólidos urbanos, que oferecem igualmente numerosas oportunidades de emprego, bem como a promoção de acções em matéria de responsabilidade social das empresas. É primordial incentivar a realização de estudos na área energética, no ensino superior e universitário.

1.6

A realização das 75 iniciativas previstas no plano de acção, o acompanhamento e a avaliação da eficácia do conjunto de instrumentos propostos tornam necessário um reforço dos efectivos da Comissão aos quais incumbirá acompanhar o desenvolvimento destas actividades. O Comité recomenda uma análise rigorosa das necessidades e uma adaptação dos recursos humanos e financeiros.

1.7

O Comité considera necessário reforçar a capacidade da União de falar a uma só voz no âmbito das suas relações internacionais, no âmbito da eficiência energética. Nesta óptica, recomenda que a Comissão examine se é, ou não, necessário alterar os tratados a fim de beneficiar de uma representação externa comum mais eficaz, sem pôr em causa a autonomia dos Estados-Membros em escolherem livremente o cabaz energético que melhor responda às suas exigências.

1.8

No que respeita às políticas fiscais relacionadas com o apoio aos investimentos destinados a realizar os objectivos do plano, o Comité preconiza que tais políticas tenham em conta as camadas sociais mais desfavorecidas, os desempregados, os reformados e os trabalhadores. Estes grupos sociais devem ser protegidos, quer se trate de novos impostos sobre a energia, quer de incentivos fiscais.

1.9

O Comité deplora a falta de coordenação entre as políticas dos transportes e as da energia, que respondem a uma lógica e a problemas técnicos e industriais necessariamente complementares, bem assim com as políticas do ambiente e da indústria, e exprime a sua preocupação justificada de que, na ausência de coordenação, o documento da Comissão perca grande parte da sua potencial eficácia.

1.10

Os edifícios residenciais constituem a principal área de intervenção neste domínio. As poupanças possíveis são muito significativas, na condição de se abordarem de modo claro certos aspectos fundamentais, como a redução drástica dos encargos fiscais associados às intervenções destinadas a melhorar a eficiência energética, a suspensão dos encargos administrativos (licenças várias), a melhoria dos conhecimentos e da formação dos operadores, bem como o recurso ao apoio público. As habitações que obtêm certificação do desempenho energético devem beneficiar de tratamento fiscal privilegiado ou, na ausência de rendimento tributável do proprietário, receber uma bonificação energética para a compra de electricidade. Importa prever tarifas preferenciais, aplicáveis até um certo nível de consumo anual. Os profissionais da construção civil precisam de formação adequada sobre formas de melhorar os níveis de eficiência energética nos edifícios bem como de novos incentivos para atingir esse objectivo.

1.11

O Comité considera que o financiamento dos investimentos necessários deve ser repartido entre o sector público e o sector privado. Tendo em conta as boas práticas de alguns Estados-Membros, poder-se-ia generalizar a criação de fundos específicos, mediante a utilização de uma pequena parte dos lucros realizados pelas empresas activas no sector, assegurando, no entanto, que tal não se traduza num aumento das tarifas aplicadas ao consumidor final ou numa diminuição dos consideráveis investimentos necessários na área da produção.

1.12

O Comité considera que a implicação da sociedade civil e das organizações patronais, sindicais e ambientais é indispensável para responder a este grande desafio. Só poderemos obter resultados palpáveis com a adopção pelo público de comportamentos generalizados, uma ampla sensibilização e um vasto conhecimento desta temática, uma vez que os utilizadores finais são, de facto, os principais consumidores de energia. Edifícios residenciais, meios de transporte privados e actividades laborais implicam directamente os cidadãos. É fundamental uma educação «para o consumo energético responsável» desde os primeiros anos de escolaridade. Toda a sociedade deve empenhar-se neste esforço, que representa igualmente, e deve tornar-se para todos, um símbolo de uma nova civilização. Cada cidadão europeu deve sentir-se implicado nesta luta pela poupança de energia, que permite igualmente às gerações futuras usufruir dos bens naturais, hoje gravemente comprometidos pela poluição e pelas alterações climáticas dela derivadas.

1.13

O Comité sublinha os efeitos positivos da rotulagem na indústria dos electrodomésticos. As economias de energia, que podem atingir 70 % no caso dos frigoríficos e 60 % nas máquinas de lavar roupa, demonstram a eficácia deste método. O Comité defende que o exemplo da concepção ecológica seja alargado aos sectores dos edifícios públicos, da habitação e dos transportes colectivos e privados, ou seja, os sectores caracterizados por uma concentração muito elevada do consumo de energia (mais de 70 % do consumo total).

1.14

O Comité recomenda que se dedique especial atenção à falta de eficácia nos domínios da produção, do transporte e da distribuição. Com efeito, a estes níveis perde-se mais de um terço da energia, o que corresponde a 480 Mtep. Graças ao transporte através de linhas de alta tensão e de corrente contínua, as perdas de potência passam de mais de 10 % para 3 % por 1 000 km de rede. O transporte em corrente contínua apresenta, além disso, vantagens em termos de exposição da população a campos electromagnéticos, eliminando as emissões de ondas electromagnéticas extremamente baixas (Extremely Low Frequency — ELF), que são geradas pela transmissão em corrente alterna.

1.15

Tendo em conta os excelentes resultados actualmente obtidos na tecnologia da energia solar termodinâmica, o Comité insta a Comissão e o Conselho a encorajarem e apoiarem o desenvolvimento desta tecnologia.

1.16

O Comité partilha o objectivo visado pela Comissão de reforçar o desenvolvimento das instalações de cogeração, embora considere que importa acelerar a adopção de regulamentação harmonizada relativa à medição da eficácia dessas instalações. O Comité julga oportuno investir em programas de desenvolvimento de instalações de «trigeração», as quais podem igualmente ser alimentadas a biomassa. Seria conveniente promover as unidades de microgeração (Directiva 2004/8/CE — unidades com capacidade instalada inferior a 50 kWe), tornando-as elegíveis para os programas de incentivo da poupança de energia e de redução do impacto ambiental e integrando-as mais facilmente do que até agora nas redes nacionais, no âmbito do desenvolvimento da produção de electricidade distribuída. Importa, no entanto prever um apoio às empresas para compensá-las dos custos mais elevados que este sistema acarreta por ser necessário adaptar as actuais redes de transporte.

1.17

Os mercados do gás e da electricidade não foram ainda completamente liberalizados. É necessário conseguir dissociar juridicamente as empresas de gestão dos monopólios técnicos das que exercem as suas actividades em regime de livre concorrência.

1.18

O Comité salienta o interesse em adoptar contadores electrónicos que permitam utilizar um sistema de telegestão da distribuição de energia e optimizar a gestão das cargas nas redes. Estes contadores são reconhecidos como instrumentos idóneos e conformes com os requisitos impostos pelas directivas europeias em matéria de eficiência energética.

1.19

No sector dos transportes foram envidados muitos esforços no sentido de reduzir o consumo e as emissões poluentes. Mas o aumento contínuo das emissões de CO2, provocado sobretudo pelo desenvolvimento dos transportes privados, e também dos outros tipos de transporte, exige o redobrar de esforços (de 1990 a 2004, as emissões provenientes dos transportes rodoviários aumentaram 26 %). A Comissão examina actualmente com atenção a avaliação do impacto de uma definição, por via regulamentar, das modalidades que permitam atingir o objectivo de 120 g de CO2/km. O Comité recomenda a adopção de todas as medidas necessárias com vista à realização deste objectivo, mas tendo em conta o facto de que devem inspirar-se em critérios de bom senso e de viabilidade técnica e produtiva.

1.20

O Comité considera oportuno assinalar que a substituição em massa dos combustíveis fósseis por biocombustíveis comporta o risco de pôr em concorrência produção de combustível e produção de alimentos na atribuição dos terrenos férteis, para além do de ver o preço dos alimentos alinhar-se — em alta — pelo dos produtos energéticos, por sua vez alinhado pelo preço dos combustíveis fósseis; isto poderia significar põr em concorrência (1) as populações pobres e famintas do Sul com os automobilistas do Norte.

1.21

O Comité apoia sem reservas as medidas de incentivo consubstanciadas nas estratégias financeiras e fiscais propostas pela Comissão. Congratula-se, em especial, com a implicação do Banco Europeu de Investimento (BEI) e do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD), mas também com os esforços de sensibilização do sistema bancário europeu, no sentido de concederem o apoio financeiro necessário para a realização dos planos energéticos nacionais. O Comité defende a convocação uma conferência europeia específica sobre o financiamento da eficiência energética, que teria como finalidade sensibilizar os intervenientes e promover, no âmbito do sistema bancário europeu, a participação na realização de um grande projecto de modernização da economia europeia.

1.22

O Comité apoia a criação do «Pacto de Autarcas», mas considera demasiado modesto o objectivo de reunir apenas as vinte primeiras cidades europeias. Este deve ser muito mais ambicioso e as experiências locais devem ser mais valorizadas. A criação de um portal específico na Internet ou de outras formas de comunicação a pensar no intercâmbio de experiências entre as grandes, médias e pequenas cidades da União, nas quais se concentram mais de 80 % da população europeia, poderia ser um instrumento muito útil para o contacto entre os responsáveis da administração local, incumbidos das políticas de transportes urbanos, e as pessoas que têm a seu cargo actividades de proximidade com impacto imediato na opinião pública.

1.23

O Comité lamenta que o plano de acção não tenha em conta a influência que os parceiros sociais e o diálogo social podem ter a todos os níveis, a fim de avaliar, promover e desenvolver políticas de poupança de energia. O Comité apreciaria que a Comissão procurasse favorecer a inserção dos temas da sustentabilidade ambiental nas estruturas de diálogo social aos vários níveis, em especial ao nível sectorial e nos conselhos de empresa europeus. As organizações sindicais podem desempenhar um papel fundamental no domínio do conhecimento e da sensibilização, a nível europeu e nacional, contribuindo assim para a disseminação das boas práticas.

1.24

Importa associar o tema da poupança de energia às boas práticas em matéria de responsabilidade social das empresas, em particular as multinacionais, e isso requer um diálogo social reforçado para abordar todas as questões relacionadas com a eficiência energética.

1.25

A Comissão insiste particularmente na dimensão internacional da questão da melhoria da intensidade energética. O Comité é favorável à proposta de parcerias e à conclusão de um acordo-quadro internacional. No âmbito da conferência internacional sobre a eficiência energética, o Comité recomenda que não se subestime a oportunidade de nela fazer participar os países abrangidos pelos programas ACP (África, Caraíbas e Pacífico), os países da zona euro-mediterrânica (Euromed) e os países abrangidos pela Política Europeia de Vizinhança (PEV). A cooperação internacional é indispensável para vencer o desafio do desenvolvimento sustentável, pelo que será necessário intensificar os esforços diplomáticos para conseguir até 2009 um novo protocolo internacional pós-Quioto, com a conferência que se realizará este ano em Bali.

2.   A Comunicação da Comissão

2.1

A Comissão elaborou a Comunicação intitulada «Plano de acção para a eficiência energética: Concretizar o potencial», com base no mandato que lhe foi confiado pelo Conselho Europeu da Primavera de 2006, no qual foram aprovadas as indicações contidas no Livro Verde «Estratégia europeia para uma energia sustentável, competitiva e segura».

2.2

Em resumo, o objectivo visado pelas propostas apresentadas na comunicação consiste em conseguir até 2020 poupanças de energia superiores a 20 % no consumo previsto, partindo da hipótese de uma taxa de crescimento do PIB predefinida e na ausência de outras intervenções. Se o plano for executado, deve ser possível poupar até 390 Mtep/ano e reduzir as emissões de CO2 em 780 Mt/ano. Em termos de consumo absoluto, espera-se que as medidas propostas assegurem uma contracção do consumo de 1 % ao ano, o que, com um aumento do PIB de 2,3 %, corresponderia, sem outras intervenções, a um crescimento do consumo de 0,5 % ao ano. Os investimentos necessários seriam compensados por uma poupança de combustíveis equivalente a cerca de 100 mil milhares de euros por ano.

2.3

O debate que se seguiu à publicação do Livro Verde sobre a eficiência energética «Fazer mais com menos» deu origem a propostas que constituem um «pacote» complexo e articulado, consubstanciado na comunicação em apreço, constituído por 75 medidas em todos os domínios com potencialidades de poupança. Os sectores prioritários nos quais importa actuar são os da construção e dos transportes, sendo estes últimos, aliás, responsáveis pelo consumo mais elevado de produtos petrolíferos. Deve, no entanto, ser dada a mesma importância às poupanças que podem ser conseguidas na produção, no transporte e na transformação da energia, bem como na indústria.

2.4

O plano elaborado pela Comissão prevê acções imediatas e outras a realizar ulteriormente, num prazo de 6 anos. Prevê-se já que será necessário um novo plano de acção a fim de concretizar o objectivo de 20 % de poupança de energia até 2020.

2.5

A análise do potencial de poupança põe em destaque possíveis resultados interessantes nos sectores da utilização final, partindo de uma poupança potencial de 25 % na indústria transformadora, sobretudo nas unidades de produção periféricas (motores, ventiladores, iluminação), de uma poupança potencial de 26 % no domínio dos transportes, mediante o desenvolvimento da co-modalidade e o recurso a outros modos de transporte, sugeridos na revisão intercalar do Livro Branco sobre os transportes, para chegar a um nível potencial de poupança de 27 % no sector dos edifícios residenciais, por exemplo mediante o isolamento das paredes e coberturas, a iluminação e uma maior eficiência dos electrodomésticos; nos edifícios comerciais, a poupança poderia atingir 30 %, graças a um aperfeiçoamento global dos sistemas de gestão da energia.

2.6

Espera-se que as mudanças estruturais, os efeitos das políticas anteriores e a adopção de novas tecnologias produzam melhorias na intensidade energética equivalentes a 1,8 % ao ano (470 Mtep/ano); isto significa que a redução da intensidade energética total deve poder atingir um nível anual de 3,3 %, tendo em conta a poupança de energia de 20 % esperada em resultado das novas medidas propostas (que para o período de 2005-2020 seria de 1,5 % ao ano equivalente a 390 Mtep/ano). Com uma taxa de crescimento anual do PIB estimada em 2,3 %, poder-se-ia, em princípio, obter uma poupança total de energia de 1 % ao ano.

2.7

O plano de acção melhorará a protecção do ambiente, reduzirá as importações de combustíveis fósseis, diminuirá a dependência de países terceiros e aumentará a competitividade e a rentabilidade da indústria europeia, também graças à inovação tecnológica que será estimulada pelos processos induzidos e terá efeitos positivos no emprego.

2.8

O plano articula-se em torno de 10 acções prioritárias urgentes. A Comissão convida os Estados-Membros, as autarquias locais e regionais e todos as partes interessadas a empreenderem outras iniciativas, a fim de se obter um resultado ainda mais tangível. As medidas previstas têm carácter sectorial e horizontal.

2.9

Entre estas, importa destacar a necessidade de estabelecer requisitos de eficiência em matéria de energia dinâmica para vários produtos e serviços, de incrementar, no sector da transformação da energia, a eficiência das capacidades de produção de energia secundária, novas ou existentes, e uma redução drástica das perdas no transporte e distribuição, e, por último, de adoptar, para o sector dos transportes, uma abordagem integrada dirigida a todos os intervenientes.

2.10

O plano estratégico para as tecnologias energéticas, cuja adopção se prevê para 2007, trará novos contributos para a melhoria da eficácia energética.

2.11

Será necessário prestar atenção aos «sinais fornecidos pela tarifação da energia», que contribuem para uma maior tomada de consciência. Por outro lado, é indispensável criar instrumentos financeiros adaptados, em todos os níveis e em todas as políticas de incentivo, designadamente de carácter fiscal, para os produtores e os consumidores.

2.12

Uma vez que o desafio da eficiência energética é de dimensão global, são indispensáveis acordos e parcerias internacionais.

2.13

A aplicação pontual das directivas e dos regulamentos em vigor, como a recente directiva relativa à eficiência na utilização final de energia e aos serviços energéticos, a directiva sobre a rotulagem e as suas oito directivas de aplicação, a directiva relativa ao desempenho energético dos edifícios, a directiva sobre a concepção ecológica e o regulamento «Energy Star», contribuirão para a realização dos objectivos almejados.

2.14   Acções prioritárias

2.14.1

Rotulagem de aparelhos e equipamentos e normas mínimas de desempenho energético. Actualização da Directiva-quadro 92/75/CE, para ter em conta a introdução de requisitos novos e dinâmicos para os electrodomésticos, com especial atenção para as perdas de energia em modo de vigília (standby). Começar-se-á por 14 grupos de produtos. O objectivo visado consiste em assegurar que, até 2010, sejam aplicadas à maioria dos produtos responsáveis por uma parte significativa do consumo de energia os requisitos mínimos previstos na directiva sobre a concepção ecológica ou nos sistemas de avaliação da rotulagem.

2.14.2

Requisitos de desempenho para os edifícios de muito baixo consumo energético («casas passivas»). Ampliar o âmbito de aplicação da directiva relativa ao desempenho energético dos edifícios (actualmente aplicável a áreas superiores a 1 000 m2) e elaborar, em 2009, uma nova directiva relativa a requisitos mínimos comunitários aplicáveis aos edifícios novos e restaurados (em kWh/m2). Em colaboração com o sector da construção, serão elaboradas estratégias específicas para os edifícios de muito baixo consumo energético.

2.14.3

Tornar mais eficientes a produção e a distribuição da energia. O sector da transformação de energia utiliza cerca de um terço de toda a energia primária, com uma eficiência energética de transformação de aproximadamente 40 %. Com as novas capacidades de geração poder-se-á atingir uma eficiência próxima dos 60 %. As perdas no transporte e distribuição de electricidade, próximas de 10 %, podem ser consideravelmente reduzidas. Serão estabelecidos requisitos mínimos de eficiência energética para as novas capacidades de produção de electricidade, de calor e de frio inferiores a 20 MW. Espera-se conseguir novos progressos com a aplicação da directiva (2004/8/CE) relativa à promoção da cogeração. Por último, serão introduzidos requisitos mínimos e normas de desempenho para o aquecimento urbano.

2.14.4

Automóveis energeticamente mais eficientes. A fim de reduzir as emissões de CO2, a Comissão vai propor em 2007, caso se revele necessário, legislação destinada a garantir a consecução da meta de 120 g CO2/km até 2012. Está em curso uma avaliação sobre a utilização de instrumentos fiscais ligados à emissão de CO2. O sector dos pneumáticos deverá igualmente prestar o seu contributo em matéria de eficiência energética (que pode atingir 5 %), tanto mediante a aplicação de normas relativas à resistência ao rolamento, como através de um enchimento adequado. A Comissão elaborará um Livro Verde sobre transportes urbanos, a fim de incentivar o recurso aos transportes públicos e outras soluções que permitam abordar o problema mais radicalmente, em particular nas zonas com forte densidade de tráfego.

2.14.5

Facilitação do financiamento adequado de investimentos em eficiência energética para pequenas e médias empresas e empresas de serviços energéticos. A Comissão instigará o sector bancário a oferecer modalidades de financiamento especialmente destinadas à poupança de energia. A fim de promover as eco-inovações será garantido o acesso, particularmente das PME, ao financiamento comunitário, como os fundos de investimento «verde» ou o «Programa-Quadro para a Competitividade e a Inovação».

2.14.6

Impulsionar a eficiência energética nos novos Estados-Membros. A Comissão apela a que os fundos previstos para a política de coesão se destinem mais consequentemente à realização de projectos importantes de eficiência energética.

2.14.7

Utilização coerente da tributação. No próximo Livro Verde sobre tributação indirecta e na directiva revista sobre a tributação dos produtos energéticos e da electricidade, prevê-se integrar considerações relativas à eficiência energética e à protecção do ambiente. Por outro lado, analisar-se-á a oportunidade de recorrer a créditos fiscais para incentivar as empresas e os consumidores a privilegiar os electrodomésticos e outros aparelhos de maior eficiência energética.

2.14.8

Aumentar a sensibilização para a eficiência energética. Encorajar-se-á o desenvolvimento das competências e da formação e programas de informação para os gestores de energia nas empresas e nos serviços de utilidade pública. Os estabelecimentos de ensino receberão material didáctico ad hoc.

2.14.9

Eficiência energética em zonas urbanizadas. Em 2007, a Comissão criará um «Pacto de Autarcas» entre as 20 cidades europeias maiores e mais pioneiras em matéria de eficácia energética, a fim de favorecer o intercâmbio das melhores práticas.

2.14.10

Impulsionar a eficiência energética à escala mundial. O objectivo é celebrar um acordo-quadro com os principais parceiros comerciais e as organizações internacionais mais importantes sobre a melhoria da eficiência energética nos sectores da utilização final e da transformação.

Conclusões

A Comissão conclui o seu documento anunciando uma revisão intercalar do seu plano de acção em 2009 e apelando a um forte apoio do Conselho, do Parlamento Europeu e dos responsáveis pela elaboração de políticas nacionais, regionais e locais tendo em vista a sua aplicação.

3.   Observações na generalidade

3.1

O plano de acção proposto pela Comissão procura abordar de modo coerente o conjunto das iniciativas necessárias para realizar um objectivo ambicioso, ou seja, conseguir poupar 20 % de energia até 2020, o que permitiria reduzir as emissões de CO2 em 780 Mt/ano. O Comité é de opinião que este objectivo é realista, embora considere desejável, nomeadamente face ao recente relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), procurar por todos os meios reduzir o consumo energético, e apesar de, no seu entender, serem tecnicamente possíveis poupanças de energia superiores a 20 %. Para ser atingido, este objectivo deve ser acompanhado de planos nacionais que permitam obter globalmente o resultado previsto, embora sendo diferenciados em função das condições financeiras e tecnológicas de partida, de modo a assegurar uma repartição equitativa dos objectivos entre os Estados-Membros, em função das suas potencialidades.

3.2

Será igualmente oportuno fixar objectivos intermédios, por exemplo para 2012 e 2016, a fim de eventualmente reforçar as medidas, no caso de divergências significativas. A revisão em 2009 parece demasiado próxima para permitir uma apreciação ponderada. O Comité recomenda igualmente que se preveja uma opção para um objectivo a longo prazo (2040/2050), persistindo nos objectivos de poupança de energia. Dentro de alguns anos serão obsoletos os investimentos realizados no sector da produção energética à base de combustíveis fósseis, que se elevam a milhares de milhões de euros. É conveniente substituir estas instalações o mais eficaz e rapidamente possível. Tratar-se-á de um desafio extraordinário que irá a contra-corrente daquilo que se observa hoje em dia, por exemplo a realização de «colossos de vidro» com uma altura que pode atingir os 120 andares e que são iluminados noite e dia ou o consumo do território dedicado às infra-estruturas de transporte. É forçoso que os poderes públicos tomem muito rapidamente consciência do esforço titânico que exigirá a solução do problema colocado pela substituição das fontes de energia.

3.3

A Comissão propõe um plano que reduz o consumo de energia mas que preserva ao mesmo tempo a qualidade de vida. Com base neste objectivo, prevê-se uma redução da intensidade energética de 3,3 % até 2020, na hipótese de um crescimento do PIB constante de 2,3 %, equivalendo esta redução a uma redução anual real do consumo energético de 1 % e a uma diminuição absoluta do consumo de 14 % entre 2005 e 2020. O Comité considera oportuno sugerir à Comissão o lançamento de um debate específico sobre os «estilos de vida» e sobre o que comummente se designa por «qualidade de vida». Esta última é medida por alguns em função do número de aparelhos electrodomésticos, telefones móveis e veículos por pessoa, enquanto outros a medem em função das emissões de CO2, de partículas e de poeiras finas, dos engarrafamentos, do tempo de deslocação e da qualidade do serviço público. É claro que, em termos de eficácia e poupança de energia no sentido estrito, uma mudança, mesmo muito limitada, para uma acepção mais ecológica da expressão «estilos de vida» acelerará a realização dos objectivos propostos. O Comité pergunta à Comissão se considera realmente possível manter no futuro, para as próximas gerações, o mesmo estilo de vida que implica um aumento do consumo e das emissões. É essencial aceitar a ideia de que a poupança de energia não deve servir para financiar outros consumos, por um efeito de bumerangue. Por conseguinte, é conveniente prever atempadamente a necessidade de uma reorganização do sistema económico, favorecendo a construção de infra-estruturas adequadas e propondo às novas gerações um sistema de valores adequado, por exemplo (2):

reduzir a utilização dos recursos e da energia;

prevenir a poluição do ar, da água e do solo;

reduzir os resíduos na fonte;

minimizar os riscos para a população e o ambiente.

3.3.1

Convém assegurar uma divulgação da responsabilidade em matéria de eficiência energética a todos os níveis, associando aos planos nacionais planos territoriais e locais. Os poderes públicos locais devem se mobilizados para este grande desafio. A amplitude e a importância do plano representam já por si só um verdadeiro desafio. Alguns aspectos do estilo de vida associados ao progresso no século XX terão de ser abandonados e o próprio conceito de estética deverá incluir um juízo ético de aceitação em termos de eficiência energética, como já acontece no caso das peles de animais raros ou dos objectos de marfim. Nesta linha de pensamento, um arranha-céus revestido de vidro ou um veículo tipo SUV (Sport Utility Vehicles) serão considerados inaceitáveis. Uma mudança tão profunda do sistema de valores dominante exige a colaboração também das empresas privadas que deveriam aproveitar a oportunidade para anteciparem a sua reconversão passando a valorizar mais a eficiência energética para retirar dela benefícios ao nível mundial, a utilizar estes novos valores também nos anúncios publicitários em vez de enviarem, como sucede frequentemente, mensagens contraditórias que exaltam o volume e a potência — inútil — como símbolos do estatuto social.

3.4

O plano de acção enuncia dez acções prioritárias que se inscrevem em quatro domínios de intervenção: a transformação, o transporte e a distribuição da energia; os edifícios residenciais e os edifícios comerciais e de uso profissional; os transportes; as utilizações industriais e agrícolas. Estes domínios cobrem mais de 90 % do consumo. Serão tomadas outras iniciativas no âmbito dos acordos internacionais, a fim de estabelecer parcerias para a definição de normas em matéria de formação, informação e comunicação, com vista ao máximo aproveitamento das sinergias, bem como no âmbito da responsabilização de todos os intervenientes.

3.5

O Comité propõe que se acrescente uma acção prioritária suplementar introduzindo medidas para reduzir os combustíveis fósseis destinados ao aquecimento e à refrigeração, e nota que a proposta não considera a possibilidade de criação de redes urbanas de aquecimento e de refrigeração, que permitiriam evitar uma perda de 33 % resultante da transformação da energia primária. Se se recorresse às energias renováveis ou ao tratamento de resíduos seria mesmo possível duplicar este potencial, economizando assim até 50,7 Mtep/ano. O Comité sugere que, em paralelo com as acções prioritárias, sejam adoptadas acções positivas, favorecendo assim o surgimento e o desenvolvimento de novas profissões ligadas ao sector da eficiência energética, a divulgação de novos serviços integrados para a energia, a promoção de novos produtos de baixo consumo energético e menos poluentes, sem esquecer a valorização da I&D nacional e europeia, a par de um aumento sensível dos orçamentos atribuídos e da utilização de todos os recursos tecnológicos já disponíveis. Outras áreas de intervenção possíveis são o desenvolvimento da reciclagem e do tratamento dos resíduos sólidos urbanos, que oferecem igualmente numerosas possibilidades de utilização, a promoção de acções em matéria de responsabilidade social das empresas ou de acordos voluntários nas empresas, com a participação activa dos trabalhadores, utilizando os procedimentos EMAS (sistema comunitário de ecogestão e auditoria).

3.6

O documento da Comissão anuncia numerosas medidas legislativas, designadamente novas directivas e regulamentos, bem como a revisão dos instrumentos existentes, a fim de tornar mais vinculativas as normas em vigor (declaração de 7 de Fevereiro de 2007 relativa ao limite das emissões de CO2 na indústria automóvel). O Comité toma nota das propostas da Comissão e das decisões do Conselho da Primavera de Março passado, mas considera necessário sublinhar que, na sequência dos alargamentos de Maio de 2004 e de Janeiro de 2007, entrou nos novos Estados-Membros um número muito elevado de veículos usados. Este fluxo prossegue e tem mesmo aumentado. O Comité considera que serão necessários muitos anos para substituir totalmente o parque automóvel destes Estados-Membros, e que não é provável que esta substituição tenha lugar com base numa norma vinculativa aplicável ao parque automóvel em circulação.

3.7

O documento não considera a hipótese de alargar as responsabilidades e os poderes comunitários com vista a garantir a realização dos objectivos e permitir à UE falar a uma só voz com os parceiros internacionais. O Comité avalia positivamente o conteúdo do documento do Conselho Europeu e congratula-se com a adopção de uma Política Energética para a Europa (PEE), que considera a política energética como uma das prioridades para o futuro da União Europeia e reforça a cooperação e a política externa da União. Os limites jurídicos dos tratados em vigor, que reservam aos Estados-Membros as decisões de política energética, são em certa medida ultrapassados por um verdadeiro desenvolvimento dos poderes de representação no que diz respeito aos países terceiros, ainda que o n.o 4 do artigo 174.o preveja uma competência partilhada e um papel específico em matéria de cooperação com as organizações internacionais. É evidente que quanto melhor for a coordenação das políticas maior será a capacidade negocial da União. O Comité espera que o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão examinem, se necessário, a eventualidade de uma modificação dos tratados, no sentido de atribuir à representação unitária da União, face aos seus parceiros externos, poderes comunitários mais vastos do que aqueles que pode exercer neste momento.

3.8

A Directiva 2006/32/CE sobre a eficiência energética refere-se não somente à estratégia assente na generalização dos certificados brancos, mas também aos planos de acção nacionais, que devem ser avaliados pelos serviços da Comissão. O próprio plano de acção prevê um incremento significativo da actividade da Comissão, tanto em matéria de iniciativas legislativas e regulamentares como de actividades de verificação. O Comité considera que a experiência até à data tem sido positiva, não obstante certas lacunas na criação do mercado dos certificados brancos, devidas igualmente à falta de regulamentação uniforme nos Estados-Membros. No caso das actividades ligadas à realização dos objectivos da referida directiva e, de um modo mais geral, a fim de tornar eficaz o trabalho da Comissão neste domínio, torna-se necessário aumentar o número de efectivos da Comissão incumbidos destas tarefas. A Comissão avalia as suas necessidades em cerca de 20 unidades. O Comité recomenda uma avaliação rigorosa dos recursos necessários e desejaria ver reforçado o número actual de efectivos.

3.9

A realização das medidas em apreço conduzirá a poupanças e, por conseguinte, a uma diminuição das receitas de IVA que poderá ter repercussões nos orçamentos comunitários, mas que será, em princípio, limitada graças ao desenvolvimento de novas actividades ligadas às políticas de eficiência energética. O Comité exorta a Comissão a efectuar uma avaliação neste sentido, já que este cenário não foi tido em consideração na análise de impacto. O Comité considera que os recursos actuais da União são absolutamente insuficientes para assegurar o funcionamento de todos os programas comunitários, que estão constantemente sujeitos a cortes nos financiamentos de projectos de grande interesse, nomeadamente para efeitos de poupança de energia. A introdução de um eventual «imposto sobre a energia» deverá inscrever-se no âmbito de uma política fiscal que tenha em conta as camadas sociais desfavorecidas e não tenha um impacto negativo nos níveis actuais de segurança social e dos serviços públicos oferecidos.

3.10

O plano de acção ressente-se das dificuldades encontradas na realização dos objectivos previstos no Livro Branco sobre os transportes. Na sua revisão intercalar, a Comissão constata que os obstáculos e as resistências encontrados até agora não permitiram realizar plenamente o potencial de desenvolvimento dos transportes ferroviários e marítimos, que representariam uma notável poupança de energia. O desenvolvimento destes meios de transporte deve ser considerado como uma prioridade absoluta, tendo em conta o tempo necessário tanto para realizar as infra-estruturas como para modificar os hábitos da população. Convém prestar mais atenção à melhoria do transporte dos trabalhadores, que são actualmente fortemente prejudicados por uma política mais orientada para as exigências de um resultado económico imediato do que para a satisfação das necessidades de transporte colectivo, como o mostra a preferência dada aos investimentos no sector da alta velocidade. Tornar mais fáceis as deslocações entre o domicílio e o local de trabalho não só reduz o consumo como também melhora consideravelmente a qualidade de vida das pessoas. Os investimentos públicos necessários para o desenvolvimento dos meios de transporte colectivos foram também afectados por um período difícil de cinco anos marcados pela crise económica, que se repercutiu nos orçamentos públicos de muitos Estados-Membros. A não realização das infra-estruturas indispensáveis, a redução do financiamento comunitário de planos estratégicos como os corredores das redes transeuropeias (RTE) (que passou de 20 para 7,5 mil milhões de euros) e as estratégias dos principais expoentes da indústria automóvel europeia contribuíram para tornar o plano impraticável. O Comité está actualmente a concluir um parecer importante sobre o transporte nas áreas urbanas que chama a atenção para a redução progressiva do recurso aos sistemas de transporte público e preconiza soluções a fim de reduzir a circulação dos meios de transporte privados (3). O Comité deplora a falta de coordenação entre as políticas dos transportes e as da energia, que respondem a uma lógica e a problemas técnicos e industriais necessariamente complementares, bem assim com as políticas do ambiente e da indústria, e exprime a sua preocupação justificada de que, na ausência de coordenação, o documento da Comissão perca grande parte da sua potencial eficácia.

3.11

Estas dificuldades verificam-se também ao nível da produção legislativa, das comunicações e das recomendações da Comissão. Observam-se em Bruxelas os mesmos problemas encontrados a nível nacional, com uma circunstância agravante devida ao facto de as políticas nacionais deverem, em princípio, ser coordenadas a nível europeu (e não ao contrário!).

3.12

Uma política energética europeia deve ter custos suportáveis para todas as camadas sociais, sem gerar disparidades de tratamento no acesso aos serviços oferecidos pelas empresas distribuidoras de energia, na compra de electrodomésticos mais eficazes e no aluguer de apartamentos. Esta política deve criar um saldo positivo de emprego, o que é certamente realizável imediatamente no domínio da habitação. Em cada tipo de intervenção destinada a aumentar a eficiência energética, os desagravamentos previstos deverão tornar explícito o seu interesse para o utente, por forma a que seja razoavelmente breve e facilmente calculável o tempo necessário para amortizar os custos.

3.13

O financiamento desta política não deve pesar unicamente sobre as finanças públicas: tendo em conta os elevadíssimos lucros actualmente realizados pelas indústrias do sector da energia e da electricidade, poder-se-ia criar um fundo utilizando uma pequena percentagem desses lucros (método que já foi, aliás, utilizado por certos Estados-Membros). Importa, no entanto, evitar que isto se traduza num aumento do preço aplicado aos consumidores finais e numa redução dos investimentos estratégicos das empresas. Haverá obviamente que ter em conta os avultados investimentos a realizar pela indústria produtiva para satisfazer a procura cada vez maior a custos cada vez mais elevados, enquanto no caso de outros recursos fósseis o preço se relaciona com a evolução do preço do petróleo, mas os custos da investigação são muito menores, como sucede com as indústrias de distribuição. Por isso, a contribuição para o fundo deveria ter em conta estas grandes diferenças de encargos a suportar para a investigação. Poderia prever-se uma diferenciação entre os vários Estados-Membros, tendo em conta a diversidade das legislações em vigor no que respeita às obrigações das indústrias do sector da energia de investir na investigação sobre eficiência e no controlo do nível dos preços. Esta solução permitiria aos pequenos proprietários, sem recursos financeiros, aumentar a eficiência energética da sua habitação, criando assim um círculo virtuoso criador de emprego.

3.14

A aplicação de medidas de desagravamento fiscal, a utilizar com grande prudência, deve ter em conta as camadas mais desfavorecidas da população que, estando isentas do pagamento de impostos, ficariam excluídas das eventuais disposições destinadas a favorecer e estimular uma política energética eficaz; essas medidas deveriam prever igualmente prémios de desempenho para os contribuintes não sujeitos a tributação fiscal directa, devido aos baixos rendimentos.

3.15

O Comité considera indispensável organizar campanhas de sensibilização a nível europeu, nacional e local, se necessário com base num tema escolhido (a título de exemplo, poder-se-ia, ao longo de um mês, falar de lâmpadas, noutro mês do desenvolvimento dos transportes públicos, e noutro ainda dos sistemas de aquecimento e refrigeração eco-compatíveis e eficazes, etc.). Seria igualmente possível lançar campanhas de ideias e de propostas, continuando a difundir junto dos cidadãos esta exigência imprescindível. Apenas através de uma forte consciencialização colectiva será possível obter resultados concretos. O debate democrático, a implicação de todos os representantes dos diferentes grupos de interesses em jogo e a intervenção dos poderes públicos serão essenciais para gerir com eficácia as acções previstas. É conveniente que os Estados-Membros que dispõem de maior número de consultores técnicos no domínio da eficiência energética contribuam para a formação de peritos nos outros países da União, para uma divulgação homogénea dos conhecimentos necessários para o êxito do plano. Nos Estados-Membros serão encorajados cursos de energética ao nível universitário e superior, favorecendo a cooperação interregional. A Comissão poderia desempenhar neste quadro um papel eficaz de coordenação.

3.16

Importa encontrar o equilíbrio indispensável entre a necessidade de realizar todas as melhorias necessárias, por um lado, e, por outro, a capacidade do sistema económico e produtivo de fazer face a mutações demasiado bruscas. Se os custos forem excessivos, há um risco real de que as indústrias de consumo intensivo de energia deslocalizem a sua produção para zonas menos «exigentes». A rapidez das mudanças deve estar estreitamente ligada às possibilidades de adaptação e de gestão dos custos. É conveniente estudar medidas que permitam celebrar contratos a longo prazo que garantam preços sustentáveis e estáveis para a energia, em troca de compromissos de investimento na inovação, na tecnologia ou em infra-estruturas de produção, transporte e distribuição. Estes investimentos devem ser avaliados em função da sua eficiência energética. Considera-se positivo o recurso a acordos voluntários, mas é igualmente indispensável uma capacidade real e adequada de controlo por parte das instâncias regionais e a vontade de substituí-los por promessas com carácter vinculativo sempre que se tenham revelado ineficazes.

3.17

As acções identificadas devem ter sempre em conta o contexto de um mercado cada vez mais globalizado. A possível subida do preço da energia poderá causar grandes dificuldades aos sectores de forte consumo energético, tal como o do alumínio ou do cimento. Convém nunca perder de vista os objectivos de Lisboa e garantir a competitividade da União Europeia, que deve poder contar com um preço da energia consentâneo com o sistema económico global. A Europa não pode tolerar as persistentes ameaças de deslocalização proferidas repetidamente por certos sectores ou empresas. As empresas que optam pela deslocalização unicamente para poderem aumentar os seus lucros deveriam ser penalizadas, na medida em que, para além dos inevitáveis problemas sociais, por vezes dramáticos, a que dão origem, e cuja resolução transferem para a colectividade, provocam distorções no mercado interno, falseando a concorrência ao introduzir mercadorias produzidas sem quaisquer restrições em países terceiros mais tolerantes.

4.   Observações na especialidade

4.1

Por evidentes razões de fundo e de metodologia, o CESE não tenciona analisar separadamente cada acção proposta (cerca de 75), mas considera necessário exprimir o seu ponto de vista sobre as medidas mais significativas e sobre as propostas mais importantes contidas no documento e nos seus anexos. Foi realizada uma audição no CESE e foram recebidas ulteriormente dos intervenientes informações válidas que contribuíram para enriquecer os conhecimentos e para as reflexões do Comité.

4.2

É de referir, antes de mais, que as disposições adoptadas até ao momento em matéria de eficiência energética, aplicáveis aos produtos que consomem energia, ao sector da construção e aos serviços energéticos deram bons resultados e permitiram sensibilizar produtores e consumidores muito interessados e dispostos a alargar a oferta e a procura de novos produtos cada vez mais eficientes. A constatação imediata das poupanças possíveis, bem como a educação e a sensibilização cada vez mais difundidas para as questões ambientais, levam-nos a inferir que estas políticas podem ser realizadas muito rapidamente e produzir os resultados almejados. A concepção ecológica constitui um factor de êxito e de popularidade junto do grande público, que presta cada vez maior atenção aos conteúdos da oferta. É necessário incentivar nos produtores a tendência, de que em parte já dão provas, de enfatizar a eficiência energética e fornecer aos consumidores instruções detalhadas para a utilização eficaz dos seus produtos, do ponto de vista energético. Convém igualmente ter em conta o modelo americano de concessão de incentivos específicos às empresas empenhadas em actividades de concepção ecológica, o qual permitiu obter resultados muito animadores. O Comité considera que o apoio ao sistema de concessão de créditos fiscais às empresas que desenvolvem e fabricam produtos de grande eficiência energética conduz a um resultado concludente, desde que este sistema seja acompanhado por uma vigilância eficaz e incisiva do mercado e dos produtos, tal como aconteceu no sector mecânico. Esta vigilância deve ser interpretada como uma garantia para os produtores «virtuosos» de não investirem em vão na eficiência energética e ser recomendada às autoridades regionais dela incumbida.

4.2.1

As normas de rotulagem constituem uma excelente ferramenta que deve ser incentivada e desenvolvida para uma gama de produtos tão ampla quanto possível e rapidamente alargada aos sectores automóvel e da construção. O CESE aprova esta proposta e convida a Comissão a submeter ao sistema de normas mínimas de desempenho energético os 14 produtos identificados, prestando a devida atenção a cada segmento específico do mercado, a fim de obviar às possíveis distorções da concorrência causadas por um novo quadro normativo. Convém igualmente identificar outros produtos de utilização final que devem respeitar as normas mínimas. A prioridade atribuída à redução do consumo em modo de vigília e «hibernação» tem o aval do Comité que considera muito importante esta medida por contribuir para reduzir até 70 % o consumo de energia nestes modos através da substituição progressiva dos aparelhos utilizados. Além disso, o Comité entende que o regulamento «Energy Star» deve prever também para a UE a obrigação de registo (já em vigor nos Estados Unidos) dos concursos relativos à compra de equipamento de escritório e espera da Comissão «que ela própria dê o exemplo» (4). Este acordo deveria ser negociado igualmente com outros grandes produtores provenientes do Leste Asiático, a quem cabe doravante uma parte importante do mercado da electrónica de consumo.

4.2.2

No que diz respeito aos aparelhos electrodomésticos, na ausência de procedimentos rápidos de controlo da exactidão dos rótulos e de sanções em caso de infracção, corre-se o risco de prejudicar gravemente as empresas «virtuosas» que investem na eficiência energética e de permitir a introdução no mercado de produtos não conformes. É necessário incentivar, em primeiro lugar, a substituição dos aparelhos electrodomésticos mais antigos (calcula-se que sejam utilizados na Europa 200 milhões de aparelhos com mais de dez anos), que representa o mais importante factor de poupança, e também evitar que os electrodomésticos antiquados e ineficazes do ponto de vista energético sejam comercializados no mercado dos aparelhos usados nos países em vias de desenvolvimento. Importa, além disso, assegurar que as iniciativas destinadas a financiar a compra de electrodomésticos sejam reservadas aos produtos mais eficientes do ponto de vista energético.

4.2.2.1

A este respeito convém sublinhar que, embora recuse cumprir o código voluntário de auto-regulação, a indústria de electrodomésticos declara implicitamente que são necessárias medidas obrigatórias para regular o mercado. A ausência de sanções contra produtores e importadores sem escrúpulos, que aplicam o rótulo «A» a produtos que não estão em conformidade com as normas definidas em matéria de poupança de energia, facilitou na prática a proliferação no mercado de «falsos» electrodomésticos de baixo consumo. Esta lacuna dos acordos voluntários denunciada pelas empresas europeias que exigem uma «norma» suscita certas dúvidas quanto à sua eficácia.

4.2.3

Actualmente estão já disponíveis materiais, métodos de construção e sistemas alternativos ao modo de aquecimento tradicional, por exemplo as caldeiras de condensação, que permitem economizar 6 a 11 % do combustível ao reutilizar o calor latente que normalmente se dispersa. O consumo dos aparelhos de ar condicionado poderia ser reduzido mediante a utilização de protecções contra a luz solar instaladas fora dos edifícios, uma vez que as internas impedem a passagem da luz mas impedem a entrada de grande parte da energia térmica. É necessário, antes de mais, incentivar o desenvolvimento das chamadas «casas passivas» (edifícios de muito baixo consumo energético): pertencem a esta categoria, por exemplo, os edifícios que têm um consumo anual máximo de 15 kWh/m2 (Inverno-Verão), no atinente ao consumo de base para a refrigeração e o aquecimento. Convém igualmente indicar o consumo total (quantidade suficiente) e o consumo-limite de energia primária, abrangendo a totalidade das utilizações (iluminação, electrodomésticos, incluindo a secagem da roupa, uma vez que secar um quilo de roupa pode consumir 3 a 4 vezes a quantidade de energia necessária para um ciclo de lavagem). Considerando que as poupanças potenciais podem permitir passar de uma média anual de consumo de 180 kWh/m2 para cerca de 15 kWh/m2 ao ano, logo se conclui que podemos economizar (eficiência + quantidade suficiente) até 90 %! (A título de exemplo, no complexo residencial de casas passivas de Wiesbaden, constituído por 22 casas, o consumo médio anual é de 13,4 kWh/m2 e no complexo de Kronsberg, com 32 casas passivas, o consumo médio anual é de 14,9 kWh/m2). A abertura de um mercado europeu deste tipo de produtos deveria ser incentivada, a fim de favorecer o amplo acesso a estas tecnologias a preços razoáveis.

4.2.4

O Comité considera oportuno recordar a necessidade de investimentos públicos a favor da eficiência energética nos edifícios públicos e de utilidade social, associando-os à utilização de fontes de energia renováveis, designadamente nos novos Estados-Membros que apresentam um potencial significativo no domínio da conservação de energia. Paralelamente aos programas de harmonização regulamentar e às acções de formação para preparar técnicos especializados, o Comité defende que uma parte dos Fundos Estruturais seja consagrada a este objectivo e que as instituições financeiras europeias sejam instadas a apoiar os investimentos no domínio da modernização energética dos edifícios.

4.2.4.1

As casas passivas propriamente ditas exigem certas características de construção (isolamento excelente de paredes e solos, condutas de pré-circulação do ar à entrada situadas sob o próprio edifício), que torna complicada e dispendiosa uma adaptação completa a esta norma das habitações existentes. Esta situação põe em evidência a necessidade de consagrar esforços substanciais no sentido da aplicação da norma passiva ao maior número possível de novas construções, nomeadamente aos edifícios públicos, para os quais deveria tornar-se gradualmente obrigatória. A par disso, aquando de obras de restauração ou manutenção de edifícios privados, que poderiam também ser apoiados por fundos de maneio com taxas de juro muito baixas, é extremamente importante velar pela adopção de muitas das soluções energeticamente eficientes das casas passivas. Com efeito, convém não esquecer que os edifícios já existentes representarão, em 2020, a maior parte dos edifícios ocupados. Para a habitação destinada a arrendamento, convém abordar a questão das modalidades que tornam vantajoso para os proprietários um investimento maciço na poupança energética dos edifícios e cujas vantagens directas tendem a beneficiar principalmente os inquilinos.

4.2.4.2

Na análise de impacto (documento SEC (2006) 1175), a Comissão prevê que se possa chegar a uma poupança de 140 Mtep graças à alteração da Directiva 2002/91/CE relativa ao desempenho energético dos edifícios, com vista a reduzir a dimensão dos edifícios (1 000 m2) a que são aplicáveis as normas mínimas (tornando-as mais rigorosas para os edifícios públicos), e à generalização do sistema dos certificados de desempenho energético (certificados brancos). O CESE está perplexo com a possibilidade de realizar este objectivo a curto prazo (5). O Comité considera que os Estados-Membros se devem munir de instrumentos homogéneos para medir o impacto da regulamentação (por exemplo, a qualidade do isolamento térmico) e que devem ser obrigados a adoptar medidas de controlo eficazes (refiram-se, por exemplo, as diferenças existentes entre a França, onde os controlos são escassos, e a região flamenga, onde são muito mais frequentes). A este respeito, o Conselho e o Parlamento deveriam verificar se existem bases jurídicas para autorizar a Comissão a elaborar um regulamento que possa substituir uma proposta de nova directiva, revogando simplesmente a Directiva 2002/91/CE, após 2009.

4.2.4.3

Numa tese de mestrado publicada recentemente (6) afirma-se o seguinte:

1.

«Quando se aborda a questão da renovação energética de um edifício existente, de uso residencial, comercial ou escolar, nem sempre é possível atingir os objectivos específicos dos edifícios de baixo consumo e das casa passivas …

2.

Para levar a cabo um projecto de renovação, torna-se necessário um investimento que pode constituir uma sobrecarga para as pessoas singulares: na ausência de disponibilidades económicas, mesmo o investimento potencialmente mais remunerador está condenado a não ser tido em conta.

3.

Para atingir o nível de consumo energético das casas passivas graças a um melhor isolamento, são necessários conhecimentos técnicos específicos, que não são certamente impossíveis de adquirir. Estas noções não deveriam ser utilizadas exclusivamente durante a fase do projecto, mas igualmente, e principalmente, durante a fase operacional.

4.

A utilização da energia responde a necessidades essenciais dos utilizadores e tornou-se claro que estas não são flexíveis: as variações, mesmo bruscas, do preço da energia não acarretam uma modificação igualmente rápida dos comportamentos a curto prazo. Uma limitação do consumo ou a procura de fontes de energia alternativas são reacções de adaptação a um novo equilíbrio que se observam posteriormente, numa óptica de longo prazo no âmbito da qual, no entanto, a elasticidade da curva da procura de energia regista apenas uma pequena melhoria.»

4.2.4.4

O quadro que emerge desta análise indica-nos que uma espessura de isolamento elevada (superior a 16 cm, no mínimo) permite poupanças que justificam sempre o investimento realizado a fim de atingir o objectivo das casas passivas, sobretudo em comparação com os edifícios tradicionais. Do ponto de vista operacional, verifica-se que o isolamento da camada exterior no seu conjunto é prioritário em relação às outras intervenções, enquanto que uma análise global das operações permite optimizar o valor actual líquido (VAL) do investimento.

4.2.5

No que diz respeito aos certificados brancos, a experiência conclusiva dos países que adoptaram este método contrasta com o atraso da inovação industrial que caracteriza certos países da União. Com efeito, para poder dispor de um sistema eficaz de certificados de eficiência energética, é necessário ter objectivos realistas em relação ao potencial técnico e económico, dispor de um vasto leque de opções de realização (sectores, projectos, agentes, custos), assegurar o funcionamento do mercado (estrutura da oferta e da procura, condições complementares), ter regras claras, transparentes, simplificadoras e não discriminatórias (condições de acesso ao mercado, regras do mercado), e prever sanções plausíveis. Há estas condições no potencial mercado europeu dos certificados de eficiência energética? A possível difusão deve ser, portanto, aplicada com a devida prudência.

4.3

As perdas na fase de transformação equivalem ao conjunto do consumo primário de energia dos edifícios residenciais e da indústria, ou seja, uma percentagem de 33 %, que equivale a mais de 580 Mtep. Por conseguinte, o Comité considera que esta questão deve, obviamente, constituir um domínio de intervenção prioritário. As perdas durante a fase de transporte a grande distância são um factor importante. As modernas linhas de alta tensão e de corrente contínua representam certamente um sector de desenvolvimento, dado que permitem perdas de cerca de 3 % de potência por 1 000 Km de rede. Graças a esta tecnologia, é possível não só realizar poupanças significativas, mas também eliminar os efeitos electromagnéticos provocados pela transmissão em corrente alterna, como as emissões de ondas electromagnéticas ELF (Extremely Low Frequency), que são geradas pela transmissão em corrente alterna. As tecnologias actuais tornam já este tipo de transporte a longa distância vantajoso do ponto de vista económico (são utilizadas há dezenas de anos na Suécia, nos EUA e estão a ser construídas em todo o mundo), ao passo que a distâncias curtas é necessário ter em conta o custo ainda elevado das instalações de transformação de baixa tensão alterna para uma utilização local. Dever-se-ia incentivar a realização de esforços no sentido de uma redução destes custos, através de programas de investigação específicos (7).

4.3.1

Outro domínio de intervenção é constituído pelas medidas em prol da adopção da tecnologia solar termodinâmica, que poderia ser realizada em parceria com os países da zona euro-mediterrânica, a qual dispõe de amplas superfícies desérticas com uma exposição solar forte e constante. Um relatório recente encomendado pelo Ministério do Ambiente da República Federal da Alemanha sublinha o aspecto estratégico desta tecnologia, desenvolvida pelo prémio Nobel italiano C. RUBBIA e que está actualmente em fase de ensaio em Granada. A ENEL, em colaboração com a ENEA, lançou recentemente um projecto que permite, pela primeira vez no mundo, a integração entre um ciclo combinado a gás e uma instalação solar termodinâmica. Utilizando uma tecnologia inovadora e exclusiva, concebida pela ENEA, o projecto Arquimedes produz energia eléctrica a partir do sol de uma maneira constante. Este projecto pode gabar-se também de outras características únicas no mundo, ao ponto de explorar também cinco novas patentes, por exemplo, a dos fluidos em fusão, líquidos que, depois de aquecidos, emitem calor a partir do qual se produz energia. Os líquidos utilizados até ao momento puderam ser aquecidos até 300 graus centígrados. Os utilizados no âmbito do projecto Arquimedes atingiram uma temperatura de 550 graus centígrados, a mesma do vapor da energia fóssil, podendo deste modo serem integrados nas centrais tradicionais e contribuir para a estabilidade do sistema energético.

4.3.2

O Comité recomenda às instituições europeias que se empenhem activamente nesta via, adoptando medidas específicas de apoio ao desenvolvimento da energia solar termodinâmica.

4.3.3

A cogeração de calor e de electricidade, tanto no que respeita à utilização do calor residual da produção de electricidade para o aquecimento, como no que se refere à produção de electricidade a partir do calor residual (por exemplo nos fornos industriais), poderia permitir aumentar consideravelmente a eficácia da exploração dos combustíveis, passando de uma taxa de cerca de 35 % para 70 %. Convém ter em conta os custos suplementares a que a produção distribuída e a distribuição activa dão origem para os gestores de rede, e, por conseguinte, incentivar os investimentos necessários, tomando em consideração as condições de partida diferentes dos diversos Estados-Membros. O Comité partilha a tese da Comissão segundo a qual é preciso desenvolver instalações de cogeração de alto rendimento, embora a normalização dos métodos de cálculo tenha sido adiada para 2010 e continuem a ser emitidas garantias de origem em que nem sempre é possível verificar a observância das normas mínimas. O Comité interroga-se sobre se não seria possível encurtar os prazos para a harmonização dos métodos de cálculo, o que propiciaria o desenvolvimento do mercado interno das instalações de cogeração, actualmente dificultado pela hetrogeneidade regulamentar dos vários países. Cada Estado tem actualmente a liberdade de adoptar os seus próprios métodos de cálculo para avaliar a eficácia das instalações e torná-las elegíveis para o regime comunitário, o que em princípio corresponde ao previsto na directiva. Mas não é isto que se verifica na prática e as instalações apresentam resultados muito díspares quando subordinadas aos métodos de cálculo de vários países. A harmonização constitui um instrumento eficaz igualmente no combate à fraude. Conviria reforçar o empenho da União, tendo em conta o facto de que os resultados do primeiro controlo, em 21 de Fevereiro de 2007, não estão em conformidade com os objectivos estratégicos, como se infere dos documentos de avaliação apresentados pelos Estados-Membros sobre os progressos realizados no desenvolvimento da cogeração, a fim de aumentar a quota de electricidade produzida com esta técnica.

4.3.4

O Comité solicita à Comissão e ao Conselho um maior empenho no apoio a programas de trigeração, que utilizam o calor residual igualmente para a produção de frio. São muito significativos os coeficientes de desempenho (COP), ou seja, a relação entre a energia frigorífica de saída e a energia térmica de entrada destes equipamentos. Para um COP de 2,0 das instalações tradicionais, obtém-se nas instalações de trigeração um COP de 0,7-1,3, em função do calor utilizado (8). São já comercializados regeneradores que utilizam resíduos da madeira que podem aproveitar produtos derivados da transformação frutícola (caroços, pele e cascas) e agrícola (bagaços de azeitona, maçarocas de milho), os resíduos das serrações e da transformação da madeira, os resíduos de poda e de descasque, as cascas de café, os resíduos de palma, os resíduos industriais e as embalagens inutilizadas. Com 100 Kg destes resíduos pode obter-se 70 kw de potência eléctrica contínua (80 kw em potência de pico) e 130 kw de calor e arrefecimento. Uma tonelada de desperdícios florestais a 70 euros pode substituir 160 litros de gasóleo, que custam 175 euros.

4.3.5

O Comité assinala a conveniência de lançar uma campanha e medidas para limitar o uso dos materiais para confeccionar os produtos, que deverão poder ser reciclados. O consumo de energia para os produzir e depois para os eliminar é anormal, dado a maior parte destas embalagens não ser biodegradável, mas ser causa grave de poluição.

4.4   Funcionamento do mercado

4.4.1

Actualmente, o mercado da energia não concretizou todo o seu potencial de eficiência e nota-se a necessidade de uma maior transparência no que se refere à eficiência real das centrais e às perdas das redes de transporte. Os mercados do gás e da electricidade não foram ainda completamente liberalizados. Em certos casos, a insuficiente transparência na formação dos preços e no próprio processo de liberalização obsta a uma verdadeira política de eficiência energética. Neste contexto, parece ser útil consolidar o conceito de separação jurídica entre as empresas gestoras de monopólios técnicos e as que operam em regime de livre concorrência, prevista nas directivas relativas à liberalização do mercado interno da electricidade e do gás natural (Directiva 2003/54/CE e 2003/55/CE) com o conceito mais vinculativo de separação da propriedade.

4.4.2

A política de preços neste sector deveria incentivar a poupança e a eficiência energética, nomeadamente dos combustíveis fósseis, e favorecer as fontes de energia renováveis. Deve prestar-se particular atenção aos consumidores das camadas mais desfavorecidas da população, segundo o princípio de que é necessário garantir-lhes a disponibilidade de energia suficiente para o consumo de base, mas mantendo a sua motivação económica para poupar energia. Por exemplo, poderia ser útil garantir tarifas sociais para os mais carenciados, mas apenas até um dado limite de consumo, ou então apoiar economicamente as famílias.

4.4.3

Uma experiência interessante para estimular a poupança de energia consiste em adoptar contadores electrónicos que permitem utilizar um sistema de telegestão da distribuição de energia e optimizar a gestão das cargas nas redes. De acordo com a empresa ENEL (a maior companhia italiana de electricidade), que equipou gratuitamente os seus 30 milhões de clientes com um contador electrónico, a racionalização do consumo de energia, também através da adopção de uma política tarifária orientada, permite aproveitar ao máximo a produção, em particular durante as horas de menor consumo. O contador electrónico, que contribui para uma maior sensibilização do utilizador final e favorece uma utilização mais racional dos recursos, foi reconhecido como instrumento de eficiência energética na acepção das directivas relativas aos serviços energéticos e à segurança de aprovisionamento.

4.4.4

O modelo de geração «distribuída», ou seja, englobando uma multiplicidade de produtores, mesmo de muito pequena dimensão, comporta uma série de novos problemas associados às modalidades de funcionamento das redes de média e baixa tensão, concebidas exclusivamente para uma utilização unidireccional. São necessários investimentos substanciais para fazer face às novas modalidades de produção. É certo que a produção descentralizada permite menos perdas durante a fase de transporte, mas os investimentos necessários são muito elevados e há forte resistência local à instalação de centrais, mesmo de pequena dimensão.

4.5

O sector dos transportes despendeu muita energia na redução do consumo e das emissões poluentes, mas é legítimo pedir-lhe um esforço suplementar, tendo em conta que é o sector com mais forte crescimento do consumo e uma das principais fontes de gases com efeito de estufa (entre 1990 e 2004, as emissões de CO2 provocadas pelo transporte rodoviário aumentaram 26 %.) A dependência das importações dos países terceiros no que respeita ao combustível destinado ao transporte (constituído em 98 % por combustíveis fósseis) confere ainda maior responsabilidade à indústria europeia deste sector, que deve prestar o seu indispensável contributo em matéria de eficiência energética, redução das emissões e diminuição das importações de produtos petrolíferos e de gás.

4.5.1

A decisão muito recente da Comissão de fixar por via legislativa a aplicação do objectivo de atingir os 120 g de CO2/Km, a rotulagem dos pneumáticos prevendo limites máximos específicos de resistência ao rolamento, a modificação das exigências aplicáveis aos combustíveis, bem como a introdução de misturas de combustíveis de elevado teor de etanol, de biocombustíveis, de combustíveis de baixo teor de carbono e de gasóleo de muito baixo teor de enxofre, são um sinal elucidativo para o mercado. Durante o período de 2011-2020, os fornecedores europeus deverão reduzir em 10 % as emissões de gases com efeito de estufa produzidos pelos seus combustíveis durante as fases de refinação, transporte e utilização; no final deste período, registar-se-ão economias na emissão de CO2 de 500 milhões de toneladas. A motivação subjacente a estas escolhas decorre do facto de que entre 1995 e 2004 as emissões foram reduzidas apenas em 12,4 % (de 186 g de CO2/Km para 163 g de CO2/Km), acompanhadas de um aumento sensível da potência média dos veículos, o que torna mais difícil reduzir as emissões tóxicas. Esta incongruência sugere a utilidade de aumentar os impostos sobre veículos de luxo não energeticamente eficientes, conforme já sucede nalguns Estados-Membros. A Comissão avalia o efeito sobre as emissões de CO2 em 2020 em 400 milhões de toneladas suplementares.

A Associação dos Construtores Europeus de Automóveis (ACEA) pediu o adiamento para 2015, no mínimo, dos limites fixados para 2012 e que todos os agentes sejam implicados, como foi preconizado pelo grupo de alto nível «Cars 21». Os construtores europeus entendem que estas medidas comportarão custos insustentáveis para as empresas europeias se não forem acompanhadas de um planeamento a longo prazo da adaptação dos modelos.

4.5.2

O Comité considera oportuno notar que a substituição maciça dos combustíveis fósseis por biocombustíveis comporta o risco de competição entre a produção de combustíveis e a de produtos alimentares, na repartição dos terrenos férteis, e de uma subida do preço dos géneros alimentícios no sentido de um alinhamento pelo preço dos produtos energéticos, os quais, por seu turno, são estreitamente dependentes do preço dos combustíveis fósseis. Pode, assim, de certo modo dizer-se que se estaria a pôr em concorrência (9) os automobilistas do Norte com a população desfavorecida dos países do Sul, afectada pela fome. Surge um problema ético objectivo, uma vez que nos países do Norte do planeta os recursos agrícolas passam a ser utilizados para produzir combustível, quando poderiam salvar milhões de vidas no hemisfério Sul subdesenvolvido. A produção total de milho do Iowa poderia ser destinada à produção de etanol. Se pensarmos que para encher o depósito de um veículo de tipo SUV (veículo utilitário desportivo — Sport Utility Vehicle), de 25 galões, equivalente a 94,5 litros, se consome a ração alimentar anual de uma pessoa, então esta questão torna-se tangível e exige uma resposta. O Comité está a elaborar já um parecer específico sobre esta questão (10).

4.5.3

O Comité nota, por um lado, que a Comissão solicita acordos voluntários e que, por outro lado, anuncia medidas obrigatórias. A Comissão reconhece que a auto-regulação desempenha um papel fundamental «quando permite atingir os objectivos mais rapidamente e de maneira mais económica que as obrigações legais» e que «os acordos voluntários podem apresentar vantagens em relação à legislação. Podem trazer progressos rápidos devido à sua aplicação célere e económica e permitem adaptações flexíveis e coerentes no que respeita às opções tecnológicas e às orientações do mercado». O Comité solicita à Comissão que examine com cuidado as causas dos escassos avanços na limitação das emissões de CO2 da indústria automóvel europeia, que está na primeira linha em termos de investimentos na investigação e no desenvolvimento. O Comité concorda com a afirmação da Comissão de que a existência de legislação vinculativa nem sempre permite o pleno desenvolvimento do potencial de investigação ou a realização dos progressos possíveis nas soluções a adoptar.

4.5.4

O sector da construção civil tem um papel essencial na realização da eficiência energética, tanto ao construir novos edifícios como ao adaptar os existentes. Em vários países, o sector foi lento a adaptar-se aos novos métodos e opôs resistência à imposição de normas mais exigentes. É necessário um grande esforço para «reeducar» todos os operadores do sector para a necessidade e a exequibilidade de normas mais severas, bem como para os persuadir a estarem sempre na vanguarda da experimentação de normas de eficiência energética mais estritas, em vez de resistirem à mudança. Os projectistas, os dirigentes e todos os profissionais activos no sector da construção civil precisam de receber formação adequada sobre as intervenções possíveis para melhorar a eficiência energética e de beneficiar de incentivos para atingirem esse objectivo.

4.6

O Comité apoia sem reservas as medidas de incentivo consubstanciadas nas estratégias financeiras e fiscais propostas pela Comissão. Congratula-se, em especial, com a implicação do Banco Europeu de Investimento (BEI) e do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD), mas também com os esforços de sensibilização do sistema bancário europeu, no sentido de concederem o apoio financeiro necessário para a realização dos planos energéticos nacionais. A eliminação definitiva dos obstáculos ainda existentes à segurança jurídica das empresas que fornecem soluções de eficiência energética (as chamadas «empresas de serviços energéticos» ou ESCO) adquire aqui uma importância particular.

4.6.1

O Comité apreciaria a convocação de uma conferência específica sobre o financiamento da eficiência energética, que teria como finalidade sensibilizar os intervenientes e promover, no âmbito do sistema bancário europeu, o objectivo de participar na realização de um grande projecto de modernização da economia europeia. As instituições bancárias poderiam ser associadas a uma espécie de «desafio do milénio», que recompensaria os bancos que tivessem adoptado as melhores soluções para financiar a eficiência energética.

4.7

De acordo com o Comité, são fundamentais acções de sensibilização do grande público a desenvolver pelas autoridades nacionais e locais, pelas empresas transformadoras e pelas empresas produtoras de energia. Convém sublinhar o papel dos poderes regionais enquanto veículo «imparcial» de informação ao serviço do público. Importa também assegurar uma ampla divulgação dos resultados positivos das iniciativas de poupança energética. As qualidades de eficiência energética e de respeito do ambiente deveriam ser exaltadas na publicidade, enquanto elemento determinante da qualidade dos produtos, para favorecer uma evolução positiva do conceito de «símbolo de estatuto social», uma vez que hoje em dia este último é demasiadamente associado explicitamente a produtos cuja ineficiência energética é manifesta face à sua utilização real. O Comité apoia a criação do «Pacto de Autarcas», mas considera que reunir apenas as vinte primeiras cidades europeias constitui um objectivo muito modesto. O objectivo visado deve ser muito mais ambicioso e as experiências locais devem ser mais valorizadas. A criação de um portal específico na Internet dedicado ao intercâmbio de boas práticas entre as grandes, médias e pequenas cidades da União, nas quais se concentram mais de 80 % da população europeia, poderia oferecer um instrumento muito útil para o contacto entre os responsáveis da administração local, incumbidos das políticas dos transportes urbanos, e as pessoas encarregadas das actividades de proximidade com um impacto imediato na opinião pública. A emissão de um certificado de «município de grande eficácia energética» (o primeiro certificado foi concedido a Varese Ligure, um pequeno município italiano) dá muito certamente um forte impulso à adopção a nível local de políticas de melhoria da eficiência energética. A Comissão poderia lançar um «concurso europeu da eficiência energética» entre os estabelecimentos de ensino europeus para premiar a escola que propuser soluções aliando economia e qualidade e que oferecerem os melhores resultados.

4.7.1

O Comité lamenta que o plano de acção não tenha em conta a influência que os parceiros sociais e o diálogo social podem exercer a todos os níveis importantes, a fim de avaliar, promover e desenvolver políticas de poupança de energia. O Comité espera que a Comissão tome iniciativas a fim de incentivar a inserção dos temas da sustentabilidade ambiental nas estruturas de diálogo social nos diversos níveis, em especial a nível sectorial e nos conselhos de empresa europeus. Uma abordagem centrada no posto de trabalho, que permita melhorar a qualidade da informação, da consulta e da participação dos trabalhadores, poderia transformar-se numa fonte muito importante de poupança energética, desde logo se se considerarem os processos produtivos e as novas tecnologias industriais, os problemas de mobilidade dos trabalhadores, a reciclagem e o teletrabalho, para citar apenas os aspectos mais importantes. Justamente por isso é absolutamente necessário envolver os representantes dos trabalhadores nas estratégias de eficiência energética. A celebração de acordos colectivos de distribuição aos trabalhadores de uma parte das poupanças realizadas pela empresa, com base numa verdadeira parceria, poderia ser uma questão a estudar pelos parceiros sociais. As organizações sindicais podem desempenhar um papel fundamental no domínio do conhecimento e da sensibilização, a nível europeu e nacional, contribuindo assim para a divulgação das boas práticas.

4.7.2

É necessário que o tema da poupança de energia seja associado às boas práticas de responsabilidade social das empresas, nomeadamente das multinacionais. Esta questão requer um diálogo social reforçado para abordar o conjunto dos problemas de eficiência energética de modo a contribuir para a definição de uma estratégia europeia marcada pela sobriedade em matéria de consumo de carvão, tendo em conta todos os efeitos nocivos para a saúde, como os das poeiras finas, que são já um grave problema em muitas cidades europeias. A disseminação de boas práticas, por exemplo, a exclusão das impressoras de compostos à base de carbono, ou outras iniciativas, contribui para a sensibilização e para a maior receptividade das políticas sustentáveis.

4.8

A Comissão insistiu particularmente na dimensão internacional da questão da melhoria da intensidade energética. O Comité é favorável às propostas de parcerias e à conclusão de um acordo-quadro internacional. No âmbito da conferência internacional sobre a eficiência energética anunciada, o Comité recomenda que não se subestime a necessidade de nela fazer participar os países abrangidos pelos programas ACP (África, Caraíbas e Pacífico), os países da zona euro-mediterrânica (Euromed) e os países abrangidos pela Política Europeia de Vizinhança (PEV). A cooperação internacional é indispensável para vencer o desafio do desenvolvimento sustentável, pelo que será necessário intensificar os esforços diplomáticos para conseguir até 2009 um novo protocolo internacional pós-Quioto, com a conferência que se realizará este ano em Bali.

4.9

A indústria europeia, que desenvolve actualmente importantes tecnologias de poupança energética, pode ajudar consideravelmente os outros países a melhorar a qualidade da produção de electricidade, o consumo energético e as emissões de gases com efeito de estufa que este provoca, contribuindo assim para reduzir globalmente o consumo.

Bruxelas, 27 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  L. Brown, www.earthpolicy.org e Relatório da FAO de 2005.

(2)  Factor 4: duplicar a riqueza reduzindo a metade o consumo dos recursos (U. v. Weizsäcker, A.Lovins e outros).

(3)  Parecer TEN/276 -Transporte nas áreas urbanas e metropolitanas (relator: RIBBE).

(4)  Rotulagem sobre a eficiência energética dos equipamentos de escritório (relator: VOLES).

(5)  Esta directiva prevê, no n.o 2 do seu artigo 15.o, uma moratória de três anos para a sua aplicação integral, se o Estado-Membro puder provar que não dispõe de peritos qualificados e acreditados, o que dá aos Estados-Membros a possibilidade de diferir a aplicação dos certificados de desempenho energético, mas igualmente de atrasar as inspecções das caldeiras e dos sistemas de ar condicionado. Isso significa que será difícil que o Conselho se mostre disposto a reabrir este dossier antes de 2009 (e a própria Comissão toma nota desse facto). Mas antes de as medidas previstas poderem fornecer os resultados previstos e ser efectivas, será necessário um prazo suplementar de alguns anos para a adopção de uma nova directiva sobre esta matéria.

(6)  «Comparação de diferentes modelos de avaliação destinados a apreciar o impacto energético e macroeconómico da norma Casa Passiva» Giulio Scapin — Universidade de Pádua — (2005-2006) 30.05.2007 Sítio Internet tesi online.it

(7)  É necessário igualmente ter em conta o facto de que muitos transformadores utilizados actualmente contêm uma substância considerada das mais tóxicas para o ser humano, ou seja, os PCB (policlorobifenilos), e que estão em curso campanhas de substituição e de saneamento. A título de exemplo, calcula-se que, só na Itália, em 600 000 transformadores cerca de 200 000 utilizam ou foram contaminados por PCB. Trata-se, com efeito, de uma substância que foi utilizada maciçamente, devido às suas excelentes qualidades de isolador térmico, não se conhecendo, na altura, as suas características químicas e físicas extremamente tóxicas em caso de incêndio. Por conseguinte, poderia ser útil prever a substituição destes transformadores.

(8)  Wikipedia: «Um domínio específico dos sistemas de cogeração é constituído pela trigeração que, além da produção da energia eléctrica, permite utilizar a energia térmica recuperada a partir da transformação, inclusivamente para produzir energia frigorífica, ou seja, a água refrigerada destinada ao ar condicionado ou aos processos industriais. A transformação da energia térmica em energia frigorífica é possível graças ao recurso ao ciclo frigorífico por absorção, cujo funcionamento se baseia nas transformações do fluido refrigerante, combinadas com uma matéria utilizada como absorvente».

(9)  L. Brown, www.earthpolicy.org e Relatório da FAO 2005.

(10)  TEN/286 — Utilização dos biocombustíveis: progressos realizados (relator: E. M. IOZIA).


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/35


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às taxas aeroportuárias»

COM(2006) 820 final — 2007/0013 (COD)

(2008/C 10/09)

Em 1 de Março de 2007, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 80.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-Estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 5 de Setembro de 2007, tendo sido relator Thomas McDONOGH.

Na 438.a reunião plenária, de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 143 votos a favor, 2 votos contra e 2 abstenções:

1.   Recomendações

1.1

A Comissão deveria definir critérios de concepção para os vários tipos de aeroporto, velando por que estes sejam práticos, funcionais e viáveis do ponto de vista comercial, nos casos em que os custos são financiados pela cobrança de taxas aeroportuárias.

1.2

Dado que a segurança nos aeroportos é um assunto nacional, os Estados devem responsabilizar-se pelas respectivas despesas.

1.3

Dever-se-ia incentivar a construção e o funcionamento de aeroportos regionais, uma vez que estes desempenham um papel crucial nas economias regionais. Estes aeroportos contribuem também para a redução do congestionamento nos aeroportos principais, oferecendo frequentemente uma assistência valiosa a operações de busca e salvamento.

1.4

Há que considerar os aeroportos um serviço público de base que, não sendo necessariamente lucrativo, poderá precisar de assistência financeira, em função das circunstâncias, o que é uma prática bastante comum no sector dos transportes públicos.

1.5

A Comissão deveria definir critérios de concepção de processos nos aeroportos (por exemplo, relativos ao «check in» e controlo de passageiros) e avaliar posteriormente o impacto da modificação da regulamentação na dinâmica dos processos, bem como o impacto adicional nos recursos e custos a cargo dos operadores para estes continuarem a celebrar acordos sobre os níveis de serviço e, em particular, cumprir os critérios de tempo das transportadoras aéreas.

1.6

A Comissão deveria reconhecer o nível de custos exigido pelas normas europeias aos aeroportos mais pequenos, cuja quantidade de passageiros não suporta uma actividade economicamente sustentável.

1.7

Os aeroportos têm de cumprir normas regulamentares mínimas. As pressões exercidas por transportadoras aéreas de baixo custo, que apelam para um nível de serviço mais baixo e, consequentemente, para a redução das taxas aeroportuárias, nem sempre trazem resultados, tendo em conta os custos decorrentes do cumprimento das normas. Assim, os aeroportos deveriam poder aplicar taxas aeroportuárias para reflectir e cobrir os custos do aeroporto, independentemente do nível de serviço exigido pela transportadora.

1.8

Grandes subvenções estatais podem causar distorções de concorrência.

1.9

Deveriam ser concedidas instalações adequadas para a carga.

1.10

Dever-se-ia introduzir um sistema de segurança biométrico assegurando o controlo rápido de passageiros frequentes. Se necessário, poder-se-ia cobrar uma taxa para este efeito.

1.11

Na linha da actual legislação europeia nesta área, os aeroportos deverão assegurar-se de que todos os seus serviços e instalações estão adaptados às necessidades específicas das pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida.

2.   Introdução

2.1

A principal tarefa e actividade comercial dos aeroportos é a prestação de assistência a aeronaves, desde a aterragem até à descolagem, bem como a passageiros e ao transporte de carga, permitindo que as transportadoras aéreas prestem os respectivos serviços de transporte aéreo. Para esse efeito, os aeroportos oferecem uma série de instalações e serviços relacionados com a operação de aeronaves, a assistência a passageiros e ao transporte de carga, cujos custos são geralmente financiados pelas taxas aeroportuárias.

2.2

É necessário estabelecer um quadro comum que regulamente as características essenciais das taxas aeroportuárias e o modo como são fixadas, dado que, na sua ausência, os requisitos básicos na relação entre as entidades gestoras e os prestadores de serviços nos aeroportos (isto é, as transportadoras aéreas, os assistentes em terra e outros) podem não ser respeitados.

2.3

A presente directiva deverá aplicar-se aos aeroportos localizados no território comunitário com um tráfego superior a um milhão de passageiros por ano.

2.4

As taxas aeroportuárias não deverão ser discriminatórias. Tal aplica-se aos serviços e fornecimentos.

2.5

Dever-se-á instituir uma entidade reguladora independente em cada Estado-Membro, a fim de garantir a imparcialidade das decisões e a aplicação adequada e eficaz da presente directiva. É crucial que a entidade gestora do aeroporto informe os utilizadores dos aeroportos, de forma periódica e transparente, sobre o modo como as taxas aeroportuárias são calculadas, assim como sobre os princípios em que se baseiam.

2.6

Os aeroportos devem informar os respectivos prestadores de serviços sobre os principais projectos de infra-estruturas, dado que estes podem influenciar significativamente o nível das taxas aeroportuárias.

2.7

Devido ao aparecimento de transportadoras que prestam serviços aéreos a baixos custos, os aeroportos servidos por essas transportadoras deverão ter a possibilidade de aplicar taxas correspondentes às infra-estruturas e/ou ao nível de serviço prestado, dado que as transportadoras aéreas têm um interesse legítimo em exigir aos aeroportos serviços que correspondam à relação preço/qualidade. Contudo, o acesso a infra-estruturas ou serviços reduzidos deverá ser facilitado a todas as transportadoras que assim o desejarem, de forma não-discriminatória.

2.8

Os métodos de fixação e cobrança de montantes decorrentes do custo da segurança diferem na Comunidade, sendo necessário harmonizar a base de tarifação dos custos da segurança nos aeroportos comunitários, em que esses custos se reflectem nas taxas aeroportuárias.

2.9

Tendo em conta as taxas que pagam, os prestadores de serviços nos aeroportos deverão ter direito a um nível mínimo de serviço. Para assegurar esse direito, a entidade gestora do aeroporto deverá celebrar periodicamente um acordo sobre o nível de serviço com as associações que representam os prestadores de serviços no aeroporto.

2.10

Tendo em conta a dimensão e o impacto da medida proposta, os objectivos não podem ser atingidos na totalidade pelos Estados-Membros, podendo ser melhor alcançados no plano comunitário.

2.11

Os Estados-Membros deverão assegurar que a entidade gestora de cada aeroporto consulta os respectivos prestadores de serviços antes da finalização de projectos para novas infra-estruturas.

2.12

A fim de garantir o bom funcionamento e a eficácia dos aeroportos, os Estados-Membros deverão garantir que a entidade gestora de cada aeroporto e a associação ou associações que representam os respectivos prestadores de serviços iniciam negociações com vista à celebração de um acordo sobre os níveis de serviço respeitantes à qualidade do serviço prestado no terminal ou terminais do aeroporto. O referido acordo será celebrado, pelo menos, de dois em dois anos e notificado à entidade reguladora independente do Estado-Membro.

2.13

Os Estados-Membros deverão adoptar as medidas necessárias para permitir à entidade gestora de cada aeroporto variar a qualidade e o âmbito de serviços, terminais ou partes de terminais aeroportuários, a fim de prestar serviços personalizados ou de disponibilizar a totalidade ou parte de um terminal especializado. O nível das taxas aeroportuárias pode divergir de acordo com a qualidade e o âmbito desses serviços.

2.14

Os Estados-Membros deverão nomear ou instituir um órgão independente como sua entidade reguladora independente nacional, a fim de assegurar a aplicação correcta das medidas adoptadas para dar cumprimento à presente directiva.

2.15

Os Estados-Membros deverão garantir a independência da entidade reguladora independente, velando por que esta seja juridicamente distinta e funcionalmente independente de qualquer entidade gestora de um aeroporto e de qualquer transportadora aérea.

3.   Observações na generalidade

3.1

É louvável a iniciativa da Comissão de definir normas e critérios básicos para a gestão e o funcionamento dos aeroportos na Comunidade.

3.2

É importante garantir a clareza e transparência das taxas aeroportuárias, uma vez que os aeroportos são frequentemente monopólios.

3.3

De forma a garantir condições equitativas para todas as transportadoras aéreas, o estacionamento destinado às aeronaves terá de ser atribuído de forma racional e não discriminatória. A não utilização de lugares privilegiados de estacionamento durante um longo período de tempo deverá resultar na perda destes direitos.

3.4

Dever-se-á aplicar multas e penalizações para fazer frente ao mau desempenho de transportadoras aéreas no que toca os lugares de estacionamento e atrasos contínuos, o qual pode prejudicar seriamente o fluxo de tráfego nos aeroportos.

3.5

Os direitos adquiridos nos aeroportos importantes devem ser eliminados, devendo estas faixas horárias ser leiloadas periodicamente.

3.6

Sempre que possível, os aeroportos da UE devem aplicar a mesma fórmula de cálculo para as taxas de aterragem, estacionamento, etc. As taxas de aterragem devem reflectir sempre as faixas horárias mais procuradas, de forma a encorajar uma utilização mais justa das instalações dos aeroportos.

3.7

Para acelerar o tráfego e aumentar a sua capacidade, dever-se-á encorajar os aeroportos a recorrerem a instalações de navegação mais modernas. As pistas deverão suportar uma aterragem ou descolagem cada 35 segundos. Uma maior eficiência neste domínio contribuirá para a redução dos tempos de espera nas horas de ponta, tendo por isso um impacto positivo nas emissões de CO2.

3.8

A Comissão deveria controlar e auditar os reguladores nacionais da aviação para averiguar se estes cumprem o seu dever de forma firme e justa.

3.9

As alterações na segurança e outros custos devem ser comportados pelo Estado, como é já o caso de outros meios de transporte (por exemplo, o ferroviário). Esta evolução deve ser cuidadosamente vigiada, dado que a instalação de equipamento sofisticado pode ser dispendiosa em aeroportos de pequenas e médias dimensões, podendo ser impraticável do ponto de vista económico.

3.10

O regulador deve assegurar que os preços cobrados nos estabelecimentos de comércio dos aeroportos estão em conformidade com os cobrados nas cidades mais próximas.

3.11

Será difícil criar um quadro comum que regulamente as principais características das taxas aeroportuárias e a forma como estas são estabelecidas. A esta dificuldade acresce o facto de os custos decorrentes do emprego, construção e infra-estruturas divergirem entre os Estados. A política e a regulamentação relativa ao planeamento diferem igualmente de país para país.

3.12

Deverá especificar-se o significado de «nível mínimo» na seguinte frase: «A presente directiva deverá aplicar-se aos aeroportos localizados no território comunitário com uma dimensão superior a um determinado nível mínimo».

3.13

Os aeroportos deveriam poder aplicar taxas para obter lucros razoáveis para investir nas infra-estruturas e noutras instalações.

3.14

Caso as transportadoras de baixo custo não queiram pagar ao aeroporto, é difícil acorrer aos custos decorrentes do cumprimento das normas, de segurança, etc.!

3.15

Para assegurar o bom funcionamento e a eficácia dos aeroportos, as transportadoras aéreas deveriam celebrar com o aeroporto um acordo sobre os níveis de serviço garantindo ao aeroporto um determinado nível de serviço a prestar.

3.16

O aeroporto tem uma lista de transportadoras aéreas (nem sempre de baixo custo) que são potenciais clientes. Em alguns casos, a combinação de transportadoras é crucial para manter o fluxo de rendimento, que varia em função do perfil do passageiro. O domínio das transportadoras de baixo custo nos aeroportos mais pequenos põe em causa estes fluxos de rendimentos.

3.17

Dever-se-á definir e normalizar o equipamento de segurança utilizado no controlo. O público perderá rapidamente a confiança nos sistemas de segurança, se estes não forem normalizados. Em vários aeroportos, os alarmes dos sistemas de segurança estão desligados. Num número crescente de aeroportos americanos, uma empresa executa um programa de passageiros registados. Por uma taxa anual de 99,95 dólares, o programa emite um cartão de identificação biométrico para as pessoas submetidas a controlos das autoridades, permitindo aos titulares a utilização, nos postos de controlo, de vias mais rápidas. Este é um exemplo de como a evolução tecnológica pode facilitar a vida dos passageiros e reduzir os tempos de espera.

3.18

Devido ao valor comercial dos territórios que circundam ou estão próximos dos aeroportos, dever-se-ia tomar medidas para prevenir e desencorajar a especulação imobiliária.

3.19

Embora a segurança nos aeroportos pareça rígida, assiste-se ainda a muitos furtos de bagagem de passageiros. É urgente resolver este problema.

3.20

Informações sobre a isenção de impostos deveriam estar claramente visíveis em todo o aeroporto, para que o passageiro possa compará-las com as tarifas do seu bilhete.

3.21

A Comissão deveria criar um sítio na Internet destinado a informar os passageiros sobre as taxas aplicadas nos diferentes aeroportos, como taxas de aterragem, etc., que são indicadas nos bilhetes e pagas pelos passageiros.

4.   Concepção dos aeroportos

4.1

Os aeroportos devem ter um acesso fácil e ser concebidos após consulta dos utilizadores, ou seja, as transportadoras aéreas e os passageiros.

4.2

A Comissão deveria definir critérios para a atribuição de um espaço mínimo para a recolha da bagagem, procedimentos de segurança e controlo de passaportes.

4.3

A concepção dos aeroportos deverá facilitar a circulação e o acesso de passageiros na entrada e saída do aeroporto.

4.4

Seria uma boa ideia o estabelecimento de instalações mais sofisticadas para as transportadoras que, assim o desejando, estejam dispostas a pagar pelas mesmas.

4.5

Apesar da sua importância crucial, a sinalização em muitos aeroportos europeus é confusa. Sempre que possível, esta sinalização deve ser normalizada.

4.6

Dever-se-ia conceder aos passageiros espaços adequados com assentos e salas de espera. O acesso aos terminais deverá ser o mais simples possível, em particular para os passageiros portadores de deficiências e com necessidades especiais, por exemplo, bem como passageiros com crianças pequenas.

4.7

A concepção de terminais aeroportuários tem por base os fluxos de passageiro/hora. Assim, dever-se-á investigar e publicar, enquanto cenário de base para a indústria, critérios horários para processos cruciais como o «check in» e o controlo de passageiros.

4.8

Dever-se-á reforçar critérios operacionais mínimos que respeitem as normas de concepção relevantes. Dever-se-á evitar que as transportadoras aéreas estabeleçam requisitos mínimos acima das normas de concepção.

4.9

Os aeroportos deverão assegurar-se de que todos os seus serviços e instalações, quer da sua responsabilidade exclusiva quer geridos conjuntamente com transportadoras aéreas, estão adaptados às necessidades específicas das pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida. Baseando-se nos seus trabalhos anteriores (TEN/215, Direitos das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreo), o Comité entende que os aeroportos só poderão cumprir tal obrigação se respeitarem todos os requisitos definidos no Regulamento (CE) n.o 1107/2006 relativo aos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreo, com especial destaque para o artigo 9.o e para o Anexo I.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/39


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Produção sustentável de electricidade a partir de combustíveis fósseis: rumo a emissões quase nulas do carvão após 2020»

COM(2006) 843 final

(2008/C 10/10)

Em 10 de Janeiro de 2007, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos respectivos trabalhos, a Secção de Transportes, Energia, Infra-Estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 5 de Setembro de 2007, tendo sido relator Josef ZBOŘIL.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 27 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 135 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE congratula-se com a Comunicação da Comissão e está de acordo com a análise e a descrição nela contidas. Dar uma resposta eficaz aos riscos de alterações climáticas globais e, simultaneamente, satisfazer a elevada procura de energia constitui um sério desafio no plano internacional.

1.2

As emissões de CO2 provenientes de centrais a carvão na UE constituem 24 % do total das emissões de CO2 na União Europeia e, portanto, essas centrais são as mais adequadas para a instalação de componentes de captação e armazenagem de carbono. Significa isto que terão de ser criados sistemas de captação e armazenagem permanente de CO2.

1.3

O carvão manter-se-á, com toda a probabilidade, no cabaz energético da Europa durante as próximas décadas. As características específicas do carvão — disponibilidade, preço aceitável e papel que desempenha na estabilização dos mercados da energia — asseguram que continuará a ser um dos principais combustíveis na produção económica de electricidade. A distribuição das reservas de carvão na União Europeia e no resto do mundo é desigual. As tecnologias do carvão têm potencial para assegurar reduções significativas das emissões de CO2  (1). No curto/médio prazo, isto requer um quadro regulador e um enquadramento de mercado que incentive os investimentos nas tecnologias mais recentes capazes de melhorar a eficiência da produção de electricidade com base no carvão, reduzindo assim as emissões específicas de CO2.

1.4

Não há actualmente meios comprovados e economicamente eficientes para separar e captar o CO2 produzido pelas centrais a carvão. Trata-se de uma tecnologia ainda incipiente. Todavia, as perspectivas de desenvolvimento e comercialização das tecnologias de carvão com emissões quase nulas durante as próximas duas décadas são prometedoras.

1.5

O CESE reitera o seu ponto de vista de que a magnitude do desafio da redução das emissões reclama o desenvolvimento de todas as fontes de energia e tecnologias potencialmente viáveis até ao limite do seu potencial de aplicação prática e comercial. A transição para a energia sustentável reserva um papel importante ao carvão, a outros combustíveis fósseis e ao nuclear, bem como às tecnologias das fontes renováveis e à conservação energética, contribuindo cada uma destas opções no momento e na medida que forem ditados pela exequibilidade técnica e a viabilidade económica.

1.6

O CESE aprecia o facto de a longo prazo, após 2020, a captação e armazenagem de CO2 conter um potencial de emissões quase nulas de CO2 para as centrais a carvão. Serão necessárias novas capacidades de produção de electricidade produzida a partir de centrais a carvão de cerca de 350 GW e de 500 GW até 2020 e 2030, respectivamente, calculando-se que os custos de investimento oscilarão entre os 600 mil milhões e os 800 mil milhões de euros. A realização desta opção requer a coordenação, desde já, das actividades de investigação, desenvolvimento e demonstração (IDD).

1.7

Com a melhoria contínua da eficiência no domínio da produção energética e o desenvolvimento de tecnologias de emissões quase nulas, o carvão contribuirá para o cumprimento dos requisitos da protecção climática preventiva. Contudo, as experiências prometedoras no domínio da captação e armazenagem de CO2 não devem conduzir a que sejam adoptados desde já estratégias e objectivos de política energética com carácter «juridicamente vinculativo» com base numa ampla presença de tecnologias de captação e armazenagem do carbono.

1.8

A simplificação dos procedimentos de licenciamento e a sua gradual harmonização, através da cooperação entre as autoridades reguladoras nacionais, são necessárias para reduzir, na medida do possível, os longos tempos de espera dos projectos de construção, sem prejuízo da salvaguarda dos mais elevados níveis de segurança.

1.9

O CESE chama também a atenção para o facto de que, embora sendo o combustível mais importante para a produção de electricidade e um factor vital na produção de aço e noutros processos industriais, o carvão terá um papel fundamental a desempenhar na resposta às necessidades energéticas futuras, apoiando a transição para a economia do hidrogénio. A liquefacção do carvão permite o seu uso como substituto do petróleo bruto, sendo também possível produzir gás sintético a partir do carvão.

1.10

Continua a ser necessário um quadro político e económico adequado para a extracção de lenhite e hulha indígenas. A extracção de carvão e a transformação de energia podem contribuir significativamente para a prosperidade e o emprego locais. Manter a parte (carvão) da produção de energia a partir dos combustíveis fósseis ao seu nível actual é também extremamente importante face à situação social nos novos Estados-Membros: a indústria extractiva do carvão nestes países emprega 212 100 dos 286 500 trabalhadores do sector na UE. Os operadores da indústria extractiva (minas) devem dar a maior importância à melhoria substancial das condições de trabalho extremamente duras dos mineiros, assim como às qualificações, à segurança no trabalho e ao ambiente de trabalho destes.

1.11

O CESE manifesta ainda o seu ponto de vista de que a Comissão revela, neste documento e no calendário nele contido, um grande optimismo relativamente ao enquadramento temporal da captação e armazenagem de carbono bem como ao tempo necessário para a sua introdução. A Comissão deve concentrar-se agora em medidas destinadas a apoiar a entrada em funcionamento, em 2015, de 10 a 12 instalações de demonstração e na criação de um quadro para a captação e armazenagem de CO2 que cubra os riscos principais e seja fiável, sendo, ao mesmo tempo, pouco restritivo. A implantação intermediária da produção energética de elevada eficiência é altamente desejável, e a pressa excessiva e um quadro regulamentar demasiado restritivo poderão prejudicar seriamente este globalmente importante conceito.

1.12

O CESE apela à realização de actividades de investigação e desenvolvimento na área das fontes de energia renováveis e alternativas susceptíveis de contribuir para um cabaz energético seguro para a UE. Simultaneamente, o mercado de energia integrado na UE deveria ser completamente criado sem atrasos excessivos.

2.   Introdução

2.1

O Comité já tratou a questão dos combustíveis fósseis em vários outros pareceres, dos quais o mais recente é o parecer exploratório sobre «O aprovisionamento energético da UE: estratégia para uma combinação de energias optimizada» (2), no qual afirma que a UE deve empreender esforços sérios no domínio das tecnologias limpas do carvão, por exemplo, investindo na eficiência das centrais eléctricas e em aplicações comerciais para a captação e armazenagem de carbono. A utilização de gás natural aumentou e continua a aumentar, em parte impulsionada por opções políticas. É actualmente evidente que a manutenção desta tendência é problemática. O gás dificilmente poderá continuar a substituir o carvão, nem tão-pouco poderá substituir a energia nuclear, em razão das emissões, pois, tal como o petróleo, é uma matéria-prima valiosa para usos industriais com elevado valor acrescentado.

2.2

O documento «Produção sustentável de electricidade a partir de combustíveis fósseis» foi publicado pela Comissão no contexto do pacote sobre energia e clima, «Uma política energética para a Europa: a Comissão enfrenta os desafios do século XXI no domínio da energia», em 10 de Janeiro de 2007.

2.3

As restantes partes do pacote abrangem, em primeiro lugar, uma proposta, no âmbito da luta contra as alterações climáticas, de objectivos de redução em 30 % das emissões de gases com efeito de estufa ou, em qualquer caso, de uma redução de 20 % para a União Europeia. O pacote inclui também medidas no domínio do mercado interno do gás e da electricidade, das interligações nas redes de electricidade e de gás, do papel futuro da energia nuclear na proposta do Programa Ilustrativo Nuclear, bem como um roteiro para a promoção das fontes de energia renováveis e, especificamente, da utilização dos biocombustíveis no sector dos transportes, e futuramente um plano estratégico europeu paras as tecnologias energéticas. Em 9 de Março de 2007, o Conselho Europeu apoiou os objectivos e os principais conteúdos políticos do pacote.

2.4

A Comunicação em apreço apresenta uma perspectiva geral das medidas que é necessário adoptar para manter a contribuição dos combustíveis fósseis e, em particular, do carvão, para a segurança e a diversificação do aprovisionamento energético da Europa e de todo o mundo, de uma forma compatível com a estratégia do desenvolvimento sustentável e com os objectivos da política de luta contra as alterações climáticas. A Comunicação toma em consideração os trabalhos efectuados e os pareceres recebidos em 2006, no âmbito do Segundo Programa Europeu sobre as Alterações Climáticas (ECCPII), do Grupo de Alto Nível sobre Competitividade, Energia e Ambiente, da preparação do 7.o Programa-Quadro de Investigação (7.o PQ) e da plataforma tecnológica relativa às centrais eléctricas alimentadas a combustíveis fósseis com emissões quase nulas.

3.   Documento da Comissão

3.1

O documento da Comissão examina a participação dos combustíveis fósseis na produção de energia, afirmando que constituem um elemento importante do cabaz energético na União Europeia, tal como em muitos outros mercados económicos. São de grande importância para a produção de electricidade: mais de 50 % da electricidade da UE é actualmente produzida a partir de combustíveis fósseis (principalmente carvão e gás natural), havendo países em que esta percentagem é de 80 % (Polónia e Grécia). O carvão dá actualmente um dos maiores contributos para a segurança do aprovisionamento energético da UE e assim continuará a ser. É de longe o combustível fóssil com reservas globais maiores e mais amplamente distribuídas, com uma duração prevista de 130 anos no caso da lenhite e de 200 no caso da hulha.

3.2

Contudo, o carvão só poderá continuar a dar a sua valiosa contribuição para a segurança do aprovisionamento energético e para a economia da UE e de todo o mundo se houver tecnologias que permitam reduzir drasticamente o «rasto» de carbono resultante da sua combustão. Se tais tecnologias forem desenvolvidas numa escala suficiente, poderão ser também a solução para processos de combustão que utilizam outros combustíveis fósseis, como a produção de electricidade em centrais a gás. A UE deve, pois, desenvolver soluções tecnológicas para a utilização sustentável do carvão, não só para manter o carvão no cabaz energético europeu, mas também para que o consumo de carvão à escala mundial possa aumentar sem provocar danos irreparáveis no clima.

3.3

As tecnologias do «carvão limpo» foram desenvolvidas e são hoje amplamente utilizadas no sector da produção de electricidade, atenuando em grande medida as emissões de SO2, NOx, partículas em suspensão e poeiras provenientes das centrais eléctricas a carvão. Estas tecnologias têm também produzido um aumento constante da eficiência energética da conversão do carvão em electricidade. Estas realizações são passos importantes para se avançar no futuro para soluções tecnológicas inovadoras, as chamadas tecnologias de «carvão sustentável», que integrem os conceitos de captação e armazenagem de CO2 na produção de electricidade derivada do carvão.

3.4

A Comissão considera haver uma boa possibilidade de alcançar a viabilidade comercial das tecnologias de carvão sustentável nos próximos 10 a 15 anos. Serão, contudo, necessários investimentos industriais audaciosos em instalações de demonstração, tanto dentro como fora da UE, acompanhados de iniciativas políticas durante um período relativamente longo, que começa praticamente agora e durará possivelmente até 2020 ou mais tarde.

3.5

Para facilitar esta evolução, a Comissão aumentará substancialmente o financiamento da I&D no domínio da energia, colocando a demonstração de tecnologias de combustíveis fósseis sustentáveis entre as prioridades para 2007-2013. Um plano estratégico europeu para as tecnologias energéticas fornecerá um instrumento adequado para assegurar a coordenação geral destes esforços de I&D e demonstração e maximizar as sinergias tanto a nível comunitário como nacional. A Comissão determinará, com base nos resultados positivos dos projectos de I&D, qual a melhor forma de apoiar a concepção, construção e exploração de cerca de 12 instalações de demonstração em grande escala de tecnologias de combustíveis fósseis sustentáveis na produção comercial de electricidade até 2015.

3.6

Com base nos investimentos recentes e previstos, a Comissão avaliará se as novas centrais eléctricas alimentadas a combustíveis fósseis, construídas e a construir na UE, utilizarão as melhores tecnologias disponíveis em matéria de eficiência e se as novas centrais a carvão e a gás, quando não equipadas com tecnologias de captação e armazenagem de CO2, estão preparadas para futura incorporação de tais tecnologias («preparadas para a captação»). Se não for esse o caso, a Comissão irá ponderar a possibilidade de propor instrumentos juridicamente vinculativos assim que possível, após a avaliação do seu impacto.

3.7

Em 2007, a Comissão avaliará os riscos potenciais da captação e armazenagem de CO2 e estabelecerá os requisitos para a autorização das correspondentes actividades e para a gestão adequada dos riscos e impactos identificados. Quando estiver desenvolvido um quadro de gestão correcto, este pode ser combinado com as alterações ao actual quadro regulador comunitário no domínio do ambiente para remover eventuais obstáculos indesejáveis à introdução destas tecnologias. A Comissão avaliará também se devem ser alterados os instrumentos existentes (como a Directiva relativa à avaliação do impacto ambiental ou a Directiva relativa à prevenção e controlo integrados da poluição) ou proposto um quadro regulador separado. Examinará quais os aspectos do quadro regulador a tratar de preferência a nível da UE ou, pelo contrário, a nível nacional.

3.8

Neste contexto, a Comissão considera que é necessário um quadro claro e previsível a longo prazo para facilitar uma transição harmoniosa e rápida para a produção de electricidade em centrais a carvão equipadas com sistemas de captação e armazenagem de CO2. Isto é necessário para que as empresas do sector da electricidade possam efectuar os investimentos e a investigação exigidos com a certeza de que os seus concorrentes farão o mesmo. Com base nas informações actualmente disponíveis, a Comissão crê que a partir de 2020 todas as novas centrais eléctricas a carvão deverão ser construídas com sistemas de captação e armazenagem de CO2. As centrais existentes deverão então seguir progressivamente a mesma via. Com base nessa análise, a Comissão ponderará qual o melhor calendário para a reconversão das centrais alimentadas a combustíveis fósseis a partir do momento em que esteja demonstrada a viabilidade comercial das tecnologias de carvão sustentável.

3.9

O custo previsto para a captação de CO2 resultante da produção de electricidade e subsequente armazenagem ao actual nível de desenvolvimento tecnológico atinge 70 euros por tonelada de CO2, o que torna, de momento, a utilização em grande escala destas tecnologias proibitivamente cara. Os modelos e estudos disponíveis numa perspectiva de médio a longo prazo estimam, pois, os custos da captação e armazenagem de CO2 até 2020 em cerca de 20-30 euros/t de CO2. Estes valores traduzem-se nos modelos em custos da produção de electricidade nas centrais a carvão equipadas de sistemas de captação e armazenagem de CO2 até 2020, ou um pouco mais tarde, que serão apenas superiores em 10 % ou mesmo equivalentes aos níveis actuais.

3.10

Os potenciais impactos negativos ambientais da utilização sustentada de combustíveis fósseis e dos sistemas de captação e armazenagem de CO2 resultariam, sobretudo, de eventuais fugas de CO2 armazenado. Os impactos da fuga podem ser locais (na biosfera local) e globais (no clima). Contudo, o relatório do Painel Internacional sobre as Alterações Climáticas sobre esta questão conclui que, com base na experiência existente, a percentagem de CO2 armazenado em locais bem seleccionados e geridos deverá muito provavelmente ultrapassar 99 % num período de 100 anos. A selecção e a gestão dos locais de armazenagem são, por conseguinte, os factores essenciais para minimizar os riscos. A avaliação de impacto efectuada pela Comissão para promover o quadro jurídico identificará todos os riscos potenciais e proporá medidas de salvaguarda adequadas.

3.11

Espera-se que as tecnologias de combustíveis fósseis sustentáveis, em especial a captação e armazenagem de CO2, venham a produzir importantes resultados positivos. Em primeiro lugar, podem eliminar efectivamente até 90 % das emissões de carbono das centrais eléctricas alimentadas a combustíveis fósseis. O resultado poderá ser uma redução geral das emissões de CO2 na UE-27 até 2030 de 25-30 % em relação a 2000. Uma participação precoce de países terceiros no desenvolvimento e na implantação de tecnologias de carvão sustentável e, em especial, da componente de captação e armazenagem de CO2 é essencial tanto para um desenvolvimento económico global sustentável como para a luta contra as alterações climáticas num cenário de utilização global crescente dos recursos carboníferos. O êxito do carvão sustentável e, em especial, a comercialização da captação e armazenagem de CO2 em grande escala proporcionarão também um melhor acesso a energia nas partes do mundo mais pobres e ainda privadas da possibilidade de utilizar energia.

4.   Observações na generalidade

4.1

O CESE congratula-se com a Comunicação da Comissão e está de acordo com a análise e a descrição nela contidas. Dar uma resposta eficaz aos riscos de alterações climáticas globais sem comprometer a satisfação da elevada procura de energia por parte das economias desenvolvidas e da procura em crescimento rápido das economias em desenvolvimento constitui um sério desafio no plano internacional.

4.2

As emissões de CO2 provenientes de centrais a carvão na UE constituem 24 % do total das emissões de CO2 na União Europeia. As emissões resultantes da produção de energia em centrais que utilizam combustíveis fósseis estão altamente concentradas, em virtude do consumo elevado de combustíveis em grandes unidades de combustão, pelo que essas centrais são as mais adequadas para a instalação de componentes de captação e armazenagem de carbono. Significa isto que terão de ser criados sistemas de captação e armazenagem permanente de CO2. Esses sistemas envolvem três estádios relativamente independentes:

a.

captação e separação do CO2 do gás de combustão no local de ocorrência (geralmente atrás de uma caldeira),

b.

transporte do CO2 para o local de armazenagem permanente (geralmente por meio de gasodutos),

c.

armazenagem final e permanente do CO2 (em formações geológicas adequadas ou no mar) de acordo com os mais rigorosos requisitos de segurança.

4.3

O carvão manter-se-á, com toda a probabilidade, no cabaz energético da Europa durante as próximas décadas. As características específicas do carvão — disponibilidade, preço aceitável e papel que desempenha na estabilização dos mercados da energia — asseguram que continuará a ser um dos principais combustíveis na produção económica de electricidade. A distribuição das reservas de carvão na União Europeia e no resto do mundo é desigual. De qualquer modo, é encorajador saber que as maiores reservas de carvão se encontram nos países economicamente avançados e politicamente estáveis. As reservas dos países industrializados da UE estão geralmente depauperadas em consequência de uma extracção prolongada na época recente, e alguns Estados-Membros da UE decidiram proceder a uma redução gradual ou mesmo extinção da actividade extractiva.

4.4

Apenas um terço dos países da União tem depósitos de carvão, enquanto os restantes dois terços dependem quase inteiramente da importação de hulha. A extracção de hulha na União Europeia produziu 161,6 milhões de toneladas em 2006, tendo a hulha importada atingido 235,3 milhões de toneladas. No mesmo ano, o consumo de linhite cifrou-se em 373,8 milhões de toneladas e foi integralmente assegurado pelos recursos indígenas. É, pois, necessário desenvolver e adoptar em grande escala meios viáveis de redução das emissões específicas de CO2 com origem na produção de electricidade em centrais a carvão.

4.5

As tecnologias do carvão têm potencial para assegurar reduções significativas das emissões de CO2  (3). No curto/médio prazo, isto requer um quadro regulador e um enquadramento de mercado que incentive os investimentos nas tecnologias mais recentes capazes de melhorar a eficiência da produção de electricidade com base no carvão, reduzindo assim as emissões específicas de CO2. É também necessária, presentemente, uma acção desenvolvida em colaboração entre a Comissão, os Governos dos Estados-Membros e a indústria para fomentar actividades coordenadas de investigação, desenvolvimento e demonstração no domínio das tecnologias de carvão limpo, nomeadamente a da captação e armazenagem de carbono, que assegurarão, a mais longo prazo, emissões quase nulas de CO2 na utilização do carvão.

4.6

Não há actualmente meios comprovados e economicamente eficientes para separar e captar o CO2 produzido pelas centrais a carvão. Trata-se de uma tecnologia ainda incipiente. Todavia, as perspectivas de desenvolvimento e comercialização das tecnologias de carvão com emissões quase nulas durante as próximas duas décadas são prometedoras. Pensa-se que as componentes de captação e armazenagem de CO2 instaladas nas centrais eléctricas poderão reduzir a eficiência da produção em resultado do seu consumo intrínseco de energia. A eficiência geral difere segundo a tecnologia usada; a tecnologia OXYFUEL, geralmente preferida, consome 8-10 % da energia gerada, e as outras tecnologias requerem um consumo ainda maior. Significa isto que será necessário mais combustível por MWh de electricidade fornecida na rede, pelo que é essencial um aumento da eficiência da produção. A reconversão para efeitos de captação e armazenagem de CO2 consumiria ainda mais energia para a sua operação.

4.7

Entretanto, melhorar a eficiência das novas centrais a carvão e das já existentes é uma forma economicamente eficaz de limitar o aumento das emissões de CO2. A instalação da melhor tecnologia existente comercializada deve estar no centro das atenções dos responsáveis pelo planeamento face ao aumento da capacidade de produção a partir do carvão que é necessário a curto prazo. Sempre que seja exequível, é altamente desejável que estas centrais sejam concebidas de forma a permitirem a reconversão assim que a tecnologia esteja disponível para aplicação comercial.

4.8

O CESE reitera o seu ponto de vista de que a magnitude do desafio da redução das emissões reclama o desenvolvimento de todas as fontes de energia e tecnologias potencialmente viáveis até ao limite do seu potencial de aplicação prática e comercial. A transição para a energia sustentável reserva um papel importante ao carvão, a outros combustíveis fósseis e ao nuclear, bem como às tecnologias das fontes renováveis e à conservação energética, contribuindo cada uma destas opções no momento e na medida que forem ditados pela exequibilidade técnica e a viabilidade económica.

4.9

Por muito prometedoras que sejam as expectativas razoáveis que a captação e armazenagem de CO2 permite não devem conduzir a que sejam adoptados desde já estratégias e objectivos de política energética como «medida vinculativa», como se na base estivesse uma ampla presença de tecnologias de captação e armazenagem do carbono.

5.   Observações na especialidade

5.1

O carvão desempenha um papel muito importante na produção de electricidade na Europa, mas 70 % da electricidade produzida com base no carvão é gerada em centrais com mais de 20 anos. Um ligeiro aumento do consumo de energia e o fim do ciclo de vida técnico e económico da maior parte da actual capacidade de produção energética resultarão na necessidade de uma capacidade adicional de 350 GW até 2020 e aproximadamente 500 GW até 2030. O cálculo dos custos de centrais eléctricas a carvão com captação e armazenagem de CO2 baseia-se numa estrutura de custos optimista relativa a uma central nova, com uma capacidade estimada de 300 MW, que será de 500 milhões de euros (aproximadamente 1,7 milhões por MW instalado). A reconversão de uma central eléctrica moderna (construída entre o momento presente e 2020) envolve um custo de 0,5-0,7 milhões de euros por MW instalado e o custo da reconversão das instalações existentes é ainda mais elevado: 1 milhão de euros por MW instalado. Os custos de investimento na instalação de uma capacidade geradora de 500 GW, com base na tecnologia mais avançada e incluindo a captação e armazenagem de CO2, até ao ano de 2030 estão calculados em 600-800 mil milhões de euros.

5.2

O CESE aprecia o facto de a longo prazo, após 2020, a captação e armazenagem de CO2 conter um potencial de emissões quase nulas de CO2 para as centrais a carvão. A realização desta opção requer a coordenação, desde já, das actividades de investigação, desenvolvimento e demonstração (IDD).

5.2.1

Na próxima década, poderão ser obtidas reduções das emissões de CO2 economicamente eficientes através do aumento da eficiência dos processos de combustão de carvão resultante da disseminação das tecnologias mais avançadas das centrais a carvão.

5.2.2

Estas estratégias são complementares com base em soluções técnicas que necessitam comprovação: a implantação, a curto-médio prazo, de tecnologias modernas e eficientes de produção de electricidade a partir do carvão possibilitará a captação do carbono a um custo inferior a longo prazo, desde que as instalações respectivas sejam concebidas de molde a permitir uma reconversão economicamente viável para a captação e armazenagem logo que tal tecnologia esteja disponível para aplicação comercial.

5.2.3

O 7.o Programa-Quadro prevê que a transformação radical do sistema energético num sistema sustentável, competitivo, fiável e que não produza, ou produza menos, emissões de CO2 exige novas tecnologias e novos materiais com riscos demasiado elevados e lucros demasiado incertos para que as empresas privadas proporcionem todo o investimento necessário para a investigação, desenvolvimento, demonstração e implantação. A captação e armazenagem de CO2 e o «carvão limpo» estão incluídos no orçamento Energia do 7.o Programa-Quadro, que se eleva a 2350 milhões de euros para o período 2007-2013.

5.2.4

O conceito de «preparação para a captação» tem de ser claramente definido. A aplicação eficaz exige que os reguladores e a indústria trabalhem em conjunto, pois os mercados comerciais não corresponderão se não houver enquadramento político adequado e estável.

5.2.5

O CESE considera que há uma necessidade urgente de aumentar a capacidade das centrais e iniciar a sua modernização. Na perspectiva do aumento previsto da dependência de energia importada, que atingirá 69 % até 2030, a segurança do aprovisionamento torna necessário um cabaz energético muito diversificado. Estabilizar a quota do carvão na produção de energia pode proporcionar uma contribuição substancial para a segurança do aprovisionamento na UE.

5.2.6

Com a melhoria contínua da eficiência no domínio da produção energética e o desenvolvimento de tecnologias de emissões quase nulas, o carvão contribuirá para o cumprimento dos requisitos da protecção climática preventiva. No contexto do estabelecimento das normas para o comércio de emissões em cada Estado-Membro, o enfoque deve ser na melhoria da eficiência com o objectivo de se obter reduções nas emissões de gases com efeito de estufa.

5.2.7

A simplificação dos procedimentos de licenciamento e a sua gradual harmonização, através da cooperação entre as autoridades reguladoras nacionais, são necessárias para reduzir, na medida do possível, os longos tempos de espera dos projectos de construção, sem prejuízo da salvaguarda dos mais elevados níveis de segurança.

5.3

O CESE chama também a atenção para o facto de que, embora sendo o combustível mais importante para a produção de electricidade e um factor vital na produção de aço e noutros processos industriais, o carvão terá um papel fundamental a desempenhar na resposta às necessidades energéticas futuras, apoiando a transição para a economia do hidrogénio. A liquefacção do carvão permite o seu uso como substituto do petróleo bruto, sendo também possível produzir gás sintético a partir do carvão. Essas tecnologias e aplicações virão a desempenhar também um papel crucial no cabaz energético sustentável. O documento da Comissão não aborda estes importantes segmentos da utilização presente e futura do carvão.

5.4

A intensa discussão em curso sobre o potencial de utilização do carvão nas próximas décadas conduziu a que as questões relacionadas com a extracção de carvão fossem relegadas para segundo plano. Todavia, continua a ser necessário criar um quadro político e económico adequado para a extracção de linhite e hulha indígenas. A extracção e a transformação podem contribuir significativamente para a prosperidade e o emprego locais. A utilização de carvão indígena permite que o valor acrescentado da extracção, transformação e distribuição permaneça na UE. Se for utilizado petróleo ou gás natural, 75 % do preço correspondem aos custos de importação.

5.5

Manter a participação dos combustíveis fósseis (carvão) na produção de energia ao seu nível actual é também extremamente importante face à situação social nos novos Estados-Membros: a indústria extractiva do carvão nestes países emprega 212 100 dos 286 500 trabalhadores do sector na UE. Há que considerar, com responsabilidade, as condições de trabalho extremamente duras dos mineiros em toda a UE.

5.6

A redução das áreas de actividade de extracção de carvão no contexto do planeamento regional e uma sobrecarga de regulamentação em matéria de protecção ambiental deram origem, no passado, a atrasos e encargos desnecessários para a actividade extractiva. A localização das reservas e a mobilidade da exploração mineira de extracção de matérias-primas resultam em desafios mais complexos do que os dos outros sectores industriais. Esta situação especial deve ser tida em consideração particularmente no contexto da criação do quadro jurídico respeitante às questões ambientais, por exemplo, a legislação sobre resíduos, protecção dos solos e água.

5.7

O CESE manifesta ainda o seu ponto de vista de que a Comissão revela, neste documento e no calendário nele contido, um grande optimismo relativamente ao enquadramento temporal da captação e armazenagem de carbono bem como ao tempo necessário para a sua introdução. Se bem que os princípios sejam conhecidos, uma solução tecnológica exigiria um período de tempo mais longo, e não é previsível um sucesso pontual neste domínio susceptível de impulsionar um trabalho intensivo e sustentado na concretização do conceito. A Comissão deve concentrar-se agora em medidas destinadas a apoiar a entrada em funcionamento, em 2015, de 10 a 12 instalações de demonstração e na criação de um quadro para a captação e armazenagem de CO2 que cubra os riscos principais e seja fiável, sendo, ao mesmo tempo, pouco restritivo. A implantação intermediária da produção energética de elevada eficiência é altamente desejável, e a pressa excessiva e um quadro regulamentar demasiado restritivo poderão prejudicar seriamente este importante conceito.

5.8

O CESE apela à realização de actividades de investigação e desenvolvimento na área das fontes de energia renováveis e alternativas susceptíveis de contribuir para um cabaz energético seguro para a UE. Simultaneamente, o mercado de energia integrado na UE deveria ser completamente criado sem atrasos excessivos.

Bruxelas, 27 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  IPCC, 2005: IPCC Special Report on Carbon Dioxide Capture and Storage. Preparado pelo Grupo de Trabalho III do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) [Metz, B., O. Davidson, H. C. de Coninck, M. Loos, e L. A. Meyer (Eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido e Nova Iorque, NY, USA, 442 pp.

(2)  JO C 318 de 23.12.2006, pp. 185-194.

(3)  IPCC, 2005: IPCC Special Report on Carbon Dioxide Capture and Storage. Preparado pelo Grupo de Trabalho III do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) [Metz, B., O. Davidson, H. C. de Coninck, M. Loos, e L. A. Meyer (Eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido e Nova Iorque, NY, USA, 442 pp.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/44


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a regras comuns de acesso ao mercado dos serviços de transporte em autocarro (reformulação)»

COM(2007) 264 final — 2007/0097 (COD)

(2008/C 10/11)

Em 16 de Julho de 2007, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 1 do artigo 175.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-Estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 5 de Setembro de 2007, sendo relator F. Allen.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 150 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité acolhe favoravelmente a nova proposta de regulamento. A adopção da proposta implicará a revogação dos Regulamentos n.o 684/92 e n.o 12/98.

1.2

A segurança dos passageiros tem de ser a prioridade máxima também nos serviços de transporte em autocarro. Quaisquer outras questões têm de ser consideradas de somenos.

1.3

O novo regulamento visa melhorar a segurança rodoviária através de um controlo estrito dos serviços internacionais de transporte em autocarro que operam em vários Estados-Membros.

1.4

O Comité saúda esta proposta, pois ela inscreve-se no programa «legislar melhor» e está em conformidade com o compromisso de simplificar e actualizar o acervo comunitário.

1.5

O CESE recomenda o seguinte:

1.5.1

Deve ser clarificada melhor a frase «infracção grave ou infracções menores repetidas à legislação comunitária no domínio do transporte rodoviário». O que constitui uma infracção menor? Quantas infracções menores dão origem a uma sanção administrativa?

1.5.2

Importa também enumerar o que constitui infracção grave.

1.5.3

O princípio da subsidiariedade não pode ser usado como meio de discriminação contra os transportadores não-residentes, devendo a proposta salvaguardar melhor este aspecto.

1.5.4

Urge criar uma base de dados ao nível comunitário que permita proceder à verificação das licenças e dos respectivos dados e facilitar o intercâmbio de informações.

1.5.5

Ao abrigo do n.o 3 do art. 23.o, o transportador deve poder aceder a um sistema de recurso especial se o Estado-Membro de acolhimento impuser uma sanção administrativa aquando de uma operação de transporte de cabotagem. Tal não deve invalidar uma acção penal.

2.   Introdução

2.1

A Directiva 96/26/CE relativa ao acesso à profissão de transportador rodoviário e os Regulamentos (CEE) n.o 684/92 e (CE) n.o 12/98 relativos ao acesso ao mercado dos serviços de transporte em autocarro eram inicialmente os principais elementos do mercado interno para o serviço internacional de transporte rodoviário de passageiros.

2.2

A directiva introduzia normas mínimas de qualidade para o acesso à profissão, enquanto os dois regulamentos liberalizavam os serviços internacionais de transporte pontual de passageiros, estabeleciam um processo de autorização especial para os serviços internacionais regulares de passageiros, bem como permitiam operações de cabotagem efectuadas por aqueles serviços internacionais.

2.3

Tais disposições devem ser agora harmonizadas com o novo quadro jurídico criado pelo regulamento relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros, a adoptar em breve pelo Parlamento e pelo Conselho. Devem também ser aclaradas e, em alguns casos, simplificadas, visto a experiência ter demonstrado que algumas implicam encargos administrativos desnecessários.

2.4

Os transportadores que efectuam o transporte internacional de passageiros em autocarro devem, salvo isenção, ter uma licença de transporte rodoviário internacional de passageiros emitida pela autoridade competente do Estado-Membro onde o transportador está estabelecido.

2.5

O Regulamento n.o 684/92 abre o acesso ao mercado dos serviços de transporte internacional de passageiros em autocarro enquanto o Regulamento n.o 12/98 estabelece as condições de operação nos Estados-Membros para os transportadores não-residentes.

3.   Síntese da proposta

3.1

A proposta visa rever e consolidar os Regulamentos n.o 684/92 e n.o 12/98 relativos ao acesso ao mercado dos serviços de transporte em autocarro. Esclarece e altera as disposições jurídicas em vigor, tendo em vista reforçar a coerência geral e reduzir os encargos administrativos.

3.2

Para efeitos do regulamento em causa, aplicam-se as seguintes definições:

3.2.1

Por «serviços regulares» entendem-se os serviços que asseguram o transporte de passageiros com uma frequência e num trajecto determinados e em que os passageiros podem ser tomados e largados em paragens previamente estabelecidas. O serviço em causa tem de ter uma autorização emitida pelo Estado-Membro de origem onde o transportador está estabelecido e o(s) veículo(s) registado(s). A autorização habilita o seu ou seus titulares a efectuar serviços regulares nos territórios de todos os Estados-Membros por onde passa o itinerário do serviço.

3.2.2

Por «serviços regulares especializados» entendem-se os serviços que asseguram o transporte de determinadas categorias de passageiros, com a exclusão de outros. Deverão incluir:

a)

o transporte de trabalhadores entre o domicílio e o local de trabalho,

b)

o transporte de estudantes entre o domicílio e o estabelecimento de ensino.

Os serviços regulares especializados ficam isentos de autorização (autorização do itinerário), na condição de serem abrangidos por um contrato celebrado entre o organizador e o transportador.

3.2.3

Por «serviços ocasionais» entendem-se os serviços que não correspondem à definição de serviços regulares, incluindo serviços regulares especializados, cuja característica principal é assegurarem o transporte de grupos constituídos por iniciativa de um comitente ou do próprio transportador. Os serviços ocasionais ficam isentos de autorização (autorização de itinerário).

3.2.4

Por «transportes por conta própria» entendem-se as operações efectuadas por uma empresa para os próprios funcionários ou por uma pessoa colectiva com fins não lucrativos para o transporte dos seus membros relacionado com actividade sociais, contanto que:

a)

a actividade de transporte constitua apenas uma actividade acessória para a empresa ou pessoa colectiva,

b)

os veículos sejam propriedade da empresa ou pessoa colectiva ou tenham sido objecto de contrato de locação a longo prazo e sejam conduzidos por um elemento do pessoal da empresa ou pessoa colectiva.

Ficam isentos de todo e qualquer regime de autorização, mas sujeitos a um regime de certificação emitido pelas autoridades competentes do Estado-Membro em que o veículo está registado.

3.2.5

Por cabotagem entendem-se os serviços nacionais de transporte rodoviário efectuados numa base temporária por transportadores não-residentes.

3.2.6

São autorizadas operações de cabotagem para os seguintes serviços:

a)

serviços regulares especializados desde que cobertos por um contrato celebrado entre o organizador e o transportador;

b)

serviços ocasionais;

c)

serviços regulares efectuados por ocasião de um serviço regular internacional, nos termos do disposto no regulamento, em apreço por um transportador não-residente no Estado-Membro de acolhimento, excluindo os serviços urbanos e suburbanos. As operações de cabotagem não podem ser executadas independentemente desse serviço internacional.

As disposições legislativas e regulamentares nacionais devem ser aplicadas pelos Estados-Membros aos transportadores não-residentes nas mesmas condições do que as impostas aos seus próprios nacionais.

4.   Observações na generalidade

4.1

O art. 8.o simplifica o processo de autorização (autorização de itinerário) Está previsto apenas um motivo para indeferir o acesso ao mercado, o de o serviço afectar seriamente a viabilidade de um serviço comparável explorado ao abrigo de uma obrigação de serviço público nos troços directos em questão, o que o Comité considera razoável.

4.2

Os países de trânsito onde não sejam tomados ou largados passageiros não serão consultados, mas serão informados se o serviço for autorizado, o que melhorará a eficiência do sistema.

4.3

O princípio da subsidiariedade é aplicável, na medida em que a proposta não é da competência exclusiva da Comunidade. Todavia, impõem-se mecanismos de salvaguarda, tendo em vista garantir que os transportadores não-residentes não são vítimas de discriminação.

4.4

No que concerne o n.o 2 do art. 18.o sobre os títulos de transporte, são necessários esclarecimentos.

4.5

O transportador tem de disponibilizar títulos de transporte individuais ou colectivos. Se, numa operação de fiscalização pelos agentes encarregados do controlo (e tendo o transportador emitido previamente o título de transporte), se verificar que o passageiro não tem um título de transporte válido, o transportador não poderá ser responsabilizado. Uma vez emitidos os títulos de transporte, os passageiros passam a ser responsáveis pela sua apresentação aos agentes encarregados do controlo.

5.   Observações na especialidade

5.1

Em termos gerais, a proposta cumpre os objectivos estabelecidos pela Comissão.

5.2

As questões relacionadas tanto com as infracções graves e menores como com as sanções administrativas a aplicar requerem esclarecimentos adicionais. Importa definir a natureza e o tipo de infracções que se enquadram nas diversas categorias e harmonizá-las ao nível comunitário.

5.3

No caso de infracções graves ou infracções menores repetidas, o Estado-Membro de acolhimento pode requerer ao Estado-Membro que emitiu a licença de transporte internacional a imposição de sanções administrativas ao titular da licença (por exemplo, a retirada provisória ou permanente de algumas ou de todas as cópias autenticadas da licença ou retirada provisória ou permanente da licença). Tal não invalida a instauração de uma acção penal no Estado-Membro de acolhimento.

5.4

Embora fazendo referência a um mecanismo de recurso em caso de sanção ou de recusa de autorização, os recursos devem ser entendidos pelas partes como justos e não-discriminatórios.

5.5

Importa criar uma base de dados comunitária, de forma a facilitar o rápido e eficiente intercâmbio de informações entre Estados-Membros no que concerne os serviços de transporte em autocarro. Ademais, quando um veículo é inspeccionado por um agente encarregado do controlo, deveria ser possível introduzir o número da licença de transporte internacional (licença comunitária) e obter de imediato as informações necessárias à verificação da sua validade.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/47


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à protecção do ambiente através do direito penal»

COM(2007) 51 final — 2007/0022 (COD)

(2008/C 10/12)

Em 28 de Fevereiro de 2007, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 174.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 6 de Setembro de 2007 (relator: D. RETUREAU).

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 149 votos a favor, 3 votos contra e 10 abstenções, o presente parecer.

1.   Conclusões

1.1

O Comité aprova, de novo, o facto de os danos graves causados ao meio ambiente poderem ser objecto de sanções penais. Reafirma que, no seu entender, a Comissão deverá ser competente para obrigar os Estados-Membros a aplicarem, sempre que necessário, sanções penais proporcionadas e dissuasivas para assegurar a execução das políticas comunitárias, em particular no domínio da protecção do meio ambiente contra danos graves, devendo as sanções ser aplicadas no quadro do sistema penal em vigor em cada Estado-Membro. A Comissão deverá, além disso, dispor de um poder de controlo da eficácia do direito penal aplicado neste domínio e exercer este poder efectivamente.

1.2

A proposta de directiva visa, designadamente, as infracções cometidas no âmbito de organizações criminosas (considerado como circunstâncias agravantes pelo projecto). O CESE está persuadido de que tais comportamentos devem ser objecto de sanções, incluindo uma aproximação das normas de direito penal dos Estados-Membros, mas o Tratado e a jurisprudência são claros quanto à repressão de organizações criminosas — a aproximação das normas de direito penal dos Estados-Membros só pode ser conseguida, em princípio, no quadro da cooperação policial e judiciária em matéria penal, tal como prevista no Título VI do Tratado da União Europeia e não no âmbito do Tratado CE como propõe a Comissão.

1.3

O Comité pergunta também se o facto de impor que determinadas infracções sejam sancionadas com penas privativas de liberdade não excede as competências atribuídas nos termos do Primeiro Pilar, na medida em que constitui uma ingerência na escolha das sanções mais adequadas que deve a priori continuar a ser da competência dos Estados-Membros.

1.4

Este Comité é de opinião que a competência comunitária se deve limitar à definição das obrigações a respeitar e à previsão de sanções penais. Para ultrapassar estas competências e estabelecer o regime das sanções seria necessário recorrer a uma decisão-quadro baseada no Título VI do Tratado UE.

1.5

Na mesma ordem de ideias, o Comité também tem reservas quanto à questão de saber se o direito comunitário pode ir até à imposição de um limite sancionatório máximo.

1.6

O Comité deseja que os aspectos políticos evidentes suscitados pela repartição de competências, assim como o papel que gostaria que o Parlamento assumisse em toda a legislação penal, possam ser objecto de uma jurisprudência mais precisa do Tribunal de Justiça, ou de um acordo interinstitucional, ou de uma reforma, a ser eventualmente integrado na reforma em curso dos Tratados levada a cabo pela CIG; é dada preferência a esta última possibilidade devido à urgência de adopção de sanções eficazes para proteger o ambiente.

2.   Introdução

2.1

Em 1998, o Conselho da Europa abriu à assinatura uma Convenção sobre a protecção do ambiente através do direito penal. Trata-se de um avanço importante, na medida em que esta convenção foi a primeira convenção internacional a elevar a infracção penal os actos que causem ou possam causar danos ao ambiente. No entanto, a Alemanha, seguida pela França e pelo Reino Unido, comunicaram a sua reticência em ratificar a referida convenção. Por conseguinte, a Dinamarca e a Comissão apresentaram iniciativas separadas com vista a proteger o ambiente no quadro do direito penal.

2.2

A decisão-quadro do Conselho, adoptada sobre proposta da Dinamarca pelo Conselho contra o parecer e as propostas da Comissão, definia um certo número de infracções ao ambiente, relativamente às quais os Estados-Membros eram convidados a prever sanções de natureza penal. As suas disposições inspiravam-se amplamente nas disposições da Convenção do Conselho da Europa sobre a Protecção do Ambiente através do Direito Penal, de 4 de Novembro de 1998, assinada até ao momento por dez Estados-Membros.

2.3

A Comissão pronunciou-se perante as diferentes formações do Conselho contra a base jurídica adoptada. Na sua opinião, a base jurídica correcta para esta matéria era o artigo 175.o, n.o 1, CE e tinha apresentado, em 15 de Março de 2001, uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à protecção do ambiente através do direito penal, com base neste artigo (1), embora o artigo 174.o CE não previsse que a Comunidade estivesse dotada de quaisquer competências em matéria penal.

2.4

Em 9 de Abril de 2002, o Parlamento Europeu pronunciou-se simultaneamente sobre a proposta de directiva e sobre o projecto de decisão-quadro; partilhou a abordagem preconizada então pela Comissão (directiva e decisão-quadro).

2.5

No entanto, o Conselho não adoptou a directiva e a decisão-quadro propostas pela Comissão, mas sim o seu projecto alterado de decisão-quadro, baseada no artigo 34.o do Tratado da União Europeia, que constituía, na sua opinião, um instrumento apropriado para impor aos Estados-Membros a obrigação de preverem sanções penais, sublinhando que uma maioria de Estados-Membros estavam contra o reconhecimento de competências penais à Comunidade e estavam persuadidos que estas questões estavam incluídas na cooperação policial e judiciária em matéria penal prevista no Título VI do Tratado da União Europeia.

2.6

A questão foi levantada no Tribunal de Justiça que proferiu acórdão em 13 de Setembro de 2005 (2).

2.7

O Parlamento, bem como o Tribunal e o Advogado-Geral, consideram que não existe uma competência geral comunitária para harmonizar o direito penal; mas em determinados domínios bem definidos, como no caso da protecção do ambiente, a Comunidade poderia impor aos Estados-Membros a obrigação de instaurar sanções penais.

A Comissão interpretou, por seu lado, muito extensivamente o acórdão, concedendo-se competências muito alargadas em numerosas políticas comunitárias que não o ambiente.

2.8

No seguimento do acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a Comissão apresentou uma nova proposta de directiva devido à anulação da decisão-quadro por este tribunal. Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu que embora, em princípio, a legislação penal como as regras de processo penal não sejam abrangidas pelo âmbito da competência da Comunidade isto não pode impedir o legislador comunitário, quando a aplicação de sanções penais efectivas, proporcionadas e dissuasivas pelos Estados-Membros constitua uma medida indispensável para lutar contra os atentados graves ao ambiente, de tomar medidas relacionadas com o direito penal dos Estados-Membros que considere necessárias para garantir a plena efectividade da legislação comunitária em matéria de protecção do ambiente (3). O Comité recorda que o Tribunal de Justiça insistiu no facto de que a Comunidade não dispunha, em princípio, de competências em matéria penal, um domínio considerado pelo Tratado UE da soberania dos Estados-Membros. A formulação «tomar medidas relacionadas com o direito penal» é demasiado vaga e presta-se a várias interpretações, não raro contraditórias.

2.9

É com base neste acórdão que a Comissão apresenta uma proposta alterada de directiva (4), que inclui incriminações e sanções penais, uma vez que considera que apenas sanções administrativas ou que algumas sanções penais previstas em determinados países são demasiado variadas ou demasiado leves para terem um carácter suficientemente dissuasor, especialmente face ao crime organizado, e que por este facto há que proceder a um mínimo de harmonização o direito penal aplicável às lesões graves ao ambiente, quer resultem de uma intenção delituosa ou criminosa ou de negligência grave.

2.10

Num parecer anterior (5), o Comité tinha apoiado a primeira proposta de directiva da Comissão, bem como o projecto de decisão-quadro, que previa que os Estados-Membros deveriam adoptar sanções penais efectivas, proporcionadas e dissuasoras para lutar contra as lesões ambientais. O recurso de anulação interposto pela Comissão apoiada pelo Parlamento Europeu contra a decisão-quadro do Conselho teve também o apoio do Comité, embora o Tribunal de Justiça tenha recusado a sua intervenção através de uma decisão processual preliminar.

2.11

Trata-se, pois, de apreciar:

Se as novas propostas se inserem efectivamente no quadro definido pelo Tribunal de Justiça,

Se as sanções propostas são adequadas ao objectivo prosseguido de garantir a eficácia do direito do ambiente e do melhor nível de harmonização dos direitos nacionais (obrigação de prever sanções penais suficientemente dissuasivas para garantir a eficácia das normas aplicáveis).

2.12

O grande debate que se iniciou depois desse acórdão a nível político, e da doutrina jurídica sobre a constitucionalidade da extensão das competências da Comunidade em matéria penal para a execução das políticas comunitárias e sobre a «prevalência» do Tratado CE sobre o Tratado UE nestas matérias, deverão no entanto ser consideradas pelo Comité (6) aquando das numerosas propostas de legislação que a Comissão tenciona rever, como acaba de o fazer, por exemplo, em matéria de propriedade intelectual (7).

2.13

Com efeito, muitos Estados-Membros contestam a interpretação um tanto extensiva que a Comissão fez do acórdão, tanto no que respeita ao conteúdo das novas propostas em matéria de ambiente como no que respeita à criação de um quadro penal «mínimo» aplicável à execução efectiva de todas as políticas comunitárias (e não apenas de uma política claramente transversal, como a do ambiente) quando nada está expressamente previsto no Tratado CE. Segundo esses Estados-Membros, o recurso à jurisprudência do Tribunal de Justiça deve limitar-se à política ambiental, devido à natureza transversal e transfronteiriça do ambiente, bem como ao teor do acórdão proferido, não devendo ser utilizado como um «cheque em branco» passado à Comissão para todas as políticas comunitárias.

2.14

O Comité só se pronunciará, no caso preciso em análise, sobre as propostas em matéria de ambiente, único domínio expressamente visado pelo acórdão do Tribunal de Justiça.

2.15

Em resumo, a Comissão optou por propor incriminações e sanções penais, sob a forma de um mínimo sancionatório, para os «crimes ambientais» aplicáveis a qualquer pessoa, singular ou colectiva, que cometa, seja cúmplice, ou instigue graves lesões ao ambiente ou que cometa essas lesões por negligência grave. São previstas penas privativas de liberdade e/ou multas, bem como penas complementares (artigo 5.o), que podem ser ampliadas ou completadas por incriminações e sanções suplementares do direito nacional.

3.   Observações na especialidade

3.1

O Comité está decepcionado pelo facto de a questão das sanções penais em matéria ambiental, cujo princípio e nível apoia — tal como já havia feito em relação à proposta de directiva e à proposta de decisão-quadro da Comissão em 2005 — estar num impasse há anos (e talvez assim continue por muito tempo) devido a um desacordo entre as instituições sobre a repartição de competências previstas no Tratado CE e no Tratado UE. Espera que as instituições encontrem rapidamente uma solução política, inclusive no que se refere ao envolvimento do Parlamento Europeu, e que os Tratados possam ser clarificados pela CIG, cujos trabalhos acabam de ser iniciados, ou, na falta disso, pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência ulterior.

3.2

A definição de lesão do ambiente passível de sanções penais como uma «deterioração significativa» tem ainda de ser interpretada no momento da transposição para direito interno e na jurisprudência penal dos diferentes Estados-Membros.

3.3

O Comité regista que as «lesões graves», em especial as cometidas por associações criminosas, ou em grande escala por pessoas colectivas, são visadas prioritariamente pela directiva e que esta pretende aproximar as sanções aplicáveis a nível comunitário, para evitar as lacunas jurídicas utilizadas pelos delinquentes. Ora, as questões relativas à criminalidade organizada incluem-se no Título VI do Tratado UE relativo à cooperação policial e judiciária em matéria penal e devem, por isso, ser objecto de um instrumento jurídico idóneo, como por exemplo a decisão-quadro.

3.4

O carácter amplo da incriminação fez com que um tablóide britânico levantasse a questão sobre se o facto de colher flores selvagens poderia levar as pessoas à cadeia caso o ramo de flores inclua espécies vegetais protegidas. É preciso sublinhar que só estão previstas sanções penais para casos «graves» e que estas devem permanecer efectivas, proporcionadas e dissuasoras. A integridade da faculdade de apreciação do juiz penal nacional, encarregado da aplicação da legislação, é indispensável à avaliação da gravidade do delito e à aplicação de uma pena proporcionada às condições especiais de cada caso, a fim de respeitar a independência do judiciário.

3.5

Por sua vez, o CESE está satisfeito com o facto de a proposta de directiva (artigo 3.o) precisar detalhadamente os factos ilícitos considerados, o que está em conformidade com o princípio geral do direito «Nulla poena sine lege» (8) que exige que a legislação penal seja clara e precisa de forma a que as pessoas em causa conheçam sem ambiguidade os direitos e as obrigações que daí resultam, noutros termos: não pode haver sanção sem base jurídica precisa.

3.6

Verifica-se claramente que é a violação de toda a legislação ambiental de origem nacional, comunitária e internacional que é objecto do sistema de sanções penais proposto pela Comissão. O campo de aplicação particularmente vasto pode criar uma dificuldade jurídica em relação ao fundamento nacional do direito comum ou aos instrumentos autónomos de controlo do direito internacional. As «lesões graves» punidas são as que são cometidas tanto no âmbito nacional como transfronteiriço. Todavia, o Comité aprova este âmbito de aplicação material e territorial que resulta da própria natureza da protecção do ambiente, cujas lesões afectam a maior parte do tempo o ambiente global, independentemente das fronteiras nacionais.

3.7

Para as pessoas colectivas estão previstas sanções penais e não penais, mas a possibilidade de aplicar sanções penais às pessoas singulares, por exemplo, aos dirigentes de empresas ou das sociedades em causa necessita de clarificação. As sanções apenas têm por objecto a pessoa colectiva que seja o autor ou o instigador directo dos factos punidos. O Comité considera que a directiva deve ter em consideração os dirigentes que simplesmente negligenciaram o controlo dos actos dos seus subordinados, mais não seja a título de sanções complementares.

3.7.1

O Comité toma nota de que o artigo 7.o da proposta estabelece um montante mínimo para as multas, embora os Estados-Membros possam prever, sendo caso disso, penas mais pesadas por via da transposição. Tal disposição limita-se a garantir um mínimo comum, mas corre o risco de criar lógicas penais nacionais divergentes. O Comité dá preferência a uma lógica mais afirmativa de harmonização penal a fim de evitar tentações de «forum shopping», admitindo mesmo a possibilidade de aumentar os montantes mínimos do máximo de sanções pecuniárias.

3.8

Ora, segundo o estudo de impacto da Comissão, é concedida aos Estados-Membros uma grande latitude no que respeita à sua aplicação. O Comité entende que as divergências de transposição são susceptíveis de impedir uma aproximação eficaz do direito penal do ambiente, devendo assegurar-se um acompanhamento regular das práticas nacionais. A margem normal de apreciação dos Estados-Membros deveria, de modo geral, evitar a criação de zonas de poluição «mais baratas». Nesta perspectiva, o Comité concorda com a base jurídica proposta, ou seja, o artigo 175.o do Tratado CE.

3.9

No que respeita à pena de prisão, o Comité observa que a aproximação é proposta com base numa escala de três níveis, em conformidade com as conclusões do Conselho «Justiça e Assuntos Internos» de 25 e 26 de Abril de 2002. Além disso, estão previstas sanções alternativas, para além da reparação dos danos causados, tais como proibições de exercer determinadas profissões; ora, a maioria das infracções ambientais graves já se incluem no âmbito de aplicação da Decisão-quadro 2005/212/JAI relativa à perda de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime ou o delito.

3.10

Por outro lado, a fixação de um máximo entre dois e cinco anos é uma opção mesmo certa; mais vale escolher um único limiar mínimo do máximo, para uma maior harmonização, uma vez que não prejudica a margem de apreciação do juiz, em qualquer dos casos.

3.11

No entanto, a Comissão considera que os «limites» da margem de apreciação dos Estados-Membros na transposição são «contrários ao objectivo da directiva», o que deixa transparecer um conflito entre a lógica penal preferida pelo Comité e a lógica seguida pela Comissão. Face às realidades de aplicação, torna-se imprescindível, sem dúvida, insistir mais numa lógica do que na outra para atingir os fins da proposta.

3.12

O CESE está consciente de que, nesta fase do processo de integração comunitária, não é possível um regulamento sobre a matéria. Contudo, existem preocupações quanto à necessidade de uma delimitação clara entre sanção administrativa e infracção penal e para que não existam grandes divergências de transposição nas legislações dos Estados-Membros. Com efeito, não seria lógico que uma conduta seja punida num Estado-Membro e noutro não.

3.13

No relatório de avaliação da directiva deve-se informar também o CESE (artigo 8.o).

3.14

Tem de se ter em conta o que já foi referido anteriormente pelo CESE (9), especialmente no que respeita:

Ao ius standi (direito de agir para desencadear a acção pública penal) para que as entidades e as ONG possam efectuar denúncias com base na directiva nos tribunais; o sistema da Convenção de Aarhus poderia servir de modelo para a aplicação deste direito pelas ONG acreditadas, sendo preferível a qualquer outro sistema de «class action»;

Ao reforço dos instrumentos de colaboração e investigação das autoridades judiciais para o combate à criminalidade ambiental, promovendo a criação de delegações do Ministério Público especializadas em ambiente;

À utilização das redes europeias de justiça com vista a estabelecer a colaboração necessária para as infracções penais transfronteiras.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  JO C 180, p. 238.

(2)  Acórdão de 13 de Setembro de 2005 proferido no processo C-176/03.

(3)  N.o 48 do acórdão.

(4)  Directiva (projecto) COM(2007) 51 final de 9.2.2007.

(5)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso à justiça no domínio do ambiente» (COM(2003) 624 final) (JO C 117 de 30.4.2004, p. 55), para a execução da Convenção de Aarhus.

(6)  Assinale-se que o mandato de reforma dos Tratados prevê a igualdade entre o TCE e o TUE revistos.

(7)  CESE 981/2007, (a publicar no JO).

(8)  Acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2007, no processo C-3/06, Grupo Danone.

(9)  Ver CES 463/2001 de 31 de Julho de 2001 (NAT/114).


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/51


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que prevê procedimentos comunitários para o estabelecimento de limites máximos de resíduos de substâncias farmacologicamente activas nos alimentos de origem animal e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 2377/90»

COM(2007) 194 final — 2007/0064 (COD)

(2008/C 10/13)

Em 22 de Maio de 2007, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 37.o e da alínea b) do n.o 4 do artigo 152.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 4 de Julho de 2007, sendo relator Hervé COUPEAU.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 151 votos a favor e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu tomou nota das disposições propostas pela Comissão.

1.2

O Comité pretende que todas as substâncias farmacológicas para animais destinados à alimentação humana sejam examinadas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMEA) e que os limites máximos de resíduos (LMR) sejam avaliados pelo Comité dos Medicamentos para Uso Veterinário (CVMP).

1.3

Qualquer empresa que proponha produtos farmacológicos para animais deverá ser submetida à autorização da EMEA e à avaliação do LMR pelo CVMP.

1.4

Para facilitar a circulação de produtos na Comunidade Europeia, estas autorizações serão válidas para todos os Estados-Membros da UE.

1.5

O procedimento de colocação no mercado deverá ser simplificado mantendo um nível elevado de protecção do consumidor.

1.6

A simplificação e a legibilidade dos documentos europeus seriam benéficas para todos os cidadãos. A acessibilidade dos documentos permitiria que todos conhecessem e compreendessem a contribuição da Europa para a vida quotidiana.

2.   Objectivos da proposta

2.1

O objectivo é continuar a limitar a exposição dos consumidores a substâncias farmacologicamente activas.

2.2

A proposta visa garantir um nível elevado de protecção do consumidor, pretendendo contribuir igualmente para a simplificação da legislação.

2.3

A fim de alcançar o objectivo visado, há que ter em conta objectivos específicos:

a)

Aumentar a disponibilidade de medicamentos veterinários para animais destinados à alimentação humana, a fim de assegurar a saúde e o bem-estar dos animais e evitar a utilização ilegal de substâncias.

b)

Simplificar a legislação em vigor, aumentando a legibilidade das disposições sobre limites máximos de resíduos estabelecidos, na perspectiva dos utilizadores finais.

c)

Proporcionar referências claras para o controlo de resíduos de substâncias farmacologicamente activas nos géneros alimentícios a fim de melhorar a protecção da saúde dos consumidores e o funcionamento do mercado único.

d)

Clarificar os procedimentos comunitários de estabelecimento de limites máximos de resíduos (LMR), garantindo a coerência com normas internacionais.

3.   Contexto actual

3.1

O quadro jurídico em vigor em matéria de LMR provocou problemas específicos:

a)

A disponibilidade de medicamentos veterinários diminuiu ao ponto de criar efeitos adversos para a saúde pública, a saúde animal e o bem-estar dos animais.

b)

As normas internacionais apoiadas pela UE não podem ser incluídas na legislação comunitária sem uma nova avaliação científica por parte da Agência Europeia de Medicamentos.

c)

Os serviços de controlo dos Estados-Membros não têm valores de referência, nomeadamente para as substâncias detectadas em alimentos provenientes de países terceiros.

d)

A legislação actual é difícil de compreender.

4.   Disposições propostas

4.1

As principais alterações propostas são as seguintes:

a)

Tornar a avaliação das possibilidades de extrapolação uma parte obrigatória da avaliação científica geral e criar uma base jurídica para que a Comissão estabeleça os princípios da aplicação da extrapolação.

b)

Introduzir uma obrigação de adaptar a legislação comunitária a fim de incluir os LMR estabelecidos pelo Codex com o apoio da UE.

c)

Criar um quadro jurídico específico para fixar limites máximos de resíduos de substâncias farmacologicamente activas não destinadas a serem autorizadas como medicamentos veterinários, nomeadamente para efeitos de controlo e para alimentos importados.

4.2

A Comissão teve o cuidado de consultar as partes interessadas para avaliar as alterações necessárias.

5.   Recomendações

5.1

O Comité Económico e Social Europeu tomou nota das disposições propostas pela Comissão.

5.2

O Comité deseja que todas as substâncias farmacológicas para animais destinados à alimentação humana sejam examinadas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMEA) e que os limites máximos de resíduos (LMR) sejam avaliados pelo Comité dos Medicamentos para Uso Veterinário (CVMP).

5.3

Qualquer empresa que proponha produtos farmacológicos para animais deverá ser submetida à autorização da EMEA e à avaliação do LMR pelo CVMP.

5.4

Para facilitar a circulação de produtos na Comunidade Europeia, estas autorizações serão válidas para todos os territórios europeus.

5.5

O procedimento de colocação no mercado deverá ser simplificado mantendo um nível elevado de protecção do consumidor.

5.6

A avaliação dos conhecimentos científicos permitirá determinar a inocuidade dos produtos, bem como o tempo de espera entre a administração do medicamento ao animal e o abate deste antes de ser consumido.

5.7

Na avaliação dos conhecimentos científicos deverá ser fixado um limite máximo de resíduos pelo Conselho.

5.8

Pedido de procedimentos: o actual sistema de pedidos de autorização tem dado boas provas, devendo manter-se.

5.9

As substâncias farmacologicamente activas deverão ser classificadas da seguinte forma:

a)

Limite máximo de resíduos.

b)

Ausência de limite máximo de resíduos.

c)

Proibição da administração de substância.

5.10

A EMEA deverá consultar laboratórios de referência para determinar o processo de análise de resíduos.

5.11

A circulação de alimentos de origem animal na União Europeia não pode ser dificultada.

5.12

A simplificação e a legibilidade dos documentos europeus seriam benéficas para todos os cidadãos. A acessibilidade dos documentos permitiria que todos conhecessem e compreendessem a contribuição da Europa para a vida quotidiana.

5.13

Os produtos de carne produzidos fora da União Europeia submetidos a medicamentos não incluídos no repertório europeu deverão integrar um estudo científico que demonstre a inocuidade desses produtos, que deverá ser reconhecida pela EMEA. Além disso, o CVMP deverá validar posteriormente o LMR, a fim de garantir a protecção total do consumidor.

5.14

A Comissão deverá avaliar o problema relativo à falta de medicamentos para certas espécies (caprinos, coelhos, etc) que não são desenvolvidos pelos laboratórios por motivos de rentabilidade.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Conselho relativo ao estabelecimento de um quadro comunitário para a recolha, gestão e utilização dos dados do sector das pescas e para o apoio à consultoria científica relacionada com a política comum da pesca»

COM(2007) 196 final — 2007/0070 (CNS)

(2008/C 10/14)

Em 1 de Junho de 2007, o Conselho da União Europeia decidiu, em conformidade com o artigo 37o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 6 de Setembro de 2007 (Relator: SARRÓ IPARRAGUIRRE).

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou o presente parecer por 150 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções.

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité, de forma geral, acolhe favoravelmente a proposta de regulamento.

1.2

O CESE tem dúvidas que a proposta de regulamento implique realmente uma «simplificação» do regulamento actualmente vigente, e que possa redundar em benefício da redução dos encargos administrativos, tanto para os Estados-Membros como para os administrados.

1.3

O Comité considera que a definição de «utilizadores finais» dada pela Comissão Europeia é imprecisa, uma vez que permite que qualquer pessoa possa ser considerada como tal. Por este motivo, sugere que a Comissão modifique a definição, precisando-a muito mais.

1.4

O CESE considera que a recolha de dados ambientais deveria realizar-se principalmente mediante estudos no mar, feitos pelos Estados-Membros, através de campanhas pesqueiras científicas.

1.5

O Comité entende que a Comissão deveria precisar mais claramente as causas de incumprimento que acarretam sanções para os Estados-Membros, com a modulação das correcções financeiras.

1.6

O CESE solicita que a Comissão elimine a menção ao livre acesso dos encarregados da recolha de dados económicos aos locais das empresas, por causa dos problemas jurídicos que tal possa gerar.

1.7

O CESE considera que a Comissão deveria prever expressamente o financiamento, através dos Estados-Membros, dos programas de observadores no mar e a redução para o mínimo necessário dos programas de auto-amostragem conduzidos pela tripulação, dado que podem sobrecarregar excessivamente o seu trabalho.

1.8

Relativamente à avaliação do impacto das pescarias no meio ambiente, o Comité considera necessário que a Comissão Europeia defina claramente quais os dados que serão necessários e quem os obterá.

1.9

O Comité considera difícil a aplicação da recolha de dados que permitam avaliar o grau de interacção entre as espécies, por isso sugere a sua supressão.

1.10

Relativamente à gestão e utilização dos dados primários recolhidos, o Comité deseja salientar a importância da confidencialidade dos mesmos para quem, em conformidade com a proposta de regulamento, tenha acesso a eles.

1.11

O Comité considera que será praticamente impossível começar os programas comunitários e nacionais em 2008, por isso recomenda à Comissão que a sua aplicação comece apenas em 2009.

2.   Justificação do parecer de iniciativa

2.1

A recolha sistemática de dados de base fiáveis sobre as pescarias é fundamental para a avaliação das unidades populacionais de peixes e os pareceres científicos, revestindo portanto importância fundamental para a aplicação da política comum das pescas (PCP).

2.2

A Comissão Europeia apresentou, para exame, o enquadramento da recolha de dados (1), após vários anos de aplicação, e considerou que deveria ser revisto, para se poder tomar devidamente em consideração uma análise da gestão das pescarias baseada na frota, na exaustividade e no acesso geral aos dados relativos à pesca, no apoio mais eficaz à prestação de consultas científicas e no fomento da cooperação entre os Estados-Membros.

2.3

Por este motivo, apresenta a proposta de regulamento do Conselho em apreço no presente parecer, cujo objectivo é elaborar programas de amostragem regionais a longo prazo e bem integrados, com inclusão de dados biológicos, económicos, ambientais e sociais, que satisfaçam as novas exigências gerais pela necessidade de avançar para a gestão das pescarias (2), no sentido de um ponto de vista ecossistémico.

2.4

A proposta pretende que o novo sistema de recolha de dados inclua a totalidade do processo, desde a recolha de dados no mar até à sua utilização pelos utilizadores finais. Além do mais, prevê, de forma inovadora, a inclusão da recolha de dados ambientais com a finalidade de conhecer as repercussões da actividade de pesca no ecossistema marinho, uma sanção económica para os Estados-Membros que não cumpram as normas, melhorar o acesso aos dados e a sua utilização e reduzir a carga administrativa de todas as partes envolvidas (simplificação).

3.   Observações na generalidade

3.1

Com o objectivo de melhorar a consultoria científica, a proposta de regulamento estabelece normas referentes à recolha de dados e gestão, no quadro de programas plurianuais, dos dados biológicos, económicos, ambientais e sociais relativos ao sector da pesca e à utilização dos mesmos no quadro da PCP.

3.2

Estes dados de base devem permitir avaliar a actividade das diferentes frotas pesqueiras, preparar resumos utilizando os dados recolhidos em virtude das demais normas comunitárias sobre a PCP, calcular volumes totais de capturas e devoluções por unidades populacionais e grupos de navios, classificar capturas por zonas geográficas e por períodos, fazer a estimativa da abundância e distribuição das existências de peixes, avaliar os efeitos da actividades pesqueiras no ambiente, avaliar a situação socioeconómica do sector pesqueiro, permitir o acompanhamento dos preços das descargas dos barcos comunitários a das importações e avaliar a situação económica e social da indústria.

3.3

O financiamento destas actividades está previsto no Regulamento (CE) n.o 861/2006 do Conselho, de 22 de Maio de 2006, pelo qual se estabelecem medidas financeiras comunitárias para a aplicação da política comum da pesca e o Direito do Mar (3), sobre o qual este Comité já emitiu o respectivo parecer (4).

3.4

A proposta de regulamento concede especial importância ao controlo de qualidade e à validação dos dados recolhidos, fazendo depender a aprovação financeira da Comunidade do controlo de qualidade e do cumprimento das normas de qualidade aprovadas.

3.5

Há regulamentos comunitários no âmbito da recolha e gestão de dados relativos à pesca que incluem disposições sobre a recolha e gestão dos dados sobre os navios de pesca, as suas actividades e capturas, bem como sobre a vigilância dos preços, capturas acidentais de cetáceos e condições aplicáveis à pesca de profundidade que devem ser tidas em conta na proposta de regulamento se se pretende estabelecer um sistema de recolha de dados completa e coerente.

3.6

O Comité, de um modo geral, acolhe favoravelmente a proposta de regulamento. Vê, porém, com preocupação o constante aumento de regulamentação comunitária que implica um aumento do trabalho administrativo. O CESE tem dúvidas de que a proposta de regulamento implique realmente uma «simplificação» e que possa redundar em benefício da redução dos encargos administrativos, tanto para os Estados-Membros como para os administrados.

3.7

Assim, o CESE considera muito satisfatório que a proposta reforce os aspectos ambientais das actividades pesqueiras e possa trazer dados necessários para aplicar à gestão da pesca uma análise ecossistémica.

4.   Observações na especialidade

4.1

A proposta de regulamento começa com a definição de alguns conceitos-chave, como: sector das pescas, pesca recreativa, regiões marítimas, dados primários, dados pormenorizados, dados agregados, amostragem baseada na frota, navio pesqueiro comunitário e utilizadores finais. Para o CESE, a definição deste último é imprecisa, uma vez que faz referência às «pessoas físicas ou jurídicas ou as organizações interessadas na análise científica dos dados relativos ao sector pesqueiro». Com esta definição, o Comité considera que qualquer pessoa poderá ser utilizador final. Por este motivo, sugere que a Comissão modifique a definição, precisando mais os verdadeiros utilizadores finais.

4.2

Para a recolha dos dados, a Comissão definirá um programa comunitário plurianual que afectará:

Pescarias comerciais exercidas por navios de pesca comunitários nas águas comunitárias e fora delas;

Pescarias recreativas exercidas nas águas comunitárias;

Actividades de aquacultura exercidas no território dos Estados-Membros e ndas águas comunitárias;

Empresas de transformação dos produtos da pesca.

4.3

Os Estados-Membros estabelecerão um programa nacional de recolha de dados em conformidade com o programa comunitário, que incluirá procedimentos e métodos a utilizar para a recolha e análise dos dados bem como para estimar a sua exactidão e precisão. Os programas nacionais incluirão em especial:

Programas nacionais de amostragem;

Um regime de observadores no mar, quando necessário;

Um regime de cruzeiros de investigação no mar.

4.4

A Comissão prevê, na sua proposta, que os programas comunitários e os programas nacionais sejam elaborados para períodos de três anos. O primeiro programa deverá abranger o período de 2008 a 2010, inclusive. O Comité considera que será praticamente impossível começar os programas comunitários e nacionais em 2008, por isso recomenda à Comissão que a sua aplicação comece apenas em 2009.

4.5

Os Estados-Membros coordenarão os seus programas nacionais com os restantes Estados-Membros da mesma região marítima e desenvolverão todos os esforços para coordenar as suas acções com os países terceiros que exerçam soberania ou jurisdição nas águas da mesma região marítima, como acontece nas organizações regionais da pesca.

4.6

O Comité Científico, Técnico e Económico da Pesca (CCTEP) avaliará os programas nacionais, as suas eventuais modificações e a pertinência científica dos dados que se vão recolher. A Comissão aprovará os programas nacionais com base na avaliação realizada pelo CCTEP.

4.7

O Comité aprova o plano de recolha e gestão dos dados no quadro dos programas plurianuais. Deseja, porém, assinalar à Comissão que, da leitura da proposta de regulamento que apresenta, não se pode deduzir a incidência que terá no trabalho normal de um navio de pesca a recolha de dados pesqueiros, fundamentalmente os correspondentes ao impacto das actividades do sector pesqueiro no ambiente. O CESE considera que a recolha de dados ambientais deveria realizar-se principalmente mediante estudos no mar, feitos pelos Estados-Membros através de campanhas pesqueiras científicas.

4.8

Como vertente inovadora, a Comissão prevê que, se não se respeitarem as normas previstas na proposta de regulamento, esta poderá sancionar os Estados-Membros, reduzindo, ou suspendendo, a ajuda financeira aos programas nacionais dos mesmos. O Comité considera acertada a proposta e confia em que os Estados-Membros cumpram as suas obrigações para evitar sanções. O Comité é de opinião de que a Comissão deveria precisar mais claramente as causas de incumprimento que acarretam sanções, com a modulação das correcções financeiras.

4.9

Conforme o indicado no ponto 4.3., os programas nacionais de amostragem plurianuais incluirão:

Um projecto de amostragem para os dados biológicos que utilize uma amostragem baseada na frota e abranja a pesca recreativa, quando necessário;

Um projecto de amostragem de dados sobre o ecossistema que permita calcular o grau de interacção entre as espécies e o impacto do sector pesqueiro no ambiente;

Um projecto de amostragem para os dados económicos e sociais que permita avaliar a situação socioeconómica do sector das pescas.

4.10

O Comité reitera o que afirmou no seu parecer sobre o Regulamento (CE) n.o 861/2006, em que considerava que, para melhorar a consultoria científica, dever-se-iam poder financiar, através dos Estados-Membros, os gastos em que incorresse o sector da pesca comunitária, na realização de estudos de avaliação dos efeitos das actividades pesqueiras no ambiente e de avaliação da situação socioeconómica do sector.

4.11

A Comissão prevê que os Estados-Membros deverão velar por que os amostradores tenham livre acesso ao cumprimento das suas competências em:

Todos os desembarques, incluindo, quando necessário, os transbordos e transferências para fins de aquacultura;

Todas as instalações comerciais, para a recolha dos dados económicos.

4.12

O CESE solicita que a Comissão elimine a menção ao livre acesso dos amostradores de dados económicos às instalações comerciais, por causa dos problemas jurídicos que tal possa gerar. Por esse motivo solicita a sua supressão.

4.13

Finamente, a recolha de dados das pescarias nos programas nacionais diz respeito, por um lado, ao embarque de observadores no mar, quando necessário para a recolha de dados e, por outro lado, aos estudos científicos no mar, com o fim de examinar a abundância e distribuição das unidades populacionais, independentemente da avaliação da pesca comercial, e avaliar o impacto da actividade pesqueira no ambiente.

4.14

O CESE considera ambos os sistemas necessários para completar o quadro de recolha de dados relativos à pesca, estimando que a Comissão deveria prever expressamente o financiamento, pelos Estados-Membros, dos programas de cruzeiros científicos. Caso não se possam embarcar observadores nos navios de pesca, por falta evidente de espaço no navio ou por razões de segurança, o Comité deseja assinalar à Comissão que os programas de auto-amostragem que deverá realizar a tripulação do navio podem sobrecarregar excessivamente o seu trabalho.

4.15

Relativamente à avaliação do impacto da actividade pesqueira no ambiente, o Comité considera necessário que a Comissão Europeia defina claramente quais os dados que serão necessários e quem os obterá.

4.16

A proposta de regulamento estabelece que o armazenamento seguro e a confidencialidade dos dados primários recolhidos efectuar-se-á em bases de dados informáticas sob responsabilidade do Estado-Membro. Assim, os Estados-Membros serão responsáveis pela qualidade e exaustividade dos dados primários recolhidos e dos dados pormenorizados e agregados obtidos a partir dos dados primários.

4.17

O Comité considera oportuno que estas responsabilidades caibam aos Estados-Membros ao passo que a confidencialidade é muito importante para as empresas de pesca.

4.18

A confidencialidade dos dados é muito importante, uma vez que as bases de dados informáticas nacionais conterão todos os dados primários correspondentes aos:

Regulamento (CEE) n.o 2847/1993 de controlo aplicável à frota pesqueira,

Regulamento (CEE) n.o 779/1997 de gestão do esforço pesqueiro no Mar Báltico,

Regulamento (CE) n.o 104/2000 sobre a organização comum de mercado no sector dos produtos da pesca a da aquacultura,

Regulamento (CE) n.o 2347/2002 sobre as regras específicas de acesso e outras condições aplicáveis à pesca de profundidade,

Regulamento (CE) n.o 812/2004 sobre medidas relativas às capturas acidentais de cetáceos durante as actividades de pesca,

Bem como as previstas na presente proposta de regulamento relativas a:

Actividades dos navios de pesca baseada em informações procedentes da vigilância por satélite e outros sistemas de vigilância,

Dados do volume total de capturas por unidade populacional e por segmento de frota comercial incluídos os desembarques e, sendo o caso, dados relativos a capturas da pesca recreativa,

Dados biológicos necessários para acompanha a situação das unidades populacionais exploradas,

Dados sobre o ecossistema para avaliar o impacto das actividades de pesca e de aquacultura no ambiente,

Dados que permitam avaliar o grau de interacção entre as espécies,

Dados económicos e sociais relativos ao sector da frota e às indústrias de transformação.

4.19

Quanto aos dados que permitam avaliar o grau de interacção entre as espécies, o Comité considera que, dada a sua ambiguidade e a falta de precisão, tal avaliação não se poderá realizar, pelo que sugere a sua supressão.

4.20

Os Estados-Membros processarão os dados primários, formando um conjunto de dados pormenorizados ou agregados conformes às normas internacionais aplicáveis e aos protocolos aprovados a nível regional e, mediante acordos concluídos com a Comissão, pô-los-ão à disposição desta e das organizações científicas pertinentes.

4.21

Os Estados-Membros transmitirão os dados pormenorizados e agregados num formato electrónico seguro.

4.22

Os Estados-Membros apenas poderão negar-se a transmitir os dados pormenorizados e agregados pertinentes quando existir risco de identificação de pessoas singulares ou colectivas ou em casos em que os utilizadores finais não cumpram as obrigações que lhes assinala a proposta de regulamento.

4.23

Quanto à gestão e utilização dos dados recolhidos, o Comité deseja salientar a importância da confidencialidade dos dados primários, em especial, os referentes à actividade dos navios de pesca baseada na informação procedente da vigilância por satélite e, por esse motivo, solicita que a Comissão lhes dê um tratamento diferenciado.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Regulamento (CE) 1543/2000 do Conselho que estabelece um quadro comunitário de recolha e gestão dos dados necessários ao funcionamento da política comum da pesca (JO L 176 de 15.7.2000), bem como os regulamentos relativos à recolha e gestão dos dados da pesca.

(2)  COM(2007) 196 final de 18.4.2007.

(3)  JO L 160 de 14.6.2006.

(4)  NAT/280 — CESE 1490/2005 — JO C 65 de 17.3.2006.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/57


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 96/22/CE do Conselho relativa à proibição de utilização de certas substâncias com efeitos hormonais ou tireostáticos e de substâncias ß-agonistas em produção animal»

COM(2007) 292 final — 2007/0102 (COD)

(2008/C 10/15)

Em 2 de Julho de 2007, o Conselho decidiu, nos termos da alínea b) do n.o 4 do artigo 152.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 6 de Setembro de 2007 (Relator: JIROVEC).

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 152 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1

O Comité Económico e Social Europeu toma devida nota das medidas propostas pela Comissão Europeia.

1.2

O CESE aplaude a simplificação e a clarificação da legislação aplicável quer aos particulares quer às empresas que proponham produtos farmacêuticos destinados aos animais.

1.3

A proposta de directiva em apreço respeita o princípio da proporcionalidade dado que prevê apenas alterações limitadas decorrentes dos dados científicos e dos pareceres periciais mais recentes.

1.4

As importações de países terceiros de espécies de animais destinados à alimentação humana ficam igualmente abrangidas pela proposta de directiva.

1.5

A proposta de directiva não põe em causa os compromissos assumidos no quadro da OMC.

1.6

A indisponibilidade do estradiol 17β e seus ésteres no futuro terá repercussões mínimas sobre os agricultores e o bem-estar dos animais.

1.7

Não é necessário definir limites máximos para a presença de resíduos.

1.8

O impacto para as pequenas e médias empresas será quase nulo.

2.   Objectivo da proposta

2.1

A proposta em apreço visa modificar a Directiva 96/22/CE de 29 de Abril de 2006, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 2003/74/CE. A proposta de directiva proíbe a colocação no mercado de determinadas substâncias para administração a animais destinados ao consumo humano para outros fins do que os previstos no n.o 2 do artigo 4.o.

Lista das substâncias proibidas:

Lista A:

tireostáticos,

estilbenos, seus derivados, sais e ésteres,

estradiol 17ß e seus ésteres.

Lista B:

substâncias ß-agonistas.

2.2

As modificações propostas são as seguintes:

a)

excluir os animais de companhia do âmbito da legislação,

b)

proibir inteiramente a utilização de estradiol 17ß para os animais destinados à alimentação.

2.3

A Comissão propõe modificações muito limitadas, necessárias para evitar o sofrimento dos animais de companhia devido à falta de tratamento adequado e reflectindo o parecer de cientistas e peritos em matéria de estradiol 17ß (1).

3.   Contexto geral

3.1

A alínea a) do artigo 2.o da Directiva 96/22/CE do Conselho proíbe expressamente a colocação no mercado das substâncias enumeradas no Anexo II para administração a animais de «todas as espécies».

3.2

Uma comparação dos preços dos produtos que contêm substâncias de efeito tireostático revela que, do ponto de vista económico, a sua utilização é pouco vantajosa no caso de animais destinados à alimentação.

3.3

A utilização ilícita prende-se sobretudo com a produção ou a importação ilegal dessas substâncias. Nos últimos cinco anos não foi registada qualquer utilização ilegal de estilbenos, seus derivados, sais e ésteres.

3.4

A directiva acima referida não permite que sejam concedidas autorizações de comercialização de produtos que contenham substâncias destinadas a tratar o hiperitiroidismo dos animais de companhia.

3.5

Em 1981, a União Europeia proibiu, através da Directiva 81/602/CEE, a utilização de substâncias com efeitos hormonais para estimular o crescimento dos animais de criação, e em particular o estradiol 17β.

3.6

Embora a Directiva 96/22/CE visasse apenas a interdição do uso de estradiol 17β e seus ésteres para todos os efeitos, na realidade limitou todas as circunstâncias nas quais o estradiol 17β pode ser administrado, mesmo para fins que não o crescimento. O produto é totalmente cancerígeno, na medida em que exerce um efeito tanto de formação como de activação de tumores.

3.7

O relatório apresentado ao Conselho e ao Parlamento em 11 de Outubro de 2005 concluiu que a utilização de substâncias alternativas como as prostaglandinas era bastante corrente, pelo que era possível abandonar inteiramente o estradiol 17β para os animais destinados à alimentação.

3.8

Os animais de companhia afectados pelo hipertiroidismo sofrem amiúde da ausência de tratamento adequado.

4.   Observações

4.1

O Comité Económico e Social Europeu toma devida nota das medidas propostas pela Comissão Europeia.

4.2

As modificações propostas para o estradiol 17ß são a consequência directa das actividades previstas no artigo 11.oA da Directiva 2003/74/CE.

4.3

As modificações propostas são muito limitadas e indispensáveis para evitar no futuro o sofrimento dos animais de companhia devido à falta de tratamento.

4.4

A proposta em apreço afecta os proprietários de animais, os médicos veterinários, a indústria farmacêutica veterinária e as agências de autorização dos Estados-Membros.

4.5

A proposta contribuirá a criar um nível elevado de protecção da saúde humana.

4.6

Qualquer nova autorização deverá, no entanto, ter presente a possibilidade de utilização ilícita. As apresentações susceptíveis de ocasionar abusos poderão, pois, ser rejeitadas.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  «Prevention and Control of Animal Diseases» (Prevenção e controlo das doenças animais)

http://ec.europa.eu/food/animal/resources/publications_en.htm.


15.1.2008   

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C 10/58


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1924/2006 relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos»

COM(2007) 368 final — 2007/0128 (COD)

(2008/C 10/16)

Em 26 de Julho de 2007, o Conselho da União Europeia decidiu, em conformidade com o artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório, o qual de resto, havia sido já objecto dos pareceres CESE 308/2004 e CESE 1571/2006 adoptados, respectivamente em 25 de Fevereiro de 2004 e 13 de Dezembro de 2006 (1), o Comité na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 decidiu, por 163 votos a favor, 1 voto contra e 7 abstenções, emitir parecer favorável à proposta, remetendo para a posição defendida nos documentos mencionados.

 

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Parecer do CESE sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a alegações nutricionais e de saúde nos alimentos» — COM(2003) 424 final — 2003/0165 COD (JO C 110 de 30.4.2004) e sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o …/… relativo às alegações nutricionais e de saúde dos alimentos» — COM(2006) 607 final — 2006/0195 COD (JO C 325 de 30.12.2006).


15.1.2008   

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C 10/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Integração do comércio mundial e externalização — Como enfrentar os novos desafios»

(2008/C 10/17)

Em 16 de Fevereiro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a «Integração do comércio mundial e externalização — Como enfrentar os novos desafios».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, a Comissão Consultiva das Mutações Industriais que emitiu parecer em 12 de Setembro de 2007, sendo relator G. ZÖHRER e co-relator G.LAGERHOLM.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social adoptou, por 151 votos a favor, 1 voto contra e 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese

1.1

As mudanças nos modelos comerciais e a crescente integração das economias nacionais no sistema comercial mundial obedecem a uma série de factores. Um dos mais relevantes é o desenvolvimento da repartição internacional da produção que se traduziu no maior volume de trocas de produtos intermédios (bens e serviços) em várias fases do processo de transformação. O comércio de produtos intermédios é um dos principais motores das mutações industriais e constitui uma forma específica de divisão internacional do trabalho.

1.2

Neste contexto, a externalização mede-se pelo comércio externo de produtos intermédios, o que difere um pouco da definição habitual e apresenta similitudes com o chamado «offshoring» (deslocalização). A fim de fazer a distinção, poderíamos falar de «externalização offshore».

1.3

Há várias razões para a «externalização offshore». As mais relevantes são, sem dúvida, os baixos custos do trabalho (salários mais baixos e/ou menos protecção social). Além dessas, outras razões têm um papel fundamental, como o preço das matérias-primas ou a proximidade de novos mercados em expansão. As vantagens a nível dos custos provenientes de legislação ambiental menos rigorosa ou de vantagens fiscais podem também ser motivos para a externalização offshore.

1.3.1

O fenómeno da externalização offshore não é um novo desenvolvimento, mas antes um sinónimo da organização da produção baseada na divisão do trabalho, segundo a qual as empresas se especializam naquilo que fazem melhor e com menores custos. As tecnologias da informação e as comunicações baratas aceleram este desenvolvimento e tornam possível o comércio internacional em muitos novos domínios, especialmente no sector dos serviços.

1.3.2

Um sistema de transportes de baixo custo e eficiente é uma condição fundamental para a externalização offshore.

1.4

O volume de bens actualmente comercializados a nível mundial é 15 vezes maior do que em 1950 e a sua participação no PIB mundial triplicou. O comércio internacional de serviços está a atingir taxas de crescimento semelhantes às dos outros bens e está a aumentar mais depressa do que o PIB. Os serviços representam quase 20 % do comércio internacional.

1.5

Entre 1992 e 2003, a participação dos produtos intermédios na importação total aumentou de 52,9 % para 54,1 % e a dos bens de equipamento de 14,9 % para 16,6 %. A participação dos bens de consumo diminuiu ligeiramente. Dentro dos produtos intermédios, nota-se uma nítida mudança na procura que favorece a categoria de peças e componentes.

1.6

Também a nível regional há desenvolvimentos muito distintos. Enquanto a percentagem de produtos intermédios nas importações da UE (15), do Japão e dos EUA desceu, na China, no Sudoeste Asiático e nos novos Estados-Membros (UE — novos 10) essa percentagem subiu.

1.7

O rápido crescimento do comércio de serviços teve lugar sobretudo na categoria «outros serviços», que inclui serviços relacionados com as empresas. Dentro destes, os serviços financeiros, informáticos e de informação são particularmente dinâmicos. Os países que mais beneficiam com a externalização de serviços são os EUA, a UE-15 e a Índia, tendo sido este último país o que mais ganhou em termos relativos.

1.8

Globalmente, a UE manteve a sua posição de líder no comércio mundial, tanto no sector dos bens, como no dos serviços. A economia europeia é líder de mercado num grande número de indústrias com tecnologia de nível intermédio e bens de capital elevado. O crescente défice comercial com a Ásia e o desempenho um pouco mais fraco da UE na área das TIC são motivos de preocupação.

1.9

A externalização offshore faz aumentar o comércio, o que, no geral, aumenta o bem-estar. No entanto, o Comité tem consciência que nesse processo não há apenas vencedores, mas também perdedores e que, geralmente, estes são mais fáceis de identificar, porque as consequências da perda são imediatas (por exemplo, um trabalhador que perde o seu emprego).

1.10

Tendo em conta que, no global, o comércio de produtos intermédios é um desenvolvimento positivo para a UE, esta deve ser encorajada a adoptar uma atitude positiva e activa para um comércio internacional livre, mas justo, assim como uma estratégia activa face à globalização. Ao mesmo tempo, tem de ser dada a maior atenção à repartição, dentro da UE, dos benefícios retirados desse comércio.

1.11

A UE deve defender um comércio mundial que garanta condições equitativas e um desenvolvimento sustentável (económico, social e ambiental).

1.12

A UE devia ter consciência dos seus pontos fortes e desenvolvê-los. Em particular os sectores acima mencionados com tecnologia de nível intermédio têm muitas vezes uma grande capacidade de inovação. Além disso, é igualmente necessário investir em novos domínios, tanto no plano material como no das ideias.

1.13

Dado o desenvolvimento da externalização offshore, são necessárias urgentemente análises mais numerosas e diferenciadas. O Comité recomenda que a Comissão inicie essas análises, que deverão incluir cenários a curto e médio prazo, e que envolva no processo os actores relevantes. Tais análises podem fazer parte dos inquéritos sectoriais no âmbito da nova política industrial e poderão servir de base para as discussões no quadro do diálogo social sectorial.

1.14

A Estratégia de Lisboa contém as respostas fundamentais aos desafios que a integração do comércio mundial e a crescente externalização no estrangeiro da produção europeia colocam à UE. Neste contexto, o Comité sublinha os seguintes pontos como decisivos para uma Europa competitiva e capaz de se adaptar ao processo de globalização:

realização e fortalecimento do mercado interno;

promoção da inovação;

estímulo do emprego.

2.   Justificação e contexto do parecer

2.1

As mudanças nos modelos comerciais e a crescente integração das economias nacionais no sistema comercial mundial obedecem a uma série de factores (liberalização do comércio, descida dos custos dos transportes e comunicações, níveis de rendimento cada vez mais elevados, aceleração na divisão internacional do trabalho, etc.). Um dos factores mais relevantes é o desenvolvimento da repartição internacional da produção que se traduziu no maior volume de trocas de produtos intermédios (bens e serviços) em várias fases do processo de transformação. Este crescimento do comércio intermédio, ou externalização, é o reflexo da reorganização de numerosos processos de produção numa base global e regional que estão a estender-se cada vez mais a vários segmentos da economia de serviços.

2.2

Tudo indica que as vantagens comparativas tradicionais do mundo desenvolvido no conteúdo técnico e tecnológico dos seus produtos estão sujeitas à pressão contínua de diversas procedências. A UE está perante um mundo em mudança acelerada com novos concorrentes surgidos em vários sectores industriais e numa indústria de serviços com um valor acrescentado muito elevado. Isto significa que as empresas da UE enfrentam desafios que evoluem a um ritmo muito acelerado.

2.3

O comércio de produtos intermédios é um dos principais motores das mutações industriais e constitui uma forma específica de divisão internacional do trabalho que, em pouco tempo, tem vindo a substituir as formas mais tradicionais de internacionalização. É óbvio que a globalização dos mercados, aliada ao progresso tecnológico, permitiu a decomposição do processo de produção de um dado produto em múltiplas e sucessivas fases de produção e transformação, distribuídas normalmente por diversos países.

2.4

Este parecer pretende averiguar, em primeiro lugar, como o fenómeno da externalização de bens e serviços à escala mundial é influenciado pelos países asiáticos (principalmente a China e a Índia) e pela integração dos novos Estados-Membros da UE. Em segundo lugar, é preciso apurar qual o grau de vulnerabilidade da UE à emergência de novos poderes de comércio global e às consequentes mudanças nas vantagens comparativas mundiais, em particular nos mercados em que a UE é hoje líder mundial. Em especial naqueles que fazem uso intermédio de tecnologia e produzem bens de capital elevado, como por exemplo as indústrias automóvel, farmacêutica e de equipamentos especializados.

2.5

O fenómeno da perda de postos de trabalho não é tratado neste parecer, uma vez que já foi objecto de outros pareceres do Comité.

2.6

Estamos, em suma, perante um fenómeno industrial interessante que obrigará as empresas da UE a aumentarem as vantagens competitivas de que têm beneficiado até à data mas que deixaram de ser garantidas, mesmo em sectores inteiramente novos como a economia de serviços. Se formos capazes de analisar os processos em curso, também seremos capazes de detectar os sectores mais fracos, presentes e futuros, e alertar as indústrias da UE para enveredarem a tempo pela via mais adequada.

3.   Evolução do comércio mundial

3.1

A análise que se segue baseia-se num estudo publicado em Outubro de 2006 no número 259 da «Economic Papers» da Direcção Geral de Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia (1).

3.1.1

Este estudo reporta-se ao período entre 1990 e 2003, o que é interessante, porque no início dos anos 90 tiveram lugar alterações significativas para a Europa no comércio mundial. A República Popular da China começou a participar mais no comércio internacional e acabou por aderir à Organização Mundial do Comércio. A realização mais plena do mercado comum levou a um aprofundamento da integração na UE. A abertura política e económica dos países da Europa Central e Oriental, bem como a sua integração na UE, levaram à expansão do mercado interno. No início desse período, a UE tinha 12 Estados-Membros, actualmente tem 27.

3.1.2

Ao mesmo tempo, houve alterações significativas na Índia, Rússia e América Latina (especialmente no Brasil), que reforçaram a posição desses países no comércio mundial.

3.1.3

No momento em que esta análise foi terminada ainda não havia dados fiáveis disponíveis para o período posterior a 2003, daí que seja impossível dar informações precisas sobre a evolução da situação. No entanto, pode-se presumir que as referências à UE-10 se apliquem de forma semelhante também à Bulgária e à Roménia. O exemplo da indústria têxtil revela que os desenvolvimentos observados continuam a ocorrer a um ritmo cada vez mais rápido.

3.2

O volume de bens actualmente comercializados a nível mundial é 15 vezes maior do que em 1950 e a sua participação no PIB mundial triplicou. O comércio internacional de serviços está a atingir taxas de crescimento semelhantes às dos outros bens (cerca de 6 % ao ano, em média, desde 1990) e está a aumentar mais depressa do que o PIB. Os serviços representam quase 20 % do comércio internacional.

3.2.1

Enquanto a evolução geral é, essencialmente, estável, nas várias categorias de bens e serviços as taxas de crescimento variam bastante.

3.2.2

Como mencionado na introdução, a divisão internacional do trabalho é uma das mais importantes forças motrizes do desenvolvimento do comércio mundial. Esta divisão do trabalho tem como resultado um crescimento constante do comércio intermédio de bens e serviços. O crescimento do comércio intermédio (por exemplo, de produtos semi-acabados, peças e componentes), ou «externalização», reflecte a reorganização de muitos processos de produção numa base mundial ou regional, e não nacional, e reflecte também o enorme aumento do fluxo de investimentos estrangeiros directos que representavam menos de 5 % do PIB mundial em 1980 e passaram a representar mais de 15 % no final dos anos 90. No entanto, nem todos os investimentos directos estrangeiros estão ligados à externalização.

3.2.3

A globalização dos sistemas de produção em conjunção com o desenvolvimento de tecnologias eficientes de informação e de comunicação, que levam à externalização ou «especialização vertical», estão também a ter impacto em muitos domínios do sector dos serviços.

3.2.4

A internacionalização dos processos de produção ao nível regional e mundial está a gerar um aumento do comércio entre indústrias e entre empresas. As exportações de uma dada indústria de um país dependem cada vez mais das importações de produtos intermédios que são produzidos pela mesma indústria ou pela filial de uma multinacional.

3.3   Panorâmica do comércio de acordo com as fases de produção

3.3.1

Usando a «Broad Economic Categories Classification» (classificação por categorias económicas gerais) das Nações Unidas, podemos distinguir os produtos de acordo com a sua utilização final (por exemplo: produtos intermédios, bens de consumo ou bens de equipamento).

3.3.2

Entre 1992 e 2003, a participação dos produtos intermédios na importação total aumentou de 52,9 % para 54,1 % e a dos bens de equipamento de 14,9 % para 16,6 %. A participação dos bens de consumo diminuiu ligeiramente. Dentro dos produtos intermédios, nota-se uma nítida mudança na procura que favorece a categoria de peças e componentes, particularmente nas indústrias automóvel e das TIC.

3.3.3

Também a nível regional há desenvolvimentos muito distintos. Enquanto a percentagem de produtos intermédios nas importações da UE (15), do Japão e dos EUA desceu, na China, no Sueste Asiático e nos novos Estados-Membros (UE — novos 10) a mesma percentagem subiu.

3.4

Estas observações não têm em conta o comércio, nem as tendências dentro da UE-15. Convém, no entanto, sublinhar que é nesse espaço que se realiza a grande maioria das trocas comerciais dos Estados-Membros da UE (de 2 terços a 80 %). Consequentemente, neste contexto, a externalização mede-se apenas pelo comércio externo de produtos intermédios, o que difere um pouco da definição habitual e apresenta similitudes com o chamado «offshoring» (deslocalização). A fim de fazer a distinção, poderíamos falar de «externalização offshore».

4.   Razões para o crescimento da externalização offshore

4.1

As razões que levam uma empresa a decidir transferir parte ou a totalidade das suas actividades comerciais para o estrangeiro são variadas. Actualmente, a razão principal parece ser o custo de trabalho mais baixo. Além disso, outros factores desempenham um papel importante, como o preço mais baixo das matérias-primas e a proximidade de novos mercados em expansão. A baixa produtividade, um sistema jurídico pouco fiável, a falta de infra-estruturas, condições de trabalho desfavoráveis (por ex., direitos aduaneiros, normas) e a falta de controlo e de capacidade de reacção quando surgem problemas, podem influenciar negativamente a decisão de transferência para o estrangeiro.

4.2

O facto de as empresas deslocarem os seus centros de produção ou obterem de outras empresas bens que antes eram produzidos por elas mesmas não é uma tendência nova. É prática comum, desde há muitos anos, substituir as forças de trabalho nacionais por estrangeiras. A externalização é um sinónimo da divisão do trabalho e de empresas que se mantêm competitivas e capazes de controlar os custos, ao mesmo tempo que se especializam naquilo que fazem melhor. O que é novo, pelo contrário, é que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) possibilitaram, nos últimos anos, a externalização de toda uma nova série de serviços, assim como da produção de bens. As tecnologias da informação e as comunicações baratas permitem, actualmente, às empresas a externalização da maioria das operações que podem ser reproduzidas/utilizadas em formato digital, como as ferramentas de apoio informático, os serviços de back-office (trabalho de retaguarda), os call-centers (centrais de atendimento), a programação de software e algumas actividades de I&D.

4.2.1

As TIC possibilitaram também uma maior externalização da produção de bens, uma vez que os produtos intermédios podem agora ser obtidos ininterruptamente em vários fornecedores. As técnicas de produção «just in time» (sem a tradicional armazenagem) dependem em grande medida das TIC para coordenar em simultâneo o fabrico e a entrega de diferentes peças e componentes de diversos fabricantes a distâncias por vezes consideráveis.

4.3

A externalização está muitas vezes ligada ao «offshoring» (deslocalização). A deslocalização pode tomar a forma de uma transferência de tarefas específicas de uma empresa para um local no estrangeiro ou para um fornecedor independente.

Como já foi dito, não se trata de um fenómeno novo. O rápido desenvolvimento das TIC e a consequente descida dos custos das comunicações possibilitaram a introdução de muitas novas prestações intermédias no circuito internacional do comércio de serviços. Actualmente, serviços como o desenho técnico em arquitectura, a leitura de radiografias por radiologistas ou certos serviços jurídicos podem ser enviados para o estrangeiro. Assim, o desenvolvimento das TIC intensificou o comércio internacional ao baixar os custos das transacções e ao permitir o comércio de produtos inteiramente novos. Trata-se de um efeito semelhante ao da introdução do sistema internacional de contentores nos anos 50, que também provocou um aumento do comércio internacional (2).

4.4

Este parecer concentra-se na externalização offshore. No entanto, nos debates políticos em geral esta noção é muitas vezes confundida com a de investimentos directos estrangeiros (IDE). Por exemplo, muitas vezes desenvolvimentos que são apresentados como formas de externalização offshore são na realidade parte da expansão de uma empresa para o estrangeiro a fim de satisfazer as necessidades dos mercados locais. Para determinar se a deslocação parcial de uma unidade de produção é ou não um exemplo de offshore, é preciso determinar que mercado será servido. A expansão de uma empresa para o estrangeiro apenas com o propósito de servir um mercado estrangeiro (IDE horizontal) não terá obrigatoriamente (nem mesmo a curto prazo) efeitos negativos no emprego do país de origem. Pelo contrário, pode até ter um efeito muito positivo na rentabilidade e no emprego na sede da empresa.

4.5

Naturalmente, não são apenas os custos mais baixos do trabalho (salários mais baixos e/ou menos segurança social) e a necessidade de proximidade dos mercados que levam as empresas a transferir a produção para outro local. A transferência pode também ser motivada por custos menores ligados a uma legislação ambiental menos rigorosa e por vantagens fiscais. Neste contexto, um exemplo interessante e actual de «offshoring» é o da indústria europeia de cimento. Devido ao grande aumento dos preços da energia na Europa (motivado parcialmente pelo sistema comercial da UE no que diz respeito às emissões de CO2) e à limitação das emissões de CO2 imposta directamente à indústria, alguns produtores europeus de cimento externalizaram a produção de clinker (cimento não pulverizado) para a China.

4.6

Por último, um sistema de transportes de baixo custo e eficiente é uma condição fundamental para a externalização offshore.

5.   Externalização na produção de bens

5.1

A externalização, definida no estudo como a transferência de partes da produção para fornecedores externos ou para estabelecimentos próprios implantados fora da UE, é um reflexo dos seguintes factores:

A internacionalização das estruturas de produção e o aumento global dos investimentos estrangeiros directos estimulam as trocas comerciais a nível mundial.

A percentagem de produtos intermédios (especialmente peças e componentes) e bens de equipamento no total das importações mundiais cresce. Desta forma, cresce também o comércio entre indústrias e entre empresas.

Há um aumento evidente das trocas comerciais complementares entre países industrializados e países em vias de desenvolvimento ou emergentes. A percentagem de produtos intermédios no total das importações da UE-15, dos EUA e do Japão está a diminuir, enquanto a mesma percentagem nos países menos desenvolvidos que são seus parceiros está a aumentar.

A externalização de partes da produção é uma característica particular da indústria automóvel e das TIC, uma vez que as empresas desses sectores operam a nível mundial.

6.   Externalização de serviços

6.1

O comércio mundial de serviços tem vindo a crescer rapidamente desde meados dos anos 90. Atingiu taxas de crescimento semelhantes às do comércio de bens e cresce a uma velocidade superior ao PIB. A percentagem do sector dos serviços no PIB total aumentou de 3,8 % em 1992 para 5,7 % em 2003.

6.2

Embora as taxas de crescimento dos sectores dos transportes e do turismo tenham crescido a par do PIB, o grande crescimento no comércio de serviços deve-se à categoria «outros serviços», que inclui serviços relacionados com as empresas. Dentro destes, os serviços financeiros, informáticos e de informação são particularmente dinâmicos.

6.3

Se compararmos os resultados líquidos (exportações menos importações), os países que mais beneficiam com a externalização de serviços são os EUA, a UE-15 e a Índia, tendo sido este último país o que mais ganhou em termos relativos.

7.   Pontos fortes e pontos fracos da UE

7.1

Desde 1990, a UE manteve no geral a sua posição de líder no comércio mundial, tanto no sector dos bens, como dos serviços. Isso advém, em parte, do facto de a fase de grandes investimentos no processo de recuperação mundial no início dos anos 90 ter favorecido as indústrias que produziam bens de capital intensivo, sector onde a UE tem uma posição forte. A UE é líder de mercado num grande número de indústrias com tecnologia de nível intermédio e bens de capital intensivo. Os seus pontos fortes são a produção automóvel mundial, a indústria farmacêutica, os equipamentos especiais e os serviços financeiros e serviços para empresas.

7.1.1

Entre 1992 e 2003, o excedente do comércio externo da UE subiu de 0,5 % para 1,5 % do PIB, contribuindo, assim, significativamente, para o seu crescimento.

7.1.2

Um dos principais pontos fortes da UE é, sem dúvida, o seu mercado interno que oferece, não só um enquadramento jurídico estável, mas também o correspondente mercado interno de grandes dimensões. Através do alargamento, uma parte das externalizações passaram a ter lugar nos novos Estados-Membros.

7.1.3

De acordo com o estudo, em algumas áreas de produção, como por exemplo a indústria automóvel, as tendências da externalização offshore revelam uma concentração regional (a UE-15 nos novos Estados-Membros, os EUA no México e no Brasil, o Japão no Sueste Asiático e na China). Isto explica-se, essencialmente, pelos custos do afastamento geográfico (por exemplo, custos de transportes). Nos sectores das novas tecnologias e dos serviços, estes custos desempenham um papel muito menor.

7.2

Ao mesmo tempo, o estudo revela alguns domínios que são motivo de preocupação. No plano geográfico, o défice comercial com a Ásia continua, de forma geral, a crescer e, no plano tecnológico, o desempenho da UE em matéria das TIC é relativamente fraco. Após verificação cuidada, repara-se que alguns países em desenvolvimento se têm esforçado por chegar rapidamente ao topo da cadeia de criação de valor e, por isso, investem muito em I&D e em formação.

7.2.1

O êxito até agora conseguido pela Ásia no comércio mundial baseou-se sobretudo em domínios de produção (como as TIC) que do ponto de vista europeu eram menos importantes do que, por exemplo, a indústria automóvel, farmacêutica ou química. Nos últimos 15 anos, muitos países asiáticos especializaram-se na exportação de produtos do domínio das TIC (3). É de esperar que, numa fase de futuro desenvolvimento, esses países se dediquem também a indústrias até aqui dominadas pela UE (como mostra o exemplo da indústria têxtil).

7.2.2

A UE e a China gozam de uma forte complementaridade em termos das suas estruturas comerciais. A UE especializa-se em bens de tecnologia média a alta e bens de capital, enquanto a China se centra em produções de baixa tecnologia, de uso intensivo de mão-de-obra e de áreas ligadas às TIC. Este padrão de complementaridade traduz-se em tendências comerciais favoráveis para a UE. Actualmente, muitos Estados-Membros desfrutam de ganhos significativos em termos de poder de fixação dos preços relativamente a potências com mercados emergentes, como a China. Estes resultados sugerem que o processo de recuperação económica de grandes economias emergentes, como a China, pode ser mutuamente benéfico, com grandes ganhos per capita tanto para os países desenvolvidos como para os que estão em desenvolvimento.

7.2.3

Actualmente, a transferência de serviços para a Índia (ainda) é pouco relevante em termos macroeconómicos.

7.3

Em matéria de comércio externo, a UE enfrenta os seguintes problemas a médio e longo prazo:

7.3.1

O bom desempenho da UE nos anos 90 resultou, em grande parte, dos benefícios da primeira fase, rica em investimentos, da liberalização do comércio mundial: um cenário que não continuará indefinidamente.

7.3.2

A UE apresenta fraquezas em vastos sectores das altas tecnologias, especialmente na indústria das TIC.

7.3.3

A Ásia está a transformar-se num potencial concorrente em alguns dos principais segmentos de mercado da UE. Os chineses, que produzem a baixo custo, dominarão provavelmente uma grande parte das indústrias que necessitam de muita mão-de-obra e de um baixo nível de tecnologia. Isso terá maiores consequências para a UE do que para os EUA ou o Japão.

8.   Ganhadores e perdedores da externalização offshore

8.1

A externalização offshore provoca um aumento do comércio, frequentemente com novos tipos de produtos e em novos sectores. Os estudos teóricos e empíricos demonstram que o comércio gera bem-estar, daí que a externalização offshore devia levar a um aumento do bem-estar mundial. No entanto, esta análise torna-se mais complicada quando reparamos que as vantagens em termos de custos que estão na origem da externalização de um produto para o estrangeiro podem ser a consequência de legislações ambientais menos rigorosas, o que poderá afectar o ambiente a nível mundial. Se não for esse o caso, podemos partir do princípio que a externalização offshore faz aumentar o bem-estar mundial. Mas sabe-se também que o comércio tem muitas vezes ganhadores e perdedores. A questão que se coloca aqui é saber quem serão, na Europa, os ganhadores e os perdedores da externalização.

8.1.1

A decisão por parte de uma empresa de externalizar uma tarefa específica pode-se revelar também uma má escolha. Pode haver várias razões para isso. É possível que não agrade aos clientes serem atendidos por centros de atendimento no estrangeiro, que as empresas não recebam os produtos intermédios com a qualidade requerida ou no prazo estipulado, que haja mal-entendidos a nível internacional ou entre as empresas e os clientes devido a diferenças culturais, ou que informações confidenciais sejam transmitidas à concorrência.

8.1.2

Apesar disso, na nossa análise temos de partir do princípio que a decisão de uma empresa (ou de um governo) de externalizar uma parte das suas tarefas é bem sucedida. Neste caso, quem são os ganhadores e os perdedores?

8.2   Ganhadores

8.2.1

As empresas europeias que optam pela externalização e pela externalização offshore

Estas empresas têm a possibilidade de beneficiar de uma grande redução dos custos devido à mão-de-obra mais barata. A longo prazo, essas empresas poderão ter acesso também a novos trabalhadores qualificados, tanto directamente, através das suas instalações colocadas no estrangeiro, como indirectamente, através da externalização offshore de fornecedores locais. Além disso, as empresas de países europeus com mercados de trabalho muito regulamentados poderão, através da localização offshore, gerir os níveis de mão-de-obra de forma mais fléxivel. É igualmente possível que a externalização de uma actividade para o estrangeiro permita a abertura de novos mercados. Graças à instalação dessas produções locais, as empresas europeias podem produzir bens e serviços a preços que tornam possível a venda em países com salários baixos.

8.2.2

Os países europeus fornecedores de bens e serviços externalizados e externalizados no estrangeiro

Com a adesão de 12 novos Estados-Membros em 2004 e 2007, há na União Europeia um número considerável de grandes fornecedores de bens e serviços externalizados e externalizados no estrangeiro. Mas alguns países da UE-15 também beneficiam enquanto locais de produção offshore, em especial a Irlanda. As vantagens para os países que acolhem a externalização são evidentes: a curto prazo são a criação de emprego e o aumento de investimentos; a longo prazo trata-se da transferência de tecnologia e de competências em benefício das populações locais.

8.2.3

Os consumidores de bens e serviços externalizados e externalizados no estrangeiro

Os consumidores de bens e serviços externalizados podem beneficiar com os preços mais baixos dos produtos. A título de exemplo, as estimativas revelam que a globalização da indústria de material informático conduziu a uma baixa de 10 a 30 % no preço de semicondutores e de chips de memória nos anos 90. Os consumidores podem também beneficiar das horas de abertura mais alargadas em muitas indústrias de serviços, incluindo por exemplo a possibilidade de contactar o centro de atendimento de uma empresa em Bangalore depois das 17h00m HEC. Os preços mais baixos farão descer a inflação (consoante a extensão da deslocalização e da externalização offshore relativamente ao volume total de bens), levando a um maior poder de compra.

8.3   Perdedores

8.3.1

Os trabalhadores europeus que perdem os seus postos de trabalho devido à deslocalização e à externalização offshore

Os trabalhadores que perdem os seus postos de trabalho devido à deslocalização e à externalização offshore são os perdedores evidentes e imediatos. Estas pessoas que perdem os seus empregos formam um grupo duramente atingido, mas relativamente pequeno e concentrado. Por oposição, os ganhadores da deslocalização e da externalização offshore constituem um grupo significativamente maior e mais variado que tirará dividendos individuais relativamente pequenos da externalização (com a possível excepção das empresas). Esta assimetria entre ganhadores e perdedores é comum à política económica da deslocalização e à maioria dos outros debates sobre o comércio livre e a concorrência nas importações. A UE tem no «Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização», criado pelo Conselho por pressão da Comissão, um instrumento para apoiar esse grupo, ainda que com meios limitados.

8.3.2

As empresas europeias que não estão em posição de adoptar «boas práticas» através da deslocalização e da externalização offshore.

O problema essencial com que a Europa se confronta actualmente é o crescimento lento da produtividade. Devido à aceleração da globalização, as estratégias de deslocalização e de externalização offshore tornam-se necessárias em cada vez mais áreas para fazer face à concorrência. As empresas incapazes de reestruturar as suas operações, recorrendo à deslocalização e à externalização offshore de certos produtos intermédios ou tarefas, ficarão em desvantagem competitiva face aos seus concorrentes da UE e de países terceiros. Isso significa que correm o risco de ter um crescimento menor e, em última instância, poderão ser obrigadas a sair do mercado ou a transferir toda a sua produção para o estrangeiro. Em ambos os casos, é provável que essa operação provoque maiores perdas de emprego do que se a deslocalização ou externalização offshore tivessem acontecido mais precocemente.

9.   Medidas a tomar e recomendações

9.1

O Comité pronunciou-se várias vezes no passado sobre o tema do comércio mundial e da globalização (4); mais recentemente no parecer «Desafios e oportunidades da União Europeia no contexto da globalização» (REX/228 — relator H. Malosse). Neste parecer o Comité pronunciou-se a favor de uma estratégia comum face à globalização, de um estado de direito mundial, de uma abertura comercial equilibrada e responsável, de uma integração acelerada e de uma globalização com uma faceta humana.

9.1.1

Tendo em conta que, no global, o comércio de produtos intermédios é um desenvolvimento positivo para a UE, esta deve ser encorajada a adoptar uma atitude positiva e activa para um comércio internacional livre, assim como uma estratégia activa face à globalização. Ao mesmo tempo, tem de ser dada a maior atenção à repartição dos benefícios retirados desse comércio e ao debate político. A UE deve defender um comércio mundial que garanta condições equitativas e um desenvolvimento sustentável (económico, social e ambiental).

9.1.2

A política comercial da UE deve ser mais orientada para o melhoramento das normas sociais e ambientais a nível mundial e para uma solução política que conjugue a solidariedade com os interesses individuais e que seja proveitosa para todos os cidadãos. Devem continuar a ser abolidas as barreiras não pautais ao comércio, especialmente nos casos em que as empresas europeias são discriminadas. No contexto da externalização offshore o Comité sublinha a sua exigência de melhor protecção dos direitos de propriedade intelectual.

9.1.3

O actual debate sobre as alterações climáticas, as emissões de gases com efeito de estufa e o desenvolvimento sustentável levará cada vez mais a uma reavaliação de muitos aspectos da globalização, incluindo o comércio. Os países em desenvolvimento já estão a procurar mais assistência, ou um «reforço das capacidades», para o uso de energias mais limpas. Será dada maior atenção ao uso de transportes que façam uma utilização mais limpa e eficiente da energia, especialmente aos transportes marítimos, quando apropriado. As questões de ordem ambiental terão maior peso nas decisões quanto à futura localização de uma unidade de produção e à subsequente distribuição dos produtos. O Comité espera, por isso, que a Comissão realize, em áreas onde ainda não o esteja a fazer, estudos individualizados sobre os aspectos das alterações climáticas relacionados com o comércio.

9.2

A UE devia, em primeiro lugar, ter consciência dos seus pontos fortes e desenvolvê-los. Em particular os sectores acima mencionados com tecnologia de nível intermédio têm muitas vezes uma grande capacidade de inovação. Para além disso, é igualmente necessário investir em novos domínios, tanto no plano material como no das ideias. O 7.o programa-quadro (2007-2012) indica algumas possibilidades a esse respeito. Deve-se prosseguir esta via e intensificar esforços nesse sentido (5).

9.3

Dado o rápido desenvolvimento da externalização offshore, são necessárias urgentemente análises mais numerosas e diferenciadas (segundo sectores, regiões, etc.), tanto mais que o estudo mencionado neste parecer fornece apenas um quadro muito geral e não tem em conta as evoluções mais recentes.

9.3.1

O recente alargamento da UE abriu novas oportunidades de externalização nos novos Estados-Membros, cujas sociedades serão tanto ganhadoras como perdedoras, merecendo uma análise específica. Se considerarmos que a externalização offshore para os novos e para futuros Estados-Membros deverá contribuir positivamente para a estratégia de coesão, faz sentido analisar o seu impacto na aplicação futura dos instrumentos financeiros da UE.

9.3.2

Também não há estudos detalhados sobre o impacto a longo prazo da externalização no emprego e nas qualificações.

9.3.3

O Comité recomenda que a Comissão inicie essas análises, que deverão incluir também cenários a curto e médio prazo, e que envolva no processo os actores relevantes. Os inquéritos junto de quem toma decisões nas empresas dão por vezes uma visão diferente da que é apresentada pelas estatísticas comerciais.

9.3.4

Estas análises podem fazer parte dos inquéritos sectoriais no quadro da nova política industrial. Podem também servir de base para os debates no âmbito do diálogo social sectorial que contaria assim com um instrumento suplementar para antecipar e lidar com a mudança (ver a este propósito vários pareceres da CCMI e do CESE).

9.4

A Estratégia de Lisboa contém as respostas fundamentais aos desafios que a integração do comércio mundial e a crescente externalização no estrangeiro da produção europeia colocam à UE. Neste contexto, a CCMI sublinha os seguintes pontos como decisivos para uma Europa competitiva e capaz de se adaptar ao processo de globalização:

realização e fortalecimento do mercado interno;

promoção da inovação;

estímulo do emprego.

9.4.1

O desenvolvimento contínuo e o alargamento do mercado interno com o objectivo de optimizar a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais contribuirá significativamente para o reforço da concorrência, o que estimulará as empresas, a inovação e o crescimento.

9.4.2

O mercado interno só poderá ser plenamente realizado quando a legislação tiver entrado em vigor e for correcta e eficazmente aplicada. A Comissão e o Conselho devem velar por que os Estados-Membros não atrasem este processo.

9.4.3

Para que a Europa seja competitiva no mercado mundial, é crucial desenvolver as tecnologias e fomentar a inovação na União Europeia. Desta forma aumentará o número de empregos altamente qualificados na Europa e, assim, a UE será um local mais atractivo para empresas e investimentos.

9.4.4

Para encorajar a inovação é indispensável um processo de atribuição de patentes simples e eficaz em termos de custos. Actualmente, a aquisição de uma patente para protecção de uma invenção na UE é bastante mais cara e complicada do que a de uma patente nos EUA. É preciso criar uma patente comunitária eficaz em termos de custos.

9.4.5

É necessário coordenar esforços para atingir o mais rapidamente possível o objectivo de 3 % do PIB em investimentos nacionais para a investigação e o desenvolvimento, tal como traçado pela Estratégia de Lisboa. De acordo com os números divulgados pela Comissão em 11 de Junho de 2007 sobre ciência, tecnologia e inovação, 85 % do atraso na prossecução desse objectivo deve-se ao diminuto investimento das empresas. Ao mesmo tempo, é possível atingir uma alta intensidade de I&D conjugando um envolvimento forte do sector privado com investimentos públicos elevados. O lado público da UE (os Estados-Membros) tem de investir mais na I&D, para que as actividades de I&D do sector privado se desenvolvam mais. Além disso, os governos deviam introduzir uma política de financiamento inovadora para promover investimentos na Investigação e Desenvolvimento.

9.4.6

Os investimentos nas tecnologias de informação e comunicação reforçariam a eficiência na gestão e acelerariam as relações entre os consumidores e os mercados na Europa. O desenvolvimento de uma rede global de ligações Internet de banda larga deve ser prioritário.

9.5

Neste processo, a política de emprego reveste-se de especial importância. Por um lado, é importante encontrar uma nova possibilidade de emprego para os que perderam o seu lugar devido à externalização offshore, por outro há que manter as exigências em matéria de qualificações e capacidade de adaptação do trabalhador. Justamente, os trabalhadores que perderam o seu trabalho devido a uma deslocalização têm sempre mais dificuldade em encontrar um novo emprego. Até há poucos anos, era possível, em regra, encontrar um novo trabalho em 3 ou 4 meses. Hoje em dia, esse processo pode-se estender por vários anos, já que cada vez mais locais de produção de mão-de-obra intensiva são deslocalizados e quase não se oferecem soluções de substituição adequadas. A chave para a competitividade económica da Europa é uma força de trabalho flexível, com boa formação e motivada.

9.5.1

Neste contexto, o Comité sublinha as conclusões do relatório de Wim Kok (6) no que toca a:

Aumento da capacidade de adaptação dos trabalhadores e das empresas a fim de terem maiores possibilidades de antecipar a mudança;

Integração de mais pessoas no mercado de trabalho;

Investimentos maiores e mais eficazes no capital humano.

9.5.2

Num mundo em rápida mudança, surgem novas tecnologias que se tornam rapidamente ultrapassadas. Os governos europeus têm de assegurar que os seus cidadãos sejam capazes de se adaptar a estes novos desenvolvimentos, para que todos possam ter uma oportunidade. É urgente dispor de uma política social e de emprego moderna, direccionada para a promoção das oportunidades de emprego e da empregabilidade através da transmissão de competências e de medidas para melhorar as capacidades de adaptação, de reconversão e de mobilidade geográfica dos trabalhadores. Para realizar esta difícil tarefa, é fundamental que os Estados-Membros definam e apliquem uma política nacional de educação e formação profissional baseada em investimentos na formação e na aprendizagem ao longo da vida. Assim, as pessoas estarão preparadas para a adaptação à mudança e a novas áreas de trabalho. Como sublinhado pela Agenda de Lisboa, isso deverá incluir «as novas competências básicas, como conhecimentos de TIC, línguas estrangeiras, cultura tecnológica, espírito empreendedor e competências sociais».

9.6

A par das qualificações dos trabalhadores, é muito importante que a externalização offshore não conduza a uma maior fuga de cérebros. Deve-se manter um ambiente que faça da Europa um local atraente para a Investigação e o Desenvolvimento. Para isso, o papel das universidades tem de ser revisto (principalmente na área das Ciências Naturais e da Tecnologia), bem como as suas redes de ligações a nível europeu e a sua cooperação com a economia.

9.7

A competitividade da Europa basear-se-á em primeira instância numa economia inovadora com bases científicas e num modelo social solidário que garanta a coesão social. Com normas sociais e ambientais pouco exigentes a Europa não conseguirá vencer os competidores.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  «Economic Papers» n.o 259: «Global trade integration and outsourcing: How well is the EU coping with the new challenges» de Karel Havik e Kierian Mc Morrow.

(2)  A contentorização é um sistema intermodal de transportar a carga ou o produto em lotes, usando contentores normalizados ISO. Os bens podem ser facilmente transportados de um local para outro nestes contentores que podem ser carregados em navios, camiões, comboios, carros e aviões. O conceito de contentorização é considerado como a principal inovação no campo da logística, tendo revolucionado o sistema de tratamento da carga no século XX e reduzido drasticamente os custos de envio.

(3)  Locais de produção baratos, onde muitas vezes são transformados também produtos caros e de alta tecnologia, juntamente com know-how (conhecimentos especializados) dos EUA ou da Europa, permitem que produtos como computadores ou telemóveis cheguem aos mercados a preços mínimos e estejam assim à disposição de um conjunto mais alargado de consumidores.

(4)  

REX/182 — «A dimensão social da globalização», de Março de 2005;

REX/198 — «Preparação da sexta conferência ministerial da OMC», de Outubro de 2005;

SOC/232 — «Qualidade da vida activa, produtividade e emprego no contexto da globalização e dos desafios demográficos», de Setembro de 2006;

REX/228 — «Desafios e oportunidades da União Europeia no contexto da globalização», de Maio de 2007.

(5)  Cf. o parecer do CESE INT/269 — «Sétimo Programa-quadro de IDT», de Dezembro de 2005.

(6)  Relatório do Grupo de Trabalho para o Emprego sob a presidência de Wim Kok, Novembro de 2003.

O Grupo de Trabalho começou a sua actividade em Abril de 2003 e apresentou o seu relatório à Comissão em 26 de Novembro de 2003. A Comissão e o Conselho integraram as conclusões do relatório no seu Relatório Conjunto sobre o Emprego para a Cimeira da Primavera de 2004, que defendia a necessidade de uma acção decisiva dos Estados-Membros de acordo com o que fora proposto pelo Grupo de Trabalho.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/67


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Os direitos do paciente»

(2008/C 10/18)

Em 14 de Julho de 2005, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do seu Regimento, elaborar um parecer sobre «Os direitos do paciente».

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 17 de Julho de 2007 (relator: L. BOUIS).

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 108 votos a favor, sem votos contra e 2 abstenções, o presente parecer.

1.   Justificação e recomendações

1.1

Há vários anos que os países europeus e a Comunidade Europeia se debruçam sobre a questão dos direitos das pessoas que recorrem aos serviços de saúde, tendo-se dotado de cartas ou de um verdadeiro arsenal legislativo que permitem afirmar estes direitos (1). Trata-se de direitos que dependem evidentemente da qualidade do sistema de saúde e da organização da assistência médica. No entanto, o respeito destes direitos depende igualmente do comportamento e da cooperação dos profissionais de saúde e dos próprios pacientes, pelo que são previsíveis melhorias rápidas neste sector.

1.1.1

Em 2002, foi proposta uma Carta Europeia dos Direitos dos Pacientes pela Rede de Cidadania Activa (Active Citizenship Network). Estes direitos, baseados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 35.o), são importantes nas relações que os cidadãos europeus mantêm com os respectivos sistemas de saúde. Não obstante, um inquérito realizado por organizações de cidadãos em 14 países da União Europeia demonstra que o nível de protecção destes direitos é muito diferente de Estado-Membro para Estado-Membro. Esta situação põe em causa o empenho da Comissão Europeia em garantir a todos os cidadãos europeus um acesso efectivo aos serviços de saúde com base no princípio da solidariedade.

1.1.2

Assistimos hoje em dia a uma evolução das políticas públicas tendente a estimular cada vez mais a participação dos cidadãos através do desenvolvimento de métodos de participação em vários países da Europa: por exemplo, as conferências de consenso dinamarquesas, os júris cidadãos instituídos em vários Estados-Membros europeus e os estados gerais. O Conselho da Europa e o Parlamento Europeu promovem este tipo de iniciativas de carácter participativo.

1.1.3

Tendo em conta a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, a Comunicação da Comissão intitulada «Consulta relativa a uma acção comunitária no domínio dos serviços de saúde», a Declaração do Conselho «Saúde» de 1 de Junho de 2006 sobre «os valores e os princípios comuns dos sistemas de saúde da União Europeia», a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu sobre a mobilidade dos pacientes, o relatório do Parlamento Europeu sobre a mobilidade dos pacientes e a evolução dos cuidados de saúde na União Europeia e a resolução do Parlamento Europeu de 15 de Março de 2007, o CESE convida a Comissão Europeia a adoptar iniciativas que permitam aplicar uma política de saúde respeitadora dos direitos dos pacientes. Para tal, é necessário:

Fazer uma recolha comparativa das normas regulamentares e deontológicas aplicadas em cada país da União Europeia e proceder à sua análise;

Formular, sob a forma mais apropriada, a linha de conduta comunitária transponível;

Proceder à avaliação programada da aplicação dos textos promulgados e das políticas adoptadas;

Divulgar os resultados destes trabalhos junto dos responsáveis nacionais, dos representantes das várias categorias socioprofissionais e dos utentes interessados;

Institucionalizar um «Dia Europeu dos Direitos do Paciente».

1.1.4

Por conseguinte, o Comité Económico e Social Europeu analisa a questão dos direitos dos pacientes para chamar a atenção das instâncias europeias para a necessidade da sua observância, tendo em conta em particular o direito à mobilidade dos cidadãos nos 27 países da União e a igualdade de oportunidades em matéria de prestações de qualidade, tanto no país de origem como no país anfitrião, sobretudo para encorajar a sua aplicação concreta em todos os Estados-Membros da Comunidade Europeia. Por outro lado, a reafirmação destes direitos implica mudanças nas relações quotidianas mantidas entre o conjunto dos profissionais e das estruturas de saúde e os pacientes.

1.1.5

As questões abordadas carecem muitas vezes de uma reflexão ética e as respostas que lhes são dadas dependem do sistema político e social do país interessado. Todavia, não obstante as disparidades associadas à organização dos sistemas de saúde e mau grado a variedade dos debates sobre este tema, verifica-se uma evolução das problemáticas de saúde bastante semelhante em todos os países da Europa e uma tendência geral e inelutável para a afirmação dos direitos da pessoa que recorre a assistência médica.

1.2

Com efeito, verifica-se uma evolução das necessidades de saúde e das expectativas das populações neste domínio e, para além do sistema de saúde propriamente dito, uma evolução política que aspira a conceder um lugar cada vez mais importante à voz da pessoa.

1.3

Os progressos da medicina e a criação dos sistemas de protecção social induziram, no plano mundial, uma transição epidemiológica que se traduziu por menos necessidades de assistência médica de curta duração e, sobretudo, por mais doenças crónicas, fenómeno este que se acentua graças ao envelhecimento da população. A assistência médica às pessoas com doenças crónicas comporta tratamentos de longa duração; estes doentes adquirem assim conhecimentos através da sua experiência do recurso ao sistema de assistência médica e através da sua experiência da doença.

1.4

O advento das novas tecnologias da informação, nomeadamente o desenvolvimento da Internet, reforçou este movimento de aumento dos conhecimentos dos doentes, desenvolvendo a sua capacidade de intercâmbio de informações e de diálogo com os profissionais de saúde. Em certas patologias, as pessoas têm por vezes um conhecimento aprofundado das suas doenças que deve ser considerado pelos profissionais de saúde.

1.5

De maneira geral, as expectativas dos pacientes em relação aos profissionais de saúde não se limitam unicamente às dimensões técnicas da assistência, implicando também as dimensões relacionais e humanas.

1.6

Por último, a convivência com uma doença de longa duração e/ou uma deficiência induz novas necessidades e novas expectativas por parte das pessoas. O repto da assistência médica mudou: já não estamos confrontados com a cura a qualquer preço, mas antes com a «convivência», com a preocupação permanente da luta contra a dor.

O que leva as pessoas doentes a serem cada vez mais intervenientes activos na assistência médica que lhes é prestada, surgindo novas expectativas e necessidades.

1.7

Esta evolução das necessidades e das expectativas das pessoas perante a assistência médica inscreve-se numa evolução mais profunda da sociedade, que tende a promover o modelo da autonomia da pessoa e a afirmação dos seus direitos.

1.8

O conjunto destes factores permite concluir que se tornou obsoleto o modelo paternalista das interacções entre o médico e o paciente, o que impõe outra maneira de encarar o lugar do paciente na sua interacção com o sistema e implica a afirmação e a aplicação de novos direitos e deveres.

1.9

O presente parecer centra-se nos direitos dos pacientes, isto é, das pessoas que recorrem ao sistema de assistência médica, quer sejam saudáveis quer sejam doentes, na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS).

2.   Contexto

2.1

A evolução da medicina, a evolução das necessidades de saúde e das expectativas das pessoas levam a considerar a pessoa no seu contexto de vida, o que implica não só interessar-se pelo próprio indivíduo, mas também pelo seu meio familiar ou até pelo seu meio profissional e pelo seu círculo de amigos. A «convivência» do doente com a sua enfermidade significa ter em conta as várias dimensões que contribuem para a qualidade de vida, o que se torna possível graças à intervenção de uma multiplicidade de profissionais que vai além do corpo médico propriamente dito.

2.2

Embora o médico mantenha um papel preponderante na assistência médica prestada às pessoas, é oportuno integrar a noção de colóquio singular no funcionamento do sistema, isto é, articulando-a com o conjunto dos profissionais do sector da saúde e do sector médico-social.

2.2.1

Na medida em que o paciente confia nos profissionais de saúde, o médico e os outros profissionais de saúde devem estar atentos aos seus comportamentos, o que lhes permite adaptar os seus discursos, tratamentos e esclarecimentos. O intercâmbio passa simultaneamente pela escuta, pelas palavras e pelos cuidados médicos, permitindo a construção de uma relação sólida necessária para travar o combate contra a doença.

2.2.2

Neste sentido, ao abordar estas questões, a medicina deve elaborar uma verdadeira prática social e, ultrapassando o acto técnico indispensável efectuado com o devido rigor, deve satisfazer a procura da população, que ambiciona uma assistência médica global adaptada a cada um.

2.2.2.1

A equipa médico-social deve ter uma função de conselheiro para o paciente, sem que isso a iliba da sua responsabilidade. Por conseguinte, esta equipa existe para lhe prestar assistência, para o informar e para o apoiar, elaborando uma estratégia terapêutica baseada no diagnóstico que os sintomas e a relação com o paciente lhe tiverem sugerido. Assim, é legítimo solicitar que os profissionais de saúde escutem de modo individualizado o paciente, o que deverá permitir propor o tratamento mais adaptado, tanto do ponto de vista técnico como psicológico.

2.2.3

O desfecho da batalha contra a doença e pelo melhor tratamento depende, para muitas pessoas, das relações estabelecidas entre o paciente e os profissionais de saúde, representando um desafio tão importante para o pessoal médico como para os doentes. Isto comporta igualmente espaços de mediação, de modo a ter em conta as obrigações sociais (nomeadamente a vida profissional, as condições financeiras e o reconhecimento dos direitos) e as problemáticas da vida afectiva e familiar. Neste contexto, é fundamental o lugar que ocupam os familiares e as associações de pacientes.

2.3

Assim, podemos chegar ao ponto de considerar importante o encontro entre um colectivo de pacientes e um colectivo de profissionais de saúde.

2.3.1

Algumas pessoas denunciam a perda de confiança que se instala com o fim do colóquio singular considerado na sua acepção tradicional. Ora, esta evolução marca sobretudo a transição de uma confiança cega para uma confiança construída com base num processo de encontro e de intercâmbio entre a pessoa, o seu meio familiar e os profissionais de saúde.

3.   Direitos imprescritíveis

3.1

A afirmação dos direitos dos pacientes inscreve-se nos Direitos do Homem e tem como objectivo promover, a prazo, a autonomia daqueles. Consequentemente, estes direitos estão frequentemente imbricados uns nos outros. A Carta Europeia dos Direitos do Paciente, redigida em 2002, por Active Citizenship Network, proclama 14 direitos, que o CESE aprecia, e reconhece. Três deles têm carácter transversal ou preliminar em relação a outros direitos.

3.2   O direito à informação

3.2.1

A informação prende-se em primeiro lugar com o paciente em tratamento. A informação deve abranger a doença, a sua evolução possível, os tratamentos eventuais com os seus interesses e os seus riscos, as características das estruturas ou dos profissionais que prestam estes cuidados e os impactos da doença e dos tratamentos na vida do doente. Isto é mais essencial ainda nas situações de doença crónica, de dependência, de deficiência e de tratamento de longa duração, que comportam uma reorganização da vida quotidiana da pessoa e do seu meio familiar.

3.2.1.1

Por uma questão de melhorar o estado de saúde das populações, a prevenção constitui um elemento de primeira necessidade. Assim, devem ser realizadas campanhas de informação e sensibilização em paralelo com a criação de estruturas que permitam realizar as análises necessárias e de estruturas adequadas de assistência médica.

3.2.2

A informação não é um fim em si mesmo, mas um meio de permitir que a pessoa faça as suas escolhas livres e esclarecidas. Por este motivo, as modalidades de transmissão da informação são tão importantes como a própria informação. Estas inscrevem-se num processo que vai mobilizar diferentes fontes de informação, designadamente a Internet e as linhas telefónicas associativas e no âmbito das quais o paciente vai interagir com múltiplos profissionais, cada um desempenhando o seu papel próprio. É fundamental a transmissão oral da informação. O médico deve assegurar-se periodicamente da compreensão e da satisfação do seu interlocutor.

3.2.3

Por outro lado, independentemente da pessoa interessada, o processo de informação também deve ter em conta o meio familiar do paciente, sobretudo no caso de uma criança ou de uma pessoa idosa. É óbvio que o nível de informação do meio familiar depende do estado de saúde e das capacidades do paciente de tomar decisões com autonomia.

3.2.3.1

O paciente deve ser informado na sua própria língua, e havendo que ter em conta as incapacidades específicas.

3.2.4

Impõem-se um assentimento esclarecido e uma aceitação de correr riscos fundamentada. A informação continua a ser o resultado do colóquio singular entre o médico e o paciente, no qual apenas devem ser considerados os interesses e o bem-estar deste último.

3.2.5

Este acesso à informação individualizada é a etapa indispensável para progredir na via da redução das desigualdades perante os distúrbios, a doença, a assistência médica e a melhoria do acesso ao sistema de saúde por parte de todos os cidadãos.

É desejável que os dados referentes ao estado de saúde da pessoa, aos diagnósticos, às terapêuticas realizadas e aos seus resultados possam ficar registados numa «pasta médica». O acesso do paciente a esta pasta, directamente ou por intermédio de um médico da sua escolha, segundo a opção que fizer, também faz parte do processo de informação e de autonomia. Todavia, os esforços envidados no sentido de mais informação e transparência devem reger-se por um correspondente enquadramento jurídico que garanta que os dados médicos obtidos não são utilizados para fins desconhecidos. Importa garantir, sobretudo no caso dos dados registados electronicamente e porventura comunicados ao estrangeiro, extrema vigilância quanto à sua utilização.

3.2.6

É essencial desenvolver a informação sobre o sistema de saúde para o tornar mais compreensível e transparente. Com efeito, os pacientes confrontados com uma multiplicidade de intervenientes podem sentir que a sua autonomia é reforçada ou, pelo contrário, podem tornar-se totalmente dependentes do médico, em função do seu nível de conhecimento e de compreensão do sistema. Neste caso, corre-se o risco de que surjam reivindicações inadequadas por parte dos utentes.

3.3   Direito ao consentimento livre e esclarecido

3.3.1

Trata-se de afirmar o direito à participação dos pacientes nas decisões que lhes dizem respeito. Isto não significa que a responsabilidade do médico é transferida para o paciente, significa antes que deve ser considerada a interacção entre ambos numa perspectiva de aliança terapêutica, mantendo cada um o seu papel, com os seus direitos e o seu perímetro de responsabilidade.

3.3.1.1

O consentimento do paciente não se aplica sistematicamente a todos os actos médicos futuros, pelo que deve ser renovado antes de qualquer acto médico ou cirúrgico importante.

O acordo do paciente, assim informado, deve ser explícito, ou seja, exprimido objectivamente. Depois de ter sido informado, o paciente pode aceitar ou recusar o procedimento que lhe for proposto.

Em relação às doações de órgãos, quando o dador está vivo há que dar uma atenção especial à informação sobre os riscos.

3.3.1.2

Quando se experimenta uma nova terapêutica, aplicam-se os princípios inerentes à obtenção do consentimento do doente para a assistência médica. Trata-se de respeitar a liberdade do paciente e dos princípios que convergem para o mesmo objectivo: a responsabilidade e a confiança partilhadas.

3.3.1.3

Quanto à experimentação clínica, tanto no caso de pessoas saudáveis como noutros casos, convém adoptar uma pedagogia particular. Estas iniciativas devem obedecer a critérios bem definidos e apenas podem ser consideradas se houver um desejo manifesto de cooperação e se forem evidentemente acompanhadas de um consentimento absoluto.

3.3.1.4

Em situações de emergência, podem ser consideradas certas derrogações a esta regra: o consentimento pode ser presumido e confirmado quando o paciente tiver recuperado as suas capacidades de discernimento.

3.3.1.5

O paciente deve ter a possibilidade de designar uma pessoa que o represente na eventualidade de estar, mais tarde, incapaz de exprimir as suas preferências.

3.3.1.6

A partir do momento em que uma criança ou um doente de menor idade tenha adquirido uma certa autonomia pessoal ou uma capacidade razoável de discernimento, deve ser consultado antes de ser submetido a pequenas intervenções médicas. Esta abordagem contribui para a educação sanitária desde a mais tenra idade, e tende a desdramatizar certas situações e a melhorar a cooperação do jovem paciente.

3.4   Direito à dignidade

3.4.1

Nesta designação está incluído o direito à confidencialidade, o direito a tratamentos que aliviam a dor, o direito a uma morte digna e à protecção da integridade física, o princípio da não discriminação com base no estado de saúde, numa deficiência ou no património genético, bem como o respeito da vida privada.

3.4.1.1

Cada cidadão tem direito à confidencialidade das informações relativas ao seu estado de saúde, ao diagnóstico formulado e às modalidades de tratamento, mas também ao respeito da sua privacidade durante a realização de análises, consultas, tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas. Este direito fundamental impõe que o paciente seja tratado com deferência e não seja sujeito a comentários nem a atitudes de desprezo por parte do pessoal de saúde.

3.4.1.2

A doença, a deficiência e a dependência enfraquecem os indivíduos. Quanto mais as pessoas se sentem diminuídas, menos capazes são de exigir um mínimo de respeito para com elas próprias. Compete pois aos profissionais de saúde terem o redobrado cuidado de respeitar as pessoas particularmente fragilizadas pela doença ou pela deficiência.

3.4.1.3

O reconhecimento do tempo dedicado à consulta, à escuta da pessoa e à explicação do diagnóstico e do tratamento, tanto no quadro da medicina praticada fora como dentro dos hospitais, faz parte do respeito das pessoas. Este investimento em tempo permite reforçar a aliança terapêutica e ganhar tempo para outros fins. Prestar cuidados também é dedicar tempo.

3.4.1.4

Isto aplica-se ainda mais no caso de pessoas que já sofrem de falta de reconhecimento social: as pessoas idosas, as pessoas em situação de precaridade social e as pessoas portadoras de deficiência física, psíquica ou mental.

3.4.1.5

Nas situações de fim de vida ou no caso de tratamentos especialmente penosos, a vigilância torna-se ainda mais necessária. O respeito da pessoa e o seu direito a uma morte digna passam pelo acesso de todos a tratamentos que aliviam a dor e que salvaguardam uma certa qualidade de vida, e pela garantia do direito do paciente a que as suas escolhas sejam respeitadas até ao fim. Isto implica, nomeadamente, que sejam adoptadas certas disposições, por exemplo relativas à pessoa de confiança, que garantam a expressão dessa vontade.

3.4.1.6

É necessário acorrer à dor através de instrumentos eficazes e de estruturas especializadas, o que inclui tanto a informação e a formação dos profissionais de saúde, como a informação dos pacientes e dos seus familiares, pois o que está em causa é o respeito do direito de qualquer pessoa a receber tratamentos que aliviam a dor.

3.4.1.7

O respeito devido à pessoa não deixa de se impor depois da morte. Isto significa que o falecimento de um doente hospitalizado impõe um acompanhamento psíquico dos seus familiares e dos profissionais de saúde que o trataram na sua fase terminal, bem como o rigoroso respeito das vontades e das convicções do defunto.

3.5

Devem ser aplicados outros direitos individuais no quadro de uma iniciativa de saúde pública, direitos estes que requerem uma resposta do sistema tal como está organizado.

3.5.1

O direito ao acesso generalizado à assistência médica não significa apenas o acesso aos direitos e à protecção social, mas também o acesso directo ao conjunto dos serviços e dos profissionais de saúde, sem discriminações em razão da situação social ou económica pessoal. Não nos inscrevemos numa abertura do mercado da saúde, mas numa política de saúde pública voluntarista, partindo do princípio de que a concretização deste direito é muito diferente de país para país em função das responsabilidades assumidas e dos modos de financiamento desenvolvidos em cada país.

3.5.2

Em relação ao direito à qualidade da assistência médica, qualquer pessoa tem o direito, em função do seu estado de saúde, de beneficiar dos tratamentos mais apropriados, de se submeter às terapias mais eficazes e de obter os medicamentos que ofereçam a melhor relação qualidade/preço (promoção dos medicamentos genéricos). O direito à qualidade da assistência médica implica igualmente o direito a exames médicos preventivos e à educação terapêutica, o que exige investimentos em meios e em recursos financeiros, e pressupõe a existência de um número suficiente de profissionais de saúde com formação adequada.

3.5.3

Quanto ao direito à prevenção e à segurança da assistência médica, os cidadãos pretendem que o sistema de saúde seja organizado em função das pessoas e esteja ao seu serviço. As pessoas querem compreender melhor as estratégias terapêuticas que lhes são propostas, participar num esforço de prevenção tanto pessoal como colectivo e ter a garantia de que os modelos de sociedade, os comportamentos e os consumos não são prejudiciais para a saúde.

4.   Recomendações para a aplicação dos direitos dos pacientes

4.1

Muitos profissionais, pacientes, responsáveis por políticas de saúde e associações de utentes interrogam-se sobre a afirmação e a aplicação destes direitos. É urgente ultrapassar o antagonismo entre os direitos de uns e os deveres de outros. O respeito dos direitos dos pacientes participa igualmente dos deveres dos profissionais de saúde e das suas responsabilidades, reequilibrando-os.

4.1.1

A partir do momento em que o corpo médico deixa de ter o monopólio da adopção das decisões que põem em jogo o futuro das pessoas, já não tem necessidade de assumi-las sozinho.

4.2

Para o bem de todos, é da responsabilidade colectiva ajudar os profissionais de saúde a darem resposta a estas expectativas:

Integrando na sua formação as dimensões de ética, de respeito da pessoa e dos seus direitos, para que compreendam a respectiva dinâmica e todas as suas implicações, e não interpretem o respeito dos direitos dos pacientes como uma obrigação suplementar;

Criando foros de debate e de encontro entre os profissionais de saúde, e entre estes e os utentes do sistema;

Estabelecendo novas modalidades de informação dos doentes através da mobilização de todos os intervenientes do sistema de saúde;

Elaborando novas modalidades pedagógicas de consentimento que conduzam a uma aliança terapêutica;

Criando e divulgando novas soluções organizativas e pedagógicas para minimizar o stress das crianças relacionado com o seu tratamento médico, em particular com a estadia no hospital;

Instituindo, no interior dos estabelecimentos de saúde, comités de ética clínica que permitam apoiar os profissionais de saúde e respeitar os direitos dos doentes;

Incluindo a protecção e a promoção dos direitos dos pacientes nos códigos éticos e de conduta dos profissionais de saúde;

Reforçando a compreensão do sistema por parte dos utentes através da valorização da posição e do papel do conjunto dos profissionais de saúde;

Imaginando novas formas colectivas de exercício da profissão que envolvam os médicos e os outros profissionais de saúde:

Exercício de grupo, centro médico de saúde;

Articulação entre os profissionais dos sectores médico, médico-social e social;

Repensando o lugar das associações de doentes, de utentes, de consumidores, de famílias e de cidadãos, com a finalidade de:

Integrar os representantes dos utentes nas instâncias de representação;

Reconhecer o papel de certas associações na educação terapêutica, na prevenção e na informação dos doentes;

Construir a articulação entre os dispositivos associativos e os dispositivos profissionais;

Dotar as associações de meios de acção e de expressão (por exemplo, formação e missões de representação);

Criar nas estruturas hospitalares espaços neutros e conviviais que permitam aos doentes exprimir as suas dúvidas e preparar, com o apoio das associações de utentes, os seus intercâmbios com os profissionais de saúde;

Envolver tanto as associações do sector como os profissionais de saúde na análise das reclamações e na definição das medidas tendentes a melhorar a qualidade da assistência médica.

5.   Conclusão: Para uma afirmação dos direitos colectivos

5.1

A aplicação efectiva dos direitos individuais vai depender, em grande medida, das respostas colectivas que serão apresentadas para apoiar esta iniciativa, motivo pelo qual é necessário empenhar-se na realização de uma democracia sanitária que comporte a mobilização colectiva dos utentes e a sua representação em várias partes do sistema.

5.2

Os direitos do paciente são uma expressão entre muitas dos direitos da pessoa humana, mas de modo algum constituem uma categoria à parte: estes direitos são uma manifestação da vontade do doente de não ser considerado como um ser à parte e, sobretudo, de não ser considerado como um ser à margem da sociedade.

5.2.1

Há que admitir que os utentes do sistema de saúde exprimem de maneira cada vez mais vigorosa, com base na sua própria experiência e também porque recebem cada vez mais informações, as suas sensibilidades face às condições da assistência médica.

5.3

Por conseguinte, é oportuno interrogar-se sobre o lugar que o paciente ocupa num sistema de decisões que lhe diz respeito, por uma questão de transparência dos procedimentos e de respeito pelas individualidades.

5.4

Não se trata de resvalar para um comportamento jurídico-consumista, mas de reconhecer que o paciente tem maturidade suficiente para participar nas decisões que lhe interessam, com base no respeito dos seus direitos.

5.5

Dar a palavra aos utentes e aos seus representantes é tanto mais necessário quanto as problemáticas de saúde interagem com outros domínios, nomeadamente com os modos de produção, as formas de vida, as condições de trabalho e a protecção do ambiente. Tal implica portanto opções sociais, económicas e éticas que ultrapassam a responsabilidade exclusiva dos profissionais de saúde.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Carta dos Direitos Fundamentais da UE, textos adoptados pelo Conselho da Europa, lei francesa n.o 2002-303 de 4 de Março de 2002.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/72


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Promover uma produtividade sustentável no trabalho na Europa»

(2008/C 10/19)

O Comité Económico e Social Europeu decidiu, em 16 de Fevereiro de 2007, ao abrigo do n.o 2 do art. 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre Promover uma produtividade sustentável no trabalho na Europa.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu parecer em 17 de Julho de 2007, sendo relatora Leila KURKI.

Na 438.a reunião plenária realizada em 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 155 votos a favor, 0 contra e 9 abstenções o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Além dos factores de crescimento económico tradicionais (aumento da mão-de-obra, investimentos nas estruturas de produção, aumento do nível de educação), há que criar novos elementos favoráveis ao crescimento sustentável. Em primeiro lugar, é necessário um crescimento da produtividade mais rápido. Em segundo lugar, é necessário abrandar o declínio da oferta de mão-de-obra. Em terceiro lugar, é necessário aumentar o atractivo da vida laboral.

1.2

O Comité é de opinião que o papel da União Europeia é apoiar os Estados-Membros e as empresas no aumento da produtividade sustentável, acção decorrente da Estratégia de Lisboa. A ideia de que a inovação em termos de qualidade e sociais no local de trabalho é um factor-chave para o êxito de empresas tem de ser activamente promovida. O Comité recomenda que este ponto de vista seja integrado na avaliação e na revisão das orientações de política económica e de emprego.

1.3

O Comité reitera a sua proposta de criação de um índice europeu da qualidade do trabalho. O índice seria composto por diferentes parâmetros definidos com base em estudos relevantes sobre o que se entende por «emprego digno»(good work), e actualizado e publicado regularmente. Esse índice contribuiria para tornar visíveis desvios e progressos na qualidade da vida activa europeia, e impactos na produtividade. Constituiria igualmente a base para novas iniciativas de melhoria da qualidade da vida activa.

1.4

A elaboração de um índice da qualidade do trabalho requer a criação de um vasto fórum. Os amplos e polivalentes conhecimentos do Comité Económico e Social Europeu sobre os reptos das mutações da vida laboral e como lhes dar resposta seriam uma boa base para o fórum. Em função do seu programa de trabalho, o grupo de acompanhamento do emprego poderia igualmente examinar este aspecto.

1.5

O CESE insta a Comissão a encomendar mais estudos sobre a relação entre a qualidade da vida activa e a produtividade. Devem-se analisar mais pormenorizadamente os factores da produtividade sustentável. Para esta tarefa, as diferentes instituições da União e os Estados-Membros podem muito bem explorar melhor os trabalhos de investigação e análise da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Dublin) e da Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (Bilbau).

1.6

O Comité é de opinião que as iniciativas da UE para a inovação e a formação (por exemplo, o programa-quadro para a competitividade e a inovação, o programa de acção integrado para a aprendizagem ao longo da vida) devem centrar-se nas actividades de inovação no local de trabalho e em novas competências e modalidades de gestão. Nesta área, os parceiros sociais têm uma responsabilidade considerável na preparação, aplicação e avaliação dos projectos.

1.7

O Comité propõe que os Estados-Membros apliquem programas de promoção da qualidade do trabalho e da produtividade como parte dos seus programas de emprego e das suas políticas de inovação. Em grande parte dos Estados-Membros há centros de produtividade e institutos de investigação nacionais que poderiam participar em tais projectos. Nesta área, os parceiros sociais têm uma responsabilidade considerável na elaboração e aplicação dos projectos concretos.

1.8

É indispensável que o debate e as iniciativas concretas sobre produtividade sustentável prossigam a nível de diferentes fóruns, dos Estados-Membros e das empresas. O Comité pode ter uma participação activa neste processo através da apresentação dos pontos de vista da sociedade civil sobre a matéria, em particular através dos seus pareceres sobre as políticas económica, de emprego e de inovação.

2.   Introdução

2.1

O bem-estar da Europa requer um crescimento económico sustentável e uma elevada taxa de emprego. Um dos objectivos da União é o desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de protecção e de melhoramento da qualidade do ambiente (1). Este objectivo pode ser atingido mediante um maior aumento da produtividade em todos os sectores (2). O crescimento da produtividade aumenta o bem-estar dos cidadãos quando assente na melhoria da qualidade da vida laboral e no aumento do número de bons postos de trabalho. O crescimento sustentável da produtividade pode garantir o equilíbrio das finanças públicas, bem como a sustentabilidade dos serviços sociais e de saúde destinados à população envelhecida. Criam-se simultaneamente novos empregos de qualidade. Deste modo, o crescimento da produtividade vai ao encontro dos objectivos económicos, sociais e ambientais da Agenda de Lisboa.

2.2

A produtividade do trabalho europeu aumentou gradualmente após as guerras mundiais. Ainda no final da década de 1960, o ritmo de crescimento médio da produtividade do trabalho, em termos de horas de trabalho, registou um aumento anual de 5 %. O crescimento da produtividade começou a abrandar a partir da década de 1980, atingindo apenas 1 a 2 % no início da década de 2000. Vários e diversos factores explicam as mutações que se verificaram nos valores médios da produtividade dos Estados-Membros nos últimos anos. Os novos Estados-Membros, em que o ponto de partida em relação à produtividade era inferior ao dos antigos Estados-Membros, contribuíram para melhorar o crescimento médio da produtividade na Europa. A partir de 1995, aumentaram todavia os empregos de baixa produtividade em toda a Europa. Tais, por exemplo, são os empregos de baixos salários do sector de serviços, que não requerem grandes qualificações, bem como as muitas tarefas executadas no regime de contratos atípicos. Esta evolução, por sua vez, conduziu a um abrandamento do crescimento da produtividade (3).

2.3

Na indústria, verificou-se um crescimento mais rápido da produtividade nos sectores tecnológicos. Este sector representa uma pequena parte de todo o sector industrial, o que, segundo a Comissão, pode augurar problemas no futuro. Quanto maior for a sua parte do incremento do valor, tanto mais contribuem para o aumento da produtividade e dos rendimentos efectivos em toda a economia. Estes sectores são líderes na inovação e na modernização e difusão dos conhecimentos técnicos, igualmente transfronteiras (4).

2.4

O fraco crescimento da produtividade nos sectores de serviços privados e públicos que se verificou nos últimos anos é, de modo claro, um grave problema. Há que ter todavia em conta que a avaliação da produtividade nestes sectores, segundo os mesmos critérios, é mais difícil, senão impossível, do que na indústria. Embora as diferentes inovações, como as aplicações TIC, tenham aumentado nos serviços, as estatísticas não assinalam um crescimento da produtividade. As inovações mais correntes nos sectores de serviços resultam mais de aquisições de ordem técnica (TIC, mutações na organização, capital humano) do que investimentos em ID&T por parte das empresas de serviços (5). Eis por que as estimativas efectuadas de modo automático podem induzir a conclusões incorrectas, se não se tiver em conta o verdadeiro conteúdo dos sectores de actividade. Tal se verifica igualmente nos serviços públicos, em cujos objectivos de aumento da produtividade há que ter em igual conta os objectivos de política social, bem como a necessidade de criar um ambiente favorável à inovação e ao crescimento da produtividade.

2.5

A melhoria da situação do emprego e o aumento da produtividade não são incompatíveis. Antes pelo contrário, em conjunto vão ao encontro dos objectivos da Estratégia de Lisboa, no sentido de aumentar, em termos de qualidade, o número de melhores empregos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, OIT, a situação dos trabalhadores poderia melhorar com políticas económicas para criar oportunidades de emprego digno e produtivo (6). O crescimento da produtividade assente na sustentabilidade e o aumento da taxa de emprego contribuem para reduzir de modo claro o trabalho clandestino.

2.6

A estrutura da actividade económica dos Estados-Membros está em mutação, e a prioridade dos factores de produção incide mais no capital humano do que no capital material. Segundo a Comissão, a procura de mão-de-obra na UE caracteriza-se pela procura de mão-de-obra altamente qualificada em vez de qualificações tradicionais. Tal reflecte mais as mutações que se verificam no trabalho do que as mutações referentes à repartição sectorial da mão-de-obra. No período de 1995-2000, os sectores de crescimento rápido e de uso intensivo de conhecimentos foram responsáveis pela criação de mais de dois terços dos novos postos de trabalho altamente especializados e de especialização média. Além disso, como consequência desta evolução, foram igualmente criados muitíssimos postos de trabalho de baixas qualificações (7). Os sectores dos serviços em geral e os serviços às empresas em particular (8) serão chamados a desempenhar um papel fundamental na criação de novos postos de trabalho e irão compensar a diminuição de postos de trabalho racionalizados na indústria transformadora.

2.7

Em termos individuais, o aumento da produtividade significa que os postos de trabalho são mais estáveis e que os trabalhadores têm melhores possibilidades de aperfeiçoamento no emprego e de atingirem melhores rendimentos. Tal aumenta as competências profissionais dos trabalhadores e a sua empregabilidade em situações de mutação.

2.8

Para as empresas, o aumento da produtividade é uma condição essencial para a sua competitividade. Uma vez que os mercados mundiais determinam, na maior parte, o nível de preços, e uma vez que os investimentos tradicionais em maquinaria e em instrumentos não podem fazer aumentar a produtividade indefinidamente, deve-se recorrer a outros meios para favorecer a produtividade. Para as empresas, o aumento da produtividade significa um abrandamento da evolução dos custos, uma melhoria da capacidade de concorrência em termos de preços e de salários, empregos mais seguros (e, por isso, muito procurados), uma evolução em termos de tarefas e de organização, mais valor acrescentado para os clientes, com menor utilização de recursos, melhor rentabilidade, possibilidade de crescimento e sobrevivência nos mercados, criação de oportunidades para os investimentos.

2.9

O crescimento económico da Europa tem estado dependente, tradicionalmente, do aumento da mão-de-obra, do investimento em meios de produção e do aumento do nível de educação. Este modelo já não funciona de modo adequado. A mão-de-obra já não aumenta, antes diminui. Verifica-se um abrandamento na vontade de investimento das empresas em capital material. O trabalho sofreu uma transformação de mão-de-obra intensiva para capital intensivo, e o capital humano é ainda o factor mais importante. Verifica-se uma mudança das tarefas que requerem baixas qualificações para tarefas que requerem cada vez mais especializações. O investimento na educação de base já não tem grandes incidências na produtividade.

2.10

O crescimento económico, nos Estados-Membros, também foi acelerado através da fiscalidade (por exemplo, reduções na tributação das empresas e dos rendimentos) e do aumento do consumo privado (por exemplo, política de juros, fiscalidade). Todavia, estes factores de crescimento são limitados e têm de ser avaliados tanto do ponto de vista da concorrência fiscal, como da manutenção das infra-estruturas públicas.

2.11

Além destes factores de crescimento económico, há que criar novos elementos favoráveis ao crescimento. Os factores imateriais de sucesso vieram substituir os factores materiais de sucesso, em particular a capacidade de os gestores motivarem os trabalhadores e beneficiarem dos seus conhecimentos.

2.11.1

Em primeiro lugar, é necessário acelerar o aumento da produtividade das empresas. Tal exige uma política de apoio ao crescimento sustentável das empresas, que crie um ambiente propício à inovação e garanta uma concorrência leal. É a única maneira de engrossar o bolo económico total.

2.11.2

Em segundo lugar, é necessário abrandar o declínio da oferta de mão-de-obra. Muitos Estados-Membros irão perder cerca de 15 % da mão-de-obra nos próximos dez anos. Deve-se manter elevada a taxa de emprego mediante, por exemplo, políticas de mão-de-obra, de imigração para o trabalho, de integração, medidas de conciliação da vida profissional e familiar, bem como medidas de promoção da igualdade entre homens e mulheres, e ainda de reforma dos regimes de pensões. As melhorias da qualidade do trabalho, como a permanência e a motivação dos empregados, são factores primordiais para retardar a partida efectiva para a reforma.

2.11.3

Em terceiro lugar, é necessário aumentar o atractivo da vida laboral. A faixa etária de 40-54 anos é o maior grupo das pessoas com emprego, o que representa um desafio político considerável. Simultaneamente, será extremamente importante prevenir a saída prematura dos jovens do ensino e orientá-los para a vida profissional. Deve-se melhorar a qualidade do trabalho e a oferta de mão-de-obra qualificada, de forma a tirar maior partido das tecnologias, da inovação, bem como das actividades de investigação e desenvolvimento.

2.12

O Conselho Europeu colocou a tónica, coerentemente nos investimentos para melhorar a qualidade do trabalho, por exemplo, mediante indicadores de qualidade (9). Durante a Presidência finlandesa da UE, foi lançado um debate sobre a importância da produtividade para a Estratégia de Lisboa. A Finlândia solicitou ao Comité Económico e Social Europeu a elaboração de um parecer sobre «Qualidade da vida activa, produtividade e emprego no contexto da globalização e dos desafios demográficos» (10), que foi adoptado em Setembro de 2007.

2.13

A Presidência alemã prosseguiu o debate sobre a qualidade do trabalho. O tema «trabalho digno» concretiza os objectivos da Estratégia de Lisboa de criar mais e melhores empregos (11). Na reunião informal de ministros do Trabalho e Assuntos Sociais realizada em Berlim, em Janeiro de 2007, a Alemanha, Portugal e a Eslovénia, nas suas conclusões, colocaram uma tónica na importância, para a Europa, da promoção do trabalho digno (good work) (12). Nas conclusões de 8 e 9 de Março, o Conselho Europeu colocou a tónica na importância do trabalho digno para a evolução do emprego nos Estados-Membros e para o reforço do modelo social europeu. Segundo o Conselho Europeu, a noção de «trabalho de qualidade» bem como os princípios a ela subjacentes, são nomeadamente os direitos e a participação dos trabalhadores, a igualdade de oportunidades, a segurança e a protecção da saúde no local de trabalho e uma organização do trabalho que facilite a vida familiar (13).

2.14

Os programas comunitários têm em conta, de certo modo, a evolução da vida activa e as possibilidades de adaptação dos empregos aos desafios das mutações. Infelizmente, estes programas e políticas são apenas propostas específicas, e não uma base fulcral para a orientação das medidas. Além disso, a coordenação entre programas é fraca, o que não permite uma percepção dos eventuais progressos ou do imobilismo em matéria de produtividade sustentável.

2.15

A questão central consiste em saber como se poderá acelerar o crescimento da produtividade, de forma a apoiar os esforços individuais e colectivos dos trabalhadores e, simultaneamente, ajudá-los a manter a capacidade de trabalho e a motivação em diferentes situações de mutação.

3.   Crescimento da produtividade sustentável como factor de desempenho

3.1

Na análise da produtividade e do emprego, será importante distinguir as consequências a curto e a longo prazo. A curto prazo, pode haver uma correlação negativa entre o crescimento da produtividade e o emprego. As mutações das estruturas industriais revelam que há um aumento do crescimento médio da produtividade do trabalho, mas uma diminuição da taxa de emprego (14). Em tal situação, será necessário um vigoroso esforço da política de mão-de-obra, uma vez que as competências de parte dos trabalhadores são obsoletas, o que os conduzirá ao desemprego. Para uma utilização flexível das competências e capacidades da maior parte, é necessária uma protecção em novos moldes face às mutações. No seu parecer sobre as orientações para as políticas de emprego dos Estados Membros, o Comité apresentou várias recomendações para reforçar as medidas políticas (15).

3.2

A longo prazo, com o crescimento da produtividade do trabalho, será possível aumentar a taxa de emprego. A conjugação, em particular, das componentes tecnológica e qualitativa de certos empregos conduz ao crescimento, o que significa mais emprego e maior taxa de emprego. Tal não se produzirá de modo automático, antes dependerá da capacidade das actividades económicas para aumentarem o crescimento da mão-de-obra intensiva e acelerarem, a longo prazo, o ritmo da produtividade, o que conduzirá à qualidade e à satisfação no trabalho (16).

3.3

O crescimento da produtividade consegue-se de muitas maneiras. Em particular as empresas cotadas na Bolsa avaliam a sua competitividade a curto prazo através dos resultados e custos trimestrais. A lógica de lucros rápidos nos locais de trabalho torna-se aparente quando não se fazem investimentos produtivos, e quando não se promovem as competências e a capacidade de trabalho do pessoal. Em alguns casos, as empresas não têm possibilidades financeiras para tanto. Muitas vezes, os contratos de trabalho e os salários regem-se por critérios mínimos. Tais práticas têm sérias consequências sociais a longo prazo. Tais práticas prejudicam a competitividade global da Europa. Não é com baixa produtividade, más condições de trabalho e baixos salários que a Europa pode competir.

3.4

Tradicionalmente, tem-se reforçado a capacidade de produção através da renovação das condições de produção e do desenvolvimento da organização de produção para dar melhor resposta à procura. Fizeram-se investimentos em máquinas e instrumentos. Deste modo aumentou o volume global de produção. Pode-se aumentar a produção de modo gradual através da concepção e aperfeiçoamento de modelos de actividade, desenvolvendo os produtos e serviços de modo mais inteligente. Tal, todavia, não é suficiente sem uma progressão da actividade colectiva no local de trabalho, sem motivação dos trabalhadores ou se há lacunas que prejudicam o trabalho.

3.5

Um crescimento económico estável requer profundas renovações estruturais. Pode-se acelerar o ritmo de produtividade através de mutações estratégicas específicas, ou seja, se a empresa reformar profundamente o seu modo de acção e enveredar assim por uma nova via de crescimento. Deste modo, desaparecem os empregos que requerem competências profissionais ultrapassadas mas, simultaneamente, criam-se novos empregos de melhor qualidade. As empresas reestruturadas concebem novos produtos e novas cadeias de valor. Os factores cruciais neste processo são a rapidez, a inovação, a capacidade de adaptação e a associação do pessoal ao processo. O Comité, e a sua Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI), analisou o processo activo de mutações estruturais e de inovação e de aplicação de tecnologias no trabalho (17). O Comité destacou a importância da flexibilidade interna de acção para a promoção do processo de inovação (18).

3.6

É interessante abordar a produtividade como parte do desempenho da empresa. O desempenho pode ser externo e interno. O desempenho externo ilustra a boa capacidade de acção da empresa na sociedade em que se insere. A produtividade é todavia, e claramente, uma característica interna ligada a um indivíduo, a uma máquina ou uma unidade de produção específicas (19).

3.7

Os aspectos internos de desempenho de uma empresa são a inovação e a produtividade, cujas condições prévias são a competência, a satisfação do pessoal e as alterações de atitudes e a tecnologia. Destas dependem a qualidade e a relação custo-benefício. Os aspectos externos são a competitividade, a satisfação do cliente e a quota de mercado, de que dependem a liquidez, a rentabilidade e a solvibilidade (ver quadro 1).

Quadro 1: Aspectos do desempenho das empresas e interacção entre eles

Image

3.8

Os diferentes aspectos interligam-se como numa espiral. Por exemplo, o aumento da produtividade leva à redução dos custos por unidade, o que significa aumento da competitividade da empresa. Por consequência, a empresa tem um bom desempenho nos mercados, o que aumenta a sua rentabilidade. Assim, a empresa acumula riqueza que pode encaminhar para a formação, aquisição de meios de produção e gestão, ou seja, condições para a melhoria da produtividade. Pode-se assim falar de uma espiral de produtividade crescente. Do mesmo modo se pode também ilustrar uma espiral de produtividade decrescente.

3.9

A produtividade sustentável é, assim, um conceito mais vasto do que uma simples medida da rentabilidade ou uma análise da produtividade do trabalho. À escala da empresa, a produtividade reflecte a capacidade de uma empresa de combinar diferentes factores de produção para melhorar a eficácia e a sua competitividade nos mercados. A produtividade sustentável abrange não só o ambiente físico de trabalho, mas também o psicológico, factores propícios à eficácia, à criatividade e à inovação (20).

3.10

O espírito de inovação de uma empresa e do seu pessoal reflecte-se na capacidade de desenvolver e renovar conceitos de produtos e serviços que constituem um valor acrescentado para os clientes. O espírito de inovação representa igualmente a capacidade de melhorar continuamente os processos de funcionamento, de produção e de distribuição em colaboração com o pessoal e os parceiros. A inovação pode, assim, ser um instrumento, um equipamento, uma máquina, ou uma combinação destes, um modelo de serviço, uma nova modalidade de efectuar uma velha tarefa, ou uma solução diferente para os problemas. A capacidade de adaptação é um elemento central da produtividade.

3.11

Em função da sua capacidade de inovação, as organizações podem ser classificadas em diferentes níveis de desenvolvimento. As organizações podem cientemente desenvolver a sua capacidade de inovação e passar de um nível para outro através da aprendizagem. Quanto mais desenvolvidas forem as práticas aplicadas pelas organizações nas suas actividades de inovação, maior será a sua capacidade de pô-las em prática (21).

3.12

Aumentar a produtividade sustentável significa que as empresas e as diferentes organizações se preparam para os riscos do futuro através de uma antecipação das mudanças e de uma rápida adaptação de modo flexível. Nestas empresas é total o empenho no desenvolvimento contínuo das competências, tem-se em conta o bem-estar do pessoal e os trabalhadores têm uma participação activa na tomada de decisões, em particular nas que têm implicações nas suas tarefas. Os trabalhadores desejam empenhar-se com o seu contributo e competências no sucesso da empresa. A gestão assenta no reconhecimento mútuo e na cooperação, e não numa posição de domínio em relação ao pessoal. Os dirigentes têm a capacidade de cooperar com os clientes, as redes de empresas do sector e os institutos de investigação.

3.13

Uma questão crucial para o futuro, e no que respeita ao aumento da produtividade, é a capacidade de os empregos conceberem e adoptarem as inovações tecnológicas, bem como as inovações de tipo comercial, organizacional e social da vida profissional. A produtividade conseguida deste modo é sustentável. Tem impacto no crescimento económico de duas maneiras: através da melhoria a longo prazo da produtividade das comunidades de trabalho/empresas, e através do aumento da quantidade de mão-de-obra, assim que aumentam as possibilidades e a vontade dos trabalhadores de permanecerem durante mais tempo na vida activa.

4.   Produtividade sustentável na vida profissional

4.1

Um estudo da Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (22) analisa a relação entre a qualidade do ambiente de trabalho e a produtividade. Um resultado central do estudo revela que, nas condições actuais de concorrência cerrada, não se pode medir o sucesso de uma empresa apenas pelos seus resultados económicos.

4.2

Segundo o estudo, factores mais importantes são a satisfação do cliente, a optimização das relações internas da empresa, a capacidade de inovação e estruturas flexíveis de organização. Os resultados do estudo assinalam que há uma estreita relação entre as boas condições de trabalho e os resultados económicos da empresa. A qualidade do trabalho tem fortes implicações na produtividade e na rentabilidade.

4.3

O aumento da produtividade que se verificou na Europa nestes últimos anos não pode ser considerado como claramente sustentável em termos de qualidade. As empresas ainda dispõem de demasiado poucos conhecimentos e modelos práticos para melhorar a qualidade da vida laboral e reconhecer os seus impactos positivos. Segundo um estudo da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, não se verificaram grandes alterações na qualidade do trabalho na globalidade (23). Com base em análises e comparações entre Estados-Membros, verifica-se que a satisfação no trabalho depende de factores como a segurança de emprego, um ambiente de trabalho positivo e boas possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento pessoal. O trabalho em si transformou-se de modo mais rápido do que previsto, baseando-se cada vez mais nos conhecimentos e tecnologias e orientando-se mais para o cliente.

4.4

Segundo aquele estudo, não houve evolução em matéria de conciliação da vida profissional e familiar. Não se generalizaram os horários flexíveis segundo as necessidades individuais. Não obstante a melhoria da saúde no trabalho, 35 % dos trabalhadores sentem que há perigos no trabalho para a saúde e a segurança. Aumentou a intensidade do trabalho e este efectua-se a um ritmo cada vez mais rápido com horários mais cerrados. Exige-se independência no trabalho, mas não se verifica qualquer aumento do grau de autonomia no trabalho. A maior parte dos trabalhadores considera que o trabalho é interessante e oferece novas possibilidades. Não houve qualquer melhoria no acesso dos trabalhadores à formação profissional. Os trabalhadores mais idosos e com menos qualificações têm mais dificuldades de acesso à formação. Uma das mais importantes mudanças no local de trabalho é o aumento da utilização das tecnologias de informação (24).

4.5

No futuro, a carência de mão-de-obra qualificada poderá afectar as condições favoráveis ao crescimento da produtividade. Há que ter, todavia, em conta o facto de que os empregos do futuro e as respectivas exigências de qualificações serão diferentes dos actuais. Além disso, a organização do trabalho em novas modalidades e a aplicação eficaz das tecnologias reduzem as necessidades de mão-de-obra. Muitas empresas criam redes à escala europeia e aumenta a circulação de trabalhadores entre os Estados-Membros. O Comité afirmou que, não obstante todas as diferenças entre os seus sistemas de formação, os Estados-Membros da UE devem ser encarados, no seu conjunto, como um «espaço de formação» e que a política de emprego deve assumir uma dimensão europeia (25).

4.6

Será importante reflectir sobre que qualificações serão necessárias para os empregos de amanhã, tanto no sector público como no privado, e, do mesmo modo, como deverão ser ensinadas nas escolas matérias relacionadas com a qualidade da vida profissional e a produtividade. É nesta base que se deverão conceber e aplicar as estruturas, currículos e métodos de ensino nas escolas profissionais e nos estabelecimentos de ensino superior, sendo importante garantir as possibilidades económicas de participação na formação. Os parceiros sociais têm um papel central na concepção e aplicação das medidas. Os parceiros sociais europeus efectuaram um bom trabalho de base na avaliação dos factores centrais da aprendizagem ao longo da vida e das práticas nacionais (26).

4.7

Não é nas áreas de competência mensuráveis que, muitas vezes, há carência de qualificações. Além das qualificações de base para a vida profissional do futuro, as mais importantes aptidões serão, por exemplo, capacidade de interacção, gestão pessoal, capacidade de aprendizagem e de aquisição de novos conhecimentos, capacidade de discernimento entre o enorme volume de dados, capacidade de agir em comunidade e redes multiculturais. Neste contexto, os jovens que abandonaram a escola ou que se graduaram com notas fracas constituem um desafio particular.

4.8

Na gestão das empresas, as carências de competências revelam-se, em particular, na área dos conhecimentos estratégicos da empresa e na gestão da inovação. A gestão dos recursos humanos deveria ser considerada uma parte estratégica da gestão, que poderia constituir um novo estímulo para o crescimento económico.

5.   Promover uma produtividade sustentável

5.1   Medidas políticas e práticas

5.1.1

As possibilidades oferecidas pelo aumento sustentável da produtividade podem beneficiar em particular as PME, bem como as grandes empresas com as suas redes de subcontratantes. São igualmente beneficiárias as organizações de serviços do sector público e do terceiro sector, que têm necessidade e desejo de melhorar a produtividade de modo sustentável e qualitativo, e de garantir para o futuro a permanência de mão-de-obra altamente qualificada.

5.1.2

Pode-se incentivar o crescimento da produtividade sustentável através de medidas políticas com incidência em toda a sociedade, nas empresas e organizações públicas, nos empregos e nos indivíduos. Em virtude da sua grande amplitude, as evoluções sociais relacionadas, por exemplo, com a educação, as relações profissionais, as medidas de conciliação da vida profissional e familiar, a segurança no trabalho, a readaptação profissional, as pensões de reforma ou as possibilidades de reforma, são importantes a longo prazo. Podem-se incentivar bons projectos através de medidas legislativas. Por seu lado, as melhorias relativas ao bem-estar no emprego têm rápidas repercussões, mas, por si sós, são insuficientes e a sua incidência global na comunidade de trabalho pode ser pequena.

5.1.3

É possível dar um apoio vigoroso ao aumento sustentável da produtividade incentivando as práticas das empresas e as aplicadas no emprego, de forma a reforçarem ainda mais os recursos individuais e colectivos e a capacidade de inovação, tendo os parceiros sociais um papel central.

5.1.3.1

À escala europeia, os parceiros sociais acordaram, no seu novo programa de trabalho para 2006-2008, em analisar os desafios centrais que os mercados de trabalho da Europa têm pela frente (promoção da formação ao longo da vida, da competitividade e da inovação) (27). No plano nacional, por exemplo, as federações dos parceiros sociais finlandesas instituíram, no início de 2007, uma «mesa-redonda da produtividade» com a finalidade de promover a produtividade, a qualidade da vida profissional e a cooperação no domínio da produtividade. Participam na mesa-redonda representantes dos mais altos dirigentes de todas as federações de parceiros sociais. Em alguns países, os parceiros sociais também participam de modo activo nos programas nacionais de desenvolvimento das empresas. Todos os Estados-Membros têm bons exemplos empresariais (28).

5.1.4

Em alguns casos, as alterações legislativas relacionadas com a protecção do ambiente criaram necessidades de inovação. Por exemplo, a proibição da utilização de amianto criou a necessidade de desenvolver tecnologias de substituição, o endurecimento da legislação relativa aos ruídos acelerou o desenvolvimento de equipamentos técnicos pouco ruidosos, as necessidades no domínio das tecnologias energéticas conduziram à concepção de novos equipamentos e as necessidades de isolamento térmico dos edifícios conduziram à concepção de novos materiais. Assim, os actos legislativos apoiaram as medidas tomadas pelos actores económicos e incentivaram as inovações.

5.1.5

Os Estados-Membros adoptaram diferentes instrumentos económicos tendo em vista melhorar a qualidade das condições de trabalho, ou apoiar as empresas que desenvolvem modelos inovadores de organização do trabalho. Encontram-se disponíveis ajudas e subsídios públicos, bem como financiamento (créditos bancários vantajosos). Podem-se referir, a título de exemplo, a estratégia nacional da Irlanda para o emprego, a iniciativa alemã de qualidade do trabalho INQA, e a estratégia finlandesa de desenvolvimento da vida profissional, nas quais têm grande importância as iniciativas do Estado e o financiamento público (29). Uma grande vantagem de tais iniciativas é que as actividades de desenvolvimento se podem efectuar no local de trabalho. Factores centrais para os programas são o vigoroso empenho ao nível político e a motivação das empresas e dos trabalhadores para os projectos de desenvolvimento.

5.2   Índice europeu da qualidade do trabalho

5.2.1

Para que a Europa possa dar resposta aos desafios da globalização e atingir os objectivos da Estratégia de Lisboa, será importante acompanhar a evolução da qualidade do trabalho nos Estados-Membros e à escala comunitária e a sua correlação com o crescimento da produtividade. O Comité já havia proposto a criação de um índice europeu da qualidade do trabalho. O índice seria composto por diferentes parâmetros definidos com base em estudos relevantes sobre o que se entende por «emprego digno»(good work), e actualizado e publicado regularmente (30). Esse índice contribuiria para tornar visíveis desvios e progressos na qualidade da vida activa europeia, e impactos na produtividade. Constituiria igualmente a base para novas iniciativas de melhoria da qualidade da vida activa. Actualmente, a qualidade do trabalho e a produtividade são analisadas de muitas e diferentes maneiras e diferentes institutos concebem os seus próprios indicadores independentemente uns dos outros. O novo índice europeu poderia integrar elementos dos indicadores já concebidos.

5.2.1.1

Por decisão do Conselho, efectuou-se em 2003 uma avaliação dos progressos dos Estados-Membros nas dez dimensões da qualidade do emprego. Não obstante alguns progressos, os Estados-Membros têm necessidade de melhorar os resultados de modo considerável. O crescimento da produtividade foi decepcionante. Concluiu-se que é necessária uma intervenção política mais determinada, em especial no que respeita a incentivar o investimento das empresas em formação, promover o envelhecimento activo dos trabalhadores (31).

5.2.1.2

Segundo a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (fundação de Dublin), são características das empresas e comunidades de trabalho inovadoras a possibilidade voluntária de aprendizagem e uma autonomia no trabalho, bem como trabalho em grupos, possibilidade de rotação das tarefas e polivalência das aptidões. Assim, o reforço das competências dos trabalhadores e a possibilidade de participação activa no desenvolvimento do processo de produção são factores centrais. A Fundação lançou, na Primavera de 2007, um vasto estudo sobre as relações entre inovação, produtividade e emprego, que durará três anos. Na fase inicial do estudo, a literatura já existente sobre a matéria será objecto de exame para preparar a inserção de uma dimensão de produtividade e performance no relatório de 2008 da Fundação sobre a empresa europeia. A Fundação participa também, activamente, na concepção de um novo índice da qualidade do trabalho (32).

5.2.1.3

Estudos da Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho sobre a importância da qualidade do trabalho apontam claramente para uma relação estreita entre a qualidade do ambiente de trabalho, a produtividade e a eficácia. Se os riscos que podem afectar a segurança e a saúde no trabalho não forem analisados pormenorizadamente, ou se não forem afastados, a agência conclui que será impossível atingir os objectivos de produtividade (33). A actual campanha europeia de sensibilização é especialmente dedicada à prevenção de distúrbios músculo-esqueléticos. Simultaneamente devem também ser identificados exemplos de boas práticas para a integração das pessoas que sofrem de doenças músculo-esqueléticas. Estão também já em curso os preparativos para a Semana Europeia 2008 que será dedicada à avaliação de riscos no local de trabalho.

5.2.1.4

O programa de desenvolvimento da qualidade do trabalho lançado pela Presidência alemã inclui projectos de investigação em que é especificamente definido o que significa o trabalho digno. O programa inclui igualmente o índice de qualidade do trabalho elaborado pela confederação alemã de sindicatos, DGB. O índice estrutura-se em torno de avaliações efectuadas pelos trabalhadores, em que o próprio trabalho é analisado com base em 15 critérios diferentes. Pretende-se elaborar o índice anualmente, e os primeiros resultados estarão disponíveis no Outono de 2007 (34).

5.2.2

A elaboração de um índice da qualidade do trabalho requer a criação de um vasto fórum. Os vastos e polivalentes conhecimentos do Comité Económico e Social Europeu sobre os reptos das mutações da vida laboral e como lhes dar resposta seria uma boa base para o fórum. Em função do seu programa de trabalho, o grupo de acompanhamento do emprego poderia igualmente examinar este aspecto.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Tratado Constitucional da União, n.o 3 do artigo I-3.o.

(2)  Pode-se medir a produtividade em diferentes níveis, por exemplo, económico (macroeconómico), sectorial (indústria, TIC), empresa/organização do trabalho/unidade de trabalho, pessoal/grupo profissional, individual. A produtividade total é a parte do crescimento da produção que não pode ser explicada através do incremento dos esforços tradicionais de produção (mão-de-obra, capital, matérias-primas, energia). O crescimento da produtividade é a consequência, por exemplo, do desenvolvimento tecnológico, da formação dos trabalhadores, do desenvolvimento das organizações ou da melhoria das modalidades de gestão e de produção.

(3)  Relatório do grupo de trabalho do Comité do Emprego «Enhancing higher productivity and more and better jobs, including for people at the margins of the labour market», EMCO/18/171006/EN-final, 2006.

URL: http://ec.europa.eu/employment_social/employment_strategy/pdf/emco_workgroupprod06_en.pdf.

(4)  Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu — Produtividade: a chave para a competitividade das economias e das empresas europeias, COM(2002) 262 final.

(5)  Ibid.

(6)  Relatório anual da OIT sobre o emprego, Word Employment Report 2004–2005.

URL: http://www.ilo.org/public/english/employment/strat/wer2004.htm.

(7)  Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu — Produtividade: a chave para a competitividade das economias e das empresas europeias, COM(2002) 262 final.

(8)  Parecer do CESE de 13 de Setembro de 2006 sobre «Os serviços e a indústria transformadora da UE: Interacções e impactos no emprego, na competitividade e na produtividade» (JO C 318 de 23.12.2006 p. 26).

URL: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2006:318:0026:0037:PT:PDF.

(9)  O Conselho Europeu de Lisboa de 23 e 24 de Março de 2000 estabeleceu o objectivo global de pleno emprego através da criação de não só mais empregos, como também de melhores empregos.

As conclusões do Conselho Europeu de Nice (2000) constatam a necessidade de colocar a tónica na promoção da qualidade em todas as áreas de política social.

O Conselho Europeu de Estocolmo de 2001 assinalou que, para se atingir de novo o objectivo de pleno emprego, há que criar não só mais empregos, como também melhores empregos. O Conselho Europeu insistiu na integração do objectivo geral de qualidade do trabalho nas orientações para o emprego de 2002, com indicadores precisos quantificados.

O Conselho Europeu reunido em Laeken em 2001 constatou que a qualidade do trabalho é um conceito polivalente e que os indicadores recomendados pelo Comité do Emprego se baseiam nas áreas temáticas apresentadas na comunicação da Comissão. O Conselho Europeu preconizou a sua inclusão na estratégia europeia de emprego a partir de 2002. Ver a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões: Melhorar a qualidade do emprego: análise dos progressos recentes, COM(2003) 728 final.

(10)  Parecer do CESE de 13.09.2006 sobre «Qualidade da vida activa, produtividade e emprego no contexto da globalização e dos desafios demográficos» (JO C 318 de 23.12.2006 p. 157).

URL: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2006:318:0157:0162:FI:PDF.

(11)  Prioridades políticas do ministério federal do Trabalho e Assuntos Sociais para o primeiro semestre de 2007, durante a Presidência alemã do Conselho.

URL:http://www.london.diplo.de/Vertretung/london/en/03/News__and__features/EU__Presidency/Political__priorities__FULL__DownloadDatei,property=Daten.pdf.

(12)  Conclusões da Presidência, elaboradas em cooperação com Portugal e a Eslovénia, Estados-Membros que assumem as presidências seguintes da UE.

URL: http://www.eu2007.de/en/News/Press_Releases/January/0119BMAS1.html.

(13)  Conselho Europeu de Bruxelas de 8 e 9 de Março de 2007 — Conclusões da Presidência. Conselho da União Europeia 7224/07.

URL:http://www.consilium.europa.eu/cms3_applications/applications/newsroom/LoadDocument.asp?directory=fi/ec/&filename=93140.pdf.

(14)  Relatório do grupo de trabalho do comité de emprego «Enhancing higher productivity and more and better jobs, including for people at the margins of the labour market», EMCO/18/171006/EN-final, 2006.

(15)  Parecer do CESE de 25 de Abril de 2007 sobre «Proposta de Decisão do Conselho relativa às Orientações para as Políticas de Emprego dos Estados-Membros», relatora: Maureen O'NEILL (JO C 168, de 20.7.2007, p. 477).

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2007:168:0047:0049:FI:PDF

(16)  Ibid.

(17)  Parecer do CESE de 25 de Setembro de 2003 sobre «As mutações industriais na Europa: balanço e prospectivas — Uma abordagem global» (JO C 10 de 14.1.2004 p. 105), relator: Joost van IERSEL, co-relator: Rafael VAREA NIETO Nieto (JO C 10, 14.1.2004, p. 105).

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2004:010:0105:0113:PT:PDF

Parecer do CESE de 29 de Setembro de 2005 sobre o «Diálogo social e participação dos trabalhadores — A chave para a antecipação e gestão das mutações industriais», relator: Gustav ZÖHRER (JO C 24, 31.1.2006, p. 90).

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2006:024:0090:0094:PT:PDF.

Parecer do CESE de 14 de Dezembro de 2005 sobre a «Comunicação da Comissão Reestruturações e emprego — Antecipar e acompanhar as reestruturações para desenvolver o emprego: o papel da União Europeia», relator: Gustav ZÖHRER, co-relator: Daniel SOURY-LAVERGNE (JO C 65, 17.3.2006, p. 58).

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2006:065:0058:0062:PT:PDF.

Parecer do CESE de 14 de Setembro de 2006 sobre «Desenvolvimento sustentável, motor das mutações industriais», relator: Martin SIECKER, co-relator: Pavel ČINČERA (JO C 318, 23.12.2006, p. 1).

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2006:318:0001:0011:FI:PDF.

(18)  Parecer do CESE de 11 de Julho de 2007 sobre «Flexigurança (dimensão da flexibilidade interna — a negociação colectiva e o papel do diálogo social enquanto instrumentos de regulação e de reforma dos mercados do trabalho)», relator: Thomas JANSON.

http://eescopinions.eesc.europa.eu/viewdoc.aspx?doc=//esppub1/esp_public/ces/soc/soc272/fi/ces999-2007_ac_fi.doc.

(19)  Hannu RANTANEN, Tuottavuus suorituskyvyn analysoinnin kentässä (Análise do desempenho da produtividade no terreno). Lappeenrannan teknillinen yliopisto (Universidade Técnica de Lappeenranta), Lahden yksikkö (Unidade de Lahti) 2005.

(20)  Mika HANNULA, Universidade Técnica de Tampere, relatório de 29.1.2004.

(21)  John BESSANT, (2003): High-Involvement Innovation (versão finlandesa de Tuomo ALASOINI). A capacidade de inovação abrange oito dimensões:

compreensão, na organização, da importância estratégica das actividades de inovação graduais que incentivam a participação das pessoas (understanding)

a organização aplica modalidades que estimulam a participação das pessoas nas actividades de inovação (getting the habit)

as actividades de inovação da organização perseguem os seus objectivos estratégicos (focusing)

a administração da organização orienta e apoia suficientemente as actividades de inovação (leading)

as estruturas, práticas e processos da organização são concebidos de forma a garantir a melhor interacção com as actividades de inovação e os valores subjacentes (aligning)

as soluções dos problemas são colocadas em rede entre unidades, tanto dentro como fora da organização (shared problem-solving)

a eficácia das actividades de inovação é objecto de acompanhamento, de avaliação e de ajustamento (continuous improvement of the system)

a organização tem a capacidade de tirar lições de modo constante e global das experiências (the learning organization)

(22)  Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho: Qualidade do ambiente de trabalho e produtividade — documento de trawbalho (2004).

URL: http://osha.eu.int/publications/reports/211/quality_productivity_en.pdf.

(23)  Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho: Quarto estudo sobre as condições de trabalho na Europa (2005).

URL: http://www.eurofound.europa.eu/publications/htmlfiles/ef0698.htm.

(24)  Ibid.

(25)  Parecer do CESE de 28 de Outubro de 2004 sobre «Formação e produtividade», relator: Christoforos KORYFIDIS (JO C 120 de 20.5.2005 p. 64).

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2005:120:0064:0075:PT:PDF.

(26)  Framework of actions for the lifelong learningEvaluation report 2006 (Quadro de acções para a aprendizagem ao longo da vida — relatório de avaliação), documento conjunto da Confederação Europeia de Sindicatos (CES), da União das Confederações da Indústria e dos Empregadores da Europa (UNICE) e do Centro Europeu das Empresas de Participação Pública e das Empresas de Interesse Económico Geral (CEEP).

(27)  Programa de trabalho dos parceiros sociais 2006-2008.

URL: http://www.etuc.org/IMG/pdf/Depliant_EN_HD2006-2008.pdf.

(28)  A título de exemplo, numa audição do grupo de trabalho de 10.5.2007, a empresa maltesa STMicroelectronics (director financeiro SANTO PORTERA) afirmou ter conseguido dar resposta aos desafios da globalização através da aplicação de elevadas normas éticas, garantindo e melhorando as competências do pessoal e a organização do trabalho, bem como através de incentivos à inovação.

(29)  Irlanda: www.workplacestrategy.ie, Cathal O'Reagan, audição de 10.5.2007.

http://inqa.de, Kai SCHÄFER, representante do governo alemão (Presidência da UE); audição de 10.5.2007.

http://www.mol.fi/mol/en/01_ministry/05_tykes/index.jsp.

(30)  Ver nota 10 de pé da página.

(31)  Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões: Melhorar a qualidade do emprego: análise dos progressos recentes, COM(2003) 728 final.

(32)  www.eurofound.europa.eu; Radoslaw OWCZARZAK, CCMI, audição de 10.5.2007.

(33)  www.osha.europa.eu; Brenda O'BRIEN, audição de 10.5.2007.

(34)  http://inqa.de, Kai SCHÄFER, representante do governo alemão e da Presidência da UE; audição de 10.5.2007.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/80


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Harmonização dos indicadores na área da deficiência como instrumento de monitorização das políticas europeias»

(2008/C 10/20)

A então futura Presidência portuguesa enviou ao Comité Económico e Social Europeu uma carta, datada de 13 de Fevereiro de 2007, solicitando a elaboração de parecer sobre a: «Harmonização dos indicadores na área da deficiência como instrumento de monitorização das políticas europeias».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 17 de Julho de 2007, sendo relator Meelis Joost.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 160 votos a favor, nenhum voto contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE entende que a adopção de um roteiro semelhante ao que foi adoptado para a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, paralelamente ao desenvolvimento de indicadores e metas quantitativas a atingir pelos Estados-Membros em áreas prioritárias acordadas, é a via correcta para que a igualdade de oportunidades se transforme numa realidade para as pessoas com deficiência.

1.2

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a centrarem-se na recolha de indicadores fiáveis e coerentes e na fixação de metas quantitativas para cada uma das áreas estatísticas e objectivos políticos definidos, que cada Estado-Membro deverá atingir num determinado prazo. As tentativas estatísticas, que não foram aprovadas ao nível europeu, não são um indicador permanente que possa ser medido numa base regular, por exemplo, dentro dos indicadores de inclusão social. No entanto, tanto a aprovação como a medição sistemática são necessárias para a coerência de qualquer política.

1.3

O CESE insta o Grupo de Alto Nível para a Deficiência a estabelecer uma lista de prioridades para a recolha de dados com base nos indicadores-chave que já constam da lista do Instituto Nacional de Estatística de Itália (ISTAT) (1), que deverá ser actualizada.

1.4

Os Estados-Membros deverão continuar a esforçar-se na recolha de dados sobre deficiência, devendo os mesmos ser publicados com regularidade, por exemplo de dois em dois anos. Importa igualmente dar continuidade ao trabalho desenvolvido internacionalmente pelo Grupo de Washington na área da definição.

1.5

O Inquérito às Forças de Trabalho da UE deveria avaliar os progressos alcançados numa base mais regular. De futuro, os comités de emprego e de protecção social poderiam incluir um conjunto de indicadores que seria objecto de investigação sistemática, em oposição a iniciativas independentes e avulsas.

1.6

Face ao exposto, o CESE insta a CE a incluir nos inquéritos do Eurostat um módulo coerente sobre deficiência, tendo em conta os elementos atrás referidos, e a elaborar relatórios regulares para que se possam avaliar convenientemente as políticas e identificar prioridades.

1.7

As organizações nacionais de pessoas com deficiência deverão ser implicadas na identificação dos indicadores prioritários para o respectivo Estado-Membro. A aprovação de indicadores harmonizados e a recolha de dados permitirão o intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros, visto que é possível medir a eficácia das iniciativas utilizadas.

2.   Introdução

2.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com o pedido de parecer sobre a «Harmonização dos indicadores na área da deficiência», que lhe foi dirigido pela Presidência portuguesa. A Presidência portuguesa está determinada a contribuir para que a União Europeia disponha de dados fiáveis e comparáveis para avaliar a inclusão das pessoas com deficiência.

2.2

As pessoas com deficiência perfazem 15 % da população total — e esta percentagem aumenta à medida que a população vai envelhecendo. Isto significa que, na UE alargada, mais de 50 milhões de pessoas são portadoras de deficiência (2). O inquérito SILC de 2005 exclui as crianças, os idosos e outras pessoas com deficiência que vivem em instituições de acolhimento.

2.3

Para que os direitos sociais — incluindo a livre circulação de pessoas — reconhecidos pelos Tratados e pela Carta dos Direitos Fundamentais se possam tornar realidade para as pessoas com deficiência, há que avaliar as políticas e comparar as realidades, numa base comum, em todos os Estados-Membros. Este é o primeiro passo para conceber e pôr em prática as políticas que dão às pessoas com deficiência a possibilidade de gozar dos mesmos direitos que os demais cidadãos.

2.4

São vários os indicadores que permitem uma avaliação dos progressos obtidos nos Estados-Membros no que diz respeito à inclusão social das pessoas com deficiência: acessibilidade aos espaços edificados, participação no mercado de trabalho, acesso à educação, apenas para mencionar alguns. É crucial que se faça uma avaliação das medidas tomadas pelos Estados-Membros neste domínio, bem como do seu impacto.

3.   Incoerência dos instrumentos jurídicos e políticos existentes

3.1

A Convenção das Nações Unidas recentemente adoptada sobre os direitos das pessoas com deficiência identifica a necessidade urgente de promover a integração da problemática da deficiência em todas as áreas de política. Os Estados-Membros da UE devem respeitar estes princípios, devendo para tal ratificar sem demora a Convenção. Para atender aos objectivos e princípios da Convenção das Nações Unidas, ratificada pela Comunidade Europeia, a UE deverá adoptar políticas adequadas. Todos os países e a UE deveriam ser também incentivados a assinar o protocolo facultativo que é parte integrante da Convenção.

3.2

O Plano de Acção Europeu para a Deficiência (3) propõe-se atingir objectivos ambiciosos como a aplicação integral da Directiva relativa à igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (Directiva 2000/78/CE), o reforço da integração da perspectiva da deficiência nas políticas comunitárias pertinentes e a promoção da acessibilidade para todos. Para alcançá-los, é essencial dispor de indicadores que permitam não só medir e avaliar, em relação a cada prioridade política, os progressos alcançados em cada Estado-Membro, como também fixar metas quantitativas.

3.3

A Directiva 2000/78/CE, adoptada em Novembro de 2000, estabelece a proibição da discriminação no mercado laboral e na formação profissional em razão da deficiência. Contudo, a avaliação da sua aplicação pelos Estados-Membros, para além da mera questão da transposição jurídica, é problemática, uma vez que não há dados comparáveis que permitam medir o aumento dos níveis de emprego das pessoas com deficiência à medida que cada Estado-Membro vai aplicando a legislação.

3.4

O Plano de Acção do Conselho da Europa para as Pessoas com Deficiência, que obriga à sua realização todos os 46 países membros do Conselho da Europa, prevê a plena participação destas pessoas e estabelece objectivos concretos em diversos domínios sociais e políticos. Foi criado um grupo de redacção incumbido de desenvolver indicadores para medir os progressos alcançados.

3.5

A Estratégia de Lisboa fixou objectivos ambiciosos para a UE, entre os quais o aumento dos níveis de emprego e o reforço da coesão social. Estes objectivos não podem ser atingidos sem a aplicação de medidas concretas destinadas a eliminar os obstáculos enfrentados por pessoas com deficiência no acesso ao emprego e a serviços, que concorram para a sua plena integração na sociedade.

3.6

Em todas as áreas de política que afectam as pessoas com deficiência e podem promover a sua inclusão social e facilitar-lhes o gozo de direitos, são necessários indicadores que permitam medir os progressos e obter uma visão abrangente dos resultados das diferentes medidas realizadas ao nível europeu. Impõe-se igualmente avaliar a legislação em vigor, a fim de introduzir alterações ou melhorias.

4.   Necessidade de estatísticas fiáveis e comparáveis

4.1   Actuais sistemas de medição de dados

4.1.1

O CESE lamenta a inexistência de indicadores na área da deficiência e, em particular, a falta de empenhamento político da UE em acordar indicadores comuns para o apoio e a avaliação das políticas.

4.1.2

O CESE nota que o Eurostat tem levado a cabo vários projectos e iniciativas interessantes no sentido de desenvolver a recolha coordenada e sistemática de dados sobre aspectos da deficiência em toda a Europa: o módulo sobre saúde do Painel Europeu de Agregados Domésticos Privados (ECHP) para o período de 1994 a 1996 incluía um segmento sobre deficiência, que foi publicado em formato de livro de bolso; em 2002, foi introduzido no Inquérito às Forças de Trabalho (IFT) um módulo sobre o emprego de pessoas com deficiência com o intuito de possibilitar a coordenação e harmonização dos dados e informações necessários à reunião do Grupo de Washington da Divisão de Estatística das Nações Unidas; o Eurostat lançou o projecto europeu de medição da deficiência (EDM).

Em 2002, os directores europeus de estatísticas sociais estabeleceram um quadro para a recolha sistemática de dados harmonizados através de inquéritos e/ou módulos para inquéritos sobre saúde, designado Sistema de Inquérito sobre a Saúde Europeia (EHSS). Neste contexto, os Estados-Membros acordaram, em finais de 2006, a versão final de um questionário para o Inquérito sobre Saúde Europeia por Entrevista (EHIS) — cuja primeira fase decorrerá entre 2007 e 2009 — que inclui perguntas sobre vários aspectos da deficiência. A deficiência é também incluída como variável nas Estatísticas Europeias sobre o Rendimento e as Condições de Vida (SILC) (4).

O programa de trabalho anual do Eurostat para 2007 prevê actividades no Sistema Estatístico Europeu (SEE (5)) para o desenvolvimento das estatísticas comunitárias sobre deficiência e inclusão social, tendo em vista elaborar, em cooperação com organizações internacionais, os dados estatísticos comparáveis e pertinentes necessários para monitorizar a situação dos portadores de deficiência. Prevê-se que em meados de 2008 esteja concluído o novo módulo para um inquérito sobre deficiência e integração social — subsidiado pelo Eurostat — para aplicação piloto nos Estados-Membros.

Todo este trabalho de desenvolvimento é efectuado com base na Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da Organização Mundial da Saúde.

4.1.3

Ao nível internacional, o Eurostat tem-se empenhado no desenvolvimento de sistemas globais de medição da deficiência, com base na Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da Organização Mundial da Saúde, no âmbito do Grupo de Washington sobre Estatísticas de Deficiência (6). O Conselho da Europa publicou directrizes metodológicas para o desenvolvimento de indicadores sociais da coesão social (7).

4.1.4

A proposta de regulamento relativa a estatísticas comunitárias sobre saúde pública e saúde e segurança no local de trabalho proporcionará um quadro de referência para actividades futuras neste domínio. O regulamento pode ser utilizado para a recolha de dados sobre deficiência, vindo a alterar a situação actual em que os dados são recolhidos pelos Estados-Membros sem haver uma base legal relevante.

4.2   Necessidade de indicadores europeus complementares

4.2.1

O artigo 31.o da Convenção das Nações Unidas estabelece que cada país tem de recolher informações adequadas, incluindo dados estatísticos e científicos, que os ajudem a formular e aplicar políticas destinadas a pôr em prática a Convenção. O CESE insta os Estados-Membros a seguirem estreitamente este princípio.

4.2.2

O CESE congratula-se com as iniciativas atrás referidas, mas lamenta a sua incoerência e a inexistência de indicadores políticos acordados neste domínio, que permitam analisar a situação das pessoas com deficiência, medir o impacto das políticas e da legislação e avaliar as necessidades sentidas por estas pessoas.

4.2.3

Os indicadores deverão permitir a medição dos níveis de emprego, para um melhor conhecimento das situações e elaboração de políticas adequadas. O Conselho Europeu da Primavera de 2006 reiterou a necessidade de adoptar medidas susceptíveis de aumentar a participação no mercado de trabalho das pessoas com deficiência.

4.2.4

Para uma melhor concepção das futuras medidas políticas e legislativas é necessário fazer uma avaliação do impacto da directiva europeia em matéria de luta contra a discriminação e da legislação em vigor em cada Estado-Membro.

4.2.5

Importa, portanto, prosseguir a recolha de dados sobre discriminação, conjuntamente com indicadores em outros domínios, como a acessibilidade a bens e serviços, o emprego, a inclusão social, etc., para se poder ter uma visão coerente das questões que afectam as pessoas com deficiência e da sua interacção.

4.2.6

A inclusão social deverá igualmente ser objecto de avaliação exaustiva para uma melhor compreensão das razões complexas que levam à exclusão social das pessoas com deficiência. Do mesmo modo, áreas como o emprego e a participação na vida da sociedade (representação, acesso a associações, trabalho voluntário, políticas, etc.), mas também o acesso a cuidados de saúde, educação, cultura, meios de comunicação e serviços sociais, devem ser objecto de medição.

4.2.7

As melhores práticas existentes, como o cartão de parqueamento europeu, deviam ser um exemplo para introdução de soluções novas e similares, as quais não podem ser adoptadas sem um conjunto de indicadores para medir a inclusão social de pessoas com deficiência, com dados pertinentes e comparáveis.

4.3   Desafios na definição de indicadores europeus

4.3.1

Presentemente, o fornecimento de dados pelos Estados-Membros para avaliar o nível de inclusão das pessoas com deficiência efectua-se sem que tivesse havido acordo ao nível europeu sobre indicadores comuns, exceptuando-se a recolha de dados no quadro do MAC (8) e do ECHIM (9). Dever-se-ia também explicar aos Estados-Membros que a recolha de dados sobre deficiência se reveste da maior importância.

4.3.2

Embora no inquérito SILC seja feita uma estimativa do número de pessoas com deficiência na UE, esses dados, pelo facto de excluírem as crianças e as pessoas idosas que vivem em instituições de acolhimento, são menos relevantes.

4.3.3

As definições de deficiência, que variam de país para país, deveriam abranger, por exemplo, as pessoas com deficiência mental, muitas vezes não incluídas nas estatísticas nacionais. A descrição da categoria de pessoas portadoras de deficiência deverá nortear-se pelo teor do n.o 2 do artigo 1.o da Convenção das Nações Unidas. Haverá, deste modo, uma base universal para estabelecer quais as categorias abrangidas pela definição de «pessoas com deficiência».

4.3.4

As pessoas com deficiência constituem um grupo heterogéneo, o que dificulta o estabelecimento de critérios de medição. Por conseguinte, os indicadores deveriam ter em conta os diferentes tipos de deficiência, bem como as áreas de política que têm repercussões na vida das pessoas com deficiência, e identificar os obstáculos à plena participação das mesmas na sociedade.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  ISTAT — Instituto Nacional de Estatística de Itália, Projecto «Indicadores da integração das pessoas com deficiência na sociedade», relatório final, Junho de 2001, publicado pelo Eurostat.

(2)  Segundo dados do inquérito Eurostat sobre o rendimento e as condições de vida (SILC), efectuado em 2005.

(3)  Ver: http://europa.eu.int/comm/employment_social/disability/index_en.html.

(4)  http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page?_pageid=1913,47567825,1913_58814988&_dad=portal&_schema=PORTAL#B.

(5)  Para mais informações sobre o Sistema Estatístico Europeu, consultar:

http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page?_pageid=1153,47169267,1153_47183518&_dad=portal&_schema=PORTAL.

(6)  Para mais informações sobre o Grupo de Washington, ver em

http://www.cdc.gov/nchs/citygroup.htm.

(7)  «Concerted development of social cohesion indicatorsMethodological guide», Publicações do Conselho da Europa.

(8)  Método aberto de coordenação.

(9)  Indicadores de Saúde e Monitorização da Saúde na Comunidade Europeia.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/83


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu — Para uma utilização mais eficaz dos incentivos fiscais em favor da investigação e do desenvolvimento (I&D)»

COM(2006) 728 final

(2008/C 10/21)

Em 22 de Novembro de 2006, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social que emitiu parecer em 21 de Junho de 2007, sendo relator, P. Morgan.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 27 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 134 votos a favor, 2 votos contra e 5 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1

A presente comunicação faz parte do programa da Comissão de apoio ao objectivo de Lisboa que preconiza que até 2010 a UE invista 3 % do PIB em I&D, dos quais 2 % proveniente do sector privado. A comunicação centra-se nos os métodos utilizados pelos Estados-Membros para, através do sistema fiscal, incitar as empresas a investir em I&D. A comunicação visa clarificar a legalidade dos incentivos fiscais em I&D no contexto do direito comunitário e aconselhar os Estados-Membros sobre boas práticas na matéria. Esta comunicação é uma resposta positiva ao pedido do CESE para que a União procure «que o direito fiscal e o direito da responsabilidade dos Estados-Membros se adeqúe melhor ao objectivo de criar incentivos ao investimento da indústria em investigação e desenvolvimento» (1).

1.2

Alguns exemplos de boas práticas figuram na terceira parte do parecer. É necessário reconhecer, porém, que os incentivos proporcionados pelo sistema fiscal têm limitações. Quanto mais elevada for a carga fiscal das empresas maiores serão os incentivos, ao passo que quanto mãos baixa for essa carga menores serão os incentivos. Quanto mais elevados forem os encargos sociais maior será o incentivo fiscal para minorar este facto. Se as empresas não dão lucros a margem de acção é menor visto que a ideia geral é reduzir o imposto sobre os lucros. É evidente que o desagravamento fiscal deverá ser calculado em função dos investimentos em I&D efectivamente realizados e não com base em futuros planos de investimento.

1.3

As recomendações para a criação de um sistema de incentivos apontam que se deve medir a eficácia de cada medida. Trata-se de uma questão muito importante na caso das grandes empresas que apresentam lucros e que poderiam repercutir estes desagravamentos no resultado final em vez de os afectar ao orçamento da I&D. Para evitar este risco moral, alguns países só concedem incentivos para despesas suplementares em I&D, mas isto pode ser contraproducente na medida em que uma consequência importante destes incentivos é que retêm as actividades de I&D na UE e impedem a sua deslocalização. Por isso, é preferível adoptar um sistema eficaz de avaliação para as grandes empresas a restringir os incentivos à despesa adicional.

1.4

O aspecto mais importante destes programas é, de longe, o facto de permitirem apoiar a criação de PME especializadas em I&D durante os primeiros anos da sua existência. As recomendações incluem um largo espectro de medidas que permitem aliviar ainda mais a carga fiscal das empresas, entre as quais abatimentos para investimentos realizados em I&D, restituição de imposto em caso de ausência de lucros e redução de encargos sociais. Dado o papel estratégico das PME na economia da União Europeia, o CESE recomenda que os Estados-Membros se socorram da melhor combinação possível de incentivos fiscais para facilitar a sobrevivência e o crescimento das PME no âmbito das suas economias.

1.5

Neste contexto, o Comité estranha que a comunicação não faça referência às isenções fiscais destinadas a ajudar a formação do capital das novas empresas. Esta questão é objecto de análise mais aprofundada nos pontos 4.9. a 4.12. O CESE recomenda que a comunicação em apreço abranja também a formação de capital.

1.6

Outro aspecto muito importante para as PME é a questão das patentes e licenças. A legislação não é clara e há concorrência entre os Estados-Membros relacionada com o regime fiscal. O CESE recomenda que se alargue o âmbito de aplicação da comunicação para abranger as patentes e licenças.

1.7

A comunicação levanta questões sobre assuntos relacionados com esta matéria e sobre os quais é possível tomar medidas. O CESE formula as seguintes recomendações:

1.7.1

Os Estados-Membros deveriam melhorar a concessão de incentivos fiscais à I&D em empresas que participem em projectos de investigação transnacionais.

1.7.2

Os Estados-Membros deveriam examinar como diminuir os custos que as jovens empresas de I&D têm que suportar, seguindo o exemplo do muito bem sucedido regime francês aplicado às jovens empresas inovadoras.

1.7.3

Em relação aos organismos do sector privado que desenvolvem actividades de investigação de interesse público, os Estados-Membros deveriam desenvolver uma abordagem comum para que as doações e os fundos destinados à investigação possam circular livremente na União Europeia.

1.7.4

Os Estados-Membros deveriam celebrar acordos para fomentar a mobilidade transfronteira dos investigadores com vista a evitar a dupla tributação das missões de curta duração.

1.7.5

Incita-se a Comissão a desenvolver uma estrutura comum para o reconhecimento recíproco dos certificados de I&D para os países que os utilizam e ao mesmo tempo, a ponderar se esses certificados são necessários no mercado único.

1.7.6

O Comité acolhe favoravelmente a proposta da Comissão de simplificar e modernizar as regras para que as empresas privadas recuperem o IVA sobre despesas em I&D para projectos nos sectores público e privado.

1.7.7

Um pressuposto fundamental para o debate sobre incentivos fiscais seria estabelecer uma definição fiscal de I&D e de inovação válida à escala comunitária, o que representaria mais um passo em frente para a criação do mercado único.

1.8

O objectivo previsto pela Estratégia de Lisboa de consagrar 3 % do PIB à I&D foi definido tendo em conta o investimento efectuado pelos concorrentes da UE. É um facto que, ao nível macroeconómico, a UE não está tão envolvida nas indústrias de alta intensidade de I&D, como sucede com países concorrentes como o Japão e os Estados Unidos. Por isso, além de estimular o sector privado da I&D, seria conveniente aumentar os investimentos do sector público em universidades e centros de investigação. Os projectos ambientais deveriam servir, a este propósito, de estímulo (2).

2.   Introdução

2.1

A comunicação em apreço inscreve-se no contexto da Estratégia de Lisboa, que preconiza um investimento em I&D na UE de cerca de 3 % do PIB até 2010, do qual 2 % deveria provir do sector privado. Em 2005, a Comissão anunciou a sua intenção de promover um enquadramento fiscal mais coerente e favorável à I&D, ainda que reconheça a competência dos Estados-Membros em matéria de política fiscal (COM(2005) 488 e COM(2005) 532).

2.2

No quadro da estratégia de Lisboa, a Comissão lançou várias iniciativas no sentido de aumentar os investimentos em I&D e realizar o objectivo de 3 % do PIB, ao mesmo tempo que desenvolveu um espaço europeu da investigação. Há uma firme vontade de utilizar plenamente o potencial de que a Europa dispõe em matéria de I&D e inovação, que culmina no 7.o programa-quadro. Nos seus pareceres o CESE tem exortado regularmente a Comissão e os Estados-Membros a eliminarem as barreiras que entravam o desenvolvimento quantitativo e qualitativo da I&D na Europa e, ao mesmo tempo, a lançarem medidas de carácter organizativo, institucional e financeiro para fomentar a criação de uma massa crítica suficiente de actividade de I&D na Europa.

2.3

A comunicação contém orientações destinadas a ajudar os Estados-Membros a melhorar o seu regime fiscal da I&D e a encontrar soluções coerentes para problemas comuns. Por isso, não se trata de um programa da UE consagrado a projectos ou objectivos específicos de I&D. Trata-se de um programa para que os Estados-Membros fomentem a I&D no sector privado e que funcionará se se incentivar o sector privado, empresa por empresa, a investir nesta área. Os Estados-Membros serão ajudados de três maneiras:

clarificando as normas jurídicas decorrentes do direito comunitário aplicáveis aos incentivos fiscais dos Estados-Membros em favor da I&D;

sublinhando as características gerais de concepção do regime fiscal e dos incentivos em matéria de I&D, com base numa análise de boas práticas realizadas por peritos;

encetando um debate sobre possíveis iniciativas que visem resolver de forma coerente questões de interesse comum.

2.4

Aplica-se a este domínio político o método aberto de coordenação. As decisões nesta matéria incumbem aos Estados-Membros. As orientações da comunicação em apreço baseiam-se nas boas práticas dos Estados-Membros. Criticar as políticas dos Estados-Membros não é o objecto do presente parecer, que, por conseguinte, se limita a apresentar observações sobre as orientações e comentários sobre possíveis iniciativas evocadas no ponto 2.3. supra.

3.   Síntese da comunicação da Comissão

3.1

Todos os incentivos fiscais à I&D aplicados pelos Estados-Membros devem respeitar as liberdades fundamentais consagradas nos Tratados e o princípio de não discriminação. A Comissão considera que as restrições territoriais, explícitas e implícitas, são incompatíveis com as liberdades fundamentais inscritas no Tratado CE. Há fortes indícios de que é pouco provável que o TJCE aceite restrições territoriais à concessão de incentivos fiscais à I&D.

3.2

Em princípio, as regras respeitantes aos auxílios estatais aplicam-se aos incentivos fiscais independentemente da forma da ajuda concedida. Contudo, um incentivo fiscal à I&D que não seja selectivo, isto é concedido indistintamente a todas as empresas do sector qualquer que seja a sua dimensão, não será considerado selectivo e, por conseguinte, será tratado como parte do regime fiscal das sociedades.

3.3

De acordo com o artigo 87.o, n.o 3, alínea c) do Tratado são compatíveis com o mercado comum «os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrarie o interesse comum». A Comissão aprovou um quadro comunitário para a I&D para cobrir incentivos fiscais selectivos que possam ser compatíveis com este artigo. O quadro foi desenvolvido no interesse público para corrigir algo que se considera ser uma lacuna do mercado no domínio da I&D.

3.4

Ao aplicar este quadro a Comissão terá em consideração os seguintes elementos:

a categoria de I&D, independentemente de ser investigação fundamental, industrial ou experimental),

a aplicação do incentivo aos custos elegíveis,

a aplicação de um tecto.

Além disso, a partir do dossiê apresentado pelo Estado-Membro em causa, a Comissão partirá do princípio de que o incentivo visa corrigir a lacuna do mercado ao estimular as empresas a aumentarem as despesas de I&D.

3.5

O Conselho Europeu apelou a que se recorresse ao método aberto de coordenação para apoiar a elaboração de políticas em I&D e encarregou o Comité de Investigação Científica e Técnica (CREST) de supervisionar a aplicação deste método. Na comunicação em apreço, a Comissão baseou-se em grande medida no relatório sobre avaliação e concepção das medidas fiscais a favor da investigação e desenvolvimento, elaborado pelo CREST em Março de 2006.

3.6

Em razão da diversidade de estruturas económicas e industriais dos Estados-Membros, da capacidade de I&D ao nível das despesas e do enquadramento fiscal geral, a combinação de instrumentos políticos em matéria de I&D e inovação varia bastante de país para país. A maior parte dos regimes são de carácter geral e cerca de metade prevêem um tecto. Esta situação favorece as PME porque habitualmente o seu nível de despesas não é afectado por esse limite máximo. Cerca de um terço dos incentivos fiscais prevêem benefícios específicos para as PME e um número crescente de regimes visa especificamente as jovens empresas inovadoras.

3.7

Os três principais tipos de incentivos fiscais são o reporte fiscal, o desagravamento fiscal e os créditos fiscais. O impacto dos incentivos utilizados por cada Estado-Membro depende do seu sistema fiscal geral. Consoante os objectivos perseguidos, algumas medidas incidem sobre as despesas totais em I&D, ao passo que outras se aplicam unicamente às despesas adicionais resultantes da aplicação desses dispositivos. Noutros casos ambos os tipos de despesas beneficiam de incentivos, mas com taxas diferentes. A generosidade das medidas varia consideravelmente consoante os Estados-Membros. Os incentivos fiscais são também afectados pelas taxas vigentes do imposto sobre as sociedades.

3.8

O diferimento do imposto permite deduzir a totalidade das despesas efectuadas com I&D dos lucros tributáveis. Neste sistema, cada euro despendido em I&D pode ser deduzido integralmente do imposto. Quando não são integralmente dedutíveis, as despesas de I&D podem ser geralmente capitalizadas e em seguida amortizadas. Isto aplica-se sobretudo às despesas de capital.

3.9

As deduções fiscais são utilizadas para permitir deduzir mais de 100 % das despesas de I&D. Quando se aplicam, as deduções abrangem 125 % a 300 % das despesas realizadas. Por exemplo, com uma taxa de imposto sobre as sociedades de 30 % uma empresa poderia exigir uma dedução fiscal de 3 000 euros por cada 10 000 euros gastos em I&D. Com uma taxa majorada de 50 %, a mesma empresa poderá exigir 4 500 euros de dedução por cada 10 000 euros gastos em I&D.

3.10

Quando o incentivo é concedido sob a forma de um crédito de imposto, este último reveste a forma de reembolso de imposto ou reembolso em dinheiro. Em geral, o crédito é deduzido do imposto devido, mas não havendo imposto exigível, o crédito pode ser calculado como uma percentagem das despesas efectuadas em investigação e desenvolvimento. Conceder um crédito em dinheiro a uma empresa que não tem lucros pode representar uma injecção de fundos muito valiosa para empresas em fase de arranque.

3.11

Enquanto a maior parte das medidas supramencionadas se referem ao imposto sobre as sociedades, outros têm por objecto o imposto sobre os salários e as contribuições para a segurança social ou ainda o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Estas medidas permitem diminuir, com efeito imediato, os custos com o pessoal afecto à investigação e, por conseguinte, reduzir a principal componente de despesa de I&D. Quanto mais elevados forem os encargos sociais maior será o impacto das medidas.

3.12

Para as empresas que registam perdas, como as jovens PME inovadoras, os regimes de incentivo vão da isenção do pagamento do imposto sobre os salários, ao reembolso do imposto sobre as sociedades, passando pelo crédito de imposto sobre a I&D e pelo reporte ilimitado das perdas registadas com vista a ulteriores deduções do imposto sobre as sociedades.

3.13

Em 2004, a França foi o primeiro país a introduzir um incentivo fiscal específico para as jovens empresas inovadoras (JEI), com o objectivo de estimular a investigação privada e gerar um crescimento real com a redução dos custos iniciais que as novas empresas de investigação e inovação têm de suportar. Os incentivos incluem a isenção de imposto sobre as sociedades nos três primeiros exercícios em que haja lucros e redução de 50 % nos dois exercício seguintes. Além disso, durante oito anos as jovens empresas inovadoras ficam isentas do pagamento das contribuições para a segurança social do pessoal altamente qualificado. Para beneficiarem deste regime estas empresas devem satisfazer uma série de critérios.

3.14

Com base na experiência de aplicação de incentivos fiscais à I&D em quinze Estados-Membros, a comunicação conclui que os Estados-Membros deveriam:

recorrer na medida do possível a medidas gerais, visto que abrangem um maior número de empresas e, por isso, maximizam a despesa em I&D e minimizam as distorções do mercado,

permitir a dedução integral das despesas de I&D (sem capitalização nem amortização acelerada) com disposições que permitam imputar as perdas a exercícios anteriores ou posteriores.

3.15

No que diz respeito à elaboração das medidas, os Estados-Membros deveriam definir claramente os seus objectivos, ou seja:

focalizarem-se nas despesas adicionais em I&D,

insistirem na mudança de comportamento das empresas,

avaliarem os efeitos sociais gerais destas mudanças,

considerarem os critérios de avaliação desde a fase de concepção,

determinarem se os incentivos específicos cumprem os seus objectivos.

3.16

Para além dos incentivos concedidos às empresas em matéria de I&D, a comunicação aborda também algumas questões descritas como «orientações para medidas de interesse comum e que apresentam benefícios mútuos». A posição do CESE sobre este assunto figura no capítulo 5 infra.

4.   Observações sobre as orientações

4.1

As orientações apresentam um vasto leque de opções para promover a I&D através de incentivos fiscais. O CESE encoraja os Estados-Membros a adaptarem estas orientações às suas necessidades específicas com vista a criar um sistema propício à I&D. O método aberto de coordenação, promovido pelo CREST e baseado na agenda de Lisboa, deveria dar a todos os Estados-Membros a oportunidade de aplicar boas práticas na matéria.

4.2

O impulso resultante dos incentivos dependerá da dimensão das empresas (grandes, pequenas e médias ou em fase de arranque).

4.3

Em muitos Estados-Membros os incentivos fiscais em I&D são relativamente recentes e, por isso, não foi possível avaliar com precisão os seus efeitos. É possível que em certos casos as economias fiscais se repercutam mais nos resultados líquidos da empresas do que no sector da I&D, o que explica que alguns Estados-Membros concedam maiores incentivos aos investimentos suplementares em I&D. Ao mesmo tempo, os Estados-Membros têm interesse em conservar a actividade de I&D no seu território, e os incentivos fiscais directos encorajarão as empresas a manter in loco as actividades de I&D.

4.4

As empresas maiores têm uma grande massa crítica de engenheiros e cientistas e, por conseguinte, podem mais facilmente proceder a deslocalizações. Se, por exemplo, um Estado-Membro decide utilizar estes incentivos para manter os postos de trabalho de engenharia de programação no seu território, o incentivo mais importante seria permitir deduzir a 100 % os custos associados, como indicado no ponto 3.8. supra.

4.5

As PME não têm os recursos das grandes empresas e por isso correm o risco de sofrer uma maior pressão financeira. As soluções adoptadas por alguns Estados-Membros para conceder às PME benefícios fiscais mais importantes e fixar os tectos acima das verbas investidas em I&D dão a estas empresas uma maior flexibilidade financeira para os investimentos em I&D.

4.6

É para as start-up que os incentivos fiscais são a maior alavanca, o que é importante porque estas empresas são essenciais para promover o espírito empresarial e a inovação. Com efeito, muitas vezes são as start-up que estão na origem de inovações no âmbito dos serviços, assim como nas ciências e na tecnologia. Para os departamentos de I&D das empresas estabelecidas é mais fácil proceder à substituição e à melhoria de um produto do que à ruptura através da invenção. As novas empresas que exploram invenções científicas e tecnológicas são fundamentais porque, se conseguem vencer as dificuldades da fase de arranque (infelizmente a maior parte das pequenas empresas não sobrevive), podem transformar-se em PME prósperas ou numa aquisição valiosa de uma empresa maior. As verbas que muitas empresas tecnológicas despendem nas fusões e aquisições podem ser tão importantes como as que afectam à I&D. Com efeito, inúmeras empresas tecnológicas dotaram-se de recursos para investimento inspirados no modelo de capital de risco.

4.7

Dado que a aquisição de pequenas por grandes empresas é uma característica da economia empresarial, é lógico que estas transacções sejam o mais possível transparentes e neutras do ponto de vista fiscal. Significa isto que se deveriam minimizar os impostos de saída aos fundadores e empresários e não se deveriam aplicar sanções distorçoras às empresas adquirentes.

4.8

Se os incentivos à I&D podem ser adequados para as jovens empresas inovadoras na áreas das tecnologias, também é importante concedê-los às start up. Isto deve-se ao facto de que estes incentivos estimulam a criação de novas empresas em todos os sectores industriais, contribuindo assim para o crescimento global da economia.

4.9

Quanto aos incentivos fiscais de carácter geral para estimular a criação de novas empresas, a comunicação da Comissão curiosamente não faz referência aos impostos sobre o capital. O problema das start up é proteger o seu financiamento inicial. Como o chamado capital de risco não se envolve facilmente na fase de arranque, o capital inicial tem que vir dos investidores privados, dos business angels, dos amigos ou dos familiares dos fundadores. O regime fiscal aplicável ao capital destes investidores é um elemento essencial da criação de empresas.

4.10

O Reino Unido tem um sistema judicioso e bem desenvolvido de incentivos fiscais neste âmbito que pode servir de exemplo. Os investimentos podem ser realizados directamente por intermédio do Enterprise Investment Scheme (programa de investimento na empresa — EIS) ou de um Venture Capital Trust (fundo de capital de risco — VCT) que constitui um vector de investimento colectivo cotado no Alternative Investment Market (mercado alternativo de investimento — AIM). Para beneficiar destes sistemas as empresas devem satisfazer determinados critérios de elegibilidade.

4.11

No âmbito destes programas, uma parte das verbas investidas pode ser deduzida do imposto sobre os rendimentos: 20 % no caso do EIS e 30 % no caso do VCT. Os lucros realizados depois de um determinado exercício estão isentos de imposto sobre o capital. Os dividendos sobre o VCT estão isentos de imposto sobre o rendimento e não se poderá exigir nenhum direito de sucessão por rendimentos das participações permanentes de um VCT. Ainda que as vantagens fiscais não devam ser o único motivo por que as empresas investem, estes regimes permitem reduzir de forma significativa os riscos de investimento das start-up. Com efeito, estes programas facilitaram aos empresários britânicos a obtenção de fundos.

4.12

Uma importante lacuna da comunicação é que omite por completo a questão das patentes e licenças. A legislação é confusa e há concorrência entre Estados-Membros no que se refere ao regime fiscal das patentes. O CESE recomenda que a comunicação em apreço alargue o seu âmbito de aplicação a fim de abranger as patentes e licenças.

5.   Orientações para medidas de interesse comum e com benefícios mútuos

5.1

O Comité subscreve a proposta no sentido de que os Estados-Membros superem os obstáculos à realização de projectos de investigação transnacionais, melhorando a utilização de incentivos fiscais à I&D para as empresas participantes.

5.2

O Comité encoraja os Estados-Membros a estudarem processos para diminuir os custos que as jovens empresas de I&D têm que suportar, seguindo o exemplo do muito bem sucedido regime francês aplicado às jovens empresas inovadoras.

5.3

A comunicação constata que, embora haja na UE algumas fundações de investigação privadas de interesse público que visam aprofundar os conhecimentos científicos através do financiamento à investigação, especialmente no âmbito das universidades, o número deste tipo de fundações é muito superior noutras partes do mundo, como por exemplo os Estados Unidos. Os obstáculos formais e informais parecem impedir as doações tanto de particulares como das empresas (que deviam poder beneficiar de vantagens fiscais em matéria de imposto sobre o rendimento e de imposto sobre as sociedades) e, consequentemente, o financiamento da investigação. O Comité subscreve a proposta dos Estados-Membros para que haja uma abordagem comum de forma a que as doações e as verbas destinadas à investigação possam circular livremente na União Europeia.

5.4

Os Estados-Membros deveriam celebrar acordos para fomentar a mobilidade transfronteira dos investigadores a fim de evitar a dupla tributação das missões de curta duração. Há que encorajar os Estados-Membros a alargarem estes acordos aos países que se encontram na órbita da UE, como Ucrânia, Israel e Turquia, que participam em importantes intercâmbios em matéria de I&D com a UE.

5.5

Alguns Estados-Membros autorizam as empresas a solicitar um certificado que reconheça as suas capacidades em I&D e, em alguns, os organismos públicos que operam nesta área obtêm automaticamente estes certificados. Para facilitar o reconhecimento mútuo dos certificados, a Comissão proporá um eventual modelo comum, o que parece constituir um importante passo em frente para que os Estados-Membros utilizem este tipo de certificados.

5.6

A Comissão verificou haver motivos de preocupação quando empresas públicas e privadas interagem no domínio da I&D, em razão dos problemas ligados à recuperação do IVA sobre as despesas de I&D efectuadas pelas privadas. Por isso, é de saudar a proposta da Comissão que visa simplificar e modernizar a regulamentação e sua aplicação.

5.7

A comunicação assinala que, a mais longo prazo, convém que se estabeleça uma definição fiscal da I&D e da inovação à escala da UE e preveja para essas despesas um tratamento fiscal favorável da matéria colectável comum consolidada do imposto sobre as sociedades, o que representaria mais um passo na realização do mercado único.

Bruxelas, 27 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Ver parecer do CESE «Libertar e reforçar o potencial de investigação, desenvolvimento e inovação na Europa», JO C 325 de 30.12.2006, ponto 3.5.

(2)  Ver parecer do CESE «Libertar e reforçar o potencial de investigação, desenvolvimento e inovação na Europa», JO C 325 de 30.12.2006, pontos 14.2 a 14.4.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/88


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A economia da UE: balanço de 2006 — Reforço da zona do euro: principais prioridades políticas»

COM(2006) 714 final — SEC(2006) 1490

(2008/C 10/22)

Em 11 de Janeiro de 2007, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre A economia da UE: balanço de 2006 — Reforço da zona do euro: principais prioridades políticas.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social que emitiu parecer em 4 de Setembro de 2007, sendo relator Umberto BURANI e co-relator Olivier DERRUINE.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 133 votos a favor, 2 votos contra e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité concorda, no geral, com o documento da Comissão, mas pretende aduzir considerações, várias das quais já foram mencionadas no passado, mesmo antes da adopção do euro. A Comissão critica veladamente certos aspectos das políticas nacionais. O CESE concorda com o conteúdo das críticas, mas recorda que os governos se confrontam frequentemente com exigências incontornáveis da política interna ou com eventos externos (crises energéticas, conflitos bélicos, etc.) fora do seu controlo.

1.2

A viabilidade a longo prazo das políticas orçamentais é problemática quando os novos governos não garantem uma continuidade política. O mesmo se aplica às reformas estruturais, influenciadas de forma significativa por factores subjectivos ligados à orientação do governo em funções. Neste contexto, o CESE concorda com a Comissão quanto à necessidade de as reformas estruturais serem executadas com a necessária continuidade política.

1.3

A flexibilidade dos mercados de bens e de serviços é um aspecto da política económica, para o qual os governos devem procurar o apoio dos parceiros sociais. A liberalização, que teve vários graus de sucesso nos diferentes países e sectores, deve ser executada com cuidado e tendo em conta as circunstâncias específicas de cada país e sector.

1.4

A integração dos mercados financeiros, já alcançada nos serviços destinados às empresas, revela-se mais problemática para os mercados retalhistas. Além disso, a maioria dos obstáculos é de natureza objectiva (línguas diferentes, a natureza dos serviços, etc.). Trata-se de problemas que não podem ser resolvidos pela via legislativa nem regulamentar, mas antes, na medida do possível, pelo mercado. As normas existentes deverão ser suficientes para prosseguir a integração; as normas são principalmente necessárias para garantir a protecção óptima dos interesses dos consumidores e, se necessário, a vigilância dos mercados.

1.5

Como diz a Comissão, a negociação salarial deverá ter em conta as implicações da União Monetária. O CESE deseja, por seu turno, que se alcance uma convergência de políticas económicas, monetárias e de emprego através de reuniões mistas entre o Eurogrupo e o Conselho «Emprego»: a convergência, mesmo que somente por princípio, permitiria harmonizar verdadeiramente as diferentes políticas.

1.6

A Comissão recomenda que se tenha mais em conta a dimensão mundial, respondendo assim a uma crítica apresentada pelo CESE antes da adopção do euro. O crescimento dos países asiáticos não deve ser vista como uma ameaça, mas antes como um desafio a enfrentar com uma aposta na competitividade e inovação.

1.7

Os governos nacionais deverão promover a zona do euro com convicção e abster-se de culpar a moeda única pelos problemas económicos nacionais enquanto ocultam os benefícios decorrentes da sua adopção. Seria igualmente desejável que os países que não aderiram ao euro no início expusessem claramente as suas intenções quanto ao futuro. Isto serviria não só para informar a opinião pública da zona do euro, mas também para facilitar a definição das futuras políticas do euro com base na identificação e no número de economias que integrarão a zona do euro.

1.8

O CESE sublinha que a importância alcançada pelo euro enquanto moeda internacional lhe dá a autoridade necessária para propor nova e firmemente a sua candidatura a um lugar no Fundo Monetário Internacional. Não se trataria aqui de substituir um dos membros actuais, mas sim de criar um lugar para um novo membro. A objecção, segundo a qual os estatutos do FMI não prevêem esta possibilidade, não é coerente ou serve apenas de pretexto.

1.9

Foi apresentada uma proposta bastante controversa com o intuito de sondar o terreno e perceber até que ponto esta poderá vir a ser considerada no futuro: trata-se da criação de um fundo europeu de estabilização, alimentado pelo excedente de receitas fiscais resultante de períodos favoráveis e servindo para financiar projectos de interesse comunitário.

1.10

O Comité considera aceitável o relatório da Comissão no seu conjunto, mas aproveita a ocasião para realçar que, tal como sucede em toda a documentação relativa ao euro, este relatório não atribui a devida importância à dimensão política da moeda única. O significado do euro e os respectivos efeitos e perspectivas não se restringem a meras implicações económicas, financeiras ou sociais: com efeito, os verdadeiros alicerces da União estão no facto de esta ter optado por convergir os interesses de diversos países numa moeda única.

2.   Introdução

2.1

A Comissão publicou uma comunicação sobre o desenvolvimento da economia da UE em 2006, focando especialmente as prioridades políticas para o reforço da zona do euro. Esta comunicação baseia-se num outro documento intitulado «Adjustment Dynamics in the Euro area — Experiences and Challenges» (1) que constitui, como é habitual, uma preciosa fonte de referência para análises mais aprofundadas.

2.2

O CESE tem agora por hábito emitir um parecer de iniciativa sobre o documento anual da Comissão (2). O presente parecer visa recordar e confirmar as posições assumidas e as recomendações formuladas anteriormente, que serão mencionadas no presente documento sempre que necessário. O parecer pretende igualmente contribuir para a reflexão sobre o funcionamento da UEM com a introdução de novos elementos, como, por exemplo, um Conselho misto de Ministros da Economia e do Emprego da zona do euro ou a proposta, a título exploratório, de criação de um fundo europeu de estabilização.

2.3

Por outro lado, na perspectiva histórica da introdução da moeda única, é de assinalar que as diferentes medidas recentemente adoptadas ou encorajadas pela Comissão coincidem com as observações feitas pelo CESE num parecer de 1997 (3) quanto à rigidez de certos princípios que estão na base do Pacto de Estabilidade e Crescimento. O CESE salientou que os dados conjunturais e os contextos políticos nacionais não tinham sido suficientemente tidos em consideração aquando da definição dos parâmetros de referência e da sua aplicação. As propostas do CESE não foram consideradas na altura e a evolução dos acontecimentos demonstrou que eram válidas (4).

2.4

A falta de realismo inicial transparece hoje nas críticas justificadas, mas também previsíveis, às políticas económicas dos países do Eurogrupo: a elaboração dos orçamentos nacionais deveria ter por base as hipóteses macroeconómicas comuns. A vontade da Presidência, expressa na reunião de ministros do Eurogrupo, em 6 de Novembro de 2006, não transpareceu nos factos: a elaboração dos orçamentos nacionais está ainda longe de resultar da necessária coordenação das políticas económicas.

2.5

Dever-se-á ter igualmente em conta que a coordenação das políticas económicas é extremamente difícil tendo em conta as diferentes situações socioeconómicas e os diversos — e muitas vezes divergentes — objectivos políticos dos vários Estados; a convergência dessas políticas seria já um grande progresso. Esta convergência depende de numerosos factores, mas sobretudo do emprego, factor cujo volume e natureza resulta de uma série de outras políticas.

2.5.1

As Orientações gerais da política económica e as directrizes da Estratégia Europeia de Emprego são actualmente duas estratégias integradas. Uma reunião mista entre o Eurogrupo e o Conselho «Emprego e Assuntos Sociais», na sua vertente «zona do euro», poderá ser um meio para promover uma convergência de fundo, visando, pelo menos, alcançar uma harmonização com o tempo. Os ensinamentos colhidos nesta reunião poderiam ser preciosos para a reunião anual do Conselho da Primavera.

3.   O documento da Comissão

3.1

A comunicação apresenta, em três partes ligadas de forma coerente, o balanço da experiência adquirida, as considerações específicas e as recomendações da Comissão. O documento não reafirma as posições hoje comummente reconhecidas nem os princípios que foram integrando, ao longo dos anos, as directrizes da política económica.

3.2   Balanço da experiência adquirida nos primeiros anos da zona do euro

3.2.1

A Comissão recorda os debates que antecederam o lançamento do euro em 1999: a principal questão prendia-se, já na altura, com «o modo como os países participantes se poderiam ajustar a choques e a diferenças a nível de competitividade num contexto de reduzida mobilidade do factor trabalho, de uma integração incompleta dos mercados de produtos e de serviços e da manutenção de uma autonomia orçamental nacional». Esta questão persiste ainda hoje, mas as dúvidas levantadas pelas previsões pessimistas relativas à curta esperança de vida da União Monetária não foram corroboradas.

3.2.2

O sucesso ou, pelo menos, os resultados positivos do euro são incontestáveis: é uma moeda forte e estável que soube reagir aos choques externos e internos comuns e combateu eficazmente a inflação. Os Estados-Membros da zona do euro beneficiaram das condições de financiamento «mais favoráveis jamais verificadas». No entender do CESE, há que acrescentar a esta vantagem o facto de o euro ter protegido diversos Estados-Membros da inflação que atingiria certamente a sua moeda nacional como consequência da deterioração das condições económicas e orçamentais. O euro, segunda moeda no plano mundial, protegeu os Estados-Membros do choque monetário e financeiro que teria dificultado o crescimento, suprimido postos de trabalho e eliminado a confiança dos operadores económicos.

3.2.3

Estes sucessos têm, contudo, aspectos que continuam a levantar problemas. Em muitos casos, as economias tiveram dificuldades em adaptar-se e os resultados das evoluções nacionais no plano interno foram muito díspares. Estas divergências transparecem na taxa de inflação e crescimento. Os ajustamentos realizados na sequência da desaceleração económica deveriam ter permitido um crescimento tendencial mais rápido a médio prazo, após a recuperação da perda de competitividade inicial. Tal não foi o caso, ou pelo menos não parcialmente. «De modo mais genérico», conclui a Comissão, «a zona do euro ainda não conseguiu alcançar níveis elevados de crescimento e de emprego ao longo de um período sustentado». O CESE comentará esta afirmação mais adiante.

3.2.4

A Comissão reconhece ainda que as dificuldades de ajustamento não resultam inteira nem predominantemente dos atrasos na execução de reformas fiscais e estruturais: estas dificuldades podem ter decorrido igualmente da disciplina imposta pelas normas da união monetária.

3.2.5

Nos primeiros anos da UEM verificaram-se desequilíbrios e variações nas taxas de câmbio efectivas reais. Alguns Estados-Membros registaram também uma redução acentuada das taxas de juro e «uma flexibilização das restrições de acesso ao crédito por parte das famílias, na sequência de uma melhoria do acesso ao crédito no quadro de um mercado financeiro mais integrado», o que poderá ter afectado directamente o consumo de bens duradouros e não duradouros. No que toca os bens duradouros, como o imobiliário, algumas economias ressentiram-se com os investimentos massivos no estrangeiro, facto que contribuiu para o aumento do défice da balança corrente.

3.2.6

A Comissão, partindo do exemplo dos Países Baixos, realça de forma genérica «os riscos da prossecução de políticas orçamentais em períodos favoráveis». A conjuntura muito favorável desse país, no início da década, teve efeitos pró-cíclicos no mercado de trabalho, no mercado financeiro e, finalmente, na política fiscal. As condições económicas externas provocaram uma súbita recessão que, por sua vez, exigiu a tomada de medidas drásticas de contenção.

3.2.7

Os preços e salários desempenharam igualmente um papel a este propósito: no plano nacional, ajustaram-se de modo excessivamente lento às alterações cíclicas, apesar do contexto geral de moderação salarial que contribuiu, entre outros, para a redução do desemprego. O fraco crescimento da produtividade colocou forte pressão de depreciação real sobre os preços e principalmente sobre os salários. Estes fenómenos interagem no plano internacional provocando alterações na procura e repercussões na competitividade.

3.2.8

Por último, a convergência nominal e real teve resultados variados mas igualmente reveladores, se examinados de maneira crítica e objectiva. A Comissão defende que certas evoluções reflectem, «em parte», as diferentes políticas nacionais. O CESE observa, neste contexto, que a conjuntura mundial e europeia influenciou todos os países de forma tendencialmente uniforme; caso se tenham verificado divergências, estas resultaram «em grande parte» das políticas nacionais. Os exemplos de Espanha e Itália, Portugal e Irlanda, citados pela Comissão, demonstram claramente que, num período favorável, as políticas orçamentais de «cigarra» ou «formiga» produzem resultados completamente díspares.

3.3   Medidas necessárias para o bom funcionamento do euro

3.3.1

Deve ser dada grande atenção a este capítulo do documento porque as cinco «considerações específicas» apresentadas em seguida constituem — ou antes «coincidem com» — as prioridades da Comissão para os próximos anos.

3.3.2

Consideração 1: As políticas orçamentais devem ser geridas de modo ainda mais prudente. As medidas preconizadas coincidem substancialmente com as aprovadas no Pacto de Estabilidade e Crescimento revisto e devem ser bem assimiladas pelos governos, e não somente os pertencentes à zona do euro. Estas medidas traduzem-se na recomendação — nem sempre tida em conta aquando da elaboração dos programas anuais — de velar pela viabilidade a longo prazo das políticas orçamentais.

3.3.3

Consideração 2: Os mercados de bens e de serviços devem tornar-se mais flexíveis. A Comissão apela para «uma maior flexibilidade dos preços no sentido descendente», impossível de alcançar face à rigidez dos preços: nestas situações assiste-se a uma resistência à adaptação dos salários nominais, dado que pode conduzir a reduções mais notórias nos salários reais. É igualmente conveniente incentivar a reafectação de recursos entre empresas e sectores. A concretização destes objectivos — flexibilidade dos preços e reafectação dos recursos — depende da existência de mercados abertos e competitivos. As políticas fiscal e de despesa pública da UE, ou alguns dos seus elementos, poderão ter de ser igualmente revistas, quer no plano nacional quer no plano autárquico.

3.3.4

Consideração 3: Tem de ser acelerada a integração dos mercados financeiros. Foram realizados progressos importantes neste domínio mas, segundo a Comissão, muito está por fazer para se poder tirar partido do potencial de mercados financeiros na zona do euro: uma maior integração pode atenuar o impacto dos choques económicos sobre os rendimentos e os mercados nacionais de crédito. A este respeito, o Plano de Acção para os Serviços Financeiros e as iniciativas em curso devem ter resultados significativos.

3.3.5

Consideração 4: A negociação salarial deve internalizar as implicações da União Monetária. Os parceiros sociais envolvidos no processo de negociação devem dispor das informações necessárias para calcularem a adequação do crescimento dos salários e o respectivo impacto no processo de ajustamento. Uma política salarial em conformidade com os planos de desenvolvimento permitiria evitar o «aumento significativo» das taxas de câmbio efectivas reais dentro da zona do euro.

3.3.6

Consideração 5: Deve ser tida em conta a dimensão mundial. Esta dimensão deverá ser tida em conta «de modo mais sistemático». Apesar da importância crucial desta dimensão, as políticas económicas da zona do euro e de cada país desvalorizaram este aspecto. Dever-se-á avaliar cuidadosamente o impacto do euro — ou antes, das suas taxas de câmbio — nos outros intervenientes da economia mundial, uma vez que a estratégia de trocas comerciais, finanças e política económica depende da sua actuação.

3.4   As perspectivas futuras para uma zona do euro mais forte

3.4.1

Neste capítulo, a Comissão indica as medidas necessárias para aprofundar e completar a união monetária, uma prioridade que se torna premente no contexto internacional actual. É conveniente citar e ter em mente a seguinte afirmação: «As divergências verificadas recentemente reflectiram, em certo grau, as evoluções iniciais que afectaram as economias dos membros da zona do euro na fase anterior à criação dessa zona em 1999». Aqui se encontra, pelo menos em parte, a explicação dos diferentes níveis de crescimento e as divergências políticas que caracterizaram os últimos nove anos.

3.4.2

Indicam-se a seguir as «pistas» propostas pela Comissão, cujo conteúdo geral decorre não só dos seus títulos, mas também do importante volume de documentos disponíveis sobre os diversos assuntos. São elas:

a.

aceleração das reformas estruturais e fomento da integração;

b.

novo reforço das situações orçamentais e melhoria da qualidade dos orçamentos nacionais;

c.

reforço da coordenação no interior e exterior da zona do euro;

d.

incentivo do alargamento da zona do euro;

e.

garantia de uma maior proximidade em relação aos cidadãos.

O CESE propõe uma análise mais aprofundada dos diferentes pontos.

4.   Observações na especialidade do CESE

4.1   Consideração 1: As políticas orçamentais devem ser geridas de modo ainda mais prudente

4.1.1

O Comité concorda com as críticas da Comissão — por vezes implícitas mas, de qualquer modo, transparentes — quanto à política de alguns Estados-Membros frequentemente mais preocupada em apresentar programas anuais conformes com as normas de convergência do que em definir uma estratégia de consolidação orçamental. Por outro lado, é preciso ver estas críticas à luz da perspectiva que o Comité evocou muito antes da aprovação da moeda única (5): nenhum governo é completamente livre de definir, de forma independente de todas as limitações e condicionamentos, uma política orçamental própria e adequada.

4.1.2

Além das limitações impostas pelas normas de convergência, cuja inclusão se pressupõe numa política orçamental «adequada», existem outras de carácter interno e externo. No que toca a limitações internas, é suficiente mencionar as limitações estruturais ou imputáveis a reformas estruturais ainda não realizadas. No respeitante a limitações externas, há que recordar a evolução geral da economia mundial e, em particular, a «factura energética», cujas características são profundamente diferentes em cada país e que nunca foi considerada como factor de divergência das políticas económicas. Dever-se-á reconhecer igualmente que a situação difere completamente no caso de países, cujo aprovisionamento energético depende totalmente ou quase inteiramente do estrangeiro, ou de países, cujo balanço é menos negativo e que são, em certos casos, exportadores.

4.1.3

O CESE nota que, no passado (como decorre do ponto 4.1.6 infra), as reformas estruturais não tiveram sempre os resultados esperados: é necessário coordenar melhor estas reformas no plano nacional e comunitário, bem como fazer com que estas coincidam melhor com as políticas macroeconómicas de apoio à competitividade e ao emprego. Tal não se verificou sempre no passado e, de facto, a evolução decepcionante do crescimento — que se tem verificado em todos os países — demonstra que em alguns países, o crescimento foi quase uma «variável independente» das reformas.

4.1.4

A recomendação (ver o ponto 3.3.2) relativa à viabilidade a longo prazo das políticas orçamentais merece uma observação específica. As políticas em questão decorrem sempre de um conjunto de considerações económicas e sociais e de orientações políticas. Tendo em mente a história dos países da zona do euro durante a última década, apercebemo-nos que poucos assistiram a uma «estabilidade política»: governos de diversas tendências exerceram o poder em todos os países, facto que é, aliás, natural e desejável num sistema democrático. Mas esta alternância torna aleatória a elaboração de programas de viabilidade a longo prazo (6): a sua credibilidade depende da estabilidade durante o mandato do governo e, como é natural, de numerosos factores exógenos.

4.1.5

Um elemento particular das reformas estruturais diz respeito, em certos países, ao nível da dívida pública que é notoriamente superior ao parâmetro fixado pelo critério de Maastricht (60 % do PIB) e não demonstra uma evolução positiva acentuada de ano para ano. Segundo o Comité, não basta reduzir esta dívida através do excedente fiscal de períodos favoráveis ou de operações «one-shot». É necessário alcançar uma melhor eficiência no âmbito da despesa pública ou, caso esta medida se revele insuficiente, rever profundamente a sua estrutura.

4.1.6

A «pista» proposta pela Comissão e mencionada na alínea a) do ponto 3.4.2. (aceleração das reformas estruturais) tem numerosos obstáculos e apresenta um grau elevado de subjectividade, em função das orientações políticas. As reformas estruturais (pensões, saúde, administração pública, liberalização, energia) têm um forte impacto social, sendo que os parceiros sociais desempenham papéis importantes nesta matéria, que variam de país para país. Nenhum governo pode adoptar medidas, racionais ou não, que não sejam aceites pelos cidadãos. A história mais recente demonstra que as reformas estruturais decorrem frequentemente de um compromisso entre exigências diversas e, por vezes, divergentes: no plano abstracto, as reformas «racionais» devem ter em conta as exigências reais e incontornáveis.

4.1.7

O Comité reconhece a importância de aplicar reformas estruturais bem concebidas e coordenadas pelos Estados-Membros. No entanto, algumas reformas deste tipo podem inquietar as famílias, levando-as a agir com prudência e a elevarem os seus níveis de poupança. Até ao momento, em pontos percentuais, a evolução das taxas de poupança aparenta ser inofensiva, mas tal não se verifica quando expressa em valores absolutos. Entre 2001 e 2005, por exemplo, a taxa de poupança aumentou menos de um ponto percentual, representando, porém, um montante de quase 50 milhões de euros que foi subtraído às despesas de consumo (7). Na opinião de alguns, este sinal pode ter, contudo, um valor positivo: um aumento do consumo menor do que o aumento da poupança pode também apontar para uma maior confiança dos cidadãos no futuro da economia. Outros, pelo contrário, atribuem atenção aos investimentos no estrangeiro, condenando-os por serem superiores aos investimentos feitos na Europa. Estas diferentes perspectivas deveriam encontrar um campo pacífico na constatação de que o aumento dos investimentos exteriores na Europa é, definitivamente, um efeito positivo da globalização.

4.2   Consideração 2: Os mercados de bens e de serviços devem tornar-se mais flexíveis

4.2.1

A Comissão sublinha que «os orçamentos contribuem numa maior medida para um ajustamento activo» da flexibilidade dos mercados de bens e de serviços. A flexibilidade é entendida como «flexibilidade no sentido descendente» visando contrabalançar a experiência dos primeiros anos da zona do euro. Obter este resultado passaria por exercer uma maior flexibilidade de preços e por promover uma melhor reafectação de recursos entre as empresas e os sectores. Assim, contribuir-se-ia para uma política salarial que responderia melhor à necessidade de manter níveis de remuneração adequados e reduzir os custos sociais dos processos de ajustamento cíclico.

4.2.2

O raciocínio da Comissão é correcto, mas o CESE duvida que seja realista e possa ser aplicado em qualquer caso e em todos os países. A integração dos mercados nacionais (segunda parte da alínea a) do ponto 3.4.2) pode ser parcialmente encorajada por uma política governamental de incentivos, mas a política salarial depende, em larga medida, da consulta dos parceiros sociais e da negociação entre estes. A flexibilidade dos preços nos mercados liberalizados não é sempre, nem em todos os locais, independente das medidas governamentais. Esta depende, na prática, da elaboração de um acordo entre os diversos parceiros, governo, empresários e trabalhadores. O mesmo se aplica, em certa medida, à reafectação dos recursos entre empresas e sectores, que pode ser certamente incentivada por medidas fiscais ou regulamentares mas que depende, em último lugar, da oportunidade do mercado e do acordo entre os parceiros sociais.

4.2.3

A liberalização constitui um caso à parte, dado que pode levar à redistribuição de recursos entre empresas. Mesmo que o seu princípio seja formalmente reconhecido, na prática, a liberalização é entendida e aplicada segundo modalidades e dimensões que variam de país para país, em função das diferentes — e, muitas vezes, divergentes — orientações políticas nacionais. O impacto destas medidas nos preços (a qualidade deverá ser considerada separadamente) e na concorrência é discutível, revelando que estas nem sempre obtiveram os resultados esperados em todo e qualquer contexto. Em conclusão, a flexibilidade dos preços e o ajustamento da política salarial dependem igualmente da possibilidade de realizar a liberalização. Esta só deve ser executada quando o mercado o permitir e a concorrência daí resultante deve produzir reais vantagens para os consumidores.

4.3   Consideração 3: Tem de ser acelerada a integração dos mercados financeiros

4.3.1

O plano de acção para os serviços financeiros lançado há três anos revelou bons resultados (a Comissão fala de «progressos importantes»), seja nos sistemas de pagamento, seja nos mercados financeiros, de valores mobiliários e de serviços bancários destinados às empresas. Pode dizer-se que a integração financeira se encontra, no respeitante a estes sectores, numa fase avançada de execução; estão por efectuar progressos em matéria de medidas de controlo, exercício do direito de voto, fusão de empresas e medidas necessárias que não são obstáculos reais à integração em curso.

4.3.2

O problema levantado pela Comissão do mercado retalhista do crédito e dos serviços financeiros em geral merece uma observação à parte. A Comissão considera que «uma maior integração financeira pode atenuar o impacto dos choques económicos sobre os rendimentos e sobre os mercados nacionais de crédito». Esta afirmação tem fundamento, mas o cumprimento deste objectivo mediante a aplicação de medidas determinantes mantém-se discutível. No que diz respeito aos produtos financeiros, a integração comunitária é um facto consumado: ninguém se opõe a que um cidadão proveniente de qualquer país possa comprar e vender valores mobiliários noutro. No caso dos serviços financeiros, e em particular o crédito, a situação é mais complexa: uma integração europeia não constitui um objectivo facilmente concretizável a curto prazo.

4.3.3

Os serviços financeiros formam, com os serviços de seguro, um caso específico, uma vez que comportam um risco para o vendedor: a viabilidade de todas as transacções depende da fiabilidade do cliente. Assim, torna-se necessário recolher informações num país que não o do vendedor e, por conseguinte, elaborar um contrato que preveja, entre outros, mecanismos de resolução de litígios ou insolvência. Estas situações não levantam problemas nos mercados nacionais, mas uma integração a nível comunitário segundo normas semelhantes envolve a utilização de diferentes línguas, o respeito pela legislação e, eventualmente, a competência dos órgãos jurisdicionais do país do comprador. Estas condições implicam custos, contratempos e obstáculos dificilmente superáveis por medidas legislativas ou regulamentares. Uma possível solução, que ocorre na prática, é a criação de filiais do vendedor no país (ou países) do comprador: neste caso, não se trata da integração dos mercados, mas antes do alargamento do mercado interno, em virtude dos princípios da liberdade de estabelecimento. Este contexto tem como consequências positivas o reforço da concorrência nos mercados nacionais e o aumento das opções para o consumidor.

4.3.4

Assim, a curto prazo, não é possível investir-se ainda na integração dos mercados financeiros retalhistas através de acções legislativas ou incentivos: a Comissão e os Estados-Membros deveriam concertar-se para alcançar metas razoáveis e evitar prosseguir objectivos dificilmente concretizáveis.

4.3.5

Em conclusão, o CESE concorda com as recomendações da Comissão quanto à necessidade de se acelerar a integração dos mercados financeiros, a qual permitiria uma melhor distribuição dos recursos financeiros e a sua aplicação nas áreas realmente carentes. O CESE destaca igualmente que as normas actuais (assim como as normas complementares em exame) são suficientes para assegurar uma integração com base nas leis do mercado; caso necessário, convirá criar normas que garantam uma protecção melhor e mais uniforme dos interesses dos consumidores.

4.4   Consideração 4: A negociação salarial deve internalizar as implicações da União Monetária

4.4.1

A Comissão surpreendeu o Comité com a afirmação de que os parceiros sociais não dispõem «das informações necessárias relativas aos desafios e às implicações das diferentes linhas de acção», facto que conduz a uma política salarial insatisfatória. Esta posição parece não coincidir com a opinião manifestada pela Comissão num estudo (8), segundo o qual «no período entre 1999 e 2005, a evolução dos salários nominais na zona do euro foi coerente com o objectivo da estabilidade dos preços (…) o que levou a um crescimento negativo de – 0,4 % do custo unitário do trabalho em termos reais. Comprova-se igualmente que a melhoria das condições económicas não se traduz até ao momento na aceleração do aumento de salários, o que significa que a evolução do custo unitário do trabalho se manteve de acordo com os princípios da estabilidade dos preços e o crescimento favorável ao emprego. Regra geral, os produtores conseguiram igualmente manter a sua margem de lucro, apesar das pressões de factores de custo não decorrentes do trabalho e o aumento da concorrência internacional».

4.4.2

O Comité já se pronunciou sobre este problema num parecer (9) de 2003 que permanece válido, tendo apontado que, embora os salários sejam um factor de competitividade, alimentam igualmente a procura no mercado interno. O CESE sublinhou que se deveria garantir um crescimento a médio prazo que seguisse o aumento da produtividade, a fim de manter o equilíbrio entre o aumento suficiente da procura e a preservação da competitividade dos preços.

4.4.3

A este respeito, o CESE recorda as conclusões do Conselho «Emprego e Assuntos Sociais», de Janeiro de 2007, bem como as do Eurogrupo, de Fevereiro de 2007, relativas à necessidade de se estabelecerem condições salariais decentes e de se distribuírem melhor os frutos do crescimento.

4.4.4

O Comité mantém a sua posição de longa data quanto à necessidade de se reforçar o diálogo macroeconómico visando a melhoria da coordenação e das sinergias entre os diferentes aspectos da política macroeconómica (monetário, orçamental e salarial). A actual falta de coordenação reforça igualmente a convicção do CESE de que um sistema de reunião mista entre o Eurogrupo e o Conselho «Emprego e Assuntos Sociais» (cf. 1.5.1) é, além de útil, necessário.

4.4.5

Apesar de a Comissão manifestar a sua insatisfação com a evolução do crescimento económico e do emprego, estranhamente não aproveita a oportunidade para reavaliar a orientação das actuais políticas macroeconómicas e a combinação de políticas por ela proposta. Mantendo o conceito de política orçamental e monetária inalterado, a política de negociação salarial não deveria ser a única a ter de se adaptar às exigências da União Monetária. Tal política responsabilizaria os parceiros sociais pela correcção de erros dos restantes domínios políticos.

4.5   Consideração 5: Deve ser tida em conta a dimensão mundial

4.5.1

As considerações da Comissão sobre a necessidade de se ter em conta a dimensão mundial merecem ser aprovadas na totalidade e são facilmente identificáveis. Resta salientar que a Comissão e o Conselho subvalorizaram este aspecto, quando redigiram o texto original do Pacto de Estabilidade e Crescimento, não obstante as recomendações do CESE, que sublinhou o carácter aleatório de planos a longo prazo face à não previsibilidade das evoluções políticas à escala mundial. Não é necessário recordar que os acontecimentos dos últimos dez anos confirmaram, em larga medida, esta posição. Actualmente, o carácter imprevisível da próxima década é ainda mais notório; a «consideração da dimensão mundial» na elaboração de um plano a médio e longo prazo tem, portanto, um valor sobretudo teórico.

4.5.2

Quanto aos programas anuais, é evidente que todos os Estados-Membros, membros ou não da zona do euro, são afectados pela evolução do comércio mundial, principalmente em dois aspectos: o carácter imprevisível do petróleo e a crescente concorrência das potências asiáticas. O grupo de países relativamente menos dependentes do petróleo sofre menos com a evolução cíclica dos preços; o outro grupo, em contrapartida, é fortemente afectado pelos choques conjunturais, o que influencia, consequentemente, os preços internos e a competitividade.

4.5.3

De igual forma, o crescimento dos países asiáticos abre novos mercados aos países europeus mais competitivos, comprometendo a posição dos países que realizaram menos esforços de competitividade e inovação. No entender do Comité, sobrevalorizou-se a tese segundo a qual a falta de competitividade se deve às taxas de câmbio do euro relativamente às moedas asiáticas e ao dólar, quando esta lacuna é, em grande parte, de ordem estrutural e deve constituir a base para uma revisão radical das políticas por parte dos governos e parceiros sociais.

5.   Outras pistas a seguir

5.1

Foram já feitas observações sobre as «pistas a seguir» no âmbito das diferentes «considerações»; apresentam-se seguidamente alguns comentários sobre outros aspectos tratados pela Comissão.

5.2

O Comité considera que a Comissão não deve ver a UEM de uma perspectiva puramente economicista, ignorando a dimensão política. A zona monetária não é um fim per se, é antes um elemento de um modelo de sociedade mais vasto, de uma «vontade de vivermos juntos». Não faltam exemplos na história de zonas monetárias que foram condenadas ao fracasso por não terem investido na sua integração (10). «A passagem ao euro não deverá ser abordada e programada como uma simples mudança técnica de moeda, mas sim como uma conversão importante, com efeitos económicos, monetários e sociais de relevo» (11). Esta mensagem deve ser tida em conta numa altura em que a UE a 27 inicia a revisão do Tratado, de modo a sair da crise institucional, cujas múltiplas causas englobam a propagação de um mal-estar económico e social.

5.3

O ponto dedicado ao «incentivo à zona do euro» (ver alínea d) do ponto 3.4.2) merece ser comentado. A Comissão menciona os benefícios para os países pertencentes ao Eurogrupo e os futuros membros, nos quais se parece incluir somente os «que se preparam para aderir ao euro», ou seja, evidentemente os novos Estados-Membros. Não é tratada a questão da ausência contínua de países pertencentes à UE na altura da introdução do euro, que beneficiaram de uma opção de auto-exclusão que merecia ser posta em causa. Na esperança de que estes países possam rever a sua decisão, o CESE considera que a Comissão se deveria pronunciar sobre este assunto de forma a ficar esclarecido se conviria excluir definitivamente a hipótese de os países em situação de auto-exclusão aderirem ao euro. Esta informação é um dos elementos a considerar em qualquer decisão sobre a futura estratégia do euro. Além disso, o CESE não percebe por que razão os países não pertencentes ao Eurogrupo não incluem nos seus planos a médio e longo prazo a possibilidade, ou a vontade, de adoptar a moeda única.

5.4

O Comité pretende enviar uma mensagem forte aos países da UEM para que se esforcem por respeitar os critérios de Maastricht e a convergência de políticas, de modo a alcançar-se uma convergência real. É inaceitável que certos países adoptem manifestamente uma política condescendente sem que tal seja justificado por condições de excepção. Este comportamento prejudica a sua credibilidade junto de outros Estados-Membros afectando também, em última análise, a credibilidade da Europa no seu conjunto.

5.5

No que toca à pista «garantia de uma maior proximidade em relação aos cidadãos», esta foi de tal forma repetida que se tornou um «leit motiv». Trata-se portanto de um argumento fundamental que apela para a responsabilidade directa dos governos. As vantagens do euro estão hoje à vista de todos. A verdade é que, no plano nacional, a estabilidade dos preços, o acesso mais fácil ao crédito, entre outros, são frequentemente citados pelos governos como frutos do seu próprio mérito. Em contrapartida, quando se discute as verdadeiras ou supostas «falhas» do sistema e, em particular, do aumento dos preços, o euro é considerado responsável, inclusivamente nos casos em que a alteração de moeda não é o motivo. Na esfera política, do mesmo modo em que não há interesse em atribuir méritos a outrem, procura-se encontrar meios para culpar os outros, ou o outro, pelas falhas existentes.

6.   Observações adicionais do CESE

6.1

Além das observações sobre o documento da Comissão, o CESE chama a atenção para dois comentários adicionais que visam abrir novos debates.

6.2

O carácter dinâmico das taxas de câmbio do euro foi evocado como causa da falta de competitividade da Europa em relação a outros países, nomeadamente os asiáticos. Mesmo correspondendo a uma das causas da situação (e nunca à causa principal como indicado no ponto 4.5.3), o Comité considera ter chegado o momento para se solicitar nova e firmemente a atribuição de um lugar à zona do euro no Fundo Monetário Internacional (FMI). No passado, previu-se a eliminação do lugar dos Estados-Membros no FMI a favor do euro, mas nenhum destes países parece realmente disposto a ceder o seu lugar à moeda única. A solução de reclamar um lugar suplementar para o euro no FMI seria ideal mas, a curto prazo, uma coordenação dos representantes dos Estados-Membros parece mais realista: não há razão para uma moeda com um papel fundamental nas trocas internacionais não estar representada. A objecção, segundo a qual os estatutos do Fundo não o permite, é questionável. Alterar um estatuto implica um esforço mínimo quando comparado à anomalia gritante relativa à exclusão de uma das principais moedas do mundo na gestão das políticas monetárias internacionais.

6.3

O Comité é muito céptico em relação à ideia de um Fundo Europeu de Estabilização com vista a eliminar os desequilíbrios de crescimento entre Estados-Membros (12). Para permitir um debate sério a este respeito, a ideia teria de ser desenvolvida.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Documento provisório, publicado no quadro da série «The EU Economy Review», editada pela DG Assuntos Económicos e Financeiros.

(2)  Consultar o anexo com a lista de pareceres recentes sobre as Orientações gerais da política económica.

(3)  Parecer sobre as disposições previstas para a terceira fase da União Económica e Monetária, 28 de Maio de 1997, JO C 287 de 22.9.1997, p. 74.

(4)  O CESE propôs que os parâmetros de convergência e, em particular, os que se referem ao défice e à dívida pública, fossem objecto de «uma revisão periódica, por exemplo todos os dez anos». Esta proposta não foi tida em conta, mas a evolução dos acontecimentos demonstrou ser necessária a adopção de um Pacto de Estabilidade e Crescimento «revisto» antes do final do prazo de dez anos proposto pelo CESE.

(5)  «[…] nem sempre os governos estão em condições de orientar a seu gosto a economia dos respectivos países e […] as previsões, mesmo as mais fiáveis, podem revelar-se inexactas». Parecer de 1997, citado na nota 3.

(6)  «Dada a incerteza do cenário político e socioeconómico — europeu, mas sobretudo mundial — em vez de programas, teríamos de falar de declarações programáticas, vinculativas na medida em que se ajustassem à evolução real da conjuntura», Cf. Parecer citado na nota 3.

(7)  Fonte: AMECO, a base de dados da DG ECFIN.

(8)  Comissão Europeia, «The contribution of labour cost development to price stability and competitiveness adjustment in the euro area», Quarterly Report on the Euro Area, volume 6, n.o 1, 2007. (Documento unicamente em inglês, tradução pelo CESE).

(9)  Cf. Parecer do CESE sobre as «As orientações gerais de política económica para 2003-2005», JO C 80 de 30.3.2004, p. 120.

(10)  A união monetária latina (1861-1920) fracassou, em parte, devido à falta de disciplina fiscal dos seus membros (Itália, França, Suíça, Bélgica e Grécia). A união monetária, datada de 1873, entre a Suécia, que incluía na altura a Noruega, e a Dinamarca fracassou quando o contexto político se alterou. Por outro lado, a união aduaneira alemã do século XIX, que deu lugar a uma união monetária, foi bem sucedida graças à unificação política do país, em 1871. O sucesso monetário e a integração política andam, portanto, lado a lado na medida em que uma união monetária exige uma grande coordenação de políticas económicas e, consequentemente, um certo grau de centralização.

(11)  Resolução do Parlamento Europeu sobre o alargamento da zona euro, 2006/2103/(INI), 1 de Junho de 2006.

(12)  Este fundo seria financiado por todos os Estados-Membros, com parte dos lucros fiscais acumulados em períodos de bonança económica, financiando projectos que o Conselho e o Parlamento Europeu considerem prioritários e de interesse comunitário. A principal objecção reside no facto de se penalizar uma política orçamental disciplinada, ou seja, o efeito seria dissuasor.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/96


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «As consequências económicas e sociais da evolução dos mercados financeiros»

(2008/C 10/23)

Em 17 de Janeiro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre: «As consequências económicas e sociais da evolução dos mercados financeiros».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social que emitiu parecer em 4 de Setembro de 2007, sendo relator O. DERRUINE.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 115 votos a favor, 25 contra e 13 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Recomendações

Informação, transparência e protecção dos investidores e consumidores

1.1

É importante aperfeiçoar as ferramentas estatísticas que permitem apreender melhor o sector dos fundos especulativos e participações privadas, bem como os indicadores referentes ao governo das sociedades, harmonizando-os pelo menos ao nível europeu.

1.2

A fim de eliminar a suspeita crescente que pesa sobre uma parte do sector financeiro, limitar o risco de choques sistémicos induzidos pela assunção de riscos (como o endividamento) excessivos e fazer respeitar uma concorrência leal entre as modalidades de investimentos, seria conveniente aplicar regras prudenciais aos fundos especulativos e participações privadas (um «Basileia III»).

1.3

«O CESE insta a Comissão a apresentar, o mais rapidamente possível, o seu projecto de legislação para aumentar a informação prestada por investidores institucionais sobre as suas políticas no que diz respeito ao investimento e ao exercício do voto (1)».

1.4

Para reforçar a protecção dos investidores que colocam as suas posses em fundos de participação privada, seria necessário alterar a Directiva OICVM (2) de forma a também abranger estes actores e obrigá-los a maior transparência. Embora as promessas de elevado rendimento sejam um factor de atracção, o investidor final poderá ignorar o risco a que se está a expor.

1.5

A Comissão devia incentivar e levar a cabo com as partes envolvidas (bancos, associações de consumidores, poderes públicos e prestadores de serviços, etc.) iniciativas destinadas a reforçar o nível de informação e, sobretudo, de compreensão dos consumidores de serviços financeiros que, em geral, nem sempre possuem a cultura financeira necessária e, por isso, não têm consciência dos possíveis riscos (3).

1.6

As empresas cotadas em Bolsa alvo de aquisição mas com um volume de negócios ou número de trabalhadores superior a um determinado limiar devem sempre ser obrigadas a publicar um mínimo de informação quando são retiradas da Bolsa, deixando, portanto, de estar sujeitas às obrigações de publicidade inerentes.

Gestão e diversificação dos riscos

1.7

Seria conveniente examinar a possibilidade de impor uma diversificação da carteira de investimentos, em particular no caso da poupança salarial, com base nos modelos existentes (ver também ponto 1.2).

1.8

A crise do crédito hipotecário americano («subprime») propagou-se a outros segmentos do mercado financeiro e à UE. Em caso de crise bancária europeia, aparentemente os custos incorridos seriam substanciais devido à fragmentação da supervisão que tornaria mais lenta uma reacção apropriada. Em virtude do princípio da subsidiariedade, os grandes bancos deviam ser alvo de uma supervisão à escala europeia. O Comité convida os bancos, a Comissão e o Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária (CAESB) a estabelecerem contactos entre si para especificar as modalidades de supervisão e definir os critérios que permitam identificar os bancos relevantes.

1.9

No caso de gestão delegada, que permite diversificar os riscos possíveis, um prolongamento da duração dos mandatos de gestão incentivaria uma estratégia a longo prazo e restringiria a especulação que ultrapassa a arbitragem, a fim de limitar os estratagemas a curto prazo e a corrida às receitas através de atitudes especulativas dos prestadores de serviços de gestão.

1.10

As agências de notação, que são ao mesmo tempo «juiz e parte» no sentido em que ajudam os bancos de investimento a conceber produtos derivados, a valorizá-los e a colocá-los no mercado, deviam ser objecto de uma maior transparência.

Conciliar a estratégia financeira e o modelo social europeu

1.11

A atribuição de benefícios fiscais poderá incentivar os fundos de pensão com uma estratégia a longo prazo mais a integrar a qualidade e responsabilidade social nas suas políticas de investimento financeiro, na medida em que presentemente os investimentos socialmente responsáveis (4) representam apenas uma percentagem limitada (5).

1.12

A Comissão e os Estados-Membros devem garantir que a responsabilidade social das empresas integra plenamente todas as partes envolvidas, incluindo os fundos de investimento que exercem influência nas sociedades em que se inserem e que por vezes dirigem. Nesse contexto, o CESE questiona-se sobre a aplicação da Directiva sobre a informação e consulta dos trabalhadores das sociedades holding  (6) e solicita que essa directiva seja revista caso estes não estejam abrangidos.

1.13

De forma complementar, a Directiva sobre a manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas (7) deve ser actualizada, a fim de abranger a transferência de empresas realizada através de uma operação de transferência dessas acções. Assim, os direitos à informação e à consulta dos trabalhadores serão mais respeitados.

1.14

As estatísticas sobre os salários (e até sobre os rendimentos) deviam ao menos ser divididas em quintos, a fim de avaliar melhor o impacto da política salarial na estabilidade dos preços.

1.15

Os serviços de interesse económico geral são um pilar essencial do modelo social europeu. São igualmente um alvo preferencial para os fundos de participação privada que recorrem ao endividamento com efeito de alavanca, porque geram grandes fluxos financeiros, estão numa posição de (quase) monopólio, estão pouco endividados e as suas despesas de funcionamento são elevadas. A fim de evitar inconvenientes para os consumidores, os cidadãos e a coesão que eles veiculam, «o CESE reitera o pedido de definir a nível comunitário os princípios básicos comuns aplicáveis a todos os SIG, que deverão ser consagrados numa directiva-quadro e, em caso de necessidade, especificados por sector em directivas sectoriais (8)».

Fiscalidade equitativa

1.16

Dado que alguns países já o fizeram ou estão prestes a fazê-lo (Dinamarca, Alemanha, Reino Unido), seria conveniente estabelecer, no respeito do princípio da subsidiariedade, regras que limitem as deduções fiscais dos juros sobre a dívida em caso de aquisição de uma empresa.

1.17

No quadro dos trabalhos já realizados no âmbito da OCDE e a fim de prosseguir a luta contra a concorrência desleal dos paraísos fiscais, deve também analisar-se a possibilidade de alterar as regras de tributação de forma que seja a localização do gestor que determine a base tributável dos fundos especulativos, trabalhando geralmente o gestor a partir de grandes cidades de países da OCDE. Além disso, a taxa de tributação aplicável não devia ser a da mais-valia, mas sim a do rendimento normal.

1.18

Dado que um grande número de decisões de investimento a muito curto prazo são tomadas a partir de paraísos fiscais (offshore), o Comité convida o Conselho, a Comissão e o BCE a examinar uma eventual acção fundada no artigo 59.o do Tratado (9).

1.19

O Comité sublinha a importância de reforçar a coordenação das políticas fiscais, fixando limites mínimos, em particular para as diferentes formas de fiscalidade do capital. Esta política é justificada por uma preocupação dupla de equidade e eficácia económica.

2.   Introdução

2.1

Nos últimos 25 anos, a economia mundial alterou-se profundamente. Apesar de, em geral, nos contentarmos em explicar este fenómeno com a globalização, não estamos suficientemente conscientes da sua dimensão financeira e da constituição de um mercado financeiro mundial.

2.2

Assim, embora os meios de comunicação social e os decisores políticos continuem a concentrar-se no indicador do PIB, parece necessária uma perspectivação que tenha bem em conta a realidade. Em 2002, o PIB mundial equivalia a 32 triliões de dólares e, embora este montante parece astronómico, não é nada comparado com o total das transacções financeiras fora do PIB (1 123 triliões) que é trinta e cinco vezes superior!

Economia mundial (em triliões de dólares americanos, 2002)

Comércio e produção

 

Moeda de liquidação

 

Transacções em derivados

699

Estados Unidos (dólares)

405,7

Transacções cambiais

384,4 (10)

Eurossistema (euros)

372,9

Transacções financeiras

39,3

Japão (ienes)

192,8

Transacções de bens e serviços

(PIB mundial)

32,3

Outras zonas monetárias

183,6

Total (transacções interbancárias)

1 155

Total (liquidações interbancárias)

1 155,0

Fonte: François Morin, «Le Nouveau mur de l'argent: Essai sur la finance globalisée», 2006.

2.3

O principal vector identificado da globalização financeira são os investidores institucionais. O seu aparecimento foi acompanhado de uma divulgação das práticas anglo-saxónicas de governo das sociedades (protecção dos accionistas minoritários, obrigações de transparência, activismo institucional nas assembleias gerais e alteração da relação entre accionistas, gestores e trabalhadores) e do aparecimento de instrumentos derivados de crédito, esses novos instrumentos financeiros que dispersam os riscos que considerávamos indissociáveis de alguns títulos. Estas mudanças foram possíveis e aceleradas pelas novas tecnologias de informação e comunicação.

2.4

Cabe sublinhar nesta fase que os investidores institucionais em sentido lato desenvolvem estratégias diferentes em função do seu contexto de investimento. Enquanto alguns se dedicam a arbitragens que tendem a estabilizar os mercados financeiros, outros como os fundos de pensão devem responder a compromissos a muito longo prazo. Sob a mesma designação, encontram-se grandes diferenças, como, por exemplo, nos fundos de participação privada em que alguns são especializados em aquisições por endividamento (leveraged buy-out), investindo numa empresa por um período de 3 a 5 anos, e outros actuam como investidores privados concedendo capital de risco a PME inovadoras e mantendo-se envolvidos até quinze anos (11).

 

Duração da posse de

 

acções

obrigações

Fundos especulativos

1 a 5 meses

1 a 5 meses

Outros fundos de investimento

9 meses a 1 ano

1 a 6 meses

Seguros

1 ano 2/3 a 3 anos 1/3

6 meses a 2 anos e meio

Pessoas singulares

3 a 5 anos

8 meses a 4 anos

Fonte: Natixis, «L'effet de la présence des hedge funds sur l'équilibre des marchés financiers», Recherche économique, N.o 2007-04.

2.4.1

Dito isto, esses actores podem manter relações íntimas entre si. Assim, por exemplo, 24 % do capital utilizado em 2005 por fundos de participação privada proveio do sector de fundos de pensões, 18 % de bancos comerciais e de investimento, 11 % de seguros (12). Uma das funções cada vez mais importantes dos fundos de investimento e outras empresas de gestão de activos é de prestador de serviços de gestão dos fundos de pensão e seguradoras por mandato.

2.5

Os investidores institucionais, já desenvolvidos nos países anglo-saxónicos há vinte anos, foram-se progressivamente interessando pelos países da Europa continental. Existem já diversos fundos em diferentes Estados-Membros. Hoje em dia, metade dos activos em gestão colectiva mantém-se controlada por investidores americanos.

2.6

Calcula-se que hoje em dia os investidores institucionais representam 80 % das transacções em Bolsa. Assim, não parece realista tomar posições de investimento opostas às dos grandes organismos de investimento. São também os principais actores a deter as acções transfronteiras, tendo uma sondagem do Eurobarómetro (Outono de 2005) revelado que apenas 1 % das pessoas singulares possuem acções de uma empresa de outro país e que apenas 3 % pretendem adquirir acções estrangeiras. Além disso, poucos entre eles participam activamente nas assembleias-gerais de accionistas, ao passo que os investidores institucionais estão mais presentes e mais decisivos há alguns anos.

2.7

O presente parecer refere-se, em primeiro lugar, às empresas cotadas em Bolsa pois são mais activas nos mercados bolsistas. Tratam-se, em geral, de grande empresas. Todavia, como exercem uma influência decisiva no emprego e no comportamento das demais empresas, as «mutações» que as afectam têm impacto em toda a economia e na sociedade:

geram 1 em 3 empregos na Europa e 1 em 2 empregos nos Estados Unidos;

estão presentes sobretudo na indústria de extracção, nos transportes e telecomunicações e nos serviços às empresas, ou seja ramos de importância fundamental;

influenciam também a forma de funcionamento das PME através de relações de subcontratação e aquisição de participações financeiras.

3.   Convergência dos sistemas de governo das sociedades (13)

3.1

Em geral faz-se a distinção entre dois conjuntos de instituições e práticas que afectam a forma como as empresas são dirigidas, administradas ou controladas, relações entre as partes envolvidas e objectivos definidos para a empresa (governo das sociedades).

O modelo anglo-saxónico caracteriza-se por empresas com propriedade muito dispersa e por investidores institucionais muito presentes mesmo sem estarem envolvidos na gestão das empresas. Embora não detenham em geral mais de 3 % de títulos por investidor, exercem a sua influência através da venda anunciada ou realizada das suas acções. Este sistema é típico dos países com um grande número de empresas cotadas.

O modelo da Europa continental e da maioria dos outros países, entre os quais o Japão, caracteriza-se pela presença de accionistas com blocos de acções na ordem dos 10 % a 20 % que lhes conferem um controlo efectivo. Esses investidores são o Estado, bancos ou outras empresas, que estão directamente envolvidos na gestão das empresas. Contrariamente ao modelo anterior, os trabalhadores gozam também de um certo envolvimento nos negócios da empresa, o caso extremo revestindo a forma da co-gestão (Mitbestimmung) alemã.

3.2

Ao longo das últimas duas décadas, constatou-se uma convergência do modelo da Europa continental e do modelo anglo-saxónico. Entre os factores de convergência encontram-se o Acto Único Europeu e a privatização de empresas públicas, as reformas fiscais na Alemanha, designadamente sobre as mais-valias bolsistas que levaram os bancos a vender as suas participações sectoriais, a obrigação do Ministério do Trabalho americano dirigida aos investidores institucionais de exercerem os seus direitos de voto (1988 e 1994), a vitalidade económica dos Estados Unidos nos anos 90 que contrastava com a relativa estagnação dos países da Europa continental, a cotação de grandes empresas em diversos mercados bolsistas, as novas normas contabilísticas internacionais, etc.

3.3

Persiste, porém, uma certa diversidade de formas nacionais e regionais de capitalismo em virtude do seguinte:

diversidade nacional das instituições económicas: direito, política e cultura e dotação em recursos;

interdependência dos mercados de capitais e do trabalho, as regulamentações jurídicas e as normas que orquestram o funcionamento das empresas são interdependentes;

os custos de se passar para outro sistema pois a modificação de um elemento referido anteriormente coloca em risco a coerência do todo.

4.   Impactos económicos

4.1

O desenvolvimento dos investidores institucionais possibilitou a democratização do acesso aos mercados financeiros e a diversificação dos riscos da carteira de títulos, disponibilizando as competências específicas da equipa de gestão. Ao reunir as poupanças das pessoas singulares, os fundos disponíveis aumentam e permitem uma diversificação maior, reduzindo dessa forma o risco individual para os particulares. Os OICVM oferecem acesso a uma rentabilidade de capitais potencialmente elevada a particulares com meios financeiros modestos e com pouco conhecimento do mercado. No que se refere às empresas e administrações públicas, a concentração de capitais nas mãos dos investidores institucionais reduz os custos de negociação graças a um interlocutor único.

4.2

Os investidores institucionais, independentemente da sua natureza (fundos especulativos, fundos de pensão, bancos e seguros, participações privadas, etc.) gerem o património financeiro de cerca de 300 milhões de pessoas singulares essencialmente concentradas nos Estados Unidos, Europa e Japão (14). O seu objectivo consiste em maximizar o rendimento da poupança dos seus representados, tendo em conta o nível de risco que estes estão dispostos a assumir.

4.3

Do lado dos consumidores e a nível particular, o crescente peso das participações em fundos de investimento nos activos financeiros dos particulares implica tautologicamente um aumento da exposição do património financeiro doméstico ao risco de mercado (15).

4.4

Para além dos OICVM e das seguradoras, os fundos de pensão são bem conhecidos do grande público. Surgiram como uma das soluções para aliviar a factura do envelhecimento demográfico. Têm dois tipos: prestações definidas e contribuições definidas. No primeiro caso, o risco é assumido pelos patrocinadores, a entidade empregadora, no segundo caso pelo aforrador final. Embora estes últimos se caracterizem por uma estrutura de activos mais arriscada estão em crescimento pois os patrocinadores procuram minimizar os riscos criados pelos seus compromissos a longo prazo e os trabalhadores são cada vez mais atraídos por formas de poupança com maior rentabilidade e direitos mais fáceis de transferir entre entidades patronais (16).

4.5

A gestão dos seus activos é efectuada pelos próprios fundos, mas sendo muitas vezes delegada (total ou parcialmente) em fundos mútuos ou outras empresas de gestão. Da mesma forma, se os prazos de investimentos são teoricamente longos, os desempenhos da gestão são examinados a curto prazo e em função do rendimento. Tal explica por que motivo a parte das acções do total de activos aumentou exponencialmente e contribuiu para o crescimento do preço dos activos.

4.6

A convergência dos modelos de governo das sociedades associado ao desenvolvimento das TIC, ao maior activismo dos investidores institucionais e à sua norma de rentabilidade levaram as grandes empresas a maximizar a todo o custo o rendimento (dividendos e mais-valias) dos seus títulos. As considerações sobre a capacidade de gerar fluxos financeiros futuros ou a natureza de parceria salientada pelo modelo social europeu foram relegados para segundo plano.

4.7

Nasceu assim uma nova dinâmica de governo que visa provocar mudanças nas estratégias a fim de criar permanentemente valor para o accionista em detrimento de uma melhoria da competitividade a médio e longo prazos que pode estar comprometida: a aquisição pela empresa das suas próprias acções (shares buyback) para inflacionar o indicador referente à rentabilidade líquida dos capitais próprios, fusões e aquisições por vezes desligadas de toda a lógica industrial, a redução do âmbito de actividade de uma empresa e da integração das tarefas na actividade do grupo para facilitar a diversificação da carteira de investimentos, as deslocalizações, a redução do número de trabalhadores e a flexibilidade dos contratos de trabalho, a fim de reduzir as despesas fixas ou converter as despesas fixas em custos variáveis (17).

4.8

Em geral, a exigência de uma taxa de rendimento (RCP) elevada, de 10 % a 20 % segundo os sectores, desestabiliza a macroeconomia: uma rentabilidade tão elevada envolve um crescimento dos lucros amplamente superior ao PIB. Isso contribuiu, entre outros factores (migração, deslocalizações, maior penetração das importações, etc.), para aumentar a parte relativa da riqueza distribuída aos detentores do capital. Constata-se efectivamente uma nova partilha da mais-valia nos países europeus. Segundo os dados da Comissão, da OCDE e do BPI, a parte dos salários em % do PIB para a média dos países da UE-15 passou de 71,5 % na década de 1980 para 66,7 % em 2004. Este desvio de quase cinco pontos do PIB traduziu-se num aumento simétrico das receitas do capital (lucros).

4.8.1

O impacto macroeconómico desta mudança na partilha das riquezas é deflacionista. Aumenta a poupança global, mas como o poder de compra dos trabalhadores evolui pouco, a sua procura carece de dinamismo, o que não incentiva as empresas a efectuar investimentos. Por outro lado, como uma grande parte dos lucros é redistribuída aos accionistas (dividendos e aumento do lucro por acção), criam-se reservas excedentárias e o fenómeno alimenta-se a si próprio.

4.8.2

Além disso, como os principais países da OCDE entraram em concorrência para atrair investimentos directos no estrangeiro estimulados por reservas excedentárias mas travados por um abrandamento do dinamismo do próprio mercado nacional, lançaram-se em políticas de redução de impostos que minaram as suas finanças públicas.

4.8.3

Da mesma forma, como em muitos países os juros pagos sobre a dívida estão isentos de impostos, a aquisição por endividamento (leveraged buy-out) equivale a uma forma de subvenção pelos poderes públicos das operações de fundos de participação privada, que se vêem assim privilegiados. Para além das questões que levantam as práticas de concorrência desleal em relação a outros actores económicos que não recorrem a esse tipo de procedimento, as aquisições por endividamento têm impacto nas finanças públicas. Um estudo do Ministério das Questões Fiscais dinamarquês (18) assinala que, mantendo-se esta tendência, essas perdas podem representar naquele país, daqui a dois anos, 25 % do rendimento total dos impostos sobre as sociedades. Situação idêntica é registada na maioria dos países europeus e da zona euro sujeitos aos critérios orçamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

4.8.4

No que se refere ao vencimento dos gestores de fundos, os 20 % de recompensa diferida que costumam cobrar pelos rendimentos que ultrapassam determinados limiares são tributados à taxa mais baixa, a aplicável às mais-valias, e não à taxa mais elevada do imposto sobre o rendimento normal. Nada o justifica, na medida em que eles próprios contribuem apenas com uma parte mínima do capital. Esta situação levanta um problema de equidade do tratamento fiscal entre esses indivíduos e os outros trabalhadores mais tributados.

4.9

Não só a natureza e a estratégia da empresa evoluíram, o papel do presidente do Conselho de Administração também passou pelo mesmo: há dez anos a responsabilidade desse presidente era gerir a empresa e os seus activos em nome das diferentes partes interessadas. Hoje em dia, o maior desafio para os presidentes de Conselhos de Administração é gerar resultados líquidos para os investidores. O nível de abandonos forçados do cargo por resultados considerados insuficientes pelos accionistas atingiu o seu pico em 2005, onde se registaram quatro vezes mais abandonos de presidentes de conselhos de administração por esse motivo do que dez anos antes. Mais de uma empresa em sete registou uma mudança de dirigente, contra uma em onze há apenas dez anos. A duração do seu mandato foi também reduzida. Essa rotação cada vez mais rápida pode colocar um outro problema pois «as transformações necessárias às empresas levam geralmente três a quatro anos a executar».

4.9.1

Consequentemente, como vários Conselhos de Administração se vêem sem candidatos para suceder a um presidente afastado, regista-se um novo aumento da remuneração dos presidentes dos CA, por um lado porque os seus novos empregadores procuram motivá-los a abandonar as suas funções e, por outro lado, porque os seus empregadores actuais procuram mantê-los no lugar. Contudo, a esmagadora maioria dos investidores institucionais lamentam o nível considerado excessivo dos vencimentos dos gestores (90 %) e a ausência de impacto positivo no desempenho da empresa (78 %) (19).

4.9.2

Embora aparentemente as empresas se tenham afastado das opções de compra de acções (stock options) que levaram a conflitos de interesse e a escândalos clamorosos, a prática de atribuir «redes de segurança douradas» e outras retribuições a presidentes do CA que, apesar de tudo, não conseguiram melhorar os desempenhos da sua empresa (em termos de competitividade e emprego) é chocante aos olhos da opinião pública.

5.   Coesão e desigualdades sociais

5.1

Por um lado, embora tenhamos já frequentemente justificado os pagamentos elevados aos accionistas pelo risco das operações em que empenharam o seu capital, a base desse argumento é duramente atingida pelos desenvolvimentos dos últimos anos.

5.1.1

Efectivamente, a responsabilidade é limitada apenas às suas contribuições, e a capacidade de negociação do seu activo associada a uma liquidez crescente dos mercados financeiros e bolsistas graças às novas tecnologias e à sua globalização reduzem consideravelmente a intensidade do risco que correm, dando-lhes uma capacidade de saída e diversificação sem igual.

5.2

Por outro lado, os economistas observaram uma sazonalidade dos despedimentos económicos, que culminam em Janeiro e Junho, ou seja quando da definição e revisão dos orçamentos anuais das empresas. Concluíram que esses despedimentos se destinavam mais a melhorar os resultados financeiros do que por necessidades industriais (20).

5.2.1

Além disso, a individualização dos contratos de trabalho e das remunerações está muito em voga, assim como uma profusão de contratos atípicos como os contratos a termo certo e a tempo parcial a fim de converter uma parte das despesas fixas associadas às remunerações em custos variáveis e, por último, aumentar os benefícios e, consequentemente, o rendimento por acção (return on equity). Em 1992, 25,4 % dos trabalhadores estavam abrangidos por um contrato a termo ou a tempo parcial. Em 2005, a percentagem subira para 33 %. A profusão deste tipo de contratos precários alargou-se a um ritmo mais rápido do que a criação de emprego em todo o período (excepto em 2005) e, no tocante aos contratos a termo, apenas 33 % conduziram a um contrato sem termo (contra 22 % a não emprego e 39 % a um outro contrato do mesmo tipo) (21).

5.2.2

Essa situação levanta novos riscos para os trabalhadores e as empresas:

as empresas não investem nesses trabalhadores móveis e estes não se esforçam, não se sentindo envolvidos na empresa e receando que os benefícios líquidos actualizados da formação não se revelem positivos (22)  (23);

o capital humano que é cada vez mais específico das empresas na sociedade do conhecimento é pouco móvel (ou seja, não é verdadeiramente transferível de uma empresa para outra) (24);

os representantes dos trabalhadores deixaram de conseguir identificar quem são os interlocutores a quem se devem dirigir no quadro do diálogo social, resumindo-se o «seu dirigente» a uma atomização de accionistas flutuantes a quem não conseguem «atribuir um rosto»;

os trabalhadores entram em competição:

ao nível mundial, devido à forte mobilidade do capital produtivo e do capital financeiro e à duplicação do número de trabalhadores que participam na economia no seguimento da dissolução do bloco soviético e da entrada na cena internacional da China e da Índia, por exemplo;

ao nível nacional, devido à taxa de desemprego, à proliferação de empregos de fraca qualidade que reforça o valor dos empregos de qualidade e ao paradoxo da formação: por um lado é de bom tom recordar a necessidade de formação e a inadequação das competências, por outro lado cerca de um trabalhador em três considera-se demasiado qualificado para as competências exigidas pela sua actividade profissional, os menos qualificados e os trabalhadores temporários não têm possibilidades suficientes de formação;

essa competição é ainda mais viva na medida em que a mobilidade dos trabalhadores é relativamente limitada devido à conservação de períodos transitórios nas legislações em matéria de migração económica segundo as quais o acesso de um estrangeiro a um mercado de trabalho está condicionado à existência de carências em certos grupos profissionais (restrições políticas), ou à ausência de progresso real em matéria de transferência de pensões, ou a um sobreaquecimento do mercado imobiliário (restrições socioeconómicas) ou a conhecimentos linguísticos insuficientes (restrições culturais).

5.2.3

Há que encontrar um novo equilíbrio entre os accionistas e os trabalhadores. Para além da deformação da partilha do PIB entre «capital» e «trabalho» e os elementos mencionados supra, o desequilíbrio reflecte-se igualmente numa evolução exponencial dos mercados financeiros e bolsistas ao longo dos últimos anos que contrasta com um direito do trabalho que evoluiu no sentido contrário, não fornecendo, portanto, aos trabalhadores protecção suficiente (tanto em termos contratuais como em matéria de formação contínua (25), por exemplo). Isto indica que a flexibilidade (e maior precariedade) do trabalho se torna uma variável de ajustamento para as empresas.

Evolução por «submodelo» social

 

 

Capitalização bolsista/PIB

Protecção dos trabalhadores

Média

País

1990

2003

1990

2003

Modelo anglo-saxónico

UK, EUA, Canadá, Austrália

54

119

0,63

0,73

Modelo escandinavo

FI/DK/SE

28

85

2,71

1,89

Modelo continental

FR/DE/AT/BE/NL

30

59

2,79

2,30

Modelo mediterrânico

IT/ES/EL

16

57

3,67

2,61

Japão

 

98

70

2,10

1,84

N.B.: Não há dados disponíveis para os novos Estados-Membros.

A protecção dos trabalhadores é medida pelo indicador «EPL versão 1» calculado (para os anos 1990, 1998 e 2003) pela OCDE, que abrange a regulamentação da protecção do trabalho regular e temporário. Quanto mais próximo do 0 mais fraca a regulamentação de protecção dos trabalhadores. (O EPL versão 2 inclui informações sobre os despedimentos colectivos mas não permite recuar até 1990.)

5.2.4

Apesar de o accionista assalariado se ter desenvolvido, este fenómeno não pode corrigir a situação na medida em que se refere essencialmente e de forma desproporcionada (tendo em conta a sua representatividade no conjunto dos trabalhadores) aos trabalhadores que recebem os rendimentos mais elevados (em geral os quadros superiores).

5.2.5

Se recordarmos que um sistema económico é um produto da história (ver ponto 3.3), é facilmente compreensível que a convergência dos modelos de governo das sociedades (ver pontos 3.1, 3.2) não produziu na Europa continental efeitos especialmente visíveis em termos de luta contra o desemprego, ao passo que o modelo social europeu repousa, por exemplo, numa economia social de mercado que pressupõe uma estratégia de parceiros em sentido lato que ultrapassa os interesses dos únicos accionistas.

5.3

Há já vários anos que entrámos numa fase de forte moderação salarial (26) sob a pressão da concorrência internacional que se intensifica e sob a pressão das normas da rentabilidade. Todavia, nem todas as classes socioprofissionais são afectadas por este fenómeno.

5.3.1

Assim, e como se faz nos Estados Unidos (27), a Comissão Europeia, o Eurostat e o BCE devem afinar os seus dados estatísticos dividindo-os (no mínimo) em quintos (28) para identificarem melhor quais as categorias de pessoas (salários muito elevados, salários muito baixos, grupos intermédios) que estão na origem do crescimento da massa salarial global e dos rendimentos em geral, de forma a avaliar melhor os riscos sobre a estabilidade dos preços, tendo em conta que as populações que pertencem a esses diferentes grupos não têm a mesma propensão para o consumo (29). (Ver também ponto 4.8.4).

6.   Investigação e desenvolvimento (I&D) e inovação

6.1

Como os investidores institucionais têm tendência para o mimetismo nas suas decisões de investimento, é possível que tal dê lugar a investimentos excessivos em certos sectores e simultaneamente à falta de investimento noutros sectores, tal como a crise bolsista de 2000-2001 demonstrou.

6.2

O exemplo dos países escandinavos prova que é possível combinar desempenhos sociais e tecnológicos elevados com um sistema financeiro predominantemente bancário em vez de bolsista.

6.3

No que se refere às participações privadas, embora forneçam capital de risco indispensável ao lançamento de novas actividades por empresas de pequena dimensão (start-up), esse mercado está em declínio nos últimos anos (em 2003: menos de 10 % dos seus investimentos) (30). Por outro lado, a actividade das participações privadas centra-se cada vez mais na aquisição de empresas (buy-outs) (em 2003: mais de 60 %) (ver capítulo «Efeito de alavanca e riscos sistémicos»). Esta tendência também não estimula o investimento na medida em que, devido ao risco desta actividade, a participação privada terá por prioridade o reembolso e a remuneração dos accionistas, em detrimento do investimento a longo prazo.

6.4

Para além da I&D, as interacções consideradas «tácitas» (31) são um factor de competitividade cada vez mais importante para todas as empresas. Essas interacções tácitas envolvem o intercâmbio de informação, a elaboração de pareceres, a coordenação e o seguimento de outras actividades e associam diferentes formas de conhecimento nas trocas (bens, serviços e informação) com os demais trabalhadores, os clientes e os fornecedores. Os empregados que mobilizam este tipo de aptidão representam hoje em dia entre 25 % e 50 % da mão-de-obra.

6.4.1

Para aumentarem a sua competitividade, as empresas não podem continuar a concentrar-se na normalização do trabalho dos seus trabalhadores ou na sua substituição por máquinas. Pelo contrário, devem eliminar as barreiras de organização, criar um clima de confiança entre o seu pessoal e também entre eles próprios e dar-lhes a possibilidade de tomar decisões e comunicar de forma rápida e fácil. Desta forma, a sua força reside nos conhecimentos colectivos específicos da empresa e que surgem ao longo do tempo.

6.4.2

Hoje em dia, as empresas dispõem de margem de manobra para melhorar a produtividade dos trabalhadores envolvidos em interacções tácitas, o que não se verifica noutros casos. Isso reflecte-se na grande disparidade de desempenhos nos sectores onde este tipo de emprego é importante. O diálogo social sectorial desempenha um papel importante nas trocas de experiências entre empresas no quadro de seminários e estudos, por exemplo.

6.4.3

Esta tónica nas competências específicas das empresas levanta questões quanto à flexigurança, que pressupõe uma formação genérica para encontrar um trabalho numa outra empresa que seria eventualmente activa num sector diferente daquele que o trabalhador abandona.

7.   Efeito de alavanca e riscos sistémicos

7.1

As aquisições de empresas efectuadas por alguns tipos de participações privadas são uma actividade de natureza especulativa que se baseia no endividamento e numa aposta na possibilidade de utilizar rendimentos gerados pela empresa-alvo para reembolsar o empréstimo e para gerar mais-valias consideráveis no prazo de cinco anos.

7.2

Em 1995, essas operações representavam nos países da Europa continental 0,6 % do PIB e, em 2005, já 3 % (32). (Para o Reino Unido, estes números são, respectivamente, 1 % e 7 %.) As aquisições de empresas constituem o essencial (70 %) das actividades das participações privadas, estando a concessão de capital de risco em declínio (5 % em 2005).

7.2.1

No segundo semestre de 2006, multiplicaram-se os sinais de alarme dos bancos centrais (BCE, Bank of England) e das agências de notação (Standard and Poor's) em resposta à ebulição registada nesse sector (500 mil milhões de dólares) que, em 2005, utilizou mais 70 mil milhões de dólares do que no ano anterior. Os bancos apontam tanto um risco sistémico após um forte aumento da dívida das empresas, como uma multiplicação de obrigações de alto rendimento (junk bonds) que atinge níveis delicados.

7.2.2

É um dilema para as autoridades monetárias pois qualquer aumento das taxas que entrave esta actividade condenará paralelamente as empresas que sobrevivem graças ao excesso de liquidez geral.

7.2.3

As aquisições de empresas colocam duas outras questões de natureza bem diferente, mas não menos importantes:

na medida em que a operação é realizada mediante a constituição de uma empresa, a directiva sobre a informação e consulta dos trabalhadores não é de aplicação. O resultado é uma menor participação desses trabalhadores, que são várias centenas de milhar na Europa.

Através das aquisições de empresas mediante empréstimo financeiro (LBO), os fundos de investimento podem estar em nome da empresa que os detém no âmbito de um Conselho de Administração de um grande grupo europeu activo num sector crucial, tal como o aeroespacial. Dado que certos fundos de origem americana mantêm ligações especialmente estreitas com o poder político e os serviços de informações americanos, a independência tecnológica, militar e política da UE é ameaçada na medida em que a participação no Conselho de Administração dá acesso a informações confidenciais (33).

7.3

Em geral, vários estratagemas vêm aumentar artificialmente o rendimento médio anunciado pelos fundos de participação privada. Como não estão sujeitos a nenhuma obrigação de comunicação e informação, apenas as participações privadas com mais rendimento apresentam os seus resultados, e os fundos que desaparecem por maus resultados são retirados das bases de dados. Um estudo do Citygroup assinala que, se se tiver em conta esses elementos, o rendimento calculado para um período de dez anos é inferior a um cabaz de acções de média capitalização. A consideração das despesas de gestão e de investimento nesses activos ilíquidos contribui igualmente para a redução dos rendimentos publicitados (34).

7.4

Os fundos especulativos constituem uma indústria de mais de 1,5 triliões de dólares. Estes fundos não são novos, mas adquiriram uma importância especialmente significativa nos últimos vinte anos. O sector enfrenta pressões de investidores como os fundos de pensão no sentido de reforçarem a sua transparência. Essa exigência levou recentemente ao desenvolvimento da notação de créditos e do risco por diferentes agências de notação.

7.4.1

Por seu turno e em virtude do seu peso financeiro colossal, exercem uma forte influência nos mercados financeiros, bolsistas e monetários que pode conduzir a reflexões aprofundadas:

As autoridades de regulamentação americana, inglesa e europeia reiteraram recentemente a sua preocupação com o facto de os bancos de investimento poderem permitir que os fundos especulativos aumentem a sua capacidade de empréstimo, utilizando garantias colaterais relativamente ilíquidas e cujo valor pode, em resultado, descer rapidamente em caso de crise financeira. Questionam-se também sobre os mecanismos «off-shore» que jogam com o efeito de alavanca que permite aos bancos americanos tornar os créditos extensíveis aos fundos especulativos para além dos limites legais.

Os fundos especulativos são igualmente activos no segmento de carry trade, ou seja, nas operações em que os investidores adquirem empréstimos em moedas com taxas de juro baixas (tais como o iene e o franco suíço) para investir em divisas que pagam taxas de juro superiores (dólar australiano). Cada vez mais bancos, entre os quais o BRI, e economistas estão convencidos de que esta actividade muito recompensadora para os fundos especulativos é uma das explicações para a debilidade do iene, que no fim de Janeiro atingiu um novo nível mínimo (desde há quatro anos) face ao dólar americano. Uma mudança brusca no interesse pela divisa japonesa (no seguimento de um aumento das taxas japonesas em resposta ao vigor da economia nipónica) pode degenerar numa crise financeira. O Barclays Capital considera que o carry trade de natureza especulativa atingiu o seu nível mais elevado desde a crise russa de 1998.

7.5

Os produtos derivados permitem aos bancos diluir os riscos do seu balanço, convertendo-os em produtos financeiros complexos objecto de transacções. Desta forma, o risco é reduzido ao mínimo mas repartido pela economia, para agentes que podem não ser submetidos a regras de supervisão.

7.5.1

Embora a probabilidade estatística de choque financeiro grave com repercussões sistémicas tenha diminuído ao longo dos tempos ainda se mantém, e os danos seriam mais importantes do que anteriormente devido nomeadamente aos laços mais estreitos entre as instituições e os mercados por causa das inovações financeiras que permitiram uma melhor integração dos mercados e das operações de fusões e aquisições nos sectores da banca e de seguros (35).

7.5.2

Devido a um efeito de alavanca que aumentou nos últimos anos e que por definição não surge no balanço, é impossível calcular quais os verdadeiros montantes em jogo e o risco a que o sistema económico está exposto.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  “Nova análise do mercado único”, CESE — INT/332.

(2)  Directiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OICVM) — JO L 375 de 31.12.1985, pp. 3-18.

(3)  Como referido na conferência «Increasing financial capability» organizada pela Comissão Europeia, em Março de 2007, o relatório Sandler, apresentado a Gordon Brown, Chanceler do Tesouro britânico, contém pistas de reflexão interessantes.

(4)  Ver nomeadamente os trabalhos realizados no âmbito da Iniciativa de Financiamento do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP FI), em particular o relatório «A legal framework for the integration of environmental, social and governance issues into institutionnal investment» (2005).

(5)  Ver nomeadamente os trabalhos realizados no âmbito da Iniciativa de Financiamento do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP FI), em particular o relatório «A legal framework for the integration of environmental, social and governance issues into institutionnal investment» (2005).

(6)  Directiva 2002/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, que estabelece um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade Europeia — Declaração Conjunta do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão sobre representação dos trabalhadores — JO L 80 de 23.3.2002, pp. 29-34.

(7)  Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos ou de partes de empresas ou de estabelecimentos — JO L 82 de 22.3.2001, pp. 16-20.

(8)  Cf. nomeadamente o JO C 309 de 16 de Dezembro de 2006“O futuro dos serviços de interesse geral”.

(9)  «Sempre que, em circunstâncias excepcionais, os movimentos de capitais provenientes ou com destino a países terceiros causem ou ameacem causar graves dificuldades ao funcionamento da União Económica e Monetária, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após consulta de BCE, pode tomar medidas de salvaguarda em relação a países terceiros, por um período não superior a seis meses, se essas medidas forem estritamente necessárias».

(10)  Dos quais oito para as transacções comerciais internacionais.

Fonte: François Morin, «Le Nouveau mur de l'argent: Essai sur la finance globalisée», 2006.

(11)  De forma simplista, seguem-se algumas características que ajudam a distinguir melhor entre os fundos especulativos e as participações privadas. Quando investem numa empresa, contentam-se com uma baixa percentagem de acções, mas são activos tendo em vista influenciar as escolhas da empresa. As participações privadas visam a extracção de valor e interessam-se principalmente pela aquisição de empresas recorrendo ao endividamento. A empresa em queda deixa de estar sujeita às obrigações de informação. O desinvestimento na empresa faz-se depois de uma reestruturação total ao fim de alguns anos.

(12)  Aglieta «The surge in private equity», 2007.

(13)  James Shinn, «Private profit or public purpose? Shallow convergence on the shareholder model», Universidade de Princeton, 2001. Os estudos abrangeram catorze países: Estados Unidos, Reino Unido, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Países Baixos e Espanha, China, Japão, Coreia do Sul, Malásia, Singapura e Formosa. Roger M.Baker, «Insiders, outsiders, and change in European corporate gouvernance», Universidade de Oxford, 2006.

(14)  J. Peyrelevade, «Le capitalisme total», 2005, pp.39-42.

(15)  BIPE, op cit. A percentagem do património financeiro particular investido em acções, fundos mútuos, seguros de vida e pensões mais que duplicou na Alemanha, Itália e França entre 1980 e 1998 para atingir cerca de 50 % nos dois primeiros países e 66 % no terceiro. No Reino Unido, embora partindo de um nível mais elevado, estes produtos evoluíram de 52 % para 76 %.

(16)  BIPE, «La montée en puissance des investisseurs institutionnels: implications réglementaires. Etude réalisée pour le Sénat français», Janeiro de 2003.

(17)  Ver nomeadamente S. M. Bilger e K. F. Hallock «Mass layoffs and CEO turnover», 2005 e Chicago Fed Letter «Assessing the impact of job loss on workers and firms», Abril de 2006.

(18)  Ministério das Questões Fiscais, Dinamarca, «Status pa SKATs kontrolindsats verdrrorende kapitalfondes overtagelse af 7 danske koncerner», Março de 2007.

(19)  Watson Wyatt, «Corporate directors give executive pay model mixed reviews», Junho de 2006.

(20)  D. Plihon, «Précarité et flexibilité du travail, avatars de la mondialisation du capital», 2006.

(21)  COM(2003) 728 final, «Melhorar a qualidade do emprego: análise dos progressos recentes».

(22)  Sendo o capital humano cada vez mais apontado como factor de competitividade numa economia do conhecimento, é espantoso que não surja no activo dos balanços das empresas.

(23)  Observatório Europeu das Condições de Trabalho, «Fourth European Working Conditions Survey», 2007, p. 49.

(24)  Cf. ponto 6.4 e seguintes.

(25)  Observatório Europeu das Condições de Trabalho, «Fourth European Working Conditions Survey», 2007, p. 49.

(26)  Comissão Europeia, «The contribution of labour cost developments to price stability and competitiveness adjustment in the Euro Area»in Relatório trimestral sobre a Zona Euro, volume 6, n.o 1, 2007.

(27)  Cf. Inquéritos trienais «US Survey of Consumer Finances».

(28)  Distribuição dos rendimentos por ordem crescente dividida em cinco partes com um mesmo número de observações.

(29)  Obras recentes apontaram nesta direcção. Citemos nomeadamente T. Piketty, E. Saez: «The evolution of top incomes: a historical and international Perspective», American Economic Review, 2006.

(30)  Deutsche Bank Research, «Private equity in Europe», Janeiro de 2005.

(31)  The McKinsey Quarterly, «Competitive advantage from better interactions», 2006, número 2.

(32)  Adrian Blundell-Wignall, «Private Equity Trends and Issues», OCDE, 2007.

(33)  B. Carayon, «Patriotisme économique: de la guerre à la paix économique», 2006, p. 119.

(34)  House of Commons, Treasury Committee: «Private equity: tenth report of session 2006-07».

(35)  Financial Times, 30 de Janeiro de 2007.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

Alterações rejeitadas

As seguintes alterações, que obtiveram, pelo menos, um quarto dos votos expressos, foram rejeitadas durante o debate. Artigo 54.o, n.o 3, do Regimento.

Pontos 5.1 e 5.1.1

Substituir os pontos 5.1. e 5.1.1. pelo ponto 5.1. seguinte:

«5.1

Por um lado, embora tenhamos já frequentemente justificado os pagamentos elevados aos accionistas pelo risco das operações em que empenharam o seu capital, a base desse argumento é duramente atingida pelos desenvolvimentos dos últimos anos.

5.1.1

Efectivamente, a responsabilidade é limitada apenas às suas contribuições, e a capacidade de negociação do seu activo associada a uma liquidez crescente dos mercados financeiros e bolsistas graças às novas tecnologias e à sua globalização reduzem consideravelmente a intensidade do risco que correm, dando-lhes uma capacidade de saída e diversificação sem igual.

5.1

Os pagamentos aos accionistas devem estar em sintonia com os resultados das empresas.».

Justificação

Os dois pontos são demasiado críticos em relação à função dos accionistas como parte essencial do desenvolvimento das empresas. Ao afirmar que «a responsabilidade é limitada apenas às suas contribuições» parece que se está a retirar importância ao risco que implica investir nos mercados financeiros e bolsistas. A última crise destes mercados desmente também a afirmação de que «graças às novas tecnologias e à sua globalização reduzem consideravelmente a intensidade do risco que correm». A limitação dos pagamentos aos accionistas poderia ser negativa para a evolução dos mercados bolsistas

Resultado da votação

Votos a favor: 65

Votos contra: 70

Abstenções: 13


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/106


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Políticas económicas de apoio à estratégia industrial europeia»

(2008/C 10/24)

Em 17 de Janeiro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre o tema: Políticas económicas de apoio à estratégia industrial europeia.

Incumbida a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 4 de Setembro de 2007, sendo relatora S. FLORIO.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 129 votos a favor, 2 votos contra e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Crescimento, inovação e emprego, objectivos relançados pela Agenda de Lisboa na Primavera de 2000, são indissociáveis da reavaliação e da revalorização do papel das políticas industriais na Europa. Para garantir o respeito do Pacto de Estabilidade e Crescimento e a consolidação do mercado único, é imprescindível conjugar formas de coordenação que confiram à indústria europeia um papel nuclear nos desafios colocados pela globalização.

Convirá, com efeito, determinar dentre os objectivos estratégicos os sectores de interesse comunitário ou supranacional prioritários e apoiá-los com instrumentos económicos adequados. Se as estratégias industriais de médio e longo prazo são essencialmente do foro comunitário, a sua aplicação e realização concretas competem aos Estados-Membros.

A moeda única e o mercado interno são instrumentos extremamente úteis mas não são objectivos em si. Os objectivos continuam a ser os estabelecidos pelo Tratado, ou seja, o progresso económico e social e um índice de emprego elevado.

Com base nestas premissas, o Comité considera que, nas políticas económicas de apoio à estratégia industrial europeia, é preciso concentrar-se nos seguintes domínios:

1.2

As Orientações Gerais das Políticas Económicas (GOPE) e a Agenda de Lisboa. Embora sendo um instrumento de orientação e de coordenação das políticas económicas, estas devem integrar-se mais consequentemente nas iniciativas da Agenda de Lisboa e prever investimentos na inovação e nas novas tecnologias do sector industrial, tendo em mente a situação económica de cada um dos Estados-Membros.

1.3

Papel e políticas do Banco Central Europeu (BCE). As decisões do BCE têm como principal objectivo o controlo da inflação e a estabilidade dos preços. Por vezes, a realização destes objectivos pode refrear os investimentos. Sem esquecer os seus objectivos prioritários, o BCE poderia praticar, na medida do possível, uma política monetária mais condescendente para incentivar o investimento.

1.4

Papel do Bano Europeu de Investimento (BEI). O BEI deve ser mais incisivo no seu contributo para a coesão económica e social e secundar o desenvolvimento industrial com medidas de incentivo à investigação e ao desenvolvimento (I&D). Ao mesmo tempo, a Comissão deve munir-se de novos instrumentos de política macroeconómica para estimular a expansão e o crescimento industrial.

1.5

Necessidade de políticas fiscais mais eficazes. No âmbito das políticas fiscais, é preciso reduzir os encargos administrativos, sobretudo os que recaem sobre as PME, sendo conveniente que as medidas fiscais se traduzam em incentivos ao investimento em I&D.

1.6

Riscos da «financeirização»  (1) não regulamentada das empresas. A excessiva «financeirização» das empresas e a predominância cada vez maior de investimentos puramente especulativos na indústria põem em perigo o tecido industrial, tendo muitas vezes um impacto negativo na produção, no emprego e na coesão social. Importa, por conseguinte, adoptar instrumentos que regulem devidamente a penetração do mundo financeiro na vida das empresas.

1.7

Relançamento do modelo industrial europeu. Uma das formas de combater o declínio da indústria transformadora e as deslocalizações é o relançamento do modelo industrial europeu, caracterizado por aglomerados (clusters) e sectores industriais de sucesso. De qualquer modo, o tecido industrial carece de infra-estruturas materiais e imateriais. A UE tem todo o interesse em financiar projectos neste sentido.

Além disso, dado o papel fundamental dos serviços na economia europeia, deverão interagir com as empresas que têm neles, sem sombra de dúvida, a seiva vital mas que sucumbiriam sem uma dinâmica e uma vitalidade do sector industrial propriamente dito.

1.8

Competitividade, inovação e propriedade intelectual. É, além disso, evidente a necessidade de melhorar os resultados e os investimentos em I&D, que, neste momento, estão muito aquém dos objectivos da Agenda de Lisboa. Também com este propósito, haverá que reforçar o empenho económico da UE. A nova estratégia industrial deve ter em conta, nos investimentos em I&D, os novos objectivos almejados pela UE em matéria de emissões de dióxido de carbono. A defesa dos direitos de propriedade intelectual é também essencial para a competitividade e a capacidade inovadora da indústria europeia e deve contar com o apoio de instrumentos comunitários adequados.

1.9

Educação e indústria. Nunca é demais realçar a importância das relações e da interdependência entre as empresas e o mundo escolar e universitário. As escolas, universidades e estabelecimentos de ensino superior de terceiro grau têm de estar cientes da necessidade de formar os estudantes de modo a que as qualificações também sejam úteis para o mundo empresarial, devendo as empresas, por seu turno, dar a conhecer aos estabelecimentos de ensino as suas próprias exigências. Uma forma de melhorar contactos entre estes dois mundos é criar parques empresariais nos campos universitários, valorizar os centros de excelência europeus como, aliás, o Instituto Europeu de Tecnologia.

1.10

Diálogo social — a identificação de sinergias e a participação de todas as partes em causa para o sucesso das alterações estruturais podem tornar as mutações industriais socialmente aceitáveis se a participação sistemática dos parceiros sociais está assegurada quando da antecipação e da gestão das mutações e se se prosseguir de forma coerente um duplo objectivo: o da competitividade das empresas e o da redução das consequências sociais negativas. Nas regiões transfronteiriças, podem-se facilitar as mutações industriais concretizando o quadro transnacional facultativo para a negociação colectiva, tal como anunciado na agenda social para 2005-2010. Os conselhos de empresa europeus (CEE) têm também uma contribuição a dar: é necessário assegurar o reforço das competências das pessoas que participam nos seus trabalhos de forma a que os CEE possam desempenhar o seu papel de actores essenciais do processo de consulta e de diálogo (2).

2.   Antecedentes

2.1

A base jurídica para a aplicação de uma política industrial comunitária encontra-se no artigo 157.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia (3), e depararemos com ela numa série de documentos relevantes. A história da política industrial europeia radica na comunicação já longínqua da Comissão Europeia intitulada «A política industrial num ambiente aberto e concorrenciallinhas directrizes para uma abordagem comunitária» (4). Outros documentos (5) se seguirão: a comunicação da Comissão «Política Industrial na Europa Alargada» (6), que tratava da oportunidade e das consequências do alargamento iminente da União Europeia. Entre os documentos ulteriores são de recordar as comunicações da Comissão «Alguns aspectos fundamentais da competitividade da Europa Rumo a uma abordagem integrada» (7) e «Acompanhar as mutações estruturais: Uma política industrial para a Europa alargada» (8). Mais recente ainda é a comunicação «Aplicar o Programa Comunitário de Lisboa: Um enquadramento político para reforçar a indústria transformadora da UErumo a uma abordagem mais integrada da política industrial» (9), que foi seguida da avaliação intercalar da política industrial (10).

2.2

A introdução do euro como moeda única esteve na origem do acordo sobre um Pacto de Estabilidade e Crescimento entre os países aderentes, voltando a evidenciar a necessidade de uma melhor coordenação das políticas económicas nacionais, sobretudo das políticas orçamentais.

Por outro lado, o alargamento aos novos países da Europa Central e Oriental representa um importante desafio para o futuro da Europa e requer a eliminação das assimetrias que persistem ainda entre as várias realidades económicas, sociais e produtivas.

As políticas comunitárias realizaram objectivos cruciais, especialmente na consolidação do mercado interno e, mais recentemente, na livre circulação dos serviços.

Ao prestar atenção dedicada a todas estas prioridades (observância dos parâmetros de Maastricht, regulamentação do mercado interno, realidades económicas e produtivas muito diversas), descurou-se as políticas de apoio ao potencial industrial da UE.

2.3

Neste cenário, as políticas industriais tiveram um peso menos decisivo na estratégia para o crescimento e o emprego. Tal deveu-se a opções que deixaram ao critério dos Estados-Membros a definição de todas as orientações neste sector, o que produziu parcos resultados em termos de acordos supranacionais e levou, seguramente, à escassez de formas de coordenação dentro da União Europeia. Embora não tenham faltado nestes últimos 25 anos compromissos e documentos para dotar a União Europeia de uma política industrial que lhe permitisse acompanhar o ritmo das grandes potências económicas mundiais, a impressão geral é que têm prevalecido os interesses nacionais. Muito se tem feito para acelerar as privatizações e as liberalizações, consideradas como os melhores incentivos ao crescimento económico, mas tem-se descurado a política comunitária de apoio ao sector industrial e de transformação.

2.4

Num mundo globalizado como o nosso, é cada vez mais ingente definir as estratégias industriais europeias mais adequadas para fazer frente à concorrência mundial, que já não se cinge apenas aos gigantes que são os EUA e o Japão, mas se estende também às potências asiáticas emergentes, entre as quais a China e a Índia. É, pois, forçoso prever instrumentos comunitários capazes de responder com êxito aos desafios colocados pelo resto do mundo, para dar à UE um papel de líder e não de mero seguidor nos sectores estratégicos.

2.5

Mas, ao invés disso, tem-se assistido na Europa, nos últimos anos, a uma tendência para a renacionalização das políticas industriais, sobretudo em alguns sectores estratégicos, como por exemplo no da energia. Em muitos casos, há o risco de a propensão em privilegiar os campeões nacionais em detrimento dos campeões europeus, em particular nos sectores que exigem dimensões de mercado mais amplas e investimentos mais substanciais, se voltar contra os interesses nacionais dos países envolvidos.

2.6

As estratégias industriais a médio e longo prazo e as políticas económicas que as promovem relevam da esfera europeia, pressupondo que cabe unicamente aos Estados-membros aplicar essas políticas e traduzi-las em escolhas à escala nacional.

2.7

Face à aparição na cena mundial de novas potências económicas, mais competitivas nas produções com grande intensidade de mão-de-obra, a estratégia industrial europeia terá necessariamente de se reorientar para uma produção de qualidade. Mas, para tal, será não só indispensável prever que sectores serão capazes de impulsionar a produção de alta tecnologia de inovação e a qualidade, mas também determinar de que instrumentos económicos disporão os sectores da indústria e da manufactura que representam os interesses de toda a União Europeia.

3.   Relancemos as políticas económicas da União Europeia!

3.1

O mercado interno da UE é, desde a sua génese, o verdadeiro motor da integração europeia e do crescimento económico. Posteriormente, o euro, como moeda única, reforçou o papel do mercado único, tornando mais velozes e seguras as transacções comerciais e melhorando a concorrência. Mas tanto o mercado interno como o euro são meios e não fins em si. Os objectivos continuam a ser os do Tratado, reiterados pelas conclusões do Conselho de 21 e 22 de Junho de 2007, ou seja, o progresso económico, a coesão social e um índice de emprego elevado.

3.2

A economia europeia conheceu, após desempenhos animadores na segunda metade de 2003, um abrandamento no segundo semestre de 2004, em consequência de factores também exógenos, como o preço do petróleo, que se ressentiu da crise internacional, e o ritmo de desenvolvimento do comércio mundial. A evolução da economia europeia em 2005, o ligeiro crescimento em 2006 e os encorajadores primeiros quatro meses de 2007 (11) confirmaram que o seu fortalecimento depende cada vez mais da evolução das exportações e cada vez menos da procura interna (12).

3.3

Nas Orientações Gerais das Políticas Económicas (GOPE) 2005-2008 (13), o Conselho concentra-se nos instrumentos, nas prioridades e nas políticas macroeconómicas a adoptar pelos Estados-Membros, bem como nas suas reformas, indispensáveis também no âmbito de uma estratégia industrial.

3.4

As políticas macroeconómicas preconizadas nas GOPE pretendem melhorar o crescimento económico e o emprego, mas realçam simultaneamente a importância das políticas económicas para a estabilidade dos preços. As medidas propostas têm por finalidade

garantir a estabilidade económica, cumprindo os objectivos de médio prazo,

preservar a sustentabilidade económica e orçamental, reduzindo a dívida pública e consolidando os sistemas de pensões e de segurança social e de cuidados de saúde,

promover uma afectação eficaz dos recursos, privilegiando as despesas que favoreçam o crescimento económico e uma evolução salarial propícia ao crescimento e à estabilidade,

promover a coerência das políticas macroeconómicas, estruturais e de emprego.

3.5

As políticas macroeconómicas do Pacto de Estabilidade e Crescimento deveriam adequar-se melhor aos objectivos da Estratégia de Lisboa, para dar vida a uma única política económica da União Europeia e da zona do euro. Para apoiar consequentemente as escolhas da estratégia industrial que se deseja, é preciso rever o orçamento europeu e reorientar os recursos para investimentos que incentivem mais cabalmente o crescimento (14).

4.   Invistamos na Estratégia de Lisboa!

4.1

Em contrapartida, no que se refere às reformas destinadas a aumentar o crescimento, mais importantes sob o ponto de vista da indústria, o Conselho prevê as seguintes prioridades:

melhorar e incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento, reiterando o objectivo de 3 % do PIB estabelecido em Lisboa,

tirar partido das vantagens competitivas da indústria europeia, delineando uma política industrial moderna e activa que passe pelo desenvolvimento de novas tecnologias e pela criação de condições atractivas para a indústria e pelo aumento dos factores de competitividade para fazer face aos desafios da mundialização e a promoção da qualidade dos pólos de empresas na UE,

desenvolver e aprofundar o mercado interno e aplicar com mais eficácia as políticas da concorrência, reduzindo simultaneamente os auxílios estatais,

promover uma cultura mais orientada para o empreendedorismo e criar um ambiente favorável às PME,

melhorar e investir nas infra-estruturas europeias, já que são um factor determinante para o bom funcionamento do tecido industrial europeu.

4.2

O «Relatório Sapir» (15) de 2003 já tinha em conta uma parte destes objectivos, insistindo na salvaguarda do Pacto de Estabilidade e Crescimento. No âmbito da política monetária — afirmava-se — a única via para criar o terreno ideal para a estratégia industrial gizada era adoptar medidas capazes de controlar o custo do dinheiro e assegurar a estabilidade macroeconómica a longo prazo.

4.3

O CESE, ao pronunciar-se sobre as GOPE, preconizava a sua maior integração com as demais iniciativas da Agenda de Lisboa (16).

4.4

Persiste, todavia, ainda hoje um desequilíbrio considerável nas decisões inerentes às políticas macroeconómicas, caracterizado por uma acentuada concentração no combate à inflação e na estabilidade dos preços e pela propensão excessiva do BCE para utilizar as taxas de juro sem a flexibilidade necessária e, por vezes, de um modo inextrincável. Numa época de forte crescimento (1999-2000), o BCE duplicou praticamente as taxas de juro, ao passo que durante os muitos anos de pouco crescimento demorou uma eternidade a reduzi-las. Uma política monetária flexível, aliada a políticas fiscais certeiras (rigor e investimentos públicos), poderia ser um elemento decisivo para o crescimento sustentável e duradouro no sistema europeu.

4.5

É missão do Banco Central Europeu manter a estabilidade monetária e controlar a subida dos preços. Estas políticas podem, todavia, transformar-se em obstáculos ao crescimento económico dos países da zona do euro e ter, por conseguinte, um efeito de travão sobre os quinze países «convergentes». Eis porque é necessário melhorar a coordenação das actividades do BCE com as políticas macroeconómicas da UE. É evidente que, nas suas decisões, o BCE deve ter presente que uma moeda forte influi positivamente nas importações, que ficam assim mais vantajosas, mas penaliza as exportações.

4.6

Nos últimos meses tem-se assistido a um encorajador, ainda que moderado, crescimento económico da UE. Este crescimento deve-se essencialmente às exportações para outros mercados, o que é indubitavelmente positivo, mas é sobretudo apoiando a procura interna que se consegue um crescimento do mercado interno duradouro e sólido. As políticas salariais contribuem igualmente para promover e aumentar a procura interna, visto dinamizarem a economia e melhorarem os resultados, evitando os riscos de uma inflação excessivamente reduzida ou de uma queda dos preços.

5.   Para uma melhor concertação das políticas fiscais

5.1

Uma estratégia concertada, também no âmbito das políticas fiscais, permitiria intervenções susceptíveis de apoiar o desenvolvimento industrial e contribuiria, globalmente, para a revitalização da economia europeia. Se, por um lado, é forçoso reduzir os encargos administrativos que oneram excessivamente as empresas, em particular as PME, espera-se, por outro lado, uma melhoria da regulamentação, simplificando-a, tornando-a mais transparente e garantindo o seu cumprimento mais estrito. Um sistema fiscal, assente na equidade, na redistribuição que acompanhe o crescimento e promova a coesão, é um vector essencial de crescimento, emprego e produtividade.

5.2

O fenómeno da crescente «financeirização» (17) das empresas pode ter efeitos negativos no sector industrial e de transformação. As consequências desta situação são pesadas, tanto em termos de redistribuição do rendimento e da riqueza como de desenvolvimento económico e emprego.

5.3

É necessário aumentar a transparência e melhorar a regulamentação comunitária, essencialmente pelo seguinte: i) no mercado financeiro os fundos especulativos são um instrumento de alto risco; ii) a atenção e a protecção devidas aos investidores individuais são ainda insuficientes; iii) regras mais eficazes protegeriam não só as empresas como o mercado financeiro e ainda os investidores e aforradores. Por este motivo, é necessária uma regulamentação comunitária transparente e eficaz que garanta a disponibilização de informação adequada e exaustiva aos investidores. Além disso, a aprovação da directiva sobre mercados de instrumentos financeiros é um avanço fundamental na protecção dos investidores, sejam eles pessoas singulares ou colectivas.

5.4

A UE e os Estados-Membros deverão, por conseguinte, munir-se de instrumentos eficazes que coloquem as suas economias ao abrigo das especulações e da excessiva «financeirização» dos grupos industriais e económicos, já que estes fenómenos não propiciam o aumento da riqueza e do bem-estar de um ou mais países, representando antes um risco real para a coesão social e o emprego.

6.   Investir nos sectores-chave

6.1

As empresas que terão o papel mais relevante no futuro serão certamente as dos sectores de alta tecnologia, como as energias alternativas, as nanotecnologias e as biotecnologias, a indústria espacial e a aeronáutica, o sector multimédia e as telecomunicações. Todos estes sectores se caracterizam, todavia, por uma grande intensidade de capital, mais do que de mão-de-obra, carecendo, por isso, de uma classe de trabalhadores altamente qualificados.

6.2

Carecendo os sectores tradicionalmente fortes da indústria europeia (automóvel, de electrodomésticos, etc.) do apoio dos sectores da produção de qualidade elevada, a política económica europeia terá de incentivar, com instrumentos directos e indirectos, a realização de grandes projectos europeus nestes domínios.

6.3

Conforme frisou o presidente do BEI, Philippe Maystadt, na sua intervenção no CESE, o papel do Banco Europeu de Investimento é apoiar a coesão económica e social, sendo aqui prioritários os investimentos no sector das energias renováveis, na eficiência energética, nas actividades de investigação e desenvolvimento, na segurança do aprovisionamento energético e na diversificação das fontes de energia. Ao mesmo tempo, iniciativas como JASPERS destinam-se a preparar projectos no âmbito das redes de transportes, do ambiente e da protecção da saúde.

6.4

Há empresas com grande consumo energético que são fundamentais para o tecido industrial europeu e que importa, por isso, defender ao nível comunitário mediante medidas de política industrial, coordenadas entre os Estados-Membros, que tornem possíveis intervenções transitórias e a longo prazo, também de carácter sectorial, com o fito de apoiar estas produções primárias europeias. Esta exigência não deverá perder de vista as metas fundamentais definidas pela UE para a redução das emissões de dióxido de carbono, com vista a contrariar o aquecimento do nosso planeta. Estes objectivos são, aliás, uma boa ocasião para conjugar a necessidade de crescimento do mercado interno com as alterações climáticas em curso. Em consonância com estes objectivos, a UE deverá ter um papel principal nas negociações internacionais para o respeito do Protocolo de Quioto e para a observância do recente regulamento REACH.

6.5

Constata-se já, com apreensão, a deslocalização de algumas produções. São, portanto, necessários esforços para que o encerramento de estabelecimentos de produção seja o menos traumático possível para os trabalhadores e a prosperidade de certas regiões. Mas a resposta não pode ser unicamente «refreá-la». Deve haver, além disso, uma preocupação constante em requalificar as empresas e os trabalhadores, através de formação contínua que lhes permita permanecer no mercado de trabalho graças às suas qualificações profissionais.

7.   Políticas territoriais

7.1

Para um desenvolvimento equilibrado de todo o território comunitário, urge, também numa óptica europeia, incentivar as empresas a não optarem por investimentos de mera de substituição, mas com um carácter adicional. Só deste modo ser-lhes-á possível ampliar o universo de utilizadores dos seus produtos e usufruir efectivamente das vantagens do mercado interno, alargado entretanto aos novos Estados-Membros. O tecido industrial europeu é caracterizado por aglomerados (clusters) e sectores industriais de sucesso, um modelo que não é de modo algum obsoleto e pode ser competitivo inclusivamente face aos desafios futuros, sobretudo em sectores de transformação específicos.

7.2

É a própria Comissão (18) a sublinhar as tendências para a «desindustrialização» e para a «deslocalização», fenómenos parcialmente interligados. É indubitável que a economia europeia passou nas últimas dezenas de anos por uma revolução macroscópica: a quota-parte da indústria transformadora em relação à produção total da União desceu de 30 %, em 1970, para 18 % em 2001, ao mesmo tempo que o sector dos serviços deu um salto de 52 % para 71 %. A deslocalização afecta especialmente as produções com pouca intensidade de tecnologia e grande intensidade de mão-de-obra. Mas um dos riscos mais sérios é as actividades de I&D terem também de ser deslocalizadas para fora das fronteiras europeias, o que aliás já está a acontecer. São, além disso, inquietantes os últimos dados sobre os pedidos da indústria publicados no fim de Abril de 2007 pela Eurostat (19).

7.3

A indústria transformadora sempre foi e continuará a ser a espinha dorsal da economia europeia. Dependendo muitos sectores, também o dos serviços, de uma base industrial sólida, seria deletério abandoná-la se pensarmos no seu grande potencial e nos pólos de excelência existentes (20). Enquanto se assiste à deslocalização para fora da União Europeia de certas indústrias com grande intensidade de mão-de-obra, é essencial que se mantenha no nosso continente o núcleo duro da produção industrial, que representa um elevado valor acrescentado da nossa economia.

7.4

Com efeito, um relance pelas empresas mundiais que realizam o maior volume de negócios revela que a indústria mantém tenazmente o seu vigor na economia contemporânea. Além disso, até o sector terciário, que não pára de crescer, tem justamente nos «serviços à produção» a sua vertente mais dinâmica e inovadora (21).

7.5

Nestes últimos anos, a Comissão Europeia assumiu diversos compromissos de apoio ao sector industrial. Passamos a citar alguns exemplos. A indústria automóvel, um sector tradicionalmente forte da indústria europeia, responsável por 3 % do PIB europeu e por 7 % do emprego no sector da transformação, mereceu recentemente a atenção da Comissão. A sua comunicação «CARS 21» (22) é uma tentativa de lançar uma estratégia global para a indústria automóvel europeia, a fim de manter a longo prazo a produção de veículos automóveis aos melhores preços para os consumidores. O documento aborda vários aspectos, como a redução dos encargos administrativos, a sustentabilidade ambiental, a segurança rodoviária, o comércio externo e a investigação. A Comissão parece ter-se compenetrado de que a indústria automóvel, juntamente com os sectores conexos, ocupa uma posição nuclear na economia europeia e, como tal, carece de instrumentos de coordenação à escala europeia capazes de orientar o seu desenvolvimento.

7.6

Outro sector em que as instituições adoptaram medidas ad hoc é o dos têxteis, um sector extremamente sensível às consequências da concorrência internacional. O Conselho «Competitividade» de 27 de Novembro de 2003 já realçava a importância de garantir a interacção das políticas ao nível comunitário, sobretudo através da investigação, da inovação, das acções de formação e da protecção dos direitos de propriedade intelectual. A Comissão instituiu, no início de 2004, um Grupo de Alto Nível (GAN) para o sector de têxteis e vestuário, com a missão de formular recomendações sobre uma série de iniciativas concretas a nível regional, nacional e europeu (23).

7.7

Em Novembro de 2003, a Comissão lançou, além disso, a Iniciativa Europeia para o Crescimento, concebida para acelerar a recuperação económica na UE. A Iniciativa para o Crescimento compreende um programa de arranque rápido (quick start) contemplando projectos de investimento público e privado nas infra-estruturas, nas redes e no conhecimento, com o fito de encorajar a criação de parcerias público-privadas, em cooperação com o Banco Europeu de Investimento. Este projecto merece ser apoiado, especialmente no caso dos objectivos económicos, sociais e de protecção ambiental que a União Europeia se tem proposto cumprir nos últimos anos.

7.8

O Fundo Social Europeu, que pode ser definido como um dos instrumentos concebidos para a transição em sectores e domínios afectados por mutações estruturais, destina-se de facto, sobretudo, às políticas activas do mercado de trabalho, à formação e ao acesso ao mercado laboral. O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional apoia a competitividade, com ênfase na investigação, na inovação, na educação e nas infra-estruturas. As actividades dos Fundos Estruturais cumprirão os seus objectivos se os actores sociais e económicos forem adequadamente implicados na programação, a partir de um princípio de parceria.

8.   Investigação e desenvolvimento (I&D)

8.1

Está provado que a investigação e o desenvolvimento são uma verdadeira conditio sine qua non do crescimento económico e das estratégias industriais. As iniciativas das instituições europeias para valorizar e melhorar os resultados e os investimentos na inovação são inúmeras e unânimes em atribuir a estes aspectos um peso específico essencial.

8.2

A Agenda de Lisboa prevê, para todos os Estados-Membros, o objectivo de investirem 3 % do seu PIB em I&D. Este ambicioso desiderato parece hoje muito longe e, nos últimos anos, observa-se que têm sido os Estados-Membros que sempre investiram tradicionalmente neste sector a continuar a fazê-lo e que os outros não aumentaram o seu contributo conforme se esperava (24). Seria conveniente traduzir as medidas fiscais em incentivos ao investimento em I&D.

8.3

Conforme realçava o relatório Sapir, é considerável a diferença entre a União Europeia e os EUA, em termos de investimento em I&D. E esta diferença não diz respeito apenas aos recursos que lhe são destinados pelos sectores público e privado. Na Europa há, em comparação com os EUA, menos investigadores e menos publicações científicas, é mais incipiente a presença dos produtos de alta tecnologia no mercado internacional e é menor o número de patentes e de novas empresas de sucesso (as chamadas start-up) (25).

8.4

No Livro Verde sobre «O Espaço Europeu da Investigação: novas perspectivas» (26), a Comissão propõe uma estratégia para sair do impasse em que se encontra a patente comunitária, informando que estão em preparação iniciativas destinadas a apoiar a emergência de «mercados-piloto» em sectores promissores e de forte intensidade tecnológica.

8.5

No âmbito do Programa Comum de Investigação e do programa-quadro para a competitividade e a inovação faz-se sentir, hoje mais do que nunca, a necessidade de criar uma instância de coordenação centrada nas estratégias industriais.

8.6

O apoio à investigação é ainda essencialmente uma política nacional, mas há exemplos que vão no sentido oposto e têm provado a sua eficácia: o consórcio Airbus e a empresa comum STMicroelectronics são considerados pela maioria dos economistas como «campeões europeus» de sucesso, exemplos raros de coordenação supranacional realmente competitivos, em sectores tecnologicamente complexos. O fundo para a inovação poderia ajudar à criação de grupos industriais europeus, facilitando a multiplicação das experiências positivas de carácter supranacional.

8.7

Um tecido industrial ideal precisa de uma rede para desenvolver as suas actividades e, antes de mais, uma rede europeia. O seu objectivo deverá ser, portanto, melhorar e consolidar infra-estruturas materiais tais como redes de transporte, redes informáticas, portos, corredores e vectores, bem assim infra-estruturas imateriais, de importância certamente não secundária, especialmente nos desafios a longo prazo, tendo como alvo a formação e a coordenação das universidades e dos centros de investigação.

8.8

É aqui indispensável uma forte ligação com o mundo académico, científico e empresarial. É, além disso, fundamental uma abordagem estratégica assegurando, por um lado, aos estudantes as necessárias competências para acederem ao mundo laboral e, por outro, mobilizar investimentos públicos e privados para o desenvolvimento de centros de excelência que, em estreita ligação com as universidades, sejam o terreno fértil para o empreendedorismo do futuro.

8.9

Recordamos, além disso, que o Sétimo Programa-quadro de Investigação e Desenvolvimento (2007-2013) (27) prevê um aumento das dotações orçamentais das pequenas e médias empresas, prevendo um montante de 1,3 mil milhões de euros para:

apoiar os pequenos grupos de empresas inovadoras para poderem resolver problemas comuns de cariz tecnológico,

garantir às actividades de I&D das PME um financiamento de 75 % (em relação aos 50 % do Sexto Programa-quadro),

desenvolver e coordenar os apoios às PME, à escala nacional.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Financeirização {tradução livre}: predomínio crescente da indústria financeira na actividade económica global, controladores financeiros na gestão das sociedades, activos financeiros entre os activos totais, valores mobiliários (marketised securities) e, especialmente, títulos entre os activos financeiros, a bolsa de valores como mercado de controlo das empresas para definir estratégias empresariais, flutuações da bolsa como factor determinante dos ciclos conjunturais.

http://en.wikipedia.org/wiki/Financialisation.

(2)  JO C 24 de 31.10.2006. «O diálogo social e participação dos trabalhadores — A chave para a antecipação e gestão das mutações industriais» e «Implementar o programa comunitário de Lisboa: um quadro político para reforçar a indústria transformadora da União Europeia — Para uma nova abordagem mais integrada da política industrial», JO C 185 de 8.8.2006, Orientações estratégicas da política de coesão (2007-2013).

(3)  O n.o 2 do artigo 157.o, em particular, refere que «Os Estados-Membros consultam-se mutuamente em articulação com a Comissão e, na medida do necessário, coordenam as suas acções. A Comissão pode tomar quaisquer iniciativas necessárias para promover essa coordenação».

(4)  COM(1990) 556 final.

(5)  Pensa-se aqui nas seguintes comunicações da Comissão Europeia dos anos noventa «Uma política de competitividade industrial para a União Europeia» (COM(1994) 319 final e «Como encorajar a competitividade das empresas europeias face à mundialização» (COM(1998) 718 final.

(6)  COM(2002) 714 final.

(7)  COM(2003) 704 final.

(8)  COM(2004) 274 final.

(9)  COM(2005) 474 final.

(10)  COM(2007) 374 final.

(11)  Eurostat News Release 64/2007, 15 de Maio de 2007.

(12)  Eurostat News Release 50/2007, 12 de Abril de 2007.

(13)  Recomendação do Conselho 2005/601/CE, de 12 de Julho de 2005, relativa às orientações gerais das políticas económicas dos Estados-Membros e da Comunidade (2005-2008) in JO L 205 de 6.8.2005, p. 28.

(14)  Ver Grupo Agenda de Lisboa «Workshop on developing the Lisbon Agenda at European level» — Bruxelas, 17 de Novembro de 2006, relatório de síntese por Maria João Rodrigues.

(15)  «An Agenda for a Growing EuropeMaking the EU Economic System Deliver» (Uma Agenda para uma Europa em Crescimento — Melhorar o desempenho do sistema económico da UE), André Sapir e outros, Julho de 2003.

(16)  Parecer do CESE sobre «As Orientações Gerais para as Políticas Económicas e a Governação Económica — Premissas para uma maior coordenação das políticas económicas da UE» in JO C 324 de 30.12.2006, p. 49.

(17)  Ver nota de rodapé 1.

(18)  Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu — Alguns aspectos fundamentais da competitividade da Europa Rumo a uma abordagem integrada — COM(2003) 704 final.

(19)  Eurostat News Release 56/2007, 24 de Abril de 2007.

(20)  A importância fundamental de um sector industrial forte e vital é realçada pela Comunicação da Comissão «Aplicar o Programa Comunitário de Lisboa: Um enquadramento político para reforçar a indústria transformadora da UErumo a uma abordagem mais integrada da política industrial» — COM(2005) 474 final e pelo parecer do CESE na matéria in JO C 185 de 8.8.2006, p. 80.

(21)  No atinente à importância dos serviços à produção e da sua interacção com a indústria transformadora, ver o parecer do CESE intitulado «Os serviços e a indústria transformadora da UE: Interacções e impactos no emprego, na competitividade e na produtividade» in JO C 318 de 23.12.2006, p. 26.

(22)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho «Um quadro regulador concorrencial para o sector automóvel no século XXI — Posição da Comissão face ao relatório final do grupo de alto nível — Uma contribuição para a Estratégia do Crescimento e do Emprego da União Europeia CARS 21» COM(2007) 22 final.

(23)  Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «O sector dos têxteis e do vestuário após 2005Recomendações do Grupo de Alto Nível para os Têxteis e o Vestuário» — COM(2004) 668 final.

(24)  Ver trabalhos do Grupo de Lisboa do CESE, em particular a Resolução sobre «A aplicação da Estratégia de Lisboa renovada»de 15 de Fevereiro de 2007 (CESE 298/2007).

(25)  COM(2006) 728 final.

(26)  COM(2007) 161 final.

(27)  Ver parecer do CESE sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Programa-quadro para a Competitividade e a Inovação (2007-2013) in JO C 65 de 17.3.2006, p. 22.


15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/113


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a:

«Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu: Coordenar os sistemas de fiscalidade directa dos Estados-Membros no mercado interno»

«Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu: Tratamento fiscal dos prejuízos incorridos num contexto transfronteiras»

«Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu: Tributação à saída e necessidade de coordenação das políticas fiscais dos Estados-Membros»

COM(2006) 823 final a

COM(2006) 824 final — {SEC(2006) 1690} e a

COM(2006) 825 final

(2008/C 10/25)

Em 19 de Dezembro de 2006 decidiu a Comissão Europeia, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre aos propostas supramencionadas.

Incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social emitiu parecer em 4 de Setembro de 2007, sendo relator: Lars NYBERG.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 168 votos a favor, 2 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese e conclusões

1.1

No que se refere aos objectivos e à orientação dos trabalhos em matéria de fiscalidade e do mercado interno, concordamos com a Comissão quando afirma que a coordenação e a cooperação adequadas entre os Estados-Membros poderão contribuir para a realização da política fiscal e para proteger as suas bases tributárias, reduzindo, coetaneamente, os custos do cumprimento da legislação e eliminando obstáculos como a discriminação e a dupla tributação.

1.2

A Comissão revela uma certa prudência na formulação das comunicações em exame, utilizando expressões como «propõe apresentar», «propõe explorar», «propõe-se examinar», etc. O CESE considera que as propostas apresentadas pela Comissão têm lógica no âmbito de um programa de trabalho sobre fiscalidade, dado tratar-se de aspectos problemáticos das actividades transfronteiras.

1.3

Todavia, a atitude cautelosa da Comissão põe o leitor à prova. A descrição das várias situações é bastante sintética e a interpretação das normas em vigor não passa de uma tentativa. Com efeito, mesmo as considerações sobre as ideias defendidas nas comunicações da Comissão devem exprimir não tanto posições concretas mas antes questões de princípio. Os debates com representantes da Comissão evidenciaram, além disso, que essas comunicações devem ser vistas sobretudo como um relatório dos trabalhos de carácter mais geral realizados pela Comissão neste âmbito.

1.4

No atinente ao desagravamento fiscal de prejuízos transfronteiras, a Comissão argumenta que tornar os regimes nacionais em vigor extensivos às operações transfronteiras representa uma melhoria em relação à situação actual embora não seja a solução ideal. No entanto, tanto em termos jurídicos como macroeconómicos, esta extensão é extremamente problemática, já que implica na prática aplicar, através de uma empresa estrangeira, a regulamentação nacional do seu país de origem no território de outro país. Os vários problemas de ordem jurídica e económica associados ao desagravamento fiscal das empresas com actividades transfronteiras deveriam ser resolvidos, a longo prazo, através da matéria colectável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS). Uma vez que a Comissão está a examinar esta questão com os Estados-Membros, no âmbito de um grupo de trabalho específico, deveria empenhar-se em encontrar rapidamente uma solução para este problema para, com base nas comunicações, poder dedicar-se mais às outras questões.

1.5

A Comissão tenta resolver um problema sem — pelo menos nesta comunicação — analisar a sua amplitude e as verdadeiras implicações caso seja introduzido o direito de transferência de prejuízos transfronteiras. No seu raciocínio, a Comissão não tem, além disso, suficientemente em conta a possibilidade de reporte dos prejuízos para exercícios posteriores. É que, na maioria dos casos, nem sequer chega a ser necessária uma transferência para o estrangeiro.

1.6

Na transferência entre Estados-Membros das mais-valias não realizadas, não é lógico tomar por única base os casos de transferências envolvendo pessoas singulares. A regra segundo a qual não se pode aplicar a tributação à saída a mais-valias não realizadas coloca grandes exigências em termos de informação. A cooperação entre as autoridades fiscais deveria bastar para garantir que ambos os Estados obtenham a parte que lhes cabe do imposto à medida que for sendo pago. Há activos que, à saída de um país, são transferidos mas nunca alienados, por exemplo, os activos incorpóreos, ou activos que são simplesmente consumidos. A Comissão não explana estes casos com a devida clareza.

1.7

Em geral, é importante estender a cooperação e a coordenação ao imposto sobre sociedades. Por outro lado, o princípio da subsidiariedade exige o respeito da prerrogativa dos Estados-Membros de tomarem decisões independentes em consonância com a situação nacional.

2.   Introdução

2.1

A Comissão publicou em 19 de Dezembro de 2006 três comunicações sobre a coordenação das políticas fiscais dos Estados-Membros. Uma tem um carácter mais geral e as duas outras ocupam-se de problemas específicos, respectivamente, prejuízos num contexto transfronteiras e tributação à saída. O seu objectivo é melhorar a coordenação entre os vários sistemas fiscais nacionais, não propor a sua harmonização.

2.2

Se bem que as comunicações se refiram a sistemas de fiscalidade directa, elas tratam unicamente da tributação das sociedades. Foram apresentadas, por um lado, como uma tentativa de encontrar rapidamente soluções para os problemas inerentes a actividades transfronteiras, os quais podem ser resolvidos a longo prazo graças à matéria colectável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS) e, por outro lado, no intuito de resolver os problemas que poderão subsistir mesmo após criada esta base de tributação.

2.3

O CESE deu já o seu aval à introdução da MCCCIS e enunciou uma série de princípios a aplicar nesse caso concreto (1).

2.4

A Comissão afirma claramente que o debate e as propostas não têm como único objectivo remover os obstáculos à emergência de empresas e os riscos de dupla tributação, mas dar, além disso, aos Estados-Membros a possibilidade de protegerem as suas matérias colectáveis.

3.   Coordenar os sistemas de fiscalidade directa dos Estados-Membros no mercado interno (COM(2006) 823 final)

3.1

Segundo a Comissão, um tratamento fiscal coerente e coordenado deve: eliminar a discriminação e a dupla tributação, impedir a não tributação involuntária e os abusos e diminuir os custos suportados pelas pessoas singulares e colectivas activas dentro de vários sistemas fiscais. As divergências entre os sistemas fiscais podem ser colmatadas, em primeira instância, através de convenções fiscais bilaterais. A intervenção das autoridades judiciais tem vindo a desenvolver-se como uma alternativa para determinar se certas disposições estão conformes com o direito comunitário. Entre as regras que entram em contradição com o direito comunitário são de referir os impostos de saída, a tributação dos dividendos, a falta de compensação de prejuízos transfronteiras de grupos de sociedades e a tributação de sucursais.

3.2

A jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE evolui constantemente, mas trata geralmente de casos específicos e só muito raramente pode ser interpretada no sentido lato. Na opinião da Comissão, é necessária uma orientação sobre os princípios decorrentes da jurisprudência que ajude a interpretá-la mais globalmente. Nesta sua comunicação a Comissão enuncia uma série de iniciativas para ajudar os Estados-Membros a encontrar soluções coordenadas.

3.3

Para a Comissão, é importante o objectivo de eliminar a dupla tributação que pode ser um obstáculo às actividades transfronteiras. Para impedir a não tributação e os abusos, a Comissão propõe-se examinar esta questão com os Estados-Membros, num grupo de trabalho, em função dos progressos da jurisprudência pertinente. As disposições não só são muito diversas, como têm ainda de ser aplicadas em 27 sistemas administrativos. A Comissão tenciona investigar qual a melhor maneira de reforçar a cooperação administrativa entre os Estados-Membros.

3.4

A Comissão anuncia igualmente alguns temas de futuras comunicações, por exemplo, medidas para lutar contra abusos, definições de «dívida» e de «capital próprio» e o maior recurso a procedimentos de arbitragem, no caso de diferendos fiscais entre Estados-Membros.

Observações

3.5

Nas observações sobre as três comunicações, o CESE reafirma o seu apoio aos trabalhos no âmbito da MCCCIS. No seu parecer anterior sobre esta matéria, o Comité defendia que, para ter pleno efeito, esta deveria ter carácter obrigatório. Os meios políticos têm colocado certas reservas em relação a estes trabalhos. O Comité é, contudo, de opinião que não convém pôr em causa a tentativa de chegar a uma base de tributação desse tipo, imprescindível a longo prazo para o bom funcionamento do mercado interno. Isso facilitaria igualmente a concretização das propostas apresentadas nas comunicações da Comissão. Mas é claro que pode haver opiniões diferentes quanto à sua configuração. Seja como for, logo que haja uma proposta concreta, é preciso relançar o debate.

3.5.1

O parecer do CESE sobre a MCCCIS referia a conveniência de avançar gradualmente com propostas a pôr em prática antes de estar concluído o documento principal. O CESE vê as comunicações da Comissão como um primeiro passo nesse sentido.

3.6

Nota-se claramente que a Comissão, na comunicação em apreço, é extremamente cautelosa na escolha das suas palavras. «A Comissão propõe apresentar uma série de iniciativas». «A Comissão [propõe-se] examinar esta questão num futuro próximo juntamente com os Estados-Membros num grupo de trabalho». «É conveniente examinar de modo mais geral a forma de diminuir os custos de cumprimento da legislação num contexto transfronteiras». A prudência da Comissão é compreensível neste contexto, face à atitude negativa sobretudo dos ministros das Finanças. Se os políticos não estão dispostos a empenhar-se construtivamente na cooperação, na coordenação e, eventualmente, na harmonização (especialmente no âmbito da MCCCIS), o Tribunal de Justiça da CE continuará a ser a instituição a decidir de que forma os vários sistemas fiscais nacionais terão de interagir.

3.7

O CESE considera que as propostas apresentadas pela Comissão são lógicas num programa de trabalho sobre fiscalidade, dado tratar-se de aspectos problemáticos das actividades transfronteiras. É essencial saber exactamente qual a importância das propostas a apresentar futuramente pela Comissão para a concretização dos objectivos da Agenda de Lisboa.

3.8

Os problemas abordados na comunicação em apreço, e nas outras duas, dizem essencialmente respeito às actividades transfronteiras das empresas. A comunicação sobre a tributação à saída é a única que se ocupa de pessoas singulares. Na opinião do CESE, está certo dar prioridade às empresas no debate sobre o mercado interno e a fiscalidade.

3.9

Quando uma empresa pondera estabelecer-se noutro país, precisa de estar bem informada sobre o sistema fiscal aí vigente. Convém, por isso, uma maior abertura e um acesso mais fácil a informação relevante. A Comissão poderia ter aqui uma função essencial como elo de ligação entre as administrações fiscais dos Estados-Membros e a informação de que estas dispõem, talvez à semelhança do seu papel na política da concorrência.

3.10

No âmbito da tributação das sociedades, há uma necessidade absoluta de cooperação e de coordenação. Embora a Comissão lhes faça referência, alguns dos argumentos poderiam ser entendidos, na prática, como uma renúncia dos Estados-Membros à sua soberania fiscal. É imperioso evitar este tipo de ambiguidades em futuras propostas específicas.

4.   O tratamento fiscal dos prejuízos num contexto transfronteiras (COM(2006) 824 final)

4.1

O tratamento da transferência de prejuízos transfronteiras de empresas ou grupos de sociedades tem a sua principal base no acórdão do Tribunal de Justiça da CE no processo Marks & Spencer. Sem esta possibilidade, uma empresa com actividades em vários países poderia ser tributada mais pesadamente do que outra a operar num único país. Uma MCCCIS seria a solução para este problema das empresas com actividades transfronteiras. Até haver essa possibilidade, a Comissão propõe vários métodos para a dedução transfronteiras dos prejuízos sofridos: dentro de um grupo de sociedades entre a sociedade-mãe e uma sua filial ou dentro de uma mesma sociedade com uma sucursal ou um estabelecimento estável noutro Estado-Membro.

4.2

Não se trata aqui de descrever a situação na UE na sua íntegra, uma vez que as disposições aplicáveis variam de um país para o outro.

4.3

No caso das empresas com várias entidades no mesmo país, poderá haver sempre entre elas dedução fiscal dos prejuízos. Segundo o esquema constante da comunicação, é geralmente possível o desagravamento fiscal de prejuízos transfronteiras, mas não entre os vários Estados-Membros. O Tribunal de Justiça da CE estabeleceu que se deve equiparar a situação de um empresa com várias actividades num mesmo país à de uma empresa com actividades transfronteiras. A Comissão refere, a propósito, que a dedução dos prejuízos é inerente à liberdade de estabelecimento.

4.4

Nos grupos de sociedades («sociedade-mãe» e «filial»), na maioria dos Estados-Membros, esta dedução é possível dentro do mesmo país. Isso já é impossível, salvo raras excepções, se as filiais se situarem em países diferentes. É este o caso do processo «Marks & Spencer». Nos termos do acórdão, somente quando estiverem esgotadas todas as possibilidades de dedução dos prejuízos no país da filial, estes poderão ser compensados na sociedade-mãe. A compensação dos prejuízos apenas poderá ocorrer na direcção ascendente, ou seja, da filial para a sociedade-mãe e terá de ser limitada no tempo.

4.4.1

Uma empresa de um grupo é juridicamente uma entidade autónoma tributada em separado. No entanto, 19 Estados-Membros adoptaram já sistemas de tributação fiscal comum para todo o grupo. A maioria optou por agregar os resultados fiscais do grupo, enquanto outros praticam unicamente o sistema de transferência de prejuízos dentro do grupo. É evidente que são necessárias disposições específicas para autorizar a dedução de prejuízos transfronteiras, uma vez que os resultados fiscais são tributados segundo sistemas distintos. Essas disposições variam de país para país. Com uma MCCCIS, poder-se-ia solucionar o problema das empresas a operar em vários países. A Comissão prefere buscar soluções comuns temporárias para a dedução de prejuízos transfronteiras dentro de grupos de sociedades.

Observações

4.5

A comunicação trata da compensação dos prejuízos, mas é óbvio que o ponto de partida é a tributação dos lucros. Para uma maior clareza formal, teria sido preferível tomar como ponto de partida uma análise da tributação dos lucros e da compensação das perdas, no mesmo documento. É que estes dois aspectos são indissociáveis. Ao concentrar-se exclusivamente na possibilidade de transferência de prejuízos para outro país, a Comissão põe de parte a outra via que prevê o financiamento do défice, através da «contribuição intragrupo». Se o pagamento desta contribuição puder ser efectuada antes do pagamento do imposto sobre os lucros, teremos o mesmo efeito fiscal da dedução dos prejuízos.

4.6

O argumento de que uma empresa com actividades em vários países deverá ser tratada como uma empresa com actividades no mesmo país, apenas traz a lume uma fracção do problema. A Comissão pretende garantir a igualdade de tratamento entre as empresas com actividades transfronteiras. Mas como as disposições aplicáveis à dedução dos prejuízos variam de país para país, acabam por surgir novas diferenças entre as empresas. Se uma empresa originária de um país em que é permitida a dedução de prejuízos transfronteiras entre sociedades pode beneficiar desta possibilidade num país onde não é permitida a dedução de prejuízos entre a sociedade-mãe e as filiais, surgirá uma discrepância entre empresas residentes e não residentes. Enquanto persistir esta disparidade, será impossível a igualdade entre os três tipos de empresas, esta igualdade é apenas deslocada de um país para outro. A igualdade jurídica que havia dantes entre todas as empresas que operam num país é substituída pela igualdade entre todas as empresas originárias de um dado país, independentemente do local onde exercem as suas actividades. Por outras palavras, há uma deslocação das regras aplicáveis à transferência dos prejuízos de um país para outro, por intermédio das suas filiais ou sucursais nesse país. Ora, isto é inaceitável. Concretizando, a análise da Comissão não tem em conta as possíveis implicações destas medidas para as empresas sem actividades no estrangeiro.

4.6.1

A Comissão argumenta que, embora não sendo ideal tornar simplesmente os regimes nacionais vigentes extensíveis às operações transfronteiras, isso representaria uma melhoria em relação à situação actual. No entanto, tanto em termos jurídicos como macroeconómicos, esta extensão é extremamente problemática, já que, na prática, pressupõe aplicar, através de uma empresa estrangeira, a regulamentação nacional do seu país de origem no território de outro país. Na opinião do Comité, dentre os efeitos negativos da ausência de compensação de prejuízos transfronteiras, apontados pela Comissão, o mais funesto são as dificuldades associadas ao estabelecimento das empresas, cujo arranque comporta normalmente prejuízos. No entanto, a impossibilidade nesta fase inicial de compensar os prejuízos com os lucros da empresa do país de origem desencoraja a abertura de sucursais noutros países. E são as pequenas e médias empresas que mais dificuldades têm em suportar os custos de arranque. As empresas nacionais vêem-se também a braços com este problema que não é específico do estabelecimento no estrangeiro.

4.7

Além disso, a Comissão não tem suficientemente em conta no seu raciocínio a possibilidade de reporte das perdas para futuros exercícios. Deste modo, na maioria dos casos, nem sequer chega a ser necessária uma transferência dos prejuízos transfronteiras. A diferença entre a dedução de prejuízos dentro de um país e entre vários países é o aspecto temporal. No segundo caso, é possível saldar imediatamente uma perda através de um lucro. É, contudo, legítimo perguntar se as dificuldades na concepção de soluções especiais indispensáveis para assegurar a dedução fiscal transfronteiras dos prejuízos na UE são contrabalançadas pelas vantagens de uma compensação dos prejuízos logo no exercício em que estes se registaram. Estes prejuízos podem ser, aliás, financiados temporariamente por uma contribuição intragrupo provisória. A Comissão procura resolver um problema que talvez não seja assim tão grande como parece à primeira vista. Deveria ter considerado na sua análise a dedução de prejuízos transfronteiras e o reporte das perdas como alternativas para as empresas com actividades em vários países, em vez de concentrar-se num único método.

4.8

Tão pouco faz, pelo menos nesta comunicação, uma análise do problema, na sua amplitude e nas consequências de introduzir o direito de transferência de prejuízos transfronteiras. Ora, uma tal análise é absolutamente necessária antes de decidir autorizar esta transferência.

4.9

Na sua interpretação da situação jurídica, segundo a qual é forçoso autorizar a compensação dos prejuízos com base no direito de livre estabelecimento das actividades de sucursais ou filiais noutros Estados-Membros, a Comissão não diz se essa autorização deve ser temporária ou não. A impressão que fica é que, neste momento, apenas está em causa uma compensação temporária dos prejuízos. Deve, por isso, ficar bem claro que é esta a solução defendida.

4.10

A Comissão tenciona tomar como ponto de partida das suas futuras propostas as restrições estabelecidas no processo Marks & Spencer. O CESE crê igualmente que estas propostas deverão ser concebidas de tal modo que fique reduzido ao mínimo o risco de evasão fiscal associado à compensação dos prejuízos.

4.11

A Comissão apresentou já diversas propostas em que é autorizada a dedução dos prejuízos nos exercícios seguintes ao exercício em que teve lugar a sua transferência. Estes são recuperados pela sociedade-mãe logo que haja lucros dos quais possam ser deduzidos. Parece ser o melhor método neste caso, já que a base tributável é transferida entre os países envolvidos, apenas provisoriamente.

4.12

Se se procura resolver os problemas colocados pela dedução de prejuízos transfronteiras sem ter introduzido uma MCCCIS, depara-se com uma dificuldade de carácter mais geral que a Comissão parece não ter sopesado devidamente: como saber que perdas devem ser transferidas de um país para outro quando os lucros e as perdas nos dois países tiverem como ponto de partida dois sistemas diferentes de cálculo da base tributável? Deste modo, nunca se chegará a uma conclusão sobre o verdadeiro montante dos prejuízos. Em suma, os vários problemas de ordem jurídica e económica associados ao desagravamento fiscal das empresas com actividades transfronteiras apenas poderão ser resolvidos, a longo prazo, através de uma MCCCIS. Se esta questão se esclarecer em breve, talvez seja conveniente a Comissão dedicar-se mais aos outros problemas focados nas comunicações em apreço.

5.   Tributação à saída e necessidade de coordenação das políticas fiscais dos Estados-Membros (COM(2006) 825 final)

5.1

A Comissão é de opinião que, no caso da transferência entre empresas de mais-valias não realizadas, sejam aplicadas as mesmas regras de reporte fiscal, seja a transferência efectuada dentro do mesmo país ou entre vários países. No entanto, dada a discrepância entre as regras de tributação das mais-valias não realizadas, surgem sempre problemas. Para além destas divergências regulamentares, a falta de informação entre as autoridades fiscais e as empresas envolvidas, poderão dar origem à dupla tributação ou à dupla não tributação. A Comissão dá exemplos de como melhorar a coordenação da regulamentação dos Estados-Membros. Mas há ainda muito que fazer até todos os problemas ficarem resolvidos.

5.2

A Comissão apoia a sua argumentação no processo de uma pessoa singular (2) tributada por mais-valias não realizadas quando transferiu o seu domicílio para outro país, ao passo que as pessoas que mantêm o seu domicílio apenas são tributadas por mais-valias realizadas. Esta diferença de tratamento é considerada pelo Tribunal como um atentado à liberdade de estabelecimento consagrada no Tratado. Mas surge aqui o segundo problema: o país onde são geradas mais-valias vê-se privado de receitas fiscais. À míngua de regras específicas, estas receitas fiscais são canalizadas, no momento da realização das mais-valias, para o novo país de residência. O Tribunal chegou à conclusão de que é lícito exigir às pessoas que transferem o seu domicílio fiscal para o estrangeiro uma declaração que servirá de base à repartição dos impostos quando as mais-valias forem realizadas.

5.3

Entretanto, a maioria dos Estados-Membros passou a guiar-se pelo fixado no acórdão do Tribunal e aboliu a tributação à saída. Mas reina ainda alguma incerteza sobre como os impostos beneficiarão, pelo menos em parte, o país de origem, ou até sobre se isso acontecerá. A Comissão defende um mecanismo que permite ao novo Estado-Membro de residência proceder a uma dedução fiscal sobre a parte das mais-valias geradas antes da mudança de domicílio. Isso implica que as autoridades fiscais de ambos os países terão de coordenar os seus regimes de tributação. No entanto, a Comissão interpreta o acórdão do Tribunal que diz respeito a uma pessoa singular como extensível às empresas que transferem mais-valias não realizadas.

5.4

Um caso especial é o dos países EEE/EFTA, os quais estão vinculados ao princípio de liberdade de circulação, mas não à legislação fiscal da UE. Para garantir a cobrança dos impostos no país de origem, a Comissão preconiza a possibilidade de reclamar o pagamento de impostos à saída, a menos que se estabeleça outro método por acordo bilateral.

Observações

5.5

Na análise pela Comissão dos vários exemplos de transferência entre empresas de activos envolvendo mais-valias não realizadas, parece menos clara a situação jurídica das pessoas colectivas do que a das pessoas singulares. A Comissão funda a sua interpretação com respeito às empresas colectivas num acórdão do Tribunal de Justiça da CE aplicável a pessoas singulares. Só que um acórdão desta natureza não pode ser aplicado directamente às empresas. Por isso, é necessário que a Comissão complete a sua análise com os problemas específicos a que as empresas poderão ter de fazer face.

5.6

Seria necessário um texto mais exaustivo para especificar aquilo que, no entender da Comissão, é aplicável a diferentes situações, por exemplo, sociedade-mãe e filial, filiais ou estabelecimentos estáveis. Ao ler a comunicação da Comissão também se fica sem saber, designadamente, se o tratamento das mais-valias não realizadas varia consoante o tipo de relações entre as empresas envolvidas.

5.7

A regra segundo a qual não se pode aplicar a tributação à saída a mais-valias não realizadas coloca grandes exigências em termos de informação. Não é lógico exigir uma declaração anual de que os activos não foram alienados antes do momento da sua alienação. Seria mais natural garantir, graças à cooperação entre as autoridades fiscais, que ambos os Estados-Membros obterão a parte do imposto que lhes cabe à medida que este for sendo arrecadado.

5.8

Há activos que, à saída de um país, são transferidos mas nunca alienados, por exemplo, os activos incorpóreos, ou activos que são simplesmente consumidos. A Comissão não explana estes casos com a devida clareza. Como é que o Estado-Membro de origem dos activos conseguirá alguma vez cobrar o imposto sobre as mais-valias não realizadas, se não está autorizado a fazê-lo logo no momento da sua transferência?

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Uma base de incidência comum consolidada para a tributação das sociedades» na UE in JO C 88 de 11.4.2006, p. 48.

(2)  Processo C-9/02 Hughes de Lasteyrie du Saillant contra Ministère de l'Economie, des Finances et de l'Industrie, JO C 94 de 17.4.2004, p. 5.