ISSN 1725-2482

Jornal Oficial

da União Europeia

C 24

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

49.o ano
31 de Janeiro de 2006


Número de informação

Índice

Página

 

II   Actos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005

2006/C 024/1

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O contributo do turismo para a recuperação socioeconómica das zonas em declínio

1

2006/C 024/2

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que rectifica a Directiva 2004/18/CE relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviçosCOM(2005) 214 final — 2005/0100 (COD)

11

2006/C 024/3

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos direitos das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreoCOM(2005) 47 final — 07/2005 (COD)

12

2006/C 024/4

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à informação dos passageiros do transporte aéreo sobre a identidade da transportadora operadora e à comunicação de informações de segurança pelos Estados-MembrosCOM(2005) 48 final — 08/2005 (COD)

15

2006/C 024/5

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Conselho relativa a medidas comunitárias de luta contra a gripe aviária e a proposta de decisão do Conselho que altera a Decisão 90/424/CEE relativa a determinadas despesas no domínio veterinárioCOM(2005) 171 final — 2005/0062 e 0063 CNS.

16

2006/C 024/6

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CEE) n.o 2075/92 que estabelece a organização comum de mercado no sector do tabaco em ramaCOM(2005) 235 final — 2005/0105 (CNS)

18

2006/C 024/7

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 3317/94 no respeitante à transmissão dos pedidos de licenças de pesca aos países terceiros(COM(2005) 238 final — 2005/0110 (CNS))

19

2006/C 024/8

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde sobre a lei aplicável e a competência em matéria de divórcioCOM(2005) 82 final

20

2006/C 024/9

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento do Conselho (CEE) n.o 1408/71 relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade e o Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71COM(2004) 830 final — 2004/0284 (COD)

25

2006/C 024/0

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Instituto Europeu da Igualdade entre Homens e MulheresCOM(2005) 81 final — 2005/0017 (COD)

29

2006/C 024/1

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Dimensão setentrional e seu plano de acção

34

2006/C 024/2

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Legislar melhor

39

2006/C 024/3

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Melhorar a execução e o cumprimento da legislação comunitária

52

2006/C 024/4

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A obesidade na Europa — papel e responsabilidades dos parceiros da sociedade civil

63

2006/C 024/5

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Política social num sistema pan-europeu de navegação interior

73

2006/C 024/6

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Declaração Conjunta do Conselho, do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia sobre A política de desenvolvimento da UE — O Consenso Europeu(COM(2005) 311 final)

79

2006/C 024/7

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Diálogo social e participação dos trabalhadores — A chave para a antecipação e gestão das mutações industriais

90

2006/C 024/8

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Pobreza entre as mulheres na Europa

95

PT

 


II Actos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005

31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O contributo do turismo para a recuperação socioeconómica das zonas em declínio»

(2006/C 24/01)

Em 10 de Fevereiro de 2005, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre: «O contributo do turismo para a recuperação socioeconómica das zonas em declínio»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 27 de Julho de 2005 (relator: J. MENDOZA).

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 135 votos a favor, 2 contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

No quadro dos pareceres que tem elaborado como contributo para a elaboração de uma política europeia de turismo, o Comité Económico e Social Europeu propõe-se agora elaborar um parecer que constitua uma referência, a fim de que certas iniciativas turísticas possam ser úteis para a actuação das instituições europeias, nacionais, regionais e locais, dos parceiros sociais e outras organizações da sociedade civil bem como de organizações do sector do turismo. O objectivo é juntar esforços e oferecer alternativas às zonas em questão — e em especial às pessoas e às empresas aí instaladas para viver ou exercer uma actividade rentável — para que mantenham uma actividade produtiva, atento o eventual impacto positivo daí resultante.

1.2

O presente documento pretende ser um contributo para a reconversão necessária de diversas zonas em toda a União Europeia que, por diversos motivos, estão em situação de declínio socioeconómico, um contributo orientado para a alternativa que a indústria turística pode representar nessas zonas.

1.3

A elaboração do parecer processou-se como segue:

Primeira reunião do grupo de estudo: determinação das questões a tratar no parecer.

Audição pública realizada na cidade de Córdova (Espanha) e segunda reunião do grupo de estudo, que permitiram a percepção e a aprendizagem de boas práticas sobre iniciativas de recuperação de zonas em declínio económico através de actividades de turismo. O objectivo prioritário do presente parecer é oferecer experiências eventualmente eficazes e que sirvam para fomentar essas e novas experiências em zonas em recuperação de um período de declínio socioeconómico, que estejam a atravessar um período de declínio ou que se vejam ameaçadas no futuro por essa situação.

A terceira e última reunião destinada a redigir o documento definitivo para debate em secção e na reunião plenária do CESE.

1.4

Há que ter em conta uma realidade dupla, duas facetas que se complementam de forma positiva:

como se verá ao longo do parecer, o turismo constitui uma grande oportunidade e alternativa para as zonas em declínio, que podem encontrar nele uma fonte de actividades económicas com grande potencial de desenvolvimento social, empresarial e de emprego. A reconversão de zonas em declínio pode e deve ser acompanhada de um novo sistema de produção, com mais futuro e com capacidade de criar qualidade de vida.

Algumas zonas em declínio podem ser destinos turísticos que absorvam o crescente número de visitantes a nível mundial, de forma diversificada e, claro, sustentável.

2.   Âmbito e estrutura do parecer

2.1

O parecer não pretende ser uma revisão dos processos que levaram estas zonas a uma determinada situação, nem uma análise das acções de reconversão de natureza diferente (industrial, mineira, agrícola, etc.). Todavia, será necessário referir aspectos decorrentes dessas reconversões para a elaboração de propostas turísticas.

2.2

Na nossa análise começaremos por determinar se a zona em questão provém de um processo de reconversão concreto, ou se é uma zona deprimida que ainda não desenvolveu uma actividade de importância produtiva e onde o turismo pode constituir um ponto de partida enquanto actividade inicial e motor de um desenvolvimento mais amplo.

2.3

Com base nesta consideração, o presente parecer tem a seguinte estrutura:

2.4

Análise da situação das zonas em declínio e constatações mais evidentes no tocante aos aspectos mais importantes para futuras propostas turísticas: social e emprego, actividades empresariais, compromisso institucional, etc. Há que definir prioritariamente com exactidão o que se entende por zonas em declínio, dado que a variedade de circunstâncias e condições pode levar a diferentes alternativas.

2.4.1

Tendo em conta o anterior, o presente parecer contempla os seguintes aspectos.

2.4.1.1

A situação das zonas em declínio: definir os pontos fracos dessas zonas em todos os diferentes aspectos, analisando cada um deles: problemas decorrentes por vezes de um passado de monocultivo industrial e empresarial; inadequação ou deterioração de factores ambientais; carências ou insuficiência das infra-estruturas para avançar para uma nova actividade turística; mão-de-obra proveniente de outras especializações não compatíveis com o trabalho no turismo; desconhecimento ou inadaptação do enquadramento social para integrar novas actividades, entre elas o turismo. Há que ter em conta que as zonas em declínio industrial não são, em princípio, de forma natural, zonas turísticas, o que acresce uma dificuldade especial em encontrar o produto turístico adequado: turismo cultural e arqueológico, turismo desportivo, turismo de formação intelectual e outras formas múltiplas de turismo diferentes das tradicionais. Considera-se em especial que a «experiência positiva» é a base de todo o produto turístico e que é essa «experiência» que se deve encontrar e promover.

2.4.1.2

O compromisso das instituições: o presente parecer representa um apelo e uma articulação da cooperação imprescindível entre as diferentes administrações e instituições, assinalando que tipos, cenários e modelos de cooperação entre instituições e recursos públicos podem contribuir para iniciar uma actividade turística. Há uma referência especial ao papel dos fundos estruturais europeus na recuperação das zonas em declínio. As instituições têm um papel importante na formação necessária para a adaptação do emprego das zonas industriais em declínio ao trabalho no sector dos serviços.

2.4.1.3

O enraizamento social como objectivo: os sectores em declínio estão ligados às zonas onde, durante muitos anos, se desenvolveram e esgotaram. Isso permitiu que, com o tempo, os cidadãos das localidades em questão (de dimensão variável) estabelecessem uma relação de gerações com o que os rodeava por razões de vida e trabalho. Em certa medida, as iniciativas turísticas que propomos deverão contribuir para sustentar esse enraizamento através da criação de condições que o possibilitem: habitação, serviços, comunicações, etc. Outra forma de possibilitar esse enraizamento social é a criação de empregos estáveis, dado que apesar de o turismo ser uma boa fonte de volume de emprego, o grave problema da estabilidade pode dificultar esse enraizamento social e obrigar à circulação não desejada de pessoas durante certos períodos do ano.

2.4.1.4

O diálogo social, essencial para a análise e o desenvolvimento de alternativas: propomos que o diálogo social seja a base para estabelecer um compromisso entre trabalhadores e empresários, através dos seus sindicatos e associações, para realizar projectos e iniciativas. Este diálogo bipartido deve envolver, de forma tripartida, as administrações na busca de alternativas exequíveis. Da mesma forma, as demais organizações da sociedade civil e do sector turístico devem contribuir para fomentar a concretização dos projectos.

2.4.1.5

Fomentar iniciativas empenhadas na dimensão sustentável do turismo: apesar do drama social criado pelo declínio socioeconómico em zonas importantes, consideramos que a configuração de novas alternativas de desenvolvimento pode não só corrigir erros do passado na criação de actividades anteriores, mas também situar as novas actividades nos parâmetros que defendemos para um turismo sustentável, dos aspectos sociais e económicos aos ambientais, como proposto pelo CESE para a actividade turística.

2.4.1.6

O ambiente como eixo de recuperação e cenário de actividades turísticas:

Embora o presente parecer não pretenda estudar a génese do declínio socioeconómico de uma zona, é possível constatar que muitas das zonas em declínio provêm de sectores onde, por razões naturais, geográficas ou geológicas, se desenvolveu uma actividade praticamente de monocultura industrial. Esse desenvolvimento, muitas vezes, não só não respeitou o ambiente como implicou a deterioração real da zona. As novas exigências e compromissos em matéria de ambiente podem permitir a recuperação dessas zonas e contribuir para fomentar as possibilidades turísticas dos projectos.

O presente parecer estabelecerá as prioridades das iniciativas ambientais que devem acompanhar o desenvolvimento de projectos turísticos.

2.4.1.7

Manter e reforçar a actividade empresarial e fomentar o investimento produtivo: procuramos estabelecer o mais concretamente possível um catálogo de iniciativas para o apoio à iniciativa empresarial. Os empresários dessas zonas em declínio provêm de uma especialização na actividade de origem, por envolvimento directo nas anteriores explorações ou por se encontrarem em empresas auxiliares da actividade principal. Neste sentido, o parecer contempla fórmulas de compromissos para a manutenção e criação de empresas, formação e capacitação empresarial, definição de critérios de competitividade, investigação e desenvolvimento, concepção, comercialização, etc. As microempresas, as pequenas e médias empresas devem receber especial atenção.

2.4.1.8

A manutenção e a criação de emprego como prioridade: dado que os processos de declínio socioeconómico em empresas e sectores têm como maior custo social a perda de emprego, as iniciativas para a recuperação têm de ter como principal objectivo a manutenção e, se possível, o aumento do emprego nessas zonas. Para tal, propomos que, além dos mecanismos de protecção social transitórios, se fomente, nas iniciativas turísticas, o investimento gerador de emprego, a formação e a reciclagem profissional, a cultura do auto-emprego e da economia social, etc.

2.4.1.9

Envolver todos os factores de uma política turística: os projectos de turismo para a recuperação socioeconómica das zonas em declínio devem contemplar a melhor forma de promover todos os elementos que configuram uma política turística, para além dos já citados. Assim, há que estabelecer o contributo dos factores culturais, históricos, patrimoniais, naturais, desportivos, etc.

2.4.1.10

Uma tarefa importante, já realizada com resultados positivos em determinadas zonas, é aproveitar elementos de actividades anteriores para os utilizar na concepção de novas alternativas de turismo.

2.4.2

Considera-se importante analisar pormenorizadamente as diversas experiências de êxito em diversos países da União Europeia, não só para as reproduzir de forma adaptada a outro enquadramento, mas também para as apoiar e desenvolver. As experiências positivas não parecem muito numerosas, não sendo, portanto, fácil encontrar, entre elas, um elenco vasto e diverso.

2.4.3

Deve-se ter especialmente em conta a possibilidade de que os diversos destinos turísticos provenientes de zonas em declínio trabalhem, e é conveniente que o façam, em rede, constituindo bases promocionais fortes que permitam que as zonas se apoiem entre si.

2.4.4

O fomento e a promoção do auto-emprego é, sem dúvida, uma força muito importante que pode melhorar as condições de adaptação dos trabalhadores a uma nova realidade. O estudo desse contributo será obviamente de grande importância para as zonas em declínio no seu processo de transformação em zonas turísticas, em especial em zonas de turismo rural. Há que estudar os apoios necessários a esta forma de emprego para ser um instrumento eficaz nesse difícil processo de adaptação.

2.4.4.1

Algumas iniciativas neste domínio:

2.4.4.1.1

No âmbito da União Europeia, entende-se por auto-emprego a capacidade e a decisão dos trabalhadores de exercerem uma actividade por conta própria, tanto de forma individual como colectiva. O trabalhador independente é antes de tudo um trabalhador que, ao empreender uma actividade autónoma, se relaciona com os seus fornecedores e clientes através de formas mercantis e civis.

2.4.4.1.2

Durante anos, o auto-emprego representou uma forma eficaz de defesa face a crises económicas industriais, dado que permitia a manutenção do emprego e dava resposta às novas necessidades de criação de emprego.

2.4.4.1.3

Presentemente, o auto-emprego surge especialmente entre a população laboral mais jovem e entre as mulheres.

2.4.4.1.4

Uma oferta turística baseada no auto-emprego para ser eficaz deve promover novas capacidades profissionais. As novas profissões rurais que se podem criar são, por exemplo, as seguintes:

comércio especializado em produtos locais;

artesanato alimentar e tradicional;

serviços desportivos e de lazer ambientais;

aulas de audiovisual e virtuais;

promoção cultural;

jardins de infância, acampamentos e albergues;

medicina natural;

estética corporal;

construção tradicional e recuperação de ofícios;

ciberlocais;

promoção imobiliária local;

consultoria a novas actividades;

produção de bens e serviços de consumo habitual nos alojamentos;

atenção especializada a pessoas idosas.

2.4.5

O mesmo se pode dizer do turismo social, que no futuro será sem dúvida uma alternativa em numerosas zonas em declínio que procuram no turismo uma nova actividade económica. Em especial e pelas suas características diferenciadas, o turismo social é um bom instrumento de luta contra a estagnação e para o escalonamento dos períodos de férias.

2.4.6

Novo cenário europeu para fomentar alternativas turísticas nas zonas em declínio: o parecer faz referência à oportunidade oferecida pela Europa alargada para, no âmbito desta problemática, definir quadros de referência gerais para actuação, intercâmbios de informação, associação de projectos, fomento de boas práticas, desenvolvimento da cooperação entre os sectores público e privado, etc.

2.4.7

Por outro lado, o compromisso do Tratado Constitucional com os cidadãos, com os seus direitos, bem como com as regiões e zonas mais desfavorecidas, permite que, para além da referência ao turismo no texto constitucional, o nosso parecer proponha uma resposta de dimensão europeia articulada com as realidades nacional, regional e local.

2.5

Consideração das linhas de actuação que podem contribuir para uma alternativa: os pareceres anteriores do CESE, as iniciativas da Comissão e do Parlamento Europeu, assim como as experiências de instituições como a Organização Mundial do Turismo e o Instituto Internacional de Turismo Social, são referidos no presente parecer.

2.6

As experiências como eixo fundamental: o presente parecer aspira a ser prático e útil, especialmente para as zonas para cuja recuperação queremos contribuir positivamente. Por isso, apresentará referências a boas práticas no desenvolvimento deste tipo de iniciativas.

3.   Zonas em declínio socioeconómico

3.1

Não é fácil definir com exactidão o que se entende pela expressão «zonas em declínio» utilizada no título do presente parecer, não só pela diversidade de características que as definem, pela origem e causas do declínio, pela amplitude ou extensão dos seus efeitos, pela dispersão geográfica, mas sobretudo pela profundidade das suas consequências na vida das pessoas dessas zonas e nas empresas aí instaladas.

3.2

O primeiro elemento a estudar para caracterizar e distinguir a tipologia das diferentes zonas em declínio é a história económica, expressa sob a forma de diversos indicadores, da zona de referência. Ela dar-nos-á uma visão clara sobre se a situação surgiu recentemente e foi induzida por alterações tecnológicas, sociais ou económicas externas ou se se trata de uma situação permanente em que a zona não conseguiu em momento algum um desenvolvimento económico apto a gerar riqueza e bem-estar para os seus habitantes. Essa diferença tem indubitavelmente repercussões importantes para a melhor solução para resolver o problema do declínio e para encontrar alternativas válidas. A experiência empresarial, a formação dos habitantes e a possibilidade de encontrar uma actividade substituta ou nova são bem diferentes num caso ou noutro.

3.3

No caso das zonas que ainda não conseguiram um nível adequado de desenvolvimento económico, as causas podem ser muito variadas: situação geográfica periférica, condições ambientais extremas, infra-estruturas insuficientes, carácter pouco empreendedor das populações locais e condições que levaram e ainda levam a população local a emigrar para zonas com maiores probabilidades de desenvolvimento económico, tanto dentro do país como noutros países. O despovoamento progressivo e o desenraizamento social consequente de amplas zonas da Europa, essencialmente rurais, são problemas que as políticas e os instrumentos de desenvolvimento regional da UE estão a combater decididamente. O turismo e o desenvolvimento em torno dessa actividade são objecto de diversas acções valiosas.

3.4

No tocante às zonas que num dado momento da sua história tiveram uma actividade económica pujante baseada em diversas actividades como a agricultura, a indústria mineira ou noutros sectores, como têxtil, metalúrgico, químico, e que por diversos motivos tiveram de abandonar essa actividade, o problema é essencialmente a quebra do modelo de sociedade com todas as repercussões que isso comporta para a população e para o tecido empresarial da zona. Nesses casos, a monocultura ou a escassa diversificação económica são elementos adicionais que dificultam a tarefa de descobrir uma alternativa à perda de postos de trabalho inerente ao declínio económico.

3.5

São muito diversos os motivos que podem influenciar, e influenciam de facto, o declínio de uma zona anteriormente activa, rentável e competitiva, geradora de emprego e de riqueza. Todavia, é possível que, a nível mundial, a globalização da actividade económica e as alterações tecnológicas estejam na origem de todos eles. Os mercados evoluem com rapidez, frequentemente de forma brusca, e a estabilidade que a indústria trouxe às nações que souberam aplicar adequadamente os princípios industriais nos séculos passados desapareceu, instalando-se no seu lugar a mudança tecnológica, o alargamento dos mercados, a informação instantânea a nível mundial, a competitividade globalizada e a deslocalização da produção de bens e serviços. Os custos da mão-de-obra foram considerados a variável fundamental na localização das indústrias, mas a capacidade de investigação, o desenvolvimento e inovação, a proximidade e a qualidade dos serviços, a qualificação da gestão e o profissionalismo dos trabalhadores são os factores que, em conjunto com o acesso às tecnologias, determinam a competitividade de uma actividade económica. Atacar o processo de desindustrialização da Europa e encontrar alternativas geradoras de emprego é, possivelmente, o desafio mais importante enfrentado pela Europa, como reconhece o objectivo de Lisboa.

3.6

Os efeitos que o declínio de uma zona tem para a respectiva população e empresas são, por exemplo, perda de emprego, empobrecimento geral, mutações demográficas e despovoamento, perda de tecido industrial, etc. É, porém, importante referir que esses efeitos se prolongam por gerações de forma muito diversa. A geração que suporta o declínio económico de forma directa encontra frequentemente nos instrumentos de protecção social uma forma de substituição não desejada, mas necessária, na medida em que obtém os rendimentos necessários através dos subsídios locais. É este o caso do processo de desaparecimento das grandes empresas industriais e mineiras, em que as pessoas jovens e de meia idade, potencialmente aptas para o trabalho, se vêm limitadas à inactividade e à subsistência mediante subsídios locais. Embora esta situação seja indesejada, o problema da geração seguinte que não tem trabalho nem subsídios é, talvez, mais angustiante. Em situações deste tipo, o espírito empreendedor, a diversificação das actividades, a formação são mais do que um recurso, são uma necessidade imperiosa.

3.7

É para estas zonas em declínio, que não conseguiram um desenvolvimento económico ou que o tiveram mas o perderam, que o turismo pode representar uma alternativa viável para reconduzir o seu desenvolvimento económico numa indústria como o turismo, que se revelou uma indústria potente, estável, com boas perspectivas crescentes e com futuro, criadora de emprego e capaz de manter o equilíbrio e a sustentabilidade económicos, sociais e ambientais. É evidente que a mudança cultural e económica que isso seguramente envolverá não será fácil e nem em todos os casos será alcançada com êxito, mas as alternativas para as zonas em declínio não são muitas e as existentes possivelmente representam condições ainda mais difíceis de alcançar.

3.8

Há também que não esquecer que, por vezes, em torno e nas proximidades das grandes cidades, incluindo cidades com uma economia robusta, surgem zonas marginais e degradadas, com uma actividade económica escassa ou inexistente. Nesses casos, diversos acontecimentos de âmbito internacional podem colaborar na valorização e reactivação económica. Exemplos como as Exposições Mundiais de Sevilha e de Lisboa, os Jogos Olímpicos de Barcelona e, mais recentemente, de Atenas foram um elemento essencial para a reabilitação física e para dar novo ímpeto, frequentemente com características e condições de nova zona turística.

4.   Objectivos e modos de actuação

4.1

Analisada a situação, génese e características essenciais das zonas em declínio, há que ver quais podem ser os objectivos e métodos que permitem conhecer, como indica o título do presente parecer, qual o contributo do turismo para a recuperação económica das zonas em declínio socioeconómico.

4.1.1

Em primeiro lugar e como ponto de partida, cabe assinalar que o objectivo básico de qualquer actuação de desenvolvimento económico não é possível sem a população, as pessoas que vivem nesse local, encontrarem as condições adequadas para o seu desenvolvimento pessoal e social, para que não se vejam compelidas a emigrar ou mudar-se, ou seja, para conservar o enraizamento social que durante gerações mantiveram com o seu mundo mais próximo. Por isso, as iniciativas turísticas que se apresentem como alternativa têm de assegurar eficazmente não só as condições infra-estruturais necessárias, como também o emprego estável das pessoas que se dedicam ao turismo no seu sentido mais amplo. Estabelecer produtos turísticos sustentáveis e viáveis a longo prazo é um objectivo essencial para oferecer uma alternativa ao desemprego criado pelo declínio socioeconómico e manter o enraizamento social enquanto objectivo básico.

4.2

A diversificação da actividade económica é também objectivo de todas as acções de desenvolvimento económico nas zonas em declínio. Embora possivelmente um dos motivos para o declínio seja as alterações tecnológicas ou de mercado nas zonas em que a actividade económica se caracterizou pela monocultura numa indústria, parece evidente que para evitar a repetição dessa situação se deve articular um conjunto de actividades complementares e diversificadas, capazes de sustentar no futuro a economia da região. O turismo, pelo seu carácter transversal, em que intervêm múltiplos actores, empresas de várias dimensões, empresas familiares e multinacionais, empresas com objectivos sociais e empresariais muito diversos, é um bom elemento que diversifica o sistema produtivo de uma zona.

4.3

O equilíbrio sustentável da actividade nas vertentes económica, social e ambiental, esta última de forma especial, é outro dos objectivos de qualquer acção de desenvolvimento para as zonas em declínio. É muito frequente que a actividade industrial ou mineira em declínio tenha implicado grave deterioração das condições físicas da zona: edifícios obsoletos e abandonados, resíduos industriais contaminados, degradação física, solos contaminados são frequentemente o resultado de uma actividade industrial obsoleta e que evidentemente não são, em princípio, as melhores condições para o desenvolvimento de uma actividade turística que, em geral, procura locais onde a natureza se encontre nas suas melhores condições estéticas e seja atraente.

4.3.1

Cabe em princípio às empresas com actividade industrial numa zona restabelecer as condições naturais primitivas ou, pelo menos, reabilitá-las na medida do possível. É evidente que, na prática, este princípio não é fácil de aplicar, dado que a própria situação de declínio empresarial não o permite. Cabe, assim, aos poderes públicos actuar de forma subsidiária para assegurar que o local mantém as condições adequadas. Isto é especialmente importante quando as empresas que se deslocam obtiveram subsídios públicos no momento da sua instalação. A responsabilidade social das empresas deve levá-la a ter em conta esses custos adicionais da sua actividade.

4.4

Para alcançar esses objectivos difíceis há que empregar métodos que propiciem o êxito. Para tal, e como primeira condição de trabalho, considera-se que o diálogo social é um elemento fundamental no desenvolvimento de alternativas. Esse diálogo social entre os agentes económicos e sociais, entre empresários e trabalhadores através dos sindicatos e das associações empresariais é a base do processo de realização de projectos e iniciativas. A sociedade civil, nas suas diversas manifestações associativas, de consumidores, cívicas, também pode e deve participar no processo.

4.4.1

Todavia, há que ter especialmente em conta a administração pública e o seu compromisso, procurando a sua participação activa na promoção de alternativas nas zonas em declínio, sejam aquelas de carácter turístico ou relacionadas com outra indústria ou serviços alternativos. A cooperação dos diversos níveis da administração e instituições públicas deve assegurar as condições gerais para o êxito das iniciativas e, se necessário, apoiar a viabilidade económica dos projectos. Os fundos estruturais da UE são instrumentos privilegiados para esta acção coordenada dos níveis europeu, nacional, regional e local na investigação e colocação em prática de projectos e iniciativas de desenvolvimento regional capazes de revitalizar as zonas em declínio.

4.5

A formação das pessoas das zonas em declínio é uma das peças-chave deste processo de reconversão de zonas. Por um lado, deve assegurar-se a reconversão profissional das que ficaram desempregadas, de forma a poderem empregar-se nas actividades alternativas, muito diferentes nos seus requisitos e capacidades das actividades anteriores. A prática indica que essa reconversão constitui um desafio importante e que apenas acções de formação sólidas e contínuas permitem reconverter os trabalhadores industriais em trabalhadores do sector dos serviços. O mesmo se pode dizer da geração seguinte, a que não sofreu directamente a perda de emprego, mas que não vê à sua volta perspectivas de emprego na indústria tradicional da zona. Apenas a formação permite superar essa ausência de perspectivas laborais.

4.6

O actual processo de alargamento europeu pode trazer elementos, por um lado de maior dificuldade, dado que as zonas a desenvolver são mais numerosas e têm um passado industrial, mineiro ou agrícola difícil de superar, mas por outro lado é evidente que a procura de mobilidade pelo lazer e pelo turismo pode aumentar bastante, o que significará o reforço da indústria turística. A acção de promoção de um turismo sustentável na Europa, segundo os critérios de um modelo turístico europeu, pode ser um bom instrumento de desenvolvimento económico para algumas zonas em declínio.

5.   Boas práticas de reconversão socioeconómica de zonas em declínio em torno do turismo

5.1

Um dos objectivos principais do presente parecer é recolher, integrar e aprender com diversas boas práticas, em que o turismo representou uma alternativa bem sucedida nas zonas em declínio.

5.1.1

Para tal, além das experiências reunidas na audição em Córdova organizada pelo CESE em coordenação com a autarquia provincial, coligiram-se igualmente outras iniciativas que pelo seu valor pedagógico merecem ser estudadas e analisadas para eventualmente servirem de exemplo.

5.2

A experiência das Astúrias (Espanha): trata-se de um caso bem sucedido em que toda a região, anteriormente de carácter eminentemente mineiro e industrial, reagiu ao declínio e à perda de emprego nesses sectores e optou por desenvolver intensivamente o turismo. Para tal desenvolveram-se marcas e produtos turísticos muito ligados ao conceito de Astúrias e Natureza:

Turismo e Natureza: Astúrias Paraíso Natural

Turismo e Cultura: Astúrias Tesouro Cultural

Turismo e Gastronomia: Saboreando as Astúrias

Turismo e Cidade: Cidades das Astúrias

Turismo e Qualidade: Turismo rural nas Astúrias (Casonas Asturianas):

Mesas de Asturias (excelência gastronómica)

«Aldeias» das Astúrias Qualidade Rural

Astúrias pela Excelência Turística.

5.2.1

Esta nova estratégia de desenvolvimento local teve um êxito significativo, dado que o emprego na região aumentou cerca de 8 % nos últimos anos. É evidente que, neste caso, a opção pela sustentabilidade ambiental esteve na base de um turismo de qualidade, integrador da natureza. Tanto os agentes económicos como os sociais e as instituições públicas decidiram activamente apoiar essa mudança estratégica e de modelo de região.

5.3

A experiência de Zabrze (Polónia): em toda a região da Silésia, a transformação da economia e de outras situações de mercado provocaram o desaparecimento de numerosas empresas, causando a perda de dezenas de milhar de postos de trabalho e a desolação de uma paisagem onde abundam as instalações industriais abandonadas. Houve diversos esforços de promoção turística, mas a região ainda sofre da imagem tradicional de região industrial, com paisagens sombrias e locais deteriorados. No entanto, esta imagem pouco atraente para os turistas podia ser convertida num elemento positivo para a vida social e económica da região, se o património industrial da zona fosse explorado para fins turísticos, como as autoridades pretendem e planeiam. Há que transformar os locais pós-industriais, atribuindo-lhes novas funções, essencialmente de carácter turístico e que têm a vantagem de não serem actividades sazonais. Desta forma, mantém-se o património industrial e preserva-se o carácter original das cidades e regiões.

5.3.1

Todavia, este projecto enfrenta muitas dificuldades. Ao mau estado técnico e ao abandono do património juntam-se os problemas da propriedade dos locais, da falta de recursos financeiros, de pessoal qualificado, a ausência de infra-estruturas de acolhimento e outros factores que fazem com que apenas um número limitado de locais de arqueologia industrial cumpram as condições necessárias para serem convertidos em produtos turísticos rentáveis. O papel dos fundos estruturais europeus, como o FEDER e o FSE, pode ser essencial para ultrapassar os obstáculos de financiamento de capital e formação da população.

5.3.2

A nível regional elaborou-se um projecto de exploração dos locais pós-industriais com fins turísticos: «Circuitos de locais de arqueologia industrial» que agrupa trinta locais seleccionados em função de diferentes critérios como a acessibilidade, a capacidade de atracção, a capacidade de acolhimento dos fluxos turísticos e a segurança dos viajantes.

5.3.3

No caso específico do município de Zabrze, cidade de dimensão média situada no sul da Polónia, as autoridades municipais souberam avaliar a importância do turismo industrial e, desde 2003, Zabrze apresenta-se como um modelo de turismo industrial, modelo reconhecido e que mereceu diversos certificados de importância no âmbito turístico. Zabrze soube concretizar a sua alternativa ao declínio da indústria mineira e converter-se num centro de reflexão e inspiração para os futuros projectos de desenvolvimento de turismo industrial na Polónia e em toda a Europa, organizando conferências internacionais para estudar os «Tesouros do património industrial para o turismo e o lazer», como as realizadas em Setembro de 2004 e Maio de 2005. Fruto dessas conferências são as resoluções de Zabrze que apresentam uma visão muito útil para a utilização do património industrial como elementos para o turismo e o lazer. Merece referência a vontade da Organização Mundial do Turismo de se envolver no processo de criação de uma rede de turismo industrial que colabore na promoção do produto.

5.3.4

No seu conjunto, a experiência de Zabrze fornece conhecimentos e experiências muito valiosos que podem, sem dúvida alguma, ser úteis para outros locais de características semelhantes e que tenham a vontade de lhes atribuir valor turístico. O CESE reconhece expressamente esse valor, apoia-o e pretende divulgá-lo sempre que oportuno.

5.4

A experiência do Museu Mineiro de Rio Tinto em Huelva (Espanha): a mina de Rio Tinto foi, no passado, fonte de abundantes metais preciosos que trouxeram riqueza já desde a época romana. Em 1982 a mina foi encerrada, convertendo-se numa área economicamente deprimida. O Museu Mineiro de Rio Tinto guarda hoje em dia o legado de todas aquelas contingências. É um centro de interpretação do Parque Mineiro de Rio Tinto, parque temático que engloba os povos e a paisagem da zona mineira. No Parque Mineiro, que tem uma extensão de 900 hectares, os visitantes podem fazer uma visita de comboio, seguindo a antiga via férrea que transportava os minérios até Huelva, podem visitar minas antigas, um cemitério romano e o bairro mineiro construído pela empresa inglesa proprietária no fim do séc. XIX. Ou seja, converteu-se um lugar anteriormente residual num local de lazer e de recuperação patrimonial e cultural. A «experiência» base de toda atracção turística permite, neste caso como noutros, que as empresas exploradoras possam obter rentabilidade de zonas cuja única alternativa seria o abandono.

5.5

A zona mineira e industrial de Peñarroya-Pueblonuevo (Espanha) possui um valioso património industrial, restos de um império fabril do século XX que está a ser recuperado, a fim de ser posto ao serviço de diversas actividades de lazer para a população local e para visitantes. Cabe referir que várias populações do Valle del Alto Guadiato, na província de Córdova, uniram os seus esforços num projecto comum de revalorização de diversos elementos, entre eles o Museu Geológico Mineiro de Peñarroya-Pueblonuevo, procurando o caminho para atrair o turismo capaz de dar nova vitalidade económica às populações atingidas pelo desemprego desde o abandono das minas. Esta experiência está a influenciar uma oferta global e coordenada que integra antigos núcleos industriais e geológicos, oferta gastronómica, desportiva e cultural, abrangendo diversas populações, como Fuenteovejuna, Bélmez e outras localidades da zona.

5.6

O «Sistema do Museu da Ciência e Tecnologia da Catalunha» (Espanha) integra cerca de vinte pontos de interesse para a arqueologia industrial da região catalã com diferentes características: têxtil, industrial, papeleiras, curtumes, transportes, etc. A indústria catalã teve claramente nos séculos passados uma presença e um valor extraordinários, da perspectiva económica, cultural, arquitectónica e social, que formam parte da identidade colectiva da Catalunha. A concepção do «Sistema» envolve uma promoção turística integral dos vinte pontos, além de funcionar como uma rede de locais de interesse turístico cultural. Este modelo de actuação revela-se ideal para outros projectos de características semelhantes.

5.7

Outra experiência interessante é a patrocinada pelo Instituto Internacional de Turismo Social (BITS), que contribuiu para o desenvolvimento local e alternativo de uma zona em declínio especializada em carvão em La Roche-en-Ardenne (Bélgica) através da criação de um centro de férias de turismo social. Essa iniciativa está a aumentar significativamente a oferta de emprego na região.

5.8

Em toda a Europa surgem experiências turísticas inovadoras, que procuram, mesmo que parcialmente, uma alternativa a situações de declínio económico. A título de exemplo cabe citar a dos pescadores tradicionais que oferecem aos turistas a possibilidade de participarem activamente numa dia da sua actividade laboral a bordo do seu barco. Assim, proporciona-se aos turistas uma experiência de contacto com uma realidade profissional e cultural com grande atracção turística, permitindo melhorar as receitas de uma actividade em declínio.

5.9

O CESE apoia a Declaração Conjunta do Sindicato Europeu de Alimentação, Hotelaria-Turismo e Agricultura (EFFAT) e a Associação Europeia de Hotéis, Restaurantes e Cafetarias (HOTREC) sobre linhas de actuação para manter e desenvolver o emprego no sector turístico em zonas rurais.

6.   Conclusões

6.1

Durante as diversas reuniões do grupo de estudo responsável pela elaboração do presente parecer, assim como na audição bem sucedida realizada em Córdova, foi possível obter opiniões que foram incluídas no texto anterior e também conclusões e recomendações muito valiosas.

6.2

O turismo, como assinalado em diversos documentos da Comissão, do próprio CESE e em múltiplas fontes de estudo, é uma actividade económica de grande importância, tanto de um ponto de vista estritamente económico, como também de um ponto de vista social e ambiental. O turismo é uma indústria forte, estável, com perspectivas de futuro e criadora de emprego de qualidade quando se desenvolve segundo critérios de sustentabilidade a curto, médio e longo prazos.

6.3

As zonas em declínio socioeconómico em diversos países da Europa têm diversas causas e manifestações, mas em todas elas a perda de emprego e a ausência de alternativas económicas constituem a manifestação mais evidente e a consequência mais penosa para a população local, que se vê frequentemente obrigada a emigrar em busca de outras alternativas diferentes das tradicionais para a zona. O despovoamento de amplas zonas agrícolas, industriais ou mineiras é o resultado indesejado das alterações da estrutura económica.

6.4

O enraizamento social da população local é o objectivo fundamental de todas as políticas destinadas a obter um equilíbrio regional e, assim, a proporcionar alternativas viáveis a essas zonas em declínio. Nesse sentido, os fundos estruturais europeus desempenham um papel essencial como instrumentos dessa política de enraizamento social. A manutenção ou a criação de emprego como instrumento de inserção social deve figurar como prioridade máxima.

6.5

O turismo é possivelmente e para muitas situações diversas de declínio uma boa alternativa para conseguir uma fonte de actividade económica com grande potencial de desenvolvimento social, empresarial e laboral. Diversas experiências a todos os níveis assim o mostram e confirmam.

6.6

Todavia, esse caminho das zonas em declínio em busca da alternativa turística não está isento de grandes dificuldades e obstáculos. Em especial, as zonas em declínio não são, em princípio, zonas «naturalmente» turísticas, mas sim o contrário, dado que por vezes carecem de atracção turística, possuem locais degradados difíceis de recuperar e têm problemas em criar locais em que o turismo se possa desenvolver de forma viável. Por isso, é importante criar produtos e ofertas capazes de criar procura.

6.7

São diversos os obstáculos que se apresentam para a alternativa turística das zonas em declínio, adicionais à situação negativa de base:

de carácter financeiro na medida em que é necessário capital para a criação de produtos e infra-estruturas turísticas;

de ordem cultural, dado que a formação necessária para avançar no sentido dos serviços turísticos não existe normalmente entre a população local;

de acessibilidade e mobilidade dos potenciais turistas para que possam chegar com segurança aos locais turísticos criados ou promovidos;

de segurança das pessoas e das coisas;

de ausência de promoção ou de falta de coordenação na promoção do local turístico;

de falta de assistência técnica especializada que colabore na determinação das variáveis que podem tornar as novas empresas viáveis.

6.8

Todavia, essa possibilidade de alternativa no sector turístico e as dificuldades inerentes ao processo são precisamente as duas variáveis que devem mobilizar tanto as instituições públicas como os agentes sociais e os cidadãos em geral e responder ao desafio de realizar esse potencial. A política regional europeia e as demais políticas europeias (turística, cultural, de emprego, de transportes e infra-estruturas, etc.) são os âmbitos de acção política que devem permitir e colaborar na realização desses desafios. Esquecer a situação das zonas em declínio ou não enfrentar os riscos e os obstáculos da alternativa turística não parece ser uma estratégia válida. Não são muitas nem fáceis as outras alternativas à actividade turística para zonas em declínio.

6.9

Para que a alternativa turística para as zonas em declínio seja viável deve respeitar diversas condições:

fomentar os valores culturais, patrimoniais e naturais próprios da zona. Frequentemente, as populações locais, incluindo em zonas em declínio, possuem uma riqueza cultural local irrepetível;

responder a objectivos gerais em que, através dos planos integrais de desenvolvimento, se criem os diversos produtos e serviços de que o turismo necessita;

promover produtos turísticos com capacidade de alojamento junto dos diversos produtos turísticos. O alojamento dos turistas é a componente das despesas que traz estabilidade ao negócio turístico e cria tecido empresarial complementar à sua volta. A preferência pela fórmula do turismo hoteleiro ou alojamento temporário em detrimento do turismo residencial deve ser evidente enquanto garantia de viabilidade a longo prazo;

desenvolver-se segundo condições de sustentabilidade económica, social e ambiental de forma a que essa actividade seja a base de várias empresas e, portanto, criadora de emprego ou auto-emprego;

criar tecido empresarial competitivo e diversificado para que os mercados em mutação, a globalização da actividade económica e a deslocalização não afectem a zona no futuro;

fomentar a qualidade em todas as suas formas, através da formação profissional: no serviço aos clientes, nas condições de trabalho, no respeito pela natureza;

realizar alianças com outros destinos de características semelhantes, para a criação de redes que fomentem a promoção conjunta do produto, marca ou destino;

oferecer produtos e serviços inovadores. A inclusão generalizada e profunda das tecnologias da informação e comunicação (TIC) será sem dúvida um importante factor de competitividade. A utilização da Web por parte das empresas turísticas de grande, média e pequena dimensões, em especial por estas últimas, é um instrumento essencial para a promoção e situação no mercado de oferta;

assegurar os direitos dos consumidores é uma actividade como o turismo que se caracteriza pela transversalidade das suas acções e pela pequena dimensão das empresas que prestam os seus serviços.

6.10

É claro que os produtos turísticos elegidos em cada zona serão diferentes, de acordo com diversas variáveis, e é difícil definir qual será o ideal para cada caso. Todavia, a título de exemplo, cabe citar o agroturismo e o turismo rural, complementados pelo artesanato, a produção e comércio de produtos alimentares locais, o turismo industrial que vimos reflectido em diversas boas práticas, o turismo de saúde, o turismo cultural; estas são algumas actividades directa ou indirectamente relacionadas com o turismo e que podem criar um espaço turístico alternativo. O apoio institucional ao turismo rural é imprescindível para a sua visibilidade a longo prazo.

6.11

A tipologia de empresas que podem desenvolver produtos e actividades turísticas em zonas em declínio não é diferente da de outras condições, mas há que referi-las:

o auto-emprego, que foi uma forma eficaz de defesa face a crises industriais e que numa nova situação de criação de actividade pode oferecer fórmulas empresariais que satisfaçam os jovens mais empreendedores. No caso do turismo rural, as diversas fórmulas de auto-emprego e emprego familiar têm uma presença maior do que noutros sectores;

as cooperativas, tanto de trabalho associado como de produção, apoio e consumo, que administram estruturas de acolhimento, designadamente pequenos albergues, acampamentos e refúgios, ou administram diversos serviços turísticos ou ainda a gestão dos viajantes. A possibilidade de criar e trabalhar em rede é uma mais-valia importante que diversos países, entres eles a Itália através da Legacoop, souberam aproveitar para fomentar a presença das cooperativas no sector turístico;

no caso das micro-empresas seria necessário um tratamento individualizado da sua situação nas convenções colectivas para assegurar, por um lado, a qualidade do emprego e, por outro lado, a adequação a uma realidade variada, mutável e complexa;

as organizações que gerem o turismo social em diversos países podem colaborar de forma muito eficaz para que o turismo seja uma alternativa para as zonas em declínio económico. O número de passageiros que gerem anualmente pode ser uma aliciante para estabelecer itinerários e produtos turísticos nessas zonas. A experiência nesse sentido do BITS (Instituto Internacional do Turismo Social), por exemplo, com o centro de férias de Liguerre de Cinca em Espanha que proporciona à região um impulso económico muito importante, tem grande valor. Também no caso de Portugal, várias cidades de férias geridas pelo INATEL contribuem para uma actividade económica significativa para toda a região.

6.12

Para garantir a visibilidade das empresas turísticas criadas como alternativa nas zonas em declínio, é essencial que, na região, se criem diversas actividades complementares capazes de colaborar num objectivo comum, desenvolvendo uma autêntica «aliança turística» em que cada empresa deve encarar-se como parte de toda uma oferta turística. Assim, a aliança da cultura, da gastronomia, da oferta da natureza, do alojamento e, ainda, de todas as actividades económicas que integram a «atracção turística» devem estar coordenadas, tanto na sua vertente pública como na privada. Essa aliança que, por vezes, nem sempre, surge no turismo tradicional é imprescindível no caso dos novos desenvolvimentos nas zonas em declínio pela sua extrema dificuldade e fragilidade empresarial. A figura de «Circuito Turístico», onde intervêm diversos agentes económicos, é uma forma de concretizar essa aliança. Em todo o caso, a cooperação entre empresas deve ser promovida por todos os agentes económicos e sociais.

7.   Considerações finais

7.1

A recuperação económica das zonas europeias em declínio é muito importante e representa um desafio difícil para as instituições públicas a todos os níveis, para os agentes socioeconómicos e para os cidadãos, mas é um desafio que tem de ser enfrentado, a fim de não relegar algumas regiões ao despovoamento e as suas populações locais à pobreza ou à emigração. A alternativa turística é uma possibilidade, mas a sua mais-valia, a sua capacidade de criar emprego e as suas perspectivas de futuro tornam-na privilegiada e prioritária.

7.2

De facto, tanto as políticas europeias como os documentos das instituições avançam por esse caminho: a Comissão Europeia, o Parlamento e o Comité Económico e Social Europeu defendem e promovem essa alternativa, mas os apoios financeiros para acções dos fundos estruturais nesse sentido são ainda insuficientes e cada vez mais difíceis de utilizar enquanto instrumentos geradores de novo ímpeto económico. Propõe-se à Comissão a realização de um projecto-piloto, baseado em experiências bem sucedidas, que estude na prática o melhor método para a aplicação dos fundos estruturais na promoção do turismo nas zonas em declínio socioeconómico.

7.3

Outras instituições, como a Organização Mundial do Turismo (OMT) e o Instituto Internacional de Turismo Social (BITS) estão a levar a cabo acções de grande valor estratégico na medida em que reforçam e incentivam as redes de promoção e intercomunicação, imprescindíveis para a viabilidade dos projectos de turismo nas zonas em declínio.

7.4

A nível nacional nos Estados-Membros, devia promover-se a coordenação de acções dos diferentes níveis de administração: estatal, regional e local. A criação de observatórios de turismo que analisem as potencialidades do sector e que planeiem as diferentes estratégias e políticas integradas de desenvolvimento turístico constitui um bom instrumento de diagnóstico e acção.

7.5

No âmbito de vários pareceres relacionados com o turismo, o CESE está a promover a elaboração de políticas europeias em torno da configuração de um modelo turístico europeu, baseado não necessariamente em disposições normativas mas sim em princípios de sustentabilidade, de protecção do ambiente, de qualidade de serviços, de produtos e emprego, segurança dos consumidores, cooperação público-privado, acessível a todas as pessoas, fomento dos valores patrimoniais e culturais locais e outros valores que devem garantir que o turismo na Europa e em todos os países respeita e se funda em princípios de solidez a curto, médio e longo prazos. O presente parecer vem somar-se a esse grupo de documentos estratégicos e políticos e apresenta o contributo positivo do turismo para a recuperação económica das zonas em declínio enquanto elemento constitutivo desse modelo turístico europeu.

8.

O Comité Económico e Social Europeu elaborará e publicará o presente parecer, que será apresentado como contributo do CESE para o Fórum Europeu do Turismo 2005, a realizar em Malta em Outubro de 2005, com o título «Declaração de Córdova sobre o contributo do turismo para a recuperação socioeconómica das zonas em declínio».

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/11


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que rectifica a Directiva 2004/18/CE relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços»

COM(2005) 214 final — 2005/0100 (COD)

(2006/C 24/02)

Em 8 de Junho de 2005, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Em 27 de Julho de 2005, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, encarregada de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer com base no projecto do relator, Francesco PETRINGA.

Na 420.a reunião plenária de 27 e 28 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 161 votos a favor e 3 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

A Directiva 2004/18/CE, de 31 de Março de 2004, rege a coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços. Essa directiva reuniu as anteriores directivas, modificando os respectivos conteúdos e criando um quadro jurídico e simplificado.

1.2

Ao delimitar o seu âmbito de aplicação, a directiva estabeleceu uma série de limiares abaixo dos quais não será aplicada. Previu, ainda, um procedimento específico para a revisão periódica desses limiares.

1.3

Os limiares da directiva são fixados em euros, enquanto os que dizem respeito às obrigações internacionais da União ao abrigo do acordo da OMC sobre os contratos públicos são expressos em Direitos de Saque Especiais (DSE). No artigo 78.o, a directiva prevê um mecanismo que permite à Comissão rever os limiares se a evolução das taxas de câmbio DSE-euro o justificar. Aquando de uma eventual revisão, o nível dos limiares deveria permanecer substancialmente idêntico.

1.4

A Comissão tencionava manter inalterado o nível dos limiares, nomeadamente o limiar de 249 000 euros aplicável aos contratos públicos de serviços financiados num montante superior a 50 % pelas entidades adjudicantes, (alínea b) do artigo 8.o), e para os contratos de prestação de serviços públicos celebrados por entidades adjudicantes não mencionadas no Anexo IV (ou seja, entidades adjudicantes que não são autoridades governamentais centrais).

1.5

Devido a um erro material, o artigo 78.o prevê que o limiar dos contratos públicos financiados a mais de 50 % pelas autoridades adjudicantes, mencionadas na alínea b) do artigo 8.o, fosse alinhado num valor diferente, o que efectivamente significa baixar o nível do limiar.

2.   Conclusões

2.1

A proposta de directiva corrige apenas este erro material. Ao rectificar o artigo 78.o, restabelece-se a coerência entre o limiar fixado no artigo 8.o, sobre o âmbito de aplicação da directiva, e o mecanismo de revisão dos limiares previsto nesse mesmo artigo 78.o.

2.2

O CESE não pode deixar de se manifestar favoravelmente a uma alteração que restitui coerência ao texto regulamentador.

2.3

As afirmações supra são válidas, nomeadamente tendo em vista o próximo prazo de revisão dos limiares que, nos termos do n.o 4 do artigo 78.o, deveria ocorrer em Novembro de 2005.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/12


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos direitos das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreo»

COM(2005) 47 final — 07/2005 (COD)

(2006/C 24/03)

Em 8 de Abril de 2005, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 71.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi encarregada da preparação dos trabalhos nesta matéria a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 1 de Setembro de 2005, sendo relator Miguel CABRA de LUNA.

Na 420.a reunião plenária, de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 160 votos a favor, 2 votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

A Comissão apresentou uma proposta de regulamento sobre os direitos das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreo, com vista a facultar às pessoas com deficiência e às pessoas de mobilidade reduzida as mesmas condições de transporte aéreo que ao resto da população.

1.2

Aos olhos da Comissão, o transporte aéreo é uma das formas de assegurar a integração e a participação activa das pessoas com deficiência na vida económica e social.

1.3

A Comissão inscreve esta iniciativa no quadro das suas políticas de combate à discriminação, expressamente consagrada como um princípio geral no artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O artigo 13.o do Tratado CE também intima a UE a combater a discriminação, nomeadamente em razão de deficiência.

1.4

O regulamento visa garantir que as oportunidades criadas pela abertura de um mercado único no sector do transporte aéreo beneficiem de forma igual todos os passageiros.

1.5

O documento da Comissão representa a primeira legislação especificamente destinada às pessoas com deficiência no direito comunitário, embora tenha igualmente efeitos positivos para muitas pessoas idosas e para passageiros de mobilidade temporariamente reduzida.

1.6

A proposta, destinada a prevenir a discriminação, define alguns princípios fundamentais:

Aos passageiros de mobilidade reduzida não deve ser recusado o transporte, excepto por razões de segurança;

Deve ser prestada assistência adequada sem encargos directos para o passageiro de mobilidade reduzida;

Os passageiros de mobilidade reduzida devem gozar de um serviço de alta qualidade de um determinado ponto de chegada a um determinado ponto de partida;

Um serviço centralizado de assistência;

Sanções efectivas em caso de incumprimento da legislação.

1.7

As disposições tomadas voluntariamente pelas transportadoras aéreas e pelos aeroportos nos últimos anos devem ser vistas como um primeiro passo positivo no sentido de erradicar a discriminação e garantir a qualidade da assistência às pessoas de mobilidade reduzida. No entanto, essas disposições têm-se revelado insuficientes e torna-se necessário definir regras e responsabilidades claras neste domínio.

2.   Observações na generalidade

2.1

O CESE é favorável à iniciativa da Comissão e apoia inteiramente os princípios fundamentais que lhe subjazem.

2.2

O regulamento contribuirá sem dúvida para suprimir os entraves ao transporte aéreo para as pessoas de mobilidade reduzida e está relacionado com o regulamento recentemente adoptado pela UE sobre a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento (1), que contribui para aumentar os direitos dos passageiros.

2.3

O CESE tem defendido, nos seus pareceres mais recentes (2), a necessidade de uma legislação que não se circunscreva apenas ao domínio do emprego e se destine a remover os entraves que afectam as pessoas de mobilidade reduzida noutros sectores. A mobilidade é essencial para a inclusão social das pessoas com deficiência.

2.4

O CESE lastima que a legislação não contenha disposições sobre a acessibilidade das pessoas com deficiência às infra-estruturas aeroportuárias, aos veículos para transporte de passageiros em terra e às aeronaves. O Comité faz notar que essas disposições são as únicas capazes de garantir a igualdade de oportunidades no transporte aéreo e exorta a Comissão Europeia a propor nova legislação para assegurar que todas as novas infra-estruturas e todos os novos equipamentos de transporte serão acessíveis a todos os passageiros e que os entraves actuais serão gradualmente suprimidos.

2.5

O CESE apoia o teor geral do regulamento, e em particular a proposta de criar um organismo único e centralizado de gestão dos serviços nos aeroportos, por ser a melhor forma de assegurar o controlo e a qualidade da assistência aos passageiros de mobilidade reduzida.

2.6

Considera, todavia, que certas disposições devem ser reforçadas para que o objectivo geral possa ser alcançado.

2.7

O Comité insiste ainda na necessidade de uma ampla consulta das organizações representativas da sociedade civil para garantir que os direitos de todos os cidadãos, incluindo os de mobilidade reduzida, são respeitadas no sector dos transportes aéreos. Além disso, para assegurar a melhor aplicação possível do regulamento, importa criar um diálogo (incluindo normas de segurança) entre os aeroportos, os fornecedores de serviços, as transportadoras aéreas e as organizações de pessoas com deficiência, incluindo as pessoas com mobilidade reduzida, no âmbito do comité de utilizadores do aeroporto.

Apraz ao Comité que a assistência seja gratuita para as pessoas com deficiência, mas não pode concordar com a proposta de que a assistência seja financiada equitativamente por todos os passageiros, como sugerido no sétimo considerando da proposta de regulamento. O Comité insiste que os encargos com a assistência devem ser partilhados por todas as transportadoras aéreas proporcionalmente ao número de passageiros que cada uma transporte de e para um dado aeroporto, sem levar a qualquer aumento dos preços para os passageiros.

2.8

O Comité entende que a derrogação do princípio geral do artigo 3.o («Proibição da recusa de transporte») prevista no artigo 4.o, segundo a qual a recusa de embarque pode ser permitida para respeitar as prescrições de segurança aplicáveis, deve ser clarificada para prevenir recusas arbitrárias. As prescrições de segurança devem ser especificadas e definidas a nível comunitário, quer em anexo ao regulamento em apreço quer através de um regulamento de aplicação. Actualmente, essas prescrições são definidas pelas transportadoras ou pela legislação vigente, podendo, por isso, divergir e mesmo contradizer-se entre si. A proposta da Comissão Europeia de que as normas de segurança sejam definidas pelas legislações nacionais não resolveria o problema. A informação sobre as prescrições de segurança deve ser facultada a todos os passageiros, e não apenas aos que a solicitem.

2.9

O CESE também lastima que a proposta não obrigue expressamente as transportadoras a reembolsar ou a oferecer outro voo e assistência aos passageiros impedidos de embarcar, de forma semelhante à prevista no regulamento em vigor sobre a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos.

2.10

No entender do Comité, as disposições sobre a obrigação de prestar assistência nos aeroportos (artigo 5.o) devem ser reforçadas. A responsabilidade do organismo de gestão do aeroporto deve passar a abranger os passageiros transferidos ou de passagem por um aeroporto caso as necessidades específicas de assistência desses passageiros tenham sido notificadas com uma antecedência mínima de vinte e quatro horas. A actual formulação da proposta («todos os esforços razoáveis») é insatisfatória. No entanto, podem ser tidas em consideração circunstâncias excepcionais, independentes do organismo de gestão.

2.11

O CESE considera que todos os aeroportos europeus devem adoptar padrões de qualidade elevados e uniformes para os passageiros de mobilidade reduzida para além dos estabelecidos no Anexo I do regulamento. O limite mínimo de dois milhões de passageiros sugerido na proposta em apreço isenta um grande número de aeroportos europeus desta obrigação. O Comité julga ainda necessário definir a nível local, em cooperação com as organizações de pessoas com deficiência (incluindo as pessoas com mobilidade reduzida), padrões de qualidade para os pequenos aeroportos com menos de um milhão de passageiros por ano, adaptados às suas dimensões.

2.12

Importa que o pessoal relevante receba formação adequada sobre as deficiências de modo a poder prestar a assistência mais adaptada às necessidades dos passageiros. A aplicação das novas tecnologias, como os sms ou os pagers, poderá facilitar a transferência dos passageiros de mobilidade reduzida, nomeadamente das pessoas com deficiência visual ou auditiva.

2.13

Convém adoptar um procedimento simplificado de notificação da necessidade de assistência, o qual deve ser gratuito para os passageiros. Em geral, esta notificação ocorre quando os bilhetes são reservados e é recebida pelas transportadoras. É pois essencial que haja uma transferência fiável de informação entre as transportadoras e os aeroportos, para garantir que os serviços se desenrolem o melhor possível. Uma confirmação deverá ser enviada aos passageiros que notifiquem a necessidade de assistência. Em caso de litígio, o ónus da prova de ausência de notificação deve recair sobre as transportadoras aéreas e/ou o agente de viagens responsável pela reserva.

2.14

Os procedimentos de notificação devem ter em conta as necessidades dos passageiros. Além disso, devem ser tidos em conta certos requisitos específicos, como modos alternativos de notificação (possibilidade de notificar por telefone ou Internet, os sítios na Internet devem ser compatíveis com o sistema WAI (3), a notificação por telefone deve ser gratuita).

2.15

O Comité entende que o texto do regulamento deve incluir uma referência à Directiva 95/46/CE relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, a fim de garantir que a privacidade do passageiro é respeitada, que a informação prestada se destina exclusivamente à execução das obrigações de assistência e que não poderá ser utilizada contra o requerente.

2.16

O CESE teme que a designação de diferentes organismos em cada Estado-Membro para a recepção das reclamações venha a comprometer a eficácia das sanções por incumprimento e as possibilidades de reclamação por parte dos passageiros. Deve haver um organismo facilmente acessível para ouvir as reclamações e acompanhar a aplicação das normas. O CESE é de opinião que em cada Estado-Membro deveria haver um único organismo para estas questões, permitindo um sistema menos complexo do que o previsto na proposta. Face à internacionalização dos transportes aéreos e do número crescente de passageiros que viajam entre países diferentes, seria de considerar a criação de um organismo europeu.

2.17

As pessoas de mobilidade reduzida devem ter direito a compensação em caso de perda ou dano no seu equipamento de mobilidade, atendendo às consequências para a mobilidade, autonomia e segurança do passageiro. A responsabilidade pelo manuseamento em terra do equipamento de mobilidade deve caber à transportadora, em coerência com o quadro internacional sobre a responsabilidade das transportadoras definido pela Convenção de Montreal.

2.18

O Comité salienta igualmente a necessidade de definir claramente no regulamento as responsabilidades e as obrigações em caso de acidente ou de mau tratamento de passageiros que necessitem de assistência quer no aeroporto quer durante o embarque, em conformidade com a Convenção de Varsóvia, alterada pelas Convenções da Haia e de Montreal (4).

2.19

O CESE tem algumas reservas quanto à assistência a bordo das aeronaves. O CESE recomenda que seja suprimida a limitação do transporte de cães-guias aos voos com uma duração inferior a cinco horas, dado que essa limitação não tem fundamento na prática. O regulamento deveria ainda impor às transportadoras aéreas a obrigação de informar sobre as restrições de transporte de equipamento de mobilidade a bordo. As disposições respeitantes ao acesso à informação sobre os voos deveriam ser aplicadas também às medidas de segurança.

2.20

O CESE lastima que o regulamento não cubra todos os entraves ao transporte aéreo. Em particular, é essencial que todos os novos aeroportos sejam acessíveis a pessoas de mobilidade reduzida e que os aeroportos existentes eliminem progressivamente os entraves à igualdade de acesso.

2.21

O CESE recomenda ainda que as transportadoras aéreas, ao adquirirem ou contratarem novos aviões, optem pelos que melhor se conformem aos padrões de acessibilidade.

3.   Conclusão

3.1

O CESE apoia a proposta, mas sugere uma série de alterações, descritas em pormenor na Parte 2, com vista a uma maior coerência e a assegurar mais eficácia na luta pela igualdade de oportunidades dos passageiros com deficiência ou de mobilidade reduzida no transporte aéreo.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne Marie SIGMUND


(1)  Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 – JO L 40 de 17/02/2004 — Parecer do CESE JO C 241 de 7/10/2002 p. 29.

(2)  Cf. parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Integração das pessoas com deficiência na sociedadeJO C 241 de 7/10/2002, p. 89, e o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta da Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência: Plano EuropeuJO C 110, de 30/4/2004, p. 26.

(3)  A Web Accessibility Initiative (WAI) é uma série de orientações internacionalmente aceites sobre o acesso a sítios na Internet, browsers e ferramentas de autoria destinada a facilitar às pessoas com deficiência (física, visual, auditiva, cognitiva ou neurológica) a utilização da Internet. Para mais informação, consultar http://www.w3.org/WAI e a comunicação da Comissão Europeia eEurope 2002: acessibilidade dos sítios Web públicos e do respectivo conteúdo, de 25 de Setembro de 2001.

(4)  Cf. artigo 7.o, que define as responsabilidades das transportadoras aéreas em caso de acidente, quer a bordo da aeronave quer durante o embarque ou o desembarque dos passageiros.


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à informação dos passageiros do transporte aéreo sobre a identidade da transportadora operadora e à comunicação de informações de segurança pelos Estados-Membros»

COM(2005) 48 final — 08/2005 (COD)

(2006/C 24/04)

Em 30 de Março de 2005, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 80.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 1 de Setembro de 2005, sendo relator Thomas McDONOGH.

Na 420.a reunião plenária, de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 161 a favor e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Contexto

1.1

A supervisão da segurança rege-se pela Convenção sobre a Aviação Civil Internacional de 1944 (Convenção de Chicago) e baseia-se nas normas da Organização da Aviação Civil Internacional instituída por essa convenção. No essencial, o cumprimento dos requisitos de segurança pelas transportadoras aéreas é supervisionado pelo país de origem dessas transportadoras.

1.2

Fora da UE, os níveis de segurança dependem da eficácia dos procedimentos de supervisão aplicáveis nos países terceiros. Para estabelecer e manter um nível elevado e uniforme de segurança da aviação civil na Europa, o Parlamento Europeu e o Conselho adoptaram recentemente a Directiva 2004/36/CE (1) relativa à segurança das aeronaves de países terceiros que utilizem aeroportos comunitários (directiva «SAFA»), a qual adopta uma abordagem harmonizada dos procedimentos de inspecção às aeronaves dos países terceiros quando utilizam aeroportos comunitários. Além disso, a referida directiva prevê o intercâmbio de informações entre os Estados-Membros, assim como a possibilidade de alargar a toda a Comunidade as medidas adoptadas por um Estado-Membro relativamente a uma aeronave ou um operador de um país terceiro quando existam suspeitas de incumprimento das normas de segurança internacionais.

1.3

Em resumo, a directiva «SAFA» obriga os Estados-Membros a criar um mecanismo de recolha de informações que lhes permita identificar operadores potencialmente pouco seguros.

1.4

O acidente em Sharm-el-Sheikh, bem como os ocorridos em 2005, revelou a necessidade de regras mais rigorosas.

1.5

Para tornar obrigatórias as inspecções na plataforma de estacionamento e coagir os Estados-Membros a participar num intercâmbio de informações mais abrangente e a aplicar as medidas comuns adoptadas com base nos resultados dessas inspecções, a Comissão deveria criar uma lista europeia que identificasse os operadores potencialmente pouco seguros.

1.6

Para submeter as tripulações a controlos por amostragem em simulador de voo no espaço aéreo europeu a fim de avaliar a sua competência em situações de tráfego congestionado.

1.7

O passageiro deve ter o direito de conhecer a identidade da transportadora no momento da reserva via Internet ou numa agência de viagens e de ser informado de qualquer mudança antes do voo, por exemplo, no caso de avião fretado (contrato de wet lease). Não a aceitando, terá direito ao reembolso integral do preço do bilhete.

1.8

Os passageiros devem ser igualmente informados sobre o tipo, modelo e idade da aeronave, se o desejarem, bem como o país de matrícula.

1.9

Há que insistir na necessidade de serem proporcionados aos membros da tripulação períodos de repouso adequados entre voos.

1.10

A tripulação de cabina deve dominar o inglês ou outra língua europeia, consoante o destino, de forma que, em caso de incidente grave ou situação de emergência, possa comunicar com os passageiros.

1.11

A proibição de entrar ou sobrevoar o território nacional de um Estado-Membro da UE a uma companhia aérea por razões de segurança deve ser alargada a todo o espaço comunitário.

2.   Conclusões

O Comité subscreve a maior parte do documento, entendendo, porém, que não vai suficientemente longe. O congestionamento do tráfego aéreo suscitará cada vez mais problemas de segurança nos anos mais próximos. Por isso, convém que o prazo de revisão do regulamento seja inferior a cinco anos. Há que submeter as operadoras europeias a medidas de segurança mais rigorosas, nomeadamente no que se refere à bagagem de mão, impor o domínio do inglês aos controladores aéreos e definir adequadamente os períodos de repouso das tripulações, etc.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  JO L 143 de 30/4/2004, p. 76 — parecer do CESE: JO C 241 de 7/10/2002, p. 33.


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/16


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Conselho relativa a medidas comunitárias de luta contra a gripe aviária e a proposta de decisão do Conselho que altera a Decisão 90/424/CEE relativa a determinadas despesas no domínio veterinário»

COM(2005) 171 final — 2005/0062 e 0063 CNS.

(2006/C 24/05)

Em 14 de Junho de 2005, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 37.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

A Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 7 de Setembro de 2005, tendo sido relator J. DONNELLY.

Na 420.a reunião plenária, de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 160 votos a favor, 1 voto contra e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

A gripe aviária é uma doença viral altamente contagiosa das aves de capoeira, que pode tomar rapidamente proporções epizoóticas e infectar ocasionalmente os seres humanos, habitualmente após contacto directo com aves infectadas. Detectado um foco em aves migratórias (gansos selvagens) mortas pelo vírus na província de Qinghai, a China promoveu, nos últimos meses, uma vasta campanha de vacinação.

1.2

Durante a recente epizootia causada por uma estirpe altamente patogénica, que ocorreu em diferentes áreas do mundo, incluindo alguns Estados-Membros, mais de 200 milhões de aves de capoeira morreram ou foram sacrificadas para lutar contra a doença. Este abate maciço motivou sérias críticas da opinião pública europeia por questões de bem-estar animal, éticas, sociais, económicas e ambientais.

1.3

As mutações genéticas do agente da doença e a sua rápida adaptação acarretam riscos para a saúde pública e sanidade animal. Embora, de acordo com os conhecimentos actuais, os riscos para a saúde do vírus da gripe aviária de baixa patogenicidade sejam, por definição, inferiores aos do vírus da gripe aviária de alta patogenicidade, o facto é que este último resultou da mutação do vírus da gripe aviária de baixa patogenicidade, nomeadamente as estirpes H5 e H7, registando uma elevada taxa de mortalidade das aves de capoeira. Os dados disponíveis indicam que aquelas estirpes causaram epidemias nos seres humanos e foram responsáveis por todos os casos de morte devido a infecção por vírus da gripe aviária. Embora esteja provada a transmissão da estirpe H9 do vírus da gripe aviária de baixa patogenicidade por suínos e aves de capoeira aos seres humanos, o risco para a saúde pública não é claro.

1.4

Os focos não controlados de gripe aviária podem dar origem a um vírus bem adaptado ao ser humano e capaz de provocar uma pandemia de gripe com consequências sanitárias e socioeconómicas devastadoras para o mundo inteiro.

2.   Síntese da proposta da Comissão

2.1

A primeira proposta sub judice tem por objectivo substituir a Directiva 92/40/CEE, que estabelece medidas comunitárias de luta contra a gripe aviária, por uma nova directiva que actualize as disposições vigentes.

2.2

Comporta a alteração da definição de gripe aviária de forma a incluir os vírus da gripe aviária de baixa patogenicidade e da gripe aviária de alta patogenicidade. Não obstante, as medidas de luta contra estes vírus serão moduladas em função dos riscos potenciais.

2.3

Estabelece medidas obrigatórias de vigilância e de luta contra a doença também em relação aos vírus da gripe aviária de baixa patogenicidade. Os Estados-Membros têm de apresentar à Comissão planos de vigilância para detecção precoce da gripe aviária de baixa patogenicidade de tal forma que as medidas de luta contra a doença possam ser rapidamente aplicadas e prevenida a mutação do vírus da gripe aviária de baixa patogenicidade em vírus da gripe aviária de alta patogenicidade.

2.4

Dispõe que a detecção de infecção por vírus da gripe aviária de baixa patogenicidade desencadeie medidas de luta, incluindo a opção de abate controlado quando os riscos são negligenciáveis. O abate sanitário não será, porém, excluído enquanto medida de luta sempre que seja considerado apropriado.

2.5

Prevê disposições novas e mais flexíveis em matéria de vacinação de aves de capoeira e outras aves, incluindo a possibilidade de recorrer à vacinação de emergência e de protecção.

2.6

Inclui igualmente as aves domésticas que não aves de capoeira, como as mantidas em jardins zoológicos, nas disposições relativas à luta contra a gripe aviária de baixa patogenicidade e a gripe aviária de alta patogenicidade, cabendo, porém, aos Estados-Membros optar pela vacinação ou pelo abate sanitário com base numa avaliação dos riscos.

2.7

Propõe disposições sobre a cooperação entre as entidades veterinárias e de saúde pública em caso de surto de gripe aviária enquanto medida de protecção da saúde pública.

2.8

Prevê ainda a adopção, por comitologia, de um processo decisório mais rápido.

2.9

A segunda proposta inclui uma disposição sobre a participação financeira da Comunidade destinada a medidas de erradicação da gripe aviária de baixa patogenicidade adoptadas pelos Estados-Membros.

2.10

Alvitra ainda que a Comissão estude a possibilidade de criar um banco de vacinas contra a gripe aviária.

3.   Observações na generalidade

3.1

O Comité aprova a presente proposta como resposta clara ao aumento dos focos de gripe aviária, à presença do vírus nas aves selvagens, à experiência acumulada na gestão dos focos e aos novos conhecimentos sobre a capacidade de mutação do vírus da gripe aviária incluindo o vírus da gripe aviária de baixa patogenicidade.

3.2

O Comité está consciente do risco potencial para a saúde pública e a sanidade animal não sendo adoptadas novas medidas para lutar contra a doença.

3.3

O Comité considera a nova definição de gripe aviária e a exigência de vigilância e controlo da gripe aviária de baixa patogenicidade como passos importantes na luta contra o vírus e suas consequências negativas.

3.4

O Comité reconhece a reacção pública negativa a uma política de abate maciço de aves como único meio de lutar contra a gripe aviária.

3.5

O Comité realça o conhecimento acumulado em matéria de vacinação e aplaude a introdução de uma política de vacinação de emergência e de protecção enquanto instrumento adicional na luta contra a gripe aviária.

3.6

O Comité subscreve a proposta de notificação obrigatória da gripe aviária às entidades de saúde pública.

4.   Observações na especialidade

4.1

O CESE reconhece os riscos potenciais no domínio da saúde dos animais, especialmente em consequência das novas fronteiras da UE em consequência do alargamento; assim, o CESE recomenda a disponibilização pela Comissão de recursos suficientes para a inspecção e a auditoria da execução e transposição das directivas pertinentes.

4.2

O Comité tem presente a dimensão internacional da gripe aviária e solicita à Comissão que procure assegurar um controlo equivalente à escala mundial na luta contra a gripe aviária.

4.3

Se bem que o Comité acolha com satisfação as medidas financeiras e o contributo da UE no recurso ao abate sanitário enquanto meio de controlar a gripe aviária de baixa patogenicidade, propõe que a compensação passe de 30 % para 50 %.

5.   Conclusões

5.1

O Comité aprova a proposta da Comissão como medida de protecção da saúde pública e da sanidade animal ameaçada pelo vírus da gripe aviária em constante mutação e adaptação.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/18


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CEE) n.o 2075/92 que estabelece a organização comum de mercado no sector do tabaco em rama»

COM(2005) 235 final — 2005/0105 (CNS)

(2006/C 24/06)

Em 14 de Junho de 2005, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 37.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

A Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, emitiu parecer em 7 de Setembro de 2005 (relator único: C. FAKAS).

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou o seguinte parecer por 151 votos a favor, 3 votos contra e com 14 abstenções:

1.   Introdução

Nos seus títulos I e II, o Regulamento (CEE) n.o 2075/92 que estabelece a organização comum de mercado no sector do tabaco em rama prevê, respectivamente, um regime de prémio e um regime de quotas de produção. Este mecanismo de apoio será aplicado, pela última vez, à produção de 2005.

Adoptado em Abril de 2004, o segundo pacote de reforma da PAC referente aos produtos mediterrânicos determina que os regimes de prémio e de quotas serão abolidos a partir da colheita de 2006.

Deste modo, não é necessário manter a disposição relativa ao programa de resgate de quotas para a produção de 2005. Em consequência, diversos artigos e o anexo do Regulamento (CEE) n.o 2075/92 tornar-se-ão obsoletos, devendo ser suprimidos por motivos de clareza jurídica e transparência.

Em 3 de Junho de 2005, a Comissão apresentou, portanto, ao Conselho uma proposta de regulamento que altera o Regulamento (CEE) n.o 2075/92 na sequência da reforma no sector do tabaco decidida em 2004 (1).

2.   Observações

2.1

O CESE considera que a proposta da Comissão constitui a sequência lógica da reforma do sector do tabaco decidida em Abril de 2004, no âmbito da qual são suprimidos os regimes de prémios e de quotas de produção e se estabelece um novo regime de apoio dissociado.

2.2

Atenta a reforma de 2004 e tendo em conta os debates efectuados no âmbito do Comité de gestão das ajudas directas, o Comité é de opinião que seria mais útil e cómodo que a Comissão apresentasse uma proposta de versão consolidada do Regulamento (CEE) n.o 2075/92 em vez de propor modificar ou suprimir determinados artigos.

2.3

O CESE entende que a proposta tem carácter formal. Apresentada por razões de clareza jurídica e transparência e orientada na boa direcção, poderá ser aprovado.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Maria SIGMUND


(1)  Regulamento (CE) n.o 864/2004 (JO L 161 de 30 de Abril de 2004, p. 48).


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/19


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 3317/94 no respeitante à transmissão dos pedidos de licenças de pesca aos países terceiros»

(COM(2005) 238 final — 2005/0110 (CNS))

(2006/C 24/07)

Em 16 de Junho de 2005, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 37.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 7 de Setembro de 2005 (relator: Gabriel SARRÓ IPARRAGUIRRE).

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu aprovou por 162 votos a favor, 2 votos contra e 6 abstenções o presente parecer.

1.

Os acordos de pesca comunitários são renovados com os países terceiros mediante a negociação de um novo protocolo durante um período que permita evitar a interrupção das actividades de pesca da frota comunitária.

2.

No final do processo de negociação, a CE e o país terceiro rubricam, para além do novo texto de protocolo e respectivo anexo, uma troca de cartas relativa à aplicação provisória do novo protocolo que começa normalmente no dia seguinte à data do termo do protocolo anterior.

3.

Uma vez rubricado o conjunto dos documentos, os serviços da Comissão desencadeiam o procedimento necessário para obter uma proposta formal da Comissão, que é, em seguida, transmitida ao Conselho para adopção.

4.

Este procedimento tem duas vertentes:

um regulamento do Conselho (Regulamento) acompanhado do parecer do Parlamento Europeu e

uma decisão do Conselho (Decisão) que:

fixa a repartição das possibilidades de pesca pelos Estados-Membros

e aprova a troca de cartas sobre a aplicação provisória do protocolo.

5.

Este procedimento pode prolongar-se por vários meses antes da adopção pelo Conselho da proposta formal transmitida pela Comissão, podendo acontecer que o acto do Conselho só seja aprovado vários meses após a data de aplicação provisória prevista na troca de cartas, uma vez que a data do termo das negociações depende do país terceiro.

6.

Este processo abrange um certo período de tempo a partir da data de aplicação provisória em que é possível utilizar as possibilidades de pesca previstas no novo protocolo.

7.

Os procedimentos e as regras de aplicação a adoptar pela Comissão e o Estado-Membro do pavilhão que permitam a gestão das actividades dos navios de pesca comunitários no âmbito dos acordos de pesca e a concessão de autorizações de pesca em águas de um país terceiro são estabelecidos pelo Regulamento (CE) n.o 3317/94 do Conselho de 22 de Dezembro de 1994 (1).

8.

A presente proposta de Regulamento preconiza o aditamento de um parágrafo ao ponto 2 do artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 3317/94 para acelerar a concessão de licenças de pesca, permitindo à Comissão tratar sem demora os pedidos de licença de pesca apresentados pelos Estados-Membros e transmiti-los, por sua vez, ao país terceiro sem ser preciso aguardar a adopção pelo Conselho do acto referente à aplicação provisória do novo protocolo.

9.

O CESE, ciente de que é fundamental evitar qualquer suspensão das actividades de pesca e considerando que a proposta permite utilizar a chave de repartição das licenças de pesca do protocolo anterior, salvaguardando o princípio de estabilidade relativa, e que este processo administrativo se poderá realizar sem prejuízo das disposições a adoptar posteriormente pelo Conselho, dá o seu aval à proposta de Regulamento apresentada pela Comissão.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  JO L 350 de 31/12/1994.


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/20


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde sobre a lei aplicável e a competência em matéria de divórcio»

COM(2005) 82 final

(2006/C 24/08)

Em 14 de Março de 2005, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde sobre a lei aplicável e a competência em matéria de divórcio».

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 5 de Setembro de 2005, sendo relator D. RETUREAU.

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 161 votos a favor, 4 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Apresentação comentada da proposta da Comissão

1.1

A Comissão publicou um Livro Verde que lança uma consulta sobre a competência, os conflitos de leis e o reconhecimento mútuo em matéria de divórcio internacional. O domínio de aplicação proposto seria, todavia, limitado aos Estados-Membros da União (há que sublinhar que o Livro Verde sobre testamentos e sucessões propõe uma abordagem que inclui as pessoas e os bens também em países terceiros).

1.2

Há diversos textos internacionais que se ocupam, directa ou indirectamente, desta matéria:

o Pacto das Nações Unidas de 1966 e as convenções europeias relativas aos direitos do Homem, que consagram a liberdade do casamento e a necessidade de um consentimento livre e não viciado, sob pena de invalidação,

a Convenção de Haia de 1970 sobre a competência jurisdicional, os critérios de competência e o reconhecimento recíproco das decisões em matéria de divórcio e de separação judicial, de que são assinantes os seguintes Estados-Membros: Chipre, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Letónia, Lituânia e Luxemburgo,

o Regulamento «Bruxelas II» n.o 2201/2003 sobre a competência e o reconhecimento recíproco das decisões judiciais na União Europeia em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, que não se aplica à Dinamarca, e se substitui à Convenção de Haia supramencionada em todos os Estados-Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca,

as convenções entre o Vaticano e respectivamente Portugal, Espanha, Malta e Itália sobre o casamento canónico e a sua dissolução e o reconhecimento das decisões dos tribunais do Vaticano (competência da Sacra Rota em matéria de nulidade do casamento canónico — em princípio indissolúvel — para motivos admitidos pelo direito canónico) (1),

as convenções bilaterais, em particular a celebrada entre a Finlândia e a Suécia, que estes países continuarão a aplicar. Alguns Estados-Membros também celebraram acordos com países terceiros sobre a legislação aplicável em matéria familiar, nomeadamente o reconhecimento do casamento e do divórcio no estrangeiro,

os protocolos «opt in» e «opt out» anexos aos tratados que excluem a Dinamarca e facultam ao Reino Unido e à Irlanda a opção de decidirem se pretendem ou não estar vinculados por uma legislação relativa ao direito civil.

1.3

Seria inútil negar a complexidade de uma questão que se prende com particularidades específicas a diferentes religiões e culturas que, simultaneamente, estão fortemente arraigadas na consciência colectiva e que experimentam, de há diversas décadas, como todo o direito de família, profundas alterações. Todavia, o legislador europeu não pode ignorar, no espaço europeu de direito e de liberdade e tendo em conta a livre circulação das pessoas, o facto de que pelo menos um terço dos casamentos termina em divórcio, e que um crescente número deles tem carácter internacional.

1.4

A evolução contemporânea do Direito de família apoia-se principalmente nas noções de democracia (poder legislativo das assembleias), da liberdade dos indivíduos e da igualdade entre as pessoas, noções que são de ordem pública, tanto a nível comunitário, como em cada Estado-Membro. Observa-se, pois, uma tendência para a contratualização no Direito de Família (casamento ou contrato civil entre pessoas do mesmo sexo, divórcio por mútuo consentimento, contratos sobre sucessões, etc.)

1.5

Essa evolução parece irreversível, embora se concretize a ritmos diferentes. A imposição cultural de concepções religiosas mais ou menos profundamente arraigadas parece desempenhar um papel na rapidez e no conteúdo das alterações, que podem entrar em conflito com as concepções e as regras de tradição antiga, bem como com os conceitos e noções jurídicas e sociais que as reflectiam.

1.6

O Direito nacional dos Estados-Membros apresenta, em qualquer caso, uma grande diversidade no que respeita à legislação em matéria de divórcio e de separação judicial, bem como quanto às condições e consequências da nulidade do casamento (Malta não reconhece o divórcio). Por conseguinte, o Livro Verde propõe (prudentemente) que não se escolha a via da harmonização do Direito substantivo.

1.7

O Livro Verde sugere legislar, eventualmente, em duas direcções no que respeita aos divórcios de natureza internacional (europeia):

a competência jurisdicional (determinação do foro competente e reconhecimento das suas decisões em todos os Estados-Membros);

a determinação do direito aplicável pelo tribunal competente.

1.8

As disposições do Regulamento Bruxelas II sobre a determinação da jurisdição nacional competente e o reconhecimento recíproco das decisões judiciais sem procedimento de exequatur já são aplicáveis em matéria de divórcio. A questão é saber se são ou não suficientes na situação actual e em que medida um país poderia ou não opor disposições do seu ordenamento público interno à execução de uma sentença do tribunal competente de um outro Estado-Membro que aplique um Direito material diferente nesse caso (e não necessariamente no seu Direito nacional ordinário).

1.9

Um problema importante resulta das profundas divergências entre as regras internas de admissibilidade de um pedido de divórcio com componente internacional. Em certos casos, é possível que o pedido de divórcio não possa ser aceite por nenhum tribunal de um Estado-Membro. Uma situação deste tipo priva as partes do seu direito de acesso a um órgão jurisdicional, o que é contrário a um direito fundamental e é, portanto, inaceitável.

1.10

Seria útil prever uma regra para a atribuição de competências com o objectivo de evitar a referida negação de acesso ao juiz. Mas qual seria a forma?

1.11

No atinente à lei aplicável, aquela regra por vezes facilita o procedimento de divórcio, mas também pode torná-lo longo, complexo, mesmo restritivo quanto aos motivos ou condições que se podem alegar. Se a lei do foro fosse a única aplicável, o resultado poderia ser uma «corrida aos tribunais», se o primeiro requerente tivesse a oportunidade de escolher o tribunal e a lei nacional mais favoráveis à sua demanda. Obviamente, a outra parte poderia considerar-se lesada, dado que esta solução não responde necessariamente às suas expectativas quando, por exemplo, a lei do foro tem pouco ou nada que ver com a legislação respeitante ao casamento e com a nacionalidade dos cônjuges.

1.12

Será que se deve permitir a transferência para outro órgão jurisdicional competente, se a parte demandada alegar a existência de conexões mais fortes ou igualmente válidas com outro foro, ou se o primeiro órgão jurisdicional interpelado e as normas substantivas que aplica à demanda tiverem poucos ou nenhuns vínculos objectivos de conexão?

1.13

Esta possibilidade de transferência deveria ser admitida (mas há que evitar um «ping-pong» entre diversos órgãos jurisdicionais) e a decisão deveria ser proferida num prazo relativamente curto (procedimento de urgência) para evitar manobras com o objectivo de impedir um exame de fundo. Com efeito, as partes têm direito a uma decisão definitiva em prazos razoáveis, incluindo os casos de divórcio litigioso.

1.14

Relativamente à lei aplicável pelo órgão jurisdicional nacional, conforme os casos optará pelo Direito comum interno ou por regras nacionais de Direito internacional privado. É todavia importante a questão (que o Livro Verde não aborda) da aplicação de regras de um país terceiro (direito pessoal dos cônjuges, por exemplo) se um dos cônjuges ou ambos tiverem a nacionalidade de um país terceiro, o que é bastante corrente na Europa.

1.15

O Comité aprova as orientações de trabalho apresentadas pelo Livro Verde e sugere que se evite qualquer procedimento de transferência para um país terceiro quando um dos cônjuges tiver nacionalidade europeia, independentemente da lei que regeu o casamento.

1.16

Além do reconhecimento do divórcio, também deveria ser tomada em consideração a questão do reconhecimento da anulação do casamento e da separação judicial. Os Direitos nacionais diferem relativamente às condições e efeitos da anulação (nomeadamente o problema do casamento putativo). Além disso, mesmo quando o Direito nacional não prevê o divórcio, deve o Estado-Membro reconhecer no seu território não só a validade de um divórcio decretado num outro país membro como todos os seus efeitos jurídicos, patrimoniais e sobre o estatuto das pessoas.

1.17

Os critérios de competência da Convenção de Haia são, por ordem de importância, os seguintes: a residência habitual do requerente (domicílio, na terminologia da «common law») ou, pelo menos, um ano de residência continuada no país em que a demanda for apresentada ao tribunal (2), o último domicílio comum dos cônjuges antes da demanda e a nacionalidade dos dois cônjuges ou, pelo menos, a de um deles.

1.18

O Regulamento 2201 (2003) prevê, no oitavo considerando, que «Quanto às decisões de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, o presente regulamento apenas deve ser aplicável à dissolução do vínculo matrimonial e não deve abranger questões como as causas do divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento ou outras eventuais medidas acessórias» (todavia, há que compreender que as consequências económicas — e não só — do divórcio poderão diferir em função do foro competente ou da lei aplicável, e que os cônjuges poderão ter em conta quando escolherem um tribunal).

1.19

Além disso, essas decisões definitivas dos órgãos jurisdicionais nacionais deveriam ser automaticamente reconhecidas na União, sem qualquer outro procedimento de validação ou invocação de motivos de recusa de execução (3), pelo que o certificado emitido para a execução não deveria ser passível de recurso.

1.20

A competência geral é a do território (Estado-Membro ou subdivisão jurídica do Estado-Membro no caso do Reino Unido, onde se aplicam leis diferentes para a Inglaterra e País de Gales, Escócia, Irlanda do Norte e Gibraltar). Aos critérios de Haia e praticamente na mesma ordem, o regulamento aduz: a residência habitual de um dos cônjuges, em caso de demanda conjunta. Em matéria de nacionalidade, esta deve ser a mesma para os dois cônjuges se a demanda for apresentada no país de origem, independentemente da residência ou domicílio efectivos de cada um. O período de residência do requerente é reduzido a seis meses, se tiver a nacionalidade do país de residência.

1.21

O n.o 2 do artigo 7.o sobre as competências residuais permite ao cônjuge nacional de um Estado-Membro apresentar a demanda no Estado-Membro da sua residência e segundo as regras de competência aplicáveis nesse Estado se a outra parte tiver a nacionalidade de um país terceiro ou não tiver residência (o seu «domicílio» na acepção da «common law») num Estado-Membro. Todavia, poderia surgir um problema de conflito positivo de competências se o outro cônjuge recorresse a um órgão jurisdicional de um país terceiro. Além disso, se nenhuma jurisdição de qualquer Estado-Membro for competente, mas se o for a de um país terceiro, e que um dos ex-cônjuges ou ambos for(em) nacionais de um Estado-Membro ou vier(em) a nele estabelecer a sua residência habitual e quiser(em) fazer reconhecer a sentença estrangeira por todos os Estados-Membros ou, pelo menos, no(s) respectivo(s) país(es) de nacionalidade ou de residência, seria(m) submetido(s), nestes últimos, ao direito aplicável às sentenças estrangeiras ou às disposições de reconhecimento mútuo de eventuais acordos internacionais; será necessário rever Bruxelas II sobre este ponto para os nacionais de um Estado-Membro?

1.22

Os critérios de atribuição de competência são, assim, mais numerosos e mais explícitos no regulamento comunitário considerado, em comparação com as disposições da Convenção de Haia. Os primeiros deveriam servir de base para os critérios a consagrar num regulamento especifico para o divórcio (por exemplo remeter para estas disposições, bem como para as disposições sobre o reconhecimento recíproco das decisões).

1.23

Mas nem a Convenção de Haia, nem o Regulamento «Bruxelas II» supramencionado contêm disposições sobre a lei aplicável ao divórcio. Além disso, o regulamento limita o seu âmbito de aplicação ao divórcio, à separação judicial e à anulação propriamente ditos, sem referir as causas ou as consequências da dissolução do casamento. Estas questões são remetidas para a lei nacional aplicável .

1.24

Há que sublinhar, a título de exemplo, que cerca de 15 % dos pedidos de divórcio, de separação judicial ou de anulação do casamento na Alemanha têm uma componente internacional. Não é conhecido o número de divórcios, nos diversos Estados-Membros, e que, além disso, apresentam uma componente europeia.

2.   Elementos adicionais e sugestões do Comité

2.1

As normas sobre os conflitos de leis são actualmente as normas nacionais do Estado-Membro onde se encontra o tribunal a que se recorre. Disso podem resultar soluções muito diferentes em matéria de direito aplicável a uma mesma situação, conforme o país onde for apresentada a demanda.

2.2

O Livro Verde oferece exemplos adequadamente escolhidos, tanto sobre a competência — que pode provocar um conflito negativo e dar lugar à negação do direito — como sobre a diversidade das soluções. A solução poderia então não corresponder às legítimas expectativas de um dos cônjuges, ou mesmo dos dois. Seja como for, a consequência é uma certa insegurança e uma falta de previsibilidade jurídicas nalguns casos, para além de um risco de «foro shopping» e de «corrida aos tribunais» devido à regra de litispendência do Regulamento Bruxelas II (o primeiro órgão jurisdicional a que se recorre é competente se existir um factor de conexão).

2.3

O problema coloca-se em particular quando os cônjuges não têm em comum nem a nacionalidade, nem a residência ou quando, tendo a mesma nacionalidade, residirem em país diferente daquele de que são nacionais.

2.4

Em situações destas, o Comité partilha a opinião de que se deveria deixar alguma margem às partes para escolherem o Direito aplicável ou para a parte demandante poder invocar as suas expectativas em matéria de Direito aplicável ou para solicitar a transferência para outro órgão jurisdicional com o qual o casamento tenha mais ligações objectivas. Nas circunstâncias em que a parte demandante invoca uma jurisdição e a lei nacional ordinária que ela aplica, e em que o demandado invoca por seu lado uma outra jurisdição competente ou uma outra lei aplicável, a decisão prévia relativa à jurisdição ou à lei competente deveria caber ao Tribunal de 1.a Instância que foi em primeiro lugar escolhido pelo demandante, e ser alvo de um procedimento de urgência.

2.5

Se o único factor de conexão for a nacionalidade de uma das partes, o regulamento obriga a recorrer à competência do tribunal do local de residência habitual, onde o direito aplicável pode não corresponder às expectativas de ambas as partes (por exemplo, o desejo de aplicar a lei do país com o qual o casamento tem maior conexão).

2.6

Deveria portanto deixar-se margem à autonomia da vontade das partes, em vez da aplicação mecânica dos factores de conexão. A título de exemplo, poderia permitir-se a escolha entre a lei da nacionalidade e a lei do foro, embora sem possibilidade de transferência.

2.7

Em matéria de anulação canónica por um tribunal eclesiástico, alguns Estados-Membros declararam submeter essas decisões aos respectivos tribunais civis em virtude de uma concordata ou de uma convenção com a Santa Sé nesta matéria (Itália, Portugal, Espanha, Malta (4)). A anulação canónica poderia levantar conflitos com os direitos internos, de outros Estados-Membros, devido ao facto de não reconhecerem a justificação canónica para a anulação, ou por motivo processual (5).

2.8

Em caso de conflito de fundo ou processual relativamente ao seu ordenamento público interno ou com a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o Estado demandado deveria recusar o exequatur ou o reconhecimento da decisão eclesiástica. Deveria então dar-se início a um processo civil de anulação, apresentado pela parte demandante. Em caso contrário, os requerentes não teriam outra solução que não recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, o que poderia alongar indevidamente a duração do pleito.

2.9

Mesmo que o número de casos de conflito negativo de competências possa ser relativamente reduzido, o Comité considera que se justifica uma iniciativa comunitária, na medida em que tal situação dá lugar à violação de um direito fundamental, como é o de ter acesso a um juiz competente para a pronúncia e a resolução do divórcio, da separação judicial ou da anulação.

2.10

Tal deveria levar a admitir uma harmonização das regras relativas aos conflitos de leis e competências, para evitar essa perda de direitos.

2.11

No entanto, estas regras harmonizadas deveriam incluir uma reserva de ordem pública em matéria de reconhecimento ou de exequatur da decisão que ofereça um aspecto europeu e proferida num país terceiro se esta pusesse em causa um direito fundamental reconhecido na Europa a uma das partes ou outras disposições imperativas de ordem pública interna que o juiz está obrigado a ter oficiosamente em conta.

2.12

Assim, o direito comunitário não deveria, além disso, aceitar qualquer reconhecimento obrigatório por todos os Estados-Membros de uma sentença de divórcio, de anulação ou de separação de pessoas num país terceiro e relativo a residentes na União que não tenham a nacionalidade de um Estado-Membro sem procedimento prévio de exequatur, quando um outro Estado-Membro tenha previamente reconhecido tal sentença em virtude de um acordo bilateral celebrado com o referido país terceiro (6).

2.13

O Comité considera que a prorrogação de competências deveria ser admitida em caso de recurso conjunto, desde que exista um critério de conexão com o foro escolhido. Deveria ser exigido um documento autêntico (notarial) para a demanda conjunta de prorrogação.

2.14

O Comité considera que as consequências efectivas do divórcio, em matéria de direitos parentais e de guarda dos filhos menores e em matéria patrimonial, deveriam ser alvo de um estudo comparativo por país; estes elementos não devem ser negligenciados quando se evoca uma eventual «corrida aos tribunais».

2.15

Os Estados-Membros deveriam ser convidados, caso já não o tenham feito, a considerar todas as possibilidades de introduzir modos alternativos de resolução de litígios, como a mediação (7), em matéria de divórcio, separação ou anulação com uma componente europeia, o que facilitaria o acesso à justiça e reduziria a duração dos processos para os litigantes.

2.16

O Comité continua aberto a uma questão tão importante para os cidadãos e respectiva mobilidade; acompanhará o resultado das negociações entabuladas pela Comissão, bem como as propostas mais precisas de regulamentação que seguidamente poderão vir a ser apresentadas; poder-se-ia perspectivar uma reformulação do Novo Regulamento Bruxelas II ou um regulamento específico para o divórcio. De qualquer das formas, parece difícil tratar da questão do divórcio abstraindo, como o faz o Livro Verde, das consequências familiares e patrimoniais que por vezes divergem de país para país consoante o direito aplicável ou a jurisprudência corrente das jurisdições nacionais (por exemplo em matéria de guarda e de poder paternal). Além disso, o Comité gostaria de saber mais precisamente quais são, por país, o número de casos de pedidos de divórcio com uma componente comunitária, o número de casos de conflitos negativos de competências e demais informações pertinentes. Poderia assim examinar mais concretamente os problemas, na eventualidade de uma futura proposta de alcance legislativo em matéria de competência e de lei aplicável ao divórcio.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

da Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Há que sublinhar que foi apresentado às Cortes espanholas, em Dezembro de 2004, um projecto de lei que modifica a lei nacional aplicável ao casamento e ao divórcio. Vivamente contestado pela Igreja, foi recentemente adoptado neste país o casamento entre pessoas do mesmo sexo (este tipo de casamento já existe em vários países da União Europeia). Em França, o PACS (Pacto Civil de Solidariedade) é um contrato civil, celebrado por um juiz entre duas pessoas que legalmente não podem contrair matrimónio, e constitui uma espécie de substituto do casamento. Instituição e/ou contrato, o casamento ou o quase-casamento ficam circunscritos a duas pessoas que têm a idade legal, subsistindo a interdição do incesto. A questão é de saber se a ruptura de um pacto civil como o PACS francês caberia no projecto legislativo respeitante ao divórcio sugerido pelo Livro Verde ou se deveria remeter pura e simplesmente para o direito das obrigações contratuais.

(2)  Em certos Estados-Membros, basta um período de residência continuada de seis meses.

(3)  Salvo invocação da reserva de ordem pública, que deveria ser objecto de interpretação estrita.

(4)  A Polónia não comunicou a sua concordata com o Vaticano.

(5)  V. Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Estrasburgo, proc. 30882/96, acórdão de 26/7/2001«Pellegrini contra Itália»; anulação da sentença italiana de declaração de nulidade do casamento proferida, em recurso, pelo Tribunal da Rota Romana, por violação dos direitos da defesa por esta instância.

(6)  Ainda que óbvio, pois trata-se de um regulamento aplicável às decisões judiciais procedentes de um Estado-Membro, é bom que isto fique bem claro para evitar eventuais problemas de interpretação.

(7)  Livro Verde sobre os modos alternativos de resolução dos litígios em matéria civil e comercial (COM(2002) 196 final).


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/25


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento do Conselho (CEE) n.o 1408/71 relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade e o Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71»

COM(2004) 830 final — 2004/0284 (COD)

(2006/C 24/09)

Em 14 de Janeiro de 2005, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 251.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 5 de Setembro de 2005. Relator: RODRÍGUEZ GARCÍA-CARO.

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu aprovou, por 171 votos a favor, 0 votos contra e 4 abstenções, o presente parecer.

1.   Introdução

1.1

Desde a sua adopção, os Regulamentos n.o 1408/71 e n.o 574/72 relativos à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade foram objecto de sucessivas alterações para acompanharem a evolução destes regimes e prestações ao longo dos anos.

1.2

Trata-se, no essencial, de adaptar os Regulamentos às alterações legislativas nos Estados-Membros, bem como aos sucessivos acórdãos do Tribunal de Justiça. Assim, a proposta de regulamento objecto de parecer do Comité pretende reflectir, antes de mais, a evolução da legislação nacional dos novos Estados-Membros e completar a simplificação dos procedimentos de assistência de saúde no estrangeiro, alargando esta alteração às prestações em casos de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.

1.3

A última alteração em ambos regulamentos foi introduzida através do Regulamento n.o 631/2004 (1), no referente aos procedimentos de acesso aos cuidados médicos em outro Estado-Membro. O Comité emitiu parecer (2) sobre a proposta de regulamento.

1.4

Todavia, a maior alteração no âmbito da coordenação dos sistemas de segurança social dos Estados-Membros da União Europeia decorre do Regulamento n.o 883/2004 (3) do Parlamento Europeu e do Conselho que, após seis anos de tramitação nas instituições da União, foi adoptado e publicado no Jornal Oficial da União Europeia. Este regulamento, que substitui o Regulamento n.o 1408/71, ainda não entrou em vigor e aguarda a adopção do respectivo regulamento de aplicação que, por sua vez, substituirá o actual Regulamento n.o 574/72.

O CESE emitiu parecer (4) sobre a proposta de regulamento de coordenação dos sistemas de segurança social apresentada pela Comissão.

2.   Síntese da proposta

2.1

A proposta apresenta alterações a dois regulamentos. Ao Regulamento n.o 1408/71, por um lado e, por outro lado, ao Regulamento n.o 574/72, que estabelece as modalidades de aplicação do anterior. As duas alterações não se relacionam uma com a outra, dado que baseadas em aspectos jurídicos diferentes, como referido no ponto 1.2 do presente parecer.

2.1.1

O Regulamento n.o 1408/71 altera vários anexos que o acompanham. Estes anexos ilustram situações específicas nos diferentes Estados-Membros que, para que produzam os efeitos correspondentes para os cidadãos, devem ser expressamente referidos nos anexos.

2.1.2

No respeitante ao Regulamento n.o 574/72, as alterações visam simplificar o texto e reduzir os trâmites administrativos actuais, em casos de assistência de saúde por acidente de trabalho ou doença profissional em outro Estado-Membro, em conformidade com as regras de simplificação de carácter geral introduzidas pelo Regulamento n.o 631/2004.

3.   Observações na generalidade

3.1

O Comité acolhe com agrado o teor da proposta, uma vez que se insere na linha de melhoria e simplificação para uma melhor coordenação dos sistemas de segurança social na União Europeia. O Comité sempre acolherá com satisfação todas as alterações susceptíveis de beneficiarem os cidadãos da União e de facilitarem a sua relação com as administrações públicas dos Estados-Membros.

3.2

Assim, o Comité manifesta apreço pela proposta de regulamento, uma vez que favorece de modo explícito uma das quatro liberdades em que assentou a União Europeia, a livre circulação de trabalhadores, e actualmente, mediante o alargamento desse direito, a livre circulação das pessoas abrangidas pela presente regulamentação. Por isso, o Comité insta mais uma vez com as diferentes instâncias da União e dos Estados-Membros para prosseguirem na via da eliminação de todos os obstáculos existentes para criar um verdadeiro espaço de livre circulação das pessoas na União, bem como para criar um verdadeiro direito social. O CESE congratula-se com os termos da proposta, uma vez que representa um novo elemento para consolidar um direito fundamental dos cidadãos.

3.3

Em virtude dos seus prazos, o procedimento de co-decisão poderá conduzir a alterações importantes no conteúdo das propostas. Num parecer anterior (5), sobre uma proposta de alterações parciais aos dois regulamentos, o Comité manifestava a sua opinião sobre a necessidade da sua participação em tempo útil quando se trate deste tipo de propostas relacionadas com alterações na regulamentação sociolaboral. Esta opinião foi reiterada em outro parecer posterior do CESE (6), em que se assinalava a possibilidade de o Comité se pronunciar sobre qualquer proposta de alteração dos textos durante o processo de decisão. Por consequência, o CESE reafirma a necessidade de se ter em conta o seu papel neste tipo de processos.

3.4

A situação referida no ponto 3.3 torna-se mais evidente ainda com a adopção e publicação do Regulamento n.o 883/2004 (7) sobre coordenação dos sistemas de segurança social. No parecer emitido (8) o Comité salientava a necessidade de acompanhar a evolução da proposta, em virtude da sua complexidade e das inúmeras alterações que surgiriam durante a tramitação. Quatro anos volvidos, foi o regulamento aprovado sem que o CESE se voltasse a pronunciar sobre o texto.

Em virtude da importância deste tipo de diplomas, e tendo em conta que é de suma importância que o CESE seja ouvido na altura mais oportuna, o Comité solicita uma adaptação do processo de consulta para uma maior efectividade da intervenção da sociedade civil organizada no processo legislativo da União.

Igualmente, e no intuito de dar sentido à opinião manifestada pelo Comité no parecer atrás referido, o CESE julga necessária a elaboração de um parecer de iniciativa sobre o novo Regulamento n.o 883/2004 de coordenação dos sistemas de segurança social, que substituirá o Regulamento n.o 1408/71 em vigor.

3.5

Do mesmo modo, o Comité considera que se deve cumprir fielmente e em conformidade com o disposto no Regulamento n.o 1408/71, o papel consultivo do Comité Consultivo sobre a segurança social dos trabalhadores migrantes, estabelecido no Título V do referido Regulamento. Este Comité, composto sobretudo por representantes sindicais e empresariais, é o fórum em que os actores socioeconómicos podem fazer chegar directamente a sua opinião às instituições, na forma de pareceres ou propostas, sobre as alterações em matéria de segurança social ao nível comunitário.

3.6

O artigo 90.o do Regulamento n.o 883/2004 prevê a derrogação, salvo em determinadas circunstâncias, do Regulamento n.o 1408/71, e o artigo 91.o dispõe que entrará em vigor vinte dias após a sua publicação. Todavia, o n.o 2 do artigo referido assinala que será aplicável a partir da data de entrada em vigor do regulamento de aplicação.

Nesse sentido, o Comité insta com as instituições da União e os Estados-Membros, na expectativa do próximo lançamento, em 2006, do ano europeu da mobilidade dos trabalhadores, para acelerarem e porem eficácia no processo de elaboração e aprovação do futuro regulamento, com a finalidade da entrada em vigor das disposições do novo regulamento de coordenação o mais brevemente possível, por forma que possa substituir quanto antes as complexas disposições do actual Regulamento n.o 1408/71.

4.   Observações na especialidade

4.1

Regulamento n.o 1408/71 do Conselho relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade.

4.1.1

O artigo 1.o da proposta altera os anexos I, II, II-A, III, IV e VI do Regulamento.

4.1.2

Com a finalidade de incluir as alterações verificadas na legislação da Eslováquia, altera-se o Anexo I, Parte II, referente ao âmbito de aplicação do Regulamento quanto à acepção de «membro da família».

4.1.3

Em virtude de alterações na legislação francesa, altera-se o Anexo II, Parte I, relativo aos regimes especiais para trabalhadores não assalariados excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento.

4.1.4

Em virtude de alterações nas legislações da Estónia, Letónia e Polónia, altera-se o Anexo II, Parte II, relativa aos subsídios especiais de nascimento ou de adopção não abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento. Igualmente se altera o mesmo anexo no que respeita ao Luxemburgo, em consequência de um acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que considera que os subsídios de nascimento ou adopção luxemburgueses não podem ficar excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento, pois são prestações familiares exportáveis.

4.1.5

Em virtude de várias actualizações e reajustamentos nas correspondentes legislações alemã, eslovaca, letã e polaca, altera-se o Anexo II-A do Regulamento relativo a prestações especiais de carácter não contributivo.

4.1.6

Para eliminar os pontos desnecessários e simplificar o seu conteúdo, altera-se o Anexo III, Parte A, relativo às disposições de convenções de segurança social que continuam a ser aplicáveis não obstante o disposto no Regulamento sobre a sua supressão.

Também, e no mesmo intuito, se altera o Anexo III, Parte B, relativa a disposições de convenções de segurança social cujo benefício não é extensivo a todas as pessoas abrangidas pelo Regulamento. Reajusta-se a numeração e incluem-se convenções ou acordos bilaterais que preenchem os requisitos para continuarem no anexo.

4.1.7

Em virtude de ser acolhida na legislação da República Checa, altera-se a Parte A do Anexo IV, que reflecte as legislações nacionais que prevêem que o montante das prestações de invalidez é independente da duração dos períodos de seguro.

Na mesma óptica, e no respeitante à República Checa e à Estónia, altera-se o Anexo IV, Parte C, relativa aos casos em que é possível renunciar ao cálculo duplo da prestação, dado nunca determinar um resultado mais elevado.

Em virtude de alterações na legislação da Eslováquia, altera-se o Anexo IV, Parte D, que enumera as prestações e acordos sobre a cumulação de prestações da mesma natureza a que se tenha direito por força da legislação de dois ou mais Estados-Membros.

4.1.8

Em virtude de alterações legislativas nos Países Baixos, altera-se o Anexo VI, que enuncia as modalidades especiais de aplicação das legislações de determinados Estados-Membros.

4.1.9

As alterações introduzidas nos diferentes anexos do Regulamento n.o 1408/71 preenchem várias funções que o Comité deseja salientar.

Em primeiro lugar, saliente-se que essas alterações se traduzem numa série de simplificações que melhoram a sua aplicação e compreensão. Nesse sentido, prossegue-se na via delineada pelo Regulamento n.o 883/2004 sobre coordenação dos sistemas de segurança social, cujo objectivo é simplificar e modernizar a coordenação, respeitando, todavia, as legislações nacionais em matéria de segurança social. Por isso, o Comité apoia essas alterações.

Em segundo lugar, constata-se que algumas legislações nacionais criaram novas prestações para determinadas contingências, que pressupõem uma evolução nas regulamentações de tipo social dos respectivos Estados. Nesse sentido, o Comité manifesta o seu apreço pelas evoluções em matéria de direitos sociais que possa haver nos diferentes Estados-Membros, mas lamenta que os cidadãos dos países do último alargamento se debatam com obstáculos administrativos específicos.

4.1.10

Por último, o Comité considera que se deveria suprimir a Parte II do Anexo II do Regulamento. Os Estados-Membros deveriam ser sensíveis à jurisprudência do Tribunal de Justiça, no sentido de que as prestações de nascimento e adopção não são prestações especiais, mas, sim, prestações familiares, sendo, portanto, exportáveis. O Comité desejaria que os Estados-Membros tivessem em conta essa realidade jurídica, sem necessidade de o Tribunal de Justiça a alargar, mediante acórdãos, a toda a União.

4.2

Regulamento n.o 574/72 do Conselho que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 1408/71.

4.2.1

O artigo 2.o da proposta altera quatro artigos do regulamento, todos referentes à assistência de saúde em caso de acidente de trabalho ou doença profissional.

4.2.2

Revogam-se os números 5 e 6 do artigo 60.o, relativos às prestações em espécie em caso de residência num Estado-Membro não competente. Suprimem-se trâmites de notificação que, na prática, não se seguiam.

O Comité apoia toda as medidas conducentes à simplificação e eliminação de burocracia desnecessária.

4.2.3

Altera-se o texto do artigo 62.o (prestações em espécie no caso de estada num Estado-Membro que não seja o Estado competente). A introdução do cartão europeu de seguro de doença elimina trâmites desnecessários que, todavia, serão efectuados entre as instituições competentes dos Estados e não pelo interessado, sendo a sua redacção igual à do artigo 21.o do Regulamento, na redacção dada pelo Regulamento n.o 631/2004.

O Comité apoia todas as alterações que visem facilitar o acesso de todos os cidadãos às prestações a que têm direito.

4.2.4

Altera-se o número 2 do artigo 63.o, relativo às prestações em espécie aos trabalhadores em caso de mudança de residência ou de regresso ao país de residência, bem como aos trabalhadores autorizados a deslocarem-se a outro Estado-Membro para receberem cuidados médicos. Altera-se em virtude da referência feita neste artigo aos números 5 e 6 do artigo 60.o, revogados por este mesmo Regulamento.

4.2.5

Altera-se o n.o 1 do artigo 66.o relativo à impugnação do carácter profissional do acidente ou da doença, para suprimir a referência ao artigo 20.o do Regulamento, por sua vez revogado pelo Regulamento n.o 631/2004.

4.2.6

O Comité apoia todas as alterações introduzidas, uma vez que melhoram o regulamento, designadamente no referente à simplificação do conteúdo e à eliminação da burocracia, na medida em que estas alterações facilitam a relação dos cidadãos com as administrações.

5.   Conclusões

5.1

De modo geral, o Comité acolhe favoravelmente a proposta de regulamento, sob reserva das observações constantes do presente parecer. O Comité considera positivas a simplificação e melhoria do texto dos Regulamentos n.o 1408/71 e n.o 574/72, para favorecer a livre circulação dos cidadãos da União, mas crê que seria ainda mais positiva a entrada em vigor do Regulamento n.o 883/2004, que representa, por si só, uma simplificação global e de grande alcance em matéria de coordenação dos sistemas de segurança social.

5.2

Uma vez que o Comité não pôde pronunciar-se sobre o texto resultante do longo trâmite legislativo respeitante ao Regulamento n.o 883/2004, considera que deveria elaborar, sem demora, um parecer de iniciativa sobre o mesmo, antes do início dos trâmites legislativos do novo regulamento de aplicação que a Comissão está a ultimar.

5.3

O Comité insta com a Comissão para se concluir quanto antes a proposta de regulamento de aplicação, bem como com o Conselho e o Parlamento Europeu para acelerarem o processo legislativo para a adopção deste regulamento, por forma que não se repita a morosa experiência da tramitação do Regulamento n.o 883/2004, tendo especialmente em conta o ano da mobilidade dos trabalhadores, em 2006.

5.4

No respeitante às reformas constantes dos diferentes anexos do Regulamento n.o 1408/71, o Comité solicita a supressão quanto antes da referida no Anexo II, Parte II, sobre os subsídios de nascimento e adopção, por acordo dos Estados-Membros que ainda mantêm esta situação excepcional.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  JO L 100 de 06/04/2004.

(2)  Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de regulamento (CE) do Conselho relativo à coordenação dos sistemas de segurança social» (Relator: Rodriguez Garcia-Caro – JO C 75 de 15.3.2000).

(3)  JO L 166 de 30/04/2004.

(4)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CEE) n. o 1408/71 do Conselho relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade e o Regulamento (CEE) n. o 574/72 do Conselho que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n. o 1408/71, no que respeita ao Alinhamento dos direitos e simplificação dos procedimentos» (Relator: Boldt – JO C 32 de 5.2.2004).

(5)  Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CEE) n. o 1408/71 do Conselho relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade e o Regulamento (CEE) n. o 574/72 do Conselho, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n. o 1408/71» (Relator: Rodriguez Garcia-Caro – JO C 367 de 20.12.2000).

(6)  Parecer do CESE sobre a «Proposta regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CEE) n. o 1408/71 do Conselho relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade e o Regulamento (CEE) n. o 574/72 do Conselho que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n. o 1408/71, no que respeita ao “Alinhamento dos direitos e simplificação dos procedimentos”» (Relator: Boldt – JO C 32 de 5.2.2004).

(7)  JO L 166 de 30/04/2004.

(8)  Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de regulamento (CE) do Conselho relativo à coordenação dos sistemas de segurança social» (Relator: Rodríguez Garcia-Caro — JO C 75 de 15.3.2000).


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/29


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Instituto Europeu da Igualdade entre Homens e Mulheres»

COM(2005) 81 final — 2005/0017 (COD)

(2006/C 24/10)

Em 22 de Março de 2005, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu parecer em 5 de Setembro de 2005 (relatora: Dana ŠTECHOVÁ).

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 166 votos a favor, 5 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações do Comité (1)

1.1

O Comité Económico e Social Europeu reitera o grande interesse que consagra à promoção da igualdade entre homens e mulheres. Nos seus pareceres mais recentes sobre esta questão voltou a sublinhar ser essencial que se realizem progressos muito mais concretos (2). No âmbito das políticas europeias a igualdade entre homens e mulheres (igualdade dos sexos) é uma prioridade e deve continuar a sê-lo. Ainda que nos últimos anos se tenha verificado um reforço dos esforços envidados na UE em matéria de igualdade de tratamento entre homens e mulheres, estas continuam a estar em desvantagem numa grande maioria de domínios de actividade (3), situação essa que tem que mudar. Se bem que muito mais raros, há, no entanto, também casos de discriminação contra os homens, que importa também solucionar. É necessário ainda resolver toda uma série de problemas provocados pela discriminação (em razão da orientação sexual, idade, saúde, deficiência, origem étnica) e agravados pela dimensão homens-mulheres.

1.1.1

Existem, pois, em toda a UE formas muito variadas de desigualdades em função do sexo, que é indispensável identificar, documentar, recolher, analisar, delas tirar ensinamentos a nível comunitário e procurar as soluções adequadas.

1.1.2

O CESE acolhe favoravelmente todo e qualquer instrumento eficaz que permita acelerar a instauração concreta da igualdade entre homens e mulheres.

1.1.3

Patrocina a proposta de criar um Instituto Europeu da Igualdade entre Homens e Mulheres (adiante designado por «Instituto») (4), pois entende que ele se poderá tornar nesse instrumento eficaz — dotado de grandes potencialidades — que apoiará os esforços da UE e dos Estados-Membros, tendo em vista incrementar a promoção da igualdade entre os sexos, tanto no plano jurídico como na prática.

1.2

O CESE aprova as razões subjacentes à criação de um organismo independente e a decisão de que o Instituto não deverá substituir nem enfraquecer as agências especializadas com provas dadas nem aquelas cuja instalação está a ser preparada a nível comunitário (5). Além disso, a criação do Instituto não deve afectar a aplicação do princípio de mainstreaming (integração da perspectiva da igualdade entre os sexos) nos órgãos e em todas as políticas e programas comunitários. O CESE está convicto de que, pelo contrário, este princípio só terá a ganhar com isso.

1.3

O CESE considera que o Instituto assentará a sua autoridade na objectividade, neutralidade, independência, experiência e na capacidade de centralizar as informações pertinentes e terá oportunidade de se tornar num instrumento fundamental ao serviço de um leque alargado de utentes. Se a integração da perspectiva de género (gender streaming) for aplicada sistematicamente, o Instituto servirá os interesses de uma «clientela» bastante variada, desde as camadas mais vastas da sociedade civil até aos órgãos de decisão da UE.

1.3.1

Além disso, as actividades do Instituto não se limitarão à UE, mas abrangerão um contexto europeu mais amplo, incluindo a preparação dos futuros alargamentos da União, bem como uma dimensão internacional. O Instituto dedicar-se-á, pois, também a promover as relações e as trocas multiculturais.

1.4

O CESE considera que, atendendo ao objectivo e tarefas ambiciosas que competem ao Instituto, será necessária uma definição mais clara das competências e das obrigações inerentes às suas funções de investigação, difusão das informações, educação, etc. É indispensável explicitar os objectivos da recolha e tratamento dos dados, para que o Instituto possa assumir plenamente o seu papel no processo de decisão europeu. Convém recordar a propósito que as instâncias comunitárias deverão confiar nos instrumentos estatísticos dos diferentes Estados-Membros. O Instituto deveria poder clarificar do seu ponto de vista os projectos em preparação. Deveria também ter como função contribuir com ensinamentos sobre as questões ligadas à integração da perspectiva da igualdade entre sexos e ter competência para apresentar o seu ponto de vista sobre iniciativas e actividades comunitárias na matéria.

1.4.1

O CESE é de opinião que uma definição mais precisa dos objectivos e das funções do Instituto contribuirá igualmente para sublinhar a importância de que ele se reveste e justificar a necessidade de dispor dos meios necessários à realização dos seus objectivos.

1.5

O Instituto deve ser dotado de uma forte autoridade moral; é essencial aumentar a sua transparência e assegurar conexões mais efectivas com os grupos interessados da sociedade civil mencionados no n.o 1, alíneas a) a c), do artigo 10.o, que têm uma grande experiência em matéria de análise e de conhecimentos especializados sobre as questões da igualdade entre homens e mulheres e que podem também reflectir mais directamente as necessidades dos cidadãos da UE. O CESE recomenda, pois, vivamente que os representantes destes grupos da sociedade civil disponham de um número maior de assentos no Conselho de Administração do Instituto (ver pontos 3.7.2 e 3.7.3 infra). Recorda, a este propósito, o papel importante desempenhado a vários níveis pelos parceiros sociais na resolução dos problemas ligados à igualdade entre homens e mulheres no mercado do trabalho.

1.6

O CESE insiste também em que os representantes dos parceiros económicos e sociais europeus e da organização não governamental representativa pertinente gozem do mesmo estatuto no Conselho de Administração que os restantes membros, ou seja, disporem do direito de voto (ver ponto 3.7.4 infra).

1.7

O CESE considera essencial que os recursos financeiros destinados ao Instituto lhe permitam levar a cabo as suas missões, a par de outras agências ou programas comunitários que tratam também dos problemas de igualdade entre homens e mulheres.

1.8

Apesar de a proposta de regulamento não dar qualquer indicação sobre a sede do Instituto, o CESE apoia a recomendação de que deveria ser instalado num dos países que aderiram à UE em 2004. Com efeito, alguns desses países já manifestaram interesse em acolher o Instituto, o que iria também ao encontro da necessidade de uma descentralização equilibrada das instituições na UE e permitiria um contacto mais imediato com os cidadãos do país escolhido, bem como um melhor conhecimento das suas experiências no domínio da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

1.9

O CESE está convicto de que uma estreita cooperação com o Instituto será benéfica para todas as partes e declara-se pronto para cooperar com o futuro Instituto em conformidade com as normas comunitárias.

2.   Introdução — observações na generalidade

2.1

A Comissão Europeia publicou em 8 de Março de 2005 a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Instituto Europeu da Igualdade entre Homens e Mulheres (6) e declarou em comunicado de imprensa (7), nomeadamente, o seguinte:

«Este instituto operará como centro de excelência independente a nível europeu. Recolherá, analisará e divulgará os resultados de investigação e informação fiável e comparável de que os decisores carecem em Bruxelas e nos Estados-Membros. Disporá de um centro de documentação e de uma biblioteca abertos ao público.».

«Incentivará a investigação e a troca de experiências através da organização de reuniões entre os decisores, os peritos e as partes interessadas e chamará a atenção para medidas em prol da igualdade entre homens e mulheres através de manifestações, tais como conferências, campanhas e seminários. Uma outra tarefa crucial consistirá na elaboração dos instrumentos destinados a integrar melhor a igualdade entre os homens e as mulheres em todas as políticas comunitárias.».

2.2

O longo período entre a primeira iniciativa de criação do Instituto Europeu em 1995 (8) e a publicação da proposta de regulamento em Março de 2005 serviu para realizar estudos periciais e investigação política que permitiram preparar uma medida ponderada.

2.3

Na reunião de 1 e 2 de Junho de 2004, o Conselho «Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores» manifestou apoio unânime à criação do Instituto Europeu (9):

«As delegações apoiaram plenamente em princípio a criação de um Instituto, tendo embora salientado a importância de uma estrutura que traga mais-valia mas que não duplique as actividades existentes neste domínio. Foi igualmente referida a necessidade de neutralidade orçamental.».

O Conselho confiou ao Instituto as seguintes tarefas:

questões de coordenação;

centralização e divulgação da informação;

aumento da visibilidade das questões relacionadas com a igualdade entre os sexos; e ainda

fornecimento de instrumentos para a integração da perspectiva da igualdade entre os sexos.

2.3.1

O Conselho Europeu convidou, em seguida, a Comissão a apresentar uma proposta (10).

2.4

A criação do Instituto foi, pois, decidida após a adesão à UE de dez novos países; o CESE considera importante que o âmbito do seu funcionamento seja, desde o início, a União alargada, o que permite ter em conta um leque mais amplo de experiências, situações e conhecimentos.

2.5

No seu recente parecer intitulado «Beijing dez anos depois: avaliação dos progressos na Europa e nos países em desenvolvimento em matéria de igualdade entre homens e mulheres» (11), o CESE resumiu a evolução e a amplitude das actividades da UE neste domínio. O Comité remete para esse parecer e salienta que não se pode deixar de constatar um aumento tanto das necessidades em matéria de peritagem, análise e informação como do grau de exigência em relação à sua qualidade. Exprime satisfação, pois este progresso resulta de uma aplicação mais vasta do princípio da integração da perspectiva da igualdade entre sexos.

2.6

Na prática, são evidenciados alguns problemas permanentes e outros novos com os quais se confrontam a UE e os seus Estados-Membros e que é urgente resolver. Estão directamente relacionados com a questão da igualdade entre os sexos e caberá ao Instituto tratá-los. São eles:

desigualdades no mercado de trabalho, nomeadamente segregação em termos de profissões, diferenças salariais, riscos inerentes ao mercado de trabalho;

evolução da carreira das mulheres e acesso a lugares de chefia ou gestão, acompanhamento da situação das mulheres que exercem funções de gestão e de direcção;

conciliação da vida profissional e privada;

acesso à formação ao longo da vida, acompanhamento da melhoria das qualificações profissionais das mulheres;

evolução demográfica na UE;

tráfico de mulheres (e de crianças) e sua exploração sexual;

todas as formas de violência em razão do sexo;

défice de participação das mulheres no processo de decisão;

insuficiente sensibilização para os problemas relacionados com a igualdade entre os sexos e aplicação ainda modesta do conceito de gender mainstreaming;

apresentação estereotipada do papel da mulher e do homem (no sistema educativo, na comunicação social, na vida pública, no mundo do trabalho);

pouca consciência por parte das próprias mulheres do lugar que podem ocupar na sociedade;

problemas interculturais;

igualdade entre os sexos nas diferentes instituições, organismos e organizações, incluindo nas organizações da sociedade civil organizada;

etc.

2.6.1

O CESE remete para o parecer «Beijing dez anos depois: …», no qual já se referira bastante pormenorizadamente a numerosos domínios em que convém agir (12).

2.7

Conforme acima notado, o CESE está ciente de que a aplicação do princípio de gender mainstreaming está a progredir e a desenvolver-se. Por isso mesmo, o CESE admite que seja confiado a um organismo independente o papel de centralizar os esforços dos Estados-Membros e das partes interessadas da sociedade civil a fim de ajudar os órgãos comunitários neste domínio. O efeito de sinergia será assim reforçado. Além disso, o CESE considera que a complementaridade entre o Instituto e as agências comunitárias deveria ser assegurada e que o princípio de gender maisnstreaming continuará a desenvolver-se no âmbito das agências em cooperação com o futuro Instituto. Convirá também instaurar uma cooperação sistemática com os mecanismos institucionais no domínio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres.

2.8

O CESE recorda que a criação do Instituto representa um avanço, mas que outras iniciativas não são menos necessárias para que a promoção da igualdade de oportunidades progrida na prática e tendo em conta todos os objectivos enunciados pelos textos comunitários. É da maior importância que o Instituto tome parte activa na realização dos objectivos da Estratégia de Lisboa que visam encorajar o crescimento e a criação de emprego.

2.9

O CESE é favorável à criação do Instituto. É, no entanto, essencial que a sociedade civil a nível europeu, nacional e local lhe consagre o melhor acolhimento possível. Sem este apoio não será possível ao Instituto levar a cabo as suas tarefas de um modo positivo. Convirá, por conseguinte, dotar este novo órgão dos meios necessários, que lhe conferirão credibilidade e confiança e lhe permitirão prosseguir com êxito todo o tipo de actividades e suscitar o interesse que ele merece.

3.   Observações na especialidade

3.1

O CESE aprova a base jurídica para a criação do Instituto, isto é, o n.o 3 do artigo 141.o e o n.o 2 do artigo 13.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Aprova as razões invocadas nos considerandos para explicar também que a proposta em apreço é conforme ao artigo 5.o do Tratado.

3.2

Considera ainda que a cooperação com as estruturas existentes, fundações e outros organismos vem ao encontro do desejo manifestado pelo Conselho de evitar a duplicação de esforços. Nota que o décimo segundo considerando faz implicitamente referência a outras instituições e instâncias europeias, como, por exemplo, o Eurostat. Remete para as comunicações da Comissão «O enquadramento das agências europeias de regulamentação» (13) e «Projecto de acordo interinstitucional relativo ao enquadramento das agências europeias de regulação» (14) e regista que o lugar do Instituto entre as instituições actuais será determinado também por este enquadramento.

3.3

O CESE chama a atenção para o facto de a denominação do Instituto (artigo 1.o) em Inglês «European Institute for Gender Equality» traduzir claramente a sua missão e permitir, assim, ter em conta as mais amplas vertentes (ética, moral, estética, sexual, etc.). Com efeito, a experiência demonstrou que a palavra gender não tinha equivalente exacto em diferentes línguas da União Europeia. Por isso, as traduções deveriam procurar a formulação mais próxima da versão original.

3.4

Quanto aos objectivos do Instituto, o CESE entende que o artigo 2.o deveria mencionar explicitamente a promoção do princípio de gender streaming.

3.4.1

Além disso, em sua opinião, deveria ser confiada ao Instituto a missão de prestar assistência às organizações de empregadores e de trabalhadores e a outros componentes da sociedade civil organizada no desempenho das suas actividades em matéria de igualdade entre homens e mulheres. Este objectivo deveria ser claramente enunciado e tomado em consideração.

3.5

O CESE entende que as tarefas do Instituto descritas no artigo 3.o são tão importantes quanto os seus objectivos. Convém desde logo completá-las como se indica no ponto 1.4 do presente parecer.

3.5.1

Solicita que seja feita uma referência explícita aos parceiros sociais no n.o 1, alínea a), do artigo 3.o. Recorda, a este propósito, que os parceiros sociais europeus adoptaram recentemente a «Estratégia-quadro para a igualdade entre homens e mulheres».

3.5.2

O Comité salienta que se o Instituto apresentar regularmente, inclusivamente fora do relatório anual, os trabalhos por si realizados a fim de levar a cabo as tarefas previstas, por exemplo, na estratégia-quadro para a igualdade entre homens e mulheres, está a contribuir para demonstrar o seu valor acrescentado. Para além do relatório anual, deveria publicar também, nomeadamente, o seu programa de trabalho (n.o 1, alínea e), do artigo 3.o).

3.5.3

As questões a abordar pelo Instituto requerem também métodos de trabalho adequados em função dos diferentes tipos de desigualdades e discriminação entre os sexos. Convirá, por conseguinte, recorrer, por exemplo, a métodos comparativos (benchmarking), estudos de caso, recolha vertical (sectorial) de dados, integração da perspectiva de género na elaboração dos orçamentos, acompanhamento, etc. É evidente que também neste domínio o Instituto deverá colaborar com as agências e instituições especializadas.

3.5.4

O CESE nota que o n.o 1, alínea d), do mesmo artigo prevê que o Instituto realize inquéritos na «Europa», que servirão para chamar a atenção para a sua acção mais alargada ao nível do EEE, na perspectiva do próximo alargamento e junto dos Estados-Membros do Conselho da Europa.

3.5.5

O CESE gostaria de, em conformidade com os objectivos referidos no artigo 2.o e nos considerandos, acrescentar no n.o 1, alínea g), do artigo 3.o os níveis nacional ou regional, permitindo assim uma abertura a outras partes interessadas, designadamente, às pessoas colectivas territoriais, que contribuem para uma maior sensibilização do público para as questões da igualdade entre os sexos.

3.6

O CESE congratula-se com a independência do Instituto (artigo 5.o) em relação às autoridades nacionais e à sociedade civil. Entende, no entanto, que ele deveria ser também independente das instituições comunitárias, o que lhe conferiria uma posição mais objectiva relativamente a elas. Propõe também que seja aumentado o número de representantes da sociedade civil no Conselho de Administração de modo a reforçar a independência do Instituto.

3.6.1

O CESE aprova e apoia o princípio segundo o qual o Instituto colaborará com as autoridades dos Estados-Membros livremente e com toda a independência. Em sua opinião, os membros do Fórum Consultivo deveriam ser encarregados de obter e fornecer as informações em tempo útil (ver ponto 3.8.2 infra). Neste contexto, poderia tratar-se de uma missão adaptada às instâncias que, nos Estados-Membros, desenvolvem as suas actividades no âmbito da directiva destinada a reformular as directivas relativas à igualdade de oportunidades (15).

3.7

Quanto aos órgãos do Instituto, o CESE aprecia os esforços destinados a fazer do Conselho de Administração o órgão operacional que deverá estar apto a dirigir o Instituto com eficácia para que ele se possa adaptar às evoluções e à procura.

3.7.1

Parte, contudo, do princípio de que a Comissão só pode nomear os membros do Conselho de Administração que representam os grupos mencionados mediante proposta das organizações referidas no regulamento em apreço. Este aspecto deveria figurar no artigo 10.o.

3.7.2

O CESE salienta que, para que o Conselho de Administração seja capaz de levar a cabo as suas missões, isto é, assumir as suas obrigações para com a Comissão Europeia e os Estados-Membros e, ao mesmo tempo, recolher as reacções da sociedade civil a este propósito, é necessário que os parceiros sociais europeus e a organização não governamental pertinente a nível comunitário que, nos termos do regulamento, «tenha um interesse legítimo em contribuir para a luta contra a discriminação em razão do sexo e para a promoção da igualdade entre homens e mulheres» estejam efectiva e claramente representados. Além disso, não há justificação para não se propor a presença de representantes da sociedade civil. Já que, contrariamente à situação que vigora nas instâncias comunitárias tripartidas, a representação dos parceiros sociais a nível nacional não estará assegurada no Conselho de Administração, convirá garantir, nem que seja só por este meio, a participação activa dos parceiros sociais e da respectiva ONG.

3.7.3

O CESE apela, por conseguinte, a um aumento do número de membros com assento no Conselho de Administração. Convém, em seu entender, aumentar o número de membros para que cada uma das partes (Conselho, Comissão e parceiros sociais e organização não governamental pertinente a nível comunitário) disponha de seis representantes, permitindo assim às organizações mencionadas no n.o 1, alíneas a) a c), do artigo 10.o seleccionarem os seus candidatos de forma a assegurar a representação paritária de homens e mulheres. Cada uma destas organizações citadas na proposta de regulamento em apreço disporia, desde logo, de dois assentos.

3.7.4

Também nada justifica que os representantes dos parceiros sociais e da organização não governamental não disponham de voto deliberativo. Tendo em vista garantir melhor a independência do Instituto bem como a autonomia e a objectividade das suas actividades, o CESE convida a Comissão a atribuir a cada representante das organizações de empregadores e de trabalhadores e da organização não governamental pertinente um voto deliberativo de pleno direito. Isto está em conformidade com o n.o 4, que prevê que «cada membro do Conselho de Administração ou, na sua ausência, o respectivo suplente, dispõe de um voto».

3.7.5

O CESE estima que os Directores da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, da Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho, do Centro para o Desenvolvimento da Formação Profissional e da Agência Europeia dos Direitos Fundamentais deveriam ter a possibilidade, se for caso disso, de participar nas reuniões do Conselho de Administração do Instituto como observadores. O director do Instituto deveria também ele ter a possibilidade de participar nas reuniões destas instituições (em nome do Conselho de Administração ou com base em «protocolos de acordo»).

3.8

O CESE não levanta objecções a que o Fórum Consultivo tenha por missão permitir aos Estados-Membros associar as instâncias competentes e criar uma rede de peritos. Como, nos termos do artigo 12.o, este órgão não tem qualquer poder de decisão no Instituto, é inútil precisar que os três membros que representam as partes interessadas a nível europeu não dispõem de voto deliberativo. Assim, é legítimo perguntar por que razão estes representantes são nomeados pela Comissão; seria mais lógico que eles fossem designados directamente pelas organizações mencionadas no n.o 1, alíneas a) a c), do artigo 10.o.

3.8.1

É necessário encontrar um meio de assegurar o equilíbrio da representação dos homens e das mulheres no Fórum Consultivo.

3.8.2

Tal como referido no ponto 3.6.1 supra, os membros do Fórum Consultivo deveriam ser encarregados de assegurar a cooperação entre as instâncias dos respectivos países e o Instituto (n.o 4 do artigo 12.o).

3.9

O CESE manifesta reservas quanto aos meios financeiros previstos para o Instituto. Considera que a declaração do Conselho mencionada no ponto 2.3 supra comporta instruções contraditórias, ao afirmar que o Instituto deverá procurar trazer mais-valia, isto é, levar a cabo tarefas difíceis, mantendo contudo a neutralidade orçamental.

3.9.1

Está previsto que o financiamento do Instituto seja deduzido em parte do programa PROGRESS. O ponto 3.6 da exposição de motivos do projecto de regulamento precisa que as actividades do Instituto serão distintas das propostas no âmbito da vertente «Igualdade entre homens e mulheres» do programa «PROGRESS (2007-2013) ...». O CESE considera que tal constitui um argumento a favor da posição que exprimiu no parecer sobre o programa PROGRESS:

«Por isso, o CESE sugere que, em vez de se deduzir do enquadramento financeiro global do PROGRESS o valor orçamentado para o Instituto Europeu do Género — e é isto o que aparentemente faz a proposta em apreço — se opte por um financiamento à parte» (16).

3.9.2

O CESE recomenda, pois, que as negociações sobre as perspectivas financeiras da União Europeia tenham em conta os fundos indispensáveis aos trabalhos e ao bom funcionamento do Instituto e que estes recursos sejam, em todo o caso, concedidos progressivamente a fim de permitir ao Instituto levar a cabo as missões que lhe forem confiadas e de lhe garantir segurança jurídica e financeira.

3.9.3

Considera ainda que a concentração num único local dos trabalhos em matéria de igualdade entre os sexos permite realizar economias tanto a nível comunitário como nacional. Nestas circunstâncias, o orçamento previsional do programa PROGRESS não deveria ser amputado destes montantes, mas antes revisto em alta no caso de não ser tomada qualquer decisão quanto à atribuição ao Instituto de uma dotação financeira independente.

3.9.4

A criação deste Instituto não deve, de modo algum, servir de pretexto para uma redução dos financiamentos concedidos a outros órgãos, nomeadamente a Fundação de Dublim, cujas actividades incidem também, entre outros, nos problemas ligados à igualdade de oportunidades.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Os termos usados no presente documento para referir funções e cargos aplicam-se tanto no feminino como no masculino.

(2)  Parecer do CESE de 10 de Dezembro de 2003 sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um programa de acção comunitária para a promoção das organizações de mulheres que operam ao nível europeu no domínio da igualdade entre homens e mulheres (relatora: Christina WAHROLIN), JO C 80 de 30 de Março de 2004.

Parecer do CESE de 3 de Junho de 2004 sobre a proposta de directiva do Conselho que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (relatora: Clare CARROLL), JO C 241 de 28 de Setembro de 2004.

Parecer do CESE de 15 de Dezembro de 2004 sobre a proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade profissional (relatora: Madi SHARMA) (CESE 1641/2004).

Parecer do CESE de 9 de Fevereiro de 2005 intitulado «Beijing dez anos depois: avaliação dos progressos na Europa e nos países em desenvolvimento em matéria de igualdade entre homens e mulheres» (relatora: Susanna FLORIO) (CESE 128/2005).

(3)  COM(2005) 44 final.

(4)  Esta denominação não corresponde à tradução oficial checa – ver comentário sobre o nome do Instituto no ponto 3.3.

(5)  A Fundação de Dublim, a Agência de Bilbau, o CEDEFOP, a Agência dos Direitos Fundamentais.

(6)  Ver nota de rodapé n.o 4, que se refere ao ponto 3.3.

(7)  Comunicado de imprensa da Comissão Europeia IP/05/266, de 8 de Março de 2005, publicado em inglês, francês e alemão (http://europa.eu.int/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/05/266&format=HTML&aged=0&language=EN&guiLanguage=en).

(8)  «Papel de um futuro Instituto Europeu do Género», estudo destinado ao Parlamento Europeu, Relatório Final, 15 de Junho de 2004.

(9)  Conselho da UE, Comunicação à imprensa 9507 /04, 1-2 de Junho de 2004, publicada em 18 línguas, incluindo o português (http://europa.eu.int/rapid/pressReleasesAction.do?reference=PRES/04/163&format=HTML&aged=1&language=PT&guiLanguage=en).

(10)  Conselho Europeu, 17-18 de Junho de 2004, Conclusões da Presidência, ponto 43, p. 9.

(11)  Parecer do CESE 128/2005 de 9 de Fevereiro de 2005 — relatora Susanna FLORIO, ponto 4.

(12)  Ibidem, ponto 6, Conclusões e propostas de trabalho.

(13)  COM(2002) 718 final de 11 de Dezembro de 2002.

(14)  COM(2005) 59 final de 25 de Fevereiro de 2005.

(15)  COM(2004) 279 final de 21 de Abril de 2004.

(16)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu de 6 de Abril de 2005 sobre o «Programa comunitário para o emprego e a solidariedade social (PROGRESS)» (relator Wolfgang GREIF) (JO C 255 de 14.10.2005, p. 39).


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/34


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Dimensão setentrional e seu plano de acção»

(2006/C 24/11)

Em 10 de Fevereiro de 2005, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, um parecer sobre a «Dimensão setentrional e seu plano de acção».

Incumbida a Secção Especializada de Relações Externas da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 8 de Setembro de 2005, sendo relator Filip Hamro-Drotz.

Na 420.a reunião plenária, realizada em 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 163 votos a favor, 2 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

A política da dimensão setentrional da União Europeia foi lançada em 1999 e faz parte da política de relações externas da UE, cujo objectivo é melhorar o bem-estar da zona norte da Europa através da cooperação regional e transfronteiriça. Abrange uma região que se estende do mar Báltico ao Árctico e é aplicada no âmbito do Acordo de Parceria e Cooperação (APC), celebrado com a Rússia, e do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), concluído com a Noruega e a Islândia. Após o alargamento da UE, a dimensão setentrional contribuiu para intensificar as actividades com a Rússia, sobretudo com as regiões do Noroeste.

As relações entre a UE e a Rússia foram aprofundadas com a adopção dos «quatro espaços comuns». Em Maio de 2005, chegou-se a um acordo (roteiros) sobre o procedimento para a criação dos espaços comuns. A Rússia está também a negociar a adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), o que facilitará a cooperação comercial e económica entre a UE e a Rússia. A evolução das relações entre a UE e a Rússia dá novo impulso à dimensão setentrional.

Prevê-se o estabelecimento de um vínculo mais estreito entre a dimensão setentrional e a cooperação entre a UE e a Rússia. Este aspecto foi mencionado nas Conclusões da Presidência do Conselho Europeu, em 16 e 17 de Junho de 2005: «O Conselho Europeu regista com satisfação os resultados da 15. a Cimeira UE-Rússia, que se realizou em 10 de Maio de 2005, e especialmente a aprovação dos roteiros para a criação dos quatro espaços comuns […]. A implementação dos roteiros permitirá reforçar a parceria estratégica entre a UE e a Rússia, assim como a cooperação regional, nomeadamente no âmbito da dimensão setentrional.».

A dimensão setentrional é igualmente referida nos roteiros para a criação de espaços comuns entre a UE e a Rússia, em especial sob o tema do Espaço Económico Comum (EEC): «… Na execução das acções no âmbito do EEC, serão consideradas as prioridades identificadas em comum no quadro das organizações e iniciativas regionais, tais como o Conselho dos Estados do Mar Báltico, a dimensão setentrional, etc.».

O presente parecer sobre a dimensão setentrional dá seguimento aos trabalhos do Comité e representará o seu contributo para a Conferência Ministerial sobre a Dimensão Setentrional, que terá lugar em Novembro de 2005.

1.   Objectivos gerais e sectores prioritários do segundo plano de acção para a dimensão setentrional — 2004-2006

1.1

O segundo plano de acção para a dimensão setentrional (1) entrou em vigor em Janeiro de 2004.

1.2

Abrange cinco sectores prioritários:

economia, actividades empresariais e infra-estruturas;

recursos humanos, educação, investigação científica e saúde;

ambiente, segurança nuclear e recursos naturais;

cooperação transfronteiriça e desenvolvimento regional;

justiça e assuntos internos.

1.3

O segundo plano de acção concede atenção especial a regiões com necessidades específicas, tais como Calininegrado e a região árctica. Incentiva a adopção de políticas económicas, sociais e de emprego concertadas por todas as partes interessadas.

1.4

O segundo plano de acção descreve diferentes actividades nestes sectores, deixando a realização prática às partes interessadas. A dimensão setentrional não conta com dotações financeiras próprias, sendo financiada por vários programas da UE (por exemplo, Tacis), os governos em causa e as instituições financeiras internacionais (BIN — Banco de Investimento Nórdico, BERD — Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, etc.).

1.5

A Comissão Europeia apresenta relatórios anuais sobre a execução do segundo plano de acção. O relatório de 2004 dá conta de uma multiplicidade de actividades nos cinco sectores prioritários, faz referência à conclusão do Comité de que as organizações da sociedade civil desconhecem praticamente as actividades relacionadas com a dimensão setentrional e exorta a uma maior informação do público e à crescente participação das organizações regionais na execução e no acompanhamento das actividades.

1.6

A execução do segundo plano de acção é acompanhada anualmente: em 2004 teve lugar uma reunião dos altos funcionários, em 2005 realizar-se-á uma conferência ministerial e em 2006 (segundo semestre) está agendada uma nova reunião dos altos funcionários.

2.   Dimensão setentrional e Comité Económico e Social Europeu

2.1

O segundo plano de acção requer a contribuição do Comité Económico e Social Europeu para a sua execução: «Com vista à plena participação dos grupos da sociedade civil na análise dos progressos realizados ao abrigo do plano de acção, seria igualmente útil que o Comité Económico e Social Europeu organizasse fóruns anuais sobre a execução do plano de acção, reunindo representantes das organizações sociais e económicas representadas no Comité.» (2).

2.2

Tal solicitação deve-se às contribuições do Comité nos últimos anos — pareceres sobre «As relações entre a União Europeia e os países costeiros do Mar Báltico» (3), sobre «A dimensão setentrional da UE e as relações com a Rússia» (4), sobre «A dimensão setentrional: Plano de acção para a dimensão setentrional nas políticas externa e transfronteiriça da União Europeia de 2000 a 2003» (5) e sobre «A parceria estratégica UE-Rússia: Próximas etapas?» (6), às suas declarações sobre a dimensão setentrional nas reuniões ministeriais em 1999, 2001 e 2002, bem como às conclusões das duas conferências sobre a dimensão setentrional (fóruns) organizadas pelo Comité em 2001 e 2003.

2.3

O Comité respondeu positivamente à solicitação da Comissão e decidiu recolher os pontos de vista das organizações da sociedade civil quanto a:

grau de conhecimento e de participação das organizações da sociedade civil na execução do segundo plano de acção, mediante actividades solicitadas ou iniciativas próprias;

pareceres e recomendações das organizações da sociedade civil, quanto ao conteúdo e à execução do segundo plano de acção.

2.4

Os pontos de vista das organizações da sociedade civil foram recolhidos em 2004 mediante questionário, distribuído às organizações da sociedade civil em todos os países em causa, e através de missões de informação a Gdansk, Calininegrado e Riga.

3.   Conclusões e recomendações do Comité em 2004

3.1

O Comité esteve representado na reunião de altos funcionários em Outubro de 2004, tendo apresentado um relatório com as suas conclusões e recomendações (7).

3.2

A conclusão principal sobre a participação das organizações da sociedade civil no segundo plano de acção foi que:

desconhecem em geral a dimensão setentrional;

participam pouco na execução do segundo plano de acção;

não intervêm (ressalvada a actividade do Comité) no acompanhamento da execução.

A situação quanto a estes três aspectos parece mais positiva nos «antigos» Estados-Membros da região do que nos demais países.

As organizações da sociedade civil contactadas mostraram interesse em obter mais informações sobre a dimensão setentrional e o segundo plano de acção, em participar em projectos e no acompanhamento do plano, tanto a nível nacional como europeu.

No entender do Comité, impunha-se melhorar significativamente a difusão da informação junto das organizações da sociedade civil sobre o segundo plano de acção, bem como a sua participação na execução e no acompanhamento.

O Comité ofereceu assistência a actividades de informação e acompanhamento a nível europeu, sublinhando, porém, que as actividades relacionadas com a dimensão setentrional deviam ser exercidas a nível infra-regional, nacional e local, com vista a envolver as entidades competentes e as organizações da sociedade civil interessadas numa interacção construtiva.

O Comité subscreveu o princípio inscrito no segundo plano de acção (8) de que devia ser encorajada a participação de representantes da sociedade civil nas reuniões anuais dos altos funcionários.

Propôs ainda que a UE considerasse outros aspectos no segundo plano de acção:

dar mais relevância à dimensão setentrional nas relações entre a UE e a Rússia e no desenvolvimento da política de vizinhança da UE;

organizar uma reunião sobre a dimensão setentrional na região, incluindo Calininegrado (o que seria extremamente benéfico para as organizações da sociedade civil da região);

melhorar o sistema de financiamento de pequenos projectos para fomentar os contactos transfronteiriços entre as organizações da sociedade civil na região;

determinar os recursos necessários para financiar os projectos no domínio da dimensão setentrional (as organizações da sociedade civil têm dificuldade em encontrar fontes de financiamento);

divulgar a informação na região, incluindo Calininegrado, sobre o BEI e fontes financeiras alternativas para projectos no domínio da dimensão setentrional;

estudar o tratamento adequado da dimensão setentrional na preparação das novas perspectivas financeiras da UE para 2007-2013.

3.3

Tais recomendações continuam pertinentes.

4.   Contactos do Comité com as organizações da sociedade civil que participam na dimensão setentrional

4.1

O Comité assinalou no relatório de 2004 a sua intenção de contribuir para a conferência ministerial em 2005 e para a reunião dos altos funcionários em 2006, com base nos critérios aplicados em 2004.

4.2

O Comité tem prosseguido as suas actividades no domínio da dimensão setentrional no contexto do Grupo de Contacto com os Países Vizinhos da Europa Oriental, recentemente constituído. O grupo de contacto integra membros do Comité e ocupa-se das actividades do Comité nos países da Europa Oriental. O objectivo de tais actividades é apoiar as políticas da UE tendentes a melhorar as relações com aqueles países, dar conta dos pontos de vista das organizações da sociedade civil neste contexto e estabelecer contactos directos com os agentes da sociedade civil na região.

4.3

O Comité divulgou a informação sobre a dimensão setentrional através de contactos próprios e em consulta com o Sistema de Informação sobre a Dimensão Setentrional da Comissão.

4.4

O Comité, no âmbito da elaboração do parecer, enviou, em Junho de 2005, um questionário a cerca de 100 organizações da sociedade civil. O Comité examinou igualmente a dimensão setentrional com organizações da sociedade civil russas durante a preparação do parecer sobre as relações entre a UE e a Rússia. Assim, as conclusões do presente parecer também reflectem os pontos de vista das organizações da sociedade civil dos países parceiros.

5.   Conclusões baseadas no inquérito do Comité de 2005

5.1   Conhecimento geral da dimensão setentrional

5.1.1

Foi realizado em Junho de 2005 um inquérito sobre o conhecimento geral do segundo plano de acção para a dimensão setentrional. Foram enviados questionários a várias organizações da sociedade civil nos países abrangidos pelas actividades do plano de acção (países bálticos e nórdicos, Alemanha, Rússia, incluindo Calininegrado e Polónia). O questionário incidia sobre os aspectos focados no ano precedente: a) o conhecimento dos agentes da sociedade civil sobre a dimensão setentrional e o segundo plano de acção, b) o ponto de vista das organizações da sociedade civil sobre a dimensão setentrional, e c) a participação das organizações da sociedade civil na execução e no acompanhamento do segundo plano de acção.

5.1.2

Foram recebidas apenas 20 respostas — um indicador de que é ainda muito escasso o conhecimento geral sobre a dimensão setentrional e o segundo plano de acção, facto que foi confirmado pelos resultados dos questionários — se bem que a maioria das organizações da sociedade civil respondesse que tinha alguma informação sobre a dimensão setentrional e o segundo plano de acção, apenas em alguns casos era manifesto que a organização em causa tinha conhecimento real do segundo plano de acção. Um terço das organizações da sociedade civil respondeu que tinha ouvido falar da dimensão setentrional e do segundo plano de acção, possuindo uma ideia muito vaga dos seus objectivos e conteúdo.

5.1.3

Alguns agentes pareciam conhecer as parcerias públicas/privadas (PPP), sobretudo a parceria ambiental da dimensão setentrional. Várias organizações da sociedade civil fizeram referência à dimensão setentrional nas organizações regionais do mar Báltico, mormente o Conselho dos Estados do Mar Báltico (CEMB). As organizações patronais (Comité Consultivo Económico do CEMB) e sindicais (Confederação Sindical do Mar Báltico) promovem o conhecimento da dimensão setentrional entre os seus membros.

5.1.4

O segundo plano de acção é visto por alguns agentes não como um programa destinado às organizações da sociedade civil, mas como um projecto político para a cooperação regional entre governos e entidades interessadas. Os esforços da Comissão para melhorar a informação do público através do Sistema de Informação sobre a Dimensão Setentrional não parecem ter surtido efeito.

5.2   Informação e participação das organizações da sociedade civil em actividades das entidades locais relacionadas com a dimensão setentrional

5.2.1

Os resultados dos questionários indicam claramente que são muito poucas as iniciativas de governos, entidades ou associações para informar e envolver as organizações da sociedade civil no segundo plano de acção. Apenas um número reduzido de respostas confirmou tal compromisso. No entanto, em alguns países, as entidades competentes e os organismos regionais realizaram seminários e oficinas sobre a execução do segundo plano de acção.

5.2.2

São em número reduzido as organizações da sociedade civil que participaram no segundo plano de acção por iniciativa própria. É o caso das actividades relacionadas com a melhoria das condições de investimento na região da dimensão setentrional, a cooperação com outras associações nos países em causa, o debate sobre o futuro da dimensão setentrional e, em geral, o acompanhamento dos progressos.

5.3   Opinião geral sobre a dimensão setentrional e o segundo plano de acção

Em termos gerais, a opinião sobre a dimensão setentrional e o segundo plano de acção é bastante positiva, embora com algumas excepções. A maioria das organizações da sociedade civil tinha uma opinião positiva ou bastante positiva da dimensão setentrional e do segundo plano de acção, enquanto para outras a avaliação era negativa ou não tinham opinião, devido, essencialmente, ao escasso conhecimento das actividades.

5.4   Sectores prioritários do segundo plano de acção

Os pontos de vista das organizações da sociedade civil parecem ser convergentes quanto aos sectores prioritários do segundo plano de acção. Os sectores da economia, actividades empresariais e infra-estruturas, ambiente, segurança nuclear e recursos naturais, cooperação transfronteiriça e desenvolvimento regional foram especificamente mencionados pelas organizações da sociedade civil como os mais importantes no segundo plano de acção. Os sectores da justiça e assuntos internos, as regiões com necessidades específicas, como Calininegrado, e a cooperação árctica parecem interessar menos as organizações da sociedade civil.

Sectores do segundo plano de acção

Número de menções

Economia, actividades empresariais e infra-estruturas

**************

Recursos humanos, educação, investigação científica e saúde

******

Ambiente, segurança nuclear e recursos naturais

************

Cooperação transfronteiriça e desenvolvimento regional

**********

Justiça e assuntos internos

***

Calininegrado

*****

Cooperação árctica

****

5.5   Acções prioritárias

No entender das organizações da sociedade civil, devia ser dada prioridade às seguintes acções:

Questões relacionadas com o mercado de trabalho, o emprego e o diálogo social;

Apoio às pequenas e médias empresas;

Intensificação das relações comerciais e económicas;

Melhoria das condições de investimento transfronteiriço;

Interligação das infra-estruturas e modernização das redes de transporte.

As organizações da sociedade civil frisaram ainda a necessidade de outras medidas complementares:

Acções em prol da participação dos agentes da sociedade civil na execução do segundo plano de acção;

Estabelecimento de estruturas para a execução do segundo plano de acção;

Afectação de recursos congruentes ao segundo plano de acção;

Difusão dos relatórios intercalares sobre a execução do segundo plano de acção.

6.   Recomendações sobre a dimensão setentrional

6.1

O Comité subscreve a manutenção na zona setentrional da Europa de uma cooperação regional estruturada, multilateral e transfronteiriça, que inclua igualmente os países terceiros da região. A dimensão setentrional parece adequar-se bem a tal objectivo.

6.2

O Comité apoia a proposta de associar a dimensão setentrional à cooperação entre a UE, a Rússia e os quatro espaços comuns. Em parecer recente sobre «Contributo da sociedade civil para as relações UE-Rússia» (9), o Comité declarava no ponto 3.2.5: «Deve-se igualmente proceder a uma reforma da cooperação regional com a Rússia, no âmbito da dimensão setentrional (...). O CESE constata com apreço que este aspecto foi tido em devida conta nos roteiros e frisa que urge tomar mais medidas para desenvolver a cooperação regional como parte integrante das relações UE-Rússia.».

6.3

Para o êxito da cooperação regional no âmbito da dimensão setentrional é necessário que a Rússia participe efectivamente na elaboração e na execução das futuras políticas. Impõe-se estudar os mecanismos para a cooperação neste contexto, nomeadamente um conselho director misto, tendo em conta os países terceiros da região.

6.4

Nas recomendações do parecer acima citado, o Comité sublinha que se deve dar destaque ao papel da sociedade civil no contexto dos roteiros para a cooperação UE-Rússia e que os agentes da sociedade civil devem ter um papel adequado na implementação dos roteiros para a cooperação UE-Rússia. Importa, nomeadamente, encontrar forma de estabelecer uma consulta estruturada das organizações da sociedade civil nos futuros mecanismos da dimensão setentrional.

6.5

Os cinco sectores da cooperação no âmbito da dimensão setentrional são relevantes para o futuro. Antes do mais, é necessário explorar as experiências positivas das parcerias da dimensão setentrional (ambiente, saúde pública e bem-estar social, tecnologia da informação e da comunicação). Importa considerar, neste contexto, a criação de parcerias nos seguintes sectores:

infra-estruturas e logística,

emprego, recursos humanos e assuntos sociais, incluindo o diálogo civil,

cooperação transfronteiriça e interpessoal, incluindo a juventude, a educação e a cultura.

6.6

Os actuais organismos regionais na zona do Báltico, sobretudo o Conselho dos Estados do Mar Báltico, devem desempenhar um papel central no futuro da dimensão setentrional. As organizações da sociedade civil poderiam, neste contexto, participar e contribuir para a dimensão setentrional através das suas redes de cooperação regional e das relações estabelecidas com os organismos acima mencionados.

6.7

O Comité reitera a recomendação formulada em 2004 no sentido da divulgação ao público da informação sobre a dimensão setentrional. Para o efeito, é necessário aperfeiçoar o Sistema de Informação sobre a Dimensão Setentrional. O Comité frisa igualmente que a informação deveria ser principalmente divulgada a nível nacional e local, posto que é da responsabilidade dos governos e das entidades competentes nos Estados interessados. Uma melhor informação fomentaria o interesse na dimensão setentrional e animaria os agentes da sociedade civil a participar e contribuir mais.

6.8

O financiamento das parcerias da dimensão setentrional deve ser decidido caso a caso, cabendo aos governos e às instituições financeiras internacionais (IFI) o papel central. Os mecanismos financeiros norueguês e do EEE seriam benéficos para impulsionar sobretudo as acções transfronteiriças de dimensão setentrional. O Instrumento Europeu de Vizinhança e Parceria (IEVP) é aplicável a partir do início de 2007.

6.9

O Comité prosseguirá as actividades relacionadas com a dimensão setentrional e contribuirá para a reunião dos altos funcionários em 2006. O seu contributo poderá comportar conclusões decorrentes dos debates com as organizações da sociedade civil nos países parceiros. O Comité estaria disposto a contribuir com outras reflexões sobre a futura execução da dimensão setentrional.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  O documento encontra-se no endereço seguinte: http://europa.eu.int/comm/external_relations/north_dim/ndap/com03_343.pdf.

(2)  COM(2003) 343 final, 10/06/2003, pág. 17.

(3)  JO C 73 de 09/03/1998, pág. 57

(4)  JO C 368 de 20/12/1999, pág. 39.

(5)  JO C 139 de 11/05/2001, pág. 42.

(6)  JO C 125 de 27/05/2002, pág. 39.

(7)  Relatório do CESE de 2004 sobre os resultados do segundo plano de acção para a dimensão setentrional (disponível em DE, EN e FR).

(8)  COM(2003) 343 final, pág. 16.

(9)  JO C 294 de 25.10.2005, pág. 21.


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/39


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Legislar melhor»

(2006/C 24/12)

Em 7 de Fevereiro de 2005, Denis McSHANE, Ministro dos Assuntos Europeus do Reino Unido, solicitou, em nome da Presidência britânica do Conselho da União Europeia, um parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema: «Legislar melhor».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, emitiu parecer em 27 de Julho de 2005 (relator: Daniel RETUREAU).

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 105 votos a favor, 3 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Síntese do parecer

1.1   O que é uma legislação melhor

1.1.1

Legislar melhor é uma verdadeira exigência social, à qual o CESE dará expressão, a partir das necessidades da sociedade civil, dos utentes do direito, junto das instituições europeias e dos governos.

1.1.2

Legislar melhor é, antes de tudo, colocar-se ao nível do utente da norma jurídica. Daí a importância de um método participativo, que organize a consulta prévia e tenha em conta a representatividade das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais, dos grupos directamente visados pela legislação, e que utilize de forma construtiva os recursos e as competências das instituições consultivas.

1.1.3

É também legislar menos, lutar contra a inflação legislativa e simplificar o acervo, pois demasiada legislação cria opacidade jurídica, fonte, nomeadamente, de obstáculos às trocas; é, igualmente, assegurar-se de que a execução da norma será efectiva e simples.

1.1.4

Legislar melhor é trazer a legislação para o essencial, privilegiar os objectivos a atingir. É, também, conceber uma legislação flexível, adaptável, sem deixar de ser suficientemente perene, o que pressupõe rigor e, sobretudo, coerência, da concepção à aplicação no terreno.

1.1.5

Simplificar é reduzir tanto quanto possível a complexidade do direito, mas tal não significa que haja que reduzir forçosamente de maneira drástica a obra legislativa comunitária ou desregulamentar, sob pena de se ir contra a expectativa de segurança que emana da sociedade civil e a necessidade de segurança jurídica e de estabilidade expressa pelas empresas, nomeadamente as PME.

1.1.6

Toda a legislação (ou parte dela) obsoleta deve ser explicitamente revogada.

1.2   Melhorar a qualidade da legislação comunitária

1.2.1

Cada direcção-geral (DG) da Comissão Europeia, dado o número de textos que cabem na sua competência e a complexidade deles (mensurável, por exemplo, pelo número total de linhas e de remissões internas para legislação anterior, assim como pelas obrigações administrativas que desses textos decorrem), deve propor um programa proporcionado de simplificação a incluir no programa geral da Comissão, precisando a necessidade e o impacto previsível das suas propostas para os destinatários da legislação candidata à simplificação. Este programa deverá definir as medidas propostas para cada grupo de textos seleccionados (revogação, revisão, codificação, etc.), bem como os recursos considerados necessários à sua realização.

1.2.2

Um relatório anual consolidado da Comissão, com o título «Simplificar o acervo e legislar melhor», apresentará o programa decidido para aquele ano e a realização efectiva do programa do ano precedente, bem como a situação daí decorrente para o programa contínuo de simplificação a médio prazo e para o programa de trabalho. A evolução em matéria de simplificação e de legislar melhor, tanto a nível comunitário como a nível nacional, serão nele analisadas, eventualmente acompanhadas de propostas novas e de recomendações. Convém evitar a proliferação de relatórios e de comunicações, cujos conteúdos coincidem ou são sobreponíveis.

1.2.3

O poder de iniciativa não é neutro; tem influência e responsabilidade determinantes sobre a escolha das prioridades e das finalidades da legislação, sobre a sua preparação, formulação e reformulação em caso de emendas do legislador. A qualidade e a pertinência da proposta legislativa têm consequências directas na duração e no resultado do procedimento de aprovação. Ora uma má preparação da iniciativa acarreta uma perda significativa de tempo e de recursos para todas as instituições interessadas e para as organizações consultadas.

1.2.4

A qualidade do texto adoptado no final do processo legislativo e a da transposição das directivas têm também consequências de contencioso e de intervenção do poder judicial nacional e comunitário, custos acrescidos para as administrações nacionais e para as pessoas, se tiverem insuficiências ou provocarem dificuldades de interpretação.

1.2.5

A Comissão e o legislador não são omniscientes: a realidade social, económica, tecnológica é complexa e evolutiva. Do mesmo modo, alterar profundamente ou flexibilizar legislação, cujos efeitos práticos divergem dos objectivos perseguidos ou cujo custo de execução é excessivo para as administrações ou para os utentes, não é um enfraquecimento da autoridade do legislador, mas, pelo contrário, uma demonstração de inteligência política capaz de reforçar a confiança dos destinatários e o respeito do direito.

1.2.6

A evolução iniciada a montante da produção legislativa deve, pois, concluir-se com o estudo (ou a avaliação) do impacto (impact assessment), calculando o modo como a legislação pode, de facto, ser recebida, como é que se inserirá no corpus jurídico pré-existente e os eventuais problemas de execução.

1.2.7

Caso a Comissão retire propostas legislativas em fase de exame, conviria que justificasse essa decisão e consultasse as instituições legislativas e consultivas, bem como as organizações da sociedade civil, cujo parecer havia sido solicitado ou cujos interesses são afectados por aquela decisão.

1.2.8

A avaliação legislativa, ex ante e ex post, é apenas concebível como exercício pluralista e participativo, para lhe conferir uma legitimidade política e prática incontestável. Enquanto a avaliação ex ante precede e, depois, acompanha o processo de elaboração, a avaliação ex post efectua-se em dois tempos: primeiro, durante a fase de transposição das directivas ou de execução dos regulamentos, que pode fazer surgir as primeiras dificuldades de recepção e de execução, depois, quando da avaliação de impacte propriamente dita feita após um período pré-determinado de execução no terreno, a qual pode pôr em evidência consequências imprevistas ou mesmo indesejáveis. Esta avaliação de impacte pode implicar um efeito de retorno (feed back) sobre a legislação ou sobre as modalidades da sua execução (1).

1.2.9

As consequências negativas ou imprevistas podem ser de natureza muito diversa: a sua avaliação em termos de custos excessivos para as administrações ou para os utentes deve ser completada pelo estudo do seu impacto social, económico, ambiental ou em função dos direitos fundamentais.

1.2.10

Importa avaliar o exercício das competências de execução, tanto comunitárias (execução directa, comitologia de regulamentação, agências de regulação) como nacionais (ministérios, autoridades descentralizadas, autoridades administrativas independentes), o seu impacto (diligências administrativas pedidas aos utentes, custo, complexidade) e a efectividade dos controlos ou das sanções eventuais. O legislador deve poder efectuar um acompanhamento deste exercício que combina regulação e execução.

1.2.11

Os Estados-Membros devem também desenvolver e aperfeiçoar os seus próprios instrumentos de avaliação e depois fazer relatório à Comissão e ao legislador nacional dos resultados, pondo em evidência os êxitos e os problemas encontrados.

1.2.12

Uma política de coordenação, de informação e de intercâmbio sobre as práticas nacionais e a sua eficácia, a publicação regular de quadros de transposição, como se prevê na decisão da Comissão, bem como o painel de avaliação do avanço do mercado interno, permitirão um acompanhamento efectivo e correcções.

1.2.13

O Comité Económico e Social Europeu, como se comprometeu em Outubro de 2000 (Código de Conduta), continuará a emitir um parecer anual sobre o relatório global «Simplificar o acervo e legislar melhor», bem como sobre as comunicações e os diferentes relatórios sectoriais apresentados pela Comissão no tocante à simplificação do acervo e à qualidade da legislação.

1.3   Conclusão

1.3.1

O CESE considera que a tarefa de tornar o corpus jurídico comunitário mais simples, coerente e pertinente não é unicamente uma questão de métodos e de técnicas, mas uma questão profundamente política que exige uma intensa mobilização interinstitucional, sustentada por um apoio participativo igualmente intenso da sociedade civil organizada.

PARECER

2.   Introdução

2.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) recebeu da Presidência britânica um pedido de parecer sobre o tema «Legislar melhor»; recebeu também o 12.o relatório da Comissão sobre o tema da simplificação do direito comunitário e tomou em consideração a comunicação «Legislar melhor, crescimento e emprego» que deu seguimento ao Conselho Europeu sobre a revisão da Estratégia de Lisboa, bem como a recente decisão da Comissão sobre a transposição das directivas.

2.2

As sugestões do Comité não põem em causa o método comunitário, assente no Estado de direito (rule of law), reafirmado e consolidado no Tratado Constitucional, e completado por um procedimento de intervenção directa da sociedade civil junto do poder de iniciativa. Elas baseiam-se essencialmente nas conclusões do Conselho de Edimburgo de 1992, no Livro Branco sobre a governança europeia e na Estratégia de Lisboa (2000-2001), bem como no Acordo Interinstitucional de 16 de Dezembro de 2003, e têm em conta os trabalhos começados por iniciativa das seis Presidências e do Conselho.

2.3

Insistem, no entanto, na participação da sociedade civil no processo de elaboração, avaliação e posterior revisão da legislação. As opiniões e propostas sobre o objectivo e a qualidade dos projectos legislativos visam contribuir de forma construtiva para melhorar o ambiente jurídico e administrativo para as empresas e os cidadãos.

2.4

O CESE reconhece a necessidade de legislar melhor e acolhe qualquer iniciativa neste sentido. No entanto, sublinha que as regulamentações não devem ser consideradas inúteis nem cerceadoras de que a UE se adapte aos desafios que se lhe colocam. Além do mais, o CESE não poderia apoiar um processo que levaria a Comissão, na qualidade de guardiã do interesse comunitário e motor da integração europeia, a renunciar ao exercício do seu direito de iniciativa, que contribui para a criação de «uma União cada vez mais estreita entre os povos».

I.   LEGISLAR MELHOR — DE QUE SE TRATA?

3.   Legislar melhor — Uma estratégia comunitária prioritária

3.1

Legislar melhor é contribuir para uma governação melhor e para uma legislação mais simples e compreensível que é igualmente capaz de dar à sociedade civil uma boa imagem das instituições europeias na sua capacidade de governar eficazmente; é, portanto, restabelecer a confiança da sociedade civil nas instituições produtoras das normas.

3.2

Actualmente, o princípio de igualdade perante a lei volta a ser posto em causa pela complexidade e pela quantidade de normas em vigor, pela dificuldade de acesso ao direito aplicável e ao direito em preparação; os imperativos de inteligibilidade e de acessibilidade da legislação devem dominar a simplificação do acervo e a preparação de novas propostas legislativas.

3.3

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, adoptada em Nice, em 2000, afirma o direito dos cidadãos europeus a uma boa administração. A informação e a participação dos destinatários, a necessidade da proposta legislativa, o recurso a peritos independentes e fiáveis, a aplicação dos princípios de proporcionalidade e de subsidiariedade, a qualidade da legislação, da sua transposição e da sua aplicação, e a simplificação administrativa são condições essenciais da eficácia deste direito do ponto de vista dos utentes do direito.

3.4

As prioridades «Simplificar o acervo» e «Legislar melhor» acompanhadas de acções comunitárias para esse efeito fazem parte da boa governação e exigem que se lhes dediquem recursos suficientes; é necessário integrá-las no processo de elaboração e de aplicação da legislação. O processo, uma vez bem estabelecido, deve ser politicamente apoiado ao longo do tempo por recursos adequados.

3.5

A simplificação do acervo comunitário e a melhoria da qualidade e da eficácia da legislação tornaram-se uma prioridade comunitária absoluta para a competitividade, o crescimento e o emprego, o desenvolvimento sustentável, a qualidade de vida dos cidadãos da União, nomeadamente para facilitar a actividade económica das empresas europeias no mercado interno e nas trocas comerciais com os países terceiros.

3.6

Todavia, os trabalhos efectuados e as iniciativas empreendidas estão ainda longe de ter produzido todos os seus resultados; o insucesso actual da estratégia de Lisboa, a constatação e as propostas do relatório de Wim KOK e o seu relançamento pelo Conselho Europeu implicam necessariamente uma reavaliação da estratégia iniciada em 1992, aliás notavelmente reforçada desde 2001 pelas instituições e os Estados-Membros, a fim de melhorar a legislação e a sua aplicação.

3.7

O CESE partilha o ponto de vista da Comissão de que se impõe uma reavaliação global das necessidades e dos recursos disponíveis, o que também se aplica a nível nacional.

3.8

Ora as dificuldades da Europa em matéria de competitividade, de realização de uma economia do conhecimento, e a nível político, em termos de transparência, participação, eficácia e aceitação da legislação pelos cidadãos e as empresas, exigem um reforço decisivo, ou mesmo, em alguns aspectos, uma redefinição dos métodos, acompanhada de uma reafectação dos meios para legislar melhor numa Europa a 25, cujo alargamento irá, aliás, continuar.

3.9

A actual estratégia da Comissão depreende-se claramente de duas comunicações publicadas em Março de 2005 (2) e deveria ser completada pela proposta de um quadro operacional para as agências, durante este ano. No entender do CESE, esse quadro deve limitar-se a apresentar linhas directrizes, sem pôr em causa a autonomia das agências, que já são controladas pelo Tribunal de Contas na execução dos seus orçamentos e pela autoridade judiciária em caso de contencioso.

3.10

No décimo segundo relatório «Legislar melhor 2004» (3), recordam-se o plano de acção da Comissão «Simplificar e melhorar o ambiente regulamentar», o acordo interinstitucional (AI) de Dezembro de 2003 (4) e a estratégia dos Estados-Membros inscrita no programa de acção intergovernamental adoptado em Maio de 2002 pelos ministros da Administração Pública. No seu décimo primeiro relatório «Legislar melhor 2003» (5), a Comissão lembrou os seus objectivos, que foram depois especificados em pormenor em oito comunicações temáticas (6).

3.11

O plano de acção da Comissão resulta de trabalhos preparatórios efectuados por peritos e do Livro Branco sobre a governança europeia de 2001, bem como dos trabalhos do grupo para a qualidade da regulamentação criado em 2000 pelos ministros da Administração Pública; actualmente existe um consenso bastante amplo.

3.12

A melhoria do acervo comunitário através da sua simplificação constitui um objectivo essencial para a Comissão, que se dotou dos métodos e meios necessários para o atingir.

3.13

A Comissão adoptou também disposições-quadro em relação às modalidades das consultas prévias, à condução das avaliações de impacte, à qualidade e às modalidades de redacção da nova legislação, desde o início do processo lançado pelo Conselho de Edimburgo de 1992 em matéria de simplificação e de respeito pelos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade. Doze relatórios anuais têm vindo a relatar o acompanhamento e os progressos, mas estes, se bem que reais, ainda estão longe de convencer totalmente os utentes do direito.

3.14

A iniciativa com vista a uma melhor legislação lançada pelo Conselho, durante a Presidência irlandesa, foi objecto, em 2004, da declaração das seis Presidências (7). O Conselho Competitividade de Novembro de 2004 identificou uma vintena de actos legislativos (repartidos por 15 prioridades) para a simplificação e prosseguiu os seus trabalhos para esse efeito em Fevereiro de 2005; a Comissão decidiu pôr em prática estas orientações e é imperioso que seja bem sucedida.

3.15

Na sua comunicação «Legislar melhor para o crescimento e o emprego na União Europeia» (8), a Comissão redefiniu a sua abordagem de 2002 no quadro da revisão da estratégia de Lisboa.

3.16

Por sua vez, o CESE, na qualidade de representante institucional da sociedade civil organizada, também está determinado em contribuir, a montante e muito mais activamente, para a iniciativa de dotar a Europa de uma legislação melhor, mais clara, mais coerente e mais eficaz, a fim de responder às legítimas expectativas dos cidadãos e das empresas. O protocolo (9) celebrado com a Comissão permite-lhe organizar consultas sobre as propostas legislativas. Os seus pareceres devem ser, neste aspecto, mais incisivos e assumir prioritariamente o ponto de vista dos destinatários da legislação.

4.   Fundamentos de uma estratégia para legislar melhor na Europa

4.1

A legislação constitui o meio privilegiado de acção comunitária, por força do quadro jurídico fixado pelos Tratados, diferentemente dos Estados-Membros, que podem recorrer a uma maior variedade de instrumentos.

4.2

O aperfeiçoamento da legislação (existente e futura) deverá visar não só a simplificação, mas também a utilização coerente dos conceitos jurídicos e a clareza da redacção, prioritariamente nos domínios em que a legislação é mais evolutiva, mais abundante ou mais complexa. Pode-se referir como exemplo a legislação relativa ao mercado interno e ao ambiente, à política dos transportes ou às estatísticas.

4.3

A Estratégia de Lisboa, nomeadamente a necessidade de melhorar a competitividade e o objectivo de uma melhor governança europeia (10), implicam, em especial, que se proceda a um exame da função de regulação e das condições do seu exercício, bem como das repercussões da legislação europeia nos Estados-Membros (legislação, administração), para assegurar uma aplicação mais uniforme do direito e a coerência legislativa, em condições de concorrência equitativas (level playing field) no mercado interno. Para isso, as transposições não devem aditar disposições inúteis nem complicar as directivas.

4.4

O Conselho Europeu de Lisboa pedira já à Comissão, ao Conselho e aos Estados-Membros que definissem, para 2001, uma estratégia de simplificação do ambiente regulador, mediante uma acção coordenada (11). Realçara também a necessidade de uma orientação para novos modos de regulamentação mais flexíveis.

4.5

O CESE considera que estes novos modos de regulamentação, que merecem o seu apoio (12), implicam um empenhamento mais directo e mais permanente da sociedade civil na acção legislativa, seja em cooperação com as instituições, seja de forma mais autónoma (co-regulação e auto-regulação), como previsto pelo acordo interinstitucional de Dezembro de 2003.

4.6

É conveniente criar novas parcerias com os actores socioeconómicos (mobilizar melhor os Comités do Emprego, do Diálogo Social, mas também, eventualmente, criar comités sectoriais ou grupos de trabalho temáticos, por exemplo), num momento em que a economia se globaliza e desmaterializa (economia digital e sociedade do conhecimento, questões de propriedade industrial e de direitos de autor, auditoria das empresas e novos instrumentos e serviços financeiros) (13), o que põe em causa os procedimentos e instrumentos tradicionais ou pressupõe, em todo o caso, que se ultrapasse a sua dificuldade de se adaptarem à rápida evolução dos mercados e às necessidades em matéria de inovação e de investimento ou de formação e investigação.

4.7

Pelo seu lado, a Comissão já utiliza procedimentos de consulta e avaliações de impacte, cujo roteiro é publicado anualmente, recorrendo, em especial, ao método comparativo de análise «custo-benefício», o qual é completado por outros mecanismos como a análise multicritérios. A utilização exclusiva do balanço da análise «custo-benefício» não constitui, no entender do CESE, um instrumento inteiramente pertinente para todos os domínios e consequências da legislação (saúde pública, ambiente, por exemplo). Com efeito, o exercício de direitos fundamentais ou considerações de interesse geral, por definição difíceis de avaliar em termos de custo-benefício, são de incluir na análise.

4.8

Para além da comunicação «Actualizar e simplificar o acervo comunitário» (14), que fixa o quadro de acção, foram lançadas duas iniciativas mais específicas relativas, por um lado, à legislação agrícola (15) e, em 2004, à da pesca (16), legislações particularmente densas e que evoluem rapidamente, e, por outro lado, à simplificação da legislação do mercado interno (SLIM), em curso desde 1996 e que teve resultados parciais mas animadores, embora pouco seguida pelo Conselho e pelo Parlamento, ao ponto de parecer ter sido abandonada (17).

4.9

O Acordo Interinstitucional (AI), de 16 de Dezembro de 2003, entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho (18) visa estabelecer entre as instituições uma abordagem renovada da função legislativa, que abra possibilidades acrescidas favoráveis ao contrato, à co-regulação e à auto-regulação. O CESE adoptou um parecer, a seguir a esse acordo, sobre o tema da simplificação (19) e o relatório de informação, já referido, sobre as formas alternativas de regulação (20). Anteriormente, o CESE concentrara toda a sua atenção sobretudo na acção SLIM. A execução do AI deverá fazer-se, para o Comité, dando uma atenção especial às PME e à aplicação da Carta das Pequenas Empresas Europeias.

4.10

Afirma-se, por vezes, que mais de metade da legislação aplicável nos Estados-Membros é de origem comunitária; o número avançado em 2000, aquando dos trabalhos preparatórios sobre a questão da governança, era de 80 000 páginas de acervo comunitário; actualmente, outros estudos mostram uma evolução mais moderada: cerca de 10 % da nova legislação interna.

4.11

Seja como for, a aplicação desta legislação tem custos em termos de elaboração, transposição e aplicação, não só para a União e os Estados-Membros, mas também para as empresas e os particulares, que são obrigados a conhecer a lei, a cumpri-la e a observar procedimentos administrativos específicos (compliance costscustos de aplicação).

4.12

Os custos de produção da legislação, do seu cumprimento e das suas implicações administrativas e burocráticas são difíceis de avaliar, mas há cada vez mais críticas, especialmente por parte das empresas, que salientam as exigências, as dificuldades, os obstáculos e os procedimentos às vezes supérfluos que dela resultam, ao ponto de constituir um freio significativo para a competitividade europeia, indo, assim, ao encontro das preocupações do Conselho e da Comissão. Estes custos devem ser avaliados, para a qualidade da legislação poder ser analisada de forma objectiva. A OCDE estima que os custos de aplicação da regulamentação variam entre 3 e 4 % do PIB europeu (21).

4.13

Contudo, a abordagem centrada nos custos de aplicação e no impacto na competitividade foca apenas um aspecto, decerto não negligenciável, mas não único nem privilegiado da questão (22). Poder-se-ia, todavia, prever uma abordagem pela via da melhor legislação, sendo esta a que, para atingir os seus objectivos, permita custos mínimos de execução e cumprimento. Esta é uma sugestão do Relatório Mandelkern que o CESE gostaria que fosse seguida, a título experimental, em propostas que terão impacte nas empresas, em especial nas PME. A Comissão já tem em conta a questão dos custos administrativos na sua abordagem e trabalha actualmente num projecto piloto para os modelar (EU Net Admin. Costs model).

4.14

Legislar constitui um acto político que envolve, para além das instituições comunitárias e dos governos, a sociedade civil organizada e todos os cidadãos europeus. Um certo número de críticas refere-se à opacidade, à complexidade dos processos de elaboração do direito europeu e à sua insuficiente transparência, bem como à introdução estéril de exigências ou de procedimentos para a transposição de uma directiva, mesmo quando esta última o não exige (gold-plating). São outros tantos procedimentos administrativos misteriosos, que multiplicam obstáculos, burocracia e custos para os destinatários (red tape). Além disso, as ONG e os parceiros sociais queixam-se, frequentemente, do carácter formal e dos limites dos procedimentos de consulta prévia, quando esta lhes exige um investimento em tempo e conhecimento especializado tão grande quanto dispendioso.

4.15

Estão, aqui, em causa problemas de visibilidade institucional, governação e democracia, tanto para as instituições como para os Estados-Membros; trata-se da imagem da Europa e das suas instituições, que hoje têm a obrigação de encontrar soluções rápidas e eficazes; trata-se, ao mesmo tempo, de responder melhor aos desafios do crescimento, do emprego e da competitividade na Europa. Os Estados-Membros também devem prever uma reforma do Estado e das suas administrações, pois estão directamente implicados nestas críticas e o seu contributo activo para uma melhor governação global é indispensável.

4.16

Esta questão tem uma incidência directa sobre o progresso do ideal europeu e da construção da União Europeia, sobretudo no momento em que o debate político sobre o Tratado Constitucional está no centro das atenções dos cidadãos. Convém responder às expectativas dos cidadãos e da sociedade civil no tocante à melhoria da qualidade e da legibilidade da legislação comunitária, bem como trabalhar para a sua simplificação, sem deixar de avaliar a carga burocrática imposta às administrações e empresas pela aplicação do direito.

II.   MELHORAR A QUALIDADE DA LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA

5.   Simplificar o acervo

5.1

Em Fevereiro de 2003, a Comissão lançou um quadro de acção com vista a diminuir o volume do acervo comunitário, melhorar a acessibilidade da legislação e simplificar a legislação existente. Nesta base, a Comissão elaborou um programa contínuo de simplificação e apresentou cerca de trinta iniciativas com efeitos de simplificação para os operadores económicos, os cidadãos e as administrações nacionais. Actualmente, há ainda 15 propostas legislativas a serem examinadas pelo legislador para adopção.

5.2

O CESE aguarda a apresentação, em Outubro de 2005, da nova fase de programação da simplificação da Comissão. Esta nova fase deverá ter em conta nomeadamente o parecer das partes interessadas (ver consulta pública aberta em 1 de Junho de 2005 no sítio EUROPA) e incluir uma abordagem sectorial.

5.3

O CESE recorda a importância da aplicação do acordo interinstitucional «Legislar melhor», adoptado em Dezembro de 2003, e nomeadamente o seu ponto 36 referente aos métodos de trabalho do Conselho e do Parlamento Europeu para o exame das propostas de simplificação.

5.4

A codificação, instrumento essencial de simplificação, deve substituir legalmente o direito disperso, agrupando-o e harmonizando-o. O direito anterior deve ser explicitamente revogado para conferir ao código a segurança jurídica que esperam os destinatários e utentes do direito. Isto implica que o legislador adopte os códigos formalmente, ao contrário da consolidação realizada pelo Serviço das Publicações Oficiais, que se reveste de um carácter técnico que não oferece as mesmas garantias de segurança jurídica, embora facilite o conhecimento do direito. A consolidação é, de facto, uma preparação para a codificação.

5.5

O domínio codificado deve oferecer um certo nível de integralidade ou de estabilidade do direito, se a codificação for efectuada em direito inalterado. Nada impede que, em alguns domínios, se preveja outra forma de codificação, quando for necessário reformular parcialmente o direito aplicável.

5.6

Se uma disposição puder constar em mais de um código, deve figurar num código a título principal e nos restantes, sob uma forma tipográfica específica, com menção do código onde está inserida a título principal.

5.7

Se a consolidação levar à constatação de que existem contradições internas, tais como definições ou vocábulos divergentes entre textos, deverá apresentar-se ao legislador, com a máxima brevidade possível, uma reformulação global, que substitua o texto consolidado.

5.8

Os eventuais erros de revogação ou de codificação serão corrigidos e publicados o mais rapidamente possível.

5.9

O recurso sistemático à consolidação constitui um meio contínuo e eficaz de simplificação, que pode pôr em evidência a necessidade de codificar ou rever a legislação para a tornar mais clara e coerente, o que facilita muito o acesso ao direito em vigor.

5.10

O sítio Internet da EURlex deve permitir o acesso a todo o direito aplicável; todos os textos codificados e consolidados que representem o direito em vigor devem estar permanentemente integrados na EURlex.

5.11

Ora, ao fim de um certo período, torna-se difícil consultar os textos aplicáveis devido ao método de acesso aos Jornais Oficiais, o que dificulta o conhecimento pleno do acervo comunitário: este problema técnico deve ser corrigido.

6.   Propostas do CESE sobre os métodos a considerar para legislar melhor

6.1

O sítio Internet da PRElex deverá permitir o acesso a todo o direito em preparação, situando este último no seu contexto (acompanhado das avaliações, consultas, estudos e explicações); quando uma legislação em preparação remete para outras directivas ou regulamentos, uma ligação em hipertexto deveria permitir aceder directamente a estes, independentemente da sua data de publicação no Jornal Oficial.

6.2

Revogar explicitamente ou alterar as normas anteriores contraditórias com legislação nova.

6.3

Esses métodos já existem, na sua maioria, e são utilizados, mas alguns deles têm de ser aperfeiçoados. Podem ainda prever-se outros métodos ou ajustamentos, mas a globalidade da sua aplicação não deve sobrecarregar nem retardar indevidamente processos de elaboração já de si complexos, tanto mais que o Tratado Constitucional faria da co-decisão o processo legislativo ordinário.

6.4

Assim, a Comissão propõe (COM(2005) 097) que se instituam, junto dela, duas novas instâncias de trabalho:

um grupo de peritos nacionais de alto nível em regulamentação, que a ajude na aplicação do processo «Legislar Melhor»;

uma rede de peritos científicos que emitam pareceres sobre a metodologia escolhida (avaliações de impacte, nomeadamente) de forma casuística.

6.5

A Comissão recorre já a tais conhecimentos periciais em função dos projectos legislativos; a experiência dirá se esta formalização do recurso a conhecimento pericial traz um valor acrescentado em relação às práticas actuais.

7.   A montante do projecto legislativo

a)

Definição dos objectivos a atingir pela legislação, em função do direito originário e da legislação já existente, incluindo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (TJCE) no domínio em causa; exame das possibilidades de atingir da melhor forma os objectivos previstos ou perseguidos, evitando a inflação legislativa, na observância dos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade;

b)

Hierarquização dos objectivos e definição de prioridades por meio de medidas sectoriais ou horizontais; papel do Conselho neste exercício; verificar a necessidade de legislar e se nos Tratados ou na legislação derivada não existem já meios que permitam alcançar os mesmos objectivos;

c)

Planeamento a médio prazo (agenda, plano de trabalho) para atingir os objectivos definidos, integrando, para tal, o recurso a novas parcerias;

d)

Definição do(s) acto(s) jurídico(s) mais adequado(s) aos objectivos a atingir: directiva (lei-quadro), regulamento (lei), simplificação (fusão da nova legislação com a legislação anterior, unificando os conceitos jurídicos e as definições, consolidação sistemática das alterações com o texto anterior, codificação, restatement — fusão da legislação dispersa num instrumento revisto e simplificado), ou outra forma de regulação através de métodos alternativos (co-decisão, co-regulação, auto-regulação «supervisionada» ou não, contratualização); integração do objectivo de simplificação e clarificação em todas as novas iniciativas legislativas;

e)

Estudos de impacto preliminares, que não se limitem a uma análise de custos-benefícios em termos puramente financeiros, nomeadamente nos domínios em que é difícil fazer uma quantificação nestes termos (medidas ambientais, por exemplo: impacto na saúde pública, na biodiversidade, na qualidade do ar ou da água; medidas sociais: participação, condições de vida e de trabalho e seu impacto previsível na produtividade e na eficácia económica ou no bem-estar social); o balanço global deve ser positivo em termos de interesse público ou de interesse geral (efectividade de direitos socioeconómicos, por exemplo), mas as modalidades de aplicação devem evitar, na medida do possível, os condicionamentos excessivos, os custos de cumprimento (compliance costs) desproporcionados ou os controlos e disposições supérfluos face aos objectivos a atingir; ainda que o cálculo financeiro continue a ser indispensável, pode, em certos casos, ser relativizado perante determinados objectivos políticos prioritários;

f)

democracia participativa: formas alternativas de regulação, que envolvam directamente os destinatários da legislação; no caso dos instrumentos legislativos, consulta prioritária, e de forma efectiva e suficiente, aos actores da sociedade civil mais directamente interessados, quer directamente quer por intermédio das suas organizações representativas; eventual solicitação de pareceres exploratórios ao Comité Económico e Social Europeu e/ou ao Comité das Regiões; utilização dos Livros Verdes e Brancos como instrumentos preparatórios e de ampla consulta à sociedade civil e às instituições; criação de parcerias com as organizações da sociedade civil organizada; utilização dos meios de comunicação social para explicar os objectivos e o conteúdo dos instrumentos previstos.

8.   Elaboração do projecto legislativo segundo o CESE

8.1   Estudos de impacto

8.1.1

O CESE toma nota da adopção de novas linhas directrizes internas na Comissão para a análise de impacto, operacionais desde 15 de Junho de 2005.

8.1.2

As avaliações de impacte preliminares, proporcionais à amplitude e à complexidade dos objectivos a atingir, deveriam ser iniciadas com os recursos humanos e as competências existentes na ou nas direcções-gerais que queiram lançar uma iniciativa, desde que os objectivos a atingir pela legislação prevista tenham sido estabelecidos a nível político. Tratar-se-ia, assim, de uma primeira abordagem da avaliação.

8.1.3

Os critérios e métodos podem corresponder a uma norma pré-definida, mas adaptada em seguida a cada direcção-geral, na medida do necessário, ao projecto em estudo. Podem prever-se, nesta fase, consultas informais, sobre o âmbito de aplicação, os objectivos, a natureza do instrumento e o seu impacto previsível, a algumas das organizações mais representativas ou mais interessadas, assim como a peritos nacionais, sem com isso pôr em causa o princípio da consulta aberta.

8.1.4

O que o CESE entende por «estudo de impacto preliminar» (23) poderia ser, então, aperfeiçoado, internamente e, na medida do necessário, com recurso a peritos externos independentes ou a peritos nacionais com base no modelo proposto pela Comissão (24).

8.1.5

O CESE insiste em que os estudos de impacto tratem de forma equilibrada as três dimensões — económica, social e ambiental — da Estratégia de Lisboa.

8.1.6

O CESE considera que é importante colocar o estudo de impacto no centro do processo de elaboração e de aplicação da legislação; estes estudos devem deixar de aparecer como exercícios administrativos obrigatórios ou sem valor acrescentado.

8.1.7

O Comité insiste na obrigação de uma avaliação de impacte pelo menos para os projectos legislativos que tenham repercussões para as empresas ou para os trabalhadores nos diversos sectores económicos, e para as propostas que tenham que ver com a co-decisão. A escolha do instrumento legislativo ou de uma eventual alternativa à legislação (co-regulação, contratos, auto-regulação) deverá ser sempre justificada, como o prevê o Acordo Interinstitucional de Dezembro de 2003 sobre «Legislar Melhor», e do ponto de vista da sua contribuição para a simplificação jurídica ou administrativa para os destinatários. No entanto, os resultados da análise de impacto não bastam para justificar o lançamento de uma proposta legislativa.

8.2   Consultas e redacção

8.2.1

A fase seguinte, a de redacção propriamente dita da legislação, começaria também por se realizar a nível interno, de acordo com os métodos de trabalho da Comissão, nomeadamente com o Guia de Redacção, que poderá ser aperfeiçoado em colaboração com comités de juristas e de peritos que assistem a Comissão. Essa redacção pode deixar algumas opções em aberto; com efeito, da fase da consulta não deverá resultar um texto estruturado até aos mínimos pormenores, devendo os interessados ser consultados sobre as diversas opções políticas possíveis.

8.2.2

Os órgãos consultivos comunitários também devem ser ouvidos ou pronunciar-se por sua iniciativa a partir desta fase dos projectos com alguma importância; por exemplo, para além dos Livros Verdes e Brancos, o Comité das Regiões, que representa as administrações e autarquias locais, e o CESE, na sua qualidade de representante da sociedade civil organizada, deverão poder ser solicitados a emitir um parecer exploratório sobre as propostas legislativas que tenham que ver, nomeadamente, com o mercado interno, a economia, as empresas, o comércio internacional, as relações externas, o ambiente, as questões sociais e de imigração, o consumo, as reformas das legislações agrícolas. O parecer deverá incidir no estudo de impacto preliminar e nos objectivos perseguidos e meios para os atingir.

8.2.3

Com efeito, emitir pareceres sobre textos legislativos já elaborados e que foram objecto de primeiras arbitragens constitui um exercício demasiado tardio para influenciar significativamente a economia geral desses textos; as competências especializadas dos Comités poderiam contribuir, assim, já a montante, de forma muito mais construtiva para uma melhor legislação e para a sua compreensão e aceitação pelos destinatários.

8.2.4

Nesta fase, deveria realizar-se a consulta directa aos interessados e às instituições ou organizações nacionais e locais, combinando meios clássicos (audições, seminários, pedidos de pareceres) e electrónicos (correio electrónico, questionário no site da direcção-geral competente a título principal). Em aplicação dos protocolos celebrados com os órgãos consultivos, estes podem organizar alguns dos procedimentos de consulta: a sua utilização deveria ser desenvolvida.

8.2.5

A criação de uma consulta aberta através de um site comunitário pressupõe a utilização de meios de comunicação e de publicidade adequados para que o site, a sua natureza e o resumo do seu conteúdo sejam conhecidos pelo maior número possível de pessoas, actores socioeconómicos, empresas ou administrações locais interessadas no projecto legislativo; poderia ser constituído um registo das organizações europeias e nacionais, das administrações locais, dos CES nacionais e regionais, para os alertar por correio electrónico para a abertura de consulta; os órgãos de comunicação pertinentes poderiam também ser alertados (comunicação social geral, especializada, profissional, etc.) com vista à difusão da informação.

8.2.6

No final, deve publicar-se, no site da Comissão, uma síntese objectiva das respostas às consultas. Esta síntese deverá estar livre de qualquer preconceito ou tendência para adoptar prioritariamente as opções correspondentes ao sentido inicialmente pretendido pela Comissão, demarcar-se também da acção dos grupos de pressão, e isto a fim de fazer prevalecer o interesse geral sobre os interesses particulares, ou o realismo do terreno sobre as abordagens ideológicas.

8.2.7

Se assim não for, poderão surgir obstáculos difíceis de ultrapassar, como os que se verificaram em relação aos dois projectos de «pacotes portuários» (ausência de estudo de impacto, inexistência de referências às convenções marítimas internacionais da OIT ratificadas pelos Estados-Membros), ao projecto de directiva «serviços no mercado interno» (renúncia à harmonização das legislações), ou à proposta de directiva relativa à patenteabilidade dos inventos que implicam programas de computador (que introduzia sérios equívocos e incerteza jurídica e sobre a qual o CESE expressara fortes reservas, e que acabou por ser finalmente rejeitada em segunda leitura pelo Parlamento (25)).

8.2.8

No que se refere ao impacto sobre as administrações nacionais, principais executoras da legislação comunitária, seria conveniente recorrer aos métodos já aplicados em muitos países criando ligações entre a direcção-geral competente e os serviços idóneos da administração nacional, das direcções jurídicas e das direcções técnicas pertinentes. Há que prever uma cooperação e avaliações dos procedimentos internos de estudo do impacto — benchmarking –, a fim de estabelecer critérios comparáveis que tenham em conta os destinatários finais da legislação.

8.2.9

Os critérios usados na determinação da qualidade e do impacto da legislação deverão ser simples, como os propostos no Relatório Mandelkern (26), e utilizar da melhor forma os recursos estatísticos europeus e nacionais existentes, bem como a experiência dos serviços de controlo ou inspecção. Não deverão descurar a consulta do pessoal encarregado da execução e do acompanhamento que a porá em prática, prevendo também as necessidades de informação e, eventualmente, de formação complementar ou de recrutamento/reafectação de pessoal para uma execução eficaz no terreno.

8.2.10

Tratar-se-á, na verdade, de determinar, tão detalhadamente quanto possível, os custos e as condições técnicas necessárias para a execução, em cada um dos níveis em causa, tendo em conta a legislação já existente no domínio visado. Poder-se-á atingir, assim, o objectivo de um melhor conhecimento dos diversos aspectos do impacto da legislação prevista, a fim de minimizar o custo da sua aplicação.

8.2.11

A rede de peritos científicos criada junto da Comissão poderá trabalhar no aperfeiçoamento do método actualmente seguido pela Comissão para lhe reforçar a eficácia. Terá, também, eventualmente, de examinar os estudos de impacto específicos ligados aos projectos ou às alterações que lhe fossem apresentados.

8.2.12

É necessária uma programação para cada projecto que defina as etapas e permita conhecer os limites temporais que devem inscrever-se num planeamento, de duração razoável, da preparação da legislação, tendo em conta as eventuais implicações e urgências.

8.2.13

Os estudos de impacto considerados incompletos ou insuficientes deveriam poder ser revistos, se necessário recorrendo a peritos externos. O Parlamento acaba de criar uma nova rubrica no seu site OEIL (27), relativa à análise dos estudos de impacto, que poderá vir a complementar, talvez de forma crítica, as publicações já efectuadas pela Comissão (roteiro e avaliações específicas de todos os projectos adoptados em co-decisão que a Comissão se comprometeu a realizar a partir de 2005).

8.2.14

Cumpridas estas etapas, tornar-se-á possível finalizar a proposta legislativa, o estudo de impacto (28) e a ficha financeira, bem como as explicações destinadas a fazer entender aos utentes, aos práticos e aos legisladores comunitários e nacionais — em termos tão compreensíveis quanto possível — as finalidades, o alcance e as consequências práticas da legislação proposta. Sobretudo nesta fase deverá haver um «controlo de qualidade» da legislação; falta definir-lhe as modalidades práticas.

8.2.15

A comunicação da Comissão aos legisladores e aos órgãos consultivos comunitários e nacionais, ou aos órgãos locais de aplicação e de controlo, deveria conter todos estes elementos.

8.2.16

Uma vez escolhido o instrumento, importará definir com precisão o seu âmbito de aplicação distinguindo o que é próprio do instrumento previsto (directiva) daquilo que poderia figurar num instrumento diferente (regulamento), ou ainda ser próprio de um método de regulação alternativo.

8.2.17

A redacção deverá ser clara, sem ambiguidades, referir explicitamente, para além da base jurídica escolhida, os outros artigos em causa dos Tratados e a legislação anterior (a simples remissão técnica para uma edição do JOCE não será suficiente. Convirá, antes, especificar a denominação completa e resumir sucintamente o conteúdo e o alcance dos instrumentos referidos, para que o texto possa ser compreendido pelos utentes do direito e não apenas por juristas especializados). Os considerandos ou os fundamentos serão particularmente importantes para tornar inteligíveis os objectivos e o conteúdo da legislação propriamente dita, e deverão ser redigidos com clareza, evitando desenvolvimentos parasitas.

8.2.18

A evolução ou posterior alteração da legislação poderá ser integrada na própria legislação (relatório da Comissão após um determinado período de aplicação, definido à partida, ou, melhor ainda, uma cláusula-tipo de revisão — sunset clause — aplicável no fim de um certo prazo, por exemplo três anos) (29), o que pressupõe a existência de um sistema de informação, de feed back, apoiado na solicitação de informações e sugestões por parte da sociedade civil, que deverá dispor de um interlocutor comunitário para o efeito (ponto de contacto único a nível das representações comunitárias nos Estados-Membros, ou determinado serviço da Comissão, indicado na própria legislação).

8.2.19

Em aplicação da cláusula de revisão, a Comissão deveria, então, propor emendas ou uma iniciativa, dentro de um determinado prazo, ou explicar, nesse mesmo prazo, por que razão considera não serem necessárias alterações.

8.2.20

Alguns «think tanks» preconizam que se crie uma agência europeia de controlo da qualidade ou da pertinência da legislação. Seria desproporcionado, e contrário à letra e ao espírito dos Tratados, criar uma espécie de autoridade superior de supervisão da legislação com poderes de alteração. Isso poria em causa o poder — e o dever — de iniciativa da Comissão. O Comité não é de modo algum favorável à criação dessa «super-agência» de controlo do exercício do poder de iniciativa da Comissão. Prefere insistir nos procedimentos de consulta ex ante e na qualidade dos estudos preliminares de impacto, bem como nos estudos e nas consultas ex post.

8.2.21

Os poderes regulamentares autónomos ou delegados também devem ser objecto de avaliação, pois os comités de legislação e as agências regulamentares operam com uma relativa opacidade comparativamente com os processos legislativos normais. O legislador deve poder controlar o exercício destes poderes. Além disso, a composição dos conselhos de administração das agências deveria incluir uma representação paritária dos parceiros sociais.

8.2.22

A qualidade das traduções nas línguas oficiais da União é, por vezes, um problema. Há que reforçar o número e as competências dos juristas-linguistas da Comissão, para ter em conta os alargamentos. A competência especializada em matéria de legística formal e avaliação legislativa deverá ser desenvolvida a nível interno para os funcionários envolvidos na redacção das propostas legislativas e no esforço de simplificação, e reforçada nas formações jurídicas universitárias nacionais, para permitir o recrutamento de futuros funcionários europeus e nacionais qualificados. Algumas universidades já ministram essa formação e efectuam investigação nestes domínios, podendo ser aproveitada a sua competência especializada.

8.2.23

Antes da publicação de uma iniciativa, os comités de peritos ad hoc, que funcionam junto ou no seio da Comissão, deverão fazer sugestões tendo em vista a clareza, a coerência e a pertinência do conteúdo e da redacção, bem como a unidade das noções e dos conceitos jurídicos utilizados nos diferentes projectos de instrumentos, e comparativamente com a legislação já em vigor. A Comissão já concebeu um guia prático comum destinado às pessoas que contribuem para a redacção das propostas legislativas, a fim de promover a uniformidade das noções e dos conceitos jurídicos utilizados e a coerência do direito. O que está em causa é aplicar correctamente essas normas de redacção.

8.2.24

A qualidade da legislação dependerá, pois, grandemente dos estudos de impacto e dos procedimentos de consulta preliminares, que visarão prevenir alterações demasiado numerosas ou demasiado amplas relativamente ao projecto inicial; a qualidade das alterações também é susceptível de influenciar a do texto final. Se estiverem em causa modificações de consensos pouco claras ou redigidas de forma vaga, para satisfazer toda a gente, a efectividade e a clareza do direito poderão ser afectadas. Um comité de terminologia (juristas-linguistas e peritos) poderia ajudar a Comissão a reformular as alterações propostas, a fim de conservar a clareza e a coerência das emendas que ela poderia aceitar com vista a uma nova leitura.

8.2.25

O Comité verifica, com interesse, que a Comissão revê as suas orientações de avaliação de impacte fixando orientações mais claras no que respeita à economia e à competitividade e prevê, além disso, um exame de compatibilidade com a Carta dos Direitos Fundamentais (30). Esta abordagem responde a algumas sugestões do presente parecer e o Comité acompanhará a sua aplicação.

8.2.26

Dever-se-ia igualmente prever a realização de estudos de impacto sobre as emendas apresentadas pelo legislador europeu, quando as mesmas sejam substantivas, recorrendo-se para tal ao método elaborado pela Comissão, mas evitando prorrogar indevidamente os processos de adaptação. Neste contexto, o CESE espera que as três instituições possam definir uma abordagem comum para a análise de impacto no âmbito da aplicação do acordo interinstitucional «Legislar melhor».

9.   Contributo dos tribunais comunitários

9.1

Será conveniente limitar o mais possível a obrigação de recorrer a interpretações para compreender a legislação, embora a interpretação pelo juiz, completada pela da doutrina e dos práticos, continue a ser indispensável para a aplicação do direito aos casos específicos. Mas uma legislação pouco clara ou incerta põe em causa a segurança jurídica, aumenta os custos da sua aplicação devido à obrigação de recorrer permanentemente a peritos jurídicos e técnicos e, eventualmente, aos tribunais, bem como os prazos de aplicação ou as transposições incorrectas. Os tribunais, vêem-se, assim, compelidos a substituir o legislador, enquanto os processos correm o risco de se acumularem a ponto de prejudicarem a eficácia do direito de acesso aos tribunais ou, pelo menos, a um processo equitativo num prazo razoável.

9.2

Através das suas respostas às questões prejudiciais, os tribunais comunitários favorecem a uniformização dos direitos nacionais. Contudo, a eventual má qualidade da legislação obriga-os a clarificar a significação e o alcance jurídicos de disposições de interpretação incerta, suprindo, assim, uma falha do legislador.

9.3

Por último, futuramente deveriam explorar-se ao máximo as possibilidades de criar secções especializadas de primeira instância, para permitir que o Tribunal decida em primeira instância com a maior brevidade possível e desempenhe, em segunda instância, da melhor forma e rapidamente, o seu papel uniformizador da jurisprudência e clarificador do direito comunitário originário e derivado.

10.   Papel dos Estados-Membros

10.1

Os governos e os seus representantes no COREPER, nas diversas formações do Conselho e nos comités de legislação têm especial responsabilidade na elaboração e na aplicação da legislação, tanto na qualidade de poder legislativo como na de poder executivo em conjunto com a Comissão.

10.2

Logo na fase de exame dos projectos, deveria iniciar-se uma melhor cooperação entre os negociadores e os serviços dos ministérios envolvidos na transposição e na aplicação, a fim de antecipar e preparar melhor as disposições de aplicação e reduzir os prazos de execução.

10.3

Para além da sua inserção no sistema institucional comunitário e das transferências de competências ou dos modos de exercício conjunto destas últimas, o Estado-Membro também evoluiu a nível interno; viu surgir múltiplos centros de decisão, devido à descentralização ou à desconcentração das administrações e serviços do Estado, à transferência de competências para autoridades territoriais ou órgãos administrativos independentes e agências dotadas de poderes de regulação e administração, com as consequências orçamentais que tal implica. Para além da União Europeia, também está sujeito a ordens jurídicas supra-nacionais (aceites e, por isso mesmo, obrigatórias, por força do princípio de pacta sunt servanda), e o seu domínio sobre a governação económica enfraqueceu em certos domínios (globalização e OMC, mercado único, privatizações).

10.4

Ora a reforma do Estado e das suas administrações nem sempre evolui ao ritmo desejado e as sobreposições de competências criam incerteza ou dificuldades jurídicas prejudiciais às empresas e aos serviços do Estado ou das colectividades territoriais incumbidas da aplicação do direito.

10.5

O Estado já não é a única fonte do direito; transpõe o direito comunitário de acordo com as suas regras de aplicação e de controlo, não as partilhando sempre de forma clara com o poder local ou as autoridades descentralizadas. Este facto suscita, por vezes, divergências importantes de um país para outro no tocante à aplicação do direito e das exigências administrativas de origem comunitária, em detrimento da harmonização necessária no mercado único, o que pode criar distorções da concorrência.

10.6

Se os Estados-Membros não participarem activa e resolutamente, no plano político e prático, no processo de simplificação e melhoria da legislação europeia, este último não será perceptível para os cidadãos e os esforços empreendidos terão sido, afinal de contas, vãos. Os princípios de balcão único, administração electrónica, simplificação e unificação dos formulários, estão a progredir, o mesmo acontecendo em matéria aduaneira, mas com excessiva lentidão. Também há que ter em conta a «clivagem digital» na maneira de divulgar a informação entre os utentes da norma jurídica.

10.7

No entanto, muitos governos e parlamentos nacionais já tomaram consciência da necessidade de legislar e administrar melhor, muitas vezes criando órgãos especializados em escutar determinados sectores da sociedade civil e encarregados de velar pela qualidade da legislação em elaboração ou em transposição. O balanço dessas experiências merece ser feito e deve levar a intercâmbios de experiências, bem como a uma melhor harmonização dos critérios e métodos utilizados.

10.8

O papel dos tribunais nacionais e o seu recurso, bem fundamentado, às questões prejudiciais também devem ser tomados em consideração; o serviço público da justiça deve ser, de um modo geral, melhorado do ponto de vista da duração dos processos e, em alguns casos, do ponto de vista do custo do acesso dos cidadãos à justiça.

10.9

Eventualmente, o mandato dos peritos (o grupo de peritos nacionais e a outra rede de peritos independentes preconizados pela Comissão) (31) que tem por função apoiar a Comissão contribuindo para a qualidade da legislação poderia estender-se, a título consultivo, à verificação da qualidade da transposição. Poderia ser criado um sistema de alerta accionado pelas organizações nacionais da sociedade civil e pelos destinatários da legislação (ponto de contacto específico, Euro-Infocentros, etc.).

10.10

O CESE também poderia ponderar a criação de uma correia de transmissão das organizações da sociedade civil junto das secções especializadas, nomeadamente das secções de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente e de Mercado Único, Produção e Consumo por exemplo, com o seu Observatório do Mercado Único e a sua base de dados PRISM renovada. Deste modo, poderia avaliar os relatórios da Comissão em matéria de simplificação e de melhor legislação o mais próximo possível das necessidades expressas pelos destinatários e sugerir melhorias de forma mais eficaz.

11.   Considerações finais

11.1

Os Estados-Membros também estarão empenhados num exercício de melhoria da legislação tendo em vista uma maior competitividade no interior da OCDE. Diferentes relatórios da OCDE revelam, na maioria dos casos, resultados limitados em relação aos objectivos pretendidos, mas alguns coincidem com as expectativas comunitárias (qualidade da regulamentação, simplificação das relações com as administrações e dos trâmites (balcões únicos), a criação de novos instrumentos de ajuda à decisão, procedimentos de tomada de decisões mais abertos (transparência, participação), administração electrónica, descentralização, etc.).

11.2

A OCDE incentiva a criação, em cada país, de uma unidade encarregada da avaliação dos custos, da qualidade e do impacto das novas regulamentações. Embora as iniciativas e os critérios a promover no que diz respeito à legislação comunitária não estejam inteiramente de acordo com os da OCDE, devido à diversidade das competências partilhadas pelos 25 Estados-Membros na União e das finalidades da legislação comunitária, existem, mesmo assim, sinergias entre as duas abordagens (32).

11.2.1

Existe, aliás, um projecto UE-OCDE em fase de preparação sobre a integração da legislação comunitária nos dez novos Estados-Membros. Merece, portanto, ser encarada uma maior sinergia entre a UE e a OCDE.

11.3

Os problemas de transposição provêm essencialmente dos governos nacionais e das suas administrações centrais. Neste domínio, a qualidade deveria constituir a prioridade essencial. Respeitar os prazos afigura-se também importante para evitar as fragmentações temporárias do mercado interno.

11.4

O alargamento do domínio da co-decisão previsto pelo Tratado Constitucional é importante do ponto de vista democrático; os procedimentos arriscam-se a tornar-se mais longos e mais complexos devido aos processos de consulta e avaliação, em diferentes momentos e a diferentes níveis. Do mesmo modo, a qualidade inicial das propostas e a qualidade da transposição das directivas podem compensar o risco de prorrogação dos prazos. A formulação dos indicadores de qualidade da regulamentação reveste-se, assim, de uma importância fundamental (33).

11.5

A questão mais difícil é a que diz respeito à simplificação do acervo comunitário. Trata-se de uma tarefa considerável e o CESE duvida de que seja possível afectar-lhe os recursos necessários sem as decisões políticas e suas implicações financeiras serem totalmente apoiadas pelos Estados-Membros. O CESE lança-lhes, por isso, um apelo nesse sentido.

11.6

É conveniente salientar que a abordagem participativa coloca exigências não negligenciáveis às organizações da sociedade civil, às instituições e seus agentes, aos governos e suas administrações. As receitas formais ou tecnocráticas não terão qualquer possibilidade de ser bem sucedidas isoladamente, mesmo que os instrumentos técnicos de legística ou os indicadores de avaliação de impacto funcionem eficazmente.

11.7

Quando a Comissão tem o poder de concluir tratados internacionais em nome da Comunidade (OMC, etc.), a consulta e a participação das organizações dos actores socioeconómicos e de outras componentes da sociedade civil devem poder ser exercidas, ao nível nacional como ao nível comunitário. Importa considerar princípios e métodos para esse efeito.

11.8

A simplificação do acervo e uma melhor qualidade da legislação não se devem confundir com qualquer tipo de ideologia de desregulamentação económica e social. Fazem parte da boa governação que leva a um melhor controlo, técnico e político, da complexa tarefa da elaboração legislativa para uma União de Estados, segundo procedimentos democráticos, participativos e racionais.

11.9

Por último, os problemas e as perspectivas de solução foram claramente apresentados; os esforços empreendidos são susceptíveis de atingir os objectivos fixados. Então por que é que os progressos, na prática, ainda são modestos? Existem factores de resistência? Quais? Os recursos são suficientes ou será necessário redistribui-los? Todos os actores envolvidos têm a vontade política suficiente de ter êxito? Os obstáculos podem ser ultrapassados? As respostas a estas questões continuam em aberto, mas parece essencial para o êxito da empresa global de «simplificar o acervo e legislar melhor na Europa» uma vontade política firme, traduzida em acções no longo prazo.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  O método aqui proposto difere do da Comissão, que concebe a avaliação de impacte (impact assessment) essencialmente para a fase de concepção e de elaboração do projecto legislativo. Na opinião do CESE, uma avaliação participativa das transposições nacionais e do impacto efectivo da legislação decorrido um determinado lapso de tempo de aplicação poderia completar e reforçar de forma benéfica o sistema de avaliação, assente no conhecimento da realidade no terreno. Deste modo, será possível verificar se a intervenção legislativa atingiu os objectivos fixados.

(2)  COM(2005) 97 final de 16/03/2005 e COM(2005) 98 final de 21/03/2005.

(3)  COM(2005) 98 final de 21/03/2005.

(4)  JO C 321 de 31/12/2003.

(5)  COM(2003) 770 final de 12/12/2003.

(6)  Nomeadamente «O enquadramento das agências europeias de regulamentação» COM(2002) 718 final.

(7)  Advancing Regulatory Reform in Europe, joint statement 7 December 2004 (Avançar com a reforma legislativa na Europa, declaração comum de 7 de Dezembro de 2004).

(8)  COM(2005) 97 final.

(9)  Celebrado em 24 de Setembro de 2001.

(10)  Livro Branco da Comissão sobre a Governança Europeia, COM(2001) 428 final.

(11)  A Comissão deu seguimento ao pedido do Conselho nas comunicações COM(2002) 275 «Governança Europeia, Legislar Melhor» e COM(2002) 278 «Plano de acção: Simplificar e melhorar o ambiente regulador» de 06/02/2002.

(12)  Ver o relatório de informação adoptado pelo CESE em Fevereiro de 2005 sobre «O estado actual da co-regulação e da auto-regulação no mercado único», CESE 1182/2004 fin de 10/02/2005.

(13)  Exemplo do processo Lamfalussy, no tocante à regulação dos mercados financeiros.

(14)  COM(2003) 71 final de 11/02/2003.

(15)  COM(2001) 48 final, Relatório sobre a simplificação da legislação agrícola.

(16)  COM(2004) 820 final de 15/12/2004.

(17)  SLIM dizia apenas respeito ao mercado interno; a Comissão tenciona definir uma metodologia horizontal para todos os sectores; a publicação de novas indicações está prevista para Outubro de 2005.

(18)  JO C 321 de 31/12/2003.

(19)  JOCE C 112/4 de 30/04/2004.

(20)  CESE 1182/2004 fin.

(21)  O FMI avalia-os em 3 % do PIB; no caso da Bélgica, um estudo do Bureau fédéral du Plan avaliou-os em 2,6 %, em 2000. No entanto, o Relatório «Less is More» de Março de 2005, redigido pela Better Regulation Task Force estimou-os entre 10 % a 12 % do PIB no Reino Unido, sendo 30 % do custo total da regulação apenas para custos administrativos.

(22)  O facto de não se legislar pode ter igualmente um custo, embora este não possa ser objecto de uma avaliação do impacte. Um documento recente de trabalho (staff paper) da Comissão avalia o custo da não aplicação das orientações de Lisboa.

(23)  A diferença terminológica entre o CESE e a Comissão, que fala de «avaliação de impacte» e não de «avaliação de impacte preliminar» como o CESE, ilustra a diferente metodologia proposta pelo Comité.

(24)  COM(2005) 97 final de 16/03/2005.

(25)  JO C 61 de 14/03/2003 e JO C 294 de 25.11.2005.

(26)  Elaborar indicadores de custos para o utente e para a administração por blocos homogéneos de regulamentação; utilizar um número reduzido de rubricas: complexidade, extensão dos textos, remissão para outros textos, número e importância das obrigações declarativas para os utentes ou terceiros declarantes, número de agentes necessários para a gestão do dispositivo, importância do contencioso gerado.

(27)  Observatório legislativo (http://www.europarl.eu.int/œil/); de momento a página «Estudos de impacto» está em construção.

(28)  A Comissão já dispõe da possibilidade de actualizar a sua avaliação de impacte à luz de novas informações previamente não disponíveis.

(29)  Desde a apresentação, em 2002, do plano de acção para melhorar o quadro regulamentar [COM(2002) 278] que a Comissão inclui nas suas propostas legislativas uma cláusula de revisão/reexame de acordo com os temas regulamentados. O legislador deveria assegurar a manutenção desta disposição quando da adopção de textos legislativos.

(30)  IP/05/733.

(31)  COM(2005) 97 final de 16/03/2005.

(32)  A OCDE insiste na privatização dos serviços públicos e na reforma do Estado (redução da administração). Estas recomendações são muitas vezes mais ideológicas do que práticas; é certo que o papel das administrações nacionais deverá evoluir no sentido de uma maior eficácia, mas o objectivo da reforma não deverá ser o de substituir o Estado pelo mercado, devendo aquele continuar a ter condições de cumprir as suas responsabilidades.

(33)  A Comissão encomendou um estudo sobre estes indicadores à Universidade de Bradford e o CESE aguarda com interesse a sua publicação. É possível consultar uma publicação provisória no site da Universidade (http://www.bradford.ac.uk).


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

A proposta de alteração seguinte, que foi rejeitada durante o debate, obteve mais de um quarto dos votos expressos:

Ponto 8.2.7

Elidir.

Justificação

O facto de estas propostas não terem sido adoptadas não tem nada que ver com as deficiências e com outros aspectos apontados nos pontos anteriores. Na minha opinião, aliás partilhada por muitos outros, não é a falta de análises de impacto nem de sínteses objectivas das consultas que causa problemas. No caso da directiva portuária, a sua aprovação foi bloqueada pelos interesses particulares de um grupo pequeno mas extremamente poderoso. Algo semelhante ocorre com a proposta de directiva dos serviços por se terem estabelecido certas alianças ortodoxas de natureza proteccionista que tentam opor-se à livre circulação, de interesse geral. Por último, pode dizer-se que as dificuldades encontradas pela proposta da Comissão sobre patentes têm origem no facto de se subestimar o risco de que interesses particulares restritos no âmbito do processo político poderem tirar partido da complexidade técnica da proposta legislativa, cuja finalidade era harmonizar e clarificar a legislação em vigor.

É possível que as opiniões difiram sobre o motivo por que diversos interesses conseguiram retardar ou mesmo bloquear as referidas propostas legislativas. Em qualquer dos casos, ficou provado logo durante os debates realizados pelo CESE em torno dessas propostas que estas eram muito controversas.

O teor muito controverso do ponto 8.2.7 não acrescenta nada ao valor deste parecer que, de resto, até é um texto bastante equilibrado, muito bem elaborado e em certas partes até excelente. Por isso mesmo, é de toda a conveniência elidir o referido ponto. Após esta elisão será decerto possível contar com um maior número de apoiantes.

Resultado da votação:

Votos a favor: 31

Votos contra: 61

Abstenções: 13


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/52


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Melhorar a execução e o cumprimento da legislação comunitária»

(2006/C 24/13)

Em 10 de Fevereiro de 2005, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre «Melhorar a execução e o cumprimento da legislação comunitária».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 27 de Julho de 2005. O relator foi Joost van IERSEL.

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005, (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 90 votos a favor e 6 votos contra, com 12 abstenções o seguinte parecer.

Execução e cumprimento do direito comunitário

Síntese do parecer

No presente parecer, o CESE defende que legislar melhor e a execução e o cumprimento da legislação estão intimamente ligados: uma boa lei é uma lei exequível e cumprida. A Comissão Europeia, o Conselho e o Tribunal de Justiça tratam regularmente dos problemas de aplicação. O seguimento é, porém, limitado. Isto tem que com a diferença de culturas e responsabilidades e com diferenças de grau de participação na execução efectiva na Europa. O CESE distingue vários conjuntos de acções a desenvolver pelos Estados-Membros e pela Comissão. Para os Estados-Membros é acima de tudo uma questão de vontade política. A atitude das administrações nacionais tem de reflectir o facto de elas próprias serem a União Europeia e que se investem correspondentemente nas decisões da União. Isto implica mudanças em abordagens específicas como garantir capacidade administrativa, examinar atentamente as regras e os procedimentos internos, abster-se da adição de medidas nacionais à legislação comunitária quando da transposição (gold-plating) e da selecção enviesada de exemplos que confirmam o que se pretende (cherry-picking), e melhorar a informação. No que diz respeito aos Estados-Membros, são desejáveis um debate sistemático entre as autoridades pertinentes de toda a UE, bem como avaliações ex-post e a responsabilidade das administrações nacionais perante as autoridades homólogas de outros Estados-Membros. É necessária também a participação das autoridades subnacionais com poder legislativo autónomo. O CESE advoga um papel activo da Comissão na promoção da confiança entre autoridades responsáveis por fazer cumprir a legislação, no apoio a redes de poderes públicos, na avaliação sistemática do seu desempenho e na identificação e difusão das boas práticas. Deve ser ponderada a extensão dos programas de formação existentes para juízes e administrações públicas. Algumas das propostas examinadas no presente parecer estão a ser debatidas na Comissão e algumas alterações estão a ser postas em prática pelos Estados-Membros. Actualmente, contudo, há graves deficiências, globalmente, na execução e cumprimento da legislação. O Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais devem igualmente empenhar-se nesta matéria. Para o CESE, impõe-se uma evolução cultural, designadamente a reorientação para privilegiar a aplicação eficaz das normas em vez da multiplicação da legislação comunitária nova, garantindo, desse modo, que a legislação e as políticas comunitárias adoptadas produzam plenamente os seus efeitos. Garantindo a necessária coesão, isso contribuirá para o bom funcionamento de uma UE com 25 Estados-Membros e mais.

1.   A legislação comunitária como base da integração europeia

1.1

Um mercado interno a funcionar bem, regulamentado por normas sociais adequadas, em particular de protecção dos trabalhadores, dos consumidores e do ambiente, é o fulcro da integração europeia, legitimando-a ao gerar benefícios significativos para os cidadãos e as empresas.

1.2

A UE baseia-se no Estado de Direito. Fortalece os fundamentos do mercado interno e previne qualquer discriminação relacionada com a origem ou nacionalidade de produtos, pessoas ou empresas. Uma aplicação eficaz da legislação comunitária aumenta a confiança pública nas políticas e práticas europeias e torna a UE mais atenta às preocupações dos cidadãos e das empresas. Isto implica, no entanto, que a legislação comunitária seja oportuna e correctamente transposta a nível nacional.

1.3

Além disso, a legislação europeia tendente a eliminar todos os tipos de obstáculos à criação de condições equitativas deve ser aplicada de forma rápida e coerente em toda a União e efectivamente cumprida por todas as autoridades pertinentes: nacionais e regionais.

1.4

O mercado interno só funciona adequadamente e se transforma numa fonte de crescimento e prosperidade se não existirem barreiras discriminatórias ou veladas para os cidadãos ou as empresas, nomeadamente a complexidade e a lentidão dos procedimentos administrativos. Muitas queixas apresentadas pelos cidadãos e pelas empresas, todos os anos, são causadas por medidas nacionais que tendem, frequentemente, a ser demasiado restritivas, ou demasiado complexas e desproporcionadas (1). Esta situação deve-se, em parte, ao denominado «gold-plating» (cosmética), que se verifica na transposição da legislação europeia para a legislação nacional. Acrescenta disposições regulamentares nacionais que podem obscurecer os objectivos da legislação comunitária.

1.5

Faz parte integrante da Agenda de Lisboa legiferar melhor. As conclusões do Conselho Europeu de 22 e 23 de Março de 2005 reconhecem explicitamente a contribuição positiva de um ambiente regulamentar melhorado para a competitividade. O mesmo fez o Conselho Competitividade em 6 e 7 de Junho de 2005 (2). Neste sentido, deve ser assinalado que uma melhor produção legislativa, a execução e o cumprimento de legislação estão estreitamente relacionados: uma boa legislação é uma legislação exequível e executada.

1.6

Para uma legislação ser exequível deve ser suficientemente clara e, para ser eficaz, deve dar uma resposta apropriada a problemas específicos. Se a legislação for demasiado complexa e demasiado vaga, por exemplo por não ter havido uma avaliação de impacto adequada, é inevitável que surjam problemas de aplicação. Consequentemente, há que elaborar leis suplementares para resolver estes problemas. As más legislações geram uma proliferação de leis e quantidades excessivas de regras cujo cumprimento sobrecarrega as empresas, para além de confundirem os cidadãos (3).

1.7

Para garantir a efectiva execução da legislação, as autoridades devem estar dotadas da capacidade administrativa essencial, caso contrário a debilidade administrativa origina problemas de execução e de cumprimento.

1.8

Simultaneamente, uma aplicação efectiva do direito comunitário melhora a competitividade e facilita a cooperação transfronteiriça, dois dos objectivos fundamentais da Agenda de Lisboa.

1.9

O CESE considera que a União Europeia tem um problema de execução e de cumprimento da sua legislação. As estatísticas sobre o estado de aplicação da legislação comunitária mostram que os Estados-Membros se atrasam na transposição das directivas. As estatísticas dos processos por incumprimento revelam que essa transposição é frequentemente incorrecta ou incompleta. 78 % dos processos iniciados pela Comissão Europeia contra os Estados-Membros de 2002 a 2005 têm que ver com a transposição e a aplicação de directivas. Isto aponta para que os Estados-Membros tenham problemas em determinar o método nacional de execução para que as directivas produzam efeitos.

1.10

O Conselho abordou os problemas de execução e cumprimento em diversas Resoluções (4). O Acordo Interinstitucional de 2003 sobre Legislar Melhor também se refere a uma melhor transposição e aplicação.

1.11

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias pronunciou-se, em vários processos, sobre a obrigação que incumbe aos Estados-Membros de assegurarem a execução e o cumprimento efectivos do direito comunitário (5).

1.12

A Comissão apresentou vários documentos em que explica pormenorizadamente de que modo os Estados-Membros poderiam melhorar o seu desempenho nesta matéria (6). No seu Livro Branco sobre a Governança, a Comissão afirma: «Em última análise, o impacto da legislação da União Europeia depende da vontade e capacidade das autoridades dos Estados-Membros para garantirem que a legislação é transposta e aplicada efectiva e plenamente, em tempo útil» (7). Muito recentemente, a comunicação da Comissão de 16 de Março de 2005«Legislar melhor para o crescimento e o emprego na União Europeia» (COM(2005) 97 final), delineia um roteiro de acção para melhorar o quadro regulamentar comunitário sem custos administrativos excessivos.

1.13

A Nova Abordagem tem sido, desde 1985, um instrumento cada vez mais útil no reforço de uma harmonização efectiva das normas e abordagens regulamentares. Cria um quadro jurídico estável, simples e transparente com um sistema de controlos e equilíbrios para as autoridades através da utilização de uma grande variedade de instrumentos definidos em directivas e institui a responsabilidade principal dos produtores e de terceiros. Quanto à execução a Comissão conclui, em especial com base numa análise em profundidade, que a «experiência (...) também demonstrou que a aplicação destas directivas poderá ser aperfeiçoada de diversas formas» (8). Este documento aponta algumas imperfeições graves.

1.14

No segundo relatório sobre a aplicação da estratégia do mercado interno (2003-2006) (9), a Comissão analisa as deficiências de execução e cumprimento num grande número de domínios. Define igualmente as intenções e os objectivos de aperfeiçoamento, o que implica, entre outras coisas, um empenhamento mais directo dos Estados-Membros e, portanto, vontade política. A Recomendação da Comissão sobre a transposição para o direito nacional de directivas relativas ao mercado interno (10) identifica algumas práticas que os Estados-Membros são instados a adoptar. Entre elas, destacam-se a atribuição da responsabilidade de acompanhamento e coordenação a um único ministro e ministério, a criação de uma base de dados nacional referente às directivas transpostas e o incentivo a uma estreita cooperação entre os funcionários nacionais responsáveis pela negociação em Bruxelas e os funcionários que aplicam as medidas nacionais.

1.15

Os «painéis de avaliação» relativos à aplicação revelam insuficiências na transposição formal. No entanto, e não obstante estas chamadas de atenção das correspondentes instituições europeias, a forma como as regras aprovadas são aplicadas na legislação e/ou regulamentação nacional não foi objecto de um exame sistemático nem de um debate de seguimento no Conselho. Enquanto as diferenças de aplicação nas diversas regiões de um Estado-Membro rapidamente levaria o público a reclamar medidas, as diferenças de aplicação de um Estado-Membro para outro nem sequer figura na agenda política.

1.16

Sem dúvida que os «painéis de avaliação» trouxeram maior transparência à situação da transposição nos diversos Estados-Membros. Ainda não existem, todavia, «painéis de avaliação» equivalentes para a aplicação, que tornem mais transparente o modo como as autoridades nacionais aplicam a legislação e as políticas comunitárias.

1.17

Embora estejam a ser debatidas algumas melhorias, ainda há uma consciência e um empenhamento muito insuficientes dos intervenientes públicos de toda a Europa no que respeita a garantir o correcto funcionamento da legislação europeia, como base da integração europeia. Isto só acontecerá se o processo for devidamente respeitado na sua totalidade: adopção das directivas, transposição, aplicação e cumprimento. Em muitos casos, talvez falte, também, a vontade de pôr todo o processo em execução de forma consistente. Os documentos da Comissão, muitos acórdãos do Tribunal de Justiça e uma literatura académica relevante constituem fontes de inspiração suficientes para os Estados-Membros aperfeiçoarem a observância das suas obrigações jurídicas.

1.18

A aplicação eficaz da legislação comunitária exige especial atenção e salvaguardas numa UE com cada vez mais Estados-Membros. O processo de integração da UE não pode ser posto em causa por uma diluição da eficácia das regras da União.

2.   Contexto e evolução

2.1

Embora o Tratado CE preveja uma série de medidas de aproximação e harmonização para realizar o mercado interno (11), a experiência da década de 70 e início da década de 80 mostrou que a harmonização total é um processo lento, pesado e, em certos casos, desnecessário. As medidas baseadas no reconhecimento mútuo e no controlo efectuado no país de origem têm sido mais fáceis de negociar e aplicar. Também têm sido mais eficazes na liberalização do comércio e do investimento, sem imporem uma sobrecarga excessiva em termos de cumprimento. Mas note-se que a UE entrou numa nova fase que se caracteriza por diferenças cada vez maiores de cultura governamental. Isto pode levar a uma renovada defesa da regulamentação com vista à convergência e à promoção de boas práticas.

2.2

Não obstante a adopção de novos instrumentos políticos, o crescimento da legislação comunitária foi, em parte, um resultado natural do aprofundamento e alargamento da integração, mas também resultou parcialmente da sua aplicação incompleta ou deficiente pelos Estados-Membros. Acrescentaram-se, assim, novas regras para impedir os Estados-Membros de faltarem às suas obrigações ou tornarem as regras nacionais excessivamente complexas (12). Um exemplo ilustrativo é o das directivas relativas à liberalização, adoptadas pela Comissão com base no n.o 3 do artigo 86.o, em domínios como os dos serviços e equipamentos de telecomunicações.

2.3

Dadas as dificuldades de execução sentidas em muitos Estados-Membros (13), o aperfeiçoamento da aplicação da legislação da UE também exige um esforço concertado das autoridades nacionais. Estes esforços têm faltado até agora, precisamente quando nos Estados-Membros se estão a verificar mudanças desejáveis para instrumentos menos intervencionistas e mais leves de aplicação das políticas e de regulamentação.

2.4

O Conselho Europeu de Lisboa, realizado em 2000, que lançou o processo com vista a aumentar a competitividade da União, introduziu o método aberto de coordenação com o intuito de melhorar a execução e o cumprimento da legislação, utilizando indicadores qualitativos e quantitativos, a avaliação comparativa e as boas práticas. Os Estados-Membros ainda não recorreram a estas últimas de forma mais sistemática e ampla para melhorarem o seu próprio grau de aplicação das políticas.

2.5

No início, o método aberto de coordenação suscitou grandes expectativas, o mesmo acontecendo com os objectivos de avaliação comparativa e as boas práticas, mas a experiência não justifica uma conclusão positiva. Sem obrigatoriedade, os Estados-Membros não parecem estar dispostos a adaptar a legislação, já para não falar da execução e do cumprimento da mesma.

2.6

Os dez Estados-Membros que aderiram à UE já tinham integrado, em 2004, o acervo comunitário na sua legislação nacional. Este prazo foi, portanto, formalmente respeitado. Contudo, a alteração da legislação não implica, só por si, que a transposição tenha sido correcta. Além disso, a execução e o cumprimento exigem autoridades e procedimentos administrativos satisfatórios, que em vários casos tiveram de ser criados a partir de uma nova base, porque falta a necessária experiência para aplicar eficazmente as regras comunitárias. Uma maior cooperação entre as autoridades nacionais e com as instituições comunitárias facilitaria a aplicação uniforme da legislação da UE por toda a União (14).

2.7

Embora as disposições regulamentares e legislativas da UE estejam direccionadas para a criação de condições comuns num mercado europeu aberto, os instrumentos podem diferir consideravelmente de uma região para outra. Ainda que o princípio seja o mesmo em todas elas, o grau de integração pretendido pode ser muito diferente. Desta situação resultam regras baseadas de uma forma mais ou menos estrita no direito comunitário e, logo, perspectivas e abordagens jurídicas diferentes.

2.8

Estas diferenças resultam de objectivos diferentes de integração, por exemplo em áreas como as políticas relativas ao mercado interno e ao ambiente e em domínios predominantemente nacionais como as políticas social e de saúde. O próprio Tratado também utiliza termos menos ambiciosos em matéria de saúde pública ou de educação. Nestas áreas políticas, o papel da UE é «coordenar» e «incentivar» e não integrar.

2.9

Consequentemente, a evolução actual apresenta um panorama muito diversificado, em que vários instrumentos legislativos a nível da União coexistem e afectam, por sua vez, as abordagens nacionais. Entre eles figuram os seguintes:

Instrumentos comunitários que prevêem uma harmonização total da legislação;

Instrumentos comunitários que prevêem uma harmonização mínima, permitindo aos Estados-Membros adoptarem regras mais estritas (as quais, num contexto transfronteiras, apenas podem ser aplicadas se houver um reconhecimento mútuo);

Directivas «Nova Abordagem», que visam estabelecer os requisitos essenciais que os produtos colocados no mercado da UE devem satisfazer;

Legislação comunitária baseada no princípio do «país de origem»;

Directivas-quadro, que deixam aos Estados-Membros uma margem considerável de decisão no que respeita à sua aplicação;

Recomendações que podem traduzir-se em legislação nacional;

Decisões.

2.10

Este vasto conjunto de instrumentos comunitários, que carecem de transposição, execução e cumprimento nos Estados-Membros, dão frequentemente origem a interpretações nacionais e, por isso, diferentes do que deve ser aplicado e cumprido a nível nacional, bem como do modo de o fazer.

2.11

O impacto concreto do modelo, tal como funciona actualmente, tem em conta os seguintes elementos, em diferentes graus, no que aos Estados-Membros diz respeito:

culturas e sistemas jurídicos nacionais diferentes,

responsabilidades divergentes nas administrações nacionais e nos ministérios,

competências regionais e locais específicas, nos Estados-Membros,

influência dos grupos de pressão nacionais, a nível político, socioeconómico e societal,

necessidades/conveniências internas, conducentes à adição de medidas nacionais à legislação comunitária quando da transposição («gold-plating») e à selecção enviesada de exemplos que confirmam o que se pretende («cherry-picking»),

recursos financeiros e organizativos para uma correcta aplicação.

2.12

Naturalmente que a abordagem comunitária respeita a diversidade dos Estados-Membros e as suas ricas tradições administrativas, culturas jurídicas e sistemas políticos. Trata-se mesmo de uma questão de princípio. No entanto, as diversas tradições e culturas têm de ser capazes de garantir uma aplicação eficaz da legislação comunitária, de modo a evitar distorções ou discriminações. A extensão das competências da União e o alargamento em curso põem em evidência a complexidade desta tarefa.

2.13

No que respeita à Comissão, entre os elementos específicos mais fortes que influenciam o resultado final, figuram os seguintes:

deficiente formulação técnico-jurídica dos normativos legais (problemas de tradução incluídos),

utilização desigual de instrumentos jurídicos mais ou menos vinculativos, em consequência das decisões tomadas pelo Conselho,

distintos graus de envolvimento na execução e no cumprimento da legislação no interior da Comissão, havendo importantes diferenças entre as direcções-gerais,

ocasional falta de clareza sobre as prerrogativas dos Estados-Membros e/ou da Comissão em consequência da subsidiariedade,

ocasional falta de pessoal na Comissão,

problemas linguísticos (no exercício da supervisão nos novos Estados-Membros),

significado e impacto dos processos por incumprimento.

2.14

Concomitantemente com o crescimento da legislação comunitária, registou-se um aumento correspondente dos instrumentos e processos não-jurídicos destinados a incitar os Estados-Membros a aplicarem a legislação comunitária de forma correcta e atempada: caso dos relatórios e painéis de avaliação sobre o grau de transposição nos diversos Estados-Membros.

2.15

Além disso, a Comissão empreendeu várias acções para informar os cidadãos e as empresas a respeito dos seus direitos e para os incentivar a exercerem esses direitos perante as autoridades nacionais e nos tribunais nacionais. Por exemplo, os pontos de contacto para cidadãos e empresas e os Centros SOLVIT servem para identificar e resolver as dificuldades sentidas pelas pessoas e as empresas que circulam ou operam em Estados-Membros diferentes do seu.

2.16

O último relatório sobre os casos tratados pelos Centros SOLVIT mostra que mais de 50 % dos problemas dizem respeito ao reconhecimento das qualificações profissionais, ao acesso dos produtos ao mercado, ao registo de automóveis e às autorizações de residência. Embora 80 % dos casos sejam resolvidos, estas estatísticas também indicam que os problemas não são novos ou invulgares. As dificuldades sentidas por cidadãos e empresas devem-se, em grande medida, aos procedimentos burocráticos e à relutância das administrações nacionais em simplificar as suas exigências. Além disso, apesar do êxito dos Centros SOLVIT, 20 % dos problemas não são resolvidos. Os Estados-Membros devem actuar de modo a reduzir esta percentagem e a tornar mais conhecidos do público (empresas e cidadãos) os serviços SOLVIT nacionais e a rede SOLVIT europeia.

2.17

O alargamento da União também constitui um desafio. O aumento do número de membros não pode ser gerido sem um reforço correspondente dos procedimentos de consulta e supervisão.

2.18

Este reforço tornou-se mais evidente no último alargamento e nos parâmetros adoptados no Conselho Europeu de Bruxelas de Dezembro de 2004 em relação aos próximos alargamentos. Os futuros Estados-Membros serão sujeitos a um exame mais rigoroso por parte da Comissão e deverão ter aplicado uma percentagem maior do acervo comunitário antes de entrarem na União Europeia. Também se espera deles que completem mais rapidamente as medidas transitórias que lhes sejam concedidas.

3.   Necessidade de reflexão

3.1

A execução e o cumprimento efectivos da legislação têm uma importância crucial para os cidadãos e as empresas. São parte integrante do Estado de Direito. As interpretações muitas vezes divergentes das disposições legislativas adoptadas em comum suscitam dúvidas nas empresas e nos cidadãos, tais como: Onde apresentar queixa? Quem é o responsável? O que fazer a curto prazo? Mais fundamental ainda é a pergunta: Em que medida uma aplicação ineficaz causa atrasos ou alterações nos padrões de investimento e gera falta de confiança entre os cidadãos? Estas perguntas prendem-se com a legitimidade, a coerência e a previsibilidade das políticas comunitárias. O presente ritmo insatisfatório de transposição e execução não pode continuar a ser tolerado.

3.2

A grande complexidade e a evolução confusa da execução de directivas correctamente aprovadas a nível da UE exigem uma análise global do sistema, no que respeita aos seus pontos fortes e fracos, oportunidades e riscos (análise SWOT), que acompanhe o seu funcionamento: Em que situação estamos? E quanto às causas dos problemas? Que desafios enfrentam os Estados-Membros? Que pretendem os Estados-Membros: Qual é a relação e a interacção, desejáveis, entre a subsidiariedade e a monitorização comunitária? Por outras palavras: Quem é responsável por medir o quê e quais são os critérios? Em que medida correspondem os instrumentos jurídicos e as práticas actuais aos objectivos da integração europeia? Como vão a União Europeia e os Estados-Membros responder às queixas das empresas e dos cidadãos a respeito da forma incompleta e por vezes contraproducente de transpor, executar e cumprir as regras da UE nas legislações e práticas nacionais?

3.3

Para além dos debates sobre as melhorias em curso nos Estados-Membros, há que colocar estas questões interessantes para promover um debate amplo e aberto entre os decisores políticos e os funcionários, bem como no sector privado e na sociedade civil, sobre as adaptações desejáveis a introduzir nos procedimentos e práticas da UE e dos Estados-Membros. Esse debate deve sensibilizar para os efeitos de uma correcta transposição, execução e cumprimento de todas as políticas comunitárias aprovadas.

3.4

É necessário reflectir sobre o impacto que os futuros alargamentos terão na coerência e na aplicação uniforme da legislação comunitária em toda a União. A UE também deve ponderar a forma de evitar uma situação em que, com 27 ou mais Estados-Membros e uma diversidade cada vez maior, possa ser ela própria causadora de alguns obstáculos ao comércio, ao investimento e ao estabelecimento.

3.5

As opiniões variam sobre o modo de resolver a aplicação deficiente do direito comunitário que, de uma perspectiva política, está relacionada com as tensões entre a subsidiariedade e a abordagem comunitária. Há quem pense que, embora aceitando plenamente que os Estados-Membros são responsáveis por aplicar a legislação da UE, a Comissão deverá seguir de perto essa aplicação. Uma segunda abordagem baseia-se na subsidiariedade: dar carta branca aos Estados-Membros e deixar que todos tratem dos seus próprios problemas. Uma terceira possibilidade é que os Estados-Membros sejam mais senhores do processo e assumam mais responsabilidade, prestando contas reciprocamente, e a Comissão vigie atentamente a conformidade, utilizando assertivamente os seus poderes jurídicos, quando necessário.

3.6

Como guardiã dos Tratados e iniciadora da legislação, a Comissão tem um papel importante em assegurar o bom funcionamento do mercado interno. Incumbe-lhe propor uma legislação simples e exequível, que resolva os problemas existentes no mercado interno sem impor custos excessivos aos Estados-Membros e às empresas. A verdade é que a Comissão fez esforços sérios, nos últimos anos, para simplificar a legislação e medir o impacto da legislação proposta. Ao mesmo temo, a Comissão precisa de agir rápida e resolutamente para pôr fim às infracções, devendo analisar a forma de desenvolver as recomendações que fez em 2004 (ver supra) sobre a transposição correcta e atempada do direito comunitário, a fim de abranger igualmente a fase de execução e cumprimento.

3.7

Como co-proprietários da União, os Estados-Membros têm o dever de agir com lealdade para com ela, cumprir as suas obrigações, facilitar a realização da missão da Comunidade e abster-se de pôr em risco os objectivos do artigo 10.o do Tratado CE. Por outras palavras e mais claramente, a atitude do Estados-Membros tem de reflectir o facto de eles próprios serem a União Europeia e de se investirem correspondentemente nas decisões da União (15).

3.8

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias decidiu claramente, em muitos processos, que os Estados-Membros não podem alegar a existência de dificuldades administrativas internas para justificar a aplicação incompleta ou incorrecta da legislação comunitária. Estas decisões podem ajudar a melhorar as acções a prever para o futuro.

3.9

Também será necessário reflectir sobre o tipo de instrumentos e procedimentos, jurídicos e não jurídicos, que serão mais adequados para garantir uma aplicação efectiva das políticas numa União com mais de 30 membros.

3.10

Os resultados da utilização de instrumentos e procedimentos não jurídicos têm sido bastante heterogéneos. Não obstante o seu início promissor, o método aberto de coordenação não parece ter sido bem sucedido. Em contrapartida, os Centros SOLVIT resolveram 80 % dos problemas que lhes foram apresentados.

3.11

O Conselho Competitividade, nas suas Conclusões de Março de 2005, convidou os Estados-Membros a examinarem atentamente a compatibilidade da sua legislação interna com as regras da UE, a fim de eliminar as barreiras ao mercado e incentivar a concorrência. O Parlamento Europeu também reconheceu os méritos de pôr as administrações nacionais a vigiar a observância das regras comunitárias nos seus países. Esse exame é uma forma prática de identificar e eliminar as barreiras ao comércio, quer sejam causadas por uma aplicação incorrecta, pela ausência de um cumprimento adequado da legislação comunitária ou, simplesmente, por uma prática administrativa não consentânea com os requisitos da União Europeia.

4.   Conclusões e recomendações

4.1   Generalidades

4.1.1

O Comité Económico e Social Europeu considera que a execução e o cumprimento da legislação são elementos indissociáveis de uma melhor forma de legislar e, logo, uma prioridade política (16). Não é isto que acontece, por enquanto, apesar de ter mudado a abordagem em alguns Estados-Membros e na Comissão Europeia, o que prepara o caminho para o futuro. Muitas vezes, os legisladores não tiveram suficientemente em conta as exigências em matéria de execução e cumprimento. Avaliações de impacto consistentes para uma melhor forma de legislar deverão também ter em conta o modo de elaborar a lesgislação e de a fazer cumprir. Todo o processo é um requisito prévio, para a criação de condições de igualdade e para a legitimidade da UE.

4.1.2

Por uma questão de princípio, é em primeiro lugar aos Estados-Membros que incumbe assegurar uma execução e um cumprimento adequados do direito comunitário. O papel da Comissão, como guardiã dos Tratados, é velar por que os Estados-Membros cumpram verdadeiramente as suas responsabilidades. As eventuais deficiências podem ser tratadas pela Comissão através de processos por incumprimento ou outros meios apropriados para resolver um problema de má aplicação da legislação comunitária.

4.1.3

Em consequência do Acordo Interinstitucional de 2003 o Conselho está actualmente a deliberar sobre uma melhor regulação e a simplificação legislativa. O CESE considera que se deve dar atenção bastante à melhoria da aplicação das regras da UE, e não só das directivas, a cumprir pelos Estados-Membros.

4.1.4

O CESE considera que o Conselho Competitividade, com o seu empenhamento no mercado interno, cerne do processo de integração, deveria ser o parceiro natural da Comissão, a nível da UE, no debate sobre a execução e o cumprimento do direito comunitário.

4.1.5

Um aspecto muito importante e, muitas vezes, decisivo é o facto de as medidas administrativas internas dos Estados-Membros estarem fora do âmbito dos Tratados. Decorre, no entanto, do artigo 10.o do Tratado CE e da jurisprudência que as autoridades nacionais devem garantir uma execução e um cumprimento adequados do direito comunitário. O CESE salienta, a este respeito, a co-propriedade dos Estados-Membros da UE e, é claro, a sua co-responsabilidade.

4.1.6

Durante demasiado tempo pôs-se a tónica na introdução de nova legislação comunitária. O CESE concorda com a Comissão quanto ao facto de, numa UE de 25 Estados-Membros, se dever dar a prioridade à execução e ao cumprimento da legislação existente e não tanto à adição de nova regulamentação. Introduzir nova legislação comunitária não será uma opção atractiva porque exigirá um considerável investimento em tempo e meios. Do mesmo modo, o recurso exclusivo a acções judiciais para obrigar os Estados-Membros a resolver os problemas também exigirá muito tempo e absorverá meios que são escassos. Em vez disso, há que fazer uma mudança de cultura, que prefira, tanto nos Estados-Membros como na Comissão, a aplicação da regulamentação existente à elaboração de novas normas, assegurando, assim, que a legislação e as políticas comunitárias já adoptadas produzam pleno efeito. Isto não significa, evidentemente, que a ênfase dada à execução e ao cumprimento possam servir de álibi para não se legislar em domínios nos quais ainda é necessária nova legislação.

4.1.7

O exame atento da legislação comunitária vigente e já posta em execução — ver também a experiência da Dinamarca — será útil para legislar melhor. Trata-se de um exemplo esclarecedor da interacção entre a simplificação e a melhoria da execução e do cumprimento da legislação.

4.1.8

Quanto às alternativas, isto é, a auto-regulação e a co-regulação (17), tem de haver um exame, caso a caso, de se funcionarão ou não. Apesar da necessidade de encorajar as iniciativas de auto-regulação e de co-regulação, a sua viabilidade tem de ser verificada na aplicação concreta.

4.1.9

No entender do CESE, também é evidente que as crescentes dificuldades sentidas nos processos de execução e cumprimento da legislação comunitária a nível nacional devem ser tratadas e resolvidas através de uma cooperação mais estreita entre as autoridades nacionais e comunitárias.

4.1.10

O CESE considera que essa cooperação intensificada também serve para evitar legislação comunitária supérflua, que dificilmente seria o melhor caminho a tomar para com os processos de aplicação nacionais. Estes são demasiado lentos e complexos, para além de muitas vezes procurarem aplicar objectivos políticos nacionais através de meios desproporcionados.

4.2   Estados-Membros

4.2.1

O CESE considera que os Estados-Membros devem continuar a ter margem de manobra na determinação dos seus próprios métodos e procedimentos de aplicação. Estes métodos e procedimentos poderiam também, merecer atenção dos Estados-Membros e da Comissão nas suas avaliações de impacto.

4.2.2

No entender do CESE, e independentemente dos métodos ou procedimentos que os Estados-Membros escolham para aplicar as disposições legislativas comunitárias ou nacionais que afectem o funcionamento do mercado interno, os resultados devem ser semelhantes em toda a União e pôr efectivamente em prática o direito comunitário primário e secundário.

4.2.3

Quando fala dos Estados-Membros, o CESE entende que também é necessário o envolvimento das autoridades subnacionais com competências legislativas e/ou responsabilidades de execução autónomas (por exemplo, Länder, províncias, regiões).

4.2.4

O CESE considera que o próximo passo na cooperação entre as instituições comunitárias e as autoridades nacionais na aplicação do direito e das políticas da União é o reforço ou a racionalização da capacidade administrativa nacional para aplicar as políticas, tal como está a ser actualmente debatido em alguns Estados-Membros.

4.2.5

A capacidade administrativa é uma questão de «interesse comum» e os Estados-Membros devem deixar bem claro que as autoridades responsáveis pela execução e pelo cumprimento da legislação possuem essa capacidade em alto nível. Para o CESE isto implica, entre outras coisas, uma estreita cooperação entre os negociadores em Bruxelas e os órgãos legislativos no interior das administrações nacionais.

4.2.6

Uma abordagem específica que o CESE registou é a prática das entidades reguladoras nacionais em alguns sectores, como o das telecomunicações. As entidades reguladoras nacionais respeitam, ao mesmo tempo, as regras comuns europeias e a supervisão nacional. Estas práticas também devem ser minuciosamente examinadas.

4.2.7

Os Estados-Membros devem ser incentivados a examinar as regras e procedimentos nacionais (como alguns Estados-Membros, como exemplo a Dinamarca, estão presentemente a fazer). Os problemas de aplicação surgem, muitas vezes, por as regras e os procedimentos nacionais não estarem suficientemente em sintonia com o grande mercado europeu.

4.2.8

Uma forma particular de aplicar o direito comunitário consiste na adição de medidas nacionais ao direito comunitário transposto («gold-plating») ou na escolha enviesada de exemplos («cherry picking»). O CESE considera que se poderia instituir uma regra geral que obrigasse os Estados-Membros, quando comunicam as medidas de execução nacionais, a justificarem formalmente à Comissão com quadros de transposição que estas estão em plena e total conformidade com o direito comunitário.

4.2.9

Poderá ser desejável que os Estados-Membros forneçam mais e melhor informação sobre direitos e obrigações, tanto no interior das suas próprias administrações como ao público em geral. A falta de uma informação adequada é frequentemente causa de incumprimento. O CESE considera que poderiam ser ponderadas sanções nacionais para o incumprimento por parte dos cidadãos ou das empresas.

4.2.10

Por enquanto, as consultas sobre a transposição e a aplicação estão essencialmente limitadas aos contactos bilaterais entre os governos e a Comissão, sendo necessárias uma interacção e uma flexibilidade maiores. Deve reforçar-se o impacto dos debates multilaterais que já se estão a realizar em grupos de peritos nacionais com vista à transposição e à execução. Há que fazer um debate sistemático e cuidadoso, entre todas as autoridades pertinentes de toda a UE num dado domínio político, sobre os resultados alcançados e a experiência dos Estados-Membros. As avaliações ex-post são desejáveis.

4.2.11

Nos contactos bilaterais entre Estados-Membros, deveria ponderar-se o intercâmbio de funcionários à semelhança dos bem sucedidos «projectos de geminação» que tanto ajudam os novos Estados-Membros e os países candidatos.

4.2.12

Deve fazer-se sistematicamente a avaliação ex-post das directivas e da legislação comunitária aplicadas. Como a consulta é essencial para legislar melhor devem prever-se procedimentos similares para o processo de avaliação ex-post  (18). Os órgãos legislativos originais não devem ser responsáveis por estas avaliações, que podem também contemplar a necessidade e a pertinência futuras de algumas regras.

4.2.13

O CESE considera que os debates conduzirão a uma identificação sistemática das melhores práticas que podem ser adoptadas pelas autoridades de toda a União. Quando as diferenças jurídicas ou administrativas entre os Estados-Membros impedem a adopção das melhores práticas identificadas, as autoridades nacionais devem ter de demonstrar que o seu próprio método ou procedimento produz resultados semelhantes aos obtidos noutros Estados-Membros com as melhores práticas. Uma dessas boas práticas seguidas em alguns Estados-Membros consiste numa «regra de prioridade». Como princípio básico de trabalho, a transposição da legislação comunitária tem prioridade sobre a aplicação de legislação de natureza nacional.

4.2.14

As autoridades nacionais têm normalmente de prestar contas aos governos e aos ministros e, em última análise, ao parlamento. Uma vez que a má aplicação ou a não aplicação do direito comunitário também prejudica os interesses dos cidadãos e empresas de outros Estados-Membros, o CESE considera que a UE poderá ter de desenvolver um novo conceito de responsabilidade recíproca perante as autoridades homólogas de outros Estados-Membros (19).

4.2.15

As autoridades dos Estados-Membros têm de explicar às suas homólogas as suas práticas administrativas, decisões formais e outras acções relacionadas com a execução e o cumprimento da legislação comunitária, quando tais práticas, decisões e acções forem percepcionadas pelas autoridades homólogas de outros Estados-Membros como obstáculos ao bom funcionamento do mercado interno.

4.2.16

Para o CESE é importante que os Estados-Membros analisem regularmente a capacidade das suas autoridades responsáveis pela execução e cumprimento da legislação e a compatibilidade das regras e regulamentações nacionais, bem como das práticas administrativas, com os requisitos do direito comunitário.

4.2.17

Quando se proceder a um novo alargamento, os países candidatos deverão ter transposto a totalidade do acervo comunitário. No entender do CESE, é desejável que eles disponham da capacidade administrativa adequada para o aplicar correctamente antes de poderem aderir à União.

4.2.18

O CESE considera que os Estados-Membros devem estar preparados para consagrar mais recursos humanos e financeiros à promoção séria da execução e cumprimento da legislação comunitária. O Comité chama a atenção para o contraste flagrante entre os recursos afectados ao método aberto de coordenação (funcionários, reuniões, documentos) e as dificuldades financeiras e de pessoal que se verificam em muitos Estados-Membros relativamente ao apoio a uma rede tão importante com a dos Centros SOLVIT. Uma excepção positiva nesta matéria é, por exemplo, a Suécia.

4.2.19

Uma atenção muito especial deve ser dedicada ao funcionamento dos tribunais, órgãos especialmente encarregados de interpretar e aplicar directamente a legislação comunitária (regulamentos) bem como a resultante da sua transposição (directivas), e onde se verificam grandes dificuldades na uniformização da sua interpretação e na celeridade na sua aplicação aos casos concretos. Daí uma especial necessidade de formação para juízes e advogados na área do direito comunitário, em particular nos domínios do direito da concorrência, da saúde e da protecção dos consumidores.

4.3   Comissão

4.3.1

O CESE considera que a Comissão, para além dos esforços que fez para orientar os seus próprios serviços para uma melhoria da actividade legislativa, tem um papel a desempenhar na promoção da confiança entre as autoridades responsáveis pelo cumprimento da legislação comunitária, apoiando as redes de autoridades nacionais, a avaliação sistemática do seu desempenho e a identificação e difusão das melhores práticas. Pode contribuir, através de instrumentos específicos, por exemplo sistemas de informação, para facilitar a cooperação administrativa quotidiana entre os funcionários. Neste particular, o Comité Consultivo de Coordenação do Mercado Interno representa uma plataforma útil para a Comissão e os Estados-Membros. O mesmo se dirá de um serviço de informação sobre o mercado interno previsto pela Comissão para promover a cooperação entre os Estados-Membros.

4.3.2

Para além dos instrumentos que a Comissão identificou na sua comunicação sobre a melhoria do controlo da aplicação do direito comunitário  (20) para prevenir as infracções, o CESE entende que também é importante desenvolver a cooperação entre as autoridades nacionais. A Comissão pode dar um contributo positivo para o reexame das práticas nacionais — mesmo que estas não tenham dado origem a processos formais por infracção –, facilitando a resolução de problemas e promovendo boas práticas de aplicação entre os Estados-Membros.

4.3.3

O CESE recomenda que a Comissão seja convidada a realizar auditorias às estruturas dos Estados-Membros encarregadas de fazer cumprir o direito comunitário — possivelmente com o apoio de um parceiro neutral — e a apresentar relatórios regulares sobre a sua execução e cumprimento sob a forma de painéis de avaliação.

4.3.4

É necessário estimular os programas de formação profissional financiados pela UE e baseados em estudos e experiências nacionais, que reúnem profissionais de toda a Europa. A recente formação de juízes no domínio da concorrência, patrocinada pela Comissão, produziu resultados positivos. Os programas de formação deste tipo para juízes da primeira instância e de tribunais regionais e para as administrações públicas têm de ser alargado a todos os domínios pertinentes, pois o conhecimento necessário ainda falta muitas vezes.. Também se poderá dar atenção ao papel do Provedor de Justiça.

4.3.5

A Comissão deve procurar activamente alternativas à acção judicial formal, que muitas vezes tende a ser demasiado lenta para o queixoso: 50 % dos processos por incumprimento demoram mais de quatro anos! Entre as alternativas, incluem-se as reuniões por «pacotes» e instrumentos com os Centros SOLVIT. A Comissão poderá ponderar a possibilidade de tornar públicos os resultados das reuniões por «pacotes».

4.3.6

A preocupação deve ser identificar a medida mais apropriada para atingir o resultado político pretendido. Em casos específicos, e para obter resultados fiáveis nos Estados-Membros, a Comissão poderá considerar a possibilidade de apresentar propostas de regulamento em lugar de propostas de directiva. De um modo mais geral, a Comissão deve ter em conta os problemas que podem surgir da diferença entre os procedimentos nacionais de execução.

4.3.7

No entender do Comité, a Comissão deve estar dotada das competências e dos recursos necessários para levar a cabo a sua missão tradicional de supervisão da execução do direito comunitário e as suas novas missões de facilitar a identificação e a difusão das melhores práticas. O CESE congratula-se com a auditoria interna que a Comissão tenciona realizar em 2006 a fim de avaliar os procedimentos e métodos de trabalho que utiliza actualmente neste domínio.

4.3.8

A Comissão deve ser incentivada a racionalizar os seus esforços de supervisão da execução e do cumprimento do direito comunitário, o que também lhe poderá exigir mais recursos a nível interno. Neste aspecto, é necessária uma maior coerência entre a abordagem das diversas direcções-gerais.

4.4   Boa governação e sociedade

4.4.1

No entender do CESE, a elaboração de relatórios, a consulta e a supervisão da execução e do cumprimento da legislação comunitária não devem estar limitadas às administrações e aos funcionários. O Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais também se devem empenhar nos mesmos processos. O CESE saúda a iniciativa recente do Parlamento Europeu de pôr na sua agenda a execução e o cumprimento da legislação comunitária. Esta iniciativa contribuirá, seguramente, para aumentar a atenção política, tão necessária, dada a esta matéria.

4.4.2

A Comissão comprometeu-se a realizar amplas consultas (21), no âmbito da iniciativa relativa a uma melhor governança. O mesmo se esperava dos Estados-Membros. Alguma legislação secundária, como os regulamentos relativos à concorrência ou as directivas relativas às telecomunicações, exige que as autoridades nacionais consultem as partes interessadas antes de adoptarem quaisquer medidas. Alguns Estados-Membros têm uma tradição de realização de inquéritos públicos como medida de apoio à formulação e avaliação das suas políticas. A maior parte dos Estados-Membros realiza algum tipo de avaliação de impacto relativa aos efeitos financeiros ou ambientais. A avaliação do impacto tem uma fase de consultas e uma componente de avaliação. Na opinião do CESE, essas consultas e avaliações, que, no essencial, identificam as necessidades dos cidadãos e das empresas e, depois, os efeitos políticos que se fazem sentir sobre eles, melhoram a compreensão das políticas, reforçam a sua legitimidade e preparam o terreno para o aperfeiçoamento das políticas.

4.4.3

Devido à complexidade destes processos, a boa governação implica que se explique em toda a Europa que, não obstante a «subsidiariedade» e as tradições administrativas específicas, os governos são obrigados a fazer o que aprovaram a nível da UE. Isto também significa que, para além da Comissão e dos Estados-Membros, os contributos do sector privado e da sociedade civil são muito bem-vindos para promover melhorias e boas práticas.

4.4.4

No entender do CESE, é necessária uma publicidade equilibrada, assim que a Comissão e os Estados-Membros tenham desenvolvido ideias concretas sobre o modo de apresentar a execução e o cumprimento da legislação como parte integrante de uma melhor forma de legislar.

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Os resultados de um questionário realizado pelo CESE sobre as eventuais insuficiências e defeitos constatados na execução e no cumprimento da legislação comunitária nos Estados-Membros estão resumidos no anexo A.

(2)  No ponto 11 das Conclusões, o Conselho convida os Estados-Membros a redobrarem os esforços para reduzir o défice de transposição e a considerarem o hipótese de um «screening» da legislação nacional relativamente à compatibilidade com a legislação europeia.

(3)  Refira-se a este respeito a task-force britânica para uma melhor legislação (British Better Regulation Task Force), que publicou três documentos muito úteis em 2003 e 2004 sobre a legislação nacional e europeia, incluindo a sua aplicação. As análises e recomendações desta task-force realçam, nomeadamente, a necessidade de clareza e eficácia na actividade legislativa para que a necessária interacção entre as várias práticas seja bem sucedida.

(4)  Resoluções do Conselho de 16 de Junho de 1994, de 29 de Junho de 1995 e de 8 de Julho de 1996, ver «National Implementation of EU Law and the Shaping of European Administrative Policy», de Hans PETTER GRAVER, in ARENA Working Papers WP 02/17, p. 6.

(5)  Ibid. p. 21.

(6)  Ver recomendação da Comissão de 12 de Julho de 2004, 2005/309/CE.

(7)  Livro Branco sobre a Governança Europeia, COM(2001) 428 final, p. 25.

(8)  Reforçar a aplicação das directivas da Nova Abordagem, COM(2003) 240 final, p. 3.

(9)  COM(2005) 11 final, 27 de Janeiro de 2005.

(10)  JO L 98/47, 16/4/2005.

(11)  Artigos 94.o-97.o do Tratado CE.

(12)  Ver Livro Branco sobre a Governança Europeia, COM(2001) 428 final.

(13)  Ver, por exemplo, o Vigésimo primeiro relatório anual sobre o controlo da aplicação do direito comunitário, COM(2004) 839 final.

(14)  Ver também: J. VERVAELE, Compliance and Enforcement of European Community Law, The Hague, Kluwer Law International, 1999; Ph. NICOLAIDES, From Graphite to Diamond: The Importance of Institutional Structure in Establishing Capacity for Effective and Credible Application of EU Rules, European Institute of Public Administration, 2002.

(15)  Uma análise dos resultados negativos dos referendos em França e nos Países Baixos mostra até que ponto (o que é decepcionante) a opinião pública e alguns políticos (ainda caracterizam a relação entre um Estado-Membro e «Bruxelas» em termos de «nós» e «eles».

(16)  Esta consideração está perfeitamente de acordo com o que o CESE observa nos seus pareceres, desde 2000, sobre a actualização, a simplificação e o melhoramento do acervo comunitário e do ambiente regulador.

(17)  «O estado actual da co-regulação e da auto-regulação no mercado único», relator: B. VEVER, CESE 1182/2004.

(18)  Dos resultados do questionário do CESE — ver Anexo A – constam exemplos que salientam a necessidade das avaliações ex-post.

(19)  O governo britânico criou recentemente um painel para a responsabilidade reguladora. Este painel pode ter elementos úteis também para o nível comunitário.

(20)  COM(2002)725 final, 11/12/2002.

(21)  Ver COM(2002) 713 final, de 11/12/2002.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes propostas de alteração, que obtiveram pelo menos um quarto dos votos expressos, foram rejeitadas durante o debate:

Ponto 1.2

Aditar como segue:

«A UE baseia-se no Estado de Direito. Fortalece os fundamentos do mercado interno e previne qualquer discriminação relacionada com a origem ou nacionalidade de produtos, pessoas ou empresas. Uma aplicação eficaz da legislação comunitária, em estrita observância das normas sociais, de protecção dos consumidores e de protecção do ambiente vigentes, aumenta a confiança pública nas políticas e práticas europeias e torna a UE mais atenta às preocupações dos cidadãos e das empresas. Isto implica, no entanto, que a legislação comunitária seja oportuna e correctamente transposta a nível nacional.».

Justificação

Só um mercado interno organizado de acordo com as condições supra assegurará para a maior parte da população os resultados desejados. Os recentes referendos (ao Tratado Constitucional na França e nos Países Baixos) e sondagens (Eurobarómetro) revelam que a população quer claramente uma política em que todos se possam rever.

Votação:

A favor: 43

Contra: 45

Abstenções: 7

Ponto 2.1

Alterar como segue:

«2.1

Embora o Tratado CE preveja uma série de medidas de aproximação e harmonização para realizar o mercado interno (1), a experiência da década de 70 e início da década de 80 mostrou que a harmonização total é um processo lento, pesado e, em certos casos, desnecessário. As medidas baseadas no reconhecimento mútuo e no controlo efectuado no país de origem têm sido, em muitos casos, mais fáceis de negociar e aplicar. Também têm sido mais eficazes na liberalização do comércio e do investimento, sem imporem uma sobrecarga excessiva em termos de cumprimento. Contudo, para uma abordagem do princípio do país de origem em todo o território da UE têm de se criar primeiro as condições para o efeito, adoptando uma abordagem diferenciada que privilegie uma harmonização com normas elevadas em matéria de protecção dos trabalhadores, dos consumidores e de ambiente nos diferentes sectores. Só assim se conseguirá realizar um mercado interno global de qualidade. Esta é igualmente a exigência avançada pelo CESE no seu parecer referente à directiva sobre os serviços adoptado em Fevereiro de 2005 (2). É de notar também Mas note-se que a UE entrou numa nova fase que se caracteriza por diferenças cada vez maiores de cultura governamental. Isto pode levar a uma renovada defesa da regulamentação com vista à convergência e à promoção de boas práticas.».

Justificação

Pôr em dúvida no presente parecer a questão da harmonização das disposições seria inoportuno, uma vez que o longo debate no âmbito do parecer sobre a directiva sobre os serviços acabou por culminar no consenso referido supra. Reconhecer aqui o resultado dessas discussões contribui não só para uma maior sintonia entre os pareceres do CESE, mas é também um aditamento útil para o conteúdo do tema em objecto que é a harmonização.

Votação:

A favor: 44

Contra: 48

Abstenções: 9

Ponto 1.1

«1.1

Um mercado interno a funcionar bem é o fulcro da integração europeia, legitimando-a ao gerar benefícios significativos para os cidadãos e as empresas».

Votação:

A favor: 38

Contra: 44

Abstenções: 10


(1)  Artigos 94.o-97.o do Tratado CE.

(2)  CESE 137/2005.


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/63


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A obesidade na Europa — papel e responsabilidades dos parceiros da sociedade civil»

(2006/C 24/14)

Em 18 de Fevereiro de 2005, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, emitir um parecer sobre: «A obesidade na Europapapel e responsabilidades dos parceiros da sociedade civil»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 5 de Setembro de 2005, sendo relatora Madi SHARMA.

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 28 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 83 votos a favor, 4 votos contra e 10 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Obesidade — A responsabilidade da sociedade

1.1

É lamentável que os dois maiores problemas nutricionais com que o mundo está confrontado sejam, por um lado, a fome, que afecta 600 milhões de pessoas, e, por outro, a obesidade, que atinge 310 milhões de pessoas.

1.2

Os inúmeros documentos, estudos e relatórios sobre o regime alimentar, a actividade física e a obesidade elaborados por peritos e por importantes organizações internacionais ou resultantes de mesas redondas não conduziram a soluções ou acções concretas a fim de acabar com este mal, que é devastador do ponto de vista social e económico.

1.3

A ingestão excessiva de calorias e um gasto reduzido de energia resultam num excedente de energia, que fica depositado no organismo sob a forma de gordura corporal. Este é o mecanismo que está na origem da obesidade, que, por diversos factores económicos, sociais e psicológicos, tem aumentado nas últimas décadas, tornando-se num problema de saúde prioritário.

1.4

A prevalência de pessoas obesas tem aumentado de forma muito acentuada nos últimos 30 anos. Em 2000, a OMS considerou este facto como a maior ameaça que o Ocidente enfrentava.

Há 14 milhões de crianças com excesso de peso, das quais 3 milhões são obesas, verificando-se mais de 400 000 novos casos por ano, o que corresponde a 1 em cada 4 crianças na UE-25.

10-20 % das crianças do Norte da Europa têm excesso de peso. No Sul da Europa e na Irlanda, a percentagem é de 20-35 %.

Em diversos países da UE, mais de metade da população adulta tem excesso de peso, pertencendo 20-30 % dos adultos à categoria dos obesos.

A obesidade na meia idade aumenta o risco de demência futura.

6 dos 7 principais factores de risco de morte prematura estão relacionados com a forma como comemos, bebemos e nos movimentamos (o outro factor de risco é o tabaco).

A obesidade é responsável por 2-7 % das despesas totais dos cuidados de saúde nos países desenvolvidos.

1.5

A tendência para o aumento da obesidade e as suas consequências negativas individuais e sociais exigem agora uma abordagem interdisciplinar e multifactorial, que carece de uma acção interdependente das nações, das comunidades e dos indivíduos. Os governos, em cooperação com outras partes interessadas, desempenham um papel central na criação de condições que permitam que os indivíduos, as famílias e as comunidades tomem decisões positivas no sentido de um estilo de vida saudável e os incentivem a fazê-lo.

2.   Factores que contribuem para a obesidade

O incremento das actividades sedentárias, uma maior utilização dos transportes motorizados, o decréscimo da actividade física e o aumento do consumo de alimentos e bebidas altamente calóricos e com uma composição desequilibrada são, provavelmente, os factores que mais contribuem para a actual epidemia de obesidade.

2.1   Factores gerais

Os modelos culturais e de comportamento próprios da «civilização do bem-estar» são a principal causa da explosão da obesidade, que só pode ser resolvida com acções coordenadas (a nível nacional, local e também individual) de informação e prevenção que alterem as atitudes culturais e os modelos de comportamento mais negativos, sem cair no erro ou na instrumentalização de uma «medicalização da obesidade».

2.2

Os principais pontos de intervenção incluem, pois, uma série muito articulada de sectores ou actividades que se podem sintetizar como segue:

sociedade: educação alimentar (abordando o tema do valor nutricional global dos alimentos e não apenas os aspectos nutricionais quantitativos) e incentivo à adopção de estilos de vida saudáveis, em particular no que respeita ao exercício físico;

escola: ensino do valor dos alimentos e das causas e efeitos da obesidade; ensino renovado da economia doméstica e da educação cívica com vista a interiorizar estilos de vida mais saudáveis e a valorizar a actividade física, incluindo a de carácter recreativo;

indústria: incentivar comportamentos éticos na indústria alimentar, em particular no que respeita às acções de marketing e de publicidade através dos «mass media», e apoiar políticas de pessoal que favoreçam uma alimentação correcta, bem como um exercício físico adequado;

transportes: desincentivar o uso excessivo de meios de transporte, que substituem a actividade física, e identificar políticas que não induzam um agravamento dos custos de distribuição, sobretudo dos alimentos frescos;

«mass media»: exercer controlo para que a publicidade não induza consumos excessivos ou desequilibrados e sensibilizar os pais para os riscos, nomeadamente a nível físico, que o uso excessivo e prolongado da televisão, dos jogos de vídeo e da internet representa para os seus filhos;

serviços de saúde: prestar um verdadeiro serviço informativo a todos os indivíduos e preparar campanhas informativas e de prevenção em vez de intervenções terapêuticas tardias e muitas vezes infrutíferas;

política: investimentos responsáveis e adequados em iniciativas concretas, a nível nacional e local, dirigidas a todos os estratos da população e, em particular, aos grupos mais vulneráveis em termos de educação e de rendimento.

3.   Não à «cultura da culpa»

3.1

O mundo industrializado dos nossos dias cria um ambiente muito propício à obesidade. Algumas das causas são óbvias, outras menos compreendidas, e a maior parte delas não é considerada prejudicial pela sociedade. É preocupante a ausência de clarividência em relação às gerações futuras e o facto de ninguém querer assumir responsabilidades, antes as atribuindo a outros.

3.2

As causas da obesidade são as seguintes: consumo elevado de alimentos muito energéticos, mas pobres em nutrientes e com elevados índices de gordura, açúcar e sal; baixos níveis de actividade física em casa, na escola, no trabalho, nos tempos de lazer e nas deslocações. As variações nos níveis de risco e nas consequências para a saúde são atribuíveis, em parte, ao facto de as mutações económicas, demográficas e sociais aos níveis nacional e mundial ocorrerem em momentos e com intensidades diferentes.

3.3

A alteração dos hábitos alimentares e dos padrões de actividade física e um estilo de vida mais saudável exigirão a conjugação de esforços de diversos agentes, públicos e privados, ao longo de várias décadas. É necessário mudar as mentalidades, sensibilizar e educar, através de um conjunto de acções válidas e eficazes a todos os níveis, com apoio psicológico, rigorosa monitorização e avaliação do seu impacte. Para além disso, as pessoas têm de se empenhar na mudança e assumir uma responsabilidade individual.

3.4

O CESE considera necessária uma estratégia «inclusiva», para que o problema seja enfrentado em conjunto, adoptando políticas «do topo para a base», acompanhadas de estratégias «da base para o topo», e lançando iniciativas horizontais e verticais em que todos se comprometam a participar com recursos financeiros ou prestações em tempo ou em espécie. O objectivo, que está longe de ser simples, é criar condições que favoreçam uma alimentação saudável, com uma dieta equilibrada, e a actividade física em toda a Europa, sem sentimento de culpa.

4.   Obesity Check

4.1

A proposta do CESE visa reduzir a obesidade através da promoção, em toda a Europa, de uma campanha de combate à obesidade Obesity Check – , sensibilizando as pessoas para os benefícios de um estilo de vida saudável e para a responsabilidade de todos na prevenção da obesidade. A campanha adoptará uma mensagem simples com dez objectivos e envolverá os sectores público e privado, a sociedade civil e os cidadãos, que se comprometem a apoiar a campanha. O que está em causa é promover os hábitos de um estilo de vida saudável sem interferir com as opções pessoais dos cidadãos.

4.2

Os dez objectivos são os seguintes:

prosseguir e melhorar o processo de educação da população;

colaborar em prol de uma comunicação eficaz e da auto-responsabilização;

assegurar que a mensagem chega a TODOS os cidadãos europeus;

conseguir que todos assumam as suas responsabilidades e manter a dinâmica;

convencer os indivíduos e as organizações de que podem influenciar os outros;

aceitar que todas as acções devem ser integradas num amplo leque de políticas comunitárias e nacionais;

aceitar que se trata de uma «responsabilidade social das empresas»;

assegurar uma abordagem em diversas etapas, horizontal e vertical, a todos os níveis;

assegurar a transparência, o espírito desinteressado e a eliminação de agendas ocultas;

sensibilizar para o facto de que os efeitos da obesidade na saúde são reversíveis através de uma alimentação saudável e do exercício físico.

4.3

A campanha Obesity Check, que deverá ser claramente definida pelos decisores políticos e pelas partes interessadas, sob a direcção da DG Saúde e Defesa do Consumidor, seria uma mensagem simples que demonstrasse claramente aos cidadãos europeus a necessidade de uma alimentação saudável e de mais exercício físico, assumindo todas as partes o compromisso de testarem todas as políticas e práticas do ponto de vista do combate à obesidade. Todos os actores pertinentes, da Comissão Europeia às famílias, podem ser convidados a aderir à campanha, analisando os seus hábitos e verificando de que forma poderão alterá-los para evitar o risco de obesidade.

4.4

Campanhas anteriores como, por exemplo, de promoção da utilização do cinto de segurança, contra o tabagismo, de incentivo à amamentação com leite materno e contra a dopagem no desporto foram simples mas eficazes, tendo contado com o apoio de todas as camadas sociais. Todas estas campanhas implicaram uma combinação bem sucedida de educação dos consumidores, legislação, alteração das políticas e programas baseados nas comunidades.

5.   Campanha Obesity Check

Foi elaborado um questionário pedindo às pessoas que se comprometam a dedicar o tempo que elas próprias estabelecerão, nas organizações a que pertencem ou em órgãos externos, ao apoio das actividades da DG Saúde e Defesa do Consumidor destinadas a promover a ideia do controlo da obesidade através da campanha Obesity Check. (O questionário está apenso ao parecer, podendo ser alterado para permitir a sua utilização por qualquer organização).

Objectivo — Alcançar metas bem definidas e monitorizar os progressos realizados

Curto prazo — Os questionários preenchidos provam o compromisso e a vontade de pessoas individuais e organizações no sentido de desenvolverem um trabalho de sensibilização, esclarecimento e informação sobre a necessidade de mudar o estilo de vida. O objectivo pode ser medido com base no tempo ou nos recursos consagrados à campanha. É igualmente possível recolher exemplos de melhores práticas.

Médio prazo — Acção concreta. Monitorização dos compromissos em termos de tempo e de recursos, incluindo o combate à obesidade a nível das organizações. Proceder-se-ia ainda à publicação e difusão dos exemplos de melhores práticas recolhidos no curto prazo. Os objectivos podem ser medidos pelo número de reacções positivas e pelo seguimento de todos os questionários originais, bem como pela monitorização dos progressos da Plataforma de Acção Europeia.

Longo prazo — Avaliação dos progressos efectivamente realizados através de um parecer do CESE, sob a forma de um relatório a transmitir às demais instituições, o que facilita o processo de feed-back e de manutenção da dinâmica.

5.1   CESE

5.1.1

O CESE tem um mandato para colaborar com a Comissão, o Parlamento e o Conselho no sentido de aproximar a sociedade civil do processo de decisão. No exercício desse mandato, o CESE, juntamente com todas as partes interessadas, pode dedicar tempo ao início da introdução de mudanças eficazes através da acção voluntária dos seus membros, de forma a promover estilos de vida mais saudáveis. Solicitou-se aos membros do CESE que preenchessem o questionário Obesity Check e dessem o exemplo de acordo com as sugestões que a seguir se apresentam:

os empregadores poderiam equacionar a possibilidade de promover estilos de vida mais saudáveis no local de trabalho, o que inclui o incentivo à opção por alimentos saudáveis, adoptando políticas nutricionais coerentes, e a disponibilização de instalações desportivas ou ginásios. As pequenas empresas poderiam ajudar os seus trabalhadores a ponderarem a adopção de estilos de vida mais saudáveis. A acção fora das empresas, particularmente no domínio da educação, poderia ser igualmente útil. A Declaração do Milénio das Nações Unidas (Setembro de 2000) reconhece que, se as pessoas não forem saudáveis, o crescimento económico será limitado;

as organizações de trabalhadores poderiam difundir uma mensagem semelhante entre os seus membros, por exemplo incentivando os trabalhadores a integrarem a actividade física (por exemplo, andar a pé ou de bicicleta) no seu dia-a-dia e a transmitirem essa mensagem à família e à comunidade em que estão inseridos enquanto processo de educação contínua;

as ONG e, particularmente, as organizações de consumidores poderiam, juntamente com os seus membros, dedicar tempo à campanha e, eventualmente, ajudar a transmitir a mensagem a outras instituições e comunidades. As organizações de juventude e de famílias podem dar um contributo valioso para a promoção de um regime alimentar equilibrado e do exercício físico. Estas organizações podem demonstrar que é possível adoptar um regime alimentar saudável e fazer opções que favoreçam a saúde, bem como transmitir know-how neste domínio.

5.1.2

O CESE trabalha nos 25 Estados-Membros a todos os níveis da sociedade civil, o que tem um impacte significativo na transmissão da mensagem da campanha e lança as bases para as campanhas seguintes.

5.2   Comissão Europeia e Parlamento Europeu

Os membros das direcções-gerais da Comissão e do Parlamento Europeu seriam convidados a preencher o questionário Obesity Check e a «estar na linha da frente».

5.2.1

Há que felicitar a DG Saúde e Defesa do Consumidor pelo recente lançamento da «Plataforma de Acção Europeia» no domínio da obesidade. Espera-se que os membros da Plataforma possam criar um slogan/mensagem da campanha simples, a utilizar em toda a Europa para promover um estilo de vida saudável. Os governos, as ONG, as organizações de base e as empresas poderiam criar e transmitir mensagens consistentes, coerentes e claras, que deveriam ser transmitidas através de diversos canais e de uma forma adequada à cultura local, à idade e ao sexo. É possível influenciar os comportamentos, especialmente nas escolas, nos locais de trabalho e nas comunidades educativas e religiosas, bem como através dos líderes locais e dos meios de comunicação social.

5.2.2

O presidente da Plataforma, Robert MADELIN, sublinhou que, para que o combate à obesidade seja um êxito, todas as acções têm de ser integradas num vasto leque de políticas comunitárias. Importa salientar que todos os relatórios elaborados a nível mundial consideram tratar-se de uma questão de longo prazo, sendo necessárias estratégias sustentáveis e eficazes a curto, médio e longo prazo que definam as acções a desenvolver e uma participação multisectorial, multidisciplinar e multifactor, o que significa que deve incluir a consulta dos mais directamente interessados (famílias, pais e crianças).

5.2.3

A Direcção-Geral Saúde e Defesa do Consumidor está a fazer o necessário para estabelecer o diálogo com funcionários de outras DG da Comissão: DG Agricultura, Empresa, Educação, Investigação e Transportes. É vital que todas as partes interessadas participem na fase inicial de toda e qualquer estratégia que, uma vez elaborada, deve ser objecto de uma avaliação de impacte de carácter consultivo, de forma a assegurar que a estratégia não culpa nem penaliza instituições específicas, antes apresenta as suas propostas de uma forma clara, de forma a contar com a participação de todos.

5.2.4

As medidas promocionais a nível comunitário baseadas nos princípios de subsidiariedade e de complementaridade podem reforçar o efeito das iniciativas das autoridades nacionais, do sector privado e das ONG. Importa identificar diversas fontes de financiamento para além dos orçamentos nacionais, a fim de apoiar a aplicação de uma estratégia e a campanha Obesity Check.

5.2.5

A DG Educação e Cultura e, em particular, os serviços que se ocupam do Desporto, receberão pedidos de financiamento, especialmente para o desenvolvimento de estratégias chave com os governos nacionais. Todavia, há que reconhecer que nem sempre são necessários recursos financeiros para aumentar os níveis de actividade física, isto é, as escolas nem sempre necessitam de novo equipamento desportivo, e existem muitos atletas à procura de emprego que poderiam ser incentivados a trabalhar no sector da educação. Os organismos responsáveis pela promoção do desporto podiam convencer os heróis desportivos a transmitirem mensagens positivas.

5.2.6

A DG Educação e Cultura realizou estudos aprofundados na área da actividade física dos jovens. Todavia, importa igualmente estudar as actividades de lazer dos adultos. Há que ter em conta as «influências no seio da família», por exemplo, os pais que praticam desporto ao fim-de-semana podem fazer-se acompanhar dos filhos e incentivá-los a participar, transformando esse momento numa experiência familiar e alterando as tendências culturais.

5.2.7

A DG Agricultura dispõe de um orçamento para promoção, que poderia ser utilizado como investimento para a promoção da fruta e dos vegetais frescos, o que daria um contributo útil para a campanha Obesity Check, a exemplo do apoio anteriormente concedido a organismos nacionais para campanhas locais de promoção de produtos agrícolas nutritivos.

5.2.8

Importa ter igualmente em conta o papel dos parceiros internacionais na realização dos objectivos. É necessária uma acção coordenada entre as organizações das Nações Unidas, os órgãos intergovernamentais, as ONG, as associações profissionais, os institutos de investigação e as entidades do sector privado.

5.3   Estados-Membros

Solicitar-se-ia a todos os departamentos governamentais da Europa que preenchessem o questionário Obesity Check e «dessem o exemplo». Poder-se-ia ainda interrogá-los sobre se estariam em condições de atribuir recursos financeiros específicos à promoção da campanha. É essencial que os governos adoptem uma abordagem integrada, que tenha em conta os factores económicos, sociais e ambientais.

5.3.1

Todos os parceiros, especialmente os governos, têm de abordar simultaneamente diversas questões. No que se refere ao regime alimentar, há que analisar todos os aspectos da nutrição, a segurança alimentar (acessibilidade e disponibilidade de produtos alimentares saudáveis a preços razoáveis) e a segurança dos alimentos. É preciso promover a actividade física no local de trabalho, em casa e na escola, tendo em conta o planeamento urbano, os transportes, a segurança e o acesso à actividade física nos tempos de lazer. A situação de cada país determinará as prioridades no desenvolvimento de acções governamentais de combate à obesidade no âmbito da campanha Obesity Check. Existem grandes diferenças no interior de cada país e entre os diversos países, devendo os órgãos regionais colaborar na elaboração de estratégias a nível regional.

5.3.2

É necessário contar com o apoio de infra-estruturas adequadas, programas de aplicação, financiamento apropriado, monitorização e avaliação e investigação permanente. As estratégias hão-de basear-se na melhor investigação científica e nos melhores dados científicos disponíveis e integrar políticas, acções e calendários.

5.3.3

Dever-se-ia dar prioridade às actividades com impacte positivo nas populações mais desfavorecidas. Estas actividades exigem, em geral, uma acção baseada nas comunidades com forte apoio e controlo governamental.

5.3.4

A exemplo da «Plataforma de Acção Europeia», os governos nacionais deveriam estabelecer canais de comunicação e promover mesas redondas em que participassem os ministérios e as instituições responsáveis pelas políticas em matéria de alimentação, agricultura, juventude, lazer, desporto, educação, comércio e indústria, finanças, transportes, comunicação social, assuntos sociais, ambiente e planeamento urbano, a fim de analisar a questão do combate à obesidade. Poder-se-ia prever a realização de mesas redondas com a participação de «pais» e jovens, beneficiando-se assim do contributo das pessoas mais afectadas. É necessária a cooperação e a participação de todas as partes interessadas, sem agendas ocultas. A International Obesity Task Force (IOTF) é um grupo de reflexão que trabalha com base na investigação, exerce uma função catalisadora e de aconselhamento e disponibiliza dados pertinentes para o debate. Estes canais de comunicação deveriam ser alargados, de modo a incluir as parcerias público/privado. NÃO devem desperdiçar recursos aumentando os custos administrativos ou duplicando os órgãos já existentes.

5.3.5

Os governos devem ponderar acções que proporcionem uma informação simples e equilibrada aos consumidores que lhes permita fazer opções saudáveis com facilidade e assegurar a disponibilidade de programas adequados de promoção da saúde e de educação para a saúde. A informação a prestar aos consumidores deve ser sensível aos níveis de literacia, às barreiras comunicacionais e à cultura local e ser compreendida por todos os segmentos da população.

5.3.6

Os governos, na aplicação plena do princípio da subsidiariedade, têm um papel central a desempenhar, em colaboração com outras partes interessadas, na criação de condições que permitam e incentivem alterações de comportamento por parte dos indivíduos, das famílias e das comunidades, para que façam opções positivas no sentido de adoptarem um estilo de vida saudável.

5.4   Educação

Solicitar-se-ia, em todos os estabelecimentos de ensino, o preenchimento do questionário Obesity Check . Poder-se-ia questionar todos os departamentos de educação sobre a possibilidade de consagrarem recursos específicos à promoção da campanha nos seus órgãos constitutivos, em todo o espectro educativo.

5.4.1

É essencial adoptar uma perspectiva de longo prazo (que se estenda ao longo de toda a vida) para prevenção e controlo da obesidade. Importa elaborar uma Lista de Controlo da Obesidade (Obesity Checklist) simples que possa ser compreendida tanto pelos jovens como pelos idosos. Esta abordagem abrange a saúde e a alimentação durante a gravidez, o aleitamento, a saúde das crianças e dos adolescentes, as crianças em idade escolar, os adultos no local de trabalho e noutros locais e os idosos, incentivando um estilo de vida mais saudável da juventude à velhice.

5.4.2

A educação para a saúde deveria ser integrada nos programas de educação de adultos. Estes programas permitem que os profissionais de saúde e os prestadores de serviços contribuam para a melhoria dos conhecimentos sobre alimentação e actividade física e cheguem às populações marginalizadas. É igualmente possível oferecer competências relacionadas com os meios de comunicação, a fim de ajudar os consumidores a compreender a rotulagem e os anúncios quando efectuam as suas escolhas, bem como proporcionar experiência prática de preparação de refeições.

5.4.3

As escolas influenciam a vida da maioria das crianças e deveriam proteger a sua saúde fornecendo-lhes informação nesse domínio, melhorando a literacia da saúde, desenvolvendo a educação do paladar para os sabores dos alimentos e promovendo um estilo de vida saudável. As escolas devem proporcionar aos alunos um mínimo de educação física diária (pelo menos, 2 horas por semana), bem como informação sobre uma alimentação equilibrada. As escolas deveriam dispor de instalações e equipamento adequados para o efeito. Devem reconhecer que, ainda que se verifiquem restrições orçamentais, é possível actuar com as instalações existentes.

A despesa em equipamentos desportivos tem de ser cuidadosamente monitorizada para garantir que as actividades beneficiem tanto raparigas como rapazes, especialmente porque as taxas de obesidade nas raparigas estão a crescer mais depressa do que nos rapazes.

5.4.4

Apela-se aos governos para que adoptem políticas de apoio a regimes alimentares equilibrados na escola e limitem a disponibilidade de produtos com elevados teores de sal, açúcar e gordura. As escolas, em colaboração com os pais e com as autoridades responsáveis, deveriam equacionar a possibilidade de concluir contratos de fornecimento de refeições escolares com os produtores locais, de forma a assegurar um mercado local para alimentos saudáveis. Deve ser adoptada uma política alimentar e nutricional coerente na sequência de consultas do pessoal, dos alunos, dos pais e das autoridades pertinentes.

5.4.5

Nas escolas em que se incentiva a actividade empresarial entre os alunos, tal não deveria contemplar a instalação de bares onde se vendam guloseimas, que vendem habitualmente batatas fritas e doces. Poder-se-iam considerar como alternativas alimentos saudáveis.

5.4.6

Deveria dar-se especial atenção aos mais velhos, já que as pessoas com mais de 60 anos de idade também sofrem de obesidade. Além disso, os mais velhos têm um tesouro de informação e de experiência relativamente à dieta e aos métodos de cozinhar tradicionais, pelo que podem contribuir para a educação das suas famílias.

5.5   Serviços de saúde

Em todos os estabelecimentos de saúde pública, solicitar-se-ia o preenchimento do questionário Obesity Check . Poder-se-ia questionar esses serviços sobre a possibilidade de consagrarem recursos específicos à promoção da campanha nos seus órgãos constitutivos (por exemplo, clínicas, hospitais, cantinas do pessoal, grupos de pacientes).

5.5.1

O papel do governo é crucial para se conseguir uma mudança duradoura na saúde pública. Os governos têm um papel primordial a desempenhar no lançamento e desenvolvimento de uma estratégia de redução da obesidade no quadro de um esforço mais vasto, exaustivo e coordenado no domínio da saúde pública. É necessário transmitir mensagens simples e directas sobre a actividade física necessária, tanto do ponto de vista da quantidade como da qualidade, para se obter benefícios substanciais em termos de saúde. As administrações regionais e locais deveriam, também elas, cooperar e participar activamente nesse processo informativo.

5.5.2

Nos seus contactos habituais com os pacientes, os profissionais de saúde deveriam proporcionar-lhes aconselhamento sobre os benefícios de regimes alimentares saudáveis e do aumento da actividade física, dando-lhes apoio para que iniciem e mantenham comportamentos saudáveis, através de uma Lista de Controlo da Obesidade (Obesity Checklist). Os poderes públicos deveriam ponderar incentivos à criação de serviços de prevenção e identificar as oportunidades existentes nos serviços clínicos actuais, incluindo a melhoria da estrutura de financiamento, a fim de que os profissionais de saúde, principalmente os que prestam cuidados primários de saúde, mas também outros serviços (como, por exemplo, os serviços sociais e as farmácias), possam dedicar mais tempo à prevenção, que poderia concretizar-se numa mensagem preventiva simples a sugerir «ande mais a pé — coma menos».

5.5.3

As medidas de apoio e de informação devem ser dirigidas em primeiro lugar aos pais, que devem ser informados sobre as melhores opções no que diz respeito à alimentação da faixa etária mais baixa (bebés e crianças pequenas). Está hoje cientificamente provado que os bebés alimentados com leite materno têm menos probabilidades de vir a ser crianças obesas do que os alimentados com leite artificial, pelo que a prevenção deve começar pela promoção de uma alimentação adequada para os bebés.

5.5.4

As medidas de apoio e informação deveriam ser igualmente dirigidas aos idosos, sobretudo os que se encontram sozinhos, os pobres e os marginalizados, com vista a evitar os hábitos alimentares pouco saudáveis que estas situações de precariedade muitas vezes induzem.

5.6   Governo local

O questionário Obesity Check seria preenchido por todos os órgãos de governo regional e local, com indicação de pedidos específicos em termos de acções destinadas a testar as suas actividades do ponto de vista do combate à obesidade e de apoio à campanha Obesity Check. Poder-se-ia questionar esses órgãos sobre a possibilidade de consagrarem recursos específicos à promoção da campanha.

5.6.1

As autoridades locais deveriam incentivar a criação de órgãos de aconselhamento especializado multisectoriais e multidisciplinares, nos quais participariam peritos técnicos e representantes de agências governamentais. Os presidentes dos órgãos em questão devem ser independentes, de forma a assegurar que os dados científicos são interpretados sem conflitos de interesses.

5.6.2

Os governos nacionais, regionais e locais deveriam prever incentivos para assegurar que a marcha, o ciclismo e outras formas de actividade física são acessíveis e seguras. As políticas de transportes deveriam incluir modos de transporte não motorizados. As políticas laborais e as políticas relativas ao local de trabalho deveriam incentivar a actividade física. As instalações desportivas e de lazer deveriam adoptar o conceito de desporto para todos.

5.7   Empresa

«Empresa» engloba empregadores e trabalhadores, que trabalham em conjunto para benefício mútuo.

Solicitar-se-ia aos empregadores e aos trabalhadores o preenchimento do questionário Obesity Check em apoio da campanha Obesity Check. Além disso, questionar-se-ia as empresas e os sindicatos sobre a possibilidade de consagrarem recursos específicos ou capital à promoção da campanha Obesity Check no âmbito da responsabilidade social das empresas.

5.7.1

O sector privado pode ser um actor relevante, mormente porque muitas empresas operam à escala mundial e podem, no seu interior, transferir políticas a todos os níveis e de um país para o outro. A responsabilidade social das empresas poderia integrar toda uma variedade de parceiros ao colaborar com as escolas locais para apoiar a estratégia educacional de sensibilização para a necessidade de uma alimentação saudável e de mais exercício físico. Como salvaguarda, tem de começar-se pela consulta para debater potenciais conflitos de interesses.

5.7.2

A indústria alimentar, os retalhistas, as empresas de catering, os fabricante de artigos desportivos, as empresas de publicidade e de actividades de lazer, os grupos seguradores e bancários, as empresas farmacêuticas e os meios de comunicação social têm um importante papel a desempenhar enquanto empregadores responsáveis e defensores de estilos de vida saudáveis. Todos eles poderiam vir a ser parceiros dos governos e das ONG na aplicação de medidas destinadas a transmitir mensagens positivas e coerentes, a fim de facilitar o desenvolvimento de esforços integrados para incentivar um estilo de vida saudável.

5.8   Indústria alimentar

5.8.1

Os fabricantes de produtos alimentares trabalharam proactivamente para lançarem muitas iniciativas para reduzir os teores de gordura, açúcar e sal dos produtos transformados, diminuir as doses e possibilitar mais opções inovadoras, saudáveis e nutritivas.

5.8.2

A indústria está consciente de que a publicidade aos produtos tem influência nas opções dos consumidores e nos hábitos alimentares, sendo necessário assegurar que a publicidade não explora a inexperiência e a credulidade das crianças. Os governos deveriam cooperar com os grupos de consumidores e com o sector privado no desenvolvimento de abordagens multisectoriais apropriadas em relação à venda de produtos alimentares para crianças, abrangendo questões como o patrocínio, a promoção e a publicidade. Juntos deveriam chegar a um acordo sobre práticas socialmente responsáveis que não eliminasse a liberdade de escolha, mas aceitasse que as crianças não conseguem identificar o conteúdo nutricional.

5.8.3

Deve ser desincentivado o actual projecto de debater medidas rápidas e simplistas, como a introdução de «semáforos» nos produtos alimentares. As recomendações devem ser objecto de consulta da indústria alimentar e dos consumidores antes da aplicação. Esta ideia poderia ser apoiada pelo fornecimento de competências relacionadas com os meios de comunicação, incluindo informação sobre a compreensão da rotulagem dos alimentos e das mensagens publicitárias transmitidas no ponto de venda, através das escolas e dos estabelecimentos de educação de adultos.

5.8.4

Os consumidores carecem de uma informação exacta, uniformizada e compreensível sobre o conteúdo dos produtos alimentares, de forma a poderem efectuar opções saudáveis. Os governos podem solicitar que seja prestada informação sobre os principais aspectos nutricionais, como proposto nas Orientações do Codex sobre Rotulagem Nutricional.

5.8.5

Dado que os consumidores se interessam cada vez mais pela saúde e prestam atenção crescente aos aspectos nutricionais dos alimentos, os produtores utilizam cada vez mais mensagens relacionadas com a saúde. Tais mensagens não devem induzir o consumidor em erro acerca dos benefícios ou dos riscos.

5.8.6

As recomendações à indústria alimentar que poderiam ser apoiadas pela sociedade civil são as seguintes:

promover estilos de vida saudáveis, de acordo com as orientações europeias e com os objectivos gerais da estratégia global;

limitar os níveis de gorduras saturadas, ácidos gordos saturados, açúcares livres e sal nos produtos alimentares;

continuar a desenvolver e a oferecer aos consumidores produtos a preços acessíveis, saudáveis e nutritivos;

fornecer aos consumidores informação adequada e compreensível sobre os produtos e sobre nutrição;

utilizar práticas de comercialização responsáveis que apoiem a campanha Obesity Check , particularmente no que se refere à promoção e comercialização de produtos alimentares com elevados teores de gordura, açúcar ou sal, especialmente os destinados às crianças;

elaborar uma rotulagem simples e coerente e alegações em matéria de saúde baseadas em dados concretos que ajudem os consumidores a efectuar escolhas esclarecidas e saudáveis;

fornecer informação sobre a composição dos alimentos às autoridades nacionais;

ajudar a desenvolver e a pôr em prática uma alimentação saudável e programas de actividade física.

5.9   Agricultura

5.9.1

As políticas nacionais em matéria de alimentação e de agricultura deveriam ser coerentes com a protecção e promoção da saúde pública. Dever-se-ia ponderar a elaboração de políticas que facilitem a adopção de um regime alimentar saudável e abranjam a segurança dos alimentos e uma segurança alimentar sustentável.

5.9.2

Os preços têm influência nas opções de consumo. As políticas públicas podem influenciar os preços através da tributação, dos subsídios e da fixação directa de preços, de modo a incentivar o consumo de alimentos saudáveis.

5.10   Meios de comunicação social

5.10.1

O sector dos meios de comunicação social tem um dos principais papeis a desempenhar, já que se «infiltra» na vida quotidiana, ainda que de forma subliminar. Se todos os meios de comunicação social se comprometessem a cooperar no âmbito de uma campanha europeia única e a promovê-la junto do seu público de uma forma simples e coerente ao longo de um período prolongado, a mensagem acabaria por chegar a todos os cidadãos europeus.

5.10.2

Numa sociedade em que as celebridades, incluindo os campeões olímpicos, são consideradas exemplos a seguir, é possível fazer mais para as associar à difusão da mensagem da campanha.

5.10.3

Os novos meios de comunicação social, incluindo os jogos de computador e a Internet, assumem crucial importância no que respeita aos jovens, particularmente porque a sua utilização está relacionada com o aumento da obesidade.

5.10.4

No que concerne aos filmes, a colocação e publicidade de produtos alimentares deveria ser cuidadosamente ponderada em função do público provável, o que é particularmente importante em relação aos filmes para crianças.

5.11   Sociedade

5.11.1

Solicitar-se-ia às ONG e às organizações da sociedade civil o preenchimento do questionário Obesity Check . Poder-se-ia questionar essas organizações sobre a possibilidade de consagrarem recursos específicos, nomeadamente prestações em espécie, à promoção da campanha junto dos respectivos membros e órgãos constitutivos. O valioso trabalho destas organizações ao nível das comunidades locais é reconhecido e essencial para o êxito de toda e qualquer iniciativa.

5.11.2

Muitas pessoas consideram que a questão da obesidade é uma responsabilidade individual. Em parte têm razão, mas trata-se também de uma responsabilidade da sociedade, especialmente ao nível das comunidades de base. A sociedade civil e as ONG têm um papel importante a desempenhar para promover uma atitude proactiva e incentivar à acção, através de uma reflexão conjunta e de iniciativas locais, o que poderia muito simplesmente traduzir-se na utilização de instalações de associações desportivas por parte das escolas, na promoção de campanhas a nível local pelos órgãos de comunicação social locais, na cooperação entre produtores e autoridades locais no âmbito do apoio à educação ou no fornecimento de produtos frescos às escolas por parte dos agricultores locais. O objectivo é assegurar que os produtos saudáveis estão disponíveis e são acessíveis, adequados e sustentáveis.

5.11.3

As ONG podem apoiar a estratégia eficazmente se colaborarem com os seus parceiros nacionais e internacionais, particularmente no sentido de:

conduzir a mobilização ao nível das bases e defender a inclusão de estilos de vida saudáveis na agenda pública;

apoiar uma ampla difusão da informação sobre a prevenção da obesidade através de regimes alimentares equilibrados e saudáveis e da actividade física;

criar redes e grupos de acção, a fim de promover a disponibilidade de produtos alimentares saudáveis e oferecer possibilidades de actividade física, e apoiar programas de promoção da saúde e campanhas educativas;

organizar campanhas e eventos que estimulem a acção;

realçar o papel dos governos na promoção de um estilo de vida saudável, monitorizar os progressos alcançados na realização dos objectivos e cooperar com outras partes interessadas como, por exemplo, entidades do sector privado;

contribuir para pôr em prática o conhecimento e os dados concretos disponíveis;

promover modelos de referência e melhores práticas, particularmente em relação ao papel das famílias e dos pais. É essencial que os modelos de referência se centrem na saúde e não na imagem corporal.

5.11.4

Os padrões de actividade física e os regimes alimentares diferem consoante o sexo, a cultura e a idade. As decisões em matéria de produtos alimentares e de nutrição são, muitas vezes, tomadas pelas mulheres e baseiam-se na cultura e nos hábitos alimentares tradicionais. As estratégias e os planos de acção nacionais deveriam, pois, ser sensíveis a essas diferenças.

6.   O futuro se não houver acção

6.1   O custo humano

6.1.1

A obesidade nas crianças é um dos mais graves problemas de saúde pública com que os países desenvolvidos e, cada vez mais, os países em desenvolvimento estão confrontados. A prevalência da obesidade está a aumentar nas crianças de todas as idades.

6.1.2

6As crianças obesas sofrem de diversas co-morbilidades, algumas das quais são imediatamente visíveis e outras constituem sinais de alarme de doenças futuras. Ainda que a prevenção primária seja, em definitivo, a estratégia mais eficaz para travar a epidemia, é necessário tratar as crianças obesas para melhorar o seu estado de saúde actual e futuro.

6.1.3

A obesidade nos jovens está associada a um conjunto de complicações de natureza psicossocial e médica. As consequências mais frequentes são as relacionadas com distúrbios psicossociais e com o isolamento social. Os estudos transversais revelam uma relação inversa entre, por um lado, o peso e, por outro, a auto-estima e a imagem corporal, particularmente nos adolescentes. Nas jovens adolescentes, o receio de ter excesso de peso está relacionado com a insatisfação face ao corpo, a obsessão de ser magra e a bulimia.

6.1.4

A doença mais grave é a diabetes de tipo 2, que causa problemas circulatórios, insuficiência renal e cegueira. Alguns tipos de cancro (particularmente o cancro da mama), os problemas cardiovasculares (incluindo a hipertensão), os problemas respiratórios (incluindo a apneia do sono), as doenças do fígado, a depressão e os problemas articulares e dermatológicos resultam do aumento da gordura corporal.

6.1.5

Alguns dos efeitos da obesidade na saúde são reversíveis se houver perda de peso.

6.2   Custo financeiro

6.2.1

A obesidade impõe um ónus económico considerável aos sistemas de saúde, já de si sobrecarregados, e implica elevados custos para a sociedade. A saúde é um factor determinante para o desenvolvimento e uma condição prévia para o crescimento económico. O National Audit Office do Reino Unido avalia as consequências económicas da obesidade em cerca de 500 milhões de libras anuais (custos directos com a saúde) e em 2 mil milhões de libras (custos para a economia em geral).

6.2.2

A obesidade atravessa todas as classes sociais, mas é particularmente frequente nos grupos socialmente desfavorecidos, que têm porventura menos acesso a ruas e parques seguros e consomem os produtos alimentares mais baratos, que são, não raro, os que apresentam teores de gordura e de açúcar mais elevados.

6.2.3

Nas sociedades desenvolvidas, as mulheres com excesso de peso na adolescência e no início da idade adulta são, de uma maneira geral, as que dispõem de rendimentos familiares mais baixos e têm menos probabilidades de contrair matrimónio. Acresce que as pessoas obesas podem ser objecto de rejeição social e de discriminação no local de trabalho.

6.2.4

As acções proactivas e a educação de hoje podem assegurar a redução dos custos financeiros no futuro, o que permitirá o investimento no desenvolvimento sustentável da Europa.

6.3   Em direcção à responsabilidade social

As medidas de combate à obesidade inserem-se no âmbito de uma evolução para a aceitação de que os diferentes níveis da sociedade têm a sua quota-parte de responsabilidade sem prejuízo da liberdade individual. Por exemplo:

6.3.1   Ao nível político

a Comissão Europeia e os governos dos Estados-Membros devem adoptar estratégias de comunicação bilaterais e promover iniciativas de investimento responsável ou centradas na acção, de forma a desincentivar a obesidade;

os sistemas educativos devem promover estilos de vida saudáveis;

os serviços de saúde devem dispor de recursos para promover a saúde;

os serviços de planeamento do território devem promover as ciclovias, as zonas verdes e as instalações desportivas.

6.3.2   Ao nível da actividade económica

a indústria alimentar deve orientar a sua actividade com base na necessidade dos consumidores de disporem de produtos alimentares nutritivos a preços razoáveis;

os retalhistas devem assegurar que todos têm acesso a produtos alimentares de boa qualidade, mesmo nas comunidades desfavorecidas;

a agricultura deve fornecer produtos frescos e saudáveis em abundância e a preços razoáveis;

o sector dos transportes deve desincentivar a utilização excessiva do automóvel e encorajar as pessoas a andar a pé e de bicicleta em condições de segurança;

os meios de comunicação social devem desincentivar o consumo passivo e promover a actividade física.

6.3.3   Ao nível da sociedade

promoção de uma cultura orientada para a família em que as refeições possam ser preparadas e partilhadas em casa e as cantinas existentes nas escolas, nos hospitais, nos estabelecimentos de serviço social e nos locais de trabalho sirvam refeições mais saudáveis;

adopção de hábitos de consumo sustentáveis, conservação dos recursos naturais e promoção da actividade física;

criação de ambientes urbanos mais seguros, com menos criminalidade e tráfego controlado;

promover mais igualdade e inclusão social, de modo a assegurar que todos os lares têm acesso a produtos alimentares saudáveis e a actividades de lazer seguras;

apoiar os pais e outras pessoas que cuidam de crianças, de modo a assegurar-lhes a possibilidade de efectuarem opções saudáveis em relação a si próprios e às crianças.

6.3.4

Os governos são eleitos pelos cidadãos, que exercem uma influência considerável na sociedade enquanto indivíduos, grupos ou organizações, e podem fazer a diferença. Juntos podemos mudar as coisas, desde que deixemos de culpar os outros e assumamos as nossas responsabilidades.

7.   Conclusão

A obesidade é um «nó górdio» em que se misturam aspectos psicológicos, sociológicos, económicos, culturais e históricos e comportamentos individuais.

Em 1997, A OMS declarou a obesidade mórbida uma doença e, em 2005, classificou a obesidade como doença. A obesidade mórbida e obesidade estão associadas ao aumento da mortalidade devida a co-morbidezes como a diabetes do tipo II, a hipertensão e as doenças cardíacas.

7.1

Há uma oportunidade única de formular e aplicar uma estratégia eficaz para reduzir substancialmente o número de mortes e as doenças, melhorando para tal o regime alimentar e promovendo a actividade física. Está claramente demonstrada a relação entre os hábitos alimentares e as doenças e patologias futuras. É possível conceber e levar à prática acções eficazes que permitam que as pessoas vivam mais tempo e com mais saúde, reduzir as desigualdades e impulsionar o desenvolvimento através de uma campanha simples e clara em que todos participem, que será objecto de avaliação «a posteriori».

7.2

Levar a mudanças nos hábitos alimentares, nos padrões de actividade física e um estilo de vida saudável exigirá a combinação dos esforços de muitas partes interessadas, públicas e privadas, ao longo de várias décadas. São necessárias uma mudança de mentalidade, uma consciencialização e educação através de acções sólidas e eficazes, a todos os níveis, com apoio psicológico, acompanhamento de perto e avaliação do impacto. Além disso, cada um terá de chamar a si e responsabilizar-se pela mudança.

7.3

Através da mobilização de todo o potencial da sociedade civil, bem como das principais partes interessadas, esta visão pode tornar-se realidade. Como dizia GANDHI, « Se queres mudar o mundo, começa por ti ».

8.   Questionário em apoio do parecer de iniciativa do CESE «Obesidade — uma responsabilidade da sociedade»

Obesidade — Uma responsabilidade da sociedade

Neste fase, o presente questionário é utilizado apenas para fins de pesquisa. O Comité agradece, todavia, o seu preenchimento e devolução.

O mundo industrializado do século XXI cria um ambiente muito propício à obesidade. Algumas das causas são óbvias, outras menos compreendidas, e a maior parte delas não é considerada prejudicial pela sociedade. É altamente preocupante a ausência de clarividência em relação às gerações futuras e o facto de ninguém querer assumir responsabilidades, antes as atribuindo a outros.

Há 14 milhões de crianças com excesso de peso, das quais 3 milhões são obesas na UE-25;

Em diversos países da UE, mais de metade da população adulta tem excesso de peso, pertencendo 20-30 % dos adultos à categoria dos obesos;

Verificam-se mais de 400 000 novos casos por ano, o que corresponde a 1 em cada 4 crianças na UE-25;

10-20 % das crianças do Norte da Europa têm excesso de peso. No Sul da Europa e na Irlanda, a percentagem é de 20-35 %.

Responder aos questionários prova o compromisso e a vontade de pessoas e organizações no sentido de desenvolverem um trabalho de sensibilização, esclarecimento e informação sobre a necessidade de mudar o estilo de vida. Os objectivos podem ser medidos com base no tempo ou nos recursos consagrados à campanha. Podem ser transmitidos ao relator exemplos de melhores práticas.

O parecer do CESE adopta uma estratégia «inclusiva», para que o problema seja enfrentado em conjunto. Isto significa adoptar políticas «do topo para a base», acompanhadas de estratégias «da base para o topo», e lançar iniciativas horizontais e verticais em que todos se comprometam a participar com recursos financeiros ou prestações em tempo ou em espécie.

Solicita-se o envio deste questionário a outras pessoas/organizações interessadas.

Devolver o questionário por correio electrónico (madi.sharma@esc.eu.int), por fax (n.o 0115 979 93 33) ou por via postal (endereço: Madi SHARMA, CESE, c/o Ridge HILL, Lowdham, Notts. NG14 7EL, UK).

O questionário que se segue foi elaborado com o objectivo de solicitar a pessoas e organizações que se comprometam a consagrar tempo ou recursos, no âmbito das organizações a que pertencem, a apoiar os trabalhos da DG Saúde e Defesa do Consumidor que visam promover uma campanha de sensibilização para um estilo de vida saudável. Importa quantificar esse compromisso para verificar os progressos realizados.

Por exemplo:

os empregadores e as organizações patronais poderiam promover estilos de vida mais saudáveis no local de trabalho, o que inclui o incentivo à opção por alimentos saudáveis, especialmente no que se refere às máquinas de venda automática, e a disponibilização de instalações desportivas ou ginásios. As pequenas empresas poderiam ajudar os seus trabalhadores na adopção de estilos de vida mais saudáveis. A acção fora das empresas, particularmente no domínio da educação, poderia ser igualmente útil. (Compromisso de x horas por mês);

os sindicatos e as organizações de trabalhadores poderiam difundir uma mensagem semelhante entre os seus membros, incentivando os trabalhadores a integrarem a actividade física (por exemplo, andar a pé ou de bicicleta) no seu dia-a-dia. Poderiam, além disso, transmitir o mesmo conselho às suas famílias e às comunidades em que estão inseridos;

as ONG e, particularmente, as organizações de consumidores poderiam, juntamente com os seus membros, dedicar tempo à campanha e, eventualmente, ajudar a transmitir a mensagem a outras instituições e comunidades;

as pessoas podem alterar o seu estilo de vida, assumindo-se como modelos de referência, através do aumento da actividade física ou optando por regimes alimentares mais saudáveis, o que pode ser feito passando a palavra e incentivando outras pessoas a procurarem, também elas, mudar o seu estilo e vida. Isto seria particularmente benéfico no seio da família. (Compromisso: dedicar 15 minutos por mês à partilha da experiência de mudança do estilo de vida com outras pessoas).

Comprometo-me a dedicar 30 minutos por mês à colaboração com as escolas, desenvolvendo um trabalho de sensibilização para a necessidade de um estilo de vida saudável, e com organizações de mulheres para ajudar a transmitir a mensagem aos pais. Dou igualmente testemunho da forma como mudei o meu estilo de vida. Perdi 10 quilos andando a pé e controlando a minha alimentação.

Image

Bruxelas, 28 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/73


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Política social num sistema pan-europeu de navegação interior»

(2006/C 24/15)

Em 1 de Julho de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar parecer sobre a «Política social num sistema pan-europeu de navegação interior».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 15 de Junho de 2005, do qual foi relator T. ETTY e co-relator J. SIMONS.

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 29 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 92 votos a favor, 7 votos contra, com 12 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

Tomando como ponto de partida a intenção da Comissão Europeia de explorar o enorme potencial da navegação interior, o parecer de iniciativa emitido em 2004 (1) concentrou-se sobretudo no problema da fragmentação das legislações que a regem. O parecer apelou à harmonização e uniformização da legislação, sobretudo porque o alargamento da UE veio complicar ainda mais a situação (os regimes do Reno e do Danúbio devem ser alinhados e aplicados em sintonia). A nova política da Comissão procura alcançar um equilíbrio entre os diferentes modos de transporte. A navegação interior é vista nessa política como uma forma de criar um mercado de transportes mais equilibrado. Para aproveitar plenamente as potencialidades desta modalidade de transporte haverá que suprimir uma série de entraves que continuam a dificultar o crescimento do sector.

1.2

No que concerne à política social e à situação do mercado de trabalho, o parecer tece considerações nomeadamente sobre:

o princípio da livre circulação de trabalhadores e a decorrente necessidade de coordenar os sistemas de segurança social;

a falta de pessoal qualificado no domínio da navegação interior nos 15 Estados-Membros primitivos e o respectivo excedente nos novos e nos futuros Estados-Membros;

os diferentes requisitos em matéria de qualificação e exame e as complicações que daí derivam para a contratação de pessoal e para a livre circulação de trabalhadores do sector, bem como as diferenças entre os regimes do Reno e do Danúbio no que se refere às regras aplicáveis às tripulações das embarcações que usam as vias navegáveis interiores (incluindo a distinção entre regras obrigatórias e recomendações);

a coerência entre as regras aplicáveis às tripulações e os requisitos técnicos a que devem conformar-se as embarcações;

a necessidade de harmonizar as formações, a fim de facilitar a aproximação das regras aplicáveis às tripulações a nível europeu;

possíveis problemas de comunicação entre membros das tripulações e entre os vários implicados na navegação nas vias navegáveis interiores da Europa, e a conveniência de resolver estes problemas para tornar o transporte mais seguro;

o facto de o regime do Reno ser de aplicação a todos os membros da tripulação (tanto trabalhadores contratados como independentes) e não conter quaisquer disposições específicas para os trabalhadores, ao passo que a legislação da UE se concentra na protecção dos trabalhadores e não entra em linha de conta com as circunstâncias específicas e com as regras aplicáveis à tripulação na navegação interior. É necessário um diálogo social a nível comunitário para conciliar estas duas regulamentações.

2.   Observações na generalidade

2.1

De há muito que as regras técnicas e sociais aplicáveis à navegação interior estão intimamente relacionadas. É o caso, sobretudo, das normas para a tripulação, as quais, perfeitamente adequadas aos requisitos técnicos para a embarcação, zelam tanto pela segurança geral como pela protecção dos tripulantes.

2.2

As normas técnicas para a navegação no Reno estão estipuladas na Convenção de Mannheim, da qual derivam as competências da Comissão Central de Navegação no Reno (CCNR), com sede em Estrasburgo. Em alguns Estados-Membros, o regime do Reno é aplicável a todas as vias navegáveis.

Dado que à navegação no Danúbio também se aplica o Tratado de Belgrado, que prevê um procedimento distinto (a Comissão do Danúbio faz recomendações, em vez de impor normas), ao lado da legislação comunitária, pode descrever-se a regulamentação europeia neste domínio como uma complexa manta de retalhos.

A Convenção de Mannheim pode tornar-se uma das pedras basilares de uma legislação comunitária plenamente desenvolvida no domínio técnico para a navegação interior.

2.3

Ao lado das normas para as tripulações, o tempo de navegação das embarcações e os períodos de descanso dos tripulantes são os principais aspectos sociais regulamentados pela CCNR.

2.4

Os países do Danúbio procedem actualmente a uma revisão do Tratado de Belgrado para dar à Comissão do Danúbio competências semelhantes às da CCNR. O tratado revisto deverá ser aprovado proximamente. Todos os países interessados poderão então tornar-se partes do tratado.

2.4.1

Face aos crescentes interesses económicos (a navegação no Danúbio tem-se intensificado rapidamente), esta questão é prioritária para os países do Danúbio. Para a Comissão do Danúbio, os objectivos seguintes são primordiais:

a.

reconhecimento mútuo de patentes, qualificações profissionais e certificados técnicos;

b.

parâmetros equivalentes para a navegação interior;

c.

abertura do mercado europeu da navegação interior;

d.

integração da dimensão social.

2.4.2

Um problema central para a navegação no Danúbio é o relativamente mau estado técnico de manutenção das frotas locais, consequência, nomeadamente, da vetustez das embarcações e seu equipamento e do prolongado subaproveitamento devido ao bloqueio perto de Novi Sad.

A navegação interior nos países do Reno vê-se confrontada com uma enorme falta de pessoal desses países.

2.4.3

De acordo com a Comissão do Danúbio, e à excepção do carácter não vinculativo do Tratado de Belgrado, não há diferenças de maior entre os regimes do Reno e do Danúbio no que respeita aos requisitos técnicos e sociais. A definição das normas sociais para a navegação no Danúbio é em grande parte deixada à legislação nacional e a acordos colectivos.

As enormes restrições ao acesso de capitães dos países do Danúbio à navegação no Reno são vistas pela Comissão do Danúbio como o principal problema a nível social.

2.4.4

A Comissão do Danúbio nunca realizou um estudo comparativo sobre a legislação social dos países membros no domínio da navegação interior. Ao que parece não houve até agora qualquer interesse neste aspecto da navegação interior, conquanto seja um factor importante para a concorrência.

2.5

De acordo com os sindicatos, os maiores problemas que se colocam aos trabalhadores do sector da navegação interior tanto no Reno como no Danúbio prendem-se com as regras em matéria de tripulações e de períodos de trabalho e de descanso, com as disparidades entre as disposições nacionais de segurança social e com o desconhecimento das diferentes regulamentações nacionais e dos acordos colectivos.

Os principais problemas sociais para os empregadores dos países do Reno devem-se, em seu entender, à inflexibilidade e à complexidade das normas e às diferenças entre as legislações nacionais. Dado que esta situação afecta consideravelmente a posição concorrencial, há empresas que procuram sediar-se nos países com a legislação mais favorável e/ou transferem os seus trabalhadores em função das obrigações a nível social e laboral. Procuram assim tirar o máximo partido das diferenças a nível dos custos laborais e dos encargos sociais.

2.6

O sector da navegação interior emprega cerca de 40 000 pessoas: 30 000 nos «antigos» Estados-Membros e 10 000 nos «novos». Destas últimas, umas 3 000 trabalham actualmente na navegação no Reno. Aproximadamente metade dos trabalhadores do sector nos «antigos» Estados-Membros são assalariados, os restantes trabalham por conta própria.

2.7

No âmbito da CCNR, os parceiros sociais são consultados sobre questões relacionadas com a política social. Contudo, os sindicatos consideram estas consultas insuficientes.

Nos países do Danúbio, estas consultas não existem. A maior parte dos trabalhadores está afiliada a sindicatos; quanto aos empregadores, vive-se actualmente uma situação de transição decorrente do processo de privatização.

2.7.1

O diálogo social entre trabalhadores e empregadores do sector está pouco desenvolvido nos «antigos» Estados-Membros e é inexistente nos «novos» Estados-Membros e nos países candidatos. Para um verdadeiro diálogo social são fundamentais organizações independentes e realmente representativas de empregadores e trabalhadores. Esta é uma questão a ter em consideração nos países do Danúbio.

2.7.2

Este facto, aliado à posição tradicionalmente dominante das normas e regras técnicas, explica por que motivo o factor humano tem sido tão negligenciado na navegação interior. Os proprietários das embarcações têm a esse respeito a seguinte posição: como a maior parte das embarcações usadas na navegação interior pertence a particulares, interessa aos proprietários manter todos os riscos operacionais, incluindo o factor humano, sob controlo. É por isso que, em comparação com outros modos de transporte, se tem feito sentir menos intensamente a necessidade de legislação específica sobre as qualificações necessárias.

2.8

Será de augurar uma alteração positiva desta situação, atendendo ao crescente interesse em conferir um papel mais importante à navegação interior na futura política europeia de transportes e em aumentar a coerência entre os diferentes regimes de navegação interior? Três relatórios recentemente publicados e uma importante conferência europeia, todos relacionados com o futuro do sector, parecem indicar o contrário.

2.8.1

O relatório da CCNR intitulado Ships of the Future  (2) analisa o futuro da navegação interior sobretudo de um ponto de vista tecnológico.

2.8.1.1

Quanto às questões sociais, a atenção tem-se concentrado quase exclusivamente nos futuros capitães, que são descritos como «gestores» com muito poucas tarefas físicas mas capazes de reagir adequadamente em caso de emergência. De momento, esta não é ainda uma imagem realista, mas revela a enorme influência da evolução tecnológica no contexto social da navegação interior. Partindo desta premissa, o relatório preconiza uma política social activa para o sector.

2.8.1.2

Da leitura do relatório parece poder-se inferir que na navegação interior só há doravante lugar para pessoal altamente qualificado. Mas também esta conclusão é irrealista. É possível que venha a haver cada vez menos oportunidade de trabalho para trabalhadores não qualificados, mas a navegação interior não poderá passar sem esses trabalhadores.

2.8.1.3

No que toca ao mercado de trabalho, o relatório salienta a importância de períodos regulares de lazer, do alargamento do leque de funções a efectuar e da mobilidade.

2.8.2

O relatório PINE (3) considera o futuro da navegação interior principalmente de uma perspectiva económica. O problema social mais importante em debate é o do impacto da livre circulação de trabalhadores na UE sobre os aspectos financeiros e económicos da navegação interior.

Paralelamente é também considerada a questão da actual e futura falta de pessoal na navegação interior.

2.8.3

O relatório EFIN (4) analisa a possibilidade de criar um quadro geral de cooperação que abranja os países e instâncias implicados. O CESE terá dentro em breve ocasião de analisar mais aprofundadamente as propostas deste relatório num parecer separado. O relatório não faz qualquer referência ao papel dos parceiros sociais; este parece ser considerado irrelevante para as questões tratadas no relatório.

2.8.4

Os aspectos sociais tampouco receberam muita atenção no congresso intitulado «O poder da navegação interior» organizado pela presidência neerlandesa do Conselho para debater o contributo da navegação interior para o crescimento económico e o progresso social.

2.9

Da leitura dos três estudos e dos debates realizados no quadro do congresso referido pode inferir-se que os governos e muitos dos implicados no sector continuam a considerar as questões sociais de importância apenas marginal para a navegação interior.

A corroborar esta conclusão está o facto de os autores e organizadores não terem solicitado o mínimo contributo dos parceiros sociais. A única excepção foi o relatório PINE. Para a elaboração deste relatório a Comissão procurou a colaboração dos parceiros sociais, embora, como acima referido, tenha dado pouco relevo a questões sociais que esses parceiros (certamente os sindicatos) consideram da máxima importância.

2.10

Dada a complexidade da política social na navegação interior, o anterior parecer do CESE intitulado «Rumo a um sistema pan-europeu de navegação fluvial» não a examinou em pormenor, remetendo-a para o presente parecer. As considerações até agora expendidas são outros tantos argumentos para examinar mais de perto a política social. Já é altura de dissociar a política social da posição tradicionalmente dominante dos aspectos técnicos e de a tratar de forma mais equilibrada, com o pleno envolvimento de todas as partes interessadas, tanto dos países do Reno como dos países do Danúbio e tanto nos «antigos» Estados-Membros como nos «novos» Estados-Membros, nos países candidatos e em todos os outros países implicados.

3.   Observações na especialidade

3.1

A actual política social deve construir-se segundo moldes amplamente uniformes, mas com margem para integrar condicionalismos específicos regionais ou locais. É fundamental associar os parceiros sociais à configuração dessa política.

3.2   Regras sobre a tripulação

3.2.1

As principais disposições em matéria de tripulações nos países da CCNR constam do Capítulo 23 do Regulamento sobre a inspecção das embarcações no Reno. Isso quer dizer que a classificação da embarcação e os horários de navegação diária são determinantes para as dimensões e a composição da tripulação. É extremamente importante controlar eficazmente o cumprimento destas regras, uma vez que a prática dá ainda abundantes exemplos da sua violação.

3.2.2

A Comissão Europeia começou já há 20 anos a elaborar um instrumento comunitário. Até à data, porém, não houve progressos assinaláveis. Isso deve-se em parte à intenção dos países implicados, desde há muito, de aguardarem antes de mais uma revisão do Capítulo 23. O instrumento europeu a desenvolver deverá incluir regras sobre a composição das tripulações, horários de trabalho e períodos obrigatórios de descanso para os tripulantes.

3.2.3

Nos países do Reno, as regras sobre as tripulações formam um pomo de discórdia entre os governos e os empregadores/independentes, por um lado, e os sindicatos, por outro. A revisão das regras respeitantes às tripulações em Julho de 2002, da responsabilidade da CCNR, foi inadequada ao parecer dos sindicatos. Estes consideram que os padrões mínimos para a tripulação são demasiado baixos e que os requisitos em matéria de formação profissional e de qualificações são insuficientes. Em seu entender, a segurança das tripulações é posta em risco por estas regras, aliadas aos actuais períodos de trabalho e de descanso.

As organizações de empregadores defendem, pelo contrário, que as disposições actuais contribuem justamente para a segurança no sector. Seria de desejar ainda maior flexibilidade, nomeadamente na contratação de trabalhadores oriundos de outros sectores da navegação. Em particular, as regras sobre a tripulação das embarcações que disponham do equipamento mais moderno deveriam ser mais maleáveis.

3.2.4

No regime do Danúbio, as normas mínimas para a tripulação não parecem suscitar quaisquer problemas. Os artigos correspondentes do Tratado de Belgrado referem-se essencialmente aos capitães e aos maquinistas; muito pouco é dito sobre os tripulantes dos escalões inferiores. Em comparação com os seus homólogos nos países do Reno, o nível de formação dos capitães e dos maquinistas dos países do Danúbio é bastante elevado.

Os países do Danúbio tencionam harmonizar as suas regulamentações nacionais em matéria de tripulações a partir de 2005. As organizações de empregadores serão envolvidas nesse processo enquanto observadoras. Os empregadores representarão os seus trabalhadores, entende a Comissão do Danúbio; esta não é, por certo, a posição dos sindicatos destes países.

3.2.5

As normas sobre a tripulação são muitas vezes ignoradas nos países do Reno, o que para os sindicatos é mais uma razão para recear pela segurança. No sector da navegação interior há poucos controlos do cumprimento dessas normas.

As organizações de empregadores e independentes consideram importante uma aplicação adequada das regras sobre a tripulação, não só por razões de segurança mas também para assegurar uma concorrência leal. Salientam ainda que essas regras devem ser formuladas de forma a promover, e não a entravar, a inovação na navegação interior.

3.3   Períodos de trabalho e de descanso

3.3.1

Como ficou dito, os períodos de trabalho e de descanso das tripulações constituem o mais importante aspecto social do regime do Reno. As regras em vigor definem apenas o número de horas prestadas durante o funcionamento da embarcação, e não o número de horas efectivamente prestadas. Estas últimas não são, pois, controladas.

3.3.2

Horários com longos períodos de trabalho diário são a regra mais do que a excepção na navegação interior. A tripulação permanece geralmente longos períodos a bordo (p. ex., duas semanas), mas alguns membros residem permanentemente nas embarcações. As regras sobre este ponto definem os períodos de descanso a respeitar, mas a tripulação deve muitas vezes manter-se disponível durante esses períodos.

3.3.3

Em contactos com a CCNR, os sindicatos queixaram-se do facto de só serem controladas as horas de navegação das embarcações, e não as horas de trabalho realmente prestadas. Os governos dos Estados implicados não atenderam, até à data, a estas queixas.

3.3.4

Os períodos de trabalho não são definidos na actual legislação e regulamentação em matéria de navegação interior (que se aplica tanto a assalariados como a independentes). Na legislação dos países do Reno as regras em matéria de períodos de actividade da embarcação, composição das tripulações e períodos de descanso obrigatórios são interdependentes.

3.3.4.1

Segundo os interessados, a Directiva comunitária sobre a organização dos tempos de trabalho (actualmente em revisão) não dá a devida atenção às condições específicas da navegação interior. Daí as queixas que manifestaram. No quadro do diálogo social há pouco relançado após um período de inactividade, a conclusão de um acordo sobre esta matéria é descrita como prioritária; os parceiros sociais implicados a nível europeu comprometeram-se a pugnar por esse objectivo.

3.3.5

No Reno, como noutras vias navegáveis dos países do Reno, devem ser observadas pelo menos 8 horas de descanso por dia de trabalho, das quais 6 ininterruptas.

3.3.6

No Danúbio não há quaisquer regras sobre períodos de actividade das embarcações ou horários de trabalho. Na prática, uma tripulação compõe-se no mínimo de 4 pessoas; dessa forma, a embarcação pode manter-se em actividade 24 horas por dia. Não há regras vinculativas em matéria de períodos de descanso.

3.3.7

Face às disparidades entre as diferentes regulamentações sobre as vias navegáveis europeias, são necessárias normas mínimas comuns. Para esse fim pode revelar-se extremamente importante o acordo a que chegarem os parceiros sociais (v. ponto 3.2.4.1).

Para criar condições equitativas, importa que ao Reno, ao Danúbio e às outras vias navegáveis interiores possam ser aplicadas disposições semelhantes. Além disso, essas disposições deverão ser mutuamente compatíveis e transparentes.

3.4   Saúde e segurança no trabalho

3.4.1

Como é o caso de outros domínios da actual política social na navegação interior, as regras em matéria de saúde e segurança no trabalho são estreitamente dependentes dos requisitos técnicos para as embarcações. Essas regras dimanam em grande medida da regulamentação sobre a inspecção de embarcações no Reno e das legislações nacionais, sob a forma de normas de construção e equipamento das embarcações.

3.4.2

Para protecção dos trabalhadores, a UE dispõe de directivas no domínio da saúde e da segurança no local de trabalho. De acordo com elas, os empregadores têm a obrigação de efectuar avaliações dos riscos, o que nem sempre ocorre na navegação interior.

3.4.3

A legislação europeia no domínio da saúde e da segurança é criticada por alguns dos intervenientes na navegação interior; estes consideram que não é tida conta de situações reais e dos condicionalismos específicos do sector e que as regras não se quadram com a legislação em vigor para a navegação interior, aplicáveis a todos os tripulantes. O âmbito de aplicação das directivas limita-se à protecção dos trabalhadores assalariados, estando excluídos os independentes. Observe-se que esta situação se verifica igualmente noutros sectores de actividade económica. No sector do transporte rodoviário, por exemplo, foi adoptada uma directiva específica sobre a organização do tempo de trabalho com base nos artigos 71.o e 137.o, n.o 2, do Tratado (5).

3.5   Inspecção do trabalho

3.5.1

Além de uma regulamentação uniforme e vinculativa, é necessária uma inspecção séria, regular e qualificada num sector em que muitos independentes (incluindo semi- e quasi-independentes) trabalham lado a lado com trabalhadores assalariados, com o risco inerente de menor protecção para estes últimos e/ou de concorrência desleal.

3.5.2

A inspecção do trabalho na navegação interior é ineficaz e vê-se confrontada com dificuldades específicas ao sector. Um problema particular é a situação única a bordo das embarcações, que torna difícil distinguir entre vida profissional e privada, ao contrário do que sucede com a maior parte das actividades económicas. Nestas condições, não é raro que os inspectores se tornem inoportunamente amigáveis.

3.5.3

Em muitos países, a inspecção revela graves deficiências (a Alemanha e a Suíça são as grandes excepções positivas entre os países do Reno). Os serviços de inspecção sofrem de falta de pessoal. Por este motivo, a inspecção do trabalho efectua poucos controlos, sobretudo nos Países Baixos e na Bélgica (na prática, uma embarcação é inspeccionada uma vez cada dois/três anos). De referir ainda que a construção e o equipamento das embarcações são supervisionados pela autoridade nacional de inspecção e que cabe à polícia fluvial controlar o cumprimento da legislação.

No Danúbio não há praticamente inspecções.

3.5.4

Não são só os requisitos legais que são desrespeitados. Também há problemas de incumprimento dos acordos colectivos de trabalho.

3.5.5

As inspecções de grande escala acusam constantemente violações das regras por grande número de embarcações.

3.5.6

A navegação interior tem a reputação de ser um modo de transporte relativamente seguro, mas isso não significa de modo algum que não ocorram acidentes. No entanto, os acidentes só são registados em caso de mortes ou de outras catástrofes. Não há uma definição inequívoca de acidente na navegação interior. Estas são questões que terão de ser atentamente ponderadas por todos os interessados na promoção da navegação interior, face ao recurso crescente a este modo de transporte e às considerações anteriores sobre o cumprimento na prática das regras sobre tripulações.

3.6   Educação, formação, exames

3.6.1

Um elevado nível de educação e de formação é indispensável para o futuro do emprego no sector da navegação interior, assim como para manter a sua reputação de segurança. Para isso, haverá que definir normas de formação comuns e claras e aplicá-las rigorosamente.

Nos países do Danúbio, o nível de formação (sobretudo dos capitães) é relativamente elevado. Nos países do Reno, há disparidades significativas ao nível da qualidade.

A introdução de normas mínimas comuns, de preferência a nível pan-europeu, é pois uma necessidade.

3.6.2

A CCNR assumiu a tarefa de realizar os trabalhos preparatórios para o desenvolvimento de perfis harmonizados para as funções de marinheiro e condutor de embarcação, com a cooperação dos parceiros sociais. Estes perfis, que deverão ser publicados em 2005, poderão servir de base para a harmonização das formações profissionais correspondentes nos países europeus em que se pratica a navegação interior. Isto tornará igualmente mais fácil o reconhecimento mútuo das qualificações.

3.6.3

No âmbito do diálogo social neste sector foi recentemente obtida informação sobre formação na navegação interior nos novos Estados-Membros.

3.6.4

A harmonização da formação deverá ser acompanhada de medidas destinadas a tornar uma carreira na navegação interior mais atraente para os jovens.

3.7   Comunicação

3.7.1

O relatório PINE constata acertadamente as insuficiências a nível dos conhecimentos de línguas e das vias navegáveis estrangeiras, provocadas pela migração dos trabalhadores e pelo aumento do tráfego entre o Leste e o Ocidente. Estes problemas podem gerar riscos para a segurança da navegação interior.

3.7.2

Talvez seja altura de introduzir uma língua comum para a navegação internacional no Reno e no Danúbio, tanto entre embarcações como entre estas e terra.

3.8   Diálogo social

3.8.1

A CCNR e a Comissão do Danúbio só em escassa medida têm envolvido os parceiros sociais na elaboração da política social da navegação interior. Trata-se de uma situação insatisfatória, que os parceiros sociais deverão ser os primeiros a tentar alterar. Os governos dos Estados-Membros, que até à data não se têm mostrado particularmente atentos às reivindicações dos parceiros sociais, deveriam reconsiderar a sua posição.

3.8.2

Ao desenvolver a dimensão social da política da navegação interior para os UE-25, que procurará encontrar um novo equilíbrio no sector dos transportes intensificando o papel da navegação interior, a Comissão Europeia terá a oportunidade, graças à sua tradição comprovada de consulta dos parceiros sociais e de diálogo social, de obter melhores resultados do que a CCNR e a Comissão do Danúbio.

3.8.3

A este respeito, é de louvar que os parceiros sociais tenham iniciado o diálogo social, que decorre no quadro do comité para o diálogo social na navegação interior, criado por decisão da Comissão a instâncias dos parceiros sociais.

Infelizmente, os trabalhos deste comité têm avançado muito lentamente. Na Primavera de 2004 tiveram início os debates sobre a organização dos horários de trabalho na navegação interior, e em Junho de 2005 teve lugar a primeira reunião plenária.

3.8.4

Uma outra questão considerada prioritária para o diálogo social é o funcionamento do mercado interno da navegação interior, incluindo a livre circulação de trabalhadores.

3.8.5

O diálogo social é da inteira responsabilidade dos parceiros sociais. Não obstante, é de recomendar que a Comissão Europeia lhe dê novos incentivos. Uma forma seria a solicitação, em condições perfeitamente definidas, de pareceres aos parceiros sociais e a obrigação de que estes pareceres sejam elaborados dentro de um prazo razoável, nomeadamente através da definição de prazos claros.

3.8.6

Os acordos entre os parceiros sociais a nível comunitário com base no artigo 139.o do Tratado CE podem levar à adopção de regras específicas para satisfazer as necessidades específicas da navegação interior. Tais acordos, baseados nas normas mínimas definidas pelo Conselho em conformidade com o artigo 137.o do Tratado, só serão aplicáveis se os parceiros sociais concordarem na necessidade de regras adicionais específicas.

4.   Conclusões e recomendações

4.1

O CESE considera que é chegado o momento de formular uma política social comunitária para a navegação interior, de preferência num âmbito pan-europeu. Essa política deverá vigorar em todas as vias navegáveis europeias, dispor de uma base ampla e uniforme e ter em conta as condições específicas locais e regionais. Os parceiros sociais devem ser intimamente associados à configuração desta política social.

4.2

As anteriores afirmações do CESE em termos gerais sobre o regime jurídico europeu para a navegação interior aplica-se igualmente à legislação e às normas sociais no sector: estas estão enormemente fragmentadas e deveriam ser harmonizadas e uniformizadas da forma referida, sobretudo à luz das novas complicações trazidas pelo alargamento da UE.

4.3

A política social tem desde sempre sido considerada de interesse secundário na navegação interior. No essencial, resume-se a um capítulo da legislação técnica sobre as embarcações. É urgente que o factor humano ultrapasse esta posição de segunda classe.

4.4

Isso requer uma mudança de posição por parte de todos os implicados, sobretudo no que concerne ao papel dos parceiros sociais na formulação de uma política social moderna, e ao mesmo tempo uma modernização de outros aspectos da navegação interior.

4.5

Vários aspectos deviam ser objecto de uma análise cuidada e de decisões bem preparadas e equilibradas. De momento, as principais prioridades parecem ser as regras em matéria de tripulações e de períodos de trabalho e de descanso, assim como a instauração de um verdadeiro diálogo social activo.

4.6

A Comissão Europeia é a mais indicada para promover este processo, baseando-se na longa tradição, na experiência e nos conhecimentos da CCNR e da Comissão do Danúbio. Entretanto, atendendo ao funcionamento destas duas comissões nestas últimas décadas, à importância que reservaram à política social nos seus trabalhos e à forma como até agora neles envolveram os parceiros sociais, torna-se claro que as condições ideais para a formulação de uma política social moderna na navegação interior não poderão ser criadas apenas pela aproximação e interligação dos regimes do Reno e do Danúbio.

4.7

Para elaborar um novo projecto de política social na navegação interior na UE, a Comissão deverá colaborar estreitamente com os parceiros sociais, a CCNR e a Comissão do Danúbio. Isso requer que os países membros da CCNR e da Comissão do Danúbio dêem às suas instâncias as competências necessárias no domínio da política social e reforcem a sua capacidade de modo a que estas possam cooperar o melhor possível com a Comissão Europeia. Por outro lado, a Comissão Europeia deverá igualmente envidar maiores esforços para desenvolver a sua experiência no domínio da navegação interior.

4.8

Se os problemas actuais da política social na navegação interior forem atacados desta forma, será possível introduzir um regime social capaz de conciliar as características e os problemas específicos do sector com os interesses de todos os que nele trabalham.

4.9

Durante este processo de revisão e de adaptação será primordial criar condições equitativas e tornar o sector mais atraente tanto para as pessoas que nele estão já empregadas como para potenciais interessados, em razão sobretudo do esperado aumento da concorrência quer no interior do próprio sector da navegação interior quer entre este e os outros modos de transporte.

4.10

Este processo de transformação consumirá muito tempo e exigirá o máximo empenho dos parceiros sociais. O diálogo social sectorial (a nível nacional e europeu) é o melhor instrumento para conciliar os pontos de vista dos empregadores, dos independentes e dos trabalhadores assalariados, e os objectivos da política comunitária, sobretudo no que respeita à legislação e à regulamentação sobre a tripulação e os períodos de trabalho e de descanso dos tripulantes.

4.11

Para o futuro da União Europeia é essencial uma maior atenção ao aspecto da educação e da formação, para o que é necessária a contribuição dos parceiros sociais.

4.12

Os acordos entre os parceiros sociais a nível comunitário com base no artigo 139.o do Tratado CE podem levar à adopção de regras específicas para a navegação interior. Na opinião do CESE, tais acordos serão aplicáveis se os parceiros sociais concordarem em que as necessidades específicas do sector requerem disposições adicionais às normas mínimas definidas pelo Conselho com base no artigo 137.o do Tratado.

Bruxelas, 29 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  O presente parecer surge na linha do parecer de iniciativa intitulado «Rumo a um sistema pan-europeu de navegação fluvial», JO C 10, de 14/1/2004, p. 49.

(2)  Relatório final da CCNR à Comissão Central, Navios do Futuro, 2002.

(3)  «Prospects of Inland Navigation within the enlarged Europe» (Março de 2004), estudo encomendado pela Comissão Europeia.

(4)  Enquadramento Institucional para a Navegação Interior na Europa [no original European Framework for Inland Navigation], 2004. Este relatório foi encomendado pelo governo dos Países Baixos, com a colaboração da Bélgica, da Alemanha, da França e da Suíça.

(5)  Directiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário (JO L 80, de 23/3/2002, pp. 35-39).


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/79


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Declaração Conjunta do Conselho, do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia» sobre «A política de desenvolvimento da UE — O Consenso Europeu»

(COM(2005) 311 final)

(2006/C 24/16)

Em 29 de Julho de 2005, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Relações Externas emitiu parecer em 8 de Setembro de 2005 (relator: J. ZUFIAUR).

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 29 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu aprovou, por 84 votos a favor, 5 votos contra e 6 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

A iniciativa da Comissão e do Conselho de rever a Declaração sobre a política de desenvolvimento de 2000 e, em termos gerais, de redefinir o futuro dessa política é de uma importância crucial aos mais diversos níveis. As mutações do contexto internacional, as novas posições e consensos sobre a política de desenvolvimento alcançadas pela comunidade internacional e a própria evolução da UE, bem como o agravamento dos problemas ligados ao subdesenvolvimento (particularmente em África) e o aumento das disparidades entre países geradas pelo processo da globalização convidam à revisão supramencionada.

1.2

Entre as mutações ao nível internacional que afectaram, de alguma forma, as políticas de desenvolvimento, contam-se: as preocupações securitárias pós-11 de Setembro; os resultados da reunião da OMC em Doha (2001) e subsequente processo, no quadro da chamada «Agenda do Ciclo de Desenvolvimento»; o novo consenso internacional sobre o desenvolvimento, alcançado na Cimeira do Milénio e reflectido nas Conferências de Monterrey, Joanesburgo e Cairo, entre outras, sobre temas como o financiamento, o meio ambiente, a perspectiva do género e a SIDA; o processo de harmonização das políticas de desenvolvimento dos doadores iniciado pelo Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE e a consolidação de determinados instrumentos inovadores de programação e execução da ajuda ao desenvolvimento, tais como os Documentos Estratégicos de Redução da Pobreza (Poverty Reduction Strategy Papers — PRSP), o programa de abordagem sectorial (SWAP) e o apoio financeiro. Mais recentemente, o Fórum de Alto Nível sobre a eficácia da ajuda ao desenvolvimento, realizado em Paris em Março de 2005, constituiu um avanço na medida em que confere aos doadores determinadas responsabilidades em matéria de apropriação, harmonização, gestão com base em resultados e responsabilidade mútua.

1.3

Estas mutações foram igualmente influenciadas pelos fracos resultados alcançados no que respeita à maioria dos indicadores relativos aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), definidos há cinco anos. Para evitar o não cumprimento das metas estabelecidas até 2015, importa que a comunidade internacional reveja as políticas e tome medidas drásticas para gerar recursos adicionais para a ajuda pública ao desenvolvimento que tenham em conta a ajuda económica, a política comercial, a dívida, a propriedade intelectual, os efeitos da imigração e o reforço das organizações da sociedade civil.

1.4

Ao nível comunitário assinalam-se igualmente questões importantes com impacto na cooperação para o desenvolvimento: o processo de reforma da ajuda externa iniciado em 2000 com a consolidação do EuropeAid e os processos de desconcentração e descentralização referentes às delegações da Comissão; a entrada em vigor do Acordo de Cotonu em 2003 (foi recentemente assinada a versão revista do Acordo, que garante aos países ACP um montante mínimo garantido independentemente do resultado das negociações das Perspectivas Financeiras 2007-2013); e o processo iniciado para a inclusão do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) no orçamento comunitário. De modo geral, o alargamento da UE a 10 novos Estados-Membros, a execução da Estratégia Europeia de Segurança e da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e o debate sobre o Tratado Constitucional, que insere a política de desenvolvimento no policy mix das relações externas da UE, conferem uma nova dimensão à ajuda ao desenvolvimento que exigem a sua redefinição. Por último, o debate sobre as Perspectivas Financeiras 2007-2013 poderia permitir traduzir as implicações das questões supramencionadas em compromissos concretos.

1.5

O processo consultivo iniciado para rever a política de desenvolvimento é extremamente positivo na medida em que incentiva a participação democrática de todos os actores envolvidos.

1.6

Quando se iniciou a presente reflexão, em Janeiro de 2005, previa-se uma Comunicação da Comissão para o primeiro trimestre do ano. Esta foi publicada em Julho de 2005, tendo a Comissão solicitado ao CESE um parecer sobre a mesma. O presente documento vai ao encontro desse pedido. Dado que em Setembro se celebrará a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o ponto de situação da realização dos Objectivos do Milénio, o CESE considera que seria oportuno que a Comissão reiniciasse, após serem conhecidas as conclusões da conferência, o processo consultivo, antes de estabelecer o teor definitivo da Declaração, que será apresentada no Conselho de Novembro. Por outro lado, o facto de este processo coincidir com a elaboração de outros pareceres das instituições europeias (o CESE contribuiu com um parecer sobre o chamado «pacote sobre os ODM» (1), cuja aceleração foi proposta pelo Conselho) pode favorecer um maior compromisso da União Europeia em geral no que respeita aos problemas do desenvolvimento e constituir uma oportunidade para a UE consolidar o seu papel de protagonista no âmbito das políticas de desenvolvimento. O CESE considera extremamente importante o consenso de todas as instituições comunitárias no que diz respeito às linhas gerais da política de desenvolvimento.

1.7

A Declaração sobre a Política de Desenvolvimento aprovada em 2000 foi co-elaborada pela Comissão e pelo Conselho, o que implicou uma estreita cooperação e consenso. Actualmente, a Comissão pretende fazer participar igualmente o Parlamento Europeu. O CESE participa com grande interesse neste processo, considerando que a política de desenvolvimento deve contar com um maior apoio dos cidadãos e das instituições representativas da sociedade civil.

1.8

O CESE considera que teria sido útil o documento da Comissão Reflexão sobre o futuro da política de desenvolvimento da União Europeia, centro de consulta e debate recentes sobre este assunto, fazer uma análise mais detalhada sobre a eficácia da ajuda comunitária desde o seu estabelecimento e sobre os respectivos entraves e problemas que influenciaram o seu impacto durante a sua existência (2). No entender do CESE, os principais obstáculos foram, entre outros, a lentidão na execução dos programas, os custos administrativos e outros custos elevados quando comparados com as transferências destinadas aos projectos, o carácter vinculativo da ajuda, o papel pouco significativo dos países beneficiários e a imprevisibilidade e volatilidade da ajuda. Teria sido positivo conhecer, ainda que sucintamente, a avaliação que a Comissão faz do impacto da Declaração de 2000 e das várias dificuldades enfrentadas pela cooperação comunitária, bem como dos resultados alcançados e respectivas conclusões durante este período de tempo. No entanto, há estudos recentes (3) realizados com o apoio da Comissão Europeia que constituem uma referência muito útil sobre esta matéria. No entender do CESE, a eficácia limitada da ajuda ao desenvolvimento no que diz respeito à luta contra a pobreza exige uma certa autocrítica e uma revisão da política de desenvolvimento, bem como o prosseguimento dos esforços desenvolvidos pela Comissão no terreno tendo em vista uma melhor qualidade e eficácia da ajuda comunitária.

2.   Objectivos da política de desenvolvimento da UE

2.1

Tanto as Comunicações do «pacote sobre os ODM» como os compromissos assumidos em Barcelona em 2002 relativos ao cumprimento dos objectivos de Monterrey dizem respeito aos dois aspectos básicos das políticas de cooperação: o volume de recursos públicos afectados e a sua eficácia. Há um consenso internacional evidente quanto aos ODM apoiados por 189 países (4). A redução e, a longo prazo, a erradicação da pobreza, deve estar no centro de todas as políticas de desenvolvimento. Este consenso sobre os ODM é frequentemente demasiado retórico, não se tendo em conta que se trata de oito objectivos de desenvolvimento social, económico e ambiental — o primeiro dos quais é a redução da extrema pobreza em 50 % até 2015 — e que para cada objectivo foram estabelecidas 18 metas quantificáveis com um ou vários indicadores. O compromisso europeu em relação aos ODM deve ser coerente com esta dimensão concreta e operacional dos mesmos. Por outro lado, a definição de metas e indicadores concretos para os ODM pode contribuir para aumentar a necessária responsabilização e transparência da cooperação em geral e da ajuda europeia, em particular (5).

2.2

Pela primeira vez em décadas, os países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento dispõem de uma Agenda de desenvolvimento comum para gerir a globalização, tornando-a mais inclusiva e promotora da coesão social. Importa abordar a questão do desenvolvimento de forma integrada e global, tendo em conta, no quadro da luta contra a pobreza, a influência de várias políticas — políticas comerciais, ambientais, de migração ou de segurança, entre outras. A perspectiva do género deverá ser tida em conta em qualquer iniciativa contra a pobreza.

3.   Orientações e vectores da política europeia de desenvolvimento

3.1

As causas profundas da pobreza são múltiplas e variam consoante o contexto. Por outro lado, a noção de pobreza não se limita a um determinado rendimento. Trata-se de uma situação de vulnerabilidade extrema gerada por uma carência de meios físicos, financeiros e humanos que não pode ser combatida pelo simples aumento do volume global da ajuda. É necessário criar as condições para o crescimento e distribuição correcta da riqueza, rever as políticas comerciais e financeiras dos países desenvolvidos, desenvolver os mercados locais dos países pobres, promover as instituições democráticas e reforçar as organizações da sociedade civil, bem como conseguir uma relação eficaz e equitativa entre o papel do Estado e do mercado. A experiência das últimas décadas demonstrou que uma condição fundamental para promover o desenvolvimento é a capacidade dos Estados de fornecer as infra-estruturas materiais e imateriais necessárias.

3.2

As experiências tendo em vista a formalização dos direitos de propriedade para os sectores mais pobres (sobre questões aparentemente sem relevância, como as favelas de alguns países da América Latina) demonstram que o direito jurídico à propriedade pode ter efeitos positivos para o desenvolvimento. Assim, o CESE crê que se deverão ter em conta essas experiências no quadro da política europeia de desenvolvimento.

3.3

O CESE deseja igualmente chamar a atenção para a importância da educação e da formação enquanto bem público. A educação tem efeitos benéficos para a sociedade em geral — e não apenas para os educandos. A educação, em todas as suas formas, promove o capital humano, pelo que contribui para o crescimento, o emprego e os rendimentos. Uma vez alcançada a educação primária universal, o 2.o ODM, dever-se-ia envidar esforços o mais rapidamente possível para desenvolver a educação média e profissional. Neste contexto, a cooperação educativa das instituições comunitárias e dos Estados-Membros deveria ser reforçada.

3.4

O crescimento económico e do emprego nos países pobres é uma condição essencial para o desenvolvimento. No entanto, o crescimento depende de um mínimo de infra-estruturas, de sistemas de distribuição de rendimentos, do acesso à educação e à saúde, da qualidade institucional e do consenso social. Sem este capital social, o desenvolvimento económico com coesão social é impossível. Por outro lado, a pobreza é um obstáculo incontornável para o crescimento. No entender do CESE, a criação de tecido produtivo, as acções de resposta à emergência da economia informal (fomento do auto-emprego e da economia social, desenvolvimento das PME, sistemas de protecção social adaptados) e o desenvolvimento de um mercado local e regional significativo são algumas das acções que podem contribuir para o desenvolvimento económico dos países pobres.

3.5

A abertura do comércio internacional representa enormes possibilidades para ajudar os países menos desenvolvidos a sair da pobreza e do subdesenvolvimento. No entanto, as normas actuais do comércio mundial favorecem os países mais desenvolvidos e prejudicam os mais pobres. O CESE insistiu enfaticamente nesta questão em vários pareceres, incluindo no recente parecer sobre a dimensão social da globalização (6). Importaria melhorar, no quadro do actual ciclo de negociações da OMC (cuja próxima reunião ministerial terá lugar em Dezembro, em Hong Kong) e das negociações bilaterais da União Europeia, o acesso dos países em vias de desenvolvimento aos mercados dos países desenvolvidos, a redução ou eliminação de todos os subsídios (incluindo os subsídios agrícolas) que deturpem as trocas comerciais, a limitação considerável dos entraves às exportações dos países em desenvolvimento e a reforma do acordo sobre os direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio (ADPIC). Neste contexto, afigura-se oportuno evitar condicionar a ajuda europeia ao desenvolvimento às posições dos países em desenvolvimento nas negociações comerciais multilaterais, como fazem algumas instituições financeiras internacionais.

3.6

Por outro lado, os países mais pobres e menos desenvolvidos são muito vulneráveis à integração nos mercados externos e não dispõem de meios para enfrentar as fases de transformação económica. Assim, as políticas de desenvolvimento deveriam ter em vista uma integração gradual nos mercados globais, fomentando os investimentos em infra-estruturas, na educação e na saúde, o desenvolvimento de instituições democráticas e a emergência de mercados internos eficazes, bem como de mercados de dimensão regional.

3.7

O CESE defendeu, em várias ocasiões, a inclusão de uma dimensão social nos acordos de associação comercial, política e de cooperação da UE (7). Esta dimensão social mínima deveria incluir a promoção do trabalho digno e o desenvolvimento de sistemas públicos e privados de protecção social, bem como o respeito efectivo dos direitos laborais (expressos nas 8 convenções fundamentais da OIT (8) e nas Convenções n.o 168, sobre a promoção do emprego, n.o 183, sobre a protecção da maternidade e n.o 155, sobre a segurança e a saúde dos trabalhadores).

3.8

Dada a importância do trabalho digno — i.e., desempenhado em condições dignas, tanto no que respeita aos vínculos contratuais, como na execução prática das tarefas — na consecução do desenvolvimento, o CESE considera que seria oportuno estabelecer um «capítulo social» nas normas da OMC.

3.9

Os ODM não incluem suficientemente esta dimensão fundamental num contexto em que os efeitos da globalização nas condições sociais em geral e laborais, em particular, são evidentes. O CESE propõe que a avaliação intercalar dos ODM em curso inclua uma análise da situação dos direitos económicos, sociais e laborais e que, no futuro, o trabalho digno se venha a tornar o 9. o objectivo de desenvolvimento do milénio.

3.10

O desenvolvimento e a segurança humana são conceitos que se devem completar e reforçar na política de desenvolvimento da UE. Obviamente, a segurança e a garantia de um contexto pacífico são condições necessárias para uma estratégia de desenvolvimento centrada na erradicação da pobreza. Por outro lado, o desenvolvimento económico e social constitui uma garantia essencial de segurança. O CESE considera que os direitos humanos (com especial atenção para a importância dos direitos da mulher na luta contra a pobreza) devem ser uma das prioridades fulcrais da política de desenvolvimento da UE, o que contribuirá de forma significativa para reduzir a pobreza e aumentar a segurança global.

3.11

Neste contexto, o CESE reitera (9) a necessidade de a política de desenvolvimento da UE incluir medidas tendo em vista a protecção dos activistas dos direitos humanos, incluindo os direitos humanos no trabalho (10), ao nível global.

3.12

A política de desenvolvimento deve estar consciente de que a grande vulnerabilidade de muitas populações e a existência de velhas e novas ameaças aumentaram o risco de desastres naturais ou provocados pela actividade humana, pelo que importa adoptar uma estratégia mais preventiva. Em contextos propícios à violência, a política de desenvolvimento deveria levar a cabo, no âmbito do seu programa de acção, uma análise rigorosa dos factores de conflito e prever iniciativas de apoio às organizações da sociedade civil nos seus esforços de consolidação da paz e de prevenção e resolução de novos conflitos e ameaças.

3.13

O CESE considera que a protecção do ambiente, um dos três pilares do desenvolvimento sustentável, deve merecer a mesma atenção que a dimensão económica ou social. Neste contexto, sublinha a necessidade de incluir a dimensão ambiental nos indicadores de eficácia da aplicação das estratégias de desenvolvimento. Por outro lado, a realização de estudos de impacto ambiental deveria ser um pré-requisito obrigatório nos projectos e acções de maior envergadura.

3.14

O CESE crê que, por um lado, não será possível enfrentar os desafios ambientais globais exclusivamente através de estratégias nacionais nos países beneficiários. Os países desenvolvidos devem assumir a sua responsabilidade e financiar a maior parte dos custos inerentes à resposta aos problemas ambientais globais. A UE deveria disponibilizar meios financeiros adicionais ao serviço de programas que visem solucionar esses problemas.

3.15

A mera integração dos países em vias de desenvolvimento no comércio internacional não será suficiente para solucionar a situação de pobreza e desigualdade. Estes problemas exigem, por um lado, criar, nesses países, condições para o desenvolvimento, realizando avanços económicos e políticos, bem como uma política de redistribuição da riqueza dos países ricos para os países pobres. Por outro lado, importa que se saiba, nos países doadores, que a ajuda ao desenvolvimento não pretende apenas favorecer os países pobres, sendo igualmente essencial para o futuro dos países ricos; a pobreza e a desigualdade são uma ameaça para a segurança e para as possibilidades de desenvolvimento daqueles. Na opinião do CESE, esta consciencialização é uma das iniciativas que a sociedade civil organizada melhor pode realizar.

3.16

A política de desenvolvimento da UE pode contribuir de forma positiva para a integração dos fluxos migratórios e para desenvolver uma política de co-desenvolvimento com os países de origem dos imigrantes (11). A colaboração com os países de origem é um requisito essencial para a gestão dos fluxos migratórios em condições adequadas e para que a admissão dos imigrantes seja feita respeitando todos os seus direitos, quer enquanto imigrantes, quer enquanto cidadãos de pleno direito (12). Por outro lado, a emigração deve contribuir para o desenvolvimento dos países de origem dos emigrantes (13), o que implica estabelecer políticas de compensação por «fuga de cérebros», combater as taxas abusivas aplicadas às remessas enviadas pelos emigrantes às suas famílias nos lugares de origem e facilitar o retorno aos respectivos países para promover o seu desenvolvimento e realizar actividades produtivas.

4.   Critérios de actuação da política europeia de desenvolvimento

4.1

A questão da coerência de políticas, frequentemente abordada no quadro da ajuda comunitária e com fundamento jurídico nos Tratados, assume uma nova importância no actual contexto internacional marcado por uma agenda securitária e pelos efeitos da globalização no comércio, na agricultura, no emprego, nos fluxos migratórios, etc. A recente Comunicação da Comissão ilustra a relevância do tema e a vontade da UE de responder ao mesmo de forma adequada. A iniciativa «Tudo menos armas» levou a uma nova coerência no que diz respeito à política comercial a favor dos países pobres.

4.2

A política de desenvolvimento da UE não foi concebida como um instrumento paliativo para reduzir os possíveis efeitos negativos para o desenvolvimento dos países pobres causados por outras políticas, como a política comercial ou de segurança. O CESE crê que, para reforçar esta dimensão, seria oportuna uma melhor coordenação entre as diferentes direcções-gerais da Comissão Europeia — por exemplo, entre a DG Comércio e a DG Emprego — e a realização de uma avaliação periódica, em que a sociedade civil organizada tivesse um papel de relevo, do impacto das políticas comunitárias na coesão social dos países em desenvolvimento.

4.3

Esta coerência, idealmente presente em todas as políticas da União, não deveria servir, contudo, para menosprezar o teor da política de desenvolvimento, colocando-a sob tutela de outras acções comunitárias e esquecendo a especificidade e objectivos das acções para o desenvolvimento. Numa União com uma acção externa crescente e em plena evolução, a política de desenvolvimento deve manter uma certa autonomia em relação aos outros factores da acção externa para poder cumprir os seus objectivos.

4.4

No entender do CESE, importa aprofundar a harmonização entre a política de desenvolvimento comunitária e as dos 25 Estados-Membros, para o que o apoio dos mesmos aos ODM e às posições do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE deverá contribuir. É fundamental uma maior harmonização das políticas — muitas vezes contraditórias — dos países doadores, bem como uma coerência entre as mesmas. A ausência desta última provoca elevados «custos de transacção»: gastos excessivos, duplicação de esforços, incoerência nas abordagens e grande complexidade para os países beneficiários. No Conselho Europeu de Barcelona realizado em Março de 2002, a UE comprometeu-se a adoptar medidas concretas relativamente à coordenação das políticas e à harmonização de procedimentos até 2004, tanto ao nível da Comissão Europeia, como dos Estados-Membros. No entanto, as recomendações resultantes deste compromisso não foram efectivamente aplicadas. O CESE considera que uma harmonização eficaz das políticas de desenvolvimento dos Estados-Membros e da UE é essencial para o futuro da política de desenvolvimento comunitária. O CESE, na medida das suas possibilidades, promoverá um debate com as organizações da sociedade civil europeia a favor de uma plataforma europeia comum para a política de desenvolvimento. O CESE acolhe com agrado a proposta da Comissão de uma política de desenvolvimento ao nível europeu que envolva os Estados-Membros e a própria Comissão.

4.5

A principal mais-valia de uma política de desenvolvimento comunitária deveria ser o reforço da coordenação e da complementaridade com as políticas dos Estados-Membros. A UE tem algumas vantagens comparativas — escala, imagem de neutralidade, contribuição para os fundos mundiais — que importa aproveitar.

4.6

Simultaneamente, o CESE defende uma maior participação da UE a uma só voz em todos os fóruns multilaterais que digam respeito ao desenvolvimento. A UE deve participar activamente na reforma do sistema multilateral, com uma posição comum, tanto ao nível do sistema das Nações Unidas, no quadro do processo iniciado pelo seu Secretário– Geral, como no que respeita às instituições financeiras internacionais e outros fóruns multilaterais (CAD, Clube de Paris, G8, OMC, etc.). O poder de influência da UE como actor internacional decisivo depende da sua capacidade de falar a uma só voz nas organizações multilaterais. Paralelamente, a UE deverá reforçar os mecanismos de concertação e de coordenação no terreno com as agências especializadas da ONU e outros doadores.

4.7

A dimensão institucional do desenvolvimento e o apoio às capacidades das instituições locais dos países beneficiários são fundamentais. O reforço institucional é uma condição sine qua non para uma boa gestão pública, mediante a afectação e gestão de recursos de forma a responder aos problemas com base em critérios de participação, transparência, responsabilização, luta contra a corrupção, equidade e Estado de Direito. Neste contexto, o reforço das capacidades e dos meios das organizações da SCO é igualmente fundamental para que esses países possam apropriar-se do processo de desenvolvimento.

4.8

A UE deveria basear-se e tirar conclusões dos programas de cooperação com os novos Estados-Membros, que, num curto período de tempo, passaram de beneficiários da ajuda a membros de uma comunidade de doadores. A sua sensibilidade e perspectiva enquanto ex-beneficiários pode ser de grande utilidade na aprendizagem de métodos inovadores de gestão da ajuda.

4.9

A grande descentralização da ajuda comunitária nos países beneficiários exige o aperfeiçoamento dos mecanismos de participação dos vários parceiros e o estabelecimento de mecanismos de coordenação no terreno baseados na estratégia ascendente (bottom-up) da cooperação.

4.10

O aperfeiçoamento dos mecanismos de concertação e de coordenação deveria levar a uma maior eficácia da ajuda, na medida em que diminuem os custos de transacção. No entanto, a eficácia é afectada por muitas outras questões; o seu acompanhamento deveria ser parte integrante de toda a cooperação comunitária. A Comissão estabeleceu sistemas exigentes de avaliação e controlo da qualidade da ajuda que deveriam generalizar-se tendo em vista não só a necessária responsabilização mas, sobretudo, um aperfeiçoamento baseado na experiência. A análise da ajuda a realizar pelas instituições comunitárias deveria incluir outras questões de âmbito mais geral, como o estudo da fungibilidade (14) dos fundos.

4.11

O princípio de apropriação, até hoje aplicado de forma diferenciada em vários contextos geográficos, deveria ser gradualmente harmonizado, com base nas boas práticas eventualmente conhecidas e na experiência adquirida com a sua aplicação. A participação e a apropriação deveriam ser aplicadas em todas as fases da elaboração de acções, programas ou projectos, desde a fase de debate sobre os programas indicativos nacionais até à avaliação ex-post.

5.   Os actores da política de desenvolvimento

5.1

A política de desenvolvimento comunitária é uma política pública em que participa um grande número de actores, o que deveria ser mais tido em conta pelas instituições comunitárias, dando às várias organizações europeias maiores possibilidades de participação nesta política. A concertação entre os vários actores — públicos e privados — é uma condição para a eficácia e coerência da política de desenvolvimento.

5.2

A aplicação dos princípios de associação, participação e apropriação levou a um reforço da cooperação para o desenvolvimento que deve continuar e aprofundar-se, aumentando de forma mais determinada a participação de outros agentes sociais (incluindo organizações sindicais, empresariais e da economia social) e não apenas dos actores governamentais.

5.3

A definição de políticas de longo prazo relativas à luta contra a pobreza e a melhor utilização das transferências de fundos para o desenvolvimento exigem um compromisso efectivo entre as autoridades democráticas dos países beneficiários e as forças económicas e sociais desses países.

5.4

Na opinião do CESE, o reforço das organizações da sociedade civil (trabalhadores, empregadores, consumidores, organizações especializadas na defesa dos direitos humanos, etc.) nos países do sul deveria ser uma prioridade central da política de desenvolvimento da UE. A redução da pobreza e da desigualdade depende, em grande medida, de uma maior capacidade de exigência, negociação, compromisso e participação das organizações da sociedade civil. Assim, a política de desenvolvimento da UE deveria não só promover a participação efectiva daquelas nas iniciativas atinentes à ajuda ao desenvolvimento, mas também reforçar as genuínas organizações da sociedade civil e promover o seu reconhecimento como actores imprescindíveis do desenvolvimento nas suas próprias sociedades  (15). O exposto requereria estabelecer linhas de financiamento específicas.

5.5

Por outro lado, a política de desenvolvimento da UE deveria promover um quadro jurídico nos países beneficiários que permitisse às organizações da sociedade civil participar na política de desenvolvimento dos respectivos países, o que implica: disponibilizar meios económicos para desenvolver as capacidades dessas organizações e reforçá-las; consolidar estruturas favoráveis a uma participação e diálogo contínuos; adoptar procedimentos para consultar essas organizações em todas as fases dos programas indicativos nacionais e regionais; generalizar as boas práticas. Por último, dever-se-iam consultar as organizações europeias no âmbito de acções apoiadas pela UE.

5.6

Actualmente, apenas se reconhece a participação formal dos actores da SCO em todas as fases da cooperação para o desenvolvimento nos países ACP. Esta obrigação, prevista pelo Acordo de Cotonu, não está prevista para a cooperação com outras regiões, onde apenas se realizam consultas de carácter informal (16). O CESE defende que a futura política de desenvolvimento da UE aplique esta obrigação a outras regiões, criando mecanismos formais de participação das organizações da sociedade civil na elaboração, realização e avaliação das políticas de desenvolvimento.

5.7

O Acordo de Cotonu é uma oportunidade única para os agentes não estatais acederem a uma parte dos fundos da UE afectados a cada país (fundos FED destinados aos programas indicativos nacionais e regionais), os quais têm por objectivo reforçar as capacidades da sociedade civil e possibilitar a sua participação activa na aplicação das estratégias regionais ou nacionais de combate à pobreza.

O CESE apela à utilização do modelo supramencionado de consulta da sociedade civil nas relações da UE com outras regiões, por exemplo, com a América Latina e os países da parceria euromediterrânica.

5.8

Por outro lado, a revisão da política de desenvolvimento da UE deveria motivar sérios esforços no sentido de garantir que os direitos de participação se aplicam de facto onde já são reconhecidos. Na prática, subsistem graves falhas na aplicação das disposições previstas, o que impede os representantes da SCO de ter um conhecimento suficiente dos acordos e de serem consultados de forma efectiva. Importa igualmente definir critérios sobre a representatividade das organizações da sociedade civil. Por último, subsistem obstáculos ao acesso a financiamento comunitário.

5.9

O estabelecimento de quadros estáveis e democráticos de relações laborais é uma condição importante para cumprir o objectivo de trabalho digno, além de ser um requisito fundamental para o desenvolvimento económico. Neste contexto, o CESE considera que a promoção de um diálogo social equilibrado deveria ser um dos objectivos da política de desenvolvimento europeia. Considerando as experiências europeias significativas nesta matéria, o CESE é da opinião que as organizações sindicais e empresariais europeias deveriam participar nestas acções.

5.10

As empresas deverão ter um papel cada vez mais importante e positivo para concretizar o objectivo do desenvolvimento sustentável, como reconhece a OCDE nos seus códigos de conduta para as empresas multinacionais (17). O CESE crê que a política de desenvolvimento da UE deveria contribuir para promover a responsabilidade social das empresas, nomeadamente das empresas europeias, nos países beneficiários. O CESE reitera (18) que se as empresas actuarem pelo menos da mesma forma nos países beneficiários como actuam, em geral, na Europa, aplicando os mesmos critérios laborais, sociais e ambientais, tal será um importante contributo para o desenvolvimento económico e social dos países em causa.

5.11

A política de desenvolvimento só poderá manter-se e desenvolver-se se tiver um apoio social adequado. O CESE crê que importa envidar esforços para sensibilizar os cidadãos para a ajuda ao desenvolvimento. Dever-se-ia consolidar a emergência de uma certa «consciência cidadã mundial», patente, sobretudo, no quadro das questões ambientais, alargando-a a assuntos ligados à pobreza, à desigualdade e aos bens públicos mundiais. O CESE considera necessário que as escolas, os meios de comunicação social e, evidentemente, as organizações da sociedade civil, participem nesse processo e mostra-se disposto a actuar como instrumento dessa política em colaboração com as instituições europeias.

6.   Prioridades, concentração e diferenciação na política de desenvolvimento da União Europeia

6.1

Tendo em vista uma maior eficácia e impacto da ajuda, afigura-se oportuno a UE concentrar-se em acções e iniciativas para os quais possa contribuir com um maior valor acrescentado ou com um elemento que a distinga dos outros doadores. No entanto, a experiência demonstra que nem sempre é possível estabelecer estas prioridades ou definir qual o valor acrescentado da acção comunitária de forma antecipada. Em qualquer caso, dever-se-á utilizar o programa de cada país como instrumento de negociação entre os parceiros. A programação nacional deveria ser o instrumento de negociação entre os parceiros. Os Documentos Estratégicos de Redução da Pobreza de cada país deveriam ser o eixo central deste processo.

6.2

O CESE considera que não só as motivações éticas têm importância no quadro da política de desenvolvimento, mas também as motivações políticas. Sem corrigir as desigualdades actuais, a globalização será um fracasso. Assim, não basta que a política de desenvolvimento da UE responda aos factores do subdesenvolvimento. Um dos valores acrescentados da UE deveria ser a sua acção em prol dos objectivos estratégicos mundiais de carácter plurisectorial, como por exemplo a saúde (incluindo a saúde reprodutiva), a educação, a igualdade de géneros, a protecção ambiental, a criação de actividades produtivas e de emprego e o trabalho digno, o que implica que a UE se dote de meios económicos adicionais, paralelamente aos meios destinados à cooperação para o desenvolvimento, provenientes de novos instrumentos de financiamento.

6.3

A cooperação comunitária caracterizou-se, desde o início, por uma grande concentração geográfica, sendo, no caso dos países ACP (Acordo de Cotonu), altamente complexa. Dever-se-ia fazer uso da experiência obtida com as sucessivas Convenções de Lomé e com o Acordo de Cotonu para outras regiões, especialmente a Ásia, ou países comprometidos em cumprir os ODM. Assim, seria importante promover nas outras regiões do mundo que beneficiam de ajuda comunitária mecanismos mais flexíveis, permanentes e estruturados que vão além das clássicas cimeiras e acordos e dêem uma visão mais estratégica à cooperação. Por outro lado, a ajuda comunitária deveria abranger todos os países pobres.

6.4

O CESE junta-se àqueles que desejam dar prioridade à África Subsariana no quadro da política de desenvolvimento europeia. No entanto, a eficácia deste projecto depende igualmente de uma melhor governança nacional e regional naquele continente, o que diz respeito às organizações intergovernamentais africanas, aos Estados e às organizações da sociedade civil, as quais, dada a sua independência, proximidade à população e capacidade de reacção, podem contribuir para que os cidadãos se responsabilizem efectivamente pelas políticas de desenvolvimento que lhes dizem directamente respeito.

6.5

Neste contexto, o CESE propõe que se facilite o acesso das organizações da sociedade civil africanas ao financiamento comunitário, garantindo-lhes um acesso directo ao nível nacional. Dever-se-ia igualmente estabelecer um programa horizontal para financiar os agentes não estatais e aumentar e sistematizar a participação da sociedade civil na definição e aplicação das políticas e estratégias de cooperação.

6.6

Para que o desenvolvimento económico beneficie o maior número de pessoas possível e não permita abusos, o CESE apela a que as actividades de ajuda ao desenvolvimento da UE em África tenham em conta os princípios de coesão social e trabalho digno para todos. A realização de um diálogo social efectivo e, em particular, de um diálogo com as organizações representativas da sociedade civil, é um contributo importante para a garantia destes princípios. Neste contexto, o CESE colaborará, como referido na Comunicação da Comissão Europeia (19), com o Conselho Económico, Social e Cultural Africano, através do intercâmbio de experiências e de conhecimentos nos âmbitos que considerem pertinentes.

6.7

A política de desenvolvimento da UE deveria dar mais atenção aos países de rendimento médio que têm, contudo, graves problemas internos de pobreza e desigualdade. Neste contexto, o CESE chama a atenção para a constante redução das percentagens de ajuda da UE à América Latina, região em que se verificam os níveis de desigualdade mais elevados (grande parte da população de países de rendimento médio como o Brasil, Uruguai ou México, vive na pobreza). Dever-se-ia estabelecer um sistema de indicadores que permitisse acompanhar a evolução da situação nestes países. O CESE insta a UE a dar mais prioridade à América Latina no quadro da sua política de desenvolvimento.

6.8

O CESE acolhe com agrado a proposta da Comissão de criar medidas específicas para situações de transição que permitam aprofundar a relação entre a ajuda, a reabilitação e o desenvolvimento, de forma a responder a contextos voláteis e a situações de vulnerabilidade tendo em conta a necessária diferenciação. O trabalho de cooperação nestes casos concretos deveria igualmente incluir uma dimensão preventiva e de alerta precoce.

7.   Financiamento

7.1

A União comprometeu-se a cumprir pelo menos os compromissos de Monterrey. No entanto, tudo aponta para que estes compromissos não sejam suficientes para alcançar os ODM. O Conselho Europeu de Barcelona de Março de 2002 concordou em aumentar a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) até 0,39 % do PIB em 2006. Embora pareça um compromisso significativo em relação à actual média de 0,22 %, este valor está longe do contributo dos membros da UE em 1990: 0,44 %. O Conselho de 23 e 24 de Maio de 2005 define novos objectivos mais exigentes para alcançar 0,56 % do PIB como média da UE em 2010 e estabelecendo diferenças entre os 15 países pré-alargamento e os 10 novos Estados-Membros. No entanto, é manifestamente necessário um compromisso muito maior para cumprir os ODM.

7.2

O compromisso assumido pelos países do G8, em Julho de 2005, sobre a anulação total da dívida multilateral de 18 países mais pobres é um avanço significativo nesse sentido que deve ser incentivado. Cabe aguardar a confirmação definitiva desta medida, bem como esperar para ver se, como foi anunciado, medidas similares se aplicarão a cerca de 20 países adicionais. O CESE crê que estas medidas se deveriam generalizar a todos os países menos desenvolvidos, devendo ser financiadas por recursos efectivamente adicionais e não por meio de um reajustamento dos montantes destinados à ajuda pública ao desenvolvimento.

7.3

Consequentemente, as Perspectivas Financeiras 2007-2013 deveriam incluir de forma mais clara e específica os compromissos financeiros necessários para que os ODM sejam uma realidade cada vez mais próxima.

7.4

As formas de financiamento do desenvolvimento evoluíram e adaptaram-se, gradualmente, à necessária apropriação por parte dos parceiros. A cooperação comunitária deve avançar na previsibilidade a longo prazo e nos mecanismos de planificação plurianual que minimizem os eventuais efeitos negativos das alterações nas afectações orçamentais e na chamada volatilidade da ajuda.

7.5

Duas razões justificam a necessidade de fontes de financiamento suplementares: a primeira é o princípio de anuidade dos orçamentos nacionais, que constitui um obstáculo a uma ajuda previsível e estável; a segunda — e a mais importante — é a necessidade de conseguir recursos adicionais para o desenvolvimento, além do financiamento habitual. A ausência de acordo entre os Estados-Membros sobre novas fontes de financiamento como complemento à ajuda pública ao desenvolvimento (APD), de forma a criar novos recursos para cumprir os ODM, atrasa a realização destes. Basicamente, podem-se referir duas inovações possíveis no que diz respeito aos mecanismos suplementares de financiamento da ajuda ao desenvolvimento: por um lado, a International Finance Facility (IFF); por outro lado, a aplicação de impostos internacionais. Além das dificuldades ligadas à vontade política de tornar estes dois instrumentos operacionais, importa referir, no que respeita à IFF, que subsistem dúvidas substanciais quanto à gestão e aplicação dos fundos. No atinente aos impostos internacionais, a principal dificuldade é conseguir um consenso internacional para a sua aplicação. O CESE considera ambos os mecanismos viáveis e complementares. Mais ainda, considera urgente a sua aplicação, mantendo, contudo, o seu carácter de fonte de financiamento suplementar.

7.6

A completa desvinculação da ajuda deve continuar a ser um dos objectivos do desenvolvimento nos próximos anos. Após várias propostas nesse sentido (20), o CESE convida o Conselho a avançar firmemente no Regulamento sobre a desvinculação da ajuda e no acompanhamento desta questão pelos Estados-Membros, indo além das recomendações do CAD.

7.7

Actualmente, a posição dos países doadores e a política da União Europeia têm em vista reduzir a ajuda aos projectos e financiar os orçamentos dos governos dos países beneficiários de forma a que estes disponham dos meios para desenvolver as suas próprias políticas. O CESE considera que esta tendência não deverá em caso algum afectar o cumprimento dos objectivos pretendidos com a ajuda concedida pela UE. Por outro lado, esta forma de financiamento permite favorecer o princípio de apropriação, desde que não se substitua o anterior controlo dos projectos por uma nova condicionalidade política relativa à orientação das políticas económicas e sociais a executar.

7.8

Os instrumentos de financiamento do desenvolvimento devem ser coerentes com os fins a que se propõem. É necessária uma maior flexibilidade na cooperação comunitária, tendo em conta os períodos de tempo consideráveis da gestão do ciclo de projectos ou acções que recebem actualmente ajuda europeia. Por outro lado, não se afigura oportuno combinar instrumentos de cooperação económica em geral com os instrumentos de cooperação para o desenvolvimento. De facto, os objectivos da política de desenvolvimento têm uma certa autonomia que exige uma certa especificidade dos respectivos instrumentos, tanto ao nível da elaboração, como de aplicação.

7.9

A flexibilidade torna-se ainda mais necessária em contextos de reabilitação pós-guerra ou pós-desastre ou em situações de crise em que a lentidão e rigidez tornam qualquer acção impossível. Iniciativas como o Fundo para a Paz de África são exemplos das acções desenvolvidas nesses contextos específicos.

7.10

A UE fez um esforço unânime no que respeita à iniciativa reforçada para a redução da dívida externa dos países pobres altamente endividados (PPAE). No entanto, esta iniciativa não pode solucionar os problemas da dívida, a curto prazo, e de serviço da dívida, a longo prazo, pelo que importa estudar outras alternativas. A Comissão propôs medidas conjunturais para países em situação de pós-guerra ou afectados por situações graves; contudo, o problema da acção a longo prazo continua por resolver. O CESE propõe medidas mais activas em matéria de dívida, nomeadamente a troca de dívida por educação ou investimento social, bem como a possibilidade de anulação da dívida em regiões afectadas por desastres de grande magnitude.

7.11

A maior preocupação com os chamados bens públicos internacionais deveria permitir um financiamento específico para a sua protecção. Neste contexto, a UE deveria elaborar um Plano de Acção sobre a sua importância e financiamento e dedicar recursos a esta questão de modo flexível. Os fundos e iniciativas globais iniciados nos últimos anos para questões concretas (SIDA, água, vacinas, etc.) ilustram essa flexibilidade, devendo-se continuar o apoio comunitário a este tipo de iniciativas, já iniciadas por alguns Estados-Membros (21).

7.12

Como referido supra, o CESE propõe que se incluam na estratégia europeia de desenvolvimento os problemas específicos dos países de rendimento médio onde subsiste, contudo, um grande número de bolsas de pobreza e em que muitos sectores da população vivem na indigência. Neste caso, a modalidade adequada de ajuda não deverá ser exclusivamente a ajuda não reembolsável, mas os empréstimos ou outras formas combinadas de ajuda. Por outro lado, os critérios aplicáveis devem completar os ODM, incluindo a coesão social como objectivo (22), como foi o caso na Cimeira União Europeia — América Latina e Caraíbas, realizada em Guadalajara em 2004. Por sua vez, a coesão social exige, entre outros factores, reformas da gestão orçamental e um sistema fiscal progressivo.

8.   Propostas

8.1

O CESE defende que o combate contra a pobreza seja um factor essencial na acção da UE para uma globalização mais justa, segura e ecologicamente responsável e uma prolongação lógica, no exterior, do seu modelo interno de desenvolvimento económico e convivência social (23).

8.2

O CESE considera que a política europeia de desenvolvimento terá um papel fulcral tanto na difusão dos valores constitutivos da UE, como na prevenção dos efeitos negativos (insegurança, exaustão dos recursos naturais, migrações incontroladas) da pobreza e da desigualdade. Neste contexto, propõe que a política europeia de desenvolvimento seja posta ao mesmo nível que a política de segurança.

8.3

Assim, o CESE propõe que a promoção do modelo social europeu (regulação social, sistemas de compromisso entre interlocutores sociais, sistemas universais de protecção social) seja, no novo contexto da mundialização económica, um eixo central da política de desenvolvimento europeia.

8.4

No entender do CESE, a redução das barreiras alfandegárias às exportações dos países em desenvolvimento e dos subsídios (incluindo os subsídios agrícolas) ligados aos preços de exportação poderia contribuir (24) para a redução da pobreza, não obstante os seus eventuais efeitos ambivalentes a curto prazo, dado que os países em desenvolvimento que sejam importadores líquidos podem ser afectados por uma subida de preços. O CESE insta à reforma do acordo dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio e defende que os processos de abertura comercial dos países em desenvolvimento tenham em vista a sua integração gradual nos mercados globais e se façam acompanhar por programas de reforço estrutural dos referidos países.

8.5

O CESE propõe a inclusão nos acordos de associação da UE com os vários países e regiões do mundo de uma dimensão social que promova, pelo menos, o trabalho digno e o desenvolvimento de sistemas públicos e privados de protecção social e de respeito efectivo dos direitos do trabalho previstos pelas principais convenções da OIT. O CESE propõe igualmente que os referidos acordos estabeleçam mecanismos de participação da sociedade civil organizada.

8.6

O trabalho digno, tal como definido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), é um factor indispensável para a erradicação da pobreza e para o aumento da coesão social, pelo que o CESE propõe que a garantia do trabalho digno seja proclamada o 9.o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio.

8.7

A defesa dos direitos humanos é uma das vertentes da política de desenvolvimento da UE. O CESE propõe que esta política preveja medidas para a protecção efectiva dos activistas dos direitos humanos, incluindo os direitos humanos no trabalho, nas regiões onde há cooperação.

8.8

O CESE propõe incluir a dimensão ambiental nos indicadores de eficácia na aplicação da estratégia de desenvolvimento. Mais ainda, considera que a realização de estudos de impacto ambiental deveria ser um pré-requisito obrigatório nas acções mais importantes.

8.9

O CESE considera que a política de desenvolvimento da UE contribuirá para a integração legal dos imigrantes e para os direitos dos mesmos. Importa desenvolver uma política de co-desenvolvimento com os países de origem dos imigrantes mediante compensações por «fuga de cérebros», suprimir obstáculos à transferência de remessas dos imigrantes e apoiar o seu retorno de forma a criarem actividades produtivas. Em qualquer caso, as políticas migratórias não deverão ser novos factores condicionantes da política de desenvolvimento.

8.10

O CESE defende a coerência entre o conjunto de políticas da UE e a estratégia de desenvolvimento, bem como a necessária autonomia e especificidade da política de desenvolvimento em relação a outras políticas. O CESE considera que a harmonização entre a política de desenvolvimento comunitária e a dos Estados-Membros é cada vez mais importante, pelo que é fundamental criar uma plataforma ou agenda europeia comum para a política de desenvolvimento da UE que defina e concretize prazos e sistemas de acompanhamento por parte dos Estados. O CESE é igualmente favorável à participação dos Estados-Membros e da UE nos fóruns multilaterais, devendo ser adoptadas posições comuns. Por último, o CESE acolhe com agrado a proposta da Comissão de uma política de desenvolvimento ao nível europeu que envolva os Estados-Membros e a própria Comissão.

8.11

A erradicação da pobreza exige, entre outros factores, uma outra distribuição do poder e de oportunidades. A consolidação das instituições do Estado social e democrático de direito é fundamental para avançar nessa direcção. Outro factor importante é o reforço das organizações da sociedade civil: o CESE propõe o estabelecimento de linhas orçamentais para a realização deste objectivo.

8.12

Tendo em conta o sólido exemplo das relações ACP-UE, o CESE insta a Comissão Europeia, o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu a apoiar o reforço do papel do CESE no que respeita à relação com os actores económicos e sociais de outras regiões, como a América Latina e os países euromediterrânicos. O CESE insta a que as instâncias políticas dêem o seu apoio: ao mandato político e afectação de fundos que permitam a participação dos actores económicos e sociais; ao reconhecimento institucional do diálogo da sociedade civil e da sua participação formal e regular nos acompanhamentos dos acordos de associação, nas cimeiras, nas comissões parlamentares paritárias e nas políticas relevantes para a sociedade civil, como a coesão social e o trabalho digno; e aos esforços do CESE para promover a função consultiva e o diálogo social, em colaboração com a OIT e outras organizações internacionais. Neste contexto, o CESE solicita à Comissão Europeia, ao Conselho Europeu e ao Parlamento Europeu que apoiem a inclusão, no ponto 2.2 da Declaração Conjunta sobre a política de desenvolvimento da UE, de uma referência específica ao CESE como catalisador efectivo e necessário do diálogo com os actores económicos e sociais.

8.13

O CESE propõe que a promoção de quadros estáveis e democráticos de relações laborais e de diálogo social e o incentivo à responsabilidade social das empresas sejam objectivos centrais da política europeia de desenvolvimento.

8.14

O CESE considera que o valor acrescentado da acção comunitária deveria ser a definição de objectivos estratégicos globais de carácter plurisectorial. O CESE é a favor de dar prioridade ao apoio à África subsariana, desde que sejam definidas as condições para uma melhor governança nessa região. Por outro lado, o CESE defende que a ajuda comunitária se estenda a todos os países pobres.

8.15

O CESE considera que a política europeia de desenvolvimento deveria dar mais atenção aos países de rendimento médio em que existem consideráveis problemas internos de pobreza e desigualdade. Cabem neste grupo alguns países da América Latina (região com a qual a UE pretende estabelecer uma associação estratégica) e da Ásia.

8.16

O CESE propõe que as medidas de anulação da dívida aprovadas pelo G8 sejam estendidas a todos os países pobres e sejam financiadas com recursos efectivamente adicionais.

8.17

O CESE assinala a necessidade de fontes de financiamento adicionais para cumprir os objectivos de desenvolvimento e preservar os bens públicos mundiais. Neste contexto, vê com agrado a iniciativa IFF e o estabelecimento de impostos internacionais, medidas que considera viáveis e complementares, cuja eficácia depende, contudo, de um amplo consenso político.

8.18

O CESE considera a desvinculação da ajuda um dos objectivos centrais da estratégia europeia de desenvolvimento e insta o Conselho a avançar na alteração do Regulamento sobre a desvinculação da ajuda, indo inclusivamente mais além das recomendações do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD).

8.19

O CESE propõe a utilização de novas medidas de troca de dívida, como as que se destinam à educação ou a objectivos de carácter social (retorno de imigrantes, reforço de organizações sociais, etc.).

8.20

A maior eficácia da ajuda continua a ser um desafio para todos os actores envolvidos. O CESE considera que devem prosseguir-se e desenvolver-se esforços para cumprir os objectivos de desenvolvimento.

8.21

O CESE considera fundamental adoptar uma política tendo em vista o aumento do apoio social à política de desenvolvimento e uma maior consciência cidadã ao nível global. O CESE mostra-se disponível para actuar como instrumento dessa política em colaboração com as instituições comunitárias.

Bruxelas, 29 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Este «pacote», publicado em Abril de 2005, é composto por três Comunicações: COM(2005) 132 final, sobre o contributo da UE; COM(2005) 133 final, sobre o financiamento do desenvolvimento e a eficácia da ajuda e COM(2005) 134 final, sobre a coerência das políticas.

(2)  Cabe referir, contudo, a avaliação de impacto anexa à proposta da Comissão, o Relatório anual sobre a política de desenvolvimento e a ajuda externa da Comunidade e as avaliações temáticas e geográficas da Comissão que incluem sistematicamente a aplicação prática da política de desenvolvimento.

(3)  ODI/ICEI/ECDPM Assessment of the EC development policy. DPS Study report (Fevereiro de 2005).

(4)  Resolução da Assembleia Geral da ONU A/RES/55/2 de 8 de Setembro de 2000.

(5)  Os ODM são os seguintes: 1) erradicar a pobreza extrema e a fome, 2) garantir a educação primária universal, 3) promover a igualdade de géneros e a autonomia da mulher, 5) reduzir a mortalidade infantil, 5) melhorar a saúde materna, 6) combater a SIDA, a malária e outras doenças, 7) garantir a sustentabilidade ambiental e 8) promover a parceria mundial para o desenvolvimento.

(6)  Parecer «A dimensão social da globalização – Contributo das políticas da UE para tornar os benefícios extensíveis a todos», JO C 234 de 22.9.2005.

(7)  Cf. pareceres «Como integrar os aspectos sociais nas negociações dos acordos de associação económica» (JO C 255 de 14.10.2005), «Coesão Social na América Latina e Caraíbas» (JO C de 110 de 30.4.2004) e «Direitos humanos no trabalho» (CESE 933/2001).

(8)  Convenção sobre a liberdade sindical e a protecção do direito de sindicalização (n.o 87), Convenção sobre o direito de sindicalização e de negociação colectiva (n.o 98), Convenção sobre o trabalho forçado (n.o 29), Convenção sobre a abolição do trabalho forçado (n.o 105), Convenção sobre a discriminação (emprego e ocupação) (n.o 111), Convenção sobre a igualdade de remuneração (n.o 100), Convenção sobre a idade mínima (n.o 138) e Convenção sobre as piores formas de trabalho infantil (n.o 182).

(9)  Parecer sobre «A Coesão Social na América Latina e Caraíbas», JO C 110 de 30 de Abril de 2004, p. 55.

(10)  Cabe referir, em particular, a vulnerabilidade dos direitos sindicais em várias regiões do mundo, por exemplo, na América Latina, em que os activistas sindicais são perseguidos, presos e, muitas vezes, assassinados.

(11)  Cf. parecer do CESE sobre o «Livro Verde sobre uma abordagem da União Europeia em matéria de gestão da migração económica» (JO C 255 de 14.10.2005).

(12)  Parecer do CESE sobre o «Acesso à Cidadania da União Europeia» (JO C 208 de 3.9.2003).

(13)  Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: «Migrações e desenvolvimento – Orientações concretas» (COM(2005) 390 final).

(14)  Este termo designa o uso inadequado dos recursos da ajuda pelo receptor.

(15)  O CESE tem consciência da importância da representatividade das OSC e tem um subcomité que estuda este assunto. O Acordo de Cotonu inclui alguns critérios de elegibilidade para as organizações não governamentais, neste caso para o acesso aos recursos do FED. Também o parecer, «A sociedade civil organizada e a governação europeia – contributo do Comité para a elaboração do Livro Branco», enumera os critérios de representatividade das organizações da sociedade civil europeia.

(16)  Por exemplo, os fóruns da sociedade civil organizados pela DG RELEX sobre as relações UE-Comunidade Andina, América Central, México ou Mercosul.

(17)  Princípios da OCDE aplicáveis às empresas multinacionais, OCDE, 2000.

(18)  Pareceres do CESE sobre o «Livro Verde: Promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas» (JO C de 125 de 27.2.2002) e sobre a «Comunicação da Comissão relativa à Agenda Social» (JO C 294 de 25.11.2005).

(19)  Acelerar os progressos na via da realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (COM(2005) 132 final).

(20)  Cf. o parecer JO C 157 de 28.6.2005 sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso à ajuda externa da Comunidade».

(21)  A Comissão Europeia elaborou um estudo sobre o financiamento adicional para o desenvolvimento, em Abril de 2005 (Documento de Trabalho da Comissão –«Novas fontes de financiamento para o Desenvolvimento: As opções possíveis» (SEC(2005) 467) e uma Comunicação sobre «Acelerar os avanços para cumprir os ODM – Financiar o desenvolvimento e a eficácia da ajuda (COM(2005) 133 final). Estes documentos exprimem a posição dos Estados-Membros sobre o assunto e prevêem várias iniciativas. Ainda que as posições não sejam conclusivas, alguns Estados-Membros adoptaram posições mais avançadas referentes a estas novas fontes de financiamento dos fundos globais.»

(22)  Cf. o parecer do JO C 112 de 30.4.2004 sobre «A Coesão Social na América Latina e Caraíbas».

(23)  Cf. o parecer do CESE (em fase de elaboração) sobre «A acção externa da UE: O papel da sociedade civil organizada» (relator: C. KORYFIDIS, JO C 74 de 23.3.2005).

(24)  De acordo com estudos realizados por instituições internacionais, é difícil avaliar as repercussões da redução dos auxílios à exportação na economia dos países em desenvolvimento, dado que aquelas dependem da situação específica de cada um dos países e da estrutura das respectivas trocas comerciais.


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/90


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Diálogo social e participação dos trabalhadores — A chave para a antecipação e gestão das mutações industriais»

(2006/C 24/17)

O Comité Económico e Social Europeu decidiu, em 1 de Julho de 2004, ao abrigo do n.o 2 do art. 29.o do Regimento, emitir, por iniciativa própria, um parecer sobre: «Diálogo social e participação dos trabalhadores — A chave para a antecipação e gestão das mutações industriais».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Comissão Consultiva das Mutações Industriais emitiu parecer em 12 de Setembro de 2005, tendo sido relator G. ZÖHRER.

Na 420.a reunião plenária (sessão de 29 de Setembro de 2005), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 138 votos a favor, 2 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução e objectivos

1.1

A mutação industrial é um processo contínuo, em que um sector industrial se adapta às alterações das condições numa dada área económica, para poder competir e criar oportunidades para o crescimento.

1.2

A mutação industrial é, portanto, uma adaptação necessária às alterações de mercado e tecnológicas, às condições jurídicas, sociais ou de política económica, e da sociedade no seu todo. Idealmente, estas alterações são previsíveis ou propositadamente introduzidas, permitindo ao sector em questão agir pró-activamente, iniciar um processo gradual de adaptação e minimizar os efeitos negativos do processo de adaptação.

1.3

A inacção, ou a reacção tardia, leva à perda de competitividade e coloca em risco os postos de trabalho. As reestruturações, que não passem de intervenções reactivas, são geralmente dolorosas e repercutem-se negativamente no emprego e nas condições de trabalho. Uma gestão incorrecta das reestruturações pode afectar a imagem da empresa, ou de todo o sector, e gerar um clima generalizado de recusa relativamente às mutações.

1.4

A mutação industrial, independentemente da forma que assuma, é sempre um processo contínuo no plano económico, que pode e deve ser em grande parte determinado por todas as partes envolvidas. Se bem que este processo se desenrole no plano empresarial, a verdade é que ele afecta todas as partes implicadas (trabalhadores, empregadores, regiões, etc.).

1.5

O seu sucesso mede-se, por um lado, pela capacidade competitiva e inovadora das empresas ou de um sector e, por outro lado, pela forma de assegurar postos de trabalho e atenuar as consequências negativas sociais.

1.6

Obviamente que o êxito deste processo depende, em grande medida, da participação dos interessados na gestão da mudança. O facto de esta gestão se processar a todos os níveis, tanto nos sectores como nas empresas, e não exclusivamente no domínio da governação empresarial, é significativo em termos de uma adaptação bem-sucedida e harmoniosa, para além de ser condição importante para a competitividade. O diálogo social, incluindo a participação e a co-gestão dos trabalhadores, são, portanto, uma componente básica do modelo social europeu.

1.7

Basta uma análise das recentes iniciativas da Comissão Europeia no domínio da política industrial para se perceber a importância que cada vez mais se atribui ao desenvolvimento de sinergias e ao envolvimento de todos os interessados, elementos indispensáveis para conduzir a bom porto o processo de reestruturação. Estas medidas podem contribuir para uma gestão socialmente responsável das mutações industriais, se todos os parceiros sociais participarem sistematicamente na antecipação e gestão da mudança, com o objectivo duplo de manter a competitividade das empresas e mitigar os efeitos sociais negativos.

1.8

O Comité no seu parecer sobre o tema «As mutações industriais na Europa: balanço e prospectivas» (1) considera que a CCMI deveria no futuro procurar:

abordagens comuns para antecipar e gerir a mutação industrial e abrir vias para a UE e os Estados-Membros aumentarem a competitividade e a rentabilidade das empresas, através do diálogo social e da cooperação entre as partes envolvidas.

abordagens comuns com vista a fomentar o desenvolvimento sustentável e aumentar a coesão social e territorial para dar novo alento à Estratégia de Lisboa, bem como promover condições de enquadramento que permitam à mutação industrial decorrer de forma compatível quer com a necessidade de competitividade das empresas quer com a coesão económica, social e territorial (2).

1.9

É evidente que a gestão eficaz das mutações exige medidas a vários níveis. Ao nível da Comunidade, a questão das mutações deve ser tratada numa perspectiva horizontal que abarque um conjunto de medidas (por exemplo no domínio das condições macro-económicas, da política de emprego e social, dos instrumentos de apoio financeiro, da política industrial, etc.).

1.10

O presente parecer tem um objectivo duplo, isto é, explicar a importância do diálogo social, incluindo a participação e a co-gestão dos trabalhadores, elementos-chave para uma gestão com êxito das mutações industriais, e tirar conclusões para o futuro desenvolvimento do diálogo social e a adopção de medidas comunitárias.

2.   Contributo do diálogo social para a gestão das mutações industriais

2.1

O diálogo social realiza-se a vários níveis e com parceiros diferentes. Cada nível, seja ele nacional, regional, europeu, empresarial, sectorial ou global, pode dar o seu próprio contributo para preparar a mutação e torná-la socialmente mais equilibrada. No entanto, para que o diálogo social possa desempenhar o seu papel, é necessário que estejam reunidas algumas condições e que haja uma coordenação entre os diversos níveis de acção.

2.1.1

Para antecipar as mutações, é necessário que os parceiros sociais desenvolvam perspectivas comuns de longo prazo. E isso só pode ser feito através de uma parceria sólida e digna de confiança, e de uma cultura de diálogo, que permitam não só definir estratégias de acção de longo prazo, mas também encontrar soluções harmoniosas em tempos de crise. A existência de estruturas estáveis de representantes das organizações dos parceiros sociais é uma condição importante para se poder actuar.

2.1.2

Assim, o apoio aos novos Estados-Membros da UE na criação e no fortalecimento das estruturas do diálogo social reveste-se de importância decisiva para enfrentar conjuntamente o desafio das mutações industriais resultantes do processo de integração.

2.1.3

Encorajar uma atitude positiva em relação às mutações implica uma compreensão conjunta das mutações e das possibilidades de que os parceiros sociais dispõem, baseada numa cultura empresarial participativa. A longo prazo, as mutações podem, também, ser induzidas através de medidas como, por exemplo, formação, multicompetência e aprendizagem ao longo da vida. Estas medidas deveriam, em particular, prosseguir o objectivo de promover a empregabilidade dos trabalhadores.

2.2

Em Janeiro de 2002 teve lugar uma audição da Comissão, durante a qual os parceiros sociais tiveram oportunidade de abordar a questão das reestruturações, dos seus efeitos e das respostas adequadas. Com base em exemplos de casos concretos, foram apontadas diferentes vias de actuação eficazes. No final, os parceiros sociais definiram «Orientações para a gestão da mudança». O Comité acolheria com agrado a continuação e concretização destes trabalhos.

2.3

Antecipar as mutações pressupõe conhecimentos sobre as causas e o contexto em que se inserem. É, portanto, importante que os parceiros sociais troquem regularmente impressões sobre as perspectivas dos sectores e das empresas em causa. O Observatório Europeu da Mudança (EMCC) da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, sediada em Dublim, pode dar um importante contributo neste domínio.

2.4

Por outro lado, as iniciativas da UE orientadas para sectores específicos são muito importantes, na medida em que, partindo da análise da situação e das perspectivas de um sector e mediante um vasto processo de consulta com a participação dos parceiros sociais, estabelecem recomendações concretas para medidas destinadas a gerar e sustentar a competitividade.

2.5

O Tratado CECA introduziu, ao nível europeu, o primeiro exemplo de um diálogo social sectorial. Um diálogo social contínuo associado aos instrumentos que o Tratado CECA previa, ou seja, observação contínua do mercado, programas de investigação e inovação, política de preços e da concorrência, adaptação dos trabalhadores e das regiões, mostrou que as mutações industriais e as reestruturações podem processar-se de forma socialmente responsável. Também hoje, deveriam ser mobilizados todos os instrumentos previstos nos Tratados para fazer face às mutações.

2.5.1

Mesmo após a cessação do Tratado CECA, seria conveniente que o trabalho do actual diálogo sectorial da UE, realizado nos comités para o diálogo social sectorial, tivesse estes aspectos em conta. Ao fazê-lo, estes comités poderiam, além de tratar questões sociais, actuar com mais força como grupos consultivos e pronunciar-se sobre todas as iniciativas da UE susceptíveis de influenciar o desenvolvimento industrial de um sector.

3.   Importância do envolvimento e da co-gestão dos trabalhadores para as mutações industriais

3.1

As mutações industriais, cujos reflexos incidem nos trabalhadores, podem ir de novas exigências de qualificações decorrentes da introdução de inovações tecnológicas e de alterações nas formas de organização do trabalho e nas condições de trabalho ao desaparecimento de postos de trabalho. Assim, é fundamental identificar de que modo os trabalhadores podem adaptar-se às novas condições e quais as medidas a tomar para moderar os efeitos negativos e potenciar os efeitos positivos. Neste contexto, o que está em causa é saber se os trabalhadores são informados atempada e adequadamente sobre as mutações e se podem participar nesse processo.

3.2

Só assim será possível evitar que as mutações se verifiquem apenas no plano empresarial, e fazer com que os trabalhadores tomem consciência da mudança e a aceitem. Se não formos capazes de lidar com as mutações industriais de uma forma socialmente responsável em relação aos trabalhadores, os conflitos tornam-se inevitáveis.

3.3

O envolvimento e a co-gestão dos trabalhadores (assim como dos representantes dos trabalhadores nas empresas e dos sindicatos que os representam) na gestão da mudança contribuem para uma actuação socialmente responsável, bem como para a manutenção da empregabilidade, evitando-se, deste modo, situações de conflito. O ideal seria que as empresas evoluíssem para organizações interactivas com uma intervenção pró-activa. Desta forma, estar-se-ia a contribuir para a inovação na empresa e, em última análise, também para a competitividade.

3.4

Como as decisões empresariais são cada vez mais tomadas num contexto económico internacional e, não raro, em empresas multinacionais, as estruturas supranacionais de representação dos trabalhadores, paralelamente às possibilidades e aos instrumentos nacionais de participação dos trabalhadores, têm vindo a ganhar importância.

3.5

Os conselhos europeus de empresa desempenham aqui um papel especial. Para além de alguns exemplos de acordos sobre medidas de reestruturação estabelecidos entre empresas e conselhos de empresa europeus, há também exemplos de acordos estabelecidos com associações de sindicatos europeias. Estas experiências têm-se revelado positivas, uma vez que é precisamente nas empresas multinacionais que há risco de a atenuação dos efeitos sociais num determinado local ter consequências negativas num outro.

3.6

Tudo indica que o diálogo social transnacional ao nível empresarial continuará a ganhar dinamismo. Neste contexto, o Comité não pode deixar de constatar que esta evolução traz problemas às partes envolvidas. Ainda não foi definido um quadro jurídico para estes acordos, que regule de forma fiável a vinculação jurídica e a legitimação, bem como os papéis tradicionais dos parceiros sociais, ou seja, os empregadores e os representantes legítimos dos trabalhadores. A proposta de criar um quadro opcional para negociações colectivas transnacionais, anunciada pela Comissão na Comunicação sobre a agenda de política social 2005-2010, deve ser encarada sob este prisma.

3.7

O Comité tem noção de que os instrumentos e as estruturas de participação dos trabalhadores nas pequenas e médias empresas não podem ser desenvolvidos da mesma forma do que nas grandes empresas. No entanto, considera que nestas últimas, apesar de condições diferentes na gestão das mutações, a parceria é também da maior importância.

4.   A política comunitária em relação às mutações industriais

4.1   Disposições jurídicas

4.1.1

Há uma série de disposições comunitárias relacionadas directa ou indirectamente com as mutações industriais, nomeadamente com as reestruturações, e suas consequências. Várias directivas regulam os direitos de informação e de consulta, bem como a protecção dos trabalhadores contra as consequências das reestruturações (conselhos de empresa europeus, Sociedade Europeia, criação de um quadro para o processo de informação e audição ao nível nacional, insolvência do empregador, transferência de estabelecimentos empresariais, despedimentos em massa, direitos de consulta em procedimentos de concursos).

4.1.2

Todas estas disposições ou dizem respeito a um quadro muito geral em matéria de informação e consulta, ou referem-se a determinadas consequências das mutações e reestruturações, sendo em grande medida aplicáveis independentemente umas das outras. O Comité considera que estas disposições deverão servir de base à análise, à consolidação e, eventualmente, ao desenvolvimento do direito comunitário, numa óptica de antecipação das mutações.

4.2   Política industrial

4.2.1

Na Comunicação intitulada «Acompanhar as mutações estruturais: Uma política industrial para a Europa alargada» de Abril de 2004 (3), a Comissão deu início a uma nova era da política industrial europeia. Num parecer datado de Dezembro de 2004, o Comité acolheu favoravelmente o impulso estratégico da Comissão. Saliente-se aqui, mais uma vez, a mudança de paradigmas introduzida pela Comissão, através da qual a política industrial voltou a estar no topo da agenda política da Europa.

4.2.2

Do ponto de vista do Comité, trata-se sobretudo de reforçar a abordagem sectorial, por forma a encontrar soluções adequadas a cada um dos sectores. No entanto, este procedimento não deve limitar-se às áreas económicas em crise, antes devendo envolver a realização de análises no maior número possível de sectores relevantes para a Europa, para antecipar a mudança e intervir pró-activamente. O diálogo social tem um papel essencial a desempenhar neste contexto.

4.3   Diálogo social

4.3.1

O Conselho Europeu, na reunião da Primavera de 2004, instou os Estados-Membros a estabelecerem «parcerias para a mudança» com a participação dos parceiros sociais, da sociedade civil e dos organismos públicos.

4.3.2

Nesta linha, e na perspectiva do balanço intercalar da Estratégia de Lisboa, a Comissão adoptou uma Comunicação intitulada «Parceria para a mudança numa Europa alargada — Reforçar o contributo do diálogo social europeu» (4).

4.3.3

O objectivo consiste em promover a sensibilização e a compreensão dos resultados do diálogo social europeu, melhorar o seu impacto e propiciar novos desenvolvimentos com base numa interacção eficaz entre diferentes níveis de relações laborais.

4.3.4

Na sua comunicação, a Comissão afirma que o diálogo social deve obter resultados concretos. Por conseguinte, convida os parceiros sociais a tornarem mais público os textos que produzem, aumentando a transparência e encontrando uma formulação mais adaptada às necessidades (por exemplo, através da utilização de uma linguagem simples), a assegurarem um acompanhamento e a uniformizarem as várias categorias de textos. Assinale-se neste contexto que a eficácia do diálogo social é cada vez mais determinada pela qualidade das relações de trabalho a nível nacional.

4.3.5

A Comissão avança com uma série de propostas no sentido de reforçar as sinergias entre os diferentes níveis (europeu, nacional, sectorial, empresarial) e cimentar as estruturas do diálogo social, melhorar o seu impacto e optimizar o acompanhamento.

4.3.6

Na fase actual, o Comité não pretende comentar com mais detalhe as propostas da Comissão, entendendo que os parceiros sociais no uso da sua autonomia devem ser os primeiros a fazê-lo.

4.3.6.1

Contudo, acolhe favoravelmente os esforços no sentido de reforçar o diálogo social. Isto é particularmente válido no que se refere ao desenvolvimento do diálogo social nos novos Estados-Membros, onde ainda persistem numerosas lacunas. Assinala que, por exemplo no que toca ao desenvolvimento e fortalecimento das estruturas, bem como ao apoio técnico, são necessários esforços consideráveis, sobretudo financeiros. Por isso, a proposta da Comissão de reservar uma parte dos recursos dos fundos estruturais para este fim parece ser lógica e coerente.

Nos novos Estados-Membros, as reestruturações traduzem-se numa perda significativa de postos de trabalho, tendo a ver, na maior parte dos casos, com a privatização de empresas. É necessário promover um diálogo social eficaz, logo na fase que antecede este processo, na intenção de negociar «pacotes sociais» e assegurar juridicamente o seu cumprimento.

4.3.6.2

O Comité apoia igualmente a intenção da Comissão de incentivar novos sectores a encetarem um diálogo social e contribuírem para a consecução dos objectivos de Lisboa.

4.4   Reestruturações e emprego

4.4.1

A Agenda Social adoptada em 9 de Fevereiro de 2005 prevê — tal como a Comunicação sobre a revisão da estratégia de desenvolvimento sustentável — a definição por parte da Comissão de uma estratégia de gestão das reestruturações em torno de uma interacção mais eficaz das políticas europeias pertinentes, de uma participação acrescida dos parceiros sociais, de uma sinergia reforçada entre políticas e instrumentos financeiros e de uma adaptação da legislação e dos acordos.

4.4.2

A Comunicação da Comissão, de 31 de Março de 2005, intitulada «Reestruturação e emprego» (5) enuncia as acções que a União deve desenvolver ou reforçar para mobilizar o potencial disponível, tanto numa perspectiva horizontal como sectorial, propondo uma série de medidas em diversas áreas políticas da Comunidade.

4.4.3

O Comité emitirá um parecer específico sobre a referida comunicação. Contudo, adianta desde já que concorda com a abordagem integrada e transversal adoptada pela Comissão. São de salientar algumas propostas da Comissão relevantes para o presente parecer.

4.4.3.1

É dedicada especial atenção ao reforço do diálogo social sectorial. O Comité concorda com a Comissão quando esta afirma que os parceiros sociais, dado o conhecimento que têm dos sectores, podem desempenhar um papel importante de alerta. Este instrumento não deve ser utilizado apenas em situações de crise, mas também sempre que os parceiros sociais o considerarem necessário, e não só quando se regista uma «evolução preocupante». Um procedimento deste tipo corresponde melhor ao objectivo de antecipar e acompanhar as reestruturações.

4.4.3.2

O Comité aguarda com interesse a comunicação que a Comissão apresentará sobre a responsabilidade social das empresas, que trata das iniciativas positivas das empresas, em consulta com as partes envolvidas, em caso de reestruturação. Acresce que, para além do aperfeiçoamento da base legislativa é, também, importante tornar público e promover as boas práticas de gestão da mudança. O Comité chama sobretudo a atenção para a necessidade de as empresas indirectamente afectadas por medidas de reestruturação de empresas isoladas (por exemplo, empresas subsidiárias, empresas prestadoras de serviços, etc.) serem também contempladas nestes processos.

4.4.3.3

O Comité aplaude também a criação de um Fórum «Reestruturações». Esta instância terá por missão acompanhar as evoluções nesta matéria e promover a articulação das diferentes iniciativas. Dele farão parte, para além da Comissão e de outros órgãos europeus, os parceiros sociais e representantes da comunidade científica, pretendo-se, assim, dar continuidade à abordagem transversal defendida na comunicação. O Comité gostaria ainda de assinalar que está interessado em participar no Fórum «Reestruturações» e contribuirá com os seus conhecimentos para os respectivos trabalhos.

4.4.3.4

Refira-se ainda que a Comissão prevê iniciar a segunda fase da consulta aos parceiros sociais sobre temas como «reestruturações de empresas» e «conselhos de empresa europeus». Como referido nos pontos 2.2, 3.5 e 3.6, o Comité reconhece a necessidade de se agir relativamente a estas questões complexas.

5.   Conclusões

5.1

A gestão eficaz das mutações industriais sem prejuízo da competitividade das empresas e dos sectores constitui um desafio para a Europa, para além de ser determinante para a concretização dos objectivos de Lisboa.

O sucesso desta mudança mede-se não só pela competitividade de uma empresa ou de um sector, mas também pela forma de assegurar postos de trabalho e atenuar as consequências negativas sociais.

5.2

Para além de um conjunto de medidas a vários níveis, o diálogo social e a co-gestão dos trabalhadores são instrumentos-chave na gestão das mutações industriais.

5.3

O diálogo social deve basear-se numa parceria sólida e de confiança, assim como numa cultura de diálogo, e dotar-se de estruturas representativas estáveis. O Comité acolhe favoravelmente os esforços no sentido de reforçar o diálogo social. Isto é particularmente válido no que se refere ao desenvolvimento do diálogo social nos novos Estados-Membros, onde ainda persistem numerosas lacunas.

5.4

Os instrumentos analíticos ao dispor dos parceiros sociais têm de ser reforçados. O Observatório Europeu da Mudança (EMCC) da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, sediada em Dublim, pode dar um importante contributo neste domínio.

5.5

As iniciativas da UE orientadas para sectores específicos são muito importantes, na medida em que, partindo da análise da situação e das perspectivas de um sector e através de um vasto processo de consulta com a participação dos parceiros sociais, fazem recomendações concretas para medidas destinadas a fomentar e sustentar a competitividade. O Comité apoia, portanto, a intenção da Comissão de incentivar novos sectores a encetarem um diálogo social e contribuírem para a concretização dos objectivos de Lisboa.

5.5.1

No entanto, este procedimento não deve limitar-se às áreas económicas em crise, antes devendo envolver a realização de análises no maior número possível de sectores relevantes para a Europa, para antecipar a mudança e intervir pró-activamente.

5.6

O envolvimento e a co-gestão dos trabalhadores (assim como dos representantes dos trabalhadores nas empresas e dos sindicatos que os representam) contribuem decisivamente para uma actuação socialmente responsável e para a gestão das mutações a nível empresarial. Este quadro é favorável, entre outros, à inovação e, em última análise, também à competitividade das empresas.

5.7

Os conselhos europeus de empresa desempenham aqui um papel especial. Tudo indica que o diálogo social transnacional ao nível empresarial continuará a ganhar dinamismo, como o demonstram os acordos sobre medidas de reestruturação celebrados entre empresas e conselhos de empresa europeus ou associações de sindicatos europeias. A proposta de criar um quadro opcional para negociações colectivas transnacionais, anunciada pela Comissão na Comunicação sobre a agenda de política social 2005-2010, deve ser encarada sob este prisma.

5.8

O Comité acolhe favoravelmente a abordagem integrada e transversal apresentada pela Comissão, em 31 de Março de 2005, na Comunicação intitulada «Reestruturação e emprego» (6). É dedicada especial atenção ao reforço do diálogo social sectorial, que pode dar um contributo importante para antecipar e acompanhar os processos de reestruturação.

5.8.1

O Comité aguarda com interesse a comunicação que a Comissão apresentará sobre a responsabilidade social das empresas.

5.8.2

Gostaria ainda de assinalar que tem o maior interesse em participar no Fórum «Reestruturações», contribuindo com os seus conhecimentos para os respectivos trabalhos.

Bruxelas, 29 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  (CCMI(002); relator: van Iersel, co-relator: Varea Nieto.

(2)  Ibidem, ponto 1.7.

(3)  COM(2004) 274 final de 20/04/2004.

(4)  COM(2004) 557 final.

(5)  COM(2005) 120 final.

(6)  COM(2005) 120 final.


31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/95


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Pobreza entre as mulheres na Europa»

(2006/C 24/18)

Em 28 de Abril de 2005, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a «Pobreza entre as mulheres na Europa».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu parecer em 5 de Setembro de 2005, sendo relatora Brenda KING.

Na 420.a reunião plenária, de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 29 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 79 votos a favor, sem votos contra e com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Historial

1.1   Dia Internacional da Erradicação da Pobreza

A Assembleia Geral das Nações Unidas designou o dia 17 de Outubro como Dia Internacional da Erradicação da Pobreza a fim de sensibilizar para a necessidade de eliminar a pobreza e a miséria em todos os países.

1.2   As mulheres e a pobreza na UE

O Comité das Regiões, o CESE e o Parlamento Europeu estão a elaborar, cada um, um documento sobre As mulheres e a pobreza na UE para coincidir com esta data e contribuir para o debate geral sobre a pobreza na UE hoje em dia. Tem havido uma excelente coordenação entre estas instituições, embora cada documento seja escrito de um ponto de vista distinto.

1.3   Definição de pessoas em risco de pobreza

As pessoas em risco de pobreza são as que têm rendimentos inferiores a 60 % da média nacional. Esses rendimentos são definidos como os rendimentos totais disponíveis a cada agregado divididos por cada membro desse agregado.

1.4   Quadro para o combate à pobreza e à exclusão social na UE

Em 2000, os Estados-Membros concordaram em adoptar uma estratégia europeia de combate à exclusão social e à pobreza (2000) com base no método aberto de coordenação. Esta estratégia inclui objectivos comuns e a obrigação de cada Estado-Membro apresentar um Plano de Acção Nacional bianual em conformidade com esses objectivos. Os indicadores prevêem quatro dimensões da integração social — pobreza financeira, emprego, saúde e educação. A igualdade entre homens e mulheres não é um dos objectivos globais desta estratégia da UE.

Em 1999, o Conselho adoptou uma estratégia coordenada de modernização da protecção social. A protecção social é uma das formas mais importantes de combate à pobreza e à exclusão social nos Estados-Membros. A estratégia centra-se em três temas: políticas de inclusão social, reforma dos sistemas de pensões e reforma dos sistemas de cuidados de saúde. A igualdade entre os géneros não foi incluída.

Em vista dos resultados dos recentes referendos sobre a Constituição da UE, a presidência do Reino Unido anunciou uma comunicação sobre os sistemas de protecção social, a apresentar em Outubro de 2005.

1.5   Quadro jurídico

A maior parte das políticas de combate à pobreza e à exclusão social continua a ser da competência de cada Estado-Membro. Contudo, ao abrigo dos artigos 136.o e 137.o do Tratado, a UE pode apoiar e complementar activamente as intervenções dos Estados-Membros para combater a exclusão social.

O artigo 13.o do Tratado autoriza a UE a tomar medidas, mesmo legislativas, de combate à discriminação com base no sexo, na origem étnica ou racial, na religião ou fé, na deficiência, na idade ou na orientação sexual.

1.6   Nível de pobreza na UE

Em 2001, o número de pessoas afectadas por um baixo nível de rendimentos relativos era muito significativo, estando mais de 55 milhões de pessoas (15 % da população da UE) em risco de pobreza (1). Mais de metade dessas pessoas vivia de rendimentos relativos constantemente baixos. Esta proporção varia consideravelmente entre os Estados-Membros, indo de 9 % na Suécia até 21 % na Irlanda. Em geral, são realmente as mulheres quem mais se ressente desta situação.

1.7   Nível de exclusão social

Quanto mais tempo um indivíduo tiver de viver de baixos rendimentos, maior o risco de privações, de exclusão da vida social, cultural e económica. Em todos os Estados-Membros metade ou mais das pessoas em risco de pobreza em 2001 viviam de baixos rendimentos há um período prolongado, isto é, dispunham de rendimentos igualizados inferiores a 60 % da média no ano em questão e em pelo menos dois dos três anos anteriores (1998-2000). Em média, a população da UE contava em 2001 9 % de pobres de longa duração. Também aqui são as mulheres as mais afectadas.

1.8   Contexto demográfico e social na UE

A situação demográfica na UE está a mudar rapidamente e a população activa, que não cessou de aumentar durante um século, será em breve uma minoria. A faixa etária de 65 anos ou mais representa já 16 % da população total, ao passo que os menos de 15 anos são apenas 17 %, e a esperança média de vida continua a aumentar. Nos próximos 15 anos, o número de pessoas com mais de 80 anos aumentará quase 50 % (2).

Ao mesmo tempo, as estruturas familiares estão em mutação. Os casamentos são menos numerosos e dão-se mais tarde, há mais divórcios e cada vez menos casais com filhos. Daí resulta a tendência para menores agregados familiares em todas as faixas etárias. O prémio Nobel da economia, Gary BECKER, e o seu colega, o juiz Richard POSNER, consideram que esta evolução se deve em grande parte a causas económicas (3). Em seu entender, a crescente independência financeira das mulheres graças a melhores oportunidades profissionais fora do lar assinala uma transição do «casamento patriarcal» — em que o marido trabalha e a esposa é sua dependente — para um «casamento de parceria». Do mesmo modo, os custos indirectos da maternidade também têm aumentado: quanto mais elevados os rendimentos de uma mulher e o seu estatuto profissional, mais corre o risco de perder em termos de progressão na carreira e de rendimentos se abandonar a vida activa, temporária ou permanentemente, para ser mãe.

Uma outra alteração é o aumento fenomenal do número de crianças que vivem com um só adulto. Em 2000, 10 % das crianças menores de 14 anos viviam com um só adulto, contra apenas 6 % em 1990. Isso deve-se ao número cada vez maior de casamentos ou relações dissolvidos e de gravidezes inesperadas.

2.   Observações Na Generalidade

2.1

O CESE congratula-se por esta oportunidade de expor os seus pontos de vista sobre este tema mas entende que a ênfase deveria ser colocada em «Género e pobreza» e não em «Mulheres e pobreza», uma vez que isso chamaria a atenção para a relação e as diferenças entre os géneros no que toca às causas da pobreza.

O Comité recomenda que a Comissão reveja a sua definição de pobreza, dado que esta só destaca as causas aparentes da pobreza e subestima o nível de pobreza das mulheres e o impacto dessa pobreza. A definição parte do princípio de que os recursos de um agregado familiar são partilhados equitativamente entre os seus membros, mas na realidade a pobreza é sentida a nível individual e é a esse nível que ela deve ser analisada se se pretende compreender a dimensão de género.

2.2

O CESE aplaude a decisão da presidência britânica de relançar o debate sobre os sistemas de protecção social e recomenda que se realize uma análise do impacto sobre os géneros para garantir que esses sistemas reflectem as necessidades distintas de homens e mulheres. Parte-se muitas vezes do princípio de que as mulheres contam sempre com os rendimentos de um homem em caso de necessidade. Esta presunção, desfasada da realidade das sociedades actuais, é uma das principais razões do risco mais elevado de pobreza das mulheres.

3.   Observações Na Generalidade

3.1   A incidência do risco de pobreza

As mulheres estão, em geral, mais expostas ao risco de viver num agregado pobre: em 2001, 16 % das mulheres adultas (com mais de 16 anos) tinham um rendimento inferior ao limiar de pobreza, contra 14 % dos homens da mesma faixa etária (4). Este padrão é semelhante em todos os Estados-Membros. O risco de pobreza é mais elevado nos agregados compostos por pais solteiros (35 % da média da UE), 85 % dos quais são mulheres. As mulheres chefes de família com 18 anos ou menos estão particularmente expostas ao risco de pobreza.

As pessoas de mais de 65 anos correm um risco relativamente elevado de pobreza. Dois terços dessas pessoas são mulheres. As mulheres reformadas e sós, sobretudo as de mais de 80 anos ou sem uma reforma profissional, acusam níveis de pobreza muito mais elevados. Uma das principais razões desta situação é que à medida que os reformados envelhecem, tendem a aumentar as suas despesas com a saúde devido a deficiência ou imobilidade.

Estudos revelam que as mulheres sujeitas à discriminação de várias formas — p. ex., as idosas, as mulheres de grupos minoritários ou migrantes, as mulheres com deficiência ou as lésbicas — estão ainda mais em risco de exclusão social e de pobreza.

3.2   Dimensão laboral da pobreza e da exclusão social entre as mulheres

O emprego é um factor essencial da inclusão social e pode ser visto como a via mais eficaz para escapar à pobreza, não só porque gera rendimentos mas também porque promove a participação social e o desenvolvimento pessoal. Isso mesmo se infere dos objectivos da estratégia de Lisboa, segundo os quais em 2010 a economia europeia deverá ser a mais competitiva e dinâmica economia mundial baseada no conhecimento, com uma capacidade de crescimento económico sustentável, mais e melhor emprego e maior coesão social, para o que será essencial a participação das mulheres no mercado de trabalho (a estratégia de Lisboa prevê a este respeito um objectivo concreto: uma taxa de emprego feminino de 60 % em 2010). Embora os níveis de participação das mulheres no mercado de trabalho estejam a aproximar-se dos homens, as mulheres assalariadas não estão isentas do risco de pobreza. Isso porque a participação das mulheres na mercado laboral está pejada de enormes entraves, como o elevado nível de desemprego feminino na UE-25 (5), a dificuldade de conciliar vida doméstica e vida profissional, a tendência para a segregação e sectorização do emprego feminino, a disseminação de modalidades de emprego precárias com menos garantias legais e sociais e o fosso entre os salários percebidos por homens e mulheres em todos os países da Europa.

3.2.1   Disparidade salarial

Trinta anos após a Directiva de 1975 relativa à igualdade dos vencimentos, se tomarmos a média europeia, as mulheres ainda só ganham 85 % dos salários dos homens pelo mesmo tempo de serviço (6). Em grande parte dos países este diferencial é muito mais elevado atingindo mesmo os 33 %. O CESE ecoa a indignação da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros do Parlamento Europeu quanto à persistência desta disparidade e concorda com o seu apelo a que o Conselho e a Comissão Europeia tomem as medidas necessárias «para pôr cobro a esta iniquidade».

3.2.1.1   Custos indirectos da maternidade

Muitos estudos imputam estes custos ao facto de as mulheres passarem muito mais tempo do que os homens a tratar das crianças. A maior parte das mulheres deixará o mercado do trabalho durante pelo menos uma parte da sua vida. Já o comportamento típico dos trabalhadores masculinos é o de uma vinculação plena ao mercado de trabalho desde a saída da escola/universidade até à reforma. O abandono do mercado de trabalho pode repercutir-se negativamente nos rendimentos. A licença de maternidade pode significar contratos mais curtos, menos experiência acumulada e menor acesso à formação. Também os aumentos salariais são muitas vezes reservados aos trabalhadores que permanecem continuamente empregados durante muitos anos. Com efeito, quanto maior a licença, maior a perda de dinheiro.

3.2.2   Nível educativo das mães

Uma ausência prolongada do mercado de trabalho para cuidar de crianças jovens é mais típica das mães com poucas qualificações. Ao passo que as mães com formação universitária têm vindo a reduzir o tempo de ausência do mercado de trabalho, o comportamento das mulheres não qualificadas não tem mudado. As mães sem qualificações têm mais tendência a deixar o mercado de trabalho até a criança atingir a idade escolar, ao passo que as mães com formação universitária tendem a gozar apenas a licença de maternidade e a entregar subsequentemente as crianças ao cuidado de terceiros.

Assim, as mulheres com menos qualificações, que tendem a deixar a vida laboral por períodos mais longos (e que normalmente ganhariam menos antes de serem mães), são as mais penalizadas financeiramente.

3.2.3   Mães solteiras

Como referido no ponto 1.8, os pais solteiros, particularmente expostos ao risco de pobreza, são cada vez mais numerosos. Dado que 85 % dos pais solteiros são mulheres, este risco de pobreza é-lhes específico. Uma boa parte desse risco deve-se à fraca participação na vida activa: só 50 % das mães solteiras trabalham, comparado com 68 % das mulheres casadas (7). Ao contrário dos níveis de emprego das mulheres em geral, que têm vindo a aumentar, os das mães solteiras quase não têm evoluído.

Estudos revelam que a oferta insuficiente de infantários a preços módicos não é a única razão que leva os pais solteiros a deixar o mercado de trabalho. Outras razões são:

Os pais solteiros desempregados carecem geralmente das qualificações requeridas pelo mercado de trabalho (8). Quanto menores as suas qualificações, menor a oportunidade de se manterem no mercado de trabalho. Esta depende decididamente das possibilidades de formação disponíveis e acessíveis durante o período de licença parental.

Os pais solteiros tendem a concentrar-se nas zonas geográficas em que o desemprego é já de si mais elevado.

Os pais solteiros desempregados têm mais tendência a adoecer ou a ter a seu cargo uma criança ou outro indivíduo cuja enfermidade ou deficiência limite as suas oportunidade de trabalho (situação que afecta 1 em cada 10 pais solteiros desempregados).

Os pais solteiros com problemas financeiros tenderão mais a sofrer de desencorajamento e depressão, o que pode converter-se num obstáculo à procura de emprego.

Além disso, muitos pais solteiros têm de cuidar eles próprios dos seus filhos e procuram apenas empregos com horários que lhes permitam passar o máximo de tempo possível com as crianças mas sem prejudicar a sua vida profissional. Por este motivo, muitos deles vêem-se obrigados a aceitar empregos precários, pouco seguros e mal pagos.

3.2.3.1   Gravidez entre as adolescentes

As mulheres chefes de família com 18 anos ou menos estão particularmente expostas ao risco de pobreza. Na UE, 6 % das mulheres foram mães antes dos 18 anos, embora essa percentagem varie entre 3 % na Itália, nos Países Baixos, na Espanha e na Suécia, 12 % na Hungria e na Eslováquia e 13 % no Reino Unido (9).

Os pais adolescentes têm maiores probabilidades do que os pais adultos de serem afectados pela pobreza e pelo desemprego e escapam dificilmente a essa situação devido à sua falta de formação e às outras razões acima referidas. A título de exemplo, 45 % das mulheres na UE-15 que foram mães adolescentes vivem em agregados cujos rendimentos se contam entre os 20 % mais baixos, ao passo que só 21 % das mulheres que tiveram o primeiro filho na casa dos 20 se encontram nesse grupo. 90 % dos pais adolescentes beneficiam de contribuições sociais, e as mães adolescentes tendem mais do que as outras a viver apenas dessas contribuições e a delas depender durante períodos mais longos.

Os Estados-Membros têm como prioritária a redução dos índices de maternidade adolescente, que contribuirá para reduzir o risco de pobreza e sua perpetuação de uma geração para outra. Para a consecução desse objectivo são propostas soluções muito variadas, desde mais educação sexual a menos educação sexual; desde a promoção da abstinência à distribuição de contraceptivos nas escolas; desde a distribuição de pílulas do dia seguinte à revisão das ajudas sociais para encorajar a coabitação e o casamento entre pais adolescentes.

Os quatro Estados-Membros da UE com os mais baixos índices de maternidade adolescente poderiam servir de modelo a outros países que se debatem com este problema.

3.2.4   Pobreza no trabalho

O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho resulta da proliferação de formas alternativas de trabalho, como o trabalho a tempo parcial, os horários flexíveis e o trabalho a prazo. O emprego a tempo parcial entre as mulheres é em média de 27 %, contra apenas 4 % entre os homens (10). De facto, o fosso salarial entre os géneros é maior no trabalho a tempo parcial do que no trabalho a tempo inteiro: o salário médio de uma mulher para um trabalho a tempo parcial é cerca de 60 % o de um homem, comparado a 82 % para o trabalho a tempo inteiro.

Os trabalhadores menos qualificados, não declarados, oriundos de minorias ou migrantes com pouco ou nenhum estatuto independente legal estão particularmente expostos ao risco de pobreza, dado que os seus empregos são em geral mal pagos, de baixo nível e precários. Os dados revelam que em casos extremos as mulheres deste grupo correm o risco de tráfico, prostituição e violência.

3.2.5   Trabalho não remunerado

As mulheres continuam a não ser pagas pelo trabalho prestado em casa. Mesmo as mulheres assalariadas têm de efectuar tarefas ainda tidas como «suas», como fazer compras e tratar das crianças e dos idosos, uma vez que os homens realizam menos de 40 % das tarefas domésticas e só cerca de 25 % a 35 % do trabalho de cuidar das crianças (11). Este trabalho não remunerado é sistematicamente ignorado pelas estatísticas nacionais, o que vale dizer que é invisível aos responsáveis políticos.

Deve salientar-se que a conciliação da vida familiar e da vida profissional é um verdadeiro desafio para homens e mulheres. As mulheres com filhos menores de 12 anos acusam índices de emprego 15 % inferiores aos das mulheres sem filhos — 60 % contra 75 %. Para os homens com filhos menores de 12 anos, porém, a taxa de emprego é de 91 %, 5 % superior à dos homens sem filhos.

3.2.6   Desemprego de longa duração

Esta condição é geralmente motivadora de problemas sociais, dado que os afectados tendem a perder as qualificações e a auto-estima necessárias para regressarem ao mercado de trabalho, salvo quando beneficiam de apoio adequado e atempado. Na UE no seu todo, os índices de desemprego de longa duração são mais elevados para as mulheres (4,5 %) do que para os homens (3,6 %) (12). Não obstante, os programas destinados a favorecer o regresso destas pessoas à vida activa tendem a beneficiar mais os homens, dado que às mulheres são reservados ofertas de formação muito mais limitadas e empregos estereotipados e pior remunerados.

3.2.7   Pensões

3.2.7.1

As desvantagens que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho e o fosso salarial daí resultante mantêm-se durante a reforma. Isso porque o regime de pensões de muitos Estados-Membros foi concebido de um ponto de vista masculino, discriminando as mulheres que interrompem a carreira, têm empregos não convencionais ou conhecem períodos de trabalho não remunerado. Por conseguinte, muitas mulheres estão em desvantagem para acumular os direitos e as anuidades necessários para beneficiarem de uma pensão adequada na velhice. Dois terços dos reformados são mulheres, e o seu rendimento médio é 53 % o de um homem, o que pode afectar a sua saúde, o seu tipo de habitação e a qualidade de vida. 75 % dos reformados que recebem ajudas sociais por terem rendimentos demasiado baixos são mulheres. Em resultado disso, as mulheres idosas, incluindo viúvas e divorciadas, constituem o grupo mais pobre entre os reformados, e face às consequências sociais a longo prazo do envelhecimento da população da UE esta tendência continuará a aumentar se nada for feito.

Em parecer anterior (13), o CESE recomendou a reforma dos sistemas de pensões para garantir a igualdade entre os géneros, com a individualização das pensões como meta a longo prazo. O CESE considerou ainda que as experiências dos Estados-Membros deveriam ser partilhadas de forma a que algumas mulheres, sobretudo as que interrompem a carreira, não tivessem de se contentar com pensões insuficientes.

Este parecer anterior também fez notar que alguns Estados-Membros, para além da pensão, concedem aos seus idosos outros tipos de apoio. Trata-se de mecanismos variados, nomeadamente benefícios fiscais, energia gratuita, transportes públicos grátis ou a tarifas reduzidas, subsídio de renda. Estas vantagens adicionais são muito importantes, dado que as mulheres, por terem uma esperança média de vida superior, terão mais probabilidades de vir a viver sozinhas do que os homens e, logo, de enfrentar os problemas que se colocam aos reformados mais idosos. Em geral, os reformados mais idosos auferem rendimentos menores de poupanças e investimentos, ao mesmo tempo que as suas despesas correm o risco de aumentar devido a deficiência, mobilidade reduzida e depreciação dos bens.

3.2.7.2

As mulheres, incluindo as de minorias e as imigrantes legalmente residentes ou sem documentos, que ocupem postos de trabalho não convencionais têm ainda mais desvantagens porque só dificilmente poderão beneficiar de um regime de pensões profissionais. Dado que os homens têm salários mais elevados do que as mulheres, a sua pensão final será também mais elevada do que a das mulheres. Além disso, os activos de pensões eram antigamente associados ao detentor do salário mais elevado do agregado, responsável pelo aumento dos activos, que era geralmente o homem. O aumento do número de divórcios chamou a atenção para a injustiça desta prática, dado que a mulher ficava geralmente em desvantagem em caso de dissolução da relação. Entretanto, vários Estados-Membros adoptaram legislação nos termos da qual os tribunais podem agora dividir os activos em caso de divórcio da forma que lhes parecer mais apropriada.

3.3   Dimensão educativa da pobreza e da exclusão social entre as mulheres

3.3.1

A procura de emprego e a entrada na vida activa são determinadas pelo nível de qualificações, especialmente no caso das mulheres. As mulheres mais qualificadas (com um nível educativo ISCED (14) 5 ou 6) têm mais frequentemente um emprego do que as menos qualificadas (nível ISCED inferior a 2) (15). Na UE-25, só 49 % das mulheres entre 20 e 49 anos com um baixo nível de qualificações, para 84 % das com um alto nível de qualificações. Note-se que esta diferença de 30 % no caso das mulheres é de apenas 10 % (83 % contra 93 %) no caso dos homens. As mulheres com mais qualificações que tenham filhos mantêm-se geralmente empregadas. Na UE-25, a proporção entre estes dois grupos é a seguinte: sem filhos (88 % contra 57 %); com um ou dois filhos (80 % contra 43 %); com três ou mais filhos (63 % contra 22 %).

3.3.2

Os programas pedagógicos encorajam opções curriculares fortemente orientadas em função do sexo, levando as adolescentes a optar por formações e carreiras mal remuneradas, e os professores e os orientadores curriculares geralmente não têm formação para ter em conta ou reconhecer as questões de género. Os indivíduos mais expostos a este tipo de segregação são as adolescentes de agregados já sujeitos ao risco de pobreza: estudos (16) demonstram que as jovens deste grupo estão sobrerrepresentadas nos empregos de baixo nível devido ao seu baixo nível de formação. O trabalho manual a tempo parcial constitui a categoria de emprego em que as mulheres estão mais em desvantagem, mais ainda do que noutros tipos de emprego a tempo parcial ou manual a tempo inteiro, devido aos baixos níveis de formação dessas mulheres. Estas vêem as suas opções profissionais limitadas pela combinação da pobreza e do género ao longo dos seus percursos educativos, o que não só afectará a sua vida profissional e a reforma como poderá desencadear um ciclo de pobreza intergeracional.

3.3.3

O CESE louva a ênfase colocada no emprego, e em particular no emprego feminino, pelos objectivos da estratégia de Lisboa, mas observa que isso é insuficiente para as mulheres em risco de pobreza. Os Estados-Membros têm a oportunidade de trabalhar em conjunto com a sociedade civil e com ONG (sobretudo as ONG activas nos domínios da igualdade entre os géneros e da erradicação da pobreza) para pôr termo a esta pobreza vitalícia e intergeracional combatendo a estereotipação nas instituições educativas no que se refere às opções de rapazes e raparigas e criando cursos profissionais eficazes e acessíveis que desenvolvam a empregabilidade e venham ao encontro das necessidades destas mulheres.

3.4   Dimensão penal da pobreza e da exclusão social entre as mulheres

3.4.1

As mulheres são apenas uma minoria dos acusados ou condenados por crimes, representando cerca de um quinto dos criminosos condenados e apenas 6 % da população prisional. Os últimos dez anos assistiram, porém, a um aumento brusco do número de mulheres nas prisões, embora sem um aumento equivalente das condenações (17). A maior parte das mulheres é encarcerada por crimes não violentos e passa menos de um ano na prisão. Quase 25 % das presidiárias estão em prisão preventiva, sem terem sido condenadas por qualquer crime.

3.4.2

O mesmo estudo indica que uma elevada proporção das presidiárias não tinha qualquer segurança financeira antes do encarceramento, nunca tinha trabalhado ou tivera apenas empregos mal remunerados e precários, não tinha domicílio fixo, tinha um nível de formação muito baixo e fora vítima de maus tratos físicos ou sexuais por parte de familiares ou outros homens. Desta forma, a prisão das mulheres exclui ainda mais as que já sofriam de exclusão social.

3.4.3

O grande aumento do número de presidiárias pode dever-se ao tipo de sentenças nos países abrangidos pelo estudo, o qual sugere que as mulheres são frequentemente presas devido à exclusão social (por não terem domicílio fixo, por estarem desempregadas, por consumirem drogas); e ao facto de juizes e magistrados considerarem que essa exclusão social aumenta a probabilidade de essas mulheres virem no futuro a cometer crimes e que o encarceramento é susceptível, graças aos programas de reabilitação, de reduzir a probabilidade de as mulheres marginalizadas regressarem ao crime (ou às drogas) uma vez libertas.

3.4.4

A investigação comprova a impossibilidade de reabilitar e reintegrar as ex-presidiárias, dados os seus maus antecedentes profissionais e educativos, à elevada proporção de perturbações mentais entre elas (50 % em Inglaterra e Gales) (18) e ao facto de a maior parte delas cumprir penas demasiado curtas. Pode questionar-se se as prisões são instituições de reabilitação, mas mesmo se fosse esse o caso, o estudo demonstra que as prisões por si sós muito dificilmente poderiam dar à maior parte das presidiárias uma formação eficaz, uma reabilitação sustentável da toxicodependência, apoio emocional ou qualificações úteis após a libertação.

3.4.5

A principal função das prisões é punir os criminosos. O estudo demonstra que as prisões marginalizam as mulheres que não estavam marginalizadas antes da condenação e piora a situação das que já estavam marginalizadas. O encarceramento é ainda mais prejudicial no caso das mulheres devido aos traumas para as crianças. Por exemplo, no Reino Unido 25 % das presidiárias declararam que o pai das crianças, o seu marido ou o seu companheiro se encarregava das crianças. Já para os homens, esta proporção é de 92 %. Esta situação anula completamente quaisquer benefícios que possam ter sido obtidos sob a forma de justiça penal, dissuasão do crime ou diminuição dos riscos de criminalidade.

3.4.6

As estrangeiras e as mulheres de grupos minoritários são duplamente discriminadas, pelo que representam uma percentagem desproporcional das presidiárias.

3.4.7

O CESE faz sua a conclusão do relatório de que são urgentes medidas para reduzir drasticamente o número de presidiárias, especialmente dado que muitas estão detidas preventivamente e não foram condenadas por qualquer crime e muitas outras estão presas por crimes não violentos. Alguns Estados-Membros criaram alternativas menos nocivas ao encarceramento, e muitas criminosas com problemas graves, quando correctamente apoiadas, conseguem reabilitar-se e reintegrar-se nas suas comunidades.

3.5   O combate ao tráfico de mulheres e crianças

O tráfico de mulheres e crianças é uma consequência da desigualdade entre géneros estruturada e constitui uma forma de violência. Os traficantes servem-se da pobreza e as vítimas sofrem de múltiplas formas de pobreza que conduzem, nomeadamente, ao trabalho forçado, à escravatura sexual, aos problemas de saúde física e mental ou à exclusão social. As estratégias preventivas dos países de origem devem concretizar-se em estratégias que tenham em vista a redução da pobreza e o desenvolvimento social, com uma tónica especial nas oportunidades económicas para as mulheres. As estratégias de prevenção a longo prazo devem combater as principais causas do tráfico, isto é a pobreza, a discriminação, o racismo, as estruturas patriarcais, a violência específica contra as mulheres, os fundamentalismos, a desigualdade entre géneros, a ausência de redes de protecção social, o branqueamento de capitais, a corrupção, a instabilidade política, os conflitos e zonas fora de controlo, as barreiras e as disparidades entre países. Todos os governos devem prever medidas que partem do pressuposto de que há desigualdades nas relações de poder entre homens e mulheres e prever medidas positivas para promover a emancipação das mulheres em todas as áreas da vida.

4.   Recomendações

4.1

O CESE saúda o Relatório conjunto da Comissão e do Conselho sobre a inclusão social, de 5 de Março de 2004, e endossa as seis prioridades políticas nele recomendadas para inclusão nos Planos de Acção Nacionais dos Estados-Membros (ver Anexo). O CESE entende, porém, que há uma omissão flagrante no relatório, a saber, o facto de não ter sido recomendada a adopção e a monitorização de indicadores relativos aos géneros. O CESE apela enfaticamente à introdução destes indicadores, dado que há importantes diferenças entre homens e mulheres no que toca à pobreza e que muitas políticas de combate à pobreza só terão um êxito limitado se não atenderem a essas diferenças nem avaliarem o impacto das medidas sobre ambos os sexos. Reconhecer a perspectiva de género na problemática da pobreza contribuirá para o objectivo de erradicação da pobreza adoptado na Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Social, realizada em Copenhaga em 1995, a qual concordou que deveria ser dada especial prioridade aos direitos e às necessidades de mulheres e crianças, que são muitas vezes as maiores vítimas da pobreza.

4.2

Muitos Estados-Membros têm tomado disposições para incluir as questões da pobreza e da integração social na formulação das suas políticas nacionais. Contudo, poderia ser feito mais ainda mediante o envolvimento dos parceiros sociais (incluindo ONG) a nível nacional, regional e local na formulação e na aplicação das políticas, sobretudo nos domínios da educação, do emprego e das pensões.

4.3

O CESE recomenda muito em particular que os objectivos da estratégia de Lisboa relativos a um maior índice de emprego feminino sejam acompanhados por estratégias de desenvolvimento da empregabilidade das mulheres em risco de pobreza, contribuindo para aumentar a sua independência financeira. Além disso, são necessárias mais iniciativas e mais medidas que garantam a subsistência das mulheres em todas as fases da sua vida e tenham por objectivo aumentar a qualidade dos empregos e colmatar a disparidade salarial. Neste mesmo contexto, o CESE manifestou num seu parecer sobre as orientações integradas para o crescimento e o emprego a sua surpresa perante a omissão no actual elenco de orientações para a política de emprego de qualquer orientação específica dedicada à situação de emprego das mulheres.

4.4

O Comité considera que o intercâmbio de experiências entre os Estados-Membros nos domínios que afectem as mulheres e a pobreza — regimes de pensões, protecção social, gravidez entre adolescentes, combate à violência contra as mulheres, o tráfico incluído, mulheres na prisão — pode ser particularmente útil.

4.5

Muitos Estados-Membros são signatários da Plataforma de Acção de Pequim (Setembro de 1995), que apelou a que os governos nacionais avaliassem a importância do trabalho não remunerado para a economia. No entanto, transcorridos dez anos os Estados-Membros ainda não criaram os sistemas de avaliação e acompanhamento necessários para esse efeito. Há que encorajá-los a fazê-lo e a registar os resultados nas suas estatísticas nacionais.

4.6

O Instituto Europeu da Igualdade entre os Géneros será inaugurado em 2007. Como a perspectiva de género tende a ser negligenciada nas políticas de combate à pobreza na UE, a relação entre género e pobreza tem sido relegada para segundo plano na investigação e nas estatísticas. Para alterar a situação, haverá que atribuir a este Instituto os meios orçamentais necessários. O CESE já exprimiu num seu parecer sobre o Instituto Europeu da Igualdade entre os Géneros a sua preocupação de que esta possibilidade não parece ser plenamente garantida pelo projecto de regulamento.

4.7

O CESE propõe, pois, alguns domínios prioritários para trabalhos futuros. O novo instituto deveria fazer uma análise aprofundada dos dados existentes numa perspectiva de género.

4.8

Um outro domínio que merece especial atenção é o das consequências da pobreza para a saúde física e mental das mulheres.

4.9

Em terceiro lugar, há relativamente poucos estudos sobre a forma como as mulheres reagem à pobreza e sobre se a sentem de forma diferente dos homens.

Bruxelas, 29 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu,

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Os indicadores do risco de pobreza baseiam-se no Estudo sobre os Agregados Familiares da União Europeia.

(2)  Relatório conjunto da Comissão e do Conselho sobre a inclusão social, 5 de Março de 2004.

(3)  «A revolução sexual», por Gary BECKER e Richard POSNER, 10 de Abril de 2005. Disponível em http://www.becker-posner-blog.com/archives/2005/04/index.html.

(4)  Eurostat 2001; à excepção dos agregados com um só indivíduo, as disparidades entre os géneros no que se refere ao risco de pobreza devem ser interpretadas com precaução, porque dependem da assunção de que os rendimentos de cada agregado são equitativamente partilhados entre os seus membros.

(5)  Eurostat 2004.

(6)  Eurostat 2003.

(7)  Eurostat 2003.

(8)  Finch et al.,(1999): New Deal for Lone Parents: Learning From the Prototype Areas. Relatório de investigação DSS n.o 92. Leeds: CDS; Lewis et al., (2000): Lone Parents and Personal Advisers: Roles and Relationships. Relatório de investigação DSS n.o 122. Leeds: CDS; Dawson et al., (2000): New Deal for Lone Parents: Report on Qualitative Interviews with Individuals. Relatório de investigação e desenvolvimento ESR55. Sheffield: Serviço de Emprego; Holtermann et al., (1999): Lone Parents and the Labour Market. Results from the 1997 Labour Force Survey and Review of Research. Relatório do Serviço de Emprego n.o 23. Londres: The Stationary Office.

(9)  Innocenti Report Card, n.o 3, Julho de 2001: «A League Table of Teenage Births in Rich Nations» (UNICEF).

(10)  Estudo do Eurostat sobre a população activa europeia, 2003.

(11)  Como os europeus empregam o seu tempo, Eurostat 1998-2002.

(12)  Estudo do Eurostat sobre a população activa europeia, 2003.

(13)  Parecer do CESE de 29 de Novembro de 2001 sobre «Crescimento económico, fiscalidade e sustentabilidade dos regimes de pensão na UE» (JO C 48, de 21 de Fevereiro de 2002). Relator: H. BYRNE; Co-relator: J. J. Van DIJK.

(14)  International Standard Classification of Education (Classificação Internacional do Nível de Educação) (N. do T.).

(15)  Estatísticas da CE – População e condições sociais, 4/2005.

(16)  Warren, T.:«Divergent Female Part-time Employment in Britain and Denmark and the Implications for Gender Equality», in Sociological Review, 2001, 49(4), 548-567.

(17)  Relatório comparativo baseado nas conclusões dos relatórios nacionais e elaborado por uma equipa da Universidade Central Europeia. Os dados provêm de seis Estados-Membros: Espanha, Alemanha, Reino Unido (apenas Inglaterra e País de Gales), Itália, França e Hungria.

(18)  Comissão Nacional das Mulheres do Reino Unido, Março de 2005.