ISSN 1725-2482

Jornal Oficial

da União Europeia

C 157

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

48.o ano
28 de Junho de 2005


Número de informação

Índice

Página

 

II   Actos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004

2005/C 157/1

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O Contrato de Seguro Europeu

1

2005/C 157/2

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Turismo e desporto: reptos futuros para a Europa

15

2005/C 157/3

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão — Para uma Estratégia Europeia sobre NanotecnologiasCOM(2004) 338 final

22

2005/C 157/4

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Código da Estrada e do Registo Automóvel Europeu

34

2005/C 157/5

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A promoção do transporte marítimo e do recrutamento e a formação dos marítimos

42

2005/C 157/6

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Projecto de decisão da Comissão relativo à aplicação das disposições do artigo 86.o do Tratado aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregues da gestão de serviços de interesse económico geral e o Projecto de directiva da Comissão de que altera a Directiva 80/723/CEE relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas

48

2005/C 157/7

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao reconhecimento dos certificados dos marítimos emitidos pelos Estados-Membros e que altera a Directiva 2001/25/CECOM(2004) 311 final — 2004/0098 (COD)

53

2005/C 157/8

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a serviços de informação fluvial harmonizados nas vias navegáveis interiores da ComunidadeCOM(2004) 392 final — 2004/0123 (COD)

56

2005/C 157/9

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Conselho que estabelece uma Agência Comunitária de Controlo das Pescas e que altera o Regulamento (CEE) n.o 2847/93 que institui um regime de controlo aplicável à política comum das pescas(COM(2004) 289 final — 2004/0108 (CNS))

61

2005/C 157/0

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu sobre o Plano de Acção Europeu Ambiente e Saúde — 2004-2010COM(2004) 416 final

65

2005/C 157/1

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que introduz normas de armadilhagem sem crueldade para determinadas espécies animaisCOM(2004) 532 final — 2004/0183(COD)

70

2005/C 157/2

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 87/328/CEE relativa ao armazenamento de sémen de bovinos destinado ao comércio intracomunitárioCOM(2004) 563 final — 2004/0188 (CNS)

74

2005/C 157/3

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Acompanhar as mutações estruturais: Uma política industrial para a Europa alargadaCOM(2004) 274 final

75

2005/C 157/4

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade profissionalCOM(2004) 279 final — 2004/0084 (COD)

83

2005/C 157/5

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estudo sobre as relações entre a imigração legal e a imigração clandestinaCOM(2004) 412 final

86

2005/C 157/6

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu no domínio da entrada organizada na UE de pessoas que precisam de protecção internacional e ao reforço da capacidade de protecção das regiões de origem — Melhorar o acesso a soluções duradourasCOM(2004) 410 final

92

2005/C 157/7

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Um sistema comum europeu de asilo mais eficaz — O procedimento único como próxima etapa(COM(2004) 503 final — SEC(2004) 937)

96

2005/C 157/8

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso à ajuda externa da Comunidade(COM(2004) 313 final — 2004/0099 (COD))

99

2005/C 157/9

Parecer do Comite Economico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu — criação de um modelo agrícola sustentável para a europa através da pac reformada — reforma do sector do açúcarCOM(2004) 499 final

102

2005/C 157/0

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão: Ciência e tecnologia, as chaves para o futuro da Europa — Orientações para a política de apoio à investigação da UniãoCOM(2004) 353 final

107

2005/C 157/1

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de DIrectiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à revisão legal das contas individuais e consolidadas e que altera as Directivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do ConselhoCOM(2004) 177 final — 2004/0065 (COD)

115

2005/C 157/2

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Aumentar os níveis de emprego dos trabalhadores mais velhos e retardar a saída do mercado de trabalhoCOM(2004) 146 final

120

2005/C 157/3

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Branco sobre a revisão do Regulamento (CEE) n.o 4056/86, que determina as regras de aplicação das normas europeias de concorrência aos transportes marítimosCOM(2004) 675 final

130

2005/C 157/4

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que adopta um programa comunitário plurianual para a promoção de uma utilização mais segura da internet e das novas tecnologias em linhaCOM(2004) 91 final — 2004/0023 (COD)

136

2005/C 157/5

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O acesso à Europa por mar — Evolução e soluções

141

2005/C 157/6

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1260/1999 que estabelece disposições gerais sobre os Fundos Estruturais, no que diz respeito à prorrogação do programa PEACE e à concessão de novas dotações para autorizaçõesCOM(2004) 631 final

147

2005/C 157/7

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1059/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à instituição de uma Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Estatísticas (NUTS) devido à adesão da República Checa, da Estónia, de Chipre, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, de Malta, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia à União EuropeiaCOM(2004) 592 final — 2004/0202 (COD)

149

2005/C 157/8

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as Relações entre gerações

150

2005/C 157/9

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Coexistência de culturas geneticamente modificadas com culturas tradicionais e biológicas

155

2005/C 157/0

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Plano de acção europeu para os alimentos e a agricultura biológicos(COM(2004) 415 final)

167

PT

 


II Actos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004

28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O Contrato de Seguro Europeu»

(2005/C 157/01)

Em 17 de Julho de 2003, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre: «O Contrato de Seguro Europeu»

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 10 de Novembro de 2004, sendo relator J. PEGADO LIZ.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 137 votos a favor, 1 voto contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução: Objectivo do Parecer de Iniciativa e Razão de Ordem

1.1

Os princípios fundamentais reguladores da celebração e da validade do contrato de seguro são diversos nas várias ordens jurídicas nacionais dos Estados-Membros da UE, apesar das suas origens comuns e de uma similitude considerável na sua estrutura.

1.2

Sendo um elemento essencial para o funcionamento do mercado interno, pelo acréscimo de segurança que traz às relações comerciais entre profissionais e consumidores, as diferenças de regulamentação dos aspectos essenciais do contrato de seguro nas várias ordens jurídicas nacionais são susceptíveis de criar barreiras à realização do mercado interno e de constituir dificuldades acrescidas para a comercialização transfronteiras deste instrumento financeiro.

1.3

O objectivo do presente parecer de iniciativa é assim, uma chamada de atenção às entidades competentes, a nível nacional e comunitário, para a necessidade e a oportunidade de:

inventariar as questões e problemas que resultam, para os consumidores e para a realização e o bom funcionamento do mercado interno, da actual situação de diversidade nos regimes jurídicos definidores e reguladores do contrato de seguro;

identificar os princípios comuns aos diferentes sistemas nacionais reguladores do contrato de seguro e as áreas que podem, de um ponto de vista técnico-jurídico, ser objecto de um trabalho de harmonização;

reflectir sobre as soluções possíveis e propor os modelos, as fórmulas ou os instrumentos que devam ser adoptados para obter a mais adequada regulamentação para o contrato de seguro a nível comunitário.

1.4

Desde o início dos trabalhos preparatórios do presente Parecer de Iniciativa que se julgou fundamental poder contar com a colaboração e a participação de elementos do Grupo do «Restatement of European Insurance Contract Law», liderado e coordenado pelo Prof. Em. Dir. iur. Fritz REICHERT-FACILIDES, da Universidade de Innsbruck, de que fazem parte eminentes juristas e especialistas em direito dos seguros de 15 países europeus.

1.4.1

Foi, por isso, com grande satisfação que, à solicitação que lhe foi endereçada, F. REICHERT-FACILIDES correspondeu de imediato, prontificando-se a assegurar o papel de perito do relator, e tendo nesse sentido preparado, desde logo, um primeiro contributo (Position Paper I).

1.4.2

Aconteceu porém que, inesperadamente, e já no decurso da elaboração do presente parecer, F. REICHERT-FACILIDES veio a sucumbir.

1.4.3

O interesse por ele manifestado ao longo de toda uma vida de intenso labor académico pelo tema dos seguros e o seu projecto do «Restatement» justificam, amplamente, a presente referência neste parecer e uma menção especial de agradecimento pelo seu denotado empenhamento, como testemunho sentido pela sua falta e contributo singelo para a sua memória.

1.4.4

Essa a razão que explica e motiva a citação a que se procede, neste local, da parte substancial do seu «Position Paper I», preparado como introdução aos trabalhos que estão na origem deste parecer, e que deverá ter sido um dos seus últimos escritos:

«1.

A diversidade do direito dos contratos de seguro europeu constitui um sério impedimento a um mercado único dos seguros. Esta foi a opinião do grupo desde o início e o próprio CESE o salienta claramente, além disso; veja-se o parecer de iniciativa sobre “Os consumidores no mercado dos seguros”, de 29 de Janeiro de 1998 (JO C 95, de 30 de Março de 1998, pág.72; cf. pontos 1.6 e 2.1.9, segundo parágrafo). Entretanto, a própria Comissão parece ter-se convertido a este ponto de vista (ver a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 12 de Fevereiro de 2003 — Maior coerência no direito europeu dos contratos — Plano de acção (COM(2003) 68 final, JO C 63, de 15 de Março de 2003, pág. 1), a seguir referida como plano de acção; cf. n.os. 27, 47-48, 74).

2.

A harmonização da legislação em geral, e, evidentemente, também do direito dos contratos de seguro, só pode ser feita com base em sólida investigação de direito comparado. O grupo tem por objectivo elaborar um “Restatement”. O que é “Restatement”? O termo deriva do verbo “to restate” (reiterar), que está definido como “tornar a formular ou expressar com convicção”. No domínio jurídico, “Restatement” (“codificação”) é um termo técnico específico dos Estados Unidos. Descreve, como é sabido na arena profissional, um corpo condensado de normas, provenientes de fontes diferentes, mas de fundo semelhante, sistematizadas e unificadas no sentido de uma “melhor solução”. O trabalho é realizado pelo American Law Institute, numa base privada e não legislativa. As semelhanças no significado das fontes provêm, nos EUA, da base consuetudinária dos (diferentes) direitos privados dos vários Estados. No direito europeu dos seguros, em comparação, as semelhanças de fundo devem-se ao seu domínio: “seguros”. Pela sua própria natureza, este domínio cria necessidades reguladoras semelhantes. As orientações para encontrar uma “melhor solução” para o direito dos contratos de seguro poderiam ser as seguintes: primeiro, deve-se ter na devida consideração a tarefa essencial de todo o direito dos contratos de seguro, que é proporcionar um quadro jurídico para o suporte eficaz de riscos da parte do segurador e, assim, garantir o bom funcionamento da própria actividade seguradora; em segundo lugar, é essencial que os interesses conflituais das partes sejam cuidadosamente equilibrados. Relativamente a este aspecto, importa reconhecer devidamente a moderna tendência para conceder um grau relativamente elevado de protecção ao tomador de seguros.

3.

O “Restatement” tal como é encarado pelo nosso grupo concentra-se nas regras obrigatórias (em especial semi-obrigatórias em benefício do tomador de seguros). Porquê? Tem de se ter presente que o “direito vivo” dos contratos de seguro não se encontra primariamente na lei mas nos termos habituais dos contratos. Respeitar este dado de facto significa não só reconhecer realidades mas também observar religiosamente o princípio da liberdade de contrato. Por outro lado, a missão essencial do legislador é limitar essa liberdade, o que tem de ser feito por razões de política pública e de protecção do tomador de seguros (ou de terceiros em benefício de quem o seguro é tomado). Há que dar particular atenção às cláusulas dos contratos que podem levar a perda de protecção pelo seguro. O meio técnico para atingir estas metas é — em todas as ordens jurídicas europeias — a criação por via legislativa de dispositivos (semi-)obrigatórios de direito dos contratos de seguro. Os problemas que se põem na perspectiva de um mercado único são indicados pelo plano de acção nos seguintes termos: “[…] os Estados-Membros estabeleceram as suas próprias regras no que diz respeito às condições que podem ou não podem ser incluídas num contrato de seguros ou em qualquer outro contrato de serviços financeiros. As diferenças existentes entre as disposições poderiam afectar os produtos propostos num contexto transfronteiriço”. E, de facto, a real promoção de um mercado interno dos seguros requer harmonização/unificação das limitações da liberdade de contrato de seguro, com a consequência de todos os contratos (normalizados) que respeitem essas normas uniformes poderem ser oferecidos, em concorrência, em todos os países europeus, dando, desse modo, origem a uma situação de mercado indiviso. Esta é exactamente a meta que o trabalho do projecto pretende atingir.

4.

Procurou-se, na composição do grupo de projecto, preparar a vertente de direito comparado (como se indica em 2., acima) necessária aos trabalhos, em que participam peritos de 16 ordens jurídicas no domínio dos contratos de seguro (da UE e de países terceiros).

5.

Põe-se a questão de se o “Restatement” deve substituir as regras nacionais vigentes ou prever um modelo adicional (o 16.o até agora) para os contratos transfronteiriços. O problema é suscitado pelo plano de acção que abre a discussão sobre um instrumento dito facultativo. Esta matéria não será tratada, agora, mais detidamente.

6.

O trabalho comparativo de direito dos contratos de seguro tem de ser feito atendendo muito de perto ao direito geral dos contratos. O grupo de projecto está vinculado a isso, em especial ao observar e considerar constantemente os chamados princípios de Lando/Beale. Além disso, coopera estreitamente com o “Study Group on a European Civil Code” [Grupo de Estudo para um Código Civil Europeu] (Professores von BAR e BEALE). Neste quadro, ao grupo foi confiada a responsabilidade, especialmente, pelo direito dos contratos de seguro».

1.5

Como preparatório do presente parecer foram realizadas várias reuniões de trabalho, com elementos da Comissão Europeia ligados ao sector dos seguros e à realização do mercado interno, do Comité Européen des Assurances e do BEUC, para colheita de impressões, de reacções e de sugestões ao tema.

1.6

Foi, ainda, decidido elaborar um questionário, endereçado a uma larga lista de entidades públicas e privadas, nacionais e comunitárias, representativas dos principais interesses em causa e simultaneamente realizar uma audição com os principais representantes dos interesses envolvidos (seguradores, industriais e outros profissionais e consumidores), bem como com juristas especialistas e académicos de diferentes origens e diversos sistemas legais.

1.7

O presente parecer dá conta em síntese, do teor das respostas recebidas ao mencionado questionário, bem como das reacções e sugestões colhidas na audição realizada no dia 16 de Abril de 2004.

2.   Alguns antecedentes da questão

2.1

A questão suscitada não é nova no âmbito do CESE. Já no parecer de iniciativa do CESE sobre «Os Consumidores e o Mercado Interno dos Seguros» (1) se chamava a atenção para a «Proposta de directiva do Conselho visando a coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas regulando o contrato de seguro» (2), que procurava harmonizar, no essencial, algumas regras fundamentais do direito do contrato de seguro, e se lamentava que não fosse, à data, intenção da Comissão retomar o tema, «sem embargo de ser opinião dominante junto quer de operadores de seguros quer de organizações de consumidores, que a falta de uma norma comunitária sobre o contrato de seguro (mínimo de harmonização da lei substantiva), está na origem de toda uma série de obstáculos e de dificuldades encontradas para a efectiva concretização do mercado único neste domínio» (3).

2.1.1

E, mais à frente, o Comité salientava como o primeiro dos obstáculos de carácter geral reconhecidos à efectiva concretização do mercado único dos seguros «a inexistência de uma harmonização ao nível do direito substantivo, isto é, uma regulamentação mesmo sobre o direito do contrato de seguro na União Europeia» (4).

2.1.2

Por outro lado, o Comité chamava a atenção para o facto de não existir, «a nível comunitário, nenhum quadro legal que defina regras de transparência mínima na contratação de seguros em geral nem que tipifique, em especial, cláusulas contratuais gerais abusivas em matéria de seguros ou, sequer, que defina princípios gerais de boa fé ou de equilíbrio contratual no domínio específico dos seguros» (5).

2.1.3

E, concretizando: «O modo diverso como cada Estado-Membro regula estas matérias ou, nos casos em que o não faz, a própria ausência de regulamentação (deixando inteiramente a um mercado em que a concorrência está longe de ser perfeita, e os agentes de uma das partes se tendem a concentrar em detrimento da outra parte, a sorte das situações), está na origem de uma multiplicidade de soluções diversas para situações em tudo idênticas, no espaço do mercado único, com particular relevo para as transacções transfronteiriças, cada vez mais facilitadas com o advento da sociedade da informação.»  (6).

2.1.4

E, depois de proceder a uma análise das matérias que, em seu entender poderiam/deveriam ser objecto de harmonização, o referido parecer concluía chamando a atenção da Comissão e dos Estados-Membros para a «oportunidade de ser revista a proposta de directiva da Comissão relativa à harmonização mínima no âmbito dos seguros de 1979 à luz do princípio da subsidiariedade» (7) e instava a Comissão no sentido de desenvolver todos os esforços conducentes à definição, a nível comunitário, de exigências mínimas comuns aplicáveis aos contratos de seguro (proposta de directiva) (8).

2.2

Por outro lado, de há muito que, quer as organizações de consumidores, quer as associações de profissionais de seguros, têm vindo a denunciar a necessidade de uma maior harmonização do direito relativo ao contrato de seguro.

2.2.1

Já em 1986 o European Consumer Law Group chamava a atenção para a necessidade de se proceder a uma «certa medida de harmonização da lei do contrato de seguro no seio da Comunidade» e identificava detalhadamente os aspectos das relações contratuais de seguro que, no seu entender, deveriam ser objecto de harmonização (9).

2.2.2

Por seu turno, também o BEUC, desde pelo menos 1994, vem alertando para a conveniência de ser instituído um «quadro legal de base» que se ocupasse dos pontos essenciais dos contratos de seguro e que constituísse «uma base jurídica mínima comum».

2.2.3

Posição semelhante foi expressa, em Dezembro de 1998, por várias organizações representativas dos consumidores.

2.2.4

Finalmente, o Comité Europeu dos Seguros (CEA), em comentário recente à Comunicação da Comissão sobre um direito europeu dos contratos mais coerente, depois de sublinhar que a Comissão havia correctamente assinalado que «a diversidade das disposições nacionais que regem os contratos de seguro realizados com os consumidores constitui um travão ao desenvolvimento das transacções transfronteiras de seguro », fez questão de anotar que, «no que se refere ao “acervo” comunitário dito “harmonizado”, o número e a complexidade das disposições contidas nos diferentes textos aplicáveis ao direito do contrato de seguro põem verdadeiros problemas».

2.2.4.1

Depois de enumerar toda uma série de situações de repetição inútil de disposições idênticas ou injustificadamente diferentes, nos diversos textos comunitários aplicáveis, conclui por manifestar o seu apoio a «este projecto de melhoria do acervo comunitário», desde que seja precedido de uma análise apropriada de custos/benefícios e de uma consulta completa das partes interessadas e se concentre nos obstáculos ao mercado único (10).

2.3

A Comissão, por seu turno, nas suas Comunicações sobre «Direito Europeu dos Contratos» (11) e sobre uma «Maior Coerência no Direito Europeu dos Contratos — Plano de Acção» (12) salientou, a este propósito, que, segundo a opinião de várias entidades consultadas, o domínio dos contratos de seguro é um dos que, no âmbito dos serviços financeiros, mais problemas levantam pela existência de «diferenças das disposições nacionais» aplicáveis, pelo que, neste domínio, se deveria encarar a possibilidade de «estabelecer uma maior convergência entre as referidas disposições, de forma a tornar compatíveis a necessidade de as normas nacionais serem mais uniformes e manter a inovação e a diversidade de escolha ao nível dos produtos», devendo constituir mesmo uma prioridade na «acção de seguimento do Plano de Acção sobre a Melhoria do Ambiente Regulamentar» (13).

2.4

Por último, o Parlamento Europeu, na sua Resolução sobre a Comunicação da Comissão relativa ao «Plano de Acção» antes citado, depois de «lamentar a ausência de acções atempadas para criar instrumentos facultativos em determinados sectores, tais como os seguros, nos quais a obtenção de lucros substanciais poderia contribuir quer para apoiar o bom funcionamento do mercado interno, quer para desenvolver as transacções e as trocas intercomunitárias», considera que, «a fim de facilitar o comércio transfronteiriço no interior do mercado interno, uma das primeiras prioridades deveria consistir no estabelecimento de um instrumento facultativo em certos sectores, em particular no domínio dos contratos de seguro e, por isso, convida a Comissão Europeia a conceder prioridade à elaboração de um instrumento supletivo no domínio dos contratos de seguro, não descurando um elevado nível de protecção do consumidor e a integração das disposições vinculativas pertinentes» (14).

3.   As respostas ao Questionário e a Audição de 16 de Abril de 2004

3.1

Ao questionário oportunamente enviado a várias entidades responderam quer autoridades nacionais de regulação de vários países, quer associações representativas de interesses de seguradores, da indústria, do comércio e dos consumidores, num total de 27 respostas.

3.1.1

Por países, foram recebidas respostas da Alemanha, da Áustria, da Bélgica, da Eslováquia, da Eslovénia, da Finlândia, da França, do Liechtenstein, da Lituânia, de Malta, da Noruega, da Polónia e da Suécia.

3.1.2

Os membros do Project Group«Restatement of European Insurance Contract Law» responderam em bloco com uma opinião comum.

3.2

Uma confortável e bem expressiva maioria entendeu que:

a)

A falta de harmonização das regras imperativas do direito dos seguros constitui uma barreira à prestação fronteiriça de serviços de seguros, fornecendo abundantes exemplos.

b)

Que a mesma situação é um obstáculo à obtenção da cobertura de seguradores estrangeiros por consumidores que pretendam segurar-se, facultando inúmeros exemplos.

c)

Que o mesmo facto constitui obstáculo a que os intermediários de seguros prestem os seus serviços além fronteiras, dando vários exemplos.

d)

A harmonização das regras imperativas do direito dos contratos de seguro contribuiria para os seguradores, os consumidores e os intermediários de seguros incrementarem as operações transfronteiras de seguros.

e)

A directiva da Comissão de 1979/1980 é ainda um bom ponto de partida para a discussão desta matéria, embora reequacionada em novos termos e segundo outros parâmetros, que alguns respondentes exemplificaram e sugeriram.

3.3

Na audição estiveram presentes 46 personalidades representando 36 instituições de 17 países.

3.4

Do teor das respostas ao questionário e das discussões havidas durante a audição, poderá, em resumo, referir-se que foi alcançado um generalizado consenso, de acordo com as seguintes linhas principais:

3.4.1

Existem diferenças marcantes entre os sistemas legais nacionais relativos à regulação do contrato de seguro.

3.4.2

Existe um déficit considerável de harmonização relativamente à lei do seguro a nível da UE, com reflexos na realização do mercado interno neste domínio.

3.4.3

Em especial para os pequenos e médios segurados (consumidores individuais e PME) um certo grau de harmonização é desejável/necessário, como forma de evitar desigualdades e discriminações (riscos de massas).

3.4.4

Na aproximação a ser levada a cabo no sentido da harmonização da lei do contrato de seguro deve proceder-se de forma gradual (step-by-step) e sem excessiva rigidificação, tendo em conta que a harmonização não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para a realização do mercado interno e deve obedecer aos princípios da necessidade e da proporcionalidade.

3.4.5

Objecto prioritário de harmonização devem ser:

as «mandatory rules»;

a parte geral do direito do contrato de seguro.

3.4.6

Quanto à forma, o modelo do contrato resultante da harmonização poderá ser «opcional», mas, a partir do momento em que seja adoptado, deverá ser vinculativo em todos os seus termos e elementos, para as partes.

3.4.7

O instrumento comunitário para adopção de tal modelo deverá ser o regulamento, como forma de assegurar uma harmonização completa.

3.4.8

Na sua elaboração, as propostas de directiva de 79 e 80 da Comissão, tal como emendadas de acordo com as sugestões do PE e do CESE, podem constituir um ponto de partida, mas devem ser profundamente reelaboradas à luz da evolução entretanto verificada no direito dos seguros.

3.4.9

A harmonização, com os contornos antes definidos, é susceptível de facilitar o incremento dos seguros transfronteiras e de contribuir para um maior desenvolvimento do mercado interno neste domínio.

3.4.10

A base jurídica para uma iniciativa deste tipo poderá ser o artigo 95.o do Tratado.

3.5

Alguns participantes e respondentes referiram ainda:

3.5.1

A harmonização dever ser «facultativa» e restrita à definição dos conceitos fundamentais.

3.5.2

A harmonização deve ser feita apenas para os contratos transfronteiras e só para as pessoas físicas.

3.5.3

A harmonização não é a panaceia geral para a resolução da questão do desenvolvimento deficiente do mercado interno dos seguros.

3.5.4

Uma consideração particular deve ser dada aos seguros mútuos e às instituições de previdência e segurança social em razão das suas especialidades.

4.   A necessidade de uma iniciativa comunitária

4.1   O mercado interno e os seguros

4.1.1   Observações na generalidade sobre a relação entre o mercado interno e os seguros

4.1.1.1

O mercado interno europeu compreende um espaço sem fronteiras internas que permite a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais (artigo 14.o, n.o 2, do Tratado CE). Os «seguros» inserem-se na livre prestação de serviços (artigos 49.o a 55.o do Tratado CE) ou no direito de estabelecimento, conforme as circunstâncias. Os seguradores que prestam serviços transfronteiras ou que se estabelecem noutro Estado-Membro fazem com que os produtos de seguros nacionais concorram com as suas próprias apólices.

4.1.1.2

Por conseguinte, a variedade de alternativas para os potenciais tomadores de seguros aumenta. Em termos ideais, a selecção positiva pelos consumidores que pretendem subscrever um seguro deverá ser a «mão invisível» que guia o mercado interno de seguros.

4.1.1.3

Há outras liberdades que são afectadas pelas questões dos seguros: a livre transferência de prémios e receitas de seguros é garantida (artigo 56.o do Tratado CE). Acresce que os tomadores de seguros que usam a sua liberdade ao abrigo do artigo 18.o do Tratado CE não devem ver as apólices afectadas negativamente quando mudam a residência habitual de uma jurisdição para outra.

4.1.2   Situação da harmonização do direito dos seguros e do direito dos contratos de seguro

4.1.2.1

A multiplicidade de relações entre os seguros (legislação) e as liberdades do Tratado CE levaram a CE a harmonizar sectores importantes do direito dos seguros para conseguir o (correcto) funcionamento do mercado interno. A legislação sobre a supervisão dos seguros está substancialmente harmonizada na CE e no EEE através das três gerações de directivas no domínio dos seguros.

4.1.2.2

Com o que assim foi conseguido foi instituído um sistema de licenciamento e de controlo no país de origem — tal como o previra já o TJCE no seu acórdão de 4 de Dezembro de 1986 (15). No domínio do direito dos contratos de seguro, a harmonização restringiu-se, mais ou menos, a questões de direito internacional privado e direito processual internacional (16).

4.1.2.3

O direito substantivo de contratos de seguro apenas foi harmonizado em determinados sectores e, dentro desses sectores, apenas relativamente a aspectos específicos. Há, por exemplo, um corpus considerável de legislação no domínio dos seguros da responsabilidade automóvel (17). São conhecidas regras comuns também no domínio do seguro de protecção jurídica (18).

4.1.2.4

No entanto, a grande maioria das regras de direito substantivo dos contratos de seguro, ou seja, a parte geral que prevê regras aplicáveis a todos os ramos de seguro, está ainda sujeita à legislação nacional. Este facto leva inevitavelmente à questão de saber se o correcto funcionamento do mercado interno de seguros requer a harmonização também do direito dos contratos de seguros. A questão deverá ser respondida na afirmativa se as divergências nos direitos nacionais do contrato de seguro constituírem uma barreira ao mercado interno.

4.2   Direito dos contratos de seguro enquanto barreira ao funcionamento do mercado interno de seguros

4.2.1   Situação actual: um mercado interno de seguros incompleto

4.2.1.1

Há, de facto, dados empíricos que indicam que as medidas tomadas pela CE até agora (19) melhoraram substancialmente, mas não completaram ainda, o funcionamento do mercado interno dos seguros (20). Isto é verdadeiro, por exemplo, para a liberdade de prestação de serviços no domínio dos seguros de risco de massa que é garantida pelos artigos 49.o e seguintes do Tratado CE e prevista pelas directivas sobre o direito dos seguros, mas, na realidade, não substancialmente utilizada pelo sector dos seguros nem pelos consumidores.

4.2.2   Antecedentes da situação actual

4.2.2.1

A situação actual já descrita pode explicar-se mediante a análise dos seus antecedentes jurídicos. Um dos factores-chave é o facto de o seguro ser frequentemente designado por «produto jurídico». Isto refere-se ao facto de que o produto vendido por uma companhia de seguros equivale ao contrato de seguro propriamente dito moldado pela autonomia da parte e pelo direito (vinculativo) que lhe é aplicável.

4.2.2.2

Não há certamente motivo para preocupação em relação ao correcto funcionamento do mercado interno dos seguros desde que haja autonomia da parte no domínio do direito dos contratos de seguro, permitindo às partes moldar os produtos de seguro em razão das suas preferências mútuas.

4.2.2.3

Contudo, os seguros são em grande medida regidos por regras obrigatórias (21). Algumas destas regras são ao mesmo tempo internacionalmente obrigatórias.

4.2.2.4

Com efeito, o produto de uma determinada seguradora é substancialmente influenciado pelo direito que lhe é aplicável, motivo pelo qual as disparidades entre as ordens jurídicas nacionais dos contratos de seguro podem constituir obstáculos ao funcionamento do mercado interno. O plano de acção da Comissão sobre um direito europeu dos contratos mais coerente reconhece abertamente este facto (22). Esta situação será explicada mais adiante através da análise da perspectiva do segurador (ponto 4.2.3), do titular da apólice (ponto 4.2.4) e dos intermediários dos seguros (ponto 4.2.5).

4.2.3   A perspectiva do segurador

4.2.3.1

Os seguradores são os produtores de coberturas de seguros. A concepção das suas apólices baseia-se num cálculo de riscos que tem em consideração o enquadramento jurídico em que a apólice é vendida. Uma seguradora apta a vender um produto ao abrigo da uma única ordem jurídica em toda a Comunidade pode reunir riscos abrangidos na CE sem distorções decorrentes de diferenças nos direitos dos seguros nacionais. Em consequência, as diferenças de legislação sobre os seguros não constituiriam um obstáculo às liberdades da seguradora.

4.2.3.2

Pelo contrário, se a lei aplicável a uma apólice mudar de acordo com o local de venda da mesma, os diferentes enquadramentos jurídicos em cada Estado-Membro influenciarão o cálculo dos riscos, o que afecta o funcionamento da lei das grandes quantidades em que se baseia a actividade seguradora.

4.2.3.3

Assim, os seguradores que vendam os seus serviços além fronteiras teriam de sujeitar as suas apólices a diferentes concepções e cálculos de acordo com a lei aplicável, o que constituiria um forte entrave ao funcionamento do mercado interno.

4.2.3.4

Uma breve análise das regras comunitárias de direito internacional privado no sector dos seguros mostra que um segurador é, na verdade, obrigado a adaptar as suas apólices ao enquadramento jurídico do Estado-Membro em que elas são vendidas. O contrato de seguro está sujeito, nos termos do n.o 1, alíneas a) e h) do artigo 7.o da segunda directiva sobre o seguro não vida (23), à legislação do Estado-Membro em que o risco está localizado e, nos termos do n.o 1, alínea 1), do artigo 32.o da directiva sobre o seguro de vida (24), ao Estado-Membro do compromisso. O local onde o risco está localizado ou o local do compromisso é, na maioria dos casos, determinado pela residência habitual do titular da apólice (25).

4.2.3.5

O segurador pode evitar este resultado escolhendo a lei aplicável ao contrato de seguro (muito provavelmente a lei da sua própria sede) por acordo com o titular de apólice. No entanto, esta opção é bastante limitada pelas regras do direito internacional privado nas directivas relativas aos seguros. No sector dos seguros não vida, as directivas permitem liberdade de escolha da lei aplicável apenas para contratos de seguros que abranjam os grandes riscos (26). Os Estados-Membros, ou seja, o Estado-Membro onde o risco está localizado, pode expandir, como entender, o âmbito de autonomia da parte (27). Em todos os outros casos, as directivas limitam em certa medida a autonomia da parte (28) e, assim, não evitam os problemas referidos de as seguradoras venderem os seus contratos de seguro além fronteiras. No domínio do seguro de vida, o Estado-Membro do compromisso pode conceder autonomia da parte (29), de outra forma, as partes gozam apenas de uma escolha muito limitada da lei aplicável (30).

4.2.3.6

Estas observações sobre a situação do direito europeu dos contratos de seguro internacionais mostra claramente que, nos seguros de riscos de massa, a seguradora tem de adaptar o seu produto na maioria dos casos ao quadro jurídico da residência habitual do titular da apólice (31). Estas dificuldades são agravadas pelo facto de o titular da apólice poder alterar a sua residência habitual após a celebração do contrato (32).

4.2.3.7

A única excepção no direito europeu de contratos de seguro internacionais é o seguro de grandes riscos no sector do seguro não vida, em que a seguradora e o titular da apólice podem escolher a lei aplicável. Todavia, mesmo nos casos dos seguros de grandes riscos, um tribunal do Estado-Membro de residência do tomador da apólice (com jurisdição nos termos do n.o 1, alínea d), do artigo 9.o do Regulamento Bruxelas-I (33)) pode impor as suas disposições imperativas (34).

4.2.3.8

Os seguradores hesitarão muito em prestar os seus serviços além fronteiras, pelo menos, no que se refere ao seguro de riscos de massa. Há sempre o argumento de que uma mudança no regime jurídico internacional privado resolveria a situação. De facto, seria de esperar que os obstáculos referidos desaparecessem se as partes pudessem escolher a lei aplicável e que, na ausência dessa possibilidade, a lei aplicável fosse determinada pelo local de domicílio do segurador. Todavia, uma mudança desse tipo no direito internacional privado poria em grande risco as noções básicas de titular da apólice e de defesa do consumidor no âmbito do direito internacional privado: dar-se-ia liberdade de escolha da lei no sector dos seguros, mesmo em situação de relação empresarial com o consumidor em que este seria protegido pelo artigo 5.o da Convenção de Roma noutros sectores. Ao mesmo tempo, não resolveria totalmente o problema: os tribunais do Estado-Membro de residência do tomador de seguro continuariam a aplicar as suas regras internacionalmente obrigatórias. Sobretudo, os tomadores de seguros hesitariam muito em adquiri-los no estrangeiro sabendo que lhes falece a protecção pela lei nacional respectiva e que ficam sujeitos a uma lei de seguros estrangeira desconhecida (35).

4.2.4   A perspectiva do titular da apólice

4.2.4.1

Ao abrigo do regime jurídico internacional privado em vigor, os titulares da apólice podem estar dispostos a solicitar uma cobertura de seguradores estrangeiros. Conscientes de que estarão (na maior parte dos casos) protegidos pela lei do Estado-Membro da sua residência, irão adquirir um seguro além fronteiras. Porém, os titulares da apólice não poderão adquirir produtos estrangeiros mesmo que queiram: a aplicação da lei dos seus países de residência altera sempre as apólices adquiridas para contratos mais ou menos determinados por essa lei. E ainda que, apesar disso, pretendam adquirir produtos de seguros estrangeiros, depararão com seguradores estrangeiros muito hesitantes em dar essa cobertura.

4.2.4.2

Como se disse, esta hesitação seria provavelmente evitada com uma mudança nas regras do direito internacional de contratos de seguro (36). Porém, se assim fosse, a hesitação do segurador em fornecer a cobertura seria substituída por uma hesitação igualmente grande da parte do tomador de seguro em procurar uma cobertura estrangeira. Por conseguinte, não se pode esperar a criação de um mercado interno de seguros.

4.2.4.3

Há que acrescentar outro aspecto. Um tomador de seguro goza liberdade de circulação no mercado interno (ver em especial artigo 18.o do Tratado CE). Todavia, uma mudança da sua residência habitual pode ter efeitos adversos na situação do seu seguro. Em primeiro lugar, os tribunais do novo Estado-Membro de residência do titular da apólice podem aplicar novas regras internacionalmente obrigatórias que influenciam a apólice adquirida no local de residência anterior. Em segundo lugar, as leis sobre seguros obrigatórios podem exigir uma cobertura diferente da adquirida pelo titular da apólice no local de residência anterior. Em terceiro lugar, um tomador de seguro pode preferir localizar os riscos em Estados-Membros diferentes cobertos por uma única apólice de seguro.

4.2.4.4

A actual situação jurídica não permite plenamente essas apólices europeias. Em vez disso, são formados os chamados «contratos arborescentes» («umbrella contracts») que são, na realidade, tantos contratos quantos os Estados-Membros envolvidos. O que falta, portanto, é a possibilidade de uma apólice transferível para o que foi descrito como o titular de apólices «euromóvel» (37) que vive e trabalha em diferentes partes da UE durante a sua vida.

4.2.5   A perspectiva dos intermediários de seguros

4.2.5.1

Os intermediários desempenham um papel importante na distribuição dos contratos de seguros, constituindo um elemento essencial na criação de um mercado interno de seguros. É o caso, em particular, dos corretores de seguros. Ao utilizarem a sua liberdade de prestação de serviços — garantida pelos artigos 49.o a 55.o do Tratado CE e aplicada pela directiva relativa aos intermediários de seguros (38) –, os intermediários contribuem bastante para a criação e para o funcionamento do mercado interno de seguros. No domínio dos seguros de riscos de massas em especial, é mais provável que seja um corretor a tentar colocar o risco num mercado de seguros estrangeiro do que o próprio consumidor.

4.2.5.2

No entanto, quaisquer dados sobre um mercado de seguros estrangeiro e respectivos produtos não terão grande significado para um corretor sem conhecimentos da lei local. Dado que os produtos existentes num mercado de seguros estrangeiro são concebidos tendo em conta a legislação local, o corretor não pode partir do princípio que o conteúdo e o preço da apólice se manterão iguais no quadro jurídico do seu cliente (estrangeiro). Os corretores não podem, pois, tirar facilmente partido dos mercados de seguros estrangeiros para colocar os riscos de massa, tendo que negociar os contratos individualmente. O que provocará provavelmente custos de transacção proibitivos entravando, dessa forma, o funcionamento do mercado interno de seguros.

4.2.6   Preocupações similares com seguros comercializados através de sucursais

4.2.6.1

Menciona-se frequentemente o facto de os seguros, pela sua natureza, requererem alguma proximidade geográfica entre o segurador e o cliente. No futuro esta observação pode mostrar que as vendas transfronteiriças não serão tão frequentes no sector dos seguros como noutras actividades empresariais (por exemplo, a venda de livros através da Internet, etc.). Por razões de relacionamento com os clientes os seguradores podem preferir operar noutros Estados-Membros por meio de sucursais ou filiais.

4.2.6.2

Os representantes deste ponto de vista não se opõem à harmonização do direito dos contratos de seguro em princípio. Antes tentam mostrar que o impacte será limitado a uma certa quota dos contratos de seguro de facto comercializados além fronteiras ou a clientes que, na realidade, se movimentam e mudam de lugar de residência de Estado-Membro para Estado-Membro.

4.2.6.3

O impacte real, contudo, será mais substancial. Se os contratos de seguro forem vendidos noutros Estados-Membros através de sucursais ou mesmo através de sociedades-filhas, surgem os mesmos problemas para os clientes, os intermediários e os seguradores. Os seguradores têm de adaptar os seus produtos às condições locais, inclusivamente ao quadro jurídico local. O resultado é terem de reformular os seus produtos. Por isso, uma apólice concebida num Estado-Membro não pode ser vendida noutro Estado-Membro através de uma sucursal sem alterações substanciais em virtude da diferença de enquadramento (jurídico). Os intermediários e os clientes debatem-se com o problema de, simplesmente, não encontrarem produtos de seguro estrangeiros nos seus mercados.

4.2.6.4

A harmonização dos direitos dos contratos de seguro reduziria substancialmente os custos da concepção de produtos no mercado interno. Os seguradores que se estabeleçam noutro Estado-Membro podem restringir-se a aconselhar o cliente através dos seus agentes, a proporcionar a resolução de litígios através dos seus escritórios regionais competentes, etc. Mesmo que operassem através de sociedades-filhas, os grupos seguradores poderiam repartir o esforço e os custos da concepção de produtos.

4.2.6.5

O resultado seria os clientes aproveitarem efectivamente do mercado interno. Num mercado interno baseado num direito dos contratos de seguro harmonizado as inovações no sector dos seguros podiam atravessar mais facilmente as fronteiras. Os consumidores europeus teriam acesso a produtos de seguro de concepção estrangeira.

4.3   A harmonização do direito dos contratos de seguro e o alargamento da UE

4.3.1

Em 1 de Maio de 2004, 10 novos Estados-Membros aderiram à CE, 8 dos quais são países em transição. A sua legislação dos seguros teve de ser alinhada pelo acervo comunitário, como requisito prévio da adesão (39). Condição prévia indispensável do funcionamento dos mercados dos seguros nesses países é uma legislação moderna sobre os contratos de seguro. Enquanto alguns dos novos Estados-Membros aprovaram legislação moderna, outros precisam ainda de actuar nesse sentido.

4.3.2

A harmonização do direito dos contratos de seguro pareceria, por isso, servir os interesses do mercado interno alargado dos seguros, ajudando os novos Estados-Membros a modernizarem a sua legislação e evitarem novas disparidades entre os sistemas nacionais. Parece útil que a Comissão Europeia informe esses países logo que possível quando planear harmonizar o direito dos contratos de seguro.

5.   A proposta de directiva da Comissão de 1979

5.1

Como se mencionou antes, a Comissão teve oportunidade, em 1979, de apresentar uma primeira proposta de directiva visando a coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o contrato de seguro (40). Tal proposta foi elaborada na sequência do que constava do Programa Geral para a supressão das restrições à livre prestação de serviços, que previa, em matéria de seguro directo, a coordenação dos textos legais e administrativos que regessem o contrato de seguro «na medida em que a disparidade destes textos cause um prejuízo para os segurados e os terceiros» (41).

5.2

A mencionada proposta considerava insuficiente a coordenação realizada pelas Directivas sobre seguros então existentes, e o facto de ser, por força do Tratado, interdito qualquer tratamento discriminatório em matéria de prestação de serviços, fundado no facto de uma empresa não se encontrar estabelecida no Estado-Membro em que a prestação é executada.

5.2.1

Nesse sentido entendeu que seria conveniente harmonizar a regulamentação no que respeita a «certas questões gerais relativas nomeadamente à existência da cobertura em função do pagamento do prémio, à duração do contrato e à posição dos segurados que não são tomadores do seguro» bem como às «consequências do comportamento do tomador do seguro no momento da conclusão e no decurso do contrato relativamente à declaração do risco e do sinistro e a sua atitude em relação às medidas a tomar em caso de sinistro.».

5.2.2

Considerava, ainda, a mencionada proposta que «os Estados-Membros não podem ser autorizados, para as questões reguladas na presente directiva, a prever soluções diferentes, salvo se expressamente previsto no texto da directiva», sem o que se poriam em causa os objectivos prosseguidos pela proposta, dando assim, um passo importante no sentido de uma harmonização total neste domínio (42).

5.3

O CESE, pronunciando-se sobre este projecto (43), considerou, em síntese e por unanimidade, que

a)

a Comissão se tinha limitado à coordenação de alguns pontos considerados essenciais, mas que ulteriormente outros deveriam igualmente ser objecto de harmonização;

b)

lamentava que não se tivesse previsto nenhuma diferenciação entre os riscos de massas, de um lado, e os riscos comerciais ou industriais, do outro;

c)

sugeria que se excluísse ainda do seu campo de aplicação o seguro-doença

d)

lamentava que não tivesse sido regulada a situação dos contratos subscritos por seguradores estabelecidos num dos países membros e relativos a riscos situados em países terceiros, bem como os contratos subscritos por tomadores de seguro domiciliados fora da Comunidade;

e)

pedia que, para protecção adequada dos tomadores de seguro que fossem pessoas singulares ou PME, fossem especialmente estabelecidas regras relativas a:

1-

período de reflexão e direito de retractação

2-

cláusulas abusivas

3-

enunciação expressa das exclusões e dos prazos

4-

adequada informação pré-contratual

f)

urgia para que o tema do direito de recurso dos terceiros lesados fosse objecto de uma directiva ad hoc ou de uma próxima fase de coordenação

5.4

O CESE analisava depois, em particular, cada um dos artigos da proposta e sobre eles tecia variados comentários críticos que merecem, ainda hoje, ser devidamente ponderados, na elaboração de qualquer nova iniciativa na matéria.

5.5

Sobre esta mesma Proposta, também o Parlamento Europeu teve oportunidade de se pronunciar (44) na altura, tendo considerado designadamente que «a harmonização será o garante da protecção, ao mesmo nível, dos tomadores de seguros, seja qual for a sua escolha da lei aplicável.».

5.5.1

Em particular, o PE fez diversas propostas de alteração, nomeadamente quanto ao campo de aplicação da directiva (eliminação de exclusões), aos elementos essenciais do contrato de seguro, às obrigações de declaração por parte do tomador do seguro, e às suas consequências na subsistência do contrato, quer relativamente às circunstâncias iniciais quer em relação à sua alteração durante a vigência do contrato, aos elementos de prova a fornecer pelo tomador em caso de sinistro e às condições para a resolução do contrato.

5.5.2

Nas suas observações é bem evidente a intenção do PE de, como refere expressamente, assegurar «um justo equilíbrio entre os interesses do segurador e os do segurado».

5.6

No seguimento destas observações, a Comissão teve oportunidade de elaborar um novo texto alterado da sua proposta (45), onde, designadamente, dá acolhimento a várias das sugestões e propostas efectuadas quer pelo CESE, quer pelo PE e onde, pela primeira vez, se chama a atenção para o facto de que «a coordenação das disposições legislativas respeitantes aos contratos de seguro facilitaria a prestação de serviços num Estado-Membro pelos seguradores dum outro Estado-Membro», como primeira afloração da preocupação da realização de um mercado único no domínio dos serviços financeiros (46).

5.6.1

Esta proposta da Comissão fixava como data para a entrada em vigor da directiva o dia 1 de Julho de 1983. No entanto, for falta de vontade política dos Estados-Membros, esta proposta acabou por nunca ser adoptada.

5.7   Qual a actualidade da mencionada Proposta de 1979/1980 da Comissão?

5.7.1

Das respostas recebidas ao Questionário oportunamente enviado e da audição pública realizada em 16 de Abril de 2004, resultou um consenso generalizado no sentido de que esta proposta, apesar de ter mais de vinte anos, deve ser seriamente considerada como um contributo ainda válido e um bom ponto de partida para uma nova iniciativa na matéria.

5.7.2

No entanto, foi igualmente salientado que as necessidades actuais de harmonização do contrato de seguro vão muito para além da proposta de 1980 e as regras a propor devem assentar numa discussão à luz de um estudo aprofundado de direito comparado.

6.   Formas de harmonização

6.1   Encontrar as melhores soluções usando um método jurídico comparativo

6.1.1

Qualquer tentativa de harmonizar o direito europeu dos contratos de seguro deve ser precedida de trabalhos preparatórios de direito comparado. Esses trabalhos estão em curso a um nível académico. De facto, está já concluído um trabalho de comparação no domínio do direito geral dos contratos com a apresentação dos Princípios do Direito Europeu dos Contratos. No domínio do direito dos contratos de seguro, já foi e será ainda publicado um grande volume de resultados de estudos jurídicos comparativos (47). Em 1999, o falecido Professor REICHERT-FACILIDES fundou um Grupo de Projecto «Restatement of European Insurance Contract Law». Os membros deste grupo são peritos em direito dos seguros e representam várias ordens jurídicas (dentro e fora da UE).

6.1.2

As orientações para encontrar uma «melhor solução» para o direito dos contratos de seguro podem ser as seguintes: primeiro, há que ter na devida consideração o escopo essencial de todas as leis sobre contratos de seguro, designadamente fornecer um quadro jurídico para o suporte eficaz de riscos por parte do segurador e, assim, garantir o bom funcionamento da própria actividade de seguros. Segundo, é essencial que os interesses em conflito das partes sejam cuidadosamente equilibrados. Nesse contexto, há que reconhecer adequadamente a tendência moderna de atribuir um grau relativamente elevado de protecção ao titular da apólice.

6.1.3

Com base nessas observações, os esforços para melhorar o mercado interno de seguros deve concentrar-se nas regras obrigatórias. Estas regras são um quadro indispensável para a contratação autónoma das partes e, ao mesmo tempo, formam uma barreira ao mercado interno de seguros enquanto não estiverem harmonizadas. Em resultado, as necessidades de regulação no domínio dos seguros são compatíveis com os requisitos de harmonização de um mercado interno de seguros.

6.2   As medidas de harmonização devem proporcionar um nível elevado de protecção dos tomadores de seguros

6.2.1

As leis sobre contratos de seguros, pelo menos nas suas disposições semi-obrigatórias, têm por objectivo proteger a parte mais fraca e podem ser designadas como leis do consumidor de um ponto de vista funcional. Todavia, tradicionalmente a protecção do tomador de seguro é mais alargado do que o direito geral do consumidor: tal como os clientes privados, as pequenas empresas são protegidas quando subscrevem seguros.

6.2.2

Quando harmonizar o direito europeu do consumidor, a CE tem de conferir um nível elevado de protecção aos consumidores (ver n.o 3 do artigo 95.o do Tratado CE). Este conceito é também aplicado aos actos legislativos baseados noutros artigos do Tratado CE combinado (no domínio do direito dos seguros, em geral n.o 2 do artigo 47.o em ligação com o artigo 55.o do Tratado CE). Em resultado, uma acção de harmonização do direito dos contratos de seguros proporcionaria um nível elevado de protecção ao tomador de seguro.

6.3   Harmonização mínima ou total?

6.3.1

A análise dos problemas actuais com o mercado interno de seguros indica claramente a necessidade da plena harmonização do direito dos contratos de seguro. A harmonização mínima permitiria aos Estados-Membros aplicar um nível mais elevado de protecção, como previsto no direito europeu, criando, assim, novas barreiras ao mercado interno de seguros.

6.3.2

As normas mínimas não impediriam o funcionamento do mercado interno se o sistema de direito internacional privado em vigor fosse substituído por regras que levassem à aplicação do direito do Estado de domicílio do segurador. Com isso, todos os seguradores produziam os seus produtos ao abrigo do direito nacional (proporcionando pelo menos um nível mínimo europeu de protecção) e podiam vendê-los com base na aplicação de um direito do «país de origem» em todos os outros Estados-Membros. O tomador de seguro teria a certeza de obter os níveis mínimos de protecção apesar de estar sujeito a um direito estrangeiro.

6.3.3

No entanto, uma mudança desse tipo no sistema de direito internacional privado não é provável nem desejável. Em primeiro lugar, essa mudança privaria os consumidores de serviços de seguros da protecção dos consumidor proporcionada pelo artigo 5.o da Convenção de Roma que protege o consumidor «passivo» mesmo em domínios em que o direito substantivo do consumidor está harmonizado. Em segundo lugar, os tribunais imporiam regras obrigatórias do direito do país de residência do titular da apólice, subsistindo, portanto, sempre barreiras ao funcionamento do mercado único. Em terceiro lugar, cabe referir que, nos termos do regulamento relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões, um segurador pode intentar um processo contra um titular de apólice sua apenas nos tribunais do país de residência do titular (ver o n.o 1 do artigo 12.o com muito poucas excepções) e um tomador de seguro escolherá muito provavelmente o mesmo fórum, nos termos do n.o 1, alínea b), do artigo 9.o, para as suas próprias acções.

6.3.4

Assim, uma mudança no sistema de direito internacional privado criaria uma situação em que os tribunais competentes teriam, geralmente, de aplicar direito estrangeiro. Isso tornaria os litígios em termos de seguros ainda mais complicados e dispendiosos, mesmo que o próprio direito dos seguros fosse harmonizado. Esta via não pode, pois, ser recomendada. O sistema de direito internacional privado deve, em princípio, manter-se na sua forma actual, e o direito dos contratos de seguro deve ser totalmente harmonizado. Afirmar isto, porém, não nega a possibilidade de melhorar o actual regime jurídico internacional privado; por exemplo, enquanto o direito dos contratos de seguro não é harmonizado, um cidadão «euromóvel» podia ser autorizado a escolher entre o direito do local de residência e o direito da sua nacionalidade.

6.4   O mercado interno de seguros requer a harmonização do direito geral dos contratos?

6.4.1

Por sistema, o direito dos contratos de seguro está inserido no direito dos contratos em geral. Suscita este facto a questão de a harmonização do direito dos contratos de seguro apenas poder chegar a bom termo se todo o direito dos contratos (ou, pelo menos, a sua parte geral) for harmonizado ou ser possível independentemente disso. Esta última hipótese parece ser verdadeira.

6.4.2

Como acima se disse, são as regras obrigatórias que constituem um obstáculo ao mercado interno dos seguros, pelo que devem ser harmonizadas. O direito geral dos contratos não é, pela sua própria natureza, obrigatório. Há algumas regras obrigatórias. Nem estas regras parecem ser de tal modo diferentes entre as ordens jurídicas dos Estados-Membros que a sua não harmonização perturbe o funcionamento do mercado interno dos seguros, nem elas têm influência predominante no produto de seguros enquanto tal.

6.4.3

Pode haver excepções. Todavia, estas excepções podem ser tratadas no âmbito da harmonização do sector dos seguros. Um exemplo de tais regras é, de facto, já abrangido pela directiva relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (48), que também se aplica às apólices de seguro de consumo (49). Um acto legislativo ao nível europeu sobre o direito dos contratos apenas teria que alargar o âmbito de aplicação a todos os seguros de risco de massa, a fim de satisfazer o mercado interno de seguros.

6.4.4

Os argumentos aqui esgrimidos não pretendem contestar a harmonização do direito dos contratos em geral. Deixam a questão à discrição das instituições comunitárias. Na realidade, a harmonização do direito geral dos contratos facilitaria a harmonização do direito dos contratos de seguro. Os argumentos aduzidos apenas tentam mostrar que a harmonização do direito dos contratos de seguro pode atingir os seus objectivos por si mesma.

6.5   Criação de um instrumento opcional ou harmonização dos direitos nacionais dos contratos de seguro?

6.5.1   A diferença entre a harmonização dos direitos nacionais e um instrumento opcional

6.5.1.1

O plano de acção para um direito europeu dos contratos mais coerente salientou a possibilidade de introduzir um instrumento opcional em vez de uma harmonização ou unificação dos direitos nacionais de contratos. A principal diferença reside no facto de um instrumento opcional manter intocados os direitos nacionais de contratos, optem as partes por ou contra o recurso ao instrumento consoante este utilize uma abordagem de opção de exclusão ou de opção de adesão. Desta forma, são criadas ordens jurídicas paralelas (a europeia e a nacional) e as partes podem escolher entre esses regimes.

6.5.1.2

Pelo contrário, a harmonização ou unificação dos direitos nacionais de contratos substituiria os conceitos nacionais do direito nacional de contrato por uma solução europeia. As partes não teriam a possibilidade de optar pelo seu modelo nacional ou pelo modelo europeu.

6.5.2   Vantagens e desvantagens das duas vias

6.5.2.1

Da perspectiva do mercado interno de seguros, as duas soluções partilham uma vantagem óbvia: removem de facto as barreiras à comercialização de apólices na Europa e possibilitam a livre circulação na Comunidade dos tomadores de seguros sem consequências negativas das diferenças de direito dos contratos de seguro para as suas apólices. Por isso, qualquer das abordagens é preferível à situação actual e a escolha entre elas acaba por ser uma questão de política e não de princípio.

6.5.2.2

A harmonização do direito nacional dos contratos de seguro pode vir a mostrar-se mais pesada tarefa do que a aprovação de um instrumento opcional. Pois que levaria à substituição das «tradições» nacionais por uma solução europeia, a elite jurídica nacional (profissionais e académicos) poderia hesitar em seguir um apelo à harmonização.

6.5.2.3

Um factor ambivalente é a correlação entre a intensidade da interferência com a lei nacional e a rapidez na obtenção de resultados para o mercado interno. Uma vez que não revogaria os direitos nacionais, um instrumento opcional pode ser visto como uma abordagem suave e, por isso, mais facilmente aceitável para os mercados. Por outro lado, receia-se que um instrumento opcional possa pôr os actores do mercado único (por exemplo, companhias e corretores de seguros) na expectativa — hesitantes em estar na vanguarda, os actores aguardariam que os outros avançassem e tentariam aprender com as (más) experiências dos concorrentes. Ou será o instrumento opcional visto como uma janela de oportunidade que todos querem ser os primeiros a abrir, designadamente através da venda de seguros através da Internet? É certo que a harmonização traria resultados imediatos porque nenhum actor se pode furtar a aplicá-la. Em contrapartida, a intervenção poderia ser sentida como muito forte, ou mesmo como demasiado forte.

6.5.2.4

Uma preocupação técnica com um instrumento opcional tem que ver com o facto de este não poder substituir inteiramente a harmonização, o que pode facilmente ser demonstrado olhando para o seguro de responsabilidade nos veículos a motor. A harmonização do direito dos seguros de responsabilidade nos veículos a motor é de primordial importância para a mobilidade essencial dos cidadãos da UE porque proporciona protecção indispensável às vítimas de acidentes. É óbvio que a protecção da vítima não pode de modo nenhum depender da escolha das partes de um contrato de seguro que favoreça um instrumento europeu. Um instrumento opcional poderia, pois, não substituir a harmonização do direito dos seguros de responsabilidade nos veículos a motor.

6.5.2.5

Finalmente, avança-se com a questão de um instrumento opcional conseguir obter resultados eficientes num campo como o do direito dos seguros que se caracteriza por um desequilíbrio entre as partes. As partes farão uma escolha eficiente ou a escolha será feita, unilateralmente, pelos seguradores através de cláusulas de adesão ou de exclusão nas condições gerais de seguro?

6.5.2.6

Não é uma preocupação primordial saber se a meta de um acto legislativo europeu relativo ao contrato de seguro se atingirá através da harmonização dos direitos nacionais ou da instituição de um instrumento opcional. A questão requer, contudo, cuidadosa ponderação.

6.6   Elaboração de condições gerais de seguro a nível comunitário?

6.6.1

É de perguntar, ainda, se a harmonização dos direitos pode ser substituída pela elaboração de condições gerais de seguro a nível comunitário. De facto, as preocupações com seguradores que tiveram em consideração as leis de cada Estado-Membro diminuiriam (se não desaparecessem) se este esforço fosse efectuado colectivamente e com o apoio das instituições comunitárias.

6.6.2

Não obstante, a solução não pode ser bem recebida. Primeiro, as condições gerais comunitárias podem ter em conta as diferenças dos direitos nacionais, mas ainda exigem cálculos de riscos separados e podem ser desvantajosas para um cidadão a circular na UE.

6.6.3

Além disso, aquela solução levaria à criação de condições modelo com consequências negativas na concorrência nos mercados internos. Cabe recordar que um dos principais passos dados na criação de um mercado interno de seguros foi a abolição de qualquer direito de os Estados-Membros controlarem sistematicamente as condições gerais de seguro antes de serem introduzidas no mercado (50). Esse controlo leva a uma falta de diversidade dos produtos de seguros, a uma escolha reduzida para os consumidores e, portanto, a uma redução da concorrência. A elaboração de condições gerais de seguro a nível comunitário comporta estruturalmente o mesmo risco.

7.   Domínios de harmonização

7.1

Já foi referido que são as regras obrigatórias do direito dos contratos de seguro que requerem harmonização. Outra questão é se todos os domínios do direito dos contratos de seguro ou apenas alguns em particular precisam de ser harmonizados.

7.2

O direito dos seguros está frequentemente dividido numa parte geral, com regras aplicáveis a todos os contratos de seguro, e no direito de ramos específicos de seguro. É de perguntar se o mercado interno de seguros exigirá a harmonização das regras gerais, das regras específicas para ramos em particular ou de ambos.

7.3

Teoricamente, os dois são necessários: as regras gerais e as regras específicas dos ramos do direito dos seguros afectam o produto e, por isso, impedem o funcionamento do mercado interno de seguros. Por exemplo, as regras aplicáveis às garantias de promissórias, inseridas normalmente na parte geral, influenciam a taxa de risco e o prémio, como as regras específicas para, por exemplo, seguros de vida influenciam este seguro específico. Assim, a harmonização não deve, em princípio, distinguir entre estes dois conjuntos de regras.

7.4

No entanto, a harmonização pode ser realizada em várias fases. Se assim for, haverá que elaborar uma lista de prioridades. Neste caso, seria apropriado harmonizar primeiro a parte geral. Muitos ramos de seguros não estão sujeitos a regras específicas ou obrigatórias (51), mas sim apenas a regras gerais ao abrigo dos regimes dos direitos nacionais de contratos de seguro em vigor. Desta forma, o mais urgente é a harmonização das regras gerais do direito dos contratos de seguro obrigatórias. Esta harmonização permitiria imediatamente a criação de um mercado interno de seguros em todos os ramos não abrangidos pelas regras jurídicas específicas e obrigatórias. Finda esta fase, os ramos regulados como o seguro de vida e de saúde, também devem ser abrangidos.

7.5

O tipo de regras que podem ser harmonizadas nesta primeira fase seriam as seguintes:

a)

deveres pré-contratuais, principalmente informação;

b)

formação do contrato;

c)

apólice de seguro, natureza, efeitos e requisitos formais;

d)

vigência do contrato, renovação e denúncia;

e)

intermediários de seguros;

f)

agravamento dos riscos;

g)

prémio de seguro;

h)

eventos segurados;

i)

seguro de responsabilidade civil.

8.   Conclusões e recomendações

8.1

O seguro constitui hoje um serviço essencial nas relações comerciais entre profissionais e entre estes e os consumidores.

8.2

Alguns dos princípios fundamentais reguladores da celebração e da validade do contrato de seguro em geral são diversos nas ordens jurídicas nacionais dos Estados-Membros da UE.

8.3

Esta circunstância constitui um dos entraves à comercialização transfronteiras deste instrumento financeiro e, em consequência, é limitativa da realização do mercado interno neste domínio.

8.4

Uma certa harmonização das regras obrigatórias da denominada «parte geral» do direito dos seguros pode contribuir decisivamente para a eliminação de uma larga série de obstáculos e dificuldades encontradas pelas empresas seguradoras, os intermediários dos seguros e os segurados e tomadores de seguros, sejam profissionais ou consumidores, na realização de operações transfronteiras de seguro.

8.5

Este ponto de vista é partilhado, sem excepção, por todos os interessados consultados e ouvidos sobre a matéria.

8.6

Quanto ao modo de realizar essa harmonização, afigura-se que uma aproximação gradual deve ser seguida, com vista, numa primeira fase, à eventual adopção de um modelo de contrato de seguro opcional mas vinculativo em todos os seus termos e elementos.

8.7

Na sua preparação deverão ser tidas em linha de conta as propostas de directiva de 79 e 80 da Comissão, à luz das considerações e das análises sobre elas produzidas pelos vários interessados, representantes da sociedade civil e das entidades de regulação dos Estados-Membros, e tomando na devida consideração a evolução entretanto operada no sector.

8.8

O instrumento comunitário a utilizar deverá ser o regulamento e a sua base jurídica o artigo 95.o do Tratado.

8.9

Tendo como base as considerações produzidas no presente parecer, o CESE insta a Comissão para que reabra o presente dossier e inicie os estudos de direito comparado e de práticas nacionais no domínio do contrato de seguro, no sentido de confirmar a necessidade, a oportunidade e a possibilidade de prosseguir com os trabalhos conducentes à harmonização do direito do contrato de seguro a nível comunitário.

8.10

Nesses trabalhos deverão ser tomados em linha de conta os resultados já alcançados pelos estudiosos académicos desta matéria.

8.11

O CESE recomenda à Comissão que os trabalhos assim realizados sejam dados a conhecer e sejam submetidos a discussão pública através, designadamente, de um Livro Verde, base indispensável para a elaboração do instrumento comunitário que for julgado mais adequado.

8.12

O CESE está consciente de que apenas com uma clara vontade política dos Estados-Membros no sentido do incentivo a esta iniciativa de harmonização do direito do contrato do seguro será possível levar por diante este importante contributo para a realização do mercado interno dos serviços financeiros.

8.13

O CESE apela ao Parlamento Europeu para que se associe a esta iniciativa e, renovando o seu apoio ao objectivo de uma harmonização das normas obrigatórias da parte geral do direito do contrato de seguro, lhe confira um adequado grau de prioridade na sua agenda política.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Relator Manuel ATAÍDE FERREIRA, (JO C 95, de 30/03/98).

(2)  Doc COM(79) 355 final, em JO C 190, de 28/07/79, alterado pelo COM(80) 854 final, em JO C 355 de 31/12/80: os Pareceres do CESE e do PE encontram-se, respectivamente, nos JO C 146 de 16/06/80 e C 265 de 13/10/80. A apreciação destes textos será retomada no ponto 5 do presente parecer.

(3)  Loc. cit., ponto 2.1.9.

(4)  Loc. cit., ponto 2.3.1.1.1.

(5)  Loc. cit., ponto 3.4.

(6)  Loc. cit., ponto 3.6.1.

(7)  Loc. cit., ponto 4.3.6.

(8)  Os aspectos que eram considerados como devendo integrar a Directiva eram os seguintes:

«-

A informação contratual mínima;

-

uma lista de palavras-chave e o seu significado;

-

uma listagem de cláusulas abusivas típicas dos seguros;

-

as menções mínimas obrigatórias de qualquer contrato de seguro;

-

o conjunto das obrigações contratuais comuns a qualquer contrato de seguro;

-

os princípios básicos e as regras fundamentais de qualquer contrato de seguro;

-

um regime de indemnização provisório em caso de seguros de responsabilidade civil;

-

a obrigatoriedade de correspondência entre os prémios e o valor do risco, designadamente pela desvalorização automática do valor dos objectos seguros em razão de sua idade e correspondente diminuição dos prémios;

-

o estabelecimento de prazos mínimos harmonizados para o exercício do direito de “arrependimento”;

-

a obrigação das apólices serem legíveis e inteligíveis e de as respectivas condições gerais e especiais serem facultadas na fase pré-contratual e antes da subscrição do seguro.»

Loc. cit. n.o 4.5. Esta orientação tem sido retomada e reafirmada em diversos pareceres do CESE, como é o caso do recente parecer sobre a «Proposta de directiva da Comissão no domínio do seguro de responsabilidade civil automóvel», de que foi relator P. LEVAUX, ponto 4.3. JO C 95, de 23/04/2003.

(9)  «ECLG-Consumer Insurance», in Jornal of Consumer Policy (1986), págs. 205-228.

(10)  Nota do CEA de 4 de Junho de 2003.

(11)  COM(2001) 398 final de 11/07/2001 (JO C 255, de 13/09/2001).

(12)  COM(2003) 68 final de 12/02/2003.

(13)  Plano de Acção, ponto 74. Cf. igualmente os pontos 27, 47 e 48 do mesmo documento.

(14)  Doc. A5-0256/2003, aprovado na sessão do PE de 02/09/2003, pontos 11 e 14.

(15)  TJCE, Acórdão de 4 de Dezembro de 1986, CJ 1986, 3755 (Comissão – Alemanha).

(16)  Direito processual internacional: Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 12 de 16/1/2001) (alterado pela última vez no JO L 225, de 2002, pág.13), art. 8.o – 14.o; Direito internacional privado: Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais de 19 de Junho de 1980, JO L 166 de 1980, em especial art. 1.o, n.os. 3, 4; Directivas: Segunda Directiva do Conselho de 22 de Junho de 1988 relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro directo não vida, que fixa disposições destinadas a facilitar o exercício da livre prestação de serviços e que altera a Directiva 73/329/CEE; JO L 172, de 1988, pág. 1 (alterada pela última vez no JO L 228 de 1992, pág. 1), em especial art. 2.o, alíneas c), d); arts. 3.o, 5.o, 7.o e 8.o; Directiva 92/49/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro directo não vida e que altera as directivas 73/239/CEE e 88/357/CEE (terceira directiva sobre o seguro não vida); JO L 228 de 1992, pág. 1 (alterada pela última vez no JO L 35 de 2003, pág. 1), em especial art. 1.o, alíneas a), b); arts. 27.o, 28.o, 30.o e 31.o; Directiva 2002/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Novembro de 2002, relativa aos seguros de vida; JO L 345 de 2002, pág 1; em especial arts. 32.o e 33.o; para o direito internacional privado das directivas, ver Reichert-Facilides/d'Oliveira (eds.), International Insurance Contract Law in the EC, Deventer 1993; Reichert-Facilides (Hg.), Aspekte des internationalen Versicherungsvertragsrechts im EWR, Tübingen 1994.

(17)  Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade; JO L 103 de 1972, pág. 1 (alterada pela última vez no JO L 8, de 1984, pág. 17); Segunda Directiva do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis; JO L 8, de 1984, pág. 17 (alterada pela última vez no JO L 129 de 1990, pág. 33); Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis; JO L 129 de 1990, pág. 33; Directiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis e que altera as Directivas 73/239/CEE e 88/357/CEE do Conselho (Quarta Directiva sobre o seguro automóvel); JO L 181 de 2000, pág. 65; uma quinta directiva foi proposta pela Comissão em 7 de Junho de 2002, COM(2002) 244 final – JO C 227 E de 2002, pág. 387.

(18)  Directiva 87/344/CEE do Conselho de 22 de Junho de 1987 relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro de protecção jurídica; JO L 185 de 1987, pág. 77.

(19)  Referido em 4.1.2.

(20)  Ver EUROSTAT.

(21)  Essas regras podem dizer-se absolutamente obrigatórias sempre que as partes não se puderem desviar das mesmas por acordo. Podem dizer-se semi-obrigatórias quando as partes puderem (apenas) acordar termos mais favoráveis para o consumidor do que as regras jurídicas.

(22)  JO C 63, de 2003, pág. 1, (n.os 47, 48: «Os mesmos problemas se colocam, em especial, no que diz respeito aos contratos de seguros.»).

(23)  Citação completa, ver nota 20 supra.

(24)  Citação completa, ver nota 20 supra.

(25)  Ver artigo 2.o, alínea d), da segunda directiva sobre o seguro não-vida; artigo 1.o, alínea g), da directiva sobre o seguro de vida.

(26)  N.o 1, alínea f), do artigo 7.o da segunda directiva sobre o seguro não-vida (como alterado pelo artigo 27.o da terceira directiva sobre o seguro não-vida); para a definição de grandes riscos, ver artigo 5.o, alínea d), i) da primeira directiva sobre seguro não-vida.

(27)  Ver n.o 1, alíneas a) e d), do artigo 7.o da segunda directiva sobre o seguro não-vida.

(28)  Ver n.o 1, alíneas b), c), e), do artigo 7.o.

(29)  Ver artigo 32.o, n.o 1, 2. frase, da directiva sobre o seguro de vida.

(30)  Ver artigo 32.o, n.o 2, da directiva sobre o seguro de vida.

(31)  Ver o plano de acção da Comissão Europeia, JO C 63 de 2003, pág. 1, (n.o 48: «foi impossível estabelecer uma apólice única que pudesse ser comercializada nas mesmas condições nos vários mercados europeus.»).

(32)  Embora essa mudança não afecte a lei aplicável em geral, as regras (internacionalmente) obrigatórias no local da sua nova residência habitual podem ser impostas pelos tribunais desse Estado-Membro: nos termos da alínea b) do n.o 1 do artigo 9.o do Regulamento CE relativo à jurisdição, ao reconhecimento e à execução de decisões, o titular da apólice pode agir em juízo contra o segurador nos tribunais do seu (novo) local de domicílio. Os tribunais desse Estado-Membro podem dar execução às regras obrigatórias ao abrigo do n.o 2, alínea 2), do artigo 7.o da segunda directiva relativa ao seguro não vida e do n.o 4 do artigo 32.o da directiva relativa ao seguro de vida (as regras imperativas do lex fori).

(33)  Ver nota 20 supra.

(34)  A seguradora pode evitar esta situação recorrendo a uma cláusula de jurisdição admissível nos termos do n.o 5 do artigo 13.o, combinado com o artigo 14.o (ou seja com o n.o 5) do Regulamento relativo à jurisdição, ao reconhecimento e à execução de decisões e que atribui competência exclusiva aos tribunais do Estado-Membro de domicílio do segurador. Em termos gerais, a perspectiva do segurador é muito mais promissora no que se refere ao seguro de grandes riscos.

(35)  Ver infra ponto 4.2.4.

(36)  Ver supra 4.2.3.

(37)  Basedow, Die Gesetzgebung zum Versicherungsvertrag zwischen europäischer Integration und Verbraucherpolitik, in: Reichert-Facilides/Schnyder (Hg.), Versicherungsrecht in Europa – Kernperspektiven am Ende des 20. Jahrhunderts, ZSR 2000 (Beiheft 34) 13 – 30 (at p 20).

(38)  Directiva 2002/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Dezembro de 2002, relativa à mediação de seguros; JO L 9 de 2003, p. 3.

(39)  Ver Heiss, «Expanding the Insurance Acquis to Accession Candidates: From the Europe Agreements to Full Membership», in: Heiss (ed.), «An Internal Insurance Market in an Enlarged European Union», Karlsruhe 2002, 11 – 22.

(40)  Doc. COM(79) 355 final de 10 de Julho de 1979, in JO C 190/2 de 28 de Julho de 1979.

(41)  JO de 15/01/1962, Tit. V, C, a).

(42)  Do seu articulado resultava, designadamente, que seriam objecto de harmonização:

a)

a estrutura formal da apólice de seguro;

b)

o direito a uma declaração de garantia no momento da celebração do contrato e os seus requisitos formais mínimos;

c)

a língua de celebração do contrato;

d)

o regime das declarações do segurado no momento da conclusão do contrato que possam ter influência na apreciação e aceitação do risco, e a consequência da sua falta ou erro intencionais;

e)

o regime das declarações do segurado no decurso do contrato relativamente a factos ou circunstâncias que se possam traduzir num agravamento do risco e as consequências do incumprimento da respectiva obrigação;

f)

o regime do ónus de prova pelo incumprimento das obrigações antes mencionadas;

g)

o regime do prémio em caso de diminuição do risco;

h)

o efeito da falta de pagamento da totalidade ou de fracção do prémio na vigência do seguro;

i)

as obrigações do tomador do seguro em caso de sinistro;

j)

o regime da rescisão do contrato de seguro;

k)

a possibilidade de as partes derrogarem as disposições previstas na directiva na medida em que tal fosse mais favorável ao tomador, ao segurado ou ao terceiro lesado.

O regime da proposta de directiva seria aplicado a todos os seguros directos não-vida, à excepção dos ramos relativos a:

a)

veículos ferroviários

b)

veículos aéreos

c)

veículos marítimos, lacustres e fluviais

d)

transporte de mercadorias

e)

responsabilidade civil relativa a veículos aéreos, marítimos, lacustres e fluviais

f)

crédito e caução atentas as especialidades inerentes a estes ramos de seguro.

(43)  No seu parecer CES 226/80 de 27 de Fevereiro de 1980, da autoria de DE BRUYN, (JO C 146 de 16/06/80).

(44)  In JO C 265, de 13/10/80.

(45)  Doc. COM(80) 854 final de 15/12/80 in JO C 355, de 31/12/80.

(46)  Na especialidade, são de ressaltar, na nova proposta da Comissão:

(a)

a exclusão do seguro-doença, tal como sugerido pelo CESE;

(b)

um maior detalhe nos procedimentos de rescisão do contrato, com sobrevalorização da possibilidade de manutenção dos contratos modificados relativamente à sua revogação pura e simples;

(c)

uma melhor formulação do regime do ónus de prova.

(47)  Ver Basedow/Fock (ed.), Europäisches Versicherungsvertragsrecht, Tübingen, Volumes I e II 2002, Volume III 2003; Reichert-Facilides (ed.), Insurance Contracts, in: International Encyclopedia of Comparative Law (em preparação).

(48)  Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores; JO L 95 de 1993, p. 29.

(49)  Pode sempre juntar-se, se necessário, uma lista particular de cláusulas abusivas específicas nos contratos de seguros; ver o parecer de iniciativa do CESE sobre «Os consumidores no mercado dos seguros» (CES 116/98 de 29/1/1998) e o Estudo, coordenado pelo Centre de Droit de la Consommation da Universidade de Montpellier, em nome da Comissão (Contrato AO-2600/93/009263) sobre cláusulas abusivas em certos ramos dos seguros e na linha do que foi proposto muito recentemente pela Comissão para o crédito aos consumidores [COM(2002) 443 final].

(50)  Ver artigo 29.o da terceira directiva sobre o seguro não-vida; artigo 34.o da directiva sobre o seguro vida.

(51)  Muitas disposições sobre ramos específicos que constam de legislação nacional sobre direito dos contratos de seguro não são obrigatórias e, por isso, não são em si um obstáculo ao mercado interno.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Turismo e desporto: reptos futuros para a Europa»

(2005/C 157/02)

Em 29 de Janeiro de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o artigo 29.o, n.o 2 do Regimento, elaborar um parecer sobre «Turismo e desporto: reptos futuros para a Europa»

A Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 10 de Novembro de 2004, com base no projecto elaborado pelo relator, Patrizio PESCI.

Na 413.a reunião plenária, realizada em 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 144 votos a favor, 1 voto contra e 2 abstenções, o seguinte parecer.

Preâmbulo

O desenvolvimento dos indivíduos, das cidades e dos povos realiza-se através do intercâmbio e da partilha de valores positivos, baseados no respeito pelos outros e orientados para o conhecimento mútuo, a tolerância, o acolhimento e a disponibilidade recíproca para o intercâmbio de experiências e de perspectivas.

Numa sociedade cada vez mais dinâmica, caracterizada por profundas transformações sociais, geopolíticas e tecnológicas, em que o desenvolvimento dos valores deve, pelo menos, acompanhar o desenvolvimento material, afigura-se fundamental aproveitar todas as oportunidades, grandes e pequenas, para reafirmar e difundir esses valores.

O turismo e o desporto são sectores naturalmente vocacionados para a realização de tal missão. A sua essência é, por natureza, social e cultural, além de económica, e estão estreitamente interligados, partilhando valores fundamentais como a curiosidade intelectual, a disponibilidade para a mudança, a abertura ao conhecimento e o confronto leal.

O turismo e o desporto podem ainda contribuir para a realização dos objectivos estabelecidos na Estratégia de Lisboa, que visa fazer da Europa, até 2010, a economia baseada no conhecimento mais competitiva do mundo. Com efeito, o seu crescente impacte económico desempenha o papel de motor das economias dos países da União.

Tal contributo assume uma importância ainda maior após a aprovação do texto constitucional europeu, que, pela primeira vez, reconhece que o turismo é uma matéria de competência comunitária. O CESE considera este resultado como um primeiro passo fundamental em direcção a uma política europeia de desenvolvimento, apoio e coordenação em matéria de turismo e congratula-se com a inclusão do artigo relativo ao desporto no aludido texto constitucional.

1.   Introdução

1.1

O turismo e o desporto são dois sectores que desempenharão um papel cada vez mais importante para o bem-estar económico e social europeu. O seu papel fundamental é unanimemente reconhecido a nível mundial.

1.2

Os Estados e as sociedades apostam cada vez mais nestes sectores enquanto canais privilegiados para a difusão de valores e mensagens positivos e para o desenvolvimento de economias sustentáveis do ponto de vista ambiental e social.

1.3

O desporto atrai, desde sempre, multidões que partilham uma mesma paixão que as leva a deslocarem-se continuamente para acompanharem os eventos desportivos, dos menores aos maiores.

1.4

Hoje, o turismo oferece uma gama completa de atracções desportivas que, sobretudo nos últimos anos, têm alcançado grande sucesso, contribuindo, por vezes, para a revitalização de zonas em declínio parcial ou acentuado (1).

1.5

Alguns dos locais onde se realizaram acontecimentos desportivos passaram a ser destinos turísticos e vice-versa. Tem-se verificado uma integração crescente destes dois aspectos, que se enriquecem mutuamente graças a novas possibilidades de oferta e de crescimento.

1.6

Isto aumentou a capacidade de tais destinos para atraírem jovens e menos jovens e, também, pessoas portadoras de deficiência, que podem finalmente viver uma experiência desportiva durante os seus períodos de férias de uma forma nova e mais gratificante.

1.7

Em 2002, a Europa foi visitada por 411 milhões de turistas provenientes de países terceiros, o que corresponde a um impacte no PIB superior a 5 % e a uma quota do turismo mundial próxima dos 58 %. Todavia, a Organização Mundial do Turismo (OMT) prevê que, até 2020, a quota-parte da Europa no mercado mundial do turismo descerá para 46 %, ainda que o número de turistas quase duplique, em virtude do surgimento de novos concorrentes.

1.8

No âmbito do presente parecer, o CESE promoveu em Roma uma audição pública sobre «Turismo e desporto: reptos futuros para a Europa», na qual participaram altos representantes italianos e europeus dos sectores do turismo e do desporto, para além do responsável pela Unidade «Turismo» e do responsável pela Unidade «Desporto» da Comissão Europeia. Foi uma excelente ocasião para a troca de pontos de vista, tendo suscitado numerosas sugestões e pistas de reflexão (2).

1.9

Com base na audição pública de Roma e tendo em conta que, este ano, o Dia Mundial do Turismo (27 de Setembro de 2004), organizado pela OMT, teve por tema «Desporto e turismo: duas forças vivas ao serviço da compreensão mútua, da cultura e do desenvolvimento da sociedade», o CESE traçou algumas linhas de reflexão para uma política futura mais integrada em termos de análise e de intervenção nos dois sectores.

1.10

Nos próximos cinco anos, a Europa, que já acolheu, em 2004, o Campeonato Europeu de Futebol em Portugal e os XXVII Jogos Olímpicos e Paralímpicos na Grécia, será palco de um conjunto de eventos desportivos de relevância mundial que terão enorme impacte em termos de fluxos turísticos e económicos. O fluxo de visitantes provenientes de diversos países na Europa será uma oportunidade única para todos os destinos do continente.

2.   Turismo e desporto: reptos futuros para a Europa

2.1

Nos próximos anos, os meios de comunicação social de todo o mundo concentrarão, pois, a sua atenção no nosso continente durante longos períodos. A União Europeia estará, em todas essas ocasiões (3), no centro da comunicação, através de diferentes canais e a diversos níveis. Falar-se-á, pois, da Europa, pelo menos a um certo nível, nomeadamente em termos políticos, socioculturais e turísticos, bem como, obviamente, em termos desportivos.

2.2

Importa, portanto, que este período de grandes eventos desportivos constitua para as sociedades europeias não apenas uma oportunidade económica, mas também, e sobretudo, uma ocasião para reflectir e experimentar determinados valores culturais e sociais numa óptica de crescimento e de desenvolvimento sustentável.

2.3

É evidente o alcance da acção educativa para a população dos Estados-Membros e de todo o mundo que é possível desenvolver e veicular através destes eventos. Importa dar particular atenção aos jovens e às pessoas menos integradas no tecido social, nomeadamente os deficientes.

2.4

Numa perspectiva de competitividade turística, os anos vindouros, tão ricos em grandes eventos desportivos de importância mundial, poderão ser uma boa oportunidade para o nosso continente, que poderá assim desenvolver e valorizar opções de mercado orientadas para a qualidade do acolhimento e para a sustentabilidade dos serviços oferecidos.

2.5

A União Europeia é hoje constituída por 25 Estados, com todas as vantagens que tal proporciona aos 450 milhões de habitantes do novo território comunitário. Haverá, pois, um maior número de destinos acessíveis, de cidadãos interessados na mobilidade e de atletas e eventos a integrar nos programas e circuitos do continente tão rapidamente quanto possível.

3.   Turismo e desporto: binómio estratégico para a Europa

3.1

O turismo é uma indústria de paz que favorece a integração entre os povos e permite a sua coexistência num espírito de tolerância e de respeito mútuo.

3.2

O turismo demonstrou poder contribuir para a melhoria das condições de vida de milhões de pessoas em todo o mundo, favorecendo um desenvolvimento económico mais equitativo e solidário.

3.3

O seu impacte em termos de emprego é considerável. Ao nível europeu, existem mais de 2 milhões de empresas que operam neste sector, que emprega mais de 8 milhões de pessoas, sem contar com o emprego induzido.

3.4

O turismo é, com efeito, um sector transversal, capaz de criar mais emprego do que outros sectores de produção.

3.5

Todavia, é também um sector particularmente sensível às conjunturas económicas negativas, às crises internacionais e aos fenómenos sazonais que limitam o seu impacte no emprego de longa duração. Não obstante, este sector deu sempre provas de uma certa capacidade de resistência global, graças a uma oferta variada que, pela sua diversidade tipológica, permite compensar e ultrapassar crises estruturais e conjunturais.

3.6

O desafio dos próximos anos consistirá em criar e manter um quadro social e economicamente estável na Europa dos 25, eliminando toda e qualquer forma de exclusão social. É necessário que todos possam beneficiar concretamente do turismo e do desporto, bem como da cultura, e a eles tenham acesso, prevendo-se formas de apoio às categorias sociais mais desfavorecidas.

3.7

A Comissão Europeia já traçou esta via na sua Comunicação de Novembro de 2001 intitulada «Uma abordagem cooperativa para o futuro do turismo europeu» (4) e na Comunicação posterior, de Novembro de 2003, intitulada «Orientações de base para a sustentabilidade do turismo europeu» (5). Trata-se agora de concretizar o que está expresso nesses documentos.

3.8

Contudo, o desenvolvimento de um turismo de qualidade não pode prescindir da integração com outros sectores de produção e/ou de lazer da sociedade, e o desporto, verdadeiro reservatório de valores, de cultura, de regras e de ideais, representa a contrapartida ideal para um percurso de crescimento sustentável a todos os níveis.

3.9

O desporto, tal como o turismo, é hoje uma componente fundamental da actividade humana nos tempos livres e um factor de desenvolvimento social e económico com grandes potencialidades.

3.10

Os valores que transmite, que, como é sabido, remontam às primeiras olimpíadas gregas do século VIII a.c., são mais do que nunca actuais e assumem importância crescente nas políticas de formação para os jovens.

3.11

A dimensão económica do desporto aumentou desmesuradamente nos últimos anos. Os grandes eventos desportivos passaram a ser grandes momentos de mobilização colectiva e social que transmitem mensagens e valores em todo o mundo e a todas as faixas etárias.

3.12

Os eventos desportivos estão também na origem de novas formas de turismo que aliam às férias tradicionais a possibilidade de praticar uma determinada actividade desportiva. Neste sentido, os grandes eventos desempenham o papel de catalisadores e incentivam as pessoas a praticar novas modalidades desportivas.

3.13

O desporto, por um lado, tira partido das infra-estruturas e dos serviços turísticos e, por outro, gera turismo. Este último, por sua vez, beneficia consideravelmente dos eventos desportivos que têm lugar nos diversos destinos. Basta pensar no número de pessoas que se deslocam para assistir a um Campeonato Mundial de Futebol ou aos Jogos Olímpicos e, sobretudo, na promoção da imagem do país anfitrião de tais eventos que daí pode resultar.

3.14

O presente parecer terá sobretudo em conta, mas não só, os grandes eventos desportivos, que são geralmente os que maiores vantagens proporcionam em termos culturais, sociais, económicos e de visibilidade para os destinos europeus.

3.15

Em termos muito gerais e não exclusivos, entende-se por grande evento desportivo um evento capaz de gerar um fluxo significativo de turistas que pernoitam, impulsionando assim a indústria turística local.

3.16

O macroevento pode ser uma oportunidade para promover valores, comportamentos e práticas que poderão ser posteriormente vividos e desenvolvidos nos numerosos eventos de menor dimensão que se realizam ao nível local (6).

3.17

A relação complexa entre turismo e desporto insere-se, todavia, num contexto mais vasto que envolve igualmente as esferas social, cultural e ambiental. O turista de hoje procura, com efeito, experiências de férias cada vez mais integradas, capazes de responder a expectativas de lazer, culturais e desportivas.

4.   O nível institucional

4.1

Nos anos transactos, a única base jurídica para uma política comunitária do turismo era o artigo 3.o, alínea b) do Tratado CE, que fazia referência, em termos gerais, a medidas no domínio do turismo. Para um sector com tão grande impacte nas economias de muitos países da União, esse facto limitava consideravelmente a realização de uma verdadeira política europeia de turismo.

4.2

O turismo tem, com efeito, um carácter marcadamente transversal. Abarca quase todos os sectores de produção e de serviços e necessita de economias de escala eficazes, não apenas na sua gestão territorial, mas também no processo decisório e político que orienta as opções na matéria.

4.3

Assistiu-se, porém, sobretudo a partir de 1999, a um renovado e crescente interesse das instituições comunitárias pelo turismo (7). O CESE acompanhou activamente esta nova tendência e acolhe com grande entusiasmo a inclusão de um artigo ad hoc sobre o turismo na Constituição Europeia (8).

4.4

A realização deste objectivo é o culminar de uma longa e, por vezes, penalizadora marginalização do turismo, sendo condição necessária para o reconhecimento e integração institucional do sector nas políticas da União Europeia.

4.5

O CESE espera que o turismo possa doravante beneficiar de medidas, iniciativas e programas europeus verdadeiramente focalizados e específicos. Neste contexto, espera que seja criada uma instância de controlo única a nível comunitário, à imagem das agências europeias competentes em determinados sectores (9).

4.6

Em todo o caso, é de louvar o facto de a acção da União Europeia estar já a orientar-se para uma política do turismo baseada no desenvolvimento sustentável sob todas as suas formas (10).

4.7

A política europeia em matéria de desporto baseia-se em alguns documentos fundamentais, nomeadamente a Carta Europeia do Desporto de 1992, o Tratado de Amesterdão, que consagrou a importância social do desporto, e a declaração anexa ao Tratado de Nice, que, por seu lado, reconheceu a especificidade do desporto entre as matérias de competência comunitária.

4.8

Graças, nomeadamente, ao impulso recebido na Cimeira de Nice, a Constituição para a Europa, aprovada em Dezembro de 2003, atribuiu ao desporto a devida importância, consagrando-lhe um artigo específico (11).

4.9

Para sublinhar a importância social e educacional do desporto, 2004 foi proclamado pela Comissão Europeia «Ano Europeu da Educação pelo Desporto». É uma forma de chamar a atenção para este sector, bem como de financiar projectos de formação, sensibilização e desenvolvimento nos círculos escolares e para-escolares de toda a União.

4.10

No âmbito de tal iniciativa, favoreceu-se também, embora com recursos limitados, a mobilidade dos estudantes, que puderam assim visitar lugares diferentes do seu local de origem, aliando a vontade de descobrir e de viajar à de praticar o seu desporto preferido.

4.11

As modalidades de integração entre turismo, desporto e cultura constituem um dos desafios que teremos de enfrentar nos próximos anos, de modo a contribuir para o relançamento da economia europeia e promover um nível mais elevado de bem-estar social para todos.

4.12

Esta é uma prioridade à luz dos já referidos objectivos da Estratégia de Lisboa, que deverão, em todo o caso, ter igualmente em conta a alteração das condições económicas dos países da União para poder assegurar um crescimento e um desenvolvimento sustentáveis e duradouros.

4.13

A elaboração a nível europeu desta estratégia inovadora, orientada para a integração horizontal do turismo, do desporto e da cultura, pode realizar-se, quer através de workshops específicos (a organizar no âmbito do Fórum Europeu do Turismo ou de um Fórum Europeu do Desporto), quer através da promoção de iniciativas inovadoras (por exemplo: intercâmbios de estudantes, lançamento de campanhas de sensibilização para que o turista «desportivo» participe na vida cultural e social do local em que ocorre o evento desportivo ou, ainda, cursos orientados para o desenvolvimento de novas competências, etc.). Nesta perspectiva, afigura-se essencial que participem, em primeiro lugar, a sociedade civil e o sector privado.

4.14

O reconhecimento jurídico dos dois sectores — turismo e desporto — na Constituição Europeia constitui um grande passo em frente para a realização de tais objectivos, particularmente para a promoção e desenvolvimento da competitividade das empresas europeias que operam nos dois sectores.

5.   Segurança e trégua olímpica

5.1

Os próximos anos serão, como já foi referido, muito ricos em eventos desportivos a que assistirão milhões de pessoas vindas de todo o mundo.

5.2

Este período de grandes deslocações, de grandes eventos desportivos e de grande atenção mediática coloca com ênfase a questão da segurança, que deve ser enfrentada com sentido da responsabilidade, sem criar alarmismos injustificados, mas tomando todas as medidas de prevenção e de vigilância necessárias para assegurar que todas as manifestações desportivas decorrem com serenidade.

5.3

A cooperação e a elaboração preventiva de estratégias comuns de intervenção são, nesta óptica, elementos decisivos para a gestão dos grandes eventos desportivos.

5.4

A segurança deverá, pois, estar no centro das estratégias organizativas dos eventos dos próximos anos, devendo a prevenção constituir o pilar fundamental das mesmas.

5.5

As Nações Unidas, reunidas em Assembleia Geral em 6 de Setembro de 2000, adoptaram uma declaração em cujo ponto 10 pode ler-se: «Instamos os Estados-Membros a respeitarem a Trégua Olímpica, individual e colectivamente, agora e no futuro, e a apoiarem o Comité Olímpico Internacional nos seus esforços para promover a paz e a compreensão entre os homens através do desporto e do ideal olímpico».

5.6

No mesmo sentido se expressaram recentemente o Conselho Europeu de Bruxelas (12 de Dezembro de 2003) e o Parlamento Europeu (1 de Abril de 2004). Este último, em particular, acolheu favoravelmente a criação, por parte do COI (Comité Olímpico Internacional), de uma fundação internacional para a trégua olímpica, organização destinada a promover os ideais da paz e da compreensão através do desporto.

5.7

No seu contributo para o debate sobre a segurança, o CESE sublinha a necessidade de fazer da trégua olímpica uma «mensagem universal» para todas as manifestações desportivas mundiais dos próximos anos. Com efeito, o CESE considera que o desporto pode contribuir para difundir a cultura do diálogo e para multiplicar as oportunidades de encontro.

6.   Sustentabilidade integrada

6.1

Como já foi referido, o turismo e o desporto estabelecem relações complexas que têm repercussões nos domínios social, económico e ambiental. Esta complexidade é ainda maior no caso de eventos de grande dimensão (os «grandes eventos»).

6.2

A organização de eventos deve, pois, ser norteada por todos os princípios de sustentabilidade: sociocultural, económica e ambiental. Devem ser aplicadas também ao desporto e aos destinos desportivos as orientações relativas à sustentabilidade no turismo adoptadas pela Comissão Europeia na sua recente comunicação acima referida «Orientações de base para a sustentabilidade do turismo europeu» (12) e comentadas no parecer do CESE sobre o tema «Para um turismo acessível a todas as pessoas e socialmente sustentável» (13).

6.3

De um ponto de vista social e cultural, o evento desportivo deverá, em particular, constituir uma oportunidade para valorizar identidades e realizar intercâmbios culturais. Propõe-se, por isso, o apoio a iniciativas e eventos de carácter turístico/desportivo que envolvam diversas regiões de diferentes países europeus (tendo por modelo o programa Interreg).

6.4

De um ponto de vista socioeconómico, cumpre salientar que é necessário prestar a maior atenção à população local enquanto principal actor do evento. A planificação dos diversos serviços e infra-estruturas deverá ter em conta as possíveis utilizações futuras por parte dos habitantes. A população local deverá igualmente servir de referência para o relançamento do emprego e para a realização de acções de formação orientadas para os eventos propriamente ditos.

6.5

Já foram desenvolvidos modelos para medir a capacidade de absorção dos destinos e dos serviços correspondentes em termos de sustentabilidade ambiental, mas não só. Considera-se oportuno promover a difusão e aplicação de tais modelos também por ocasião dos eventos desportivos, apoiando, como já foi referido, uma abordagem integrada que tenha em conta diferentes aspectos relativos à sociedade, à economia e ao ambiente.

6.6

Importa, pois, identificar e apoiar os modelos de planificação, gestão e desenvolvimento de tais eventos, a fim de maximizar os benefícios e o valor acrescentado que proporcionam, sobretudo à região e à comunidade de acolhimento, que sofrem, em qualquer caso, os impactes negativos e só raramente retiram benefícios mensuráveis.

6.7

As manifestações desportivas de grande dimensão podem constituir uma oportunidade para desenvolver competências e know-how de elevado nível, que podem ser úteis a médio e a longo prazo ao destino turístico/desportivo, em termos de cultura de acolhimento e de preparação para o encontro. Podem, além disso, servir para a difusão das melhores práticas no âmbito da gestão integrada do turismo e do desporto.

6.8

A organização de eventos complexos pressupõe uma actividade inicial de cartografia dos possíveis conflitos entre os habitantes e os visitantes temporários quanto à utilização dos recursos, dos serviços e dos espaços e à sua respectiva qualidade.

6.9

Será fundamental a actividade de «governança» entre os promotores dos eventos, as entidades organizadoras, os representantes locais, os representantes dos beneficiários finais, os representantes dos interesses sociais e, de uma maneira geral, entre todas as partes interessadas.

6.10

Os eventos desportivos devem ser incluídos na programação de médio/longo prazo da localidade e do país de acolhimento. Importa, em particular, ter em conta o impacte de tais eventos na imagem global do destino turístico-desportivo.

6.11

É sabido que o carácter sazonal do turismo constitui, não raro, um dos obstáculos ao desenvolvimento deste sector. Ora, os eventos desportivos são também elementos de apoio a uma política de desenvolvimento do turismo e da sua economia durante todo o ano, optimizando as receitas e assegurando um emprego estável e de longa duração.

6.12

Seria útil lançar e apoiar acções de acompanhamento das experiências em curso e futuras, a fim de contribuir para a definição de um modelo de experiências para uma planificação e gestão de eventos desportivos que respeite plenamente os aspectos sociais, ambientais e económicos supramencionados. Afigura-se particularmente interessante apoiar uma acção de acompanhamento da utilização das instalações e do uso posterior das estruturas e serviços criados para um evento específico.

6.13

De uma maneira geral, o CESE sublinha a possibilidade de se adoptarem as medidas, acções e recomendações contidas no programa europeu plurianual para um desenvolvimento sustentável do turismo, criando-se uma Agenda 21 também para o desporto e para os destinos que melhor se prestam à organização e acolhimento de eventos desportivos.

6.14

As boas práticas e as experiências positivas em matéria de planificação e gestão de eventos turístico-desportivos deverão ser sistematizadas, difundidas e partilhadas, por forma a optimizar a organização dos próximos grandes eventos que terão lugar na União Europeia.

7.   Turismo, desporto e formação

7.1

O CES reafirma a conveniência de reforçar, a todos os níveis, o objectivo de formação e de educação no âmbito das políticas inerentes ao desporto e ao turismo.

7.2

Tal abordagem resulta também da declaração relativa ao desporto anexa às Conclusões do Conselho Europeu de Nice, realizado em Dezembro de 2000, na qual se sublinha que «a Comunidade deve ter em conta […] as funções sociais, educativas e culturais do desporto […], a fim de respeitar e de promover a ética e a solidariedade necessárias à preservação da sua função social».

7.3

A integração e a valorização dos valores positivos comuns ao turismo e ao desporto podem ser importantes instrumentos de integração a nível das populações, das localidades e dos Estados.

7.4

O conjunto de manifestações que se iniciou em 2004 afigura-se, pois, ainda mais importante se se tiver em conta o objectivo proposto: transmitir elementos e orientações em matéria de formação através dos grandes eventos, que terão enorme visibilidade junto do público e das instituições.

7.5

A abertura da União a dez novos Estados-Membros reforça esta possibilidade. O objectivo educativo de conhecimento da União e dos seus povos e o intercâmbio de valores ligados à desportividade, à lealdade e à competitividade poderão ser alargados e partilhados com os novos Estados-Membros através da utilização dos grandes meios de comunicação.

7.6

A tolerância, a abertura e o acolhimento, bem como a disponibilidade para o encontro entre povos e etnias diferentes, podem ser também valores centrais a desenvolver e a difundir. O intercâmbio de tais valores na União Europeia implica, por um lado, ministrar formação escolar e profissional adequada a todos os profissionais do turismo e do desporto e, por outro lado, promover um intercâmbio mais intensivo de experiências. Quando viajam, os turistas têm expectativas quanto aos valores atrás mencionados.

7.7

Nos eventos desportivos e turísticos, importa dedicar particular atenção à defesa do direito de praticar as diferentes modalidades desportivas e de participar nos eventos correspondentes para todos os segmentos da população, em particular para os mais vulneráveis: jovens, idosos e deficientes.

7.8

Como efectivamente ressalta da declaração relativa ao desporto anexa às Conclusões do Conselho Europeu de Nice, realizado em 2000, já referida, «a prática das actividades físicas e desportivas representa, para as pessoas com deficiências físicas ou mentais, um meio privilegiado de realização individual, de reeducação, de integração social e de solidariedade ...».

7.9

Estas acções a favor das categorias mais vulneráveis da população devem ser empreendidas pelas seguintes entidades: instituições centrais e locais, federações nacionais, sociedades e associações desportivas, clubes não profissionais e escolas.

7.10

Com efeito, o mundo escolar é o terreno mais fértil para difundir valores positivos e de conhecimento recíproco, já que é na idade escolar que as ligações entre desporto, turismo e formação podem ser mais eficazmente exploradas.

7.11

Propõe-se, pois, que se continue a promover a mobilidade e os intercâmbios de estudantes através da organização de encontros desportivos que prevejam igualmente momentos de conhecimento e de aprofundamento das realidades e das culturas locais.

7.12

Propõe-se também o reforço da cooperação entre Estados-Membros, especialmente no domínio do intercâmbio de informação sobre as melhores práticas, incluindo a participação do turista desportivo na vida cultural e social do local em que se realiza o evento desportivo, de forma a reduzir os actos de violência e de intolerância e a criar oportunidades de enriquecimento mútuo.

7.13

Seria igualmente interessante analisar a oportunidade de organizar cursos destinados a desenvolver novas competências orientadas para a organização de eventos turístico-desportivos que tenham em conta todos os aspectos do turismo ligados ao desenvolvimento social, à sustentabilidade integrada, à comunicação e ao marketing.

8.   Conclusões

8.1

O turismo e o desporto podem ser concebidos como laboratórios para o desenvolvimento, intercâmbio e partilha de valores positivos, baseados no respeito pelo outro e orientados para o conhecimento mútuo, a tolerância e o acolhimento recíproco. São, com efeito, sectores naturalmente vocacionados para tal missão e o seu papel assume particular importância no contexto de uma sociedade cada vez mais dinâmica, marcada por profundas transformações socioculturais, geopolíticas e tecnológicas.

8.2

O turismo e o desporto podem ainda dar um importante contributo para a realização dos objectivos fixados na Estratégia de Lisboa. Com efeito, o seu crescente impacte económico poderia vir a ser um verdadeiro motor da economia da União Europeia, sobretudo se se explorassem plenamente todas as oportunidades de desenvolvimento e de difusão das competências ligadas a estes dois sectores.

8.3

A inclusão do turismo e do desporto na versão final da Constituição Europeia representa uma viragem histórica para os dois sectores. O CESE espera que a Comunidade desenvolva uma actividade significativa nestes dois domínios e sugere a utilização do método aberto de coordenação para assegurar o intercâmbio de capacidades e de conhecimentos e a sua comparação a nível europeu.

8.4

Turismo e desporto são dois sectores complexos e não homogéneos, muito difíceis de estudar conjuntamente e de comparar em termos económicos e sociais. O CESE propõe, pois, a criação de um Observatório comum europeu e de uma base de dados capazes de recolher, reunir e difundir nos Estados-Membros conhecimentos e melhores práticas para o desenvolvimento dos dois sectores.

8.5

O CESE espera também que a União Europeia promova estudos e trabalhos de investigação que permitam uma análise comparada a nível europeu do impacto social, económico e ambiental do binómio turismo-desporto.

8.6

A difusão de uma cultura do acesso de todos ao turismo e ao desporto e a elaboração de políticas que o favoreçam deve constituir uma prioridade em todas as acções de desenvolvimento dos dois sectores, tendo em conta tanto as categorias mais vulneráveis da população, isto é, os jovens, os idosos e os deficientes, como as que dispõem de meios financeiros limitados. Para tal, seria desejável uma campanha de sensibilização para que haja consciência de que a acessibilidade e a sustentabilidade são requisitos que permitem uma maior competitividade no mercado.

8.7

Propõe-se a criação de uma Agência Europeia do Turismo, com a finalidade de salvaguardar as especificidades deste sector, analisar as suas fragilidades, definir eventuais eixos de desenvolvimento e identificar instrumentos inovadores para o crescimento sustentável a integrar nas acções estruturais da União Europeia.

8.8

Turismo e desporto são fenómenos pluridimensionais e complexos com elevado potencial de desenvolvimento. O presente parecer defende a necessidade de uma integração horizontal destes sectores a nível europeu, a fim de que esse potencial possa concretizar-se, tanto no plano socioeconómico como no domínio cultural. O CESE sublinha ainda a necessidade de, aquando da aplicação das medidas preconizadas, se prestar uma atenção constante à sua sustentabilidade, tanto do ponto de vista socioeconómico e cultural como do ponto de vista ambiental.

8.9

O CESE denominou este parecer «Declaração de Roma sobre turismo e desporto», a fim de facilitar a sua identificação e divulgação em todos os grandes eventos do sector do turismo e do desporto a nível europeu.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  A cidade de Turim, que, graças aos próximos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Inverno, a realizar em 2006, está a revitalizar zonas industriais e a valorizar novas zonas periféricas, impulsionando a economia local em todos os sectores, é um bom exemplo deste processo.

(2)  Audição pública «Turismo e desporto: reptos futuros para a Europa», organizada em Roma, em 22 de Abril de 2004, no CNEL (Conselho Nacional da Economia e do Trabalho).

(3)  Ver nota de pé-de-página n.o 3.

(4)  COM (2001) 665 final.

(5)  COM (2003) 716 final.

(6)  Campeonatos a nível local por categoria, torneios inter-escolares e amadores, manifestações desportivas a nível regional, universíadas, etc..

(7)  Desde o plano de acção europeu a favor do emprego no turismo de 1999, até à Comunicação da Comissão Uma abordagem cooperativa para o futuro do turismo europeu, de 13 de Novembro de 2001, a Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de Maio de 2004, a Resolução do Conselho sobre o futuro do turismo europeu, de 21 de Maio de 2002, ou, por último, a Comunicação da Comissão Orientações de base para a sustentabilidade do turismo europeu, de Novembro de 2003.

(8)  Art. I-16 e art. III-281A, Secção 3A.

(9)  Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos, Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho, Agência Europeia da Segurança Alimentar, Agência Europeia do Ambiente, etc..

(10)  O CESE participou neste processo através do seu parecer de iniciativa «Por um turismo acessível a todos e socialmente sustentável» (JO C 32, de 5/2/2004), através do qual pretendeu dar o seu contributo para as futuras medidas de intervenção.

(11)  Art. I-16 e art. III-282, Secção 4.

(12)  COM(2003) 716 final.

(13)  JO C 32 de 5/2/2004.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/22


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão — Para uma Estratégia Europeia sobre Nanotecnologias»

COM(2004) 338 final

(2005/C 157/03)

Em 12 de Maio de 2004, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão — Para uma Estratégia Europeia sobre Nanotecnologias»

Em 10 de Novembro de 2004, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, encarregada de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer com base no projecto do relator, A. PEZZINI.

Na 413.a reunião plenária (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 151 votos a favor e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Contexto

1.1

O CESE está ciente de que o presente parecer versa sobre uma matéria em parte inédita, caracterizada por uma terminologia não muito conhecida e, de qualquer forma, raramente utilizada. Por este motivo, consideramos útil inserir uma série de definições e descrever a situação da investigação e das aplicações em matéria de nanotecnologias nos EUA e na Ásia.

1.2

Índice do parecer

2.

3.

4.

5.

6.

7.

8.

2.   Definições

2.1

Nano — indica a bilionésima parte de um todo. No nosso caso, falando de dimensões, utilizamos «nano» como a bilionésima parte do metro.

2.2

Micro — indica a milionésima parte de um todo. No nosso caso, a milionésima parte do metro.

2.3

Nanociências — As nanociências correspondem a uma nova abordagem das ciências tradicionais (química, física, biologia electrónica, etc.) relativamente à estrutura fundamental e ao comportamento da matéria a nível dos átomos e das moléculas. Com efeito, são as ciências que estudam as potencialidades dos átomos nas várias disciplinas (1).

2.4

Nanotecnologias — São as tecnologias que permitem manipular os átomos e as moléculas por forma a criar novas superfícies e novos objectos que, graças à composição diversa e à nova disposição dos átomos, assumem características particulares que podem ter utilidade na vida quotidiana (2). São, em suma, as tecnologias da milésima-milionésima do metro.

2.5

A par desta definição, vale a pena referir adicionalmente uma mais incisiva do ponto de vista científico. Entende-se por nanotecnologia a abordagem multidisciplinar da criação de materiais, de dispositivos e de sistemas pelo controlo da matéria a uma escala nanométrica.

2.6

Nanomecânica — As dimensões de um objecto adquirem importância na determinação das propriedades quando a escala de dimensões vai de um nanómetro a algumas dezenas de nanómetros (são objectos com uma composição de algumas dezenas a alguns milhares de átomos). Nesta ordem de dimensões, um objecto composto por 100 átomos de ferro tem propriedades físico-químicas completamente diferentes de um outro de 200 átomos, mesmo que ambos sejam fabricados com os mesmos átomos. Analogamente, as propriedades mecânicas e electromagnéticas de um sólido constituído por nanopartículas são totalmente diversas das de um sólido tradicional de igual composição química e reflectem as propriedades de cada uma das unidades que o compõem.

2.7

Esta é uma novidade científica e tecnológica fundamental que muda a nossa forma de abordar a criação e a manipulação dos materiais em todas as áreas da ciência e da tecnologia. A nanotecnologia não é, pois, uma nova ciência que tem por base a química, a física ou a biologia, mas um nova forma de fazer química, física ou biologia.

2.8

De tudo o que ficou dito se induz que um material ou um sistema nanoestruturado é composto de unidades de dimensão nanométrica (as estruturas compostas de átomos singulares a que estávamos acostumados deixaram de ser relevantes) e, portanto, dotadas de propriedades particulares que se combinam em estruturas complexas. Afigura-se aqui evidente que os paradigmas produtivos baseados no agrupamento de átomos singulares, todos iguais, mudaram e foram substituídos por abordagens em que as dimensões são um parâmetro fundamental.

2.9

Para quantificar o alcance revolucionário da nanotecnologia, basta imaginar que este equivale à descoberta de uma nova tabela periódica dos elementos, muito mais extensa e mais complexa da que conhecemos, e que é possível suprimir as limitações impostas pelos diagramas de fase (por exemplo, a possibilidade de misturar dois materiais).

2.10

Trata-se, em suma, de tecnologias «bottom-up», que permitem passar da dinâmica de funções singulares para um conjunto de funções. Estas tecnologias encontram cada vez mais aplicações, designadamente, nas seguintes áreas: saúde, tecnologias da informação, ciências dos materiais, indústria transformadora, energia, segurança, ciências aeroespaciais, óptica, acústica, química, alimentação e ambiente.

2.11

Graças a estas aplicações, algumas delas já utilizáveis e utilizadas pelos cidadãos (3), é realista afirmar que «As nanotecnologias poderão melhorar notavelmente a qualidade de vida, a competitividade da indústria transformadora e o desenvolvimento sustentável» (4).

2.12

Microelectrónica — Ramo da electrónica que se ocupa do desenvolvimento de circuitos integrados que têm lugar numa «única região de semicondutores» de dimensões muito reduzidas. Até à data, a tecnologia microelectrónica está em condições de realizar componentes individuais com dimensões de cerca de 0,1 micrómetro, ou seja, 100 nanómetros (5)

2.13

Nanoelectrónica — Ciência que se ocupa do estudo e da produção de circuitos, realizados com tecnologias e materiais diversos do «silício» e que funcionam à base de princípios bastante diversos dos actuais (6).

2.13.1

A nanoelectrónica está a ponto de transformar-se numa das traves mestras das nanotecnologias, do mesmo modo que encontramos hoje a electrónica em todos os sectores científicos e processos industriais (7)

2.13.2

A evolução na área dos componentes eléctricos/electrónicos tem sido muito célere. Em poucas dezenas de anos, a partir das válvulas, passou-se aos semicondutores, aos chips e aos microchips até se chegar nos dias de hoje aos nanochips formados a partir de elementos constituídos por poucas centenas de átomos. Um nanochip pode conter informações equivalentes a 25 volumes da Enciclopédia Britânica (8).

2.13.3

Os cientistas e os produtores de componentes electrónicos depressa se aperceberam de que o fluxo de informações é tanto mais rápido quanto mais pequeno é o chip (9). A nanoelectrónica permite, portanto, gerir informações muito rapidamente em espaços extremamente exíguos.

2.14

Microscópio e efeito de túnel — Este instrumento que deu o Prémio Nobel aos seus inventores é também designado pela «lente do século XXI», pois serve para «ver» a matéria à sua escala atómica. Funcionamento: a ponta do microscópio desloca-se, paralelamente, sobre uma superfície. Os electrões da superfície (não os átomos) deslocam-se, por efeito de túnel, desde a superfície até à ponta, o que provoca uma corrente tanto mais intensa quanto menor é a distância entre as duas. Esta corrente transforma-se, mediante cálculo em altitude, e permite obter a topografia da superfície de um material em escala nanométrica.

2.14.1

Efeito de túnel — Na mecânica clássica uma partícula que se encontra numa cavidade e que possua uma certa energia não pode sair dela, a não ser que esta energia (não) seja suficiente para obrigá-la a «transbordar» dessa mesma cavidade. Em contrapartida, na mecânica quântica, a situação é muito diversa em virtude do princípio de indeterminação. Encontrando-se a partícula confinada na cavidade, será pequena a indeterminação da sua posição e será, por conseguinte, grande a indeterminação da velocidade. Por isso, a partícula tem uma certa probabilidade de ficar com a energia suficiente para sair da cavidade mesmo que a sua energia média não bastasse para superar a barreira (10).

2.15

Nanotubos de carbono — São o resultado de um agrupamento particular de átomos de carbono. Os nanotubos encontram-se entre os materiais mais resistentes e mais leves que hoje conhecemos. São seis vezes mais leves e cem vezes mais resistentes do que o aço. Têm um diâmetro de alguns nanómetros e um comprimento também muito superior a diversos mícrons (11).

2.16

Autoassemblagem de macromoléculas — É o processo utilizado em laboratório para imitar a Natureza: «Tudo o que vive é fruto de autoassemblagem». Ao utilizar o processo de «autoassemblagem» está-se a criar interfaces entre os circuitos electrónicos e os tecidos biológicos e a procurar combinar informática e biologia. Um objectivo que os cientistas não consideram tão longínquo é o de dar ouvido aos surdos e vista aos cegos (12).

2.17

Biomimética  (13) — A ciência que estuda as leis que servem de fundamento aos agrupamentos moleculares existentes na Natureza. O conhecimento destas leis permitirá criar nanomotores artificiais baseados nos princípios existentes na Natureza (14).

3.   Introdução

3.1

O CESE aprecia a clareza com que foi redigida a comunicação sobre as nanotecnologias, comunga dos motivos que inspiraram a Comissão a dar atempadamente sugestões válidas sobre a matéria e congratula-se, por último, com os numerosos textos públicos, coligidos em CD ROM, dirigidos tanto a especialistas como a jovens.

3.1.1

Sobretudo os CD ROM, elaborados com um tom pedagógico, parecem ser veículos culturais extremamente úteis para disseminar informações relevantes sobre as nanotecnologias junto de um vasto público, habitualmente de leigos, predominantemente de jovens.

3.2

O CESE reputa essencial que esta matéria, que pode dar origem a novas e fecundas descobertas em inúmeras esferas da vida dos cidadãos, seja divulgada através de uma linguagem acessível, dentro do possível, a todos. Além disso, as investigações sobre novos produtos deverão corresponder às exigências e às expectativas dos consumidores, sensíveis aos temas inerentes ao desenvolvimento sustentável.

3.2.1

Pode caber aqui um papel muito importante aos jornalistas e aos operadores da comunicação social, sobretudo os da imprensa especializada, que são os primeiros a difundir as notícias dos êxitos conseguidos pelos investigadores que desafiam a ciência para obter resultados concretos.

3.2.2

Os indicadores da evolução das nanotecnologias concentram-se sobretudo em quatro vectores: 1) publicações (15), 2) patentes, 3) surgimento de novas empresas, e 4) volume de negócios. Nas publicações, a UE aparece em primeiro lugar, com uma percentagem de 33 %, seguida dos EUA com 28 %. Não dispomos de percentagens exactas no que respeita à China, mas até nestes países as publicações crescem de dia para dia. Nas patentes são os EUA quem ocupa o primeiro lugar com 42 %, seguidos da UE com 36 %. Quanto ao surgimento de novas empresas, das 1 000 empresas tecnológicas na verdadeira acepção da palavra, 600 estão implantadas nos EUA e 350 na União Europeia. Os dados sobre o volume de negócios prevêem um aumento dos actuais 50 mil milhões de euros para cerca de 350 mil milhões de euros em 2010, que atingirá em 2005 os mil milhões de euros (16).

3.3

As nanotecnologias e as nanociências não são apenas uma nova abordagem das ciências e da engenharia dos materiais, mas também e sobretudo um dos instrumentos multidisciplinares mais promissores e relevantes para realizar sistemas produtivos, descobertas altamente inovadoras e aplicações de largo espectro nos vários sectores da sociedade.

3.3.1

Numa escala nanométrica, os materiais convencionais adquirem propriedades diferentes em relação aos seus contrapontos macroscópicos, tornando assim possível obter sistemas com melhor funcionamento e melhor desempenho. A grande novidade da nanotecnologia é que, ao reduzir as dimensões de um material, se está a modificar as suas propriedades físicas e químicas. «Tal permite criar estratégias de produção análogas às praticadas na Natureza para realizar sistemas complexos com a utilização racional de energia, minimizando a necessidade de matéria-prima e os produtos residuais» (17).

3.3.2

Os processos produtivos associados às nanotecnologias devem ser, portanto, objecto de uma nova abordagem que tenha em conta a totalidade destas novas propriedades, por forma a garantir que o sistema económico e social europeu retire delas o máximo proveito.

3.4

A abordagem nanotecnológica está presente em todos os sectores produtivos. Actualmente, os sectores em que já é utilizada a abordagem nanotecnológica em certos processos produtivos são: a electrónica (18), a química (19), a farmacêutica (20), a mecânica (21), as indústrias automóvel e aeroespacial (22), o de transformação (23) e da cosmética.

3.5

A União Europeia poderá tirar partido das nanotecnologias para impulsionar a realização dos objectivos estabelecidos pelo Conselho Europeu de Lisboa, graças ao desenvolvimento da sociedade do conhecimento, e transformar a Europa na potência mais dinâmica e competitiva do mundo, coesa, respeitadora do ambiente e capaz de gerar novas empresas, empregos mais qualificados e novos perfis profissionais.

3.6

No âmbito das nanotecnologias, a crer na Comissão, a Europa poderá beneficiar de uma posição de partida favorável, mas esta posição deverá transformar-se em vantagens concorrenciais efectivas para a indústria e para a sociedade europeia e assegurar os retornos adequados face aos investimentos elevados requeridos pela investigação.

3.6.1

A questão essencial é compenetrar-se desde logo da relevância estratégica destas tecnologias que têm de facto interesse para amplos sectores económicos e sociais. Importa igualmente desenvolver uma verdadeira política integrada, específica das nanotecnologias e das nanociências, dotada de recursos substanciais e que possa contar com o apoio dos sectores privado, industrial, financeiro e de formação.

4.   Síntese da proposta da Comissão

4.1

Com a sua comunicação a Comissão pretende lançar um processo de reflexão a nível institucional para uma acção coerente com vista a:

aumentar o investimento e a coordenação da I&D, a fim de reforçar a exploração industrial das nanotecnologias, mantendo simultaneamente a excelência científica e a concorrência;

desenvolver infra-estruturas de I&D competitivas e de craveira mundial («pólos de excelência») que tomem em consideração as necessidades tanto da indústria como dos organismos de investigação;

promover o ensino e a formação interdisciplinares do pessoal de investigação, a par de uma mentalidade empresarial mais forte;

garantir condições favoráveis à transferência de tecnologias e à inovação, a fim de garantir que a excelência europeia em I&D seja traduzida em produtos e processos geradores de riqueza;

integrar as considerações de carácter societal no processo de I&D numa fase precoce;

abordar frontalmente quaisquer riscos potenciais para a saúde pública, a segurança, o ambiente e o consumidor através da produção dos dados necessários para a avaliação dos riscos, integrando a avaliação dos riscos em todas as fases do ciclo de vida dos produtos derivados de nanotecnologias, adaptando as metodologias existentes e desenvolvendo, conforme necessário, metodologias inovadoras;

completar as acções supramencionadas com cooperação e iniciativas adequadas a nível internacional.

4.2

Concretamente, a Comissão tenciona desenvolver as seguintes iniciativas:

criação de um Espaço Europeu da Investigação para nanotecnologias,

criação de infra-estruturas de investigação de base e aplicada e de infra-estruturas universitárias de elevada qualidade abertas às empresas, especialmente às PME;

promoção dos investimentos em recursos humanos, ao nível comunitário e nacional;

reforço da acção de inovação industrial, sistemas de patentes, metrologia e normalização, regulamentação e protecção da segurança, da saúde, do ambiente, dos consumidores e investimentos com vista a um desenvolvimento responsável;

consolidação da relação entre ciência e sociedade assente na confiança e num diálogo constante e transparente;

manutenção e intensificação de uma cooperação internacional forte e estruturada, baseada em nomenclaturas e códigos de conduta partilhados e respaldada por uma luta comum contra a exclusão causada pelo desenvolvimento das nanotecnologias;

coordenação estratégica e realização de acções de política integrada, ao nível comunitário, com a adequada afectação de recursos financeiros e humanos.

5.   Os principais avanços na América, na Ásia e na Oceânia

5.1

Para falar da experiência americana, convém notar que a iniciativa nacional sobre nanotecnologias (NNI — National Nanotechnologies Iniciative), lançada em 2001 como programa de investigação de base e aplicada coordenando as actividades das numerosas agências americanas que operam nesta área, recebeu para o ano fiscal de 2005 mais de mil milhões de dólares de financiamento, duplicando assim o orçamento inicial de 2001. Estes meios financeiros destinam-se particularmente à investigação de base e aplicada, ao desenvolvimento de centros de excelência e de infra-estruturas e, por fim, à avaliação e à verificação das suas implicações para a sociedade, especialmente no plano ético, jurídico, de segurança e de saúde pública, bem como dos recursos humanos.

5.1.1

A NNI financia directamente dez agências federais e coordena as actividades de muitas outras. A Fundação Nacional da Ciência (NSF), o departamento de ciência do Ministério da Energia (DOE), o Ministério da Defesa e o Instituo Nacional de Saúde (NIH) foram todos contemplados com aumentos das suas dotações financeiras destinados especificamente às nanotecnologias. Sobretudo o DOE investiu somas consideráveis e criou cinco infra-estruturas de grandes dimensões, ou seja, centros de investigação científica à escala «nano», abertos aos investigadores de toda a comunidade científica. Por seu turno, o programa de nanotecnologias do Ministério da Defesa tem dado nos últimos anos contributos vários nesta área, designadamente, para responder a pedidos das Forças Armadas americanas.

5.1.2

Estes grandes progressos só foram possíveis graças à adopção, em Dezembro de 2003, de uma lei fundamental para a política nanotecnológica americana, a «21st Century Nanotechnology Development Act». Esta lei determinou, por exemplo, a criação de um serviço nacional de coordenação das nanotecnologias com as seguintes incumbências:

redefinir os objectivos, as prioridades e os parâmetros de avaliação;

assegurar a coordenação das agências e das outras actividades federais;

investir nos programas de I&D, nas nanotecnologias e nas ciências conexas;

instituir, numa base concorrencial, centros interdisciplinares de investigação nanotecnológica, implantados em diversas localidades, sem excluir a participação do Estado e da indústria;

acelerar o desenvolvimento das aplicações no sector privado, inclusivamente as actividades de lançamento de empresas;

garantir uma educação e uma formação qualificadas que façam emergir, e consolidar depois, uma cultura de tecnologia e de engenharia das nanociências;

assegurar o respeito dos aspectos éticos, legais e ambientais no desenvolvimento das nanotecnologias e organizar conferências de cidadãos (consensus conferences) e debates com os cidadãos e com a sociedade civil;

promover intercâmbios de informações entre a universidade e as empresas, o Estado, o governo central e os órgãos de poder regional;

conceber um plano para a utilização dos programas federais, como o «Small Business Innovation Research Program» e o «Small Business Technology Transfer Research Program», a fim de secundar o desenvolvimento nanotecnológico pormenorizado em todo o tecido empresarial, mesmo nas empresas de menores dimensões.

5.1.3

Em apoio da lei supracitada, o Instituto Nacional de Normalização e Tecnologia (NIST) lançou um programa específico para desenvolver o fabrico no sector das nanotecnologias, articulado em torno da metrologia, da fiabilidade e das normas de qualidade, do controlo dos processos e das melhores práticas de fabrico/de transformação. Os resultados do programa atrás referido poderão, graças à parceria na extensão do fabrico (Manufacturing Extension Partnership), ser igualmente aplicáveis às PME.

5.1.4

Esta lei prevê também a criação de um centro de coordenação (clearinghouse) das informações que

se incumbirá da comercialização das nanotecnologias e da transferência das tecnologias e dos novos conceitos nos produtos militares e nos produtos comercializados e

relevará as melhores práticas das universidades e dos laboratórios quer públicos quer privados susceptíveis de ser transpostas para o sector comercial.

5.1.5

Está igualmente planeada a instituição de um centro americano de preparação para a nanotecnologia que conduzirá, coordenará, recolherá e difundirá os resultados dos estudos sobre as implicações éticas, legais, educativas e ambientais, bem como o impacto no emprego, das nanotecnologias e apurará os problemas que daí poderão advir para prevenir eventuais efeitos negativos.

5.1.6

O quadro organizativo da lei é completado com a constituição de um centro transformador especializado em nanomateriais, responsável pelo encorajamento, pela condução, pela coordenação e a investigação das novas tecnologias transformadoras da indústria americana.

5.1.7

A lei estabelece ainda, para o período de 2005-2008, as dotações financeiras das principais agências e dos departamentos federais, como o NSF, o DOE, a NASA e o NIST (24).

5.2

O anúncio da iniciativa americana NNI desencadeou mudanças significativas na política científica de investigação e de desenvolvimento tecnológico dos países da Ásia e do Pacífico que decidiram transformar a região num ponto de referência do desenvolvimento das nanotecnologias. Estas tecnologias passaram a ser a prioridade das prioridades em numerosos países da Ásia e do Pacífico que despenderam em 2003 mais de 1,4 mil milhões de dólares, dos quais 70 % cabem ao Japão. São, todavia, perceptíveis investimentos substanciais também na China, na Coreia do Sul, em Taiwan, em Hong Kong, na Malásia, na Tailândia, no Vietname, em Singapura e, bem entendido, também na Austrália e na Nova Zelândia.

5.3

A partir de meados dos anos oitenta, o Japão lançou diversos programas plurianuais (5-10 anos) nas áreas das nanociências e das nanotecnologias. Em 2003, o programa I&D no âmbito das nanotecnologias e dos materiais elevou-se a 900 milhões de dólares, mas, além disso, também há vários temas relacionados com as nanotecnologias presentes nos programas sobre as ciências da vida, sobre o ambiente e a sociedade da informação, o que fez ascender os fundos consagrados a este sector em 2003 a quase 1,5 mil milhões de dólares, com um acréscimo de cerca de 20 % relativamente a 2004. Também o sector privado japonês está bem representado com duas grandes empresas como a Mitsui & Co e a Mitsubishi Corporation. As principais empresas japonesas — NEC, Hitachi, Fujitsu, NTT, Toshiba, Sony, Sumitomo Electric, Fuji Xerox e outras — investem somas consideráveis nas nanotecnologias.

5.3.1

No âmbito do actual plano quinquenal 2001-2005, a China previu investir nas nanotecnologias um montante de cerca de 300 milhões de dólares. Segundo declarações do ministro da Ciência e da Tecnologia, há cerca de 50 universidades, 20 institutos e mais de 100 empresas a operar no sector. Para garantir às nanotecnologias uma plataforma de comercialização adequada, foram criados, entre Pequim e Xangai, um centro de engenharia e uma base para a indústria nanotecnológica. Há a referir ainda que o governo chinês destinou 33 milhões de dólares à criação do centro nacional de investigação de nanociências com o fito de coordenar mais eficazmente os esforços científicos e de investigação nesta área.

5.3.2

Em 2002, a Academia Chinesa das Ciências (CAS) fundou o CASNEC (centro de engenharia nanotecnológica da CAS com uma dotação global de 6 milhões de dólares), cujo papel é acelerar a comercialização das nanociências e das nanotecnologias. Em Hong Kong, as duas principais fontes de financiamento das nanotecnologias são o Grant Research Council e o Innovation and Technology Fund, com uma dotação global de 20,6 milhões de dólares utilizada durante o período 1998-2002. No atinente ao período 2003-2004, a Universidade Hkust e o Instituto Politécnico injectaram nos próprios centros de investigação quase 9 milhões de dólares.

5.3.3

Na Austrália e na Nova Zelândia, o Australia Research Council (ARC) duplicou em cinco anos os seus recursos de financiamento para projectos competitivos e tem programada a criação de oito centros de excelência dispersos pelas várias áreas geográficas e concebidos para aprofundar os temas relacionados com a tecnologia de computadores quânticos, a óptica quântica atómica, a energia fotovoltaica, a fotónica avançada e os sistemas ópticos avançados.

5.3.4

Por seu lado, o MacDiarmid Institute for Advanced Materials and Nanotechnology da Nova Zelândia coordena a investigação e a formação avançada no âmbito das ciências dos materiais e das nanotecnologias ao nível nacional, com base na estreita cooperação entre universidades e diversos parceiros, entre os quais a Industry Research Ltd (IRL) e o Instituto de Ciências Geológicas e Nucleares (IGNS).

5.3.5

O MacDiarmid Institute centra particularmente as suas actividades nos sectores seguintes: nanoengenharia dos materiais, optoelectrónica (25), supercondutores, nanotubos de carbono, materiais leves e fluidos complexos, sistemas sensoriais e de imagem e, por fim, novos materiais para o armazenamento de energia.

6.   Observações na generalidade

6.1

A forte expansão das nanotecnologias ao nível mundial, na América, na Ásia e na Oceânia, demonstra que já existe a maturidade suficiente para levar a cabo uma acção europeia orgânica e coordenada que garanta os meios financeiros necessários, quer ao nível comunitário quer nacional, à investigação de base e aplicada, bem como a sua rápida transferência para novos produtos, processos e serviços.

6.2

Qualquer estratégia europeia comum deveria articular-se em torno dos seguintes elementos:

duplicação dos esforços conjuntos no âmbito da I&D, da demonstração e da formação científica e tecnológica, da realização do espaço europeu de inovação e de investigação;

melhoria da interacção entre a indústria e o mundo académico (da investigação, da educação e da formação avançada);

aceleração do desenvolvimento das aplicações industriais e multisectoriais e do contexto económico e social, jurídico e regulamentar, fiscal e financeiro, em que terão de enquadrar-se as iniciativas das novas empresas e os perfis profissionais inovadores;

salvaguarda dos aspectos éticos, ambientais, de saúde e segurança, ao longo de todo o ciclo de vida, das aplicações científicas; preservação da relação com a sociedade civil bem como o respeito pela regulamentação dos aspectos de metrologia e de normalização técnica;

reforço, ao nível comunitário, da coordenação das políticas, das medidas, das estruturas e das redes de participantes, por forma a manter e a elevar os actuais níveis competitivos do desenvolvimento científico e tecnológico e da suas aplicações;

envolvimento imediato dos países de adesão recente no processo de estudo e de aplicação das nanociências, mediante intervenções certeiras, utilização das dotações financeiras previstas pelo FEDER e o FSE (26), bem como dos programas comuns geridos por centros de investigação comprovados da UE (27).

6.3

Graças a uma massa crítica elevada com um valor acrescentado considerável, será possível realizar e desenvolver uma estratégia comum. As empresas transformadoras e de serviços, sobretudo as de menores dimensões, deverão poder, por um lado, utilizar os resultados desta estratégia para desenvolverem a sua capacidade inovadora e a sua competitividade e, por outro, dar o seu contributo ao activarem redes de excelência transeuropeias congregando universidades, centros de investigação públicos e privados e organismos financeiros.

6.4

O desenvolvimento desta estratégia deve enraizar-se firmemente no desenvolvimento da sociedade, o que significa que terá de encontrar fundamentos sólidos no seu grande contributo não só para a competitividade da economia europeia assente no conhecimento como também, e sobretudo, para a saúde humana, o ambiente e a segurança e para melhorar a qualidade da vida dos cidadãos europeus. Também é preciso agir tendo como ponto de partida a procura de nanotecnologias por parte dos cidadãos, das empresas e das organizações, procura esta que carece de respostas concretas.

6.5

Para conquistar toda a sociedade para a introdução das nanotecnologias, este processo terá de ser transparente e seguro em todas as suas fases, desde a investigação fundamental até à aplicação dos seus resultados e à sua demonstração e desenvolvimento, em forma de produtos e de serviços inovadores comercializáveis. Para o efeito, será necessário concluir acordos claros e compreensíveis para todos os cidadãos que mostrem estar à altura de assegurar um controlo e uma avaliação constante dos riscos durante o ciclo de vida dos produtos obtidos a partir destas novas tecnologias, incluindo os inerentes à sua eliminação.

6.6

É essencial neste sector a existência de uma boa relação entre a ciência e a sociedade para evitar a criação de barreiras ou de momentos de estagnação no desenvolvimento das nanotecnologias, como sucedeu com a expansão de outras, recentes, novas tecnologias.

6.7

Também é fundamental criar infra-estruturas europeias e desenvolver novos perfis científicos e académicos com carácter multidisciplinar. Também por este motivo urge granjear a confiança total dos contribuintes e dos decisores políticos e compenetrá-los das enormes potencialidades e das vantagens da revolução nanotecnológica.

6.8

O desenvolvimento das nanotecnologias representa um grande desafio não só intelectual e científico mas acima de tudo um repto à sociedade no seu conjunto. Com efeito, os fenómenos que caracterizam as leis científicas à escala macroscópica são modificados, ampliados, reduzidos ou eliminados à escala nanoscópica, o que pode ter um impacto, eventualmente radical, nas aplicações, com o desenvolvimento de novas técnicas de transformação, novas abordagens, diversos tipos de prestação de serviços e de novas profissões para geri-los.

6.8.1

Esta rápida transformação impõe uma estratégia para a criação e/ou requalificação dos quadros dirigentes capacitando-os para gerir a transição, para uma nova governação deste processo, para activar novas aptidões profissionais e atrair os melhores cérebros, ao nível mundial.

6.9

As perspectivas financeiras da Comunidade para o período 2007-2013, propostas recentemente pela Comissão, deverão ser avaliadas e redefinidas a fim de responderem aos desafios desta nova revolução tecnológica. Basta pensar que o Congresso americano aprovou para as nanotecnologias uma dotação de mais de 700 milhões de euros unicamente para o ano fiscal de 2004. Segundo estimativa da US National Science Foundation (NSF), a fundação governamental americana que financia a investigação, os governos do mundo inteiro destinaram em 2003 a investimentos civis um total de mais de 2 700 milhões de euros, repartidos como segue:

EUA: cerca de 700 milhões (aos quais se deve adicionar mais 250 milhões geridos pelo Ministério da Defesa);

Japão: 720 milhões;

Europa, incluindo a Suíça: menos de 600 milhões;

Resto do mundo: cerca de 720 milhões.

6.10

Calcula-se que, futuramente, o crescimento da produção industrial mundial deste sector será aproximadamente de 1 000 mil milhões de euros, num horizonte de 10-15 anos, o que implica uma necessidade de novos recursos humanos, qualificados, superior a 2 milhões de pessoas.

6.10.1

O axioma «nanoteclogia = progressos na estratégia de emprego» (28) também é válido nesta óptica: o desenvolvimento da sociedade do conhecimento é, de facto, aferido sobretudo pela capacidade de integrar-se, de um modo perceptível e consciente, nas novas «jazidas» do emprego e do progresso.

6.11

Face ao exposto, para fazer singrar a estratégia da União Europeia neste domínio, afigura-se fundamental aumentar os meios financeiros e humanos e melhorar a sua coordenação ao nível comunitário.

6.12

Também na Ásia e na América, provou ser indispensável uma abordagem integrada das várias políticas que afectam directa ou indirectamente o desenvolvimento do sector para apreender proactivamente as necessidades de um novo espírito empresarial, de novas formações, de um quadro jurídico, regulamentar e de normas técnicas.

6.13

Como se pode inferir de numerosos estudos realizados até à data (29), as nanotecnologias tornam possível a produção, a manipulação e o posicionamento dos objectos e asseguram, simultaneamente, uma abordagem tecnológica proactiva em larga escala com custos de tratamento e de produção competitivos.

6.14

A longo prazo, a ciência estará à altura de fornecer os instrumentos para agrupar ou assemblar nanoobjectos, formando sistemas complexos capazes de desenvolver funções impossíveis de realizar por cada uma das suas partes. Esta é, todavia, a última fronteira, com uma data de comercialização por enquanto ainda difícil de prever, mas que se deve ter em mira como objectivo a perseguir com instrumentos de apoio adequados.

6.15

Foram produzidos diversos materiais «inteligentes» (30) que já se encontram ao dispor dos consumidores:

materiais de longa duração para as indústrias automóvel e aeroespacial;

lubrificantes de alto rendimento;

nanopartículas para a redução dos atritos;

tratamento de superfícies de partes mecânicas;

Intelligent Stick, de dimensões muito reduzidas, com uma memória que pode alcançar os 1 000 MB (31);

CD flexíveis que podem conter mais de 20 horas de música;

superfícies em tecido, cerâmica ou vidro, que se limpam a si próprias (32);

vidros com transparência regulável electricamente;

vidros hiperresistentes ao calor, também a temperaturas elevadíssimas;

chapas nanoestruturadas à prova de riscos e da corrosão;

sistemas de diagnóstico;

vernizes especiais para a protecção de paredes e de edifícios;

vernizes que impedem os graffiti de sujar as paredes, as carruagens dos comboios e outros objectos.

6.15.1

Para além das aplicações supramencionadas, há muitas outras já em curso ou que estão a ser aperfeiçoadas e muito em breve passarão a fazer parte da vida quotidiana, marcando uma evolução e/ou revolução na «domótica» (33) e contribuindo para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

6.16

Graças à biomimética, que estuda a possibilidade de estabelecer interfaces entre circuitos electrónicos e tecidos biológicos, será possível, num futuro próximo, reactivar a vista e o ouvido de pessoas com deficiências neste órgãos.

6.16.1

Vários tipos de micromotores (34) realizados em laboratório são capazes de atingir um alvo preestabelecido como, por exemplo, uma célula infectada a qual será eliminada para evitar a contaminação de outras células. Actualmente, ao intervir nas células doentes há o risco de atacar igualmente as células saudáveis, o que causa muitas vezes danos nos órgãos.

6.16.2

A técnica usada pela ciência produz já hoje numerosos resultados concretos que poderiam ser utilizados directamente na vida quotidiana, mas infelizmente os seus custos são ainda muito elevados. Para tornar exequíveis as novas possibilidades, é preciso garantir a sua disseminação para se transformarem em património cultural de todos e acabarem com hábitos arreigados que na maioria das vezes só servem para entravar e retardar as mudanças.

6.17

Os sectores dos têxteis, do vestuário e do calçado estão a atravessar, na sua produção tradicional, um período de crise em toda a União Europeia, sobretudo pelo facto de esta entrar em concorrência com os produtos oriundos de países que desrespeitam as normas laborais fundamentais e que não têm de suportar os custos associados à protecção do ambiente nem os decorrentes da garantia da saúde e da segurança no trabalho.

6.17.1

Os têxteis inteligentes e/ou técnicos, concebidos também com a ajuda de pós nanotecnológicos estão a expandir-se em vários países europeus e registam um crescimento anual que ronda os 30 %. Entre eles, desempenham um papel muito especial os que são concebidos para a segurança em todos os seus aspectos (segurança rodoviária e a ligada à poluição, agentes químicos, produtos alérgenos, agentes atmosféricos, etc.) (35).

6.18

As nanotecnologias estão a revolucionar também a medicina sobretudo no que diz respeito aos diagnósticos e ao tratamento precoce de graves patologias cancerígenas ou neuro-degenarativas associadas ao envelhecimento. Nanopartículas activadas oportunamente podem ser utilizadas como marcadores nos diagnósticos de alta eficiência de agentes infecciosos ou de metabolitos especiais, ou ainda como vectores de fármacos a libertar em zonas ou órgãos particulares afectados por patologias bem localizadas. Sistemas deste tipo estão já a ser experimentados em larga escala.

7.   Observações na especialidade

7.1

A abordagem nanotecnológica dos novos materiais consiste em criar novas funcionalidades graças à utilização de componentes de dimensão nanométrica. Um exemplo bem elucidativo é o das tecnologias da produção e de transformação de materiais de longa duração e eficazes para as indústrias automóvel e aeronáutica, sectores estes em que a Europa ocupa uma posição de vantagem em relação aos seus principais concorrentes. Ficou amplamente demonstrado que os sistemas nanoestruturados podem reduzir significativamente o atrito de duas superfícies de contacto e, portanto, também o seu desgaste.

7.1.1

A título puramente exemplificativo, e decerto não exaustivo, dos vários campos de aplicação comercial das nanotecnologias, podemos citar o desenvolvimento de superfícies e de materiais nanoestruturados para a redução do atrito e do desgaste. Estes sistemas desempenham um papel fundamental no desenvolvimento de novos processos industriais de alta eficiência e com reduzido impacto ambiental. Cerca de 25 % da energia utilizada no mundo perde-se em fenómenos de atrito (36) e estima-se que as perdas causadas pelo desgaste de partes mecânicas se situem entre os 1,3 % e os 1,6 % do produto interno bruto (PIB) de um país industrializado. Calcula-se que os custos associados a problemas de atrito, desgaste e lubrificação andem à volta de 350 mil milhões de euros anuais, repartidos pelos seguintes sectores: transportes de superfície (46,6 %), processos de produção industrial (33 %), fornecimento de energia (6,8 %), aeronáutica (2,8 %), consumo doméstico (0,5 %) e outros (10,3 %) (37).

7.1.2

Haverá, por conseguinte, que criar novas plataformas tecnológicas que tenham em conta as peculiaridades das nanotecnologias e, particularmente, a necessidade de fazer coincidir funções e dimensões. Com efeito, o controlo das dimensões tem de coincidir com o controlo das funções. O exemplo da lubrificação é elucidativo: se forem integradas numa superfície partículas nanométricas de dimensão apropriada, deixam de ser necessários lubrificantes visto a sua função ser assegurada pelas nanopartículas, face às novas dimensões.

7.1.3

Os materiais e os revestimentos nanoestruturados, ou seja, que contêm partes caracterizadas por dimensões nanométricas estão em condições de reduzir as percentagens acima referidas. Por exemplo, uma diminuição de 20 % do coeficiente de atrito na caixa de velocidades de um automóvel é capaz de reduzir perdas de energia numa percentagem que varia entre os 0,64 % e os 0,80 %, o que equivale a uma economia de 26 mil milhões de euros ao ano no sector dos transportes.

7.1.4

O controlo e a «engenharização» das superfícies são uma tecnologia fundamental para conseguir um desenvolvimento sustentável. Um relatório elaborado no Reino Unido pelo Department of Trade and Industry descreve a situação da indústria ligada à engenharia de superfície no período 1995-2005 e em 2010 (38). Dele se infere que o mercado inglês dos processos de modificação das superfícies ascendia em 1995 a cerca de 15 mil milhões de euros, implicando uma produção de bens equivalente a cerca de 150 mil milhões de euros, dos quais 7 mil milhões diziam respeito ao desenvolvimento de tecnologias para protecção das superfícies contra o desgaste. Prevê-se para 2005 que este sector representará cerca de 32 mil milhões de euros, envolvendo processos industriais no valor de 215 mil milhões de euros aproximadamente.

7.1.5

Projectando estes números no mercado europeu, chega-se a 240 mil milhões de euros para o tratamento de superfícies com efeitos em outros sectores produtivos traduzidos num montante de cerca de 1 600 mil milhões de euros.

7.2

Para tirar partido das nanotecnologias (39), o desenvolvimento industrial terá de fazer coexistir os processos de transformação e tecnológicos tradicionais (top-down) com processos inovadores capazes de criar, manipular e integrar os novos ingredientes de dimensões nanométricas em plataformas já existentes ou novas.

7.2.1

É aqui essencial uma abordagem com base na boa governação. A par de iniciativas de carácter geral, a pensar nos consumidores, seria oportuno desenvolver iniciativas tendo por alvo os organismos sectoriais, as administrações locais e as organizações sem fins lucrativos, por forma a envolver o tecido económico, político e social, no seu conjunto. Os centros de competência poderiam ter aqui uma função importante (40) criando premissas para melhorar a coordenação entre as iniciativas locais e europeias e gerando uma cultura favorável à inovação com base nas nanotecnologias. Conviria inscrever neste contexto as iniciativas destinadas a avaliar o impacto das nanotecnologias na saúde e no ambiente, relacionando as iniciativas promovidas pela UE (abordagem descendente) com outras iniciativas estabelecidas e encorajadas ao nível local (abordagem ascendente).

7.3

O CESES está ciente, e insiste em reafirmá-lo, das grandes potencialidades do desenvolvimento das nanociências e das nanotecnologias para a realização da estratégia de Lisboa. Reunir as disciplinas científicas em torno de uma abordagem nanoscópica da unidade material da natureza permite lançar novos fundamentos para a integração de saber, inovação, tecnologia e desenvolvimento.

7.4

Ao nível europeu, a coordenação parece bastante fragmentada, não obstante as tentativas feitas com o Sexto Programa-Quadro. Os esforços concentram-se aparentemente apenas na racionalização da utilização dos recursos. É certo que a investigação de base e o desenvolvimento de novos processos são fortemente estimulados, mas a promoção e o apoio de acções destinadas a fazer progredir as tecnologias de produção em massa ainda deixam muito a desejar. O apoio aos esforços para desenvolver uma governação europeia parece ainda mais embrionário.

7.5

Ao nível dos Estados-Membros, seria essencial uma autêntica coordenação, inexistente até à data, sobretudo no âmbito das aplicações da investigação. Em vários países europeus, as empresas, sobretudo as PME, debatem-se com as seguintes dificuldades:

falta de conhecimentos de base sobre as nanociências e as nanotecnologias;

falta de profissionais à altura de responder às exigências das empresas;

incapacidade de avaliar o impacto das novas tecnologias, em termos de processos tecnológicos e de mercado;

dificuldade de encontrar e avaliar matérias-primas «nanoestruturadas»;

incapacidade de enquadrar, nos processos produtivos tradicionais, os processos nanotecnológicos;

dificuldade de avaliar o desenvolvimento de um mercado baseado em produtos nanotecnológicos;

ligação insuficiente com as universidades e os centros de inovação.

7.6

O CESE considera importante criar, através da investigação, sistemas úteis na área da saúde pública e da vida quotidiana dos cidadãos, cada vez mais em harmonia com o princípio da «mimética», ou seja da imitação da Natureza.

7.7

O CESE saúda o surgimento da rede temática NANOFORUM (41) e faz votos por que as publicações por ela editadas sejam traduzidas e divulgadas em todos os Estados-Membros. A linguagem usada nas publicações deve ser o mais simples possível e acessível a um vasto público. Pelo seu lado, também as universidades e os centros de investigação deverão estar em condições de utilizar os resultados desta rede temática.

7.7.1

O CESE está, além disso, persuadido de que a «Plataforma para a tecnologia europeia de nanoelectrónica», sugerida pelo grupo de alto nível (42), terá tanto mais sucesso quanto mais conseguir evitar, em estreita colaboração com a Comissão, duplicações supérfluas e onerosas na investigação.

7.8

O CESE entende ainda que, até 2008, os investimentos da UE nestes sectores deverão passar dos actuais três mil milhões de euros anuais para oito mil milhões, com verificações periódicas pela Comissão incidindo nos aspectos seguintes:

aumento das quotas de mercado;

investimentos públicos e privados na investigação;

aumento do número de estudantes que optam por cursos no sector das nanotecnologias.

8.   Conclusões

8.1

O CESE concorda plenamente com as conclusões do Conselho «Competitividade» de 24 de Setembro de 2004 sobre o importante papel e as potencialidades das nanociências e das nanotecnologias. Dos resultados obtidos até à data pode-se inferir que é indispensável afinar os conhecimentos e criar instrumentos que permitam intervir nos átomos para produzir novas estruturas e alterar as características das existentes.

8.2

A este respeito, o CESE recomenda a elaboração imediata de uma estratégia comum ao nível europeu, integrada e responsável, particularmente para: o desenvolvimento de esforços conjuntos na I&D, na demonstração e na formação científica e tecnológica; a interacção entre a indústria e mundo académico; o desenvolvimento acelerado das aplicações industriais e multisectoriais; o reforço, ao nível europeu, da coordenação aberta das políticas, das acções, das estruturas e das redes de intervenientes. No âmbito desta estratégia, será antes de mais preciso garantir desde o início e durante todo o ciclo de vida, também internacionalmente, a salvaguarda dos aspectos éticos, ambientais, de saúde e segurança das aplicações científicas, bem como uma normalização técnica adequada.

8.3

O CESE coloca toda a ênfase na necessidade de estribar firmemente esta estratégia no desenvolvimento da sociedade em termos de contributos positivos não só para a competitividade da economia europeia mas também, e sobretudo, para a saúde humana, o ambiente e a segurança e para melhorar a qualidade da vida dos cidadãos europeus.

8.3.1

O CESE salienta a propósito a importância de assegurar um desenvolvimento responsável e sustentável das nanotecnologias, logo desde o início, para responder às expectativas justificadas da sociedade civil a respeito dos aspectos ambientais, de saúde, éticos, industriais e económicos.

8.3.2

O CESE recomenda um aumento substancial dos recursos para a investigação de base, uma vez que a excelência tecnológica e industrial tem sempre por base a excelência científica.

8.3.3

O objectivo de 3 % decidido em Barcelona deveria ser realizado reservando uma parte dos recursos para a área das nanociências, das suas aplicações e da convergência entre as nanotecnologias, as biotecnologias e as tecnologias da informação e as tecnologias do conhecimento.

8.3.4

As perspectivas financeiras da Comunidade para o período 2007-2013, propostas recentemente pela Comissão, deverão ser avaliadas e redefinidas a fim de responderem aos desafios desta nova revolução tecnológica.

8.3.5

O louvável aumento dos fundos deverá reflectir-se na afectação de uma verba adequada para este efeito no próximo Sétimo Programa-Quadro. A quantia estabelecida deverá ter, de qualquer modo, uma relação com as previsões noutros países, por exemplo, nos EUA.

8.4.

O Comité está persuadido de que a UE deveria adoptar um plano de elevado perfil com um roteiro e um calendário definidos com base numa abordagem integrada reunindo o necessário consenso de todos os actores da sociedade civil em torno de uma visão comum. Esta visão deve articular-se em objectivos claros e transparentes para responder às necessidades de progresso económico e social, de qualidade de vida e de segurança e saúde para todos.

8.5

Na opinião do Comité, é imperioso criar plataformas tecnológicas dotadas de grande massa crítica e de um elevado valor acrescentado europeu, congregando os actores públicos e privados — cientistas, industriais, financiadores e administrações — activos nos vários sectores de aplicações específicas.

8.6

O Comité reafirma a urgência da criação de infra-estruturas europeias de alto nível e de um reforço dos Centros de Competência (CdC). A localização e a especialização destes centros deverão ser escolhidas em estreita cooperação entre os organismos europeus e as autarquias locais, por forma a definir aglomerados industriais homogéneos para especialização produtiva e territorial onde talvez haja já exemplos de I&D dotados de uma certa massa crítica.

8.6.1

Os CdC deveriam garantir a capacidade de realizar e transferir uma investigação de elevada qualidade, orientada para a aplicação e a inovação, mediante a utilização de nanotecnologias, especialmente nas áreas da nanoelectrónica, da nanobiotecnologia e da nanomedicina.

8.7

Sobretudo num campo tão delicado, é necessário oferecer certezas e proteger a propriedade intelectual dos investigadores. O CESE pensa que é primordial conseguir resolver com clareza e de forma satisfatória o problema da patente para garantir o êxito da investigação aplicada na área das nanotecnologias. Tal implica, no entanto, para já pensar igualmente na criação ao nível europeu de um «Nano-IPR Helpdesk» capaz de responder às exigências de investigadores, empresas e centros de investigação.

8.8

A Comissão deverá, em consenso com os Estados-Membros, intensificar os seus esforços e promover estudos aprofundados na universidade e nos centros de investigação para poder, sobretudo num sector tão inovador, percorrer com procedimentos simples e pouco onerosos o trajecto para obtenção de uma patente.

8.8.1

No que se refere à cooperação internacional, os esforços de uniformização das medidas e dos processos teriam maior sucesso se houvesse cooperação com os países terceiros. Merece particular interesse a China que está a realizar investimentos muito consideráveis na área das nanotecnologias. Por outro lado, também os EUA e o Japão estão a praticar uma política muito agressiva nesta área (basta pensar no acordo entre a China e o estado da Califórnia para o desenvolvimento de centros de excelência especializados em nanotecnologias biomédicas).

8.8.2

O CESE considera indispensável um esforço suplementar, designadamente através da iniciativa de crescimento adoptada em Dezembro de 2003, para aumentar o número de empresas de nanotecnologias na UE. Para o efeito, estão a ser constantemente promovidas e melhoradas as relações entre as universidades, os centros nanotecnológicos de inovação e as empresas.

8.8.3

São necessárias acções destinadas ao desenvolvimento de processos industriais baseados nas nanotecnologias (da nanotecnologia à nanotransformação), tanto para as grandes como para as pequenas empresas: o exemplo americano de desenvolver um plano para utilizar os programas federais, como o «Small Business Innovation Research Program» e o «Small Business Technology Transfer Research Program», deveria ser seguido em toda a Europa para apoiar o desenvolvimento nanotecnológico capilar no tecido empresarial, embora a um nível inferior.

8.8.4

As organizações sectoriais também poderão desempenhar um papel importante ao nível nacional e local. A DG Investigação e a DG Empresas poderiam promover, conjuntamente, algumas acções de sensibilização «intensiva», envolvendo todos os actores económicos e sociais segundo o modelo da experiência positiva de Trieste (43).

8.8.5

Para o CESE, um mecanismo importante ao nível europeu poderia ser a criação de um centro de coordenação (Clearing House)  (44) europeu da informação, para facilitar

a comercialização das nanotecnologias e da transferência das tecnologias e dos novos conceitos nos produtos militares e nos produtos comercializados e

a difusão das melhores práticas das universidades e dos laboratórios quer públicos quer privados susceptíveis de ser transpostas para o sector comercial.

8.9

A par das plataformas europeias, e em conjugação com elas, seria oportuno criar algumas plataformas de dimensão mundial que façam referência aos países da ONU e que estejam à altura de enfrentar os problemas relacionados com:

patentes;

regras éticas;

gestão do consenso social;

aspectos ambientais;

desenvolvimento sustentável;

segurança dos consumidores.

8.10

O Banco Europeu de Investimento (BEI), e também com a intervenção concreta do Fundo Europeu de Investimento (FEI), deveria criar linhas de crédito a margens reduzidas, para serem geridos pelos institutos de crédito, com os financiadores regionais especializados no crédito a sociedades, com as sociedade de capital de risco e com as cooperativas de garantia, para facilitar o surgimento e o desenvolvimento de empresas que concentrem a sua produção nas nanotecnologias.

8.10.1

Poderia imitar-se uma experiência positiva que deu no passado muito bons resultados, ainda que sobretudo no domínio ambiental, como a do programa Crescimento e ambiente, para favorecer o crescimento rumo às novas produções baseadas nas nanotecnologias  (45).

8.11

A investigação e o impacto relativo sobre os produtos devem ter em conta as exigências dos cidadãos e o respeito do desenvolvimento sustentável. Conviria inscrever neste contexto as iniciativas destinadas a avaliar o impacto das nanotecnologias na saúde e no ambiente, relacionando as iniciativas promovidas pela UE (abordagem descendente) com outras iniciativas estabelecidas e encorajadas ao nível local (abordagem ascendente).

8.12

O diálogo com a opinião pública deve ser constante e respaldado por argumentos fundamentados cientificamente. As novas tecnologias, que nascem da utilização dos átomos, devem ser transparentes e dar aos cidadãos a certeza de não albergarem em si perigos potenciais para a saúde e o ambiente. A História ensina que, muitas vezes, os receios e as preocupações em relação a novos produtos nascem mais da ignorância do que da realidade.

8.12.1

Também por este motivo, o CESE defende uma relação estreita e contínua entre os resultados da investigação e os princípios éticos universalmente reconhecidos, para os quais será necessário um diálogo internacional.

8.13

Principalmente na fase de realização e de desenvolvimento de plataformas tecnológicas (46), haverá que prestar especial atenção aos novos países da UE e assegurar-lhes uma presença maciça e um estreito contacto com os centros de excelência europeus.

8.14

O CESE entende que a coordenação da investigação, no vasto campo das nanotecnologias (área em que a investigação deverá sempre caber nas competências do «European Research Council», a criar), deve ser confiada à Comissão que, em consenso com o Parlamento e o Conselho, poderá garantir aos cidadãos europeus o máximo valor acrescentado possível, bem como uma utilização mais difundida, capilar e objectiva dos resultados da investigação.

8.15

O CESE dirige à Comissão um apelo no sentido de apresentar de dois em dois anos um relatório sobre o desenvolvimento das nanotecnologias para verificar as fases de avanço do plano de acção adoptado e propor eventuais alterações e aditamentos.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Entrevista do comissário BUSQUIN (síntese no IP/04/820 de 29 de Junho de 2004).

(2)  Ver nota 1.

(3)  Ver ponto 6.15 das conclusões.

(4)  Ver nota 1.

(5)  Centro de microelectrónica e de nanoelectrónica do Politecnico di Milano, Professor Alessandro SPINELLI.

(6)  Idem.

(7)  Os investimentos na nanoelectrónica elevam-se actualmente a 6 mil milhões de euros repartidos como segue: 1/3 para a nanoelectrónica e a licroelectróncia, 1/3 para os diagnósticos, 1/3 para os materiais (fonte: Comissão Europeia, DG Investigação).

(8)  Fonte: Comissão Europeia, DG Investigação – 2003.

(9)  Ver ponto 3.3.1.

(10)  Tullio REGGE: «Il vuoto dei fisici», L'Astronomia, n.o 18 – Setembro-Outubro de 1982.

(11)  Fonte: Comissão Europeia, DG Investigação 2003.

(12)  Há várias experiências em fase avançada e já foi estabelecido um «diálogo» interface entre um neurónio de caracol e um chip electrónico

(13)  Do grego mimesis, imitar a natureza.

(14)  Por exemplo, o movimento autónomo dos espermatozoides.

(15)  Trata-se de um dado quantitativo e não qualitativo, pelo que seria conveniente uma avaliação mais exaustiva como a indicada pela Royal Society britância.

(16)  Fonte: Comissão Europeia, DG Investigação.

(17)  Fonte: Università di Milano, Facoltà di Fisica, Centro interdisciplinare materiali e interfacce nanostrutturate.

(18)  Consultar «Technology Roadmap for Nanoelectronics, European Commission IST Programme Future and emergine technologies», segunda edição 2000.

(19)  Aditivos nanoestruturados para polímeros, vernizes e lubrificantes.

(20)  Vectores nanoestruturados dos princípios activos e sistemas de diagnóstico.

(21)  Tratamentos da superfície de partes mecânicas para aumentar a sua duração e desempenho.

(22)  Penumáticos, materiais estruturais, sistemas de controlo e de supervisão.

(23)  Tecidos técnicos e tecidos inteligentes.

(24)  As dotações financeiras plurianuais previstas pela lei de 3/12/2003 são distribuídas como segue:

(a)

National Science Foundation

(1)

385 000 000 dólares para o exercício de 2005;

(2)

424 000 000 dólares para o exercício de 2006;

(3)

449 000 000 dólares para o exercício de 2007;

(4)

476 000 000 dólares para o exercício de 2008;

(b)

Department of Energy

(1)

317 000 000 dólares para o exercício de 2005;

(2)

347 000 000 dólares para o exercício de 2006;

(3)

380 000 000 dólares para o exercício de 2007;

(4)

415 000 000 dólares para o exercício de 2008;

(c)

National Aeronautics and Space Administration

(1)

34 100 000 dólares para o exercício de 2005;

(2)

37 500 000 dólares para o exercício de 2006;

(3)

40 000 000 dólares para o exercício de 2007;

(4)

42 300 000 dólares para o exercício de 2008;

(d)

National Institute of Standards and Technology

(1)

68 200 000 dólares para o exercício de 2005;

(2)

75 000 000 dólares para o exercício de 2006;

(3)

80 000 000 dólares para o exercício de 2007;

(4)

84 000 000 dólares para o exercício de 2008;

(e)

Environmental Protection Agency

(1)

5 500 000 dólares para o exercício de 2005;

(2)

6 050 000 dólares para o exercício de 2006;

(3)

6 413 000 dólares para o exercício de 2007;

(4)

6 800 000 dólares para o exercício de 2008.

(25)  Optoelectrónica: técnica que reúne as disciplinas óptica e electrónica. Estuda dispositivos que convertam sinais eléctricos em sinais ópticos e vice-versa (leitores de CD, sistemas laser, etc.).

(26)  FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional): um dos fundos estruturais que, no eixo 4 (sistemas locais de desenvolvimento), pode ser utilizado para financiar infra-estruturas e aparelhagem de investigação.

FSE (Fundo Social Europeu): outro fundo estrutural que, no eixo 3 (recursos humanos), pode ser utilizado para financiar a formação de investigadores e a reciclagem dos empresários.

(27)  O CD ROM e as recentes publicações da DG Investigação oferecem um vasto panorama dos centros europeus de investigação e das suas especializações. Para mais informações:

http://cordis.lu/nanotechnology.

(28)  Ver os processos de Luxemburgo (1997) e de Cardiff (1998), de Colónia (1999) e de Lisboa (2000), relativamente à utilização do desenvolvimento para aumentar e melhorar os empregos.

(29)  Fonte: Comissão Europeia, DG Investigação.

(30)  São superfícies nanoestruturadas com características diferentes das tradicionais.

(31)  São instrumentos extremamente úteis que permitem memorizar um número infinito de dados, de fotografias e de músicas.

(32)  A particular estrutura da superfície, enriquecida com partículas de átomos, impede que a sujidade e o pó entrem em contacto directo com o tecido, a cerâmica ou o vidro.

(33)  Vem do latim domus, isto é a ciência que estuda a evolução da casa, em todas as suas facetas.

(34)  A Universidade de Grenoble já ensaiou vários tipos de micromotores à base de quinesina.

(35)  Ver parecer CESE 967/2004 e estudos realizados pela Universidade de Gande e de Bergamo (sector têxtil).

(36)  Fonte: Oakridge National Laboratori, EUA.

(37)  Idem.

(38)  A. MATTHEWS, R. ARTLEY e P. HOLIDAY, 2005 Revisited: The UK Surface Engineering Industry to 2010, NASURF, Dera, 1998.

(39)  N.B.: Não há um desenvolvimento industrial das tecnologias, mas um desenvolvimento que tira partida das nanotecnologias.

(40)  Compare-se, designadamente, com a experiência do pólo tecnológico de Dalmine, Bergamo.

(41)  A rede NANOFORUM é constituída pelo Institute of Nanotechnology (Reino Unido) que se encarrega da coordenação, pelo UDI Technologiezentrum (Alemanha), pelo CEA-LETI (França), pela CMP Científica (Espanha), pelo Nordic Nanotech (Dinamarca), e pela Malsch TechnoValuation (Países Baixos) –

http://www.nanoforum.org.

(42)  Ver nota precedente: relatório «Vision 2020», publicado em 29 de Junho de 2004.

(43)  Nanoforum em Trieste, em 2003, com a presença de mais de 1 000 pessoas.

(44)  CFR; Lei americana sobre as Nanotecnologias de Dezembro de 2003.

(45)  O programa Crescimento e ambiente, gerido pelo FEI, em ligação com diversas instituições financeiras europeias, contribuiu com co-financiamento e empréstimos a margens reduzidas, para melhorar os aspectos ambientais da investigação das micro, pequenas e médias empresas.

(46)  Ver ponto 6.3.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/34


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Código da Estrada e do Registo Automóvel Europeu»

(2005/C 157/04)

Em 29 de Janeiro de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2, artigo 29.o do Regimento, emitir um parecer sobre o «Código da Estrada e do Registo Automóvel Europeu».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 5 de Outubro de 2004. Foi relator Jorge PEGADO LIZ.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 147 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução: Objecto do Parecer e Razão de Ordem

1.1

Na sua reunião de 29 de Janeiro de 2004, o CESE aceitou o pedido da Secção TEN, com vista à elaboração de um parecer de iniciativa relativo a um Código da Estrada Europeu.

1.2

Sendo uma das liberdades fundamentais consagradas no Tratado a livre circulação de pessoas (1) e um dos objectivos da UE a abolição das fronteiras entre os Estados-Membros (2), reforçado com a integração do acervo de Schengen no seu âmbito (3), e constituindo mesmo o domínio dos transportes o objecto de uma política comum da Comunidade (4), a aproximação das legislações no que se refere à circulação rodoviária, em particular pelas incidências que terá na realização do mercado interno (5), parecer ser de primordial importância.

1.3

Não será por demais recordar a importância do transporte rodoviário de pessoas e bens na Europa dos 15 e o seu crescimento exponencial nos últimos anos.

Dos dados estatísticos mais recentes disponíveis pode concluir-se, designadamente, que:

com referência a 2001, o sector do transporte terrestre ocupa 3,9 milhões de pessoas;

o transporte de carga por estrada representa 45 % do total do transporte, tendo crescido 120 % desde 1970;

o transporte de passageiros por estrada representa 86,8 % do total de transporte de passageiros, tendo crescido 128 % desde 1970;

o volume de negócios (dados de 2000) do transporte terrestre de passageiros (55,455 milhões de euros) e de mercadorias (220,787 milhões de euros) representa cerca de 49 % do total do volume de negócios dos transportes (566,193 milhões de euros) (não existem números da Grécia) (6).

1.4

Ora, o transporte rodoviário de pessoas e bens está condicionado por numerosas e diversas regulamentações nacionais, mesmo ao nível dos princípios e de regras fundamentais da condução de veículos automóveis.

1.4.1

Por outro lado, várias convenções internacionais vigoram identicamente, com âmbitos de aplicação diversos e disposições, em certos casos, conflituantes.

1.4.2

Daqui resulta que uma simples deslocação através da Europa em automóvel sujeita o condutor a diversos regimes jurídicos diferentes, com a consequência da sua exposição a regras diferentes e mesmo contraditórias.

1.4.3

Esta situação tornou-se particularmente aguda com o recente alargamento da UE, com a entrada de novos Estados-Membros, eles também sujeitos às suas próprias regras de condução automóvel.

1.5

O presente parecer de iniciativa tem como objectivo levar a Comissão a ponderar a necessidade e a oportunidade de uma iniciativa legislativa que harmonize as regras de condução na União Europeia, embora com a consagração de algumas excepções, suscitando, através de uma análise de direito comparado, as divergências dos regimes jurídicos dos Códigos da Estrada dos diversos Estados-Membros e as soluções possíveis para a sua harmonização a nível europeu.

1.6

Para a sua elaboração julgou-se indispensável ouvir os principais interessados (representantes dos utilizadores das estradas, dos produtores de veículos automóveis e das entidades reguladoras) pelo que se procedeu à realização de uma audição pública, que teve lugar em simultâneo com a 2.a reunião do grupo de estudo, no dia 17 de Maio de 2004, e que contou com a presença das personalidades ligadas ao sector.

1.6.1

Para facilitar a discussão, e como meio de recolha de informação, foi preparado um questionário que foi submetido à consideração dos membros do grupo.

2.   Antecedentes da iniciativa

2.1

A ideia da elaboração de um Código da Estrada de alcance universal não é nova e, mesmo no que em especial à Europa se refere, ela já tem antecedentes como, por exemplo, o desejo de codificação desta matéria já expresso no VIII Congresso Jurídico Internacional sobre Trânsito e Circulação (7).

2.2

Também durante a 38.o Conferência do Conselho Alemão das Jurisdições Encarregadas do Trânsito, em Janeiro de 2000, o Grupo de trabalho IV defendeu que a harmonização das regras de circulação europeias era um objectivo importante (8).

2.3

A Comissão tem vindo a prosseguir várias iniciativas que relevam de idêntica preocupação e objectivo, sem, no entanto, ter, até agora, assumido, de pleno, a ideia da realização de um Código da Estrada Europeu enquanto tal (9).

2.4

Uma referência muito particular merecem as conclusões de um recente estudo elaborado para a Direcção Geral Energia e Transporte da Comissão, onde se evidenciam as razões que levam a considerar necessária a «harmonização das regras de trânsito e das medidas para a sua efectiva aplicação» através de «futuras iniciativas legislativas» a nível da UE (10).

2.5

Por seu turno, em variados dos seus Pareceres, o CESE tem chamado a atenção para a necessidade de aumentar «a livre circulação dos veículos no interior da União», responsabilizando as «autoridades nacionais pelo desmantelamento de certas disposições internas que tornam difícil a utilização pelos seus cidadãos de veículos matriculados num outro Estado-Membro» (11).

3.   Breve resenha do direito convencional e do seu alcance

3.1

A regulamentação internacional da circulação rodoviária consta de variadas Convenções, de que se destacam a Convenção de Paris de 1926, a Convenção de Genebra de 1949 e a Convenção de Viena de 1968.

3.2

A Convenção Internacional relativa à circulação de automóveis foi assinada em 24 de Abril de 1926, em Paris, por 40 Estados, com a finalidade de facilitar o turismo internacional, vigorando actualmente em mais de 50 países.

3.2.1

As suas linhas essenciais caracterizam-se por:

a)

definir requisitos mínimos técnicos do automóvel, bem como da matrícula e das luzes, e da sua identificação em cada Estado visitado;

b)

regular a emissão e validade dos certificados internacionais para automóveis, destinados a validar a sua admissão e circulação no espaço abrangido pela convenção;

c)

reconhecer alguns títulos de condução e definir as características das autorizações internacionais de guiar automóveis (licenças internacionais de condução), válidas nos Estados contratantes onde aqueles títulos não forem reconhecidos, mas sem que estes sejam dispensados;

d)

criar alguns (seis) sinais de perigo, obrigando os Estados contratantes a utilizá-los nas suas estradas;

e)

criar um sistema de troca de informações relativas aos condutores, possuidores de certificados e autorizações internacionais, que sejam intervenientes em acidentes graves ou que tenham infringido as disposições legais internas relativas à circulação rodoviária.

3.2.2

Esta convenção facilitou os procedimentos aduaneiros, mas não isentou os condutores de conhecerem e observarem as leis rodoviárias internas.

3.2.3

Por outro lado, a entrada em vigor da Convenção dependia da sua ratificação por cada Estado e do depósito do respectivo instrumento de ratificação. Por norma, a Convenção apenas vigora na metrópole do Estado contratante, ficando a sua eficácia nos territórios sob qualquer forma de administração dependente de declaração expressa.

3.3

A Convenção sobre o trânsito rodoviário foi assinada em Genebra, em 19 de Setembro de 1949, por 17 Estados, vigorando hoje em mais de 120 países, revogando, entre os Estados contratantes e aderentes, a Convenção de 1926.

3.3.1

Esta Convenção desenvolveu os princípios consagrados na Convenção anterior, de acordo com a evolução verificada na indústria automóvel, denotando uma crescente preocupação na segurança da circulação rodoviária.

3.3.2

Não consagra sinais de trânsito mas estabelece que os Estados deverão homogeneizar a sua sinalização e usá-la no estritamente necessário.

3.3.3

São poucas as regras de circulação nela consagradas, e não se evoluiu muito para além dos cuidados a adoptar no cruzamento de veículos, prioridade e iluminação.

3.3.4

A entrada em vigor da Convenção ficou sujeita aos mesmos mecanismos e a sua feição harmonizante ficou condicionada pela faculdade de os Estados não se vincularem a algumas das suas disposições, bem como pela de rejeitarem as suas emendas.

3.4

A Convenção sobre a circulação rodoviária , de 8 de Novembro de 1968, foi assinada em Viena por 37 Estados, vigorando actualmente em cerca de 100. Em relação a estes, a convenção fez cessar entre si os efeitos das Convenções de 1926 e de 1949, desde que ratificada e depositado o instrumento de ratificação.

3.4.1

É o texto convencional mais acabado do ponto de vista da regulação da circulação rodoviária, dedicando-lhe um capítulo com trinta artigos e dispondo sobre as manobras que constituem o núcleo essencial dos códigos modernos. Ultrapassando as preocupações minimalistas das convenções anteriores, restritas ao cruzamento de veículos e sua sinalização, a Convenção de 1968, além de estabelecer os princípios que devem ser observados pelos condutores nas manobras mais arriscadas (v.g., ultrapassagem, mudança de direcção, cuidados a observar em relação aos peões), foi ao ponto de regular a paragem, estacionamento, entrada e saída de passageiros, circulação em túneis, em suma, todas as situações típicas da condução rodoviária.

3.4.2

Foi mais longe que os textos anteriores, obrigando os Estados contratantes e aderentes a conformar, na substância, as suas disposições legais com as regras de condução por ela estabelecidas, o que representava a vantagem de os condutores, ao deslocarem-se noutros países aderentes, estarem familiarizados com o essencial das regras de condução.

3.4.3

Porém, ficou aberta a possibilidade de os Estados rejeitarem emendas da Convenção.

3.5

Feita esta resenha, facilmente se constata que no espaço da União Europeia, agora já alargado a mais 10 Estados, vigoram três Convenções internacionais, nem sempre por igual (12),o que a deixa longe de alcançar uma harmonia regulativa da circulação rodoviária, especialmente se ao texto das convenções adicionarmos 25 legislações nacionais em constante mutação (13).

3.6

Alguns obstáculos já foram, ou vão sendo, superados, como a supressão das fronteiras, as condições de homologação de veículos e seus componentes, e o reconhecimento recíproco dos títulos de condução e harmonização das suas regras. Subsiste porém o núcleo essencial da circulação rodoviária: as suas regras e a sinalização.

3.7

Em relação ao resto do mundo, as convenções facilitam os procedimentos aduaneiros e a faculdade de conduzir veículos no espaço comunitário, mas os nacionais de países terceiros que visitam a União Europeia deparar-se-ão com tantas legislações rodoviárias quantos os Estados que a constituem.

4.   Algumas flagrantes disparidades nos direitos nacionais

4.1

De um estudo breve de direito comparado resulta inequivocamente que, entre os direitos nacionais reguladores do trânsito, existem diferenças pronunciadas em domínios importantes que constituem verdadeiras barreiras à livre circulação e são susceptíveis de pôr em causa a segurança de pessoas e bens e de contribuir para a sinistralidade a nível europeu.

4.2

Na exposição subsequente tomaram-se particularmente, embora não exclusivamente, em conta as observações já constantes do estudo antes mencionado, elaborado para a Comissão, onde muitos desses aspectos são detalhadamente examinados (14).

4.3

A titulo de mero exemplo, para além de vários outros que se poderiam elencar, referem-se alguns casos, particularmente significativos e preocupantes, de diferenças de regime jurídico, para situações correntes:

Velocidade fora das localidades em vias onde a separação dos sentidos de trânsito é física

BE

120 Km/h

PT

90 Km/h

UK

70 MPH (112 Km/h)

Contra-ordenações graves

BE

+ 10 Km/h

PT

+ 30 Km/h

Álcool

SE

0,2

UK

0,8

Obrigação de equipar os veículos ligeiros com Kit de primeiros socorros

EL

Sim

FR

Não

Luz vermelha + amarela: preparar para reiniciar a marcha do veículo

DK/FI

Sim

NL/ES

Não

Obrigação de dar prioridade aos ciclistas que circulam na rotunda

DE

Sim

PT

Não

Prioridade dos transportes colectivos ao sair das paragens

ES

Sim

IT

Não

Obrigação de usar luzes durante o dia fora das localidades

IT

Sim

LU

Não

Sinal de proibição de estacionamento

IE

Fundo branco e bordo vermelho

Restantes Estados

Fundo azul e bordo vermelho

Proibição de saída de passageiros para a faixa de rodagem

PT

Sim

IE

Não

4.4

Mas disparidades idênticas são ainda observáveis, como resulta, em detalhe, do estudo já mencionado, em domínios como os requisitos para a obtenção de licenças de condução, a sinalização rodoviária, os equipamentos de segurança obrigatórios, a travessia de peões, as regras de prioridade, o uso de luzes, a entrada e saída de passageiros, a utilização de faixas especiais, a ultrapassagem, a classificação dos veículos, o tipo de pneus, o uso de reboques, os próprios sinais de trânsito, entre outros, num total, aí identificado, de 45 diferenças em regras fundamentais e de uso corrente na circulação rodoviária diária.

4.5

Acresce que, se diferenças significativas existem ao nível da mera formulação das regras fundamentais de trânsito, a situação é ainda particularmente mais grave ao nível da sua interpretação e aplicação nos vários Estados-Membros, fruto não só de uma diferente valoração do seu desrespeito como mesmo de um muito diverso elenco das penalidades aplicáveis às respectivas infracções.

5.   Breve súmula da audição de 17 de Maio de 2004

5.1

Com a presença de representantes de várias organizações privadas representativas dos interesses dos automobilistas, da indústria automóvel, da segurança e prevenção rodoviária, do Bureau da AIT & FIA e da TIS-PT, a firma coordenadora do estudo referido anteriormente (15), a audição pública realizada a 17 de Maio de 2004, pela valia dos contributos aí trazidos, permitiu elucidar e esclarecer vários aspectos relevantes para o presente parecer, reflectindo os pontos de vista dos principais interessados da sociedade civil.

Por seu turno, várias instituições completaram as suas intervenções remetendo textos de resposta ao Questionário oportunamente remetido.

5.2

Do conjunto das intervenções e das comunicações produzidas é possível sublinhar uma generalizada aceitação do teor e da oportunidade da iniciativa do CESE no sentido de uma certa harmonização das regras de trânsito rodoviário a nível europeu. Identicamente, alguns participantes manifestaram abertura quanto à possível e desejável aproximação dos sistemas de registo e de matrícula dos veículos automóveis.

5.3

Neste contexto foi, em especial, realçado que:

a)

a Decisão-Quadro da UE de 8 de Maio de 2003, no sentido do reconhecimento e execução transfronteiras das sanções pecuniárias devidas por infracções ao Código da Estrada, pressupõe e exige a uniformização das regras de circulação rodoviária europeia;

b)

paralelamente, importa ter em consideração as regras de processo para a fixação e aplicação das multas ou coimas e as possibilidades de recurso à justiça para defesa, nos diferentes Estados-Membros;

c)

são, de facto, muito diversas, em domínios essenciais, as regras de condução automóvel nos diferentes Estados-Membros, o que comporta perigos acrescidos para o automobilista que conduz um veículo em país diverso daquele de que é originário;

d)

as principais diferenças salientadas, para além das mencionadas no estudo da consultora TIS-PT, referem-se:

aos níveis de alcoolémia,

aos limites de velocidade,

aos sinais de trânsito e dos seus agentes e à marcação das estradas,

às penas relativas às infracções e às regras processuais para a sua aplicação,

aos equipamentos de segurança exigidos;

e)

no processo de aproximação legislativo tendente à eventual harmonização das regras de trânsito a nível comunitário deve ser seguida uma metodologia gradual (step-by-step);

f)

uma harmonização total não parece ser imediatamente possível, a não ser em aspectos essenciais e fundamentais;

g)

esses aspectos deveriam incluir obrigatoriamente:

a segurança rodoviária nos seus diversos aspectos,

os equipamentos obrigatórios dos veículos automóveis (p. ex. lâmpadas de substituição, triângulos de pré-sinalização, telemóveis sem mãos, airbags, etc.),

a sinalização e a marcação das estradas,

os critérios para a habilitação de conduzir,

a licença de condução com pontos de penalização uniforme,

a natureza das penalizações para as infracções mais graves:

h)

a matriz a utilizar para esta aproximação legislativa deverá ser a Convenção de Viena;

i)

preliminar a qualquer proposta deverão ser estudos de custos/benefícios do tipo dos já realizados para alguns sectores dos transportes ou para algumas iniciativas no domínio da segurança rodoviária (16);

j)

um enfoque muito especial deverá ser posto na efectiva aplicação das regras de trânsito, na sua fiscalização e na punição das suas infracções.

5.4

Como aspectos paralelos e complementares de qualquer iniciativa nos domínios em causa, foram, designadamente, referidos os seguintes:

a)

a uniformização dos sistemas de pagamento automático de portagens em auto-estradas e pontes (17);

b)

a standardização das definições dos pesos e dimensões dos veículos e inerentes restrições;

c)

os níveis mínimos de treino para os condutores, consoante os tipos de veículos;

d)

a inclusão, neste treino, de noções aprofundadas de primeira ajuda e de primeiros socorros;

e)

a definição das normas de qualidade mínima para a construção das infra-estruturas viárias;

f)

campanhas de educação para o trânsito e a prevenção de acidentes aos vários níveis do ensino e também para adultos.

6.   Âmbito e alcance de um Código da Estrada Europeu

6.1

No seguimento da audição referida no ponto 5, e em consequência dela, ficou assim bem expresso o desejo de se avançar para uma harmonização das regras rodoviárias, não limitadas, porém, à disciplina da circulação, como, por exemplo, as infra-estruturas rodoviárias e a segurança.

6.2

Ao longo da sua existência, a União Europeia tem vindo a produzir inúmeros diplomas legislativos relacionados com o trânsito rodoviário: carta de condução, homologação de veículos e seus componentes, regras aplicáveis aos transportes, seguro automóvel, etc. Do que aqui se trata é de estabelecer as regras de circulação, tendo em vista a sua harmonização, a qual poderá constituir instrumento de prossecução de outros interesses, designadamente da segurança rodoviária, mercê da certeza e segurança do conhecimento do comportamento a adoptar na estrada.

6.3

Como já se disse antes, a Convenção de Viena de 1968 contém o texto mais acabado em matéria de circulação rodoviária, denotando uma preocupação de exaustão, e com a particularidade de, sendo o instrumento internacional adoptado pela generalidade dos países europeus, conter um comando dirigido aos Estados contratantes e aderentes no sentido de conformarem os direitos internos com o texto da convenção. Tratando-se do texto mais conhecido e aceite pelos países europeus, esta convenção pode servir como ponto de partida para uma discussão mais alargada do Código da Estrada Europeu.

6.4

Assim, a proposta que se faz é a de serem harmonizadas as regras de condução que formam o núcleo essencial dos códigos da estrada europeus mais modernos, quais sejam, designadamente e ainda que não exclusivamente:

a)

regras gerais de condução de veículos, início e posição de marcha, pluralidade de vias de trânsito e filas paralelas, cruzamentos, entroncamentos e rotundas, distância entre bermas e passeios, velocidade e distância entre veículos;

b)

sinais dos condutores;

c)

velocidade na condução (não necessariamente os limites de velocidade máxima);

d)

prioridade, regra geral, nos cruzamentos, entroncamentos, rotundas e entre veículos;

e)

ultrapassagem;

f)

mudança de direcção;

g)

marcha-atrás;

h)

inversão do sentido de marcha;

i)

paragem e estacionamento;

j)

lotação e dimensões dos veículos, transporte de pessoas e carga, entrada e saída de passageiros, operações de carga e descarga;

k)

iluminação dos veículos e utilização das luzes;

l)

trânsito em missão de urgência e em vias especiais (por exemplo, auto-estradas e equiparadas, passagens de nível, e vias reservadas a certos veículos, sobre carris ou não);

m)

álcool e substâncias psicotrópicas;

n)

utilização de acessórios de segurança (cintos e dispositivos de retenção para crianças);

o)

documentos obrigatórios;

p)

comportamento em caso de acidente ou avaria;

q)

definição uniforme e regras aplicáveis aos diferentes utilizadores da via pública e, em particular a motociclos, quadriciclos, triciclos, ciclomotores, velocípedes e utilizadores de patins em linha ou de pranchas com rodas bem como a condutores menos-válidos;

r)

trânsito de peões e cuidados a observar pelos condutores;

s)

regras especiais a observar pelos condutores de veículos em relação a transportes colectivos e transportes e veículos especiais;

t)

trânsito de animais.

6.5

As regras de trânsito têm que ser completadas, explicitadas ou excepcionadas por sinais de trânsito, os quais podem conter múltiplas indicações susceptíveis de reforçar a segurança do trânsito rodoviário. Assim, deve também uniformizar-se a sinalização, quer quanto à forma, quer quanto ao conteúdo, quer ainda quanto às regras da sua colocação, e ao seu valor em relação às regras de trânsito, assegurando a sua melhor gestão em termos de quantidade e visibilidade.

6.6

A sinalização não se esgota nos sinais de trânsito. Interessa também que sejam harmonizados os sinais dos agentes reguladores do trânsito, os sinais luminosos, os sinais dos condutores e as marcações das estradas.

6.7

O incumprimento das prescrições resultantes das regras e sinalização do trânsito constituem uma infracção, o que implica regras uniformes dos procedimentos de fiscalização, nomeadamente na detecção da velocidade, álcool e substâncias psicotrópicas, mas antes é necessário que os Estados estejam de acordo quanto aos factos ilícitos que devem constituir infracção, de modo a evitar que aquilo que num Estado constitui infracção já não o será noutro Estado. Trata-se, portanto, de uniformizar as infracções.

6.8

Por consequência, importa estudar e concretizar mecanismos simplificados destinados a favorecer uma interpretação uniforme de um Código da Estrada Europeu, dado que os processos relativos a infracções rodoviárias devem ser céleres, sob pena de as suas normas perderem eficácia (no fundo, procura-se um processo simplificado das questões prejudiciais conhecidas pelo Tribunal de Justiça).

7.   Uma matrícula automóvel única a nível europeu

7.1

Sendo facto constatado que também são extremamente diversos os requisitos e os instrumentos e processos de matrícula dos veículos automóveis nos Estados-Membros, foi igualmente analisada, durante a audição, a possibilidade de se caminhar para a existência de uma matrícula europeia única, tendo esta opção recolhido várias opiniões favoráveis.

7.2

Foram identicamente ponderados os prós e os contras de um registo central europeu de propriedade automóvel, de onde pudessem ficar a constar os principais aspectos relacionados com os direitos, ónus e outros encargos que possam incidir sobre um veículo automóvel e a forma da sua detenção/utilização tendo sido salientadas as vantagens de uma solução deste tipo para o comércio jurídico intracomunitário de veículos automóveis, a prevenção das fraudes e dos roubos de veículos automóveis e a repressão das infracções de trânsito cometidas por condutores de outros Estados-Membros.

7.3

Julga-se que existem condições para se prosseguir na via da introdução de um registo automóvel único, ligado aos veículos automóveis e não aos seus proprietários ou detentores, aproveitando a experiência já recolhida do sistema de informação relativo ao número de matrícula e identificação dos proprietários no âmbito do seguro automóvel (3.a Directiva).

7.4

As possibilidades, por esta via aumentadas, de comprar, segurar e matricular um veículo em qualquer Estado-Membro são um contributo decisivo para o incremento das transacções transfronteiras de veículos, para o aumento da mobilidade dos cidadãos e do turismo e o desenvolvimento do mercado interno (18).

7.5

Por outro lado, um sistema europeu de registo automóvel único parece altamente desejável, além de possível sem custos demasiado elevados, passando, numa primeira fase, por uma maior coordenação e cooperação dos registos nacionais existentes, e com enormes vantagens ao nível do conhecimento preciso da titularidade (propriedade ou outro regime jurídico) dos veículos, da certeza jurídica nas transações de veículos, na prevenção dos roubos e das fraudes, na mais fácil fiscalização e punição das infracções cometidas em qualquer Estado-Membro.

8.   A base jurídica e o instrumento comunitário adequado

8.1

No estádio actual, o CESE é de opinião que o instrumento jurídico mais adequado para a implementação de uma iniciativa com o alcance que aqui se propõe será uma directiva de harmonização mínima.

8.2

A base jurídica para a sua adopção deverá ter em linha de conta o impacto da iniciativa como meio de realização do mercado interno e instrumento para aumentar a liberdade de circulação dos cidadãos europeus no espaço comunitário.

9.   Conclusões e recomendações

A)   Relativamente a um Código da Estrada Europeu

9.1

O CESE é de parecer que um certo grau de harmonização das legislações no que se refere às regras de circulação rodoviária não só constitui um meio eficaz de acelerar a realização do mercado interno como de garantir uma mais segura circulação automóvel.

9.2

Por outro lado, o CESE considera que essa harmonização é susceptível de contribuir, de forma decisiva, para uma maior segurança na circulação rodoviária e para a prevenção dos acidentes e de assim tornar mais consistente a liberdade de circulação dos cidadãos europeus.

9.3

O CESE é do parecer que existem condições para se iniciarem trabalhos preparatórios de uma iniciativa legislativa comunitária com os objectivos antes mencionados que tenha em linha de conta os vários pontos de vista expressos e as dificuldades enunciadas no presente parecer.

9.4

O CESE entende que, no estado actual, será de considerar a possibilidade da utilização de uma directiva de harmonização mínima, tomando como matriz a Convenção de Viena, com a definição das regras de trânsito e da sinalização fundamentais, das condições de habilitação e de licença para conduzir, bem como da natureza das suas infracções e da respectiva punição, como um primeiro passo para a instituição de um Código da Estrada Europeu.

B)   Relativamente a um Registo Automóvel Único a nível europeu

9.5

O CESE entende ainda que a segurança jurídica na utilização dos veículos automóveis, pela sua mais fácil traçabilidade, teria muito a ganhar com a criação de um sistema de registo automóvel único a nível europeu, tendo por objecto os próprios veículos automóveis.

9.6

O CESE considera ainda que um instrumento comunitário vinculativo poderá definir as bases para criação de um sistema único de registo automóvel, aproveitando muito da experiência já recolhida ao nível da cooperação entre as entidades nacionais competentes.

9.7

Nesta conformidade, o CESE insta a Comissão para que dê inicio aos estudos prévios indispensáveis no sentido de uma análise de custos/benefícios em relação aos vários domínios a harmonizar.

C)   Em suma

9.8

O CESE sugere à Comissão que, através de um «Livro Verde», ponha à discussão pública o assunto objecto da presente iniciativa, no intuito de recolher o parecer e os comentários do maior número possível de interessados.

9.9

O CESE apela, entretanto, à Comissão para que, por seu turno, prossiga com os estudos em curso, conducentes a uma cada vez maior harmonização dos aspectos relacionados com a condução automóvel em geral e a segurança acrescida dos próprios veículos.

9.10

O CESE concita a atenção dos Estados-Membros para a necessidade e a oportunidade de adoptarem medidas de cooperação e de coordenação cada vez mais estreitas no domínio das regras de circulação rodoviária, de prevenção de acidentes e de socorros imediatos e indemnização das vitimas.

9.11

O CESE espera que o Parlamento Europeu dê um apoio inequívoco à presente iniciativa e incite a Comissão e o Conselho a prosseguir na realização dos objectivos enunciados.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Artigos 39. o e seguintes do Tratado CE.

(2)  Artigos 2.o, 4.o traço do Tratado UE e artigos 61.o e seguintes do Tratado CE.

(3)  Protocolo n.o 2 do Tratado UE.

(4)  Artigos 70.o e seguintes do Tratado CE.

(5)  Artigos 95.o e seguintes do Tratado CE.

(6)  Cf. «EU. Energy and Transport in figures», DG Energia e Transportes, em colaboração com o EUROSTAT (2003).

(7)  Dott. Argante Righetti, Procuratore Pubblico, Bellinzona – Ticino, Criteri di applicazione delle norme di circolazione per i veicoli stranieri in caso di difformità fra la Convenzione di Ginevra e la legislazione interna degli Stati aderenti, Automobile Club di Perugia, 8-10 de Setembro de 1961.

(8)  Quer durante as anunciadas 5.as Jornadas Europeias sobre o direito de circulação europeu, a ter lugar em Tréves, em Outubro de 2004, quer durante o 1.o Congresso Europeu da Estrada, a realizar em Lisboa de 24 a 26 de Novembro de 2004, subordinado ao tema «Mobilidade na Europa Alargada: os desafios e as responsabilidades do Sector da Estrada», o assunto deverá ser abordado.

(9)  Destacam-se, neste sentido, o Acto do Conselho de 17 de Junho de 1998 que estabelece a Convenção relativa às decisões de inibição de conduzir (JO C 216 de 10/07/98), o Regulamento CE/2411/98 de 3 de Novembro de 1998(JO L 299 de 10/11/98) relativo ao reconhecimento do sinal distintivo de Estados-Membros na matrícula de veículos a motor, as Directivas 1999/37/CE e 2003/127/CE de 29 de Abril de 1999 e de 23 de Dezembro de 2003 relativas aos documentos de matrícula dos veículos (JO L 138 de 01/6/99 e JO L 10 de 16/01/04), a Resolução do Conselho de 26 de Junho de 2000 sobre o reforço da segurança rodoviária (JO C 218 de 31/07/2000), a Recomendação da Comissão de 6 de Abril de 2004 relativa ao controlo do cumprimento das regras de segurança rodoviária (JO L 111 de 17/04/04), a Decisão da Comissão de 23 de Dezembro de 2003 respeitante às disposições técnicas para implementação da Directiva 2003/102/ CE relativa à protecção dos peões e outros utentes vulneráveis da estrada (JO L 31 de 04/02/04), a Directiva 2004/11/CE de 11 de Fevereiro de 2004 relativa aos dispositivos de limitação da velocidade de determinadas categorias de veículos a motor (JO L 44 de 14/02/04), a Decisão da Comissão de 2 de Abril de 2004 sobre a aplicação da Directiva 72/166/CE relativa à fiscalização do seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO L 105 de 14/04/04), a proposta de directiva de 21 de Outubro de 2003, relativa à carta de condução europeia (COM(2003) 621 final), a proposta de directiva relativa ao estabelecimento de regras comuns para certos transportes rodoviários de mercadorias (COM(2004) 47 final de 02/02/04) e a proposta de regulamento relativo ao acesso dos serviços dos Estados-Membros encarregados da emissão dos certificados de matrícula dos veículos ao sistema de informação Schengen (COM(2003) 510 final de 21/08/03). Identicamente os Reg. 39, 60, 62, 71, 73, 78, 101 e 103 da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UN/ECE) cumprem idêntico objectivo de informação (JO L 95 de 31/03/04).

(10)  «Comparative Study of Road Traffic Rules and corresponding enforcement actions in the Member States of the European Union», levado a cabo pela TIS.PT, Consultores em Transportes, Inovação e Sistemas, S.A e concluído em Fevereiro de 2004.

(11)  Cf. Parecer JO C 110 de 30.4.2004 sobre a proposta de regulamento relativo à modificação da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen de 14 de Julho de 1985 no que respeita ao acesso dos serviços dos Estados-Membros encarregados da outorga dos certificados de matrícula dos veículos no sistema de informação Schengen (COM(2003) 510 final) de que foi relator o conselheiro BARROS VALE. Cf. Igualmente, entre outros, o parecer JO C 112 de 30.4.04 sobre a proposta de directiva relativa à carta de condução europeia, de que foi relator o conselheiro Jan SIMONS, e o parecer JO C 108 de 30.4.2004, relativo à comunicação da Comissão sobre as tecnologias de informação e das comunicações para veículos seguros e inteligentes, de que foi relator o conselheiro V. RANOCCHIARI.

(12)  Por exemplo: entre Portugal e Alemanha vigora a de 1926; entre Portugal e a Bélgica, a de 1949; entre a Alemanha e a Bélgica, a de 1968. O espartilho será mais vasto se forem considerados os Estados que se preparam para integrar a União Europeia. Outros exemplos: entre a Alemanha, a Irlanda e a Holanda, a de 1926; entre a Holanda, Portugal e Suécia, a de 1949; entre a Finlândia, a Itália, a Áustria e a Letónia, a de 1968. Esta diversidade tem a sua raiz na adesão ou não dos Estados ao instrumento mais recente. Assim, quando dois países ou mais países aderem ao instrumento mais recente, as convenções anteriores deixam de vigorar entre si, mas continuam a aplicar-se em relação aos países que não aderiram também à convenção mais recente.

(13)  Por exemplo, em Portugal ultima-se uma revisão geral do Código da Estrada e a Itália acaba de proceder a ela.

(14)  O estudo identificado na nota 10 supra.

(15)  Cf. pontos 2.4 e 4.

(16)  Cf. o Relatório do European Transport Safety Council sobre «Cost Effective EU Transport Safety Measures» (2003) e o Relatório Final relativo a «Cost-Benefit Analysis of Road Safety Improvements» da ICF Consulting, Ltd, London de 12 de Junho de 2003.

(17)  Cf. Directiva 2004/52 de 29 de Abril de 2004 relativa à interoperabilidade dos sistemas electrónicos de portagem rodoviária na Comunidade (JO L 166 de 30/04/2004).

(18)  Alguns membros do Grupo de Estudo aventaram a hipótese de se avançar, desde já, com um regime que possibilitasse a compra e o registo automóvel transnacional para todas as situações de pessoas que, por razões profissionais, se encontram temporariamente deslocadas num Estado-Membro ou a ele se deslocam regular e imperativamente.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/42


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A promoção do transporte marítimo e do recrutamento e a formação dos marítimos»

(2005/C 157/05)

Em 29 de Janeiro de 2004, nos termos do disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar parecer sobre «A promoção do transporte marítimo e o recrutamento e a formação dos marítimos».

Foi encarregada da preparação dos trabalhos nesta matéria a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 5 de Outubro de 2004, sendo relator E. CHAGAS.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 137 votos a favor, 1 voto contra e 5 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

Em 1996, a Comissão Europeia e a Presidência irlandesa do Conselho de Ministros da UE organizaram uma conferência internacional em Dublin subordinada ao tema «Será o marítimo da União Europeia uma espécie em vias de extinção?». A conferência reconheceu que os marítimos europeus eram essenciais para a viabilidade do sector marítimo europeu. Foram apresentadas algumas propostas para se restabelecer um «fundo comum» suficiente de marítimos altamente qualificados. No mesmo ano, a Comissão apresentou uma análise na sua comunicação «Para uma estratégia marítima» (1). Todas estas questões transparecem na Resolução de 24 de Março de 1997 sobre uma estratégia para o incremento da competitividade dos transportes marítimos comunitários (2). O Conselho de Ministros da União Europeia acolheu favoravelmente a comunicação da Comissão e reconheceu, nomeadamente, que eram necessárias medidas positivas para estimular o emprego de marítimos da Comunidade.

1.2

Na sua Comunicação sobre o recrutamento e a formação dos marítimos (3), a Comissão reconheceu o decréscimo acentuado de profissionais bem formados, em especial oficiais, nas últimas décadas. Desde o início da década de 80 que tanto a frota da União Europeia como o número de marítimos da Comunidade têm vindo a diminuir significativamente. Todavia, o sector dos serviços regulares de passageiros e ferry da UE constitui uma excepção a esta tendência, sendo ainda principalmente servido por navios de bandeiras comunitárias e predominantemente tripulados por cidadãos comunitários. O sector, os Estados-Membros e a Comissão discutiram em várias ocasiões a questão da diminuição do número de marítimos da Comunidade e da falta de marítimos bem qualificados, mas as medidas decididas para suster e inverter essa diminuição têm-se revelado bastante ineficazes.

1.3

Um conjunto de estudos e projectos de investigação procurou identificar e resolver a diminuição do número de marítimos da UE, incluindo:

o «Estudo sobre as profissões marítimas na União Europeia» de 1996 (financiado pela Comissão);

o estudo conjunto FST/ECSA realizado em 1998 (financiado pela Comissão) (4);

os projectos de investigação METHAR (5) e METNET (6) (ambos financiados pela Comissão Europeia no âmbito do programa de IDT relativo aos transportes do 4.o e 5.o programas-quadro respectivamente).

1.4

O BIMCO/ISF 2000 Manpower Update Report  (7), publicado em Abril de 2000, parece ser, até ao momento, o estudo mais abrangente da oferta e procura gerais de marítimos de comércio. Previa a escassez de 16 000 oficiais, ou seja, 4 % dos efectivos totais. As previsões para o número de oficiais até 2010, dependendo das competências das tripulações, das reformas por limite de idade e do reforço da formação, indicam, após uma análise de sensibilidade, um excedente de cerca de 11 % ou uma carência de 24 %. É muito natural que a actualização aguardada em 2005 apresente um défice. De acordo com o Estudo conjunto FST/ECSA de 1998 (8), a União Europeia é ainda mais gravemente afectada, estimando-se que lhe faltem aproximadamente 13 000 oficiais em 2001, carência essa que aumentará para cerca de 36 000 oficiais em 2006.

1.5

Um estudo recente (9) realizado no Reino Unido pela Universidade de Cardiff, encomendado por Department for Transport, Chamber of Shipping e Marine Society, identificou uma carência significativa no número de marítimos bem qualificados disponíveis para ocupar um posto de trabalho em terra no Reino Unido.

1.6

A Comissão reconheceu que o transporte marítimo de curta distância faz parte do sistema de transportes (10). As iniciativas levadas a cabo para promover o transporte marítimo de curta distância, designadamente no âmbito das orientações para os auxílios estatais ao transporte marítimo, não produziram, contudo, resultados significativos em termos de contratação de marítimos comunitários. Embora se tenha interrompido o decréscimo da tonelagem em alguns Estados-Membros e noutros se tenha registado um aumento, o número de marítimos comunitários continua a diminuir.

2.   Recomendações da Comissão quanto à promoção do recrutamento e da formação de marítimos e ao incentivo do transporte marítimo (11)

2.1

Embora reconheça que o emprego e a formação são duas questões relativamente às quais os Estados-Membros detêm a principal responsabilidade, a Comissão identificou e apresentou recomendações referentes a acções prioritárias:

a)

A correcta aplicação da actual legislação comunitária e internacional relativa às condições de vida e de trabalho e à qualidade das operações a bordo dos navios, de forma a reforçar as condições sociais e, deste modo, contratar e manter pessoal altamente qualificado.

b)

O reconhecimento de uma concorrência crescente de mão-de-obra mais barata oriunda de países terceiros nos serviços regulares de passageiros e ferry na União Europeia. Embora apresentando uma solução para este problema, determinou a necessidade de os parceiros sociais encontrarem, em paralelo, soluções diferentes.

c)

Os Estados-Membros e os parceiros sociais devem organizar campanhas de sensibilização coordenadas a nível nacional e europeu para relançar a imagem do sector dos transportes marítimos e dar aos jovens uma visão factual das oportunidades e implicações de uma carreira marítima.

d)

Os armadores devem explorar as oportunidades oferecidas para a melhoria das condições de vida e de trabalho, incluindo a definição da estrutura das carreiras e os níveis de remuneração.

e)

Garantir a preservação de um sistema de formação marítima de qualidade elevada na União Europeia, em que os Estados-Membros e os parceiros sociais asseguram um número suficiente de lugares disponíveis para formação a bordo.

f)

Os Estados-Membros e os parceiros sociais devem explorar e tirar partido das oportunidades oferecidas pelos instrumentos comunitários existentes que permitem o apoio financeiro à formação marítima.

g)

O reconhecimento de que a Comunidade poderá apoiar os esforços do sector no sentido de pôr termo à actual escassez de marítimos comunitários, patrocinando projectos de investigação ad hoc no âmbito do futuro 6.o Programa-Quadro.

2.1.1

O Comité Económico e Social Europeu manifestou a opinião (12) de que todas as partes interessadas na comunicação da Comissão relativa à formação e ao recrutamento dos marítimos deviam tomar devida nota das suas recomendações. Em especial, fez referência à necessidade de os Estados-Membros aplicarem na íntegra as orientações em matéria de auxílios estatais aos transportes marítimos e outras medidas comunitárias de auxílio existentes. O Comité chamou a atenção para a necessidade de melhorar concretamente as condições de vida e de trabalho mediante a ratificação e aplicação das normas internacionais relevantes e, sempre que necessário, adoptar medidas para restaurar o prestígio social e a satisfação profissional que proporcionavam as profissões marítimas. Frisou igualmente a necessidade de cooperação e promoção da profissão pelos Estados-Membros e pelos parceiros sociais.

2.2

Reconhecendo que o transporte marítimo é uma questão relativamente à qual os Estados-Membros detêm a principal responsabilidade, a Comissão identificou e apresentou recomendações referentes a acções prioritárias (embora tenha sido consideravelmente privilegiado o transporte marítimo de curta distância, as acções não se limitam a este sector):

a)

As acções legislativas incluem a aplicação da directiva relativa às formalidades de declaração exigidas dos navios à chegada e/ou à partida de portos dos Estados-Membros (FAL-IMO), a aplicação do Marco Polo, a normalização e harmonização das unidades de carregamento intermodais, as auto-estradas do Mar e a melhoria do desempenho ambiental do transporte marítimo.

b)

As acções técnicas incluem o Guia dos procedimentos aduaneiros no transporte marítimo de curta distância, a identificação e eliminação dos obstáculos a um maior êxito do transporte marítimo de curta distância, a aproximação das modalidades de aplicação nacionais e informatização dos procedimentos aduaneiros comunitários e a investigação e o desenvolvimento tecnológico.

c)

As acções operacionais incluem Balcões Administrativos Únicos, garantia do papel essencial dos elementos de contacto para o transporte marítimo de curta distância, garantia do bom funcionamento e da orientação dos Centros de Promoção do Transporte Marítimo de Curta Distância, promoção da imagem do transporte marítimo de curta distância como alternativa de transporte válida e a recolha de informações estatísticas.

2.2.1

O Comité Económico e Social Europeu manifestou concordância com a Comunicação da Comissão num parecer (13) sobre o programa de promoção do transporte marítimo de curta distância. O Comité chamou, porém, a atenção para a necessidade de pôr termo aos estrangulamentos existentes, permitindo que o transporte marítimo de curta distância evoluísse e fosse incluído nos serviços de transporte intermodal. Manifestou preocupação com uma série de questões associadas e salientou ainda a importância de um controlo permanente das acções a realizar.

3.   Recomendações do Conselho quanto à promoção do recrutamento e da formação de marítimos e ao incentivo do transporte marítimo

3.1

O Conselho reconheceu a estrutura geral e as orientações políticas da Comunicação da Comissão relativa à «formação e ao recrutamento de marítimos». Dessa forma, reconheceu também a importância do transporte marítimo no comércio mundial e no comércio interno da Comunidade. Reconheceu ainda que o transporte marítimo é o modo de transporte mais eficaz, mais respeitador do ambiente e mais barato.

3.2

Embora reconhecendo a natureza competitiva do transporte marítimo, o Conselho também salientou a importância do combate aos transportes marítimos de qualidade inferior incorporando normas internacionais ou preenchendo lacunas da legislação internacional, realçando desse modo a importância de implementar e executar a actual legislação, incluindo a legislação relativa às condições de vida e de trabalho dos marítimos como elementos fundamentais para a segurança da navegação.

3.3

Salientou especificamente a importância do factor humano para os transportes marítimos de qualidade e a necessidade de influenciar positivamente a opinião pública, tanto no que se refere à imagem como à atracção do trabalho no mar como profissão.

3.4

Reconheceu ainda o efeito positivo que têm as directrizes comunitárias relativas aos auxílios estatais no sector marítimo para manter a competitividade da frota dos Estados-Membros e para aumentar o número de navios registados nos Estados-Membros.

3.5

Reconhecendo a importância do transporte marítimo, o Conselho identificou e apresentou recomendações sobre as seguintes questões específicas, nomeadamente:

a)

a produção atempada de directrizes comunitárias relativas aos auxílios estatais no sector marítimo para a manutenção da competitividade e a promoção do saber-fazer europeu em matéria de transportes marítimos, bem como do emprego de marítimos europeus;

b)

os Estados-Membros devem melhorar a imagem dos transportes marítimos;

c)

há que assegurar que a promoção ulterior dos transportes marítimos de qualidade seja prosseguida através de um cumprimento mais estrito dos instrumentos jurídicos da OMI e da OIT, mas também da legislação comunitária, no âmbito da inspecção de navios pelo estado do pavilhão e do porto;

d)

deve analisar-se a possibilidade de instituir um sistema de «Prémio Europeu da Qualidade» que reconheça os operadores de qualidade que cumpram, designadamente, normas relativas à segurança e às condições de vida e de trabalho dos marítimos, bem como à segurança e à protecção do ambiente, como forma de incentivo a promover transportes marítimos de qualidade;

e)

congratula-se com o facto de a Comissão tencionar apresentar um relatório sobre eventuais desenvolvimentos a nível dos procedimentos específicos de reconhecimento dos Certificados de Competência dos Marítimos na Comunidade e o estrito cumprimento dos requisitos da STCW;

f)

os parceiros sociais devem contribuir para os esforços envidados pelos Estados-Membros e pela Comissão para atrair os jovens para as profissões marítimas e, mais especificamente, a criar condições atraentes de trabalho e de remuneração. Isso inclui também promover o emprego de mulheres, tanto a bordo como em terra;

g)

os armadores devem garantir e preservar um nível suficiente de emprego para os cidadãos da UE a bordo dos seus navios e nas suas empresas; trata-se, em particular, de promover a ideia de uma carreira com perspectivas de mobilidade, de promoção e de futuro emprego, designadamente assinando com os jovens oficiais contratos de carreira. Tal deve ser complementado pela melhoria das condições de vida e de trabalho, aproveitando as vantagens dos modernos meios tecnológicos e de comunicação;

h)

salienta a importância das convenções da OIT relativas às normas de trabalho.

4.   Posições do Parlamento Europeu quanto à promoção do recrutamento e da formação de marítimos e ao incentivo do transporte marítimo

4.1

O Parlamento Europeu debruçou-se em várias ocasiões sobre a questão da promoção do transporte marítimo e das profissões associadas. É de referir, em especial, a sua recente resolução sobre a melhoria da segurança no mar (P5 TA PROV(2004)0350), adoptada na sequência do acidente registado com o navio-tanque Prestige junto à costa da Galiza (Espanha), que avança propostas que, se aplicadas, contribuiriam significativamente, de modo directo ou indirecto, para promover o transporte marítimo comunitário, com benefícios quer para os armadores quer para os marítimos da UE.

4.2

O CESE regista com interesse, entre outras, as seguintes recomendações incluídas naquele documento:

4.2.1

«(O PE) reclama uma política europeia do mar, global e coerente, orientada para a criação de um espaço europeu de segurança marítima; considera que essa política deverá basear-se, em particular, nas seguintes medidas:

proibição dos navios que não cumpram as normas;

...

melhoria das condições de vida, de trabalho e de formação dos profissionais do mar;».

4.2.2

«(O PE) sublinha que, para efeitos de segurança marítima, é indispensável que os tripulantes disponham de condições e de um horário de trabalho decentes, assim como de uma remuneração valorizadora, e que se ponha termo à sobre-exploração existente em inúmeras embarcações; solicita à Comissão que, por meios legislativos, providencie uma harmonização e revalorização desta profissão à escala europeia e que se empenhe neste propósito no âmbito da OMI;».

4.2.3

«(O PE) solicita medidas destinadas a dignificar as profissões marítimas, de forma a torná-las mais atractivas para os jovens em geral e para os jovens europeus em particular;».

5.   Observações e comentários na generalidade

5.1

No âmbito do programa em curso de desenvolvimento sustentável na UE, foi reconhecido que o transporte marítimo desempenha um papel fundamental. A importância do transporte marítimo foi determinada num Livro Branco da Comissão intitulado «A política europeia de transportes no horizonte 2010: a hora das opções» e salientada num documento sobre política marítima «A legislação e os objectivos da União Europeia para o transporte marítimo».

5.2

O transporte marítimo transporta 40,7 % do valor e 69,9 % do peso das exportações e importações comunitárias (14). Estes valores são significativamente mais elevados nos Estados-Membros com estatuto insular. O transporte marítimo é o modo de transporte mais importante para o comércio externo da UE.

5.3

O transporte marítimo transporta 12 % do valor e 19,7 % do peso do comércio intracomunitário (15). Estes valores são bastante superiores para as ilhas e algumas regiões, em especial o Reino Unido e a Irlanda, cujos bem-estar e prosperidade económica dependem quase integralmente do transporte marítimo.

5.4

Um sector dos transportes marítimos sólido e dinâmico contribui para a manutenção de outras formas de transporte, além de que uma indústria de transportes marítimos coroada de êxito contribui para a preservação e a prosperidade de todo o sector marítimo em geral e, em especial, ao cumprimento do requisito de os marítimos formados e bem qualificados migrarem para os sub-sectores dos serviços, financeiros, recreativos e da produção. Embora haja a possibilidade em certa medida de substituição, os métodos alternativos de formação nem sempre são desejáveis ou possíveis.

5.5

Contudo, há que fazer uma distinção entre marítimos da mestrança e marinhagem e oficiais. Não obstante a diferença salarial, os armadores parecem mais inclinados a contratar oficiais da Comunidade.

5.6

Um número importante de oficiais da Comunidade trabalha no mar em domínios de alto risco e grande valor e em categorias superiores em todo o sector e em diversos navios no mar. A sua experiência é extensamente utilizada pelas companhias de navegação e na gestão de frotas dentro e fora da UE.

5.7

Muitos marítimos da mestrança e marinhagem da UE têm sido substituídos por marítimos extra-comunitários em embarcações registadas na União. Cada vez mais, o emprego de marítimos comunitários se limita a navios especializados, incluindo os utilizados no sector energético offshore. Esta situação resulta de medidas de redução de custos laborais adoptadas pelos armadores, para se manterem competitivos e/ou aumentar os lucros.

5.8

Foi reconhecido que os portos marítimos são plataformas de transporte essenciais para o fomento do comércio e do desenvolvimento económico dos Estados-Membros. A importância dos portos marítimos enquanto plataformas de transporte, ilustrada por dados estatísticos, está referida no relatório anual de 2003 da Organização dos Portos Marítimos Europeus (16). Os portos marítimos comunitários possuem marítimos bem qualificados e experientes em vários postos. Os pilotos marítimos e as autoridades portuárias são um grupo facilmente identificável e a gestão e as operações de logística dos portos são realizadas por marítimos experientes.

5.9

A prestação de serviços especializados de transporte marítimo gera receitas significativas na UE. Para além da gestão e exploração directas das frotas, esta realidade estende-se à corretagem e aos serviços jurídicos e financeiros.

5.10

A produção de equipamento, incluindo equipamento de segurança para navios e para o sector recreativo, é importante no seio da União. Alguns antigos marítimos trabalham neste sub-sector, no desenvolvimento e nas vendas.

5.11

A construção naval, embora sofrendo bastante com a concorrência, em especial do Extremo Oriente, é importante para as economias de alguns Estados-Membros e regiões. A concentração orienta-se actualmente para os navios de guerra, os navios de cruzeiro e os navios altamente especializados. Há também uma actividade significativa no domínio da reparação dos navios e do fornecimento para o sector energético offshore.

5.12

Há também uma forte procura de marítimos bem qualificados e experientes nos organismos regulamentares dos Estados-Membros da UE. Esse pessoal é essencial para assegurar a inspecção adequada de navios pelo Estado do pavilhão e pelo Estado do porto, a fim de garantir a segurança da vida a bordo e a protecção do ambiente marinho.

5.13

As escolas náuticas da Comunidade proporcionam um elevado nível de ensino e formação para nacionais de países terceiros, fomentando assim a segurança da navegação, a segurança da vida a bordo e a protecção do ambiente marinho.

5.14

Os marítimos bem qualificados e experientes da UE são necessários para o desenvolvimento sustentável das infra-estruturas marítimas e dos sub-sectores de serviços. A proposta conjunta da ECSA-ETF para um projecto (17) de identificação de carreiras nos sectores marítimos foi bem aceite, estando as suas conclusões previstas para 2005.

5.15

Não está devidamente provado que os jovens da UE se não interessam por empreender uma carreira no sector marítimo. Quando há campanhas de promoção eficazes que abrem oportunidades no sector, é significativo o número de candidatos que se apresenta.

6.   Profissão de marítimo

6.1

É do conhecimento geral que a mão-de-obra está a envelhecer e que os actuais níveis de recrutamento não são suficientes para substituir o número existente de marítimos na Comunidade. Isto é especialmente verdade no que se refere aos oficiais mais graduados, que não só trabalham em navios de pavilhão comunitário, como também são procurados para navios de bandeira não comunitária. Dado o tempo necessário para os formar e para ganharem a experiência necessária, há que reconhecer que a situação está a tornar-se crítica em alguns Estados-Membros.

6.2

A atracção do trabalho no mar como profissão parece ser bastante diversa nos diversos Estados-Membros da UE, o que pode resultar de diferentes condições económicas, localizações geográficas ou culturas.

6.3

Foi referida a hipótese de os jovens estarem cada vez menos dispostos a passar longos períodos no mar, por se considerar que tal é social e financeiramente pouco atraente. Todavia, há alguns postos que oferecem longos períodos de licença, permitindo a participação em actividades recreativas e viagens.

6.4

Há provas empíricas no Reino Unido que indicam que quando são organizadas campanhas de sensibilização eficazes e que informem capazmente o público sobre a carreira no sector marítimo, há jovens em número suficiente que se candidatam aos postos de formação oferecidos.

6.5

No interesse da sustentabilidade das infra-estruturas marítimas e como parte de uma campanha promocional para atrair os jovens para uma carreira marítima, é essencial oferecer uma «carreira no sector marítimo» em vez de uma «carreira no mar». Assim se evidenciará as oportunidades mais vastas existentes e se reduzirá a resistência dos jovens e dos pais a uma carreira no sector.

6.6

O ensino e a formação marítimos, respeitando as disposições da Convenção STCW e do Código ISM, devem garantir o carácter actualizado dos cursos, satisfazendo as necessidades do sector e capacitando as pessoas para as mudanças tecnológicas.

6.7

Os marinheiros do sector das pescas e os militares constituem uma reserva útil, embora limitada, de postos de trabalho suplementares no sector marítimo. Com a redução do sector das pescas e a contracção das Marinhas comunitárias, os efectivos disponíveis para o sector marítimo, seja no mar ou em terra, têm vindo a diminuir. As reduções substanciais na dimensão da frota pesqueira comunitária não deverão libertar números significativos, devido ao envelhecimento da mão-de-obra.

6.8

A retenção de marítimos da mestrança e marinhagem é importante, também, para a retenção de capacidades marítimas europeias básicas. Acresce que podem aqueles ser fonte válida de recrutamento de oficiais, mediante formação adequada.

7.   Transporte marítimo

7.1

Houve reconhecidamente algumas iniciativas destinadas a promover o transporte marítimo de curta distância nos Estados-Membros. Em alguns casos, ainda se encontram na fase inicial e as repercussões ainda estão por determinar. Não parece haver, porém, grande cooperação entre os Estados-Membros. Iniciativas como a designação «Auto-estradas do Mar» são válidas para reforçar o perfil do transporte marítimo. É necessário que todos os Estados-Membros se empenhem em acções de cooperação de forma a tirar o máximo partido do transporte marítimo.

7.2

Embora se reconheça que as orientações relativas aos auxílios estatais no que se refere às medidas de apoio ao transporte marítimo são essenciais para garantir uma concorrência leal entre Estados-Membros e uma maior competitividade, a eficácia dessas medidas pode ser posta em dúvida, dada a diminuição contínua dos navios e dos marítimos de bandeira comunitária.

7.3

Há indicações de que alguns Estados-Membros não tiram o máximo partido possível das disposições em vigor. Além disso, parece haver falta de vontade de mudar nos casos em que há ou parece haver restrições.

7.4

Embora se reconheça que a promoção do transporte marítimo é da responsabilidade dos Estados-Membros, a falta de coordenação a nível central parece impedir o desenvolvimento. Por essa razão, e porque ainda é prematuro, têm tido até hoje pouco impacto iniciativas como os projectos «Marco Polo» ou «Auto-estradas do Mar», destinados a promover o transporte marítimo de curta distância.

8.   Recomendações

8.1

A Comissão deve empreender acções adequadas e formular recomendações no sentido de:

a)

avaliar as medidas existentes para encorajar a promoção do transporte marítimo pelos Estados-Membros;

b)

avaliar as medidas existentes para encorajar o recrutamento e a formação de marítimos nos Estados-Membros;

c)

calcular o número de marítimos da UE necessário para manter a infra-estrutura do sector marítimo e indústrias conexas;

d)

examinar a aplicação e adequação das disposições existentes das orientações relativas aos auxílios estatais no atinente ao certificado de qualificação do 1.o nível. Além disso, examinar a possibilidade de no atinente à equivalência da formação ao 2.o e 3.o níveis de certificado STCW para serviço/formação quando empregado a bordo de um navio;

e)

assegurar que as prioridades estabelecidas privilegiam o recrutamento, a formação e o emprego de cidadãos europeus como marítimos.

8.2

Os Estados-Membros devem empreender acções adequadas e formular recomendações no sentido de:

a)

assegurar a aplicação e a observância das principais Convenções consolidadas da OIT, das convenções revistas da OMI e das directivas comunitárias, por forma a garantir condições de trabalho e de vida apropriadas;

b)

proporcionar adequado apoio financeiro à formação, aplicando na íntegra as orientações em matéria de auxílios estatais; tal apoio incluirá, quando se justifique, o recurso aos regimes tributários e de segurança social;

c)

determinar as medidas necessárias para encorajar o recrutamento e a formação de marítimos da Comunidade;

d)

agir em conjunto com os parceiros sociais, com vista a lançar campanhas de sensibilização para encorajar os jovens a enveredarem por uma carreira no sector marítimo;

e)

garantir o financiamento adequado ao funcionamento de estabelecimentos de ensino e formação de alta qualidade para formação náutica especializada;

f)

fomentar um apoio mais vasto à formação de marítimos por parte dos sectores marítimos;

g)

assegurar as infra-estruturas de transporte necessárias para facilitar e expandir a utilização do transporte marítimo;

h)

promover o recurso ao transporte marítimo como modo de transporte respeitador do ambiente;

i)

assegurar a disponibilidade de toda uma gama de navios para responder às necessidades estratégicas e económicas;

j)

garantir a não adopção de medidas tendentes a criminalizar a profissão de marítimo e suprimir disposições actualmente aplicáveis que visam responsabilizar criminalmente marítimos, em especial comandantes.

8.3

O Parlamento Europeu e o Conselho devem:

a)

criar condições para que a Comissão apresente propostas sobre medidas a tomar para promover o transporte marítimo;

b)

criar condições para que a Comissão apresente propostas sobre medidas a tomar para promover o recrutamento e a formação de marítimos;

c)

acompanhar a acção da Comissão em matéria de medidas para promover o transporte marítimo;

d)

acompanhar a acção da Comissão em matéria de medidas para promover o recrutamento e a formação de marítimos.

8.4

Os armadores devem empreender as acções adequadas para:

a)

assegurar condições de trabalho e sociais adequadas para encorajar o recrutamento e a retenção de marítimos comunitários de elevadas capacidades profissionais;

b)

procurar recrutar indivíduos bem qualificados e proporcionar-lhes a formação adequada;

c)

assegurar um número apropriado de postos de formação e, posteriormente, de trabalho para garantir a oferta de oficiais mais graduados na UE;

d)

estudar formas de desenvolver o transporte marítimo no comércio intracomunitário e externo da UE.

8.5

Os sindicatos devem empreender acções apropriadas para:

a)

promover as carreiras profissionais no sector marítimo;

b)

procurar garantir a elevada qualificação profissional dos marítimos comunitários;

c)

participar na promoção do sector do transporte marítimo, incluindo o de curta distância.

Bruxelas 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  COM(96) 81 final, de 8/4/1997.

(2)  JO C 109 de 8/4/1997, pág. 1.

(3)  COM(2001) 188 final, de 6/4/2001; parecer do CESE no JO C 80 de 3/4/2002, pág. 9.

(4)  Fonte: Estudo conjunto da Federação dos Sindicatos dos Transportes da União Europeia (FST) e da Associação de Armadores da Comunidade Europeia (ECSA): «Improving the Employment Opportunities for EU Seafarers: An Investigation to Identify Seafarers Training and Education Priorities» (1998).

(5)  METHAR: Harmonisation of European Maritime Education and Training Schemes (Harmonização dos sistemas europeus de ensino e formação no domínio marítimo).

(6)  METNET: Thematic Network on Maritime Education, Training and Mobility of Seafarers (Rede temática sobre ensino marítimo, formação e mobilidade dos marítimos).

(7)  BIMCO (Conselho Marítimo Internacional e Báltico) – ISF (Federação Internacional dos Armadores) 2000 Manpower Update – The World-wide Demand for and Supply of Seafarers – Abril de 2000.

(8)  Ver nota 4.

(9)  Fonte: Estudo intitulado «The UK economy's requirements for people with experience of working at sea 2003», encomendado por Department for Transport, Chamber of Shipping e Marine Society do Reino Unido, realizado pela Universidade de Cardiff.

(10)  COM(2003) 155 final, de 7/4/2003.

(11)  Ver nota 4.

(12)  Parecer do CESE, JO C 80 de 3/4/2002, pág. 9.

(13)  Parecer do CESE, JO C 32 de 5/2/2004, pág. 67.

(14)  2515. reunião do Conselho de 5/6/2003, 9686/03 (Presse 146).

(15)  Ver nota 1.

(16)  Livro Branco: «A política europeia de transportes no horizonte 2010: a hora das opções» – Comissão Europeia 2001.

(17)  Política marítima «A legislação e os objectivos da União Europeia para o transporte marítimo» – Comissão Europeia 2002.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/48


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Projecto de decisão da Comissão relativo à aplicação das disposições do artigo 86.o do Tratado aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregues da gestão de serviços de interesse económico geral» e o «Projecto de directiva da Comissão de que altera a Directiva 80/723/CEE relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas»

(2005/C 157/06)

Em 19 de Março de 2004, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o projectos supra mencionados.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 5 de Outubro de 2004 (relator: B. HERNÁNDEZ BATALLER; co-relator: U. BURANI).

Na 413.a reunião plenária, realizada em 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 140 votos a favor e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

A alínea g) do artigo 3.o do Tratado CE refere que a acção da Comunidade implicará «um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno». A execução de um controlo eficaz de forma a evitar que as ajudas concedidas pelos Estados-Membros distorçam a concorrência é um elemento fundamental deste regime.

1.2

A necessidade de controlar as ajudas estatais foi sucessivamente focada por vários Conselhos Europeus. Nas conclusões do Conselho Europeu de Estocolmo (24 de Março de 2001) refere-se que «[o] nível de auxílios estatais na União Europeia deverá ser reduzido e o sistema deverá tornar-se mais transparente (...). Para o efeito, (…) os Estados-Membros devem apresentar uma tendência decrescente dos auxílios estatais em relação ao PIB até 2003, tendo em conta a necessidade de reorientar os auxílios para objectivos horizontais de interesse comum, incluindo os objectivos de coesão».

1.3

A Comissão Europeia apresentou uma proposta para regulamentar as ajudas estatais concedidas às empresas responsáveis pela gestão dos serviços de interesse económico geral sob a forma de compensação por serviço público, através de uma Decisão e de um quadro comunitário ad hoc, bem como uma alteração à Directiva 80/723/CEE relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas (1).

1.4

A proposta supramencionada visa submeter às normas do Tratado (nomeadamente às normas relativas à concorrência) as compensações financeiras atribuídas pelos Estados-Membros a alguns serviços de interesse económico geral (SIEG) com vista a assumir, total ou parcialmente, os custos específicos inerentes às obrigações de serviço público.

1.4.1

A proposta diferencia, contudo, vários tipos de compensações, limitando a sua aplicação. Assim, as novas disposições não se aplicariam às compensações que reúnam os quatro critérios definidos pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias nos acórdãos ALTMARK (2) e ENIRISORSE (3): a empresa beneficiada é efectivamente responsável pela execução das obrigações de serviço público claramente definidas; os critérios para o cálculo das compensação são previamente definidos de forma objectiva e transparente; a compensação não é superior ao necessário para cobrir, total ou parcialmente, os custos inerentes à execução das obrigações de serviço público, tendo em conta as respectivas receitas e um lucro razoável; e, por último, no caso de a empresa responsável pela execução das referidas obrigações não ter sido contratada segundo os procedimentos mais adequados de contratação pública, o nível de compensação calcular-se-á com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e convenientemente equipada de forma a cumprir os seus objectivos, e a obter um benefício razoável, teria, de forma a executar as obrigações em causa. O Tribunal de Justiça considera que estas compensações não cabem no âmbito das disposições do Tratado relativas às «ajudas estatais».

1.4.2

As novas disposições também não se aplicam às ajudas económicas «de minimis», regidas pelo Regulamento (CE) n.o 69/2001 da Comissão de 12 de Janeiro de 2001 (4), nem às ajudas destinadas a determinados serviços públicos de radiodifusão (5).

1.4.3

Por outro lado e nos termos do artigo 73.o do TCE e dos Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 (6) e 1107/70 (7) do Conselho, a proposta em apreço não se aplica a determinadas ajudas concedidas ao sector do transporte terrestre (ferroviário, rodoviário e por via marítima), sobretudo no caso de empresas que se limitem ao transporte urbano, suburbano ou regional.

1.4.4

Por último e atendendo às considerações da própria Comissão, a qual tem em conta os objectivos específicos da Política Comum de Transportes, a proposta não se aplica às compensações por serviço público nos sectores do transporte aéreo ou marítimo (8), à excepção do transporte marítimo sempre que o serviço público diga respeito a ligações insulares com um volume de tráfego inferior a 100 000 passageiros por ano.

1.4.5

Assim, a proposta aplica-se, como estabelece o artigo 1.o da Decisão, além do serviço supramencionado de ligações insulares, às compensações por serviço público que constituam ajudas estatais a empresas activas em todos os sectores regidos pelo TCE e que cumpram as seguintes condições:

1)

um volume anual de negócios (excluídos os impostos e incluídas todas as actividades) que não ultrapasse «um limite a determinar» (9) durante os dois períodos que precedem a concessão do SIEG e cuja compensação anual referente a tal serviço seja inferior a «um limite a determinar» (10) e que, no caso das entidades de crédito, é substituído por «um limite a determinar» do balanço geral;

2)

sejam concedidas a hospitais que levam a cabo actividades de SIEG;

3)

sejam concedidas a empresas responsáveis pela habitação social que realizem actividades de SIEG.

1.4.6

A aplicação da Decisão aos casos referidos não vai de encontro à compatibilidade entre as ajudas estatais e o n.o 2 do artigo 86.o do Tratado, sempre que se cumpram certas condições. Neste contexto, a Comissão Europeia propõe distinguir as ajudas cujo montante elevado poderá conduzir a distorções importantes da concorrência das ajudas menos substanciais.

1.4.7

A proposta sublinha, uma vez mais, a importância da transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas ou com obrigações de serviço público, alterando a actual Directiva 80/723/CEE, i.e. inserindo uma nova definição de «empresa obrigada a ter contas separadas» que, independentemente da denominação jurídica das compensações por serviço público, inclui a separação de contas quando as empresas que beneficiam de tais compensações também realizem actividades não relacionadas com os SIEG.

1.4.8

Por último, as disposições previstas pela proposta aplicar-se-ão sem prejuízo de disposições específicas mais estritas relativas às obrigações de serviço público previstas por legislações e medidas comunitárias sectoriais, bem como de disposições comunitárias em matéria de contratos públicos.

1.4.9

Refira-se que a proposta se aplica somente aos serviços que sejam um SIEG nos termos do n.o 2 do artigo 86.o do TCE. A definição de SIEG não consta, contudo, da proposta.

1.4.10

Por outro lado, a proposta inclui normas mais concretas noutros domínios, tais como a compatibilidade e isenção de notificação das ajudas, os requisitos da missão de serviço público e o cálculo da compensação.

1.4.11

O artigo 2.o da proposta de decisão refere que uma vez cumpridas as condições que a mesma prevê, as compensações «[serão] compatíveis com o mercado comum e [estarão] isentas da obrigação de notificação prévia prevista no n.o 3 do artigo 88.o do Tratado».

1.4.12

O artigo 4.o da proposta de decisão refere que «a missão de serviço público deve ser confiada através de um acto oficial» (legislativo, regulamentar ou sob a forma de contrato) que indique, nomeadamente, «[a] natureza precisa das obrigações de serviço público [e] [a]s empresas e o território em causa».

1.4.13

Este último ponto é sumariamente tratado pelo artigo 5.o da Decisão e pelos pontos 12 e 13 do quadro comunitário em apreço, que prevêem, basicamente, que o montante da compensação não deverá ser superior aos custos inerentes ao cumprimento das obrigações de serviço público, considerando as respectivas receitas e um lucro razoável pelo cumprimento dessas obrigações.

1.4.14

Os custos atribuídos ao SIEG podem cobrir todos os custos variáveis ocasionados pela sua prestação, uma contribuição adequada para os custos fixos e uma remuneração apropriada dos capitais próprios afectados ao SIEG (11). Os custos de actividades não relacionadas com o SIEG não poderão nunca caber a este último. O cálculo dos custos deverá «basear-se em princípios contabilísticos reconhecidos».

1.4.15

As receitas deverão incluir pelo menos todas as receitas provenientes do SIEG. Por «lucro razoável» deve entender-se um tipo de remuneração do capital que tome em consideração o risco, ou a ausência de risco, suportado pela empresa devido à intervenção do Estado (12).

1.4.16

Por último, o Estado deverá controlar regularmente a inexistência de compensações excessivas, i.e. compensações que não sejam necessárias para o funcionamento do SIEG, as quais constituem ajudas estatais incompatíveis com o mercado único. No entanto, caso o montante da compensação excessiva seja inferior a 10 % da compensação anual, o mesmo pode ser debitado da compensação do ano seguinte. Pode igualmente acontecer que, face à variação anual dos custos de alguns SIEG, seja necessária uma compensação superior a 10 % para o funcionamento do SIEG. Neste caso, o Estado deverá realizar um balanço sectorial periódico que não poderá ultrapassar 3 anos. Após este período de tempo, a compensação excessiva terá de ser reembolsada.

2.   Observações na generalidade

2.1

A presente proposta vai ao encontro do compromisso assumido pela Comissão aquando do Conselho Europeu de Laeken (Dezembro de 2001) no sentido de melhorar a segurança jurídica no que respeita às compensações de serviço público e, mais concretamente, de estabelecer um quadro comunitário de apoio às ajudas estatais concedidas às empresas responsáveis pela gestão de SIEG (13).

2.2

É um facto que existe insegurança jurídica relativamente às normas aplicáveis ao financiamento dos serviços de interesse geral, nomeadamente no que diz respeito à aplicação das normas sobre ajudas estatais, não obstante a jurisprudência do Tribunal de Justiça, como referido (acórdãos ALMARK e ENIRISORSE), prever alguns critérios jurídicos de carácter vinculativo.

2.3

No entanto, importaria clarificar os referidos critérios, nomeadamente os métodos de cálculo dos custos (transparência, parâmetros) e o tipo de obrigações de serviço público que recebem compensações (14).

2.4

A proposta é particularmente oportuna para os operadores económicos visto que, até que o quadro comunitário em questão entre em vigor, qualquer ajuda pública que recebam enquanto prestadores de um serviço de interesse económico geral e que não seja notificada à Comissão (independentemente do montante), pode ser ilegal.

2.5

Consequentemente, tais ajudas não estão isentas de acções judiciais nacionais com vista a examinar a sua legalidade.

2.6

O exposto é particularmente relevante porquanto há duas áreas — o financiamento e a adjudicação de mercados — em que o poder dos Estados-Membros de definir e desenvolver as missões dos SIEG vai frequentemente de encontro a certas normas essenciais do direito comunitário.

2.7

Assim, os Estados-Membros dispõem de uma grande margem de apreciação para decidir sobre a oportunidade e os meios de financiamento da prestação dos SIEG dado que, face à inexistência de harmonização comunitária, o principal limite dessa margem de apreciação é o respeito pela norma europeia de respeito pela concorrência (15), sem prejuízo do cumprimento das suas obrigações em matéria social e do princípio da subsidiariedade, o qual é uma norma jurídica vinculativa e de carácter constitucional que deve ser respeitada tanto pela UE, como pelos Estados-Membros, sem que o acervo comunitário seja posto em causa.

2.8

A Comissão deveria examinar o modo de expor de forma clara as razões que justificam as propostas (fundamento jurídico, necessidade, proporcionalidade) e as razões que justificam actuar ao nível comunitário (critérios de subsidiariedade, indicadores qualitativos e/ou quantitativos), tendo em vista as boas práticas e actuar em conformidade com o protocolo sobre a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

2.9

Estes e outros motivos levam o Comité a apoiar a proposta da Comissão, que visa essencialmente garantir que as autoridades públicas dos Estados-Membros cumprem obrigações fundamentais tais como a transparência da contratação pública e o controlo de consequências negativas para a livre concorrência advindas de um desempenho empresarial ineficaz no âmbito dos SIEG (16).

2.10

O CESE é favorável a uma proposta legislativa que alargue os critérios referidos pelo Tribunal de Justiça, de modo a excluir as compensações das obrigações de serviço público das disposições do Tratado atinentes às ajudas estatais.

3.   Observações na especialidade

3.1

Da análise da proposta sobressaem, contudo, algumas questões quanto à forma e teor da mesma.

3.2

Os três principais objectivos da proposta são: em primeiro lugar, garantir a compatibilidade entre as ajudas estatais de montante «relativamente limitado» destinadas às empresas responsáveis pela prestação de SIEG e o mercado único; em segundo lugar, reforçar a segurança jurídica no que respeita às compensações pela prestação de SIEG superiores ao referido montante, através de um quadro comunitário que determine os critérios de avaliação daquelas; por último, definir os critérios que determinam que tais compensações constituem ou não uma ajuda estatal.

3.3

O CESE considera que as disposições da proposta se deveriam aplicar a qualquer compensação de uma obrigação de serviço público claramente definida e estável que corresponda (mas não exceda) os custos adicionais incorridos e quando a empresa cumpra o critério de «separação de contas». A Comissão e o Tribunal de Justiça teriam o direito de controlo a posteriori e de impor sanções.

3.4

No entanto, a proposta não define especificamente o seu âmbito de aplicação, o qual se determina, sobretudo no caso da Decisão, através de critérios heterogéneos que ora excluem determinadas situações ou sectores (cf. supra 1.4.2-1.4.4), ora os limitam de forma generalizada tendo mais em conta factores quantitativos que qualitativos (cf. supra 1.4.5).

3.5

Por outro lado, algumas disposições da proposta incluem conceitos jurídicos imprecisos tais como o cálculo dos custos atribuídos ao SIEG «[baseado] em princípios contabilísticos reconhecidos». Mais ainda, a proposta é aplicável aos «serviços que constituam SIEG na acepção do n.o 2 do artigo 86.o do Tratado». Ora, como se sabe, este conceito não consta dos Tratados nem do direito comunitário derivado.

3.6

Na opinião do CESE, e tal como acontece com os outros meios de transporte, dever-se-ia excluir do campo de aplicação da proposta qualquer tipo de cabotagem insular, excepto se a Comissão fundamentar convenientemente a inclusão da mesma na proposta.

3.7

Tendo em conta o exposto e o carácter assumidamente técnico-instrumental dos objectivos da proposta, o Comité considera razoável solicitar à Comissão um maior esforço de definição do conceito de SIEG para diferenciar este último de outros conceitos que se lhe sobrepõem nas tradições constitucionais dos Estados-Membros, tais como «serviço público» e «serviço de interesse geral» (17). De facto, os termos gerais que a Comissão ainda utiliza para se referir aos SIEG excluem deste conceito actividades de grande interesse social tais como o financiamento da investigação ligada à melhoria da saúde ou a protecção dos consumidores (18).

3.8

Neste contexto, importa sublinhar que, não obstante a necessidade de clarificar, juridicamente e ao nível supranacional, os conceitos de «serviço de interesse geral» e «serviço de interesse económico geral», não se afigura tão importante definir, do mesmo modo, «serviços sociais». Tal deve-se a pelo menos duas razões: em primeiro lugar, os referidos serviços só teriam relevância ao nível comunitário caso implicassem um benefício económico para a entidade que os presta; em segundo lugar, se fosse este o caso, estes serviços incluir-se-iam forçosamente num dos conceitos supramencionados.

3.9

Por outro lado, a proposta não categoriza alguns modos de financiamento do SIEG tais como o financiamento baseado na solidariedade, que tem em conta os problemas de acesso a determinados mercados nacionais (como os seguros, por exemplo), nem determina critérios para a avaliação de boas práticas ao nível comunitário, o que permitiria acabar com as dúvidas relativas à legalidade da «triagem» (cream skimming) (19), entre outras vantagens.

3.10

A proposta exige os mesmos critérios de respeito pelo quadro legislativo fundamental relativo ao mercado interno independentemente do sector e da resposta dos operadores.

3.11

Neste sentido, a proposta exige erroneamente um tratamento equitativo de situações diferentes entre si. A distribuição de agua potável, o saneamento urbano e a reciclagem de resíduos são equiparados à distribuição eléctrica ou à distribuição de gás. Trata-se de sectores sujeitos a diferentes condições (respeito pelo ambiente, infra-estruturas, etc.) que operam em mercados de vários tipos (os primeiros de carácter local ou regional, os segundos de carácter nacional, transnacional ou internacional). Não se justifica equiparar estes sectores, submetendo-os às mesmas normas supranacionais de financiamento.

3.12

Por outro lado, a atracção exercida pelos SIEG sobre os operadores varia consoante o sector. Alguns serviços exigem determinadas infra-estruturas e equipamentos para que a sua prestação seja viável, o que pressupõe, evidentemente, custos mais elevados ou mesmo a recusa de investimento privado devido a falta de rentabilidade a curto e médio prazo.

3.13

Além disso, a proposta (cuja base jurídica é o n.o 3 do artigo 86.o do TCE) traduz a assimetria nos Tratados entre o regime do direito da concorrência (que considera os SIEG derrogações do n.o 2 do artigo 86.o do TCE) e o seu reconhecimento efectivo no artigo 16.o do TCE e no artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Esta abordagem relativiza o papel fundamental dos SIEG ao nível da acção política da UE (coesão social e territorial) e enquanto garantia da fruição, por parte dos cidadãos, dos seus direitos básicos, tais como a livre circulação.

3.14

As questões levantadas pela proposta dizem respeito ao próprio método legislativo da Comissão, pelo menos no que toca à sua finalidade instrumental e à sua eficácia normativa. Relativamente à finalidade instrumental, o método da proposta evoca a conhecida tipologia dos regulamentos de isenção por categorias, a qual é corrente no regime jurídico comunitário relativo à concorrência no mercado interno. Assim, ao assimilar situações que são, na realidade, diferentes, a Comissão arrisca-se a permitir uma harmonização dissimulada que, baseada em regulamentações, ignore a complexa realidade dos SIEG, quando o que se pretende é uma abordagem jurídica mais detalhada e aprofundada.

3.15

No que se refere à eficácia normativa, na ausência de uma proposta prévia de directiva-quadro (enfaticamente solicitada pelo Comité (20)) que consolide os objectivos e princípios normativos básicos relativos aos SIEG, que clarifique os conceitos utilizados pelos Tratados e pelas directivas relativas a um sector específico, bem como as condições de intervenção dos diferentes operadores (21), a proposta em apreço não garante per se o nível de segurança jurídica exigida por esta dimensão do mercado interno.

3.16

Sem a referida base jurídica, são de esperar vários conflitos na aplicação e interpretação da proposta, o que sobrecarregaria as instâncias competentes. A aplicação da proposta actual poderia mesmo conduzir a violações do princípio da subsidiariedade, o qual goza, na actual fase do processo de integração, de um nível de protecção reforçado, como ilustra o artigo I-9.o e o Protocolo ad hoc anexo ao Projecto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, elaborado pela Convenção Europeia.

3.17

O CESE não gostaria que o objectivo de reforçar a coesão económica, social e territorial encontrasse um obstáculo na aplicação do quadro comunitário previsto. Importa manter (ainda que reorientando-as para os objectivos da coesão), em conformidade com Tratado, as ajudas destinadas a promover o desenvolvimento económico das regiões cujo nível de vida seja excepcionalmente baixo ou que se caracterizem por uma situação grave de subemprego, bem como as ajudas destinadas a facilitar o desenvolvimento de determinadas actividades ou de determinadas regiões económicas.

3.18

Importaria, talvez, repensar a política de ajudas estatais ao nível comunitário, visto a relação directa entre a Comissão e as autoridades locais e/ou regionais (intrínseca a qualquer assunto relativo à atribuição de ajudas por estas últimas) poder vir a ser cada vez mais complexa.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Projecto de directiva que altera a Directiva 2000/52/CE (JO L 193 de 29/7/2000, p. 75).

(2)  Acórdão de 24 de Julho de 2003 proferido no processo C-280/00, ainda não publicado na Colectânea de Jurisprudência.

(3)  Acórdão de 27 de Novembro de 2003 proferido nos processos C-34/01 a C-38/01, ainda não publicado na Colectânea de Jurisprudência.

(4)  JO L 10 de 13/1/2001, p. 30. Trata-se de ajudas económicas a uma empresa cujo montante não seja superior a 100 000 euros num período de três anos. Importa sublinhar que o referido Regulamento não se aplica aos sectores do transporte nem às actividades relacionadas com a transformação ou comercialização dos produtos referidos pelo Anexo I do Tratado.

(5)  Nomeadamente os que se referem nos pontos 49 a 56 da Comunicação da Comissão publicada no JO C 320 de 15/11/2001.

(6)  JO L 156 de 28/6/1969, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.o 1893/91 (JO L 169 de 29/6/1991, p. 1).

(7)  JO L 130 de 15/6/1970, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 543/97 (JO L 84 de 26/3/1997, p. 6).

(8)  No entanto, o Regulamento (CEE) n.o 2408/92 do Conselho de 23 de Julho de 1992 (JO L 240 de 24/8/1992, p. 8) relativo ao acesso das transportadoras aéreas comunitárias às rotas aéreas intracomunitárias, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 1882/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 284 de 31/10/2003, p. 1) e o Regulamento (CEE) n.o 3577/92 do Conselho de 7 de Dezembro de 1992 (JO L 364 de 12/12/1992, p. 7) relativo à cabotagem marítima, definem normas aplicáveis a estes sectores.

(9)  Os respectivos limites serão definitivamente estabelecidos tendo em conta os resultados da consulta levada a cabo pela Comissão no âmbito desta proposta.

(10)  Este limite poderá determinar-se considerando uma média anual que represente a soma actualizada das compensações concedidas durante a duração do contrato ou durante um período de cinco anos.

(11)  Cf. o acórdão do Tribunal de Justiça proferido em 3 de Julho de 2003, CHRONOPOST, processos C-83/01P, C-93/01P e C-94/01P, ainda não publicados na Colectânea de Jurisprudência.

(12)  O n.o 4 do artigo 5.o da Decisão defende uma atenção particular ao cálculo do lucro razoável quando o Estado conceda direitos exclusivos ou especiais. Por outro lado, o Estado-Membro em questão poderá introduzir critérios de incentivo em função da qualidade do serviço prestado.

(13)  COM(2001) 598 final.

(14)  Documento de trabalho dos serviços da Comissão «Relatório sobre a consulta pública relativa ao Livro Verde sobre serviços de interesse geral», Bruxelas, 29/3/2004, SEC(2004) 326, pp. 27-28.

(15)  Entre os mecanismos de financiamento utilizados pelos Estados-Membros figuram a ajuda financeira directa por intermédio do orçamento do Estado, os direitos especiais ou exclusivos, as contribuições dos operadores no mercado, o estabelecimento de um direito pautal médio e o financiamento com base na solidariedade. Cf. documento COM(2004) 374 final, p. 14.

(16)  Cf. documento do Parlamento Europeu: «Relatório sobre o Livro Verde sobre os serviços de interesse geral», Bruxelas, 17/12/2003, documento A5-0484/2003 final, PE 323.188, pp. 11-13. Cf. igualmente o Parecer do Comité das Regiões sobre o «Livro Verde sobre os serviços de interesse geral», JO C 73 de 23/3/2004, p. 7, sobretudo pp. 10-11.

(17)  O CESE examinou várias vezes esta questão, mais recentemente no seu parecer sobre o «Livro Verde sobre os serviços de interesse geral» de 11 de Dezembro de 2003, JO C 80 de 30/3/2004, p. 66.

(18)  Cf. o anexo 1 («Definições terminológicas») do «Livro Branco sobre os serviços de interesse geral», COM(2004) 374 final, p. 24.

(19)  Esta pode ter consequências negativas, sobretudo nos sectores liberalizados, em caso de nivelamento de tarifas e de financiamento cruzado entre os serviços rentáveis e deficitários.

(20)   JO C 241 de 7/10/2002, ponto 4.4.

(21)  Cf. pontos 3.1 a 3.5 do parecer do CESE de 11 de Dezembro de 2003 supramencionado.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao reconhecimento dos certificados dos marítimos emitidos pelos Estados-Membros e que altera a Directiva 2001/25/CE»

COM(2004) 311 final — 2004/0098 (COD)

(2005/C 157/07)

Em 6 de Maio de 2004, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 80.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Incumbida da preparação dos trabalhos relativos a esta matéria, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 24 de Novembro de 2004, tendo sido relator E. CHAGAS.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 140 votos a favor e 4 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Antecedentes

1.1

Em 26 de Abril de 2004, a Comissão apresentou uma proposta de directiva relativa ao reconhecimento dos certificados dos marítimos emitidos pelos Estados-Membros e que altera a Directiva 2001/25/CE (1), com vista a estabelecer um procedimento simplificado de reconhecimento dos certificados dos marítimos emitidos pelos Estados-Membros.

1.2

A Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos, de 1978, da Organização Marítima Internacional (IMO), tal como emendada (Convenção STCW), estabelece requisitos em matéria de formação, certificação e serviço de quartos para marítimos. Esta convenção define, entre outros, critérios específicos para o reconhecimento dos certificados de comandante, oficial ou operador radiotécnico emitidos pelas Partes.

1.3

Estes requisitos internacionais foram transpostos para a legislação comunitária pela Directiva 2001/25/CE (2) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Abril de 2001, relativa ao nível mínimo de formação dos marítimos (a directiva), com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 2003/103/CE (3). Por conseguinte, os Estados-Membros devem emitir certificados que atestem a competência dos marítimos em conformidade com estas normas.

1.4

No que se refere ao reconhecimento mútuo dos certificados pelos Estados-Membros, a Directiva 2001/25/CE estabelece que o reconhecimento dos certificados dos marítimos, quer se trate de nacionais dos Estados-Membros ou de países terceiros, deve obedecer ao disposto nas Directivas 89/48/CEE (4) e 92/51/CEE (5) relativas ao sistema geral de reconhecimento das formações profissionais. O sistema geral estabelece um procedimento para o reconhecimento do título profissional de marítimo, que implica a comparação do ensino e da formação profissional ministrados, bem como das qualificações correspondentes. Em caso de diferenças substanciais, os marítimos em questão podem ser objecto de medidas de compensação específicas. Actualmente, há um paradoxo na medida em que na UE o reconhecimento mútuo de certificados entre os Estados-Membros é mais difícil do que o reconhecimento de certificados emitidos por Estados terceiros.

1.5

A Comissão propõe a aceitação automática pelos Estados-Membros de todos os certificados concedidos a marítimos por um outro Estado-Membro em conformidade com a directiva. O principal objectivo da medida proposta é garantir que todos os marítimos qualificados num Estado-Membro, e titulares dos certificados correspondentes, sejam autorizados a trabalhar a bordo de um navio que arvora pavilhão de um outro Estado-Membro sem qualquer pré-requisito adicional.

1.6

A Comissão é ainda de opinião que convém introduzir na legislação comunitária os requisitos exigidos pela Convenção STCW em matéria de competências linguísticas dos marítimos, a fim de possibilitar uma comunicação eficaz a bordo dos navios e, simultaneamente, facilitar a livre circulação dos profissionais.

1.7

As propostas da Comissão, que visam alterar a Directiva 2001/25/CE, prevêem adicionalmente:

a obrigação de adopção, pelos Estados-Membros, de medidas para prevenir e penalizar práticas fraudulentas associadas à certificação dos marítimos; e

a verificação regular do cumprimento da Directiva 2001/25/CE pelos Estados-Membros.

2.   Observações na generalidade

2.1

O CESE realça a necessidade de facilitar o reconhecimento por todos os Estados-Membros dos certificados dos marítimos emitidos na União em conformidade com os requisitos mínimos da Directiva 2001/25/CE, com a última redacção que lhe foi dada.

2.2

O CESE reconhece também a necessidade de verificar continuamente o cumprimento rigoroso das disposições em vigor, de modo a que as obrigações internacionais sejam observadas.

2.3

Nas suas conclusões de 5 de Junho de 2003, o CESE toma nota de que o Conselho aponta a necessidade de fomentar a mobilidade dos marítimos na União (6).

2.4

O CESE nota ainda que o facto de o actual sistema geral de reconhecimento do ensino e formação profissionais ser algo complexo afasta a aplicação das disposições da Convenção ao reconhecimento mútuo dos certificados emitidos pelos Estados-Membros.

2.5

O CESE reconhece que o procedimento recentemente introduzido para o reconhecimento de certificados emitidos no exterior da União Europeia é mais simples, o que poderá colocar os marítimos qualificados num Estado-Membro em desvantagem relativamente aos marítimos titulares de certificados emitidos no exterior da União. As alterações propostas, conformes aos requisitos internacionais, deverão obviar a esta eventual desvantagem.

2.6

Reconhece, além disso, que alguns Estados-Membros reservam os postos de comandante e imediato para os seus nacionais, como apontado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias nos seus acórdãos C-47/02 e C-405/01, confirmando-se, assim, que os Estados-Membros podem colocar obstáculos à livre circulação dos marítimos ao reservarem postos para os seus nacionais. De todos os Estados-Membros, os Países Baixos e o Reino Unido aplicam as políticas menos restritivas no que diz respeito ao emprego de nacionais de países terceiros.

2.7

O CESE preconiza a necessidade de uma língua de trabalho comum, que todos os marítimos percebam e na qual sejam capazes de comunicar. Este aspecto é particularmente importante para a resolução de situações de emergência e para a melhoria das condições sociais a bordo.

2.8

O CESE felicita-se por a Comissão chamar a atenção para a proliferação do uso de certificados fraudulentos, como demonstrado num estudo recente efectuado pela Organização Marítima Internacional (7), e insta os Estados-Membros a adoptarem e a aplicarem todas as medidas necessárias para prevenir e punir actos fraudulentos associados à obtenção, emissão e contrafacção dos certificados dos marítimos.

2.9

Embora reconheça a necessidade de um sistema mais eficaz, e menos complicado, de reconhecimento mútuo dos certificados pelos Estados-Membros, o CESE considera que se deve continuar a combater activamente a emissão de certificados fraudulentos. Os Estados-Membros de acolhimento devem adoptar procedimentos adequados, a fim de que um certificado emitido por um outro Estado-Membro possa ser utilizado a bordo de um navio do Estado-Membro de acolhimento.

2.10

O CESE é de opinião que um Estado-Membro de acolhimento deve exigir a todos os titulares dos certificados não só o cumprimento de normas mínimas quanto às suas competências linguísticas, mas também conhecimentos sobre o direito marítimo do Estado-Membro em questão, pelo que se torna necessário emitir um documento de «reconhecimento».

2.11

O CESE partilha da opinião de que a Agência Europeia da Segurança Marítima tem um papel relevante a desempenhar, nomeadamente garantir o cumprimento e a uniformidade da legislação nos Estados-Membros e reduzir ao mínimo a carga administrativa. Aspectos estes essenciais para garantir o elevado nível de competência profissional dos marítimos titulares de certificados emitidos pelos Estados-Membros.

2.12

O CESE, não esquecendo o papel importante da Agência Europeia da Segurança Marítima, reconhece as suas limitações e chama a atenção da Comissão para a necessidade de recursos financeiros, humanos e técnicos adequados.

2.13

O CESE chama ainda a atenção da Comissão para os efeitos adversos que podem decorrer do facto de se permitir que um número ilimitado de nacionais de um Estado-Membro preste serviço a bordo de navios de um outro Estado-Membro. Embora reconheça que tal é possível no âmbito da livre circulação de trabalhadores, e por vezes mesmo necessário, o CESE nota que a não limitação do número de certificados emitidos pode afectar negativamente as oportunidades de emprego dos marítimos em determinados Estados-Membros e, em última análise, a manutenção e a melhoria do nível de qualificações no domínio marítimo na UE.

2.14

O CESE insta os Estados-Membros a criarem, de forma consensual com os parceiros sociais, um regime equilibrado de emprego, tendo em vista a manutenção e a melhoria do nível de qualificações no domínio marítimo na UE.

2.15

O CESE manifesta-se decepcionado por a Comissão não haver previsto, nem na altura do reconhecimento de nacionais de países terceiros, nem agora que se trata do reconhecimento mútuo dos certificados dos marítimos da UE, a aplicação universal de disposições de protecção social a todos os marítimos que prestam serviço a bordo de navios que arvoram pavilhão de um Estado-Membro da UE.

3.   Observações na especialidade

3.1   Artigo 1.o

A directiva aplica-se às profissões marítimas exercidas por nacionais de um Estado-Membro ou nacionais de países terceiros titulares de certificados de competência emitidos pelos Estados-Membros, sendo importante excluir do seu âmbito os certificados inicialmente emitidos por um país terceiro e autenticados por um Estado-Membro.

3.2   Artigo 3.o

De acordo com o disposto no n.o 2, os marítimos titulares de um certificado adequado ou de quaisquer outros certificados previstos no n.o 1 podem ser admitidos a prestar serviço a bordo de navios que arvoram pavilhão de um outro Estado-Membro. Mas tal implica emitir um documento formal de reconhecimento para evitar a utilização fraudulenta de certificados e comprovar as competências linguísticas e os conhecimentos sobre o direito marítimo do Estado-Membro de acolhimento.

3.3   Artigo 4.o

O CESE reconhece a necessidade de os marítimos adquirirem competências linguísticas adequadas, como definido nas secções A-II/1, A-III/1, A-IV/2 e A-II/4 do Código STCW. No entanto, detecta aqui uma certa ambiguidade: o Código STCW estipula que é ao Estado-Membro de acolhimento que compete assegurar a aquisição de competências linguísticas adequadas pelos marítimos, sendo, portanto, difícil para os Estados-Membros assegurar o cumprimento desta obrigação. Uma vez satisfeitos estes requisitos, o Estado-Membro de acolhimento pode conceder o reconhecimento adequado.

3.4   Artigo 5.o

O CESE acolhe favoravelmente as disposições sobre prevenção da fraude. Para além de minarem a credibilidade da profissão marítima, as fraudes associadas à emissão de certificados de competência representam uma ameaça potencial para a salvaguarda da vida humana no mar e causam danos graves ao ambiente marinho. A emissão de um documento de reconhecimento adequado seria susceptível de favorecer a prevenção de práticas fraudulentas na utilização de certificados.

3.5   Artigo 6.o

O CESE regista com agrado o papel da Agência Europeia da Segurança Marítima na certeza de que os Estados-Membros adoptarão e aplicarão medidas adequadas para prevenir e sancionar a utilização fraudulenta de certificados.

3.6   Artigo 7.o

O CESE toma nota, com satisfação, de que a Comissão, assistida pela Agência Europeia da Segurança Marítima, verificará, com frequência não inferior a cinco anos, o cumprimento pelos Estados-Membros dos requisitos mínimos estabelecidos na Directiva 2001/25/CE.

4.   Conclusão

4.1

Sem prejuízo dos comentários atrás produzidos, o CESE saúda a proposta da Comissão.

4.2

Embora haja que simplificar o sistema de reconhecimento de certificados pelos Estados-Membros, o reconhecimento automático não deve excluir a necessidade quer de garantir competências linguísticas adequadas e conhecimentos do direito marítimo do Estado-Membro de acolhimento, quer de prevenir a utilização fraudulenta de certificados. Tal pressupõe a adopção pelo Estado-Membro de acolhimento de procedimentos adequados.

4.3

Apesar de reconhecer que é desejável um sistema eficaz e fiável de reconhecimento dos certificados de competência emitidos pelos Estados-Membros, o CESE manifesta preocupação por a Comissão não focar as questões do emprego futuro de nacionais da UE e da manutenção e melhoria do nível europeu de qualificações no domínio marítimo.

4.4

Mesmo reconhecendo o papel a atribuir à Comissão, assistida pela Agência Europeia da Segurança Marítima, para assegurar a integridade dos procedimentos, o CESE solicita à Comissão que considere a disponibilização de recursos adequados, tanto a nível dos Estados-Membros como a nível europeu.

4.5

Se bem que concorde com a importância que a Comissão atribui ao ensino e à formação dos marítimos no interesse da salvaguarda da vida humana no mar e da protecção do ambiente marinho, o CESE manifesta preocupação pela ausência de medidas adicionais para assegurar que os nacionais de países terceiros e os cidadãos da UE não sejam explorados a bordo dos navios dos Estados-Membros.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Directiva 2001/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Abril de 2001, relativa ao nível mínimo de formação dos marítimos.

(2)  Ver nota de rodapé (1).

(3)  Directiva 2003/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro de 2003, que altera a Directiva 2001/25/CE relativa ao nível mínimo de formação dos marítimos.

(4)  Directiva 89/48/CEE relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos.

(5)  Directiva 92/51/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa a um segundo sistema geral de reconhecimento das formações profissionais, que completa a Directiva 89/48/CEE.

(6)  Fomento da indústria marítima e das profissões marítimas na União Europeia.

(7)  «A study of fraudulent practices associated with certificates of competency and endorsements», Seafarers International Research Centre (SIRC) 2001.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/56


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a serviços de informação fluvial harmonizados nas vias navegáveis interiores da Comunidade»

COM(2004) 392 final — 2004/0123 (COD)

(2005/C 157/08)

Em 8 de Junho de 2004, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 71.o do TCE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Foi incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 24 de Novembro de 2004 (relator: Jan SIMONS).

O Comité Económico e Social Europeu adoptou, na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), por 144 votos a favor, sem votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

Em 25 de Maio de 2004, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a serviços de informação fluvial harmonizados nas vias navegáveis interiores da Comunidade. O objectivo da proposta é apoiar o desenvolvimento futuro da navegação fluvial, integrando e harmonizando os serviços telemáticos nacionais introduzidos nos últimos anos (ou a introduzir) nos vários Estados-Membros.

1.2

A proposta visa responder à necessidade de promover meios de transporte que sejam uma alternativa ao transporte rodoviário, de modo a resolver os problemas advindos de uma política de transportes inconsistente aplicada nos últimos anos, principal causa das grandes dificuldades actuais do sistema europeu de transportes.

A navegação fluvial tem suficientes infra-estruturas e capacidades técnicas navais para assegurar uma parte muito maior do transporte de mercadorias ao nível europeu, diminuindo o tráfego rodoviário. Uma grande parte do território europeu é acessível por vias navegáveis transfronteiras e numerosas vias nacionais. O sector da navegação fluvial tem vindo a chamar a atenção em vários domínios, graças a um processo de inovação. Devido ao crescente reconhecimento do transporte fluvial enquanto alternativa ao transporte rodoviário, aquele tem vindo a conquistar novos mercados.

1.3

O CESE analisou em vários pareceres, pareceres de iniciativa, consultas e conclusões de Comissões a importância da navegação fluvial no mercado comunitário (1). Seria particularmente importante eliminar entraves nacionais e internacionais ligados às infra-estruturas. Assim, o CESE exorta uma vez mais os Estados-Membros a aplicar as medidas necessárias à manutenção das vias navegáveis. O CESE considera a manutenção adequada das vias navegáveis um pré-requisito essencial para a introdução de serviços de informação fluvial avançados. O não cumprimento deste pré-requisito conduz, actualmente, a obstáculos que podem comprometer o futuro desenvolvimento da navegação fluvial (2).

1.4

A Comissão compromete-se, no quadro da estratégia do Livro Branco, a continuar a apoiar este sector na sua adaptação às novas exigências do mercado. Neste contexto, a Comissão apela à introdução de tecnologias da informação e das comunicações (TIC) modernas, tendo em vista, sobretudo, melhorar a gestão do tráfego e transporte fluvial.

1.5

A Comissão Europeia crê que o conceito de «serviços de informação fluvial» (river information services — RIS) conduzirá à compatibilidade e interoperabilidade entre os actuais e novos sistemas RIS ao nível europeu. Tal motivará os fornecedores europeus de equipamentos a produzir software e hardware RIS a custos razoáveis e acessíveis.

1.6

As comissões fluviais internacionais, a Comissão Central para a Navegação do Reno e a Comissão do Danúbio apoiam o desenvolvimento e introdução de RIS. Neste contexto, a Comissão Central para a Navegação do Reno aprovou a aplicação ao Reno das orientações técnicas e das medidas específicas previstas pela Directiva e elaboradas pela Associação Internacional de Navegação.

2.   Os utilizadores e a importância dos serviços de informação fluvial (RIS) para a navegação fluvial

2.1

A proposta de directiva considera o conceito de RIS a alteração mais significativa neste sector nas últimas décadas. O objectivo deste conceito é a criação de serviços de informação que apoiem o planeamento e gestão das operações de tráfego e transporte. Para que tal seja possível, importa integrar as aplicações telemáticas desenvolvidas ao nível nacional num conceito interoperacional.

2.2

A proposta de directiva tem por objectivo, através da introdução de RIS, beneficiar todo o sector europeu de navegação fluvial. A revitalização da navegação fluvial através da criação de RIS é particularmente interessante tendo em conta o alargamento da UE aos países da Europa Central e Oriental.

Por outro lado, os RIS deverão facilitar o trabalho das autoridades competentes, nomeadamente na gestão do tráfego e no controlo de mercadorias perigosas. O facto de as partes interessadas passarem a estar mais bem informadas e a reacção mais rápida em casos urgentes deverão contribuir para maior segurança e desempenho ambiental.

2.3

A introdução de serviços fluviais harmonizados beneficiará tanto os serviços de tráfego, como os de transporte. Assim, as vantagens da directiva aplicam-se às autoridades nacionais e à navegação fluvial, pelo que os objectivos da directiva são de carácter público e privado.

2.4

A utilização do sistema para fins públicos e privados justifica um especial controlo das informações e serviços e a garantia de uma utilização adequada. Importa salvaguardar de forma clara a protecção da privacidade nas comunicações electrónicas sempre que os dados sejam usados para fins públicos.

3.   Vantagens dos RIS para o futuro desenvolvimento da navegação fluvial

3.1

A proposta de directiva considera os serviços de informação fluvial um incentivo a um eventual incremento do transporte por barco e a uma maior ligação das vias navegáveis interiores, em termos intermodais, para benefício da sociedade em geral. A proposta prevê que os RIS contribuam para uma mais-valia estratégica a quatro níveis, a saber:

maior competitividade,

máximo aproveitamento das infra-estruturas,

maior segurança e prevenção de riscos,

maior protecção ambiental.

3.2

No que respeita ao primeiro ponto, o CESE considera importante o facto de a maior competitividade melhorar a posição do sector em relação a outros meios de transporte. Os serviços propostos não deverão prejudicar ainda mais a competitividade da navegação fluvial dos novos e futuros Estados-Membros, já afectada pela situação económica daqueles países. A preparação da aplicação destes serviços deverá ter este aspecto em primeira linha de conta (3).

3.3

A proposta de directiva prevê que um plano de viagem mais eficaz permita limitar os tempos de espera e as perdas de produtividade, graças a um ajustamento da velocidade. Por outro lado, ao permitir trocas de informação com todos os fornecedores da cadeia, os RIS promovem a integração do transporte fluvial nas cadeias intermodais de transporte.

3.4

Importa sublinhar as vantagens da navegação fluvial — segurança, prevenção de riscos e protecção ambiental, bem como promover a sua competitividade em relação a outros meios de transporte. A navegação fluvial é actualmente considerada o meio de transporte mais seguro (4).

3.5

No que respeita à protecção ambiental, a navegação fluvial poderá manter o avanço actual relativamente a outros meios de transporte. Um estudo recentemente publicado sobre o desempenho ambiental da navegação fluvial (5) demonstra que esta pode contribuir para a melhoria do desempenho ambiental da rede de transportes. Tal contribui, por sua vez, para o cumprimento dos objectivos do Protocolo de Quioto, considerando a redução da emissão de gases de escape.

3.6

A decisão dos ministros do Ambiente da UE de 28 de Junho de 2004 de fixar em 0,1 %, até 2010, o teor de enxofre dos combustíveis dos navios de ligações fluviais vai igualmente ao encontro da consciencialização ecológica no sector do transporte fluvial. Um carburante com uma taxa de enxofre elevada prejudica a saúde humana e pode levar a uma acidificação dos solos e da água. A navegação fluvial contribuirá para prevenir estes riscos de modo a manter a sua reputação de meio de transporte com melhor desempenho ambiental. Actualmente, a frota fluvial europeia utiliza preponderantemente combustíveis com menos de 0,2 % de enxofre.

Além da instalação de motores de emissões reduzidas, a utilização de carburantes pobres em produtos tóxicos permite à navegação fluvial ter um desempenho ambiental positivo em comparação com outros meios de transporte.

Os ganhos evidentes da introdução de RIS, que deverá permitir reduzir ainda mais o consumo de energia do transporte fluvial, poderão contribuir para que a navegação fluvial cumpra os seus objectivos de protecção ambiental.

4.   A proposta de directiva e respectivo âmbito de aplicação

4.1

A directiva obrigará os Estados-Membros a facilitar as condições de introdução e utilização dos serviços de informação fluvial (RIS) harmonizados e a garantir o quadro normativo necessário para a sua criação e desenvolvimento. A primeira medida a tomar é a integração directa das tecnologias existentes (artigo 1.o).

4.2

O Comité considera justificada a limitação do campo de aplicação da directiva às vias navegáveis de classe IV ou superior e congratula-se com o facto de a classificação das vias navegáveis assentar nos critérios europeus, o que indica uma escolha dinâmica.

4.3

A directiva define as obrigações específicas dos Estados-Membros no que respeita à disponibilização dos dados necessários para a realização de uma viagem, dos mapas de navegação electrónicos e das informações necessárias aos navegantes e às autoridades.

A obrigação de os Estados-Membros criarem esses mapas apenas quando se trate de vias navegáveis de classe Va ou superior (segundo a classificação das vias navegáveis europeias) suscita algumas reservas ao CESE, tendo em conta a rede de vias navegáveis alemã, belga, checa e polaca (artigo 4.o).

4.4

Em princípio, a directiva não obriga os utilizadores privados, i.e. os navegantes, a instalar o equipamento necessário para participar nos RIS. No entanto, os Estados-Membros são convidados a tomar as medidas adequadas para que os utilizadores e respectivos navios correspondam às exigências da directiva no que respeita ao equipamento. No entender do CESE, de forma a cumprir estas exigências e a motivar os navegantes a utilizar os serviços, importa não só que os Estados-Membros disponibilizem os dados necessários, mas também que incentivem os navegantes a dotar-se do equipamento adequado.

Por razões de transparência e tendo em conta o carácter voluntário da questão, importa evitar tornar obrigatória a utilização dos serviços. No entanto, ao introduzir os RIS, os Estados-Membros deverão adoptar métodos que encorajem um aproveitamento máximo do sistema pelos navegantes, de modo a cumprir os objectivos definidos pela directiva.

4.5

Os aspectos técnicos do planeamento, introdução e uso dos serviços são fixados por orientações técnicas (orientações RIS). De modo a manter a uniformidade do sistema, estas orientações deverão, na opinião do Comité, ser conformes às orientações e especificações das organizações internacionais relevantes.

4.6

A utilização de dados, no quadro dos serviços de informação fluvial, para fins públicos e privados, exige protecção especial da privacidade dos navegantes. O Comité considera que a protecção de dados merece, tendo em conta vários dados sensíveis, uma atenção particular, não devendo estes ser comunicados às autoridades públicas.

4.7

A Comissão cria, em conformidade com a Decisão do Conselho de 28 de Junho de 1999 que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (1999/468/CE), uma Comissão para transpor e aplicar a directiva proposta. O CESE considera que, para garantir uma aplicação da directiva que vá ao encontro dos objectivos definidos e da promoção da navegação fluvial, esta Comissão, composta por representantes dos Estados-Membros, deveria, no âmbito dos seus trabalhos, consultar igualmente representantes de organizações profissionais (artigo 11.o).

5.   Aplicação da directiva

5.1   Aceitação pelos utilizadores

O CESE considera que se deverá dar a máxima atenção à transposição e aplicação da directiva. Os serviços de navegação fluvial harmonizados deverão fornecer informações úteis que contribuam de forma positiva para a navegação. Inquéritos sobre a telemática efectuados nos Estados-Membros demonstraram que a navegação fluvial ainda não dispõe de meios suficientes para utilizar os RIS.

No entender do CESE, é fundamental prever medidas de acompanhamento que contribuam para cumprir os requisitos de equipamento, de forma a promover a aceitação da directiva pelos utilizadores e a sua aplicação pelos navegantes. Neste contexto, o CESE acolhe com agrado a proposta feita à Comissão Europeia pelos Ministérios dos Transportes neerlandês e austríaco no sentido de elaborar uma proposta conjunta de aplicação dos RIS. O Comité apoia a aplicação de projectos de aplicação nos (futuros) Estados-Membros através dos programas europeus de apoio relevantes, tendo em particular atenção a introdução dos RIS nas regiões economicamente desfavorecidas.

A eficácia dos RIS depende utilização tão ampla quanto possível pelos navegantes. O CESE apela para que os planos gerais tenham em conta estes requisitos.

5.2   Custos

Como referido nos Considerandos da proposta de directiva, dever-se-á incentivar os fornecedores europeus de equipamentos a produzir hardware e software RIS a preços razoáveis e acessíveis. A Comissão Europeia partilha da ideia que a introdução do conceito de RIS conduzirá à compatibilidade e interoperabilidade, ao nível europeu, entre os sistemas actuais e futuros sistemas RIS. O exposto depende, na opinião do CESE, de maiores incentivos e acompanhamento por parte da Comissão. Informações e publicações periódicas podem ser um contributo importante.

Aos custos elevados do hardware e software RIS soma-se um custo elevado das comunicações para os navegantes, o que limita a transferência de dados por comunicações móveis e por internet. O CESE considera importante, no quadro da aplicação da directiva, apoiar os sistemas de comunicações mais adequados às exigências da navegação fluvial e mais eficazes em termos de custos.

6.   Justificação das recomendações infra

6.1

O principal desafio económico da União Europeia é concretizar o seu crescimento potencial, o que exige desenvolver e apoiar conceitos de crescimento sustentáveis. O transporte de mercadorias tem um papel fundamental no mercado comunitário. No entanto, este sector tem, devido à ausência de uma política de transporte coerente, sérias dificuldades, motivadas, sobretudo, pela saturação do tráfego rodoviário, pela falta de cooperação entre as sociedades de vias férreas e pela falta de acesso a um mercado livre.

6.2

A água é uma das dimensões do futuro da Europa. A água e as vias navegáveis têm um papel fundamental na nossa sociedade: 50 % da população da UE vive em zonas costeiras ou junto a um dos 15 maiores rios europeus. Com o alargamento da UE, o transporte por vias navegáveis interiores passa a ter um papel ainda mais importante no mercado interno. Muitos dos novos Estados-Membros dispõem de vias navegáveis utilizadas para o transporte de mercadorias. No quadro da política prevista pela Comissão Europeia nesta área, as vias navegáveis interiores, além de integrarem a rede intermodal de transportes, podem ter um papel fundamental na integração dos novos Estados-Membros e no cumprimento do seu crescimento económico potencial.

6.3

O funcionamento do transporte de mercadorias depende de uma infra-estrutura adequada. Uma manutenção e monitorização adequadas das infra-estruturas das vias navegáveis existentes e a eliminação de situações de engarrafamento são uma condição básica para a promoção de um transporte intermodal de mercadorias e para a afirmação da navegação fluvial. O CESE considera a manutenção adequada das vias navegáveis um pré-requisito essencial para a introdução de serviços de informação fluvial avançados. O não cumprimento deste pré-requisito conduz, actualmente, a obstáculos que podem comprometer o futuro desenvolvimento da navegação fluvial. Neste contexto, o Comité exorta os Estados-Membros a tomar as medidas e a disponibilizar os meios necessários.

7.   Recomendações na generalidade

7.1

Tendo em conta o exposto, o Comité acolhe com agrado a criação de um quadro jurídico para a harmonização dos serviços de informação fluvial nas vias navegáveis interiores da União. Os serviços de informação harmonizados das vias navegáveis interiores podem, desde que sejam amplamente aceites, contribuir para a realização do objectivo proposto, i.e. optar pela navegação fluvial enquanto meio de transporte alternativo com grande potencial de crescimento e com vantagens em termos de segurança e protecção ambiental.

O principal desafio económico da União Europeia é concretizar o seu crescimento potencial, o que implica apoiar o crescimento sustentável. O transporte de mercadorias tem um papel fundamental no mercado interno. No entanto, este sector enfrenta, ao nível europeu, sérias dificuldades, motivadas, sobretudo, pela saturação do tráfego rodoviário, que ameaça o desenvolvimento económico da União Europeia. A solução reside na promoção de outros meios de transporte e no desenvolvimento sustentável, facilitando soluções de transporte inteligentes.

Assim, o desenvolvimento económico da Europa depende de uma política de transportes equilibrada e consistente que tem de ser totalmente reconhecida pelos actores políticos europeus.

Neste sentido, importa criar e assegurar um quadro adequado que faça do desenvolvimento da navegação fluvial uma prioridade política.

À semelhança do êxito da transição para o transporte marítimo de curta distância, também no sector da navegação fluvial se poderiam obter bons resultados, através de medidas específicas e desde que haja apoio político.

7.2

As vantagens, para as economias nacionais, de uma redução do tráfego rodoviário, da integração da navegação fluvial na cadeia intermodal de transportes e da protecção dos recursos naturais, graças a um uso ainda mais eficiente do espaço de navegação, justificam um apoio europeu da telemática no domínio da navegação fluvial e uma harmonização dos serviços de navegação fluvial. Tendo em vista a introdução efectiva das medidas previstas pela proposta de directiva, o Comité recomenda, no quadro da introdução dos RIS:

a adopção de orientações técnicas já existentes de outras organizações internacionais relevantes na área da directiva RIS;

obrigar os Estados-Membros a disponibilizar mapas de navegação electrónicos apropriados para todas as vias navegáveis de classe IV ou superior (segundo a classificação das vias navegáveis europeias);

garantir a protecção de dados de modo a prevenir um uso abusivo dos mesmos;

consultar os sectores socioprofissionais através da Comissão criada — ou a criar — pela Comissão Europeia com vista a aplicar a directiva.

8.   Observações na especialidade

8.1

Importa adoptar medidas de acompanhamento para a aplicação da directiva pelos navios operantes em vias navegáveis interiores.

A navegação fluvial ainda não dispõe de meios suficientes para utilizar os RIS. No entanto, a eficácia dos RIS depende de uma utilização tão ampla quanto possível pelos navegantes. Os planos gerais a desenvolver deverão ter em conta este facto, adoptando medidas específicas, a saber:

elaboração de uma proposta de aplicação dos RIS;

promoção e apoio dos navegantes na introdução dos equipamentos necessários nos navios tendo em vista a utilização eficaz do sistema, de modo a cumprir os objectivos da directiva;

apoio de sistemas de comunicações eficazes em termos de custos que cumpram o melhor possível os requisitos da navegação fluvial;

controlo dos custos de produção do hardware e software RIS.

8.2

O CESE recomenda a execução destas medidas para garantir uma aplicação eficaz da proposta de directiva.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Cf. as conclusões comuns da 5.o reunião do Comité Consultivo Misto UE-Roménia (DI CESE 48/2002 rev.), realizada em 23 e 24 de Maio de 2002, em Bucareste, sobre «O aproveitamento do Danúbio como corredor pan-europeu de transportes» (relatora: BREDIMA-SAVOPOULOU); cf. igualmente pareceres do CESE «Aplicação do diálogo social estruturado aos corredores de transporte pan-europeus», JO C 85 de 8/4/2002 (relatora: K. ALLEWELDT), «Futuro da rede transeuropeia de vias navegáveis», JO C 80 de 3 de Abril de 2002 (relator: P. LEVAUX) e «Rumo a um sistema pan-europeu de navegação fluvial», JO C 10 de 14/1/2004 (relator: J. SIMONS).

(2)  Por exemplo, em 2004, nos Países Baixos, verificou-se uma interrupção do investimento na manutenção das vias navegáveis, sendo necessário um investimento mínimo de 35 milhões de euros para solucionar as estagnações actuais e prevenir estagnações futuras. No entanto, os meios necessários só estarão disponíveis em 2007.

Na Alemanha, estimou-se o investimento necessário para 2000-2020 em mais de 11 milhares de milhão de euros, o que corresponde a períodos anuais de mais de 500 milhões de euros. Ora, o novo plano federal de vias de transporte para 2001-2015 prevê um custo médio anual de 440 milhões de euros (Planco Gutachten, «Oportunidades e futuro da navegação fluvial alemã»).

(3)  Todos os países do Danúbio participam actualmente nos projectos Lead ligados aos RIS tendo em vista a harmonização dos serviços de navegação fluvial (cf. COMPRIS – Consortium Operational Management Platform River Information Services 2002-2005, no qual participam 44 parceiros de 11 países, incluindo a Eslováquia, a Hungria, a Roménia e a Bulgária). Espera-se que os RIS modernizem consideravelmente a navegação no Danúbio (cf. «Strategy and achievements on the implementation of RIS in the Danube region», 13/10/2004).

(4)  EU Energy and transport in figures, statistical pocketbook 2003, Parte 3: Transport, capítulo 6: Safety (disponível em inglês).

(5)  Royal Haskoning: «Environmental Performance of Inland Shipping», 27 de Janeiro de 2004.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/61


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho que estabelece uma Agência Comunitária de Controlo das Pescas e que altera o Regulamento (CEE) n.o 2847/93 que institui um regime de controlo aplicável à política comum das pescas»

(COM(2004) 289 final — 2004/0108 (CNS))

(2005/C 157/09)

Em 14 de Maio de 2004, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 37.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 16 de Novembro de 2004 (relator: G. SARRÓ IPARRAGUIRRE).

Na 413.a reunião plenária, realizada em 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 138 votos a favor, 3 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

Em 1 de Janeiro de 2003, entrou em vigor a reforma da Política Comum da Pesca (PCP), cujo objectivo principal consiste na conservação e na exploração sustentável dos recursos haliêuticos. Para tal, estabeleceu-se um conjunto de regras de cumprimento obrigatório, tanto para o sector da pesca comunitário como para os Estados-Membros.

1.2

O Regulamento 2371/2002 (1) regula no Capítulo V o regime comunitário de controlo e respeito da pesca, delimita de modo claro as competências dos Estados-Membros e da Comissão Europeia e estabelece os mecanismos de cooperação e coordenação entre os Estados-Membros e entre estes e a Comissão, a fim de garantir o cumprimento das regras da PCP.

1.3

A Comissão Europeia considera que a aplicação das regras da PCP pelos Estados-Membros requer uma estrutura de controlo e de inspecção bem organizada a nível da Comunidade, meios suficientes de controlo e de inspecção e uma estratégia adequada que permita uma utilização coordenada desses meios.

1.4

Através da nova proposta de regulamento (2), a Comissão Europeia visa a criação de uma Agência Comunitária de Controlo das Pescas (a Agência) como organismo técnico especializado da Comunidade cujo objectivo é a aplicação uniforme e eficaz das regras da Política Comum da Pesca pelos Estados-Membros e organizar a coordenação operacional das actividades de controlo e de inspecção da pesca e auxiliá-los a cooperar.

1.5

Para tanto, a Comissão Europeia propõe que a Agência coordene as actividades de controlo e de inspecção exercidas pelos Estados-Membros, relacionadas com as obrigações da Comunidade nessa área; que coordene a utilização dos meios nacionais de controlo e de inspecção reunidos pelos Estados-Membros; que preste apoio aos Estados-Membros no respeitante à comunicação à Comissão e a terceiros de informações sobre as actividades de pesca e as actividades de controlo e de inspecção; e que preste apoio aos Estados-Membros no cumprimento do que lhes incumbe por força das regras da política comum da pesca.

1.6

Além disso, a Comissão propõe que a Agência possa oferecer serviços contratuais aos Estados-Membros, a suas expensas, e que os apoie na formação de inspectores, na compra comum de bens para fins de controlo e inspecção e na coordenação dos projectos-piloto comuns de controlo e inspecção.

1.7

A proposta de regulamento estabelece que a Agência será um organismo público da Comunidade dotado de personalidade jurídica e com pessoal próprio. A Comissão propõe um Conselho de Administração composto por um representante de cada Estado-Membro, cujos navios participam em actividades de pesca de recursos marinhos vivos, e quatro representantes da Comissão, assim como por quatro representantes do sector das pescas nomeados pela Comissão. Haverá ainda um director executivo.

1.8

Segundo a Comissão, a Agência será financiada por uma contribuição da Comunidade, por remunerações de serviços prestados aos Estados-Membros, podendo igualmente cobrar taxas pelas suas publicações, assim como pela prestação de formação e outros serviços.

1.9

Por último, a Comissão prevê o início das actividades da Agência para 2006, com uma dotação de 4,9 milhões de euros e pessoal com 38 pessoas, no primeiro ano, passando a partir de 2007 para 5,2 milhões de euros e 49 pessoas. A Agência terá sede em Espanha.

2.   Observações na generalidade

2.1

A comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre uma aplicação uniforme e eficaz da PCP (3) previa a elaboração de um estudo de viabilidade em coordenação com os Estados-Membros, previamente à criação de um Organismo Comunitário de Controlo da Pesca (OCCP). A proposta de regulamento foi apresentada pela Comissão sem que o estudo de viabilidade tivesse sido efectuado. O CESE lamenta esse facto.

2.2

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de criação da Agência e partilha dos objectivos da Comissão no sentido de uma aplicação eficaz da PCP e de uma uniformização das actividades de inspecção do cumprimento das regras comunitárias. O CESE tem consciência da necessidade de cumprir de modo uniforme e eficaz as regras da PCP mas considera, todavia, que deverão ser aceites e compreendidas pelo sector. Para o efeito, o sector deverá participar, desde o início, no processo de tomada de decisão, começando por colaborar na elaboração dos pareceres científicos, que passarão a orientar as estratégias e as medidas de conservação dos recursos haliêuticos. Assim, o CESE entende que a Agência deveria igualmente analisar a melhoria dos pareceres científicos, promovendo a participação do sector na elaboração dos mesmos. Este último ponto deverá ser incluído nas missões da Agência, enumeradas no artigo 4.o da proposta de regulamento.

2.3

Tendo em conta que a Agência será o primeiro órgão a dedicar-se exclusivamente às questões da actividade da pesca, o Comité considera que a proposta de regulamento deveria prever a possibilidade de alargar as suas competências no futuro.

2.4

Assim, o CESE considera que a Agência poderia prestar assistência técnica e científica à Comissão e aos Estados-Membros sobre a aplicação efectiva das regras da PCP, em particular, sobre a eficácia e possibilidades de controlo das medidas de inspecção e controlo que se propõem. Assim, poderia promover a formação de inspectores e de pessoal especializado em controlo, criando um centro de formação especial. Por último, a Agência poderia contribuir para a harmonização das sanções nos diferentes Estados-Membros.

2.5

A proposta de regulamento do Conselho estabelece que a coordenação operacional assegurada pela Agência diz respeito à inspecção e ao controlo, até ao primeiro ponto de venda dos produtos da pesca, das actividades de pesca exercidas no território dos Estados-Membros, em águas comunitárias ou, fora das águas comunitárias, por embarcações de pesca da Comunidade. O CESE considera que o campo de aplicação da coordenação operacional da Agência deverá ser mais vasto. Por um lado, deveria abranger a inspecção e o controlo até ao primeiro ponto de venda dos produtos da pesca, ou mesmo de toda a cadeia agroalimentar, ou seja, desde a pesca até ao consumidor final. Por outro lado, as suas funções deveriam incluir a coordenação do controlo dos produtos da pesca provenientes de embarcações pesqueiras de terceiros países, em particular dos que praticam pesca clandestina, não declarada e não regulamentada.

2.6

O CESE considera muito oportuna a possibilidade de a Agência assistir a Comunidade e os Estados-Membros nas relações com países terceiros e com as organizações regionais de pesca, bem como directamente com estas, uma vez que poderá contribuir para a conservação e exploração sustentável dos recursos haliêuticos das águas destes países terceiros e internacionais. Nesse sentido, o CESE considera que o orçamento deverá dotar a Agência de recursos económicos suficientes para garantir esta incumbência, em prol do desenvolvimento sustentável da pesca.

2.7

O CESE compartilha da ideia reflectida no artigo 6.o da proposta de regulamento de estabelecer um Centro Comunitário de Vigilância da Pesca para fins da organização da coordenação operacional das actividades comuns de controlo e de inspecção. Considera, todavia, que a proposta de regulamento deveria ser mais explícita sobre as funções deste Centro, a fim de evitar uma duplicação de esforços em relação às competência dos Estados-Membros. O Comité considera crucial, desde o início, o cumprimento pela Agência das regras de confidencialidade referidas no artigo 33.o da proposta de regulamento do Conselho.

2.8

A ideia dos planos de utilização conjunta referida no capítulo III da proposta da Comissão é essencial para uma aplicação efectiva, uniforme e equilibrada da política de controlo pelos diferentes Estados-Membros. O CESE considera adequado o teor destes planos de utilização conjunta, o processo de adopção e a execução e avaliação dos mesmos, e considera que os Estados-Membros deveriam colaborar estreitamente com a Agência a fim de garantir a sua aplicação.

2.9

O Comité é de opinião que a avaliação anual da eficácia de cada plano de utilização conjunta prevista na proposta de regulamento é indispensável para comprovar se as diferentes frotas cumprem de modo adequado as regras de conservação e de controlo em vigor.

2.10

O CESE concorda com a criação de uma rede de informação englobando a Comissão, a Agência e as autoridades competentes dos Estados-Membros, mas considera que a Agência e a própria Comissão deveriam adoptar as medidas necessárias para garantir a confidencialidade das informações que recebem e compartilham, tal como se exige dos Estados-Membros nos termos do n.o 2 do artigo 17.o da proposta de regulamento.

2.11

No respeitante à estrutura interna e funcionamento da Agência, a proposta de regulamento especifica que a Agência é um organismo da Comunidade com personalidade jurídica. O CESE apoia sem reservas esta precisão, uma vez que a Agência deverá ser um organismo ao serviço de toda a Comunidade, cuja acção deverá ser completamente transparente sem se deixar influenciar pelos interesses particulares da Comissão, ou dos Estados-Membros. Assim, o Comité manifesta preocupação pela falta de clareza em matéria de contratação dos seus funcionários, sejam eles afectados ou destacados temporariamente pela Comissão ou pelos Estados-Membros por um período limitado.

2.12

Deverão ser aplicáveis ao pessoal da Agência o Estatuto dos funcionários das Comunidades Europeias, o regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias e as normas de execução dessas disposições, adoptadas de comum acordo pelas instituições das Comunidades Europeias, sendo objecto de definição clara as responsabilidades contratuais da Agência, bem como as extracontratuais, e do seu pessoal no exercício das respectivas funções. Por outro lado, o Comité considera lógico que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias seja competente em qualquer litígio relativo aos contratos celebrados pela Agência e à reparação dos danos.

2.13

A pedra angular da estrutura da Agência, apresentada pela Comissão no artigo 25.o, como em qualquer empresa pública ou privada, é o Conselho de Administração. O CESE constata com preocupação a excessiva dependência deste Conselho de Administração em relação à Comissão, que dispõe de dez votos, face ao único voto de que dispõe o representante de cada Estado-Membro, cujos navios participam em actividades de pesca de recursos marinhos vivos. No conjunto, os Estados-Membros disporão de vinte votos, no máximo, pelo que a Comissão não terá dificuldade em impor as suas decisões. O CESE considera que cada representante da Comissão deveria dispor de um só voto, tal como os outros membros.

2.14

A Comissão propõe ainda quatro representantes do sector das pescas nomeados pela Comissão sem direito de voto. O CESE considera muito reduzido o número de representantes do sector proposto pela Comissão, que deveria ser aumentado para oito, pelo menos, indicando explicitamente que seriam designados pelas organizações europeias de empregadores e de trabalhadores, e que teriam direito de voto. O CESE entende que a proposta de regulamento deveria estabelecer os critérios mínimos de elegibilidade dos representantes do sector para o Conselho de Administração. A proposta de regulamento deveria ainda indicar que os representantes do sector teriam o direito de designar suplentes para o Conselho de Administração.

2.15

A Comissão propõe que o Conselho de Administração seja convocado pelo seu presidente e que se reúna em sessão ordinária uma vez por ano, ou ainda por iniciativa do seu presidente ou a pedido da Comissão ou de um terço dos Estados-Membros representados. O CESE entende que a proposta de regulamento deveria referir um terço dos membros do Conselho de Administração da Agência, uma vez que os representantes do sector também poderiam ter interesse na convocação do Conselho de Administração.

2.16

O n.o 4 do artigo 27.o da proposta de regulamento estabelece a possibilidade de impedir a presença dos representantes do sector das pescas no Conselho de Administração quando se trata de uma questão confidencial ou existe conflito de interesses. O CESE preconiza a supressão deste número, uma vez que, na prática, poderia restringir de modo considerável a participação dos representantes do sector das pescas nas reuniões do Conselho de Administração.

2.17

Entre as competências atribuídas pelo regulamento, o Conselho de Administração aprova todos os anos o relatório geral da Agência referente ao ano anterior e o programa de trabalho para o ano seguinte, tendo a obrigação de enviá-lo ao Parlamento Europeu, ao Conselho, à Comissão, ao Tribunal de Contas e aos Estados-Membros. Por uma questão de maior transparência e de participação do sector das pescas, o CESE considera que também deveria ser obrigatório enviá-lo ao Comité Consultivo de Pesca e Aquicultura da UE (CCPA).

2.18

O artigo 29.o da proposta de regulamento exige aos membros do Conselho de Administração nomeados representantes do sector das pescas pela Comissão uma declaração de compromisso e uma declaração de interesses, indicando quer a ausência de quaisquer interesses quer quaisquer interesses directos ou indirectos que possam ser considerados prejudiciais para a sua independência. O CESE considera que esta declaração de interesses é inconsistente e desnecessária, uma vez que qualquer representante do sector no activo e elegível terá interesses directos na pesca que podem prejudicar a sua independência. Na verdade, a declaração de interesses deveria ser extensiva aos outros membros do Conselho de Administração.

2.19

Preocupa o CESE o excessivo poder de decisão da Comissão em matéria de selecção, nomeação e demissão do director executivo. Assim, o artigo 31.o da proposta de regulamento deveria precisar que a demissão do director executivo, sob proposta da Comissão, deveria contar, tal como a nomeação, com uma maioria de dois terços dos membros do Conselho de Administração. O CESE considera que a lista de três candidatos ao cargo de director executivo deveria ser previamente transmitida ao CCPA, por forma que este possa emitir um parecer não vinculativo sobre os candidatos.

2.20

O orçamento da Agência será financiado, pelo menos durante os primeiros anos de actividade, por uma contribuição da Comunidade inscrita no orçamento geral da União Europeia, uma vez que as outras fontes de rendimento, remunerações de serviços prestados aos Estados-Membros e taxas cobradas pelas suas publicações ou actividades de formação, só se tornarão activas após um certo tempo. O Comité considera que o orçamento da Agência deveria ser suficientemente flexível durante os três primeiros anos de funcionamento, dado que a proposta apresentada pela Comissão parece ser excessivamente estreita.

2.21

O CESE apoia o sistema de execução e controlo do orçamento previsto na proposta de regulamento, em particular o controlo provisório das contas anuais da Agência pelo Tribunal de Contas, bem como a aplicação à Agência, sem quaisquer restrições, do disposto no Regulamento (CE) n.o 1073/1999 (4) para lutar contra a fraude, a corrupção e outras actividades ilícitas. A Agência adere, condição fundamental, ao Acordo Interinstitucional de 25 de Maio de 1999 relativo aos inquéritos internos efectuados pelo OLAF.

2.22

A proposta de regulamento altera o Regulamento (CEE) n.o 2847/93 (5) estabelecendo um regime de controlo aplicável à PCP, substituindo o artigo 34.o C, que previa que os programas de controlo e inspecção das pescarias determinados pela Comissão não poderiam ter uma duração superior a dois anos, e que cabia aos Estados-Membros a responsabilidade de adoptar as medidas adequadas, tanto em termos de recursos humanos como materiais. Na alteração proposta prevê-se que os programas não podem ter uma duração superior a três anos ou a qualquer período definido para esse efeito num plano de recuperação correspondente, e que os programas de controlo e de inspecção serão executados pelos Estados-Membros com base em planos de execução conjunta. O CESE aprova esta alteração.

2.23

A fim de poder cumprir os prazos previstos, e conforme indica o artigo 40.o referente ao início das actividades da Agência, o CESE é de opinião que a presente proposta de regulamento deveria entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2005, para que a Agência possa iniciar as suas actividades em 1 de Janeiro de 2006.

3.   Conclusão

3.1

O CESE felicita a Comissão pela sua proposta de criação da Agência; urge dotá-la de um orçamento suficiente para cumprir os objectivos, sugere que se preveja a possibilidade de alargar as suas competências, e convida-a a cumprir os prazos previstos na proposta de regulamento.

3.2

Assim, o CESE solicita à Comissão Europeia que tenha em conta as recomendações do presente parecer, em particular as seguintes:

3.2.1

O regulamento deveria prever a possibilidade de alargar as competências da Agência.

A Agência deveria igualmente analisar a melhoria dos pareceres científicos, promovendo a participação do sector na elaboração dos mesmos. A Agência poderia prestar assistência técnica e científica aos Estados-Membros e à Comissão sobre a aplicação efectiva das regras da PCP; em particular, sobre a eficácia e possibilidades de controlo das medidas de inspecção e controlo propostas.

A Agência poderia promover a formação de inspectores e de pessoal especializado em controlo, criando um centro de formação especial.

A Agência poderia contribuir para o necessário esforço de harmonização das sanções nos diferentes Estados-Membros.

3.3

O campo de aplicação da coordenação operacional da Agência deverá ser mais vasto. Por um lado, deveria abranger a inspecção e o controlo, não só até ao primeiro ponto de venda dos produtos da pesca, mas também de toda a cadeia alimentar; ou seja, desde a pesca até ao consumidor final. Por outro lado, as suas funções deveriam incluir a coordenação do controlo dos produtos da pesca provenientes de embarcações pesqueiras de terceiros países, em particular dos que praticam pesca clandestina, não declarada e não regulamentada.

3.4

A Agência deverá ser um organismo ao serviço de toda a Comunidade, cuja acção deverá ser completamente transparente sem se deixar influenciar pelos interesses particulares da Comissão, nem dos Estados-Membros.

3.5

O Conselho de Administração deverá ter uma representação equilibrada entre Estados-Membros, Comissão Europeia e representantes do sector.

3.6

O número de representantes do sector proposto pela Comissão é muito reduzido, pelo que deveria ser aumentado para oito, pelo menos, indicando explicitamente que seriam designados pelas organizações europeias de empregadores e de trabalhadores, e que teriam direito de voto.

3.7

A Agência deverá cumprir de modo estrito as regras de confidencialidade enumeradas no artigo 33.o da proposta de regulamento.

3.8

Deve-se suprimir o n.o 4 do artigo 27.o da proposta de regulamento.

3.9

A declaração de interesses dos representantes do sector, artigo 29.o, é inconsistente e desnecessária. Na verdade, deveria ser extensiva a todos os membros do Conselho de Administração.

3.10

Por último, o regulamento deveria ser mais explícito sobre as funções do Centro Comunitário de Vigilância da Pesca.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Regulamento (CE) n.o 2371/2002 do Conselho, de 20 de Dezembro de 2002, relativo à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da Política Comum das Pescas (JO L 358 de 31/12/2002).

(2)  COM(2004) 289 final de 28/04/2004.

(3)  COM(2003) 130 final de 21/03/2003.

(4)  JO C 136 de 31/05/1999.

(5)  JO L 261 de 20/10/1993.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/65


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu sobre o Plano de Acção Europeu “Ambiente e Saúde” — 2004-2010»

COM(2004) 416 final

(2005/C 157/10)

Em 10 de Junho de 2004, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Em 16 de Novembro de 2004, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, encarregada de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer com base no projecto apresentado pelo relator P. BRAGHIN.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 146 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Síntese do parecer

1.1

Reconhecendo o carácter estratégico e prioritário da saúde e do ambiente, mas considerando o plano proposto insuficiente para a apresentação de um conjunto articulado e completo de acções concretas e para a definição dos prazos relativos de aplicação, o Comité convida o Conselho e o Parlamento Europeu a apoiarem a Comissão na elaboração de um plano de acção mais concreto que permita tratar estes temas de um modo integrado, com objectivos mais bem definidos e indicações mais precisas e a conceberem a partir deles políticas comunitárias e nacionais adequadas.

1.2

Nesta óptica, apreciaria que a colaboração entre as várias entidades envolvidas prossiga com maior empenho e com a participação constante de peritos e das partes interessadas, sobretudo para

detectar desde já o que possa contribuir para a consecução dos objectivos enunciados nos programas específicos de investigação sobre o tema, e definir as acções previstas no programa de acção na área da saúde pública e no programa comunitário sobre o ambiente;

considerar o «ambiente e saúde» como área prioritária no debate agora iniciado sobre o 7PQ, bem como no debate futuro sobre o novo programa de acção na área da saúde pública;

indicar os meios financeiros a afectar nestes programas aos três grandes objectivos definidos como prioritários (com os quais o CESE concorda plenamente) e às treze acções mencionadas;

desenvolver metodologias científicas para avaliar os riscos e harmonizar e validar os métodos, construindo assim uma base sólida para as metas e os alvos a alcançar;

favorecer as actividades de cooperação e de aferição de desempenho (benchmarking) para acelerar a finalização da recolha dos dados indispensáveis para uma acção eficaz e identificar as intervenções nacionais bem sucedidas susceptíveis de aplicação noutros territórios;

definir mais exactamente as responsabilidades e as incumbências dos actores envolvidos, procurando detectar as formas mais eficazes de colaboração e de coordenação das acções, e indicar os recursos previstos para a sua realização.

1.3

O CESE espera uma multiplicação de esforços no sentido de determinar os passos concretos necessários para uma abordagem predominantemente cognitiva e para a elaboração de um autêntico plano de acção com objectivos precisos e, dentro do possível, quantitativos. Exorta, por conseguinte, a Comissão a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para acelerar a aplicação do plano de acção e a definição de objectivos e de acções que sirvam de orientação especialmente no segundo período do referido plano.

1.4

O CESE apela, por último, à responsabilidade política de todas as instituições comunitárias e dos Estados-Membros para, nos debates em curso sobre o financiamento da União Europeia e das suas actividades durante o período 2007-2013, darem maior realce aos objectivos de fundo enunciados na presente comunicação. Solicita, simultaneamente, à Comissão que elabore atempadamente a base documental indispensável para determinar uma afectação de recursos mais certeira baseada nas prioridades indicadas e plenamente partilhadas.

2.   Sinopse da Comunicação da Comissão

2.1

Em Junho de 2003, a Comissão lançou a Estratégia Europeia de Ambiente e Saúde (designada por «iniciativa SCALE» (1)), que se propõe desenvolver um sistema comunitário que integre as informações sobre o estado do ambiente, o ecossistema e a saúde humana. Esta integração fará aumentar a eficiência da avaliação do impacto ambiental global na saúde humana, uma vez que serão tidos em conta, nomeadamente, «o efeito cocktail», a exposição combinada e os efeitos cumulativos. O objectivo último da estratégia consiste em desenvolver um «quadro causa-efeito» para o ambiente e a saúde que proporcionará as informações necessárias para conceber uma política comunitária incidindo nas fontes e nos meios de impacto dos factores prejudiciais para a saúde.

2.2

A estratégia assinala em especial as crianças, mais expostas e mais vulneráveis do que os adultos a tais efeitos. O desafio consiste na transposição para a prática dos compromissos relacionados com o direito das crianças a crescerem em ambientes saudáveis.

2.3

A iniciativa SCALE contou com a participação de mais de 150 peritos repartidos por nove grupos de trabalho e de um número equivalente de representantes de todos os países da UE, de agências nacionais, de centros de investigação, universidades, serviços de saúde e ambiente, bem como de representantes das empresas e das associações, que no seu conjunto contribuíram para a elaboração de recomendações em grupos consultivos e de coordenação, em conferências regionais, fóruns e reuniões informais realizados nos Estados-Membros.

2.4

O plano de acção para o período compreendido entre 2004 e 2010 apresentado na comunicação em apreço (2) foi concebido para proporcionar à UE as informações de base científica necessárias para ajudar os 25 Estados-Membros a reduzir os impactos adversos na saúde de determinados factores ambientais e para melhorar a cooperação entre os vários intervenientes no domínio do ambiente, da saúde e da investigação.

2.5

As propostas do plano de acção articulam-se em torno de três grandes temáticas:

melhoria da cadeia de informação para conhecer as ligações entre as fontes de poluição e os efeitos na saúde (acções 1 a 4);

preenchimento das lacunas a nível dos conhecimentos através do reforço da investigação e da abordagem das questões emergentes no domínio do ambiente e da saúde (acções 5 a 8);

revisão das políticas e melhoria da comunicação (acções 9 a 13).

2.6

O plano de acção concentra-se essencialmente na aquisição de mais conhecimentos sobre as ligações entre os factores ambientais e as doenças respiratórias, as anomalias de desenvolvimento neurológico, o cancro e os efeitos de desregulação endócrina, que são doenças com incidência crescente nas crianças. O plano de acção definirá actividades de investigação orientadas para melhorar e aperfeiçoar o conhecimento sobre os nexos causais relevantes e, simultaneamente, melhorará a monitorização da saúde de modo a oferecer uma imagem mais acurada da situação sanitária na Comunidade.

2.7

Outro aspecto de relevo na informação é a monitorização da exposição aos factores de risco presentes no ambiente, incluindo aspectos tais como a alimentação, o ambiente doméstico bem como comportamentos que podem ser associados a factores de risco para a saúde, incluindo os relacionados com certos estilos de vida.

2.8

Para a realização do plano de acção, a Comissão continuará a colaborar com a Agência Europeia do Ambiente, a Agência Europeia da Segurança Alimentar e outros organismos relevantes (Estados-Membros, poderes públicos nacionais, regionais e locais, comunidade sanitária, ambiental e de investigação, sector industrial, sector agrícola e interessados) e com organizações internacionais como a OMS, a OCDE e os organismos competentes das Nações Unidas.

2.9

Em 2007, a Comissão procederá a uma avaliação intercalar da execução do plano de acção. Executará as acções recorrendo às iniciativas e aos programas existentes para os quais já foram afectados recursos, nomeadamente o programa de saúde pública e o sexto programa-quadro de investigação, assim como ao orçamento operacional dos serviços envolvidos.

3.   Onde se suscitam algumas questões no quadro do Plano de Acção

3.1

O Comité comunga do interesse crescente que a Comissão e os Estados-Membros dedicam às questões relacionadas com o ambiente e a saúde e defende a necessidade de uma estratégia clara e de um plano de acção eficaz para que estes temas sejam abordados de modo integrado e esta abordagem contribua para a elaboração de políticas comunitárias e nacionais adequadas, propiciadoras não só do bem-estar e da qualidade de vida da população mediante um processo de desenvolvimento sustentável.

3.1.1

Os trabalhos preparatórios têm decorrido como deviam pelo facto de terem sido repartidos por uma série de grupos de trabalho e por inúmeras reuniões que no ano transacto se sucederam em ritmo acelerado. O CESE aplaude e reconhece o mérito do trabalho realizado pelos participantes e, particularmente, pelos peritos implicados nas várias instâncias técnicas, mas verifica que o escasso tempo disponível não permitiu dissecar uma problemática tão complexa em torno de temas ainda pouco conhecidos. A comunicação não consegue, de um modo geral, fornecer um conjunto articulado e integral das acções concretas nem fornecer um calendário para a sua concretização.

3.1.2

Sem sombra de dúvida que a amplitude e a diversidade das competências da Comissão e dos Estados-Membros nos domínios «ambiente» e «saúde» complicou o processo de definição das respectivas responsabilidades e, consequentemente, das acções a desenvolver sem desrespeitar o princípio da subsidiariedade. O CESE entende que a Comissão e os Estados-Membros deverão esforçar-se mais pela coordenação não só para acelerar o processo de conhecimentos de base e o intercâmbio de informações e de dados, mas também para definir uma dotação adequada de fundos para fazer face às acções previstas.

3.1.3

Face ao exposto, o CESE considera o plano de acção apenas como ponto de partida de um processo, mas de forma alguma como ponto de chegada, tendo sido nesta óptica que aduz as observações seguintes.

3.2

O CESE adverte particularmente para a necessidade de uma dotação financeira adequada, já que o plano de acção em apreço não dispõe de meios específicos para a realização das acções nele delineadas, partindo da possibilidade de inscrever cada uma das acções nas iniciativas existentes e nos programas já financiados pela União Europeia, como o programa comunitário de saúde pública e o sexto programa de acção em favor do ambiente (aliás citados no Vol. II) e ainda o 6.o programa-quadro de investigação.

3.2.1

Uma abordagem deste tipo pode ser útil para evitar a dispersão de fundos e duplicações desnecessárias de projectos que visam os mesmos resultados, mas subordina as prioridades estratégicas aos mecanismos e à estrutura de programas concebidos com fins diversos e dirigidos para objectivos que não coincidem forçosamente com os enunciados na comunicação.

3.2.2

O CESE considera estratégico e prioritário o objectivo de conseguir uma boa saúde para todos, especialmente para os grupos mais frágeis (em primeiro lugar, as crianças a quem se dirige a iniciativa SCALE, visto serem uma das faixas da população mais vulneráveis, mas futuramente também os mais idosos e os trabalhadores mais expostos a factores de risco). Seria oportuno estabelecer quanto antes os meios financeiros a afectar às temáticas e aos objectivos principais indicados e ter em conta estas necessidades no debate em curso sobre o orçamento da UE de 2007 a 2013 e sobre a repartição das verbas.

3.3

Um aspecto muito delicado é a interacção com as outras entidades e os outros organismos autónomos no plano jurídico e financeiro. A realização de muitas das acções passa pela participação em projectos fruto da cooperação internacional, o que dará maior fôlego às iniciativas previstas, mas tem em si o risco de comprometer a concentração nos resultados almejados e retardar a sua consecução. Os mecanismos de coordenação e de cooperação previstos não garantem, com efeito, que as acções sejam desenvolvidas com um propósito unitário e unívoco, pelo que será fácil definir responsabilidades em cada uma das suas fases.

3.3.1

A multiplicidade dos actores e a diversidade das suas competências e dos seus recursos profissionais (deve-se pensar, por um lado, em entidades como a OMS e a Agência para o Ambiente e, por outro, nas autarquias regionais e até mesmo locais) são factores que tornam as acções ainda mais complexas, com o perigo de acumular atrasos na definição dos objectivos e dos meios necessários para alcançá-los.

3.3.2

O CESE é favorável à definição inequívoca dos papéis e das responsabilidades das partes envolvidas (especialmente da Comissão, por um lado, e dos Estados-Membros e das autarquias locais e regionais, por outro) e da repartição criteriosa das atribuições em função do tipo das acções e das respectivas competências estabelecidas nos tratados. A comunicação em apreço não esclarece devidamente estes pontos cruciais, confirmando os receios expressos pelo Comité no seu parecer anterior sobre «Uma Estratégia Europeia de Ambiente e Saúde» (3).

3.4

As acções específicas descritas no Volume II não enunciam os objectivos concretos, são meros indicadores de necessidades e, na melhor das hipóteses, instrumentos que a Comissão poderá accionar, em conjugação com as demais partes envolvidas, para responder às necessidades ou às lacunas de conhecimento. Confirma-se, infelizmente, o temor já expresso pelo Comité (4) de que a falta de objectivos concretos, ou, pelo menos, daquilo a que se decidiu chamar «objectivos do milénio», constitui um hiato gravíssimo susceptível de pôr até em causa a pertinência do plano.

3.5

As acções previstas possuem a característica comum de, por um lado, conterem indicadores muito detalhados para o primeiro biénio ou triénio e, por outro, serem muito genéricos ou serem mesmo omitidos completamente quando se trata do quadriénio seguinte. Uma tal solução deixa-nos perplexos já que o plano deveria ser a realização prática de uma estratégia que, por definição, tem em mira resultados importantes a longo prazo. Também não é aceitável a justificação de esta carência advir do facto de estarem ainda por estabelecer os recursos destinados ao segundo quadriénio. A clareza dos resultados almejados é a premissa fundamental para serem colocados à disposição dos decisores políticos recursos condizentes com a importância da estratégia.

3.6

A revisão intercalar prevista para 2007 não serve de modo algum esta finalidade, pelo que o Comité defende veementemente a realização de duas revisões intercalares, uma em 2006 e outra em 2008.

3.6.1

Na primeira revisão intercalar poder-se-ia aproveitar os resultados de uma série de programas e/ou de acções em fase de conclusão (que a presente comunicação aliás omite) e avaliar em tempo útil as realizações dos primeiros dois anos. Teríamos aqui um ponto de referência sólido antes de lançar acções financiadas com base nas novas dotações do orçamento para 2007.

3.6.2

A segunda revisão intercalar daria a possibilidade de estabelecer, após avaliação específica e oportuna, as fases seguintes e os ciclos seguintes do plano, procurando alargá-lo a outros alvos sensíveis (por exemplo, a população idosa), com base numa apreciação mais acurada das realizações e dos obstáculos encontrados.

4.   Observações na especialidade

4.1

O primeiro grupo de acções visa aperfeiçoar a cadeia de informação, desenvolvendo uma informação sobre a saúde e o ambiente integrada para melhor compreender as conexões ente as fontes de poluição e os efeitos desta sobre a saúde. O CESE deplora que esta necessidade de informação ainda seja tão grande, malgrado a adopção de um plano de acção comunitário cobrindo o período de 1999-2003 sobre as doenças relacionadas com a poluição (5) e do programa de acção comunitário relativo à vigilância de saúde no contexto do quadro de acção no domínio da saúde pública (6). Lamenta, pois, que não tenham sido apensos à comunicação em análise relatórios de avaliação sobre aquilo que se conseguiu realizar graças a estes programas e sobre as lacunas específicas a remediar na primeira fase de execução do plano.

4.1.1

Nas duas primeiras acções propostas («desenvolver indicadores de saúde ambiental» e «desenvolver a monitorização integrada do ambiente, incluindo os alimentos, de forma a possibilitar a determinação da exposição humana relevante») prevalece o aspecto cognitivo, ficando-se com uma ideia muito vaga sobre a evolução das acções no segundo período coberto pelo plano. Justamente numa situação de escassez de conhecimentos, importa explicitar os objectivos da comparabilidade e da acessibilidade dos dados sobre a saúde, para a interoperabilidade e a integração das bases de dados existentes, sugerindo eventualmente a disponibilização de recursos, financeiros e não só, para os estudos metodológicos necessários e para a colocação em rede dos dados existentes e, a longo prazo, para a constituição de um futuro banco de dados europeu.

4.1.1.1

O CESE recomenda que, para integrar a monitorização do ambiente na sua relação com a saúde humana, se determine quanto antes as actividades de investigação não só de carácter clínico/epidemiológico mas também experimental para melhorar e afinar o conhecimento dos nexos de causalidade entre os factores ambientais específicos e certas doenças.

4.1.2

A acção de «biovigilância» (a determinação por intermédio de marcadores biológicos da exposição ambiental, de doenças, de disfunções e da predisposição genética) parece ser mais uma enumeração das dificuldades, muito reais sem dúvida, do que uma iniciativa a desenvolver. O CESE apela, por isso, à rápida definição do mandato e dos objectivos do grupo de trabalho multidisciplinar previsto para a coordenação, para poder funcionar como um instrumento operacional eficaz e, sobretudo, credível tanto ao nível comunitário como nacional.

4.1.2.1

O CESE preconiza ainda, com base nas actividades desenvolvidas por vários grupos de trabalho técnicos constituídos até à data, a determinação dos domínios prioritários e das modalidades de coordenação ideais entre os centros operacionais especializados, com vista a conseguir os melhores resultados para as acções de «biovigilância». Recomenda, por outro lado, o desenvolvimento de estudos de coorte (especialmente mãe-filho) que avaliem devidamente os marcadores biológicos de exposição.

4.1.3

No contexto da acção 4 («reforçar a coordenação e as actividades conjuntas no domínio do ambiente e da saúde»), seria também oportuno criar um grupo consultivo e um apoio generalizado às «necessidades de intercâmbio entre as autoridades competentes». O CESE considera inteiramente inadequadas estas premissas e insuficiente a constituição de um grupo consultivo para alcançar o objectivo de intercâmbios regulares de comunicação sobre as melhores práticas. Espera, por conseguinte, que os Estados-Membros onde as competências pela protecção da saúde e do ambiente se encontram repartidas por diversos ministérios logrem indicar quanto antes uma entidade ou uma autoridade responsável dotada de poderes e de instrumentos capazes de coordenar os esforços na direcção desejada. Por outro lado, convida a Comissão a munir-se de estruturas de coordenação mais adequadas e a propor instrumentos mais incisivos para favorecer esse processo.

4.2

O segundo grupo de acções visa o «preenchimento das lacunas a nível dos conhecimentos através do reforço da investigação», apontando a leitura das acções propostas concretamente mais para a intenção de consolidar os conhecimentos de base do que de realizar determinados projectos de investigação. A acção 5 consiste, com efeito, na análise das acções realizadas pelos CCR ou dos programas de investigação em curso, bem como na organização de conferências sobre o tema. A acção 6 mais do que «concentrar a investigação nas doenças, perturbações e exposições» tem em mira a análise das causas e dos mecanismos das patologias consideradas e a criação de uma rede europeia de investigação, sem fornecer indicações precisas de investigação. A acção 7 visa, por último, desenvolver um sistema metodológico para avaliar os riscos, tendo em conta as interacções complexas e os custos externos, e outro para harmonizar e validar os métodos esc

4.2.1

O CESE reputa essencial colmatar o mais brevemente possível a lacuna actual de dados epidemiológicos em larga escala, sobretudo no atinente aos distúrbios neurocomportamentais na Europa em que há maior carência de conhecimentos científicos, especialmente no atinente à infância, mas há evidências suficientes para atribuir um papel etiológico ainda que não exclusivo a alguns factores ambientais.

4.2.2

Recomenda que se coloque a investigação interdisciplinar sobre o ambiente e a saúde entre as áreas de investigação prioritárias, no âmbito do 7.o programa-quadro de investigação, e que se preveja a partir de agora recursos adequados para os programas específicos já financiados, a fim de completar os conhecimentos e determinar instrumentos e métodos que permitam intervenções eficazes no sector «ambiente e saúde».

4.2.3

A acção 8 («assegurar a identificação e o tratamento dos riscos potenciais para o ambiente e a saúde») avança com objectivos mais precisos e pretende melhorar as previsões e a preparação do sector de saúde para as alterações climáticas e outras ameaças ambientais ao nível planetário. O CESE concorda com estes objectivos embora não se relacionem directamente com o objectivo geral de proteger a saúde das crianças inerente à iniciativa SCALE. O CESE espera que este tipo de acção torne possível estabelecer a médio prazo um programa com autonomia financeira, que não deverá continuar inserido (como se propõe agora) num contexto pouco adequado e sem uma dotação específica.

4.3

As outras acções a seguir enunciadas (acções 9 e 10), com o fito de melhorar a comunicação através da promoção da formação e da educação, revelam um certo interesse mas não constituem uma base realmente sólida para uma estratégia de comunicação e de formação capaz de obter dos cidadãos comportamentos mais adequados. O Comité já teve a oportunidade de salientar ser absolutamente essencial formar a opinião dos cidadãos e poder contar com o seu apoio e empenhamento, reservando aqui um papel primordial para os parceiros sociais e a sociedade civil organizada (7).

4.3.1

As últimas acções propostas (acções 11, 12 e 13), que têm por alvo reexaminar e adequar as medidas de redução dos riscos que se encontram em relação directa com as doenças prioritárias (doenças respiratórias, anomalias de desenvolvimento neurológico, cancro e efeitos de desregulação endócrina), prevendo iniciativas tais como o lançamento de projectos-piloto, o incitamento à criação de redes, a coordenação das acções em curso ou, simplesmente, o empenho em «seguir os desenvolvimentos relativos aos campos electromagnéticos». Em geral, fica a impressão de que se trata mais de um elenco de boas intenções do que de uma enumeração exaustiva dos aspectos concretos das situações de maior risco. O CESE considera que estas propostas não estão em consonância com a gravidade dos danos para a saúde já enunciados na comunicação anterior sobre a estratégia nem poderão redundar, dentro de um lapso de tempo razoável, numa autêntica política de redução dos riscos.

4.3.2

Para o CESE, é imperioso conferir a máxima urgência à investigação sobre os factores com influência na qualidade do ar nas habitações e nos escritórios (conforme sugere a acção 12) e indicar prazos exactos, e não longínquos, para obter a prova científica que permita reexaminar a recomendação de 1999 sobre os campos electromagnéticos. A falta de objectivos concretos e de um calendário predefinido para a sua consecução faz recear que estas propostas não sirvam sequer para encontrar meios eficazes para coordenar as acções levadas a cabo até à data ao nível comunitário ou para realizar uma acção coordenada com os Estados-Membros.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu «Uma estratégia europeia de ambiente e saúde» – COM (2003) 338 final sobre a qual o CESE elaborou parecer adoptado na sua 404.a reunião plenária de 10 de Dezembro de 2003 (relator: EHNMARK) in JO C 80 de 30.3.2004.

(2)  Comunicação da Comissão sobre o Plano de Acção Europeu «Ambiente e Saúde» - 2004-2010 – (COM(2004) 416 final, Vol. I e II.

(3)  Relator EHNMARK, ponto 6.4 n.o JO C 80 de 30.3.2004 (nota 1).

(4)  Idem, ponto 5.3.

(5)  JO C 19 de 21.1.1998.

(6)  JO C 174 de 17.6.1996.

(7)  JO C 80 de 30.3.2004.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/70


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que introduz normas de armadilhagem sem crueldade para determinadas espécies animais»

COM(2004) 532 final — 2004/0183(COD)

(2005/C 157/11)

Em 14 de Setembro de 2004, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 175.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 16 de Novembro de 2004, tendo sido relator J. Donnelly.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 60 votos a favor, 1 voto contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

I.   INTRODUÇÃO

1.   Regulamento sobre armadilhas de mandíbulas

1.1

Em 1989, o Parlamento Europeu adoptou uma resolução que aprova a proibição de armadilhas de mandíbulas na UE, bem como o comércio de peles e produtos manufacturados com peles originários de países que permitem a utilização deste tipo de armadilha.

Em resposta, a Comissão apresentou uma proposta de regulamento, adoptada pelo Conselho em 1991 (1). O regulamento proíbe, a partir de 1 de Janeiro de 1995, a utilização de armadilhas de mandíbulas na UE, bem como a importação de peles de 13 espécies originárias de países terceiros, salvo se se verificar uma das seguintes condições:

adopção de disposições legislativas ou administrativas adequadas que proíbam a utilização de armadilhas de mandíbulas ou

utilização de métodos de armadilhagem conformes às normas internacionalmente aceites de armadilhagem sem crueldade para as 13 espécies animais visadas (Anexo I do Regulamento da UE).

1.2

Note-se que o Parlamento Europeu preconiza, no seu parecer, a proibição da venda de armadilhas de mandíbulas e de peles e produtos manufacturados com peles de animais capturados com este tipo de armadilhas. Este parecer não foi tido em consideração pelo Conselho no regulamento que adoptou em 1991.

1.3

Embora a utilização de armadilhas de mandíbulas esteja proibida na UE desde 1995, o mesmo não acontece nos países que exportam produtos manufacturados com peles de animais capturados com armadilhas de mandíbulas.

No seu parecer de 1990 (2), o CESE não só apoia a proibição de armadilhas de mandíbulas na Europa, como também propõe alargá-la ao resto do mundo, ao mesmo tempo que salienta a importância de uma tomada de posição coerente.

2.   O acordo

2.1

No seguimento da legislação comunitária sobre armadilhas de mandíbulas, a aplicação de normas internacionalmente reconhecidas de armadilhagem tornou-se uma necessidade premente. Foi negociado um acordo entre a UE, o Canadá, a Rússia e os EUA, o qual não foi, no entanto, assinado pelos EUA. Esta circunstância deve-se ao facto de nos EUA haver um sistema de descentralização de competências nesta área. Todavia, os EUA concordaram em pôr em prática uma versão atenuada do acordo.

2.2

O acordo foi negociado para prevenir eventuais importações para a Europa de peles e produtos manufacturados com peles de animais selvagens provenientes de países que permitem a utilização de armadilhas de mandíbulas.

2.3

No seu parecer, o Parlamento Europeu critica a total inadequação e ineficácia do acordo, considerando que este deveria ter sido rejeitado e, em vez disso, imposta uma proibição de importações de peles e produtos manufacturados com peles dos animais selvagens enumerados no acordo.

2.4

O acordo estabelece determinadas normas a respeitar quando da captura dos animais. Foi ratificado pela Comunidade Europeia em 1997. As normas de armadilhagem estabelecidas no acordo reflectem os normativos existentes na Rússia, no Canadá e nos EUA. A inclusão do termo «sem crueldade» gerou muita controvérsia pelo facto de as normas se basearem na aceitação de um nível elevado de sofrimento dos animais capturados.

2.5

Pareceres científicos (incluindo o do Comité Científico Veterinário da Comissão) confirmaram que os métodos de armadilhagem sem crueldade incluídos no acordo não excluem níveis de sofrimento inaceitáveis.

2.6

O Comité Científico salientou que os principais critérios para julgar em que medida há crueldade são o tempo decorrido até à perda da consciência e da sensibilidade do animal e a intensidade da dor e do stress causados ao animal durante este período. O Comité conclui que uma armadilha para ser considerada «não cruel» deve fazer com que o animal perca a consciência e a sensibilidade, senão imediatamente, pelo menos dentro de alguns segundos. Como o acordo fixa um limite máximo de 5 minutos, considera-se que o termo «sem crueldade» é inadequado.

2.7

O Comité conclui ainda que o grau de sofrimento mencionado no acordo não tem uma base científica válida, em comparação com outros métodos bem estabelecidos de avaliação de indicadores reconhecidos como sinais de mal-estar.

2.8

A aplicação do acordo encontra-se pendente da ratificação da Rússia. Até ao momento, apenas a UE e o Canadá ratificaram o acordo. No entanto, o Canadá e a UE concordaram em começar desde já a aplicar as disposições do acordo.

3.   Síntese da proposta da Comissão

3.1

A proposta da Comissão relativa a uma directiva que introduz normas de armadilhagem sem crueldade para determinadas espécies animais (3) visa transpor as disposições do acordo internacional sobre normas de armadilhagem sem crueldade para a legislação comunitária, como previsto nas Decisões 98/142/CE e 98/487/CE do Conselho.

3.2

A proposta abrange 19 espécies animais selvagens (5 das quais vivem na UE), enumeradas no Anexo 1.

3.3

A proposta define obrigações e requisitos no que diz respeito a métodos de armadilhagem, utilização de armadilhas, utilizadores de armadilhas, investigação, sanções e certificação. O texto inclui também derrogações e dois anexos (anexos II e III) relacionados com normas de armadilhagem sem crueldade e o teste dos métodos de armadilhagem.

3.4

A proposta salienta que os Estados-Membros podem ser autorizados a aplicar legislação mais rigorosa neste domínio e que o regulamento comunitário de 1991, que proíbe a utilização de armadilhas de mandíbulas, continua em vigor. A execução e aplicação das normas competem aos Estados-Membros e às respectivas autoridades competentes. A proposta não prevê financiamento através de uma rubrica orçamental, pelo que os Estados-Membros deverão libertar meios financeiros para cobrir os custos.

II   OBSERVAÇÕES

4.   Emprego do termo «normas de armadilhagem sem crueldade»

4.1

Para o CESE, o emprego do termo «sem crueldade» (4) na proposta é controverso. O artigo 2.o define «métodos de armadilhagem», mas não inclui uma definição de «normas de armadilhagem sem crueldade». Com efeito, o texto do acordo (que serviu de inspiração à proposta) reconhece no preâmbulo a ausência de normas de armadilhagem internacionalmente reconhecidas e, de um modo geral, entende por «sem crueldade» normas que têm por objectivo «garantir um nível suficiente de bem-estar aos animais capturados com armadilhas».

4.2

Quando da negociação do acordo, o Comité Científico Veterinário da Comissão (5) comentara que as normas nele contidas não podiam ser definidas como «sem crueldade» (como já foi referido), dado que o tempo-limite permitido até à perda da consciência e da sensibilidade dos animais capturados ultrapassava largamente o período de tempo aceitável (morte instantânea). A proposta incide especialmente nos métodos de armadilhagem de mamíferos semi-aquáticos, em que podem decorrer 15 minutos até à morte do animal.

4.3

Por conseguinte, o Comité recomenda que a designação «sem crueldade» seja substituída no texto final da legislação comunitária por um termo alternativo e mais apropriado, pelo menos até que as normas de armadilhagem cumpram os requisitos acima descritos.

5.   Armadilhas

5.1

A proposta abrange dois tipos de armadilhas: as armadilhas para matar e para imobilizar. No tocante às armadilhas para matar, as normas fixadas na proposta não respeitam as normas científicas adoptadas pela Comunidade, as quais recomendam a morte instantânea ou um tempo máximo de 30 segundos até ocorrer a morte do animal. Quanto às armadilhas para imobilizar (armadilhas para capturar animais vivos), a proposta não prevê disposições relativas às armadilhas, nem descreve os objectivos que levam à captura dos animais. Acresce que a proposta não define níveis de bem-estar em caso de morte dos animais capturados. Isto significa que a situação em que um animal capturado numa armadilha para imobilizar é abatido não se encontra regulada.

A proposta também não garante que os métodos de armadilhagem autorizados não possam matar acidentalmente ou imobilizar outras espécies que não as enumeradas. As normas de armadilhagem devem assegurar que o risco seja o mais reduzido possível.

6.   Testes

6.1

As disposições técnicas relativas ao teste dos métodos de armadilhagem previstas na proposta não excluem a utilização de animais vivos. Contudo, a proposta define os requisitos mínimos para a realização de testes de campo e em recinto confinado. Os testes executados por uma Parte do acordo podem ser reconhecidos pelas outras Partes.

6.2

Contudo, para que os resultados sejam válidos, os testes têm de ser executados em condições iguais àquelas para que se destinam as armadilhas. No entanto, os parâmetros baseados nos resultados de testes realizados em recinto confinado não poderão ser utilizados para avaliar o bem-estar de animais selvagens. Face ao exposto, dever-se-ia interditar a realização de testes com animais e recorrer exclusivamente a testes realizados por simulação computacional.

7.   Derrogações

7.1

A proposta prevê eventuais derrogações que, a serem aplicadas, poriam em causa a própria proposta. O CESE considera que as derrogações devem incidir exclusivamente sobre a segurança pública e a saúde humana e animal. Neste caso, as autoridades públicas deveriam notificar imediatamente os operadores no terreno (por exemplo, agricultores) afectados por este tipo de problemas, e solicitar aos mesmos aconselhamento. O CESE tem algumas reservas quanto às derrogações propostas.

7.2

Devido à dificuldade de implementar um sistema de monitorização e controlo no meio natural onde são instaladas as armadilhas, as derrogações propostas pela Comissão (à excepção das atrás referidas) contribuiriam para diminuir a transparência e a responsabilidade das Partes do acordo.

8.   Utilizadores de armadilhas

8.1

A proposta prevê um sistema de autorizações e a formação específica dos utilizadores de armadilhas. No entanto, a questão das licenças não é referida e o controlo dos métodos de armadilhagem utilizados é praticamente impossível pelo facto de ter de ser efectuado no meio natural. O CESE recomenda a criação e harmonização a nível comunitário de um sistema rigoroso de licenças.

9.   Certificação

9.1

A proposta da Comissão delega nos Estados-Membros a certificação dos métodos de armadilhagem utilizados e obriga ao reconhecimento mútuo dos certificados pelos Estados-Membros.

Embora este sistema não seja susceptível de criar problemas de implementação na UE, dever-se-ia prever igualmente um sistema de certificação internacional. Com efeito, há necessidade de introduzir um sistema normalizado de certificação, bem como um sistema de rastreabilidade, entre as Partes do acordo. Este sistema contribuiria para garantir a transparência e a execução efectiva do acordo.

10.   Sanções

10.1

A proposta da Comissão prevê um regime de sanções aplicável em caso de violação das disposições. Todavia, tendo em conta que em alguns Estados-Membros a violação da legislação sobre bem-estar dos animais é punível pelo direito penal, o CESE recomenda que a aplicação de sanções cumpra os normativos nacionais.

11.   Conclusões

11.1

O CESE considera que as normas de armadilhagem sem crueldade constantes da proposta não podem ser definidas como sendo «não cruéis», uma vez que apenas reflectem as normas indicadas no acordo. As normas do acordo são menos rigorosas do que as normas sobre bem-estar dos animais previstas na legislação comunitária. Por conseguinte, o CESE recomenda que, no texto final da legislação, se substitua a designação «sem crueldade» por um termo mais apropriado.

11.2

Relativamente às armadilhas, o CESE é de opinião que apenas a morte instantânea deveria ser considerada, sendo necessário especificar as situações em que podem ser utilizadas armadilhas para imobilizar. Por outro lado, sempre que haja lugar ao abate dos animais imobilizados, o método utilizado deveria, na medida do possível, ser regulamentado em harmonia com a legislação sobre bem-estar dos animais.

11.3

O CESE é de opinião que as armadilhas sub-aquáticas devem ser proibidas, tendo em conta que o Comité Científico Veterinário da Comissão as considera um método cruel em que o animal submerso morre lentamente por asfixia.

11.4

O CESE nota que, apesar de a proposta prever disposições aplicáveis aos testes das armadilhas, não há qualquer base científica que justifique a aplicação a animais selvagens de parâmetros baseados em resultados de testes realizados em recintos confinados. Por conseguinte, o CESE recomenda que se proíba a realização de testes com animais e se recorra, em vez disso, à simulação em computador.

11.5

O CESE considera que grande parte das derrogações previstas na proposta podem permitir aos interessados, em determinados casos, subtrair-se à lei, e recomenda, portanto, que as autoridades competentes prevejam derrogações relacionadas com a segurança pública e a saúde humana e animal. Este aspecto é importante devido à dificuldade que há em aplicar sistemas de controlo e monitorização no meio natural.

11.6

Para o CESE, a UE deveria dispor de um sistema transparente de concessão de licenças aos utilizadores de armadilhas. Segundo a proposta, as acções de formação e a especificação dos requisitos de licenciamento para utilizadores de armadilhas incumbem às autoridades dos Estados-Membros. O CESE receia que daí possa resultar uma falta de harmonização prejudicial à aplicação das normas de bem-estar na UE.

11.7

O CESE é, pois, a favor de um sistema eficaz de certificação e rastreabilidade entre as Partes do acordo, por forma a garantir eficácia.

11.8

O CESE recomenda que a aplicação de sanções por violação da legislação sobre bem-estar dos animais cumpra os normativos nacionais.

11.9

O CESE recomenda que o calendário de aplicação das disposições estabelecido na proposta seja mais rígido. Nesta prevê-se que as normas respeitantes a armadilhas e métodos de armadilhagem sejam cumpridas a partir de 2009 e 2012, respectivamente. O CESE desejaria a aplicação das disposições o mais rapidamente possível.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Regulamento n.o 3254/91 do Conselho, JO L 308 de 9/11/1991, pág. 1.

(2)  Parecer sobre a proposta de Regulamento (CEE) do Conselho relativo à importação de certas peles, JO C 168 de 10/07/1990, pág. 32.

(3)  COM(2004) 532 final.

(4)  Em Fevereiro de 1994, o comité de trabalho criado pela Organização Internacional de Normalização (ISO) para debater as normas de armadilhagem sem crueldade decidiu suprimir a expressão «sem crueldade» do título das normas. Nessa altura, ficou acordado suprimir todas as referências «sem crueldade», embora não se tenha chegado a acordo quanto às normas de armadilhagem. Durante as negociações da ISO, os veterinários europeus salientaram que a morte do animal deve ocorrer num período máximo de 15 segundos e que todos os métodos que ultrapassem este limite não podem ser considerados «sem crueldade», especialmente as armadilhas sub-aquáticas. Estes aspectos, entre outros, não foram tidos em conta quando da redacção do texto final do acordo.

O parecer do Comité Científico Veterinário da Comissão Europeia (1994) concluiu que uma armadilha para ser considerada «sem crueldade» tem de tornar o animal imediatamente insensível à dor, acrescentando que dever-se-ia também prestar mais atenção à concepção das armadilhas, tendo em conta o comportamento das espécies animais não visadas, por forma a evitar a captura ou o ferimento das mesmas. O comité concluiu que a escala de ferimentos, pelo facto de não ter qualquer fundamento científico, é inaceitável como medida «não cruel».

(5)  Parecer do Comité Científico emitido ao abrigo da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES), 1995; Parecer do Comité Científico, DG Agricultura, 1994.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/74


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 87/328/CEE relativa ao armazenamento de sémen de bovinos destinado ao comércio intracomunitário»

COM(2004) 563 final — 2004/0188 (CNS)

(2005/C 157/12)

Em 20 de Setembro de 2004, o Conselho da União Europeia decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 37.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 16 de Novembro de 2004. Foi relator Leif E. NIELSEN.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 139 votos a favor e 7 abstenções o presente parecer.

1.   Síntese da proposta da Comissão

1.1

A Directiva 88/407/CEE do Conselho prevê uma série de exigências de polícia sanitária aplicáveis às trocas comerciais intracomunitárias e às importações de sémen de animais reprodutores de raça pura da espécie bovina. Apesar das reservas expressas no parecer do CESE, a directiva foi alterada em 2003 de forma a permitir que o sémen seja armazenado não só em «centros de colheita de sémen» (com produção própria), mas, igualmente, em «centros de armazenagem de sémen» (sem produção própria) (1).

1.2

«De modo a evitar qualquer confusão com o âmbito de aplicação e com as definições», a Comissão propõe agora uma alteração das regras correspondentes previstas na Directiva 87/328/CEE do Conselho quanto à autorização de animais reprodutores de raça pura, colocando doravante os centros de armazenagem de sémen ao mesmo nível que os centros de colheita de sémen para efeitos de recolha, tratamento e armazenagem.

2.   Observações na generalidade

2.1

A Comissão deveria ter tido em conta a necessidade de uma alteração correspondente da Directiva 87/328/CEE para a harmonizar com a modificação da Directiva 88/407/CEE do Conselho, sobretudo para assegurar a necessária coerência da legislação comunitária. Isso teria evitado a actual confusão e incerteza quanto ao âmbito de aplicação e às definições, assim como o actual processo legislativo adicional.

2.2

Além disso, a proposta de reformulação do artigo 4.o da Directiva 87/328/CEE dá a impressão de que o âmbito dos centros de armazenagem autorizados será alargado para abranger a recolha e o tratamento do sémen de bovino, criando assim um sistema paralelo de centros de recolha ao lado do actual. Essa medida seria descabida, dadas as circunstâncias, e uma leitura mais atenta demonstra que não pode ser essa a intenção. A alteração deve, pois, ser formulada de modo a evitar qualquer mal-entendido.

3.   Conclusão

3.1

O CESE está consciente de que, apesar das suas objecções de 2002, os centros de armazenagem para a distribuição de sémen de bovino foram autorizados ao abrigo da Directiva 2003/43/CE do Conselho e reconhece que a alteração agora proposta, e que deveria ter sido adoptada em simultâneo com a decisão de 2003, é necessária no interesse da coerência da legislação comunitária. No entanto, a formulação pode prestar-se a mal-entendidos e deve por isso ser clarificada.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Directiva 2003/43/CE, JO L 143 de 11/6/2003, p. 23.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/75


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Acompanhar as mutações estruturais: Uma política industrial para a Europa alargada»

COM(2004) 274 final

(2005/C 157/13)

Em 20 de Abril de 2004, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação «Acompanhar as mutações estruturais: Uma política industrial para a Europa alargada»

A Comissão Consultiva das Mutações Industriais, incumbida da elaboração dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 2 de Dezembro de 2004. Relator: VAN IERSEL e co-relator: LEGELIUS.

Na 413.a reunião plenária, de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 142 votos a favor, 1 voto contra e 9 abstenções, o presente parecer.

Síntese

Decorridos vários anos, a política industrial voltou a constar da ordem do dia europeia. Na verdade, na última década houve medidas específicas de política industrial e abordagens temáticas, que nem sempre foram objecto de coordenação adequada, nem equilibradas de um ponto de vista das empresas europeias. O contexto internacional em mutação — desempenhando os EUA, a China e a Índia um papel preponderante — exige uma reflexão e maiores esforços. Chegou a altura de reavaliar a indústria transformadora e de clarificar a complexa inter-relação entre indústria e serviços.

Na opinião do Comité, constitui um importante desafio a sensibilização do público em geral. O público deve dispor de dados e análises transparentes, a fim de promover um consenso e o apoio de público. O CESE apoia sem reservas os três eixos estratégicos: «legislar melhor»; uma abordagem integrada ao nível comunitário; políticas sectoriais com medidas específicas e adaptadas. «Legislar melhor» significa uma séria avaliação das actuais e das novas medidas. A abordagem integrada significa uma efectiva coordenação das políticas comunitárias e nacionais. Um aspecto particularmente novo neste documento da Comissão é a dimensão sectorial e as abordagens «por medida». Não obstante determinados denominadores comuns, varia a situação nos diversos sectores. A Comissão efectuou um certo número de análises sectoriais e prevêem-se ainda mais. O CESE apoia esta prática como base para a «nova visão» de política industrial.

O Comité considera a política industrial um instrumento útil para colocar a economia europeia na vanguarda da competitividade, do conhecimento e da sustentabilidade, como pretende a Estratégia de Lisboa. Para tal, as análises e políticas deverão ser alinhadas de modo mais directo às dinâmicas dos diferentes sectores e empresas envolvidos. A «nova visão» da política industrial baseia-se, sem dúvida, na conformidade com o mercado e no processo de liberalização. Inclui igualmente, todavia, características específicas dos sectores, tais como as consultas em curso do sector empresarial, regulamentação, supressão das barreiras não comerciais, IDT, comércio e gestão de recursos humanos. Além disso, implica o estabelecimento de plataformas tecnológicas que poderão criar novas alianças privado-privado e público-privado na Europa, tais como entre universidades, centros de investigação e empresas.

Será desejável uma melhor coordenação na Comissão (por exemplo, sob os auspícios da DG-Empresa) e no Conselho de Ministros, a fim de promover a visibilidade e incentivar sinergias. Para tal, seria bem acolhido um plano de acção intercalar aprovado pela Comissão e pelo Conselho Competitividade. O CESE urge que a revisão intercalar da Estratégia de Lisboa, em 2005, deverá ter em conta a «nova visão» de política industrial.

1.   Introdução

1.1

A política industrial está na ordem do dia da integração europeia desde a primeira hora. O Tratado CECA previa objectivos e instrumentos específicos para os sectores do carvão e do aço. O Tratado CEE previa uma abordagem mais generalizada, em que a realização do mercado interno era, e continua a ser, uma prioridade.

1.2

Tem havido medidas específicas de política industrial ao nível comunitário focando objectivos afins, tais como objectivos ambientais, IDT e sociais. Com o tempo, as abordagens sectoriais foram substituídas por abordagens temáticas, que nem sempre foram objecto de coordenação adequada, nem equilibradas de um ponto de vista das empresas europeias.

1.3

Além de políticas generalizadas, aplicaram-se algumas políticas sectoriais em vista da liberalização dos mercados, tais como nos sectores da energia e das telecomunicações. Iniciaram-se alguns projectos industriais europeus, tais como o GALILEO.

1.4

As constantes mutações industriais e a globalização requerem actualmente novos ajustamentos da abordagem por parte da indústria e do poder público, a fim de fomentar a competitividade europeia. A Comissão publicou, em Julho último, uma análise impressionante da situação e perspectivas das indústrias europeias no actual contexto mundial, caracterizado por um forte dinamismo em outras regiões do globo (1). Este dinamismo poderá influenciar as estratégias de investimento das empresas europeias. A Europa tem necessidade de um avanço tecnológico para apoiar a competitividade na maior parte dos sectores.

1.5

No âmbito da Estratégia de Lisboa, o Conselho Europeu e outros conselhos, tais como o ECOFIN e o Conselho Competitividade, debateram e continuam a debater várias comunicações e propostas concretas da Comissão em vista de melhorar as condições macro e micro-económicas para a indústria. Prevaleceu uma abordagem horizontal da política nestes documentos e debates. Durante alguns anos evitou-se, candidamente, a expressão «política industrial». Avivava demasiadas lembranças de intervenções e subsídios estatais que entravavam a criação de um campo leal num mercado interno em bom funcionamento. Entretanto, estas intervenções foram abolidas gradualmente.

1.6

Encontram-se actualmente em exame novas visões de política industrial. Foi neste contexto adoptada a comunicação sobre «Política industrial numa Europa alargada» em 2002 (2).

1.7

O Conselho Europeu da Primavera de 2003 incumbiu o Conselho Competitividade da revisão «periódica das questões tanto horizontais como sectoriais» (3).

1.8

A Comissão publicou, em Abril de 2004, uma segunda comunicação sobre política industrial, objecto do presente parecer (4).

1.9

Estas iniciativas, e o resultado dos debates até ao presente, conduziram o comissário LIIKANEN a afirmar, em Maio de 2004, que, contrariamente às previsões de meados da década de 1990, «a política industrial da UE encontra-se de novo no topo da ordem do dia política da Europa» (5).

1.10

O CESE acolhe com satisfação a mudança de atitude perante a política industrial, que se reveste de actualidade. Partilha da opinião de que, evitando-se os erros do passado, seria preferível prestar particular atenção aos interesses industriais e à dimensão sectorial. A experiência e a perícia neste domínio, representado pela CCMI, poderão ser de utilidade para o futuro. Políticas industriais e sectoriais adequadas contribuirão de modo significativo para os objectivos da Estratégia de Lisboa.

2.   Pontos de vista da Comissão num contexto em mutação

2.1

Actualmente, o factor primordial é a mudança de contexto na economia mundial. Tal exige novas abordagens. Segundo a Comissão, a política industrial no futuro deverá orientar-se em torno de três eixos:

a indústria não deve ser sobrecarregada com legislação e regulamentação. Tal implica uma séria avaliação das actuais e das novas medidas;

é necessária uma abordagem integrada ao nível comunitário para reforçar a competitividade da indústria; (6)

as necessidades específicas dos diferentes sectores industriais deverão ser tidas em conta.

2.2

Esta abordagem, cautelosamente anunciada pela Comissão em 2002, significa um passo em frente. O documento anterior da Comissão sobre política industrial data de 1990 (7). Factores decisivos, desde então, contribuíram para reduzir a importância da política industrial em favor de políticas essencialmente horizontais.

2.3

A Estratégia de Lisboa foi concebida, em 2000, para colocar a economia europeia na vanguarda do conhecimento e da competitividade. Esta estratégia tem padecido de uma certa inactividade. Em vez disso, verificou-se uma diminuição do crescimento da produtividade e um aumento do desemprego. Surgiram ainda receios sobre a deslocalização das indústrias (8).

2.4

Assim, são necessárias análises mais precisas sobre:

produtividade e desemprego;

quais são as realidades factuais da deslocalização?

qual o impacto global da indústria para a Europa e na Europa?

como aplicar uma política integrada comunitária para a indústria?

como definir e elaborar abordagens sectoriais?

2.5

O documento da Comissão de 2002 (9) fixa o calendário para as mutações. Introduz um novo conteúdo para a «política industrial». Mas esta política é formulada em termos bastante abstractos, conjugando todas as políticas comunitárias com relevância directa para a indústria, sem apresentar métodos ou processos concretos sobre o papel de tomada de decisão e coordenação das instituições europeias, particularmente da Comissão.

2.6

O documento «Acompanhar as mutações estruturais», de Abril de 2004, publicado sob a égide do comissário LIIKANEN e da DG-Empresas, é mais substancial. Na sua análise, este documento vai ao cerne da questão:

apresentando alguns dados ilustrativos da produção e do emprego na indústria transformadora, igualmente comparados com evoluções no resto do mundo;

apresentando desenvolvimentos sectoriais, dando uma imagem mais precisa do que está em causa nos vários sectores com uma prospectiva muito diferente;

2.7

A Comissão começa por uma dinâmica em curso, mas salienta simultaneamente que esta dinâmica pode ser condicionada de modo positivo através da antecipação e identificação de problemas e da promoção de factores de crescimento.

2.8

A análise na generalidade confirma a diminuição do crescimento da produtividade na Europa, o desnível em relação aos desenvolvimentos nos EUA e o desempenho decepcionante da indústria, em particular nos sectores de alta tecnologia. Com notáveis excepções, tais como a Finlândia e a Suécia, é bastante alarmante, segundo a Comissão, a relativa escassez da despesa em IDT nas empresas europeias, devida em parte à ausência de investimento suficiente do sector privado, em comparação com as empresas americanas, Além disso, verifica-se um rápido aumento das capacidades baseadas no conhecimento na China e na Índia.

2.9

A Comissão refere — e vale a pena referi-lo também aqui — um inquérito realizado em 2002 entre as companhias mais importantes pela Mesa Redonda Europeia de Industriais, do qual se deduz que parte dessas companhias pretende localizar novas actividade de I&D for a da Europa, se o quadro regulamentar não for melhorado (10).

2.10

Embora a indústria europeia tenha um bom desempenho em sectores tradicionalmente fortes, tais como engenharia, química, telecomunicações e a indústria automóvel, novos concorrentes fazem a sua aparição. A China e a Índia começam a fazer concorrência com sucesso tanto em sectores tradicionais, como nos de alta tecnologia. Neste caso, verifica-se uma ligação directa com a deslocalização de companhias europeias.

2.11

Observa-se actualmente um processo de ajustamento à escala mundial. Este ajustamento é necessário em virtude da globalização, a qual, por sua vez, também é fonte de novas oportunidades. Há análises divergentes a este respeito, mas a Comissão observa que surgem sinais que suscitam preocupação.

2.12

Quanto ao alargamento, verifica-se um aumento dos investimentos dos Estados-Membros da UE-15 nos novos Estados-Membros. Uma vez que estes investimentos passam a ser internos à UE, o bom funcionamento do mercado interno é cada vez mais necessário em relação, por exemplo, às normas ambientais e laborais.

2.13

Como as empresas têm de fazer frente à concorrência nos mercados abertos no quadro definido pela OMC, a Comissão afirma que compete à UE e aos Estados-Membros dar uma resposta clara ao processo de mutações dinâmicas através de várias acções, por exemplo:

«legislar melhor»;

uma abordagem integrada das diferentes políticas em vista da competitividade;

ter plenamente em conta as necessidades específicas dos diferentes sectores industriais.

2.14

A Comissão preconiza uma avaliação de impacto pormenorizada da regulamentação e legislação em vigor, bem como das futuras medidas. É necessária uma cooperação mais estreita entre os Estados-Membros e a UE, uma vez que muitas regras são aplicadas ao nível nacional. A Comissão urge o Conselho Competitividade a desempenhar um papel importante e transparente neste processo.

2.15

A Comissão sugere que é possível uma sinergia entre políticas, bastando uma consulta adequada em sintonia com os legisladores, em estreita cooperação com os círculos industriais.

2.16

O mesmo se aplica à IDT. Tal terá, sem dúvida, repercussões financeiras para a UE e igualmente ao nível nacional. O que vai ao cerne da Estratégia de Lisboa. A Comissão proporá, no próximo ano, novas orientações para a investigação no sector da indústria transformadora e para as ajudas estatais à inovação. Plataformas tecnológicas podem ter um papel muito útil a desempenhar.

2.17

Algumas políticas orientam-se directamente para a criação de um ambiente favorável à competitividade, ou seja, política de concorrência e abolição dos obstáculos ao comércio. A Comissão afirma, todavia, que muitas vezes é possível e necessária uma maior sofisticação na aplicação destas políticas.

2.18

A Comissão argumenta que as políticas de coesão podem ser úteis para a promoção das mutações estruturais regionais no respeitante ao funcionamento dos mercados de trabalho (11). O mesmo se pode dizer a respeito de conciliar melhor desenvolvimento sustentável e competitividade.

2.19

Uma vez que o mundo é o terreno de jogo, a Comissão preconiza um «terreno de jogo igual para todos» com base nas normas internacionais. As normas comunitárias são na generalidade mais elevadas do que nas outras regiões concorrentes do mundo. Assim, haverá que estabelecer um certo nível de equidade, ou por via bilateral, ou no âmbito da OMC. Este problema não deveria ser resolvido mediante uma adaptação das normas europeias às do resto do mundo; antes, a Europa deverá promover iniciativas, tal como na execução do Protocolo de Quioto, para elevar as normas de outras partes do mundo através de uma acção adequada junto de todas as instituições internacionais.

2.20

Todas estas questões têm sido objecto de debate ao nível comunitário. A tónica colocada na «competitividade» é decisiva. As evoluções ultra-rápidas nos mercados mundiais obrigam a Europa a tomar medidas.

2.21

O que é particularmente novo neste documento da Comissão é a dimensão sectorial. A Comissão efectuou, durante vários anos, estudos aprofundados dos sectores, muitas vezes baseados em consultas com organizações sectoriais ao nível comunitário.

2.22

Apresentaram-se propostas interessantes, que foram igualmente objecto de debate no CESE, por exemplo, sobre a indústria farmacêutica (CESE 842/2004), têxteis e vestuário (CESE 62/2004 fin); aditamento a parecer da CCMI, (CESE 528/2004); construção e reparação naval (CESE 397/2004 fin); aditamento a parecer da CCMI, (CESE 478/2004); indústria espacial (CESE 501/2004), indústria farmacêutica (CESE 524/2004); relatório de informação da CCMI (CESE 242/2004), em elaboração) e ciências da vida e biotecnologia (CESE 1010/2002), (CESE 920/2003).

2.23

Varia a situação nos diversos sectores. Há, evidentemente, denominadores comuns, tais como as exigências de qualidade como vantagem competitiva, as TIC como nova «matéria-prima», maior intensidade de capital e maior concorrência internacional, mas são óbvias as disparidades entre sectores. Forte componente tecnológica e fraca componente tecnológica, mão-de-obra intensiva e capital intensivo, bens de consumo e bens de capital, poucos actores de envergadura no mercado e sectores caracterizados por PME, etc. Um quadro fascinante, como afirma a Comissão, que não foi tido em suficiente conta pelos decisores durante longos anos.

2.24

No contexto da «política industrial», as análises e abordagens sectoriais também voltaram à ordem do dia. A Comissão não apresenta neste documento mais iniciativas para os sectores referidos.

2.25

Além destes sectores, a Comissão prevê novas actividades. Anunciam-se, para o próximo ano, vários estudos sobre o sector de engenharia mecânica, a eco-indústria, o sector automóvel, o sector de metais não ferrosos e o sector TIC.

3.   Favorecer as «novas visões» de política industrial — pontos de vista do CESE

3.1

O CESE partilha da opinião de que a dinâmica na economia mundial exige uma atenção renovada. O CESE acolhe com satisfação a reintegração da «política industrial» nas prioridades da ordem do dia comunitária, após longos anos. Certos aspectos da indústria europeia (tais como o ambiente) sempre figuraram na ordem do dia comunitária na última década, mas o Conselho de Ministros negligenciou o debate sobre políticas favoráveis à melhoria coerente das condições de incentivo ao produto na globalidade, e que poderiam promover de modo pró-activo um contexto para investimentos (de valor acrescentado).

3.2

Em retrospectiva, e em vista da actual mudança de direcção para uma abordagem mais centrada na indústria, será útil fazer uma síntese dos principais factores que contribuíram para um clima de tabu em matéria de política industrial.

a incapacidade da intervenção do Estado, na grande maioria dos casos, em tornar a indústria mais forte e mais competitiva a longo prazo;

a abolição das distorções de mercado, injustificadas em termos económicos, e a promoção da igualdade de condições para as actividades industriais na Europa, embora devam ser examinadas, de modo adequado a nível comunitário, medidas específicas de alguns Estados-Membros que distorcem a concorrência;

a tónica global e bem sucedida colocada na liberalização dos mercados;

as expectativas excessivas da «nova economia» e da era pós-industrial;

o ênfase dado à realização da UEM e a de políticas macro-económicas adequadas;

a perda de influência de ministérios da Indústria em alguns Estados-Membros;

3.3

A maior parte do conteúdo da comunicação da Comissão é do conhecimento geral desde há vários anos. Todavia, a diferença em relação aos documentos anteriores está na apresentação e nas ligações entre os diferentes domínios de análise e a acção proposta. As análises e políticas relacionam-se ainda melhor de modo mais directo com as dinâmicas dos diferentes sectores e empresas envolvidos.

3.4

O CESE apoia vigorosamente a preparação de mais estudos aprofundados das evoluções sectoriais em cooperação com as próprias empresas. Os estudos poderão promover o «sentido de urgência», que era igualmente o objectivo da Estratégia de Lisboa em 2000, mas que se esvaneceu gradualmente, em virtude da inacção do Conselho e dos Estados-Membros em matéria de execução das suas próprias medidas e das políticas previamente acordadas. O CESE é de opinião que a revisão intercalar da Estratégia de Lisboa, em 2005, deverá ter em conta a nova visão da política industrial. Poderá ser, no futuro, um pilar fundamental da estratégia.

3.5

A «nova visão» da política industrial baseia-se, sem dúvida, na conformidade com o mercado e no processo de liberalização, mas engloba igualmente outros factores, tais como as características específicas dos sectores; harmonização da legislação em vista do mercado interno; supressão dos obstáculos não pautais; tecnologia e IDT; e recursos humanos.

3.6

Esta política industrial deverá evitar as políticas inadequadas do passado, caracterizadas por diversos tipos de distorções do mercado. A disciplina financeira subjacente à UEM também incentiva prudência em matéria de intervenções estatais, financeiras ou outras, nas empresas. Com excepção de alguns casos especificamente justificados, tem aceitação geral a ideia de que, a longo prazo, as intervenções e ajudas financeiras públicas não servem os interesses das empresas.

3.7

Tendo em conta recentes evoluções à escala mundial, e após vários anos e várias tentativas para concretizar a Estratégia de Lisboa, em particular o fraco crescimento económico na Europa, a produtividade, a aplicação das TIC e a deslocalização do investimento, chegou a altura de efectuar uma reavaliação da indústria transformadora e de tomar medidas concretas para as abordagens sectoriais. Estas medidas deverão focar actividades mais adequadas às condições socioeconómicas da Europa, em particular actividades de mão-de-obra intensiva altamente qualificada, tanto em funções operacionais como administrativas (por exemplo, a manufactura de equipamento e sistemas industriais por medida: i.e. robótica, instrumentos, equipamento de controlo, etc.). O CESE apoia sem reservas esta abordagem e este objectivo.

3.8

Uma questão importante prende-se com a sensibilização do público em geral para a necessidade de uma indústria sólida. Este objectivo requer a divulgação de dados e análises transparentes. No mesmo contexto, os decisores europeus e nacionais deveriam prestar particular atenção a aspectos como a coerência das políticas comunitárias, harmonização das legislações nacionais na UE e relativa harmonização das normas europeias e mundiais (e.g. OMC).

3.9

A sensibilização do público conduzirá ao consenso e estimulará o seu público. A política industrial não se pode limitar a grupos selectivos de pessoas directamente envolvidas no governo ou nas empresas. Esta questão implica toda a sociedade em geral. A saúde da indústria transformadora europeia serve os interesses de todos. Há que promover a imagem da indústria em todos os domínios afins, por exemplo no domínio da educação — não só profissional, mas também na educação geral, tendo em vista estimular a aquisição de capacidades técnicas.

3.10

Tem que ficar mais clara para a opinião pública a estreita interligação das cadeias de valor acrescentado na indústria. Assim, por exemplo, toda a indústria ligada à transformação do aço, incluindo a indústria automóvel, depende de um aprovisionamento de aço suficiente e a bom preço, cuja produção depende, por sua vez, de um aprovisionamento em matérias-primas suficiente e a bom preço.

3.11

Subjacente a esta questão há necessidade de esclarecer a relação entre indústria e serviços. Com efeito, a tendência na economia vai no sentido de uma indústria de serviços, mas muitos serviços dependem directamente da indústria, em virtude da subcontratação, uma tendência que perdurará. Por outro lado, os serviços sofisticados têm uma importância primordial para o desempenho de alta qualidade e tecnologia de ponta na indústria. Em muitos aspectos formam um todo. Na dinâmica actual a divisória entre indústria e serviços tende a desaparecer.

3.12

O CESE entende que a Comissão tem de desempenhar um papel activo neste processo. Colocar a política industrial na ordem do dia já contribui por si só para o objectivo de sensibilização. Mas há muito mais a fazer. Em primeiro lugar, devem-se melhorar as análises, os dados e a respectiva divulgação em matéria de:

Europa industrial, tanto em termos de produção como de emprego;

sectores individuais e agrupamentos;

interacção entre indústria e serviços;

interacções tecnológicas;

desenvolvimento da própria indústria de serviços;

comparações à escala mundial.

3.13

As análises devem ter igualmente em conta as diferenças de estrutura nos Estados-Membros, uma vez que alguns países e regiões têm bases industriais mais fortes do que outros. Um conhecimento profundo dos principais sectores industriais contribuirá para melhorar a objectividade do debate sobre as tendências e as consequências da dinâmica na economia mundial.

3.14

Dados correctos são a base de qualquer abordagem sectorial. Efectuam-se muitos estudos sobre as empresas, à escala nacional ou académica (12). O CESE preconiza a recolha dos resultados de tais estudos ao nível comunitário, com apoio do EUROSTAT, a fim de criar bases de dados europeias, fiáveis e dinâmicas, sobre a indústria e serviços, e de efectuar análises SWOT (pontos fortes, pontos fracos, oportunidades e riscos). Estatísticas abrangentes e claras transmitirão uma imagem ininterrupta das mutações em curso. Os cinquenta anos das estatísticas CECA do EUROSTAT poderão dar o exemplo, após uma adequada adaptação.

3.15

A Comissão coloca a tónica, com razão, numa abordagem integrada das políticas, tais como sistemas nacionais de tributação das empresas, comércio, propriedade intelectual, I&D, ambiente, mercado de trabalho, formação e educação. O CESE aplaude vivamente este objectivo, que não deu provas durante longos anos, não só ao nível comunitário, como ao nível dos Estados-Membros.

3.16

Não é a primeira vez que se advoga uma abordagem integrada. Tal abordagem, infelizmente, é difícil de aplicar num ambiente complexo em que as instituições europeias têm de abranger 25 Estados-Membros. Uma solução viável seria uma definição por parte do Conselho Competitividade, e em colaboração com a Comissão, de um plano de acção intercalar, com uma avaliação anual (13).

3.17

Igualmente necessário é que qualquer política deste plano de acção relativa à competitividade da indústria tenha em conta, de modo equilibrado, os diferentes objectivos de política comunitária. Tal nem sempre tem acontecido no passado (14). Assim, será necessária uma melhor exploração das sinergias entre políticas comunitárias.

3.18

Prevê-se que o debate e aprovação, no Conselho Competitividade, das regras de procedimento e do plano de acção, conduzirá os Estados-Membros a adoptar medidas similares para a indústria na generalidade, bem como para os assuntos de competência dos Estados-Membros. Tal aumentará igualmente o peso dos ministérios da Indústria nos Estados-Membros.

3.19

A evolução do quadro regulamentar implica, entre outros, simplificação e uma legislação comunitária eficaz. Não se deve limitar a novas regulamentações. «Legislar melhor» vale tanto para o passado como para o futuro. A proposta da presidência holandesa no sentido de prestar maior atenção à simplificação da legislação, e à diminuição da carga administrativa, deverá ser desenvolvida (15). É necessário coordenar as directivas e regulamentos de objectivos gerais (políticas horizontais) relativos à segurança industrial, poupança de energia, resíduos, etc., porque se encontram interligadas e, muitas vezes, os efeitos são contraditórios. As directivas relativas ao ambiente têm particular impacto. Uma vez que estas directivas se centram sobretudo nos objectivos, sem harmonizarem os processos de execução, a aplicação inconsistente pelos Estados-Membros propende a distorcer o mercado. A avaliação de impacto e a realização são extremamente importantes, uma vez que a credibilidade das políticas depende da sua eficácia.

3.20

Alguns aspectos são de particular interesse para os novos Estados-Membros, que não se devem limitar a captar investimentos estrangeiros por razões de custos; a fim de reforçarem as capacidades sustentáveis das suas economias, deverão igualmente diversificar a sua própria actividade industrial. Prevêem-se grandes desafios no futuro, tais como a melhoria das políticas ambientais, tónica colocada na formação e desenvolvimento das qualificações, e empenho de todas as partes interessadas no sector industrial através de um diálogo social inter alia.

3.21

Deve-se desenvolver o controlo do mercado, quanto a produtos provenientes de países terceiros. A competitividade leal só poderá ser efectiva se houver igualdade de aplicação das regras à escala mundial. A este respeito, O CESE apela a Comissão no sentido de envidar esforços para garantir o cumprimento por todos os actores globais de normas adequadas em matéria laboral, ambiental e de produtos.

3.22

Outro elemento importante da política industrial é a salvaguarda de um terreno de jogo igual para todos em matéria de comércio. As práticas de distorção do mercado por países terceiros, tais como ajudas estatais e dumping, deverão ser submetidas a um acompanhamento sistemático e pormenorizado da Comissão. Devem-se executar medidas de política comercial de modo decisivo, sempre que se cumpram os critérios relevantes.

3.23

A par de «Legislar melhor» e da promoção de sinergias entre políticas comunitárias, o terceiro pilar da nova política industrial é a abordagem sectorial, uma abordagem que se baseia na conformidade do mercado e em mercados abertos, e que se coaduna com as úteis políticas horizontais. O CESE apoia sem reservas este objectivo, que, na prática, já está em curso. Uma vez que a abordagem sectorial se centra em características e desenvolvimentos específicos de sectores individuais, poderá beneficiar os outros dois pilares, designadamente «legislar melhor» e a promoção de sinergias entre políticas comunitárias. A política ambiental, a formação profissional e os programas de investigação e desenvolvimento poderão ser formulados e executados com maior sucesso, quando enquadrados numa abordagem sectorial.

3.24

As análises sectoriais revelarão a dinâmica dos desenvolvimentos no contexto mundial. Terão de perspectivar a indústria europeia em relação aos outros parceiros e concorrentes na cena internacional. Revelarão a interacção entre indústria e serviços. Terão igualmente em devida conta os aspectos sociais, tais como relações industriais e emprego. As análises permitirão igualmente, enfim, identificar os obstáculos que as empresas enfrentam em virtude de regras e legislações específicas comunitárias. Assim, as empresas deverão ser consultadas mais a montante — ou seja, em simultâneo com as avaliações de impacto — a fim de identificar regras e procedimentos adequados ao nível comunitário.

3.25

A este respeito, haverá que alargar a metodologia da Comissão para tratar os problemas de competitividade baseada na análise, consulta e acção (p. 19). A Comissão refere como exemplos G10, STAR 21 e LEADERSHIP.

3.26

LEADERSHIP 2015 (16) é um exemplo ilustrativo, se aplicado correctamente. O objectivo é salvaguardar um futuro promissor para as indústrias de construção e reparação naval da UE num mercado aberto. A iniciativa conduziu a uma convergência entre a Comissão e as empresas europeias. O resultado foi uma identificação comum dos problemas. Definiu oito capítulos para acção, a executar pela indústria ou pela Comissão. Constitui a base para um diálogo social frutífero com os parceiros sociais sobre o processo de modernização.

3.27

Outros sectores seguirão. Não há um modelo comum para todos. Uma vez que se encontram igualmente envolvidos os Estados-Membros e as suas políticas, será conveniente que as abordagens específicas induzidas pelas análises sectoriais conduzam a empenhamentos da indústria, da Comissão e dos Estados-Membros. No que respeita aos Estados-Membros, tais empenhamentos poderão igualmente contribuir para estimular intercâmbios de experiências e de boas práticas. O CESE é de opinião que, em virtude da sua grande utilidade, se deveriam criar observatórios sectoriais ao nível comunitário.

3.28

Em virtude do aspecto primordialmente importante do «conhecimento» e da I&D, e em virtude do fenómeno de «mobilidade de cérebros» (cientistas, investigadores, gestores e profissionais) à escala mundial, o CESE apoia sem reservas a criação de plataformas tecnológicas, nas quais se espera uma participação activa dos sectores e empresas industriais. Não se deverão exclusivamente às empresas, antes deverão incluir também outros parceiros importantes, tais como os principais institutos e universidades tecnológicos. Estas plataformas poderão igualmente criar novas alianças privado-privado e público-privado na Europa. (17)

3.29

A fim de incentivar a tecnologia aplicada, é necessário criar as condições favoráveis ao conhecimento gerado por uma sinergia efectiva entre universidades, institutos tecnológicos e indústria. Devem-se ter em conta aspectos específicos sectoriais. Além disso, o estabelecimento de uma economia baseada no conhecimento deve ser acompanhado dos instrumentos necessários à aprendizagem ao longo da vida, que também deveriam ser aplicados nas instituições e universidades. Tal poderá ser incentivado através de impulsos sectoriais. Neste contexto, deve-se reforçar o papel da gestão profissional e executiva, em vista da mobilidade na União Europeia.

3.30

A este respeito, e na sequência de projectos no mundo, será necessário lançar grandes iniciativas para criar sinergias entre diferentes sectores (por exemplo, GALILEO, indústria da defesa) e incentivar a cooperação entre pólos de conhecimento e a indústria, criando as condições necessárias para a criação de agrupamentos (e.g. Airbus) e concentrações; estas últimas poderão aumentar a produtividade e promover a coesão económica, social e territorial (18)..

3.31

Os recursos humanos têm uma importância cada vez mais primordial. É uma responsabilidade dos gestores e dos empregados e das respectivas organizações no processo das mutações industriais em curso. Implica, entre outros, colocar uma tónica na qualidade, na profissionalização, nas qualificações e na motivação (19).

3.32

A este respeito, deve-se ter em devida conta o facto de os jovens não se entusiasmarem com a ideia de trabalhar na indústria, em virtude da fraca imagem desta. O que se traduziu, inter alia, numa escassez de trabalhadores especializados.

3.33

O CESE defende ainda que, no contexto da útil abordagem sectorial, os diálogos sociais sectoriais aumentarão o empenho dos empregados e das suas organizações em vista do ajustamento e da qualidade. As abordagens «por medida» num nível sectorial promoverão igualmente debates entre os parceiros sociais sobre exigências específicas, tais como competências, adaptabilidade e capacidades dos empregados.

3.34

A fim de promover a execução de medidas específicas baseadas em análises sectoriais, terão ambas de ser objecto de debate no Conselho Competitividade. Na opinião do Comité, este Conselho deverá desempenhar um papel decisivo na «nova visão» de política industrial, proporcionando uma plataforma global para as partes interessadas. Análises sectoriais adequadas efectuadas pela Comissão e pelo Conselho e, em última análise, negociações sobre medidas a tomar nos domínios supra referidos, reforçarão igualmente o empenhamento das administrações nacionais, as quais, a par das empresas, têm um papel de relevo na criação de um ambiente favorável orientado para o futuro.

3.35

Assim sendo, não haverá margem para uma política de «escolher os vencedores», como bem disse o comissário LIIKANEN. O mesmo se aplica aos «campeões nacionais» (20). Tal seria inapropriado para o debate sobre a nova política industrial. O objectivo é criar um ambiente favorável à assunção de riscos pela indústria europeia. Será mais adequada uma política de conferir poderes aos vencedores ou de apoio aos vencedores (21). Deverão ser objecto de novo exame os instrumentos financeiros e não financeiros para atingir o objectivo.

4.   Conclusões específicas

4.1

O CESE acolhe com satisfação a iniciativa da Comissão (em particular, do comissário LIIKANEN e da DG-Empresa) para a reintegração da «política industrial» nas prioridades da ordem do dia comunitária, a par das políticas horizontais. Esta iniciativa corresponde a evoluções semelhantes em vários Estados-Membros, e poderá promover pontos de vista comuns na UE nesta área. Contribuirá para definir melhor as modalidades de melhorar a competitividade da Europa. Espera-se que seja igualmente útil para definir objectivos adequados e concretos na revisão intercalar de 2005 da Estratégia de Lisboa.

4.2

O CESE constata que, à luz da «nova visão» da política industrial, há urgente necessidade de criar um quadro institucional que inspire confiança, em termos de repartição de tarefas na União — ou seja, quem tem responsabilidade sobre quê, e quando? — e em termos de execução nos Estados-Membros dos objectivos e directivas decididos pelo Conselho Europeu e pelas diferentes formações do Conselho (22).

4.3

O CESE apoia os três elementos da nova política industrial: melhoria da regulamentação, promoção de sinergias entre diferentes políticas comunitárias e o desenvolvimento da dimensão sectorial. Em vista da transparência e da visibilidade, será desejável uma melhor coordenação na Comissão (e.g. sob a égide da DG-Empresa) e no Conselho de Ministros. Uma melhor coordenação deverá igualmente conduzir a uma muito necessária e fértil sinergia de políticas. Para tal, seria bem acolhido um plano de acção intercalar aprovado pela Comissão e pelo Conselho Competitividade.

4.4

O CESE acolhe com agrado a análise e muitas recomendações constantes do relatório «Enfrentar o desafio» (23). Todavia, é de lamentar que o relatório não faça referência à «nova visão» de política industrial como instrumento útil para enfrentar os desafios nos mercados mundiais. Naquele contexto, deveriam ter sido objecto de destaque a abordagem sectorial e a necessidade de políticas coordenadas. O CESE apoia a proposta de planos de acção nacionais. A fim de destacar o resultado destes planos de acção e das políticas comunitárias, deverão ser, cada uma, efectivamente coordenadas no Conselho Competitividade. O CESE urge que estes elementos deverão ser tidos em conta na preparação da revisão intercalar da Estratégia de Lisboa, em Março de 2005.

4.5

O CESE destaca a necessidade de maior sensibilização, indispensável ao consenso e ao apoio do público em geral. Deve-se evidenciar que a sociedade europeia está implicada na globalidade nesta mutação industrial à escala mundial, que exige esforços em áreas mais amplas do que apenas no domínio das empresas.

4.6

O CESE crê que as análises sectoriais poderão contribuir de modo positivo para uma melhor compreensão do que está em causa. Favorecerão igualmente uma cooperação mais estreita entre partes interessadas públicas e privadas, bem como abordagens por medida e um ajustamento adequado ao nível comunitário e nacional, a fim de incentivar a criação de novas oportunidades e, por consequência, de contribuir para a realização da Estratégia de Lisboa. Os enquadramentos sectoriais são também um veículo adequado para diálogos sociais com o objectivo de promover um empenhamento comum de modo alargado e promover a qualidade dos recursos humanos.

4.7

Tal abordagem sectorial exige cada vez mais conhecimento das tendências mundiais e das mutações industriais nos serviços da Comissão. O CESE recomenda vigorosamente o aprofundamento dos conhecimentos práticos dos funcionários da Comissão sobre o que está em jogo no sector privado. A CCMI e o Observatório Europeu da Mutação poderão dar o seu contributo para as análises sectoriais, na qualidade de parceiros consultivos, sem, no entanto, se sobreporem aos parceiros sociais.

4.8

Tendo em conta o que se passa nas outras grandes regiões do mundo — custos, competências e a combinação de ambos — os factores decisivos para a competitividade europeia são o conhecimento, a qualidade, tanto das próprias empresas como dos recursos humanos e das qualificações, e uma organização adequada. Nestas áreas, serão cruciais para a Europa políticas e medidas orientadas para o futuro.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Lugar da indústria europeia na divisão internacional do trabalho: balanço e perspectivas, Julho de 2004, relatório solicitado pela DG-Comércio da Comissão Europeia e elaborado pelo CEPII-CIREM (Consórcio Europeu para Análise da Política Comercial – ECTA).

(2)  COM(2002) 714 final, de 11/12/2002. O Comité emitiu parecer em 17/7/2003 (JO C 234 de 30/9/2003, pp. 76-85. Este parecer, que incluía um contributo da CCMI, pode ser consultado no seguinte endereço Internet: http://www.esc.eu.int/ccmi/documents/docs/divers/di_ces25-2003_fin_rev_di_en.doc.

(3)  Ponto 21 das Conclusões do Conselho Europeu da Primavera de 20/21 de Março de 2003.

(4)  Acompanhar as mutações estruturais: Uma política industrial para a Europa alargada, COM(2004) 274 final.

(5)  Declaração do comissário LIIKANEN no Dia da Política Industrial Europeia, 27 de Maio de 2004, SPEECH/04/268.

(6)  Este objectivo foi definido no documento da Comissão «Os desafios-chave da competitividade na Europa – Para uma abordagem integrada», COM(2003) 704 final.

(7)  Relatório Bangemann.

(8)  Ver o parecer da CCMI sobre «Alcance e consequências da deslocalização de empresas», ainda em elaboração.

(9)  Cf. nota de rodapé 2.

(10)  «O desafio europeu», mensagem da Mesa-Redonda Europeia de Industriais ao Conselho Europeu da Primavera, Março de 2003.

(11)  A Comissão refere, entre outros factores, a tónica colocada na «competitividade» na política regional, e o relatório do Grupo de Trabalho para o Emprego presidido por Wim KOK, estabelecido em 1 de Abril de 2003. A este respeito, será útil ver o parecer da CCMI sobre «As mutações industriais e a coesão económica, social e territorial».

(12)  Um exemplo muito interessante é o estudo «The Significance of Competitive Manufacturing Industries for the Development of the Service Sector» (A importância de indústrias transformadoras competitivas para o desenvolvimento do sector de serviços), BREMEN, Dezembro de 2003. Pode ser consultado no seguinte endereço Internet: http://www.bmwi.de/Navigation/Service/bestellservice,did=31812,render=renderPrint.html

(13)  Este objectivo tem uma relação directa com a governação económica eficaz. O parecer do CESE «Para uma melhor governação económica da União Europeia» salienta a importância de um enquadramento transparente e visível, em particular no que respeita ao Conselho Competitividade.

(14)  Ver igualmente a intervenção de LIIKANEN de 27 de Maio em favor de uma política industrial activa (C.f. rodapé n.o 4).

(15)  Ver igualmente COM(2004) 274 final, capítulo 5, pág. 39.

(16)  Ver o documento da Comissão COM(2003) 717 final e os pareceres CESE JO C 241 de 2.9.2004.

(17)  A respeito das plataformas tecnológicas, cf. o aditamento a parecer da CCMI sobre a comunicação da Comissão Ciência e Tecnologia: a chave do futuro da Europa – Orientações para a política europeia de apoio à investigação (COM(2004) 353 final), CCMI/015; Relator: J. P. VAN IERSEL.

(18)  Ver o parecer do CESE sobre as «Mutações industriais e a coesão económica, social e territorial»JO C 241 de 28.9.2004, em particular os pontos 1.4.3 e 10.i.

(19)  Ver o parecer do CESE sobre «As mutações industriais na Europa: balanço e prospectivas – Uma abordagem global»JO C 10 de 14.1.2004, pontos 2.2.2.14 e 3.9.

(20)  Ver nota de rodapé 5.

(21)  Ibid.

(22)  Ver o parecer do CESE «Para uma melhor governação económica na União Europeia», JO C 74 de 23.3.2005.

(23)  «Enfrentar o desafio, a Estratégia de Lisboa para o crescimento e o emprego», relatório do Grupo de Alto Nível presidido por Wim KOK, Novembro de 2004.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/83


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade profissional»

COM(2004) 279 final — 2004/0084 (COD)

(2005/C 157/14)

Em 18 de Maio de 2004, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu parecer em 25 de Novembro de 2004, tendo sido relatora Madi SHARMA.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 147 votos a favor, 1 voto contra e 6 abstenções o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

O objectivo principal da proposta consiste em aumentar a transparência e a clareza da legislação em matéria de igualdade de tratamento e em facilitar a sua aplicação efectiva reforçando o acervo e evitando uma regressão dos direitos adquiridos. Para que os objectivos de política social e económica da Comunidade com vista a mais e melhores empregos para as mulheres se concretizem, é necessário um único documento legislativo articulado de forma clara e de fácil acesso e legibilidade.

1.2

A compilação das disposições das directivas sobre o acesso ao emprego, a igualdade de remuneração, a segurança social profissional e o ónus da prova permite apresentar um único texto coerente e isento de definições contraditórias. A proposta tem em conta as evoluções recentes da jurisprudência comunitária na medida em que actualiza a legislação secundária existente, harmonizando-a com os acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, os quais clarificaram e aprofundaram o conceito de igualdade. A proposta serve, igualmente, para garantir um maior nível de certeza jurídica ao reunir as disposições das directivas segundo o tema — isto no contexto da nova envolvente política que apresenta a União como uma entidade aberta, compreensível e pertinente para a vida quotidiana.

1.3

A directiva aplica-se à população activa, incluindo as trabalhadoras e os trabalhadores independentes, as trabalhadoras e os trabalhadores cuja actividade seja interrompida por doença, maternidade, acidente ou desemprego involuntário e as pessoas à procura de emprego, e às trabalhadoras e aos trabalhadores reformados e às trabalhadoras e aos trabalhadores inválidos, bem como às pessoas a cargo desses trabalhadores, nos termos da legislação e/ou prática nacional.

2.   Antecedentes

2.1

O Tratado de Amesterdão reforçou as competências da Comunidade em matéria de igualdade entre homens e mulheres e introduziu o objectivo de eliminação das desigualdades em todas as áreas da vida civil e de promoção da igualdade entre os sexos. O tratamento desigual não só viola um princípio fundamental da União Europeia, como é também factor restritivo do crescimento económico e da prosperidade das economias nacionais.

2.2

A igualdade de tratamento é um pré-requisito para o êxito da UE na concretização dos objectivos de crescimento e de desenvolvimento económico, social e ambiental sustentável. A Europa terá de contar, mais do que no passado, com uma maior proporção de mulheres na população activa, o que só poderá ser conseguido mediante a criação de uma plataforma de direitos iguais para todos.

2.3

Vários estudos revelaram que a discriminação em razão do sexo, bem como a falta de apoio específico aos empregados e às empregadas com responsabilidades familiares, são uma barreira interna significativa que inibe, em primeiro lugar, o crescimento do emprego feminino.

2.4   Evolução da legislação sobre a igualdade de tratamento entre homens e mulheres

A igualdade de tratamento entre homens e mulheres é fundamental para o conceito social da Comunidade Europeia. Já no remoto ano de 1976, o princípio da igualdade de remuneração de homens e mulheres estabelecido no artigo 119.o CEE (artigo 141.o CE) era apontado como um dos princípios fundamentais do direito comunitário pelo Tribunal de Justiça Europeu (1).

A primeira directiva em matéria de igualdade de tratamento foi adoptada em 1975 e focava a igualdade de remuneração (2).

Em 1976, seguiu-se a directiva sobre a igualdade de tratamento no emprego (3). Esta directiva foi substancialmente alterada, em 2002, pela Directiva 2002/73 que definiu «assédio» e «assédio sexual» (4).

Em 1978 foi adoptada uma directiva relativa aos regimes de segurança social obrigatória (5).

Em 1986, foi adoptada uma directiva que introduziu o princípio da igualdade de tratamento de homens e mulheres nos regimes profissionais de segurança social (6). Esta directiva foi posteriormente alterada (7).

Em 1986, foi adoptada uma directiva sobre igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma actividade independente incluindo a actividade agrícola (que incluía disposições para protecção das trabalhadores independentes durante a gravidez e a maternidade) (8).

Em 1992, no âmbito das medidas de saúde e segurança, foi adoptada a directiva sobre a protecção das trabalhadoras grávidas, que incluía um direito geral a uma licença por maternidade remunerada de, no mínimo, 14 semanas, uma licença para efectuar consultas pré-natais e uma protecção contra o despedimento por motivos ligados à maternidade (9).

Em 1995, as organizações de indústria sectorial de nível europeu concluíram o acordo-quadro sobre a licença parental, posteriormente adoptado sob a forma de directiva, referindo que a igualdade de tratamento também abrange a aplicação de medidas para os homens e reconhecendo a importância do pai no cuidado dos filhos (10). Esta directiva foi mais tarde alterada e alargada ao Reino Unido. (11)

Em 1997, foi adoptada a directiva sobre o ónus da prova (12), que, depois, foi alargada ao Reino Unido (13)

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem vindo a desempenhar um papel importante ao contribuir eficazmente para a redução da discriminação das mulheres no emprego. O tribunal interpreta o direito comunitário, desenvolvendo, como é natural, os conceitos jurídicos incompletos de uma legislação comunitária relativamente jovem e transformando-os num sistema jurídico coerente (14). No domínio da igualdade de oportunidades, o tribunal tem recorrido predominantemente à interpretação da discriminação directa e indirecta para chegar a uma aplicação eficaz da legislação sobre a igualdade de tratamento (15), e tornou claro que a protecção contra a discriminação sexual também se aplica aos homens (16).

3.   Observações na especialidade

3.1

O CESE felicita a Comissão pelo seu trabalho no sentido de uma simplificação e de tornar mais acessível o grande volume de directivas sobre a igualdade entre os sexos, igualdade esta que é um direito fundamental em todos os aspectos da vida social e económica, devendo, portanto, a legislação ser clara e acessível a todos.

3.2

Um processo legislativo de 30 anos gerou doze directivas nesta matéria. O Comité constata que a Comissão está agora a fundir numa única versão reformulada sete destas directivas que versam sobre o tema comum da igualdade de tratamento (17). A Comissão decidiu reformular estas sete directivas uma vez que há muitos aspectos comuns entre as mesmas, que se sobrepõem e se repetem, mas também porque há uma certa falta de coerência nas definições.

3.3

O processo de reformulação moderniza, clarifica e simplifica as sete directivas transformando-as num único texto, reduzindo, assim, a extensão global dos textos e incorporando um único conjunto de definições, incluindo definições sobre discriminação directa e indirecta e assédio. O Comité congratula-se com esta iniciativa à luz do alargamento e do compromisso da Comissão no sentido de simplificar e melhorar o ambiente regulador.

3.4

O Comité nota que foram omitidas do exercício de reformulação cinco directivas nesta matéria devido à falta de traços comuns (18), a saber as duas directivas sobre os direitos parentais definidas juntamente com as organizações de empregadores e de trabalhadores, considerando-se que não recaem no âmbito da igualdade de tratamento, a directiva sobre a maternidade e o direito à amamentação, que recai no âmbito da legislação sobre saúde e segurança, a directiva sobre a igualdade de tratamento em matéria de segurança social e a directiva sobre a protecção dos direitos das trabalhadoras independentes incluindo a actividade agrícola.

3.5

O Comité concorda com a posição da Comissão de que a inclusão destas directivas iria complicar e alongar a directiva reformulada. Contudo, o CESE gostaria de chamar a atenção para a Directiva 86/613/CEE (19), a qual carece de revisão imediata dado o número crescente de trabalhadoras independentes e de mulheres que exercem uma actividade agrícola. Na opinião do CESE, este acto legislativo é particularmente frágil nas suas disposições, não fornecendo protecção adequada às mulheres. Dada a sua pertinência para os objectivos de Lisboa, urge, portanto, a sua actualização.

3.6

A Comissão adicionou dois aspectos às directivas que reflectem directamente a jurisprudência já estabelecida e que clarificam, portanto, a legislação já existente. Estes aditamentos dizem respeito à igualdade de remuneração (artigo 4.o) e aos regimes profissionais de pensão dos funcionários públicos (artigo 6.o) (20). O CESE nota que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é um instrumento fundamental para reforçar a legislação comunitária, pelo que a inclusão da jurisprudência na directiva reformulada contribui para uma maior clareza e objectividade.

3.7

A codificação é um exercício técnico, tendo a Comissão afirmado que não fez qualquer aditamento substancial às directivas, com excepção do artigo 21.o — a disposição sobre os órgãos para a promoção da igualdade de tratamento — incluído nas «Disposições horizontais» no Título III. A inclusão das disposições horizontais para toda a directiva aumenta, apesar de marginalmente, os poderes dos organismos de promoção da igualdade de tratamento ao alargar o seu âmbito de aplicação, deixando entreaberta a possibilidade de se voltar a alargar o seu âmbito numa data posterior. O CESE refere que apesar de a substância não ter sido alterada, a actualização e modernização das directivas, em conjunto com a jurisprudência resultante, podem implicar mudanças a longo prazo.

4.   Conclusão

4.1

A igualdade entre os sexos tem sido objecto de apoio ao longo de 30 anos de processo legislativo. Apesar de louvar a iniciativa da Comissão para simplificar e tornar mais fácil de ler a directiva, o CESE salienta que o estabelecimento de uma verdadeira igualdade não poderá nunca ser conseguido sem uma acção positiva de todos os Estados-Membros exigindo a igualdade de tratamento entre os homens e as mulheres. O Comité considera que o intercâmbio e a promoção de boas práticas, bem como o aumento do diálogo social, neste domínio são formas concretas de realizar progressos e reconhece plenamente o papel fundamental dos parceiros sociais, salientando as suas actividades no âmbito do «Programa de Trabalho dos Parceiros Sociais Europeus (2003-2005)». A Comissão deve fazer mais esforços no sentido de promover a igualdade de tratamento, a igualdade de oportunidades e realçar a importância das mulheres para a economia europeia com vista a atingir os objectivos de Lisboa.

4.2

O CESE insta com a Comissão para que pondere formas de incentivar os Estados-Membros a elaborarem uma brochura de orientação realçando as características principais das directivas comunitárias sobre a igualdade entre os sexos tais como transpostas para o direito nacional, as obrigações dos empregadores e os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, por forma a colmatar a ignorância existente quanto à igualdade de tratamento e realçar os benefícios para a economia.

Bruxelas, 15 Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  TJE 8.4.1976 – C-43/75 Defrenne II, Colectânea 1976, p. 455.

(2)  Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos.

(3)  Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.

(4)  Directiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23.9.2002, que altera a Directiva 76/207/CEE do Conselho relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.

(5)  Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social;

(6)  Directiva 86/378/CEE do Conselho, de 24 de Julho de 1986, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres aos regimes profissionais de segurança social;

(7)  Directiva 96/97/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1996, que altera a Directiva 86/378/CEE relativa à aplicação do princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres nos regimes profissionais de segurança social;

(8)  Directiva 86/613/CEE do Conselho, de 11 de Dezembro de 1986, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma actividade independente incluindo a actividade agrícola, bem como à protecção da maternidade;

(9)  Directiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho;

(10)  Directiva 96/34/CE do Conselho, de 3 de Junho de 1996, relativa ao acordo-quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES.

(11)  Directiva 97/75/CE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, que altera e torna extensiva ao Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte a Directiva 96/34/CE relativa ao acordo-quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES.

(12)  Directiva 97/80/CE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa ao ónus da prova nos casos de discriminação baseada no sexo.

(13)  Directiva 98/52/CE do Conselho, de 13.7.1998 no seguimento da Directiva 97/80/CE do Conselho, relativa ao ónus da prova nos casos de discriminação baseada no sexo para o Reino Unido.

(14)  STREINZ, Europarecht, 4.o ed., Heidelberg 1999, para. 494.

(15)  Desde os processos do TJCE, C-96/80 JENKINS, C-170/84 BILKA vs Weber von HARTZ, C-171/88 RINNER-KÜHN e C-184/89 NIMZ vs Freie und HANSESTADT HAMBURG.

(16)  TJCE, processo C-450/93 KALANKE; TJCE, processo C-409/95 MARSCHALL.

(17)  Directiva 75/117/CEE do Conselho, Directiva 76/207/CEE do Conselho, Directiva 86/378/CEE do Conselho, Directiva 96/97/CE do Conselho, Directiva 97/80/CE do Conselho, Directiva 98/52/CE do Conselho, Directiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho.

(18)  Directiva 79/7/CEE do Conselho, Directiva 86/613/CEE do Conselho, Directiva 92/85/CEE do Conselho, Directiva 96/34/CE do Conselho, Directiva 97/75/CE do Conselho.

(19)  Directiva do Conselho 86/613/CEE, de 11 de Dezembro de 1986, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma actividade independente incluindo a actividade agrícola, bem como à protecção da maternidade.

(20)  O artigo 4.o da nova directiva reflecte que, segundo o Tribunal de Justiça, «nada na redacção do artigo 141.o, n.o 1, do Tratado CE indica que a aplicabilidade desta disposição se limita a situações em que os homens e as mulheres realizam o seu trabalho para um mesmo empregador», ao passo que o artigo 6.o da directiva clarifica que a mesma também se aplica aos regimes de segurança social de uma categoria específica de funcionários públicos desde que as prestações em causa sejam pagas em razão da relação de emprego e estejam directamente relacionadas com o período de serviço concluído, sendo o respectivo montante calculado com referência ao último salário.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/86


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estudo sobre as relações entre a imigração legal e a imigração clandestina»

COM(2004) 412 final

(2005/C 157/15)

Em 4 de Junho de 2004, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a Comissão decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação supra mencionada.

Incumbida da preparação dos trabalhos, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania aprovou o seu parecer em 24 de Novembro de 2004 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

Na sua 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu aprovou, por 138 votos a favor, sem votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Síntese da Comunicação

1.1

O Conselho Europeu de Salónica de Junho de 2003 declarou ser necessário explorar «meios legais que permitam a emigração para a União de cidadãos de países terceiros, tendo em conta a capacidade de recepção dos Estados-Membros, no quadro de uma cooperação reforçada com os países de origem». A Comissão apresenta os resultados de um estudo solicitado pelo Conselho sobre as relações entre a imigração legal e a imigração clandestina. O estudo questiona se a existência de canais legais para a admissão de imigrantes reduz os incentivos à imigração clandestina. Numa fase posterior a esta Comunicação, a Comissão apresentará um Livro Verde sobre os canais de imigração legal.

1.2

Na primeira parte, a Comissão analisa os canais legais existentes para a imigração laboral. A admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego é regida pelas legislações de cada Estado-Membro, que são muito diferentes entre si. Vários Estados estão fechados à imigração laboral e outros dispõem de políticas que permitem a entrada de trabalhadores imigrantes se dispuserem de uma oferta de emprego, respeitando o princípio da preferência nacional. Alguns Estados também admitem trabalhadores independentes. A maior parte dos imigrantes económicos são inicialmente admitidos com base numa autorização de residência temporária de entre um a cinco anos.

1.3

O número de imigrantes económicos que os Estados admitem anualmente é também decidido de acordo com vários métodos. Alguns países aceitam apenas trabalhadores altamente qualificados (por exemplo, o sistema alemão do cartão verde e o programa destinado a imigrantes altamente qualificados aplicado no Reino Unido). Outros (vários países do sul da Europa) aceitam também trabalhadores pouco qualificados segundo diversos procedimentos. Alguns Estados utilizam um sistema de quotas (por exemplo, a Itália). Outros, como a Espanha, assinaram além disso acordos bilaterais com alguns países com vista a permitir a admissão dos seus nacionais. A Comunicação da Comissão analisa os diversos instrumentos utilizados na gestão da imigração.

1.4

A Comissão analisa igualmente as medidas de regularização aplicadas em diferentes países (por exemplo, na Bélgica). Por um lado, são consideradas positivas para integrar os imigrantes na sociedade e evitar a sua exploração laboral; por outro lado, são criticadas se constituírem uma forma de encorajar a imigração clandestina.

1.5

Na segunda parte, a Comissão afirma que existem muitas formas de imigração clandestina e que é muito difícil dispor de dados rigorosos. Embora não se conheça exactamente a extensão da imigração clandestina na UE, calcula-se que seja considerável, razão pela qual a redução dos fluxos de imigração clandestina constitui uma prioridade tanto a nível nacional como da UE.

1.6

A Comissão salienta que existe uma relação clara entre economia paralela, mercado de trabalho não regulamentado e imigração clandestina, especialmente em sectores como o da construção, da agricultura, da restauração, da limpeza e dos serviços domésticos. Na UE, a economia paralela representa entre 7 % e 16 % do PIB.

1.7

O impacto dos canais legais existentes na redução da imigração clandestina, tais como os acordos bilaterais, é muito difícil de determinar. A Comissão salienta que os Estados-Membros não realizaram as avaliações necessárias, tal como não se avaliou o impacto da política de vistos na redução da imigração clandestina.

1.8

Espera-se que a melhoria da cooperação com os países de origem seja útil para reduzir os fluxos de imigração clandestina. Esta foi a posição assumida nos Conselhos Europeus de Tampere, Sevilha e Salónica. No entanto, actualmente, a experiência dos Estados-Membros no aperfeiçoamento desta cooperação é limitada e os seus resultados não são, no seu conjunto, claramente perceptíveis. A Comissão considera que poderá ser necessária uma abordagem diferente relativamente aos incentivos que se oferecem aos países terceiros.

1.9

Na terceira parte, a Comissão apresenta as conclusões e a estratégia a seguir. Uma vez que não existem dados fiáveis e comparáveis na UE, a Comissão comprometeu-se a elaborar um relatório estatístico anual sobre a imigração, para o qual são necessárias a coordenação e a troca de informações entre os Estados-Membros. Salienta ainda os passos dados: a criação, em 2002, do grupo de peritos conhecido por Comité sobre a imigração e o asilo, o início da criação da Rede Europeia das Migrações (no âmbito da qual se desenvolve o projecto-piloto durante 2004) e a criação de uma rede de pontos nacionais de contacto sobre questões de integração. No domínio da imigração clandestina, criou-se um sistema de alerta rápido e verificaram-se progressos na troca de informações.

1.10

A Comissão considera que, devido ao declínio demográfico e ao envelhecimento da população, o recrutamento de trabalhadores nacionais de países terceiros e a imigração para a UE por razões económicas continuará, provavelmente, a aumentar. Da mesma forma, os países de origem solicitam constantemente mais canais para a imigração legal.

1.11

A Comissão chama a atenção para o facto de a sua proposta de directiva de acolhimento de trabalhadores (1), apresentada em 2001, não ter recebido o apoio do Conselho e questiona se o acolhimento de migrantes económicos deve ser regulado ao nível da UE, com que grau de harmonização e a manutenção ou não do princípio de preferência comunitária pela mão-de-obra nacional. A Comissão salienta que o Projecto de Tratado Constitucional confirma a competência europeia em matéria de política de imigração, mas deixa ao critério dos Estados-Membros a determinação do número de imigrantes a admitir; bem como a necessidade de as medidas adoptadas neste domínio pressuporem um valor acrescentado a nível da UE. No final de 2004, a Comissão apresentará um Livro Verde sobre a proposta de directiva e as dificuldades levantadas no Conselho e realizará uma audição pública.

1.12

A Comissão considera que as medidas de regularização permitiram solucionar o problema da presença de um grande número de imigrantes clandestinos, mas não devem ser consideradas uma forma adequada de gerir os fluxos migratórios. No futuro será necessário fazer uma análise mais aprofundada dos procedimentos de regularização com vista a identificar e comparar práticas, no Comité, sobre a imigração e o asilo.

1.13

A integração dos nacionais de países terceiros constitui um objectivo fundamental que, na opinião da Comissão, deve estar bem presente nas futuras propostas. No âmbito deste objectivo, a integração no mercado de trabalho tem uma importância fundamental, razão pela qual a Comissão recorda a necessidade de medidas como a redução da diferença entre o desemprego dos nacionais de países terceiros e o dos nacionais dos Estados-Membros. Refere também a utilidade de facilitar a mobilidade dos nacionais de países terceiros na União Europeia, o que já foi aprovado pela Directiva de 2003 sobre os residentes de longa duração (2) e pelo Regulamento 1408/71. É igualmente necessário melhorar o reconhecimento das qualificações profissionais dos nacionais de países terceiros.

1.14

A Comissão considera que o trabalho não declarado constitui um incentivo importante à imigração clandestina, pelo que o principal objectivo é o da transformação do trabalho não declarado em emprego regular, objectivo já definido nas orientações da política de emprego.

1.15

O desenvolvimento de uma política comunitária em matéria de repatriamento constitui igualmente uma prioridade entre os instrumentos da política de migração para garantir o regresso ao país de origem dos imigrantes clandestinos. A Comissão propõe a criação de um instrumento financeiro, para 2005 e 2006, destinado à gestão dos repatriamentos.

1.16

Por último, a Comissão salienta que este estudo confirmou a necessidade de intensificar a cooperação com os países de origem e de trânsito para reduzir a imigração clandestina e a organizar a legal. É necessário reunir toda a informação disponível para apurar em que estado se encontra esta cooperação e até onde pode ir. Deve também explorar-se ideias como a de desenvolver programas de formação de trabalhadores nos países de origem com vista a uma contratação posterior tendo em conta as necessidades laborais existentes na UE, e a ideia de alterar parcialmente a política de vistos para definir algumas categorias às quais estes sejam atribuídos com uma maior facilidade.

2.   Observações na generalidade

2.1

O CESE considera muito positivo que a Comissão apresente esta Comunicação que pressupõe um novo impulso para a política comunitária em matéria de imigração. No Conselho, os debates decorrem com muitas dificuldades devido à atitude pouco cooperante de alguns governos. O CESE manifestou em vários pareceres que existe uma relação clara entre a imigração legal e a imigração clandestina. Quando não existem canais adequados, transparentes e flexíveis para a imigração legal, a imigração clandestina aumenta (3). Importa igualmente adoptar uma política de asilo adequada e uma legislação harmonizada que garanta a protecção efectiva das pessoas que necessitam de protecção internacional.

2.2

Na Comunicação da Comissão relativa à imigração, à integração e ao emprego (4) e no Conselho Europeu de Salónica considerou-se que a imigração por motivos económicos de trabalhadores provenientes de países terceiros irá aumentar consideravelmente na UE nos próximos anos. O aumento da imigração económica verifica-se tanto em actividades muito qualificadas, como nas pouco qualificadas. Conforme salientado pelo CESE, é necessário que a imigração se faça através de canais legais e transparentes para evitar os problemas que actualmente se verificam nos mercados de trabalho; para isso, é necessário uma cooperação adequada entre as autoridades e os parceiros sociais.

2.3

É incompreensível que o Conselho não tenha aprovado a Directiva sobre a admissão e residência de trabalhadores imigrantes que a Comissão propôs em 2001. No seu parecer (5), o CESE considerou a proposta da Comissão positiva embora insuficiente, propondo a disponibilização de dois canais para a admissão de trabalhadores: a obtenção, no país de origem, de uma autorização de trabalho e de residência e a possibilidade de obter uma autorização de residência temporária para procurar trabalho. Ao propor a Directiva, a Comissão respeitou as obrigações decorrentes do Conselho de Tampere; no entanto, com a sua decisão, o Conselho afastou-se desse objectivo.

2.4

Em resposta à Comissão, o CESE salienta que é necessário que a admissão de imigrantes económicos seja regulamentada ao nível da UE, pelo que é forçoso alcançar um elevado grau de harmonização legislativa, conforme previsto no Projecto de Tratado Constitucional. Em pareceres anteriores (6), o CESE defendeu que a UE deve dispor rapidamente de uma política comum em matéria de imigração e de uma legislação harmonizada. O CESE analisará o Livro Verde em curso de elaboração pela Comissão Europeia e adoptará um parecer sobre o mesmo.

3.   Observações na especialidade

3.1

Os canais legais existentes para a imigração laboral são insuficientes. Os acordos bilaterais, as quotas, os programas para a admissão de trabalhadores altamente qualificados e os restantes instrumentos actualmente disponíveis não são suficientes para canalizar a imigração económica através dos canais legais, uma vez que a imigração clandestina continua a crescer. A União Europeia e os Estados-Membros precisam de uma legislação aberta que permita a imigração laboral através de canais legais e transparentes, tanto de trabalhadores altamente qualificados como os de actividades menos qualificadas.

3.2

Vários Estados-Membros decidiram abrir a imigração apenas a trabalhadores altamente qualificados; a Comunicação da Comissão analisa a experiência da Alemanha e do Reino Unido. O CESE considera que são experiências muito limitadas, que merecem uma consideração positiva, embora sejam insuficientes para satisfazer as necessidades existentes nestes segmentos do emprego. Por outro lado, os Estados-Membros devem dispor de novos instrumentos legais para a imigração de trabalhadores menos qualificados do que os seus mercados de trabalho requerem que, actualmente, se desenvolvem, em grande medida, na economia paralela, no emprego e na imigração ilegal, especialmente em sectores como os serviços domésticos, os cuidados de saúde, os serviços pessoais, a agricultura, a restauração, a construção e alguns serviços.

3.2.1

É fundamental que os indivíduos que desejam emigrar para a Europa disponham de informações claras e suficientes sobre os instrumentos atinentes à imigração legal nos Estados-Membros. Os serviços consulares deveriam enviar as informações relevantes aos países de origem e os Estados-Membros que acolhem os imigrantes deveriam informá-los sobre os instrumentos legais existentes.

3.3

Por outro lado, os acordos bilaterais entre os Estados-Membros e os países terceiros com vista a controlar a imigração laboral são uma experiência muito positiva, dado que a gestão se realiza através da cooperação com os países de origem, tal como o Conselho, a Comissão, o Parlamento Europeu e o CESE solicitam desde Tampere. A maior parte destes acordos é utilizada na gestão de imigrantes temporários e em actividades pouco qualificadas. Todavia, o CESE sublinha que estes acordos podem ser mais eficazes se forem geridos em colaboração com os parceiros sociais dos Estados-Membros e dos países de origem. Também as experiências evidenciaram alguns problemas nos serviços consulares dos Estados-Membros devido à falta de pessoal especializado em imigração laboral.

3.3.1

O CESE propõe que a UE possa dispor de serviços especializados em imigração laboral, através dos instrumentos de associação e de cooperação entre a UE e vários países terceiros. Os acordos de cooperação e de associação entre ambos podem incluir oportunidades para a imigração laboral e programas de formação. A emigração para a Europa de trabalhadores qualificados de países terceiros pode tornar-se um novo obstáculo ao desenvolvimento destes últimos. Assim, importa que a UE e os Estados-Membros cooperem com esses países de forma a que a emigração dos seus trabalhadores constitua um factor de desenvolvimento e não um problema adicional.

3.3.2

Por outro lado, os países em causa percepcionam, na sua relação com a UE, um desequilíbrio nas trocas comerciais, financeiras e tecnológicas. Os acordos de associação e de cooperação entre a UE e os países terceiros deveriam dispor de novos instrumentos políticos e económicos positivos para o desenvolvimento daqueles. Tal é essencial para colaborar eficazmente na prevenção da imigração ilegal. Também no quadro da OMC seria importante promover a cooperação entre a UE e os países em desenvolvimento.

3.4

Alguns Estados-Membros utilizam um sistema de quotas para gerir os acordos bilaterais, depois de terem analisado as necessidades do mercado de trabalho em colaboração com as associações de empresários e as centrais sindicais. Devido às reduzidas quantias e ao complexo sistema burocrático que gera, os resultados não são os esperados. Verificam-se casos de países onde a imigração clandestina regista um grande crescimento (Espanha) e, no entanto, as quotas fixadas não foram cobertas. Um sistema mais flexível de gestão das quotas pode ser mais útil, por exemplo, através da concessão de vistos temporários para a procura de emprego, tal como o CESE propôs no parecer (7) sobre a Directiva de admissão.

3.5

Na UE há muitas pessoas «sem papéis» que, como afirma a Comissão, desenvolvem actividades laborais no emprego clandestino e na economia paralela. Estas pessoas entraram de forma ilegal ou as suas autorizações legais caducaram sem que tenham regressado aos seus países de origem. A Comunicação da Comissão analisa as políticas de regresso e as regularizações.

3.6

O CESE não compartilha da afirmação da Comissão de que «a única abordagem coerente no que diz respeito aos residentes em situação ilegal consiste em assegurar o seu regresso ao país de origem» (8). Esta não é uma abordagem realista, pois os sistemas e os instrumentos para o repatriamento não são adequados para combater a situação em que se encontram milhões de pessoas. No parecer (9) sobre o Livro Verde relativo a uma política comunitária de regresso dos residentes em situação ilegal e no parecer (10) sobre o método aberto de coordenação, o CESE expressou a sua posição: «O CESE considera um erro encarar o regresso obrigatório como a resposta única ou principal da UE aos imigrantes “sem papéis”, que actualmente se encontram entre nós, entendendo necessária uma política global que inclua medidas de regresso e medidas de regularização» (11). «Se a política de regresso forçado não for acompanhada de medidas de regularização, a população que se encontra em situação irregular conservará a dimensão actual, com tudo o que isso implica em termos de alastramento da economia paralela, exploração laboral e exclusão social» (12). O CESE pretende que a política comunitária promova programas de regresso voluntário e considere o regresso forçado em situações devidamente fundamentadas, tal como propôs no parecer sobre o Livro Verde relativo a uma política comunitária em matéria de regresso dos residentes em situação ilegal (13).

3.7

O CESE afirmou ser conveniente regularizar, à luz de determinadas condições de enraizamento social e laboral (14), a situação das numerosas pessoas que se encontram em situação irregular. O Conselho e a Comissão têm razão quando afirmam que é necessário transformar o emprego não declarado em emprego regular, e para isso é necessário contar com a colaboração das pessoas envolvidas, muitas das quais são imigrantes clandestinos, bem como dos parceiros sociais (15).

3.8

A imigração clandestina está estreitamente associada à economia paralela e ao emprego não declarado. No entanto, a economia paralela é uma realidade que vai para além da imigração e as características do emprego irregular constituem um factor de atracção de fluxos migratórios de carácter irregular. Por conseguinte, o CESE avalia positivamente as legislações de alguns Estados-Membros que permitem regularizar a situação destas pessoas tendo em conta motivos laborais, humanitários ou de enraizamento. Além disso, desta forma é possível evitar a acumulação de muitas pessoas em situação irregular que podem requerer processos extraordinários de regularização. Estes instrumentos têm de ser transparentes e devem ser aplicados de acordo com a devida informação e coordenação entre os Estados-Membros.

3.9

A integração plena dos imigrantes no mercado laboral europeu requer a promoção de uma maior mobilidade. O CESE apoiou (16) a Directiva relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração que permitirá a mobilidade dentro da UE aos imigrantes que disponham deste estatuto. O CESE apoiou também a extensão do Regulamento 1408/71 (17) aos nacionais de países terceiros. É oportuno ampliar a capacidade de mobilidade a outros grupos de imigrantes, no quadro da estratégia europeia de emprego e utilizando a rede EURES.

3.9.1

A Comissão afirma que a proposta de directiva relativa a serviços no mercado interno para a prestação de serviços transfronteiras também aumentará a mobilidade. O CESE elabora actualmente um parecer (18) que faz algumas propostas tendo em vista corrigir os problemas advindos da Directiva.

3.10

Muitos imigrantes não podem desenvolver as actividades laborais que correspondem à sua formação devido ao facto de as autoridades dos Estados-Membros não reconhecerem as suas qualificações profissionais. A UE deve ampliar as Directivas sobre reconhecimento de habilitações profissionais para facilitar o reconhecimento das qualificações obtidas no país de origem. Deste modo será possível evitar situações de discriminação e, além disso, os Estados-Membros e as empresas europeias melhorarão as suas oportunidades com a contribuição laboral das pessoas, tendo em conta as suas competências profissionais.

3.11

Não se dispõe de dados suficientes para avaliar o impacto da política de vistos na redução da imigração clandestina. A exigência do visto de curta duração para os cidadãos de um país terceiro pode reduzir a imigração clandestina daí proveniente, mas é necessário considerar o risco de aumento do número de pessoas que são vítimas das redes de tráfico de seres humanos. A política de atribuição de vistos pode criar obstáculos graves de carácter discriminatório à mobilidade das pessoas, o que exige uma gestão adequada por parte das autoridades consulares que garanta a transparência e suprima a eventual corrupção existente.

3.12

O CESE está de acordo com a Comissão quando afirma que a luta contra a imigração clandestina continua a ser uma parte fundamental da gestão da imigração. A abertura de canais legais à imigração laboral, a redução da economia paralela e do emprego irregular, a cooperação com os países de origem, etc., devem ser acompanhados por uma eficácia adequada no controlo das fronteiras externas da UE.

3.13

As organizações criminosas de tráfico de seres humanos são extremamente influentes e dedicam-se igualmente a outros delitos. Em diversos pareceres (19), o CESE defendeu uma maior eficácia na luta contra tais organizações. Importa aperfeiçoar a colaboração entre as autoridades judiciais e dos assuntos internos dos Estados-Membros e a Comissão Europeia. A EUROPOL e o EUROJUST devem dispor de instrumentos políticos, jurídicos e administrativos mais adequados. É necessário acelerar os trabalhos da Agência Europeia de Controlo de Fronteiras, bem como, a médio prazo, a criação de uma Polícia europeia de fronteiras.

3.13.1

Alguns territórios da UE, por exemplo, ilhas meridionais como Malta, Lampedusa, Canárias, etc., têm dificuldades específicas na medida em que são pontos intermédios para a imigração clandestina, recebendo muitas vezes um número de imigrantes que excede a sua capacidade de resposta. Importa que a União Europeia disponha de um sistema de solidariedade que resolva esta questão.

3.13.2

A luta contra o tráfico de seres humanos deve ser sempre realizada garantindo às vítimas a legislação humanitária internacional e as convenções europeias em matéria de direitos humanos. As pessoas em situação ilegal fazem parte dos grupos vulneráveis que necessitam de uma protecção especial e a sua vida, protecção e segurança são a prioridade. O CESE aprovou um parecer (20) com vista a melhorar a protecção das vítimas.

3.14

O CESE apoiou a aplicação de um método aberto de coordenação para a política de imigração e asilo (21). Actualmente, a UE dispõe de um «Comité sobre a imigração e o asilo» que realiza um trabalho positivo de coordenação e consulta, mas o seu mandato é insuficiente. O Conselho Europeu de Salónica criou um projecto-piloto para criar uma «Rede Europeia das Migrações». Esta rede merece o apoio do CESE, pois pressupõe um avanço no aperfeiçoamento da coordenação na UE.

3.15

O CESE regozija-se pelo facto de entre os objectivos da política comunitária de imigração se incluírem as medidas de integração, tal como o Comité tem vindo a solicitar (22). O acolhimento dos imigrantes recém-chegados, a integração no mercado laboral, a formação linguística, a luta contra a discriminação e a participação na vida civil, cultural e política deverão ser objectivos estratégicos da UE. Para o CESE, é imprescindível que os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil se associem às autoridades públicas nas políticas de integração.

3.15.1

O CESE deseja transmitir aos cidadãos europeus a ideia de que os imigrantes são parte da nossa comunidade e que contribuem para o desenvolvimento económico, social e cultural da Europa. O CESE espera continuar a colaborar activamente com as outras instituições da UE para cumprir os objectivos de Tampere e para aplicar uma política comum de imigração eficaz e uma legislação harmonizada. Neste sentido, o CESE criará um instrumento (23) permanente, em colaboração com a Comissão, com os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil. O combate contra o racismo, a xenofobia e a discriminação é a estratégia a adoptar para uma igualdade de tratamento e uma integração efectivas.

3.16

A Agenda Social (24) inclui, actualmente, alguns objectivos no sentido de fomentar a integração, lutar contra a discriminação e garantir a igualdade de tratamento. Nos próximos anos, em consequência do aumento de imigrantes, algumas das orientações da política social da UE deverão adaptar os seus objectivos.

3.17

O CESE chama a atenção para o facto de o Projecto de Tratado Constitucional criar uma nova base para a política comunitária de imigração e relembra que aprovou um parecer de iniciativa (25) propondo que o Projecto de Tratado Constitucional outorgasse a cidadania da União Europeia aos nacionais de países terceiros que disponham do estatuto de residentes de longa duração com o objectivo de melhorar os seus direitos políticos e de fomentar a integração. O CESE aprovou também outro parecer de iniciativa (26) em que propunha que os Estados-Membros da UE ratificassem a Convenção Internacional sobre a protecção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (27), que tem por objectivo a protecção dos direitos humanos e da dignidade das pessoas que emigram por motivos económicos ou laborais em todo o mundo, através de legislações adequadas e de boas práticas nacionais. O CESE exorta uma vez mais o Conselho e a Comissão a considerar a ratificação da Convenção.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  COM(2001) 386 final.

(2)  Directiva 2003/109/CE.

(3)  Parecer sobre a Comunicação relativa a uma política comunitária de imigração, JO C 260 de 17/9/2001 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(4)  COM(2003) 336 final.

(5)  Parecer publicado no JO C 80 de 3/4/2002 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(6)  Parecer sobre a Comunicação relativa a uma política comunitária de imigração, JO C 260 de 17/9/2001 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS) e parecer sobre a Comunicação relativa à imigração clandestina, JO C 149 de 21/6/2002 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(7)  Cf. JO C 80 de 3/4/2002 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(8)  Ponto 3.2.2 da Comunicação.

(9)  Cf. JO C 61 de 14/3/2003 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(10)  Cf. JO C 221 de 17/9/2002 (relatora: Soscha ZU EULENBURG).

(11)  Cf. o ponto 2.2 do parecer do Comité Económico e Social sobre o «Livro Verde relativo a uma política comunitária em matéria de regresso dos residentes em situação ilegal».

(12)  Cf. o ponto 2.4 do mesmo parecer.

(13)  Cf. JO C 61 de 14/3/2003 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(14)  Parecer sobre a Comunicação relativa a política comunitária em matéria de imigração, JO C 260, 17.9.2001, relator: Luís Miguel PARIZA CASTAÑOS; parecer sobre a Comunicação relativa à política comum em matéria de imigração clandestina, JO C 149, 21/6/2002, relator: Luís Miguel PARIZA CASTAÑOS; parecer sobre o Livro Verde relativo a uma política comunitária em matéria de regresso dos residentes em situação ilegal, JO C 61 de 14/3/2003, relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS.

(15)  Parecer em elaboração SOC/172, relator: Erik HAHR.

(16)  Parecer sobre a Directiva relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, JO C 36 de 8/2/2002 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(17)  Parecer sobre o Regulamento 1408/71, JO C 157 de 25/5/1998 (relator: Giorgio LIVERANI).

(18)  Parecer sobre a proposta de directiva relativa aos serviços no mercado interno (relator: A. METZLER, co-relator: E. EHNMARK).

(19)  Parecer sobre a imigração clandestina, JO C 149 de 21/6/2002, relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS; parecer sobre a Agência de Fronteiras, JO C 108 de 30/4/2004, relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS e sobre o programa ARGO (SOC/186), relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS.

(20)  Parecer sobre a Proposta de directiva do Conselho relativa à autorização de residência de curta duração concedida às vítimas do auxílio à imigração clandestina ou do tráfico de seres humanos que cooperem com as autoridades competentes, JO C 221 de 17/9/2002 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(21)  Parecer de Soscha ZU EULENBURG, JO C 221 de 17/9/2002.

(22)  Parecer publicado no JO C 125, 27.5.2002; A imigração, a integração e o papel da sociedade civil organizada; Conferência organizada pelo CESE e pela Comissão em 9 e 10 de Setembro de 2002: «Imigração: o papel da sociedade civil».

(23)  A determinar (observatório, conferência anual, ...).

(24)  Parecer do CESE sobre a Comunicação sobre a revisão intercalar da Agenda de Política Social, JO C 80 de 30.3.2004 (relator: Luca JAHIER).

(25)  Parecer «Acesso à Cidadania da União Europeia», JO C 208 de 3.9.2003 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(26)  Parecer «A Convenção internacional para os trabalhadores migrantes», JO C 241 de 28.9.2004 (relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS).

(27)  Resolução n.o 45/158 de 18 de Dezembro de 1990, em vigor desde 1 de Julho de 2003.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/92


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu no domínio da entrada organizada na UE de pessoas que precisam de protecção internacional e ao reforço da capacidade de protecção das regiões de origem — Melhorar o acesso a soluções duradouras»

COM(2004) 410 final

(2005/C 157/16)

Em 25 de Agosto de 2004, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu o presente parecer em 25 de Novembro de 2004, sendo relatora A. LE NOUAIL-MARLIERE.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 139 votos a favor, 1 voto contra e 9 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Síntese do documento da Comissão

1.1

A presente Comunicação é a resposta da Comissão ao ponto 26 das Conclusões do Conselho Europeu de Salónica, de 19 e 20 de Junho de 2003, que convida a Comissão «a explorar todos os parâmetros no sentido de garantir que a entrada na UE de pessoas que carecem de protecção internacional seja mais bem ordenada e gerida, e a estudar as formas e meios de reforçar a capacidade de protecção das regiões de origem» .

1.2

É composta por quatro capítulos, sendo o primeiro consagrado a: «explorar todos os parâmetros no sentido de garantir que a entrada na UE de pessoas que carecem de protecção internacional seja mais bem ordenada e gerida»

1.3

A reinstalação consiste em transferir os refugiados provenientes de um primeiro país de acolhimento ou de um país de trânsito para o território da União ou de países terceiros (Canadá, Estados Unidos, Austrália,...) e é, por definição, uma entrada ordenada e gerida na UE. Poderá desempenhar um papel importante na política comum de asilo da UE. Pelas razões acima referidas, a Comissão considera haver argumentos válidos para medidas à escala comunitária neste domínio e para estabelecer um programa de reinstalação da UE.

1.4

O Capítulo II estuda a forma de reforçar a capacidade de protecção das regiões de origem em relação aos indivíduos que precisam de protecção internacional, bem como a forma como a UE poderia ajudar nesse sentido

1.5

As medidas para reforçar a capacidade de protecção requerem uma abordagem coordenada e sistemática. Neste contexto, há que estabelecer um sistema de referência em matéria de protecção efectiva a concretizar nos países de acolhimento com a ajuda e a parceria da UE. Para este efeito, a UE deve examinar em primeiro lugar os elementos que utiliza para garantir a protecção das pessoas que dela precisam e que se centram na protecção contra a perseguição e a expulsão, no acesso a mecanismos jurídicos e na possibilidade de dispor de meios de subsistência adequados.

1.6

As componentes da protecção a seguir apresentadas poderiam ter duas finalidades. Por um lado, poderiam ser consideradas como indicadores adequados para avaliar a capacidade de protecção de um dado país de acolhimento e para determinar se foi estabelecido um sistema de protecção sustentável. Por outro lado, poderiam servir de linhas de orientação para um sistema de referência sobre o reforço de capacidades

Adesão aos instrumentos relativos aos refugiados e observância destes instrumentos, incluindo os instrumentos regionais e outros tratados sobre os direitos humanos e de direito humanitário internacional, incluindo a retirada de reservas

Quadros jurídicos nacionais: adopção/alteração da legislação em matéria de refugiados/de asilo

O registo e os documentos dos requerentes de asilo e dos refugiados

Admissão e acolhimento dos requerentes de asilo

Apoio à auto-suficiência e à integração local

1.7

O Capítulo III analisa a forma de alcançar uma abordagem integrada, global e equilibrada, que seja flexível e adaptada às várias questões de imigração e asilo

1.8

Nesse sentido, a Comissão deverá apresentar programas regionais de protecção plurianuais da UE, com uma agenda de acções e projectos sobre o asilo e a migração, concebida em estreita parceria com os países terceiros da região em causa. Estes programas deverão ser elaborados em ligação com os documentos de estratégia por país e região e seguir o mesmo ciclo destes documentos, que fixam o quadro global das relações comunitárias com os países terceiros.

1.9

Os programas regionais da UE em matéria de protecção deverão proporcionar uma panóplia de instrumentos com diversas medidas, algumas das quais já existem, outras estão em fase de elaboração e outras deverão ser ainda propostas: medidas para melhorar a capacidade de protecção, sistema de registo, programa de reinstalação a nível da UE, ajuda para melhorar as infra-estruturas locais, assistência relativa à integração local das pessoas que precisam de protecção internacional no país terceiro, cooperação em matéria de migração legal, acção relativa à gestão da migração, regresso.

1.10

Por último, no Capítulo IV, são apresentadas as conclusões da presente comunicação, bem como a melhor via a seguir, sobre a qual solicita o apoio do Conselho, do Conselho Europeu e do Parlamento..

2.   Observações na generalidade

2.1

O Comité aprova a intenção da Comissão baseada nas recomendações do UNHCR, mas considera insuficientes, na comunicação da Comissão, as garantias do nível de protecção internacional adquirido desde 1951. Infelizmente continua a ser necessário garantir este nível ou aumentá-lo pois o contexto internacional comporta ainda situações de discriminação e de ódio, podendo levar a conflito armado, discriminação que afecta grupos sociais de populações civis ou indivíduos de grupos sociais e de perseguição de indivíduos ou de grupos por Estados ou por agentes não estatais (grupos ou indivíduos). Deste ponto de vista, o Comité encoraja os trabalhos realizados na «Convenção +» do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, com vista a melhorar o estatuto de refugiado e a Convenção de Genebra.

2.2

A proposta de programas de reinstalação deveria sublinhar mais fortemente que o objectivo principal da reinstalação como solução sustentável é restabelecer o mais rapidamente possível as pessoas que beneficiam do estatuto de refugiado ou de protecção internacional no sentido da directiva sobre as condições requeridas para o reconhecimento do estatuto (1), em condições de vida normais e dignas no sentido da Convenção de Genebra e do guia dos procedimentos do HCR.

2.3

O Comité sublinha que se deveria encontrar um estatuto jurídico entre os Estados-Membros a fim de reconhecer e apoiar os programas de reinstalação já existentes em certos Estados-Membros, e visar a adopção de normas comuns para estender estes programas aos Estados-Membros da UE que assinaram a Convenção de Genebra.

2.4

Estes programas constituiriam uma resposta às necessidades das pessoas que precisam verdadeiramente de protecção internacional no sentido da Convenção de 1951, e impediriam o «recurso abusivo» de debilitar o estatuto de refugiado e o seu nível de protecção. O Comité compartilha desta preocupação, mas recorda que:

as obrigações internacionais dos Estados-Membros da União Europeia que assinaram a Convenção de 1951, permanecem, embora alguns não se dêem ao trabalho de receber ou examinar o pedido, recusando admitir, sem examinar se o regresso poderá colocar a vida da pessoa em perigo.

As condições de acolhimento dos requerentes de asilo, em determinados Estados-Membros, transformam-se em condições de «retenção» para os requerentes de asilo — cujos pedidos são recebidos mas ainda não examinados — e constituem objecto de relatórios dos serviços sociais públicos que revelam factos traumatizantes para os requerentes de asilo a para a sociedade civil. Consequentemente esta fabrica uma opinião desastrosa da questão do asilo em geral.

Uma melhoria notável deveria ser parte dos objectivos apresentados na Comunicação, designadamente no que se refere à liberdade de circulação, à assistência financeira, à assistência pelas associações especializadas na ajuda aos refugiados e aos programas que favorecem a integração.

As condições de presença das ONG e associações de ajuda aos refugiados nos centros de acolhimento deveriam ser melhoradas, mediante acordos de parceria com as autoridades do país de acolhimento ou, pelo menos, explicando os seus direitos

2.5

A amálgama entre os requerentes de protecção internacional e a luta contra a imigração clandestina, insinuando que qualquer pedido de asilo é um abuso de direito e seria infundado e que a protecção do estatuto dos refugiados passa pelo reforço de medidas coercivas globais, não melhora nem esclarece a percepção da opinião pública quanto às suas obrigações.

2.6

Como é preconizado nos relatórios do Parlamento Europeu (2), nos pareceres do CESE (3) e nas recomendações das organizações internacionais (4), os programas não deveriam substituir o respeito dos Estados-Membros pelos procedimentos e exame dos pedidos individuais.

2.7

O Comité recorda que as pessoas que tentam e conseguem atravessar as fronteiras da UE com o intuito de pedir asilo são apenas uma pequena parte (mais ou menos a centésima parte) das pessoas com direito a pedir asilo. A fim de quantificar os compromissos e obrigações da UE é necessário referir-se ao relatório UNHCR 2003 que relata o número de pessoas e populações interessadas no HCR e em quem o HCR está interessado.

3.   Observações na especialidade

3.1

Perante o balanço de avaliação traçado pelas ONG europeias e instituições como o Parlamento Europeu, o Comité receia que a margem deixada aos Estados-Membros para determinar os critérios de acesso aos programas de reinstalação leve paulatinamente a diminuir a protecção garantida pelas normas da Convenção de Genebra de 1951 e o Protocolo de Nova Iorque de 1967.

3.2

O reconhecimento pelos serviços do HCR «Prima Facie» dos refugiados de protecção internacional nos países de primeiro acolhimento nas regiões de origem não é um reconhecimento do estatuto de refugiado a título da Convenção de Genebra, mas permite ao HCR propor uma lista de pessoas com bases para beneficiar de um programa de reinstalação. Caberá às autoridades dos países de primeiro acolhimento, de trânsito ou de reinstalação reconhecer um estatuto de refugiado convencional ou de protecção subsidiária. Os beneficiários de programa de reinstalação deverão ter sido reconhecidos por um dos estatutos de protecção internacional.

3.3

O Comité reafirma a necessidade de examinar individualmente os pedidos independentemente da elegibilidade aos programas de reinstalação (com direito de recurso jurídico suspensivo de medidas de expulsão) e receia que, na ausência de encargo claro e de partilha clara das responsabilidades, se crie uma zona indefinida de reenvio das responsabilidades, apesar da Convenção de Dublim 2 à qual os países de acolhimento ou de trânsito das regiões de origem não estão ligados. Além do mais, o condicionamento do reconhecimento de um estatuto de protecção internacional à elegibilidade a um programa de reinstalação poderia levar os Estados-Membros, que fazem parte dos programas de reinstalação, a reduzir o número de refugiados convencionais reconhecidos ou o dos beneficiários de protecção similar.

3.4

O Comité apoia a proposta da Comissão como contribuição da UE para a protecção efectiva dos refugiados reconhecidos pelo estatuto de refugiado com a condição de que as garantias jurídicas e de respeito dos direitos individuais dos requerentes de asilo no sentido das Convenções internacionais, designadamente a Convenção de Genebra e de Nova Iorque, se apliquem e os refugiados que não caibam nestes critérios de selecção, que tornam elegíveis aos programas de reinstalação não tenham os seus direitos de exame e de reconhecimento diminuídos. O Comité não será, ao contrário, favorável se o reforço das capacidades dos países de primeiro acolhimento ou de trânsito das regiões de origem se traduzir numa retirada do compromisso, por parte dos Estados-Membros da União Europeia, em reconhecer a protecção estatutária e jurídica de refugiado ou beneficiário de protecção subsidiária.

3.5

O Comité recomenda que os procedimentos harmonizados adoptados pelo Conselho de 29 de Abril de 2004 sejam aplicados e revistos e que o objectivo da presente comunicação não seja resvalar para o exame dos requerimentos nas regiões de origem. O Comité recomenda, ao contrário, que as normas mínimas adoptadas induzam os Estados-Membros a aplicar garantias que possam ir para além das normas preconizadas.

3.6

Há muitas regiões susceptíveis de se tornarem zonas de origem, por causa de discriminações, do não respeito dos direitos humanos, de perseguições de militantes dos direitos humanos, de catástrofes naturais, ou que têm a ver com estas, de fome, de especulações, mutações climáticas, causas acumuladas. Assim, o Comité interroga-se se os países limítrofes de países de origem de requerentes de asilo continuam a ser os mais indicados para acolher, reconhecer e seleccionar todos os refugiados elegíveis aos programas de reinstalação. O Comité interroga-se também seriamente sobre as capacidades das representações da UE nos países terceiros para os realizarem, sem assistência e sem a intervenção da sociedade civil organizada. O Comité recomenda que os procedimentos harmonizados adoptados pelo Conselho de 24 de Abril de 2004 sejam aplicados e revistos, antes de passar à fase seguinte que consiste em descentralizar o exame dos requerimentos nas regiões de origem.

3.7

O Comité receia que a assistência por parte das associações e das ONG europeias, internacionais ou locais, já difícil, se torne impossível pelo afastamento, o sobrecusto induzido, a multiplicação dos interlocutores que representam os poderes públicos ou as relações tensas ou ainda a falta de meios, em certos países, no que respeita às associações locais.

3.8

Apesar da necessidade de aliviar os países de primeiro acolhimento ou de trânsito nas regiões de origem e amplificar a contribuição para voltar a dar as condições de vida normal e digna aos refugiados, a eventual cooperação com os países de primeiro acolhimento ou de trânsito relativamente aos programas de reinstalação não deveria, em qualquer dos casos, substituir o direito individual de requerer asilo no território da UE, nem as obrigações dos Estados da Convenção de Genebra que tenham sido objecto de requerimento de asilo individual.

3.9

O Comité recorda que o tratamento «político» deve continuar com os países de origem, em especial no apelo e ajuda ao respeito dos direitos humanos, já que os países poderão ser, segundo os casos, de origem, de acolhimento ou de trânsito segundo a situação individual das pessoas e pela partilha das obrigações entre os Estados de todas as regiões.

3.10

São ainda possíveis fluxos em massa. A directiva sobre o acolhimento, em caso de afluxo em massa (5), apenas se aplica em casos de afluxo em massa no território da UE, e o Comité lamenta que a comunicação não se ocupe da assistência que preconiza ou da possibilidade de utilizar programas de reinstalação nesta situação.

4.   Conclusões

4.1

A abertura de vias legais de imigração deverá responder às necessidades de emigração e imigração, ao passo que as vias de asilo deverão continuar dirigidas para o asilo e ter em conta de modo absoluto as necessidades de protecção e de restabelecimento de uma vida normal e digna dos refugiados, independentemente dos meios de cooperação e de ajuda nos países terceiros no plano económico, social ou de ambiente sustentável da União europeia que venham em complemento e não no lugar da protecção internacional individual. Não se devem amalgamar as coisas e, mesmo que certos efeitos possam ter causas próximas, não existe ligação sistemática de causa a efeito entre as regiões pouco ou mal integradas na economia mundial e o não respeito dos direitos humanos.

4.2

Para qualquer lado que nos voltemos, as apreciações do desenvolvimento de uma política comum de asilo são severas, as ONG, os sindicatos nacionais e internacionais alarmam-se cada vez mais com as promessas não cumpridas pela UE. É neste contexto que a Comissão intervém com uma Comunicação sobre a elaboração e a realização de «soluções duradoiras».

4.3

O Comité considera que nem a Comissão nem o Conselho podem ignorar o alarme dado para uma situação em que os compromissos de Tampere ocasionaram directivas ou medidas regulamentares que privilegiaram uma abordagem em relação a outra. O Comité insiste em que a opinião pública europeia é constituída por correntes diferenciadas, não é homogénea nem monolítica, mas caracterizada por uma sociedade aberta que se proclama democrática e de direito. Portanto, a Comissão, na sua abordagem, e o Conselho, nas suas decisões, deveriam interpretar os compromissos tomados em Tampere de criar um espaço de liberdade e de justiça mais voltado para os direitos dos cidadãos e das pessoas, no sentido da Carta dos Direitos Fundamentais e para as obrigações decorrentes para os Estados.

4.4

A interpretação securitária que se seguiu aos atentados de 11 de Setembro de 2001 demonstrou os seus limites, tanto nos resultados das diversas eleições nacionais europeias, incluindo a taxa de abstenções constantemente crescente, como nos diversos conflitos armados transformados em guerras civis crónicas ou ainda no não respeito dos direitos humanos universais.

4.5

Na última década, a UE acolheu e reconheceu um número desigual de refugiados segundo os Estados-Membros, mas as necessidades reais mostram que, fosse qual fosse a parte da UE no acolhimento internacional, os programas de apoio nas regiões de origem (África e Caswaname, por exemplo) como os programas de reinstalação na própria UE poderiam contribuir para melhorar a situação dos refugiados ou os requerentes de asilo com direito de beneficiarem de protecção internacional.

4.6

O Comité apoia a proposta da Comissão com as reservas seguintes:

melhor tratamento dos requerimentos de asilo no território de todos os Estados-Membros e cessação das recusas de admissão sem exame dos requerimentos para os países ou regiões de origem em violação do princípio de não reenvio, pela transposição e a aplicação rápida pelos Estados-Membros das directivas «Procedimentos» e «Qualificações», utilizando a possibilidade de utilizar normas mais elevadas que as normas mínimas.

As condições de presença das ONG e associações de ajuda aos refugiados nos centros de acolhimento deveria ser melhoradas, mediante acordos de parceria com as autoridades do país de acolhimento, ou, pelo menos, explicando os seus direitos

reexame do princípio de qualificação dada a certos Estados de origem ou de trânsito de «Estados terceiros seguros» que privam os requerentes de asilo da possibilidade de exame da sua situação individual e dos seus decorrentes direitos.

clarificação de que o estatuto convencional de Genebra tem primazia no processo como no direito sobre a protecção subsidiária (6).

Clarificação de que os beneficiários dos programas de reinstalação sejam reconhecidos no estatuto de refugiado no sentido da Convenção de Genebra e no estatuto de refugiado ou de beneficiário de protecção subsidiária, no sentido da Directiva «Qualificações», que permite o respeito em toda as circunstâncias dos seus direitos fundamentais e que não se instaure de facto uma população de «undecided cases» sem direitos precisos nos países de reinstalação, comunitários europeus ou terceiros.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Ver Directiva 2004/83/CE adoptada pelo Conselho em 29/04/2004.

(2)  Relatório do Parlamento Europeu A5-0304/2001 (relator: R. J. E. EVANS) sobre a comunicação da Comissão «Em direcção a um procedimento comum de asilo e um estatuto uniforme, válido na União, para os beneficiários de asilo» (COM(2000) 755 final) e relatório A5-0291/2001 (relator: R. G. WATSON) sobre a directiva relativa às normas mínimas sobre os processos de concessão e retirada do estatuto de refugiado. Relatório do Parlamento Europeu A5-0144/2004 (relator: Luís Marinho) sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Em direcção a sistemas de asilo mais acessíveis, equitativos e organizados (COM(2003)315 final).

(3)  Parecer do CESE sobre a comunicação da Comissão «Em direcção a um procedimento comum de asilo e um estatuto uniforme, válido na União, para os beneficiários de asilo» (COM(260) 755 final) (JO C 260 de 17/09/2001 (relatores: MENGOZZI e PARIZA CASTAÑOS) e parecer do CESE sobre a directiva relativa às normas mínimas sobre os processos de concessão e retirada do estatuto de refugiado (JO C 193 de 10/07/2001 (relator: V. MELICÍAS).

(4)  Designadamente o Alto Comissário das Nações Unidas, o Conselho Europeu sobre os refugiados e os exilados (ECRE) e a Caritas Europa.

(5)  Directiva 2001/55/CE

(6)  Comunicação da Comissão (COM(2004) 503 final e parecer do CESE (SOC/185)


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/96


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Um sistema comum europeu de asilo mais eficaz — O procedimento único como próxima etapa»

(COM(2004) 503 final — SEC(2004) 937)

(2005/C 157/17)

Em 15 de Outubro de 2004, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que estabelece a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu o presente parecer em 25 de Novembro de 2004, sendo relatora A. LE NOUAIL-MARLIERE.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 133 votos a favor, nenhum voto contra e 10 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Síntese da Comunicação da Comissão

1.1

A comunicação proposta a exame do CESE analisa a forma de melhorar e acelerar os procedimentos de concessão do estatuto de refugiado e beneficiário de protecção internacional.

1.2

Analisa as vantagens de um procedimento único de asilo mais célere e eficaz e da simplificação dos procedimentos para os requerentes; mostra interesse numa melhor percepção pela opinião pública e numa maior transparência no recurso aos repatriamentos.

1.3

Em seguida, a Comissão defende a mais valia da aplicação deste procedimento através do reforço da cooperação e uma metodologia comum para os Estados-Membros assente em duas componentes sucessivas interdependentes: uma fase preparatória e medidas legislativas comunitárias.

1.4

A fase preparatória consistiria num período de consulta e debate entre os Estados-Membros relativamente às medidas a tomar para unificar os procedimentos de concessão dos dois tipos de estatuto estabelecidos na directiva relativa às condições a preencher (1).

1.5

Esta fase preparatória terá início em Janeiro de 2005 e decorrerá paralelamente à aplicação da «primeira fase legislativa do sistema comum europeu de asilo», já adoptada (2).

1.6

Até ao final de 2004, a Comissão apresentará o seu plano de acção «balcão único».

1.7

A fase preparatória preconizada teria quatro objectivos:

Orientar e clarificar o debate sobre as medidas a tomar pela UE, tendo em vista a adopção de um procedimento único;

Inventariar as alterações a introduzir;

Concretizar essas alterações adaptando as práticas operacionais antes da acção legislativa ou paralelamente a ela;

Por último, a fase preparatória servirá igualmente de plataforma de consulta.

1.8

As medidas legislativas comunitárias constituem uma primeira etapa para tornar único o procedimento de análise de pedidos de reconhecimento do estatuto de refugiado no sentido da Convenção de Genebra de 1951 e do Protocolo de Nova Iorque de 1967 e da protecção subsidiária entendida na acepção da directiva relativa à qualificação e condições exigidas (3).

1.9

A comunicação indica as componentes e modalidades da abordagem legislativa: o nível de ambição, o calendário da aplicação das medidas legislativas, o âmbito de aplicação, o tratamento dos recursos, a salvaguarda da integridade da Convenção de Genebra, o frontloading e a manutenção da qualidade das decisões, as modalidades dos repatriamentos e a interacção com outros instrumentos.

1.10

Em síntese, o procedimento único examinado num procedimento único de asilo e de protecção internacional, seja qual for o estatuto do requerente:

refugiado, tal como previsto na Convenção de Genebra de 1951 e no Protocolo de Nova Iorque de 1967;

beneficiário da protecção subsidiária, tal como previsto na Directiva 2004/83/CE adoptada pelo Conselho em 29/04/2004 (4).

2.   Observações na generalidade

2.1

O Comité apoia o grau de ambição mostrado pela Comissão e partilha a preocupação da Comissão com garantir que um procedimento único preserve a integridade da Convenção de Genebra de 1951. Neste sentido, em conformidade com o disposto na Directiva «Qualificações», a análise dos direitos dos refugiados deveria ser feita, em primeiro lugar, com base nos procedimentos da Convenção de 1951 e a análise de uma protecção subsidiária deveria ser feita em segundo lugar no caso de as condições exigidas no primeiro estatuto convencional não serem preenchidas.

2.2

O Comité recomenda que esta prioridade seja explícita, independentemente do futuro decidido para a aplicação do procedimento único.

2.3

Para o Comité, estas garantias são indispensáveis na preservação da integridade da Convenção de Genebra de 1951, sublinhada pela Comissão.

2.4

Relativamente às necessidades de protecção subsidiária, o Comité poderia reconhecer que os requerentes de asilo não podem avaliar o que são os estatutos convencionais ou subsidiários e se deparam com dificuldades adicionais nos países onde têm de reintroduzir um pedido com bases diferentes depois de o estatuto convencional de Genebra de 1951 lhes ter sido recusado. Esta situação gera incompreensão, desencorajamento e prazos insustentáveis.

2.5

O Comité apela à Comissão para que, na sua comunicação e no arranque das fases preparatória e legislativa, tenha em conta o princípio da não repulsão (art. 33.o da Convenção de Genebra), bem como a necessidade de tornar eficaz um direito de recurso jurídico com efeito suspensivo quanto a decisões negativas. Uma eventual apreciação obrigatória (administrativa) dos motivos para a protecção subsidiária deveria ter lugar após a análise das condições de reconhecimento do estatuto de refugiado previsto na Convenção de Genebra, fazendo-o beneficiar do mesmo direito de recurso jurídico suspensivo de medidas de afastamento, de acordo com as convenções internacionais e europeias dos direitos do Homem.

2.6

Nesse sentido, as ONG e o ACNUR não deveriam ser afastados das comissões administrativas, quando estas existem. Quando não é o caso, devem ter livre acesso aos requerentes e aos seus processos, de forma a facilitar o acesso e a possibilidade de gozar deste direito de recurso perante uma jurisdição.

2.7

O Comité insta com a Comissão para, nas modificações à directiva «Procedimentos» adoptada pelo Conselho em 19.11.2004 e que deverá ser novamente apresentada ao PE, alargar o seu âmbito de aplicação, incluindo a protecção subsidiária na acepção da Directiva «Qualificações» e a rever a qualificação atribuída a países terceiros de origem ou de trânsito de «países terceiros seguros», que privem os requerentes de asilo da possibilidade de análise da sua situação individual e dos seus direitos.

2.8

O Comité preconiza que as falhas e os problemas que possam apresentar os procedimentos actuais de reconhecimento do estatuto de refugiado sejam examinados na fase preparatória.

2.9

No que diz respeito aos acordos bilaterais de readmissão, para permitir a todos os Estados-Membros respeitar as suas obrigações internacionais e as directivas europeias (5), o Conselho devia dar-se a possibilidade, na fase preparatória, de criar um sistema harmonizado de solidariedade (por exemplo, programa de reinstalação e «partilha dos encargos») entre os Estados-Membros.

2.10

O Comité insta igualmente com a Comissão para rever o procedimento dito acelerado que priva os requerentes de asilo da qualidade de uma análise profunda da sua situação individual e dos direitos dela decorrentes, em particular, o efeito suspensivo de um recurso, o que os coloca em risco de regresso obrigatório ao país de origem antes de o recurso ter sido analisado por um tribunal competente.

2.11

Quanto às possibilidades e motivos para o reenvio para o país de origem, o Comité convida a Comissão a ter em conta que, em certos casos, ele não é possível, devido a obstáculos não ligados ao estatuto de refugiado ou por motivos humanitários (como uma doença).

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

AnneMarie SIGMUND


(1)  Ver Directiva 2004/83/CE que estabelece as normas mínimas sobre o estatuto de refugiado, adoptada pelo Conselho em 29/04/2004, e parecer do CESE relativo, JO C 221 de 17/09/2002 (relatora: A. LE NOUAIL).

(2)  Ver Decisão 2000/596/CE sobre o Fundo Europeu para os Refugiados e parecer relativo, JO C 168 de 16/06/2000 (relatora: S. Zu EULENBURG); Directiva 2001/55/CE relativa à protecção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e parecer do CESE, JO C 155 de 29/05/2001 (relatora: G. CASSINA); directiva que estabelece as normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado, sobre a qual o Conselho chegou a um acordo político em 29/04/2004 e parecer do CESE, JO C 193 de 10/07/2001 (relator: V. MELICIAS); Directiva 2003/09/CE que estabelece as normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo e parecer do CESE, JO C 48 de 21/02/2001 (relatores: D. MENGOZZI e L. M. PARIZA CASTAÑOS); Regulamento 343/2003 que estabelece os critérios e mecanismos de análise dos pedidos de asilo (Dublin II) e parecer do CESE, JO C 125 de 27/05/2002 (relator: S. SHARMA); Directiva 2004/83/CE que estabelece as normas mínimas para beneficiar do estatuto de refugiado, ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto, adoptada pelo Conselho em 29/04/2004, e parecer do CESE, JO C 221 de 17/09/2002 (relatora: A. LE NOUAIL); decisão sobre o Fundo Europeu para os Refugiados para 2005-2010, sobre a qual o Conselho chegou a um acordo político em 08/06/2004 e parecer do JO C 241 de 28.9.2004.

(3)  Ver Directiva 2004/83/CE que estabelece as normas mínimas para beneficiar do estatuto de refugiado, ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto, adoptada pelo Conselho em 29/04/2004, e parecer do CESE, JO C 221 de 17/09/2002 (relatora: A. LE NOUAIL).

(4)  Ver Directiva 2004/83/CE que estabelece as normas mínimas para beneficiar do estatuto de refugiado, ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto, adoptada pelo Conselho em 29/04/2004, e parecer do CESE, JO C 221 de 17/09/2002 (relatora: A. LE NOUAIL).

(5)  Ver ponto 3.13.1 do parecer do CESE sobre a comunicação da Comissão «Estudo sobre as relações entre a imigração legal e a imigração clandestina» (COM(2004) 412 final), adoptado em 15-16 de Dezembro de 2004 (relator: PARIZA CASTAÑOS).


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/99


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso à ajuda externa da Comunidade»

(COM(2004) 313 final — 2004/0099 (COD))

(2005/C 157/18)

Em 15 de Agosto de 2004, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Relações Externas emitiu parecer em 9 de Novembro de 2004, sendo relator J. M. ZUFIAUR NARVAIZA.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 145 votos a favor e 5 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

A preocupação em tornar a ajuda ao desenvolvimento mais eficaz reduzindo os custos de transacção obrigou a comunidade de doadores a um esforço constante de adaptação, que se reflectiu em posições do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos (OCDE), a instituição que congrega os doadores e procura harmonizar as suas políticas.

1.2

Da experiência de décadas resultou o claro consenso de que vincular a ajuda, directa ou indirectamente, à aquisição de bens ou serviços do doador não só é incoerente com os objectivos da promoção do desenvolvimento, mas também reduz a sua eficácia. O facto de as compras de bens e serviços se deverem realizar entre as empresas públicas ou privadas do país doador, com a evidente ausência de concorrência, acarretava um custo suplementar, favorecendo, aliás, as práticas de corrupção. Este tipo de práticas criava uma série de distorções no mercado interno e infringia as regras da UE aplicáveis à concorrência, sobretudo no que toca aos princípios de igualdade de tratamento e não discriminação.

1.3

Por isso, nos últimos anos esta preocupação esteve sempre presente na agenda dos países doadores até que, em Março de 2001, o Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) adoptou uma recomendação sobre a desvinculação da ajuda pública ao desenvolvimento dos países menos desenvolvidos, que, desde então, é referência obrigatória nesta matéria. A lógica subjacente a essa recomendação é reduzir entre 15 % e 30 % os custos de transacção inerentes à ajuda. Segundo dados do Banco Mundial, a desvinculação total da ajuda apontaria para cerca de 25 % de redução desses custos.

1.4

A nível comunitário essa ênfase concretizou-se em Março de 2002 no Conselho de Assuntos Gerais realizado paralelamente ao Conselho Europeu de Barcelona no âmbito da preparação da Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, realizada em Monterrey. Aí se concluiu que a União Europeia ia pôr em prática a recomendação do CAD sobre a desvinculação da ajuda pública ao desenvolvimento dos países menos desenvolvidos, embora mantendo o sistema de preços preferenciais em vigor no contexto UE-ACP. As posições do Conselho e, posteriormente, do Parlamento (relatório sobre a comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu intitulada «Desvinculação da ajuda: mais eficácia» (COM(2002) 639 final — 2002/2284 (INI) A5-0190/2003) apoiam a desvinculação condicionada à observância de três factores: integração regional e inter-regional, reforço institucional e criação de capacidades, e prevenção das distorções da concorrência entre doadores e países beneficiários. A isto acresce o princípio da reciprocidade, bem como a cooperação com organizações internacionais.

1.5

Esta posição foi ganhando corpo em comunicações posteriores dos organismos comunitários citados na proposta de regulamento. Faltava estabelecer e definir ainda mais as condições de acesso aos vários instrumentos da ajuda externa da Comunidade, brecha que a proposta em apreço vem colmatar.

1.6

Atendendo, porém, à natureza jurídica distinta dos instrumentos abrangidos pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) e dos instrumentos abrangidos pelo orçamento das CE afigura-se lógico conduzir dois processos paralelos. A recente comunicação da Comissão intitulada «Construir o nosso futuro em comum — Desafios políticos e recursos orçamentais da União alargada, 2007-2013» (1) estabelece o contexto em que se insere esta proposta de regulamento. Não se deve esquecer, todavia, que o processo de orçamentação do FED terá uma influência futura, se este passar a fazer parte do orçamento comunitário. Assim, a presente proposta de regulamento abrange apenas os instrumentos com cabimento no orçamento comunitário. Uma vez incluído no orçamento comunitário, o FED reger-se-á pelo regulamento que aqui se analisa.

1.7

Afigura-se-nos, pois, pertinente a proposta de regulamento sobre o acesso à ajuda externa da Comunidade e clara a sua justificação, tanto pelos motivos anteriormente expostos quanto aos compromissos assumidos pelas instituições comunitárias, como pelos critérios de subsidiariedade e proporcionalidade evocados na exposição de motivos (2).

2.   Comentários sobre os artigos

Artigo 1. Âmbito de aplicação

2.1

O CESE não tem qualquer objecção a fazer. O âmbito de aplicação do regulamento é adequado, sendo claro que alguns instrumentos como o apoio orçamental não são abrangidos. A lista que consta do Anexo 1 é apropriada.

Artigo 2.Definição

2.2

O CESE partilha a posição expressa no regulamento de que deverá ser interpretado à luz do Regulamento Financeiro e restantes instrumentos aplicáveis ao Orçamento Geral das Comunidades Europeias.

Artigo 3.Regras de elegibilidade

2.3

Afigura-se lógico estabelecer categorias distintas em função dos diversos instrumentos. A especificidade dos instrumentos de âmbito geográfico é também pertinente como modo de reforçar as capacidades e a integração regional. O CESE, atendendo à tradição de décadas em matéria de ajuda vinculada e à inércia que produziu, insiste na necessidade de estimular a participação de pessoas singulares e colectivas dos países em vias de desenvolvimento ou em transição enumerados nas listas do CAD da OCDE. A aplicação do princípio de desvinculação e de abertura da contratação pública deveria ser benéfico parta os países receptores da ajuda comunitária.

Artigo 4.Regras de origem

2.4

Na linha do artigo anterior, o CESE congratula-se com todos os esclarecimentos relativos ao fornecimento de materiais e às regras de origem. Chama a atenção para a necessidade do cumprimento estrito dos padrões e da legislação laboral, ecológica e em matéria de direitos humanos aprovada internacionalmente como já se disse anteriormente (3). A desvinculação da ajuda e a abertura dos mercados devem ser compatíveis com a observância de padrões elevados de protecção social e ambiental.

Artigo 5 Reciprocidade com países terceiros

2.5

O CESE subscreve inteiramente a abordagem proposta neste artigo no sentido de valorizar não só a reciprocidade formal, mas também a real. A experiência anterior a este respeito aconselha esta elementar prudência e a concessão de reciprocidade em função de critérios de transparência, coerência e proporcionalidade. A inclusão no n.o 5 da expressão «sempre que possível» em relação aos países beneficiários retira-lhe força. O CESE propõe que seja feita referência ao princípio de parceria, pilar fundamental da política comunitária de desenvolvimento e também do CAD, a fim de reforçar o interesse na participação dos países beneficiários.

Artigo 6.Derrogações às regras de elegibilidade e de origem

2.6

Para o CESE parece lógica a existência de excepções neste tipo de regulamentos, de modo a permitir a necessária flexibilidade na aplicação. As razões invocadas no regulamento — urgência, indisponibilidade de produtos ou serviços no mercado — tornam-nas convenientes em casos devidamente justificados.

Artigo 7.Operações que envolvem instituições internacionais ou países terceiros

2.7

O facto de grande parte da ajuda ser canalizada através de mecanismos multilaterais ou de outro tipo e de muitas acções serem co-financiadas exige uma referência deste género, que se julga adequada. Há que velar, especialmente nestes casos, pelo respeito pela igualdade entre doadores e pela reciprocidade.

Artigo 8.Ajuda humanitária

2.8

A especificidade da ajuda humanitária, cada vez mais pertinente no cenário internacional, fez com que o Regulamento (CE) n.o 1257/96 reconhecesse já algumas excepções em relação ao resto da legislação comunitária, e o novo contrato-quadro de parceria que o Serviço Humanitário da Comunidade Europeia (ECHO) celebra com as entidades financiadas mantém essa lógica. Parece pertinente que assim seja no interesse da rapidez e eficácia da resposta às crises; afigura-se também conveniente aplicar o regulamento em apreço nos casos que obriguem a concurso público.

Artigo 9.Mecanismo de Reacção Rápida

2.9

É lógico, tal como no caso anterior, que para este tipo de mecanismos estejam previstos procedimentos e critérios excepcionais. O ponto modificado é o n.o 4, alínea b), do artigo 6.o.

Artigo 10.Execução do regulamento

2.10

Em consonância com o seu objectivo, o regulamento modifica disposições específicas dos regulamentos anteriores citados em anexo, o que é justificado pelo grande desenvolvimento regulamentar dos anos 90 e pela diversidade de instrumentos criados. Contudo, a expressão «em certos intervalos» não parece muito correcta.

Artigo 11.Entrada em vigor

2.11

O CESE não tem comentários a tecer sobre este ponto.

3.   Avaliação global

3.1

A proposta de regulamento em apreço relativo ao acesso à ajuda externa da Comunidade está em consonância com a ortodoxia dos organismos doadores e com as posições prévias das instituições comunitárias e dos Estados-Membros. Nada há nela, por isso, que se afigure ao CESE discordante ou negativo para a cooperação ao desenvolvimento ou para a acção externa da União. Muito pelo contrário, contribui, em sua opinião, para a melhoria da eficácia da cooperação comunitária e para o respeito dos seus «três c»: coerência, complementaridade, coordenação.

3.2

O CESE gostaria, no entanto, de insistir em certas ideias mestre e recomendar alguns aspectos que o regulamento poderia vincular com mais rigor e precisão.

3.3

Insistir no protagonismo que deverão ter os países que beneficiem de ajuda enquanto actores fundamentais do seu desenvolvimento. A desvinculação não lhes deve acarretar prejuízos e, em todo o caso, dever-se-á procurar reforçar a parceria com esses países, tal como é recomendado nos textos internacionais atrás citados e nas posições das próprias instituições comunitárias. Sem prejuízo do exposto, deverá ser recomendado aos países beneficiários que incluam e apliquem princípios de transparência, igualdade, reconhecimento mútuo e proporcionalidade na contratação pública, bem como práticas de boa governação, que lhe permita progredir política, económica e socialmente.

3.4

Para que a aplicação do regulamento em apreço seja mais eficaz e eficiente, há que fazer uma análise aprofundada do ciclo da ajuda comunitária relativamente aos custos de abastecimento, custos reais de transporte, mobilização de recursos, etc., de modo a detectar com mais precisão os estrangulamentos do sistema e suas deficiências. Se bem que o espírito e a letra do regulamento pareçam apostar em simplificações e melhorias, o CESE vê com preocupação o risco de se criarem novas normas rígidas que aumentem a burocracia e abrandem o fornecimento rápido de ajuda.

3.5

O regulamento deve pautar-se pela observância das normas internacionais em matéria sociolaboral e ambiental e nada nele deverá favorecer medidas de «dumping» laboral, social ou ambiental. O respeito pelo protagonismo dos parceiros nos países beneficiários da ajuda comunitária e o incentivo do princípio de parceria não devem fazer esquecer o respeito por outras normas laborais, ecológicas ou sociais. O artigo 4.o da proposta de regulamento em apreço deveria conter uma referência explícita nesta matéria.

3.6

O peso excessivo da vinculação da ajuda é unanimemente considerado como uma das limitações sofridas pelo actual modelo de cooperação para o desenvolvimento, que reduziu a eficácia e a sua própria credibilidade ao conceder prioridade aos bens e serviços dos «doadores». A desvinculação não é um fim em si mesma, mas deve ser antes entendida como um instrumento, um meio para obter maior impacto a um custo mais baixo. Neste sentido, o reforço da participação dos países beneficiários é fundamental para que estes assumam a liderança do seu próprio desenvolvimento, incentivando as organizações sociais, laborais e empresariais de todo o tipo a participarem no processo.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  COM(2004) 101 final de 10/2/2004.

(2)  É neste momento difícil prever quando passará o FED a fazer parte do orçamento comunitário.

(3)  V. a este propósito o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre os «Direitos humanos no local de trabalho». Relatores: PUTZHAMMER e GAFO FERNÁNDEZ. JO C 260, de 17/9/2001, pág. 79-85. Ver também o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Sistema de Preferências Generalizadas (SPG)». Relator: PEZZINI, JO C 112 de 3.4.2004.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/102


Parecer do Comite Economico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu — criação de um modelo agrícola sustentável para a europa através da pac reformada — reforma do sector do açúcar»

COM(2004) 499 final

(2005/C 157/19)

Em 15 de Julho de 2004, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 16 de Novembro de 2004 (relator: Jean-Paul BASTIAN, co-relator Rudolf STRASSER).

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 137 votos a favor, 21 votos contra, com 11 abstenções, o presente parecer.

1.   Introdução

1.1

Há vinte e um países na União Europeia produtores de açúcar de beterraba. Os departamentos franceses ultramarinos e, em menor proporção, a Espanha, produzem açúcar de cana (280 mil toneladas). No total, a produção europeia de açúcar oscila, de ano para ano, entre os 17 e os 20 milhões de toneladas para um consumo europeu de açúcar estimado em 16 milhões de toneladas.

1.2

A beterraba, que intervém na rotação de culturas, é cultivada em 2,2 milhões de hectares de terreno por 350 mil agricultores (o que dá, em média, pouco mais de 6 hectares de cultura de beterraba por produtor). A beterraba é transformada em cerca de 200 fábricas que empregam directamente quase 60 mil trabalhadores.

1.3

Na União Europeia, produz-se ainda 500 mil toneladas de isoglicose e 250 mil toneladas de xarope de inulina, havendo ainda uma indústria de refinação de açúcar bruto de cana (cuja grande maioria — 1,5 milhões de toneladas — é importada de países ACP (1)).

1.4

No sector do açúcar, isoglicose e xarope de inulina, o regime de quotas de produção resultante do Regulamento 1785/81 foi prorrogado por diversas vezes. A última recondução, que data de 2001 e abrange cinco campanhas de 2001/2002 a 2005/2006, consta do Regulamento n.o 1260/2001 que faz, em relação ao regulamento precedente, algumas modificações importantes, como por exemplo, a fixação dos preços até 30 de Junho de 2006, a abolição do regime de armazenagem, a supressão do financiamento aos custos de armazenagem do açúcar transferido, uma redução das quotas de 115 mil toneladas e a tomada a cargo pelos produtores de beterraba e pelos fabricantes de açúcar da totalidade das restituições à produção concedidas à indústria química.

1.5

A Comissão apresentou em 14 de Julho de 2004 uma comunicação sobre a reforma do sector do açúcar que visa completar o seu modelo de agricultura sustentável (COM(2004) 499 final).

1.6

Neste documento, a Comissão propõe alterar radicalmente, a partir de 1 de Julho de 2005, o regulamento sobre o açúcar, bem como os preços e as quotas, e tenciona apresentar, se necessário, novas propostas em matéria de quotas e de preços em 2008. A Comissão pretende, deste modo, inserir o regime do açúcar na lógica da reforma da PAC, tornar o mercado do açúcar menos atraente para as importações, reduzir significativamente as exportações do açúcar sujeito a quota com restituição e abolir as restituições à produção para o açúcar vendido à indústria química.

1.7

A Comissão propõe fundir as quotas A e B numa quota única, bem como diminuir as quotas de açúcar em 1,3 milhões de toneladas e, posteriormente, em 500 mil toneladas adicionais por ano durante as três campanhas seguintes (ou seja, uma redução total de 2,8 milhões de toneladas equivalente a 16 %).

1.8

Paralelamente a esta redução das quotas do açúcar, a Comissão propõe aumentar as quotas de isoglicose em 100 mil toneladas por ano durante três anos (ou seja, um aumento de 60 %) e a manutenção das quotas de inulina.

1.9

Por forma a garantir a reestruturação do sector do açúcar que considera necessária, a Comissão propõe que a transferência das quotas passe a ser livre ao nível europeu. Prevê, igualmente, a possibilidade de financiar juntamente com os Estados-Membros a concessão de uma ajuda de 250 euros por tonelada de quota de açúcar aos fabricantes que não consigam ceder a sua quota e que abandonem a sua produção. Este apoio visa facilitar o respeito pelos fabricantes de açúcar em causa das suas obrigações em matéria social e de recuperação ambiental.

1.10

A Comissão propõe substituir o regime de intervenção e o mecanismo de desclassificação, que servem para garantir os preços através do equilíbrio do mercado e respeitar os compromissos efectuados para com a OMC, pela armazenagem privada (2) e pela transferência obrigatória de açúcar sujeito a quota.

1.11

Em matéria de preços, a Comissão propõe substituir o preço de intervenção do açúcar por um preço de referência que servirá para calcular o preço mínimo a respeitar nas importações ACP e PMD (países menos desenvolvidos), bem como para o lançamento das medidas de armazenagem privada e para a transferência de quantidades excedentárias para o ano seguinte. Os preços de apoio institucionais serão reduzidos em duas fases. Para tal, a Comissão propõe um preço de referência de 506 euros por tonelada de açúcar branco em 2005-2006 e 2006-2007 e de 421 euros por tonelada em 2007-2008 contra um preço de intervenção actual de 631,9 euros por tonelada e um preço de mercado ponderado A+B que estima em 655 euros.

1.11.1

Paralelamente, o preço mínimo ponderado da beterraba sacarina da quota A+B passaria dos actuais 43,6 euros por tonelada para 32,8 euros por tonelada em 2005-2006 e 2006-2007 (-25 %) e 27,4 euros por tonelada em 2007-2008 (-37 %). O preço de base da beterraba é actualmente de 47,67 euros por tonelada. O Comité está ciente de que a redução dos preços será maior em alguns Estados-Membros do que noutros devido às diferentes proporções de quota A e B.

1.11.2

A perda de rendimento resultante da baixa do preço ponderado da beterraba sujeita a quota deveria, segundo a Comissão, ser compensada com um apoio directo ao rendimento de cerca de 60 %, dissociado da produção (em conformidade com as regras da reforma da PAC de 2003).

1.11.3

A Comissão estima em 895 milhões de euros em 2005-2006 e 2006-2007 e em 1,340 mil milhões de euros por ano a partir de 2007-2008 o impacto financeiro do apoio directo ao rendimento, dissociado.

1.12

A Comissão propõe abolir o regime de restituição à produção para a indústria química e farmacêutica (3) e permitir a essas indústrias abastecerem-se de açúcar C, à semelhança do sector do álcool e da levedura.

1.13

Quanto às relações com os fornecedores de «açúcar preferencial» ACP, a Comissão propõe a manutenção do «Protocolo do Açúcar» ACP caracterizado por quotas de importação, mas com uma redução do preço garantido paralela à baixa do preço da beterraba. Para ajudar estes fornecedores a adaptarem-se às novas condições, a Comissão propõe estabelecer um diálogo com os países ACP com base num plano de acção a propor antes do final de 2004.

1.13.1

A Comissão propõe suprimir o apoio à refinação de açúcar proveniente dos ACP e dos departamentos ultramarinos franceses e eliminar, a prazo, a noção de «necessidades máximas de abastecimento».

1.14

Para os países menos desenvolvidos (PMD), a Comissão não faz qualquer proposta de gestão quantitativa das importações. Quanto aos preços de importação do açúcar PMD, exorta ao respeito do preço mínimo ACP. Para os Balcãs, a Comissão prevê a negociação de uma quota de importação. Nos termos da iniciativa «tudo excepto armas», a partir de 2009, o açúcar proveniente de 49 PMD terá acesso ao mercado europeu isento de tarifas e de quotas.

2.   Observações na generalidade

2.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) verifica que, em razão:

da iniciativa «tudo excepto armas» de 2001 destinada aos países menos desenvolvidos (PMD), cujas consequências para o sector do açúcar não foram, na altura, avaliadas de forma adequada pela Comissão,

da tendência geral de maior abertura dos mercados agrícolas europeus devido às negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio,

das ameaças que pairam sobre as exportações europeias de açúcar devido ao Painel do Açúcar na OMC e às negociações comerciais da Ronda de Doha,

e da reforma da política agrícola comum,

tornou-se necessário alterar e adaptar a Organização Comum do Mercado (OCM) do açúcar. Não se trata, portanto, de avaliar se é necessária uma reforma, mas sim de examinar que tipo de reforma é necessária, o seu âmbito de aplicação e a sua data de entrada em vigor.

2.2

A Comissão pronuncia-se a favor de uma reorganização radical do regulamento sobre o açúcar e justifica a sua proposta sublinhando que o actual regime do açúcar é alvo de críticas «quanto à falta de concorrência, à existência de distorções do mercado, ao elevado nível dos preços para os consumidores e utilizadores, assim como aos seus efeitos no mercado mundial, nomeadamente no caso dos países em desenvolvimento». O Comité Económico e Social Europeu lamenta que a Comissão se apoie neste tipo de críticas gerais sem procurar determinar a sua exactidão através de estudos sérios. O Comité recorda, a este propósito, o seu parecer de 30 de Novembro de 2000 (4).

2.3

O CESE constata que a proposta da Comissão antecipa largamente os prazos internacionais e mina o mandato de negociação da OMC, o que não é prudente, sendo prejudicial para a defesa dos interesses legítimos da economia do açúcar da União Europeia e dos seus fornecedores preferenciais. Esta antecipação não permite, igualmente, à Comissão abordar a questão do açúcar extra-quota.

2.4

O CESE receia o efeito que as propostas de redução dos preços e das quotas poderão ter sobre o nível da produção de beterraba e de açúcar da União Europeia, o rendimento de inúmeras explorações agrícolas familiares, a sustentabilidade das actividades industriais e comerciais do sector do açúcar, o emprego na indústria açucareira e nas zonas rurais e a multifuncionalidade, nomeadamente nas regiões desfavorecidas ou periféricas, bem como nos novos Estados-Membros, onde há grande necessidade de investimento para reestruturação. O Comité põe em dúvida que as propostas de reforma da Comissão respeitem o modelo agrícola europeu, a multifuncionalidade e o princípio de sustentabilidade, tal como definidos por unanimidade no Conselho Europeu do Luxemburgo, em Dezembro de 1997 (5). Considera, igualmente, que as propostas de reforma contradizem a Estratégia de Lisboa que visa explicitamente, entre outros, a criação de emprego.

2.5

O CESE solicita à Comissão que examine de forma mais aprofundada e verificável quais as regiões onde haverá maiores riscos para a produção de beterraba e a indústria do açúcar e quantos empregos directos e indirectos agrícolas e industriais estarão ameaçados no total. A previsão do impacto apresentada no ano passado pela Comissão não dá, na verdade, as informações necessárias.

2.6

O CESE pensa que a opção de reforma escolhida pela Comissão, que consiste em procurar equilibrar o mercado através de uma baixa dos preços, não é susceptível de atingir o seu objectivo. Mais, esta opção não assegura a manutenção a longo prazo de uma cultura de beterraba e de uma indústria do açúcar europeias sólidas e não respeita os compromissos europeus para com os países em desenvolvimento fornecedores de açúcares preferenciais. Com efeito, estas reduções farão desaparecer inúmeros produtores dos países europeus e dos países em desenvolvimento e vão enfraquecer consideravelmente os produtores remanescentes. Simultaneamente, o Brasil terá acesso a novos segmentos do mercado mundial, podendo passar a exportar indirectamente, a partir de 2008-2009, cada vez mais toneladas de açúcar para a Europa através de operações de triangulação (Swap) (6) com os países menos desenvolvidos, sem qualquer benefício para o desenvolvimento agrícola e social destes últimos.

2.7

O CESE considera que apenas alguns países, e sobretudo o Brasil, beneficiarão desta reforma da OCM do açúcar. Neste contexto, sublinha que a produção de açúcar no Brasil, largamente baseada na política do bioetanol e na política monetária, se faz em condições sociais, ambientais e de propriedade fundiária inaceitáveis, que explicam os custos de produção brasileiros extremamente baixos e, portanto, os reduzidos preços ao nível do mercado mundial.

2.8

O CESE não compreende, portanto, por que razão a Comissão não considerou a possibilidade de negociar as quotas de importação preferencial com os PMD, tal como, aliás, estes o solicitam, o que permitiria satisfazer de forma mais orientada os interesses dos países em desenvolvimento mais pobres e atingir um abastecimento equilibrado do mercado e um nível de preços sustentável na Europa. O CESE chama a atenção para a contradição fundamental em que a Comissão se encontra, a qual, por um lado, justifica a reforma radical da OCM do açúcar com a iniciativa «tudo excepto armas», mas que, por outro lado, recusa dar seguimento ao desejo explicitamente formulado pelos PMD de obterem um sistema de quotas preferenciais. O CESE considera urgente fixar quotas de importação para os Balcãs.

2.9

O CESE considera que as reduções de preço e de quotas propostas vão substancialmente além do mandato da OMC e são um passo importante em direcção à liberalização completa do mercado do açúcar, o que não proporciona perspectivas duradouras aos produtores de beterraba, aos trabalhadores do sector do açúcar e aos consumidores dos países europeus, contrariamente ao que a comunicação quer fazer crer.

2.10

O CESE não partilha da opinião da Comissão de que a baixa significativa dos preços do açúcar irá beneficiar essencialmente os consumidores (7). Tal como em reformas precedentes, estas reduções do preço da matéria-prima pouco ou nada serão sentidas e transmitidas à restante cadeia de produção. Isto é válido, em particular, para os produtos transformados como os refrigerantes e os produtos açucarados (75 % do açúcar na Europa é consumido sob a forma de produtos transformados). O CESE entende que a Comissão deveria acompanhar com atenção o impacto da reforma nos preços dos produtos que contêm açúcar.

2.11

O CESE partilha da preocupação dos países ACP quanto ao impacto negativo das propostas de reforma sobre o rendimento e o emprego dos sectores económicos directamente envolvidos, bem como sobre o seu equilíbrio social e as suas perspectivas de desenvolvimento.

2.12

O CESE não ignora os riscos que pairam sobre as exportações europeias de açúcar e, por esta mesma razão, não consegue compreender que as reduções das quotas planeadas pela Comissão para 2005 a 2009 conduzam a uma maior diminuição das exportações com restituição do que o necessário na hipótese da União Europeia perder o Painel que a opõe ao Brasil, Austrália e Tailândia. Afigura-se ao Comité, pelo contrário, que a União Europeia deve esforçar-se por, mediante uma regulamentação adaptada, manter todas as possibilidades de exportação que reivindica e que lhe são outorgadas pelos acordos internacionais e, assim, propor uma menor redução das quotas.

2.13

O Comité considera, além disso, que em vez de apresentar iniciativas de exportação e importação conducentes a uma limitação dos mercados para os produtores europeus, a Comissão deve propor medidas que assegurem a criação de mercados alternativos, nomeadamente no sector dos biocombustíveis.

2.14

Em termos globais, o CESE pensa que a Comissão não avaliou correctamente o impacto da sua proposta, a qual conduzirá a uma transferência em massa de recursos do sector rural (agrícola e de primeira transformação) da Europa e dos países em desenvolvimento para as grandes empresas internacionais da alimentação e da distribuição e desmantelará, simultaneamente, uma parte considerável da indústria do açúcar europeia e dos países ACP em proveito quase exclusivo dos latifúndios que dominam a produção de açúcar brasileira, frequentemente sem qualquer respeito pelos direitos fundamentais do Homem no trabalho (declaração da Conferência da Organização Internacional do Trabalho de 1998 (8)) nem pela sustentabilidade (desflorestação da floresta amazónica). O CESE é de opinião que o acesso ao mercado comunitário deveria ser condicionado pela observância de determinadas normas sociais e ambientais.

3.   Observações na especialidade

3.1

O CESE salienta que o Regulamento 1260/2001, adoptado por unanimidade pelo Conselho, é válido até ao dia 1 de Julho de 2006, tendo servido de base às negociações de adesão dos dez novos Estados-Membros. Assim, não se afigura compreensível para o CESE que a Comissão venha agora propor antecipar a reforma para o dia 1 de Julho de 2005, quando esta não é ainda necessária. Além disso, os agricultores já organizaram as suas parcelas de terreno para 2005-2006 e, em alguns países europeus, está-se actualmente na fase de sementeira das beterrabas de Outono. Ademais, desde 2001, já foram efectuados inúmeros investimentos agrícolas e industriais com base na observância do Regulamento 1260/2001 até ao seu prazo final.

3.2

O CESE solicita, portanto, que o novo regulamento sobre o açúcar não seja aplicável antes de 1 de Julho de 2006. Uma actuação contrária seria considerada, com razão, pelos grupos profissionais e pelos novos Estados-Membros como uma quebra do princípio de expectativas legítimas.

3.3

O CESE verifica que a proposta da Comissão deixa em aberto o modo de continuar a OCM após 2008, isto numa altura em que o sector da betteraba/açúcar necessita de previsibilidade para as restruturações e os investimentos necessários. Insta, por conseguinte, com a Comissão para que proponha um regulamento que abranja o período de 1 de Julho de 2006 a 30 de Junho de 2012, data que corresponde ao termo da PAC reformada.

3.4

O CESE é de opinião que a Comissão não justifica a redução significativa dos preços institucionais (de 33 % para o açúcar e de 37 % para a beterraba em duas fases). Ora, os cálculos verificáveis deixam transparecer que uma redução de 20 %, no máximo, seria suficiente para fazer face às novas obrigações previsíveis decorrentes da OMC. O CESE gostaria que a Comissão se limitasse a esse valor, solicitando ainda que tenha em conta o desejo dos PMD de negociar quotas preferenciais, pois tal aliviaria consideravelmente nos anos futuros a pressão sobre o mercado europeu do açúcar e proporcionaria aos PMD condições de exportação satisfatórias.

3.5

O CESE aponta para a fragilidade dos instrumentos de gestão do mercado propostos pela Comissão em substituição da intervenção. É, com efeito, previsível que a armazenagem privada e a transferência obrigatória não permitirão assegurar a observância do preço de referência pelo preço do mercado.

3.6

O CESE toma nota da proposta feita pela Comissão de compensar uma parte das perdas de rendimentos agrícolas com uma ajuda compensatória. Sublinha, no entanto, que uma menor redução dos preços ou a limitação da redução unicamente à primeira fase permitiria combinar economia orçamental com um aumento da taxa de compensação, não excedendo os recursos financeiros disponíveis. O Comité questiona-se sobre a forma de repartir de forma justa e prática as dotações nacionais para assegurar que a ajuda irá realmente servir os agricultores confrontados com a diminuição ou a perda das receitas derivadas da beterraba. Tal como se preconiza para o leite na reforma da PAC decidida em 2003, conviria ter em conta, para a repartição das ajudas compensatórias, a referência atribuída ao agricultor nos dois últimos anos precedentes ao da entrada em vigor do novo regulamento. O Comité insiste na necessidade de assegurar a sustentabilidade destas ajudas e a preservação do orçamento do açúcar.

3.7

O CESE considera que, caso seja necessário diminuir as quotas, esta redução deveria limitar-se ao estritamente necessário e aplicar-se ao açúcar e aos seus concorrentes sujeitos ao regime de quotas nas mesmas proporções. O aumento da quota de isoglicose proposta pela Comissão é, neste contexto, injusto, pois leva a Comissão a aumentar a sua proposta de diminuição das quotas de açúcar, em prejuízo dos produtores de beterraba e da indústria açucareira.

3.7.1

O CESE estima que a decisão sobre o montante necessário de cada diminuição eventual de quota deveria ser tomada unicamente após exame aprofundado pela Comissão, tendo em conta os défices estruturais e os abandonos eventuais de produção de açúcar sujeito a quota, bem como o impacto que os aguardados acordos da OMC e o resultado do recurso ao painel OMC terão para as produções de açúcar de quota e extra-quota e para o fluxo do comércio de açúcar entre a União Europeia e os países terceiros.

3.7.2

O CESE entende que os Estados-Membros devem dispor de margem de manobra suficiente para gerir internamente as diminuições de quota de açúcar e de beterraba, no respeito dos interesses de todas as partes afectadas e segundo critérios de justiça e benefício social. Insta, portanto, com a Comissão para que inclua esta possibilidade nas propostas de reforma e nos textos regulamentares.

3.8

O abandono da restituição à produção para o fornecimento de açúcar sujeito a quota às indústrias químicas e farmacêuticas terá igualmente um impacto negativo no nível das quotas de açúcar e introduzirá um factor de risco para as condições futuras de abastecimento de açúcar para essas indústrias. O CESE solicita, por conseguinte, que se mantenham em vigor os regulamentos actualmente existentes.

3.9

O CESE estima que as transferências de quotas, nomeadamente as transfronteiriças, poderão obstar à continuação de uma cultura de beterraba rentável em inúmeras regiões, com um impacto económico prejudicial para os produtores e os empregos em questão, um impacto ecológico negativo ao nível da rotação de culturas, bem como com efeitos negativos para os mercados agrícolas de culturas de substituição. O CESE solicita que a gestão das quotas continue a ser sujeita ao controlo dos Estados-Membros e que todas as decisões de reestruturação sejam objecto de acordo interprofissional prévio.

3.9.1

Em vez de estabelecer um comércio de quotas, o CESE considera que a Comissão deveria examinar a possibilidade de criar um fundo europeu de reestruturação da indústria do açúcar que teria em conta designadamente as necessidades de reconversão dos agricultores e dos trabalhadores neste sector, pagaria indemnizações no início da vigência do regulamento às quotas postas à disposição, após acordo interprofissional entre o fabricante de açúcar e os produtores de beterraba, e reduziria mais a necessidade de diminuição das quotas.

4.   Conclusões

4.1

O CESE reconhece a necessidade de se adaptar a OCM do açúcar, mas considera que as propostas de reforma vão demasiado longe e que a sua aplicação se traduzirá por repercussões consideráveis no sector europeu do açúcar, nomeadamente ao nível do emprego. Lamenta ter de constatar que as propostas não estão suficientemente fundamentadas e que o seu impacto não foi objecto de avaliação adequada como se impunha.

4.2

Solicita que a data de entrada em vigor do novo regulamento seja adiada para o dia 1 de Julho de 2006 e que os agricultores sejam alertados rapidamente para poderem confirmar as suas parcelas de terreno para 2005.

4.3

Considera que o regulamento deveria abranger um período mínimo de seis anos por forma a proporcionar uma perspectiva suficiente para o sector.

4.4

Solicita que, tal como o desejam os PMD, a União negoceie quotas de importação de açúcar PMD. Convém, de qualquer modo, proibir a prática de operações de triangulação e fixar critérios de sustentabilidade social e ambiental e de soberania alimentar, de que deverá depender o acesso ao mercado comunitário.

4.5

Solicita que se fixem rapidamente quotas de importação para os Balcãs.

4.6

Considera que a ordem de grandeza das adaptações de preços e de quotas de produção deve ser estritamente limitada aos compromissos internacionais e aplicar-se do mesmo modo a todos os edulcorantes (açúcar e seus concorrentes sujeitos ao regime de quotas). No âmbito das negociações da Agenda de Desenvolvimento de Doha (ADD), o açúcar deve ser objecto de tratamento diferenciado dado ser um produto sensível.

4.7

Recomenda a manutenção do regime de intervenção como instrumento para garantir os preços.

4.8

O CESE afirma que o preço do produto (beterraba) deve reflectir os custos de produção dos agricultores. Toma nota das propostas de compensação parcial aos produtores por perdas de rendimento decorrentes da baixa do preço da beterraba. Solicita que se aumente, na medida do possível, esta compensação e insiste na necessidade de assegurar a sustentabilidade das ajudas e de preservar o orçamento do açúcar.

4.9

Solicita que se mantenham em vigor as disposições referentes ao fornecimento de açúcar sujeito a quota para as indústrias químicas e farmacêuticas.

4.10

Considera que a Comissão não deve fugir às suas responsabilidades e deve conceber um verdadeiro plano de reestruturação da indústria europeia do açúcar que respeite os interesses dos fabricantes de açúcar, dos produtores de beterraba e dos trabalhadores em questão.

4.11

Interroga a Comissão quanto às suas intenções em relação às produções de açúcar extra-quota.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  ACP: países em desenvolvimento da África, das Caraíbas e do Pacífico, signatários do Protocolo do Açúcar do Acordo de Cotonou.

(2)  A armazenagem privada permite retirar temporariamente do mercado uma determinada tonelagem de açúcar sem diminuição da quota. A transferência obrigatória é a armazenagem e a transferência de uma determinada tonelagem de açúcar da quota da campanha n para a campanha n+1 com a correspondente redução das quotas da campanha n+1.

(3)  O Regulamento 1265/2001 prevê o pagamento de uma restituição à produção (ajuda que visa reduzir a diferença entre o preço de intervenção do açúcar e o preço mundial) para as tonelagens de açúcar e de isoglicose sujeitas a quota utilizadas nas indústrias químicas e farmacêuticas (cerca de 400 mil toneladas/ano).

(4)  JO C 116, de 20 de Abril de 2001, pp. 113-115, parecer do Comité sobre a «Proposta de regulamento do Conselho que estabelece a organização comum do mercado no sector do açúcar»: «Além disso, o Comité solicita participar nos estudos que a Comissão pretende efectuar para analisar, nomeadamente, as críticas feitas à OCM do açúcar, a concentração na indústria agro-alimentar e a transmissibilidade das alterações de preços entre o produtor e o consumidor.».

(5)  Conclusões da Presidência: SN 400/97, página 14 de 13/12/1997.

(6)  No caso visado, venda de açúcar brasileiro a um país menos desenvolvido, consumo deste açúcar brasileiro nesse país menos desenvolvido em substituição do açúcar interno e venda à União Europeia da quantidade de açúcar deste PMD assim substituída.

(7)  Ver comunicação COM(2004) 499 final, início do ponto 3.2 «Impacto económico».

(8)  Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, Conferência Internacional do Trabalho, 86.o sessão, Genebra, Junho de 1998.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/107


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão: Ciência e tecnologia, as chaves para o futuro da Europa — Orientações para a política de apoio à investigação da União»

COM(2004) 353 final

(2005/C 157/20)

Em 17 de Junho de 2004, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, o Conselho decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação supra mencionada.

Incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 10 de Novembro de 2004, tendo sido relator G. WOLF.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 83 votos a favor, 3 votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

O futuro económico, social e cultural da Europa. A evolução futura da Europa e a sua posição na estrutura de poder global dependem principalmente da inevitável concorrência do mercado mundial caracterizada por mudanças profundas na estrutura industrial e económica, no mercado laboral e na obtenção das matérias-primas. Cada vez mais se torna evidente que o crescimento, o sucesso e o potencial económico — vitais para promover as prestações sociais e o desenvolvimento cultural — dependem essencialmente dos conhecimentos disponíveis e dos investimentos no sector da investigação e do desenvolvimento tecnológico.

1.2

Concorrência internacional. A Europa enfrenta actualmente uma concorrência por parte não só das nações industriais clássicas, como os EUA, o Japão e a Rússia, mas também das novas potências económicas em ascensão, como a China, a Índia, a Coreia do Sul, etc., ou seja, praticamente todo o Sudeste asiático. Tanto a competitividade económica, que atrai investidores, investigadores e engenheiros, como as possibilidades de valorização cultural e de influência política dependem das capacidades técnico-científicas. Investimentos suficientes no sector da investigação e do desenvolvimento podem — e devem — contribuir para afirmar a posição da Europa e garantir um desenvolvimento sustentável.

1.3

O Espaço Europeu da Investigação — EEI  (1). Este desafio está na base do conceito de «Espaço Europeu da Investigação» que, juntamente com as decisões do Conselho de Lisboa, de Março de 2000, constitui o conceito-chave e o quadro de referência para a política de investigação das Comunidades Europeias, sobretudo com vista a alcançar os ambiciosos objectivos fixados em Lisboa, Gotemburgo e Barcelona. A investigação e o desenvolvimento promovidos a nível comunitário podem gerar um valor acrescentado europeu, assumir, de acordo com o princípio da subsidiariedade, tarefas que não possam ser asseguradas pelos Estados-Membros individualmente, e reforçar, explorar e unir o potencial científico da Europa. Além disso, são também importantes para a competitividade e a sustentabilidade. A ciência e a investigação são elementos centrais da cultura europeia.

1.4

Configuração do EEI. É com base no conceito muito produtivo de Espaço Europeu da Investigação que surgem todas as comunicações, decisões e iniciativas da política de investigação europeia. Saliente-se aqui o Sexto Programa-Quadro, inclusive o Programa-Quadro da Euratom, e os respectivos instrumentos de apoio à investigação, bem como a iniciativa dos 3 % (2) e diversos outros aspectos relacionados, por exemplo, com a profissão de investigador, a importância da investigação fundamental, o aprovisionamento energético, a aeronáutica e as biotecnologias, mas também as relações existentes entre ciência, cidadãos e sociedade.

1.5

Anteriores pareceres do Comité. O Comité, para além de se ter manifestado em anteriores pareceres (3) a favor das iniciativas da Comissão, tem vindo a salientar a importância decisiva da investigação e do desenvolvimento (I&D) para os objectivos de Lisboa (e posteriormente também os de Gotemburgo e Barcelona), assim como para o bem-estar económico, social, ecológico e cultural sustentável da UE. Neste contexto, o Comité, tendo chamado a atenção para muitos detalhes importantes, impulsionou os trabalhos e apresentou as suas próprias propostas. Não raro, chegou mesmo a propor uma acção mais vigorosa, embora por várias vezes tenha julgado oportuno corrigir o rumo e manifestado preocupações. Ao fazê-lo, apontou sobretudo para o facto de haver tendência para um excesso de regulamentação, de objectivos restritivos e de procedimentos burocráticos, acompanhado de alterações rápidas e profundas dos respectivos processos e instrumentos de apoio à investigação, o que se traduz em ineficiência, confusão e desânimo.

2.   Comunicação da Comissão

2.1

A comunicação em apreço constitui a sequência lógica deste desenvolvimento que, em princípio, se revela extremamente positivo. A comunicação integra uma série de objectivos e de considerações com vista à preparação de propostas para o 7.o Programa-Quadro de I&D e o Programa-Quadro da EURATOM, à luz do alargamento a 25 e da experiência já obtida com a execução do 6.o Programa-Quadro.

2.2

A comunicação começa por fazer um resumo dos objectivos e das medidas até agora prosseguidos, para em seguida comparar, no contexto do alargamento da União Europeia, o objectivo dos 3 % com a situação actual e com a situação em Estados concorrentes da UE, apresentando para tal justificações de peso. É também salientado o efeito de alavanca do financiamento público sobre o investimento privado em investigação, bem como a necessidade de tornar a profissão de investigador mais atraente, por forma a que haja uma concorrência pelos melhores dos melhores.

2.3

Daí advém também a necessidade de a UE reforçar e aumentar significativamente o apoio à investigação, o que implica, necessariamente, a intensificação — e não a redução — dos esforços dos Estados-Membros.

2.4

É com base na experiência alcançada ao longo dos anteriores programas-quadro, quer ao nível dos seus conteúdos, quer ao nível operacional, que a Comissão fixa seis grandes objectivos, nomeadamente:

Criação de pólos de excelência europeus (4) através da colaboração entre laboratórios;

Lançamento de iniciativas tecnológicas europeias;

Incentivo à criatividade da investigação fundamental através da concorrência a nível europeu;

Tornar a Europa mais atraente para os melhores investigadores;

Desenvolvimento de infra-estruturas de investigação de interesse europeu;

Reforço da coordenação dos programas nacionais de investigação.

2.5

De entre os demais aspectos e propostas contidos na Comunicação são de assinalar os seguintes:

Exploração do potencial da Europa a 25;

Aproveitamento pleno da complementaridade com os Fundos Estruturais;

Identificação dos temas de grande interesse europeu;

Dois novos domínios importantes para a União: o espaço e a segurança;

Utilização dos modos de implementação mais eficazes;

Melhoria do funcionamento do Programa-Quadro.

3.   Observações na generalidade

3.1

Objectivos de Lisboa, Gotemburgo e Barcelona. O Comité não só aplaude e apoia os objectivos e as iniciativas contidos na Comunicação da Comissão, como considera que ali se prevêem medidas extremamente importantes para a concretização dos ambiciosos objectivos de Lisboa, Gotemburgo e Barcelona. Apraz-lhe particularmente que a Comunicação em apreço contenha muitas das suas recomendações expressas em anteriores pareceres.

3.2

O objectivo dos 3 %  (5). O Comité é particularmente a favor do objectivo global dos 3 %, que se orienta pelos actuais investimentos em I&D dos concorrentes mundiais. Para tanto, é necessário que a UE aumente drasticamente o orçamento disponível para o Programa-Quadro de I&D e o Programa-Quadro da EURATOM, na perspectiva dos objectivos de Lisboa e da nova situação numa Europa alargada a 25.

3.2.1

Duplicação dos meios necessários na UE. A Comissão propõe, assim, a duplicação do orçamento no que diz respeito ao conjunto das acções, indo ao encontro das recomendações do Comité expressas no seu parecer sobre o 6.o Programa-Quadro (6).

3.2.2

Estados-Membros e indústria. Para alcançar o objectivo dos 3 %, esta duplicação dos meios implica, no entanto, o respectivo aumento dos orçamentos para I&D a nível nacional e dos financiamentos de actividades de I&D por parte da indústria. O Comité constata, com preocupação, que estes aumentos ou não se verificam ou são insuficientes. Na área da investigação e do desenvolvimento industriais, acontece inclusive que os investimentos em I&D são canalizados para fora do território da UE. O Comité recomenda que se proceda à análise dos motivos que geram esta lamentável tendência, com vista a tomar medidas que permitam também ao sector da investigação e do desenvolvimento industriais na Europa atingir o objectivo dos 3 %.

3.2.3

Apelo do Comité. O Comité apela, pois, novamente a que o Conselho, o Parlamento, os governos nacionais e, em particular, a indústria adaptem as suas decisões à consecução destes objectivos e adoptem orçamentos correspondentes para a I&D. O Comité está consciente da dificuldade desta tarefa, conta tida da difícil conjuntura económica. Contudo, os investimentos na investigação e no desenvolvimento propostos pela Comissão não só são moderados, como extremamente urgentes face à concorrência internacional. Cumpre agora acompanhar as palavras de actos.

3.2.4

Desenvolvimento dinâmico. É importante evitar uma visão estática da situação. A política europeia não pode descurar, na concorrência internacional, o desenvolvimento futuro fora da Europa (7). Se o objectivo dos 3 % for alcançado demasiado tarde, os objectivos de Lisboa ficam por cumprir. A longo prazo, será inclusivamente necessário aumentar ainda mais os investimentos em I&D.

3.3

Pólos de excelência europeus. O Comité apoia o objectivo global de criar e promover pólos de excelência europeus, no sentido de gerar valor acrescentado para toda a Europa, definir padrões de qualidade e tornar a investigação e o desenvolvimento europeus mais atraentes. Neste campo, a colaboração transnacional entre centros de investigação, universidades e empresas deverá continuar a ser o principal elemento da política de apoio promovida pelo Programa-Quadro de I&D (e Programa-Quadro da EURATOM), tendo em especial atenção as prioridades temáticas.

3.3.1

Condição. Entretanto, uma condição imprescindível para a concretização deste objectivo é que haja já instituições ou grupos de excelência da cooperação entre os quais se possam esperar resultados de ponta (8).

3.3.2

Não é criado um novo instrumento de apoio. Além disso, é necessário esclarecer melhor que o conceito dos «pólos de excelência» não é um novo instrumento de apoio (veja mais adiante), mas antes um conceito global que enquadra os instrumentos de apoio que possam concorrer para este objectivo, tais como os «Networks of Excellence» (NOE), os «Integrated Projects» (IP) ou os «Specific Targeted Research Projects» (STREP).

3.4

Instrumentos de apoio à investigação  (9) (estrutura dos projectos). No que se refere à louvável intenção da Comissão de criar modalidades de aplicação eficientes, o CESE reitera (10) o seu apelo à clareza, simplicidade, continuidade e, sobretudo, flexibilidade dos instrumentos de apoio à investigação. Flexibilidade significa que os beneficiários devem poder adaptar os instrumentos à estrutura e à dimensão que lhes pareçam mais adequadas para cada projecto. Só assim poderá evitar-se que os projectos se tornem dependentes das imposições dos instrumentos, em vez de corresponderem às necessidades técnico-científicas. Os instrumentos devem estar ao serviço das condições de trabalho e aos objectivos da I&D, e não o contrário. Todo o processo administrativo necessário à apresentações dos pedidos deve ser recompensado.

3.5

Investigação fundamental e concorrência europeia. O Comité reitera a recomendação do seu recente parecer (11) sobre este tema, a saber, que importa privilegiar a investigação fundamental, que forma a base para outros esforços de investigação e desenvolvimento, na condição de o requerente poder escolher livremente os temas no âmbito da concorrência europeia. A concorrência a nível europeu gera valor acrescentado para toda a UE.

3.6

Dimensão internacional da investigação. Cumpre não esquecer que a dimensão internacional da investigação, que ultrapassa o âmbito da UE, assume uma importância considerável. Os avanços no domínio da I&D dão-se hoje num plano mundial e internacional (12) e num ambiente de cooperação e de concorrência abertas e globais. Este aspecto deve igualmente ser tido em conta e devem ser previstas medidas para a sua promoção (por exemplo, programas de mobilidade, acordos de cooperação, etc.).

3.7

Relações e equilíbrio entre as categorias de investigação  (13). O CESE chama mais uma vez a atenção para o facto de a inovação e o progresso implicarem o desenvolvimento de uma rede de relações, salientando a existência de uma interacção frutuosa, embora sem contornos claros, entre categorias de investigação, investigação fundamental, investigação aplicada (por vezes também denominada «investigação dirigida») e desenvolvimento (desenvolvimento de produtos e de processos). Esta rede de relações, tão importante para a concorrência da Comunidade e para os objectivos de Lisboa, tem também implicações na cooperação e complementaridade entre a investigação e o desenvolvimento industriais e a investigação efectuada em universidades e centros de investigação estatais. Esta rede de relações deverá reflectir-se não só numa promoção equilibrada entre as várias categorias, como em cada um dos trabalhos e subtemas das prioridades/acções temáticas. As categorias de investigação atrás mencionadas devem ter também acesso a todos os respectivos eixos de apoio do Programa-Quadro. Pois destes depende, também, o efeito de alavanca do financiamento público de actividades de I&D sobre a economia.

3.8

Eficácia dos modos de implementação. Por último, mas não menos importante, o Comité acolhe favoravelmente e apoia a utilização de modos de execução mais eficazes e a melhoria do funcionamento do Programa-Quadro. O Comité defende a necessidade de medidas menos burocráticas e mais adaptadas à comunidade científica e à indústria, medidas essas que deverão contemplar as regras internas, experiências e condições de trabalho destes grupos. Os principais actores no Espaço Europeu da Investigação são os investigadores e o seu espírito de descoberta. É necessário ter em conta esta circunstância e proporcionar-lhes condições para desenvolverem as suas capacidades criativas.

4.   Observações na especialidade

4.1

Pareceres recentes. A maioria das observações seguintes já foram formuladas ou esboçadas em pareceres recentes sobre a política de investigação europeia (14).

4.2

Critério principal. O critério primário de selecção de projectos e de apoio à investigação deve ser o da excelência científica e tecnológica, que permitirá à UE, num contexto de concorrência a nível mundial, manter ou conquistar uma posição de líder. Só assim será possível alcançar os objectivos fixados na Comunicação da Comissão, nomeadamente proporcionar «excelência e inovação, as chaves para a competitividade industrial europeia» e incentivar a «criatividade da investigação fundamental através da concorrência entre equipas a nível europeu».

4.2.1

Excelência. A excelência é o resultado de um processo evolutivo e selectivo complexo, trabalhoso e moroso, que obedece a regras próprias da comunidade científica e onde vão confluir numerosos factores interligados de relevo.

4.2.2

Sociedade e política. Posto isto, compete à sociedade e à política garantir ou criar condições para a emergência e a consolidação da excelência.

4.2.3

Critérios divergentes. Critérios divergentes irrelevantes ou especulativos resultam num aumento da burocracia, induzem em erro e podem mesmo levar a decisões erradas, com todas as consequências que daí advêm não só para os objectivos fixados em Lisboa, como também para todo o clima de investigação na Europa.

4.3

Potencial da Europa a 25. Paralelamente, importa desenvolver e explorar o pleno potencial da Europa a 25, posição esta sustentada pela Comissão e corroborada pelo Comité. Tal exige a criação (caso não existam ainda) de condições para promover a excelência em organismos de investigação da União alargada e em regiões com poucos recursos.

4.3.1

Subsidiariedade. Em conformidade com o princípio da subsidiariedade, incumbe aos Estados-Membros desenvolver tais capacidades e infra-estruturas técnico-científicas a nível nacional, que lançam as bases nas quais assentam a excelência.

4.3.2

Fundos Estruturais e fundos de investimento europeus. No entanto, sempre que se revele necessário e útil à realização com sucesso dos objectivos pretendidos, esta acção deve ser financiada directamente através dos Fundos Estruturais e dos fundos de investimento europeus da UE. Eis por que o Comité, na mira do sucesso da coesão política, apoia a intenção da Comissão de aproveitar plenamente a complementaridade do Programa-Quadro com os Fundos Estruturais — embora recomende a sua extensão aos fundos de investimento — e de consagrar uma parte dos meios disponíveis ao apoio ao desenvolvimento das capacidades e infra-estruturas de investigação.

4.3.3

Para tal, é igualmente necessário um financiamento inicial suficiente das medidas de I&D nos novos Estados-Membros, uma vez as instituições de investigação nestes países ainda não estão em posição de adiantarem os meios necessários ao financiamento de projectos promovidos pela UE. Como medida complementar, deveriam também ser criados sistemas de apoio ao nível nacional.

4.4

Infra-estruturas de investigação. Neste contexto, o Comité congratula-se também com a proposta da Comissão de desenvolver as infra-estruturas de investigação (15) de interesse europeu. Refira-se a este propósito que o decisivo financiamento de grandes instalações, em «geometria variável», tem dado provas de que funciona e deve, portanto, ser mantido. O ESFRI (European Strategy Forum on Research Infrastructures) assume um papel consultivo de grande utilidade para as infra-estruturas de investigação. A abordagem europeia em matéria de infra-estruturas deve partir deste ponto.

4.4.1

Infra-estruturas de média dimensão. De acordo com os meios disponíveis e os benefícios previsíveis para projectos comuns, esta medida não deve visar exclusivamente as grandes instalações, uma vez que, em numerosas áreas de investigação, há uma necessidade de infra-estruturas de investigação complexas de média dimensão, que podem ser colocadas ao serviço dos objectivos de investigação de vários Estados-Membros.

4.5

Reforço das prioridades temáticas e da mobilidade. Como atrás referido, o Comité subscreve a proposta da Comissão de duplicar o financiamento destinado ao 7.o Programa-Quadro e ao Programa-Quadro da EURATOM em relação ao programa anterior. Este aumento destina-se, em primeiro lugar (16), às prioridades/acções/projectos temáticos (incluindo os da EURATOM) e ao programa de mobilidade (17) (incluindo o apoio a jovens investigadores e a investigadores de alto nível).

4.6

Instrumentos de apoio à investigação. Para a aplicação na prática das recomendações feitas, o Comité indica as seguintes medidas:

Número restrito de instrumentos;

Definição precisa dos instrumentos de acordo com objectivos transparentes;

Simplificar, ao máximo, a aplicabilidade dos instrumentos;

Os instrumentos devem prioritariamente concentrar-se no apoio directo a actividades de I&D e a investigadores nessa área;

A selecção do(s) instrumento(s) para um determinado projecto deve ser feita pelo requerente (portanto, cada elemento das prioridades temáticas não deve, de modo algum, corresponder a um instrumento determinado a priori  (18); a Comissão deveria propor aconselhamento a este respeito e justificar a escolha deste ou daquele instrumento para um dado tema);

Ainda no que diz respeito aos instrumentos, é desejável assegurar uma continuidade suficiente e evitar bruscas mudanças de paradigmas, para reduzir a um mínimo razoável a carga administrativa das partes envolvidas;

Dar preferência a um apoio através de subvenções ou dos «Specific Targeted Research Projects» (STREP), ou seja, a atribuição de meios a projectos de investigação claros e simples. O Comité remete aqui para anteriores pareceres em que se pronunciou sobre a temática, assim como para posteriores observações sobre as PME.

Na continuação destas medidas, o CESE recomenda ainda que seja promovida a coordenação das NOE (redes de excelência), assim como uma parte dos investimentos directos em I&D (como é já o caso, por exemplo, com as associações do programa de fusão EURATOM).

4.6.1

Relatório Marimon  (19). O Comité enfaticamente apoia as afirmações do recém-publicado relatório Marimon, constatando com grande satisfação que as recomendações nele contidas coincidem largamente com as suas próprias recomendações.

4.6.2

Continuidade. É preciso realçar mais uma vez a importância deste aspecto e esclarecer o seguinte: há que assegurar o máximo de continuidade entre o 6.o e o 7.o Programa-Quadro. A transição de um programa-quadro para o seguinte afecta sempre, de forma negativa, a ciência e a indústria (sobretudo as PME), da qual resulta uma mudança das condições de apoio, das modalidades de requerimento, dos critérios de avaliação, do quadro jurídico, dos instrumentos legais e dos modelos de custos. Para assegurar continuidade há que evitar a introdução de novos instrumentos e procedimentos. O ideal seria simplificar e adaptar, com base nas experiências passadas e nas recomendações feitas, os instrumentos e procedimentos até aqui utilizados. O objectivo principal deve ser o de assegurar a continuidade, associada à simplicidade e clareza, e permitir ao requerente opção de escolha dos instrumentos.

4.7

Plataformas de tecnologia. O Comité apoia, com vigor, a iniciativa da Comissão e da indústria de criar plataformas de tecnologia, que reúnem, à escala europeia, empresas, instituições de investigação, o sector financeiro e organismos regulamentares. A sua tarefa consiste em definir um programa comum de investigação capaz de gerar uma massa crítica de recursos nacionais e europeus, públicos e privados.

4.7.1

Projectos comuns de desenvolvimento. O CESE considera estas plataformas uma forma muito recomendável de alcançar uma concertação entre os vários parceiros, sempre que se trate de projectos comuns de desenvolvimento técnico-científico complexos e onerosos, como é o caso do projecto GALILEO, com objectivos bem definidos. As plataformas podem revestir-se da forma de «projectos integrados» ou também de «empresas comuns», nos termos do artigo 171.o do Tratado CE (20). No entanto, há que analisar (21) formas de, por um lado, evitar uma inflação de procedimentos administrativos/organizacionais e jurídicos e, por outro lado, promover a participação adequada das PME ou de institutos de dimensão pequena/grupos de investigadores.

4.7.2

Carga administrativa a nível organizacional. Devido ao volume de procedimentos administrativos/organizacionais e jurídicos implicados (nomeadamente sobre questões de propriedade intelectual), antes de criar outras «plataformas de tecnologia», é importante recolher as experiências obtidas com as plataformas actualmente em fase de implementação e averiguar a possibilidade de aplicação do princípio da «geometria variável». Dever-se-ia, por outro lado, analisar se o objectivo foi claramente definido e se não pode ser alcançado de modo mais simples, para evitar que um acréscimo de instrumentos, que em parte se sobrepõem, gere ainda mais confusão e exija esforços de coordenação desproporcionados. Sempre que possível, devem ser aplicados instrumentos simplificados.

4.8

Pequenas e médias empresas (PME). Já hoje as PME contribuem significativamente para o processo de inovação ou, pelo menos, têm potencialidades para vir a fazê-lo. Assim, no que diz respeito às prioridades temáticas, as condições exigidas à candidatura das PME devem ser menos rígidas e mais simples, permitindo uma maior flexibilidade e deixando-lhes a opção de escolha dos temas e instrumentos (CRAFT, Collective Research, EUREKA). Ao proceder à adaptação dos instrumentos de apoio e à estruturação dos projectos, dever-se-ia passar a ter mais em conta a possibilidade de participação de PME competentes, tanto no domínio da alta tecnologia, como da baixa tecnologia. Os instrumentos de apoio mais adequados para este fim são os «Specific Targeted Research Projects» (STREP), que oferecem uma oportunidade a grupos e projectos de menor dimensão e favorecem uma abordagem «da base para o topo».

4.8.1

PME e transferência de conhecimentos. Não menos importante é a tarefa de transmitir aos investigadores e engenheiros ao serviço da indústria e das PME os novos conhecimentos gerados pela investigação fundamental (em universidades e centros de investigação financiados pelo Estado), a fim de permitir a rápida transferência dos conhecimentos indispensáveis à inovação e à competitividade da indústria. Também a este respeito, o Comité tem vindo a pronunciar-se (22), sobretudo sobre a necessidade de fomentar e despertar o interesse pelo intercâmbio de pessoal (mobilidade) entre instituições de investigação («academias») e a indústria.

4.8.2

Empreendedorismo e política industrial. Em particular a criação de pequenas empresas constitui um motor decisivo de inovação e desenvolvimento económico. O aspecto problemático do lançamento de novas empresas não se prende tanto com a falta de apoio à investigação e ao desenvolvimento, mas sim com questões de gestão de empresas e de marketing, e sobretudo com uma fraca sustentabilidade financeira a longo prazo, essencial para colmatar os elevados prejuízos que surgem no início. A política industrial deve procurar, juntamente com a política de investigação, encontrar soluções susceptíveis de criar incentivos e oportunidades de sucesso para um maior espírito de empreendimento na Europa.

4.8.3

Programa SBIR dos EUA. O Comité recomenda que se considere a experiência dos EUA com o programa «Small Business Innovation Research» — (SBIR) (23), através do qual o Governo dos EUA por intermédio de várias agências promove medidas de I&D relacionadas com o mercado destinadas a pequenas e médias empresas.

4.9

Coordenação aberta. O Comité tem vindo a pronunciar-se sobre o processo de coordenação aberta por parte da Comissão, aproveitando sempre a oportunidade para assinalar que tal só é viável através da participação voluntária dos Estados-Membros.

4.10

Auto-organização e autocoordenação. Por outro lado, o Comité salientou várias vezes que a coordenação entre actores científicos e técnicos ao nível da UE se efectua «da base para o topo», ou seja, estes especialistas conhecem-se através de publicações, conferências e workshops sobre temas das suas áreas, sendo eles os próprios, num meio termo entre concorrência e cooperação (cf. infra), a tomar iniciativas de criação e coordenação de programas. Foi desta forma que surgiram numerosos programas, iniciativas e acordos de investigação de nível mundial, preparando o conceito de Espaço Europeu da Investigação. Há que reconhecer e explorar este potencial.

4.11

Incentivo à concorrência. Neste contexto, o Comité congratula-se por a Comissão definir o «incentivo à concorrência» como um dos seis grandes objectivos que se propõe atingir, e considera legítima a expectativa da Comissão de que a concorrência permita gerar valor acrescentado a nível europeu. Como já afirmou noutras ocasiões (24), o Comité considera que a ciência e a investigação vivem da concorrência pelas melhores ideias, processos e resultados, e da reprodução (ou contestação) independente — e, portanto, da «certificação» — de novos conhecimentos, bem como da sua divulgação, aprofundamento e expansão. É necessário, por conseguinte, possibilitar e encorajar métodos e estruturas de investigação pluralistas e interdisciplinares, de modo a estimular e a aproveitar a consequente concorrência pelas melhores ideias e pelos melhores resultados.

4.12

Concorrência, cooperação e coordenação. Os objectivos da concorrência, da cooperação e da coordenação podem revelar-se por vezes incompatíveis, sobretudo quando se trata de desenvolver produtos, dado que isso implica definir os limites dos seus âmbitos de aplicação e, logo, escolher os instrumentos adequados. Deve haver tanta concorrência quanto possível e tanta cooperação quanto necessário.

4.13

Massa crítica e concorrência global. Os objectivos de investigação e desenvolvimento, cuja massa crítica exceder as capacidades disponíveis num Estado-Membro, pressupondo assim a sua realização colectiva à escala europeia, como no caso de infra-estruturas de grande porte ou de certos projectos tecnológicos de grande dimensão, têm que enfrentar a concorrência internacional, mais que quaisquer outros (ver igualmente o ponto «Dimensão internacional»), e demonstrar a sua viabilidade numa base de comparação. Aqui aplica-se também o que já foi dito relativamente às «plataformas de tecnologia».

4.14

European Research Council — ERC. Como no seu recente parecer sobre a investigação fundamental (25), o Comité apoia o ensejo da Comissão de criar um «European Research Council — ERC», que deve ser sustentado pela comunidade científica e incumbido da concepção e do apoio à investigação fundamental. O mesmo deve exercer as suas funções em plena autonomia e reger-se pelas regras de instituições similares bem sucedidas nos Estados-Membros ou nos EUA. Para tirar partido das relações existentes entre as várias categorias, o Comité recomenda que investigadores de topo na área da investigação industrial trabalhem no ERC.

4.15

Análise pelos pares ( peer review ). O principal instrumento de avaliação deveria ser a peer review. Contudo, todos sabemos que este sistema de avaliação tem alguns pontos fracos (como sejam os conflitos de interesses), que necessitam de ser corrigidos, no caso concreto do ERC — e de um modo geral no seio de cada organização de apoio (26) — através do emprego de investigadores experientes que se hajam distinguido pelos seus trabalhos e dominem perfeitamente a área de investigação que lhes compete conduzir.

4.16

Desenvolvimento de carreiras científicas. O Comité defende, com vigor, o objectivo de tornar a profissão de cientista e investigador mais atraente, de estimular os mais dotados e de desenvolver as carreiras profissionais. Num parecer recente (27), analisou a fundo este tema, tendo apoiado as posições defendidas pela Comissão.

4.16.1

Condições contratuais insatisfatórias para os investigadores. Um problema particular verificado em muitos Estados-Membros diz respeito ao regime remuneratório e às condições contratuais dos investigadores — sobretudo dos mais jovens — que têm grandes desvantagens em relação às carreiras na economia livre e mesmo até em relação a carreiras equivalentes na função pública. O Comité chama mais uma vez a atenção para o facto de que é urgente a tomada de medidas, sobretudo por parte dos Estados-Membros.

4.17

Evitar o paralelismo e a sobreposição de instâncias. A actividade de investigação implica igualmente tarefas de planeamento, gestão empresarial, administração e elaboração de pareceres, as quais têm de ser executadas por investigadores experientes. Tendo em conta os inúmeros pedidos, pareceres e processos de monitorização, o Comité volta a recomendar (28) que a Comissão se debruce sobre esta questão e fomente uma coordenação eficiente (sobretudo com e, também, entre as instâncias envolvidas nos Estados-Membros), a fim de evitar vertentes independentes (verticais e horizontais/paralelas), aos níveis da autorização, da gestão e do controlo, que acabam por resultar em actividades improdutivas.

4.18

Selecção de peritos qualificados. Simultaneamente, mas nunca perdendo de vista o objectivo de reduzir a produção de pareceres, há que solicitar a elaboração de pareceres aos investigadores que tenham obtido sucesso e adquirido experiência nas áreas em questão, por forma a minimizar o risco de avaliações erróneas. Para este efeito, torna-se imperioso desburocratizar os actuais processos de selecção — pouco ou mesmo nada flexíveis –, os quais têm um efeito dissuasor nos investigadores de grande craveira.

4.19

Processo de avaliação. É possível que alguns processos, alvo de críticas por parte da comunidade científica, resultem da tentativa bem intencionada de introduzir e aplicar critérios de avaliação normalizados num domínio demasiado complexo e delicado, em vez de recorrer à experiência humana. O Comité, embora reconheça que, para efeitos de transparência e objectividade, se deva evitar, o mais possível, avaliações subjectivas, por poderem ser alvos de ataques e de abusos, tem consciência de que se está perante um dilema sem saída. A tarefa de avaliação de trabalhos científicos e a criatividade não podem ser automatizadas nem delegadas em indivíduos com pouca experiência.

4.20

Dois novos temas: espaço e segurança. A comunicação da Comissão não se detém ainda sobre as prioridades temáticas. A única excepção é a referência à investigação fundamental (29) e aos dois novos temas do espaço e da segurança. O Comité acolhe favoravelmente a proposta da Comissão de abordar estas questões ao nível europeu e reitera as suas recomendações feitas em anteriores pareceres sobre o espaço (30). No entanto, o Comité recomenda que estas duas actividades sejam financiadas fora do orçamento previsto para o 7.o Programa-Quadro e das prioridades temáticas do Programa-Quadro, pois cada uma delas tem características muito próprias que as tornam incompatíveis com as modalidades de execução do Programa-Quadro.

4.20.1

Relativamente ao espaço, já existe um programa particularmente importante e eficaz, cuja coordenação e execução têm sido asseguradas pela Agência Espacial Europeia (AEE) e pela indústria aeroespacial europeia, para o qual instituições de investigação dos Estados-Membros têm dado contributos importantes. Por este motivo, o Comité defende que o apoio da Comissão deverá ser financiado separadamente, ou seja, no âmbito do acordo de cooperação celebrado entre a AEE e a Comissão, mas fora do financiamento do Programa-Quadro. O Comité aguarda com interesse informações mais detalhadas sobre esta matéria.

4.20.2

No tocante à segurança, existe em toda a Europa um interesse notório em projectos de investigação comuns. O Comité já por várias vezes debateu e salientou este aspecto, considerando indispensável a abordagem deste tema. No entanto, este assunto envolve questões de confidencialidade e decisões relativamente à aplicação de medidas de defesa interna ou externa, que exigem um tratamento diferente em relação às prioridades temáticas do Programa-Quadro (por exemplo, onde for exigida transparência). Também neste caso, dever-se-ia estabelecer um procedimento próprio fora do financiamento e dos instrumentos do Programa-Quadro.

5.   Resumo

5.1

O Comité salienta que a investigação e o desenvolvimento são de importância fulcral para a capacidade concorrencial da Europa ao nível internacional e, também, para os objectivos de Lisboa. O Comité apoia, portanto, as medidas e os objectivos propostos na comunicação da Comissão.

5.2

Merecem destaque o objectivo dos 3 %, assim como a proposta de duplicar o orçamento comunitário para a investigação e o desenvolvimento (para o Programa-Quadro e para o Programa EURATOM). O CESE insta o Conselho e o Parlamento a adoptarem estas propostas, convida os governos dos Estados-Membros a aumentarem de forma correspondente os seus orçamentos nacionais de I&D e apela à indústria para que reforce os investimentos na investigação e no desenvolvimento, mais precisamente na Europa.

5.3

O Comité chama a atenção para o facto de que o objectivo dos 3 % corresponde à actual situação concorrencial, devendo esta percentagem ser adaptada às tendências de crescimento que se venham a registar, por exemplo, nos EUA e no Sudeste asiático.

5.4

O Comité concorda com a intenção da Comissão de utilizar uma parte dos Fundos Estruturais para o reforço das capacidades e das infra-estruturas de investigação, a fim de explorar todo o potencial da Europa a 25 e fazer face à situação transitória nos novos Estados-Membros. Recomenda, além disso, a utilização dos fundos de investimento europeus também para este fim.

5.5

O CESE louva a intenção da Comissão de aplicar modalidades de execução mais eficazes e de melhorar a execução do programa na prática. Para tal, recomenda que os instrumentos sejam mais simples e flexíveis, mas ao mesmo tempo se inscrevam na linha dos anteriores. Os requerentes devem poder adaptar os instrumentos à estrutura e às dimensões ideais para cada projecto. O mesmo deve valer para a criação de plataformas de tecnologia. O CESE associa-se também às conclusões do Relatório Marimon.

5.6

O Comité recomenda que as PME sejam envolvidas na investigação e no desenvolvimento e no processo de inovação e cita, como exemplo, o programa SBIR dos EUA. Recomenda uma articulação entre a política empresarial e a política de investigação, a fim de promover e explorar o potencial das PME e das empresas recém-criadas para a inovação e o crescimento económico.

5.7

O CESE elogia a intenção da Comissão de introduzir os novos temas do espaço e da segurança e recomenda que estes sejam tratados e financiados como categorias separadas, à parte do Programa-Quadro.

5.8

O CESE louva igualmente o propósito da Comissão de incluir a investigação fundamental, por si só, no Programa-Quadro e de a promover na concorrência intra-europeia, criando para tal um Conselho Europeu de Investigação independente.

5.9

O CESE aponta para a importância fulcral das relações existentes entre as várias categorias de investigação, nomeadamente a investigação fundamental, a investigação aplicada (investigação dirigida) e o desenvolvimento, o que pressupõe um apoio equilibrado às categorias.

5.10

O CESE concorda com o plano da Comissão de tornar a Europa mais atraente para os melhores investigadores e de tornar a carreira científica mais convidativa para os jovens mais dotados. Considera urgente a tomada de medidas para superar o problema, sobretudo por parte dos Estados-Membros.

Para outros pontos de vista, recomendações e observações críticas, ver os capítulos 3 e 4 do presente parecer.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  EEI – Espaço Europeu da Investigação, ver sobretudo JO C 110 de 30.4.2004 (CESE 319/2004) e JO C 95 de 23.4.2003 (CESE 288/2003).

(2)  No Conselho Europeu de Barcelona de Março de 2002, a União Europeia fixou-se como objectivo aumentar, até 2010, o esforço europeu de investigação para 3 % do PIB da União, com 2/3 provenientes de investimentos privados e 1/3 do sector público (Estados-Membros e UE). Ver também JO C 95 de 23/4/2003.

(3)  JO C 204 de 18/7/2000; JO C 221 de 7/8/2001; JO C 260 de 17/9/2001; JO C 94 de 18/4/2002; JO C 221 de 17/9/2002; JO C 61 de 14/3/2003; JO C 95 de 23/4/2003; JO C 234 de 30/9/2003; JO C 32 de 5/2/2004; JO C 110 de 30/4/2004; JO C 302 de 7.12.2004.

(4)  Cf. mais adiante: Ponto 3.3.

(5)  JO C 112 de 30.4.2004.

(6)  (O aumento do orçamento aqui proposto tinha em conta as necessidades de uma Europa a 15, sendo agora necessário um ajustamento à realidade de uma Europa a 25 – JO C 260 de 17/9/2001).

(7)  Cf. ponto 1.2.

(8)  Cf pontos 4.2 e seguintes.

(9)  Cf ponto 4.6.

(10)  Cf. ponto 5.4 do parecer (JO C 95 de 23/04/2003).

(11)  JO C 110 de 30/4/2004.

(12)  Por exemplo, Canadá, China, Coreia, EUA, Japão e Rússia.

(13)  Este aspecto, bem como outros problemas a ele associados, são abordados detalhadamente no Capítulo 7. Investigação e inovação técnica do parecer do Comité sobre o tema «Espaço europeu da investigação».

(14)  JO C 95 de 23/4/2003; JO C 110 de 30/4/2004.

(15)  Cf. Capítulo 5.4 (JO C 95 de 23/4/2003).

(16)  Ver as recomendações formuladas no ponto 3.5.

(17)  O programa Marie Curie desempenha um papel particularmente útil e bem-sucedido neste domínio, e o CESE recomenda que o mesmo seja reforçado.

(18)  O Comité lamenta mais uma vez que anteriores recomendações nesse sentido não tenham sido tidas em conta.

(19)  Relatório de um painel de peritos presidido pelo Prof. MARIMON, 21 de Junho de 2004, 6.o Programa-Quadro.

(20)  «A Comunidade pode criar empresas comuns ou quaisquer outras estruturas necessárias à boa execução dos programas de investigação, de desenvolvimento tecnológico e de demonstração comunitários».

(21)  Cf ponto 4.7.2.

(22)  Cf., por exemplo, os capítulos 7 e 8 (JO C 204 de 18/7/2000).

(23)  Ver http://sbir.us/pm.html e http://www.zyn.com/sbir/funding.htm.

(24)  Pontos 4.2.2, 4.2.3 e 4.2.4 (JO C 95 de 23/4/2003).

(25)  JO C 110 de 30.4.2004.

(26)  É por isso que o Comité tem vindo a recomendar que se proceda deste modo, nomeadamente também junto dos serviços da Comissão responsáveis pelo apoio à investigação.

(27)  JO C 110 de 30/4/2004 (CESE 305/2004) e CESE 1086/2004.

(28)  CESE 305/2004; (JO C 110 de 30/4/2004).

(29)  Cf ponto 3.5.

(30)  JO C de 112 de 30.4.2004.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/115


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de DIrectiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à revisão legal das contas individuais e consolidadas e que altera as Directivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho»

COM(2004) 177 final — 2004/0065 (COD)

(2005/C 157/21)

Em 21 de Abril de 2004, o Conselho decidiu, em conformidade com o n.o 2, alínea g), do artigo 44.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 8 de Setembro de 2004, tendo sido relator FRANK von FÜRSTENWERTH.

Na 413.a reunião plenária realizada em 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 86 votos a favor, 3 votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

A proposta da Comissão de uma directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à revisão legal das contas individuais e consolidadas e que altera as Directivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho insere-se no contexto mais vasto das medidas da UE previstas no Plano de Acção para os Serviços Financeiros. São de especial relevância neste domínio a Comunicação da Comissão intitulada «Modernizar o direito das sociedades e reforçar o governo das sociedades na União Europeia — Uma estratégia para o futuro» (COM(2003) 284 final), a passagem para as normas internacionais de contabilidade a partir de 2005 e as directivas relativas ao abuso de mercado e ao prospecto.

1.2

A Comissão Europeia persegue desde 1996 o objectivo de contribuir para um maior reforço e harmonização da qualidade da revisão legal de contas na União Europeia. A apresentação, em Maio de 2003, de um plano de acção de dez pontos constitui um outro resultado intermédio (Comunicação da Comissão intitulada «Reforçar a revisão oficial de contas na UE» — COM(2003) 286 final). Um dos pontos do plano de acção diz respeito à modernização da Oitava Directiva 84/253/CEE em matéria de direito das sociedades. A proposta de directiva em apreço deverá substituir a Oitava Directiva em matéria de direito das sociedades.

1.3

As medidas previstas visam restabelecer a confiança nas informações financeiras e nos mercados financeiros. A proposta de directiva não teve a sua origem nos recentes escândalos financeiros, resultando acima de tudo da política iniciada em 1996 no domínio da revisão legal de contas. No entanto, ela não deixa de mencionar os escândalos verificados recentemente.

2.   Propostas da Comissão

2.1

A proposta de directiva regulamenta a autorização dos revisores oficiais de contas e das sociedades de auditoria, bem como a formação contínua e o reconhecimento mútuo ao nível internacional.

2.2

No exercício das suas funções, os revisores oficiais de contas e as sociedades de auditoria dever-se-ão pautar por princípios deontológicos, que abranjam a responsabilidade global do revisor oficial de contas ou da sociedade de auditoria para com o público, a respectiva integridade, objectividade, competência profissional e devida diligência.

2.3

Os Estados-Membros devem assegurar a inscrição num registo público dos revisores oficiais de contas e das sociedades de auditoria autorizados.

2.4

Os revisores oficiais de contas e as sociedades de auditoria devem ser independentes das entidades a quem prestam serviços e não devem, em circunstância alguma, estar envolvidos nas decisões de gestão da entidade objecto de auditoria. Não se realizará revisão legal das contas caso haja relação financeira, empresarial, de trabalho ou de qualquer outro tipo que possa comprometer a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de auditoria.

2.5

A aplicação de normas internacionais de auditoria passa a ser obrigatória para todas as revisões legais de contas exigidas pelo Direito Comunitário, quando adoptadas por este.

2.6

Os Estados-Membros devem organizar uma supervisão pública eficaz a que ficam sujeitos todos os revisores oficiais de contas e todas as sociedades de auditoria. A supervisão rege-se por determinados princípios (por exemplo, no respeitante a atribuição de funções, competências e transparência da supervisão).

2.7

O revisor oficial de contas ou a sociedade de auditoria deve ser nomeado pela assembleia geral de accionistas da entidade objecto de auditoria. Os Estados-Membros podem, no entanto, prever que essa designação esteja sujeita à aprovação prévia por autoridade competente em matéria de supervisão ou que a designação seja efectuada por um tribunal ou por outro organismo habilitado para o efeito pelo direito nacional.

2.8

Os revisores oficiais de contas ou as sociedades de auditoria só podem ser afastados quando haja razões válidas para tal, não podendo ser razão válida a divergência de pontos de vista relativamente ao tratamento contabilístico ou a procedimentos de auditoria.

2.9

A Comissão propõe que os Estados-Membros assegurem regras adequadas que possibilitem uma comunicação efectiva entre o revisor oficial de contas ou a sociedade de auditoria e a entidade objecto de auditoria e que essa comunicação seja documentada de modo adequado pela entidade objecto de auditoria.

2.10

A proposta de directiva prevê disposições especiais para a revisão legal das contas de entidades de interesse público. Entidades de interesse público são entidades de relevância pública significativa, devido ao tipo de actividades que desempenham, à sua dimensão ou ao número de trabalhadores que empregam, em especial as empresas cujos valores mobiliários são admitidos à negociação num mercado regulamentado de qualquer Estado-Membro, bancos e outras instituições financeiras e empresas de seguros. Estas entidades terão, por exemplo, uma comissão de auditoria, composta por membros não executivos do órgão de administração ou por membros dos órgãos de fiscalização da entidade objecto de auditoria com, pelo menos, um membro independente com competências nos domínios da contabilidade e/ou da auditoria. É ainda prevista regulamentação mais rigorosa em matéria de independência, controlo de qualidade, supervisão pública e designação do revisor oficial de contas ou da sociedade de auditoria.

2.11

Numa base de reciprocidade, os Estados-Membros devem considerar os auditores de um país terceiro revisores oficiais de contas, desde que estes provem que estão autorizados enquanto auditores e que possuem conhecimentos teóricos, competências práticas e integridade equivalentes aos previstos na presente directiva, bem como os conhecimentos jurídicos necessários para a revisão legal de contas. Outros dos artigos que constituem a proposta abordam a cooperação internacional e o intercâmbio de informações.

2.12

É igualmente prevista a criação de um comité composto por representantes dos Estados-Membros (comité de regulamentação de auditoria) incumbido de auxiliar a Comissão na elaboração das medidas de aplicação.

2.13

Por outro lado, através de uma alteração da Directiva 78/660/CEE e da Directiva 83/349/CEE, passará a exigir-se a divulgação dos honorários pagos durante o exercício financeiro ao revisor oficial de contas ou à sociedade de auditoria relativamente à revisão legal das contas anuais e os honorários pagos relativamente a outros serviços de controlo, a serviços de consultoria fiscal e a outros serviços não relacionados com a auditoria.

2.14

Os Estados-Membros adoptarão e publicarão antes de 1 de Janeiro de 2006 as disposições necessárias para dar cumprimento à directiva.

3.   Observações na generalidade

3.1

O Comité Económico e Social Europeu acolhe favoravelmente a proposta de directiva que dá a garantia aos investidores e outras partes interessadas de que a revisão legal das contas de empresas ou outras entidades se efectua correctamente.

3.2

A nova directiva cria um quadro jurídico único para a revisão legal de contas ao nível europeu, com o qual o Comité concorda.

3.3

O Comité regista a intenção da Comissão, depois do caso Parmalat, de tomar novas iniciativas. As iniciativas visam acelerar a concretização das medidas propostas no plano de acção de Maio de 2003 sobre a modernização do direito das sociedades e o reforço do governo das sociedades (corporate governance). As propostas incidem sobre (1) a definição do papel dos directores externos, (2) a clarificação das responsabilidades dos membros dos conselhos de administração pela prestação de informações financeiras e não financeiras, (3) a divulgação mais completa de transacções internas e de transacções com outras partes e (4) a inclusão nas contas de todas as informações sobre empresas off-shore que serão objecto de controlo reforçado pelo revisor oficial de contas do grupo.

3.4

Na esteira da posição defendida pela Comissão na sua Comunicação sobre a revisão oficial de contas, o Comité entende que a responsabilidade dos revisores oficiais de contas é um meio de garantir a qualidade da revisão oficial de contas (1). No entanto, continua a defender que essa responsabilidade (2) deverá ser proporcional aos prejuízos causados à empresa objecto de auditoria e aos seus accionistas e preza a intenção da Comissão de fazer uma análise ampla das consequências económicas das regras em matéria de responsabilidade dos revisores de contas. O Comité incentiva a Comissão a prosseguir sem demora com os estudos iniciados.

4.   Observações na especialidade

4.1

Com as disposições propostas sobre autorização e formação contínua de revisores oficiais de contas ou de sociedades de auditoria pretende-se, entre outros aspectos, garantir que aqueles tenham conhecimentos especializados necessários ao desempenho das suas funções, objectivo esse que é apoiado pelo Comité.

4.2

Em princípio, o Comité acolhe favoravelmente os princípios de deontologia profissional propostos. A Comissão propõe que lhe seja dada a possibilidade de adoptar medidas de execução neste domínio. Estas medidas devem obedecer a critérios de qualidade exigentes e, na opinião do Comité, orientar-se por directrizes reconhecidas ao nível internacional (Código Deontológico da Federação Internacional de Contabilistas) e ao nível europeu (Recomendação da Comissão Europeia sobre a independência dos revisores oficiais de contas na UE, de 16 de Maio de 2002 (3)).

4.3

O Comité entende que a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de auditoria é extremamente importante. Por conseguinte, apoia, em princípio, a proposta da Comissão de garantir essa independência mediante regras para todas as empresas objecto de auditoria, com especial referência às entidades de interesse geral, dado que estas devem apresentar um maior grau de transparência para com os seus accionistas e os futuros investidores.

4.4

O Comité felicita-se por a Comissão dedicar especial atenção às normas de controlo internacionais e, por conseguinte, às normas internacionais de auditoria (ISA — International Standards on Auditing). Esta preocupação é tanto mais pertinente quanto se sabe que, a partir de 2005, as empresas orientadas para os mercados de capitais serão obrigadas a efectuar o balanço consolidado com base nas normas internacionais de contabilidade (IAS — International Accounting Standards) e nas normas internacionais de informação financeira (IFRS — International Financial Reporting Standards) (4). As normas internacionais de auditoria devem ser elaboradas de acordo com determinados princípios e obedecer a critérios de qualidade muito exigentes. Face a este enquadramento, o Comité é, em princípio, a favor do procedimento de reconhecimento das normas proposto pela Comissão. No entanto, a elaboração de normas internacionais de auditoria deverá passar pelo respeito dos interesses de todas as partes envolvidas e do público em geral, no âmbito de um processo transparente («due process»). Assim, é urgente que a Comissão participe no processo de normalização, apresentando propostas neste domínio.

4.5

Em princípio, o Comité subscreve a proposta da Comissão, segundo a qual os Estados-Membros devem organizar uma supervisão pública de todos os revisores oficiais de contas e sociedades de auditoria, atendendo a determinados princípios.

4.6

A Comissão propõe ainda que posições discordantes quanto ao tratamento contabilístico ou a procedimentos de auditoria não possam constituir razão válida para o afastamento do revisor oficial de contas ou da sociedade de auditoria. No entanto, pode acontecer que um método contabilístico utilizado por uma empresa, embora geralmente aceite, não seja reconhecido por um revisor oficial de contas. A questão que se coloca aqui é a de saber qual o procedimento a adoptar na impossibilidade de afastamento do revisor oficial de contas ou da sociedade de auditoria.

4.7

Em princípio, o Comité acolhe favoravelmente a proposta relativa à comunicação entre a entidade objecto de auditoria e o revisor oficial de contas ou a sociedade de auditoria.

4.8

O Comité acolhe favoravelmente a proposta da Comissão que visa a introdução de disposições especiais relativas à revisão legal das contas de entidades de interesse público. No entanto, os requisitos exigidos devem ser proporcionais aos custos suplementares que ocasionam, pois, em última análise, quem tem de pagar esses custos são os próprios clientes e os proprietários das empresas.

4.9

A proposta da Comissão prevê a divulgação dos honorários pagos durante o exercício financeiro ao revisor oficial de contas ou à sociedade de auditoria relativamente à revisão legal das contas anuais, e dos honorários pagos relativamente a outros serviços de controlo, de consultoria fiscal e outros não relativos a auditoria. Em princípio, o Comité é favorável a uma maior transparência, embora duvide que daí resulte necessariamente uma melhoria da qualidade da revisão legal das contas. É possível que um aumento da transparência venha a exercer uma pressão acrescida sobre o ajustamento dos preços de serviços de revisão legal de contas.

4.10

A Comissão propõe que sejam os Estados-Membros a estabelecer regras adequadas para assegurar a qualidade da revisão legal das contas, devendo os mesmos zelar por que essas regras não sejam comprometidas pela prestação de serviços adicionais à entidade objecto de auditoria ou por qualquer tipo de condicionalismos. O Comité toma nota de que o objectivo central desta disposição consiste em evitar o dumping nos preços dos serviços de auditoria. Contudo, pergunta-se de que modo poderá ser aplicada. Está convicto de que esta regra não deve significar que os Estados-Membros terão liberdade para fixar as tarifas por serviços de auditoria.

4.11

O Comité concorda com os procedimentos previstos pela Comissão para a adopção de medidas de execução e a criação de um comité de regulamentação de auditoria, desde que essas medidas não contradigam as directrizes internacionais e europeias mencionadas no ponto 4.2.

5.   Aspectos internacionais

5.1

O Comité acolhe favoravelmente as regras de cooperação internacional propostas pela Comissão. Sobretudo as que dizem respeito à cooperação com os Estados Unidos da América. Neste contexto, o Comité assinala a necessidade de se ter em conta as regras obrigatórias, ao nível nacional, em matéria de confidencialidade e protecção de dados.

5.2

A proposta de directiva prevê a autorização, mediante reciprocidade, de auditores de um país terceiro, na condição de essas pessoas produzirem determinados elementos de prova. Uma cooperação com Estados terceiros pressupõe uma equivalência entre o sistema de supervisão do Estado terceiro e o sistema de supervisão europeu. A equivalência será apreciada pela Comissão em cooperação com os Estados-Membros e será decidida pela Comissão, de acordo com o procedimento previsto para a adopção de medidas de execução. Neste contexto, o Comité parte do princípio de que as condições de acesso e de exercício da profissão de revisor oficial de contas são iguais tanto para profissionais de Estados terceiros como para os de um Estado-Membro da União Europeia.

5.3

Não sendo possível afirmar, com certeza, se o modelo de cooperação internacional proposto abrange todos os aspectos pertinentes, o Comité considera que a Comissão deverá aprofundar a questão e procurar saber qual o grau de aceitação do modelo proposto, sobretudo por parte das autoridades competentes dos Estados Unidos da América.

6.   Conclusões

6.1

O Comité apoia a proposta de directiva da Comissão relativa à revisão legal das contas individuais e consolidadas e que altera as Directivas 78/660/CEE e 83/349/CEE. É de opinião que a proposta abrange quase todas as matérias relevantes para a revisão legal das contas. A aplicação integral da directiva contribui decisivamente para reforçar e aumentar o grau de uniformização da revisão legal de contas, o que corresponde ao objectivo da Comissão.

6.2

O Comité examinou determinados aspectos da proposta de directiva, no intuito de fornecer indicações concretas e sugestões que permitam à Comissão aprofundar as reflexões e análises sobre o tema. Por considerar a proposta de directiva importante, o Comité solicita o rápido avanço do processo legislativo.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Ponto 3.10 da Comunicação, JO C 236 de 2/10/2003, pág. 8.

(2)  Ver parecer do Comité Económico e Social Europeu, de 10/12/2003, sobre a Comunicação da Comissão «Reforçar a revisão oficial de contas na UE» (COM(2003) 286 final) (2004/C 80/06), nomeadamente o ponto 4.7, JO C 80 de 30/3/2004, pp. 17-19.

(3)  JO L 191 de 19/7/2002.

(4)  O CESE considera que uma interpretação comum das normas IAS e IFRS é decisiva para assegurar uma elevada qualidade da revisão legal de contas.


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes partes do parecer da secção especializada foram rejeitadas a favor de alterações adoptadas pela plenária, mas obtiveram pelo menos um quarto dos votos expressos:

Ponto 4.3

«Duvida, no entanto, que a introdução de um sistema de rotação das sociedades de auditoria externas incumbidas da revisão legal das contas de entidades de interesse público constitua meio adequado para melhorar a qualidade da auditoria. A rotação de sociedades de auditoria conduz inevitavelmente a uma perda dos conhecimentos (know-how) sobre clientes, com consequente perda de qualidade da auditoria, o que praticamente não acontece nos casos em que o auditor já tem uma longa experiência com um dado cliente. Por outro lado, o Comité receia que uma regra deste tipo conduza a uma concentração do mercado das grandes sociedades de auditoria em detrimento de médias empresas de auditoria.».

Resultado da votação

Votos a favor: 50

Votos contra: 21

Abstenções: 4


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/120


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Aumentar os níveis de emprego dos trabalhadores mais velhos e retardar a saída do mercado de trabalho»

COM(2004) 146 final

(2005/C 157/22)

Procedimento

Em 3 de Março de 2004, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu o presente parecer em 24 de Novembro de 2004, sendo relator G. DANTIN.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 15 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 125 votos a favor, 1 voto contra e 5 abstenções, o seguinte parecer.

Preâmbulo

I.

Em Outubro de 2000, o CESE considerava, num parecer de iniciativa, «que o dossier respeitante aos trabalhadores idosos é bastante importante e só por si merece um parecer de iniciativa que tenha em conta os diferentes aspectos da questão. Com o presente documento, deseja o CES salientar a necessidade de abordar este assunto de forma positiva, já que os trabalhadores idosos sofrem, não raro, de uma concepção da sociedade pouco solidária e discriminatória, além de que o seu afastamento da vida activa leva à perda de pessoal altamente qualificado e à diminuição do nível global da competitividade. Considera ainda que, se o progresso científico permitiu dar “tempo à vida”, é necessário também dar “vida ao tempo  (1)”».

II.

O conteúdo deste parecer de iniciativa, adoptado quase por unanimidade em reunião plenária, representa a posição consolidada do Comité, reflectindo, por conseguinte, o estado actual das suas reflexões e opiniões sobre a matéria.

III.

A Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões «Aumentar os níveis de emprego dos trabalhadores mais velhos e retardar a saída do mercado de trabalho», objecto do presente parecer, será pois examinada à luz das expectativas, análises, recomendações e conclusões do parecer de iniciativa citado. Integrará também elementos que poderão ser considerados novos.

1.   Introdução

1.1

O Conselho Europeu de Lisboa confiou à União Europeia um objectivo ambicioso para a taxa de emprego. Esta deveria aproximar-se tanto quanto possível de 70 % até 2010, sendo de 60 % para as mulheres. Tal objectivo justifica-se por motivos sociais e económicos. O emprego continua, na verdade, a ser o principal elemento de combate à exclusão social. No que se refere às empresas e à economia em geral, o aumento da taxa de emprego dos trabalhadores mais velhos é fundamental para evitar ou reduzir a penúria de mão-de-obra, contribuindo, ao mesmo tempo, para apoiar o crescimento económico, as receitas fiscais e os sistemas de protecção social face ao decréscimo da população em idade de trabalhar.

1.2

A realização progressiva deste objectivo coloca aos Estados-Membros um desafio incontornável de ter que aumentar, antes de mais, a taxa de emprego dos trabalhadores mais velhos.

1.2.1

É por esta razão, nomeadamente, que a promoção do emprego dos trabalhadores mais velhos figura em dois objectivos complementares perfilhados pela União Europeia. Com efeito, o Conselho Europeu de Estocolmo de 2001 estabeleceu que, até 2010, metade da população europeia dos 55 aos 64 anos deveria estar empregada. Por seu lado, o Conselho Europeu de Barcelona de 2002 concluiu que «deverá ter-se como objectivo, até 2010, um aumento gradual de cerca de 5 anos na idade média efectiva em que as pessoas deixam de trabalhar na União Europeia».

1.3

No seu relatório de síntese ao Conselho Europeu da Primavera de 2004 (2), a Comissão identificou o envelhecimento activo como um dos três domínios prioritários em que é necessária uma intervenção rápida para se atingirem os objectivos da estratégia de Lisboa.

1.4

A comunicação em exame visa, pois, alimentar o debate sobre os progressos realizados na concretização dos objectivos de Estocolmo e Barcelona e realçar o papel dos governos e dos parceiros sociais na promoção do envelhecimento activo. Responde também ao pedido do Conselho Europeu de Barcelona de analisar todos os anos os progressos registados neste domínio, antes de cada Conselho Europeu da Primavera.

1.5

O conteúdo do presente parecer é o contributo do Comité Económico e Social Europeu para o debate sobre a taxa de emprego dos trabalhadores mais idosos, debate sustentado pela comunicação em exame e que terá conclusão provisória em Dezembro próximo.

2.   A Comunicação

2.1

A comunicação afirma que, com o envelhecimento e a diminuição esperada da população activa, os trabalhadores mais velhos devem ser reconhecidos como uma componente essencial da oferta de mão-de-obra e um factor-chave para o desenvolvimento sustentável da União Europeia.

2.2

De acordo com o documento, é essencial levar à prática estratégias destinadas a manter a oferta de mão-de-obra e garantir a empregabilidade das pessoas desta faixa etária, mesmo nos períodos de estagnação do crescimento do emprego.

2.3

Neste sentido, assinala que as medidas políticas se devem nortear por uma abordagem preventiva baseada na ideia de mobilizar plenamente o potencial da população de todas as idades, numa perspectiva de ciclo de vida.

2.3.1

Neste quadro, a comunicação propõe, essencialmente, que os Estados-Membros elaborem e ponham em prática estratégias globais para manter os trabalhadores mais velhos na vida activa, que poderiam compreender:

incentivos financeiros para desencorajar as reformas antecipadas e tornar o trabalho financeiramente mais atraente;

acesso a estratégias de formação e educação ao longo da vida;

políticas activas do mercado de trabalho eficazes;

boas condições de trabalho que promovam a manutenção no emprego, nomeadamente no que diz respeito à saúde e segurança, e a formas de organização do trabalho flexíveis.

2.3.2

O documento afirma também que uma participação e um empenhamento mais fortes dos parceiros sociais são necessários para conceber e pôr em prática estratégias globais de envelhecimento activo. Esclarece que aqueles têm um papel particularmente importante a desempenhar através das convenções colectivas.

2.4

Poder-se-á referir — e voltar-se-á ao tema no desenvolvimento do presente parecer — que a comunicação não faz uma análise das situações e suas consequências, descritas, aliás, de modo detalhado e preciso, sendo também pouco eloquente sobre as decisões do Conselho de Barcelona.

3.   Os factos

3.1

Em 2030, a União Europeia a 25 contará 110 milhões de pessoas com idade superior a 65 anos (esse número era de 71 milhões em 2000); a população activa será de 280 milhões de pessoas, contra 303 milhões actualmente, pelo que a proporção entre ambos os grupos passará de 4,27 para 2,55.

3.2

Em paralelo com esta evolução, a distribuição do trabalho ao longo do ciclo de vida conheceu, nos últimos vinte anos, grandes modificações.

3.2.1

Os jovens entram mais tarde no mercado de trabalho devido ao alongamento da escolaridade, à formação e às dificuldades para encontrar um emprego apropriado (3).

3.2.2

A taxa de emprego da população total depois dos 55 anos de idade reduziu-se consideravelmente na Europa nas três últimas décadas, mas também, se bem que em menor medida, nos Estados Unidos: em 1999 era, para a faixa de 55-64 anos, de 37 % na União Europeia e de 55 % nos EUA (4). Em 2002, observa-se na Europa uma grande diferença entre os homens (50,1 %) e as mulheres (30,25 %), com um nível global de 40,1 %.

3.2.3

A taxa de emprego tem diminuído fortemente e de forma contínua desde os anos 70 e até época recente, com particular intensidade entre 1980 e 1985 (5). Assim, entre 1971 e 1999, diminuiu 47,4 % em França, 45,8 % nos Países Baixos, 39 % na Espanha, 38,7 % na Alemanha, 30 % na Irlanda, 29 % em Portugal e no Reino Unido. Em 2002, para a faixa dos 55-64 anos, era de 40,1 % na UE dos 15 e de 38,7 % na UE a 25 (ver em anexo evolução das taxas de emprego por Estado-Membro de 1997 a 2002) (6). Poder-se-ia, sem dúvida, falar de individualização do percurso das idades. Mas ela nem sempre reflecte o alargamento da capacidade de escolha individual. Em alguns Estados-Membros, a saída precoce é, em geral, mais frequentemente imposta do que escolhida. A flexibilidade do fim do ciclo de vida no trabalho é o reflexo da situação do mercado de trabalho, das estratégias das políticas de pessoal das empresas e dos poderes públicos, bem como, não raro, da concepção dos regimes de pensões (7).

3.3

A vida no trabalho tendeu, pois, a reduzir-se nas duas extremidades e hoje abrange principalmente os grupos etários intermédios.

3.4

A faixa etária dos 50-64 anos tem uma importância particular para a política de emprego. Na União Europeia a 15, a sua parte na população total passará de 25 % em 1995 a 34,40 % em 2025. Este crescimento será nitidamente mais rápido nos países escandinavos (8).

3.5

Esta evolução é particularmente preocupante face ao acentuado envelhecimento demográfico que se prevê na União Europeia. (9) O final do primeiro decénio do século será provavelmente marcado por algo cujo valor simbólico não poderá ocultar uma realidade preocupante, isto é, o número de pessoas de mais de 60 anos excederá o das que têm menos de 20. É só uma etapa num processo que nos próximos cinquenta anos poderá levar a que a proporção da população saída do mercado de trabalho duplique relativamente à que se encontra em idade de trabalhar (de 4 em 10 para 8 em 10) (10).

3.6

Contudo, a comunicação em exame refere progressos recentes na realização dos objectivos de Estocolmo e de Barcelona. Em 2002, o emprego dos trabalhadores mais idosos cresceu 5,4 %, o que fez aumentar a taxa de emprego em 1,3 %, atingindo deste modo os 40,1 %. A idade média de abandono da actividade profissional passou de 60,4 anos em 2001 para 60,8 anos em 2002.

3.6.1

A comunicação indica, todavia, que seria prematuro interpretar o aumento da idade de saída como sinal inequívoco de uma tendência positiva, visto que os dados abrangem unicamente dois anos.

3.6.2

Não obstante as dificuldades encontradas recentemente na aplicação de certas reformas, talvez fosse conveniente efectuar uma análise tão fina quanto possível — coisa que a comunicação não faz — dos motivos desta recuperação para extrair ensinamentos práticos.

3.6.3

Neste âmbito, seria conveniente examinar em que medida esta recuperação se deve, por um lado, à introdução de medidas cujo objectivo principal, senão único, era aumentar a taxa de emprego dos trabalhadores mais velhos e, por outro, decorre indirectamente de modificações introduzidas em sistemas de protecção social, cujo objectivo consistia principalmente em garantir a sua viabilidade económica abalada pelas tendências e previsões demográficas.

3.7

A verdade é que, na faixa dos 55-64 anos e, em média, no período 1995-2002, só 35 % dos trabalhadores assalariados deixaram o mercado de trabalho na idade legal da reforma; 22 % fizeram-nos em regime de pré-reforma, 17 % por doença/invalidez, 13 % por despedimento individual ou colectivo e 13 % por motivos diversos (11)

3.7.1

Estes valores, se bem que tenham melhorado nos últimos anos, não deixam margem para dúvidas. Se nos anos 80 chegou a pensar-se que o grande número de pré-reformas (e de reformas por doença/invalidez, que se podem por vezes considerar como alternativa à pré-reforma) estava ligado às profundas reestruturações industriais então ocorridas, a explicação afigura-se hoje insuficiente dada a persistência do fenómeno, visto que só 35 % dos trabalhadores deixaram o mercado de trabalho ao atingirem a idade legal de reforma.

4.   Esboços de solução: as propostas da Comunicação

4.1

O melhor equilíbrio da relação entre população activa e inactiva, a evolução da idade média de saída do mercado de trabalho e a manutenção do volume ideal de mão-de-obra face às previsões demográficas da União Europeia passam, antes de mais, pela subida da taxa de actividade dos trabalhadores de mais de 55 anos. É evidente que esta medida não pode pôr em perigo o equilíbrio desejável entre emprego e reforma, lazer e trabalho, que é um dos valores do modelo social europeu.

4.2

Uma progressão com estas características deve programar-se a médio prazo através de uma política constante de empregabilidade ao longo da vida activa e de requalificação e reconversão profissional dos trabalhadores (homens e mulheres) de mais de 40 anos. Com efeito, é difícil acreditar num cenário de harmonia espontânea em que bastaria que a tendência do mercado de trabalho se invertesse para que as empresas conservassem os trabalhadores mais velhos.

4.2.1

Para além das acções concretas a empreender, é fundamental que, no plano da percepção, tudo seja feito para que haja uma mudança de mentalidades e uma tomada de consciência por parte de trabalhadores e empregadores, sensibilizando os primeiros para o facto de que trabalhar depois dos 55 anos valoriza, e os segundos (sejam eles do sector público ou privado) para as vantagens que representam os trabalhadores mais velhos (experiência, saberes, etc.). Sem tomada de consciência colectiva, nenhuma medida terá plena eficácia.

4.2.2

No seu parecer de iniciativa de Outubro de 2000 (12), o Comité tinha sugerido que a Comissão promovesse, em colaboração com os Estados-Membros, uma vasta campanha de informação e explicação para melhorar a percepção do papel que os trabalhadores mais velhos podem ter nas empresas e nos serviços públicos.

4.2.2.1

O CESE congratula-se com o facto de o «Rapport du Groupe de haut niveau sur l'avenir de la politique sociale dans une UE élargie», publicado no final do primeiro semestre de 2004, retomar a proposta do Comité.

4.2.3

Há também que dar maior importância ao papel das pessoas mais velhas na economia social, tanto pela sua função no seio da família como pelo trabalho de voluntariado na sociedade civil, nas instituições democráticas, nas ONG e na vida associativa em geral, o que nos dá uma ideia concreta do dinamismo e espírito de iniciativa desta faixa da população.

4.3

A Comissão apresenta na sua comunicação as «Condições essenciais para a promoção do emprego dos trabalhadores mais velhos»

4.3.1   Pré-reformas e incentivos financeiros

Depois de constatar que mais de 20 % dos trabalhadores — ou seja cerca de 3 milhões — abandonam o último emprego pela via das pré-reformas, a Comissão sugere que se reexaminem os «incentivos financeiros» de modo a que seja compensador permanecer no mercado de trabalho.

4.3.1.1

Na opinião do Comité, esta proposta, que se prende com a Comunicação «Modernizar a protecção social: tornar o trabalho compensador», (13) deve ser vista em função da qualidade e do tipo de medidas que serão levadas à prática. No entanto, por muito útil que seja este conceito, não se pode esquecer o peso determinante de elementos objectivos da situação dos trabalhadores, isto é 'nível de empregabilidade, gestão dos recursos humanos ao longo da carreira, particularmente na sua segunda metade, e sobretudo a sorte que lhes reserva a política conduzida pela empresa. Num outro plano, também é preciso ter em conta os projectos de vida de cada trabalhador.

4.3.1.2

Perante a evolução constante e exponencial do aparelho de produção e dos processos de fabrico numa economia em movimento perpétuo, por um lado, e a permanente mutação do mercado, por outro, as empresas têm que se adaptar, evoluir e reestruturar-se para progredirem num contexto de mundialização, ao mesmo tempo que precisam de encontrar um equilíbrio entre as vertentes social e económica — único meio de garantir dinamismo e crescimento. Por conseguinte, as empresas buscaém margens de manobra, ou seja espaço para respirar.

4.3.1.3

Essas margens de manobra, em quantidade e qualidade de emprego, as empresas encontram-nas muitas vezes nos trabalhadores mais velhos, sobretudo com os «planos sociais» subsequentes às reestruturações.

4.3.1.4

À parte os «planos sociais», as reformas antecipadas permitem às empresas substituir os trabalhadores mais velhos, que consideram pouco produtivos ou com competências obsoletas, por trabalhadores mais jovens e em menor número. Entendem as empresas que, deste modo, podem melhorar a competitividade, ao mesmo tempo que reduzem a massa salarial e reequilibram a pirâmide das idades. Não obstante dificuldades, esta situação reflecte por vezes uma gestão de pessoal deficiente e falta de estudos previsionais dos postos de trabalho e das qualificações. Em geral, todas estas situações foram possíveis, com algumas diferenças de país para país, graças mecanismos estabelecidos pelos poderes públicos e ou pelos sistemas de segurança social.

4.3.1.5

Mas não nos podemos esquecer da escolha dos próprios trabalhadores. Na verdade, dos trabalhadores que passam à reforma antes da idade, só quatro em dez teriam preferido prosseguir a actividade profissional (14). Com efeito, à parte os trabalhadores realmente incapacitados, não se pode ignorar o frequente desejo de utilizar a pré-reforma ou a reforma antecipada como meio atraente de usufruir dos frutos do crescimento nem a saturação de um trabalho (realizado por vezes durante mais de quarenta anos) caracterizado por tarefas pouco ou nada diversificadas, por escassa valorização ou rotação de postos de trabalho, e que leva os trabalhadores a aspirar a outro estilo de vida. E é frequentemente com a sensação de já ter «dado muito» e por não lhes ser proposto outro emprego mais adaptado que muitos trabalhadores optam pela reforma antecipada.

4.3.1.6

Nas condições actuais, pode dizer-se que entre o trabalhador e a empresa há muitas vezes convergência de interesses, isto é uma aliança objectiva que se traduz geralmente em contratos colectivos celebrados pelos parceiros sociais aos diferentes níveis de negociação, incluindo o da empresa.

4.3.1.7

São todos estes factos e problemas que constituem o principal «fundamento» de todo o tipo de pré-reformas. Se se quer que as coisas mudem, há que prestar atenção a toda esta situação e ao que vem exposto no ponto 4.3.2.

4.3.2   Reformar o regime de pré-reforma

A comunicação evoca igualmente, de modo genérico, a necessidade de modificar os regimes de pré-reforma. O CESE é susceptível de apoiar esta orientação geral desde que esta se destine exclusivamente a manter o emprego dos trabalhadores mais velhos e não a empurrá-los para o desemprego, dado que o objectivo consiste em aumentar a taxa de emprego. Como a Comissão muito justamente sublinha, «os incentivos à permanência em actividade dos trabalhadores mais velhos devem traduzir-se em perspectivas reais de emprego», porque até agora as pré-reformas têm sido essencialmente um meio de que dispõe o mercado de trabalho para suavizar os custos sociais em termos de desemprego de longa duração e de exclusão, ou seja, tem-se utilizado a pré-reforma como um instrumento de uma «política de emprego» ou, mais exactamente de uma política de combate ao desemprego. Em muitos Estados-Membros, as empresas passaram a considerar estes instrumentos como uma ferramenta de gestão de pessoal e os trabalhadores a encará-los como uma vantagem social e um direito adquirido.

4.3.2.1

Dois casos de pré-reforma merecem, no entanto, reflexão, atenção e, sobretudo, prudência:

A pré-reforma antecipada no contexto de reestruturações profundas, porque do ponto de vista da coesão social, mais vale um reformado «jovem» do que um «velho» desempregado de longa duração sem perspectivas de voltar a encontrar trabalho; importa ter em mente que o tempo das mutações industriais não faz parte do passado, sobretudo se pensarmos no alargamento;

as pré-reformas, totais ou parciais, como contrapartida de contratação de número equivalente de pessoas à procura do primeiro emprego, porque também neste caso é preferível um reformado a um desempregado sem qualquer perspectiva de inserção na vida activa.

4.3.2.2

Por outro lado, a pré-reforma pode ser uma solução para os trabalhadores mais velhos que viveram condições de trabalho particularmente penosas. De facto, mesmo se a expectativa de vida aumentou, nem todos beneficiam desta evolução da mesma maneira. Há grandes disparidades entre diferentes grupos sociais, em particular entre os «quadros» e os «operários». Por exemplo, em 1999 a esperança de vida de um quadro de 35 anos era de 44,5 anos contra 38 para um operário (15). Qualquer reflexão sobre a duração de vida e da vida activa em particular deve ter em conta estes dados. Reduzir essas desigualdades é um objectivo importante.

4.3.3   Boas condições de saúde e segurança no trabalho

A comunicação salienta, judiciosamente, que o segundo motivo que leva os trabalhadores a abandonar o mercado de trabalho é a doença prolongada ou a invalidez, situação que afecta mais de 15 % da população em causa.

4.3.3.1

É verdade que convém relativizar estes dados, na medida em que alguns Estados-Membros «desviaram» desempregados para a invalidez ou utilizaram esta última como alternativa à pré-reforma (16).

4.3.3.2

Em todo o caso, é evidente que melhores condições de trabalho, ao preservarem a saúde e a integridade física ao longo da vida de trabalho, contribuem para manter as pessoas na vida activa. Também a ergonomia, o estudo dos postos de trabalho e respectivo impacto na saúde, a definição das tarefas, sua modificação e melhoria, isto é, um emprego de qualidade ao longo da vida profissional, são determinantes para a manutenção dos trabalhadores mais velhos na vida activa, sobretudo na fase final da sua carreira.

4.3.3.3

No entanto, e de um modo geral, não se pode afirmar que a invalidez deve ser considerada como conduzindo sistematicamente à saída do mercado de trabalho. Com efeito, os trabalhadores atingidos por incapacidade no decurso da vida profissional representam um capital humano potencialmente muito precioso. Com ajustes necessários, reabilitação e formação adicional, podem adquirir competências para realizar tarefas diferentes das que deixaram de poder efectuar por causa da incapacidade. A este respeito, seria útil calcular o que os trabalhadores poderiam obter somando a pensão de invalidez e os rendimentos salariais.

4.3.4   Formas flexíveis de organização do trabalho

4.3.4.1

A flexibilização do tempo de trabalho antes da idade legal da reforma é um aspecto das condições de trabalho que pode levar os trabalhadores mais velhos a prosseguir a sua actividade. Dos inquéritos realizados a nível nacional resulta que uma grande parte dos trabalhadores mais velhos prefere uma passagem à reforma gradual, sobretudo por razões de saúde relacionadas com o envelhecimento, mas também para suavizar a transição da vida profissional para a vida inactiva. A reforma antecipada deveria ser, não uma data inexorável, antes um processo voluntário para que os trabalhadores interessados pudessem reduzir progressivamente o tempo de trabalho.

4.3.4.2.

Ora, até agora e na prática tem-se tomado quase exclusivamente em consideração a idade de reforma sem atender às condições de trabalho dos trabalhadores mais velhos. Apostou-se sobretudo na pré-reforma definitiva e total, razão por que as medidas positivas de organização da parte final da carreira — como a pré-reforma gradual — não foram aproveitadas como teria sido desejável. Esta situação tem que mudar. Na verdade, a reforma, em vez de ser um acontecimento que se procura antecipar o mais possível, deveria ser um processo voluntário e gradual graças ao qual os trabalhadores podem reduzir progressivamente o tempo de trabalho no quadro de garantias colectivas.

4.3.5   O acesso permanente à formação

Importa ter presente que «o potencial de produtividade dos trabalhadores mais velhos não é prejudicado pela idade mas sim pela obsolescência das qualificações, carência que se pode colmatar graças à formação» (17).

Importa precisar que não basta prever uma política para os grupos etários acima dos 40-50 anos. Com efeito, como apontava e bem o Conselho Superior do Emprego da Bélgica, «uma política que vise modificar a situação dos trabalhadores idosos será extemporânea se apenas abranger esta categoria de pessoas, razão por que é necessária uma política de gestão de pessoal que tenha em conta o factor idade mal os trabalhadores entram no circuito de trabalho» (18).

4.3.5.1

Numa altura em que a «educação e a formação ao longo da vida» se transformaram num leitmotif e numa bandeira da política europeia de emprego, a percentagem de trabalhadores que participam na educação e formação é preocupante. Em média, é de 14 % na faixa etária dos 25 aos 29 anos, diminuindo regularmente com a idade, para chegar aproximadamente aos 5 % na faixa dos 55-64 anos (19). Nos últimos anos estas percentagens registaram um aumento extremamente insignificante, para não dizer nulo.

4.3.5.2

Num sistema de produção em que os postos de trabalho exigem cada vez mais competência técnica e conhecimentos, esta situação não deixa de ser preocupante não só para a taxa de emprego dos trabalhadores mais velhos mas, de um modo geral, para a competitividade europeia. É desejável, para não dizer indispensável, obviar a esta situação.

as empresas, integrando a formação na sua estratégia como um investimento a médio e a longo prazo, sem pretender que o retorno dos investimentos nesta áera seja rápido ou mesmo imediato;

os trabalhadores, porque têm dificuldade em seguir cursos de formação, ou por falta de entusiasmo (como sucede aos trabalhadores com poucas ou nenhumas qualificações), ou porque se julgam incapazes devido a um passado de insucesso escolar, ou ainda por não verem a utilidade dessa formação dada a iminência da reforma.

4.3.5.3

Nesta matéria, o papel dos parceiros sociais pode ser determinante em todos os níveis da negociação. Com efeito, o «quadro de acção para o desenvolvimento de qualificações e competências ao longo da vida» acordado pelos parceiros sociais europeus constitui é uma iniciativa muito importante para promover a aprendizagem ao longo da vida e em todos os escalões etários. Mas os poderes públicos, que devem favorecer o desenvolvimento deste tipo de formação, têm também uma papel de primeiro plano a desempenhar nesta matéria.

4.3.5.4

Mas a formação profissional, a formação e a educação ao longo da vida não devem ser tratadas isoladamente, mas sim como componentes da carreira dos trabalhadores. É importante assegurar a motivação através da formação, independentemente da idade das pessoas, valorizando as competências e dinamizando os percursos profissionais. Deste ponto de vista, a análise das competências e a validação dos conhecimentos adquiridos são ferramentas a desenvolver no âmbito de projectos profissionais individuais em função das metas fixadas pela empresa.

4.3.5.5

A União Europeia está perante um desafio de vulto de cujo êxito depende em parte a estratégia de Lisboa. É preciso aumentar a participação dos trabalhadores na formação profissional e deste modo elevar o nível geral dos conhecimentos e competências dos trabalhadores mais velhos.

4.3.6   Políticas activas eficazes de mercado de trabalho

4.3.6.1

O CESE partilha a ideia expressa na comunicação em apreço; de que «para garantir que as pessoas possam permanecer durante mais tempo no emprego, é fundamental antecipar a mudança e gerir com êxito a reestruturação económica.» Esta análise vai ao encontro de uma das causas das situações analisadas no ponto 4.3.1.4. do presente parecer onde se afirma que esta situação reflecte sobretudo «falta de estudos previsionais dos postos de trabalho e das qualificações.».

4.3.6.2

O CESE também concorda que «neste contexto, assumem importância crucial abordagens personalizadas que permitam ir ao encontro das necessidades individuais, designadamente através de serviços de orientação, medidas de formação específica e sistemas de colocação externa». Para tanto, talvez seja útil — como aponta a comunicação e alguns Estados-Membros já praticam — tirar partido das prestações concedidas aos desempregados, canalizando-as para a formação e actualização das qualificações a fim de facilitar a contratação dos desempregados mais velhos, salvagurdando o direito ao subsídio de desemprego e oferecendo uma orientação que incentive a passagem para para outro emprego ou para um trabalho por conta própria.

4.3.6.3

Instaurar «políticas activas eficazes do mercado de trabalho» significa mexer com a procura e com a oferta de emprego. O Comité acolhe com agrado que todas as recomendações da comunicação se inspirem neste princípio, já que este equilíbrio é uma das condições indispensáveis para realizar progressos tangíveis.

4.3.7   Melhoria da qualidade do emprego

4.3.7.1

A Comunicação sublinha muito justamente que a qualidade do emprego é essencial para manter os trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho ou para encorajá-los a reingressar. Ao mesmo tempo, o número de trabalhadores mais velhos em empregos de baixa qualidade e que deixam o mercado de trabalho é quatro vezes superior ao dos trabalhadores de mesma faixa etária que têm um emprego de qualidade superior, e também o dobro do trabalhadores jovens em empregos de baixa qualidade (20). Esta parte da comunicação seria mais precisa e teria suscitado debate se se tivesse tentado definir «qualidade do emprego» e procurado esboçar uma solução. Pelo menos teria sido útil fazer uma síntese de textos anteriores (COM(2003) 728 final de 26/11/2003 e relatório sobre o «Emprego na Europa em 2002»).

4.4   Outras propostas e observações

Em geral, como para as outras orientações de Lisboa, a «Estratégia/Extensão da idade de saída do mercado de trabalho» poderá ser realizada mais eficazmente se for acompanhada de uma taxa de crescimento benéfica para o emprego.

O método aberto de coordenação é utilizado em várias áreas relacionadas com a reforma. Contudo, no atinente ao «envelhecimento activo», a comunicação faz alusão a um «programa de revisão interpares», organizado no contexto da Estratégia Europeia para o Emprego. Não se percebe a razão de se recorrer a dois processos diferentes. Por uma questão de pragmatismo e eficiência, seria útil que nos centrássemos no conceito de «idade à saída do mercado de trabalho», ou seja globalmente a idade legal de reforma, privilegiando desta forma o método aberto de coodernação.

No que diz respeito às orientações do Conselho Europeu de Estocolmo, e tendo em conta p que precede, o CESE está de acordo com as linhas de acção explanadas na comunicação. Quanto à Task-Force sobre o Emprego, remete-se para o correspondente parecer do Comité (21).

No entanto, é possível avançar e precisar outras propostas e reflexões.

4.4.1   Recrutamento

O recrutamento é um elemento estratégico da taxa de emprego dos trabalhadores mais velhos (22). Este aspecto, que tem que ver com a vertente psicológica do problema, com a discriminação e, por conseguinte, com a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tem sido negligenciado nos debates sobre a matéria.

4.4.1.1

Todavia, é essencial combater todas as formas de discriminação em matéria de recrutamento e as associadas à idade. Os métodos de recrutamento não devem fazer da idade um critério de selecção; antes procurar identificar e valorizar as aptidões desenvolvidas por cada indivíduo a partir da sua experiência profissional. Importa certamente ter em conta as aspirações e as escolhas destes trabalhadores e, nomeadamente, o desejo de condições de trabalho flexível (duração, repartição, horários ...).

4.4.1.2

Neste contexto, é interessante verificar que em alguns Estados-Membros muitos concursos para a função pública estabelecem um limite de idade em torno dos 40 anos, o que significa que alguém que procure emprego, que tenha mais de 40 anos e venha do sector privado não pode concorrer a um lugar na função pública. Esta discriminação é inaceitável pois que um desempregado — mesmo qualificado ou altamente qualificado e com um perfil adequado para o lugar a prover — não pode ocupar o lugar em causa, ao mesmo tempo que priva a função pública da experiência de um trabalhador vindo do sector privado. Esta questão é da inteira responsabilidade dos Estados-Membros. No que toca a União Europeia, note-se que a Comissão aceitou suprimir os limites de idade nos processos de recrutamento somente em Abril de 2002, depois da intervenção do Provedor de Justiça Europeu. Em data mais recente (Julho de 2004) e dando eco a uma reclamação, o Provedor solicitou à Comissão que suprimisse o limite de idade para os estagiários. por considerar que se tratava de uma discriminação, ao mesmo tempo que o queixoso fazia valer que o limite de idade era uma prática contrária à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

4.4.1.3

Convém salientar ainda que o facto de cada vez mais trabalhadores se reformarem antes da idade legal prejudica os trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho e, por consequência afecta o recrutamento. O abaixamento dos limites de idade para facilitar as reformas antecipadas teve consequências graves para os trabalhadores porque, aos olhos dos empregadores, modificou a idade a partir da qual os trabalhadores podem ser considerados «demasiado velhos».

4.4.1.4

Ao mesmo tempo, e de um ponto de vista psicológico, o trabalhador mais velho, influenciado pelo comportamento das empresas, tende implicitamente a considerar-se já não como o privilegiado que se aproxima da idade de gozar da reforma e do descanso, antes como o «incapaz» de trabalhar ou «inempregável». Quando cerca de metade dos trabalhadores reformados cessaram a actividade pela via da «invalidez, como aconteceu em alguns Estados-Membros, o tempo de inactividade tende a s»er concebido, já não como o direito ao descanso, mas como a consequência da incapacidade de trabalhar. Esta percepção da idade, consequência da tendência para rotular as pessoas, provoca inevitavelmente mudanças de comportamento na medida em que acaba por influenciar os trabalhadores, não só psicologicamente mas também na prática; fazendo-o sentir-se marginal no mercado de trabalho, e por isso face ao recrutamento, na empresa e, no fim de contas, na própria sociedade.

4.4.1.5

Dentro do mesmo espírito da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Directiva 2000/78/CE estabeleceu um quadro geral para a igualdade de tratamento em matéria de emprego e trabalho. ao proibir, sob certas condições, a discriminação baseada na idade, por exemplo. Esta directiva deveria ser transposta para as legislações nacionais até Dezembro de 2003. Num futuro próximo seria útil fazer um balanço da sua aplicação e assim avaliar a sua eficácia.

4.4.2   Flexibilidade

No ponto 4.3.2 analisámos o conceito de flexibilidade da idade da reforma e a aplicação de formas flexíveis de organização do trabalho no atinente às reformas antecipadas. O mesmo argumento aplica-se à cessação de actividade na idade legal de reforma. Com efeito, quatro em dez trabalhadores teriam preferido continuar a trabalhar (23) por motivos profissionais, familiares ou de interesse pessoal (24). Por conseguinte, convém estabelecer modalidades de reforma mais flexíveis para responder a estas expectativas.

4.4.2.1

Os trabalhadores devem ter a possibilidade de deixar gradualmente o trabalho em vez de serem obrigados a interromper abruptamente a sua vida profissional na idade legal, como acontece actualmente com muita frequência. Deveriam tomar-se medidas para que os trabalhadores pudessem trabalhar a tempo parcial (a 3/4, 1/3 ou meio tempo) no final da carreira. Para incentivar a aplicação deste princípio seria bom avaliar as possíveis implicações de se fixar um salário proporcionalmente superior à percentagem de horas de trabalho prestadas.

4.4.2.2

Este tempo de presença no posto de trabalho poderia ser aproveitado, por exemplo, para partilhar com os mais jovens a experiência adquirida, nomeadamente através da instauração da tutoria, do apoio e da cooperação na aprendizagem (25) e nas formações em alternância Esta situação seria vantajosa para todos: o trabalhador poderia prosseguir uma actividade valorizante, a empresa preservaria e poderia transmitir conhecimentos e saber fazer, e a sociedade veria aumentar a taxa de emprego da população.

4.4.3   As mulheres e a igualdade de oportunidades

A comunicação chama a atenção para a diferença entre a taxa de emprego das mulheres e dos homens mais velhos, 30,5 % e 50,1 % respectivamente. No que se refere à idade média de saída do mercado de trabalho a diferença é mínima (26) (ver quadro Anexo 3).

4.4.3.1

A diferença das taxas de emprego desta categoria de idade deve-se a um efeito cumulativo que reflecte a composição do mercado de trabalho em geral. Importa referir que esta diferença não incide nem se repercute na idade média de saída do mercado de trabalho.

4.4.3.2

Aumentar a taxa de emprego feminino é essencial para a consecução dos objectivos de Estocolmo. A taxa de emprego desta faixa etária é essencialmente a resultante da taxa de emprego das grupos etários mais novos, o que significa que é a taxa de emprego das mulheres que está no cerne da questão, e não a idade de saída do mercado do trabalho.

4.4.3.3

Independentemente das suas consequências económicas, esta situação coloca questões de equidade que o Comité tantas vezes invocou, seja em matéria de orientação escolar, de formação, de igualdade salarial e de responsabilidades exercidas por pessoas possuindo qualificações idênticas.

4.4.3.4

O aumento da taxa de emprego feminino pressupõe necessariamente que se melhorem as condições do acesso das mulheres ao mercado de trabalho. Para isso, é preciso criar dispositivos que permitam a homens e mulheres conciliar vida privada e vida profissional, desenvolvendo uma rede de serviços sociais aptos a responder às necessidades de atenção e de cuidados na esfera privada: menores (criação de serviços de acolhimento de crianças pequenas, ver quadro anexo 3), pessoas dependentes (idosos, doentes), etc..

4.4.4   A negociação colectiva

A comunicação assinala que «apesar das evoluções recentes, os parceiros sociais deveriam alargar e intensificar os seus esforços, tanto a nível nacional como a nível comunitário, para criar uma nova cultura em matéria de envelhecimento e de gestão da mudança. Com efeito, os empregadores continuam ainda, com demasiada frequência, a dar prioridade aos regimes de reforma antecipada».

4.4.4.1

O CESE acolhe com agrado atitude adoptada no documento, segundo a qual o diálogo é essencial para a realização de progressos significativos. O Comité aprova e apoia a abordagem e os objectivos da Comissão, mas deseja aprofundá-los. Com efeito, se o diálogo social, ou melhor, se a negociação colectiva deve ser intensificada a nível nacional e comunitário, é preciso alargá-la a soluções «por medida», já que são cada vez mais raras as soluções passe-partout de valor universal. Nesta perspectiva, para terem em conta as especificidades profissionais (carácter penoso, condições e organização do trabalho, nível de qualificação...), as negociações colectivas também devem abranger os sectores profissionais, europeus e nacionais, e, por conseguinte, as empresas. Só nestas condições poderão as disposições gerais ser plenamente eficazes.

5.   Elevação da idade média de saída do mercado de trabalho

5.1

No ponto 32 das Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Barcelona, afirma-se, a propósito das políticas de emprego actuais, que importaria, nomeadamente:

«ter-se como objectivo, até 2010, um aumento gradual de cerca de 5 anos na idade média efectiva em que as pessoas deixam de trabalhar na União Europeia».

5.2

As análises e disposições examinadas nos pontos precedentes — e que se referem mais particularmente à decisão do Conselho de Estocolmo de «elevar para 50 % a taxa média de emprego de homens e mulheres mais velhos (55-64)» — contribuem para a concretização das orientações de Barcelona. Na verdade, todo o trabalhador entre os 55 e 64 anos que retarde a saída do mercado de trabalho contribui para aumentar a idade média efectiva em que as pessoas deixam de trabalhar na UE.

5.3

A aplicação das decisões de Estocolmo é o motor essencial da evolução positiva das orientações do Conselho de Barcelona. Desta maneira, o aumento gradual da idade média efectiva em que as pessoas deixam de trabalhar não pode ser examinado separadamente do aumento da taxa de emprego dos trabalhadores com idades compreendidas entre os 55 e 64 anos.

5.4

Tendo em conta as dificuldades em aumentar a taxa de actividade dos trabalhadores desta faixa etária, não seria razoável considerar isoladamente o conceito de Barcelona, já que tal poderia conduzir, para a sua realização, a que se propusesse recuar a idade legal de abertura do direito à reforma.

5.5

Seria pouco lógico imaginar uma opção deste tipo quando, actualmente, muitos trabalhadores que gostariam de trabalhar até ao termo da vida laboral activa não são autorizados a fazê-lo.

6.   Conclusões e recomendações

6.1

O Comité confirma a orientação geral do seu parecer de iniciativa «Trabalhadores Idosos» de Outubro de 2000, no qual salientava a «necessidade de abordar este assunto de forma positiva, já que os trabalhadores idosos sofrem, não raro, de uma concepção da sociedade pouco solidária e discriminatória, além de que o seu afastamento da vida activa leva à perda de pessoal altamente qualificado e à diminuição do nível global da competitividade.».

6.1.1

No âmbito desta orientação, o Comité acolhe com satisfação que o Conselho Europeu da Primavera de 2004 tenha considerado o «envelhecimento activo»como um dos três domínios de acção prioritários que requerem intervenções rápidas para pôr em prática a estratégia de Lisboa. O Comité aprecia, por conseguinte, que a Comissão tenha decidido, através da comunicação em apreço, dinamizar o debate sobre os progressos registados na consecução dos objectivos de Estocolmo e Barcelona e realçar o papel dos governos e dos parceiros sociais na promoção do envelhecimento activo.

6.2

O CESE concorda globalmente com a escolha dos grandes eixos de acção que constituem o fulcro da comunicação. Estes temas, que representam possíveis soluções, devem ser considerados de forma positiva, sem prejuízo da qualidade e da natureza das medidas de execução adoptadas e das observações insertas no presente parecer. Quer se trate de pré-reformas e incentivos financeiros, de reforma do regime de pré-reforma de formas flexíveis de organização do trabalho, de condições de saúde e de segurança no trabalho ou de melhoria da qualidade do emprego.

6.2.1

O Comité considera que, para além das acções concretas a empreender, é fundamental que, no plano da percepção, tudo seja feito para que haja uma mudança de mentalidades e uma tomada de consciência por parte de trabalhadores e empregadores, sensibilizando os primeiros para o facto de que trabalhar depois dos 55 anos valoriza, e os segundos (sejam eles do sector público ou privado) para as vantagens que representam os trabalhadores mais velhos. Sem esta tomada de consciência colectiva as medidas que vierem a ser adoptadas não resultarão plenamente.

6.2.2

Por conseguinte, o Comité sugere que a Comissão promova, em colaboração com os Estados-Membros, uma campanha de sensibilização, informação e esclarecimento direccionada para os principais actores e a sociedade em geral, que contribua para gerar uma percepção positiva do papel dos trabalhadores mais velhos nas empresas privadas, no sector público e na sociedade em geral.

6.2.2.1

O CESE congratula-se com o facto de que o «Rapport du Groupe de haut niveau sur l'avenir de la politique sociale dans une UE élargie», publicado no final do primeiro semestre de 2004, retoma a proposta do Comité.

6.3

Além disso, o Comité Económico e Social considera que:

6.3.1

Todas as acções empreendidas para avançar na execução das decisões de Estocolomo ou de Barcelona devem necessariamente contribuir para que os trabalhadores mais velhos conservem o seu emprego ou reintegrem o mercado de trabalho. Posto que o objectivo é aumentar a taxa de emprego e recuar a idade de saída do mercado de trabalho, há que evitar que eventuais alterações, em particular no atinente à pré-reforma, gerem desemprego. Em geral, importa sublinhar, na esteira da comunicação, que «os incentivos à permanência em actividade dos trabalhadores mais velhos devem traduzir-se em perspectivas reais de emprego».

6.3.2

Entende o CESE que, para aumentar a taxa de emprego global ou o emprego na faixa etária dos 55-64 anos, é necessário aumentar a taxa de emprego das categorias de trabalhadores potenciais que nela estão subrepresentados. Deste ponto de vista, há que tomar medidas importantes para mobilizar todas as reservas de mão-de-obra existentes na União, de jovens trabalhadores numa situação de desemprego desmotivante e preocupante em termos de taxa de emprego global, bem como prestar especial atenção às mulheres e às pessoas portadoras de invalidez.

6.3.3

Mas a formação profissional, a formação e a educação ao longo da vida não podem ser tratadas isoladamente. Devem integrar a gestão de carreira dos trabalhadores. Através da formação há que motivar as pessoas em qualquer idade, valorizando as competências e dinamizando os percursos profissionais. Só assim se poderá alcançar um nível adequado de competência e, por conseguinte, de empregabilidade dos trabalhadores mais velhos.

6.3.3.1

Importa assinalar que, em geral e à parte a formação, não é só a partir dos 40-50 anos que se devem aplicar estratégias para aumentar o emprego dos trabalhadores mais velhos. Uma política que pretenda modificar a situação dos trabalhadores mais velhos será extemporânea se apenas abranger esta faixa etária, sendo por isso necessária uma gestão de pessoal que tenha em conta o factor idade desde a entrada no circuito do trabalho.

6.3.4

O recrutamento deve estar no cerne da questão. É preciso lutar contra todas as formas de discriminação baseadas na idade. Deste ponto de vista, convém fazer um balanço da forma como foi aplicada a Directiva 2000/78/CE que estabeleceu um quadro geral para a igualdade de tratamento em matéria de emprego e ao proibir, sob certas condições, a discriminação baseada na idade, por exemplo. Isto vale para todas as faixas etárias, especialmente os trabalhadores mais velhos e os jovens.

6.3.5

Deve ser possível abandonar progressivamente a vida activa quer pela via da pré-reforma/reforma antecipada quer da reforma normal. Em vez de ser uma «data inexorável», isto é um acontecimento que as pessoas tentam avançar o mais possível, a reforma deveria ser um processo voluntário e gradual que permitisse que os trabalhadores, protegidos por uma série de garantias contratuais, reduzissem gradualmente o tempo de trabalho. Este tema poderia ser assunto prioritário de investigação e acção no contexto das orientações para o emprego em 2005.

6.3.6

O diálogo social, ou melhor, a negociação colectiva deve ser intensificada a nível nacional e comunitário e alargada para trabalhar com soluções «por medida», já que há cada vez menos medidas passe-partout de valor universal. Nesta perspectiva, as negociações colectivas, para terem em conta as especificidades profissionais (carácter penoso, condições e organização do trabalho, nível de qualificação ...), devem também abranger os sectores profissionais, europeus e nacionais, e, por conseguinte, as empresas.

6.3.6.1

Seria útil que o envelhecimento activo fosse considerado tema prioritário na nova agenda de política social após 2006.

6.3.7

Para o Comité, a aplicação das decisões de Estocolmo é o motor essencial da evolução positiva das orientações do Conselho de Barcelona. Desta maneira, o aumento gradual da idade média efectiva em que as pessoas deixam de trabalhar não pode ser examinado separadamente do aumento da taxa de emprego dos trabalhadores com idades compreendidas entre os 55 e 64 anos.

Bruxelas, 15 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Parecer de iniciativa sobre «Os trabalhadores idosos», ponto 1.5, JO C 14 de 16.1.2001, relator: G. DANTIN.

(2)  COM(2004) 29 final «Réalisons Lisbonne – Réformes pour une Union élargie», relatório da Comissão ao Conselho Europeu da Primavera.

(3)  Parecer do CESE «Desemprego dos Jovens», JO C 18, de 22 de Janeiro de 1996, relator RUPP.

(4)  Contribuição da Comissão Europeia para o Conselho Social em Lisboa, fonte Eurostat.

(5)  Fonte Eurostat «Estudo da população activa», 1999.

(6)  Ver anexo 1.

(7)  Guillemard 1986; Casey e Laczko 1989.

(8)  Eurostat, Projecções demográficas 1997 (cenário de base).

(9)  «Situação e perspectivas demográficas da União Europeia», relator R. BURNEL.

(10)  «Ages et emplois à l'horizon 2010» Conselho Económico e Social francês, Outubro de 2001, relator QUINTREAU.

(11)  Fonte: Eurostat, Inquérito às Forças de Trabalho, resultados da Primavera de 2003.

(12)  «Os trabalhadores Idosos», relator G. DANTIN, JO C 14 de 16/1/2001.

(13)  Ver SOC/162 – Relatora D. St-HILL.

(14)  Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho: «La lutte contre les barrières d'âge dans l'emploi», 1999.

(15)  Idem 9.

(16)  Idem 1 (ponto 3.3.3).

(17)  Estudo da OCDE sobre a alfabetização de adultos (International Adult Literacy Survey – IALS).

(18)  Idem 1 (4.3.2).

(19)  Idem 10.

(20)  COM(2003) 728 final «Melhorar a qualidade do emprego: análise dos progressos recentes».

(21)  Parecer do CESE sobre as «Medidas de apoio ao emprego», relatora HORNUNG-DRAUS, co-relator GREIF, JO C 110 de 30/04/2004.

(22)  Idem 11.

(23)  Idem 11.

«Age and Attitudes-Main Resultats from a Eurobaromètre Survey»– Comissão, 1993.

(24)  Idem 1 (ponto 3.3.5).

(25)  Idem 1 (4.3.4.).

(26)  Ver anexo 2.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/130


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Branco sobre a revisão do Regulamento (CEE) n.o 4056/86, que determina as regras de aplicação das normas europeias de concorrência aos transportes marítimos»

COM(2004) 675 final

(2005/C 157/23)

Em 13 de Outubro de 2004, a Comissão Europeu decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Branco sobre a revisão do Regulamento (CEE) n. o 4056/86, que determina a regras de aplicação das normas europeias de concorrência aos transportes marítimos»

A Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu, na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 16 de Dezembro), nomeou relatora-geral Anna BREDIMA-SAVOPOULOU e aprovou o presente parecer, por 148 votos a favor, 12 votos contra e 10 abstenções.

1.   Introdução

1.1

O transporte marítimo, actividade internacional e globalizada «por excelência», tem duas modalidades básicas de exploração: as linhas regulares e os serviços de tramp (transporte marítimo não regular). Desde 1875, o transporte marítimo de linhas regulares está organizado em conferências marítimas, ou seja, um grupo de companhias de navegação que assegura serviços internacionais regulares para o transporte de mercadorias, dentro de determinados limites geográficos e que tenha celebrado um acordo, no âmbito do qual, esses transportadores operem aplicando tabelas uniformes e outras condições de transporte concertadas. No sector do transporte marítimo não regular, o transporte de granéis, secos ou líquidos, não tem itinerário regular e as tarifas de frete são livremente negociadas caso a caso, de acordo com as condições da oferta e da procura. Em termos simples, as linhas regulares poderiam ser comparadas com autocarros e os serviços de tramp com táxis, ou seja, as conferências marítimas prestam serviços regulares com partida e destino fixos enquanto o transporte marítimo não regular responde à procura.

1.2

Em 1974, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED) aprovou o Código de Conduta das Conferências Marítimas para satisfazer as aspirações dos países em desenvolvimento que pretendiam uma maior participação dos seus operadores no transporte marítimo de mercadorias. O código estabelecia a repartição da tonelagem transportada numa base 40:40:20, ou seja, 40 % das cargas das conferências seriam transportadas pelas companhias marítimas dos países em cada extremo de uma rota e 20 % pelas companhias de países terceiros. Diversos Estados-Membros, bem como outros países desenvolvidos (OCDE) e em desenvolvimento, ratificaram o código, que entrou em vigor em 6 de Outubro de 1983. Trata-se, pois, do principal instrumento jurídico que rege as rotas comerciais do transporte marítimo regular em todo o mundo. A UE aprovou o Regulamento (CEE) n.o 954/79 (1) que estabelece as condições de aplicação do código em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia. Segundo a Comissão (à data da adopção), o Regulamento (CEE) n.o 954/79 (2) («pacote de Bruxelas») não só estabelecia um compromisso equilibrado entre as aspirações dos países em desenvolvimento quanto ao acesso às conferências marítimas mas também perseguia o objectivo de manter em vigor os princípios comerciais aplicados pelos países da OCDE e respeitava os princípios fundamentais do Tratado.

1.3

Em 1986, a UE aprovou o Regulamento (CEE) n.o 4056/86 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que determina as regras de aplicação aos transportes marítimos dos artigos 85.o e 86.o do Tratado. O regulamento refere expressamente o Regulamento (CEE) n.o 954/79 e o código da CNUCED, sendo os seus considerandos reveladores. As conferências marítimas classificam-se em abertas e fechadas, dependendo de a adesão ser automática para os novos membros ou de ser necessário o consentimento dos membros actuais. Mediante o Regulamento (CEE) n.o 4056/86, a CE aprovou um sistema de conferências fechadas, associado a rotas comerciais abertas, o que implicava a salvaguarda da concorrência efectiva por parte de operadores independentes e a proibição de outras restrições de concorrência por parte das conferências marítimas. De assinalar tratar-se de um regulamento do Conselho, facto insólito em matéria de concorrência. Versava essencialmente sobre o reconhecimento das características específicas do transporte marítimo e do seu carácter internacional.

1.4

O Regulamento (CEE) n.o 4056/86 concedeu uma isenção por categoria às conferências marítimas, sujeita a determinadas condições e obrigações. Permitia que as conferências exercessem diversas actividades (por exemplo, a repartição entre os membros da tonelagem transportada e das receitas, a coordenação dos horários e das datas de viagem ou de escala) compatíveis com as normas europeias de concorrência e isentava-as de duas restrições graves da concorrência: acordo horizontal de fixação colectiva de preços e limitação da capacidade. A isenção por categoria das restrições graves era justificada pelo facto de as conferências exercerem um efeito estabilizador nas tarifas de frete do transporte marítimo regular, prestarem serviços indispensáveis e fiáveis aos carregadores e estarem sujeitas à concorrência efectiva dos operadores independentes. O Regulamento n.o 4056/86 concede a isenção por categoria mais generosa de todos os sectores de actividade na União Europeia. Nenhum outro sector de actividade está isento das regras de concorrência europeias no tocante à fixação de preços. O Regulamento n.o 4056/86 é igualmente único por conceder uma isenção por categoria de duração indefinida.

1.5

Desde 1986, a Comissão e o Tribunal Europeu de Primeira Instância examinaram certos aspectos das actividades das conferências em vários processos (3). O Tribunal aprovou uma série de princípios jurídicos para a aplicação do Regulamento (CEE) n.o 4056/86. Estes princípios foram posteriormente aplicados pelas conferências que operam no transporte marítimo regular comunitário. Ao longo dos anos, a actividade das conferências sofreu um drástico declínio tanto no que se refere à dimensão como à esfera de acção, por força das alterações das condições de mercado. Mais concretamente:

a.

as conferências já não podem fixar o preço no que se refere à parte terrestre das operações de transporte intermodal;

b.

as tabelas devem não só ser comuns ou uniformes entre os membros da conferência, mas também para todos os carregadores da mesma mercadoria;

c.

as conferências não podem impedir os membros interessados de celebrar contratos de serviços individuais com os carregadores;

d.

a exploração da capacidade é autorizada unicamente na condição de não criar uma estação alta artificial combinada com o aumento das tarifas de frete.

1.6

Acresce que o Regulamento (CEE) n.o 4056/86 excluía os serviços de transporte marítimo não regular e de cabotagem do seu campo de aplicação. Na ausência de um regulamento específico, os artigos 85.o e 86.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia eram directamente aplicáveis a estas actividades. O transporte marítimo não regular era apontado como um dos raros exemplos de concorrência perfeita a nível mundial e a cabotagem como um serviço que não produzia efeitos anticoncorrenciais significativos no comércio comunitário.

1.6.1

O transporte marítimo não regular pode ser caracterizado por dez pontos essenciais:

mercados competitivos a nível mundial;

modelo de concorrência quase pura;

diferentes segmentos de mercado em resposta às necessidades dos consumidores;

concorrência com outros mercados de carga;

procura volátil e imprevisível;

muitas companhias de pequena dimensão;

modelos comerciais globais;

facilidade de entrada e saída;

forte rentabilidade;

sensível à evolução dos mercados e às necessidades dos carregadores.

1.6.2

Em geral, o mercado do transporte marítimo não regular é muito fragmentado (4). Nos últimos 30 anos, surgiram «bulk pools» (acordos de regulação da capacidade) e rotas comerciais especializadas para satisfazer as necessidades de carregadores e fretadores. Assim, na grande maioria dos casos, este mercado tem beneficiado fretadores e carregadores sem prejudicar as normas de concorrência internacionais ou europeias.

1.7

Actualmente, há 150 conferências marítimas em todo o mundo, das quais 28 operam essencialmente em três rotas comerciais com origem e destino à UE — a linha transatlântica, a linha entre a Europa e a Ásia Oriental e a linha entre a Europa, a Austrália e a Nova Zelândia. Reúnem operadores de transporte marítimo regular europeus e não europeus. Além disso, outras conferências servem as rotas comerciais entre a UE e a América do Sul, a África Ocidental, etc.

1.8

A maioria dos países da OCDE reconhece o sistema das conferências marítimas e concede-lhe imunidade antitrust. Os Estados Unidos reconhecem o sistema das conferências abertas no Ocean Shipping Reform Act  (5) (OSRA) de1999. A Austrália concede uma isenção limitada às conferências marítimas ao abrigo do Australian Trade Practices Act (Part X) de 1974, lei que foi alterada em 1999 e está actualmente a ser reexaminada. O Canadá, o Japão e a China reconhecem o sistema das conferências marítimas e concedem imunidade antitrust ou isenções sujeitas a determinadas condições.

1.9

Entretanto, o código de conduta, enquanto principal instrumento internacional que rege o transporte marítimo regular entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, e o sistema das conferências marítimas, enquanto principal sistema internacional de coordenação dos serviços de transporte marítimo regular, foram consagrados em diversos instrumentos jurídicos adoptados pela UE:

os acordos europeus (a maioria dos quais é redundante após o alargamento de 2004) prevêem uma cláusula-tipo sobre os princípios do código e as conferências marítimas como critérios a respeitar no tráfego regular;

os acordos entre a UE e a Rússia e a UE e a Ucrânia foram redigidos nos mesmos termos;

por último, as negociações em curso na OMC sobre serviços baseiam-se no entendimento de que o código é o instrumento aplicável.

1.10

A recente evolução noutros ordenamentos jurídicos em matéria de transporte marítimo regular revela que a maioria dos países desenvolvidos (Estados Unidos, Austrália, Canadá e Japão) aproximou o sistema das conferências marítimas do regime comunitário. A evolução no sector é significativa: desde os anos oitenta, os operadores independentes aumentaram a sua quota de mercado nas principais rotas comerciais com origem e destino à Europa em detrimento das conferências. Embora tal possa ser demonstrado mediante uma análise individual, em geral as rotas comerciais mantêm-se abertas à concorrência efectiva. Surgiram outras práticas no âmbito das conferências; por exemplo, há membros de conferências marítimas que celebram contratos de serviços individuais, em que se comprometem a transportar uma parcela de carga durante um período determinado contra tarifas de frete negociadas caso a caso.

1.10.1

A prática dos contratos de serviços rege-se pela jurisprudência da UE e pela legislação norte-americana (OSRA 1999) no que se refere à prestação de serviços a carregadores. Na rota comercial transatlântica 90 % da tonelagem é transportada mediante contratos de serviços e na rota comercial Europa/Austrália/Nova Zelândia entre 75 e 80 %. Os contratos de serviços celebrados entre o carregador e o transportador são estritamente confidenciais

1.10.2

A contentorização motivou uma evolução significativa no transporte marítimo regular. Os operadores cooperam cada vez mais através de consórcios que prestam diversos serviços regulares de transporte marítimo, excluindo o processo de fixação de preços. O transporte em contentores é uma actividade com forte intensidade de capital, mas permite realizar importantes economias de escala. Sujeita a certas condições, foi concedida uma isenção por categoria aos consórcios a título dos Regulamentos (CEE) n.os 479/1992 (6) e 870/1995 (7), alterados pelo Regulamento (CEE) n.o 823/2000 (8), que expira em 25 de Abril de 2005. Este tipo de consórcios constitui outra modalidade muito frequente de cooperação no transporte marítimo regular.

1.10.3

Outra modalidade de cooperação é constituída pelos acordos ditos de «discussão», celebrados entre membros das conferências e operadores independentes, que surgiram nos anos oitenta e são reconhecidos por outros ordenamentos jurídicos (Estados Unidos, Ásia, Austrália e América do Sul).

1.11

Em 2003, a Comissão Europeia revogou as disposições de procedimento do Regulamento (CEE) n.o 4056/86, substituindo-as pelo Regulamento (CE) n.o 1/2003 (9), que é presentemente o regulamento aplicável a todos os sectores económicos. Por conseguinte, as disposições sobre a descentralização da concorrência valem para o sector do transporte marítimo regular e para os outros sectores. Não obstante, o artigo 32.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 prevê uma exclusão da sua aplicação aos serviços internacionais de navios fretados e aos serviços de transporte marítimo exclusivamente efectuados entre portos de um mesmo Estado-Membro.

1.12

Entretanto, o Secretariado da OCDE concluía, num relatório de 2002 (10), que a imunidade antitrust ou as isenções aplicáveis às conferências marítimas no que se referia a acordos de fixação de preços deveriam ser revistas com vista à sua abolição, salvo se justificadas específica e excepcionalmente, deixando, porém, a questão ao critério dos Estados-Membros. O relatório da OCDE foi fortemente contestado, motivo por que foi publicado apenas como relatório do Secretariado. Ademais, as principais partes interessadas (Canadá, Estados Unidos, Japão e Austrália) declararam que não tencionavam alterar os regimes nesta fase.

2.   Livro Branco da Comissão Europeia de 2004

2.1

A Comissão Europeia, a instâncias do Conselho Europeu de Lisboa de 2000, decidiu rever o Regulamento (CEE) n.o 4056/86. O Conselho de Lisboa solicitou à Comissão que «acelerasse a liberalização em áreas tais como o gás, a electricidade, os serviços postais e os transportes». O processo de revisão começou em Março de 2003, com a publicação de um documento de consulta e a recepção de 36 contribuições das partes interessadas (carregadores, transportadores, Estados-Membros e consumidores). A Universidade Erasmus de Roterdão assistiu a Comissão no processamento das respostas. Em Dezembro de 2003, realizou-se uma audição pública e, em Maio de 2004, foi publicado um documento de debate dirigido aos Estados-Membros. Em 13 de Outubro de 2004, a Comissão publicou o Livro Branco, acompanhado de um anexo, em que considera a revogação da isenção por categoria aplicável às conferências marítimas. Nele analisa a oportunidade de manter, alterar ou revogar o regulamento vigente ou de o substituir por regimes opcionais, de acordo com a proposta da European Liner Affairs Association (ELAA). Sugere-se a publicação de recomendações para o transporte marítimo não regular. A Comissão convida, também, o Comité a formular observações no prazo de dois meses.

2.2

O Livro Branco aborda várias questões fundamentais — justificar-se-á a concessão de uma isenção por categoria a título do n.o 3 do artigo 81.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia para a fixação do preço ou a exploração da capacidade por parte das conferências marítimas? A Comissão conclui que, nas actuais condições do mercado, a isenção por categoria aplicável às conferências marítimas não se justifica dado que a estabilidade dos preços pode ser obtida mediante outras formas de cooperação menos restritivas e porque as quatro condições cumulativas do n.o 3 do artigo 81.o, que a justificam, já não estão reunidas.

2.2.1

O Livro Branco pondera a oportunidade de estabelecer um outro instrumento jurídico que reja um novo quadro de cooperação para as rotas comerciais do transporte marítimo regular. Convida as partes interessadas a apresentarem propostas neste sentido.

2.3

O Livro Branco examina se continua a justificar-se a exclusão dos serviços de transporte marítimo não regular e de cabotagem do campo de aplicação do Regulamento (CE) n.o 1/2003. Conclui não terem sido apresentados argumentos de peso que justifiquem um tratamento diferente destes serviços do resto dos sectores económicos. Propõe, assim, incluir estes serviços no campo de aplicação do Regulamento (CE) n.o 1/2003, que contém as disposições de procedimento. Propõe ainda que, por razões de segurança jurídica, se considere a publicação de recomendações para facilitar a auto-avaliação dos acordos de exploração conjunta por parte dos operadores.

2.4

Cabe assinalar que a European Liners Affairs Association (ELAA), estabelecida recentemente (2003) para tratar deste assunto, propôs um novo quadro para a cooperação comercial entre companhias marítimas, nomeadamente um novo foro de debate entre companhias marítimas no que se refere a exploração da capacidade, quotas de mercado, flutuação do volume de carga por rota, tabela de preços publicada e imposição de taxas e sobretaxas.

3.   Observações na generalidade

3.1

O CESE tem acompanhado de perto a evolução da matéria desde 1981 e aprovou dois pareceres, em 1982 (11) e 1985 (12), cujas principais recomendações foram incorporadas no Regulamento (CEE) n.o 4056/86. Por isso, acolhe favoravelmente o Livro Branco e o exercício de reflexão lançado pela Comissão e espera contribuir significativamente para um regime de concorrência aplicável na UE e em todo o mundo.

3.1.1

O anexo ao Livro Branco fornece uma análise completa da compatibilidade das conferências marítimas com as quatro condições cumulativas do n.o 3 do artigo 81.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Não obstante, quando, nos últimos anos, a exploração da capacidade, segundo a jurisprudência da UE, é autorizada unicamente na condição de não criar uma estação alta artificial combinada com o aumento das tarifas de frete e dado que as conferências perderam em larga medida o poder de fixação de preços (13), duvida-se que as quatro condições cumulativas do n.o 3 do artigo 81.o ainda possam ser reunidas.

3.1.2

O CESE gostaria que o papel crescente dos operadores independentes desde os anos oitenta fosse aprofundado. Os dados disponíveis revelam que as conferências não impediram a emergência de operadores independentes, que dispõem de quotas de mercado significativas. Assim, existe concorrência efectiva e a quarta condição cumulativa do n.o 3 do artigo 81.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia está cumprida. Do mesmo modo, os dados disponíveis sobre elementos do custo de transporte dos bens de consumo indicam que atingiu um nível de percentagem marginal. Assim, seria de perguntar se as conferências fixam preços negativos para os consumidores.

3.1.3

O Regulamento (CEE) n.o 4056/86 foi fruto das condições de mercado imperantes nos anos oitenta. Faz parte do pacote de quatro regulamentos aprovados em 1986, que estabeleceram os fundamentos da política comum dos transportes marítimos da UE. As conferências beneficiaram durante 18 anos do tratamento jurídico generoso da legislação comunitária.

3.2

O CESE faz notar que, pese embora a Comissão evocar a posição internacional das conferências marítimas e os ordenamentos jurídicos dos Estados Unidos e da Austrália, não aborda as suas implicações jurídicas. Catorze Estados-Membros da UE e a Noruega assinaram ou aderiram ao Código de Conduta das Conferências Marítimas: se o Regulamento (CEE) n.o 4056/86 for revogado terão que denunciar o código. Cabe notar que, nos termos do artigo 50.o do código, a denúncia das suas disposições produz efeito um ano depois da sua recepção pelo depositário. O Regulamento (CEE) n.o 954/79 terá de ser revogado e a «oferta» da UE à OMC terá que ser modificada. O Livro Branco não aborda os problemas jurídicos que uma eventual abolição do sistema das conferências marítimas suscitaria. A UE teria de renegociar os seus acordos com a Ucrânia e a Rússia.

3.3

As conferências poderiam, em vez de serem abolidas, continuar a existir e a exercer actividades legítimas. As conferências organizam as rotas comerciais entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Se na UE for abolida uma conferência, o que acontecerá no outro extremo da rota? Por exemplo, existem conferências entre a UE e a América do Sul e entre a UE e a África Ocidental e o código de conduta é-lhes aplicável. O Livro Branco não aborda estes problemas.

3.4

Se uma conferência pode exercer actividades que não restringem a concorrência, por que motivo deverá o sistema das conferências ser abolido? Esta questão não é explorada no Livro Branco. Actividades como a repartição entre os membros da tonelagem transportada e das receitas, a coordenação dos horários dos navios ou das escalas podem cumprir as quatro condições cumulativas. O governo neerlandês e alemão em documento recente (14) exploram possíveis formas de cooperação e instrumentos jurídicos. Conviria ter esta iniciativa em conta. Além disso, outras actividades propostas pela ELAA e pelo documento citado poderiam cumprir as quatro condições cumulativas. O motivo de preocupação não é, pois, a perda do benefício da isenção por categoria, mas a abolição unilateral do sistema das conferências marítimas por parte da UE sem consultar os outros países industrializados (OCDE) ou os países em desenvolvimento.

3.5

Do exposto é óbvio que, embora seja previsível a anulação da isenção por categoria, a abolição do sistema das conferências marítimas acarreta inúmeros problemas jurídicos que conviria examinar. Mais, urge compatibilizar o novo regime comunitário com o ordenamento jurídico internacional. Uma acção unilateral da UE seria impensável, já que as conferências marítimas são um sistema presente em todo o mundo. O Livro Branco não analisa suficientemente as repercussões internacionais no ordenamento jurídico (isto é, os compromissos internacionais da UE e dos seus Estados-Membros) nem os problemas jurídicos decorrentes da abolição das conferências marítimas para os Tratados.

3.6

O CESE sustenta que, independentemente da sua imperfeição e antiguidade, o código de conduta (e o sistema das conferências marítimas por ele consagrado) continua a ser o fundamento do pacote de quatro regulamentos de 1986 que constituem a primeira fase da política comum dos transportes marítimos da UE. Três dos quatro regulamentos baseiam-se no código de conduta e fazem-lhe referência — os Regulamentos (CEE) n.os 4055/86, 4056/86 e 4058/86 (15). O dito pacote resultou de árduas negociações ao longo de vários anos e deu lugar a um delicado equilíbrio de concessões mútuas entre os Estados-Membros. Antes de revogar o Regulamento (CEE) n.o 4056/86, os Regulamentos (CEE) n.o 4055/86 e 4058/86 deveriam ser alterados.

3.7

Dado que o sistema das conferências marítimas está actualmente a ser revisto em certos países, seria mais lógico que a UE colaborasse com eles — em vez de proceder unilateralmente — com vista a adoptar um novo regime internacional compatível à escala mundial. De outro modo, enquanto os Estados Unidos e a Austrália se aproximam do sistema da UE, esta aboli-lo-ia sem consulta nem coordenação. Esta questão poderia ser levantada na Rede Internacional da Concorrência (RIC), de que a Comissão é membro fundador (2001). A RIC é um dos principais foros de debate em matéria de política de concorrência no plano multilateral. Tal abolição teria consequências muito nefastas e gravosas para os operadores europeus que, apesar da forte concorrência das companhias não comunitárias (asiáticas, principalmente), estão à cabeça da classificação mundial das companhias marítimas (as quatro primeiras são europeias). Assim, a revisão do Regulamento (CEE) n.o 4056/86 deveria ser debatida na RIC.

3.8

O CESE está consciente de que tal exercício poderia ser extremamente moroso. Assim, na pendência de um outro sistema internacional para substituir o código de conduta e de uma coordenação entre os diferentes ordenamentos no atinente à substituição do sistema das conferências marítimas, propõe a revogação do Regulamento (CEE) n.o 4056/86 e a introdução de um novo regulamento da Comissão. O novo regulamento deveria conceder uma isenção por categoria sujeita a condições estritas que cumpram os critérios da jurisprudência comunitária (entre outros, o processo TACA).

3.9

Uma desregulação total sem um novo instrumento jurídico não é prática aconselhável por outros motivos: a recente criação da Rede Europeia da Concorrência (REC) (16) pressupõe a descentralização dos processos em matéria de concorrência para as entidades nacionais. Na sequência do alargamento, os dez novos Estados-Membros poderão precisar de conselhos de carácter teórico e prático. Será necessário um período transitório para que se familiarizem com a economia de mercado, especialmente tendo em conta que alguns deles não dispõem de entidades nacionais responsáveis pela concorrência. Será necessário um regulamento que estabeleça critérios específicos aplicáveis a eventuais práticas contrárias à concorrência de várias modalidades de cooperação nas rotas comerciais. Senão, será terreno de eleição para os juristas devido à aplicação divergente do direito europeu nos Estados-Membros.

3.10

O CESE crê que a descentralização dos processos em matéria de concorrência não deveria coincidir com a desregulação do sector do transporte marítimo regular. Por isso, a desregulação não é aconselhável nesta fase. Mais, a desregulação poderia incrementar a concentração e reduzir o número de operadores no mercado.

3.11

A proposta do Livro Branco sobre o tratamento dos serviços de transporte marítimo não regular e de cabotagem é aceitável, partindo do princípio de que a grande maioria dos casos não suscitará problemas de concorrência. No entanto, por razões de segurança jurídica, seria lógico que a Comissão fornecesse orientação jurídica quanto aos acordos de regulação da capacidade e às rotas comerciais especializadas para a auto-avaliação da compatibilidade com o artigo 81.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tendo presente que a notificação dos acordos e o procedimento de oposição deixaram de ser autorizados.

4.   Observações na especialidade

4.1

O Livro Branco não foca a salvaguarda regulamentar da posição dos operadores independentes. Assume que a sua quota de mercado aumentou desde os anos oitenta e que esta tendência continuará no futuro. Não obstante, as salvaguardas específicas previstas no Regulamento (CEE) n.o 4056/86 terão de ser mantidas num novo regulamento para evitar a redução das suas actividades e para manter as rotas comerciais abertas.

4.2

O Livro Branco aceita que a perda da imunidade antitrust pode incrementar a concentração, isto é, as fusões e aquisições que, por seu turno, podem ocasionar um aumento unilateral do poder de mercado ou maior risco de colusão em virtude da redução do número de operadores no mercado (p. 19, n.os 73 e 74 do anexo ao Livro Branco (17)). Não havendo novos operadores nas rotas comerciais devido aos custos incorridos e à volatilidade do mercado, que não garantem a obtenção de lucros, como poderá o actual regulamento comunitário sobre o controlo da fusões salvaguardar as rotas? Não é realista esperar que os transportadores de pequena e média dimensão que lutam pela sobrevivência intentem acções morosas e onerosas ao abrigo do regulamento sobre as fusões para evitar a criação de grandes transportadores. A lei deveria conter salvaguardas.

4.3

Segundo a Comissão (p. 17, n.o 64 do anexo ao Livro Branco (1)), se uma acção colectiva não se opuser à natureza cíclica do mercado de contentores, poder-se-ia assistir a um fluxo contínuo de empresas que entram e saem do mercado. Os transportadores não rentáveis venderiam os seus barcos e novas empresas entrariam no mercado. Trata-se, porém, de uma apreciação muito simplista do mercado. Hoje em dia, quase não se encontram novas empresas nas rotas comerciais, particularmente no alto mar, devido aos custos incorridos e à volatilidade do mercado, que não garantem a obtenção de lucros. Ademais, a distinção entre transportadores rentáveis e não rentáveis não se justifica. Com efeito, os transportadores não rentáveis não podem sobreviver no mercado altamente competitivo das rotas comerciais.

4.4

Pelos motivos expendidos no ponto 3, deveria ser mantida a disposição sobre o conflito de direito constante do Regulamento (CEE) n.o 4056/86.

5.   Conclusões

5.1

O CESE acolhe com satisfação a iniciativa do Livro Branco e o exercício de reflexão lançado pela Comissão sujeitos ao seu parecer.

5.2

Qualquer futuro ordenamento jurídico deveria ser compatível com o artigo 81.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia e equilibrado, isto é, responder às necessidades dos carregadores e transportadores. Também deveria satisfazer a oferta e a procura das companhias que prestem serviços de transporte marítimo regular, bem como dar mostras de transparência e permitir a existência de rotas comerciais abertas (ou seja, de operadores independentes).

5.3

O CESE considera que o novo regulamento não deveria emanar do Conselho, mas da Comissão, a bem da coerência com os demais regulamentos comunitários em matéria de concorrência. No entanto, aceite esta posição, deveria ser confiada à Comissão uma missão de controlo das especificidades do transporte marítimo e das implicações internacionais do novo regime jurídico. O CESE considera positivo que o Livro Branco solicite pontos de vista sobre sistemas alternativos.

5.4

Tradicionalmente, em todos os ordenamentos, as conferências beneficiam de algum tipo de imunidade antitrust e, até à data, nenhuma das entidades competentes que procederam à sua revisão (por exemplo, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão) decidiu suprimir essa imunidade. O sector do transporte marítimo regular passa actualmente por profundas alterações, que prosseguirão no futuro. As quotas de mercado das conferências foram significativamente reduzidas e a maioria dos contratos celebrados corresponde a contratos de serviços individuais, que são preferidos pelos carregadores e reconhecidos internacionalmente. Além disso, os acordos ditos de «discussão» e os consórcios ou alianças proliferam em todo o mundo.

5.5

Se o Regulamento (CEE) n.o 4056/86 for revogado sem que seja substituído por um novo regulamento que conceda uma isenção por categoria, tal exigirá um trabalho hercúleo de negociações e renegociações de acordos com vários países terceiros, bem como extenso trabalho legislativo a fim de modificar o acervo comunitário (isto é, os Regulamentos (CEE) n.os 954/79, 4055/86 e 4058/86). Além disso, a UE terá de denunciar o Código de Conduta das Conferências Marítimas. O CESE insta a Comissão a abordar todos os problemas jurídicos antes de proceder ao exame dos sistemas alternativos das conferências marítimas e à abolição da actual isenção por categoria.

5.6

À luz dos problemas jurídicos decorrentes da abolição das conferências marítimas, o CESE convida a Comissão a elaborar um estudo jurídico das alterações regulamentares necessárias se a UE as abolir sem que o resto do mundo o faça. O dito estudo revelará que a desregulação do sector do transporte marítimo regular poderá não trazer qualquer mais-valia, sobretudo quando coincide com a descentralização dos processos em matéria de concorrência para as entidades nacionais. O sector ficaria à mercê de um vazio jurídico sem regras específicas.

5.7

Entretanto, o CESE entende que a manutenção das conferências marítimas se justifica até ser aplicado outro regime regulamentar à escala mundial. O sistema das conferências marítimas é, pois, ainda necessário porque é a base dos serviços de transporte marítimo regular em todo o mundo. No plano internacional, a abolição da isenção por categoria por parte da UE teria efeitos complexos e significativos nos países em desenvolvimento e nos outros países da OCDE.

5.8

O CESE mantém que o Regulamento (CEE) n.o 4056/86 deveria ser revogado e substituído por um novo regulamento da Comissão sobre conferências marítimas, que conceda uma isenção por categoria. O novo regime deveria respeitar estritamente os critérios estabelecidos pelo Tribunal Europeu de Primeira Instância e pela Comissão (por exemplo, o processo TACA). O sistema das conferências marítimas deveria ser mantido a fim de defender a competitividade dos armadores comunitários em todo o mundo. Se as alianças e outros tipos de acordos de cooperação correspondem às necessidades dos grandes transportadores, o facto é que os transportadores de pequena e média dimensão continuam a precisar das conferências para conservarem as quotas de mercado, especialmente nas rotas comerciais com os países em desenvolvimento. A abolição da isenção por categoria pode ter efeitos anticoncorrenciais para os pequenos transportadores, na medida em que vem reforçar a posição dominante dos grandes transportadores.

5.9

Conviria que a Comissão utilizasse o período transitório para acompanhar a evolução do sector do transporte marítimo regular, incluindo a tendência para a consolidação. Acresce que a Comissão deveria lançar uma série de consultas com outros países (OCDE) com vista a chegar a um sistema alternativo que seja compatível a nível mundial.

5.10

O CESE subscreve as propostas do Livro Branco quanto ao tratamento dos serviços de transporte marítimo não regular e de cabotagem já que a grande maioria dos casos nestes sectores não suscitaria problemas de concorrência. Mesmo assim, por razões de segurança jurídica, solicita-se à Comissão que considere a publicação de recomendações para facilitar a auto-avaliação dos acordos de exploração conjunta e das rotas comerciais especializadas quanto à sua compatibilidade com o artigo 81.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

5.11

O CESE espera poder contribuir para o seguimento do exercício de reflexão lançado pelo Livro Branco.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Regulamento (CEE) n.o 954/79 do Conselho, de 15 de Maio de 1979, respeitante à ratificação pelos Estados-membros da Convenção das Nações Unidas relativa a um Código de Conduta das Conferências Marítimas ou à adesão destes Estados à Convenção (JO L 121 17/05/1979 p. 1).

(2)  Cf. BREDIMA-SAVOPOULOU/TZOANNOS «The Common Shipping Policy of the EC», North Holland, Asser Institute, 1990; L. SCHMIDT/O. SEILER «The Unctad Code of Conduct for Liner Conferences», Hamburgo 1979; A. Mc INTOSH «Anti-trust implications of liner conferences»Lloyds Maritime and Commercial Law Quarterly, Maio de 1980, p. 139; CLOUGH/RANDOLPH «Shipping and EC Competition Law», Butterworths, 1991; BELLAMY/CHILD «Common Market Law of Competition», Sweet & Maxwell, 1993, 2001; P. RUTLEY «International Shipping and EEC Competition Law» (1991) 2 ECLR, 5; KREIS «European Community Competition Policy and International Shipping» (1989) Fordham International Law Journal, p. 411, vol. 13; J. ERDMENGER «Conference on EEC Shipping Law», 4-5/2/1998, Roterdão; BREDIMA «The Common Shipping Policy of the EEC», 18 Common Market Law Review, 1981, p. 9-32.

(3)  Por exemplo, TACA revista (decisão da Comissão de 14/11/2002, JO L 26 de 31/01/2003, p. 53), TAA, FEFC, EATA, Eurocorde; CEWAL, COWAC, UKWAL (JO L 34 de 10/02/1993, p. 20), Comités de Armadores Franco/Oeste-africanos (JO L 134 de 18/05/1992, p. 1).

(4)  Segundo Clarkson Research Studies, «The Tramp Shipping Market» (Abril, 2004), das cerca de 4 795 companhias proprietárias de barcos que operam no transporte marítimo não regular, 4 delas possuem mais de 300 barcos (isro é, 2 % da quota de mercado), sendo a média de 5 barcos por companhia.

(5)  Que altera a lei de 1984 sobre a marinha mercante dos Estados Unidos.

(6)  JO L 55 de 29/02/1992, p. 3.

(7)  JO L 89 de 21/04/1995, p. 7.

(8)  JO L 100 de 20/04/2000, p. 24.

(9)  JO L 1 de 4/01/2003, p. 1.

(10)  DSTI/DOT (2002) 2 de 16/4/2002.

(11)  JO C 77 de 21/03/1983, p. 13.

(12)  JO C 344 de 31/12/1985, p. 31.

(13)  Outubro de 2004.

(14)  Outubro de 2004.

(15)  O Regulamento (CEE) n.o 4055/86 de 22/12/86 («Regulamento do Conselho que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros») baseia-se no código de conduta da CNUCED. As alíneas a) e b) do n.o 1 do artigo 4.o estabelecem a adaptação dos convénios de repartição de cargas fazendo referência directa ao Código de Conduta das Conferências Marítimas; o Regulamento (CEE) n.o 4058/86 de 22/12/86 («relativo a uma acção coordenada com vista a salvaguardar o livre acesso ao tráfego transoceânico») baseia-se no código. O artigo 1.o faz depender a acção de as as rotas serem abrangidas pelo código ou não.

(16)  Regulamento (CE) n.o 1/2003.

(17)  Não existe, nesta data, versão portuguesa deste documento.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/136


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que adopta um programa comunitário plurianual para a promoção de uma utilização mais segura da internet e das novas tecnologias em linha»

COM(2004) 91 final — 2004/0023 (COD)

(2005/C 157/24)

Em 26 de Março de 2004, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 153.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

A Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 5 de Outubro de 2004, sendo relator D. RETUREAU e co-relatora A. DAVISON.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 147 votos a favor e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Síntese do projecto de parecer

1.1

A Comissão propõe lançar um novo projecto «Para uma Internet mais segura», reforçando o anterior, tendo em conta a evolução célere da Sociedade da Informação no que se refere às redes de comunicação. O projecto foi assim baptizado «Para uma Internet mais segura plus» (2005-2008).

1.2

Além da proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho apresentada pela Comissão, o Comité examinou a avaliação ex ante de «Para uma Internet mais segura plus» (2005/2008) que consta do documento de trabalho da Comissão SEC(2004) 148 e do COM(2004) 91 final. Apoia a extensão do âmbito de aplicação do novo plano de acção bem como os seus objectivos, que têm em conta a evolução célere e a diversificação dos meios de acesso em linha e o crescimento muito rápido do número de acessos de elevado débito e das conexões permanentes. Aduz sugestões complementares de acções políticas e regulamentares nas suas observações na generalidade e na especialidade, nomeadamente:

normas técnicas e jurídicas (obrigatórias e facultativas);

educação-formação dos utilizadores;

deveres dos fornecedores de espaço e de acesso e de outros intervenientes (empresas de cartões de crédito, motores de pesquisa, etc.);

responsabilidade dos autores de programas informáticos e de fornecedores de meios de segurança;

protecção das pessoas vulneráveis contra as fraudes ou informações duvidosas (burlas diversas, venda «livre» de medicamentos activos, conselhos ou tratamentos por pessoas sem competências médicas, etc.).

2.   Síntese da propostas da Comissão

2.1

O programa proposto tem como objectivo promover uma utilização mais segura da Internet e das tecnologias em linha para o utilizador final, nomeadamente para as crianças e jovens, em casa ou na escola. Para tal, está previsto o co-financiamento de projectos concebidos por associações e outros grupos (equipas de investigação, criadores de programas informáticos, estabelecimentos de ensino, etc.) que permitam desenvolver meios de protecção como, por exemplo, «hot lines», anti-spam e anti-vírus, filtros de navegação «inteligentes».

2.2

O anterior programa para uma Internet segura (1999-2002) tinha sido prorrogado até 2003-2004.

2.3

O sítio Internet da Comissão indica os projectos já realizados ao abrigo do projecto «Para uma Internet mais segura», até final de 2003 (1).

2.4

A actual proposta (2005-2008) alarga-se também aos novos meios de comunicação em linha, relativamente aos quais tenciona reforçar o combate aos conteúdos ilegais e nocivos, incluindo os vírus e outros conteúdos prejudiciais ou não solicitados (spam).

2.5

Este reforço do combate justifica-se, quanto às instituições comunitárias, por diversas razões, sendo as principais:

o desenvolvimento rápido de conexões de débito elevado de longa duração ou permanentes dos particulares, das empresas, das administrações e instituições privadas (ONG);

a diversificação dos meios e métodos de acesso à Internet e a novos conteúdos em linha, dos quais muitos não solicitados (mail, SMS), e uma maior atractividade dos conteúdos (multimédia);

a enorme expansão dos conteúdos não solicitados e potencialmente perigosos ou inadequados cria novos riscos para o público em geral (vírus, invasão dos espaços de armazenamento, desvio ou destruição de dados, utilização não autorizada dos meios de comunicação da vítima; correio electrónico não solicitado (spams): desvio da banda passante e dos espaços de armazenamento, invasão das caixas de correio electrónicas, o que bloqueia ou perturba o aproveitamento útil da Internet e das comunicações, e origina custos consideráveis, que não são pagos pelos «poluidores», mas sim pelo utilizador final) e, relativamente a certas categorias importantes de utilizadores, como as crianças, (spams sexualmente explícitos, mensagens não adequadas e pedidos de encontros efectuados por pedófilos nas salas de conversa em linha (chat rooms);

conteúdos inadequados facilmente acessíveis às crianças devido à eficácia muito relativa dos actuais meios de filtragem à disposição dos responsáveis pelas crianças.

2.6

O objectivo principal do programa é a protecção das crianças e o apoio dos que são responsáveis por elas (pais, professores, educadores, etc.) ou que defendem os seus interesses morais e o seu bem-estar. O programa diz, portanto, respeito às ONG do sector social, dos direitos das crianças, do combate ao racismo, à xenofobia (2) e a qualquer outra forma de discriminação, da defesa dos consumidores e da defesa das liberdades civis, etc.

2.7

Diz também respeito aos governos, às autoridades legislativas, judiciárias e policiais e às agências de regulação. A lei, tanto material como processual, deve ser adaptada e o pessoal, em quantidade suficiente, deve ser formado e equipado.

2.8

O programa interessa também à indústria, que tem necessidade de um ambiente seguro para aumentar a confiança dos consumidores.

2.9

As universidades e o sector da investigação podem esclarecer a utilização, pelas crianças, dos novos meios de comunicação. A melhor maneira de fazer passar as mensagens relativas à segurança é dar a conhecer, nesses mesmos meios de comunicação, a actuação dos criminosos, é procurar novas soluções técnicas e fornecer um ponto de vista independente sobre a conciliação dos interesses afectados pela regulação e a auto-regulação.

2.10

O programa tem uma dupla dimensão. No plano social, centra-se nos domínios em que a regulação e o mercado não poderiam, por si sós, garantir a segurança dos utilizadores. No plano económico, trata-se de promover a utilização segura da Internet e das tecnologias em linha, criando um clima de confiança.

2.11

Está previsto um financiamento de cerca de 50 milhões de euros, para desenvolver os meios técnicos e jurídicos, os programas informáticos e a informação, para combater mais eficazmente as invasões de redes e dos terminais ou a sua utilização fraudulenta por meio de conteúdos não solicitados e podendo ser nocivos em matéria moral, social ou económica.

3.   Observações na generalidade

3.1

O Comité recorda as suas anteriores posições em matéria de protecção das crianças na rede Internet e do primeiro plano de acção (3). Acolhe positivamente a proposta de um novo plano de combate aos conteúdos ilegais ou nocivos nas comunicações em linha (ver I, Síntese, no início do presente documento). Apoia os objectivos e as prioridades do programa «Para uma Internet mais segura plus», enquanto um dos mecanismos para reforçar a segurança na Internet. Não obstante, o Comité salienta a dimensão muito vasta do problema e a necessidade de acções internacionais e regulações para o resolver.

3.2

A rede Internet e as novas tecnologias da comunicação em linha (por exemplo, os telemóveis ou os computadores de bolso com ligação Internet e funções multimédia, em grande desenvolvimento) constituem, aos olhos do Comité, instrumentos fundamentais para o desenvolvimento da economia do conhecimento, da e-economia e da e-administração. São instrumentos proteiformes de comunicação de cultura, de trabalho e de lazer. É portanto primordial garantir a segurança e a continuidade do funcionamento das redes de comunicação, visto que se trata de um serviço público essencial, que deve permanecer aberto, acessível e em que todos os utilizadores devem ter confiança para que possa desempenhar as suas múltiplas funções nas melhores condições. Integrar a informação sobre segurança da Internet nos diversos programas e-Europa, em particular na formação, seria uma das formas mais prometedoras em termos de custo-eficácia para chegar a um número vasto de pessoas.

3.3

A liberdade de expressão e de comunicação que reina na Internet é facilitada pelo custo relativamente pouco elevado das conexões, incluindo o débito elevado, que dão, cada vez mais facilmente, acesso aos conteúdos multimédia. Apenas alguns países com grande défice democrático pretendem controlar as comunicações e os conteúdos disponíveis relativamente aos seus nacionais, ao preço de um permanente atentado às liberdades. O Comité considera que há que garantir uma maior segurança, não deixando de conservar e de promover a liberdade de informação, de comunicação e de expressão.

3.4

Todavia, este espaço de liberdade de expressão e de informação que é a rede mundial é também utilizado, ainda mais que os demais meios de comunicação, para actividades ilegais como a pedofilia ou a divulgação de conteúdos racistas ou xenófobos; alguns conteúdos podem revelar-se nocivos para determinados públicos, em particular o dos menores, como a pornografia ou jogos de dinheiro (estes últimos são mesmo proibidos, nalguns países) e diversas actividades criminais (desvio da banda passante ou utilização fraudulenta de dados e de servidores). Assim, o Comité aprova o alargamento do plano de acção ao conjunto dos meios de comunicação electrónicos que podem ser alvo de acessos exteriores não solicitados ou hostis.

3.5

A regulação deste novo espaço em pleno crescimento tornou-se complexa devido ao seu carácter de rede internacional aberta e acessível a todos a partir de qualquer servidor ou terminal-cliente livremente ligado a partir de praticamente todos os países do mundo. Todavia, vários países ainda não possuem legislação ou esta é insuficiente, permitindo que sítios proibidos na Europa comunitária prossigam as suas actividades. É muito importante que a União Europeia se pronuncie e actue em prol de uma acção internacional, nomeadamente com os principais países onde a Internet de banda larga está amplamente difundida, na América do Norte e na Ásia, a fim de proteger os mais vulneráveis e de lutar mais eficazmente contra os conteúdos não solicitados (spam), que ameaçam o desenvolvimento das comunicações por correio electrónico, e contra a disseminação de vírus, que fragiliza a economia digital. Embora necessários no espaço comunitário europeu, os meios a aplicar devem inserir-se igualmente numa abordagem mundial.

3.6

Na medida em que não existem acordos internacionais, a proibição de certos conteúdos em determinados países pode mesmo ser alvo de uma queixa na OMC, no quadro do Acordo OTC (4). Essa questão deverá ser tratada nas negociações em curso.

3.7

A territorialidade do direito e a diversidade das legislações nacionais constituem um problema difícil de ultrapassar. O estado da tecnologia permite também as trocas directas entre pessoas de ficheiros de toda a espécie (P2P, peer to peer), incluindo ficheiros codificados, cujo conteúdo é incontrolável: qualquer ferramenta ou rede em linha pode ser utilizada para o armazenamento e transmissão de conteúdos cada vez mais sofisticados, e é possível a ligação a qualquer servidor de maneira anónima e indetectável, bem como a utilização de formas de codificação muito robustas e mesmo «impenetráveis».

3.8

A moda dos sítios pessoais e dos weblogs, o desenvolvimento dos sítios de comércio ou de serviços financeiros electrónicos, a quantidade de sítios informativos, educativos, científicos ou técnicos, mas também pornográficos ou de jogos de dinheiro, etc., fazem com que existam centenas de milhões de sítios em todo o mundo. É, porém, possível exercer um certo controlo na indexação das palavras-chave para os motores de pesquisa. A criação de conexões directas e de sítios de envio automático de conteúdos, como os spams, é igualmente controlável pelos fornecedores de espaços e de acessos: a publicidade e demais conteúdos não solicitados enviados desta forma podem ter um carácter nocivo geral (desvio de banda passante, vírus) ou particular, para determinados destinatários como as crianças (danos morais ou psicológicos).

3.9

A Internet é utilizada por grupos criminosos, por falsificadores, autores de vírus, piratas, espiões industriais e outros delinquentes, para nela desenvolverem as suas actividades. A repressão é difícil, embora haja serviços especializados de polícia que se dedicam, em muitos países, a identificar e localizar esses indivíduos, para os perseguir e pôr termo às actividades criminosas verificadas. Tal implica, em geral, a cooperação internacional, que haveria que promover mais.

3.10

Como lutar contra actividades criminosas, como os sítios pedófilos? A sua proibição não deve suscitar dificuldades jurídicas, mas há que instalar os meios para despistar essas redes. E como proteger as crianças relativamente aos pedófilos que agiriam em salas de conversa em linha, particularmente apreciadas pelos jovens, para tentar obter encontros? O debate não incide sobre a legitimidade de uma proibição e de uma repressão nestes casos particulares, mas sobre os meios a activar para as realizar.

3.11

Os fornecedores de espaços e de acessos não podem vigiar e controlar todos os sítios que acolhem e todas as comunicações (que constituem correspondência privada). Em contrapartida, se forem demandados por um magistrado ou por um serviço de polícia ou de protecção da criança, habilitado, esses fornecedores devem responder imediatamente aos pedidos ou decisões relativas ao encerramento de tais sítios e à identificação de quem os utiliza, o que implica que as informações sobre as colocações em linha e sobre as conexões sejam conservadas durante algum tempo.

3.12

Todavia, as empresas de cartões de crédito, os motores de pesquisa e os fornecedores de serviços deviam realizar, por exemplo mediante sondagens, auditorias para detectar sítios Web pedófilos ou com outros conteúdos criminais, recorrendo a pistas como palavras-chave e zonas geográficas. Em seguida, comunicariam essa informação à polícia. As mesmas técnicas deviam ser utilizadas para identificar «clientes» que encomendam pornografia infantil «por medida» e pornografia letal (snuff movies) (5) com o cartão de crédito. Se necessário, a legislação devia exigir essas auditorias. Os motores de busca na Internet também deviam reduzir as possibilidades de os utilizadores da Internet encontrarem pornografia infantil ou outros conteúdos criminais através do recurso a determinadas palavras e frases-chave.

3.13

Isto pressupõe igualmente, por parte das autoridades públicas, meios de combate adaptados, pessoal qualificado, cooperação transfronteiras generalizada e normas equilibradas a nível nacional, europeu e internacional, que não afectem a liberdade dos internautas, permitindo, ainda, barrar o caminho aos indivíduos e aos grupos que utilizam essas redes para transmitir conteúdos ilegais e bloquear voluntariamente a recepção de conteúdos não adequados ou nocivos.

3.14

Esta luta deve também dizer directamente respeito, para ser eficaz, a todos os utilizadores da Internet, que devem ser formados e informados das precauções a tomar e dos meios a utilizar para se prevenirem contra a recepção desses conteúdos perigosos ou não desejáveis, ou para não serem utilizados como transmissores desses conteúdos. A parte informação e formação do plano de acção deve, segundo o Comité, dar prioridade elevada à mobilização dos utilizadores, a fim de os tornar responsáveis por si próprios e pelos seus dependentes. Os sítios web não regulamentados no domínio da saúde, por exemplo, representam um problema. Para se protegerem, as empresas também devem preocupar-se com a formação do seu pessoal e com a securização das suas redes e sítios de comércio electrónico, mas também as administrações e as instituições públicas e privadas devem recorrer a idênticas políticas de segurança e garantir a confidencialidade absoluta dos dados tratados, em particular dos dados com carácter pessoal. O aumento da tomada de consciência devia ser acompanhada pelo fomento dos conteúdos de qualidade em linha, bem como de incentivos a actividades sem ser em linha enquanto alternativas à navegação prolongada na Internet ou a determinados jogos de papéis que podem afectar a longo prazo certas personalidades imaturas.

3.15

Os utilizadores devem dispor de meios para denunciar facilmente os conteúdos ilegais com que se deparam nas redes, junto de centros de chamada de urgência especializados ou de organismos reconhecidos, ou de serviços especializados das forças de polícia, para alertar os poderes públicos para que estes tomem, se necessário, as medidas adequadas. Os pais nos países em que a violência sobre as crianças para a pornografia em linha e em diversos suportes é frequente, por exemplo, nas fronteiras externas da União deviam ser alvo de advertências, o que podia ser incluído em determinados programas de cooperação RELEX.

3.16

Não deixando de aprovar os objectivos específicos do programa: permitir aos utilizadores denunciar os conteúdos ilegais (hotlines), desenvolver as tecnologias de filtragem dos conteúdos não solicitados, a classificação dos conteúdos, a luta contra os spams, a auto-regulação da indústria e o conhecimento da utilização segura das tecnologias, o Comité sugere, nas suas observações na especialidade, alguns objectivos suplementares que lhe parece ser útil tomar em consideração.

4.   Observações na especialidade

4.1

O Comité já solicitou anteriormente à Comissão a redução da burocracia excessiva dos programas financiados pela UE, em especial para facilitar o acesso ao financiamento de microprojectos ou de ONG locais. O Comité defende o controlo orientado para os resultados claros obtidos no âmbito do programa e a eficácia das soluções propostas. A divulgação das soluções devia ser menos confidencial.

4.2

Para o Comité, deveriam ser tomadas em consideração medidas normativas de apoio à protecção dos utilizadores finais, ou no quadro deste programa sempre que possível, e senão mediante uma nova iniciativa da Comissão.

4.3

A responsabilidade dos autores de programas informáticos de acesso à Internet e de sistemas de exploração de servidores ou de combate às intrusões deve ser total. Os utilizadores deveriam ter garantias de que esses autores recorrem às melhores técnicas existentes e que actualizam periodicamente os seus produtos. A auto-regulação, e na falta uma norma comunitária, devia reforçar as garantias dos clientes.

4.4

Os fornecedores de acesso deveriam propor (o que muitos já propõem) meios fáceis de luta anti-vírus a partir do sítio, antes de carregar correio ou ficheiros anexados, e propor meios de filtragem prévia do correio contra o spam. Tal pode assegurar vantagens comerciais aos fornecedores que fazem esforços sérios para a protecção dos respectivos clientes. Dado que as crianças estão muitas vezes mais avançadas do que os seus pais no que toca à utilização da Internet, os sistemas de filtragem do correio, de eliminação de vírus, de protecção contra as intrusões e de controlo parental deviam ser instalados previamente e ser fáceis de utilizar e controlar pelas pessoas sem conhecimentos técnicos específicos.

4.5

O programa deveria também promover a investigação em matéria de programas informáticos especializados e outros meios de verificação da «estanquecidade» do código dos diversos programas informáticos de segurança e de protecção, incitar ou eventualmente obrigar os fornecedores a entregar rapidamente as correcções («patches») para todas as falhas constatadas ou relatadas que permitiam intrusões e desenvolver a eficácia dos corta-fogos materiais e programas informáticos, bem como métodos de filtragem e identificação da origem efectiva dos conteúdos.

4.6

O Comité gostaria que a avaliação da eficácia e dos resultados obtidos no quadro do plano «Para uma Internet mais segura» anterior, com uma classificação por categoria dos problemas tratados, tivesse sido mais amplamente divulgada. Seria conveniente garantir que todas as ligações aos projectos financiados concluídos permanecem activas e sejam mais bem conhecidas pelos destinatários. O sítio Web da Comissão devia também informar sobre as iniciativas e experiências adquiridas nos Estados-Membros ou em países terceiros tendo em vista divulgar conhecimentos e intercâmbios ou cooperações úteis.

4.7

É perfeitamente possível adoptar acções legais. Os fornecedores de espaços e de acessos, as empresas de cartões de crédito, os motores de pesquisa são todos susceptíveis de regulação, e alguns praticam já a auto-regulação. As sanções penais para os sítios que promovam o terrorismo, o racismo, o suicídio ou a pornografia infantil deviam ser severas e dissuasivas; deviam ser envidados mais esforços a nível internacional para identificar e localizar esses sítios, a fim de os obrigar a encerrar na medida do possível e, se não, iniciar negociações nesse sentido com os países onde se encontram sediados.

5.   Conclusões

Ainda que apoiando a prossecução e o alargamento do programa «Para uma Internet mais segura plus», o Comité (que, aliás, já solicitara a sua criação) considera que a gravidade e a extensão da ameaça de abuso, em primeiro lugar de crianças, exige acções legislativas urgentes e complementares e medidas práticas para cada caso nos seguintes domínios:

dever geral, para todos os operadores envolvidos, de protegerem as crianças e, em termos mais gerais, os utilizadores, em especial os mais vulneráveis;

instalação automática de sistemas de filtragem;

mensagens de segurança claras em todas as páginas de entrada e portais de acesso às salas de conversa em linha (chat rooms);

apoio às associações que criam linhas directas (hotlines) para assinalar os sítios e as actividades em linha gravemente nocivos para as crianças;

impedimento de utilização de cartões de crédito para encomendar pornografia infantil e outros conteúdos criminais pela Internet, bem como para operações de branqueamento de dinheiro;

advertências e actividades destinadas aos pais e educadores, assim como às autoridades dos países onde a violência sobre crianças para fins pornográficos constitui um problema preocupante;

mais acções relativamente às ligações entre a exploração de crianças para fins pornográficos e o crime organizado;

sistemas de identificação e informação sobre conteúdos nocivos e de eliminação de conteúdos racistas; divulgação de informações sobre tentativas de fraude ou a venda de substâncias que possam afectar a saúde através da Internet, a fim de proteger as pessoas mais vulneráveis ou mal informadas;

procura de cooperações e regras comuns ao nível internacional para lutar mais eficazmente contra o spam;

cooperação internacional (reforço do sistema de alerta rápido) e sanções penais dissuasivas para os difusores de vírus informáticos e para a utilização ilegal de redes privadas e públicas para fins criminais (intrusão no sentido da ocupação da rede para espionagem industrial, desvio de banda passante e outras utilizações abusivas).

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  http://europa.eu.int/information_society/programmes/iap/index_en.htm.

(2)  Estes temas correspondem a um pedido anterior do Comité.

(3)  Parecer do CESE sobre «Um programa para a protecção da infância na Internet», relatora: A. DAVISON, JO C 48 de 21 de Fevereiro de 2002, e sobre «Comunicação da Comissão ao Conselho, Parlamento Europeu, Comité Económico e Social e Comité das Regiões – Segurança das redes e da informação: Proposta de abordagem de uma política europeia», relator: D. RETUREAU, JO C 48 de 21 de Fevereiro de 2002, bem como sobre o «Livro Verde sobre a protecção dos menores e da dignidade humana nos novos serviços audiovisuais e de informação», relatora: J. BARROW, JO C 287 de 22 de Setembro de 1997.

(4)  «Technical Barriers to Trade». Acordos sobre os obstáculos técnicos ao comércio e à prestação de serviços. Ver, por exemplo, o caso EUA vs. Antígua e Barbuda contra os jogos de dinheiro offshore, cuja decisão do painel originou recurso junto da OMC ( http://www.wto.org/french/tratop_f/dispu_f/distabase_wto_members1_f.htm), documento 03-4429 WT/DS285/3 de 26/8/2003. Processo em curso.

(5)  Filmes em que a violência extrema, as torturas e as mortes são reais.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/141


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O acesso à Europa por mar — Evolução e soluções»

(2005/C 157/25)

Em 1 de Julho de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar de um parecer sobre o tema: «O acesso à Europa por mar — Evolução e soluções».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 24 de Novembro de 2004, sendo relator Jan SIMONS.

O Comité adoptou na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 16 de Dezembro) por 124 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

É extraordinária a importância do transporte marítimo dos, para e entre os países da União Europeia. Todos os anos, entram e saem mais de 3 500 milhões de toneladas de carga transportada por mar nos mais de mil portos marítimos da UE. Além disso, são transportados anualmente em ferries e navios de cruzeiro à volta de 350 milhões de passageiros.

1.2

Mais de 90 % do transporte entre a Europa e o resto do mundo é realizado através de portos marítimos. Além disso, 40 % do transporte intra-europeu é igualmente efectuado por via marítima. Quer do ponto de vista da energia quer do ambiente, o transporte marítimo apresenta resultados que são dignos de destaque. Em comparação com o transporte rodoviário é treze vezes menos poluidor ao nível de emissões de CO2 e de partículas e mesmo dezanove vezes no atinente às emissões de CHx (1).

1.3

Cerca de 250 000 pessoas trabalham nos portos da Europa ou no sector de serviços conexos. O complexo marítimo dá, no seu conjunto, emprego a cerca de 2,5 milhões de pessoas na Europa e gera aproximadamente 111 mil milhões de valor acrescentado. Estes números evidenciam claramente o interesse do transporte marítimo para a Europa.

1.4

A amplitude do transporte marítimo intra-comunitário e extra-comunitário cresce todos os anos. É, pois, fundamental que a UE siga de perto o crescimento destes fluxos marítimos e encoraje a tempo as medidas mais adequadas, ou as adopte ela própria se necessário, a fim de se acomodar a esse crescimento.

1.5

O transporte marítimo abrange diversas espécies e categorias. Em função do seu objectivo, subdivide-se em transporte de recreio e comercial, consoante a sua forma de organização, em transporte marítimo não regular (tramp shipping) e regular, consoante a zona de operação, em navegação de alto mar (deepsea) e navegação de curta distância (short sea) e consoante o tipo de carga, em transporte de passageiros e transporte de mercadorias. O transporte comercial e as quatro últimas categorias mencionadas são os segmentos que concernem mais directamente ao mercado interno e serão, por isso, tratadas no presente parecer.

1.6

No transporte de passageiros ressalta a diferença entre o transporte em navios de cruzeiro e em ferries ou ro-ro, ao passo que o transporte de mercadorias é classificado consoante o tipo de carga.

Carga a granel sólida — este tipo de carga é transportada a granel por graneleiros, por exemplo, minérios, carvão e cereais.

Carga a granel líquida — este tipo de carga é transportada em navios-tanque, por exemplo, petróleo bruto, produtos petrolíferos e substâncias químicas.

Carga geral — este tipo de carga subdivide-se em carga roll on roll off, carga geral restante e contentores.

2.   Esboço da situação do mercado de cada uma das categorias

2.1

Tanto os serviços regulares de cruzeiro como os ferries/navios ro-ro são utilizados para o transporte de passageiros mas apresentam características totalmente diversas. O transporte em navios de cruzeiro é uma forma de turismo em paquetes de luxo, enquanto o transporte por ferry serve para ligar dois pontos, o que se aplica, aliás, às mercadorias no caso do transporte ro-ro. NA UE, são transportados por via marítima 350 milhões passageiros, dos quais 4 milhões utiliza os serviços de cruzeiro.

2.2

Os maiores portos de navios de cruzeiro da Europa são: Barcelona (832 000 passageiros), Palma de Maiorca (665 000), Veneza (634 000), Nápoles (534 000), Southampton (533 000) e Civitavecchia (520 000). Foi lançado ao mar este ano o maior paquete do mundo, o Queen Mary II com 345 metros de comprimento, 41 metros de largura e um calado de 10,3 metros.

Refira-se que o Queen Mary é aproximadamente duas vezes mais comprido do que os maiores graneleiros e os porta-contentores. O calado dos paquetes é, contudo, reduzido em comparação com este últimos. Estas embarcações não têm grandes problemas em entrar nos portos de maiores dimensões.

2.3

Em geral, os ferries fazem também transporte de mercadorias ro-ro e transporte combinado de passageiros e mercadorias. Na UE, o transporte por ferry entre o continente europeu e o Reino Unido, a Irlanda, a Escandinávia, os Estados bálticos, as Ilhas Canárias e, especialmente, no Mar Mediterrâneo, abarca uma ampla rede de ligações, também para países fora da UE. Os maiores navios ferry/ro-ro são o Pride of Rotterdam e o Pride of Hull, ambos da frota da companhia de navegação P&O North Sea Ferries. Estes navios têm 215 metros de comprimento, 32 metros de largura e um calado que não ultrapassa os 6,3 metros.

2.4

Se não se atender às dificuldades devidas por vezes à localização, não é para já necessário, ao nível europeu, preocupar-se especialmente com as possibilidades físicas de acesso à Europa desta categoria, que já tem de qualquer modo o futuro assegurado, sendo por isso realista esperar um maior crescimento neste tipo de transporte.

2.5

As cargas a granel sólidas e líquidas são de importância vital para o aprovisionamento das indústrias europeias. O transporte deste tipo registou, aliás, nos anos sessenta e setenta do século passado um enorme crescimento tanto no atinente ao volume das cargas como às dimensões das embarcações.

2.6

No caso da carga a granel líquida, o encerramento do Canal de Suez em consequência da Guerra dos Seis Dias e o crescimento incessante da procura de petróleo bruto fez aumentar a arqueação dos navios de 85 000 dwt em 1968 para 560 000 dwt (2) em 1976. Diversos portos europeus tomaram providências para poderem acolher estes navios. Mas com a primeira crise petrolífera em 1973, estes navios deixaram de ser rentáveis e acabaram por ser desmontados. Na construção de raiz de petroleiros nos anos oitenta e noventa não são visíveis mais quaisquer mudanças na arqueação dos navios. Os maiores petroleiros continuaram sem ultrapassar as 300 000 dwt. Só em 2002 voltaram a ser construídos alguns superpetroleiros (Ultra Large Crude Carrier) mas estes também entram sem problemas nos portos existentes.

2.7

A carga a granel sólida passou por um desenvolvimento semelhante no fim dos anos sessenta. Esta evolução resultou na construção do «Berge Stahl» com 365 000 dwt que já há dezoito anos transporta minério de ferro do Brasil para Roterdão. Com o seu calado de 23 metros (76 pés) não pode atracar em nenhum outro porto do mundo. A grande maioria dos novos graneleiros apresenta, contudo, desde os anos oitenta uma tonelagem situada entre 150 000 e 175 000 dwt. Depreende-se do exposto que estes dois tipos de carga constituem mercados que atingiram já a sua maturidade e que os portos marítimos europeus, pelo menos os mais relevantes, já se encontram entretanto devidamente preparados, até para acolher o maior petroleiro do mundo. Não é de esperar um grande crescimento no volume da carga nem na arqueação dos navios, pelo que o acesso à Europa deste tipo de embarcações já se encontra assegurado futuramente.

2.8

No transporte de carga acondicionada são empregues embarcações de carga geral ou polivalentes. Desde que surgiram os primeiros contentores, a carga geral sofreu um grande retrocesso e circunscreve-se actualmente a alguns nichos de mercado, como o tráfego marítimo com a África e o transporte em navios-frigorífico no comércio especializado de fruta. Os navios têm uma arqueação que não excede as 40 000 toneladas/dwt e não é de esperar qualquer alteração das suas dimensões.

2.9

Em contrapartida, o transporte em contentores passa actualmente por um crescimento estrutural inaudito, tanto em termos do volume da carga como das dimensões dos navios. Em 1996, o Fairland foi o primeiro navio a efectuar o transporte intercontinental de contentores dos EUA para a Europa. O Fairland, da companhia de navegação Sea-Land, tinha uma capacidade de 266 contentores de 35 pés cada. Actualmente, o CSCL Europe é, com as suas 8 500TEU (unidade equivalente a 20 pés), o maior porta-contentores do mundo, mas neste momento já estão a ser construídos navios com 9 200 TEU. O CSCL Europe tem 334 metros de comprimento, 42,8 metros de largura e um calado máximo de 14,5 metros.

No quadro infra indica-se o maior porta-contentores construído em cada um dos anos referidos. É espectacular o crescimento verificado, sobretudo a partir de 1995. Neste momento, há encomendas de 156 navios com uma capacidade de mais de 7 000 TEU.

Image

2.10

Segundo se prevê, não tardarão a chegar aos estaleiros encomendas de navios de 10 000 TEU e até de 12 000 TEU munidos de um único motor. Já se calculou (3) até o limite máximo possível que poderão alcançar. Dada a configuração rochosa do estreito de Malaca, que é um trajecto essencial na rota do comércio asiático, este limite seria de 18 000 TEU, mas com a ajuda de dois motores, o que elevaria substancialmente o preço do transporte por contentor. O crescimento dos navios de transporte intercontinental de contentores até aos seus limites técnicos e geográficos não é, porém, inevitável. Igualmente possível é um recuo para dimensões mais modestas, como se tem verificado nos últimos anos no caso dos navios de transporte de cargas a granel sólidas e líquidas.

2.11

Nos últimos anos, aumentou exponencialmente, sobretudo, o transporte intercontinental de contentores de e para os portos europeus. O processo imparável de globalização e, em sua consequência, a forte ascensão da China como país produtor redundaram, por exemplo, num crescimento estrutural de mais de 10 % ao ano dos portos de contentores do Noroeste da Europa situados entre Hamburgo e Le Havre. Os portos do Mediterrâneo também conheceram um crescimento explosivo.

2.12

Os grandes navios porta-contentores provenientes, por exemplo, do Extremo Oriente apenas transitam por um número muito reduzido de portos europeus. Por um lado, são demasiado grandes para a maioria dos portos europeus, por outro, o seu preço elevadíssimo não lhes permite perder demasiado tempo em cada um deles. Os navios de maiores dimensões fazem escala essencialmente em dois ou três portos do Mediterrâneo e em quatro portos do Noroeste da Europa. Os contentores são, depois, transportados a partir desses portos para todos os pontos da Europa, uns por mar graças a uma extensa rede de distribuição, outros por terra com o recurso cada vez mais frequente aos caminhos-de-ferro e às vias de navegação interior.

2.13

Porém, são recorrentes, principalmente nos portos de contentores situados no topo dos portos mais importantes da Europa (4), os congestionamentos causados pela gestão do fluxo crescente de contentores nos terminais portuários e pelo seu ulterior escoamento. A par das medidas adoptadas nos terminais para combater este problema, como por exemplo a sua ampliação, é imperioso garantir nos portos propriamente ditos uma gestão eficaz das operações anteriores e posteriores ao tráfego das mercadorias tanto marítimo como terrestre.

2.14

Além disso, os portos têm de prestar especial atenção às novas exigências de segurança para, apesar do número crescente de controlos, manterem a maior flexibilidade possível nos serviços de transbordo e de transporte.

2.15

Dado o aumento das dimensões dos navios, conforme referem os pontos 2.9 e 2.10, não é fácil com efeito distribuir os fluxos das cargas transportadas em porta-contentores de mar alto pelos demais portos europeus, no âmbito do mercado de transporte marítimo. Os principais motivos para essa dificuldade são as características físicas como, por vezes, um calado insuficiente e/ou as estruturas existentes e/ou os períodos de navegação excessivamente longos, e/ou um volume de carga insuficiente (5) para ser rentável atracar num porto. Mas isto não é absolutamente verdade porque a dinâmica económica pode intensificar a actividade dos portos mais pequenos.

3.   Ligações entre o literal e o interior

3.1

Uma grande parte dos contentores descarregados nos portos europeus têm de ser transportados posteriormente para outras localidades. Uma parte é transportada para outros portos por mar em navios de distribuição (feeders) mais pequenos. Mas a sua maioria é transportada para as regiões do interior da Europa por estrada em camiões, pelas vias navegáveis ou por caminho-de-ferro. A capacidade das ligações no interior deverá, por conseguinte, acompanhar a par e passo o crescimento do transporte de contentores, mas procurando, em consonância com a política da UE, e sem criar obstáculos ao transporte rodoviário, o que é aliás uma condição indispensável, estimular o mais possível a utilização da navegação interior, do caminho-de-ferro e do transporte marítimo de curta distância/de distribuição (feeders).

3.2

A UE apoia, por isso, vigorosamente a navegação de curta distância dentro da Europa. A prová-lo, a inclusão no âmbito da nova rede transeuropeia de transportes do programa «Auto-estradas do mar», que se encontra aliás ainda em fase de preparação. Concretizando, em conformidade com as novas propostas (16/7/2004), o orçamento da rede transeuropeia de transportes (TEN-T) ascende a 20,35 mil milhões de euros, incluindo o programa MARCO POLO II medidas no âmbito das «auto-estradas do mar» e do «evitamento de tráfego» com um orçamento de 740 milhões de euros.

3.3.

A Comissão desenvolveu o conceito de «auto-estradas do mar» para secundar as outras modalidades apoiadas pelo programa da rede transeuropeia. As «auto-estradas do mar» são uma alternativa muito razoável, numa base equitativa, ao transporte rodoviário na Europa, já que dispensam trâmites desnecessários e oferecem ligações intermodais eficazes. O objectivo do programa é diminuir o congestionamento rodoviário na Europa e melhorar a acessibilidade das regiões e dos países insulares e periféricos.

3.4

Para a promoção do transporte marítimo de curta distância propriamente dito ainda é possível melhorar muito tanto as instalações portuárias como a cooperação entre os portos. A chave do sucesso é uma frequência de serviços elevada, o que implica o transporte de grandes volumes de carga. O potencial do mercado e a exploração comercial são, por conseguinte, dois factores fundamentais para a viabilidade das ligações de curta distância.

3.5

O transporte interior requer igualmente especial atenção no âmbito da União Europeia. A política europeia de transportes, que inclui também as infra-estruturas correspondentes, com a defesa de outros valores sociais, como a sustentabilidade, tem dado mostras do seu esforço de eficácia e de eficiência ao permitir a livre formação do mercado em determinadas circunstâncias.

3.6

No transporte rodoviário e na navegação interior, há regulamentação que já está a ser aplicada, enquanto no transporte ferroviário este processo só agora começa a dar os primeiros passos em toda a Europa. Haveria toda a conveniência em acelerá-lo, também face à evolução do transporte em contentores a que nos referimos acima.

4.   Tipos de portos

4.1

No processo comunitário de decisão (6) faz-se unicamente a distinção entre três tipos de portos da rede transeuropeia de transportes (TEN):

a.

Portos marítimos internacionais com um volume anual de transbordo ou de transporte de carga de, pelo menos, 1,5 milhões de toneladas ou um transbordo ou um transporte de 200 000 passageiros.

b.

Portos marítimos com um volume anual de transbordo ou de transporte de, pelo menos, 0,5 milhões de toneladas ou um transporte ou um transbordo de 199 000 passageiros, os quais se encontram equipados com instalações para a navegação de curta distância;

c.

Portos marítimos regionais que não obedecem aos critérios de A) e B), situados em ilhas ou em regiões periféricas.

4.2

Esta distinção não deu até à data origem a uma abordagem diferente ao nível do conteúdo. Com efeito, nem no elenco de prioridades das novas TEN nem na prioridade «Auto-estradas do mar» são nomeados portos seja de que tipo for. Salvo raras excepções, nem as autoridades nem as empresas consideraram oportuno, com vista a obter co-financiamento comunitário para fazerem face aos investimentos gigantescos requeridos pelos portos de contentores de alto mar, estabelecer uma distinção mais exacta entre portos com um tráfego de mercadorias na sua maioria em trânsito que geram um valor acrescentado relativamente pequeno para os próprios portos.

O CESE apoia os recentes apelos emanados da Conferência de Regiões Marítimas Periféricas da Europa (20/7/2004) para equilibrar as noções de «Auto-estradas do mar» e de acessibilidade, tendo em conta também os portos de pequenas e médias dimensões.

4.3

À luz do exposto, o CESE exorta veementemente a Comissão a investigar o problema de congestionamento nos portos comunitários e, especialmente, nos portos de contentores e a explorar vias possíveis para colmatar este problema.

4.4

Não obstante, os grandes portos de contentores (7) da Europa, disseminados com relativo equilíbrio pelo Mar Mediterrâneo e o Noroeste da Europa, ou são portos realmente grandes ou médios e, na sua maioria, não são especializados exclusivamente em contentores, mas têm também um papel relevante no transporte de carga a granel e de carga geral. Face ao seu crescimento contínuo, estes portos têm diante de si uma série de desafios específicos:

Como conseguir rapidamente uma maior capacidade de transbordo, tanto do lado marítimo como terrestre, com a minuciosa regulamentação em vigor em matéria de poluição sonora, de ambiente e de segurança externa?

Como adaptar-se do ponto de vista da acessibilidade náutica, do calado dos cais e das dimensões do equipamento de transbordo ao aumento iminente do número de navios com capacidade superior a 8 000 TEU?

Como assegurar que as ligações entre o porto e o interior da Europa tenham capacidade suficiente para absorver o fluxo crescente de contentores?

Como conseguir o maior grau possível de flexibilidade dos procedimentos logísticos nos portos não obstante os controlos cada vez mais severos?

4.5

Sendo um dos objectivos da Agenda de Lisboa que a Europa mantenha a sua posição competitiva no mundo, é do seu interesse que estes portos estejam em condições de enfrentar adequadamente os desafios que lhes são colocados e de avançar com soluções. Se a União Europeia pode influir de qualquer modo neste processo não deve desperdiçar esta oportunidade.

4.6

Portos, sobretudo os referidos neste ponto, são também, do ponto de vista da segurança, as portas de entrada na UE. Os portos são também estradas do mar para a UE, o que tem implicações para a sua segurança. O CESE recorda, a propósito, os seus pareceres anteriores em que solicitava à Comissão Europeia a realização de um estudo de impacto global sobre os custos da segurança portuária e a convidava a delinear um esquema comunitário para o seu financiamento.

4.7

Prestar mais atenção aos grandes portos de contentores não está em contradição com a promoção da navegação de curta distância nem com o conceito de «auto-estradas do mar». Até porque os grandes portos de contentores de navegação de alto mar são por norma também portos de navegação de curta distância. Além disso, estes portos dispõem do espaço, da infra-estrutura e do interior (hinterland) necessários para gerarem um volume de carga suficiente e fomentarem, deste modo, através do programa «auto-estradas do mar», o crescimento dos outros portos de transporte de curta distância.

5.   Que poderia fazer já concretamente a União Europeia?

5.1

É preciso evitar por todos os meios que as distorções de concorrência e/ou insuficiências infra-estruturais e/ou uma política ineficaz de transportes, retirem a eficácia ou comprometam os efeitos positivos dos enormes investimentos realizados ou a realizar brevemente pelos grandes portos de contentores para fazer face aos desafios referidos no ponto 4.3 e a sua disposição de avançar com soluções concretas. Face à relação estreita entre os portos de contentores e a navegação de curta distância, através das linhas de distribuição e da utilização das «auto-estradas do mar» e das ligações com o interior, esta política terá grandes repercussões e irá beneficiar o mercado de transporte no seu todo.

5.2

Antes de mais, a UE deveria fazer o possível por assegurar condições de concorrência leal compatíveis com o conceito de «level playing field». Os portos, e estamos a falar aqui sobretudo dos agentes económicos que neles operam, devem estar à altura de concorrer lealmente entre si, e esta lealdade de concorrência terá de ser um facto não só dentro como fora deles.

5.3

Ante as experiências adquiridas no transporte de mercadorias por outros sectores de transporte, uma certa liberalização do mercado portuário afigura-se positiva e até promissora ao nível da optimização das possibilidades de utilização. No último momento, a Comissão demissionária, apresentou ao Conselho, em seguimento da proposta da comissária de Transportes, Loyola de PALACIO, uma nova directiva relativa ao acesso ao mercado de serviços portuários. Este documento oferece (8) ao Comité mais uma oportunidade para expor em parecer circunstanciado a sua visão sobre o assunto, pelo que se abstém de tecer considerações a esse respeito.

5.4

Deverá haver muito mais clareza, especialmente, no que respeita aos auxílios estatais, para se saber o que é permitido e o que não é. Por exemplo, em que medida a infra-estrutura de um porto marítimo — que tem uma relação directa com as dimensões dos navios — é financiada pelo erário público? As autoridades nacionais e as administrações portuárias têm de saber com o que poderão contar. São, pois, urgentes orientações inequívocas sobre os auxílios estatais. Conhecendo o propósito da Comissão de elaborar orientações neste contexto, o Comité espera que tal aconteça o mais brevemente possível e a adopção da nova directiva proposta não se faça esperar.

5.5

A aplicação e a observância da regulamentação devem ser seguidas com a máxima atenção. Isto porque há uma certa margem de interpretação no momento de transpor as disposições comunitárias para a legislação nacional. É conveniente que a UE controle mais criteriosamente a transposição consequente da legislação comunitária. Verifica-se, aliás, um fenómeno idêntico na aplicação da legislação e da regulamentação da UE em vigor, que se revela insatisfatória e inconsequente. Sobretudo no atinente à interpretação das disposições relacionadas com o ambiente, a natureza e a segurança, são patentes grandes discrepâncias entre a UE e os Estados-Membros. A concorrência entre os portos neste domínio deve ser evitada por todos os meios.

5.6

Para ter uma ideia mais nítida sobre as formas de financiamento dos portos, é absolutamente imprescindível que a sua contabilidade seja transparente, sobretudo quando se trata de movimentos financeiros de e para diversas autoridades públicas (locais, regionais e nacionais). Também neste contexto a UE terá de desenvolver instrumentos eficazes. Ainda não teve confirmação na prática a convicção expressa pelo Comité no seu parecer de 2001 (9) de que a Directiva «Transparência» aplicada ao conjunto dos portos da RTE, em conjugação com os artigos do Tratado relativos à concorrência e os auxílios e subvenções públicas e ainda com a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a matéria, bastaria para dar à Comissão meios eficazes e suficientes.

6.   Resumo e conclusões

6.1

A amplitude do transporte marítimo dentro, da e para a Europa cresce anualmente. É, por isso, fundamental que a UE siga de perto o crescimento destes fluxos marítimos e encoraje a tempo as medidas mais adequadas, ou as adopte ela própria se necessário, a fim de se acomodar a esse crescimento.

6.2

O transporte marítimo distribui-se por diversas espécies e categorias, designadamente consoante o seu objectivo, de recreio e comercial e consoante a zona de operação, em navegação de alto mar (deepsea) e navegação de curta distância (short sea). O transporte comercial e as categorias mencionadas são tratados neste parecer por serem os segmentos com mais repercussões no mercado interno.

6.3

O transporte marítimo de passageiros tem um grande peso na UE já que serve 350 milhões de pessoas. No entanto, em termos de crescimento e de aumento das dimensões dos navios, não é um sector que requeira da UE atenção de maior ao nível das infra-estruturas, ao inverso do que sucede com a evolução do seu crescimento que terá de ser seguido atentamente. A segurança dos passageiros é, em contrapartida, motivo de grande preocupação, especialmente no caso concreto dos cruzeiros.

6.4

Também a carga a granel líquida e sólida sofreu um considerável crescimento nos anos sessenta e setenta do século passado, pelo que foram adoptadas nessa altura medidas adequadas para adaptar os portos a embarcações cada vez maiores. Entretanto, estes mercados já atingiram a sua maturidade. Por outro lado, é bem visível o declínio do transporte convencional de carga geral. O transporte em navios ro-ro coincide parcialmente com o transporte por ferry e constitui um mercado importante e bem implantado.

6.5

Por outro lado, o transporte em contentores passa actualmente por um crescimento estrutural inaudito, tanto em termos do volume transportado como da arqueação dos navios.

6.6

São cada vez mais frequentes os congestionamentos causados pela gestão do fluxo crescente de contentores nos terminais portuários e pelo seu ulterior escoamento. A par das medidas adoptadas nos terminais para combater este problema, como por exemplo a sua ampliação, é imperioso garantir nos próprios portos uma gestão eficaz das operações anteriores e posteriores ao tráfego das mercadorias, tanto marítimo como terrestre.

6.7

Dado o aumento das dimensões das embarcações não é fácil com efeito disseminar os fluxos de porta-contentores de alto mar pelos demais portos europeus no âmbito do mercado do sector marítimo, o que não significa que a dinâmica económica não venha a impulsionar o crescimento dos portos mais pequenos.

6.8

À luz do exposto, o CESE exorta veementemente a Comissão a investigar os problemas de congestionamento nos portos comunitários e, especialmente, nos portos de contentores e a explorar vias possíveis para resolvê-los, por forma a facilitar o processo para além do que tem sido feito no âmbito da rede transeuropeia.

6.9

O processo de racionalização da rede europeia de transportes no seu todo, já concluído no caso do transporte rodoviário, só agora começa a dar finalmente os primeiros passos, também no que se refere ao transporte rodoviário. Seria de toda a conveniência acelerar este processo.

6.10

Para manter a sua posição competitiva no mundo, é do interesse da Europa que estes portos estejam em condições de enfrentar adequadamente os novos desafios e de avançar com soluções. Se a União Europeia puder influir de qualquer modo neste processo, não deverá desperdiçar esta oportunidade. É certo que, neste momento, não são esperadas propostas diversas das formuladas pela União Europeia no âmbito do apoio financeiro aos portos. Embora estas propostas se justifiquem sobretudo no caso do transporte de contentores, não contam ainda com o apoio suficiente, já que nem as autoridades nem as empresas estão dispostas a estabelecer uma distinção mais exacta entre os portos europeus para além da que foi feita no âmbito das redes transeuropeias.

6.11

Os portos são também estradas do mar para a UE, o que tem implicações para a sua segurança. O CESE recorda, a propósito, os seus pareceres anteriores em que solicitava à Comissão Europeia a realização de um estudo de impacto global sobre os custos da segurança portuária e a convidava a delinear um esquema comunitário para o seu financiamento.

6.12

A União Europeia poderia já começar a providenciar por condições de concorrência leal equitativas (level playing field), promover uma certa liberalização do mercado do sector marítimo, criar maior clareza, especialmente no que respeita aos auxílios estatais, mediante orientações inequívocas, prestar a máxima atenção à aplicação e à observância da regulamentação em vigor e impor a transparência dos fluxos financeiros.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Fonte: Brochura ESPO: «Ports creating opportunities by connecting people, products and business – by connecting Europe» (Os portos aproximam as pessoas, os produtos e as empresas).

(2)  DWT = Deadweight Tonnage (tonelagem de porte bruto – TPB) de uma embarcação, ou seja, a arqueação de um navio traduzida em toneladas. No caso dos porta-contentores toma-se como unidade de capacidade o número de TEU (Twenty Foot Equivalent Unit). É o número máximo de contentores traduzido em TEU que o navio consegue transportar. Uma vez que um contentor vazio ocupa o mesmo espaço de um contentor cheio, não se usa a unidade TPB no caso de porta-contentores.

(3)  Niko WIJNOLST e outros: Malacca-Max, The Ultimate Container Carrier, TU Delft (Universidade Técnica ) 1999.

(4)  Para obter um panorama dos portos de contentores mais importantes da Europa consultar o quadro e o gráfico nos anexos.

(5)  Estes são, designadamente, os motivos por que os porta-contentores de maiores dimensões não podem fazer escala nos portos do Mar Adriático, no Norte do Reino Unido, na Irlanda e no Mar Báltico. Graças aos serviços de distribuição (feeder) previstos nos portos onde esses navios podem aportar, é possível transbordar a carga para navios mais pequenos e distribuí-la por outras localidades.

(6)  Orientações comunitárias para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes (Decisão 1692/96) em que foram incluídos os portos marítimos, os portos de navegação interior e os terminais internacionais.

(7)  Ver anexo, também referido na nota n.o 2.

(8)  Esta proposta, apresentada no início de 2001 e entretanto rejeitada pelo Parlamento Europeu, na sua qualidade de co-legislador, foi objecto de um parecer do Comité (TEN/075) sobre o «Acesso ao mercado dos serviços portuários» (in JO C 48 de 21/2/2002, p. 122).

(9)  Ver nota de rodapé n.o 7.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/147


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1260/1999 que estabelece disposições gerais sobre os Fundos Estruturais, no que diz respeito à prorrogação do programa PEACE e à concessão de novas dotações para autorizações»

COM(2004) 631 final

(2005/C 157/26)

Em 9 de Dezembro de 2004, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Dada a urgência, na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu designou J. SIMPSON relator-geral e adoptou por unanimidade o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

A União Europeia tem apoiado as acções de paz e de reconciliação na Irlanda do Norte e na sua região fronteiriça desde 1995 através de dois programas de paz distintos — o programa de ajuda especial em favor da paz e da reconciliação (PEACE I — 1995/99) e o programa da UE para a paz e a reconciliação (PEACE II — 2000/04).

1.2

Estes programas canalizaram por ano cerca de 100 milhões para as regiões elegíveis, que incluem toda a Irlanda do Norte e a zona que faz fronteira com a Irlanda. Concebidos com o objectivo comum de realizar progressos na via de uma sociedade pacífica e estável e de promover a reconciliação, os dois programas contribuem para a recuperação económica e para acções de inclusão social, sendo ambos executados por organismos locais.

1.3

O programa PEACE II tem uma dotação quinquenal de 531 milhões de euros, ou seja 106 milhões por ano. O valor anual consagrado à Irlanda do Norte é aproximadamente de 85 milhões de euros e de cerca de 22 milhões o montante afectado às regiões fronteiriças. Os dois Estados-Membros co-financiam o projecto até 25 % e velam pelo cumprimento dos demais requisitos.

2.   Objecto da proposta de regulamento do Conselho

2.1

Recomenda-se a prorrogação por dois anos do Programa PEACE II, porque não se atingiu o nível de progresso político esperado em 1998 e porque as instituições políticas ainda não estabilizaram. Construir a paz e a reconciliação continua a ser um objectivo de importância capital.

2.2

Em 2003 foram feitas uma avaliação ex-post de PEACE I e uma avaliação intercalar de PEACE II. A avaliação ex-post de PEACE I concluiu que o programa tinha promovido com êxito a inclusão social e a reconciliação, sendo visíveis os benefícios no que diz respeito a criação de emprego, formação e desenvolvimento empresarial. A avaliação intercalar de PEACE II recomendou uma maior atenção aos critérios de reconciliação na selecção de projectos e notou uma forte proporção de projectos de dimensão intracomunitária. Os dois programas tiveram fortes repercussões sobre a criação de postos de trabalho e de desenvolvimento empresarial.

2.3

A avaliação intercalar revelou a necessidade de se continuar a trabalhar pela paz, tendo recomendado maior atenção às acções directamente ligadas à reconciliação. A prorrogação até 2006, proposta pela Comissão, daria seguimento às recomendações da avaliação intercalar ao apoiar as medidas do actual programa que mais se coadunam com a necessidade sentida de aprofundar a reconciliação.

2.4

Em 18 de Maio de 2004, os primeiros-ministros britânico e irlandês escreveram ao presidente da Comissão para o informar das realizações dos dois programas PEACE financiados pela União Europeia, bem como dos contributos dados aos processo de paz na Irlanda do Norte, tendo solicitado a prorrogação do programa PEACE II até Dezembro de 2006.

2.5

Em 16 de Junho de 2004 o presidente PRODI respondeu que a Comissão procurava manter esses esforços. Em 17 e 18, a pedido dos primeiros-ministros do Reino Unido e da Irlanda, o Conselho Europeu tomou nota das dificuldades actuais do processo de paz na Irlanda do Norte e reiterou o seu apoio aos esforços dos dois governos para restabelecer as instituições políticas descentralizadas. Para secundar estes esforços, o Conselho Europeu convidou a Comissão a examinar a possibilidade de alinhar as intervenções previstas no programa PEACE II pelos programas dos fundos estruturais que findam em 2006.

2.6

Concretamente, isto prolongaria PEACE II por mais dois anos.

3.   Proposta de regulamento do Conselho

3.1

O COM(2004) 631 final é a resposta da Comissão ao pedido do Conselho. Nele propõe prorrogar por dois anos o programa PEACE II, no valor de 60 milhões por ano, dos quais 41 milhões para intervenções na Irlanda do Norte e 19 milhões para a região fronteiriça. Esta medida vai ao encontro do que os dois Estados-Membros haviam solicitado em Setembro de 2004, após consulta pública.

3.2

Para prorrogar o programa e dotá-lo dos fundos adicionais necessários, a proposta de regulamento do Conselho sub judice modifica o Regulamento (CE) n.o 1260/1999 que estabelece disposições gerais sobre os Fundos Estruturais no que se refere à duração do programa PEACE II e às dotações de autorização sobre os fundos estruturais até 2006.

3.3

Para que esta prorrogação seja financiada pelo orçamento dos fundos estruturais, a proposta de regulamento do Conselho aumenta as dotações para autorizações a cargo dos fundos estruturais de 195 mil milhões para 195,1 mil milhões de euros. Uma alteração ligada a este vertente eleva o tecto dos fundos estruturais disponíveis para o Objectivo 1 (incluída a ajuda transitória) de 135,9 mil milhões para 136 mil milhões de euros (1).

3.4

A proposta de regulamento do Conselho modifica a duração do programa PEACE II, alargando-a de 2000-2004 para o período de 2000 para 2006.

4.   Conclusão

4.1

O Comité Económico e Social Europeu acolhe com satisfação o contributo da União Europeia em favor da paz, da estabilidade e da reconciliação.

4.2

O Comité observa com interesse os progressos realizados desde 1995, data em que o programa PEACE I foi aprovado. Regista igualmente as recomendações feitas à Comissão pelo organismo responsável pelos programas comunitários, que deveriam simplificar o funcionamento do programa e concentrar os esforços nas acções de reconciliação.

4.3

O Comité reconhece também que a construção da paz através do empenhamento das pessoas no desenvolvimento das suas próprias comunidades é um processo contínuo. O Comité saúda pois o contributo positivo das Parcerias Estratégicas Locais (PEL) criadas na Irlanda do Norte graças ao PEACE II para a promoção dos parceiros sociais e da sociedade civil. O Comité congratula-se pelo êxito das PEL no estabelecimento de parcerias entre, por um lado, as autarquias locais e outros organismos públicos e, por outro lado, os parceiros sociais. Deste modo, as PEL, juntamente com órgãos intermediários de financiamento, promoveram a reconciliação de sectores divididos da sociedade da Irlanda do Norte. O Comité elogia o modo como as instituições da UE facilitaram o desenvolvimento dessas parcerias, que poderão servir de modelo para a sociedade civil noutras zonas da UE e noutras sociedades divididas da União.

4.4

De acordo com a recomendação, avançada durante a avaliação intercalar do PEACE II, de colocar a ênfase sobretudo em actividades que promovam a reconciliação directamente, o Comité espera que o prolongamento do PEACE II venha a servir projectos mais intimamente relacionados com os objectivos específicos da paz e da reconciliação e menos dependentes de critérios puramente económicos, os quais pouco ou nada reflectem os sectores da população mais afectadas pela instabilidade social. O CESE recomenda ainda que o prolongamento do PEACE II permita igualmente fomentar projectos de combate ao racismo e a outros problemas que afectam os trabalhadores migrantes que procurem beneficiar das políticas comunitárias de liberdade de circulação.

4.5

O Comité apoia, por conseguinte, a adopção da proposta de regulamento.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Correcção técnica: o projecto de regulamento faz por lapso referência à disposição actual do Objectivo 1 (135,6 mil milhões de euros). O Regulamento original n.o 1260/1999, artigo 7.o indica 135,9 mil milhões de euros.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/149


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1059/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à instituição de uma Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Estatísticas (NUTS) devido à adesão da República Checa, da Estónia, de Chipre, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, de Malta, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia à União Europeia»

COM(2004) 592 final — 2004/0202 (COD)

(2005/C 157/27)

Em 10 de Dezembro de 2004, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 262.o do TCE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004, nomear Janos TÓTH para relator-geral e adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer.

1.

O CESE acolhe com agrado a proposta da Comissão de alterar o Regulamento (CE) n.o 1059/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à instituição de uma Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Estatísticas (NUTS) devido à adesão da República Checa, da Estónia, de Chipre, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, de Malta, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia à União Europeia.

1.1

O Comité recomenda à Comissão a monitorização, país por país, dos Anexos I, II e III do Regulamento (CE) n.o 1059/2003 de forma a garantir uma utilização correcta da terminologia e da língua dos Estados-Membros no que respeita aos NUTS 1, 2 e 3 e às unidades administrativas actuais, incluindo as de menor dimensão.

2.

O Comité considera que a recomendação supra contribuirá para integrar a classificação das unidades territoriais dos novos Estados-Membros na classificação estatística da UE.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/150


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Relações entre gerações»

(2005/C 157/28)

Em 29 de Janeiro de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre as «Relações entre gerações».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 25 de Novembro de 2004, sendo relator: J. BLOCH-LAINÉ.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 143 votos a favor, 2 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer.

1.   INTRODUÇÃO

1.1

As relações entre gerações (1) são um dos principais factores que determinam o grau de coesão de qualquer sociedade; no caso específico das nossas e, por consequência, do conjunto geopolítico em evolução constituído pela sua UNIÃO.

1.2

Uma característica das nações europeias é o envelhecimento das suas populações. Este fenómeno tem pesados efeitos e cria desafios complexos que lhes incumbe avaliar devidamente e gerir de forma tão correctamente articulada e antecipadora quanto possível. Cabe aos países europeus definir e executar aquilo a que se poderá chamar uma «política das idades da vida» (2), isto é, não já acções pontuais, fragmentárias e compartimentadas, mas sim uma estratégia de conjunto, global e sistémica que vise favorecer, ao longo do tempo, o entendimento e a solidariedade entre as gerações cada vez mais numerosas que coexistem lado a lado no interior desses países.

1.3

Ora, o exame da situação, quaisquer que sejam as diferenças e as particularidades nacionais, revela que se está bastante afastado dos objectivos. O Comité Económico e Social Europeu considera que este problema é crucial para o futuro da Europa e de futuro pretende dedicar-lhe uma atenção constante e tê-lo presente no seu programa de trabalhos.

São estes a justificação e o sentido do presente parecer, que tem por objectivo:

após ter lembrado alguns factos e considerações (2),

expor algumas orientações e recomendações (3).

2.   FACTOS E CONSIDERAÇÕES

2.1

É indiscutível que, nos últimos cinquenta anos, os nossos países e a as suas instituições comuns nem sempre tiraram o melhor partido das ferramentas e das técnicas de previsão –arsenal sem precedentes — à sua disposição, para definir e executar as políticas no domínio em apreço; isto é, de encontrar a forma mais pertinente de agir sobre os diferentes aspectos e componentes da matéria considerada.

2.1.1

É óbvio que, neste contexto, há que evitar, entre outros, três tipos de exageros:

2.1.1.1

Por um lado, afirmar que teria sido muito fácil efectuar previsões exactas, o que é falso. Se é verdade que a ciência demográfica permite, graças a métodos provados, traçar perspectivas-guia a médio e longo prazo, estas podem, como bem se sabe, depender de variáveis económicas, sociológicas ou políticas, muito aleatórias. Por exemplo, os nascimentos, os óbitos e os fluxos migratórios dependem de flutuações que lhes são próprias, mas dependem também de factores externos, extrínsecos, como o crescimento ou o abrandamento da economia, a insegurança social, a evolução dos costumes, o ambiente político e o grau de confiança dos cidadãos no futuro. Além disso, os peritos avançam, a partir de dados demográficos, hipóteses centrais assentes em médias, mas estas diferem de perito para perito.

2.1.1.2

Por outro lado, pode-se exagerar ao subestimar programas esclarecidos, tenazes e os êxitos obtidos nos últimos cinquenta anos em matéria de saúde, protecção social, solidariedade, formação, equipamentos e infra-estruturas, ordenamento do território, diálogo social, vida associativa, etc..

2.1.1.3

Um terceiro exagero seria depreciar as iniciativas prospectivas inovadoras e prometedoras do Conselho, do Parlamento Europeu e da Comissão, em numerosos domínios.

2.1.2

No entanto, a partir do fim da segunda guerra mundial, houve manifesta falta de perspicácia e de antevisão no tratamento de certas consequências, socialmente perigosas, do envelhecimento da população dos nossos países. Este fenómeno demográfico resulta da conjunção de duas tendências previstas e assinaladas de há muito: o alongamento da duração média de vida e o declínio da natalidade. Não foi colocada em questão a natureza inelutável deste fenómeno, quaisquer que tenham sido as diferenças ou graduações de diagnóstico dos peritos em previsões.

2.1.3

Se se estiver de boa fé, é impossível negar que se cometeram inúmeras faltas, esquecimentos ou erros na tomada em conta antecipadora de uma realidade actual, constritiva e durável: a coexistência cada vez mais frequente, nos países da União, de três, mesmo quatro gerações (e já não mais duas gerações).

2.1.4

Os domínios destas carências de adaptação são infelizmente múltiplos. Podem-se evocar, entre outros exemplos:

O financiamento das reformas: em muitos dos nossos países, o menos que se poderá dizer é que o tratamento do problema foi adiado durante demasiado tempo, que foi encarado tardiamente e «a quente», em condições de conflito que se deveriam ter podido evitar.

As posições e os contributos respectivos que os elementos do pessoal pertencente às diversas faixas etárias têm no funcionamento das empresas e das administrações: para resolver as questões de efectivos e de redução dos custos de exploração foram adoptadas disposições avulsas sem que tivesse havido suficiente preocupação com os «danos colaterais» e com as consequências perversas de expedientes míopes.

Formação contínua: as preocupações relativas ao alongamento da duração da vida activa foram, aqui e ali, negligenciados com demasiada frequência, porque problemas de trabalhadores «mais idosos».

Urbanismo, alojamento e localização de equipamentos colectivos e comerciais: as concepções que prevaleceram ignoraram frequentemente as necessidades específicas dos mais jovens, dos mais idosos e das famílias — unidas ou desagregadas.

Transmissão dos patrimónios materiais: os dispositivos jurídicos e fiscais não foram revistos e adaptados em função da evolução demográfica.

Relações entre o universo da educação e o universo do trabalho: neste domínio, apenas alguns países fizeram melhor que muitos outros, mais numerosos, que estão em atraso.

Conservação, valorização, exploração e colocação em comum do acervo de experiência e de memória: o progresso tecnológico, a inovação de gestão, uma certa sacralização do «juvenil» não prestaram suficiente atenção ao risco de desperdício de conhecimentos, capacidades, experiência e memória.

As culturas: talvez se tenham sacralizado demasiado, com demasiada facilidade as culturas emergentes, sem discernir suficientemente o que decorria da moda do que decorria de invenções de progresso duradouras. Deixou-se que se desenvolvessem fenómenos de amnésia, de desprezo, de receio, de remorso e, portanto, de compartimentação entre gerações.

2.1.5.

Validade dos indicadores de «welfare»: o CESE considera positivo o trabalho do Subcomité «Indicadores», do Comité de Coordenação para a Protecção Social e, particularmente, a definição (ou o ajustamento das definições anteriores) dos indicadores propostos. Pode-se, agora, distribuir por grupos etários uma série de indicadores relativos, nomeadamente, ao risco de pobreza. O Comité insiste na necessidade que este trabalho prossiga, sobretudo para completar e consolidar indicadores que possam permitir avaliar sempre cada vez melhor a condição dos diferentes grupos etários sob um ponto de vista simultaneamente quantitativo e qualitativo.

3.   ORIENTAÇÕES E RECOMENDAÇÕES

3.1

Há que perguntar por que motivo, nas últimas décadas, se passou demasiadas vezes ao lado destas questões, tão verdadeiras e cruciais. Trata-se de um importante e vasto tema para reflexão sociológica e política, que não se pode fazer de forma objectiva no presente parecer. Todavia, o CESE, enquanto órgão consultivo, tem a forte convicção de estar menos exposto aos constrangimentos e pressões do momento do que os agentes com poderes de decisão. A diversidade da sua composição; o hábito dos seus membros trabalharem em conjunto (3) de forma livre e continuada, de confrontar as suas experiências, conhecimentos, informações e inquietações, de pôr em comum intuições e análises, a sua aptidão para apresentar propostas de método; a sua forte pertença e o seu empenhamento relativamente à chamada «democracia participativa», são tudo trunfos potenciais e facilidades que lhes abrem âmbitos de acção que lhe permitem, simultaneamente, ter a faculdade e o dever de se empenhar mais do que o que tem feito. Um destes domínios é justamente o das «Relações entre gerações».

3.1.1

Para intervir num domínio tão complexo, há que ter prudência e lucidez:

3.1.1.1

O CESE deve agir nos seus limites e evitar atribuir-se objectivos que excedam as suas capacidades ou que não estejam conformes às suas missões.

3.1.1.2

A reflexão antecipadora — que também se denomina «prospectiva»– não se confunde nem com a planificação, nem com a futurologia.

3.1.1.3

Os cientistas mais sérios recordam facilmente que os seus conhecimentos não são mais que «uma sequência de erros em suspenso». Ora a economia não é uma ciência exacta; e menos ainda o é a ciência social. Assim, não se percebe bem porque razão a prospectiva socioeconómica escaparia ao risco de erro.

3.1.1.4

Entre os diversos domínios de intervenção ligados às relações entre gerações, alguns implicam actualmente intervenções reparadoras; outros requerem acções de inflexão e outros, por fim, exigem uma grande capacidade de investigação e de invenção. Há que identificar correctamente todos eles, distingui-los devidamente e, em qualquer caso, precaver-se contra as utopias perigosas ou estéreis.

3.1.2

Para desempenhar o papel que decorre da meta que se fixou nesta matéria, o CESE estabeleceu uma linha de conduta: trabalhar em cooperação tão estreita quanto possível com as instituições da União: o Conselho, o Parlamento, a Comissão. Este modo de agir é não só a consequência lógica das considerações expendidas nos pontos 2.1.1.3 e 3.1.2 supra e da vontade de respeitar tanto a letra como o espírito dos textos institucionais, como decorre também de imperativos ditados simplesmente pelo «bom senso».

3.1.2.1

O campo das «relações entre gerações» é singularmente vasto. Não se podia numa primeira abordagem fazer mais que esboçar um inventário bastante geral.

3.1.2.2

O Comité optou, no presente primeiro parecer, por submeter às instituições da União uma lista de temas de reflexão susceptíveis de serem tratados, se elas entenderem conveniente, segundo formas a determinar mas sempre dando atenção às correlações, em colaboração com elas. A lista é a seguinte, sem ordem de prioridade:

Extensão, peso e limites dos papéis e das responsabilidades que no futuro incumbirão às famílias, na organização societal: crianças, adultos, pais e avós.

Acesso das mulheres ao mercado de trabalho e equipamentos colectivos de acolhimento para a infância.

A solidão e o isolamento nas sociedades europeias: pessoas de idade (4); jovens desfavorecidos: «infância pobre».

Contratos geracionais e solidariedade intergeracional: como organizar social e politicamente arbitragens satisfatórias — isto é, respeitadoras do futuro — tendo em conta as limitações e pressões actuais e o silêncio de outros «titulares de direitos», mudos dado que ausentes?

Escolhas em matéria de urbanismo, de alojamento e relações entre gerações: as concepções e as escolhas nestas matérias adoptadas nestes últimos anos revelaram ter frequentemente esquecido a emergência de importantes necessidades por parte das diversas gerações. Trata-se nomeadamente de problemas suscitados:

pelo desenvolvimento (feliz) da autonomia das pessoas de idade e das suas relações com as gerações mais novas, com a infância e a adolescência;

pela coabitação forçada de adultos ainda jovens e celibatários (estudantes; jovens trabalhadores), em alojamentos familiares não concebidos para esse fim;

pelo acolhimento, não segregador e temporário, das famílias consideradas «difíceis».

Que papéis úteis pode e deve a «democracia participativa» exercer na organização das relações entre gerações?

3.2

O Comité decidiu evocar desde já, sob a forma de recomendações, de forma mais pormenorizada e com prazo mais curto, dois aspectos do tema geral susceptíveis, também eles, de uma colaboração com as instituições europeias, caso elas o consintam.

3.2.1

A duração da vida activa: esta questão é uma das que melhor ilustram a falta de lucidez e de antecipação dos países europeus relativamente aos desafios colocados pelo envelhecimento, de há muito previsto, das suas populações.

3.2.1.1

O encurtamento das carreiras profissionais cria uma perda de potencial económico, social e cultural. Não produziu os efeitos previstos em matéria de partilha do trabalho e de aumento do emprego dos jovens. Em muitos países, foi considerado e utilizado como uma «variável de regulação», como um expediente a breve prazo.

3.2.1.2

Tanto do lado dos decisores políticos, como do das empresas e da opinião pública, os preconceitos e «ideias feitas» conduziram, mal, a que se considerassem os trabalhadores idosos como relativamente inaptos para se adaptarem à evolução das técnicas de produção e a métodos de gestão, travando assim os ganhos de produtividade.

3.2.1.3

Todavia, de há vários anos, têm vindo a ser formuladas análises pertinentes, avisos enérgicos e boas recomendações. A este respeito, há que sublinhar sobretudo a clarividência, a continuidade e a qualidade dos esforços efectuados pela Comissão nesta difícil questão. Há também que recordar os trabalhos da OCDE, bem como os de vários institutos de investigação, organizações profissionais e Conselhos Económicos e Sociais de diversos países.

3.2.1.4

O leque dos meios a aplicar para inverter a tendência está actualmente bem definido e é bem conhecido: assegurar melhor a empregabilidade dos trabalhadores menos jovens, mediante um aperfeiçoamento dos métodos de formação contínua; melhorar a qualidade dos postos de trabalho e aumentar a flexibilidade dos horários, de modo a assegurar um melhor equilíbrio entre tempo de trabalho e vida pessoal, desenvolver nas empresas e administrações equipas de «idades mistas»; infundir mais confiança em si próprios aos trabalhadores mais idosos; reforçar as medidas de protecção da sua saúde; assegurar, de maneira contínua, uma melhor planificação das carreiras; adoptar incentivos em matéria de reformas e de fiscalidade, etc.

3.2.1.5

A vontade de alongar, mediante estímulos a opções voluntárias, a duração da vida activa na Europa, foi proclamada pelo Conselho da União, nomeadamente em Lisboa e em Estocolmo.

3.2.1.6

Todavia, salvo num pequeno número de países constata-se que:

os sistemas fiscais e de segurança social, bem como as convenções colectivas e os acordos de empresa comportam características e disposições que favorecem, explícita ou implicitamente, as reformas antecipadas;

as declarações e as intenções expressas nas reuniões do Conselho não são suficientemente seguidas, concretamente, nos próprios Estados-Membros.

3.2.1.7

Há geralmente consenso quanto ao facto de considerar que uma inversão de tendência e de costumes só poderia acontecer por meio de um milagre de conversão rápida.

Efectivamente: devido à força do hábito, da diversidade dos tipos, dimensões e «culturas» das empresas e administrações, das dificuldades — normais e legítimas — do diálogo social, em tal matéria, em que não se pode preconizar pura e simplesmente — para não ir direito ao desastre — uma abolição das «conquistas sociais», a evolução desejada implica a aplicação de estratégias globais assaz complexas. A evolução não pode deixar de ser bastante longa. É mais um motivo para não perder tempo e não demorar a conceber e aplicar esta estratégia.

3.2.2

O Comité deseja vivamente que os decisores políticos da União — isto é, o Parlamento Europeu e o Conselho — se empenhem com mais clareza, com mais acuidade e com mais acção, nos Estados-Membros que os elegeram ou designaram, para assegurar uma melhor concordância entre o «dizer» e o «fazer». Tal deveria conduzi-los, no interesse comum de uma União Europeia que proclamou a sua ambição de ser um polo económico de primeiro plano no mundo:

a identificar correctamente, nos sistemas legais ou contratuais em vigor nos respectivos países, as disposições que, explícita, ou implicitamente, contrariam o prolongamento voluntário da vida activa;

a seguir, mais e melhor do que hoje em dia fazem, as boas recomendações da Comissão e a aplicar as directivas mais rapidamente, com maior determinação;

a levar a cabo acções de informação, de incentivo e de persuasão junto dos decisores e parceiros económicos e sociais, bem como proporcionar uma melhor comunicação com os «media» dos seus respectivos países.

3.2.3

Reequilibrar as estruturas etárias na Europa: basta recordar aqui as perspectivas muito alarmantes expostas em estudos sobre as consequências, em matéria de demografia da União Europeia, da quebra da fecundidade e da natalidade: uma insuficiente renovação das gerações, que os contributos da imigração certamente não compensarão, não poderá deixar de provocar uma contracção do lugar da Europa no mundo e, no interior da Europa, provocar dificuldades económicas e financeiras, bem como indesejáveis riscos de fracturas e de conflitos entre gerações.

3.2.3.1

Se se considerar que reequilibrar as estruturas etárias dos países europeus deve ser um objectivo a longo prazo, deduz-se que a União Europeia deveria incentivar a natalidade nos seus Estados-Membros e, para tal, preocupar-se mais com as políticas de família levadas à prática nesses países. Não é possível acusar a União de se ter desinteressado dos temas em matéria de família: o Conselho de Ministros europeus, por diversas vezes, apresentou propostas sobre a família. Mas as orientações expostas a nível da União ainda permanecem fragmentárias e visam objectivos que, embora justificados e interessantes, são muito parciais (5).

3.2.3.2

Manifestamente, não seria fazer mais e melhor neste domínio, visto que as políticas praticadas pelos Estados-Membros são singularmente heterogéneas; as «políticas a favor da natalidade» são onerosas e; ainda por cima, tanto os peritos como os decisores, não estão de acordo quanto à avaliação da incidência efectiva e grau de eficácia destas políticas. Mas o CESE tem para si que estas considerações, apesar do seu peso, não deveriam justificar a persistência de uma relativa abstenção por parte das instituições da União.

3.2.3.3

O Comité considera desejável que as instituições supramencionadas definam, nesta matéria, uma verdadeira estratégia que tenha em conta os numerosos aspectos da questão e, nomeadamente, que incentivem os Estados-Membros a praticarem políticas de família que visem o reequilibro, a longo prazo, das estruturas etárias nos Estados-Membros da União.

3.2.3.4

O CESE está disponível e pretende cooperar, activamente e na medida dos seus meios, nos trabalhos que tal iniciativa implicaria, se fosse concretizada.

4.   CONCLUSÃO

4.1

As sociedades da Europa, e a sociedade europeia, que elas começaram a construir em conjunto, estão a ser e serão expostas a riscos de fracturas sociais, políticas, étnicas e culturais. Há que fazer tudo para que a estes factos não acresçam ameaças de fracturas entre gerações.

4.2

Pela sua própria essência, os problemas colocados pelas relações entre gerações têm o longo prazo como moldura e horizonte temporal. Consequentemente, o mesmo acontece para a procura de soluções para esse problema.

4.3

A multiplicidade e a complexidade das componentes sectoriais a tomar em consideração não dispensam que se conceba e se elabore uma abordagem global e sistémica; visto que neste domínio, como noutros, as realidades nem são compartimentadas, nem dissociáveis. E deve-se sublinhar que uma boa gestão dos problemas das relações intergeracionais teria incidências económicas muito positivas.

4.4

Se se deve «dar tempo ao tempo» e se convém, é verdade, não transgredir as regras que decorrem do «princípio de subsidiariedade», é também desejável que, tanto a União Europeia, como os Estados que a integram, não sejam nem expectantes, nem minimalistas.

4.5

O Comité Económicos e Social Europeu atribui uma importância essencial a este domínio de reflexão que suscita, manifestamente, uma crescente atenção, mas que não assume ainda a importância que merece nas preocupações políticas da União e dos seus Estados-Membros.

4.6

O presente parecer constitui uma resposta a um desafio: o de contribuir para que haja, no futuro, uma maior concertação acerca de um tema primordial, que implica a intervenção coordenada e prolongada de uma miríade de agentes, que impõe evitar a predominância de interesses virados para o curto prazo e que requer a continuidade de um plano construtivo. Trata-se da elaboração progressiva de um novo pacto entre gerações nos territórios da União Europeia  (6).

4.7

O presente parecer é o contrário de um documento concluído. Não tem a pretensão de expor soluções já feitas. Propõe dar os primeiros passos, dar início a um trabalho a longo prazo, que será um percurso bastante longo.

4.8

O Comité, nesta fase, recomenda a organização, num calendário realista, de uma sessão pública de reflexão sobre este vasto tema. Esta conferência reuniria, entre outros, decisores políticos, representantes das instituições europeias, agentes da sociedade civil e peritos. O Comité candidata-se ao lançamento e à organização desta iniciativa.

4.9

O compromisso do Comité nesta vasta problemática pode e deve exercer-se constantemente e ao longo de todo o percurso, em estreita cooperação com as instituições da União.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Estas relações são aqui consideradas sob diversos ângulos: económico, social, cultural, político, etc.

(2)  A expressão é retirada de um relatório (Jean BILLET) apresentado ao Conselho Económico e Social francês em 2004.

(3)  Não sem segundas intenções comerciais, de vez em quando.

(4)  Ver parecer do CESE «Rumo ao 7.o programa-quadro em matéria de investigação: As necessidades de investigação no domínio das mutações demográficas – Qualidade de vida dos idosos e necessidades tecnológicas». Relatora: R. HEINISCH. CESE 1206/2004, de 15 de Setembro de 2004.

(5)  Famílias em dificuldades; guarda das crianças; licença de maternidade e licença parental, etc.

(6)  A este respeito, é oportuno recordar o interesse do relatório do Grupo de Alto Nível, de Maio de 2004, sobre o futuro da política social numa União Europeia alargada.


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/155


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Coexistência de culturas geneticamente modificadas com culturas tradicionais e biológicas»

(2005/C 157/29)

Em 29 de Janeiro de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29.o do seu Regimento, elaborar um parecer sobre a: «Coexistência de culturas geneticamente modificadas com culturas tradicionais e biológicas».

Incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 21 de Setembro de 2004, tendo sido relator Bernd VOSS.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social adoptou, por 47 votos a favor, 13 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

O CESE considera necessário haver normas sustentáveis, juridicamente seguras e praticáveis em matéria de coexistência das culturas de organismos geneticamente modificados com as culturas tradicionais e biológicas e com a protecção da natureza. Estas normas aplicar-se-iam à indústria do sector alimentar e à produção agrícola, piscícola e silvícola, incluindo as culturas destinadas à produção para fins farmacêuticos e não-alimentares, bem como as culturas para fins de investigação.

1.2

Visto a Comissão pretender deixar os aspectos essenciais da coexistência das culturas mencionadas ao critério das regulamentações nacionais e devido ao facto de a questão central relativa à futura configuração da referida coexistência, que é a presença fortuita ou tecnicamente inevitável de OGM em sementes sem OGM, dever ser tratada no âmbito do processo de comitologia previsto pela Directiva 2001/18/CE, bem como pelas directivas relativas à comercialização de sementes, o CESE não analisará estas questões. No entanto, faz sentido que no debate com vista à adopção de um parecer de iniciativa o CESE examine, de forma adequada, as questões económicas e sociais subjacentes a este tema e adopte uma posição face ao Conselho, à Comissão e ao Parlamento Europeu.

1.3

O presente parecer de iniciativa deverá, por um lado, analisar os aspectos fulcrais da questão da coexistência de culturas e, por outro lado, apresentar propostas no sentido de determinar quais desses aspectos deverão, na óptica do CESE, ser regulamentados ao nível europeu e quais deverão caber às legislações nacionais, e ainda que disposições e orientações práticas são requeridas pelas empresas interessadas, em particular as do sector agrícola.

1.4

Uma vez que a Comissão não renovou em Maio do presente ano a moratória sobre a autorização de comercialização de OGM como género alimentício, em vigor desde 1998, e tenciona decidir em breve sobre a autorização de culturas OGM (1), é tanto mais urgente a organização prática da coexistência.

2.   Observações preliminares e definições

2.1

Devido à autorização de comercialização de organismos geneticamente modificados (OGM)

para culturas vegetais e microbiológicas e para a pecuária,

para fins de investigação,

como alimento destinado ao consumo humano e animal,

como matéria-prima para outros domínios de aplicação, incluindo a cultura destinada à produção farmacêutica,

para influenciar o ambiente (por exemplo, na eliminação de poluentes) e

como recurso agrícola e silvícola (por exemplo, na gestão de pragas e no controlo de ervas daninhas),

torna-se necessário estabelecer disposições práticas para a aplicação destas autorizações, bem como para o tratamento a dar a esses produtos quando presentes nos alimentos destinados ao consumo humano ou animal e no ambiente.

2.2

Ao nível comunitário já existe regulamentação em matéria de

avaliação e gestão dos riscos (2),

autorização,

rotulagem de géneros alimentícios e alimentos para animais (3),

rastreabilidade (4) e

transportes transfronteiriços fora da Comunidade Europeia (aplicação do protocolo internacional de Cartagena sobre a segurança biológica) (5).

2.3

Ainda não há regulamentação ao nível comunitário em matéria de

rotulagem de sementes e de material reprodutivo, estando a Comissão actualmente a elaborar uma proposta (6) sobre esta matéria e

controlo prático das consequências económicas, sociais e culturais da introdução dos OGM (7). Actualmente os governos e os parlamentos dos Estados-Membros estão a tratar este tema no âmbito da transposição da Directiva 2001/18 e da adaptação das legislações nacionais, em particular no que toca às disposições de cultivo e de responsabilidade civil neste contexto.

2.4

A legislação já adoptada pela UE estabelece que os OGM devem ser objecto de análise e avaliação específica dos riscos, de gestão dos riscos e de rotulagem e rastreabilidade sistemática. Esta legislação parte do princípio de que deve ser possível a renúncia à utilização activa ou passiva de OGM e proíbe peremptoriamente a utilização de OGM na agricultura e no sector alimentar biológicos (exceptuando alguns produtos de medicina veterinária). Prevê igualmente a possibilidade de subordinar a determinadas condições ou de vetar categoricamente, após verificação caso a caso, a libertação de OGM em determinadas zonas.

2.5

Os OGM são organismos vivos em condições de se multiplicarem e propagarem na natureza. Os sistemas biológicos, onde são introduzidos enquanto elemento constitutivo e dos quais não podem ser simplesmente removidos, não podem ser hermeticamente demarcados nem controlados e geridos como aconteceria numa instalação fechada para fins científicos, industriais ou artesanais. A biosfera é fundamentalmente um sistema aberto interligado a nível mundial, que obedece a leis e padrões de comportamento que só em parte são conhecidos actualmente e, portanto, que também só em parte podem ser controlados.

2.6

Por estas razões, o legislador comunitário estabeleceu o princípio da precaução e avaliação e regulamentação caso a caso como critério para o tratamento dos OGM. Simultaneamente, consagrou uma importância fundamental à transparência e à liberdade de escolha na introdução de OGM.

2.7

Isto ocorre num momento em que a maioria dos cidadãos da Comunidade Europeia demonstra um certo cepticismo ou é mesmo contra a introdução de OGM, não só na agricultura e na silvicultura, como também na cadeia alimentar.

2.8

A coexistência de formas de exploração e de utilização dos solos com ou sem organismos geneticamente modificados diz, portanto, respeito

à agricultura, silvicultura e pesca, incluindo a gestão fundiária,

à globalidade do sector alimentar (transformação, comércio, gastronomia),

à utilização dos solos regionais e municipais e ao desenvolvimento económico,

à protecção dos consumidores e

à protecção do meio ambiente

no quadro espacial e temporal adequado a cada caso.

2.9

Em alguns pareceres não vinculativos, a Comissão Europeia limitou-se, até à data, a reduzir a coexistência a aspectos puramente económicos de vizinhança entre diferentes formas de agricultura, propondo deixar essencialmente ao critério dos Estados-Membros a regulamentação destes aspectos, posição que foi, porém, posta em causa em Conselho de Ministros e criticada pelo Parlamento Europeu (8).

3.   Aspectos importantes da coexistência (classificação)

3.1   Situação científica

3.1.1

Antes de se poder regulamentar a coexistência, é necessário conhecimento científico aprofundado que possibilite avaliar a disseminação e polinização cruzada no espaço e no tempo de OGM de diferentes tipos vegetais (incluindo igualmente a propagação de microorganismos e de animais), bem como experiência prática e estimativas fiáveis dos diferentes modos de disseminação na produção, armazenagem, transporte e processamento.

3.1.2

A Comissão solicitou, neste contexto, inúmeros pareceres e opiniões (9) que não resultaram, todavia, num quadro coerente, tendo, por isso, requerido outros estudos. Os cientistas que participaram na primeira conferência científica sobre a coexistência, realizada em Novembro de 2003 (10), deram mostras de enorme necessidade de investigação, tendo afirmado que só parcialmente estavam em posição de fazer afirmações conclusivas sobre as possibilidades da coexistência. Em parecer datado de 2001 (11), o Comité Científico da UE apontava para a existência de incertezas consideráveis, pelo que não adoptou uma posição clara em relação aos limiares propostos pela Comissão para os géneros alimentícios e alimentos para animais, nem para as sementes.

3.1.3

Os conhecimentos científicos actuais sobre o comportamento em caso de cruzamento de espécies e sobre a propagação e persistência de espécies vegetais geneticamente modificadas não permitem, até ao momento, que se façam quaisquer prognósticos em relação às possibilidades de coexistência.

3.1.4

Isto é particularmente pertinente em relação a previsões a longo prazo, bem como em relação aos diferentes ecossistemas e condições de cultivo.

3.1.5

O exame e a avaliação da possibilidade de coexistência de determinados OGM deve ser feito caso a caso para cada espécie vegetal, tendo em conta as condições regionais, e para os diferentes sistemas de produção. Neste contexto, há também que considerar as alterações dos métodos de cultivo aferentes (por exemplo, possibilidade de introdução de herbicidas totais devido à resistência conseguida).

3.1.6

Os prognósticos e os controlos são particularmente difíceis sobretudo para as espécies vegetais com intercâmbio genético natural com espécies aparentadas não cultivadas. A colza, cujo centro genético de origem se encontra na Europa, tem neste continente numerosas espécies aparentadas com as quais se pode cruzar directa e indirectamente tanto na forma cultivada como na forma selvagem: couve, nabo silvestre, mostarda (rúcula), rábano/saramago (raphanus raphanistrum), rúcula selvagem (diplotaxis muralis), erva-dos-secos (erucastrum gallicum), mostarda dos campos (sinapsis arvensis), couve silvestre e ineixas (hirchfeldia incana). O mesmo se aplica à beterraba, por exemplo.

3.2   Gestão dos riscos, monitorização e registo da cultura

3.2.1

A identificação e rotulagem de OGM é o pressuposto material da aplicação do registo da cultura e da monitorização de OGM estabelecidos na Directiva 2001/18. É também o pressuposto para a retirada de circulação de determinados OGM, caso tal se torne necessário em virtude de novos conhecimentos científicos ou devido à prescrição do prazo de autorização definido. No âmbito de uma gestão dos riscos eficaz, a rotulagem dos OGM com capacidade de reprodução é fundamental, sobretudo na eventualidade da adopção de medidas de emergência. A rotulagem não pode, por conseguinte, orientar-se exclusivamente pelo critério de saber se levará ou não a uma superação dos limiares previstos de obrigação de rotulagem dos produtos alimentares e dos alimentos para animais, tanto mais porque, caso se anule a autorização, os limiares previstos de informação ao consumidor deixam automaticamente de existir.

3.2.2

Nos termos da Directiva 2001/18 e de disposições análogas de outros regulamentos e directivas comunitários, antes de se poder autorizar o recurso a OGM, tem de se proceder a uma avaliação dos riscos inerentes. Todavia, a aplicação prática da cultura tem uma influência decisiva no modo como, tal como previsto na directiva, as medidas efectivas para redução da cultura, limitação e verificação do seu impacto, bem como para anulação da sua autorização, poderão ser tomadas. Portanto, a questão da coexistência não pode circunscrever-se apenas aos aspectos económicos do cultivo, sendo parte integrante da avaliação dos riscos e da precaução estabelecidas na legislação.

3.3   Rastreabilidade e controlo da cadeia alimentar animal e humana através de amostragem, testes e documentação

3.3.1

A directiva sobre a rotulagem e a rastreabilidade dos OGM (incluída nos princípios e normas gerais da legislação alimentar (12)) determina as medidas para identificação e rotulagem da presença de OGM em toda a cadeia alimentar. Estas medidas não se limitam a prescrever a identificação da presença de OGM no produto final, já que essa obrigatoriedade já existe mesmo para os produtos em que não se detectam traços de OGM no produto final.

3.3.2

As informações necessárias à identificação de um OGM serão compiladas num registo central que será acessível ao público (13).

3.3.3

O Centro Comum de Investigação da UE procura, actualmente, normalizar e validar os procedimentos de amostragem e de teste necessários neste contexto.

3.3.4

O actual nível técnico de análise permite identificar ADN específico ou uma proteína específica de um OGM numa percentagem de 0,001 a 0,05 da globalidade de uma amostra analisada. Os custos de um teste qualitativo, não específico, para verificar a presença de OGM rondam actualmente os 100 e os 150 euros por análise. Por seu turno, os custos de testes específicos e quantitativos oscilam entre os 250 e os 500 euros por análise.

3.3.5

Existem ainda diferenças consideráveis dentro da Comunidade quanto à fiabilidade e à disponibilidade das técnicas de detecção, bem como em relação às capacidades técnicas para a sua realização. Apenas alguns Estados-Membros da Comunidade dispõem actualmente destas técnicas em número suficiente, ao passo que noutros estas são inexistentes.

3.3.6

Actualmente, as análises para determinar a presença de OGM, em particular as quantitativas e específicas, comportam enormes dificuldades na prática, sobretudo nos casos em que os produtores não fornecem qualquer técnica de detecção adequada nem suficiente material de referência. Isto é pertinente sobretudo para os OGM não autorizados pela Comunidade e cuja hipótese de introdução em sementes e matérias-primas importadas não pode, de modo algum, ser excluída.

3.4   Boas práticas no sector agrícola

3.4.1

Há que respeitar as boas práticas agrícolas na globalidade da cadeia de produção alimentar:

na investigação e no desenvolvimento, sobretudo na libertação de OGM para fins científicos (parte B da Directiva 2001/18),

no desenvolvimento de sementes, em particular no que se refere à composição do material genético de base e às diferentes etapas da semente de base,

na selecção de conservação e de multiplicação,

na multiplicação, preparação, processamento e condicionamento da semente,

no cultivo, tratamento, colheita e transporte dos produtos vegetais,

na selecção e preparação das sementes colhidas para replantação,

na aquisição, preparação, armazenamento e transporte das matérias-primas e dos produtos agrícolas,

no processamento ulterior dos alimentos para consumo humano e animal e

no condicionamento, distribuição e rotulagem dos produtos acabados.

3.4.2

Na maior parte dos domínios, as boas práticas já estão em muitos aspectos regulamentadas, sendo fundamental completá-las com disposições específicas ao tratamento de OGM para que depois se possa passar à aplicação prática das disposições sobre gestão dos riscos e rastreabilidade e rotulagem de OGM. É nos domínios da produção de sementes e de produtos agrícolas que existe uma maior necessidade de intervenção, mas esta estende-se também à aquisição, armazenagem e transporte dos produtos agrícolas.

3.4.3

Tanto o resultado como as exigências das boas práticas profissionais dependem consideravelmente do grau de sucesso com que se conseguirá observar estas boas práticas nas fases precedentes da produção.

3.4.4

Há que adoptar medidas diversas para evitar uma polinização cruzada indesejada ou uma outra forma de propagação de OGM nas superfícies cultivadas e na natureza, mas também para evitar o risco de mistura de colheitas OGM com colheitas não-OGM (tendo em conta o tipo de cultura e as características regionais). Nas suas orientações sobre a coexistência (14), a Comissão apresentou uma parte destas medidas e convidou os Estados-Membros a adoptarem as disposições correspondentes. Estas medidas dizem respeito aos agricultores que utilizam OGM, mas também àqueles que pretendem evitar a utilização destes nos seus produtos. Abrangem igualmente as explorações agrícolas subcontratadas e as empresas comerciais, incluindo as autoridades competentes pelo armazenamento, pelo transporte e pela prática agrícola e as instituições activas na protecção paisagística e ambiental.

3.5   Composição, controlo e rotulagem das sementes

3.5.1

As sementes situam-se no início da cadeia de produção e multiplicam-se em função da variedade, segundo um factor de 40 a 1000, podendo, por vezes, permanecer no solo durante um longo período de tempo. Os OGM presentes nas sementes fecundam por polinização as plantas cultivadas vizinhas e, caso se observe proximidade, as plantas análogas em estado selvagem. É assim que as sementes e o pólen podem ser transportados a grandes distâncias. Devido a estes elementos associados ao espaço e ao tempo, a presença de OGM nas sementes desempenha um papel fundamental para a coexistência, segundo opiniões convergentes dos cientistas.

3.5.2

A Directiva 2001/18 prevê a possibilidade de fixar limiares para determinados grupos de produtos abaixo dos quais, sob determinadas condições, não há obrigação de indicar no rótulo a presença de OGM. Para os géneros alimentícios e para os alimentos para animais, os regulamentos sobre os alimentos geneticamente modificados na alimentação humana e animal (15) e sobre a rastreabilidade (16) fixaram um limiar de 0,9 %.

3.5.3

No âmbito da directiva sobre as plantas e as sementes, a Comissão propôs fixar o limiar de obrigação de indicação no rótulo de presença de OGM nas sementes numa percentagem que se deveria situar entre os 0,3 % e os 0,7 %. Por razões de ordem jurídica, a Comissão decidiu retirar esta proposta em Outubro de 2003 e elaborou uma nova proposta, com limiares no valor de 0,3 % apenas para as sementes de colza e de milho. Esta proposta foi, porém, igualmente retirada pela Comissão em Setembro de 2004. Prevê-se agora a realização de avaliações de impacto adicionais, por forma a basear a decisão em fundamentos científicos mais sólidos e, sobretudo, avaliar com maior precisão as suas repercussões económicas. É, contudo, claro que a fixação de requisitos de pureza para as sementes não geneticamente modificadas terá uma influência determinante para as possibilidades de coexistência entre determinadas espécies vegetais e modos de produção, bem como para os seus eventuais custos.

3.5.4

Quanto à questão de se fixar limiares, e em que nível, para a presença acidental ou tecnicamente inevitável de OGM em sementes, os governos dos Estados-Membros, e também as organizações e empresas interessadas, têm posições muito divergentes.

3.5.5

Ao contrário do que se passa com os géneros alimentícios e os alimentos para animais, a rotulagem de sementes não tem por objectivo informar o consumidor final para que este tenha liberdade de escolha. Trata-se antes de uma informação importante para aqueles que libertarão OGM no ambiente de acordo com o previsto na lei e para as autoridades responsáveis pela aplicação da directiva sobre a libertação deliberada de OGM no ambiente. A falta de informação sobre a presença de OGM em determinadas sementes torna praticamente impossível o registo, a verificação (monitorização post-market) e, em caso de uma interdição posterior, a sua recolha, tal como prescrito pela lei.

3.5.6

Caso se verifique, por exemplo, posteriormente que um OGM é alérgeno ou que a transmissão das suas propriedades a espécies análogas selvagens conduz a uma vantagem concorrencial e, portanto, a mudanças indesejadas no equilíbrio ecológico, o OGM em questão deveria ser proibido e retirado da circulação. Para este objectivo, os limiares propostos pela Comissão Europeia são totalmente inaceitáveis. Caso se considerasse, nomeadamente, que todas as sementes da espécie vegetal afectada estivessem contaminadas até 0,5 % por este OGM, as medidas de emergência e de retirada ter-se-iam que estender à totalidade da colheita e das sementes desta planta.

3.5.7

A experiência concreta de uma medida de retirada nos EUA ilustra não só as dificuldades como também os custos possíveis. Depois de a agência ambiental americana (EPA — agência de protecção do ambiente) ter proibido, em 2000, a utilização de um tipo de milho modificado geneticamente, o milho «Starlink», devido aos seus possíveis efeitos alérgenos, os custos causados em toda a cadeia de produção ascenderam a cerca de mil milhões de dólares americanos. As sementes e as colheitas contaminadas foram compradas em massa e retiradas do mercado. Porém, até hoje, não se conseguiu eliminar completamente a contaminação ocorrida. Em 2003, ainda se encontravam resíduos de milho «Starlink» em mais de 1 % das amostras analisadas nos Estados Unidos.

3.5.8

Além disso, a presença de OGM em sementes não geneticamente modificadas tem uma influência directa nos custos a jusante dos sectores agrícola e de transformação. Se devido às contaminações autorizadas pela legislação se tiver de analisar regularmente todos os produtos que não são geneticamente modificados para verificar se o seu grau de contaminação por OGM não ultrapassa o limiar legal de rotulagem de 0,9 % para os géneros alimentícios e alimentos para os animais ou de um nível inferior de contaminação autorizada para os produtos a montante, haverá uma despesa considerável em testes e controlos onerosos.

3.5.9

Ademais, a contaminação de sementes tradicionais e biológicas com OGM será um factor fundamental para a determinação do responsável por danos financeiros ocorridos devido à superação dos limiares de rotulagem de géneros alimentícios e alimentos para animais, bem como devido a limiares inferiores daqui decorrentes, que serão exigidos pelas empresas comerciais e de transformação. Naturalmente, os possíveis responsáveis exigirão, em primeiro lugar, prova de que os danos ocorridos resultaram da transmissão de OGM para as superfícies cultivadas e não, pelo menos em parte, da composição das sementes.

3.5.10

Por fim, a presença de OGM em sementes tradicionais e biológicas tem um impacto negativo nas possibilidades de replantação e de reprodução pelo agricultor das suas próprias sementes. A contaminação inicial de uma semente pode acumular-se nas gerações seguintes, especialmente, como é natural, nos casos em que ocorrem contaminações posteriores de superfícies cultivadas vizinhas. O resultado seriam não só perdas financeiras substanciais por parte dos agricultores afectados, mas também lesões para a diversidade e capacidade de adaptação das sementes às condições locais.

3.6   Responsabilidade decorrente do produto e responsabilidade ambiental

3.6.1

Nos termos da Directiva 85/374/CEE sobre a responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, os produtores e distribuidores de OGM só são responsáveis pelos danos ocorridos para a integridade física e a vida e para a propriedade causados com culpa ou por negligência por produtos defeituosos (17). Esta responsabilidade limita-se, porém, aos produtos finais para uso e consumo privado, não abrangendo, portanto, a semente nem quaisquer danos financeiros devidos a uma diminuição do valor da colheita e dos seus produtos derivados.

3.6.2

Esta restrição comunitária abrangente da responsabilidade decorrente dos produtos torna difícil a aplicação de legislação nacional que atribua uma responsabilidade directa aos responsáveis pela colocação no mercado de um OGM por danos de responsabilidade civil e imputa toda a responsabilidade civil ao utilizador (ou seja, o agricultor) como produtor directo do produto final.

3.6.3

«Qualquer libertação deliberada para o ambiente, incluindo a colocação no mercado ou o transporte de organismos geneticamente modificados definidos na Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho» pertence ao âmbito de aplicação da nova directiva 2004/35/CE sobre a responsabilidade ambiental que autoriza os Estados-Membros (mas não os cidadãos individuais) a responsabilizar os poluidores pela eliminação e reparação de danos ambientais, desde que tenham agido deliberadamente ou por negligência e sempre que seja possível estabelecer um nexo de causalidade entre os danos e as actividades de operadores individuais (18). Esta directiva deve ser transposta pelos Estados-Membros até 30 de Abril de 2007. O facto de se autorizar a libertação de um OGM na Comunidade irá excluir, regra geral, as figuras jurídicas da negligência ou da actuação com dolo, a menos que se infrinjam os requisitos específicos de libertação. No seu parecer sobre a directiva relativa à responsabilidade ambiental (19), o CESE já havia chamado a atenção para o facto de que «na definição de biodiversidade, convém ter em conta a incidência dos OGM, tanto a curto como a longo prazo».

3.7   Responsabilidade civil

3.7.1

A presença indesejada de OGM nos produtos, instalações e superfícies de produção pode causar prejuízos financeiros aos agricultores, à indústria transformadora e aos comerciantes de alimentos para consumo humano e animal, nos casos em que essa presença dificulte, prejudique ou impossibilite a produção e venda de produtos sem OGM ou torne necessária a adopção de medidas especiais de controlo e de eliminação. Pode também tornar necessária a tomada de medidas para reposição da situação original em zonas onde a libertação de OGM não é autorizada nem está prevista (por exemplo, zonas ecologicamente sensíveis), o que acarreta, naturalmente, mais custos.

3.7.2

O sector dos seguros exclui actualmente a hipótese de uma apólice de seguros que cubra esta forma de responsabilidade civil.

3.7.3

Na opinião da Comissão Europeia compete aos Estados-Membros decidir sobre quem deverá incorrer nestes custos de responsabilidade civil. É evidente que isto influenciará a situação concorrencial na Comunidade, já que diferentes regras nacionais neste domínio poderão conduzir a enormes distorções da concorrência dentro do mercado interno e criar incerteza jurídica nos casos em que a causa e o efeito ultrapassam as fronteiras internas da Comunidade.

3.7.4

Uma responsabilidade individual por custos incorridos por terceiros na prevenção de danos (testes, controlos e outras medidas de prevenção de polinização cruzada e de contaminação por OGM) é dificilmente praticável de um ponto de vista jurídico. Em contraste com a regulamentação por danos ocorridos efectivamente, estes custos enormes, que surgirão em todas as regiões onde sejam cultivados OGM, não podem ser compensados através de disposições de responsabilidade civil. Poderiam ser substituídos por fundos de cotização para os agricultores, as empresas e as autoridades afectados a financiar pelas empresas e agricultores responsáveis pela contaminação.

3.8   Custos macro e microeconómicos

3.8.1

Devido ao cultivo de OGM, as medidas para controlar e evitar a presença indesejada de OGM serão necessárias na globalidade da cadeia de produção de géneros alimentícios e de alimentos para animais. Ademais, este cultivo poderá ter consequências para a situação do mercado em determinadas regiões e para determinadas formas de produção e tipos de produtos (por exemplo, «selos de qualidade» regionais e produção e agricultura biológicas). Para além dos agentes do mercado, esta situação afectará também as diferentes autoridades e instituições dos Estados-Membros e da Comunidade.

3.8.2

As medidas de controlo e de prevenção necessárias para assegurar a coexistência alteram radicalmente a prática e a tradição agrícolas, artesanais e industriais. As eventuais consequências económicas, sociais e culturais, em particular para os agricultores e para as empresas alimentares artesanais, ainda não foram sistematicamente examinadas nem verificadas. Contudo, tal afigura-se urgente de modo a evitar um impacto indesejado na sua capacidade concorrencial e de sobrevivência, bem como na estrutura dos preços e do mercado.

3.8.3

É necessário um quadro abrangente dos custos que esta situação envolve para se poder avaliar quais as medidas e as disposições de coexistência mais adequadas e eficazes. Todavia, até ao presente, existe apenas informação escassa e estimativas fragmentadas sobre este assunto (20).

3.8.4

O CESE considera que a realização prévia de uma análise abrangente e de uma estimativa dos custos incorridos pelos diferentes agentes de mercado com determinadas formas de produção realizadas em determinadas regiões, bem como pelo sector público devido às medidas de coexistência, é uma condição imprescindível para regulamentar de forma prospectiva e sustentável a coexistência. É necessário regulamentar de forma clara, vinculativa e fiável quem deverá incorrer nestes custos ou quem os poderá evitar.

3.8.5

Concorda-se com a Comissão quando esta declara nas suas orientações sobre a coexistência que: «Como princípio geral, durante a fase de introdução de um novo tipo de produção numa região, a responsabilidade da aplicação das medidas de gestão necessárias para limitar o fluxo de genes deve caber aos operadores (agricultores) que introduzem o novo tipo de produção. Os agricultores devem poder escolher o tipo de produção que preferirem, sem impor a necessidade de mudança dos sistemas de produção já estabelecidos na zona.»

3.8.6

O aumento eventual dos custos de produção provocado pela aplicação das medidas de coexistência necessárias não deve reflectir-se nos preços ao consumidor, o que levaria, caso contrário, a uma redução da liberdade de escolha, em particular dos consumidores das classes sociais menos beneficiadas. A produção agrícola e artesanal de géneros alimentícios sem recurso à tecnologia genética não deve ser ameaçada por aumentos de custos e preços nem relegada a tornar-se uma produção de nicho de mercado.

4.   Recomendações do CESE

4.1   Princípios da coexistência

4.1.1

As regras da coexistência deverão pautar-se pelos princípios da precaução e preservação da diversidade biológica natural e cultivada, da minimização dos custos, da maximização das oportunidades económicas e sociais, da promoção da diversidade regional e da responsabilização económica, bem como pelo princípio do poluidor-pagador, devendo ser sustentáveis a longo prazo, sólidas, pragmáticas e admitir a possibilidade de erros.

4.1.2

As medidas necessárias e os custos correspondentes deverão, em princípio, ser suportados pelos agentes económicos responsáveis pela distribuição e introdução de OGM. Estas medidas devem prejudicar o mínimo possível quem pretender produzir e consumir produtos isentos de OGM e não devem levar a um aumento dos custos de produção nem dos preços. Não devem igualmente ser suportadas pelo contribuinte.

4.1.3

As medidas para evitar o aparecimento e a propagação de OGM devem ser tomadas fundamentalmente de acordo com o grau em que acarretem a menor despesa, provoquem os custos mais baixos e tenham o resultado mais eficaz.

4.1.4

A cultura de um determinado OGM deverá ser proibida nos locais que deixem de permitir a produção isenta de manipulação genética de plantas da mesma cultura ou de culturas aparentadas ou em que obstem de forma desproporcionada a esta produção.

4.2   Elaboração de princípios científicos e tratamento da situação actual do conhecimento científico

4.2.1

Enquanto não existirem bases científicas completas, deve-se definir as condições de coexistência de acordo com o princípio da precaução, de forma a evitar a introdução de alterações irreversíveis ou dificilmente reversíveis, cujas consequências para a coexistência não podem ser avaliadas cabalmente. Esta acção de precaução deve incluir igualmente os aspectos económicos, sociais e culturais da coexistência.

4.2.2

Insta-se com a Comissão para que apresente um programa de investigação coerente, interdisciplinar e prático que colmate as enormes lacunas de conhecimento em matéria de coexistência.

4.2.3

O parecer do Comité Científico da UE sobre a flora (21), ao qual a Comissão se refere no debate sobre os limiares de OGM em sementes, é insatisfatório, pois não responde à questão de quais são os limiares de rotulagem necessários para cumprir as disposições da Directiva 2001/18. Também não dá resposta adequada à questão sobre que tipo de contaminação de sementes levará, na prática, a que tipo de contaminação da colheita e do produto final. A Comissão deveria, portanto, submeter novamente questões precisas ao Comité Científico da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos sobre esta matéria.

4.2.4

Ademais, os estudos científicos e práticos existentes ao nível nacional e regional deverão ser compilados e tornados acessíveis aos Estados-Membros pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, pela Agência Europeia do Ambiente e pelo Centro Comum de Investigação.

4.2.5

Propõe-se à Comissão que realize, juntamente com diferentes regiões da Europa, testes de campo de coexistência em larga escala e sob diferentes condições. Neste contexto, deve-se cultivar espécies de milho, colza, batata, beterraba e tomate isentas de manipulação genética, mas claramente distintas de outras espécies, que possibilitarão a todos os envolvidos testar e estudar na prática a prevenção da polinização cruzada, as diferentes distâncias de segurança, a pureza das máquinas, a segregação durante as fases de transporte, armazenagem e transformação, bem como outras medidas de coexistência.

4.3   Precaução e recurso às melhores técnicas disponíveis na gestão dos riscos

4.3.1

A rotulagem e as boas práticas profissionais têm de visar um acompanhamento o mais preciso possível da propagação e das consequências dos OGM. Devem ainda permitir a eliminação o mais completa possível de um OGM do meio ambiente, das sementes e dos produtos.

4.3.2

A fixação de limiares para a rotulagem ou a definição das condições de boas práticas profissionais não podem, de modo algum, prejudicar ou impossibilitar o cumprimento das disposições e dos objectivos da Directiva 2001/18 e dos Regulamentos n.o 1830/2003 e n.o 1829/2003.

4.3.3

É, por conseguinte, fundamental exigir que as disposições sobre a cultura, o transporte, o processamento e a importação e exportação de OGM reflictam a aplicação das melhores técnicas e das melhores práticas existentes.

4.3.4

Neste contexto, há também que considerar as exigências particulares da protecção do meio ambiente e a diversidade dos ecossistemas da Europa.

4.4   Obtenção e preservação da informação necessária à identificação e à rotulagem

4.4.1

Um requisito fundamental da informação constante da identificação e rotulagem dos OGM nas diferentes etapas da produção deve ser a sua recolha no início da cadeia de produção de uma forma o mais precisa possível e a sua transmissão, o mais completa possível, para os sucessivos elementos da cadeia.

4.4.2

Há que evitar a perda de informação. Depois de recolhida, a informação deve ser documentada e transmitida independentemente dos limiares eventualmente fixados.

4.4.3

As empresas e as instituições que põem a circular um determinado OGM (dentro ou fora da Comunidade) ou que libertem OGM para fins de investigação científica devem assegurar a realização e a validação dos processos de teste e do material de referência, respeitando a tecnologia de ponta existente. Devem ainda pôr esta informação à disposição de todas as partes interessadas ao mais baixo custo possível.

4.4.4

Os procedimentos de amostragem devem ser feitos sobretudo no início da cadeia de produção, por forma a garantirem um elevado grau de certeza e um máximo de informação. Devem reger-se, portanto, pela tecnologia de ponta disponível mais fiável e não, por exemplo, por limiares fixados para rotulagem.

4.5   Para a coexistência são necessárias normas vinculativas, pragmáticas, verificáveis e sólidas de boas práticas profissionais em todas as etapas da produção.

4.5.1

Estas normas devem ser definidas de forma a garantirem a obtenção dos objectivos da coexistência e da precaução a longo prazo e a adaptação paulatina aos progressos da ciência e da tecnologia.

4.5.2

A fim de evitar entraves ao mercado comunitário dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais e ao ordenamento agrícola comunitário, bem como distorções da concorrência, há que harmonizar ou definir a um alto nível comunitário as regras sobre as boas práticas profissionais, mantendo uma abordagem flexível em relação às diferentes condições de cultivo e de transformação dos produtos.

4.6   As disposições sobre a rotulagem e o nível de pureza das sementes são determinantes para assegurar a coexistência.

4.6.1

Ao definirem-se os limiares de obrigatoriedade de rotulagem da presença de OGM nas sementes deve-se procurar, por conseguinte, atingir o nível técnico e prático mais elevado possível de precisão e de transparência. Apesar de o valor tecnicamente fiável numa amostra se situar actualmente nos 0,01 %, por razões práticas e adequadas da dimensão e da quantidade das amostras a testar sugere-se um limiar realista de 0,1 % em relação a todo o lote das sementes.

4.6.2

Os limiares de rotulagem de OGM em sementes isentas de modificação genética devem ser fixados no limite da detectabilidade prática.

4.6.3

Além disso, as outras directivas sobre sementes deverão prever disposições rígidas em matéria de pureza (limiares máximos) para a comercialização de sementes isentas de manipulação genética.

4.7   As disposições sobre responsabilidade civil devem abranger sem lacunas as compensações por danos financeiros.

4.7.1

A capacidade de multiplicação dos OGM e o facto de o seu aparecimento indesejado poder acarretar prejuízos financeiros para os afectados, obriga a uma adaptação das disposições referentes à responsabilidade civil nos Estados-Membros que assegure a cobertura destes danos.

4.7.2

As disposições em matéria de responsabilidade civil devem prever que só responderá quem estiver em condições de evitar os possíveis danos. Os utilizadores de OGM deverão ser os responsáveis pela observância das boas práticas profissionais e pelas eventuais obrigações de comercialização de um OGM. Em caso de danos, não obstante o respeito pelas boas práticas profissionais, deverá, pelo contrário, responder por estes quem colocou o OGM no mercado. Neste contexto, há que adaptar as disposições comunitárias em matéria de responsabilidade civil.

4.7.3

Nos casos de prejuízo financeiro decorrente da colocação no mercado ou da utilização de OGM, a prova de cobertura deve provir fundamentalmente de um seguro ou de um tipo de responsabilidade semelhante.

4.8   Há que determinar os custos totais da coexistência, minimizá-los e reparti-los segundo o princípio do poluidor-pagador.

4.8.1

Insta-se com a Comissão para que apresente uma avaliação abrangente e sistemática dos custos decorrentes da coexistência, das alterações das condições do mercado e do impacto nos diferentes ramos e modos de exploração da indústria agrícola e alimentar, em particular nas pequenas e médias empresas, da agricultura tradicional, incluindo a agricultura exercida como profissão secundária, a indústria artesanal alimentar tradicional, a agricultura biológica e a indústria alimentar biológica e nas explorações de produção e reprodução de sementes. Esta avaliação deve focar em particular as consequências para o emprego.

4.8.2

A Comissão deveria ainda mostrar quais serão as consequências das medidas de coexistência necessárias e da segregação dos meios de produção e dos fluxos comerciais para a prossecução dos objectivos da Política Agrícola Comum e da sua reforma. Em particular, há que contemplar as consequências para as estruturas agrícolas, bem como para os programas locais e regionais de cultivo, transformação, origem e garantia de qualidade e respectiva rotulagem.

4.8.3

Insta-se ainda com a Comissão para que explique o que se passará e como serão distribuídos os custos adicionais da coexistência segundo o princípio do poluidor-pagador e que medidas serão necessárias para evitar de forma segura um impacto negativo dentro do mercado interno nos preços dos géneros alimentícios sem manipulação genética.

4.8.4

Ao verificar-se a proporcionalidade de determinadas medidas há que considerar-se o seu impacto na globalidade da cadeia de produção.

4.9   Recomendações para uma legislação comunitária e nacional

4.9.1

Os seguintes aspectos da coexistência devem ser regulamentados ao nível europeu:

disposições de rotulagem em caso de presença de OGM em sementes não geneticamente modificadas;

disposições em matéria de pureza para sementes não geneticamente modificadas em relação à presença acidental de OGM no âmbito das directivas sobre sementes existentes;

objectivos, resultados, enquadramento jurídico e normas mínimas das boas práticas profissionais necessárias para o cultivo de OGM e para o financiamento dos custos adicionais devidos à sua observância, bem como

responsabilidade civil do utilizador e do responsável pela colocação do OGM no mercado por eventuais danos no âmbito da coexistência.

4.9.2

Os seguintes aspectos da coexistência devem ser regulados nos níveis nacional e regional:

medidas específicas para evitar a polinização cruzada e a propagação indesejadas de OGM de acordo com as respectivas condições regionais;

disposições regionais para a cultura de determinados OGM caso tal se adeqúe de um ponto de vista económico e em termos de custo/eficácia regional da cultura e das medidas de prevenção necessárias; estas disposições poderiam igualmente incluir a proibição do cultivo de determinados OGM;

medidas para protecção de parques naturais nos termos da Directiva 92/43/CEE sobre os habitats naturais e a fauna e a flora selvagens (22) e da Directiva 79/409 sobre a protecção das aves (23) e outras áreas ecologicamente sensíveis; e

medidas de salvaguarda dos interesses culturais e económicos regionais.

5.   Aspectos práticos e actuais da coexistência

5.1

Em Julho de 2004, o Comité Económico e Social Europeu convidou profissionais de toda a cadeia de produção afectada para uma audição, por forma a ter uma ideia concreta da situação actual e do que se pode aguardar no futuro. Desta audição extraíram-se, entre outras, as seguintes conclusões:

5.2

A realização de testes e a rastreabilidade dos OGM em toda a cadeia de produção acarretará sempre custos adicionais consideráveis. Os testes qualitativos simples custam actualmente entre 100 e 150 euros, ao passo que os preços dos testes diferenciados e quantificados oscilam entre os 250 e os 400 euros. Nestes testes, as amostras são analisadas para determinar a presença de uma dada sequência genética. Dado o número de possíveis OGM diferentes existente, o custo dos testes aumenta correlativamente.

5.3

O primeiro caso que levou à retirada do mercado de um OGM por razões de saúde (o milho «Starlink» nos Estados Unidos) já provocou, até agora, custos superiores a mil milhões de dólares americanos. Contudo, dois anos volvidos desde o início das medidas de retirada, ainda não se conseguiu eliminar completamente da circulação este OGM.

5.4

Tanto a quantia como a repartição dos custos dos testes e da rastreabilidade dependem fundamentalmente da abordagem escolhida, ou seja, se a ausência de tecnologia genética em determinados produtos será a norma geral aceite e respeitada pelo mercado, permitindo-se apenas desvios excepcionais para casos concretos, ou se, em cada caso concreto, os produtores, a indústria transformadora e os comerciantes deverão provar a inexistência de modificação genética.

5.5

Após a introdução no mercado de um OGM, torna-se fundamentalmente impossível garantir a ausência absoluta deste OGM noutras espécies. Pode-se, contudo, manter a contaminação acidental ou tecnicamente inevitável com o OGM em questão abaixo do limiar de 0,1 %, que constitui o limite fiável de detectabilidade prática.

5.6

Conservar a pureza das sementes e impedir misturas acidentais com sementes modificadas geneticamente, coloca o sector de produção de sementes perante enormes desafios adicionais. Quanto mais baixo for o limiar fixado, maiores serão os custos de prevenção e de controlo da produção e multiplicação das sementes.

5.7

Consoante o tipo de reprodução de cada espécie vegetal, só será possível garantir a ausência de modificações genéticas nas sementes através da observância de distâncias geográficas consideráveis durante o cultivo e de uma separação completa nas fases posteriores de preparação, embalagem e distribuição. Neste contexto, há que respeitar as normas ISO e os protocolos HACCP (Hazard Analysis Critical Control Point — Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controlo), ainda parcialmente em fase embrionária, bem como outros controlos externos.

5.8

Um produtor de sementes líder mundial demonstrou de forma convincente que também nos Estados Unidos, país onde se cultivam grandes quantidades de OGM, é necessário respeitar as garantias de pureza no limiar de 0,1 %. Também as empresas que preparam nas mesmas instalações sementes OGM devem respeitar este limiar.

5.9

Actualmente, não existem a nível da UE nem a nível internacional normas nem limiares práticos vinculativos para a contaminação por OGM na produção de sementes. A regulamentação sobre o controlo das sementes nos Estados-Membros da UE é actualmente bastante diferenciada. Também a atitude das autoridades em relação a contaminações (aceitação entre 0,1 % e 0,5 %) é, neste contexto, muito diferente.

5.10

Apesar de, actualmente, os produtores de sementes se recusarem expressamente a garantir uma ausência completa de manipulação genética nos seus produtos, em Itália conseguiu-se chegar a um acordo sobre garantias nesta matéria controladas por terceiros, mediante negociações directas entre a associação de agricultores italiana Coldiretti e os principais produtores de sementes. Na Áustria, a comercialização de sementes contendo OGM (com mais de 0,1 % detectados em amostras) é proibida por lei (regulamento) desde 2002. Apesar de controlos intensivos, não foram detectadas até à data quaisquer infracções a este regulamento.

5.11

De acordo com informação veiculada pela indústria, os custos adicionais para o sector de produção e multiplicação de sementes oscilam entre os 10 e os 50 %.

5.12

No que se refere à multiplicação de sementes sem recurso à engenharia genética, há que definir zonas extensas de cultura protegida, caso já haja nessa região uma introdução comercial de OGM, à semelhança do que se faz actualmente em diferentes países para diferentes culturas. O cultivo da colza, por exemplo, requer que sejam mantidas grandes distâncias de segurança.

5.13

Todos os agentes do mercado, com a excepção dos produtores de sementes, consideram que o respeito de disposições rigorosas de pureza das sementes (rotulagem no limiar de detectabilidade de 0,1 %) é o pressuposto determinante para assegurar futuramente a existência de produtos isentos de manipulação genética.

5.14

Actualmente, a aquisição e a transformação do milho acarreta já custos adicionais de cerca de 3 euros por tonelada para garantir que o produto contém menos de 0,1 % de OGM, tal como exigido pelos produtores de géneros alimentícios, de amido e de alimentos para animais domésticos. Estes custos aumentariam claramente caso se introduzisse extensamente OGM na agricultura. Ademais, os riscos aumentam exponencialmente de acordo com o tamanho dos lotes de terreno de 150 mil para 7,5 milhões de euros no caso de contaminações acidentais acima do nível de tolerância garantido.

5.15

Não se afigura viável a compra simultânea numa mesma área geográfica de matérias-primas OGM e sem OGM. É necessária uma separação completa durante a aquisição, a armazenagem, a secagem e o transporte.

5.16

Actualmente, as empresas e cooperativas compradoras asseguram já a ausência de manipulação genética nos seus produtos através de acordos contratuais com os agricultores fornecedores. Estes acordos prevêem o estabelecimento, nomeadamente, de uma lista positiva de tipos de sementes aceites e testadas, bem como um sistema de controlo exaustivo desde o cultivo até à entrega e controlos de recepção.

5.17

Na opinião das empresas compradoras, estes sistemas garantindo que um produto contém OGM abaixo dos limites aceites actualmente pelos clientes, só serão possíveis com uma separação regional entre as culturas OGM e as não-OGM. Estima-se que os custos de uma organização deste género das culturas oscilariam entre 150 e 250 euros por hectare. Os custos adicionais do transporte e da armazenagem em separado estão avaliados em 10 a 20 euros por tonelada.

5.18

A indústria transformadora (como por exemplo a indústria de moagem) também dispõe de sistemas correspondentes de preservação da identidade e de garantia da qualidade. Actualmente, os clientes desta indústria esperam uma garantia de pureza na ordem de 0,1 % a um máximo de 0,5 %. Neste contexto, são realizados testes padrão PCR (reacção em cadeia da polimerase) e a posteriori para todas as entregas. Além disso, realiza-se uma auditoria aos fornecedores, aos quais se exige, regra geral, comprovativo de que adquirem e transformam exclusivamente produtos sem OGM. Durante o transporte evita-se, tanto quanto possível, os pontos críticos em que pode ocorrer uma mistura ou uma contaminação, como por exemplo os armazéns de expedição ou os portos onde também são depositados produtos OGM.

5.19

A indústria de moagem avalia actualmente em 2,50 euros os custos para manter a pureza do milho, que se juntam ao preço já inflacionado (ver supra) dos fornecedores. Uma vez que estes custos só podem repercutir-se na parte da mercadoria para a qual é exigida a garantia correspondente, não obstante o facto de se repercutirem, na verdade, em toda a quantidade de produtos transformados, estes custos são, por vezes, consideravelmente mais elevados para os produtos finais sem OGM (a sêmola de milho equivale por exemplo a apenas 50 % dos produtos transformados, ou seja os custos adicionais (2,50 + 3,00 = 5,50 €) atingem aqui 11 euros por tonelada de sêmola de milho). Os riscos no caso de uma contaminação acidental e de um fornecimento aos clientes de produtos que ultrapassam o limite de pureza garantida podem ser, em função da dimensão do lote e da transformação posterior destas matérias-primas, na ordem de várias dezenas de milhões de euros. Actualmente, não é possível fazer um seguro que cubra estes riscos.

5.20

A prudente política de aquisições seguida pela indústria transformadora levou à exclusão de zonas inteiras como áreas de aquisição, susceptíveis de maior risco de contaminação devido ao cultivo de OGM, independentemente da contaminação real de algumas áreas dessa região. Num Estado federado alemão, bastou iniciar-se o cultivo experimental de trigo geneticamente modificado para que o maior grupo industrial alemão de moagem renunciasse por completo à compra de trigo dessa zona.

5.21

A política seguida pela maior parte das grandes cadeias de distribuição e pelos produtores de artigos de marca da UE no sentido de assegurar fundamentalmente a ausência de OGM nos seus produtos, conduziu nos últimos anos a sistemas de garantias de segurança abrangentes, nos quais as empresas individuais investem anualmente várias dezenas de milhões. Estes sistemas consistem, por um lado, num sistema de documentação e auditoria para os fornecedores e, por outro, em provas de amostras regulares dos produtos propostos. Regra geral, estes custos adicionais ainda não se reflectem no preço ao consumidor. Até agora ainda não foi realizada uma quantificação sistemática para cada produto e para grupos de produtos.

5.22

Do ponto de vista regional, as condições para uma coexistência de culturas OGM e não-OGM são muito distintas. Em particular nas regiões em que se pratica uma agricultura minifundiária, não se afigura viável o cultivo paralelo numa única região. A título de exemplo, em conformidade com o registo cadastral das culturas, 90 % das superfícies agrícolas aráveis na Toscana não é «adequada para a coexistência». Tal aplica-se igualmente, a muitas outras regiões da Europa. Neste contexto, há que ter ainda em conta que as medidas tecnicamente dispendiosas de separação, controlo e planificação das culturas irão exigir frequentemente esforços excessivos precisamente da parte dos pequenos agricultores e daqueles que exercem a agricultura enquanto actividade secundária. O mesmo se aplica para o sector regional das indústrias de transformação artesanais de produtos agrícolas.

5.23

Os selos de qualidade regional e as garantias de origem, que desempenham um papel cada vez mais importante na comercialização de produtos de qualidade caros, renunciaram até agora, por princípio, à utilização de OGM. A introdução de OGM nas regiões de origem destes produtos teria consequências negativas enormes, tanto para os custos de produção reais, como para a imagem destes mesmos produtos. Esta é uma das razões que explica o facto de muitas regiões europeias terem, entretanto, declarado serem zonas isentas de OGM, não obstante ser discutível até ao momento a que base jurídica recorreram para tal, sendo necessária uma clarificação jurídica da legislação comunitária e nacional. A possibilidade de que, ao abrigo da legislação comunitária, alguns agricultores possam cultivar OGM, podendo assim despoletar custos adicionais e riscos em massa para múltiplos vizinhos e empresas numa dada região, afigura-se para os interessados como particularmente preocupante e prejudicial para a paz social.

5.24

Particularmente preocupante, tanto para as autoridades regionais como para as associações agrícolas e a indústria transformadora, é a possibilidade de as futuras espécies de OGM terem de ser, ao contrário das actuais, separadas hermeticamente da produção alimentar e dos alimentos para os animais por razões de saúde pública (por exemplo, as ditas espécies farmacêuticas), o que já provocou nos Estados Unidos muitos problemas novos e incertezas.

5.25

Em alguns Estados-Membros da UE já foi aprovada, ou está em fase de aprovação, legislação que regula a coexistência. Actualmente, já se constatam soluções legislativas e processuais muito diferentes entre os países. Estas diferenças não se explicam simplesmente por razões de especificidade regional, sendo claramente notória a necessidade de uma harmonização para garantir a coexistência.

5.26

A coexistência de processos de cultivo com e sem OGM e a possibilidade de uma alimentação isenta de OGM é uma vontade política declarada da UE. Caso se torne manifesta a impossibilidade de atingir este objectivo com o actual quadro legislativo, há que colmatar atempadamente os respectivos regulamentos e directivas, no interesse dos consumidores, dos agricultores e dos restantes agentes económicos envolvidos.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Comunication for an orientation debate on Genetically Modified Organisms and related issues (Comunicação – Para um debate de orientação sobre os organismos geneticamente modificados e questões conexas) (N.T.: Não há versão portuguesa).

http://europa.eu.int/rapid/start/cgi/guesten.ksh?p_action.gettxt=gt&doc=IP/04/118|0|RAPID&lg=EN

State of play on GMO authorisations under EU law (Situação das autorizações de OGM ao abrigo da legislação comunitária) (N.T.: Não há versão portuguesa).

http://europa.eu.int/rapid/pressReleasesAction.do?reference=MEMO/04/17&format=HTML&aged=1&language=EN&guiLanguage=en

Question and Answers on the regulation of GMOs in the EU (Perguntas e respostas sobre a regulamentação em matéria de OGM na UE) (N.T.: Não há versão portuguesa).

http://europa.eu.int/rapid/pressReleasesAction.do?reference=MEMO/04/16&format=HTML&aged=1&language=EN&guiLanguage=en

(2)  Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e que revoga a Directiva 90/220/CEE do Conselho.

JO L 106 de 17.4.2001, p. 1.

(3)  Regulamento (CE) n.o 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados.

JO L 268 de 18.10.2003, p. 1.

(4)  Regulamento (CE) n.o 1830/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo à rastreabilidade e rotulagem de organismos geneticamente modificados e à rastreabilidade dos géneros alimentícios e alimentos para animais produzidos a partir de organismos geneticamente modificados e que altera a Directiva 2001/18/CE.

JO L 268 de 18.10.2003, p. 24.

Regulamento (CE) n.o 65/2004 da Comissão, de 14 de Janeiro de 2004, que estabelece um sistema para criação e atribuição de identificadores únicos aos organismos geneticamente modificados.

JO L 10 de 16.1.2004, p. 5.

(5)  Regulamento (CE) n.o 1946/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho de 2003, relativo ao movimento transfronteiriço de organismos geneticamente modificados.

JO L 287 de 5.11.2003, p. 1.

(6)  Comissão Europeia, Setembro de 2003, Questions and Answers about GMOs in seeds (Perguntas e respostas sobre os OGM nas sementes) (N.T.: Não há versão portuguesa).

http://europa.eu.int/rapid/start/cgi/guesten.ksh?p_action.gettxt=gt&doc=MEMO/03/186|0|AGED&lg=EN&display=

(7)  Comissário Franz Fischler, Junho de 2003, Communication to the Commission on the Co-existence of Genetically Modified, Conventional and Organic Crops (Comunicação à Comissão sobre a coexistência de culturas geneticamente modificadas com culturas tradicionais e biológicas) (N.T.: Não há versão portuguesa).

http://zs-l.de/saveourseeds/downloads/Communication_Fischler_02_2003.pdf

(8)  Resolução do Parlamento Europeu sobre a coexistência de culturas geneticamente modificadas com culturas convencionais e biológicas (2003/2098(INI)).

JO C 91 E de 15.4.2004, p. 680.

(9)  Centro Comum de Investigação, 2002, Scenarios for co-existence of genetically modified, conventional and organic crops in European agriculture (Cenários para a coexistência de culturas geneticamente modificadas com culturas tradicionais e biológicas na agricultura europeia) (N.T.: Não há versão portuguesa).

http://www.jrc.cec.eu.int/download/gmcrops_coexistence.pdf

Mesa redonda sobre os resultados da investigação em matéria de coexistência de culturas geneticamente modificadas com culturas que não são geneticamente modificadas.

http://europa.eu.int/comm/research/biosociety/news_events/news_programme_en.htm

(10)  Primeira conferência europeia sobre a coexistência de culturas geneticamente modificadas com culturas tradicionais e biológicas, 13 e 14 de Novembro, 2003, Helsingør, Dinamarca.

http://www.agrsci.dk/gmcc-03/

(11)  Parecer do Comité Científico sobre a flora referente à presença acidental de sementes GM nas sementes tradicionais.

http://europa.eu.int/comm/food/fs/sc/scp/out93_gmo_en.pdf.

(12)  Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios.

(13)  Decisão da Comissão de 23 de Fevereiro de 2004 que estabelece as regras de funcionamento dos registos, tendo em vista o registo de informações sobre as modificações genéticas de OGM, previstas na Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho [notificada com o número C(2004) 540] (2004/204/CE).

JO L 65 de 3.3.2004, p. 20.

(14)  Recomendação da Comissão de 23 de Julho de 2003 que estabelece orientações para a definição de estratégias e normas de boa prática nacionais para garantia da coexistência de culturas geneticamente modificadas com a agricultura convencional e biológica [notificada com o número C(2003) 2624].

JO L 189 de 29.7.2003, p. 36.

(15)  Regulamento (CE) n.o 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados.

JO L 268 de 18.10.2003, p. 1.

(16)  Regulamento (CE) n.o 1830/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo à rastreabilidade e rotulagem de organismos geneticamente modificados e à rastreabilidade dos géneros alimentícios e alimentos para animais produzidos a partir de organismos geneticamente modificados e que altera a Directiva 2001/18/CE.

JO L 268 de 18.10.2003, p. 24.

(17)  Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos.

http://europa.eu.int/eur-lex/pt/consleg/main/1985/pt_1985L0374_index.html.

(18)  Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais, Jornal Oficial L 143 de 30/04/2004, p. 56 a 75, ver artigos 3.o e 4.o e Anexo III.

http://europa.eu.int/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexapi!prod!CELEXnumdoc&lg=pt&numdoc=32004L0035&model=guichett.

(19)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais» (COM(2002) 17 final – 2001/0021 (COD)), CES 868/2002, JO C 241 de 7.10.2002, p. 37 a 45).

(20)  Direcção-Geral da Agricultura: Economic Impacts of Genetically Modified Crops on the Agri-Food Sector (Impacto económico das culturas geneticamente modificadas no sector agro-alimentar) (2000) (N.T.: Não há versão portuguesa).

http://europa.eu.int/comm/agriculture/publi/gmo/fullrep/index.htm

(21)  Parecer do Comité Científico sobre a flora referente à presença acidental de sementes GM nas sementes tradicionais.

http://europa.eu.int/comm/food/fs/sc/scp/out93_gmo_en.pdf

(22)  Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens; Jornal Oficial L 206 de 22/07/1992, p. 7 a 50.

http://europa.eu.int/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexapi!prod!CELEXnumdoc&lg=pt&numdoc=31992L0043&model=guichett.

(23)  Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, Jornal Oficial L 103 de 25/04/1979, p. 1 a 18.

http://europa.eu.int/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexapi!prod!CELEXnumdoc&lg=pt&numdoc=31979L0409&model=guicheti.


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

As alterações seguintes foram rejeitadas mas obtiveram mais de um quarto dos votos expressos:

Ponto 3.5.10

Elidir.

Justificação

Partindo do princípio de que ao estabelecer limiares ao material inicial se deve ter em conta a polinização cruzada de superfícies cultivadas vizinhas e se deve considerar nas disposições de coexistência a hipótese de contaminação indesejada, os receios expressos neste ponto são totalmente injustificados.

Resultado da votação

Votos a favor:: 25

Votos contra:: 55

Abstenções:: 10

Ponto 4.2.1

Elidir.

Justificação

No momento de autorizar a comercialização de OGM serão analisados todos os aspectos com implicações negativas para a saúde humana e dos animais e com efeitos nocivos para o ambiente. Não há nenhum motivo para fazer também aqui apelo ao princípio de precaução. Sabe-se perfeitamente que é impossível e pouco realista garantir 100 % de segurança.

Resultado da votação

Votos a favor:: 22

Votos contra:: 60

Abstenções:: 5


28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/167


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Plano de acção europeu para os alimentos e a agricultura biológicos»

(COM(2004) 415 final)

(2005/C 157/30)

Em 15 de Outubro de 2004, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a Comissão decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 16 de Novembro de 2004, sendo relator B. VOSS.

Na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 16 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 70 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

Nos últimos quinze anos, houve um aumento substancial do número de agricultores que praticam a agricultura biológica na União Europeia. Entre 1985 e 2002, a superfície ocupada pela agricultura biológica na UE a 15 cresceu de 100 000 hectares e 6 300 explorações para 4,4 milhões de hectares e 150 000 explorações. Isto representa um aumento da percentagem da superfície de cultivo de 0,1 % para 3,3 %. O volume de negócios realizado com alimentos biológicos eleva-se na Europa a 11 mil milhões de euros, chegando mesmo aos 23 mil milhões de euros à escala mundial.

1.2

Desde 1920 que a agricultura biológica tem estado essencialmente a cargo de agricultores, com o apoio de consumidores interessados. Nos anos setenta estabeleceu-se a procura de produtos biológicos, ambientalmente sustentáveis, em mercados especializados. Nos anos 80, teve início um processo de crescimento, de apoio e controlo da produção e comercialização de produtos biológicos, envolvendo diversos actores sociais e económicos.

1.3

Através do Regulamento (CEE) n.o 2092/91 do Conselho, com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 1809/99, a União Europeia, com base nos trabalhos preliminares realizados ao longo de vários anos pelas associações de agricultores que praticam a agricultura biológica, adoptou pela primeira vez regulamentação comunitária sobre esta matéria. Em 1992, a UE deu um passo fundamental para favorecer este processo ao inserir a agricultura biológica na política agro-ambiental.

1.4

O Conselho «Agricultura» instou a Comissão, em Junho de 2001 e em Dezembro de 2002, a apresentar um plano de acção para a agricultura e os alimentos biológicos. Entretanto, a Comissão lançou na Internet uma consulta em que participaram 1 136 cidadãos e organizações. Os resultados desta consulta constam, designadamente, do documento de trabalho elaborado pelos serviços da Comissão sobre a realização de um plano de acção europeu para a agricultura e os alimentos biológicos. Em Julho de 2003, teve lugar uma audição do Parlamento Europeu. Em Janeiro de 2004, foi organizada uma «conferência» sobre o plano de acção, que, para além do público em geral, contou com a participação de inúmeros governos e organizações europeias.

1.5

O plano de acção, que contribui significativamente para o desenvolvimento da política agrícola comum (PAC), descreve com toda a clareza o papel essencial deste modo de produção agrícola para a futura política agro-ambiental. Mas para isso será necessária a colaboração dos actores económicos, a começar pelos produtores, cujos interesses económicos devem ser respeitados. A participação das autoridades nacionais e regionais nos Estados-Membros desde o início será fulcral para o sucesso do programa.

1.6

O CESE acolhe favoravelmente o plano de acção europeu para os alimentos e a agricultura biológicos. Salienta, porém, que a administração da UE terá de dispor de recursos humanos e materiais suficientes para poder executar, com rigor, as tarefas que lhe incumbem. Nesse sentido, o Comité assinala com satisfação que o Parlamento Europeu decidiu, numa primeira leitura, aprovar o plano de acção de dotações para auxílios, nomeadamente para medidas de promoção da qualidade dos produtos agrícolas.

2.   Síntese do documento da Comissão

2.1

A Comissão constata que a agricultura biológica tem um impacto positivo nas diversas medidas da política da UE que pretendem elevar o nível de protecção do ambiente. Entre os domínios mais problemáticos contam-se os seguintes: pesticidas, adubos, protecção dos solos, protecção das espécies, protecção da natureza, protecção do bem-estar dos animais e segurança dos alimentos.

2.2

O objectivo da Comissão é promover o desenvolvimento do sector da agricultura biológica e explorar o seu potencial de mercado. Neste contexto, há que dedicar especial atenção ao nível de rendimento das explorações agrícolas. É necessário ter em conta as duas funções da agricultura biológica: a) a produção de produtos de origem biológica a preços mais elevados e em menores quantidades, o que se deve à utilização de meios de produção com reduzido impacto no ambiente e b) o fornecimento de bens à colectividade que não podem almejar preços de mercado e dependem, portanto, do financiamento a partir de fundos públicos.

2.3

O plano de acção traduz-se em três prioridades principais:

desenvolver, através da informação, o mercado de alimentos biológicos, sensibilizando o consumidor,

aumentar a eficácia do apoio público à agricultura biológica e

melhorar e reforçar as normas comunitárias e as exigências de controlo e de importação.

2.4

O plano prevê 21 acções, das quais duas são relevantes em termos orçamentais e são condicionadas pelas disponibilidades financeiras. A execução do plano de acção depende, por seu turno, dos recursos humanos da Comissão. A Comissão começará de imediato a tomar as medidas necessárias para se poder avançar na via escolhida. De notar que no plano de acção não são indicados nem objectivos concretos nem um calendário para a sua execução.

3.   Observações na generalidade

3.1   Reforma da política agrícola comum (PAC)

3.1.1

As decisões adoptadas no Luxemburgo em Junho de 2003 sobre a reforma da PAC prevêem para inúmeros produtos uma redução dos preços recomendados pelas autoridades e uma deterioração da rede de segurança. Graças à dissociação contínua das ajudas directas da produção, que é agora o cerne das conclusões da reforma da PAC, a Comissão prevê uma estabilização ou até o aumento dos preços dos produtos agrícolas. O facto de o nível de preços dos produtos biológicos ser determinado pelos preços no produtor pode criar novas oportunidades de receitas para as explorações biológicas. O Comité sublinha que esta perspectiva só será viável se a preferência comunitária for mantida a um nível suficiente para o conjunto dos produtos agrícolas.

3.1.2

A promoção da agricultura biológica depende igualmente da totalidade dos meios financeiros disponibilizados no âmbito do segundo pilar da PAC. A promoção obrigatória deste tipo de agricultura não é imposta aos Estados-Membros. O CESE constata que nos países europeus e regiões que promovem a agricultura biológica e o sector agro-alimentar biológico, este ramo de actividade é já particularmente vasto e de grande estabilidade. Seria oportuno seguir com atenção que tipo de dinâmica resulta da evolução e da aplicação do novo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) nos Estados-Membros.

3.1.2.1

O Comité acompanha com grande apreensão as decisões que vão ser tomadas sobre as perspectivas financeiras da União. Em particular, as ajudas ao desenvolvimento rural encontram-se ameaçadas pelos cortes. O CESE assinala que estas ajudas são decisivas para a estabilização e desenvolvimento inovador das regiões rurais da Europa. Relativamente a este ponto, o Comité já se pronunciou no âmbito do seu parecer de iniciativa sobre a futura política de desenvolvimento rural (1) e está actualmente a elaborar um parecer sobre o projecto de regulamento sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Rural (2).

3.1.3

O número de interessados em beneficiar de auxílios no contexto do desenvolvimento rural tem vindo a aumentar, sobretudo com a adesão dos dez novos países. Mesmo que a modulação obrigue a que 80 % das verbas libertadas permaneçam no Estado-Membro de origem, os meios financeiros suplementares disponibilizados continuam a ser muito limitados.

3.1.4

Mais ainda do que outras práticas agrícolas, a agricultura biológica tem grande potencial de fornecimento de bens públicos à colectividade. O Comité insta a Comissão, o Conselho e o Parlamento a garantirem que as modificações da PAC, adoptadas em Junho de 2003, não prejudicarão a boa utilização dos solos e solicita que os montantes financeiros para o segundo pilar e para o desenvolvimento rural sejam suficientes para responder às prioridades comunitárias.

4.   Observações na especialidade

4.1   O mercado dos alimentos biológicos

4.1.1   Produtos biológicos na perspectiva do consumidor

4.1.1.1

Os intervenientes no mercado da agricultura biológica, particularmente os produtores, já detêm uma considerável quota no mercado da alimentação, situação essa que, segundo o Comité, deixa de caber em certos Estados-Membros no conceito bastante restrito de «nicho de mercado». Em inúmeras regiões da UE, mas também para alguns produtos, é já muito elevada a percentagem de explorações biológicas ou de alimentos biológicos. Por exemplo, muitas das matérias-primas que servem de base à preparação de alimentos para crianças são já produzidas por métodos biológicos.

4.1.1.2

No sector de agricultura biológica existem na Europa prioridades regionais e prioridades relacionadas com produtos específicos no que toca ao fabrico, transformação, comercialização e ainda à investigação e à formação e reciclagem profissional. O motivo para tal pode residir nas especificidades regionais naturais, mas também na interacção dinâmica dos actores económicos locais. O Comité insta a Comissão a dar neste plano de acção especial atenção a este agrupamento (clustering) da agricultura biológica bastante frequente na Europa.

4.1.1.3

Sobretudo na agricultura, mas também nos sectores da transformação e da comercialização, o mercado de produtos de origem biológica tem-se revelado como uma oportunidade de subsistência para muitas empresas.

4.1.2   Mecanismos de mercado

Os custos elevados ao longo dos circuitos de distribuição dos produtos biológicos são, em parte, responsáveis pelos preços elevados praticados nos sectores da produção, da transformação e do comércio retalhista. Assim sendo, o Comité aplaude as iniciativas que visam a criação de estruturas de transformação e comercialização regionais, por serem um meio de aproximar os produtores dos consumidores e dar a conhecer os mecanismos de formação dos preços. Por outro lado, não se pode ignorar que em alguns Estados-Membros há fortes dinâmicas de concentração no mercado alimentar, que exercem uma pressão considerável sobre os preços no produtor, inclusive no sector da produção biológica.

4.1.3   Procura orientada pela informação

O CESE acolhe favoravelmente todas as medidas propostas na acção 1 destinadas a promover a informação e a comercialização. Estas deverão, todavia, ter em conta as experiências dos vários Estados-Membros, pois é forte a pressão exercida sobre os preços de compra quando se trata da restauração colectiva, cantinas de empresas, refeitórios escolares, etc.. As empresas que fornecem refeições a crianças, idosos e doentes constituem sem sombra de dúvida um mercado importante.

4.1.4   Problemas de mercado suscitados por normas divergentes

A criação prevista de uma base de dados na Internet para comparação das várias disposições nacionais e regionais poderá ser um instrumento útil à promoção do comércio de mercadorias no mercado comum. Mas seria de mais exigir a total eliminação de todas as diferenças. Estas diferenças têm muitas vezes raízes regionais, sectoriais e culturais e são um motor de inovação e de aperfeiçoamento das normas e da qualidade dos produtos.

4.1.5   Controlo e análise da oferta e da procura

É conveniente intensificar a recolha de dados estatísticos sobre a produção e o mercado de produtos biológicos (acção 3). Todavia, tanto na recolha como no seu tratamento importa garantir que este levantamento suplementar aproveite aos parceiros do mercado (empresas comerciais de menor dimensão, do lado da procura, e numerosas explorações agrícolas de pequena e média dimensão, do lado da oferta) ou, pelo menos, não traga sérias desvantagens à agricultura. Mas continua a valer a pena recolher e publicar em tempo útil nos novos Estados-Membros os dados estatísticos sobre este sector.

4.2   Política da UE para a agricultura biológica

4.2.1   A agricultura biológica no quadro da política agrícola comum (PAC)

O Comité pergunta-se se o modelo agrícola europeu da agricultura multifuncional, para o qual a agricultura biológica dá um importante contributo com o seu desempenho ambiental, é suficientemente reputado nas negociações internacionais no quadro da OMC para garantir a viabilidade da política agrícola comum e manter, em particular, os auxílios do segundo pilar da PAC na «Caixa Verde».

4.2.2   Desenvolvimento do espaço rural

A fim de promover a produção local de alimentos biológicos propõe-se que, para além da criação na Internet de um repertório de todas as medidas da UE (acção 5), as normas de higiene e de saúde a cumprir pelas pequenas e médias empresas do sector da transformação e da comercialização de alimentos sejam adaptadas em função do potencial de risco específico. Os padrões vigentes para as grandes empresas de transformação não são, muitas vezes, aplicáveis às pequenas estruturas artesanais que transformam e comercializam pequenas quantidades à escala regional, por constituírem uma barreira aos investimentos e dificultarem, consequentemente, a criação de postos de trabalho nas zonas rurais. O Comité salienta, pois, o imperativo de definir padrões adequados às pequenas estruturas regionais e artesanais de transformação e comercialização de produtos biológicos ou tradicionais. Na opinião do CESE, o respeito dos princípios da segurança dos alimentos, enunciados no Livro Branco sobre a segurança alimentar e sanitária e na regulamentação adoptada recentemente, permanece, evidentemente, uma prioridade absoluta.

4.2.2.1

Com respeito à iniciativa prevista na acção 6 para a utilização da agricultura biológica como opção preferencial em zonas sensíveis do ponto de vista ambiental, há que evitar situações de oferta desequilibrada e, consequentemente, distorções concorrenciais no sector da agricultura biológica, por motivos políticos. Impõe-se a descrição aturada das difíceis condições de cultivo nestas regiões.

4.2.2.2

Na opinião do CESE, o plano de acção ignora a enorme importância da agricultura biológica e do sector dos alimentos biológicos para a situação do emprego, especialmente nas zonas rurais. Vários estudos realizados nos Estados-Membros revelaram que a criação de novas empresas na agricultura e nos segmentos a montante e a jusante tem lugar quase exclusivamente em sectores da agricultura biológica. O Comité sublinha também que todos os produtos agrícolas de qualidade com certificado de origem regional têm um impacto positivo no desenvolvimento das zonas rurais.

4.2.2.3

A formação e o aperfeiçoamento profissional, bem como o aconselhamento, são parte integrante da acção n.o 6. Para reforçar estes métodos de produção agrícola e impulsionar a comercialização e transformação de produtos biológicos, haverá que destacar mais nitidamente a transmissão de informação e de conhecimentos no âmbito do desenvolvimento rural.

4.3   Investigação

4.3.1

A agricultura biológica é uma prática que promove a selecção e o desenvolvimento apenas de métodos, instrumentos e técnicas cujos efeitos no ambiente são, tanto quanto possível, limitados.

4.3.2

O Comité vê o especial desafio que representa para a agricultura biológica a investigação com fundos públicos. As áreas de investigação em que o sector privado praticamente não investe, mas têm uma importância crucial para a sociedade, deverão converter-se em áreas nucleares dos auxílios estatais à investigação. De um modo ou de outro, a agricultura biológica deveria ocupar uma posição prioritária na avaliação do impacto tecnológico no âmbito do programa-quadro de investigação da UE.

4.3.3

O Comité é favorável ao aprofundamento da investigação sobre a agricultura biológica. É necessária uma definição mais diferenciada dos objectivos desta investigação, tendo em conta a análise da sua compatibilidade com outras áreas da política agrícola comum (PAC). A educação, a transferência de conhecimentos e a importância da ciência na sua multidisciplinaridade deveriam merecer ênfase especial, traduzida também em meios financeiros no plano de acção da Comissão, já que são premissas indispensáveis para o desenvolvimento bem sucedido do sector da alimentação biológica.

4.3.4

É ingente a necessidade de promover a investigação centrada quer nas plantas quer nos animais domésticos com uma orientação biológica. Neste contexto, seria útil desenvolver raças e espécies compatíveis com os modos de produção biológica para assegurar a sua viabilidade comercial.

4.4   Normas e controlo — salvaguardar a integridade

4.4.1   A abordagem adoptada pelo regulamento

O facto de não terem sido estabelecidos princípios básicos, apesar de existir um regulamento relativo à agricultura biológica, tem uma explicação histórica. Em alguns Estados-Membros com longa tradição de agricultura biológica, existem, desde longa data, princípios básicos. Trata-se agora de proceder a uma concertação e definição (acção 8), tendo em conta as experiências da IFOAM (3). O Comité apreciaria que também aqui se tivesse em conta a evolução histórica nos novos Estados-Membros.

4.4.1.1

Neste contexto, convém referir que algumas organizações nacionais de agricultura biológica se regem não só por critérios ecológicos, mas também por princípios socioeconómicos, como, por exemplo, a criação no meio rural de postos de trabalho estáveis e de qualidade. A adaptação dos regulamentos sobre a agricultura biológica terá de passar sobretudo pela análise, caso a caso, dos princípios básicos e, também, pelo respeito do termo previsto para os períodos de transição (acção 9).

4.4.2   Âmbito de aplicação das normas relativas à produção biológica

Importa não apenas exigir a simplificação e a harmonização das regras no âmbito das culturas arvenses e da pecuária, mas também garantir que as pequenas e médias empresas agrícolas continuem a marcar posição neste sector, evitando o desenvolvimento de estruturas monopolistas, como acontece, por exemplo, na cultura de muitas espécies vegetais e na avicultura. Neste último caso, as explorações avícolas já não conseguem abastecer-se com raças compatíveis com os modos de produção biológicos. A imposição de normas mais eficazes para a pecuária implica a concessão de auxílios ao investimento, dado que, não raramente, é necessário proceder a remodelações ou construir novas instalações pecuárias que acarretam ainda mais despesas. No que diz respeito à cultura de plantas, continua a não haver regras aplicáveis às espécies tradicionais ou às que já não constam dos registos de plantas. O Comité lamenta tal situação e apela à Comissão para que providencie pela elaboração da legislação em falta.

4.4.2.1

Quanto à biodiversidade mencionada no último ponto da acção 10, é necessário esclarecer se este conceito abrange, além das plantas de cultura e dos animais de exploração, toda a fauna e flora. O CESE chama a atenção para o facto de esta responsabilidade, de acordo com os objectivos da PAC, não poder ser delegada apenas nas explorações que praticam o modo de produção biológico.

4.4.2.2

Embora a essência da agricultura biológica seja a utilização de processos com menor gasto de energia e de recursos, o CESE discorda da introdução de padrões específicos neste domínio. É preferível dar prioridade a processos agrícolas e económicos globais.

4.4.2.3

É digno de aplauso o facto de terem sido adoptadas pela primeira vez orientações comunitárias biológicas para produtos como o vinho e a aquacultura. O Comité vê sobretudo com agrado o impacto positivo nos processos de produção convencionais destes sectores.

4.5

O Comité é favorável à criação de um grupo de peritos independentes incumbido de emitir pareceres técnicos, conforme propõe a acção 11, desde que os interessados, nomeadamente agricultores, indústria agro-alimentar e consumidores, tenham a possibilidade de participar de forma adequada. É esta a melhor maneira de conquistar a confiança da população nesse grupo. Continuam, todavia, a faltar dados palpáveis quanto aos prazos, aos objectivos e às dotações orçamentais necessárias para levar esta acção a bom termo.

4.6   Organismos geneticamente modificados (OGM)

4.6.1

O Comité lamenta que o plano de acção apenas se preocupe neste ponto com limiares mínimos e não avance com uma ideia global que garanta a coexistência como premissa fundamental da agricultura biológica na Europa.

4.6.2

A proibição do uso de OGM na produção biológica ganha especial relevância no actual debate sobre as regras de coexistência. As recomendações propostas são, de um modo geral, aceitáveis. O resto da agricultura livre de OGM (tradicional e ecológica) não deve ser afectada pelo aumento de custos decorrente da não utilização de OGM ou pela perda de receitas.

4.6.3

No caso da agricultura biológica, os limiares gerais no que diz respeito às sementes devem coincidir com o limiar de rastreabilidade (acção 12). O Comité considera que os limiares de rastreabilidade devem ser fixados também como valor-limite para as sementes livres de OGM. Caso contrário, receia-se um rápido aumento da presença de OGM também nos produtos de origem biológica, o que acabaria por minar as bases da produção biológica na Europa. Tendo em conta as vastas superfícies agrícolas ao longo das fronteiras nacionais da UE e a livre circulação de bens, será também necessária uma harmonização neste domínio.

4.7   Sistemas de controlo

A adopção de uma abordagem baseada na análise dos riscos para melhorar a eficácia dos controlos, prevista na acção 13, é acolhida favoravelmente. O CESE chama a atenção para o facto de, na versão alemã do plano de acção, ao contrário do que acontece com a versão inglesa, se referir que os maiores riscos de práticas fraudulentas advêm dos produtores agrícolas. O CESE solicita com veemência que esta asserção seja rectificada. São antes os flancos abertos nos sectores a montante e a jusante, tais como a transformação e a comercialização, que devem ser tidos em conta na análise e na gestão dos riscos do sistema de controlo. A melhoria dos sistemas de controlo deve ser acompanhada por uma redução dos trâmites burocráticos e dos custos. Poderia ser muito útil a articulação em rede das organizações de controlo.

4.8   Importações

4.8.1

O desenvolvimento de regras de importação para produtos biológicos deve ter em conta o risco cada vez maior de contaminação por OGM.

4.8.2

O Comité recomenda que se incremente o espaço económico mediterrânico graças ao aproveitamento das possibilidades oferecidas pela agricultura biológica. É aqui essencial reforçar os centros de culturas biológicas e promover a sua articulação em rede.

4.8.3

Por razões de concorrência e, em especial, para que a produção biológica na Europa mantenha as suas oportunidades de mercado, não se justifica que aos produtos biológicos sejam atribuídas nos acordos internacionais concessões comerciais diversas das negociadas para a importação de produtos convencionais.

5.   Resumo

5.1

O CESE acolhe favoravelmente o plano de acção europeu para os alimentos e a agricultura biológicos. Com este plano, a Comissão não só responde ao apelo do Conselho «Agricultura» mas também às solicitações de um grande número de cidadãos. São elevadas as expectativas depositadas no desenvolvimento de uma política agrícola europeia respeitadora do ambiente. Com a aplicação da condicionalidade e a definição das condições para as boas práticas agrícolas e ambientais são mais elevadas as expectativas depositadas no desenvolvimento de uma política agrícola europeia respeitadora do ambiente.

5.2

O CESE saúda a organização de campanhas de comercialização e de informação dos consumidores bem orientadas. Espera, contudo, que não se acentuem as assimetrias existentes no sector do comércio e da transformação de alimentos.

5.3

Este sector, tão fundamental devido às perspectivas de emprego criadas e à produção de bens de interesse público, deveria ser tido devidamente em conta no programa FEADER, no âmbito das medidas relacionadas com a qualidade dos produtos agrícolas.

5.4

Os esforços de harmonização das normas e dos controlos não deverão sobrecarregar as empresas e terão de respeitar as especificidades regionais. O logotipo da UE não deveria impedir a indicação da denominação de origem quer nas mercadorias comunitárias quer nas dos países terceiros.

5.5

Na questão da coexistência com organismos geneticamente modificados ainda não se sabe de que forma a produção biológica será futuramente assegurada em toda a Europa. Por este motivo, os valores mínimos para todas as sementes no contexto da contaminação por OGM deveriam ser fixados em função dos limiares de rastreabilidade.

5.6

A agricultura biológica deveria ter maior prioridade no programa-quadro de investigação. O seu grande interesse para toda a sociedade e os incipientes recursos privados consagrados à investigação neste sector exigem-no.

5.7

Com a decisão do Parlamento Europeu de permitir que os recursos inscritos na rubrica orçamental destinada à promoção da qualidade dos produtos agrícolas possam ser utilizados no plano de acção, os decisores políticos a nível europeu deram início à redução do referido défice de recursos humanos e materiais.

5.8

O CESE acompanha com grande preocupação o debate sobre as previsões financeiras. Uma redução da dotação destinada ao desenvolvimento rural representaria um retrocesso na agricultura biológica e no sector agro-alimentar biológico na Europa.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Parecer de iniciativa do CESE sobre o «Segundo Pilar da PAC: perspectivas de adaptação da política de desenvolvimento dos territórios rurais. (Consolidação dos resultados da Conferência de Salzburgo)».

(2)  Parecer do CESE em elaboração sobre a «Proposta de regulamento do Conselho relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Agrícola Europeu para o desenvolvimento rural (FEADER)».

(3)  International Federation of Organic Agricultural Movements (Associação Internacional de Movimentos Agrícolas Biológicos).