ISSN 1725-2482

Jornal Oficial

da União Europeia

C 108

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Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

47.o ano
30 de Abril de 2004


Número de informação

Índice

Página

 

II   Actos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004

2004/C 108/1

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta Livro Verde relativo à transformação da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais num instrumento comunitário e sua modernização (COM(2002) 654 final)

1

2004/C 108/2

Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Adoptar as políticas em matéria de cibercomércio a um ambiente em mudança: a experiência adquirida com a iniciativa Go Digital e os desafios futuros — COM(2003) 148 final

23

2004/C 108/3

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à homologação dos veículos a motor e seus reboques, sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (reformulação) [COM(2003) 418 final — 2003/0153 (COD)]

29

2004/C 108/4

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes às medidas a tomar contra a emissão de gases e partículas poluentes provenientes dos motores de ignição por compressão utilizados em veículos e a emissão de gases poluentes provenientes dos motores de ignição comandada alimentados a gás natural ou a gás de petróleo liquefeito utilizados em veículos [COM(2003) 522 final — 2003/0205 (COD)]

32

2004/C 108/5

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre As infra-estruturas de transportes do futuro: planificação e países limítrofes, mobilidade sustentável, financiamento

35

2004/C 108/6

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Promoção das energias renováveis — Meios de acção e instrumentos de financiamento

45

2004/C 108/7

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1406/2002 que institui a Agência Europeia da Segurança Marítima [COM(2003) 440 final – 2003/0159 (COD)]

52

2004/C 108/8

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à regulação da exploração dos aviões que dependem do Anexo 16 da Convenção relativa à Aviação Civil Internacional, volume 1, segunda parte, capítulo 3, segunda edição (1988) [COM(2003) 524 final — 2003/0207 (COD)]

55

2004/C 108/9

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à utilização de veículos de aluguer sem condutor no transporte rodoviário de mercadorias (Versão codificada) [COM(2003) 559 final – 2003/0221 (COD)]

56

2004/C 108/0

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 2320/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao estabelecimento de regras comuns no domínio da segurança da aviação civil [COM(2003) 566 final — 2003/0222 (COD)]

57

2004/C 108/1

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a transferências de resíduos [COM(2003) 379 final — 2003/0139 COD]

58

2004/C 108/2

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a determinados gases fluorados com efeito de estufa [COM(2003) 492 final — 2003/0189 (COD)]

62

2004/C 108/3

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Conselho que estabelece um regime relativo ao pequeno tráfego fronteiriço nas fronteiras terrestres externas dos Estados-Membros e a Proposta de regulamento do Conselho que estabelece um regime relativo ao pequeno tráfego fronteiriço nas fronteiras terrestres externas temporárias entre os Estados-Membros [COM(2003) 502 final — 2003/0193 (CNS) — 2003/0194 (CNS)]

65

2004/C 108/4

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre As indústrias culturais na Europa

68

2004/C 108/5

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 77/388/CEE tendo em vista prorrogar a possibilidade de autorizar os Estados-Membros a aplicar taxas de IVA reduzidas a certos serviços de grande intensidade do factor trabalho [COM(2003) 825 final — 2003/0317 (CNS)]

78

2004/C 108/6

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CEE) n.o 1673/2000 que estabelece a organização comum de mercado no sector do linho e do cânhamo destinados à produção de fibras [(COM(2003) 701 final —2003/0275 (CNS)]

80

2004/C 108/7

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno, que altera as Directivas 84/450/CEE, 97/7/CE e 98/27/CE (Directiva relativa às práticas comerciais desleais) [(COM(2003) 356 final – 2003/0134 (COD)]

81

2004/C 108/8

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor (regulamento relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor) [COM(2003) 443 final — 2003/0162 (COD)]

86

2004/C 108/9

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o XXXII Relatório sobre a Política de Concorrência 2002 — SEC(2003) 467 final

90

2004/C 108/0

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Conselho que cria uma Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas [COM(2003) 687 final — 2003/0273(CNS)]

97

2004/C 108/1

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A situação do emprego na agricultura da União Europeia e dos países candidatos — propostas de acção para 2010

101

PT

 


II Actos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004

30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/1


405.a REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 E 29 DE JANEIRO DE 2004

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta «Livro Verde relativo à transformação da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais num instrumento comunitário e sua modernização»

(COM(2002) 654 final)

Em 14 de Janeiro de 2003, a Comissão decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu nos termos do artigo 262.o do Tratado CE sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 12 de Novembro de 2003, sendo relator J. PEGADO LIZ.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 29 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 65 votos a favor e 1 abstenção, o seguinte parecer.

I.   INTRODUÇÃO

A)   OBJECTIVOS, RAZÃO DE SER E OPORTUNIDADE DA INICIATIVA DA COMISSÃO

1.1

O principal objectivo assumido pela Comissão com a apresentação do Livro Verde relativo à transformação da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais num instrumento comunitário e sua modernização [COM(2002) 654 final de 14/01/2003], adiante designado simplesmente como «Livro Verde», foi «lançar uma ampla consulta dos meios interessados sobre um certo número de questões de ordem jurídica», relativas àquela transformação e modernização, abstendo-se, formalmente, de tomar «qualquer posição sobre a necessidade de modernizar a Convenção de Roma ou de a transformar num instrumento comunitário».

1.2

O Comité, ao contrário, entende, desde já, no âmbito das suas competências próprias, como órgão consultivo, expressar a sua opinião favorável quanto ao princípio da transformação da Convenção de Roma em instrumento comunitário, bem como à actualização das suas disposições, com a plena consciência de que assume, assim, plenamente o seu papel consultivo em domínio fundamental não só para a regulação de aspectos essenciais de realização do mercado interno, mas também, e fundamentalmente, para a criação de uma sociedade civil europeia em aspecto essencial do espaço de liberdade, de segurança e de justiça (1).

1.3

Em vários dos seus pareceres, o Comité já se tem pronunciado pela conveniência de uma reflexão sobre a actualidade dos preceitos da Convenção de Roma e sobre as várias dificuldades encontradas na sua aplicação, a propósito de vários aspectos gerais ou sectoriais (2).

1.4

Também quanto à sua transformação em instrumento comunitário, com as novas possibilidades criadas pelo Tratado de Amesterdão no que se refere à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, desenvolvidas no Plano de Acção de Viena, adoptado pelo Conselho em 1998 (3), e concretizadas no Conselho Europeu de Tampere de Outubro de 1999, o Comité não pode, a este propósito, senão repetir o que deixara já sublinhado nos seus pareceres sobre a transformação da Convenção de Bruxelas em instrumento comunitário, o actual Regulamento CE 44/2001 de 22/01/2000 (4), bem como sobre a Comunicação da Comissão relativa ao direito europeu dos contratos (5).

1.4.1

No primeiro desses pareceres afirmou-se designadamente, que «o Comité saúda desde logo o facto de a Comissão ter decidido transformar a Convenção em projecto de regulamento» representando «um regulamento de aplicação directa (…) um progresso notável, nomeadamente na medida em que traz mais segurança jurídica (…) e que o Tribunal de Justiça poderá assegurar uma aplicação uniforme das disposições do regulamento em todos os Estados-Membros».

1.4.2

No segundo dos mencionados pareceres afirma-se que «é inegável que os operadores internacionais sentem a necessidade de um quadro universal utilizável, estável e previsível que favoreça a segurança e a lealdade das operações bem como o acatamento das disposições e princípios de ordem pública internacional inscritos nas grandes convenções internacionais e no direito consuetudinário».

1.4.3

O Comité retoma, assim, a propósito da presente iniciativa da Comissão, exactamente o sentido favorável que expressou relativamente à transformação da Convenção de Bruxelas em regulamento comunitário, e salienta, inclusivamente, a necessidade de coerência jurídica, que aponta para uma solução de idêntica natureza.

1.5

O Comité entende, aliás, que a Comissão já possui elementos suficientes, recolhidos em diversas instâncias (6) e, nomeadamente em pareceres do CESE já citados, que lhe permitem avançar na concretização de uma iniciativa que, não só tem toda a razão de ser, como considerações de oportunidade ligadas até com a próxima adesão de mais dez países membros levam a aconselhar que não seja protelada no tempo.

1.6

Com efeito, os progressos já realizados ou em vias de concretização, em domínios substantivos e processuais, como sejam, para além de outros (7), a Comunicação da Comissão sobre o direito europeu dos contratos (8) e o instrumento Roma II sobre a lei aplicável às obrigações extracontratuais (9), aconselham minimamente a que todos os aspectos do direito internacional privado (DIP) constantes dos vários instrumentos e documentos referidos sejam concatenados sistematicamente num instrumento único, directamente aplicável em todos os Estados-Membros, como forma de garantir uma aplicação uniforme das mesmas normas de conflitos em todos os Estados-Membros.

B)   O IMPACTO SOCIOECONÓMICO DA INICIATIVA

1.7

Para além dos aspectos eminentemente técnico-jurídicos, que resultam da actualização e transformação da Convenção de Roma em instrumento comunitário, a Comissão preocupa-se acertadamente com o impacto socioeconómico da iniciativa, a propósito de várias questões suscitadas com a aplicação de várias disposições de tal instrumento.

1.8

O Comité acompanha a preocupação da Comissão e não deixa, em relação à apreciação que faz das sugestões de actualização do articulado da Convenção, de tomar em consideração os elementos disponíveis sobre o impacto das medidas preconizadas, em particular no que se refere a aspectos sectoriais como os seguros, os arrendamentos ou o direito de trabalho, ou, ainda, em relação às empresas, em especial as pequenas ou médias empresas e aos consumidores.

1.9

No entanto, e de uma forma geral, o Comité quer, desde já, manifestar a sua convicção de que uma actualização do dispositivo de DIP, consolidado num único instrumento comunitário, terá um impacto extremamente positivo nas relações económicas e sociais no espaço comunitário, na medida em que contribui para a uniformidade das regras de conflitos e é, assim, gerador de segurança e de confiança.

1.10

O bom funcionamento do mercado interno, mais precisamente, a liberdade de circulação e o direito de estabelecimento de pessoas singulares e colectivas, exige o aprofundamento da segurança jurídica, o que, implicando a estabilidade das relações jurídicas, levará à necessidade de um igual tratamento destas relações em qualquer dos Estados da União Europeia (ainda que com os limites óbvios da ordem pública ditada em cada Estado).

1.10.1

Tal desiderato desdobrar-se-á na protecção das legítimas expectativas de quantos se envolvem em relações contratuais plurilocalizadas, o que passará também pela garantia da certeza do direito aplicável às mesmas. Tal estabilidade, por outro lado, sempre lucrará quando se conseguir a uniformidade de valoração das situações jurídicas e das relações contratuais nos diversos Estados da União. Ora, o caminho para essa uniformidade é, sem dúvida, franqueado pela unificação das regras de conflitos, daquelas regras que vêm prevenir ou dirimir os conflitos de leis no espaço.

1.10.2

Consegue-se desta sorte uma visão unívoca da mesma relação, firmando a segurança jurídica quanto ao modo como a mesma há-de ser disciplinada, com o óbvio benefício para a programação da vida comercial e para a extensão geográfica da mesma, agora despida dos receios de alteração da disciplina das relações contratuais (10). Evita-se, a par disso, o fenómeno designado de forum shopping (11).

1.10.3

Além disso, a unificação das regras de conflitos propiciará uma previsibilidade reforçada quanto à disciplina que há-de reger as relações contratuais entre particulares, o que não deixará de contribuir para a agilização e a maior pujança da vida comercial, pois que os intervenientes, se menos receosos quanto ao porvir das suas relações, tornar-se-ão mais afoitos (12).

C)   QUESTÕES METODOLÓGICAS; O QUESTIONÁRIO

1.11

O Livro Verde está fundamentalmente dirigido aos técnicos do Direito, em particular às Universidades e aos magistrados, às empresas e aos organismos e associações de protecção e defesa dos cidadãos, designadamente os consumidores. É nessa perspectiva que faz todo o sentido o questionário proposto, o qual cobre, de forma quase exaustiva, as questões suscitadas pela aplicação da Convenção de Roma.

1.12

Por seu lado, o Comité entende agrupar as questões suscitadas por grandes temas, distinguindo, de um lado, as questões gerais das propostas de especialidade, e assim organiza o presente parecer.

1.13

Atendendo às amplas informações doutrinais e jurisprudenciais facultadas pelo Livro Verde, a fim de justificar as diferentes questões que a CR pode levantar, e de fundamentar as soluções oferecidas em alternativa, brevitatis causa, o Comité não reproduz todos os argumentos mobilizáveis, atendo-se, por vezes, a coligir as vantagens das vias de solução que propõe.

1.14

No entanto, o Comité procura, em síntese final, dar uma resposta concisa a todas e a cada uma das questões postas pela Comissão, sem embargo de se permitir suscitar ainda outras questões e de formular recomendações quanto ao futuro trabalho da Comissão, no intuito de contribuir para a elaboração e adopção de um instrumento que corresponda às necessidades actuais nesta matéria.

II —   A BASE JURÍDICA E O INSTRUMENTO JURÍDICO A UTILIZAR

2.1.

O Comité concorda que a base jurídica para a presente iniciativa, sejam, como a Comissão sugere, e pelas razões que o faz, os artigos 61.o c) e 65.o b) do Tratado, sendo que a mesma iniciativa não fere e antes se conforma inteiramente com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

2.2.

Quanto ao instrumento comunitário a utilizar, a opção do Comité vai, sem qualquer ambiguidade, para o Regulamento, o qual se adapta mais consistentemente à natureza das normas em causa e ao objectivo a prosseguir da certeza da sua interpretação e aplicação, quer pelas várias instâncias judiciais nacionais competentes, quer pelas empresas e pelos particulares nas suas transacções.

III —   OS PRINCÍPIOS ENFORMADORES DA CONVENÇÃO E A SUA REAFIRMAÇÃO

3.1

A CR assenta em alguns princípios e valores fundamentais que fazem parte da tradição ancestral e do património comum dos sistemas jurídicos dos estados de direito e de que se destacam:

o princípio da autonomia dos particulares em DIP, ou seja, o reconhecimento da vontade das partes como elemento de conexão principal;

o relevo de certas normas imperativas que visam realizar interesses de ordem pública;

o valor da estabilidade da vida jurídica internacional: o propósito unificador (com reflexos no domínio da interpretação uniforme) e o princípio do favor negotii ou do favor validitatis, em matéria de forma dos contratos e de capacidade; o valor da protecção da aparência/confiança;

a protecção das expectativas e da certeza do direito: a tendência para considerar a competência da lei que apresente a conexão mais estreita com o contrato (orientação de vocação universal que não deixará de favorecer a harmonia de julgados); o relevo da lei do ambiente económico-social das partes (Umweltsrecht), com a consequente escolha supletiva ou alternativa (em matéria de existência e validade do contrato) da lei da residência de uma das partes ou de ambas.

3.2

Como no plano material os ordenamentos vêm dispensando normas de protecção do consumidor ou da parte dita mais fraca (trabalhador, segurado ou tomador do seguro), não, verdadeiramente, com o propósito de o bafejar com acrescidos benefícios que ultrapassem o que em justiça lhes seria devido, mas antes com o propósito de repor o equilíbrio e a proporção, próprios do objecto obrigacional de qualquer relação contratual, também no domínio do DIP a orientação de protecção da parte dita mais fraca tem assumido o estrito objectivo de assegurar um real cumprimento da teleologia das regras de conflitos nesta matéria, evitando a deturpação da justiça conflitual que poderia advir da escolha da lei competente, sempre que tal escolha escondesse, sob a aparência da autonomia conflitual, uma real escolha unilateral da lex contractus, feita pela parte mais forte (v.g. o profissional, o patrão, o empregador, etc.).

3.3

Além disso, através da convocação de normas de aplicação necessária e imediata, pretende-se garantir, não só a realização daquela justiça comutativa própria dos contratos, mas, outrossim, que não serão arredados certos objectivos materiais de natureza pública, os quais podem contender com a organização económico-social das Nações europeias, passando também pela realização de propósitos derivados da justiça distributiva.

3.4

Estas orientações, dotadas de um lastro mais ou menos extenso no DIP, correspondem ao desiderato de segurança jurídica, não obstando, em geral, à harmonia de decisões, mesmo em relação a Estados terceiros, e, assim, ao desejo da vocação de tendencial universalidade das conexões escolhidas. Sem embargo da ressalva que consiste na necessidade de garantir a realização de certos interesses de ordem pública, ou de aplicar certas normas protectoras, derivadas ou não da transposição do direito comunitário (13), entende o CESE que o novo Regulamento comunitário nesta matéria deve continuar a inspirar-se, no essencial, destes princípios e valores.

IV —   PRINCIPAIS OBSERVAÇÕES E PROPOSTAS

4.1

As questões que se vêm colocando acerca da aplicação da CR e do seu futuro podem dividir-se entre as de origem endógena e as de origem exógena. Aquelas derivarão das próprias normas da CR e das escolhas valorativas que lhes subjazem, bem como das vias metodológicas que foram seguidas; estas advêm, v.g., da relação da Convenção com o direito comunitário e com outros instrumentos de direito internacional público, nomeadamente aqueles que se propõem unificar regras de conflitos ou o direito material no domínio dos contratos (já concluídos ou em preparação) (14), bem como da relação a estabelecer entre a CR e o regulamento B«ruxelas I» (15).

4.2   Estrutura

4.2.1

A estrutura da CR segue o trilho clássico das convenções de unificação de regras de conflitos. Assim, após a definição do seu âmbito material de aplicação e de ser declarado o carácter universal da Convenção — na medida em que a aplicação da mesma não cessa quando as suas regras designem como competente uma lei de um Estado não signatário — seguem-se as regras conflituais. No entanto, a colocação sistemática de alguns preceitos tem suscitado reservas.

4.2.2

Assim, em primeiro lugar, após a regra do artigo 3.o o, a regra de conflitos geral do artigo 4.o o alberga já certas regras especiais quanto a contratos que tenham por objecto imóveis e quanto aos contratos de transporte de mercadorias. Atendendo a que certos contratos merecem um tratamento em artigos autónomos, julga-se de rever este dúplice critério de distribuição das regras especiais, pelo menos quanto ao transporte de mercadorias (em se decidindo manter esta norma — cfr. infra), por se reconhecer o diferente grau de especialidade presente.

4.2.3

Em segundo lugar, de permeio com normas mais próximas de questões estritamente referentes ao DIP, surgem normas gerais sobre o direito transitório e sobre a interpretação uniforme julgando-se ser de repensar a inserção sistemática destas normas.

4.3   Âmbito material (art. 1.o, n.o 2)

4.3.1

A CR não quis estender a unificação a todas as matérias conflituais no domínio dos contratos. Assim, ficam fora do seu âmbito de aplicação as obrigações contratuais que nasçam no domínio das relações familiares e sucessórias, as obrigações relativas a títulos de crédito, as questões societárias, as obrigações associadas a actividades de representação ou de intermediação, bem como as questões atinentes aos trusts e os contratos de seguros cujo objecto recaia sobre um risco situado no território comunitário.

4.3.1.1

A razão de ser de algumas das exclusões prendeu-se, nomeadamente, ou à existência de outros instrumentos reguladores que já asseguravam uma unificação internacional, ou ao facto de estarem então em preparação diplomas especiais de unificação.

4.3.1.2

Julga-se ser oportuno fazer o ponto da situação sobre os trabalhos que se encontravam em curso e apreciar de novo o âmbito material de aplicação do Regulamento.

4.3.2

Tendo presente o intuito unificador e o carácter geral das regras do futuro regulamento, julga-se aconselhável alargar o mais possível o seu âmbito de aplicação material, estendendo-o, por exemplo, a todos os contratos de seguros, eliminando assim os n.o 3 e 4 do art. 1.o, deixando para o direito comunitário e para os ordenamentos internos a conjugação destas regras com as eventuais normas imperativas de transposição, em matéria de seguros (16).

4.4   Carácter universal (art. 2.o)

4.4.1

Julga-se ser de manter a opção pelo carácter universal do Regulamento, como sucede na CR, admitindo a operatividade das suas regras de conflitos, mesmo sendo designada uma lei de um Estado terceiro. Uma opção diferente poderia passar pelo reajuste do âmbito material do Regulamento, limitando-o por exemplo a resolver o conflito de leis em certos contratos, o que importaria a dificuldade de precisar o que fosse um contrato comunitário ou com influência ou capaz de surtir efeitos sobre a vida jurídica e económica da Comunidade, ou sobre o território da Comunidade.

4.4.2

Aliás nem seria suficiente, do ponto de vista dos objectivos de política legislativa comunitária, só aplicar as regras de conflitos unificadas, se estas apontassem como competente a lei de um Estado-Membro, demitindo-se nos demais casos, mesmo que efeitos de contrato viessem a fazer sentir-se com intensidade no território ou na vida da Comunidade, e, assim, deixando, neste caso, para as leis internas dos Estados-Membros e para outras normas comunitárias, a tarefa de garantir a prossecução de certos objectivos comunitários de protecção.

4.5   A electio iuris (art. 3.o) (17)

4.5.1

Quanto à possibilidade de escolha de um conjunto normativo não estatal, corresponda ele aos princípios gerais de direito ou, no domínio da designada lex mercatoria, a usos ou normas costumeiras da prática comercial, reduzidas ou não a escrito e sistematizadas ou não, por entidades corporativas internacionais, dada a complexidade que o estudo de tais conjuntos normativos poderá suscitar, e considerando a relutância em aceitar uma tal designação, bem como a prática jurisprudencial, e ainda o sentido das legislações nacionais e o presente estádio da evolução de tais corpos normativos e o seu caracter fragmentário, julga-se não ser desavisado manter a orientação que vem sendo sustentada ao abrigo da CR, no sentido de que a electio iuris haverá de recair sobre um ordenamento de fonte estatal (18).

4.5.2

Já no que diz respeito à possibilidade de escolha do regime contido numa Convenção internacional, poderá ser clarificado que é de aceitar que uma tal escolha assuma um valor conflitual sempre que a Convenção em causa constitua a vontade das partes como uma das condições de aplicabilidade da mesma (19). Uma tal escolha encontraria os habituais limites impostos pelas demais obrigações internacionais a que o foro se encontre vinculado, pelas suas normas de aplicação necessária e imediata e pela ordem pública internacional (20).

Quando a escolha recaia sobre uma Convenção de que o foro seja parte, prevendo tal Convenção que o seu regime será aplicável mercê da sua escolha pelas partes, a questão será diferente, pois que o Regulamento não deverá deixar de garantir que não prejudica a aplicação das Convenções especiais a que os Estados estejam, ou venham a estar, internacionalmente vinculados (cfr. art. 21.o e 24.o).

4.5.3

Quanto aos pactos atributivos de jurisdição e às cláusulas arbitrais, a proximidade entre as questões processuais (a serem regidas pela lex fori, e, sempre que o caso se situe na esfera material de aplicação do Regulamento «Bruxelas I», pelas normas deste, para além do eventual concurso de outras normas de fonte internacional) e as questões contratuais, permite aceitar que perdure a exclusão desta matéria, ainda que sob pena de sair beliscada a uniformidade desejada.

4.5.3.1

Todavia, se se optar pela previsão de uma regra relativa a esta matéria, sempre se haverá de ter o cuidado de salvaguardar quanto esteja já disposto no direito comunitário ou em diplomas internacionais, gerais ou especiais, para além de se deverem recortar adequadamente os aspectos de cariz especificamente contratual a submeter a essa eventual regra de conflitos, deixando para os Estados a regulação dos aspectos e efeitos de natureza processual, que sempre tocariam a organização jurisdicional dos Estados.

4.5.3.2

Contanto que convenientemente assente e definido o âmbito de tal regra, a sua escolha conflitual sempre poderia indicar a lex contractus, a lei que seria competente para regular o contrato se o mesmo fosse existente e válido.

4.5.4

Quanto aos problemas suscitados pelo apuramento da vontade tácita das partes, parece que convirá entregar uma tal indagação, pela sua natureza concreta e dependente das circunstâncias casuísticas, à ponderação do juiz e à actividade probatória nos termos das regras do processo.

4.5.5

Quanto à escolha posterior ou à posterior alteração da lei escolhida pelas partes (art. 3.o, n.o 2), embora tal decorra já da interpretação das normas e da teleologia da regra de conflitos da CR, julga-se oportuno clarificar que uma tal escolha posterior poderia ter efeitos ex tunc, posto que fique salvaguardada a posição de terceiros.

4.6   O critério supletivo de determinação da lei competente (art. 4.o)

4.6.1   A enunciação do princípio da maior proximidade (art. 4.o n.o 1) (21)

4.6.1.1   A questão

Persiste a discussão sobre se não será de atenuar a flexibilidade da determinação da lei competente, em caso de não haver electio legis, ou, pelo menos, atenuar a aparência de uma flexibilidade que acaba por não ser desejada pela própria CR, quando interpretadas em certo sentido as presunções do n.o 2 do art. 4.o

4.6.1.2   Proposta

Tal seria conseguido, por exemplo, se se optasse por suprimir a enunciação verbal do princípio da maior proximidade do n.o 1 do art. 4.o Sendo certo que o princípio da most significant relationship ou da engste Beziehung inspirou as opções conflituais supletivas, tal não ficaria menos claro com o desaparecimento da norma do n.o 1.

Além disso, com esta medida talvez saia clarificado o valor das normas dos números seguintes, o que contribuiria para aplacar as divergências que foram surgindo acerca do valor das presunções dos actuais n.os 2, 3 e 4 do art.o 4.o Consequentemente, nestas normas deixar-se-iam de indicar as conexões relevantes como presunções do que fosse a conexão mais estreita, para se passar a indicar essas mesmas conexões como conexões supletivas, gerais ou especiais, sem mais, posto que sempre sob a reserva constituída pela cláusula de excepção final.

Dever-se-ia, pois, deixar inalterada a cláusula de excepção do n.o 5, à qual se poderia acrescentar a previsão da faculdade do juiz proceder à «dépeçage» do contrato, hoje prevista na segunda parte do n.o 1 do art.o 4.o

4.6.2   O conceito de prestação característica (art. 4.o, n.o 2) (22)

4.6.2.1   A questão

Vem sendo sugerido que se precise a noção de prestação característica, que é ponto axial para a determinação da lei supletivamente competente. Mas não só deparamos com diferentes concepções doutrinais sobre o critério de identificação da mesma, como casos há em que o concurso da observação das circunstâncias concretas do caso traz um precioso contributo para essa identificação, tendo nomeadamente em conta a novidade de certos conteúdos contratuais, mais ou menos complexos.

4.6.2.2   Proposta

Julga-se que, independentemente de se dever confiar na judiciosa ponderação do julgador, será aconselhável juntar um rol meramente exemplificativo de prestações características para os casos mais pacíficos. Reconhece-se que uma tal lista poderá ser afinal já consabida, para além de que sempre o julgador disporá do recurso à cláusula de excepção do art. 4.o (ainda que se deva conceder que, na presença de um tal rol, o afastamento do juiz em relação ao mesmo sempre importasse um acréscimo ao ónus de contra-fundamentação, que, aliás, já sobre ele pesa, quando queira valer-se da dita cláusula de excepção). No entanto, a vantagem de um tal rol consiste no eventual reforço da segurança jurídica, assente na previsibilidade, ligada ao valor normativo de que sempre estará revestida uma tal indicação, conquanto algo atenuado, considerando o seu carácter exemplificativo e a sua eventual generalidade típica.

4.6.3   Os contratos de arrendamento de curta duração (23)

4.6.3.1   Questão

A estes contratos é hoje, em princípio, aplicável supletivamente a lei do local da situação do imóvel (art. 4.o, n.o 3). Ora, estes contratos de arrendamento de curta duração («arrendamentos de férias») são amiúde celebrados entre partes que não residem ou não estão estabelecidas no país da situação do imóvel que constitui o objecto do contrato, além de que o arrendatário terá menores chances de bem conhecer o regime vigente na lex rei sitæ, o mesmo não sucedendo com a contraparte; poderá todavia suceder que o direito conflitual do local do imóvel venha a atribuir competência à lex rei sitæ, desde que se situe fora do espaço de aplicação do Regulamento. Contrapõe-se ainda a eventual necessidade de atender a normas imperativas ou de ordem pública da lex rei sitæ.

4.6.3.2   Proposta

Julga-se que deverá ser considerada a possibilidade de lhes aplicar, não a lex rei sitæ, mas a lex domicilii communis, identificando assim a lei supletivamente competente, através de uma cumulação de conexões que aponte para a lei do ambiente económico-social de ambas as partes, desde que o locatário seja uma pessoa singular (sabendo que o Regulamento «Bruxelas I» atribui também competência jurisdicional aos tribunais do Estado membro da residência comum das partes — art. 22.o, n.o 1). Eventualmente, poder-se-á impor a consideração ou a aplicação de certas normas imperativas de ordem pública da lex rei sitæ, se se considerar que a contemplação destas normas não será já suficientemente acautelada pelas normas do art. 7.o (para além de a lex rei sitæ sempre poder ser chamada ao abrigo da cláusula geral de excepção).

4.6.4   O contrato de transporte de mercadorias (art. 4.o, n.o 4)

4.6.4.1   Questão

Tem-se questionado se se justificará o tratamento autónomo deste contrato, considerando que a lei supletivamente competente assenta numa cumulação de conexões que roda em torno do eixo que é a conexão relativa ao local do estabelecimento do transportador, ainda que se refira ao estabelecimento principal.

4.6.4.2   Proposta

Conquanto esta questão não tenha sido suscitada pela Comissão, e considerando a salvaguarda representada pela cláusula de excepção do actual n.o 5 do art. 4, julga-se não ser desaconselhável suprimir a norma do n.o 4 do art. 4.o, relativo ao transporte de mercadorias, o qual ficaria sujeito à regra supletiva geral. Aliás, o objectivo de protecção do carregador, que foi permeando diversos regimes materiais uniformes dos vários tipos de transporte de mercadorias, não exige o texto presente da norma, pois que na impossibilidade de concretização da cumulação de conexões, sempre se teria de recorrer, ora à norma geral do n.o 1, ora à norma do n.o 2.

4.7   Contratos celebrados com consumidores (24)

4.7.1   Algumas questões

4.7.1.1

É generalizadamente reconhecido que as disposições constantes da CR não tiveram como preocupação fundamental a protecção dos consumidores ou de outras «partes fracas» nas relações contratuais e que, consequentemente, o sistema dela resultante, no seu todo, não é o mais adequado a uma efectiva protecção dos consumidores (25).

4.7.1.2

Várias questões devem, assim, ser equacionadas, para que o sistema que resultar do novo Regulamento tenha na devida conta a especial posição de desfavor do consumidor individual nos contratos internacionais, muito em particular quando confrontado com contratos pré-redigidos, ditos «contratos de adesão», especialmente em domínios de elevada tecnicidade, como sejam os serviços financeiros ou os contratos de serviços electrónicos. Entre elas pode sublinhar-se a noção de consumidor e de contrato com consumidores passível de estar ao abrigo das normas do art. 5.o (a actual exclusão de certos consumidores «móveis» ou «activos»; a não inclusão de certos contratos que tenham por objecto imóveis e eventuais prestações relacionadas com a utilização destes — o timesharing; o problema da subsunção de contratos celebrados por novos meios electrónicos, através dos quais também tenha sido feita a respectiva publicidade e/ou a oferta negocial); a adequação da conexão supletiva escolhida na actual CR; a necessidade de conciliar as normas dos arts. 4.o, 5.o e 9.o; a actual exclusão dos contratos de transporte simples; a relação com o Regu.olamento «Bruxelas I»; tudo sem esquecer a necessidade de não fazer bascular a regulamentação por forma a que a posição do profissional que contrata com o consumidor não fique, por seu turno, desequilibrada, tendo em conta que, no plano do dip, importa que as expectativas e a segurança jurídica deste também sejam acauteladas.

4.7.2   Propostas

4.7.2.1

Art. 5.o, n.o 1 e 2. Aconselha-se a inclusão do consumidor m«óvel» ou «activo» na previsão desta norma especial dedicada aos contratos com os consumidores.

4.7.2.1.1

Tendo em conta o relevo problemático dos meios electrónicos, será conveniente que exista uma única regra de conflitos para os contratos com consumidores, quer se trate de comércio electrónico ou não – a fim de, eventualmente, não desencorajar o recurso aos meios electrónicos.

4.7.2.1.2

Consequentemente, a fim de atingir estes dois objectivos, na definição do âmbito material da norma do art.o 5.o já não se deveria ter em conta a localização de certos factos, hoje tidos por significativos, como a oferta negocial, a publicidade do bem ou do serviço ou a emissão da declaração negocial ou, em geral, os actos necessários para a conclusão do contrato.

4.7.2.1.3

Ainda assim, deverão continuar fora do âmbito da norma os casos em que o consumidor, sem que a isso seja levado ou incitado pelo fornecedor, se desloque ao país deste, ou deva ou venha efectivamente a receber o bem ou a prestação neste país.

4.7.2.2

Art. 5.o, n.o 1. Sugere-se o alargamento da previsão do art. 5.o a contratos que tenham por objecto bens imóveis – o direito real de habitação periódica, o contrato de timeshare.

4.7.2.3

Art. 5.o, n.o 3. Julga-se de ponderar a aplicação da norma supletiva do art. 4.o e a substituição do actual critério supletivo da aplicação da lei da residência do consumidor. Esta solução continua a proteger a segurança e as expectativas de ambas as partes, além de que não é certo que a lei da residência do consumidor lhe seja materialmente mais favorável.

4.7.2.4

Art. 5.o, n.o 2 e 3. O patamar mínimo de protecção material do consumidor deverá continuar a ser assegurado pelas disposições imperativas da lei da sua residência habitual, que se sobreporiam ao regime ditado pela lei competente à luz dos arts. 3.o, 4.o e 9.o, excepto se o fornecedor oferecesse a prova bastante de que, sem embargo de ter usado a razoável diligência, desconhecia o local de residência do consumidor.

4.7.2.5

Art. 5.o, n.o 2. No que se refere ao contrato celebrado à distância por meios electrónicos e à inclusão do consumidor móvel em face da protecção das expectativas legítimas do profissional deveria determinar-se que não seria de convocar o padrão mínimo de protecção da lex domicilii, desde que o fornecedor provasse que desconhecia o local da residência do consumidor, ou que o desconhecia sem que tal se ficasse a dever a imprudência sua, ou desde que tal se ficasse a dever a uma reticência do consumidor, ou seja, desde que tal ignorância fosse imputável ao consumidor (o que não sucederia, por exemplo, se, tendo sido o contrato celerado por meios electrónicos, o fornecedor não tivesse possibilitado ao consumidor a oportunidade para lhe enviar os dados relativos à sua residência).

4.7.2.6

Art. 5.o, n.o 2 e 3. Não se tem por necessário maximizar a protecção material do consumidor, por exemplo através de uma regra de conexão múltipla alternativa, pois que tal iria de encontro a quanto se disse a propósito da leitura que se faz do princípio de protecção da parte mais fraca, sendo suficiente que se garanta um patamar mínimo de protecção, e sendo outrossim importante não ofender desnecessariamente o valor da segurança e da certeza de ambas as partes, nem aniquilar, por completo, o relevo da vontade das partes, mesmo neste domínio.

Assim, julga-se que se poderia sujeitar o contrato com consumidores às regras gerais de conflitos (actuais arts. 3.o, 4.o e 9.o), ressalvando que o consumidor não poderia ver diminuída a protecção conferida pelas normas imperativas do seu país de residência, a não ser que o fornecedor desconhecesse de boa-fé o local da residência do consumidor, sempre recaindo sobre o fornecedor o ónus da prova do desconhecimento, apesar do emprego da razoável diligência.

4.7.2.7

Art. 5.o, n.o 4 e 5. Julga-se que não se justifica a exclusão dos contratos de transporte simples do campo de aplicação da norma do art. 5.o, ainda que tal venha a significar a convocação de distintas leis para os distintos créditos, a propósito de uma mesma operação de transporte (já parece fazer mais sentido que uma tal exclusão se mantenha no art. 15.o do Regulamento «Bruxelas I», a fim de se conseguir a concentração dos pleitos numa mesma sede jurisdicional).

4.7.2.8

Talvez não seja necessário prever neste artigo a convocação necessária de certas normas imperativas de um Estado-Membro, sempre que o contrato com ele apresente um contacto estreito que não fosse o da residência do consumidor (e que poderia corresponder ao local da realização de uma oferta ao público ou de publicidade — cfr. lei alemã de 27 de Junho de 2000 (26)), considerando, quer quanto se vem propondo para os ditos contratos i«ntracomunitários», quer o que estipula o n.o 1 do art. 7.o, ainda que, neste caso, a decisão de aplicação de tais normas sempre pudesse ficar na disponibilidade do julgador (para além das consabidas dúvidas sobre o tipo de normas previstas por esta norma).

4.7.2.9

Uma vez que subsiste uma identidade de razões justificadoras do favor personæ contemplado na CR e no Regulamento «Bruxelas I», apesar de as normas conflituais conterem estatuições não coincidentes, dada a diferença de objectivos prosseguidos nestes distintos diplomas legais, julga-se de defender a aproximação do art. 15.o do Regulamento «Bruxelas I» da extensão que se venha a dar ao contrato com consumidores a prever na norma do art. 5.o, nomeadamente se se passar a desconsiderar a localização de certos actos que antecedem o contrato ou que servem para a sua conclusão (cfr. o ponto terceiro da primeira alínea do art. 15.o do Regulamento).

4.8   Os contratos de trabalho (27)

4.8.1   Algumas questões

Identicamente no que se refere aos contratos de trabalho são várias as questões suscitadas de que se salientam, nomeadamente: o confronto da CR com as regras comunitárias sobre o destacamento temporário e as diferentes noções de destacamento; a questão de saber se a celebração de um novo contrato com um membro do grupo do empregador de origem põe, ou não, termo ao destacamento para os efeitos da aplicação da norma conflitual respectiva; o problema da aplicação necessária das normas de transposição do direito comunitário em matéria de destacamento; o problema do trabalho prestado a bordo de certos meios de transporte de circulação internacional, sujeitos a registo e em plataformas situadas em alto mar; o papel das convenções colectivas nas relações internacionais de trabalho e a questão das convenções colectivas internacionais.

4.8.2   Propostas

4.8.2.1

Sem prejuízo para a liberdade de escolha da lei competente nos termos em que já se encontra definida no actual art. 6.o, julga-se que deve ser firmada a competência da lei do local habitual da prestação de trabalho, sempre que se trate de um destacamento temporário, clarificando que não obsta à persistência de um destacamento, a conclusão, no país de acolhimento, de um contrato com um empregador integrado no grupo de que faça parte o empregador de origem.

4.8.2.2

Todavia, sugere-se ainda a ponderação da necessidade de inclusão de uma norma que assegure a aplicação das normas de transposição da Directiva 96/71 no país de acolhimento (28).

4.8.2.3

Quanto à noção de destacamento, apesar dos ensaios de definição a que se veio a assistir, tendo em conta a diversidade dos cenários imagináveis e das circunstâncias que envolvem a vida empresarial, talvez seja curial manter a opção de não definir rigidamente esta noção (seja ex ante ou ex post), deixando que seja o julgador a apreciar in concreto a existência de um destacamento temporário.

4.8.2.4

No que respeita ao trabalho desenvolvido a bordo de navios ou aeronaves que façam regularmente trajectos internacionais, bem como em plataformas sitas em alto mar, não obstante o contributo do já citado Relatório da CR e o tendencial acordo da doutrina internacional, talvez se pudesse aproveitar para consagrar uma solução expressa para estas hipóteses, abrangendo-as no critério supletivo da al.b) do n.o 2, do art. 6.o, e mantendo sempre a cláusula de excepção do n.o 2 do art. 6.o, in fine.

4.8.2.4.1

Deste modo, contribuir-se-ia também para afastar a tentação de considerar uma certa extraterritorialidade destes meios de transporte e de aplicar a lei do pavilhão, a qual, como é consabido, nem sempre apresentará com o caso a conexão mais significativa, sobretudo quando se tem em conta o fenómeno dos «pavilhões de conveniência» («pavillons de complaisance», «flags of convenience», «bandiere di compiacenza, convenienza» ou «ombra»).

4.8.2.4.2

Assim, sem prejuízo do actual n.o 1 do art. 6.o, a lei do local do estabelecimento que houvesse contratado o trabalhador seria aplicável, se o trabalhador não prestasse habitualmente o seu trabalho no mesmo país, ou se o prestasse a bordo de um meio de transporte sujeito a registo que não circule num mesmo país, ou numa plataforma situada em alto mar, ou num território não sujeito a soberania estatal, a não ser que uma outra lei apresentasse uma mais forte conexão, uma vez consideradas as circunstâncias concretas do caso.

4.8.2.5

No que tange às convenções colectivas vigentes nos países em contacto com uma dada relação laboral plurilocalizada, de acordo com o que vem sendo sustentado na doutrina internacional, e apesar da discussão acerca da natureza dogmática das mesmas, lembra-se que as cláusulas das convenções colectivas serão aplicadas sempre que assumam o carácter de normas imperativas no domínio de uma das leis relevantes, seja à luz do art. 6.o (por se tratar de uma convenção do País da lei escolhida, ou da lex loci laboris, ou ainda da lei do local do estabelecimento que contratou o trabalhador), seja até ao abrigo do art. 7.o.

4.8.2.6

Por outro lado, no que toca às designadas convenções colectivas internacionais, julga-se que seria de aproveitar a oportunidade para clarificar se o Regulamento se lhes deverá aplicar. A especificidade desta figura, que, aliás, ainda se não desenvolveu na prática internacional, bem como a controvérsia conceitual em torno da natureza das convenções colectivas, são motivo suficiente para justificar esta ponderação.

4.8.2.6.1

Na verdade, a aproximação das soluções normativas no domínio laboral terá uma sede mais adequada no quadro dos esforços comunitários de unificação ou de aproximação das leis materiais dos Estados-Membros, esforços que poderão, ou não, passar pela elaboração de convenções colectivas internacionais e/ou comunitárias, bem como pela definição das condições em que estas poderão surgir. Tratar-se-á pois de um esforço e de um trabalho que já não se situará no estrito plano das regras de conflitos, de que se ocupará o Regulamento, mas antes no plano da aproximação normativa material.

4.9   O direito real de habitação periódica e o contrato de timesharing (cfr. 4.6)

4.9.1   Questão

Considerando o conteúdo mais alargado da previsão da al. c) do n.o 1, do art. 15.o, do Regulamento «Bruxelas I», que deixou de fazer referência exclusiva a bens móveis, e atendendo, ademais, ao conteúdo deste contrato e à posição das partes geralmente envolvidas, pergunta-se se a protecção dispensada nos contratos celebrados com consumidores não deverá ser eficaz, mesmo em se tratando de proporcionar a disponibilidade de um bem imóvel, mormente considerando as propostas de alteração do critério supletivo para determinar a lei que há-de reger os contratos com consumidores (e, portanto, o recurso aos n.o 3 e 5 do art. 4.o, segundo a numeração actual).

4.9.2   Proposta

Sugere-se o alargamento do conceito-quadro do art. 5.o, fazendo nele referência a bens imóveis, não deixando de ser relevantes as normas da lex rei sitæ, nomeadamente aquelas protectoras resultantes da transposição do direito comunitário (seja por se entender que, numa nova formulação do art. 5.o, não deverá deixar de ser a lei supletivamente competente à luz do n.o 3 do art. 4.o, seja ao abrigo do art. 7.o e do n.o 6 do art. 9.o).

4.10   As leis de polícia, as normas de aplicação necessária e imediata, as disposições que, transpondo ou não directivas comunitárias, forçam a sua aplicação independentemente da competência do seu ordenamento (29)

4.10.1   Algumas questões

Estes preceitos envolvem toda uma série de questões complexas de que apenas se realçam, como mais importantes as seguintes: a conjugação das normas dos arts. 5.o, 6.o, 7.o e 9.o, n.o 6, e 10.o, n.o 2, e o diferente modo como as normas aí mencionadas devem ser contempladas pelo juiz (a margem de ponderação no n.o 1 do art. 7.o); as dificuldades que se deparam ao tentar precisar que normas se incluirão na previsão do art. 7.o e a tarefa do julgador quanto a esta questão; a disparidade nas transposições nacionais das directivas e o problema da não transposição, enquanto questões que parecem não contender com o domínio específico das regras conflituais, mas antes com o esforço de harmonização; o possível entrave que as «leis de polícia» ou as normas de aplicação necessária e imediata podem opor à realização dos objectivos ligados ao mercado único e às liberdades que lhe são inerentes; a necessidade, do ponto de vista dos objectivos do direito internacional privado, de colimar as soluções encontradas à realização da harmonia internacional de decisões e assim também à harmonia comunitária das decisões, evitando uma diferente valoração das mesmas situações, em especial, no domínio geográfico do espaço comunitário.

4.10.2   Propostas

4.10.2.1

Aconselha-se que se substitua o actual n.o 3 do art. 3.o, atinente a um contrato objectivamente interno (pois que, mesmo na ausência de norma expressa, a orientação virá necessariamente a permanecer), já que uma regra de conflitos não deverá actuar perante uma situação meramente interna. A referência que as partes façam para uma lei estrangeira no âmbito de um contrato objectivamente interno nunca poderá afastar a aplicação das normas imperativas do ordenamento que com ele sustém todas as conexões objectivas.

4.10.2.1.1

Assim, essa referência não deverá ser vista como uma referência conflitual (kollisionsrechtliche Verweisung), há-de ter necessariamente o valor de uma referência meramente material ou de mera incorporação material (materiellrechtliche Verweisung), isto é, será uma expressão da autonomia privada no domínio do direito material interno e não uma expressão de autonomia conflitual das partes, cuja vontade só poderá determinar a lei competente quando estiverem envolvidas num contrato que apresente pontos de contactos com diversos Estados.

4.10.2.1.2

No lugar deixado vago pela eliminação desta norma, e porque esse lugar (o do n.o 3 do art. 3.o) lhe conviria do ponto de vista sistemático, poderá surgir uma norma que preveja a noção de contrato objectivamente «intracomunitário», ao qual, independentemente de vir a ser escolhida a lei de um Estado terceiro, sempre haveriam de ser aplicadas as normas imperativas de direito comunitário ou de transposição do direito comunitário, que vigorassem no ordenamento que fosse supletivamente competente.

4.10.2.1.3

Crê-se que esta limitação só deveria actuar quando todos os contactos objectivos apresentados pelo contrato o ligassem a Estados-Membros. Todavia, considerando, nomeadamente, a possibilidade de uma escolha ou de uma alteração da escolha da lei competente em momento posterior à celebração do contrato, a confluência de todas as conexões do contrato no seio do espaço comunitário talvez deva ser referida ao momento da escolha da lei e não, como se vê na redacção proposta no LV, ao momento da conclusão do contrato.

4.10.2.1.4

Deste modo, garantir-se-á expeditamente o respeito por um nível mínimo de eficácia do direito comunitário derivado, sempre que as partes realizem a professio iuris num contrato «intracomunitário».

4.10.2.2

Deverá ser considerada a questão da oportunidade ou a conveniência de inserção de uma norma geral que ordene a aplicação das normas imperativas de protecção que resultem da transposição do direito comunitário, sempre que o contrato apresente um contacto estreito com um Estado-Membro (sendo, nesse caso, aplicáveis as normas de transposição desse Estado) como é exemplo a lei alemã de 2000.

4.10.2.2.1

No entanto, talvez seja suficiente o reconhecimento de que as disposições do art. 7.o (que sempre dá ao juiz uma certa área de ponderação), juntamente com a primazia do direito comunitário e os arts. 3.o, n.o 3, 5.o, mesmo com os retoques a introduzir (cfr. supra, permitindo que a lei supletivamente competente fosse a indicada pelo art. 4.o, apenas com a ressalva do quadro mínimo de protecção) e 6.o (forçando a aplicação de certas normas de transposição de certos ordenamentos, nomeadamente, daquele que seria objectivamente competente, ou daquele do país de acolhimento do trabalhador destacado), seria bastante para conduzir a essa aplicação (30).

4.10.2.3

Por outro lado, para além de quanto se disse a propósito do n.o 3 do art. 3.o, convém reafirmar que a disparidade nas transposições nacionais das directivas e o problema da não transposição, são questões que parecem não contender com o domínio específico das regras conflituais, mas antes com o esforço de harmonização, competindo aos Estados, na sua legislação interna, assegurar a realização dos objectivos do direito comunitário naquele âmbito adequado de casos que as directivas queiram impregnar.

4.10.2.4

Será curial que, mau grado o eventual carácter equívoco da epígrafe, evocadora de um certo passado conceitual das «leis de polícia», a definição das normas contempladas pelas previsões do art. 7.o se mantenha num plano formal, isto é, que se faça por referência ao carácter imediato da aplicação das mesmas, ou seja, independentemente da lei aplicável por força das regras de conflitos, em vez de se optar por uma noção material de tais normas que apele ao seu objecto ou conteúdo.

4.10.2.4.1

Na verdade, as prescrições do art. 7.o não deixam de ser mais um esforço congregado no sentido da harmonia de decisões, senão ainda no sentido de promover a aplicação de certas normas de transposição do direito comunitário que, porventura, não viessem a ser aplicadas por força de outras normas da CR (ou até porque se tivesse verificado uma deficiente transposição num dos ordenamentos estatais a contemplar à luz de uma das regras de conflitos, ou ainda porque essa transposição não tivesse ocorrido, de todo) — conquanto não pareça ser este último o seu escopo normativamente enformador fundamental, tanto mais que o n.o 1 do art. 7.o apresenta um carácter universal.

4.10.2.5

Quanto às leis de polícia ou às normas de aplicação necessária e imediata de Estados terceiros, cumpre ponderar por que meio se realizará melhor, seja o princípio da harmonia jurídica internacional, a que o dip está votado, seja o propósito unificador em que se estriba a CR e, de igual sorte, o estará o Regulamento (31).

4.10.2.5.1

Admitindo que é preferível aceitar a consideração ou a aplicação dessas normas de ordenamentos terceiros, a fim de realizar os valores próprios do dip, julga-se ser suficiente atribuir ao juiz a margem de ponderação, como já hoje sucede se se tiver presente que o juízo sobre a necessidade dessa aplicação ou dessa consideração, enquanto adequadas aos objectivos do dip, passará por uma criteriosa análise das circunstâncias do caso e do conteúdo global dos ditos ordenamentos terceiros, (aliás, acresce que no actual texto já se apela para que o juiz haja em boa conta a natureza, o objecto e as eventuais consequências da não convocação de tais normas, que sempre comparará com os efeitos da sua aplicação ou consideração).

4.10.2.5.2

Esta margem de apreciação talvez baste, sobretudo se se considerar que os riscos para a segurança e para a previsibilidade já haviam sido permitidos, no momento em que se aceitou contemplar tais normas. Precisar excessivamente as condições de aplicação ou de consideração dessas normas, não só se poderia revelar uma empresa assaz difícil, se feita em abstracto, como poderia acabar por condicionar o juiz, ao ponto de o impedir de medir adequadamente as exigências da segurança jurídica para cada caso particular, acabando assim tais precisões por trair o seu objectivo primordial.

4.10.2.6

Considerando a primazia já estabelecida do direito comunitário, e apesar do interesse pedagógico, será de ponderar se não será desnecessário consagrar expressamente a orientação do ac. Arblade, isto é, a conveniência de incluir no art. 7.o um reparo que recorde não poder a aplicação de normas imperativas de aplicação necessária e imediata significar um entrave injustificado às liberdades de circulação contempladas no direito originário.

4.11   A forma dos contratos e o comércio electrónico (cfr. 4.6) (32)

4.11.1   Questão

Considerando as dificuldades de localização postas pelos novos meios e a necessidade de os não descriminar, dada a sua utilidade, questiona-se se convirá adoptar uma regra única, independentemente dos meios de que as partes se sirvam para celebrar o contrato, e que continue a prosseguir a validade formal dos contratos.

4.11.2   Proposta

A designação da lex causæ em matéria de forma poderá depender da alternativa entre a lex contractus, a lei do local onde as partes se encontrem no momento da emissão da declaração negocial e a lei da residência das partes, acrescentando uma referência no art. 5.o, segundo a qual, o disposto no art. 9.o não prejudicará a aplicação das normas protectoras previstas no art. 5.o (i.e., as da lei da residência do consumidor).

4.12   Capacidade e pessoas colectivas (art. 11.o)

4.12.1   Questão

O art. 11.o, designando a aplicação da lex loci celebrationis (não se aplicando ao contrato inter absentes), em matéria de capacidade, visa favorecer a validade do negócio e proteger a confiança de um dos contratantes na aparência da capacidade da contraparte. Esta norma assenta na «teoria do interesse nacional». Perguntar-se, no entanto, se esta orientação é aplicável às pessoas colectivas (o que contenderia com a capacidade das mesmas à luz do eventual princípio da especialidade, bem como com questões atinentes à representação orgânica), considerando que a CR apenas alude a pessoas físicas (33).

4.12.2   Proposta

Caso se entenda tomar posição legislativa sobre a questão, julga-se que se poderia estender a excepção às pessoas colectivas, num propósito clarificador e harmonizador.

4.13   A cessão de créditos e a sub-rogação (34)

4.13.1

A questão comparatística da clarificação dos âmbitos conceituais (cfr. o caso do factoring). Pergunta-se se serão de introduzir precisões clarificadoras, que, concorrendo para o esforço unificador, não deixarão de esbarrar com as diferentes nuances das legislações nacionais. Deverá ter-se presente, outrossim, a proximidade das duas regras (arts. 12.o e 13.o) no que tange ao juízo conflitual que lhes subjaz e, assim, às conexões escolhidas, que têm em conta o carácter trilateral destas relações.

4.13.1.1

Tratando-se aqui verdadeiramente de uma questão de qualificação julga-se que será de deixar nas mãos do julgador, tanto mais que a segurança jurídica não parece correr um risco insuportável, considerando a estrutura semelhante de ambas as regras de conflitos, que acabam por provocar a aplicação distributiva de diversas leis.

4.13.2

A questão da oponibilidade da cessão a terceiros (eventuais titulares de direitos oponíveis ao cedente/credor originário). Levanta-se o problema de saber se o Regulamento não se deverá pronunciar expressamente sobre qual a lei mais adequada para reger esta questão, perante os riscos do forum shopping. O desiderato unificador aconselha a unificar a regra aplicável a esta questão demovendo os interessados de um eventual forum shopping. Deveria ter-se em consideração o valor da segurança e da previsibilidade, bem como os riscos da convocação de diversas leis. Porque se não estaria a atentar contra a previsibilidade e porque se garantiria um tratamento unitário de todos os terceiros com pretensões concorrentes do cessionário em relação ao cedente, julga-se de optar pela aplicação da lei reguladora do crédito cedido.

4.13.3

A questão do conflito entre cessionários e da sua resolução. Mutatis mutandis, valem aqui as considerações tecidas no número anterior, sugerindo-se o possível recurso à lei do crédito cedido em caso de antinomia entre os regimes das leis reguladoras das várias relações de cessão (embora a primazia desta lei possa levar a aplicar leis diferentes aos cessionários, por um lado, e aos terceiros que pretendam fazer valer as suas pretensões sobre o cedente/credor originário – cfr. parágrafo anterior).

4.13.4   O problema da sub-rogação que se não funde no cumprimento de uma obrigação por parte do credor sub-rogado.

4.13.4.1

O utilíssimo Relatório inicial da CR já explicava não se pretender excluir do âmbito do art. 13o a sub-rogação resultante de um pagamento que se não fundasse numa obrigação, mas antes num mero «interesse económico reconhecido pela lei» (35), conquanto a sub-rogação pudesse resultar ex lege.

4.13.4.2

Talvez se devesse agora retocar o texto, no sentido de precisar que tal hipótese se deve acolher também a esta norma, mostrando qual a conexão que então prevaleceria.

4.13.4.3

Por outro lado, conviria também completar a regra, precisando, de igual sorte, qual haveria então de ser a lei que regeria, no caso da satisfação do crédito se apoiar num interesse económico fundado, a existência e a extensão da sub-rogação, a qual poderia ser a lei que regulasse a relação ou a situação que servisse de fundamento a tal interesse económico – não obstante se devesse conceder ao juiz uma suficiente margem de ponderação, assegurada, v.g., pela aposição de uma cláusula de excepção.

4.14   A lei aplicável à compensação de créditos (36).

A ser julgado necessário incluir uma regra de conflitos relativa à compensação, julga-se que se deva determinar a aplicação cumulativa das leges contractuum.

V —   RESUMO DAS RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO

5.1

Como se referiu anteriormente (ponto 1.14), o Comité, não obstante ter tratado outras matérias, no intuito de dar um contributo o mais completo possível às questões suscitadas pela Comissão dá, em seguida, e sinteticamente, resposta a cada uma das perguntas constantes do Questionário da Comissão.

5.2   QUESTÃO 1

5.2.1

Da experiência recolhida pelos membros do CESE junto dos seus locais de origem resulta o sentimento generalizado de que os magistrados, de uma forma geral, têm um conhecimento pouco aprofundado, meramente académico, da CR, sendo escasso o numero de juízes, designadamente das instâncias inferiores, que possuem conhecimentos sólidos sobre o seu teor e potencialidades.

5.2.2

O mesmo se passa, de forma geral, com os agentes económicos, em especial com os consumidores e as PME, sendo que apenas as grandes empresas, designadamente multinacionais, possuem os meios técnico-jurídicos que lhes permite tirar partido da CR na redacção dos seus contratos, nomeadamente nos «contratos de adesão».

5.2.3

É igualmente convicção dos membros do CESE, baseada na sua experiência pessoal nos locais de origem, que esta situação prejudica a normal negociação contratual e está na origem de conflitualidade acrescida nas transacções transfronteiras.

5.3   QUESTÃO 2

A resposta a esta questão consta desenvolvidamente dos pontos 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, 1.6, 1.7, 1.8, 1.9 e 1.10 do presente parecer.

5.4   QUESTÃO 3

O CESE, tal como referido em vários dos seus pareceres, citados ao longo deste parecer, vem denunciando, de há muito, a inconveniência da multiplicidade e da dispersão de normas com incidência sobre a lei aplicável por vários instrumentos comunitários, tendo salientado a conveniência da sua sistematização, por forma coerente e coesa, num único instrumento comunitário sobre a matéria.

5.5   QUESTÃO 4

5.5.1

O CESE entende que a introdução de uma cláusula com o sentido da proposta feita pela Comissão no ponto 3.1.2.2 do LV é de aplaudir sobretudo na medida em que permite contrariar o abuso da utilização da autonomia da vontade como meio de afastar a aplicação de normas mais protectoras dos direitos de certos contratantes mais fracos.

5.5.2

A resposta consta do ponto 4.10.2.1 do presente parecer, onde se sugere uma alteração à redacção proposta no LV, na medida em que estão em causa normas que, apesar de fundadas em actos de direito comunitário, serão normas de fonte interna.

5.6   QUESTÃO 5

No que se refere às relações com convenções internacionais de que os Estados-Membros são parte e que incluem normas de conflitos, julga-se que o inconveniente menor resultante da aplicação, em casos específicos, de regras de conflitos que se afastem das previstas num instrumento comunitário será menos grave do que a denuncia dessas Convenções. Deverá, assim, manter-se a orientação da primeira parte do artigo 21.o da CR. Quanto a uma futura vinculação a Convenções de unificação de regras de conflitos já existentes ou que venham a ser acordadas, tal vinculação, considerando o primado do direito comunitário, só deverá ser eficaz se as mesmas não incidirem sobre o objecto do Regulamento. Assim, o Regulamento não há-de prejudicar a faculdade de vinculação a Convenções de direito material uniforme, mas também não parece obstar a que os Estados-Membros se vinculem a Convenções que alarguem as orientações normativas do Regulamento a outros estados que não façam parte da União Europeia.

5.7   QUESTÃO 6

A resposta a esta questão foi dada circunstanciadamente no ponto 4.5.3.

5.8   QUESTÃO 7

Olhada do ponto de vista dos interesses dos segurados/tomadores de seguros individuais, o CESE entende que a solução encontrada pela CR não é a que melhor acautela os seus direitos. Nessa medida, o caso dos segurados/tomadores de seguros individuais deve ser assimilado à previsão relativa aos consumidores, independentemente de o segurador estar ou não estabelecido no espaço comunitário. Por outro lado, é sabido que certas directivas sobre seguros contêm normas que influem sobre a lei aplicável (cfr. Directivas 88/357/CEE, de 22/06/1888, 90/619/CEE de 08/11/1990 e 83/2002/CE de 05/11/2002 ) mas, a benefício do objectivo unificador, será de ponderar a conveniência de incluir todos os contratos de seguro no Regulamento, adoptando um regra de conflitos especial que contenha as orientações mais desejáveis nesta matéria.

5.9   QUESTÃO 8

A resposta a estas questões foi dada desenvolvidamente nos pontos 4.5.1 e 4.5.2.

5.10   QUESTÃO 9

A resposta a esta questão encontra-se fundamentada no ponto 4.5 sendo certo que os termos da alternativa colocada pela Comissão não se excluem e são perfeitamente conciliáveis e complementares. Todavia, parece ser curial admitir que determinar se ocorreu uma escolha tácita deverá ser missão do julgador em cada caso, segundo os elementos factuais e probatórios que lhe apresentem.

5.11   QUESTÃO 10

A resposta a esta questão encontra-se desenvolvida no ponto 4.6.1.

5.12   QUESTÃO 11

A resposta a esta questão acha-se fundamentada no ponto 4.6.3.

5.13   QUESTÃO 12

As respostas às várias questões colocadas e a outras conexas, acham-se largamente desenvolvidas no ponto 4.7.

5.14   QUESTÃO 13

A resposta acha-se desenvolvida e fundamentada no ponto 4.10.

5.15   QUESTÃO 14

A resposta está dada no ponto 4.8.

5.16   QUESTÃO 15

A resposta está dada no ponto 4.8.

5.17   QUESTÃO 16

A resposta encontra-se largamente desenvolvida no ponto 4.10.

5.18   QUESTÃO 17

A resposta acha-se enunciada no ponto 4.11.

5.19   QUESTÃO 18

A resposta encontra-se fundamentada no ponto 4.13.

5.20   QUESTÃO 19

A resposta acha-se identicamente desenvolvida no ponto 4.13.

5.21   QUESTÃO 20

A resposta acha-se enunciada no ponto 4.14.

5.22

Além destas questões, recorda-se que o presente parecer tratou outras matérias não especificamente contidas no questionário, como foram, nomeadamente, as relativas à estrutura da CR (pontos 4.2.2 e 4.2.3), aos efeitos de uma escolha posterior da lei competente pelas partes (4.5.5), ao contrato de transporte de mercadorias (4.6.4.2), à lei aplicável à capacidade das pessoas colectivas (4.12.2).

VI —   CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

6.1

Aos dois grandes objectivos do Livro Verde, a transformação da Convenção de Roma num instrumento comunitário e a modernização do seu texto, o Comité responde afirmativamente, e aconselha que tal se faça com a brevidade compatível com a dificuldade da matéria.

6.2

Entende o Comité que o instrumento jurídico comunitário a utilizar deverá ser o Regulamento e concorda com a base jurídica dos artigos 61.o c) e 65.o b) do Tratado, apontada pela Comissão.

6.3

O Comité reafirma, no essencial, os grandes princípios enformadores da Convenção e entende que devem ser mantidos como estruturantes do Regulamento.

6.4

Nas suas propostas, que deixa enunciadas detalhadamente, o Comité orientou-se fundamentalmente pela necessidade não só de actualizar várias disposições da Convenção de Roma face à evolução do comércio das transações intracomunitárias e aos novos instrumentos contratuais, designadamente nas vendas à distância, mas também de resolver várias questões de interpretação suscitadas pela doutrina e pelos tribunais durante a vigência da Convenção de Roma.

6.5

No parecer que formula, e nas respostas às 20 questões suscitadas pela Comissão, para além de outras de sua iniciativa, o Comité procurou apresentar soluções que mantenham o equilíbrio de interesses das partes envolvidas, no respeito dos princípios do Direito consagrados como património comum das ordens jurídicas dos países membros.

6.6

O Comité tem no entanto, a consciência de que não esgotou o assunto, e aconselha, por isso, a Comissão a que, na elaboração final do texto que irá propor, tenha na devida conta todos os contributos que lhe chegarem como resultado da sua iniciativa muito louvável do presente Livro Verde.

Bruxelas, 29 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  Cf. pergunta 2/LV.

(2)  Cf. designadamente, os pareceres sobre a Proposta de regulamento relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO C 117 de 26/4/2000, sobre a Iniciativa da RFA com vista à adopção de um regulamento do Conselho relativo à cooperação entre os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros no âmbito da obtenção de provas em matéria civil e comercial (JO C 139 de 11/5/2001, sobre a Proposta de decisão do Conselho relativa à criação de uma rede judiciária europeia em matéria civil e comercial (JO C 139 de 11/5/2001, sobre a Proposta de directiva do Conselho relativa à citação e à notificação nos Estados-Membros de actos judiciários e extra-judiciários em matéria civil e comercial (JO C 368 de 20/12/1999, sobre a Proposta de regulamento que cria o Título Executivo Europeu, (JO C 85 de 8/4/2003, sobre o »Relatório da Comissão sobre a aplicação da Directiva 93/13/CEE relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores» (JO C 116 de 20/4/2001, sobre o Livro Verde relativo a um procedimento europeu de injunção de pagamento e a medidas para simplificar e acelerar as acções de pequeno montante (COM(2002) 746 final) JO C 220/2-16.9.2003.

(3)  JO C 19 de 23/01/1999.

(4)  JO C 117 de 26/04/2000.

(5)  JO C 241 de 7/10/2002.

(6)  De que se destacam os Trabalhos do Grupo Europeu de Direito Internacional Privado (http://www.drt.ucl.ac.be/gedip)

(7)  Entre os quais se destacam os Regulamentos (CE) 1346, 1347 e 1348/2000 de 29 de Maio de 2000, sobre o processo de insolvência, a competência, o reconhecimento e a execução em matéria matrimonial e de regulação de poder patronal, a citação e a notificação de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial (JO L 160 de 30/06/2000), o Regulamento CE 1206/2001 de 28 de Maio de 2001, relativo a obtenção de provas em matéria civil e comercial (JO L 174 de 27/06/2001), a Proposta de regulamento do Conselho sobre o Título Executivo Europeu (COM(2002) 159 final), o Livro Verde sobre os modos alternativos de resolução de conflitos em matéria civil e comercial (COM(2002) 196 final de 19/4/02), o Livro Verde sobre a Responsabilidade Civil decorrente de Produtos Defeituosos (COM(1999) 396 final de 28/7/1999), a Directiva 2000/35/CE de 29 de Junho sobre as medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (JO L 200 de 08/08/2000), a Directiva 2002/65/CE de 23 de Setembro de 2002 relativa à comercialização à distância de serviços financeiros (JO L 271 de 09/10/2002), a Directiva 1999/44/CE de 25 de Maio de 1999 relativa a certos aspectos de venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO L 171 de 07/07/1999), a Directiva 97/7/CE, de 20 de Maio de 1995 relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO L 144, de 04/06/1997), a Comunicação da Comissão relativa à Codificação do Acervo Comunitário (COM(2001) 645 final), a Decisão 2003/48/JAI do Conselho de 19/12/2002, relativa à cooperação policial e judiciária na luta contra o terrorismo (JO L 16 de 22/01/2003), a Directiva 2002/8/CE de 27/01/2003, relativa ao acesso à justiça nos litígios transfronteiras (JO L 26 de 31/01/2003), a Directiva 98/27/CE de 19/05/1998, relativa às acções inibitórias (JO L 166 de 11/06/1998).

(8)  Cf. o Plano de Acção sobre a Maior Coerência no Direito Europeu dos Contratos, Comunicação da Comissão COM(2003) 68 final de 12/02/2003.

(9)  Cf. doc. COM(2003) 427 final de 22/07/2003 — http: //europe.eu.int./comm/dgs/justice_home/index_fr.htm.

(10)  A formalidade própria do direito internacional privado é, de resto, propícia aos esforços de unificação pois que a sua justa disciplina é amiúde independente das circunstâncias específicas de cada comunidade nacional. Mais assim ainda no domínio contratual, atendendo à tendencial identidade dos propósitos dos intervenientes, independentemente da sua situação geográfica. Isto não tolhe que certos objectivos normativo-materiais soçobrem, mas sobre eles há também um difundido acordo no seio da Comunidade, restando indagar sobre a adequação das normas existentes em face dos resultados materiais que se desejam, como será o caso da protecção da parte considerada mais fraca. Nesta indagação, mutatis mutandis, poderão ainda servir as reflexões recentes, feitas a propósito do reg. «Bruxelas I».

(11)  Aliás a unificação conflitual, fazendo decair o fenómeno da escolha do foro em função da lei considerada competente por cada sistema de dip nacional, permite, outrossim, reforçar os propósitos da unificação das regras sobre competência jurisdicional internacional, ao tornar indiferente a escolha do foro em que se proponha a acção, de entre os vários que, eventualmente, se ofereçam ao autor em alternativa, pelo menos do ponto de vista da lei que tal foro venha a aplicar, o que não só incrementa a unidade do mercado, como agiliza a vida comercial do mercado único. Mais um dado aliás para propor a complementaridade dos dois ramos conflituais do direito internacional privado, ainda que se confirme a diversidade de valores e propósitos que neles se pretende prosseguir, pois que curam de problemas também distintos e que suscitam questões normativas diversas. Assim, a indiferença relativamente ao lugar de propositura da acção sempre acabará por estimular a circulação e o estabelecimento de pessoas e interesses em diversos locais, isto é, fomentará uma mobilidade real no mercado comum, assente em necessidades reais, sem contudo a forçar só porque em certo país se consideraria competente uma mais favorável lei.

Cfr. M. GIULIANO, P. LAGARDE, op cit, p.5, insistindo em como a unificação das regras de conflitos em matéria contratual seria «o prolongamento natural da Convenção sobre a competência judiciária e a execução das decisões» e também M. GIULIANO, op. cit, loc.cit, sublinhando como a CR seria esse «complemento naturale» da Convenção de Bruxelas de 1968, in quanto essa avrebbe evitato il forum shopping che l'ultima Convenzione lasciava «in qualche modo aperto in materia di contrat»i.

(12)  Cfr. M. GIULIANO, P. LAGARDE, Relatório introdutório à Convenção sobre à lei aplicável às obrigações contratuais, de 19 de Junho de 1980, JOCE, C.327 de 11/XII/1992, p. 4 s.; e ainda M. GIULIANO, Osservazioni introduttive, in Verso una disciplina comunitaria della legge applicabile ai contratti, Pádua, 1983, p. XXI, sugerindo a eloquente metáfora, segundo a qual, a CR deveria «guardarsi come ad una »“tessera” di quello spazio giuridico comune», mirando «garantire alle persone fisiche e giuridiche operanti nel quadro della Comunità un più elevato grado di sicurezza giuridica nei loro rapporti contrattuali, tanto all''interno come verso l'esterno, contribuendo [...] a facilitare il funzionamento del mercato comune».

(13)  Eventualmente a bem da própria teleologia das regras de conflitos, como sucede com a protecção de certas categorias de pessoas, já que, mesmo ao assegurar-se um patamar mínimo de protecção, realizando assim políticas legislativas ou comunitárias, ainda assim se pretende não desvirtuar o sentido da escolha conflitual que deverá estribar-se na real autonomia de ambas as partes.

(14)  E, em alguns domínios, é já longa a história da unificação material e dos seus sucessos, mas o seu carácter parcial continua a reclamar a unificação em matéria conflitual. Cfr., sobre a unificação e sobre a harmonização do direito material dos contratos, o Plano da Comissão referido em texto na nota 8 e o Parecer do Comité Económico e Social sobre a Comunicação da «Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre o direito europeu dos contratos», JO C 241, de 7/10/2002.

(15)  Na análise a que se procede têm-se em boa conta as judiciosas propostas de alteração saídas da longa e aturada reflexão do GEDIP, acolhendo-se amiúde as suas sugestões.

(16)  Cfr. Pergunta 7/LV.

(17)  Inter alia, tratam-se as perguntas 8 e 9/LV.

(18)  Claro está que tal não obstará a uma referência material para tais conjuntos normativos, que assim, ainda que dependendo da posição da lex contractus, se considerariam incorporados no conteúdo negocial, para além de que algumas dessas normas se encontrarão em vigor em certos Estados. Fazer passar pelo crivo conflitual dos ordenamentos estatais o recurso a tais corpos de normas materiais, parece não ser um elemento de grande entorpecimento do comércio internacional, para além de poder ser um modo de favorecer a segurança jurídica (ainda que os Estados possam reservar para as partes ampla liberdade neste domínio, e não obstante subsista a faculdade de proceder ao dépeçage do contrato dentro de certos limites). Na verdade, ainda que se viesse a permitir uma tal escolha, sempre os Estados poderiam obstar a que se aplicassem algumas dessas normas internacionais, mediante a elaboração de normas de aplicação necessária e imediata.

(19)  Aliás, para estes casos, já se vem sustentando que, mesmo à luz da actual versão da CR, será de aceitar a possibilidade de uma referência conflitual para um corpo de normas de uma convenção internacional, ainda que o Estado do foro não seja parte desta Convenção e desde que esta preveja esse tipo de electio iuris.

(20)  Deste ponto de vista, tratar-se-ia apenas de uma clarificação, embora o ponto não seja pacífico. Esta é uma conclusão que, não só não é precludida pela teleologia da CR, como antes por ela seria aconselhada. Assim, fazer recair a electio iuris directamente sobre uma Convenção, equivalerá a uma escolha indirecta, isto é, a escolher (expressa ou tacitamente) um ordenamento estatal que permita uma tal referência para um regime de uma Convenção internacional – o que, em princípio, será o caso da lei de um Estado vinculado a uma Convenção que expressamente permita que as partes provoquem a sua aplicação através de uma cláusula de escolha, uma professio iuris (cfr. o caso das Regras de Haia-Visby, de 1968, e da Convenção de Hamburgo, de 1978, em matéria de transporte de mercadorias por mar).

É a teleologia da CR e são os valores próprios do dip que nos conduzem a esta conclusão. A CR, por um lado, estimula o escrupuloso respeito pela vontade das partes; por outro lado, é inegável que aceitar a referência conflitual feita pelas partes para um tal regime internacional (uma vez que seja averiguado o real sentido da vontade das partes), sempre seria o melhor meio para proteger a segurança jurídica e a previsibilidade, isto é, para salvaguardar as expectativas das partes que conformaram a sua vontade e o conteúdo negocial tendo em conta a disciplina de tal Convenção internacional. Uma tal interpretação não deixaria ainda de ser eficaz na prevenção do fenómeno do fórum shopping.

Finalmente, esta solução poderá acabar por favorecer a unificação normativa internacional, nomeadamente, quando estivermos perante diferentes versões de uma mesma Convenção que haja sido sujeita a revisão, não coincidindo as Partes dessas diferentes versões. Neste caso, desde que não esteja obrigado a aplicar uma anterior versão da Convenção em causa, atendendo às conexões objectivas apresentadas pelo caso, o foro poderá assentir na aplicação de uma versão diferente daquela a que esteja vinculado, precisamente porque foi escolhida pelas partes, que sempre poderiam ter escolhido a lei de um Estado vinculado à nova versão, que já contemplasse a sua aplicabilidade em virtude da vontade das partes.

Já a referência das partes para uma convenção que não veja na autonomia privada uma conexão capaz de desencadear a sua aplicabilidade, sempre poderá ser entendida como uma referência material, isto é, como uma incorporação material das normas do regime internacional no contrato.

(21)  Cfr. pergunta 10/LV.

(22)  Ibidem.

(23)  Cfr. pergunta 11/LV.

(24)  Cfr. pergunta 12/LV.

(25)  Será o caso, designadamente, do principio da autonomia da vontade em razão da ausência de uma real igualdade das partes, especialmente nos chamados «contratos de adesão»; é o caso da presunção geral do art. 4.o n.o 2, na medida em que na maior parte dos casos aponta para a lei do profissional; será também o caso de uma interpretação estrita do art. 7.o, que não inclua na sua previsão, como «lei de policia», as normas relativas à protecção dos consumidores.

(26)  Lei de 27 de Junho de 2000, Bundesgesetzblatt, a. 2000, parte I, n.o 28, de 29 de Junho de 2000.

(27)  Cfr. perguntas 14 e 15/LV.

(28)  Refira-se que o Comité se irá pronunciar proximamente sobre a Comunicação da Comissão relativa à «Aplicação da Directiva 96/71/CE» [COM(2003) 458 final de 25.07.03].

(29)  Cfr. perguntas 13 e 16/LV.

(30)  Neste caso talvez só ficando de fora, ainda que não necessariamente à luz do art. 7.o, as normas de transposição da lei da situação do imóvel, no caso de para o timesharing se escolher a lei de um Estado terceiro, e, ainda assim, apenas quando o consumidor não residisse num Estado-Membro — no caso de residir, o patamar mínimo de protecção da lex domicilii ainda seria aplicável, se o art. 5.o passasse a contemplar os contratos com consumidores que envolvam imóveis).

A seguir-se esta última via, estaríamos a precisar o que se deveria entender por conexão estreita nas diversas directivas relativas a normas de protecção, nas quais se determina, geralmente, que os Estados deverão assegurar a aplicação no seu território das normas de transposição, sempre que o contrato exiba uma conexão estreita com um Estado-Membro, posto que a aplicação de certas normas imperativas de outros ordenamentos ainda fosse possível à luz do art. 7.o (note-se ainda que, mesmo de acordo com o direito derivado, o que seja uma conexão estreita capaz de desencadear a aplicação das normas de protecção resultantes de uma transposição, sempre seria algo que poderia ser determinado pelo julgador, dependendo de como houvessem sido transpostas as directivas, isto é, dependeria de saber se os legisladores internos haviam ou não precisado tal noção a fim de provocar a aplicação das normas de aplicação necessária e imediata de transposição).

(31)  Por um lado, convirá reconhecer desde logo que a disposição do n.o 1 do art. 7.o, conquanto possa eventualmente ser um meio para convocar normas imperativas de transposição do direito comunitário (contanto que preencham os requisitos aí expostos), não terá como fundamento valorativo ou como ponto axial o desejo de dar relevo às políticas legislativas estrangeiras (sejam de Estados-Membros ou de Estados terceiros), ou a vontade de atender aos modos como, normativamente, os ordenamentos terceiros (i.e., que não sejam a lex fori, nem a lex causæ) dão corpo a certas concepções de organização económico-social do Estado. O escopo de uma tal norma há-de ser encontrado entre os objectivos normativos do dip, aí é que acharemos o fundamento da consideração ou da aplicação dessas normas que não seriam chamadas pelo normal funcionamento da regra de conflitos. Parecerá, portanto, que essa norma se propõe conseguir a uniformidade de valoração de uma dada situação jurídica plurilocalizada, não deixando entretanto de atender às legítimas expectativas das partes, pois que as normas a contemplar pertencerão a um ordenamento que apresente com o caso uma conexão estreita. Pretende-se, assim, evitar no foro uma decisão diferente da que se obteria alhures, evitando também o forum shopping (e, eventualmente, não dando azo a que, por exemplo, em sede de reconhecimento ou de execução, a decisão alcançada choque com a reserva de ordem pública num terceiro Estado, por estarem em causa normas capazes de integrar o âmbito da ordem pública internacional desse Estado — e, deste ponto de vista, será talvez lícito admitir que as normas que mais preocuparão o juiz do foro serão precisamente aquelas que prosseguem interesses públicos, ainda que se continue a sustentar uma definição não material das normas previstas no art. 7.o).

De outra banda, a interferência dessas normas sempre poderá ser um obstáculo à segurança jurídica, para além, et pour cause, das dificuldades de aplicação que se possam levantar no caso concreto, sobretudo quando confrontadas com normas provenientes de outros ordenamentos.

(32)  Cfr. pergunta 17/LV.

(33)  Perante o texto actual, três interpretações parecem ser sustentáveis. De uma banda, pode entender-se a referência às pessoas singulares como exclusiva, precludindo a aplicação de idêntica orientação às pessoas colectivas. De outra banda, poderá defender-se a aplicação analógica da norma, também às pessoas colectivas. Finalmente, pensando na parcimónia que qualquer instrumento internacional, em que se empenham as vontades soberanas e as políticas estatais, pede ao exercício da aplicação analógica das suas normas, a fim de não desvirtuar o compromisso internacionalmente aceite e a medida da unificação que foi pretendida, considerando as divergências que se foram erguendo em torno da «teoria do interesse nacional», e reparando em que a CR não pretendeu reger, nem a questão da capacidade, nem as matérias atinentes às pessoas colectiva, poderia concluir-se que a CR só quis tratar o tema da capacidade nesta exígua medida, e que aí se limitou o acordo unificador dos Estados contratantes, e que, portanto, tudo que à capacidade respeitasse e que ultrapassasse o disposto na norma do art. 11.o ficaria na disponibilidade dos Estados contratantes. Logo, cada Estado determinaria se estender, ou não, às pessoas colectivas aquele preceito, precisamente, porque quanto a essa questão se não teria conseguido a unificação.

(34)  Cfr. perguntas 18 e 19/LV.

(35)  Vide M. GIULIANO, P. LAGARDE, op. cit., p. 32.

(36)  Cfr. pergunta 20/LV.


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/23


Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Adoptar as políticas em matéria de cibercomércio a um ambiente em mudança: a experiência adquirida com a iniciativa «Go Digital» e os desafios futuros

COM(2003) 148 final

(2004/C 108/02)

Em 27 de Março de 2003, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 16 de Dezembro de 2003, sendo relator McDONOGH.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 106 votos a favor, 3 votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Introdução e resumo

1.1

O Comité manifesta o seu apoio à Comunicação da Comissão «Adoptar as políticas em matéria de cibercomércio a um ambiente em mudança: a experiência adquirida com a iniciativa “Go Digital” e os desafios futuros», não deixando de sublinhar que determinados domínios políticos mereceriam mais atenção.

1.2

Considera que a Comissão Europeia elaborou uma excelente proposta sobre a necessidade de os Estados-Membros e as regiões reorientarem as políticas em matéria de comércio electrónico e de passarem da simples promoção deste comércio à ajuda às Pequenas e Médias Empresas (PME) para que estas aproveitem plenamente as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) na restruturação, automatização e racionalização dos processos empresariais.

1.3

O Comité acolhe favoravelmente a abordagem muito pragmática proposta na Comunicação para obter este apoio político para as PME — com o enquadramento das políticas específicas em matéria de cibercomércio e à instalação de uma Rede Europeia de Apoio ao cibercomércio para as PME — a fim de garantir uma estreita colaboração entre os responsáveis das políticas nesta matéria a nível europeu, nacional e regional no conjunto da UE.

1.4

Congratula-se igualmente com o facto de a comunicação insistir na necessidade de os responsáveis políticos fixarem objectivos, tanto quantitativos como qualitativos, baseando-se no princípio SMART [objectivos específicos (specific), mensuráveis (measurable), realizáveis (achievable), realistas (realistic) e oportunos (timely)]. Uma das condições essenciais para gerir correctamente as iniciativas políticas e avaliar o seu impacte no terreno é calcular os progressos efectuados em função de objectivos realistas pertinentes.

1.5

O Comité tem para si que ainda há muito a fazer para criar esse ambiente favorável ao cibercomércio em numerosas regiões da União Europeia e considera que esta exigência fundamental deveria ser reflectida no quadro de políticas de cibercomércio especificamente destinadas às PME estabelecido pela Comissão. O Comité convida a Comissão a coordenar os esforços envidados pelos governos nacionais para a realização de políticas abertas e transparentes em matéria de contratos públicos, de modo a garantir a participação das PME em condições equitativas.

1.6

O Comité crê que seria possível acrescentar um quarto domínio/desafio político para melhorar o ambiente para o cibercomércio, por exemplo, garantindo o acesso comercial essencial à Internet, elaborando programas de sensibilização orientados e permanentes para suscitar nas PME a confiança necessária ao cibercomércio, estabelecendo recomendações e adoptando medidas técnicas a nível comunitário para limitar as consequências nefastas para o cibercomércio da prática do spam.

2.   Observações na generalidade

2.1

O Comité considera que a Comissão Europeia elaborou uma excelente proposta sobre a necessidade de os Estados-Membros e as regiões reorientarem as políticas em matéria de comércio electrónico para passarem da simples promoção deste comércio à ajuda às Pequenas e Médias Empresas (PME) para estas aproveitarem plenamente as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) no sentido de reestruturar, automatizar e racionalizar os processos empresariais.

2.2

Simultaneamente, as propostas virão favorecer o consumidor. Um mercado justo, fiável, uma concorrência leal e o uso correcto das TIC, aumentarão em conjunto a confiança no comércio electrónico, que tão necessária é para o desenvolvimento deste mercado.

2.3

De uma maneira geral, admite-se que as PME, que representam mais de 99 % de todas as empresas na Europa, desempenham um papel essencial no estímulo à inovação, ao crescimento e ao emprego. Mais, a utilização eficaz das TIC permite aumentar a produtividade e melhorar a competitividade. Assim, a abordagem realista preconizada pela Comissão promove um apoio activo à estratégia de Lisboa destinada a, até 2010, transformar a Europa na economia baseada no conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo. A abordagem muito pragmática proposta na Comunicação inclui o enquadramento para políticas específicas em matéria de cibercomércio para utilização das PME e a criação de uma rede europeia de apoio ao cibercomércio para as PME a fim de garantir uma estreita colaboração entre os responsáveis das políticas nesta matéria a nível europeu, nacional e regional no conjunto da UE.

2.4

O desenvolvimento desta economia competitiva assente no conhecimento imporá alterações significativas no ambiente empresarial que as PME enfrentam — os processos empresariais, as relações comerciais, a tecnologia, o conhecimento e as capacidades necessárias para ter êxito nesta nova economia serão diferentes daquilo a que as pequenas empresas estavam habituadas e terão que adoptar uma transformação substancial.

2.4.1

Para sobreviverem e se desenvolverem, as PME, particularmente as microempresas (com menos de 10 empregados), necessitam de um mecanismo de apoio integrado e bem organizado a nível local, nacional e europeu e dentro do seu sector específico, que lhes sirva de amparo à medida que vão sofrendo esta transformação e adquirindo os conhecimentos de que necessitam para ter êxito.

2.5

A menos que as PME sejam ajudadas nesta transformação para uma economia do conhecimento, mediante apoio tangível dos responsáveis políticos, haverá repercussões negativas nas empresas, nos níveis de emprego e na sociedade, em toda a União.

2.5.1

O Comité acolhe favoravelmente a abordagem muito pragmática proposta na Comunicação para provocar este apoio político às PME, incluindo o enquadramento para as políticas específicas em matéria de cibercomércio e a instalação de uma Rede Europeia de Apoio ao cibercomércio para as PME, a fim de garantir uma estreita colaboração entre os responsáveis das políticas nesta matéria a nível europeu, nacional e regional no conjunto da UE.

2.6

A Comissão, ao instar os Estados-Membros a definirem, em matéria de cibercomércio, objectivos específicos conforme os sectores e as regiões, bem como objectivos quantitativos e qualitativos adequados, advoga fortemente as acções específicas, mensuráveis, exequíveis, realistas e oportunas (isto é, correspondendo ao princípio SMART), que permitirão acelerar de forma significativa a adopção eficaz das TIC e de processos de cibercomércio para as PME da União.

2.6.1

A Comissão apoia esta iniciativa, propondo um fórum de debate, de apoio e de coordenação das evoluções políticas ocorridas na UE (a Rede Europeia de Apoio ao Cibercomércio para as PME) e sugerindo um enquadramento para tais políticas e objectivos.

2.6.2

Além de identificar a maioria das questões políticas sensíveis, a Comissão reconhece também a que ponto é importante canalizar as numerosas iniciativas das PME em matéria de cibercomércio através de intermediários e catalisadores de confiança. Esta iniciativa para ajudar as PME merece ter todo o apoio do Comité.

2.7

O Comité congratula-se com a insistência da Comunicação na necessidade de os responsáveis políticos fixarem objectivos, tanto quantitativos como qualitativos, baseando-se no princípio SMART. Uma das condições essenciais para gerir correctamente as iniciativas políticas e avaliar o seu impacte no terreno é calcular os progressos efectuados em função de objectivos realistas pertinentes.

2.8

As PME deram os primeiros passos para a adopção do cibercomércio com a utilização quase generalizada do computador e da Internet. Contudo, ultrapassado este nível de base das TIC começa a fractura digital: há diferenças substanciais entre PME maiores e empresas mais pequenas (particularmente as microempresas com menos de 10 empregados) no grau de integração da tecnologia digital e entre as PME há também diferenças significativas em função da região ou do sector de actividade. Em particular, as empresas que adoptaram mais cedo as TIC efectuaram progressos importantes com o cibercomércio, ao passo que as que as adoptaram mais tarde precisaram de assistência significativa para alcançar as primeiras.

2.8.1

Daí a exigência de elaborar políticas específicas para dar resposta às necessidades particulares das PME e de sectores e regiões bem precisos, especialmente quem adoptou as TIC mais tarde. Enquanto subsiste a fractura digital, a vantagem em termos de concorrência de grandes empresas e de empresas que dispõem de um grau mais elevado de integração das TIC sobre as PME aumentará, com o risco imediato de estas serem erradicadas do mercado causando problemas económicos e sociais com efeitos devastadores. O Comité congratula-se por a Comissão ter tomado consciência destas diferenças e ter advogado que seja dada especial atenção a que esta fractura seja colmatada.

2.9

Ao ponderar o cibercomércio e uma maior utilização das TIC, as PME, particularmente as microempresas, preocupam-se com as questões em matéria de confiança e de segurança. O Comité desejaria, nestas observações na generalidade, convidar os responsáveis políticos a que tenham em consideração estas preocupações quando elaborarem as suas políticas.

2.10

A Comunicação explica que o papel das autoridades públicas na promoção do cibercomércio consiste fundamentalmente em assegurar um ambiente favorável às empresas neste domínio, o que permitiria atenuar os obstáculos à sua entrada no mercado e reduzir os custos e os riscos ligados aos investimentos nas TIC, favorecendo assim o acesso a novos mercados internacionais.

2.10.1

Um ambiente favorável ao cibercomércio compreenderia, nomeadamente, o estabelecimento de um quadro jurídico e regulamentar estável, a liberalização total do mercado das telecomunicações que acarretaria uma diminuição dos custos e um aumento do tipo e da qualidade das prestações de serviços, bem como a criação de serviços em linha em grande número de administrações públicas. O Comité convida a Comissão a prosseguir os seus esforços de definição de um quadro jurídico aceitável a nível mundial que impeça o surgimento de obstáculos a nível nacional e garanta, segundo as necessidades, transacções electrónicas seguras.

2.10.2

A Comunicação prossegue, explicando que tanto a nível europeu como nacional, foram já tomadas muitas das medidas necessárias para proporcionar este ambiente favorável ao cibercomércio. Dado que estes elementos de política «horizontal» são retomados no quadro do programa eEurope, bem como noutras iniciativas, o objectivo da presente Comunicação consiste em advogar políticas específicas para promover a utilização das TIC e o cibercomércio nas PME.

2.10.3

Contudo, o Comité tem para si que ainda há muito a fazer para criar esse ambiente favorável ao cibercomércio em numerosas regiões da União Europeia e considera que esta exigência fundamental deveria ser reflectida no quadro de políticas de cibercomércio especificamente destinadas às PME estabelecido pela Comissão. O Comité convida a Comissão a coordenar os esforços envidados pelos governos nacionais para a realização de políticas abertas e transparentes em matéria de contratos públicos, de modo a garantir a participação das PME em condições equitativas.

2.11

O quadro político da Comissão tem como objectivo global estimular e auxiliar as PME a adoptarem o cibercomércio. O quadro proposto inclui 3 grandes desafios ou domínios de acção política, agrupando cada um as políticas específicas. O Comité concorda com o quadro de acção e com as linhas gerais da política da Comissão e seguirá a sua aplicação com particular interesse.

2.11.1

O desenvolvimento deste quadro, bem como das políticas específicas dele resultantes, são da competência da Comissão e dos responsáveis políticos. Todavia, o Comité deseja manifestar o seu pleno acordo com a lista de acções estabelecida na Comunicação e declara-se favoravelmente impressionado pela lista de objectivos possíveis que é apresentada na proposta. No presente parecer, o Comité sublinha também alguns outros domínios de acção política que, em sua opinião, se deveriam incluir no quadro.

2.12

Como já se mencionou no ponto 2.10.3 supra, poder-se-ia acrescentar um quarto domínio/desafio político para melhorar o ambiente para o cibercomércio. O Comité também poderia contestar o agrupamento num único domínio político das acções que consistem em melhorar tanto a compreensão como as competências dos responsáveis empresariais em matéria de cibercomércio: poderia talvez ser mais claro se fosse transformado em dois desafios distintos. Na parte seguinte do parecer, o Comité aduz observações sobre estas questões, bem como sobre outros domínios das recomendações políticas, que considera merecerem uma referência especial. Nestas suas observações, o Comité segue a linha dos seus pareceres anteriores relacionados com esta matéria (1).

3.   Questões políticas específicas

3.1   Ambiente do cibercomércio

3.1.1

Deve ser mantida a pressão sobre os Estados-Membros para garantir que o acesso comercial essencial à Internet (quer tenha sido pensado para estar em acesso permanente em banda larga, ou apenas acesso rápido em tarifa plana) esteja disponível para uma elevada percentagem de PME, nomeadamente a nível regional, e que os custos de acesso são comparáveis às tarifas competitivas a nível da UE.

3.1.2

Há as tecnologias e regras necessárias para um ambiente seguro para o cibercomércio. Contudo, é indispensável elaborar programas de sensibilização orientados e permanentes para suscitar nas PME a confiança necessária ao cibercomércio.

3.1.3

A prática do spam ou correio electrónico comercial não solicitado (UCE – Unsolicited commercial e-mail) pode representar graves incómodos e custos, particularmente para os escassos recursos de que dispõem as PME que experimentam as transacções electrónicas. Mina igualmente a confiança que colocam na segurança do processo. Há que estabelecer recomendações e tomar medidas técnicas a nível comunitário para limitar as consequências nefastas que esta ameaça faz pesar sobre a adopção do cibercomércio.

3.1.4

Embora se deva incentivar a participação nos mercados electrónicos, os problemas específicos suscitados pelas contralicitações devem ser objecto de medidas políticas aos níveis comunitário, nacional e regional. Graças às contratações através de contralicitações as grandes empresas podem exercer uma pressão exagerada sobre as PME e reduzir drasticamente as suas margens de lucro. Levado ao extremo, este processo pode colocar em perigo a própria viabilidade da PME. Experiências negativas com as contralicitações podem suscitar nas PME um sentimento de desconfiança relativamente ao cibercomércio. A Comissão deveria garantir a aplicação de códigos de boa conduta no conjunto da UE.

3.1.5

Dado que cada vez mais PME participam na economia digital, o registo e a propriedade de nomes de domínios começam a causar problemas. O Comité gostaria de convidar a Comissão a instalar políticas de luta contra o cyber-squatting (acção que consiste em certas empresas ou indivíduos reservarem nomes de domínios inactivos, o que impede outras empresas já estabelecidas de adquirir o nome do domínio correspondente à sua marca comercial registada).

3.1.6

Os governos deveriam ser incentivados a instalarem o mais amplamente possível serviços de administração pública em linha, bem como processos de adjudicação electrónica de contratos, tendo em conta as competências limitadas de certas PME.

3.1.6.1

Tais G2B government-to-business (transacções entre administrações e empresas) e B2G business to government (entre empresas e administrações) incentivam as PME a utilizarem mais as TIC e o cibercomércio. Demonstram também a eficácia e a utilidade que o cibercomércio tem para as PME, familiarizando-as com a tecnologia e as suas vantagens.

3.1.6.2

Contudo, em alguns países, a contratação pública de bens e serviços é superior a 50 % de todas as compras no Estado. Assim, a instalação governamental de sistemas de contratação pública electrónica terá um grande impacte na adopção de processos de cibercomércio pelas PME e na capacidade de todas as PME participarem, numa base equitativa, na economia do consumo de produtos e serviços pelo governo. É importante que os sistemas de contratação pública electrónica sejam aplicados de forma a terem em conta as necessidades particulares das PME. Se os governos não efectuarem esforços específicos nesta matéria, muitas PME serão prejudicadas.

3.1.7

Para facilitar uma maior participação das PME nos processos de contratação pública, devem ser efectuados esforços para reduzir a complexidade e o custo do cumprimento das regras comunitárias em matéria de contratos públicos.

3.1.8

Deve ser dada atenção ao desenvolvimento de portais comerciais nacionais ou regionais — semelhantes ao modelo de Singapura — de forma a facilitar e a tornar eficiente a participação das PME na nova economia e a optimizar os benefícios económicos gerais resultantes da aplicação extensiva dos processos de cibercomércio.

3.2   Compreensão dos gestores empresariais

3.2.1

Nas empresas, a adopção de novas tecnologias importantes e a alteração de métodos comerciais dependem por fim dos seus gestores e dirigentes. Este facto é particularmente evidente no caso das PME. Contudo, a maioria dos responsáveis das PME têm uma compreensão limitada das TIC e das suas vantagens potenciais e a falta de compreensão entre eles é um importante obstáculo à adopção das TIC e do cibercomércio.

3.2.1.1

O Comité acolhe favoravelmente a proposta da Comissão, que considera que as medidas políticas deveriam orientar-se para a melhoria da transferência de conhecimento para as PME graças às redes e grupos de trabalho de ajuda às PME.

3.2.1.2

Está também inteiramente de acordo com a Comissão quanto à necessidade de estabelecer exemplos resultantes de estudos de casos que possam demonstrar às PME as vantagens ligadas aos processos de cibercomércio e da facilidade da sua aplicação. Devem ser estudos de casos específicos, possuindo uma dimensão local suficiente para terem importância para as PME envolvidas. Poderia ser igualmente útil acompanhar estes estudos de caso por uma análise financeira dos benefícios registados. Em definitivo, são os benefícios financeiros a longo prazo que poderão realizar utilizando as TIC para instalar processos de cibercomércio que convencerão a maioria dos gestores a reorganizarem as suas empresas.

3.2.2

Independentemente da estudos em matéria de TIC e de cibercomércio, que é uma política de longo prazo, os gestores das PME precisam de apoio e orientação sobre as possibilidades que actualmente lhes são oferecidas em matéria de cibercomércio. São os consultores especializados das suas redes de apoio, em particular das organizações representativas das empresas e das organizações representativas da indústria, quem tem mais capacidade para os aconselhar na matéria. Devem ser efectuados esforços especiais para assegurar que a quantidade e a qualidade de tais consultores sejam suficientes para assegurar essa tarefa. Igualmente, conviria tomar as medidas necessárias em matéria de formação e de consultoria para chegar aos dirigentes de PME e lhes proporcionar o nível de compreensão de que necessitam.

3.2.3

Deveriam ser ponderados incentivos fiscais, ligados a iniciativas específicas mensuráveis, para que os gestores tomem iniciativas em matéria de cibercomércio nas suas empresas. As medidas de isenção fiscal poderiam aligeirar os custos da instalação e de funcionamento regular, o que seria um bom argumento financeiro em favor da maior utilização das TIC pelas PME.

3.2.3.1

O Comité está de acordo com o facto de que conviria zelar para que esses incentivos sejam harmonizados em toda a União, de forma equitativa, para garantir uma concorrência leal. É também vital supervisionar rigorosamente os incentivos fiscais para garantir que são usados apenas para os fins a que se destinam.

3.2.4

Gerir a considerável transformação exigida às PME para terem êxito na nova economia que rapidamente emerge imporá uma formação acelerada e contínua. Qualquer consideração de iniciativas políticas para promover a formação nas PME — compreensão dos responsáveis empresariais, capacidades tecnológicas e opções estratégicas — devem reconhecer a necessidade de promover redes sociais e um diálogo permanente nas PME.

3.3   Competências em matéria de cibercomércio

3.3.1

AS PME estão em desvantagem significativa no que toca a competências em matéria de cibercomércio e TIC.

Os profissionais no domínio das TIC e do cibercomércio são escassos; Muita da perícia disponível neste domínio foi atraída por empresas maiores, que podem pagar salários mais elevados por essas competências raras;

As economias de escala também vão contra as PME, onde a percentagem de pessoal de TI proporcionalmente ao total do pessoal é muito mais elevada que nas grandes empresas;

Igualmente em áreas remotas (onde se situam muitas PME) é difícil a transferência de conhecimento das novas tecnologias e competências.

3.3.1.1

Assim, as PME têm grande dificuldade em contratar competências em matéria de cibercomércio e de TIC, além de que são muito caras. Este facto constitui um imenso obstáculo a uma divulgação mais vasta dos processos de cibercomércio nas PME.

3.3.1.2

As iniciativas em favor da transferência de conhecimentos supramencionadas permitirão aos gestores tomar finalmente algumas das decisões estratégicas que se impõem. Contudo, haverá sempre necessidade de conselho pericial especializado e de apoio à aplicação e manutenção permanente, bem como de gestão de projectos de cibercomércio significativos.

3.3.1.3

As PME podem obter parte desta perícia através da sua rede de apoio. Os incentivos fiscais e os subsídios também podem permitir-lhes contratar peritos e formar os seus empregados. Contudo, quaisquer incentivos fiscais devem ser rigorosamente supervisionados para garantir que são usados apenas para os fins a que se destinam. Também se poderia promover a formação de redes e o intercâmbio de experiências entre os centros de competência especializados em cibercomércio.

3.3.2

Dado que a procura de consultores para as TIC não cessa de aumentar, seria desejável controlar a qualidade dos serviços por eles prestados, para proteger as PME de profissionais incompetentes e sem escrúpulos em matéria de TIC. Seria útil dispor de um processo de certificação de qualidade e de um código de conduta para consultores em TIC e cibercomércio que trabalham com PME com base em sistemas aprovados. As medidas políticas de apoio (nomeadamente as ajudas fiscais) deveriam ser limitadas a incentivar as PME a recorrer a consultores qualificados.

3.3.3

Os responsáveis políticos devem aceitar a ideia de que é preciso formar melhor a mão-de-obra para dar resposta às necessidades de uma economia do conhecimento do século XXI, extremamente dependente das TIC e de processos de cibercomércio. Há que alargar os programas existentes para alcançar mais indivíduos no mundo económico, ampliando-os e aprofundando-os para conseguir o nível de formação requerido. Esta formação deve começar nas escolas e continuar ao longo da vida, apoiada por adequadas redes sociais. O Comité partilha do entusiasmo da Comissão pela utilização das técnicas e aplicações de aprendizagem em linha nas PME, como complemento à formação tradicional do seu pessoal.

3.3.4

Os responsáveis políticos devem ter em conta a dimensão social da adopção do cibercomércio. A sociedade no seu todo deve ser associada e estimulada para apoiar a adopção do cibercomércio e constatar os benefícios que dele todos retiram.

3.4   Disponibilidade de soluções de cibercomércio

3.4.1

As PME precisam de obter soluções em matéria de cibercomércio acessíveis e pertinentes. Apesar do facto de as PME representarem mais de 99 % das empresas, a maioria das aplicações em matéria de cibercomércio, tal como os sistemas de Gestão das Relações com os Clientes (CRM: Customer Relationship Management) é concebida para dar resposta às necessidades das grandes empresas. As PME necessitam de soluções económicas, que possam ser rapidamente instaladas e sejam concebidas para dar resposta às suas necessidades específicas. Actualmente esse tipo de soluções é raro.

3.4.1.1

Impõem-se medidas políticas para agilizar o desenvolvimento de opções fiáveis e adequadas às TIC e às soluções de cibercomércio actualmente disponíveis que sejam acessíveis às PME e que vão suficientemente longe para satisfazer as suas necessidades específicas (1). O Comité considera positiva a sugestão da Comunicação para que as PME trabalhem em colaboração com as grandes empresas do sector das TIC para elaborar soluções que respondam às necessidades actuais, mas espera resultados concretos destas propostas que serão avaliados em profundidade com o correr do tempo (2). O Comité congratula-se com a importância dada à participação das PME no 6.o Programa-Quadro de IDT e por uma parte do orçamento deste programa ser consagrada às medidas de apoio ao desenvolvimento de software de fonte aberta e de soluções interoperáveis de cibercomércio, que sejam úteis e tecnicamente perfeitas de modo a constituir alternativas válidas e sérias (3) para as PME.

3.4.1.2

Apesar dos anúncios e da programação existente, não se tem dado relevância no percurso seguido pelo 6.o Programa-Quadro IDT ao envolvimento directo e palpável das PME nos programas, já que, na maioria esmagadora dos casos, estas não dispõem de estruturas, de saber fazer e dos conhecimentos tecnológicos apropriados, nem do pessoal adequadamente formado para terem uma participação credível e retirarem deles algum benefício.

3.4.2

A simplificação do sistema de registo de patentes a nível europeu encorajaria a comercialização de novas aplicações e tecnologia para as PME. Actualmente, os procedimentos de registo de patentes, muitos onerosos e dispendiosos, são um obstáculo às inovações de baixo custo e de pequena escala.

3.4.3

É de aprofundar a ideia da Comissão de promover a interoperabilidade do cibercomércio através de bancos de ensaio nacionais. É uma ideia que deve ser incentivada. Seria um trunfo valioso para as PME se a ideia fosse implementada tal como proposto pela Comissão. Contudo, o Comité não está persuadido de que o sector privado, como proposto pela Comissão, esteja suficientemente motivado para implementar o projecto numa base suficientemente larga.

3.4.4

Para estimular a inovação e o espírito empresarial no domínio da participação das PME no desenvolvimento de aplicações TIC, os responsáveis políticos poderiam talvez ponderar a questão de consagrar às PME uma percentagem das suas despesas orçamentais no domínio das TIC.

3.5   Mercados electrónicos e redes de cibercomércio

3.5.1

Os mercados electrónicos ganham importância para as PME em certos sectores, mas muitas delas não compreendem correctamente a forma de funcionamento das transacções entre empresas (B2B: Business to Business) nem possuem a infra-estrutura em matéria de TIC para aproveitar essas oportunidades. Conviria tomar medidas políticas para sensibilizar as PME pertinentes e ajudá-las a ultrapassar os obstáculos técnicos, económicos e jurídicos à sua entrada nos mercados. O Comité apela aos proprietários e aos administradores das PME que fiquem cientes das circunstâncias particularmente complexas que estão a ser geradas ao nível mundial com a abolição das barreiras comerciais e o recurso às novas tecnologias, e tenham a coragem de levar a cabo o necessário trabalho de modernização das suas empresas para poderem enfrentar as novas condições, particularmente exigentes, colocadas pela concorrência internacional.

3.5.2

O Comité insta a Comissão a considerar a oportunidade de criar processos de certificação para os mercados electrónicos para identificar os sítios que aplicam as melhores práticas na gestão das suas actividades.

3.5.3

O Comité solicita aos Estados-Membros que tenham em conta as necessidades específicas das PME quando criarem os seus sistemas de contratação pública electrónica e convida a Comissão a prosseguir as suas iniciativas para assegurar uma verdadeira coordenação ao nível europeu.

3.5.4

As redes de cooperação em matéria de cibercomércio oferecem numerosas vantagens potenciais às PME e o Comité apoia inteiramente as medidas políticas que encorajam o seu desenvolvimento. Para além dos benefícios comerciais directos que se podem obter da união de esforços de uma série de PME para fazerem uma oferta em contratos mais complexos ou mais importantes do que aquela que poderiam fazer por si sós, este tipo de rede facilita a transferência de conhecimentos e pode ajudar a colmatar as lacunas anteriormente referidas em matéria de competências e de conhecimentos. As PME também podem cooperar para desenvolver aplicações de cibercomércio que respondam às suas próprias necessidades. Deveriam ser ponderadas medidos políticas, incluindo ajudas financeiras, para propagar tais redes.

3.5.5

Quando participam em mercados electrónicos e redes de cooperação, as PME alimentam preocupações relativamente à privacidade e à protecção dos direitos de propriedade intelectual. Toda a segurança e certeza que a Comissão e os responsáveis políticos lhes possam dar a este respeito agilizaria o seu maior envolvimento.

3.6   Avaliação das iniciativas europeias destinadas a auxiliar as PME a entrar na era digital

3.6.1

O Comité exorta a Comissão a reexaminar as três linhas de acção e os progressos realizados a nível nacional e europeu na concretização das várias acções desenvolvidas em pormenor na sua comunicação: «Auxiliar as PME a entrar na era digital» [COM(2001) 136 final] e a extrair as necessárias conclusões dos atrasos acumulados.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico a Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  «eEurope 2002 – Uma Sociedade da Informação para Todos: Projecto de Plano de Acção» in JO C 123 de 25/4/2001, p. 36-46.

«A inovação numa economia assente no conhecimento» in JO C 260 de 17/9/2001, p. 118-125.

«Plano de acção eLearning: Pensar o futuro da educação» in JO C 36 de 8/2/2002, p. 63-71.

«Auxiliar as PME a entrar na era digital» in JO C 80 de 3/4/2002, p. 67-75.

«MODINIS» in JO C 61 de 14/3/2003, p. 184-187.

«Programa eLearning» in JO C 133 de 6/6/2003, p. 33-37.

«Relatório final sobre o eEurope 2002» in JO C 220 de 16/9/2003, p. 36-38.

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta da Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Adoptar as políticas em matéria de cibercomércio a um ambiente em mudança: a experiência adquirida com a iniciativa «Go Digital» e os desafios futuros


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/29


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à homologação dos veículos a motor e seus reboques, sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (reformulação)»

[COM(2003) 418 final — 2003/0153 (COD)]

(2004/C 108/03)

Em 28 de Julho de 2003, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 16 de Dezembro de 2003 (relator: P. LEVAUX).

Na sua 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou o presente parecer por unanimidade.

1.   Introdução

1.1   Objectivo da proposta

1.1.1

A presente proposta de directiva constitui uma reformulação da Directiva 70/156/CEE relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à homologação dos veículos a motor e seus reboques.

1.1.2

A directiva em apreço é o principal instrumento jurídico para a implementação do mercado único no sector automóvel. Por seu lado, os tractores agrícolas também serão incluídos neste processo graças à adopção de uma nova directiva que altera a Directiva-Quadro 74/150/CEE de 4 de Março de 1974. O Comité emitiu um parecer sobre este tema em 16 de Abril de 1969 (1).

1.1.3

A Comissão entende que é chegado o momento de alargar aos veículos comerciais os princípios estabelecidos para as outras categorias de veículos.

1.1.4

Depois de ter reunido, numa primeira etapa, os anexos técnicos da Directiva 70/156/CEE num documento único, a presente proposta de directiva (reformulação) constitui a segunda etapa de reformulação das disposições legislativas. Assim, a partir de 2007, será possível dispor de um processo de homologação alargado a todas as categorias de veículos comerciais tendo em mente que a homologação comunitária dos veículos particulares é obrigatória desde 1 de Janeiro de 1998 e desde 17 de Junho de 1999 para os motociclos e os ciclomotores.

1.1.5

A Comissão entende que através da adopção da presente proposta de directiva, que revoga a Directiva 70/156/CEE, a qual tinha sido objecto de 18 alterações, vamos dispor de um texto melhor estruturado que vai servir muito melhor os fabricantes, os Estados-Membros e os países candidatos.

1.2   Participação das partes na elaboração do projecto de directiva

1.2.1

Quanto aos Estados-Membros, a Comissão esclarece que estes tinham sido informados por intermédio do grupo consultivo e do grupo de trabalho sobre os veículos a motor (GTVM). Além disso, a Comissão teve em conta os trabalhos efectuados pelo grupo OTA («Operationnality of Type-Approval») e, em grande medida, teve igualmente em consideração os trabalhos do grupo de trabalho TAAM («Types-Approval Authorities Meeting»). A maioria dos peritos dos governos são favoráveis à proposta, com certas reservas, porém, a respeito da homologação obrigatória ou facultativa dos veículos comerciais.

1.2.2

A Comissão sublinha que o impacto da proposta de directiva é muito vasto. No quadro do ponto 5, n.o 2, da sua exposição de motivos (Anexo 1 do presente parecer), a Comissão compara as produções anuais dos EUA, do Japão e da Europa dos Quinze da totalidade dos «Veículos particulares + Camionetas + Veículos comerciais pesados». Estando esta produção a estagnar na Europa dos Quinze, é pena que a Comissão não tenha acrescentado, a título de previsão, uma coluna para os doze países candidatos, nos quais os industriais ocidentais estão a realizar grandes investimentos que resultam num aumento da produção nacional (2). Ao mesmo tempo, a Comissão assinala que o número de veículos comerciais na Europa dos Quinze aumentará de 24 829 000 em 2000 para 32 867 000 em 2014. O Comité compreende perfeitamente que a proposta de directiva se aplicará a vários milhões de veículos, mas considera desejável que a Comissão esclareça os dados numéricos que apresenta para que sejam mais transparentes, pois a Europa dos Quinze comportará 27 Estados-Membros em 2014 e os doze novos membros têm um ritmo de progressão muito acelerado.

1.2.3

Quanto à indústria automóvel, a Comissão refere que participou desde as fases iniciais na preparação da proposta e que contribuiu para a preparação do conceito de processos de homologação «por etapas». A Comissão sublinha que a indústria é geralmente favorável à proposta, na condição de se prever um prazo suficientemente longo que dê a possibilidade a todos os fabricantes, especialmente aos fabricantes de carroçarias, de cumprirem os requisitos em matéria de homologação.

1.3   Conteúdo da proposta de directiva

1.3.1

De entre os conceitos que coexistem na proposta de directiva destacam-se os seguintes:

A directiva proposta baseia-se numa harmonização total, tornando-se obrigatórios os processos de homologação comunitários, que se substituem aos processos nacionais.

Os processos permitirão a homologação de um veículo completo, combinando as homologações decididas para os sistemas, os componentes e as entidades técnicas que o constituem, mesmo quando tiverem sido feitas homologações parciais em diferentes Estados-Membros.

É introduzido um novo método de homologação – homologação por etapas dos vários elementos que compõem o conjunto – para se adaptar à fabricação dos veículos comerciais. Para esta categoria de veículos, geralmente o fabricante do veículo de base procede à homologação do conjunto do quadro, da cabina e do motor; o segundo fabricante monta a carroçaria ou a caixa em função dos produtos transportados. Em seguida, o veículo acabado é apresentado para a homologação final.

Os veículos particulares fabricados em pequenas séries passarão a estar incluídos no sistema de homologação comunitária harmonizada.

A possibilidade de homologações individuais de veículos particulares.

1.3.2

A proposta de directiva constitui um conjunto coerente que simplificará sensivelmente as operações de homologação para os construtores:

No caso de um veículo ter sido homologado por um Estado-Membro, todos os veículos do mesmo tipo poderão ser matriculados em todo o território comunitário com base no respectivo certificado de conformidade.

«Foram incluídas cláusulas de salvaguarda para permitir que os Estados-Membros, na altura da homologação ou da matrícula, possam recusar veículos que, embora conformes com todas as directivas aplicáveis, sejam susceptíveis de se revelar perigosos em matéria de segurança rodoviária. A aplicação deste princípio foi alargada de modo a abranger as questões ambientais». O Comité faz notar que, ao redigir assim este parágrafo (ponto 6, n.o 1: Generalidades, da Exposição de Motivos), a Comissão faz supor que as directivas aplicáveis poderão ser perigosas para a segurança rodoviária ou o ambiente. Ora não é o caso, pelo que o Comité sugere que no referido ponto 6, n.o 1, a Comissão acrescente, depois do termo «recusar», o esclarecimento «em casos excepcionais».

2.   Observações na generalidade

2.1

Num parecer recente sobre a proposta de directiva relativa à protecção dos peões e que altera a Directiva 70/156/CEE (CESE 919/2003) (3), o Comité formulou algumas sugestões que devem ser incluídas no presente parecer.

2.2

O Comité aprova e apoia a iniciativa da Comissão que reformula uma directiva alterada 18 vezes e harmoniza as regras aplicáveis, acrescentando uma simplificação dos processos e favorecendo, assim, o desenvolvimento do mercado interno.

2.3

Contudo, nesta reformulação da Directiva 70/156/CEE existe um objectivo mais global, mas insuficientemente desenvolvido segundo o Comité, que diz respeito à melhoria da segurança rodoviária e à protecção do ambiente.

2.4

Por conseguinte, o Comité recorda, conforme aludiu anteriormente, que a aplicação de uma homologação comunitária obrigatória tem como «meta principal o aumento da segurança dos veículos em circulação e a protecção dos ocupantes em caso de colisão, garantindo simultaneamente o respeito pelo ambiente». Este objectivo deve inscrever-se numa abordagem global, com uma ambição que ultrapassa a simples aplicação de medidas destinadas a minimizar as consequências de uma colisão acidental ou a deficiência de um componente, sistema ou entidade constitutivos do veículo.

2.5

No citado parecer relativo à protecção dos peões, o Comité considerava três vertentes da prevenção que também deviam figurar na exposição de motivos desta directiva reformulada:

A responsabilização de todas as partes envolvidas: Dado que a imprudência dos peões, dos ciclistas e dos condutores de veículos está frequentemente na origem das colisões, é preciso recordar que todas estas categorias são responsáveis pelos acidentes, havendo que promover um comportamento responsável de todos os utentes da estrada.

A educação e a informação: A indústria automóvel deve cooperar, juntamente com as outras partes interessadas, ao nível da educação e informação e satisfazer as necessidades de formação a partir da escola primária ou em repetidas campanhas de comunicação, para incitar todas as partes envolvidas a assumirem um comportamento adequado a partir da juventude.

As infra-estruturas: Os revestimentos betuminosos com pavimento drenante e as sinalizações com os seus sistemas de detecção deveriam ser objecto de uma investigação realizada em conjunto pela indústria automóvel e pela indústria rodoviária europeia.

2.6

Assim, o Comité solicita novamente à Comissão, embora se trate de uma directiva técnica, que altere e complete a exposição de motivos da proposta de directiva, inspirando-se nas propostas acima indicadas para desenvolver melhor «o teor de uma política global de prevenção dos acidentes na via pública.».

3.   Observações na especialidade

3.1

Perante o impacto da proposta de directiva e as consequências para a indústria automóvel na Europa, o Comité adere ao pedido dos profissionais quanto à necessidade de prazos suficientemente longos para a sua aplicação. O Comité compreende este pedido e considera-o justificado, nomeadamente para os fabricantes de carroçarias. O Comité não dispõe das informações nem dos elementos de apreciação necessários, mas considera razoável o calendário previsto para a aplicação da directiva que, consoante os tipos de veículos, decorre por fases entre 1 de Janeiro de 2007 e 1 de Janeiro de 2012 (artigo 40.o e Anexo XVI).

3.2

Em contrapartida, o Comité não compreende as reservas de certos peritos dos governos. O Comité deseja conhecer a argumentação dos que defendem «que a aplicação obrigatória só traria benefícios mínimos a nível da segurança rodoviária e da protecção do ambiente, mas implicaria custos acrescidos para os fabricantes». O Comité não concorda com esta posição. Pelo contrário, está convencido de que a proposta de directiva terá um efeito positivo ao nível da segurança e do ambiente desde que as suas propostas de desenvolvimento de uma política global sejam aprovadas dentro de prazos aceitáveis.

3.3

Quanto aos custos para os fabricantes, estes são sem dúvida elevados, mas aceitáveis com um faseamento ao longo de 10 ou 20 anos. Por este motivo, o Comité pretende que seja feita uma avaliação contraditória, com o conjunto das partes interessadas, do custo da presente directiva e que a mesma seja objecto de uma verificação quanto às possibilidades de a indústria automóvel suportar os encargos nestes prazos longos. O Comité considera que é preferível alongar os prazos para ter em conta as possibilidades de aplicação de uma directiva por parte da indústria, em vez de fixar datas que não podem ser cumpridas e que têm repercussões no emprego, nos custos, ou até mesmo na sobrevivência das empresas, incluindo os fabricantes de equipamentos. No momento da adesão e com as dificuldades económicas que afligem a Europa, esta verificação prévia inspira-se na aplicação dos princípios de precaução e de pertinência.

3.4

Em relação aos veículos de fim de série referidos no artigo 26.o, n.o 3, o prazo de resposta dos Estados-Membros deveria passar de 3 para 1 mês, por forma a reduzir o custo dos lotes.

3.5

No parecer sobre os tractores agrícolas (4), que trata da homologação do material e dos tractores agrícolas, o Comité tinha chamado a atenção da Comissão para o desenvolvimento do mercado dos veículos a motor designados por «quadriciclos a motor» (QUAD). Já que estes não figuram nesta directiva nem na directiva sobre o material e os tractores agrícolas, o Comité sublinha que é urgente na UE uma harmonização da homologação deste tipo de veículos.

4.   Conclusões

4.1

O Comité aprecia a simplificação e a transparência que resultarão da reformulação da Directiva 70/156/CEE.

4.2

O Comité sugere à Comissão, embora se trate de uma directiva técnica, que sublinhe no ponto 3: Historial, da Exposição de Motivos, que o objectivo principal é reforçar a «segurança» na utilização dos veículos, não só para proteger os seus ocupantes, mas também para evitar colisões com outros utentes da estrada, peões, ciclistas e outros veículos.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  JO C 48 de 16/04/1969.

(2)  Na sequência da observação do Comité, a Comissão deu as indicações que faltam na sua proposta de directiva.

(3)  JO C 234 de 30/09/2003.

(4)  JO C 221 de 17/09/2002.


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/32


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Directiva relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes às medidas a tomar contra a emissão de gases e partículas poluentes provenientes dos motores de ignição por compressão utilizados em veículos e a emissão de gases poluentes provenientes dos motores de ignição comandada alimentados a gás natural ou a gás de petróleo liquefeito utilizados em veículos»

[COM(2003) 522 final — 2003/0205 (COD)]

(2004/C 108/04)

Em 22 de Outubro de 2003, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer com base no relatório introdutório do relator V. RANOCCHIARI, em 16 de Dezembro de 2003.

Na sua 405.a reunião plenária (sessão de 28 de Janeiro de 2004), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 113 votos a favor e 1 voto contra, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

Ao apresentar a proposta de directiva COM(2003) 522 final, a Comissão Europeia pretende consolidar num texto único a Directiva 88/77/CEE sobre as emissões de gases produzidas pelos motores de veículos comerciais e todas as subsequentes alterações já aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.

1.2

Conforme se solicita nos artigos 4.o e 7.o da Directiva 1999/96/CE, a Comissão propõe ainda três medidas novas que dizem respeito à introdução de sistemas de diagnóstico a bordo (sigla inglesa OBD) (1), aos dispositivos destinados a garantir a durabilidade dos sistemas de controlo das emissões e aos dispositivos destinados a verificar a conformidade em circulação desses sistemas.

1.3

A proposta da Comissão que introduz estas três medidas novas tem uma estrutura diferente das directivas existentes relativas à homologação dos veículos a motor. A proposta reflecte a vontade de melhorar a eficácia do processo de decisão e de simplificar a legislação proposta, para permitir que o Parlamento Europeu e o Conselho se concentrem mais no conteúdo e nas orientações políticas, deixando para a Comissão o cuidado de adoptar as prescrições necessárias para a aplicação destas orientações e conteúdo políticos.

1.4

A Comissão seguiu uma abordagem «por níveis distintos», que prevê dois percursos diferentes, embora paralelos, para os processos de elaboração e adopção das disposições legislativas. Com base nesta abordagem:

1.4.1

As disposições fundamentais serão estabelecidas pelo PE e pelo Conselho numa directiva baseada no artigo 251.o do Tratado e adoptada segundo o processo de co-decisão, para estabelecer os princípios fundamentais das novas disposições (proposta sujeita ao processo de co-decisão);

1.4.2

Os requisitos técnicos para aplicação das disposições fundamentais serão estabelecidos numa directiva adoptada pela Comissão Europeia e assistida pelo comité de regulamentação para a adaptação ao progresso técnico (proposta sujeita ao procedimento de comitologia).

1.5

O documento COM(2003) 522 final corresponde à proposta de directiva sujeita ao processo de co-decisão (ver ponto 1.4.1 supra), enquanto que a proposta de directiva sujeita ao procedimento de comitologia (ver ponto 1.4.2. supra) ainda não se encontra disponível.

2.   Síntese da proposta da Comissão

2.1

Ao elaborar a proposta em apreço, a Comissão identificou e estabeleceu uma distinção clara entre as disposições relativas à introdução das novas medidas e as disposições relativas à consolidação do texto da directiva, que correspondem às alterações já aprovadas pelo PE e pelo Conselho.

2.2

A Comissão propõe que se introduzam as novas disposições relativas aos sistemas OBD, às disposições destinadas a garantir a durabilidade dos sistemas de controlo das emissões e às disposições destinadas a verificar a conformidade em circulação destes sistemas dentro de prazos que correspondam aos prazos previstos para a entrada em vigor das normas Euro 4 e 5.

2.3

Sistemas de diagnóstico a bordo (OBD): a Comissão propõe que estes sistemas sejam introduzidos em duas fases sucessivas, com os seguintes prazos de entrada em vigor:

i.

Primeira fase — Outubro de 2005 para as novas homologações e Outubro de 2006 para todas as homologações;

ii.

Segunda fase — Outubro de 2008 para as novas homologações e Outubro de 2009 para todas as homologações.

2.3.1

Durante a primeira fase, pretende-se que o sistema OBD tenha capacidade para detectar as deficiências de funcionamento do sistema de controlo do motor, se essas deficiências provocarem um aumento das emissões superior aos limiares estabelecidos. Além disso, o sistema também deve estar apto a detectar «deficiências graves de funcionamento» de eventuais sistemas de tratamento posterior dos gases de escape, por exemplo de filtros de partículas e/ou de catalizadores.

2.3.2

Durante a segunda fase, pretende-se que o sistema OBD possa detectar não só as deficiências do sistema de controlo do motor, mas também as eventuais deteriorações da eficácia dos sistemas de tratamento posterior dos gases de escape susceptíveis de provocar um aumento das emissões de gases de escape superior aos limiares estabelecidos.

2.4   Medidas destinadas a garantir a durabilidade dos sistemas de controlo das emissões

2.4.1

A Comissão propõe as seguintes definições para a vida útil dos veículos (2) nos quais serão instalados os motores abrangidos pela directiva:

i.

Veículos N1,

100 000 km ou 5 anos,

ii.

Veículos N2 e M2,

200 000 km ou 6 anos,

iii.

Veículos N3 e M3

500 000 km ou 7 anos.

2.4.2

A partir de Outubro de 2005, para requerer a homologação de um novo motor, o fabricante deverá demonstrar que o motor tem capacidade para respeitar os limites de emissões durante um período correspondente à vida útil total do tipo de veículo no qual o motor será instalado.

2.4.3

A partir de Outubro de 2006, todos os motores instalados em veículos novos devem estar em conformidade com estas prescrições.

2.5

Verificação da conformidade em circulação: as definições acima referidas para a vida útil dos veículos comerciais também são válidas para a verificação da conformidade dos motores em circulação.

3.   Observações na generalidade

3.1

Com o alargamento da UE, impõe que se disponha, por uma questão de maior clareza e transparência, de versões consolidadas das principais directivas. Por isso, impõe-se a adopção da versão consolidada da Directiva 88/77/CE e o Comité felicita a Comissão pelo esforço desenvolvido na sua realização.

3.2

O Comité concorda com o facto de que as disposições relativas à consolidação da directiva não exigem um debate específico na medida em que reflectem as opções já aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, bem como por ele próprio (3).

3.3

A abordagem proposta «por níveis distintos» comporta dois percursos diferentes, embora paralelos, para a elaboração e adopção das disposições técnicas e legislativas.

3.3.1

A distinção entre as disposições fundamentais, que estão na base da definição das medidas propostas, e os pormenores técnicos necessários para a sua aplicação pode contribuir, de maneira determinante, para simplificar o processo legislativo e para reduzir a sua duração.

3.3.2

Por conseguinte, o Comité concorda com a abordagem adoptada pela Comissão de propor as novas medidas relativas à introdução dos sistemas OBD, bem como as disposições relativas à durabilidade dos sistemas de controlo das emissões e a respectiva conformidade em circulação.

3.3.3

Assim, os pormenores técnicos de aplicação destas medidas poderão ser examinados e definidos pelos peritos que os Estados-Membros colocarão à disposição da Comissão através do comité de adaptação ao progresso técnico.

3.3.4

O Comité convida a Comissão a ter igualmente em conta os eventuais contributos da indústria e das outras partes interessadas para a definição dos referidos pormenores técnicos.

3.4

O Comité faz questão de sublinhar, todavia, que as propostas da Comissão relativas aos sistemas OBD, à durabilidade e à conformidade em circulação foram apresentadas com bastante atraso em relação aos prazos previstos nos artigos 4.o e 7.o da Directiva 1999/96/CE mencionados no ponto 1.2.

3.5

O Comité pretende ainda chamar a atenção para o facto de que os prazos de entrada em vigor das novas medidas propostas estão particularmente e perigosamente próximos um do outro.

3.5.1

Os eventuais atrasos na adopção das duas directivas paralelas, a directiva sujeita ao processo de co-decisão e a directiva correspondente sujeita ao procedimento de comitologia, impossibilitariam a indústria de obter, atempadamente, a homologação dos motores cuja introdução no mercado está prevista para 2005.

4.   Observações na especialidade

4.1

A instalação dos sistemas OBD nos motores dos veículos comerciais europeus será realizada com bastante antecedência em relação aos outros mercados, incluindo o americano e o japonês. Por isso, vai fazer falta a experiência que existia na fase anterior, quando os sistemas OBD foram instalados nos veículos particulares.

4.2

Para estarem prontos em 2005, os fabricantes de motores europeus tiveram que iniciar os programas de engenharia e de aperfeiçoamento dos sistemas OBD há vários anos, com base nas suas propostas e nos debates realizados no âmbito do Grupo «Emissões dos veículos a motor» (sigla inglesa MVEG) (4), no qual, para além da Comissão, participam igualmente peritos dos Estados-Membros.

4.2.1

Quando as estratégias de base aplicadas para o desenvolvimento dos sistemas já não podem ser alteradas e que nos encontramos na fase da calibragem dos sistemas, o ponto de não retorno já foi atingido há muito tempo.

4.2.2

Assim, os atrasos na publicação das versões finais das duas directivas paralelas terão consequências muito graves. A introdução de alterações imprevistas impedirá o cumprimento dos prazos de entrada em vigor do sistema.

4.3

A necessidade de demonstrar a eficácia dos sistemas de controlo das emissões impõe a realização de ensaios que exigem períodos de pré-aviso suficientes. Mais uma vez, os atrasos na publicação das versões finais destas duas directivas paralelas poderão causar dificuldades que não devem desmerecer atenção.

5.   Conclusões

5.1

O Comité acolhe muito favoravelmente a nova abordagem «por níveis distintos» que a Comissão pretende experimentar com a proposta de directiva em apreço. Separar os princípios fundamentais e os objectivos políticos das disposições legislativas dos pormenores técnicos necessários para a sua aplicação significa simplificar e reduzir os prazos do processo legislativo.

5.2

O Comité entende que a proposta da Comissão deve ser adoptada com a máxima urgência pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.

5.3

Por conseguinte, o Comité faz votos por que o Conselho e o Parlamento Europeu desenvolvam todos os esforços possíveis para alcançarem uma posição comum, num prazo que permita a adopção da proposta de directiva antes do próximo mês de Abril. Eventuais atrasos ulteriores comprometeriam seriamente a possibilidade de respeitar os prazos previstos para a entrada em vigor das novas medidas relativas à durabilidade e aos sistemas OBD.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  «On Board Diagnostic».

(2)  M = veículos para o transporte de passageiros: M1 (8 lugares + 1); M2 (> 8 + 1 e peso total < T5);M3 (> 8 + 1 e peso total > T5). N = veículos para o transporte de mercadorias: N1 (peso total < = T3,5); N2 (peso total > T3,5 < = T12); N3 (peso total > T12).

(3)  JO C 1991/41 de 18.02.1991. JO C 155/95 de 21.06.1995. JO C 407/98 de 28.12.1998.

(4)  «Motor Vehicle Emissions Group».


30.4.2004   

PT

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C 108/35


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «As infra-estruturas de transportes do futuro: planificação e países limítrofes, mobilidade sustentável, financiamento»

(2004/C 108/05)

Em 17 de Julho de 2003, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do seu Regimento, emitir um parecer sobre «As infra-estruturas de transportes do futuro: planificação e países limítrofes, mobilidade sustentável, financiamento».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 24 de Novembro de 2003. Foram relatores K. ALLEWELDT, P. LEVAUX e L. RIBBE.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 107 votos a favor, 2 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

Introdução

Por carta de 8 de Abril de 2003 de S.E. Umberto VATTANI, Embaixador Representante Permanente da Itália junto da UE, o Conselho solicitou ao Comité Económico e Social Europeu um parecer exploratório sobre o tema «Revisão da lista de projectos RTE até 2004».

Na reunião plenária de Julho, o ministro italiano responsável pelos Assuntos Comunitários, Rocco BUTTIGLIONE, esclareceu em nome da Presidência do Conselho o conteúdo deste pedido, referindo que a Presidência italiana havia assumido como uma das suas prioridades dar novo impulso à política das infra-estruturas de transportes. Manifestou-se esperançado em que as redes transeuropeias de transporte não se limitassem a possibilitar a circulação de mercadorias, mas reforçassem igualmente as ligações entre as sociedades dos países servidos pelas suas vias.

A convite do Conselho Nacional da Economia e do Trabalho (CNEL) de Itália, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação (TEN) reuniu-se em Roma a 4 de Setembro de 2003. Nesta oportunidade, a secção, na presença do ministro BUTTIGLIONE, adoptou o parecer exploratório e ainda uma resolução conjunta com a Comissão V («Grandes Obras e Redes Infra-estruturais») do CNEL, na qual se salienta que

o desenvolvimento das redes transeuropeias de transportes deverá tornar-se um pressuposto fundamental da coesão económica e social na nova Europa;

importa lograr uma melhoria sustentável da mobilidade na Europa, para possibilitar o desenvolvimento equilibrado do tecido económico e social do continente.

Em nome da Presidência italiana, o ministro BUTTIGLIONE expressou pela mesma ocasião o desejo de uma maior intervenção do CESE neste âmbito da política europeia. Nesta base, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação foi incumbida da elaboração de um parecer de iniciativa sobre o tema «As infra-estruturas de transportes do futuro: planificação e países limítrofes, mobilidade sustentável, financiamento». Atendendo à complexidade do tema, foi decidido designar três relatores (1) que se ocupassem, respectivamente, dos três aspectos, levando em conta os trabalhos de iniciativa correntes e os do Grupo Van Miert. Sendo a reflexão do CESE sobre esta matéria um processo contínuo, o presente parecer expressa a sua posição actual e será apresentado antes do final da Presidência italiana, na sua última reunião a realizar no início de Dezembro.

Alexander Graf von Schwerin

Presidente da Secção Especializada de Transportes,

Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação

1.   Planificação e países limítrofes: a ligação das redes transeuropeias aos corredores pan-europeus de Helsínquia

1.1

A Presidência italiana definiu como um dos seus objectivos centrais a revitalização da política europeia das infra-estruturas de transportes. Embora a Alemanha e a França hajam, pouco depois, opinado que esta« Iniciativa europeia para o crescimento» não poderia assentar apenas nas infra-estruturas de transportes, mas deveria igualmente incluir as redes de energia, as telecomunicações e a investigação e desenvolvimento, justifica-se plenamente a importância atribuída àquelas infra-estruturas. O balanço dos últimos dez anos de realização das redes transeuropeias de transportes (RTE-T) não é especialmente entusiasmante. A esta iniciativa respondeu a Comissão Europeia (CE) com uma comunicação que parte de uma abordagem mais ampla e procura aplicar uma estratégia de aumento do emprego (2).

1.2

Tendo em conta o próximo alargamento da UE e as alterações da situação geo-estratégica da Europa, as previsões de evolução dos transportes, em geral, e dos diversos modos específicos de transporte em particular, a crescente sensibilidade ao impacto ambiental e, por fim, as limitadas perspectivas de crescimento na UE e as respectivas consequências para o emprego, cabe perguntar se estaremos à altura de responder aos desafios caso não nos decidamos a lançar uma iniciativa clara em matéria de desenvolvimento das infra-estruturas de transportes. Não nos podemos limitar a dar continuidade a receitas antigas; devemos, antes, ter a coragem de desenvolver novos instrumentos.

1.3

A 4 de Setembro de 2003, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação do CESE e a V Comissão («Grandes Obras e Redes Infra-estruturais») do Conselho Nacional da Economia e do Trabalho (CNEL) de Itália adoptaram, em Roma, uma resolução conjunta. As duas entidades sublinharam a urgência de ampliar os corredores de transportes na Europa Meridional e Oriental, melhorando desse modo as condições de desenvolvimento dos transportes na região mediterrânea, que — como salientado na «Carta de Nápoles» — assumirá um novo papel económico, social e estratégico na sequência do alargamento da UE. A actual rede de corredores terá de ser completada com ligações importantes, como a «ligação adriática» entre os corredores V e VIII. Ao mesmo tempo, importa ter em conta, de modo equilibrado, os interesses de todas as regiões, incluindo as zonas economicamente débeis dos actuais 15 Estados-Membros e a Europa setentrional. O desenvolvimento desta rede paneuropeia requer mais apoio técnico-organizativo e financeiro.

1.4

Dez anos após as primeiras iniciativas fundadoras das RTE-T, a CE incumbiu um grupo de peritos presidido por Karel van Miert de fazer o balanço do processo (3). Verifica-se que a realização dos projectos previstos está muito atrasada em relação ao calendário fixado e que o montante global dos investimentos públicos em transportes se tem vindo a reduzir, passando de 1,8 % do PIB nos anos 1980 para 1 % nos anos 90. A CE apresentou em 1 de Outubro de 2003 uma proposta de adaptação das orientações das redes transeuropeias de transportes à situação pós-alargamento (4). O objectivo é estabelecer uma articulação coerente da rede entre os actuais e os novos Estados-Membros e acelerar a realização dos projectos prioritários. Com as observações que se seguem, pretende o CESE prestar mais um contributo para esta nova concepção das RTE-T.

1.5

As vias de transporte transeuropeias são um pressuposto essencial da coesão económica e social na UE alargada. Os novos e os velhos países limítrofes da UE devem ser parceiros neste projecto, que diz respeito a todo o continente europeu, mas o excede.

1.6

As três conferências paneuropeias de transportes realizadas em Praga (1991), Creta (1994) e Helsínquia (1997) (5) estabeleceram as bases de uma rede de grandes eixos de tráfego (corredores). Por outro lado, permitiram chegar a acordo sobre objectivos no domínio dos transportes, que integravam princípios de política energética, ambiental, social e económica e tinham em vista o estabelecimento de condições de concorrência justas e equilibradas. No futuro, continuará a ser necessário seguir este princípio de cooperação em política de transportes para além do território da UE e a CE deverá também, na sua acção, ter em conta e apoiar tal princípio.

1.7

Os projectos de infra-estruturas de interesse europeu só cumprem a sua função se corresponderem a interesses económicos, políticos e sociais e os tiverem em conta. Para tal, além da cooperação dos ministros dos Transportes, é igualmente necessária a participação de associações empresariais, empresas de transportes, sindicatos e associações ambientais e representativas dos consumidores, que deverão agir num plano transfronteiriço. A mera adesão à UE não é suficiente para a realização deste objectivo. A realidade da concretização das RTE mostra, com efeito, que a realização das vias de transporte «europeias» depende de um acordo «europeu» sustentado socialmente e de um consenso que tenha em conta as realidades económicas e sociais. O CESE propõe a aplicação às RTE-T das experiências havidas com a planificação dos corredores, para tirar pleno proveito deste potencial.

1.8

Justificam-se, nesta perspectiva, algumas exigências concretas para a revisão das orientações em matéria de RTE, que inclui o prosseguimento do trabalho no âmbito dos corredores:

1.8.1

Os eixos e corredores das RTE devem permitir o crescimento do mercado interno e o fortalecimento das relações económicas e sociais com os Estados vizinhos. Devem, em primeiro lugar, constituir uma ligação tão eficaz quanto possível entre espaços económicos e ser avaliados de acordo com este critério. Tal avaliação quase não foi feita até agora ou foi-o muito raramente e de forma pouco compreensível. Foram por vezes citados estudos científicos específicos, mas raramente se referiu conclusões e opiniões controversas. Ora, só é possível formar uma ideia realista se forem adicionalmente recolhidas as opiniões e experiências das associações interessadas. Até agora, a CE recorreu muito pouco a este instrumento.

1.8.2

Importa assegurar a intermodalidade dos corredores RTE, havendo para tal que definir critérios de qualidade compreensíveis. Devendo cada eixo/corredor desenvolver e aplicar este princípio da forma apropriada ao seu caso, haverá que tornar obrigatórios os projectos e planos de acção em matéria de intermodalidade.

1.8.3

Há que dar maior importância à utilização das vias de navegação interior de modo compatível com o ambiente (ver também o ponto 2.3.8); neste objectivo se incluem os portos, a promoção especial do corredor de navegação interior VII (6), Danúbio, a articulação com a ferrovia, bem como uma adequada regulamentação técnica e social em matéria de navegação interior transfronteiriça.

1.8.4

São ainda insuficientes o reforço do transporte marítimo de curta distância e a integração adequada na planificação dos corredores RTE. É, pois, louvável a valorização das ligações marítimas na nova proposta da CE. A observância de normas de segurança e de condições sociais adequadas é especialmente importante para estes serviços de transporte e para a sua promoção. Por outro lado, importa também ter em conta o impacto ambiental das ligações marítimas de grande frequência (por exemplo, o acesso ao Mar Báltico) e da navegação costeira.

1.8.5

Em ordem à expansão do transporte ferroviário, e tendo especialmente em conta a cooperação transfronteiriça e a ligação aos portos de mar, haverá que definir objectivos ambiciosos, mas viáveis, cuja realização deverá ser também avaliada. Ao discutir novos sistemas de portagens rodoviárias (7), importa criar alternativas. Alguns elementos importantes da cooperação ferroviária nos corredores IV (8) e X (9) são bons exemplos a seguir.

1.8.6

É necessário reforçar o investimento na manutenção e no alargamento das infra-estruturas de transportes e melhorar a dotação financeira da UE, bem como assegurar uma maior responsabilização pela observância da planificação «europeia» em matéria de projectos. Os recursos orçamentais são, contudo, limitados, pelo que haverá que optar por um desenvolvimento globalmente equilibrado. Ou seja, a ampliação das infra-estruturas existentes deve ter prioridade sobre a construção de novas, e os investimentos nos grandes eixos não devem sobrecarregar financeiramente, sob a forma de taxas de utilização, os transportes de cobertura regional. Há que avaliar globalmente em que medida se logrou uma perfeita articulação das redes regionais de transporte com as RTE/corredores.

1.8.7

O êxito das RTE/corredores depende de se ter em atenção, de modo visível, os interesses ambientais, a segurança e a defesa dos consumidores. Os transportes, a segurança e a sustentabilidade estão indissociavelmente relacionados. Importa, por isso, tratar de modo equivalente — e não apenas para os profissionais do sector — condicionalismos económicos e interesses sociais. Nesta ordem de preocupações se incluem uma organização do transporte rodoviário respeitadora do ambiente e um fortalecimento dos transportes públicos de passageiros. As orientações para as RTE devem, como inicialmente previsto, ser complementadas por critérios qualitativos, como sejam a qualidade dos serviços, a segurança, o impacto ambiental, as condições de trabalho e as qualificações dos trabalhadores do sector. Haverá, para tal, que estabelecer mecanismos viáveis de avaliação, por exemplo um relatório específico sobre o impacto ambiental das RTE/corredores ou algo semelhante.

1.8.8

Ao integrar os corredores nas orientações para as RTE haverá que acolher e preservar os aspectos positivos da cooperação desenvolvida nos corredores. Os corredores terão futuramente, em todo o território da UE e para além dele, uma função de ligação aos Estados e continentes vizinhos. Após o alargamento, não nos poderemos limitar a «concluir os corredores restantes», antes haverá que proporcionar iniciativas de cooperação sérias e geograficamente abrangentes. Há que examinar cuidadosamente quais as repercussões que as decisões a tomar na UE em matéria das RTE terão na cooperação até agora desenvolvida nos corredores.

Considera-se positiva a nova proposta da CE de designar coordenadores próprios para a promoção dos projectos RTE prioritários. A Comissão aplica, assim, de forma louvável a experiência colhida nos corredores. Um outro passo na direcção certa é o propósito de passar a aplicar futuramente procedimentos comuns transfronteiriços de planificação e de avaliação de compatibilidade ambiental. Sendo indispensável uma avaliação permanente dos progressos, é de saudar a prevista elaboração de relatórios anuais. A função de monitorização prevista na Declaração de Helsínquia de 1997 acabou por não ser preenchida, não obstante a elaboração de diversos relatórios, como por exemplo os da CEMT ou os relatórios de situação periódicos dos comités de gestão dos corredores ou ainda o relatório TINA de 1999. O trabalho dos coordenadores deveria também servir a realização dos objectivos políticos atrás referidos e, neste sentido, a descrição de tarefas feita no novo artigo 17.o-A é um bom pressuposto, nomeadamente, para a promoção do diálogo entre os operadores, os utentes, as autoridades regionais e locais e os representantes da sociedade civil, em ordem a uma utilização eficaz das infra-estruturas e tendo em atenção os possíveis obstáculos (10). O CESE põe à disposição da Comissão a sua experiência e a sua assistência em termos de consultas dos interesses sociais e económicos, promoção da transparência e organização de audições e conferências de debate. Esta disponibilidade foi já objecto de correspondência entre a Secção TEN e a comissária Loyola de Palacio na Primavera de 2003 e poderia ser agora concretizada.

2.   Infra-estruturas de transportes na perspectiva do desenvolvimento sustentável

2.1   Observações preliminares

2.1.1

A mobilidade é uma conquista irrenunciável do nosso mundo moderno. A diversidade das actividades de lazer, o prazer de viajar, mas também uma vida profissional com exigências crescentes de flexibilidade fazem da mobilidade um factor preponderante na nossa sociedade. Para muitos, no entanto, a mobilidade é — em sentido literal e figurado — sinónimo de liberdade e esta deve ser tão absoluta quanto possível.

2.1.2

A mobilidade é, além disso, um requisito decisivo para o funcionamento de partes fundamentais da nossa economia. Os investimentos na construção de novas vias, como na manutenção e modernização das antigas, contribuem para o revitalização da conjuntura económica e a criação de emprego.

2.1.3

Contudo, a mobilidade não significa necessariamente ter que percorrer grandes distâncias. Uma elevada prestação em transportes não equivale de modo algum a uma mobilidade elevada em sentido positivo. Pelo contrário, há limites à intensidade excessiva dos transportes: por exemplo, os engarrafamentos das nossas estradas paralisam a mobilidade. Uma solução habitualmente defendida para este problema é a ampliação das infra-estruturas de transportes. Nesta óptica, o transporte deveria ser mais rápido e fluído, como condição de eficácia e economia. Ao mesmo tempo, haveria que abrir o acesso às regiões «atrasadas», para proporcionar à economia das zonas periféricas perspectivas de desenvolvimento.

2.1.4

O CESE está também consciente de que são cada vez mais numerosas as vozes críticas neste domínio. É, com efeito, evidente que os transportes têm um reverso negativo para os seres humanos e a natureza:

Os acidentes, o ruído e a poluição atmosférica, a utilização do espaço e dos recursos naturais são responsáveis pelos chamados «custos externos», que na UE (com adição da Suíça e da Noruega) se elevam a um montante anual de 530 mil milhões de euros, equivalentes a quase 8 % do PNB destes países.

São retalhadas as paisagens, destruídos os biótipos naturais, cortados os corredores utilizados pelas espécies animais selvagens.

As pessoas sofrem com a actividade crescente dos transportes e com o respectivo impacto ambiental. Um inquérito conduzido pela Comissão Europeia mostra que, para três dos sete problemas ambientais mais em evidência, se invoca como origem primeira os transportes: o ruído, a destruição da paisagem e a poluição atmosférica. Logicamente, é a circulação automóvel que, segundo o inquérito, ocupa de longe o primeiro lugar nas influências negativas.

2.1.5

Os críticos da actual política dos transportes perguntam com frequência crescente quando se pode considerar ideal ou concluído o equipamento de um país em estradas e outras infra-estruturas de transportes. Criticamente se considera também que, muitas vezes, as regiões bem dotadas de vias de transporte não deixam de experimentar debilidades económicas e elevados índices de desemprego, o que leva muitos críticos a pôr cada vez mais em dúvida a conexão frequentemente afirmada entre infra-estruturas de transportes e desenvolvimento económico.

2.1.6

É claro para o CESE que, na avaliação dos planos de ampliação das infra-estruturas de transportes europeias, haverá que distinguir com rigor entre a fase do investimento propriamente dito (construção) e o impacto ulterior da operação e utilização das infra-estruturas. Incluem-se neste último as consequências ambientais e sociais, mas também o impacto nas infra-estruturas nacionais e regionais existentes. Nos termos do Tratado de Maastricht, as redes transeuropeias deveriam fortalecer a coesão económica e social da União Europeia. Contudo, são cada vez mais os estudos empíricos que demonstram que, contrariamente aos objectivos do Tratado, embora o alargamento das RTE proporcione uma melhor ligação entre os centros económicos da Europa e possa, assim, reforçar a competitividade europeia global, este tratamento prioritário das ligações entre os centros acaba por agravar as diferenças existentes entre as regiões centrais e periféricas em termos de acessos e potencial económico.

2.2   Infra-estruturas de transportes e desenvolvimento sustentável

2.2.1

Na sua página Internet, a Comissão Europeia define o problema com grande exactidão: «A abertura das fronteiras e a disponibilidade de transportes têm oferecido aos cidadãos europeus níveis de mobilidade pessoal sem precedentes. As mercadorias são enviadas rápida e eficazmente da fábrica para o cliente, não raro em países diferentes. A União Europeia tem dado o seu contributo, mediante a abertura dos mercados nacionais à concorrência e a remoção dos entraves físicos e técnicos à livre circulação. Mas os actuais modelos e ritmos de crescimento dos transportes são insustentáveis» (11).

2.2.2

Na estratégia da Comissão Europeia para o desenvolvimento sustentável apresentada em Gotemburgo em 2001, afirma-se judiciosamente: «A Política Comum dos Transportes deverá ocupar-se do aumento excessivo dos transportes e da poluição e incentivar a utilização de meios de transporte respeitadores do ambiente». Anuncia também uma atenção prioritária aos investimentos nas infra-estruturas dos transportes públicos e na ferrovia. O CESE manifestou em diversos pareceres a sua concordância com os objectivos da estratégia de Gotemburgo (12).

2.2.3

Os transportes têm, assim, uma considerável importância, mas não apenas para a política económica corrente. As decisões a tomar no âmbito da Iniciativa de Crescimento não podem ser apreciadas exclusivamente numa perspectiva de curto prazo. No futuro, a política de transportes deve, sem dúvida, ser uma das áreas centrais de acção da política de sustentabilidade e de protecção do ambiente da União Europeia e, para tal, são necessárias mudanças, como a Comissão já apontou. Os transportes contribuem actualmente, por exemplo, para as alterações climáticas, com cerca de 28 % das emissões de gases com efeito de estufa, sendo os transportes rodoviários responsáveis por 84 % deste volume. Se não forem tomadas medidas para inflectir as tendências de crescimento dos transportes, as emissões de CO2 poderão, em 2010, ter aumentado em 50 %, passando das 739 milhões de toneladas de 1990 para 1.113 milhões de toneladas.

2.2.4

O forte crescimento do transporte rodoviário e aéreo é causa de problemas ecológicos e sociais, ao mesmo tempo que perdem terreno os meios de transporte respeitadores do ambiente (13). Para esta evolução tem, nomeadamente, contribuído a política das infra-estruturas de transportes. De acordo com o Eurostat, a rede de auto-estradas da UE cresceu 25 % entre 1990 e 1999, ao passo que a rede ferroviária foi reduzida em 4 % no mesmo período (14).

2.2.5

O CESE salienta que, em quase todos os domínios de interesse ambiental (consumo de energia e de espaço, emissões, etc.), a ferrovia se encontra à frente da navegação interior como modo de transporte mais respeitador do ambiente, enquanto o automóvel e o avião, no domínio dos transportes de passageiros, e o camião, no do transporte de mercadorias, são de longe os de impacto ambiental mais negativo. O anexo ao presente parecer complementa estes dados.

2.2.6

Nos debates que precederam a elaboração do presente parecer foram também evocados os efeitos do estabelecimento dos diversos modos de transporte no emprego. Estudos efectuados na Alemanha, alguns datando de há já algum tempo, sugerem que os investimentos nos caminhos-de-ferro criam mais postos de trabalho do que na construção de estradas. O CESE recomenda à Comissão que mande elaborar estudos específicos sobre esta questão— como foi feito relativamente aos «custos externos» —, tendo em vista apoiar o debate com dados concretos.

2.2.7

Os grandes projectos programados têm suscitado protestos dos cidadãos em muitos locais e uma parte desses projectos não pôde ser concretizada ou não o pôde ser nos prazos previstos. Na opinião do CESE, haverá que ter em conta esta experiência, sobretudo face à Iniciativa de Crescimento, ao alargamento da UE a leste e ao consequente aumento das ligações de tráfego. Importa extrair ensinamentos das observações da Comissão citadas no ponto 2.2.1, para que se não venham a sentir nos países da adesão os mesmos efeitos negativos sobre os seres humanos e o ambiente. A UE poderia dar um contributo positivo e decisivo para manter nestes países a percentagem elevada que os modos respeitadores do ambiente — actualmente em queda rápida — ocupam ainda no conjunto dos transportes.

2.2.8

O objectivo da política europeia das infra-estruturas de transportes não se resume a contribuir para a «redução em 50 % das emissões de CO2 até 2030». Antes deverá incluir contributos positivos para a sustentabilidade em todos os domínios (económico, ambiental, social), de que possa resultar uma mobilidade sustentável.

2.2.9

O conceito de «mobilidade sustentável» define-se, na opinião do CESE, pelos seguintes aspectos:

não consumir, a longo prazo, mais energia do que a produzida por regeneração;

preservar a função e a capacidade de regeneração da natureza (ou seja, não pôr em causa a sua integridade quer por emissões quer por extracção de recursos no âmbito da produção, utilização e eliminação de resíduos dos veículos e infra-estruturas);

não diminuir a qualidade de vida das actuais e futuras gerações,

ser acessível a todos.

2.2.10

O CESE entende que uma nova política de transportes voltada para o futuro deverá integrar os seguintes objectivos de sustentabilidade:

2.2.11

No plano económico, deverão os investimentos contribuir para a criação de emprego, a melhoria do valor acrescentado líquido regional, o estabelecimento de um sistema de transportes economicamente eficaz e a sustentabilidade financeira.

2.2.12

No plano social, devem os investimentos permitir também a protecção da integridade física, incluindo uma efectiva redução do ruído. As condições de trabalho dos trabalhadores do sector dos transportes devem ser melhoradas e importa que os investimentos respeitem o princípio da equidade social («Mobilidade para todos»). As cidades devem estar ao serviço dos seres humanos e não ao serviço dos transportes e haverá que ter em atenção as necessidades de mobilidade de todos os habitantes das zonas rurais (e não apenas dos automobilistas).

2.2.13

No domínio ambiental, as decisões de investimento servem os objectivos da UE em matéria de protecção do clima. Há que reduzir a ocupação dos solos e atribuir maior importância à protecção da natureza, da paisagem cultural e dos espaços de lazer. A redução das emissões poluentes e do consumo de recursos deve ser parte integrante da política de infra-estruturas.

2.3   Observações na especialidade

2.3.1

É para o CESE evidente que a política de transportes se situa em grande parte, de acordo com o princípio da subsidiariedade, na esfera de responsabilidade e de financiamento dos Estados-Membros. No entanto, é precisamente para as infra-estruturas de transportes que são mobilizados anualmente milhares de milhões de euros do orçamento da UE através dos Fundos Estruturais (incluindo o Fundo de Coesão). A afectação destas verbas deverá orientar-se pelos princípios de sustentabilidade.

2.3.2

A política dos transportes deve tornar-se parte integrante de uma política de ordenamento territorial cuja finalidade seja minimizar as prestações novas e adicionais de transporte e satisfazer as actuais necessidades por recurso a modos de transporte tão respeitadores do ambiente quanto possível.

2.3.3

Importa ter em especial atenção o facto de o alargamento das infra-estruturas europeias de transportes (RTE/TINA) poder ter consequências imediatas e a prazo nas infra-estruturas nacionais e regionais. O CESE chama a atenção para o risco de a concentração dos investimentos nos projectos RTE ou TINA levar os Estados-Membros e os países da adesão a negligenciarem, nos respectivos quadros orçamentais, as infra-estruturas nacionais e regionais. Em pareceres anteriores do Comité já se salientou o facto de países como a Polónia ou a Hungria canalizarem actualmente menos de 1 % dos PIB respectivos para a manutenção e a renovação das suas infra-estruturas de transportes; a concretização dos projectos TINA até 2015, como previsto, exige todavia — só para os corredores — investimentos anuais equivalentes a cerca de 1,5 % do PIB. O CESE apela à Comissão, aos Estados-Membros e aos países da adesão para que não ignorem os problemas económicos que, no plano regional, resultam desta situação.

2.3.4

O CESE considera positivo que, no âmbito da planificação das RTE-T, também as ligações às infra-estruturas de transportes locais passem a beneficiar das ajudas previstas; mas expressa as suas dúvidas quanto à classificação da ligação «Transrapid» entre o aeroporto de Munique e o centro da cidade como projecto beneficiário.

2.3.5

O CESE espera, assim, que a UE siga futuramente uma orientação mais estratégica na atribuição de recursos financeiros. O cofinanciamento deverá beneficiar sobretudo projectos que assentem nos seguintes princípios:

Princípio da economia do transporte: Como ocorre já no caso do consumo energético, haverá que dissociar o desenvolvimento económico do crescimento dos transportes. O objectivo é economizar na utilização do transporte, mantendo contudo a mobilidade. Significa isto que se deverá quebrar a tendência para o aumento crescente das distâncias a percorrer pelas pessoas e pelas mercadorias, aplicando uma política coerente nos domínios dos transportes, do ordenamento territorial e da economia: para tal, poder-se-á aplicar uma «política das curtas distâncias», por exemplo, entre os locais de residência, trabalho e compras, construir espaços atraentes de habitação e de vida, evitar os trajectos absurdos de transporte através da Europa, fortalecer os circuitos económicos regionais (15), etc. A integração dos custos externos — frequentemente exigida pela UE — será importante para a realização deste princípio (ver adiante).

Princípio da transferência modal: Visa pôr fim à predominância do transporte individual motorizado e do transporte rodoviário de mercadorias. Tal objectivo só pode ser atingido através de uma alternativa atraente de mobilidade. A coluna vertebral deste processo é a ferrovia, em estreita articulação com todas as outras formas de mobilidade respeitadoras do ambiente (empresas públicas de transportes, estações de bicicletas, centrais de mobilidade, car-sharing, táxis, prestadores de serviços logísticos, etc.); contudo, nas regiões cuja densidade populacional não se adeque ao transporte ferroviário, poderá o transporte em autocarro ter um papel importante. O necessário alargamento desta rede ambiental requer investimentos orientados para a modernização das infra-estruturas e dos veículos e novas técnicas de comunicação e informação; justamente por isso, oferecerá às pequenas e médias empresas inovadoras excelentes oportunidades futuras.

Princípio da «Ofensiva por uma nova cultura de mobilidade»: Todas as medidas serão ineficazes se não for assumido um novo conceito de mobilidade. Importa pugnar a nível da União Europeia por uma nova cultura de mobilidade, devendo os projectos de infra-estruturas co-financiados pela UE ter neste contexto uma função exemplar.

2.3.6

A aceitação destes princípios subjacentes a uma política de infra-estruturas de transportes sustentável, compatível com o ambiente e financeiramente viável a longo prazo imporia uma revisão e consequente melhoria das orientações para as Redes Transeuropeias (RTE e TINA) (ver ponto 1.8).

2.3.7

Neste contexto, considera o CESE positiva a predominância das ligações ferroviárias na selecção dos novos projectos RTE prioritários. Mas mesmo neste âmbito se deverá aplicar (como a todos os projectos de novas construções) o princípio de procurar as variantes adequadas que beneficiem de maior aceitação da população, assim se evitando bloqueamentos do investimento.

2.3.8

O alargamento do Danúbio entre Straubing e Vilshofen é um exemplo de possível conflito futuro devido a uma decisão sobre normas de alargamento no âmbito da revisão das RTE que não teve em consideração as realidades nacionais. Importa evitar que o compromisso estabelecido a nível nacional entre o governo federal e as associações de defesa do ambiente com vista à melhoria das condições de navegação, no respeito dos interesses de protecção da natureza e em observância da Directiva FFH da UE, não seja bloqueado pela exigência de assegurar uma profundidade de 2,5 metros durante todo o ano.

2.3.9

No futuro, não nos poderemos permitir, pela realização de investimentos paralelos, fomentar a concorrência de algum modo ruinosa entre diversos modos de transporte. Impõe-se orientar e optimizar a afectação dos escassos — em sentido económico e ecológico — meios financeiros disponíveis de acordo com os critérios de sustentabilidade do CESE (ver pontos 2.2.9 a 2.2.13). No futuro, serão necessários planos de transportes integrados e globais que decorram de uma política sustentável de ordenamento territorial e de urbanização. Uma planificação de transportes integrada e global não deve limitar-se a projectos de infra-estruturas; deve, antes de mais, estudar formas alternativas de ordenamento do território, inclusivamente a grande escala, e de desenvolvimento consequente dos transportes. Para este processo, há também que prever a aplicação de técnicas de informação e comunicação inovadoras.

2.3.10

Haverá, pois, que estabelecer uma relação equilibrada entre os vários modos de transporte, após análise e ponderação cuidadosa das consequências. O caminho-de-ferro e a navegação interior devem, se possível, ter a preferência, em especial para as longas distâncias.

2.3.11

Sublinha o Comité que esta nova política sustentável de transportes exige um enorme programa de investimentos, contribuindo assim para a revitalização da economia. Haverá, no entanto, que reorientar os investimentos: são necessários menos grandes projectos de novas construções e mais programas de alargamento e de renovação (tendo em vista, por exemplo, tornar a ferrovia mais aliciante para os utentes).

2.3.12

No âmbito das RTE, devem os meios financeiros disponíveis ser prioritariamente canalizados para o saneamento, a modernização e a manutenção das redes ferroviária e rodoviária e dos segmentos das redes de navegação interior cuja utilização seja defensável do ponto de vista ecológico. Entende o CESE que mesmo os projectos RTE e TINA já aprovados devem ser objecto de avaliação permanente quanto à sua conformidade com as normas e os requisitos esboçados no presente parecer. É, com efeito, evidente que todos os projectos de novas construções devem corresponder aos objectivos de sustentabilidade da UE.

2.3.13

No âmbito dos modos de transporte compatíveis com o ambiente (caminhos-de-ferro e algumas vias de navegação interior) existem consideráveis reservas de capacidade que a aplicação de medidas técnicas e organizativas permitirá — em especial, na ferrovia — aproveitar a curto prazo. O «caminho-de-ferro do futuro» deve recuperar terreno e tornar-se um factor de mobilidade atraente. A UE deverá marcar este sector como destino privilegiado de investimentos.

2.3.14

Há que mudar de curso em matéria de investimentos na construção de vias navegáveis quando ela implicar interferências na dinâmica natural dos rios e dos seus estuários: as cheias dos últimos anos mostraram a necessidade de grande prudência neste domínio. Para que a navegação interior se desenvolva como modo de transporte compatível com o ambiente, importa respeitar o princípio de que são as embarcações que devem adaptar-se aos cursos de água e não o inverso.

2.3.15

Em todos os projectos de novas construções há que ter em atenção que a satisfação das aspirações de mobilidade das pessoas pode entrar em concorrência com a das da fauna selvagem. Quase ninguém tem consciência de que os animais necessitam tanto de «auto-estradas» e «áreas de repouso» em todos os domínios da sustentabilidade (económico, ambiental, social) como os automobilistas. A projectada «Via Baltica», por exemplo, interromperá importantes corredores utilizados por lobos e linces, o que põe em causa a oportunidade única de um repovoamento natural na Europa ocidental. Ou seja, a avaliação da compatibilidade ambiental dos planos de detalhe deve ser muito mais complexa do que a actualmente praticada; os planos deverão prever, por exemplo, custos adicionais correspondentes às «pontes verdes».

2.3.16

De futuro, só devem ser atribuídos recursos comunitários a projectos relativamente aos quais a UE possa garantir de maneira credível que contribuirão para o estabelecimento de um sistema de mobilidade sustentável. Um sistema de mobilidade sustentável requer condições sobre as quais o CESE já se debruçou em diversos pareceres, nomeadamente:

Custos reais nos transportes: O elemento fundamental de uma política de transportes sustentável é a definição dos incentivos económicos aos participantes. Contabilizar os custos reais, isto é, integrar os custos externos (530 mil milhões de euros por ano na União Europeia), é decisivo para o êxito da economia de transporte, da transferência para modalidades respeitadoras do ambiente «(aliança ambiental») e do desenvolvimento de uma tecnologia optimizada de construção de viaturas e sua afirmação no mercado. Em ordem a uma utilização e uma exploração plenas das actuais infra-estruturas e à integração gradual e eficaz dos custos externos, poderia recorrer-se a instrumentos como: um imposto de circulação aplicável a todos os transportes pesados de mercadorias e aferido pelo seu rendimento, uma harmonização e um aumento graduais do imposto sobre o consumo de combustíveis, uma reformulação e forte diferenciação dos impostos sobre os veículos a motor e sua incidência nas emissões — com inclusão do critério «ruído» — e a equiparação da tributação dos transportes marítimos e aéreos à dos transportes ferroviários e rodoviários. O CESE considera que o processo de debate e concretização da integração dos custos externos se encontra atrasado. A Comissão deveria, tão cedo quanto possível, elaborar propostas concretas para discussão com os Estados-Membros e a sociedade civil.

Justa concorrência: Para contrariar evoluções indesejáveis dos pontos de vista ambiental e social, haverá que impor a observância e aplicação de regras (eventualmente, o agravamento das vigentes) no domínio dos tempos de condução e repouso dos motoristas dos veículos de carga, limitações de velocidade, normas de segurança e de limitação do ruído. Como requisito para uma liberalização dos mercados dos transportes haverá que harmonizar as condições de concorrência a um elevado nível ecológico e social. Este objectivo visa, em especial, o transporte de mercadorias e os transportes públicos de passageiros.

3.   Financiamento

3.1   Introdução

3.1.1

A livre circulação de pessoas e mercadorias no espaço europeu, que é a condição primeira para favorecer as trocas comerciais, só pode ser garantida se se dispuser de meios de transporte adequados, eficazes e fiáveis.

3.1.2

Numa primeira fase, o desenvolvimento das redes orientou-se sobretudo para os equipamentos rodoviários. Depois, uma política de maior economia na utilização dos recursos energéticos e um maior respeito pelo ambiente impuseram a procura de modos de transporte alternativos. Hoje, é evidente a vontade de transferir o previsível aumento dos transportes rodoviários de mercadorias nas próximas décadas para outros modos de transporte (ferrovia, vias navegáveis interiores e marítimas, etc.). Em contrapartida, há que incentivar o desenvolvimento do transporte colectivo de passageiros por autocarro.

3.1.3

A mais curto prazo, o alargamento do espaço europeu — com a passagem, em 2004, de 15 a 25, e mais tarde 27, Estados-Membros — impõe a interconexão entre as redes e o seu desenvolvimento nos países que vão aderir à UE.

3.1.4

As intenções, as perspectivas e os condicionalismos são conhecidos e partilhados. Têm-se traduzido, desde há duas décadas, por projectos ambiciosos à escala europeia apresentados pela Comissão Europeia sob a forma de planos-directores e Livros Brancos, seguidos de algumas realizações concretas que constituem o início de uma malha europeia de redes de transporte eficientes.

3.1.5

Neste contexto, poder-se-á afirmar que a acção iniciada com tais planos-directores, acompanhados dos objectivos evocados nos Livros Brancos, é suficiente. Os prazos fixados são razoáveis; trata-se, segundo os casos, de 2010, 2020 e para além, integrando de caminho os novos condicionalismos e evoluções. Pragmatismo, adaptabilidade e flexibilidade são, com efeito, pressupostos do êxito, na condição de se cumprir os objectivos nos prazos previstos. O que, infelizmente, nem sempre ocorre, já que os prazos são muito frequentemente prorrogados.

3.2   Causas da não realização das ambições ou dos compromissos em matéria de infra-estruturas de transportes

3.2.1

Sendo as decisões globais tomadas ao nível dos planos europeus, a realização concreta é deixada, por força do princípio da subsidiariedade, à iniciativa de cada país, bem como o essencial do financiamento (com excepção das infra-estruturas beneficiárias de ajudas dos Fundos Estruturais e do Fundo de Coesão).

3.2.2

Para cada um dos governos europeus, as ambições a longo prazo são condicionadas pelos seus compromissos eleitorais, que se inscrevem no curto termo de um mandato (4 a 7 anos, segundo os casos), e, infelizmente, pelas disponibilidades orçamentais redefinidas anualmente.

3.2.3

Nestas condições, a realização de redes europeias de transportes estruturantes e contínuas permanece, em grande parte, contingente, não obstante as boas intenções dos decisores políticos e os incentivos financeiros da UE.

3.3   Como modificar a situação?

3.3.1

Para melhorar a situação actual, convém ter presentes as condições em que são actualmente realizadas as infra-estruturas de transportes, do ponto de vista do seu financiamento.

3.3.2

Quando cada Estado estabelece no seu território as infra-estruturas das redes europeias, a UE participa com um contributo financeiro muito limitado, equivalente a 10 % do custo total do investimento, sob a forma de subvenções cobertas pela rubrica «Transportes» do orçamento comunitário. Este contributo, traduzido em subvenções saídas directamente do orçamento da UE, é insuficiente para permitir o rápido e irreversível lançamento dos trabalhos. Só os projectos elegíveis para as ajudas dos Fundos Estruturais ou do Fundo de Coesão beneficiam de taxas de participação mais elevadas (30 a 50 %).

3.3.3

Aumentar a comparticipação da UE nos projectos de redes europeias de transportes até 30 a 50 % sob a forma de subvenções ou de empréstimos a longo prazo pressupõe que a UE disponha de recursos suficientes. Ora, o orçamento da UE não deve crescer de modo incontrolado, já que:

o alargamento vai impor um aumento explosivo das necessidades;

para mais, os meios afectos a estes projectos inscrever-se-ão no longo prazo e devem ser «perenes».

3.3.4

É à luz destes critérios que o CESE se debruça sobre algumas das soluções de financiamento actualmente ponderadas e formula algumas propostas.

3.4   O financiamento dos projectos das redes europeias de transportes

3.4.1   Contrair um empréstimo europeu (proposta da Comissão de 1993)

3.4.1.1

Ao elaborar o Livro Branco sobre «A política europeia de transportes no horizonte 2010: a hora das opções» (16), a Comissão abordou claramente a questão do financiamento num capítulo intitulado «O quebra-cabeças do financiamento», recordando que já em 1993 havia accionado o sinal de alarme e sugerira que se autorizasse a UE a lançar um empréstimo europeu, o que não fora aceite pelo Conselho. A Comissão pediu, em seguida, o aumento da participação comunitária de 10 % para 30 % para que ela se tornasse um incentivo aos Estados e um factor importante de intervenção. Tratava-se de uma taxa máxima que poderia ser aplicada a determinados projectos prioritários e transfronteiriços, mas o Conselho ainda não oficializou a lista de projectos RTE-T susceptíveis de beneficiar desta taxa mais favorável.

3.4.1.2

Nestas condições, para os projectos RTE ou RTE-T em que a parte do tráfego transeuropeu é superior à do tráfego nacional, a taxa de participação comunitária no projecto considerado deveria atingir um valor muito elevado para ser incentivadora e, sobretudo, equitativa (ver os exemplos do túnel de Brenner ou da ligação de grande velocidade Lyon-Turim, em França e Itália). Entende o CESE que fazer passar a taxa de subvenção de 10 % para 30 % para tais tipos de projectos é injusto para os países em questão, insuficientemente incentivador e só elimina parcialmente os obstáculos evocados por aqueles países.

3.4.2   As parcerias público-privado, incluindo as concessões

3.4.2.1

No Livro Branco referido, a Comissão propõe o desenvolvimento de «parcerias público-privado» para a realização dos projectos. No seu parecer sobre a «Revisão da lista dos projectos de redes transeuropeias (RTE) até 2004» (17), o CESE observou:

«4.2. Tratando-se de uma parceria público-privado, o Comité partilha a análise da Comissão quanto aos limites do financiamento totalmente privado de infra-estruturas de grande dimensão. Todavia, o financiamento misto não pode ser a única solução, dado que os investidores privados exigem, justamente, garantias e rentabilidade certa dos seus investimentos. Daí resulta um custo acrescido. Outras considerações devem também ser tidas em conta:

cada projecto de RTE-T prioritário envolvendo vários países europeus deveria realizar-se recorrendo à estrutura jurídica “ociedade europeia”, de modo a conferir a indispensável transparência aos aspectos financeiros do projecto em questão;

a constituição de uma parceria público-privado só pode ser concretizada com um equilíbrio entre as contribuições financeiras do sector público e do sector privado. Dificilmente existirá uma parceria deste tipo em que o sector privado seja muito minoritário. Da mesma forma, não é realista esperar que o sector privado contribua com os financiamentos necessários para a realização da maioria dos projectos;

há que estabelecer limites para evitar as consequências imprevistas de um abandono progressivo do poder real que pertence tradicionalmente aos Estados ou ao poder público em matéria de ordenamento do território e infra-estruturas colectivas importantes.

O Comité considera que, em matéria de financiamento das infra-estruturas de transportes, a parceria público-privado constitui certamente uma solução interessante para alguns casos particulares, sem poder ser de forma alguma considerada uma cura mágica de todos os males.».

3.4.2.2

Alguns Estados, para evitar financiar infra-estruturas de auto-estradas a partir do seu próprio orçamento, têm recorrido a um expediente financeiro pelo qual cedem a um concessionário privado o montante das portagens «virtuais» que os veículos utilizadores das auto-estradas em causa tiverem pago. Este financiamento inovador permite transferir para o sector privado os empréstimos necessários. Se o custo é ligeiramente superior, a realização dos trabalhos é, pelo contrário, mais rápida.

3.4.3   Os cofinanciamentos e a sua coordenação

3.4.3.1

A Comissão apresentou a 23 de Abril de 2003 uma comunicação intitulada «Desenvolver a rede transeuropeia de transportes: Financiamentos inovadores. Interoperabilidade da teleportagem» (18). O CESE, no parecer atrás citado, partilha a abordagem da Comissão, salientando que uma melhoria da coordenação dos financiamentos públicos permitirá optimizar a utilização dos recursos e evitar atrasos, mas não criará novas receitas.

3.4.3.2

A desejável criação de uma agência europeia das infra-estruturas de transportes asseguraria a cada projecto uma melhor coordenação, optimização e flexibilidade dos financiamentos públicos regionais, nacionais e comunitários, velando ao mesmo tempo pelo respeito dos critérios de mobilidade sustentável. Os recursos financeiros disponíveis deveriam, em consequência, ter uma melhor utilização a prazo.

3.4.4   A interoperabilidade da teleportagem

3.4.4.1

No que se refere à interoperabilidade da teleportagem, o Comité interroga-se sobre os objectivos de ordem técnica apresentados pela Comissão no âmbito de um estudo sobre modos de financiamento inovadores para o desenvolvimento das redes transeuropeias de transportes (19). Os sistemas de teleportagem existentes e futuros constituem um serviço proposto aos utentes para lhes facilitar o pagamento das portagens e fluidificar o tráfego, mas de modo nenhum se trata de novas receitas para as RTE-T, nem tão pouco de um novo modo de financiamento. É apenas um instrumento melhor para cobrança das portagens

3.4.4.2

Pelo contrário, além das portagens cedidas ao concessionário de uma obra e previstas no seu contrato de concessão, a instauração em algumas auto-estradas actualmente gratuitas (Alemanha) de uma portagem automática por tonelada transportada e por Km, aplicável apenas aos transportes pesados, produzirá novas receitas. No entanto, uma vez que a Comissão não definiu posição sobre a afectação destas novas receitas, é provável que, no respeito do princípio da subsidiariedade e dos critérios de Maastricht em matéria de défice orçamental, cada Estado ou região (dono da obra em que a portagem é cobrada) utilize as receitas apuradas para melhorar a sua rede (ampliação das vias existentes, manutenção). Não se pode, por isso, considerar que se trata de um financiamento inovador aplicável à realização de novas ligações ferroviárias, rodoviárias e fluviais programadas nas RTE-T.

3.4.5   Criação de um «Fundo para grandes obras» alimentado pelos excedentes orçamentais da UE

3.4.5.1

O Comité tomou conhecimento da proposta do comissário europeu responsável pela política regional e pela reforma das instituições, Michel BARNIER, assim formulada: «O orçamento da UE — com frequência excedentário! — representa 1 % do PIB comunitário. Ou seja, ele poderia dar às economias europeias uma certa margem de manobra, por exemplo, através de um »Fundo para grandes obras« constituído como reserva em períodos favoráveis e utilizado para os investimentos prioritários em períodos menos favoráveis …» E o comissário pedia uma maior flexibilidade na utilização dos Fundos, nomeadamente os Fundos Estruturais, tendo em vista a sua reorientação.

3.4.5.2

Quanto ao financiamento de tal Fundo, o Comité é obviamente favorável à proposta do comissário de destinar sistematicamente uma parte dos excedentes do orçamento da União Europeia a um «Fundo para grandes obras». Contudo, embora tais excedentes possam ser um complemento para ajudar a fazer face à realização das redes europeias de transportes, a parte principal do financiamento deve assentar em recursos perenes, que não dependam da não execução, em determinados anos, do orçamento da UE.

3.4.5.3

O Comité entende que a rubrica «Transportes» do orçamento comunitário, que mobiliza apenas 700 milhões de euros por ano (2000/2006), é muito insuficiente para permitir alcançar os objectivos fixados e confirmados por numerosas Cimeiras europeias, pelo que deve ser substancialmente reforçada.

3.4.5.4

O Comité congratula-se, por fim, pelo facto de o princípio da criação de um Fundo alimentado por receitas á partida não orçamentadas ter sido proposto pelo comissário responsável pela reforma das instituições, o que comprova a viabilidade de tal projecto, que fica a depender apenas da vontade política dos Estados-Membros.

3.4.6   Criar um Fundo europeu para as infra-estruturas de transportes

3.4.6.1

Num passado recente, o Comité considerou que a realização das infra-estruturas europeias de transportes constituía uma aposta fundamental para a União Europeia. Em sua opinião, é o próprio futuro da UE que está em causa e chegou o momento histórico de tomar as decisões que garantirão às gerações futuras a posse de meios de intercâmbio eficazes. Os recursos utilizados até hoje, nomeadamente para o financiamento das infra-estruturas, têm-se revelado, segundo os projectos, ineficazes, insuficientes e responsáveis por atrasos que se tornarão em breve irreversíveis face à concorrência internacional. É, pois, imperativo estabelecer um dispositivo de financiamento inovador e ao abrigo das flutuações políticas e económicas nacionais.

3.4.6.2

O Comité recorda que propôs por três vezes, em 2003 (20), a criação deste Fundo, cujas características principais seriam as seguintes:

Fundo europeu para as obras das RTE-T prioritárias;

receita perene de 1 cêntimo por cada litro de combustível (gasolina, gasóleo, LPG) consumido na Europa de 25 Estados por todos os transportes rodoviários de mercadorias e de passageiros (colectivos ou particulares);

colecta a efectuar pelos Estados e sua cedência integral ao Fundo em cada exercício orçamental da UE, num montante de 3 mil milhões de euros, correspondente a um consumo de 300 milhões de toneladas de combustíveis;

entrega da gestão do Fundo ao Banco Europeu de Investimento, para realizar as seguintes operações em benefício das RTE-T prioritárias propostas pela Comissão e aprovadas pelo Parlamento e pelo Conselho:

empréstimos a muito longo prazo (30 a 50 anos);

bonificação das taxas de juro dos empréstimos contraídos para estes projectos;

estabelecimento de garantias financeiras para a PPP;

atribuição, por delegação da UE, de subvenções de 10 % a 50 % do montante das obras, segundo a natureza do projecto (obstáculos naturais, carácter transeuropeu, etc.).

3.4.6.3

Este Fundo europeu para as infra-estruturas de transportes seria, assim, constituído graças a uma taxa de 1 cêntimo por litro de todos os combustíveis consumidos em todas as estradas da UE por todos os veículos particulares, públicos ou profissionais de transporte de mercadorias ou de passageiros.

3.4.6.4

São as seguintes as vantagens manifestas de uma imposição como a descrita:

garantia por 20 anos do recurso de financiamento;

resposta às necessidades anuais de 3 a 4 milhares de milhões de euros, montante estimado pelo grupo VAN MIERT para financiar as RTE-T;

simplicidade da cobrança, já que todos os Estados-Membros dispõem de um sistema de percepção de taxas sobre os combustíveis.

A esta imposição poder-se-á, no entanto, opor importantes objecções de princípio. O CESE irá, pois, aprofundar esta modalidade de financiamento dos projectos de RTE-T, considerando desejável que a Comissão elabore sobre esta matéria um estudo concreto e aprofundado.

Bruxelas, 8 de Janeiro de 2003

O Presidente

da Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação

Alexander Graf von SCHWERIN


(1)  K. Alleweldt (Planificação e países limítrofes),

L. Ribbe (Mobilidade sustentável) e

P. Levaux (Financiamento).

(2)  COM(2003) 579 final: «Iniciativa europeia para o crescimento: investimento em redes e no conhecimento com vista ao crescimento e ao emprego. Relatório intercalar da Comissão Europeia».

(3)  Relatório do grupo de alto nível «Redes Transeuropeias de Transportes» presidido por Karel van Miert, Comissão Europeia, 20 de Junho de 2003.

(4)  COM(2003) 564 final de 1 de Outubro de 2003.

(5)  JO C 407. 28.12.1998 p. 100.

(6)  Alemanha-Áustria-Eslováquia-Hungria-Croácia-Sérvia-Bulgária-Grécia-Ucrânia-Roménia.

(7)  JO C 32, 5.2.2004.

(8)  Alemanha-República Checa-Eslováquia-Hungria-Roménia-Bulgária-Grécia-Turquia.

(9)  Áustria-Croácia-FYROM(Macedónia)-Eslovénia-Hungria-Sérvia-Bulgária.

(10)  COM(2003) 564 final, artigo 17.o-A, n.o 4, alínea c), pág. 22.

(11)  Fonte: http://europa.eu.int/pol/trans/index_pt.htm

(12)  JO C 48 de 21 de Fevereiro de 2002, p. 112.

(13)  O CESE referiu-se com frequência às ligações regionais de autocarros como pilar importante de uma política de transportes sustentável. Como o presente parecer trata em especial das infra-estruturas de transportes europeias, não se pronunciará especificamente sobre a promoção das ligações em autocarro; para o CESE não é, com efeito, concebível uma infra-estrutura separada para a circulação de autocarros na UE.

(14)  Eurostat — Comunicado de imprensa n.o 43/2002 de 9 de Abril de 2002.

(15)  A promoção de circuitos económicos regionais redutores da intensidade dos transportes tem um papel importante neste processo. Um exemplo: a construção de um número reduzido de matadouros centrais (normalmente, com meios comunitários) originou um aumento enorme dos transportes (nomeadamente, os controversos transportes de animais) e uma destruição simultânea de empregos regionais. Se fossem integrados nos cálculos económicos do abate os custos externos correspondentes a tais consequências, seria outra a «rentabilidade» da operação.

(16)  COM(2001) 370 final – Parecer do CESE: JO C 241 de 7 de Outubro de 2002, pág. 168.

(17)  JO C 10, 14.1.2004.

(18)  COM(2003) 132 final de 23 de Abril de 2003.

(19)  JO C 32, 5.2.2004.

(20)  JO C 25 de 8 de Abril de 2003, pág. 133 (parecer sobre a harmonização dos impostos específicos sobre o consumo de gasolina e gasóleo); JO C 220 de 16 de Setembro de 2003, pág. 26 (parecer sobre a segurança nos túneis da rede rodoviária transeuropeia); JO C 10, 14.1.2004.


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/45


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Promoção das energias renováveis — Meios de acção e instrumentos de financiamento»

(2004/C 108/06)

Em 17 de Julho de 2003, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29 n.o do seu Regimento, elaborar um parecer sobre o tema: «Promoção das energias renováveis — Meios de acção e instrumentos de financiamento».

A Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, responsável pela preparação dos trabalhos na matéria, emitiu parecer em 8 de Janeiro de 2004. (Relatora: U. B. SIRKEINEN).

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social adoptou por 113 votos a favor e 2 votos contra, o seguinte parecer.

1.   Antecedentes e objectivo

1.1

A Europa, como o mundo industrializado em geral, depende fortemente dos combustíveis fósseis. Os transportes dependem quase totalmente do petróleo, do carvão e, cada vez mais, do gás natural, enquanto no sector da produção energética a dependência também é elevada e em progressão constante. Na UE, o nível de dependência destes recursos para a produção de energia atinge os 50 % e prevê-se que, até 2020, aumente para 70 %. Ademais, as finanças públicas estão consideravelmente ligadas aos combustíveis fósseis, devido, em particular, às elevadas taxas de imposto que recaem sobre os combustíveis para transporte.

1.1.1

A elevada dependência dos combustíveis fósseis advém de diversos problemas. A futura escassez de reservas de combustíveis fósseis provocará, eventualmente, a longo prazo o agravamento da situação do aprovisionamento. Todavia, actualmente, tais aspectos ainda não exigem demasiado da capacidade criadora dos mercados. Os combustíveis fósseis estão, no entanto, constantemente na mira da política internacional. A maior parte das reservas de petróleo e de gás encontra-se em regiões politicamente instáveis, ou não abrangidas pelas regras normais do mercado e da concorrência. Todavia, o maior desafio da actualidade são as alterações climáticas, pois a combustão dos combustíveis fósseis acarreta a emissão de dióxido de carbono.

1.2

Um elemento central da política energética europeia é o aumento da utilização de fontes de energia renováveis. O Livro Verde sobre a segurança do abastecimento energético na Europa considera as fontes de energia renováveis a pedra angular da estratégia energética europeia que visa o desenvolvimento sustentável.

1.3

O Livro Verde estabeleceu dois objectivos principais para as estratégias definidas:

aumentar a segurança do abastecimento através da diversificação das fontes energéticas para fontes de energia não importadas e

combater as alterações climáticas, substituindo os combustíveis fósseis por fontes que não emitam gases com efeito de estufa.

Simultaneamente, o terceiro objectivo das políticas energéticas é a competitividade da Europa, de acordo com o espírito da estratégia de Lisboa.

1.4

As principais propostas sobre energia renovável apresentadas pela Comissão são o Livro Branco sobre energia renovável, de 1997, a directiva relativa à promoção da electricidade obtida a partir de fontes de energia renováveis (doravante designada «electricidade FER»), adoptada em 2001, e uma directiva relativa à promoção do uso de biocombustíveis, de 2003.

1.4.1

O CESE adoptou pareceres sobre cada uma das referidas propostas e, a título adicional, em 2000, elaborou um parecer de iniciativa sobre as energias renováveis provindas da agricultura. Em todos estes pareceres, o Comité defendeu vigorosamente o objectivo de aumentar o uso de fontes de energia renováveis. Também as medidas políticas propostas foram amplamente apoiadas, apesar de certas observações de pormenor. No parecer sobre a directiva «electricidade FER», o Comité manifestou-se preocupado com o facto de se deixar ao arbítrio dos Estados-Membros a escolha das medidas de apoio e respectivo nível, advertindo para eventuais distorções de concorrência no mercado interno.

1.5

De facto, as medidas de apoio às fontes de energia renováveis são necessárias, pois muitas das fontes e tecnologias nem sempre são competitivas em relação à produção energética tradicional, embora tenham esse potencial. Poder-se-á entender o apoio em causa como uma compensação a favor das energias renováveis para contrabalançar os auxílios públicos de que as fontes energéticas e os métodos de produção tradicionais têm beneficiado ao longo dos anos, bem como os custos produzidos, mas não suportados, pela produção tradicional de energia. Muitos estudos defendem estes argumentos, mas nem todos o fazem integralmente.

1.6

O objectivo do presente parecer de iniciativa consiste em contribuir com dados, análises e recomendações para o animoso debate sobre a energia renovável, num momento em que a Comissão começa a preparar a revisão da directiva «electricidade FER». Testemunhámos já muitas mudanças nos Estados-Membros, se bem que o prazo de aplicação da directiva não esteja ainda iminente.

2.   Objectivos e normas comunitárias actuais

2.1

Ao nível europeu, estabelecem-se metas no sentido de aumentar o uso das fontes de energia renováveis. A directiva sobre a produção de energia renovável apresenta uma definição de electricidade FER. A directiva indica que por fontes de energia renováveis se entenderão as fontes de energia renováveis não-fósseis: energia eólica, solar, geotérmica, das ondas, das marés, hidráulica, biomassa, gás de aterro, gás proveniente de estações de tratamento de águas residuais e biogases. A directiva especifica que por biomassa se entende a fracção biodegradável dos produtos e resíduos provenientes da agricultura (incluindo as substâncias de origem vegetal e animal), da silvicultura e indústrias relacionadas, bem como a fracção biodegradável dos resíduos industriais e municipais.

2.2

O Livro Branco para uma estratégia e um plano de acção comunitários — «Energia para o futuro: fontes de energia renováveis» visa duplicar a quota de energias renováveis do fornecimento energético total da UE. Tal implica o aumento do uso das fontes de energia renováveis, em 2010, para o equivalente a 12 % do consumo final de energia.

2.3

Para pôr em marcha a aplicação da estratégia definida no Livro Branco, foi lançada em 1999 uma campanha que se prolongará até 2003. Para certas fontes de energia renováveis estabeleceram-se objectivos indicativos para adições no período 1999-2003.

2.4

A directiva relativa à promoção da electricidade gerada a partir de fontes de energia renováveis («electricidade FER») estabelece um objectivo global para a quota de electricidade obtida através das fontes renováveis de 22 % do consumo eléctrico total da UE em 2010 e define os objectivos indicativos para a quota de produção de electricidade renovável para cada Estado-Membro.

2.5

O objectivo da directiva sobre biocombustíveis é aumentar o consumo de biocarburantes para 2 % do consumo de gasóleo e gasolina em 2005 e para 5,75 % em 2010. A par desta directiva, foi aprovada uma directiva relativa às deduções fiscais para os biocombustíveis, criando um elemento-chave para a sua promoção nos Estados-Membros.

2.6

A directiva «electricidade FER» não estabelece normas claras a respeito das medidas de apoio à electricidade renovável. Todavia, refere que a Comissão elaborará, em 2005, um relatório sobre a aplicação e os resultados obtidos e que optará então por um único método de apoio a implementar em toda a União.

2.7

Entretanto, em 2001, a Comissão criou as directrizes comunitárias para as ajudas estatais à protecção ambiental, que, em princípio, se aplicarão à electricidade FER. O principal eixo de acção das directrizes é o facto de as fontes de energia renováveis poderem receber apoio estatal. Os regimes de ajuda têm de ser notificados à Comissão. São permitidos quatro tipos de ajuda diferentes e alternativos. Cobrem apenas uma parte dos custos, nalgumas circunstâncias grande parte, e não podem originar compensação excessiva. Ademais, a duração é limitada e o nível de ajuda descendente.

2.8

Na Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2002, chegou-se a acordo quanto à importância de alcançar uma maior utilização das fontes de energia renováveis em todo o mundo, mas não se estabeleceu nenhum objectivo concreto. Contudo, a UE empenhou-se, formando uma coligação de países com pontos-de-vista comuns, com vista a definir um objectivo global para a quota de energias renováveis. De momento, a Comissão prepara uma comunicação a este respeito.

3.   Políticas e respectivas medidas

3.1

Promover a eficiência energética é outro pilar da política energética que partilha os objectivos da promoção das energias renováveis, ou seja, a segurança do abastecimento e a luta contra as alterações climáticas. Uma tecnologia-chave é a produção combinada de calor e electricidade (PCCE), sobre a qual será em breve adoptada uma directiva. Outras medidas para a eficiência energética são as normas de eficiência para o equipamento, a rotulagem, um projecto de directiva sobre a concepção do equipamento eléctrico e outra sobre a gestão da procura de energia.

3.1.1

Os Estados-Membros aplicaram igualmente as suas próprias medidas para promover a eficiência energética. Nalguns casos, alcançaram-se acordos voluntários. A opinião geral é a de que ainda há um grande potencial por explorar nesta área.

3.1.2

Em regra, as medidas para aumentar a eficiência energética não colidem com as medidas de promoção das energias renováveis. Todavia, no caso do PCCE existe sobreposição, pois uma das fontes de produção é a biomassa. Prevê-se que esta sobreposição não cause distorções de mercado nem problemas em relação ao cumprimento das obrigações derivadas das diferentes directivas.

3.2

O regime comunitário para o comércio de direitos de emissão, em conformidade com o estabelecido na directiva recentemente aprovada, inclui a geração de energia que produz emissões de CO2. Esta directiva não inclui directamente a energia renovável nem outras fontes de energia que não produzam emissões, como a nuclear; ou seja, segundo este regime, não são concedidos direitos pela redução das emissões de CO2 ao se investir na geração de energia sem emissões. Não obstante, o sistema de limitação e de comércio de emissões constitui um instrumento bastante convincente, capaz de fomentar indirectamente as energias renováveis, já que fará aumentar os preços da energia e o custo de utilização de combustíveis fósseis, tornando, por conseguinte, mais competitivas as fontes que não produzem emissões.

3.2.1

A directiva sobre o comércio de direitos de emissão e a directiva «electricidade FER» sobrepõem-se e não são, em parte, coerentes. A primeira trata também o aspecto das alterações climáticas inerente à promoção das fontes de energia renováveis. Uma pergunta que se coloca é se o objectivo de reduzir as emissões de CO2 deveria ser da exclusiva responsabilidade do comércio de direitos de emissão. Talvez se devessem rever as medidas relacionadas com a directiva electricidade FER de modo a servirem unicamente o objectivo da segurança de abastecimento. Segundo vários estudos, o comércio de emissões na UE fará aumentar consideravelmente o preço de mercado da electricidade (as estimativas variam entre 20 e 100 %). E pergunta-se: será económica e politicamente viável aumentar este encargo aplicando qualquer regime de apoio directo às FER que venha a aumentar mais ainda a conta de electricidade do consumidor?

3.3

A política agrícola comunitária tem grande influência na provisão de biomassa para utilização energética. Neste aspecto, a reforma da política agrícola comum (PAC) introduz mudanças. Agora, a cultura energética poderá ser feita em terrenos agrícolas vulgares e promovida, beneficiando, nomeadamente, de 45 euros por hectare.

3.4

O programa «Energia Inteligente para a Europa», um programa comunitário de apoio não tecnológico nos domínios da eficiência energética e das fontes de energia renovável, foi adoptado em 2003. O programa decorrerá no período de 2003-2006, garantindo o apoio a projectos que visem remover as barreiras do mercado àqueles dois domínios. Está estruturado em quatro secções temáticas, das quais a «ALTENER» se dedica às energias novas e renováveis. As restantes são a «SAVE», consagrada à utilização racional da energia, a «STEER», especializada nos aspectos energéticos dos transportes, e a «COOPENER», centrada na cooperação com os países em desenvolvimento.

3.5

As políticas de I&D são fundamentais, tanto para o desenvolvimento de novas soluções de energias renováveis como para o aperfeiçoamento das tecnologias já presentes no mercado ou em vias disso. Algumas formas de energias renováveis que se enquadram na definição da directiva «electricidade FER» ainda se encontram, de facto, numa fase precoce de desenvolvimento e necessitarão de muito trabalho em I&D para explorar todo o seu potencial.

3.5.1

A tecnologia do hidrogénio, que para certas aplicações chegará em breve ao mercado, é alvo de muita atenção e expectativas. A grande mais-valia do hidrogénio como combustível para transportes e células de combustível é o facto de não produzir gases com efeito de estufa, de poder armazenar electricidade e de substituir o petróleo. O hidrogénio é produzido a partir do gás natural (fonte de energia primária fóssil), da água através do consumo de energia associada à electricidade ou da biomassa. Importa dispor destas fontes em quantidades suficientes. Uma vez que as reservas conhecidas de gás natural são limitadas, seria preferível destiná-las a combustíveis para os transportes. A energia nuclear e, de futuro, segundo se espera, a fotovoltaica são mais adequadas a abastecer a electricidade necessária à obtenção do hidrogénio da água. Também há que desenvolver técnicas de produção para reduzir os custos, bem como tecnologias que lidem em segurança com este combustível altamente explosivo.

4.   Promoção das energias renováveis nos Estados-Membros

4.1

A transposição das directivas para a promoção do uso da energia renovável e dos biocombustíveis está ainda em curso nos Estados-Membros. Embora seja demasiado cedo para poder saber se todos os Estados-Membros cumprirão os prazos estabelecidos, é provável que tal não aconteça. Já todos os Estados-Membros divulgaram os respectivos objectivos nacionais.

4.2

A maioria dos Estados-Membros, introduziu, entretanto, regimes nacionais de apoio às fontes de energia renováveis. Nalguns assistiu-se a uma intensificação dos regimes já em vigor antes das declarações da política comunitária. Os regimes em causa, tal como os níveis de compensação que oferecem, diferem consideravelmente de país para país.

4.2.1

Identificam-se cinco principais formas de apoio:

1)

tarifas de alimentação de corrente garantidas e obrigações de resgate,

2)

certificados verdes, geralmente acompanhados de obrigações de retoma,

3)

sistemas de concursos públicos,

4)

redução ou isenção fiscal, e

5)

ajuda directa ao investimento

4.2.2

As tarifas de alimentação de corrente vigoram, pelo menos, na Áustria, na França, na Alemanha e na Grécia. Os sistemas de certificados são empregues na Bélgica, na Dinamarca, nos Países Baixos, na Suécia e no Reino Unido e estão previstos em Itália. A ajuda está integrada no sistema de tributação da energia e das emissões de carbono no caso da Finlândia, dos Países Baixos e do Reino Unido.

4.2.3

Exemplo do regime das tarifas de alimentação de corrente/resgate é a lei alemã sobre energias renováveis. O sistema prevê tarifas de alimentação garantidas para os produtores de electricidade que a tenham produzido durante 20 anos a partir de fontes de energia renováveis. Há diferentes escalas de tarifas para as diferentes tecnologias e, dentro de uma escala, há diferentes níveis de eficiência, ultrapassando, em regra, 80 euros/MWh. As tarifas são garantidas durante alguns anos, decrescendo depois gradualmente. Os custos recaem sobre os consumidores à mesma taxa. A lei alemã foi levada a tribunal para determinar a sua compatibilidade com a norma sobre ajudas estatais do Tratado e o veredicto foi que não se trata de ajuda estatal, pois não são utilizados recursos do Estado.

4.2.4

Exemplo de um sistema integrado no regime fiscal é o sistema fiscal para a regulação da energia dos Países Baixos. A electricidade não produzida a partir de fontes de energia renováveis é alvo de um imposto para apoiar a produção de electricidade ecológica. Em regra, os consumidores industriais estão isentos do referido imposto, em virtude de um instrumento alternativo estabelecido para a indústria, isto é, a obrigação de cumprir os objectivos mundiais de máxima eficiência energética.

4.2.5

As obrigações para as energias renováveis do Reino Unido constituem um exemplo do sistema de certificados e obrigações. Aos fornecedores é imposta determinada obrigação (3 % em 2002, 10,4 % em 2010), recaindo os custos, incluindo uma eventual multa (de cerca de 45 euros por MWh), sobre os consumidores.

4.3

Os sistemas são quase exclusivamente nacionais e as importações estão, em regra geral, excluídas. De qualquer forma, nalguns casos, os operadores podem obter o dobro dos lucros. Tal acontece com a energia eólica produzida na Alemanha e exportada para os Países Baixos, que pode beneficiar da tarifa de alimentação garantida na Alemanha e receber apoio nos Países Baixos.

4.4

Espera-se que a energia eólica seja a que mais contribua para os objectivos gerais, pelo que os programas de ajuda são elaborados em conformidade. Presentemente, a remuneração pela energia eólica é superior a 100 euros por MWh, em Itália e na Bélgica, e excede os 50 euros em França, na Áustria, em Portugal, na Alemanha e no Reino Unido. Nalguns Estados-Membros, os níveis de remuneração decrescerão nos próximos 5 a 15 anos.

5.   Alargamento

5.1

Em 1997, apenas em três dos dez novos Estados-Membros, a quota das FER na produção energética nacional era mais elevada do que a média comunitária no mesmo ano (12,9 %). Esses três países são:

a Letónia, com 42,4 %,

a Eslováquia, com 17,9 % e

a Eslovénia, com 29,9 %.

Os referidos países utilizam maioritariamente energia hidráulica, graças à boa disponibilidade desta fonte de energia. Nos restantes sete países a quota de FER na produção energética é muito baixa, ou seja, cerca de 2 % em média.

5.2

Os países aderentes têm como objectivo duplicar, em 2010, a produção eléctrica FER registada em 1997. Este aumento aproxima-se muito dos objectivos dos actuais Estados-Membros. Todavia, estes dez países não têm grande potencial de energia eólica pelo que ela não promete ser um meio eficiente de produção de electricidade. Assim, o uso da biomassa reveste-se de uma importância crescente na maior parte dos países em questão.

5.3

Quanto ao aprovisionamento de calor, os futuros Estados-Membros encontram-se amplamente cobertos por vastas redes de calefacção urbana, embora estas careçam, em parte, de manutenção. A possibilidade do uso de biomassa e de PCCE na calefacção urbana poderá ser considerável, mas ainda se desconhecem pormenores.

5.4

A probabilidade de se aumentar a eficiência energética é consideravelmente maior nos futuros Estados-Membros do que na actual UE. Importa explorá-la em paralelo com as FER. Além disso, haveria em particular que lançar campanhas informativas para levar os cidadãos a poupar energia nas suas residências.

5.5

Aliás, o facto de terem iniciado tardiamente os esforços de utilização FER pode resultar em sua vantagem. Assim, podem aprender com as experiências de êxito e de insucesso com as FER registadas na UE. De forma a permitir que tanto os futuros como os actuais Estados-Membros o façam, importa acompanhar exaustiva e anualmente os resultados positivos e negativos do uso das FER. Tal permitirá prosseguir os desenvolvimentos que registaram êxito e reduzir eventuais erros. Também os custos de produção poderão ser optimizados.

5.6

É muito importante apoiar os novos Membros nesta área, pois, de acordo com os dados estatísticos, a experiência com o uso das FER parece bastante limitada, já que a maior parte da electricidade resultante das FER depende dos recursos hídricos.

5.7

Neste contexto, um outro aspecto a ter em conta diz respeito aos custos da electricidade resultante das FER. Todos os futuros Estados-Membros carecem de recursos financeiros. Assim, qualquer nova tecnologia que requeira muito capital e pouca mão-de-obra é um pesado encargo e reduz a possibilidade de os futuros Estados-Membros alcançarem os níveis comunitários em poucos anos. Um consumo de energia dispendioso poderia resultar em taxas de crescimento reduzidas e baixa competitividade.

5.8

Deste modo, o desenvolvimento de preços competitivos para a produção de electricidade a partir das FER é fulcral, sobretudo para os países em questão, pois terão em breve de cumprir as mesmas obrigações e objectivos que os actuais Estados-Membros.

6.   Possibilidades e obstáculos não pautais às energias renováveis

6.1

O potencial das fontes de energia renováveis é grande, mas, na maior parte dos casos, ainda é limitado, mesmo não considerando os custos. O potencial varia de acordo com as fontes e, em particular, ao longo do tempo. As formas de FER com mais potencial a curto e médio prazo, sobretudo a eólica, a hidráulica e a biomassa, apresentam igualmente limitações óbvias. Outras formas de energia renovável, como a fotovoltaica e a das marés, ainda se encontram numa fase de desenvolvimento embrionária e o seu potencial só se evidenciará dentro de 20, 30 ou mesmo mais anos. Requerem ainda um grande esforço de investigação e desenvolvimento. Tal implica abordagens e soluções muito diferentes das vocacionadas para melhorar a eficiência de tecnologias quase totalmente desenvolvidas e que dão os últimos passos para atingir a competitividade plena.

6.2

A utilização da energia eólica é limitada pela obrigatoriedade de recorrer a outra forma de energia complementar e correspondente capacidade de rede. A produção de biomassa é fomentada pela política agrícola e florestal. A utilização da biomassa para a produção de energia é, contudo, influenciada por outros usos, com maior valor-acrescentado. A sua preferência, induzida pelo mercado, deveria distorcer as forças de mercado da produção de biomassa. Gerar mais energia hidráulica na Europa tem se tornado mais difícil por razões de protecção da natureza, deparando-se inclusivamente os projectos de pequena dimensão e orientados para o futuro com numerosos obstáculos.

6.3

Um obstáculo grave e cada vez maior a uma utilização acrescida das energias renováveis é a resistência da opinião pública. A resistência poderá ser explicada pela percepção sofrível da importância do aumento do uso das FER e pelas informações incorrectas acerca das qualidades das tecnologias. Para resolver este problema, importaria difundir campanhas informativas e educativas, incluindo a integração, nos currículos escolares, da importância e das características das FER. As decisões respeitantes à localização também têm naturalmente de ter em conta a aceitação local. O desenvolvimento tecnológico também pode fornecer soluções, como passar a gerar a energia eólica em pleno mar em vez de o fazer em terra.

6.3.1

As tecnologias necessárias para as fontes de energia renováveis requerem muita criatividade e espírito empreendedor, o que devia ser motivado. Também se deviam fomentar as possibilidades de participação e de investimento ao nível local. Apesar dos regimes de ajuda, amiúde generosos, os riscos não devem ser esquecidos.

6.4

Os pesados e morosos processos de licenciamento tornam frequentemente os investimentos em FER demasiado arriscados e dispendiosos, pelo que as autoridades que os concedem deviam fixar e respeitar prazos para o efeito. Não obstante, a prática de recorrer em juízo de decisões das autoridades pode fazer arrastar indefinidamente o processo de licenciamento, às vezes durante anos.

6.5

Em muitos casos, há que desenvolver as infra-estruturas para poder aumentar o uso das energias renováveis, o que exige tempo. Ademais, o aumento do uso das FER conduz a exigências adicionais e, por vezes, a problemas com a capacidade de rede, em especial se não forem observados os parâmetros de localização. O ritmo de aumento do uso poderá, por conseguinte, ser inferior ao indicado nos objectivos, assim como os custos poderão ser mais elevados.

6.6

Em termos práticos, o objectivo de promover a energia renovável é substituir os combustíveis fósseis, pois estes emitem gases com efeito de estufa e são, em grande medida, importados a países de fora da UE. Dadas as taxas de eficiência para o uso da energia primária, a produção directa de electricidade a partir de energias renováveis, como a eólica, é considerada a melhor substituta. A substituição de combustíveis fósseis primários por combustíveis renováveis é menos eficiente. A produção combinada de calor e electricidade a partir de biomassa aumenta consideravelmente este efeito de substituição. A Comissão observou o princípio de substituição no seu planeamento geral, mas, frequentemente, não o teve em conta na elaboração de medidas de promoção nem nas estimativas dos resultados.

6.7

As expectativas em relação às fontes de energia renováveis são elevadas. Todavia, tendo em conta as limitações supramencionadas e o longo espaço de tempo necessário em muitos casos, conclui-se que as FER não resolverão todos os problemas energéticos da Europa. Estas poderão prestar um contributo considerável, dando resposta ao aumento da procura. Porém, a curto ou médio prazo, não poderão, nem no cenário mais positivo, embora ainda realista, substituir o carvão ou a energia nuclear, e muito menos ambos em conjunto. Por outro lado, a longo prazo, haverá que criar cenários e perspectivas susceptíveis de inspirar e encaminhar precocemente a I&D e outros meios de intervenção para a via a seguir.

7.   Avaliação dos métodos de promoção e resultados

7.1

A eficácia dos instrumentos para aumentar o uso de energias renováveis depende, em grande medida, da especificidade da sua concepção. Em todo o caso, dir-se-ia que os regimes de tarifas garantidas de alimentação de corrente obtêm bons resultados. Todavia, há que considerar igualmente a rentabilidade, os efeitos adversos nos mercados e outras consequências dos sistemas.

7.2

A maioria dos regimes de ajuda não permite a concorrência entre diferentes formas de energias renováveis, nem entre estas e a produção tradicional. Muitos regimes de ajuda carecem de elementos que promovam o desenvolvimento das tecnologias e da eficiência. Além disso, observa-se frequentemente a ausência de um mecanismo de barreira para impedir as compensações excessivas.

7.3

As estruturas dos mercados para a produção de calor, electricidade e combustíveis para transporte apresentam diferenças fundamentais. A produção de calor tem um mercado puramente local, que se estende pelas redes de calefacção urbana. Os mercados dos combustíveis para o transporte são competitivos e, até certo ponto, distorcidos pelos diferentes regimes fiscais existentes na UE. O mercado da electricidade começa agora a abrir-se, mas o comércio transfronteiro ainda depara com muitos obstáculos. Será, pois, fundamental simplificar a infra-estrutura existente e garantir o acesso a terceiros.

7.3.1

Toda e qualquer medida para promover o uso de combustíveis provenientes de energias renováveis para a electricidade e o transporte tem de velar por não distorcer a concorrência no mercado interno. A igualdade de condições para todos na UE, que, actualmente, não é uma realidade, deveria constituir um objectivo central.

7.3.2

O planeamento das medidas de promoção, no caso da electricidade, deve zelar pelo aproveitamento máximo, em toda a EU, das condições naturais e climáticas, bem como da actual capacidade de rede. Caso contrário, as soluções nunca serão rentáveis e conduzirão a custos de investimento e de utilização muito mais elevados para obter o mesmo resultado final. Um exemplo é a localização dos parques de energia eólica, que deve ser optimizada de acordo com as condições do vento e também em função da capacidade e da utilização da rede. Actualmente, tal não é a situação que se verifica, pois o ponto de referência é o próprio objectivo nacional.

7.4

A directiva «electricidade FER» estabelece critérios para os regimes de apoio nacionais: estes devem ser compatíveis com o mercado interno, ter em conta as diferentes características das FER, ser eficientes e simples e prever suficientes fórmulas de transição para preservar a confiança dos investidores. No seu parecer sobre essa directiva, o Comité propôs princípios adicionais a considerar, entre os quais estabelecer custos razoáveis para os consumidores de energia, criar fundos públicos, reduzir os níveis de compensação, pôr termo aos apoios a longo prazo, garantir plena transparência, deixar a decisão final ao mercado e incluir os riscos normais do mercado.

7.4.1

Estes princípios continuam totalmente válidos. Lamentavelmente, dir-se-ia que muitos regimes de ajuda nacionais não os respeitam, divergindo, com frequência, em vários pontos. Se comparado com eles, o sistema de alimentação de corrente/obrigação de resgate parece contradizer vários deles.

7.5

Já foram efectuados estudos sobre o êxito dos sistemas de ajuda e fizeram-se previsões sobre o aumento da produção e do uso das energias renováveis deles resultante. Alguns estudos realçam que a maioria dos instrumentos da UE não se encontra ainda em vigor. Outros debruçam-se sobre as repercussões das políticas e dos instrumentos a utilizar no futuro próximo. Os resultados são muito variados, mas deixam antever que a maioria dos Estados-Membros, tal como a UE no seu todo, terão sérias dificuldades em alcançar os respectivos objectivos de aumento das FER até 2010.

7.6

Todavia, casos há em que se verificou um aumento considerável das FER. O exemplo mais óbvio refere-se ao aumento da energia eólica na Dinamarca, Alemanha e Espanha. Tal demonstra que o aumento em questão é, de facto, possível, inclusivamente em regiões menos favorecidas pelas condições naturais, como o interior da Alemanha o é em relação ao vento. Se todos os Estados-Membros seguissem os melhores exemplos, o objectivo comunitário global seria alcançado.

7.7

Alcançar o objectivo comunitário não é, portanto, utópico; importa que políticos e eleitores estejam dispostos a investir nos recursos necessários. Os custos têm de ser suportáveis para os consumidores e não se pode comprometer a competitividade global das indústrias europeias.

7.8

Em muitos Estados-Membros, em particular nos três países acima mencionados, optou-se por níveis de remuneração para as energias renováveis consideravelmente elevados. Avaliar a razoabilidade dos custos implícitos no alcance dos objectivos das FER é uma decisão política. Contudo, em muitos casos, os custos afiguram-se bastante elevados se se comparar os níveis de remuneração superiores a 100 euros por MWh com os actuais preços de mercado da electricidade (excluindo a transmissão e os impostos), que, em média, rondarão os 25-30 euros por MWh.

7.9

Enquanto a proporção de energias renováveis que beneficia de ajudas for relativamente baixa, também o custo total o será. No entanto, assim que essa proporção aumentar de acordo com os objectivos, os custos repercutir-se-ão na economia dos consumidores. Tal poderá provocar reacções entre os eleitores, como na Dinamarca, ou afectar a competitividade dos grandes consumidores de energia, como os industriais, o que vai de encontro aos objectivos da estratégia de Lisboa e de outras metas económicas.

8.   Conclusões e recomendações

8.1

Actualmente, somos levados a crer que a maioria dos Estados-Membros, tal como a UE no seu todo, não logrará alcançar o objectivo de aumentar o uso das fontes de energia renováveis até 2010. Para alguns Estados-Membros tal não seria impossível, mas não é certo que se consiga mobilizar totalmente a vontade política e os recursos necessários.

8.2

Visto não haver linhas de orientação uniformes para os regimes de ajuda às FER, os Estados-Membros optaram por aplicar sistemas nacionais, variando muito na abordagem, no conceito e na intensidade. Dir-se-ia que muitos dos regimes actuais precisam de ser revistos criticamente quanto à sua relação custo-eficácia.

8.3

A presente situação cria obstáculos ao mercado interno, pois os regimes são puramente nacionais e estão excluídas as importações. No entender do TJ, tal não é válido para a electricidade, pois o mercado interno da electricidade não será completamente liberalizado antes de 2007. Contudo, o mercado transfronteiro da electricidade cresce a um ritmo diário em toda a UE.

8.4

Não se verifica, além disso, igualdade de condições entre os agentes de mercado das diferentes zonas da Europa. Para tal, existem muitas razões, nomeadamente a decisão do Tribunal Europeu de Justiça (1), que estabelece que o sistema de tarifas de alimentação de corrente em vigor na Alemanha não constitui auxílio estatal, pois o Estado não faz qualquer investimento. Todavia, economicamente, é praticamente igual se a ajuda vem directamente do bolso do consumidor ou, indirectamente, do contribuinte, através dos cofres do estado.

8.5

Quanto às diferentes formas de regimes de apoio, conclui-se que nenhuma concilia a eficácia com a não distorção de mercado e o aumento da competitividade e da inovação. Para a alimentação de corrente, são os órgãos de poder que fixam as tarifas e é o mercado que fixa o volume. Para o regime de certificados, aplica-se o inverso. Os regimes de alimentação de corrente poderão ter em conta a eficiência, se utilizados correctamente. Os certificados poderão não oferecer segurança de investimento suficiente e os preços sofrerão de certa volatilidade.

8.6

O custo dos regimes de ajuda às FER já é, em certos casos, muito elevado. Tal suscita alguma preocupação e poderá influenciar negativamente o objectivo e as políticas de promoção das energias renováveis.

8.7

Em conformidade com a directiva «electricidade FER», a Comissão prevê rever, em 2005, a evolução do uso da electricidade produzida a partir das fontes renováveis, podendo propor um regime de ajuda único. A harmonização plena só será alcançada em 2012. Naturalmente, muitos Estados-Membros resistirão com veemência à mudança de um sistema em prática há anos.

8.8

Nesta fase, muitos consideram desnecessária a introdução de um regime de ajuda único para a electricidade resultante das FER. Ademais, não há unanimidade em relação ao conceito a prevalecer. A posição do Comité é de que importaria desenvolver um regime comum, a introduzir oportunamente, e que importaria contrariar desde já qualquer evolução no sentido de uma maior fragmentação dos regimes nacionais. Pela sua própria natureza, esse regime comum deveria privilegiar em particular a inovação e a competitividade.

8.9

A Comissão é responsável pela execução das políticas por ela propostas. Apesar de a aplicação das políticas comunitárias para a energia renovável se encontrar ainda em fase embrionária, a Comissão deveria ter em atenção os problemas atrás mencionados antes que estes se agravem com o tempo.

8.10

O CESE recomenda à D.-G. TREN que

redobre esforços para facilitar o intercâmbio de boas práticas entre os Estados-Membros (em especial os novos), as regiões e demais actores, no sentido de promover as FER;

solicite aos Estados-Membros que acompanhem anualmente o desenvolvimento dos respectivos mercados FER, tendo em vista a recolha de dados estatísticos e de informações sobre experiências reunidas, e que publique um relatório anual sobre os resultados;

avalie em profundidade a interacção, a coerência e os efeitos práticos das diferentes políticas comunitárias que afectam a utilização das FER, a fim de evitar a auto-regulação, importando em particular estudar em pormenor os aspectos da directiva «comércio de emissões» e agir em conformidade antes da aplicação da directiva;

inicie, com a maior brevidade, um estudo exaustivo da evolução e da situação actual de promoção das FER, incidindo em particular na capacidade de inovação, em questões de mercado, na relação custo-eficácia das medidas de apoio, no impacto que estas terão nos custos a suportar pelos consumidores e na competitividade global das indústrias da UE.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  Tribunal de Justiça, acórdão de 13/3/2001, processo C – 379/98.


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/52


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1406/2002 que institui a Agência Europeia da Segurança Marítima»

[COM(2003) 440 final – 2003/0159 (COD)]

(2004/C 108/07)

Em 8 de Setembro de 2003, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 80.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu, sobre a proposta supramencionada.

Foi encarregada da preparação dos trabalhos nesta matéria a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 8 de Janeiro de 2004, sendo relator E. CHAGAS.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 107 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   A proposta da Comissão

1.1

A Agência Europeia de Segurança Marítima (AESM), criada na sequência do acidente com o navio Erika no final de 1999, foi instituída pelo Regulamento (CE) n.o 1406/2002 (1) com o objectivo de assegurar «um nível elevado, uniforme e eficaz de segurança marítima, bem como de prevenção da poluição pelos navios na Comunidade». A Agência assistirá os Estados-Membros com o apoio técnico e científico para garantir uma aplicação correcta da legislação comunitária no domínio da segurança marítima e da prevenção da poluição pelos navios.

1.2

A Agência tem também como funções a recolha de informações e a exploração de bases de dados sobre segurança marítima, a avaliação e a auditoria das sociedades de classificação e a organização de missões de inspecção nos Estados-Membros para verificar as condições de inspecção dos navios pelo Estado do porto.

1.3

Em particular, a Comissão propõe:

dotar a Agência com a competência jurídica e os meios necessários para combater a poluição acidental ou ilícita causada pelos navios, incluindo a possibilidade de afretamento de navios especializados e o equipamento necessário para o combate à poluição marítima;

alargar os objectivos da Agência para incluir a protecção do transporte marítimo, justificado com o aumento das ameaças de actos terroristas contra os navios e instalações portuárias e com a necessidade de assegurar a correcta aplicação das medidas de segurança previstas na Comunicação da Comissão sobre a melhoria da protecção do transporte marítimo (2);

especificar claramente o papel da Agência no domínio do reconhecimento das qualificações dos marítimos de países terceiros em conformidade com a legislação comunitária sobre o nível mínimo de formação dos marítimos.

2.   Comentários na generalidade

2.1

Pelo conjunto de funções que lhe estão atribuídas, é evidente a importância do papel da Agência Europeia de Segurança Marítima para assegurar uma aplicação eficaz e uniforme das disposições comunitárias e internacionais relevantes para a segurança marítima e a prevenção da poluição acidental ou ilícita pelos navios.

2.2

Por isso mesmo, e na sequência do acidente com o navio Prestige no final do ano de 2002, a Comissão decidiu, em Dezembro daquele mesmo ano, acelerar a criação da AESM, sem esperar pela decisão do Conselho, relativa à futura localização da Agência decisão que, aliás, foi tomada na Cimeira europeia de Dezembro de 2003.

2.3

Isso permitiu avançar com todo o processo burocrático de contratação de pessoal (ainda em curso) e de designação do Conselho de Administração, bem como colocar em funcionamento de uma forma gradual todos os serviços que a compõem.

2.4

No que respeita às alterações ao Regulamento da AESM agora propostas, o CESE apoia a proposta da Comissão, sem prejuízo das observações feitas adiante.

2.5

É sabido que nem todos os Estados-Membros implementam da mesma forma e ao mesmo tempo a legislação comunitária e, em particular, a que respeita à segurança do transporte marítimo. Não obstante, reconhece-se o esforço que a Comissão tem desenvolvido no sentido de garantir uma cada vez maior uniformização dos procedimentos e da implementação, reforçando assim a segurança de pessoas e bens e a protecção do ambiente. Neste sentido, o CESE apoia as alterações que ajudam a reforçar ou precisar o papel da AESM assistindo a Comissão, por exemplo, na actualização e elaboração de legislação comunitária e na verificação da sua aplicação, na organização de acções de formação, na recolha e manutenção de bases de dados com informação relevante sobre a segurança marítima, a protecção do transporte marítimo e a prevenção e combate à poluição, na cooperação com países terceiros nessas matérias, no reforço da qualidade do Controlo pelo Estado do Porto ou na avaliação e reconhecimento da certificação e implementação da legislação relevante por parte de países terceiros.

2.6

Importa contudo relembrar aqui os comentários feitos pelo CESE no parecer sobre a criação da AESM (3), designadamente que será necessário assegurar uma clara separação de competências entre a AESM (sem capacidade legislativa ou normativa) e o Comité de Segurança Marítima (com um papel regulador).

2.7

Por isso, o CESE incita os Estados-Membros a acelerar o procedimento de designação de planos de refúgio, a rever e actualizar os planos nacionais existentes (incluindo a realização regular de exercícios práticos), assim como a adquirir o equipamento necessário para poderem dar uma resposta adequada a acidentes de grande dimensão.

2.8

O CESE apoia ainda a atribuição à Agência de um papel complementar ao dos Estados-Membros, de apoio técnico e científico no domínio da poluição acidental e deliberada por navios. No entanto, continuará a ser da competência de cada Estado-Membro o estabelecimento de planos de prevenção e combate à poluição, bem como o apetrechamento com os meios adequados para essa tarefa. O CESE não pode deixar de lamentar que existindo já essa competência, nem todos os Estados-Membros estejam ainda devidamente preparados para fazer face a acidentes como os que ocorreram com os navios Erika e Prestige.

2.9

A AESM deverá cooperar com os Estados-Membros na elaboração de planos de prevenção e combate da poluição marítima, que sejam coerentes e coordenados entre si, bem como proceder à gestão dos meios técnicos disponíveis (navios especializados e outro equipamento), para o que será desejável que possa desempenhar um papel activo em situações de emergência, sem que isso represente uma desresponsabilização dos Estados-Membros. É neste sentido que se entende a introdução de um novo parágrafo c) iii) no Artigo 2.o.

2.10

O CESE considera ainda que, no caso de afretamento de navios para afectação a estas tarefas, deverá ser assegurado que o(s) armador(es) em questão respeita(m) a legislação comunitária e internacional relevante, e em particular, no que respeita às condições de segurança da embarcação, e às condições de vida e de trabalho (incluindo a certificação) dos tripulantes.

2.10.1

Seria útil clarificar de que forma se prevê a gestão operacional dos navios e equipamentos oferecidos para assistência ao combate à poluição. O CESE é de opinião que deverão ser as autoridades nacionais responsáveis a fazer a gestão dos meios disponíveis durante a intervenção.

2.11

Considerando que vários dos Estados que aderirão à UE a partir de Maio de 2004 são Estados costeiros e que, de acordo com os relatórios de acompanhamento sobre a preparação para a adesão publicados em Novembro de 2003, todos registam sérias carências em termos de capacidade administrativa e técnica, o CESE recomenda que sejam previstos planos especiais de apoio ao apetrechamento desses países. Isso permitiria evitar a existência de zonas não cobertas por qualquer plano ou sem os meios necessários para assistência em caso de acidente. Igualmente serão de considerar formas de cooperação nesta matéria com países terceiros que fazem fronteira com os Estados-Membros.

2.12

Quanto à inclusão da protecção do transporte marítimo nas competências da Agência, o CESE reconhece que também nesse âmbito é necessário assegurar a eficácia dos planos nacionais a estabelecer pelos Estados-Membros, área em que a AESM pode assistir a Comissão. Refira-se, no entanto, que esses planos nacionais comportam por vezes componentes militares às quais o acesso, mesmo por parte da AESM, é necessariamente limitado. A fim de evitar bloqueios por parte de alguns Estados-Membros, convém encontrar soluções flexíveis que, assegurando a eficácia dos planos nacionais individual e globalmente, atendam às reservas que alguns Estados-Membros poderão colocar.

2.13

Importa acima de tudo garantir que a transposição e a implementação das normas relativas ao reforço da segurança dos navios e das instalações portuárias se processam de um modo harmonizado e coerente, sem o que os seus objectivos serão defraudados.

2.14

O CESE não pode deixar de registar o facto de que na sua reunião do passado mês de Dezembro o Conselho dos Ministros de Transportes obteve já um acordo de princípio sobre esta proposta sem ter tido em conta nem o parecer do CESE nem o relatório do Parlamento Europeu, ambos ainda em fase de elaboração. Sendo uma situação que se vem repetindo regularmente, o CESE apela a que as consultas que lhe são enviadas contemplem prazos adequados para que o processo de adopção dos seus pareceres possa decorrer em tempo útil.

2.15

O Comité considera ainda que deveria ser aprofundada a discussão emergente relativa à criação de uma Guarda Costeira comunitária. Embora seja um assunto delicado por envolver questões de soberania e autoridade marítima, ela poderia funcionar como complemento ao papel da AESM, numa função de prevenção e fiscalização.

3.   Conclusões

3.1

O CESE apoia a proposta da Comissão, realçando o papel importante que a AESM pode desempenhar para uma melhoria da segurança marítima nos Estados-Membros. Chama no entanto a atenção para a necessidade de assegurar uma clara separação de competências entre a AESM e o Comité de Segurança Marítima.

3.2

O papel da AESM no combate à poluição não deverá substituir-se ao dos Estados-Membros, mas sim complementá-lo.

3.3

O CESE lamenta profundamente que, apesar dos pacotes Erika I e II, vários Estados-Membros não estejam ainda devidamente apetrechados com os equipamentos e meios humanos necessários para responder a grandes acidentes, devendo dar-se a maior prioridade à efectivação desse apetrechamento.

3.3.1

Por outro lado, a designação pelos Estados-Membros de planos de refúgio, encontra-se ainda atrasada, pelo que se apela ao aceleramento desse processo com vista a que rapidamente seja estabelecida uma rede coerente que cubra todas as águas comunitárias.

3.4

Especial atenção deverá ser dada ao apoio aos futuros Estados-Membros com vista ao seu apetrechamento em meios humanos e equipamentos para prevenção e combate à poluição.

3.5

O CESE recomenda o aprofundamento da discussão em torno da ideia da criação de uma Guarda Costeira comunitária que poderia complementar o papel da AESM nas vertentes de prevenção e fiscalização.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  JO L 208 de 5/8/2002, p. 1.

(2)  Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões relativa ao reforço da protecção do transporte marítimo, COM(2003) 229 final.

(3)  JO C 221 de 7/8/2001, p. 54.


30.4.2004   

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C 108/55


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à regulação da exploração dos aviões que dependem do Anexo 16 da Convenção relativa à Aviação Civil Internacional, volume 1, segunda parte, capítulo 3, segunda edição (1988)»

[COM(2003) 524 final — 2003/0207 (COD)]

(2004/C 108/08)

Em 22 de Setembro de 2003, o Conselho da União Europeia decidiu, ao abrigo do disposto no n.o 2 do artigo 80 do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação do CESE designou relator Bo GREEN e emitiu parecer em 8 de Janeiro de 2004.

Na sua 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 46 votos a favor e 1 voto contra, o seguinte parecer:

1.   Contexto

1.1

Pela sua decisão de 1 de Abril de 1987, a Comissão deu instruções aos seus serviços para procederem à codificação de todos os actos legislativos o mais tardar após a décima alteração dos mesmos (ou em intervalos mais curtos), a fim de assegurar a clareza e a compreensão da legislação comunitária.

1.2

Visto que da codificação não pode resultar qualquer modificação substancial dos actos que dela são objecto, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão estabeleceram, pelo acordo interinstitucional de 20 de Dezembro de 1994, um método de trabalho acelerado para mais rápida adopção dos actos codificados.

2.   A proposta da Comissão

2.1

O objectivo da proposta em apreço consiste em proceder à codificação da Directiva 92/14/CEE, que regula a exploração dos aviões de acordo com as disposições estabelecidas no plano internacional, passando a nova directiva a substituir os vários actos que são objecto da operação de codificação. A proposta não altera em nada a substância dos textos codificados, procedendo-se apenas às alterações de ordem formal que a própria operação de codificação requer.

2.2

A directiva diz respeito às emissões sonoras dos aviões civis subsónicos.

3.   Observações na generalidade

3.1

O CESE adere em princípio a esta proposta da Comissão que visa conferir maior clareza e transparência ao direito comunitário.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


30.4.2004   

PT

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C 108/56


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à utilização de veículos de aluguer sem condutor no transporte rodoviário de mercadorias» (Versão codificada)

[COM(2003) 559 final – 2003/0221 (COD)]

(2004/C 108/09)

Em 3 de Outubro de 2003, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 71.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 8 de Janeiro de 2004, sendo relator J. SIMONS.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

No contexto da «Europa dos Cidadãos», a simplificação e a clareza do direito comunitário são elementos importantes. O Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão sublinharam a importância da codificação de actos frequentemente alterados e ajustaram, por acordo interinstitucional, um método de adopção rápida. Da codificação não pode resultar qualquer modificação substancial nos actos que dela são objecto.

A presente proposta da Comissão insere-se perfeitamente nesse objectivo e o CESE não tem, portanto, qualquer objecção a apresentar.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


30.4.2004   

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C 108/57


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a »Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 2320/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao estabelecimento de regras comuns no domínio da segurança da aviação civil»

[COM(2003) 566 final — 2003/0222 (COD)]

(2004/C 108/10)

Em 8 de Outubro de 2003, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 80.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi encarregada da preparação dos trabalhos nesta matéria a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 8 de Janeiro de 2004; Relator único: J. SIMONS.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o presente parecer:

1.

O CESE aprova o facto de o regulamento permitir a aplicação de níveis de segurança equivalentes aos explicitamente prescritos na legislação em aeroportos utilizados apenas por pequenas aeronaves, voos de aviação geral ou aeroportos utilizados pouco frequentemente, dado ser inadequado o investimento em equipamentos de segurança caros. A proposta corrige igualmente alguns erros de somenos importância. Assim, o CESE apoia esta proposta.

2.

O Comité desejaria ainda salientar a importância do novo n.o 3) do artigo 4.o, que diz que »Cada voo com origem numa zona demarcada de um aeroporto deve indicar esse facto ao aeroporto de destino antes da chegada do voo«. Esta informação é crucial para garantir que sejam tomadas medidas de segurança adequadas para receber passageiros e bagagem aéreos de zonas »demarcadas« de aeroportos de »origem« que transferem voos ou entram num edifício do terminal aéreo onde não existe uma separação física entre chegadas e partidas. O operador da aeronave está em melhores condições para prestar esta informação.

3.

Enfim, o Comité assinala que as medidas nacionais de segurança (n.o 3 do artigo 4.o do Regulamento 2320/2002) devem ser aplicadas a »zonas demarcadas« e não a todos os voos ou a pequenas aeronaves (com peso máximo à descolagem inferior a 10 toneladas ou com menos de 20 lugares) que aterram em aeroporto de destino sem zonas demarcadas.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger Briesch


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/58


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a transferências de resíduos»

[COM(2003) 379 final — 2003/0139 COD]

(2004/C 108/11)

Em 1 de Setembro de 2003, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 157.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada

A Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, emitiu parecer em 18 de Dezembro de 2003, sendo relator Stéphane BUFFETAUT.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro de 2004), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer.

1.   Introdução

A proposta da Comissão visa os seguintes objectivos:

a)

Transposição para a legislação comunitária da decisão alterada do Conselho da OCDE de 14 de Junho de 2001, Convenção de Basileia, conforme alterada;

b)

Resolução das dificuldades ligadas à aplicação, à administração e ao controlo do cumprimento do Regulamento de 1993 e garantia de uma maior clareza jurídica;

c)

Prossecução da harmonização global no domínio das transferências transfronteiras de resíduos;

d)

Reorganização e simplificação da estrutura do articulado do regulamento, a fim de o tornar mais claro e lógico.

2.   Síntese dos principais elementos do regulamento

As transferências de resíduos devem obedecer a vários procedimentos e regimes de controlo, que são determinados pelo tipo de resíduos transferidos e pelo tipo de tratamento que lhes será aplicado no seu destino. O regime de controlo compreende, portanto, dois níveis distintos, consoante o risco representado pelos resíduos e o seu tratamento.

2.1   Procedimento de notificação e consentimento escritos prévios

As transferências de todos os resíduos destinados a eliminação e as transferências de resíduos perigosos e semiperigosos destinados a valorização estão sujeitas ao requisito de notificação e consentimento escritos prévios.

Na prática, quando um produtor de resíduos ou um agente de recolha de resíduos – o notificador — tenciona efectuar uma transferência de resíduos perigosos ou semiperigosos (enumerados no anexo IV) para fins de valorização ou eliminação, ou uma transferência de resíduos não perigosos (enumerados no anexo III) para fins de eliminação, este deve apresentar uma notificação prévia escrita à autoridade competente de expedição.

O notificador deve também celebrar um contrato com o destinatário para a valorização ou eliminação dos resíduos notificados.

A notificação deve ser enviada à autoridade competente de expedição que a transmitirá à autoridade competente de destino. A autoridade competente de destino, caso considere que a notificação foi devidamente apresentada, envia então um aviso de recepção ao notificador.

2.2   Requisito de informação prévia

As transferências de resíduos não perigosos (enumerados no anexo III) e destinados a valorização não estão sujeitas ao procedimento de notificação escrita prévia. Todavia, é necessária a celebração de um contrato entre a pessoa que organiza a transferência e o destinatário.

2.3   Principais alterações no que diz respeito ao âmbito e definições (Título I)

a)

O âmbito de aplicação do regulamento foi clarificado.

b)

A terminologia respeitante a «notificador», «destinatário», «transferência» e «destino» não foi harmonizada com a terminologia da Convenção de Basileia e da Decisão da OCDE de 2001.

c)

Foram acrescentadas várias novas definições.

d)

Propõe-se que a definição de «autoridade competente» seja alterada e alinhada com a Convenção de Basileia.

e)

Foi acrescentada uma definição de «gestão ambientalmente racional.»

f)

A definição de «notificador» foi clarificada.

2.4   Principais alterações e clarificações no que diz respeito a transferências no interior da Comunidade (Título II)

O Título II, que contém as disposições principais, constitui o núcleo do regulamento.

a)

Redução do número de listas de resíduos de três para duas, ao mesmo tempo que se propõe reduzir o número de procedimentos para dois.

É também proposto fundir a lista de resíduos semiperigosos (enumerados no anexo III) e a lista de resíduos perigosos (enumerados no anexo IV) numa única lista que passaria a ser o anexo IV. A lista dos resíduos não perigosos inscritos no actual anexo II passaria a constituir o anexo III.

Concretamente, isto significa que:

as transferências de resíduos não perigosos destinados a valorização devem ser acompanhadas por determinadas informações,

as transferências de todos os resíduos destinados a eliminação, as transferências de resíduos perigosos e semiperigosos, bem como as transferências de resíduos não enumerados nas listas e destinados a valorização, estão sujeitas ao requisito de notificação e consentimento escritos prévios.

b)

Propõe-se igualmente que as autoridades competentes dêem o seu consentimento individualmente e num prazo de 30 dias, tendo sido previstas determinadas salvaguardas processuais para o notificador.

c)

As instalações de valorização e eliminação intermédias estão vinculadas às mesmas obrigações que as instalações de valorização e eliminação finais.(Ver observações infra).

d)

Propõe-se alargar e clarificar a lista de informações e a documentação que deve acompanhar as transferências de resíduos não perigosos.

e)

Em consonância com a Decisão da OCDE de 2001, as transferências de resíduos destinadas a análise laboratorial não estão sujeitas ao procedimento de notificação e consentimento escritos prévios.

f)

Os resíduos com produtos químicos do tipo POP estão sujeitos a disposições idênticas às aplicáveis a transferências de resíduos destinados a eliminação.

g)

Propõe-se estabelecer uma regra processual aplicável a desacordos entre as autoridades competentes quanto à classificação de um resíduo.

h)

A garantia financeira ou seguro equivalente constituído pelo notificador deveria estar estabelecida e ser juridicamente vinculativa no momento da notificação.

i)

Propõe-se que a obrigação de retoma (em casos em que a transferência não pode ser concluída como previsto ou em que seja considera ilícita) também cubra transferências de resíduos não perigosos e destinados a valorização

2.5   Disposições relativas a transferências intracomunitárias (Título III)

Não são propostas alterações quanto a esta matéria.

2.6   Principais alterações e clarificações no que diz respeito a exportações e importações da Comunidade (Títulos IV, V e VI)

a)

Estas modificações e adições dizem sobretudo respeito à aplicação dos requisitos processuais da Convenção de Basileia, que são diferentes dos aplicáveis às transferências intracomunitárias.

b)

Na perspectiva da Comissão Europeia, esta proposta não criará encargos económicos adicionais à indústria. Em contrapartida, a proposta poderá acarretar custos suplementares para determinados Estados-Membros.

c)

Considera-se que a proposta promoverá uma aplicação mais uniforme do regulamento e reduzirá distorções de concorrência no mercado interno.

3.   Observações na generalidade

3.1

O Comité Económico e Social Europeu considera que a Comissão deve apresentar um texto para melhorar a «rastreabilidade» das operações de transferência de resíduos. O texto deverá contribuir para abolir determinadas práticas e garantir, a todos os níveis, o rigor necessário à aplicação eficaz de boas práticas, promovendo a protecção ambiental e a visão do desenvolvimento sustentável.

3.2

Este texto, para além de tornar a actividade dos profissionais da indústria dos resíduos mais transparente e mais responsável, permitirá controlar a origem dos resíduos, nomeadamente através de mecanismos de declaração, de sistemas de garantias financeiras e da obrigação de retoma de resíduos caso o contrato não produza os seus efeitos. As administrações tornar-se-ão também mais responsáveis, uma vez que deverão dar o seu consentimento escrito a projectos de transferência (qualificação das operações, autorizações de exploração de estações de tratamento, cumprimento dos requisitos, etc.), o que só muito raramente acontece. Além disso, deverão passar a respeitar os prazos para que não haja atrasos nas operações.

3.3

A organização racional do texto deverá simplificar a sua aplicação, o que, por seu turno, deverá diminuir as distorções de concorrência na União. Assinale-se que a Comissão do Meio Ambiente do Parlamento Europeu e o próprio Parlamento Europeu já procederam à análise do texto proposto (1). É lamentável que o CESE tenha sido consultado tardiamente, motivo por que o seu parecer não se encontrava disponível no momento da incorporação de melhorias ao texto, ou seja, durante o debate parlamentar.

3.4

Contudo, o CESE salienta que a abordagem adoptada parece basear-se num procedimento destinado a transferências simples, com uma única operação de carregamento, ao contrário do que acontece normalmente, em que se procede a transferências múltiplas no âmbito de um procedimento de notificação geral. Os encargos administrativos e os custos daí resultantes, por um lado, e o facto de os grandes volumes transportados imporem a necessidade de se efectuar vários carregamentos, por outro lado, explicam que as transferências simples sejam raras.

4.   Observações na especialidade

4.1

A base jurídica é constituída pelos artigos 175.o e 133.o do Tratado que institui a União Europeia. Desse dois destaque-se o artigo 175.o que faz referência à protecção do ambiente. Invocar o artigo 133.o é certamente prematuro. Na verdade, uma análise da situação actual permite-nos concluir que é necessário eliminar as disparidades existentes na Europa, antes de encarar a Europa dos resíduos como um mercado real.

A existência de várias definições, para além da falta de clareza e precisão, conduz a uma multitude de interpretações em toda a Europa, sendo, não raro, requerida a intervenção do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Tudo isto indica que estamos ainda longe da noção de mercado no sentido europeu.

A Comissão deverá, sem dúvida, atender à necessidade de viabilizar a abertura desse mercado, embora haja várias etapas a ultrapassar, incluindo:

Definição de reciclagem, valorização e eliminação;

Definição e enquadramento das operações intermediárias;

Uniformização dos vários tipos de impostos e auxílios;

Clareza no financiamento das instalações;

Práticas homogéneas em matéria das licenças relativas às zonas geográficas em que os operadores intervêm e das liberdades concedidas ao produtor para contratar em toda a Europa;

Adopção de denominações uniformes para as operações, com a garantia de que as transferências não serão acompanhadas de uma redenominação dos resíduos e que as mesmas restrições serão aplicadas tanto no país importador como no país de origem.

4.2   Artigo 1.o , n.o 6

O CESE questiona-se quanto à excepção prevista para os resíduos abrangidos pelas disposições do Regulamento 2002/1774. Esses produtos, se forem resíduos, devem fazer parte do campo de regulamentação aplicável às transferências de resíduos, quanto mais não seja por uma questão de uniformização dos procedimentos.

4.3   Artigo 2.o , definição

As propostas do Parlamento têm o mérito de clarificar e precisar o texto.

4.4   Artigo 3.o , n.o 4, e artigo 20.o

Parece ser pouco realista obrigar as empresas que pretendem enviar amostras para análise laboratorial a notificar as autoridades com três dias de antecedência. Na prática, um tal dispositivo é impossível de realizar e controlar. Frequentemente o que acontece é que as amostras são transportadas em veículos e recolhidas no mesmo dia.

O problema da «rastreabilidade» poderia ser solucionado através de um procedimento de declaração, a enviar no próprio dia ou antes do transporte ou da recolha, devendo as amostras ser acompanhadas pela cópia da informação.

4.5   Artigo 3.o

O Parlamento propôs que se proibisse a exportação de resíduos nos casos de operações que não sejam «finais».

A legislação em vigor não prevê uma definição, nem regras de funcionamento, para as operações intermediárias. Por conseguinte, dever-se-ia, tal como proposto pelo Parlamento, proibir a exportação de resíduos nos casos de operações que não sejam finais.

Com efeito, como é possível admitir operações de mistura de resíduos sem abordar os problemas de diluição e, portanto, de desclassificação possível?

4.6   Artigo 4.o

Efectivamente, não é razoável que um operador« que altera a natureza de um resíduo» seja o notificador da exportação.

O que significa «alterar»? Enquanto as «operações», que não são tratamentos, não forem enquadradas, parece inoportuno autorizá-las através de um texto que visa precisamente assegurar a interdição de transferências de resíduos que não garantam, paralelamente, uma maior protecção ambiental e melhores operações de valorização.

4.7   Artigo 5.o

Dever-se-ia especificar que os documentos de notificação e de movimentação poderiam consistir em documentos electrónicos normalizados por uma autoridade competente ou uma agência ambiental.

Em contrapartida, a proposta do Parlamento, que tendia a isentar os operadores públicos das mesmas obrigações que os operadores privados, deve ser rejeitada, por motivos óbvios de respeito das regras de concorrência.

4.8   Artigos 6.o , n.o 4, artigo 7.o , n.o 3, artigo 7.o , n.o 6

Pelas razões já aduzidas, as operações que não sejam finais não deverão ser consideradas no documento em apreço.

4.9   Artigo 8.o , n.o 9

O CESE felicita-se pelas garantias prestadas aos profissionais em matéria de prazos. Para as tornar mais eficazes, seria oportuno que o notificador pudesse reclamar danos e juros em caso de atrasos injustificados na entrega do aviso de recepção.

4.10   Artigo 10.o

Este artigo tem por objectivo tornar os procedimentos mais céleres. Convém, portanto, encorajar a transferência dos pedidos por correio electrónico.

4.11   Artigo 11.o

Neste artigo poderiam ser apresentadas propostas para que as estações de tratamento que importam resíduos informassem as autoridades de expedição sobre o destino dos resíduos tratados, e para que, além disso, as autoridades de expedição e de destino cooperassem, tendo em vista garantir o controlo, por cada uma delas, de que as operações foram concluídas como previsto.

4.12   Artigo 16.o

Pela primeira vez na legislação europeia é introduzida a noção de transparência no que diz respeito às operações denominadas «intermediárias», tendo responsabilidade neste processo o operador. É um elemento positivo. Todavia, como já atrás ficou expresso, a actividade «intermediária» é aqui introduzida sem ser objecto de texto do enquadramento, razão pela qual seria preferível, dada a situação, limitar as transferências unicamente às operações finais.

4.13   Artigo 21.o

Deveria ser proibido misturar resíduos durante as operações de transferência.

4.14   Artigo 31.o

Este artigo permite imputar as despesas administrativas ao notificador. O problema é que o critério para determinar o que são despesas adequadas e proporcionadas pode ser muito subjectivo consoante os Estados, podendo induzir distorções de concorrência.

4.15   Artigo 62.o

Este artigo é muito vago e geral. Que tipo de medidas complementares poderá a Comissão adoptar?

5.   Conclusão

O CESE sublinha que, com a proposta de regulamento, é pretendido um melhoramento da «rastreabilidade» dos resíduos e a prestação de garantias aos profissionais no que diz respeito aos prazos, o que milita no sentido de melhor protecção do ambiente e o desenvolvimento sustentável. Algumas disposições nele contidas devem ser precisadas e simplificadas para aumentar a sua eficácia.

Uma verdadeira abertura do mercado passa pela definição clara, susceptível de ser aceite por todos os Estados-Membros, de noções como reciclagem, valorização, eliminação e operações intermediárias.

Seria, outrossim, particularmente útil trocar informações sobre as boas práticas aplicadas nos Estados-Membros. Pelo exposto, o Comité considera que a alteração do regulamento contribuirá para melhorar a legislação europeia.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  Ver relatório PE T5-0505/2003.


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/62


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a determinados gases fluorados com efeito de estufa»

[COM(2003) 492 final — 2003/0189 (COD)]

(2004/C 108/12)

Em 9 de Setembro de 2003, o Conselho decidiu, nos termos dos artigos 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 18 de Dezembro de 2003, do qual foi relator David SEARS.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

A Terra está envolta em gases, alguns dos quais absorvem e reflectem calor, fazendo aumentar as temperaturas à superfície. Isso é o efeito de estufa. As concentrações de gases que o causam (dióxido de carbono, metano, vapor de água, protóxido de azoto, ozono e algumas substâncias fabricadas deliberadamente, entre as quais os gases fluorados) aumentaram com a actividade humana.

1.2

Se não se conseguir refrear ou reverter estas tendências (e o aquecimento global a elas associado), elas levarão a alterações climáticas permanentes e potencialmente nocivas. Ora, se se pesar esta situação com as necessidades dos povos do mundo de todos os graus de desenvolvimento, conclui-se que se trata do maior desafio que actualmente se coloca à humanidade.

1.3

A resposta internacional foi dada na Convenção-Quadro das Nações Unidas relativa às Alterações Climáticas, adoptada em 1992, e no Protocolo de Quioto de 1997. Quanto à UE, elegeu a problemática das alterações climáticas a prioridade do seu 6.oPrograma Comunitário de Acção em matéria de Ambiente (2001-2010).

1.4

Em Junho de 2000, a UE lançou o Programa Europeu para as Alterações Climáticas, enquanto processo consultivo multilateral para determinar como poderia respeitar o objectivo assumido no Protocolo de Quioto. O primeiro relatório emitido no quadro desse programa, em Junho de 2001, identificava 42 opções equilibradas do ponto de vista da relação custo-eficácia, susceptíveis de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa num valor compreendido entre 664 e 765 milhões de toneladas de equivalente dióxido de carbono. Entre elas constavam acções específicas para restringir a utilização e a emissão de certos gases fluorados.

2.   Síntese da proposta da Comissão

2.1

A proposta visa limitar as emissões de hidrofluorocarbonetos (HFC), perfluorocarbonetos (PFC) e hexafluoreto de enxofre (SF6), substâncias largamente utilizadas como fluidos refrigerantes, solventes de limpeza e agentes de expansão no fabrico de espumas, bem como em aplicações médicas ou técnicas específicas, como sejam, neste último caso, o combate a incêndios, o fabrico de semicondutores e de comutadores de alta tensão e a produção de magnésio.

2.2

Todas estas substâncias são gases com forte efeito de estufa, encontrando-se cobertas pelo Protocolo de Quioto. Espera-se que até 2010 as acções propostas consigam reduzir as emissões em cerca de 23 milhões de toneladas de equivalente dióxido de carbono, prevendo-se a possibilidade de reduções adicionais quando estas acções já produzirem plenos efeitos.

2.3

A proposta tem por base jurídica o artigo 95.odo Tratado. As medidas com vista à harmonização das exigências relativas ao controlo, confinamento e utilização destes gases ajudarão os Estados-Membros a respeitar os seus compromissos definidos no Protocolo de Quioto, assegurando simultaneamente a necessária protecção do mercado interno.

2.4

O artigo 3.o prevê a detecção de fugas e o confinamento de equipamentos de refrigeração, sistemas de condicionamento do ar, bombas de calor e sistemas de protecção contra incêndios. O artigo 4.o refere-se à manutenção e à recuperação final dos gases para fins de reciclagem, valorização ou destruição. O artigo 6.o impõe aos produtores, importadores e exportadores a exigência de manterem registos da produção, da importação/exportação e da utilização desses gases fluorados e de transmitirem à Comissão Europeia os dados apurados. O artigos 7.o e 8.o proíbem a colocação no mercado e a subsequente utilização de certos gases fluorados em aplicações específicas.

2.5

Os artigos 9.o e 10.o tratam especificamente dos gases fluorados presentes em sistemas de ar condicionado em automóveis de passageiros e veículos comerciais ligeiros. É proposto um sistema de quotas transferíveis, a fim de conceder aos construtores de automóveis suficiente tempo para introduzirem as alterações necessárias de forma economicamente viável. Salvo nos casos previstos no artigo 10.o, é proibida a utilização de gases fluorados com um potencial de aquecimento global superior a 150 no enchimento de sistemas de ar condicionado de veículos novos colocados no mercado a partir de 1 de Janeiro de 2009.

3.   Observações na generalidade

3.1

O Comité reconhece a contínua e premente necessidade de redução das emissões globais dos gases com efeito de estufa e apoia decididamente a Comissão na sua iniciativa de ratificar o Protocolo de Quioto, pelo que está bastante receptivo a esta proposta da Comissão respeitante ao controlo e à utilização de certos gases fluorados. As acções propostas foram formuladas em conjunto com as partes interessadas e afectadas, de forma a propor aos Estados-Membros medidas economicamente viáveis de alcançarem os seus objectivos de redução das emissões. O CESE espera que estes possam por seu turno vir a facultar modelos de actuação aos países terceiros.

3.2

As práticas abrangidas pela proposta (refrigeração, condicionamento do ar, aplicações médicas e técnicas) são, porém crescentemente consideradas essenciais para a vida humana actual. Sem elas, o fornecimento diário de alimentos frescos seria impossível e o exercício de uma actividade segura e produtiva no lar, no local de trabalho ou em viagem seria bastante dificultado.

3.3

No entanto, as medidas técnicas para mitigar os efeitos do calor também contribuem para o aquecimento global, quer através de fugas dos fluidos refrigerantes utilizados (efeitos directos) quer pelo consumo acrescido de energia para accionar o sistema de arrefecimento (efeitos indirectos). Os efeitos indirectos prevalecem normalmente sobre os directos. O consumo de energia pelo frigorífico é responsável por 96 % do total das emissões domésticas. A utilização da unidade de ar condicionado no automóvel aumenta o consumo de combustível (e das emissões) em 20 %.

3.4

A escolha do fluido refrigerante está normalmente limitada a amoníaco, dióxido de carbono, água, hidrocarbonetos ou fluorocarbonetos. Cada sustância tem as suas vantagens e desvantagens, e não se espera descobrir para breve novas moléculas para esse fim. Os clorofluorocarbonos (CFC), introduzidos nos anos 30 como alternativa segura e económica ao amoníaco, ao hexafluoreto de enxofre ou aos hidrofluorocarbonetos, já estão a ser progressivamente eliminados ao abrigo do Protocolo de Montreal, devido à sua forte acção de desgaste da camada de ozono e ao seu elevado potencial de aquecimento global.

3.5

Para os frigoríficos domésticos, o problema da inflamabilidade do substituto preferido, o isobutano, já foi superado através da redução das cargas iniciais (30-60 gms) e das taxas de fugas, bem como da utilização de sistemas eléctricos antideflagrantes.

3.6

Os sistemas de refrigeração utilizados em instalações comerciais isoladas ou assistidos por pessoal qualificado e habituado a trabalhar em condições potencialmente perigosas funcionam com amoníaco ou, no caso dos supermercados, onde a segurança é primordial devido à presença do público, com misturas de hidrofluorocarbonetos (HFC). Nestes casos é essencial melhorar a concepção, a inspecção e o confinamento dos equipamentos.

3.7

O crescimento da procura de equipamentos móveis de ar condicionado em automóveis particulares deve-se à descida dos custos e à crescente consciencialização dos efeitos das alterações climáticas a nível local. No entanto, a carga inicial (750 gms) de fluido refrigerante (normalmente HFC-134a, de baixa inflamabilidade, mas com um potencial de aquecimento global de 1 300) é bastante maior do que a de um frigorífico doméstico. O consumo ao longo do ciclo de vida do equipamento é muito mais elevado (1 200-2 400 gms) e os efeitos indirectos são superiores.

3.8

Sob estas condições, é imperativa uma nova concepção e um melhor confinamento dos equipamentos, de forma a permitir a utilização segura de HFC-152a (que é medianamente inflamável, mas tem um potencial de aquecimento global de apenas 140), do butano (que é extremamente inflamável, mas cujo potencial de aquecimento global não excede 3), ou do dióxido de carbono (que não é inflamável, mas requer pressões superiores e pode resultar num maior consumo de combustível, podendo até, em caso de acidente, asfixiar os ocupantes do veículo). Todas as implicações para a concepção do motor e da carroçaria, para a manutenção e para a purga ou reciclagem em fim de vida são importantes.

3.9

O Comité está convicto de que é preciso agir com máxima urgência para que os equipamentos móveis de ar condicionado possam ser incorporados no processo de homologação de todos os novos modelos colocados no mercado europeu. A elaboração, pela Comissão Europeia, de normas para a medição de fugas e emissões totais, bem como do impacto destas na poluição atmosférica e nas alterações climáticas, com ou sem a utilização de equipamentos móveis de ar condicionado, é um passo decisivo nesse sentido.

3.10

O Comité concorda com a Comissão relativamente à pertinência da adopção do artigo 95.o como base jurídica, consagrada no Tratado, para esta proposta, a fim de orientar e proteger o mercado interno nos sectores mais afectados. Para um impacto pleno, é essencial criar tendências sustentáveis a longo prazo nas preferências dos consumidores e na concomitante inovação tecnológica nestas indústrias expostas à oferta global. A UE precisa, pois, de preservar a sua posição de liderança nesta área, prosseguir o processo de consulta das partes interessadas e providenciar incentivos para acções positivas, bem como um enquadramento que permita a sua concretização no devido tempo e de forma economicamente viável.

3.11

Os governos nacionais têm uma importante função a desempenhar neste novo contexto, quer promovendo o intercâmbio de melhores práticas (vejam-se, por exemplo, os sistemas de detecção de fugas utilizados na Suécia, susceptíveis de reduzir as fugas dos equipamentos de refrigeração do comércio grossista e retalhista de 30-40 % para 5-8 %, ou o sistema STEK — sistema para equipamentos de refrigeração protegidos contra fugas — utilizado nos Países Baixos), quer implantando sistemas de informação e de recompensa das escolhas dos consumidores relativamente a decisões que afectam o ambiente global. Tendo a «rotulagem energética» produzido já grande impacto nos sistemas domésticos, devia ser quanto antes tornada extensiva aos sistemas comerciais.

3.12

Perante a adesão à UE de uma série de países signatários dos protocolos de Montreal e de Quioto, embora a diferentes níveis e com diferentes ritmos de desenvolvimento interno, o Comité incita a Comissão a continuar a trabalhar para lograr reduções sustentáveis e realistas na emissão de gases com efeito de estufa, proteger o mercado interno alargado e proporcionar a produtores e importadores de gases fluorados condições equivalentes. O Comité concorda com o instrumento legal escolhido, o regulamento, por o considerar adequado a esta proposta.

4.   Observações na especialidade

4.1

Os considerandos devem incluir considerações sobre a segurança e a saúde dos profissionais envolvidos no ciclo de vida dos produtos em causa.

4.2

Sente-se a falta de algumas definições. É necessário distinguir com maior clareza o «operador» do «proprietário» de equipamentos (fixos) de refrigeração. A Comissão devia colaborar com as partes afectadas para assegurar que as situações reais estão totalmente cobertas.

4.3

As recomendações em matéria de confinamento são fracas, incitando pouco à acção e não exigindo uma inspecção centrada nos equipamentos pouco fiáveis ou com suspeita de fugas. Os sistemas sueco e neerlandês deviam ser seguidos mais de perto. Por outro lado, ao aumentarem os incentivos à redução de fugas na fase da concepção, a frequência das intervenções de controlo de novos equipamentos com maior eficiência energética e percentagens de fugas comprovadamente baixas devia poder diminuir, e, de facto, indiferentemente do fluido refrigerante utilizado. Os utilizadores deviam encarar a redução de fugas como uma medida vantajosa do ponto de vista económico e como contributo para o seu desempenho ambiental. Para proceder à desejada renovação das práticas existentes, poder-se-á recorrer a todo um conjunto de medidas, incluindo acordos voluntários, rotulagem, atribuição de prémios, informação através da imprensa especializada e reconhecimento pelos consumidores dos progressos realizados.

4.4

O artigo 5.o prevê formação para o pessoal envolvido em tarefas de confinamento e recuperação, mas não para as operações de instalação, manutenção e inspecção. Tal é essencial para a eficácia destas modificações.

4.5

O Comité apoia a apresentação de relatórios prevista no artigo 6.o Comparados com as regras da UE, os relatórios nacionais são de qualidade variável: sem uma base de dados coerente e robusta, será difícil determinar os progressos alcançados ou a necessidade de acções futuras.

4.6

Dada a necessidade de equilibrar os perigos e as vantagens da refrigeração e do condicionamento do ar, seria preferível submeter futuramente estas aplicações técnicas específicas a um procedimento legislativo, que incluiria a homologação do equipamento móvel de ar condicionado, em vez de, como no presente caso, centrar a atenção num único tipo de fluidos refrigerantes.

4.7

O sistema de quotas para as emissões de equipamentos móveis de ar condicionado é complexo e não se compreende a sua absoluta necessidade. Desde que a escala de tempo seja realista, a via a seguir será proceder a partir de, por exemplo, 2012, à homologação de novos modelos com base em todos os aspectos de eficiência energética e de limitação de emissões, e aplicando condições equivalentes aos construtores e importadores de automóveis. Devia igualmente ser fixada uma data-limite (2020, por exemplo) para todos os novos automóveis — modelos tanto novos como existentes — estarem plenamente conformes com as novas normas. De igual modo, havia que incentivar formas de incrementar a substituição dos modelos não conformes.

4.8

Por último, são críticos o papel e a responsabilidade do consumidor. Sempre que as aplicações técnicas acima referidas forem consideradas essenciais, o consumidor devia estar consciente das escolhas disponíveis e das consequências de cada escolha. Quando estiverem envolvidos custos especiais, com, por exemplo, operações de manutenção ou de eliminação, estes deviam ser identificados e transmitidos. Os sistemas de rotulagem desempenharam um papel importante no aumento da eficiência energética dos frigoríficos domésticos, pelo que, com a ajuda da Comissão, deviam ser quanto antes tornados extensivos a outros aspectos da refrigeração e do condicionamento do ar.

4.9

No que respeita a outras aplicações, que são opcionais, mas relativamente triviais, ou para as quais há alternativas mais seguras à disposição, a abordagem da Comissão, tal como definida nos artigos 7.o, 8.o e no anexo II, afigura-se apropriada, sendo apoiada pelo Comité. Em áreas complexas e fundamentais, como a da utilização médica de inaladores-doseadores para ministrar medicamentos, é preferível optar por acordos voluntários, acompanhados de melhoramentos contínuos e de intercâmbios de melhores práticas.

4.10

Outras utilizações de gases fluorados (como, por exemplo, em veículos pesados de mercadorias e em sistemas de refrigeração utilizados no transporte rodoviário, ferroviário e marítimo) não abrangidas por esta proposta deviam ser incluídas em futuras propostas logo que se disponha da informação necessária.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/65


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho que estabelece um regime relativo ao pequeno tráfego fronteiriço nas fronteiras terrestres externas dos Estados-Membros» e a «Proposta de regulamento do Conselho que estabelece um regime relativo ao pequeno tráfego fronteiriço nas fronteiras terrestres externas temporárias entre os Estados-Membros»

[COM(2003) 502 final — 2003/0193 (CNS) — 2003/0194 (CNS)]

(2004/C 108/13)

Em 18 de Setembro de 2003, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania adoptou parecer em 6 de Janeiro de 2004, do qual foi relator J. SIMONS.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 52 votos a favor, 3 votos contra e sem abstenções, o seguinte parecer:

Introdução

As propostas apresentadas pela Comissão Europeia no intuito de estabelecer regimes para o pequeno tráfego fronteiriço nas fronteiras terrestres externas dos Estados-Membros da UE (1) e nas fronteiras externas temporárias entre os Estados-Membros (2) visam, por um lado, facilitar a passagem das fronteiras a residentes fronteiriços de boa fé, que têm razões legítimas para transpor frequentemente fronteiras terrestres externas, e, por outro, atender à necessidade de impedir a imigração ilegal e potenciais ameaças à segurança resultantes de actividades criminosas.

1.   Síntese das propostas da Comissão

1.1

Segundo a proposta de regulamento que consta do documento 2003/0193, tanto os antigos como (a partir de 1 de Maio de 2004) os novos Estados-Membros da UE que tenham uma fronteira terrestre comum com um país terceiro vizinho podem, se o desejarem, adaptar os regimes aplicáveis ao pequeno tráfego fronteiriço mediante acordos bilaterais assentes no princípio da reciprocidade.

1.2

Por seu lado, pela proposta de regulamento que figura no documento 2003/0194, quer um antigo e um novo Estado-Membro quer dois novos Estados-Membros que tenham uma fronteira terrestre comum podem, se o desejarem, adaptar as disposições aplicáveis ao pequeno tráfego fronteiriço mediante celebração de um acordo específico.

1.2.1

Trata-se de regimes temporários que deverão poder ser aplicados a partir de 1 de Maio de 2004, mas que já não poderão vigorar quando os novos Estados-Membros em causa aplicarem na íntegra o acervo de Schengen e forem abolidos os controlos nas fronteiras internas.

1.3

Com ambas estas propostas, a Comissão Europeia visa, por um lado, facilitar a passagem da fronteira aos residentes fronteiriços de boa fé que têm razões legítimas para transpor frequentemente as fronteiras externas dos Estados-Membros e, por outro, ter em conta a necessidade de combater a imigração ilegal e potenciais ameaças à segurança resultantes de actividades criminosas.

1.4

À luz dessa preocupação, a Comissão Europeia sugere que os nacionais de países terceiros que tenham residido em situação regular durante pelo menos 1 ano na zona fronteiriça de um Estado-Membro vizinho possam, por razões familiares, sociais, culturais, económicas ou outras, transpor frequentemente essa fronteira terrestre externa e, se necessário, inclusivamente fora dos pontos de passagem autorizados e das horas de abertura fixadas, por uma estada de, no máximo, sete dias consecutivos, na condição de a duração total das sucessivas estadas não exceder três meses por semestre.

1.5

As pessoas em causa deverão ser titulares dos documentos de viagem requeridos para o efeito. Aos nacionais de países terceiros isentos da obrigação de visto deverá ser autorizada a entrada contra a exibição do bilhete de identidade ou de autorização especial.

1.5.1

Os nacionais de países terceiros submetidos à obrigação de visto devem ser titulares do visto especial «L», com a validade de, no mínimo, um ano e, no máximo, cinco anos, devendo ser emitido em modelo uniforme (modelo-tipo).

1.6

Finalmente, as pessoas em causa só terão acesso à zona fronteiriça que corresponde, no máximo, a um raio de 50 km de distância da fronteira e na qual é possível especificar áreas ou cidades que entrem em linha de conta para efeitos de pequeno tráfego fronteiriço.

2.   Observações na generalidade

2.1

O Comité, que subscreve o objectivo das propostas, pergunta-se, contudo, como poderá verificar-se que a duração total da estada não é excedida, sobretudo se, por razões práticas, não for considerado possível nem necessário apor carimbos de entrada e de saída nos referidos documentos de viagem.

2.2

Ao que parece, a Comissão Europeia parte do princípio de que o controlo efectuado com vista à concessão do visto «L» é decisivo para, após emissão do mesmo, considerar os seus titulares de «boa fé». Dado, contudo, que a validade deste visto pode ir até cinco anos no máximo, dificilmente se poderá saber se na passagem das fronteiras em todo o caso fora dos pontos de passagem autorizados e das horas de abertura fixadas as pessoas em causa ainda cumprem as condições para a emissão do visto, ou se não serão, por exemplo, pessoas relativamente às quais tenha sido emitido um alerta para recusa de entrada.

2.3

Além disso, acrescente-se que esse ponto de partida não oferece, de qualquer modo, uma solução satisfatória para a verificação da duração da estada de nacionais de países terceiros isentos da obrigação de visto, a quem é eventualmente autorizada a entrada contra a mera apresentação do bilhete de identidade.

2.4

Se tais pessoas forem encontradas fora da zona fronteiriça, mas no território de outro Estado-Membro, isso significa que se encontram numa estada irregular, pelo que devem ter de abandonar esse território. Neste contexto, parece indicado estabelecer que as disposições Schengen relevantes com vista a tais expulsões são aplicáveis caso não tenha sido celebrado nenhum acordo de regresso e readmissão com os países em causa.

3.   Observações na especialidade

3.1   Proposta de Regulamento do Conselho que estabelece um regime relativo ao pequeno tráfego fronteiriço nas fronteiras terrestres externas dos Estados-Membros [2003/0193 (CNS)]

3.1.1   No que respeita ao artigo 3.o (definições):

3.1.1.1

A definição de «trabalhador fronteiriço», tal como figura na alínea h) deste artigo, inspira-se numa definição dada numa directiva do Conselho ainda por aprovar, que versa sobre as condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de trabalho assalariado e de exercício de uma actividade económica independente.

3.1.1.2

A esta luz, coloca-se então também a questão de saber se as disposições fixadas neste regulamento se aplicam a essa categoria de pessoas, ou se devem ser substituídas pelas disposições relevantes da referida directiva, após aprovação e transposição da mesma para o direito interno.

3.1.2   No que respeita ao artigo 4.o (cláusula de não discriminação):

3.1.2.1

Uma vez que todos os Estados-Membros subscreveram a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, é evidente que todos eles deverão aplicar o disposto no artigo 4.o

3.1.2.2

Enquanto, em matéria de readmissão — ou de asilo —, faz todo o sentido remeter para o facto de os nacionais de países terceiros não poderem ser expulsos para ou via um país terceiro, ou poderem ser reconhecidos como refugiados pelos Estados-Membros caso corram verdadeiro risco de perseguição no país terceiro em causa pelas razões expostas no artigo 4.o, a inclusão da referida cláusula no quadro do pequeno tráfego fronteiriço parece supérflua.

3.1.3   No que respeita ao artigo 10.o (modelo do visto):

3.1.3.1

Este artigo prescreve que o visto seja emitido enquanto modelo-tipo, com aposição da letra «L» («local border traffic», equivalente inglês do pequeno tráfego fronteiriço). Tal exigirá que os funcionários encarregados dos controlos no espaço Schengen recebam instruções claras nesta matéria, tanto mais que a letra «L» também é utilizada como código de país (Luxemburgo) na emissão do visto circunscrito ao território luxemburguês.

3.1.4   No que respeita ao artigo 20.o (alteração das instruções consulares comuns):

3.1.4.1

Uma vez que desta instrução constam as normas a respeitar pelas instâncias emissoras de vistos na emissão dos mesmos, há que adaptar não só a Parte I, ponto 2 (descrição do conceito e tipos de vistos), mas também a Parte V, ponto 3 (tratamento e decisão) e a Parte VI (preenchimento do autocolante com o visto). Dificilmente se pode exigir a estas instâncias que leiam o anexo à instrução antes de passarem à emissão do visto.

3.1.4.2

Além disso, interessaria saber por que razão na alínea a) do ponto 2 se fala em validade mínima, em vez de em validade máxima.

3.1.4.3

Finalmente, também os funcionários encarregados dos controlos nas fronteiras deverão ser postos ao corrente das disposições sobre pequeno tráfego fronteiriço. Tal implica que o Manual Comum, para o qual não se prevêem alterações nas disposições finais, também deva ser alterado.

3.1.5   No que respeita ao artigo 21.o (alteração da convenção de aplicação do Acordo de Schengen):

3.1.5.1

Com este artigo, a Comissão Europeia pretende suprimir o n.o3 do artigo 136.o da convenção de aplicação do Acordo de Schengen.

3.1.5.2

Ora, recorrendo a um regulamento, as disposições constantes desse acordo podem não ser aplicadas, mas não serão suprimidas.

3.2   Proposta de Regulamento do Conselho que estabelece um regime relativo ao pequeno tráfego fronteiriço nas fronteiras terrestres externas temporárias entre os Estados-Membros [2003/0194 (CNS)]

3.2.1

Na medida em que a proposta abordada vela pela aplicação do regime de pequeno tráfego fronteiriço nas fronteiras terrestres externas dos Estados-Membros nos termos do documento 2003/0193, as observações de que é alvo aplicam-se igualmente às disposições desta proposta relativa ao pequeno tráfego fronteiriço nas fronteiras terrestres externas temporárias entre Estados-Membros.

4.   Conclusões

4.1

O objectivo das duas propostas em matéria de pequeno tráfego fronteiriço pode ser descrito como a preocupação de facilitar a passagem da fronteira pelos residentes fronteiriços de boa fé, tendo simultaneamente em conta a necessidade de impedir a imigração ilegal, bem como demais potenciais ameaças à segurança resultantes de actividades criminosas.

4.2

Ora, caso as duas vertentes deste objectivo não possam ser concretizadas através das disposições relevantes do direito comunitário (incluindo o acervo de Schengen), deverão seguir-se as recomendações que se seguem, relativas à proposta de regulamento do Conselho que consta no documento 2003/0193:

4.2.1

a fim de poder controlar a duração total da estada, não deve ser admitida a transposição da fronteira fora dos pontos de passagem autorizados e das horas de abertura fixadas (cf. artigo 18.o);

4.2.2

a fim de poder verificar regularmente a boa fé das pessoas em causa, há que prever a emissão de um visto especial com a validade máxima de um ano (cf. artigo 12.o);

4.2.3

a fim de poder indicar que o disposto no artigo 23.o do Acordo Schengen é igualmente aplicável em caso de expulsão de nacionais de países terceiros que se encontrem fora da zona fronteiriça ou permaneçam em situação irregular no espaço Schengen, deve ser possível inserir no artigo 2.o do documento 2003/0193 uma referência àquele artigo;

4.2.4

atendendo a que o estatuto dos trabalhadores fronteiriços ainda não se encontra regulamentado a nível comunitário e que ainda não foram concluídas as conversações no Conselho sobre uma directiva a adoptar nesta matéria, a definição constante do artigo 3.o alínea h) deve ser suprimida, (como também o artigo 15.o referente a esta categoria de pessoas), ou, no mínimo, aceite sob reserva da adopção da dita directiva;

4.2.5

atendendo a que os Estados-Membros devem respeitar o princípio da não discriminação, não só na aplicação deste regulamento, mas também de todo o direito comunitário, o disposto no artigo 4.o é desnecessário. A inclusão desse artigo dá, além do mais, a sensação de que os Estados-Membros nem sempre tencionarão respeitar tal princípio no que toca ao pequeno tráfego fronteiriço. Se se desejar, poderá remeter-se para este direito fundamental nos considerandos;

4.2.6

atendendo a que a letra «L» é utilizada como código de país (Luxemburgo) na emissão do visto circunscrito ao território luxemburguês e que pode induzir em erro os funcionários encarregados dos controlos, há que velar por empregar para o visto mencionado no artigo 9.o letras que não coincidam com códigos de países da UE;

4.2.7

por consideração para com as instâncias emissoras de vistos, bem como os funcionários encarregados dos controlos nas fronteiras, as instruções nesta matéria deverão ser definidas com maior clareza nas disposições finais, respectivamente no artigo 20.o e num artigo específico a incluir;

4.2.8

atendendo a que um regulamento não pode suprimir artigos da convenção de aplicação do Acordo de Schengen, há que retirar ou reformular o disposto no artigo 21.o

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

R. BRIESCH


(1)  COM(2003) 502 final – 2003/0193 (CNS).

(2)  COM(2003) 502 final — 2003/0194 (CNS).


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/68


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre »As indústrias culturais na Europa»

(2004/C 108/14)

Em 9 de Abril de 2003, a Comissão, por carta da comissária Viviane REDING, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, que emitisse um parecer sobre o tema «As indústrias culturais na Europa».

Em 15 de Abril de 2003, a Mesa do Comité incumbiu a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo dos correspondentes trabalhos. A secção emitiu parecer em 16 de Dezembro de 2003 (relator: J. I. RODRÍGUEZ GARCÍA-CARO).

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 72 votos a favor, 7 votos contra e 5 abstenções o presente parecer.

1.   INTRODUÇÃO

1.1   Justificação do parecer

1.1.1

No dia oito de Abril de 2003, a comissária Viviane REDING solicitou, por carta dirigida ao presidente do Comité, um parecer exploratório sobre a indústria cultural europeia.

De acordo com a comissária, o CESE, pela sua posição na sociedade civil e por representar os interesses das empresas e dos trabalhadores, encontra-se bem posicionado para, nomeadamente:

contribuir com uma opinião qualificada nesta matéria;

realizar uma síntese dos interesses em jogo;

formular recomendações decorrentes do acordo entre os interlocutores sociais e económicos.

Nesse sentido, a Comissão pretende, em princípio, no início de 2004, propor novos instrumentos comunitários nos sectores cultural e audiovisual.

1.1.2

Segundo a Comissão, os principais desafios que estas indústrias têm de enfrentar são:

A concorrência externa à Europa.

A pirataria associada às novas tecnologias.

O equilíbrio entre os grandes operadores e as empresas independentes (acesso ao mercado e diversidade cultural).

Um tratamento fiscal diferenciado.

Um défice de peritos e de formação em determinadas matérias destes sectores.

1.1.3

A situação existente torna necessário, segundo a Comissão, iniciar um processo de reflexão sobre os seguintes aspectos:

Desafios que estas indústrias enfrentam.

Desafios a que devem responder.

Contributo possível da Europa para ajudar a responder a estes desafios, sobretudo no contexto do alargamento.

1.1.4

O Parlamento Europeu, na sessão realizada em 4 de Setembro de 2003, adoptou uma resolução sobre «Indústrias culturais» (relatora: Myrsini ZORBA).

1.1.4.1

Este vasto e completo texto é o resultado de uma rigorosa metodologia que o Parlamento Europeu seguiu para elaborar um projecto de resolução com recomendações operacionais destinadas às instituições competentes da União Europeia e dos Estados-Membros sobre possíveis medidas a adoptar.

1.1.4.2

Na audiência pública prévia, realizada em 22 de Abril de 2003, foram apresentados os resultados de um questionário enviado a duzentas associações profissionais, federações de diferentes sectores, empresas e peritos nestas matérias, que apresentaram como principais problemas da indústria cultural europeia:

A falta de investimento.

Os problemas relacionados com a distribuição.

A dimensão insuficiente do mercado.

A diversidade linguística.

A pirataria no sector.

1.1.4.3

De acordo com o referido documento apresentado na audiência, os profissionais do sector sentem-se insatisfeitos com as políticas culturais a nível nacional e europeu.

1.2   Teor do parecer exploratório

1.2.1

O parecer que o Comité Económico e Social Europeu elaborou inclui as medidas consideradas como pertinentes para desenvolver uma futura intervenção comunitária.

1.2.2

O Comité deve responder, fundamentalmente, a duas questões:

Quais são os desafios culturais e socioeconómicos que as indústrias culturais têm que enfrentar na Europa.

Que contribuição pode a Europa dar para responder de forma duradoura a esses desafios.

2.   A EUROPA E A CULTURA

2.1   Cultura

2.1.1

Em geral, os dicionários definem o termo «cultura», quando se referem ao conceito na sua globalidade, em termos semelhantes. Assim, poderíamos dizer que cultura é o conjunto de conhecimentos, costumes e graus de desenvolvimento artístico e científico numa época ou grupo social.

2.1.1.1

Os europeus partilham, com determinados graus de afinidade, conhecimentos, costumes, graus de desenvolvimento e valores, que indiciam, respeitando os sinais de identidade mais locais, a existência de uma Cultura Europeia ou de um Espaço Cultural Europeu.

2.1.1.2

Simultaneamente, e tendo em atenção o objectivo do parecer que apresentamos, a cultura pode definir-se como o conjunto de produções e de produtos culturais e artísticos relacionados com a música, o teatro, o cinema, a televisão, o livro, etc. Neste caso, a cultura enquadra-se em domínios mais próximos da dimensão económica e insere-se plenamente no domínio da indústria, da indústria cultural.

2.1.2

Mas a cultura não é uma entidade abstracta, é algo que faz parte da própria existência daqueles que a tornam possível. Não existe cultura se não existirem criadores, artistas, intérpretes, etc. que, com a sua inspiração, coloquem à disposição dos cidadãos obras que ficam no acervo cultural da humanidade, de uma humanidade que as contempla e valoriza em toda a sua dimensão.

2.1.3

Por isso, as criações culturais, as obras da cultura, não teriam razão de ser se os cidadãos não tivessem acesso a elas. O acesso à cultura engrandece as possibilidades do ser humano. Mas não nos podemos esquecer que fazendo um uso perverso da cultura, esta pode converter-se num factor de controlo de poder. Fortalecer a cultura e fomentar e promover o livre acesso dos cidadãos a ela pode constituir um elemento de contraposição a qualquer modelo de hegemonia que tente impor-se utilizando a cultura como veículo.

2.2   Política Cultural e Espaço Cultural Europeu

2.2.1

Até à entrada em vigor do Tratado de Maastricht, a União Europeia não dispunha de uma base jurídica que fundamentasse uma Política Cultural. Com uma base jurídica sólida e com o lançamento de programas específicos neste domínio da política comunitária, a posição da Europa no contexto internacional deixa de surgir apenas devido à sua configuração geográfica e pela sua posição política, social e económica, mas começam a sobressair os aspectos mais importantes do terreno cultural partilhado da Europa comunitária.

2.2.2

Nesse sentido, o Comité entende também que a cultura constitui um elemento essencial e unificador da vida quotidiana e da identidade dos cidadãos da Europa (1).

2.2.3

Embora não exista uma política comum para os diferentes sectores culturais e apesar das limitações do artigo 151.o do Tratado CE, seria necessário que os Estados-Membros e as instituições da UE contribuíssem com uma visão comum para o futuro que permita à União no seu conjunto uma intervenção mais participada no domínio da cultura.

2.2.3.1

Neste sentido, entendemos que uma política cultural a nível europeu deveria favorecer o acesso dos cidadãos da União ao conhecimento da identidade cultural que nos une e da diversidade cultural das diferentes regiões da Europa, para que os que participam dessa diversidade se possam compreender melhor.

2.2.4

O Parlamento Europeu, na sua resolução de 5 de Setembro de 2001, considerava oportuno para o futuro da União reforçar a dimensão cultural, tanto a nível político como a nível orçamental, fomentando a cooperação entre os Estados-Membros, com vista a permitir a criação de um «Espaço Cultural Europeu».

2.2.4.1

A criação desse Espaço Cultural Europeu comporta uma riqueza dupla: a riqueza cultural, entendida por si mesma, e a riqueza económica produzida pelas indústrias culturais. Através delas se verifica o acesso dos cidadãos da União à cultura e nelas deve, igualmente, basear-se a extensão e a exportação da nossa cultura para além das fronteiras comunitárias.

2.2.5

Embora o objectivo do presente parecer não seja discutir a política cultural da União Europeia, entende o Comité que ela é uma questão de enorme importância, a ser abordada em profundidade.

3.   OS PROGRAMAS COMUNITÁRIOS QUE APOIAM A CULTURA E AS INDÚSTRIAS CULTURAIS

3.1   Base jurídica

3.1.1

Até à aprovação do Tratado de Maastricht, a União Europeia carecia de um enquadramento jurídico que lhe permitisse abordar uma política cultural a nível comunitário. O Tratado de Roma não continha nenhum artigo ou secção específicos nesse sentido, apenas o seu preâmbulo aludia à cultura como elemento unificador dos povos e promotor do desenvolvimento socioeconómico.

3.1.1.1

O artigo 151.o do Tratado CE estabelece uma base de actuação para promover, apoiar e complementar as actividades dos Estados-Membros, respeitando a diversidade nacional e regional, pondo em evidência o património cultural comum dos cidadãos da União. Qualquer acção harmonizada está expressamente excluída do âmbito de aplicação deste artigo.

3.1.2

Uma das missões confiadas à União Europeia é garantir as condições necessárias à competitividade da indústria comunitária. O artigo 157.o do Tratado CE estabelece que a Comunidade estará orientada para acelerar a adaptação da indústria às alterações estruturais e incentivar um ambiente favorável à iniciativa e à cooperação entre empresas, entre outros.

3.1.2.1

A União Europeia deve contribuir para a criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento das indústrias culturais, para que elas possam beneficiar dos resultados da investigação, dos avanços tecnológicos, de um melhor acesso ao financiamento e das vantagens da cooperação num espaço europeu da cultura.

3.2   Programas específicos no domínio da cultura

3.2.1

Contando com o quadro marco jurídico apropriado, o artigo 151.o do Tratado, a União Europeia implementou, entre 1996 e 1997, três programas específicos no âmbito da cultura: Caleidoscópio (2), destinado a fomentar a criação artística e a promover o conhecimento e a divulgação da cultura dos povos da Europa no sector da arte; Ariane (3), destinado a desenvolver a cooperação entre os Estados-Membros no sector do livro e da leitura e promover um maior conhecimento das obras literárias e da história dos povos através da tradução; e Rafael (4), destinado a fomentar a cooperação entre os Estados-Membros relativamente ao património cultural com dimensão europeia.

3.2.2

Em Fevereiro de 2000 foi aprovado o primeiro programa-quadro comunitário a favor da cultura (5). Com este programa simplifica-se a acção comunitária, centrando-a num único instrumento de financiamento e de gestão da cooperação cultural. Esta cooperação entre os agentes culturais contribui para a criação de um espaço cultural europeu, para o desenvolvimento da criação artística e literária, para o conhecimento da história e da cultura europeias, para a divulgação internacional da cultura, para a revalorização do património de relevância europeia e para o diálogo intercultural.

3.2.2.1

O programa «Cultura 2000» visa a criação de um espaço cultural caracterizado pela diversidade cultural e pela herança cultural partilhada da Europa. A participação no programa alarga-se aos países do Espaço Económico Europeu e aos países candidatos à adesão. O programa apoia os projectos artísticos e culturais que disponham de uma dimensão europeia a nível da sua concepção, organização e realização. A maioria dos projectos inclui uma dimensão multimédia para a criação de páginas na Internet e fóruns de discussão.

3.2.2.2

A nova Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Decisão n.o 508/2000/CE (6) prevê o prolongamento do programa «Cultura 2000», estabelecido para o período 2000-2004. Com esta proposta pretende-se que o programa continue nos mesmos termos até 2006.

3.3   Programas comunitários com impacto no domínio da cultura

3.3.1

MEDIA, cujas siglas correspondem em francês a Medidas para Apoiar o Desenvolvimento da Indústria Audiovisual, pretende reduzir as debilidades das indústrias europeias de conteúdos audiovisuais e multimédia, caracterizadas pela circulação insuficiente de obras europeias entre os diferentes países e o défice crónico de investimento no desenvolvimento de projectos, formação contínua, distribuição das obras e promoção das mesmas. Estas carências são mais significativas se se fizerem comparações com as obras de origem norte-americana.

3.3.1.1

Por conseguinte, os Programas MEDIA pressupõem um apoio à cultura, através de acções a favor das indústrias audiovisuais que produzem este tipo de obras culturais. Mais concretamente, os programas MEDIA Formação (7) e MEDIA Plus (8), herdeiros dos programas MEDIA I e MEDIA II, destinam-se à formação dos profissionais da indústria europeia de programas audiovisuais (MEDIA-Formação) e ao desenvolvimento, distribuição e promoção de obras audiovisuais (MEDIA Plus).

3.3.1.2

A Comissão realizou uma consulta pública para propor, com base na mesma e nos resultados da avaliação dos programas em curso, uma nova geração de programas para a indústria audiovisual europeia.

3.3.2

Outros programas e acções da União Europeia, não relacionados directamente com o apoio à cultura, incluem linhas de acção e apoiam projectos que incidem em aspectos muito diversos da cultura em geral e do património cultural, em particular.

3.3.2.1

Nesse sentido, entre os programas mais importantes e as actividades culturais em que intervêm, incluem-se os seguintes:

a)

V Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico, prevendo alguns dos programas nele enquadrados acções a favor da preservação do património cultural, em particular o Programa Europeu de Investigação das Tecnologias da Sociedade da Informação.

b)

Diversos projectos financiados pelos programas de educação e formação da União Europeia SÓCRATES e LEONARDO visam a aprendizagem e o conhecimento das artes e a criação de associações entre instituições culturais e educativas, com o objectivo de levar os cidadãos europeus a conhecer e apreciar as obras de arte e criar profissões relacionadas com a cultura, nas suas múltiplas facetas.

c)

O Fundo Social Europeu, no que se refere à formação, inclui formação artística, como o restauro e a conservação do património fotográfico em Itália. Neste contexto, justifica-se mencionar a iniciativa comunitária EQUAL.

d)

O programa JUVENTUDE financia, anualmente, encontros para jovens dos 15 aos 25 anos. Alguns destes encontros centram-se em actividades artísticas.

e)

O Programa eContent, no âmbito do plano de acção eEuropa, desenvolve tecnologias de tradução automática que contribuem para a preservação da diversidade linguística das obras literárias que se realizam na Europa e apoia a produção de conteúdos europeus digitais.

f)

A Política Regional da União Europeia também contribui para o financiamento de espaços de criação e divulgação artística, tais como escolas de música, salas de concerto, estúdios de gravação, etc.

g)

No âmbito do Programa MEDA (programa de cooperação com os países mediterrânicos), o EUROMED HERITAGE é um programa regional de apoio ao desenvolvimento do legado cultural euromediterrânico. O EUMEDIS, uma iniciativa destinada a desenvolver os serviços digitais nos países mediterrânicos, entre eles os serviços de acesso multimédia ao património cultural e ao turismo, inscreve-se neste programa.

h)

O Programa URB-AL apoia a cooperação entre cidades da União Europeia e da América Latina em questões relativas à problemática urbana, incluindo a conservação do património urbano. No mesmo sentido, o programa ASIA-URB é o equivalente para a Ásia, e a conservação e revalorização do património também são objecto de cooperação com os países de África, das Caraíbas e do Pacífico no quadro do Acordo de Cotonou.

i)

O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional financia projectos de restauro do património programados no quadro dos programas de desenvolvimento regional. As iniciativas comunitárias URBAN, para as zonas urbanas em crise, e INTERREG, que fomenta a cooperação entre as regiões da União Europeu em diferentes domínios, como o desenvolvimento urbano, apoiam projectos com essas características.

j)

O Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola apoia acções de desenvolvimento das zonas rurais. A iniciativa LEADER contribui igualmente para a renovação e a revalorização cultural dos edifícios, jazidas, património móvel e materiais no referido domínio.

k)

Dentro do VI Programa Comunitário de Acção na Área do Ambiente, o Programa LIFE III contribui para a política ambiental da União, fomentando a revalorização e a gestão turística de ambientes naturais e culturais.

3.3.3

Na opinião do Comité, a série de programas anteriormente referida reflecte o crescente interesse das instituições comunitárias em promover e apoiar a cultura, mas também revela uma dispersão de esforços e acções. Separadamente, tais esforços e acções têm permitido progressos incontestáveis, mas a sua coordenação permitiria talvez realizar sinergias e obter um melhor resultado e uma maior eficiência na concretização dos objectivos relacionados com a cultura.

3.3.3.1

Vários destes programas dependem de uma única Direcção-Geral, sobretudo os mais directamente relacionados com a cultura e a indústria cultural do sector audiovisual, mas existem outras acções integradas em programas dependentes de outros departamentos, que deveriam motivar uma reflexão sobre a conveniência de uma maior coordenação entre os mesmos.

4.   INDÚSTRIAS CULTURAIS

4.1   Que entendemos por indústrias culturais?

4.1.1

O Comité não pretende dar uma definição limitativa do que se deve entender por indústrias culturais; o objectivo deve, antes, ser o de determinar com clareza quais os sectores que aí se devem incluir.

4.1.1.1

De facto, a definição de uns e outros sectores de actividade como indústrias culturais depende das fontes consultadas. Nesse enquadramento podem-se incluir actividades tão diversas como: as artes cénicas, com todas as suas manifestações de interpretação teatral, musical, dança, etc.; as artes plásticas, em qualquer uma das suas manifestações de pintura, escultura, etc.; o artesanato cultural; a edição de livros; a edição de música, os meios audiovisuais e o cinema; o património cultural, sobretudo arquitectónico; as actividades de conservação e restauro de obras e do património cultural e, inclusivamente, o turismo, quando o seu objectivo for o contacto com um património cultural determinado, seja ele urbano ou rural, sem esquecer os museus, as bibliotecas e outros espaços de cultura.

4.1.2

Para a UNESCO, a criatividade, que constitui uma parte importante da identidade cultural dos seres humanos, expressa-se de diferentes formas. Reproduzidas e multiplicadas por processos industriais e divulgadas mundialmente, as obras da criatividade humana convertem-se em produtos de indústrias culturais como a edição de livros, a edição musical de discos, a produção cinematográfica e videográfica e, mais recentemente, a edição electrónica multimédia (9).

4.1.2.1

Efectivamente, esta definição da UNESCO aproxima-se, com grande rigor, do conceito de indústria cultural, ao qual deveríamos acrescentar os sectores que incluem obras culturais não reproduzíveis em massa, mas que atraem o interesse pela sua contemplação directa ou indirecta ou deslocação dos cidadãos que delas pretendem desfrutar. Desta forma, surgem indústrias que não necessitam de reproduzir uma obra, mas que através do turismo cultural põem milhões de cidadãos em contacto com o património cultural não reproduzível.

4.1.2.2

Por esse motivo, com vista a conferir eficácia a uma política europeia no domínio da cultura e, consequentemente, para apoiar as indústrias culturais, o Comité apoia a clarificação conceptual solicitada pelo Parlamento Europeu na sua resolução de 4 de Setembro de 2003 e contribui para tal definição com os critérios evocados nos pontos 4.1.2 e 4.1.2.1 do presente parecer.

4.2   Como se pode agrupar conceptualmente as indústrias culturais?

4.2.1

Para fins meramente didácticos, e admitindo qualquer outra forma de classificação, as indústrias culturais podem ser agrupadas da seguinte forma:

Manifestações culturais que incluem manifestações artísticas como o espectáculo teatral, a manifestação musical directa, a dança e todas as outras manifestações a que assistimos ao vivo.

Obras culturais e obras de arte como o património artístico e arquitectónico e o património mobiliário, bem como todas as importantes facetas de conservação e restauro, que garantem a sua perdurabilidade.

Instituições culturais como museus, galerias e bibliotecas.

Industria cultural de produtos editoriais, que incluiria a edição de livros e a edição fonográfica, assim como a cinematografia e a reprodução em vídeo e DVD.

Indústria cultural de comunicação, que inclui a rádio, a televisão e os meios de comunicação em geral.

O sector multimédia; nele se incluem os novos suportes digitais e a informação de natureza cultural em linha através do acesso à Internet pelo recurso à banda larga.

4.2.2

Com estes parâmetros, ninguém pode duvidar da importância económica dos produtos culturais e das indústrias que os suportam. A crescente importância económica dos mesmos torna as indústrias culturais numa importante fonte de actividade económica e de progressiva criação de emprego. Desta forma e na opinião do Comité, as indústrias culturais da União Europeia constituem um importante contributo para o cumprimento dos objectivos de Lisboa no que se refere à criação de emprego.

4.2.2.1

Numa sociedade que valoriza cada vez mais o ócio e as actividades associadas, as indústrias culturais facilitam o conhecimento, o entretenimento e o emprego, pelo que, logicamente, devem ser apoiadas pelos poderes públicos nacionais e comunitários, favorecendo a sua expansão e desenvolvimento, em especial no que respeita à mudança tecnológica.

4.2.2.2

As culturas produzidas e recebidas pelas populações autóctones e pelas minorias exigem medidas especiais.

5.   O COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, A CULTURA E AS INDÚSTRIAS CULTURAIS

5.1

O Comité Económico e Social Europeu, pelo seu papel privilegiado como expressão da sociedade civil organizada e dos parceiros económicos e sociais, pode e deve contribuir com uma opinião que represente não apenas as preocupações e aspirações dos referidos parceiros, mas que dê conta do ponto de vista dos utilizadores destas indústrias culturais, contribuindo assim com uma perspectiva enriquecedora e integradora para o debate.

5.2

Ao longo dos anos, o Comité pronunciou-se por diversas vezes sobre a cultura, em geral, e sobre as indústrias culturais em particular. Neste sentido, o Comité expressou a sua opinião sobre as indústrias do sector audiovisual nos diferentes pareceres emitidos por ocasião da aprovação das diferentes fases do Programa MEDIA.

5.3

Nos referidos pareceres, o Comité manifestou de forma clara a sua posição quanto à identificação dos problemas e dos desafios que afectam as indústrias culturais e à procura de possíveis soluções a aplicar para fomentar, favorecer e apoiar as referidas indústrias, na perspectiva de promover o acesso e a divulgação da cultura europeia em geral e da cultura dos estados e das regiões em particular.

5.4

Relembrando e reafirmando essas opiniões, referiremos tais pareceres, que se mantêm plenamente actuais:

5.4.1

Parecer sobre a «Proposta de decisão do Conselho relativa à participação da Comunidade no Observatório Europeu do Audiovisual» (10).

5.4.2

Parecer sobre a proposta de decisão do Conselho que altera a Decisão 90/685/CEE relativa à execução de um programa de acção destinado a promover o desenvolvimento da indústria audiovisual europeia (MEDIA) (1991-1995) (11).

5.4.3

Parecer sobre a proposta de decisão do Conselho relativa a um programa de formação para os profissionais da indústria europeia de programas audiovisuais e sobre a proposta de decisão do Conselho relativa a um programa de incentivo ao desenvolvimento, à distribuição e à promoção de obras audiovisuais europeias (12).

5.4.3.1

No capítulo 3 das observações na generalidade, o Comité realiza uma análise séria das deficiências do sector apontadas pela Comissão na sua proposta de decisão e tece um conjunto de reflexões que se mantêm muito actuais, pelo que as apoiamos novamente sem reservas.

5.4.3.2

Actualmente, assistimos de novo à identificação e repetição das mesmas dificuldades expressas há alguns anos, sobre as quais o Comité manifestou a sua opinião. Consideramos que, sobretudo no sector audiovisual, as medidas tomadas, as acções empreendidas e os projectos apoiados não conseguiram ainda solucionar os problemas estruturais identificados há anos. Tal, na opinião do Comité, representa também um problema, já que, apesar de tudo, as instituições da União Europeia não foram eficazes na sua resolução.

5.4.4

Parecer sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um programa de formação para os profissionais da indústria europeia de programas audiovisuais (MEDIA Formação) e sobre a proposta de decisão do Conselho relativa a um programa de incentivo ao desenvolvimento, à distribuição e à promoção de obras audiovisuais europeias (MEDIA Plus) (13).

5.4.4.1

Se, na referência ao parecer anterior, evocávamos a identificação dos problemas por resolver que afectavam e afectam o sector audiovisual, nos pontos 1.3 e 1.4 do referido parecer estes problemas são mais uma vez salientados em termos muito semelhantes, acrescentando mais alguns desafios.

5.4.4.2

No ponto 3.1 das observações, o Comité apoia a proposta de decisão porquanto esta prevê medidas complementares que favorecem a divulgação do património cultural comum, mas faz notar que, tratando-se da promoção da nossa identidade cultural, a proposta deveria dar maior relevo a este aspecto.

5.4.4.3

Por último, do referido parecer salientamos a observação formulada no ponto 3.3. Parece-nos correcto que se não deva falar dos problemas e soluções das indústrias culturais sem referir previamente a mencionada observação, cuja actualidade reafirmamos no nosso parecer exploratório.

5.4.4.4

O Comité afirma o seguinte: «O Comité lamenta que a proposta não tenha tido em consideração que a importância da indústria audiovisual europeia não radica unicamente na sua dimensão empresarial, mas também na sua qualidade de veículo promotor da nossa cultura e dos nossos valores democráticos». O Comité defende, assim, o reconhecimento da dimensão cultural da indústria audiovisual.

5.4.5

Em 24 de Setembro passado, a assembleia plenária do Comité adoptou um novo parecer sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que modifica a Decisão n.o 163/2001/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de Janeiro de 2001 relativa à execução de um programa de formação para os profissionais da indústria europeia de programas audiovisuais e sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que modifica a Decisão n.o 821/2000/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 2000, relativa à execução de um programa de incentivo ao desenvolvimento, distribuição e promoção de obras audiovisuais europeias (14).

5.4.5.1

Nos pontos 2.1 e 2.2 do referido parecer, o Comité considera que teria sido mais conveniente que a Comissão houvesse criado as condições e adoptado as medidas necessárias para antecipar o debate e a apresentação dos novos programas plurianuais, em vez de se limitar a prolongar a vigência dos actuais. O Comité manifesta-se uma vez mais esperançado em que sejam tidas em conta as sugestões e propostas formuladas no presente parecer e nos anteriores.

5.5   O Comité Económico e Social Europeu e o Programa Cultura 2000

5.5.1

O Comité lamenta não ter podido apresentar as suas observações ao referido programa, devido à expressa limitação estabelecida no ponto 5 do artigo 151.o do Tratado CE. O referido artigo não prevê que o Comité seja consultado quando se tratar de aplicar medidas de fomento da Cultura, embora, graças às disposições do artigo 157.o , deva ser consultado quando se tratar de medidas de apoio à indústria em geral e às indústrias culturais em particular.

5.5.2

Se o Comité representa a sociedade civil organizada, não é compreensível a ausência da sua opinião quando se debatem aspectos da política cultural da União, uma vez que o Comité considera que a cultura faz parte do modelo social europeu.

5.5.3

Em Abril de 2003, a Comissão publicou um documento de consulta pública intitulado «Conceber o futuro programa de cooperação cultural da União Europeia após 2003» (15). Este documento pretende abrir o debate sobre acções futuras a desenvolver após o termo do programa Cultura 2000.

5.5.4

Com o objectivo de divulgar a opinião do Comité sobre este programa que, directa ou indirectamente, afectará os agentes culturais, desde criadores a produtores ou editores, e que por último incide nas indústrias culturais, o Comité deveria elaborar um parecer de iniciativa que reflectisse a sua opinião sobre a matéria.

6.   DESAFIOS CULTURAIS E SOCIOECONÓMICOS QUE AS INDÚSTRIAS CULTURAIS TÊM QUE ENFRENTAR NA EUROPA

6.1   Necessidade de definir o que se entende por indústrias culturais e de identificar os sectores de actividade que englobam

6.1.1

Ao longo do presente documento, temos vindo a evocar uma série de problemas e desafios que a indústria cultural europeia enfrenta. A identificação destes problemas resulta dos numerosos estudos e análises realizados ao longo dos anos.

6.1.2

Como referido anteriormente, no conceito de indústrias culturais incluem-se actividades produtivas muito diversas, relacionadas com a cultura. Cada sector de actividade, no âmbito das indústrias culturais, apresenta uma problemática e interesses definidos que tornam difícil simplificar os problemas e as soluções relativas ao conjunto das indústrias culturais.

6.1.3

Seria, assim, necessário determinar quais as actividades que se enquadram nas chamadas indústrias culturais, com vista a identificar os problemas específicos que afectam cada sector de actividade e as possíveis soluções concretas a aplicar a cada um.

6.1.4

No ponto 4 do presente parecer, o Comité expressa a sua opinião sobre o que se deve entender por indústrias culturais e sobre os sectores que as constituem. Tratando-se de sectores muito variados e com uma problemática dispersa, a posição do Comité deve ser genérica, adoptando uma perspectiva horizontal quanto aos grandes desafios que afectam as indústrias culturais no seu conjunto ou que incidem em mais do que um dos sectores de actividade identificados no parecer.

6.2   Desafios resultantes da diversidade linguística

6.2.1

Em todas as análises realizadas, a diversidade linguística da Europa surge como um ponto forte e, ao mesmo tempo, como uma fragilidade. Ponto forte porque é um factor enriquecedor na medida em que representa uma multiplicidade de formas de expressão do que de mais positivo existe na cultura de que procedem. Fragilidade porque, vista, não de uma perspectiva cultural, mas sim industrial, representa um factor de encarecimento da produção e um factor de dificuldade na distribuição. É normal que esta fragilidade se verifique numa Europa multilingue; o Comité entende, no entanto, que os poderes públicos da União, dos Estados e das regiões da Europa devem contribuir para o reforço dessa diversidade, apoiando todas as acções e investigações que visem superar a referida fragilidade.

6.3   Problemas específicos que afectam as empresas do sector cultural

6.3.1

Tratando-se de um sector que abrange indústrias de tipos muito diferentes, as empresas que desenvolvem a sua produção neste domínio têm problemas de índole muito diversa. Importaria estabelecer uma norma, de forma a captar a indústria cultural europeia estatisticamente como uma só. Com base nos dados recolhidos, poderia desenvolver-se um plano de acção comum que tivesse em consideração tanto os sectores a título individual como também as regiões e que definisse objectivos, estratégias e medidas.

6.3.2

Da mesma forma que assistimos a uma grande concentração de empresas editoriais, também verificamos como o sector audiovisual continua excessivamente fragmentado para poder fazer face ao seu principal concorrente, a indústria norte-americana. Tanto no presente documento, como nos debates do grupo de estudo incumbido da elaboração do presente parecer, como na proposta de resolução do Parlamento Europeu elaborada pela eurodeputada Myrsini ZORBA, salientam-se alguns elementos comuns que surgem como os principais desafios que a indústria cultural e, sobretudo, a indústria audiovisual, têm de enfrentar. Tais elementos são, fundamentalmente:

a)

Falta de investimento, com um défice crónico do mesmo e uma incapacidade manifesta para mobilizar recursos financeiros, o que põe em risco a viabilidade comercial das empresas.

b)

Baixo investimento económico no planeamento e na realização de projectos audiovisuais, o que diminui a rentabilidade das obras e reduz a capacidade de investimento futuro.

c)

Insuficiente capitalização das empresas, o que enfraquece a sua estratégia industrial de desenvolvimento à escala internacional.

d)

Falta de apoio regulamentar em aspectos como a tributação, em especial no que se refere ao IVA, dada a grande diversidade da sua aplicação aos diferentes produtos culturais e nos diferentes países.

e)

Falta de apoio regulamentar para eliminar os obstáculos à mobilidade dos artistas e dos criadores. Continuam a existir mais obstáculos à mobilidade dos cidadãos do que à das mercadorias, se considerarmos como tal as obras culturais.

f)

Problemas relacionados com a distribuição, que se caracteriza pela sua debilidade relativamente à distribuição norte-americana e por uma escassa circulação transnacional das obras, à qual se alia a dificuldade para elaborar catálogos de obras ou listas de produções disponíveis para distribuição. Estes problemas afectam as empresas relacionadas com produtos audiovisuais e editoriais, quer escritos quer fonográficos.

g)

Dimensão insuficiente do mercado, fundamentalmente resultante da fragmentação e da compartimentação dos mercados nacionais, bem como da diversidade linguística, que – vista exclusivamente do ponto de vista industrial – representa um factor de encarecimento e dificulta a distribuição. Esta fragmentação dos mercados nacionais ou regionais debilita a circulação transnacional de programas e obras na Europa.

h)

Debilidade dos investimentos na promoção e na publicidade aos níveis europeu e internacional.

i)

Crescente pirataria e usurpação das marcas no sector audiovisual e fonográfico, o que pode conduzir as empresas a uma situação insustentável. O direito à propriedade intelectual deve prevalecer sobre o direito de reprodução de uma obra para uso particular. A Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo do Comité Económico e Social Europeu elaborou um parecer (16) sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às medidas e procedimentos destinados a assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual.

6.4   Desafios relacionados com a globalização

6.4.1

Na opinião do Comité, um dos principais problemas que as indústrias culturais, em especial as audiovisuais e fonográficas, da União Europeia enfrentam decorre da globalização do intercâmbio de produtos culturais que experimentamos. A posição da indústria norte-americana é evidente, sendo enorme o excedente comercial de produtos audiovisuais dos Estados Unidos relativamente à União Europeia.

6.4.2

Para competir com essa indústria temos de ser imaginativos e não restritivos. Devemos reforçar a cooperação na Europa e promover um clima favorável ao desenvolvimento da indústria europeia, fomentando a sua expansão na própria Europa e apoiando a sua exportação.

6.5   Problemas que a União Europeia deve enfrentar

6.5.1

O Comité considera que não podemos afirmar que existe uma estratégia global na União Europeia nesta matéria. Se queremos apoiar a nossa indústria cultural temos que implementar uma política cultural na União Europeia, respeitando, naturalmente, o princípio da subsidiariedade, coordenando as políticas nacionais com um objectivo cultural comum que permita manter uma indústria cultural europeia competitiva.

6.5.1.1

O Comité considera ser necessário implementar essa política a nível da União, estabelecendo estratégias claras, reforçando o Espaço Cultural Europeu e promovendo a cultura europeia para além das nossas fronteiras.

6.5.2

A política cultural é, efectivamente, uma política transversal que deve interligar as políticas comunitárias para criar uma sinergia que apoie, de forma clara e precisa, os esforços envidados. Existe uma dispersão considerável de esforços e de acções nos diferentes programas que referimos no presente documento, os quais, separadamente, estão a alcançar progressos incontestáveis, mas que de uma forma coordenada poderiam, talvez, aliar sinergias e conseguir um melhor resultado. A descentralização, provocada pela transversalidade que a política cultural representa, não deve nunca afectar a eficiência na concretização dos objectivos estabelecidos.

6.5.3

As indústrias culturais da União Europeia podem prestar um importante contributo para o cumprimento dos objectivos de Lisboa, no que respeita à criação de emprego.

6.5.3.1

Outro dos problemas que a União deverá enfrentar é a dotação orçamental das acções de apoios à cultura e, por extensão, às indústrias culturais. Ninguém ignora que o orçamento atribuído aos diferentes programas directamente relacionados com a cultura e com as indústrias audiovisuais e as dotações atribuídas aos projectos enquadrados nas linhas de acção de outros programas relacionados com a cultura são realmente escassos para pretender um arranque do sector audiovisual, em particular, e da indústria cultural, em geral. As instituições europeias devem analisar quais os sectores produtivos com maior projecção e nos quais se prevê a criação de mais emprego e, nesse sentido, apoiar de forma clara o sector industrial cultural, que, nas suas diferentes formas de expressão, oferece perspectivas de crescimento cada vez maiores.

7.   CONTRIBUIÇÃO DA EUROPA PARA DAR UMA RESPOSTA SÓLIDA A ESTES DESAFIOS

Sem reiterarmos as opiniões manifestadas pelo Comité ao longo do presente documento e, mais concretamente, nos capítulos 5 e 6, podemos aduzir as seguintes observações sobre a forma de enfrentar os problemas que afectam as indústrias culturais.

7.1   Política cultural para a União Europeia

7.1.1

O Comité considera que uma política cultural a nível europeu deverá favorecer o acesso dos cidadãos da União ao conhecimento da identidade cultural que nos une, à recuperação dos valores europeus característicos e ao conhecimento da diversidade cultural das diferentes regiões da Europa, para que possam aprender a viver na diversidade.

7.1.2

Nesse sentido, o Comité partilha da opinião manifestada na resolução do Parlamento Europeu de 4 de Setembro de 2003, segundo a qual a cultura constitui um elemento essencial e unificador da vida quotidiana e da identidade dos cidadãos da Europa.

7.1.3

Por isso, a existência de uma política cultural comum na União Europeia não deverá ser entendida da perspectiva da intromissão nas competências regionais e/ou do Estado, mas como um elemento dinamizador da própria cultura para promover o que nos une.

7.2   Por um Espaço Cultural Europeu

7.2.1

O Comité partilha plenamente o teor da resolução de 5 de Setembro de 2001 do Parlamento Europeu que considerava oportuno, para o futuro da União, reforçar a dimensão cultural, tanto a nível político como a nível orçamental, fomentando a cooperação entre os Estados-Membros, com vista a permitir a criação de um «Espaço Cultural Europeu».

7.2.2

A criação desse Espaço Cultural Europeu implica uma dupla geração de riqueza: a riqueza cultural entendida por si mesma e a riqueza económica e social que ela gera, através das indústrias culturais.

7.2.3

A cooperação entre os diversos agentes culturais contribui para a criação do espaço cultural europeu, para o desenvolvimento da criação artística e literária, para o conhecimento da história e da cultura europeias, para a divulgação interna e internacional da cultura, para a revalorização do património de relevância europeia especial e para o diálogo intercultural.

7.2.4

O Comité propõe, assim, a ponderação das seguintes iniciativas:

Criação de incentivos à promoção da criação artística e ao estabelecimento de instrumentos que permitam aos criadores fazer chegar as suas criações aos cidadãos.

Apoio ao intercâmbio de espectáculos ao vivo e ampliação dos respectivos circuitos para além das fronteiras nacionais.

Sistema de apoio à difusão das produções audiovisuais através da Internet, da televisão por satélite e da televisão temática.

Uma ligação mais estreita entre as indústrias culturais e a investigação e o desenvolvimento tecnológico, de forma a poder oferecer-se produtos e serviços inovadores, de maior valor acrescentado.

7.3   Definição das indústrias culturais

7.3.1

O Comité considera que não se pode falar de indústrias culturais sem se ter previamente delimitado o seu campo de actuação, embora este seja o mais extenso possível, e sem necessitar de aplicar critérios restritivos à conceptualização, a qual pode manter uma lista não restritiva.

7.3.2

A diversidade de sectores incluídos no conceito de «indústrias culturais» suscita uma problemática tão variada como os diferentes sectores a que nos referimos. Para poder determinar quais os problemas e soluções aplicáveis ao conjunto das indústrias e a cada sector específico, é necessário, na opinião do Comité, definir o que se deve entender por «indústrias culturais» e seriar os sectores de actividade criativa e produtiva que as integram.

7.3.2.1

O Comité contribui para esta definição pelos critérios evocados na secção 4 do presente parecer.

7.3.3

Dessa perspectiva, as medidas destinadas a apoiar o sector cultural serão aplicadas com uma estratégia mais integradora e globalizante, apesar da transversalidade que deve presidir a uma política cultural.

7.4   Apoio à indústria cultural

7.4.1

Na perspectiva da aplicação do artigo 157.o, a União Europeia tem, para com as indústrias culturais, tal como para qualquer outro sector industrial, a obrigação de criar um ambiente favorável ao seu desenvolvimento para que possam beneficiar dos resultados da investigação, dos avanços tecnológicos, de um melhor acesso ao financiamento e das vantagens da cooperação num espaço europeu da cultura.

7.4.1.1

As indústrias criativas não dispõem, geralmente, de um modelo de acesso ao financiamento eficaz para satisfazer as suas necessidades. Os bancos e os serviços financeiros consideram habitualmente que as indústrias criativas são empresas de alto risco.

7.4.1.2

Com um sistema de garantia de crédito, uma entidade financeira poderia cobrir todo ou parte do risco do financiamento atribuído a uma indústria criativa, para o caso de ela não o poder reembolsar.

7.4.1.3

Neste contexto, poder-se-ia ponderar a criação de um apoio comunitário através do Banco Europeu de Investimento, com participação da União Europeia, a desenvolver pela via de intermediários financeiros escolhidos nos Estados-Membros.

7.4.1.4

Neste contexto, é de referir igualmente a iniciativa da Comissão de um programa de acção comunitária para a promoção de organismos activos no plano europeu no domínio da cultura.

7.4.2

Os desafios resultantes dos problemas que afectam as empresas do sector cultural devem ser objecto de uma análise mais aprofundada e abordados com a certeza da sua resolução, evitando a perpetuação das anomalias, como ocorre no sector audiovisual, em que se registam sempre os mesmos problemas sem que para eles se encontre uma solução definitiva.

7.4.3

A Comissão e os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que os cidadãos activos nas indústrias criativas possam desfrutar dos mesmos direitos de mobilidade que os seus produtos e obras e de estabelecimento, de acordo com as disposições do Tratado.

7.4.4

Uma vez que alguns dos problemas que os operadores destes sectores têm que enfrentar derivam da sua falta de conhecimentos e de capacidade de gestão, ou da dificuldade de acesso aos mesmos, a Comissão e os Estados-Membros deveriam proporcionar os meios necessários para que as indústrias criativas recebessem assistência, informação e formação, na linha da que se oferece às pequenas e médias empresas, mas com uma oferta específica orientada para este tipo de indústrias. Neste sentido, haveria que alargar a outros âmbitos as iniciativas do tipo Media Desk.

7.5   Educação e sensibilização para a cultura

7.5.1

As indústrias culturais têm, antes de mais, necessidade de um público, de espectadores, ouvintes, consumidores. É necessário que os cidadãos, sobretudo os jovens, sejam sensibilizados e experimentem o gosto pela obras culturais. Para tal, importará promover e intensificar as acções relacionadas com a educação e a iniciação à cultura, sobretudo nas escolas. Com efeito, é sobretudo na família e na escola que se pode transmitir uma atitude aberta face à cultura e à diversidade do património cultural.

7.5.2

Os poderes públicos e a escola têm um papel importante neste âmbito. A televisão e a rádio, meios públicos ou privados presentes em todas os lares, devem despertar a atenção à cultura, difundindo programas de educação cultural e de valorização do património cultural.

7.5.3

Ao nível europeu, importaria criar uma plataforma com vista a estabelecer medidas comuns de sensibilização e interligar as iniciativas nacionais.

7.6   Apoio aos criadores e aos artistas

7.6.1

A Comissão e os Estados-Membros devem trabalhar com vista à eliminação efectiva dos obstáculos e dificuldades que ainda possam impedir a livre circulação dos artistas e criadores. É tão necessário permitir a circulação das mercadorias culturais como a circulação dos seus criadores, autores e intérpretes.

7.6.2

Por conseguinte, com o propósito de procurar soluções para os múltiplos problemas que afectam os criadores e os artistas, partilhamos a opinião manifestada na resolução do Parlamento Europeu sobre a criação de um «estatuto do artista» que permita garantir protecção social aos artistas e criadores e favorecer a sua mobilidade, e no qual se inclua, de forma clara, a legislação relativa aos direitos de propriedade intelectual.

7.6.3

Também as pequenas e microempresas da indústria cultural deveriam ser apoiadas no desenvolvimento das suas actividades comerciais, através da criação de plataformas de cooperação e da disponibilização da correspondente formação. O apoio em exposições, feiras, apresentações e missões comerciais pode ajudar estas empresas a imporem-se nos mercados internacionais.

7.7   Indústria cultural, liberdade e pluralismo

7.7.1

»A cultura liberta-nos« é uma expressão cujo sentido aqueles que vivem em países com instituições democráticas consolidadas conhecem.

7.7.2

Fortalecer a cultura e fomentar e promover o livre acesso dos cidadãos a ela é pois fundamental para garantir o efectivo respeito do direito à liberdade de expressão e de informação, afirmado pelo art. 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

7.7.3

Para além da vertente económica e social, a importância da indústria cultural assenta no seu potencial de vector da promoção dos valores democráticos da Europa. Através mesmo de uma constante actualização do quadro legal, pelo que é fundamental assegurar a concorrência e o pluralismo da indústria cultural face à progressiva globalização dos mercados, à crescente convergência dos meios de comunicação, favorecida pela afirmação das tecnologias digitais, à concentração progressiva dos grupos proprietários.

7.7.4

Por conseguinte, é necessário manifestar uma vez mais o nosso apoio a todas as iniciativas e propostas europeias de defesa do pluralismo da informação e da cultura e de garantia do controlo de todas as concentrações.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  Resolução do Parlamento Europeu sobre as indústrias culturais (P5-TA-PROV (2003)0382).

(2)  Decisão 719/1996/CE.

(3)  Decisão 2085/1997/CE.

(4)  Decisão 2228/1997/CE.

(5)  Decisão 508/2000/CE.

(6)  COM(2003) 0187.

(7)  Decisão 163/2001/CE.

(8)  Decisão 821/2000/CE.

(9)  http://www.unesco.org/culture/industries/html_sp/index_sp.shtml.

(10)  JO C 329, de 17/11/1999.

(11)  JO C 148, de 30/05/1994.

(12)  JO C 256, de 2/10/1995.

(13)  JO C 168, de 16/06/2000.

(14)  JO C 10, de 14/1/2004.

(15)  http://europa.eu.int/comm/cutlture/eac/archive/consult_pub_en.html.

(16)  COM(2003) 46 final.


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

Foram rejeitadas as seguintes propostas de alteração, que recolheram pelo menos um quarto dos votos expressos:

Novo ponto 2.1.1.3

«Considerar algo cultura parte de uma decisão subjectiva, por isso é difícil apresentar uma definição precisa. A cultura engloba também todas as formas de manifestações desportivas e todas as actividades desenvolvidas pelas populações europeias no âmbito de diversas formas de associação, como por exemplo a música folclórica, as danças folclóricas e o artesanato.».

Resultado da votação:

Votos a favor: 16, votos contra: 37, abstenções: 7.

Novo ponto 2.1.1.4

«Na Europa também temos o dever de preservar e desenvolver a cultura particular das populações da Lapónia e de outras populações autóctones e minoritárias. Nesse contexto, a língua constitui um aspecto especialmente importante.».

Resultado da votação:

Votos a favor: 21, votos contra: 44, abstenções: 9.

Novo ponto 2.1.2.1

«A cultura não tem a ver apenas com os artistas, mas também com os consumidores. Predomina um grande desequilíbrio no que se refere ao acesso à cultura, uma questão essencial em termos de política cultural. Todos os cidadãos devem ter o direito e a possibilidade de produzir e receber cultura.».

Resultado da votação:

Votos a favor: 30, votos contra: 36, abstenções: 4.

Novo ponto 4.2.2.2

«Numa Europa cada vez mais multicultural é especialmente importante zelar pelas culturas próprias dos novos Estados-Membros.».

Resultado da votação:

Votos a favor: 26, votos contra: 31, abstenções: 8.


30.4.2004   

PT

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C 108/78


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a »Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 77/388/CEE tendo em vista prorrogar a possibilidade de autorizar os Estados-Membros a aplicar taxas de IVA reduzidas a certos serviços de grande intensidade do factor trabalho»

[COM(2003) 825 final — 2003/0317 (CNS)]

(2004/C 108/15)

Em 18 de Dezembro de 2003, o Conselho da União Europeia decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, sobre a proposta supramencionada.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité decidiu, na sua 405.a reunião plenária, realizada em 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 Janeiro), designar H. MALOSSE relator-geral, e adoptou o presente parecer por 40 votos a favor, sem votos contra e 4 abstenções.

1.   Conteúdo da proposta e motivos para a sua elaboração

1.1

O Conselho Europeu de Viena de 11 e 12 de Dezembro de 1998 recomendou no âmbito da »Estratégia de Viena para a Europa« o princípio de permitir aos Estados-Membros que assim o desejem aplicarem, a título experimental, aos serviços de grande intensidade do factor trabalho taxas reduzidas de IVA, a fim de testar os efeitos dessa redução na criação de emprego e na luta contra a economia subterrânea.

1.2

Em aplicação dessa recomendação, o Conselho de Ministros havia adoptado, em 22 de Outubro de 1999, uma directiva ad hoc (1999/85/CE). Nove Estados-Membros — Bélgica, Grécia, Espanha, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e Reino Unido — utilizaram essa possibilidade. Com base em relatórios de avaliação sobre o impacto destas medidas, a Comissão Europeia apresentara em 23 de Julho de 2003 uma proposta de directiva com vista à simplificação e racionalização das taxas reduzidas do IVA (1). Com efeito, a directiva de 1999 expirava em 31 de Dezembro de 2003.

1.3

Devido a numerosas divergências, o Conselho de Ministros Europeu não conseguiu adoptar uma nova directiva. Convém realçar que se trata de um domínio sujeito à votação por unanimidade.

1.4

Consequentemente e perante o risco de insegurança jurídica que existe nos Estados-Membros que aplicam as taxas reduzidas, a Comissão, de comum acordo com o Conselho, acaba de propor que a directiva de 1999 seja prorrogada até 31 de Dezembro de 2005. Esta proposta limita-se, pois, a modificar a data de aplicação da directiva de 1999, sem qualquer outra alteração. Não tem em conta nem as propostas de racionalização e simplificação feitas pela Comissão Europeia, nem os pedidos dos Estados-Membros no sentido de modificar os sectores contemplados por estas medidas ou de acrescentar outros.

2.   Parecer do Comité Económico e Social Europeu

2.1

O CESE já se pronunciou favoravelmente em relação ao princípio das taxas de IVA reduzidas para os serviços de grande intensidade do factor trabalho (parecer de 26 de Maio de 1999 (2)), facto que achou por bem recordar no parecer adoptado na reunião plenária de 30 de Outubro de 2003 (de que foi relator Adrien BEDOSSA) sobre a proposta de directiva da Comissão Europeia que visava racionalizar e simplificar a directiva de 1999.

2.2

Nele o CESE avaliava o impacto dessas medidas na criação de emprego e no combate ao trabalho clandestino de um modo muito mais positivo do que a Comissão Europeia.

2.3

Avançava também com uma série de sugestões no sentido de, nomeadamente, alargar as reduções de IVA a novos sectores, tais como a restauração tradicional, mantê-las para os cabeleireiros e pequenos serviços de reparação e acrescentar à categoria 10 os edifícios históricos e religiosos, bem como o património cultural e arquitectónico privado ou profissional e industrial.

2.4

O CESE pronuncia-se, pois, favoravelmente sobre o princípio da prorrogação até 31 de Dezembro de 2005 da taxa reduzida do IVA, a fim de evitar as graves consequências do vazio jurídico e da cessação abrupta de medidas, cujo impacto positivo foi possível demonstrar.

2.5

Lamenta, no entanto, que o Conselho não tenha conseguido chegar a acordo sobre a proposta de directiva da Comissão Europeia que visava racionalizar e simplificar o sistema. Salienta, a este propósito, que o princípio da unanimidade em matéria fiscal constitui um obstáculo objectivo.

2.6

Para que não se vejam novamente confrontados com uma situação de vazio jurídico e atenta a evolução altamente positiva desta medida, o CESE insta os Estados-Membros a concertarem-se rapidamente sobre a proposta de directiva de 23 de Julho de 2003, que procede à revisão global das taxas reduzidas de IVA com vista à sua simplificação e racionalização [(COM(2003) 397 final — 2003/0169 (CNS)], e convida o Conselho a adoptá-la o mais brevemente possível, nela integrando as actividades referidas no ponto 2.3 supra.

2.7

Salienta, por último, o esforço que será necessário envidar para informar os novos Estados-Membros que aderirão à União em 1 de Maio de 2004 sobre o interesse das taxas reduzidas. Com efeito, em muitos deles o problema do emprego e do trabalho clandestino faz-se sentir com gravidade. Solicita ainda à Comissão Europeia que proceda a uma avaliação mais precisa do impacto da redução do IVA, em colaboração com os Estados-Membros e com os actores económicos e sociais, que melhor a podem apreciar.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  COM(2003) 397 final, de 23/07/2003.

(2)  JO C 20, de 22/07/1999.


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C 108/80


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CEE) n.o 1673/2000 que estabelece a organização comum de mercado no sector do linho e do cânhamo destinados à produção de fibras»

[(COM(2003) 701 final —2003/0275 (CNS)]

(2004/C 108/16)

Em 1 de Dezembro de 2003, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 37do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Em 9 de Dezembro de 2003, a Mesa do Comité Económico e Social Europeu incumbiu a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente da preparação dos respectivos trabalhos.

Dada a urgência dos trabalhos, na 405.a reunião plenária, realizada em 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 28 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu nomeou relatora-geral M. Luísa SANTIAGO e adoptou, por 31 votos a favor, sem votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

Em 27 de Julho de 2000, a organização comum de mercado do linho e do cânhamo destinados à produção de fibras, foi alterada pelo regulamento (CE) n.o 1673/2000 que entrou em vigor em 1 de julho de 2001

1.2

No n.o 1 do artigo 15.o deste regulamento, ficou determinado que a Comissão deveria apresentar até 31 de Dezembro de 2003, um relatório sobre a evolução da produção de linho e cânhamo destinados à produção de fibras nos diferentes Estados-Membros e o impacto da reforma sobre as possibilidades de escoamento, a viabilidade do sector e ainda o nível da taxa máxima de impurezas e de cana aplicável às fibras curtas de linho e às fibras curtas de cânhamo.

1.3

A Comissão considerou que, muito embora as informações recolhidas permitissem concluir que o regime tivesse tido efeitos claramente positivos no sector, os dados disponíveis actualmente não permitiam responder com precisão aos requisitos solicitados quanto às tendências da produção nos Estados-Membros, nem à adequação do nível das QNG.

1.4

Nestas circunstâncias, a Comissão considerou não ser conveniente alterar o funcionamento do sistema actual de ajuda antes de uma análise mais completa da evolução do sector que será feita no âmbito do relatório previsto para 2005.

1.5

A presente proposta da Comissão implica que seja prolongada, até 2005/2006, a possibilidade que têm actualmente os Estados-Membros, de derrogar o limite de 7,5 % de impurezas e de cana e de conceder igualmente a ajuda para fibras curtas de linho ou fibras de cânhamo com uma percentagem de impurezas e de cana inferior a 15 % e a 25 % respectivamente.

1.6

A Comissão considera que a manutenção do actual sistema de ajudas e o prolongamento por mais dois anos desta possibilidade de derrogação deve ser um contributo importante para consolidar a tendência positiva registada no sector.

1.7

Em relação aos novos países do alargamento da UE, que são produtores de fibras de linho e de cânhamo, esta proposta irá permitir uma melhor adaptação às transformações que se registam no sector.

2.   Observações

2.1

O Comité aprova esta proposta e saúda o facto de a Comissão ter em conta que a passagem brusca para o novo sistema de pagamento único por exploração teria um efeito retardador na evolução positiva que se vem verificando no sector. Esta posição condiz com a opinião já expressa pelo CESE em pareceres anteriores.

Bruxelas, 28 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


30.4.2004   

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C 108/81


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno, que altera as Directivas 84/450/CEE, 97/7/CE e 98/27/CE (Directiva relativa às práticas comerciais desleais)»

[(COM(2003) 356 final – 2003/0134 (COD)]

(2004/C 108/17)

Em 25 de Julho de 2003, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 16 de Dezembro de 2003 (relator: B. HERNÁNDEZ BATALLER).

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 29 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 77 votos a favor, 8 votos contra e 10 abstenções o presente parecer.

1   Introdução

1.1

No Livro Verde sobre a defesa do consumidor na União Europeia (1), a Comissão assinalou a conveniência de alterar a legislação da União em matéria de defesa dos consumidores, propondo como possível base da reforma uma directiva-quadro que incluísse normas obrigatórias gerais sobre práticas comerciais desleais.

1.2

O Comité pronunciou-se sobre a matéria (2), manifestando-se a favor de uma directiva-quadro e concordando que «uma cláusula geral que inclua uma norma jurídica constitui um instrumento flexível e adequado para orientar o comportamento comercial num domínio muito dinâmico, que está em constante evolução e alteração» (3).

1.3

As reacções à consulta e à possível estrutura de uma directiva-quadro que harmonize a relação entre concorrência desleal e defesa do consumidor, bem como o papel desempenhado pelos códigos de conduta, foram publicadas na Comunicação relativa ao seguimento do Livro Verde (4).

1.4

Quase simultaneamente, a Comissão aprovou uma «Comunicação relativa às promoções de vendas no mercado interno» e uma «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à promoção de vendas no mercado interno» (5), sobre as quais o Comité se pronunciou (6), recomendando à Comissão que revisse a proposta de regulamento, de forma a salvaguardar a coerência das diversas políticas comunitárias, em particular, conforme resulta do debate público do «Livro Verde sobre a Defesa do Consumidor».

2.   Teor da proposta de directiva

2.1

A proposta define os critérios que permitem determinar se uma prática comercial é desleal, não impondo que os profissionais devam cumprir qualquer obrigação positiva para provar a lealdade das suas práticas.

2.2

Inclui uma «cláusula de mercado interno», onde se prevê que os profissionais devem cumprir apenas as obrigações do país de origem, e que impede os outros Estados-Membros de imporem obrigações suplementares aos profissionais que cumpram as referidas obrigações (princípio do reconhecimento mútuo).

2.3

Prevê a total harmonização das obrigações comunitárias em matéria de práticas comerciais desleais das empresas relativamente aos consumidores, bem como um nível adequado de defesa dos consumidores, na opinião da Comissão.

2.3.1

Esta harmonização abrange as práticas comerciais desleais que prejudicam os interesses económicos dos consumidores, pelo que não são abrangidos pelo respectivo âmbito de aplicação os aspectos relativos à saúde dos consumidores e à segurança dos produtos, salvo as declarações enganosas em matéria de saúde que serão consideradas no âmbito das disposições relativas às práticas comerciais enganosas.

2.3.2

A proposta de directiva aplicar-se-á sempre que não existam disposições específicas para regular as práticas desleais. No entanto, havendo disposições especiais, estas prevalecem sobre a directiva-quadro.

2.4

Inclui uma proibição geral, que vai substituir as diversas cláusulas gerais e princípios divergentes em vigor nos Estados-Membros e definirá um quadro comunitário comum.

2.4.1

A proibição geral abrange as práticas comerciais desleais, estabelecendo três condições em ordem a determinar se a prática é desleal. Para este efeito, o queixoso terá de demonstrar que estão preenchidas as três condições:

a prática deve ser contrária às obrigações de diligência profissional;

o consumidor de referência a considerar na avaliação de impacto da prática é o consumidor «médio»;

a prática deve distorcer ou ser susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico dos consumidores.

2.5

Estabelece como consumidor de referência o «consumidor médio» na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, e não o consumidor vulnerável ou atípico. Segundo os parâmetros do TJCE, «o consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e advertido». Este conceito é adaptado, a fim de garantir que no momento da avaliação do impacto de uma prática comercial que se destine a um determinado grupo de consumidores, as características da pessoa média deste grupo sejam tomadas em consideração na avaliação do impacto da prática em questão.

2.6

Distingue duas categorias básicas de práticas comerciais desleais: as práticas «enganosas» e as práticas «agressivas». Estas disposições incluem os mesmos elementos que os contidos na «proibição geral», mas a sua aplicação não depende desta última.

2.6.1

Por outras palavras, uma prática enganosa ou agressiva, na acepção das correspondentes disposições, é considerada automaticamente desleal; se a prática não for nem enganosa, nem agressiva, a proibição geral determinará o respectivo carácter leal ou desleal.

2.6.2

Uma prática comercial pode ser enganosa por acção ou omissão, reflectindo-se esta distinção na estrutura dos artigos.

2.6.3

No tocante às práticas comerciais na fase de pós-venda, a directiva não estabelece nenhuma distinção e aplica os mesmos princípios de lealdade às práticas comerciais que precedem ou seguem o momento da venda.

2.6.4

Reconhece que os códigos de conduta são fundamentalmente de natureza voluntária e estabelece critérios que têm por finalidade indicar quando se pode razoavelmente esperar que o comportamento do profissional em relação ao código influencie a decisão do consumidor.

2.6.5

Descreve as três formas de agressividade de uma prática comercial: assédio, coacção e abuso de influência.

2.7

Integra as disposições relativas às relações entre empresa e consumidor compreendidas na directiva sobre a publicidade enganosa, restringindo o âmbito de aplicação da directiva vigente à publicidade entre empresas e à publicidade comparativa susceptível de prejudicar um concorrente, mas sem repercussões negativas para o consumidor.

2.8

Num anexo à directiva figura uma breve lista negra de práticas comerciais. Estas são práticas que serão consideradas desleais em qualquer circunstância e, por esse motivo, proibidas em todos os Estados-Membros. Impõe-se, pois, uma proibição ex-ante de determinadas práticas.

3.   Observações na generalidade

3.1

O CESE concorda com a Comissão no tocante ao objectivo de garantir um elevado nível de defesa dos consumidores e permitir o funcionamento do mercado interno. Cabe reconhecer não só a pertinência da sua apresentação, mas também os esforços realizados no debate público organizado pela Comissão e a avaliação ex-ante formalizada antes da apresentação da proposta. O CESE espera que se actue da mesma forma em futuras propostas sobre a defesa dos consumidores.

3.1.1

O Comité já se manifestou a favor da elaboração de legislação geral baseada em códigos, adoptada pela Comissão. O Comité adere à necessidade de evitar regulamentação demasiado pormenorizada, que não interessa nem aos consumidores nem às empresas, e de harmonizar gradualmente o mais possível a legislação de defesa dos consumidores, recorrendo às práticas mais adequadas (7).

3.1.2

O CESE considera especialmente importante o facto de a proposta prever que, em caso de conflito, as directivas específicas prevalecerão sobre a directiva-quadro.

3.1.3

Considera igualmente importante que a protecção face a práticas comerciais desleais abranja as práticas comerciais que precedem ou são posteriores ao momento da venda, e/ou prestações de serviços.

3.1.4

O CESE já se pronunciou (8) pela elaboração dos códigos de conduta a subscrever voluntariamente pelas empresas, desde que sejam de boa qualidade e se concentrem na definição de boas práticas e que seja realizado um controlo pelo governo e pelas organizações que os assinaram. Assim, congratula-se com o facto de a proposta prever a possibilidade de aplicar sanções legais por não cumprimento das decisões dos órgãos de aplicação e controlo dos códigos de conduta.

3.1.5

O Comité recomenda que, na proposta, a Comissão reforce a protecção dos consumidores perante as novas tecnologias e, em especial, a sua utilização por parte dos grupos mais vulneráveis (em especial, as crianças), a fim de complementar o quadro jurídico iniciado com a aprovação da directiva sobre o comércio electrónico (9).

3.2

Não obstante o supramencionado, a proposta de directiva, em princípio, suscita uma série de perguntas sobre vários aspectos.

3.3   Observações na especialidade

Harmonização mínima

3.3.1

O Tratado CE impõe à Comissão uma «obrigação de resultado» na apresentação das suas propostas sobre a harmonização das legislações, de forma que aquelas contenham um «elevado nível de defesa do consumidor». No entanto, a presente proposta confere especial ênfase à questão da introdução de regras uniformes a nível comunitário e da clarificação de determinados conceitos jurídicos, também ao nível comunitário, na medida em que tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno e para satisfazer a necessidade de segurança jurídica (Considerando 4 da proposta de directiva).

3.3.2

O CESE receia que a proposta envolva uma redução do nível de defesa dos consumidores nos Estados-Membros e considera que será difícil explicar aos cidadãos a possibilidade de a União Europeia baixar o nível de defesa existente (10). Por isso, considera conveniente inserir na proposta uma cláusula de statu quo que garanta que não haverá retrocesso nos níveis de defesa actuais.

3.3.3

O CESE defendeu anteriormente um reforço da harmonização, considerando que a defesa dos consumidores, nos termos do artigo 153.o, deverá situar-se ao mais alto nível (11).

3.3.4

Possivelmente, no futuro, haverá que aprofundar os trabalhos referentes à harmonização do direito dos contratos, em conformidade com a última comunicação da Comissão (12).

3.4   Âmbito de aplicação

3.4.1

A proposta de directiva cria um novo regime jurídico da publicidade enganosa para os consumidores, sem substituir o antigo regime, que se manteria, com algumas alterações, para os sectores económicos. A regulação da publicidade comparativa está excluída do âmbito da presente proposta de directiva relativa à defesa do consumidor e será abrangida, com as alterações propostas, pela actual Directiva 84/450/CEE, alterada pela Directiva 97/55/CE relativa à publicidade enganosa para incluir os profissionais. Além disso, e em oposição ao estabelecido na proposta em apreço, permitiria aos Estados-Membros conservarem ou adoptarem disposições que garantam uma protecção mais ampla dos profissionais e dos concorrentes em matéria de publicidade enganosa.

3.4.1.1

O CESE considera que a definição simultânea de dois regimes jurídicos diferentes para regular a mesma matéria, a publicidade enganosa, dependendo do agente económico afectado — profissionais ou consumidores —, pode complicar bastante o quadro normativo vigente e a sua aplicação pode gerar incoerências e diferenças. O que colide com o princípio de simplificação legislativa e pode gerar insegurança jurídica.

3.4.1.2

O CESE considera que seria preferível uma única regulamentação da publicidade enganosa, seja através de a presente proposta apresentar uma derrogação à directiva existente, seja alterando a directiva vigente com a aprovação da presente proposta. O objectivo legislativo devia centrar-se em disciplinar o mercado interno e o reforço da defesa do consumidor através de uma regulamentação objectiva orientada para os «factos» — a publicidade enganosa —, defendendo simultaneamente todos os afectados, em vez de estabelecer dois regulamentos com conteúdos e mecanismos de defesa possivelmente divergentes em função dos seus âmbitos de defesa subjectiva (procura ou oferta).

3.4.2

No caso de a Comissão entender não alargar substancialmente o âmbito da directiva no sentido referido, esta deverá, num primeiro passo, pelo menos, prever a aplicação por analogia («reflex-application»), com carácter obrigatório, nos casos em que uma cláusula considerada abusiva numa relação contratual «consumidor-empresa» conste de uma relação contratual entre empresas numa fase anterior da cadeia de distribuição.

3.4.3

A disposição segundo a qual o Estado de localização da sede é responsável pelo cumprimento dos regulamentos levanta problemas de ordem prática se estiverem em causa actividades transfronteiras por parte das empresas. O Comité insta a Comissão a efectuar os correspondentes aditamentos para a aplicação da disposição.

3.5   Base jurídica

3.5.1

A proposta tem por base jurídica o artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, que versa sobre a aproximação das disposições legislativas que tenham por objecto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno. No entanto, a garantia de um elevado nível de defesa e a contribuição para a protecção dos interesses económicos dos consumidores estão previstas no artigo 153.o do Tratado CE. O CESE advoga fundar a proposta nesta última regra (13) ou, eventualmente, numa base jurídica conjunta dos dois artigos.

3.6   Conceito de «consumidor médio»

3.6.1

Na proposta, a Comissão utiliza o conceito de «consumidor médio» na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, ou seja, o «consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e advertido».

3.6.2

O CESE receia que o recurso a essa interpretação implique que a política de defesa do consumidor perca a sua natureza protectora e que, sem prejuízo para a atenção especial que a proposta dedica aos «grupos mais vulneráveis», os consumidores menos informados ou os que tenham um nível de ensino mais baixo fiquem desprotegidos. Cabe também recordar a situação de desigualdade material das partes, nas relações entre consumidores e profissionais.

3.6.3

Tal como definido na proposta de directiva, o perfil de requisitos do consumidor médio subentende um comportamento decisório «informado». Ora, segundo a jurisdição dominante nos diferentes Estados-Membros, a publicidade não veicula mensagens negativas ou depreciativas acerca de nenhum produto ou serviço. Só no conhecimento disto é que poderá haver decisões de consumidores informados. O Comité considera importante encontrar uma solução clara e viável para o efeito.

3.7   Práticas comerciais enganosas

3.7.1

O Comité já concordou que uma cláusula geral que inclua uma norma jurídica constitui um instrumento flexível e adequado para orientar a prática comercial num domínio muito dinâmico e em constante evolução e alteração (14).

3.7.2

A proposta inclui uma abordagem «negativa» de prática comercial e um anexo onde figuram determinados comportamentos. Todavia, o CESE considera preferível adoptar uma abordagem «positiva» de prática comercial desleal, mais de acordo com as legislações modernas sobre a matéria. Uma cláusula comercial com esta abordagem podia assegurar a sua adaptação às circunstâncias de mercado e aos comportamentos concorrenciais em mutação e permitiria, especialmente, submeter os comportamentos impróprios ao controlo de práticas desleais.

3.8   Clareza dos conceitos da proposta

3.8.1

Todas as regras jurídicas devem envolver segurança e certeza jurídicas. A proposta apresenta conceitos desconhecidos em muitas legislações dos Estados-Membros, por exemplo, o de «diligência profissional» que, segundo a Comissão, abrange o de «boa fé» e, ainda, o de «competência profissional». O CESE insta a Comissão a, na exposição de motivos, clarificar o conteúdo do referido conceito, de forma que os profissionais jurídicos, económicos e sociais compreendam com exactidão o âmbito da proposta.

3.9   Coerência com as diversas políticas comunitárias

3.9.1

O CESE receia que a adopção da directiva não reforce a transparência das relações entre consumidores e profissionais e que não conserve a devida coerência com as diversas políticas comunitárias. Especialmente, gostaria que se revelassem infundados os receios de um eventual conflito com o previsto na proposta de regulamento relativo à promoção de vendas no mercado interno (15), e que os dois textos se complementassem. O Comité solicita à Comissão que, antes da entrada em vigor da directiva, proporcione esclarecimentos adicionais sobre a relação entre a directiva, as directivas sectoriais vigentes e outros domínios jurídicos (por exemplo, o direito dos contratos).

3.9.2

Determinados conceitos da proposta deveriam ser verificados nas diferentes versões linguísticas, em especial, os relativos às «práticas comerciais agressivas». A utilização de termos como «coacção» ou «ameaça» não é muito apropriada num texto de direito privado, na medida em que faz referência a termos cujas condutas estão definidas como infracção em muitos direitos nacionais.

3.10   Resolução extrajudicial

3.10.1

Como complemento dos códigos de conduta, a proposta deveria contemplar a possibilidade de resolução extrajudicial de conflitos, a fim de que os consumidores e as empresas possam dirimir perante órgãos desta índole os diferendos sobre as práticas comerciais desleais, de forma simples e rápida. Tudo isso sem alienarem o seu direito fundamental à protecção judicial efectiva por parte dos tribunais. De qualquer forma, as instâncias de resolução extrajudicial deviam cumprir os princípios da independência, da transparência, do contraditório, da eficácia, da legalidade, da liberdade e da representação contemplados na recomendação da Comissão 98/257/CE (16).

3.10.2

A proposta prevê medidas de execução a aplicar pelos Estados-Membros como condição para a eficácia da directiva-quadro, tais como a adopção de procedimentos cautelares ou a possibilidade de exigir que o profissional prove os factos relativos às práticas comerciais desleais. O CESE considera que deviam ser previstas outras medidas que a proposta apresenta como facultativas e que reforçariam a aplicação da directiva-quadro, designadamente a publicação, segundo o prudente critério do juiz, nos meios de comunicação social, das decisões judiciais que imponham a cessação das práticas comerciais desleais.

Bruxelas, 29 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  COM(2001) 531 final.

(2)  JO C 125, de 27/5/2002. Parecer CESE 344/2002, relatora: A. DAVISON.

(3)  Nota 2.

(4)  COM(2002) 289 final.

(5)  COM(2001) 546 final.

(6)  JO C 221, de 17.9.2002. COM(2001) 546 final.

(7)  JO C 95, de 23.4.2003.

(8)  Nota 7.

(9)  Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno.

(10)  Nota 7.

(11)  Nota 2.

(12)  COM(2003) 68 final.

(13)  Nota 2.

(14)  Nota 2.

(15)  Nota 6.

(16)  Recomendação da Comissão relativa aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo. JO L 115 de 17/4/1998.


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

Foram rejeitadas as seguintes propostas de alteração que recolheram, no entanto, pelo menos um quarto dos votos expressos:

Ponto 3.6

Suprimir os pontos 3.6.1 e 3.6.2.

Resultado da votação:

Votos a favor: 24, Votos contra: 55, Abstenções: 3

Ponto 3.7.2

Suprimir este ponto.

Resultado da votação:

Votos a favor: 24, Votos contra: 59, Abstenções: 4

O texto seguinte do parecer da secção foi rejeitado em benefício de uma alteração, mas obteve pelo menos um quarto dos votos expressos:

«3.3.1.

O Tratado CE impõe à Comissão uma “obrigação de resultado” na apresentação das suas propostas sobre a harmonização das legislações, de forma que aquelas contenham um “elevado nível de defesa do consumidor”. Esta proposta estabelece um equilíbrio adequado entre os dois objectivos importantes de melhorar o funcionamento do mercado interno e garantir um nível elevado de protecção dos consumidores.».

Resultado da votação:

Votos a favor: 28, Votos contra: 53, Abstenções: 5


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/86


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor (regulamento relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor)»

[COM(2003) 443 final — 2003/0162 (COD)]

(2004/C 108/18)

Em 1 de Agosto de 2003, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 16 de Dezembro de 2003 (relator: B. HERNÁNDEZ BATALLER).

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 29 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 68 votos a favor, e 4 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

O Livro Verde sobre a defesa do consumidor na União Europeia (1) sublinhou a necessidade de estabelecer um quadro jurídico para a cooperação entre as autoridades públicas encarregadas de aplicar a legislação em matéria de defesa do consumidor.

1.2

Na comunicação sobre o acompanhamento do Livro Verde (2), a Comissão comprometeu-se a apresentar uma proposta de instrumento jurídico deste tipo.

1.3

Na recente Estratégia para o Mercado Interno 2003-2006 (3), afirmava-se que era necessária uma melhor execução para garantir a confiança dos consumidores no mercado interno e considerava-se que aquela proposta era questão prioritária.

1.4

Cada Estado-Membro estabeleceu um sistema de aplicação adaptado às suas próprias leis e instituições. Estes sistemas foram criados para responder a infracções internas, pelo que não estão de modo algum adaptados aos desafios do mercado interno. As autoridades nacionais não dispõem dos poderes necessários para investigar infracções cometidas fora da sua jurisdição.

1.5

O resultado é um sistema de aplicação da legislação do mercado interno que se revela desajustado para satisfazer as necessidades que o mesmo comporta e que, por enquanto, se mostra incapaz de responder ao repto que colocam as práticas desleais dos operadores económicos que tentam servir-se das oportunidades que a Internet oferece.

1.6

A Comissão considera indispensável uma aplicação coerente e eficaz das legislações nacionais respeitantes à defesa do consumidor para assegurar o bom funcionamento do mercado interno, eliminar as distorções de concorrência e salvaguardar os interesses do consumidor.

2.   A proposta de regulamento

2.1

Os objectivos gerais do regulamento visam garantir o normal funcionamento do mercado interno e a defesa dos consumidores no mercado interno.

2.1.1

Para tanto, o regulamento define dois objectivos específicos:

instituir uma cooperação entre as autoridades incumbidas de aplicar a legislação sempre que ocorram infracções transnacionais que desestabilizam o mercado interno. Este objectivo tem em vista garantir que as autoridades que têm por missão fazer aplicar a legislação cooperam com os homólogos de outros Estados-Membros;

contribuir para melhorar a qualidade e a coerência na aplicação da legislação atinente à defesa dos consumidores e garantir o acompanhamento em matéria de defesa dos seus interesses económicos. Este objectivo pressupõe que a UE contribui para melhorar as normas de execução através de projectos comuns e o intercâmbio de boas práticas referentes a actividades de informação, educação e representação. Pressupõe também a participação da União Europeia na fiscalização do funcionamento do mercado interno.

2.2

Estes fins e estes objectivos determinaram a escolha da base e do instrumento jurídicos, tendo a Comissão optado pelo artigo 95.o do Tratado como base jurídica.

2.3

O âmbito de aplicação do regulamento está circunscrito às infracções intracomunitárias à legislação da União Europeia em matéria de defesa dos interesses do consumidor. O âmbito de aplicação do regulamento será alargado, quando a directiva-quadro, que proíbe práticas comerciais desleais, entrar em vigor.

2.4

O regulamento proposto centra-se nas entidades competentes, cuja designação é da responsabilidade dos Estados-Membros. A proposta prevê igualmente que cada Estado-Membro indicará um serviço de ligação único para garantir a coordenação entre as autoridades competentes indigitadas por cada Estado-Membro.

2.4.1

As autoridades competentes definem-se como entidades públicas que têm responsabilidades específicas para aplicar a legislação sobre defesa do consumidor. A proposta garante também que só podem ser designadas como autoridades competentes as entidades dotadas de um mínimo de competências de investigação e de aplicação da legislação.

2.4.2

A proposta em nada modifica ou diminui o papel das organizações de consumidores na aplicação da legislação, especialmente no atinente ao exercício das acções de cessação transfronteiriças.

2.4.3

O regulamento proposto estabelece uma rede de autoridades competentes e um quadro de assistência mútua que complementa os dispositivos já existentes em cada Estado-Membro ou que existam a nível sectorial na Comunidade. A rede proposta foi concebida para encontrar uma solução em matéria de aplicação da legislação, a fim de tratar prioritariamente as práticas transfronteiriças desonestas de maior gravidade, sobretudo as que procuram tirar partido das liberdades do mercado interno para lesar os consumidores.

A designação das autoridades competentes é deixada aos Estados-Membros e terá em conta as disposições constitucionais por que se rege a aplicação da legislação em matéria de defesa do consumidor. Os Estados-Membros que actualmente não dispõem de autoridades públicas competentes na matéria não são necessariamente obrigados a criá-las, na medida em que as responsabilidades limitadas previstas no regulamento podem ser confiadas às autoridades públicas existentes.

2.5

A eficácia da rede de aplicação da legislação estabelecida pela proposta depende de direitos e deveres recíprocos de assistência mútua.

2.5.1

A assistência mútua assenta num intercâmbio de informações, livre e confidencial, entre autoridades competentes. A proposta institui um sistema de intercâmbio mediante solicitação prévia e, o que também é importante, de intercâmbio espontâneo.

2.5.2

Se as informações confirmam a existência de infracção, a proposta exige que as autoridades competentes intervenham para lhe pôr cobro imediatamente.

2.5.3

A proposta estabelece o princípio geral de que as autoridades competentes podem actuar contra os infractores que estejam sob a sua jurisdição, independentemente do local onde se encontrem os consumidores lesados.

2.5.4

Também está prevista a possibilidade de intercâmbio de informações com autoridades competentes de países terceiros, no âmbito de acordos bilaterais.

2.6

O papel da Comunidade limita-se, neste caso, a apoiar medidas destinadas a melhorar o nível geral de aplicação da legislação e a reforçar a capacidade dos consumidores de fazerem valer os seus direitos, incentivando o intercâmbio de boas práticas e coordenando os esforços nacionais, por forma a evitar duplicação de esforços e desperdício de recursos.

2.7

A proposta prevê que os Estados-Membros devem comunicar regularmente à Comissão estatísticas relativas às queixas de consumidores recebidas pelas autoridades competentes. Prevê igualmente a criação de uma base de dados actualizada, que será colocada à disposição das autoridades competentes para consulta, bem como a coordenação das actividades de aplicação da legislação e a cooperação administrativa.

2.8

A proposta prevê a criação de um comité consultivo, de que farão parte, designadamente, representantes das autoridades competentes, ao qual caberá assistir a Comissão na execução dos procedimentos práticos para a aplicação do regulamento.

3.   Observações na generalidade

3.1

O Comité aprova os objectivos e as metas da proposta da Comissão. Já em pareceres anteriores (4), o Comité instou a Comissão a que respeite o seu compromisso de dar prioridade à aplicação efectiva da legislação existente e à cooperação entre os organismos encarregados de velar por essa aplicação, como primeiro passo para melhorar os actuais níveis de protecção do consumidor ao nível do mercado interno. De qualquer forma, a proposta não exclui que se accionem processos cíveis tendo em vista a aplicação da legislação.

3.2

A base jurídica que figura no texto da proposta é o artigo 95.o CE. Ora, este artigo limita-se a indicar uma previsão quanto à harmonização de legislações que tenham por objecto o estabelecimento e funcionamento do mercado interno. Atenta a finalidade da proposta da Comissão e, sobretudo a de instaurar um sistema eficaz para melhorar a defesa dos interesses económicos dos consumidores, o CESE lamenta que a base jurídica invocada não seja o artigo 153.o e pede à Comissão que procure assegurar uma maior utilização deste artigo.

3.2.1

O CESE concorda com a Comissão que é necessário criar, pelo menos, uma autoridade competente em cada Estado-Membro, e que essa entidade deve ser pública, isto porque:

só as entidades públicas têm poderes de investigação indispensáveis para impedir a prática de infracções transnacionais;

são elas que melhor podem garantir sigilo e o desenrolar das investigações;

são as únicas a poder garantir protecção a todos os consumidores;

facilitam a troca de informações e contribuem para acabar com as infracções transnacionais.

3.2.2

Na opinião do CESE a Comissão deveria desempenhar um papel mais activo e participar nas reuniões de coordenação.

3.2.3

Dado que a proposta não contempla nenhuma medida específica para sanar discordâncias que possam surgir entre os Estados-Membros no quadro da projectada assistência, a Comissão deveria actuar como mediador e encontrar soluções administrativas para encorajar essa assistência. Isto é particularmente importante, porque a proposta será posta em aplicação no novo contexto do alargamento que, provavelmente, irá acentuar os problemas relacionados com a execução das medidas previstas no artigo 10.o do Tratado CE, dado que as culturas administrativas da maior parte destes novos países não estão suficientemente familiarizadas com este tipo de práticas.

3.2.4

A proposta não é clara quando trata das condições de reembolso de despesas resultantes de encargos e perdas resultantes de medidas consideradas não fundamentadas por uma instância judicial no que respeita à substância de uma infracção intracomunitária. Haveria que explicitar que se trata de declarações judiciais definitivas e que, por conseguinte, não podem ser objecto de recurso. Que sucede quando o Estado-Membro requerido considera improcedente o recurso interposto e o Estado-Membro requerente entende o contrário? Parece que a proposta não contempla esta situação que, na prática, não é meramente hipotética.

3.2.5

No que diz respeito ao pedido de assistência mútua, a autoridade requerida pode recusar dar-lhe seguimento, se esse pedido implicar encargos administrativos desproporcionados para a autoridade requerida, tendo em conta a gravidade da infracção intracomunitária em termos de prejuízo potencial para o consumidor. Depreende-se, deste modo, que é possível cometer infracções «mínimas» em matéria de consumo noutros Estados-Membros sem aplicação de sanções. O CESE lamenta que tais situações possam ocorrer, tanto mais que, salvo casos excepcionais, as reclamações em matéria de consumo se referem a quantias de pequena monta.

3.2.6

A proposta prevê que a autoridade requerida pode recusar dar seguimento a um pedido de assistência mútua, se o pedido não estiver devidamente fundamentado. Esta solução é demasiado rígida e deveria ser possível, neste caso, rever o pedido dentro de um determinado prazo antes da decidir pela recusa.

3.2.7

A proposta tão pouco encara a possibilidade de um Estado-Membro recorrer, quando entende que a recusa de dar seguimento a um pedido de assistência não tem fundamento.

3.3

As bases de dados que contêm as estatísticas de todas as queixas de consumidores deveriam, no interesse da transparência e sem prejuízo dos deveres de sigilo, ser acessíveis ao público, especialmente às associações empresariais mais representativas e às associações de defesa do consumidor com poderes para lançar mãos de acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores (5), bem assim às universidades e centros de investigação.

3.4

O CESE acolhe com agrado o facto de a proposta prever a coordenação das actividades de aplicação da legislação, mas considera que, no caso de intercâmbio de funcionários, haveria, previamente, de lhes ser facultada formação sobre o ordenamento jurídico do Estado-Membro que os acolhe, para evitar o mais possível problemas de responsabilidade civil.

3.5

No que diz respeito às medidas de cooperação administrativa, a proposta prevê a colaboração entre a Comissão e os Estados-Membros, mas não tem em conta o papel relevante que as organizações da sociedade civil, e em particular as associações empresariais e às associações de defesa do consumidor, podem desempenhar nesta matéria.

3.6

O comité permanente, a que a proposta alude, examinará e avaliará a forma como as disposições de cooperação funcionam na prática, mas não lhe são atribuídas responsabilidades em matéria de assistência.

3.7

A proposta estabelece que, de dois em dois anos, os Estados-Membros devem informar a Comissão sobre a aplicação do regulamento. Lamenta, no entanto, que a Comissão não esteja obrigada a apresentar um relatório periódico sobre a aplicação do regulamento a nível comunitário, com dados de todos os Estados-Membros. Tal relatório deveria ser comunicado ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu.

3.8

A definição do âmbito de aplicação do regulamento, por remissão, na alínea a) do artigo 3.o, para lista taxativa de directivas enumeradas no Anexo 1 não se afigura correcta. A referida alínea a) deveria ter carácter exemplificativo dizendo «designadamente as directivas enumeradas no Anexo 1».

Em alternativa, que se afigura menos boa, deveriam então ser aditadas ao Anexo 1 pelo menos as seguintes directivas omitidas:

Indicação de preços (98/06/CEE)

Etiquetagem e rotulagem (79/112/CEE e 2000/13/CE)

Segurança geral de produtos (92/59/CEE)

Segurança dos brinquedos (93/68/CEE)

Responsabilidade do produtor (1999/34/CEE)

Protecção de dados (95/46/CEE e 2002/58/CE).

3.9

Não parece justificar-se que seja necessário que os prejuízos dos consumidores se verifiquem em, pelo menos, três Estados-Membros, para que exista coordenação das suas actividades. Julga-se, assim, que, no n.o 2 do art. 9.o, se deveria dizer, não «em mais de dois Estados-Membros», mas antes «em pelo menos dois Estados-Membros» ou «em dois ou mais Estados-Membros».

3.10

A remissão que sucessivamente é feita, nos artigos 6.o, 7.o, 8.o, 9.o, 10.o, 14.o, 15.o, 16.o e 17.o para o artigo 19.o, n.o 2 deveria conduzir a que este preceito enunciasse concretamente qual o procedimento a adoptar e não se limitasse a uma simples remissão para os artigos 3.o e 7.o da Decisão 1999/468/CE, a qual, além do mais, é, assim, transformada em direito interno dos Estados-Membros.

Mas acresce que os procedimentos instituídos por esta Decisão se afiguram demasiado burocráticos para serem aplicados no quadro do regulamento, o qual deveria prever mecanismos próprios e mais céleres para a sua execução.

Bruxelas, 29 de Janeiro de 2004.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  COM(2001) 531 final.

(2)  COM(2002) 289 final.

(3)  COM(2003) 238 final.

(4)  Parecer do respeitante ao «Livro Verde sobre a defesa do consumidor na União Europeia», JO C 125 de 27/05/2002 e parecer sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia da Política dos Consumidores para 2002-2006, JO C 95 de 23/04/2003.

(5)  Artigo 3.o da Directiva 98/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 1998, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores. JO L 166 de 11.06.1998.


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/90


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o »XXXII Relatório sobre a Política de Concorrência 2002»

SEC(2003) 467 final

(2004/C 108/19)

Em 25 de Abril de 2003, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o: «XXXII Relatório sobre a Política de Concorrência 2002» SEC(2003) 467 final.

A Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, encarregada de preparar os trabalhos correspondentes, emitiu parecer em 16 de Dezembro de 2003, sendo relator A. METZLER.

Na reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 29 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 60 votos a favor, 18 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução — Contexto geral

1.1

Como salientado pelo Comissário Mario MONTI na introdução ao XXXII Relatório sobre a Política de Concorrência 2002 (a seguir designado »relatório«), a política de concorrência da Comissão no ano de 2002 viveu inteiramente sob o signo de uma ampla modernização. No que respeita à interdição de acordos e práticas concertadas, foi adoptada nova legislação processual que suprime o monopólio da Comissão em matéria de isenções e descentraliza a aplicação das normas anti-trust. Foi apresentada uma proposta de alteração ao regulamento das concentrações a fim de melhorar a eficácia dos controlos das operações de concentração, em particular, no contexto do alargamento da União Europeia. Paralelamente foi lançado um conjunto de medidas com o objectivo de reforçar os direitos processuais das partes no procedimento de controlo das concentrações. Relativamente ao controlo dos auxílios estatais, a Comissão empenhou-se em simplificar os procedimentos e melhorar a transparência das decisões.

1.2

Um dos principais objectivos da política de concorrência europeia consiste em promover e salvaguardar os interesses dos consumidores e dos trabalhadores e, por conseguinte, garantir que uns e outros beneficiam da riqueza gerada pela economia europeia. Na introdução ao relatório, a Comissão apresenta o duplo objectivo geral da política de concorrência: por um lado, analisar as deficiências do mercado resultantes de um comportamento anticoncorrencial por parte dos operadores ou de algumas estruturas de mercado e, por outro, desenvolver um quadro global de política económica que integre vários sectores da economia e permita uma concorrência efectiva.

1.3

O relatório dá ainda uma panorâmica global das actividades da Direcção-Geral da Concorrência em 2002, clarifica a sua política, descreve os diversos diplomas jurídicos em vigor e analisa inúmeros casos particulares. Em 2002, o número total de processos novos situou-se em 1019 (em 2001, havia sido superior, com 1036 processos registados). De entre os novos, 321 pertenciam ao domínio anti-trust (284 em 2001); o número de processos de concentrações continuou a descer, situando-se em 277 (335 em 2001) e o número de novos processos de auxílios estatais manteve-se praticamente estável com 421 (417 em 2001). O número de processos encerrados aumentou, em variação homóloga, novamente, situando-se nos 1283 (1204 em 2001), dos quais 363 no domínio anti-trust, 268 processos de concentrações e 652 processos no domínio dos auxílios estatais.

1.4

O relatório divide-se em seis capítulos, que tratam os seguintes temas: acordos, decisões e práticas concertadas e abusos de posição dominante, controlo das concentrações, auxílios estatais, serviços de interesse geral, cooperação internacional e perspectivas para 2003. O conteúdo essencial dos cinco primeiros capítulos relativos ao ano de 2002 é a seguir sintetizado e comentado.

2.   Acordos, decisões e práticas concertadas e abusos de posição dominante — artigos 81.o e 82.o do Tratado CE; monopólios estatais e direitos exclusivos — artigos 31.o e 86.o do Tratado CE

2.1

O Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) caducou em 2002, 50 anos após a sua entrada em vigor, o que significa que os sectores anteriormente abrangidos pelo Tratado CECA passarão a ser abrangidos pelo direito primário e secundário do Tratado CE.

2.2

Em Dezembro de 2002, o Conselho adoptou o Regulamento n.o 1/2003 do Conselho relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o e 82.o do Tratado (1), que substituirá o antigo Regulamento n.o 17 relativo aos procedimentos em matéria de acordos que vigoram desde 1962. As novas regras, que constituem uma reforma profunda do antigo sistema, entrarão em vigor à data do alargamento, em 1 de Maio de 2004.

2.2.1

Digna de nota é a passagem que tal implica de um sistema de notificação e autorização para um sistema de excepção legal, por força do qual as empresas deverão elas próprias verificar a conformidade dos seus acordos com o artigo 81.o do Tratado CE. Contanto que preencham as condições previstas no n.o 3 do artigo 81.o do Tratado CE, os acordos abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 81.o do Tratado CE entram imediatamente em vigor, ainda que na falta de um regulamento de isenção por categoria, ao contrário do que acontecia com o sistema de notificação e autorização. Trata-se de uma medida positiva, porquanto o sistema de excepção legal contribui para aumentar a protecção da concorrência ao dar à Comissão a possibilidade de, no futuro, se concentrar nos processos importantes no domínio da política de concorrência. O sistema de excepção legal liberta as empresas de obrigações burocráticas desnecessárias. A insegurança jurídica para as empresas que, no entanto, está associada a esta mudança poderia ter sido atenuada se o regulamento tivesse reconhecido às empresas o direito de reclamarem um parecer fundamentado da Comissão em certos casos difíceis em vez de serem simplesmente remetidas para orientações informais, que a Comissão não é obrigada a fornecer. Seja como for, a Comissão deverá estar preparada para emitir parecer não só sobre questões de facto e de direito novas, mas também em caso de investimentos importantes e de mudanças estruturais significativas ou irreversíveis (2).

2.2.2

De futuro, a legislação comunitária anti-trust será aplicada directamente, de forma descentralizada, pelas autoridades nacionais de concorrência e pelos tribunais nacionais; para o efeito, aquelas trabalharão em estreita cooperação com a Comissão e entre si integradas numa rede europeia da concorrência. O Comité defende, todavia, a consagração do princípio de «balcão único», para evitar que as empresas sejam objecto de vários processos paralelos por infracções relativas a cartéis e, consequentemente, estarem sujeitas a sanções múltiplas em vários Estados-Membros. Não contendo o regulamento em si critérios pormenorizados quanto à atribuição de competências, recomenda-se que a Comissão crie a segurança jurídica necessária às empresas através de orientações adequadas (3).

2.2.3

Doravante, o direito nacional deverá poder ser aplicado a par do direito comunitário, não podendo a aplicação das regras nacionais de concorrência, todavia, tal como é indicado pela Comissão no seu relatório, levar a um resultado diferente do obtido mediante a aplicação do artigo 81.o do Tratado CE. A fim de criar condições equitativas e garantir a igualdade de tratamento na Europa, teria sido preferível que a Comissão — ao contrário do estabelecido no n.o 2 do artigo 3.o do Regulamento n.o 1/2003 — previsse uma aplicação uniforme do direito comunitário também para os actos unilaterais. O direito nacional pode, pois, determinar proibições não conformes com o direito comunitário, o que poderá dificultar a actividade económica na Europa.

2.2.4

Por forma a continuar a garantir uma aplicação efectiva das regras de concorrência comunitárias no sistema de excepção legal é lógico que a Comissão tenha alargado os seus poderes de investigação. No entanto, o regulamento só parcialmente garante às empresas os direitos de defesa. Nos processos instaurados contra as empresas deverá ser garantido o respeito pelos princípios gerais do Estado de Direito, se não forem referidos explicitamente no regulamento. Conviria que este aspecto fosse expressamente contemplado pela Comissão nas comunicações que estão anunciadas (4).

2.2.5

O Comité considera ainda importante garantir a máxima transparência possível no âmbito da aplicação descentralizada das regras de concorrência pelas autoridades nacionais. A Comissão deveria insistir para que fossem publicadas, pelo menos, as decisões das autoridades nacionais que põem termo aos processos.

2.3

Em Fevereiro de 2002, a Comissão adoptou novas disposições em matéria de não aplicação ou redução de coimas, que, comparadas com as anteriores, deverão melhorar a previsibilidade das práticas utilizadas para com as empresas. O êxito da luta contra os cartéis constatado pela Comissão — nos dez meses que se seguiram à entrada em vigor das novas disposições foram detectados cerca de dez cartéis diferentes na Europa — é prova da sua boa redacção. Numa próxima revisão dessa regulamentação conviria integrar orientações para o cálculo das coimas que lhe estão directamente associadas. Seria ainda desejável que a Comissão, ao calcular as coimas, desse mais peso aos danos provocados pela infracção à concorrência e suas consequências.

2.4

Em 2002, a Comissão consagrou, mais ainda do que em 2001, a máxima prioridade à luta contra os cartéis e ao tratamento dos processos deste tipo, tendo proferido 9 decisões e aplicado coimas no valor global de mil milhões de euros. Em contrapartida, nenhuma decisão foi tomada em relação ao artigo 82.o do Tratado.

2.5

O relatório aborda pormenorizadamente a evolução sectorial da concorrência.

2.5.1

No sector da energia, estão em fase de preparação a directiva de aceleração e o regulamento relativo ao comércio transfronteiras de electricidade, que contribuirão para uma liberalização do mercado da energia e a melhoria da concorrência no mercado interno da electricidade, garantindo simultaneamente a segurança do abastecimento (5). A Comissão não conseguiu, no entanto, impor a abertura completa de mercado para os clientes particulares antes de 2007, pelo que a criação do mercado comum da energia teve de ser mais uma vez adiada.

2.5.2

No domínio dos serviços postais, o Conselho e o Parlamento Europeu adoptaram, por proposta da Comissão, a nova directiva relativa aos serviços postais (Directiva 2002/39/CE) (6), que prevê uma maior abertura do mercado através de uma redução gradual do domínio reservado até 2006.

2.5.3

No sector das telecomunicações, o Conselho adoptou um novo quadro regulamentar composto por cinco directivas relativas à regulação ex ante das redes e serviços de comunicações electrónicas, que consagra uma reformulação do quadro regulamentar das telecomunicações e o abre a uma maior concorrência (7). Neste contexto, merece particular atenção a nova definição do conceito de «poder de mercado significativo» (PMS) constante do artigo 14.o da Directiva-Quadro 2002/21/CE em consonância com a noção de posição dominante nos termos do artigo 82.o do Tratado CE. Esta desregulação terá repercussões para todos os operadores de mercado.

2.5.4

No atinente aos transportes aéreos, o Regulamento de isenção por categoria n.o 1617/93 foi prorrogado em Junho de 2002; quanto aos transportes marítimos, o Tribunal de Justiça proferiu três acórdãos em relação ao Regulamento de isenção por categoria n.o 4056/86, que a Comissão pretendia agora rever após 15 anos de aplicação, com o objectivo de o simplificar. Em relação aos transportes ferroviários, a Comissão apresentou propostas legislativas para a integração das redes ferroviárias nacionais numa área ferroviária europeia única. O Comité concorda com a Comissão em que não existe ainda verdadeira concorrência no mercado dos transportes ferroviários.

2.5.5

No que diz respeito aos meios de comunicação social, a Comissão tratou a questão da venda conjunta dos direitos de transmissão televisiva dos desafios de futebol e pronunciou-se contra a atribuição de direitos exclusivos, que poderia aumentar a concentração dos meios de comunicação social e prejudicar a concorrência entre organismos de radiodifusão.

2.5.6

Em Outubro de 2002, entrou em vigor o novo Regulamento de isenção por categoria dos veículos a motor n.o 1400/02, que diz respeito à venda e reparação de veículos automóveis e venda de peças sobressalentes e introduz novos métodos de venda, tais como a distribuição por Internet e o sistema multimarcas (8). Mediante disposições mais estritas a Comissão espera intensificar a concorrência entre vendedores, facilitar a aquisição transfronteiriça de veículos automóveis novos e reforçar a concorrência dos preços. O novo regulamento já não permite a combinação da distribuição selectiva com a exclusiva nem a fixação de cláusulas de localização. A realização dos objectivos estabelecidos pela Comissão dependerá, em última análise, da futura evolução do mercado, que será apurada em posteriores procedimentos de vigilância do mercado e de que deveriam ser deduzidas consequências.

2.5.7

No sector dos serviços financeiros, a Comissão publicou, em Julho de 2002, o projecto de regulamento de isenção por categoria no sector dos seguros, que foi adoptado em 27 de Fevereiro de 2003 com ligeiras alterações. Em vez de enumerar as disposições isentas da aplicação das regras anti-trust, o regulamento limita-se a referir as disposições que não podem constar de acordos isentos. Além disso, a isenção dos agrupamentos de co-seguro está associada a poder de mercado emergente. Isto corresponde a uma abordagem económica actualmente seguida pela Comissão também em outros regulamentos de isenção por categoria.

2.5.8

A fim de promover a sociedade de informação, a Comissão prosseguiu os seus trabalhos relativos à criação de condições favoráveis a um contexto aberto e concorrencial para o desenvolvimento da Internet e do comércio electrónico. Neste contexto, tratou, em particular, dos mercados de acesso à Internet e de denúncias relativas aos registos de nomes de domínios de nível superior nos termos do artigo 82.o

2.5.9

A análise do sector das profissões liberais ocupa um espaço relativamente importante no relatório.

2.5.9.1

O Comité congratula-se com os esforços da Comissão para tornar o sector das profissões liberais mais transparente para os consumidores (9). A Comissão informa que encomendou a um instituto uma análise económica comparativa da regulamentação das profissões nos Estados-Membros em termos de custos/benefícios. Encetou também um debate com as autoridades nacionais de concorrência sobre a regulamentação das profissões liberais. A consulta às autoridades nacionais de concorrência, a quem compete estabelecer as disposições imperativas aplicáveis às profissões liberais a nível nacional, constitui um primeiro passo positivo nessa direcção. A fim de garantir transparência ao processo, deveriam ser-lhe também associados, na qualidade de peritos, representantes dos grupos profissionais.

2.5.9.2

O Comité acolhe favoravelmente a aplicação de princípio das regras da concorrência. Atendendo a que as profissões liberais desempenham um papel não só económico, mas também social e, por isso mesmo, estão sujeitas a requisitos legais obrigatórios, o Comité entende que as regras de concorrência devem respeitar um nível mínimo de regulamentação indispensável ao cumprimento desses requisitos («deontologia»). Isto foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão proferido no processo Wouters, a que é feita referência também no relatório. Além disso, o Comité considera que, do ponto de vista da política de integração, existe o problema de o desrespeito pela deontologia das profissões liberais poder levar os Estados-Membros que tenham optado pelo modelo da auto-regulamentação a refugiarem-se nas disposições nacionais conformes à legislação no domínio dos acordos, decisões e práticas concertadas. Daí resultaria um aumento da regulamentação pelo Estado no sector das profissões liberais, o que comportaria graves inconvenientes tanto para os consumidores como para o público em geral.

2.5.9.3

A Comissão não contesta a existência da auto-regulamentação, mas, tendo em vista o objectivo global da protecção do consumidor, pretende verificar se se justifica existirem regras no que toca a tabelas de honorários fixas, associações multidisciplinares, publicidade, angariação de clientes e acesso à profissão. O Comité recorda que a multiplicidade de regulamentações no domínio das profissões liberais pode também servir para proteger os consumidores.

3.   Controlo das operações de concentração

3.1

Em 2002, a Comissão não adoptou qualquer decisão de proibição (5 em 2001). Na segunda fase foram já autorizadas sete operações (20 em 2001). Das 275 decisões finais, 252 foram autorizadas na primeira fase, das quais 111 de acordo com o procedimento simplificado.

3.2

Significativos foram três acórdãos do Tribunal Europeu de Primeira Instância, que anularam as decisões de proibição da Comissão nos processos Airtours/First Choice, Schneider/Legrand e Tetra Laval/Sidel. O acórdão Airtours esclarece quais os elementos necessários para provar uma posição dominante colectiva com base numa coordenação tácita entre empresas. No acórdão Schneider foram imputados à Comissão erros de análise e apreciação dos dados económicos, bem como violação ao direito de defesa. Quanto ao acórdão Tetra–Laval, contra o qual a Comissão apresentou recurso para o Tribunal de Justiça devido à sua importância fundamental, trata-se do primeiro caso em que um tribunal europeu apreciou concentrações com conglomerados, isto é, concentrações de empresas que operam em mercados diferentes.

3.3

Aumentou o número total de remessas de processos entre a Comissão e os Estados-Membros. A Comissão remeteu para os Estados-Membros 11 processos (7 em 2001) e, pela primeira vez, houve duas remessas de vários Estados-Membros para a Comissão.

3.4

De realçar, em particular, o projecto de reforma da Comissão no domínio do controlo das concentrações, no âmbito do qual a Comissão apresentou, em Dezembro de 2002, uma proposta de um novo regulamento (10). Praticamente ao mesmo tempo, publicou um projecto de comunicação relativa à apreciação das concentrações horizontais (11), bem como recomendações de boas práticas e outras medidas administrativas destinadas a aumentar a transparência e a melhorar os procedimentos internos em matéria de controlo das concentrações. Na sua génese está sobretudo a intenção de preparar a legislação da Comunidade em matéria de controlo das concentrações, após doze anos de aplicação prática, para os desafios dos próximos anos (alargamento a Leste, aumento das concentrações a nível mundial no contexto da globalização) e de, um modo geral, simplificar e acelerar o procedimento de controlo das concentrações.

3.4.1

A proposta de regulamento contém algumas melhorias que o Comité acolhe favoravelmente, mas, em outros aspectos, fica aquém das expectativas. As simplificações do processo de verificação das informações deram resultado (12). Assim, a supressão do prazo de uma semana (prazo de notificação de uma semana a contar da data da conclusão do acordo) permite uma melhor gestão das concentrações, que devem ser também notificadas fora da Europa. Dá igualmente margem de manobra para que, de futuro, se notifiquem fusões logo que haja firme intenção de concluir um contrato. O Comité apoia também a decisão da Comissão de autorizar imediatamente as concentrações susceptíveis de serem notificadas mediante o procedimento simplificado, não sendo necessário aguardar a conclusão do processo de verificação das informações, o que corresponde a uma necessidade prática das empresas. Um outro elemento essencial da reforma é a possibilidade de prolongar o processo de verificação das informações em ambas as fases, sempre que a situação o justificar. No entanto, há que velar por que o regime de prazos rigorosos não seja, em circunstância alguma, abandonado, de modo a não comprometer a rapidez das concentrações.

3.4.2

É louvável o facto de a Comissão, por razões de segurança jurídica, manter o critério de posição dominante do mercado, não tencionando recorrer ao de redução substancial da concorrência (13). Contudo, a redacção ampla do n.o 2 do artigo 2.o da proposta de regulamento é motivo de preocupação para o Comité. Por trás dessa proposta de formulação esconde-se o propósito concreto de colmatar uma «lacuna» no critério de posição dominante, que pretensamente se tem verificado até à data no caso de concentrações de empresas em mercados concentrados em que não há uma posição dominante. Assim, nos termos do n.o 2 do artigo 2.o, deve presumir-se que uma ou mais empresas detêm uma posição dominante «se, com ou sem coordenação, dispõem do poder económico para influenciar de forma significativa e duradoura os parâmetros da concorrência», em especial, os preços, a produção, a qualidade dos produtos, a distribuição ou a inovação ou para restringir sensivelmente a concorrência. O Comité entende que o novo n.o 2 do artigo 2.o da proposta de regulamento, se é certo que colmata eventuais lacunas, em contrapartida, devido à sua formulação ampla, reduz consideravelmente o limiar de intervenção e gera novas incertezas, que põem em causa a comprovada e fiável prática de decisão dos tribunais europeus e da Comissão. Apela, por isso, à Comissão para que se limite a tratar do caso específico dos «efeitos unilaterais», mantendo, no entanto, para todo o resto, as antigas noções, a fim de evitar uma perda da segurança jurídica para as empresas europeias (14). Dever-se-ia, por conseguinte, continuar a utilizar o critério original de posição dominante.

3.4.3

O Comité congratula-se também com a intenção da Comissão de, no futuro, incluir na apreciação global de uma operação de concentração uma análise cuidadosa dos argumentos de ganhos de eficiência. Só assim é que o controlo das concentrações poderá servir sustentavelmente os interesses dos consumidores (15). Atendendo aos debates que se perspectivam na opinião pública especializada sobre a matéria, seria preferível ainda que a Comissão tomasse posição clara sobre quais os casos em que, excepcionalmente, se podem tomar em consideração os ganhos de eficiência decorrentes de concentrações também a cargo das empresas em causa. Se não houver clarificação deste aspecto, corre-se o risco de as empresas continuarem a não avançar com o argumento de ganhos de eficiência e, consequentemente, de a nova política estar condenada ao fracasso (16).

3.4.4

Problemática é a pretensão da Comissão de estender ao controlo das concentrações praticamente todos os poderes de inquérito e de intervenção previstos no novo Regulamento n.o 1/2003. As diligências processuais contra infracções à concorrência e o controlo das concentrações de empresas constituem dois objectivos diferentes, que exigem meios diferentes. As infracções à concorrência prejudicam directamente terceiros e consumidores e são punidas com sanções administrativas ou mesmo penais, em alguns países. Quanto ao controlo das concentrações, não se trata de confirmar uma suspeita inicial de comportamento ilícito e, a seguir, aplicar os meios habituais no procedimento penal. Pelo contrário, as concentrações de empresas são, de um modo geral, operações legais, tal como o mostra a fraca percentagem de proibições. O Comité recomenda, por isso, à Comissão que não proceda a qualquer modificação neste domínio e que consagre expressamente no texto do regulamento a proibição da auto-incriminação e outros direitos de defesa das empresas, nomeadamente o direito ao sigilo profissional tanto de advogados internos como externos à empresa. Além disso, convém manter o actual quadro de coimas e sanções pecuniárias, pois deverá haver uma proporção razoável entre a gravidade da infracção e a sanção imposta.

3.4.5

O Comité lamenta não se ter conseguido alargar a competência da Comissão Europeia de modo a reduzir futuramente o número de notificações múltiplas (17). Pelo contrário, com o alargamento da União Europeia as notificações múltiplas serão certamente mais frequentes, o que acarretará pesados encargos burocráticos, custos elevados e perdas de tempo para as empresas. É, de facto, positivo que a Comissão tenha previsto um procedimento preliminar, que lhe permitirá, a pedido das empresas, decidir rapidamente se um projecto de concentração tem importância comunitária, sendo nesse caso ela própria responsável pelo controlo. Mas, como a decisão está ao critério dos Estados-Membros, esta proposta não pode provavelmente substituir-se a uma regra clara de atribuição de competências.

3.4.6

O Comité apoia expressamente as medidas anunciadas para melhorar os processos de decisão económica da Direcção-Geral da Concorrência através da criação de um lugar de economista principal com uma equipa de colaboradores. Deste modo, a Comissão pretende atacar o problema da deficiente análise económica, que, em grande medida, está na origem dos três acórdãos de anulação do Tribunal de Primeira Instância acima referidos. Será decisivo para o êxito desta inovação institucional que o economista principal e os seus colaboradores participem na apreciação de casos particulares desde o início e de forma constante.

3.5

A Comissão participa activamente nos três subgrupos do grupo de trabalho «Controlo das Concentrações» da Rede Internacional da Concorrência, criado em Janeiro de 2001. O Comité considera extremamente positivo o empenhamento da Comissão a este respeito. A melhoria da convergência e a redução do ónus de natureza pública e privada que a aplicação de diversos sistemas de controlo das concentrações e notificações múltiplas pelas empresas implicam constituem uma preocupação importante para as empresas europeias que se querem impor no xadrez da concorrência internacional. O Comité apoia veementemente uma concordância, tão grande quanto possível, dos vários sistemas e o desenvolvimento de boas práticas.

4.   Auxílios estatais

4.1

No domínio dos auxílios estatais, a Comissão prosseguiu, em 2002, a reforma das regras não só processuais como materiais. Um dos principais objectivos desse conjunto de reformas consiste em suprimir a carga processual desnecessária no âmbito do exame dos auxílios estatais, facilitando assim a adopção rápida de decisões na maioria dos casos e reservando os recursos mais importantes para as questões mais controversas no domínio dos auxílios estatais. A Comissão espera poder concluir a reforma ainda antes do alargamento, em 1 de Maio de 2004. O Comité congratula-se com a intenção de acelerar a tramitação, tanto mais que no passado não raras vezes os principais procedimentos de investigação duraram mais do que um ano, sujeitando as empresas a uma insegurança jurídica prolongada. Considera, todavia, que as medidas adoptadas até à data não são suficientes para concretizar esta intenção e apela à Comissão para que publique brevemente as outras medidas previstas, para que possam ser efectivamente postas em prática até 1 de Maio de 2004.

4.2

Como ponto de partida para as discussões com os Estados-Membros sobre o modo de reduzir o montante global dos auxílios estatais e reorientar esses auxílios para objectivos intersectoriais, a Comissão criou, ainda em 2001, o registo e o painel de avaliação dos auxílios estatais, que continuou a desenvolver em 2002. O Comité acolhe favoravelmente os esforços da Comissão para aumentar a transparência neste domínio, o que se afigura particularmente importante no que respeita aos auxílios estatais nos países candidatos. Estando previsto que os actuais regimes de auxílio nos países candidatos, após análise pela Comissão, gozem de protecção na Comunidade alargada enquanto «auxílios existentes», deve ser garantida aos meios interessados a oportunidade de darem a conhecer antecipadamente a sua posição. Mais sugere o Comité que o registo dos auxílios estatais, donde constam actualmente todas as decisões a partir de 1 de Janeiro de 2000, vá sendo alargado progressivamente também a períodos anteriores, a fim de aproveitar o acervo de experiências da Comissão para casos futuros.

4.3

Em 2002, a Comissão estabeleceu um número considerável de enquadramentos e de orientações. O Comité congratula-se com os esclarecimentos e as explicações precisas das regras que a Comissão faz regularmente. Merece especial atenção o regulamento de isenção por categoria aplicável aos auxílios ao emprego (18), que facilitará a criação de postos de trabalho pelos Estados-Membros.

4.4

Na medida em que as regras respeitantes aos auxílios estatais se aplicam às ajudas regionais ou a outras ajudas ao abrigo dos fundos estruturais, seria útil que os relatórios futuros se referissem também à prática da Comissão neste domínio específico.

5.   Serviços de interesse geral

5.1

No relatório ao Conselho Europeu de Laeken, a Comissão anunciara um enquadramento comunitário dos auxílios estatais concedidos às empresas encarregadas de assegurar serviços de interesse económico geral. Seguidamente, o Tribunal de Justiça decidiu no processo Ferring — contrariamente à jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância —que as compensações relativas ao serviço público não constituem auxílios estatais quando se limitam a compensar as empresas em causa pela prestação desse serviço. Até ao final de 2002, era uma incógnita se o Tribunal de Justiça confirmaria ou não esta modificação de jurisprudência. No acórdão de 24 de Julho de 2003 proferido no processo Altmark, o Tribunal de Justiça confirmou a decisão do processo Ferring de não incluir as compensações nos auxílios estatais mediante, porém, quatro condições rigorosas. Primeiro, a empresa beneficiária deve ser efectivamente encarregada da execução de obrigações de serviço público, devendo estas ser claramente definidas. Segundo, a compensação deve poder ser calculada com base em parâmetros objectivos e transparentes estabelecidos antecipadamente. Terceiro, a compensação deverá cobrir apenas os custos gerados pela execução das obrigações, tendo em conta as receitas obtidas e um lucro razoável. Quarto, quando as obrigações de serviço público não forem adjudicadas mediante concurso público, o nível da compensação deverá ser determinado em função dos custos que uma empresa média bem gerida teria de suportar para executar essas obrigações. Atendendo a que as compensações que não satisfaçam as condições impostas pelo Tribunal de Justiça são consideradas como auxílios estatais, mantém-se a necessidade do enquadramento comunitário anunciado para clarificar a situação. O Comité toma nota do debate com peritos dos Estados-Membros iniciado com o «Non-Paper» de 12 de Novembro de 2002 e sugere que esse debate seja concluído em breve, tendo em conta o acórdão Altmark, de modo a criar o mais rapidamente possível a segurança jurídica para as empresas europeias, mediante a adopção das necessárias clarificações.

5.2

O Comité aprova o facto de a Comissão, com o «Livro Verde sobre serviços de interesse geral» anunciado no relatório e publicado em 21 de Maio de 2003, dar início à análise que lhe foi solicitada pelo Conselho Europeu de Barcelona (2002) sobre se os princípios relativos aos serviços de interesse geral devem ser posteriormente consolidados e especificados num quadro comunitário global (19).

6.   Cooperação internacional

6.1

Em 2002, a Comissão prosseguiu os preparativos e as negociações de adesão no âmbito do alargamento da UE e examinou até que ponto os países candidatos já dispunham de regras de concorrência operacionais. Apenas no domínio do controlo dos auxílios estatais existe ainda algum défice. Em 2002, a Comissão incluiu pela primeira vez no painel de avaliação dos auxílios estatais dados referentes aos países candidatos, tornando-os, assim, acessíveis a todos.

6.2

No atinente à cooperação bilateral, importa realçar que a Comissão e as autoridades da concorrência dos EUA adoptaram conjuntamente um código de «boas práticas» em matéria de cooperação no controlo das concentrações. O Comité considera importante e positiva a cooperação estreita entre as autoridades de controlo das concentrações dos dois maiores espaços económicos do mundo, porquanto ela permitirá diminuir o risco de decisões divergentes e reduzir os encargos administrativos para as empresas em causa.

7.   Conclusões

7.1

O relatório caracteriza-se por uma elevada densidade de informação e contém uma série de balizas relevantes para a legislação europeia da concorrência, que são igualmente importantes para os consumidores e para as empresas.

7.2.

As conclusões do Comité podem ser resumidas como segue:

o Comité aprova a reorganização do direito processual em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e a transição para o sistema de excepção legal que lhe está associada. A Comissão deveria, porém, aproveitando a ocasião proporcionada pelo pacote legislativo de modernização, dar alguns retoques na reforma e esforçar-se por assegurar às empresas maior segurança jurídica e consagrar mais na legislação o princípio de balcão único e os direitos de defesa das empresas (pontos 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.4);

os danos concretos deveriam ter mais peso no cálculo das coimas (ponto 2.3);

no sector das profissões liberais, as regras da concorrência deveriam consentir o nível de regulamentação que é necessário para o exercício das suas funções específicas e obrigações legais (ponto 2.5.9.2);

quanto à reforma do controlo das concentrações, a Comissão deveria incluir na reformulação do critério de posição dominante apenas o caso específico dos «efeitos unilaterais», de modo a continuar a garantir às empresas europeias a máxima segurança jurídica. A Comissão poderia incentivar ainda mais os argumentos de ganhos de eficiência no que toca aos poderes de investigação e ao montante das sanções e deveria ter em conta que o controlo das concentrações e as diligências processuais contra infracções à concorrência exigem meios diferentes (pontos 3.4.2, 3.4.3 e 3.4.4);

a Comissão deveria publicar em breve as anunciadas medidas de reforma no domínio dos auxílios estatais e dar oportunidade aos meios em causa de exprimirem a sua posição quando for debatida a questão dos «auxílios existentes» nos países candidatos. Os relatórios futuros poderiam evocar ainda a prática da Comissão em matéria de auxílios estatais ao abrigo dos fundos estruturais (pontos 4.1, 4.2 e 4.4).

Bruxelas, 29 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  Cf. parecer do CESE sobre o Livro Branco sobre a modernização das regras de aplicação dos artigos 81.o e 82.o do Tratado CE, JO C 51/55, de 23 de Fevereiro de 2000, bem como o parecer do CESE sobre a proposta de regulamento do Conselho in JO C 155/73, de 29 de Maio de 2001.

(2)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento, JO C 155/73, ponto 2.8.2.5.

(3)  Cf. parecer do CESE, JO C 155/73, ponto 2.10.1.

(4)  Cf. parecer do CESE, JO C 155/73, ponto 2.12.

(5)  Cf. parecer do CESE sobre as duas propostas, JO C 36/10, de 8 de Fevereiro de 2002.

(6)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de directiva, JO C 116/99, de 20 de Abril de 2001.

(7)  Cf. parecer do CESE sobre as cinco propostas de directiva, JO C 123, de 25 de Abril de 2001, pp. 50, 53, 55 e 56.

(8)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento, JO C 221/10, de 17 de Setembro de 2002.

(9)  O que também ocorre nos trabalhos sobre a directiva de reconhecimento de diplomas.

(10)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento, CESE 1169/2003, de 24 de Setembro de 2003.

(11)  Cf. parecer do CESE sobre o projecto de comunicação, CESE 1170/2003, de 24 de Setembro de 2003.

(12)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento (CESE 1169/2003), de 24 de Setembro de 2003, ponto 3.10, bem como o parecer sobre o Livro Verde sobre a revisão do regulamento das concentrações, JO C 241/130, de 7 de Outubro de 2002, ponto 3.3.1.

(13)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento (CESE 1169/2003), de 24 de Setembro de 2003, ponto 3.10, bem como o parecer sobre o Livro Verde sobre a revisão do regulamento das concentrações, JO C 241/130 de 7 de Outubro de 2002, ponto 3.2.13.

(14)  Cf. parecer do CESE sobre o projecto de comunicação (CESE 1170/2003), de 24/25 de Setembro de 2003, ponto 3.1.4.

(15)  Cf. parecer do CESE sobre o Livre Verde, JO C 241/130, de 7 de Outubro de 2002, ponto 3.2.12.

(16)  Cf. parecer do CESE sobre o projecto de comunicação (CESE 1170/2003), de 24/25 de Setembro de 2003, ponto 4.7.2.

(17)  Cf. parecer do CESE sobre o Livre Verde, JO C 241/130, de 7 de Outubro de 2002, ponto 3.1.2.

(18)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento, JO C 241/143, de 7 de Outubro de 2002.

(19)  Cf. parecer do CESE sobre os serviços de interesse geral, JO C 241/119, de 7 de Outubro de 2002.


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/97


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Conselho que cria uma Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas »

[COM(2003) 687 final — 2003/0273(CNS)]

(2004/C 108/20)

Em 8 de Dezembro de 2003, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

O Comité Económico e Social Europeu decidiu nomear L. M. PARIZA CASTAÑOS como relator-geral para a elaboração do presente parecer.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 29 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 75 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções o seguinte parecer.

1.   Síntese da proposta de regulamento

1.1

O Plano de gestão das fronteiras externas dos Estados-Membros da União Europeia (o Plano), aprovado pelo Conselho em 13 de Junho de 2002, ratificou a criação de uma instância comum de profissionais das fronteiras externas (a instância comum) no quadro do Comité Estratégico da Imigração, Fronteiras e Asilo (CEIFA), para efeitos da gestão integrada das fronteiras externas.

1.2

Nas suas conclusões respeitantes à gestão eficaz das fronteiras externas dos Estados-Membros da UE, de 5 de Junho de 2003, o Conselho apelou ao reforço da instância comum, enquanto grupo de trabalho do Conselho, por peritos destacados pelos Estados-Membros junto do Secretariado-Geral do Conselho.

1.3

O Conselho Europeu de Salónica, de 19 e 20 de Junho de 2003, aprovou as conclusões do Conselho de 5 de Junho de 2003 acima mencionadas e convidou a Comissão a analisar a necessidade de criar novos mecanismos institucionais, incluindo a eventual criação de uma estrutura operacional da Comunidade, a fim de melhorar a cooperação no plano operacional para a gestão das fronteiras externas.

1.4

Nas conclusões do Conselho Europeu de 16 e 17 de Outubro de 2003, o Conselho Europeu saudou a intenção da Comissão de apresentar uma proposta de criação de uma agência de gestão das fronteiras externas. A presente proposta de regulamento do Conselho relativo à criação de uma Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas, pretende dar resposta ao convite do Conselho Europeu. Tem em conta as experiências de cooperação entre Estados-Membros no quadro da instância comum, em substituição da qual a Agência coordenará a cooperação operacional.

1.5

Desde a integração do acervo de Schengen no âmbito da União Europeia, já existem normas comuns em matéria de controlo e fiscalização das fronteiras externas a nível comunitário. Estas normas comuns são aplicáveis a um nível operacional pelas autoridades nacionais competentes dos Estados-Membros que fazem parte do espaço sem fronteiras internas. O objectivo do presente regulamento consiste, assim, em optimizar a implementação da política comunitária em matéria de gestão das fronteiras externas, melhorando a coordenação da cooperação operacional entre os Estados-Membros mediante a criação de uma Agência.

1.6

A Agência executará, nomeadamente, as seguintes missões:

Coordenar as operações conjuntas e projectos-piloto entre os Estados-Membros, bem como entre estes e a Comunidade, tendo em vista melhorar o controlo e fiscalização das fronteiras externas da UE;

Proporcionar a nível europeu uma formação destinada aos instrutores dos guardas de fronteiras nacionais dos Estados-Membros, bem como uma formação complementar para os agentes das administrações competentes;

Efectuar avaliações dos riscos gerais ou específicas;

Acompanhar a evolução da investigação em matéria de controlo e fiscalização das fronteiras externas da UE e fornecer à Comissão e aos Estados-Membros conhecimentos técnicos;

Assegurar a coordenação entre Estados-Membros em matéria de afastamento de nacionais de países terceiros em residência irregular nos Estados-Membros;

Apoiar os Estados-Membros confrontados com circunstâncias que exijam uma assistência técnica e operacional reforçada no quadro do controlo e fiscalização das fronteiras externas da UE;

Gerir os equipamentos técnicos dos Estados-Membros (listas comuns de equipamentos e aquisição de novos equipamentos a colocar à disposição dos Estados-Membros).

1.7

A Agência coordenará as propostas de operações conjuntas e os projectos-piloto apresentados pelos Estados-Membros. Poderá igualmente lançar iniciativas próprias em cooperação com os Estados-Membros. Para a organização das operações conjuntas, a Agência poderá constituir secções especializadas nos Estados-Membros.

1.8

No que diz respeito à coordenação e organização das operações conjuntas respeitantes a regressos, a Agência prestará aos Estados-Membros a necessária assistência técnica, por exemplo, desenvolvendo uma rede de pontos de contacto para este efeito, gerindo um inventário actualizado dos recursos e das instalações existentes e disponíveis ou formulando orientações e recomendações específicas sobre operações de regresso conjuntas.

1.9

A Agência poderá prestar assistência aos Estados-Membros confrontados com circunstâncias que exijam uma assistência operacional e técnica reforçada nas suas fronteiras externas em matéria de coordenação.

1.10

A Agência poderá co-financiar operações conjuntas e projectos-piloto nas fronteiras externas através de verbas inscritas no seu orçamento, em conformidade com o seu próprio regulamento financeiro.

1.11

A Agência é um órgão da Comunidade dotado de personalidade jurídica, e será independente no que diz respeito às questões técnicas. Estará representada por um director executivo que será nomeado pelo conselho de administração.

1.12

O conselho de administração será composto por doze membros e dois representantes da Comissão. O Conselho nomeará os membros, bem como os suplentes que os representarão na sua ausência. A Comissão nomeará os seus representantes e respectivos suplentes. A duração do mandato é de quatro anos, sendo renovável uma única vez. As decisões do conselho de administração são aprovadas por maioria absoluta dos seus membros. Para a nomeação do director-executivo será necessária a maioria de dois terços.

1.13

A Agência entrará em funcionamento em 1 de Janeiro de 2005. Tem prevista uma estrutura de recursos humanos de 27 efectivos e disporá de uma dotação orçamental de 15 milhões de euros para 2005 e 2006.

1.14

O artigo 66.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia constitui a base jurídica para a criação da Agência e incorpora o acervo de Schengen. O Reino Unido e a Irlanda, que não estão vinculados pelo acervo de Schengen, não participam na adopção do presente regulamento, a que não se encontram vinculados e a cuja aplicação não estão sujeitos. A Dinamarca, com base no seu próprio estatuto, decidirá, num prazo de seis meses, se procede à transposição desta decisão para o seu direito interno.

2.   Observações na generalidade

2.1

O controlo das fronteiras externas não é eficaz em inúmeras situações. As autoridades dos Estados-Membros não são capazes de assegurar que todas as pessoas que sejam nacionais de países terceiros acedam ao território do espaço Schengen cumprindo os procedimentos que as leis comunitárias e nacionais estabelecem.

2.2

Em diversos pareceres, o CESE reclamou ao Conselho uma maior celeridade nos trabalhos legislativos, para que a UE tivesse uma legislação e uma política comuns em matéria de imigração e asilo. Todavia, o Conselho não teve devidamente em conta, nem as opiniões do Parlamento, nem as do Comité, pelo que a legislação que adopta não é a adequada para que a imigração na UE se processe por via legal e transparente. Em vários pareceres (1) o CESE sublinhou que uma das causas mais importantes da imigração clandestina era a falta de uma política comum para a gestão dos fluxos migratórios através de canais legais, flexíveis e transparentes. No parecer a Comunicação relativa a uma política comum de imigração clandestina (2), afirma-se que o atraso na aprovação da legislação comunitária dificulta que a gestão dos fluxos migratórios se realize através de canais legais.

2.3

As pessoas que se encontram em situação irregular são muito vulneráveis à exploração laboral e à marginalização social visto que, embora não sejam pessoas sem direitos, (3), sofrem particularmente de todos os tipos de problemas derivados da sua situação. No parecer sobre imigração, integração e emprego (4) o CESE já afirmara que trabalho clandestino e imigração irregular se alimentam mutuamente, pelo que é necessário agir para regularizar a situação legal destas pessoas e trazer para a superfície o trabalho subterrâneo.

2.4

O CESE deseja que a eficácia no controlo das fronteiras respeite o direito de asilo. Muitos dos que necessitam de protecção internacional chegam às fronteiras externas através de vias clandestinas. As autoridades devem garantir que essas pessoas possam apresentar o seu pedido de protecção e que este seja analisado em conformidade com as convenções internacionais e a legislação comunitária e nacional. Enquanto não se resolverem os procedimentos administrativos e judiciais dos requerentes de asilo, estas pessoas não podem ser expulsas e devem dispor da protecção correspondente.

2.5

A falta de eficácia no controlo das fronteiras externas é utilizada muitas vezes pelas redes de criminosos que traficam com seres humanos, que não têm dúvidas em colocar em grave risco a vida das pessoas para aumentar os seus benefícios económicos ilícitos. No parecer sobre uma autorização de residência de curta duração para as vítimas da imigração clandestina ou tráfico de seres humanos, (5) o CESE afirmou que, com a mesma energia com que se combatem as redes de criminosos que traficam e exploram os seres humanos, devem as autoridades proteger as vítimas, especialmente as mais vulneráveis, como o são os menores e as vítimas do tráfico e exploração sexual.

2.6

O CESE já afirmara em pareceres anteriores que, para uma boa gestão das fronteiras externas, era necessária uma intensa cooperação entre as autoridades de fronteiras dos Estados-Membros e a colaboração das autoridades dos países de origem e de trânsito através dos funcionários de ligação.

2.7

No referido parecer sobre imigração clandestina (6) o CESE «subscreveu a proposta da Comissão de instituir uma guarda europeia de fronteiras, com uma norma comum e um plano de estudos harmonizado». Afirmava-se também que «Há que avançar a médio prazo na criação de uma escola da guarda de fronteiras». «Os controlos de fronteiras devem ser efectuados por funcionários especializados no tratamento das pessoas e com vastos conhecimentos técnicos». O CESE também considerou de forma positiva a criação de um observatório europeu da imigração e o desenvolvimento de um sistema de alerta para a imigração clandestina.

2.8

O CESE, através do presente parecer, adopta uma posição favorável à criação de uma Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas, que será constituída mediante o presente regulamento. Embora a Agência e respectivos funcionários não venham a ter qualquer poder executivo, nem capacidade para fixar orientações políticas, ou competência para apresentar propostas legislativas, a Agência melhorará a coordenação entre as autoridades dos Estados-Membros e implicará uma melhoria da eficácia no controlo das fronteiras externas. O artigo 41.o do projecto de Constituição da UE reconhece a importância da cooperação operacional entre as autoridades dos Estados-Membros.

3.   Observações na especialidade

3.1

Entre as missões principais da Agência (artigo 2.o o) deve-se incluir a de melhorar o tratamento humanitário às pessoas e o respeito das convenções internacionais em matéria de direitos humanos. É particularmente importante que a eficácia no controlo das fronteiras respeite o direito de asilo. A formação (artigo 5.o) dos guardas de fronteiras — está prevista a colaboração da Agência – deve incluir nos seus programas a formação em direito humanitário.

3.2

Também nas missões da Agência deve ser incluída a coordenação com os serviços de salvamento — especialmente o marítimo — para prevenir e auxiliar as pessoas que se encontram em perigo, como consequência da utilização de sistemas de risco na imigração clandestina. Já aconteceu que a actuação policial no mar tenha ocasionado naufrágios de pequenas embarcações e a perda de vidas humanas, o que se podia ter evitado. O principal dever dos guardas de fronteiras deve ser o auxílio a quem se encontra em perigo.

3.3

A Agência coordenará ou organizará operações de regresso (artigo 9.o) para o que pode utilizar os recursos financeiros da Comunidade. O CESE recorda que no seu parecer sobre o «Livro Verde relativo a uma política comunitária em matéria de regresso dos residentes em situação ilegal» (7), afirmou que «Se a política de regresso forçado não for acompanhada de medidas de regularização, a população que se encontra em situação irregular conservará a dimensão actual, com tudo o que isso implica em termos de alastramento da economia paralela, exploração laboral e exclusão social».

3.4

O CESE está de acordo com a Comissão quando entende que o regresso voluntário deve merecer a preferência, mas que será necessário recorrer ao regresso forçado quando aquele não seja possível. O Comité considera que as expulsões forçadas são uma medida extrema e que só deve ser utilizada ocasionalmente. O Comité apoia-se no artigo II–19.o do Projecto de Constituição da UE (Protecção em caso de afastamento, expulsão ou extradição da Carta dos Direitos Fundamentais) que dispõe que são proibidas as expulsões colectivas e que ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.

3.5

Nas operações de regresso, a Agência deve assegurar o respeito dos princípios do direito humanitário e em especial do direito de asilo. A Agência deve garantir a aplicação do princípio da «não-devolução» quando pode haver graves riscos para a segurança, a vida e a liberdade da pessoa no país de origem ou no(s) país(es) de trânsito.

3.6

Além disso o CESE, no parecer relativo ao reconhecimento mútuo de decisões de afastamento, (8) afirmou que não recomenda a expulsão das pessoas que se encontrem em alguma destas situações:

quando o regresso implica separação familiar (filhos ou ascendentes);

quando o regresso representa grave prejuízo para os menores a cargo;

quando a pessoa sofre de grave enfermidade física ou psíquica;

quando pode haver graves riscos para a segurança, a vida e a liberdade da pessoa no país de origem ou no(s) país(es) de trânsito;

3.7

Nas operações de regresso podem colaborar as organizações internacionais (OIM, ACNUR, Cruz Vermelha, etc.).

3.8

O Regulamento (artigo 17.o) dispõe que o conselho de administração aprova cada ano o relatório geral da Agência do ano anterior e transmite-o ao Parlamento Europeu, à Comissão e ao Comité Económico e Social Europeu. O CESE toma nota que a Agência o informa das suas actividades. O Comité reserva-se o direito de emitir pareceres e de convidar o director para as reuniões adequadas.

3.9

É conveniente que os membros do conselho de administração (artigo 18.o) sejam pessoas que disponham dos conhecimentos e experiência adequados e actuem com independência relativamente aos Governos.

3.10

O CESE está de acordo em que no prazo de três anos a contar da data de entrada em funcionamento da Agência (artigo 29.o), se efectue uma avaliação externa independente sobre o seu funcionamento. O conselho de administração receberá os resultados e enviará à Comissão recomendações sobre eventuais alterações para melhorar o funcionamento da Agência. O CESE pretende emitir um parecer sobre as eventuais alterações ao Regulamento que poderão vir a ser apresentadas e deseja que também o Parlamento Europeu emita o respectivo parecer.

Bruxelas, 29 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  Ver o parecer sobre a Comunicação relativa a uma política comum em material de imigração clandestina — JO C 149 de 21.6.2002 parecer sobre »Imigração, integração e emprego«, adoptado na plenária de 11.12.2003.

(2)  Ver o primeiro parecer referido na nota n.o 1.

(3)  Ver o parecer referido na nota n.o 1.

(4)  Ver o parecer referido na nota n.o 1.

(5)  JO C 221 de 17/09/2002.

(6)  Ver o parecer referido na nota n.o 1.

(7)  Ver o parecer do CESE no JO C 61, de 14/03/2003.

(8)  JO C 220 de 16/09/2003.


30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/101


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A situação do emprego na agricultura da União Europeia e dos países candidatos — propostas de acção para 2010»

(2004/C 108/21)

Em 23 de Janeiro de 2003, o Comité Económico e Social decidiu, em conformidade com o n.o 2 do artigo 29.odo Regimento, elaborar um parecer sobre «A situação do emprego na agricultura da União Europeia e dos países candidatos — propostas de acção para 2010».

Incumbida da elaboração dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 18 de Dezembro de 2003, do qual foi relator Hans-Joachim WILMS.

Na 405.a reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 29 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 65 votos a favor, 2 votos contra e nenhuma abstenção o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

A organização da agricultura e o desenvolvimento rural fazem parte dos problemas mais prementes que se colocam com o alargamento da União Europeia a Leste. A adaptação da agricultura da Europa Central às condições da UE terá repercussões para praticamente todas as áreas de actividade do espaço rural, que sofrerão profundas transformações nos países candidatos à adesão.

1.2

Por outro lado, o alargamento da União Europeia a Leste trará também a oportunidade de solucionar os problemas económicos e estruturais da agricultura na Europa Central através de uma política bem direccionada.

1.3

Tanto o aumento do número de pessoas afectas à agricultura — quer agricultores quer trabalhadores — que este alargamento trará, como a inerente restruturação do sector farão intensificar a concorrência entre agricultores e em volta de postos de trabalho, o que poderá ter repercussões graves no tecido económico e social da agricultura europeia e nos sistemas de segurança social.

1.4

A propósito da elaboração do presente parecer, o CESE realizou uma audição pública, na qual peritos de vários países candidatos informaram sobre a respectiva situação nacional. Foram especialmente abordadas as seguintes questões:

o elevado desemprego na agricultura;

a alta taxa de pobreza no espaço rural e o êxodo rural;

os volumosos fluxos de migrantes de Leste para Ocidente;

o baixo nível da segurança social no sector agrícola e a elevada idade média dos seus trabalhadores;

a qualificação insuficiente dos trabalhadores;

a subcapitalização das explorações e

a falta de estruturas da sociedade civil.

1.5

O teor dessas intervenções contrasta com os relatórios oficiais da Comissão, tendo ficado claro que, precisamente no espaço rural, as pessoas que aí residem avaliam a sua situação em moldes bem piores dos em que aparece descrita nos documentos. Mas as intervenções deixaram igualmente entrever uma nota de optimismo no impulso ao desenvolvimento esperado da adesão à UE.

1.6

Um problema central do alargamento a Leste é o fosso existente entre os rendimentos dos actuais e dos futuros Estados-Membros, agravado pela elevada percentagem de população destes últimos activa na agricultura. É de contar com fenómenos de concentração de empresas e rupturas estruturais que, a não se agir, agravarão o desemprego nas zonas rurais dos países candidatos e a situação do mercado de trabalho nos actuais Estados-Membros.

1.7

É igualmente de prever um agudizar da discrepância entre o nível de vida nas metrópoles e nas zonas rurais periféricas. Actualmente o desemprego no sector agrícola é superior ao de outros sectores, e nas regiões rurais as possibilidades de trabalho não agrícola são praticamente inexistentes.

1.8

O resultado desta evolução será um depauperamento adicional do espaço rural, e não apenas numa perspectiva económica. E também o capital humano se modificará: quer os jovens quer as pessoas com qualificações migrarão para regiões mais prósperas.

1.9

Nos próximos anos será necessário redobrar esforços na luta contra o desemprego. Para tal, importa em particular tirar melhor partido das potencialidades existentes e, por via da acção política, retirar sinergias dos recursos e programas disponíveis. Os parceiros sociais poderiam cooperar com outros actores regionais, colocando o seu saber profissional e a sua experiência na identificação de possibilidades ao serviço da formação e aplicação de novas ideias. O contacto com programas de maior envergadura e com as autoridades que os administram ajudá-los-á a concretizar os seus projectos.

2.   Situação de partida

2.1   Uma agricultura competitiva e sustentável

2.1.1

A Agenda 2000 foi a grande dinamizadora da viragem na Política Agrícola Comum (PAC). Muitos encaram com cepticismo o caminho encetado. É porém evidente que, na perspectiva do alargamento, e perante a pressão internacional actual (negociações da OMC), importa encontrar na política agrícola novas formas de garantir a competitividade do sector tanto nos actuais como nos futuros Estados-Membros. Numa agricultura multifuncional, a economia sustentável é o «paradigma da política agrícola» (1).

2.1.2

Não obstante, nos países candidatos ainda se verifica grande necessidade de adaptação do sistema agrícola para poder cumprir as normas europeias, sendo as práticas agrícolas, o pagamento regular das ajudas financeiras, as normas de qualidade e o respeito pelo ambiente os domínios que maiores preocupações suscitam (2).

2.2   Uma agricultura sustentável só pode funcionar no quadro de uma política integrada em prol do espaço rural

2.2.1

O espaço rural é palco do empenho de muitos actores e muitas são as possibilidades de apoio à disposição, algumas das quais, como os fundos estruturais, deveriam ser melhor aproveitadas. A falta de iniciativas integradas para poder tirar efectivamente partido das potencialidades que se apresentam é realmente criticável.

2.2.2

A importância económica do espaço rural não se limita ao sector agrícola propriamente dito. Com cada euro ganho na agricultura é criado valor acrescentado a montante e a jusante e também aí criado emprego. E de cada posto de trabalho na agricultura dependem, a montante e a jusante, outros 4 ou 5.

2.3   Garantia dos rendimentos dos agricultores

2.3.1

«Ao nível da União Europeia a 15, a capitação dos rendimentos agrícolas tem conhecido uma evolução bastante favorável desde o início do processo de reforma. Todavia, essa evolução positiva esconde a importância crescente das ajudas directas no rendimento agrícola, bem como variações consideráveis de país para país, de região para região e de sector para sector.

2.3.2

Dado que os ganhos comerciais, por si só, não são suficientes para assegurar um nível de vida aceitável a muitas famílias rurais, as ajudas directas continuam a desempenhar um papel central na garantia de um nível de vida equitativo e na estabilização dos rendimentos da comunidade agrícola» (3).

2.3.3

A evolução positiva dos rendimentos na agricultura não pode, porém, escamotear o facto de os rendimentos terem evoluído mais favoravelmente noutros sectores e de a agricultura ter ficado aquém da evolução geral.

2.4   O emprego na agricultura

2.4.1

Com a incorporação dos países candidatos, a taxa média de emprego da UE baixará e a taxa de desemprego aumentará. A agricultura põe um problema especial: enquanto na Europa dos 15 a percentagem da população activa na agricultura é de 4,1 %, ela é de 13,2 % nos dez países candidatos (ou de 20,8 %, se se incluir a Roménia e a Bulgária). Após o alargamento, essa percentagem passará para 5,5 % na UE a 25 (e para 7,6 % na UE a 27) (4).

2.4.2

Se não se agir, o já bastante elevado nível de desemprego no espaço rural continuará a aumentar.

2.4.3

«Prevê-se que o sector agrícola da maior parte dos países candidatos sofra um importante processo de reestruturação nos próximos anos (com ou sem alargamento), o que dará origem a pressões estruturais nas áreas rurais destes países» (5).

2.4.4

Na actual UE só já há 5,5 milhões de agricultores com o estatuto de empresário em nome individual (4 milhões nos países candidatos). O número de pequenos agricultores não cessa de diminuir, um processo que se espera inclusivamente vir a intensificar-se novos Estados-Membros após consumada a adesão. Os empregadores no sector agrícola europeu perfazem cerca de 1 milhão (80 000 nos países candidatos).

2.4.5

A Europa dos 15 conta cerca de 1 milhão de trabalhadores agrícolas efectivos a descontar para a segurança social (nos 10 países candidatos, são cerca de 550 000). O alargamento fará alterar a proporção existente entre pequenos agricultores e trabalhadores (mais dos últimos para menos dos primeiros).

2.4.6

O CESE tem abordado regularmente a situação dos trabalhadores agrícolas sazonais. Apesar dos vários pedidos feitos à Comissão, não é possível dispor de dados exactos sobre o número, a origem, os rendimentos e as condições de protecção social dos trabalhadores sazonais na Europa. O número de trabalhadores sazonais na agricultura europeia é actualmente estimado em cerca de 4,5 milhões de pessoas, o que corresponde a, no mínimo, 100 000 trabalhadores a tempo inteiro, dos quais 420 000 vêm de países europeus terceiros e 50 000 de fora da Europa. Nos países candidatos, supõe-se que o número de trabalhadores sazonais se eleve a 250 000, sendo também elevado o número dos ilegais, principalmente oriundos da Rússia, da Ucrânia e da Bielorússia.

2.4.7

Particularmente preocupante é o número crescente de imigrantes ilegais de países terceiros, e sobretudo da Rússia, da Ucrânia e da Bielorússia. Só na República Checa foi já estimado em 250 000.

2.4.8

Na audição realizada foi referido que precisamente o sector agrícola dos países candidatos conta com força de trabalho que não consta das estatísticas, por se tratar de ajudantes não remunerados.

2.4.9

Entre o sector privado e o sector público surgiu, nos últimos anos, um terceiro sector económico, no qual indivíduos contribuem voluntariamente para o bem da comunidade. Desse empenho nasceram já inúmeras empresas, registando crescente número de trabalhadores. Estas organizações e empresas da «economia social», ou do chamado «terceiro sector» (6) estão particularmente vocacionadas para o espaço rural. Com efeito, trate-se de associações para preservação da cultura e dos costumes locais, promoção de localidades com interesse turístico e cultural, animação de jovens, ou de cooperativas para comercialização colectiva de produtos agrícolas, estas organizações são cada vez mais úteis para a vida económica, social, cultural e ecológica do mundo rural. De resto, a importância económica deste sector já foi por diversas vezes salientada pela Comissão Europeia (7).

2.4.10

É neste contexto que a Comissão remete para a dimensão local do emprego (8) no quadro da sua estratégia para o emprego. As zonas rurais continuam a apresentar os mais altos índices de desemprego e os mais baixos níveis de vida, mas continuam a faltar estratégias para pôr em prática iniciativas locais de emprego nessas zonas. Por outro lado, admita-se ainda que pouca ou nenhuma importância têm sido prestada ao espaço rural e ao sector agrícola nos programas de acção nacional ou local para o emprego.

2.5   Rendimentos agrícolas

2.5.1

Se na actual União Europeia já se verificam consideráveis diferenças nos rendimentos agrícolas entre as regiões, na Europa alargada essas diferenças acentuar-se-ão mais ainda, mas de empresa para empresa ou até entre trabalhadores.

2.5.2

«Garantir um nível de vida equitativo à comunidade agrícola e contribuir para a estabilidade do rendimento agrícola continuam a ser objectivos fundamentais da PAC» (9). Certo. É, contudo, de recear que sejam precisamente os rendimentos das explorações mais pequenas a sofrer os maiores golpes.

2.5.3

O CESE tem reiteradamente criticado e lamentado que os trabalhadores agrícolas não sejam considerados nos relatórios da Comissão, se também eles são directamente afectados por todas estas transformações económicas e estruturais. Com efeito, não existem quaisquer relatórios sobre as variações nos rendimentos dos trabalhadores agrícolas nem sobre a sua situação social.

2.5.4

As diferenças de nível de vida entre as diversas regiões da Europa poderão, a longo prazo, comprometer convenções colectivas sectoriais e, consequentemente, acordos colectivos em geral. Quanto menos puder ser decidido pelos parceiros sociais em negociações livres, mais necessidade haverá – a fim de evitar o depauperamento geral – de regulamentação estatal, por exemplo, sob as mais diversas formas de regulação do salário mínimo.

2.5.5

Enquanto no Noroeste da Europa (Países-Baixos ou Dinamarca) o nível salarial é relativamente elevado, já na Europa Central (Eslovénia ou Polónia), não atinge um quarto daquele. Ora, estas diferenças poderão criar distorções na estrutura salarial nos países situados entre essas duas Europas, na «fronteira da prosperidade», como é o caso da Alemanha, da Áustria e da Itália (setentrional).

2.5.6

Os acordos colectivos são celebrados a diferentes níveis consoante os países: enquanto nos Países-Baixos, por exemplo, as convenções colectivas são celebradas a nível central, na Alemanha é negociado um acordo-quadro a nível federal que é posteriormente transposto a nível regional. Em alguns países, os acordos colectivos são apenas celebrados a nível regional ou até mesmo empresarial.

2.5.7

A influência estatal nos acordos colectivos é igualmente variável: enquanto na Áustria e na Alemanha, por exemplo, as partes envolvidas na negociação colectiva negoceiam sozinhas as suas condições, na Grã-Bretanha pode haver intervenção do Estado.

2.5.8

Em muitos países, o limite mínimo dos rendimentos é definido por um salário mínimo fixo. Quanto menor for a influência das associações sindicais e patronais na concepção dos acordos colectivos, maior será a necessidade de regulamentação legal.

2.5.9

Nos países candidatos é particularmente difícil negociar e aplicar acordos colectivos. A nível regional e supra-regional, ainda se estão a dar os primeiros passos nesta prática.

2.5.10

Numa convenção com carácter de recomendação, os parceiros sociais do sector agrícola confirmaram a importância da flexibilização do horário de trabalho nas empresas do espaço rural e recomendaram a anualização legal do tempo de trabalho.

2.5.11

Tanto a estrutura como o nível salarial dos trabalhadores agrícolas assentam em sistemas nacionais que, com o alargamento, serão revistos e desenvolvidos nos actuais e futuros Estados-Membros.

2.6   Critérios sociais numa agricultura sustentável

2.6.1

O desenvolvimento sustentável visa o equilíbrio entre as dimensões social, económica e ecológica. O debate sobre a dimensão social, os seus critérios e indicadores, ainda está no início. Reina ainda grande incerteza sobre o que é ou poderá ser a sustentabilidade social. Até agora, esse debate tem sobretudo vindo a realizar-se em fóruns científicos e nas direcções de algumas empresas, sem contudo corresponder ao princípio fundamental da participação. O debate é travado na ausência de importantes intervenientes e é de duvidar que os resultados obtenham a aceitação necessária à sua transposição.

2.7   Segurança social

2.7.1

A segurança social na Europa é uma estrutura complexa, que certamente não se tornará mais transparente com o processo de integração. Cada país reflecte a sua própria cultura e tradições no desenvolvimento dos seus sistemas, já que a segurança social é da competência nacional.

2.7.1.1

Em muitos Estados-Membros coloca-se a questão da sustentabilidade financeira a longo prazo dos sistemas de segurança social.

2.7.1.2

Os sistemas de segurança social dos países candidatos já foram reestruturados ou estão a sê-lo. A mudança de sistemas estritamente estatais para novas modalidades, assentes num regime de contribuições leva, dado o baixo nível de rendimentos e a elevada taxa de desemprego que se verificam, à descapitalização da segurança social, e, consequentemente, a uma insuficiente protecção social na velhice, tanto dos trabalhadores assalariados como dos agricultores empresários.

2.7.2

O nível das pensões de reforma no sector agrícola dos países candidatos é bastante baixo, o que obriga muitos reformados a exercer uma actividade remunerada para assegurarem a subsistência. Ademais, não está prevista qualquer adaptação à evolução geral das pensões. Na audição realizada chamou-se a atenção para a situação especialmente problemática dos agricultores que nos anos da viragem ficaram desempregados e que certamente depararão com dificuldades de protecção social.

2.7.3

O seguro de velhice varia de país para país, sendo frequentemente um mistura de:

pensões de reforma do Estado,

seguros obrigatórios,

complementos de reforma negociados por acordo colectivo e

pensões de reforma privadas.

2.7.4

Perante o baixo nível de rendimentos na agricultura, poucas são as hipóteses de os trabalhadores optarem por pensões privadas, pelo que os complementos de reforma fixados por acordo colectivo se revestem de máxima importância para completar a protecção social mínima legal. Exemplos desta prática encontram-se na Alemanha, nos Países-Baixos e em França.

2.7.5

Os sistemas de segurança social têm também de ter em conta a crescente mobilidade transnacional dos trabalhadores. Os trabalhadores migratórios e sazonais, por exemplo, estão na maior parte dos casos excluídos do seguro de pensão, o que torna ainda mais premente a necessidade de acção.

2.7.6

O trabalho no mundo rural está a mudar e, com ele, as suas condições. A qualidade do trabalho deverá ser vista do ponto de vista da sua sustentabilidade e avaliada segundo esse critério. As condições de trabalho deverão, pois, ser definidas com vista a permitirem um futuro aumento da mão-de-obra.

2.7.7

O sistema de segurança e de higiene no trabalho ainda aguarda restruturação. Com efeito, apesar dos grandes esforços envidados, ainda se regista nos países candidatos elevada frequência de acidentes entre as crianças e os jovens que trabalham na agricultura.

2.7.8

A fraqueza dos sistemas de segurança social nos países da Europa Central contribui significativamente para a elevada percentagem da economia de subsistência nesses países. Na Polónia, por exemplo, de um universo de 4 milhões de pessoas activas na agricultura, cerca de 900 000 estão na idade da reforma.

2.7.9

Vários participantes na audição chamaram a atenção para a avançada idade média dos trabalhadores agrícolas e inerentes consequências, nomeadamente o facto de essa estrutura etária levar a longo prazo à escassez de força de trabalho qualificada.

2.8   Formação profissional e formação contínua

2.8.1

A qualificação profissional reveste especial importância para as estratégias europeias. Existe uma relação de causalidade entre o número de postos de trabalho, a respectiva qualidade e a formação dos trabalhadores. Daí o incentivo à formação ser tão importante.

2.8.2

Uma boa formação profissional de base das novas gerações é essencial para um aumento duradouro dos trabalhadores na agricultura. A formação deverá ser concebida de modo a, para além de uma elevada qualificação profissional, proporcionar também ampla formação geral que permita aos trabalhadores mudar de sector de actividade ou de país.

2.8.3

No quadro do diálogo social, os parceiros sociais acordaram numa convenção sobre a formação profissional que passos dar para desenvolver a formação profissional e como criar diplomas profissionais flexíveis para dar resposta à crescente mobilidade dos trabalhadores (10).

2.8.4

Na UE, a percentagem de participação dos trabalhadores agrícolas em acções de formação está abaixo da média registada nos restantes sectores. Quanto aos países candidatos, é enorme a necessidade de adaptar as qualificações a novas técnicas e tecnologias, a novos mercados, ou ainda a novos conteúdos e competências do ponto de vista social e económico.

2.8.5

Hoje em dia, gerir explorações agrícolas requer mais do que dominar práticas agrícolas tradicionais. As constantes transformações técnicas, ecológicas, económicas e sociais aumentam as exigências que se colocam aos gerentes. São precisamente as regiões com maiores explorações que mais dependem da nova geração de empresários agrícolas. Assim, por exemplo, nos novos Estados federados da Alemanha far-se-á em breve sentir falta de quadros que garantam a continuidade das empresas. Semelhante evolução é igualmente de esperar nos países candidatos.

2.8.6

Praticamente todas as zonas rurais da União Europeia, mas sobretudo as periféricas e escassamente povoadas, conhecem o problema do êxodo da população mais jovem e móvel. Para trás ficam sobretudo os idosos, frequentemente expostos à solidão e ao depauperamento intelectual. De um envelhecimento digno faz igualmente parte a possibilidade participação na sociedade da formação e da informação. Assim, quaisquer acções de formação de idosos deverão:

tirar partido da experiência obtida durante décadas de trabalho agrícola,

ajudar a incorporar as necessidades dos idosos no quotidiano,

incentivar a participação dos idosos na vida social e

prevenir o fenómeno da solidão e do empobrecimento intelectual.

Hoje em dia já se constata notável empenho neste domínio. Agora falta apenas concentrar actividades e incluir a formação dos idosos nos instrumentos europeus de auxílio, como o FSE ou o programa LEADER.

2.9   Co-decisão e participação

2.9.1

Nos últimos anos desenvolveu-se na União Europeia um modelo social aberto a um máximo de intervenientes e para o qual os parceiros sociais têm desempenhado um papel importante. Com efeito, graças aos acordos que têm celebrado no âmbito do diálogo social ou a nível empresarial, têm contribuído para o aperfeiçoamento do modelo social europeu. Segundo este princípio, também os interesses não comerciais (non-trade concerns) deveriam ganhar maior importância, inclusivamente no âmbito da segurança externa da UE. E o mesmo se diria, por exemplo, também dos acordos entre empresas, sindicatos e outras organizações não governamentais, com vista ao cumprimento de normas sociais e ecológicas mais rigorosas no âmbito de certificações. Nos sectores agrícola e silvícola dão-se primeiros e prometedores passos nesse sentido com o lançamento do programa «Flower Label» e a criação do Conselho de Gestão Florestal (CGF).

2.9.2

Com a evolução dos programas europeus foram criadas novas formas de participação, nomeadamente no âmbito dos comités de acompanhamento no caso do FSE e dos grupos de acção local no caso do programa LEADER. Constata-se, no entanto, que os parceiros sociais, sobretudo os trabalhadores, não estão suficientemente representados nesses grémios e que a influência das autoridades é excessiva.

2.9.3

Devido à pequena dimensão das empresas agrícolas, nelas a co-decisão é mínima. São raras as explorações cujas dimensões permitam a formação de estruturas de co-decisão. Nos países candidatos, onde as explorações são maiores, ainda mais se faz sentir a necessidade de comissões de trabalhadores.

2.9.4

Visto a co-decisão nas empresas agrícolas estar limitada a poucas explorações, é a nível supra-empresarial que ela adquire maior importância. Em alguns Estados-Membros (em França, por exemplo) já existem estruturas paritárias (sob a forma de câmaras ou associações) que oferecem possibilidades de participação no domínio da obtenção de qualificações e da criação de emprego.

2.9.5

Paralelamente ao seu trabalho no âmbito da co-decisão institucionalizada, os parceiros sociais participam cada vez mais no desenvolvimento da sociedade civil. Para tanto, os membros das suas organizações treinam-se na aquisição de competências, como a capacidade de cooperar e de comunicar, e ajudam a transformar estruturas obsoletas, de onde podem, por seu turno, surgir novos conceitos, produtos, mercados e postos de trabalho para as empresas.

3.   Perspectivas para 2010

3.1

A história da Comissão Europeia prova que as perspectivas se podem tornar realidade desde que assentem em objectivos definidos e que contem com a participação de todos na acção conjunta. Ora, também este parecer utiliza perspectivas (completadas com opções de acção concretas) como instrumento de trabalho.

3.2   O CESE conta com uma agricultura competitiva e sustentável, onde abundem as possibilidades de emprego e reine o equilíbrio social

3.2.1

Trata-se de uma agricultura competitiva, gerida segundo critérios de sustentabilidade. A agricultura sustentável deverá, contudo, ser encarada como um processo contínuo, no qual, por via do diálogo permanente entre os intervenientes, será possível alcançar uma relação equilibrada entre as vertentes económica, ecológica e social.

3.2.2

O emprego na agricultura continuará a transformar-se. Para além das explorações agrícolas com pessoal efectivo a descontar para a segurança social, há que contar, enquanto resposta flexível às exigências de produção, com as empresas agrícolas que trabalham por conta de outrém e com o trabalho sazonal.

3.2.3

No comércio mundial vigorarão condições de concorrência justas, incluindo normas sociais e ecológicas nos países candidatos.

3.3   O CESE reclama uma política integrada em prol do espaço rural, com consciência do impacto a montante e a jusante

3.3.1

A 2.a conferência europeia sobre o desenvolvimento rural, realizada em Salzburg, em 2003, deu um impulso decisivo à restruturação desta política. Desde então, tem vindo a enraizar-se em toda a UE a convicção de que o necessário financiamento comunitário, completado pelos orçamentos nacionais, está assegurado (e não descura a agricultura). O complicado e inflexível sistema anterior foi simplificado, abrindo-se e consolidando-se para além do anterior quadro das ajudas agrícolas.

3.4   O CESE reivindica um regime de apoio uniforme à escala europeia, que garanta os rendimentos dos agricultores

3.4.1

O processo de adaptação da agricultura dos novos Estados-Membros deverá estar concluído em 2010. Trata-se de um regime de incentivo uniforme que permita assegurar o rendimento dos agricultores. Numa filosofia de agricultura multifuncional, os agricultores encontrarão outras fontes de rendimento. Os subsídios ligados às quantidades produzidas serão progressivamente reduzidos em benefício de um apoio aos rendimentos dos agricultores baseado no desempenho.

3.4.2

As explorações adaptar-se-ão com a devida antecedência às mudanças estruturais. Tal também incluirá cada vez mais actividades alheias à agricultura tradicional.

3.4.3

O apoio em função do desempenho estender-se-á a medidas ambientais e à disponibilização de áreas e infra-estruturas para o turismo.

3.4.4

Tanto os empresários agrícolas que pretendam cessar a sua actividade como os trabalhadores que desejem abandonar o sector agrícola terão oportunidade de participar em acções de qualificação/habilitação para novo emprego.

3.5   O CESE espera um aumento do emprego na agricultura

3.5.1

A transformação da forma jurídica das explorações agrícolas e das relações de propriedade dos terrenos agrícolas está concluída e todas as formas jurídicas têm direitos iguais. O número de trabalhadores e empresários agrícolas (incluindo os pertencentes a empresas que trabalham em regime sazonal para outras ou em regime de «subempreitada») deverá crescer globalmente. Para incentivar o emprego e a formação serão criados fundos regionais com a participação dos parceiros sociais.

3.5.2

As diversas possibilidades de apoio serão eficazmente aproveitadas e para a concessão dos diferentes fundos públicos de apoio recorrer-se-á ao critério da criação de postos de trabalho e da sua conservação duradoura.

3.5.3

O trabalho sazonal será levado em conta para a avaliação do emprego e encarado como equivalente ao trabalho a tempo inteiro. O trabalho ilegal será convertido em legal.

3.6   O CESE deseja que os parceiros sociais celebrem contratos colectivos que garantam um rendimento adequado

3.6.1

O trabalhador poderá contar com acordos colectivos, que serão a regra geral, enquanto os salários mínimos fixados pelo Estado serão a excepção. As convenções serão negociadas de modo a garantir aos trabalhadores um rendimento adequado (11).

3.7   O CESE requer igualdade de tratamento para os trabalhadores sazonais

3.7.1

Os trabalhadores sazonais e migrantes estarão abrangidos pelos acordos colectivos de trabalho. Todos os trabalhadores terão direito a alojamento digno e estar cobertos por uma pensão de reforma, como forma de prevenir o depauperamento na velhice.

3.7.2

Os trabalhadores sazonais serão impreterivelmente remetidos para a consulta das normas de segurança no trabalho na sua língua materna. O CESE está consciente de que isso nem sempre é fácil, pelo que exorta a coligação europeia das associações profissionais e das seguradoras a dedicar-se a esta problemática e a apresentar propostas para a solucionar.

3.7.3

Já não haverá trabalho ilegal.

3.7.4

Caso as empresas necessitem de força de trabalho suplementar, será criada regulamentação para trabalhadores não pertencentes à União Europeia.

3.8   O CESE preconiza a adopção de critérios e indicadores sociais para a certificação das explorações agrícolas profissionais, enquanto contributo para a agricultura sustentável

3.8.1

Um contributo importante para o desenvolvimento sustentável da agricultura será a introdução da certificação das explorações agrícolas profissionais. No âmbito da introdução de tal sistema comunitário, serão igualmente introduzidos critérios e indicadores sociais.

3.9   O CESE vê atractivos no trabalho agrícola graças a sistemas eficazes de segurança social

3.9.1

Os sistemas de segurança social na agricultura protegerão os trabalhadores da degradação e exclusão sociais.

3.9.2

As pensões de reforma para agricultores e trabalhadores agrícolas garantirão um rendimento aceitável (12) na velhice, enquanto medidas de pré-pensão assegurarão uma transição digna para a idade da reforma.

3.9.3

Para que os trabalhadores agrícolas cheguem à idade da reforma em boa saúde, será preciso que o meio laboral ao longo das suas vidas tenha sido favorável ao desenvolvimento sustentável da força de trabalho. Serão criadas regras e ferramentas eficazes no âmbito de uma estratégia europeia global, que será por sua vez completada por estratégias nacionais de segurança no trabalho agrícola.

3.9.4

Os sistemas nacionais de segurança social na agricultura na Europa serão transparentes e compatíveis, de modo a permitir a fácil transição entre eles.

3.10   O CESE tem esperança numa estratégia sectorial de aprendizagem ao longo da vida, enquanto medida de fomento do emprego

3.10.1

Será seguida uma estratégia sectorial de aprendizagem ao longo da vida, assentando nos seguintes pilares:

formação profissional de base,

especialização para os trabalhadores agrícolas,

promoção do espírito empresarial na agricultura, e

aprendizagem em idade avançada.

3.10.2

A aplicação da estratégia e a implantação, em parceria social, de uma rede de instituições de ensino nas zonas rurais intensificarão a procura de acções de formação no sector agrícola.

3.10.3

O acordo dos parceiros sociais em matéria de formação profissional será transposto para a prática, contando com a devida participação das autoridades competentes.

3.10.4

As acções de formação serão apoiadas pelos instrumentos comunitários de auxílio como o FSE, a PAC ou o LEADER, na condição de co-financiamento nacional.

3.10.5

A imagem das profissões nos sectores agrícola e silvícola poderá lucrar com a concorrência transfronteiras ou até à escala europeia, o que inclui medidas de apoio específicas e bolsas de estudo.

3.11   O CESE pretende a participação das organizações da sociedade civil no desenvolvimento sustentável do espaço rural

3.11.1

No âmbito da «nova participação» na Europa, as organizações da sociedade civil dos diversos países e regiões fomentarão em conjunto o desenvolvimento sustentável das zonas rurais. Condição fundamental para esse desenvolvimento é a agricultura reger-se por critérios de sustentabilidade.

3.11.2

Elaborar-se-ão orientações para alcançar a almejada agricultura sustentável. Os conflitos de interesses serão responsavelmente resolvidos pelo sector agrícola e pelas organizações da sociedade civil, de modo que a utilização dos recursos também tenha em conta reivindicações económicas.

3.11.3

Um dos objectivos do desenvolvimento sustentável será travar o êxodo rural.

3.11.4

Todos os países disporão de instrumentos que lhes permitam travar um diálogo social no sector agrícola a nível nacional e regional.

3.11.5

O direito das sociedades será formulado para permitir uma representação eficaz dos interesses dos trabalhadores nas empresas agrícolas.

4.   Propostas de acção

4.1   Uma agricultura competitiva e sustentável

4.1.1

A agricultura é dos sectores de actividade que mais território ocupam na União Europeia. Nessa medida, desempenha um papel especial para o desenvolvimento sustentável da Europa. Por isso se justifica adoptar, em complemento da estratégia europeia de desenvolvimento sustentável, uma estratégia sectorial europeia em prol da agricultura sustentável.

A Comissão deverá desenvolver essa estratégia com as organizações da sociedade civil do espaço rural, enquanto base para o debate sobre o novo período de programação das ajudas comunitárias, a partir de 2007.

A estratégia em prol da agricultura sustentável só poderá ter êxito se for apoiada por grande número de pessoas. Exorta-se, pois, a Comissão a apresentar um programa de divulgação desta estratégia e a financiar actividades de publicidade da mesma, como seminários ou publicações. Simultaneamente, também as organizações da sociedade civil das zonas rurais serão chamadas a contribuir para a aplicação da estratégia.

4.1.2

Os princípios que regem a agricultura sustentável deverão ser levados em conta nas negociações da OMC. Com efeito, será imprescindível lograr uma produção alimentar saudável a preços justos, bem como convencionar e fazer observar padrões sociais e ecológicos mínimos.

4.2   Desenvolvimento rural integrado

4.2.1

A Comissão deverá insistir mais em todas as frentes no sentido da adopção de uma orientação comum para os recursos comunitários. Premissas para tal são a participação efectiva dos potenciais intervenientes, uma clara definição dos objectivos e uma utilização sustentável dos recursos mobilizados.

4.3   Garantia dos rendimentos na agricultura

4.3.1

A progressiva harmonização das políticas agrícolas da Europa dos 15 e dos países candidatos deverá garantir o emprego e o rendimento dos trabalhadores e dos agricultores por conta própria. A modulação constitui um importante instrumento desse processo. Também será preciso prosseguir o esforço de apoio reforçado ao espaço rural, com vista a obter novas fontes de rendimento para as explorações agrícolas.

O auxílio prestado no âmbito da PAC deveria apontar em duas direcções: por um lado, importaria incentivar, mediante um financiamento temporário, as explorações com novos modelos empresariais e, por outro, interessaria apoiar financeiramente serviços não comercializáveis, mas necessários para a sociedade e por ela desejados (como, por exemplo, medidas de revitalização das paisagens naturais).

O programa LEADER deveria ver reforçada a sua orientação para a intervenção dos parceiros sociais a nível local, para o emprego e para o desenvolvimento sustentável.

No quadro do programa LEADER deveria ser possível apoiar medidas de qualificação/habilitação para o emprego dos agricultores que devam ou pretendam cessar a sua actividade, evitando assim situações de desemprego. Analogamente, importa proceder ao mesmo tipo de adaptações programáticas para os países candidatos.

4.4   Aumento do emprego na agricultura

4.4.1

A dimensão local do emprego é particularmente evidente nas zonas rurais. Aí, onde não há praticamente grandes empresas não agrícolas estabelecidas, as explorações locais e a população activa têm de velar pela sua situação laboral futura e encontrar soluções comuns. Tanto as iniciativas da Comissão no âmbito do programa LEADER como a Estratégia Europeia de Emprego deverão, pois, continuar a ser desenvolvidas e melhor concertadas. As organizações locais também não se encontram devidamente envolvidas nesse processo. Os municípios e as regiões (NUTS 1 e NUTS 2) ainda têm muito a fazer em matéria de participação. Para que as perspectivas enunciadas se possam concretizar, haverá que tomar as seguintes medidas:

Será preciso que os instrumentos comunitários de auxílio, como a PAC, o programa LEADER e as iniciativas locais de emprego estejam mais alertados para os efeitos do emprego no espaço rural.

Será necessário conceber e executar um programa destinado aos parceiros sociais das zonas rurais, com vista a fomentar o emprego a nível local, no quadro da Estratégia Europeia de Emprego.

A Comissão tem de insistir para que a situação do emprego e da agricultura nas zonas rurais seja considerada e apresentada nos planos de acção nacional para o emprego e nos planos de acção local para o emprego.

No quadro dos programas europeus de apoio, há que prestar especial atenção ao desenvolvimento do «terceiro sector» para a estabilização das situações financeira, económica, social e cultural nas zonas rurais. Há ainda muitas áreas susceptíveis de gerar postos de trabalho (no apoio à sociedade civil, por exemplo). Especial necessidade de actuação faz-se sentir nos países candidatos, onde o «terceiro sector», isto é, o da «economia social», está menos desenvolvido.

Os programas europeus deverão alimentar fundos locais de apoio à formação e ao emprego, com a ajuda dos quais os parceiros sociais poderão lançar iniciativas nessas áreas.

4.5   Os parceiros sociais celebram acordos colectivos

4.5.1

As explorações agrícolas deverão ter rendimentos garantidos pela PAC. Por outro lado, os trabalhadores do sector agrícola deverão poder tomar parte na evolução geral dos rendimentos. Tal terá de depender dos acordos colectivos negociados pelos parceiros sociais. As regulamentações estatais, como, por exemplo, o salário mínimo nacional, deverão constituir excepção. Só quando não há negociação o Estado deve intervir.

A evolução dos acordos colectivos e do emprego na agricultura, bem como a situação do trabalho migrante e sazonal reveste particular interesse no quadro da unidade socioeconómica da Europa a 25, pelo que deverá ser criado um observatório dos acordos colectivos e da situação do emprego e do trabalho sazonal no sector agrícola que avalie as repercussões da adesão à União Europeia na evolução dos rendimentos e na situação socioeconómica dos trabalhadores e acompanhe a evolução social na agricultura. O observatório terá por funções: analisar a situação, dar indicações aos parceiros sociais, à Comissão e aos governos, bem como identificar iniciativas e opções de negociação. O CESE solicita à Comissão Paritária para os Assuntos Agrícolas que passa a desempenhar essa função de observatório.

Os rendimentos dos trabalhadores deverão passar a constar dos relatórios da Comissão.

No quadro do diálogo social, deverão promover-se acções de informação sobre a situação dos acordos colectivos celebrados entre os parceiros sociais nos Estados-Membros e países candidatos.

Nos países candidatos, as parcerias sociais não estão ainda desenvolvidas a ponto de garantir que todos os sectores sejam abrangidos por acordos colectivos. A Comissão terá de continuar a prestar o seu apoio (sobretudo financeiro) nesta área.

4.6   Trabalho sazonal

4.6.1

A fim de evitar distorções nos mercados de trabalho agrícola na Europa, o trabalho sazonal na agricultura terá de ser regulamentado após a adesão dos países da Europa Central à UE.

Os parceiros sociais, com o apoio da Comissão, deverão acordar padrões mínimos de tratamento e alojamento dos trabalhadores sazonais.

Continua a ser necessária a introdução de um documento de identificação pan-europeu para os trabalhadores migrantes e sazonais (13). O documento de identificação não deve ser entendido como um passaporte, mas antes como um instrumento de informação dos empregadores e dos trabalhadores em matéria de qualificações ou da situação perante a segurança social.

Se após o alargamento ainda se verificar necessidade de força de trabalho agrícola suplementar proveniente de países terceiros, deverá ser adoptada regulamentação europeia entre os parceiros sociais e os Estados-Membros para conciliação de interesses.

4.7   Introdução de critérios e indicadores sociais na certificação das explorações comerciais

4.7.1

A produção agrícola é um factor fundamental para o desenvolvimento sustentável do espaço rural. Cada vez mais consumidores exigem transparência no funcionamento interno das explorações. Cada vez mais os agricultores aceitam esta exigência de uma produção «à vista», cuja concretização conta já com diversas iniciativas. A colaboração dos parceiros sociais na concepção e introdução de sistemas de certificação é imprescindível para uma agricultura sustentável na Europa.

Os sistemas de certificação, os selos de qualidade e os rótulos descritivos dos produtos constituem uma componente fundamental da agricultura sustentável. Assim sendo, os sistemas de certificação também terão de integrar critérios e indicadores sociais.

No quadro das disposições da ecocondicionalidade, as explorações deverão ser avaliadas de acordo com o critério de «boas condições agrícolas». Só é possível alcançar boas condições agrícolas se todos os intervenientes no processo de produção estiverem devidamente preparados e qualificados para as tarefas do futuro. Tais critérios deverão ser incluídos na definição de boas condições agrícolas (14).

Um sistema de aconselhamento das explorações agrícolas proposto pela Comissão (Farm Advisory System – FAS) visará melhorar progressivamente as condições económicas, ecológicas e sociais das explorações. Além do aconselhamento dos empresários, este sistema deverá também incluir um serviço independente de aconselhamento dos trabalhadores, a fim de os preparar para o futuro (15).

É já satisfatório o diálogo social existente no sector agrícola à escala europeia. Agora importará desenvolver quanto antes, para orientação, critérios e indicadores sociais que ajudem a instaurar procedimentos comuns em prol da agricultura sustentável. Tais critérios e indicadores sociais deverão ser debatidos com ONG, associações de defesa de consumidores e outras organizações relevantes, com vista a alcançar um vasto consenso, devendo ainda inspirar processos semelhantes a nível regional.

4.8   Sistemas de segurança social numa agricultura sustentável

4.8.1

Em muitos países da Europa, as empresas agrícolas queixam-se de falta de mão-de-obra especializada. Como causa é invocada a falta de atractivos do trabalho agrícola face a outros sectores, nomeadamente devido ao baixo rendimento e ao elevado esforço físico requerido. A melhoria dos sistemas de segurança social é uma via de tornar o emprego na agricultura mais interessante para as gerações futuras.

No quadro da PAC, haveria que ampliar o âmbito de aplicação das disposições que regulamentam a reforma antecipada, de modo garantir a trabalhadores e proprietários de explorações agrícolas uma entrada digna na idade da reforma. Nos países candidatos tal processar-se-á no quadro dos programas que lhes dizem especificamente respeito. Esta regulamentação é especialmente necessária nos PECO, dado o envelhecimento geral dos seus agricultores.

É necessário aplicar o acordo da OIT (n.o 184) sobre a protecção da saúde no sector agrícola. A Comissão deverá insistir com os Estados-Membros para conceberem e aplicarem estratégias nacionais de segurança no trabalho para o sector agrícola.

Uma iniciativa abrangente deverá informar os trabalhadores agrícolas migrantes sobre como poderão melhorar a sua protecção social. O Comité exorta a Comissão a coordenar e a financiar tal campanha de informação, que deverá igualmente envolver os organismos de segurança social e os parceiros sociais.

De futuro, os Estados-Membros terão de se responsabilizar pelos seus sistemas de segurança social.

Serviços de assistência às empresas prestam apoio às pequenas explorações agrícolas caso estas se vejam privadas de gerência.

4.9   Uma estratégia sectorial com vista à aprendizagem ao longo da vida no sector agrícola

4.9.1

Melhorar o emprego na agricultura e no espaço rural exigirá esforços adicionais para elevar o nível da formação. Independentemente da melhoria qualitativa da actual oferta de formação, importa sobretudo estimular a procura, o que terá de se processar no quadro de uma estratégia sectorial de aprendizagem ao longo da vida. Tal contribui para uma acção empresarial baseada no conhecimento, no sentido da estratégia de Lisboa.

A Comissão deverá elaborar, em colaboração com os parceiros sociais, uma estratégia de formação contínua na agricultura, assente em 4 pilares: formação profissional de base, especialização profissional, reforço do espírito empresarial e aprendizagem em idade avançada. A estratégia deverá ser co-financiada com recursos comunitários, nomeadamente da PAC e do FSE.

De uma estratégia de aprendizagem ao longo da vida faz igualmente parte o aconselhamento de agricultores e trabalhadores em matéria de formação, o qual poderá ser financiado pela PAC. Os instrumentos financeiros revestiriam a forma de apoios técnicos. Os parceiros sociais deverão participar nas medidas de aconselhamento.

Uma rede europeia promovida pela Comissão e constituída por parcerias sociais entre organismos de formação e de emprego deverá velar pela transferência de conhecimentos.

Os meios financeiros próprios deverão ser assegurados por fundos regionais.

4.10   As organizações da sociedade civil ajudarão a configurar o desenvolvimento sustentável do espaço rural

4.10.1

O desenvolvimento das relações laborais entre os parceiros sociais no sector agrícola varia bastante entre Estados-Membros. A UE deverá incentivar o diálogo social através de medidas apropriadas. Assim:

A Comissão é convidada a procurar e estudar casos exemplares de relações laborais e a divulgar as suas conclusões.

A Comissão deverá colocar à disposição dos parceiros sociais dos países candidatos recursos financeiros que permitam continuar a apoiar iniciativas positivas e inovadoras de parcerias sociais.

4.10.2

No processo de promoção da sociedade civil no quadro do desenvolvimento sustentável do espaço rural haverá que ter em conta e envolver os seus principais actores. Cumpre, pois, pensar em formas de concretizar esse envolvimento a fim de intensificar a participação – pressuposto essencial de uma verdadeira sociedade de cidadãos.

É possível retirar sinergias dos diálogos sectoriais travados no domínio da agricultura a nível dos Estados-Membros e das regiões. Nesse sentido, solicita-se à Comissão que crie fóruns de diálogo no âmbito de programas relevantes. Os diálogos sectoriais têm por objectivo chegar a acordo sobre o desenvolvimento de programas e o apoio a projectos no quadro dos instrumentos operacionais, nomeadamente do LEADER, do FSE e do FEDER.

O processo de concretização do desenvolvimento sustentável previsto a nível local está pouco enraizado nas zonas rurais. Será, pois, decisivo exortar à participação o maior número possível de pessoas. Só num ambiente que capacita os indivíduos a participar é possível ter sucesso com iniciativas da base para o topo (bottom-up), as quais são, por sua vez, necessárias para o êxito da política de emprego local.

Em todas as regiões rurais haveria que instalar à escala regional as chamadas «oficinas para o desenvolvimento rural», onde importantes actores (deputados, chefias de repartições públicas, associações de agricultores, sindicatos, igrejas, etc.) trabalhariam os problemas do espaço rural.

Bruxelas, 29 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  Cf. parecer do CESE «Uma política para a consolidação do modelo agrícola europeu», JO C 368, de 20/12/1999, pp. 76-86.

(2)  Relatório global da Comissão Europeia para acompanhamento da preparação dos países candidatos para a adesão à UE, de 2003.

(3)  Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu «Revisão intercalar da Política Agrícola Comum», COM(2002) 394 final, p. 7.

(4)  Cf. Comunicação da Comissão «Segundo Relatório Intercalar sobre a Coesão Económica e Social», COM(2003) 34 final, p. 14.

(5)  Idem.

(6)  Entre as empresas e organizações do «terceiro sector» ou da «economia social» incluem-se entidades socioeconómicas tendo essencialmente em comum os seguintes princípios: ausência de fins lucrativos, independência dos sectores privado e público, procura de uma forma organizacional mais participativa e vocação para a prestação de um serviço à comunidade. Estas organizações satisfazem necessidades e oferecem serviços de interesse público não cobertos pelo mercado. Para o efeito, é iniciada uma actividade económica e são contratados colaboradores. Trata-se em regra geral de pequenas e médias empresas sediadas em comunidades locais e empenhadas no desenvolvimento regional sustentável (Vd. nota de rodapé 5).

(7)  Por exemplo, na Comunicação da Comissão «Acção local em prol do emprego — Uma dimensão local para a Estratégia Europeia de Emprego», COM(2000) 196 final.

(8)  Idem.

(9)  Vd. nota de rodapé 2.

(10)  Acordo sobre a formação e o aperfeiçoamento profissionais — EFFATT (European Federation of Food, Agriculture and Tourism workers) / GEOPA (Groupe des Employeurs des Organisations Professionnelles Agricoles de la CE).

(11)  Por rendimento adequado entende-se o pagamento da remuneração acordada com o trabalhador, correspondente ao seu desempenho, para satisfação das suas necessidades económicas, sociais e culturais. A evolução dos salários na agricultura terá de se orientar pela evolução geral dos salários.

(12)  Vd. nota de rodapé 11.

(13)  Cf. parecer do CESE «Iniciativa para definir condições-quadro reguladoras do emprego de trabalhadoras e trabalhadores agrícolas migrantes, originários de países terceiros» (parecer de iniciativa), JO C 204 de 18/7/2000, p. 92.

(14)  Cf. parecer do CESE «Revisão da PAC», CESE 591/2003, p. 11.

(15)  Cf. parecer do CESE «Revisão da PAC», p. 11.