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Jornal Oficial
da União Europeia

PT

Série L


2024/1385

24.5.2024

DIRETIVA (UE) 2024/1385 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO

de 14 de maio de 2024

relativa ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica

O PARLAMENTO EUROPEU E O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o artigo 82.o, n.o 2, e o artigo 83.o, n.o 1,

Tendo em conta a proposta da Comissão Europeia,

Após transmissão do projeto de ato legislativo aos parlamentos nacionais,

Tendo em conta o parecer do Comité Económico e Social Europeu (1),

Deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário (2),

Considerando o seguinte:

(1)

A presente diretiva tem por objetivo proporcionar um regime abrangente para a prevenção e combate eficaz da violência contra as mulheres e da violência doméstica em toda a União. Fá-lo através do reforço e introdução de medidas relativamente aos seguintes domínios: a definição dos crimes e sanções penais pertinentes, a proteção das vítimas e o acesso à justiça, o apoio às vítimas, a melhoria da recolha de dados, a prevenção, a coordenação e a cooperação.

(2)

A igualdade entre homens e mulheres e a não discriminação são valores fundamentais da União e direitos fundamentais consagrados, respetivamente, no artigo 2.o do Tratado da União Europeia (TUE) e nos artigos 21.o e 23.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta»). A violência contra as mulheres e a violência doméstica põem em perigo tais valores e direitos, comprometendo os direitos das mulheres e das raparigas à igualdade em todos os domínios da vida e obstando à sua participação social e profissional equitativas.

(3)

A violência contra as mulheres e a violência doméstica constituem violações de direitos fundamentais como o direito à dignidade humana, o direito à vida e à integridade do ser humano, a proibição de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, o direito ao respeito pela vida privada e familiar, o direito à liberdade e à segurança, o direito à proteção dos dados pessoais, o direito à não discriminação, nomeadamente com base no sexo, e os direitos da criança, consagrados na Carta e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

(4)

A presente diretiva apoia os compromissos internacionais que os Estados-Membros assumiram para combater e prevenir a violência contra as mulheres e a violência doméstica, em especial a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e, quando aplicável, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, bem como a Convenção da Organização Internacional do Trabalho sobre a Eliminação da Violência e do Assédio no mundo do trabalho, assinada em 21 de junho de 2019, em Genebra.

(5)

Tendo em conta as especificidades relacionadas com os crimes de violência contra as mulheres e de violência doméstica, é necessário prever um conjunto abrangente de regras para combater o problema persistente da violência contra as mulheres e da violência doméstica de forma direcionada e responder às necessidades específicas das vítimas dessa violência. As disposições existentes a nível nacional e da União revelaram-se insuficientes para combater e prevenir eficazmente a violência contra as mulheres e a violência doméstica. Em especial, embora as Diretivas 2011/36/UE (3) e 2011/93/UE (4) do Parlamento Europeu e do Conselho, que se concentram em formas específicas desse tipo de violência, e a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (5), que prevê o regime geral para as vítimas da criminalidade, prevejam algumas salvaguardas para as vítimas — as quais, para efeitos da presente diretiva, se entendem as vítimas da violência contra as mulheres e de violência doméstica-, essas diretivas não respondem às suas necessidades específicas.

(6)

A violência contra as mulheres e a violência doméstica podem ser agravadas quando se intercruzam com qualquer ato de discriminação que combine a discriminação em razão do sexo com qualquer outro ou quaisquer outros dos motivos de discriminação referidos no artigo 21.o da Carta, concretamente raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual («discriminação interseccional»). Os Estados-Membros deverão, por isso, ter em devida atenção as vítimas afetadas por esta discriminação interseccional, tomando medidas específicas. As pessoas afetadas pela discriminação interseccional correm um risco acrescido de serem vítimas de violência de género. Por conseguinte, os Estados-Membros deverão ter em conta esse nível acrescido de risco na aplicação das medidas previstas na presente diretiva, especialmente no que diz respeito à avaliação individual para identificação das necessidades de proteção das vítimas, ao apoio especializado às vítimas e à formação e informação dos profissionais suscetíveis de entrar em contacto com as vítimas.

(7)

As vítimas correm um risco acrescido de intimidação, retaliação e vitimização secundária e repetida. Os Estados-Membros deverão assegurar que seja prestada especial atenção a tais riscos e à necessidade de proteger a dignidade e a integridade física dessas vítimas. O facto de o infrator ser conhecido da vítima ou com esta ter anteriormente uma relação é um fator que deverá ser tido em conta na avaliação do risco de retaliação.

(8)

As vítimas deverão poder gozar os seus direitos antes, durante e, por um período adequado, após o processo criminal, em consonância com as suas necessidades e nas condições previstas na presente diretiva.

(9)

As disposições da presente diretiva que dizem respeito aos direitos das vítimas deverão aplicar-se a todas as vítimas de comportamentos criminais que constituam violência contra as mulheres ou violência doméstica, criminalizada ao abrigo do direito da União ou do direito nacional. Aí se incluem os crimes definidos na presente diretiva, a saber, a mutilação genital feminina, o casamento forçado, a partilha não consensual de material íntimo ou manipulado, a ciberperseguição, o ciberassédio, o ciberexibicionismo e o incitamento à violência e ao ódio em linha, e os comportamentos criminais abrangidos por outros atos jurídicos da União, nomeadamente as Diretivas 2011/36/UE e 2011/93/UE. Por último, certos crimes previstos no direito nacional são abrangidos pela definição de violência contra as mulheres. Aí se incluem crimes como o feminicídio, a violação, o assédio sexual, o abuso sexual, a perseguição, o casamento precoce, o aborto forçado, a esterilização forçada e diferentes formas de ciberviolência, como o assédio sexual em linha e o ciberassédio. A violência doméstica é uma forma de violência que poderá ser especificamente criminalizada ao abrigo do direito nacional ou abrangida por crimes cometidos no seio da família ou do lar ou entre os atuais ou ex-cônjuges ou parceiros, independentemente de partilharem ou não o mesmo agregado familiar. Cada Estado-Membro pode ter um entendimento mais lato do que constitui violência contra as mulheres ao abrigo do direito criminal nacional. Note-se que a presente diretiva não abrange todo o espetro de comportamentos criminais que constituem violência contra as mulheres.

(10)

A violência contra as mulheres é uma manifestação persistente de discriminação estrutural contra as mulheres, resultante de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens. Trata-se de uma forma de violência baseada no género, preponderantemente infligida por homens a mulheres e raparigas. Assenta nos papéis, comportamentos, atividades e atributos socialmente construídos que uma determinada sociedade considera adequados para mulheres e homens. Por conseguinte, na aplicação da presente diretiva deverá ser tida em conta uma perspetiva sensível às questões de género.

(11)

A violência doméstica é um grave problema social que, muitas vezes, permanece oculto. Pode conduzir a traumas psicológicos e físicos graves com consequências negativas para a vida pessoal e profissional da vítima, uma vez que o infrator é normalmente uma pessoa conhecida da vítima, em quem esta deveria poder confiar. Esta violência pode assumir várias formas, nomeadamente física, sexual, psicológica e económica, e pode ocorrer no seio de variadas relações. A violência doméstica inclui frequentemente o controlo coercivo e pode ocorrer quer o infrator partilhe, tenha ou não partilhado o mesmo agregado familiar com a vítima.

(12)

As medidas previstas na presente diretiva foram concebidas para dar resposta às necessidades específicas das mulheres e das raparigas, uma vez que, como o confirmam dados e estudos, estas são desproporcionadamente afetadas pelas formas de violência abrangidas pela presente diretiva, nomeadamente a violência contra as mulheres e a violência doméstica. No entanto, há outras pessoas que também podem ser vítimas dessas formas de violência e que deverão, portanto, também beneficiar das mesmas medidas que a presente diretiva prevê para as vítimas. Por conseguinte, o termo «vítima» deverá referir-se a todas as pessoas, independentemente do género, e, salvo especificação em contrário na presente diretiva, todas as vítimas deverão beneficiar dos direitos relacionados com a proteção das vítimas e o acesso à justiça, o apoio às vítimas e as medidas preventivas.

(13)

Devido à sua vulnerabilidade, o testemunho de crianças em casos de violência doméstica pode produzir nelas efeitos devastadores. As crianças que testemunham violência doméstica no seio da família ou do lar sofrem geralmente danos psicológicos e emocionais diretos que afetam o seu desenvolvimento e correm um risco acrescido de sofrer doenças físicas e mentais, tanto a curto como a longo prazo. O reconhecimento de que as crianças que sofreram danos diretamente causados por terem sido testemunhas de violência doméstica são elas próprias vítimas constitui um passo importante na proteção das crianças que sofrem em razão da violência doméstica.

(14)

Para efeitos da presente diretiva, deverão entender-se como «autoridades competentes» a autoridade ou autoridades designadas nos termos do direito nacional como competentes para desempenhar uma função prevista na presente diretiva. Deverá caber a cada Estado-Membro determinar quais as autoridades com competência para desempenhar cada uma dessas funções.

(15)

Nos termos do artigo 288.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), uma diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. No entanto, dada a natureza especial do crime de mutilação genital feminina e a necessidade de garantir a proteção das vítimas que sofrem danos específicos em seu resultado, este crime deverá ser abordado de forma específica no direito penal dos Estados-Membros. A mutilação genital feminina é uma prática abusiva e de exploração que diz respeito aos órgãos sexuais de uma mulher ou de uma rapariga e que é realizada com vista a preservar e afirmar o domínio sobre as mulheres e as raparigas e exercer controlo social sobre a sua sexualidade. Por vezes, é realizada no contexto do casamento forçado de crianças ou da violência doméstica. A mutilação genital feminina pode ocorrer como uma prática tradicional que algumas comunidades exercem sobre os seus membros femininos. Deverá abranger práticas de mutilação realizadas por razões não médicas, que causam às vítimas danos irreparáveis e permanentes. A mutilação genital feminina provoca danos psicológicos e sociais que afetam gravemente a qualidade de vida da vítima. O termo «excisão» deverá referir-se à remoção parcial ou total do clitóris e dos grandes lábios. O termo «infibulação» deverá referir-se ao fecho dos grandes lábios através da costura parcial dos lábios externos da vulva, a fim de estreitar o orifício vaginal. A expressão «qualquer outra mutilação» deverá referir-se a todas as outras alterações físicas dos genitais femininos.

(16)

O casamento forçado é uma forma de violência que implica violações graves dos direitos fundamentais e, em particular, dos direitos das mulheres e das raparigas à integridade física, à liberdade, à autonomia, à saúde física e mental, à saúde sexual e reprodutiva, à educação e à vida privada. A pobreza, o desemprego, os costumes ou os conflitos são fatores que promovem o casamento forçado. A violência física e sexual e as ameaças de violência são formas de coerção frequentemente utilizadas para forçar uma mulher ou uma rapariga a casar. Muitas vezes, o casamento forçado é acompanhado de situações de exploração e violência físicas e psicológicas, como a exploração sexual. Por conseguinte, é necessário que todos os Estados-Membros criminalizem o casamento forçado e apliquem sanções adequadas aos infratores. A presente diretiva não prejudica as definições de «casamento» consignadas no direito nacional ou internacional. Os Estados-Membros deverão tomar as medidas necessárias para prever um prazo de prescrição que permita proceder à investigação, à ação penal, ao julgamento e à decisão judicial das situações de casamento forçado. Dado que as vítimas de casamento forçado são frequentemente menores, os prazos de prescrição deverão continuar a correr por um período de tempo suficiente e proporcional à gravidade do crime em causa, a fim de permitir o início eficaz do processo depois de a vítima atingir 18 anos de idade.

(17)

É necessário prever definições harmonizadas dos crimes e sanções para determinadas formas de ciberviolência em que a violência esteja intrinsecamente ligada à utilização das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) e essas tecnologias sejam utilizadas para amplificar consideravelmente a gravidade do impacto nocivo do crime, alterando assim as características do crime. A ciberviolência visa e afeta, em particular, as mulheres políticas, jornalistas e defensoras dos direitos humanos. São defensores dos direitos humanos quaisquer indivíduos, grupos ou organizações que promovam e protejam os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos. A ciberviolência pode ter por efeito silenciar as mulheres e impedir a sua participação social em pé de igualdade com os homens. A ciberviolência afeta também de forma desproporcionada as mulheres e raparigas em contextos educativos, como escolas e universidades, com consequências negativas para a sua educação contínua e para a sua saúde mental, causa exclusão social, ansiedade e comportamentos autolesivos e pode, em casos extremos, levar ao suicídio.

(18)

A utilização das TIC comporta o risco de amplificação fácil, rápida e generalizada de certas formas de ciberviolência, com o risco manifesto de criação ou intensificação de danos profundos e duradouros para a vítima. O potencial dessa amplificação, que constitui um pré-requisito para a prática de vários crimes de ciberviolência definidos na presente diretiva, deverá refletir-se no elemento da «disponibilização ao público» de determinado material, através das TIC. As expressões «acessível ao público» e «de acesso público» deverão ser entendidas no sentido de potencialmente chegarem a um certo número de pessoas. Tais expressões deverão ser interpretadas e aplicadas tendo em conta as circunstâncias pertinentes, incluindo as tecnologias utilizadas para disponibilizar esse material. Além disso, a fim de prever regras mínimas apenas para as formas mais graves de ciberviolência, os crimes em causa definidos na presente diretiva limitam-se a comportamentos suscetíveis de causar danos graves ou danos psicológicos graves à vítima, ou a comportamentos suscetíveis de a fazer recear seriamente pela sua própria segurança ou pela segurança das pessoas a cargo. Em cada caso, ao avaliar se o comportamento é suscetível de causar danos graves, deverão ser tidas em conta as circunstâncias específicas do caso, sem prejuízo da independência da apreciação judicial. A probabilidade de causar danos graves pode ser inferida de circunstâncias factuais objetivas. A presente diretiva cria um regime jurídico mínimo a este respeito, sendo os Estados-Membros livres de adotar ou manter regras penais mais rigorosas.

(19)

A disponibilização pública, através de TIC, de imagens, vídeos ou materiais semelhantes que representam atos sexualmente explícitos ou as partes íntimas de uma pessoa, sem o consentimento dessa pessoa, pode ser muito prejudicial para as vítimas, especialmente porque tende a ser de fácil, rápida e ampla distribuição e perpetração, e de natureza íntima. O crime em causa definido na presente diretiva deverá abranger todo o tipo de materiais desse género, tais como imagens, fotografias e vídeos, incluindo imagens sexualizadas, clipes de áudio e clipes de vídeo. Deverá dizer respeito a situações em que a disponibilização ao público do material, através das TIC, ocorre sem o consentimento da vítima, independentemente de a vítima ter consentido na produção do material ou de o ter transmitido a uma determinada pessoa. O crime deverá também incluir a produção, manipulação ou alteração não consensual, por exemplo através da edição de imagens, inclusive por meio de inteligência artificial, de material que dê a ideia de que alguém participa em atos sexuais, na medida em que o material seja posteriormente disponibilizado ao público, através das TIC, sem o consentimento dessa pessoa. Essa produção, manipulação ou alteração deverá incluir a criação de «falsificações profundas» (deepfakes), cujo material se assemelha consideravelmente a pessoas, objetos, locais ou outras entidades ou acontecimentos reais, representando atos sexuais de uma pessoa, e que, falsamente, pode criar a ilusão de que é autêntico ou veraz. A fim de proteger eficazmente as vítimas de tais comportamentos, também ser prevista a ameaça de envolvimento em tais comportamentos.

(20)

A disseminação junto do público, através das TIC, de imagens, vídeos ou outros materiais que representem atos sexualmente explícitos ou as partes íntimas de uma pessoa, sem o consentimento dessa pessoa, não deverá ser criminalizada, quando essa não criminalização for necessária para a salvaguarda dos direitos fundamentais protegidos pela Carta, em especial a liberdade de expressão, incluindo a liberdade de receber e transmitir informações e ideias numa sociedade aberta e democrática, bem como a liberdade das artes e das ciências, incluindo a liberdade académica. Além disso, o crime não deverá abranger o tratamento de material pelas autoridades públicas, em especial para a condução de processos penais ou para a prevenção, deteção ou investigação de crimes, devendo os Estados-Membros poder excluir a responsabilidade de pessoas em circunstâncias específicas, por exemplo, quando as linhas de apoio telefónicas ou de Internet se ocupem de material com o objetivo de denunciar um crime às autoridades.

(21)

A ciberperseguição é uma forma moderna de violência que, sendo frequentemente perpetrada contra familiares ou pessoas que vivem no mesmo agregado familiar que o infrator, também é perpetrada por ex-parceiros ou conhecidos. Normalmente, o infrator utiliza indevidamente a tecnologia para intensificar o comportamento coercivo e controlador, a manipulação e a vigilância, aumentando assim o medo, a ansiedade e o isolamento gradual da vítima em relação aos amigos, à família e ao trabalho. Por conseguinte, deverão ser previstas regras mínimas em matéria de ciberperseguição. O crime de ciberperseguição deverá abranger a vigilância repetida ou contínua da vítima, através de TIC, sem o seu consentimento ou autorização legal. Essa vigilância pode ocorrer através do tratamento dos dados pessoais da vítima, por exemplo através da usurpação de identidade, do roubo de palavras-passe, do pirateio dos dispositivos da vítima, da ativação secreta de software de registo das teclas pressionadas para aceder aos espaços privados da vítima, da instalação de aplicações de geolocalização, incluindo o chamado stalkerware, ou do roubo dos dispositivos da vítima. Além disso, o crime de ciberperseguição deverá abranger a monitorização das vítimas, sem o consentimento ou autorização da vítima, através de dispositivos tecnológicos ligados através da Internet das Coisas, como os eletrodomésticos inteligentes. No entanto, poderá haver situações em que a vigilância seja efetuada por razões legítimas, por exemplo, no contexto da monitorização, pelos pais, do paradeiro dos filhos e da sua atividade em linha, de familiares que monitorizam a saúde de pessoas doentes, idosas ou vulneráveis ou de pessoas com deficiência, ou da monitorização dos meios de comunicação social e informações de fonte aberta.

(22)

A responsabilidade penal deverá ser limitada às situações em que a monitorização for suscetível de causar danos graves à vítima. Ao avaliar se um ato é suscetível de causar danos graves, deverá dar-se destaque à questão de saber se o ato causaria normalmente danos a uma vítima.

(23)

Na definição do crime de ciberperseguição, o conceito de «localização» deverá referir-se à localização de uma pessoa e ao seguimento das suas deslocações, e o conceito de «monitorização» deverá referir-se à vigilância de determinada pessoa de um modo mais geral, incluindo a observação das suas atividades. No contexto da ciberperseguição, ambas as ações visam, em última análise, controlar determinada pessoa.

(24)

Deverão ser previstas regras mínimas relativas a crimes de ciberassédio, a fim de abranger as formas mais graves de ciberassédio. Deverá ser abrangida a prática repetida ou continuada de comportamentos ameaçadores contra uma pessoa, pelo menos quando tais comportamentos envolvam ameaças, através de TIC, da prática de crimes e quando tais comportamentos sejam suscetíveis de fazer com que a pessoa em causa receie seriamente pela sua própria segurança ou pela segurança de pessoas a cargo. Deverá igualmente ser abrangida a participação, juntamente com outras pessoas, através das TIC, em comportamentos públicos de caráter ameaçador ou insultuoso contra uma pessoa, sempre que tais comportamentos sejam suscetíveis de causar danos psicológicos graves a essa pessoa. Tais ataques tão vastos, incluindo ataques coordenados em linha, podem transformar-se em agressões fora de linha ou causar danos psicológicos significativos e, em casos extremos, levar ao suicídio da vítima. Muitas vezes, estes ataques visam importantes figuras femininas da política, do jornalismo e defensoras dos direitos humanos ou outras mulheres conhecidas, mas também podem ocorrer em diferentes contextos, por exemplo, em campus, nas escolas e no trabalho. Esta violência em linha deverá ser combatida, em especial nos casos em que os ataques ocorrem em larga escala, por exemplo sob a forma de assédio por parte de um número significativo de pessoas. As regras mínimas relativas ao crime de ciberassédio deverão também incluir o envio a uma pessoa, sem que esta o tenha solicitado, de uma imagem, um vídeo ou outro material semelhante em que sejam exibidos órgãos genitais («ciberexibicionismo»), sempre que tal comportamento seja suscetível de causar danos psicológicos graves a essa pessoa. O ciberexibicionismo é uma forma comum de intimidação e silenciamento das mulheres. Das regras mínimas relativas ao crime de ciberassédio deverão também fazer parte regras referentes a situações em que informações pessoais da vítima são disponibilizadas ao público através das TIC, sem o consentimento da vítima, com o objetivo de incitar outras pessoas a causar à vítima danos físicos ou psicológicos graves (doxing).

(25)

Nos últimos anos, o aumento da utilização da Internet e das redes sociais conduziu a um aumento acentuado do incitamento público à violência e ao ódio, nomeadamente com base no sexo. A difusão fácil, rápida e ampla do discurso de ódio através da palavra digital é reforçada pelo efeito de desinibição em linha, uma vez que o presumível anonimato na Internet e o sentimento de impunidade reduzem a inibição das pessoas para participar nesse tipo de discurso. As mulheres são frequentemente alvo de ódio sexista e misógino em linha, que pode transformar-se em crimes de ódio fora de linha. Tais comportamentos deverão ser impedidos ou detetados numa fase precoce. A linguagem utilizada nesse tipo de incitamento nem sempre se refere diretamente ao género da pessoa visada, mas a motivação tendenciosa pode ser inferida do conteúdo geral ou do contexto do incitamento.

(26)

O crime de incitamento à violência ou ao ódio em linha pressupõe que o incitamento não seja expresso num contexto puramente privado, mas sim publicamente através da utilização de TIC. Por conseguinte, deve exigir a disseminação ao público, o que deverá ser entendido como implicando a disponibilização de um determinado material de incitamento à violência ou ao ódio, através de TIC, a um número potencialmente ilimitado de pessoas, ou seja, tornando o material facilmente acessível aos utilizadores em geral, sem exigir nova intervenção da pessoa que disponibilizou o material, independentemente de essas pessoas acederem efetivamente à informação em causa. Desta forma, sempre que o acesso ao material exigir um registo ou uma admissão a um grupo de utilizadores, só deverão ser considerados como constituindo disseminação ao público os casos em que os utilizadores que procuram a informação são automaticamente registados ou admitidos, sem que haja uma decisão humana ou seleção que determine a quem se concede o acesso. Ao avaliar se o material pode ser considerado um incitamento ao ódio ou à violência, as autoridades competentes deverão ter em conta o direito fundamental à liberdade de expressão consagrado no artigo 11.o da Carta.

(27)

A fim de garantir um justo equilíbrio entre a liberdade de expressão e a repressão do crime de incitamento à violência ou ao ódio em linha, os Estados-Membros deverão poder optar por punir apenas os atos que forem praticados de modo suscetível de perturbar a ordem pública ou que forem ameaçadores, ofensivos ou insultuosos. A aplicação de tais condições, quando prevista pelo direito nacional, não deverá comprometer a eficácia da disposição que define o crime de incitamento à violência ou ao ódio em linha.

(28)

As sanções aplicáveis aos crimes definidos na presente diretiva deverão ser eficazes, dissuasivas e proporcionadas. Para esse efeito, devem ser fixados níveis mínimos para a pena máxima de prisão aplicável às pessoas singulares. Pelo menos às formas mais graves deste tipo de infrações cometidas por pessoas singulares deverão ser aplicadas as penas máximas de prisão previstas na presente diretiva.

(29)

As vítimas deverão poder facilmente denunciar infrações de violência contra as mulheres ou de violência doméstica e apresentar provas, sem serem sujeitas a vitimização secundária ou repetida. É de extrema importância que, quando denunciam infrações, as vítimas sejam sempre que possível encaminhadas para um ponto de contacto especializado, independentemente de ser ou não apresentada uma queixa-crime. Esse ponto de contacto poderá ser um agente da polícia com a devida formação ou qualquer profissional qualificado para prestar assistência às vítimas.

(30)

Os Estados-Membros deverão, além das denúncias presenciais, prever a possibilidade de apresentar queixas em linha ou através de outras TIC acessíveis e seguras para a denúncia de violência contra as mulheres ou violência doméstica, pelo menos no que respeita aos cibercrimes de partilha não consensual de material íntimo ou manipulado, de ciberperseguição, de ciberassédio, e de incitamento à violência e ao ódio em linha conforme definidos na presente diretiva. As vítimas deverão poder carregar materiais relacionados com a sua denúncia, tais como capturas de ecrã do alegado comportamento violento.

(31)

Dadas as especificidades da violência contra as mulheres e da violência doméstica, e o risco acrescido de as vítimas retirarem a sua queixa apesar de terem sido vítimas de um crime, é importante que os elementos de prova pertinentes sejam recolhidos de forma exaustiva com a maior brevidade possível, em conformidade com as regras processuais nacionais aplicáveis.

(32)

Os Estados-Membros podem alargar o apoio judiciário, incluindo o apoio judiciário gratuito, às vítimas que denunciem crimes, sempre que tal esteja previsto no direito nacional. Ao avaliar os recursos da vítima para decidir da concessão de apoio judiciário, os Estados-Membros deverão ter em conta o acesso efetivo da vítima aos seus recursos financeiros. A violência doméstica pode traduzir-se no exercício de controlo económico pelo infrator, e as vítimas podem não ter acesso efetivo aos seus próprios recursos financeiros.

(33)

Em caso de violência doméstica e de violência contra as mulheres, especialmente quando cometidas por familiares próximos ou parceiros íntimos, as vítimas podem estar de tal forma coagidas pelo infrator que receiam contactar as autoridades competentes, mesmo que a sua vida esteja em perigo. Por conseguinte, os Estados-Membros deverão assegurar que as suas regras de confidencialidade não constituem um obstáculo para os profissionais de saúde apresentarem denúncia às autoridades competentes se tiverem motivos razoáveis para crer que existe um risco iminente de danos físicos graves. Essa denúncia justifica-se porque os atos em causa podem não ser denunciados pelas pessoas que são objeto de tais atos ou que os testemunham diretamente. Do mesmo modo, os casos de violência doméstica ou de violência contra as mulheres que afetam as crianças muitas vezes apenas são detetados por terceiros que observam comportamentos irregulares ou danos físicos na criança. As crianças têm de ser eficazmente protegidas contra essas formas de violência e devem ser rapidamente tomadas medidas adequadas. Por conseguinte, os profissionais que entrem em contacto com crianças vítimas, incluindo profissionais de saúde, dos serviços sociais ou da educação, também não devem ser restringidos pelas regras de confidencialidade se tiverem motivos razoáveis para crer que foram infligidos à criança danos físicos graves. Caso os profissionais denunciem tais casos de violência, os Estados-Membros deverão assegurar que não sejam responsabilizados por violações da confidencialidade. No entanto, deverá ser respeitado o segredo profissional, em conformidade com o artigo 7.o da Carta, justificado pelo papel fundamental atribuído aos advogados numa sociedade democrática. Quando o direito nacional o preveja, o segredo de confissão, ou princípios equivalentes aplicáveis para salvaguardar a liberdade de religião, deverá também ser protegido. Além disso, a possibilidade de os profissionais denunciarem tais casos de violência não prejudica as regras nacionais em matéria de confidencialidade das fontes aplicáveis no contexto dos meios de comunicação social.

(34)

A fim de combater as reduzidas percentagens de denúncia nos casos em que a vítima é uma criança, deverão ser previstos procedimentos de denúncia seguros e adaptados às crianças. Tal pode incluir inquéritos por parte das autoridades competentes numa linguagem simples e acessível. Os Estados-Membros deverão assegurar, tanto quando possível, a presença de profissionais especializados na prestação de cuidados e no apoio às crianças, a fim de lhes prestarem assistência nos procedimentos de denúncia. Poderão verificar-se circunstâncias em que essa assistência não seja relevante, por exemplo devido à maturidade da criança ou em caso de denúncia em linha, ou em que essa assistência possa ser difícil, por exemplo em zonas escassamente povoadas.

(35)

É importante que os Estados-Membros garantam que as vítimas que são nacionais de países terceiros, independentemente do seu estatuto de residência, não sejam desencorajadas de denunciar casos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica e sejam tratadas de forma não discriminatória no concernente ao seu estatuto de residência, em conformidade com os objetivos da Diretiva 2012/29/UE. Para proteger todas as vítimas da violência repetida, importa aplicar uma abordagem centrada nas vítimas. Em particular, deverá garantir-se que a execução do procedimento de regresso nos termos da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (6) não impeça as vítimas de exercerem o seu direito a serem ouvidas ao abrigo da Diretiva 2012/29/UE. Em conformidade com a Diretiva 2008/115/CE, os Estados-Membros podem decidir conceder autorizações de residência autónomas ou de outro tipo que, por razões compassivas, humanitárias ou outras, confiram o direito de permanência a nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território, e devem cumprir a obrigação prevista nessa diretiva de ter em conta, tanto quanto possível, as necessidades específicas das pessoas vulneráveis durante o prazo para a partida voluntária, quando tal prazo tenha sido concedido nos termos da mesma diretiva.

(36)

Os atrasos no tratamento das queixas de violência contra as mulheres e de violência doméstica podem criar riscos específicos para as vítimas, uma vez que estas ainda podem estar em perigo imediato e que os infratores podem, muitas vezes, ser familiares próximos ou cônjuges. Por conseguinte, as autoridades competentes deverão ter formação adequada e dispor de conhecimentos especializados adequados bem como de instrumentos de investigação eficazes para investigar e reprimir tais atos, sem terem de criar serviços ou unidades especializados.

(37)

A investigação e a repressão dos atos de violação não deverão depender da denúncia ou da queixa por parte da vítima ou do seu representante. Do mesmo modo, o processo penal deverá continuar a correr mesmo quando a vítima retira a queixa. Tal não prejudica o poder discricionário das autoridades competentes para o exercício da ação penal, de arquivar o processo penal por outros motivos, nomeadamente quando concluam pela ausência de provas suficientes para prosseguir o processo penal.

(38)

As vítimas de violência doméstica e de violência sexual necessitam normalmente de proteção imediata e de apoio específico, por exemplo no caso de violência nas relações íntimas, em que a taxa de reincidência tende a ser elevada. Por conseguinte, deverá ser iniciada uma avaliação individual das necessidades da vítima o mais cedo possível, nomeadamente no momento do primeiro contacto da vítima com as autoridades competentes, logo que possível após o primeiro contacto da vítima com as autoridades competentes, ou logo que surja a suspeita de que a pessoa é vítima de violência doméstica ou de violência sexual. Tal pode ser feito antes de a vítima ter formalmente denunciado um crime ou por iniciativa das próprias autoridades competentes se um terceiro o denunciar.

(39)

Ao avaliar as necessidades de proteção e apoio da vítima, a principal preocupação deverá ser garantir a segurança da vítima e a prestação de apoio personalizado, tendo em conta, nomeadamente, as circunstâncias individuais da vítima. As circunstâncias que requerem uma atenção especial poderão incluir, por exemplo, o facto de a vítima estar grávida, a sua dependência ou relação com o infrator ou o suspeito, o risco de a vítima voltar para junto do infrator ou suspeito, o facto de a vítima se ter separado recentemente do infrator ou suspeito, o potencial risco de os filhos serem usados para controlar a vítima, os riscos para as vítimas com deficiência, e a utilização dos animais de companhia para exercer pressão sobre a vítima. Deverá igualmente ser tido em conta o grau de controlo exercido pelo infrator ou suspeito sobre a vítima, tanto no plano psicológico como económico.

(40)

A fim de assegurar um amplo apoio e proteção às vítimas, todas as autoridades competentes e organismos relevantes, não limitadas às autoridades policiais e judiciais, deverão participar na avaliação dos riscos para as vítimas e das medidas de apoio adequadas, com base em orientações claras emitidas pelos Estados-Membros. Essas orientações deverão incluir fatores a ter em conta na avaliação do risco decorrente do infrator ou suspeito, incluindo a consideração de que os suspeitos acusados de crimes de menor gravidade podem ser tão perigosos quanto os acusados de crimes mais graves, especialmente em casos de violência doméstica e perseguição. As autoridades competentes deverão rever a avaliação individual a intervalos regulares, a fim de assegurar que nenhuma nova necessidade de proteção ou de apoio da vítima fique sem resposta. Por exemplo, essa revisão poderá ser efetuada em fases importantes do processo, tais como a abertura do processo judicial ou a pronúncia de sentença ou decisão, ou no contexto de processos para revisão dos acordos de guarda de menores ou direitos de visita.

(41)

A fim de evitar a vitimização secundária e repetida, a intimidação e a retaliação, as pessoas a cargo deverão beneficiar das mesmas medidas de proteção que a vítima, a menos que haja indicações de que as pessoas a cargo não têm necessidades específicas. As autoridades competentes deverão avaliar a existência de indicações de que a pessoa a cargo não tem necessidades de proteção específicas, uma vez que, sendo possível determinar que não existem necessidades de proteção específicas, todas as medidas baseadas no pressuposto errado de necessidades de proteção específicas são desproporcionadas. Devido à sua vulnerabilidade, as pessoas a cargo com menos de 18 anos estão particularmente em risco de sofrer danos emocionais o que prejudiquem o seu desenvolvimento. Se o direito nacional o previr, poderá considerar-se que outras pessoas a cargo correm um risco semelhante.

(42)

As vítimas necessitam frequentemente de apoio específico. Para garantir que recebem, de forma efetiva, ofertas de apoio, as autoridades competentes deverão encaminhar as vítimas para os serviços de apoio adequados. Tal deve ser o caso, em especial, quando uma avaliação individual tiver detetado que a vítima tem necessidades de apoio específicas. Quando seja necessário determinar se as crianças vítimas devem ser encaminhadas para serviços de apoio, o seu interesse superior deverá ser uma consideração primacial, como previsto no artigo 24.o da Carta. Os Estados-Membros deverão assegurar que o tratamento de dados pessoais conexos pelas autoridades competentes se baseia na legislação, em conformidade com as disposições aplicáveis relativas à licitude do tratamento previstas no Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho (7) e em conformidade com a Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho (8). Essa legislação deverá incluir garantias adequadas em matéria de dados pessoais que respeitem a essência do direito à proteção de dados e prevejam medidas adequadas e específicas para salvaguardar os direitos fundamentais e os interesses das pessoas singulares. Sempre que transfiram os dados pessoais das vítimas para os serviços de apoio para efeitos de encaminhamento das vítimas, as autoridades competentes deverão assegurar que os dados transferidos se limitam ao necessário para informar os serviços de apoio das circunstâncias do caso, de modo que as vítimas recebam o apoio e a proteção adequados. Os serviços de apoio só deverão conservar os dados pessoais durante o tempo que for necessário e, em qualquer caso, por um período não superior a cinco anos, ou por um prazo mais curto se fixado no direito nacional, após o último contacto entre o serviço de apoio e a vítima.

(43)

Os Estados-Membros deverão tomar as medidas necessárias para assegurar a disponibilidade de decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento e decisões de proteção, a fim de assegurar a proteção eficaz das vítimas e das pessoas a cargo.

(44)

Os Estados-Membros deverão assegurar que possam ser emitidas decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento ou decisões de proteção em situações de perigo imediato, como aquelas em que o dano seja iminente ou já se tenha materializado e seja provável que volte a ser infligido, sem que essas decisões substituam a prisão e detenção de suspeitos e infratores, que permanecem sujeitas ao direito nacional. Quando, nos termos do direito nacional, essas decisões estejam sujeitas à apresentação de um pedido por parte da vítima, as vítimas deverão ser informadas da possibilidade de as requerer.

(45)

As decisões de proteção podem incluir a proibição do infrator ou suspeito aceder a determinadas localidades, de se aproximar da vítima ou das pessoas a cargo a uma distância inferior à prescrita, ou de as contactar, nem que seja através da utilização de interfaces em linha. As decisões de proteção podem também incluir a proibição de posse de armas de fogo ou armas mortais, se necessário. As decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento ou decisões de proteção deverão ser emitidas por um período determinado ou até à sua alteração ou revogação.

(46)

A vigilância eletrónica garante, se tal for necessário, o cumprimento das decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento e decisões de proteção, o registo de provas de violações destas decisões e o reforço da supervisão dos infratores. Sempre que disponível, e se mostrar adequado e pertinente, tendo em conta as circunstâncias do caso e a natureza jurídica do processo, deverá ser ponderada a vigilância eletrónica para assegurar a execução das decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento e decisões de proteção. Caso se recorra à vigilância eletrónica, as vítimas deverão ser sempre informadas sobre as capacidades e limitações desta alternativa.

(47)

A fim de salvaguardar a eficácia das decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento e decisões de proteção, as violações dessas decisões deverão ser objeto de sanções. Essas sanções podem ser de natureza penal ou não penal e podem incluir prisão, multas ou quaisquer outras sanções que sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas. É essencial que as vítimas tenham a possibilidade de ser informadas sobre a violação de decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento ou decisões de proteção, quando tal violação possa ter um impacto na sua segurança. Tendo em conta que uma violação das decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento ou decisões de proteção pode aumentar os riscos e implicar um reforço da proteção, deverá ser ponderada, se necessário, uma revisão da avaliação individual após uma violação comprovada.

(48)

A apresentação de provas relativas ao comportamento sexual passado, às preferências sexuais da vítima, à aparência ou ao vestuário da vítima para questionar a credibilidade e a falta de consentimento das vítimas em casos de violência sexual, especialmente em casos de violação, pode reforçar a perpetuação de estereótipos prejudiciais das vítimas e conduzir a uma vitimização repetida ou secundária. Por conseguinte, os Estados-Membros deverão assegurar que os elementos de prova relativos ao comportamento sexual passado da vítima, ou a outros aspetos da sua vida privada, só sejam autorizados se tal for necessário para avaliar uma questão específica no caso em apreço ou para o exercício dos direitos de defesa.

(49)

Dadas as especificidades e circunstâncias únicas em causa nas infrações de violência contra as mulheres e de violência doméstica, as orientações destinadas às autoridades responsáveis pela aplicação da lei e às autoridades competentes para o exercício da ação penal têm um valor intrínseco. Devido às vulnerabilidades específicas das vítimas, é essencial disponibilizar orientações sobre a forma como deverão ser tratadas em cada fase do processo, a fim de aumentar a sensibilização e evitar a revitimização na resposta a esses tipos de infrações. As orientações destinadas às autoridades competentes para o exercício da ação penal podem ser entendidas como um manual de procedimentos e uma referência para as melhores práticas. Em especial no que diz respeito à forma de abordar as vítimas e de as tratar em função das suas circunstâncias e experiências únicas, os serviços de apoio especializado às mulheres podem oferecer aconselhamento e orientação especializados com base nas suas interações diárias com as vítimas. Os Estados-Membros são incentivados a consultar e a cooperar com os serviços de apoio especializado às mulheres para a criação e revisão de tais orientações. Os Estados-Membros deverão rever as suas orientações destinadas às autoridades responsáveis pela aplicação da lei e às autoridades competentes para o exercício da ação penal sempre que ocorram desenvolvimentos importantes nos seus regimes jurídicos ou na sociedade em geral. Tal pode incluir casos em que se verifiquem alterações substanciais à legislação em vigor ou à jurisprudência estabelecida ou em que surjam novas tendências ou formas de violência, em especial quando os desenvolvimentos tecnológicos conduzem a novas formas de ciberviolência.

(50)

Tendo em conta a complexidade e a gravidade dos crimes de violência contra as mulheres e a violência doméstica, bem como as necessidades de apoio específicas das vítimas, os Estados-Membros deverão assegurar que os organismos designados prestam apoio adicional e garantem a prevenção desses crimes. Tendo em conta os seus conhecimentos especializados em matéria de discriminação em razão do sexo, os órgãos nacionais para a promoção da igualdade de tratamento, criados em conformidade com a Diretiva 2004/113/CE (9) do Conselho e as Diretivas 2006/54/CE (10) e a 2010/41/UE (11) do Parlamento Europeu e do Conselho, estão bem colocados para desempenhar essas funções. Para que esses organismos possam desempenhar eficazmente as suas funções, os Estados-Membros deverão assegurar que lhes sejam disponibilizados recursos humanos e financeiros suficientes.

(51)

Certas infrações abrangidas pela presente diretiva implicam um risco acrescido de vitimização repetida, prolongada ou mesmo contínua. Esse risco ocorre especialmente em relação a infrações que envolvem a disponibilização de material resultante de determinados crimes de ciberviolência, através das TIC, tendo em conta a facilidade e a rapidez com que esse material pode ser distribuído em grande escala e as dificuldades que frequentemente existem quando se trata de remover esse material. Normalmente, este risco subsiste mesmo após uma condenação. Por conseguinte, a fim de salvaguardar eficazmente os direitos das vítimas dessas infrações, os Estados-Membros deverão tomar medidas adequadas para remover prontamente o material em questão. Tendo em conta que a remoção na fonte pode nem sempre ser exequível, por exemplo, devido a dificuldades jurídicas ou práticas relacionadas com a execução ou aplicação de uma decisão de remoção, os Estados-Membros deverão também ser autorizados a prever medidas para bloquear prontamente o acesso a esse material.

(52)

As disposições da presente diretiva relativas às decisões e outras medidas para a remoção e o bloqueio do acesso ao material relevante não deverão afetar as regras pertinentes contidas no Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho (12). Em especial, tais decisões deverão respeitar a proibição de impor obrigações gerais de vigilância ou de apuramento ativo dos factos e os requisitos específicos desse regulamento em matéria de decisões para suprimir conteúdos ilegais em linha.

(53)

As medidas que visem suprimir prontamente o material ou bloquear o acesso ao mesmo deverão incluir, em especial, a atribuição de poderes às autoridades nacionais para emitirem decisões a solicitar aos prestadores de serviços de alojamento que suprimam ou bloqueiem o acesso a um ou mais elementos específicos do material em questão. As autoridades nacionais também devem poder dirigir as decisões de bloqueio do acesso a outros prestadores de serviços intermediários relevantes.

(54)

Quaisquer medidas de supressão ou bloqueio, incluindo, em particular as decisões nesse sentido, são suscetíveis de afetar os direitos e interesses de outras partes além das vítimas, tais como os fornecedores de conteúdos, os prestadores de serviços de alojamento cujos serviços possam ser utilizados e os utilizadores finais desses serviços, podendo ainda afetar o interesse geral. Por conseguinte, importa assegurar que essas decisões e outras medidas só possam ser tomadas de forma transparente e que sejam previstas salvaguardas adequadas para assegurar que se limitem ao necessário e proporcionado, que a segurança jurídica seja assegurada, que os prestadores de serviços de alojamento, outros prestadores de serviços intermediários pertinentes e fornecedores de conteúdos possam exercer o seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva em conformidade com o direito nacional, e que seja alcançado um justo equilíbrio entre todos os direitos e interesses envolvidos, incluindo os direitos fundamentais de todas as partes em causa, em conformidade com a Carta. Uma ponderação cuidadosa de todos os direitos e interesses em causa numa base casuística é importante.

(55)

Tendo em conta a potencial importância do material que pode ser objeto de decisões ou outras medidas tomadas nos termos da presente diretiva no sentido de suprimir ou bloquear o acesso ao mesmo para efeitos de investigação ou repressão dos crimes em causa ao abrigo do direito penal, deverão ser tomadas as medidas necessárias para permitir que as autoridades competentes obtenham ou preservem esse material, se necessário. Essas medidas podem consistir, por exemplo, em exigir que os prestadores de serviços de alojamento relevantes ou outros prestadores de serviços intermediários relevantes transmitam o material a essas autoridades ou que conservem o material durante um período limitado que não exceda o necessário. Tais medidas deverão garantir a segurança do material, limitar-se ao razoável e proporcionado e respeitar as regras aplicáveis em matéria de proteção de dados pessoais.

(56)

A fim de evitar a vitimização secundária, as vítimas deverão poder obter uma indemnização no decurso do processo penal.

(57)

Os serviços de apoio especializado deverão prestar apoio às vítimas de todas as formas de violência contra as mulheres e de violência doméstica, incluindo violência sexual, mutilação genital feminina, casamento forçado, aborto e esterilização forçados, assédio sexual e várias formas de ciberviolência. Deverão ser prestados às vítimas serviços de apoio especializados, independentemente de terem ou não apresentado queixa formal.

(58)

Os serviços de apoio especializado deverão prestar apoio às vítimas adaptado às suas necessidades específicas. Esse apoio deverá ser prestado por uma pessoa do mesmo género, se tal for solicitado ou adequado e se essa pessoa estiver disponível. Com base nos requisitos definidos na Diretiva 2012/29/UE, o regime jurídico deve ser complementado para assegurar que os serviços de apoio especializado sejam dotados de todos os instrumentos necessários para prestar apoio específico e integrado às vítimas, tendo em conta as suas necessidades específicas. Tais serviços podem ser prestados em complemento dos serviços gerais de apoio às vítimas, ou como parte integrante desses serviços, que podem recorrer a instituições já existentes que prestem apoio especializado, por exemplo serviços de apoio especializado às mulheres. As autoridades públicas, as organizações de apoio às vítimas ou outras organizações não governamentais podem prestar apoio especializado, tendo em conta a geografia e a demografia dos Estados-Membros. Essas autoridades ou organizações deverão dispor de recursos humanos e financeiros suficientes. Caso os serviços sejam prestados por organizações não governamentais, os Estados-Membros deverão assegurar que recebam fundos adequados.

(59)

Os serviços de apoio especializado às mulheres podem desempenhar um papel crucial na prestação de aconselhamento e apoio às vítimas, incluindo os centros de apoio às mulheres, os abrigos para mulheres, as linhas de apoio, os centros de crise para vítimas de violação, os centros de atendimento a vítimas de violência sexual e os serviços de prevenção primária. Podem também ser prestados por organizações não governamentais lideradas por mulheres.

(60)

As vítimas têm normalmente múltiplas necessidades de proteção e apoio. A fim de responder eficazmente a essas necessidades, os Estados-Membros deverão prestar os serviços de apoio especializado nas mesmas instalações, coordenando serviços através de um ponto de contacto, ou facilitando o acesso a esses serviços através de um acesso único em linha. Um acesso único em linha deverá assegurar que as vítimas em zonas remotas ou que não consigam chegar fisicamente a esses serviços de apoio especializado também tenham acesso a esses serviços. Um acesso único em linha deverá implicar, pelo menos, a criação de um sítio Web único e atualizado em que sejam facultadas todas as informações e indicações para aceder aos serviços de apoio e proteção disponíveis. Esse sítio Web deverá respeitar os requisitos de acessibilidade para as pessoas com deficiência.

(61)

As vítimas têm necessidades de apoio únicas em função do trauma vivido. Os serviços de apoio especializado deverão prestar uma assistência às vítimas que as capacite e ajude no seu processo de recuperação. Os serviços de apoio especializado deverão estar disponíveis em número suficiente e estar adequadamente repartidos pelo território de cada Estado-Membro, tendo em conta a geografia e a demografia dos Estados-Membros em causa, bem como a oferta de meios em linha. Para o efeito, o apoio especializado deverá ser prestado, sempre que possível, numa língua que a vítima possa compreender e de uma forma adequada à sua idade.

(62)

Os serviços de apoio especializado, incluindo abrigos e centros de crise para vítimas de violação, deverão ser considerados essenciais durante crises e estados de emergência, incluindo durante crises sanitárias. O objetivo deverá ser continuar a propor esses serviços em situações em que os casos de violência doméstica e de violência contra as mulheres tendem a aumentar.

(63)

A assistência e o apoio às vítimas deverão ser prestados antes, durante e por um período adequado após o processo penal, por exemplo, se ainda for necessário tratamento médico para fazer face às graves consequências físicas ou psicológicas da violência ou se a segurança da vítima estiver em risco, em especial devido às declarações feitas pela vítima durante esse processo.

(64)

A natureza traumática da violência sexual, incluindo a violação, exige uma resposta particularmente sensível por parte de pessoal qualificado e especializado. As vítimas de violência sexual necessitam de apoio pós-traumático imediato, combinado com exames forenses imediatos para conservação de provas necessárias para uma futura ação penal. Deverão estar disponíveis centros de crise para vítimas de violação ou centros de atendimento a vítimas de violência sexual em número suficiente e repartidos de forma adequada pelo território de cada Estado-Membro, tendo em conta a geografia e a demografia do Estado-Membro em causa. Esses centros podem fazer parte do sistema de saúde existente no Estado-Membro. Do mesmo modo, as vítimas de mutilação genital feminina, que são frequentemente raparigas, necessitam normalmente de apoio específico. Por conseguinte, os Estados-Membros deverão assegurar que prestam um apoio específico adaptado a estas vítimas. Tendo em conta as circunstâncias únicas das vítimas dessas infrações e a vulnerabilidade associada a estas circunstâncias, esse apoio especializado deverá ser prestado com os mais elevados padrões de privacidade e confidencialidade.

(65)

O assédio sexual no trabalho é considerado uma forma de discriminação em razão do sexo pelas Diretivas 2004/113/CE, 2006/54/CE e 2010/41/UE. O assédio sexual no trabalho tem consequências negativas significativas, tanto para as vítimas como para os empregadores. Deverão ser prestados serviços de aconselhamento internos ou externos às vítimas e aos empregadores, sempre que o assédio sexual no trabalho seja especificamente criminalizado ao abrigo do direito nacional. Esses serviços deverão incluir informações sobre formas de dar uma resposta adequada a casos de assédio sexual no trabalho e sobre as vias de recurso disponíveis para afastar o infrator do local de trabalho.

(66)

Os Estados-Membros são incentivados a assegurar que as linhas telefónicas de apoio nacionais sejam acessíveis gratuitamente através do número harmonizado ao nível da União, ou seja, 116 016, para além de quaisquer números nacionais existentes, e que estejam disponíveis permanentemente. O público deverá ser devidamente informado da existência e utilização desse número harmonizado. Essas linhas de apoio deverão poder ser operadas por serviços de apoio especializados, incluindo serviços de apoio especializado às mulheres, em conformidade com as práticas nacionais. Os prestadores de linhas de apoio existentes, incluindo organizações não governamentais, têm uma experiência significativa na prestação desses serviços. O apoio prestado através dessas linhas de apoio deverá incluir aconselhamento em situações de crise e a disponibilização de informações às vítimas sobre serviços presenciais, como abrigos, serviços de apoio especializado, outros serviços sociais e de saúde pertinentes ou a polícia. As linhas de apoio às vítimas de crimes deverão poder encaminhar as vítimas para serviços de apoio especializado, linhas de apoio especializadas, ou ambos, sempre que necessário e solicitado.

(67)

Os abrigos e outros alojamentos provisórios adequados para vítimas de crimes desempenham um papel fundamental na proteção das vítimas contra atos de violência. Para além de proporcionarem um local seguro para ficar, os abrigos deverão prestar o apoio necessário no que respeita aos problemas de interligação relacionados com a saúde das vítimas, incluindo a saúde mental, a situação financeira e o bem-estar dos seus filhos, preparando, em última análise, as vítimas para uma vida autónoma. Os Estados-Membros deverão assegurar a disponibilidade de um número suficiente de abrigos e de outros alojamentos provisórios adequados. O termo «número suficiente» destina-se a assegurar a resposta às necessidades de todas as vítimas, tanto em termos de locais de abrigo como de apoio especializado. O relatório final de atividade do Grupo de Ação do Conselho da Europa de Combate à Violência contra as Mulheres, incluindo a Violência Doméstica, de setembro de 2008, recomenda alojamento seguro em abrigos especializados para mulheres, disponíveis em todas as regiões, com um lugar familiar por cada 10 000 habitantes. No entanto, o número de locais de abrigo deverá depender de uma estimativa realista das necessidades reais. A identidade das vítimas que ficam nesses abrigos deverá continuar a ser confidencial, a fim de garantir a segurança das mulheres. Os abrigos deverão estar equipados para dar resposta às necessidades específicas das mulheres, nomeadamente disponibilizando abrigos reservados a mulheres. Importa prever abrigos e outros alojamentos provisórios adequados para pessoas a cargo com menos de 18 anos de idade. No entanto, a segurança e o bem-estar das vítimas que ficam nesses abrigos e alojamentos continuam a ser a principal prioridade, em especial nos casos em que as vítimas e pessoas a cargo perto da idade adulta partilhem alojamento. Se os abrigos não forem gratuitos e os Estados-Membros solicitarem uma contribuição às vítimas alojadas em abrigos ou alojamentos provisórios, a contribuição deverá ser acessível e não impedir o acesso das vítimas a abrigos ou a alojamento provisório. Os abrigos deverão assegurar a presença de pessoal formado e especializado para interagir com as vítimas e as apoiar.

(68)

Para combater eficazmente as consequências negativas para as crianças, as medidas de apoio às crianças deverão incluir aconselhamento psicológico especializado adequado à idade, às necessidades de desenvolvimento e à situação individual da criança, juntamente com cuidados pediátricos, se necessário, e deverão ser prestadas logo que as autoridades competentes tenham motivos razoáveis para crer que as crianças possam ter sido vítimas, incluindo crianças testemunhas. Na prestação de apoio às crianças, os direitos da criança, conforme previstos no artigo 24.o da Carta, devem ser uma consideração primacial.

(69)

Tendo em conta as consequências ao longo da vida da violência contra as mulheres ou da violência doméstica para as crianças cuja progenitora tenha sido morta em resultado desses crimes, os Estados-Membros deverão assegurar que essas crianças possam beneficiar plenamente da presente diretiva, em especial através de medidas de proteção e apoio específicas, inclusive durante eventuais processos judiciais pertinentes.

(70)

A fim de garantir a segurança das crianças durante eventuais visitas a um infrator ou suspeito que seja titular da responsabilidade parental com direito de visita, como definido ao abrigo das regras de direito civil nacionais aplicáveis, os Estados-Membros deverão assegurar a disponibilização de locais neutros supervisionados, incluindo serviços de proteção das crianças ou de assistência social, para que essas visitas possam ser realizadas no interesse superior da criança. Se necessário, as visitas deverão ter lugar na presença de profissionais de serviços de proteção das crianças ou de assistência social. Sempre que seja necessário disponibilizar alojamento provisório, as crianças deverão ser acolhidas a título prioritário juntamente com o titular da responsabilidade parental que não seja o infrator ou suspeito. O interesse superior da criança deverá ser sempre tido em conta.

(71)

As vítimas de discriminação interseccional correm um risco acrescido de violência. Estas podem incluir mulheres com deficiência, as mulheres com o estatuto de residente dependente ou uma autorização de residência dependente, as mulheres migrantes não documentadas, as mulheres requerentes de proteção internacional, as mulheres que fogem de conflitos armados, as mulheres em situação de sem-abrigo, pertencentes a minorias raciais ou étnicas, que vivem em zonas rurais, as mulheres que se prostituem, as mulheres com baixos rendimentos, as mulheres detidas, as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais ou intersexuais, as mulheres idosas ou com distúrbios relacionados com o consumo de álcool e de drogas. As vítimas de discriminação interseccional deverão, por conseguinte, receber proteção e apoio específicos.

(72)

As mulheres com deficiências são desproporcionadamente alvo de violência contra as mulheres e de violência doméstica e, devido à sua deficiência, têm muitas vezes dificuldade em aceder a medidas de proteção e apoio. Por conseguinte, os Estados-Membros deverão assegurar que possam beneficiar plenamente dos direitos previstos na presente diretiva, em condições de igualdade com as demais pessoas, prestando simultaneamente a devida atenção à especial vulnerabilidade dessas vítimas e às suas prováveis dificuldades em procurar ajuda.

(73)

As ações para a prevenção à violência contra as mulheres e a violência doméstica deverão basear-se numa abordagem abrangente, composta por medidas preventivas primárias, secundárias e terciárias. As medidas preventivas primárias deverão visar a prevenção da ocorrência de violência e podem incluir ações como campanhas de sensibilização e programas educativos específicos para aumentar a compreensão, por parte do público em geral, das diferentes manifestações de todas as formas de violência e das suas consequências e para reforçar os conhecimentos sobre o consentimento no contexto das relações interpessoais desde tenra idade. As medidas preventivas secundárias deverão ter por objetivo detetar precocemente a violência e prevenir a sua progressão ou escalada numa fase precoce. A prevenção terciária deverá centrar-se na prevenção da reincidência e da revitimização e na gestão adequada das consequências da violência, podendo incluir a promoção da intervenção de pessoas que se encontrem nas proximidades, centros de intervenção precoce e programas de intervenção.

(74)

Os Estados-Membros deverão tomar as medidas preventivas adequadas. Tais medidas podem consistir em campanhas de sensibilização, a fim de combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica. A prevenção pode também ter lugar na educação formal, em especial através do reforço da educação sexual, das competências socioemocionais e da empatia e do desenvolvimento de relações saudáveis e respeitadoras. Tendo em conta as barreiras linguísticas e os diferentes níveis de literacia e de capacidades, os Estados-Membros deverão centrar medidas específicas nos grupos de maior risco, em que se incluem as crianças, tendo em conta a sua idade e maturidade, as pessoas com deficiência, as pessoas com distúrbios relacionados com o consumo de álcool e de drogas e as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais ou intersexuais.

(75)

Os Estados-Membros deverão tomar medidas para evitar que se desenvolvam estereótipos de género nocivos a fim de erradicar a ideia da inferioridade das mulheres ou os papéis estereotipados das mulheres e dos homens. Tal poderá também incluir medidas destinadas a garantir que a cultura, o costume, a religião, a tradição ou a honra não sejam encarados como uma justificação ou não deem origem a um tratamento mais indulgente dos crimes de violência contra as mulheres ou de violência doméstica. Deverão ser tomadas medidas preventivas que visem incentivar os homens e os rapazes a atuarem como modelos positivos de apoio à igualdade entre homens e mulheres, mas que tenham também como objetivo combater os estereótipos que inibem os homens de procurar ajuda em situações de violência exercida contra eles. Tendo em conta que, desde muito tenra idade, as crianças estão expostas a papéis de género que moldam a sua própria perceção e influenciam as suas escolhas académicas e profissionais, bem como a expectativas quanto ao seu papel enquanto mulheres e homens ao longo da sua vida, é crucial abordar os estereótipos de género desde a educação e acolhimento na primeira infância.

(76)

A fim de centrar os recursos onde são mais necessários, a obrigação de tomar medidas preventivas para aumentar a sensibilização para a mutilação genital feminina e o casamento forçado, bem como o alcance dessas medidas, deverá ser proporcional ao número de pessoas em risco ou afetadas por essa prática no Estado-Membro em causa.

(77)

A fim de assegurar que as vítimas de violência contra as mulheres e de violência doméstica são identificadas e recebem apoio e proteção adequados, os Estados-Membros deverão assegurar que os funcionários suscetíveis de entrar em contacto com as vítimas recebem formação e informação específica. Os membros do pessoal dos tribunais deverão ser obrigados a receber essa formação se for provável que entrem em contacto com as vítimas e apenas a um nível adequado ao contacto que têm com as vítimas. Deverá ser promovida formação para os advogados, os procuradores e os magistrados, bem como para os profissionais que prestem apoio às vítimas ou serviços de justiça restaurativa. Esta formação deverá incluir, consoante adequado, informação sobre os serviços de apoio específicos para os quais as vítimas devem ser encaminhadas, ou incluir formação especializada, caso as atividades se centrem em vítimas com necessidades especiais, bem como formação psicológica específica. As ações de formação deverão abranger o risco e a prevenção da intimidação e da vitimização repetida e secundária, bem como a disponibilidade de medidas de proteção e apoio às vítimas. Para prevenir e tratar adequadamente os casos de assédio sexual no trabalho, as pessoas com funções de supervisão deverão também receber formação, sempre que o assédio sexual no trabalho seja especificamente criminalizado ao abrigo do direito nacional. Essas pessoas também deverão receber informações sobre o risco de violência de terceiros. A violência de terceiros refere-se à violência que o pessoal pode sofrer no local de trabalho, às mãos de um colega de trabalho ou de um terceiro, incluindo casos como enfermeiras sexualmente assediadas por um doente.

(78)

A fim de definir uma abordagem global para prevenir e combater todas as formas de violência contra as mulheres e de violência doméstica, os Estados-Membros deverão assegurar que os funcionários e profissionais competentes recebam formação sobre uma cooperação multidisciplinar coordenada, a fim de assegurar que os organismos e autoridades governamentais pertinentes tratam rapidamente os casos transmitidos e que os especialistas pertinentes, nomeadamente nos domínios médico, jurídico, educativo ou social, participem no tratamento destes casos. Caberá aos Estados-Membros decidir como organizam as referidas formações. As obrigações previstas na presente diretiva não deverão ser interpretadas como interferindo com a autonomia das instituições de ensino superior.

(79)

A fim de combater uma baixa percentagem de denúncias, os Estados-Membros deverão estabelecer contactos com as autoridades responsáveis pela aplicação da lei no desenvolvimento de formações, em especial no que diz respeito a estereótipos de género nocivos, mas também na prevenção de crimes, dado o seu contacto tipicamente estreito com grupos em risco de violência e vítimas.

(80)

Deverão ser criados programas de intervenção para prevenir e minimizar o risco de cometimento de crimes de violência contra as mulheres ou de violência doméstica ou de reincidência. Os programas de intervenção deverão ser executados por profissionais formados e qualificados. Os programas de intervenção deverão ter como objetivo específico assegurar relações seguras e ensinar os infratores, ou os que estão em risco de cometer esses crimes, a adotarem comportamentos não violentos nas relações interpessoais e a combaterem os padrões de comportamento violentos. Os Estados-Membros poderão utilizar normas e orientações comuns elaboradas pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género para os programas de intervenção.

(81)

Deverão ser disponibilizadas informações sobre os programas de intervenção a um infrator ou suspeito de violência abrangido pela presente diretiva que seja objeto de uma decisão de interdição de emergência, uma decisão de afastamento ou uma decisão de proteção.

(82)

No que respeita aos crimes que constituem uma violação, os infratores deverão ser incentivados a participar em programas de intervenção para atenuar o risco de reincidência.

(83)

Os Estados-Membros deverão adotar e aplicar políticas eficazes, abrangentes e coordenadas que abranjam todas as medidas pertinentes para prevenir e combater todas as formas de violência contra as mulheres e de violência doméstica. Essas políticas deverão colocar os direitos da vítima no centro de todas as medidas. Os Estados-Membros deverão ter o poder discricionário de decidir quais as autoridades designadas ou criadas como organismos oficiais responsáveis pela coordenação, pela execução, pelo acompanhamento e pela avaliação das políticas e medidas de prevenção e combate a todas as formas de violência abrangidas pela presente diretiva, em conformidade com o princípio da autonomia processual dos Estados-Membros, desde que essas autoridades disponham das competências necessárias para desempenhar as funções previstas na presente diretiva. Os Estados-Membros deverão assegurar uma coordenação mínima das políticas a nível central, bem como, se for caso disso, a nível regional ou local, em conformidade com o direito nacional e sem prejuízo da repartição de competências em cada Estado-Membro. Essa coordenação pode fazer parte dos planos de ação nacionais.

(84)

As organizações da sociedade civil, incluindo as organizações não governamentais que trabalham com as vítimas, abrangem um vasto leque de intervenientes com múltiplos papéis e mandatos. Essas organizações disponibilizam conhecimentos especializados valiosos e a sua participação e os seus contributos podem ser benéficos durante a conceção, a execução e os processos de acompanhamento das políticas governamentais conexos.

(85)

No âmbito dos esforços de combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, os Estados-Membros deverão adotar planos de ação nacionais.

(86)

A fim de assegurar que as vítimas dos crimes de ciberviolência previstos na presente diretiva possam efetivamente exercer o seu direito à supressão de material ilegal relacionado com esses crimes, os Estados-Membros deverão incentivar a cooperação em matéria de autorregulação entre prestadores de serviços intermediários pertinentes. Para assegurar que esse material seja detetado numa fase precoce e combatido de forma eficaz e que as vítimas desses crimes sejam adequadamente assistidas e apoiadas, os Estados-Membros deverão também facilitar a criação ou utilização das medidas de autorregulação existentes de caráter voluntário, tais como códigos de conduta, ou a sensibilização para essas medidas. Essa facilitação deverá incluir medidas de autorregulação para a deteção de riscos sistemáticos, em especial para reforçar os mecanismos concebidos para combater a ciberviolência e melhorar a formação dos trabalhadores desses prestadores intermediários de serviços que participam na prevenção da violência e prestam assistência e apoio às vítimas. Essas medidas de autorregulação poderão complementar a ação a nível da União, em especial ao abrigo do Regulamento (UE) 2022/2065.

(87)

O intercâmbio de práticas de excelência e a consulta em casos individuais, no âmbito dos mandatos da Eurojust, a Rede Judiciária Europeia em matéria penal e de outras agências competentes da União, podem ser de grande valor para prevenir e combater todas as formas de violência contra as mulheres e a violência doméstica.

(88)

As políticas destinadas a combater adequadamente a violência contra as mulheres e a violência doméstica só podem ser formuladas com base em dados desagregados abrangentes e comparáveis. A fim de acompanhar eficazmente a evolução nos Estados-Membros, os Estados-Membros também são instados a realizar regularmente inquéritos. Tal pode ser feito utilizando a metodologia harmonizada da Comissão (Eurostat).

(89)

Os Estados-Membros deverão assegurar que os dados recolhidos para efeitos da presente diretiva se limitem ao estritamente necessário para apoiar a monitorização da prevalência e das tendências da violência contra as mulheres e da violência doméstica e conceber novas estratégias políticas neste domínio. Os Estados-Membros deverão facultar os dados e as informações solicitados ao Instituto Europeu para a Igualdade de Género a fim de permitir a comparabilidade, a avaliação e a análise desses dados a nível da União.

(90)

O tratamento de dados pessoais efetuado nos termos da presente diretiva, incluindo o intercâmbio ou a transmissão de dados pessoais pelas autoridades competentes, deverá ser realizado em conformidade com o Regulamento (UE) 2016/679 e as Diretivas 2002/58/CE (13) e (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho. Qualquer tratamento de dados pessoais pelas instituições, órgãos ou organismos da União deve ser efetuado em conformidade com os Regulamentos (UE) 2016/794 (14), (UE) 2018/1725 (15) e (UE) 2018/1727 (16) do Parlamento Europeu e do Conselho, ou com quaisquer outras regras aplicáveis da União em matéria de proteção de dados.

(91)

A presente diretiva prevê regras mínimas, pelo que os Estados-Membros são livres de adotar ou manter regras de direito penal mais rigorosas relativamente à definição dos crimes e das sanções no domínio da violência contra as mulheres. No que diz respeito às disposições da presente diretiva sobre os direitos das vítimas, os Estados-Membros podem introduzir ou manter disposições mais estritas, incluindo disposições que proporcionem um nível mais elevado de proteção e apoio às vítimas.

(92)

Atendendo a que o objetivo da presente diretiva, a saber, prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica em toda a União com base em regras mínimas comuns, não pode ser suficientemente alcançado pelos Estados-Membros, mas pode, devido à dimensão e aos efeitos das medidas previstas, ser mais bem alcançado ao nível da União, a União pode tomar medidas, em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do TUE. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente diretiva não excede o necessário para alcançar esse objetivo.

(93)

Nos termos do artigo 3.o do Protocolo n.o 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao TUE e ao TFUE, a Irlanda notificou, por carta de 22 de junho de 2022, a sua intenção de participar na adoção e na aplicação da presente diretiva.

(94)

Nos termos dos artigos 1.o e 2.o do Protocolo n.o 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE, a Dinamarca não participa na adoção da presente diretiva e não fica a ela vinculada nem sujeita à sua aplicação.

(95)

A Autoridade Europeia para a Proteção de Dados foi consultada nos termos do artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2018/1725 e emitiu parecer em 5 de abril de 2022,

ADOTARAM A PRESENTE DIRETIVA:

CAPÍTULO 1

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1.o

Objeto e âmbito de aplicação

1.   A presente diretiva cria regras em matéria de prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica. Prevê regras mínimas relativas:

a)

À definição de crimes e das sanções nos domínios da exploração sexual de mulheres e crianças e da criminalidade informática;

b)

Aos direitos das vítimas de todas as formas de violência contra as mulheres ou de violência doméstica antes, durante e por um período adequado após o processo penal;

c)

À proteção e apoio às vítimas, a prevenção e intervenção precoce.

2.   Os capítulos 3 a 7 são aplicáveis a todas as vítimas de crimes de violência contra as mulheres e de violência doméstica, independentemente do seu género. Estas vítimas são todas vítimas de atos criminalizados nos termos do capítulo 2, bem como vítimas de quaisquer outros atos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica, criminalizados nos termos de outros atos jurídicos da União ou do direito nacional.

Artigo 2.o

Definições

Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

a)

«Violência contra as mulheres», todos os atos de violência baseada no género dirigida contra uma mulher ou uma rapariga por ser mulher ou rapariga ou que afeta desproporcionadamente as mulheres ou as raparigas, que resultem, ou sejam passíveis de resultar, em dano ou sofrimento de natureza física, sexual, psicológica ou económica, incluindo as ameaças de tais atos, a coerção ou a privação arbitrária de liberdade, tanto na vida pública como na vida privada;

b)

«Violência doméstica», todos os atos de violência de natureza física, sexual, psicológica ou económica, que ocorram no seio da família ou do lar, independentemente da existência de laços familiares biológicos ou legais, ou entre os atuais ou ex-cônjuges ou parceiros, independentemente de o infrator partilha ou ter partilhado, o mesmo domicílio que a vítima;

c)

«Vítima», qualquer pessoa, independentemente do seu género, que tenha sofrido danos diretamente causados por violência contra as mulheres ou de violência doméstica, incluindo crianças que tenham sofrido danos por terem sido testemunhas de violência doméstica;

d)

«Prestador de serviços de alojamento», um prestador de serviços de alojamento na aceção do artigo 3.o, alínea g), subalínea iii), do Regulamento (UE) 2022/2065;

e)

«Prestador de serviços intermediários», um prestador de serviços intermediários na aceção do artigo 3.o, alínea g), do Regulamento (UE) 2022/2065;

f)

«Criança», qualquer pessoa com menos de 18 anos;

g)

«Pessoa a cargo», uma criança filho(a) da vítima ou qualquer pessoa, que não seja o infrator ou suspeito, que viva no mesmo agregado familiar da vítima, e a quem a vítima presta cuidados e apoio;

h)

«Autoridade competente», qualquer autoridade pública designada nos termos do direito nacional como competente para desempenhar uma função prevista na presente diretiva.

CAPÍTULO 2

INFRAÇÕES RELATIVAS À EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MULHERES E CRIANÇAS E CRIMES INFORMÁTICOS

Artigo 3.o

Mutilação genital feminina

Os Estados-Membros asseguram que os seguintes comportamentos intencionais sejam puníveis como crime:

a)

A excisão, infibulação ou qualquer outra mutilação total ou parcial dos grandes lábios, pequenos lábios ou clítoris;

b)

O ato de forçar uma mulher ou uma rapariga a submeter-se a qualquer um dos atos referidos na alínea a) ou de lhe providenciar os meios para esse fim.

Artigo 4.o

Casamento forçado

Os Estados-Membros asseguram que os seguintes comportamentos intencionais sejam puníveis como crime:

a)

Forçar um adulto ou uma criança a contrair matrimónio;

b)

Atrair um adulto ou uma criança para o território de um país que não aquele onde reside com a finalidade de forçar este adulto ou esta criança a contrair matrimónio.

Artigo 5.o

Partilha não consensual de material íntimo ou manipulado

1.   Os Estados-Membros asseguram que os seguintes comportamentos intencionais sejam puníveis como crime:

a)

Divulgação ao público, através das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), de imagens, vídeos ou materiais semelhantes que representem atos sexualmente explícitos ou as partes íntimas de uma pessoa, sem o consentimento dessa pessoa, sempre que esse comportamento seja suscetível de causar danos graves a essa pessoa;

b)

Produzir, manipular ou adulterar e, subsequentemente, disponibilizar publicamente, através das TIC, imagens, vídeos ou materiais semelhantes, dando a ideia de que uma pessoa participa em atos sexualmente explícitos, sem o consentimento dessa pessoa, sempre que esse comportamento seja suscetível de causar danos graves a essa pessoa;

c)

Ameaçar adotar os comportamentos referidos nas alíneas a) ou b), a fim de coagir uma pessoa a praticar, tolerar ou abster-se de um determinado ato.

2.   O n.o 1, alíneas a) e b), do presente artigo não afeta a obrigação de respeitar os direitos, as liberdades e os princípios consagrados no artigo 6.o do TUE e aplica-se sem prejuízo dos princípios fundamentais relacionados com a liberdade de expressão e de informação e a liberdade das artes e das ciências, tal como transpostos para o direito da União ou para o direito nacional.

Artigo 6.o

Ciberperseguição

Os Estados-Membros asseguram que sejam puníveis como crime os comportamentos intencionais de colocação repetida e contínua de uma pessoa sob vigilância, sem o seu consentimento ou sem uma autorização legal para o fazer, através das TIC, para acompanhar ou monitorizar os movimentos e as atividades dessa pessoa, quando tal comportamento for suscetível de causar danos graves a essa pessoa.

Artigo 7.o

Ciberassédio

Os Estados-Membros asseguram que os seguintes comportamentos intencionais sejam puníveis como crime:

a)

Praticar repetida ou continuamente comportamentos ameaçadores contra uma pessoa, pelo menos quando esses comportamentos envolvam ameaças de prática de crimes, através das TIC, caso tais comportamentos sejam suscetíveis de fazer com que essa pessoa receie seriamente pela sua própria segurança ou pela segurança de pessoas a cargo;

b)

Participar, juntamente com outras pessoas e através das TIC, em comportamentos públicos de caráter ameaçador ou insultuoso contra uma pessoa, sempre que tais comportamentos sejam suscetíveis de causar danos psicológicos graves a essa pessoa;

c)

Enviar a uma pessoa, sem que tal tenha sido solicitado e através das TIC, uma imagem, um vídeo ou outro material semelhante em que sejam exibidos órgãos genitais, sempre que esse comportamento seja suscetível de causar danos psicológicos graves a uma pessoa;

d)

Disponibilizar ao público, através das TIC, material que contenha os dados pessoais de uma pessoa, sem o seu consentimento, com o objetivo de incitar terceiros a causar danos físicos ou psicológicos graves a essa pessoa.

Artigo 8.o

Incitamento à violência e ao ódio em linha

1.   Os Estados-Membros asseguram que seja punível como crime o incitamento intencional à violência ou ao ódio contra um grupo de pessoas ou um dos seus membros, definido por referência ao género, através da disseminação, através das TIC, de material que contenha esse incitamento.

2.   Para efeitos do n.o 1, os Estados-Membros podem optar por punir apenas os comportamentos que forem praticados de um modo suscetível de perturbar a ordem pública ou que forem ameaçadores, abusivos ou insultuosos.

Artigo 9.o

Incitamento, auxílio, cumplicidade e tentativa

1.   Os Estados-Membros asseguram que o incitamento à prática dos crimes referidos nos artigos 3.o a 6.o e no artigo 7.o, primeiro parágrafo, alínea b), seja punível como crime.

2.   Os Estados-Membros asseguram que o auxílio e a cumplicidade na prática de qualquer um dos crimes referidos no artigo 3.o, primeiro parágrafo, alínea a), e nos artigos 4.o a 8.o sejam puníveis como crimes.

3.   Os Estados-Membros asseguram que a tentativa de cometer os crimes referidos nos artigos 3.o e 4.o seja punível como crime.

Artigo 10.o

Sanções

1.   Os Estados-Membros asseguram que os crimes referidos nos artigos 3.o a 9.o sejam puníveis com sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

2.   Os Estados-Membros asseguram que os crimes referidos no artigo 3.o sejam puníveis com uma pena máxima de, pelo menos, cinco anos de prisão.

3.   Os Estados-Membros asseguram que os crimes referidos no artigo 4.o sejam puníveis com uma pena máxima de, pelo menos, três anos de prisão.

4.   Os Estados-Membros asseguram que os crimes referidos nos artigos 5.o e 6.o, no artigo 7.o, primeiro parágrafo, alíneas a), b) e d), e no artigo 8.o sejam puníveis com uma pena máxima de, pelo menos, um ano de prisão.

Artigo 11.o

Circunstâncias agravantes

Na medida em que as seguintes circunstâncias não sejam elementos constitutivos dos crimes referidos nos artigos 3.o a 8.o, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que, em relação aos crimes relevantes referidos nesses artigos, uma ou várias das seguintes circunstâncias podem, em conformidade com o direito nacional, ser consideradas uma circunstância agravante:

a)

A infração ou outro crime de violência contra as mulheres ou de violência doméstica ter sido cometido repetidamente;

b)

A infração ter sido cometida contra uma pessoa considerada vulnerável em virtude de circunstâncias particulares, como uma situação de dependência, um estado de incapacidade física, mental, intelectual ou sensorial;

c)

A infração ter sido cometida contra uma criança;

d)

A infração ter sido cometida na presença de uma criança;

e)

A infração ter sido cometida por duas ou mais pessoas em conjunto;

f)

A infração foi precedida ou acompanhada por uma violência de extrema gravidade;

g)

A infração ter sido cometida com a utilização de uma arma ou sob a ameaça de utilização de uma arma;

h)

A infração ter sido cometida com uso da força, ameaça de uso da força ou através de coerção;

i)

O comportamento ter causado a morte da vítima ou danos físicos ou psicológicos graves para a vítima;

j)

O infrator já ter sido condenado por infrações da mesma natureza;

k)

A infração ter sido cometida contra um atual ou ex-cônjuge ou parceiro;

l)

A infração ter sido cometida por um familiar ou uma pessoa que coabita com a vítima;

m)

A infração ter sido cometida recorrendo ao abuso de uma posição reconhecida de confiança, de autoridade ou de influência;

n)

A infração ter sido cometida contra um representante público, um jornalista ou um defensor dos direitos humanos;

o)

A infração teve por intenção manter ou restabelecer a chamada «honra» de uma pessoa, de uma família, de uma comunidade ou de outro grupo similar;

p)

A intenção da infração era punir a vítima pela sua orientação sexual, género, cor, religião, origem social ou convicções políticas.

Artigo 12.o

Competência jurisdicional

1.   Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para determinar a sua competência jurisdicional relativamente aos crimes referidos nos artigos 3.o a 9.o, caso:

a)

A infração seja cometida, total ou parcialmente, no seu território; ou

b)

O infrator seja seu nacional.

2.   Os Estados-Membros informam a Comissão caso decidam estender a sua competência jurisdicional aos crimes referidos nos artigos 3.o a 9.o, cometidos fora do seu território, se:

a)

A infração for cometida contra um dos seus nacionais ou contra uma pessoa que resida habitualmente no seu território; ou

b)

O infrator residir habitualmente no seu território.

3.   Os Estados-Membros asseguram que a sua competência jurisdicional relativamente aos crimes referidos nos artigos 5.o a 9.o abrange as situações em que o crime é cometido através das TIC acessíveis no seu território, independentemente de o prestador de serviços intermediários estar ou não baseado no seu território.

4.   Nos casos a que se refere o n.o 1, alínea b), do presente artigo, cada Estado-Membro assegura que a sua competência jurisdicional relativamente aos crimes referidos nos artigos 3.o e 4.o não fique subordinada à condição de o comportamento referido nesses artigos ser punível como crime no Estado em que foi praticado.

5.   Nos casos a que se refere o n.o 1, alínea b), os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que o exercício da sua competência jurisdicional não fique subordinado à condição de a ação penal só poder ser iniciada após queixa apresentada pela vítima no lugar da prática do crime, ou a denúncia do Estado em cujo território o crime foi cometido.

Artigo 13.o

Prazos de prescrição

1.   Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para prever um prazo de prescrição que permita proceder à investigação, à ação penal, ao julgamento e à decisão judicial em relação aos crimes referidos nos artigos 3.o a 9.o, durante um prazo suficiente após a prática desses crimes, a fim de que esses crimes sejam combatidos com eficácia. O prazo de prescrição deve ser proporcional à gravidade do crime em causa.

2.   Se a vítima for uma criança, o prazo de prescrição relativo aos crimes referidos no artigo 3.o só começa a correr a partir do momento em que a vítima atingir 18 anos de idade.

CAPÍTULO 3

PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS E ACESSO À JUSTIÇA

Artigo 14.o

Denúncia da violência contra as mulheres e da violência doméstica

1.   Para além do direito das vítimas a apresentar uma denúncia ao abrigo do artigo 5.o da Diretiva 2012/29/UE, os Estados-Membros asseguram que as vítimas possam denunciar às autoridades competentes, os atos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica, através de canais acessíveis, fáceis de utilizar, seguros e prontamente disponíveis. Tal deve incluir, pelo menos no que respeita aos cibercrimes referidos nos artigos 5.o a 8.o da presente diretiva, a possibilidade de fazer denúncias em linha ou através de outras TIC acessíveis e seguras, sem prejuízo das regras processuais nacionais relativas à formalização da denúncia em linha.

Os Estados-Membros asseguram que a possibilidade de fazer denúncias em linha ou através de outras TIC acessíveis e seguras inclui a possibilidade de apresentar elementos de prova pelos meios previstos no primeiro parágrafo, sem prejuízo das regras processuais nacionais relativas à formalização da apresentação de elementos de prova.

2.   Os Estados-Membros asseguram que as vítimas tenham acesso a apoio judiciário em conformidade com o artigo 13.o da Diretiva 2012/29/UE. Os Estados-Membros podem alargar o apoio judiciário às vítimas que denunciem crimes, quando previsto pelo direito nacional.

3.   Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para encorajar qualquer pessoa que tenha conhecimento ou suspeite, de boa-fé, da prática de atos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica, ou de que são expectáveis atos de violência, a denunciar esse facto às autoridades competentes, sem receio de sofrer consequências negativas.

4.   Os Estados-Membros asseguram que os profissionais de saúde sujeitos a deveres de confidencialidade têm a possibilidade de comunicar às autoridades competentes se tiverem motivos razoáveis para crer que existe um risco iminente de virem a ser infligidos danos físicos graves a uma pessoa devido a violência contra as mulheres ou violência doméstica.

5.   Os Estados-Membros asseguram que, sempre que a vítima seja uma criança, sem prejuízo das regras relativas ao sigilo profissional ou, quando previsto no direito nacional, ao sigilo clerical ou princípios equivalentes, os profissionais sujeitos a deveres de confidencialidade nos termos do direito nacional possam apresentar denúncia às autoridades competentes se tiverem motivos razoáveis para crer que foram infligidos à criança danos físicos graves em resultado de violência contra as mulheres ou de violência doméstica.

6.   Sempre que as crianças denunciem atos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica às autoridades competentes, os Estados-Membros asseguram que os procedimentos de denúncia sejam seguros, confidenciais, acessíveis e concebidos de uma forma e numa linguagem adaptadas às crianças, em função da sua idade e maturidade.

Os Estados-Membros asseguram que profissionais qualificados para trabalhar com crianças prestem assistência durante os procedimentos de denúncia, a fim de garantir que atuam no interesse superior da criança.

Se o titular da responsabilidade parental estiver envolvido no ato de violência, os Estados-Membros asseguram que a capacidade de uma criança denunciar o ato não está subordinada ao consentimento do titular da responsabilidade parental e que as medidas necessárias para proteger a segurança da criança sejam tomadas pelas autoridades competentes antes de essa pessoa ser informada da denúncia.

Artigo 15.o

Investigação e ação penal

1.   Os Estados-Membros asseguram que as pessoas, as unidades ou os serviços que investigam e exercem a ação penal contra atos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica dispõem de conhecimentos especializados adequados nesse domínio e dispõem de instrumentos de investigação eficazes para investigar e exercer eficazmente a ação penal contra tais atos, especialmente para recolher, analisar e preservar provas eletrónicas em casos de cibercrime como os referidos nos artigos 5.o a 8.o.

2.   Os Estados-Membros asseguram que os atos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica denunciados sejam tratados e transferidos sem demora para as autoridades competentes para efeitos de investigação e de ação penal e para efeitos de adoção de medidas de proteção nos termos do artigo 19.o, sempre que necessário.

3.   Caso as autoridades competentes tenham fundamentos razoáveis para suspeitar da possibilidade da prática de um crime, assim que tiverem recebido uma queixa ou por sua própria iniciativa, devem, sem demora injustificada, investigar eficazmente atos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica. As autoridades competentes asseguram a conservação de um registo oficial e conservam um registo das conclusões e dos elementos de prova pertinentes, em conformidade com o direito nacional.

4.   A fim de contribuir para a preservação voluntária de provas, em especial nos casos de violência sexual, as autoridades competentes encaminham imediatamente as vítimas para os profissionais de saúde pertinentes ou para os serviços de apoio referidos nos artigos 25.o, 26.o e 27.o especializados no apoio à preservação de provas. As vítimas devem ser informadas da importância da recolha de elementos de prova com a maior brevidade possível.

5.   Os Estados-Membros asseguram que a investigação e repressão dos atos de violação não dependem da denúncia ou queixa por parte da vítima ou do seu representante, e que o processo penal não é interrompido apenas pelo facto de a denúncia ou a queixa ter sido retirada.

Artigo 16.o

Avaliação individual para identificar as necessidades de proteção das vítimas

1.   Além dos requisitos para a avaliação individual nos termos do artigo 22.o da Diretiva 2012/29/UE, os Estados-Membros asseguram que, pelo menos no que diz respeito às vítimas de violência sexual e às vítimas de violência doméstica, os requisitos previstos no presente artigo estão cumpridos.

2.   O mais cedo possível, nomeadamente no momento do primeiro contacto da vítima com as autoridades competentes ou logo que possível após o primeiro contacto com estas, as necessidades específicas de proteção da vítima devem ser identificadas através de uma avaliação individual, se necessário em colaboração com todas as autoridades competentes relevantes.

3.   A avaliação individual a que se refere o n.o 2 deve centrar-se nos riscos decorrentes do infrator ou suspeito. Esse risco deve incluir os seguintes elementos:

a)

O risco de violência repetida;

b)

O risco de danos corporais ou psicológicos;

c)

O possível uso de armas e acesso a armas;

d)

A coabitação do infrator ou do suspeito com a vítima;

e)

O abuso de drogas ou álcool por parte do infrator ou suspeito;

f)

O abuso de crianças;

g)

Problemas de saúde mental; ou

h)

O comportamento de perseguição.

4.   A avaliação individual a que se refere o n.o 2 deve ter em conta as circunstâncias individuais da vítima, incluindo se é vítima de qualquer ato de discriminação que combine a discriminação em razão do sexo com qualquer outro motivos ou quaisquer outros dos motivos de discriminação referidos no artigo 21.o da Carta («discriminação interseccional»), e, por conseguinte, enfrenta um risco acrescido de violência, e o próprio relato e avaliação da situação da vítima. Deve ser realizada tendo em conta o interesse superior da vítima, prestando especial atenção à necessidade de evitar a vitimização secundária ou repetida.

5.   Os Estados-Membros asseguram que as autoridades competentes tomam medidas de proteção adequadas, tendo em devida conta a avaliação individual a que se refere o n.o 2. Estas medidas podem incluir:

a)

As medidas ao abrigo dos artigos 23.o e 24.o da Diretiva 2012/29/UE;

b)

A emissão de decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento e decisões de proteção, nos termos do artigo 19.o da presente diretiva;

c)

Outras medidas para além das referidas nas alíneas a) e b) do presente número para gerir o comportamento do infrator ou suspeito, nomeadamente nos termos do artigo 37.o da presente diretiva.

6.   Sempre que adequado, a avaliação individual a que se refere o n.o 2 deve ser realizada em colaboração com outras autoridades competentes pertinentes, em função da fase do processo, e com os serviços de apoio pertinentes, tais como centros de proteção das vítimas, serviços especializados, serviços sociais, profissionais de saúde, abrigos, serviços de apoio especializado e outras partes interessadas pertinentes.

7.   As autoridades competentes devem examinar a intervalos regulares a avaliação individual a que se refere o n.o 2 e, se for caso disso, tomar medidas de proteção ou atualizar as medidas de proteção em curso nos termos do n.o 5, a fim de assegurar que dão resposta à situação atual da vítima.

8.   Presume-se que as pessoas a cargo têm necessidades de proteção específicas sem serem submetidas a uma avaliação individual a que se refere o n.o 2, a menos que haja indicações de que não têm necessidades específicas de proteção.

Artigo 17.o

Avaliação individual das necessidades de apoio das vítimas

1.   Os Estados-Membros asseguram que, tendo em conta a avaliação individual a que se refere o artigo 16.o, as autoridades competentes avaliam as necessidades de apoio individuais da vítima conforme previsto no capítulo 4. As autoridades competentes avaliam as necessidades de apoio individual das pessoas a cargo tal como previsto no capítulo 4, a menos que haja indicações de que não têm necessidades de apoio específicas.

2.   O disposto no artigo 16.o, n.os 4, 6 e 7, aplica-se à avaliação individual das necessidades de apoio das vítimas nos termos do n.o 1 do presente artigo.

Artigo 18.o

Encaminhamento para os serviços de apoio

1.   Se as avaliações referidas nos artigos 16.o e 17.o tiverem identificado necessidades específicas de apoio ou proteção, ou se a vítima solicitar apoio, os Estados-Membros asseguram que serviços de apoio, como os serviços de apoio especializados, em cooperação com as autoridades competentes, contactam as vítimas para oferecerem apoio, tendo em devida conta a sua segurança. Os Estados-Membros podem fazer depender tal contacto do consentimento da vítima.

2.   As autoridades competentes devem responder ao pedido de proteção e apoio apresentado pela vítima sem demora injustificada e numa forma coordenada.

3.   Os Estados-Membros asseguram que, se necessário, as autoridades competentes podem encaminhar as crianças vítimas para os serviços de apoio, se necessário sem o consentimento prévio do titular da responsabilidade parental.

4.   Os Estados-Membros asseguram que as autoridades competentes transmitem os dados pessoais pertinentes relativos à vítima e à situação da vítima aos serviços de apoio pertinentes, sempre que tal seja necessário para assegurar que a vítima recebe o apoio e a proteção adequados. Essa transmissão de dados deve ser confidencial. Os Estados-Membros podem subordinar tal transmissão de dados ao consentimento da vítima.

5.   Os serviços de apoio devem conservar os dados pessoais durante o tempo que for necessário para a prestação de serviços de apoio e, em qualquer caso, por um período não superior a cinco anos após o último contacto entre o serviço de apoio e a vítima.

Artigo 19.o

Decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento e decisões de proteção

1.   Os Estados-Membros asseguram que, em situações de perigo imediato para a saúde ou a segurança da vítima ou da pessoa a cargo, é concedido às autoridades competentes o poder de emitirem, sem demora injustificada, decisões dirigidas a um infrator ou suspeito de um ato de violência abrangido pela presente diretiva, ordenando-lhe que desocupe a residência da vítima ou das pessoas a cargo durante um período de tempo suficiente e proibir a entrada do infrator ou suspeito, ou a sua aproximação para além de uma distância prescrita, na residência ou no local de trabalho da vítima, ou proibir de contactar a vítima ou as pessoas a cargo de qualquer forma.

As decisões referidas no primeiro parágrafo do presente número têm efeito imediato e não dependem da denúncia do crime por parte da vítima ou do início de uma avaliação individual nos termos do artigo 16.o.

2.   Os Estados-Membros asseguram que é concedido às autoridades competentes o poder de emitirem decisões de afastamento ou decisões de proteção para proporcionar proteção durante o tempo que for necessário às vítimas contra quaisquer atos de violência abrangidos pela presente diretiva.

3.   Se a vítima for um adulto, os Estados-Membros podem exigir, em conformidade com o respetivo direito nacional, que as decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento e decisões de proteção previstas nos n.os 1 e 2 sejam proferidas a pedido da vítima.

4.   Os Estados-Membros asseguram que, sempre que seja pertinente para a segurança da vítima, as autoridades competentes informam as vítimas da possibilidade de requerer decisões de interdição de emergência, de afastamento e decisões de proteção, bem como da possibilidade de solicitar o reconhecimento transfronteiriço das decisões de proteção nos termos da Diretiva 2011/99/UE (17) ou do Regulamento (UE) n.o 606/2013 (18) do Parlamento Europeu e do Conselho.

5.   Qualquer violação das decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento ou decisões de proteção deve ser objeto de sanções penais ou não penais efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Os Estados-Membros asseguram que, sempre que se verificar uma violação desse tipo, é considerada, sempre que necessário, uma revisão da avaliação individual a que se refere o artigo 16.o, em conformidade com o n.o 7 do mesmo artigo.

6.   Os Estados-Membros asseguram que é dada às vítimas a oportunidade de serem notificadas, sem demora injustificada, em caso de violação de uma decisão de interdição de emergência, uma decisão de afastamento ou uma decisão de proteção suscetível de afetar a sua segurança.

7.   O presente artigo não obriga os Estados-Membros a alterarem os seus sistemas nacionais no que diz respeito à qualificação das decisões de interdição de emergência e decisões de proteção como estando abrangidas pelo direito penal, civil ou administrativo.

Artigo 20.o

Proteção da vida privada da vítima

Os Estados-Membros asseguram que, no processo penal, apenas sejam permitidos elementos de prova relativos ao comportamento sexual passado da vítima ou a outros aspetos da sua vida privada nos casos em que os mesmos sejam pertinentes e necessários.

Artigo 21.o

Orientações destinadas às autoridades responsáveis pela aplicação da lei e às autoridades competentes para o exercício da ação penal

Os Estados-Membros podem emitir orientações relativas a casos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica destinadas às autoridades competentes que atuam no âmbito de processos penais, incluindo orientações em matéria de ação penal. Essas orientações devem ser sensíveis às questões de género e ter caráter consultivo e podem incluir diretrizes sobre a forma de:

a)

Assegurar a identificação adequada de todas as formas de violência contra as mulheres e de violência doméstica;

b)

Recolher e preservar elementos de prova pertinentes, incluindo provas em linha;

c)

Realizar a avaliação individual nos termos dos artigos 16.o e 17.o, incluindo o processo de revisão de tais avaliações;

d)

Tratar casos que possam exigir a emissão ou execução de decisões de interdição de emergência, decisões de afastamento ou decisões de proteção;

e)

Tratar as vítimas de forma sensível ao trauma, ao género, às deficiências e ao facto de serem crianças e assegurar o direito da criança a ser ouvida e o interesse superior da criança;

f)

Assegurar que as vítimas são tratadas com respeito e que o processo é conduzido de forma a evitar a vitimização secundária ou repetida;

g)

Dar resposta às necessidades acrescidas de proteção e a todas as necessidades de apoio pertinentes das vítimas de discriminação interseccional prevista no artigo 33.o, n.o 1;

h)

Identificar e evitar estereótipos de género;

i)

Sensibilizar para todos os grupos de vítimas no contexto da violência doméstica;

j)

Encaminhar as vítimas para serviços de apoio especializado, nomeadamente serviços médicos, a fim de assegurar o tratamento adequado das vítimas e tratar adequadamente os casos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica sem demora injustificada; e

k)

Assegurar a proteção da privacidade e das informações confidenciais das vítimas.

A fim de assegurar que as orientações a que se refere o primeiro parágrafo sejam devidamente atualizadas, há que revê-las sempre que necessário, tendo em conta a forma como são aplicadas na prática.

Artigo 22.o

Papel dos organismos nacionais, nomeadamente dos órgãos para a promoção da igualdade de tratamento

1.   Os Estados-Membros designam um ou mais organismos e tomam as medidas necessárias para que desempenhem as seguintes funções:

a)

Publicar relatórios e formular recomendações sobre qualquer questão relacionada com a violência contra as mulheres e a violência doméstica, nomeadamente a recolha de boas práticas existentes; e

b)

Trocar informações com organismos europeus pertinentes, nomeadamente o Instituto Europeu da Igualdade entre Homens e Mulheres.

Para efeitos do primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem consultar organizações da sociedade civil.

2.   Os organismos referidos no n.o 1 do presente artigo podem fazer parte de órgãos para a promoção da igualdade de tratamento criados nos termos das Diretivas 2004/113/CE, 2006/54/CE e 2010/41/UE.

Artigo 23.o

Medidas para suprimir determinados materiais em linha

1.   Sem prejuízo do Regulamento (UE) 2022/2065, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que o material em linha acessível ao público referido no artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e b), e nos artigos 7.o e 8.o da presente diretiva seja rapidamente suprimido ou que o acesso ao mesmo seja bloqueado.

As medidas referidas no primeiro parágrafo do presente número incluem a possibilidade de as autoridades competentes emitirem decisões juridicamente vinculativas para suprimir ou bloquear o acesso a esse material. Os Estados-Membros asseguram que tais decisões respeitam, pelo menos, as condições previstas no artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento (UE) 2022/2065.

2.   As decisões referidas no segundo parágrafo do n.o 1 devem ser dirigidas aos prestadores de serviços de alojamento.

Caso a supressão não seja viável, as autoridades competentes podem igualmente dirigir decisões de bloqueio do acesso ao material em causa a prestadores de serviços intermediários relevantes que, não sendo prestadores de serviços de alojamento, tenham capacidade técnica e operacional para tomar medidas em relação ao material em causa.

3.   Os Estados-Membros asseguram que, caso um processo penal relativo às infrações referidas no artigo 5.o, n.o 1, alínea a) ou b), no artigo 7.o ou no artigo 8.o seja encerrado sem que se conclua que foi cometido uma infração, as decisões referidas no n.o 1, segundo parágrafo, do presente artigo sejam revogadas e os destinatários dessas decisões sejam informados desse facto.

4.   Os Estados-Membros asseguram que as decisões e outras medidas referidas no n.o 1 sejam tomadas de acordo com procedimentos transparentes e estejam sujeitas a salvaguardas adequadas, em especial para assegurar que essas decisões e outras medidas se limitam ao necessário e proporcionado e que sejam devidamente tidos em conta os direitos e interesses de todas as partes pertinentes envolvidas, incluindo os seus direitos fundamentais em conformidade com a Carta.

Os Estados-Membros asseguram que os prestadores de serviços de alojamento, outros prestadores de serviços intermediários pertinentes e os fornecedores de conteúdos afetados por uma decisão a que se refere o n.o 1, segundo parágrafo, têm direito a uma tutela jurisdicional efetiva. Esse direito abrange o direito de impugnação de tais decisões nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro da autoridade competente que proferiu a decisão.

5.   Os Estados-Membros asseguram que os fornecedores de conteúdos relevantes afetados por uma das decisões a que se refere o n.o 1, primeiro parágrafo, sejam informados, se necessário pelos prestadores de serviços de alojamento ou por quaisquer outros prestadores de serviços intermediários pertinentes em causa, dos motivos da supressão ou do bloqueio do acesso ao material nos termos das decisões ou outras medidas referidas no n.o 1 e da possibilidade de terem acesso a vias de recurso judicial.

6.   Os Estados-Membros asseguram que a supressão ou o bloqueio do acesso ao material nos termos das decisões ou outras medidas referidas no n.o 1 não impede as autoridades competentes de obterem ou preservarem, sem demora injustificada, os elementos de prova necessários para a investigação e repressão dos crimes referidos no artigo 5.o, n.o 1, alínea a) ou b), no artigo 7.o ou no artigo 8.o.

Artigo 24.o

Indemnização pelos infratores

1.   Os Estados-Membros asseguram que as vítimas tenham o direito de exigir aos infratores, em conformidade com o direito nacional, uma indemnização integral pelos danos resultantes de crimes de violência contra as mulheres ou de violência doméstica.

2.   Os Estados-Membros asseguram, se for caso disso, que as vítimas possam obter uma decisão sobre a indemnização no decurso do processo penal.

CAPÍTULO 4

APOIO ÀS VÍTIMAS

Artigo 25.o

Apoio especializado às vítimas

1.   Os Estados-Membros asseguram que os serviços de apoio especializado a que se refere o artigo 8.o, n.o 3, e o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2012/29/UE estejam disponíveis para as vítimas, independentemente de terem apresentado uma queixa formal.

Caso os serviços de apoio especializado a que se refere o primeiro parágrafo não sejam prestados como parte integrante dos serviços gerais de apoio às vítimas, os serviços de apoio geral e especializado devem ser coordenados.

Os serviços de apoio especializado a que se refere o primeiro parágrafo devem prestar:

a)

Informações e apoio sobre quaisquer questões jurídicas ou práticas relevantes decorrentes do crime, incluindo o acesso a habitação, educação, cuidados a crianças, formação, apoio financeiro e assistência para encontrar ou manter um emprego;

b)

Informações sobre o acesso a aconselhamento jurídico, incluindo a possibilidade de apoio judiciário, se disponível;

c)

Informações e, se for caso disso, encaminhamento para os serviços que prestam exames médicos e forenses, que podem incluir serviços de cuidados de saúde abrangentes, bem como informações sobre aconselhamento psicossocial e, se for caso disso, encaminhamento para aconselhamento psicossocial, incluindo cuidados pós-traumáticos;

d)

Apoio às vítimas de cibercrimes a que se referem os artigos 5.o a 8.o, incluindo sobre como documentar o cibercrime e as informações sobre vias de recurso judiciais e extrajudiciais para suprimir conteúdos em linha relacionados com o crime;

e)

Informações e, se for caso disso, encaminhamento para os serviços de apoio às mulheres, centros de crise para vítimas de violação, abrigos e centros de atendimento a vítimas de violência sexual; e

f)

Informações e, se for caso disso, encaminhamento para serviços de apoio especializado às vítimas em risco acrescido de violência, que podem incluir serviços de reabilitação e integração socioeconómica após a exploração sexual.

2.   Os serviços de apoio especializado a que se refere o n.o 1 devem ser prestados presencialmente, adaptados às necessidades das vítimas, facilmente acessíveis e prontamente disponibilizados, incluindo em linha ou através de outros meios adequados, como as TIC.

3.   Os Estados-Membros asseguram recursos humanos e financeiros suficientes para a prestação dos serviços de apoio especializado a que se refere o n.o 1.

Sempre que os serviços de apoio especializado a que se refere o n.o 1 sejam prestados por organizações não governamentais, os Estados-Membros devem proporcionar-lhes um financiamento adequado, tendo em conta a proporção de serviços de apoio especializado que já são prestados pelas autoridades públicas.

4.   Os Estados-Membros devem prestar os serviços de proteção e de apoio especializado necessários para responder de forma abrangente às múltiplas necessidades das vítimas, prestando esses serviços, nomeadamente os que são prestados por organizações não governamentais nas mesmas instalações, coordenando tais serviços através de um ponto de contacto ou facilitando o acesso a esses serviços através de um acesso único em linha.

Os serviços a que se refere o primeiro parágrafo incluem, pelo menos, cuidados médicos em primeira mão e encaminhamento para outros cuidados médicos, tal como previsto no sistema nacional de saúde, bem como serviços sociais, apoio psicossocial e serviços jurídicos e policiais, ou informação e encaminhamento para esses serviços.

5.   Os Estados-Membros asseguram que sejam emitidas orientações e protocolos para os profissionais de saúde e dos serviços sociais sobre a identificação e a prestação de apoio adequado às vítimas, nomeadamente sobre o encaminhamento das vítimas para os serviços de apoio pertinentes e sobre a prevenção da vitimização secundária.

As orientações e protocolos a que se refere o primeiro parágrafo devem indicar a forma de dar resposta às necessidades específicas das vítimas que correm um risco acrescido de violência em resultado de serem vítimas de discriminação em razão do sexo e de qualquer outro motivo ou quaisquer outros motivos de discriminação.

As orientações e protocolos a que se refere o primeiro parágrafo devem ser elaboradas de forma sensível ao género, ao trauma e tendo em atenção as crianças, em cooperação com os prestadores de serviços de apoio especializado, e devem ser revistos e, se for caso disso, atualizados de modo a refletir as alterações no direito e nas práticas.

6.   Os Estados-Membros asseguram a emissão de orientações e protocolos para os serviços de saúde que prestam cuidados médicos em primeira mão sobre a identificação e a prestação de apoio adequado às vítimas.

As orientações e protocolos a que se refere o primeiro parágrafo abrangem a preservação e a documentação dos elementos de prova, bem como a sua posterior transmissão aos centros forenses competentes, em conformidade com o direito nacional.

7.   Os Estados-Membros procuram assegurar que os serviços de apoio especializado a que se refere o n.o 1 permanecem plenamente operacionais para as vítimas em tempos de crise, como crises sanitárias ou outros estados de emergência.

8.   Os Estados-Membros asseguram que as vítimas disponham de serviços de apoio especializado a que se refere o n.o 1 antes, durante e por um período adequado após o processo penal.

Artigo 26.o

Apoio especializado às vítimas de violência sexual

1.   Os Estados-Membros devem prever centros de crise para vítimas de violação ou centros de atendimento a vítimas de violência sexual devidamente equipados e facilmente acessíveis, que possam fazer parte do sistema nacional de saúde, a fim de assegurar um apoio eficaz às vítimas de violência sexual e a gestão clínica da violação, incluindo a assistência na conservação e documentação de provas.

Os centros a que se refere o primeiro parágrafo devem prever um apoio sensível ao trauma e, se necessário, o encaminhamento para apoio especializado em trauma e aconselhamento às vítimas, após a prática da infração.

Os Estados-Membros asseguram que as vítimas de violência sexual tenham acesso a exames médicos e forenses. Esses exames podem ser efetuados nos centros referidos no presente número ou mediante encaminhamento para centros ou unidades especializados. Os Estados-Membros devem velar pela coordenação entre os centros de atendimento e os centros médicos e forenses competentes.

Se a vítima for uma criança, os serviços a que se refere o presente número devem ser prestados de forma adaptada às crianças.

2.   Os Estados-Membros devem prever um acesso atempado das vítimas de violência sexual aos serviços de saúde, incluindo serviços de saúde sexual e reprodutiva, em conformidade com o direito nacional.

3.   Os serviços referidos nos n.os 1 e 2 do presente artigo devem ser disponibilizados gratuitamente, sem prejuízo dos serviços prestados no âmbito do sistema nacional de saúde, e acessíveis todos os dias da semana. Estes podem fazer parte dos serviços referidos no artigo 25.o.

4.   Os Estados-Membros asseguram uma distribuição geográfica e capacidade suficientes dos serviços referidos nos n.os 1 e 2 em todos os Estados-Membros.

5.   O disposto no artigo 25.o, n.os 3 e 7, é aplicável à prestação de apoio às vítimas de violência sexual ao abrigo do presente artigo.

Artigo 27.o

Apoio especializado às vítimas de mutilação genital feminina

1.   Os Estados-Membros asseguram que as vítimas de mutilação genital feminina recebam apoio eficaz, adequado à idade e facilmente acessível, nomeadamente cuidados ginecológicos, sexológicos, psicológicos e pós-traumáticos e aconselhamento adaptado às necessidades específicas dessas vítimas, após a prática da infração e, posteriormente, durante o tempo que for necessário. Esse apoio inclui também a disponibilização de informações sobre as unidades hospitalares públicas que realizam cirurgia genital e reconstrutiva do clitóris.

O apoio a que se refere o primeiro parágrafo pode ser prestado pelos centros de atendimento referidos no artigo 26.o ou por qualquer centro de saúde específico.

2.   O disposto no artigo 25.o, n.os 3 e 7, e no artigo 26.o, n.o 3, é aplicável à prestação de apoio às vítimas de mutilação genital feminina ao abrigo do presente artigo.

Artigo 28.o

Apoio especializado às vítimas de assédio sexual no trabalho

Nos casos de assédio sexual no trabalho que constituam crime nos termos do direito nacional, os Estados-Membros asseguram a disponibilidade de serviços de aconselhamento externos para as vítimas e os empregadores. Esses serviços incluem informações sobre as formas de dar resposta adequada a casos de assédio sexual, incluindo sobre as vias de recurso disponíveis para afastar o infrator do local de trabalho.

Artigo 29.o

Linhas telefónicas de apoio às vítimas

1.   Os Estados Membros asseguram a disponibilidade de linhas telefónicas de apoio 24 horas por dia e sete dias por semana gratuitas à escala nacional para prestar informações e aconselhamento às vítimas.

As linhas de apoio a que se refere o primeiro parágrafo podem ser operadas por serviços de apoio especializados, em conformidade com as práticas nacionais.

As informações e o aconselhamento a que se refere o primeiro parágrafo devem ser prestados a título confidencial ou respeitando o anonimato da vítima.

Os Estados Membros são encorajados a disponibilizar igualmente as linhas de apoio a que se refere o primeiro parágrafo através de outras TIC seguras e acessíveis, incluindo aplicações em linha.

2.   Os Estados-Membros tomam as medidas adequadas para garantir a acessibilidade dos serviços a que se refere o n.o 1 do presente artigo para os utilizadores finais com deficiência, nomeadamente prestando apoio numa linguagem de fácil compreensão. Esses serviços devem ser acessíveis em conformidade com os requisitos de acessibilidade aplicáveis aos serviços de comunicações eletrónicas previstos no anexo I da Diretiva (UE) 2019/882 do Parlamento Europeu e do Conselho (19).

3.   Os Estados-Membros envidam esforços tendo em vista assegurar a prestação dos serviços referidos no n.o 1 numa língua que a vítima possa compreender, nomeadamente através de interpretação por telefone.

4.   O disposto no artigo 25.o, n.os 3 e 7, é aplicável à disponibilização de apoio e de linhas de apoio através das TIC ao abrigo do presente artigo.

5.   Os Estados Membros são incentivados a assegurar que os serviços referidos no n.o 1 para as vítimas de violência contra as mulheres sejam acessíveis através do número harmonizado a nível da União, a saber, 116 016, ou de outro número ou números nacionais existentes.

6.   Os Estados-Membros asseguram que os utilizadores finais sejam adequadamente informados sobre a existência e o número das linhas de apoio, nomeadamente através de campanhas de sensibilização regulares.

Artigo 30.o

Abrigos e outros alojamentos provisórios

1.   Os abrigos e outros alojamentos provisórios adequados previstos no artigo 9.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2012/29/UE («abrigos e outros alojamentos provisórios adequados») devem dar resposta específica às necessidades das vítimas de violência doméstica e de violência sexual, nomeadamente as vítimas expostas a um risco acrescido de violência. Devem prestar assistência às vítimas na sua recuperação ao proporcionarem condições de vida seguras, facilmente acessíveis, apropriadas e adequadas com vista ao regresso a uma vida independente e ao proporcionarem informações sobre os serviços de apoio e de orientação, incluindo o encaminhamento para cuidados médicos posteriores.

2.   Os abrigos e outros alojamentos provisórios adequados devem ser disponibilizados em número suficiente e devem ser facilmente acessíveis e equipados para satisfazer as necessidades específicas das mulheres, nomeadamente disponibilizando abrigos exclusivamente para mulheres com espaço para crianças, e garantindo os direitos e as necessidades das crianças, incluindo as crianças vítimas.

3.   Os abrigos e outros alojamentos provisórios adequados devem estar à disposição das vítimas e das pessoas a cargo com menos de 18 anos de idade, independentemente da sua nacionalidade, cidadania, local de residência ou estatuto de residente.

4.   O disposto no artigo 25.o, n.os 3 e 7, é aplicável aos abrigos e a outros alojamentos provisórios adequados.

Artigo 31.o

Apoio às crianças vítimas

1.   Os Estados-Membros asseguram que a criança receba um apoio adequado específico logo que as autoridades competentes tenham motivos razoáveis para crer que a criança possa ter sido vítima ou ter sido testemunha de violência contra as mulheres ou de violência doméstica.

O apoio às crianças deve ser especializado e adequado à idade, às necessidades de desenvolvimento e à situação individual da criança, respeitando o interesse superior da criança.

2.   As crianças vítimas devem receber cuidados médicos e apoio emocional, psicossocial, psicológico e educativo adequados à idade, adaptados às necessidades de desenvolvimento e à situação individual da criança, bem como qualquer outro apoio adequado, especialmente adaptado a situações de violência doméstica.

3.   Sempre que seja necessário facultar alojamento provisório, as crianças, depois de ouvidas sobre a questão, tendo em conta a sua idade e maturidade, devem ser acolhidas a título prioritário juntamente com outros membros da família, em especial com um progenitor ou titular de responsabilidade parental que não seja violento, em alojamentos permanentes ou temporários com serviços de apoio.

O princípio do interesse superior da criança é decisivo para a apreciação das questões relativas ao alojamento provisório.

Artigo 32.o

Segurança das crianças

1.   Os Estados-Membros asseguram que as autoridades competentes tenham acesso a informações relativas à violência contra as mulheres ou à violência doméstica que envolva crianças, na medida do necessário para permitir que essas informações possam ser tidas em conta na avaliação do interesse superior da criança no âmbito de processos civis relativos a essas crianças.

2.   Os Estados-Membros devem criar e manter locais seguros que permitam um contacto seguro entre uma criança e um titular de responsabilidade parental que seja infrator ou suspeito de violência contra as mulheres ou de violência doméstica, na medida em que o titular da responsabilidade parental tenha direito de visita. Os Estados-Membros asseguram, conforme adequado, a supervisão por profissionais formados no interesse superior da criança.

Artigo 33.o

Apoio específico às vítimas com necessidades interseccionais e grupos de risco

1.   Os Estados Membros asseguram a prestação de apoio específico às vítimas de discriminação interseccional que corram um risco acrescido de violência contra as mulheres ou de violência doméstica.

2.   Os serviços de apoio referidos nos artigos 25.o a 30.o devem dispor de capacidades suficientes para acolher as vítimas com deficiência, tendo em conta as suas necessidades específicas, nomeadamente a assistência pessoal.

3.   Os serviços de apoio devem estar disponíveis para os nacionais de países terceiros que sejam vítimas, em conformidade com o princípio da não discriminação referido no artigo 1.o da Diretiva 2012/29/UE.

Os Estados-Membros asseguram que as vítimas que solicitem este tipo de apoio possam ser separadas das pessoas do outro sexo em centros de detenção para nacionais de países terceiros objeto de um procedimento de regresso ou alojadas separadamente em centros de acolhimento para requerentes de proteção internacional.

4.   Os Estados-Membros asseguram que as pessoas podem comunicar ocorrências de violência contra as mulheres ou de violência doméstica em instituições e nos centros de acolhimento e de detenção ao pessoal competente, bem como a existência de procedimentos que assegurem que o referido pessoal ou as autoridades competentes dão uma resposta adequada e rápida a tais denúncias, em conformidade com os requisitos enunciados nos artigos 16.o, 17.o e 18.o.

CAPÍTULO 5

PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO PRECOCE

Artigo 34.o

Medidas preventivas

1.   Os Estados-Membros tomam as medidas adequadas para prevenir a violência contra as mulheres e a violência doméstica, adotando uma abordagem abrangente a vários níveis.

2.   As medidas preventivas devem incluir a realização ou o apoio a campanhas ou programas de sensibilização específicos destinados às pessoas desde uma idade precoce.

As campanhas ou programas a que se refere o primeiro parágrafo podem incluir programas de investigação e educação para reforçar a sensibilização e a compreensão junto do público das diferentes manifestações e causas profundas de todas as formas de violência contra as mulheres e de violência doméstica, da necessidade de prevenção e, se for caso disso, das consequências dessa violência, em especial para as crianças.

Se for caso disso, as campanhas ou programas a que se refere o primeiro parágrafo podem ser desenvolvidos em cooperação com as organizações pertinentes da sociedade civil, os serviços especializados, os parceiros sociais, as comunidades afetadas e outras partes interessadas.

3.   Os Estados-Membros devem disponibilizar ao público, de forma facilmente acessível, informações sobre as medidas preventivas, os direitos das vítimas, o acesso à justiça e a um advogado, bem como as medidas de proteção e apoio disponíveis, incluindo tratamento médico, tendo em conta as línguas mais faladas no seu território.

4.   As medidas específicas devem centrar-se nos grupos de particular risco, como os referidos no artigo 33.o, n.o 1.

As informações destinadas às crianças devem ser formuladas ou ajustadas de uma forma adaptada às crianças. As informações são apresentadas em formatos acessíveis às pessoas com deficiência.

5.   As medidas preventivas devem visar, em especial, o combate aos estereótipos de género nocivos, a promoção da igualdade de género, do respeito mútuo e do direito à integridade da pessoa e os incentivos no sentido de todos, em particular homens e rapazes, servirem de modelos positivos para apoiar as alterações de comportamento correspondentes em toda a sociedade, em consonância com os objetivos da presente diretiva.

6.   As medidas preventivas devem contemplar e reduzir a procura de vítimas de exploração sexual.

7.   As medidas preventivas devem desenvolver ou aumentar a sensibilidade relativamente à prática nociva da mutilação genital feminina e do casamento forçado, tendo em conta o número de pessoas em risco ou que são afetadas por essas práticas no Estado-Membro em causa.

8.   As medidas preventivas devem dar resposta de forma específica aos cibercrimes referidos nos artigos 5.o a 8.o. Em especial, os Estados-Membros asseguram que essas medidas preventivas incluem o desenvolvimento de competências de literacia digital, nomeadamente um compromisso crítico com o mundo digital e pensamento crítico, por forma a permitir que os utilizadores identifiquem e combatam os casos de ciberviolência, procurem apoio e previnam a sua prática.

Os Estados-Membros promovem a cooperação multidisciplinar e das partes interessadas, incluindo entre os prestadores de serviços intermediários pertinentes e autoridades competentes, a fim de desenvolver e aplicar medidas destinadas a combater os cibercrimes referidos nos artigos 5.o a 8.o.

9.   Sem prejuízo do artigo 26.o da Diretiva 2006/54/CE, os Estados-Membros tomam as medidas que forem apropriadas e adequadas para combater, nas políticas nacionais pertinentes, o assédio sexual no trabalho, sempre que este constitua crime nos termos do direito nacional. As referidas políticas nacionais podem identificar e prever as medidas específicas a que se refere o n.o 2 do presente artigo para os setores em que os trabalhadores estão mais expostos.

Artigo 35.o

Medidas específicas para prevenir a violação e promover o papel central do consentimento nas relações sexuais

1.   Os Estados-Membros tomam as medidas adequadas para promover mudanças nos padrões comportamentais assentes nas relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens ou baseadas em papéis estereotipados para mulheres e homens, em especial no contexto das relações sexuais, do sexo e do consentimento.

As medidas a que se refere o primeiro parágrafo devem basear-se nos princípios da igualdade de género e da não discriminação, bem como nos direitos fundamentais, e abordar, em especial, o papel central do consentimento nas relações sexuais, que deve ser dado voluntariamente em resultado da livre vontade da pessoa.

As medidas a que se refere o primeiro parágrafo devem incluir campanhas ou programas de sensibilização, a disponibilização e distribuição de material educativo sobre o consentimento e a ampla disseminação de informações sobre medidas de prevenção da violação.

As medidas a que se refere o primeiro parágrafo devem ser promovidas ou postas em prática regularmente, incluindo, se for caso disso, em cooperação com a sociedade civil e as organizações não governamentais, em especial as organizações de mulheres.

2.   As campanhas ou programas de sensibilização a que se refere o n.o 1, terceiro parágrafo, visam, em especial, reforçar a tomada de consciência de que relações sexuais não consensuais constituem uma infração penal.

3.   O material educativo sobre consentimento a que se refere o n.o 1, terceiro parágrafo, deve promover a compreensão de que o consentimento deve ser dado voluntariamente em resultado da livre vontade de uma pessoa, do respeito mútuo e do direito à integridade sexual e à autonomia física. Esse material deve ser adaptado à evolução das capacidades das pessoas a quem se dirige.

4.   As informações a que se refere o presente artigo devem ser amplamente disseminadas com vista a informar o público em geral sobre as medidas existentes de prevenção da violação, incluindo a disponibilidade dos programas de intervenção referidos no artigo 37.o.

Artigo 36.o

Formação e informação dos profissionais

1.   Os Estados-Membros asseguram que os funcionários que poderão entrar em contacto com as vítimas, como agentes da polícia e pessoal dos tribunais, recebam formação geral e especializada e informações específicas a um nível adequado ao seu contacto com a vítima, por forma a estar em posição de identificar, prevenir e combater os casos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica e tratar as vítimas de forma sensível ao trauma, ao género e ao facto de serem crianças.

2.   Os Estados-Membros promovem ou oferecem formação aos profissionais de saúde, aos serviços sociais e ao pessoal docente suscetíveis de entrar em contacto com as vítimas, a fim de lhes permitir identificar casos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica e encaminhar as vítimas para serviços de apoio especializados.

3.   Sem prejuízo da independência do poder judicial e das diferenças de organização dos sistemas judiciários na União, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para garantir que seja concedida formação geral e especializada aos juízes e aos magistrados do Ministério Público com atividade no âmbito do processo penal e da investigação, no que respeita aos objetivos da presente diretiva e que seja adequada às funções desses juízes e magistrados do Ministério Público. Tal formação deve basear-se nos direitos humanos, ser centrada nas vítimas e ser sensível às questões de género, à deficiência e à situação das crianças.

4.   Sem prejuízo da independência da profissão jurídica, os Estados-Membros devem recomendar aos responsáveis pela formação dos advogados que disponibilizem formação geral e especializada a fim de aumentar a sua sensibilização em relação às necessidades das vítimas e tratar as vítimas de forma sensível ao trauma, ao género e ao facto de serem crianças.

5.   Os profissionais de saúde pertinentes, incluindo pediatras, ginecologistas, obstetras, parteiras e profissionais de saúde encarregados de apoio psicológico, devem receber formação específica para identificar e abordar, de uma forma culturalmente sensível, as consequências físicas, psicológicas e sexuais da mutilação genital feminina.

6.   As pessoas com funções de supervisão no local de trabalho, tanto no setor público como no privado, devem receber formação que lhes permita reconhecer, prevenir e combater o assédio sexual no trabalho, sempre que este constitua crime nos termos do direito nacional. As pessoas com essas funções e os empregadores devem receber informação sobre os efeitos da violência contra as mulheres e da violência doméstica no trabalho e sobre o risco de violência de terceiros.

7.   As atividades de formação referidas nos n.os 1, 2 e 5 devem incluir formação sobre a cooperação pluridisciplinar coordenada, a fim de permitir um tratamento abrangente e adequado dos processos enviados para consulta em casos de violência contra as mulheres ou de violência doméstica.

8.   Sem afetar a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social, os Estados-Membros devem incentivar e apoiar a criação de atividades de formação dos meios de comunicação social por organizações de profissionais dos meios de comunicação social, organismos de autorregulação dos meios de comunicação social e representantes do setor ou outras organizações independentes pertinentes, a fim de combater os retratos estereotipados de mulheres e homens, as imagens sexistas das mulheres e a culpabilização das vítimas nos meios de comunicação social, com vista a reduzir o risco de violência contra as mulheres ou de violência doméstica.

As atividades de formação a que se refere o primeiro parágrafo podem ser ministradas por organizações da sociedade civil pertinentes, organizações não governamentais que trabalham com as vítimas, parceiros sociais e outras partes interessadas.

9.   Os Estados-Membros asseguram que as autoridades competentes para receber denúncias de crimes por parte das vítimas recebam formação adequada para facilitar e prestar assistência no processo de denúncia dessas infrações e evitar uma vitimização secundária.

10.   As atividades de formação a que se referem os n.os 1 a 5 do presente artigo devem ser complementadas por um acompanhamento adequado, nomeadamente no que respeita aos cibercrimes referidos nos artigos 5.o a 8.o, e basear-se nas especificidades da violência contra as mulheres e da violência doméstica. As atividades de formação podem incluir formação sobre métodos de identificação e resposta às necessidades específicas de proteção e apoio às vítimas que enfrentam um risco acrescido de violência por serem objeto de discriminação interseccional.

11.   As medidas previstas nos n.os 1 a 9 devem ser aplicadas sem prejuízo da independência do poder judicial, da auto-organização das profissões regulamentadas e das diferenças na organização do poder judicial em toda a União.

Artigo 37.o

Programas de intervenção

1.   Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar a criação de programas de intervenção específicos com o objetivo de prevenir e minimizar o risco da prática de violência contra as mulheres ou de violência doméstica, ou de reincidência.

2.   Os programas de intervenção referidos no n.o 1 devem ser disponibilizados para participação de pessoas que tenham cometido uma infração de violência contra as mulheres ou de violência doméstica e podem ser disponibilizados para participação de outras pessoas que se considere estarem em risco de cometer tais infrações. Pode tratar-se de pessoas que sentem a necessidade de participar, por exemplo porque receiam poder cometer qualquer infração de violência contra as mulheres ou de violência doméstica.

3.   Os Estados-Membros asseguram que o autor de uma violação seja incentivado a participar num programa de intervenção a que se refere o n.o 1.

CAPÍTULO 6

COORDENAÇÃO E COOPERAÇÃO

Artigo 38.o

Políticas coordenadas e órgão de coordenação

1.   Os Estados-Membros adotam e aplicam políticas eficazes, abrangentes e coordenadas a nível nacional que abranjam todas as medidas pertinentes para prevenir e combater todas as formas de violência contra as mulheres e de violência doméstica.

2.   Os Estados-Membros devem designar ou criar um ou mais órgãos oficiais responsáveis pela coordenação, execução, acompanhamento e avaliação das políticas e medidas de prevenção e combate a todas as formas de violência cobertas pela presente diretiva.

3.   O órgão ou os órgãos a que se refere o n.o 2 coordenam a recolha de dados a que se refere o artigo 44.o e analisam e disseminam os respetivos resultados.

4.   Os Estados-Membros asseguram que as políticas sejam coordenadas a nível central e, se for caso disso, a nível regional e local, de acordo com a repartição de competências no Estado-Membro em causa.

Artigo 39.o

Planos de ação nacionais para prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica

1.   Até 14 de junho de 2029, os Estados-Membros adotam, em consulta com os serviços de apoio especializado, se for caso disso, planos de ação nacionais para prevenir e combater a violência de género.

2.   Os planos de ação nacionais a que se refere o n.o 1 podem incluir prioridades e ações para prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica, os seus objetivos e os mecanismos de acompanhamento, os recursos necessários para a concretização dessas prioridades e ações e as modalidades de afetação desses recursos.

3.   Os Estados-Membros asseguram que os planos de ação nacionais referidos no n.o 1 sejam revistos e atualizados para garantir que se mantenham pertinentes.

Artigo 40.o

Coordenação e cooperação interinstitucionais

1.   Os Estados Membros criam mecanismos adequados, de acordo com o direito nacional ou as práticas nacionais, para assegurar uma coordenação e cooperação eficazes entre as autoridades, agências e organismos competentes, incluindo os provedores de justiça, as autoridades locais e regionais, as autoridades policiais e judiciais, sem prejuízo da independência judicial, os serviços de apoio, em especial serviços de apoio especializado para mulheres, bem como as organizações não governamentais, os serviços sociais, incluindo as autoridades de proteção da criança ou de proteção social, os prestadores de serviços de educação e de saúde, os parceiros sociais, sem prejuízo da sua autonomia, e outras organizações e entidades pertinentes, para proteger as vítimas da violência contra as mulheres e da violência doméstica e para as apoiar.

2.   Os mecanismos de coordenação e cooperação a que se refere o n.o 1 do presente artigo devem dizer respeito, em particular, desde que tal seja pertinente, às avaliações individuais nos termos dos artigos 16.o e 17.o, à criação de medidas de proteção e apoio nos termos do artigo 19.o e do capítulo 4, às orientações de natureza consultiva nos termos do artigo 21.o, bem como às atividades de formação dos profissionais a que se refere o artigo 36.o.

Artigo 41.o

Cooperação com organizações não-governamentais

Os Estados-Membros devem cooperar e realizar consultas regulares com organizações da sociedade civil, nomeadamente organizações não governamentais que trabalham com vítimas, em particular no que diz respeito à prestação de um apoio adaptado às vítimas; a iniciativas de definição de políticas; a campanhas de informação e sensibilização; a programas de investigação e educação; a ações de formação; e ao acompanhamento e à avaliação do impacto das medidas de apoio e proteção das vítimas.

Artigo 42.o

Cooperação entre prestadores de serviços intermediários

Os Estados-Membros incentivam a cooperação em matéria de autorregulação entre os prestadores de serviços intermediários pertinentes, como a elaboração de códigos de conduta.

Os Estados-Membros reforçam a sensibilização para as medidas de autorregulação adotadas pelos prestadores de serviços intermediários no âmbito da presente diretiva, em especial as medidas para reforçar os mecanismos aplicados por esses prestadores de serviços intermediários destinados a combater o material em linha referido no artigo 23.o, n.o 1, e para melhorar a formação dos trabalhadores no que diz respeito à prevenção das infrações referidas na presente diretiva em matéria de assistência e apoio às vítimas dos crimes previstos na presente diretiva.

Artigo 43.o

Cooperação a nível da União

Os Estados-Membros tomam as medidas adequadas para facilitar a cooperação entre si e ao nível da União, a fim de melhorar a aplicação da presente diretiva. No quadro da referida cooperação, os Estados-Membros visam, pelo menos:

a)

Proceder ao intercâmbio de boas práticas entre si através das redes existentes que se ocupam de questões ligadas à violência contra as mulheres e à violência doméstica, bem como com as agências da União, nos domínios de competência respetivos;

b)

Se necessário, proceder a consultas mútuas em casos individuais, nomeadamente através da Eurojust e da Rede Judiciária Europeia em matéria penal nos domínios de competência respetivos.

Artigo 44.o

Recolha de dados e investigação

1.   Os Estados-Membros devem dispor de um sistema de recolha, desenvolvimento, produção e disseminação de estatísticas sobre a violência contra as mulheres ou a violência doméstica.

2.   As estatísticas referidas no n.o 1 devem incluir no mínimo os seguintes dados existentes a nível central, desagregados por sexo, faixa etária (criança/adulto) da vítima e do infrator e, se possível e pertinente, relação entre a vítima e o infrator e tipo de infração:

a)

O número anual de infrações denunciadas e de condenações por violência contra as mulheres ou violência doméstica, obtido a partir de fontes administrativas nacionais;

b)

O número de vítimas mortais de violência contra as mulheres ou de violência doméstica;

c)

O número e a capacidade dos abrigos por Estado-Membro; e

d)

O número de chamadas para as linhas de apoio nacionais.

3.   Os Estados-Membros procuram realizar inquéritos populacionais a intervalos regulares para se avaliar a prevalência e as tendências no que respeita a todas as formas de violência abrangidas pela presente diretiva.

Os Estados Membros transmitem os dados resultantes dos inquéritos referidos no n.o 1 à Comissão (Eurostat) logo que estejam disponíveis.

4.   A fim de assegurar a comparabilidade e a normalização dos dados administrativos em toda a União, os Estados-Membros procuram recolher dados administrativos com base em desagregações comuns desenvolvidas em cooperação e de acordo com as normas adotadas pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género, em conformidade com o n.o 5. Transmitem anualmente esses dados ao Instituto Europeu para a Igualdade de Género. Os dados transmitidos não podem conter dados pessoais.

5.   O Instituto Europeu para a Igualdade de Género apoia os Estados-Membros na recolha de dados a que se refere o n.o 2, nomeadamente prevendo normas comuns, tendo em conta os requisitos definidos nesse número.

6.   Os Estados-Membros devem disponibilizar ao público as estatísticas recolhidas nos termos do presente artigo num formato facilmente acessível. As referidas estatísticas não podem incluir dados pessoais.

7.   Pelo menos até ao final do quadro financeiro plurianual 2021-2027, a Comissão deve apoiar ou realizar investigação sobre as causas profundas, os efeitos, as incidências e as taxas de condenação das formas de violência abrangidas pela presente diretiva.

CAPÍTULO 7

DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 45.o

Comunicação de informações e reexame

1.   Até 14 de junho de 2032, os Estados-Membros comunicam à Comissão todas as informações úteis relativas ao funcionamento da presente diretiva necessárias para que a Comissão elabore um relatório sobre a avaliação da presente diretiva.

2.   Com base nas informações prestadas pelos Estados Membros nos termos do n.o 1, a Comissão procede a uma avaliação do impacto da presente diretiva e determina se o objetivo de prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica em toda a União foi alcançado e apresenta um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho. Esse relatório deve avaliar, em especial, se é necessário alargar o âmbito de aplicação da presente diretiva e introduzir novas infrações. Esse relatório deve ser acompanhado de uma proposta legislativa, se necessário.

3.   Até 14 de junho de 2032, a Comissão avalia se são necessárias novas medidas a nível da União para combater eficazmente o assédio sexual e a violência no local de trabalho, tendo em conta as convenções internacionais aplicáveis, o regime jurídico da União no domínio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional e o regime jurídico em matéria de segurança e saúde no trabalho.

Artigo 46.o

Relação com outros atos da União

1.   A presente diretiva não afeta a aplicação dos seguintes atos jurídicos:

a)

Diretiva 2011/36/UE;

b)

Diretiva 2011/93/UE,

c)

Diretiva 2011/99/UE;

d)

Diretiva 2012/29/UE;

e)

Regulamento (UE) n.o 606/2013;

f)

Regulamento (UE) 2022/2065.

2.   As medidas específicas de prevenção, proteção e de apoio às vítimas previstas nos capítulos 3, 4 e 5 da presente diretiva são aplicáveis para além das medidas previstas nas Diretivas 2011/36/UE, 2011/93/UE e 2012/29/UE.

Artigo 47.o

Liberdade de imprensa e liberdade de expressão noutros meios de comunicação social

A presente diretiva não afeta os regimes especiais de responsabilidade relacionados com os princípios fundamentais relativos à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão nos meios de comunicação social protegidos que existam nos Estados-Membros a partir de 13 de junho de 2024, desde que esses regimes possam ser aplicados no pleno respeito pela Carta.

Artigo 48.o

Cláusula de não regressão

A aplicação da presente diretiva não pode justificar uma redução do nível de proteção das vítimas. Essa proibição de redução do nível de proteção das vítimas não prejudica o direito de os Estados-Membros, tendo em conta a evolução da situação, preverem disposições legislativas ou regulamentares diferentes das vigentes em 13 de junho de 2024, desde que sejam cumpridos os requisitos mínimos nela previstos.

Artigo 49.o

Transposição

1.   Os Estados-Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 14 de junho de 2027. Do facto informam imediatamente a Comissão.

As disposições adotadas pelos Estados-Membros fazem referência à presente diretiva ou são acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. Os Estados-Membros estabelecem o modo como é feita a referência.

2.   Os Estados-Membros comunicam à Comissão o texto das disposições de direito interno que adotarem no domínio regulado pela presente diretiva.

Artigo 50.o

Entrada em vigor

A presente diretiva entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

Artigo 51.o

Destinatários

Os destinatários da presente diretiva são os Estados-Membros em conformidade com os Tratados.

Feito em Bruxelas, em 14 de maio de 2024.

Pelo Parlamento Europeu

A Presidente

R. METSOLA

Pelo Conselho

A Presidente

H. LAHBIB


(1)   JO C 443 de 22.11.2022, p. 93.

(2)  Posição do Parlamento Europeu de 24 de abril de 2024 (ainda não publicada no Jornal Oficial) e decisão do Conselho de 7 de maio de 2024.

(3)  Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas, e que substitui a Decisão-Quadro 2002/629/JAI do Conselho (JO L 101 de 15.4.2011, p. 1).

(4)  Diretiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho (JO L 335 de 17.12.2011, p. 1).

(5)  Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho (JO L 315 de 14.11.2012, p. 57).

(6)  Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados-Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO L 348 de 24.12.2008, p. 98).

(7)  Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO L 119 de 4.5.2016, p. 1).

(8)  Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados, e que revoga a Decisão-Quadro 2008/977/JAI do Conselho (JO L 119 de 4.5.2016, p. 89).

(9)  Diretiva 2004/113/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (JO L 373 de 21.12.2004, p. 37).

(10)  Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO L 204 de 26.7.2006, p. 23).

(11)  Diretiva 2010/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2010, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente e que revoga a Diretiva 86/613/CEE do Conselho (JO L 180 de 15.7.2010, p. 1).

(12)  Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022, relativo a um mercado único para os serviços digitais e que altera a Diretiva 2000/31/CE (Regulamento dos Serviços Digitais) (JO L 277 de 27.10.2022, p. 1).

(13)  Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva relativa à privacidade e às comunicações eletrónicas) (JO L 201 de 31.7.2002, p. 37).

(14)  Regulamento (UE) 2016/794 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016, que cria a Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol) e que substitui e revoga as Decisões 2009/371/JAI, 2009/934/JAI, 2009/935/JAI, 2009/936/JAI e 2009/968/JAI do Conselho (JO L 135 de 24.5.2016, p. 53).

(15)  Regulamento (UE) 2018/1725 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos e organismos da União e à livre circulação desses dados, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 45/2001 e a Decisão n.o 1247/2002/CE (JO L 295 de 21.11.2018, p. 39).

(16)  Regulamento (UE) 2018/1727 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que cria a Agência da União Europeia para a Cooperação Judiciária Penal (Eurojust), e que substitui e revoga a Decisão 2002/187/JAI do Conselho (JO L 295 de 21.11.2018, p. 138).

(17)  Diretiva 2011/99/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à decisão europeia de proteção (JO L 338 de 21.12.2011, p. 2).

(18)  Regulamento (UE) n.o 606/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013, relativo ao reconhecimento mútuo de medidas de proteção em matéria civil (JO L 181 de 29.6.2013, p. 4).

(19)  Diretiva (UE) 2019/882 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos requisitos de acessibilidade dos produtos e serviços (JO L 151 de 7.6.2019, p. 70).


ELI: http://data.europa.eu/eli/dir/2024/1385/oj

ISSN 1977-0774 (electronic edition)