ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 184

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

66.° ano
25 de maio de 2023


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

RESOLUÇÕES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

577.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.3.2023-23.3.2023

2023/C 184/01

Resolução do Comité Económico e Social Europeu — Unidos na defesa da democracia

1

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

577.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.3.2023-23.3.2023

2023/C 184/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Plano de Ação para a Juventude no âmbito da ação externa da UE 2022–2027 (parecer de iniciativa)

5

2023/C 184/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Papel dos jovens na transição ecológica (parecer exploratório a pedido da Presidência sueca)

13

2023/C 184/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Construção em madeira para reduzir as emissões de CO2 no setor da construção (Parecer exploratório a pedido da Presidência sueca do Conselho)

18


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

577.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.3.2023-23.3.2023

2023/C 184/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas para um elevado nível de interoperabilidade do setor público em toda a União (Regulamento Europa Interoperável) [COM(2022) 720 final — 2022/0379 (COD)] — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma política de interoperabilidade do setor público reforçada — Ligar serviços públicos, apoiar políticas públicas e proporcionar benefícios públicos — Rumo a uma Europa Interoperável[COM(2022) 710 final]

28

2023/C 184/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que harmoniza certos aspetos do direito da insolvência [COM(2022) 702 final — 2022/0408 (COD)]

34

2023/C 184/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho relativo aos desenhos ou modelos comunitários e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2246/2002 da Comissão [COM(2022) 666 final — 2022/0391 (COD)] — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à proteção legal de desenhos ou modelos (reformulação) [COM(2022) 667 final — 2022/0392 (COD)]

39

2023/C 184/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Relatório de prospetiva estratégica de 2022 — Geminação das transições ecológica e digital no novo contexto geopolítico [COM(2022) 289 final]

45

2023/C 184/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu — Trajetória rumo a um sistema de compensação da UE mais forte [COM(2022) 696 final] — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) n.o 648/2012, (UE) n.o 575/2013 e (UE) 2017/1131 no que respeita a medidas para atenuar as exposições excessivas a contrapartes centrais de países terceiros e melhorar a eficiência dos mercados de compensação da União [COM(2022) 697 final — 2022/0403 (COD)]

49

2023/C 184/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2011/16/UE relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade [COM(2022) 707 final — 2022/0413 (CNS)]

55

2023/C 184/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Para uma Diretiva relativa às sanções penais pela violação de medidas restritivas da União [COM(2022) 249 final]; — Proposta de decisão do Conselho relativa ao aditamento da violação de medidas restritivas da União aos domínios de criminalidade previstos no artigo 83.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [COM(2022) 247 final]; — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à definição das infrações penais e das sanções aplicáveis à violação de medidas restritivas da União [COM(2022) 684 final]

59

2023/C 184/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de recomendação do Conselho relativa a um rendimento mínimo adequado que garanta a inclusão ativa [COM(2022) 490 final — 2022/0299 (NLE)]

64

2023/C 184/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece as normas aplicáveis aos organismos de promoção da igualdade no que respeita à igualdade de tratamento e à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional [COM(2022) 688 final — 2022/0400 (COD)]; — Proposta de diretiva do Conselho que estabelece as normas aplicáveis aos organismos de promoção da igualdade nos domínios da igualdade de tratamento entre as pessoas sem distinção da origem racial ou étnica, da igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual, e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social e no acesso a bens e serviços e seu fornecimento, e que suprime o artigo 13.o da Diretiva 2000/43/CE e o artigo 12.o da Diretiva 2004/113/CE [COM(2022) 689 final — 2022/0401 (APP)]

71

2023/C 184/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Revisão do Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens [COM(2022) 581 final]

78

2023/C 184/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro de certificação da União relativo às remoções de carbono [COM(2022) 672 final — 2022/0394 (COD)]

83

2023/C 184/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité Das Regiões — Estado da União da Energia 2022 [nos termos do Regulamento (UE) 2018/1999 relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática] [COM(2022) 547 final]

88

2023/C 184/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Digitalizar o sistema energético — plano de ação da UE [COM(2022) 552 final]

93

2023/C 184/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 98/24/CE do Conselho e a Diretiva 2004/37/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos valores-limite para o chumbo e os seus compostos inorgânicos e para os di-isocianatos [COM(2023) 71 final — 2023/0033 (COD)]

101

2023/C 184/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2012/19/UE relativa aos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE) [COM(2023) 63 final — 2022/025 (COD)]

102

2023/C 184/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2014/65/UE para tornar os mercados de capitais na União mais atrativos para as empresas e facilitar o acesso das pequenas e médias empresas ao capital e que revoga a Diretiva 2001/34/CE [COM(2022) 760 final — 2022/0405 (COD)], — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às estruturas de ações com voto plural em empresas que procuram admitir à negociação as suas ações num mercado de PME em crescimento [COM(2022) 761 final — 2022/0406 (COD)], — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) 2017/1129, (UE) n.o 596/2014 e (UE) n.o 600/2014 a fim de tornar os mercados de capitais abertos à subscrição pública na União mais atraentes para as empresas e facilitar o acesso das pequenas e médias empresas ao capital [COM(2022) 762 final — 2022/0411 (COD)]

103

2023/C 184/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Assegurar a disponibilidade e a acessibilidade dos adubos [COM(2022) 590 final]

109


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

RESOLUÇÕES

Comité Económico e Social Europeu

577.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.3.2023-23.3.2023

25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/1


Resolução do Comité Económico e Social Europeu — Unidos na defesa da democracia

(2023/C 184/01)

Relatores:

Stefano MALLIA (MT-I)

Oliver RÖPKE (AT-II)

Séamus BOLAND (IE-III)

Base jurídica

Artigo 50.o do Regimento

Adoção em plenária

23.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

181/0/5

A recuperação pós-pandemia, os valores democráticos, o espaço cívico, a liberdade dos meios de comunicação social, a diversidade e a democracia liberal estão sob pressão dentro e fora das fronteiras da União Europeia (UE) e deterioraram-se desde o início da guerra em solo europeu: atualmente, menos de metade da população mundial vive num regime democrático.

Face à guerra atroz a que se assiste na Ucrânia e às suas consequências humanas, sociais e económicas devastadoras, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) apela para o reforço da democracia e dos valores democráticos.

A mobilização extraordinária das organizações da sociedade civil da UE que oferecem assistência humanitária, logística e médica ao povo ucraniano também demonstrou a importância de uma sociedade civil bem conectada, eficiente e dinâmica. Assistimos a movimentos das bases que lutam pela democracia não só na Ucrânia, mas também no Irão, na Bielorrússia e na Moldávia. Reforçar esses movimentos é reforçar as democracias.

Mais do que nunca, é importante investir em democracias mais resilientes e capazes de proteger melhor os nossos direitos fundamentais, assegurar uma paz duradoura e a estabilidade e, em última análise, gerar prosperidade para todos.

Não há dúvida de que devemos levar a cabo uma reflexão conjunta sobre novas formas de reforçar as estruturas da democracia participativa. É mais importante do que nunca dispor de uma sociedade civil forte, independente e diversificada, enquanto ingrediente fundamental para uma cidadania ativa e uma democracia resiliente, capaz de salvaguardar o Estado de direito, os direitos fundamentais, a liberdade de expressão e a integridade do nosso modo de vida democrático. A democracia na UE está intrínseca e irrevogavelmente ligada aos conceitos de igualdade, justiça, respeito pelos direitos humanos e não discriminação, tal como disposto no artigo 2.o do Tratado da União Europeia (TUE).

Em tempos de mudança e de desafios complexos, a democracia deliberativa e participativa pode fazer parte de uma visão mais ampla da mudança sistémica que é necessária. Há muitas soluções que, se bem aplicadas, podem permitir aos responsáveis políticos tomar decisões difíceis sobre as mais espinhosas questões de política pública e contribuir para uma maior confiança entre cidadãos e governos. Tal passa necessariamente por garantir que as várias opiniões são tidas em conta e podem ser livremente exprimidas. No entanto, a democracia participativa não é uma panaceia. As sociedades democráticas enfrentam um vasto leque de desafios, que exigem diferentes métodos de participação. Por conseguinte, a governação democrática requer diferentes mecanismos para diferentes fins, a fim de tirar partido dos seus pontos fortes e de minimizar os pontos fracos.

Cumpre encontrar, coletivamente, um novo equilíbrio entre democracia representativa, democracia participativa e democracia direta.

As conclusões da Conferência sobre o Futuro da Europa sobre a democracia europeia, de 9 de maio de 2022, designadamente as propostas 36 e 39, estabeleceram como objetivo aumentar a participação dos cidadãos e reforçar as estruturas para a democracia participativa e as ações deliberativas. À luz dos resultados da Conferência sobre o Futuro da Europa e tendo em conta o papel importante que este Comité já desempenha, apresentam-se em seguida várias propostas que podem constituir um roteiro para um conjunto de reformas institucionais que permitam ao CESE cumprir melhor a sua missão.

Nessa continuidade, e tendo por base as Jornadas da Sociedade Civil de 2023, o CESE:

1.

solicita a aplicação efetiva do artigo 11.o do TUE, o que passa por criar uma estratégia europeia para a sociedade civil e um estatuto da associação europeia, a fim de interligar diferentes elementos constitutivos de um espaço verdadeiramente responsabilizador e inclusivo, em prol de uma participação reforçada e de um diálogo civil estruturado em todas as instituições da UE, nomeadamente convidando a sociedade civil organizada para cimeiras sociais e conferências de alto nível. Garantir uma participação mais significativa e ampla da sociedade civil também exige recursos. Cabe assegurar que as organizações da sociedade civil — incluindo as organizações de juventude e o setor da economia social e do voluntariado — têm acesso a melhores oportunidades de financiamento e a recursos flexíveis e sustentáveis, privados ou públicos, e dispõem de quadros de política justos e transparentes, nomeadamente no domínio da proteção transfronteiras, a fim de reforçar as suas capacidades e resiliência;

2.

salienta a necessidade de reforçar o papel fundamental da sociedade civil organizada e dos parceiros sociais no apoio à democracia deliberativa, em complemento da democracia representativa, e de consolidar o diálogo civil em todos os Estados-Membros e na UE. A força e o poder das democracias europeias assentam numa cooperação sólida e em grande escala entre a UE e os seus Estados-Membros. Essa cooperação deve ajudar a reforçar as capacidades das organizações da sociedade civil, uma vez que, enquanto entidades independentes, estas são «guardiãs do bem comum» e desempenham um papel essencial na identificação de soluções sustentáveis, na promoção de inovações societais e no reforço da confiança mútua nas sociedades. As organizações da sociedade civil também ajudam a identificar processos, disponibilizam conhecimentos especializados que contribuem para uma maior diversidade de debates, e facilitam a democracia participativa, tal como previsto nos Tratados;

3.

preconiza uma abordagem holística e cooperativa no domínio da educação e da formação para superar os desafios atuais. As organizações da sociedade civil e os parceiros sociais, que dispõem de capital político e de conhecimentos concretos e conhecem de perto as necessidades e as lacunas atuais, devem participar na formulação da política europeia para as competências. Neste contexto, defende que 2025 deveria ser designado Ano Europeu dos Voluntários, uma vez que o setor tem um papel fundamental a desempenhar no desenvolvimento de competências informais;

4.

salienta que as competências transversais — cooperação, pensamento crítico, resolução de problemas, gestão democrática e coletiva, resolução de conflitos, educação cívica e literacia mediática — são a verdadeira espinha dorsal de uma democracia participativa e deliberativa. Estas competências são fundamentais para combater as tendências antidemocráticas, promover os valores europeus e superar as atuais clivagens socioeconómicas e políticas, capacitando simultaneamente as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais para a conceção conjunta de políticas mediante mecanismos consultivos ou participativos, de forma a responsabilizar os intervenientes, assegurar a transparência e promover a cidadania ativa;

5.

está empenhado em contribuir para o desenvolvimento de instrumentos que reforcem a democracia participativa e deliberativa — como a Iniciativa de Cidadania Europeia e as consultas públicas em linha da UE —, que devem ser plenamente acessíveis e comunicados ao público em geral;

6.

salienta a importância das eleições europeias de 2024 e do papel crucial que as organizações da sociedade civil desempenham no incentivo à participação dos eleitores, no fomento do sentimento pró-europeu e no combate à abstenção e à desinformação. Insta as famílias políticas europeias a sublinharem, nos seus manifestos eleitorais, o papel das organizações da sociedade civil no reforço da vida democrática;

7.

reitera a sua disponibilidade para, juntamente com as demais organizações da sociedade civil e instituições da UE, assegurar a ligação com os cidadãos no debate em torno do projeto europeu, sem se cingir aos que já estão convencidos do seu valor e indo ao seu encontro nas suas comunidades, territórios, cidades e aldeias. Por conseguinte, é fundamental oferecer a possibilidade de participação em debates públicos e promover uma cultura participativa a todos os níveis;

8.

entende que a Comissão deveria prever, na sua organização, pessoas de contacto para o diálogo civil, e deveria promover junto dos Estados-Membros o reforço das estruturas de diálogo civil, apoiando a sua criação onde ainda não existam e mobilizando fundos europeus para o efeito. Esta iniciativa contribuiria para uma maior divulgação e qualidade do diálogo civil, ajudando, assim, a Comissão e os Estados-Membros a estarem mais cientes dos benefícios de um diálogo civil eficiente para a elaboração de políticas. Além disso, o diálogo civil seria reforçado com atividades de investigação e monitorização, que permitirão a identificação e partilha de boas práticas;

9.

salienta, a este respeito, que a participação dos jovens e das organizações de juventude é particularmente importante para mobilizar os eleitores que votam pela primeira vez e os jovens eleitores. A fim de assegurar a plena representatividade, cumpre apoiar soluções que permitam uma participação ampla e promovam a igualdade de oportunidades neste domínio. É necessário ir ao encontro das pessoas mais afastadas dos centros de decisão e dialogar com elas. Uma maior participação a nível local afigura-se necessária;

10.

insta, além disso, o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e os Estados-Membros a alterarem urgentemente o Ato Eleitoral de 1976, a fim de clarificar os princípios do sufrágio universal direto e da confidencialidade do voto. Tal permitiria definir normas aplicáveis em toda a UE, garantindo assim o direito de voto para as pessoas com deficiência.

Baseando-se nas recomendações acima referidas e na Conferência sobre o Futuro da Europa, o CESE:

11.

considera que o protocolo de cooperação recentemente assinado com a Comissão Europeia (27 de outubro de 2022) constitui um compromisso político renovado que visa contribuir para a agenda política europeia e para os principais objetivos (1) e aspirações da Europa, a saber, uma União Europeia competitiva, economicamente próspera, socialmente inclusiva e sustentável do ponto de vista ambiental, que assegure, simultaneamente, uma transição para a neutralidade climática, um processo de digitalização e uma resposta às alterações demográficas socialmente justos e equitativos, e garanta que o Pacto Ecológico Europeu e a Década Digital de 2030 são duas histórias de sucesso que beneficiam todos os europeus. A União Europeia deve também nortear-se pelo Pilar Europeu dos Direitos Sociais e por uma estratégia para a competitividade, os roteiros políticos que asseguram que ninguém fica para trás;

12.

está preparado para atuar como plataforma fundamental para a participação dos cidadãos e da sociedade civil organizada — um papel que, hoje, mais do que nunca, pode assumir com legitimidade —, incluindo no âmbito dos futuros painéis de cidadãos. Caber-lhe-ia, nesse papel, multiplicar o efeito das consultas aos cidadãos em curso organizadas pela Comissão Europeia e demais instituições, bem como recolher sistematicamente as opiniões da sociedade civil organizada europeia sobre as principais prioridades e políticas da agenda política europeia. Tal contribuiria para reforçar a confiança do público no projeto e nas instituições da UE, ao conferir aos cidadãos um papel efetivo no processo de decisão na esfera pública. O CESE responsabilizar-se-ia por acolher, orientar, supervisionar, conceber, organizar, gerir e facilitar os processos deliberativos com a ajuda de peritos externos e representantes de organizações da sociedade civil. Esta proposta baseia-se, em especial, no relatório final da Conferência sobre o Futuro da Europa, de 9 de maio de 2022, em que se afirma explicitamente a necessidade de «reforçar o papel institucional do CESE e dotá-lo de competências como facilitador e garante de atividades de democracia participativa, como o diálogo estruturado com as organizações da sociedade civil e os painéis de cidadãos». Neste contexto, as recomendações constantes dos pareceres de iniciativa do CESE e dos pareceres exploratórios solicitados pela Comissão devem ser revistas mediante avaliações das políticas da UE, se for caso disso;

13.

considera que os painéis de cidadãos e as consultas das organizações da sociedade civil podem centrar-se na definição da agenda, como a elaboração do programa de trabalho da Comissão, ou estar ligados ao ciclo de vida das principais prioridades legislativas. O contributo dos cidadãos poderia ser mais útil na fase pré-legislativa, a fim de deliberar e formular recomendações antes da apresentação de determinadas propostas (legislativas) cruciais. Para o efeito, os painéis de cidadãos e as consultas das organizações da sociedade civil poderiam realizar-se com base num roteiro e num calendário anuais, definidos pelo CESE em cooperação com as instituições europeias. Essas consultas podem realizar-se a pedido específico da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu, do Conselho da União Europeia, do CESE, por sua própria iniciativa ou por iniciativa de uma organização parceira, ou do Comité das Regiões Europeu;

14.

reitera que o ciclo de atividades poderia começar com o discurso sobre o estado da União e a declaração de intenções, tendo em vista o programa de trabalho anual da Comissão Europeia para o ano seguinte. As consultas realizar-se-iam durante o primeiro semestre do ano seguinte;

15.

em complemento dos instrumentos destinados a reforçar o Estado de direito, continuará a propor às outras instituições da UE a criação de um fórum anual da UE sobre direitos fundamentais, direitos humanos e o Estado de direito. Esse fórum melhoraria o trabalho de acompanhamento, ao permitir aos responsáveis políticos da UE receber alertas precoces por parte da sociedade civil organizada e das organizações das bases de todos os Estados-Membros da UE sobre a aplicação plena e transparente do artigo 2.o do TUE. Ademais, o Comité insta a Comissão Europeia a incluir um capítulo sobre a sociedade civil no Plano de Ação para a Democracia Europeia aquando da sua próxima revisão. O CESE desempenhará também um papel importante no acompanhamento dos processos de adesão dos países candidatos e facilitará um debate substantivo com as partes envolvidas, a fim de garantir o respeito dos valores europeus, incluindo os que dizem respeito às minorias nacionais e étnicas;

16.

passará a organizar uma Semana Europeia da Sociedade Civil, a fim de reforçar o seu papel enquanto «casa da sociedade civil europeia», e alargará o alcance das suas iniciativas emblemáticas, como as Jornadas da Sociedade Civil, o Dia da Iniciativa de Cidadania Europeia, «A tua Europa, a tua voz» e o Prémio para a Sociedade Civil. A iniciativa reunirá os principais intervenientes das organizações da sociedade civil europeias e nacionais e constituirá um fórum de diálogo sobre as questões que preocupam as partes interessadas da sociedade civil a nível europeu. O CESE procurará reforçar a atividade das bases, a fim de, tanto quanto possível, ir ao encontro daqueles que têm poucas oportunidades de participar nos debates sobre questões europeias e de assegurar que as suas vozes são tidas em conta nos processos de decisão.

Bruxelas, 23 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Artigos 2.o e 3.o do Tratado da União Europeia.


PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

577.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.3.2023-23.3.2023

25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/5


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Plano de Ação para a Juventude no âmbito da ação externa da UE 2022–2027

(parecer de iniciativa)

(2023/C 184/02)

Relator:

Michael MCLOUGHLIN

Correlatora:

Tatjana BABRAUSKIENĖ

Decisão da Plenária

22.9.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

6.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

157/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe com agrado o Plano de Ação para a Juventude no âmbito da ação externa da UE, mas salienta que a sua implementação e execução, que exigirão acompanhamento e supervisão, poderão revelar-se difíceis. O CESE pretende participar ativamente na execução do Plano de Ação para a Juventude.

1.2.

O CESE considera que os conhecimentos especializados e a experiência das organizações de juventude na União Europeia (UE) e em todo o mundo constituem um recurso valioso na execução do plano, tanto para a Comissão Europeia como para as delegações da UE. Aponta igualmente para a necessidade de dotar todo o pessoal da UE que trabalha no domínio da juventude de competências básicas em questões como espaços favoráveis aos jovens, competências em matéria de consulta e métodos de trabalho com jovens.

1.3.

O CESE entende que, durante a execução do plano de ação, há dois aspetos igualmente importantes que merecem ser alvo de atenção permanente: seguir atentamente os jovens mais marginalizados, incluindo os jovens com deficiência, e complementar todo o trabalho de liderança pelo apoio de base aos jovens nas comunidades locais. Os processos de liderança e participação devem ser concebidos de modo a assegurar um envolvimento a partir da base e processos ascendentes, a fim de gerar líderes integrados na vida quotidiana.

1.4.

O CESE salienta que a recolha e a monitorização de dados constituem um desafio fundamental para a execução do Plano de Ação para a Juventude, que deve prever a apresentação periódica de relatórios pela Comissão Europeia, o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), as agências financiadas pertinentes e as organizações da sociedade civil, em consonância com o levantamento e a análise das lacunas dos dados internacionais sobre jovens, realizados recentemente pela Comissão Europeia (1).

1.5.

O CESE acolhe favoravelmente e incentiva as ligações com o trabalho das Nações Unidas e das suas agências neste domínio, em particular no que diz respeito à Agenda para a Juventude, a Paz e a Segurança e quaisquer sinergias com o Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas.

1.6.

O CESE considera que as principais políticas da juventude da UE, como o Erasmus+ e a Garantia para a Juventude, podem ser úteis para o trabalho nos domínios da participação dos jovens e das políticas da juventude. Na utilização dessas estruturas, importa prestar atenção à independência dos procedimentos de candidatura e a questões como os vistos e as línguas.

1.7.

O CESE recomenda ao Conselho da UE que incentive os Estados-Membros a adotarem os seus próprios planos, centrados em questões semelhantes às do Plano de Ação para a Juventude, e a trabalharem em parceria com a sociedade civil, em particular as organizações de juventude. Além disso, há que desenvolver e reforçar as ligações e as parcerias da sociedade civil já existentes entre os Estados-Membros da UE e os países visados, em especial entre organizações de juventude.

1.8.

O CESE recomenda igualmente incentivar os países visados a estabelecerem as suas próprias políticas concretas e específicas de juventude e a criarem conselhos nacionais da juventude ou organismos equivalentes, sendo indispensável, para o efeito, dotá-los de instrumentos adequados. Ao mesmo tempo, a Comissão deve orientar-se pelos princípios dos direitos humanos ao apoiar os países visados.

1.9.

O CESE considera que é importante estabelecer ligações entre o Plano de Ação para a Juventude e o Ano Europeu das Competências, a fim de assegurar que este trabalho seja prioritário nos países parceiros.

1.10.

O CESE considera que as atividades centradas na educação se devem estruturar em torno da igualdade, em particular da proteção das raparigas, e que as estratégias devem assegurar a participação dos grupos mais difíceis de alcançar. Todas as oportunidades de bolsas de estudo devem ser abertas e transparentes e prever métodos que incentivem deliberadamente a participação dos grupos mais difíceis de alcançar.

1.11.

O CESE está firmemente convicto da importância de promover a participação dos cidadãos em todas as organizações da sociedade civil, como as organizações de juventude, os sindicatos e os grupos de jovens empresários.

1.12.

O CESE considera que a política comercial da UE deve examinar o seu impacto e a sua relação com os jovens, em particular no âmbito dos capítulos sobre comércio e sustentabilidade e dos acordos de parceria económica (APE).

1.13.

Em consonância com os resultados do estudo da Comissão Europeia, o CESE recomenda a criação de serviços de saúde mental, baseados na comunidade, especificamente concebidos para os jovens, bem como a definição de metas quantitativas e qualitativas para a melhoria da saúde mental a aplicar ao trabalho com os jovens no âmbito da ação externa.

1.14.

O CESE considera que o Plano de Ação para a Juventude deve reservar um lugar importante à luta contra o trabalho infantil, para que no século XXI este fenómeno passe finalmente a pertencer ao passado.

2.   Contexto: atividades pertinentes do CESE

2.1.

Em outubro de 2018, o CESE adotou o seu Parecer — Nova Estratégia da UE para a Juventude (2), no qual salienta a necessidade de adotar uma abordagem intersetorial da juventude e de dedicar mais atenção ao emprego, à saúde mental, à igualdade e à educação, realçando igualmente a importância das políticas de ação externa da UE a este respeito.

2.2.

Em setembro de 2020, o CESE adotou o Parecer — Rumo a uma participação estruturada dos jovens no processo decisório da UE no domínio do clima e da sustentabilidade (3), no qual solicita também a criação de mesas-redondas da juventude para o clima e a sustentabilidade, bem como a inclusão de um delegado da juventude nas reuniões da delegação oficial da UE às Conferências das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC) e a integração das vozes dos jovens nos pareceres do CESE sobre o clima e a sustentabilidade.

2.3.

No Parecer — Política para a juventude nos Balcãs Ocidentais, no âmbito da Agenda de Inovação para os Balcãs Ocidentais (4), adotado em julho de 2022, o CESE convidou os governos dos Balcãs Ocidentais a seguirem documentos essenciais da UE sobre políticas da juventude e a investirem mais em políticas da juventude baseadas em dados concretos para enfrentar os desafios de desenvolvimento da juventude, assegurando dotações orçamentais suficientes e transparentes.

2.4.

O CESE está numa posição privilegiada para facilitar o envolvimento com as redes de jovens. Criou um Grupo de Coordenação para o Ano Europeu da Juventude, cujo mandato incluía reforçar a cooperação com as organizações de juventude e os jovens durante e para além do Ano Europeu, bem como cooperar com as demais instituições da UE e as organizações da sociedade civil de forma a assegurar uma melhor integração transversal dos jovens nas suas atividades quotidianas. Em setembro de 2022, o CESE adotou o Parecer — Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE (5) e solicitou uma participação mais estruturada, significativa e direcionada dos jovens.

3.   Observações na generalidade sobre o Plano de Ação para a Juventude

3.1.

O CESE acolhe muito favoravelmente a Comunicação Conjunta — Plano de Ação para a Juventude no âmbito da ação externa da UE 2022-2027, que representa um passo importante na ação externa e na política de juventude, e que reconhece finalmente as potenciais sinergias entre estes dois domínios de intervenção. Além disso, no Ano Europeu da Juventude, esta evolução indica também o reconhecimento de que a juventude e as vidas dos jovens são transversais a todos os domínios de intervenção, sendo por isso necessário incluir as considerações relativas a este grupo em todo o trabalho político e não apenas nos domínios «tradicionais» associados aos jovens.

3.2.

A guerra na Ucrânia continua a ter graves repercussões na população civil, em particular nas crianças, nos adolescentes e nos jovens. Na Ucrânia, bem como noutras zonas do mundo afetadas por conflitos, o Plano de Ação para a Juventude deve centrar-se em aumentar a resiliência dos jovens, apoiar a sua participação cívica e capacitá-los para serem agentes de mudança nas suas comunidades, especialmente tendo em vista a recuperação pós-conflito.

3.3.

A comunicação em apreço também se refere à situação no mundo pós-COVID-19, reconhecendo que os jovens foram os mais afetados por esta crise, nomeadamente em termos de educação e de liberdade de circulação. Embora sendo reconhecido na Europa, o impacto da pandemia de COVID-19 nos jovens de todo o mundo tem merecido menos atenção, em especial nos países em desenvolvimento e nos Estados frágeis.

3.4.

No essencial, o CESE apoia a ideia de que todas as políticas internas relacionadas com a juventude se devem poder refletir nas nossas relações externas, tendo em conta os contextos locais ou regionais específicos em que se inscreve a ação externa. À luz do que precede, considera que a avaliação das políticas da UE do ponto de vista dos jovens deve ser recomendada também aos responsáveis pela execução do Plano de Ação para a Juventude.

3.5.

O CESE congratula-se igualmente com o facto de o Plano de Ação para a Juventude se basear no Pilar Europeu dos Direitos Sociais e no Plano de Ação da UE para os Direitos Humanos e a Democracia, que sublinham a necessidade de uma participação equitativa, plena e significativa dos jovens na vida pública e política. Embora estejam na linha da frente da mudança, os jovens continuam a estar muitas vezes sub-representados, o que constitui um desrespeito dos seus direitos fundamentais. O CESE saúda o Plano de Ação para a Juventude pelo seu elevado nível de ambição e pela sua clara ênfase na ação, valorizando também o facto de reconhecer as dimensões intergeracionais dos desafios globais atuais.

3.6.

A comunicação em análise fornece uma compilação de todos os principais esforços políticos relacionados com a juventude em diferentes domínios. Quando da execução do plano de ação, será importante dispor de uma supervisão global, especialmente tendo em conta as diferentes agências que o vão executar e a diversidade das políticas envolvidas. Os responsáveis pela juventude e pela educação, as organizações de juventude e os próprios jovens devem também ser associados a este processo, bem como as agências de ajuda e outros organismos nacionais dos Estados-Membros da UE, as agências financiadas e as organizações da sociedade civil. Do mesmo modo, a execução terá de ter em conta a diversidade de fontes de financiamento, intervenientes e indicadores envolvidos. De modo geral, tal constituirá um desafio, mas um sistema de supervisão eficaz produzirá frutos e poderá constituir um modelo de execução coordenada das políticas.

3.7.

É necessário melhorar a recolha de dados relativos aos jovens em quase todos os domínios da ação externa. A implementação do Plano de Ação para a Juventude deve centrar-se neste domínio complexo, como reconhecido no levantamento e na análise das lacunas dos dados internacionais sobre jovens, realizados recentemente pela Comissão Europeia. Pode ser difícil desagregar as realizações e os resultados e saber exatamente em que medida um determinado programa ou iniciativa contribui para um resultado. Por conseguinte, todas as intervenções relacionadas com jovens requerem uma análise longitudinal.

3.8.

A UE e todas as suas instituições devem colaborar com o Reino Unido para assegurar que os jovens e as organizações de juventude desse país não perdem o espírito de cooperação e aprendizagem intercultural nem a experiência adquirida com o programa Erasmus+ e com todas as outras formas de cooperação. Importa explorar todas as oportunidades para aproveitar ao máximo o potencial não só de restabelecer as relações com as organizações da sociedade civil no Reino Unido, como também de criar e promover novas relações (6).

Liderança e participação

3.9.

O Plano de Ação para a Juventude centra-se, em grande medida, na liderança e na participação. O CESE acolhe favoravelmente esta opção, que está em consonância com as boas práticas de trabalho com os jovens. O CESE considera, no entanto, que será necessária uma abordagem bastante exaustiva e deliberativa para continuar a implantar essa opção na ação externa da UE. Mesmo na UE e nos seus Estados-Membros, temos um longo caminho a percorrer em matéria de práticas participativas, apesar dos esforços significativos já envidados. A liderança dos jovens resulta geralmente de um bom trabalho de base num ambiente propício. Tal cria condições para que os jovens façam ouvir a sua voz, mas de uma forma assente nas ligações aos seus pares e na experiência sobre questões locais como, entre outras, o ambiente, os transportes, a educação, a saúde mental ou a assistência social. Este trabalho é frequentemente facilitado pelas organizações da sociedade civil. O CESE espera que os programas temáticos sobre a sociedade civil e os direitos humanos e a democracia se possam centrar nestas necessidades.

3.10.

Por conseguinte, para dispor de boas práticas neste domínio é necessário que estejam presentes vários fatores associados. O programa Erasmus+ continua a tentar dar prioridade aos jovens com menos oportunidades, reconhecendo, na prática, que mesmo sendo um programa importante, muito ainda resta por fazer neste domínio. No que diz respeito aos contactos interpessoais e à mobilidade, os aspetos administrativos, como os vistos, são fundamentais para assegurar aos participantes uma experiência sem problemas, sendo necessária uma abordagem comum neste domínio. Estes desafios são ainda maiores quando se trata de países em desenvolvimento, de Estados frágeis ou mesmo de países totalitários. Em última análise, todo o trabalho de liderança e participação previsto deve assentar na experiência de base e comunitária.

3.11.

Importa acima de tudo ter o cuidado de não inverter o processo de trabalho com os «líderes» na ausência de uma verdadeira força de base. Uma vez que os financiadores e as organizações não governamentais internacionais não podem criar esta liderança, há que assegurar ligações de qualidade ao nível de base. Por conseguinte, é necessário assegurar uma seleção transparente, métodos abertos e inclusivos e salvaguardas contra a apropriação pelos Estados e outros intervenientes, em especial nos Estados frágeis. O envolvimento, a participação e as competências de liderança são cruciais e a nossa abordagem deve construir uma infraestrutura que permita alcançar estes objetivos. Há que dar prioridade ao apoio a longo prazo às organizações de juventude e à sociedade civil em vez de adotar abordagens baseadas em projetos a curto prazo. O empenho na liderança dos jovens também requer estratégias para abordar um grupo em constante mudança, que é transitório, que cresce e se desenvolve e que, a dada altura, precisará de avançar ou quererá fazê-lo.

3.12.

Importa prestar um apoio significativo às organizações de base que trabalham no terreno, para que possam desenvolver-se internamente e tornar-se intervenientes pertinentes nas suas comunidades locais. O CESE espera que o trabalho do Comité Consultivo da Juventude a este respeito e a plataforma de diálogo com as organizações de juventude no âmbito do Fórum de Políticas para o Desenvolvimento abordem esta questão. Além disso, o apoio aos sindicatos e às organizações sindicais de jovens pode contribuir para incentivar e apoiar os jovens a participar democraticamente no seu local de trabalho. Os conselhos nacionais da juventude podem proporcionar uma infraestrutura adequada para decidir com quem trabalhar nos países parceiros, desde que sejam independentes, a par de iniciativas como a Mobilização Mundial da Juventude, lançada pela aliança das seis grandes organizações de juventude (7).

Métodos de execução

3.13.

O CESE congratula-se com o facto de o Plano de Ação para a Juventude conter bastantes referências ao programa Erasmus+. A este respeito, a comunicação evita «reinventar a roda». As estruturas e os processos do programa podem e devem ser utilizados nas nossas relações externas, se for caso disso. Na execução, poderá ser útil desagregar as subdivisões do programa, tais como a juventude, as escolas, o ensino e formação profissionais (EFP) e o ensino superior. Há que eliminar os obstáculos, como os vistos, a falta de financiamento e as barreiras linguísticas, e a execução deve centrar-se na aprendizagem mútua, no desenvolvimento de competências e na experiência. Se se recorrer às agências nacionais, estas devem ser examinadas cuidadosamente para assegurar o respeito pelos intervenientes da sociedade civil pertinentes e pela sua independência.

3.14.

A educação e formação profissional inicial (EFPI) facilita a empregabilidade dos jovens no futuro e a sua participação na aprendizagem ao longo da vida. As políticas e as boas práticas em matéria de educação e formação profissional apoiam a inclusão social e a integração no mercado de trabalho dos jovens que não trabalham, não estudam e não seguem uma formação (NEET).

3.15.

A comunicação em análise estabelece ligações úteis entre a ação externa da UE e os direitos da criança, que foram objeto de uma estratégia recente da UE. Seria igualmente útil estabelecer uma ligação mais estreita com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC), de 1989, na execução do Plano de Ação para a Juventude, por exemplo, utilizando os relatórios dos Estados da Comissão de Genebra. Muitos jovens têm menos de 18 anos, e os princípios da CDC podem servir de orientação, mas o trabalho da UE com jovens vai além desta idade. Nem sempre devemos encarar automaticamente os 18 anos como uma idade de divisão.

3.16.

É necessário aplicar uma abordagem «Equipa Europa» para executar o Plano de Ação para a Juventude a nível nacional, regional e multilateral. Por conseguinte, a UE deve adaptar-se às necessidades e circunstâncias específicas das diferentes regiões. O CESE considera que seria benéfico que as parcerias contribuíssem para colmatar as lacunas de conhecimento e de dados sobre os jovens, especialmente as relacionadas com os domínios prioritários do desenvolvimento de competências digitais, das alterações climáticas e do Pacto Ecológico. O CESE está interessado em perceber, nos próximos meses, de que forma serão aplicadas as diferentes medidas e está disponível para dar o seu contributo.

3.17.

O CESE esperava um nível de resposta mais significativo durante o processo de consulta do Plano de Ação para a Juventude e uma maior representatividade entre as respostas. Tal evidencia a necessidade de os jovens receberem todas as informações pertinentes sobre temas importantes, a fim de poderem tomar decisões informadas e contribuir de forma precisa e significativa para o processo de elaboração de políticas. A este respeito, instrumentos como o selo de qualidade da Agência Europeia de Informação e Aconselhamento para a Juventude podem ser úteis.

4.   Observações na especialidade sobre elementos do Plano de Ação para a Juventude

4.1.

As disposições do Plano de Ação para a Juventude constituem uma compilação de muitas atividades em curso, o que cria enormes desafios em matéria de execução, especialmente após a pandemia de COVID-19. O acesso à educação e a igualdade de género são fundamentais, tendo sido realizados progressos neste domínio.

Educação

4.2.

A execução do Plano de Ação para a Juventude exige uma forte ligação com o Ano Europeu das Competências. O CESE assinala a importância de ter em conta as necessidades em matéria de desenvolvimento de competências, em particular no domínio da atenuação das alterações climáticas e adaptação às mesmas, bem como da economia circular, da saúde mental e física, e da saúde e direitos sexuais e reprodutivos, também no que diz respeito à requalificação e melhoria de competências dos jovens (8). O papel do diálogo social e cívico é essencial e tem de ser reforçado.

4.3.

Mais uma vez, há várias partes interessadas envolvidas na educação, pelo que são necessários objetivos e medições claros. É imperativo envidar esforços contínuos no que se refere aos grupos mais difíceis de alcançar, em especial nos Estados mais pobres e mais frágeis. O compromisso da Comissão Europeia de consagrar 10 % das despesas do Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional (IVCDCI) e do orçamento relativo à ajuda humanitária a estes esforços é positivo, mas o CESE gostaria que houvesse compromissos de outros Estados e agências. As soluções a longo prazo no domínio da educação devem ter origem nos governos dos países visados, cabendo às organizações da sociedade civil locais desempenhar um papel importante. A comunidade internacional não pode ser o principal interveniente a longo prazo. O CESE espera que a Cimeira sobre a Transformação da Educação possa permitir progressos nesse sentido.

4.4.

As disposições relativas a bolsas de estudo e fundos fiduciários são bem-vindas, mas há que prestar atenção às questões de seleção e assegurar a participação das organizações da sociedade civil. Ao criar estas oportunidades, é importante definir procedimentos transparentes, justos e inclusivos para a seleção dos participantes em programas académicos, dando prioridade ao acesso de pessoas com menos oportunidades.

4.5.

É fundamental maximizar o valor do capital humano para aumentar a competitividade e combater o desemprego, respeitando simultaneamente o desenvolvimento sustentável. Tal exige uma população ativa dotada de um leque de competências transversais e de capacidade de adaptação. A política de educação e formação deve ser desenvolvida e executada em estreita cooperação com os parceiros sociais e centrar-se mais nas competências do que nas qualificações. Tal contribuirá para reduzir a inadequação das competências.

Organizações de juventude

4.6.

A comunicação em apreço prevê vários fóruns e organismos para envolver os jovens. A plataforma do Fórum de Políticas para o Desenvolvimento é acolhida com agrado, desde que assegure ligações de base com organizações de juventude que sejam independentes, auto-organizadas e, idealmente, dirigidas pelos jovens.

4.7.

A comunicação contém uma referência à participação das organizações de juventude, o que é acolhido com agrado. Seria útil ter em conta os diversos modelos de práticas de trabalho com jovens existentes na UE quando da implementação do Plano de Ação para a Juventude. Estas práticas podem ser tão importantes como as vozes dos jovens, uma vez que reforçam as capacidades de todos os jovens a nível local e, simultaneamente, produzem líderes juvenis integrados na experiência local. A Parceria UE-Conselho da Europa e o setor do voluntariado juvenil disponibilizam dados e modelos significativos.

4.8.

As organizações de juventude podem ser um recurso de grande valor na execução do plano. É importante incentivar os Estados-Membros, nos respetivos planos de ação nacionais, a promover a participação do seu setor da juventude neste domínio. Há que dar prioridade aos modelos e ao trabalho positivos das organizações de juventude da UE no domínio do desenvolvimento, dos conflitos e dos direitos humanos, em vez de recorrer, por exemplo, aos modelos norte-americanos de «desenvolvimento dos jovens», que são frequentemente utilizados «diretamente» nos países em desenvolvimento e noutras regiões e muitas vezes não assentam nos mesmos valores. Esta abordagem está em consonância com o compromisso de adotar soluções adaptadas para regiões específicas.

4.9.

A concretização de compromissos em matéria de educação deve também estar ligada a sistemas informais e não formais em comunidades, organizações da sociedade civil e organizações de trabalho com jovens. As definições da UNESCO e do Conselho da Europa constituem boas orientações neste domínio, juntamente com o trabalho no âmbito do capítulo dedicado à juventude do programa Erasmus+. Importa reconhecer os enormes benefícios para todos da aprendizagem fora do contexto escolar, que ocorre ao longo da vida e em todas as suas esferas.

4.10.

O diálogo político é importante e os objetivos do Plano de Ação para a Juventude são ambiciosos, mas convém não negligenciar as políticas da juventude em cada país e as responsabilidades dos governos, bem como a necessidade de um verdadeiro setor voluntário e de uma verdadeira sociedade civil. A execução do Plano de Ação para a Juventude deve também apoiar a elaboração de políticas de trabalho com jovens, o desenvolvimento de conselhos nacionais da juventude ou de organismos semelhantes, bem como abordagens como a avaliação das políticas da UE do ponto de vista dos jovens, entre outras.

4.11.

As organizações de juventude já têm ligações em todo o mundo, como ilustrado pelo trabalho das seis grandes organizações de juventude a nível mundial, e a implementação do plano deve associá-las, basear-se no trabalho já existente e servir de modelo para outras iniciativas. Importa também evitar uma postura demasiado restritiva no que diz respeito às questões de participação. Não é claro se foram utilizados processos participativos para selecionar as questões do Fundo para a Capacitação dos Jovens. Os jovens podem nem sempre selecionar as questões que outros consideram importantes, em especial nos países em desenvolvimento ou em Estados frágeis, onde as considerações mais práticas podem ser mais importantes.

4.12.

As disposições relativas ao reforço das capacidades das organizações de juventude são muito bem-vindas e devem ser acompanhadas por um apoio eficaz para iniciar movimentos de base nos países parceiros, permitindo que as delegações da UE desempenhem um papel crucial em todo o mundo. Neste contexto, há que disponibilizar parcerias, se for caso disso, com organizações da UE e acompanhar o seu trabalho. É importante facilitar a criação e o reforço de redes com organizações da UE e de países terceiros.

Execução eficaz

4.13.

Existem muitos intervenientes, políticas e linhas de financiamento envolvidos neste trabalho, como as delegações da UE, várias direções-gerais da Comissão, o SEAE, o Conselho da UE e os Estados-Membros, bem como diversos orçamentos de ajuda. A implementação do Plano de Ação para a Juventude deve assegurar clareza e uma cooperação intersetorial adequada, a fim de garantir, em última análise, uma forte ênfase no grupo-alvo, fornecendo simultaneamente um orçamento suficiente.

4.14.

Os conceitos de estabelecimento de contactos podem basear-se no trabalho existente e ponderar a geminação e outras iniciativas (juvenis) do Erasmus+. Além disso, os projetos de participação dos jovens do Erasmus+ (sem dimensão transnacional) podem fornecer bons modelos para projetos no domínio da juventude nos países visados.

4.15.

Os jovens serão os líderes e os agentes de mudança no futuro e são parceiros essenciais para o êxito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas e da transição digital. O Plano de Ação para a Juventude deve assegurar que a ação externa da UE capacita os jovens a nível político, social e económico. O CESE está disposto a dar o seu contributo, cumprindo o seu compromisso de aplicar a recomendação da Conferência sobre o Futuro da Europa no sentido de reforçar o seu papel institucional e enquanto facilitador e garante das atividades de democracia participativa, como o diálogo estruturado com as organizações da sociedade civil e os painéis de cidadãos.

4.16.

As referências à transição para a idade adulta no Plano de Ação para a Juventude são sólidas, vivamente aplaudidas e consentâneas com os valores do trabalho com jovens na UE. Neste contexto, seria importante que os jovens conhecessem os seus direitos e deveres enquanto cidadãos, adquirissem literacia financeira, aprendessem línguas estrangeiras e compreendessem a sustentabilidade do nosso planeta e o empreendedorismo. Do mesmo modo, o CESE congratula-se com a ligação à Agenda das Nações Unidas para a Juventude, a Paz e a Segurança e com o apelo para um maior envolvimento com as Nações Unidas. Na execução do Plano de Ação para a Juventude, é necessário ter presente que, de um modo geral, os jovens estão afastados da tomada de decisões em vários domínios.

4.17.

A Resolução n.o 2250 (2015) do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a juventude, a paz e a segurança é um instrumento fundamental para o diálogo com os jovens a nível mundial. Identifica cinco pilares fundamentais de ação: participação, proteção, prevenção, parcerias e desvinculação e reintegração. Esta resolução histórica insta as Partes signatárias a darem mais voz aos jovens na tomada de decisões a nível local, nacional, regional e internacional e a ponderarem a criação de mecanismos que permitam aos jovens participar de forma significativa nos processos de paz. Deve ser prestado apoio aos intervenientes que pretendam executar esta agenda a nível local e nacional. A ligação e a coordenação com o Fundo para a Capacitação dos Jovens permitiria criar muitas sinergias neste domínio.

Género

4.18.

O CESE considera que explorar o potencial dos jovens e apoiar a igualdade de género é fundamental para o desenvolvimento sustentável. A ação externa da UE visa capacitar os jovens a nível político, social e económico e ajudá-los a participar na tomada de decisões e na elaboração de políticas de forma significativa e inclusiva. O CESE considera que a capacitação das raparigas e das mulheres mais jovens é fundamental para assegurar o desenvolvimento sustentável e elogia as referências do Plano de Ação para a Juventude à garantia da igualdade de género e ao fim da discriminação. O CESE salienta que o Plano de Ação para a Juventude se deve traduzir em ações significativas, estratégicas e de longo prazo que beneficiem de igual modo os homens e as mulheres. Tal inclui a elaboração de estratégias que promovam a integração da perspetiva de género em todos os domínios da ação externa.

4.19.

É importante reforçar o número de jovens, e especialmente de raparigas, com capacidades e competências digitais nos domínios da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM) e despertar o interesse das raparigas nesses domínios numa fase precoce, bem como apoiar as empresárias e as figuras femininas de referência nestes setores e investir em programas que visem fomentar o interesse das alunas do ensino secundário nos domínios CTEM.

Saúde mental

4.20.

O CESE acolhe com agrado a referência da comunicação à saúde mental e espera que esta ocupe um lugar de destaque na execução do Plano de Ação para a Juventude. Uma vez que os sistemas de saúde são frágeis em todo o mundo, é importante aprofundar a introdução de melhorias, mais «favoráveis aos jovens», neste domínio.

Pessoas com deficiência

4.21.

Além disso, o CESE considera igualmente importante ter em conta os jovens com deficiência na comunicação, que devem ocupar um lugar de destaque na execução do Plano de Ação para a Juventude. Trata-se de um grupo de pessoas tantas vezes descurado quando se promove a capacitação e a participação democrática dos jovens, mas que deve participar na execução do Plano de Ação para a Juventude.

Oportunidades económicas

4.22.

Dispor das competências adequadas será fundamental para as futuras oportunidades económicas dos jovens. Será necessário apoiar os empresários e as empresas em fase de arranque, incluindo mediante financiamento e crédito, uma vez que surgirão muitas oportunidades, nomeadamente no domínio digital, em particular nos países em desenvolvimento.

4.23.

No que diz respeito às oportunidades económicas, o modelo da Garantia para a Juventude da UE constitui um bom exemplo, com ajustamentos adequados para proporcionar oportunidades aos jovens que não trabalham, não estudam e não seguem uma formação (NEET). Será necessária educação sobre os direitos laborais e sociais, a fim de concretizar a Agenda do Trabalho Digno.

4.24.

Importa analisar questões como as trocas comerciais no âmbito do Plano de Ação para a Juventude, por exemplo os capítulos relativos à sustentabilidade dos acordos de comércio livre, defendendo a participação da sociedade civil, nomeadamente as organizações de juventude. Os jovens continuam a ser os mais vulneráveis ao trabalho infantil e a outras formas de maus tratos. A fim de enfrentar esta situação, o Plano de Ação para a Juventude deve reservar um lugar importante à luta contra o trabalho infantil, para que no século XXI este fenómeno passe finalmente a pertencer ao passado. Para o efeito, importa criar recursos financeiros que permitam às crianças que trabalham deixar de depender dos seus rendimentos. Por outro lado, deve restringir-se a operacionalidade das empresas que recorrem ao trabalho infantil na sua cadeia de produção mundial.

4.25.

Os jovens são frequentemente os primeiros a fazer viagens perigosas para emigrar para a Europa e outros destinos. Para assegurar que os jovens não são obrigados a atravessar as fronteiras internacionais por vias perigosas, muitas vezes ilegais, o Plano de Ação para a Juventude deve incluir uma cooperação ativa com países terceiros, a fim de criar corredores humanitários e programas de reinstalação para que os jovens cheguem à Europa de forma segura e legal.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Kalantaryan, S., Mcmahon, S. e Ueffing, P., «Youth in external action» [Os jovens na ação externa], JRC130554, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2022.

(2)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 142.

(3)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 44.

(4)  JO C 443 de 22.11.2022, p. 44.

(5)  JO C 486 de 21.12.2022, p. 46.

(6)  Relatório de informação do CESE — Aplicação do Acordo de Saída UE-Reino Unido, incluindo o Protocolo relativo à Irlanda e à Irlanda do Norte.

(7)  https://globalyouthmobilization.org/

(8)  JO C 100 de 16.3.2023, p. 38.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/13


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Papel dos jovens na transição ecológica

(parecer exploratório a pedido da Presidência sueca)

(2023/C 184/03)

Relatora:

Nicoletta MERLO

Pedido da Presidência sueca do Conselho

Carta de 14.11.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

8.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

152/00/01

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE entende que os jovens podem e devem desempenhar um papel crucial no contexto da transição ecológica. Considera essencial um novo modelo de governação mais inclusivo, que assegure a participação ativa dos jovens nos processos de decisão, ultrapassando os obstáculos que ainda persistem.

1.2.

O CESE salienta a importância de assegurar que as organizações de juventude desempenham um papel de liderança no processo de decisão e no desenvolvimento e divulgação de projetos relacionados com a sustentabilidade e o ambiente, nomeadamente garantindo-lhes o apoio financeiro necessário.

1.3.

O CESE considera fundamental acompanhar de forma constante os efeitos que os investimentos públicos, incluindo os relacionados com a transição ecológica, têm — e terão — nos jovens, através da avaliação do impacto económico, político e social das políticas a aplicar, utilizando indicadores antes, durante e após a sua aprovação.

1.4.

O CESE incentiva as instituições da UE e os Estados-Membros a aplicarem medidas e mecanismos capazes de assegurar que se tem em conta a perspetiva da juventude em todos os domínios de intervenção e a criarem um espaço suscetível de garantir a participação ativa dos jovens, adotando plenamente a prática de uma avaliação da perspetiva dos jovens na elaboração das políticas.

1.5.

O CESE considera fundamental associar as iniciativas e políticas que serão adotadas no contexto do Ano Europeu das Competências ao tema da transição ecológica e do desenvolvimento sustentável e aos desafios que os jovens enfrentam num mundo em rápida mutação.

1.6.

O CESE considera essencial ter em conta a educação e o desenvolvimento das competências que se esperam dos jovens nesta matéria, mediante uma abordagem transversal capaz de proporcionar competências teóricas e práticas, nomeadamente também definindo e melhorando percursos de transição do ensino para o trabalho e programas de aprendizagem profissional, sem prescindir da participação dos parceiros sociais. A formação sobre estes temas deve também passar a ser estrutural, concebida e desenvolvida a partir dos territórios e das suas necessidades, e enquadrada num contexto mais amplo a nível nacional.

1.7.

O CESE considera que o ensino sobre a sustentabilidade e a proteção do ambiente deve começar desde tenra idade, adotando instrumentos educativos inovadores que tenham em conta a proteção do ambiente, o desenvolvimento social e económico e a consecução dos objetivos conexos. Para concretizar este objetivo é fundamental assegurar uma educação de qualidade para todos e trabalho digno para o pessoal docente.

1.8.

O CESE salienta a importância de as escolas se dedicarem às questões relacionadas com a transição ecológica, em articulação com os órgãos de poder local e os centros de atividades extracurriculares, especialmente com as organizações de juventude e a sociedade civil organizada, gerando assim uma maior sensibilização e participação do cidadão comum. Neste contexto, o CESE considera positiva a experiência do projeto Erasmus Verde e aguarda com expectativa a sua aplicação.

1.9.

A fim de dotar os trabalhadores, tanto os mais jovens como os mais velhos, de competências que lhes permitam gerir a inovação induzida pela transição ecológica, o CESE considera importante investir na aprendizagem em contexto laboral e promover a formação no local de trabalho, bem como estágios e aprendizagens de qualidade, capazes de criar uma interação virtuosa entre as necessidades do mercado e as competências individuais dos jovens. O diálogo social e a negociação coletiva podem desempenhar um papel fundamental neste contexto.

1.10.

O CESE considera essencial dispor de políticas de formação holísticas, articuladas com as políticas industriais, coordenadas com outras estratégias de desenvolvimento e planeadas em pormenor a nível regional e local, em estreita ligação com os parceiros sociais, por forma a assegurar que a transição ecológica é uma transição justa que não deixa ninguém para trás.

1.11.

A fim de assegurar uma participação adequada das mulheres nos setores ligados à transição ecológica, o CESE considera que a igualdade de género deve ser parte integrante da transição ecológica. Os Estados-Membros devem investir mais recursos na orientação profissional disponibilizada aos jovens nas escolas, bem como no apoio à inserção dos jovens no mundo do trabalho através de serviços públicos de emprego eficientes, devidamente ligados ao tecido produtivo do território.

1.12.

Os jovens empresários podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento da inovação, nomeadamente no domínio da transição ecológica. O CESE considera necessário incentivar esses jovens, disponibilizando formação específica, apoiando projetos inovadores e assegurando apoio financeiro adequado.

1.13.

A fim de assegurar que a transição ecológica é também uma transição justa e evitar o encerramento de empresas e a subsequente perda de postos de trabalho, o CESE considera prioritário que os Estados-Membros invistam recursos significativos, nomeadamente recursos dos planos nacionais de recuperação e resiliência, no apoio às empresas que necessitem de reconverter as suas atividades, na reafetação dos trabalhadores que tenham sido despedidos e no apoio aos empresários, em especial os jovens empresários, que pretendam investir em empresas ecológicas.

2.   Contexto

2.1.

A Presidência sueca do Conselho da UE solicitou a elaboração do presente parecer exploratório, a fim de analisar o papel dos jovens na transição ecológica.

2.2.

O termo «transição ecológica» refere-se à transição da economia e da sociedade da UE com vista ao cumprimento das metas climáticas e ambientais, sobretudo através de políticas e investimentos, em consonância com a Lei Europeia do Clima, que estabelece a obrigação de alcançar a neutralidade climática até 2050, com o Pacto Ecológico Europeu e com o Acordo de Paris, assegurando uma transição justa e inclusiva para todos.

2.3.

Perante estes grandes desafios, é importante assinalar que é precisamente a geração mais jovem que está mais sensibilizada e consciente da necessidade de agir para alcançar a sustentabilidade ambiental. Com efeito, se existem atualmente questões capazes de estabelecer uma ligação virtuosa entre as sensibilidades e os valores dos jovens, por um lado, e as questões abertas da atualidade, por outro, com elevado potencial de inovação relativamente aos modelos de produção e consumo, são as questões do ambiente, da promoção da saúde e da preservação da biodiversidade do planeta.

2.4.

Nos últimos anos, a ação climática mobilizou um grande número de jovens em toda a Europa e surgiram vários movimentos ambientais e sociais a nível local, regional, nacional e europeu, reunindo jovens que protestam e exigem medidas concretas dos governos e dos decisores políticos para proteger o ambiente e alcançar a neutralidade climática.

2.5.

O ano de 2022 foi proclamado Ano Europeu da Juventude, não só para celebrar e apoiar os jovens, a geração mais afetada negativamente pela pandemia, insuflando-lhes uma nova esperança, força e confiança no futuro, mas também como uma ocasião para destacar as novas perspetivas e oportunidades proporcionadas pela transição ecológica e digital.

3.   Participação dos jovens na transição ecológica

3.1.

Para lograr uma transição ecológica justa, é necessário concretizar a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e os seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) através do Pacto Ecológico Europeu, nomeadamente adotando um novo modelo de governação mais inclusivo que associe ativamente os jovens aos processos de decisão.

3.2.

As decisões que os dirigentes políticos tomam hoje relativamente às alterações climáticas e a outras questões ambientais terão repercussões, em particular, nas gerações jovens atuais e futuras. Os jovens têm o direito de se pronunciar sobre as questões que os afetam, como referido na Agenda 2030, que reconhece os jovens como «agentes cruciais da mudança» no âmbito dos ODS.

3.3.

Embora se reconheça cada vez mais o papel dos jovens na construção de um mundo mais sustentável, inclusivo e ecológico, e não obstante a proclamação de um ano dedicado à juventude, a verdade é que os jovens ainda têm dificuldade em participar ativamente nos órgãos de decisão.

3.4.

Nos últimos anos, apesar do elevado grau de ativismo dos jovens na questão das alterações climáticas, assistimos também a um descontentamento crescente e a uma perda de confiança entre os jovens no que diz respeito às instituições políticas, o que se traduz na diminuição da sua participação ativa nos partidos políticos e no abstencionismo crescente nas eleições políticas, quer como eleitores quer como candidatos. Este facto representa uma ameaça ao sistema democrático e um obstáculo ao desenvolvimento de políticas orientadas para o futuro, nomeadamente as políticas necessárias para enfrentar os desafios da transição climática, capazes de dar resposta a diferentes sensibilidades e necessidades. A este respeito, o CESE considera que importa dar prioridade à promoção da participação dos jovens na política e noutros processos de decisão e explorar todas as opções para que essa participação seja viável e eficaz a todos os níveis.

3.5.

Como ponto de partida, seria importante identificar e ultrapassar os obstáculos sociais, económicos e culturais à plena participação dos jovens, que podem também dever-se à ausência de consciencialização ou à dificuldade de acesso à informação sobre os mecanismos de participação e representação dos jovens. Outro aspeto a realçar diz respeito às novas formas, muitas vezes informais, de participação e diálogo entre os jovens, amiúde por vias tecnológicas e através dos média sociais, que devem ser tidas em devida conta, uma vez que são capazes de mobilizar gerações inteiras.

3.6.

A sustentabilidade está profundamente enraizada na visão dos jovens sobre o mundo e nos seus processos de decisão, mas associada a um elevado grau de pragmatismo. As organizações de juventude, que representam os interesses e sensibilidades de milhões de jovens na Europa, podem, por conseguinte, desempenhar um papel importante para garantir que a geração mais jovem não só faz ouvir a sua voz nas instituições e na sociedade civil, como também tem a oportunidade de dar um contributo significativo e qualificado para o processo de decisão a nível local, regional, nacional e europeu (1).

3.7.

Por estes motivos, o CESE destaca a importância de criar oportunidades para que todas as organizações de juventude mais representativas, especialmente as que representam os jovens mais vulneráveis e os que vivem nas zonas mais periféricas e nas zonas rurais, participem na elaboração de políticas e no desenvolvimento de ideias sobre questões relacionadas com a sustentabilidade.

3.8.

As organizações de juventude podem assumir muitas funções e desempenhar um papel crucial na divulgação e execução de projetos relacionados com o ambiente e a sustentabilidade. Por este motivo, o CESE insta as instituições da UE a prestarem apoio financeiro estrutural a essas organizações através de recursos específicos adequados, para que as organizações de juventude possam dispor das condições adequadas para assegurar e aprofundar a participação dos jovens na transição ecológica.

3.9.

No entanto, a participação por si só não é suficiente. Todas as políticas públicas devem ter em conta o impacto que terão nos jovens e nas suas expectativas, incluindo nas gerações futuras. Por conseguinte, cabe realizar uma avaliação ex ante, in itinere e ex post de todos os investimentos, incluindo os relacionados com a transição ecológica, a fim de estabelecer, com segurança, recorrendo a indicadores, os seus futuros impactos económicos, políticos e sociais nas gerações jovens.

3.10.

O CESE incentiva as instituições da UE e os Estados-Membros a aplicarem medidas e mecanismos capazes de assegurar que se tem em conta a perspetiva da juventude em todos os domínios de intervenção, criando ao mesmo tempo espaço para que os jovens possam dar um contributo coerente e competente sobre os desafios que enfrentam, através da plena adoção da prática de uma avaliação da perspetiva dos jovens na elaboração das políticas (2).

3.11.

A capacitação dos jovens, tão necessária para o planeta como para o desenvolvimento avançado dos nossos Estados-Membros, deve assentar em quatro pilares: a participação nos processos de mudança; a possibilidade de desempenhar um papel ativo, exercendo responsabilidades pelas escolhas individuais e coletivas; a melhoria dos conhecimentos sobre as transformações em curso e as consequências inevitáveis da transição ecológica e digital; e o desenvolvimento de competências para intervir de forma qualificada.

4.   A transição ecológica na educação e no mercado de trabalho

4.1.

O ano de 2023 foi proclamado Ano Europeu das Competências. O CESE considera fundamental associar as iniciativas e políticas que serão adotadas neste contexto ao tema da transição ecológica e do desenvolvimento sustentável e aos desafios que os jovens enfrentam num mundo em rápida mutação.

4.2.

No contexto da emergência climática e ambiental, os estabelecimentos de ensino devem encarar a educação para a sustentabilidade como uma prioridade. Os educadores têm um papel fundamental a desempenhar para assegurar a literacia climática dos alunos e a aquisição dos conhecimentos e competências de que estes necessitam para participar na economia verde. São muitas as abordagens que os professores e os estabelecimentos de ensino podem adotar para analisar estas questões com os alunos, mas, para tal, impõe-se também uma educação de qualidade para todos e um trabalho digno para o pessoal docente. O CESE considera essencial assegurar um financiamento adequado a nível europeu, nacional, regional e local, a fim de apoiar projetos e iniciativas que promovam e apliquem o ensino e a aprendizagem nos domínios do ambiente e da sustentabilidade.

4.3.

O tema da transição ecológica e das estratégias de desenvolvimento sustentável é absolutamente transversal. Por conseguinte, é necessário ter em conta a educação e o desenvolvimento das competências que se esperam dos jovens nesta matéria, mediante uma abordagem transversal capaz de proporcionar competências teóricas e práticas, nomeadamente aplicando e melhorando também os percursos de transição do ensino para o trabalho e os programas de aprendizagem profissional. A formação sobre estes temas deve também passar a ser estrutural, concebida e desenvolvida a partir dos territórios e das suas necessidades, e enquadrada num contexto mais amplo a nível nacional, visando a aprendizagem ao longo da vida.

4.4.

O ensino sobre a sustentabilidade e a proteção do ambiente deve começar desde tenra idade, logo no ensino pré-escolar, e prosseguir com programas específicos ao longo de todo o percurso escolar. Assim, é importante fornecer também aos professores formação específica e garantir-lhes oportunidades de formação contínua para atualizarem as suas competências.

4.5.

A introdução nos processos de ensino de percursos sobre a transição ecológica e cultural reafirma o papel educativo das escolas, confiando-lhes a missão de apoiar percursos cívicos que ensinem os alunos a habitarem o mundo de uma forma nova e sustentável. Os alunos tornam-se assim protagonistas de uma mudança que os orienta para um novo modelo de sociedade que tem o ambiente como elemento central e lhes permite experimentar e divulgar novos estilos de vida em equilíbrio com a natureza.

4.6.

O mundo atual em constante e rápida mutação requer contextos pedagógicos inovadores através da criação de um novo alfabeto ecológico, consentâneo com os objetivos da Agenda 2030 e centrado nos métodos de aplicação da economia circular e dos instrumentos proporcionados pelo conceito de ciclo de vida (3), que tenha em conta a proteção do ambiente, o desenvolvimento social e económico e a consecução dos objetivos conexos.

4.7.

O CESE salienta que todas as pessoas devem possuir conhecimentos para fazer frente às alterações climáticas, especialmente no que diz respeito a todos os aspetos do consumo e da produção sustentáveis, às escolhas alimentares responsáveis e à redução do desperdício alimentar, bem como à utilização de energia sustentável. A educação dos jovens deve ser apoiada por programas de aprendizagem ao longo da vida destinados aos pais e por ações educativas para os cidadãos (4).

4.8.

O êxito da transição ecológica dependerá, pois, da capacidade das escolas de trabalharem em articulação com os órgãos de poder local e os centros de atividades extracurriculares, especialmente com as organizações de juventude e a sociedade civil organizada, gerando uma maior sensibilização e participação, inclusive do cidadão comum. Neste contexto, o CESE considera positiva a experiência do projeto Erasmus Verde e aguarda com expectativa a sua aplicação.

4.9.

A sensibilização, os conhecimentos e a liderança positiva em matéria de proteção do ambiente são mais acentuados entre a geração mais jovem, ou seja, a Geração Z (com menos de 25 anos) e as pessoas com um nível de instrução mais elevado e instrumentos culturais mais ativos. Consequentemente, a consciencialização e a informação qualificada tendem a aumentar e a consolidar-se, deduzindo-se também que, ao melhorar a educação dos jovens e reforçar o seu capital humano no domínio social e económico, é possível multiplicar as respostas positivas necessárias. Em contrapartida, o baixo nível de qualificações e a dificuldade em entrar no mundo do trabalho não só atrasam o contributo dos jovens para o crescimento atual dos respetivos países, como também enfraquecem o seu papel enquanto participantes ativos em novos processos de crescimento mais consentâneos com os desafios da era em que vivem.

4.10.

Não pode haver transição sem competências. É fundamental dotar os trabalhadores, tanto os mais jovens como os mais velhos, de competências que lhes permitam gerir a inovação induzida pela transição ecológica, que inevitavelmente tem, e terá no futuro, um impacto significativo no mundo do trabalho. O CESE considera importante investir na aprendizagem em contexto laboral. A aprendizagem em contexto laboral, ou seja, o conjunto das práticas de formação e de aprendizagem que ocorrem em contextos de trabalho, em especial sob a forma de estágios, representa um trunfo decisivo para a (re)aquisição de competências, tanto técnicas como transversais. A formação no local de trabalho, os estágios e os programas de aprendizagem são três opções que, por si só e de formas diversas, ajudam a criar uma interação virtuosa entre as necessidades do mercado e as competências individuais dos jovens. Através do diálogo social e da negociação coletiva, os parceiros sociais têm um papel essencial a desempenhar na consecução desse objetivo.

4.11.

A transição ecológica deve ser uma transição justa, que assegura a requalificação e a melhoria das competências dos trabalhadores e empregos de qualidade para todos, a fim de garantir que ninguém fica para trás. Por este motivo, o CESE considera essencial que as políticas de formação sejam holísticas, articuladas com as políticas industriais, coordenadas com outras estratégias de desenvolvimento e planeadas em pormenor a nível regional e local, em estreita ligação com os parceiros sociais.

4.12.

Existem atualmente provas da falta de uma tal abordagem holística e da fraca difusão das competências ecológicas e, consequentemente, de empregos verdes, especialmente entre as pessoas com níveis de instrução e de competências mais baixos. Esta situação acarreta o risco de gerar uma nova polarização: entre as pessoas que possuem competências ecológicas e, por conseguinte, têm uma excelente empregabilidade nos cenários criados pela transição ecológica, e as pessoas que, pelo contrário, continuam excluídas desses processos de formação, possuem competências limitadas e frequentemente executam tarefas operacionais em risco de desaparecimento devido ao efeito combinado da transição ecológica e da automatização industrial.

4.13.

A igualdade de género deve também ser parte integrante das estratégias para uma economia verde. As mulheres jovens estão sub-representadas nos domínios tecnológicos e científicos, sendo pouco provável que escolham um percurso educativo especializado nestes setores, devido a estereótipos de género que atribuem a determinados empregos características puramente masculinas. A fim de assegurar uma participação adequada das mulheres em setores que atravessam, ou estão prestes a atravessar, uma evolução importante devido à transição ecológica, há que combater estes estereótipos e, para tal, a orientação profissional disponibilizada nas escolas pode desempenhar um papel crucial. O CESE considera que os Estados-Membros devem investir mais recursos na disponibilização aos jovens de orientação profissional nas escolas, bem como no apoio à inserção dos jovens no mundo do trabalho através de serviços públicos de emprego eficientes e devidamente ligados ao tecido produtivo do território.

4.14.

O desenvolvimento da inovação é fundamental para o êxito da transição ecológica. Por conseguinte, é fundamental incentivar os jovens com espírito empreendedor a participarem no processo de inovação, disponibilizando formação específica, apoiando projetos inovadores e assegurando apoio financeiro adequado, a fim de alcançar os objetivos propostos.

4.15.

De acordo com uma avaliação de impacto (5) levada a cabo pela Agência Europeia do Ambiente, a transição ecológica na União Europeia poderá criar um milhão de novos postos de trabalho até 2030, mas poderá também levar ao desemprego de 500 000 a 2 milhões de pessoas. O CESE considera prioritário que os Estados-Membros invistam recursos significativos, nomeadamente os recursos dos planos nacionais de recuperação e resiliência, no apoio às empresas que necessitem de reconverter as suas atividades, na reafetação dos trabalhadores que tenham sido despedidos e no apoio aos empresários, em especial os jovens empresários, que pretendam investir em empresas ecológicas.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE — Rumo a uma participação estruturada dos jovens no processo decisório da UE no domínio do clima e da sustentabilidade (JO C 429 de 11.12.2020, p. 44).

(2)  Parecer do CESE — Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE (JO C 486 de 21.12.2022, p. 46).

(3)  https://www.lifecycleinitiative.org/starting-life-cycle-thinking/what-is-life-cycle-thinking/

(4)  Parecer do CESE — Capacitar os jovens para a consecução do desenvolvimento sustentável através da educação (JO C 100 de 16.3.2023, p. 38).

(5)  https://www.eea.europa.eu/policy-documents/swd-2020-176-final-part


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/18


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Construção em madeira para reduzir as emissões de CO2 no setor da construção

(Parecer exploratório a pedido da Presidência sueca do Conselho)

(2023/C 184/04)

Relator:

Rudolf KOLBE

Correlator:

Sam HÄGGLUND

Consulta

Presidência sueca do Conselho, 14.11.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Plenária

14.12.2022

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

153/2/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que os materiais de construção de base biológica são uma alavanca importante para a transição ecológica. A fim de reduzir as emissões de carbono, cabe promover o aumento da utilização de madeira na construção através de uma gestão florestal ativa e sustentável na UE, sem entraves resultantes de condicionalismos políticos.

1.2.

Tendo em conta o dever do setor público de dar o exemplo, o CESE insta os Estados-Membros a aumentarem a utilização de madeira nos edifícios públicos, que está abaixo da média global.

1.3.

O CESE considera igualmente que uma ferramenta importante para aproveitar plenamente o potencial da construção em madeira reside no acesso simplificado das pequenas e médias empresas (PME) a medidas de apoio à investigação, desenvolvimento e inovação de materiais de construção alternativos.

1.4.

O CESE apela para que os entraves à construção em madeira decorrentes de requisitos formais, jurídicos e técnicos sejam reavaliados à luz da respetiva pertinência para a qualidade dos projetos e considera que a inovação deve poder corresponder ao estado da técnica, não apenas conformando-se com as normas existentes, mas também criando «soluções alternativas equivalentes».

1.5.

Uma vez que várias normas de construção também entravam a utilização de materiais de construção renováveis, o CESE preconiza a adoção de medidas de harmonização e considera que o Novo Bauhaus Europeu é um catalisador importante neste contexto.

1.6.

O CESE recomenda a utilização coerente da contabilidade ambiental para uma avaliação rigorosa da sustentabilidade dos edifícios ao longo de todo o seu ciclo de vida e para a comparação dos impactos ambientais.

1.7.

O CESE sublinha a importância de normas mínimas para as emissões de carbono ao longo do ciclo de vida completo dos edifícios e, por conseguinte, da notificação obrigatória das emissões de carbono aplicável a todo o setor da construção.

1.8.

O CESE considera que a Diretiva Desempenho Energético dos Edifícios é o principal instrumento político para estabelecer requisitos de redução das emissões de carbono ao longo do ciclo de vida completo dos edifícios. Insta a Comissão Europeia a desenvolver um sistema de certificação do carbono que tenha plenamente em conta o papel dos produtos de madeira na compensação das emissões.

1.9.

O CESE considera essencial a transferência de conhecimentos, como previsto no âmbito da academia do Novo Bauhaus Europeu, e a oferta de formação inicial e contínua correspondente a nível nacional. A formação e a melhoria de competências para a utilização de novos métodos e materiais de construção sustentáveis são essenciais para todos os intervenientes no processo de construção: responsáveis de planeamento, arquitetos, engenheiros, técnicos, especialistas em tecnologias da informação e trabalhadores da construção.

1.10.

O CESE entende que os procedimentos de contratação pública assentes na qualidade que incluam critérios de sustentabilidade e de ciclo de vida, bem como a escolha de procedimentos de contratação adequados que admitam soluções inovadoras, são uma condição prévia para alcançar os objetivos climáticos e promover a construção em madeira. Por conseguinte, o CESE preconiza uma obrigação jurídica mais forte de concorrência pela qualidade e de contratação pública respeitadora do clima, bem como a adoção de medidas para formar as entidades adjudicantes em conformidade com estes requisitos.

1.11.

O CESE insta os Estados-Membros a participarem na iniciativa Wood POP dos Governos austríaco e finlandês, que visa mobilizar intervenientes públicos e privados do setor da madeira a nível nacional e regional e apoiar a reorientação dos investimentos para soluções sustentáveis de base biológica e cadeias de valor baseadas na madeira.

2.   Observações na generalidade

2.1.

A construção em madeira é uma tradição com séculos de história de inovação. A utilização de materiais sustentáveis faz parte das ideias do Novo Bauhaus Europeu (1).

2.2.

O CESE partilha da opinião da Comissão de que os materiais (de construção) inovadores de base biológica produzidos de forma sustentável e hipocarbónica são da maior importância para a transição ecológica. De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) (2), os edifícios são atualmente responsáveis por 33 % das emissões globais de CO2 (dados relativos a 2021). A maioria das emissões está direta e indiretamente relacionada com o funcionamento dos edifícios, mas 6,4 % (2021) decorrem da construção e da produção de materiais de construção. O transporte, a demolição e as infraestruturas não estão incluídos nesse cálculo, pois as emissões associadas ao transporte são imputadas ao setor dos transportes. Por conseguinte, pode presumir-se que as emissões reais associadas à construção sejam mais elevadas. Segundo os dados da Comissão, os edifícios são responsáveis por cerca de 40 % do consumo de energia e por aproximadamente um terço das emissões de gases com efeito de estufa na UE. A redução das emissões de gases com efeito de estufa deve-se principalmente a medidas de renovação térmica, ao aumento das quotas das fontes de energia renováveis e à renovação dos sistemas de aquecimento. Em contrapartida, o número de residências principais e a área útil por alojamento estão a aumentar.

2.3.

O CESE frisa a importância significativa das florestas para a vida humana à escala mundial. Por exemplo, 400 mil milhões de árvores na Europa absorvem quase 9 % das emissões europeias de gases com efeito de estufa. O CESE está ciente de que a desflorestação é um grave problema à escala mundial, mas os recursos florestais na UE estão, pelo contrário, a aumentar. Entre 1990 e 2020, a superfície florestal aumentou 9 % e o volume de madeira nas florestas europeias cresceu 50 % (3). O CESE apoia incondicionalmente os esforços da Comissão Europeia para combater o problema mundial da desflorestação e salienta a necessidade de continuar a promover o crescimento e a saúde das florestas na União. A fim de reduzir as emissões de carbono, cabe promover o aumento da utilização de madeira na construção através de uma gestão florestal ativa e sustentável em toda a UE, sem entraves decorrentes de condicionalismos políticos.

2.4.

Por conseguinte, o CESE considera que o aproveitamento do potencial da construção em madeira (tanto maciça como não maciça) para a proteção do clima deve estar indissociavelmente vinculado à gestão sustentável das florestas. O projeto austríaco CareforParis (4), no âmbito do qual colaboram o Bundesforschungszentrum für Wald [Centro Federal de Investigação Florestal], a Universität für Bodenkultur (BOKU) [Universidade de Recursos Naturais e Ciências da Vida], a Wood K Plus e a Umweltbundesamt [Agência Federal do Ambiente], elaborou e analisou diferentes cenários de gestão florestal. Os cenários pressupõem diferentes graus de alterações climáticas e estratégias de adaptação para as florestas austríacas, simulando evoluções possíveis até 2150. Analisou-se de forma mais aprofundada a pegada de carbono das florestas e dos produtos de madeira e a prevenção das emissões de CO2 através da utilização de produtos de madeira. A combinação de crescimento florestal, utilização de madeira e prevenção das emissões de gases com efeito de estufa através da utilização de produtos de madeira conduz a um balanço positivo em matéria de emissões de gases com efeito de estufa. As florestas europeias são um importante sumidouro de carbono. Entre 2010 e 2020, a fixação média anual de carbono na biomassa florestal na Europa ascendeu a 155 milhões de toneladas. Na UE28, a fixação de carbono corresponde a 10 % das emissões brutas de gases com efeito de estufa (5). A alavanca mais importante para a proteção do clima é a substituição das matérias-primas fósseis e das energias fósseis por madeira (como material e como fonte de energia), graças às emissões que tal permite evitar. A disponibilização de madeira para substituir materiais com emissões mais elevadas ao longo do ciclo de vida é, por conseguinte, uma medida importante na luta contra as alterações climáticas.

2.5.

A energia incorporada corresponde à energia necessária para produzir, armazenar, transportar, instalar e, por último, eliminar materiais ou componentes de construção e edifícios. Em comparação com outros materiais de construção convencionais, a madeira fixa o carbono antes mesmo de ser utilizada como material de construção (uma árvore é composta em cerca de 50 % por carbono puro). Ao analisar o balanço de emissões da madeira, são essenciais os fatores da origem, da distância de transporte e do tipo de transformação, bem como da possibilidade de reutilização. As comparações de edifícios equivalentes ao longo de todo o seu ciclo de vida indicam que, ao contrário de outros materiais de construção, a madeira apresenta melhores resultados na perspetiva da energia incorporada, das emissões de gases com efeito de estufa, da poluição do ar e da água e de outros indicadores de impacto. O efeito de substituição, por si só, permite que o volume atual de produtos de madeira fabricados anualmente (madeira utilizada como material) evite cerca de 10 % das emissões anuais totais de gases com efeito de estufa.

2.6.

Concretamente, a construção em madeira pode representar uma redução de até 40 % das emissões de CO2 em comparação com o betão. Segundo a fórmula de conversão do volume em peso recomendada por Hagauer et al. (2009) (6), um metro cúbico de madeira (de árvores resinosas ou folhosas) corresponde a um peso em seco de 417 kg. Partindo do princípio de que o teor de carbono é de 50 %, o equivalente de CO2 é de 0,765 toneladas por metro cúbico. Consequentemente, por cada milhão de metros cúbicos de madeira abatida e pronta a utilizar, são fixados 0,765 milhões de toneladas de CO2 em produtos permanentes.

2.7.

A percentagem de construções em madeira aumentou nos últimos anos. Na Áustria, por exemplo, a percentagem de construções em madeira (7) aumentou mais de 70 % em vinte anos, correspondendo, em 2018, a 24 % da área útil construída. Deste total, 53 % dizia respeito a edifícios residenciais, 11 % a edifícios comerciais e industriais e 29 % a edifícios para fins agrícolas. Em contrapartida, a percentagem de edifícios públicos com construção em madeira era de apenas 7 %. Na Suécia e na Finlândia, 90 % de todas as novas habitações unifamiliares são em madeira e cerca de 20 % das novas habitações multifamiliares têm uma estrutura de madeira.

2.8.

O aproveitamento do espaço urbano disponível é um instrumento importante na luta contra as alterações climáticas e está inevitavelmente associado a um aumento da altura dos edifícios. Os projetos atuais mostram que é possível construir edifícios muito altos em madeira. São disso exemplo o Centro Cultural Sara, na Suécia, com vinte andares e 75 m de altura (8), ou a Torre Ascent, em Milwaukee, com 18 pisos em madeira (9).

2.9.

Os sistemas de construção em madeira existentes podem ser facilmente adaptados para proporcionar soluções abrangentes para a renovação de edifícios, permitindo criar habitações de elevada qualidade e realizar poupanças de energia significativas. Os projetos de renovação tiram partido não só da infraestrutura urbana prontamente disponível, mas também da energia incorporada já contida no parque imobiliário existente.

2.10.

O aproveitamento do parque imobiliário existente em vez da construção de novos edifícios corresponde a uma utilização mais eficiente dos recursos de uma cidade, pelo que deve, em princípio, ser privilegiado. As vantagens da construção em madeira são a velocidade de montagem e da integração dos componentes, uma melhor relação capacidade de carga/peso em comparação com outros materiais e, portanto, uma carga permanente comparativamente baixa para a estrutura existente.

2.11.

A madeira adequa-se também à utilização em cascata. O seu reaproveitamento em diferentes fases de utilização aumenta a criação de valor, reduz o consumo de recursos e sequestra CO2 durante um período mais longo.

2.12.

Os requisitos formais, jurídicos e técnicos de qualidade dos projetos aplicáveis à construção em madeira são comparativamente mais elevados e mais exaustivos do que para outros tipos de construção. Este nível de complexidade dificulta o aumento da quota de mercado da construção em madeira. A normalização de componentes, ligações e conjuntos pode facilitar a execução dos projetos e assegurar a sua viabilidade económica e qualidade. A base de dados dataholz.eu é uma iniciativa nesse sentido, que fornece informações verificadas em linha sobre materiais, componentes e estruturas de construção para a Alemanha e a Áustria. De modo geral, o CESE considera que a inovação nas construções em madeira deve poder corresponder, em todos os setores, ao estado da técnica, não apenas conformando-se com as normas existentes, mas também criando «soluções alternativas equivalentes».

3.   Observações na especialidade

3.1.

O CESE observa que, graças à respetiva normalização, precisão e qualidade, os sistemas de construção em madeira são adequados tanto para a construção de edifícios novos como para a renovação dos edifícios existentes e o reaproveitamento do espaço disponível nas cidades. Entre as suas muitas vantagens estão a adaptabilidade, o elevado grau de materiais pré-fabricados, a redução dos tempos de construção e o menor peso em comparação com outros materiais.

3.2.

Um critério fundamental para a avaliação dos edifícios é o impacto ambiental ao longo de todo o ciclo de vida. Os impactos ambientais decorrem da construção (fabrico e transporte dos produtos de construção utilizados), da utilização e do desmantelamento (incluindo reciclagem ou eliminação de produtos de construção). Os impactos ambientais são estabelecidos através de avaliações do ciclo de vida (EN 15804: 15.2.2022).

3.3.

A contabilidade ambiental é uma ferramenta adequada para avaliar a sustentabilidade dos produtos de construção. O CESE recomenda a utilização coerente da contabilidade ambiental para a avaliação rigorosa da sustentabilidade dos edifícios ao longo de todo o seu ciclo de vida, a fim de apresentar e comparar os impactos ambientais.

3.4.

Nos últimos anos, a legislação em matéria de construção passou a integrar a utilização de materiais de construção renováveis. As possibilidades de construção em madeira foram alargadas em especial no que diz respeito às normas de segurança contra incêndios. Vários projetos em curso dedicam-se a esta temática.

3.5.

O projeto de investigação TIMpuls (10), liderado pela Universidade Técnica de Munique (TUM), estuda os incêndios em edifícios de madeira com vários andares, com o objetivo de estabelecer princípios válidos para um conjunto único de regras em matéria de construção de edifícios altos em madeira.

3.6.

Os resultados de estudos e projetos realizados recentemente mostram que, em matéria de segurança contra incêndios, a construção em madeira não fica, de modo nenhum, aquém dos outros métodos de construção e, além disso, apresenta benefícios em matéria de segurança sísmica (11).

3.7.

A coexistência de diferentes normas legais, inclusivamente no interior de um mesmo Estado-Membro, cria com frequência obstáculos desnecessários. Por conseguinte, o CESE preconiza o reforço da harmonização da legislação em matéria de construção no sentido de tratar a madeira da mesma forma que os outros materiais de construção.

3.8.

O CESE insta os Estados-Membros a aumentarem a utilização de madeira nos edifícios públicos, que está abaixo da média global. O setor público deve dar o exemplo e aproveitar plenamente o potencial da construção em madeira para alcançar os objetivos climáticos. Em particular, a construção de edifícios excecionais e inovadores em madeira pode servir para criar uma identidade e promover uma maior utilização da madeira.

3.9.

Nos procedimentos de contratação pública, os critérios como a bioeconomia, a sustentabilidade, os custos de ciclo de vida e o impacto no clima, entre outros, são amiúde ignorados ou muito pouco utilizados para identificar o melhor proponente, o que penaliza as soluções de construção em madeira. Por conseguinte, o CESE preconiza que se reforce a obrigação de incluir nos contratos públicos critérios pertinentes para a consecução dos objetivos climáticos.

3.10.

No caso da construção em madeira pré-fabricada, o planeamento deve ser equiparável a um plano de execução final, a fim de não deixar margem para interpretações e de assegurar uma comparabilidade clara. Com vista a aproveitar as vantagens de otimização técnico-económica e de tempo de execução (12) desta solução, é necessário refletir mais precocemente sobre a vasta gama de produtos e os condicionalismos dos processos de fabrico, de logística e de montagem do que no caso da construção com menor grau de utilização de materiais pré-fabricados. Tal é possível mediante a inclusão precoce de informações sobre os proponentes através da escolha do procedimento de contratação pública adequado, como um procedimento concursal de arquitetura ou o diálogo concorrencial, ou mediante a inclusão de especialistas de planeamento pela entidade adjudicante.

3.11.

O CESE sublinha a importância do Novo Bauhaus Europeu para a promoção de materiais de construção de elevada qualidade e respeitadores do clima e, por conseguinte, da utilização de madeira na construção. Atualmente, a percentagem de utilização da madeira como material de construção na UE é de apenas 3 %, pelo que o potencial da construção em madeira para a atenuação das alterações climáticas está muito longe de ser plenamente aproveitado. Por conseguinte, o CESE considera essenciais para a realização deste potencial as medidas de apoio, no âmbito do Novo Bauhaus Europeu, à investigação, desenvolvimento e inovação de materiais de construção alternativos.

3.12.

Amiúde, os intervenientes no setor da construção ainda não conhecem suficientemente as possibilidades de utilização da madeira. A falta de conhecimentos resulta frequentemente numa utilização limitada da madeira. Por conseguinte, o CESE considera muito importante a transferência de conhecimentos na Europa — como previsto na academia do Novo Bauhaus Europeu — e, ao mesmo tempo, salienta a necessidade de assegurar a disponibilização de módulos de formação inicial e contínua adequados e em número suficiente também a nível nacional. A formação e a melhoria de competências para a utilização de novos métodos e materiais de construção sustentáveis são essenciais para todas as categorias de trabalhadores envolvidos no processo de construção: responsáveis de planeamento, arquitetos, engenheiros, técnicos, especialistas em tecnologias da informação e trabalhadores da construção. Só será possível concretizar a transição ecológica pela mão de pessoas com formação adequada.

3.13.

O CESE congratula-se com o projeto social europeu conjunto RESILIENTWOOD, liderado pela Confederação Europeia das Indústrias da Madeira (CEI-Bois) e pela Federação Europeia dos Trabalhadores dos Setores da Construção e da Madeira, que visa elaborar recomendações e orientações para as empresas, as ações de formação profissional e os poderes públicos no sentido de atrair os jovens para a indústria da madeira da UE, promover a adaptação às mudanças tecnológicas e continuar a melhorar as competências dos trabalhadores.

3.14.

O CESE considera importante publicar informações técnicas para dar conhecimento do estado da técnica na construção em madeira a todas as partes interessadas e estabelecer normas de construção e estruturais que facilitem a construção em madeira.

3.15.

A Diretiva Desempenho Energético dos Edifícios (DDEE) é o ato legislativo mais importante da UE no setor dos edifícios. Exige dos Estados-Membros que estabeleçam níveis de desempenho para os seus edifícios, planeiem estrategicamente a descarbonização do parque imobiliário através de estratégias de renovação a longo prazo e apliquem medidas adicionais. Por conseguinte, a DDEE constitui o instrumento político óbvio para estabelecer requisitos e critérios claros para a redução das emissões de carbono ao longo do ciclo de vida completo dos edifícios.

3.16.

Importa alinhar a Diretiva Desempenho Energético dos Edifícios pelos objetivos de neutralidade climática e estabelecer as medidas mais importantes e urgentes a adotar até 2050. Embora seja importante melhorar o desempenho energético dos edifícios, corre-se o risco de as medidas adotadas não serem as mais eficazes se não houver uma compreensão clara da pegada de carbono integrada dos edifícios.

3.17.

O CESE congratula-se com o Regulamento Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis, proposto na primavera de 2022, enquanto passo importante no sentido de produtos mais ecológicos e circulares. O estabelecimento de critérios mínimos, como a redução da pegada ambiental e climática dos produtos, pode também favorecer a construção em madeira e criar oportunidades económicas de inovação, embora atualmente o regulamento não abranja a construção em madeira.

3.18.

A comunicação obrigatória de informações sobre as emissões de carbono ao longo do ciclo de vida completo no setor da construção facilitará a recolha de dados e a avaliação comparativa e permitirá a este setor desenvolver as competências e capacidades necessárias. Cabe introduzir e reforçar progressivamente normas mínimas vinculativas para as emissões de carbono ao longo do ciclo de vida completo. O CESE insta a Comissão Europeia a desenvolver um sistema de certificação do carbono que tenha plenamente em conta o papel dos produtos de madeira na compensação das emissões.

3.19.

O CESE insta os Estados-Membros a participarem plenamente na nova iniciativa Wood POP dos Governos austríaco e finlandês, que reveste a forma de uma plataforma de promoção do diálogo político sobre a construção em madeira e visa mobilizar intervenientes públicos e privados de relevo do setor da madeira a nível nacional e regional e, ao mesmo tempo, apoiar a reorientação dos investimentos para soluções sustentáveis de base biológica e cadeias de valor baseadas na madeira.

3.20.

No seu Parecer Complementar — Indústria 5.0 no setor da construção em madeira (CCMI/205), o CESE salienta que a utilização da madeira como material de construção constitui uma grande oportunidade, uma vez que a madeira é uma alternativa sustentável e eficaz em termos de custos aos materiais tradicionais, como o betão e o aço. Outra vantagem da construção em madeira é a elevada produtividade do fator trabalho, que permite obras mais rápidas e eficientes. Além disso, a construção em madeira cria oportunidades de emprego nas zonas rurais. A construção em madeira tem vantagens ambientais, uma vez que a madeira é um recurso renovável e gera menos emissões de carbono em comparação com outros materiais nos processos de produção e ao longo do ciclo de vida. A construção em madeira também promove a conservação e a manutenção das florestas, contribuindo assim para a redução dos gases com efeito de estufa.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 73; JO C 155 de 30.4.2021, p. 73.

(2)  AIE (2022). Relatório sobre o setor dos edifícios, disponível em inglês em: https://www.iea.org/reports/buildings

(3)  https://foresteurope.org/wp-content/uploads/2016/08/SoEF_2020.pdf

(4)  Weiss P., Braun M., Fritz D., Gschwantner T., Hesser F., Jandl R., Kindermann G., Koller T., Ledermann T., Ludvig A., Pölz W., Schadauer K., Schmid B.F., Schmid C., Schwarzbauer P., Weiss G. 2020: Relatório final sobre o projeto CareforParis. Klima- und Energiefonds Wien [Fundo para o Clima e a Energia de Viena].

(5)  https://foresteurope.org/wp-content/uploads/2016/08/SoEF_2020.pdf

(6)  D. Hagauer, B. Lang, C. Pasteiner e K. Nemesthoty (2009). «Empfohlene Umrechnungsfaktoren für Energieholzsortimente bei Holz- bzw. Energiebilanzberechnungen» [Fatores de conversão recomendados para produtos de madeira para fins energéticos nos cálculos dos balanços energéticos e dos balanços dos produtos da madeira]. Ministério Federal da Agricultura, Florestas, Ambiente e Gestão dos Recursos Hídricos, Departamento V/10 — Energia e Economia Ambiental, publicação própria, Viena.

(7)  Percentagem de construção em madeira na Áustria. Recenseamento de todos os projetos imobiliários em 1998, 2008 e 2018. Robert Stingl, Gabriel Oliver Praxmarer, Alfred Teischinger, Universidade de Recursos Naturais e Ciências da Vida de Viena, encomendado pela proHolz Austria.

(8)  Ver Centro Cultural Sara, Skelleftea, Suécia, Arkitekter White Arkitekter 2021.

(9)  Ver Torre Ascent, Milwaukee, WIEHAG Áustria 2021.

(10)  www.cee.ed.tum.de/hbb/forschung/laufende-forschungsprojekte/timpuls [consultado em 23.1.2023].

(11)  Ver projeto de investigação sobre a segurança sísmica dos edifícios em madeira realizado pela Universidade de Ciências Aplicadas de Berna em 2020: www.bfh.ch/de/forschung/referenzprojekte/erdbebensicherheit-holzgebaeude [consultado em 23.1.2023].

(12)  Ver projeto de investigação leanWOOD — Neue Kooperations- und Prozessmodelle für das vorgefertigte Bauen mit Holz [Novos modelos colaborativos e de processos para construções em madeira pré-fabricadas], HSLU — Universidade de Lucerna, 2017.


ANEXO

O Parecer Complementar da Comissão Consultiva das Mutações Industriais — Indústria 5.0 no setor da construção em madeira encontra-se nas páginas seguintes:

Parecer da Comissão Consultiva das Mutações Industriais — Indústria 5.0 no setor da construção em madeira

(Parecer complementar ao Parecer TEN/794)

Relator:

Martin BÖHME

Correlator:

Rolf GEHRI

Decisão da Plenária

15.11.2022

Base jurídica

Artigo 56.o, n.o 1, do Regimento

 

Parecer complementar

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção na CCMI

27.2.2023

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

29/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) salienta que a utilização da madeira como material de construção constitui uma grande oportunidade, uma vez que a madeira é uma alternativa e um complemento sustentável e eficaz em termos de custos aos materiais de construção tradicionais, como o betão e o aço. Outra vantagem da construção em madeira é a elevada produtividade do fator trabalho, que permite uma construção mais rápida e eficiente dos edifícios. A possibilidade de pré-fabricar os componentes em fábrica também reduz os custos e aumenta a segurança durante a construção.

1.2.

A educação, a formação e a aprendizagem ao longo da vida da mão de obra no setor da construção em madeira são mais importantes do que nunca. A educação e a formação devem ser fruto de um diálogo social com a participação de todos os parceiros sociais.

1.3.

O CESE vê no desenvolvimento do setor da construção em madeira oportunidades significativas para os trabalhadores, especialmente nas zonas rurais. O emprego digno nas indústrias da madeira e da construção em madeira pode contribuir para melhorar a situação económica nas zonas rurais, em que a exploração florestal desempenha um papel preponderante.

1.4.

O CESE sublinha os muitos benefícios para o ambiente da construção em madeira. Um dos principais benefícios reside no facto de a madeira ser uma matéria-prima renovável que, comparada com outros materiais de construção, liberta menos emissões de CO2 no fabrico de componentes e na construção de edifícios, assim como ao longo do seu ciclo de vida. Além disso, a utilização de madeira no setor da construção promove a conservação e a manutenção das florestas através da criação de incentivos à gestão florestal sustentável. A madeira absorve e armazena o CO2 da atmosfera ao longo do ciclo de crescimento das árvores. Assim, quando utilizada na construção, a madeira torna-se um material de construção ecológico e contribui na sua globalidade para a redução dos gases com efeito de estufa.

1.5.

O CESE remete para as suas recentes publicações sobre a construção e os produtos de construção, em particular para o Parecer — Condições harmonizadas para a comercialização dos produtos de construção (1) e o Parecer — Construção em madeira para reduzir as emissões de CO2 no setor da construção (2).

1.6.

A utilização de madeira no setor da construção confirma o comportamento antissísmico deste material, conforme demonstrado em certos casos, por exemplo, no terramoto ocorrido no Alasca em 1964. O CESE considera que as pessoas que vivem em áreas de elevada sismicidade devem ser incentivadas a utilizar a madeira como material de construção.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O presente parecer partilha das observações na generalidade formuladas no Parecer — Construção em madeira para reduzir as emissões de CO2 no setor da construção (TEN/794).

2.2.

O setor da construção é um dos principais responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa e, por conseguinte, consideravelmente nocivo para o clima. As emissões devem-se principalmente à utilização de combustíveis fósseis para a produção de calor e eletricidade nos edifícios e à produção de materiais de construção. É extremamente importante adotar medidas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa no setor da construção, por exemplo, através da utilização de energias renováveis, da melhoria do desempenho energético dos edifícios e da utilização de materiais de construção sustentáveis (3).

2.3.

O CESE salienta que importa realçar a necessidade de uma gestão florestal sustentável na produção de madeira enquanto matéria-prima, a fim de aumentar a percentagem da madeira produzida de forma sustentável utilizada como material de construção na indústria da construção. A gestão florestal sustentável refere-se à gestão e utilização das florestas de forma a serem sustentáveis do ponto de vista ambiental, económico e social. Tal significa que as florestas são preservadas tanto para as gerações atuais como futuras e que os recursos naturais são utilizados de forma responsável. A conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos das florestas é um elemento importante da gestão florestal sustentável. É igualmente importante reduzir a vulnerabilidade das florestas a fenómenos naturais, como incêndios florestais e infestações por insetos.

2.4.

Do ponto de vista técnico, a construção em madeira exige uma utilização significativamente menor da chamada energia incorporada em comparação com outros materiais de construção, como o betão. Por energia incorporada entende-se a energia utilizada para o fabrico, o transporte, o armazenamento e a reciclagem de produtos. A redução da energia incorporada significa que se utiliza menos energia nesses processos, o que conduz a uma redução das emissões de CO2 e a uma utilização mais sustentável da energia. A redução da energia incorporada pode também contribuir para melhorar a competitividade das empresas.

2.5.

O CESE observa que, por vezes, a legislação dificulta a expansão da construção em madeira, na medida em que restringe a utilização da madeira como material de construção ou impõe determinadas regras e normas cuja aplicação é difícil ou dispendiosa para a construção em madeira. Cita-se a título de exemplo os limites impostos por muitos Estados-Membros à altura dos edifícios construídos em madeira, o que pode limitar as possibilidades de construção em madeira e entravar o desenvolvimento de construções neste material inovadoras. É inaceitável que, no domínio da proteção contra incêndios nos edifícios, as regras de desempenho aplicáveis à madeira sejam diferentes das aplicáveis a outros materiais. O CESE defende a homogeneização das regras a nível europeu, independentemente do material.

2.6.

A construção em madeira pode dar um contributo importante para uma economia mais circular e, em particular, concorrer para o objetivo de desenvolver uma economia baseada na biomassa mais forte, tal como estabelecido nas políticas pertinentes da UE. A este respeito, importa continuar a desenvolver as aplicações e as propriedades da madeira e dos produtos à base de madeira. Em especial, a reciclabilidade dos produtos de madeira é essencial neste processo. Além disso, a combinação da madeira com outros materiais terá também uma importância mais vincada. No domínio das propriedades dos materiais e dos materiais compósitos, a promoção da cooperação em matéria de investigação, desde que coordenada e apoiada a nível europeu, pode desempenhar um papel importante e estimular a inovação.

2.7.

A transformação das nossas indústrias rumo à indústria 5.0, que também assenta num conceito social, tem uma forte vertente técnica. A digitalização [a Modelação da Informação da Construção (Building Information Modelling — BIM)], a robotização e a utilização de programas de aprendizagem automática (inteligência artificial) transformarão toda a cadeia de valor, da silvicultura à construção, manutenção e reciclagem. Este processo requer um quadro jurídico referente aos requisitos gerais aplicáveis aos produtos, aos requisitos aplicáveis aos produtos de construção e à normalização. Importa assegurar a sua coordenação no domínio da construção em madeira. Em consonância com os objetivos sociais delineados para a indústria 5.0, a evolução tecnológica e os conceitos de organização do trabalho devem seguir uma abordagem da conceção tecnológica centrada no ser humano. Igualmente importante é que, logo na primeira fase do desenvolvimento tecnológico, se considere sistematicamente os potenciais efeitos positivos ou negativos para um ambiente habitacional e de trabalho saudável.

2.8.

O CESE observa que as transformações tecnológicas e técnicas na área dos materiais de construção em madeira alterarão também a organização do trabalho e os requisitos de qualificação. Daí resultam sobreposições entre o setor da construção e o setor da madeira e, como tal, entre as profissões tradicionais nestes dois ramos de atividade económica. Neste contexto, é necessário adaptar os currículos existentes para cada profissão ou inclusivamente redesenhar profissões, algo que deve ser coordenado a nível europeu. O objetivo de tornar as profissões atrativas com uma vasta gama de tarefas e uma organização do trabalho correspondente contribuirá igualmente para aumentar a atratividade dos setores da construção e da madeira.

2.9.

O CESE considera que, devido às rápidas mudanças nos métodos de trabalho (digitalização, robótica, inteligência artificial, novas máquinas), a educação, a formação e a aprendizagem ao longo da vida da mão de obra do setor da construção em madeira é mais importante do que nunca. A educação e a formação devem ser fruto de um diálogo social com a participação de todos os parceiros sociais.

3.   Observações na especialidade

3.1.

É expectável que o aumento do número de construções em madeira contribua significativamente para reforçar as cadeias de valor regionais e reduzir a pegada ecológica. Do ponto de vista dos materiais, a construção em madeira contribui significativamente para a bioeconomia, sobretudo se ao longo de todo o ciclo de vida da construção em madeira, incluindo na fase de conceção, for dada particular ênfase aos aspetos da manutenção e conservação. A fim de evitar a transferência do impacto ecológico, a madeira deve também ser extraída apenas de áreas dotadas de terrenos florestais certificados (sistemas de certificação florestal: Forest Stewardship Council — FSC e o Programa para o reconhecimento da certificação florestal — PEFC), cujo potencial de madeira bruta ultrapasse largamente as necessidades locais.

3.2.

O CESE considera fundamental para a sustentabilidade de todo o setor da construção em madeira ter em conta a forma como se organizam e exploram (produção intensiva, extensiva, monocultura, biológica) os terrenos necessários à produção de madeira e o modo de aprovisionamento (tradicional ou sustentável). Tendo em vista precisamente a ambição de aumentar a percentagem de madeira utilizada no setor da construção, é fundamental não perder de vista os objetivos da sustentabilidade e biodiversidade quando se decide aumentar a percentagem de terras ou reafetar as superfícies à produção de madeira.

3.3.

Os testes práticos mostram que, do ponto de vista da análise do ciclo de vida, a construção em madeira se revela globalmente mais vantajosa do que outros métodos de construção, como, por exemplo, a construção em betão armado. Em especial, o indicador de impacto que avalia o potencial de aquecimento global tem um desempenho significativamente melhor, perfazendo apenas 57 % do potencial da construção em betão armado (4).

3.4.

O CESE salienta que da análise de estudos que distinguem entre a construção em madeira e a construção maciça se conclui que, em quase todos os casos, a construção em madeira tem um impacto ambiental mais reduzido nos indicadores de análise do ciclo de vida, nomeadamente, a) procura de energia primária (total e não renovável) e b) potencial de aquecimento global. Esta conclusão não depende dos materiais de construção escolhidos para a construção maciça nem da conceção da construção em madeira (5).

3.5.

A possibilidade de pré-fabricar elementos é significativamente mais elevada na construção em madeira do que na construção maciça. Em consequência, os trabalhos em estaleiro estão menos dependentes das condições meteorológicas, sendo que uma maior percentagem da obra é executada em fábrica, sob melhores condições de trabalho. No entanto, quanto maior o nível de pré-fabricado, tanto maior o custo e complexidade do planeamento.

3.6.

O CESE faz notar que a construção em madeira permite a redução do tempo de execução da obra e acarreta menos encargos gerais com o estaleiro e a sua manutenção. O pré-fabricado permite diminuir o número de deslocações para o estaleiro de construção. Em especial nas zonas com potencial para desenvolvimento urbano, a construção em madeira permite edificar rapidamente novas habitações, por exemplo, através do aumento do número de andares e da construção de anexos.

3.7.

A construção em madeira assegura um maior espaço habitável com as mesmas dimensões externas, uma vez que permite amiúde incorporar o isolamento na estrutura de suporte, ao passo que na construção maciça é necessária uma estrutura separada. Consequentemente, na construção em madeira é possível utilizar uma parede exterior mais fina para se obter o mesmo grau de isolamento.

3.8.

O CESE considera que a construção em madeira encerra outras potencialidades para além da construção de habitações, nomeadamente para outros tipos de edifícios não residenciais (por exemplo, escritórios, armazéns, laboratórios).

3.9.

O CESE observa que, à semelhança do que acontece em todos os tipos de construção, a conceção e a execução de elevada qualidade são extremamente importantes para o ciclo de vida da construção. Tal implica, em particular, prever formação adequada para os arquitetos e engenheiros e adotar uma diretiva europeia de planeamento que defina um quadro regulamentar adequado aplicável às profissões. Sobretudo no setor do planeamento, há que proceder a ajustamentos jurídicos e promover a correspondente formação das entidades adjudicantes, a fim de assegurar que a escolha dos prestadores assenta obrigatoriamente em critérios de qualidade (6).

3.10.

Tendo em conta os efeitos mais recentes dos sismos na Turquia, mas também de sismos anteriores, bem como as previsões dos peritos relativamente a eventos futuros, o CESE considera que as pessoas que vivem em áreas de elevada sismicidade devem ser incentivadas a construir casas e edifícios em madeira.

3.11.

Nas empresas transformadoras, os processos de produção podem ser otimizados e simplificados com recurso às tecnologias da indústria 5.0, o que reduz o consumo de energia e, consequentemente, as emissões de CO2 no processo de produção. Além disso, o pré-fabrico de componentes em fábrica permite aumentar a eficácia do trabalho no estaleiro, gerando também menos resíduos, uma vez que os componentes apenas têm de ser montados no local da obra. Deste modo, reduz-se o consumo de energia no transporte e diminui-se a produção de resíduos (7).

Bruxelas, 27 de fevereiro de 2023.

O Presidente da Comissão Consultiva das Mutações Industriais

Pietro Francesco DE LOTTO


(1)  JO C 75 de 28.2.2023, p. 159.

(2)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Construção em madeira para reduzir as emissões de CO2 no setor da construção (JO, p. 18).

(3)  Ver Lotz T., Herbst A., Rehfeldt M., Kreislaufwirtschaft für die Dekarbonisierung des EU-Bausektors — Modellierung ausgewählter Stoffströme und Treibhausgasemissionen [A economia circular na descarbonização do setor da construção da UE — Modelização de uma seleção de fluxos produtivos e de emissões de gases com efeito de estufa].

(4)  https://www.berlin.de/nachhaltige-beschaffung/studien/holz-versus-stahlbetonbauweise/

(5)  «Potentiale von Bauen mit Holz» [Potencial de construção com madeira], Umweltbundesamt [Agência Federal do Ambiente da Alemanha], p. 25.

(6)  Ver Müller, Daniel, Holzbau vs. Massivbau — ein umfassender Vergleich zweier Bauweisen im Zusammenhang mit dem SNBS Standard [Construção em madeira versus construção maciça — Uma comparação exaustiva de dois métodos construtivos com base na norma de construção sustentável suíça].

(7)  Ver Koppelhuber, J., Bok, M. (2019). «Paradigmenwechsel im Hochbau» [Mudança de paradigma na construção de edifícios]. Em: C. Hofstadler (ed.) Aktuelle Entwicklungen in Baubetrieb, Bauwirtschaft und Bauvertragsrecht [Evolução atual nas obras de construção, na indústria da construção civil e na legislação sobre empreitadas]. Springer Vieweg, Wiesbaden. https://doi.org/10.1007/978-3-658-27431-3_19


III Atos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

577.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.3.2023-23.3.2023

25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/28


Parecer do Comité Económico e Social Europeu —

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas para um elevado nível de interoperabilidade do setor público em toda a União (Regulamento Europa Interoperável)

[COM(2022) 720 final — 2022/0379 (COD)]

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma política de interoperabilidade do setor público reforçada — Ligar serviços públicos, apoiar políticas públicas e proporcionar benefícios públicos — Rumo a uma «Europa Interoperável»

[COM(2022) 710 final]

(2023/C 184/05)

Relator:

Vasco Linhares de Lima Álvares DE MELLO

Consulta

a)

Parlamento Europeu, 21.11.2022

b)

Conselho da União Europeia, 25.11.2022

Base jurídica

a)

Artigo 172.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

b)

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

10.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

200/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Tal como a Comissão, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a interoperabilidade entre os serviços públicos é um requisito essencial para o estabelecimento de um mercado único digital.

1.2.

Porém, a consecução deste objetivo não poderá conduzir a uma política, por parte dos Estados-Membros, que importe a uma digitalização total dos serviços públicos, em prejuízo dos prestados presencialmente, tendo em consideração os grupos de cidadãos mais vulneráveis. A formação em competências digitais deve ser disponibilizada a todos, mas em especial a estes grupos da população.

1.3.

O desenvolvimento e a implantação de serviços digitais não só não ditarão um decréscimo de postos de trabalho como criarão, inclusivamente, necessidades acrescidas de pessoal numa fase inicial. Dispor de recursos humanos adequados é uma condição necessária para o êxito da transformação digital.

1.4.

O CESE reconhece, com satisfação, que, durante a pandemia, a digitalização dos serviços públicos conheceu um desenvolvimento considerável.

1.5.

O CESE apoia a criação de um modelo governativo para esta política constituído por dois órgãos fundamentais, a saber, o Comité Europa Interoperável e a Comunidade Europa Interoperável.

1.6.

O CESE aplaude o facto de a comunicação prever a conceção de soluções experimentais que permitam a existência de parcerias entre o setor público e empresas tecnológicas inovadoras e empresas em fase de arranque, com vista à criação de soluções experimentais inovadoras, que poderão vir a ser aplicadas nos serviços públicos e por estes partilhadas entre si.

1.7.

O CESE considera importante que, em futuros programas de financiamento de projetos de interoperabilidade dos serviços públicos, a sua concessão seja condicionada à adoção dos princípios e estruturas preconizados pelo quadro europeu de interoperabilidade.

1.8.

Apesar de aplaudir o facto de este processo se inserir no contexto da chamada dupla transição, o CESE alerta para o facto de que algumas soluções tecnológicas de digitalização poderão ser altamente consumidoras de energia.

1.8.1.

O CESE considera que, se bem com os cuidados necessários, a proteção de dados não pode vir a constituir um entrave à criação de novas soluções de interoperabilidade, quer por parte dos serviços públicos, quer por parte dos privados.

1.8.2.

Por outro lado, o CESE considera que a acessibilidade aos dados, quer pelos cidadãos, quer por empresas, quer por outros serviços públicos deverão ser objeto de diversos níveis de autorização, de forma a salvaguardar a sua confidencialidade e a serem fornecidos aqueles que são estritamente necessários.

2.   Antecedentes

2.1.

A criação de um mercado interno, ou seja, de um espaço de livre circulação de pessoas, de mercadorias, de serviços e de capitais, implica o desmantelamento de todas as barreiras nacionais existentes.

2.2.

Desde o seu início, e mais prementemente, após a criação do mercado único, a União Europeia tem procurado desmantelar todo o tipo de barreiras que possam vir a constituir entraves à criação de um verdadeiro mercado interno.

2.3.

Para que haja um verdadeiro mercado interno é necessário que os cidadãos e as empresas tenham acesso e interajam de uma forma simples e rápida aos serviços públicos dos Estados-Membros, quer estes sejam a nível local, regional ou nacional.

2.4.

Por outro lado, a existência de um espaço aberto, como é o europeu, impõe a partilha de dados e a cooperação entre os órgãos das administrações públicas estatais, seja a que nível for.

2.5.

Desde os anos noventa do século passado, a Comissão tem procurado dar passos que permitam a construção e a existência de uma interoperabilidade (1), ou melhor, uma interconectividade, entre os diversos serviços públicos dos Estados-Membros (2).

2.6.

Esta necessidade tem sido aprofundada ao longo do tempo, à medida que o mercado interno transitou para uma nova realidade, o digital (3).

2.7.

A digitalização constitui uma verdadeira revolução, quer nos hábitos dos cidadãos, quer na forma de funcionamento das empresas e da administração pública.

2.8.

Nos últimos anos, diversos serviços públicos dos Estados-Membros que eram apenas prestados de forma presencial, passaram a ser também prestados de forma digital, com uma enorme vantagem quer para os cidadãos, quer para as empresas, quer para os próprios serviços públicos, o que lhes permitiu obter enormes poupanças, tanto em horas de trabalho como em custos financeiros.

2.9.

A crise da COVID-19 veio acelerar esta tendência ao demonstrar que a interoperabilidade entre os diversos serviços públicos europeus poderá vir a ser um instrumento útil para o exercício da liberdade de circulação de pessoas, como ficou demonstrado com a utilização do certificado COVID, por exemplo.

2.10.

A União Europeia reconhece que a digitalização do setor público, pelo peso que este possui no PIB (4), poderá ser um fator-chave no processo de digitalização europeia, não só pela sua capacidade de alavancagem em relação aos restantes setores, mas também como um fator de liderança de todo este processo, no contexto da economia europeia.

2.11.

Daí que, na sua totalidade, os planos de recuperação e resiliência prevejam a existência de um investimento público, destinado à digitalização da administração pública, no montante total de 47 mil milhões de euros.

2.12.

A União Europeia, através da Comissão, e os governos dos Estados-Membros têm reconhecido, ao longo do tempo, a necessidade do aprofundamento da interoperabilidade e interconectividade dos serviços públicos nacionais, entre si, entre estes e os da União Europeia (5), para que os cidadãos e as empresas de toda a União possam aceder a estes serviços, seja qual for o ponto onde se encontrem.

2.13.

Apesar de a interoperabilidade entre os serviços públicos não ser um tema novo (6), a comunicação em apreço visa a criação de um quadro de cooperação mais formal, mais estável e de uma maior segurança que conduza a um maior aprofundamento da interconectividade existente entre os sistemas digitais dos diversos serviços públicos nacionais, entre si e com os próprios serviços da União Europeia (7), que conduza a uma catalisação deste objetivo, para que, em 2030, exista uma taxa de digitalização dos serviços públicos, na União Europeia, de 100 %, conforme proposto na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Orientações para a digitalização até 2030: a via europeia para a Década Digital [COM(2021) 118].

2.14.

Para o efeito, a comunicação em apreço apresenta os seguintes pilares fundamentais para a implementação de uma abordagem coerente na matéria, a saber:

criação de uma estrutura de governação da interoperabilidade, composta por dois órgãos (Comité Europa Interoperável e Comunidade Europa Interoperável), a qual é concebida por forma a permitir a colaboração das administrações públicas, quer a nível geral (europeu, nacional, regional e local), quer a nível setorial (justiça, transportes, assuntos internos, saúde, ecologia, entre outros), bem como das partes interessadas do setor privado — com um mandato para alcançar um acordo sobre as soluções de interoperabilidade partilhadas (por exemplo, quadros, especificações abertas, normas abertas, aplicações ou orientações);

introdução de uma avaliação obrigatória do impacto na interoperabilidade transfronteiriça que poderá decorrer da introdução ou alteração de um sistema de informação de um serviço público;

cocriação de um ecossistema de soluções de interoperabilidade para o setor público da UE (introdução de catálogos ativos de interoperabilidade reconhecidos, que podem ser utilizados pelas administrações e na elaboração de políticas, tais como ferramentas, especificações ou soluções digitais), para que as administrações públicas a todos os níveis da UE e outras partes interessadas possam contribuir para a criação, o aperfeiçoamento dessas soluções e a sua reutilização, possibilitando, assim, inovar em conjunto e criar valor público;

condicionamento da prestação de certos financiamentos da União Europeia para a criação ou reforço de sistemas de informação nacionais à utilização de soluções e princípios pré-definidos pela União Europeia (8).

3.   Observações na generalidade

3.1.

Tal como a Comissão, o CESE considera que a interoperabilidade entre os serviços públicos é um requisito essencial para o estabelecimento de um mercado único digital e para a eliminação de barreiras ainda subsistentes no mercado físico (9).

3.2.

O estabelecimento de um objetivo para 2030 para a existência de um nível de 100 % de serviços públicos digitais em toda União Europeia implica a aceleração e um aperfeiçoamento de uma rede transeuropeia que conecte os mesmos e que utilize elementos comuns, a nível técnico, a nível da semântica, a nível jurídico, a nível organizativo, entre outros.

3.3.

Porém, a consecução deste objetivo não poderá conduzir a uma política nacional de digitalização total dos serviços públicos, em prejuízo dos prestados presencialmente; deve ter em consideração os grupos de cidadãos mais vulneráveis, pois todos deverão ter acesso a serviços públicos que sejam prestados de forma presencial. A formação em competências digitais deve ser disponibilizada a todos, mas em especial a estes grupos da população.

3.4.

O desenvolvimento e a implantação de serviços digitais não só não ditarão um decréscimo de postos de trabalho como criarão, inclusivamente, necessidades acrescidas de pessoal numa fase inicial. Dispor de recursos humanos adequados é uma condição necessária para o êxito da transformação digital.

3.5.

A digitalização deverá servir para a prestação de um melhor serviço público.

3.6.

Como referiu o CESE num seu parecer anterior, «[…] o essencial não é substituir seres humanos por ferramentas informáticas, mas sim libertar tempo para atividades de maior valor acrescentado […]» (10).

3.7.

A digitalização e a utilização da inteligência artificial não são um meio de legitimar cortes gerais de postos de trabalho. A eliminação das tarefas rotineiras devido à digitalização deve permitir aos trabalhadores disporem de mais tempo para a execução de trabalhos exigentes e tarefas de aconselhamento.

3.8.

Acresce que em 2030, haverá, certamente, uma minoria de cidadãos infoexcluídos, que apenas terão acesso aos serviços públicos por via presencial (11). O processo de digitalização não deve dificultar ou impedir o acesso das pessoas aos serviços públicos por via analógica.

3.9.

Assim, o CESE saúda que a comunicação em apreço tenha como objetivo um aprofundamento e aperfeiçoamento do nível de interoperabilidade do setor público, através do estabelecimento de um quadro jurídico definido a nível da União (12).

3.10.

O CESE reconhece que este aprofundamento da interoperabilidade trará enormes benefícios quer para os cidadãos, nomeadamente os trabalhadores transfronteiriços, quer para as empresas e para própria administração pública dos Estados-Membros.

3.11.

Porém, para que estas vantagens sejam verdadeiramente efetivas, conforme reconhece a Comissão, não basta o estabelecimento de normas técnicas que permitam a interconexão entre os serviços. É necessário um investimento público nacional adequado, a todos os níveis.

3.12.

É necessário que haja uma coordenação quer a nível legislativo, quer a nível das redes de serviços setoriais, por forma a evitar-se que, por um lado, os resultados obtidos com a interoperabilidade não sejam frustrados através de burocracias desnecessárias e, por outro, que ocorra uma repetição do fornecimento dos mesmos dados por cidadãos ou por empresas a diversos serviços públicos, com a consequente duplicação de procedimentos e custos desnecessários.

3.13.

Por outro lado, é necessário que, a nível nacional, não existam entraves nos serviços públicos digitais que impossibilitem uma utilização transfronteiriça, quer na sua conectividade e interoperabilidade, quer com os cidadãos e empresas de outros Estados-Membros, quer com outros serviços públicos pertencentes a outros Estados-Membros (13).

3.14.

O CESE reconhece, com satisfação, que, durante a pandemia e os confinamentos, a digitalização dos serviços públicos conheceu um desenvolvimento considerável.

3.15.

Para esse efeito, aplaude-se que a comunicação em análise pretenda alcançar a existência de uma linha de coerência entre todas as políticas de interoperabilidade, quer a nível das políticas nacionais, quer a nível das políticas europeias setoriais, o que será alcançado através do incentivo à utilização de modelos comuns, da partilha de especificações técnicas e de outro tipo de soluções partilháveis.

3.16.

Pelos mesmos motivos, o CESE apoia o princípio de reutilização e transmissão de elementos e dados pelos diversos serviços públicos, quer a nível europeu, quer a nível nacional.

3.17.

O CESE mostra-se igualmente preocupado com a uso das línguas, em matéria de interoperabilidade dos serviços públicos. O regime linguístico não deverá constituir um entrave burocrático, e é necessário assegurar que a partilha de dados e de informações se faça numa língua que seja compreensível para todos.

3.18.

O CESE apoia a criação e a institucionalização de um modelo governativo para esta política, constituído por dois órgãos fundamentais, a saber, o Comité Europa Interoperável, que será presidido pela Comissão e composto por representantes de todos os Estados-Membros, um representante do Comité das Regiões e um representante do Comité Económico e Social Europeu, e a Comunidade Europa Interoperável, integrada por elementos da sociedade civil e do setor privado (14) (15).

3.19.

O CESE considera que é importante a participação da sociedade civil, nomeadamente dos parceiros sociais, na definição das políticas relativas à interoperabilidade, não só pelo facto de os cidadãos e as empresas serem os destinatários últimos desta política, mas também pelo facto de a sociedade civil poder contribuir com novas soluções tecnológicas para esta política, as quais não seriam alcançáveis através do setor público.

3.20.

O CESE entende que a participação da sociedade civil deverá ocorrer em vários planos, devendo a Comissão estimular e incentivar que os Estados-Membros promovam esta participação a vários níveis — nacional, regional e local.

3.21.

O CESE aplaude a criação por parte da Comissão de um ponto de acesso único, com o objetivo de concentrar e centralizar todos os conhecimentos e soluções relativos à interoperabilidade, que poderão ser fornecidos quer por entidades públicas, quer por entidades privadas.

3.22.

Tal como a Comissão, o CESE entende que os serviços públicos da União deverão reduzir a sua dependência de infraestruturas digitais fornecidas por países terceiros, o que põe em causa a soberania digital europeia.

3.23.

Para esse efeito, sublinha-se o facto de a Comissão entender que deverão ser utilizados sistemas abertos, preferencialmente em código fonte aberto, o que permite a partilha de soluções entre programadores.

3.24.

Nesse sentido, o CESE aplaude o facto de a comunicação prever e incentivar a conceção de soluções experimentais que permitam a existência de parcerias entre o setor público e empresas tecnológicas inovadoras e empresas em fase de arranque, com vista à criação de soluções experimentais inovadoras, que após uma fase de teste bem-sucedida, poderão ser aplicadas nos serviços públicos e por estes partilhadas entre si.

3.25.

O CESE considera importante que, em futuros programas de financiamento de projetos de interoperabilidade dos serviços públicos, a sua concessão seja condicionada à adoção dos princípios e estruturas preconizados pelo quadro europeu de interoperabilidade.

3.26.

Esta será uma boa via para se obrigar, de uma forma voluntária, os serviços públicos a adotarem normas que sejam comuns na interoperabilidade.

3.27.

O CESE estranha que na comunicação, ao contrário do que ocorreu em comunicações anteriores (16), não haja qualquer menção às vantagens que podem advir da interoperabilidade dos sistemas públicos europeus para o combate à fraude, o que resultará em ganhos de eficiência e de receitas para os Estados-Membros.

3.28.

Relativamente a este aspeto, o CESE salienta que à interoperabilidade dos sistemas se deverá juntar a utilização de inteligência artificial, o que poderá auxiliar os serviços públicos na análise de dados e, por outro lado, possibilitar a criação de alertas e avisos que sejam enviados para diversos serviços públicos dos Estados-Membros.

3.29.

Por último, duas notas finais relativas à transição ecológica e à proteção de dados:

3.29.1.

Um dos objetivos da comunicação consiste em inserir a estratégia de interoperabilidade dos sistemas públicos não só na estratégia de transição digital, como também na estratégia de transição ecológica.

3.29.2.

O CESE salienta que algumas soluções informáticas poderão ser altamente consumidoras de energia, apesar de serem altamente eficazes.

3.29.3.

É o caso da tecnologia de cadeia de blocos (blockchain), que, apesar de ser muito eficaz quanto à segurança, por exemplo, de dados sensíveis, consome muitos recursos energéticos.

3.29.4.

O CESE considera positiva a forma como foi alcançada, nesta matéria, a regulação inserida na comunicação para os ambientes de testagem de regulamentação.

3.29.5.

O CESE considera que, com os cuidados necessários, a proteção de dados não pode vir a constituir um entrave à criação de novas soluções de interoperabilidade, quer por parte dos serviços públicos, quer por parte dos privados.

3.29.6.

Por outro lado, o CESE considera que a acessibilidade aos dados, seja por cidadãos, empresas ou outros serviços públicos, deverá ser objeto de diversos níveis de autorização, de forma a salvaguardar a sua confidencialidade e a serem fornecidos aqueles que são estritamente necessários.

3.29.7.

Dessa forma, poder-se-ão evitar questões como as que ocorreram recentemente, em relação à acessibilidade dos dados constantes do Registo Central do Beneficiário Efetivo e que foram já objeto de sentença proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Interoperabilidade do setor público é definida como sendo «[…] o que permite que as administrações cooperem e façam os serviços públicos funcionar além-fronteiras, entre setores e para além dos limites organizacionais» — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma política de interoperabilidade do setor público reforçada — Ligar serviços públicos, apoiar políticas públicas e proporcionar benefícios públicos — Rumo a uma «Europa Interoperável».

(2)  Através da Decisão n.o 1719/1999/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, foi lançada pela Comissão uma iniciativa visando a interoperabilidade dos serviços públicos, que consistia numa série de orientações em que se incluía a identificação de projetos de interesse comum relativos a redes transeuropeias para o intercâmbio eletrónico de dados entre administrações.

(3)  Na construção de um mercado interno digital, tornou-se premente não só a eliminação das barreiras à sua existência, bem como a criação de mecanismos que impeçam a criação de novas barreiras.

(4)  De acordo com os dados do Eurostat, a números de 2022, o setor público representa 53,1 % do PIB europeu — Government finance statistics — Statistics Explained (europa.eu) [Estatísticas das finanças públicas — Explicação das estatísticas].

(5)  A título de exemplo, vejam-se os comunicados finais das reuniões interministeriais de Taline 2017, Berlim 2020, Lisboa 2021 e Estrasburgo 2022.

(6)  Em 2010, a Comissão apresentou a Comunicação — Para a interoperabilidade dos serviços públicos europeus [COM(2010) 744 final], que foi objeto de um Parecer do CESE — TEN/448-449, cuja execução foi feita através do programa sobre soluções de interoperabilidade para as administrações públicas europeias (ISA) — Decisão n.o 922/2009/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, sucedido em 2015 pelo Programa ISA2 — Decisão (UE) 2015/2240 do Parlamento Europeu e do Conselho e pelo Programa Europa Digital — Regulamento (UE) 2021/694 do Parlamento Europeu e do Conselho.

(7)  A Comissão reconhece, na proposta em análise, que a abordagem voluntarista prosseguida até agora é insuficiente para a prossecução dos objetivos propostos para a interoperabilidade.

(8)  Ver exposição de motivos da proposta de regulamento, bem como a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma política de interoperabilidade do setor público reforçada — Ligar serviços públicos, apoiar políticas públicas e proporcionar benefícios públicos — Rumo a uma «Europa Interoperável».

(9)  Já no seu Parecer TEN/635 — Quadro Europeu de Interoperabilidade — Estratégia de Execução, o CESE assinalava a importância da interoperabilidade para a conclusão do mercado único digital (JO C 81 de 2.3.2018, p. 176).

(10)  Ver Parecer do CESE sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de ação europeu (2011-2015) para a administração pública em linha — Tirar partido das TIC para promover uma administração pública inteligente, sustentável e inovadora e a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Para a interoperabilidade dos serviços públicos europeus (JO C 376 de 22.12.2011, p. 92).

(11)  Trata-se de uma preocupação subsistente nos pareceres do CESE (JO C 81 de 2.3.2018, p. 176).

(12)  O CESE, em pareceres anteriores, tem manifestado o seu apoio a todos os projetos da União Europeia que visem alcançar os objetivos da transição digital da União Europeia (JO C 365 de 23.9.2022, p. 13).

(13)  Um tema que poderá transformar-se num entrave para a interoperabilidade transfronteiriça dos serviços públicos é o que diz respeito aos dados pessoais.

(14)  O Comité Europa Interoperável está encarregado de desenhar medidas e de apoiar, aconselhar e monitorizar as políticas europeias de interoperabilidade, enquanto a Comunidade Europa Interoperável reunirá elementos da sociedade civil para auxiliar o Comité Europa Interoperável na busca e definição de novas soluções que o mesmo venha a propor.

(15)  A opção ora tomada pela Comissão vai ao encontro das recomendações feitas pelo CESE em pareceres anteriores (JO C 81 de 2.3.2018, p. 176).

(16)  Cf. anexo da Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Quadro Europeu de Interoperabilidade — Estratégia de execução.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/34


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que harmoniza certos aspetos do direito da insolvência

[COM(2022) 702 final — 2022/0408 (COD)]

(2023/C 184/06)

Relatora:

Sandra PARTHIE

Correlator:

Philip VON BROCKDORFF

Consulta

Parlamento Europeu, 26.1.2023

Conselho da União Europeia, 30.1.2023

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

10.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

207/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) sublinha que um regime de insolvência devidamente concebido deve contribuir para que as empresas viáveis permaneçam operacionais, evitando a sua liquidação prematura. O objetivo deve consistir em alcançar um equilíbrio entre a insolvência prematura e o início tardio dos processos de insolvência. A transparência dos procedimentos, bem como a facilidade de acesso a informações sobre o desempenho de uma empresa, são fatores essenciais neste contexto. Além disso, um regime de insolvência devidamente concebido deve também dissuadir os mutuantes de conceder empréstimos de alto risco, e os gestores e acionistas de recorrer a tais empréstimos, bem como de tomar outras decisões financeiras irresponsáveis (1).

1.2.

O CESE considera que as reformas em matéria de insolvência destinadas a incentivar a reestruturação da dívida e a reorganização interna contribuem para preservar postos de trabalho, ao mesmo tempo que reduzem tanto as taxas de insucesso entre as pequenas e médias empresas como a liquidação de empresas rentáveis. No entanto, o CESE acolheria com agrado propostas para resolver a questão pendente da insolvência das pessoas singulares.

1.3.

O CESE duvida que a proposta, que é apresentada como um passo importante para colmatar lacunas pertinentes para a melhoria da União dos Mercados de Capitais da UE, possa realmente satisfazer essa expectativa. A proposta não fornece uma definição harmonizada dos fundamentos da insolvência e da graduação dos créditos, ambos fundamentais para aumentar a eficiência das regras nacionais em matéria de insolvência e limitar a sua fragmentação atual.

1.4.

O CESE insta, por conseguinte, a Comissão, o Parlamento e o Conselho a reverem a proposta do artigo 27.o de obrigar as contrapartes, por exemplo, os fornecedores de uma empresa que esteja no início de um processo de insolvência, a assinar contratos executórios, que são depois cedidos ao adquirente da empresa sem o consentimento da contraparte. Com efeito, esta situação vincula-as artificialmente a um parceiro contratual que nunca escolheram nem aprovaram e restringe a sua liberdade empresarial. Limitar os direitos de cessação do contrato em caso de insolvência tornará os fornecedores essenciais menos dispostos a conceder crédito, especialmente no caso das micro, pequenas e médias empresas que enfrentam dificuldades financeiras.

1.5.

No entanto, o CESE saúda a proposta de introduzir um procedimento especial para facilitar e acelerar a liquidação das microempresas, proporcionando um processo de insolvência mais eficiente em termos de custos para essas empresas. Estas disposições também apoiam a liquidação ordenada das microempresas «sem ativos» e abordam a recusa de alguns Estados-Membros de abrir processos de insolvência se o valor de recuperação estimado for inferior às custas judiciais. O CESE sublinha que tal abrange cerca de 90 % das insolvências na UE, razão pela qual considera este procedimento muito importante.

1.6.

Embora o CESE apoie este procedimento especial, adverte que os requisitos que exigem que os tribunais nacionais desempenhem estas tarefas podem redundar numa sobrecarga dos sistemas judiciais nacionais, se estes passarem a ser responsáveis por avaliar se uma microempresa é de facto insolvente e por levar a cabo os procedimentos morosos que são necessários, incluindo a liquidação de ativos e a distribuição de receitas. O CESE recomenda, por conseguinte, que se recorra a outros intervenientes competentes, como os administradores de insolvência, para ajudar a reduzir a carga de trabalho do poder judicial (2).

1.7.

Por último, o CESE gostaria de salientar que processos de insolvência ineficientes podem resultar em níveis mais elevados de crédito malparado, colocando em risco a estabilidade financeira e afetando também o crédito, a inflação e o PIB real. O CESE considera que os regimes eficazes de insolvência e de direitos de credores e devedores são um dos instrumentos complementares do arsenal do decisor político para conter o crescimento do crédito malparado, pois aumentam a probabilidade de reembolso dos empréstimos e ajustam mais rapidamente os níveis de crédito malparado.

2.   Síntese da proposta da Comissão

2.1.

O objetivo da proposta é reduzir as diferenças nas legislações nacionais em matéria de insolvência e, assim, tratar a questão da possível ineficiência dos quadros de insolvência nos Estados-Membros onde se verificam essas diferenças, aumentando a transparência dos processos de insolvência em geral e diminuindo os obstáculos à livre circulação de capitais. Ao harmonizar aspetos específicos das legislações em matéria de insolvência, a proposta visa, em especial, reduzir os custos de informação e aprendizagem para os investidores transfronteiras. Espera-se, assim, que a existência de legislações em matéria de insolvência mais uniformes alargue as possibilidades de escolha do financiamento disponível para as empresas em toda a União.

2.2.

A proposta em apreço visa colmatar algumas lacunas da legislação anterior da UE em matéria de regras de insolvência, ou seja, a Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho (3) e o Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho (4), em particular no que diz respeito à recuperação de ativos através da liquidação da massa insolvente, à eficiência dos processos e à distribuição previsível e justa do valor recuperado entre os credores. Tal abrange questões relacionadas com ações de impugnação pauliana, a deteção de ativos, os deveres e a responsabilidade dos administradores, a venda de uma empresa como empresa em atividade através de «processos pre-pack», o elemento de desencadeamento da insolvência, um regime de insolvência especial para as micro e pequenas empresas, a graduação dos créditos e as comissões de credores.

2.3.

Tem-se observado que existem variações significativas nas regras nacionais de insolvência dos Estados-Membros no que diz respeito ao tempo necessário para liquidar uma empresa e ao valor que pode ser recuperado. Em alguns Estados-Membros, tal conduz a processos de insolvência morosos e a um valor médio de recuperação baixo nos processos de liquidação. De acordo com a Comissão Europeia, esta situação constitui um obstáculo para a União dos Mercados de Capitais e para os investimentos transfronteiras no interior da UE.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE congratula-se com a proposta da Comissão de aumentar a transparência e a disponibilidade das informações relativas às regras e aos processos de insolvência transfronteiras. Considera, no entanto, que esta proposta constitui apenas um primeiro passo para alcançar a convergência dos regimes de insolvência em todos os Estados-Membros da UE. O CESE acolheria também com agrado propostas para resolver a questão pendente da insolvência das pessoas singulares.

3.2.

O CESE sublinha que um regime de insolvência devidamente concebido deve contribuir para que as empresas viáveis permaneçam operacionais, evitando a sua liquidação prematura. Deve também dissuadir os mutuantes de conceder empréstimos de alto risco, e os gestores e acionistas de recorrer a tais empréstimos, bem como de tomar outras decisões financeiras irresponsáveis (5). Uma empresa afetada por uma recessão económica temporária ou por uma decisão errada pode ainda recuperar se a situação económica melhorar ou se adotar medidas corretivas. Essa situação beneficia todas as partes interessadas: os credores podem recuperar uma parte maior do seu investimento, um maior número de trabalhadores mantém o seu emprego e preserva-se a rede de fornecedores e clientes.

3.3.

Neste contexto, o CESE chama a atenção para estudos que demonstram que a reforma eficaz dos direitos dos credores está associada a menores custos de crédito, a uma melhoria do acesso ao crédito, a uma maior recuperação pelos credores e a uma maior eficácia na preservação dos postos de trabalho (6). Importa igualmente reforçar os direitos de participação de uma comissão de credores, com a eventual participação de um representante dos trabalhadores. Se, no final do processo de insolvência, os credores puderem recuperar a maior parte dos seus investimentos, podem continuar a reinvestir nas empresas e a melhorar o acesso das mesmas ao crédito. Da mesma forma, se um regime de falências respeitar a prioridade absoluta dos créditos, os credores garantidos podem continuar a conceder empréstimos, mantendo-se a confiança no sistema de insolvência (7).

3.4.

O CESE considera que as reformas em matéria de insolvência destinadas a incentivar a reestruturação da dívida e a reorganização interna contribuem para a preservação dos postos de trabalho e reduzem tanto as taxas de insucesso entre as pequenas e médias empresas como a liquidação de empresas rentáveis.

3.5.

As disparidades significativas nas legislações nacionais em matéria de insolvência são frequentemente referidas como obstáculos aos investimentos transfronteiras, tal como as regulamentações fiscais. O CESE considera que um maior grau de convergência das legislações em matéria de insolvência contribuiria para um melhor funcionamento dos mercados de capitais, facilitando assim o investimento em toda a UE. A proposta não harmoniza aspetos essenciais do direito da insolvência, por exemplo, não fornece uma definição harmonizada dos fundamentos da insolvência e da graduação dos créditos, ambas fundamentais para aumentar a eficácia das regras nacionais em matéria de insolvência e limitar a sua fragmentação atual. Esta situação não augura nada de bom para a consecução do objetivo, tão necessário quanto ambicioso, de uma União dos Mercados de Capitais.

3.6.

No entanto, o CESE sublinha o seu apoio inabalável a um mercado de capitais mais aberto a nível da UE que proporcione um acesso mais amplo ao investimento por parte das empresas, e regista as conclusões da Comissão e do Banco Mundial (8) de que um aumento da taxa de recuperação de ativos no contexto de uma maior eficácia em matéria de insolvência e dos direitos dos credores permite alargar o acesso ao crédito das empresas europeias.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE reconhece que os processos de insolvência diferem de forma significa entre os Estados-Membros, sendo que as regulamentações nacionais adotam uma abordagem que privilegia o «devedor não desapossado», ou os «direitos do credor», ou que dá prioridade ao emprego e à legislação laboral. Esta situação conduz a diferentes preferências no que diz respeito à liquidação de empresas, à graduação dos créditos dos credores e às funções dos administradores de empresas, dos administradores da insolvência e dos tribunais. Do mesmo modo, aquando da elaboração de políticas, há que ter em conta as diferenças entre acionistas e detentores de dívidas; enquanto os primeiros são sobretudo sensíveis a instrumentos de prevenção e racionalização, os detentores de dívidas são mais sensíveis à disponibilidade de instrumentos de reestruturação. O CESE considera que as propostas da Comissão constituem um primeiro passo para a convergência em toda a UE, mas ainda ficam aquém de uma harmonização eficaz, deixando por resolver a questão pendente da insolvência das pessoas singulares.

4.2.

O CESE apoia a opinião da Comissão de que as legislações nacionais em matéria de insolvência são uma consideração fundamental para os investidores estrangeiros. Contudo, salienta que o montante das insolvências com uma concessão de crédito transfronteiras não excede 20 % de todos os casos e que os dados relativos aos países do G20 mostram que um sistema eficaz de direitos legais apenas aumenta o nível de investimento direto estrangeiro (IDE) de 2 para 3 % do PIB. Além disso, uma parte significativa do IDE deve-se a fusões e aquisições de empresas existentes e não a investimento em novas empresas.

4.3.

O CESE considera, por conseguinte, que não se deve esperar que a convergência da legislação em matéria de insolvência tenha um grande impacto no investimento. No entanto, o CESE reconhece que proporcionar um quadro jurídico eficaz para os credores e uma maior transparência para todos os potenciais investidores no que diz respeito à legislação em matéria de insolvência, bem como igualdade de informação sobre a situação jurídica, pode ter um impacto positivo no investimento estrangeiro. A certeza quanto às regras relativas aos direitos dos credores e dos devedores e uma maior harmonização dos procedimentos de retirada de garantias em todos os Estados-Membros permitirão igualmente reduzir os riscos e dar um novo impulso aos investimentos transfronteiras e ao comércio interno.

4.4.

Além disso, o CESE considera muito importante proporcionar aos investidores informações e transparência no que diz respeito a questões relacionadas com ações de impugnação pauliana, a deteção de ativos, os deveres e a responsabilidade dos administradores, a venda de uma empresa como empresa em atividade através de «processos pre-pack», o elemento de desencadeamento da insolvência, um regime de insolvência especial para as micro e pequenas empresas, a graduação dos créditos e as comissões de credores.

4.5.

O CESE saúda igualmente o facto de a proposta introduzir um procedimento especial para facilitar e acelerar a liquidação das microempresas, proporcionando um processo de insolvência mais eficiente em termos de custos para essas empresas. Estas disposições também apoiam a liquidação ordenada das microempresas «sem ativos» e abordam a recusa de alguns Estados-Membros de abrir processos de insolvência se o valor de recuperação estimado for inferior às custas judiciais. O CESE sublinha que tal abrange cerca de 90 % das insolvências na UE, razão pela qual considera este procedimento muito importante.

4.6.

No entanto, embora o CESE apoie este procedimento especial, adverte que os requisitos que exigem que os tribunais nacionais desempenhem estas tarefas, em conformidade com o artigo 12.o e seguintes da diretiva, podem redundar numa sobrecarga dos sistemas judiciais nacionais, se estes passarem a ser responsáveis por avaliar se uma microempresa é de facto insolvente e por levar a cabo os procedimentos morosos que são necessários. O CESE considera que tal contrariaria, em certa medida, o objetivo da legislação proposta. Em pareceres anteriores (9), o CESE tinha declarado que o recurso sistemático aos tribunais podia não ser a melhor opção e recomendado a criação de novos organismos que assumissem essa função. A participação efetiva de administradores de insolvência independentes revelou-se benéfica, especialmente para as microempresas pouco organizadas envolvidas em processos de liquidação simplificados, e o CESE considera que se deve ponderar seriamente o recurso a administradores de insolvência (10).

4.7.

O CESE recomenda também que, caso haja um interesse legítimo, os administradores de insolvência tenham acesso direto e rápido aos registos nacionais de ativos, independentemente do Estado-Membro em que tenham sido nomeados. O CESE salienta igualmente que esses registos ainda não foram criados em todos os Estados-Membros e insta as autoridades competentes a corrigirem rapidamente esta situação.

4.8.

Por motivos de eficiência, o CESE acolhe favoravelmente a proposta relativa aos «processos pre-pack», em que a venda da empresa do devedor (ou de parte da mesma) é preparada e negociada antes da abertura formal do processo de insolvência. Deste modo, é possível executar a venda e obter as receitas logo após a abertura do processo formal de insolvência destinado a liquidar a empresa. No entanto, o CESE alerta para a proposta do artigo 27.o de obrigar as contrapartes, por exemplo, os fornecedores de uma empresa que esteja no início de um processo de insolvência, a assinar contratos executórios, que são depois cedidos ao adquirente da empresa sem o consentimento da contraparte. Com efeito, esta situação vincula-as artificialmente a um parceiro contratual que nunca escolheram nem aprovaram e restringe a sua liberdade empresarial. Tal aplica-se, por maioria de razão, aos trabalhadores, cuja liberdade profissional não pode ser comprometida por uma mudança forçada de empregador. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão, o Parlamento e o Conselho a rever esta proposta. Além disso, cabe reforçar a eventual participação e supervisão por parte de uma comissão de credores nos «processos pre-pack».

4.9.

O CESE salienta também que a diretiva não aborda realmente a questão da convergência da graduação dos créditos nem fornece uma definição dos fundamentos da insolvência. Uma vez que se trata de requisitos essenciais para a harmonização dos processos de insolvência, o CESE lamenta profundamente que a Comissão não tenha aprofundado estas questões.

4.10.

Do mesmo modo, a proposta não aborda suficientemente os elementos de desencadeamento da insolvência, apesar das afirmações em contrário na comunicação relativa à diretiva. A proposta refere que os dois elementos habituais de desencadeamento de abertura de processos normais de insolvência nos Estados-Membros são o teste da cessação de pagamentos e o teste do balanço.

4.11.

A fim de simplificar os processos de insolvência, um objetivo que o CESE apoia em princípio, a diretiva propõe que a incapacidade de pagar as dívidas à medida que vencem seja o critério para abrir o processo simplificado de liquidação. Em vez de fornecer orientações sobre a forma de definir as condições específicas para o preenchimento deste critério, a proposta convida os Estados-Membros a defini-las e perde a oportunidade de assegurar a coerência em toda a UE.

4.12.

O CESE observa também que os bancos são, de um modo geral, os principais intermediários financeiros e são fundamentais para a estabilidade do sistema financeiro. O crédito malparado diminui a sua rendibilidade e pode ameaçar a sua solvência. Os regimes de insolvência e de direitos de credores e devedores são um dos instrumentos complementares do arsenal do decisor político para conter o crescimento do crédito malparado e contribuir para o resolver quando atinge níveis problemáticos. A análise a nível das empresas mostra que as reformas dos regimes de insolvência que reduzem os obstáculos à reestruturação das empresas e o custo pessoal associado ao fracasso empresarial podem reduzir a parte do capital irrecuperável nas chamadas empresas zombie. Estes ganhos são, em certa medida, realizados através da reestruturação de empresas frágeis, o que, por sua vez, estimula a reafetação de capital a empresas mais produtivas.

4.13.

Por último, o CESE recomenda que a Comissão publique regularmente estatísticas sobre os processos de insolvência ao abrigo da regulamentação aplicável em matéria de insolvência, para que a eficácia do sistema estabelecido possa ser avaliada periodicamente.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Banco Mundial, «Resolving Insolvency» [Direito da Insolvência], consultado em 3 de janeiro de 2023.

(2)  Banco Mundial, «Principles for effective Insolvency and Creditor/debtor Regimes» [Princípios de regimes eficazes em matéria de insolvência e de direitos de credores e devedores], edição revista, 2021, princípios c6.1 e c19.6.

(3)  Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, e que altera a Diretiva (UE) 2017/1132 (Diretiva sobre reestruturação e insolvência) (JO L 172 de 26.6.2019, p. 18).

(4)  Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (JO L 141 de 5.6.2015, p. 19).

(5)  Banco Mundial, «Resolving Insolvency» [Direito da Insolvência], consultado em 3 de janeiro de 2023.

(6)  Banco Mundial, «Resolving Insolvency» [Direito da Insolvência], consultado em 3 de janeiro de 2023.

(7)  Banco Mundial, «Resolving Insolvency» [Direito da Insolvência], consultado em 3 de janeiro de 2023.

(8)  «How Insolvency and Creditor/Debtor Regimes Can Help Address Nonperforming Loans» [Como os regimes de insolvência e de direitos do credor e devedor podem contribuir para resolver o problema do crédito malparado]. — Notas sobre o Crescimento Equitativo, Finanças e Instituições, Washington: Banco Mundial.

(9)  Incluindo o Parecer do CESE — Insolvência das empresas (JO C 209 de 30.6.2017, p. 21).

(10)  Banco Mundial, «Principles for effective Insolvency and Creditor/debtor Regimes» [Princípios de regimes eficazes em matéria de insolvência e de direitos de credores e devedores], edição revista, 2021, princípios c6.1 e c19.6.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/39


Parecer do Comité Económico e Social Europeu

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho relativo aos desenhos ou modelos comunitários e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2246/2002 da Comissão

[COM(2022) 666 final — 2022/0391 (COD)]

Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à proteção legal de desenhos ou modelos (reformulação)

[COM(2022) 667 final — 2022/0392 (COD)]

(2023/C 184/07)

Relator:

Ferre WYCKMANS

Consulta

a)

Conselho, 21.12.2022

b)

Parlamento Europeu, 12.12.2022

Conselho, 21.12.2022

Base jurídica

a)

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

b)

Artigos 114.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

148/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que um sistema eficaz de proteção dos desenhos ou modelos é bom para os consumidores e os cidadãos em geral, na medida em que encoraja a concorrência leal e práticas comerciais leais. Além disso, contribui para o desenvolvimento económico, porque estimula a criatividade na indústria, a produção, a atividade comercial e a exportação.

1.2.

Na maioria dos Estados-Membros, o desenho ou modelo deve ser registado junto de um instituto nacional de propriedade intelectual para que possa ser protegido por lei. Em função da legislação nacional considerada e do tipo de desenho ou modelo, estes podem também ser protegidos ao abrigo do direito de autor, enquanto desenho ou modelo não registado ou enquanto obra de arte. Em certos Estados-Membros, a proteção oferecida enquanto desenho ou modelo industrial e a proteção oferecida pelo direito de autor são cumulativas, ao passo que, noutros, são mutuamente exclusivas. Em certas circunstâncias, um desenho ou modelo pode também merecer proteção ao abrigo da legislação sobre concorrência desleal, embora as condições da proteção e o âmbito dos direitos e vias de recurso existentes possam variar consideravelmente.

1.3.

O CESE considera indispensável adaptar o quadro jurídico dos desenhos ou modelos à era digital, a fim de favorecer a recuperação e a resiliência da União Europeia e de encorajar a inovação e a competitividade. É favorável à nova definição de desenho ou modelo apresentada na proposta de diretiva, que é mais pertinente face à evolução tecnológica, na medida em que alarga a noção de «produto» aos desenhos ou modelos tecnológicos não incorporados em objetos físicos.

1.4.

O CESE aprova igualmente a limitação da proteção às características da aparência tal como representadas de forma visível no pedido de registo, uma vez que essa limitação reforça a segurança jurídica da proteção concedida.

1.5.

O CESE congratula-se com o facto de a proposta de regulamento retomar a solução estabelecida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no seu acórdão nos processos «Acacia Srl», de 20 de dezembro de 2017 (1), no qual se esclarece a interpretação da noção de «cláusula de reparação», em particular porque esta solução melhora a proteção dos consumidores.

1.6.

Por outro lado, o CESE não considera que a fusão da taxa de publicação e da taxa de registo vá permitir reduzir o montante total de taxas a pagar, uma vez que o custo das renovações, conforme proposto, aumenta drasticamente. Por conseguinte, esta medida não é tão favorável às pequenas e médias empresas (PME) e aos criadores independentes como se quer fazer crer. O CESE preconiza montantes menos elevados para as PME e os criadores independentes, definidos em função do seu volume de negócios, se tal for considerado adequado.

1.7.

No entender do CESE, a simplificação decorrente da supressão da obrigação de os pedidos múltiplos pertencerem à mesma classe é necessária, embora insuficiente, pois é ainda necessário melhorar a ergonomia dos sistemas de depósito de desenhos ou modelos propostos nos sítios Web dos institutos nacionais da propriedade industrial (a seguir designados «institutos») e do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO). A fim de ultrapassar esse desafio, os institutos poderiam recorrer a profissionais, nomeadamente a agentes da propriedade industrial, permitindo assim às PME e aos criadores independentes proteger mais facilmente os seus desenhos ou modelos.

1.8.

O CESE não considera adequado o recurso ao artigo 290.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) como base para elaborar regras em matéria de litígios e de recurso de decisões do EUIPO, pois um ato delegado visa apenas completar o ato de base e deve, por isso, incidir exclusivamente sobre elementos não essenciais. No entanto, as disposições que a proposta de regulamento prevê que sejam adotadas por ato delegado dizem respeito aos direitos previstos no Título VI da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, relativo à Justiça, nomeadamente o artigo 47.o sobre o direito à ação e a um tribunal imparcial. Por conseguinte, tais disposições não podem ser consideradas elementos não essenciais.

1.9.

O CESE recomenda que as disposições em causa sejam definidas no próprio regulamento.

2.   Antecedentes

2.1.

No direito positivo, a Diretiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (2) (a seguir designada por «diretiva») harmoniza parcialmente as legislações nacionais relativas à proteção jurídica dos desenhos e modelos, ao passo que o Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho (3) (a seguir designado por «regulamento»), instaura um sistema autónomo de proteção dos direitos uniformizados em toda a União para os desenhos ou modelos comunitários registados e não registados, desde que os não registados cumpram os requisitos de proteção, a saber, a novidade e o caráter singular. Os titulares arriscam-se a ter dificuldades em provar a existência de um direito sobre o desenho ou modelo se não os registarem. Além disso, a duração da proteção é limitada a três anos e o âmbito dos direitos concedidos é mais reduzido.

2.2.

O regulamento foi alterado em 2006 a fim de concretizar a adesão da UE ao sistema internacional de registo de Haia, cujo objetivo era estabelecer um procedimento de registo dos desenhos e modelos único, simples, pouco dispendioso e centralizado junto da Organização Mundial da Propriedade Intelectual.

2.3.

O regulamento isenta as peças sobresselentes da proteção concedida aos desenhos ou modelos comunitários, porque não foi possível chegar a acordo sobre este assunto durante os trabalhos de elaboração da diretiva. Em 2014, a Comissão retirou a sua proposta de revisão da diretiva, por esta não ter recolhido o apoio do Conselho.

2.4.

A proposta ora em apreço surge na sequência deste falhanço e resulta da Comunicação da Comissão, de 25 de novembro de 2020, intitulada «Tirar pleno partido do potencial de inovação da UE — Um plano de ação em matéria de propriedade intelectual para apoiar a recuperação e resiliência da UE», publicada na sequência da reforma do direito das marcas. O seu objetivo é tornar a proteção mais adaptada à era digital, mais acessível e eficaz para os criadores independentes, as PME e as indústrias e menos dispendiosa e complicada, bem como reforçar a segurança jurídica do sistema de proteção.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Um desenho ou modelo industrial consiste na aparência de um objeto. Pode ser tridimensional ou bidimensional. Um desenho ou modelo bem conseguido alia harmoniosamente a função à forma. Quer se trate de mesas ou de telefones, o desenho ou modelo torna o objeto atraente ou preferível a outro.

3.2.

Um desenho ou modelo industrial é aplicado a diversos produtos da indústria e do artesanato, como instrumentos técnicos ou médicos, relógios, joias, artigos de luxo, aparelhos domésticos, aparelhos elétricos, veículos, estruturas arquitetónicas, produtos do setor têxtil, artigos de lazer, etc.

3.3.

Por conferir ao objeto o seu poder de atração e interesse, o desenho ou modelo industrial aumenta o valor de mercado do produto. Proteger um desenho ou modelo contribui, pois, para garantir a rentabilidade do investimento.

3.3.1.

Assim, o CESE considera que um sistema eficaz de proteção é vantajoso para os consumidores e para os cidadãos em geral, na medida em que encoraja a concorrência leal e práticas comerciais leais.

3.3.2.

Além disso, favorece o desenvolvimento económico, porque estimula a criatividade na indústria e a produção industrial, bem como o desenvolvimento da atividade comercial e das exportações.

3.4.

Na maioria dos Estados-Membros, o desenho ou modelo deve ser registado junto de um instituto nacional de propriedade intelectual para que possa ser protegido por lei. Em função da legislação nacional considerada e do tipo de desenho ou modelo, estes podem também ser protegidos ao abrigo do direito de autor, enquanto desenho ou modelo não registado ou enquanto obra de arte.

3.5.

Em certos Estados-Membros, a proteção oferecida enquanto desenho ou modelo industrial e a proteção oferecida pelo direito de autor são cumulativas, ao passo que, noutros, são mutuamente exclusivas. Um desenho ou modelo pode também merecer proteção ao abrigo da legislação sobre concorrência desleal, embora as condições da proteção e o âmbito dos direitos e vias de recurso existentes possam variar.

3.6.

Face aos objetivos da União de estimular a recuperação e a resiliência e de encorajar a inovação e a competitividade, o CESE considera indispensável adaptar o quadro jurídico dos desenhos ou modelos à era digital. O CESE concorda com a nova definição proposta, que é pertinente face à evolução tecnológica e alarga a noção de «produto» aos desenhos ou modelos tecnológicos não incorporados em objetos físicos.

3.7.

O CESE concorda também com o reforço da segurança jurídica associado à limitação da proteção às características da aparência tal como representadas de forma visível no pedido de registo.

3.8.

Acolhe ainda favoravelmente a adaptação do âmbito dos direitos conferidos pelo registo de um desenho ou modelo no sentido de integrar os problemas ligados à utilização de tecnologias de impressão 3D, e concorda com a adição, tal como no direito das marcas, do direito de os titulares dos desenhos ou modelos impedirem a circulação de produtos contrafeitos pelo território da UE ou a sua colocação sob um regime aduaneiro sem que sejam introduzidos em livre prática nesse território, o que visa combater a contrafação.

4.   Observações na especialidade

4.1.    Cláusula de reparação e proteção dos consumidores

4.1.1.

A proteção de peças sobresselentes («peças de um produto complexo») pelo direito dos desenhos ou modelos é objeto de debate há muito. Confirmada pelo regulamento, esta proteção prevê uma exceção, a chamada «cláusula de reparação», que visa limitar o monopólio dos construtores ou fabricantes de equipamento (nomeadamente do setor automóvel) no mercado das peças sobresselentes (artigo 110.o). Esta «cláusula de reparação» estipula que o titular de um desenho ou modelo de uma peça sobresselente não pode exercer um monopólio nem impedir um terceiro de colocar no mercado peças sobresselentes de substituição que sirvam para reparar um produto e dar-lhe a sua aparência inicial.

4.1.2.

Com efeito, o fabricante de um produto acabado complexo (automóvel, relógio, telemóvel, etc.) controla muitas vezes toda a cadeia de produção, pelo que é capaz de obter um lucro duplo, primeiro no mercado da venda do produto acabado, mas também no mercado da venda de peças sobresselentes.

4.1.3.

Ora, a economia comportamental já estabeleceu que a maioria dos consumidores faz as suas escolhas em função do preço de venda do produto primário, sem se preocupar com o preço dos serviços secundários. Assim, os consumidores ficam reféns do seu investimento inicial e obrigados a suportar um preço que não aceitariam necessariamente noutras circunstâncias.

4.1.4.

O CESE salienta que esta situação pode, por conseguinte, dar azo a problemas de direito da concorrência, uma vez que o produtor/montador de origem e titular de um direito sobre os desenhos e modelos dispõe de uma vantagem concorrencial importante, que pode, em última análise, lesar o consumidor, exercendo essa vantagem:

sobre os seus clientes, pois permite-lhe praticar preços elevados ou vendas subordinadas;

sobre os reparadores, porque lhe permite apropriar-se do mercado ou impor condições aos reparadores para os abastecer;

sobre os fornecedores, na medida em que pode proibi-los de abastecer reparadores independentes ou proibir fornecedores independentes de copiarem as suas peças para abastecer o mercado das reparações.

4.1.5.

Para evitar a monopolização dos mercados secundários, o legislador europeu decidiu limitar os direitos que podem ser obtidos sobre peças sobresselentes.

A primeira limitação é, por vezes, designada a exceção de obrigação de adaptação («must-match») (artigo 8.o, n.o 2). A aparência de um produto que seja necessária para ligar esse produto a outro não pode ser protegida.

A segunda limitação diz respeito à proteção de peças não visíveis.

4.1.6.

Uma peça que não seja visível durante uma utilização normal do produto não pode ser protegida pelo depósito de um desenho ou modelo (artigo 4.o, n.o 2).

Isto diz respeito, nomeadamente:

ao mecanismo de um relógio;

ao interior da maioria dos motores de produtos eletrodomésticos;

ao motor de um automóvel (considerado não visível durante uma utilização normal do veículo, apesar de o motor ficar facilmente visível se for aberto o capô).

4.1.7.

As peças sobresselentes passíveis de serem protegidas são, portanto, as que não têm nenhum mecanismo de interconexão e que são visíveis. Por conseguinte, nos termos do regulamento, é possível proteger uma grande quantidade de peças. Por exemplo, no caso de um automóvel, trata-se de:

faróis;

guarda-lamas;

capô e portas (mas não as dobradiças);

volante.

4.1.8.

Qualquer produto que não esteja protegido pelo depósito de um desenho ou modelo pode, portanto, ser reproduzido por qualquer produtor de peças sobresselentes concorrente e entrar no mercado da reparação.

4.1.9.

Todavia, a aplicação destas disposições suscitou interrogações. Por conseguinte, o CESE congratula-se com o facto de a proposta de regulamento ter em conta a solução apresentada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no seu acórdão nos processos «Acacia Srl», de 20 de dezembro de 2017, no qual se esclarece a interpretação da noção de «cláusula de reparação».

4.1.10.

O CESE assinala que o Tribunal de Recurso de Paris deu aplicação concreta a esta solução no seu acórdão de 11 de setembro de 2018, no processo n.o 2017/01589, no caso de jantes comercializadas num sítio Web de vendas em linha. A invocação, pelo vendedor, da «cláusula de reparação» não foi aceite porque as jantes em causa eram vendidas «para fins de personalização estética dos veículos» e de «tuning». Assim, as jantes que faziam objeto do litígio foram consideradas produtos de contrafação e o vendedor foi condenado por contrafação de modelos.

4.1.11.

Certos Estados-Membros liberalizaram o mercado das peças sobresselentes. A lei francesa n.o 2021-1104 sobre clima e resiliência, de 22 de agosto de 2021, abre o mercado de venda de certas peças sobresselentes de automóveis a partir de 1 de janeiro de 2023.

4.1.12.

Esta medida visa baixar os preços nesse mercado, que, entre 2019 e 2020, registaram um aumento médio de 8 %, nomeadamente devido à complexificação técnica das diferentes peças, como os motores dos espelhos retrovisores elétricos, os sensores instalados nos para-brisas, etc. Os Estados em que este setor está mais liberalizado não têm uma indústria muito desenvolvida, à exceção do exemplo notável da Alemanha, país de construtores automóveis poderosos onde, não obstante, o mercado já está mais aberto.

Em França, a partir de 1 de janeiro de 2023, os fabricantes de equipamentos, quer se trate de fabricantes de origem, ou seja, os que participam na montagem do veículo novo, ou de independentes, poderão comercializar peças relacionadas com os vidros. Os fabricantes de equipamentos que tenham participado na montagem original das outras peças sobresselentes visíveis (peças óticas, retrovisores, etc.) poderão, portanto, comercializar as peças da mesma forma que os construtores.

4.2.    Custo da proteção dos desenhos ou modelos

4.2.1.

O EUIPO tem um sistema em linha de depósito de desenhos ou modelos cujo custo atual mínimo é de 350 euros. O CESE recorda que um desenho ou modelo comunitário registado é válido por um período inicial de cinco anos a contar da data do depósito e que pode ser renovado de cinco em cinco anos durante um período máximo de 25 anos.

4.2.2.

Ao custo do depósito acrescem três tipos de taxas:

a taxa de registo, de 230 euros, à qual pode acrescer um suplemento de 115 euros por cada desenho ou modelo adicional até ao décimo e de 50 euros cada a partir do décimo primeiro;

a taxa de publicação, de 120 euros, a que pode acrescer um suplemento de 60 euros por cada desenho ou modelo adicional até ao décimo e de 30 euros por cada um a partir do décimo primeiro;

a taxa de adiamento da publicação, de 40 euros, a que pode acrescer um suplemento de 20 euros por cada desenho ou modelo adicional até ao décimo e de 10 euros cada a partir do décimo primeiro.

4.2.3.

O montante das taxas a pagar depende de dois fatores:

a quantidade de desenhos ou modelos contidos no pedido;

o adiamento, ou não, da publicação do desenho ou modelo.

4.2.4.

A estrutura das taxas corresponde ao seguinte modelo:

uma taxa de base para um único desenho ou modelo, ou para o primeiro desenho ou modelo de um pedido múltiplo;

uma taxa reduzida por cada desenho ou modelo suplementar, do segundo ao décimo;

uma taxa anda mais baixa por desenho ou modelo a partir do décimo primeiro.

4.2.5.

A proposta de regulamento prevê uma redução, para 70 euros, do custo da primeira renovação (após cinco anos) e um aumento da segunda renovação (após 10 anos) para 140 euros, da terceira renovação (após 15 anos) para 280 euros e da quarta renovação (após 20 anos) para 560 euros. A soma das taxas das duas primeiras renovações permanece equivalente à fixada atualmente, ou seja, 210 euros no total, mas as taxas de renovação seguintes aumentam drasticamente.

4.2.6.

Esta medida não se afigura tão favorável às PME e aos criadores independentes como se quer fazer crer. Por conseguinte, o CESE preconiza montantes menos elevados no caso de PME e criadores independentes, definidos eventualmente em função do seu volume de negócios.

4.2.7.

Além disso, o CESE não considera que a modificação da estrutura das taxas, que passa pela fusão das taxas de publicação e de registo, leve a uma redução do custo total das taxas.

4.3.   Supressão da obrigação de todos os pedidos pertencerem à mesma classe

4.3.1.

Embora um pedido de depósito possa abranger vários desenhos e modelos, estes devem necessariamente destinar-se a serem incorporados ou aplicados a produtos que pertençam à mesma classe, por força de uma obrigação nesse sentido. Essas classes são organizadas numa lista intitulada «Classificação de Locarno».

4.3.2.

A Classificação de Locarno, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Acordo de Locarno, tem, por si só, um caráter meramente administrativo e engloba:

uma lista das classes e subclasses;

uma lista alfabética de produtos que constituem desenhos e modelos industriais, a qual indica as classes e subclasses nas quais estes produtos se inserem;

notas explicativas.

4.3.3.

A supressão da obrigação de todos os desenhos e modelos de um pedido pertencerem à mesma classe, prevista na proposta de regulamento e que permitiria às empresas depositar pedidos múltiplos de desenhos e modelos em que agrupam vários desenhos e modelos num único pedido múltiplo, sem precisarem de se limitar a produtos pertencentes à mesma classe de Locarno, visa encorajar as PME e os criadores independentes a depositarem os seus desenhos e modelos, a fim de os proteger.

4.3.4.

No entender do CESE, a simplificação gerada pela supressão da obrigação de apresentar pedidos múltiplos apenas para produtos da mesma classe é necessária mas insuficiente, pois é ainda necessário melhorar a ergonomia dos sistemas de depósito dos desenhos ou modelos propostos nos sítios Web dos institutos nacionais da propriedade industrial e do EUIPO.

4.3.5.

Para ultrapassar esse desafio, os institutos poderiam valer-se dos conhecimentos especializados dos agentes da propriedade industrial, permitindo assim que as PME e os criadores independentes protejam mais facilmente os seus desenhos ou modelos.

4.3.6.

Naturalmente, os agentes da propriedade industrial continuarão a acompanhar os titulares dos direitos na exploração dos seus desenhos ou modelos, bem como a representá-los em litígios.

4.4.   Delegação de poderes e adoção de atos delegados

4.4.1.

A proposta de regulamento prevê que as disposições relativas aos litígios no domínio do direito dos desenhos ou modelos sejam adotadas por meio de atos delegados.

Estas disposições dizem respeito:

à retirada e alteração do desenho ou modelo (artigos 47.o-A e 47.o-B);

a ações em matéria de nulidade (artigo 53.o-A);

ao processo de recurso das decisões do EUIPO (artigo 55.o-A);

ao processo oral perante as Câmaras de Recurso do EUIPO (artigo 64.o-A);

à instrução (artigo 65.o-A);

à notificação das decisões e convocatórias (artigo 66.o-A);

ao processo de comunicações ao EUIPO (artigo 66.o-D);

ao cálculo e duração dos prazos do processo (artigo 66.o-F);

ao reatamento do processo perante o EUIPO (artigo 67.o-C);

à representação profissional perante o EUIPO em caso de litígio (artigo 78.o-A);

ao pagamento de taxas e tarifas (artigo 106.o-AA).

4.4.2.

O CESE não considera adequado o recurso ao artigo 290.o do TFUE como base para elaborar regras em matéria de litígios e de recurso de decisões do EUIPO, pois um ato delegado visa apenas completar o ato de base e deve incidir exclusivamente sobre elementos não essenciais. No entanto, as disposições em causa dizem respeito aos direitos previstos no Título VI da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, relativo à Justiça, nomeadamente o artigo 47.o sobre o direito à ação e a um tribunal imparcial. Não podem, portanto, ser consideradas elementos não essenciais do ato de base.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Processos apensos C-397/16 e C-435/16.

(2)  Diretiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Outubro de 1998 relativa à proteção legal de desenhos e modelos (JO L 289 de 28.10.1998, p. 28).

(3)  Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO L 3 de 5.1.2002, p. 1).


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/45


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Relatório de prospetiva estratégica de 2022 — Geminação das transições ecológica e digital no novo contexto geopolítico

[COM(2022) 289 final]

(2023/C 184/08)

Relator:

Angelo PAGLIARA (IT-II)

Consulta

Comissão Europeia, 27.10.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

10.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

204/0/3

Preâmbulo

O relatório da Comissão Europeia e o presente parecer foram elaborados num contexto marcado pelas repercussões sociais, geopolíticas e económicas da agressão militar russa contra a Ucrânia. As opções estratégicas da União Europeia nestes últimos meses determinarão não só a sua capacidade de concretizar os objetivos associados à dupla transição ecológica e digital, mas também de assegurar a resiliência e a autonomia estratégica da União.

Por conseguinte, ciente do papel fundamental que a sociedade civil organizada desempenha na identificação e interpretação das grandes tendências e da importância de associar a sociedade civil organizada numa fase mais precoce do processo de prospetiva estratégica da UE, o CESE tenciona contribuir também para a elaboração do relatório de prospetiva estratégica de 2023, que se centrará nas orientações estratégicas suscetíveis de reforçar o papel da UE na cena internacional.

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) incentiva a Comissão a continuar a aprofundar a agenda de prospetiva estratégica e reclama uma maior participação no processo desde o início. Uma maior participação do CESE, enquanto voz dos parceiros sociais e da sociedade civil organizada, melhoraria a capacidade de análise e de prospetiva e ajudaria a identificar tendências e eventuais soluções.

1.2.

O CESE espera que a agenda de prospetiva estratégica, bem como a ação da Comissão Europeia, se foquem na construção de um novo modelo de desenvolvimento que tenha devidamente em conta a sustentabilidade económica, ambiental e social.

1.3.

Uma vez que a concretização da dupla transição depende também da vontade e do comportamento das pessoas, o CESE recomenda que a Comissão preste igualmente atenção às preocupações da sociedade e à eventual relutância dos cidadãos face às alterações propostas.

1.4.

O relatório descreve o futuro almejado e os recursos necessários para o concretizar, sem abordar os riscos e as ameaças de forma suficientemente aprofundada. O CESE insta a Comissão a descrever igualmente os riscos de forma mais clara e a analisar possíveis alternativas e cenários caso os objetivos visados não sejam concretizados, sobretudo no que toca à disponibilidade de matérias-primas, metais de terras raras, recursos hídricos e eventuais questões conexas.

1.5.

Os atuais desafios geopolíticos afetarão os sistemas de abastecimento e a resiliência do setor agroalimentar europeu. Os recentes acontecimentos relacionados com a COVID-19 e a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia perturbaram o nosso sistema de distribuição, e é provável que tal volte a acontecer a curto prazo. O CESE acolhe favoravelmente a recomendação de reduzir a dependência das importações de alimentos para animais, de fertilizantes e de outros fatores de produção e propõe uma definição de autonomia estratégica aberta aplicada aos sistemas alimentares, assente na produção alimentar, na mão de obra e no comércio justo, com o objetivo geral de garantir a segurança alimentar para todos os cidadãos da UE através de um abastecimento alimentar justo, saudável, sustentável e resiliente.

1.6.

O relatório de prospetiva estratégica não tem em conta a importância estratégica de um sistema industrial europeu forte, coeso e inovador, capaz de gerar empregos de qualidade. O CESE insta a Comissão Europeia a elaborar previsões específicas sobre o futuro da política industrial europeia e recomenda a adoção de políticas económicas adequadas para promover a sua competitividade e produtividade a longo prazo e impulsionar o investimento público e privado nesse sentido.

1.7.

A agressão militar da Rússia contra a Ucrânia, a crise energética e a nova realidade económica e geopolítica terão um impacto na via para a dupla transição. O CESE congratula-se com a determinação da UE em alcançar os seus objetivos, mas, ao mesmo tempo, insta a Comissão e o Conselho a desenvolverem todos os instrumentos necessários para fomentar a autonomia energética estratégica, reforçar o sistema industrial europeu e apoiar as empresas e os trabalhadores com base no que foi feito durante a crise pandémica com a adoção de um instrumento baseado no modelo do instrumento SURE.

1.8.

O CESE congratula-se com a crescente ênfase na dimensão social e, tal como já referido no parecer de 2021, insta a Comissão a desenvolver, no âmbito da análise estratégica, instrumentos específicos de prospetiva sobre o impacto das transições nos sistemas de segurança social e a propor, nessa continuidade, medidas específicas para atenuar o impacto social da dupla transição.

1.9.

O CESE considera que, para reforçar o seu papel enquanto interveniente global, a UE tem de defender os seus valores e continuar a trabalhar em conjunto com países terceiros, reforçando a política externa comum, procurando soluções comuns e assegurando que a nossa cooperação e comércio beneficiam os direitos económicos e sociais dos povos desses países, especialmente tendo em vista a sustentabilidade a longo prazo.

2.   Observações gerais

2.1.

A agressão militar russa em território ucraniano e as consequências para o sistema económico, social e industrial (em termos de tecnologia, comércio, padrões de investimento e mudanças na estrutura industrial) tornam ainda mais necessário o investimento na transição ecológica e digital, nomeadamente com vista a assegurar a autonomia estratégica europeia. Por conseguinte, o CESE congratula-se com a reflexão estratégica sobre a interação entre as transições ecológica e digital e a sua capacidade de se reforçarem mutuamente.

2.2.

A sucessão de crises, primeiro pandémica e depois militar, tornou mais premente a necessidade de segurança nos vários aspetos da vida, uma vez que os cidadãos procuram maior proteção. A este respeito, cumpre prestar especial atenção às potenciais consequências económicas e sociais negativas, bem como ao impacto noutros domínios da persecução dos objetivos da dupla transição, prevendo, nomeadamente, instrumentos políticos adequados. Nesta continuidade, o CESE salienta que os cidadãos europeus, em especial os mais vulneráveis, podem mostrar-se mais relutantes face à mudança induzida por essas transições se considerarem que as consequências das mesmas lhes são prejudiciais.

2.3.

Associar mais estreitamente o CESE, enquanto porta-voz dos parceiros sociais e da sociedade civil organizada, às atividades do ciclo da agenda de prospetiva estratégica, reforçaria a capacidade de análise e de prospetiva e permitiria identificar melhor as tendências.

2.4.

O CESE reforça as capacidades de prospetiva estratégica da sociedade civil organizada através de ações quer junto dos seus membros e, através destes, das organizações nacionais que representam, quer junto da sociedade civil ao nível da UE, através do seu Grupo de Ligação, no qual estão representadas as principais redes e organizações da sociedade civil europeia. Em especial, facilita o diálogo e as consultas com a sociedade civil organizada, sensibiliza para a importância da prospetiva estratégica e disponibiliza instrumentos concretos para a pôr em prática. A participação estruturada da sociedade civil organizada que o CESE representa na elaboração da agenda também permitirá ter mais adequadamente em conta as diferentes dimensões (industrial, social, económica, ambiental, etc.) na sua globalidade.

2.5.

Por todas estas razões, o CESE está muito empenhado em cooperar com a Comissão Europeia no ciclo de prospetiva estratégica desde o início do processo, a fim de o tornar mais participativo. Um exemplo disso é a audição na qual o CESE recolheu os pontos de vista das organizações da sociedade civil e de peritos, a fim de refletir sobre os desafios e as oportunidades que a UE enfrentará na transição para uma Europa sustentável do ponto de vista social e económico. O CESE apresenta, ao longo do presente parecer, contributos e sugestões sobre estes aspetos fundamentais, nos quais a Comissão Europeia deve centrar-se no próximo relatório.

2.6.

A prospetiva estratégica ganhará preponderância à luz dos desafios que a Europa enfrentará e das oportunidades que surgirão nas próximas décadas. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a continuar a desenvolver a agenda de prospetiva estratégica, reforçando a participação do Comité na fase de análise e de elaboração do relatório.

2.7.

O relatório não tem devidamente em conta que a divisão digital entre as diferentes regiões europeias compromete a consecução dos objetivos da dupla transição. O próximo relatório estratégico deve ter em conta estas clivagens e as possíveis consequências do ponto de vista social e das oportunidades disponíveis.

2.8.

O CESE está ciente de que as tecnologias digitais podem influenciar positivamente a consecução dos objetivos climáticos, nomeadamente reforçando a segurança energética, e de que a transição ecológica pode também transformar o setor digital e a economia. A este respeito, o CESE congratula-se com as numerosas referências à necessidade de investimento na tecnologia e de políticas adequadas para alcançar os objetivos, bem como com a necessidade de adotar medidas de cibersegurança para proteger as tecnologias estratégicas.

2.9.

Em várias ocasiões, o relatório de prospetiva estratégica de 2022 destaca a questão das necessidades energéticas decorrentes da digitalização e do consumo associado ao funcionamento das redes, dos sistemas e dos dispositivos, que são compensados pela crescente eficiência e sustentabilidade dos setores em que estes são utilizados (agricultura, logística, computação em nuvem, etc.). É pertinente chamar a atenção para a necessidade de melhorar a eficiência energética do setor digital e de a Europa voltar a ocupar um lugar central na economia circular do setor (do acesso às matérias-primas críticas à gestão dos resíduos eletrónicos, passando pelo desenvolvimento de tecnologias digitais avançadas).

2.10.

No entanto, cabe mencionar de forma mais explícita os benefícios da transição digital para a sustentabilidade e a poupança de energia (desmaterialização e «substituição»), contribuindo assim para uma maior apropriação por parte dos cidadãos e dos responsáveis políticos do valor e do impacto desses processos de transformação profunda.

2.11.

Nas alterações relacionadas com a digitalização, o relatório não faz qualquer referência às criptomoedas e às moedas digitais; a sua disseminação crescente está precisamente ligada à generalização dos processos de digitalização e ao desenvolvimento da tecnologia das cadeias de blocos, cujos fluxos escapam à capacidade de regulação dos Estados, deixando ampla margem de manobra para a economia subterrânea. Por conseguinte, o CESE chama a atenção para a necessidade de uma secção específica no relatório de prospetiva estratégica consagrada à interpretação e à análise do uso de criptomoedas e moedas digitais e convida a Comissão a adotar e aplicar um quadro regulamentar único, em consonância com as conclusões do G20.

2.12.

O CESE congratula-se com a reflexão que o relatório dedica ao tema da agricultura, na medida em que, ao contrário do que sucede em muitos outros domínios, coloca no centro da prospetiva o papel da política europeia e a importância da sua ação para a evolução futura. O relatório especifica, neste caso, as medidas que a UE deve tomar para evitar eventuais retrocessos perigosos, contrariamente ao que é geralmente o caso nos outros domínios analisados.

2.13.

Importa diversificar em maior medida os sistemas alimentares da UE, reforçar a mão de obra agrícola, nomeadamente atraindo os jovens e garantindo condições de trabalho e remuneração dignas, e alinhar as políticas comerciais com as normas de sustentabilidade alimentar da UE e com a competitividade. A concentração nas cadeias alimentares e a propriedade financeira também devem ser abordadas, bem como a transparência do mercado, a fim de garantir que as futuras crises não serão exacerbadas pela especulação excessiva sobre os produtos de base.

2.14.

O CESE salienta que, no atual contexto geopolítico, o acesso às matérias-primas críticas é crucial não só para alcançar os objetivos da dupla transição, mas, sobretudo, para manter e reforçar o sistema industrial europeu, bem como para assegurar a resiliência social, económica e do emprego. Nessa continuidade, o CESE propõe que a Comissão proceda a uma análise mais aprofundada, utilizando instrumentos adequados de análise (também de um ponto de vista geopolítico) e de prospetiva.

2.15.

O CESE salienta que a água e os recursos hídricos, referidos em várias ocasiões no relatório, representam um problema, mas também uma potencialidade, especialmente no que se refere à melhoria da eficiência hídrica, à gestão dos recursos e às campanhas de sensibilização para um consumo responsável. Em especial, a economia azul desempenha um papel importante e encerra um potencial cada vez maior para a economia da UE e do mundo, em termos de criação de emprego e de bem-estar e saúde das pessoas. O CESE acredita em aproveitar ao máximo estas oportunidades, que abrangem uma vasta gama de setores e operações tradicionais e emergentes, e, ao mesmo tempo, minimizar o impacto negativo no clima, na biodiversidade e no ambiente.

2.16.

O CESE solicita à Comissão que, no contexto da transição dupla, tenha mais em conta as eventuais alterações de cenário provocadas pela guerra na Ucrânia, especialmente no que toca ao aprovisionamento energético e de matérias-primas críticas.

2.17.

O CESE subscreve o apelo para uma adaptação das políticas europeias a um novo modelo económico, para o aumento dos investimentos a fim de melhorar o bem-estar e para o reforço da produtividade e da competitividade do sistema industrial e económico europeu. Assim, advoga a elaboração de previsões específicas sobre o futuro da política industrial europeia, que é essencial para alcançar uma total autonomia estratégica.

2.18.

O CESE apoia a recomendação de intensificar o investimento público e privado para concretizar os objetivos da transição. Porém, salienta que as escolhas económicas europeias e, em especial, as perspetivas de um novo aumento das taxas de juro podem afetar negativamente os investimentos.

2.19.

O CESE regozija-se com o apelo para uma transição justa e com a ênfase acrescida na coesão social e no papel do diálogo social em comparação com o relatório anterior. O CESE está igualmente convicto de que a dimensão social e a qualidade do trabalho passarão a ser prioritários na agenda europeia, alterando a atual hierarquia de prioridades que ainda lhes confere uma importância apenas complementar.

2.20.

O CESE congratula-se com a ênfase que o relatório de prospetiva estratégica de 2022 coloca nas mudanças provocadas pela dupla transição no mercado de trabalho e nas condições económicas dos grupos sociais mais vulneráveis (famílias, comunidades), bem como na necessidade de dispor de recursos adequados para as medidas de intervenção social. O CESE defende ainda que se preste mais atenção às questões da pobreza e da exclusão social.

2.21.

O CESE insta a UE a ter em conta o envelhecimento da população e as alterações demográficas, que resultam no aumento da procura previsível de cuidados, por um lado, e na escassez de profissionais de saúde, por outro. A UE deve assegurar que os cuidados continuam a ser acessíveis e a preços comportáveis e não se tornam um bem de luxo.

2.22.

O CESE chama a atenção para a forma superficial com que o relatório de prospetiva estratégica de 2022 aborda a questão da aceleração da hibridação do local de trabalho em resultado da digitalização. Com efeito, limita-se a mencionar de passagem o tema no ponto sobre a digitalização e a procura de transportes, considera que o fenómeno é o resultado de um mero processo de transformação tecnológica e é omisso quanto aos seus efeitos nas condições de trabalho e nas relações de trabalho, bem como quanto às necessidades regulamentares conexas.

2.23.

O CESE observa que o sistema de prospetiva estratégica corre o risco de se tornar excessivamente economista e centrado na concorrência e no mercado enquanto elemento agregador da ação, dos interesses e da estratégia europeus. Tal coloca a sociedade civil e os trabalhadores num papel acessório, sem ter suficientemente em conta a capacidade da dupla transição de gerar mais riqueza e riqueza nova e de facilitar a criação de novos modelos capazes de reduzir as vulnerabilidades e de fazer reverter para a sociedade os benefícios gerados.

2.24.

O CESE insta a Comissão a realizar um inquérito Eurobarómetro específico sobre os temas abrangidos pelo futuro relatório de prospetiva estratégica, a fim de conhecer melhor as expectativas e os pontos de vista dos cidadãos. Estas informações também são fundamentais para antecipar a futura aceitação das medidas propostas pela análise prospetiva.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/49


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu — Trajetória rumo a um sistema de compensação da UE mais forte

[COM(2022) 696 final]

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) n.o 648/2012, (UE) n.o 575/2013 e (UE) 2017/1131 no que respeita a medidas para atenuar as exposições excessivas a contrapartes centrais de países terceiros e melhorar a eficiência dos mercados de compensação da União

[COM(2022) 697 final — 2022/0403 (COD)]

(2023/C 184/09)

Relator:

Florian MARIN

Consulta

Conselho, 31.1.2023

Parlamento Europeu, 1.2.2023

Comissão Europeia, 8.2.2023

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

2.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

201/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a proposta de regulamento (1) e com os esforços envidados pela Comissão para garantir a autonomia estratégica dos nossos mercados de capitais, reforçar a capacidade de compensação interna e tornar o sistema de compensação da UE mais seguro e sólido. Está convicto de que é indispensável dispor de um sistema de compensação competitivo e eficiente para assegurar a estabilidade financeira dos mercados de capitais da UE.

1.2

O CESE propõe que as câmaras de compensação estabelecidas na UE desenvolvam, concebam e invistam na melhoria do seu quadro de capacidade para incentivar os operadores de mercado a compensar as suas operações na UE.

1.3

O CESE considera que deveria ter sido elaborado um plano abrangente para incentivar a transição para operadores de compensação estabelecidos na UE imediatamente após o Brexit e manifesta-se dececionado com a lentidão do processo de decisão relativo a um mercado de derivados no valor de 81 biliões de euros. Esperava uma posição mais clara em relação à redução da exposição a contrapartes centrais (CCP) do Reino Unido, bem como regras e incentivos mais específicos para estimular a transição para CCP estabelecidas na UE.

1.4

O CESE considera que é essencial dispor de dados específicos acerca do sistema de compensação da UE, que abranjam todas as classes e volumes de ativos, e acredita que é necessário envidar mais esforços neste sentido. Para que haja uma compreensão precisa dos riscos para a estabilidade financeira, importa analisar regularmente a relação entre os dados recolhidos e a dinâmica dos riscos. O CESE reconhece que, a par dos riscos financeiros, os modelos de riscos devem ter em conta os riscos sociais, de governação e ambientais das CCP e assumir a mesma importância em diferentes cenários e análises do risco.

1.5

O CESE solicita uma avaliação exaustiva dos potenciais custos adicionais em que a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) e os outros organismos da UE poderão incorrer no que diz respeito aos recursos humanos, aos sistemas informáticos, às equipas conjuntas de supervisão e ao mecanismo de acompanhamento conjunto proposto.

1.6

Tendo em conta os poderes adicionais atribuídos à ESMA pelas alterações introduzidas em 2019 no EMIR e pela proposta de regulamento em análise, o CESE considera que as atividades da ESMA devem estar sujeitas a um sistema de equilíbrio de poderes. Propõe que a ESMA envide mais esforços no sentido de exigir que uma parte significativa dos serviços prestados aos seus clientes da UE seja compensada por CCP da UE.

1.7

No que diz respeito às transações intragrupo, o CESE congratula-se com a decisão de não isentar, das obrigações de compensação e dos requisitos de margens, as entidades de países e territórios não cooperantes para efeitos fiscais e as entidades identificadas como jurisdições de risco elevado para efeitos de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

1.8

O CESE manifesta-se dececionado com o facto de a Comissão não ter realizado uma avaliação exaustiva do quadro em vigor e da forma como a atratividade do mercado da UE se alterou nos últimos anos, tendo em conta que o regulamento foi alterado pela última vez há mais de três anos. Congratula-se com a introdução do artigo 7.o-B e solicita à ESMA que apresente um relatório sobre os principais motivos para a utilização de CCP de países terceiros um ano após a entrada em vigor do regulamento.

1.9

O CESE propõe que as CCP da UE sejam transparentes quanto às suas comissões, ajustamentos de margem e ações durante períodos de pressão sobre os mercados, a fim de melhorar a previsibilidade para todos os participantes no mercado.

1.10

O CESE solicita à Comissão que explique a definição específica da expressão «caráter de urgência» introduzida nas alterações propostas ao artigo 20.o e solicita aos colegisladores que determinem quais as isenções que consideram ser decisões com «caráter de urgência».

1.11

O CESE apoia as alterações propostas ao artigo 23.o no que diz respeito à criação de equipas conjuntas de supervisão e do mecanismo de acompanhamento conjunto. Propõe que a sociedade civil participe no mecanismo de acompanhamento conjunto criado nos termos do artigo 23.o-C e manifesta a sua vontade de fazer parte do mesmo na qualidade de observador.

1.12

O CESE considera que cinco anos é um prazo demasiado longo para a Comissão rever a aplicação do regulamento. Considera também que é necessário envidar mais esforços para reduzir o tempo necessário para a concessão de autorizações ou para a extensão de atividades e serviços, bem como para criar uma base de dados central. Solicita uma maior interoperabilidade no sistema de compensação europeu, a par de uma redução dos encargos administrativos e de soluções de acesso mais simples.

1.13

O CESE apoia o reforço da transparência proporcionado pelas alterações ao artigo 38.o, que dispõe que os membros compensadores e os clientes que prestam serviços de compensação devem informar os seus clientes existentes e potenciais sobre os modelos de margem e as eventuais perdas ou outros custos.

2.   Contexto

2.1

A União dos Mercados de Capitais (UMC), lançada em 2015 pela Comissão Europeia, é um projeto ambicioso de longo prazo que pretende assegurar a livre circulação de capitais na União, uma das quatro liberdades fundamentais do mercado único. O Brexit causou um decréscimo acentuado no papel global da Europa nos mercados de capitais, que passou de 22 % de atividade global antes do Brexit para apenas 14 % (2). Trinta anos após a criação do mercado único, vinte anos após a introdução do euro e sete anos após o lançamento da iniciativa UMC, resta ainda muito por fazer à UE para criar um mercado único de capitais.

2.2

A versão revista do EMIR no âmbito do programa para a adequação e a eficácia da regulamentação (REFIT) (3) e o EMIR 2.2 (4) proporcionaram uma maior transparência em relação às CCP de países terceiros, introduzindo alterações no mandato de compensação e atribuindo poderes adicionais à ESMA, a autoridade de supervisão da UE. A proposta de regulamento em análise atribui ainda mais poderes à ESMA. Sendo a capacidade de compensação uma parte importante da UMC, a dependência excessiva dos serviços prestados por CCP de países terceiros, sobretudo do Reino Unido, coloca os mercados financeiros europeus em risco. No âmbito do Acordo de Saída, a UE permitiu que os compensadores do Reino Unido continuassem a prestar serviços a participantes no mercado da UE até ao final de junho de 2022. Este prazo foi prorrogado por três anos devido à ameaça à estabilidade dos mercados financeiros, com a intenção de conceder tempo suficiente para a transferência gradual das operações de compensação na UE.

2.3

A proposta de regulamento visa proporcionar uma maior estabilidade, previsibilidade e proporcionalidade a todos os operadores com obrigações de compensação e introduz a obrigatoriedade de os participantes no mercado declararem o seu grau de dependência de países terceiros para o processamento das transações de derivados. As alterações propostas concentram-se também em medidas destinadas a reforçar a atratividade das CCP da UE e a reduzir os encargos administrativos, a promover a compensação centralizada na UE obrigando os operadores de compensação a deterem uma conta ativa em CCP da UE e a atribuir às autoridades competentes a nível local os poderes necessários para supervisionar o risco relacionado com as transações transfronteiras.

3.   Observações na generalidade

3.1

Há muito que o CESE apela para que a legislação reforce os mercados de capitais da UE e os torne mais estáveis e atrativos (5). Tendo em conta os recentes acontecimentos geopolíticos (a invasão da Ucrânia pela Rússia, a subida dos preços da energia, as tensões geopolíticas em muitas partes do mundo e a pandemia de COVID-19) e os seus efeitos imediatos no ambiente económico, o CESE salienta que se impõe uma ação célere para salvaguardar e reforçar a estabilidade dos mercados financeiros da UE. Considera que é indispensável um sistema de compensação competitivo e eficiente para assegurar a estabilidade financeira dos mercados de capitais da UE.

3.2

O CESE congratula-se com a proposta de regulamento e com a intenção da Comissão de agir no sentido de garantir a autonomia estratégica dos nossos mercados de capitais, reforçar a nossa capacidade de compensação interna e garantir um sistema de compensação mais seguro e mais resiliente. O reforço do mercado de compensação da UE deve ter em conta os custos gerados pela migração de capitais de mercados de compensação de países terceiros, a necessidade de proteger a abordagem baseada nos riscos e a interdependência entre os mercados financeiros da UE e de países terceiros.

3.3

A proposta de alteração do EMIR surge após a escalada dos preços da energia na Europa, causada sobretudo pelo ataque injustificado da Rússia à Ucrânia, uma situação que gerou instabilidade nos mercados de compensação e impediu algumas empresas de prestar garantias sobre os seus contratos de derivados. O CESE apela para que se continue a dar prioridade à consolidação do setor da compensação na UE. Importa ter em conta os preços, a liquidez, os riscos, as margens, a regulamentação e a eficiência para reforçar a competitividade do sistema de compensação da UE. O CESE defende a necessidade de reduzir o tempo necessário para a concessão de autorizações ou para a extensão de atividades e serviços, bem como para a criação de uma base de dados central.

3.4

O CESE considera que as CCP estabelecidas na UE têm de criar, conceber e investir na melhoria dos seus quadros de capacidade, a fim de persuadirem os operadores de mercado a compensarem as suas operações na UE, nomeadamente reforçando as suas capacidades tecnológicas e operacionais, assegurando uma melhor cooperação entre os participantes no mercado e melhorando as práticas de gestão dos riscos. Para melhorar a previsibilidade, é necessário que as CCP sejam transparentes quanto às suas comissões, ajustamentos de margem e ações durante períodos de pressão sobre os mercados.

3.5

A estabilidade dos mercados de capitais requer um mercado de trabalho equilibrado e estável. O CESE reconhece que, a par dos riscos financeiros, os modelos de riscos devem ter em conta os riscos sociais, de governação e ambientais das CCP e assumir a mesma importância em diferentes cenários e análises do risco.

3.6

O CESE saúda a consulta realizada pela Comissão no início de 2022, as reuniões com os representantes dos Estados-Membros e do Parlamento Europeu, dos serviços financeiros e dos comités económicos e financeiros, bem como as reuniões bilaterais com as partes interessadas pertinentes.

3.7

O CESE manifesta-se dececionado com o facto de o prazo fixado, para que as câmaras de compensação estabelecidas no Reino Unido tenham acesso ilimitado às partes interessadas na UE, ter sido prorrogado por três anos, até 30 de junho de 2025. Considera que deveria ter sido elaborado um plano minucioso para incentivar a transição para operadores de compensação estabelecidos no mercado da UE imediatamente após o Brexit. Critica o facto de, no passado, ter havido falta de reação, consultas limitadas e lentidão no processo de decisão no que diz respeito a um mercado de derivados no valor de 81 biliões de euros.

3.8

Os bancos europeus beneficiam de um conjunto multidivisas do mercado do Reino Unido e a transição para câmaras de compensação europeias geraria um processo de compensação baseado no euro, com custos significativos para o sistema bancário. Embora o CESE seja a favor desta mudança, considerando essencial que a mesma tenha lugar o mais rapidamente possível, salienta a necessidade de prever incentivos adequados para evitar que os bancos se dirijam para outros mercados. Há que estabelecer incentivos mais direcionados e adaptados para consolidar o setor da compensação na UE.

3.9

Uma vez que muitos operadores de mercado da UE compensam as suas transações de derivados noutros países, o CESE esperava uma posição mais clara contra esta tendência, bem como regras e incentivos mais específicos que desencadeassem uma transição para CCP estabelecidas na UE. O CESE esperaria que pelo menos as entidades públicas fossem obrigadas a efetuar as operações de compensação na UE e solicita a elaboração de um plano claro para pôr cobro a esta dependência o mais rapidamente possível.

3.10

O CESE considera que o desenvolvimento de atividades de compensação na UE deve ter em conta toda a cadeia de aprovisionamento, em prol dos participantes no mercado. A liquidez dos mercados deve ser cuidadosamente gerida durante a redução da exposição a CCP do Reino Unido, a par de uma perspetiva a mais longo prazo e da normalização dos requisitos de acesso ao mercado de compensação da UE. Importa ter em conta a preparação dos clientes para a compensação, devendo ser realizadas várias simulações a favor dos mesmos. O CESE considera ainda que a ESMA deve adaptar com cautela as medidas aos participantes nos mercados de pequena e média dimensão.

3.11

O CESE sublinha a importância do papel das CCP de países terceiros para a estabilidade financeira da UE. É fundamental reduzir os riscos de concentração e garantir que as relações com estas CCP assentam numa abordagem transparente, previsível, proporcionada e orientada para os riscos. Sendo que a proposta de regulamento em apreço atribuirá à ESMA ainda mais poderes, o CESE considera que as atividades desta autoridade devem estar sujeitas a um sistema de equilíbrio de poderes.

3.12

O CESE assinala que, para assegurar um panorama claro para efeitos de acompanhamento, é importante dispor de dados específicos acerca do sistema de compensação da UE. Estes dados devem ser comparáveis e abranger todas as classes e volumes de ativos. É importante recolher os dados certos para se obter uma imagem precisa dos riscos para a estabilidade financeira, tendo em conta, de forma sistemática, a sinergia entre os dados recolhidos e a dinâmica dos riscos. O CESE considera que é preciso fazer mais a este respeito.

3.13

Importa criar mais sinergias entre as atividades de compensação e o ponto de acesso único europeu. Este promove o financiamento com base em dados e melhora consideravelmente o acesso das empresas e das instituições financeiras aos dados e às informações das entidades, além de preparar a economia para o futuro digital, reforçar a soberania digital, aumentar a velocidade do fluxo de informações e definir normas comuns, com ênfase nos dados, nas tecnologias e nas infraestruturas (6).

3.14

O CESE aprova a proposta de aliviar as regras do EMIR relativas aos derivados e de permitir que as garantias bancárias e as cartas de crédito sejam aceites como garantias de elevada liquidez, uma vez que estas alternativas não monetárias garantem a liquidez dos mercados e já são utilizadas em grande escala em mercados de capitais mais avançados, como o dos Estados Unidos da América. Defende o reforço do papel dos bancos centrais na proteção dos consumidores da UE.

3.15

O CESE apoia as alterações propostas aos artigos 11.o, 14.o, 15.o e 17.o no que diz respeito ao prazo de execução de quatro meses para contrapartes não financeiras que ficam sujeitas pela primeira vez à obrigação de trocar garantias e aos procedimentos menos morosos e menos complexos para as CCP expandirem os seus produtos. Congratula-se com as alterações propostas, na medida em que estas agilizarão tanto o processo de extensão das atividades e serviços como de concessão ou recusa de autorizações. É necessária uma maior interoperabilidade no sistema de compensação europeu, a par de uma redução dos encargos administrativos e de soluções de acesso mais simples.

4.   Observações na especialidade

4.1

O CESE não concorda com a afirmação da Comissão Europeia de que «[e]sta iniciativa legislativa não terá qualquer impacto nas despesas da ESMA ou de outros organismos da União Europeia» e considera que os custos aumentarão em domínios como os recursos humanos, os sistemas informáticos, as equipas conjuntas de supervisão e o mecanismo de acompanhamento conjunto. Observa que, na proposta de alteração do artigo 90.o, a Comissão solicita à ESMA que apresente um relatório sobre «as suas necessidades em termos de pessoal e de recursos». Solicita, assim, uma avaliação exaustiva dos custos adicionais, que permita calcular e predizer as incidências orçamentais.

4.2

O CESE aprecia e saúda a proposta da Comissão de introduzir um requisito, segundo o qual todos os participantes no mercado sujeitos a obrigações de compensação devem deter uma conta em CCP da UE. Solicita à ESMA que, após consulta da Autoridade Bancária Europeia, da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma, do Comité Europeu do Risco Sistémico e do Sistema Europeu de Bancos Centrais, defina uma percentagem significativa dos serviços prestados aos seus clientes da UE identificados como sendo de importância sistémica substancial que tenham de ser compensados a nível das CCP da UE.

4.3

O CESE saúda a intenção de solicitar aos participantes no mercado que comuniquem os números exatos e a sua dependência em relação a compensadores estrangeiros. Espera que a ESMA elabore rapidamente as normas técnicas para especificar esta informação, aguardando com expectativa a apresentação de um relatório exaustivo um ano após a entrada em vigor do regulamento. Confia que o EMIR será alterado em conformidade.

4.4

No que diz respeito às transações intragrupo, o CESE congratula-se com a decisão de não isentar, das obrigações de compensação e dos requisitos de margens, as entidades de países e territórios não cooperantes para efeitos fiscais e as entidades identificadas como jurisdições de risco elevado para efeitos de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Apoia plenamente as medidas administrativas relacionadas com estas jurisdições e considera que as mesmas representam uma ameaça significativa para o sistema financeiro da UE.

4.5

Embora a atualização digital implique necessidades orçamentais suplementares, o CESE considera essencial prever investimentos no domínio digital para apoiar as propostas de revisão do EMIR. Congratula-se com a proposta de criação de um programa informático avançado para a apresentação de documentos de supervisão via Internet, acessível a todas as autoridades competentes.

4.6

O CESE manifesta-se dececionado com o facto de a Comissão não ter realizado uma avaliação exaustiva do quadro em vigor, tendo em conta que o regulamento foi alterado pela última vez há mais de três anos. Além disso, para que as atuais alterações sejam adequadas à sua finalidade, o CESE esperava uma análise específica da forma como a atratividade do mercado da UE se alterou nos últimos anos, sobretudo face aos acontecimentos geopolíticos significativos recentes.

4.7

O CESE propõe que as normas técnicas elaboradas nos termos do artigo 7.o sejam transparentes e inclusivas. A opção de introduzir alterações para permitir a rápida adaptação destas normas também deverá ser tida em conta. É importante, para os gestores de ativos, que existam instrumentos de comparação de preços no que diz respeito aos custos de execução, aos custos de compensação e aos custos dos membros compensadores.

4.8

O CESE congratula-se com a introdução do artigo 7.o-B, que impõe aos prestadores de serviços de compensação comunicar o âmbito da compensação efetuada em CCP de países terceiros e informar os seus clientes acerca da opção de compensar um contrato pertinente numa CCP da UE. Convida a ESMA a criar um procedimento de comunicação de informações normalizado a utilizar em todos os Estados-Membros e recomenda que seja apresentado, um ano após a entrada em vigor do regulamento, um relatório sobre as principais razões pelas quais as CCP de países terceiros são utilizadas. Além disso, importa gerir com a máxima cautela uma abordagem comum das coimas aplicadas aos operadores de mercado, a fim de garantir a proporcionalidade no mercado único.

4.9

O CESE solicita à Comissão que esclareça o significado exato da expressão «caráter de urgência» introduzida nas alterações propostas ao artigo 20.o e solicita aos colegisladores que cheguem a acordo e especifiquem quais as isenções que são abrangidas pelas decisões com «caráter de urgência».

4.10

O CESE aprova as alterações propostas ao artigo 23.o no que diz respeito à criação de equipas conjuntas de supervisão e do mecanismo de acompanhamento conjunto, mas observa que estas terão implicações orçamentais, já que estas autoridades necessitarão de mais pessoal, nomeadamente a ESMA. Propõe que a sociedade civil participe no mecanismo de acompanhamento criado nos termos do artigo 23.o-C, sobretudo no que diz respeito a futuras decisões políticas.

4.11

Uma correta avaliação das interconexões, das interligações e dos riscos de concentração no âmbito do Comité de Supervisão das CCP (artigo 24.o-A) também requer a participação da sociedade civil, e o CESE deveria participar no mecanismo de acompanhamento conjunto na qualidade de observador. Importa ter em conta a necessidade de reduzir a sobreposição das responsabilidades entre o grande número de autoridades envolvidas no sistema de compensação. A cooperação entre as autoridades nacionais e europeias deverá ser eficiente e adaptada à dinâmica dos riscos de mercado.

4.12

O prazo de cinco anos para a Comissão rever cuidadosamente a aplicação do regulamento após a sua entrada em vigor afigura-se muito longo, dado o período decorrido entre as alterações do EMIR. Além disso, o CESE esperava que a Comissão apresentasse o relatório relativo à aplicação da versão revista do EMIR no âmbito do programa REFIT e do EMIR 2.2 em 2 de janeiro de 2023, conforme acordado, mas esta propõe agora o seu cancelamento. O CESE é contra essa proposta e considera que a mesma poderá resultar na não avaliação das alterações ao EMIR, dadas as alterações de fundo já efetuadas a este regulamento.

4.13

Por último, o CESE apoia o reforço da transparência proporcionado pela proposta de alteração do artigo 38.o no que diz respeito à obrigação de os membros compensadores e clientes que prestam serviços de compensação informarem os seus clientes existentes e potenciais sobre os modelos de margem e as eventuais perdas ou outros custos, caso a CCP adote medidas de recuperação. Considera que os membros compensadores devem também contribuir para melhorar a transparência no sistema de compensação da UE.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2022) 697 final.

(2)  Report — A new vision for EU capital markets [Relatório — Uma nova visão para os mercados de capitais da UE].

(3)  JO L 141 de 28.5.2019, p. 42.

(4)  JO L 322 de 12.12.2019, p. 1.

(5)  JO C 155 de 30.4.2021, p. 20.

(6)  JO C 290 de 29.7.2022, p. 58.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/55


Parecer do Comité Económico e Social Europeu

Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2011/16/UE relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade

[COM(2022) 707 final — 2022/0413 (CNS)]

(2023/C 184/10)

Relator: Petru Sorin DANDEA

Correlator: Benjamin RIZZO

Consulta

Conselho, 7.2.2023

Base jurídica

Artigos 113.o, 115.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

2.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

208/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a proposta da Comissão relativa à DCA8, que constitui um passo importante para melhorar e complementar a atual Diretiva Cooperação Administrativa (DCA).

1.2.

O CESE considera que as melhorias propostas à DCA são eficazes para prevenir o incumprimento das regras fiscais por parte dos detentores de criptoativos, reforçando assim a luta contra a fraude fiscal, a evasão fiscal e a elisão fiscal, em consonância com várias iniciativas anteriores da Comissão.

1.3.

O CESE considera que a iniciativa da Comissão está em plena consonância com o princípio da tributação justa e eficaz, que constitui a pedra angular da economia social de mercado europeia e que visa assegurar que todos contribuem de forma equitativa e beneficiam de um tratamento equitativo e proporcionado, independentemente do tipo de ativos detidos.

1.4.

O CESE observa que é fundamental desenvolver esforços a nível mundial para regulamentar os criptoativos e a sua utilização, a fim de resolver com êxito os problemas e efeitos crescentes de dimensão mundial desses ativos. O trabalho em curso a nível da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) e do G20 para alcançar um acordo mundial em matéria de transparência das criptomoedas é fundamental a este respeito, e o CESE incentiva a Comissão a assumir um papel ativo na cena internacional.

1.5.

O CESE reconhece que uma tributação melhorada e mais eficaz dos criptoativos contribuirá para aumentar a cobertura fiscal e reforçar os orçamentos nacionais, permitindo a mobilização de recursos adicionais orientados para o bem comum e para as prioridades de investimento da Comissão (transição ecológica e digitalização).

1.6.

O CESE considera que o sistema de comunicação do número de identificação fiscal («NIF») é o método que melhor assegurará a eficácia das novas regras. Por este motivo, apoia firmemente a proposta da Comissão no que diz respeito ao NIF, uma vez que contribui para prevenir eventuais erros, reforçando assim a segurança jurídica e a previsibilidade do sistema.

1.7.

O CESE considera que as obrigações de comunicação de informações não se devem limitar apenas às transações de troca e transferências de criptoativos, devendo também ser alargadas, pelo menos na fase inicial atual, à totalidade das carteiras de criptoativos, por razões de transparência e segurança, embora continue a ser claro que a tributação se deve aplicar apenas aos ganhos efetivos.

1.8.

O CESE destaca a necessidade de sanções eficazes e proporcionais, deixando aos Estados-Membros a responsabilidade de decidir dos montantes específicos das sanções a aplicar. O CESE recomenda igualmente que, após a aplicação da diretiva, a Comissão apresente um relatório sobre as estruturas de sanções aplicadas pelos Estados-Membros, fornecendo orientações sobre eventuais alterações, se for caso disso.

1.9.

O CESE espera que as sanções e as medidas destinadas a garantir o cumprimento possam alcançar um bom equilíbrio entre a eficácia das regras e um nível de dissuasão adequado, por um lado, e a proporcionalidade, por outro. A título de exemplo, poder-se-ia assegurar a proporcionalidade tendo devidamente em conta o número de transações associadas a infrações cometidas por uma determinada empresa.

1.10.

O CESE salienta que as disposições e garantias específicas em matéria de proteção de dados incluídas na proposta de diretiva, e em conformidade com as regras do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), devem ser devidamente aplicadas e respeitadas, seguindo padrões elevados, a fim de proteger plenamente os direitos fundamentais das pessoas cujos dados serão recolhidos, trocados e armazenados.

1.11.

O CESE recomenda que a Comissão inclua, no seu projeto de proposta, regras destinadas a reforçar a cooperação entre as autoridades fiscais já abrangidas pela redação atual e as autoridades responsáveis pela luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento de atividades ilegais e do terrorismo. Neste contexto, o CESE reitera que os poderes públicos, neste caso as autoridades fiscais, necessitam de recursos adequados, nomeadamente de pessoal qualificado, assim como de tecnologias e normas digitais de elevada qualidade.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

A proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2011/16/UE (1) relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade («DCA8») (2) apresentada pela Comissão visa atualizar a diretiva em vigor («DCA»), a fim de alargar a comunicação e a troca, entre as autoridades fiscais, de informações relativas aos rendimentos ou receitas obtidos através de criptoativos por utilizadores residentes na União Europeia. Atualmente, as autoridades fiscais não dispõem das informações necessárias para controlar as receitas obtidas com a utilização de criptoativos, que são facilmente transacionados além-fronteiras.

2.2.

A iniciativa legislativa visa reforçar a transparência fiscal em relação aos criptoativos, através de disposições específicas relativas à comunicação e à troca de informações para efeitos de tributação direta. A proposta aperfeiçoa igualmente as disposições em vigor aplicáveis, a fim de evitar lacunas e reforçar o quadro jurídico.

2.3.

A DCA8 está alinhada com as definições estabelecidas no Regulamento Mercados de Criptoativos («MiCA») (3), que, por si só, não constitui uma base para as autoridades fiscais recolherem e trocarem as informações necessárias para tributar os rendimentos de criptoativos. No entanto, a DCA8 baseia-se na experiência adquirida com o MiCA e no requisito de autorização por ele introduzido, evitando assim encargos administrativos adicionais para os prestadores de serviços de criptoativos.

2.4.

A proposta é coerente com o quadro da OCDE para a comunicação de informações sobre os criptoativos («CARF») (4) recentemente aprovado, e com as alterações à sua Norma Comum de Comunicação. Essas normas foram igualmente aprovadas pelo G20. Durante o processo de consulta realizado pela Comissão, a maioria dos Estados-Membros apoiou o alinhamento do âmbito de aplicação do quadro jurídico da UE com o trabalho realizado a nível da OCDE.

2.5.

A fim de melhorar a capacidade dos Estados-Membros de detetar e combater a fraude fiscal, a evasão fiscal e a elisão fiscal, todos os prestadores de serviços de criptoativos reportantes, independentemente da sua dimensão ou localização, terão de comunicar as transações dos seus clientes residentes na UE. Tal inclui tanto as transações nacionais como as transfronteiriças. Em alguns casos, as obrigações de comunicação de informações abrangerão também as criptofichas não fungíveis (Non-Fungible Tokens ou NFT, na sigla inglesa). No anexo VI, são definidas regras pormenorizadas relativas às obrigações a cumprir pelos prestadores de serviços de criptoativos reportantes.

2.6.

As transações sujeitas a comunicação abrangem as transações de troca e transferências de criptoativos sujeitos a comunicação. Tanto as transações nacionais como as transfronteiriças são abrangidas pelo âmbito de aplicação da proposta e agregadas por tipo de criptoativos sujeitos a comunicação.

2.7.

As instituições financeiras comunicarão informações relativas à moeda eletrónica e às moedas digitais dos bancos centrais, sendo alargado o âmbito de aplicação da troca automática de decisões fiscais prévias transfronteiriças aplicável a pessoas singulares com elevado património líquido. Essas pessoas singulares são as que detenham um mínimo de 1 000 000 EUR em património financeiro ou passível de investimento, ou em ativos sob gestão. Os Estados-Membros trocarão informações sobre as decisões fiscais prévias transfronteiriças que tenham sido emitidas, alteradas ou renovadas entre 1 de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2025.

2.8.

A proposta não limitará a capacidade de os Estados-Membros definirem o seu regime de conformidade. No entanto, será estabelecido e aplicado um nível mínimo comum de sanções para os comportamentos não conformes mais graves, como a total ausência de comunicação de informações apesar dos avisos administrativos.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE acolhe favoravelmente e apoia a proposta da Comissão relativa à DCA8, uma vez que constitui um passo importante para melhorar e completar a DCA, na sequência das recomendações do Tribunal de Contas Europeu, que advertiu que, «[s]e um contribuinte detiver dinheiro eletronicamente em criptomoedas, a plataforma ou outro fornecedor eletrónico que presta serviços de carteira a esse tipo de clientes não é obrigado a declarar os montantes ou ganhos assim obtidos às autoridades fiscais. Por conseguinte, o dinheiro detido nesses instrumentos eletrónicos permanece no essencial não tributado» (5).

3.2.

O CESE considera que as melhorias propostas à DCA constituem um meio eficaz de prevenir o incumprimento das regras fiscais por parte dos detentores de criptoativos, reforçando assim a luta contra a fraude, a evasão fiscal e a elisão fiscal, em consonância com várias iniciativas empreendidas pela Comissão nos últimos anos.

3.3.

O CESE felicita a Comissão pela realização de uma ampla e articulada consulta no que diz respeito à proposta em apreço, com a participação de todas as partes interessadas, bem como de um público mais específico de operadores do setor, que foram consultados separadamente pela Comissão. Os Estados-Membros puderam igualmente exprimir a sua posição, incentivando a Comissão a trabalhar em estreita colaboração com os trabalhos em curso a nível da OCDE. As consultas tornaram o processo legislativo mais transparente e significativo, não obstante a natureza altamente técnica da proposta.

3.4.

O CESE salienta que importa desenvolver esforços a nível mundial para regulamentar os criptoativos e a sua utilização, a fim de resolver com êxito os problemas e efeitos crescentes de dimensão mundial desses ativos. A este respeito, o trabalho em curso e as negociações realizadas a nível da OCDE e do G20 para alcançar um acordo mundial em matéria de transparência das criptomoedas são fundamentais, e o CESE incentiva a Comissão a assumir um papel de liderança na cena internacional.

3.5.

O CESE considera que a iniciativa da Comissão está em plena consonância com o princípio da tributação justa e eficaz, que constitui a pedra angular da economia social de mercado europeia e que visa garantir que todos contribuem de forma equitativa e beneficiam de um tratamento equitativo e proporcionado, independentemente do tipo de ativos detidos ou da forma de pagamento aceite.

3.6.

O CESE reconhece que uma tributação melhorada e mais eficaz dos criptoativos contribuirá para aumentar a cobertura fiscal e reforçar os orçamentos nacionais, permitindo a mobilização de recursos adicionais orientados para o bem comum e para as prioridades de investimento da Comissão (transição ecológica e digitalização).

3.7.

O CESE concorda inteiramente com a afirmação da Comissão de que o reforço da transparência reduzirá as discrepâncias e a atual diferenciação injustificada no quadro jurídico e no tratamento que coloca os utilizadores de criptoativos em «vantagem em comparação com quem não investe em criptoativos» e prejudica, assim, não só «a consecução do objetivo de justiça fiscal», mas também o bom funcionamento do mercado único e a consecução de condições de concorrência equitativas.

3.8.

O CESE saúda a escolha do artigo 113.o (uma vez que as informações trocadas também podem ser utilizadas para efeitos de IVA) e do artigo 115.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia enquanto base jurídica da proposta. A aproximação das legislações nacionais que afetam o funcionamento do mercado único, consagrada no artigo 115.o, é efetivamente pertinente para o caso em apreço, tendo em conta que os criptoativos podem ser utilizados para vários fins. As discrepâncias tanto no quadro jurídico geral como nos instrumentos de execução devem, por conseguinte, ser evitadas em todo o mercado único, uma vez que podem prejudicar a sua consolidação.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a incluírem na proposta em apreço obrigações de comunicação de informações para as pessoas singulares detentoras de criptoativos, medida que reforçaria certamente a eficácia e o âmbito de aplicação da proposta.

4.2.

O CESE considera que um sistema de comunicação do NIF é o método mais adequado para assegurar a eficácia das novas regras. Por este motivo, apoia firmemente a proposta da Comissão no que diz respeito ao NIF que, enquanto código de identificação único, permite evitar erros e contribui, assim, para reforçar a eficácia da proposta e aumentar a segurança jurídica e a previsibilidade do sistema.

4.3.

O CESE observa que a maioria dos Estados-Membros já dispõe de legislação ou, pelo menos, de orientações administrativas para tributar os rendimentos obtidos através de investimentos em criptoativos, mas as autoridades competentes carecem frequentemente das informações necessárias para o pôr em prática. Por conseguinte, a segurança e a clareza jurídicas só podem ser asseguradas se as ineficiências nacionais forem resolvidas através de uma iniciativa legislativa da UE destinada a promover uma colaboração eficaz e eficiente entre as autoridades fiscais.

4.4.

O CESE considera que as obrigações de comunicação de informações não se devem limitar apenas às transações de troca e transferências de criptoativos, devendo também ser alargadas, pelo menos nesta fase inicial atual, às detenções globais de criptoativos, por razões de transparência e segurança, embora continue a ser claro que a tributação se deve aplicar apenas aos ganhos efetivos.

4.5.

O CESE destaca a necessidade de sanções eficazes e proporcionais, deixando aos Estados-Membros a responsabilidade de decidir dos montantes específicos das sanções a aplicar. Os limiares mínimos parecem ter potencial para aumentar a eficácia das novas regras em matéria de tributação das criptomoedas. O CESE espera que as sanções e as medidas destinadas a garantir o cumprimento possam alcançar um bom equilíbrio entre a eficácia das regras e um nível de dissuasão adequado, por um lado, e a proporcionalidade, por outro. A título de exemplo, poder-se-ia assegurar a proporcionalidade tendo devidamente em conta o número de transações associadas a infrações cometidas por uma determinada empresa.

4.6.

Além disso, após a aplicação da diretiva, a Comissão deve apresentar um relatório sobre as estruturas de sanções aplicadas pelos Estados-Membros e fornecer orientações sobre eventuais alterações do sistema de sanções e das medidas de cumprimento, se for caso disso.

4.7.

O CESE salienta que as disposições e garantias específicas em matéria de proteção de dados incluídas na proposta de diretiva, e em conformidade com as regras e os princípios do RGPD, devem ser cuidadosamente aplicadas e respeitadas seguindo elevados padrões, a fim de proteger plenamente os direitos fundamentais das pessoas cujos dados serão recolhidos, trocados e armazenados.

4.8.

De novo, o CESE insta os Estados-Membros a investirem adequadamente nas suas autoridades fiscais e noutras administrações pertinentes para que adquiram as capacidades necessárias para cumprir a tarefa de melhorar a cooperação no domínio da fiscalidade.

4.9.

Por último, o CESE recomenda que a Comissão inclua, no seu projeto de proposta, o requisito de cooperação entre as autoridades fiscais já abrangidas pela redação atual e as autoridades responsáveis pela luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento de atividades ilegais e do terrorismo, uma vez que não se pode excluir a possibilidade de ter havido, nos últimos anos, vários casos de utilização de criptoativos para fins ilegais e de branqueamento de capitais. Neste contexto, o CESE reitera que os poderes públicos, neste caso as autoridades fiscais, necessitam de recursos adequados, nomeadamente de pessoal qualificado, assim como de tecnologias e normas digitais de elevada qualidade.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de Fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e que revoga a Diretiva 77/799/CEE (JO L 64 de 11.3.2011, p. 1).

(2)  COM(2022) 707 final.

(3)  COM(2020) 593 final.

(4)  «Crypto-Asset Reporting Framework and Amendments to the Common Reporting Standard» [Quadro para a comunicação de informações sobre criptoativos e alterações à Norma Comum de Comunicação], OCDE, 8 de outubro de 2022.

(5)  Tribunal de Contas Europeu (2021), Troca de informações fiscais na UE: bases sólidas, falhas na aplicação. As trocas de informações aumentaram, mas alguns dados ainda não são comunicados.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Para uma Diretiva relativa às sanções penais pela violação de medidas restritivas da União

[COM(2022) 249 final]

— Proposta de decisão do Conselho relativa ao aditamento da violação de medidas restritivas da União aos domínios de criminalidade previstos no artigo 83.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

[COM(2022) 247 final]

— Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à definição das infrações penais e das sanções aplicáveis à violação de medidas restritivas da União

[COM(2022) 684 final]

(2023/C 184/11)

Relator:

José Antonio MORENO DÍAZ

Consulta

Comissão Europeia, 26.7.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

8.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

141/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a decisão de incluir a violação de medidas restritivas na lista de domínios de criminalidade ao abrigo do artigo 83.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), bem como a proposta de diretiva que visa aproximar nos quadros legislativos nacionais as definições e as sanções mínimas aplicáveis à violação de medidas restritivas.

1.2.

No entanto, o CESE lamenta que a decisão supramencionada não tenha sido submetida a uma deliberação plenamente democrática na Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos do Parlamento Europeu devido à ativação do processo de urgência. Da mesma forma, reitera a sua preocupação com o facto de a proposta de diretiva apresentada pela Comissão não ter sido precedida de uma avaliação de impacto. Além disso, lamenta que a proposta de diretiva da Comissão relativa à definição das infrações penais e das sanções aplicáveis à violação de medidas restritivas não refira o Comité Económico e Social Europeu entre as partes interessadas consultadas.

1.3.

No contexto da elaboração da diretiva, o CESE insta a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia a alargarem a derrogação para atividades humanitárias, isentando as organizações e o pessoal do setor humanitário de responsabilidade penal, alinhando esta disposição com a prática a nível internacional e assegurando ainda a criação de mecanismos adequados de prevenção de utilizações abusivas para fins criminosos ou políticos.

1.4.

O CESE apoia a inclusão de garantias e proteções adequadas para os denunciantes e jornalistas que divulgam tentativas de evasão às medidas restritivas, pelo que se deve alargar a derrogação acima referida a estes casos também.

1.5.

O CESE exorta a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia a assegurarem que o setor privado e as organizações da sociedade civil recebem informações adequadas e apoio proativo para se adaptarem à nova legislação e cumprirem os novos requisitos.

1.6.

O CESE insta a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia a assegurarem que, além de promoverem a harmonização da legislação, os Estados-Membros disponham de capacidades administrativas adequadas, financiamento suficiente e pessoal formado para detetar, levar a julgamento e punir as infrações às medidas restritivas, objetivo que se poderia apoiar pela cooperação entre os Estados-Membros mediante a partilha de boas práticas de deteção e ação penal.

1.7.

O CESE congratula-se com o facto de a proposta de diretiva insistir na observância do princípio da não retroatividade e destaca a necessidade de assegurar os direitos processuais e outras garantias em matéria de direitos humanos dos arguidos submetidos a julgamento.

1.8.

O CESE reitera a sua preocupação com o facto de outros crimes comuns tão graves como a violência baseada no género e os crimes de ódio continuarem fora do âmbito de aplicação do artigo 83.o, n.o 1, do TFUE, que estabelece os «crimes da UE», salientando que os imperativos geopolíticos não devem prevalecer sobre a proteção e o bem-estar dos nossos cidadãos.

2.   Contexto

2.1.

As sanções impostas no âmbito da política externa (ou «medidas restritivas», no jargão da União Europeia) são decididas pelo Conselho da União Europeia, ao abrigo da política externa e de segurança comum (PESC) e assumem a forma de legislação vinculativa e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros da União Europeia (UE).

2.2.

Ao contrário da legislação relativa às medidas restritivas, que é adotada centralmente e aplicável em toda a UE, a aplicação e controlo do cumprimento das medidas restritivas é descentralizada: as autoridades dos Estados-Membros são responsáveis por verificar que as empresas e os cidadãos respeitam as proibições, conceder derrogações, estabelecer sanções em caso de infração e investigar e mover ações penais nesses casos. Isto aplica-se a todas as medidas restritivas — exceto à proibição de entrar no território —, que são geridas diretamente pelas autoridades estatais.

2.3.

A natureza do sistema descentralizado de aplicação das medidas restritivas da UE gera uma fragmentação (1): os quadros legislativos nacionais divergem quanto às definições e ao âmbito das violações das medidas restritivas, bem como quanto às sanções aplicáveis nesses casos. Existem também disparidades nas capacidades administrativas para proceder a investigações. Além disso, cada autoridade nacional dispõe de ampla margem de manobra para decidir da concessão ou recusa de uma derrogação por motivos humanitários.

2.4.

A investigação já confirmou a existência de variações significativas na aplicação e no controlo do cumprimento das medidas restritivas nos diferentes Estados-Membros da UE (2). Um estudo recente da Rede europeia para a investigação e ação penal contra crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra («rede genocídio») chamou a atenção para a existência de discrepâncias consideráveis entre os Estados-Membros da UE nas sanções impostas por violação de medidas restritivas (3).

2.5.

A Comissão dispõe de alguns poderes de supervisão neste domínio, assegurando que todos os Estados-Membros cumprem as suas obrigações decorrentes da regulamentação europeia sobre medidas restritivas, nomeadamente verificando que têm sanções adequadas em vigor. Noutros domínios da governação da UE, a Comissão tem o direito de dar início a um procedimento por infração contra qualquer Estado-Membro que não cumpra estas obrigações, embora, até ao momento, nunca tenha sido instaurado nenhum procedimento desse género. A Comissão apoia também a aplicação de medidas restritivas ao emitir orientações, por exemplo, sobre a concessão de derrogações.

2.6.

Embora o potencial inerente do sistema para a fragmentação seja evidente, a Comissão só adotou recentemente as primeiras medidas (4) para melhorar a aplicação e o controlo do cumprimento das medidas restritivas da UE. Embora as novas atividades da Comissão neste domínio sejam anteriores à invasão da Ucrânia pela Rússia, lançada em fevereiro de 2022, a onda de medidas restritivas que esse acontecimento desencadeou veio dar novo ímpeto ao reforço da aplicação e do controlo do cumprimento das medidas restritivas.

2.7.

A Decisão (UE) 2022/2332 do Conselho (5) identifica a violação de medidas restritivas da União como um dos domínios de criminalidade que preenche os critérios especificados no artigo 83.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, geralmente conhecidos como «crimes da UE», o que habilita a Comissão a propor legislação que aproxime a definição de infrações penais e de sanções nos Estados-Membros (6).

2.8.

Esta proposta é justificada com o argumento de que tais violações poderão ajudar a perpetuar as ameaças à paz e à segurança, bem como ao Estado de direito, à democracia e aos direitos humanos em países terceiros, e que têm muitas vezes uma dimensão transfronteiriça. Especificamente, argumenta-se que a violação de medidas restritivas constitui um «domínio particularmente grave da criminalidade, uma vez que pode perpetuar ameaças à paz e à segurança internacionais, comprometer a consolidação e o apoio à democracia, ao Estado de direito e aos direitos humanos e resultar em danos económicos, societais e ambientais significativos» (7). A situação atual permite que pessoas e empresas que tencionam contornar as sanções escolham a jurisdição mais favorável e, ao mesmo tempo, impede o estabelecimento de condições equitativas para os operadores da UE.

2.9.

Em 30 de junho de 2022, o Conselho da União Europeia chegou a acordo sobre o texto e solicitou o consentimento do Parlamento Europeu quanto ao projeto de decisão do Conselho relativa ao aditamento da violação de medidas restritivas da União aos domínios de criminalidade previstos no artigo 83.o, n.o 1, do TFUE (8). O Parlamento Europeu aprovou a proposta através do processo de urgência, em 7 de julho de 2022 (9). A decisão foi adotada em 28 de novembro de 2022 (10).

2.10.

Em 2 de dezembro de 2022, a Comissão apresentou uma proposta de diretiva que propõe o estabelecimento de regras mínimas relativas à definição das infrações penais e das sanções aplicáveis à violação de medidas restritivas (11).

3.   Observações na generalidade

3.1.

A identificação da violação de medidas restritivas como um domínio de criminalidade que preenche os critérios especificados no artigo 83.o, n.o 1, do TFUE é uma evolução positiva que ajudará a harmonizar a tipificação da violação das medidas restritivas e as sanções conexas em toda a UE, bem como a melhorar a aplicação e o controlo do cumprimento das medidas restritivas.

3.2.

O CESE insta a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia a terem em conta as preocupações apresentadas na secção seguinte quando propuserem e adotarem a diretiva atualmente em análise e outros atos de direito derivado substantivo sobre o estabelecimento de regras mínimas relativas à definição das infrações penais e das sanções aplicáveis à violação de medidas restritivas.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O Parlamento Europeu deu o seu consentimento ao projeto de decisão do Conselho, através de um processo de urgência, o que significa que o Parlamento Europeu emitiu parecer favorável sem deliberação prévia da sua Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos (LIBE). A urgente necessidade geopolítica subjacente à adoção da proposta não deve distrair-nos da necessidade de submeter as propostas legislativas a um escrutínio democrático adequado. Importa preservar as normas de escrutínio democrático. O CESE reitera a importância de assegurar um escrutínio adequado, pelo Parlamento Europeu, da proposta de diretiva sobre o estabelecimento de regras mínimas relativas à definição das infrações penais e das sanções aplicáveis à violação de medidas restritivas, atualmente em análise.

4.2.

Do mesmo modo, a proposta de diretiva refere que a Comissão se absteve de realizar uma avaliação de impacto, salientando a «necessidade urgente de responsabilizar as pessoas singulares e coletivas implicadas na violação de medidas restritivas da União» (12). Embora reconheça a pertinência de agilizar a adoção da diretiva relativa a sanções penais aplicáveis à violação de medidas restritivas da União, o CESE considera que a urgência relativa de harmonizar as definições e as sanções não justifica a não realização da avaliação de impacto que deveria acompanhar o processo de elaboração da diretiva, nomeadamente porque as pessoas singulares e coletivas implicadas na violação de medidas restritivas já podem ser responsabilizadas ao abrigo da legislação nacional existente, o que significa que um processo mais longo de adoção da diretiva não fará com que as violações fiquem por punir. Por conseguinte, o CESE apoia a realização da avaliação de impacto habitualmente prevista e defende que a diretiva entre em vigor logo após a sua adoção.

4.3.

Embora se congratule com o facto de a Comissão ter realizado consultas alargadas junto de uma grande variedade de partes interessadas, o CESE lamenta que a proposta de diretiva apresentada pela Comissão relativa à definição das infrações penais e das sanções aplicáveis à violação de medidas restritivas não refira o Comité Económico e Social Europeu entre as entidades consultadas.

4.4.

A atenção dedicada à deteção, ação penal e punição de violações das medidas restritivas deve ser acompanhada de um esforço comparável para orientar os operadores económicos e os atores da sociedade civil na aplicação das medidas restritivas. As falhas na aplicação de medidas restritivas devem-se frequentemente à falta de sensibilização das partes interessadas do setor privado, apesar dos esforços das agências nacionais para as informar (13). Importa ter presente que a maioria dos operadores económicos da UE são pequenas e médias empresas (PME), que ainda não conhecem os deveres decorrentes da legislação sobre medidas restritivas, uma vez que as medidas económicas eram raras entre as medidas restritivas adotadas anteriormente (14). O CESE felicita a Comissão pelos esforços que envida atualmente para melhorar o apoio prestado aos operadores económicos e encoraja a continuação dos mesmos (15).

4.5.

Importa tomar medidas adequadas para salvaguardar a ação humanitária nas jurisdições abrangidas pelas medidas restritivas. Continua a ser preocupante que os intervenientes do setor humanitário que prestam assistência em jurisdições sujeitas a medidas restritivas rigorosas possam ser responsabilizados por violações destas medidas (16). Esses intervenientes chamam sistematicamente a atenção para a dificuldade de assegurar que a legislação sobre medidas restritivas não é violada no decurso das suas operações, bem como para os efeitos negativos da sua associação às medidas restritivas ocidentais aos olhos dos beligerantes (17). A adoção recente da Resolução 2664 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em dezembro de 2022 (18), que contém uma derrogação geral que permite a disponibilização de fundos e de serviços a organizações humanitárias (19) e que foi rapidamente aplicada pelas autoridades dos EUA (20), faz com que a manutenção de cláusulas humanitárias de âmbito restrito na legislação da UE seja uma exceção, colocando-a no centro das atenções. A fim de assegurar que o direito penal não entrava a ação humanitária, devia reforçar-se a formulação das disposições da proposta de diretiva. Neste momento, apenas se exclui da criminalização «a prestação de ajuda humanitária às pessoas necessitadas» (21). O CESE apoia a adoção de uma isenção de âmbito humanitário mais alargada, que exclua da responsabilidade penal ao abrigo dos regimes de medidas restritivas da UE todo o pessoal de organizações humanitárias imparciais. Uma cláusula deste género asseguraria a conformidade dos quadros jurídicos em matéria de medidas restritivas da UE com o direito internacional humanitário. Ao mesmo tempo, devem existir disposições para evitar eventuais utilizações abusivas para fins criminosos ou políticos. A proteção dos intervenientes do setor humanitário deve ser alargada aos jornalistas de investigação.

4.6.

O CESE insta a Comissão a acompanhar a aplicação da diretiva, não só no que se refere à adoção de legislação, mas também prestando atenção à disponibilização de capacidades administrativas, financeiras, tecnológicas e de recursos humanos suficientes, bem como de formação adequada, a fim de permitir que as administrações públicas nacionais e as autoridades judiciais e de aplicação da lei deem cumprimento à nova legislação. Na ausência de equipamento, pessoal e recursos financeiros adequados, a harmonização da legislação, por si só, não conseguirá, provavelmente, cumprir a sua missão de deteção, ação penal e punição em caso de violação das medidas restritivas. Além disso, o CESE insta a Comissão a estabelecer os critérios que aplicará para esse acompanhamento, a fim de proporcionar alguma orientação às partes interessadas.

4.7.

Sempre que as condenações penais prevejam a perda de bens, deve reservar-se uma percentagem considerável das receitas para compensar as vítimas e, no caso das medidas restritivas atualmente em vigor contra destinatários russos devido à guerra na Ucrânia, essa reserva deve servir para apoiar os esforços de reconstrução pós-guerra na Ucrânia. O CESE apoia esta exigência, em conformidade com o seu Parecer — Recuperação e perda de bens (22), sobre a proposta de diretiva apresentada pela Comissão relativa à recuperação e perda de bens. O CESE insta ainda a Comissão a colaborar com organizações da sociedade civil específicas na identificação das vítimas e na conceção de mecanismos que canalizem as receitas da evasão às medidas restritivas para as vítimas ou para iniciativas de investimento social que beneficiem diretamente as vítimas. Para efeitos de responsabilização, o CESE defende maior transparência na forma de divulgar os valores relativos a bens objeto de uma decisão de perda e o respetivo destino subsequente.

4.8.

A proposta de diretiva deve conter também disposições adequadas para a proteção dos denunciantes e dos jornalistas de investigação que divulgam práticas de evasão às medidas restritivas. O seu papel fundamental enquanto mecanismos de «alerta precoce» merece proteção. A este respeito, o CESE apoia a proposta da Comissão de alargar a proteção concedida ao abrigo da Diretiva (UE) 2019/1937 (23) à denúncia de violações de medidas restritivas da UE e às pessoas que denunciam essas violações.

4.9.

Conforme estabelecido na redação atual da diretiva, as disposições devem procurar manter o princípio da não retroatividade das sanções, em conformidade com o princípio «nulla poena sine lege» (não há crime nem pena sem lei). O CESE sublinha a necessidade de assegurar os direitos processuais e outras garantias em matéria de direitos humanos dos arguidos submetidos a julgamento.

4.10.

Por fim, embora a identificação de violações de medidas restritivas como «crime da UE» se tenha revelado um processo célere, o CESE lamenta que crimes tão graves e comuns como os crimes de ódio e a violência baseada no género não possam ser abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 83.o, n.o 1, do TFUE. Os imperativos geopolíticos não devem ter prioridade sobre outros crimes de importância direta para os nossos cidadãos.

4.11.

Para concluir, importa não esquecer que o objetivo da harmonização das sanções é melhorar a credibilidade das medidas restritivas adotadas ao abrigo da PESC. Desse ponto de vista, os Estados-Membros devem procurar respeitar as proibições de concessão de vistos com a mesma diligência que se espera dos cidadãos e operadores da UE (24).

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Portela, C., «Implementation and Enforcement» [Aplicação e controlo do cumprimento], in N. Helwig et al., Sharpening EU sanctions policy [Melhorar a política de medidas restritivas da UE], Relatório n.o 63 do Instituto finlandês para os assuntos externos (Finnish Institute of International Affairs): Helsínquia. Estudo encomendado pelo Gabinete do Primeiro-Ministro da Finlândia, 2020, p. 107.

(2)  Druláková, R. e Přikryl, P., «The implementation of sanctions imposed by the European Union» [Aplicação de medidas restritivas impostas pela União Europeia], Central European Journal of International and Security Studies, vol. 10, n.o 1, 2016, p. 134.

(3)  Rede genocídio, «Prosecution of sanctions (restrictive measures) violations in national jurisdictions: a comparative analysis» [Ação penal contra a violação de medidas restritivas nas jurisdições nacionais: uma análise comparativa], 2021.

(4)  Comunicação da Comissão Europeia — O sistema económico e financeiro europeu: promover a abertura, a solidez e a resiliência [COM(2021) 32 final].

(5)  Decisão (UE) 2022/2332 do Conselho, de 28 de novembro de 2022, relativa à identificação da violação de medidas restritivas da União como um domínio de criminalidade que preenche os critérios especificados no artigo 83.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO L 308 de 29.11.2022, p. 18).

(6)  Comunicação da Comissão Europeia — Para uma Diretiva relativa às sanções penais pela violação de medidas restritivas da União [COM(2022) 249 final].

(7)  Esta redação da Comunicação da Comissão COM(2022) 249 final, página 4, está refletida no ponto 10 do preâmbulo da Decisão (UE) 2022/2332 do Conselho (JO L 308 de 29.11.2022, p. 18).

(8)  Conselho da União Europeia, comunicado de imprensa de 30 de junho de 2022.

(9)  Resolução legislativa do Parlamento Europeu. TA/2022/0295.

(10)  JO L 308 de 29.11.2022, p. 18.

(11)  Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à definição das infrações penais e das sanções aplicáveis à violação de medidas restritivas da União [COM(2022) 684 final].

(12)  COM(2022) 684 final.

(13)  Druláková, R. e Zemanová, S., «Why the implementation of multilateral sanctions does (not) work: lessons learnt from the Czech Republic» [Por que motivo a aplicação de medidas restritivas multilaterais (não) funciona: ensinamentos retirados da República Checa], European Security, vol. 29, n.o 4, 2020, p. 524.

(14)  Portela, C., «Sanctions in EU foreign policy» [Medidas restritivas na política externa da UE], in N. Helwig et al., Sharpening EU sanctions policy [Melhorar a política de medidas restritivas da UE], Relatório n.o 63 do Instituto finlandês para os assuntos externos (Finnish Institute of International Affairs), Helsínquia. Estudo encomendado pelo Gabinete do Primeiro-Ministro da Finlândia, 2020, p. 23.

(15)  Decisão (PESC) 2022/1506 do Conselho, de 9 de setembro de 2022, relativa a uma ação da União Europeia destinada a apoiar o desenvolvimento de ferramentas de tecnologias da informação para melhorar a difusão de informações sobre as medidas restritivas da União (JO L 235 de 12.9.2022, p. 30).

(16)  Portela, C., «What if the EU made sanctions compatible with humanitarian aid?» [E se a UE conciliasse as medidas restritivas com a ação humanitária?], in F. Gaub (ed.) What if…? Fourteen Scenarios for 2021 [E se…? Catorze cenários para 2021], EUISS, Paris, 2020.

(17)  Debarre, A., «Safeguarding humanitarian action in sanctions regimes» [Salvaguardar a ação humanitária nos regimes de medidas restritivas], Nova Iorque, International Peace Institute, 2019.

(18)  Resolução 2664 das Nações Unidas, S/RES/2664 (2022).

(19)  A primeira disposição operacional da Resolução 2664 de 2022 determina que a disponibilização de fundos ou o fornecimento de bens ou serviços necessários para assegurar a prestação oportuna de assistência humanitária pelas Nações Unidas, […] por organizações não governamentais ou por outras entidades, conforme aditadas pelos diferentes comités instituídos pelo Conselho de Segurança, «são permitidos e não violam o congelamento de ativos imposto pelo Conselho de Segurança ou pelos respetivos comités de sanções».

(20)  Comunicado de imprensa do Departamento do Tesouro dos EUA, «Treasury Implements Historic Humanitarian Sanctions Exceptions» [Tesouro aplica exceções de âmbito humanitário históricas às medidas restritivas], 20 de dezembro de 2022.

(21)  COM(2022) 684 final.

(22)  JO C 100 de 16.3.2023, p. 105.

(23)  Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (JO L 305 de 26.11.2019, p. 17).

(24)  Mangas Martin, A., «Sobre la vinculatoriedad de la PESC y el espacio aéreo como territorio de un estado (Comentario al auto del TS español de 26 de noviembre de 2020, sala de lo penal)» [Do caráter vinculativo da PESC e do espaço aéreo como território de um Estado (Comentário ao despacho do Supremo Tribunal espanhol, de 26 de novembro de 2020, Câmara Penal)]. Revista General de Derecho Europeo [Revista geral de direito europeu], n.o 53, 2021.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/64


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de recomendação do Conselho relativa a um rendimento mínimo adequado que garanta a inclusão ativa

[COM(2022) 490 final — 2022/0299 (NLE)]

(2023/C 184/12)

Relatores:

Jason DEGUARA e Paul SOETE

Consulta

Comissão Europeia, 25.11.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

8.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

143/00/08

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com o conteúdo da recomendação, em especial com a aplicação de critérios realistas e suficientes para o nível de adequação e acessibilidade do rendimento mínimo, a garantia jurídica do mesmo e o sistema de comunicação de informações, bem como com o maior reconhecimento, pela Comissão Europeia, da necessidade de uma política social ativa e de novas medidas para combater a pobreza em toda a UE.

1.2.

É necessária uma abordagem assente nos direitos de todos a um rendimento mínimo adequado que não deixe ninguém para trás, não tenha critérios excessivamente restritivos e que seja avaliada com precisão para assegurar a sua eficácia.

1.3.

O combate à pobreza e às desigualdades de rendimentos é importante não só por razões de equidade social, mas também para apoiar o crescimento económico. A este respeito, importa também ter em conta o efeito estabilizador global dos regimes de rendimento mínimo para a economia.

1.4.

O direito dos Estados-Membros de definir os princípios dos seus sistemas sociais, as competências complementares da UE e dos Estados-Membros e a plena utilização dos instrumentos do Tratado da UE devem constituir os princípios orientadores de qualquer ação da UE no domínio da proteção social.

1.5.

O emprego de qualidade e sustentável é a melhor forma de sair da pobreza e da exclusão social. Ao mesmo tempo, a presença de mais pessoas num mercado de trabalho inclusivo e de boa qualidade contribui para financiar sistemas de proteção social, favorecendo a sustentabilidade financeira dos mesmos.

1.6.

Atualmente, num grande número de Estados-Membros, a fixação e o nível das prestações de rendimento mínimo não se baseiam numa metodologia sólida, nem estão estatisticamente associados a indicadores que reflitam uma vida digna. O primeiro passo consiste em estabelecer este tipo de metodologia e ter em conta as diferentes fontes de rendimento e as situações específicas dos agregados familiares.

1.7.

O CESE insiste na necessidade de adaptar os rendimentos mínimos em função da inflação, especialmente com o aumento do custo de vida em termos de alimentação e energia, de uma forma regular e com o apoio de organizações da sociedade civil, parceiros sociais e organizações de assistência social.

1.8.

Para alcançar os objetivos da recomendação, é necessário o acompanhamento contínuo da aplicação de políticas de apoio ao rendimento e outras políticas de proteção social que assegurem a inclusão ativa. Os relatórios intercalares dos Estados-Membros devem ser elaborados com a participação da sociedade civil e das organizações de assistência social e parceiros sociais pertinentes, ou os seus relatórios devem ser examinados regularmente pelo mecanismo de acompanhamento da Comissão, conforme indicado na recomendação do Conselho.

2.   Introdução

2.1.

Apesar dos progressos alcançados na redução da pobreza e da exclusão social na UE desde o início do século, em 2021, mais de 95,4 milhões de pessoas continuavam em risco de pobreza.

2.2.

Verifica-se um aumento do risco de pobreza para as pessoas que vivem em agregados familiares (quase) sem emprego e um agravamento da intensidade e da persistência da pobreza em muitos Estados-Membros, sendo o risco mais elevado para as mulheres do que para os homens. O objetivo da UE é reduzir o número de pessoas em risco de pobreza em, pelo menos, 15 milhões até 2030.

2.3.

A longo prazo, a evolução demográfica terá consequências económicas significativas, uma vez que a população ativa diminuirá e o rápido envelhecimento da população exercerá uma pressão acrescida sobre as finanças públicas e o financiamento dos regimes de rendimento mínimo.

2.4.

O contexto atual do acordo político do Conselho é ainda mais problemático tendo em conta a guerra na Ucrânia, o aumento dos preços da energia e o aumento da inflação. O FMI estima que a inflação a nível mundial aumentará 8,8 % este ano e 6,5 % em 2023.

2.5.

As famílias monoparentais constituem menos de 15 % das famílias na UE, mas apresentam um risco muito mais elevado de pobreza e de «não emprego». Mesmo um emprego a tempo inteiro não protegerá as famílias monoparentais do risco de pobreza. Os agregados familiares com dois rendimentos e emprego a tempo inteiro, que normalmente não estão em risco de pobreza, correm, porém, esse risco se tiverem mais de dois filhos (1).

2.6.

As prestações de rendimento mínimo são prestações de último recurso ligadas aos recursos, concedidas com base nas necessidades e para desempregados capazes de trabalhar, em articulação com incentivos suficientes para a (re)inserção no mercado de trabalho. De um modo geral, as políticas nacionais exigem uma avaliação do rendimento disponível em conjugação com a condição de recursos pessoais. Os regimes de rendimento mínimo estão integrados nos contextos e tradições nacionais e associados aos sistemas de proteção social mais vastos de cada Estado-Membro.

2.7.

Verificam-se diferenças consideráveis entre os Estados-providência em geral no que diz respeito ao nível e à composição do rendimento mínimo, o que também acontece na UE. Tal como indicado pelos estudos da Comissão, a situação do mercado de trabalho dos beneficiários do rendimento mínimo varia significativamente entre os Estados-Membros.

2.8.

Nenhum dos países assegura atualmente um apoio adequado ao rendimento das famílias desempregadas para evitar o risco de pobreza, e 20 % das pessoas desempregadas não são elegíveis para beneficiar de qualquer apoio. Verifica-se também o problema da não utilização do rendimento mínimo, estimada entre 30 e 50 %.

2.9.

Os elementos do rendimento a considerar na análise do nível de rendimento mínimo são os salários, as prestações de assistência social, as prestações por filhos a cargo (o rendimento adicional mais comum), os subsídios de habitação, energia e saúde e outras prestações como as prestações sociais em espécie, todas elas contabilizadas após a dedução de impostos e contribuições sociais.

2.10.

A nível europeu, o rendimento mínimo tem sido objeto das seguintes medidas e instrumentos:

A Recomendação 92/441/CEE do Conselho e a Recomendação 2008/867/CE da Comissão sobre a inclusão ativa das pessoas excluídas do mercado de trabalho;

O princípio 14 (2) do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS) e outros princípios do Pilar, como os relativos ao «apoio ativo ao emprego», à «proteção social», ao «acesso aos serviços essenciais», à «educação, formação e aprendizagem ao longo da vida» e à «igualdade de oportunidades»;

O Semestre Europeu, que oferece um quadro para o acompanhamento pertinente das atividades de coordenação de políticas com base no quadro de avaliação comparativa do Comité da Proteção Social do Conselho;

As conclusões do Conselho de 2020 sobre o reforço da proteção do rendimento mínimo durante e após a pandemia de COVID-19, convidando os Estados-Membros a reverem os seus regimes nacionais de rendimento mínimo (3);

As orientações para as políticas de emprego para 2022.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A pobreza é multidimensional e manifesta-se em todas as esferas da vida. Ao mesmo tempo, reflete as falhas nos sistemas de redistribuição justa e equitativa de recursos e oportunidades. Por esse motivo, um regime de rendimento mínimo constitui uma condição necessária, embora não suficiente, para permitir uma vida digna e um caminho viável para sair da pobreza. A pobreza cruza-se com outras formas de injustiça social. As desigualdades de género e raciais acentuam o risco de pobreza e esta, por sua vez, aumenta o risco de exclusão e discriminação, manifestando-se especialmente no que diz respeito à saúde, à educação e à formação, bem como à exposição à dependência financeira e à violência.

3.2.

O CESE congratula-se com o conteúdo da recomendação, em especial com a aplicação de critérios realistas e suficientes para o nível e a acessibilidade do rendimento mínimo, a garantia jurídica do mesmo e o sistema de comunicação de informações, bem como com o maior reconhecimento, pela Comissão Europeia, da necessidade de uma política social ativa a nível da UE e de novas medidas para combater a pobreza em toda a UE. A recomendação representa um passo no sentido da aplicação do princípio 14 do PEDS, segundo o qual «[q]ualquer pessoa que não disponha de recursos suficientes tem direito a prestações de rendimento mínimo adequadas que lhe garantam um nível de vida digno em todas as fases da vida».

3.3.

Na sequência da agressão ilegal e bárbara da Rússia contra a Ucrânia, o contexto atual do acordo político do Conselho é ainda mais problemático, tendo em conta a subida acentuada dos preços da energia e a elevada taxa de inflação que afetam os agregados familiares, especialmente as famílias com baixos rendimentos. Num contexto de megatendências como a globalização, a transição digital e ecológica e as alterações demográficas, os mercados de trabalho europeus estão em processo de grande transição. Os regimes de rendimento mínimo devem desempenhar um papel fundamental na prestação de apoio e incentivos à (re)inserção profissional.

3.4.

É necessária uma abordagem assente nos direitos de todos a um rendimento mínimo adequado que não deixe ninguém para trás, não tenha critérios excessivamente restritivos, se baseie na transparência e em requisitos não discriminatórios e que seja avaliada com precisão para assegurar a sua eficácia. Uma sociedade inclusiva deve ter em conta todos os setores da sociedade, e os Estados-Membros devem introduzir mecanismos de acompanhamento sólidos para monitorizar, em tempo útil, o rendimento mínimo e a sua utilização.

3.5.

A existência de regimes de rendimento mínimo eficazes pode contribuir para assegurar o respeito pelos direitos humanos, um nível de vida digno, a atividade e a inclusão das pessoas na sociedade, bem como a sua integração em empregos sustentáveis e de boa qualidade. O CESE salienta igualmente a importância dos regimes de rendimento mínimo para os trabalhadores por conta própria na Europa, que devem ter pleno direito ao mesmo apoio e aos mesmos benefícios que os outros grupos.

3.6.

O combate à pobreza e às desigualdades de rendimentos é importante não só por razões de equidade, mas também para apoiar o crescimento económico. Tal como referido no relatório da OCDE de 2021 (4), a existência de políticas fiscais bem concebidas pode apoiar o crescimento inclusivo e sustentável e solucionar a distribuição do rendimento e da riqueza. Neste contexto, o crescimento inclusivo deve visar a equidade da partilha dos benefícios do crescimento, bem como a promoção da inclusividade dos mercados de trabalho. A este respeito, importa também ter em conta o efeito estabilizador global dos regimes de rendimento mínimo para a economia.

3.7.

Os regimes de rendimento mínimo devem fazer parte de estratégias nacionais de combate à pobreza que integrem medidas de forma eficaz para alcançar salários justos e um trabalho digno, o acesso a serviços essenciais de qualidade e a preços acessíveis, o acesso à segurança social de base e um apoio adequado ao rendimento, serviços sociais centrados nas pessoas e políticas de inclusão ativa.

3.8.

O CESE salienta o objetivo de uma metodologia à escala europeia, apoiada por uma análise europeia, que ajude os Estados-Membros a definir a adequação do rendimento mínimo através de um método adequado, como a taxa de risco de pobreza acordada na UE de 60 % do rendimento disponível equivalente, ou/e sustentada por um orçamento de referência (que abranja a alimentação, a habitação, a água, a eletricidade, o aquecimento, as telecomunicações, a saúde, os transportes, o lazer e a cultura).

3.9.

Tal como referido nos considerandos do acordo político do Conselho, o emprego de qualidade e sustentável é a melhor forma de sair da pobreza e da exclusão social. Quanto mais pessoas se encontrarem no mercado de trabalho, maior será a sustentabilidade do financiamento dos regimes de proteção social, uma vez que estes são, em grande medida, financiados através de impostos sobre o emprego.

3.10.

Embora os Estados-Membros tenham desenvolvido e reformado as suas redes de segurança social ao longo dos anos, tendo em conta as orientações fornecidas pela Recomendação 92/441/CEE do Conselho, a evolução da economia, dos mercados de trabalho e das sociedades em geral na Europa trouxe novos desafios e a necessidade premente de atualizar o quadro europeu para combater as desigualdades de rendimento e a pobreza.

3.11.

O direito dos Estados-Membros de definir os princípios dos seus sistemas sociais, as competências complementares da UE e dos Estados-Membros e a plena utilização dos instrumentos do Tratado da UE devem constituir os princípios orientadores de qualquer ação da UE no domínio da proteção social. É igualmente importante analisar os regimes de rendimento mínimo existentes face aos regimes globais de proteção social dos Estados-Membros. No entanto, há margem para uma ação a nível da UE para apoiar os Estados-Membros nos seus esforços.

3.12.

A luta contra as desigualdades de rendimento exige reformas determinadas, políticas coordenadas e ações bem orientadas por parte dos Estados-Membros numa série de domínios de intervenção, tais como os sistemas fiscais e de segurança social, os mecanismos de fixação dos salários, os incentivos ao mercado de trabalho, a educação e formação, a igualdade de oportunidades e os serviços de boa qualidade, com acesso e custos comportáveis para todos. Além disso, o crescimento sustentável assente no bom funcionamento dos mercados e na competitividade das empresas é uma condição indispensável para todos os sistemas de redistribuição.

3.13.

O CESE concorda com a conclusão dos serviços da Comissão de que o aconselhamento em matéria de emprego, os planos de ação individuais e a integração das medidas de ativação no regime de rendimento mínimo aumentam a probabilidade de entrar com êxito no mercado de trabalho.

3.14.

O CESE salienta a conclusão dos serviços da Comissão de que uma grande parte dos beneficiários do rendimento mínimo não estão sujeitos a medidas de política ativa do mercado de trabalho, embora possam estar aptos para trabalhar. Embora, de um modo geral, deva existir um justo equilíbrio entre incentivos e uma ligação mais forte com as condições para beneficiar de apoio ao rendimento e medidas de ativação, importa conceder atenção a grupos especiais, como os jovens adultos fora do mercado de trabalho ou que estão em risco de pobreza ou exclusão social.

3.15.

A Rede Europeia Antipobreza identificou a adequação, a acessibilidade e o caráter facilitador como três critérios fundamentais de conceção de políticas para os regimes de rendimento mínimo:

A adequação pressupõe um nível suficiente para uma vida digna;

A acessibilidade centra-se na garantia de acesso e cobertura abrangente para todas as pessoas que necessitam de regimes de rendimento mínimo;

O caráter facilitador está relacionado com a utilização de parâmetros de conceção em consonância com um «paradigma de inclusão ativa» integrado e centrado nas pessoas.

3.16.

Tal como corretamente salientado no acordo político do Conselho, os encargos administrativos desproporcionados, a falta de sensibilização ou o receio de estigmatização ou discriminação podem fazer com que as pessoas elegíveis para o rendimento mínimo não o solicitem.

3.17.

As empresas da economia social, juntamente com as pequenas e médias empresas em geral, são importantes, especialmente no que diz respeito à entrada no mercado de trabalho. O CESE congratula-se com o Plano de Ação para a Economia Social e insta a Comissão a avaliar os melhores projetos ao nível adequado.

3.18.

Importa dar especial atenção a grupos específicos, como as famílias monoparentais, as famílias migrantes, os jovens, as pessoas com deficiência e os ciganos.

3.19.

Atualmente, muitos pensionistas dependem de um rendimento mínimo, uma vez que a sua pensão é demasiado baixa. Se não estiverem aptos para trabalhar, não é possível que estes idosos regressem ao mercado de trabalho para obter um rendimento melhor. Carecem de regimes de pensões que lhes proporcionem uma pensão adequada, para que não tenham de recorrer ao apoio do rendimento mínimo. Uma vez que a evolução demográfica nos Estados-Membros indica que teremos mais pensionistas no futuro, é importante que aqueles disponham de regimes de pensões que assegurem pensões adequadas.

3.20.

O CESE propõe que os Estados-Membros avaliem os níveis de rendimento mínimo pelo menos uma vez por ano e que este seja indexado para ter em conta a inflação, pelo menos uma vez por ano, em função do nível da mesma.

4.   Observações na especialidade

4.1.    Relativamente à adequação do rendimento mínimo

4.1.1.

Atualmente, num grande número de Estados-Membros, a fixação e o nível das prestações de rendimento mínimo não se baseiam numa metodologia sólida, nem estão ligados a indicadores estatisticamente fundamentados. O primeiro passo consiste em estabelecer este tipo de metodologia e ter em conta as diferentes fontes de rendimento e as situações específicas dos agregados familiares.

4.1.2.

No que diz respeito ao nível do rendimento mínimo, o CESE observa que a recomendação propõe vários métodos para a definição do mesmo: por referência ao limiar nacional de risco de pobreza, calculando o valor monetário dos bens e serviços necessários de acordo com as definições nacionais, ou por referência a outras leis ou práticas nacionais estabelecidas. Tal implica igualmente que podem ser considerados sistemas com orçamentos de referência. Esses sistemas baseiam-se num cabaz de bens e serviços definido a nível nacional que reflita o custo de vida num determinado Estado-Membro ou numa região e podem ajudar a orientar a avaliação da adequação.

4.1.3.

O CESE insiste na necessidade de adaptar os rendimentos mínimos em função da inflação de uma forma regular, sobretudo à luz do aumento do custo de vida em termos de alimentação e energia. Neste sentido, a revisão anual a nível dos Estados-Membros é uma recomendação clara.

4.1.4.

Os orçamentos de referência dos cabazes de bens e serviços devem ser estabelecidos a nível dos Estados-Membros com coordenação a nível europeu, o que ajudará os Estados-Membros a assegurar a adequação dos regimes de rendimento mínimo. O cabaz de bens e serviços deve abranger necessidades como a habitação, a água, a energia, as telecomunicações, a alimentação, a saúde, os transportes, a cultura e o lazer. Os mecanismos que permitem uma indexação precisa e rápida aos preços reais são fundamentais para assegurar a adequação, especialmente em tempos de crise, cujos efeitos se fazem sentir no custo de vida.

4.1.5.

As prestações de rendimento mínimo não devem ser utilizadas como meio para subsidiar salários baixos. Sempre que estejam previstas soluções suplementares para as pessoas em situação de pobreza no trabalho, estas devem constituir medidas temporárias e complementares. Considerando as diversas formas de trabalho, importa incentivar e apoiar uma política ativa do mercado de trabalho e uma política salarial adequada, juntamente com sistemas fiscais e de segurança social de apoio, a fim de assegurar empregos de qualidade e um nível de vida digno. As pessoas que são permanentemente ou totalmente incapazes de trabalhar em condições que lhes proporcionem uma vida digna devem dispor de redes de segurança sólidas enquanto delas necessitarem.

4.1.6.

O CESE congratula-se com a decisão de que as prestações como o subsídio de invalidez não serão consideradas na avaliação de recursos para determinar se uma pessoa tem direito à prestação do rendimento mínimo, uma vez que essas prestações cobrem custos adicionais decorrentes de necessidades específicas. Essa decisão demonstra uma atenção especial aos que realmente necessitam de ajuda na nossa sociedade.

4.1.7.

É necessário dar especial atenção às famílias vulneráveis e às famílias monoparentais, maioritariamente compostas por mulheres, uma vez que, para estas famílias, é essencial o papel complementar das prestações por filhos a cargo, bem como da acessibilidade das estruturas de acolhimento de crianças e de outros cuidados.

4.1.8.

A definição de salários mínimos adequados, seja por lei ou por negociação coletiva, constitui um instrumento valioso para combater a pobreza. A aplicação da diretiva relativa a salários mínimos adequados terá um impacto positivo no risco de pobreza para uma parte significativa da mão de obra, nomeadamente para os trabalhadores solteiros em empregos a tempo inteiro e para os agregados familiares com dois rendimentos. Os parceiros sociais devem ser incentivados a aplicá-la através de acordos coletivos de trabalho. Uma vez aplicada a diretiva, o salário mínimo poderá, se for caso disso, ser igualmente utilizado como referência para o rendimento mínimo, desde que este se situe no nível de pobreza.

4.1.9.

O CESE considera que os regimes de rendimento mínimo devem incluir serviços de numerário e em espécie para quem não pode ou está praticamente impossibilitado de trabalhar.

4.1.10.

Os benefícios ligados à atividade profissional podem também desempenhar um papel importante na atração de pessoas inativas para o mercado de trabalho (5).

4.1.11.

O objetivo do Conselho Europeu de reduzir em 15 milhões o número de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social está fixado para 2030 e pode parecer pouco ambicioso. No entanto, este deve ser considerado um valor mínimo, tendo em conta que, atualmente, alguns países ainda apresentam taxas inferiores a 20 % em termos de adequação e necessitarão de muito tempo para alcançar os objetivos. A Comissão afirmou que a recomendação estabelecia igualmente um período para uma aplicação progressiva da disposição relativa à adequação do apoio ao rendimento. No que diz respeito a outros desafios, como a cobertura e a utilização, os prazos devem ser mais curtos.

4.2.    Relativamente à cobertura, à elegibilidade e à utilização

4.2.1.

Atualmente, em média, 20 % dos desempregados não são elegíveis para os regimes de rendimento mínimo. Tal deve-se às condições de elegibilidade relativas à idade mínima, ao período de residência no país, à falta de soluções para os sem-abrigo, às questões relativas à estrutura familiar, etc. Estas lacunas de cobertura devem ser colmatadas pelos Estados-Membros. Verifica-se também uma situação problemática no que diz respeito à continuidade da cobertura nas várias fases da vida e da atividade. Em todo o caso, os Estados-Membros devem estabelecer critérios de acesso transparentes e não discriminatórios.

4.2.2.

A responsabilidade pela não utilização parece caber, em grande medida, à administração, o que é injusto e deve ser abordado. Aparentemente, a não utilização do rendimento mínimo varia entre 30 % e 50 % nos Estados-Membros, estimativa que parece muito elevada e ampla. Os Estados-Membros devem ser incentivados a recolher informações sobre a não utilização e as razões pelas quais este valor é tão elevado. O CESE apoia sem reservas o enfoque do acordo político do Conselho no sentido de incentivar a plena utilização do rendimento mínimo através de um conjunto de medidas, como a redução dos encargos administrativos, a garantia de uma informação convivial e a adoção de medidas para combater a estigmatização e medidas proativas destinadas às pessoas que não dispõem de recursos suficientes.

4.2.3.

O rendimento mínimo deve garantir explicitamente o acesso dos jovens adultos a partir dos 18 anos e dos migrantes. Uma vez que o rendimento mínimo é uma prestação não contributiva, deve evitar-se uma linguagem ambígua no que diz respeito ao que deve ser entendido como uma duração «adequada» da residência.

4.2.4.

São necessários indicadores quantitativos e qualitativos desagregados a nível da UE para avaliar a cobertura atual dos regimes de rendimento mínimo. Importa dar especial atenção às taxas de utilização e à eficácia dos regimes, especialmente no que diz respeito aos grupos marginalizados, nomeadamente os ciganos, os refugiados e os sem-abrigo.

4.3.    Relativamente ao acesso ao mercado de trabalho

4.3.1.

Os regimes de rendimento mínimo devem ser concebidos com medidas de ativação sólidas para as pessoas aptas para trabalhar tendo em consideração as políticas relativas às prioridades em matéria de assistência temporária. Em todo o caso, o rendimento do trabalho não deve reduzir desproporcionadamente as prestações sociais, de modo a evitar uma armadilha de incentivos.

4.3.2.

A participação em programas de trabalho público e as oportunidades no setor da economia social devem ser plenamente desenvolvidas, designadamente para os grupos mais vulneráveis.

4.3.3.

É especialmente importante um apoio específico para os desempregados de longa duração e as pessoas inativas com capacidade para integrar o mercado de trabalho. As prestações ligadas ao trabalho, juntamente com medidas estruturais destinadas a facilitar a inclusão de grupos vulneráveis, podem facilitar a sua entrada no mercado de trabalho, mas devem ser temporárias.

4.3.4.

A participação em programas de ativação exige a disponibilidade de medidas adequadas, tais como programas de educação e formação e de aprendizagem ao longo da vida, acompanhados de serviços de apoio como aconselhamento, orientação ou assistência na procura de emprego. A criação de medidas eficazes exige uma forte participação dos Estados-Membros em matéria de políticas ativas de mercado de trabalho, em cooperação com as partes interessadas pertinentes, como os parceiros sociais. A administração e o seu pessoal devem ter as qualificações necessárias para a sua tarefa difícil e basearem-se em conhecimentos especializados e científicos. As qualificações individuais, o potencial, as competências e os planos de carreira dos desempregados devem ser sistematicamente tidos em conta.

4.4.    Relativamente ao acesso aos serviços essenciais

4.4.1.

A recomendação confirma a necessidade de garantir o acesso efetivo a serviços essenciais de boa qualidade e a preços acessíveis (água, saneamento, energia, transportes, serviços financeiros e comunicações digitais), conforme enumerados no princípio 20 do PEDS. A digitalização deve ser considerada um novo fator social determinante para o acesso a serviços essenciais, sendo necessário tomar medidas para superar a divisão digital.

4.5.    Relativamente à governação

4.5.1.

O CESE salienta a necessidade de tornar a governação das redes de segurança social mais eficaz a todos os níveis. Importa dar especial atenção a uma forte coordenação entre as diversas partes interessadas, tanto a nível horizontal como a nível vertical. As funções e responsabilidades das partes interessadas devem ser claramente definidas, evitando simultaneamente os efeitos de compartimentação.

4.5.2.

A aplicação de regimes de rendimento mínimo deve envolver todas as partes interessadas pertinentes, incluindo as organizações da sociedade civil (nomeadamente as que trabalham com pessoas em situação de pobreza), os prestadores de serviços sociais e os parceiros sociais em todos os Estados-Membros. As partes interessadas devem ser consultadas no âmbito da criação de sistemas de acompanhamento e avaliação contínuos.

4.6.    Relativamente ao acompanhamento

4.6.1.

Conforme indicado no acordo político do Conselho, é necessário um acompanhamento contínuo da execução das políticas de apoio ao rendimento e das medidas conexas de ativação do mercado de trabalho, bem como do acesso aos serviços, apoiado por avaliações regulares, a fim de alcançar os objetivos da recomendação em apreço da forma mais eficiente possível. Os relatórios intercalares dos Estados-Membros devem ser elaborados com uma participação significativa da sociedade civil e das organizações de assistência social e parceiros sociais pertinentes, ou os seus relatórios devem ser examinados regularmente pelo mecanismo de acompanhamento da Comissão. O CESE não é, como indicado na proposta de recomendação, uma das muitas partes interessadas a nível da UE, mas sim uma instituição central, consagrada no Tratado, no processo de acompanhamento.

4.6.2.

Os regimes de rendimento mínimo devem incluir salvaguardas que assegurem a não discriminação de beneficiários efetivos ou potenciais, bem como mecanismos destinados a assegurar a acessibilidade para os grupos vulneráveis. Todos os Estados-Membros devem criar órgãos internos para acompanhar o respeito da proteção de dados e dos direitos fundamentais de todas as partes envolvidas.

4.6.3.

A fim de alcançar progressos, é importante tirar partido das informações existentes a nível da UE e tomar as medidas necessárias para que cada Estado-Membro esteja em melhor posição para melhorar o funcionamento dos regimes nacionais de rendimento. Tal inclui a necessidade de organizar intercâmbios sobre práticas nacionais, seminários temáticos e eventos. A este respeito, e a fim de analisar os progressos realizados, o CESE congratula-se com as atividades institucionais propostas, como o reforço da cooperação existente entre a Comissão e os Estados-Membros no âmbito do Comité da Proteção Social, do Comité do Emprego e da rede de serviços públicos de emprego. No entanto, é necessário criar soluções para superar os obstáculos e as dificuldades causados pela legislação em matéria de proteção de dados, que podem dificultar desnecessariamente o bom funcionamento da cooperação entre as autoridades.

4.6.4.

As fases de acompanhamento dos Estados-Membros são imperativas, em especial para os que ainda estão aquém dos objetivos. O CESE salienta a importância de uma via clara a seguir através do Semestre Europeu e de outros instrumentos para continuar a acompanhar os progressos alcançados por todos os Estados-Membros.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Ver Minimum income support for families with children in Europe and the US. Where do we stand? [Apoio do rendimento mínimo às famílias com filhos na Europa e nos EUA. Ponto da situação], de Ive Marx, Elize Aerts, Zachary Parolin, maio de 2022, SocArXiv; «Children at risk of poverty or social exclusion» [Crianças em risco de pobreza ou exclusão social].

(2)  Qualquer pessoa que não disponha de recursos suficientes tem direito a prestações de rendimento mínimo adequadas que lhe garantam um nível digno em todas as fases da vida, bem como ao acesso eficaz a bens e serviços de apoio. Para as pessoas aptas para o trabalho, as prestações de rendimento mínimo devem ser conjugadas com incentivos para (re)integrar o mercado de trabalho.

(3)  O CESE debateu a questão do rendimento mínimo, designadamente, no Parecer — Para uma diretiva-quadro europeia sobre um rendimento mínimo (parecer de iniciativa) (JO C 190 de 5.6.2019, p. 1), no Parecer — Salários mínimos dignos em toda a Europa (parecer exploratório a pedido do Parlamento Europeu e do Conselho) (JO C 429 de 11.12.2020, p. 159 — pontos 1.6 e 3.3.7) e no Parecer — Rendimento mínimo europeu e indicadores de pobreza (parecer de iniciativa) (JO C 170 de 5.6.2014, p. 23).

(4)  OCDE (2021): «Tax and fiscal policies after the COVID-19 crisis» [Políticas fiscais e orçamentais após a crise da COVID-19].

(5)  O papel dos benefícios ligados à atividade profissional no contexto do mercado de trabalho é salientado no ponto 3.4.3 do Parecer — Orientações para as políticas de emprego dos Estados-Membros (SOC/737) (JO C 486 de 21.12.2022, p. 161).


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/71


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece as normas aplicáveis aos organismos de promoção da igualdade no que respeita à igualdade de tratamento e à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional

[COM(2022) 688 final — 2022/0400 (COD)]

— Proposta de diretiva do Conselho que estabelece as normas aplicáveis aos organismos de promoção da igualdade nos domínios da igualdade de tratamento entre as pessoas sem distinção da origem racial ou étnica, da igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual, e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social e no acesso a bens e serviços e seu fornecimento, e que suprime o artigo 13.o da Diretiva 2000/43/CE e o artigo 12.o da Diretiva 2004/113/CE

[COM(2022) 689 final — 2022/0401 (APP)]

(2023/C 184/13)

Relatoras:

Sif HOLST e Nicoletta MERLO

Consulta

Parlamento Europeu, 15.12.2022 [COM(2022) 688 final]

Conselho da União Europeia, 21.12.2022 [COM(2022) 688 final]

Comissão Europeia, 8.2.2023 [COM(2022) 689 final]

Base jurídica

Artigo 19.o, n.o 1, e artigo 157.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

8.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

164/01/02

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a iniciativa de conferir aos organismos de promoção da igualdade o papel de defensores dos direitos das vítimas de discriminação e, em particular, com a ênfase explícita na promoção e na prevenção, bem como na disponibilização de recursos adequados, permitindo aos organismos de promoção da igualdade desempenharem esse papel de forma independente e eficaz.

1.2.

O CESE salienta a importância de encontrar, nas diretivas propostas, o equilíbrio adequado entre a definição das normas aplicáveis aos organismos de promoção da igualdade e a subsidiariedade, assegurando simultaneamente que o objetivo geral das diretivas — tornar os organismos de promoção da igualdade mais fortes e eficazes — continua a ser uma prioridade.

1.3.

Considerando que seria uma oportunidade perdida não ter devidamente em conta as formas interseccionais e múltiplas de discriminação, o CESE solicita que as políticas a nível nacional e da UE tenham em conta o aspeto da interseccionalidade, a fim de assegurar que todas as vítimas usufruem de proteção.

1.4.

O CESE congratula-se com a proposta da obrigação legal de assegurar que os organismos de promoção da igualdade estão isentos de influências externas e dispõem de suficientes recursos humanos, profissionais, técnicos e financeiros sustentáveis.

1.5.

O CESE apoia a obrigação de as instituições públicas consultarem atempadamente os organismos de promoção da igualdade e terem em conta as suas recomendações, mas recomenda que os Estados-Membros sejam obrigados a comunicar as medidas tomadas em relação às suas interações com os organismos de promoção da igualdade e os resultados dessas medidas.

1.6.

O CESE considera que o facto de se confiar o mecanismo de supervisão à Comissão Europeia assegura um grau elevado de atenção ao acompanhamento. No entanto, para que tal seja eficaz, solicita que se pondere a possibilidade de reduzir o prazo para a apresentação de informações para três anos, em vez dos cinco anos propostos nas diretivas.

1.7.

O CESE congratula-se com a clarificação de que a acessibilidade para todos também exige atenção aos requisitos de acessibilidade das pessoas com deficiência e salienta que a acessibilidade também pode ser uma questão de acesso a aconselhamento.

1.8.

O CESE considera muito importante respeitar a diversidade dos ordenamentos jurídicos nacionais e das respetivas práticas de não discriminação — incluindo o facto de muitos Estados-Membros terem atribuído poderes aos organismos de promoção da igualdade para além dos requisitos mínimos estabelecidos nas diretivas em vigor relativas à igualdade — e ter em conta as diferenças nas formas como os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil são chamados a participar no processo. As propostas devem respeitar os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade e, ao mesmo tempo, impedir o afrouxamento das normas de proteção das vítimas de discriminação atualmente em vigor. O CESE insiste ainda em que as propostas promovam um papel de liderança dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil na aplicação dos quadros nacionais de não discriminação e reforcem as práticas atuais do apoio prestado pelos organismos de promoção da igualdade aos parceiros sociais e às organizações da sociedade civil.

1.9.

O CESE reconhece que o exercício dos poderes de investigação no contexto de processos em nome ou em apoio das vítimas de discriminação não pode interferir com os poderes e a independência das investigações realizadas pelos tribunais ou outros órgãos jurisdicionais e por outros organismos públicos de supervisão, como as inspeções do trabalho.

1.10.

O CESE defende a proteção adequada dos autores de denúncias, a garantia de uma indemnização proporcionada pelos danos sofridos pela vítima e a aplicação de sanções aos infratores, com vista a privilegiar uma abordagem centrada no indivíduo em relação às vítimas de violência ou discriminação. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas e devem estabelecer-se a nível nacional, em conformidade com os ordenamentos jurídicos e as práticas nacionais (1).

1.11.

O CESE propõe a promoção de campanhas de informação sobre os direitos da União Europeia (UE) e o respeito pela diversidade, elaboradas e financiadas pela Comissão Europeia, que sejam levadas a cabo a nível local pelos organismos nacionais de promoção da igualdade, juntamente com as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais, e adaptadas às necessidades dos territórios. Importa prestar especial atenção aos grupos mais vulneráveis e programar campanhas especiais destinadas às crianças e aos jovens na escola, desde tenra idade.

1.12.

O CESE preconiza a recolha e a análise regulares de dados desagregados para monitorizar as desigualdades e a discriminação, incluindo a discriminação múltipla, e salienta a importância de realizar uma investigação sistemática sobre as desigualdades e a discriminação, também em cooperação com a sociedade civil organizada e os parceiros sociais em questões relacionadas com o local de trabalho.

2.   Contexto do parecer

2.1.

Os organismos de promoção da igualdade são instituições públicas nacionais criadas em toda a Europa para promover a igualdade para todos e combater a discriminação. São organizações independentes que protegem e prestam assistência às vítimas de discriminação, acompanhando e comunicando informações sobre questões relacionadas com a discriminação. Desempenham um papel fundamental na arquitetura da UE em matéria de não discriminação (2).

2.2.

Os organismos de promoção da igualdade foram criados pela primeira vez pela Diretiva Igualdade Racial (2000/43/CE) (3). Três diretivas subsequentes em matéria de igualdade confiaram aos organismos de promoção da igualdade a mesma missão nos respetivos domínios: a Diretiva relativa à igualdade entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (2004/113/CE) (4), a Diretiva relativa à igualdade entre homens e mulheres no domínio do emprego (2006/54/CE) (5) e a Diretiva relativa à igualdade entre homens e mulheres no exercício de uma atividade independente (2010/41/UE) (6).

2.3.

Estas diretivas não incluem referências à estrutura e ao funcionamento dos organismos de promoção da igualdade, estabelecendo apenas algumas competências mínimas, pelo que não excluem a existência de diferenças substanciais entre os Estados-Membros. A Comissão Europeia adotou, em 2018, uma recomendação relativa às normas aplicáveis aos organismos de promoção da igualdade (7), que visava dar resposta aos desafios resultantes das disposições gerais e incompletas sobre os organismos de promoção da igualdade constantes das diretivas da UE. No entanto, esta recomendação também não conseguiu colmatar esta lacuna (8).

2.4.

Em 7 de dezembro de 2022, a Comissão Europeia adotou duas propostas (9) destinadas a reforçar os organismos de promoção da igualdade, em especial a sua independência, meios e competências, para que possam combater a discriminação de forma mais eficaz ao abrigo de todas as diretivas da UE já adotadas no domínio da igualdade de tratamento.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A igualdade, enquanto valor fundamental da UE, é também uma das prioridades do CESE. Nos seus pareceres anteriores (10), o CESE reconheceu os esforços envidados pela UE no que respeita à igualdade de género, à proteção contra a discriminação em razão da origem étnica, raça ou idade, religião, opiniões ou crenças, à defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+ e dos direitos das pessoas com deficiência e também no que respeita à integração dos ciganos e à defesa dos direitos dos migrantes. O CESE salientou também a necessidade de políticas robustas, meios concretos, uma mobilização a longo prazo e um apoio mais significativo aos organismos nacionais de promoção da igualdade e dos direitos humanos, especialmente no que diz respeito à melhoria da sua independência e eficiência e ao reforço dos seus recursos humanos e financeiros (11).

3.2.

O CESE congratula-se com a iniciativa que visa capacitar os organismos de promoção da igualdade enquanto defensores dos direitos das vítimas de discriminação e considera-a um contributo indispensável para o trabalho mais amplo da Comissão Europeia no sentido de avançar para uma União da Igualdade, centrada na promoção da igualdade de tratamento e da não discriminação enquanto princípio geral do direito da UE.

3.3.

O CESE congratula-se, em particular, com a ênfase explícita das duas propostas na promoção e na prevenção, enquanto reconhecimento atempado da necessidade de políticas, ações e normas mínimas que combatam a discriminação estrutural e os estereótipos que, muitas vezes, ainda estão presentes na nossa sociedade, promovendo uma maior uniformidade entre os Estados-Membros mas respeitando, simultaneamente, as estruturas e abordagens eficientes aplicadas a nível nacional.

3.4.

O CESE salienta a importância de encontrar, no âmbito das diretivas propostas, o equilíbrio adequado entre a definição das normas aplicáveis aos organismos de promoção da igualdade e a subsidiariedade, assegurando simultaneamente que o seu objetivo geral — ou seja, tornar os organismos de promoção da igualdade mais fortes, independentes e eficazes — continua a ser uma prioridade.

3.5.

O CESE concorda com a Comissão Europeia em que, a fim de criar as condições para que todos possam viver, prosperar e liderar independentemente das diferenças, é necessário capacitar os organismos de promoção da igualdade existentes, para que possam realizar todo o seu potencial e estar mais bem preparados para prevenir a discriminação e prestar assistência às vítimas de discriminação.

3.6.

O CESE considera que o reforço dos organismos de promoção da igualdade é crucial para garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos da UE. Ao promover ativamente estes organismos, a UE está a assegurar o apoio a todos os cidadãos da UE que estejam a ser discriminados, bem como a garantir o seu direito a apoio e representação.

3.7.

O CESE recorda o ponto 2.10 do Parecer — Melhorar a igualdade na UE (12): «O CESE entende que a promoção da igualdade e a proteção dos direitos fundamentais devem ser integradas numa visão mais abrangente da sociedade, que multiplique e reforce os instrumentos através dos quais os Estados-Membros e as instituições europeias materializam o apoio às pessoas e aos intervenientes públicos e privados.»

3.8.

É necessário, neste domínio, uma ação a nível da UE que esteja em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade e seja coerente com as outras políticas da União. A Comissão Europeia afirmou que a iniciativa em apreço revê a legislação em vigor com o objetivo de aumentar a sua eficácia, estabelecendo normas mínimas e envolvendo os parceiros sociais e a sociedade civil.

4.   Observações na especialidade

4.1.    Reforçar as competências dos organismos de promoção da igualdade

4.1.1.

Tendo em conta o impasse prolongado na adoção da chamada Diretiva Horizontal, e com base numa abordagem centrada nas vítimas que defende que o atraso na justiça é uma negação da justiça, o CESE considera que seria uma oportunidade perdida não ter devidamente em conta as formas interseccionais e múltiplas de discriminação. Algumas formas de discriminação não podem ser combatidas através da análise individual de motivos discriminatórios e necessitam de uma abordagem interseccional.

4.1.2.

Embora algumas diretivas em vigor exijam que os Estados-Membros criem organismos nacionais de promoção da igualdade, as atuais normas da UE deixam uma ampla margem de apreciação a nível de criação e funcionamento, e existem diferenças significativas entre os organismos de promoção da igualdade no que diz respeito aos poderes, independência, meios, acessibilidade e eficácia. A nova iniciativa, que introduz normas mínimas para os organismos de promoção da igualdade, visa contribuir para os esforços da Comissão Europeia no sentido de uma União da Igualdade e reforça a eficácia da legislação da UE em matéria de não discriminação.

4.1.3.

A proposta da Comissão Europeia de alargar o mandato dos organismos de promoção da igualdade de modo a abranger a Diretiva 79/7/CEE do Conselho, para que esses organismos possam oferecer proteção contra a discriminação em razão do género, no âmbito da segurança social do Estado, não pode interferir com o papel e os poderes dos parceiros sociais, devendo antes servir para reforçar e apoiar o seu trabalho.

4.1.4.

O CESE reconhece a centralidade da imposição legal de assegurar que os organismos de promoção da igualdade estão isentos de influências externas e são dotados de suficientes recursos humanos, profissionais, técnicos e financeiros sustentáveis e apoia a proposta nesse sentido.

4.1.5.

O CESE congratula-se com as garantias sólidas propostas para a independência dos organismos de promoção da igualdade, que é crucial para a sua capacidade de prestar apoio suficiente aos cidadãos.

4.1.6.

O CESE salienta a importância especial das garantias para a disponibilidade e adequação dos recursos humanos, técnicos e financeiros facultados aos organismos de promoção da igualdade. Os meios são um requisito prévio quer para a independência dos organismos de promoção da igualdade, quer para a sua capacidade de proteger eficazmente as vítimas e prevenir a discriminação.

4.1.7.

Parte da proposta da Comissão Europeia consiste na obrigação de as instituições públicas consultarem atempadamente os organismos de promoção da igualdade e terem em conta as suas recomendações. O CESE recomenda que os Estados-Membros sejam obrigados a comunicar as medidas que tomaram em relação às recomendações dos organismos de promoção da igualdade, bem como os resultados dessas medidas.

4.1.8.

A proposta prevê igualmente que a Comissão Europeia estabeleça indicadores comuns para medir e assegurar a comparabilidade dos dados recolhidos a nível nacional e publique, de cinco em cinco anos, um relatório sobre os organismos de promoção da igualdade em toda a UE. O CESE defende um prazo mais curto para este exercício e, por conseguinte, propõe que a Comissão Europeia reduza para três anos o prazo de apresentação de informações.

4.1.9.

Nunca é demais realçar a importância do acompanhamento. É a única forma de garantir que os organismos de promoção da igualdade possam ser verdadeiramente eficazes e capazes de prestar o apoio necessário às vítimas de discriminação. O CESE considera que o facto de se confiar o mecanismo de supervisão à Comissão Europeia assegura um grau elevado de destaque no acompanhamento.

4.1.10.

O CESE considera igualmente que a Comissão Europeia deve promover ativamente o acesso generalizado de todas as vítimas aos meios e à assistência dos organismos de promoção da igualdade. Tal pode ser feito através de uma supervisão eficaz, da promoção adequada dos organismos de promoção da igualdade que operam a nível local e do diálogo com os Estados-Membros. A inclusão das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais no diálogo pode proporcionar um importante valor acrescentado e aumentar a eficácia da supervisão.

4.1.11.

O CESE continua a apelar para uma maior cooperação e apoio às organizações da sociedade civil e aos defensores dos direitos humanos que trabalham na linha da frente, especialmente em comunidades marginalizadas e vulneráveis, tal como referido em trabalhos seus anteriores (13).

4.1.12.

Recordando que «a intersecção entre raça, origem étnica, classe social, idade, orientação sexual, nacionalidade, religião, sexo, deficiência, estatuto de refugiado ou migrante, etc. tem um efeito multiplicador que aumenta a discriminação» (14), o CESE considera que é importante continuar a dispor de programas de intercâmbio de conhecimentos e de promoção da aprendizagem a todos os níveis, nomeadamente assegurando uma abordagem interseccional do trabalho neste domínio.

4.1.13.

O CESE congratula-se com o facto de as diretivas incluírem disposições relativas a organismos com vários mandatos, para garantir os meios e a visibilidade necessários para a função relativa à igualdade. No entanto, o significado de «exercício autónomo do mandato relativo à igualdade» terá de ser definido e interpretado de forma mais aprofundada — assegurando também que não exige uma separação hermética entre os diferentes mandatos nos casos em que possam ser utilizados para se reforçar e complementar mutuamente. A introdução de uma «barreira de segurança» estrutural nos organismos de promoção da igualdade com diferentes departamentos específicos poderia ser contraproducente no que diz respeito à criação de organismos de promoção da igualdade fortes.

4.2.    Acesso efetivo das vítimas de discriminação à justiça

4.2.1.

Parte das propostas consiste em assegurar o reforço dos organismos de promoção da igualdade no tratamento dos casos de discriminação e garantir que os serviços desses organismos são gratuitos e acessíveis a todas as vítimas, em condições de igualdade.

4.2.2.

O CESE considera que a assistência prestada pelos organismos de promoção da igualdade é essencial para garantir que as vítimas de discriminação não ficam limitadas ao acesso individual a vias de recurso judicial e à ação judicial, mas essas competências não podem prejudicar, devendo antes complementar, os poderes dos parceiros sociais em matéria de representação coletiva e de resolução de litígios. O CESE também se congratula com a clarificação do facto de que a acessibilidade para todos também exige ênfase nos requisitos de acessibilidade das pessoas com deficiência e salienta que a acessibilidade também pode ser uma questão de acesso a aconselhamento, por exemplo se a pessoa residir num local remoto ou tiver dificuldade em aceder a recursos em linha. A assistência dos organismos de promoção da igualdade é um requisito prévio para abordar as dimensões estrutural, interseccional e sistémica das desigualdades.

4.2.3.

O CESE salienta a importância da capacidade dos organismos de promoção da igualdade de darem seguimento às denúncias das vítimas e levantarem questões a nível mais geral, por sua própria iniciativa ou após diálogo com as organizações pertinentes da sociedade civil ou os parceiros sociais. O receio das consequências, incluindo a perda de meios de subsistência, pode dificultar a denúncia pelas vítimas. A falta de sensibilização para os direitos e a forma de os fazer valer também pode constituir um obstáculo.

4.2.4.

É extremamente importante ter em conta a diversidade considerável dos Estados-Membros em termos de número, estrutura e forma de funcionamento dos organismos de promoção da igualdade, bem como respeitar os ordenamentos jurídicos e as práticas nacionais, impedindo simultaneamente o afrouxamento das normas de proteção contra a discriminação atualmente em vigor, por exemplo não enfraquecendo os poderes atuais dos organismos de promoção da igualdade ao abrigo de legislações nacionais diferentes. Além disso, existem também diferenças quanto à forma como as organizações dos parceiros sociais e a sociedade civil estão envolvidas no processo, o que deve ser tido em conta (15).

4.2.5.

O CESE considera que o direito de os organismos de promoção da igualdade participarem em processos judiciais, já consagrado em alguns Estados-Membros, é essencial para assegurar uma melhor proteção dos princípios da igualdade de tratamento, especialmente em situações em que as vítimas não têm acesso à justiça, devido a obstáculos processuais ou financeiros, e em que os parceiros sociais não conseguem chegar até elas. O CESE salienta também que, em conformidade com as diretivas em vigor relativas à igualdade, os poderes de resolução de litígios dos organismos de promoção da igualdade não devem prejudicar, devendo antes complementar, os respetivos poderes dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil, nem a sua legitimidade processual, em conformidade com os critérios estabelecidos no respetivo direito nacional (16). A este respeito, é muito importante que os organismos de promoção da igualdade cooperem a nível nacional com os tribunais, nomeadamente os tribunais administrativos especializados, como os tribunais do trabalho, e com os parceiros sociais.

4.2.6.

O CESE reconhece que, para cumprir as obrigações relacionadas com o ónus da prova, previstas nas diretivas em vigor relativas à igualdade de tratamento, todas as partes com um interesse legítimo em agir em processos judiciais em nome ou em apoio das vítimas de discriminação, como os parceiros sociais, os organismos de promoção da igualdade e as organizações da sociedade civil, devem ter acesso aos elementos de prova. O exercício dos poderes de investigação neste contexto não pode interferir com os poderes e a independência das investigações realizadas pelos tribunais ou outros órgãos jurisdicionais e por outros organismos públicos de supervisão, como as inspeções do trabalho.

4.2.7.

O CESE considera que estas duas propostas devem incidir mais numa abordagem centrada no indivíduo em relação às vítimas de violência ou discriminação. A este respeito, cabe assegurar a proteção adequada dos autores de denúncias, a fim de evitar o silêncio por receio de represálias. Há que assegurar também uma indemnização proporcionada e adequada pelos danos sofridos pela vítima e a aplicação de sanções aos infratores. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas, nos termos do artigo 17.o da Diretiva 2000/78/CE (17).

4.3.    Sensibilização

4.3.1.

O CESE congratula-se com a ênfase colocada na sensibilização e salienta a importância de os Estados-Membros e os organismos de promoção da igualdade intensificarem os seus esforços de sensibilização, nomeadamente através do apoio à sociedade civil organizada para prevenir a discriminação e criar igualdade. O CESE propõe que as campanhas de informação sobre os direitos da UE e o respeito pela diversidade, elaboradas e financiadas pela Comissão Europeia, sejam levadas a cabo pelos organismos nacionais de promoção da igualdade, juntamente com as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais, e adaptadas às necessidades locais. Importa prestar especial atenção aos grupos mais vulneráveis e prever campanhas especiais destinadas às crianças e aos jovens na escola, desde tenra idade.

4.3.2.

O CESE insta a que os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil sejam incluídos na preparação, execução e divulgação dessas campanhas de informação. Os conhecimentos das organizações pertinentes reforçarão o alcance e a eficácia das campanhas e poderão dar voz aos grupos mais vulneráveis.

4.4.    Recolha de dados

4.4.1.

Os organismos de promoção da igualdade desempenham um papel importante na recolha de dados, que vai além da recolha de dados sobre o seu próprio trabalho. As diretivas reconhecem este facto e, entre outros aspetos, conferem aos organismos de promoção da igualdade poderes para acederem às estatísticas recolhidas por entidades públicas e privadas, nomeadamente poderes públicos, sindicatos, empresas e organizações da sociedade civil. Essas estatísticas não devem conter dados pessoais e a recolha dessas informações deve realizar-se de forma a limitar tanto quanto possível os encargos administrativos ou financeiros adicionais para as entidades competentes. Os organismos de promoção da igualdade terão igualmente de elaborar relatórios anuais de atividades e relatórios periódicos sobre a situação da igualdade de tratamento e da discriminação no seu país. Embora se trate de poderes importantes e de grande alcance que podem ser utilizados de forma muito pertinente, também exigem muitos meios. Por conseguinte, o CESE salienta a importância de dotar os organismos de promoção da igualdade de meios adicionais adequados para aplicar estes poderes.

4.4.2.

A fim de assegurar uma atenção regular às desigualdades e à discriminação existentes, o CESE apela para a recolha e análise regulares de dados desagregados para monitorizar a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade e orientação sexual.

4.4.3.

O CESE sublinha a importância de uma investigação regular sobre a desigualdade e a discriminação e salienta a necessidade de uma cooperação sólida entre a Comissão Europeia, os Estados-Membros, os organismos de defesa dos direitos humanos e as organizações da sociedade civil, bem como os parceiros sociais em questões relacionadas com o local de trabalho no que diz respeito às atividades de acompanhamento e de avaliação e à elaboração da agenda política.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (artigo 17.o — Sanções) (JO L 303 de 2.12.2000, p. 16).

(2)  Equinet.

(3)  Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO L 180 de 19.7.2000, p. 22).

(4)  Diretiva 2004/113/CE do Conselho, de 13 de Dezembro de 2004, que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (JO L 373 de 21.12.2004, p. 37).

(5)  JO L 204 de 26.7.2006, p. 23.

(6)  JO L 180 de 15.7.2010, p. 1.

(7)  Recomendação (UE) 2018/951 da Comissão, de 22 de junho de 2018, relativa às normas aplicáveis aos organismos para a igualdade de tratamento (JO L 167 de 4.7.2018, p. 28).

(8)  Recomendação (UE) 2018/951 da Comissão, de 22 de junho de 2018, relativa às normas aplicáveis aos organismos para a igualdade de tratamento (JO L 167 de 4.7.2018, p. 28).

(9)  COM(2022) 688 final e COM(2022) 689 final.

(10)  Ver, nomeadamente: Parecer — A situação das mulheres com deficiência (SOC/579): (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20); Parecer — A situação das mulheres ciganas (SOC/585) (JO C 110 de 22.3.2019, p. 20); Parecer — Definição da agenda relativa aos direitos das pessoas com deficiência 2020-2030 (SOC/616) (JO C 97 de 24.3.2020, p. 41); Parecer — Gestão da diversidade nos Estados-Membros da UE (SOC/642) (JO C 10 de 11.1.2021, p. 7); Parecer — Estratégia para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ 2020-2025 (SOC/667) (JO C 286 de 16.7.2021, p. 128); Parecer — Plano de ação sobre a integração e a inclusão para 2021-2027 (SOC/668) (JO C 286 de 16.7.2021, p. 134); Parecer — Estratégia sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (SOC/680) (JO C 374 de 16.9.2021, p. 50); e o novo quadro estratégico da UE para a igualdade, a inclusão e a participação dos ciganos pós-2020.

(11)  Ver Parecer do CESE — Melhorar a igualdade na UE (JO C 75 de 28.2.2023, p. 56).

(12)  Ver Parecer do CESE — Melhorar a igualdade na UE (JO C 75 de 28.2.2023, p. 56).

(13)  JO C 341 de 24.8.2021, p. 50.

(14)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 20.

(15)  As questões relativas à legitimidade processual de todas as partes com um interesse legítimo em agir em processos judiciais de não discriminação, ao abrigo das diretivas da UE relativas à igualdade, como os sindicatos, as associações de empregadores, os organismos de promoção da igualdade e as organizações da sociedade civil, são reguladas pelas diretivas da UE em vigor relativas à igualdade, mais concretamente pelo artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva relativa a um quadro de igualdade no emprego (Diretiva 2000/78/CE) e pelo artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva relativa à igualdade entre homens e mulheres (reformulação) (Diretiva 2006/54/CE).

(16)  Considerando n.o 34 da proposta de diretiva COM(2022) 688 final e considerando n.o 35 da proposta de diretiva COM(2022) 689 final, segundo os quais as disposições propostas relativamente ao direito de agir em processos judiciais não prejudicam o papel, os poderes e as tarefas dos parceiros sociais e da sociedade civil no âmbito da participação em processos que assegurem o cumprimento das obrigações decorrentes da legislação antidiscriminação.

(17)  JO L 303 de 2.12.2000, p. 16.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/78


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Revisão do Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens

[COM(2022) 581 final]

(2023/C 184/14)

Relatora:

Ozlem YILDIRIM

Correlator:

Cillian LOHAN

Consulta

Comissão Europeia, 25.11.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

9.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

152/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A versão revista do Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens contém diversos elementos pertinentes que podem fazer deste plano um sucesso. As quatro prioridades e os respetivos objetivos estão bem concebidos e constituem uma melhoria em comparação com a versão anterior. Todavia, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) está preocupado com a futura afetação de recursos à execução do plano a nível nacional, que podem ou não ser suficientes, sabendo que a falta de recursos poderá levar ao seu fracasso, como foi o caso da versão anterior do plano.

1.2.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão Europeia se ter comprometido a afetar recursos financeiros e humanos suficientes para travar o tráfico de espécies selvagens, integrando, para tal, o comércio de espécies selvagens nos fundos da UE relativos: i) à segurança e à criminalidade organizada; ii) ao ambiente, e iii) à cooperação/parcerias internacionais. Especificamente, deverá ser uma prioridade ao abrigo da Plataforma Multidisciplinar Europeia contra as Ameaças Criminosas (EMPACT), do Fundo para a Segurança Interna, do Programa LIFE, do Programa Interreg e do Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional.

1.3.

Todavia, é importante chegar a acordo sobre a afetação exclusiva de uma percentagem destes fundos à luta contra o tráfico de espécies selvagens, a fim de reforçar a responsabilização resultante do plano. Os Estados-Membros devem comprometer-se a afetar financiamento suficiente à formação de recursos humanos especializados nos seus países a fim de combater o tráfico de espécies selvagens. Os fundos afetados deverão ser declarados, vigiados e avaliados no âmbito da execução do plano de ação a nível nacional. Os recursos devem abranger equipamento e pessoal. Além disso, os membros do pessoal devem beneficiar de condições de trabalho de elevada qualidade, incluindo todos os direitos de negociação coletiva e um quadro de progressão na carreira. Este aspeto é fundamental para atrair os profissionais mais qualificados e manter elevados níveis de motivação. Cabe prestar especial atenção às questões relacionadas com a saúde, o bem-estar e a segurança pessoal.

1.4.

A luta contra o tráfico de espécies selvagens deve ser integrada em todos os domínios de intervenção a nível da UE e dos Estados-Membros. Cabe assegurar um nível homogéneo e mínimo de formação para todos os intervenientes envolvidos na prevenção do tráfico de espécies selvagens, bem como uma adaptação do reforço das capacidades em função das competências exigidas nos diferentes domínios temáticos em que se integrará a questão do tráfico de espécies selvagens. As unidades ou o pessoal especializados devem receber formação, nomeadamente procuradores, juízes, agentes aduaneiros, autoridades nacionais da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES) e autoridades policiais. Estes profissionais devem ser capazes de detetar, deter as pessoas envolvidas, mover ações judiciais e julgar crimes contra a vida selvagem.

1.5.

Importa também criar estruturas homogéneas em todos os Estados-Membros. O CESE recomenda que estas assumam a forma de comités interinstitucionais e de unidades ou pessoal com formação especializada no combate ao tráfico de espécies selvagens. Estes comités interinstitucionais devem incluir representantes de unidades especializadas na luta contra o tráfico de espécies selvagens e seriam particularmente úteis para realizar consultas e conduzir investigações conjuntas, dentro dos Estados-Membros, com outros serviços vocacionados para o combate a outras atividades ilegais, como a criminalidade financeira e a cibercriminalidade. Estas atividades ilegais estão normalmente associadas ao tráfico de espécies selvagens, uma vez que a criminalidade organizada tem a possibilidade e o hábito de usar os canais criados para outros tipos de crimes (como o tráfico de estupefacientes ou o branqueamento de capitais) para traficar produtos provenientes de espécies selvagens. Importa criar canais de comunicação e colaboração específicos com os parceiros sociais e a sociedade civil.

1.6.

A inclusão de obrigações em matéria de dever de diligência para as empresas que operam na UE — através de uma diretiva ambiciosa relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade — poderia incentivar as empresas a privilegiar o comércio de espécies selvagens capturadas de forma sustentável, dissuadindo-as de participar em atividades ilegais, e capacitar os serviços responsáveis pela aplicação da lei para detetar criminosos.

1.7.

O CESE considera importante trabalhar com os setores empresariais envolvidos no comércio de espécies selvagens, a fim de reduzir a procura de produtos provenientes dessas espécies na UE e diminuir drasticamente as importações ilegais destes produtos. O plano prevê a realização de sessões temáticas em conjunto com o grupo de controlo da aplicação dos regulamentos relativos ao comércio da fauna e da flora selvagens da UE, destinadas a representantes empresariais pertinentes, a fim de tratar questões específicas (por exemplo, a medicina tradicional, os animais de companhia exóticos, a indústria do luxo, o turismo de caça, os setores da madeira, da pesca e do comércio de produtos da pesca, os transportes, as empresas privadas de correio e o comércio em linha). No entanto, as campanhas de informação coordenadas destinadas aos cidadãos em geral (especificamente orientadas para a redução da procura) devem ser uma característica essencial da estratégia. As organizações da sociedade civil poderiam também desempenhar um papel na redução da procura, sensibilizando e realizando campanhas de redução da procura dirigidas a comunidades que consomem produtos ilegais provenientes de espécies selvagens na UE.

1.8.

O CESE insta a Comissão a envolver as autoridades nacionais e supranacionais responsáveis pela aplicação da lei nos esforços de divulgação do trabalho de prevenção e repressão do comércio de espécies ameaçadas no âmbito das suas atividades de comunicação sobre a criminalidade organizada, tanto através dos seus instrumentos de comunicação permanentes como de campanhas específicas temporárias.

1.9.

Por último, é fundamental que a Comissão Europeia crie um mecanismo claro e ambicioso de acompanhamento e avaliação, a fim de dar seguimento à execução do plano de ação e de medir o seu progresso e sucesso, tendo em conta a ação externa da UE para combater o tráfico de espécies selvagens (em conformidade com a Prioridade 4).

2.   Enquadramento

2.1.

O tráfico de espécies selvagens tornou-se uma das atividades de criminalidade organizada mais lucrativas no mundo. Segundo as estimativas da Comissão Europeia, atinge um valor que pode ascender a 20 mil milhões de euros anuais (1) a nível mundial. O comércio ilegal mundial de espécies selvagens cresceu exponencialmente nos últimos anos por ser considerado uma atividade de baixo risco e elevado lucro.

2.2.

Apesar do seu quadro jurídico abrangente em matéria de proteção das espécies selvagens, a União Europeia é um mercado final importante e uma plataforma de trânsito para o tráfico de espécies selvagens. O peso da UE como mercado para produtos ilegais provenientes de espécies selvagens está patente nos relatórios anuais sobre as grandes apreensões, que a Comissão Europeia tem solicitado anualmente desde 2011.

2.3.

Reconhecendo que a UE constitui um mercado importante para os produtos provenientes de espécies selvagens, a Comissão Europeia envidou esforços sem precedentes para sensibilizar as empresas, os consumidores e os cidadãos em geral para as características e a dimensão do tráfico de espécies selvagens na Europa. Em consequência, adotou, em fevereiro de 2016, o Plano de Ação contra o Tráfico de Espécies Selvagens (2), que define um roteiro abrangente para o combate ao tráfico de espécies selvagens na UE e para o reforço do papel da UE na luta contra estas atividades ilegais a nível mundial. Apesar de ter aumentado a visibilidade do tráfico de espécies selvagens e feito desta questão uma prioridade, o plano de ação teve pouco impacto na redução da procura. A TRAFFIC (3) publicou um relatório (4) em que reúne os dados de todas as apreensões efetuadas ao abrigo da CITES em 2018, demonstrando que a procura de espécies selvagens na UE não se alterou em comparação com 2011, o primeiro ano em que foram recolhidos dados.

2.4.

O relatório mais recente da TRAFFIC sobre as apreensões em 2020 (5) reflete o impacto da pandemia de COVID-19 no tráfico de espécies selvagens. A redução do comércio desencadeada por perturbações associadas à COVID-19 no transporte aéreo, nas operações comerciais e em outras interfaces de transporte e venda de produtos terá provavelmente contribuído para a diminuição das apreensões declaradas. Observou-se uma redução significativa das intercetações na UE em 2020, embora isso não indique necessariamente alterações na procura ou nas dinâmicas do comércio ilegal de espécies selvagens.

2.5.

Além de constituir um mercado de importação, a UE também é uma região de origem para certas espécies em perigo, como a enguia-europeia (Anguilla anguilla). Entre 2016 e 2017, foram detidas 48 pessoas e apreendidos 4 000 quilos de enguias jovens vivas, no valor de cerca de quatro milhões de euros. Além disso, nem todas as espécies selvagens ilegais que entram na Europa se destinam aos mercados europeus, já que a UE funciona muitas vezes como plataforma de trânsito. As autoridades apreendem frequentemente pangolins, cavalos-marinhos, marfim e barbatanas de tubarão provenientes de África e destinadas à Ásia.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A UE tem de permanecer vigilante e multiplicar os seus esforços para travar e reduzir o tráfico de espécies selvagens. Este comércio lucrativo não só põe em risco a saúde humana, devido ao risco de transmissão de doenças zoonóticas, mas também compromete diretamente as políticas da UE de apoio ao desenvolvimento sustentável em todo o mundo, especialmente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável relacionados com a proteção da biodiversidade e dos ecossistemas mundiais (6), assim como os esforços de reforço da boa governação e combate às desigualdades.

3.2.

Atualmente, o tráfico de espécies selvagens não só coloca muitas espécies (incluindo algumas espécies emblemáticas) à beira da extinção, como também prejudica o desenvolvimento económico sustentável (7). Em suma, o Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens deve ser bem executado para cumprir os acordos internacionais da UE no domínio do ambiente, em particular a CITES e a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). No entanto, o CESE insta a Comissão Europeia a ir além desses acordos internacionais, a fim de melhorar a proteção das espécies selvagens na UE e travar o tráfico de espécies selvagens, gerando benefícios que se farão sentir não só na UE, mas também em todo o mundo. O tráfico de espécies selvagens é um dos principais fatores de perda de biodiversidade que, além de provocar a extinção de muitas espécies, contribui para as alterações climáticas ao estimular o abate ilegal de árvores, que são indispensáveis para o armazenamento de carbono.

3.3.

A necessidade de travar a criminalidade organizada transnacional e as suas consequências fatais é igualmente importante. Segundo o relatório conjunto do Programa das Nações Unidas para o Ambiente e da Interpol, o valor da criminalidade ambiental aumentou 26 % (8). Tal inclui o tráfico de espécies selvagens e constitui uma ameaça à paz, à segurança e ao Estado de direito, convergindo frequentemente com outros crimes graves, como a corrupção, a cibercriminalidade e a criminalidade financeira. Em algumas regiões africanas, por exemplo, o tráfico de espécies selvagens ameaça a segurança nacional. Neste contexto, cabe igualmente fazer referência aos homicídios e assassinatos, já que as pessoas responsáveis por proteger espécies em perigo enfrentam ameaças reais às suas vidas e pagam um preço muito elevado pelo seu empenho. A Fundação Thin Green Line apurou a ocorrência de 595 mortes declaradas de guardas florestais assassinados por caçadores furtivos entre 2009 e 2016. Centenas de outros guardas florestais desconhecidos foram também assassinados em países em desenvolvimento, mas as suas mortes não foram declaradas. «Em 2017, registou-se a morte de mais de 100 guardas florestais e tudo aponta para números semelhantes em 2018, com quase duas mortes por semana» (9).

3.4.

O CESE congratula-se com a revisão do Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens e com a decisão de colocar este tipo de tráfico no centro da ação da Comissão Europeia. O CESE concorda com a avaliação que a Comissão Europeia fez do anterior Plano de Ação contra o Tráfico de Espécies Selvagens, a qual demonstra que a falta de pessoal especializado, de recursos e de formação em muitos Estados-Membros e países terceiros continua a ser um problema grave. Existe também uma necessidade importante de melhorar a cooperação: i) dentro dos Estados-Membros da UE; ii) entre os Estados-Membros da UE; iii) entre os Estados-Membros da UE e os países terceiros; e iv) com as partes interessadas e a sociedade civil. Além disso, cabe envidar mais esforços para assegurar a rastreabilidade digital e a cooperação digital entre serviços.

3.5.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão Europeia ter associado a revisão da Diretiva Criminalidade Ambiental ao Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens. No entanto, o CESE receia que a Diretiva Criminalidade Ambiental não seja capaz de instaurar sanções eficazes e dissuasivas para o tráfico de espécies selvagens. Em 9 de dezembro de 2022, o Conselho adotou a sua posição sobre o dossiê, reduzindo significativamente as penas para as pessoas singulares, bem como as ambições de harmonização das sanções para pessoas coletivas. Os níveis propostos pelo Conselho são demasiado baixos para serem eficazes e dissuasores. Os limites máximos das multas não devem ser inferiores a 15 % do total do volume de negócios mundial da pessoa coletiva — um valor muito mais elevado do que os 5 % ou 3 % adotados pelo Conselho. O CESE considera que uma Diretiva Criminalidade Ambiental ambiciosa é essencial para o sucesso do Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O plano de ação deve referir explicitamente os denunciantes e outros defensores dos direitos humanos no domínio ambiental como intervenientes pertinentes na elaboração e execução do plano a nível nacional e da UE, uma vez que desempenham um papel fulcral na denúncia e na prevenção de violações do direito ambiental. Importa também proteger estas pessoas de ações de intimidação ou de processos judiciais quando denunciam o tráfico de espécies selvagens ou colaboram nas investigações, como estabelecido atualmente na Diretiva Criminalidade Ambiental.

4.2.

O CESE considera importante cooperar com os setores empresariais envolvidos no comércio de espécies selvagens, a fim de reduzir a procura de produtos provenientes dessas espécies na UE e diminuir drasticamente as importações ilegais destes produtos, assegurando que o comércio de espécies selvagens se realiza de forma legal e sustentável. O plano prevê a realização de sessões temáticas em conjunto com o grupo de controlo da aplicação dos regulamentos relativos ao comércio da fauna e da flora selvagens da UE, destinadas a representantes empresariais pertinentes, a fim de tratar questões específicas (por exemplo, a medicina tradicional, os animais de companhia exóticos, a indústria do luxo, o turismo de caça, os setores da madeira, da pesca e do comércio de produtos da pesca, os transportes, as empresas privadas de correio e o comércio em linha). No entanto, cabe reconhecer e refletir melhor na conceção e na execução do plano de ação o papel que as organizações da sociedade civil podem desempenhar no apoio aos esforços de luta contra o tráfico de espécies selvagens (por exemplo, em matéria de sensibilização e campanhas para a mudança de comportamentos). As informações prestadas pela UE aos seus cidadãos acerca da regulamentação, dos riscos e das consequências do comércio e do uso de produtos provenientes de espécies selvagens não estão amplamente disseminadas na UE, ao contrário das informações sobre as práticas e o uso da medicina tradicional, que utiliza produtos e derivados de espécies de fauna e flora selvagens para a produção de remédios. Esta prática acarreta riscos para os utilizadores (uma vez que certos remédios não têm benefícios comprovados cientificamente) e consequências fatais para as espécies selvagens capturadas e comercializadas (acelerando a sua extinção). O reforço da prevenção nesta área específica poderia permitir que a UE reduzisse até 30 % o volume anual de tráfico de produtos provenientes de espécies selvagens, uma vez que esse valor corresponde à proporção de produtos de espécies selvagens apreendidos que se destinam a fins medicinais na UE (10). Neste sentido, o CESE e os serviços responsáveis pela aplicação da lei poderiam também participar no desenvolvimento de campanhas públicas de sensibilização para o problema.

4.3.

O CESE recomenda que a atribuição de responsabilidades claras pelas medidas de execução a nível nacional e a garantia da coordenação entre os intervenientes pertinentes se realizem de forma homogénea em todos os Estados-Membros. A possibilidade de optar entre diversas alternativas, como as refletidas no plano, para assegurar a coordenação (por exemplo, através i) da criação de comités interinstitucionais ou de memorandos de entendimento, ii) da adoção de planos de ação nacionais, ou iii) da designação de um ponto focal nacional) provocará incerteza, já que os Estados-Membros escolherão opções diferentes. A criação de comités interinstitucionais a nível nacional, com um ponto focal nacional designado em cada, contribuiria para a execução do plano de ação.

4.4.

É crucial que estes comités interinstitucionais e o pessoal ou as unidades especializados recebam uma formação homogénea em todos os 27 Estados-Membros, já que tal facilitaria a cooperação entre Estados-Membros e no interior de cada um, na medida em que os membros do pessoal reagiriam, investigariam e moveriam ações penais da mesma forma. O facto de cada comité interinstitucional ter um ponto focal melhoraria também a cooperação e a coordenação entre Estados-Membros e com países terceiros. A existência de um ponto focal melhoraria a cooperação, pois tornaria mais fáceis e rápidos os contactos entre os comités interinstitucionais e o pessoal especializado dos Estados-Membros, especialmente em casos urgentes associados ao tráfico transfronteiras. Os pontos focais poderiam agilizar a cooperação entre Estados-Membros, sem depender de instâncias internacionais como a Europol, para casos mais localizados que afetem dois países. No entanto, estes grupos podem ser postos em risco e tornar-se alvos da criminalidade organizada. O acesso a informações pormenorizadas sobre os pontos focais deve ser limitado aos serviços responsáveis pela aplicação da lei e às autoridades judiciais, a fim de proteger as identidades dos membros do pessoal.

4.5.

No que toca à aplicação do Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens, os Estados-Membros da UE relataram que a falta de recursos e de pessoal dificultou o cumprimento das operações. Por conseguinte, reitera-se a importância de assegurar que os Estados-Membros afetam recursos suficientes à execução do novo plano de ação da UE a nível nacional. Além disso, os recursos são importantes para dar aos membros do pessoal condições de trabalho dignas.

4.6.

O texto deve referir explicitamente que os Estados-Membros se comprometem a afetar fundos suficientes para assegurar que dispõem de pessoal especializado dedicado à luta contra o tráfico de espécies selvagens. Os fundos afetados deverão ser declarados, vigiados e avaliados no âmbito da execução do plano de ação a nível nacional. Os recursos deverão abranger não apenas o pessoal, mas também o equipamento. Além disso, os membros do pessoal devem beneficiar de condições de trabalho de elevada qualidade, incluindo todos os direitos de negociação coletiva e um quadro de progressão na carreira. Este aspeto é fundamental para atrair os profissionais mais qualificados e manter elevados níveis de motivação. Cabe prestar especial atenção às questões relacionadas com a saúde, o bem-estar e a segurança pessoal. Importa assegurar uma formação homogénea de todos os intervenientes envolvidos na prevenção do tráfico de espécies selvagens e criar estruturas homogéneas em todos os Estados-Membros. O CESE recomenda que estas assumam a forma de comités interinstitucionais e de unidades ou pessoal com formação especializada no combate ao tráfico de espécies selvagens.

4.7.

O plano de ação destaca o papel das diferentes agências e iniciativas internacionais, como a EMPACT, que constitui um instrumento emblemático para a cooperação operacional multidisciplinar e interserviços no combate à criminalidade organizada a nível da UE. A EMPACT poderia ser um instrumento fundamental para a execução do Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens. Por exemplo, poderia organizar ações de formação para os comités interinstitucionais e o pessoal especializado em todos os Estados-Membros de forma homogénea.

4.8.

A prevenção das atividades de caça ilegal, especialmente para troféus de caça, deve ser abrangida pelo Plano de Ação da UE contra o Tráfico de Espécies Selvagens. Nas montanhas dos Cárpatos, por exemplo, os ursos são caçados ilegalmente, mas os caçadores furtivos estão sujeitos a sanções fracas, que não são suficientemente dissuasoras.

4.9.

O CESE concorda com a proposta de que a EMPACT coordene regularmente operações conjuntas que passem pela cooperação transfronteiras com Estados-Membros da UE, a Comissão Europeia (Organismo Europeu de Luta Antifraude) e as agências pertinentes da UE, como a Eurojust, a Frontex, a Europol e a Agência Europeia de Controlo das Pescas. Importa reiterar que, a fim de assegurar uma cooperação eficaz, é necessário atribuir recursos adequados a nível nacional.

4.10.

No que diz respeito ao recurso a políticas e instrumentos comerciais para apoiar a luta contra o tráfico de espécies selvagens, o CESE congratula-se com a proposta de incluir nos futuros acordos de comércio livre compromissos ambiciosos de combate ao tráfico de espécies selvagens. No entanto, tal não será suficiente para travar este tráfico. Os esforços da UE destinados a aumentar as oportunidades de comércio e investimento a nível internacional serão inúteis e contraproducentes se a UE não colmatar urgentemente as lacunas na aplicação da legislação. Os passaportes digitais para os produtos poderão igualmente servir esse fim, pois poderiam aumentar a rastreabilidade e a transparência acerca dos riscos nas cadeias de aprovisionamento mundiais, contribuir para os mecanismos de controlo e os esforços de aplicação da lei empreendidos conjuntamente a nível internacional e assegurar que os cidadãos e os consumidores dispõem do mesmo grau de informação sobre os produtos que adquirem, independentemente da sua origem.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/environment/cites/infographics_en.htm

(2)  https://ec.europa.eu/environment/cites/trafficking_en.htm

(3)  https://www.traffic.org/

(4)  https://www.traffic.org/site/assets/files/12745/eu-seizures-report-2020-final-web.pdf

(5)  https://www.traffic.org/site/assets/files/17391/2020_eu_seizures_report_final.pdf

(6)  https://sustainabledevelopment.un.org/topics/biodiversityandecosystems

(7)  Com base nas conclusões de uma análise da Comissão Europeia: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52016SC0038

(8)  Relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente e da Interpol: valor da criminalidade ambiental aumentou 26%.

(9)  https://globalconservation.org/news/over-one-thousand-park-rangers-die-10-years-protecting-our-parks/

(10)  Conselho define mandato de negociação sobre a diretiva relativa à criminalidade ambiental (comunicado de imprensa).


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/83


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro de certificação da União relativo às remoções de carbono

[COM(2022) 672 final — 2022/0394 (COD)]

(2023/C 184/15)

Relator: Stoyan TCHOUKANOV

Consulta

Parlamento Europeu, 1.2.2023

Conselho Europeu, 6.2.2023

Bases jurídica

Artigo 192.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

9.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

159/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a proposta da Comissão sobre um quadro de certificação da UE relativo às remoções de carbono, que reconhece a necessidade de intensificar as remoções de carbono e de promover práticas regenerativas sem deixar de manter o foco principal na redução crucial das emissões de gases com efeito de estufa, a fim de limitar o aquecimento global. No entanto, o CESE observa que a proposta deixa demasiados pontos fulcrais para serem aprofundados através de atos delegados.

1.2.

O CESE reconhece que existem atualmente, em toda a União, diferentes sistemas que validam e recompensam as remoções de carbono, e que um quadro de certificação comum tem potencial para proporcionar clareza e fiabilidade, na medida em que estabelece regras gerais da UE para reger a forma como são medidos, validados e verificados os benefícios climáticos ou as remoções de carbono. O caráter voluntário do quadro implica um efeito de incentivo que pode proporcionar novas vias de obtenção de receitas aos interessados em realizar atividades de remoção de carbono. O CESE solicita uma maior clareza quanto ao calendário previsto para a plena aplicação, tendo em conta o conjunto de organismos e unidades de certificação que terão de ser criados.

1.3.

O CESE observa que o recurso à remoção de carbono na política climática da UE pode suscitar dúvidas legítimas, desde o potencial para diminuir ou atrasar as reduções das emissões, devido a promessas de uma futura remoção do carbono, até à ameaça de alegações fraudulentas e de branqueamento ecológico com base na compra de créditos de carbono. A fim de evitar o branqueamento ecológico, o CESE solicita que a duração prevista do armazenamento de carbono e os riscos de inversão sejam claramente refletidos na utilização dos diferentes certificados de remoção de carbono (que abrangem o «armazenamento permanente», a «agricultura de baixo carbono» e o «armazenamento de carbono em produtos duradouros»).

1.4.

O CESE congratula-se com o objetivo da Comissão de proporcionar ao público, aos prestadores de serviços de remoção de carbono e aos compradores transparência e clareza quanto ao valor das atividades de remoção de carbono certificadas. No entanto, solicita que se adotem mais salvaguardas relativamente ao valor e utilização dos certificados. Convida a Comissão a elaborar orientações que definam as alegações adequadas que podem ser feitas com base em diferentes casos de remoção de carbono certificada e solicita que se mantenha a distinção entre certificados resultantes do armazenamento permanente de carbono, da agricultura de baixo carbono e do armazenamento de carbono em produtos.

1.5.

O CESE apela para que as futuras metodologias elaboradas no âmbito do quadro definam claramente os aspetos da responsabilização e conservem a transparência. Importa vigiar e atenuar continuamente o risco de inversão. A responsabilidade e a transferência da responsabilidade pelo carbono removido e armazenado devem ser definidas de forma clara para todo o leque de atividades de remoção de carbono.

1.6.

O CESE insta a Comissão a assegurar que as metodologias se baseiem em dados científicos e sejam norteadas pela comunidade científica. Assinala que o sistema de certificação é demasiado complexo e oneroso para promover uma adesão em grande escala a estas práticas — os procedimentos em causa parecem ser muito morosos e técnicos e poderão desincentivar os operadores a realizar as ditas atividades, uma vez que estes são frequentemente pequenas empresas que, mesmo na melhor das hipóteses, dispõem de margens reduzidas.

1.7.

O CESE observa que importa dispor de um conjunto diversificado de medições das remoções de carbono, a fim de proceder à monitorização, comunicação de informações e verificação das mesmas, o que deve passar também pela utilização da teledeteção e de imagens de satélite. No que diz respeito às medições necessárias, o CESE salienta que é essencial limitar ao mínimo os custos da monitorização, comunicação de informações e verificação das remoções de carbono, a fim de assegurar a ampla acessibilidade do quadro de certificação.

1.8.

O CESE salienta a necessidade de avaliar e gerir cuidadosamente os potenciais riscos e efeitos secundários que a proposta acarreta para os principais intervenientes (agricultores, setor florestal e setor da construção e da madeira), incluindo os de natureza ambiental ou socioeconómica, antes que o quadro de certificação seja integrado noutras políticas, como a política agrícola comum.

1.9.

O CESE considera que a atual política agrícola comum (PAC) não deve ser utilizada para financiar a agricultura de baixo carbono ou as remoções de carbono (1). Embora a PAC possa desempenhar um pequeno papel nas remoções de carbono, trata-se de um instrumento concebido para a produção de géneros alimentícios, de alimentos para animais e de biomassa, que constituem o principal objetivo do setor agrícola e florestal. Neste contexto específico, as remoções de carbono são um subproduto, o que significa que devem ser disponibilizadas fontes de financiamento adicionais.

1.10.

O CESE considera que o facto de a Comissão se mostrar muito ambígua em relação ao financiamento constituirá um forte desincentivo à participação dos potenciais participantes. Por conseguinte, salienta que é necessário um certo grau de certeza em relação ao financiamento. Tendo em conta as oportunidades que se abrirão no domínio das remoções de carbono, o CESE recomenda a elaboração de um roteiro que conduza a um instrumento financeiro comum para estas medidas.

2.   Observações na generalidade

Necessidade de intensificar as remoções de carbono a fim de alcançar os objetivos de emissões líquidas nulas

2.1.

Em conformidade com o Acordo de Paris, a União Europeia comprometeu-se a alcançar um nível nulo de emissões líquidas de gases com efeito de estufa (GEE) até 2050 e emissões líquidas negativas após essa data. Segundo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC), um foco exclusivo na redução das emissões não será suficiente para atingir essa meta: «para alcançar emissões líquidas nulas de CO2 ou de GEE, é indispensável generalizar a remoção de dióxido de carbono a fim de contrabalançar as emissões residuais difíceis de reduzir» (2).

2.2.

Embora as remoções de carbono não substituam as drásticas reduções das emissões de GEE necessárias, terão de complementar os esforços de redução das emissões a fim de alcançar as emissões líquidas nulas e as emissões líquidas negativas. Consequentemente, será necessário intensificar em grande medida as remoções de carbono a nível mundial para controlar as concentrações atmosféricas de GEE e limitar o aquecimento global. A fim de cumprir os seus objetivos climáticos, a UE prevê que terá de reduzir as suas emissões à razão de 85-95 % em relação aos níveis de 1990, sendo as remoções de carbono necessárias para colmatar as insuficiências. Será, pois, necessário remover da atmosfera várias centenas de milhões de toneladas (Mt) de CO2 todos os anos.

2.3.

Para o efeito, a UE introduziu, até à data, várias iniciativas:

a Lei Europeia em matéria de Clima, que define o objetivo da UE de atingir a neutralidade climática até 2050;

o Regulamento relativo ao Uso do Solo, Alteração do Uso do Solo e Florestas (LULUCF), cuja última proposta de alteração prevê uma meta de remoções líquidas de carbono de 310 Mt de equivalente CO2 até 2030, a armazenar no solo, nas florestas e nos produtos de madeira; e

a Comunicação — Ciclos do carbono sustentáveis, que define o roteiro para a agricultura de baixo carbono, a fim de contribuir para a meta proposta de 2030 para o setor LULUCF, bem como soluções industriais que removam, pelo menos, 5 Mt em 2030. A comunicação anunciou igualmente planos para propor um quadro regulamentar para a certificação das remoções de carbono.

Governação dos projetos de remoção do carbono

2.4.

Com a sua proposta que estabelece um quadro voluntário da União para a certificação das remoções de carbono, a Comissão Europeia visa intensificar as remoções de carbono sustentáveis e de elevada qualidade, incentivando, para tal, o financiamento, combatendo o branqueamento ecológico e reforçando a confiança, bem como harmonizando as condições de mercado.

2.5.

A Comissão estabelece três categorias principais de métodos de remoção de carbono:

armazenamento permanente. Inclui métodos como a bioenergia com captura e armazenamento de carbono e a captura direta do ar e armazenamento de carbono. Devem ser removidas, até 2030, pelo menos 5 Mt de CO2 através de métodos desta categoria, e devem ser atingidos níveis de remoção de até 200 Mt de CO2 até 2050;

a agricultura de baixo carbono, que abrange métodos como a florestação e a reflorestação, a melhoria da gestão florestal, a agrossilvicultura, o sequestro de carbono no solo e a recuperação de turfeiras. Juntamente com o armazenamento de carbono em produtos, a agricultura de baixo carbono contribui para a meta proposta de remoções líquidas no setor LULUCF de 310 Mt de equivalente CO2 por ano até 2030, bem como para uma economia com «impacto positivo no clima» em 2050;

o armazenamento de carbono em produtos, que inclui métodos como a utilização de materiais à base de madeira na construção, bem como a captura e utilização duradouras de carbono, o que, juntamente com a agricultura de baixo carbono, contribuirá para alcançar as metas acima referidas, propostas para o setor LULUCF e destinadas a ter um impacto positivo no clima.

2.6.

A fim de assegurar que apenas as remoções de carbono de elevada qualidade são certificadas nos termos do regulamento, a Comissão estabeleceu determinados critérios de base:

as atividades de remoção de carbono devem ser medidas com exatidão e gerar benefícios inequívocos para o clima (quantificação);

as atividades de remoção de carbono devem ir além das práticas do mercado e do que é legalmente exigido (adicionalidade);

os certificados devem indicar claramente a duração do armazenamento de carbono e distinguir o armazenamento permanente do temporário (armazenamento a longo prazo);

por último, as atividades de remoção de carbono devem beneficiar outros objetivos ambientais, como a biodiversidade, ou, no mínimo, não devem prejudicar o ambiente (sustentabilidade).

2.7.

A fim de definir mais claramente as regras aplicáveis a cada método de remoção de carbono e de operacionalizar os critérios de qualidade, a Comissão elaborará metodologias de certificação adaptadas, com o apoio de um grupo de peritos, e estabelecerá essas metodologias em atos delegados. Em primeiro lugar, a UE elaborará metodologias e reconhecerá os sistemas de certificação. Numa segunda fase, os operadores poderão aderir a sistemas de certificação reconhecidos pela UE, enquanto terceiros verificarão as atividades elegíveis para certificação. As remoções de carbono certificadas serão registadas em registos interoperáveis.

2.8.

Existem várias sinergias entre as iniciativas atuais e futuras existentes no terreno, que têm pertinência para a remoção de carbono. As remoções de carbono ao abrigo do regulamento proposto poderiam:

receber apoio público através da política agrícola comum, de auxílios estatais ou do Fundo de Inovação;

ser incluídas na divulgação de informações pelas empresas, a definir de forma mais precisa na iniciativa relativa à fundamentação das alegações ecológicas ou na Diretiva Comunicação de Informações sobre Sustentabilidade das Empresas;

aproveitar sinergias com outros rótulos e certificações, como a certificação da agricultura biológica e da biomassa sustentável;

ser incluídas nos contratos relativos à cadeia de abastecimento, estabelecendo cadeias de valor industriais e sinergias com sistemas alimentares sustentáveis;

contribuir para a integridade dos mercados voluntários do carbono.

3.   Observações na especialidade

Certificação robusta como base necessária para aumentar rapidamente as capacidades de remoção de carbono na Europa

3.1.

O estabelecimento de regras gerais da UE que definam como são medidos, validados e verificados os benefícios climáticos das remoções de carbono pode dar um contributo crucial ao desenvolvimento de fortes capacidades de remoção de carbono na Europa. Isto passa por uma grande variedade de métodos inovadores para que os agricultores, silvicultores, indústrias e outros possam capturar e armazenar CO2 não fóssil.

3.2.

A certificação representa um passo necessário e importante no sentido de integrar as remoções de carbono nas políticas climáticas da UE. Isso passa, por exemplo, por criar incentivos ao armazenamento de carbono no solo para os gestores de terras (por exemplo, através da PAC), por recompensar a aquisição de materiais de construção que armazenem carbono não fóssil (por exemplo, através das normas de construção) ou por comunicar informações sobre as metas climáticas (por exemplo, através da Diretiva Comunicação de Informações sobre Sustentabilidade das Empresas).

3.3.

Por conseguinte, o CESE apoia plenamente o quadro de certificação relativo às remoções de carbono, em princípio e enquanto etapa rumo a uma certificação robusta.

Necessidade de monitorizar o carbono removido para assegurar benefícios climáticos, económicos e sociais conexos

3.4.

Embora seja imperativo proceder a remoções de carbono em grande escala, é igualmente importante manter estes esforços sob controlo. O CESE observa que o recurso à remoção de carbono na política climática da UE pode suscitar dúvidas legítimas, desde o potencial para desencorajar a atenuação até à ameaça de alegações fraudulentas e de branqueamento ecológico com base na compra de créditos de carbono.

3.5.

Por conseguinte, o CESE considera que a UE necessita de um quadro de certificação eficaz e robusto, a fim de garantir que apenas sejam certificadas as remoções de carbono de elevada qualidade e fiáveis. Tal permitirá à UE reconhecer e recompensar as remoções de carbono sem prejudicar a descarbonização.

3.6.

O estabelecimento de um nível mínimo de qualidade para todas as remoções de carbono certificadas é crucial para que os principais intervenientes confiem em que a remoção de carbono certificada pela UE gera um verdadeiro benefício para o clima. Mais tarde, terá também de dar um sinal suficientemente forte de que as remoções de carbono certificadas podem ser integradas sem risco nas políticas climáticas mais amplas da UE.

3.7.

Neste contexto, as atividades de remoção de carbono têm de dar provas de adicionalidade — de que uma remoção não teria ocorrido sem a intervenção. Este é um requisito rigoroso, caso os certificados sejam utilizados para pedidos de indemnização, mas pode potencialmente ser flexibilizado se não for esse o caso (por exemplo, no caso de pagamentos diretos dos governos aos agricultores a fim de incentivar a transição para práticas regenerativas). Por este motivo, as atividades de remoção de carbono devem gerar benefícios conexos em termos de sustentabilidade, e não apenas ter um impacto «neutro», como prevê atualmente a Comissão.

3.8.

O CESE salienta igualmente a necessidade de monitorizar e atenuar continuamente o risco de inversão (libertação de CO2 armazenado). A responsabilidade e a transferência da responsabilidade pelo carbono removido e armazenado devem ser claramente definidas e devem ser específicas a cada tipo de remoção de carbono.

Manter a distinção entre armazenamento permanente de carbono, agricultura de baixo carbono e armazenamento de carbono em produtos

3.9.

Os métodos de remoção de carbono variam significativamente no que toca à forma como o CO2 é extraído da atmosfera, onde é armazenado e durante quanto tempo.

3.10.

De um modo geral, o carbono armazenado em reservatórios terrestres e em biomassa viva (métodos de remoção de ciclo curto) é mais vulnerável e apresenta períodos de armazenamento mais curtos do que o carbono armazenado em reservatórios geológicos (métodos de remoção de ciclo longo).

3.11.

Consequentemente, os vários métodos de remoção e armazenamento de carbono devem ser contabilizados, geridos e certificados de formas diferentes, consoante a natureza do armazenamento de carbono. A UE já separa o pilar LULUCF das emissões do setor da indústria. A Comunicação — Ciclos do carbono sustentáveis introduz distinções entre tipos de carbono «fóssil», «biogénico» e «atmosférico», que propõe rotular, acompanhar e contabilizar separadamente na UE até 2028, o mais tardar.

3.12.

Além disso, importa salientar que as três famílias de métodos de remoção de carbono (armazenamento permanente de carbono, agricultura de baixo carbono e armazenamento de carbono nos produtos) desempenham diferentes papéis na nossa via rumo a emissões líquidas nulas e têm resultados climáticos, custos, desafios de implantação, níveis de maturidade e uma perceção pública diferentes. Por conseguinte, devem também ser incentivados e geridos de forma diferente, permitindo políticas e apoio financeiro adaptados, que respondam às necessidades de cada método de remoção do dióxido de carbono.

3.13.

À luz do que precede, o CESE concorda com o objetivo da Comissão de proporcionar ao público, aos prestadores de serviços de remoção de carbono e aos compradores transparência e clareza quanto ao valor das atividades de remoção de carbono certificadas.

3.14.

No entanto, insta a Comissão a ir mais longe e a introduzir também orientações que definam as alegações adequadas que podem ser feitas com base em diferentes casos de remoção de carbono certificada (ou seja, armazenamento permanente, agricultura de baixo carbono ou armazenamento de carbono em produtos). Tal será crucial para promover todo o leque de possíveis casos de certificação das remoções de carbono, assegurando simultaneamente a integridade dos benefícios climáticos alegados e evitando o branqueamento ecológico.

Garantir a transparência e os contributos da ciência para o desenvolvimento de metodologias

3.15.

Uma vez que a Comissão prevê um processo separado, apoiado por um grupo de peritos, para desenvolver metodologias para as atividades de remoção de carbono, bem como para definir mais pormenores sobre os certificados, por meio de atos delegados, o CESE apela para que a sociedade civil seja envolvida e consultada.

3.16.

O CESE insta a Comissão a assegurar que as metodologias que serão desenvolvidas se baseiem em dados científicos e sejam norteadas pela comunidade científica.

3.17.

O CESE observa que importa dispor de um conjunto diversificado de medições das remoções de carbono, a fim de proceder à monitorização, comunicação de informações e verificação das mesmas, o que deve passar também pela utilização da teledeteção e de imagens de satélite. No que diz respeito às medições necessárias, o CESE salienta que é essencial limitar ao mínimo os custos da monitorização, comunicação de informações e verificação das remoções de carbono, a fim de assegurar a ampla acessibilidade do quadro de certificação.

3.18.

A UE deve ponderar a concessão de financiamento específico para a investigação, o desenvolvimento de metodologias e a implantação de projetos-piloto. Para os intervenientes de pequena dimensão, o apoio ao reforço das capacidades e à cobertura dos custos administrativos será crucial para democratizar o acesso ao quadro de certificação.

3.19.

Por fim, o CESE salienta a necessidade de avaliar e tratar cuidadosamente os potenciais riscos e efeitos secundários que a proposta acarreta para os principais intervenientes (agricultores, setor florestal e setor da construção e da madeira), incluindo os de natureza ambiental ou socioeconómica, antes que o quadro de certificação seja integrado noutras políticas, como a política agrícola comum.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  OJ C 323 de 26.8.2022, p. 95.

(2)  PIAC, Grupo de Trabalho III, síntese para decisores políticos, 2022.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/88


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité Das Regiões — Estado da União da Energia 2022 [nos termos do Regulamento (UE) 2018/1999 relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática]

[COM(2022) 547 final]

(2023/C 184/16)

Relatores: Marcin NOWACKI, Angelo PAGLIARA, Lutz RIBBE

Consulta

Comissão Europeia, 25.11.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

208/4/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

No seu relatório do Estado da União da Energia 2022, a Comissão Europeia apresenta uma reflexão bastante otimista sobre as medidas tomadas e os objetivos fixados nos últimos meses.

1.2.

O relatório revela claramente que muitos objetivos considerados demasiado ambiciosos antes da guerra contra a Ucrânia são agora apresentados como respostas realistas à crise energética. Coloca-se a questão de saber o que impediu a União Europeia (UE) no seu conjunto de abordar de forma mais direta a proteção do clima, a segurança do aprovisionamento, a autonomia energética e a resiliência do sistema energético europeu antes de 24 de fevereiro de 2022.

1.3.

Embora seja instrutivo conhecer os vários factos e números apresentados na comunicação, a União da Energia é muito mais do que objetivos matemática ou estatisticamente mensuráveis para a implantação de energias renováveis, a poupança de energia ou a redução das emissões. O CESE salienta que a União da Energia é, acima de tudo, um projeto político com objetivos políticos claramente definidos, a saber (1):

1)

uma União da Energia assente na solidariedade e na confiança entre os Estados-Membros que fala a uma só voz nos fóruns mundiais;

2)

um sistema energético integrado em que a energia circula livremente através das fronteiras, com base na concorrência, na regulamentação eficaz e na otimização dos recursos;

3)

uma economia sustentável, hipocarbónica e respeitadora do clima, concebida para durar;

4)

empresas europeias sólidas, inovadoras e competitivas, que desenvolvam os produtos e as tecnologias necessários para assegurar a eficiência energética e um baixo nível de emissões de carbono, reduzindo as faturas, promovendo a participação ativa no mercado e protegendo os clientes vulneráveis;

5)

desenvolver as competências de que a mão de obra europeia necessita para construir e gerir a economia europeia da energia;

6)

gerar confiança nos investidores, com base em sinais de preços que reflitam as necessidades a longo prazo e os objetivos políticos, o que implica, nomeadamente, a eliminação gradual dos subsídios às energias fósseis; e

7)

colocar os cidadãos no centro da União da Energia, os quais desempenham um papel ativo na transição do sistema energético, beneficiam de novas tecnologias para reduzir a sua fatura energética, participam ativamente no mercado e beneficiam de proteção quando se encontram numa situação vulnerável.

O relatório descreve as medidas adotadas ou previstas até à data para o cumprimento destes objetivos. No entanto, o CESE lamenta que o relatório não aborde os objetivos, mas sim as cinco vertentes estreitamente interligadas e que se reforçam mutuamente, concebidas para proporcionar mais segurança energética, sustentabilidade e competitividade. Este duplo conjunto de objetivos, por um lado, e de dimensões, por outro, torna extremamente difícil acompanhar o cumprimento dos objetivos: por exemplo, a ambição de colocar os cidadãos no centro da União da Energia ou de melhorar as competências e requalificar a mão de obra é abordada em várias vertentes. O CESE lamenta esta abordagem, que torna muito difícil acompanhar os progressos realizados na realização dos objetivos da Estratégia para a União da Energia.

1.4.

A comunicação faz referência, e bem, ao plano REPowerEU, apoiado pelo Comité Económico e Social Europeu (CESE), que reanimou e reforçou os instrumentos do Pacto Ecológico e do pacote Objetivo 55, centrando-se na diversificação, na poupança, na segurança do aprovisionamento e na aceleração do desenvolvimento das fontes de energia renováveis. Contudo, a atual crise climática e energética e a falta de segurança, estabilidade e previsibilidade do aprovisionamento e dos preços estão a exercer uma enorme pressão na União Europeia. A crise seria menos grave se tivessem sido tomadas medidas mais específicas mais cedo e, por exemplo, se os próprios objetivos da UE (como os da União Europeia da Energia) tivessem sido encarados com maior seriedade.

1.5.

De acordo com o relatório do Estado da União da Energia 2022, estima-se que é necessário investir 300 mil milhões de euros de fundos públicos nas diferentes linhas de ação destinadas a alcançar a plena independência em relação aos combustíveis fósseis russos até 2030, o que terá um impacto significativo no orçamento total da UE. Além disso, será necessário um maior investimento privado, incluindo por parte dos cidadãos europeus. O CESE considera que o capital tem de ser despendido de forma a contribuir para a consecução dos objetivos da União da Energia já referidos. Além disso, as despesas não devem conduzir a uma redução dos recursos para a transição justa, para a investigação e a inovação ou para as empresas e os consumidores afetados pelo aumento dos preços da energia.

1.6.

O aumento sem precedentes dos preços da energia, desencadeado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, traz consigo enormes consequências sociais e económicas, bem como consequências para o tecido industrial e produtivo a nível nacional. O CESE sublinha a ausência de uma coordenação europeia clara durante a crise energética e solicita que a resposta a esta situação passe pela criação de um instrumento baseado no modelo do instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência (SURE), a fim de apoiar os trabalhadores e as empresas em dificuldade.

1.7.

Os acontecimentos recentes aumentaram o risco potencial de ciberataques e atos de sabotagem contra infraestruturas críticas, como a rede energética e as centrais elétricas. Por conseguinte, o CESE recomenda a elaboração e a adoção de uma estratégia abrangente para proteger a UE contra este tipo de ameaças.

1.8.

O principal objetivo estratégico a médio prazo dos países da UE deve continuar a ser a autonomia energética, precisamente devido à guerra na Ucrânia e tendo também presente que a situação internacional se pode complicar ainda mais. O CESE entende que a «autonomia energética estratégica» é um conceito político que ajudará a moldar o futuro mercado da energia da UE, num contexto em que as decisões tomadas pela UE de forma autónoma assegurarão a independência energética relativamente a fornecedores pouco fiáveis. O CESE lamenta que o relatório não tenha devidamente em conta este tema, mantendo-o em segundo plano, e se concentre apenas na independência em relação às importações de energia da Rússia.

1.9.

A fim de alcançar os objetivos de autonomia estratégica da UE, o CESE insta o Conselho e a Comissão a desenvolverem instrumentos adequados, nomeadamente através da criação de um Fundo Europeu de Soberania, com vista a impulsionar o investimento nas suas próprias tecnologias energéticas limpas e na sua infraestrutura energética. Ao mesmo tempo, é crucial incentivar os Estados-Membros a utilizarem os fundos de forma otimizada e eficiente para o desenvolvimento de energias limpas. Essa estratégia também deve incluir orientações sobre a forma de incentivar as empresas, as instituições locais, os cidadãos e as comunidades de energia a investirem mais. Os instrumentos e recursos atualmente disponibilizados afiguram-se insuficientes para dar resposta aos grandes desafios que é necessário enfrentar. O CESE insta a Comissão a prestar especial atenção ao impacto ambiental dos novos recursos e aprovisionamentos, bem como às novas dependências em relação a países terceiros.

1.10.

O CESE propõe a adoção de uma abordagem ascendente para o reforço da autonomia energética, uma vez que tal abordagem facilita a consecução dos objetivos mencionados no ponto 1.3.

1.11.

O Pacto Ecológico ainda não é acompanhado por políticas sociais equivalentes que permitam uma transição justa. Uma vez que os processos de transição afetarão sobremaneira o emprego e o tecido industrial, o CESE lamenta que o relatório não tenha devidamente em conta a importância de políticas abrangentes no domínio do emprego e das competências e no domínio social. Os investimentos na educação, a requalificação e a melhoria de competências têm de ser encarados como uma responsabilidade socioeconómica.

2.   Observações gerais

2.1.

A resposta ideal e mais consentânea com os objetivos estratégicos da União da Energia ao choque no aprovisionamento gerado pela agressão russa contra a Ucrânia seria um sistema energético totalmente baseado em energia limpa produzida na UE. O CESE está ciente de que não é consensual que tal seja possível. No entanto, no cenário previsto, um sistema energético deste tipo teria como principais benefícios a plena autonomia e uma elevada resiliência. Depois de refinanciadas as despesas de investimento em instalações de energias renováveis, tecnologias inteligentes, transportes não poluentes e eficiência energética, este sistema proporcionaria a energia economicamente mais acessível ao consumidor final, reforçando as economias locais e regionais e criando mais postos de trabalho do que o sistema antigo. Todos estes benefícios são claramente descritos nos considerandos pertinentes do pacote Energias Limpas para Todos os Europeus. Embora as energias renováveis tenham teoricamente potencial para assegurar a autonomia energética de um ponto de vista operacional, é ainda necessário assegurar que todo o ecossistema permite a produção local, incluindo o próprio equipamento para as instalações de energias renováveis. No entanto, o relatório do Estado da União da Energia mostra que o sistema energético europeu ainda está longe desse objetivo.

2.2.

Por conseguinte, esta situação requer uma diferenciação: se a plena autonomia não for exequível, a UE necessitará de autonomia estratégica. Para alcançar a autonomia estratégica, será necessário definir em que medida as importações de energia continuarão a ser inevitáveis no futuro e o que tal implica para a vulnerabilidade ou resiliência do sistema energético europeu. Contudo, o relatório do Estado da União da Energia não apresenta qualquer resposta para esta questão, e não existem indicações a esse respeito em nenhum outro documento de estratégia da Comissão.

2.3.

Para dar resposta à questão mencionada no ponto 2.2, é necessário calcular o contributo das energias renováveis, incluindo o armazenamento de energia elétrica e a gestão da procura, bem como outras opções de flexibilidade, para cobrir a procura nos setores da eletricidade, do aquecimento e dos transportes (crédito de capacidade). O crédito de capacidade é a parte da capacidade instalada de uma central elétrica que pode ser utilizada num dado momento. Uma vez que as energias renováveis são energias distribuídas, faz todo o sentido iniciar esta avaliação no local onde são geradas. Seguindo esta abordagem, o primeiro crédito de capacidade teria de ser avaliado a nível local (por exemplo, por zona), na medida em que exprime o contributo que os prossumidores, as comunidades de energia renovável e outros produtores podem dar. É a nível local que deve ser concretizado um dos objetivos ou projetos da União da Energia — colocar os cidadãos no centro do sistema energético. O nível seguinte seria o regional, no qual se poderiam equilibrar tanto quanto possível os défices (crédito de capacidade inferior a 100 %) e os excedentes (crédito de capacidade superior a 100 %). Seguir-se-iam o nível inter-regional, o nível nacional e, em última instância, o nível europeu. Uma vez que as energias renováveis implicam custos sistémicos consideráveis para as infraestruturas energéticas, o principal objetivo é consumir localmente a energia proveniente de fontes renováveis; caso contrário, os custos devem ser suportados pelos produtores de energia.

2.4.

Esta abordagem ascendente, descrita no ponto 2.3, é a mais adequada à natureza das energias renováveis e às suas opções de flexibilidade para os produtores de todas as dimensões, tanto as grandes centrais de energia como os pequenos produtores, incluindo os chamados prossumidores.

2.5.

No que diz respeito à União da Energia, a abordagem descrita no ponto 2.3 apresenta três vantagens essenciais.

2.5.1.

Em primeiro lugar, do ponto de vista do planeamento do investimento, há que determinar a quantidade de energia que é necessário importar para a UE, hoje e no futuro. Só assim é possível evitar investimentos fracassados e, em especial, efeitos de vinculação. Por exemplo, em termos muito concretos, é impossível determinar corretamente a procura real de gás natural liquefeito (GNL) em 2025, 2030 e 2035 sem a análise descrita. Qualquer decisão de compra, especialmente com base em contratos a longo prazo, pode ser incorreta se os créditos de capacidade não forem avaliados a nível local, regional, inter-regional e europeu. Este aspeto reveste-se de especial importância, uma vez que são necessários contratos a longo prazo para garantir o GNL desde já. O êxito da União da Energia depende desta análise, mas ela não existe.

2.5.2.

A segunda vantagem da análise dos créditos de capacidade das energias renováveis, incluindo as opções de flexibilidade, a nível local, regional, inter-regional e europeu, reside no facto de contribuir para a criação de um sistema prospetivo de planeamento das infraestruturas energéticas que abrange a rede elétrica, a rede de gás hipocarbónico e os sistemas de aquecimento urbano. Neste contexto, é fundamental referir que a infraestrutura de gás na Europa deve estar preparada para o hidrogénio. No entanto, não existe atualmente qualquer critério fiável indicativo dessa preparação, pelo que o CESE insta a Comissão a iniciar a elaboração de normas nesse domínio, a fim de apresentar uma proposta o mais rapidamente possível.

2.5.3.

A terceira vantagem, estreitamente relacionada com a referida no ponto 1.10, diz respeito à necessidade de repensar a estabilidade do sistema. O futuro sistema de redes de transporte e distribuição de energia na Europa e a nível dos Estados-Membros da UE deve ser uma matriz de ligações normalizadas e interligadas, que englobem tanto as linhas de alta tensão geridas a nível central como as cooperativas de energia baseadas em linhas de média e baixa tensão comercializadas. A nível local, é essencial acelerar a implantação e o desenvolvimento simplificado da energia distribuída, através de mecanismos jurídicos e organizacionais que permitam a utilização das chamadas linhas diretas, a utilização em comum dos cabos e a cooperação com os produtores de energias renováveis com base em princípios conjuntos e definidos em contratos de aquisição de energia.

2.6.

Atualmente, os operadores das redes de transporte de energia a nível nacional não estão suficientemente interessados no desenvolvimento de redes locais que aumentem a flexibilidade do setor da eletricidade, uma vez que, do seu ponto de vista, elas podem desestabilizar o sistema elétrico. Os operadores das redes de distribuição não são incentivados a investir em redes locais, uma vez que o atual quadro regulamentar e político carece de orientações claras. A regulamentação das tarifas de rede apenas incentiva o transporte e a distribuição de eletricidade. Não são concedidos quaisquer incentivos a abordagens de gestão inteligente da eletricidade. O CESE está convicto de que o desenvolvimento das cooperativas de energia e do modelo de produção de energia por prossumidores permite reforçar a segurança energética a nível local e reduzir a carga sobre a rede elétrica. O consumo local de energias renováveis voláteis reduz a pressão sobre a rede, razão pela qual se deve dar preferência a este tipo de consumo sempre que tal seja eficiente do ponto de vista da utilização dos recursos e dos custos. Os prossumidores e as comunidades de energia (com a participação de distribuidores de energia, administrações locais, empresários e cidadãos) podem lograr o equilíbrio entre os recursos disponíveis e a procura de eletricidade nos seus agregados familiares, empresas e edifícios públicos, em especial mediante o desenvolvimento de tecnologias digitais e de armazenamento de energia. A este respeito, o CESE chama a atenção para o risco de conflitos de interesses dos distribuidores de eletricidade e solicita às autoridades de supervisão competentes que ponderem a adoção de medidas para evitar os efeitos negativos da sua integração na estrutura vertical.

2.7.

Tendo em conta a má prática descrita no ponto 2.6, torna-se ainda mais importante seguir a abordagem descrita no ponto 2.3 para concretizar as três vantagens explicadas nos pontos 2.5.1, 2.5.2 e 2.5.3. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a elaborar uma proposta sobre a forma de incorporar esta abordagem na sua política relativa à União da Energia. A consecução da perspetiva estratégica da independência energética, para além das intervenções de emergência necessárias no último ano, exigirá um acompanhamento permanente e um aprofundamento das seguintes questões:

o equilíbrio dos recursos existentes (petróleo, gás, fontes renováveis e nucleares, etc.);

o equilíbrio dos recursos potenciais (exploração, extração de recursos convencionais, desenvolvimento de tecnologias inovadoras, etc.);

o programa e a hierarquia no desenvolvimento ideal das diferentes fontes de energia na Europa; o sistema de financiamento do programa de independência energética.

Para o efeito, é igualmente necessário avaliar quais as instalações existentes ainda em funcionamento que convém manter e quais as fontes antigas, incluindo as capacidades convencionais, que devem ser substituídas, num processo harmonioso e em complementaridade. Importa também efetuar uma análise dos custos e dos benefícios das tecnologias de reformação a vapor do metano e das tecnologias de captura e armazenamento de dióxido de carbono (CAC)/captura e utilização de dióxido de carbono (CUC).

2.8.

A este respeito, o CESE reitera que o processo de aceleração do licenciamento de projetos de energias renováveis é fundamental. Trata-se de um aspeto importante, relativamente fácil de concretizar no plano processual. O nível de burocracia atrasa claramente alguns projetos, em especial os que envolvem grandes capacidades de produção. O CESE reconhece e valoriza os esforços da Comissão neste domínio, mas entende que há que concretizar finalmente as mudanças.

2.9.

No cumprimento da missão definida no ponto 2.5.3, a Comissão deve também ter em conta a ligação estratégica entre a estratégia europeia para a energia e a necessidade de um sistema industrial europeu robusto, sustentável e inovador, um aspeto que, até ao momento, não foi tido em conta nos relatórios do Estado da União da Energia. No seu Parecer — Estado da União da Energia em 2021 (TEN/767), o CESE recomendou que a governação e a gestão da União da Energia explorassem de forma mais cuidadosa as sinergias com a nova Estratégia Industrial para a Europa. O CESE insta a Comissão Europeia a ter em consideração, a partir do próximo relatório, a importância desta ligação estratégica e a assegurar uma melhor coordenação com o relatório de prospetiva estratégica.

2.10.

Do mesmo modo, o papel central e ativo dos cidadãos, que devem ser colocados no centro das políticas, não é devidamente tido em conta no documento nem nos anexos. O CESE está firmemente convicto de que é necessário colocar os cidadãos no centro da União da Energia, integrando-os no mercado e tornando-os verdadeiros «prossumidores». Cabe ampliar o conceito de «prossumidor» de modo a incluir a partilha de energia, o autoconsumo virtual e outros casos de prossumo que utilizam a rede pública. Para o efeito, o CESE apela aos decisores políticos para que incentivem e promovam todas as medidas necessárias para permitir que as pessoas se tornem prossumidoras de energia.

2.11.

Os Estados-Membros são obrigados a apresentar os seus planos nacionais em matéria de energia e clima até junho de 2023. Para o efeito, devem receber uma mensagem clara, com um roteiro que lhes permita planear adequadamente a sua trajetória de transição energética, tal como descrito no ponto 2.3 e tendo em conta as recomendações formuladas nos pontos 2.7, 2.8 e 2.9.

2.12.

As atividades previstas para o desenvolvimento de uma nova configuração do mercado têm de ser definidas no contexto dos aspetos acima referidos. O CESE concorda que são necessárias medidas para otimizar e melhorar a configuração do mercado da eletricidade da UE, tendo também em conta a evolução futura do panorama energético, tal como descrito no ponto 2.3, as novas tecnologias emergentes, a evolução geopolítica e os ensinamentos retirados da atual crise. O CESE regista com agrado a intenção da Comissão de rever o quadro REMIT para atenuar os riscos de abuso de mercado e solicita à Comissão que adote as medidas necessárias para preservar o funcionamento do mercado e evitar os efeitos de distorção nos preços e a especulação. O mercado europeu da energia não deve funcionar da mesma forma que os mercados financeiros O nosso mercado interno da energia tem de refletir de forma realista a situação do sistema energético na Europa. O CESE chama a atenção para o recente relatório do Tribunal de Contas Europeu, que assinala que a Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) não dispõe dos recursos necessários para monitorizar o mercado e prevenir abusos, e insta a Comissão a velar por que a ACER seja capaz de desempenhar as funções que lhe incumbem neste domínio.

2.13.

O CESE está preocupado com a redução dos subsídios às energias renováveis observada em 2021, enquanto os subsídios aos combustíveis fósseis se mantêm estáveis. Após a crise, é necessário adotar medidas decisivas para pôr termo à «concorrência pelos subsídios» entre as energias renováveis e as energias fósseis. No seu relatório, a Comissão não dá qualquer tipo de indicação nesse sentido.

2.14.

O CESE salienta que o relatório do Estado da União da Energia 2022 não presta a devida atenção à questão dos custos e consequências do pilar da estratégia europeia relativo à redução da procura de energia. Por conseguinte, o CESE recomenda que a Comissão estude mais aprofundadamente a forma como esta redução pode afetar diferentes contextos regionais e defina os instrumentos necessários para atenuar os seus efeitos.

2.15.

As políticas climáticas terão um forte impacto nos trabalhadores e nas empresas e exigirão formação, requalificação e melhoria de competências em grande escala. Esta transição deve ser aproveitada como uma oportunidade para criar empregos de qualidade, com boas condições de trabalho, em todos os setores e regiões. O relatório não tem suficientemente em conta a transição justa. O CESE insta a Comissão a reforçar o Mecanismo para uma Transição Justa, com especial destaque para os impactos nos trabalhadores, nos postos de trabalho e no sistema industrial. De igual modo, a participação dos parceiros sociais na elaboração de políticas de sustentabilidade, segurança e solidariedade deve ser permanente e estrutural. A «transição justa» não tem a ver apenas com o financiamento da transição. Também abarca os objetivos de proteger os direitos dos trabalhadores, criar trabalho digno e empregos de qualidade e garantir a segurança social, bem como manter e aumentar a competitividade das empresas europeias, o que requer ações específicas a todos os níveis, especialmente regional.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Ver COM(2015) 80 final — Uma estratégia-quadro para uma União da Energia resiliente dotada de uma política em matéria de alterações climáticas virada para o futuro.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/93


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Digitalizar o sistema energético — plano de ação da UE

[COM(2022) 552 final]

(2023/C 184/17)

Relator:

Thomas KATTNIG

Correlator:

Zsolt KÜKEDI

Consulta

Comissão Europeia, 25.11.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.3.2023

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

198/1/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia os objetivos do plano de ação e acolhe favoravelmente a maioria das medidas nele propostas. Em especial, o CESE já deixou clara a ligação entre a transição energética e a transformação digital, chamando a atenção para os benefícios da digitalização em matéria de poupança de energia, redução da intensidade energética e melhor gestão das infraestruturas energéticas. No entanto, embora o tom otimista do plano de ação seja inspirador, a Comissão tende a ignorar que a realidade física é muito diferente dos casos de utilização da digitalização nele mencionados.

1.2.

Embora tanto a abordagem estratégica como as medidas específicas do plano de ação apontem na direção certa, a Comissão não integra o plano de ação na política energética geral. Uma abordagem compartimentada e centrada apenas na digitalização, que ignore o quadro geral, não gerará os benefícios que são corretamente explicados no plano de ação. A digitalização do sistema energético tem de criar soluções cooperativas que incentivem os utilizadores a participar no sistema energético digitalizado (por exemplo, a utilização de contadores inteligentes e de veículos elétricos de carregamento bidirecional para contribuir para a estabilidade do sistema elétrico). O comércio entre pares, o autoconsumo virtual e a partilha de energia exigem ferramentas digitais. Porém, ou as barreiras administrativas tornam estas práticas pouco atrativas, ou não existem incentivos suficientemente eficazes.

1.3.

O CESE concorda que é absolutamente necessário tornar o sistema energético mais inteligente e mais flexível, mas observa que este é atualmente prejudicado por lacunas como a rigidez da rede de transporte e distribuição resultante do subinvestimento em infraestruturas energéticas. Apesar de alguns fornecedores terem obtido lucros significativos, não se investiu o suficiente em redes inteligentes para alcançar os objetivos da transição energética. A expansão e a transformação da rede estão atrasadas, entre outros aspetos porque o quadro regulamentar não incentiva o investimento na digitalização e na flexibilização, pelo que as redes existentes se tornaram desadequadas para o transporte e a distribuição de energia volátil. A fim de evitar cortes nas redes no sistema energético digitalizado, é urgentemente necessário começar a transformar o nosso sistema energético através do desenvolvimento e da expansão da rede (redes de transporte e distribuição).

1.4.

O CESE insta a Comissão Europeia a incorporar as ideias subjacentes à «promoção dos investimentos em infraestruturas digitais de eletricidade» numa alteração do artigo 58.o da Diretiva (UE) 2019/944 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativa a regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que altera a Diretiva 2012/27/UE (1), assegurando um quadro regulamentar que proporcione incentivos reais ao investimento na digitalização das redes elétricas. Paralelamente, cumpre desenvolver mercados de flexibilidade para tornar atraentes o consumo, a geração e o prossumo flexíveis com base em tecnologias digitais.

1.5.

Mais de seis anos após a apresentação do pacote Energias Limpas para Todos os Europeus, tanto as comunidades de energia como o autoconsumo coletivo continuam a desempenhar um papel menor nos sistemas energéticos da Europa. Até ao momento, a Comissão Europeia ignorou a existências de entraves a estas formas de produção e consumo de energia. Os europeus devem receber incentivos que acabem por convencê-los e incentivá-los a digitalizar todas as suas atividades relacionadas com a energia. Em muitos casos, importa também prever garantias claras no plano jurídico e administrativo. O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a lançarem iniciativas neste domínio, incluindo a disponibilização de apoio direto, que permitam às comunidades de energia e aos prossumidores coletivos desenvolver todo o seu potencial e tornem estas formas de produção e consumo um elemento crucial do sistema, nomeadamente de um ponto de vista da segurança do aprovisionamento. Caso contrário, as ferramentas digitais não farão a diferença.

1.6.

O CESE reitera que, com a abordagem correta, uma estrutura de aprovisionamento energético com impacto neutro no clima, descentralizada e digitalizada pode ter efeitos positivos significativos no emprego e na economia, em particular nas economias regionais (2). Face à crise atual, é fundamental que a União Europeia adote uma abordagem geral da política energética que combine questões específicas em matéria de energia e clima com os objetivos da política de coesão social e regional.

1.7.

No entanto, o CESE observa que uma política de mudança só pode ser bem-sucedida se tiver em conta as diferentes dinâmicas sociais em curso na transição e as abordar nas suas estratégias e medidas. Importa reforçar o papel dos consumidores ativos na digitalização, permitindo e incentivando a utilização do maior número possível de soluções inteligentes, uma vez que estas podem melhorar a eficiência e o desempenho do mercado interno da energia. Cabe, ao mesmo tempo, ter em conta os operadores das redes de distribuição, de modo a garantir a segurança do aprovisionamento. Os instrumentos devem ser de fácil utilização e deve prestar-se atenção aos grupos vulneráveis e às pessoas com deficiência. Por conseguinte, é indispensável uma política para a transição justa e uma gestão política ativa da mudança. Se a dimensão social for negligenciada na execução, a transformação poderá falhar, devido à resistência dos cidadãos.

1.8.

No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente que é necessário envolver ativamente todos os consumidores no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes e criar incentivos para que a sociedade civil possa participar na transição energética. É muito importante «conectar os inovadores locais e regionais», conforme referido pela Comissão no ponto 7.3. As ações coletivas, como a cooperação entre cidades e comunidades inteligentes, podem criar as soluções mais adequadas e mais económicas eventualmente necessárias numa região.

1.9.

As políticas digitais e energéticas da União Europeia (UE) já estão a orientar a digitalização da energia, dado que questões como a interoperabilidade dos dados, a segurança do aprovisionamento, a cibersegurança, a privacidade e a proteção dos consumidores não podem ser deixadas unicamente à mercê do mercado, sendo fundamental aplicá-las corretamente. Neste contexto, o CESE salienta que é necessário evitar a todo o custo a violação da privacidade e a utilização abusiva dos dados. Além de medidas de prevenção técnica, importa que haja autoridades estatais sujeitas a controlo político e democrático que se responsabilizem por este espaço de dados e o monitorizem. Ao mesmo tempo, cabe prestar especial atenção à proteção dos dados das infraestruturas críticas.

1.10.

A Comissão afirma na sua comunicação que é fundamental assegurar que a digitalização não prejudica o quadro de proteção dos consumidores já estabelecido no mercado interno da eletricidade. O CESE toma nota deste facto e acrescenta que é necessário adaptar e melhorar os direitos dos consumidores no mercado da energia. Os consumidores não podem ser prejudicados nem pagar valores excessivos. Devem beneficiar de ferramentas digitais que, se forem corretamente desenvolvidas, podem ajudar a reforçar a proteção dos consumidores.

1.11.

Para todas as iniciativas, é importante que os consumidores tenham um contador inteligente em casa. Tal não é ainda o caso em muitos Estados-Membros, o que torna tanto mais urgente intensificar os esforços para reforçar a implantação deste tipo de contadores, sendo esta uma condição prévia indispensável para a maior parte das soluções digitais no setor da energia, nomeadamente no domínio do aprovisionamento de eletricidade e, em menor grau, de gás. Os Estados-Membros que ainda não procederam à implantação generalizada dos contadores inteligentes têm de acelerar este processo e reforçar os seus objetivos nacionais nesta matéria. Os dados internacionais mostram que a implantação de contadores inteligentes é mais eficaz quando os operadores de rede são responsáveis pelo processo. Os contadores inteligentes devem ser considerados parte integrante da rede elétrica.

1.12.

Existe o risco de os novos serviços baseados em dados e as soluções tecnológicas inovadoras não serem implantados com a rapidez necessária se não houver trabalhadores qualificados e profissionais formados em número suficiente para os implantar. As medidas necessárias no domínio do mercado de trabalho e da política de educação exigem recursos financeiros suficientes, assim como a elaboração de um plano de ação para assegurar uma abordagem coordenada. A este respeito, o CESE considera fundamental uma cooperação estreita com os parceiros sociais.

1.13.

A cibersegurança é um requisito essencial para assegurar a fiabilidade do sistema energético, cada vez mais digitalizado. A evolução nas últimas décadas e, em especial, os acontecimentos recentes demonstram o perigo dos ciberataques e dos atos de sabotagem contra infraestruturas críticas. No entanto, tendo em conta que podem surgir problemas não só em resultado de ciberataques ou de atos de sabotagem, mas também de falhas de hardware e software, a Comissão deve prestar especial atenção à conceção do hardware e do software no processo de digitalização, a fim de assegurar a robustez. Uma falha ou perturbação numa infraestrutura crítica pode causar uma escassez de oferta devastadora e pôr em perigo a segurança pública. A maior descentralização da produção e utilização de energia em conjugação com a Internet aumenta a «superfície de ataque» e os riscos relacionados com o ciberespaço. O sistema energético digitalizado (tanto em termos de hardware como de software) tem de ser fiável, garantindo uma disponibilidade contínua.

1.14.

O CESE considera que não se prestou a atenção e o apoio expectáveis a uma estratégia combinada para a transição energética e a digitalização nas zonas rurais. Solicita que se ponha rapidamente em prática a visão a longo prazo da Comissão para as zonas rurais da UE e que se mobilize as partes interessadas ao abrigo do Pacto Rural da UE.

2.   Contexto

2.1.

A Comissão publicou uma comunicação com o objetivo de impulsionar a digitalização do sistema energético. O plano de ação da UE para a digitalização do sistema energético visa concretizar os objetivos estabelecidos no relatório de prospetiva estratégica sobre as transições ecológica e digital, permitindo que as tecnologias digitais contribuam para a criação de uma sociedade com impacto neutro no clima e eficiente na utilização de recursos e assegurando, em simultâneo, que todos possam beneficiar dessa transição.

2.2.

No plano de ação da UE, a Comissão propõe um conjunto de ações em cinco domínios: promover a conectividade, a interoperabilidade e o intercâmbio de dados sobre a energia sem descontinuidades através da criação de um espaço comum de dados, promover e coordenar os investimentos na rede inteligente, prestar melhores serviços baseados na inovação digital para envolver os consumidores na transição energética, garantir a cibersegurança no sistema energético e assegurar que as crescentes necessidades energéticas do setor das tecnologias da informação e comunicação (TIC) estão em consonância com o Pacto Ecológico Europeu. A Comissão considera que a digitalização pode melhorar a acessibilidade dos preços, a sustentabilidade e a resiliência do sistema energético da UE.

2.3.

As soluções inteligentes são concebidas para proporcionar aos consumidores um maior controlo sobre o seu consumo e as suas faturas de energia, melhorando assim a gestão do consumo de energia, embora muitos consumidores finais possam estar cientes deste potencial sem necessitarem de uma solução inteligente. Os serviços energéticos inovadores devem reduzir o consumo de energia e permitir utilizar a energia quando é barata. Os contadores inteligentes fornecem informações importantes para reduzir os custos do consumo de energia, por exemplo no caso do carregamento inteligente de veículos elétricos e das bombas de calor inteligentes utilizadas em conjunto com painéis fotovoltaicos. Os contadores inteligentes ajudam os clientes a controlar os dados constantes das suas faturas e permitem-lhes acabar com as faturas incorretas e faturação retroativa, que figuram atualmente entre as maiores preocupações dos consumidores. O plano de ação prevê a concessão de apoio às ferramentas digitais, que servem os interesses dos consumidores e, em alguns casos, são desenvolvidas em colaboração com eles, a melhoria das competências digitais, o financiamento de soluções digitais inteligentes através de programas que podem ajudar a cumprir o objetivo de digitalização do sistema energético, o apoio às autoridades reguladoras nacionais na definição e monitorização de indicadores comuns de redes inteligentes, a criação de um espaço europeu comum de dados sobre a energia e a participação ativa de todas as partes interessadas pertinentes, em especial dos operadores de rede e dos fornecedores de energia.

2.4.

Segundo a Comissão, as TIC oferecem um grande potencial de ecologização. As soluções digitais devem contribuir para equilibrar o aprovisionamento, o armazenamento e a procura de energia e tornar o sistema energético mais flexível, facilitando a integração de fontes de energia renováveis descentralizadas. É necessário desenvolver mercados de flexibilidade para tornar atrativos os investimentos em opções de flexibilidade, independentemente de esses investimentos serem feitos por produtores, consumidores ou prossumidores, tirando partido das ferramentas digitais.

2.5.

Simultaneamente, o plano de ação salienta a necessidade de travar o aumento do consumo de energia no setor das TIC. O plano de ação prevê igualmente a criação de um gémeo digital da rede elétrica europeia, o apoio às comunidades de energia através de ferramentas digitais, o desenvolvimento de rótulos relacionados com a energia para computadores, centros de dados e cadeias de blocos e a elaboração de um código de conduta da UE para a sustentabilidade das redes de telecomunicações.

2.6.

Num sistema energético cada vez mais digitalizado, com produção, transporte e distribuição descentralizados de energia e mais dispositivos com ligação digital nas habitações, o risco de espionagem, cibercriminalidade e falhas de hardware relacionadas com o consumo de energia está a aumentar. Por conseguinte, a Comissão propõe medidas de cibersegurança bem coordenadas para reforçar a resiliência global do sistema.

2.7.

O plano de ação refere que tal exige ações a médio e longo prazo, bem como um quadro de governação. A Comissão explica que este processo envolverá várias comunidades de partes interessadas, empresas e parceiros internacionais e observa que será necessário utilizar de forma sensata o financiamento público limitado e reforçar os investimentos privados.

3.   Observações na generalidade

3.1.

No seu plano de ação, a Comissão aborda corretamente o enorme potencial das tecnologias digitais para aumentar a flexibilidade do sistema elétrico. O CESE apoia estes objetivos e acolhe favoravelmente a maioria das medidas propostas no plano de ação. Em especial, o CESE já deixou clara a ligação entre a transição energética e a transformação digital, chamando a atenção para os benefícios da digitalização em matéria de poupança de energia, redução da intensidade energética e melhor gestão das infraestruturas energéticas. No entanto, embora o tom otimista do plano de ação seja inspirador, a Comissão tende a ignorar que a realidade física é muito diferente dos casos de utilização da digitalização nele mencionados.

3.2.

O CESE considera que os principais desafios que o setor da energia enfrenta são os seguintes: a diversificação das fontes de energia da Europa, a redução da dependência em relação às importações de energia, a garantia de um mercado interno da energia integrado, a melhoria da eficiência energética, a expansão célere da rede energética, a segurança do aprovisionamento, a descarbonização da economia, a redução das emissões, a transição para uma economia hipocarbónica, com tecnologias energéticas limpas e hipocarbónicas, o aumento e a expansão maciça das energias renováveis para cumprir os objetivos climáticos, a promoção da investigação e educação conexas, a garantia de uma transição justa e o apoio à dimensão social da energia, nomeadamente a redução da pobreza energética. A digitalização do sistema energético é a base deste processo e pode ajudar a responder a todos estes grandes desafios.

3.3.

Embora tanto a abordagem estratégica como as medidas específicas do plano de ação apontem na direção certa, a Comissão não integra o plano de ação na política energética geral. Uma abordagem compartimentada e centrada apenas na digitalização, que ignore o quadro geral, não gerará os benefícios que são corretamente explicados no plano de ação.

3.4.

A proposta da Comissão apresenta o que seria uma situação ideal assente num sistema energético bem desenvolvido (por exemplo, redes de transporte e distribuição) e digitalizado. No entanto, na Europa, é necessário começar por reforçar as redes de transporte e distribuição para depois se poderem desenvolver tecnologias digitais complexas. A digitalização é inútil se a energia gerida de forma inteligente não puder ser transportada através de redes de transporte de energia. Além disso, é desperdiçada uma enorme quantidade de energia nas redes de transporte e distribuição. Ainda hoje, o custo da eletricidade verde que não pode ser utilizada ou transportada e que tem de ser restringida ascendeu a mais de 2 mil milhões de euros antes da crise energética e a mais de 12 mil milhões de euros durante a crise energética em países de grande dimensão, como a Alemanha. Esta perda económica multiplicar-se-á, a menos que as redes elétricas e as capacidades de armazenamento compatíveis com o sistema sejam rapidamente ampliadas e, ao mesmo tempo, se encontrem melhores formas de utilizar a eletricidade diretamente no local. A digitalização neste domínio pode contribuir para identificar essas perdas e para utilizar os dados gerados neste contexto para o desenvolvimento da rede.

3.5.

Com efeito, são necessários investimentos consideráveis nas infraestruturas energéticas para tornar as redes inteligentes. No entanto, afigura-se também que muitos Estados-Membros não incentivam esses investimentos, uma vez que a sua regulamentação revela uma clara tendência de favorecimento das despesas de capital, sendo os investimentos na digitalização principalmente tratados como despesas de funcionamento. Não será suficiente coordenar e acompanhar esses investimentos e os progressos por eles viabilizados. O CESE insta a Comissão Europeia a incorporar as ideias subjacentes à «promoção dos investimentos em infraestruturas digitais de eletricidade» numa alteração do artigo 58.o da Diretiva (UE) 2019/944 relativa a regras comuns para o mercado interno da eletricidade, assegurando um quadro regulamentar que proporcione incentivos reais ao investimento na digitalização das redes elétricas.

3.6.

A Comissão Europeia assinala, com razão, que as ferramentas digitais desempenham um papel importante no desenvolvimento de sistemas coletivos de autoconsumo e de comunidades de energia. As orientações e a plataforma de experimentação prevista podem ser úteis, mas não são os aspetos mais importantes. Mais de cinco anos após a apresentação do pacote Energias Limpas para Todos os Europeus, tanto as comunidades de energia como o autoconsumo coletivo continuam a desempenhar um papel menor nos sistemas energéticos da Europa. Em muitos casos, tal deve-se principalmente a entraves burocráticos significativos e à falta de informação dos consumidores e dos produtores. Até ao momento, a Comissão Europeia ignorou a existência desses entraves. Os europeus devem receber incentivos que acabem por convencê-los e incentivá-los a digitalizar todas as suas atividades relacionadas com a energia. O conjunto do sistema energético digitalizado deve ser particularmente atrativo para as partes que nele operam, devendo haver não só incentivos financeiros que favoreçam a criação de tal sistema, mas também um ecossistema que globalmente incentiva as partes a desenvolverem um sistema energético controlado, bem gerido e seguro. O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a desenvolverem iniciativas neste sentido, incluindo a disponibilização de apoio direto, que permitam às comunidades de energia e aos prossumidores coletivos aproveitar todo o seu potencial. Cabe, ao mesmo tempo, ter em conta os operadores das redes de distribuição, de modo a garantir a segurança do aprovisionamento. Caso contrário, as ferramentas digitais não farão a diferença.

3.7.

O carregamento bidirecional de veículos elétricos constitui outro exemplo muito promissor que mostra que consumidores mais ativos podem contribuir diretamente para a estabilidade do sistema através das tecnologias digitais, incluindo as TIC, tanto do lado da rede como do lado dos consumidores. No entanto, quase não existem argumentos económicos para o carregamento bidirecional de veículos elétricos na Europa, uma vez que o mercado não foi concebido para proporcionar incentivos baseados no mercado para um abastecimento e consumo flexíveis de eletricidade. Nos seus esforços para reorganizar o mercado, a Comissão deve centrar-se, em especial, na conceção de um mercado que torne atrativos casos como os mencionados no capítulo 4.2 do plano de ação e ajude a generalizá-los. Neste quadro, o carregamento bidirecional também poderá ser utilizado no futuro pelos operadores de rede como meio de controlar a carga, o que também deve ser tido em conta na legislação destinada a garantir a segurança do aprovisionamento.

3.8.

O CESE reitera que, com a abordagem correta, uma estrutura de aprovisionamento energético com impacto neutro no clima, descentralizada e digitalizada pode ter efeitos positivos significativos no emprego e na economia, em particular nas economias regionais (3). Face à crise atual, é fundamental que a União Europeia adote uma abordagem geral da política energética que combine questões específicas em matéria de energia e clima com os objetivos da política de coesão social e regional.

3.9.

O CESE salienta que a conceção tecnocrática das condições de enquadramento económico e a promoção financeira das novas tecnologias, em especial a digitalização do sistema energético, desempenham um papel importante na transição energética. Simultaneamente, o CESE observa que uma política de mudança só pode ser bem-sucedida se tiver em conta as diferentes dinâmicas sociais associadas à transição e as abordar nas suas estratégias e medidas. Importa reforçar o papel dos consumidores na digitalização, incentivando-os a utilizar o maior número possível de soluções inteligentes, uma vez que estas podem ajudar a melhorar a eficiência e o desempenho do mercado interno da energia. Cabe, ao mesmo tempo, assegurar que todos os elos da cadeia de valor da energia são associados estreitamente, de modo a garantir a segurança do aprovisionamento. Por conseguinte, é indispensável uma política para a transição justa e uma gestão política ativa da mudança. Se a dimensão social for negligenciada na execução, a transformação poderá falhar, devido à resistência dos cidadãos.

3.10.

A transformação do sistema energético pode gerar lucros inesperados para os prestadores de serviços, e estes poderão fixar tarifas mais elevadas pelas suas novas soluções. No entanto, os serviços inovadores, as aplicações e os sistemas de gestão de energia podem libertar o enorme potencial por explorar pelos utilizadores de energia, reduzindo os encargos dos consumidores afetados pelos elevados preços da energia. A digitalização pode ajudar a tornar os preços de mercado comparáveis, a tornar justos os preços das opções de flexibilidade, como a transferência de carga, e a revelar, numa fase inicial do processo de mercado, que os consumidores de energia, nomeadamente os agregados familiares vulneráveis, poderiam pagar menos pelo serviço prestado. Por exemplo, as soluções inteligentes de contabilização da energia podem proporcionar às pessoas socialmente desfavorecidas a oportunidade de utilizarem apenas a energia que podem pagar, impedindo-as de contrair dívidas.

3.11.

O CESE insta igualmente a Comissão a ter em conta a realidade do mercado dos contadores inteligentes e a intervir, se for caso disso. A instalação prevista de contadores inteligentes poderá pressupor custos elevados para os inquilinos. Na prática, a concorrência entre os diferentes prestadores destes serviços é praticamente inexistente. Os inquéritos setoriais realizados na Alemanha e na Áustria apontaram para a existência de um oligopólio não concorrencial no setor da contagem individual (4). Para assegurar a competitividade, é necessário garantir que os contadores também podem ser utilizados por fornecedores terceiros. Caso contrário, uma mudança de empresa de faturação estaria sempre associada aos custos de substituição dos contadores existentes.

3.12.

Neste contexto, o CESE recorda a sua posição de que se deve evitar a todo o custo uma sociedade da energia de duas classes. É inaceitável que apenas as famílias com boas capacidades financeiras e técnicas possam beneficiar da transição energética e que todas as outras famílias sejam obrigadas a suportar os custos. Por conseguinte, o CESE apoia os incentivos e os instrumentos de aplicação da Diretiva Eficiência Energética destinados a ajudar os clientes e agregados familiares vulneráveis, e salienta que as metas ambiciosas em matéria de aquecimento/arrefecimento urbano podem agravar as condições da habitação social.

3.13.

No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente que é necessário envolver ativamente todos os consumidores — agregados familiares, empresas e comunidades de energia — no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes e criar incentivos para que a sociedade civil possa participar na transição energética, bem como ajudar a financiá-la. É muito importante «conectar os inovadores locais e regionais», conforme referido pela Comissão no ponto 7.3. As ações coletivas, como a cooperação entre cidades e comunidades inteligentes, podem criar as soluções mais adequadas e mais económicas eventualmente necessárias numa região.

3.14.

O plano de ação prevê a criação de um espaço europeu comum de dados sobre a energia e uma boa governação, a fim de assegurar a coordenação dos intercâmbios e da utilização de dados sobre a energia à escala da UE. As políticas digitais e energéticas da UE já estão a orientar a digitalização da energia, dado que questões como a interoperabilidade dos dados, a segurança do aprovisionamento, a cibersegurança, a privacidade e a proteção dos consumidores não podem ser deixadas unicamente à mercê do mercado, sendo fundamental aplicá-las corretamente. Neste contexto, o CESE salienta que é necessário evitar a todo o custo a violação da privacidade e a utilização abusiva dos dados. Além de medidas de prevenção técnica, importa que haja autoridades estatais sujeitas a controlo político e democrático que se responsabilizem por este espaço de dados e o monitorizem. Cabe promover a propriedade pública dos dados, uma vez que estes constituem um fator económico importante numa sociedade em rede e digitalizada. Por outro lado, é necessário evitar os monopólios privados de dados detidos pelas GAFA (5). Ao mesmo tempo, cabe prestar especial atenção à proteção dos dados das infraestruturas críticas.

3.15.

O espaço de dados proposto constitui uma abordagem promissora, mas requer regras claras que regulem o acesso aos dados anonimizados para todos os participantes no mercado interessados em utilizar os dados, por exemplo para planear melhor o comércio e a partilha de energia. É importante desenvolver rapidamente a «governação sólida» mencionada no plano de ação, formulando direitos básicos para todos os intervenientes no mercado, incluindo consumidores, prossumidores, comerciantes de energia, etc.

3.16.

No que diz respeito à coordenação estratégica a nível da UE, o plano de ação prevê a criação de um Grupo de Peritos em Energia Inteligente (anteriormente, Grupo de Trabalho para as Redes Inteligentes). O seu objetivo é contribuir para a criação de um quadro europeu para a partilha de dados relacionados com a energia, reforçar a coordenação em matéria de intercâmbio de dados para o setor da energia a nível da UE, determinar os princípios orientadores e garantir a coerência entre as diferentes prioridades e iniciativas de partilha de dados, bem como apoiar a Comissão no desenvolvimento e na implantação de um espaço europeu comum de dados sobre a energia. O CESE salienta que, neste contexto, é necessário definir orientações e objetivos claros e observa que a participação dos parceiros sociais e da sociedade civil organizada é essencial.

3.17.

A ideia de apoiar os operadores das redes de transporte e os operadores das redes de distribuição na criação de um gémeo digital da rede elétrica é uma abordagem interessante e pode ajudar a melhorar a modelização da rede. Contudo, é necessário especificar exatamente a forma como o gémeo digital contribuirá para planear a expansão da rede, tornar a rede mais inteligente, integrar opções de flexibilidade, incluindo centrais elétricas virtuais, prossumo de energia e partilha de energia, e otimizar a resiliência. A este respeito, afiguram-se igualmente necessárias alterações na Diretiva (UE) 2019/944.

3.18.

A Comissão afirma na sua comunicação que é fundamental assegurar que a digitalização não prejudica o quadro de proteção dos consumidores já estabelecido no mercado interno da eletricidade. O CESE toma nota deste facto e acrescenta que é necessário adaptar e melhorar os direitos dos consumidores no mercado da energia. Os consumidores não podem ser prejudicados nem pagar valores excessivos. Importa prestar especial atenção aos grupos vulneráveis, às pessoas com deficiência e às pessoas com baixas competências digitais. Neste contexto, são necessárias normas de proteção adequadas, uma vez que já é evidente que muitos consumidores perdem a noção das informações e das faturas digitais.

3.19.

A comunicação refere que a digitalização também não deve comprometer a possibilidade de os Estados-Membros estabelecerem preços regulados, nomeadamente para clientes vulneráveis e em situação de pobreza energética. As ferramentas digitais permitem também aos poderes públicos identificar, monitorizar e combater melhor a pobreza energética, ao passo que o setor da energia pode continuar a otimizar as suas operações, colocando a ênfase na segurança do aprovisionamento, e a dar prioridade à utilização de energias renováveis.

3.20.

O CESE felicita a Comissão pela intenção anunciada de garantir a articulação dos principais projetos de investigação e inovação a fim de identificar, até meados de 2023, estratégias para a integração dos consumidores na conceção e utilização de ferramentas digitais acessíveis e a preços comportáveis. O CESE assinala, uma vez mais, que continua a ser necessário um investimento significativo na investigação e na inovação.

Neste contexto, o investimento público em sistemas energéticos inteligentes e renováveis é muito importante para garantir a segurança do aprovisionamento, combater a pobreza energética, garantir preços acessíveis e criar emprego. O CESE reitera a sua recomendação, formulada no Parecer ECO/569, de aplicar a regra de ouro ao investimento público. Para todas as iniciativas, é importante que os consumidores tenham um contador inteligente em casa. Tal não é ainda o caso em muitos Estados-Membros, o que torna tanto mais urgente intensificar os esforços para uma maior implantação deste tipo de contadores, sendo esta uma condição prévia indispensável para a maior parte das soluções digitais no setor da energia. Os Estados-Membros que ainda não procederam à implantação generalizada dos contadores inteligentes têm de acelerar este processo e reforçar os seus objetivos nacionais nesta matéria.

3.21.

Existe o risco de os novos serviços baseados em dados e as soluções tecnológicas inovadoras não serem implantados com a rapidez necessária se não houver trabalhadores qualificados e profissionais formados em número suficiente para os implantar (6). O CESE entende que, para atingir os objetivos, é necessário adotar imediatamente medidas adequadas, em estreita colaboração com os parceiros sociais.

3.22.

No entanto, são igualmente necessários recursos financeiros suficientes e programas para formar, em especial, os desempregados de longa duração, as mulheres e os jovens, através de programas específicos, e para lhes proporcionar condições de enquadramento atrativas, incluindo garantias de emprego, bem como uma iniciativa de formação e qualificação e um vasto leque de oportunidades de requalificação e de educação contínua. As medidas necessárias no domínio do mercado de trabalho e da política de educação exigem recursos financeiros suficientes, assim como a elaboração de um plano de ação para assegurar uma abordagem coordenada.

3.23.

O CESE apela para uma cooperação estreita entre os prestadores de serviços de formação e as empresas na conceção de cursos de formação que deem resposta às necessidades de aptidões e competências pertinentes para a transformação digital e sustentável da economia, nomeadamente através da educação contínua e da requalificação tanto dos trabalhadores como dos empresários. O Ano Europeu das Competências (2023) será utilizado para reforçar e aplicar eficazmente estas medidas.

3.24.

A cibersegurança é um requisito essencial para assegurar a fiabilidade do sistema energético, cada vez mais digitalizado. A evolução nas últimas décadas e, em especial, os acontecimentos recentes demonstram o perigo dos ciberataques e dos atos de sabotagem contra infraestruturas críticas. No entanto, tendo em conta que podem surgir problemas não só em resultado de ciberataques ou de atos de sabotagem, mas também de falhas de hardware e software, a Comissão deve prestar especial atenção à conceção do hardware e do software no processo de digitalização, a fim de assegurar a robustez. Uma falha ou perturbação numa infraestrutura crítica pode causar uma escassez de oferta devastadora e pôr em perigo a segurança pública. A maior descentralização da produção e utilização de energia em conjugação com a Internet aumenta a «superfície de ataque» e os riscos relacionados com o ciberespaço.

3.25.

Toda a cadeia de valor do sistema energético, desde a produção e o transporte até à distribuição e ao consumidor, incluindo todas as interfaces digitais ao longo do seu percurso, pode ser alvo de ciberataques e ataques físicos. É do interesse de toda a Europa proteger melhor esta infraestrutura crítica. A UE deve estar mais bem preparada para possíveis ataques deste tipo. Por conseguinte, o CESE solicita uma avaliação crítica imediata das medidas adotadas até à data, bem como a elaboração de uma estratégia global para proteger a UE contra ameaças como as catástrofes naturais, os ataques físicos e os ciberataques. Neste contexto, o CESE chama a atenção para os seus outros pareceres sobre este tema (7) e recomenda que qualquer investimento estrangeiro em setores estratégicos na União esteja em consonância com a política de segurança da UE.

3.26.

O setor das TIC representa cerca de 7 % do consumo mundial de eletricidade. Por conseguinte, no âmbito das transições ecológica e digital, é essencial assegurar uma redução das crescentes necessidades energéticas do setor das TIC, em conformidade com o objetivo da neutralidade climática. O CESE concorda que é vital incidir no consumo de energia e de recursos ao longo da cadeia de valor das TIC e nas principais fontes adicionais emergentes de consumo de energia relacionado com as TIC. Já existem soluções de reutilização do calor residual dos centros de dados para o aquecimento de casas e empresas. Por conseguinte, é importante que o calor residual seja tratado em pé de igualdade com as energias renováveis no quadro da revisão da Diretiva Energias Renováveis (DER III) e de toda a legislação ligada à energia no âmbito do pacote Objetivo 55. Contudo, para alcançar os melhores resultados, são necessárias soluções concretas e viáveis que possam funcionar como boas práticas.

3.27.

A interoperabilidade das normas técnicas, a cibersegurança, a proteção de dados e outras características essenciais de um sistema energético digitalizado têm de ser asseguradas a nível mundial, nas instâncias internacionais e em cooperação com países parceiros. Para promover as transições ecológica e digital junto dos países parceiros através de contactos bilaterais, o CESE insta a Comissão a integrar os aspetos digitais e ecológicos nos projetos, parcerias e acordos de cooperação relacionados com a energia.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE considera que não se prestou a atenção e o apoio expectáveis a uma estratégia combinada para a transição energética e a digitalização nas zonas rurais. Solicita que se ponha rapidamente em prática a visão a longo prazo da Comissão para as zonas rurais da UE e que se mobilize as partes interessadas ao abrigo do Pacto Rural da UE.

4.2.

O CESE recomenda que se assegure a igualdade no mercado de trabalho no setor da energia, explorando oportunidades para as mulheres, evitando simultaneamente que a transição energética e a transformação digital se tornem armadilhas para as carreiras e a remuneração das mulheres, e alargando o diálogo social e os acordos coletivos em matéria de igualdade nas empresas do setor da energia em toda a Europa.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 158 de 14.6.2019, p. 125.

(2)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 1.

(3)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 1.

(4)  Por exemplo, verificou-se que o maior prestador de serviços de contagem na Áustria tentou evitar que fornecedores terceiros conseguissem utilizar os seus contadores inteligentes ao integrar formas de proteção do equipamento [autoridade federal da concorrência austríaca (BWB), 2022].

(5)  Os quatro gigantes da Internet: Google, Apple, Facebook e Amazon.

(6)  Com base nos resultados da consulta pública, a Comissão identificou as insuficiências no desenvolvimento de competências e a falta de trabalhadores qualificados adequados como os principais obstáculos à adoção das tecnologias digitais (Relatório de síntese disponível em «Dê a sua opinião»).

(7)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 170.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/101


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 98/24/CE do Conselho e a Diretiva 2004/37/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos valores-limite para o chumbo e os seus compostos inorgânicos e para os di-isocianatos

[COM(2023) 71 final — 2023/0033 (COD)]

(2023/C 184/18)

Consulta

Comissão Europeia, 13.2.2023

Conselho, 8.3.2023

Parlamento Europeu, 13.3.2023

Base jurídica

Artigo 153.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

197/0/3

Considerando que o conteúdo da proposta é satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité decidiu emitir parecer favorável ao texto proposto, respeitando a posição dos parceiros sociais apresentada na exposição de motivos da proposta.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/102


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2012/19/UE relativa aos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE)

[COM(2023) 63 final — 2022/025 (COD)]

(2023/C 184/19)

Consulta

Parlamento Europeu, 13.2.2023

 

Conselho, 21.2.2023

Base jurídica

Artigo 192.o, n.o 1, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em plenária

22.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

194/0/3

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e que, de resto, havia sido já objeto do Parecer CESE 5002/2014, adotado em 12 de novembro de 2014 (1), o Comité decidiu emitir parecer favorável ao texto proposto, remetendo para a posição defendida no documento mencionado.

Bruxelas, 22 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 230 de 14.7.2015, p. 91.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/103


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2014/65/UE para tornar os mercados de capitais na União mais atrativos para as empresas e facilitar o acesso das pequenas e médias empresas ao capital e que revoga a Diretiva 2001/34/CE

[COM(2022) 760 final — 2022/0405 (COD)]

Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às estruturas de ações com voto plural em empresas que procuram admitir à negociação as suas ações num mercado de PME em crescimento

[COM(2022) 761 final — 2022/0406 (COD)]

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) 2017/1129, (UE) n.o 596/2014 e (UE) n.o 600/2014 a fim de tornar os mercados de capitais abertos à subscrição pública na União mais atraentes para as empresas e facilitar o acesso das pequenas e médias empresas ao capital

[COM(2022) 762 final — 2022/0411 (COD)]

(2023/C 184/20)

Relator:

Kęstutis KUPŠYS

Consulta

Conselho da União Europeia, 6.2.2023 [COM(2022) 760 final e COM(2022) 762 final];

8.2.2023 (COM(2022) 761 final)

Parlamento Europeu, 1.2.2023

Base jurídica

Artigo 50.o, n.o 1, e artigos 114.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

2.3.2023

Adoção em plenária

23.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

123/2/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O aumento do financiamento por meio de capitais próprios das empresas europeias é fundamental para assegurar a recuperação pós-COVID-19 e construir um sistema económico europeu resiliente face à guerra da Rússia contra a Ucrânia. Por este motivo, o CESE congratula-se vivamente com a legislação relativa à admissão à cotação proposta pela Comissão.

1.2.

O Comité considera que a entrada de empresas propriedade de uma única família nos mercados de capitais libertaria um potencial inexplorado para atrair capital para o crescimento e que o regime de direitos de voto plural ajuda as famílias a manter o controlo, fazendo com que a admissão à cotação lhes seja mais atrativa. O CESE concorda que deve ser concebido um quadro pormenorizado a nível nacional, e incentiva simultaneamente uma harmonização de alto nível na UE.

1.3.

Congratula-se igualmente com a iniciativa da Comissão de simplificar o conteúdo dos prospetos, o que reduziria significativamente os custos e os encargos para os emitentes.

1.4.

De um modo geral, o Comité acolhe favoravelmente a proposta de dar aos emitentes a possibilidade de publicar um prospeto apenas em inglês, que se impôs como a língua habitual dos investidores internacionais. No entanto, a publicação de um documento completo, e não apenas do sumário, nas línguas nacionais, permitiria capacitar os pequenos investidores locais. O CESE recomenda aos emitentes que tenham em conta que a utilização de documentos de emissão exclusivamente em inglês prejudicaria o desenvolvimento de uma base nacional de investimento de retalho.

1.5.

O CESE observa que a agregação de estudos de investimento com outros serviços é suscetível de aumentar a visibilidade das pequenas e médias empresas (PME) cotadas. Por conseguinte, o Comité acolhe favoravelmente a proposta de aumento do limiar de desagregação para 10 mil milhões de euros; no entanto, podem igualmente ser necessárias medidas adicionais para incentivar estudos independentes.

1.6.

O CESE tem em grande apreço a abordagem da Comissão para atenuar a incerteza jurídica em torno dos requisitos de divulgação de informações. No entanto, a proposta de um mecanismo de supervisão dos livros de ofertas entre mercados, que facilitaria o intercâmbio de dados dos livros de ofertas entre as autoridades de supervisão, poderia acarretar o risco de criar condições de concorrência desiguais, uma vez que as plataformas de negociação bilaterais ficariam fora do âmbito do regime de comunicação de informações.

2.   Enquadramento

2.1.

Em 7 de dezembro de 2022, a Comissão publicou um conjunto de propostas (1) relativas a medidas destinadas a continuar a desenvolver a União dos Mercados de Capitais (UMC) da UE. Uma parte do pacote — uma nova legislação relativa à admissão à cotação — visa reduzir os encargos administrativos para as empresas de todas as dimensões, em especial as PME, para que possam beneficiar de melhor acesso ao financiamento através da admissão à cotação em bolsas de valores.

2.2.

A Comissão afirma que os mercados de capitais da UE permanecem fragmentados e pouco desenvolvidos em termos de dimensão. Os estudos mostram que o número total de empresas cotadas nos mercados de PME em crescimento na Europa quase não aumentou desde 2014 (2), apesar de as empresas cotadas beneficiarem de vantagens claras, como demonstra o aumento da sua avaliação de mercado. De um modo geral, as empresas cotadas aumentam as suas receitas, criam mais postos de trabalho e melhoram os seus balanços a um ritmo mais rápido do que os seus pares não cotados. Vários estudos demonstram uma situação pouco satisfatória no que diz respeito às ofertas públicas iniciais (OPI) das PME na Europa.

2.3.

A legislação relativa à admissão à cotação simplifica e melhora as regras de admissão à cotação, em especial para as PME, procurando simultaneamente evitar comprometer a proteção dos investidores e a integridade do mercado.

2.4.

A legislação visa assegurar reduções significativas de custos e contribuir para aumentar o número de OPI na UE. Regras mais simples em matéria de prospetos tornariam a admissão à cotação mais fácil e mais económica para as empresas. Permitir às empresas utilizar ações com direitos de voto plural aquando da admissão à cotação nos mercados de PME em crescimento constitui uma oportunidade para os proprietários manterem o controlo da visão da sua empresa.

2.5.

Regras mais proporcionadas em matéria de abuso de mercado conduziriam também a uma maior clareza e segurança jurídica para as empresas cotadas em matéria de cumprimento dos requisitos essenciais de divulgação de informações. A proposta de legislação relativa à admissão à cotação visa igualmente reforçar o fornecimento e a distribuição de estudos de investimento sobre empresas de média capitalização e PME, o que, por sua vez, deverá favorecer a sua admissão à cotação nos mercados de capitais.

2.6.

Outros benefícios previstos incluem:

informações das empresas destinadas aos investidores mais sucintas, mais atempadas, mais comparáveis e mais fáceis de consultar;

uma melhor cobertura dos estudos sobre capitais próprios, ajudando a tomar decisões sobre investimento;

uma supervisão mais eficiente graças a regras de admissão à cotação mais claras e a melhores instrumentos para investigar casos de abuso de mercado;

prospetos mais normalizados, mais fáceis de verificar pelas autoridades de supervisão.

2.7.

Em conformidade com os objetivos da política ambiental, social e de governação (ASG), a legislação relativa à admissão à cotação procuraria assegurar que as empresas que emitem obrigações ASG incluam informações pertinentes nessa matéria na documentação de admissão à cotação, a fim de permitir aos investidores avaliar mais facilmente a validade das alegações ASG. As empresas que emitem valores mobiliários representativos de capital poderão fazer referência às informações ambientais, sociais e de governação já publicadas — e, por conseguinte, publicamente disponíveis — na documentação de admissão à cotação.

3.   Observações na generalidade

Argumentos em favor de um melhor acesso à admissão à cotação nos mercados europeus de capitais

3.1.

O CESE mantém a posição de que o aumento do financiamento por meio de capitais próprios das empresas europeias é fundamental para assegurar a recuperação duradoura pós-COVID-19, bem como para construir um sistema económico europeu resiliente face à atual guerra da Rússia contra a Ucrânia. Para o efeito, a infraestrutura do mercado financeiro é essencial para desbloquear os fluxos de investimento necessários para recapitalizar a economia.

3.2.

Os mercados de capitais altamente desenvolvidos são igualmente importantes para a comunidade de investimento de retalho. Os europeus mantêm 11 biliões de euros em numerário e depósitos nas suas contas bancárias (3). A percentagem de depósitos no total dos ativos dos agregados familiares europeus é três vezes superior à dos agregados familiares dos EUA. Ao não mobilizar os investidores finais para canalizarem os seus fundos para os mercados europeus de capitais, a UE não está a tirar pleno partido das suas reservas de capital para as nossas empresas. Os gestores de ativos devem adquirir mais confiança nos prospetos do mercado europeu de capitais e os pequenos investidores europeus devem dispor de mais opções no que diz respeito à constituição das suas carteiras. Para tal, é necessário assegurar a cotação, nos mercados europeus de capitais, de uma oferta diversificada de emitentes de elevada qualidade.

3.3.

Durante períodos de dificuldades financeiras das empresas, de imprevisibilidade económica e, em especial, de aumento dos custos da dívida, os capitais próprios funcionam como um fator estabilizador e uma proteção contra choques futuros.

3.4.

O Comité observa igualmente que o financiamento por meio de capitais próprios dos agregados familiares europeus às empresas europeias contribui para assegurar a autonomia estratégica aberta da UE a um nível muito básico: a propriedade dos ativos e a execução do controlo das empresas. A perda de empresas europeias essenciais, que passam para o controlo estrangeiro, em especial para a esfera de influência de países com valores diferentes dos da Europa, representa um risco significativo para a estabilidade económica e política da UE. Além disso, dificulta o desenvolvimento do sistema financeiro da UE, orientado para as necessidades da UE. Por exemplo, a negociação financeira na UE continua a ser dominada por bancos de investimento de países não pertencentes à UE (4).

3.5.

As empresas jovens e inovadoras que estão na vanguarda das transições ecológica e digital devem ser incentivadas a procurar a admissão à cotação nos mercados europeus de capitais e a obter o financiamento necessário através da emissão de ações cotadas em bolsa, uma vez que esta é a forma mais sustentável de ajudar estas empresas a explorar todo o seu potencial criativo e a criar postos de trabalho.

3.6.

Os choques inflacionistas aumentam a atratividade dos investimentos em capital próprio, especialmente entre os pequenos investidores bem informados. Os mercados europeus de capitais podem permitir direcionar estes fluxos de investimento para setores económicos fundamentais em que as empresas geram rendimentos suficientes. Ao mesmo tempo, o Comité considera que é essencial que a UE disponha de regras comerciais sólidas e robustas para explorar todo o potencial dos mercados de capitais da UE. O ensinamento retirado da crise financeira demonstrou que a UE tem de proteger os mercados com equidade, integridade, resiliência e transparência, assegurando também o mais elevado nível de proteção dos investidores.

3.7.

Uma análise realizada em 14 Estados-Membros da UE revelou que até 17 000 grandes empresas são elegíveis para admissão à cotação, mas não pretendem fazê-lo (5). O Comité considera que existe o risco de que, se a UE não incentivar novas admissões à cotação nos mercados de capitais, possa observar-se uma redução da negociação nos nossos mercados de capitais, uma vez que os investidores diversificam a sua carteira a nível mundial se não houver uma oferta suficiente de títulos para investir na UE.

3.8.

Uma nova geração de europeus está a entrar no mercado de investimento de retalho tendo em mente a sustentabilidade (ou seja, fatores ambientais, sociais e de governação). Ao mesmo tempo, muitos agentes económicos estão a voltar-se para objetivos ecológicos, incentivados pelas políticas do Pacto Ecológico Europeu. O CESE considera que esta combinação de fatores constitui um eventual forte impulsionador para desbloquear todo o potencial da taxonomia europeia do financiamento sustentável e do quadro de divulgação de informações não financeiras das empresas. As empresas, tanto a título voluntário como para se alinharem com a futura legislação da UE, terão de dar maior ênfase aos aspetos ambientais, sociais e de governação nas suas operações. A nova geração de investidores exigirá o cumprimento dos aspetos ambientais, sociais e de governação e um impacto social e regenerativo no ambiente tangível e positivo ao mesmo nível que os ganhos financeiros.

3.9.

O Comité chama igualmente a atenção para alguns estudos que demonstram que as economias com financiamento com base no mercado reorientam os investimentos para setores menos poluentes e com maior intensidade tecnológica (6). Em contrapartida, as expansões apoiadas pela utilização intensiva de crédito tendem a ser seguidas por recessões mais profundas e recuperações mais lentas (7).

3.10.

Alcançar uma capitalização do mercado bolsista no valor de 100 % do PIB da UE (em comparação com os cerca de 64 % atuais (8)) deve ser um objetivo claro. O CESE considera que não há outra alternativa senão apoiar os mercados de capitais e melhorar o ambiente das OPI.

Importância para as PME e para as empresas propriedade de uma única família

3.11.

Na opinião do CESE, as PME ainda não desempenham o papel que poderiam desempenhar nos mercados de capitais. Importa envidar esforços no sentido de proporcionar às PME a resiliência necessária através do financiamento por meio de capitais próprios.

3.12.

O Comité observa que o subinvestimento em capitais próprios é evidente na Europa há décadas e que o problema da falta de capital próprio para as PME é premente. As PME carecem da visibilidade necessária para atrair capital; a sua transformação em empresas cotadas proporcionaria melhores oportunidades a longo prazo. O CESE apoia firmemente a opinião de que as PME cotadas devem encontrar um local adequado nas carteiras dos pequenos investidores individuais, dos fundos de investimento e de pensões e das companhias de seguros.

3.13.

O bom funcionamento de um mercado de OPI é igualmente importante no contexto pré-OPI, uma vez que tem impacto no planeamento das estratégias de saída e, por conseguinte, no fornecimento de capital de risco pelas empresas de capital de risco.

3.14.

Os estudos sobre capitais próprios são um instrumento necessário para aumentar a visibilidade das PME, pelo que devem ser promovidos. As iniciativas como a melhoria da cobertura dos estudos sobre capitais próprios ou o ponto de acesso único europeu ajudariam a aumentar a visibilidade das PME para os investidores.

3.15.

É necessária alguma prudência para incentivar as empresas controladas por famílias a ponderarem a admissão à cotação. Por exemplo, na Alemanha, 90 % de todas as empresas são controladas por famílias e 43 % das empresas com vendas superiores a 50 milhões de euros são empresas familiares (9). A propriedade familiar tem os seus méritos; no entanto, o potencial de crescimento pode ser limitado (pelo menos parcialmente) se não for possível obter o financiamento necessário. O CESE está convicto de que a entrada de empresas propriedade de uma única família nos mercados de capitais libertaria um potencial inexplorado (10) e de que o regime de ações com direitos de voto plural ajuda as famílias a manter o controlo, fazendo com que a admissão à cotação lhes seja mais atrativa.

3.16.

A maioria dos centros financeiros mundiais oferece a possibilidade de ações com direitos de voto plural. A Europa necessita de uma abordagem harmonizada para acompanhar a evolução a nível mundial, a fim de não perder as empresas que estão dispostas a expandir-se.

Transparência e divulgação de informações

3.17.

Os requisitos em matéria de transparência impostos às empresas que se preparam para a admissão à cotação em bolsa aumentarão em comparação com os das empresas de capital fechado. Ao contrário de uma empresa de capital fechado, uma empresa cotada em bolsa recolhe fundos de acionistas externos que não têm o mesmo nível de informação nem o mesmo nível de influência na tomada de decisões que os proprietários de uma empresa de capital fechado.

3.18.

Por conseguinte, justifica-se e é necessário um nível significativamente mais elevado de proteção dos investidores, por exemplo, através do estabelecimento de obrigações de divulgação (incluindo as relativas à informação privilegiada) e normas rigorosas em matéria de comunicação de informações.

3.19.

O Comité considera que a divulgação obrigatória é extremamente importante e necessária para o bom funcionamento do mercado de capitais. Os investidores necessitam de receber uma quantidade adequada de informações sobre as projeções de valor dos valores mobiliários. Qualquer redução das exigências de divulgação de informações dissuadiria o investimento no emitente. Por sua vez, tal poderá tornar-se um obstáculo importante à plena exploração das oportunidades oferecidas pelos mercados de capitais.

3.20.

No entanto, a inclusão de um excesso de informação nos documentos da oferta, apenas para evitar litígios, não é a via preferível nem para o emitente nem para o investidor. Há que encontrar o equilíbrio certo.

4.   Observações na especialidade e recomendações

4.1.

Tendo em conta o que precede, o Comité congratula-se vivamente com a legislação relativa à admissão à cotação proposta pela Comissão, com algumas reservas relativamente a determinados aspetos.

4.2.

O CESE considera evidente a necessidade de combater a fragmentação das regras nacionais em matéria de ações com direitos de voto plural. Espera que a harmonização mínima dessas regras, destinada a atrair empresas propriedade de uma única família para os mercados de capitais da UE, contribua para a criação de uma verdadeira União dos Mercados de Capitais pan-europeia. Importa conceber um quadro pormenorizado a nível nacional, a fim de possibilitar a adaptação ao ecossistema local, e incentivar simultaneamente uma harmonização de alto nível na UE.

4.3.

O CESE observa que as ações em circulação não são o único fator importante para assegurar a liquidez. O requisito mínimo de 10 % de ações em circulação só se deve aplicar no momento de admissão à cotação. Sobretudo no caso dos Estados-Membros de menor dimensão, a flexibilidade é fundamental, uma vez que os seus mercados podem funcionar de forma adequada com uma taxa mais baixa de ações em circulação. Este aspeto é fundamental para evitar saídas abruptas do mercado de capitais.

4.4.

O CESE congratula-se com a iniciativa de simplificar o conteúdo dos prospetos, o que proporcionaria uma redução significativa dos custos e dos encargos para os emitentes. No entanto, os colegisladores devem procurar um equilíbrio entre os encargos para os emitentes e as necessidades de informação dos investidores. Os prospetos de 800 páginas devem passar a pertencer ao passado, mas deve ser assegurada a profundidade necessária da informação, em especial sobre os fatores ambientais, sociais e de governação, tendo em conta o princípio da dupla materialidade. A comunicação desse tipo de informações, com base nas disposições sólidas da Diretiva Comunicação de Informações sobre Sustentabilidade das Empresas (11), daria um impulso ao financiamento do Pacto Ecológico.

4.5.

Atualmente, o conteúdo encontra-se disperso, não é homogéneo e nem sempre está disponível em inglês («a língua de uso corrente na esfera financeira internacional», tal como referido na proposta), com exceção do sumário. Além disso, as informações são fornecidas em formatos não legíveis por máquina. Um processo de emissão pode dar origem a múltiplos documentos regulamentares, fragmentados em vários ficheiros (por exemplo, nota sobre os valores mobiliários, sumário do prospeto e documento de registo).

4.6.

Por conseguinte, acolhe-se favoravelmente a harmonização e simplificação do prospeto para instrumentos de capital próprio. De um modo geral, o CESE concorda com a proposta da Comissão de dar aos emitentes a possibilidade de publicar um prospeto apenas em inglês, enquanto língua de comunicação convencionada na esfera dos investidores internacionais (com exceção do sumário, que deve ser disponibilizado na língua local para manter os pequenos investidores).

4.7.

No entanto, o Comité considera igualmente importante a utilização das línguas locais, uma vez que o inglês não é comummente falado em todos os Estados-Membros. Na opinião do CESE, a publicação de um documento completo nas línguas nacionais (e não apenas do sumário), juntamente com o inglês, permitiria uma participação mais ativa dos pequenos investidores locais. Os emitentes e os seus assessores têm de ter em conta que a utilização de documentos de emissão exclusivamente em inglês prejudicaria o desenvolvimento de uma base nacional de investimento de retalho e seria contraproducente no que diz respeito à consecução dos objetivos esperados da estratégia de investimento de retalho da UE, que deverá ser anunciada em breve. A este respeito, o CESE observa que devem ser introduzidas medidas para incentivar os pequenos investidores locais a participarem nos mercados de capitais através da divulgação adequada dos documentos de emissão e aumentando a facilidade da sua leitura.

4.8.

Os estudos sobre capitais próprios são um elemento fundamental para o desenvolvimento de um ecossistema saudável para o financiamento de capitais próprios das PME. A fim de complementar os canais de estudo existentes, é provável que a autorização da agregação de estudos das PME com outros serviços aumente a produção e a distribuição de relatórios de estudo. O CESE congratula-se com a proposta de aumento do limiar de desagregação para 10 mil milhões de euros, o que permitirá corrigir a redução da cobertura e da visibilidade das PME que a DMIF II (12) provocou. No entanto, o CESE salienta que existe uma maior concentração da produção de estudos sobre capitais próprios nas mãos de instituições financeiras de maior dimensão. Devido à sua dimensão, os grandes corretores têm mais capacidade para fixar taxas muito baixas e/ou para utilizar a execução de transações para efetuar a subsidiação cruzada do fornecimento de estudos do que os corretores de pequena ou média dimensão (13). Além disso, os grandes corretores estão interessados sobretudo em realizar estudos sobre empresas de primeira categoria, ao passo que as PME podem ser negligenciadas. A grande maioria dos emitentes considera (14) que a Diretiva Mercados de Instrumentos Financeiros II (DMIF II) reduziu a cobertura e a visibilidade das PME. O CESE considera que existe uma necessidade manifesta de introduzir novas medidas para incentivar a investigação independente, com base nas lições retiradas das boas práticas disponíveis na Europa (15).

4.9.

Na fase pós-OPI, as empresas cotadas devem ser exemplares em termos de transparência e a proteção dos interesses dos acionistas minoritários deve ser a sua principal prioridade. Se os acionistas correrem o risco de serem tratados de forma desleal ou de não terem proteção adequada quando a empresa se tornar pública, não será possível aumentar a sua confiança nos mercados de capitais da UE. O CESE tem em grande apreço a abordagem da Comissão para atenuar a incerteza jurídica em torno dos requisitos de divulgação, através das alterações específicas ao Regulamento Abuso de Mercado.

4.10.

O Comité considera que o atual quadro de pedidos ad hoc em caso de suspeita de abuso de mercado se afigura adequado e suficiente para se alcançar uma fiscalização eficaz, e observa ao mesmo tempo que várias autoridades de supervisão consideram oportuno o reforço do intercâmbio dos dados dos livros de ofertas através do mecanismo de supervisão dos livros de ofertas entre mercados. O âmbito de aplicação da proposta relativa ao mecanismo de supervisão dos livros de ofertas entre mercados pode acarretar o risco de criar condições de concorrência desiguais, uma vez que as plataformas de negociação bilaterais não seriam incluídas no mecanismo.

4.11.

O CESE incentiva vivamente que se acelere a aplicação de outras iniciativas em curso que contribuam para melhorar a atratividade dos mercados de capitais. O Comité publicou vários pareceres sobre iniciativas legislativas passadas, em curso e previstas (16). Apesar dos desafios geopolíticos, deve manter-se o rápido progresso rumo à UMC; mais do que nunca, é necessária uma UMC forte, precisamente devido aos riscos crescentes de instabilidade económica e social.

Bruxelas, 23 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Capital markets union: clearing, insolvency and listing package [União dos Mercados de Capitais: pacote em matéria de compensação, insolvência e admissão à cotação].

(2)  Relatório final do Grupo de Peritos Técnicos das Partes Interessadas sobre PME, Empowering EU Capital Markets for SMEs: Making listing cool again [Capacitar os mercados de capitais da UE para as PME: Tornar a admissão à cotação novamente atrativa]

(3)  Eurostat — Statistics explained.

(4)  Relatório estatístico anual da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) — EU securities markets [Mercados de valores mobiliários da UE], 2020; p. 40.

(5)  Relatório da Oxera — Primary and secondary equity markets in EU [Mercados de capitais primários e secundários na UE], 2020.

(6)  Haas, R.D. e A. Popov, Finance and Carbon Emissions [Finanças e emissões de carbono], Série de documentos de trabalho do BCE, 2019.

(7)  Jordà, Ò., M. Schularick e A.M. Taylor, When Credit Bites Back [Quando o crédito faz ricochete], Journal of Money, Credit and Banking 45 , n.o 2 (1 de dezembro de 2013): 3-28.

(8)  Base de dados da Federação das Bolsas de Valores Europeias, 2022.

(9)  Stiftung Familienurternehmen.

(10)  JO C 75 de 28.2.2023, p. 28.

(11)  JO C 517 de 22.12.2021, p. 51.

(12)  DMIF = Diretiva Mercados de Instrumentos Financeiros.

(13)  Relatório da Oxera — Unbundling: what's the impact on equity research? [Desagregação: qual o impacto nos estudos sobre capitais próprios], 2019.

(14)  Comissão Europeia, relatório final — The impact of MiFID II rules on SME and fixed income investment research [O impacto das regras da DMIF II nos estudos de investimento sobre as PME e o rendimento fixo], 2020.

(15)  Ver a iniciativa sem fins lucrativos «Lighthouse» do Instituto Español de Analistas Financieros [Instituto Espanhol de Analistas Financeiros].

(16)  JO C 155 de 30.4.2021, p. 20; JO C 290 de 29.7.2022, p. 58; JO C 177 de 18.5.2016, p. 9; JO C 10 de 11.1.2021, p. 30; JO C 341 de 24.8.2021, p. 41.


25.5.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 184/109


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Assegurar a disponibilidade e a acessibilidade dos adubos

[COM(2022) 590 final]

(2023/C 184/21)

Relator:

Arnold PUECH D'ALISSAC

Consulta

Comissão Europeia, 9.12.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

9.3.2023

Adoção em plenária

23.3.2023

Reunião plenária n.o

577

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

170/3/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a Comunicação da Comissão — Assegurar a disponibilidade e acessibilidade dos adubos. A crise mundial no setor dos adubos, que começou no início de 2021 e se agravou na sequência da guerra na Ucrânia, é particularmente grave na Europa, onde os agricultores enfrentam um nível recorde dos preços e uma escassez da oferta. A situação atual constitui uma ameaça para a agricultura europeia e para a segurança alimentar mundial.

1.2.

O CESE salienta que são necessárias medidas de emergência nacionais para limitar o impacto da crise no setor dos adubos. Além da possibilidade de apoiar diretamente os produtores de azoto e os agricultores mais afetados através de auxílios estatais (que são alvo de restrições orçamentais, aumentam o risco de distorções da concorrência e devem estar sujeitos à condicionalidade), o CESE considera necessário adotar medidas corretivas para melhorar o funcionamento do mercado de adubos da União Europeia (UE), pois é provável que essas medidas tenham um maior impacto nos agricultores e sejam mais eficazes em termos de custos para os contribuintes.

1.3.

Para facilitar as importações e a concorrência no interior da UE, a fim de atender à escassez da oferta e aos preços dos adubos, o CESE recomenda a adoção de medidas que incluam a suspensão, na UE, dos direitos de importação sobre todos os adubos, a facilitação da logística relacionada com os adubos e a flexibilização da regulamentação.

1.4.

O CESE considera igualmente que são necessárias medidas a médio prazo para limitar a dependência da UE de adubos minerais importados e reduzir a pegada ambiental da fertilização das culturas. Essas medidas devem ter por objetivo limitar a utilização de adubos através de uma maior eficiência dos nutrientes das plantas, substituir parcialmente os adubos inorgânicos por estrume animal reciclado e outros resíduos, e melhorar a autossuficiência da Europa na produção de adubos, numa perspetiva de transformação agroecológica da agricultura.

1.5.

O CESE congratula-se com o anúncio de um novo observatório do mercado de adubos, a criar em 2023, por considerar que é essencial aumentar o nível de transparência no mercado de adubos da UE através da publicação periódica de preços representativos do mercado interno, bem como da elaboração de estatísticas públicas sobre a produção e o consumo de adubos.

1.6.

O CESE apela ainda para que, aquando da adoção de novas medidas, se considerem os aspetos sociais relacionados com os agricultores (fortemente afetados pelos preços dos fertilizantes), os consumidores de alimentos (que enfrentam a inflação dos preços dos alimentos) e os trabalhadores do setor.

1.7.

A nível internacional, o CESE insta a UE a intensificar as ações contra a insegurança alimentar mundial, incluindo a promoção da transparência, da disponibilidade e da utilização eficaz dos adubos. O comércio mundial de adubos deve ser facilitado, mantendo os mercados abertos, evitando restrições e proibições à exportação, aumentando a produção de adubos na Europa e alargando as rotas logísticas.

2.   Introdução e contexto

2.1.

Os adubos são compostos por três nutrientes essenciais para o crescimento das plantas: azoto (N), fósforo (P) e potássio (K).

2.2.

Os adubos são um fator essencial na maior parte da produção agrícola atual. A sua disponibilidade e acessibilidade são fundamentais para a segurança alimentar. O setor dos adubos minerais atravessa uma crise mundial desde o início de 2021, inicialmente devido a um aumento da procura na sequência da recuperação pós-COVID, que se agravou depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, devido às limitações da oferta proveniente da Rússia, da Bielorrússia e da Ucrânia, os três principais fornecedores mundiais de adubos.

2.3.

A crise no setor dos adubos tem sido particularmente grave na Europa, uma vez que i) a UE é um grande importador líquido de adubos; ii) o mercado da UE para adubos azotados e fosforados está protegido por direitos de importação que fazem subir os preços no mercado interno acima dos preços mundiais; e iii) as importações da UE de adubos provenientes da Rússia, da Bielorrússia e da Ucrânia, que anteriormente representavam 43 % das importações da UE, diminuíram significativamente desde março de 2022, não obstante a política oficial da UE não proibir as importações de alimentos e adubos provenientes da Rússia.

2.4.

Os preços dos adubos nos mercados domésticos aumentaram para níveis recorde (triplicando no caso do azoto mineral em novembro de 2022 em relação a janeiro de 2021). Juntamente com a escassez da oferta e o atraso nas aquisições, esta situação resultou numa diminuição significativa da utilização de adubos na UE para a colheita de 2022 (1) e resultará numa eventual escassez em vários Estados-Membros na primavera de 2023, afetando a colheita desse ano.

2.5.

Tal situação tem como pano de fundo o Pacto Ecológico Europeu e a Estratégia do Prado ao Prato (2), publicada pela Comissão Europeia em maio de 2020, que inclui as metas propostas a nível da UE para «reduzir a perda de nutrientes em pelo menos 50 %, assegurando simultaneamente que não haja deterioração da fertilidade do solo», reduzindo «a utilização de fertilizantes em pelo menos 20 % até 2030».

3.   Observações gerais

3.1.

O CESE considera essencial para a produção agrícola e a segurança alimentar na Europa e no mundo assegurar a disponibilidade sem entraves e a acessibilidade dos preços dos adubos. A sua escassez e os preços excessivos praticados conduzem a uma diminuição do rendimento das culturas, põem em risco a produção alimentar e contribuem para a inflação dos preços dos alimentos em detrimento dos cidadãos europeus e da humanidade.

3.2.

A crise que se verifica atualmente nos mercados de adubos constitui uma ameaça em particular nos países de baixos rendimentos, gravemente afetados pela insegurança alimentar. Constitui também uma ameaça para a Europa, onde os grupos vulneráveis já se deparam com problemas de acessibilidade dos preços dos alimentos. A crise no setor dos adubos poderá conduzir a uma diminuição das colheitas, afetando assim a segurança alimentar mundial, já que a UE é um importante produtor e exportador de cereais.

3.3.

O CESE considera que a escassez mundial de adubos não é provocada apenas pelo preço elevado do gás natural, mas também por um desequilíbrio entre a oferta e a procura e por limitações a nível logístico. Na UE, essa situação é ainda agravada pelo nível elevado de dependência do continente em relação às importações de adubos minerais, pelos direitos de importação da UE e pela guerra na Ucrânia.

Medidas internas de emergência

3.4.

Apesar dos preços elevados dos adubos, a competitividade dos custos de vários fabricantes de adubos azotados da UE parece ter sido afetada pelo preço extremamente elevado do gás natural na Europa, sete vezes superior ao dos EUA, quando em 2021 era três vezes superior. Além do acesso prioritário ao gás natural em caso de racionamento, também poderá ser útil conceder apoio específico à indústria do azoto da UE, numa base casuística, com o objetivo de maximizar a utilização das capacidades de produção existentes, como possibilitado pela alteração do quadro temporário de crise para os auxílios estatais da UE. A este respeito, é necessária uma condicionalidade económica e social para evitar efeitos inesperados, uma vez que alguns fabricantes de adubos viram os seus lucros aumentar na sequência da crise no setor.

3.5.

Os utilizadores de adubos, nomeadamente os produtores de culturas arvenses e os especialistas em explorações agrícolas e pecuárias mistas, que representam 62 % das despesas da UE com adubos e 69 % do consumo de azoto na UE (3), foram duramente atingidos pela crise atual. Enfrentam uma escassez de liquidez para a aquisição de adubos antes da colheita das culturas, bem como uma pressão sobre os preços e custos, uma vez que os preços mais elevados dos produtos agrícolas podem não compensar o efeito do aumento dos preços dos adubos e de outros fatores de produção agrícola (4). Por conseguinte, a concessão de apoio específico aos utilizadores de adubos, possibilitada pela alteração do quadro temporário de crise para os auxílios estatais da UE, poderá contribuir para enfrentar a crise.

3.6.

No entanto, existem fortes limites orçamentais e uma concorrência pela prioridade no financiamento desse apoio através da utilização da reserva agrícola da UE, no valor de 450 milhões de euros, para o exercício de 2023. O financiamento de tais medidas através de planos estratégicos nacionais no âmbito da política agrícola comum (PAC) também não é uma opção adequada, uma vez que estes acabam de ser aprovados e demorariam tempo a ser alterados. Em alternativa, o recurso a auxílios estatais aumenta as restrições orçamentais nacionais, bem como o risco de distorções da concorrência significativas entre agricultores de diferentes Estados-Membros. Esta situação é ilustrada pelo facto de, até à data, apenas três Estados-Membros terem implementado regimes de ajuda destinados à aquisição de adubos pelos agricultores, num orçamento total de 855 milhões de euros.

3.7.

O CESE considera que as medidas corretivas destinadas a melhorar o funcionamento do mercado de adubos da UE são, por conseguinte, mais aconselháveis e mais eficazes em termos de custos para os contribuintes. Essas medidas temporárias de emergência devem visar a oferta e os preços dos adubos na Europa, facilitando as importações e a concorrência. Algumas empresas de adubos obtêm lucros avultadíssimos: há que passar uma mensagem estratégica positiva a favor dessa indústria se quisermos que utilize esses meios para investir em fábricas europeias e aumentar o nosso nível de autonomia. Trata-se do preço a pagar pela nossa independência.

3.8.

Na sequência da proposta apresentada pela Comissão Europeia em 17 de julho de 2022, o Regulamento (UE) 2022/2465 do Conselho, de 12 de dezembro de 2022 (5), prevê a suspensão temporária dos direitos de importação aplicáveis à ureia e ao amoníaco (exceto da Rússia e da Bielorrússia). O CESE congratula-se com esta decisão, considerando que, além dos parceiros que já beneficiam de acordos de comércio livre com a UE (como os países do Norte de África), outras fontes de abastecimento importantes serão afetadas positivamente por essa suspensão (como os EUA, os países da Ásia Central e os países árabes do Golfo). No entanto, o regulamento entrou em vigor demasiado tarde para ser eficaz na campanha de 2022/2023, uma vez que a maior parte das importações de ureia foram entregues ou encomendadas a preços anormalmente elevados, com o Conselho a limitar a suspensão a um período de seis meses em vez dos dois anos iniciais. O CESE recomenda à Comissão e ao Conselho que alarguem o regulamento à próxima época de cultivo e a todos os adubos azotados e fosforados. Essa medida promoveria a disponibilidade através da diversificação da oferta e reduziria os preços dos adubos no mercado interno da UE.

3.9.

Importa também aplicar com caráter de urgência outras medidas para corrigir o funcionamento do mercado de adubos minerais na UE nos domínios da logística e da regulamentação, nomeadamente i) incentivar os agricultores e os distribuidores de adubos a anteciparem as compras e a gerirem os riscos em matéria de preços; ii) facilitar a logística portuária a nível de importações para as embarcações que transportem adubos e o transporte terrestre por camião; iii) unificar as interpretações nacionais relativas aos fornecedores de adubos no que diz respeito às sanções à Rússia; e iv) permitir flexibilidades temporárias nos regulamentos da UE, nomeadamente no REACH, na legislação em matéria de transportes e no Regulamento Produtos Fertilizantes.

3.10.

A Comissão Europeia, na sequência das propostas técnicas apresentadas pelo seu Centro Comum de Investigação (6), deve propor rapidamente medidas legislativas que permitam a utilização segura de chorume transformado acima do limiar estabelecido pela Diretiva Nitratos (RENURE) para as zonas vulneráveis aos nitratos, autorizando uma taxa mais elevada de substituição dos adubos inorgânicos. Enquanto este novo limiar não é atingido, o CESE recomenda que todos os agricultores da UE respeitem o limiar máximo atual de 170 kg de azoto orgânico por hectare e por ano.

Medidas internas a médio prazo

3.11.

Como referido no seu relatório de prospetiva estratégica de 2022 (7), o CESE recomenda reduzir a dependência da UE em relação às importações de alimentos para animais, adubos e outros fatores de produção. Nesse sentido, propõe uma definição de autonomia estratégica aberta aplicada aos sistemas alimentares com base na produção alimentar, na mão de obra e no comércio justo, com o objetivo global de garantir a segurança alimentar de todos os cidadãos da UE através de um abastecimento de alimentos saudável, sustentável, resiliente e justo.

3.12.

No respeitante aos adubos, o CESE considera que, embora se deva adotar de imediato medidas de emergência, importa também aplicar medidas a mais longo prazo para limitar a dependência da agricultura europeia em relação aos adubos minerais importados e reduzir, ao mesmo tempo, a pegada ambiental da fertilização das culturas na Europa. Essas medidas devem ter por objetivo i) otimizar, de modo geral, a utilização de adubos através de uma maior eficiência dos nutrientes das plantas, conduzindo a menos perdas; ii) substituir parcialmente os adubos inorgânicos por uma maior taxa de utilização de estrume animal reciclado e de outros resíduos da cadeia alimentar; e iii) melhorar a autossuficiência da Europa na produção de adubos. O CESE sublinha que a agricultura está em transição e continuará a melhorar, com recurso à agroecologia e à agricultura de conservação.

3.13.

É necessário melhorar a eficiência dos nutrientes das plantas, de modo a reduzir o consumo de adubos e as perdas de nutrientes para a água e o ar, o que deverá permitir diminuir a utilização de adubos sem afetar o volume de produção. Tal pode ser alcançado através de práticas de fertilização mais eficazes, nomeadamente a utilização de culturas de cobertura, a escolha de adubos (privilegiando o azoto à base de nitratos e a utilização de inibidores de urease/de nitrificação), a utilização de bioestimulantes e uma agricultura de precisão que permita uma aplicação otimizada (tratamento sucessivo, cálculo do balanço, análise do solo e das plantas, sensores de plantas, ferramentas de apoio aos processos de decisão).

3.14.

O melhoramento seletivo de plantas é também fundamental para a eficiência dos nutrientes, uma vez que as variedades melhoradas são suscetíveis de absorver menos nutrientes, especialmente azoto, para o mesmo volume de colheita. A este respeito, o CESE considera necessário desenvolver sementes e tecnologias inovadoras, de forma a ser sempre possível disponibilizar soluções aos agricultores afetados pelas restrições das ferramentas existentes (8).

3.15.

A substituição de culturas que exigem muitos nutrientes, como os cereais, a colza e a beterraba-sacarina, por plantas com menores necessidades nutricionais, como o girassol (9) e as leguminosas, é uma tendência que os agricultores adotaram naturalmente desde 2021-2022 (10). No entanto, este aspeto deve ser considerado com prudência num quadro de política pública, uma vez que, tendo em conta os respetivos rendimentos da matéria seca e as contribuições de proteínas por hectare, essa mudança poderia perturbar os mercados agrícolas e pôr em risco a segurança alimentar.

3.16.

A substituição parcial de adubos minerais por adubos orgânicos reciclados a partir de estrume animal e de outros resíduos orgânicos é também um objetivo importante a médio prazo na UE (11). Proporcionará benefícios para os solos (teor orgânico mais elevado) e para o clima (o fabrico de adubos azotados sintéticos gera emissões mais baixas), além de reduzir a dependência das importações. No entanto, o potencial do estrume animal não deve ser sobrestimado por várias razões: já é reciclado na sua maior parte, os recursos disponíveis são geograficamente circunscritos (regiões com excedentes estruturais de estrume) e os custos de mobilização, transformação e transporte são significativos. Na sua maioria, os nutrientes provenientes de resíduos humanos não são introduzidos nos solos agrícolas, embora representem um potencial de 2 mil milhões de kg de azoto (12). A Comissão Europeia também deve incentivar o desenvolvimento de técnicas de recuperação de nutrientes das algas e lamas de depuração e uma aplicação agrícola segura.

3.17.

No que diz respeito aos adubos azotados, a promoção de vias alternativas e não fósseis para a produção de amoníaco é um objetivo a longo prazo muito importante, uma vez que reduziria quer a dependência da UE em relação ao gás quer a sua pegada de carbono. O hidrogénio renovável produzido por eletrólise da água (ela própria a partir de eletricidade renovável) encontra-se numa fase industrial piloto, ao passo que a metanização de subprodutos agrícolas e de resíduos orgânicos pode produzir biometano para a produção de amoníaco e um digerido que se pode utilizar como adubo orgânico. No entanto, apesar do atual preço de mercado elevado do amoníaco fóssil, as alternativas renováveis estão longe de ser competitivas e exigirão tempo, maturidade tecnológica e, possivelmente, subvenções públicas significativas antes de atingirem a fase industrial.

3.18.

O CESE congratula-se com o anúncio de um novo observatório do mercado de adubos, a criar em 2023, e com a organização de consultas das partes interessadas no domínio dos adubos no âmbito do grupo de peritos do Mecanismo Europeu de Preparação e Resposta a Situações de Crise no domínio da Segurança Alimentar. O CESE considera também que um nível significativo de transparência no mercado de adubos da UE só pode ser garantido pela publicação periódica de preços representativos do mercado interno para uma série de adubos à base de azoto, fósforo e potássio, bem como pela elaboração de estatísticas públicas sobre o consumo de adubos.

Aspetos sociais

3.19.

O CESE considera que a comunicação em apreço não tem suficientemente em conta os aspetos sociais relacionados com a disponibilidade e a acessibilidade de adubos. Com efeito, os agricultores (em especial os pequenos agricultores) têm de pagar um preço mais elevado pelos adubos que podem não reaver na colheita, uma vez que a compra de adubos e a venda dos produtos estão dissociadas. Além disso, o facto de os adubos estarem mais caros é em parte responsável pela inflação dos preços dos produtos alimentares, que afeta em especial as famílias mais pobres. Por último, as condições de trabalho dos trabalhadores da indústria europeia de adubos são também afetadas por perdas de competitividade e paragens da produção, mas também pelo elevado nível de incerteza que o setor enfrenta na UE.

Assegurar a disponibilidade e a acessibilidade financeira dos adubos a nível mundial

3.20.

O CESE apoia os esforços da Comissão Europeia, dos Estados-Membros, das instituições financeiras europeias, dos países do G20, das agências das Nações Unidas e das instituições financeiras internacionais para combater a insegurança alimentar a nível mundial, nomeadamente através da promoção de mercados de adubos onde impere uma concorrência leal e a transparência, da disponibilidade de adubos e da sua utilização eficaz.

3.21.

A transparência no mercado mundial de adubos reveste-se de especial importância. O CESE incentiva o Sistema de Informação sobre Mercados Agrícolas (SIMA) do G20 a reforçar a representatividade da sua base de dados sobre os preços dos adubos, atualmente limitada a quatro produtos e localizações.

3.22.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) alertaram recentemente (13) para a probabilidade de a escassez mundial de adubos persistir em 2023, ameaçando a produção agrícola e a segurança alimentar, especialmente em África. O comércio mundial de adubos deve ser urgentemente facilitado, mantendo os mercados abertos, evitando restrições e proibições à exportação, aumentando a produção de adubos, alargando as rotas logísticas e maximizando a eficiência dos adubos. O CESE congratula-se com as iniciativas internacionais a este respeito, nomeadamente o Grupo de Resposta à Crise Mundial de Alimentos, Energia e Finanças (ONU), a Aliança Mundial para a Segurança Alimentar (G7), a iniciativa FARM (UE, G7, União Africana) e a iniciativa «Global Fertilizer Challenge» [Desafio Mundial dos Adubos] (EUA, UE).

3.23.

Os preços elevados da importação de produtos alimentares e adubos e as perturbações das cadeias de abastecimento aumentam as necessidades urgentes da balança de pagamentos em determinados países de baixos rendimentos. A UE deve intensificar os esforços a este respeito, quer a nível bilateral (Mecanismo Alimentar e de Resiliência), quer através de iniciativas multilaterais, como o Fundo Fiduciário para a Redução da Pobreza e o Crescimento do Fundo Monetário Internacional e a sua vertente para choques alimentares.

Bruxelas, 23 de março de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  De acordo com a Comissão Europeia, a combinação de secas e de preços elevados dos adubos, que resultaram em taxas de aplicação mais baixas, nomeadamente de fósforo e potássio, contribuiu para uma diminuição do rendimento das culturas e para uma queda de 8 % na colheita de cereais na UE em 2022 em comparação com 2021. Fonte: Short-term outlook for agricultural markets [Perspetiva a curto prazo para os mercados agrícolas], Comissão Europeia, 5 de outubro de 2022.

(2)  COM(2020) 381 final, 20 de maio de 2020.

(3)  Fonte: RICA, 2017.

(4)  A título de referência, o preço do nitrato de amónio em França em novembro de 2022 foi 203 % superior ao nível de janeiro de 2021. Em contrapartida, o preço do trigo para moagem aumentou 45 % no mesmo período. Fonte: La Dépêche Le Petit Meunier.

(5)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32022R2465 (JO L 322 de 16.12.2022, p. 81).

(6)  https://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/handle/JRC121636

(7)  https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/strategic-foresight-report-2022 (ver JO, p. 45).

(8)  JO C 194 de 12.5.2022, p. 72.

(9)  Em 2022, a superfície semeada com girassol na UE aumentou 750 000 hectares, enquanto a superfície cerealífera diminuiu na mesma proporção.

(10)  JO C 75 de 28.2.2023, p. 88.

(11)  https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/information-reports/benefits-extensive-livestock-farming-and-organic-fertilizers-context-european-green-deal-egd-ir-information-report

(12)  Estima-se que uma pessoa emite mais de 4 kg de azoto por ano através da urina (Viskari et al., 2018 — https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fsufs.2018.00032/full).

(13)  Global fertilizer markets and policies: a joint FAO/WTO mapping exercise [Mercados e políticas mundiais de adubos: um exercício conjunto de levantamento realizado pela FAO e pela OMC], 14 de novembro de 2022, https://www.wto.org/english/news_e/news22_e/igo_14nov22_e.htm.