ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 146

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

66.° ano
27 de abril de 2023


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

RESOLUÇÕES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

576.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.2.2023-23.2.2023

2023/C 146/01

Resolução do Comité Económico e Social Europeu — Ucrânia: um ano após a invasão russa — A perspetiva da sociedade civil europeia

1

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

576.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.2.2023-23.2.2023

2023/C 146/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Política energética e mercado de trabalho: consequências para o emprego nas regiões em transição energética (parecer de iniciativa)

4

2023/C 146/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Apoiar a evolução do mercado de trabalho: manter a empregabilidade, aumentar a produtividade e desenvolver competências, especialmente nas PME (parecer de iniciativa)

15


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

576.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.2.2023-23.2.2023

2023/C 146/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) n.o 260/2012 e (UE) 2021/1230 no que diz respeito às transferências a crédito imediatas em euros [COM(2022) 546 final — 2022/0341 (COD)]

23

2023/C 146/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a recolha e a partilha de dados relativos aos serviços de arrendamento de alojamento de curta duração e que altera o Regulamento (UE) 2018/1724 [COM(2022) 571 final — 2022/0358 (COD)]

29

2023/C 146/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao tratamento de águas residuais urbanas [COM(2022) 541 final — 2022/0345 (COD)]

35

2023/C 146/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2000/60/CE que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água, a Diretiva 2006/118/CE relativa à proteção das águas subterrâneas contra a poluição e a deterioração e a Diretiva 2008/105/CE relativa a normas de qualidade ambiental no domínio da política da água [COM(2022) 540 final — 2022/0344 (COD)]

41

2023/C 146/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa [COM(2022) 542 final — 2022/0347 (COD)]

46

2023/C 146/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Comunicação sobre as orientações para uma reforma do quadro de governação económica da UE [COM(2022) 583 final]

53

2023/C 146/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento — Análise Anual do Crescimento Sustentável de 2023 [COM(2022) 780 final]

59


 

Retificações

2023/C 146/11

Retificação do cabeçalho 575.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 14.12.2022-15.12.2022 na secção I (Resoluções, recomendações e pareceres), na subsecção Comité Económico e Social Europeu( JO C 140 de 21.4.2023 )

65

2023/C 146/12

Retificação do cabeçalho 575.a Reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 14.12.2022-15.12.2022, na secção III (Atos preparatórios), na subsecção Comité Económico e Social Europeu( JO C 140 de 21.4.2023 )

66


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

RESOLUÇÕES

Comité Económico e Social Europeu

576.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.2.2023-23.2.2023

27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/1


Resolução do Comité Económico e Social Europeu — Ucrânia: um ano após a invasão russa — A perspetiva da sociedade civil europeia

(2023/C 146/01)

Relatores:

Stefano MALLIA

Oliver RÖPKE

Séamus BOLAND

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 4, do Regimento

Adoção em plenária

23.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

160/1/4

O COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU (CESE),

Quanto à adesão da Ucrânia à UE

1.

salienta que os ucranianos continuam a perder as suas vidas para defender a democracia e que a determinação do país em aderir à UE tem de ser reconhecida de forma concreta e significativa.

2.

assinala que o alargamento é um processo mutuamente benéfico, já que contribui para a estabilidade da UE, reforça a sua posição geopolítica, promove a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos (1) e tem benefícios para todos graças a um mercado único mais vasto, ao passo que o processo de alargamento ajudará, ao mesmo tempo, a Ucrânia a reforçar a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos.

3.

frisa que a UE deve manter-se unida no que toca ao processo de adesão da Ucrânia e propõe que se siga o exemplo de outros países da Europa Oriental que aderiram à UE entre 2004 e 2013. Para tal, há que criar grupos de trabalho para a integração europeia sob a égide dos ministérios competentes, para que os funcionários recebam formação em matéria de harmonização com os padrões, as normas e os procedimentos da UE, assim como com o acervo da UE em geral.

4.

observa que, embora o processo de adesão à UE deva ser respeitado, o processo de adesão da Ucrânia (tal como o de todos os países candidatos dos Balcãs Ocidentais e da Parceria Oriental) tem claramente de ser levado a cabo da forma mais prática e com base na execução das reformas necessárias nos domínios da democracia, do Estado de direito, dos direitos humanos, das liberdades fundamentais, da economia de mercado e da aplicação do acervo da EU.

Quanto a um tribunal internacional especial para o crime de agressão contra a Ucrânia e sanções contra a Federação da Rússia

5.

apoia plenamente a resolução do Parlamento Europeu que defende a criação de um tribunal internacional especial para o crime de agressão contra a Ucrânia (2). O tribunal deve ser criado em estreita cooperação com o Tribunal Penal Internacional e as Nações Unidas. O CESE insta igualmente a UE a assumir a liderança na assistência internacional à investigação de crimes de guerra, de crimes contra a humanidade e de genocídio.

6.

apoia a Resolução do Parlamento Europeu sobre o reconhecimento da Federação da Rússia como um Estado patrocinador do terrorismo (3) e aplaude, em particular, o ponto que insta a UE e os seus Estados-Membros a elaborarem um quadro jurídico da União que permita designar Estados como patrocinadores do terrorismo e Estados que utilizam meios terroristas. A aplicação desse quadro jurídico da União desencadearia uma série de medidas restritivas importantes contra esses países em matéria económica, social e cultural.

7.

exprime o seu apoio à proposta de incluir o Grupo Wagner na lista UE de terroristas.

Quanto à prevenção da «apatia» em relação à Ucrânia

8.

salienta que a derrota da Ucrânia na guerra contra a Rússia seria uma catástrofe para a democracia em todo o mundo. A UE deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para prevenir a apatia em relação à Ucrânia. A UE, ela própria um projeto de paz, tem a obrigação moral de apoiar a Ucrânia enquanto for necessário e com tudo o que for preciso, incluindo através de ajuda humanitária e de infraestruturas.

Quanto à reconstrução e à recuperação da Ucrânia

9.

faz notar que a UE deveria começar desde já a conceber os planos e instrumentos necessários para a reconstrução da Ucrânia. A Plataforma Multiagências de Coordenação de Doadores para a Ucrânia constitui um importante sinal de que a comunidade internacional está e continuará a estar do lado da Ucrânia, mas, para além da sua ênfase na assistência a curto prazo, deve prestar igual atenção à reconstrução da Ucrânia a longo prazo.

10.

salienta que os planos de reconstrução e recuperação para a sociedade e o território da Ucrânia devem prever condições de trabalho justas, o respeito do direito do trabalho, a promoção do trabalho digno e o direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável, bem como oportunidades de formação para todos.

11.

frisa que a tarefa de reconstruir a Ucrânia será colossal e que importa tomar desde já as disposições necessárias para que os ucranianos possam regressar a uma vida normal o mais rapidamente possível uma vez terminada a guerra e possam construir uma economia competitiva que inclua uma transição ecológica, digital e equitativa e gere prosperidade para todos os ucranianos. Além disso, estes processos devem incluir o apoio à criação dos postos de trabalho que a Ucrânia perdeu devido à invasão russa.

12.

defende que os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil sejam associados à elaboração, execução e acompanhamento dos planos de reconstrução e recuperação, a fim de garantir a transparência e a equidade e de assegurar que os recursos sejam orientados para onde são mais necessários.

13.

recorda que ajudar as empresas ucranianas, em toda a sua diversidade, a sobreviver em tempos de guerra e apoiá-las no lançamento das bases de uma economia próspera durante a reconstrução é do interesse tanto da UE como da Ucrânia. Para além da participação da Ucrânia no Programa a favor do Mercado Único, importa que a Ucrânia tenha acesso a outros programas fundamentais da UE. São necessárias medidas de apoio contínuo e reforçado às empresas no que toca à partilha de conhecimentos, à logística e ao acesso a financiamento direto e indireto.

14.

exorta ao restabelecimento do diálogo social na Ucrânia no quadro da lei marcial, apesar dos desafios que tal possa acarretar. O diálogo social está no cerne das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Acordo de Associação UE-Ucrânia e tornar-se-á um dos principais instrumentos nas consultas entre o governo, os empregadores e os trabalhadores sobre questões relacionadas com a reconstrução económica e social do país.

15.

acolhe favoravelmente os acordos tripartidos positivos sobre as reformas do direito do trabalho na Ucrânia, assim como a melhoria esperada das disposições legislativas em matéria de acordos coletivos, e frisa que é necessário associar peritos da Ucrânia, da OIT e da UE ao processo de aplicação das normas laborais internacionais e das garantias sociais e laborais.

Quanto ao apoio à sociedade civil e aos contactos diretos entre as populações

16.

louva a solidariedade demonstrada pelas organizações da sociedade civil da UE e da Ucrânia, que prestaram primeiros socorros e apoio às pessoas que fogem da guerra.

17.

destaca a importância de criar um mecanismo da UE para capacitar a sociedade civil ucraniana, proporcionando-lhe financiamento e facilitando a sua participação nas redes da sociedade civil da UE. Importa consagrar especial atenção à prestação e coordenação de apoio financeiro e administrativo à Plataforma da Sociedade Civil UE-Ucrânia, ao abrigo do Acordo de Associação UE-Ucrânia, e a outras organizações da sociedade civil ucraniana, incluindo redes de cúpula sediadas em Bruxelas e organizações da diáspora ucraniana.

18.

defende o aumento do orçamento ao abrigo do Programa Erasmus+ para a Ucrânia em 2024, para permitir que mais 1000 ucranianos beneficiem do programa, criando e reforçando assim as pontes entre a sociedade civil da UE e da Ucrânia. Essas oportunidades de estágios e de intercâmbios no CESE e noutras instituições da UE sensibilizariam para os benefícios sociais e económicos da integração na UE entre a juventude ucraniana.

Bruxelas, 23 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Artigo 3.o do Tratado da União Europeia.

(2)  Resolução do Parlamento Europeu, de 19 de janeiro de 2023, sobre a criação de um tribunal para o crime de agressão contra a Ucrânia [2022/3017(RSP)].

(3)  Resolução do Parlamento Europeu, de 23 de novembro de 2022, sobre o reconhecimento da Federação da Rússia como um Estado patrocinador do terrorismo [2022/2896(RSP)].


PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

576.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.2.2023-23.2.2023

27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/4


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Política energética e mercado de trabalho: consequências para o emprego nas regiões em transição energética

(parecer de iniciativa)

(2023/C 146/02)

Relatora:

Maria del Carmen BARRERA CHAMORRO

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

30.1.2023

Adoção em plenária

22.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

123/43/20

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) observa que a intensificação dos efeitos negativos da emergência climática, bem como as incertezas e crises decorrentes das novas realidades geopolíticas e do mercado da energia, exigem que a União Europeia (UE) acelere drasticamente a transição para energias limpas e reforce a independência energética da Europa em relação a fornecedores pouco fiáveis e a combustíveis fósseis voláteis. Por conseguinte, congratula-se com os planos da Comissão Europeia para esse efeito, por exemplo, o REPowerEU e o seu financiamento adicional através do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR).

1.2

O CESE salienta igualmente que os riscos ambientais (emergência climática) e energéticos (dependência de energias fósseis) afetam de diferentes formas as atividades económicas e todas as medidas políticas conexas, com um elevado impacto nas regiões, nos setores económicos, nos trabalhadores e nos grupos populacionais mais vulneráveis. Por conseguinte, o CESE considera que cabe prestar especial atenção às regiões em transição justa, onde há uma relação mais estreita entre a evolução do setor da energia e as exigências do mercado de trabalho e nas quais será necessário adotar medidas políticas específicas.

1.3

A este respeito, os estudos mais robustos demonstram que o êxito de uma transição ecológica em geral, e de uma transição energética em particular, poderia aumentar o produto interno bruto (PIB) (alguns estudos estimam um aumento de 5,6 % até 2050), os níveis de emprego (a Organização Internacional do Trabalho [OIT] e a Agência Internacional para as Energias Renováveis [IRENA] estimam que o número de postos de trabalho criados será quatro vezes superior ao número de postos de trabalho perdidos), bem como a qualidade do emprego, tendo em conta o maior nível de especialização necessário. A redução dos preços da energia graças ao aumento das fontes de energia disponíveis, nomeadamente renováveis, identificadas e incentivadas mediante uma taxonomia ecológica da UE adequada, melhorará o acesso a estes serviços, bem como a produção, criando mais emprego. Os postos de trabalho criados nas energias renováveis são, regra geral, mais difíceis de deslocalizar, o que beneficiará muitas regiões, especialmente as que estão mais expostas ao risco de despovoamento. Importa também ter em conta que os ambientes de trabalho têm efeitos positivos sobre a saúde.

1.4

Contudo, o CESE está muito preocupado com os graves efeitos negativos, em termos económicos, profissionais e sociais, da transição energética a curto e médio prazo, agravados quer pela atual crise provocada pela guerra na Ucrânia quer pela situação económica (inflação elevada). O aumento dos preços da energia afetou os agregados familiares mais vulneráveis, bem como muitas empresas em toda a UE. As elevadas faturas de energia aumentam os custos das empresas, afetando os seus níveis de produção e de emprego e forçando-as a aplicar planos de reestruturação. Esta situação demonstra que a política energética e as mudanças que atravessa são determinantes para o ajustamento e o equilíbrio entre os intervenientes do mercado de trabalho, os trabalhadores e os empregadores. Por conseguinte, cumpre estabilizar rapidamente o mercado da energia e, no futuro, geri-lo com novas regras que tenham em conta a dupla transição ecológica e digital, a resiliência e a competitividade.

1.5

A fim de corrigir ou atenuar estes efeitos negativos da transição energética no atual contexto de novas emergências, o CESE propõe que os Estados-Membros estudem formas adequadas de assegurar uma maior integração das políticas do mercado de trabalho nos quadros regulamentares e nas políticas ambientais e energéticas (incentivos a empregos sustentáveis e de qualidade como valor acrescentado da transição energética; fundos para a partilha dos custos dos processos de reestruturação, temporária ou definitiva; programas de requalificação profissional para melhorar a empregabilidade numa economia descarbonizada, etc.), bem como das políticas de bem-estar social (garantias de acesso universal aos serviços energéticos, acesso a um rendimento de substituição e a um rendimento mínimo adequado, etc.). Esta integração, no âmbito das medidas nacionais para aplicar o Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, deve basear-se sempre no diálogo social e na negociação coletiva, sem prejuízo da autonomia e da diversidade dos diferentes sistemas de relações laborais de cada Estado.

1.6

Dada a grande complexidade destes desafios, o CESE propõe que se dê prioridade às interligações entre as questões da transição energética, dos mercados de trabalho e do desenvolvimento regional, no âmbito de uma política renovada de coesão (económica, social e territorial). Embora a relação entre a política energética da UE e o mercado de trabalho num contexto regional diga respeito a todas as regiões da UE, as regiões em transição justa constituem um caso particular, dado que o seu passado de forte dependência da energia convencional tem impacto nos setores conexos. Para tal, devem ser tidos em conta indicadores úteis, como o relativo ao potencial de emprego da descarbonização («decarbonisation employment potential»). O CESE reitera a sua convicção de que, para alcançar eficazmente os objetivos da política para as alterações climáticas e da transição energética, é necessário utilizar o Mecanismo para uma Transição Justa de forma mais eficaz e seguir um ritmo compatível com a situação das empresas de pequena e grande dimensão. Neste contexto, cumpre adotar novas medidas complementares a nível regional, a fim de preservar o maior número possível de postos de trabalho e assegurar novos postos de trabalho de qualidade, sempre com uma participação concreta ou efetiva do diálogo social e da negociação coletiva, bem como das entidades da economia social. A Comissão deve promover esta maior dimensão social. Quaisquer medidas ou políticas equacionadas devem ser formuladas de forma a respeitar as especificidades dos sistemas nacionais de relações laborais, bem como os papéis, as competências e a autonomia dos parceiros sociais.

1.7

O CESE insta a Comissão e o Parlamento, os Estados-Membros e as regiões da UE a integrarem os parceiros sociais e outras organizações da sociedade civil de forma mais inovadora e eficaz na conceção e execução de políticas de transição energética com elevado valor acrescentado em termos de emprego e proteção social, bem como no seu acompanhamento e avaliação. Os estudos de casos pertinentes evidenciaram os desequilíbrios territoriais neste domínio, pelo que o CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a adotarem medidas para promover um desenvolvimento mais equilibrado do ponto de vista territorial e socioeconómico, mediante o diálogo social e a participação da economia social. Por exemplo, podem ser promovidos processos de consulta e, se for caso disso, pactos sociais para assegurar uma transição energética justa do ponto de vista económico, laboral e social.

1.8

O CESE reconhece a necessidade de reforçar as políticas de investimento público e privado, bem como as políticas de compensação social, face à atual situação de crise geopolítica, tendo em conta os efeitos negativos na competitividade das grandes empresas e PME da UE, bem como nos agregados familiares mais vulneráveis. Entre outros mecanismos, incentiva-se a utilização do plano REPowerEU, no âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), a fim de estabilizar as condições de mercado e assegurar o abastecimento universal aos cidadãos europeus. É importante dar resposta a esta necessidade urgente através de mais medidas de investimento económico e social (por exemplo, apoio para compensar os custos mais elevados das empresas, garantia de recursos para prevenir a pobreza energética, etc.) sem reduzir os objetivos de descarbonização assumidos, uma vez que os efeitos negativos de novos abrandamentos seriam superiores aos da sua aceleração a médio e longo prazo.

1.9

O CESE considera que tanto as grandes empresas como as PME têm um papel importante a desempenhar no cumprimento do objetivo da transição energética, mediante condições exigentes que permitam promover empregos de qualidade e sustentáveis e a proteção social, bem como garantir o acesso universal aos serviços energéticos (por exemplo, prevenindo a pobreza energética). Não obstante, a fim de dar resposta às maiores dificuldades enfrentadas pelas PME, o CESE solicita que os programas de acesso das PME ao financiamento sejam melhorados, acelerados e simplificados, e disponham de serviços de apoio e acompanhamento contínuos.

1.10

O CESE recomenda igualmente que se reforce a participação dos prossumidores (consumidores passivos de energia que se tornam cidadãos ativos enquanto produtores de energias renováveis) e dos cidadãos (comunidades de energia) para acelerar a transição energética na Europa.

1.11

O CESE considera que os planos territoriais de transição energética devem ser acompanhados de convenções ou acordos adequados para uma concertação social justa. Estes devem prever que a criação e a manutenção de empregos sustentáveis e de qualidade e o apoio às pessoas são condições necessárias para a conceção, execução e avaliação das medidas previstas, incluindo os fundos obtidos para fomentar a transição energética.

1.12

Contudo, a atual experiência com o diálogo social e a negociação coletiva no contexto da transição energética a nível das macropolíticas não é positiva. Na maioria dos países, a participação dos parceiros sociais na conceção, execução e elaboração de políticas relacionadas com a dupla transição (digital e ecológica) é considerada insuficiente.

2.   Antecedentes e principais elementos

2.1

O CESE congratula-se com o facto de a UE ser um dos principais emissores mundiais a assumir o compromisso vinculativo de alcançar a neutralidade climática até 2050, renovado na COP 27 (7 e 8 de novembro de 2022), apesar das reservas de outros grandes emissores mundiais. Contudo, salienta que a eficácia das medidas adotadas para descarbonizar a economia europeia e o sistema energético da UE nos próximos anos dependerá não só da consecução desse objetivo ambiental, mas também de uma transformação que seja justa para todos, contribuindo para promover uma sociedade sustentável e próspera, caracterizada por uma economia moderna, eficiente na utilização dos recursos, competitiva e com um elevado nível de emprego de qualidade.

2.2

O CESE, no seu Parecer — Uma visão estratégica da transição energética tendo em vista a autonomia estratégica da UE (1), reconhece as oportunidades de prosperidade oferecidas pelo processo de descarbonização da energia. Todavia, adverte também para os riscos sociais e económicos decorrentes da atual crise energética. Os problemas conjunturais, que criam pressões adicionais e dificultam o cumprimento dos objetivos de descarbonização assumidos (guerra na Ucrânia, crise da inflação, etc.), são agravados por problemas estruturais, como as alterações climáticas, cujos efeitos negativos na UE e nas suas regiões são cada vez mais visíveis.

2.3

O CESE está ciente de que os elevados preços do gás e da eletricidade têm sérios impactos em todas as empresas, bem como nos agregados familiares mais vulneráveis. A espiral inflacionista leva ao encerramento de instalações industriais (por exemplo, a Slovalco, na Eslováquia) e prejudica a competitividade de muitas empresas.

2.4

O CESE toma nota igualmente dos relatórios da Eurofound (2) que indicam que a pobreza energética aumentou. Embora os Estados-Membros tenham intensificado significativamente os esforços para introduzir medidas sociais com vista a atenuar os efeitos socioeconómicos das novas crises e emergências, estes têm-se revelado insuficientes, demonstrando assim a importância de reforçar os objetivos sociais. Tal como sublinhado pela Agência Europeia do Ambiente, a elaboração e execução de pacotes de políticas e medidas de atenuação das alterações climáticas devem ter em conta a distribuição dos impactos sociais e a forma de os tornar mais justos sempre que sejam inevitáveis («Exploring the social challenges of low carbon energy policies in Europe» [Os desafios sociais das políticas hipocarbónicas na Europa], outubro de 2021 (3)).

2.5

Neste contexto de novas situações de emergência, o CESE apela para o alargamento e o reforço das medidas específicas da UE e dos Estados-Membros, a fim de compensar os impactos económicos, sociais e laborais mais gravosos do cumprimento dos ambiciosos objetivos climáticos, sem os pôr em causa. Além disso, considera que é necessário enquadrar essas medidas no âmbito das políticas de coesão. Esta ênfase nas políticas de coesão no âmbito das políticas climáticas da UE já foi salientada pelo CESE no seu Parecer ECO/579 (4), a fim de realçar as medidas destinadas a facilitar a capacidade de adaptação das empresas às exigências da transição energética, incluindo as reestruturações que dela resultam, e a prevenir situações de pobreza energética.

2.6

A um nível mais estrutural, o pacote Objetivo 55 visa rever e atualizar a legislação da UE e lançar iniciativas para assegurar que as políticas da UE estão em consonância com os objetivos climáticos acordados pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, tal como prometido no Pacto Ecológico Europeu e consagrado de forma vinculativa na Lei Europeia em matéria de Clima. Por conseguinte, o CESE considera que as políticas de combate à emergência climática podem conduzir a mudanças importantes na economia e gerar, a curto, médio e longo prazo, perturbações sociais, que afetem o emprego e o bem-estar, especialmente em determinadas regiões. Além disso, tal como não pode haver progresso social sem um desempenho económico sólido, também não pode haver crescimento económico sustentável sem assegurar uma transição ecológica e energética justa do ponto de vista social e laboral.

2.7

Os impactos nos mercados de trabalho serão mais drásticos nos setores e nas regiões em que existem indústrias com utilização intensiva de carbono que poderão encerrar. A necessidade de acelerar a transição energética deve ser acompanhada de um mecanismo para uma transição justa. Dado que os efeitos positivos desta transição não se farão sentir automaticamente, o CESE está convicto de que, para assegurar uma transição energética bem-sucedida, é essencial conceber e aplicar políticas de investimento inclusivas (assentes na promoção de empregos dignos sustentáveis), que envolvam a sociedade e deem voz aos trabalhadores e aos seus representantes a nível macro (UE e nacional), meso (setorial) e micro (empresa, unidades locais).

2.8

Nestas circunstâncias incertas e em mutação, o CESE considera que os quadros da União da Energia e do Pacto Ecológico são adequados mas insuficientes para aplicar políticas em matéria de clima e energia que garantam a coesão social e regional através de investimentos significativos na inovação tecnológica, na criação de empregos de qualidade e sustentáveis, no reforço das capacidades do capital humano e na criação de capital social regional. O CESE incentiva a aplicação de boas práticas para o efeito (5) e recorda que já existem abordagens desse tipo, como é o caso dos projetos para a construção de parques solares em antigas minas de lenhite em Portugal e na Grécia ou do apoio estrategicamente orientado para os prossumidores na Lituânia. O CESE observa que estas experiências ainda não constituem uma prática generalizada ou dominante.

2.9

Um relatório elaborado a pedido da Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia do Parlamento Europeu estima que o custo da falta de ambição nestas políticas de transformação energética europeia justa corresponderá a 5,6 % do PIB da UE em 2050. O CESE concorda que, para evitar estes custos, será necessário assegurar uma transição justa, nomeadamente em termos de emprego. O relatório recomenda e quantifica várias ações da UE para o efeito (6):

níveis ambiciosos de financiamento da UE, para além dos recursos dos Estados-Membros para apoiar a inovação no domínio das tecnologias de energia limpa. O CESE já apoiou esta abordagem no seu Parecer INT/913;

a liderança mundial da UE na cooperação multilateral no domínio da transformação energética geraria 94 mil milhões de euros por ano;

ao clarificar o significado de investimento responsável em energia e ao promover a governação ambiental e social, o Regulamento Taxonomia da UE contribuiria para aumentar o PIB da UE em 39 mil milhões de euros por ano.

2.10

O CESE considera que não só as grandes empresas, mas também as PME, são uma parte essencial da solução para construir uma economia competitiva, com impacto neutro no clima, circular e inclusiva da UE. É necessário criar e manter condições de financiamento e apoio adequadas. O financiamento deve ser mais acessível às PME, através de procedimentos administrativos simplificados e adaptados. A criação de serviços de apoio às PME facilitará o acesso efetivo a estas medidas e promoverá a criação de ecossistemas empresariais sustentáveis em todas as regiões da UE (NUTS I, II e III), e não apenas naquelas atualmente qualificadas como regiões em transição justa (cerca de cem regiões NUTS III e trinta e uma regiões NUTS II) (7).

2.11

O CESE congratula-se com a criação de um Fundo para uma Transição Justa e de um Fundo Social para o Clima (8). Não obstante, está convencido de que estes fundos não assegurarão todo o apoio financeiro necessário para fazer face aos efeitos socioeconómicos e em matéria de emprego de uma forma socialmente responsável. O CESE salienta que uma transição energética justa não se limita ao financiamento, incluindo também o objetivo de criar postos de trabalho de qualidade, reforçar a participação democrática (incluindo a nível das empresas), no respeito pela autonomia e pela diversidade dos sistemas nacionais de relações laborais, e manter, agora e no futuro, a competitividade das empresas europeias. O CESE solicita a adoção de medidas específicas a todos os níveis, incluindo no funcionamento do Semestre Europeu, a fim de aumentar a participação dos órgãos de poder local e regional e dos parceiros sociais. Considera igualmente necessário exigir mecanismos de controlo e avaliação da correta utilização dos fundos para uma transição energética justa, através da verificação do cumprimento dos objetivos sociais e profissionais das empresas que beneficiam deste financiamento público.

2.12

O CESE insta a Comissão, na avaliação dos planos nacionais em matéria de energia e clima, bem como dos planos territoriais de transição justa dos Estados-Membros, a reforçar os objetivos sociais e de emprego, nomeadamente:

incluir políticas ativas de emprego que facilitem as transições laborais, através da requalificação profissional e de investimentos educativos em empregos verdes de elevada qualidade;

apoiar as pessoas que perdem os seus empregos devido à descarbonização, utilizando fundos provenientes dos Estados e das empresas beneficiárias, a fim de assegurar que a transição energética pode ter um impacto positivo de emprego;

desenvolver o potencial económico regional resultante das energias renováveis, bem como novas formas de participação na produção de eletricidade (por exemplo, criação de cooperativas de autoconsumo, com capacidade para gerar excedentes para a comunidade; promoção do autoemprego na produção de energias renováveis, etc.);

combater eficazmente a pobreza energética. A garantia de acesso de toda a população aos serviços energéticos está consagrada no Pilar Europeu dos Direitos Sociais (princípio 20);

O CESE considera que, para alcançar estes objetivos ambiciosos, é essencial promover o desenvolvimento de planos territoriais para o emprego e a formação profissional para o futuro com a participação ativa de todas as partes interessadas, em particular, dos parceiros sociais.

3.   Contexto e principais contributos das provas científicas internacionais sobre os efeitos de uma transição energética justa no emprego

3.1

O CESE observa que a substituição de centrais elétricas convencionais alimentadas a combustíveis fósseis por fontes renováveis poderia afetar o emprego de diferentes formas. Poderia criar novos empregos verdes no setor das energias renováveis e também deslocalizar o emprego noutros setores. Há que ter em conta o potencial aumento dos preços da energia, que poderia asfixiar a procura de mão de obra nos setores com utilização intensiva de energia e reduzir o poder de compra dos agregados familiares. Os dados confirmam que a política energética em prol de fontes renováveis cria, destrói ou transforma empregos nos países industriais.

3.2

O CESE constata que não existe total consenso científico sobre o impacto final da transição energética no emprego. Alguns estudos revelam casos em que não houve crescimento líquido do emprego (caso polaco) ou em que este foi muito modesto (caso alemão). No entanto, a OIT estima que a descarbonização da economia implicará a perda de cerca de 6 milhões de empregos, mas quadruplicará o número de empregos criados, de 11 para 43 milhões em 2030 nos países da IRENA (9). Em todos os cenários da Agência Internacional de Energia, o emprego no domínio das energias limpas aumentará, compensando a perda de postos de trabalho nos setores dos combustíveis fósseis. No cenário de zero emissões líquidas em 2050, 16 milhões de trabalhadores passarão a desempenhar novas funções relacionadas com as energias limpas. O relatório sobre energia e emprego dos EUA (USEER) (10) de 2022 apresenta estimativas semelhantes: o emprego no domínio da energia cresceu 4 % devido às energias limpas (enquanto o emprego geral cresceu apenas 2,8 %).

3.3

O CESE observa vários desequilíbrios. Os novos empregos no domínio das energias limpas nem sempre estão no mesmo local que os empregos que substituirão e exigem novas competências. Por conseguinte, as legislações e as políticas energéticas a nível nacional devem concentrar-se em assegurar o reforço das capacidades para que a transição seja bem-sucedida e beneficie, tanto quanto possível, a maioria. Ademais, na indústria das energias renováveis, a percentagem de mulheres trabalhadoras (32 %) é superior à de outros segmentos do setor energético, embora no setor da energia eólica seja apenas de 21 %, o que demonstra que os estereótipos de género persistem neste domínio. Consequentemente, a legislação nacional e as suas políticas de execução devem salientar os objetivos de igualdade de género nestes novos empregos.

3.4

O CESE considera essencial reconhecer que a transição energética não é apenas uma questão de tecnologia e investimento público e privado, mas também um profundo desafio social global. Por este motivo, há que garantir e promover a participação dos utilizadores da sociedade civil e dos produtores do mundo do trabalho (empresas e trabalhadores, diretamente e através dos seus representantes). As considerações climáticas devem estar presentes em todos os tipos de políticas e decisões. Além disso, o CESE considera que estas devem ser concebidas através de processos e, se for caso disso, de pactos de concertação social entre as autoridades a todos os níveis e os parceiros sociais, respeitando a autonomia e a diversidade dos sistemas nacionais de relações laborais, bem como de outras organizações representativas da sociedade civil, de modo a assegurar uma transição energética inclusiva para os trabalhadores, os consumidores e o público em geral.

3.5

O CESE observa que uma análise da literatura científica e da experiência de casos reais, alguns bem-sucedidos e outros não, revela que não existe uma via de transformação única e predeterminada e que a forma como as transições energéticas afetam o emprego e os locais de trabalho depende das condições sociais em que as tecnologias são introduzidas e em que ocorrem mudanças na transição energética. Os dados dos estudos de casos a nível das empresas (por exemplo, Renault, Siemens Energy (11)) mostram que, nos casos em que houve participação dos trabalhadores, a adoção das alterações conduziu a resultados positivos (aumento das competências profissionais, da produtividade e da qualidade dos produtos).

3.6

Contudo, as conclusões sobre o diálogo social e a negociação coletiva no contexto da transição energética a nível das macropolíticas não são positivas. Na maioria dos países, a participação dos parceiros sociais na conceção, execução e elaboração de políticas relacionadas com a dupla transição (digital e ecológica) é considerada insuficiente. A experiência de alguns países revela que esta lacuna pode resultar de dois desafios fundamentais enfrentados pelos parceiros sociais:

embora exista uma grande diversidade de quadros institucionais, faltam em todos esses quadros medidas para promover o diálogo social e a negociação coletiva na configuração dos direitos sociais e laborais associados à transição energética justa (por exemplo, Itália, Espanha, Polónia, Alemanha, etc.);

os parceiros não têm capacidade suficiente para participar adequadamente nos debates sobre o futuro do trabalho na transição energética, formulando prioridades e concretizando eficazmente as suas agendas, embora exista legislação nacional relativa à promoção de «acordos de concertação social» para uma transição energética justa, nomeadamente em Espanha (Lei n.o 7/2021).

4.   Observações na generalidade

4.1

O CESE toma nota das análises que demonstram que tanto os instrumentos políticos como jurídicos da UE podem ser importantes para enfrentar os desafios da transição energética de uma forma justa do ponto de vista económico, social e laboral. Porém, considera também que importa aplicar efetivamente e fazer cumprir os instrumentos existentes (por exemplo, a diretiva relativa aos conselhos de empresa europeus ou a diretiva relativa a um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores) aplicáveis em todos os Estados-Membros. O CESE solicita que se promovam e adotem as reformas mais adequadas, aos devidos níveis, para reforçar o diálogo social e a integração da negociação coletiva nestes processos de transição energética justa, a fim de promover resultados positivos em termos de criação de emprego sustentável e de proteção dos trabalhadores, mantendo simultaneamente um tecido económico e empresarial adequado em todos os Estados-Membros e regiões, com o devido respeito pela autonomia dos parceiros sociais.

4.2

A experiência mostra igualmente que as mudanças na economia e nas estruturas de emprego resultantes das transições energéticas podem conduzir a uma transição social e profissional justa, apenas se o volume de emprego for, em grande medida, preservado, com a transferência de empregos de atividades pouco sustentáveis, devido à sua pegada de carbono, para outros empregos sustentáveis. A interação entre as políticas em matéria de energia e emprego também tem impacto no ambiente ou contexto regional mais vasto, criando oportunidades e riscos (por exemplo, tarifas de aquisição, aumento dos preços da energia que coloca em risco empregos na indústria, como no caso da Alemanha e da Espanha). O CESE observa que, em alguns casos regionais, como na bacia mineira do norte de Espanha, o número de novos empregos criados pela transição energética é significativamente inferior e os respetivos salários são mais baixos do que nos empregos anteriores.

4.3

Numa perspetiva mais global, o CESE nota que, de acordo com os estudos mais aprofundados, cerca de 45 % dos trabalhadores do setor da energia a nível mundial exercem profissões altamente qualificadas, em comparação com quase 25 % na economia em geral. No entanto, esta opção não existe em todos os territórios, pelo que é necessário reforçar uma transição justa e centrada nas pessoas para os trabalhadores em causa, a fim de evitar que a descarbonização conduza ao desemprego líquido, como no caso da Polónia.

4.4

O CESE está convencido de que, em conformidade com os relatórios da IRENA e da OIT (12), o potencial das energias renováveis para gerar trabalho digno sustentável é uma indicação clara de que não é necessário escolher entre a sustentabilidade ambiental e a criação de emprego. Ambas podem e devem ser indissociáveis, criando as condições jurídicas, políticas e financeiras adequadas, exigindo a devida responsabilização de todas as empresas que beneficiam de fundos e assegurando a participação de todas as partes interessadas (territórios, parceiros sociais e cidadãos) na sua governação.

5.   Observações na especialidade

5.1

O CESE observa que a indústria da energia desempenhará um papel cada vez mais estratégico na economia, uma vez que é um motor fundamental para todos os setores. No entanto, nos atuais cenários de crise e mudança, apresenta vários desequilíbrios e riscos, que devem ser corrigidos através de investimentos adequados, políticas coerentes e novas estruturas de governação, a fim de assegurar a participação da economia territorial, da sociedade civil e dos parceiros sociais. Os planos territoriais de transição energética devem ser acompanhados de convenções ou acordos adequados para uma concertação social justa, nos quais a criação e a manutenção de empregos sustentáveis e de qualidade e o apoio às pessoas sejam condições necessárias para a conceção, execução e avaliação das medidas previstas.

5.2

O CESE recorda que o Semestre Europeu é um dos principais mecanismos de governação para aplicar transições socialmente justas e acompanhar a sua evolução. O CESE reitera a sua afirmação de que a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais no ciclo do Semestre Europeu, juntamente com o seu acompanhamento através do painel de indicadores sociais, é um passo na direção certa (13). No entanto, considera que se deve dar maior ênfase à interação entre as políticas ambientais e laborais, a fim de promover um balanço final favorável aos empregos sustentáveis e de qualidade criados, assegurando, ao mesmo tempo, um rendimento suficiente para as pessoas que perdem o seu emprego e não encontram outro. É importante reforçar o papel das regiões e o seu capital social, a especialização inteligente e uma agenda para o capital humano.

5.3

O CESE reitera a necessidade de aplicar o acervo pertinente da UE e dos Estados-Membros no domínio do direito do trabalho e da segurança social. Na sequência do que o CESE já declarou, ao proclamar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, na Cimeira de Gotemburgo, em novembro de 2017, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão reafirmaram o seu compromisso de trabalhar em prol de uma Europa mais justa e igualitária. O Pilar deve orientar não só um processo renovado de convergência ascendente no sentido de melhores condições de trabalho e de vida, como também reformas nos mercados de trabalho e nas políticas sociais (14).

5.4

O CESE observa que existem diferenças significativas na legislação que aplica a Lei Europeia em matéria de Clima. Por conseguinte, legislações como a francesa salientam esta dimensão da participação das empresas e dos representantes laborais na interação entre a transição ecológica e as questões socioprofissionais, enquanto outras, como as de Itália ou Espanha, ou de todas as regiões em transição justa nos países da Europa Oriental, fazem apenas referências superficiais a essas obrigações e direitos. Por exemplo, o CESE toma nota da experiência bem-sucedida da França (Lei n.o 2021-1104), que incorporou o conceito de «desafios da transição ecológica» no Código do Trabalho, prevendo competências para convenções setoriais, sistemas de gestão prospetiva de postos de trabalho e competências para enfrentar os desafios específicos da transição ecológica e energética (artigo L 2242-20), bem como o direito de os sindicatos emitirem alertas ambientais e de saúde pública (L 4133-L 4133-4). Por conseguinte, respeitando rigorosamente a autonomia e a diversidade dos vários sistemas europeus de relações laborais, o CESE insta a Comissão a promover iniciativas de intercâmbio de boas práticas entre os diferentes Estados-Membros e regiões.

5.5

O CESE reitera que a principal condição para uma transição bem-sucedida é uma abordagem inclusiva e de antecipação destinada a garantir e promover políticas laborais e de bem-estar específicas. Uma característica importante das políticas bem-sucedidas deve ser a sua orientação para as necessidades reais do mercado de trabalho, especialmente, mas não só, nas regiões mais afetadas pela transição de combustíveis fósseis para energias renováveis, explorando as oportunidades oferecidas pelas regiões ricas em tais recursos. O Fundo para uma Transição Justa, embora útil, tem algumas limitações, que importa corrigir, uma vez que não oferece uma resposta abrangente aos desafios da transição justa; todavia, os Estados-Membros podem complementá-lo adotando medidas estratégicas a nível nacional.

5.6

Com vista a melhorar a relação entre as políticas ambientais e de transição energética e as políticas do mercado de trabalho e de proteção social, o CESE solicita que se preste mais atenção aos indicadores de emprego sustentável disponíveis na conceção e aplicação do Mecanismo para uma Transição Justa previsto. Importa ter em conta o indicador relativo ao potencial de emprego da descarbonização nas diferentes NUTS. Para obter dados sobre o impacto da nova crise energética no emprego, a base de dados do Observatório Europeu da Reestruturação da Eurofound (15) apresenta um número significativo de experiências registadas.

5.7

O CESE apela igualmente para que se acelere e melhore a aplicação do Mecanismo para uma Transição Justa (16). O CESE congratula-se com a mobilização de 55 mil milhões de euros até 2027 nas regiões mais afetadas pela transição energética, a fim de cumprir o objetivo de «não deixar ninguém para trás», compensando os efeitos socioeconómicos da transição para uma economia com impacto neutro no clima através de três pilares: um novo Fundo para uma Transição Justa (mais de 25 mil milhões de euros em investimentos), o regime para uma transição justa ao abrigo do Programa InvestEU (15 mil milhões de euros para o setor privado) e o novo mecanismo de crédito ao setor público (que mobilizará 18,5 mil milhões de euros de investimento público).

5.8

De igual modo, o CESE considera adequado, ao formalizar os planos territoriais de transição energética, promover não só convenções de transição (concertação social regional), mas também boas práticas na negociação coletiva e a participação dos trabalhadores na transição energética socialmente justa. Neste sentido, importa ter em conta que uma mudança para fontes de energia mais renováveis melhora a qualidade do ambiente ao reduzir as emissões de poluentes atmosféricos, o que é benéfico para a saúde e a produtividade do trabalho.

5.9

O CESE considera essencial garantir que a dimensão ecológica da Europa e a transição energética criem sinergias positivas com a transição inclusiva, a fim de contribuir para o sucesso das empresas, o aumento das oportunidades de emprego sustentável e de qualidade para os trabalhadores e o bem-estar de todos os cidadãos num ecossistema que respeite a saúde do planeta.

Bruxelas, 22 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 75 de 28.2.2023, p. 102.

(2)  https://www.eurofound.europa.eu/publications/customised-report/2022/the-cost-of-living-crisis-and-energy-poverty-in-the-eu-social-impact-and-policy-responses-background

(3)  https://www.eea.europa.eu/publications/exploring-the-social-challenges-of

(4)  JO C 323 de 26.8.2022, p. 54.

(5)  Ver JO C 47 de 11.2.2020, p. 30 e JO C 62 de 15.2.2019, p. 269.

(6)  https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2021/694222/EPRS_STU(2021)694222_EN.pdf

(7)  https://ec.europa.eu/eurostat/web/nuts/background

(8)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 158.

(9)  https://irena.org/-/media/Files/IRENA/Agency/Publication/2019/Jan/IRENA_Gender_perspective_2019.pdf

(10)  https://www.energy.gov/policy/us-energy-employment-jobs-report-useer

(11)  https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2022/733972/IPOL_STU(2022)733972_EN.pdf

(12)  https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_823807.pdf

(13)  Parecer do CESE — Considerações adicionais sobre a Análise Anual do Crescimento Sustentável 2022 (JO C 75 de 28.2.2023, p. 35).

(14)  Parecer do CESE — Salários mínimos dignos em toda a Europa (JO C 429 de 11.12.2020, p. 159).

(15)  https://www.eurofound.europa.eu/observatories/emcc/european-restructuring-monitor

(16)  https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal/finance-and-green-deal/just-transition-mechanism_pt


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 74.o, n.o 3, do Regimento):

ALTERAÇÃO 1

SOC/718 — Política energética e mercado de trabalho

Ponto 2.12

Alterar.

Parecer da secção

Alteração

O CESE insta a Comissão, na avaliação dos planos nacionais em matéria de energia e clima, bem como dos planos territoriais de transição justa dos Estados-Membros, a reforçar os objetivos sociais e de emprego, nomeadamente:

O CESE insta a Comissão, na avaliação dos planos nacionais em matéria de energia e clima, bem como dos planos territoriais de transição justa dos Estados-Membros, a encorajar uma maior ênfase nos objetivos e políticas sociais e de emprego, nomeadamente:

incluir políticas ativas de emprego que facilitem as transições laborais, através da requalificação profissional e de investimentos educativos em empregos verdes de elevada qualidade;

incluir políticas ativas de emprego que facilitem as transições laborais, através da requalificação profissional e de investimentos educativos em empregos verdes de elevada qualidade;

apoiar as pessoas que perdem os seus empregos devido à descarbonização, utilizando fundos provenientes dos Estados e das empresas beneficiárias, a fim de assegurar que a transição energética pode ter um impacto positivo de emprego;

apoiar as pessoas que perdem os seus empregos devido à descarbonização através de políticas e medidas adequadas do mercado de trabalho e, quando exigido pela regulamentação nacional , utilizando fundos provenientes dos Estados e das empresas beneficiárias, a fim de assegurar que a transição energética pode ter um impacto positivo de emprego;

desenvolver o potencial económico regional resultante das energias renováveis, bem como novas formas de participação na produção de eletricidade (por exemplo, criação de cooperativas de autoconsumo, com capacidade para gerar excedentes para a comunidade; promoção do autoemprego na produção de energias renováveis, etc.);

desenvolver o potencial económico regional resultante das energias renováveis, bem como novas formas de participação na produção de eletricidade (por exemplo, criação de cooperativas de autoconsumo, com capacidade para gerar excedentes para a comunidade; promoção do autoemprego na produção de energias renováveis, etc.);

combater eficazmente a pobreza energética. A garantia de acesso de toda a população aos serviços energéticos está consagrada no Pilar Europeu dos Direitos Sociais (princípio 20);

combater eficazmente a pobreza energética. A garantia de acesso de toda a população aos serviços energéticos está consagrada no Pilar Europeu dos Direitos Sociais (princípio 20);

o CESE considera que, para alcançar estes objetivos ambiciosos, é essencial promover o desenvolvimento de planos territoriais para o emprego e a formação profissional para o futuro com a participação ativa de todas as partes interessadas e, em particular, dos parceiros sociais.

O CESE considera que, para alcançar estes objetivos ambiciosos, é essencial promover o desenvolvimento de planos territoriais para o emprego e a formação profissional para o futuro com a participação ativa de todas as partes interessadas e, em particular, dos parceiros sociais. Esses planos devem também ter em conta as consequências económicas do ritmo da transição para as empresas, em especial as PME.

Justificação

A alteração propõe clarificar a redação do texto no que diz respeito ao reforço da ênfase nos objetivos sociais e de emprego e clarificar que a atribuição de fundos (quando exigida pela regulamentação nacional) não é, por si só, suficiente para resolver a questão da perda de postos de trabalho; é necessário muito mais do que isso (políticas, medidas administrativas, etc.) para apoiar e reintegrar as pessoas desempregadas no mercado de trabalho.

Por último, tal como salientado no ponto 1.6 do projeto de parecer, é importante que o ritmo da transição seja compatível com a situação das empresas, em especial as PME.

Resultado da votação

Votos a favor:

73

Votos contra:

78

Abstenções:

8

ALTERAÇÃO 2

SOC/718 — Política energética e mercado de trabalho

Ponto 5.2

Alterar.

Parecer da secção

Alteração

O CESE recorda que o Semestre Europeu é um dos principais mecanismos de governação para aplicar transições socialmente justas e acompanhar a sua evolução. O CESE reitera a sua afirmação de que a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais no ciclo do Semestre Europeu, juntamente com o seu acompanhamento através do painel de indicadores sociais, é um passo na direção certa (1). No entanto, considera que se deve dar maior ênfase à interação entre as políticas ambientais e laborais, a fim de promover um balanço final favorável aos empregos sustentáveis e de qualidade criados , assegurando, ao mesmo tempo, um rendimento suficiente para as pessoas que perdem o seu emprego e não encontram outro. É importante reforçar o papel das regiões e o seu capital social, a especialização inteligente e uma agenda para o capital humano.

O CESE recorda que o Semestre Europeu é um dos principais mecanismos de governação para aplicar transições socialmente justas e acompanhar a sua evolução. O CESE reitera a sua afirmação de que a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais no ciclo do Semestre Europeu, juntamente com o seu acompanhamento através do painel de indicadores sociais, é um passo na direção certa (1). No entanto, considera que se deve dar maior ênfase à interação entre as políticas ambientais e laborais, a fim de promover um balanço final favorável aos empregos sustentáveis e de qualidade criados . Os Estados-Membros devem também, em conformidade com a respetiva regulamentação nacional, proporcionar e assegurar o acesso a prestações de desemprego ou a um rendimento mínimo adequado para as pessoas que perdem o seu emprego e não encontram outro. É importante reforçar o papel das regiões e o seu capital social, a especialização inteligente e uma agenda para o capital humano.

Justificação

Uma vez que o texto refere «as pessoas que perdem o seu emprego e não encontram outro», parece lógico que o termo «rendimento» se refira a um «rendimento mínimo». Neste caso, a terminologia utilizada deve refletir a formulação do ponto 1.5 do projeto de parecer («acesso a […] um rendimento mínimo adequado»). Além disso, pode incluir-se uma referência aos regimes de prestações de desemprego dos Estados-Membros.

Resultado da votação

Votos a favor:

79

Votos contra:

98

Abstenções:

8

ALTERAÇÃO 3

SOC/718 — Política energética e mercado de trabalho

Ponto 1.9

Alterar.

Parecer da secção

Alteração

O CESE considera que tanto as grandes empresas como as PME têm um papel importante a desempenhar no cumprimento do objetivo da transição energética, mediante condições exigentes que permitam promover empregos de qualidade e sustentáveis e a proteção social , bem como garantir o acesso universal aos serviços energéticos ( por exemplo, prevenindo a pobreza energética). Não obstante, a fim de dar resposta às maiores dificuldades enfrentadas pelas PME, o CESE solicita que os programas de acesso das PME ao financiamento sejam melhorados, acelerados e simplificados, e disponham de serviços de apoio e acompanhamento contínuos.

O CESE considera que tanto as grandes empresas como as PME têm um papel importante a desempenhar no cumprimento do objetivo da transição energética, ao promoverem e disponibilizarem empregos de qualidade e sustentáveis , contribuindo assim para o acesso à proteção social ; além disso, podem também ajudar a garantir o acesso universal aos serviços energéticos ( contribuindo assim para a prevenção da pobreza energética , por exemplo ). Não obstante, a fim de dar resposta às maiores dificuldades enfrentadas pelas PME, o CESE solicita que os programas de acesso das PME ao financiamento sejam melhorados, acelerados e simplificados, e disponham de serviços de apoio e acompanhamento contínuos.

Justificação

A alteração visa clarificar o texto, explicando de que forma as empresas e as PME ajudam a disponibilizar emprego sustentável, contribuindo assim para o acesso à proteção social.

Resultado da votação

Votos a favor:

76

Votos contra:

99

Abstenções:

8


(1)  Parecer do CESE — Considerações adicionais sobre a Análise Anual do Crescimento Sustentável 2022 (ainda não publicado no Jornal Oficial).

(1)  Parecer do CESE — Considerações adicionais sobre a Análise Anual do Crescimento Sustentável 2022 (ainda não publicado no Jornal Oficial).


27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Apoiar a evolução do mercado de trabalho: manter a empregabilidade, aumentar a produtividade e desenvolver competências, especialmente nas PME

(parecer de iniciativa)

(2023/C 146/03)

Relatora:

Mariya MINCHEVA

Consulta

Decisão da Mesa, 18.1.2022

Bases jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

30.1.2023

Adoção em plenária

22.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

153/2/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O mercado de trabalho europeu está a passar por uma transformação e a enfrentar novos desafios, resultantes da aceleração dos progressos tecnológicos e do crescimento inteligente sustentável, a somar às alterações climáticas, às alterações demográficas e ao envelhecimento, à migração e à dupla transição digital e ecológica. Esta transformação exige uma boa compreensão do tipo de competências que são necessárias para futuras transformações do mercado de trabalho, nomeadamente nas PME, a fim de manter a empregabilidade sustentável, contribuir para um elevado nível de produtividade e reduzir a escassez de mão de obra.

1.2.

O desenvolvimento de competências e a aplicação efetiva do direito e do acesso à aprendizagem ao longo da vida deve ser parte integrante das estratégias mais amplas de crescimento económico e dos planos de recuperação e resiliência. A revolução tecnológica está a exercer um forte impacto na natureza do trabalho e do emprego e a acelerar as tendências no domínio da reestruturação do emprego. A empregabilidade está, assim, diretamente ligada à capacidade de melhorar as competências e requalificar os trabalhadores ao nível das empresas, a fim de poder gerir as mudanças, e às atitudes das pessoas face às novas competências e às oportunidades e motivações para o desenvolvimento dessas competências.

1.3.

Diferentes fatores, como o envelhecimento da população e as tendências demográficas, originam vários desafios para a gestão das transições no ciclo de vida do emprego. Estes desafios estão relacionados com o tratamento justo e equitativo das diferentes gerações, a motivação e a igualdade de acesso à formação e ao desenvolvimento de competências, as oportunidades de melhoria de competências e requalificação, a fim de aumentar os níveis de produtividade, a melhoria das capacidades profissionais individuais, a gestão das diferenças geracionais e a cooperação e o apoio mútuo entre gerações no local de trabalho. A educação de adultos é essencial para a melhoria de competências, podendo criar uma série de benefícios pessoais, societais, económicos e sociais.

1.4.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) partilha da opinião de que a «UE precisa de uma nova estratégia ambiciosa em matéria de competências para garantir que todos estão bem preparados» (1) e preconiza a mobilização de esforços e uma ação conjunta eficaz por parte das instituições, das empresas, dos parceiros sociais e das partes interessadas no âmbito do Pacto para as Competências, bem como a realização dos objetivos ambiciosos estabelecidos no programa. Neste contexto, o CESE congratula-se com a proposta da Comissão Europeia de proclamar 2023 Ano Europeu das Competências (2).

1.5.

Os parceiros sociais são intervenientes fundamentais no desenvolvimento do potencial humano a fim de alcançar o desenvolvimento sustentável e manter as competências de empregabilidade. O seu papel num processo de negociação coletiva sadio e eficaz é essencial para colmatar o fosso entre as aspirações dos trabalhadores em relação às suas carreiras profissionais e as necessidades das empresas, bem como para o reconhecimento das competências, mas também para reforçar a ligação entre os sistemas educativos, os sistemas de educação e formação profissionais e os serviços de emprego mediante políticas de desenvolvimento da inovação, da indústria, do comércio e da tecnologia. O diálogo social e a negociação coletiva são instrumentos poderosos para a consecução destes objetivos. As organizações da sociedade civil estão em boa posição para oferecer ambientes de aprendizagem não formal e informal e para mobilizar de forma construtiva os voluntários empresariais que pretendem desenvolver competências essenciais. As organizações da sociedade civil competentes também têm um papel importante a desempenhar, especialmente as que trabalham no domínio do empreendedorismo social ou com vários grupos vulneráveis da sociedade.

1.6.

Devidamente protegidas, as novas formas de emprego resultantes das mudanças na natureza do trabalho podem oferecer várias oportunidades para as pessoas se dedicarem ao empreendedorismo, diversificarem os seus rendimentos e enveredarem por profissões e atividades que anteriormente não estavam ao seu alcance. A manutenção da empregabilidade nestas condições exige uma regulamentação adequada, nomeadamente através da negociação coletiva, um novo sistema de formação profissional capaz de desenvolver competências empresariais e profissionais em função das necessidades do mercado de trabalho, um novo tipo de mentalidade motivacional e a cultura jurídica e económica certa.

1.7.

A transformação digital pode ser um desafio para manter a empregabilidade e o êxito do mercado de trabalho para grandes segmentos da nossa sociedade. Pode agravar as desigualdades devido às disparidades no ensino e formação profissionais, nomeadamente a literacia básica e funcional, as barreiras etárias e o acesso às tecnologias modernas, bem como o seu grau de utilização em função das competências e dos rendimentos. A capacidade de atualizar constantemente as competências digitais em função das transformações do mercado de trabalho e da introdução de novas tecnologias constituirá indubitavelmente um dos desafios mais importantes no futuro. A este respeito, o CESE congratula-se com os grandes investimentos previstos nos planos nacionais de recuperação e resiliência para apoiar o reforço das competências digitais (3).

1.8.

Para ter êxito, a transição ecológica exigirá pessoas com as competências necessárias, locais de trabalho com um ambiente de trabalho adequado e sistemas de produção respeitadores do ambiente. Os parceiros sociais têm um papel fundamental a desempenhar para assegurar uma transição justa numa série de setores económicos em que os postos de trabalho atuais serão transformados de forma radical. Existem quatro grupos de competências que são consideradas especialmente importantes para as profissões ecológicas: as competências técnicas e de engenharia, as competências científicas, as competências de gestão de operações e as competências de monitorização. O CESE apoia as ações já empreendidas a nível da UE para promover a aprendizagem sobre a sustentabilidade ambiental e a transição ecológica na UE (4) e defende a criação de soluções práticas para os cidadãos e as empresas da UE.

1.9.

As necessidades futuras do mercado de trabalho exigirão cada vez mais competências cognitivas avançadas e de nível superior, tornando possível operar e tomar decisões num ambiente imprevisível, não rotineiro e em evolução dinâmica. As «metacompetências», que aumentam e aceleram a aquisição de outras competências e são um catalisador de uma aprendizagem mais rápida e um desenvolvimento com êxito ao longo da vida, são fundamentais para manter a empregabilidade nas condições atuais.

1.10.

O papel dos sistemas na aquisição, na previsão e na classificação de competências está a tornar-se fundamental no contexto da evolução dinâmica das necessidades do mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, a conceção e a execução de instrumentos para antecipar as necessidades de competências em cada país tem de ser melhorada e todas as partes interessadas devem participar ativamente e fazer pleno uso dos resultados deste processo.

1.11.

A colocação das competências e qualificações no centro do debate político europeu deve estimular:

1.11.1.

a mobilização dos governos, das empresas, dos parceiros sociais e das partes interessadas para desenvolver e executar estratégias modernas e globais em matéria de competências a nível nacional e setorial; a criação de mais e melhores oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento; a atração e a retenção de talentos para desenvolver as principais competências digitais, ecológicas e cognitivas, as competências sociais, a capacidade de gerir a mudança e o desbloqueio de mais investimento público e privado;

1.11.2.

a utilização da inteligência artificial em sistemas de adequação de competências e sensibilização para as boas práticas existentes neste domínio. Podem ser sistemas que funcionam nos serviços públicos de emprego e no setor privado;

1.11.3.

a aceleração dos processos de modernização e integração do ensino e da formação profissionais, aumentando a sua atratividade, qualidade, flexibilidade e adaptabilidade às necessidades das diferentes idades e categorias de trabalhadores, às necessidades do mercado de trabalho e à necessidade de desenvolver competências essenciais para assegurar um bom ambiente competitivo, a sustentabilidade e a transição para uma economia verde e digital;

1.11.4.

a criação de condições e de motivação para a participação dos jovens no mercado de trabalho mediante a orientação profissional, para lhes conceder acesso a boas condições de trabalho e uma evolução genuína da carreira.

1.12.

As PME devem ser incentivadas a trabalhar em redes que interajam, a cooperar na partilha dos custos da investigação sobre as competências necessárias e a reunir as suas capacidades para responder aos desafios da dupla transição e do desenvolvimento de competências. O seu funcionamento sustentável tem como alicerces fundamentais as condições da comunidade local em que operam, os sistemas regionais de emprego, o apoio das administrações locais e o seu acesso às novas tecnologias, à inovação e aos serviços dos centros de excelência profissional.

1.13.

A antecipação de competências tem de ser amplamente desenvolvida pelos agentes económicos e pelas suas partes interessadas. É necessário apoiar as PME para facilitar o desenvolvimento da sua política de formação e desenvolvimento de capital humano. Concretamente, os sistemas de formação dual e a aprendizagem em contexto laboral estão particularmente adaptados às necessidades das PME. A este respeito, os parceiros sociais têm um papel fundamental a desempenhar neste sentido através do diálogo social nos seus setores de atividade.

2.   Observações na generalidade e contexto

2.1.

A pandemia de COVID-19 colocou-nos perante um novo contexto que originou mudanças no comportamento, nas atitudes e na cultura da sociedade. As expectativas e o comportamento dos consumidores mudaram (mais comunicação e interação em linha), bem como os modelos de negócios e a organização do trabalho (formas de trabalho mais remotas e híbridas). As transições ecológica e digital abrem caminho à adaptação dos sistemas e práticas de educação e formação existentes, de modo a serem capazes de proporcionar os conhecimentos, as aptidões e as competências certas.

2.2.

As competências, as qualificações e o emprego, a natureza variável do trabalho e o desenvolvimento de um mercado de trabalho inclusivo têm sido objeto de vários pareceres do CESE (5), ainda hoje pertinentes. O presente parecer tem como objetivo analisar que tipo de competências são necessárias para futuras transformações do mercado de trabalho, a forma de manter a empregabilidade e contribuir para impulsionar a produtividade, e explorar estratégias eficazes para melhorar o desenvolvimento da força de trabalho e reduzir a escassez de mão de obra, incluindo para as PME.

2.3.

Importa integrar as estratégias de desenvolvimento de competências nas políticas e planos nacionais de crescimento, em sinergia com a investigação industrial e o desenvolvimento económico. Os Estados-Membros devem incentivar o desenvolvimento de setores de elevado valor acrescentado, ajudar os trabalhadores e as empresas a gerirem a mudança e a acompanharem o ritmo da inovação no domínio tecnológico, digital e ecológico. Para tal, será necessário investir mais nos recursos e na planificação para que o sistema de educação e formação seja capaz de dar resposta aos novos desafios e de eliminar a inadequação das competências no mercado de trabalho.

2.4.

O CESE considera que a manutenção da empregabilidade sustentável é uma questão pluridimensional, em que os principais desafios se prendem com a natureza variável do trabalho, dos empregos e das profissões, a necessidade de poder exercer efetivamente o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento ao longo da vida, a digitalização, o papel crescente do potencial humano e da produtividade do trabalho, as alterações da organização do trabalho, as alterações demográficas e a necessidade de assegurar novas formas de equilíbrio entre vida profissional e pessoal, com horários de trabalho flexíveis, e promover políticas de envelhecimento ativo (6). É necessário um ambiente favorável, para que as pessoas compreendam e estejam bem cientes da importância da formação para a sua vida profissional e se sintam capazes e motivadas para aproveitar todas as oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, independentemente da fase da vida em que se encontrem. Neste contexto, a capacidade de manutenção do emprego está diretamente ligada às atitudes face ao desenvolvimento de novas competências em consonância com a dinâmica do mercado de trabalho e à capacidade para o fazer.

2.5.

Os parceiros sociais são intervenientes fundamentais para desenvolver e preservar as competências de empregabilidade. Estão numa posição privilegiada para apoiar a convergência entre a aspiração do trabalhador na sua carreira profissional e as necessidades de competências das empresas. O seu papel, nomeadamente através de uma estrutura de negociação coletiva sólida e eficaz, é essencial no processo de reconhecimento das competências. O CESE considera que, para melhorar os resultados globais dos mercados de trabalho, é necessário reforçar a coordenação entre os sistemas educativos, os sistemas de educação e formação profissionais e os serviços de emprego mediante políticas de desenvolvimento da inovação, da indústria, do comércio e da tecnologia, bem como mediante políticas macroeconómicas. Esta estratégia poderia ser especialmente eficaz a nível local.

2.6.

As alterações na natureza do trabalho estão a resultar também no desenvolvimento de formas novas e flexíveis de relações de trabalho e de modelos de emprego atípicos que alteram a forma como o mercado de trabalho europeu está estruturado. Devidamente protegidas, as novas formas de trabalho podem criar novas oportunidades para as pessoas se dedicarem ao empreendedorismo, diversificarem os seus rendimentos e enveredarem por profissões e atividades que anteriormente não estavam ao seu alcance. Por outro lado, as novas formas de trabalho devem proporcionar uma garantia de acesso à proteção social, uma vez que esta está diretamente relacionada com a sustentabilidade financeira dos sistemas de proteção social. A manutenção da empregabilidade nestas condições exige uma regulamentação adequada (nomeadamente através da negociação coletiva), um novo tipo de mentalidade motivacional, uma cultura jurídica e económica adequada e a ambição de desenvolver competências empresariais e profissionais que respondam à evolução das circunstâncias.

2.7.

A adoção das tecnologias digitais e o seu impacto na natureza e na organização do trabalho podem suscitar desafios sérios para manter a empregabilidade e os resultados positivos do mercado de trabalho. A digitalização pode implicar o risco de agravamento das desigualdades existentes devido às grandes disparidades na educação, nomeadamente a literacia básica e funcional, as barreiras etárias, o acesso às tecnologias modernas e em que medida são utilizadas em função das competências e dos rendimentos. Tendo em conta que a geração emergente conhece muito melhor as tecnologias digitais e que as pessoas mais velhas tendem a preferir trabalhar de forma analógica, as diferentes gerações podem beneficiar-se mutuamente. O CESE congratula-se com os enormes investimentos realizados em competências digitais através dos planos nacionais de recuperação e resiliência.

2.8.

As competências verdes são os conhecimentos, as capacidades, os valores e as atitudes necessários para viver, desenvolver e apoiar uma sociedade sustentável e eficiente na utilização dos recursos (7). A transição ecológica exigirá mudanças nos processos de produção e nos modelos de negócio, alterará inevitavelmente as competências necessárias e as tarefas envolvidas em muitas profissões existentes, e requererá programas de requalificação e melhoria de competências destinados aos trabalhadores. Para ser bem-sucedida, a transição ecológica exigirá pessoas com as competências certas. O CESE reconhece a resposta política a esta situação e defende a criação de soluções práticas para os cidadãos e as empresas da UE.

2.9.

As tendências demográficas irreversíveis, uma mão de obra cada vez mais escassa e o aumento da esperança de vida tornam necessário promover novas políticas de organização do trabalho, programas de intercâmbio intergeracional, novas relações entre a vida profissional e pessoal, com horários de trabalho flexíveis negociados e medidas que contribuam para melhorar a produtividade do trabalho e promover o envelhecimento ativo. No contexto da empregabilidade, surgem muitos problemas e desafios no que se refere à gestão das transições nos ciclos de vida relacionados com o trabalho. Estes dizem respeito ao tratamento justo e equitativo das gerações no mercado de trabalho, à cultura relacionada com a compreensão da idade, à gestão das diferenças geracionais e à gestão do capital social. O acesso de todos a oportunidades iguais de aprendizagem ao longo da vida contribui para manter a empregabilidade e aumentar a produtividade em todas as idades e para reforçar a cooperação e o apoio entre gerações no local de trabalho.

2.10.

Atrair migrantes com competências específicas também é uma parte importante de qualquer cadeia de oferta de competências. A Comunicação da Comissão — Atrair competências e talentos para a UE é um passo positivo nesse sentido.

3.   Competências necessárias para fazer face a futuras transformações no mercado de trabalho

3.1.

As competências são fundamentais para que as sociedades, as empresas e as pessoas possam prosperar num mundo cada vez mais interligado e em rápida mudança. O futuro do trabalho será diferente para as pessoas consoante os seus níveis de educação e qualificações. A procura de empregos pouco qualificados diminuirá gradualmente, mas muitos continuarão a existir. Alguns dos tipos de trabalho associados a capacidades físicas ou manuais, numéricas e de serviço de apoio ao cliente são os que correm o maior risco de transformação ou desaparecimento, devido à adoção de sistemas automatizados e inteligentes. Não obstante, as profissões artesanais e artísticas manter-se-ão, sendo a melhoria de competências nestas áreas essencial para a sua participação no desenvolvimento económico e social. Devido à dupla transição ecológica e digital, a procura de elevados níveis de educação e de qualificações está a aumentar significativamente, ao passo que os postos de trabalho de qualificação média permanecerão temporariamente estáveis, embora seja certo que muitos virão a ser transformados em função das necessidades do mercado de trabalho.

3.2.

O papel dos sistemas na aquisição, na previsão e na classificação de competências está a tornar-se fundamental no contexto da evolução dinâmica das necessidades do mercado de trabalho. O CESE congratula-se com a tendência para a criação e o desenvolvimento de taxonomias europeias e dicionários de aptidões e competências, como a classificação europeia das competências, aptidões, qualificações e profissões (ESCO), o quadro de referência para a competência digital (DigComp 2.2), o quadro europeu de competência digital para educadores (DigCompEdu), o quadro europeu de cibercompetências (e-CF), o dicionário europeu de aptidões e competências (DISCO), as profissões na UE, o GreenComp, etc. Estes constituem um contributo importante para a transparência das competências exigidas no mercado de trabalho, para a portabilidade das qualificações e para a introdução de uma abordagem baseada em competências para a educação, a formação e o desenvolvimento de recursos humanos. Ao mesmo tempo, o CESE apoia o parecer (8) de que a conceção e a execução de instrumentos para antecipar as necessidades de competências em cada país não está ao nível exigido e nem todas as partes interessadas estão ativamente envolvidas ou fazem pleno uso dos resultados deste processo.

3.3.

Os parceiros sociais têm um papel essencial a desempenhar para a definição de estratégias de desenvolvimento de competências à luz dos dados dos observatórios profissionais e territoriais. Por conseguinte, é essencial envolver os parceiros sociais desde o início do processo, para evitar um desfasamento entre as necessidades reais dos empregadores e dos trabalhadores na Europa.

3.4.

As competências digitais figurarão, sem dúvida, entre as competências mais importantes no futuro. Regista-se, em todos os setores da economia europeia, um aumento significativo da necessidade de competências digitais especializadas e altamente desenvolvidas.

3.5.

Há também uma maior necessidade de competências CTEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) e de combinações interdisciplinares de competências — «competências híbridas», «competências transversais» e «competências interfuncionais». Os conhecimentos profissionais especializados, as competências em matéria de investigação e prospetiva, as competências de análise e interpretação sofisticadas de informações complexas e as competências tecnológicas serão cada vez mais valorizadas. O índice de competências verdes gerais (9) identifica quatro grupos de competências que são especialmente importantes para as profissões ecológicas: as competências técnicas e de engenharia, as competências científicas, as competências de gestão de operações e as competências de monitorização.

3.6.

As economias e necessidades futuras do mercado de trabalho exigirão cada vez mais competências cognitivas avançadas e de nível superior, tornando possível agir e tomar decisões num ambiente imprevisível, não rotineiro e em evolução dinâmica. Na maioria das vezes, trata-se de competências analíticas, criativas, inovadoras, não padronizadas, sistémicas, concetuais, estratégicas, abstratas, autónomas e de pensamento crítico. As «metacompetências», que aumentam e aceleram a aquisição de outras competências e são um catalisador de uma aprendizagem mais rápida e um desenvolvimento com êxito ao longo da vida, são fundamentais para manter a empregabilidade nas condições atuais.

3.7.

As máquinas e os algoritmos não substituirão a necessidade de «competências sociais» no mercado de trabalho. O futuro do trabalho e a evolução dos perfis profissionais exigirão uma multiplicidade de competências sociocomunicativas e comportamentais, sendo as mais procuradas a inteligência emocional, a empatia, a capacidade de construir relações, o trabalho em rede, a comunicação eficaz, a assertividade, o trabalho de equipa, o estilo, a etiqueta empresarial, a tolerância intercultural, a negociação, a gestão de conflitos, etc.

3.8.

Muitas competências interfuncionais e comportamentais relacionadas com a eficácia pessoal também estão na vanguarda das exigências do mercado de trabalho. As competências mais procuradas neste contexto são: o empreendedorismo e a capacidade de trabalhar em equipa, a capacidade de decisão e de resolução de problemas, a orientação para a obtenção de resultados, a polivalência, a flexibilidade e a adaptabilidade, o sentido de iniciativa, a desenvoltura, a responsabilidade, o autocontrolo, a previsão, a meticulosidade, a capacidade de lidar com incertezas, com a tensão e com o stresse, a gestão do tempo, etc.

4.   Desenvolvimento da mão de obra para um mercado de trabalho inclusivo e uma produtividade elevada

4.1.

Para que o mercado de trabalho europeu possa enfrentar os desafios que se avizinham, deve, antes de mais, ser inclusivo, assegurar a igualdade de tratamento e criar condições para o investimento em sistemas de emprego que funcionem bem, que contribuam para o aumento da produtividade e promovam políticas de formação e melhoria de competências eficazes, juntamente com políticas ativas do mercado de trabalho robustas. Apesar das diferentes tradições e práticas nos Estados-Membros, o CESE considera necessário:

4.1.1.

otimizar os sistemas de acompanhamento, de análise e de previsão das necessidades de competências no mercado de trabalho;

4.1.2.

intensificar a participação dos parceiros sociais e de todas as partes interessadas, prestando especial atenção à capacidade das empresas de desenvolverem procedimentos internos que visam identificar lacunas de competências e necessidades de formação, e de aplicarem medidas de melhoria de competências e requalificação da sua própria mão de obra;

4.1.3.

aplicar abordagens modernas e soluções informáticas para reforçar, sistematizar entre setores e regiões e tornar acessíveis dados analíticos sobre competências, a fim de proporcionar formação e qualificações pertinentes para as necessidades do mercado de trabalho; por exemplo, por um lado, as plataformas de informações de talentos podem integrar várias informações sobre os trabalhadores (as suas competências, aptidões, experiência, ambição de desenvolvimento profissional, demografia, necessidades de formação, oportunidades de desenvolvimento) e, por outro, as necessidades dos empregadores;

4.1.4.

realizar, em conjunto com os parceiros sociais, uma avaliação estratégica dos desafios e das implicações para os empregos, as profissões, as qualificações, as atividades e as competências relacionadas com a transição para uma economia ecológica e digital, e desenvolver formas adequadas de qualificação e requalificação, bem como o investimento no desenvolvimento de competências e apoio às pessoas afetadas pela mudança ou transição para empregos verdes;

4.1.5.

analisar os obstáculos enfrentados pelos jovens à aquisição de qualificações e competências no domínio das CTEM, bem como tomar medidas específicas para aumentar a atratividade da educação e das carreiras no domínio das CTEM entre raparigas e mulheres;

4.1.6.

tomar medidas para criar sistemas de ensino e formação profissionais ágeis, resilientes e preparados para o futuro, que possam atrair os jovens e apoiar a sua entrada num mercado de trabalho em mudança e assegurar que os adultos tenham acesso a programas de formação profissional adaptados às suas necessidades e à dupla transição ecológica e digital;

4.1.7.

assegurar um papel estratégico mais ativo aos parceiros sociais na aceleração do ciclo de criação e oferta de novas qualificações, na atualização dos currículos e nos mecanismos de financiamento e auditoria de qualidade. Deve ser dada especial atenção às microcredenciais, às suas normas de qualidade e às possibilidades do seu reconhecimento e inclusão em redes de qualificações mais amplas; e expandir a prática de criação de comités setoriais, inclusive a nível territorial, contando com a participação de parceiros sociais e instituições de ensino, a fim de resolver os desajustamentos de competências e de criar, de forma flexível, microcredenciais que correspondam estreitamente às necessidades de formação das empresas;

4.1.8.

incentivar o recurso à negociação coletiva para assegurar o acesso à aprendizagem ao longo da vida e facilitar a inclusão no mercado de trabalho, nomeadamente, através do seguinte: contas individuais de aprendizagem, que explorem as possibilidades de licenças remuneradas para formação, de acordo com as práticas nacionais, e um número mínimo de horas de formação por ano; incentivos à requalificação e à melhoria de competências; reconhecimento das qualificações em todos os Estados-Membros da UE; desenvolvimento de sistemas de gestão de conhecimentos empresariais; celebração de contratos de mentoria com funcionários experientes reformados, etc.;

4.1.9.

desenvolver políticas que assegurem a igualdade de acesso às oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento. Tal implica:

4.1.9.1.

executar as três etapas estabelecidas na Recomendação da UE, de 2016, intitulada «Percursos de melhoria de competências: novas oportunidades para adultos», ou seja, a avaliação de competências, a oferta personalizada de formação e a validação e reconhecimento das competências adquiridas;

4.1.10.

prestar especial atenção às categorias de trabalhadores que são frequentemente excluídos da formação mas que, precisamente por isso, mais necessitam dela: pessoas pouco qualificadas; pessoas com mais de 45 anos de idade; pessoas com deficiência; mulheres que regressam ao trabalho após ausências prolongadas devido a responsabilidades familiares e de prestação de cuidados; migrantes e refugiados. As organizações da sociedade civil e as empresas sociais desempenham um papel fundamental para ajudar estes grupos vulneráveis nas suas necessidades de formação.

5.   Desafios para as PME no desenvolvimento de competências necessárias para fazer face às futuras transformações no mercado de trabalho

5.1.

As micro, pequenas e médias empresas representam 99 % de todas as empresas da UE. Cerca de 24 milhões de PME geram mais de 4 biliões de euros em valor acrescentado e empregam mais de 90 milhões de pessoas, representando uma fonte crucial de espírito empreendedor e inovação, que são fundamentais para o desenvolvimento sustentável e a competitividade da indústria europeia (10). A importância das PME sempre foi reconhecida, mas a pandemia de COVID-19 fez-nos compreender o quão vulneráveis são aos impactos externos, em particular no contexto de uma crise que colocou um grande número de PME em situação financeira precária e milhões de empregos em risco.

5.2.

Embora as PME enfrentem os mesmos desafios que as demais, têm problemas específicos relacionados com um melhor acesso ao mercado e ao financiamento, a aceitação da inovação, a digitalização, a transição para modelos de negócio neutros para o clima e a mudança da produção linear para a circular.

5.3.

Devido aos recursos limitados, à falta de conhecimentos especializados e à sua localização regional, a grande maioria das PME enfrenta sérias dificuldades em atrair talentos, bem como em selecionar, formar, desenvolver, motivar e reter pessoal. Apenas cerca de 40 % das PME têm estratégias e políticas formais para a gestão de recursos humanos. Devido às suas dificuldades em compensar as ausências do pessoal que frequenta ações de formação externas, bem como à sua limitada capacidade financeira, as PME têm uma percentagem inferior à média da UE no que se refere à utilização de modalidades presenciais de formação profissional.

5.4.

A grande maioria das PME opera em nichos de mercado específicos e/ou setores económicos não tradicionais, onde a natureza do trabalho exige competências profissionais específicas que precisam de ser adquiridas e desenvolvidas em ambientes práticos reais. Os recursos humanos limitados implicam frequentemente que os postos de trabalho requerem uma especialização mais ampla e competências híbridas transferíveis relacionadas com a necessidade de um conjunto maior de funções.

5.5.

As necessidades específicas das PME em matéria de competências dizem respeito principalmente ao empreendedorismo tecnológico, à identificação de oportunidades de negócio, à avaliação e gestão de riscos, às fontes de financiamento, ao desenvolvimento de estratégias empresariais, a projetos e planos empresariais, à aplicação de modelos de negócio inovadores, à utilização de tecnologias digitais, ao branding digital e ao marketing digital, ao cumprimento do quadro regulamentar estabelecido, à gestão do pessoal, à economia verde, à utilização das energias renováveis e à economia circular.

5.6.

Tendo em conta a natureza técnica das profissões exercidas num número considerável de PME, cujo saber-fazer é único, nomeadamente em mercados de nicho, a formação no trabalho é uma resposta adequada às necessidades de competências nessas empresas. De igual modo, a formação no trabalho é necessária para enfrentar os desafios colocados pelas transformações digitais e ecológicas. Este tipo de formação facilita o desenvolvimento de competências nas PME graças à sua modalidade simplificada, que permite organizar formação interna e transferir conhecimentos dentro da empresa. Para resolver o problema da manutenção dos níveis de produção quando os trabalhadores se encontram ausentes para frequentar os cursos de formação, os empregadores devem recorrer a formas adequadas de formação e a instrumentos ad hoc, como a partilha de programas de formação a nível setorial ou territorial que promovam sinergias entre as PME, e ter acesso a medidas de apoio financeiro específicas.

5.7.

A antecipação de competências tem de ser amplamente desenvolvida pelos agentes económicos e pelas suas partes interessadas. Os parceiros sociais, através do diálogo social nos ramos e setores profissionais, têm um papel fundamental a desempenhar neste sentido.

Bruxelas, 22 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Agenda de Competências para a Europa em prol da competitividade sustentável, da justiça social e da resiliência, COM(2020) 274 final.

(2)  Ver o discurso de 2022 sobre o estado da União proferido pela presidente Ursula von der Leyen, https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/SPEECH_22_5493

(3)  https://ec.europa.eu/economy_finance/recovery-and-resilience-scoreboard/assets/thematic_analysis/scoreboard_thematic_analysis_digital_skills.pdf

(4)  GreenComp: Quadro Europeu de Competências em matéria de Sustentabilidade.

Recomendação do Conselho, de 16 de junho de 2022, que visa assegurar uma transição justa para a neutralidade climática (2022/C 243/04).

Recomendação do Conselho, de 16 de junho de 2022, sobre a aprendizagem em prol da transição ecológica e do desenvolvimento sustentável (2022/C 243/01).

(5)  Estudo do Observatório do Mercado de Trabalho (OMT) intitulado «The work of the future, ensuring lifelong learning and training of employees» [O trabalho do futuro: garantir a aprendizagem e a formação dos funcionários ao longo da vida] (2022); «O futuro do trabalho — a aquisição de conhecimentos e competências adequados para responder às necessidades dos empregos do futuro» (2017); «Sustainable funding for lifelong learning and development of skills, in the context of a shortage of skilled labour» [Financiamento sustentável para a aprendizagem e o desenvolvimento de competências ao longo da vida, num contexto de escassez de mão de obra qualificada] (2019); «A evolução do mundo do trabalho e a longevidade e o envelhecimento da população — As condições necessárias para que os trabalhadores mais velhos se mantenham ativos no novo mundo do trabalho» (2019); «Digitalização, inteligência artificial e equidade — Como reforçar a UE na corrida mundial às competências e à educação futuras, assegurando simultaneamente a integração social» (2019); «Formação profissional: eficácia dos sistemas para antecipar e adequar as competências e as necessidades do mercado de trabalho e papel dos parceiros sociais e das diferentes partes interessadas» (2020); «Proposta de recomendação do Conselho sobre o ensino e a formação profissionais (EFP) em prol da competitividade sustentável, da justiça social e da resiliência» (2020); «Promover, com base na educação e na formação e numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, as competências necessárias para que a Europa crie uma sociedade mais justa, mais coesa, mais sustentável, mais digital e mais resiliente» (2020); «Uma Estratégia para as PME com vista a uma Europa Sustentável e Digital» (2020); «Ecossistemas industriais, autonomia estratégica e bem-estar» (2021); «Aprendizagem mista» (2021); «Pacote Ensino Superior» (2022), etc.

(6)  https://www.eurofound.europa.eu/observatories/eurwork/industrial-relations-dictionary/active-ageing

http://erc-online.eu/wp-content/uploads/2017/03/With-signatures_Framework-agreement-on-active-ageing.pdf

(7)  Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial.

(8)  Ver, por exemplo, «Skill needs anticipation: systems and approaches. Analysis of stakeholder survey on skill needs assessment and anticipation» [Antecipação das necessidades de competências: sistemas e abordagens. Análise do inquérito às partes interessadas sobre a avaliação e antecipação das necessidades de competências]. OIT — Genebra, 2017, ISBN: 978-92-2-130248-3 (https://www.cedefop.europa.eu/files/2223_en.pdf).

Resolução do Conselho sobre uma nova agenda europeia para a educação de adultos 2021-2030 (2021/C 504/02).

(9)  http://www.nber.org/papers/w21116

(10)  https://www.europarl.europa.eu/factsheets/en/sheet/63/small-and-medium-sized-enterprises


III Atos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

576.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 22.2.2023-23.2.2023

27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/23


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) n.o 260/2012 e (UE) 2021/1230 no que diz respeito às transferências a crédito imediatas em euros

[COM(2022) 546 final — 2022/0341 (COD)]

(2023/C 146/04)

Relator:

Christophe LEFÈVRE

Consulta

Parlamento Europeu, 21.11.2022

Conselho da União Europeia, 16.11.2022

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

27.1.2023

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

64/0/1

Adoção em plenária

22.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

146/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente o Regulamento relativo às transferências a crédito imediatas em euros: nos últimos anos, emitiu um parecer sobre os pagamentos de pequeno montante (1) e outro sobre o sistema económico e financeiro europeu (2) com vista a contribuir para o mercado financeiro único, simplificar as operações transfronteiras e garantir a segurança das operações financeiras entre consumidores, empresas e pequenas e médias empresas (PME).

1.2.

O CESE considera que a acessibilidade dos serviços para os consumidores e as empresas da Europa é crucial para o êxito dos pagamentos imediatos na UE. Quanto mais os prestadores de serviços de pagamento (PSP) (3) começarem a disponibilizar pagamentos imediatos, mais êxito estes terão na UE. Os pagamentos imediatos em euros estarão disponíveis a todos os cidadãos e empresas titulares de uma conta bancária na União Europeia (UE) e nos países do Espaço Económico Europeu (EEE). A proposta visa assegurar que os pagamentos imediatos em euros sejam acessíveis, seguros e processados sem entraves em toda a UE.

1.3.

O CESE considera que o banco remetente não deve cobrar uma taxa para verificar a correspondência do número internacional de conta bancária (IBAN) ao nome do beneficiário, devendo esse serviço estar incluído no preço do próprio pagamento imediato. O CESE defende que os PSP não devem cobrar mais pelos pagamentos imediatos em euros do que pelas transferências a crédito regulares em euros, especialmente se o regime de verificação IBAN for alargado a todos os pagamentos do Espaço Único de Pagamentos em Euros (SEPA).

1.4.

O CESE defende que a verificação do IBAN não deve estar limitada a pagamentos imediatos, devendo ser alargada a serviços de transferências a crédito clássicas até serem prestados por PSP.

1.5.

As instituições de moeda eletrónica e as instituições de pagamento estão, para já, excluídas do âmbito de aplicação do regulamento em apreço. Esta isenção deve ser revogada quando essas instituições tiverem acesso aos sistemas de pagamento, após alteração da Diretiva Caráter Definitivo da Liquidação (98/26/CE) (4). Os PSP não bancários devem ser abrangidos pelo regulamento quando a sua oferta de serviços de pagamento inclua a gestão de uma conta de pagamento e a execução de transferências a crédito. Até lá, importa clarificar como se aplicam a verificação do IBAN e as regras de responsabilidade quando os pagamentos imediatos são iniciados através destas terceiras partes.

1.6.

No entanto, uma vez que o regulamento em apreço altera o Regulamento (UE) n.o 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (5), importa clarificar que os serviços de investimento estão excluídos da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho (6) (Diretiva Serviços de Pagamento 2, artigo 3.o, alínea i)).

1.7.

O CESE considera que a Comissão Europeia deve:

tornar obrigatória a disponibilização de um serviço que permita aos clientes serem notificados sempre que seja detetada uma discrepância entre o nome e o IBAN do beneficiário, sem aplicação de uma taxa específica;

assegurar que, quando é detetada uma discrepância durante a verificação do IBAN pelo banco destinatário, este informa o banco remetente;

assegurar que, quando é detetada uma discrepância e o consumidor decide, não obstante, confirmar o pagamento imediato, o banco remetente deixa de ser responsável se o beneficiário não for o correto;

propor medidas específicas para melhorar a luta contra a fraude, uma vez que o IBAN afetará apenas os pagamentos autorizados por push (APP).

1.8.

A fim de evitar interpretações diferentes da aplicação de sanções, o CESE recomenda incluir no regulamento disposições que garantam a aplicação uniforme do direito da UE, explicando:

como é que os PSP que exercem atividade em vários países devem avaliar essas situações e que medidas devem tomar;

como é que essas informações serão partilhadas na UE;

como é que será abordada a questão da compensação por danos nestes casos; e

remetendo para uma única lista de pessoas ou entidades sujeitas a sanções da UE, adotada por meio de um regulamento do Conselho elaborado ao abrigo do artigo 215.o TFUE e imediatamente disponibilizada aos PSP. Esta deverá constituir a lista oficial de pessoas ou entidades sujeitas a sanções da UE (medidas restritivas).

1.9.

A Comissão Europeia deve aprofundar a parte da exposição de motivos do regulamento, de forma a apresentar a posição geral da UE e a fornecer uma interpretação das sanções aplicáveis aos bens e aos serviços, nomeadamente as que dizem respeito à importação, exportação, transporte e proibição de determinados bens.

1.10.

Os PSP podem acompanhar as sanções de forma mais eficaz se tiverem listas de acompanhamento interno e puderem remeter para as listas de outros países (EUA, Reino Unido, etc.), reduzindo, desta forma, os riscos para a reputação e os riscos bancários correspondentes (prática de mercado atual). As medidas específicas neste domínio incluem:

a criação de listas de acompanhamento interno, que normalmente incluirão entidades envolvidas em violações de sanções ou riscos de sanções, produtos de dupla utilização, etc.;

a utilização da lista fornecida pela autoridade nacional competente, em conformidade com a legislação da UE em matéria de luta contra o branqueamento de capitais.

1.11.

O CESE apoia a ideia de permitir que as instituições de moeda eletrónica e as instituições de pagamento participem em sistemas de pagamento enquanto participantes diretos e considera possível alargar a proposta da Comissão relativa a pagamentos imediatos aos sete Estados-Membros da UE que não integram a área do euro mas fazem parte do mercado único.

2.   A proposta da Comissão

2.1.

Os pagamentos imediatos são uma forma de transferência a crédito através da qual os fundos transitam da conta do ordenante para a do beneficiário em segundos, em qualquer momento, de dia ou de noite, em qualquer dia do ano. Tal distingue os pagamentos imediatos de outras transferências a crédito, que são processadas pelos PSP apenas durante o horário de expediente, sendo os fundos creditados ao beneficiário unicamente até ao final do dia útil seguinte.

2.2.

Na UE, a arquitetura para os pagamentos imediatos em euros já existe. Inclui vários sistemas de pagamentos que permitem a liquidação imediata e o modelo de transferência a crédito imediata (modelo SCT Inst.) Espaço Único de Pagamentos em Euros (SEPA).

2.3.

Na sua comunicação de 24 de setembro de 2020 (7), a Comissão anunciou que proporia legislação para obrigar os PSP da UE a disponibilizarem pagamentos imediatos em euros até ao final de 2021. Além disso, na sua comunicação de 20 de janeiro de 2021 (8), a Comissão reiterou a importância da sua estratégia para os pagamentos de pequeno montante e da inovação digital no setor financeiro. Posteriormente, incluiu uma iniciativa sobre os pagamentos imediatos no seu programa de trabalho para 2022 (9).

2.4.

A proposta de efetuar pagamentos imediatos em euros aplicar-se-á a todos os cidadãos e empresas titulares de uma conta bancária na União Europeia (UE) e nos países do Espaço Económico Europeu (EEE), independentemente de a conta ser em euros ou noutra moeda da UE. Além disso, visa assegurar que os pagamentos imediatos em euros são acessíveis, seguros e processados sem entraves em toda a UE. A proposta em apreço contribuirá para a inovação e a concorrência no mercado de pagamentos da UE, em plena conformidade com as regras em vigor em matéria de sanções e de luta contra a criminalidade financeira. Contribuirá igualmente para os objetivos mais vastos da Comissão em matéria de digitalização e autonomia estratégica aberta. A iniciativa está em consonância com a prioridade da Comissão de garantir uma economia ao serviço das pessoas e proporciona um ambiente de investimento mais atrativo.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Nos últimos anos, o CESE emitiu um parecer sobre os pagamentos de pequeno montante (10) e outro sobre o sistema económico e financeiro europeu (11), a fim de contribuir para o mercado financeiro único, simplificar as operações transfronteiras e garantir a segurança das operações financeiras entre consumidores, empresas e PME.

3.2.

No final de 2022, um pouco mais de 13 % (12) de todas as transferências a crédito em euros foram pagamentos imediatos, além de que:

um em cada três PSP da UE não oferece pagamentos imediatos em euros;

na área do euro, 70 milhões de contas de pagamento não permitem aos seus titulares enviar dinheiro e receber pagamentos imediatos em euros;

até 9,4 % dos pagamentos imediatos transfronteiras em euros são rejeitados pelos PSP devido à ineficácia do rastreio das sanções.

3.3.

De acordo com os dados de uma análise da Comissão Europeia, um montante de até 200 mil milhões de euros, atualmente bloqueado no sistema financeiro, é libertado diariamente para fins produtivos, o que se traduz num benefício económico da ordem dos 1,34 a 1,84 mil milhões de euros por ano. Essa avaliação não tem em conta o aumento da inflação na Europa, que varia entre os 10 % e os 30 % em alguns países, em resultado da guerra russa na Ucrânia e da pandemia de COVID-19.

3.4.

Para os consumidores, as empresas, as PME e os retalhistas, o pagamento imediato resulta numa transação mais segura, uma vez que o dinheiro é recebido imediatamente. Noutra alternativa de pagamento, ou seja, nos pagamentos transfronteiras europeus, as economias nos custos associados às garantias de pagamento que deixam de ser necessárias melhoraram a gestão dos fluxos de caixa.

3.5.

Os pagamentos imediatos aumentam também a escolha de meios de pagamento em lojas físicas (o chamado «ponto de venda»). Para já, apenas é possível efetuar pagamentos nas lojas físicas em numerário ou através de cartão. Para operações transfronteiras, na prática apenas são utilizados sistemas de cartões internacionais. Com a legislação em apreço, será possível utilizar pagamentos imediatos para efetuar pagamentos transfronteiras.

3.6.

O CESE congratula-se com:

o requisito de os PSP que prestam um serviço regular de transferência a crédito em euros disponibilizarem o envio e a receção de pagamentos imediatos em euros;

o requisito de rastreio de sanções sob a forma de uma verificação muito frequente dos clientes com base nas listas de sanções da UE (como já acontece em alguns Estados-Membros para os pagamentos nacionais) e não para cada operação individual;

o requisito de os PSP disponibilizarem um serviço que permita aos clientes serem notificados sempre que seja detetada uma discrepância entre o nome e o identificador de conta de pagamento, que é geralmente o IBAN, conforme indicados pelo ordenante.

3.7.

O CESE recomenda o requisito de os prestadores de serviços de pagamento não cobrarem mais pelos pagamentos imediatos em euros do que pelas transferências a crédito regulares em euros, especialmente se o regime de verificação IBAN for alargado a todos os pagamentos do (SEPA).

4.   Observações na especialidade

4.1.

Uma vez que o regulamento em apreço altera o Regulamento (UE) n.o 260/2012, o âmbito de aplicação é o mesmo. Não obstante, não é claro se as novas regras também se aplicam aos serviços de investimento. Estes serviços estão excluídos da Diretiva (UE) 2015/2366 (Diretiva Serviços de Pagamento 2, artigo 3.o, alínea i)). Importa clarificar esta exclusão. Verificar a correspondência do IBAN ao nome do beneficiário é uma tarefa que cabe ao banco destinatário e para a qual tem de investir. No entanto, esse banco não sabe quem é o remetente nem tem qualquer relação com este. Consequentemente, o banco não pode solicitar uma taxa ao remetente. Poderia ser o banco remetente a solicitar essa taxa, mas tal opção não seria lógica, pois o trabalho é realizado sobretudo pelo banco destinatário. O CESE considera que o banco remetente não deve solicitar uma taxa por este serviço, mas, se tiver mesmo de o fazer, essa taxa deve ser incluída no preço do próprio pagamento imediato e não ser cobrada separadamente, como uma taxa por cada operação, pois poderia ter um efeito negativo na disponibilidade dos ordenantes para utilizar o serviço e, assim, na segurança das operações para estes.

Também não é claro para o CESE se a verificação do IBAN é um serviço puramente opcional para o qual o consumidor tem de dar o seu consentimento explícito para cada operação ou para todas as suas operações. Em algumas situações (por exemplo, num pagamento móvel), este consentimento pode ser muito complicado de gerir e pode afetar a conveniência do serviço para o ordenante, que teria de tomar uma decisão de cada vez que fosse iniciada uma transferência a crédito, o que requer mais cliques para além dos estritamente necessários.

O CESE defende que a verificação do IBAN não deve estar limitada a pagamentos imediatos, devendo ser alargada a serviços de transferências a crédito clássicas até serem prestados por PSP.

As instituições de moeda eletrónica e as instituições de pagamento estão, para já, excluídas do âmbito de aplicação do regulamento em apreço. Esta isenção deve ser revogada quando essas instituições tiverem acesso aos sistemas de pagamento, após alteração da Diretiva Caráter Definitivo da Liquidação. Os PSP não bancários devem ser abrangidos pelo regulamento quando a sua oferta de serviços de pagamento inclua a gestão de uma conta de pagamento e a execução de transferências a crédito. Até lá, importa clarificar como se aplicam a verificação do IBAN e as regras de responsabilidade quando os pagamentos imediatos são iniciados através destas terceiras partes.

4.2.

O CESE considera que, para o êxito dos pagamentos imediatos na UE, é crucial que o serviço esteja ao alcance dos consumidores e das empresas da Europa. Por conseguinte, quanto mais os PSP começarem a disponibilizar pagamentos imediatos, mais êxito estes terão na UE. Assim, o CESE apoia a ideia de permitir que as instituições de moeda eletrónica e as instituições de pagamento participem em sistemas de pagamento na qualidade de participantes diretos e considera ser possível alargar a proposta da Comissão relativa a pagamentos imediatos aos sete Estados-Membros da UE que não integram a área do euro mas fazem parte do mercado único.

4.3.

O CESE considera que, para além do regulamento proposto, a Comissão Europeia deve:

permitir aos clientes serem notificados através de uma notificação eletrónica imediata sempre que seja detetada uma discrepância entre o nome e o IBAN do beneficiário ou outro identificador utilizado, conforme indicados pelo ordenante. Este serviço deve ser disponibilizado obrigatoriamente e sem que seja cobrada uma taxa específica;

assegurar que, quando é detetada uma discrepância durante a verificação do IBAN pelo banco destinatário, este informa o banco remetente. Desta forma, o banco remetente informa o consumidor desta discrepância e a operação de pagamento é suspensa;

assegurar que, quando é detetada uma discrepância e o consumidor decide, não obstante, confirmar o pagamento imediato, é totalmente claro para o consumidor que, se não tiver indicado o beneficiário correto, o banco remetente deixa de ser responsável se o beneficiário não for o correto;

propor medidas específicas para melhorar a luta contra a fraude, uma vez que o IBAN afetará apenas os pagamentos autorizados por push (APP), o que pode ser feito em coordenação com o desenvolvimento do mecanismo de pedido de pagamento estabelecido pelo Conselho Europeu de Pagamentos, que gere igualmente o mecanismo SEPA de transferências imediatas.

5.   Sanções

5.1.

Uma percentagem muito elevada de pagamentos transfronteiras em euros é rejeitada de forma injustificada pelos PSP, devido a problemas na verificação da aplicação de sanções. Os poderes públicos responsáveis pela aplicação das sanções fornecem aos PSP informações sobre as empresas sujeitas a sanções devido a controlo ou propriedade. Infelizmente, não é raro os poderes públicos de países diferentes fazerem interpretações distintas dos critérios ou dos motivos para uma alteração da propriedade e terem opiniões diferentes sobre a aplicação de sanções a essas empresas. Em resultado, uma empresa pode ser sancionada num país, mas não noutro. Por conseguinte, seria importante:

a)

incluir no regulamento disposições que garantam a aplicação uniforme do direito da UE, explicando:

como é que os PSP que exercem atividade em vários países devem avaliar essas situações e que medidas devem tomar;

como é que essas informações serão partilhadas na UE;

como é que será abordada a questão da compensação por danos nestes casos.

b)

apresentar de forma pormenorizada a parte da exposição de motivos do regulamento, para abranger a posição geral da UE e fornecer uma interpretação das sanções aplicáveis aos bens e aos serviços, como a utilização pela UE em caso de bens e serviços. Deve definir também as sanções aplicáveis, nomeadamente, à importação, exportação, transporte e proibição de determinados bens.

5.2.

Os PSP podem acompanhar as sanções de forma mais eficaz se tiverem listas de acompanhamento interno e puderem remeter para as listas de outros países (EUA, Reino Unido, etc.), reduzindo, desta forma, os riscos para a reputação e os riscos bancários correspondentes (prática de mercado atual). As medidas específicas neste domínio incluem:

a criação de listas de acompanhamento interno, que normalmente incluirão entidades envolvidas em violações de sanções ou riscos de sanções, produtos de dupla utilização, etc.;

a utilização da lista fornecida pela autoridade nacional competente, em conformidade com a legislação da UE em matéria de luta contra o branqueamento de capitais.

5.3.

A União Europeia pode ter uma interpretação diferente da dos países terceiros no que toca às sanções. A fim de respeitar a política interna e externa, o CESE recomenda que os Estados-Membros tenham de assegurar que as autoridades de supervisão disponibilizam imediatamente aos PSP sob a sua supervisão informações sobre as pessoas ou entidades abrangidas pelas medidas restritivas da UE adotadas por meio de um regulamento do Conselho elaborado ao abrigo do artigo 215.o do TFUE. Esta deverá constituir a lista oficial de pessoas ou entidades sujeitas a sanções da UE (medidas restritivas). Esta lista deve ser fornecida pela autoridade nacional competente, em conformidade com a legislação da UE em matéria de luta contra o branqueamento de capitais.

Bruxelas, 22 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 220 de 9.6.2021, p. 72.

(2)  JO C 341 de 24.8.2021, p. 41.

(3)  Um PSP é um prestador de serviços de pagamento conforme definido no anexo I da Diretiva (UE) 2015/2366 (Diretiva Serviços de Pagamento 2), como uma instituição de crédito, uma instituição de pagamento ou uma instituição de moeda eletrónica.

(4)  JO L 166 de 11.6.1998, p. 45.

(5)  Regulamento (UE) n.o 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012, que estabelece requisitos técnicos e de negócio para as transferências a crédito e os débitos diretos em euros e que altera o Regulamento (CE) n.o 924/2009 (JO L 94 de 30.3.2012, p. 22).

(6)  Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 2002/65/CE, 2009/110/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010, e que revoga a Diretiva 2007/64/CE (JO L 337 de 23.12.2015, p. 35).

(7)  COM(2020) 592 final, de 24 de setembro de 2020.

(8)  COM(2021) 32 final, de 19 de janeiro de 2021.

(9)  COM(2021) 645 final, de 19 de outubro de 2021.

(10)  JO C 220 de 9.6.2021, p. 72.

(11)  JO C 341 de 24.8.2021, p. 41.

(12)  https://www.europeanpaymentscouncil.eu/what-we-do/sepa-instant-credit-transfer


27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/29


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a recolha e a partilha de dados relativos aos serviços de arrendamento de alojamento de curta duração e que altera o Regulamento (UE) 2018/1724

[COM(2022) 571 final — 2022/0358 (COD)]

(2023/C 146/05)

Relator:

Marinel Dănuț MUREȘAN

Consulta

Parlamento Europeu, 21.11.2022

Conselho da União Europeia, 1.12.2022

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

27.1.2023

Adoção em plenária

22.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

190/0/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A proposta de regulamento em apreço atende ao desejo de todos os intervenientes honestos de ver o mercado de arrendamento de alojamento de curta duração regulamentado, e está em conformidade com outros regulamentos da UE em vigor.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) recomenda a aplicação dos instrumentos técnicos previstos na proposta de regulamento a fim de promover uma concorrência mais leal para as atividades de arrendamento de alojamento de curta duração, proporcionar estes serviços de forma mais segura, mais transparente e correta e dotar as autoridades a nível nacional e local de instrumentos eficazes para adequar este tipo de atividade às situações e necessidades específicas existentes em diferentes partes da UE.

1.3.

A proposta de regulamento não esclarece quem deve proceder ao registo no registo digital nacional, nem o que deve ser declarado, existindo situações específicas referentes a:

às informações sobre o anfitrião (proprietário, representante do proprietário, arrendatário/subarrendatário, empresa mediadora, empresa de gestão ou manutenção das unidades de alojamento);

informações sobre as unidades de alojamento (total ou parcialmente arrendadas em regime de alojamento de curta duração, com prestação de serviços contra pagamento, de serviços comuns, etc.);

número máximo de hóspedes aceite nas unidades (para evitar o alojamento de pessoas para além da capacidade normal da unidade).

1.3.1.

É necessário simplificar e flexibilizar o registo no registo digital nacional, harmonizado a nível da UE, a fim de facilitar ao máximo o cumprimento dos requisitos em qualquer situação específica, de gerir de forma correta e eficiente as informações disponibilizadas e de assegurar um cumprimento correto. Desta forma contribui-se para prevenir situações em que anfitriões não procedem ao registo no registo digital nacional.

1.4.

O CESE propõe à Comissão que, na proposta de regulamento em análise, recomende às autoridades a nível nacional e/ou local a realização periódica de avaliações de impacto das atividades de arrendamento de alojamento de curta duração, nomeadamente no que respeita ao:

verdadeiro potencial turístico local;

impacto no bem-estar dos residentes;

impacto social em termos de habitações para arrendamento de longa duração;

impacto no mercado imobiliário local;

impacto social do custo de vida na zona local;

impacto no emprego;

impacto na poluição ambiental;

impacto no respeito pelas tradições locais;

impacto direto ou indireto na atividade empresarial na zona local.

1.4.1.

Tal permitirá às autoridades tomar atempadamente as medidas adequadas para evitar situações extremas.

1.5.

A proposta de regulamento não impõe às autoridades a nível nacional e local condições de autorização ulteriores no registo no registo digital nacional, deixando ao seu critério a definição dos requisitos de autorização em função das especificidades locais, mas recomenda que o processo de autorização não crie restrições artificiais nem desencoraje a realização normal das atividades de arrendamento de alojamento de curta duração. O CESE considera que um sistema de apólices de seguro subscritas pelo anfitrião para as suas unidades, que cubra a maior parte dos riscos da atividade de arrendamento de alojamento de curta duração, poderia dispensar perfeitamente os requisitos de autorização, uma vez que as companhias de seguros verificariam implicitamente, quando do cálculo do prémio de seguro, se estão ou não preenchidos os requisitos de conformidade adequados.

1.6.

A proposta de regulamento não contém imposições, nem no que respeita à informação que os anfitriões devem fornecer quando do registo no registo digital nacional, nem quanto às informações que as plataformas devem comunicar às autoridades. Por conseguinte, a adoção, sob a orientação das instituições europeias, de uma abordagem normalizada, tal como precisada, quanto à informação a exigir para todas as atividades de arrendamento de alojamento de curta duração não só ajudaria as autoridades a nível nacional e local a tomar decisões que contemplem os interesses das respetivas comunidades, como também facilitaria o intercâmbio de informações entre as autoridades, contribuiria para um cumprimento mais efetivo da regulamentação e permitiria adotar medidas adequadas, com base nas análises efetuadas a nível da UE e a nível local.

1.7.

O CESE propõe à Comissão que recomende a monitorização pelas autoridades a nível nacional e/ou local do impacto das atividades de arrendamento de alojamento de curta duração no que respeita:

à redução significativa da oferta de alojamentos para arrendamento de longa duração para fins não turísticos;

ao acesso limitado de pessoas de rendimento mais baixo à oferta de alojamentos para arrendamento habitacional devido ao aumento da procura no mercado do arrendamento de alojamento de curta duração, o que faz elevar os preços;

a alteração das condições de vida dos residentes devido ao barulho provocado pelos turistas, ao comportamento inadequado dos turistas, à inadaptação dos turistas às «regras de convivência com os residentes locais» (respeito pelas tradições locais, conservação adequada e em boas condições de higiene dos espaços públicos e dos locais de recolha e seleção de resíduos);

às condições adicionais necessárias à conservação de monumentos históricos, arquitetónicos e naturais;

aos efeitos sobre o mercado de trabalho no seu conjunto.

1.7.1.

A proposta de regulamento permitirá fazer face a esses desafios através de uma abordagem aberta que beneficie todos os intervenientes nas atividades de arrendamento de alojamento de curta duração. As medidas adotadas não criariam distorções significativas nem fariam com que um contingente significativo de pessoas fugisse às regras, sendo que a comunidade de residentes melhoraria diretamente a integração harmoniosa das atividades de arrendamento de alojamento de curta duração.

1.8.

O CESE recomenda que a proposta de regulamento estipule que as plataformas eletrónicas devem fornecer aos clientes informações pertinentes sobre o registo do anfitrião no registo digital nacional e dados gerais sobre a unidade de alojamento, além de informações sobre o nível de responsabilidade dos anfitriões e da plataforma, a garantia aos clientes do cumprimento dos requisitos de saúde e de segurança e as obrigações específicas a cumprir pelos clientes dentro do perímetro da unidade e nos espaços públicos, incluindo informações sobre algumas tradições locais, que são aspetos relevantes para todos os intervenientes neste mercado, bem como para a comunidade e as autoridades a nível local.

1.9.

A Comissão prevê na sua proposta que o regulamento é aplicável dois anos após a data da sua entrada em vigor. O CESE considera que qualquer plataforma eletrónica que surja após este período de dois anos poderá ser criada muito mais facilmente, graças à interoperabilidade e ao intercâmbio de dados, sem que seja necessário proceder manualmente à recolha dos dados. Como tal, O CESE recomenda que a recolha manual de dados seja facultativa, ao nível dos gestores de plataformas eletrónicas, quer sejam empresas, micro ou pequenas empresas. O CESE recomenda igualmente que se precise que as autoridades a nível nacional e local monitorizam o cumprimento das obrigações de comunicação e transmissão de dados por parte de todas as plataformas que atuam como intermediárias ou facilitadoras de serviços de arrendamento de alojamento de curta duração, sancionando o incumprimento das obrigações de comunicação ou a apresentação de informação incompleta por parte dos gestores de plataformas eletrónicas ou de outros tipos de plataformas que facilitem os serviços de arrendamento de alojamento de curta duração.

1.10.

Recomenda ainda que o regulamento especifique que as instituições da UE comunicarão continuamente a todos os intervenientes nas atividades de arrendamento de alojamento de curta duração, diretamente ou através das autoridades a nível nacional e local, quaisquer eventos específicos, em curso ou previstos nas atividades de arrendamento de alojamento de curta duração, suscetíveis de afetar a situação económica, social, ambiental, bem como a segurança dos cidadãos em diferentes zonas. Tal pode contribuir para a adoção atempada de medidas para prevenir acontecimentos indesejados (crises económicas, crises sociais graves, movimentos sociais importantes, aumento crescente da pobreza da população e das pessoas sem-abrigo, danos importantes no ambiente natural, na saúde pública, etc.) e quaisquer outros eventos que obriguem as autoridades a tomar medidas que afetem as atividades de arrendamento de alojamento de curta duração.

2.   Observações na generalidade

2.1.

A atividade de arrendamento de alojamento de curta duração está a desenvolver-se rapidamente na UE, impulsionada em grande medida pela economia das plataformas. O arrendamento de curta duração representa cerca de um quarto de todos os estabelecimentos de alojamento turístico na UE e esta proporção está a aumentar significativamente em toda a UE. A proposta da Comissão é decisiva para a Trajetória de Transição para o Turismo, publicada em fevereiro de 2022. Esta foi anunciada na Estratégia da Comissão para as PME, apresentada em março de 2020, que visa promover o desenvolvimento equilibrado e responsável da economia colaborativa no mercado único.

2.2.

O novo quadro proposto visa:

harmonizar as obrigações de registo dos anfitriões e das suas propriedades para alojamento de curta duração quando introduzidas pelas autoridades nacionais;

clarificar as regras para assegurar que os números de registo são indicados e verificados;

racionalizar a partilha de dados entre as plataformas eletrónicas e os poderes públicos;

permitir a reutilização dos dados de forma agregada;

estabelecer um quadro de execução eficaz.

2.3.

A proposta de regulamento é coerente com outros instrumentos jurídicos, a saber:

o Regulamento dos Serviços Digitais;

a Diretiva Serviços;

a Diretiva sobre o comércio eletrónico;

o Regulamento relativo às relações entre as plataformas e as empresas;

a proposta de Regulamento Dados;

o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados;

o Regulamento relativo ao Portal Digital Único,

e respeita as regras previstas na Diretiva DCA7 (1).

2.4.

A proposta de regulamento visa estabelecer um quadro harmonizado a nível da UE para a produção e a partilha de dados relativos aos serviços de arrendamento de alojamento de curta duração, a fim de evitar a multiplicação de diferentes obrigações e pedidos de dados no mercado único.

2.5.

A proposta de regulamento visa igualmente apoiar as plataformas eletrónicas a normalizar e a simplificar os procedimentos de registo e transmissão de dados e a assegurar a interoperabilidade dos dados transmitidos, criando um quadro harmonizado e reduzindo a fragmentação, as ambiguidades semânticas e os encargos administrativos.

2.6.

A proposta de regulamento exige que os anfitriões se registem antecipadamente num registo digital nacional, o que facilitará a prestação de informações mais transparentes e precisas aos clientes das plataformas eletrónicas de arrendamento de alojamento de curta duração, aumentará a segurança jurídica dos serviços comercializados, fornecerá informações úteis e contribuirá para a boa gestão desses serviços em diferentes zonas.

2.7.

A proposta de regulamento estabelece um quadro comum a nível da União Europeia para a informação e o tratamento de dados, proporcionando às autoridades a nível nacional e local a rastreabilidade dos dados de que necessitam para estabelecer e manter regras relativas aos serviços de arrendamento de alojamento de curta duração, cumprir as regras e adotar medidas políticas informadas em conformidade com a legislação da UE em vigor.

2.8.

A proposta de regulamento tem em conta as dificuldades financeiras e administrativas que as micro ou pequenas empresas operadoras de plataformas eletrónicas podem enfrentar na adaptação destas plataformas aos requisitos do regulamento respeitantes à interoperabilidade automática do intercâmbio de dados, oferecendo soluções alternativas que não acarretam custos significativos.

3.   Observações na generalidade e na especialidade

3.1.

A proposta de regulamento em apreço é coerente com os regulamentos da UE já em vigor. Apoia o desenvolvimento de um ambiente concorrencial mais leal e equilibrado para este setor empresarial importante e dinâmico, exige um nível mais adequado de observância das disposições jurídicas (fiscais) por parte de todos os intervenientes (anfitriões) no mercado do arrendamento de alojamento de curta duração e é, simultaneamente, um motor de desenvolvimento para diversas empresas na UE.

3.2.

As instituições europeias e nacionais devem monitorizar e regulamentar este domínio em constante evolução, a fim de assegurar a integração harmoniosa dos serviços de arrendamento de alojamento de curta duração no contexto geral, o que contribui implicitamente para o desenvolvimento sustentável do ambiente empresarial local, que deve estar alinhado com a taxonomia social.

3.3.

A proposta de regulamento não impõe às autoridades a nível nacional e local condições de autorização, deixando ao seu critério definir os requisitos da autorização em função das especificidades locais e, assim, ter em consideração as particularidades sociais, habitacionais e gerais, a convivência entre hóspedes e residentes locais, o ambiente e as empresas nas zonas em questão, mas recomenda que o processo de autorização não imponha restrições artificiais nem desencoraje a realização normal das atividades de arrendamento de alojamento de curta duração.

3.3.1.

A proposta de regulamento não contém imposições, nem no que respeita à informação que os anfitriões devem fornecer quando do registo no registo digital nacional, nem quanto às informações que as plataformas devem comunicar às autoridades. Tal facto representa tanto oportunidades como riscos para as autoridades nacionais e locais no que se refere à forma como gerem o volume de dados, exigido para o registo dos anfitriões e a emissão da autorização, e as informações comunicadas pelas plataformas, devendo utilizá-los de forma eficiente e de modo a não prejudicar o desenvolvimento e a realização das atividades de arrendamento de alojamento de curta duração. No entanto, a Comissão recomenda a normalização do nível de informação exigido, o que poderia facilitar o tão necessário intercâmbio de informações entre as autoridades.

3.4.

Cabe às instituições europeias, juntamente com as autoridades a nível nacional e local, regulamentar as condições para a implantação e o desenvolvimento normais das atividades de arrendamento de alojamento de curta duração, exigindo o cumprimento de uma taxonomia social e económica, a proteção do ambiente e a conservação dos monumentos e da natureza, com vista à integração harmoniosa das atividades de arrendamento de alojamento de curta duração na zona local.

3.5.

Uma vez que os clientes das plataformas são cidadãos da UE ou de países terceiros, que arrendam um alojamento de curta duração para fins turísticos ou outros, é importante que a aplicação do regulamento promova e mantenha condições de concorrência equitativas com preços justos e uma oferta equilibrada para todo o tipo de alojamento, tanto convencional (hotéis e pensões, hostéis) como não convencional (anfitriões, particulares), sem reduzir a oferta de alojamento de curta duração nem aumentar os custos desses serviços.

3.6.

O regulamento deve prever que quaisquer regras específicas, adicionais ou de conformidade, exigidas pelas autoridades a nível nacional e local aos anfitriões sejam solicitadas de forma gradual e atempada para evitar uma redução da oferta de alojamento de curta duração nesses mercados e a sua «canalização» para formas menos oficiais, o que afetaria o mercado de postos de trabalho diretos e indiretos no domínio do arrendamento de alojamento de curta duração, as atividades económicas diretas e conexas nesse setor e o cumprimento voluntário das regras pelos anfitriões.

3.7.

O rápido desenvolvimento do turismo e das plataformas eletrónicas específicas criou novas oportunidades para os anfitriões e os clientes/turistas, mas trouxe consigo, para além de grandes oportunidades de negócio para as comunidades em questão, muitos desafios, nomeadamente:

a redução significativa da oferta de arrendamento de longa duração para fins não turísticos;

o acesso limitado de pessoas de rendimento mais baixo à oferta de alojamentos para arrendamento habitacional devido ao aumento da procura no mercado de arrendamento de alojamento de curta duração, o que faz elevar os preços;

a alteração das condições de vida dos residentes devido ao barulho provocado pelos turistas, ao comportamento inadequado dos turistas, à inadaptação dos turistas às «regras de convivência com os residentes locais» (respeito pelas tradições locais, conservação adequada e em boas condições de higiene dos espaços públicos e dos locais de recolha e seleção de resíduos);

as condições adicionais para a conservação de monumentos históricos, arquitetónicos e naturais;

a falta de mão de obra e o custo elevado da mão de obra.

3.7.1.

O CESE, preocupado com este fenómeno que se manifesta em algumas partes da UE e ciente de que solucioná-lo não é o objetivo do regulamento proposto pela Comissão, sublinha que estes importantes aspetos cívicos e sociais devem ser tidos em conta na proposta de regulamento.

3.8.

O CESE constata que a proposta de regulamento não esclarece quem deve proceder ao registo no registo digital nacional, nem o que deve ser declarado, existindo situações específicas, nomeadamente no que diz respeito:

às informações sobre o anfitrião (proprietário, representante do proprietário, arrendatário/subarrendatário, empresa mediadora, empresa de gestão ou manutenção das unidades de alojamento);

informações sobre as unidades de alojamento (total ou parcialmente arrendadas em regime de alojamento de curta duração, com prestação de serviços contra pagamento, de serviços comuns, etc.);

número máximo de hóspedes aceite nas unidades (para evitar o alojamento de pessoas para além da capacidade normal da unidade).

3.8.1.

Todos estes aspetos devem ser previamente clarificados e transmitidos às autoridades responsáveis pela implementação e gestão do registo digital nacional, de modo a assegurar uma gestão correta e eficiente dessas informações, garantir um cumprimento correto e uma aplicação harmonizada a nível da UE e reduzir a fragmentação do intercâmbio de informações.

3.9.

Ao mesmo tempo, o CESE observa que a proposta de regulamento deixa às autoridades a nível nacional e local a possibilidade de definirem as condições de autorização de unidades de alojamento de curta duração, um aspeto que, dadas as especificidades locais, pode revelar-se eficaz para evitar medidas excessivamente burocráticas exigidas por essas autoridades quando da autorização.

3.10.

O regulamento não impõe às plataformas eletrónicas requisitos sobre o nível de informação a disponibilizar aos clientes sobre as unidades, os anfitriões ou a responsabilidade das partes, nem requisitos sobre as informações a comunicar aos clientes relativas às condições a respeitar no local da unidade, deixando essa decisão ao critério das plataformas ou das autoridades a nível nacional e local. Um nível uniforme de cumprimento, que forneça aos clientes informações reais sobre a unidade de alojamento, a garantia do preenchimento dos requisitos de saúde e de segurança, a responsabilidade das partes e as obrigações específicas a cumprir pelos clientes dentro do perímetro da unidade e nos espaços públicos, seria útil tanto para os intervenientes no mercado como para a comunidade e as autoridades a nível local.

3.11.

A proposta de regulamento respeita a legislação da UE, mas só é aplicável dois anos após a data da sua entrada em vigor. O CESE considera que qualquer plataforma eletrónica que surja após este período de dois anos pode ser criada muito mais facilmente, graças à interoperabilidade e ao intercâmbio de dados, sem que seja necessário proceder manualmente à recolha dos dados. Por conseguinte, com a proposta de regulamento em análise recomenda-se às plataformas que a recolha manual de dados seja efetuada, a título voluntário, ao nível dos gestores das empresas, micro ou pequenas empresas que operam como plataformas eletrónicas, e que as autoridades a nível nacional e local monitorizem o cumprimento das obrigações de comunicação e transmissão de dados por parte de todas as plataformas que atuam como intermediárias ou facilitadoras de serviços de arrendamento de alojamento de curta duração.

Bruxelas, 22 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  A Diretiva (UE) 2021/514 do Conselho, de 22 de março de 2021, que altera a Diretiva 2011/16/UE relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (JO L 104 de 25.3.2021, p. 1), alargou o quadro da UE aplicável à troca automática de informações no domínio da fiscalidade. Os Estados-Membros terão de transpor esta diretiva para o direito nacional até 31 de janeiro de 2022 e aplicar as novas disposições a partir de 1 de janeiro de 2023.


27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/35


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao tratamento de águas residuais urbanas

[COM(2022) 541 final — 2022/0345 (COD)]

(2023/C 146/06)

Relator:

Stoyan TCHOUKANOV

Consulta

Parlamento Europeu, 19.1.2023

Conselho, 24.1.2023

Base jurídica

Artigo 192.o, n.o 1, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

3.2.2023

Adoção em plenária

22.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

198/1/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia a visão da Comissão, que consiste em atualizar as regras da UE aplicáveis às águas residuais urbanas e adaptá-las para as próximas duas décadas, abordando não só o tratamento de águas residuais mas também os aspetos que dizem respeito à energia e à economia circular, e melhorando a governação.

1.2.

O CESE reconhece que a água limpa constitui um recurso estratégico para assegurar o funcionamento das nossas sociedades e uma economia resiliente na UE, assim como para proteger o ambiente e a saúde humana, e considera que importa tratá-la com a atenção devida. Cerca de 60 % das bacias hidrográficas da UE são transfronteiriças e requerem uma cooperação transfronteiriça. A recente catástrofe ecológica no rio Óder é um exemplo que deveria alertar para os riscos de uma cooperação infrutífera e da falta de transparência.

1.3.

O CESE defende que a poluição deve ser sempre, antes de mais, combatida na fonte, mas reconhece a importância do tratamento de águas residuais urbanas como último filtro na proteção das águas recetoras, com benefícios para o ambiente, a saúde humana e a sociedade.

1.4.

Os micropoluentes, tais como os materiais residuais dos produtos farmacêuticos, constituem uma preocupação crescente no que toca à qualidade da água. Por conseguinte, o CESE congratula-se com a proposta de instalação de elementos de tratamento adicionais em estações de tratamento de águas residuais urbanas selecionadas, com vista à remoção dessas substâncias, e salienta a necessidade de esforços significativos para «romper» com os modelos antigos através de novos métodos de tratamento inovadores.

1.5.

Para assegurar a aplicação do princípio do poluidor-pagador e preços acessíveis para os serviços de abastecimento de água, o CESE apoia firmemente a proposta de uma responsabilidade alargada do produtor, que exige que os produtores cubram o custo de remover das águas residuais os micropoluentes resultantes dos seus produtos, mas salienta que as isenções devem ser estritamente limitadas para que o princípio seja aplicado de forma eficaz.

1.6.

Se a diretiva passar a abranger aglomerações a partir de 1 000 equivalentes de população (e.p.), deve haver margem para soluções descentralizadas através de instalações de pequena dimensão, com especial atenção à funcionalidade.

1.7.

As descargas de sistemas de coletores são focos de poluição, nomeadamente com genes de resistência antimicrobiana, microplásticos e substâncias tóxicas que põem em risco a vida aquática, a saúde humana e o estado das águas de recreio. A diretiva deve introduzir um limite máximo para a presença destes elementos e a comunicação de informações ao público deve proporcionar um quadro completo da carga poluente transportada por descargas. O escoamento urbano, sob a forma de águas pluviais poluídas (incluindo a neve) da paisagem urbana, por exemplo, estradas, deve ser recolhido e devidamente tratado antes de ser descarregado nas águas recetoras.

1.8.

As alterações climáticas estão a afetar o ciclo da água, prevendo-se um aumento da ocorrência de chuvas fortes, bem como de secas. As medidas preventivas, tais como as soluções «azul-verde», que captam e retêm as águas pluviais, por exemplo, através de telhados verdes ou de jardins de chuva, reduzem a pressão sobre os coletores (reduzindo, assim, o risco de descarga) e trazem muitos benefícios conexos à paisagem urbana.

1.9.

O CESE está preocupado pelo facto de a água e o saneamento, ainda que sejam serviços públicos, serem por vezes prestados por empresas privadas. É necessário adotar regras e regulamentação para assegurar que os serviços públicos não têm fins lucrativos e que as receitas são investidas na manutenção e na melhoria dos serviços.

1.10.

O CESE realça que a água é um recurso imprescindível à vida, mas é cada vez mais escasso. Dois terços dos cidadãos europeus consideram a qualidade da água e/ou a quantidade de água disponível no seu país um problema grave (1). Estas preocupações devem ser tratadas com a devida urgência para assegurar a concretização bem-sucedida do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 («Garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos»). Assegurar a acessibilidade dos preços da água deve ser uma prioridade para todos os Estados-Membros.

1.11.

O CESE exorta ainda as instituições europeias a encararem a água como uma prioridade e a elaborarem um «Pacto Azul da UE», que constituirá um esforço decisivo para antever as necessidades, preservar os recursos hídricos e gerir adequadamente os desafios que lhes estão associados, através de um roteiro abrangente e coordenado que estabeleça metas ambiciosas e ações vinculadas aos marcos intercalares acordados. O CESE apresentará propostas concretas para um Pacto Azul da UE em 2023.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

A proposta prevê o alargamento do âmbito de aplicação da diretiva, de modo a abranger aglomerações de 1 000 e.p., o que significa que as cidades pequenas também serão obrigadas a recolher e tratar as águas residuais urbanas, podendo, para tal, solicitar financiamento da UE. A Comissão criará novas normas para instalações descentralizadas e os Estados-Membros terão de assegurar uma melhor monitorização e inspeção das mesmas.

2.2.

As descargas de sistemas de coletores e o escoamento urbano foram identificados como importantes fontes remanescentes de águas residuais urbanas não tratadas, e os Estados-Membros serão obrigados a definir planos de gestão integrada das águas residuais urbanas, a fim de reduzir a poluição proveniente dessas fontes. Deve dar-se prioridade a medidas preventivas, tais como as soluções «azul-verde», e à otimização dos sistemas existentes com recurso a técnicas digitais.

2.3.

A fim de reduzir as emissões de nutrientes, serão introduzidos novos limites para a remoção de azoto e fósforo, como primeira etapa para as instalações de maior dimensão destinadas a mais de 100 000 e.p. e, posteriormente, para instalações médias destinadas a mais de 10 000 e.p. em zonas onde a eutrofização continua a ser um problema. Haverá também o requisito de as estações de grande e média dimensão removerem micropoluentes nos casos em que o ambiente ou a saúde humana estejam em risco. Com vista a reduzir a carga de substâncias não tratáveis, que aumentará as possibilidades de circularidade, os Estados-Membros passam a estar sujeitos a novas obrigações no que diz respeito ao tratamento, na fonte, de descargas não domésticas para os sistemas de coletores.

2.4.

A fim de cobrir os custos da modernização e da monitorização necessárias para remover micropoluentes e de incentivar a criação de produtos mais respeitadores do ambiente, será introduzida uma responsabilidade alargada do produtor, que exige que os produtores de produtos farmacêuticos e de produtos abrangidos pelas regras da UE aplicáveis aos cosméticos contribuam financeiramente.

2.5.

Foi introduzido um novo objetivo de neutralidade energética para o setor das águas residuais até 2040, o que significa que a energia consumida pelo setor a nível nacional deverá ser equivalente à quantidade de energia renovável que produz.

2.6.

A proposta estabelece o ano de 2040 como prazo para o pleno cumprimento, com prazos intermédios para assegurar o progresso.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A água limpa é um dos nossos recursos mais preciosos, sendo fundamental para o funcionamento dos ecossistemas e da nossa sociedade, assim como para a atividade socioeconómica. A agricultura, a produção de energia e o setor do turismo dependem fortemente do acesso a água limpa. As Nações Unidas reconhecem, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o acesso à água potável e ao saneamento como uma necessidade humana básica para a saúde e o bem-estar (2). No entanto, a água doce está sob pressão de uma série de atividades, e prevê-se que essa pressão aumente na sequência das alterações climáticas.

3.2.

A Diretiva Tratamento de Águas Residuais Urbanas é o elemento essencial da legislação da UE que visa proteger o ambiente dos impactos adversos das águas residuais não tratadas. Desde a sua adoção, há mais de 30 anos, a qualidade dos rios, lagos e mares europeus melhorou muito, embora dois terços das massas de água de superfície ainda não se encontrem em bom estado. Os países da UE criaram sistemas coletores e estações de tratamento de águas residuais com a ajuda do financiamento da UE. Verifica-se um elevado nível de cumprimento da diretiva em toda a UE, sendo 98 % das águas residuais recolhidas e 92 % tratadas de forma satisfatória, de acordo com o âmbito de aplicação atual da diretiva.

3.3.

A revisão em curso tem o potencial de atualizar a diretiva, incidindo nas fontes remanescentes de águas residuais não tratadas e nos novos poluentes, bem como melhorando os aspetos do tratamento de águas residuais relativos à energia e à economia circular, em conformidade com o Pacto Ecológico e a digitalização da Europa. Contudo, o CESE exorta as instituições europeias a incluírem as águas residuais numa visão mais alargada, a começarem a encarar a água como uma prioridade e a elaborarem um «Pacto Azul da UE», que constituirá um esforço decisivo para antever as necessidades, preservar os recursos hídricos e gerir adequadamente os desafios que lhes estão associados, através de um roteiro abrangente e coordenado que estabeleça metas ambiciosas e ações vinculadas aos marcos intercalares acordados. O CESE apresentará propostas concretas para um Pacto Azul da UE em 2023.

3.4.

São necessários grandes investimentos no setor das águas. A OCDE estimou que todos os Estados-Membros, com exceção da Alemanha, necessitam de aumentar as despesas em pelo menos 25 % para cumprirem os requisitos da diretiva em vigor (3). No entanto, esta estimativa não tem em conta o custo de manutenção dos coletores. As novas regras exigirão investimentos adicionais, e é fundamental que o financiamento, assente nas tarifas da água e no orçamento público, seja alargado para incluir também os setores que contribuem para a poluição das águas residuais urbanas, a fim de manter o acesso à água e ao saneamento a preços acessíveis para os agregados familiares.

3.5.

O tratamento de águas residuais tem um custo e requer um contributo sob a forma de recursos e energia. A poluição deve ser sempre, antes de mais, abordada na fonte e ser prioritária em relação às soluções de fim de ciclo. Por conseguinte, as medidas políticas devem, na medida do possível, restringir a emissão de substâncias nocivas para o ambiente e a sociedade em primeiro lugar. O tratamento de águas residuais urbanas funciona como um último filtro para proteger as águas recetoras e para cumprir os objetivos da legislação da UE em matéria de água. Por conseguinte, o CESE reclama mais sinergias com estratégias de desenvolvimento urbano (Agenda Urbana da UE, Acordo de Liubliana, diversas parcerias temáticas, etc.).

3.6.

Importa envidar mais esforços para promover a capacitação dos cidadãos em domínios relacionados com a recolha, o tratamento e a gestão das águas residuais urbanas. O público em geral deve ser associado à aplicação do tratamento das águas residuais, não só em matéria de informação, mas também em matéria de participação: cabe instaurar mecanismos em todos os Estados-Membros para que os cidadãos possam comunicar as deficiências que detetem na recolha e/ou no tratamento das águas residuais urbanas, com especial destaque para as descargas industriais ilegais.

3.7.

A Europa tem um potencial enorme para se tornar líder na criação de soluções para o setor do tratamento de águas residuais, desde tecnologias de tratamento avançadas até soluções energéticas. O desenvolvimento do setor das águas residuais abre as portas à inovação e à tecnologia e constitui uma oportunidade de exportar conhecimentos e atrair jovens empresários.

4.   Observações na especialidade

4.1.

As águas residuais urbanas são uma pegada da sociedade e dos nossos padrões de consumo e produção. Contêm uma mistura complexa de descargas domésticas, escoamentos de ruas e edifícios, efluentes industriais e outros efluentes não domésticos que necessitam de tratamento adequado para não representarem uma ameaça para a saúde humana e o ambiente, nem afetarem as águas de recreio. As condições de trabalho e a saúde e a segurança dos trabalhadores envolvidos no sistema de tratamento das águas residuais urbanas devem ser uma prioridade.

4.2.

O objetivo global para 2040 com objetivos intermédios define uma via clara para o tratamento de águas residuais nas próximas duas décadas. No entanto, possuímos uma compreensão limitada dos riscos para a vida aquática representados pelas misturas de químicos em águas de superfície, e muitos desses químicos provêm de produtos utilizados nas nossas próprias casas. Além disso, a construção, a manutenção e a operação de recolha e tratamento de águas residuais têm um elevado custo financeiro e de emissão de gases com efeito de estufa. As revisões e avaliações de partes fundamentais da Diretiva Tratamento de Águas Residuais Urbanas e da Diretiva Lamas de Depuração representam uma oportunidade para modernizar e conferir maior coerência a todo o setor, contribuindo para concretizar as ambições do Pacto Ecológico Europeu.

4.3.

A resistência antimicrobiana constitui uma preocupação crescente para a sociedade, e as águas residuais urbanas, tratadas ou não, são um ambiente ideal para a sua propagação (4). A resistência antimicrobiana é potenciada não só pelo uso excessivo de antibióticos, mas também por outros agentes antimicrobianos, tais como fungicidas, agentes antivirais, parasiticidas, bem como alguns desinfetantes e antisséticos, utilizados no ambiente urbano, especialmente em hospitais. Se não forem tomadas medidas, como a contenção do uso excessivo de agentes antimicrobianos, prevê-se que 10 milhões de pessoas morram anualmente de infeções resistentes a antibióticos até 2050, segundo um relatório da ONU (5).

4.4.

O escoamento urbano é uma via importante para a entrada de contaminantes tóxicos, não biodegradáveis e emergentes nos ecossistemas aquáticos, nomeadamente resíduos plásticos, hidrocarbonetos, detergentes, hormonas, solventes, agentes patogénicos, pesticidas, metais pesados e nanomateriais artificiais (6). Apesar de estar poluído, o escoamento urbano é frequentemente tratado como água pluvial limpa devido à falta de monitorização e não é tratado antes de ser descarregado nas águas recetoras. Esta situação representa um risco significativo para os ecossistemas; refira-se, a título de exemplo, a mortalidade aguda observada no salmão associada a uma substância tóxica (6PPD-quinona) presente nos pneus de automóveis (7).

4.5.

As descargas de sistemas de coletores são um ponto crítico para a entrada dos micropoluentes, da resistência antimicrobiana (8), dos microplásticos e do lixo nas águas recetoras. Representam uma ameaça para o ambiente e a saúde humana, mas também para o setor do turismo, que depende de águas recreativas limpas. A carga das águas pluviais para os coletores pode ser reduzida através da introdução de soluções «azul-verde», que retêm a água e a deixam infiltrar-se no solo, nomeadamente telhados verdes, a remoção de superfícies impenetráveis e jardins de chuva. Não só são uma forma eficiente em termos de custos de reter as águas pluviais como também trazem muitos benefícios conexos à paisagem urbana, nomeadamente a redução do risco de inundações, a redução de ilhas de calor e o aumento da biodiversidade e do bem-estar na cidade. A transição para um tratamento de esgotos mais eficiente e uma economia circular requer mudanças não só nas abordagens regulamentares e institucionais, mas também na forma como nós, enquanto cidadãos, avaliamos as nossas responsabilidades individuais e coletivas no que respeita à gestão de esgotos.

4.6.

O CESE apoia a introdução de planos integrados obrigatórios de tratamento de águas residuais urbanas, com o objetivo de reduzir as descargas de coletores e a poluição causada pelo escoamento urbano. No entanto, apesar da boa intenção que subjaz aos planos de gestão de águas residuais urbanas, existe o risco de estes se tornarem infrutíferos, uma vez que o conteúdo e o objetivo (de reduzir as descargas de coletores unitários para 1 % do caudal em tempo seco) são meramente indicativos. Uma gestão adequada das águas pluviais é essencial, não só para prevenir a poluição das águas recetoras, mas também para adaptar as cidades a um clima em mutação, em que tanto os fenómenos de chuva intensa como as ondas de calor prolongadas passarão a ser habituais, já que em toda a Europa se tem assistido a um aumento da frequência e da gravidade dos eventos meteorológicos extremos e de outros perigos climáticos.

4.7.

O tratamento avançado («quaternário») demonstrou diminuir a carga de um grande conjunto de substâncias nocivas nas águas recetoras (9). Os novos requisitos aplicáveis a instalações de grande dimensão e instalações de média dimensão selecionadas para monitorizar e remover micropoluentes são, pois, bem-vindos. Contudo, importa ter em atenção os custos e os efeitos de remoção obtidos por diferentes técnicas, tais como a ozonização ou o carvão ativado. Um financiamento adequado para a investigação e o desenvolvimento de novas tecnologias e programas de formação harmonizados da UE destinados ao pessoal operacional ajudará a prevenir e tratar os novos poluentes.

4.8.

A introdução da responsabilidade alargada do produtor constitui um enorme avanço no contexto do princípio do poluidor-pagador e uma resposta bem-vinda à conclusão do Tribunal de Contas Europeu de que o custo da poluição ainda é, em grande medida, suportado pelos contribuintes (10). Está, de igual modo, em consonância com a integração do princípio do poluidor-pagador na legislação em matéria de ambiente, reforçando o regime de responsabilidade ambiental a nível da UE e prevenindo melhor a utilização de fundos da UE para financiar projetos que deveriam ser financiados pelo poluidor.

4.9.

A eutrofização continua a ser um problema na UE, afetando mais de 30 % dos rios, lagos e águas costeiras e 81 % das águas marinhas da UE e registando poucos progressos ao longo da última década (11). Por conseguinte, saúda-se a atualização e a harmonização das disposições com vista a assegurar que, até 2035, todas as instalações de grande dimensão reduzam a presença de nutrientes e que as instalações de média dimensão que descarregam em zonas sensíveis à eutrofização passem a fazê-lo até 2040. Embora os prazos sejam muito ambiciosos à luz dos desafios e à dificuldade de os cumprir, da capacidade de investimento do setor e da vida útil dos ativos existentes, muitos Estados-Membros já têm em vigor tais requisitos de remoção de nutrientes e o CESE congratula-se com a harmonização à escala da UE.

4.10.

A avaliação da Diretiva Tratamento de Águas Residuais Urbanas conclui que as pequenas aglomerações representam uma parte significativa das fontes remanescentes de águas residuais não tratadas e exercem pressão sobre as massas de água (12). Embora o tratamento de mais águas residuais seja desejável, a proposta enfrenta uma série de desafios, uma vez que a construção de novas condutas de coletores representa um custo significativo em zonas escassamente povoadas e terá de ser realizada com recurso a apoio financeiro intensivo. Há que promover soluções descentralizadas e sistemas individuais que funcionem bem. Os sanitários secos (de compostagem) reduzem o consumo de água potável para descarga e podem promover a economia circular, devolvendo as fezes humanas ao solo sem sistemas de recolha, bombagem e tratamento complexos, dispendiosos e energeticamente intensivos. A OMS definiu orientações para a reutilização segura de águas residuais, excrementos e águas cinzentas (13).

4.11.

As fugas dos canos de coletores são uma fonte de águas residuais não tratadas que coloca em risco as águas subterrâneas, sendo muitas vezes ignoradas e, em larga medida, não comunicadas. Esta situação pode representar uma parte significativa da carga poluente dos sistemas urbanos para o ambiente (14), podendo o problema agravar-se à medida que a rede de coletores envelhece. É necessário monitorizar e quantificar adequadamente as fugas nos coletores, e a diretiva deve prevê-lo como requisito.

4.12.

O tratamento de águas residuais requer quantidades consideráveis de energia e pode, muitas vezes, representar uma parte significativa da fatura energética dos municípios. Ao mesmo tempo, as águas residuais contêm energia sob várias formas, nomeadamente química, cinética e térmica, que devem ser aproveitadas a fim de diminuir a dependência em relação aos combustíveis fósseis, em conformidade com os objetivos da UE. É positivo que a eficiência energética esteja a ser considerada com o objetivo de alcançar a neutralidade energética para o setor até 2040.

4.13.

O setor das águas residuais tem um grande potencial para se tornar uma fonte de recursos. Já existem estações de tratamento de águas residuais na UE que têm um balanço energético positivo graças às tecnologias de poupança de energia e à produção de energia renovável, por exemplo, através da digestão anaeróbica das lamas de depuração e da subsequente utilização do biogás produzido (15). Existe ainda o potencial de dupla utilização de áreas das estruturas de tratamento através da colocação de centrais fotovoltaicas, prática que deve ser promovida.

4.14.

Dez milhões de pessoas ainda não têm acesso a saneamento na UE. Por esse motivo, é de saudar que a proposta exija que os Estados-Membros melhorem o acesso ao saneamento, em particular para os grupos vulneráveis e marginalizados, incluindo o fornecimento gratuito de instalações sanitárias públicas até 2027. Contudo, o requisito deve ser reforçado, exigindo aos Estados-Membros que assegurem o acesso ao saneamento para todos na fase inicial do planeamento urbano e tenham em conta a comportabilidade económica e o aspeto social dos serviços de água. Tal inclui o longo ciclo de vida dos meios de recolha e tratamento de águas residuais e a sua inerente inflexibilidade no que diz respeito a adaptações ou melhorias.

4.15.

Para assegurar a comportabilidade dos serviços de água, é necessário que as isenções dos regimes de responsabilidade alargada do produtor sejam estritamente limitadas. Preferencialmente, a isenção para produtos colocados no mercado em quantidade inferior a duas toneladas por ano deve ser suprimida, uma vez que algumas substâncias são potentes mesmo em quantidades reduzidas, e importa esclarecer que o valor mínimo de duas toneladas se refere ao mercado da UE e não ao nível nacional. Importa igualmente assegurar que a responsabilidade alargada do produtor abrange os retalhistas em linha.

4.16.

O custo do tratamento de águas residuais constitui uma parte significativa das faturas de água, mas muitos utilizadores não estão conscientes do serviço que o tratamento de águas residuais proporciona, nem da medida em que o tratamento de águas residuais é bem executado na sua zona. A nova disposição relativa à comunicação de informações ao público é, portanto, de saudar, pois assegurará a divulgação de informações atualizadas sobre a percentagem de águas residuais tratadas (e não tratadas) na zona, bem como a carga de poluentes descarregados por estações de tratamento de águas residuais urbanas e sistemas individuais e também através de descargas de sistemas de coletores e escoamentos urbanos.

Bruxelas, 22 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Associação Europeia da Água (EWA), Water Manifesto [Manifesto da Água].

(2)  Nações Unidas, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Objetivo 6: Garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos.

(3)  OCDE, Financing Water Supply, Sanitation and Flood Protection [Financiamento do abastecimento de água, saneamento e proteção contra inundações].

(4)  Programa das Nações Unidas para o Ambiente, How drug-resistant pathogens in water could spark another pandemic [A possibilidade de os agentes patogénicos resistentes aos medicamentos na água desencadearem uma nova pandemia].

(5)  Programa das Nações Unidas para o Ambiente, Environmental Dimensions of Antimicrobial Resistance [Dimensões Ambientais da Resistência Antimicrobiana].

(6)  Lapointe et al., «Sustainable strategies to treat urban runoff needed» [A necessidade de estratégias sustentáveis para o escoamento urbano], Nature Sustainability 5, 2022, p. 366-369.

(7)  Tian et al., A ubiquitous tire rubber–derived chemical induces acute mortality in coho salmon, Science, Vol. 371, 2021, p. 185-189.

(8)  EAWAG, Monitoring antibiotic resistance in wastewater [Monitorização da resistência aos antibióticos nas águas residuais].

(9)  Wilhelm et al., Does wastewater treatment plant upgrading with activated carbon result in an improvement of fish health?, Aquatic Toxicology, Vol. 192, 2017, p. 184-197.

(10)  Tribunal de Contas Europeu, Relatório Especial 12/2021 — Princípio do poluidor-pagador: aplicação incoerente nas políticas e ações ambientais da UE.

(11)  Comissão Europeia, Relatório sobre a execução da Diretiva 91/676/CEE do Conselho.

(12)  Comissão Europeia, Evaluation of the Council Directive 91/271/EEC [Relatório sobre a execução da Diretiva 91/271/CEE do Conselho].

(13)  OMS, Guidelines for the safe use of wastewater, excreta and greywater [Orientações relativas à utilização segura de águas residuais, excrementos e águas cinzentas].

(14)  Nguyen e Venohr, «Harmonised assessment of nutrient pollution from urban systems including losses from sewer exfiltration: a case study in Germany» [Avaliação harmonizada da poluição por nutrientes dos sistemas urbanos, incluindo as perdas por exfiltração dos esgotos: um estudo de caso na Alemanha], Environmental Science and Pollution Research, vol. 28, 2021.

(15)  Ver, por exemplo, Marselisborg WWTP — from wastewater plant to power plant [ETAR de Marselisborg: de estação de tratamento de águas residuais a central elétrica].


27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/41


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2000/60/CE que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água, a Diretiva 2006/118/CE relativa à proteção das águas subterrâneas contra a poluição e a deterioração e a Diretiva 2008/105/CE relativa a normas de qualidade ambiental no domínio da política da água

[COM(2022) 540 final — 2022/0344 (COD)]

(2023/C 146/07)

Relator:

Arnaud SCHWARTZ

Consulta

Parlamento Europeu, 19.1.2023

Conselho, 24.1.2023

Base jurídica

Artigo 192.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

3.2.2023

Adoção em plenária

22.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

156/01/06

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia firmemente a proposta da Comissão Europeia de aditar uma série de poluentes importantes das águas às listas de substâncias prioritárias para as águas subterrâneas e de superfície, a utilizar para avaliar o estado químico ao abrigo da Diretiva-Quadro da Água. Os Estados-Membros terão de monitorizar a presença desses poluentes nas águas e assegurar que os valores das normas de qualidade não são ultrapassados. A proposta chega com vários anos de atraso e constitui uma tentativa louvável de atualizar a avaliação do estado químico das águas.

1.2.

O CESE salienta que a água limpa é fundamental para a sociedade e para o ambiente, bem como para as atividades socioeconómicas. Um quadro sólido de proteção dos recursos hídricos, centrado na redução da poluição na fonte, beneficiará os ecossistemas, as pessoas que utilizam as águas para fins recreativos e a indústria e garantirá água potável limpa e a preços acessíveis.

1.3.

Embora esta iniciativa implique custos, nomeadamente no tratamento de águas residuais, o CESE salienta que esses custos são superados pelos benefícios associados a águas não poluídas, por exemplo evitando a exposição a substâncias químicas nocivas e reduzindo a necessidade de tratamento para cumprir as normas relativas à água potável. A alteração dos padrões de utilização das substâncias nocivas, com o objetivo de reduzir a sua presença nas águas, pode também ter benefícios associados, como a redução da exposição dos trabalhadores do setor agroalimentar a pesticidas nocivos.

1.4.

Cabe envidar mais esforços em matéria de saúde e segurança no local de trabalho. O CESE solicita a elaboração de orientações específicas para as indústrias que utilizam água com diferentes substâncias nos processos de produção.

1.5.

O CESE recomenda que os Estados-Membros envidem mais esforços para recolher, organizar e interpretar dados relativos às águas e coloquem as necessidades de dados ambientais no topo das suas prioridades. É importante reduzir os tempos de espera pelos dados e assegurar indicadores específicos em todos os Estados-Membros.

1.6.

Mais de 60 % das águas na UE ainda não atingiram um bom estado químico ao abrigo da Diretiva-Quadro da Água (1), mas este valor não proporciona uma imagem completa da questão, uma vez que a avaliação atual não tem em conta os efeitos das misturas de produtos químicos que podem ocorrer mesmo quando os poluentes estão presentes em níveis «seguros». Cabe envidar mais esforços para avaliar e monitorizar o impacto que as substâncias combinadas têm no ambiente e na saúde humana.

1.7.

Os pesticidas proibidos continuam a estar presentes nas águas europeias. O CESE salienta que as medidas de monitorização, incluindo a eliminação das utilizações ilegais e das derrogações, devem permanecer em vigor nos Estados-Membros em que são detetadas quantidades excessivas, mesmo que essas substâncias tenham sido retiradas da lista de substâncias prioritárias a nível da UE.

1.8.

A água é um recurso imprescindível à vida, mas é cada vez mais escasso. Dois terços dos cidadãos europeus consideram que a qualidade da água e/ou a quantidade disponível no seu país constitui um problema grave (2). A fim de executar com êxito o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 «Garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos» e evitar crises futuras, estas preocupações devem ser tratadas com a urgência que se impõe. Facilitar o acesso a recursos, equipamentos e pessoal adequados deve ser uma prioridade para os Estados-Membros, a par da consolidação das instituições de controlo e do aumento do número de inspetores de controlo.

1.9.

O CESE apela também às instituições europeias para que tratem a questão da água como uma prioridade e elaborem um «Pacto Azul», que constituirá um esforço decisivo para antever as necessidades, preservar os recursos hídricos e gerir adequadamente os desafios que lhes estão associados, através de um roteiro abrangente e coordenado, que estabeleça metas ambiciosas e ações vinculadas aos marcos intercalares acordados. O CESE apresentará propostas concretas para um Pacto Azul da UE no decurso de 2023.

2.   Contexto

2.1.

A revisão das listas de poluentes das águas de superfície e das águas subterrâneas, apresentada na proposta de diretiva da Comissão que altera a Diretiva-Quadro da Água, a Diretiva Normas de Qualidade Ambiental e a Diretiva Águas Subterrâneas, visa resolver dois problemas principais:

as listas de substâncias prioritárias estão incompletas e desatualizadas e não proporcionam uma proteção adequada dos ecossistemas e da saúde humana face aos riscos decorrentes da poluição da água;

existem demasiadas diferenças a nível nacional em relação aos poluentes e às normas de qualidade. A comunicação de dados é onerosa, uma vez que não está adaptada à tecnologia atual. O procedimento de revisão das listas de substâncias prioritárias é excessivamente moroso.

2.2.

No que diz respeito às águas de superfície, a revisão propõe o aditamento de 24 substâncias individuais (pesticidas, produtos farmacêuticos e produtos químicos industriais) e um grupo de 24 substâncias perfluoroalquiladas (PFAS) à lista de substâncias prioritárias para as águas de superfície, bem como a alteração da norma de qualidade ambiental (NQA) para 16 substâncias já incluídas nas listas e a supressão de quatro substâncias que se considera terem deixado de constituir uma ameaça a nível da União Europeia (UE). Além disso, é introduzido um limiar para os pesticidas, em conformidade com as disposições relativas às águas subterrâneas.

2.3.

No que se refere às águas subterrâneas, propõe-se o aditamento de um grupo de 24 PFAS, dois antibióticos e uma série de metabolitos de pesticidas ao anexo I da Diretiva Águas Subterrâneas, com limiares a nível da UE. Além disso, é introduzido um limiar para os produtos farmacêuticos. É aditado um produto farmacêutico ao anexo II da Diretiva Águas Subterrâneas, o que significa que os Estados-Membros têm de ponderar a fixação de um limiar a nível nacional.

2.4.

A Comissão elaborará uma metodologia para monitorizar os microplásticos e os genes de resistência antimicrobiana, com o objetivo de os classificar como poluentes no futuro.

2.5.

A fim de melhorar a monitorização dos poluentes das águas subterrâneas, o procedimento de «lista de vigilância» passou a ser obrigatório na monitorização das águas subterrâneas.

2.6.

As normas relativas aos poluentes regulamentados a nível das bacias hidrográficas foram harmonizadas e serão incluídas na avaliação do estado químico.

2.7.

Os Estados-Membros são obrigados a monitorizar as substâncias estrogénicas utilizando métodos baseados nos efeitos durante um período de dois anos, paralelamente à monitorização química convencional de três substâncias estrogénicas. A definição da norma de qualidade ambiental na Diretiva-Quadro da Água é alterada de modo a incluir os valores de desencadeamento baseados nos efeitos utilizados para a monitorização baseada nos efeitos.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Mais de 20 anos após a adoção da Diretiva-Quadro da Água, a poluição da água continua a ser um problema generalizado na Europa, com uma influência negativa na vida aquática, na utilização recreativa da água e no abastecimento de água potável, constituindo também uma preocupação para a agricultura e a indústria. Dois terços das massas de águas de superfície e um quarto das massas de águas subterrâneas na Europa ainda não têm um bom estado químico (3), e este só é avaliado em função de um pequeno subconjunto de poluentes, não refletindo a dimensão total da poluição da água.

3.2.

A poluição da água tem um custo elevado para a sociedade, avaliado em 22 mil milhões de euros por ano tendo apenas em conta a poluição por nutrientes (4). Embora esteja consagrado nos Tratados da UE, o princípio do poluidor-pagador continua a não ser bem aplicado, o que significa que o custo da poluição é, em grande medida, suportado pelos contribuintes (5). A exposição dos seres humanos e do ambiente a substâncias nocivas tem um custo elevado e a descontaminação e o tratamento das águas contaminadas são dispendiosos. Por conseguinte, há que direcionar todos os esforços para a prevenção da poluição na fonte.

3.3.

A ameaça dos efeitos da mistura de substâncias químicas para a vida aquática e para a saúde humana é um problema amplamente reconhecido e as deficiências do atual quadro de monitorização e de comunicação de informações constituíam um dos principais pontos a corrigir na revisão em curso. Há que ter em conta as conclusões e recomendações da comunidade científica, por exemplo no âmbito dos projetos SOLUTIONS e NORMAN da UE.

3.4.

A revisão das listas de poluentes das águas de superfície e das águas subterrâneas deve ter lugar de quatro em quatro e seis em seis anos, respetivamente. A revisão em curso está atrasada, uma vez que as últimas revisões foram efetuadas em 2013 e 2014 no que diz respeito aos poluentes das águas de superfície e das águas subterrâneas, respetivamente. Por conseguinte, as novas substâncias prioritárias apenas farão parte da avaliação do estado químico do quarto ciclo dos planos de gestão das bacias hidrográficas, sendo 2033 a data de aplicação proposta. Tendo em conta a situação desastrosa da qualidade da água na Europa e atendendo a que as substâncias propostas já são comprovadamente substâncias que suscitam preocupação a nível da UE no que diz respeito à água, o CESE apela vivamente para que sejam tomadas medidas imediatamente para reduzir a concentração destes e de outros poluentes em todas as águas da UE. A UE deve reagir mais rapidamente aos conhecimentos científicos sobre a poluição da água e traduzi-los em ações e soluções judiciais. O acesso à justiça no domínio ambiental é igualmente essencial, pelo que os Estados-Membros e a União Europeia devem assegurar procedimentos judiciais e administrativos eficazes e mais rápidos (6).

3.5.

O CESE apoia o aditamento de novos poluentes à lista de substâncias prioritárias para as águas de superfície e as águas subterrâneas. As listas exigem não só que os Estados-Membros reduzam a libertação destas substâncias para o ambiente, mas também que apliquem medidas ao abrigo de outras diretivas (7). No entanto, se as listas não estiverem atualizadas ou forem demasiado restritas, podem limitar a ação ambiental. Além disso, os poluentes foram, em grande medida, aditados como substâncias individuais, sem ter em conta os efeitos das misturas químicas.

3.6.

O CESE congratula-se com o facto de as PFAS terem sido aditadas como um grupo de 24 substâncias com um limiar conjunto e saúda igualmente a introdução de um limiar para os pesticidas nas águas de superfície e de um limiar para os produtos farmacêuticos nas águas subterrâneas. Embora alguns destes limiares possam ser demasiado elevados para assegurar proteção, estão em consonância com a ambição definida na Estratégia para a Sustentabilidade dos Produtos Químicos de regulamentar as substâncias de forma agrupada. No entanto, é importante definir também limiares semelhantes para outros grupos de substâncias, incluindo bisfenóis, piretroides e neonicotinoides.

3.7.

Não obstante a proibição de alguns pesticidas, estes podem continuar a estar presentes no ambiente, onde ameaçam a vida aquática e a saúde humana, seja devido a derrogações legais, à utilização ilegal ou à difícil decomposição dessas substâncias. A grande maioria dos pesticidas detetados nas águas de alguns Estados-Membros está proibida, incluindo o DDT, o lindano, a atrazina e o endossulfão (8). É fundamental prosseguir a monitorização e os esforços para reduzir a sua presença.

3.8.

Propõe-se ainda a supressão do artigo 16.o da Diretiva-Quadro da Água por este se ter tornado obsoleto. No entanto, esta ideia é apenas parcialmente adequada, uma vez que a supressão resultaria na eliminação do prazo de 20 anos para a supressão gradual das substâncias perigosas prioritárias. A obrigação de supressão gradual, que é um dos principais objetivos da Diretiva-Quadro da Água, só é aplicável se estiver associada a um prazo claro. Mesmo no âmbito da Diretiva-Quadro da Água em vigor, a obrigação de supressão gradual foi, em larga medida, desrespeitada; quanto menos concreta for a obrigação, mais as autoridades tentarão ignorá-la, o que a enfraquece consideravelmente.

3.9.

Apoiando-se na abordagem de «uma avaliação por substância» prevista na Estratégia para a Sustentabilidade dos Produtos Químicos, a proposta atribui um papel central à Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), que assume um conjunto de responsabilidades da Direção-Geral do Ambiente e do Centro Comum de Investigação na identificação dos poluentes da água e das respetivas normas de qualidade. Uma vez que a ECHA trata principalmente das substâncias químicas regulamentadas ao abrigo do Regulamento relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), que não inclui pesticidas nem produtos farmacêuticos, o CESE exorta a ECHA a reforçar a sua capacidade (jurídica e técnica) relativamente a produtos farmacêuticos e pesticidas, de modo a estar preparada para assumir as suas novas tarefas. O CESE recomenda igualmente que, neste contexto, a ECHA coopere com parceiros qualificados, incluindo a nível regional, por exemplo, universidades e respetivos laboratórios.

3.10.

Cabe envidar mais esforços em matéria de saúde e segurança no local de trabalho, nomeadamente no setor agroalimentar. A este respeito, o CESE solicita a elaboração de orientações específicas para as indústrias que utilizam água com diferentes substâncias nos processos de produção.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE congratula-se com o facto de os dados de monitorização e o estado daí resultante deverem ser disponibilizados à Agência Europeia do Ambiente e aos cidadãos pelo menos uma vez por ano, e não de seis em seis anos, como acontecia anteriormente. Tal proporcionará uma imagem mais atualizada do estado das águas na Europa e dos progressos realizados na consecução do objetivo da Diretiva-Quadro da Água.

4.2.

O CESE congratula-se com a disposição relativa à utilização de métodos baseados nos efeitos para a monitorização de substâncias estrogénicas, que permitirá captar o efeito de todas as substâncias estrogénicas com efeitos semelhantes e não apenas das três substâncias estrogénicas monitorizadas utilizando técnicas químicas convencionais. Embora a inclusão de valores de desencadeamento na definição da norma de qualidade ambiental abra a possibilidade de introduzir a monitorização baseada nos efeitos das misturas na futura avaliação do estado químico, a Comissão deve ficar habilitada a apresentar atos delegados para exigir uma maior utilização da monitorização baseada nos efeitos.

4.3.

As normas de qualidade para o glifosato foram estabelecidas antes da publicação do parecer final do Comité Científico dos Riscos Sanitários, Ambientais e Emergentes, não existindo qualquer indicação de que serão revistas na sequência do parecer científico final, o que significa que o contributo da sociedade civil para a consulta desse comité não está a ser tido em conta. O Comité Científico dos Riscos Sanitários, Ambientais e Emergentes deve também ter em conta os pontos de vista da sociedade civil (9) no seu parecer final. Ainda não é demasiado tarde, porque o processo de revisão das normas de qualidade ambiental relativas ao glifosato ainda está em curso, tal como exigido pela Diretiva-Quadro Água. Tal processo deve constituir a base da proposta da Comissão relativa ao estabelecimento de limiares aplicáveis às águas de superfície.

4.4.

O CESE considera que nenhuma norma de qualidade ambiental individual para os pesticidas deve autorizar um limiar superior ao parâmetro «pesticidas totais» proposto (0,5 μg/l) (10). Por conseguinte, a norma de qualidade ambiental proposta para as águas de superfície interiores não utilizadas para a captação de água potável (86,7 μg/l) não deve ser utilizada. Em vez disso, com base numa abordagem assente no princípio da precaução, o CESE recomenda que a norma de qualidade ambiental proposta para as águas de superfície utilizadas para a captação de água potável (0,1 μg/l) se aplique a todas as águas de superfície interiores. As normas de qualidade ambiental para «outras águas de superfície» devem ser, por conseguinte, alteradas para 0,01 μg/l, seguindo a prática de utilizar limiares de uma ordem de grandeza inferior para «outras águas de superfície» em comparação com as «águas de superfície interiores».

4.5.

O limiar individual para os pesticidas nas águas subterrâneas baseia-se nos resultados que as técnicas de análise da década de 1990 permitiram obter (11). Desde então, houve progressos técnicos, sendo agora possível detetar concentrações mais baixas. No que diz respeito às águas de superfície, já foram fixados limiares mais baixos para vários pesticidas. O CESE lamenta que a Comissão não tenha revisto o limiar individual para os pesticidas na revisão dos poluentes das águas de superfície e das águas subterrâneas. Nas águas subterrâneas, é aplicado um limiar arbitrário de 0,1 μg/l para os produtos fitofarmacêuticos, baseado em técnicas de análise, mas existem atualmente técnicas melhoradas que permitem obter informações científicas para estabelecer limiares baseados no risco real associado às diferentes substâncias.

4.6.

Continuam a faltar indicadores para monitorizar a saúde dos sistemas de águas subterrâneas, como a temperatura, apesar de a ciência já afetar recursos financeiros consideráveis para o estabelecimento de critérios pertinentes. O CESE interroga-se sobre a razão pela qual a Comissão não incluiu esses critérios pertinentes na sua proposta. Tais critérios devem ser aditados ao anexo I da Diretiva Águas Subterrâneas, em conformidade com o considerando 20 e o artigo 4.o, n.o 5, da mesma diretiva, respeitando os apelos relacionados com as águas subterrâneas formulados na resolução do Parlamento Europeu sobre a aplicação da legislação no domínio da água (17 de dezembro de 2020).

Bruxelas, 22 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Agência Europeia do Ambiente (AEA), relatório n.o 7/2018, «European waters: Assessment of status and pressures 2018» [Águas europeias: Avaliação de 2018 do estado e dos fatores de pressão].

(2)  Associação Europeia da Água (EWA), Manifesto da Água.

(3)  AEA, Relatório n.o 9/2021, «Drivers of and pressures arising from selected key water management challenges: A European overview» [Fatores e pressões associados a alguns desafios fundamentais em matéria de gestão das águas: uma panorâmica europeia].

(4)  Comissão Europeia, «Green taxation and other economic instruments — Internalising environmental costs to make the polluter pay» [Tributação ecológica e outros instrumentos económicos — Integrar os custos ambientais de acordo com o princípio do poluidor-pagador].

(5)  Tribunal de Contas Europeu, Relatório Especial 12/2021 — Princípio do poluidor-pagador: aplicação incoerente nas políticas e ações ambientais da UE.

(6)  Parecer do CESE — Aplicação da Convenção de Aarhus — Acesso à justiça em matéria de ambiente (JO C 123 de 9.4.2021, p. 66).

(7)  Por exemplo, é necessário rever as autorizações ao abrigo do Regulamento Produtos Fitofarmacêuticos se o estado químico previsto na Diretiva-Quadro da Água estiver em risco.

(8)  Rede de Ação sobre Pesticidas Europa e Ecologistas en Acción, «Ríos hormonados: Contamination of Spanish Rivers with Pesticides» [Rios com hormonas: Contaminação dos rios espanhóis com pesticidas].

(9)  «Joint NGO analysis of the Commission's proposal for a revised list of priority substances for surface and groundwater» [Análise conjunta de ONG sobre a proposta da Comissão relativa a uma lista revista de substâncias prioritárias para as águas de superfície e águas subterrâneas].

(10)  COM(2022) 540, Anexo I.

(11)  Ver as observações da Agência Europeia de Medicamentos em «Guideline on assessing the environmental and human health risks of veterinary medicinal products in groundwater» [Orientações relativas à avaliação dos riscos para o ambiente e a saúde humana associados à presença de medicamentos veterinários nas águas subterrâneas] e da AEA em «ETC/ICM Report 1/2020: Pesticides in European rivers, lakes and groundwater — Data assessment» [Relatório n.o 1/2020 do Centro Temático Europeu sobre as Águas Interiores, Costeiras e Marinhas — Os pesticidas nos rios, nos lagos e nas águas subterrâneas da Europa: Avaliação dos dados].


27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/46


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa

[COM(2022) 542 final — 2022/0347 (COD)]

(2023/C 146/08)

Relator:

Kęstutis KUPŠYS

Consulta

Parlamento Europeu, 19.1.2023

Conselho, 24.1.2023

Base jurídica

Artigo 192.o, n.o 1, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

3.2.2023

Adoção em plenária

22.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

145/9/12

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O ar limpo é um direito humano fundamental, razão pela qual o Comité Económico e Social Europeu (CESE) se congratula vivamente com a proposta de revisão das diretivas relativas à qualidade do ar ambiente. O CESE recomenda o pleno alinhamento das normas da UE em matéria de qualidade do ar (nomeadamente no que diz respeito ao ozono, sob a forma de valores-limite) com as Orientações globais relativas à qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde (OMS) o mais tardar até 2030. Recomenda também a definição de um quadro facilitador sólido, assente em valores-limite, e em mecanismos de execução e regras de gestão claras. A redução da poluição atmosférica traz grandes benefícios conexos em termos de atenuação das alterações climáticas, segurança energética e biodiversidade e reforça a resiliência das populações às pandemias.

1.2.

O CESE congratula-se com a abordagem adotada pela Comissão, que consiste em centrar-se na «relação custo-benefício», mas lamenta que se considere esta relação, e não os indicadores relativos à proteção máxima da vida e da saúde humanas, o indicador mais importante a ter em conta na revisão em apreço. Tal leva a que a opção estratégica privilegiada seja o «alinhamento mais estreito» e não o «alinhamento total». Com exceção do dióxido de azoto, a proposta parece procurar um alinhamento com as orientações da OMS de 2005 e não com as orientações mais recentes, publicadas em setembro de 2021.

1.3.

As normas em matéria de ar limpo formam um quadro jurídico, mas a redução das emissões insere-se no âmbito das competências de outros pacotes legislativos. O CESE está confiante de que os limites e as regras previstos nas diretivas relativas à qualidade do ar ambiente, fixados com ambição e executados atempadamente, aliados a medidas setoriais eficazes, levarão à adoção de medidas audaciosas aos níveis nacional e local.

1.4.

Os cidadãos devem também agir e ser informados sobre a ligação entre os seus estilos de vida, ações e padrões de consumo e os níveis de poluição. As pessoas mais bem informadas têm muito mais motivação para agir, o que facilita a adoção de mudanças comportamentais a longo prazo. Por conseguinte, o CESE apela para o aumento do financiamento ao abrigo do Programa Horizonte Europa para projetos de ciência cidadã relacionados com a poluição.

1.5.

O CESE apoia com firmeza o direito de as pessoas que sofreram danos para a saúde devido à poluição atmosférica serem indemnizadas e o estabelecimento de sanções aplicáveis às pessoas singulares ou coletivas que tenham violado as regras no Estado-Membro.

2.   Contexto

2.1.

A poluição do ar ambiente (exterior) é a principal causa ambiental de impactos na saúde na UE, com estimativas de mais de 300 000 mortes prematuras por ano (1). A OMS estima que a poluição atmosférica nas cidades e nas zonas rurais cause 4,2 milhões de mortes prematuras por ano a nível mundial (2), devido aos efeitos cumulativos da poluição atmosférica na saúde pública. Por exemplo, a exposição a partículas finas (PM) de diâmetro igual ou inferior a 2,5 micrómetros (PM2,5) causa muitos problemas de saúde, incluindo doenças cardiovasculares, respiratórias e oncológicas. Além disso, a poluição atmosférica prejudica o ambiente, causando acidificação, eutrofização e perdas de culturas.

2.2.

Os valores-limite em matéria de qualidade do ar são frequentemente ultrapassados em toda a UE (3), com concentrações bastante superiores às mais recentes recomendações da OMS (4).

2.3.

As diretivas relativas à qualidade do ar ambiente (Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (5) relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa e Diretiva 2004/107/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (6) relativa ao arsénio, ao cádmio, ao mercúrio, ao níquel e aos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos no ar ambiente) fixam as regras em matéria de gestão da poluição atmosférica e as normas da UE em matéria de qualidade do ar para 12 poluentes atmosféricos: dióxido de enxofre (SO2), dióxido de azoto (NO2)/óxidos de azoto (NOx), partículas em suspensão (PM10 e PM2,5), ozono (O3), benzeno (C6H6), chumbo (Pb), monóxido de carbono (CO), arsénio (As), cádmio (Cd), níquel (Ni) e benzo(a)pireno (C20H12).

2.4.

O balanço de qualidade (7) concluiu que as diretivas relativas à qualidade do ar ambiente em vigor contribuíram para a redução da poluição atmosférica. O número de mortes prematuras atribuíveis à poluição atmosférica diminuiu 70 % em comparação com a década de 1990. Apesar disso, o ar ambiente no nosso continente ainda é demasiado poluído, prejudicando a saúde humana e o ambiente.

2.5.

No que diz respeito aos danos causados à saúde humana, os poluentes com mais impacto na Europa são as PM2,5, o NO2 e o ozono troposférico. A União Europeia pretende alcançar a poluição zero o mais tardar até 2050, em sinergia com os esforços para alcançar a neutralidade climática. Entretanto, a atual revisão das diretivas relativas à qualidade do ar ambiente pretende, nomeadamente:

introduzir normas mais rigorosas em matéria de qualidade do ar, mais estreitamente alinhadas com as novas orientações da OMS;

apoiar o direito ao ar limpo e melhorar o acesso à justiça;

estabelecer sanções e regimes de indemnização mais eficazes em caso de infração das regras em matéria de qualidade do ar;

reforçar as regras em matéria de monitorização e modelização da qualidade do ar para apoiar ações preventivas e medidas específicas;

esclarecer os requisitos para a definição, adoção e execução de planos de qualidade do ar legítimos e eficazes, com o objetivo de prevenir e remediar violações da legislação;

melhorar o acesso às informações públicas e a respetiva qualidade.

3.   Observações na generalidade

Trajetória rumo à poluição zero

3.1.

O direito ao ar limpo é um direito humano fundamental reconhecido internacionalmente (8), razão pela qual o CESE se congratula vivamente com a proposta de revisão das diretivas relativas à qualidade do ar ambiente. A legislação da UE em matéria de qualidade do ar revelou-se um instrumento essencial e fundamental para impulsionar a redução da poluição atmosférica na UE.

3.2.

O nível de alinhamento das normas da UE em matéria de qualidade do ar com as mais recentes orientações da OMS é uma questão de escolha política e depende das ambições a nível estatal e municipal. A Comissão analisou três cenários (e as opções estratégicas correspondentes), que descreveu no seu relatório sobre a avaliação de impacto (9). A escolha entre estas opções é política e não «puramente científica». As três opções distinguem-se pelos diferentes níveis de ambição: «alinhamento total» (I-1), «alinhamento mais estreito» (I-2) e «alinhamento parcial» (I-3).

3.3.

O CESE congratula-se com a abordagem adotada pela Comissão, que consiste em centrar-se na «relação custo-benefício», mas lamenta que se considere esta relação, e não os indicadores relativos à proteção máxima da vida e da saúde humanas, o indicador mais importante a ter em conta nesta revisão, o que a conduziu à opção estratégica I-2, que defende um «alinhamento mais estreito». Com exceção do NO2, a proposta procura, efetivamente, um alinhamento com as orientações da OMS de 2005 e não com as novas orientações, publicadas em 2021.

3.4.

O CESE insta a que seja realizada, o mais rapidamente possível, uma avaliação dos progressos e uma revisão dos objetivos, alinhando plenamente as normas da UE em matéria de qualidade do ar com as orientações atualizadas da OMS, o mais tardar até 2030. Este alinhamento deve ser acompanhado por um quadro facilitador sólido, assente em valores-limite, mecanismos de execução e regras de gestão claras.

Limites da proposta atual

3.5.

Lamentavelmente, na sua maioria, os Estados-Membros ainda não cumprem as normas da UE em vigor em matéria de qualidade do ar e não adotam medidas eficazes para melhorar a qualidade do ar — tal como o atesta o número de processos por infração em curso. Assim, a revisão deveria, não só fixar o nível certo de ambição, consentâneo com os dados científicos, para estimular iniciativas mais decisivas, mas também melhorar as regras de execução e de controlo do cumprimento, para melhor auxiliar e orientar os Estados-Membros e as autoridades competentes.

3.6.

O CESE solicita a eliminação de potenciais lacunas da legislação, relativas à saúde humana e à proteção do ambiente. Os artigos 16.o e 17.o estabelecem as regras para a dedução da obrigação de conformidade da areia ou do sal utilizados na cobertura de estradas durante o inverno, bem como das fontes naturais de poluição atmosférica. No entender do Comité, esta abordagem contradiz os objetivos da legislação. As fontes naturais e antropogénicas combinam e ampliam os efeitos dos poluentes. Ao negligenciarmos as fontes naturais de poluição atmosférica, continuaremos a colocar as vidas das pessoas em perigo.

3.7.

Da mesma forma, o artigo 29.o prevê que os Estados-Membros estabeleçam sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas aplicáveis às «pessoas singulares ou coletivas» que tenham violado as regras no Estado-Membro. Trata-se de um passo na direção certa que o CESE apoia firmemente, já que é extremamente importante dispor de um regime de sanções eficaz para fazer face ao incumprimento. Também apoia o disposto no artigo 28.o sobre o direito a indemnização outorgado a pessoas que tenham sofrido danos para a sua saúde (mesmo parciais) em consequência da poluição atmosférica. O CESE solicita que seja estabelecida uma ligação clara, estritamente racional, entre a fonte de poluição e o poluidor, que esclareça as responsabilidades e as penalizações correspondentes. Solicita igualmente uma maior clarificação das disposições relativas aos planos de qualidade do ar e às medidas corretivas (incluindo sanções pecuniárias) relacionadas com o incumprimento das normas de qualidade do ar dentro dos prazos estipulados.

3.8.

Importa colocar uma ênfase especial no ozono. Segundo uma estimativa da Agência Europeia do Ambiente, 24 000 mortes prematuras por ano resultam da exposição ao ozono (10). O ozono é um poluente que não é emitido diretamente por fontes primárias. Forma-se através de uma série de reações complexas na atmosfera, desencadeadas pela energia transferida para moléculas de dióxido de azoto quando absorvem a luz da radiação solar (11). Os efeitos do ozono troposférico (ozono «tóxico») na saúde estão bem identificados: estudos epidemiológicos recentes demonstraram que a exposição ao ozono está associada a um aumento da mortalidade e da morbilidade (12) e a danos graves para a natureza e para as culturas. Ainda não foram adotadas medidas eficazes para reduzir rapidamente as emissões dos precursores do ozono, como o metano, apesar da recente publicação do Plano de Ação da UE para o Metano no âmbito do Compromisso Mundial sobre o Metano. No entanto, o CESE congratula-se com a intenção de examinar a possível inclusão do metano entre os poluentes regulados, quando da revisão da Diretiva relativa aos compromissos nacionais de redução de emissões em 2025.

3.9.

No artigo 13.o, a Comissão propõe submeter a «valores-limite» quase todos os poluentes atmosféricos atualmente sujeitos a «valores-alvo», com exceção do ozono, que ainda é abrangido apenas por «valores-alvo». Esta isenção justifica-se pelas «características complexas da sua formação na atmosfera, que complicam a tarefa de avaliar a viabilidade do cumprimento de valores-limite rigorosos».

3.10.

No entender do Comité, esses «valores-alvo» não incentivam o suficiente os Estados-Membros e as autoridades competentes a diminuir o ozono troposférico — um dos três poluentes mais graves. Existem soluções para reduzir o ozono tóxico. A redução dos precursores do ozono, como o NO2, os compostos orgânicos voláteis (COV) não metano e as emissões de metano, contribuirá para diminuir as concentrações de ozono. A melhoria das normas de emissões dos veículos, a redução da utilização ou a proibição dos solventes, tintas ou pulverizadores com elevado teor de COV e a redução efetiva das emissões de metano provenientes da energia, dos resíduos e da agricultura (o principal responsável) são formas eficientes de diminuir o ozono troposférico. Estes instrumentos conhecidos devem ser plenamente explorados. O CESE recomenda o pleno alinhamento das normas da UE em matéria de ozono, sob a forma de valores-limite, com as Orientações globais da OMS relativas à qualidade do ar de 2021.

3.11.

A par da proposta da Comissão, importa também criar locais de monitorização adicionais para partículas ultrafinas, carbono negro e amoníaco. A densidade proposta não é suficiente para assegurar o desenvolvimento de estudos epidemiológicos. Importa planear os locais de monitorização de modo que os seus dados sejam suficientes para informar adequadamente as autoridades sanitárias responsáveis ao nível local sobre os riscos para a saúde decorrentes da poluição local, incluindo os poluentes emergentes que suscitam preocupação, em especial no que diz respeito às populações vulneráveis e às zonas altamente poluídas.

Medidas setoriais específicas

3.12.

No atinente ao artigo 10.o da proposta em apreço, o CESE recomenda que cada Estado-Membro crie, pelo menos, uma superestação de monitorização numa localização urbana de fundo por cada cidade com mais de 250 000 habitantes. Os Estados-Membros onde não há cidades com mais de 250 000 habitantes devem criar, pelo menos, uma superestação de monitorização numa localização urbana de fundo.

3.13.

Além das orientações puramente médicas, a OMS recomenda proteger a natureza, preservar o ar limpo e investir em energias limpas para assegurar uma transição energética rápida e saudável, que também traga benefícios conexos para a luta contra as alterações climáticas. Além disso, a OMS recomenda que se construam cidades saudáveis e habitáveis: promovendo uma mobilidade mais limpa e ativa, nomeadamente os transportes públicos e as deslocações a pé e de bicicleta; deixando de utilizar o dinheiro dos contribuintes para subsidiar os combustíveis fósseis responsáveis pela poluição atmosférica; e promovendo regimes alimentares saudáveis.

3.14.

As decisões a nível europeu devem pautar-se também por estes pontos de ação. O Pacto Ecológico Europeu e as iniciativas pertinentes de vasto alcance, como o pacote Objetivo 55 ou o plano REPowerEU, devem ser adotados e aplicados à luz da proteção da saúde pública e do ambiente (13), contribuindo também para a atenuação dos efeitos das alterações climáticas e a adaptação às mesmas, para a segurança do aprovisionamento energético e tendo em conta os aspetos geopolíticos.

3.15.

O CESE considera, por conseguinte, que a proposta tem margem para melhorias. A lacuna da proposta da Comissão reside claramente no facto de não ter uma visão para além do que é tecnicamente quantificável hoje. Os impactos das ações estratégicas são modelados até às reduções máximas tecnicamente viáveis, com um cenário de base que já subestima o potencial. Para alcançar um ar mais limpo, seria sem dúvida útil adotar novas disposições legislativas setoriais sólidas (por exemplo, no setor dos transportes, do aquecimento doméstico e agroalimentar):

Regulamentação de todos os poluentes prejudiciais à saúde humana, ao ambiente e ao clima;

Fixação de limites de emissões rigorosos para os fogões e as caldeiras, no âmbito da revisão das normas em matéria de conceção ecológica;

Garantia de que o setor agroalimentar também contribui para a concretização dos níveis previstos nas orientações da OMS até 2030, em particular reduzindo as emissões de amoníaco e de metano;

Promoção dos transportes públicos e dissuasão da utilização do automóvel pessoal;

Redução dos limites de emissões dos veículos na UE para o mínimo possível a nível mundial (e atuando o mais rapidamente possível), eliminando gradualmente, ao mesmo tempo, os motores de combustão interna;

Melhoria da testagem, da homologação e da certificação dos veículos;

Monitorização das emissões nas estradas, por exemplo por tecnologia de teledeteção;

Harmonização do quadro europeu (14) para zonas de baixas emissões/emissões nulas e introdução de um portal único a nível da UE para o controlo e o registo de veículos para a entrada nessas zonas.

3.16.

As regras em matéria de ar limpo formam um quadro jurídico, mas a redução das emissões insere-se no âmbito das competências de outros pacotes legislativos. Na opinião do CESE, o conceito de zonas de emissões reduzidas/emissões nulas oferece um exemplo perfeito de «boas práticas». Por exemplo, a zona de emissões reduzidas em Bruxelas poderia não existir se não houvesse normas que permitissem executar medidas para alcançar estes objetivos. No futuro, à medida que cada vez mais cidades cumprem as normas, as metas orientadoras deverão ser atualizadas com base em dados científicos para assegurar a melhoria contínua da qualidade do ar.

3.17.

O processo descrito acima cria um círculo virtuoso de ações e consequências. Os limites e as regras previstos nas diretivas relativas à qualidade do ar ambiente, fixados com ambição e executados atempadamente, aliados a medidas setoriais eficazes, levarão à adoção de medidas audaciosas aos níveis nacional e local. Facilitarão a consecução de metas ambiciosas em matéria de ar limpo. No entender do CESE, a avaliação de impacto e a proposta não têm plenamente em conta todas as oportunidades exequíveis desta cadeia de ações. Se tivessem sido tidas em conta no planeamento inicial da proposta, a opção de «alinhamento total» (I-1) poderia ter sido escolhida como o caminho a seguir, em vez da opção menos ambiciosa de um «alinhamento mais estreito» (I-2).

Aumentar a sensibilização do público

3.18.

Apesar das melhorias alcançadas desde a década de 1990, a qualidade do ar ainda é uma preocupação importante para os cidadãos europeus. A maior parte dos europeus (mais de 80 %) considera que problemas de saúde como as doenças respiratórias, a asma e as doenças cardiovasculares são problemas graves nos seus países resultantes da poluição atmosférica (15).

3.19.

Apesar de, na sua maioria, os europeus não se considerarem bem informados (60 %), quase metade dos inquiridos consideram que a qualidade do ar se deteriorou nos últimos dez anos (47 %). Embora o número de pessoas expostas ao ar extremamente poluído tenha vindo a decrescer de forma constante, as pessoas expostas ainda sofrem graves problemas de saúde e não têm qualquer prova concreta de que a qualidade do ar ambiente tenha melhorado.

3.20.

Ainda não é claro o que os cidadãos estariam dispostos a fazer, de forma pró-ativa, para melhorar, direta ou indiretamente, a qualidade do ar ambiente. No entanto, a sensibilização tem um efeito duplo:

3.20.1.

Em primeiro lugar, os europeus devem ser informados sobre a ligação entre o seu estilo de vida, ações e padrões de consumo e os níveis de poluição. Essa ligação clara resultaria numa melhor aceitação, pelo público, da introdução de medidas políticas relacionadas com as alterações comportamentais.

3.20.2.

Em segundo lugar, a eficácia dessas medidas políticas seria muito maior e traria resultados cumulativos se os cidadãos tomassem conhecimento das consequências das suas mudanças comportamentais. As melhorias na qualidade do ar ambiente podem ser vistas claramente a «olho nu», sobretudo no ambiente urbano. No entanto, os dados científicos, apresentados de uma forma interativa e fácil de compreender, podem promover um círculo virtuoso. As pessoas mais bem informadas têm muito mais motivação para agir, o que facilita a adoção de mudanças comportamentais a longo prazo.

3.21.

A ciência cidadã atua como fator decisivo na formação da opinião pública em todas as matérias relacionadas com a poluição e com os seus impactos na vida dos cidadãos. O CESE salienta o êxito de iniciativas como a «CurieuzeNeuzen» (16), que serviu de catalisador da aceitação pública das zonas de emissões reduzidas em várias cidades da Bélgica. Apela para o reforço do financiamento ao abrigo do Programa Horizonte Europa para projetos de ciência cidadã relacionados com a poluição.

4.   Observações na especialidade sobre os poluentes atmosféricos que suscitam preocupações emergentes

Partículas ultrafinas

4.1.

As partículas ultrafinas são partículas com um diâmetro igual ou inferior a 0,1 μm (100 nm). Estas partículas advêm de fontes naturais ou antropogénicas, como as atividades de combustão. Apesar do número crescente de provas do impacto das partículas ultrafinas na saúde, estes poluentes não são regulados pelas atuais diretivas relativas à qualidade do ar ambiente. O CESE constata uma ambição crescente de traduzir os conhecimentos existentes sobre o seu impacto na saúde em recomendações políticas. No entanto, é necessário reunir informações adicionais sobre a matéria.

4.2.

Assim, o CESE apela para uma ação específica adicional, através do Programa Horizonte Europa, para financiar de forma sistemática a investigação sobre partículas ultrafinas. Apesar da falta de indicadores específicos sobre partículas ultrafinas, pode valer a pena lançar uma campanha de sensibilização do público para informar os cidadãos europeus sobre os riscos «emergentes» desta classe de poluentes negligenciada.

Carbono negro

4.3.

O carbono negro consiste em partículas finas geradas pela queima de combustíveis fósseis ou de biomassa. Tem efeitos adversos na saúde, provocando doenças cardíacas e pulmonares, mas é também um acelerador das alterações climáticas, uma vez que uma tonelada de carbono negro possui um efeito de aquecimento global até 1 500 vezes superior ao de uma tonelada de CO2.

4.4.

O Comité tem em conta as referências a estudos, disponibilizados pela OMS (17), que identificam impactos estatisticamente significativos na saúde decorrentes da exposição a carbono negro a níveis de 1,08 a 1,15 μg/m3. No entanto, a OMS não retoma estes níveis nas suas recomendações de boas práticas. No entender do Comité, tal não deveria servir de desculpa para não tomar medidas em relação ao carbono negro. Do mesmo modo, devem tomar-se medidas para reduzir os níveis de partículas ultrafinas, nomeadamente PM2,5 e PM10,. Esperar mais três ou cinco anos para que alguns projetos de investigação financiados pela UE forneçam elementos de prova ou pela publicação de outro documento de orientação da OMS significa a perda de milhares de vidas e a aceleração da crise climática.

Amoníaco

4.5.

O amoníaco (NH3) é um composto inorgânico de azoto e hidrogénio. Elevados níveis de amoníaco danificam os pulmões e são uma causa de mortalidade. O NH3 é um dos principais responsáveis pelos níveis excessivos de partículas secundárias. Além disso, deteriora o ambiente e prejudica a biodiversidade através da acidificação e da eutrofização. Podem alcançar-se reduções dos níveis de amoníaco no setor agroalimentar, dos transportes e da «utilização de solventes e produtos».

4.6.

Não existem recomendações da OMS relativas às concentrações de amoníaco no ar ambiente relacionadas com impactos na saúde. Não obstante, o seu impacto sanitário e ambiental está bem documentado (18), uma vez que as emissões de amoníaco contribuem para a formação de PM2,5 secundárias, relativamente às quais a OMS possui orientações. Os peritos estimam que o nível crítico a longo prazo para a vegetação (plantas superiores) é de 3 μg/m3.

4.7.

A recente proposta de revisão da Diretiva Emissões Industriais (19) e a sua maior ambição de reduzir as emissões industriais e alargar o seu âmbito de aplicação às maiores explorações pecuárias da UE poderá contribuir significativamente para a redução das emissões de amoníaco, já que a principal fonte de emissões de NH3 é a agricultura e cerca de três quartos das emissões na UE são causadas pela gestão do estrume nas explorações pecuárias (20). Importa, no entanto, aplicar essa diretiva de forma proporcionada e eficaz em termos de custos, a fim de evitar um aumento adicional dos custos de produção no setor agroalimentar (21).

4.8.

Para garantir a subsistência, a saúde e o bem-estar das pessoas, o CESE defende que é igualmente necessário um mecanismo de apoio robusto para as pessoas e as indústrias vulneráveis, a fim de disponibilizar soluções práticas «no terreno» para as emissões de NH3 derivadas da pecuária. Esse apoio passa também por financiar os avanços tecnológicos conhecidos e a realização de mais investigação. De um modo geral, cumpre incentivar as empresas pecuárias a introduzir alterações favoráveis ao ambiente e à saúde, sem descurar a função crítica do fornecimento de bens à população (22).

Bruxelas, 22 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Agência Europeia do Ambiente, «Health impacts of air pollution in Europe» [Impactos da poluição atmosférica na saúde na Europa].

(2)  OMS, «Ambient (outdoor) air pollution» [Poluição do ar ambiente (exterior)].

(3)  Agência Europeia do Ambiente, «Europe's air quality status 2022» [Estado da qualidade do ar na Europa 2022].

(4)  OMS, «Global air quality guidelines» [Orientações globais relativas à qualidade do ar].

(5)  Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa (JO L 152 de 11.6.2008, p. 1).

(6)  Directiva 2004/107/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa ao arsénio, ao cádmio, ao mercúrio, ao níquel e aos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos no ar ambiente (JO L 23 de 26.1.2005, p. 3).

(7)  CIRCABC, «Air Policy» [Políticas relativas ao ar].

(8)  Resolução A/76/L.75 da Assembleia Geral das Nações Unidas e Parecer NAT/824.

(9)  Comissão Europeia, Qualidade do ar — revisão das regras da UE.

(10)  Agência Europeia do Ambiente, «Health impacts of air pollution in Europe» [Impactos da poluição atmosférica na saúde na Europa].

(11)  OMS, «Global air quality guidelines» [Orientações globais relativas à qualidade do ar].

(12)  Agência de Proteção Ambiental (EPA), «Health Effects of Ozone in the General Population» [Efeitos do ozono na saúde da população em geral].

(13)  Importa prestar especial atenção às novas normas de emissão dos veículos Euro 7, uma vez que o transporte rodoviário é a principal causa de poluição do ar ambiente nos territórios urbanos. Muitas partes interessadas (por exemplo, a organização Transport & Environment) assinalaram que as normas Euro 7 não respondem às expectativas.

(14)  O CESE observa que a Estratégia de mobilidade sustentável e inteligente [COM(2020) 789 final] inclui o compromisso da Comissão de lançar um estudo específico sobre soluções que permitam estabelecer regimes mais eficazes e simples de restrição de acesso de veículos urbanos, respeitando o princípio da subsidiariedade.

(15)  Eurobarómetro, «Attitudes of Europeans towards Air Quality» [Atitudes dos europeus relativamente à qualidade do ar]. O documento COM(2021) 44 tem em conta a ligação entre o cancro e a poluição. O CESE considera necessário acrescentar aos futuros inquéritos Eurobarómetro uma pergunta sobre as atitudes em relação ao cancro (e também à diabetes e à demência) em consequência da poluição atmosférica.

(16)  CurieuzeNeuzen in Vlaanderen. Grupos da sociedade civil na Alemanha, Irlanda, Itália, Lituânia, Polónia, Eslováquia e vários outros países da UE levaram a cabo campanhas semelhantes.

(17)  PNUA, «Health effects of black carbon» [Os efeitos do carbono negro na saúde].

(18)  UNECE, «Towards Cleaner Air, Scientific Assessment Report 2016» [Para um ar mais limpo, Relatório de avaliação científica 2016].

(19)  Diretiva 2010/75/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição (JO L 334 de 17.12.2010, p. 17).

(20)  Segundo o painel das emissões nacionais de poluentes atmosféricos, 76,2 % em 2020.

(21)  Parecer do CESE — Revisão da Diretiva Emissões Industriais e do Regulamento RETP europeu (JO C 443 de 22.11.2022, p. 130).

(22)  Parecer do CESE — Revisão da Diretiva Emissões Industriais e do Regulamento RETP europeu (JO C 443 de 22.11.2022, p. 130).


27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Comunicação sobre as orientações para uma reforma do quadro de governação económica da UE

[COM(2022) 583 final]

(2023/C 146/09)

Relator:

Krister ANDERSSON

Correlatora:

Dominika BIEGON

Consulta

Comissão Europeia, 19.12.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

1.2.2023

Adoção em plenária

23.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

202/3/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe muito favoravelmente a comunicação da Comissão que estabelece orientações para uma reforma do quadro de governação económica.

1.2.

O CESE concorda com a Comissão quanto à necessidade de um acordo rápido antes dos procedimentos orçamentais dos Estados-Membros para 2024. Conforme salientado pela Comissão, impõe-se uma sólida coordenação das políticas orçamentais e estruturais, bem como uma supervisão económica e orçamental eficaz, promovendo o crescimento inclusivo e ajudando o Banco Central Europeu (BCE) a alcançar os seus objetivos.

1.3.

O CESE concorda com a Comissão de que houve falta de políticas prudentes em conjunturas favoráveis por parte dos Estados-Membros (1), ao mesmo tempo que as regras orçamentais limitaram a margem de manobra orçamental durante recessões económicas nalguns Estados-Membros.

1.4.

O CESE regista o plano da Comissão de manter os valores de referência. O critério do défice de 3 % do produto interno bruto (PIB) tem um efeito político e a nível do sinal de mercado. De um modo geral, o CESE salienta que os planos orçamentais e estruturais devem assegurar que os rácios dívida/PIB respeitam uma trajetória decrescente ou permanecem a níveis prudentes.

1.5.

O CESE apoia a proposta da Comissão de deixar de aplicar a rigorosa «regra 1/20», pois poderia sobrecarregar os Estados-Membros com uma dívida elevada, tendo um impacto negativo no crescimento e na própria sustentabilidade da dívida. O período de avaliação intercalar quadrienal que funciona como referência para ajustamentos orçamentais, prorrogável por mais três anos se for caso disso, também se afigura proporcionado.

1.6.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão se concentrar na despesa primária líquida como principal parâmetro de avaliação da nova governação económica.

1.7.

O CESE salienta que a política orçamental é um domínio clássico da política parlamentar, uma vez que afeta toda a estrutura da despesa e da receita do Estado. Para que a reforma do quadro seja bem-sucedida, a apropriação do processo é determinante.

1.8.

O CESE reitera a necessidade urgente de uma reforma sólida da governação económica europeia, em prol dos interesses dos cidadãos, das empresas e dos governos. Importa, por conseguinte, estabelecer novas medidas que possam ser adotadas para melhorar a apropriação das regras, assegurando, dessa forma, o empenho de todos os governos num quadro revisto.

1.9.

O CESE considera fundamental que as próximas propostas legislativas determinem normas mínimas de controlo parlamentar nacional e de participação da sociedade civil organizada na elaboração dos planos orçamentais e estruturais nacionais de médio prazo.

1.10.

O CESE sublinha a necessidade de dispor de regras adequadas que garantam uma aplicação robusta. Nos casos excecionais em que se equacione a aplicação de sanções, estas devem ser eficazes e aplicadas de forma transparente. Para serem credíveis, as regras devem ser aplicadas do mesmo modo a todos os Estados-Membros.

1.11.

O CESE congratula-se com o facto de a melhoria da qualidade e o aumento do volume do investimento público serem considerados fatores a ter em conta rumo à sustentabilidade da dívida. Congratula-se também com a prorrogação da trajetória de ajustamento, que pode ser concedida por um máximo de três anos.

1.12.

Para atingir as metas climáticas da UE, o capital social tem de ser completamente revisto e os investimentos públicos e privados têm de ser alargados. No passado, o CESE apelou à adoção de medidas para colmatar o enorme défice de investimento (2). O CESE salienta que poderão ser necessárias novas iniciativas para garantir a mobilização de capital público e privado suficiente para a transição ecológica e a coesão social.

1.13.

A fim de garantir a transparência e facilitar o acompanhamento eficaz da execução dos planos orçamentais e estruturais de médio prazo, os Estados-Membros devem apresentar relatórios anuais sobre os progressos realizados e especificar o estado da execução das reformas e dos investimentos. Esses relatórios e as avaliações realizadas pela Comissão e pelo Conselho no âmbito da supervisão anual devem ser tornados públicos.

2.   Contexto

2.1.

A comunicação da Comissão Europeia (3) estabelece princípios gerais para uma reforma do quadro de governação económica da União Europeia (UE). A fim de melhorar o quadro atual, a iniciativa da Comissão visa reforçar a sustentabilidade da dívida e promover o crescimento sustentável e inclusivo através de investimentos e reformas.

2.2.

A despesa primária líquida, ou seja, a despesa sob controlo governamental, será o indicador principal a ter em conta pela Comissão. Será também a base para definir a trajetória de ajustamento orçamental e assegurar a supervisão orçamental anual, com o objetivo de simplificar as regras atuais.

2.3.

Além disso, a Comissão elaborará uma trajetória de ajustamento orçamental de referência para cada Estado-Membro durante um período de quatro anos, assente numa metodologia definida para analisar e avaliar a sustentabilidade da dívida. A trajetória de ajustamento deve assegurar que os rácios da dívida dos Estados-Membros com problemas de dívida específicos se encontram numa trajetória decrescente, garantindo que o défice se mantém a níveis inferiores aos 3 % do PIB previstos nas regras do Tratado.

2.4.

A Comissão acompanhará constantemente a execução dos planos, exigindo aos Estados-Membros que apresentem relatórios anuais sobre os progressos realizados na execução dos respetivos planos, para tornar as atividades de acompanhamento mais eficazes e transparentes. O procedimento relativo aos défices excessivos (PDE) manter-se-á, com o PDE baseado na dívida a ser reforçado e desencadeado quando um Estado-Membro com uma dívida superior a 60 % do PIB se desviar da trajetória de despesa acordada.

2.5.

A abordagem a médio prazo adotada pela Comissão permitirá diferenciar os Estados-Membros com base nos desafios relativos à sustentabilidade da sua dívida. Tendo em conta os encargos dos Estados-Membros com dívida elevada, o atual parâmetro de referência para a redução da dívida (a denominada «regra 1/20») será substituída por um quadro de supervisão mais assente no risco, para evitar consequências adversas no crescimento e na própria sustentabilidade da dívida.

2.6.

A Comissão pretende reforçar os mecanismos de execução como contrapartida necessária para uma supervisão assente no risco. Os instrumentos de execução incluirão: i) sanções financeiras eficazes, de utilização mais fácil e mais provável por meio da redução dos respetivos montantes; ii) sanções em matéria de reputação em caso de PDE e outros desvios; iii) condicionalidade macroeconómica aplicável ao financiamento da UE.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE acolhe muito favoravelmente a comunicação da Comissão que estabelece orientações para uma reforma do quadro de governação económica. No entanto, observa que ainda é necessário definir muitos pormenores, o que permite apenas uma avaliação preliminar.

3.2.

O CESE concorda com a Comissão quanto à necessidade de um acordo rápido antes dos procedimentos orçamentais dos Estados-Membros para 2024. Conforme salientado pela Comissão, impõe-se uma sólida coordenação das políticas orçamentais e estruturais, bem como uma supervisão económica e orçamental eficaz, promovendo o crescimento inclusivo e reduzindo os desequilíbrios sociais e económicos em coordenação com a ação institucional do BCE para alcançar os seus objetivos.

3.3.

O CESE congratula-se com a abordagem global da Comissão, centrada em planos orçamentais e estruturais nacionais de médio prazo que integram num único instrumento objetivos orçamentais, bem como objetivos em matéria de reformas e de investimentos. Esses planos dão maior flexibilidade aos Estados-Membros de uma forma equitativa e no âmbito de um quadro assente no risco a ser avaliado a médio prazo.

3.4.

O CESE apoia a ambição e os elementos fulcrais da iniciativa da Comissão que visa uma maior apropriação a nível nacional, a simplificação do quadro e o avanço em direção a uma maior ênfase no médio prazo, paralelamente a uma aplicação mais robusta e coerente do referido quadro (4).

3.5.

O CESE concorda com a Comissão de que houve falta de políticas prudentes em conjunturas favoráveis por parte dos Estados-Membros (5), ao mesmo tempo que as regras orçamentais limitaram a margem de manobra orçamental durante recessões económicas nalguns Estados-Membros. Observa que os anos que apresentam um crescimento positivo devem ser associados a uma redução do rácio dívida/PIB, criando margem para a utilização de flexibilidade orçamental nos anos de recessão. Simultaneamente, quando os Estados-Membros enfrentam estagnação ou recessões profundas, é necessária margem de manobra orçamental. O CESE considera que a proposta da Comissão é um passo na direção certa, permitindo ao Estados-Membros prosseguir políticas anticíclicas credíveis no futuro.

3.6.

O CESE regista o plano da Comissão de manter os valores de referência, uma vez que objetivos numéricos claros têm um efeito político e a nível do sinal de mercado. O limitar do défice de 3 % do PIB está, de facto, solidamente estabelecido no Tratado, é bem conhecido e é aplicável uniformemente em todos os países da UE. O CESE concorda com a Comissão de que os planos orçamentais e estruturais devem assegurar que os rácios dívida/PIB respeitam uma trajetória decrescente ou permanecem a níveis prudentes.

3.7.

O CESE considera que podem ser necessários desvios a curto prazo do limiar, por forma a satisfazer as enormes necessidades de investimento atualmente associadas à transição ecológica e digital ou a permitir uma trajetória de ajustamento que não comprometa o crescimento.

3.8.

O CESE entende que o quadro a médio prazo apresentado pela Comissão é razoável e capaz de distinguir entre os níveis de rácio da dívida dos Estados-Membros, que são muito diferentes, permitindo abordagens modulares destinadas a situações nacionais heterogéneas, em que os rácios dívida/PIB podem variar entre menos de 60 % e mais de 150 %. A este respeito, o CESE apoia a proposta da Comissão de deixar de aplicar a rigorosa «regra 1/20», pois poderia sobrecarregar os Estados-Membros com uma dívida elevada, tendo um impacto negativo no crescimento e na própria sustentabilidade da dívida. O período de avaliação intercalar quadrienal que funciona como referência para ajustamentos orçamentais, prorrogável por mais três anos se for caso disso, também se afigura proporcionado, tendo em conta as condições económicas e internacionais atuais e previstas.

3.9.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão se concentrar na despesa primária líquida como principal parâmetro de avaliação da nova governação económica. A este respeito, insta a que os planos orçamentais e estruturais nacionais de médio prazo integrem investimentos públicos direcionados, estratégicos e bem concebidos em consonância com as prioridades da UE. Esses investimentos devem representar uma percentagem maior da despesa pública, fomentando o crescimento inclusivo e sustentável.

3.10.

O CESE concorda com a Comissão de que a qualidade da despesa pública tem de ser melhorada. Devem ser privilegiadas, a nível nacional, as reformas e os investimentos que fomentem o crescimento, prosseguindo simultaneamente uma trajetória credível de redução da dívida após a pandemia e em tempos de tensões internacionais.

3.11.

O CESE apoia a proposta da Comissão de que são necessárias cláusulas de derrogação sólidas para fazer face a situações excecionais em que a trajetória de ajustamento aprovada não possa ser respeitada de forma realista. A observância rigorosa da trajetória plurianual da despesa primária líquida acordada permitirá levar a cabo uma política orçamental anticíclica, alcançando rácios dívida/PIB decrescentes em períodos favoráveis e possibilitando as respostas estratégicas necessárias em períodos desfavoráveis (6), o que permite proteger os mais vulneráveis.

3.12.

O CESE salienta que a política orçamental é um domínio clássico da política parlamentar, uma vez que afeta toda a estrutura da despesa e da receita do Estado. Para que a reforma do quadro seja bem-sucedida, a apropriação do processo é determinante. O CESE considera fundamental que as próximas propostas legislativas determinem normas mínimas de controlo parlamentar nacional e de participação da sociedade civil organizada na elaboração dos planos orçamentais e estruturais nacionais de médio prazo. Os parlamentos e a sociedade civil organizada, bem como os órgãos de poder local e regional, devem participar efetivamente, pois a forte apropriação dos planos de reforma orçamentais e estruturais nacionais de médio prazo só acontecerá se todas as partes interessadas pertinentes estiverem devidamente envolvidas (7). Os parlamentos nacionais devem escrutinar os governos pelas políticas orçamentais e de reforma que estes prosseguem.

3.13.

No caso de mudança de governo, deve ser possível proceder a alterações aos planos estruturais de médio prazo, desde que não se comprometa a estabilidade a médio prazo. Se os governos introduzirem novas medidas discricionárias em matéria de receitas, preservando, ao mesmo tempo a sustentabilidade global da dívida, deve ser possível adaptar a trajetória de ajustamento sem ter de passar novamente por todo o processo de validação dos planos estruturais e orçamentais.

3.14.

O CESE observa que, se as propostas da Comissão forem executadas, a própria Comissão terá mais influência sobre a política orçamental dos Estados-Membros (8). Simultaneamente, as recomendações específicas por país tornam-se mais vinculativas, pois a não aplicação pode conduzir a cortes no financiamento da UE e a uma trajetória de ajustamento mais restritiva. Também aumentará a importância do Semestre Europeu. Por conseguinte, importa impulsionar a participação dos parlamentos nacionais e das organizações da sociedade civil, por forma a aumentar a apropriação do sistema assente em regras. A função de supervisão e controlo do Parlamento Europeu é importante, especialmente no que se refere a execução e medidas corretivas. Ao mesmo tempo, há que respeitar o princípio da subsidiariedade e a repartição de competências estabelecidos nos Tratados.

3.15.

O CESE apoia a iniciativa da Comissão de tornar os mecanismos de execução em matéria financeira e de reputação mais eficazes em caso de desvios. Tendo em conta a maior flexibilidade de que gozam os Estados-Membros na execução das respetivas reformas orçamentais, estruturais e de investimento no âmbito dos planos orçamentais e estruturais nacionais, as regras aplicáveis devem ser efetivamente executadas em caso de incumprimento. Desta forma, é incentivada a consolidação das finanças públicas em períodos favoráveis, tornando a dívida mais sustentável.

3.16.

O CESE sublinha a necessidade de dispor de regras adequadas que garantam uma aplicação robusta. Nos casos excecionais em que se equacione a aplicação de sanções, estas devem ser eficazes e aplicadas de forma transparente. Para serem credíveis, as regras devem ser aplicadas do mesmo modo a todos os Estados-Membros. As possíveis consequências e efeitos sociais na evolução da sustentabilidade da dívida devem fazer parte da análise da execução.

4.   Observações na especialidade

4.1.

Uma vez que se propõe que os planos da despesa primária líquida se tornem o principal parâmetro de avaliação, o CESE destaca a necessidade de regras claras e transparentes para o cálculo da despesa primária. Por conseguinte, as medidas discricionárias em matéria de receitas, bem como as despesas cíclicas relacionadas com o desemprego, devem ser definidas de forma clara e objetiva e acordadas por todos os Estados-Membros.

4.2.

Embora a exclusão das despesas cíclicas relacionadas com o desemprego dos planos da despesa possa ser compreensível, não deve impedir os Estados-Membros de responder a eventuais necessidades de melhorar o funcionamento do mercado de trabalho para reduzir o desemprego estrutural, uma vez que esses custos, embora não sejam excluídos, podem contribuir substancialmente para um maior crescimento e emprego a médio prazo, melhorando assim a sustentabilidade da dívida. Ao mesmo tempo, cumpre promover boas condições de trabalho a médio prazo. É importante que as regras sejam claras e sólidas, garantindo que os Estados-Membros não prosseguem qualquer tipo de «contabilidade criativa».

4.3.

O CESE congratula-se com o facto de a melhoria da qualidade e o aumento do volume do investimento público serem considerados fatores a ter em conta rumo à sustentabilidade da dívida. Congratula-se também com a prorrogação da trajetória de ajustamento, que pode ser concedida por um máximo de três anos, na condição de os Estados-Membros assentarem os respetivos planos num conjunto de reformas e investimentos que apoiem o crescimento sustentável e a sustentabilidade da dívida.

4.4.

Para atingir as metas climáticas da UE, o capital social tem de ser completamente revisto e os investimentos públicos e privados têm de ser alargados. No passado, o CESE apelou à introdução de uma regra de ouro dos investimentos públicos para garantir que o enorme défice de investimento é colmatado, o que não está contemplado na proposta da Comissão. Ainda assim, a proposta contém elementos importantes para reforçar os investimentos públicos. No entanto, não é, de facto, possível quantificar os investimentos públicos que serão criados, pois muitos dependerão das negociações entre a Comissão e os Estados-Membros sobre os planos orçamentais e estruturais. Por conseguinte, o CESE salienta que poderão ser necessárias novas iniciativas para garantir a mobilização de capital público e privado suficiente para a transição ecológica e a coesão social.

4.5.

Devido à abordagem assente no risco proposta pela Comissão, a análise da sustentabilidade da dívida tornar-se-á crucial no futuro quadro de governação económica da UE. O CESE salienta que calibrar os pormenores da análise da sustentabilidade da dívida, designadamente se os riscos relacionados com o clima são ou não incluídos na análise, é uma questão altamente política e que deve ser exaustivamente debatida com as partes interessadas competentes. Os parâmetros finais da análise da sustentabilidade da dívida devem ser decididos de forma democrática e transparente. As instituições orçamentais independentes podem desempenhar um papel importante na avaliação dos pressupostos subjacentes, ao participarem no debate e ao transmitirem informações aos parlamentos nacionais.

4.6.

A fim de garantir a transparência e facilitar o acompanhamento eficaz da execução dos planos orçamentais e estruturais de médio prazo, os Estados-Membros devem apresentar relatórios anuais sobre os progressos realizados e especificar o estado da execução das reformas e dos investimentos. Esses relatórios e as avaliações realizadas pela Comissão e pelo Conselho no âmbito da supervisão anual devem ser tornados públicos.

4.7.

O CESE considera que a maior atenção prevista para as variáveis relacionadas com os fluxos no procedimento de desequilíbrios macroeconómicos tem de ser especificada e quantificada nas próximas fases da reforma da governação económica, tornando-o simétrico, operacional e transparente.

4.8.

O CESE sublinha a importância de criar e desenvolver um processo adequado para a deteção inicial dos desequilíbrios no Relatório sobre o Mecanismo de Alerta, bem como de determinar a existência desses desequilíbrios nas análises aprofundadas. Devem ser avaliadas recomendações relativas aos motores do crescimento europeu e aos respetivos impactos no desenvolvimento económico. Cabe especificar o significado da necessidade de mais supervisão prospetiva tendo em vista detetar e corrigir rapidamente desequilíbrios emergentes.

4.9.

O CESE destaca a importância de regras sólidas, capazes de funcionar em condições económicas em evolução, e a necessidade de compromisso e apropriação pelos Estados-Membros. Para aumentar os investimentos e os níveis de produtividade em toda a UE, a reforma do quadro orçamental não deve ser adiada.

4.10.

O CESE reitera a necessidade urgente de uma reforma sólida da governação económica europeia, em prol dos interesses dos cidadãos, das empresas e dos governos. Importa, por conseguinte, estabelecer novas medidas que possam ser adotadas para melhorar a apropriação das regras, assegurando, dessa forma, o empenho de todos os governos num quadro revisto.

4.11.

O CESE observa que muitos dos procedimentos previstos na proposta da Comissão têm de ser elaborados em pormenor, pelo que aguarda com expectativa poder pronunciar-se e formular recomendações sobre propostas mais aprofundadas durante o ano de 2023.

Bruxelas, 23 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2022) 583 final, p. 3.

(2)  Parecer do CESE — Reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa (JO C 105, 4.3.2022, p.11).

(3)  COM(2022) 583 final.

(4)  COM(2022) 583 final, p. 1.

(5)  COM(2022) 583 final, p. 3.

(6)  COM(2022) 583 final, p. 16.

(7)  O CESE regista as críticas à fraca participação da sociedade civil na regulamentação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência.

(8)  O CESE reconhece que, para que a união monetária seja viável, são necessárias determinadas condições orçamentais e estabilidade.


27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento — Análise Anual do Crescimento Sustentável de 2023

[COM(2022) 780 final]

(2023/C 146/10)

Relator-geral:

Gonçalo LOBO XAVIER

Consulta

Comissão Europeia, 19.12.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em plenária

23.2.2023

Reunião plenária n.o

576

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

196/2/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente as principais prioridades políticas da Análise Anual do Crescimento Sustentável de 2023, que refletem as quatro dimensões da sustentabilidade competitiva. Tendo em conta a situação e os cenários atuais, é evidente que os agregados familiares vulneráveis devem ser apoiados a curto prazo, a fim de os proteger dos piores efeitos da crise energética, cabendo em simultâneo continuar a promover a eficiência energética na União Europeia (UE). O CESE considera que as políticas a médio e longo prazo devem acelerar as transições digital e ecológica. Entende também que a UE deve equilibrar a procura de energia, poupando simultaneamente energia para o inverno e evitando custos mais elevados. É fundamental apoiar medidas que aumentem a eficiência em todos os domínios, sem prejuízo da integridade do mercado único, assegurando simultaneamente a estabilidade financeira macroeconómica e mantendo políticas orçamentais e monetárias coerentes.

1.2.

O CESE está ciente de que, em 2023, o ciclo do Semestre Europeu será dominado pela execução eficiente dos planos de recuperação e resiliência (PRR). Estes planos ocuparão um lugar central nas agendas políticas dos Estados-Membros, as quais devem constituir uma oportunidade para impulsionar as suas economias. O CESE congratula-se com os esforços da Comissão Europeia para organizar diálogos com os Estados-Membros no início de 2023. Tais diálogos podem consistir num debate aprofundado entre a Comissão e os Estados-Membros a fim de moldar as recomendações específicas por país. A este respeito, o CESE considera que estes diálogos promoverão uma execução mais eficaz dos PRR e ajudarão a assegurar que quaisquer preocupações serão tratadas e identificadas com maior eficácia no quadro das recomendações específicas por país.

1.3.

O CESE defende condições de trabalho justas, uma concorrência efetiva e uma ponderação mais adequada das preocupações da sociedade civil, com vista a melhorar o funcionamento do mercado único. Este aspeto reveste-se de ainda maior importância à luz da guerra e da crise energética. O CESE subscreve o apelo para que se adotem medidas de reforço do mercado único. Entende que os choques recentes sublinham a importância da boa coordenação de políticas orçamentais sólidas e da constituição de reservas orçamentais durante períodos de conjuntura favorável, a utilizar em períodos de contração, colmatando simultaneamente os défices sociais, pois estes últimos podem comprometer o crescimento económico a médio prazo. As políticas orçamentais devem ter por objetivo obter situações orçamentais prudentes a médio prazo e assegurar a sustentabilidade orçamental através de uma consolidação gradual e de investimentos e reformas que reforcem o crescimento sustentável.

1.4.

O CESE preconiza uma coordenação reforçada entre os Estados-Membros e decisões corajosas que criem incentivos para evitar a dependência energética da UE, especialmente em relação à Rússia. Tal dependência pode comprometer os interesses da UE e deve ser combatida com bravura.

1.5.

O CESE apela para uma abordagem moderada, realista e equilibrada, tratando simultaneamente a questão da inflação, a fim de integrar todas as partes na elaboração de uma solução benéfica para toda a UE. As autoridades da concorrência devem agir de forma muito pró-ativa para assegurar a transparência dos preços e estar atentas a eventuais falhas de mercado. Os governos devem certificar-se de que as suas declarações assentam em análises empíricas da melhor qualidade, evitando críticas infundadas aos intervenientes no mercado, uma vez que tal pode conduzir a conflitos entre cidadãos, empresas e parceiros sociais. O CESE considera igualmente que só é possível resolver o problema se os governos, as empresas e a sociedade civil organizada colaborarem entre si.

O CESE considera que os Estados-Membros devem sempre privilegiar, de forma demonstrável, a eficiência e a equidade na utilização dos recursos financeiros e de outros recursos públicos disponíveis. Este aspeto é fundamental para assegurar investimentos novos e de qualidade.

1.6.

O CESE continuará a defender que a consulta da sociedade civil organizada (parceiros sociais e organizações da sociedade civil), do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais deve desempenhar um papel mais importante ao longo do ciclo do Semestre Europeu, a fim de reforçar a apropriação a nível nacional. O CESE considera que tanto o processo do Semestre Europeu como a execução dos PRR beneficiariam de uma participação de melhor qualidade e mais organizada das organizações representadas no CESE. É necessário um «toque de realismo» quando se trata a questão da execução das políticas.

1.7.

O CESE está igualmente ciente da necessidade de investir nas competências e na agenda industrial, a fim de tirar o melhor proveito dos ativos europeus existentes, nomeadamente dos investimentos na inovação e na ciência, que cabe explorar em benefício dos cidadãos.

1.8.

O CESE insta a Comissão a comunicar melhor com os cidadãos. Um discurso forte, de confiança e em uníssono sobre os desafios e a forma como a União se mobiliza para superar estes desafios é fundamental para os cidadãos e evitará ideias falsas sobre o projeto europeu. O investimento numa comunicação de melhor qualidade (e o CESE não está a falar de publicidade) pode proporcionar uma mudança interessante para desarmar os discursos que atacam o projeto europeu, pelo que deve ser uma prioridade. A este respeito, congratula-se também com a iniciativa da Comissão de apresentar este ano uma comunicação sobre o reforço do diálogo social na UE e uma proposta de recomendação do Conselho sobre o papel do diálogo social a nível nacional. É essencial comunicar melhor com as organizações da sociedade civil e consultá-las, estando ambas as ações estreitamente relacionadas.

2.   Contexto

2.1.

Não é segredo que a Europa atravessa o período mais difícil dos últimos setenta anos. Enfrenta múltiplos desafios económicos e sociais complexos decorrentes da guerra ofensiva da Rússia contra a Ucrânia, que continua a desgastar a economia europeia, devido ao aumento exponencial dos preços da energia, às taxas de inflação elevadas, à escassez da oferta, aos níveis de dívida mais elevados e ao encarecimento da concessão de crédito. Por conseguinte, chegou o momento de tomar decisões para determinar o futuro de um dos projetos mais bem-sucedidos a nível mundial em prol do progresso social, económico e cultural.

2.2.

Em 22 de novembro de 2022, a Comissão adotou o pacote de outono do Semestre Europeu de 2023, propondo formas de superar conjuntamente estes desafios e de reforçar as nossas economias a longo prazo, através da coordenação das políticas económicas, orçamentais, laborais e sociais. O objetivo é assegurar um aprovisionamento energético adequado e a preços acessíveis, preservar a estabilidade económica e financeira e proteger os agregados familiares e as empresas em situação vulnerável, bem como estimular o crescimento e a criação de empregos de qualidade e realizar a dupla transição.

2.3.

A Análise Anual do Crescimento Sustentável de 2023 define as prioridades políticas para este ano e estabelece uma agenda de reforço da referida coordenação, a fim de atenuar os impactos negativos, dar resposta aos desafios atuais e aumentar a resiliência social e económica, promovendo simultaneamente um crescimento sustentável e inclusivo, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Tendo em vista a sustentabilidade competitiva, quatro dimensões adquirem prioridade, a saber, a sustentabilidade ambiental, a produtividade, a equidade e a estabilidade macroeconómica.

2.4.

A agenda estratégica para a economia e o emprego deve centrar-se no apoio aos cidadãos e às empresas para que enfrentem os desafios relacionados com o aumento dos preços da energia e com o aprovisionamento energético, devendo simultaneamente prosseguir os esforços para promover o crescimento sustentável e as transições ecológica e digital, bem como para aumentar a justiça social e a resiliência económica.

2.5.

De acordo com este princípio, aguardam-se propostas de recomendações específicas por país na primavera de 2023, devendo os relatórios por país centrar-se nos seguintes aspetos:

uma visão sucinta, mas holística, da evolução económica e social e dos desafios enfrentados pelos Estados-Membros;

uma panorâmica do estado de execução dos planos nacionais de recuperação e resiliência;

a manutenção de uma abordagem moderada das recomendações específicas por país.

2.6.

No que diz respeito à área do euro, a Comissão identificou cinco recomendações para 2023:

a)

coordenar a política orçamental;

b)

manter o investimento público;

c)

acompanhar as políticas salariais e sociais;

d)

melhorar o ambiente empresarial;

e)

manter a estabilidade macrofinanceira.

3.   Observações na especialidade

3.1.   Semestre Europeu e participação da sociedade civil organizada

3.1.1.

O Semestre Europeu continua a ser o quadro principal e bem estabelecido para uma coordenação mais eficaz de políticas entre os Estados-Membros. Essa coordenação teve resultados positivos, pois a recuperação da UE após a COVID-19 tem sido a mais rápida desde a expansão do pós-guerra, e os nossos mercados de trabalho revelaram-se resilientes, com níveis máximos de emprego sem precedentes. No âmbito do Semestre Europeu e da execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (incluindo a sua vertente adicional do plano REPowerEU), o CESE continuará a estar no cerne do processo de transformação para alcançar a sustentabilidade competitiva. Neste contexto, o CESE continuará a defender que a consulta da sociedade civil organizada deve desempenhar um papel mais importante ao longo do ciclo do Semestre Europeu, a fim de ter em conta os diferentes interesses da sociedade e reforçar a apropriação a nível nacional.

3.1.2.

O CESE está a realizar um exercício de consulta junto da sociedade civil organizada nos Estados-Membros, a fim de obter as suas recomendações a este respeito (1). Por conseguinte, congratula-se com a iniciativa da Comissão, anunciada em julho de 2022 (2), de apresentar este ano uma comunicação sobre o reforço do diálogo social na UE e uma proposta de recomendação do Conselho sobre o papel do diálogo social a nível nacional.

3.1.3.

O CESE incentiva a Comissão Europeia a alargar os fóruns existentes no âmbito do Semestre Europeu e a proporcionar-lhes um enquadramento claro, a fim de informar e integrar os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil ao longo do ciclo do Semestre Europeu, de modo que estes se tornem verdadeiramente intervenientes relevantes na coordenação das políticas orçamentais, económicas, sociais e de emprego a nível da UE.

3.2.   Crise geopolítica — a guerra na Ucrânia

3.2.1.

As consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia impõem à economia e à sociedade da UE dificuldades económicas novas e diversas, afetando a sua estabilidade económica e social geral, bem como o seu aprovisionamento energético. A UE deve continuar a visar em simultâneo a sustentabilidade competitiva e a resiliência económica e social. No futuro imediato, são necessárias medidas de apoio para atenuar o impacto que a agressão da Rússia contra a Ucrânia teve nos cidadãos europeus e nas empresas da UE, em especial nas pequenas e médias empresas (PME) e nas pessoas com rendimentos baixos e médios.

3.2.2.

A crise energética, em particular, é o fator mais relevante: associada a um nível de inflação muito elevado, terá um impacto significativo a longo prazo. A este respeito, o CESE salienta a necessidade de adotar medidas imediatas para evitar que a situação continue a agravar-se a curto e médio prazo, gerindo simultaneamente a transição ecológica de forma justa. Em muitos países, a produção de energia não está ao mesmo nível do consumo de energia.

3.2.3.

O CESE considera que a possibilidade de aumentar a produção e de tirar partido das condições intrínsecas e dos recursos disponíveis em alguns países, como a energia solar, a energia das ondas e a energia eólica, ainda não foi explorada por alguns governos, que ainda não adotaram planos para produzir energia a partir dos seus próprios recursos. Uma das razões para tal é a legislação demasiado complexa ou mal concebida e a burocracia excessiva que ainda existem em muitos Estados-Membros. Esta situação não facilita a produção de energia verde, apesar do seu enorme potencial. É necessária coragem para envidar os esforços coletivos que se impõem. Para tal, é necessário investimento, especialmente do setor privado. No entanto, o investimento público continuará a desempenhar um papel importante na consecução dos objetivos do Pacto Ecológico, bem como na salvaguarda da nossa prosperidade e competitividade futuras e no reforço da autonomia estratégica da UE. A política de coesão deve também ter em conta esta perspetiva.

3.3.   Inflação

3.3.1.

O elevado nível da inflação, desencadeado em parte pelo aumento acentuado dos preços da energia, está a ter um impacto muito negativo nos trabalhadores e nas empresas, na estabilidade financeira, na paridade do poder de compra e na estabilidade económica e social. A inflação à escala mundial e na UE é um fenómeno complexo, tanto no respeitante à sua origem como no tocante às soluções. Os seus fatores mais diretos e significativos são os estrangulamentos do lado da oferta, no processo de rápida recuperação após a recessão pandémica, num contexto de política monetária expansionista, em conjugação com a crise energética desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. A inflação afeta todos os agentes económicos e grupos sociais, especialmente os mais vulneráveis e os mais desfavorecidos. Os trabalhadores e os consumidores veem o seu poder de compra diminuir e muitas empresas estão a ver reduzidas as suas margens de lucro. Apenas os especuladores e certos setores económicos, como o setor da energia, estão a registar um aumento acentuado dos seus lucros. A fim de fazer face à inflação, os Estados-Membros adotaram diferentes abordagens para a controlar, tais como apoios para evitar o aumento dos preços no setor alimentar e esforços para adaptar os salários, em articulação com políticas económicas. Ainda é longo o caminho a percorrer para alcançar os nossos objetivos e chegar a uma solução que salvaguarde o bem-estar económico e social.

3.3.2.

As autoridades da concorrência devem agir de forma muito pró-ativa para assegurar a transparência dos preços e estar atentas a eventuais falhas de mercado. Os governos devem certificar-se de que as suas declarações assentam em análises empíricas da melhor qualidade, evitando críticas infundadas aos intervenientes no mercado, uma vez que tal pode conduzir a conflitos entre cidadãos, empresas e parceiros sociais.

3.3.3.

A luta contra a inflação deve ser a principal prioridade de uma política económica europeia coordenada entre as instituições da UE e os governos dos Estados-Membros. Ao aplicarem políticas monetárias mais restritivas, o Banco Central Europeu (BCE) e os bancos centrais nacionais devem ter em conta que o processo inflacionista não é causado pelo excesso de procura e devem evitar que as suas decisões conduzam a uma nova recessão. O CESE insta o BCE a reduzir a inflação subjacente sem comprometer a recuperação económica da UE. Devido aos riscos referidos, o BCE deve proceder com cautela na normalização da política monetária (3). A UE e os governos dos Estados-Membros devem adotar medidas para ajudar os segmentos da população mais desfavorecidos e as empresas mais afetadas. A consulta tripartida, o diálogo social e a negociação coletiva devem tornar-se instrumentos fundamentais para responder à crise inflacionista, através de uma partilha equitativa dos encargos, e conceber medidas para a superar nos vários setores da economia. Por conseguinte, o CESE é favorável a medidas como um travão dos preços da energia, a fim de moderar as tendências inflacionistas.

3.4.   Objetivos ambientais da UE/crise energética

3.4.1.

O CESE mantém a posição que tem defendido nos últimos meses: apesar das novas crises, não se pode abandonar os objetivos fixados a nível da UE em matéria de descarbonização e de sustentabilidade ambiental. Cabe reforçar as empresas e os trabalhadores e capacitar todos os cidadãos para enfrentarem as dificuldades, a fim de prosseguir os nossos objetivos ambientais a longo prazo.

3.4.2.

Por conseguinte, o CESE é favorável a medidas de coordenação dos preços da energia, no intuito de moderar as tendências inflacionistas. A redução dos preços da energia deve ser uma das prioridades da política económica da UE. O CESE apoia a imposição de limites aos preços da eletricidade e do gás e salienta que, em pareceres e resoluções anteriores, preconizou uma reforma urgente do sistema de preço marginal atribuído em leilão, no mercado grossista da eletricidade, devido à sua natureza intrinsecamente inflacionista. O investimento na energia verde é fundamental para alcançar este objetivo.

3.4.3.

A Comissão apresentou o plano REPowerEU com o intuito de tornar a UE independente do aprovisionamento de gás e de petróleo provenientes da Rússia, o que o CESE saúda, concordando com a sua abordagem assente em quatro pilares e focada na poupança de energia, na diversificação das importações de gás e na substituição dos combustíveis fósseis através da aceleração das energias renováveis e das soluções de financiamento (4). Ao mesmo tempo, o CESE solicita que a segurança do aprovisionamento seja garantida a um custo «acessível dentro do possível», tanto para os consumidores como para a indústria. O CESE salienta que a alteração pelos Estados-Membros dos respetivos planos nacionais de recuperação e resiliência para introduzir um capítulo específico sobre o REPowerEU constitui uma oportunidade adicional para consultar a sociedade civil organizada e ter em conta os seus pontos de vista.

3.4.4.

O CESE frisa que poderão ser necessárias novas iniciativas para assegurar a mobilização de capital público e privado suficiente para a transição ecológica. Além disso, o CESE considera que o reforço da coordenação na utilização dos fundos financeiros existentes deve ser uma prioridade. O processo de comunicação sobre esta questão seria muito útil para mobilizar os cidadãos em prol de um objetivo comum.

3.5.   Crise social e económica/falta de competências e de pessoas qualificadas

3.5.1.

Embora a taxa de desemprego na UE seja de apenas 6 %, persiste a dificuldade de encontrar pessoas com as competências necessárias para assegurar a reconstrução e a resiliência da nossa economia e alcançar os nossos objetivos da dupla transição. Há uma escassez significativa de pessoas qualificadas para muitos empregos essenciais em alguns países, sobretudo porque muitos jovens estão a abandonar os seus países para trabalhar no estrangeiro. Além da questão da formação pertinente que cabe promover, perde-se uma percentagem significativa de trabalhadores qualificados após a sua formação. A fim de reforçar a autonomia estratégica da UE, seria desejável restabelecer algumas capacidades de produção na Europa, mas há falta de pessoas qualificadas para trabalhar nessas unidades na Europa. Cabe abordar esta situação de forma contínua.

3.5.2.

O CESE salienta que a criação de empregos de elevada qualidade é uma das melhores formas de atrair pessoas altamente qualificadas. Além disso, a garantia de salários dignos e de vínculos formais para evitar condições de trabalho precárias, a oferta de programas abrangentes de melhoria de competências, a criação de excelentes condições de saúde e segurança e a promoção do equilíbrio de género, juntamente com uma proteção social adequada a nível nacional, não só constituem objetivos em si mesmos, como também são a base para um desenvolvimento económico e político positivo. O CESE apela ainda para a aplicação responsável de políticas equilibradas e articuladas (entre sistemas de formação públicos e privados, com vista a uma utilização mais eficiente dos recursos financeiros disponíveis) no contexto da formação e da melhoria de competências.

3.6.   Dívida pública e privada e investimentos

3.6.1.

A UE enfrenta uma necessidade urgente e crescente de investimento público e privado para alcançar os objetivos do Pacto Ecológico e da transformação digital, acelerar a transição energética e fazer face aos novos desafios da autonomia estratégica. Por um lado, a União tem de colmatar o défice de investimento da última década, mas, por outro, a maioria dos Estados-Membros tem de reduzir o seu défice público e a sua dívida pública. Tal deve ser feito de forma muito equilibrada, mas decisiva.

3.6.2.

Ao mesmo tempo, o CESE considera essencial, antes de qualquer aumento extraordinário dos recursos da UE para o investimento público e a promoção do investimento privado, que todos os recursos existentes nos diferentes programas — fundos estruturais, fundos no âmbito da política de coesão, Mecanismo de Recuperação e Resiliência, InvestEU, etc. — sejam plenamente utilizados. Para o efeito, deve prever-se o maior grau de flexibilidade possível na sua utilização, em relação tanto aos objetivos como aos prazos de execução, e sempre de forma compatível com um controlo rigoroso da sua correta aplicação. O CESE considera que a ideia de projetos comuns entre os Estados-Membros pode ser interessante para estimular o investimento e as reformas estruturais.

3.6.3.

O CESE sublinha que são necessários progressos na consecução da União dos Mercados de Capitais e da União Bancária, a fim de assegurar o bom funcionamento do setor financeiro e dos mercados financeiros, que são cruciais para financiar os grandes investimentos necessários para as transições ecológica e digital. O aprofundamento da União dos Mercados de Capitais e da União Bancária, em paralelo à implantação da agenda de financiamento sustentável, permitiria consolidar os canais de financiamento, promover os esforços de investimento e aumentar a resiliência.

3.6.4.

Tanto a crise da COVID-19 como a invasão da Ucrânia pela Rússia tiveram um impacto negativo considerável no saldo externo. O CESE defende o aumento do investimento como principal motor da competitividade da UE.

3.6.5.

O CESE entende que os Estados-Membros devem ser mais eficientes na utilização dos recursos já disponíveis, antes de solicitarem novos recursos. Além disso, apela para maior flexibilidade na utilização dos fundos financeiros da UE, a fim de os reorientar se não puderem ser utilizados para os fins a que inicialmente se destinavam ou se for necessário efetuar adaptações para dar resposta aos desafios sociais, económicos, ambientais ou em matéria de defesa. Sempre que necessário, a UE também deve estabelecer condições e instrumentos adequados para aumentar o investimento público e facilitar o reforço da mobilização do investimento privado. Nesse processo, é imperativo prosseguir objetivos comuns de estratégia e de autonomia, sem comprometer nem desequilibrar o funcionamento do mercado único da UE. Além disso, o CESE salienta a necessidade de uma utilização mais eficiente dos recursos financeiros atribuídos: os Estados-Membros devem comprometer-se a explicar em que domínios e de que forma estes recursos financeiros são utilizados. Destaca também a questão da eficiência na cobrança de receitas na perspetiva da sustentabilidade orçamental. Por exemplo, o planeamento fiscal agressivo e a fraude fiscal também causam graves prejuízos aos orçamentos públicos. Em suma, o crescimento sustentável e inclusivo é a melhor base para a estabilidade orçamental. Não obstante o que precede, a execução do Plano Industrial do Pacto Ecológico e do objetivo de alcançar a autonomia estratégica do ponto de vista energético e industrial, respeitando simultaneamente os princípios fundamentais do mercado único, exigirá financiamento europeu adicional, tal como proposto numa resolução do CESE adotada em maio de 2022 (5).

Bruxelas, 23 de fevereiro de 2023.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Um parecer de iniciativa, a apresentar na reunião plenária de abril de 2023, apresentará uma síntese dos resultados e formulará recomendações claras.

Parecer de iniciativa do CESE — Recomendações do CESE para uma reforma vigorosa do Semestre Europeu (ECO/600), a apresentar para adoção em abril de 2023.

(2)  Relatório de revisão sobre a execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (29.7.2022).

(3)  Parecer do CESE — Considerações adicionais sobre a política económica da área do euro para 2022 (JO C 75 de 28.2.2023, p. 43).

(4)  Parecer do CESE — Plano REPowerEU, adotado em 21.9.2022 (JO C 486 de 21.12.2022, p. 185).

(5)  JO C 323 de 26.8.2022, p. 1.


Retificações

27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/65


Retificação do cabeçalho «575.A REUNIÃO PLENÁRIA DO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, 14.12.2022-15.12.2022» na secção I (Resoluções, recomendações e pareceres), na subsecção «COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU»

( «Jornal Oficial da União Europeia» C 140 de 21 de abril de 2023 )

(2023/C 146/11)

No índice da capa e na página 1, no cabeçalho:

onde se lê:

«575.A REUNIÃO PLENÁRIA DO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, 14.12.2022-15.12.2022»,

deve ler-se:

«575.A REUNIÃO PLENÁRIA DO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, 24.1.2023-25.1.2023».

27.4.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 146/66


Retificação do cabeçalho «575.A REUNIÃO PLENÁRIA DO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, 14.12.2022-15.12.2022», na secção III (Atos preparatórios), na subsecção «COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU»

( «Jornal Oficial da União Europeia» C 140 de 21 abril de 2023 )

(2023/C 146/12)

No índice da capa e na página 28, no cabeçalho:

onde se lê:

«575.A REUNIÃO PLENÁRIA DO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, 14.12.2022-15.12.2022»,

deve ler-se:

«575.A REUNIÃO PLENÁRIA DO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, 24.1.2023-25.1.2023».