ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 100

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

66.° ano
16 de março de 2023


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

RESOLUÇÕES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

574.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 14.12.2022-15.12.2022

2023/C 100/01

Resolução do Comité Económico e Social Europeu — Impacto duradouro do Ano Europeu da Juventude: integração e capacitação da juventude

1

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

574.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 14.12.2022-15.12.2022

2023/C 100/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Investimentos baseados no género nos planos nacionais de recuperação e resiliência (parecer de iniciativa)

8

2023/C 100/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — O investimento sensível ao género como forma de melhorar a igualdade de género na União Europeia (parecer de iniciativa)

16

2023/C 100/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Sensibilizar para os direitos fundamentais e o Estado de direito (parecer de iniciativa)

24

2023/C 100/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Uma estratégia industrial para o setor das tecnologias marítimas (parecer de iniciativa)

31

2023/C 100/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Capacitar os jovens para a consecução do desenvolvimento sustentável através da educação (parecer de iniciativa)

38

2023/C 100/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Iniciativa de Cidadania Europeia — Salvar as abelhas e os agricultores! (parecer de iniciativa)

45

2023/C 100/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Crise dos preços dos produtos alimentares: papel da especulação e propostas concretas de ação na sequência da guerra na Ucrânia (parecer de iniciativa)

51

2023/C 100/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Situação social e económica na América Latina na sequência da crise da COVID-19 — Papel da sociedade civil no processo de recuperação (parecer de iniciativa)

61

2023/C 100/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Transição digital na região euro-mediterrânica (parecer de iniciativa)

68

2023/C 100/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Teste de competitividade para construir uma economia da UE mais forte e mais resiliente (parecer exploratório)

76


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

574.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 14.12.2022-15.12.2022

2023/C 100/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política da Concorrência 2021 [COM(2022) 337 final]

83

2023/C 100/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma nova Agenda Europeia para a Inovação [COM(2022) 332 final]

89

2023/C 100/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — a) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Instrumento de Emergência do Mercado Único e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2679/98 do Conselho [COM(2022) 459 final — 2022/0278 (COD)] b) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) 2016/424, (UE) 2016/425, (UE) 2016/426, (UE) 2019/1009 e (UE) n.o 305/2011 no que respeita aos procedimentos de emergência para a avaliação da conformidade, a adoção de especificações comuns e a fiscalização do mercado devido a uma emergência no mercado único [COM(2022) 461 final — 2022/0279 (COD)] c) Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Diretivas 2000/14/CE, 2006/42/CE, 2010/35/UE, 2013/29/UE, 2014/28/UE, 2014/29/UE, 2014/30/UE, 2014/31/UE, 2014/32/UE, 2014/33/UE, 2014/34/UE, 2014/35/UE, 2014/53/UE e 2014/68/UE no que respeita aos procedimentos de emergência para a avaliação da conformidade, a adoção de especificações comuns e a fiscalização do mercado devido a uma emergência no mercado único [COM(2022) 462 final — 2022/0280 (COD)]

95

2023/C 100/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos requisitos horizontais de cibersegurança dos produtos com elementos digitais e que altera o Regulamento (UE) 2019/1020 [COM(2022) 454 final — 2022/0272 (COD)]

101

2023/C 100/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à recuperação e perda de bens [COM(2022) 245 — final]

105

2023/C 100/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro comum para os serviços de comunicação social no mercado interno (Regulamento Liberdade dos Meios de Comunicação Social) e que altera a Diretiva 2010/13/UE [COM(2022) 457 final — 2022/0277 (COD)]

111

2023/C 100/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Rumo a um futuro sem amianto: uma abordagem europeia para fazer face aos riscos sanitários do amianto [COM(2022) 488 final] e Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/148/CE relativa à proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho [COM(2022) 489 final — 2022/0298 (COD)]

118

2023/C 100/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho sobre o Ano Europeu das Competências 2023 [COM(2022) 526 final — (2022)0326 (COD)]

123

2023/C 100/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Análise dos défices de investimento na defesa e rumo a seguir [JOIN(2022) 24 final]

132

2023/C 100/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à utilização sustentável de produtos fitofarmacêuticos e que altera o Regulamento (UE) 2021/2115 [COM(2022) 305 final — 2022/0196 (COD)]

137

2023/C 100/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 389/2012 no que respeita ao intercâmbio das informações mantidas nos registos eletrónicos sobre os operadores económicos que transportam produtos sujeitos a impostos especiais de consumo entre Estados-Membros para fins comerciais [COM(2022) 539 final — 2022/0331 (CNS)]

145

2023/C 100/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de gestão, de conservação e de controlo aplicáveis na Zona abrangida pelo Acordo de Pesca para o Oceano Índico Sul (SIOFA) [COM(2022) 563 final — 2022/348 (COD)]

146


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

RESOLUÇÕES

Comité Económico e Social Europeu

574.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 14.12.2022-15.12.2022

16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/1


Resolução do Comité Económico e Social Europeu — Impacto duradouro do Ano Europeu da Juventude: integração e capacitação da juventude

(2023/C 100/01)

proposta pelo presidente da Secção SOC, Aurel Laurențiu PLOSCEANU, a pedido do Grupo de Coordenação para o Ano Europeu da Juventude [Katrīna LEITĀNE (presidente), Neža REPANŠEK, Michael MCLOUGHLIN, Nicoletta MERLO, Mateusz Maciej SZYMANSKI, Florian MARIN, Pierre BOLLON, Dolores SAMMUT BONNICI e Davor MAJETIĆ]

Base jurídica

Artigo 50.o do Regimento

 

Resolução

Adoção em plenária

15.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

150/0/1

Apesar das incertezas geradas pela guerra na Ucrânia, pela pandemia de COVID-19 e pela crise climática, os jovens continuam a ser o motor do projeto europeu e a sua criatividade, energia e entusiasmo são a força motriz da sua sustentabilidade. As decisões tomadas hoje determinam o nosso mundo de amanhã; por isso, é fundamental assegurar que os jovens têm voz nas decisões que afetam o seu futuro, pois mesmo políticas com um efeito indireto podem ter grande impacto e relevância para os jovens e para as gerações vindouras.

Em dezembro de 2021, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, designou 2022 como Ano Europeu da Juventude, pois «a Europa precisa de todos os seus jovens» e «a nossa União precisa de uma alma e de uma visão de futuro com que os jovens se identifiquem» (1). Além disso, como afirmado pela comissária Maryia Gabriel, o Ano Europeu da Juventude deve implicar uma mudança de paradigma na forma como incluímos os jovens na política e no processo de decisão (2).

No seu parecer sobre a nova Estratégia da UE para a Juventude para 2019-2027 (3), o CESE considera que a estratégia deve centrar-se numa abordagem intersetorial que proporcione uma visão abrangente dos jovens e das suas necessidades e direitos e salienta que o «Comité está convicto de que a promoção da participação dos jovens nos processos decisórios não deve limitar-se a eventos pontuais. Além disso, no aprofundamento do Diálogo com os Jovens, é necessário reforçar o papel das organizações voluntárias de juventude e dos conselhos nacionais da juventude e explorar outras vias. As instituições da UE devem assumir a liderança neste domínio, e o CESE está na vanguarda das instituições empenhadas em reforçar a participação dos jovens a nível da UE.»

Há alguns anos que o CESE procura a melhor forma de integrar a voz dos jovens no seu trabalho e no processo de decisão da UE de forma estruturada e significativa, abrangendo diferentes dimensões, como o clima e a sustentabilidade (4), criando mesas-redondas da juventude para o clima e a sustentabilidade e incluindo um delegado da juventude na delegação oficial da UE às reuniões da Conferência das Partes (COP) na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC), bem como na delegação do CESE, elaborando pareceres sobre o papel da educação para o desenvolvimento sustentável (5), a situação e as disposições referentes ao emprego e ao mercado de trabalho (6), a inclusão da juventude na elaboração dos planos nacionais de recuperação (7), o que requer uma maior participação das organizações de jovens nas fases de aplicação e acompanhamento dos planos e nos processos de decisão, a política da juventude nos Balcãs Ocidentais (8), tendo o CESE instado a UE a apoiar mais os Balcãs Ocidentais no reforço da participação dos jovens, a integração da perspetiva dos jovens em todos os domínios de política ao nível da UE mediante uma avaliação da perspetiva dos jovens pela UE (9), apresentando igualmente recomendações e propostas concretas e propondo o reforço da participação dos jovens e respetivas organizações no trabalho do CESE.

O CESE congratulou-se (10) igualmente com a proposta de proclamar 2022 como Ano Europeu da Juventude, afirmando que o Comité está disponível para liderar esse evento, com base na experiência de outras iniciativas do CESE bem-sucedidas, tais como «A tua Europa, a tua voz», as mesas-redondas da juventude para o clima e a sustentabilidade e a inclusão de um delegado da juventude do CESE nas reuniões da COP. O CESE está numa posição privilegiada para facilitar o envolvimento com as redes de jovens. Por conseguinte, o CESE criou um Grupo de Coordenação para o Ano Europeu da Juventude, a fim de assegurar a representação e a visibilidade desta iniciativa no CESE e coordenar as iniciativas em curso relacionadas com a juventude. O mandato do referido grupo de coordenação incluía reforçar a cooperação com as organizações de juventude e os jovens durante e para além do Ano Europeu, bem como cooperar com as demais instituições da UE e as organizações da sociedade civil de forma a assegurar uma melhor integração transversal dos jovens nas suas atividades quotidianas.

O projeto de resolução elaborado pelo Grupo de Coordenação para o Ano Europeu da Juventude insta as instituições da UE e os governos nacionais a assegurarem o impacto duradouro do Ano Europeu da Juventude mediante a promoção da participação estruturada e significativa dos jovens na elaboração de políticas e no processo de decisão a todos os níveis e do fomento de mecanismos de participação para os jovens e respetivas organizações. Além disso, o CESE reitera o seu empenho em reforçar a participação dos jovens no seu trabalho e em promover a integração da perspetiva dos jovens a todos os níveis em prol de uma Europa mais unida e mais forte.

«Nem sempre conseguimos construir o futuro dos nossos jovens, mas podemos preparar os nossos jovens para o futuro.»  — Franklin D. Roosevelt

1.   Impacto duradouro do Ano Europeu da Juventude no CESE

1.1.

O CESE estima que todos os intervenientes devem acompanhar e abordar as deliberações do Ano Europeu da Juventude com abertura de espírito. É fundamental que o Ano Europeu tenha um impacto concreto e continuar a assegurar o seu seguimento durante o Ano Europeu das Competências e posteriormente. Além disso, a Estratégia da UE para a Juventude e a Conferência sobre o Futuro da Europa também preveem passos importantes no sentido de uma participação mais estruturada e significativa dos jovens na construção do futuro da Europa.

1.2.

O CESE considera que as organizações da sociedade civil, em particular as organizações de juventude, são cruciais para identificar instrumentos participativos inovadores para integrar a perspetiva dos jovens na elaboração de políticas a todos os níveis e em todos os domínios de intervenção e salienta o papel das organizações da sociedade civil no reforço da cidadania ativa e na salvaguarda dos direitos humanos fundamentais e dos valores democráticos para os jovens.

1.3.

O CESE lamenta que o espaço da sociedade civil para as organizações de juventude tenha vindo a diminuir (11) e destaca a importância democrática desse espaço. O CESE defende a adoção de medidas para capacitar as organizações de juventude e dotá-las de recursos sustentáveis que aumentem a sua capacidade de representar e defender os direitos e interesses dos jovens.

1.4.

Nos seus pareceres (12), o CESE destaca as iniciativas bem-sucedidas dos últimos anos em prol de uma participação estruturada e significativa dos jovens e manifesta o seu empenho em lançar novas iniciativas para promover a participação dos jovens e a integração da sua perspetiva na elaboração das políticas.

1.5.

O CESE considera que a participação ativa dos jovens na elaboração de políticas e na tomada de decisões é essencial para a construção do futuro da Europa e de uma visão com que os jovens se identifiquem. Assim, incentiva as instituições da UE a avaliarem a perspetiva dos jovens, a fim de assegurar que todas as políticas a nível da UE têm essa perspetiva em consideração.

1.6.

Na sequência das propostas constantes do Parecer — Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE, o CESE salienta ser necessário incluir os jovens na elaboração de políticas a todos os níveis e desenvolver uma abordagem coerente sobre a participação estruturada e significativa dos jovens para todas as instituições da UE. Tal abordagem deve assentar nos seguintes pilares:

cocriar iniciativas/projetos/eventos relacionados com a juventude com organizações de juventude envolvidas desde o início e assegurar que intervêm em cada fase do processo;

partilhar a apropriação das iniciativas/projetos/eventos com as organizações de juventude, conferindo-lhes um papel de liderança e respeitando as suas prioridades e necessidades;

reforçar as capacidades das organizações de juventude, apoiando-as com os recursos financeiros necessários e os instrumentos adequados para a sua participação;

criar processos de acompanhamento estruturados e significativos, indo além das reuniões ad hoc e das meras consultas.

1.7.

O CESE compromete-se a criar um grupo permanente com mecanismos de coordenação transparentes e transversais para integrar as perspetivas da juventude nos trabalhos do CESE e a continuar a explorar e a ponderar possíveis formas de aplicar o conceito de avaliação da perspetiva dos jovens pela UE no seu trabalho, a fim de desenvolver uma abordagem coerente sobre a participação dos jovens no CESE.

1.7.1.

Além disso, o CESE exorta à criação de uma estrutura que represente e/ou envolva organizações de juventude em todas as instituições da UE e/ou eventualmente uma plataforma de partes interessadas, à semelhança da Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular, que seria da competência do CESE. Uma vez que o Diálogo da UE com a Juventude é o processo participativo mais importante da Europa, envolvendo responsáveis políticos e jovens para debater questões e encontrar soluções em conjunto, também poderiam ser tomadas novas medidas para reforçar este mecanismo participativo, por exemplo, introduzindo a estrutura de cogestão (13), que seria igualmente liderada pelo CESE.

1.8.

O CESE insta a uma participação mais forte dos jovens nos processos de decisão, desde a elaboração de propostas e iniciativas legislativas até à sua execução, monitorização e acompanhamento. Tal abordagem tem sido seguida desde 2021 na delegação oficial da UE às reuniões da COP na CQNUAC, em que a delegação integra pelo menos um delegado da juventude. O CESE recomenda vivamente que outras delegações da UE adotem uma abordagem semelhante e tenham em conta a perspetiva intergeracional.

1.9.

A fim de reforçar o papel do próprio CESE na redução do fosso entre os responsáveis políticos e as organizações de juventude e os jovens, tanto a nível nacional como europeu, recomenda-se, em primeiro lugar, a criação de um mecanismo transparente, estruturado e significativo de participação dos jovens para coordenar eficazmente o trabalho legislativo, como por exemplo, um painel de jovens. Em segundo lugar, cabe dialogar com os jovens e as organizações de juventude e envolvê-los no seu trabalho. Devem também ser levados a cabo uma coordenação e um intercâmbio de boas práticas em matéria de participação dos jovens a todos os níveis e em todos os Estados-Membros, bem como atividades de sensibilização mais específicas. Cabe, em particular, reforçar as relações com as organizações nacionais de juventude e destacar os projetos locais para a juventude junto do CESE e dos membros.

1.10.

Além disso, tendo em conta o atual contexto geopolítico turbulento, é crucial garantir a participação dos jovens na sustentabilidade, na segurança e na consolidação da paz. O CESE congratula-se com o Plano de Ação para a Juventude no âmbito da ação externa da UE, recentemente adotado, e, em 2023, adotará um parecer de iniciativa sobre o mesmo. O CESE exorta igualmente a UE a continuar a apoiar os Balcãs Ocidentais na melhoria da participação dos jovens, tendo em conta a correlação positiva da mobilidade para fins de aprendizagem ou formação com a participação cívica e política dos jovens. O mesmo princípio deve ser seguido nas relações com a Ucrânia e a Geórgia. O CESE insiste em reforçar a cooperação no domínio das políticas de juventude com os países candidatos à adesão.

1.11.

O CESE procurará ter sistematicamente em conta a voz dos jovens nos seus pareceres, incluindo os pareceres de iniciativa e os pareceres exploratórios adotados a pedido das presidências rotativas ou de outras instituições europeias. Graças à sua excelente relação com aquelas, o CESE fará tudo o que estiver ao seu alcance para as convencer que tais pedidos devem abranger aspetos relacionados com os jovens.

2.   Objetivo principal dos próximos anos: construir em conjunto um futuro melhor que se quer mais ecológico, mais inclusivo e mais digital

2.1.

O CESE salienta a importância de aumentar o conhecimento e os níveis de informação dos jovens sobre as instituições europeias, os mecanismos operacionais, os domínios de intervenção, dando exemplos concretos das atividades quotidianas e oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional dos jovens. Há que aumentar o número de programas europeus de intercâmbio de experiências e de formação (Erasmus+, DiscoverEU, etc.), a nível local e externo, bem como os programas sob supervisão conjunta com outros estabelecimentos de ensino no país e no estrangeiro. O CESE promoverá e incentivará os seus membros a organizarem iniciativas locais orientadas para a juventude.

2.2.

O CESE salienta a necessidade de criar e garantir o enquadramento para a participação de todos os jovens no processo de decisão a nível europeu e nacional, criando instituições mais abertas e dispostas a trabalhar com os jovens. É particularmente importante que os jovens desfavorecidos, vulneráveis e marginalizados tenham a possibilidade de participar nos processos de decisão. A promoção da participação dos jovens nas eleições políticas deve ser uma prioridade. Acresce que a participação dos jovens contribui para a criatividade e a inovação, e os jovens devem ser ouvidos e a sua participação civil e comunitária deve ser incentivada desde tenra idade.

2.3.

O CESE recomenda a aplicação de programas de segunda oportunidade e de literacia para os jovens que abandonam precocemente a escola, bem como medidas para reduzir o abandono escolar precoce, proporcionando programas de orientação, apoio e proteção social destinados aos jovens das zonas rurais e das famílias pobres, de forma a facilitar o acesso aos serviços educativos.

2.4.

Cabe proporcionar uma educação e formação de qualidade e inclusivas e uma aprendizagem ao longo da vida para todos, bem como assegurar que todos possuem os conhecimentos, as competências, as aptidões e a atitude necessários para a Europa criar uma sociedade mais justa, mais coesa, mais sustentável, mais digital e mais resiliente. Os jovens necessitam de competências que lhes permitam participar plenamente na sociedade e gerir com êxito as transições no mercado de trabalho (14), com destaque para as pessoas mais vulneráveis. Os trabalhadores qualificados são um elemento importante para assegurar a competitividade europeia, como reconhecido na proposta da Comissão Europeia para o Ano Europeu das Competências 2023 (15), a par da garantia de boas condições de trabalho, previsibilidade da carreira e acesso a oportunidades. A participação nos estabelecimentos de ensino também deve ser encorajada. A aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais no domínio da juventude deve constituir uma prioridade. Cumpre igualmente promover a reforma educativa, combatendo as inadequações de competências e centrando-se na aprendizagem ao longo da vida, na requalificação e na melhoria de competências (16).

2.5.

O CESE apela para que se facilite o acesso dos jovens das zonas rurais ao sistema de ensino, assegurando as infraestruturas materiais e digitais necessárias para um processo educativo de elevada qualidade, especialmente no domínio do desenvolvimento sustentável e da proteção do ambiente.

2.6.

Em colaboração com as organizações da sociedade civil, o CESE incentiva os Estados-Membros a darem prioridade à introdução de um acesso privilegiado às escolas para pessoas com doenças raras ou que não possam frequentar a escola por razões médicas, bem como das infraestruturas necessárias para garantir a igualdade de acesso aos serviços educativos para as pessoas com deficiência, para que ninguém seja excluído.

2.7.

A educação é um facilitador fundamental de todos os outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Assim, o CESE apoia o trabalho da Comissão Europeia no âmbito da aprendizagem em prol da transição ecológica e do desenvolvimento sustentável e insta os Estados-Membros a disponibilizarem e transformarem o seu sistema de ensino em conformidade (17).

2.8.

O CESE propõe a organização de sessões de informação e aconselhamento ou de currículos educativos destinados a explicar os elementos básicos que fazem parte do mercado de trabalho, fazendo referência a conceitos como empregador, contrato de trabalho, etc., juntamente com os parceiros sociais e a sociedade civil. Devem ser afetados recursos suficientes a esse objetivo, em especial para os jovens vulneráveis e os que trabalham em formas atípicas de emprego. Esta mesma informação deve também ser dirigida aos jovens migrantes que entram num país desconhecido, a fim de os integrar mais rapidamente na nova sociedade, nos seus sistemas educativos e laborais e na cultura. A nível mais geral, os jovens devem dispor de meios acrescidos para aprender sobre temas como a educação financeira e, o que é muito importante, para adquirir um conhecimento aprofundado dos seus direitos enquanto cidadãos e trabalhadores. Estes aspetos são importantes para ajudar os jovens a prepararem-se para a sua futura vida adulta.

2.9.

O CESE já afirmou que o empreendedorismo também pode ser importante para melhorar a competitividade, a inovação e o bem-estar e para desenvolver uma economia social e ecológica, sobretudo no contexto da recuperação pós-pandemia. O incentivo à educação para o empreendedorismo que visa desenvolver competências empreendedoras poderia ser uma forma de criar percursos profissionais, sobretudo entre os jovens (18).

2.10.

O CESE incentiva a procura de soluções adequadas a nível nacional para assegurar o controlo dos preços das rendas, a fim de facilitar a mobilidade para fins educativos ou profissionais, bem como a aplicação de um programa de construção de habitação social para os jovens, especialmente nas grandes cidades e nos centros de desenvolvimento económico.

2.11.

O CESE apela para que os jovens tenham melhor acesso a serviços de saúde de boa qualidade, especialmente os jovens das zonas rurais, aumentando o número de unidades hospitalares ou de sítios móveis que prestam serviços médicos primários e realizando campanhas de sensibilização nos estabelecimentos de ensino sobre temas importantes como a prevenção de lesões, os distúrbios alimentares, a saúde mental e a educação sobre a saúde geral e a saúde reprodutiva. Há que desenvolver programas de investigação específicos para ajudar os jovens a combater doenças (como o cancro), uma vez que as curas concebidas para adultos frequentemente não se adequam aos jovens.

2.12.

Através da colaboração com as organizações da sociedade civil, o CESE apela para esforços redobrados e contínuos no sentido de ações que visem a educação sobre o tráfego, a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, a intimidação e o discurso de ódio, o consumo de tabaco, álcool e drogas nas escolas, com a participação dos jovens e da sociedade civil.

2.13.

O CESE propõe que os jovens tenham acesso a sistemas formais de representação na relação com os intervenientes interessados do mercado de trabalho e no domínio da liberdade de associação e do direito de os trabalhadores e os empregadores formarem e aderirem a organizações da sua escolha, especialmente para os jovens que não têm emprego ou que têm um emprego precário.

2.14.

O CESE preconiza o reforço das capacidades dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil, para que possam representar os jovens e facilitar o processo de transição da escola para a vida ativa e envolver as organizações de juventude nas instituições de diálogo social, na negociação coletiva e nas organizações tripartidas com responsabilidades no mercado de trabalho.

2.15.

O CESE solicita a modernização e o reforço das instituições ativas no mercado de trabalho, no sentido de adaptarem os serviços que prestam às circunstâncias específicas dos jovens, tornando-os facilmente acessíveis, dinâmicos, respeitadores e menos burocráticos.

2.16.

O CESE insta a que seja garantido um tratamento equitativo em termos de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, mas também para os jovens em comparação com outras faixas etárias, designadamente no que toca aos salários, às condições de trabalho, à formação e às oportunidades de progressão na carreira. O trabalho dos estagiários, especialmente dos jovens, não deve implicar exploração e não deve ser um instrumento para contornar uma relação de contrato de trabalho. Os estágios não remunerados ou não compensados podem ter um impacto muito negativo na forma como os jovens vivenciam o mercado de trabalho (19) e devem ser proibidos (20). A representação dos jovens deve ser reforçada.

2.17.

O CESE considera que é necessário apoiar a economia social, uma vez que este setor presta assistência ativa aos jovens socialmente marginalizados e a outras pessoas vulneráveis, nomeadamente através de medidas destinadas a aumentar a autoestima, a comunicação, etc.

2.18.

O CESE estima que o contexto criado pela pandemia devido à reduzida acessibilidade dos serviços de saúde exige mais esforços para ajudar os jovens a detetar sinais de problemas de saúde mental e bem-estar e promover informações corretas no maior número possível de canais, a fim de identificar informações úteis em contraste com falsas promessas de ajuda/apoio, nomeadamente através da utilização de instrumentos de saúde conexos.

2.19.

O CESE apela para a reforma dos regimes de segurança social e da legislação laboral, a fim de os adaptar às novas realidades e formas de trabalho e de assegurar que, no futuro, seja mais rápido ajustar e regulamentar mudanças posteriores no domínio do trabalho, no pleno respeito dos modelos nacionais de relações laborais e da autonomia dos parceiros sociais.

2.20.

O CESE propõe que os regimes de pensões e os regimes de segurança social sejam reconectados às realidades económicas e sociais dos jovens e sejam justos, inclusivos e adaptados à realidade do mercado de trabalho, garantindo a proteção dos jovens que praticam novas formas de trabalho e dos que não trabalham. O emprego de qualidade para todos os jovens deve ser uma prioridade.

2.21.

O CESE salienta que o período da pandemia de COVID-19 demonstrou que as questões de saúde e segurança, incluindo os riscos psicossociais, são tão importantes como a estabilidade e a previsibilidade no emprego. É necessário encetar um diálogo com os jovens sobre a forma de evitar problemas neste domínio no futuro. A disponibilidade de diferentes formas de emprego assentes em padrões de estabilidade e qualidade é importante para facilitar a participação dos jovens no mercado de trabalho. Além disso, são necessárias medidas para aumentar a supervisão das condições de emprego dos jovens, incluindo o reforço das inspeções do trabalho.

2.22.

O CESE solicita a proteção dos direitos dos jovens e a garantia da segurança social através do equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada, da proteção do direito à vida privada e da preservação da possibilidade de negociação coletiva. Cabe incentivar que se procurem formas de facilitar um horário de trabalho adequado e flexível que permita concluírem os estudos.

2.23.

O CESE defende que se tenha em conta uma maior sinergia entre os diferentes instrumentos dedicados à juventude, como a Garantia para a Juventude e a Garantia para a Infância. Os jovens devem dispor de uma garantia real que lhes proporcione perspetivas de carreira previsíveis. O financiamento público para apoiar os jovens no mercado de trabalho não deve contribuir para a precariedade, e a participação dos parceiros sociais e da sociedade civil na assistência aos jovens no mercado de trabalho deve manter-se uma prioridade.

2.23.1.

O CESE pretende assegurar que seja disponibilizada uma assistência alternativa adequada e de elevada qualidade para todas as crianças e jovens que não disponham de assistência parental adequada e, uma vez que as relações são ainda mais cruciais nestas circunstâncias, que as irmãs e os irmãos sejam autorizados a permanecer juntos, a menos que tal não seja no seu interesse. De um modo mais geral, é importante que os mecanismos de apoio não terminem abruptamente quando os jovens completam 18 anos.

2.24.

O CESE sublinha a necessidade de fazer face aos desafios económicos, sociais e ambientais gerados pelo atual modelo económico, especialmente para os jovens, tendo em conta que tornar as nossas sociedades mais ecológicas, mais justas, inclusivas, sustentáveis e mais centradas no bem-estar deve começar pelo interesse dos jovens enquanto pilar fundamental do futuro. A juventude deve ser um tema e objetivo transversal nos investimentos dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento.

2.25.

O CESE estima necessário assegurar que os jovens têm a oportunidade de construir uma família. O aumento dos esforços para motivar os jovens a constituir família e a ter filhos é crucial para a estabilidade e o futuro da Europa. Por conseguinte, é essencial garantir o acesso à habitação, a serviços de acolhimento de crianças e a um apoio social flexível através da criação de um programa específico da UE neste domínio.

2.26.

O CESE apela veementemente para que a geração mais jovem disponha de um espaço público verdadeiramente democrático e pluralista para expressar as suas opiniões sem receio de exclusão ou de ódio. Ao mesmo tempo, é extremamente importante reforçar o conhecimento e a sensibilização para a manipulação da informação e a desinformação.

Bruxelas, 15 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/speech_21_4701

(2)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/IP_21_5226

(3)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Envolver, ligar e capacitar os jovens: uma nova Estratégia da UE para a Juventude» [COM(2018) 269 final] (JO C 62 de 15.2.2019, p. 142).

(4)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Rumo a uma participação estruturada dos jovens no processo decisório da UE no domínio do clima e da sustentabilidade» (parecer de iniciativa) (JO C 429 de 11.12.2020, p. 44).

(5)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Capacitar os jovens para a consecução do desenvolvimento sustentável através da educação (parecer de iniciativa) (JO C 100, 16.3.2023, p. 38).

(6)  Relatório de Informação do CESE — Igualdade de tratamento dos jovens no mercado de trabalho (em curso).

(7)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Como garantir trabalho digno para os jovens e assegurar a inclusão dos jovens NEET através da elaboração de planos nacionais de recuperação adequados (parecer de iniciativa) (JO C 152 de 6.4.2022, p. 27).

(8)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Política para a juventude nos Balcãs Ocidentais, no âmbito da Agenda de Inovação para os Balcãs Ocidentais (parecer de iniciativa) (JO C 443 de 22.11.2022, p. 44).

(9)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE (parecer de iniciativa) (JO C 486 de 21.12.2022, p. 46).

(10)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho sobre o Ano Europeu da Juventude 2022) [COM(2021) 634 final — 2021/0328(COD)] (JO C 152 de 6.4.2022, p. 122).

(11)  SAFEGUARDING20CIVIC20SPACE20FOR20YOUNG20PEOPLE20IN20EUROPE202020_v4.02028129.pdf (youthforum.org).

(12)  Por exemplo, Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Envolver, ligar e capacitar os jovens: uma nova Estratégia da UE para a Juventude» [COM(2018) 269 final] (JO C 62 de 15.2.2019, p. 142), Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Rumo a uma participação estruturada dos jovens no processo decisório da UE no domínio do clima e da sustentabilidade» (parecer de iniciativa) (JO C 429 de 11.12.2020, p. 44), Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho sobre o Ano Europeu da Juventude 2022) [COM(2021) 634 final — 2021/0328(COD)] (JO C 152 de 6.4.2022, p. 122), Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Avaliação da perspetiva dos jovens pela UE (parecer de iniciativa) (JO C 486 de 21.12.2022, p.46).

(13)  Co-management system of the Council of Europe [Sistema de cogestão do Conselho da Europa].

(14)  Ver, por exemplo, Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Promover, com base na educação e na formação e numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, as competências necessárias para que a Europa crie uma sociedade mais justa, mais coesa, mais sustentável, mais digital e mais resiliente» (parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa) (JO C 286 de 16.7.2021, p. 27), pontos 1.2 e 2.3.

(15)  Comissão dá início aos trabalhos sobre o Ano Europeu das Competências (europa.eu).

(16)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Igualdade de tratamento dos jovens no mercado de trabalho (em curso).

(17)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Capacitar os jovens para a consecução do desenvolvimento sustentável através da educação (parecer de iniciativa) (JO C 100, 16.3.2023, p. 38).

(18)  Resolução do Comité Económico e Social Europeu — Contributo para o programa de trabalho da Comissão Europeia para 2023 (JO C 443 de 22.11.2022, p. 1), ponto 4.14.

(19)  Relatório de Informação do CESE — Igualdade de tratamento dos jovens no mercado de trabalho (em curso).

(20)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o como garantir trabalho digno para os jovens e assegurar a inclusão dos jovens NEET através da elaboração de planos nacionais de recuperação adequados (parecer de iniciativa) (JO C 152 de 6.4.2022, p. 27), ponto 1.9.


PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

574.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 14.12.2022-15.12.2022

16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/8


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Investimentos baseados no género nos planos nacionais de recuperação e resiliência

(parecer de iniciativa)

(2023/C 100/02)

Relatora:

Cinzia DEL RIO

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

8.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

163/5/14

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE reitera que apenas uma maior e melhor convergência económica e social na União Europeia pode contribuir para assegurar a plena igualdade de género e a promoção da igualdade de oportunidades, através de medidas e estratégias em consonância com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

1.2.

O CESE salienta que a maioria dos planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR) foi elaborada pelos Estados-Membros sem uma avaliação ex ante do impacto dos investimentos destinados a eliminar as desigualdades de género e facilitar o acesso e permanência das mulheres no mercado de trabalho. Apenas um pequeno número de Estados adotou uma abordagem estratégica através de medidas e reformas específicas e transversais aos seis eixos de investimento previstos nos PRR. A metodologia adotada pela Comissão Europeia baseia-se numa avaliação de impacto do desempenho das medidas aplicadas. Nesse sentido, o CESE recomenda que a Comissão adote, na fase de avaliação, indicadores específicos comparáveis para medir as melhorias em matéria de igualdade de remuneração, acesso ao mercado de trabalho, conciliação do tempo de trabalho e de prestação de cuidados e promoção do autoempreendedorismo das mulheres.

1.3.

Os PRR incluem medidas diretas e indiretas, com diferentes impactos a curto ou médio prazo, que visam incentivar o acesso e a permanência das mulheres no mercado de trabalho, mas num contexto fragmentado e desigual entre os países. O CESE considera prioritário que, na execução dos PRR, se reforcem as medidas diretas e indiretas, para as quais terão de existir canais de investimento seguros e duradouros, graças à programação dos recursos a médio e longo prazo.

1.4.

Entre as medidas diretas destinadas a promover o emprego das mulheres, o CESE considera que os incentivos à criação de empregos estáveis e de qualidade devem ser privilegiados em relação a outros incentivos ocasionais e ser excluídos do mapa dos auxílios estatais.

1.5.

O CESE solicita que a cláusula de incentivo às empresas que promovem o emprego das mulheres seja reforçada através do alargamento a todos os projetos de contratação pública, e que os concursos públicos sejam regulamentados com uma indicação explícita dos objetivos em matéria de igualdade de género a cumprir pelas partes responsáveis pela execução.

1.6.

O CESE congratula-se com as medidas de acompanhamento e apoio ao autoempreendedorismo previstas em alguns PRR e espera que o apoio abranja também ações de formação no domínio financeiro e da gestão, bem como o acesso aos instrumentos financeiros.

1.7.

Tal como referido na comunicação da Comissão sobre a igualdade de género, o CESE considera importante que, no quadro da execução dos PRR, sejam adotadas medidas em matéria fiscal que reduzam a tributação da segunda fonte de rendimento de agregados familiares com baixos rendimentos e dos rendimentos das famílias monoparentais mais desfavorecidas.

1.8.

As medidas indiretas dos PRR incluem o investimento em serviços de acolhimento de crianças e de prestação de cuidados. O CESE considera prioritário investir recursos em serviços que permitam conciliar o tempo de trabalho com a prestação de cuidados de longa duração, bem como criar serviços complementares de apoio à família, que devem ser acessíveis aos agregados familiares com baixos rendimentos.

1.9.

O CESE entende que já não é possível adiar investimentos específicos que incentivem a inscrição das raparigas nos cursos técnicos e científicos (CTEM) do ensino secundário e universitário e promovam o emprego das mulheres, incluindo em setores caracterizados atualmente por uma mão de obra predominantemente masculina, de acordo com uma visão de médio e longo prazo.

1.10.

O CESE recomenda que a programação dos PRR seja feita em coordenação e complementaridade com todos os outros recursos e programas comunitários, começando pelos recursos e programas para a coesão e para as zonas rurais. A avaliação da Comissão Europeia no âmbito do Semestre Europeu com recomendações específicas por país deve ter em conta estes objetivos numa perspetiva de género e incluir novos indicadores transparentes e acessíveis, comparáveis entre países e repartidos por género.

1.11.

O CESE recomenda que a orçamentação sensível ao género em todos os níveis da administração pública se torne obrigatória na fase do Semestre Europeu.

1.12.

Os dados disponíveis revelam uma participação modesta e ocasional dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil na maioria dos países. O CESE recomenda que seja assegurada a sua plena participação na execução, acompanhamento e avaliação dos PRR, tanto a nível europeu como a nível nacional e local.

2.   Introdução

2.1.

O presente parecer visa destacar as reformas e os investimentos com impacto na promoção da igualdade de género previstos pelos Estados-Membros nos respetivos PRR, com base nas informações disponíveis e atualizadas pela Comissão Europeia, pelo Parlamento Europeu e pela Presidência da União Europeia. Note-se que o Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) está a realizar um estudo sobre a igualdade de género e a integração da perspetiva de género na recuperação da COVID-19, a pedido da Presidência sueca do Conselho da UE em 2023 (1), que incide exatamente sobre as medidas baseadas no género previstas em todas as fases do PRR, desde a programação à execução e avaliação, e analisa também até que ponto os Estados-Membros consideraram a igualdade como uma alavanca para a recuperação.

2.2.

Em 21 de julho de 2020, o Conselho Europeu adotou, nas suas conclusões, o Instrumento de Recuperação da União Europeia (Next Generation EU), juntamente com o Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027 (QFP 2021-2027). O QFP e o Instrumento de Recuperação da União Europeia ajudarão a promover a igualdade de oportunidades assegurando que as atividades e medidas dos programas e instrumentos pertinentes integram a perspetiva de género e contribuem eficazmente para a consecução da igualdade, em consonância com a estratégia europeia.

2.3.

O Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho (2) cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), que visa apoiar a recuperação pós-pandemia, promover a coesão e investir na transição ecológica e digital. O regulamento estabelece expressamente que os PRR devem promover a igualdade de género. O CESE concorda com o regulamento quanto à importância das medidas destinadas a combater as desigualdades de género, em consonância com os objetivos do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

2.4.

Na Comunicação — Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2021, de 17 de setembro de 2020, a Comissão Europeia expôs as linhas diretrizes para o MRR, apelando aos Estados-Membros para que prestem especial atenção aos grupos desfavorecidos, às mulheres e aos jovens que ingressam no mercado de trabalho, criando oportunidades de emprego de qualidade.

2.5.

O Regulamento Delegado da UE de 28 de setembro de 2021 estabelece os indicadores comuns e os elementos pormenorizados da grelha de avaliação da recuperação e resiliência, identificando 14 indicadores. Dos indicadores identificados, apenas quatro preveem a repartição por género (3). Por exemplo, os indicadores 6 e 9 carecem de uma repartição por género que permita identificar as empresas apoiadas dirigidas por mulheres.

2.6.

A guerra na Ucrânia, na sequência da agressão russa, causou um desaceleramento significativo do crescimento, com perspetivas incertas para o futuro, nomeadamente no que se refere ao aprovisionamento de recursos energéticos e ao aumento galopante dos custos, fatores que condicionam a repartição das despesas e dos investimentos nos orçamentos nacionais. Esse clima de incerteza afetará também a execução dos PRR.

2.7.

O mundo do trabalho e a sociedade no seu conjunto tentam sair da crise contando com uma recuperação económica e social a longo prazo, na qual se baseiam os PRR. Essa recuperação não pode prescindir da adoção de um quadro de referência orientado para a igualdade de género a fim de combater e superar as desigualdades e as disparidades de género que a crise da COVID-19, infelizmente, acentuou em alguns setores produtivos, grupos da população e territórios (4).

3.   Contexto, preparação do financiamento e recursos afetados aos PRR

3.1.

A Comissão Europeia apresentou ao Parlamento Europeu e ao Conselho, no passado mês de julho, um relatório de revisão sobre a execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que também aborda as desigualdades de género (5). O relatório faz o ponto da situação das contribuições dos Estados-Membros com base nos PRR apresentados e destaca as prioridades dos 25 PRR analisados de acordo com os seis pilares de intervenção do MRR (6).

3.2.

A maioria das medidas propostas pelos Estados-Membros tem objetivos transversais e não incide especificamente na igualdade de género; das 129 medidas propostas nesse âmbito, apenas 13 foram lançadas e dotadas de investimentos até à data. Nem todos os Estados-Membros previram reformas e recursos que visem explicitamente os desafios relacionados com o género ou indiquem expressamente as mulheres como beneficiárias. As medidas inovadoras em setores com baixo emprego feminino também são fracas (7). A maior parte concentra-se sobretudo nos serviços de acolhimento de crianças, de prestação de cuidados e de educação. O relatório da Comissão mostra que apenas os PRR de alguns países preveem uma abordagem estratégica através de medidas e reformas que visam a igualdade de género.

3.3.

Certos Estados-Membros privilegiaram eixos específicos, como as medidas de coesão social e territorial, que colocam a tónica na igualdade de oportunidades, conceito que inclui frequentemente a igualdade de género, ou as medidas destinadas aos grupos vulneráveis, que muitas vezes abrangem também as mulheres e os jovens, ou, por último, as medidas destinadas a acompanhar a transição ecológica e digital, com especial incidência na formação, já que, em alguns países, as mulheres não beneficiam de igualdade de acesso aos programas de formação e requalificação. Note-se que a maioria dos Estados-Membros não identificou a violência de género como um dos desafios a abordar pelas medidas de apoio à igualdade de género dos PRR.

3.4.

Os PRR foram elaborados com base numa avaliação ex ante, a nível nacional, da situação económica e social, em geral com prioridades de despesa já definidas que não tinham em conta a dimensão do género, nem em termos de recursos atribuídos nem do conteúdo dos projetos de investimento apresentados. A proposta original do Regulamento MRR da Comissão Europeia não incluía qualquer referência ao objetivo da igualdade de género e não mencionava expressamente as mulheres entre os beneficiários. Só posteriormente, devido à pressão exercida pelos parceiros económicos e sociais e pelas organizações da sociedade civil, é que o regulamento publicado em fevereiro de 2021 introduziu uma dimensão de género nos PRR. É também por esta razão que a dimensão de género e a orçamentação sensível ao género não estão presentes em todos os PRR, mas apenas nos que tinham inicialmente estabelecido um tipo de despesas e investimento orientados para o género.

3.5.

Embora o Regulamento MRR exija que os Estados-Membros indiquem de que forma os PRR abordam as desigualdades de género, a avaliação de impacto só terá em conta o desempenho das medidas adotadas. Neste sentido, é importante que a Comissão Europeia meça, com a participação dos parceiros económicos e sociais e as organizações da sociedade civil, e utilizando indicadores específicos comparáveis, a eficácia das ações e dos investimentos previstos na fase de avaliação. Os dados recolhidos até à data não refletem a situação real a nível nacional. Por conseguinte, é difícil dizer hoje qual é o impacto, nos seis pilares, de algumas das medidas para combater a discriminação de género, especialmente as de natureza transversal.

3.6.

Com base nos recursos afetados aos PRR, não é possível, neste momento, ter uma imagem clara dos investimentos apoiados não só pelo MRR mas também por recursos nacionais públicos e privados complementares direcionados exclusivamente para a igualdade de género nos vários domínios do mundo do trabalho e da sociedade. Apenas será possível quantificar os recursos afetados na fase de execução.

3.7.

De acordo com o relatório da Comissão Europeia sobre as medidas específicas em matéria de igualdade de género previstas nos PRR, o peso deste tipo de medidas varia consideravelmente, dos 11 % registados na Suécia a menos de 1 % na Croácia, com vários países a apresentarem um valor inferior a 2 %. No entanto, seria igualmente necessário ter em conta o impacto das medidas indiretas previstas nos PRR e das medidas diretas e indiretas adotadas no quadro do Instrumento de Recuperação da União Europeia, em complemento dos PRR, como a Assistência à Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa (REACT-EU) e o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER).

3.8.

Do relatório da Comissão Europeia e dos primeiros dados recolhidos pelo EIGE, entrevê-se um panorama fragmentado e desigual nos vários Estados-Membros. Nem todos os países dispõem de dados repartidos por género, apesar de estes terem sido solicitados pela Comissão Europeia com vista a apresentar relatórios regulares e atempados sobre os fundos atribuídos à igualdade de género nos PRR com base em alguns elementos comuns.

3.9.

Uma vez que nem todos os Estados-Membros disponibilizaram estudos aprofundados e discriminados por género antes da elaboração dos PRR, não possuímos uma avaliação do impacto das medidas na criação de emprego suplementar e de qualidade nem nos postos de trabalho qualificados. A igualdade de género foi considerada um princípio transversal genérico por 14 países (8); apenas a Espanha indicou o critério da integração da perspetiva de género em todo o PRR. A Itália introduziu medidas específicas para a igualdade de género e avaliou o impacto das medidas também em termos de aumento do emprego, mas subsistem preocupações quanto à sua eficácia real e à qualidade das intervenções (9). Noutros países, foram previstas medidas indiretas para promover a igualdade de género, como investimentos no equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar e em serviços de prestação de cuidados, o incentivo à formação no domínio das CTEM e a melhoria das condições de trabalho e formação, que terão um impacto a médio e longo prazo, mas que não pode ser quantificado atualmente. Para além destes investimentos, alguns Estados-Membros previram medidas diretas, como incentivos à contratação e apoios ao empreendedorismo das mulheres.

3.10.

Alguns países prestaram especial atenção à igualdade de género nos contratos públicos (10), aplicando medidas de condicionalidade para o recrutamento de mulheres e jovens nos contratos públicos celebrados com recursos do PRR. Seria desejável regulamentar os concursos públicos com uma indicação explícita dos objetivos em matéria de igualdade de género a cumprir pelas partes responsáveis pela execução.

3.11.

Entre os PRR inovadores neste domínio contam-se, por exemplo, os de Espanha, Itália e França. Espanha assumiu, no seu PRR, um compromisso importante prevendo a inclusão, em todos os procedimentos administrativos públicos, de uma perspetiva de género. No caso de Itália, o PRR introduziu orientações sobre a igualdade de oportunidades nos contratos financiados pelo PRR que preveem a inclusão de incentivos e cláusulas-tipo nos anúncios dos concursos, diferenciados em função do setor, do tipo e da natureza do projeto. Os proponentes são obrigados a reservar 30 % dos recrutamentos destinados à execução do contrato a jovens com menos de 36 anos e mulheres, e deverão possuir uma certificação de que respeitam a igualdade de género. O PRR de França, por outro lado, estabeleceu a introdução de novos indicadores para as empresas calcularem a igualdade profissional e os progressos realizados através de um plano de ação, ao passo que os PRR da Irlanda e da Croácia atribuem prémios de financiamento às empresas que cumprem os critérios de promoção da igualdade de género (11).

3.12.

O relatório da Comissão Europeia de julho de 2022 mostra que as consultas dos parceiros económicos e sociais e das organizações da sociedade civil durante a elaboração dos PRR foram muito modestas e ocasionais. Os agentes sociais e outras organizações da sociedade civil manifestam grande preocupação relativamente à sua participação na fase de execução e acompanhamento das medidas. Em particular, os peritos em questões de género consideram (12) que, sem dados fiáveis, comparáveis e específicos, desagregados por género, mas sobretudo de qualidade e que abranjam diferentes domínios e setores, será difícil avaliar o impacto das medidas. O CESE recomenda vivamente que as instituições europeias, nacionais e regionais assegurem uma participação mais estreita dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil que promovem a igualdade de oportunidades nas fases de execução, avaliação e acompanhamento dos PRR.

4.   Avaliações do contexto dos PRR

4.1.

O CESE salienta a importância de aplicar a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, que coloca a consecução da igualdade de género entre os seus 17 objetivos, juntamente com os objetivos estabelecidos na Comunicação da Comissão — Uma União da Igualdade: Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025 (13) relativos à participação equitativa nos diferentes setores económicos e às disparidades salariais entre homens e mulheres.

4.2.

A Estratégia para a Igualdade de Género inclui políticas e medidas que visam combater todas as formas de discriminação e desigualdade, incluindo as que afetam a comunidade LGBTIQ (14), e deve ser um ponto de referência para a execução dos PRR. O CESE salienta a importância de executar ações-chave, partilhadas com todas as partes e destinadas a assegurar a igualdade de participação e de oportunidades no mercado de trabalho, a reduzir as disparidades salariais para funções iguais e a combater a ausência das mulheres em cargos de direção, bem como a alcançar o equilíbrio entre os géneros no processo de decisão e nas políticas. O CESE solicita a rápida adoção e aplicação da Diretiva sobre a transparência salarial (15), que estabelece instrumentos e medidas a nível nacional para enfrentar e colmatar as disparidades, e apela para uma monitorização rigorosa das causas e responsabilidades.

4.3.

O objetivo de uma melhor participação das mulheres no mercado de trabalho deve ser abordado de forma estrutural e abrangente e ter em consideração as variáveis económicas, educativas, geográficas, sociais e culturais, incluindo em zonas remotas e rurais. A este respeito, importa adotar uma abordagem integrada que tenha em conta o contributo de todas as instituições europeias, nacionais e regionais, e recorra a mecanismos eficazes de diálogo social com todos os intervenientes aos diferentes níveis.

4.4.

A fim de aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho, o CESE assinala a necessidade urgente de todos os Estados-Membros aplicarem o mais rapidamente possível a Diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar [Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho (16)], que introduz regras em matéria de licenças relacionadas com a família e regimes de trabalho flexíveis para os trabalhadores e promove a partilha equitativa das responsabilidades de prestação de cuidados entre os progenitores, contribuindo para eliminar os obstáculos à livre escolha da maternidade e da parentalidade por parte das famílias.

4.5.

As recomendações específicas por país (REP) de 2019 e 2020, no âmbito do Semestre Europeu, sobre as medidas a adotar para reduzir as desigualdades de género levaram alguns Estados-Membros a integrar uma dimensão de género nos PRR (17). No entanto, lamentavelmente, estes esforços inscrevem-se num quadro fragmentado entre os diversos países.

4.6.

No seguimento da pandemia e do impacto na situação das mulheres, as recomendações específicas por país foram esporádicas e ocasionais. Em 2022, apenas três países, a Áustria, a Alemanha e a Polónia, receberam recomendações relacionadas com a participação das mulheres no mercado de trabalho e o funcionamento dos serviços de acolhimento de crianças, enquanto outros 22 países receberam recomendações dirigidas a grupos desfavorecidos (18), que conduziram a medidas indiretas relativas ao emprego ou à situação das mulheres, que são difíceis de quantificar. O CESE observa que, à luz dos dados existentes sobre o impacto da crise da COVID-19 na situação económica e social das mulheres, seriam desejáveis recomendações específicas em matéria de igualdade de género, a fim de promover uma programação ex ante coerente nos PRR, acompanhada também de investimentos específicos.

4.7.

O EIGE destaca, em vários relatórios, a repartição desigual dos encargos familiares, especialmente no domínio da assistência a crianças e da prestação de cuidados de longa duração a pessoas idosas e a pessoas com deficiência (19). Essa contribuição desigual para o agregado familiar é uma das razões principais do baixo nível de participação das mulheres no mercado de trabalho (20). O confinamento e o encerramento das escolas vieram agravar a situação. Neste contexto, importa salientar que muitos PRR reconhecem a relação existente entre a prestação de cuidados não remunerados e as medidas de conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, pelo que introduziram medidas específicas que privilegiam o reforço dos serviços de acolhimento de crianças (21).

4.8.

Esses serviços devem também ser acessíveis às famílias mais desfavorecidas mediante a revisão dos critérios de fixação de preços, a fim de facilitar a sua utilização por todos. Deve ser prestada especial atenção à promoção do funcionamento a tempo inteiro das escolas de todos os tipos e níveis de ensino, com atividades curriculares e extracurriculares, e à implantação de serviços suplementares nos jardins de infância, como atividades de animação e apoio à família antes e depois do período das atividades letivas, e ao reforço da oferta pública de atividades de tempos livres de verão para raparigas e rapazes. Trata-se de medidas indiretas que necessitam de canais de investimento seguros e duradouros, que infelizmente não são acompanhadas de uma programação de recursos a médio e longo prazo nos PRR.

4.9.

O CESE apela para que sejam ministradas, aos funcionários dos centros de emprego, ações de formação que integrem a perspetiva de género, a fim de desenvolver e difundir uma cultura livre de estereótipos de género. Ao mesmo tempo, importa promover parcerias entre as empresas e os trabalhadores no domínio do emprego e da formação, a fim de promover a integração das mulheres em setores com mão de obra predominantemente masculina.

4.10.

O CESE concorda com a ideia de privilegiar os incentivos às empresas que recrutam mulheres elegíveis para beneficiar de políticas ativas, com contratos de trabalho estáveis e boas condições de trabalho. Além disso, considera importantes medidas destinadas a acompanhar e apoiar o autoempreendedorismo, nomeadamente através de apoio direcionado especificamente para ações de formação no domínio financeiro e da gestão e para o acesso aos instrumentos financeiros (22).

5.   Observações específicas

5.1.

A crise atingiu duramente as mulheres, que muitas vezes se veem obrigadas a aceitar trabalhos que não estão ao nível das suas qualificações. Além disso, o trabalho a tempo parcial involuntário é uma situação cada vez mais comum entre as mulheres trabalhadoras. A fim de inverter esta tendência, aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho e promover o emprego de qualidade e qualificado, é prioritário reforçar as medidas diretas e indiretas dos PRR.

5.2.

Para reduzir as disparidades de género, o CESE recomenda que os PRR sejam programados em coordenação e complementaridade com todos os outros recursos e programas comunitários, começando pelos recursos e programas de coesão.

5.3.

As diferenças e desigualdades de género existentes impedem que as políticas públicas sejam neutras do ponto de vista do género, pelo que é importante que todas as instituições, a nível europeu, nacional e local, adotem a orçamentação sensível ao género em complemento às políticas orçamentais. Para o efeito, o CESE recomenda que a orçamentação sensível ao género se torne obrigatória na fase do Semestre Europeu (23).

5.4.

O CESE alerta para o risco de o MRR, tal como concebido, poder aumentar as disparidades em alguns setores de produção, como o ecológico e o digital. Embora a igualdade de género seja uma prioridade transversal, sem medidas específicas e mensuráveis para promover o emprego das mulheres, inclusive em postos de trabalho altamente qualificados em setores com elevada proporção de mão de obra feminina, corre-se o risco de aumentar ainda mais as disparidades de género no emprego e de relegar um maior número de mulheres para as atividades menos lucrativas.

5.5.

Os PRR devem incluir indicadores comparáveis que meçam as melhorias em matéria de igualdade salarial, acesso ao mercado de trabalho por setor, conciliação dos tempos de trabalho e de prestação de cuidados, crédito em condições preferenciais e incentivos à promoção do autoempreendedorismo e do trabalho por conta própria das mulheres.

5.6.

Os incentivos à contratação com duração indeterminada de mulheres devem ser privilegiados em relação a outros incentivos e devem ser excluídos do mapa dos auxílios estatais.

5.7.

Melhorar a conciliação dos tempos de trabalho e de prestação de cuidados é um dos objetivos principais perseguidos para libertar todo o potencial das mulheres no mundo do trabalho e melhorar a produtividade das empresas. Para o efeito, o CESE considera prioritário investir em serviços que permitam conciliar a vida profissional com a prestação de cuidados, não só através de serviços complementares nos jardins de infância e da promoção de serviços educativos progressivamente gratuitos para crianças até aos 3 anos provenientes de agregados familiares com baixos rendimentos, mas também reforçando o investimento na implantação de serviços de assistência social e de cuidados de longa duração.

5.8.

A concretização dos objetivos em termos de serviços que permitam conciliar a vida profissional com a prestação de cuidados deve ser sustentada pelo recrutamento de pessoas com competências específicas e pela formação contínua para todos os intervenientes nesses serviços, em que as mulheres são atualmente predominantes.

5.9.

O CESE salienta a importância de alargar a cláusula de incentivo à contratação de mulheres a todos os contratos públicos, a fim de apoiar as empresas que se comprometam a criar empregos estáveis, a reforçar a inclusão social e a reduzir as disparidades de género no emprego.

5.10.

As disparidades de género na ciência são muito significativas e verificam-se desde a primeira infância. Infelizmente, apenas alguns PRR apresentaram medidas para aumentar a inscrição das raparigas nos cursos técnicos e científicos do ensino secundário e universitário (CTEM). São necessários, por conseguinte, investimentos específicos em currículos que incentivem a participação das raparigas na ciência e nas atividades de investigação e desenvolvimento. Da mesma forma, há que canalizar investimentos e encontrar novas formas de apoio para projetos direcionados, a fim de assegurar o aumento da participação das mulheres em atividades inovadoras. Essas intervenções terão um impacto positivo a médio e longo prazo, pelo que devem ser programadas de forma estratégica.

5.11.

O CESE considera importante agir também em matéria fiscal, no que secunda as indicações da Comissão (24), reduzindo, de acordo com a legislação nacional, a tributação da segunda fonte do rendimento familiar, que corresponde frequentemente ao rendimento das mulheres, nas famílias de baixos rendimentos. É igualmente importante reduzir a tributação dos rendimentos das famílias monoparentais mais desfavorecidas.

5.12.

Para além das medidas previstas nos PRR, o CESE propõe, a título de medidas de acompanhamento estratégicas, a certificação obrigatória da igualdade de género, para reduzir as disparidades de género e melhorar as condições de trabalho das mulheres, o combate à violência de género (25), a difusão do «trabalho inteligente» (smart working) através da negociação com os parceiros sociais, e a aplicação do horário a tempo parcial, a título voluntário, remunerado de acordo com a legislação e a prática nacionais, para as mulheres que regressam ao trabalho após a licença de maternidade.

5.13.

O CESE congratula-se com a abordagem adotada pela Comissão no relatório, que prevê o acompanhamento das medidas dos PRR de cada país numa perspetiva de género. Importa que as missões da Comissão Europeia nos diferentes Estados-Membros incidam especificamente nas medidas em vigor em matéria de igualdade de género, assegurando a transparência e a acessibilidade da gestão de dados.

5.14.

O CESE recomenda que os parceiros económicos e sociais e a sociedade civil sejam plenamente associados à execução, ao acompanhamento e à avaliação dos PRR, nomeadamente através de instâncias de controlo específicas a nível europeu e nacional, a fim de promover a programação coordenada das iniciativas em matéria de igualdade de género.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Cf. estudo do EIGE intitulado Gender equality and gender mainstreaming in the COVID-19 recovery [Igualdade de género e integração da perspetiva de género na recuperação da COVID-19], a publicar em 2023.

(2)  Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (JO L 57 de 18.2.2021, p. 17).

(3)  Estes indicadores específicos são: a) investigadores que trabalham em instalações de investigação apoiadas; b) número de pessoas que prosseguem estudos ou ações de formação; c) número de pessoas com emprego ou à procura de emprego; d) número de jovens entre os 15 e os 29 anos de idade que recebem apoio.

(4)  Nota de investigação do EIGE de 2021 intitulada «Gender equality and the socio-economic impact of the COVID-19 pandemic» [Igualdade de género e o impacto socioeconómico da pandemia de COVID-19].

(5)  COM(2022) 383 final.

(6)  Os Países Baixos apresentaram o PRR tardiamente em comparação com outros países; o PRR da Hungria está atualmente suspenso devido a questões relacionadas com o respeito pelo Estado de direito.

(7)  Ver a nota 1 e o artigo «PNRR Italia, Gender Gap e politiche per l’innovazione e la digitalizzazione nel PNRR: quali misure?» [O PRR da Itália: disparidade de género e políticas para a inovação e a digitalização: que medidas?] de Marusca de Castris, Università degli Studi di Roma Tre, e Barbara Martini, Università di Roma Tor Vergata, setembro de 2022.

(8)  Ver nota 1.

(9)  Ver nota 6.

(10)  A igualdade de género nos contratos públicos constitui uma estratégia inovadora introduzida pela Comissão Europeia para promover os investimentos que favorecem a igualdade de género através da introdução de requisitos ou critérios de recompensa específicos sensíveis ao género para a participação nos concursos ou da introdução de critérios de adjudicação que incluem parâmetros sociais. A igualdade de género nos contratos públicos visa promover a igualdade de género no mercado de trabalho, melhorar a presença das mulheres em cargos de topo e reduzir a disparidade salarial.

Relatório do EIGE, «Gender-responsive public procurement: the key to fair and efficient public spending in the EU» [Contratos públicos sensíveis ao género: a chave para uma despesa pública justa e eficiente na UE], publicado em 2022, que indica de que forma os contratos públicos podem promover e apoiar a igualdade de género melhorando a eficácia e qualidade da despesa pública, com estudos de caso e recomendações.

(11)  Dados da análise do EIGE, ver nota 1.

(12)  Nota informativa do Parlamento Europeu intitulada «Gender equality in the Recovery and Resilience Facility» [Igualdade de género no Mecanismo de Recuperação e Resiliência], publicada em abril de 2022, em que se manifesta preocupação com os resultados de vários estudos realizados a nível nacional por centros de investigação ou universidades.

(13)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, de 5 de março de 2020 (COM(2020) 152 final).

(14)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — União da Igualdade: Estratégia para a Igualdade de Tratamento das Pessoas LGBTIQ (JO C 286 de 16.7.2021, p. 128).

(15)  A proposta de diretiva sobre a transparência salarial encontra-se em fase de negociação no trílogo.

(16)  Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores e que revoga a Diretiva 2010/18/UE do Conselho (JO L 188 de 12.7.2019, p. 79).

(17)  Relatório do Parlamento Europeu intitulado «Country Specific Recommendations and Recovery and Resilience Plans — Thematic overview on gender-related issues»» [Recomendações específicas por país e planos de recuperação e resiliência — Síntese temática sobre as questões de género], publicado em outubro de 2021.

(18)  Ver nota 14.

(19)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Papel dos familiares cuidadores de pessoas com deficiência e de pessoas idosas: explosão do fenómeno durante a pandemia (JO C 75 de 28.2.2023, p. 75), que apresenta recomendações importantes sobre as medidas a adotar.

(20)  Relatório do EIGE, «Gender Mainstreaming — Gender stakeholder consultation» [Integração da perspetiva de género — consulta das partes interessadas em matéria de género], publicado em 2019.

(21)  Ver nota 1.

(22)  O PRR espanhol destina 36 milhões de euros ao apoio a empresárias em início de atividade; o PRR italiano, por sua vez, mobiliza 400 milhões de euros para apoiar o empreendedorismo das mulheres.

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — O investimento sensível ao género como forma de melhorar a igualdade de género na União Europeia (JO C 100, 16.3.2023, p. 16), que apresenta propostas para incentivar os investimentos no empreendedorismo das mulheres.

(23)  Estudo da Comissão Europeia, «Gender Budgeting Practices: Concepts and Evidence» [Práticas de orçamentação sensível ao género: conceitos e dados], publicado em junho de 2022.

(24)  Ver nota 10.

(25)  Embora os Estados-Membros tenham sido exortados a ratificar a Convenção n.o 190 da OIT sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho, até à data o documento apenas foi ratificado por dois países europeus.


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/16


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — O investimento sensível ao género como forma de melhorar a igualdade de género na União Europeia

(parecer de iniciativa)

(2023/C 100/03)

Relatora:

Ody NEISINGH

Correlatora:

Maria NIKOLOPOULOU

Consulta

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

23.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

172/6/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) está firmemente convicto de que, com a colaboração de homens e mulheres, e criando um clima propício ao empreendedorismo feminino e os instrumentos financeiros e legislativos adequados, como a orçamentação sensível ao género, podemos formar um ecossistema financeiro inclusivo na União Europeia (UE) e nos Estados-Membros e avançar mais rapidamente para a igualdade de género.

1.2.

Os dados, as avaliações de impacto e os indicadores comuns são essenciais para a integração da perspetiva de género. É necessário harmonizar os dados e os indicadores dos Estados-Membros e das instituições a nível da UE para lhes conferir um papel determinante na correção da disparidade entre homens e mulheres. O CESE salienta que a UE deve recolher dados repartidos por sexo no contexto dos investimentos a nível europeu e integrá-los no Índice anual de Igualdade de Género do Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE).

1.3.

A fim de acelerar o crescimento do empreendedorismo feminino no futuro, convém examinar o papel dos investidores providenciais, dos investimentos em capital de arranque e do «círculo de restituição».

1.4.

O CESE acredita firmemente que, ao melhorar a posição das mulheres no quadro da atribuição de fundos, haverá um «efeito em cadeia» positivo conducente a melhores resultados financeiros e sociais.

1.5.

A fim de criar um clima propício ao empreendedorismo feminino, o CESE considera importante proporcionar às mulheres mais oportunidades de formação e de trabalho em rede e programas de mentoria. Além disso, o CESE realça a importância da educação para combater os estereótipos de género, incluindo as ideias estereotipadas em torno dos empresários do sexo masculino, e para construir uma cultura empresarial que incuta nas mulheres uma visão ambiciosa.

1.6.

O CESE recomenda que os Estados-Membros garantam às empresárias o acesso às prestações por maternidade, assim como à possibilidade de tirar licença parental, em conformidade com os princípios enunciados na Recomendação do Conselho relativa ao acesso à proteção social dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria.

1.7.

O CESE salienta que os Estados-Membros devem começar a despertar o interesse das raparigas para os domínios da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM) numa fase precoce, apoiar as empresárias e as figuras femininas de referência nestes setores e investir em programas que visem fomentar o interesse das alunas do ensino secundário nos domínios CTEM.

1.8.

O CESE recomenda a integração da perspetiva de género no Plano de Ação para a Economia Social, prevendo ações especificamente orientadas para as mulheres e mantendo a perspetiva de género como critério na atribuição de fundos nacionais e da UE e na contratação pública, de modo a promover e reter os talentos femininos no mercado de trabalho.

1.9.

O CESE considera que a diversidade das equipas, com especial ênfase nas mulheres, deve ser um critério de elegibilidade para o financiamento público. É importante estabelecer normas específicas para evitar o pinkwashing (1).

1.10.

O CESE recomenda que, a médio prazo, todas as autoridades europeias e os Estados-Membros utilizem instrumentos de orçamentação sensível ao género a todos os níveis do processo orçamental. A participação da sociedade civil e o diálogo social são igualmente essenciais para identificar os domínios a que os orçamentos devem dar resposta.

1.11.

Persistem preconceitos inconscientes no setor financeiro, pelo que é importante promover campanhas de sensibilização e formação de investidores e júris nesse domínio. Além disso, o CESE considera que a composição de todos os júris das instituições financeiras europeias deve respeitar quanto antes o equilíbrio entre homens e mulheres, a fim de evitar a homofilia, ou seja, o enviesamento da «atração dos semelhantes», disponibilizando-se também aos membros desses júris formação sobre o preconceito inconsciente.

1.12.

O CESE propõe que a Comissão Europeia publique uma avaliação do impacto do orçamento anual da UE em função do género e a apresente num anexo, criando também um grupo de trabalho para participar nas negociações e articular e incluir os objetivos da integração da perspetiva de género no próximo Quadro Financeiro Plurianual 2028-2034 e na revisão intercalar do atual Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 (2).

1.13.

O CESE solicita um maior acesso das organizações de mulheres aos fundos da UE, mediante a simplificação de procedimentos e a concessão de subvenções para a sua atividade principal.

1.14.

Por último, o CESE apela a uma visão ambiciosa da Comissão Europeia e das instituições europeias sobre a orçamentação sensível ao género e o investimento sensível ao género, incluindo metas concretas para o financiamento atribuído a mulheres, indicadores-chave de desempenho concretos, legislação, critérios atualizados e programas (reforçados) para melhorar o empreendedorismo feminino e o acesso das mulheres ao financiamento (por exemplo, subvenções específicas para mulheres, financiamento de sócios comanditários para fundos geridos e cogeridos por mulheres, garantias de empréstimo ou microfinanciamento, plataformas de coinvestimento, obrigações ou microcréditos em função do género).

2.   Observações na generalidade

2.1.

A integração da perspetiva de género é um objetivo fundamental da UE, em conformidade com o artigo 2.o do Tratado da União Europeia e o artigo 8.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Não obstante a obrigação jurídica de garantir a igualdade entre mulheres e homens, os progressos na integração efetiva da perspetiva de género têm sido lentos, particularmente no que diz respeito às finanças e aos orçamentos.

2.2.

O presente parecer pretende salientar os desafios e as oportunidades do empreendedorismo, dos investimentos públicos e privados e da orçamentação no que diz respeito à igualdade de género e apelar para uma visão ambiciosa das instituições europeias e dos Estados-Membros no que concerne ao investimento e à orçamentação sensíveis ao género. Esta ênfase terá um impacto positivo na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relativos à igualdade de género (ODS 5) e à redução das desigualdades (ODS 10). Importa também ter presente que, para alcançar a igualdade de género, é necessário que as mulheres e os homens colaborem na promoção desse desígnio.

2.3.

Segundo a Comissão Europeia, as mulheres representam cerca de 52 % da população total na Europa, mas constituem 34,4 % dos trabalhadores independentes e 30 % dos empresários em início de atividade (3).

2.4.

As equipas constituídas exclusivamente por homens recebem quase 92 % de todo o capital de risco investido na Europa. No que diz respeito ao financiamento, nas fases iniciais, apenas 1 % do financiamento é concedido a empresas lideradas por mulheres, nunca excedendo 30 % nas fases posteriores, embora as equipas fundadas por mulheres e as equipas com elementos de ambos os sexos apresentem um desempenho superior ao das suas congéneres masculinas (4) (5) (6) (7).

2.5.

Em março de 2017, a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) deu conta de que as mulheres apresentam menor probabilidade do que os homens de aceder ao financiamento necessário para constituir uma empresa em todos os países exceto os Estados Unidos, o México, a Grécia e a Indonésia. Esta disparidade entre homens e mulheres pode estar associada ao facto de as mulheres terem menos experiência e exercerem atividades em setores altamente competitivos e com baixas taxas de crescimento, bem como à existência de preconceito de género na pontuação de crédito e estereótipos de género nas avaliações de investimentos. As mulheres são também frequentemente prejudicadas por terem um menor acesso a serviços financeiros básicos (por exemplo, contas correntes e de poupança) (8). Além disso, é mais provável que as mulheres que exercem uma atividade independente se sintam desencorajadas a contrair empréstimos do que os homens na mesma situação.

2.6.

De acordo com a Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025 da Comissão Europeia, apenas um em cada dez decisores em empresas de capital de risco (ECR) e de participações privadas são mulheres, embora 72 % dos sócios de alguns fundos privados identificados como colocando a tónica nas questões de género sejam mulheres. Os dados indicam que, em média, 85 % dos comanditados de ECR são homens e apenas 15 % são mulheres. As mulheres tendem a ser sócias de fundos de menor dimensão.

2.7.

A pandemia de COVID-19 agravou as desigualdades de género e económicas. No que se refere a aspetos sociais e económicos, a pandemia afetou de forma muito distinta homens e mulheres. A pandemia de COVID-19 também teve impacto no acesso das mulheres ao financiamento. Embora os dados europeus sejam insuficientes, nos Estados Unidos verificou-se inclusivamente um acentuar da disparidade entre homens e mulheres no financiamento de capital de risco para empresas em fase de arranque dirigidas por mulheres (9).

2.8.

A nível mundial, intensificou-se a sensibilização para o investimento sensível ao género. No entanto, o ecossistema de investimento europeu para mulheres empresárias e fundadoras continua fragmentado e não coloca uma ênfase sistémica e estratégica nas questões de género (10). Os fundos específicos para a igualdade de género são escassos e estas iniciativas não conseguem atrair mais empresárias. Cerca de 50 % do financiamento da União Europeia consiste em dinheiro dos contribuintes. Um esforço coletivo a nível da UE para criar um ecossistema de financiamento mais equilibrado e equitativo em termos de género, juntamente com o acompanhamento ao longo de todo o processo de criação de uma empresa, pode promover o consenso e ajudar a superar os obstáculos à mudança.

2.9.

No contexto do investimento sensível ao género, é necessário ter presente todas as intersecções com outras desigualdades que condicionam ainda mais o acesso ao financiamento, nomeadamente no caso das mulheres com deficiência, de meios socioeconómicos menos favorecidos, jovens ou com antecedentes migratórios, ou a intersecção com a orientação sexual, a etnia, etc.

3.   Observações na especialidade

3.1.

O CESE acredita firmemente que, ao melhorar a posição das mulheres no quadro da atribuição de fundos, haverá um «efeito em cadeia» positivo conducente a melhores resultados financeiros e sociais. As investidoras de capital de risco em cargos de decisão têm duas vezes mais probabilidades de investir em equipas fundadoras constituídas por mulheres, aumentando assim o emprego feminino. As empresas em fase de arranque com uma mulher na equipa fundadora recrutam 2,5 vezes mais mulheres. As empresas com uma mulher na equipa fundadora e uma dirigente contratam seis vezes mais mulheres (11).

3.2.

A recolha de dados é essencial para avaliar a situação atual e delinear estratégias para o futuro. Apesar dos esforços a esse respeito, os dados recolhidos pela Comissão Europeia, pelo Conselho, pela OCDE, pelo Eurostat e pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) sobre vários aspetos relacionados com o género têm de ser harmonizados para poderem desempenhar um papel determinante na correção da disparidade entre homens e mulheres. A recolha de dados pertinentes deve ser obrigatória para os Estados-Membros. As metodologias e os indicadores utilizados devem ser agrupados para criar uma visão holística e possibilitar a utilização de dados suplementares (enviesamento social, étnico e interseccional, etc.) que permitam o acompanhamento e a avaliação dos progressos e das políticas. Além disso, é necessário realizar estudos analíticos com mais regularidade e de melhor qualidade. O CESE salienta que a UE deve recolher dados repartidos por sexo no contexto dos investimentos a nível europeu e integrá-los no Índice anual de Igualdade de Género do EIGE.

3.3.

É igualmente importante observar a dimensão da emissão (o montante investido) e o papel dos investidores providenciais e dos investimentos em capital de arranque. Também é oportuno analisar o «círculo de restituição», ou seja, quando as mulheres que beneficiaram de investimentos para a sua empresa, são capazes de a fazer crescer e de aumentar o seu próprio capital de investimento, acabando por se tornarem elas próprias investidoras providenciais. Este círculo pode constituir um acelerador positivo do crescimento futuro do empreendedorismo feminino e pode ser reforçado por meio de campanhas específicas de sensibilização para as possíveis oportunidades e contributos dos investidores providenciais e de informação sobre a melhor forma de começar. Os Estados-Membros poderão também estudar reduções de impostos para apoiar este objetivo.

3.4.

O CESE considera que a integração da perspetiva de género na UE será alcançada através da promoção ativa da igualdade de género em todos os processos de tomada de decisão e elaboração de políticas, incluindo as políticas sociais e de coesão e a política de concorrência da UE, bem como na execução do orçamento da UE. Ainda faltam os pré-requisitos e os instrumentos de acompanhamento eficaz durante a execução que são necessários para corrigir, se for caso disso, as medidas políticas. Sabendo-se que os efeitos da pandemia de COVID-19 não são neutros em termos de género, o CESE reitera o seu apelo aos responsáveis políticos a todos os níveis para que respeitem o princípio da integração da perspetiva de género e incluam a vertente da igualdade de género em todas as decisões, nomeadamente em matéria de orçamentação, investimento e financiamento, assim como em matéria de contratação pública. Essas medidas aplicam-se também ao ciclo orçamental do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e aos planos de recuperação e resiliência e devem incluir avaliações do impacto em função do género, indicadores vinculativos adequados, bem como sistemas de acompanhamento e avaliação (12).

3.5.

Um relatório recente do Tribunal de Contas Europeu afirma que a Comissão prestou pouca atenção à análise das questões de género nas políticas e nos programas que o Tribunal examinou. Recorreu de forma limitada a indicadores e dados repartidos por sexo e publicou poucas informações sobre o impacto global do orçamento da UE na igualdade de género. No entanto, nos domínios em que os requisitos jurídicos estavam definidos em pormenor, este facto facilitou a integração da igualdade de género nos programas.

4.   Medidas concretas

4.1.   Criar um clima propício às empresárias

4.1.1.

A fim de criar um clima propício ao empreendedorismo feminino, o CESE considera importante proporcionar às mulheres mais oportunidades de formação e de trabalho em rede e programas de mentoria. É vital que as mulheres desenvolvam uma «rede de antigas colegas», a par da «rede de antigos colegas» já existente para os homens, já que as mulheres tendem a ter redes menores e menos diversificadas. As figuras de referência e os mentores também desempenham um papel importante: num estudo em Itália, 70 % das raparigas afirmaram que mudaram a sua perspetiva de futuro depois de conhecer uma figura de referência.

4.1.2.

As ideias estereotipadas sobre o empreendedorismo começam logo no ensino primário. O CESE realça a importância da educação para combater os estereótipos de género, incluindo as ideias estereotipadas em torno dos empresários do sexo masculino, e para construir uma cultura empresarial que incuta nas mulheres uma visão ambiciosa. Ainda existem na Europa conotações sociais negativas em torno das mulheres empresárias e dirigentes. Além disso, as escolas desempenham um papel fundamental na capacitação financeira e empresarial, e essas competências devem ser incluídas nos programas escolares a partir do ensino primário e reforçadas e desenvolvidas em todo o sistema escolar. Feiras de empreendedorismo e outros programas que permitam às mulheres aceder a capital de arranque e, por exemplo, promovam a participação das raparigas nas ciências seriam uma boa forma de incentivar o empreendedorismo feminino desde cedo.

4.1.3.

A «síndrome do impostor» descreve o fenómeno em que as pessoas duvidam das suas capacidades e sentem que a qualidade do seu trabalho não é suficiente. Esta síndrome é muito frequente entre as empresárias. O desenvolvimento das capacidades e da autoestima das mulheres ao longo de toda a sua educação atenuará este fenómeno e abrirá novas perspetivas para o desenvolvimento das mulheres (13).

4.1.4.

Em grande medida, a falta de tempo com que as mulheres se confrontam atualmente devido a responsabilidades de prestação de cuidados não remuneradas constitui um obstáculo ao empreendedorismo. São fundamentais mudanças culturais, como a corresponsabilidade entre cônjuges na gestão das tarefas domésticas e na assistência aos filhos e a outras pessoas, em articulação com medidas sistémicas, tais como o acesso gratuito ou a preços comportáveis aos cuidados a crianças e a pessoas idosas. O CESE recomenda que os Estados-Membros concedam às empresárias o acesso às prestações por maternidade, e adotem medidas em matéria de licença parental, em conformidade com os princípios enunciados na Recomendação do Conselho relativa ao acesso à proteção social dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria (14) (15).

4.1.5.

Os programas de formação em empreendedorismo especificamente orientados para as mulheres tendem a concentrar-se em mercados e setores nos quais as mulheres já estão bem representadas. Há setores em que o número de empresárias é muito reduzido, como nos domínios da alta tecnologia e CTEM. O CESE salienta que os Estados-Membros devem começar a sensibilizar as raparigas para a importância dos domínios CTEM numa fase precoce, apoiar as empresárias e as figuras femininas de referência nestes setores e investir em programas que visem fomentar o interesse das alunas do ensino secundário nos domínios CTEM.

4.1.6.

O atual desequilíbrio de género no mercado de trabalho também é um obstáculo para os futuros empreendimentos das mulheres. As mulheres têm menos oportunidades de adquirir uma formação adequada em gestão e empreendedorismo e as poupanças necessárias para iniciar a sua atividade empresarial. Por conseguinte, as jovens enfrentam mais obstáculos à constituição de empresas. Além disso, a disparidade salarial entre homens e mulheres ou o facto de não receberem salários justos podem limitar os seus recursos financeiros. Uma vez que muitas oportunidades de financiamento exigem um investimento inicial privado do empresário, o CESE considera que a eliminação da disparidade salarial entre homens e mulheres e a correção do desequilíbrio entre homens e mulheres no mercado de trabalho terão um efeito positivo no empreendedorismo das mulheres.

4.1.7.

As mulheres são mais propensas a constituir empresas em setores sustentáveis e sociais, a fim de produzir um impacto positivo quantificável na sociedade, e a gerir uma empresa social em fase de arranque (16) (17). As empresas que exercem a sua atividade no âmbito da economia social centram-se nas necessidades económicas e sociais das comunidades e dos seus trabalhadores, bem como na sustentabilidade ambiental. Investem no bem-estar e colocam os valores no centro da sua atividade. Por conseguinte, reforçar o financiamento de projetos da economia social e promover a criação de ecossistemas de empresas sociais terá um impacto positivo na emancipação económica e no desenvolvimento das mulheres. Do mesmo modo, promover o empreendedorismo feminino impulsionará o crescimento das empresas sociais. O Plano de Ação para a Economia Social da Comissão Europeia observa que «a prevalência das mulheres empreendedoras é mais elevada no empreendedorismo social do que no convencional». No entanto, não existem medidas específicas destinadas a impulsionar o empreendedorismo feminino, incluindo o empreendedorismo social. O CESE recomenda a integração da perspetiva de género no Plano de Ação para a Economia Social (18), prevendo ações especificamente orientadas para as mulheres.

4.2.   Promover a mudança no setor financeiro e de investimento

4.2.1.

A UE deve desempenhar um papel de liderança na criação de um clima propício a um ecossistema sensível à dimensão do género. Quatro países da UE foram responsáveis pela maior parte do financiamento da série C para empresas lideradas por mulheres entre 2006 e 2018 na Europa, a saber: Suécia, Alemanha, Espanha e França. O sucesso nos principais países deveu-se nomeadamente à existência de um ecossistema robusto e de atividades específicas em prol da inclusão de género (19). O CESE recomenda o desenvolvimento de uma rede europeia de investidores sensíveis às questões de género que possam partilhar boas práticas e promover as oportunidades já existentes no que respeita ao financiamento do empreendedorismo feminino. O documento Investing in Women Code [Código do Investimento nas Mulheres] do British Business Bank, um compromisso das empresas de serviços financeiros no sentido de melhorar o acesso das empresárias a instrumentos, recursos e financiamento, pode ser uma fonte de inspiração para a colaboração com o setor privado (20).

4.2.2.

Cerca de um em cada dez decisores em empresas de capital de risco e de participações privadas são mulheres. Importa atrair talentos femininos e melhorar o desenvolvimento da carreira das mulheres no setor financeiro e de investimento, a fim de transformar a cultura masculina existente, que torna pouco atrativo para as mulheres iniciar ou manter uma atividade neste setor, numa cultura inclusiva. Numa cultura desse tipo, o retorno do investimento deve medir-se não só através de relatórios económicos, mas também da sustentabilidade e do retorno social do investimento. Por conseguinte, o CESE entende que a diversidade das equipas de gestão e equipas fundadoras deve passar a ser um dos principais critérios de elegibilidade para financiamento público, incluindo fundos de pensões públicos, promovendo assim o recrutamento e a retenção de talentos femininos no setor financeiro e de investimento. O CESE propõe também o intercâmbio de boas práticas entre os Estados-Membros sobre métodos de promoção da diversidade das equipas, assim como de equipas lideradas por mulheres, no setor financeiro. Cumpre criar um selo de excelência para os investidores ou uma norma de certificação para o setor do investimento. A certificação de acordo com uma norma poderia ser um dos critérios para a apreciação de candidaturas a financiamento público (21). Em comparação com um compromisso isolado, a certificação de acordo com uma norma apresenta a vantagem de poder ser auditada e revista anualmente, a fim de evitar o pinkwashing.

4.2.3.

O CESE recomenda que as instituições do setor financeiro privado tenham acesso a assistência técnica e formação sobre investimento sensível ao género, disponibilizadas pela União Europeia ou pelos Estados-Membros.

4.2.4.

De um modo geral, pressupõe-se que as mulheres tendem a ser mais avessas ao risco do que os homens, mais cautelosas e menos agressivas no seu comportamento competitivo. O CESE propõe que se reflita este comportamento de menor risco nos instrumentos financeiros e se criem produtos específicos para determinados projetos de baixo risco que exijam menos garantias e taxas de juro mais baixas para a concessão de um empréstimo ou cubram uma percentagem mais elevada do capital inicial na concessão de uma subvenção.

Persistem enviesamentos no setor financeiro, muitas vezes inconscientes, por exemplo quando se dá preferência a propostas apresentadas por homens ou quando os conteúdos escritos por mulheres se centram no impacto social, ao passo que os conteúdos escritos por homens se concentram mais nas finanças e nos números. As campanhas de sensibilização e a formação relativa a preconceitos inconscientes para investidores e júris podem ser extremamente importantes para alertar para esses preconceitos. É igualmente fundamental sensibilizar o setor para a importância de modelos empresariais sólidos e resilientes, com um crescimento lento mas consistente, em vez de colocar a tónica no crescimento e na valorização rápidos de receitas de curto prazo.

4.3.   Orçamentação e investimento sensíveis ao género através de financiamento público

4.3.1.

Os orçamentos refletem as prioridades políticas e constituem o instrumento de política económica mais importante para a transformação das sociedades. As políticas públicas são importantes para abrir caminho e criar um ambiente propício aos investidores e, dessa forma, criar empregos dignos. Há muito que se sabe que a orçamentação sensível ao género e o financiamento destinado a capacitar as mulheres, bem como a afetação orçamental e a regulamentação da contratação pública sensível ao género enquanto meio de aplicação da orçamentação sensível ao género, são instrumentos necessários para alcançar a igualdade de género.

4.3.2.

A orçamentação sensível ao género é um processo que examina os orçamentos públicos para determinar se contribuem para uma maior igualdade entre mulheres e homens e os reformula em conformidade para garantir que tal acontece. A orçamentação sensível ao género requer uma abordagem dupla ou dual: integração da igualdade de género em todos os orçamentos e programas e financiamento específico destinado a combater as causas profundas da desigualdade de género. A dimensão de género deve ser integrada em todas as fases do ciclo orçamental, desde a apresentação das propostas orçamentais (ex ante) até à execução propriamente dita (ex nunc) e, por fim, à avaliação e controlo dos fundos efetivamente despendidos (ex post). Os dados, as avaliações de impacto e os indicadores comuns são essenciais para a integração da perspetiva de género ao longo do ciclo orçamental: elaboração, execução, acompanhamento e avaliação. Embora possa ser difícil para os Estados-Membros recolher dados repartidos por sexo, esta é a única forma de fazer progressos e estabelecer políticas adequadas de integração da perspetiva de género.

4.3.3.

O CESE recomenda que, a médio prazo, todas as autoridades europeias e os Estados-Membros utilizem instrumentos de orçamentação sensível ao género a todos os níveis do processo orçamental. A participação da sociedade civil e o diálogo social são igualmente essenciais para identificar as áreas às quais é necessário dar resposta através do orçamento. Uma análise das questões de género é uma condição prévia para a orçamentação sensível ao género e a integração da perspetiva de género nas políticas (financeiras), especialmente o quadro financeiro plurianual, o pacote NextGenerationEU e os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento. Cumpre prestar especial atenção à política de coesão, que é um dos instrumentos essenciais para corrigir os desequilíbrios entre países e regiões. O CESE recomenda a recolha de dados específicos sobre a igualdade de género no âmbito da política de coesão, com base em indicadores desenvolvidos expressamente para o efeito.

4.3.4.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão ter iniciado um programa de formação interna sobre a orçamentação sensível ao género, apesar de este ainda ser de pequena escala. O CESE considera que todas as pessoas que trabalham nos orçamentos da Comissão Europeia e nas instituições financeiras europeias devem receber formação adequada sobre o investimento sensível ao género, a integração da perspetiva de género e a orçamentação sensível ao género. Esta formação a nível nacional é também fundamental para a concretização dos objetivos em matéria de igualdade de género.

4.3.5.

O CESE considera importante criar fundos e instrumentos financeiros específicos para apoiar o empreendedorismo feminino, incluindo fundos de capital de risco e fundos de participações privadas liderados (e coliderados) por mulheres, e também estudar soluções de financiamento inovadoras que possam colmatar as falhas do mercado (por exemplo, subvenções específicas para mulheres, financiamento de sócios comanditários para fundos geridos e cogeridos por mulheres, garantias de empréstimo ou microfinanciamento, plataformas de coinvestimento, ou obrigações ou microcréditos em função do género).

4.3.6.

Além disso, o CESE considera que cumpre atualizar os critérios dos fundos de investimento a fim de reduzir a disparidade entre homens e mulheres. Por exemplo, se fundos europeus como o Programa InvestEU e o Fundo Europeu de Investimento utilizarem a «experiência», mas não a «diversidade», como um critério importante no financiamento inicial, não existe igualdade de acesso das mulheres ao mercado de capitais. O CESE recomenda que uma das condições de avaliação das candidaturas dos fundos de fundos, fundos de capital de risco e participações privadas ao financiamento público seja a existência de um plano para a igualdade de género, que inclua a estratégia do fundo em matéria de investimento sensível ao género e o seu compromisso em alcançar a igualdade de género.

4.3.7.

Os princípios da orçamentação e do investimento sensíveis ao género também devem ser aplicados fora das fronteiras europeias, nos mecanismos de financiamento externo, incluindo as políticas de cooperação para o desenvolvimento.

4.3.8.

A Comissão Europeia deve realizar uma avaliação do impacto do orçamento anual da UE em função do género e apresentá-la como anexo. Esse anexo ao orçamento servirá como um documento de acompanhamento da integração da perspetiva de género com vista a reformular os orçamentos no futuro, e a Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade dos Géneros (FEMM) do Parlamento Europeu poderá adotar um parecer a esse respeito. O CESE recomenda também a publicação das informações e os resultados da investigação em consulta com peritos em orçamentação sensível ao género e organizações não governamentais para a igualdade de género muito antes da decisão parlamentar sobre o orçamento anual, a fim de promover amplos debates sobre as políticas orçamentais e macroeconómicas.

4.3.9.

O CESE considera que a composição de todos os júris das instituições financeiras europeias deve respeitar quanto antes o equilíbrio entre homens e mulheres, a fim de evitar a homofilia, ou seja, o enviesamento da «atração dos semelhantes», disponibilizando-se aos membros desses júris formação sobre o preconceito inconsciente. O Conselho Europeu da Inovação, por exemplo, estabeleceu a meta de melhorar o número de empresas em fase de arranque lideradas por mulheres no âmbito do seu programa Accelerator, aumentando o número de membros do sexo feminino nos júris para 50 % e convidando mais mulheres a apresentarem as suas empresas. O Conselho Europeu da Inovação aumentou a percentagem de empresas em fase de arranque dirigidas por mulheres de 8 % para 29 %.

4.3.10.

O CESE propõe também a nomeação de um diretor ou de um alto representante das empresas dirigidas por mulheres na Comissão Europeia e nos ministérios responsáveis pelas empresas nos Estados-Membros, com um papel interdepartamental de sensibilização e promoção dos benefícios económicos que resultam de se incentivar mais mulheres a criarem e dirigirem empresas, incluindo empresas sociais.

4.3.11.

A UE e os Estados-Membros devem apoiar o papel das agências de desenvolvimento nacionais, regionais ou locais no mercado de investimento e a sua função social. Por exemplo, nos Países Baixos, estas agências de desenvolvimento regional investem em empresas em fase de arranque e valorizam muito a responsabilidade social.

4.3.12.

As organizações da sociedade civil e sem fins lucrativos que se dedicam à promoção da igualdade de género são geralmente subfinanciadas na Europa. O CESE solicita um maior acesso das organizações de mulheres aos fundos da UE, mediante a simplificação de procedimentos e a concessão de subvenções para a sua atividade principal. Os procedimentos de concessão dos fundos estruturais devem estar mais alinhados com os fundos diretos, de modo a evitar a burocracia.

4.3.13.

Por último, o CESE solicita uma visão ambiciosa da Comissão Europeia e das instituições europeias no que concerne à orçamentação e ao investimento sensíveis ao género, incluindo metas concretas para as mulheres que recebem financiamento, indicadores-chave de desempenho concretos, legislação, critérios atualizados e programas (reforçados) para melhorar o empreendedorismo feminino e o acesso ao financiamento. O CESE recomenda a criação de um grupo de trabalho sobre a orçamentação sensível ao género na Comissão Europeia, que integre a perspetiva de género no quadro financeiro plurianual atual e noutros instrumentos financeiros. Tendo em vista a preparação para uma integração mais robusta da perspetiva de género no futuro, o CESE propõe que, o mais rapidamente possível, seja criada junto das instituições da UE um grupo de trabalho para participar nas negociações e articular e incluir os objetivos da integração da perspetiva de género no próximo quadro financeiro plurianual.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  O termo pinkwashing refere-se ao processo pelo qual se faz crer aos outros ser muito ativo na promoção da igualdade de género, apesar de se revelar insuficiências nessa matéria (comparável ao termo greenwashing, ou «branqueamento ecológico», no domínio da sustentabilidade).

(2)  D’Alfonso, A. (2021). Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 (europa.eu) (nota informativa dos Serviços de Estudos do Parlamento Europeu; PE 637.979). Serviços de Estudos do Parlamento Europeu. De acordo com esta nota (p. 8), a Comissão Europeia propôs uma revisão intercalar obrigatória do funcionamento do quadro financeiro plurianual, a realizar até dezembro de 2023.

(3)  https://www.eib.org/attachments/thematic/why_are_women_entrepreneurs_missing_out_on_funding_en.pdf

(4)  Eurostat e Comissão Europeia. Atomico (2020), «State of European Tech 2020» [O estado da tecnologia europeia 2020].

(5)  «Why are women entrepreneurs missing out on funding? Reflections and considerations — Executive summary» [Porque é que as empresárias não têm as mesmas oportunidades de aceder a financiamento? Reflexões e considerações — Síntese] (eib.org).

(6)  «Funding women entrepreneurs: How to empower growth» [Financiamento das empresárias: como reforçar o crescimento], 2020.

(7)  https://europeanwomeninvc.idcinteractive.net/8/

(8)  COSME Programme — Call for Proposals — Encouraging community building around the issue of women entrepreneurship — Management and running of the WEgate e-platform [Programa COSME — Convite à apresentação de propostas — Incentivo ao desenvolvimento da comunidade no âmbito do empreendedorismo feminino — Gestão e funcionamento da plataforma WEgate].

(9)  Women-Led Startups Received Just 2,3 % of VC Funding in 2020 [Empresas em fase de arranque lideradas por mulheres receberam apenas 2,3% do financiamento de capital de risco em 2020] (hbr.org).

(10)  UN Women (2021), «Investment with a gender lens in Europe» [Investimento sensível ao género na Europa].

(11)  https://www.kauffmanfellows.org/journal_posts/women-vcs-invest-in-up-to-2x-more-female-founders

(12)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Investimentos baseados no género nos planos nacionais de recuperação e resiliência (JO C 100, 16.3.2023, p. 8).

(13)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Igualdade de género (parecer exploratório a pedido da Presidência checa) (JO C 443 de 22.11.2022, p. 63).

(14)  Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores e que revoga a Diretiva 2010/18/UE do Conselho (JO L 188 de 12.7.2019, p. 79).

(15)  Recomendação do Conselho relativa ao acesso à proteção social dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria, adotada em 8 de novembro de 2019.

(16)  The Value of Investing in Female Founders (Forbes, 2019) [O valor do investimento nas mulheres fundadoras] (Forbes, 2019).

(17)  De acordo com a S&P Global, que entrevistou investidores em 11 países.

(18)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Construção de uma economia ao serviço das pessoas: plano de ação para a economia social [COM(2021) 778 final].

(19)  «Funding Women Entrepreneurs Through MFF 2021-2027» [Financiamento das empresárias através do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027], audição do Parlamento Europeu sobre o tema «As mulheres e o investimento», 19 de abril de 2021.

(20)  https://www.british-business-bank.co.uk/investing-in-women-code/

(21)  Um bom exemplo é a certificação de acordo com a norma «Diversity VC», utilizada atualmente em toda a UE e nos EUA: www.diversity.vc


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/24


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Sensibilizar para os direitos fundamentais e o Estado de direito

(parecer de iniciativa)

(2023/C 100/04)

Relator:

Cristian PÎRVULESCU

Correlator:

José Antonio MORENO DÍAZ

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

23.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

199/3/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A União Europeia assenta em valores comuns, conforme estipulado no artigo 2.o do Tratado da União Europeia (TUE), nomeadamente os valores da dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado de direito, direitos humanos, pluralismo, não discriminação, tolerância, justiça, solidariedade e igualdade entre homens e mulheres. O Estado de direito e os direitos humanos fazem parte da identidade europeia.

1.2.

Além disso, a Carta dos Direitos Fundamentais, um documento essencial e vinculativo, afirma que a União se baseia nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade e que assenta nos princípios da democracia e do Estado de direito (1). O reforço da aplicação da Carta é simultaneamente uma obrigação e uma forma significativa de proteger as pessoas e de as sensibilizar para a importância do Estado de direito e da proteção dos direitos fundamentais. Embora apoie todos os esforços envidados nestas esferas, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) salienta a necessidade de todas as instituições da UE comunicarem de forma ativa e direta com o público em geral. O Estado de direito e os direitos fundamentais são essenciais e têm de passar a fazer parte da cultura cívica e democrática comum do nosso continente.

1.3.

A Comissão de Veneza do Conselho da Europa apresenta uma descrição clara dos princípios essenciais abrangidos pelo Estado de direito: legalidade, segurança jurídica, prevenção de abusos de poder, igualdade perante a lei e não discriminação, bem como acesso à justiça (2). Trata-se de critérios claros que servem para avaliar a conformidade de qualquer medida estatal com os princípios do Estado de direito e que foram aprovados pelo Tribunal de Justiça (3).

1.4.

O CESE exorta todas as instituições da UE a aplicarem uma política de tolerância zero para violações do Estado de direito nos Estados-Membros. A UE tem o dever jurídico de defender o Estado de direito e a proteção dos direitos fundamentais, independentemente das intenções de diversos intervenientes políticos que possam ser contrárias a esse objetivo.

1.5.

O CESE salienta o acórdão do Tribunal que refere que o orçamento é um dos instrumentos que conferem efeito prático à obrigação de todos os Estados-Membros observarem os valores fundamentais da UE, incluindo o Estado de direito e o respeito pelos direitos humanos (4).

1.6.

O relatório anual sobre o Estado de direito, da Comissão Europeia, é um instrumento valioso que pode prevenir recuos na democracia, no Estado de direito e na proteção dos direitos fundamentais. No entanto, para que alcance os seus objetivos, tem de ser alvo de uma reforma. Deve ser ajustado de modo a incluir todos os valores do artigo 2.o do TUE, medidas jurídicas e/ou financeiras sempre que as recomendações específicas por país não sejam totalmente cumpridas e um quinto pilar dedicado ao acompanhamento da evolução nos Estados-Membros relativamente ao espaço cívico (5).

1.7.

O CESE já sublinhou que a sociedade civil desempenha um papel fundamental na preservação da democracia na Europa e que apenas uma sociedade civil forte e diversa pode defender a democracia e a liberdade e proteger a Europa contra o autoritarismo (6). Além disso, não existe Estado de direito sem democracia e direitos fundamentais, e vice-versa. Estes três conceitos estão intrinsecamente ligados (7). Assim, o CESE exorta todas as partes em causa a pararem de falar da chamada democracia iliberal, mesmo que seja para criticar o conceito. Não há democracia sem princípios liberais.

1.8.

Importa associar um maior número de partes interessadas aos esforços que visam tornar o Estado de direito uma realidade mais palpável: os parceiros sociais, organizações profissionais, como as ordens de advogados, e organizações de cidadãos que trabalhem com pessoas vulneráveis e comunidades em risco acrescido de sofrerem danos, de se encontrarem em situações de desvantagem e de serem alvo de discriminação.

1.9.

Há quem considere que o Estado de direito e os direitos humanos são conceitos excessivamente abstratos, distantes, incompreensíveis e legalistas. A sensibilização eficaz para o Estado de direito requer atenção aos valores comuns e a conceitos de equidade e justiça nos quais as pessoas se revejam. Além das estatísticas, pode também ser útil contar uma história humana mostrando o rosto humano e a pessoa por detrás das informações.

1.10.

O CESE insta os Estados-Membros a integrarem o Estado de direito e os direitos fundamentais nos programas curriculares das escolas e do ensino superior. A educação cívica deve ser obrigatória, começar o mais cedo possível e ser ensinada durante um número significativo de anos. Além disso, têm de ser disponibilizados recursos da UE e nacionais para a formação adequada de professores desta disciplina.

1.11.

O quadro dos direitos humanos assenta no princípio da responsabilização e, por isso, requer medidas para identificar quem é responsável por que resultado e que mudanças políticas são desejáveis. É igualmente importante identificar questões de interesse comum para o público em geral, nomeadamente relativas ao acesso à energia, aos transportes, à igualdade regional, ao trabalho, à habitação, aos cuidados de saúde e a vários outros serviços públicos, a nível local, regional e nacional.

1.12.

Os direitos humanos e o Estado de direito são reforçados por um Estado-Providência forte, independentemente das várias formas que este possa assumir nos diversos locais da Europa. Esta interligação é reconhecida pelo Pilar Europeu dos Direitos Sociais, um instrumento político fundamental para a construção de uma União mais inclusiva.

1.13.

Os movimentos de cidadãos e as pessoas que vivem em situação de pobreza devem estar no centro de um argumento democrático em prol dos direitos humanos. Não existe melhor forma de defender os direitos humanos, sobretudo os direitos sociais, do que fazendo ouvir no espaço público e nos debates de orientação as vozes das pessoas mais afetadas pela desigualdade, pela pobreza e pela exclusão social.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O CESE recorda a posição expressa no seu Parecer SOC/598 (2018): «O Estado de direito é interdependente e indissociável das garantias que protegem a democracia pluralista e o respeito dos direitos fundamentais. O Estado de direito garante que os governos respeitam as normas em matéria de direitos fundamentais e a democracia pluralista garante que os governos perseguem políticas que promovem o bem-estar da população. A defesa do Estado de direito não garante, por si só, que as leis respeitam os direitos fundamentais, nem que são elaboradas de acordo com um processo inclusivo e legítimo, assente num debate e numa participação do público esclarecidos, pluralistas e equilibrados. Para evitar a mera “aplicação da lei”, há que defender os direitos fundamentais e as normas da democracia pluralista juntamente com o Estado de direito» (8).

2.2.

Conforme observado nos relatórios de 2021 e de 2022 da Comissão sobre o Estado de direito, manter a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e no Estado de direito requer, nomeadamente: a existência de um sistema judicial independente, com um controlo jurisdicional eficaz para garantir a conformidade com o direito da UE; um forte empenho público na luta contra a corrupção e na garantia da responsabilização democrática; o pluralismo e a liberdade dos meios de comunicação social, incluindo a transparência da propriedade dos meios de comunicação social; mecanismos constitucionais e institucionais transparentes para garantir o equilíbrio de poderes, com a participação ativa da sociedade civil; e o reforço da cooperação internacional tendo em vista o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos, a democracia e o Estado de direito (9). No relatório de 2022, a Comissão destaca também as ameaças significativas aos valores da UE e à ordem assente em regras, suscitadas pela agressão da Rússia à Ucrânia, uma agressão que viola grosseiramente o direito internacional e os princípios da Carta das Nações Unidas e que põe em causa a democracia e o Estado de direito, além da segurança e da estabilidade na Europa e no mundo (10).

2.3.

Não é possível invocar nenhuma norma democrática e representativa para legitimar violações do Estado de direito e dos direitos fundamentais. As instituições da UE, e a Comissão Europeia em particular, devem utilizar todos os instrumentos ao seu dispor para restaurar a integridade dos princípios da UE.

2.4.

Ao acompanharem a situação no terreno, as organizações da sociedade civil e os defensores dos direitos humanos têm um papel essencial a desempenhar, sobretudo quando o Estado de direito se deteriora e os direitos humanos estão ameaçados (11). Os governos autoritários ameaçam as organizações da sociedade civil, não só reduzindo e mudando os espaços disponíveis para exercerem as suas atividades, mas também através de ameaças e perseguições pessoais, de restrições financeiras ou de proteção inadequada contra ataques físicos ou verbais (12).

2.5.

Tal como já referido anteriormente, a capacidade geral das organizações da sociedade civil e dos defensores dos direitos humanos de trabalharem no âmbito da Carta dos Direitos Fundamentais deve ser reforçada significativamente através de um pacote que inclua a formação e a transferência de conhecimentos, o apoio organizacional e financeiro e a proteção contra ataques e campanhas negativas (13). Para o efeito, o CESE incentiva a Comissão a propor uma estratégia abrangente para a sociedade civil europeia que oriente a colaboração, os esforços de reforço das capacidades e a sensibilização eficaz para o Estado de direito e os direitos fundamentais.

2.6.

O CESE considera que o trabalho das organizações da sociedade civil e dos defensores dos direitos humanos é essencial para ajudar os grupos vulneráveis a enfrentar graves desafios à sua segurança, bem-estar e dignidade. Qualquer pessoa pode encontrar-se um dia numa situação de vulnerabilidade. Frequentemente, as causas da vulnerabilidade sobrepõem-se e resultam em marginalização e discriminação estruturais.

2.7.

A proteção do Estado de direito e dos direitos fundamentais deve ser assegurada no contexto da democracia, sobretudo a promoção de eleições livres e justas e de uma forte participação democrática (14). Quem está em posição de contestar o Estado de direito também age contra a oposição política e os meios de comunicação de massas independentes. O Plano de Ação para a Democracia Europeia é um passo necessário nesse sentido.

2.8.

Os parceiros sociais têm um papel significativo a desempenhar na sensibilização para o Estado de direito e os direitos fundamentais. Todos os locais de trabalho de um país são afetados pela deterioração do clima político e jurídico. As empresas em geral, as PME e as empresas sociais não podem funcionar de forma eficaz se não existirem sistemas de proteção do Estado de direito e dos direitos fundamentais. Os parceiros sociais devem comprometer-se a atuar no sentido de melhorar a sua integridade e eficácia. Os trabalhadores devem ser livres de formar sindicatos e de se filiarem no sindicato da sua escolha e estes devem poder exercer livremente a sua atividade (15). Os trabalhadores e as entidades patronais têm o direito de negociar e de celebrar convenções coletivas, bem como de recorrer, em caso de conflito de interesses, a ações coletivas para a defesa dos seus interesses, incluindo a greve (16).

2.9.

A Agência dos Direitos Fundamentais (FRA) possui uma capacidade significativa de recolha de informações pertinentes, tendo já desenvolvido uma vasta base de conhecimento que pode ser utilizada por todas as entidades interessadas. A sua experiência sólida deve constituir a base para reforçar a sua dimensão de comunicação. Importa conceder mais recursos a esta agência para as suas atividades de comunicação com o público em todos os Estados-Membros da UE. É necessária uma maior cooperação com instituições especializadas, como o Conselho da Europa e o Gabinete para as Instituições Democráticas e os Direitos Humanos (ODIHR) da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE).

2.10.

A UE é também um interveniente mundial, cuja responsabilidade de respeitar o Estado de direito e os direitos fundamentais assume um lugar central para o seu papel e a sua identidade no panorama internacional. Todos os programas, instrumentos, políticas e ações de cariz externo devem refletir a sua centralidade para a UE e a sua importância para um mundo democrático e pacífico.

3.   Observações na especialidade

3.1.   Narrativa positiva e contextualização

3.1.1.

A educação cívica sobre os princípios da democracia, os direitos fundamentais e o Estado de direito deve ser reforçada a todos os níveis. A Comissão deve, além disso, continuar a promover a sensibilização do público através de uma estratégia de comunicação ambiciosa (17).

3.1.2.

O mito fundador da UE já não é suficiente, por si só, para atrair os cidadãos da Europa. A UE deve propor narrativas sobre um futuro desejável e relançar os princípios fundamentais que desempenharam um papel importante no projeto europeu (18), incluindo o Estado de direito e os direitos humanos. Tal é especialmente importante no contexto da agressão militar russa à Ucrânia.

3.1.3.

O quadro dos direitos humanos assenta no princípio da responsabilização e, por isso, requer medidas para identificar quem é responsável por que resultado e por que mudança política desejável. É igualmente importante identificar questões de interesse comum para o público em geral, nomeadamente relativas ao acesso aos transportes, à energia, ao trabalho, à habitação, aos cuidados de saúde e a vários outros serviços públicos, a nível local, regional e nacional. Importa, além de tecer críticas às situações que não cumprem as normas de direitos humanos, descrever o futuro que o Estado de direito e os direitos humanos podem ajudar a construir instigando associações positivas na imaginação do público (19).

3.1.4.

Não existe Estado de direito sem democracia e direitos fundamentais, e vice-versa. Estes três conceitos estão intrinsecamente ligados (20). Assim, o CESE exorta todas as partes em causa a pararem de falar da chamada democracia iliberal, mesmo quando o fazem para criticar o conceito. Não há democracia sem princípios liberais. A democracia iliberal não é uma alternativa, nem uma forma diluída de democracia. A democracia iliberal não é democracia.

3.2.   Políticas necessárias e domínios de intervenção pertinentes

3.2.1.

Tal como o CESE já observou anteriormente, existe uma correlação entre a ausência, real ou percecionada pelas pessoas, de benefícios obtidos com a prosperidade económica, por um lado, e as suas atitudes negativas face às instituições públicas e aos princípios fundamentais, por outro (21).

3.2.2.

O argumento a favor dos direitos humanos e do Estado de direito requer medidas para identificar políticas capazes de melhorar a vida quotidiana das pessoas.

3.2.3.

Os direitos humanos e o Estado de direito são reforçados por um Estado-Providência forte, independentemente das várias formas que este possa assumir nos diversos locais da Europa. Esta interligação é reconhecida pelo Pilar Europeu dos Direitos Sociais, um instrumento político fundamental para a construção de uma União mais inclusiva (22). Os trabalhadores têm direito a um salário justo que lhes garanta um nível de vida decente (6.o princípio do Pilar), e qualquer pessoa que não disponha de recursos suficientes tem direito a prestações de rendimento mínimo adequadas que lhe garantam um nível de vida digno em todas as fases da vida, bem como ao acesso eficaz a bens e serviços de apoio (14.o princípio) (23).

3.2.4.

A pandemia de COVID-19 veio lembrar-nos da importância de um sistema de saúde público universal, acessível e justo. O CESE reitera a posição expressa no Parecer SOC/691 (2022): «A UE e os seus Estados-Membros devem empenhar-se numa profunda reflexão societal sobre as origens da crise e as razões por que a maioria dos sistemas de saúde europeus estiveram à beira da rutura devido à pandemia. Anos de políticas de austeridade levaram a uma tendência geral de desinvestimento no setor da saúde e em outros serviços sociais fundamentais (assistência a pessoas dependentes e vulneráveis, lares, etc.), criando uma bomba-relógio que explodiu perante este enorme desafio sanitário» (24).

3.2.5.

A pandemia não é a única crise a afetar os direitos fundamentais. A guerra na Ucrânia está a pôr em perigo milhões de pessoas na Ucrânia e no resto do mundo. As alterações climáticas e os desafios e catástrofes que lhes estão associados, como os incêndios florestais, afetam diretamente as pessoas em todo o continente. Muitos europeus veem-se em dificuldades devido ao aumento dos preços da energia. Os instrumentos de ação da Europa devem ser atualizados e ajustados em conformidade.

3.2.6.

As políticas, em especial as políticas de reforma económica, devem basear-se em avaliações sistemáticas ex ante e ex post do seu impacto nos direitos humanos (25), de forma a facilitar a realização de debates inclusivos e informados a nível europeu e nacional sobre a arbitragem e a adequação das opções políticas (26).

3.2.7.

Importa conferir maior destaque ao título III (Igualdade) e ao título IV (Solidariedade) da Carta dos Direitos Fundamentais como elementos centrais das credenciais da UE democráticas e baseadas em valores (27). Todos os direitos humanos reconhecidos na Carta são indivisíveis, interdependentes e igualmente importantes. Tal como salientado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos num processo emblemático, não existe uma divisão estanque entre os direitos socioeconómicos e os direitos civis e políticos (28).

3.2.8.

Seria desejável uma maior cooperação entre as instituições da UE e os Estados-Membros para garantir que todos os cidadãos e residentes beneficiam de todos os direitos reconhecidos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, na Carta Social Europeia (nas suas múltiplas formas) e nas convenções pertinentes das Nações Unidas em matéria de direitos humanos. O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a terem devidamente em conta o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e a Carta Social Europeia ao conceber, interpretar e aplicar legislação da UE.

3.2.9.

O CESE insta todos os Estados-Membros a assinarem e ratificarem a Carta Social Europeia de 1996 (revista) e a aceitar o procedimento de reclamação coletiva do Comité Europeu dos Direitos Sociais.

3.2.10.

O CESE apoia a iniciativa da Comissão de prever medidas de correção económica aplicáveis aos Estados-Membros que cometam violações graves e persistentes dos valores referidos no artigo 2.o do TUE (29). «[A] Comissão deve afetar os recursos humanos e financeiros adequados e investigar indícios de alegadas infrações. Neste contexto, a Comissão deve aplicar critérios estritamente objetivos e investigar as violações em todos os Estados-Membros por igual» (30).

3.3.   Um argumento democrático em prol dos direitos humanos e a importância da experiência na primeira pessoa

3.3.1.

Segundo um inquérito abrangente realizado pela Agência dos Direitos Fundamentais, quase nove em cada dez pessoas na UE consideram que os direitos humanos são importantes para criar uma sociedade mais justa (31). Os europeus consideram que os direitos humanos podem desempenhar um papel significativo nas suas vidas.

3.3.2.

A concretização dos direitos humanos em toda a Europa exige ação para salientar a forma como os direitos humanos — por exemplo, os direitos sociais, como o trabalho, a segurança social, a habitação, a educação e os cuidados de saúde — podem fazer a diferença para todas as pessoas na sua vida quotidiana, nos locais mais importantes para si e nas suas comunidades locais (32).

3.3.3.

Os movimentos de cidadãos e as pessoas que vivem em situação de pobreza devem estar no centro de um argumento democrático em prol dos direitos humanos. Não existe melhor forma de defender os direitos humanos, sobretudo os direitos sociais, do que fazendo ouvir no espaço público e nos debates de orientação as vozes das pessoas mais afetadas pela desigualdade, pela pobreza e pela exclusão social. Além das estatísticas, pode também ser útil contar uma história humana e mostrar o rosto humano e a pessoa por detrás das informações. Para levar os direitos sociais a sério, não são só necessárias políticas diferentes, mas também processos mais inclusivos (33).

3.3.4.

A sociedade europeia não pode ser forçada a fazer uma escolha binária e fraudulenta entre direitos, por um lado, e democracia por outro. A defesa dos direitos humanos passa pela sua popularização, através da construção e da preservação de um movimento de defesa dos direitos a nível local, nacional e mundial.

3.3.5.

Os grupos da sociedade civil devem liderar este processo e as administrações públicas da UE e dos Estados-Membros devem facilitar o argumento democrático em prol dos direitos humanos agindo com transparência e respeitando o papel que a sociedade civil tem na sua responsabilização. As instituições nacionais de defesa dos direitos humanos devem ser reforçadas e devem sensibilizar os cidadãos para as vias de recurso à sua disposição.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO C 326 de 26.10.2012, p. 391), preâmbulo.

(2)  Comissão de Veneza do Conselho da Europa, Lista de verificação do Estado de direito, adotada na sua 106.a reunião plenária, 2016.

(3)  Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 16 de fevereiro de 2022, Polónia contra Parlamento e Conselho, processo C-157/21, EU:C:2022:98, n.o 325.

(4)  Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, Polónia contra Parlamento e Conselho, processo C-157/21, n.os 130-131; acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 16 de fevereiro de 2022, Hungria contra Parlamento e Conselho, processo C-156/21, EU:C:2022:97, n.os 116-117.

(5)  Laurent Pech e Petra Bard, «Rule of Law Report and the EU Monitoring and Enforcement of Article 2 TEU Values» [Relatório sobre o Estado de direito e o acompanhamento e aplicação dos valores do artigo 2.o do TUE], relatório para a Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos e para a Comissão dos Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, fevereiro de 2022, pp. 12-13.

(6)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Uma democracia resiliente graças a uma sociedade civil forte e diversificada» (parecer de iniciativa) (JO C 228 de 5.7.2019, p. 24).

(7)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Mecanismo europeu de controlo do Estado de direito e dos direitos fundamentais» (parecer de iniciativa) (JO C 34 de 2.2.2017, p. 8).

(8)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados-Membros» [COM(2018) 324 final — 2018/0136 (COD)] (JO C 62 de 15.2.2019, p. 173).

(9)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório de 2021 sobre o Estado de direito — Situação na União Europeia [COM(2021) 700 final].

(10)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório de 2022 sobre o Estado de direito — Situação na União Europeia [COM(2022) 500 final].

(11)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho — Prosseguir o reforço do Estado de direito na União — Ponto da situação e eventuais medidas futuras» [COM(2019) 163 final] (JO C 282 de 20.8.2019, p. 39).

(12)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Populismo e direitos fundamentais — zonas suburbanas e rurais (parecer de iniciativa) (JO C 97 de 24.3.2020, p. 53), ponto 1.6.

(13)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a nova estratégia para reforçar a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais na UE [COM(2020) 711 final] (JO C 341 de 24.8.2021, p. 50).

(14)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre o plano de ação para a democracia europeia [COM(2020) 790 final] (JO C 341 de 24.8.2021, p. 56).

(15)  Artigo 8.o, n.o 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

(16)  Artigo 28.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

(17)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre o plano de ação para a democracia europeia [COM(2020) 790 final] (JO C 341 de 24.8.2021, p. 56).

(18)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Populismo e direitos fundamentais — zonas suburbanas e rurais (parecer de iniciativa) (JO C 97 de 24.3.2020, p. 53).

(19)  FRA, «10 dicas essenciais para comunicar sobre direitos humanos de forma eficaz», 2018; Rede Europeia das Instituições Nacionais de Direitos Humanos, «Dicas para transmitir mensagens eficazes sobre os direitos económicos e sociais» (em inglês), 2019.

(20)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Mecanismo europeu de controlo do Estado de direito e dos direitos fundamentais» (parecer de iniciativa) (JO C 34 de 2.2.2017, p. 8).

(21)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Populismo e direitos fundamentais — zonas suburbanas e rurais (parecer de iniciativa) (JO C 97 de 24.3.2020, p. 53).

(22)  Comissão Europeia, O Pilar Europeu dos Direitos Sociais em 20 princípios.

(23)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Para uma diretiva-quadro europeia sobre um rendimento mínimo» (parecer de iniciativa) (C 190 de 5.6.2019, p. 1).

(24)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o impacto da COVID-19 nos direitos fundamentais e no Estado de direito em toda a UE e o futuro da democracia (parecer de iniciativa) (JO C 275 de 18.7.2022, p. 11).

(25)  Perito independente das Nações Unidas sobre os efeitos da dívida externa e de outras obrigações financeiras internacionais conexas dos Estados no pleno usufruto de todos os direitos humanos, sobretudo direitos económicos, sociais e culturais, «Princípios orientadores para as avaliações do impacto nos direitos humanos tendo em vista as políticas de reforma económica» (em inglês), UN doc. A/HRC/40/57, 19 de dezembro de 2018.

(26)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Populismo e direitos fundamentais — zonas suburbanas e rurais (parecer de iniciativa) (JO C 97 de 24.3.2020, p. 53).

(27)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a nova estratégia para reforçar a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais na UE [COM(2020) 711 final] (JO C 341 de 24.8.2021, p. 50).

(28)  Airey contra Irlanda, Acórdão, Mérito, Pedido n.o 6289/73 (1979), Acórdão do TEDH de 9 de outubro de 1979, n.o 26.

(29)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o impacto da COVID-19 nos direitos fundamentais e no Estado de direito em toda a UE e o futuro da democracia (parecer de iniciativa) (JO C 275 de 18.7.2022, p. 11).

(30)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O Estado de direito e o Fundo de Recuperação» (parecer de iniciativa) (JO C 194 de 12.5.2022, p. 27).

(31)  FRA, «Many Europeans believe human rights can build a fairer society but challenges remain» [Muitos europeus consideram que os direitos humanos podem contribuir para uma sociedade mais justa, embora persistam desafios], comunicado de imprensa, 24 de junho de 2020.

(32)  Casla, Koldo e Barker, Lyle, Human Rights Local [Direitos humanos a nível local], Human Rights Centre blog, Universidade de Essex, 17 de janeiro de 2022.

(33)  Casla, Koldo, «Nothing about us, without us, is really for us» [Sem nós, nada do que nos diz respeito é realmente para nós], Global Policy, 14 de outubro de 2019.


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/31


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Uma estratégia industrial para o setor das tecnologias marítimas

(parecer de iniciativa)

(2023/C 100/05)

Relator:

Anastasis YIAPANIS

Correlator:

Christophe TYTGAT

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais

Adoção em secção

11.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

207/2/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O presente parecer de iniciativa do Comité Económico e Social Europeu (CESE) pretende chamar a atenção para a ausência de medidas políticas setoriais de apoio aos desafios e às necessidades do setor das tecnologias marítimas e propor ações concretas e imediatas para reforçar a resiliência marítima e a autonomia marítima estratégica da Europa e recuperar a sua competitividade à escala mundial.

1.2.

O CESE manifesta preocupação com o futuro do setor das tecnologias marítimas na Europa, que enfrenta uma concorrência desleal, especialmente da Ásia.

1.3.

O CESE solicita que, logo que possível, as tecnologias marítimas sejam consideradas um setor estratégico da UE e que as suas atividades sejam vistas como «infraestruturas críticas», preconizando a elaboração de uma estratégia industrial marítima e a afetação de recursos específicos suficientes aos serviços competentes da Comissão Europeia. Para ser sustentável, a estratégia marítima europeia deve ter em conta e reavaliar a propriedade dos portos europeus e de outras infraestruturas críticas conexas.

1.4.

O Comité apela para a adoção de medidas urgentes que estimulem a procura interna de navios ecológicos e de alta tecnologia, nomeadamente um programa da UE para a renovação da frota e a adaptação dos navios existentes, em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu, e para a realização de investimentos imediatos em infraestruturas e em combustíveis alternativos.

1.5.

O CESE solicita cláusulas específicas nos acordos bilaterais e de comércio livre que assegurem o livre acesso das empresas marítimas da UE ao mercado, proíbam barreiras comerciais, exijam reciprocidade e garantam o dever de diligência. Se as negociações a nível internacional não tiverem êxito, a UE deve ponderar ações unilaterais para ganhar vantagem sobre os seus concorrentes internacionais.

1.6.

A fim de assegurar um desenvolvimento económico e social sustentável, salvaguardar a defesa e a autonomia estratégica da UE no setor marítimo e garantir empregos e capacidades críticas, o CESE considera que cumpre conceder incentivos, tanto para a relocalização de instalações de produção na UE, com tecnologias fabricadas na UE, como para a manutenção de cadeias de abastecimento e a produção de subcomponentes na UE.

1.7.

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a executarem programas de requalificação, de melhoria de competências e de ensino e formação profissionais (EFP) em grande escala, mediante a avaliação dos programas e a certificação das competências e com a plena participação dos parceiros sociais e do meio académico, e solicita apoio financeiro para o Pacto para as Competências da UE (1) e para campanhas específicas destinadas a tornar o setor atrativo, nomeadamente para as mulheres e os jovens.

1.8.

O CESE defende a intensificação dos esforços para assegurar uma transição justa para todos os trabalhadores e pequenas e médias empresas (PME), criar e consolidar os conselhos de empresa europeus e cumprir as mais elevadas normas sociais internacionais, em plena conformidade com a legislação da UE e as regras da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O CESE considera que o Comité de Diálogo Social Setorial Europeu para o Setor da Construção Naval deve desempenhar um papel essencial nesta matéria e no reforço do setor das tecnologias marítimas.

1.9.

É muito difícil para as empresas de tecnologias marítimas, em especial as PME, ter acesso a empréstimos bancários e financiamento público. O CESE solicita regras de taxonomia da UE que favoreçam os investimentos sustentáveis no setor marítimo, promovam o seu caráter inclusivo e garantam a segurança jurídica dos investimentos tecnológicos.

1.10.

O CESE exige que os fundos gerados por sanções às infrações à iniciativa FuelEU Transportes Marítimos (2) e as receitas do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia (3) sejam utilizados para também ajudar a financiar o setor do transporte por via navegável (4) e a sua cadeia de abastecimento, mormente o setor das tecnologias marítimas. O CESE defende a criação de um fundo de garantia da UE que facilite o acesso ao financiamento para investimentos marítimos de elevado risco.

1.11.

O CESE considera que os instrumentos de financiamento da UE e o acesso ao mercado interno não devem ser utilizados ou concedidos a empresas estrangeiras que perpetuam o dumping social e perturbam as condições de concorrência equitativas a nível mundial. A remuneração do investimento resultante destes instrumentos deve beneficiar as empresas europeias.

1.12.

Para alcançar a descarbonização total do setor das tecnologias marítimas, é necessário realizar plenamente a transição para combustíveis e tecnologias alternativos. O CESE congratula-se com a adoção da parceria coprogramada relativa ao transporte por via navegável sem emissões.

1.13.

O Comité considera que a criação de um «grupo de peritos no domínio marítimo» e uma «aliança industrial europeia para o setor das tecnologias marítimas» poderia ajudar a melhorar e a recuperar a competitividade à escala mundial do setor europeu das tecnologias marítimas.

1.14.

Por último, o CESE está disponível para ajudar mais ativamente o setor das tecnologias marítimas a enfrentar os seus desafios e insta a Comissão Europeia e os Estados-Membros a executarem urgentemente uma estratégia industrial marítima. O CESE está preocupado com o facto de, sem um conjunto de instrumentos específicos, a UE vir a perder as suas capacidades marítimas, o seu saber-fazer e postos de trabalho, tornando-se totalmente dependente da Ásia no que respeita aos seus navios e plataformas civis e militares, bem como ao equipamento e instalações marítimos e ao largo. Seria um grave erro estratégico não concretizar e executar rapidamente uma estratégia industrial marítima específica.

2.   Introdução

2.1.

O CESE redige este parecer de iniciativa na sequência do Parecer CCMI/152 — Estratégia LeaderSHIP 2020: uma visão do setor das tecnologias marítimas para uma indústria marítima inovadora, sustentável e competitiva em 2020 (5), adotado em 2018. O objetivo é sensibilizar para os graves problemas que o setor das tecnologias marítimas da UE (6) está a enfrentar e para a falta de medidas políticas setoriais da UE e dos poderes públicos nacionais que visem apoiar a superação dos desafios e as necessidades do setor. O CESE apresenta propostas concretas de medidas para assegurar a competitividade e gerar crescimento e oportunidades de negócio para o setor das tecnologias marítimas. Insta as instituições da UE, os Estados-Membros, os parceiros sociais e outras partes interessadas a identificarem e adotarem, o mais rapidamente possível, medidas políticas conjuntas para salvar e proteger este setor estratégico, a fim de assegurar a defesa e a proteção costeira da UE, a autonomia marítima, o acesso ao comércio, a economia azul e a liderança marítima global.

2.2.

O CESE segue intencionalmente a estrutura da Comunicação LeaderSHIP da Comissão (7), a fim de destacar os parcos progressos realizados nas quatro direções propostas e alertar para a necessidade de uma intervenção imediata e direcionada para o setor das tecnologias marítimas, especialmente tendo em conta o impacto da pandemia e da guerra na Ucrânia.

3.   Melhoria do acesso ao mercado e condições de mercado equitativas

3.1.

Prevê-se um aumento da procura de alimentos, mercadorias e energia, o que exigirá o reforço de infraestruturas, capacidades, navios, tecnologias e gestão logística do transporte por via navegável (marítimo e interior). A procura de turismo e lazer marítimo e costeiro também está a aumentar.

3.2.

A COVID-19 e a guerra na Ucrânia demonstraram os riscos estratégicos a que a UE se expõe ao depender excessivamente de países terceiros, gerando falhas e bloqueios nas cadeias de abastecimento, bem como o aumento dos preços das matérias-primas e da energia, que estão a exercer uma pressão adicional sobre as empresas do setor das tecnologias marítimas. A guerra na Ucrânia também recordou à UE a importância de ter capacidades militares marítimas críticas, incluindo navios comerciais e militares, bem como tecnologias de defesa, segurança e proteção das fronteiras e das zonas costeiras.

3.3.

Os produtores da UE enfrentam uma concorrência renhida a nível mundial, estando as empresas asiáticas, especialmente da China e da Coreia do Sul, a conquistar cada vez mais mercados graças a um apoio governamental considerável, nomeadamente através de regimes de auxílio estatal complexos, ao mesmo tempo que aplicam normas sociais e ambientais menos exigentes. Esta situação permitiu-lhes ganhar mercados tradicionais da UE e atrair encomendas de empresas europeias a preços lesivos. A atual subida da inflação e os elevados preços da energia exercem uma pressão adicional sobre os produtores europeus. O CESE manifesta preocupação com o futuro do setor das tecnologias marítimas e considera que é necessário agir imediatamente para reforçar a resiliência marítima da Europa, recuperar a sua competitividade à escala mundial, proteger a posição forte da Europa na construção naval complexa e na navegação recreativa e salvaguardar a autonomia marítima estratégica europeia.

3.4.

Para ser sustentável, a estratégia marítima europeia deve ter em conta a propriedade dos portos europeus e de outras infraestruturas críticas conexas, muitas das quais foram adquiridas, total ou parcialmente, por empresas chinesas que estão sob o controlo total ou parcial do Estado chinês. Para assegurar a autonomia estratégica da Europa, será fundamental reavaliar as estruturas de propriedade e recolocar, sempre que possível, estas infraestruturas sob controlo europeu.

3.5.

O CESE solicita uma estratégia setorial para as tecnologias marítimas, com o objetivo de impulsionar a sua competitividade à escala mundial e de lhe permitir aproveitar as oportunidades de negócio da dupla transição ecológica e digital. É necessário desenvolver imediatamente mecanismos comerciais específicos da UE, acesso ao financiamento, programas de formação da mão de obra e programas de investigação e desenvolvimento a fim de assegurar que a UE pode continuar a competir neste mercado global, fortemente subsidiado e desequilibrado, em que os seus principais concorrentes não cumprem as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Além disso, o CESE solicita que as tecnologias marítimas sejam consideradas um setor estratégico da UE, à semelhança do que acontece nos EUA, na China, no Japão ou na Coreia do Sul, e que sejam atribuídos recursos humanos e financeiros suficientes ao setor nos serviços competentes da Comissão.

3.6.

O setor europeu das tecnologias marítimas é uma pedra angular para a defesa e a vigilância da UE, o transporte de mercadorias, energia e passageiros, bem como para a consecução dos objetivos estratégicos da UE no âmbito do Pacto Ecológico Europeu e da economia azul. O CESE solicita a adoção de medidas urgentes que estimulem a procura interna de navios ecológicos e de alta tecnologia, incluindo um programa da UE para a renovação da frota (por exemplo, frotas de pesca nacionais, frotas de curta distância e de cabotagem e embarcações de recreio) e a adaptação dos navios existentes em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu.

3.7.

O CESE observa que a competitividade do setor é diretamente influenciada pelo Pacto Ecológico Europeu, uma vez que representa uma mudança de paradigma para todo o setor do transporte por via navegável. A sua aplicação resultará numa adoção mais rápida de tecnologias e combustíveis alternativos. No entanto, o CESE salienta que as infraestruturas e a disponibilidade limitadas de combustíveis alternativos dificultam uma mudança mais célere e, por conseguinte, apela para investimentos imediatos a este respeito, por exemplo, através da criação de um fundo marítimo específico da UE. Cabe ter em conta as particularidades de cada tipo de navio, definindo roteiros específicos para os sistemas de propulsão, os combustíveis e as tecnologias de emissões nulas.

3.8.

O CESE manifesta preocupação face às barreiras comerciais na Ásia em relação às empresas europeias e apela para que os atuais e futuros acordos bilaterais e de comércio livre e parcerias económicas passem a conter cláusulas que assegurem o livre acesso das empresas marítimas da UE ao mercado, proíbam barreiras comerciais, exijam reciprocidade e garantam o dever de diligência.

3.9.

O CESE considera que os debates e os acordos internacionais representam o melhor rumo a seguir contra o protecionismo comercial e solicita à Comissão que intensifique os seus esforços internacionais para estabelecer regras à escala mundial. Em alternativa, a Comissão deve aplicar medidas unilaterais — sempre que necessário — para ganhar vantagem sobre os seus concorrentes internacionais. O CESE considera uma prioridade máxima adotar medidas contra as subvenções estrangeiras e os preços lesivos.

3.10.

A indústria das tecnologias marítimas representa uma pedra angular da economia azul da Europa, uma vez que constrói e moderniza navios, estruturas e tecnologias, por exemplo, para o desenvolvimento de uma frota de pesca ecológica, de energias renováveis ao largo, da aquicultura e da indústria mineira oceânica. A fim de alcançar os objetivos do Pacto Ecológico Europeu, a UE terá de aumentar significativamente a sua capacidade industrial para as energias renováveis ao largo e para outros combustíveis alternativos. Caso contrário, a UE ficará dependente da capacidade de terceiros para desenvolver este mercado estratégico e alcançar os seus próprios objetivos do Pacto Ecológico Europeu. Para evitar este risco, o CESE insta a Comissão a qualificar imediatamente o setor estratégico das tecnologias marítimas e as suas atividades como «infraestruturas críticas».

3.11.

O Comité considera firmemente que a liderança económica da UE só pode ser alcançada mediante capacidades de produção fortes em solo da UE, uma vez que esta é a única forma de garantir um desenvolvimento económico e social sustentável, de salvaguardar a defesa e a autonomia marítima estratégica da UE, de manter os cidadãos da UE seguros e de assegurar os seus empregos. O CESE apela também para a criação de um programa específico e de incentivos para os produtores que pretendam relocalizar as suas instalações de produção na UE (relocalização).

4.   Emprego e competências

4.1.

O setor das tecnologias marítimas cria cerca de um milhão de empregos nas regiões marítimas em toda a Europa (8).

4.2.

A aceitação da ecologização e da digitalização, bem como a adoção de tecnologias inovadoras, requer uma especialização da mão de obra. Para tal, o CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a desenvolverem e executarem imediatamente programas de requalificação, de melhoria de competências e de EFP em grande escala, mediante uma avaliação dos programas e a certificação das competências e com a plena participação dos parceiros sociais e do meio académico. Além disso, o CESE solicita apoio financeiro concreto destinado ao Pacto para as Competências da UE e a campanhas específicas que tornem o setor mais atrativo, nomeadamente para as mulheres e os jovens e para as pessoas com deficiência e com competências específicas. O CESE salienta também que o setor das tecnologias marítimas requer trabalhadores com competências reforçadas em robótica, inteligência artificial, cibersegurança, utilização de sensores, automação e impressão 3D, bem como engenheiros altamente qualificados, além da necessidade especial de trabalhadores manuais no setor (por exemplo, soldadores, eletricistas e canalizadores).

4.3.

As empresas europeias cumprem as mais elevadas normas sociais internacionais, em plena conformidade com a legislação da UE e as regras da OIT. O CESE reconhece o papel de liderança que as empresas europeias têm desempenhado ao elevar o nível das normas de trabalho internacionais, bem como a importância de os trabalhadores do setor disporem de boas condições de trabalho, salários dignos e segurança social, e apela para a intensificação de esforços no sentido de criar e consolidar conselhos de empresa europeus. Ademais, o Comité reitera a necessidade de os trabalhadores destacados noutro Estado-Membro gozarem de um conjunto de direitos fundamentais em vigor no Estado-Membro de acolhimento, em conformidade com a Diretiva Destacamento de Trabalhadores.

4.4.

Tal como realçado na estratégia LeaderSHIP 2020 (2013), o setor das tecnologias marítimas enfrenta dificuldades em assegurar a transferência intergeracional de conhecimentos especializados. O CESE manifesta a sua profunda deceção por não terem sido adotadas quaisquer medidas específicas (da UE) até à data, e solicita um roteiro claro para assegurar uma transição justa, tornar o setor das tecnologias marítimas mais atrativo e criar instalações de educação e formação adequadas com novos programas curriculares e competências adaptados às novas tendências e aos novos modelos empresariais, bem como à transição ecológica e digital. O quadro de transição justa deve alicerçar-se no diálogo social e prever recursos adequados para atrair uma nova mão de obra e apoiar a transição entre empregos, a requalificação e a melhoria das competências dos trabalhadores, o que abrange a formação em saúde e segurança no âmbito das novas tecnologias e dos processos novos. Todos os programas devem ser avaliados e certificados, a fim de uniformizar os níveis de habilitações e de os pautar pelos mesmos padrões.

4.5.

O CESE considera que o Comité de Diálogo Social Setorial Europeu para o Setor da Construção Naval deve desempenhar um papel essencial no reforço do setor das tecnologias marítimas. O diálogo social de qualidade (por exemplo, através de ações conjuntas ambiciosas), o estabelecimento de acordos e a colaboração entre os parceiros sociais, nomeadamente através do Comité de Diálogo Social Setorial Europeu para o Setor da Construção Naval, são iniciativas vitais que cumpre respeitar.

5.   Acesso ao financiamento

5.1.

O CESE considera essencial manter as instalações de produção na Europa e torná-las competitivas, e apela à UE e aos Estados-Membros para que deem prioridade ao financiamento da indústria. O setor das tecnologias marítimas enfrenta dificuldades acrescidas no acesso a empréstimos bancários e a financiamento público e tem uma exposição muito limitada a outras fontes de financiamento, sendo as PME as mais afetadas. O CESE também solicita regras de taxonomia da UE que favoreçam os investimentos sustentáveis no setor marítimo, sem deixar ninguém para trás e evitando qualquer discriminação entre os intervenientes do setor. Os critérios de desempenho ambiental também devem estar em consonância com a legislação da UE e garantir a segurança jurídica dos investimentos tecnológicos.

5.2.

O CESE considera que a UE deve incentivar financeiramente os armadores da UE a construir navios na Europa, mantendo, tanto quanto possível, as cadeias de abastecimento e a produção de subcomponentes na UE. Os fundos específicos e os convites à apresentação de propostas devem ser tidos em conta, uma vez que as oportunidades no setor marítimo quase não são mencionadas nem abordadas nos acordos de parceria ou nos planos nacionais de recuperação e resiliência.

5.3.

O CESE solicita que os fundos gerados por sanções às infrações à iniciativa FuelEU Transportes Marítimos, bem como as receitas do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia, sejam também utilizados como fonte de financiamento adicional destinada ao setor das tecnologias marítimas, especialmente para a investigação, o desenvolvimento e a inovação. O CESE está disposto a participar na criação de novas políticas e novos regimes de financiamento da UE, e solicita às instituições da UE que incluam o CESE em todas as futuras conversações sobre o assunto.

5.4.

Uma vez que os instrumentos financeiros existentes não são suficientes ou não estão adaptados aos setores de utilização intensiva de capital, o CESE solicita novamente à Comissão «que lance um instrumento financeiro específico destinado a reforçar o investimento num setor de alta intensidade de capital de risco como o da indústria europeia das tecnologias marítimas» (9), havendo ainda que «ponderar a criação de um programa financeiro que incentive as instalações de reciclagem de embarcações a demolirem embarcações de maior volume». O CESE defende a criação de um fundo de garantia da UE que facilite o acesso ao financiamento para investimentos marítimos de elevado risco. O desmantelamento e a reciclagem de navios em fim de vida, incluindo as embarcações de recreio e de pesca, também devem ser apoiados com fundos da UE.

5.5.

Por último, é inaceitável que empresas não pertencentes à UE que não respeitam as normas europeias tenham, ainda assim, acesso aos fundos da UE (por exemplo, financiamento do BEI) e ao mercado interno. Por conseguinte, a UE deve aplicar rigorosamente o princípio da reciprocidade e do dever de diligência para o cumprimento das normas da UE e assegurar que os instrumentos de financiamento da UE e o acesso ao mercado interno não são utilizados nem concedidos a empresas que perpetuam o dumping social e perturbam as condições de concorrência equitativas a nível mundial. A Comissão Europeia deve aplicar o Regulamento relativo a subvenções estrangeiras aos estaleiros e fabricantes de equipamento marítimo estrangeiros subvencionados e ponderar a revisão do Regulamento (UE) 2016/1035 do Parlamento Europeu e do Conselho (10) relativo à defesa contra a prática de preços lesivos na venda de navios.

6.   Investigação, desenvolvimento e inovação (IDI)

6.1.

Para cumprir os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e executar a estratégia industrial da UE, é necessária uma abordagem setorial que estabeleça medidas políticas setoriais específicas. O CESE salienta que existe um grande desfasamento entre a teoria e a prática e manifesta profunda deceção com a falta de medidas de apoio ao progresso industrial da UE. O Comité, os parceiros sociais e os produtores locais esperaram em vão por um incentivo à transição do setor para navios ecológicos e para combustíveis e tecnologias alternativos no sentido de cumprir o pacote Objetivo 55 (11).

6.2.

A adoção de novas tecnologias disruptivas (por exemplo, sensores inteligentes para navios e portos, análise de dados, Internet das coisas, computação em nuvem e inteligência artificial) é fundamental para manter uma vantagem concorrencial. Estes fatores permitirão serviços de transporte por via navegável e cadeias de abastecimento mais integrados, maior segurança e eficiência energética, bem como a superioridade dos modelos. No entanto, o CESE salienta que os produtores locais já investem em média 9 % do seu volume de negócios anual em IDI, o que é significativo, e apela para a definição de políticas públicas específicas e o reforço do apoio financeiro a estes pioneiros.

6.3.

O Comité também solicita esforços redobrados a nível nacional, internacional e da UE para fortalecer as capacidades de cibersegurança, uma vez que o risco cibernético aumentará a par da evolução tecnológica e da introdução de processos e navios automatizados.

6.4.

Para alcançar a descarbonização total do setor das tecnologias marítimas, é necessário realizar plenamente a transição para combustíveis e tecnologias alternativos. Embora o transporte marítimo seja o modo de transporte mais eficiente do ponto de vista energético, o CESE salienta que o setor ainda dispõe de margem para melhorias em matéria de reciclagem, de investimentos ecológicos, de neutralidade das emissões e resiliência às alterações climáticas dos portos, de infraestruturas de vias navegáveis e de racionalização das cadeias logísticas portuárias. O CESE solicita que se apoie a investigação e a inovação no setor das tecnologias marítimas, dada a sua importância para o desenvolvimento de tecnologias revolucionárias e de possíveis soluções alternativas de transporte marítimo e para a competitividade do setor. A este respeito, deve procurar-se uma cooperação alargada com a indústria da defesa.

6.5.

O futuro do setor das tecnologias marítimas depende da recolha e da gestão de dados, uma vez que a análise de dados representa uma oportunidade importante para melhorar a logística, as operações dos navios, a monitorização espacial de grandes zonas marítimas e o desempenho ambiental dos navios.

6.6.

A proteção dos conhecimentos especializados e da propriedade intelectual é fundamental para o setor das tecnologias marítimas. O conhecimento gerado pela IDI financiada pela UE deve tornar as empresas da UE mais competitivas e beneficiar a sociedade. As tecnologias marítimas verdes e inteligentes desenvolvidas através de projetos da UE devem, por conseguinte, ser consideradas estratégicas para a competitividade e a autonomia estratégica da UE, devendo ser possível restringir temporariamente o acesso de empresas não pertencentes à UE aos resultados destes projetos, em conformidade com as disposições legais do Horizonte Europa. Os setores do transporte por via navegável ainda não abrangidos pelas parcerias existentes, como as embarcações de recreio e os iates, também devem beneficiar de financiamento de IDI ao abrigo do Horizonte Europa.

6.7.

Por último, o CESE salienta que os investimentos em IDI podem assegurar o papel de liderança da UE na concorrência à escala mundial e, por conseguinte, congratula-se com a adoção da parceria coprogramada relativa ao transporte por via navegável sem emissões.

7.   Observações finais

7.1.

O CESE considera que, à semelhança do que sucede com outros modos de transporte, a constituição de um «grupo de peritos no domínio marítimo» e de uma «aliança industrial europeia para o setor das tecnologias marítimas» poderia ajudar a melhorar e a recuperar a competitividade do setor à escala mundial.

7.2.

Se não forem adotadas medidas a nível setorial, o presente parecer do CESE pode ser um dos últimos apelos no sentido de apoiar imediatamente o setor das tecnologias marítimas para salvaguardar o mercado, as capacidades industriais e os postos de trabalho na Europa e lutar pela recuperação dos mercados perdidos. O CESE cumpriu a sua parte no que respeita à sensibilização para as medidas políticas necessárias e está disponível para tomar outras medidas com vista a tornar o setor mais competitivo. Se não adotar medidas urgentes e não desenvolver e executar rapidamente uma estratégia industrial marítima específica, a UE poderá tornar-se totalmente dependente da Ásia no que respeita aos seus navios e infraestruturas civis e militares, bem como ao equipamento e instalações marítimos e ao largo. Tal seria deveras lamentável, além de ser um grave erro estratégico.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Um Pacto para as Competências.

(2)  Proposta relativa à iniciativa FuelEU Transportes Marítimos.

(3)  Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a diretiva 96/61/CE do Conselho (JO L 275 de 25.10.2003, p. 32).

(4)  O termo «setor do transporte por via navegável» deve ser entendido em sentido lato, abrangendo, assim, as tecnologias marítimas, o transporte marítimo, a navegação interior, a navegação de recreio e em iate, bem como as suas cadeias de abastecimento.

(5)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Estratégia LeaderSHIP 2020: uma visão do setor das tecnologias marítimas para uma indústria marítima inovadora, sustentável e competitiva em 2020 (JO C 262 de 25.7.2018, p. 8).

(6)  O setor das tecnologias marítimas inclui os estaleiros navais e toda a cadeia de abastecimento de produtores e fornecedores de sistemas, equipamentos e tecnologias no setor marítimo. Não inclui os prestadores de serviços marítimos (por exemplo, companhias de navegação, autoridades portuárias e prestadores de serviços portuários).

(7)  LeaderSHIP 2020 — The Sea: new opportunities for the Future [LeaderSHIP 2020 — O mar: novas oportunidades para o futuro].

(8)  «A Future European Maritime Technology Industrial Policy» [Futura política industrial europeia no domínio das tecnologias marítimas].

(9)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Estratégia LeaderSHIP 2020: uma visão do setor das tecnologias marítimas para uma indústria marítima inovadora, sustentável e competitiva em 2020 (parecer de iniciativa) (JO C 262 de 25.7.2018, p. 8).

(10)  Regulamento (UE) 2016/1035 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra a prática de preços lesivos na venda de navios (JO L 176 de 30.6.2016, p. 1).

(11)  Objetivo 55: Alcançar a Meta Climática da UE para 2030 Rumo à Neutralidade Climática.


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/38


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Capacitar os jovens para a consecução do desenvolvimento sustentável através da educação

(parecer de iniciativa)

(2023/C 100/06)

Relatora:

Tatjana BABRAUSKIENĖ

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

24.11.2022

Adoção em plenária

15.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

126/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) insta os Estados-Membros a reafirmarem o compromisso que assumiram na COP 26 (1) em fazer da ação climática e do desenvolvimento sustentável uma componente central dos programas curriculares. É fundamental reconhecer a necessidade de imaginar um novo futuro em conjunto com os jovens e de elaborar um novo contrato social que transforme a educação de forma positiva.

1.2.

Para lograr esta mudança de paradigma, o CESE salienta a necessidade de uma abordagem transversal abrangente, que assegure a cooperação entre as diferentes partes interessadas, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil. As organizações de juventude e o ensino não formal têm um papel crucial a desempenhar na sensibilização para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e no apoio à sua execução.

1.3.

O CESE incentiva a Comissão Europeia a continuar a concentrar-se nas necessidades dos jovens no âmbito do Ano Europeu das Competências 2023, associando esta iniciativa ao desenvolvimento sustentável e aos desafios que os jovens enfrentam num mundo em mudança.

1.4.

O CESE congratula-se com o papel de coordenação da Comissão no que diz respeito à promoção de projetos, formação, intercâmbio de boas práticas e comunicação entre professores para fomentar a implementação dos ODS na educação. No entanto, a educação, tanto teórica como prática, para abordagens e estratégias de desenvolvimento sustentável deve ser concebida aos níveis local, nacional e regional e assentar numa investigação coerente e em planos de ação claros; deve também prever um processo de acompanhamento que permita uma melhoria contínua e o intercâmbio de experiências.

1.5.

O CESE sublinha o papel importante do diálogo social e cívico para a integração dos ODS em todos os níveis de ensino, no ensino formal e não formal e na formação de professores, a fim de garantir que esses programas incluem quadros de competências explícitos que permitam definir objetivos de aprendizagem concretos e aplicar métodos de avaliação.

1.6.

O CESE salienta que todas as pessoas devem possuir os conhecimentos necessários para combater as alterações climáticas, especialmente no que diz respeito a todos os aspetos do consumo e da produção sustentáveis, às escolhas alimentares responsáveis e à redução do desperdício alimentar, bem como à utilização de energia sustentável. A educação das crianças deve ser apoiada por programas de aprendizagem ao longo da vida destinados aos pais e por ações educativas para os cidadãos. Além disso, importa promover a sensibilização de todas as pessoas, nomeadamente apoiando as organizações lideradas por jovens neste domínio.

1.7.

O CESE solicita uma melhor articulação do investimento da UE com a educação para o desenvolvimento sustentável através de fundos como o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), o Erasmus+, o Horizonte Europa, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e o Fundo Social Europeu Mais (FSE+).

1.8.

O CESE insta todos os Estados-Membros a efetuarem investimentos públicos sustentáveis e de qualidade que assegurem a integração dos objetivos de desenvolvimento sustentável na educação nacional, não só em teoria, mas também na prática, através do desenvolvimento de programas curriculares abrangentes que estimulem o pensamento crítico e a tomada de decisões informadas.

1.9.

O CESE insta os Estados-Membros a prestarem um apoio efetivo aos professores, a fim de aumentar a atratividade da profissão. Embora a Europa registe uma enorme escassez de professores, a educação para a sustentabilidade requer professores valorizados, com salários dignos e boas condições de trabalho. Para transformar o sistema de ensino, é fundamental garantir uma formação inicial e contínua de elevada qualidade para os professores, sistemas de educação e de formação equitativos e inclusivos, assim como uma organização inovadora das escolas.

1.10.

O CESE solicita que os jovens sejam colocados no centro do processo de ensino e de aprendizagem. É possível alcançar este objetivo reduzindo a burocracia associada à profissão docente e privilegiando os métodos pedagógicos inovadores e a cooperação estreita com os estudantes. Neste contexto, é importante preparar todos os professores para uma utilização eficiente das novas tecnologias e para novos contextos de aprendizagem, tanto na vida escolar como na vida pessoal. Seria oportuno avaliar a viabilidade do desenvolvimento de uma plataforma ou painel digital específico para o intercâmbio de boas práticas.

1.11.

O CESE insta a Comissão Europeia a trabalhar no sentido de introduzir um indicador europeu de redução da pobreza e do abandono escolar precoce, no espírito da educação para o desenvolvimento sustentável, com o objetivo de combater as desigualdades. Esse indicador poderia ser desenvolvido a par de um indicador mundial.

2.   Antecedentes e contexto

2.1.   A necessidade de um desenvolvimento sustentável

2.1.1.

Os responsáveis políticos, os decisores políticos e as partes interessadas a todos os níveis devem reconhecer que a transformação em larga escala de uma economia linear, assente nos combustíveis fósseis e na utilização intensiva de recursos, para uma economia circular respeitadora do clima é extremamente necessária, mas comporta mudanças consideráveis na vida e nos planos para o futuro dos cidadãos, em especial dos jovens e das gerações futuras.

2.1.2.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia também pôs em evidência a dependência insustentável da Europa em relação à energia fóssil e colocou a transição ecológica num novo contexto geopolítico. Para reduzir a nossa dependência, a aceleração da descarbonização é inevitável e mais necessária do que nunca. À luz dos desafios atuais e futuros, a Agenda 2030, os seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o compromisso de não deixar ninguém nem nenhum lugar para trás proporcionam uma via única para uma economia do bem-estar, para uma reconstrução melhorada e para alcançar um mundo mais equitativo, justo, inclusivo, sustentável e resiliente.

2.1.3.

No futuro próximo, a UE deve dar o exemplo na construção de uma via economicamente sustentável para uma transição ecológica e socialmente justa. Para esse efeito, o CESE insta os Estados-Membros e as instituições da UE a capacitar os jovens e envolvê-los na tomada de decisões, adaptando o ensino e o emprego e mobilizando um número ainda maior de jovens. De acordo com o «Programa Mundial de Ação para a Juventude para o ano 2000 e anos seguintes» (2), adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1995, os jovens de todos os países são simultaneamente um importante recurso humano para o desenvolvimento e agentes fundamentais para a mudança social, o desenvolvimento económico e a inovação tecnológica. O CESE salienta que os jovens são os líderes do futuro. Têm de ser apoiados no acesso à inovação progressiva e plenamente integrados na elaboração das políticas, a fim de reforçar o desenvolvimento sustentável.

2.1.4.

O objetivo do presente parecer de iniciativa é analisar se e de que forma os ODS estão integrados nos programas curriculares dos Estados-Membros e examinar se a abordagem por eles adotada pode ser considerada uma educação transformadora para promover o desenvolvimento sustentável (3). Além disso, o parecer formula recomendações destinadas a apoiar a Comissão Europeia e os Estados-Membros relativamente à forma de promover oportunidades e superar os desafios a fim de continuar a desenvolver as políticas de juventude, assegurando simultaneamente que a educação para o desenvolvimento sustentável seja integrada no percurso educativo desde uma fase precoce.

2.2.

Panorama político

2.2.1.

Em 2015, as Nações Unidas adotaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): um plano ambicioso para o mundo abordar conjuntamente a degradação ambiental e as questões de desenvolvimento social e económico. Os 17 ODS, com 169 metas associadas a alcançar até 2030, colocam a educação no centro da sua execução. A educação (incluindo a educação para a sustentabilidade) é um direito humano e deve ser acessível a todas as pessoas. No entanto, de acordo com o relatório da UNESCO sobre a aplicação dos ODS, a educação pública não é gratuita para todos e muitas vezes não é inclusiva. A aplicação do ODS 4.7 revelou-se, por conseguinte, difícil. Além disso, segundo a UNESCO, muitos países ainda não estão plenamente empenhados em fazer da ação climática uma componente central dos programas curriculares (4).

2.2.2.

O ODS 4.7 prevê que, até 2030, os signatários terão de garantir que todos os alunos adquiram os conhecimentos e competências necessários para promover o desenvolvimento sustentável, nomeadamente através da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de género, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e do contributo da cultura para o desenvolvimento sustentável. O Parecer do CESE — Rumo a uma estratégia da UE para melhorar as aptidões e as competências verdes para todos (5), pertinente nesta matéria, está em conformidade com esta recomendação.

2.2.3.

Nos últimos anos, a política da UE tem-se centrado cada vez mais na sustentabilidade ambiental. O Pacto Ecológico Europeu (6), lançado em 2019, é o plano da Comissão Europeia para tornar a economia da UE sustentável, assinalando a sua ambição de a Europa se tornar o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050.

2.2.4.

No âmbito do seu plano para a educação e a formação, que visa contribuir para a transição ecológica, a Comissão Europeia propôs um conjunto de iniciativas: em primeiro lugar, o lançamento da coligação «A Educação ao Serviço da Proteção do Clima» (7); em segundo lugar, as recém-adotadas Conclusões do Conselho — Promover a participação dos jovens enquanto agentes de mudança para proteger o ambiente (8) e uma Recomendação do Conselho sobre a aprendizagem em prol da transição ecológica e do desenvolvimento sustentável (9); em terceiro lugar, o desenvolvimento de um quadro europeu de competências em matéria de alterações climáticas e desenvolvimento sustentável (10).

2.2.5.

Em 4 e 5 de abril de 2022, o Conselho (Educação, Juventude, Cultura e Desporto) sublinhou o papel importante desempenhado pelo desporto na educação para um ambiente sustentável e recomendou que se encontrassem «formas de promover a educação para o desenvolvimento sustentável e a formação de um sentido de responsabilidade cívica e ambiental entre os clubes desportivos, as federações e outras partes interessadas no domínio do desporto» (11).

2.2.6.

O Ano Europeu da Juventude 2022 visa igualmente promover as novas oportunidades e possibilidades proporcionadas pelas transições ecológica e digital. Essas transições devem ser inclusivas e prestar atenção à integração dos jovens com menos oportunidades e dos grupos vulneráveis de jovens. O CESE insta a Comissão Europeia a continuar a concentrar-se nas necessidades dos jovens no âmbito do Ano Europeu das Competências 2023, associando esta iniciativa ao desenvolvimento sustentável e aos desafios que os jovens enfrentam num mundo em mudança.

2.2.7.

É importante estabelecer uma melhor articulação entre o investimento da UE e a educação para o desenvolvimento sustentável através de fundos como o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), o Erasmus+, o Horizonte Europa, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e o Fundo Social Europeu Mais (FSE+). A luta contra a perda de biodiversidade, a poluição e as alterações climáticas é uma das quatro prioridades globais do novo programa Erasmus+ para 2021-2027, juntamente com a inclusão e a diversidade, a transformação digital e a participação na vida democrática. O CESE congratula-se com o facto de o programa Erasmus prever também um incentivo à mobilidade virtual, a fim de reduzir a pegada de carbono.

3.   Juventude, educação e desenvolvimento sustentável

3.1.

A requalificação e a melhoria das competências dos jovens têm de ter em conta a importância do desenvolvimento de competências no domínio da atenuação das alterações climáticas e da adaptação às mesmas, bem como da economia circular. Os parceiros sociais (associações patronais e sindicatos dos trabalhadores) e as organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental na definição dos padrões e perfis profissionais e na integração dos aspetos de sustentabilidade nos programas de aprendizagem e na formação dos trabalhadores. Os parceiros sociais e a sociedade civil ajudam os jovens a adaptar-se no período de transição da escola para o mundo do trabalho de uma forma que inclua o desenvolvimento sustentável. O papel do diálogo social e cívico é essencial e tem de ser reforçado.

3.2.

Os jovens precisam de inclusão digital e social, ensino e formação de qualidade, emprego estável, boas condições de trabalho, habitação a preços acessíveis e apoio na luta quotidiana contra as alterações climáticas. São necessários mais estudos e dados sobre o impacto das alterações climáticas nos países, nas regiões e a nível local, os quais deverão ser associados às previsões em matéria de competências e de emprego. No momento em que a Europa e outros continentes enfrentam uma grave crise alimentar, os jovens têm de conhecer todos os aspetos do consumo e da produção sustentáveis, da redução do desperdício alimentar e das escolhas alimentares responsáveis.

3.3.

As desigualdades devem ser combatidas através da introdução de um indicador mundial e europeu de redução da pobreza e do abandono escolar precoce, em consonância com a educação para o desenvolvimento sustentável. O despovoamento das zonas rurais devido à falta de perspetivas de emprego e de oportunidades de educação tem um impacto negativo nas famílias jovens. O abandono escolar precoce é um problema nas zonas urbanas e rurais, pelo que as políticas relacionadas com o mercado de trabalho e o crescimento económico justo devem ser eficazes, a fim de reduzir o número de jovens que não trabalham, não estudam nem seguem uma formação (NEET) (12).

3.4.

A aplicação eficaz do Quadro Europeu para a Qualidade e a Eficácia da Aprendizagem (13) e o reforço do Quadro de Qualidade para os Estágios são essenciais no que diz respeito à educação para o desenvolvimento sustentável.

3.5.

O CESE considera que, dada a dimensão, a complexidade e a premência destas questões, é necessário um esforço mais intenso e mais bem coordenado por parte da UE e dos Estados-Membros, nomeadamente para melhorar a educação para a sustentabilidade, que é crucial neste momento e inclui também a educação sobre a utilização de energia sustentável. As políticas da UE e dos Estados-Membros em matéria de educação têm de ser acompanhadas e cartografadas de forma coerente, devendo existir um intercâmbio de boas práticas entre países e organizações. No cerne da educação para o desenvolvimento sustentável estão valores humanistas centrados na aquisição de conhecimentos e na formulação de soluções práticas equilibradas, tendo em conta as consequências ambientais e sociais.

3.6.

Os professores e os pais desempenham um papel essencial na educação para um ambiente sustentável. Os professores e formadores têm de ser apoiados através de formação profissional inicial e contínua de qualidade sobre sustentabilidade. O Parecer do CESE — Rumo a uma estratégia da UE para melhorar as aptidões e as competências verdes para todos (14) sublinhou um aspeto importante, nomeadamente o facto de todas as pessoas precisarem dos conhecimentos necessários para lutar contra as alterações climáticas. Os programas de aprendizagem ao longo da vida destinados aos pais e a educação dos cidadãos são essenciais e devem ser reforçados através da sensibilização de todas as pessoas, nomeadamente apoiando as organizações de juventude neste domínio.

3.7.

O CESE insta os Estados-Membros a prestarem um apoio efetivo aos professores, a fim de aumentar a atratividade da profissão. Embora a Europa registe uma enorme escassez de professores, a educação para a sustentabilidade requer professores valorizados, com salários dignos e boas condições de trabalho. Para transformar o sistema de ensino, é fundamental garantir uma formação inicial e contínua de alta qualidade para os professores, sistemas de educação e de formação equitativos e inclusivos, assim como uma organização inovadora das escolas, criando uma cultura de paz e segurança. A capacitação dos jovens para o desenvolvimento sustentável através da educação exige profissionais capazes, dotados de ferramentas diversificadas e assertivas. Os professores competentes saberão como tirar o máximo partido, no seu trabalho quotidiano, da Declaração de Paris (15) e da Declaração de Osnabrück sobre o ensino e a formação profissionais (16), promovendo a cidadania e os valores comuns da liberdade, tolerância e não discriminação na educação.

3.8.

Os jovens europeus constituem um capital humano inestimável e uma fonte de ideias inovadoras, graças à sua imaginação criativa, entusiasmo e energia, e são eles que têm o papel mais importante a desempenhar na promoção do desenvolvimento sustentável nos Estados-Membros da UE, agora e no futuro próximo. Neste contexto, os Estados-Membros da UE têm uma grande fonte de potencial de ação por explorar. As organizações de juventude e o ensino não formal têm um papel importante a desempenhar no apoio à educação e à aprendizagem sustentáveis.

3.9.

O CESE solicita que os jovens sejam colocados no centro do processo de ensino e de aprendizagem. É possível alcançar este objetivo reduzindo a burocracia associada à profissão docente, privilegiando métodos pedagógicos inovadores e uma relação próxima com os estudantes e preparando todos os professores para a utilização das novas tecnologias e para novos contextos de aprendizagem, tanto na vida escolar como na vida pessoal. Uma educação transformadora exige professores transformadores, competências transformadoras e cidadãos transformadores. Os professores e formadores precisam de tempo, espaço e recursos suficientes para poderem adotar a abordagem prática e transversal da educação para a sustentabilidade ambiental, com base num trabalho de equipa eficiente entre as partes interessadas. Trata-se de um tema transversal que diz respeito a todas as disciplinas do ensino e formação profissionais, no quadro de uma abordagem pedagógica interdisciplinar.

3.10.

É gratificante constatar que os jovens já estão a contribuir para o desenvolvimento sustentável nos seus países e para os objetivos internacionais em matéria de clima, defendendo opções respeitadoras do ambiente, e que, além disso, participam ativamente em redes internacionais de movimentos juvenis que visam preservar a natureza e combater as alterações climáticas. Para complementar estas iniciativas, cumpre adaptar todos os sistemas educativos de modo a criar espaço para uma educação transformadora que permita a um maior número de jovens orientar os seus esforços para concretizar a mudança transformadora de que necessitamos. De acordo com o recente relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC), a aprendizagem transformadora é fundamental porque ajuda a induzir a consciencialização comum e as ações coletivas (17).

4.   O desenvolvimento sustentável deve ser visto como um processo de aprendizagem contínuo e global

4.1.

É importante reconhecer que o desenvolvimento sustentável do Estado e da sociedade não pode existir sem uma aprendizagem constante e sem a aquisição e compreensão de novas experiências. Neste contexto, o desenvolvimento sustentável deve ser visto como um processo contínuo através do qual a sociedade deve aprender a viver de forma mais sustentável do ponto de vista ambiental, económico e social. Através do acesso à informação e do aumento da sensibilização, mas sobretudo através do desenvolvimento da capacidade das pessoas para inovar e aplicar soluções, a educação para a sustentabilidade é essencial para reorientar a forma como vivemos e trabalhamos. Para ensinar os jovens a responder de forma consciente às questões de desenvolvimento sustentável mais complexas que se apresentam às comunidades e aos Estados, importa desenvolver programas curriculares abrangentes que incutam competências de pensamento crítico e que promovam a tomada de decisões informadas.

4.2.

De acordo com os estudos e a investigação realizados para a Comissão Europeia no âmbito da elaboração da proposta de recomendação do Conselho sobre aprendizagem para a sustentabilidade ambiental, apenas 13 Estados-Membros dispõem de uma definição clara de educação para o desenvolvimento sustentável ou de educação para a sustentabilidade ambiental. É lamentável que o termo «educação para o desenvolvimento sustentável» e o ODS 4.7 não sejam aplicados em alguns Estados-Membros, apesar de se reconhecer o conceito como um elemento integrante do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.o 4 (ODS 4) relativo a uma educação de qualidade e como um facilitador fundamental de todos os outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Os relatórios por país analisados não levantaram questões específicas a respeito do financiamento. No entanto, a Itália, que começou a assumir compromissos em matéria de educação para o desenvolvimento sustentável, mencionou claramente que a falta de financiamento é uma das principais razões para a sua estagnação. Quando os governos são obrigados a fazer cortes devido a crises económicas, energéticas e de custo de vida, a educação, como outros domínios sociais, entra sempre na equação. A falta de investimento leva a diferentes formas de privatização e a assimetrias nos sistemas, erodindo a equidade e a liberdade pedagógica e académica.

4.3.

Outro elemento que contribui para a reflexão é a questão de saber se precisamos de uma estratégia centralizada e descendente para introduzir com êxito a educação para o desenvolvimento sustentável ou se existem outros fatores que determinam o seu êxito. A Dinamarca e os Países Baixos não dispõem de uma estratégia nacional para a educação para o desenvolvimento sustentável, mas as suas escolas estão a trabalhar ativamente neste domínio. A Finlândia tem uma estratégia nacional, mas receia que a educação para o desenvolvimento sustentável esteja fragmentada entre as escolas. A Itália já incluiu a educação para o desenvolvimento sustentável no programa curricular nacional, mas enfrenta alguns desafios na sua aplicação a nível regional. A França desenvolveu uma estratégia nacional, que é gerida pelas autoridades educativas locais e implementada em todas as escolas através do programa curricular nacional e de projetos pedagógicos. Deste modo, estão envolvidos todos os níveis, o que, por sua vez, garante o êxito da estratégia.

4.4.

Uma das questões cruciais é a priorização da educação para o desenvolvimento sustentável. A OCDE, em colaboração com a Comissão Europeia, publicou recentemente um estudo (18) que apresenta um mapa das competências dos jovens em matéria de sustentabilidade ambiental nos países da UE e da OCDE. Esta nova abordagem de estudos e avaliações pode transmitir um sinal positivo para que se comece a dar prioridade à educação para o desenvolvimento sustentável nos Estados-Membros. Poderia ser útil explorar mais aprofundadamente a relação entre as medidas das Nações Unidas para promover a educação para o desenvolvimento sustentável e as medidas da OCDE para apoiar o desenvolvimento da política de educação através do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), a fim de verificar se existem assimetrias quanto à forma como estes dois conjuntos de medidas moldam os sistemas educativos.

4.5.

Um possível obstáculo é a implementação da educação para o desenvolvimento sustentável nos países com um sistema federal. O que se constata nos relatórios nacionais é que o grau de coordenação entre o ministério federal em questão e as autoridades regionais difere entre os Estados-Membros — a Alemanha enfrenta dificuldades, ao passo que a Áustria dispõe de uma rede que regula a coordenação. A forma como o governo federal austríaco participa nas iniciativas ascendentes é um exemplo que outros países poderiam seguir.

4.6.

É fundamental, para as sociedades atuais e futuras, reavaliar, repensar e redefinir a educação do ponto de vista da aprendizagem e da educação sustentáveis desde o pré-escolar até ao ensino superior e no resto da vida, para que, em última instância, abrace os princípios, os conhecimentos, as competências, as convicções e os valores associados à sustentabilidade nos três domínios em causa: ecologia, sociedade e economia. Este processo deve ser global e interdisciplinar e deve envolver iniciativas de cidadãos, bem como o público em geral, devendo também ser apoiado pelos respetivos governos. No entanto, a aplicação em cada país tem de ter em conta as características locais e as especificidades culturais.

4.7.

A educação para o desenvolvimento sustentável deve divulgar conhecimentos sobre o ambiente e o seu estado e demonstrar as possibilidades existentes para adaptar a nossa economia, incentivando a que se dê prioridade ao bem-estar das pessoas e do planeta e, simultaneamente, promovendo a equidade intergeracional e preservando o ambiente natural. Esta economia adaptada deve conferir maior importância aos métodos de gestão respeitadores do ambiente, proporcionar oportunidades para cultivar o respeito escrupuloso dos valores naturais e culturais e ser orientada por valores, assente na ética ecológica da responsabilidade pela conservação do ambiente em prol das gerações atuais e futuras e pela utilização sustentável dos recursos naturais.

4.8.

Uma educação transformadora para o desenvolvimento sustentável deve:

basear-se nos princípios e valores subjacentes ao desenvolvimento sustentável;

abranger os três domínios do desenvolvimento sustentável: ambiente, sociedade e economia;

estimular uma aprendizagem ao longo da vida, e em todos os aspetos da vida, que promova sociedades sustentáveis, respeitadoras, responsáveis, proativas e críticas;

defender uma educação de elevada qualidade, apoiada ativamente e caracterizada por abordagens holísticas;

promover uma educação acessível, assente nos direitos, que seja respeitadora e inclusiva e que celebre a diversidade;

pensar à escala mundial, mas também centrar-se nas questões e características culturais locais;

abranger o ensino formal e não formal e a aprendizagem informal;

ter em conta a natureza evolutiva do conceito de desenvolvimento sustentável.

4.9.

Não existem modelos universais de uma educação transformadora para a sustentabilidade, pelo que cada país terá de determinar as suas próprias prioridades e ações no domínio do desenvolvimento sustentável e da educação sustentável, com a participação efetiva dos parceiros sociais, da sociedade civil e de outras partes interessadas pertinentes, incluindo as organizações de juventude. A liderança escolar colaborativa e a educação para a cidadania desempenham um papel fundamental na preparação das escolas com vista ao reforço da educação para a sustentabilidade. Os objetivos, as principais linhas de ação e os mecanismos devem ser determinados tendo em conta as condições ambientais, sociais e económicas locais e as características culturais.

4.10.

A criação de um sistema educativo para o desenvolvimento sustentável implica a transição do ensino tradicional para um modelo orientado para a sustentabilidade, que se deve basear num amplo conhecimento interdisciplinar assente numa abordagem integrada do desenvolvimento da sociedade, da economia e do ambiente. Esse tipo de educação deve abranger o trabalho a nível da educação formal (escolas, universidades, instituições de formação avançada), da educação não formal (criação de centros de formação, seminários e mesas-redondas, utilização dos meios de comunicação social, etc.) e da educação informal (aprendizagem interpares através de eventos, intercâmbios de jovens, projetos liderados por jovens, etc.). Os programas de educação e formação que integrem a educação para a sustentabilidade ambiental têm de ser acessíveis e inclusivos. Os governos têm de ter em conta, desde uma fase inicial, a realidade com que se deparam os jovens de meios desfavorecidos e assegurar soluções para a inclusão destes grupos.

Bruxelas, 15 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Conclusões dos copresidentes da cimeira dos ministros da educação e do ambiente na COP 26 «Learn for our Planet. Act for the climate» [Aprender em prol do planeta. Agir em prol do clima].

(2)  ONU — Programa Mundial de Ação para a Juventude.

(3)  São utilizados vários termos — o parecer refere-se a uma «educação transformadora para promover o desenvolvimento sustentável». No entanto, os termos «educação para o desenvolvimento sustentável» e «educação para a sustentabilidade ambiental» são utilizados como sinónimos neste contexto. Ver também o glossário no anexo.

(4)  «UNESCO Global education monitoring report, 2021/2: non-state actors in education: who chooses? who loses?» [Relatório mundial de acompanhamento da educação da UNESCO 2021/2: intervenientes não estatais na educação: quem escolhe? quem perde?].

(5)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Rumo a uma estratégia da UE para melhorar as aptidões e as competências verdes para todos (parecer de iniciativa) (JO C 56 de 16.2.2021, p. 1).

(6)  Pacto Ecológico Europeu.

(7)  Comissão Europeia — Coligação «A Educação ao Serviço da Proteção do Clima».

(8)  Conclusões do Conselho e dos representantes dos Governos dos Estados-Membros, reunidos no Conselho — Promover a participação dos jovens enquanto agentes de mudança para proteger o ambiente (JO C 159 de 12.4.2022, p. 9).

(9)  Recomendação do Conselho, de 16 de junho de 2022, sobre a aprendizagem em prol da transição ecológica e do desenvolvimento sustentável (JO C 243 de 27.6.2022, p. 1).

(10)  Bianchi, G., Pisiotis, U., Cabrera Giraldez, M. GreenComp — Quadro europeu de competências em matéria de sustentabilidade. Bacigalupo, M., Punie, Y. (editores), EUR 30955 PT, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2022; ISBN 978-92-76-46865-3, doi:10.2760/13286, JRC128040.

(11)  Conclusões do Conselho e dos representantes dos Governos dos Estados-Membros — O desporto e a atividade física, alavancas promissoras para transformar comportamentos em prol do desenvolvimento sustentável (JO C 170 de 25.4.2022, p.1).

(12)  NEET é um acrónimo da expressão inglesa Not in Education, Employment, or Training e designa uma pessoa que não trabalha, não estuda nem segue uma formação profissional.

(13)  Recomendação do Conselho, de 15 de março de 2018, relativa a um Quadro Europeu para a Qualidade e a Eficácia da Aprendizagem (JO C 153 de 2.5.2018, p. 1).

(14)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Rumo a uma estratégia da UE para melhorar as aptidões e as competências verdes para todos (JO C 56 de 16.2.2021, p. 1).

(15)  A promoção da cidadania e dos valores comuns da liberdade, tolerância e não discriminação através da educação, Eurydice.

(16)  Declaração de Osnabrück sobre o ensino e a formação profissionais enquanto facilitadores da recuperação e da transição justa para a economia digital e a economia verde — osnabrueck_declaration_eu2020.pdf.

(17)  Sexto relatório de avaliação do PIAC, relatório do Grupo de Trabalho III: «Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change» [Alterações Climáticas 2022: atenuação das alterações climáticas], p. 2871.

(18)  Borgonovi, F., et al. (2022), «Young people’s environmental sustainability competence: Emotional, cognitive, behavioural, and attitudinal dimensions in EU and OECD countries» [As competências dos jovens em matéria de sustentabilidade ambiental: dimensões emocional, cognitiva, comportamental e atitudinal nos países da UE e da OCDE], OECD Social, Employment and Migration Working Papers, n.o 274, Publicações da OCDE, Paris. Borgonovi, F., et al. (2022), «The environmental sustainability competence toolbox: From leaving a better planet for our children to leaving better children for our planet» [O conjunto de competências para a sustentabilidade ambiental: deixar um planeta melhor aos nossos filhos e crianças melhores ao nosso planeta], OECD Social, Employment and Migration Working Papers, n.o 275, Publicações da OCDE, Paris. Os artigos foram redigidos no contexto da futura publicação das perspetivas da OCDE sobre as competências 2023 («OECD Skills Outlook 2023»).


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/45


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Iniciativa de Cidadania Europeia — Salvar as abelhas e os agricultores!

(parecer de iniciativa)

(2023/C 100/07)

Relator:

Arnold PUECH D’ALISSAC

Decisão da Plenária

19.5.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

24.11.2022

Adoção em plenária

15.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

168/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O êxito desta iniciativa de cidadania europeia (ICE) revela uma expectativa muito forte dos cidadãos europeus em relação à Comissão Europeia (Comissão). O CESE gostaria, antes de mais, de felicitar os organizadores e de saudar o empenho dos cidadãos, que possibilitaram este êxito, dada a dificuldade em recolher todas as assinaturas necessárias. Convida, por conseguinte, a Comissão a dar respostas precisas e concretas aos pedidos formulados por esta ICE.

1.2.

O CESE lamenta que a proposta principal da ICE, que consiste na eliminação progressiva total dos pesticidas sintéticos até 2035, não seja destacada no título escolhido: «Salvar as abelhas e os agricultores!» O CESE salienta, além disso, que a Comissão está a elaborar ou já adotou vários atos jurídicos a favor das abelhas, dos polinizadores, da biodiversidade, da utilização sustentável de pesticidas e do acompanhamento dos agricultores na transição agroecológica, mas reconhece que estas medidas não permitiram alcançar plenamente os objetivos a que se propunham. Por conseguinte, solicita à Comissão que tome medidas adicionais para alcançar concretamente e de forma mais eficaz os objetivos ambiciosos que definiu. Por exemplo, recomenda um maior apoio à agricultura de precisão, à agricultura digital, ao controlo biológico, à robótica, mas também à agroecologia.

1.3.

O CESE salienta a necessidade de ter em conta todos os três pilares da sustentabilidade (ambiental, social e económico), sem omitir o económico, que é frequentemente posto de parte, num contexto essencial de sustentabilidade dos sistemas e de soberania alimentar.

1.4.

O CESE convida igualmente a Comissão a realizar avaliações de impacto antes de tomar qualquer decisão, a fim de aferir, designadamente, os custos da iniciativa para a produção agrícola e a economia, bem como o custo económico da perda de biodiversidade para os agricultores.

2.   Contexto

2.1.   Uma ICE em prol de uma agricultura mais amiga das abelhas, dos seres humanos e do ambiente

2.1.1.

O mecanismo da ICE permite aos cidadãos europeus participar ativamente nos processos democráticos da União Europeia (UE), solicitando à Comissão que proponha nova legislação. A partir do momento em que uma iniciativa recebe o apoio de, pelo menos, um milhão de cidadãos da UE e atinge os limiares necessários em, pelo menos, um quarto dos Estados-Membros (1), a Comissão é obrigada a responder à ICE.

2.1.2.

Uma vez que a ICE — Salvar as abelhas e os agricultores! Rumo a uma agricultura amiga das abelhas para um ambiente saudável atingiu esses limiares, ela solicita à Comissão que proponha atos jurídicos com vista a eliminar progressivamente os pesticidas sintéticos até 2035, a restaurar a biodiversidade e a ajudar os agricultores durante essa fase de transição.

2.2.   Um contexto de declínio dos polinizadores e de erosão da biodiversidade na Europa

2.2.1.

Os pedidos formulados por esta ICE inscrevem-se num contexto em que a Europa enfrenta um declínio das abelhas. Com efeito, de acordo com a lista vermelha europeia de abelhas, uma em cada três espécies de abelhas e borboletas está em declínio e uma em cada dez está ameaçada de extinção (2).

2.2.2.

Sucede que 84 % das culturas europeias beneficiam, pelo menos parcialmente, da polinização animal (3) e 78 % das plantas silvestres da UE dependem dos insetos polinizadores (4). Por conseguinte, a proteção destes é um desafio crucial para a produção agrícola, no contexto atual fulcral de segurança e soberania alimentares. Além disso, as abelhas são essenciais para a produção de mel, considerando que a UE é apenas 60 % autossuficiente em mel. Para atender à procura tem de recorrer a importações (das quais 28 % provêm da China), que são de qualidade inferior à do mel europeu.

2.2.3.

Segundo o relatório de avaliação sobre os polinizadores, a polinização e a produção alimentar, elaborado pela Plataforma Intergovernamental Científica e Política sobre a Biodiversidade e os Serviços Ecossistémicos (IPBES) (5), as principais causas do declínio dos polinizadores são as alterações no uso dos solos, as práticas agrícolas intensivas e a utilização de pesticidas, a poluição ambiental, as espécies exóticas invasoras, os agentes patogénicos e as alterações climáticas.

2.2.4.

Um recurso alimentar (néctar e pólen) diversificado e disponível em quantidades suficientes ao longo de todo o ano é também um fator essencial para o desenvolvimento adequado das abelhas, bem como para assegurar uma produção mais regular de mel para os apicultores (6).

2.2.5.

O declínio das abelhas faz parte de um contexto mais global de erosão da biodiversidade. Com efeito, o relatório de avaliação mundial da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos, elaborado em 2019 pela IPBES (7), constatou uma erosão sem precedentes da biodiversidade.

2.2.6.

Após estes relatórios da IPBES, em maio de 2022, o Institut national de recherche pour l’agriculture, l’alimentation et l’environnement [Instituto Francês de Investigação sobre a Agricultura, a Alimentação e o Ambiente] (INRAE) e o Institut français de recherche pour l’exploitation de la mer [Instituto Francês de Investigação sobre a Exploração do Mar] (Ifremer) publicaram em conjunto uma análise científica especializada sobre os efeitos dos produtos fitofarmacêuticos na biodiversidade e nos serviços ecossistémicos (8). Esta análise destaca o aspeto multifacetado do declínio da biodiversidade, bem como a dificuldade em determinar a quota-parte de responsabilidade dos produtos fitofarmacêuticos nesse declínio, devido à interdependência dos diferentes fatores. No entanto, os conhecimentos científicos permitiram à análise científica especializada estabelecer um nexo de causalidade claro entre a utilização de produtos fitofarmacêuticos e o declínio de certas populações: tal acontece com os insetos polinizadores.

2.3.   A Comissão está a elaborar ou já adotou vários atos jurídicos a favor das abelhas, da utilização sustentável de pesticidas, da restauração da biodiversidade e do acompanhamento dos agricultores na transição agroecológica

2.3.1.

No que toca à proteção das abelhas e dos polinizadores, a UE lançou em 2018 a iniciativa da UE relativa aos polinizadores, que visa combater o declínio dos polinizadores selvagens na UE e que abarca dez ações divididas em três temas prioritários:

melhorar os conhecimentos acerca do declínio dos polinizadores, das suas causas e das suas consequências;

combater as causas do declínio dos polinizadores;

sensibilizar, envolver a sociedade em geral e promover a colaboração.

No entanto, o Tribunal de Contas Europeu concluiu, no seu Relatório Especial n.o 15/2020 sobre a proteção dos polinizadores selvagens na UE (9), que «esta iniciativa teve poucos efeitos sobre o declínio e que precisa de uma melhor gestão para alcançar os seus objetivos». Aliás, a própria Comissão reconheceu, no seu relatório sobre a aplicação da iniciativa (10), que, embora tenham sido realizados progressos significativos na execução das ações da iniciativa, são ainda necessários esforços para combater as diferentes causas do declínio.

2.3.2.

No que diz à redução dos impactos e dos riscos dos produtos fitossanitários, a Comissão deu início à revisão da sua diretiva relativa à utilização sustentável dos pesticidas, a fim de dar resposta ao grave problema da eficácia limitada desse ato jurídico no que toca a reduzir a utilização de pesticidas e os riscos para a saúde humana e o ambiente, tendo, para tal, apresentado um novo projeto de regulamento, em junho de 2022 (11). Entre as principais medidas, contam-se as seguintes:

metas juridicamente vinculativas a nível da UE de redução em 50 % da utilização e dos riscos de pesticidas químicos, bem como da utilização dos pesticidas mais perigosos até 2030;

novas medidas para assegurar a aplicação, por parte dos agricultores, da proteção integrada contra as pragas;

a proibição de todos os pesticidas em zonas sensíveis, salvo derrogação devidamente enquadrada.

2.3.3.

A colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado da UE é estritamente regulamentada. O quadro jurídico que rege a colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado da UE é estabelecido pelo Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho (12), nos termos do qual, as avaliações dos riscos são realizadas antes da aprovação de uma substância ativa a nível europeu, a fim de evitar potenciais efeitos adversos na saúde ou no ambiente. Além disso, as orientações sobre a avaliação dos riscos dos produtos fitofarmacêuticos para as abelhas (Documento de Orientação sobre as Abelhas, ou «Bee Guidance Document» (13)) estão atualmente a ser revistas para levar em consideração os mais recentes avanços científicos neste domínio.

2.3.4.

No que toca à restauração da biodiversidade nas zonas agrícolas, a UE pode apoiar-se na rede Natura 2000 (ainda que esta não diga respeito apenas a zonas agrícolas) e nas Diretivas Aves (14) e Habitats (15), que constituem a base da legislação da UE em matéria de conservação da natureza. A Comissão colocou igualmente em prática a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 (16), que contém, nomeadamente, ações e compromissos que visam restaurar a biodiversidade nas zonas agrícolas, tal como estabelecido na proposta de regulamento relativo à restauração da natureza (17), apresentado pela Comissão em 22 de junho de 2022. Em especial, o artigo 8.o da proposta estabelece o objetivo vinculativo de os Estados-Membros reverterem o declínio das populações de polinizadores até 2030, e o artigo 9.o exige medidas de restauração dos ecossistemas agrícolas, como a cobertura de, pelo menos, 10 % das terras agrícolas da UE constituídas por «elementos paisagísticos de grande diversidade» até 2030.

2.3.5.

No atinente ao acompanhamento dos agricultores na transição, a nova política agrícola comum (PAC) 2023-2027 é um instrumento fundamental para alcançar os objetivos ambiciosos do Pacto Ecológico Europeu e para acompanhar os agricultores. Um relatório especial do Tribunal de Contas já tinha demonstrado, em 2020, que o contributo da atual PAC não conseguira travar o declínio da biodiversidade nas terras agrícolas (18). O Tribunal de Contas concluiu que «o acompanhamento da Comissão da despesa em biodiversidade do orçamento da UE não é fiável; o impacto dos pagamentos diretos da PAC é reduzido ou desconhecido» e, por fim, que «a Comissão e os Estados-Membros favoreceram medidas de desenvolvimento rural de baixo impacto». A reforma da PAC prevê novas medidas para melhorar o seu impacto ambiental, tais como o reforço da condicionalidade.

2.3.6.

Os textos e trabalhos europeus noutros setores que não a agricultura podem também ter um efeito benéfico indireto nos polinizadores, como o pacote legislativo Objetivo 55, cujo nome refere o objetivo da UE de reduzir as suas emissões de carbono em 55 % até 2030 (visto que as abelhas também são afetadas pelas alterações climáticas), o Plano de Ação para a Poluição Zero, que visa eliminar a poluição do ar, da água e do solo, a Diretiva Energias Renováveis ou a nova Estratégia da UE para as Florestas, que estabelece a ambição da Comissão de plantar três mil milhões de árvores em toda a Europa até 2030.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE salienta a importância das ICE enquanto instrumento de participação direta dos cidadãos europeus. Com efeito, a ICE é o instrumento mais forte de democracia participativa a nível europeu. O CESE, enquanto ponte entre as organizações da sociedade civil e as instituições europeias, tem vindo ao longo dos anos a dar um lugar de maior destaque às ICE e a conferir-lhes mais visibilidade no trabalho quotidiano das instituições europeias. Congratula-se com o facto de o presente parecer ter por objeto uma ICE que ainda não foi validada pela Comissão Europeia, e convida esta a responder com precisão aos pedidos apresentados.

3.2.

O CESE lamenta que a proposta principal da ICE, que consiste na eliminação progressiva total dos pesticidas sintéticos até 2035, não seja destacada no título escolhido: «Salvar as abelhas e os agricultores!» Salienta que a Comissão está a elaborar ou já adotou vários atos jurídicos para tentar responder a estes pedidos, mas reconhece que essas medidas não permitiram alcançar plenamente os objetivos a que se propunham. Por conseguinte, solicita à Comissão que tome medidas adicionais para alcançar concretamente e de forma mais rápida os referidos objetivos. No entanto, o CESE salienta a necessidade de ter em conta todos os três pilares da sustentabilidade (ambiental, social e económico), num contexto essencial de sustentabilidade dos sistemas e de soberania alimentar, bem como a necessidade de realizar avaliações de impacto antes de tomar qualquer decisão, a fim de aferir, designadamente, os custos da iniciativa para a produção agrícola e a economia.

4.   Observações na especialidade

4.1.

Relativamente ao pedido da ICE de que seja progressivamente reduzida, em 80 %, a utilização de pesticidas sintéticos na agricultura da UE até 2030, começando pela eliminação dos produtos mais perigosos, de modo que os pesticidas sintéticos deixem de ser utilizados até 2035:

4.1.1.

O CESE adverte contra a proposta de fixar objetivos idealistas ou inexequíveis num prazo demasiado apertado. Salienta que a Comissão já propõe a redução em 50 % da utilização e dos riscos de pesticidas químicos, bem como da utilização dos pesticidas mais perigosos até 2030. Opõe-se, mais globalmente, à fixação de objetivos de redução dos pesticidas independentemente de estarem ou não disponíveis soluções alternativas eficazes e acessíveis para os agricultores.

4.1.2.

O CESE salienta que o quadro regulamentar dos produtos fitofarmacêuticos na Europa é um dos mais exigentes no mundo no que toca aos objetivos, uma vez que estabelece como princípio a inexistência de efeitos inaceitáveis no ambiente.

4.1.3.

Na opinião do CESE, uma vez que o declínio das abelhas comuns e dos polinizadores selvagens tem várias causas, a eliminação dos pesticidas não deve ser encarada como a única ou a principal alavanca para as salvar. É essencial combater todos os fatores de declínio. Por exemplo, no caso das abelhas comuns, a luta contra a varroa jacobsoni e a vespa asiática são preocupações importantes para os apicultores profissionais, que esperam novas soluções de tratamento que protejam melhor as suas abelhas.

4.1.4.

O CESE salienta a importância das abelhas comuns, dos polinizadores selvagens e de outros insetos para a agricultura (polinização das culturas, regulação natural de pragas, etc.). Aponta como exemplo as parcerias vantajosas tanto para agricultores como para apicultores, como a intitulada «Adota uma colmeia!» (19), lançada pelos agricultores. Com efeito, os agricultores que adotam colmeias dão especial atenção à proteção das abelhas ao aplicarem tratamentos fitossanitários para proteger as suas culturas. Seria igualmente necessário desenvolver regimes do tipo «Alerta Abelha» (20), que permitem contabilizar a mortalidade das colmeias e determinar objetivamente as causas dessa mortalidade.

4.2.

Relativamente ao pedido da ICE de restaurar os ecossistemas naturais nas zonas agrícolas, para que a agricultura se torne um meio de restauração da biodiversidade:

4.2.1.

O CESE salienta que a atividade humana, como determinadas práticas agrícolas, é uma das causas do declínio dos polinizadores e da biodiversidade, mas que a agricultura pode também ser uma solução. O Comité gostaria, por exemplo, que fossem apoiados mais projetos como a replantação de sebes ou o desenvolvimento de recursos melíferos pelos agricultores, a fim de os envolver como agentes na proteção das abelhas e da biodiversidade. Além disso, será essencial remunerar melhor os agricultores pelos serviços ecossistémicos que prestam, a fim de os apoiar na realização deste tipo de projetos.

4.2.2.

O CESE reconhece a forte ambição da Comissão de fazer da agricultura um meio para a restauração da biodiversidade, através dos objetivos e medidas da Estratégia de Biodiversidade e da Estratégia do Prado ao Prato, bem como através da proposta de regulamento relativo à restauração da natureza, e manifesta a sua preocupação com o respeito da soberania alimentar da União Europeia.

4.2.3.

O CESE considera importante valorizar também os esforços voluntários das iniciativas agrícolas em prol dos polinizadores ou da biodiversidade que têm surgido em toda a Europa. Por exemplo, em França, a Fédération Nationale des Syndicats d’Exploitants Agricoles [Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores] publicou uma compilação de iniciativas agrícolas favoráveis aos polinizadores (21). A fim de multiplicar as boas práticas de agricultura favorável às abelhas, este documento identifica iniciativas voluntárias em França que beneficiam os polinizadores, reunindo exemplos inspiradores, positivos e pragmáticos. Seguindo o mesmo princípio, foi lançada na Dinamarca, em 2018, uma campanha de comunicação intitulada «10 bee-friendly recommendations for your farm» [Dez recomendações favoráveis às abelhas para a sua exploração agrícola] (22), que promove várias iniciativas voluntárias que os agricultores podem tomar nas suas explorações, tais como a plantação de sebes e a criação de faixas de flores, ou a aplicação controlada de produtos fitofarmacêuticos, pulverizando em condições climáticas adequadas (por exemplo, vento fraco), ou recorrendo a sistemas que permitam evitar a utilização exagerada.

4.2.4.

O CESE entende que, para restaurar os ecossistemas naturais nas zonas agrícolas, a Comissão devia servir-se de um conjunto de alavancas, como a manutenção e restauração de infraestruturas agroecológicas, a diversificação das culturas para favorecer a criação de um mosaico de culturas na paisagem, o desenvolvimento da agrossilvicultura, da agricultura biológica e de produtos com marcas de identificação de qualidade e origem, a manutenção de prados permanentes, a redução da utilização de pesticidas e dos respetivos impactos, etc.

4.3.

Relativamente ao pedido da ICE de reformar a agricultura, dando prioridade a uma agricultura diversificada e sustentável em pequena escala, promovendo um rápido aumento das práticas agroecológicas e biológicas e permitindo a formação dos agricultores e a investigação independentes no domínio da agricultura sem pesticidas:

4.3.1.

O CESE chama a atenção para a existência de um relatório de 300 peritos de 23 Estados-Membros, que analisaram os potenciais efeitos da futura PAC na proteção e restauração da biodiversidade (23). Os cientistas apresentam propostas concretas para melhorar o impacto da PAC na biodiversidade e para acompanhar os agricultores nesta transição. O CESE recomenda que a Comissão e os Estados-Membros se inspirem nesse documento no âmbito da reforma da PAC, que é um instrumento poderoso para a reforma da agricultura.

4.3.2.

No entanto, o CESE considera que será impossível efetuar uma transição agroecológica e melhorar a biodiversidade apenas a partir de Bruxelas através da PAC e, por isso, realça também a importância do nível local. Com efeito, para que seja possível ajustar as medidas às especificidades das regiões, é necessário elaborar soluções locais em cooperação com os agricultores e os proprietários fundiários.

4.3.3.

Além disso, o CESE gostaria de sublinhar o seu empenho na procura de alternativas eficazes, para que nenhum agricultor fique sem solução. Por conseguinte, gostaria de encorajar mais vigorosamente a agricultura de precisão, a agricultura digital, o controlo biológico, a robótica, mas também a agroecologia, com uma componente financeira significativa para o desenvolvimento da investigação, a aplicação de inovações e a adoção destas pelo setor e pelos agricultores.

4.3.4.

O CESE reconhece a importância da apicultura enquanto setor económico em muitos Estados-Membros, que contribui, nomeadamente, para o desenvolvimento rural e para a fixação das populações nos territórios. Tendo em conta a produção deficitária de mel na Europa, importa reforçar o apoio à apicultura e à valorização económica do mel e de outros produtos das colmeias (pólen, cera, geleia real, etc.), a fim de manter uma apicultura profissional e respeitadora do ambiente, capaz de satisfazer as necessidades de consumo de mel da Europa. O CESE salienta igualmente a importância de os apicultores se associarem junto de organizações profissionais para se estruturarem melhor e defenderem mais eficazmente os interesses da apicultura europeia. Em particular, gostaria que a Comissão aproveitasse a oportunidade da próxima revisão da Diretiva relativa ao mel para reforçar a rotulagem e a rastreabilidade do mel, a fim de combater mais eficazmente as fraudes e as importações de países terceiros que não cumprem as normas da UE, que enfraquecem a produção europeia de mel.

4.3.5.

Por último, para que a transição agroecológica seja aceitável para os agricultores europeus, o CESE recomenda à Comissão que aplique rapidamente a reciprocidade das normas, a fim de limitar distorções da concorrência para os agricultores europeus.

Bruxelas, 15 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Regulamento (UE) 2019/788 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, sobre a iniciativa de cidadania europeia (JO L 130 de 17.5.2019, p. 55).

(2)  Nieto et al., 2014. European Red List of Bees [Lista Vermelha Europeia de Abelhas].

(3)  Williams, 1994. «The dependence of crop production within the European Union on pollination by honeybees» [Dependência da produção vegetal em relação à polinização por abelhas na União Europeia].

(4)  Ollerton et al., 2011. «How many flowering plants are pollinated by animals?» [Quantas plantas em flor são polinizadas por animais?]

(5)  IPBES, 2016. «Rapport d’évaluation sur les pollinisateurs, la pollinisation et la production alimentaire» [Relatório de avaliação sobre os polinizadores, a polinização e a produção alimentar].

(6)  ITSAP, 2015. «Ressources alimentaires pour les abeilles» [Recursos alimentares para as abelhas].

(7)  IPBES, 2019. «Le rapport de l’évaluation mondiale de la biodiversité et des services écosystémiques» [Relatório de avaliação mundial da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos].

(8)  INRAE e Ifremer, 2022. «Impacts des produits phytopharmaceutiques sur la biodiversité et les services écosystémiques» [Efeitos dos produtos fitofarmacêuticos na biodiversidade e nos serviços ecossistémicos].

(9)  Tribunal de Contas Europeu. Relatório Especial n.o 15/2020.

(10)  COM(2021) 261 final.

(11)  COM(2022) 305 final.

(12)  Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Directivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO L 309 de 24.11.2009, p. 1).

(13)  EFSA, 2022. «Revised guidance on the risk assessment of plant protection products on bees (Apis mellifera, Bombus spp. and solitary bees)» [Orientações revistas sobre a avaliação dos riscos dos produtos fitofarmacêuticos para as abelhas (Apis mellifera, Bombus spp. e abelhas solitárias)].

(14)  Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 20 de 26.1.2010, p. 7).

(15)  Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da flora selvagens (JO L 206 de 22.7.1992, p. 7).

(16)  COM(2020) 380 final.

(17)  COM(2022) 304 final.

(18)  Tribunal de Contas Europeu. Relatório Especial n.o 13/2020.

(19)  Le Betteravier. «Quand 14 agriculteurs de l’Aisne deviennent apiculteurs» [Quando 14 agricultores de Aisne se tornam apicultores].

(20)  20 Minutes. «Toulouse: Pour suivre la mortalité des abeilles, BeeGuard met au point un compteur vidéo sur ses ruches connectées» [Toulouse: Para vigiar a mortalidade das abelhas, a BeeGuard desenvolve um contador vídeo para as suas colmeias].

(21)  EFSA, 2022. «Recueil des initiatives agricoles favorables aux pollinisateurs» [Compilação de iniciativas agrícolas favoráveis aos polinizadores].

(22)  Conselho Dinamarquês da Agricultura e da Alimentação, 2018. «10 bee-friendly recommendations for your farm» [Dez recomendações favoráveis às abelhas para a sua exploração agrícola].

(23)  Pe’er et al., 2022. «How can the European Common Agricultural Policy help halt biodiversity loss? Recommendations by over 300 experts» [Como pode a política agrícola comum europeia contribuir para travar a perda de biodiversidade? Recomendações de mais de 300 peritos].


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/51


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Crise dos preços dos produtos alimentares: papel da especulação e propostas concretas de ação na sequência da guerra na Ucrânia

(parecer de iniciativa)

(2023/C 100/08)

Relator:

Peter SCHMIDT

Decisão da Plenária

14.7.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

24.11.2022

Adoção em plenária

15.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

157/7/5

1.   Conclusões e recomendações

O Comité Económico e Social Europeu (CESE):

1.1.

chama a atenção para a crise mundial dos preços dos produtos alimentares, que foi agravada pela guerra na Ucrânia e resultou na perturbação do fornecimento de uma série de produtos alimentares vitais, como o trigo e o óleo de girassol; salienta que a crise não se deve apenas ao conflito mas também a problemas estruturais e sistémicos que originam fome e põem em risco os meios de subsistência das populações a nível mundial; os produtos alimentares não devem ser tratados como um ativo financeiro, uma vez que não são uma mercadoria igual às outras;

1.2.

embora reconheça que o problema dos preços dos produtos alimentares e da especulação é extremamente complexo, devendo o nexo de causalidade entre os dois ser objeto de uma maior investigação, a atual estrutura do mercado de mercadorias não está a corresponder à «economia sustentável de que necessitamos», nem aos objetivos de desenvolvimento sustentável e de ambição climática e transição justa consagrados na Agenda 2030 da ONU e no Pacto Ecológico Europeu, mas antes dificulta ativamente a sua consecução. Compromete os esforços para solucionar o problema da fome, promover rendimentos justos para os agricultores e os trabalhadores e preços justos para os consumidores e não protege as pequenas e médias empresas de transformação de produtos alimentares e o setor retalhista contra os riscos do aumento da inflação. Por conseguinte, importa alterá-la, através de regulamentação, para que contribua para o bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento social no quadro da aplicação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Tendo em conta que a UE já é o mercado mais regulamentado, é evidente que, para ser eficaz, essa regulamentação deve ser alargada a nível mundial;

1.3.

realça a necessidade de abordar a concentração das cadeias alimentares e da participação financeira nas mesmas; salienta que o comércio mundial de cereais está altamente concentrado, havendo quatro empresas que, segundo estimativas, controlam entre 70 e 90 por cento desse comércio: a Archer-Daniels-Midland, a Bunge, a Cargill e a Louis Dreyfus. Estas empresas agem como um oligopólio não só no comércio mundial de cereais mas também na informação sobre as condições fundamentais do mercado, para além de estarem altamente financeirizadas;

1.4.

assinala que os fundos de índices cotados (Exchange Traded Funds — ETF) e fundos mutualistas baseados em índices, incluindo os ligados especificamente aos produtos alimentares e à agricultura, representam novas formas, amplamente utilizadas, de realizar investimentos financeiros e de obter lucros, sendo que os cidadãos comuns participam cada vez mais nestes veículos de investimento através dos seus fundos de pensões e contas poupança reforma. O aumento destes fundos de investimento associados a participações no capital tem o efeito de reconfigurar os sistemas agroalimentares de formas que dão prioridade às necessidades dos acionistas, em vez de a outros objetivos sociais e ambientais;

1.5.

assinala que os preços elevados e em rápido aumento, bem como o secretismo em torno dos detentores das ações, geram incerteza e alimentam o medo e o pânico. Por sua vez, o medo e o pânico, especialmente em momentos de elevada incerteza, como na sequência da guerra na Ucrânia, dão origem a preços excessivamente elevados e a uma volatilidade excessiva, num contexto em que os especuladores, aproveitando a subida vertiginosa dos preços, dominam o mercado;

1.6.

apela aos Estados-Membros e às instituições da UE para que melhorem a transparência do mercado, em especial através das seguintes ações:

prestação de informações sobre os aspetos ambiental, social e de governação (ASG) e divulgação de dados não financeiros dos intervenientes envolvidos em atividades especuladoras. Importa investigar o papel das notações ASG no que toca à especulação sobre produtos alimentares,

cada interveniente mundial deve prestar contas ao Sistema de Informação sobre Mercados Agrícolas, incluindo países e agentes privados,

escrutinar melhor as transações no mercado de balcão (OTC);

1.7.

salienta que os mercados de derivados de mercadorias prestam serviços essenciais aos produtores e utilizadores de produtos de base alimentares, nomeadamente no que diz respeito à gestão de risco e à determinação de preços, e que o funcionamento desses mercados é prejudicado pela atividade especuladora; insta os Estados-Membros e as instituições da União Europeia (UE) a tomarem as medidas necessárias para limitar a especulação excessiva no mercado de mercadorias, em especial:

1.7.1.

regulamentando o mercado de futuros:

reintroduzir um mercado regulamentado de derivados de produtos alimentares, como foi o caso durante várias décadas, até ao final do século passado, o que preserva a função dos futuros no domínio da cobertura (hedging). Os futuros são importantes para os agricultores, a fim de gerir os riscos, permitindo-lhes fixar os preços tanto das matérias de base como da produção para um determinado momento no futuro,

introduzir restrições rigorosas à evolução dos preços e limites diários às posições logo que as atividades de negociação nos mercados de futuros de mercadorias revelem anomalias (Diretiva Mercados de Instrumentos Financeiros — DMIF II). Os limites às posições devem ser recalibrados para refletir o interesse genuíno de uma parte na negociação no que diz respeito à necessidade de cobertura da exposição ao risco real,

restringir o acesso aos derivados/à cobertura (hedging) a investidores e operadores qualificados e conhecedores, que tenham um interesse genuíno nas mercadorias agrícolas subjacentes,

introduzir obrigações contratuais de curto, médio e longo prazo, a fim de conferir estabilidade,

incentivar o abandono da especulação financeira sobre os produtos alimentares por parte dos bancos e das sociedades de gestão de fundos através da introdução de requisitos mais exigentes em matéria de capital, a fim de reduzir os efeitos de alavanca;

1.7.2.

regulamentando os índices (índices de mercadorias e índices alimentares):

regulamentar e proibir os fundos de mercadorias indexados e a replicação através de permutas financeiras (swaps) e de produtos de índices cotados, uma vez que isso maximiza a ligação entre os mercados da energia e dos produtos alimentares; os limites às posições não funcionam para operadores de índices de mercadorias ou operadores de permutas financeiras, porque as suas operações são sincronizadas,

por termo aos fundos públicos/fundos mutualistas (1) para intervenientes envolvidos na especulação sobre produtos alimentares e impedir que intervenientes públicos comercializem derivados de produtos alimentares para fins especulativos que não sirvam o interesse público,

proibir a inclusão de mercadorias agrícolas (soft commodities) (por exemplo, fundos, fundos de índices cotados) nas carteiras de intervenientes institucionais (por exemplo, fundos de pensões, seguros),

tendo em conta a necessidade de regular este mercado, importa continuar a formular recomendações concretas em futuros pareceres do CESE;

1.7.3.

combatendo a financeirização do setor alimentar, que constitui uma forma de obter lucros avultadíssimos às custas das pessoas:

introduzir um imposto mundial sobre os lucros extraordinários antes de dividendos realizados pelas sociedades comerciais e financeiras e um imposto sobre a especulação alimentar (2) para travar a negociação de alta frequência,

desmantelar os oligopólios a todos os níveis da cadeia de comércio alimentar internacional, bem como os interesses financeiros.

2.   Contexto — Crise dos preços dos produtos alimentares na sequência da guerra na Ucrânia

2.1.

Apesar das esperanças de que o mundo saísse mais rapidamente da crise e de que a segurança alimentar começasse a recuperar dos efeitos da pandemia em 2021, a fome no mundo continuou a aumentar nesse ano. As disparidades no impacto da pandemia e na recuperação, juntamente com a abrangência e duração limitadas das medidas de proteção social, levou ao agravamento das desigualdades, que contribuíram para mais revezes em 2021 nos esforços para alcançar a meta de eliminar a fome até 2030, afetando em particular as mulheres e as crianças. Calcula-se que entre 702 e 828 milhões de pessoas no mundo (o que corresponde a entre 8,9 e 10,5 por cento da população mundial, respetivamente) tenham enfrentado situações de fome em 2021 — um aumento total de 150 milhões de pessoas desde 2019, antes da pandemia de COVID-19 (3).

2.2.

A guerra em curso na Ucrânia, que envolve dois dos maiores produtores mundiais de cereais de base, de sementes oleaginosas e de fertilizantes, bem como outros choques externos, estão a perturbar as cadeias de abastecimento internacionais e a encarecer os preços dos cereais, dos fertilizantes e da energia. Isto num contexto em que as cadeias de abastecimento ainda estão a recuperar da COVID-19 e a ser já adversamente afetadas por acontecimentos climáticos extremos, cada vez mais frequentes, especialmente em países de baixos rendimentos, o que tem potencialmente implicações graves para a segurança alimentar e a nutrição a nível mundial. Embora não exista uma situação de penúria, o conflito causou uma carência temporária e uma profunda perturbação da cadeia de abastecimento alimentar, bem como problemas de distribuição (4) , incluindo nos locais onde se encontram as existências, e teve repercussões negativas na produção (colheita e plantação/sementeira) na Ucrânia.

2.3.

Durante 2022, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) assinalou um aumento recorde do índice dos preços da alimentação, com preços 34 % mais elevados do que no ano anterior. Importa assinalar que o índice da FAO dos preços dos alimentos já atingira, em janeiro deste ano, níveis tão elevados como os máximos atingidos em 2008. Neste contexto, era inevitável que um choque no abastecimento, que afeta dois dos principais exportadores mundiais de cereais, desestabilizasse os mercados mundiais até certo ponto. Contudo, a gravidade e escala da atual volatilidade de preços só em parte se pode explicar à luz das condições fundamentais do mercado. Uma das falhas fundamentais do sistema alimentar, que fez da crise na Ucrânia uma crise mundial de segurança alimentar, é a natureza opaca e disfuncional dos mercados dos cereais (5).

2.4.

Na sua Resolução — Ucrânia — da ajuda à reconstrução: propostas da sociedade civil europeia, o CESE chama a atenção para a crise mundial dos preços dos produtos alimentares, que foi exacerbada pela guerra na Ucrânia, e insta os Estados-Membros e as instituições da UE a adotarem as medidas necessárias para travar a especulação sobre as mercadorias e para melhorar a transparência do mercado. O Parlamento Europeu, em duas resoluções recentes, apelou igualmente a medidas destinadas a prevenir a especulação excessiva (6).

2.5.

A atual estrutura do mercado de mercadorias não está a corresponder à «economia sustentável de que necessitamos» (7) , nem aos objetivos de desenvolvimento sustentável e de ambição climática e transição justa consagrados na Agenda 2030 da ONU e no Pacto Ecológico Europeu. Além disso, também não está a contribuir para promover rendimentos justos para os agricultores (8) e trabalhadores, assim como preços justos para os consumidores, nem para proteger os transformadores de produtos alimentares (especialmente as PME) e o setor retalhista contra os riscos do aumento da inflação.

3.   Papel e implicações da especulação sobre mercadorias: mercados e mecanismos

3.1.

A especulação é um investimento efetuado na esperança de obter um lucro futuro, com risco de perda. A especulação sobre mercadorias pode assumir três formas: (i) a simples compra ou venda de uma mercadoria física, (ii) a compra ou venda de um contrato que especifica a aquisição futura ou a entrega futura de uma mercadoria, e (iii) a compra ou venda de participações no capital ou de dívida de uma empresa que produza ou comercialize mercadorias. Os contratos de mercadorias padronizados são denominados «contratos de futuros» ou «derivados de mercadorias» e são comercializados em mercados de derivados de mercadorias, que são mercados financeiros regulamentados. Assim, a especulação sobre mercadorias pode ocorrer tanto em mercados de mercadorias físicos como em financeiros, bem como indiretamente, em mercados de ações e de obrigações.

3.2.

Os mercados de derivados de mercadorias assistiram, desde o início da década de 2000, após alterações aos quadros regulamentares que os regiam, a uma entrada em grande escala de liquidez proveniente de investidores «não tradicionais». À chegada de novos operadores deu-se o nome de «financeirização» dos mercados de mercadorias (9). Embora o aumento da liquidez tenha contribuído para a profundidade dos mercados de derivados de mercadorias, dificultando a manipulação dos mesmos, introduziu também uma procura especulativa que não está relacionada com as condições do mercado físico de mercadorias e que mina a capacidade destes de cumprirem funções essenciais.

3.3.

Na sua forma original, os mercados regulados de derivados de mercadorias cumprem duas funções principais: (i) gestão de riscos para os produtores e utilizadores de mercadorias, e (ii) determinação dos preços. A gestão dos riscos é feita através da cobertura, o que significa assumir posições compensatórias nos mercados físico e de derivados, fixando desta forma o preço da mercadoria na altura em que é efetuada a cobertura. A cobertura requer uma relação estreita entre os mercados de futuros das mercadorias e o mercado físico. Para assegurar essa relação estreita, o comércio físico tende a assumir como padrão (benchmark) o preço do derivado. Embora esta prática assegure a eficácia da cobertura, assegura também uma transposição direta das posições especulativas dos mercados de derivados para o mercado físico.

3.4.

Os contratos de futuros são negociados com diferentes prazos de maturidade, medidos em meses. Cada contrato de futuros tem um vendedor e um comprador acordados. As ofertas feitas pelos compradores e vendedores são igualadas pela câmara de compensação envolvida na transação. O preço acordado não é pago na totalidade. Em vez disso, ambas as partes transferem um depósito de segurança para uma conta-margem registada na câmara de compensação. As perdas e ganhos são tirados diretamente do depósito de segurança. Assim, a comercialização de futuros de mercadorias é altamente alavancada.

3.5.

Quando um contrato de futuros se aproxima da data de maturidade, os corretores têm duas opções: (i) conservar o contrato e forçar (no caso do vendedor) ou aceitar (no caso do comprador) a entrega, ou (ii) assumir uma posição compensatória para encerrar o contrato antes da data de vencimento. A grande maioria dos contratos de futuros de mercadorias é liquidada por posições compensatórias. Por conseguinte, o comércio de futuros de mercadorias não obriga o operador a deter a mercadoria física que está a vender, nem a deter capacidade de armazenamento para armazenar a mercadoria que está a comprar.

3.6.

Apenas corretores têm autorização para operar em bolsas de mercadorias registadas. Os corretores efetuam transações em nome dos seus clientes e para seu benefício próprio. Existe um amplo mercado secundário em que os derivados de mercadorias são vendidos e reestruturados fora da bolsa. Os contratos de futuros são também comercializados fora das bolsas regulamentadas, em transações denominadas como «do mercado de balcão» (Over The Counter — OTC), em que os acordos são feitos sem a intervenção de uma câmara de compensação. Isto torna os derivados de mercadorias facilmente acessíveis aos pequenos investidores, especialmente sob a forma de fundos de índices cotados para determinadas mercadorias ou índices de mercadorias (10).

3.7.

Devido à desregulação dos mercados de derivados de mercadorias e à facilidade da comercialização, estes mercados são altamente líquidos e o volume do comércio de derivados de mercadorias excede em muito o do comércio de mercadorias físicas. A liquidez é um requisito essencial para a determinação dos preços. A determinação dos preços é a capacidade do mercado de refletir, corretamente e em tempo útil, informações sobre as condições de oferta e de procura físicas. A determinação dos preços ocorre se todos os operadores assumirem posições de forma independente e baseados apenas no seu conhecimento das condições de oferta e procura físicas (e apenas neste caso); a essas condições dá-se o nome de «condições fundamentais do mercado». A determinação do preço é minada por operadores que assumem posições não relacionadas com as condições fundamentais do mercado.

3.8.

Nem todos os operadores assumem posições com base nas condições fundamentais do mercado (11). A literatura científica faz uma distinção entre operadores ativos e passivos. Os operadores ativos subdividem-se entre operadores informados e não informados. Os operadores ativos e informados são as sociedades de intermediação bolsista, que comercializam futuros de mercadorias para fins de cobertura e especulativos, no âmbito da sua atividade principal, e gestores de fundos especialistas (por exemplo, fundos especulativos), que aplicam estratégias de comercialização baseadas em informações do mercado.

3.9.

Os operadores ativos e não informados (operadores de ciclo positivo) são gestores de fundos que empregam estratégias de investimento baseadas numa análise de padrões estatística, com poucas ou nenhumas informações sobre o mercado. Os operadores passivos e não informados (operadores de índices) são investidores institucionais, como os fundos de pensões, e pequenos investidores que investem em fundos de índices cotados e que procuram expor-se a um amplo leque de preços de mercadorias, incluindo mercadorias agrícolas, energia, minerais e metais, para diversificar a sua carteira de investimentos. A exposição é alcançada através da replicação de índices de mercadorias, semelhantes aos índices do mercado de ações.

3.10.

A replicação de índices passa por assumir apenas posições longas cuja maturidade é renovada (roll-over) quando é atingida a data de maturidade do contrato de futuros. Os operadores de índices são, por conseguinte, unilaterais nas posições que assumem. As suas operações são também sincronizadas entre vários grupos de mercadorias, assinalando uma procura elevada de um amplo leque de mercadorias e levando a um movimento paralelo entre preços de diferentes grupos de mercadorias, sem relação com as condições fundamentais do mercado (12).

3.11.

Esses sinais de preço especulativos podem ser agravados pelos operadores de ciclo positivo, que aferem o apoio do mercado a uma determinada direção da evolução dos preços. Ao apostar em que o preço vai evoluir numa determinada direção, os operadores de ciclo positivo incentivam essa direção, de uma forma que se autorreforça, levando a bolhas especulativas e a uma elevada volatilidade dos preços. As bolhas especulativas podem persistir, especialmente se a informação sobre as condições fundamentais do mercado for limitada, ou seja, em época de elevada incerteza, e se os operadores não informados e passivos dominarem o mercado.

3.12.

A recolha de informações sobre o mercado é onerosa, com custos relativamente mais elevados do que a análise estatística ou a leitura rápida das notícias, especialmente nos casos em que os operadores investem em vários mercados ao mesmo tempo. Assim, os operadores informados são relativamente poucos e tendem a ser grandes sociedades de intermediação bolsista, que recolhem informações sobre o mercado como parte das suas atividades de negociação de mercadorias físicas. Esta situação torna os mercados de derivados de mercadorias vulneráveis a bolhas especulativas persistentes, em particular em períodos de incerteza e de pânico no mercado.

3.13.

O comércio físico de cereais a nível mundial está altamente concentrado, havendo quatro empresas que, segundo estimativas, controlam entre 70 e 90 por cento desse comércio e obtêm lucros excessivos: a Archer-Daniels-Midland, a Bunge, a Cargill e a Louis Dreyfus, conhecidas coletivamente como as «ABCD» (13) (a ADM registou os lucros mais elevados na sua história de quase 120 anos e um aumento anual de 38 % nos lucros de exploração (14)). Estas empresas agem como um oligopólio não só no comércio mundial de cereais mas também na informação sobre as condições fundamentais do mercado, incluindo o armazenamento. As posições de armazenamento são detidas para comercializar, por cautela, ou para especular. A informação sobre os níveis de armazenamento é cuidadosamente ocultada aos concorrentes. Como operadores, estas empresas têm uma atitude prospetiva, tentando comprar a preços baixos e vender a preços elevados.

3.14.

As ABCD estão também altamente financeirizadas. A Archer-Daniels-Midland e a Bunge são sociedades cotadas em bolsa e vulneráveis às pressões dos acionistas, que privilegiam os ganhos a curto prazo em detrimento de investimentos de longo prazo. Os acionistas incluem fundos especulativos (por exemplo, o Black Rock), bancos de investimento e, em grande medida, também investidores institucionais, como fundos de pensões. A Cargill e a Louis Dreyfus são empresas privadas que, para além de comercializarem cereais, têm também fundos especulativos, bancos, empresas de transporte, de carga, de armazenamento, imobiliárias e de infraestruturas como filiais.

3.15.

Os grandes operadores de mercadorias físicas operam tanto nos mercados de derivados como nos físicos e têm os seus próprios serviços de corretagem, para assegurar um acesso direto ao mercado de derivados de mercadorias. Além disso, exercem um grande poder sobre os seus fornecedores e clientes, o que lhes permite atrasar pagamentos para aumentar as suas reservas de liquidez ou atrasar a entrega de mercadorias caso esperem que os preços venham a mudar em seu favor. Ao contrário dos produtores e consumidores, os operadores físicos prosperam com a volatilidade dos mercados, já que as oscilações elevadas e repentinas dos preços geram oportunidades para vender posições de armazenamento e financeiras, gerando elevados lucros num curto espaço de tempo.

3.16.

Os preços elevados e em aumento, bem como o secretismo em torno dos detentores das ações, alimentam o medo e o pânico. Por sua vez, o medo e o pânico, especialmente em momentos de elevada incerteza, como na sequência da guerra na Ucrânia, dão origem a preços excessivamente elevados e a uma volatilidade excessiva, num contexto em que os especuladores, aproveitando a subida vertiginosa dos preços, dominam o mercado (15). Os operadores físicos têm pouco interesse em intervir a curto e a médio prazo, uma vez que os preços elevados aumentam o valor das suas posições especulativas e de comercialização de armazenamento, que vendem com lucros avultadíssimos. As operadoras ABCD tiveram todas lucros recorde, ou quase, em 2021.

3.17.

Os preços excecionalmente elevados geram receios de escassez no abastecimento e de preços proibitivamente elevados, além de que aumentam a procura de capacidades de armazenamento, por precaução. O açambarcamento de mercadorias alimentares, quer através da acumulação de importações ou da introdução de proibições à exportação, geram uma escassez artificial no mercado físico, o que alimenta ainda mais a subida dos preços. Os aumentos especulativos dos preços são, assim, validados a posteriori pelas condições fundamentais do mercado, numa dinâmica que se autorreforça. Durante a crise alimentar de 2008, a Índia reagiu aos elevados preços dos cereais através da introdução de uma proibição da exportação de arroz, o que levou a um aumento acentuado dos preços do arroz. Atualmente, a China está a acumular elevadas quantidades de milho, arroz e trigo, preocupada com uma possível escassez (16). Embora os governos que açambarcam mercadorias alimentares atuem de forma especulativa, essa atitude é motivada pelo medo e pela vontade de assegurar o direito dos seus cidadãos à alimentação, e não por um desejo de obter lucros. Assim, estas atividades são claramente distintas das atividades de especulação levadas a cabo por operadores dos mercados financeiros e físicos. O açambarcamento por parte dos governos e dos consumidores é uma reação aos elevados preços dos produtos alimentares, não uma causa, e não contribui para a segurança alimentar e a autonomia estratégica nem na UE nem nos países em desenvolvimento.

4.   Papel das agências de notação ambiental, social e de governação (ASG) e das sociedades comerciais ativas neste domínio

4.1.

Atualmente, os rótulos ecológicos nacionais, como o UZ49 na Áustria, ou o FNG na Alemanha, não contemplam explicitamente a especulação sobre alimentos nos seus processos de avaliação. Os derivados que não são usados exclusivamente para fins de cobertura são, regra geral, proibidos. Os rótulos ecológicos consideram as cadeias de abastecimento na indústria alimentar demasiado complexas para permitir um conjunto de regras de fácil aplicação. Exemplo disso são a utilização de fertilizantes, que pode ser avaliada de forma diferente em função da sua pegada de carbono, os dados em falta para identificar problemas de apropriação ilegal de terras e a falta de transparência relativamente às atividades comerciais especulativas referidas em relatórios anuais, etc. A complexidade das cadeias de abastecimento não leva a critérios de exclusão rígidos, mas a «critérios controversos», menos importantes e mais suscetíveis de serem interpretados de forma muito diferente pelas agências de notação. Os rótulos ecológicos nacionais não contemplam nos seus processos de avaliação critérios aplicados explicitamente, associados às mercadorias agrícolas. Os critérios controversos, que se focam na governação, desempenham um papel pouco importante no processo de notação global, devido à possibilidade de serem interpretados de diversas formas. Estes critérios abrangem, na sua maioria, questões de ética empresarial, nas quais se incluem as práticas especulativas, a falta de transparência, a apropriação ilegal de terras, etc. Por exemplo, um rótulo ecológico investiga a qualidade ASG do fundo quando são usados derivados de mercadorias, mas o processo e os seus possíveis resultados são pouco claros e não documentados publicamente.

4.2.

Uma componente fulcral da notação ASG é a avaliação da governação empresarial (propriedade, controlo, composição do conselho de administração, contabilidade, etc.) e do comportamento da empresa (ética empresarial e transparência fiscal) do setor alimentar. Todavia, faltam rácios como a percentagem de transações especulativas de mercadorias agrícolas efetuadas por departamentos de tesouraria, ou informações transparentes sobre os níveis de armazenamento nas instalações de armazenamento, pelo que estes dados raramente são abrangidos pelos critérios de governação.

4.3.

As agências de notação avaliam o mercado de produtos alimentares como sendo mais vulnerável do que outros setores. Comparativamente com outros setores ASG, o setor alimentar apresenta um risco climático superior à média, uma vez que, ao mesmo tempo que contribui para os problemas climáticos (tais como o aumento da temperatura, secas, inundações, etc.), sofre também os seus efeitos. Embora a notação ASG média das empresas do setor alimentar tenha melhorado nos últimos cinco anos, o conjunto das empresas de produtos alimentares tem sido dominado por uma elevada proporção de empresas que têm um acionista de controlo, predominando os casos em que a empresa é detida por uma família. Esta estrutura empresarial acarreta riscos de governação empresarial associados a uma estrutura de propriedade complexa, com direitos de voto díspares: contratos/transações de gestão entre a empresa e o proprietário que exerce o controlo, ou entidades detidas e controladas pela mesma pessoa. A atribuição de prioridade ao enriquecimento do proprietário dominante, em detrimento da obtenção de lucros sustentáveis, poderá deixar os investidores minoritários expostos aos riscos das decisões que favorecem em grande medida os grupos familiares. A propriedade controlada é preponderante no setor dos produtos alimentares: 58,4 % das empresas que compõem o índice MSCI ACWI têm um acionista ou grupo de acionistas que controlam 30 % dos direitos de voto ou mais.

4.4.

A maioria das empresas do setor alimentar (60 %) estão registadas como estando acima do grau de investimento (BBB) da notação ASG. Quase dois em cada dez membros deste grupo de empresas têm uma notação ASG alta ou muito alta, o que leva os gestores de ativos a investirem avultadamente em ações do setor alimentar. Os preços da alimentação estão no seu nível mais elevado desde há uma década, e essa subida poderá continuar. No entanto, os investidores estão cada vez mais avessos a setores que violam os princípios ASG, como o setor do óleo de palma. Haverá uma procura crescente de carteiras de investimento assentes em mercadorias e que cumpram os critérios ASG. Entre setembro de 2008 e setembro de 2011, o índice da FAO subiu 12 %, um valor superior à inflação. O impacto do aumento dos preços dos alimentos nas ações caracterizou-se pelos seguintes aspetos: em primeiro lugar, teve repercussões amplas. A subida dos preços teve um impacto positivo nos produtores, transformadores de alimentos e nas empresas de produtos de grande consumo. Desta vez, os critérios ASG serão determinantes para as decisões de alocação de ativos. O fraco desempenho das ações de óleo de palma durante a subida de preços deste óleo em 2021 é um exemplo de como estes novos aspetos a considerar têm um impacto no preço das ações. No entanto, como se afirma nos pontos 4.1 a 4.4, estas notações ASG não contemplam o aspeto da especulação sobre alimentos. Ao considerar, por exemplo, transações altamente especulativas ou o açambarcamento excessivo de mercadorias físicas, com o consequente aumento dos preços, como parte da ética empresarial e da governação da empresa, a notação ASG global deve ser adaptada em conformidade. À luz deste facto, a notação ASG média do setor alimentar e das empresas de fundos poderá ser demasiado elevada. Importa investigar esta questão mais detalhadamente.

4.5.

Os níveis elevados, e a aumentar rapidamente, de concentração no setor agroalimentar estão a reforçar o modelo alimentar e agrícola industrial, exacerbando as suas consequências sociais e ambientais e agravando os desequilíbrios de poder existentes (17). Coletivamente, os gigantes da gestão de ativos, nomeadamente a BlackRock, a Vanguard, a State Street, a Fidelity e a Capital Group, detêm quotas significativas das empresas que dominam os vários pontos das cadeias de abastecimento agroalimentar. Tomadas no seu conjunto, estas cinco empresas de gestão de ativos detêm entre 10 e 30 % das ações das principais empresas do setor agroalimentar. As empresas que são detidas em maior grau pelas grandes empresas de gestão de ativos são as que dominam segmentos altamente concentrados do mercado, incluindo o dos meios de produção agrícola, da transação de mercadorias e dos alimentos transformados e embalados (18). Estas estratégias empresariais podem gerar coletivamente efeitos mais amplos, como um aumento das desigualdades no sistema alimentar, um enfraquecimento da inovação no setor e um aumento do poder de mercado e político das principais empresas do setor. É necessária mais investigação, a fim de formar uma base sólida que permita formular orientações políticas para o futuro, para casos de investimentos relacionados com participações no capital de empresas do setor dos alimentos e da agricultura.

4.6.

Nos casos de investimentos relacionados com participações no capital de empresas do setor agroalimentar, destacam-se vários aspetos da financeirização. Os fundos de índices cotados (Exchange Traded Funds — ETF) e fundos mutualistas baseados em índices, incluindo os ligados especificamente aos produtos alimentares e à agricultura, representam novas formas de realizar investimentos financeiros e de obter lucros, sendo que os cidadãos comuns participam cada vez mais nestes veículos de investimento através dos seus fundos de pensões e contas poupança reforma (19). O aumento destes fundos de investimento associados a participações no capital tende a reconfigurar os sistemas agroalimentares de formas que dão prioridade às necessidades dos acionistas, em vez de a outros objetivos sociais e ambientais. O fundo de índices cotados da Vaneck Vectors Agribusiness, por exemplo, é o maior fundo de índices cotados do setor agrícola e teve um rendimento médio anual de 8,32 % durante os últimos dez anos. Entretanto, o valor líquido dos seus ativos aumentou para 32 % entre 2020 e 2021.

5.   Quadro regulamentar atual: desafios e obstáculos

5.1.

A Diretiva Mercados de Instrumentos Financeiros II (2014/65/UE) impôs requisitos abrangentes de divulgação e prestação de informações a fim de limitar as transações excessivamente especulativas e de promover a transparência. A diretiva propôs limites às posições por plataforma de negociação, não apenas no que diz respeito às transações de valores mobiliários mas alargando-as também para que cubram transações equivalentes do mercado de balcão. As empresas são também obrigadas a comunicar as suas posições às plataformas de negociação e aos reguladores.

5.2.

Embora estas medidas, em especial os limites às posições, sejam úteis, têm uma eficácia limitada para travar a especulação excessiva nos mercados financeiros. Estão estreitamente associadas à questão do papel dessa especulação na formação dos preços. As críticas aos limites às posições tecidas pela sociedade civil e por académicos não se prendem apenas com a (possível) fraca aplicação dessa medida, mas também com questões regulamentares como (i) a frequência dos controlos, (ii) a ponderação dos fundos indexados na determinação dos limites às posições, e (iii) as regras de isenção dos reguladores. Os reguladores têm de dar resposta a perguntas sobre quando são acionados os limites às posições e por que motivo os avultados fluxos de capital que entraram no comércio de mercadorias agrícolas nos últimos dois anos não fizeram soar sinais de alarme. Também é essencial melhorar a transparência dos reguladores.

5.3.

Todas as transações deveriam ser comunicadas às autoridades nacionais assim que ocorrem: importa instituir a comunicação de transações em tempo real (ou tão perto disso quanto possível) para todos os derivados de mercadorias, incluindo os contratos no mercado de balcão, e em todas as principais bolsas. Devem ser feitas tantas transações quanto possível em plataformas transparentes e todos os contratos do mercado de balcão devem ser registados. Devem ser impostos aos diversos tipos de contrapartes obrigações adequadas de divulgação: os participantes no mercado e as posições devem ser categorizados por tipo de entidade (por exemplo, banco ou operador físico) e atividade (por exemplo, especulação ou cobertura) e devem ser sujeitos, em conformidade com a sua situação, a obrigações adequadas de divulgação e a restrições regulamentares.

5.4.

A Comissão Reguladora de Operações de Futuros de Commodities dos EUA, por exemplo, publica apenas dados semanais sobre as posições de negociação, apesar de existirem dados diários.

5.5.

Importa introduzir limites à variação que um preço pode sofrer, tanto para cima como para baixo, no espaço de um dia, devendo a bolsa poder encerrar o mercado se esses limites forem ultrapassados. Devem instituir-se limites temporais intradiários aos preços, inicialmente, em níveis cautelosos mas adequados, que possam tornar-se gradualmente mais rigorosos após se verificar que não são geradas consequências negativas, como falta de liquidez.

5.6.

Além disso, os limites às posições devem ser recalibrados para reduzir o impacto nos preços de um único interveniente e os limites às posições ex ante devem ser agregados para todos os mercados financeiros. Importa introduzir limites ao número de vezes que os contratos podem ser transferidos num único dia.

5.7.

As operações no mercado de balcão devem ser reguladas e as transações devem ser registadas numa câmara de compensação, para fins de monitorização. As bolsas registadas devem também ter o direito de pôr fim à negociação caso não seja possível garantir a ordem do mercado. Nenhum operador deve poder responsabilizar a bolsa por perdas incorridas devido à paragem da negociação que tenha sido imposta no âmbito das competências regulamentares da bolsa.

5.8.

Devem ser introduzidos limites agregados às posições para todos os tipos de contratos de derivados, e estes devem aplicar-se a todas as contrapartes: qualquer isenção aos limites às posições deve restringir-se a empresas que comercializem diretamente mercadorias físicas e que usem os mercados de mercadorias para cobrir riscos inerentes à sua atividade empresarial.

5.9.

Importa criar um regime fiscal que limite o recurso à especulação passiva, aos fundos de índices cotados e à negociação de alta frequência nos mercados de derivados agrícolas. Poderia recorrer-se a um imposto sobre as transações financeiras para ajudar a limitar a especulação excessiva e, ao mesmo tempo, angariar dinheiro para financiar o desenvolvimento e a ação climática. Todavia, poderá ser demasiado difícil tributar transações que ocorrem em milissegundos. Graças à negociação automatizada, a duração média de uma transação é de oito segundos. Poderá ser mais adequado tributar a bolsa como entidade, com base em critérios definidos, em vez de focar cada transação de entrada ou de saída.

5.10.

Devido à crise na Ucrânia, os preços do trigo estão a divergir em certos mercados locais: na bolsa de Chicago, o diferencial entre os preços a pronto pagamento e os valores de referência dos futuros caíram a pique quando os compradores de trigo hesitaram perante os preços de trigo mais elevados desde 2008. Esta situação pode estar a marginalizar os agricultores, que já se depararam com a pior inflação dos custos da atividade agrícola desde há anos. Esta situação no mercado à vista, provocada pela guerra, está a prejudicar a capacidade atual dos agricultores de comercializarem as suas anteriores colheitas de trigo, e até mesmo as novas. Alguns produtores afirmam que as suas ofertas foram retiradas dos elevadores de cereais. Os futuros de trigo estão completamente disfuncionais, com os preços dos futuros e os do pronto pagamento a registarem divergências acentuadas.

5.11.

A fim de contextualizar o debate sobre a futura regulamentação, salienta que a UE dispõe já dos mercados financeiros mais regulamentados. É evidente que, para ser eficaz, essa regulamentação deve ser alargada a nível mundial.

5.12.

Concluindo, a especulação no mercado financeiro não é o único fator que contribui para as dinâmicas de preços nos mercados dos futuros de mercadorias e, consequentemente, para o aumento dos preços dos alimentos, mas é um fator significativo. É necessária uma análise mais aprofundada dos instrumentos regulamentares e do seu funcionamento, bem como uma eventual adaptação dos mesmos durante a crise.

6.   Próximos passos: propostas de ação da sociedade civil

6.1.

O CESE apela aos Estados-Membros e às instituições da UE para que melhorem a transparência do mercado, em especial a comunicação de informações ASG e a divulgação de dados não financeiros dos intervenientes envolvidos em atividades especuladoras. Importa investigar o papel das notações ASG do ponto de vista da especulação sobre produtos alimentares. Em especial, deve analisar-se as metodologias das agências de notação e a forma como avaliam o setor alimentar e os respetivos participantes em geral. Atualmente, as notações ASG correspondem a menos de 50 %, o que conduz a notações enganosas, que têm um impacto significativo nos fluxos de fundos agrícolas.

6.2.

Cada interveniente mundial deve prestar contas ao Sistema de Informação sobre Mercados Agrícolas, incluindo países e agentes privados, eventualmente através da FAO. Quanto mais se souber acerca das reservas de alimentos, melhor. É essencial dispor de informações sobre o armazenamento e os fluxos das reservas a nível mundial. Importa também escrutinar melhor as transações no mercado de balcão. Todos os produtos deste mercado devem ser compensados e registados através de uma câmara de compensação. Os dados sobre posições, discriminados por cliente, devem ser postos à disposição dos reguladores.

6.3.

O CESE salienta que os mercados de derivados de mercadorias prestam serviços essenciais aos produtores e utilizadores de mercadorias alimentares, nomeadamente no que diz respeito à gestão do risco e à determinação dos preços, e que o funcionamento desses mercados é comprometido pela atividade especuladora. Por conseguinte, o CESE insta os Estados-Membros e as instituições da UE a tomarem as medidas necessárias para limitar a especulação excessiva no mercado de mercadorias, em especial:

6.3.1.

regulamentando o mercado de futuros de derivados de produtos alimentares, como foi o caso durante várias décadas, até ao final do século passado, o que preserva a função dos futuros no domínio da cobertura. Algumas das outras medidas preconizadas são:

introduzir restrições rigorosas à evolução dos preços e limites diários às posições logo que as atividades de negociação nos mercados de futuros de mercadorias revelem anomalias (DMIF II). Os limites às posições devem ser recalibrados para refletir o interesse genuíno de uma parte na negociação no que diz respeito à necessidade de cobertura da exposição ao risco real. Seria vantajoso contar com mais transparência e com uma aplicação efetiva dos limites às posições,

restringir o acesso aos derivados/à cobertura (hedging) a investidores e operadores qualificados e conhecedores, que tenham um interesse genuíno nas mercadorias agrícolas subjacentes,

introduzir obrigações contratuais de curto, médio e longo prazo, a fim de conferir estabilidade,

incentivar o abandono da especulação financeira sobre os produtos alimentares por parte dos bancos e das sociedades de gestão de fundos através da introdução de requisitos mais exigentes em matéria de capital, a fim de reduzir os efeitos de alavanca; Os exemplos de grandes instituições financeiras (como o Deutsche Bank, o ERSTE Bank, o Raiffeisen Austria, etc.) que proibiram a negociação especulativa sobre alimentos através dos derivados demonstra ser possível estes atores adaptarem devidamente a sua governação,

prever regulamentação mais rigorosa em caso de anomalias. As bolsas devem introduzir regras que limitem a influência desestabilizadora da negociação de alta frequência (20),

reforçar e agilizar os mecanismos de acompanhamento e de sanção das posições abusivas no mercado, a fim de dar uma resposta atempada;

6.3.2.

regulamentando os índices (índices de mercadorias e índices alimentares), em especial através da regulamentação e proibição de fundos de mercadorias indexados e da replicação através de permutas financeiras (swaps) e de produtos de índices cotados, uma vez que tal maximiza a ligação entre os mercados da energia e dos produtos alimentares. Os limites às posições não funcionam para operadores de índices de mercadorias ou operadores de permutas financeiras, porque as suas operações são sincronizadas. Cumpre também impedir que fundos públicos cheguem a intervenientes envolvidos na especulação sobre produtos alimentares e que intervenientes públicos comercializem derivados de produtos alimentares para fins especulativos que não sirvam o interesse público. Deve igualmente introduzir-se uma proibição da inclusão de mercadorias agrícolas (soft commodities) (por exemplo, fundos, fundos de índices cotados) nas carteiras de intervenientes institucionais (por exemplo, fundos de pensões, seguros). Tendo em conta a necessidade de regular este mercado, importa continuar a formular recomendações concretas em futuros pareceres do CESE;

6.3.3.

combatendo a financeirização do setor alimentar, que constitui uma forma de obter lucros avultadíssimos às custas das pessoas, por exemplo, através da introdução de um imposto sobre os lucros extraordinários das empresas antes de dividendos e de um imposto sobre a especulação alimentar (21) para travar a negociação de alta frequência, bem como do desmantelamento dos oligopólios a todos os níveis da cadeia e dos interesses financeiros.

Bruxelas, 15 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM).

(2)  Um imposto sobre as transações financeiras que incida exclusivamente na especulação sobre os produtos alimentares — Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Conselho sobre um sistema comum de imposto sobre as transações financeiras e que altera a Diretiva 2008/7/CE [COM(2011) 594 final] (JO C 181 de 21.6.2012, p.55).

(3)  Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa Alimentar Mundial (PAM) e Organização Mundial da Saúde (OMS), «In Brief to The State of Food Security and Nutrition in the World 2022. Repurposing food and agricultural policies to make healthy diets more affordable.» [O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo, 2022. Adaptação das políticas alimentares e agrícolas para tornar as dietas saudáveis mais acessíveis, versão resumida]. Roma, FAO.

(4)  Estatísticas da FAO.

(5)  IPES Food.

(6)  Resolução do Parlamento Europeu, de 6 de julho de 2022, sobre a questão da segurança alimentar nos países em desenvolvimento [2021/2208(INI)] (JO C 47 de 7.2.2023, p. 149) e Resolução do Parlamento Europeu, de 24 de março de 2022, sobre a necessidade de um plano de ação urgente para garantir a segurança alimentar dentro e fora da UE à luz da invasão russa da Ucrânia [2022/2593(RSP)] (JO C 361 de 20.9.2022, p. 2).

(7)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu «A economia sustentável de que necessitamos» (parecer de iniciativa) (JO C 106 de 31.3.2020, p. 1).

(8)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a práticas comerciais desleais nas relações entre empresas na cadeia de abastecimento alimentar» [COM(2018) 173 final] (JO C 440 de 6.12.2018, p. 165).

(9)  Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED) (2009), «The Financialization of Commodity Markets» [Financeirização dos Mercados de Mercadorias], capítulo II do «2009 Trade and Development Report» [Relatório de 2009 sobre Comércio e Desenvolvimento]. CNUCED: Genebra; CNUCED (2011), «Price Formation in Financialized Commodity Markets: The Role of Information» [Formação de preços em mercados de mercadorias financeirizados: o papel da informação].

(10)  Heidorn, van Huellen, Loayza-Desfontaines, Riedler, Schmaltz e Schröder (2014), «Flankierende Ansätze zur Verbesserung der Markttransparenz und Bekämpfung von Marktmissbrauch im Rohstoffterminhandel» [Abordagens de apoio em prol da melhoria da transparência do mercado e do combate aos abusos do mercado no comércio de futuros de mercadorias], Ministério Federal das Finanças, Berlim, Mannheim.

(11)  Van Huellen (2020), «Approaches to Price Formation in Financialized Commodity Markets» [Abordagens à formação de preços em mercados de mercadorias financeirizados], Journal of Economic Surveys, 34(1): 219-237. DOI: 10.1111/joes.12342.

(12)  Van Huellen (2018), «How financial investment distorts food prices: evidence from U.S. grain markets» [De que forma os investimentos financeiros distorcem os preços dos alimentos: dados dos mercados de cereais dos EUA], Agricultural Economics, 49(2): 171-181. DOI: 10.1111/agec.12406.

(13)  Murphy, Burch e Clapp (2012), «Cereal Secrets: The World’s Largest Grain Traders and Global Agriculture» [Segredos dos cereais: os maiores comerciantes de cereais do mundo e a agricultura mundial], Oxfam Research Report.

(14)  Segundo o relatório aos acionistas relativo ao exercício fiscal de dezembro de 2020 a dezembro de 2021.

(15)  Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares (IFPRI).

(16)  Artigo da Bloomberg.

(17)  Relatório da IPES Food.

(18)  Clapp, J. (2019), «The rise of financial investment and common ownership in global agrifood firms» [Aumento dos investimentos financeiros e estruturas de propriedade habituais em empresas agroalimentares mundiais], Review of International Political Economy.

(19)  https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/09692290.2019.1597755

(20)  https://www.welthungerhilfe.de/welternaehrung/rubriken/wirtschaft-menschenrechte/befeuert-finanzspekulation-die-globale-ernaehrungskrise

(21)  Um imposto sobre as transações financeiras que incida exclusivamente na especulação sobre os produtos alimentares — Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Conselho sobre um sistema comum de imposto sobre as transações financeiras e que altera a Diretiva 2008/7/CE [COM(2011) 594 final] (JO C 181 de 21.6.2012, p.55).


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/61


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Situação social e económica na América Latina na sequência da crise da COVID-19 — Papel da sociedade civil no processo de recuperação

(parecer de iniciativa)

(2023/C 100/09)

Relator:

Josep PUXEU ROCAMORA

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

16.11.2022

Adoção em plenária

15.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

159/2/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Importa concentrar os esforços na melhoria do diálogo e no reforço da cooperação entre as duas regiões, adotando uma abordagem horizontal e de diálogo a vários níveis.

1.2.

A relação entre as duas regiões reforça-se em torno dos valores e objetivos partilhados. No entanto, também deve ser atrativa no que diz respeito aos recursos, à transferência de tecnologia, aos resultados e à sua dimensão social.

1.3.

No quadro das competências geopolíticas da União Europeia (UE) e da América Latina, o estabelecimento de uma autonomia estratégica permite reforçar a cooperação entre as duas regiões e o empenho no multilateralismo, bem como reforçar a presença e a relevância no plano internacional em questões estratégicas.

1.4.

Uma das características mais importantes da vulnerabilidade na América Latina é a baixa qualidade do emprego. A recuperação deverá centrar-se na promoção da criação de empregos mais formais e dignos, na melhoria da formação profissional e das políticas setoriais, bem como na promoção do salário mínimo e da negociação coletiva, no âmbito do diálogo social.

1.5.

A Europa e a América Latina estão empenhadas na democracia, no Estado de direito e na sustentabilidade ambiental, o que implica assegurar à sociedade civil proteção e garantias para que esta desempenhe um papel importante no desenvolvimento e na superação de crises, favorecendo também o diálogo necessário para um novo contrato social.

1.6.

É essencial manter o princípio de «não deixar ninguém para trás», refletindo sobre a vulnerabilidade não apenas em termos de rendimentos, mas também no que diz respeito ao seu impacto nos diferentes grupos populacionais: mulheres, pessoas com deficiência, idosos e crianças. As sociedades civis organizadas de forma livre e democrática são o melhor instrumento para que esta afirmação deixe de ser um mero conceito e se torne realidade.

1.7.

A tensão social na América Latina e as ameaças à democracia em todo o mundo sublinham a necessidade de repensar o desenvolvimento através de mais e melhores políticas, de maior inclusão e pluralismo e da compreensão das causas profundas do descontentamento, tendo em vista o bem-estar social. A Europa e a América Latina podem ser parceiros numa aliança para a democracia, a sustentabilidade, a justiça social e o multilateralismo (1).

1.8.

A Europa e a América Latina devem ser parceiros numa aliança pela defesa da democracia e por economias e sociedades mais justas e igualitárias, que reforce o multilateralismo e assuma plenamente a proteção do ambiente. Tal aliança requer o pleno reconhecimento e a participação das sociedades civis organizadas, de organizações de defesa dos direitos humanos, organizações sindicais e empresariais e associações ambientais, entre outros.

2.   Observações gerais

2.1.

A América Latina regista um abrandamento económico progressivo, desde o final do ciclo de expansão das matérias-primas. Antes da crise da COVID-19, o crescimento médio era de apenas 0,3 %. Com efeito, o período 2014-2020 foi o de menor crescimento económico em sete décadas, enquanto a dívida pública atinge níveis recorde.

2.2.

A crise sanitária provocada pela COVID-19 teve consequências graves para a região, com um número de casos e óbitos superior à média mundial. Tal pesou fortemente sobre os sistemas de saúde, que já tinham dificuldade em fazer face às doenças endémicas e mesmo em assegurar os cuidados de saúde primários (2). A crise da COVID-19 apenas pôs em evidência os efeitos negativos das políticas aplicadas ao longo de décadas (cortes nos orçamentos da saúde, redução do pessoal, desinvestimento em infraestruturas, entre outros), que se revelaram ineficazes para enfrentar o desafio imposto pelo vírus.

2.3.

Perante a crise pandémica, a maior parte dos países da região procuraram antecipar-se, impondo restrições à mobilidade e preparando apoios e transferências para os setores vulneráveis. Além disso, foram aplicadas políticas orçamentais e monetárias anticíclicas sem precedentes (3). No entanto, as perdas de vidas humanas e em termos económicos e de inclusão social são elevadas, devido à fragilidade estrutural e ao orçamento limitado das medidas de resposta.

2.4.

A inflação média na região, que tem aumentado, atingiu 9,8 % em 2021 e foi agravada em 2022 pelo efeito da guerra, prevendo-se que atinja 11,2 % (4). Esta situação acentua as clivagens que limitam o desenvolvimento.

2.5.

A América Latina enfrenta as chamadas «armadilhas de desenvolvimento» (5)

2.5.1.

A armadilha da produtividade exige estruturas económicas diversificadas e produtos e serviços mais sofisticados. O regresso ao setor primário não garante uma integração adequada nas cadeias de valor mundiais e cria poucos incentivos ao investimento. Além disso, a pandemia atingiu especialmente as micro, pequenas e médias empresas, que têm mais dificuldades em adotar novas tecnologias, ao passo que a guerra enfraquece o setor agrícola.

2.5.2.

A fim de ultrapassar a armadilha da vulnerabilidade social, importa melhorar as instituições de proteção laboral e social sempre que seja necessário criar mais empregos formais, de melhor qualidade e inclusivos para quebrar o círculo vicioso da vulnerabilidade, da instabilidade dos rendimentos e da escassa proteção social.

2.5.3.

O combate à armadilha institucional exige instituições e políticas de inclusão mais eficazes, a fim de restabelecer a confiança, melhorar a qualidade dos serviços públicos, responder às aspirações de uma vasta classe média e resistir com firmeza às tendências populistas e autoritárias.

2.5.4.

A armadilha da vulnerabilidade ambiental assenta no enviesamento produtivo para setores com utilização intensiva de recursos naturais, sendo necessário assumir os custos significativos da adaptação do modelo caracterizado por elevadas emissões de carbono e pela exploração de recursos não renováveis.

2.6.

Os problemas estruturais e as armadilhas de desenvolvimento (6) afetam a recuperação económica e laboral. O produto interno bruto da região sofreu uma contração de 6,8 % em 2020 (7). Em 2021, o crescimento médio foi de 6,1 % e, em 2022, prevê-se que a região cresça apenas 2,1 %, o que é considerado insuficiente para compensar o agravamento dos problemas estruturais. A situação é agravada pela crise causada pela agressão russa contra a Ucrânia e pelo aumento do preço dos combustíveis fósseis, dos fatores de produção agrícolas e dos alimentos, apesar de alguns países terem reforçado a sua oferta de bens primários para exportação.

3.   Impacto social e económico da pandemia e da guerra

3.1.

Dos 22 milhões de empregos perdidos em 2020, ainda estão por recuperar 4,5 milhões, em particular no que diz respeito aos trabalhadores menos qualificados e ao emprego feminino, jovem e informal. Entre 2019 e 2020, a taxa de participação das mulheres no emprego diminuiu, passando de 51,4 % em 2019 para 46,9 % em 2020. Em 2019, a perda de empregos no setor doméstico (20,9 %) afetou entre 11 e 13 milhões de mulheres (8).

3.2.

A região perdeu mais de uma década no que diz respeito à redução da pobreza e poderá estar em vias de perder outra década (9). Em 2021, a taxa de pobreza atingiu 32,1 % e a pobreza extrema chegou aos 13,8 %. O número de pessoas em situação de pobreza eleva-se a 201 milhões e o número de pessoas em situação de pobreza extrema aumentou de 81 para 86 milhões.

3.3.

As crises sanitária e inflacionária evidenciam a vulnerabilidade da população de rendimento médio, que se caracteriza por baixos níveis de contribuições para os regimes contributivos de proteção social e por uma cobertura reduzida dos regimes não contributivos (10). A economia informal diminuiu, mas continua a ser responsável por 140 milhões de postos de trabalho, especialmente para os trabalhadores agrícolas, as mulheres e os jovens. Tal implica maior vulnerabilidade, menor mobilidade social e menor capacidade do Estado para cobrar impostos e assegurar a proteção social.

3.4.

A pandemia teve um grande impacto nas crianças e nos jovens, dado que a proteção proporcionada pelo ensino presencial foi limitada: 114 milhões de crianças estiveram ausentes das escolas durante um período que, em alguns países, chegou a dois anos. A disparidade em matéria de conectividade, competências digitais e capacidades das famílias para fazer face à digitalização forçada criou um fosso entre os estudantes das famílias de alto e de baixo rendimento que equivale a dois anos de ensino (11). Além disso, aumentou o volume de trabalho de prestação de cuidados assegurado por mulheres. As pessoas com deficiência (aproximadamente 85 milhões) também foram afetadas. A ausência de informações acessíveis, assim como a discriminação sofrida nos cuidados de saúde, agravam a situação, já de si frágil, da inclusão social, que também é agora ameaçada pela inflação.

3.5.

Tendo em conta os limites do abastecimento de vacinas, concentrado no hemisfério norte, os países da América Latina acederam a vacinas mediante negociações bilaterais e receberam 93 milhões de doses através do Mecanismo COVAX; a UE exportou mais de 130 milhões de doses e os Estados-Membros doaram mais de 10 milhões de doses (12). Apesar das dificuldades, a região tem, em média, 63,3 % da população vacinada com duas doses. Se, por um lado, esta taxa ascende a 89 % em alguns países, noutros nem chega a 1 % (13).

4.   Agravamento da agitação social

4.1.

As mobilizações sociais que agitaram vários países em 2019 não foram totalmente resolvidas. Algumas tensões tornaram-se mais acentuadas e serão ainda agravadas pelo aumento dos preços dos alimentos. A insatisfação dos cidadãos decorre da baixa qualidade das políticas públicas, da corrupção, da vulnerabilidade das classes médias, da exclusão social e da insegurança. As expectativas sociais geradas na primeira década do século XXI não se concretizaram, o que agravou o distanciamento entre os cidadãos e as instituições. Os resultados do ciclo eleitoral regional 2020-2022 revelam uma tendência de mudança, que coloca grandes desafios aos presidentes eleitos.

4.2.

A região é uma das mais desiguais do mundo. Entre 2019 e 2020, enquanto os grupos sociais de rendimento alto e rendimento médio-alto diminuíram 1 %, os grupos sociais de rendimento médio e rendimento médio-baixo diminuíram 3,5 %; no mesmo período, os grupos sociais de rendimento baixo (com rendimentos inferiores a 1,8 vezes o limiar de pobreza) aumentaram 4,7 % e a população em situação de pobreza ou pobreza extrema aumentou 3,3 % (14).

4.3.

Um outro fator de descontentamento é a insegurança enfrentada pelos latino-americanos, em especial nas cidades. A violência pode efetivamente estar ligada à criminalidade organizada, às diversas formas de tráfico e à incapacidade dos Estados para travar estes fenómenos (15). No entanto, a questão não se esgota na criminalidade, existindo também violência social, associada às taxas de pobreza extrema, o que exige políticas públicas de criação de trabalho digno e mudanças no acesso a educação de qualidade para todos. Existe igualmente violência de natureza política, que visa a desqualificação de adversários e tenta conservar o poder dessa forma. Além disso, a muito preocupante violência exercida contra sindicalistas, jornalistas, defensores do ambiente, defensores dos direitos humanos e empresários aumentou durante a pandemia e os ciclos de protesto.

4.4.

Na sequência da última reunião da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana, em que se sublinhou a necessidade de reforçar a proteção dos agentes da justiça, seria útil avaliar o projeto COPLA (Tribunal Penal da América Latina e Caraíbas).

4.5.

A vulnerabilidade face às alterações climáticas constitui um desafio estrutural: a região é uma das mais afetadas, com um impacto económico que pode atingir 85 852 milhões de euros por ano. Importa ter em conta as dimensões sociais deste impacto, nomeadamente a insegurança alimentar e as catástrofes, que são cada vez mais frequentes.

4.6.

A insegurança, a pobreza e a presença de regimes autoritários desencadearam um fluxo significativo de pessoas em todo o continente. A vulnerabilidade associada a estes processos de migração e asilo gerou uma crise humana que não teve uma resposta adequada e que exige uma abordagem regional.

4.7.

As democracias encontram-se numa situação de vulnerabilidade. As elites, os partidos e os parlamentos enfrentam uma crise de legitimidade e de confiança, o que, a par da perceção da corrupção e dos altos níveis de fragmentação e polarização, tornou inadequados os mecanismos de tomada de decisões coletivas e de negociação (16). A situação atual de instabilidade mundial evidencia ainda mais a ameaça do autoritarismo e a necessidade de reforçar as democracias.

5.   Rumo a um novo pacto social

5.1.

Apesar do descontentamento e da fraca confiança no sistema, os cidadãos estão dispostos a reclamar transformações políticas nas ruas e nas urnas. O papel dos jovens e das mulheres nestes processos de mobilização é importante e a sua integração no espaço político é um ativo valioso. É essencial promover um modelo de diálogo social institucionalizado, como o que já existe na Europa, e consolidar a cooperação existente com o Comité Económico e Social Europeu e a Associação Internacional dos Conselhos Económicos e Sociais e Instituições Similares.

5.2.

Os cidadãos devem desempenhar um papel central nas transformações, sendo importante reforçar os mecanismos de deliberação e participação e garantir a sua acessibilidade e proteção. Há que restabelecer a confiança através da elaboração de políticas abertas e inclusivas, criar estratégias de comunicação claras e dispor de sistemas de compensação social. Importa igualmente reforçar a responsabilização e a avaliação das políticas e dos seus impactos.

5.3.

É possível alcançar um novo contrato social através da celebração de acordos transversais entre grupos socioeconómicos, entre territórios e entre gerações, bem como da promoção de estratégias produtivas resilientes e sustentáveis que criem empregos de qualidade e favoreçam a transformação ecológica e digital. Além disso, são necessários sistemas de proteção social abrangentes e eficazes, e um modelo mais sustentável de financiamento do desenvolvimento. Cabe assegurar que os direitos são respeitados, que os empregos são dignos, com base em salários mínimos de subsistência e na negociação coletiva, que a proteção social é universal e que o diálogo social garante medidas de transição justa no domínio do clima e da tecnologia.

5.4.

Um tal pacto social exige uma política de despesas públicas estável e sustentável do ponto de vista orçamental. A curto prazo, são importantes as ações de cooperação internacional, o aumento da canalização da liquidez para países de rendimento médio, bem como o alívio da dívida dos países de rendimento baixo e médio. A estas medidas há que acrescentar o reforço das receitas públicas através de uma maior eficiência na cobrança de impostos. A médio prazo, importa reforçar uma tributação progressiva e eficaz para fazer face às despesas permanentes de uma política social ativa. Será igualmente necessário alcançar consensos a nível internacional para a reestruturação da dívida pública. A longo prazo, há que reforçar o papel dos impostos, da cobrança digital e da tributação ecológica. A cooperação internacional é também necessária para reduzir a evasão e elisão fiscais (17).

5.5.

Neste contexto, é vital fomentar a economia social de mercado na região, dado o seu papel importante no desenvolvimento de um sistema produtivo e laboral inclusivo e resiliente, para o qual é necessário criar mercados e canais de distribuição equitativos (18). Importa reconhecer e reforçar o papel dos grupos consultivos internos no acompanhamento dos acordos de comércio livre (19).

6.   Aliança com a União Europeia

6.1.

A política de cooperação para o desenvolvimento da UE reconhece a necessidade de aplicar novas abordagens para além dos paradigmas Norte-Sul e da prestação de ajuda pública ao desenvolvimento, adotando novas formas de parceria com vários intervenientes e a vários níveis (20). O Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional — Europa Global responde à necessidade de aumentar a flexibilidade da afetação geográfica e temática dos fundos e de abordar os desafios mundiais e o roteiro comum relativo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Neste contexto, pretende-se utilizar a Estratégia Global Gateway para ligar o mundo de forma inteligente, limpa e segura nos setores digital, da energia e dos transportes, bem como reforçar os sistemas de saúde, educação e investigação. Estas alterações visam dotar a UE dos recursos e instrumentos necessários para conciliar os seus valores e interesses numa arena internacional mais complexa, disputada e interligada.

6.2.

A fim de articular as estratégias, foi lançada a iniciativa Equipa Europa, que procura conjugar os esforços das instituições europeias, dos Estados-Membros e das suas agências de execução junto das instituições financeiras de desenvolvimento.

6.3.

A cooperação europeia tem-se esforçado por ultrapassar a classificação baseada no rendimento per capita, adotando o conceito de «desenvolvimento em transição», mais adequado às necessidades da região. No entanto, subsiste o desafio de melhorar o diálogo e a capacidade de comunicar a solidez e as vantagens desta relação.

6.4.

Na conjuntura atual, caracterizada por múltiplos desafios extremamente graves a nível mundial, regional e nacional, é importante salientar que a Europa e a América Latina podem ser parceiros ideais numa aliança pela defesa da democracia e por economias e sociedades mais justas e igualitárias, que reforce o multilateralismo e assuma inteiramente a proteção do ambiente. Cabe ainda salientar que esta aliança não seria viável sem o pleno reconhecimento e a participação das sociedades civis organizadas, de organizações de defesa dos direitos humanos, organizações sindicais e empresariais e associações ambientais, entre outros.

7.   Apoio a uma recuperação que inclua a sociedade civil

7.1.

Em 2020, registaram-se alterações na estrutura da origem do investimento direto estrangeiro. Até 2019, as empresas europeias eram os principais investidores na região e representavam 55 % do investimento direto estrangeiro. Em 2020, o investimento europeu diminuiu 49 % e o investimento intrarregional registou uma contração de 35 %, face a uma redução de 4 % do investimento dos Estados Unidos (21) na região e ao aumento do investimento chinês.

7.2.

A estratégia europeia para a saída da crise assenta na melhoria do seu modelo económico através do Pacto Ecológico Europeu e dos fundos do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU). Estes aspetos são fundamentais para a estratégia birregional, e a criação de instrumentos para promover as transições energética, digital, ecológica e social proporcionará amplos benefícios às duas regiões.

7.3.

É essencial reforçar a relação comercial com a Europa através dos acordos já assinados ou dos acordos com o Mercosul, o Chile e o México. Estes acordos não só fortalecem as trocas comerciais, como melhoram a qualidade do emprego e a sua função social, a transferência de tecnologia e a transição para a sustentabilidade. Tal implica promover uma parceria comercial que se distinga das de outros parceiros pela sua qualidade e sustentabilidade a longo prazo, mas também pela sua rentabilidade, em contraste com outros modelos de relações internacionais predatórios e irresponsáveis. No entanto, os acordos comerciais devem centrar-se nas pessoas e nos seus direitos fundamentais, no trabalho digno e na solidariedade para com os mais vulneráveis, bem como no respeito pelo ambiente e na defesa da democracia, e devem ser capazes de assegurar a real aplicação desses direitos. Os seus principais aspetos são:

7.4.

Atrair investimentos que apoiem a consecução dos ODS, com um quadro regulamentar multilateral adotado para o efeito, centrando-se na qualidade de vida das pessoas, nos seus direitos, no emprego digno, na inclusão, na sustentabilidade e na defesa da democracia. É igualmente oportuno aumentar a cooperação através de projetos e aplicar de forma positiva a Bússola Estratégica, a fim de alcançar objetivos comuns.

7.4.1.

A digitalização como oportunidade para o desenvolvimento. A América Latina encontra-se num nível intermédio de desenvolvimento da digitalização, mas a taxa de crescimento neste domínio é a mais baixa entre os países emergentes. No plano digital, há uma convergência entre a Aliança Digital UE-ALC, ligada ao cabo de fibra ótica transatlântico (EllaLink), e a estratégia de conectividade da UE Global Gateway. Um apoio determinado aos processos de digitalização deve assegurar a sua dimensão social e de reforço das empresas.

7.4.2.

Promover a economia formal e evitar o emprego informal (22). Os acordos multilaterais incluem cláusulas específicas que exigem o cumprimento dos acordos da Organização Internacional do Trabalho, bem como medidas para garantir os direitos, evitar o trabalho infantil e reforçar a inspeção do trabalho. Estas cláusulas têm um efeito positivo no desenvolvimento de capacidades nos países andinos com os quais foram celebrados acordos (23).

7.4.3.

Apoiar diretamente a melhoria, a qualidade e a cobertura da educação a todos os níveis e o reforço das redes de educação e ciência com a Europa; o Programa Erasmus Mundus é uma mais-valia que pode ser mais explorada para ligar as universidades.

7.4.4.

Desde 2021, a UE iniciou um processo de revisão da sua política comercial e de reforço da sua abordagem do comércio e do desenvolvimento sustentável. Afirmou que o seu objetivo é uma política comercial aberta, sustentável e decisiva, pelo que a integração do desenvolvimento sustentável é indispensável. Ao mesmo tempo que promove a competitividade entre os setores produtivos e os agentes económicos (de grande, média e pequena dimensão), esta política deve ser acompanhada da promoção de valores e princípios como a democracia e todos os direitos humanos, culturais, de género, ambientais, laborais e sindicais. A sociedade civil organizada de ambas as regiões deve participar ativamente no reforço das suas relações através de reuniões temáticas virtuais e/ou presenciais, com base num calendário e num roteiro de execução mais ambiciosos.

7.4.5.

A UE propôs-se alcançar a neutralidade climática até 2050 e liderar os esforços mundiais com vista a proteger o planeta e assegurar a sua recuperação ecológica (24). A promoção destes objetivos na política comercial europeia, no sentido de uma cooperação ambiental mais ambiciosa (25), é importante para as relações comerciais com a América Latina e para o reforço de uma sociedade civil que enfrenta diversas ameaças devido quer à sua vulnerabilidade às alterações climáticas, quer ao facto de se confrontar com intervenientes violentos. É fundamental proteger estas pessoas, bem como os defensores dos direitos humanos, os sindicalistas e os jornalistas, e instar os governos latino-americanos a comprometer-se a garantir a sua integridade.

7.4.6.

A iniciativa Equipa Europa apoia os esforços para combater a desflorestação da Amazónia, e a nova fase do programa EUROCLIMA+ consagrará 140 milhões de euros ao apoio ao cumprimento dos compromissos do Acordo de Paris. No entanto, a América Latina destinou apenas 15 % do investimento orçamental à recuperação económica após a pandemia e, desta percentagem, menos de 6,9 % dizem respeito a uma recuperação ecológica. É essencial apoiar a região para que a tributação, a despesa pública e o investimento privado sejam ecológicos. É igualmente desejável reforçar a aliança para a gestão responsável das matérias-primas estratégicas e para assegurar a transferência sustentável de tecnologias com base na experiência e nos conhecimentos europeus.

7.4.7.

A parceria da UE com a América Latina exige a conclusão do acordo com o Mercosul, um mercado comum de 780 milhões de consumidores que poderá aumentar em cerca de 1,5 % o produto interno bruto do Brasil ou até 10 % o do Paraguai. Os aspetos relativos à proteção ambiental devem ser um passo em frente rumo às parcerias birregionais da nova geração. Importa realizar progressos na procura de sistemas viáveis para incluir os certificados de proteção ambiental relativos a algumas produções e as medidas simétricas. O êxito da UE na articulação desta dimensão constituirá um reforço estratégico da sua visão do desenvolvimento mundial e do seu potencial estratégico.

Bruxelas, 15 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Cadeias de abastecimento sustentáveis e trabalho digno no comércio internacional (parecer exploratório) (JO C 429 de 11.12.2020, p. 197); Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Um novo quadro para os acordos de comércio livre, os acordos de parceria económica e os acordos de investimento que garanta a participação efetiva das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais e assegure a sensibilização do público (parecer de iniciativa) (JO C 290 de 29.7.2022, p. 11).

(2)  UNESCO (2021), «COVID-19 y vacunación en América Latina y el Caribe: desafíos, necesidades y oportunidades» [A COVID-19 e a vacinação na América Latina e Caraíbas: desafios, necessidades e oportunidades].

(3)  OCDE (2021), «Perspectivas económicas de América Latina 2020» [Perspetivas económicas da América Latina 2020].

(4)  Dados do FMI.

(5)  OCDE (2022), «Perspectivas económicas de América Latina 2021» [Perspetivas económicas da América Latina 2021].

(6)  Idem.

(7)  Comissão Económica para a América Latina e as Caraíbas (CEPAL) (2021), Estudo Económico da América Latina e Caraíbas.

(8)  Organização Internacional do Trabalho (2022), Panorama Laboral; CEPAL (2021), Panorama Social da América Latina.

(9)  CEPAL (2021), op. cit.

(10)  Nieto Parra (2020), «Desarrollo en transición en América Latina en tiempos de la COVID-19» [Desenvolvimento em transição na América Latina em tempo de COVID-19], Fundación Carolina.

(11)  UNESCO (2021), «La educación en América Latina y el Caribe ante la COVID-19» [A educação na América Latina e Caraíbas face à COVID-19].

(12)  Reunião dos dirigentes da UE e da América Latina e Caraíbas: Unir forças para uma recuperação sustentável pós-COVID-19 — Comunicado de imprensa dos presidentes Charles Michel e Ursula von der Leyen, 2 de dezembro de 2021.

(13)  Our World in Data.

(14)  CEPAL (2021), op. cit.

(15)  Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e a Criminalidade (2019), «Estudio Mundial sobre el homicidio» [Estudo mundial sobre o homicídio].

(16)  IDEA Int. (2021), «El estado de la democracia en las Américas 2021» [O estado da democracia nas Américas 2021].

(17)  CEPAL (2021), «Panorama Fiscal de América Latina 2021» [Panorama orçamental da América Latina 2021].

(18)  Comissão Europeia (2021), Plano de Ação Europeu para a Economia Social.

(19)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Cadeias de abastecimento sustentáveis e trabalho digno no comércio internacional (parecer exploratório) (JO C 429 de 11.12.2020, p. 197); Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Um novo quadro para os acordos de comércio livre, os acordos de parceria económica e os acordos de investimento que garanta a participação efetiva das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais e assegure a sensibilização do público (parecer de iniciativa) (JO C 290 de 29.7.2022, p. 11).

(20)  Sanahuja, J.A. e Ruiz Sandoval, E. (2019), «La Unión Europea y la Agenda 2030 en América Latina: políticas de cooperación en una región de “desarrollo en transición”» [A União Europeia e a Agenda 2030 na América Latina: políticas de cooperação numa região de «desenvolvimento em transição»], Fundación Carolina; novo Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento, 2017, Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, 2018.

(21)  Relatório da CEPAL (2021), «Foreign Direct Investment in Latin America and the Caribbean 2021» [Investimento direto estrangeiro na América Latina e Caraíbas 2021].

(22)  Ver: Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento (2006); Comunicação da Comissão Europeia — Promover um trabalho digno para todos (2006); Agenda para a Mudança, Comissão Europeia (2011); novo Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento (2017); documento de trabalho dos serviços da Comissão intitulado «Promote decent work worldwide: responsible global value chains for a fair, sustainable and resilient recovery from the COVID-19 crisis» [Promover o trabalho digno a nível mundial: cadeias de valor mundiais responsáveis para uma recuperação justa, sustentável e resiliente da crise da COVID-19], Comissão Europeia (2020); novo Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional — Europa Global (2020).

(23)  Fairlie Reinoso, A. (2022), «Nuevos retos para el Acuerdo Comercial Multipartes de la Unión Europea con Perú, Colombia y Ecuador» [Novos desafios para o acordo comercial multilateral entre a União Europeia e o Peru, a Colômbia e o Equador]; Fundación Carolina-EULAC.

(24)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Pacto Ecológico Europeu (COM(2019) 640).

(25)  Giles Carnero, R. (2021), «La oportunidad de una cláusula ambiental de elementos esenciales en acuerdos comerciales de la Unión Europea con Estados terceros: a propósito del Acuerdo Unión Europea-Mercosur» [A oportunidade de uma cláusula ambiental de elementos essenciais em acordos comerciais da União Europeia com países terceiros: o caso do acordo entre a União Europeia e o Mercosul]; Fundación Carolina, DT. 44.


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/68


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Transição digital na região euro-mediterrânica

(parecer de iniciativa)

(2023/C 100/10)

Relatora:

Dolores SAMMUT BONNICI

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

16.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

181/0/3

1.   Conclusões

1.1.

A transição digital está a revolucionar todos os aspetos da vida, proporcionando ganhos significativos em termos de eficiência e permitindo aos utilizadores ter uma vida em pleno. É considerada um pilar de resiliência no período pós-COVID-19, tendo acelerado exponencialmente desde o início da pandemia, nomeadamente com as ações da UE no domínio digital que a estratégia de atenuação dos efeitos da COVID-19 mostrou serem eficazes.

1.2.

Os benefícios da digitalização são bem conhecidos em setores específicos, como a educação eletrónica, a saúde em linha, a administração pública em linha, o agronegócio, a justiça eletrónica e a banca eletrónica. Embora muitos governos da região mediterrânica promovam estes setores, o esforço não é homogéneo em toda a região, podendo conduzir a uma divisão digital ainda mais profunda entre os países. Por conseguinte, é crucial disponibilizar infraestruturas de apoio a estas tecnologias.

1.3.

A divisão digital em termos de acesso e utilização existe não só entre diferentes países mediterrânicos, mas também dentro dos países da região, piorando nas zonas rurais e remotas e entre os trabalhadores informais, as mulheres e as pessoas idosas. Deste modo, para não exacerbar as desigualdades existentes, é essencial envidar esforços para colmatar a divisão digital a nível regional e nacional.

1.4.

A conectividade digital está a transformar-se num direito de todos os seres humanos. O Roteiro do Secretário-Geral da ONU para a Cooperação Digital já deu origem a um conjunto de metas para 2030. Em contrapartida, o «direito a desligar», um assunto que está a ser muito debatido, é uma realidade em vários países europeus.

1.5.

As competências digitais são essenciais, pelo que devem ser integradas nos programas de formação destinados aos jovens da região, dadas as taxas de desemprego muito elevadas entre estes. Para que seja eficaz na região, a política do mercado de trabalho terá que ter por objetivo tornar os jovens não só utilizadores como também produtores de tecnologia. Nesse domínio, tanto o emprego como o empreendedorismo são percursos profissionais muito promissores.

1.6.

É necessário um quadro jurídico sólido que proteja os utilizadores de riscos digitais, como os ataques à cibersegurança, e que assegure que os mecanismos de proteção de dados respeitam os direitos humanos em matéria de privacidade digital. O índice de cibersegurança fornecido pela União Internacional das Telecomunicações (UIT) mede o empenho dos países na cibersegurança a nível mundial e mostra, em geral, níveis de segurança mais elevados na região do norte do Mediterrâneo, ao passo que o Egito supera os países do sul do Mediterrâneo.

1.7.

É ainda necessário assegurar um mercado digital equitativo e competitivo, tendo em conta os gigantes digitais. Existe uma disparidade significativa entre o quadro jurídico digital dos países do norte e do sul do Mediterrâneo. É de salientar, por exemplo, a falta de uma autoridade independente responsável pela promoção da transição digital na região do sul do Mediterrâneo.

1.8.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) salienta expressamente que importa aplicar de forma ambiciosa as convenções das Nações Unidas em matéria de direitos humanos e as convenções fundamentais da OIT em todos os Estados da região mediterrânica, para que a transição digital possa contribuir verdadeiramente para um desenvolvimento ecológico, económico e social próspero.

2.   Introdução

2.1.

A transição digital tem implicações em todos os aspetos da nossa vida, do consumo ao trabalho, passando também pela produção. Nos últimos anos, em resposta à pandemia mundial de COVID-19, registou-se uma aceleração sem precedentes nessa transição. A digitalização é considerada um dos pilares principais da recuperação nas duas margens do Mediterrâneo, estando as pessoas a adotar ferramentas digitais com uma rapidez nunca antes vista. O teletrabalho e o trabalho à distância estão a tornar-se uma realidade, e o comércio eletrónico e a economia das plataformas estão a crescer a um ritmo sem precedentes, compensando o encerramento de empresas devido à pandemia. Entretanto, esta transição rápida pode ser uma nova fonte de aprofundamento das desigualdades, uma vez que os grupos da população mais vulneráveis que enfrentam a exclusão digital são os mais duramente afetados pela pandemia.

2.2.

Os principais objetivos do presente documento são:

avaliar o estado atual da transição digital na região euro-mediterrânica, os programas e os progressos realizados;

realçar os potenciais benefícios da digitalização, em particular, as novas oportunidades para as pequenas e médias empresas (PME) através do comércio eletrónico, da educação eletrónica, da administração pública em linha, da saúde em linha e da banca digital;

identificar obstáculos à digitalização, dos quais se destacam os relacionados com a infraestrutura digital e o acesso, a divisão digital dentro de um país (rural/urbana, mulheres/homens, jovens/idosos) e entre países (norte/sul), a falta de competências digitais essenciais e a literacia digital. Consequentemente, a transição digital pode provocar um aumento da desigualdade num país, bem como divergências nos padrões de desenvolvimento entre os países da região;

salientar os riscos associados à digitalização, nomeadamente os riscos relacionados com a cibersegurança, a soberania digital, a proteção de dados, a pirataria digital e a liberdade civil.

3.   Antecedentes

3.1.

Vivemos atualmente um período de digitalização rápida e deparamo-nos com ferramentas digitais em todos os aspetos da nossa vida, incluindo, nomeadamente, a saúde, o trabalho, a administração pública, a educação e a gestão de um negócio. As competências digitais são essenciais no novo mundo do trabalho para garantir oportunidades de emprego, sendo recompensadas com rendimentos mais elevados. A economia digital é composta pelos setores principais de tecnologias da informação/tecnologias da informação e comunicação (TI/TIC), como o fabrico de hardware, a consultoria de TI e software, os serviços de informação e telecomunicações, a economia digital de âmbito restrito, nomeadamente os serviços digitais e a economia das plataformas, e a economia digital de âmbito alargado, tendo em conta os negócios eletrónicos, o comércio eletrónico, a indústria 4.0, a agricultura de precisão e a economia algorítmica, estando a economia da partilha e a economia dos serviços pontuais na vanguarda da economia digital (1).

3.2.

Mesmo antes do início da pandemia de COVID-19, a digitalização já estava em ascensão, com as principais tendências recentes nas tecnologias digitais nos domínios da cadeia de blocos, da análise de dados, da inteligência artificial (IA), da impressão 3D, da Internet das coisas, da automação e da robótica, da computação em nuvem (2), bem como dos sistemas de rastreio e controlo à distância.

3.3.

Esta tendência para a adoção rápida de ferramentas e tecnologias digitais foi denominada de «Quarta Revolução Industrial», dotada de um excelente potencial para aumentar os rendimentos e a qualidade de vida a nível mundial.

3.4.

Além disso, com mais de 30 % da população em todo o mundo a utilizar plataformas de redes sociais, a digitalização pode ser encarada como uma «faca de dois gumes», que pode reforçar a coesão social e reunir diferentes origens culturais ou ser instrumentalizada para difundir ideias e ideologias extremistas e notícias falsas.

3.5.

O número de utilizadores da Internet tem vindo a aumentar nas últimas décadas e na região, alcançando 93,2 % da população em Espanha, em 2020, 90,8 % no Chipre, 90,1 % em Israel, 86,9 % em Malta, 86,6 % na Eslovénia, 84,1 % em Marrocos, 77,7 % na Turquia, 77,6 % no Montenegro e 71,9 % no Egito. A percentagem mais baixa da região pertence à Argélia, abrangendo 49 % da população em 2018 (últimos dados disponíveis, base de dados World Telecommunication/ICT Indicators da União Internacional das Telecomunicações — UIT). Estes números realçam apenas as disparidades regionais em termos de acesso digital. Importa notar que, a nível nacional, as zonas rurais e remotas apresentam níveis de conectividade muito inferiores.

3.6.

Os Estados-Membros mediterrânicos da UE aprovaram a transição digital e ampliaram as suas políticas virtuais, incluindo o mercado único digital (3) e o Programa Europa Digital (4). A Década Digital da Europa foi publicada pela Comissão Europeia em março de 2021, delineando metas digitais para 2030 e uma visão para a transformação digital da Europa (5). A plataforma «Digital for Development» (D4D) (6), lançada em dezembro de 2020, com o objetivo de harmonizar e coordenar as iniciativas digitais entre os Estados-Membros (7) é um dos instrumentos da Década Digital. Além disso, a digitalização é um dos pilares principais da nova Agenda para o Mediterrâneo, proposta pela Comissão Europeia em fevereiro de 2021. Em particular, a «nova Agenda para o Mediterrâneo visa uma recuperação ecológica, digital, resiliente e justa, orientada pela Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, pelo Acordo de Paris e pelo Pacto Ecológico Europeu» (8).

3.7.

A pandemia de COVID-19 teve implicações nos hábitos de trabalho, impondo às pessoas o trabalho à distância. Embora o teletrabalho apresente uma série de desvantagens, as suas vantagens vão da redução do tempo passado em deslocações à redução das emissões e respetivos efeitos positivos no ambiente, passando por um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, especialmente para os pais (9). A capacidade de teletrabalho difere em ambas as margens do Mediterrâneo. Muitos trabalhadores do sul do Mediterrâneo têm menos capacidade de teletrabalho, uma vez que não têm acesso às ferramentas necessárias ou simplesmente têm trabalhos que não podem ser realizados à distância. Al Azzawi (2021) criou um índice de «capacidade de teletrabalho» para os países árabes, constatando a existência de uma lacuna significativa nessa matéria em toda a região. Confirma que os trabalhadores mais vulneráveis não têm capacidade para trabalhar à distância, pelo que foram os mais duramente afetados pela pandemia (10). A experiência da Europa com a adoção generalizada do teletrabalho salienta a importância de dispor de um quadro jurídico sobre o «direito a desligar», a fim de respeitar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal (11).

3.8.

A digitalização contribuiu para a ascensão da economia das plataformas e da economia dos serviços pontuais. Embora englobe muitas oportunidades, a economia das plataformas também suscita preocupações crescentes sobre as condições de trabalho, em particular, a cobertura limitada da segurança social, os horários de trabalho fragmentados e os níveis salariais baixos, bem como a dificuldade em fazer valer direitos coletivos (12). A este respeito, a Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho (2019) apela para a adoção de políticas e medidas que deem resposta aos desafios e oportunidades da transformação digital do trabalho, incluindo o trabalho em plataformas digitais.

3.9.

A evolução rápida da transição digital, especialmente na vida económica e profissional, tem naturalmente efeitos drásticos em todas as estruturas socioculturais. Assim, durante a primavera Árabe, foi possível observar a utilização, com êxito, dos instrumentos de comunicação digital principalmente na organização da resistência civil e da cooperação entre ativistas. No entanto, a situação nos países onde não foram criadas estruturas democráticas sustentáveis voltou a deteriorar-se com a supressão das liberdades fundamentais, incluindo o direito à liberdade de expressão nos meios de comunicação social digitais, assim como dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente o direito à liberdade de associação, cada vez mais importante na economia das plataformas e dos serviços pontuais. A título de exemplo, as organizações independentes da sociedade civil, como os sindicatos, as ONG de defesa dos direitos humanos ou as organizações dos empregadores e os respetivos ativistas, são reprimidas pelo simples facto de exercerem liberdades fundamentais ou expressarem opiniões divergentes. Além disso, os sítios Web de notícias nacionais e internacionais e de organizações independentes da sociedade civil organizada são repetidamente bloqueados. Acontece que, em alguns Estados da região mediterrânica, as convenções das Nações Unidas em matéria de direitos humanos e as convenções da OIT são amiúde aplicadas apenas de modo formal sem que sejam devidamente implementadas.

3.10.

A digitalização é fundamental para o desenvolvimento das PME (13). Os benefícios variam desde custos mais baixos, poupança de tempo e recursos e maior eficiência, até uma melhor integração da cadeia de abastecimento e diferenciação dos produtos (14). O documento «OECD SME and Entrepreneurship Outlook 2019» [Perspetivas da OCDE sobre as PME e o empreendedorismo 2019] (15) apresenta um quadro mais pormenorizado desses benefícios. Um exemplo é a análise de megadados que, em conjunto com sensores, aplicações, computação em nuvem e impressão 3D, permite uma maior personalização.

3.11.

Embora existam inúmeros benefícios da digitalização para as PME, estas enfrentam vários obstáculos, sendo um dos mais importantes a falta de acesso a financiamento (16). O segundo grande obstáculo é a falta de acesso a competências digitais, educação e formação, ao passo que a adoção de modelos de negócios e de tecnologias digitais requer investimentos financeiros e competências digitais internas. A Associação de Economistas Euro-Mediterrânicos (EMEA) criou um índice de preparação digital para as PME, com base num inquérito dirigido às PME do sul do Mediterrâneo. Demonstrou que o nível de preparação para a transformação digital depende da capacidade das infraestruturas, das telecomunicações e dos progressos tecnológicos realizados a nível nacional, bem como da capacidade das empresas a nível micro. As empresas de maior dimensão estão mais preparadas para a digitalização, enquanto as empresas criadas mais recentemente têm maior probabilidade de a procurar alcançar (17).

3.12.

A desvantagem da digitalização é a perda de postos de trabalho devido à automatização em alguns setores económicos. A sociedade civil pode desempenhar um papel importante no acompanhamento da melhoria das competências dos trabalhadores, com o objetivo de fazer da transição digital uma transição justa e em consonância com o plano de ação da UE de «não deixar ninguém para trás».

3.13.

Para promover a digitalização e conceber as políticas mais eficazes, é fundamental medir e controlar a transição digital através de indicadores sólidos e mensuráveis. Desde 2014, a Comissão Europeia criou o índice de digitalidade da economia e da sociedade (IDES) (18), que mostra os progressos realizados nos domínios da digitalização nos Estados-Membros, mas também uma divisão digital persistente (19). O IDES pode constituir a base de um quadro de acompanhamento de referência para os países mediterrânicos que não pertencem à UE.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O impacto profundo da transição digital é sentido em todas as sociedades e economias. Embora enfrente desafios em termos de acessibilidade universal e de reforço das competências digitais dos cidadãos, a região do sul do Mediterrâneo não é exceção quanto à aceleração da transição digital e aos respetivos benefícios em numerosos domínios.

4.2.

O comércio eletrónico aumentou exponencialmente devido às medidas de distanciamento social. A adesão às compras em linha é generalizada, registando-se um aumento das transações empresas-consumidores e das transações empresas-empresas. O diretor executivo da maior operadora de comércio eletrónico de África, a Jumia, anunciou que as vendas de mercearias quadruplicaram, especialmente na Tunísia e em Marrocos, onde os confinamentos resultaram num aumento de 100 % das vendas (20).

4.3.

A educação eletrónica aumentou a um ritmo acelerado, uma vez que a COVID-19 levou ao encerramento das escolas. Os governos até criaram algumas plataformas de ensino à distância, como a plataforma «Darsak» na Jordânia. Alguns países criaram um sistema híbrido, por exemplo no Egito (21). As plataformas em linha começam a tornar-se muito populares, inclusivamente para projetos específicos de ligação de associações profissionais locais, municípios e intervenientes principais (22). Uma parte do financiamento da UE deveria ser especificamente destinada à educação/formação em matéria de melhoria das competências digitais, por forma a permitir que os jovens desenvolvam cibercompetências, prossigam os estudos de TI e IA e consigam um trabalho seguro no futuro.

4.4.

Considera-se que a administração pública em linha reduz a burocracia e o ónus dos procedimentos administrativos, facilitando uma prestação eficiente e fácil dos serviços públicos. Além disso, pode ser um instrumento de democratização e aumentar a participação ativa dos cidadãos. O reforço da administração pública em linha é uma prioridade entre os Estados-Membros da UE e constitui um dos pilares do IDES. Os países do sul do Mediterrâneo também estão a caminhar no mesmo sentido. Marrocos realizou progressos significativos na sua iniciativa nacional em matéria de administração pública em linha (23). Em 2019, o Egito lançou um sistema de pagamento eletrónico para a cobrança de impostos e pagamento de faturas, entre outras opções. Em janeiro de 2020, o Ministério da Economia Digital da Jordânia migrou a sua infraestrutura de TIC para a nuvem, a fim de expandir os serviços prestados aos cidadãos (24).

4.5.

A saúde em linha é uma forma económica de obter e fornecer o apoio necessário. As soluções de saúde em linha desempenharam um papel fundamental na luta contra a COVID-19. Estas soluções utilizam aplicações de telemedicina e de saúde móvel. Nos últimos dois anos, a análise de megadados para vigilância epidemiológica revelou ser útil para combater a pandemia. Por exemplo, na Tunísia, um grupo de médicos lançou a Tobba.tn, uma plataforma digital de consulta em linha (25).

4.6.

A banca digital é um instrumento eficiente para concretizar a inclusão financeira, tendo a banca móvel já provado o seu papel no passado. As soluções de tecnologia financeira podem impulsionar a transformação digital e melhorar a inclusão financeira. Estes serviços, cujo objetivo é eliminar completamente a utilização de cheques e transações em dinheiro, estão a ganhar popularidade, podendo levar à exclusão das pessoas idosas, que podem não possuir as competências digitais necessárias.

4.7.

A justiça eletrónica facilita o acesso aos serviços jurídicos e reduz o custo, nomeadamente, das audiências judiciais e dos processos, bem como o tempo necessário para aceder aos mesmos.

4.8.

Tendo em conta o impacto atual do aquecimento global, a diminuição da cadeia de abastecimento alimentar e o aumento dos preços dos alimentos, a indústria agrícola pode tornar-se mais competitiva e eficiente através da aplicação da agricultura de precisão e da utilização de megadados e da tecnologia das cadeias de blocos. Esta situação pode originar uma eficiência elevada da gestão da água e dos nutrientes do solo, bem como do controlo de doenças com uma monitorização avançada da temperatura e uma menor necessidade de mão de obra (26), tornando-se assim um instrumento para atenuar os problemas climáticos.

4.9.

Os padrões de utilização da Internet variam entre os países mediterrânicos. Nos países do sul do Mediterrâneo, predomina a utilização da Internet através dos telemóveis e das redes sociais. No entanto, ao contrário dos países do norte do Mediterrâneo, as compras em linha não são muito comuns. Tal pode ser explicado, em certa medida, pela exclusão financeira e por uma percentagem reduzida de titulares de contas bancárias no sul do Mediterrâneo (27).

5.   Obstáculos à digitalização

5.1.

Um dos principais obstáculos à digitalização é a divisão digital que existe não só entre países, especialmente entre os países mediterrânicos (existem disparidades significativas na edição de 2021 do Network Readiness Index-NRI (28)). A nível nacional, o acesso a ferramentas tecnológicas difere segundo os grupos populacionais. A divisão existe entre homens e mulheres, zonas rurais e urbanas, jovens e idosos. Do ponto de vista empresarial, existe uma divisão digital com base na dimensão e no setor de atividade, com as empresas mais pequenas — ao contrário das empresas de maior dimensão — a suportarem custos exorbitantes em termos de materiais, mas também e, sobretudo, devido à necessidade de melhorar as competências dos trabalhadores. Há outros fatores socioeconómicos que também podem ser fonte de exclusão digital, como os níveis salariais e educacionais.

5.2.

A maioria dos países da Vizinhança Meridional tem lacunas significativas na cobertura da Internet móvel. Este problema surge particularmente em países de grandes dimensões geográficas, como a Argélia e a Líbia e, em menor grau, no Egito. O investimento em infraestruturas digitais e o estabelecimento de ligações estáveis de Internet de alta velocidade é crucial nas zonas rurais, onde a digitalização pode ser uma alavanca potencial para o crescimento inclusivo (29).

5.3.

A iliteracia digital, mais presente entre as pessoas com um nível de instrução mais baixo, é frequentemente apontada como outro obstáculo à digitalização, pelo que se impõe reformar os programas de educação e formação profissional, de molde a contemplarem as competências digitais essenciais no futuro mercado de trabalho. De igual modo, considera-se que a digitalização faz parte das necessidades de melhoria das competências dos trabalhadores.

5.4.

O género é outro fator que influencia a literacia digital. Em geral, os homens têm um acesso melhor às ferramentas digitais e, consequentemente, um conhecimento melhor das competências digitais. Na Tunísia, 72,5 % dos homens utilizam a Internet, sendo esta percentagem de 61,1 % para as mulheres. Alguns países já colmataram esta disparidade. Na Eslovénia, por exemplo, a diferença é inferior a dois pontos percentuais, com 87,2 % dos homens e 86 % das mulheres a utilizarem a Internet. A Turquia, por outro lado, tem uma disparidade de género mais acentuada no que respeita ao acesso à Internet, que ascende a 11,2 pontos percentuais (base de dados World Telecommunication/ICT Indicators da UIT). Os Estados-Membros da UE estão empenhados em colmatar as disparidades de género em matéria de competências digitais até 2030, elaborando políticas para incentivar as raparigas a seguir disciplinas de TIC e acompanhando o progresso através do painel de avaliação Women in Digital (WiD).

6.   Riscos associados à digitalização

6.1.

A preocupação crescente face à perda gradual do controlo dos dados por parte dos governos, das empresas e dos cidadãos levanta a questão da «soberania digital». Tal afeta também a capacidade de inovação dos países e a capacidade de moldar a legislação num ambiente digital (30). Estas preocupações são legítimas, uma vez que a Europa e o Mediterrâneo registam atrasos no investimento em IA, enquanto a presença dos grandes média sociais estrangeiros ganha cada vez mais influência.

6.2.

Alguns dos países mediterrânicos mostram-se relutantes em empreender uma transição digital rápida. A falta de vontade política deve-se ao receio de perder o controlo sobre a população, conduzindo à filtragem e à censura. No entanto, as ferramentas digitais podem permitir que as organizações da sociedade civil sejam ouvidas e promovam a democracia. O Quarteto para o Diálogo Nacional na Tunísia, vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2015, é um exemplo do importante papel que as organizações da sociedade civil podem desempenhar na transição pacífica de uma sociedade.

6.3.

Uma vez que a digitalização abre caminho ao desenvolvimento económico e social, importa que uma autoridade independente estabeleça um quadro regulamentar digital adequado, que promova princípios de direitos digitais, como a neutralidade da Internet.

6.4.

A digitalização rápida aumenta o risco de ciberameaças. O papel das autoridades é fundamental na criação de um quadro legislativo bem concebido para proteger os utilizadores. Por ora, Marrocos, a Tunísia, a Argélia e o Egito promulgaram leis em matéria de cibersegurança. No entanto, estas leis carecem de componentes de proteção de dados (31). É fundamental proteger os dados pessoais sensíveis das pessoas, como os dados relativos à saúde, etc.

6.5.

A proteção de dados está a tornar-se um dos domínios cruciais da transição digital. A questão da propriedade e da proteção da enorme quantidade de dados está no topo da agenda dos responsáveis políticos, surgindo em resposta ao aumento da análise de megadados e com as plataformas de redes sociais a ganharem poder e influência sem precedentes. Alega-se que o quadro regulamentar na Vizinhança Meridional ainda está subdesenvolvido e que a legislação relativa às tecnologias emergentes não está a ser aprovada com a rapidez suficiente (32). Existem países que chegaram a manifestar falta de vontade política para avançar nesta matéria. A questão é ainda mais grave no caso dos dados sensíveis, por exemplo no que diz respeito a aplicações e plataformas de saúde. Em particular, existe ceticismo nos países do sul do Mediterrâneo, onde poderá ainda não estar em vigor legislação relativa ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e a proteção de privacidade semelhante. Na Europa, o Regulamento Serviços Digitais e o Regulamento Mercados Digitais visam construir um espaço digital mais seguro para os utilizadores, promovendo ao mesmo tempo a inovação e a competitividade.

6.6.

A pirataria digital é outro perigo da digitalização. É extremamente fácil e barato copiar e distribuir em grande escala criações digitalizadas sujeitas a direitos de propriedade intelectual (DPI). As empresas criativas serão as mais afetadas por este fenómeno e, na ausência de uma legislação eficaz, os modelos de negócios dos artistas e dos trabalhadores criativos tornar-se-ão insustentáveis.

6.7.

A digitalização pode conduzir à repressão civil. Em alguns países, os direitos digitais são alvo de ataque pelas autoridades, uma vez que a digitalização é entendida como um meio de vigilância. Por exemplo, devido à pandemia, têm sido utilizadas aplicações de localização para controlar a propagação do vírus, o que suscita preocupações sobre os direitos humanos (33). O possível rastreio de todas as atividades digitais representa uma ameaça grave para a democracia e pode ser utilizado como meio de opressão. O relatório «Freedom of Net 2021» [Liberdade da Internet 2021] classifica a França em primeiro lugar, com uma pontuação de 78 pontos em 100, seguida da Itália com 76, da Tunísia com 63, de Marrocos com 53, do Líbano com 51, da Jordânia com 47, da Turquia com 34 e do Egito com 26 (34).

6.8.

A persistência da divisão digital pode dar origem a desigualdades e divergências mais significativas na região mediterrânica. Alguns países não dispõem da infraestrutura digital (com cobertura ou acesso a banda larga fixa), ou algumas zonas remotas e rurais podem simplesmente ficar sem cobertura ou redes 4G/5G. Outro fator que contribui para a divisão é a falta de competências digitais entre a população e a iliteracia digital. Em particular, os níveis reduzidos de literacia digital são mais comuns nos países do sul do Mediterrâneo, especialmente entre as mulheres e as pessoas idosas (35).

6.9.

A formação de gigantes tecnológicos cria um obstáculo à concorrência leal nos mercados digitais. A evasão fiscal torna os mercados injustos para as PME locais emergentes, que dificilmente sobreviverão. Além disso, contribui para uma «fuga de cérebros» no domínio digital. Outro risco associado aos gigantes tecnológicos é a sua capacidade de absorver os intervenientes emergentes, criando monopólios e impedindo a criação de centros digitais na Europa e na região mediterrânica. Este facto pode dever-se à falta de um quadro regulamentar e até mesmo a lacunas fiscais para as empresas multinacionais que afetam negativamente a concorrência leal.

6.10.

O facto de as convenções das Nações Unidas em matéria de direitos humanos e das convenções da OIT não serem devidamente implementadas em alguns Estados da região mediterrânica constitui um obstáculo à criação de organizações independentes da sociedade civil, nomeadamente ONG, sindicados independentes e associações de empregadores, pondo deste modo em perigo a transição digital sustentável. Por conseguinte, o CESE salienta expressamente que importa aplicar de forma ambiciosa as convenções das Nações Unidas em matéria de direitos humanos e as convenções da OIT em todos os Estados da região mediterrânica, para que a transição digital possa contribuir verdadeiramente para um desenvolvimento ecológico, económico e social próspero.

6.11.

Além disso, a guerra na Ucrânia representa uma grande ameaça para os países de toda a região e pode estar associada a maiores riscos de ataques à cibersegurança.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Bukht, R. e Heeks, R., «Defining, conceptualising and measuring the digital economy» [Definição, conceptualização e medição da economia digital], Development Informatics Working Papers, n.o 68, 2017.

(2)  Relatório de economia digital de 2019, CNUCED.

(3)  O mercado único digital visa melhorar o acesso, a qualidade e a segurança da conectividade nos Estados-Membros. https://ec.europa.eu/eurostat/cache/infographs/ict/bloc-4.html

(4)  A Década Digital da Europa é composta por quatro pilares principais que abrangem as competências, as infraestruturas, a administração pública e as empresas: https://ec.europa.eu/info/funding-tenders/find-funding/eu-funding-programmes/digital-europe-programme_pt

(5)  https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/europe-fit-digital-age/europes-digital-decade-digital-targets-2030_pt

(6)  Plataforma «Digital for Development» (D4D).

(7)  Langendorf, M., «Applying Europe’s Digital Agenda in Mediterranean Partner Countries: Opportunities and Pitfalls» [Aplicação da Agenda Digital para a Europa nos países parceiros mediterrânicos: oportunidades e obstáculos], IEMed. Mediterranean Yearbook, 2021.

(8)  Comunicação conjunta da Comissão Europeia — Parceria renovada com a vizinhança meridional, 2021.

(9)  Working from home: From invisibility to decent work [Trabalho no domicílio: da invisibilidade ao trabalho digno], OIT, 2021.

(10)  Al Azzawi, S., «Lives Versus Livelihoods: Who Can Work from Home in MENA?» [Vidas versus meios de subsistência: quem pode trabalhar a partir de casa no Médio Oriente e Norte de África?], documento de trabalho do ERF, n.o 1471, 2021.

(11)  Briefing do Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS), The right to disconnect [O direito a desligar], PE 642.847 — julho de 2020.

(12)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Melhores condições de trabalho para uma Europa social mais forte: explorar os benefícios da digitalização para o futuro do trabalho [COM(2021) 761 final] e a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais [COM(2021) 762 final] (JO C 290 de 29.7.2022, p. 95).

(13)  Relatório de informação do CESE — A digitalização e as PME na região euro-mediterrânica.

(14)  Kergroach, S., «Giving momentum to SME digitalization» [Impulsionar a digitalização das PME], Journal of the International Council for Small Business, vol. 1, n.o 1, 2020, p. 28-31.

(15)  «OECD SME and Entrepreneurship Outlook 2019».

(16)  Relatório de informação do CESE — Acesso das PME e das empresas de média capitalização a financiamento no período de 2014-2020: Oportunidades e desafios.

(17)  Ayadi, R. e Forouheshfar, Y., «MSMEs digitalization in the Mediterranean: A new digital preparedness index» [Digitalização das MPME no Mediterrâneo: um novo índice de preparação digital], documento de trabalho da EMANES, 2022, a publicar em breve.

(18)  https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/policies/desi

(19)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_21_5481

(20)  Sidło, K., «Digital Transformation in the Southern Neighbourhood» [Transformação digital na Vizinhança Meridional], EuroMeSCo Euromed Survey, 2021.

(21)  El Kadi, T.H., «Uneven Disruption: Covid-19 and the digital divide in the Euro-Mediterranean Region» [Perturbação desigual: COVID-19 e a divisão digital na região euro-mediterrânica], IEMed Mediterranean Yearbook, 2020.

(22)  Por exemplo, neste projeto propõe-se que os proprietários da plataforma sejam a UE, os municípios, as universidades, as empresas ou os ministérios da Educação na Turquia, em Marrocos, no Egito e na Argélia: Akpınar P., van Heukelingen, N., Babüroğlu O.N. e Durukan, F.R., «A new formula for collaboration: Turkey, the EU & North Africa» [Uma nova fórmula de colaboração: Turquia, UE e Norte de África], 2022.

(23)  «Digital Government Review of Morocco» [Análise da administração pública digital de Marrocos], OCDE, 2018.

(24)  El Kadi, T.H., «Uneven Disruption: Covid-19 and the digital divide in the Euro-Mediterranean Region» [Perturbação desigual: COVID-19 e a divisão digital na região euro-mediterrânica], IEMed Mediterranean Yearbook, 2020.

(25)  El Kadi, T.H., «Uneven Disruption: Covid-19 and the digital divide in the Euro-Mediterranean Region» [Perturbação desigual: COVID-19 e a divisão digital na região euro-mediterrânica], IEMed Mediterranean Yearbook, 2020.

(26)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — A transição energética e digital nas zonas rurais (parecer de iniciativa) (JO C 486 de 21.12.2022, p. 59).

(27)  El Kadi, T.H., «Uneven Disruption: Covid-19 and the digital divide in the Euro-Mediterranean Region» [Perturbação desigual: COVID-19 e a divisão digital na região euro-mediterrânica], IEMed Mediterranean Yearbook, 2020.

(28)  https://networkreadinessindex.org/nri-2021-edition-press-release/

(29)  «Smart Cities and Inclusive Growth» [Cidades inteligentes e crescimento inclusivo], OCDE, 2020.

(30)  Briefing do EPRS, Digital sovereignty for Europe [Soberania digital para a Europa] (PE 651.992 — julho de 2020).

(31)  Langendorf, M., «Applying Europe’s Digital Agenda in Mediterranean Partner Countries: Opportunities and Pitfalls» [Aplicação da Agenda Digital para a Europa nos países parceiros mediterrânicos: oportunidades e obstáculos], IEMed. Mediterranean Yearbook, 2021.

(32)  Sidło, K., «Digital Transformation in the Southern Neighbourhood» [Transformação digital na Vizinhança Meridional], EuroMeSCo Euromed Survey, 2021.

(33)  Langendorf, M., «Applying Europe’s Digital Agenda in Mediterranean Partner Countries: Opportunities and Pitfalls» [Aplicação da Agenda Digital para a Europa nos países parceiros mediterrânicos: oportunidades e obstáculos], IEMed. Mediterranean Yearbook, 2021.

(34)  https://freedomhouse.org/policy-recommendations/internet-freedom

(35)  Sidło, K., «Digital Transformation in the Southern Neighbourhood» [Transformação digital na Vizinhança Meridional], EuroMeSCo Euromed Survey, 2021.


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/76


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Teste de competitividade para construir uma economia da UE mais forte e mais resiliente

(parecer exploratório)

(2023/C 100/11)

Relator:

Christian ARDHE

Correlator:

Giuseppe GUERINI

Consulta

Presidência do Conselho da União Europeia, 30.6.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

10.11.2022

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

54/1/2

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

150/4/11

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera extremamente oportuno o pedido da Presidência checa de elaboração de um parecer exploratório sobre um teste de competitividade. Tendo em conta os desafios atuais e também os que poderão surgir no futuro, o CESE estima ser extremamente importante tornar a economia da União Europeia (UE) mais competitiva. O CESE reconhece que o mercado único e a economia social de mercado da UE são os maiores trunfos da União para alcançar o crescimento económico e o bem-estar social, por isso, apela para a realização de um teste de competitividade, a fim de apoiar as empresas, a criação de emprego e a melhoria das condições de trabalho, bem como o crescimento económico sustentável e a coesão social.

1.2.

O CESE considera que o teste de competitividade deverá assegurar que as decisões têm devidamente em conta os aspetos da competitividade. Tal requer conhecimentos adequados sobre os impactos das iniciativas na competitividade, bem como uma cultura sensível à competitividade no processo de decisão.

1.3.

O CESE salienta que o teste de competitividade deve ser uma parte central de um processo decisório equilibrado da UE e deve ser levado a cabo no contexto de todos os processos políticos e legislativos da UE. Deve abranger iniciativas legislativas, legislação derivada, medidas orçamentais, estratégias e programas, bem como acordos internacionais. Deve também ser integrado no processo do Semestre Europeu, uma vez que as políticas dos Estados-Membros são cruciais a este respeito.

1.4.

Dado que uma avaliação de impacto rigorosa constitui a base factual do teste de competitividade, é fundamental assegurar a obrigatoriedade da avaliação do impacto na competitividade, assim como a sua eficácia e aplicação efetiva, em todas as fases do processo decisório. O CESE congratula-se com as atuais orientações e ferramentas para legislar melhor, mas salienta que, tal como sublinhado pelo Comité de Controlo da Regulamentação, é evidente a necessidade de melhoramentos, especialmente no que diz respeito à aplicação das ferramentas.

1.5.

O CESE considera que o teste de competitividade deve ter em conta o impacto nas empresas, no emprego, nas condições de trabalho a vários níveis, incluindo os custos de conformidade e outros efeitos diretos, os impactos multiplicadores nas cadeias de valor e as consequências macroeconómicas daí resultantes. Neste contexto, cabe ter em atenção a posição competitiva da vasta gama de empresas existentes, em termos de setor, dimensão e modelo empresarial, incluindo as empresas da economia social.

1.6.

O CESE considera importante abranger os impactos negativos e positivos na competitividade, com o objetivo não só de evitar diminuir a competitividade, mas também de a melhorar, prestando especial atenção à competitividade no desenvolvimento de produtos e serviços da UE competitivos no mercado mundial. O teste de competitividade deve tomar em consideração a grande diversidade das empresas, que podem ser afetadas de formas diferentes.

1.7.

Embora o teste de competitividade incida, sobretudo, em iniciativas com objetivos primários que não a melhoria da competitividade, o CESE solicita à Comissão que elabore também uma estratégia específica para a competitividade, com o objetivo principal de reforçar a longo prazo a competitividade da UE.

1.8.

A estratégia para a competitividade deve assentar na economia social de mercado da UE e centrar-se em questões básicas como o mercado único e o comércio externo, o investimento e o acesso ao financiamento, os sistemas fiscais, a investigação e a inovação, as competências e os mercados de trabalho, bem como as micro, pequenas e médias empresas (MPME) e a dupla transição, tendo em conta o quadro financeiro sustentável e a coerência dos aspetos da competitividade com os objetivos sociais e ambientais. Dado que a competitividade também está relacionada com aspetos sociais e ambientais e é uma questão que diz respeito a todos, os representantes dos parceiros sociais e outros intervenientes da sociedade civil devem participar estreitamente na elaboração da estratégia através do diálogo social, que deve desempenhar um papel fundamental, tal como estabelecido no Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

2.   Contexto

2.1.

O presente parecer é uma resposta ao pedido da Presidência checa de elaboração de um parecer exploratório do CESE no domínio da competitividade da UE e dos aspetos regulamentares da legislação da UE para as suas empresas. Debruça-se sobre um teste de competitividade para construir uma economia da UE mais forte e mais resiliente. A Presidência sublinha a necessidade de reduzir a dependência estratégica da UE e de assegurar uma maior resiliência, a abertura ao mundo exterior e a competitividade das empresas da UE.

2.2.

O Governo sueco também definiu a competitividade como um elemento da orientação política da próxima Presidência sueca da UE.

2.3.

O CESE já solicitou uma verificação de competitividade no seu Parecer — Objetivo 55 (1), no qual afirma que «na transição para uma sociedade com impacto neutro no clima, é necessário adotar um modelo que resulte numa economia próspera. Para que a UE seja pioneira e um modelo a seguir pelo resto do mundo, devemos procurar forjar o modelo mais eficaz — um que seja justo e sustentável do ponto de vista económico, social e ambiental». O CESE declarou igualmente que «todas as propostas legislativas apresentadas no âmbito do Objetivo 55 devem ser submetidas a uma verificação de competitividade, em conformidade com os princípios dos [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável] (ODS), de modo a compreender adequadamente todas as implicações para as empresas». Antes disso, o CESE havia apelado para a realização de um teste de competitividade no seu Parecer — Uma União dos Mercados de Capitais (2).

2.4.

O relatório da Conferência sobre o Futuro da Europa também solicita que as novas iniciativas políticas da UE sejam submetidas a um teste de competitividade, a fim de examinar o seu impacto nas empresas e no ambiente empresarial (custo da atividade empresarial, capacidade de inovação, competitividade internacional, condições de concorrência equitativas, etc.), e que tal teste deve estar em conformidade com o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, nomeadamente em matéria de igualdade de género, não devendo comprometer a proteção dos direitos humanos, sociais e dos trabalhadores nem as normas ambientais e de defesa do consumidor.

2.5.

Recentemente, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou, no seu discurso (3), que será introduzida uma verificação normalizada da competitividade na legislação da UE.

3.   Motivos e necessidade de um teste de competitividade

3.1.

A competitividade como objetivo explícito tem estado na agenda da UE sob várias formas desde a Estratégia de Lisboa de 2000, seguida da Estratégia Europa 2020, da Estratégia Industrial para a Europa, bem como de uma série de relatórios sobre a competitividade europeia e o mercado único. No entanto, ao longo dos anos, a concorrência internacional tornou-se cada vez mais feroz e, tendo em conta os desafios atuais e os que poderão surgir no futuro, é extremamente importante criar uma dinâmica renovada para tornar a UE mais competitiva. A UE respondeu à pandemia de COVID-19 com o Instrumento de Recuperação da União Europeia («NextGenerationEU»), um programa de investimento massivo que promete impulsionar a posição competitiva da economia da UE a nível mundial, mediante empresas mais ecológicas e digitais apoiadas por serviços públicos mais eficientes, infraestruturas reforçadas e um mercado do trabalho dinâmico.

3.2.

A quota da Europa na economia mundial tem vindo a diminuir há já algum tempo. Estima-se que, em 2050, a UE representará menos de 10 % do produto interno bruto (PIB) mundial e, nos próximos anos, 85 % do crescimento previsto do PIB mundial terá origem fora da UE. As fracas perspetivas de crescimento da Europa exacerbam o declínio económico relativo, o que significa que a voz da Europa no mundo conta menos, enfraquecendo o papel da UE a nível mundial, bem como a sua influência na cooperação internacional (4).

3.3.

A perspetiva a curto prazo está em grande medida relacionada com a invasão da Ucrânia pela Rússia, que continua a afetar negativamente a economia da UE, e com o facto de a UE ainda estar a recuperar das diversas consequências da pandemia de COVID-19. A guerra criou pressões adicionais de aumento dos preços da energia e dos produtos alimentares, que estão a fomentar as pressões inflacionistas mundiais e a corroer o poder de compra dos agregados familiares (5). Em resposta às elevadas taxas de inflação, o Banco Central Europeu aumentou as taxas de juro do euro, à semelhança das medidas tomadas pelo Banco da Reserva Federal dos Estados Unidos da América. Além disso, o abrandamento do crescimento mundial diminui a procura externa. A UE e os seus Estados-Membros reagiram multiplicando o apoio às empresas mediante vários programas destinados a preservar a sua competitividade num contexto económico fraco e extremamente instável.

3.4.

Além da situação sem precedentes causada pela pandemia e pela guerra, a Europa enfrenta uma transformação estrutural histórica, impulsionada por acontecimentos geopolíticos, mudanças demográficas, a digitalização e a transição para uma economia circular e com impacto neutro no clima. Esta situação reconfigura os mercados e intensifica a concorrência no que respeita aos fatores de produção. O sucesso da transformação depende, em última análise, do bom funcionamento da economia em geral. A Europa só será capaz de competir com êxito a nível mundial, proporcionando a prosperidade necessária, se for um líder mundial em inovação e sustentabilidade.

3.5.

Cabe salientar a diferença entre competitividade no mercado interno e no mercado mundial. A primeira inclui a concorrência em condições equitativas, a harmonização das regras e a eliminação de barreiras (6). A segunda implica condições favoráveis e produtos e serviços melhores e mais acessíveis em concorrência com outros concorrentes externos à UE. O bom funcionamento do mercado interno contribui igualmente para melhores condições para a competitividade a nível mundial.

3.6.

É importante encontrar o equilíbrio entre diferentes objetivos políticos. Contudo, deveria ser dado maior destaque à criação de situações vantajosas para ambas as partes, considerando que as empresas competitivas proporcionam benefícios para a economia e a sociedade no seu conjunto e que uma economia sólida e uma sociedade estável aumentam a resiliência e contribuem para um ambiente empresarial competitivo.

3.7.

É também evidente que a UE tem de reforçar a sua posição internacional e influência nas transições digital e ecológica. Uma posição mais forte no desenvolvimento e na adoção de tecnologias digitais contribui não apenas para a competitividade económica, mas também para a segurança e o papel geopolítico da UE. Constitui ainda uma condição prévia necessária para que a UE seja uma referência a nível mundial, nomeadamente no que diz respeito a uma inteligência artificial digna de confiança.

3.8.

A necessidade de uma maior influência a nível mundial também se aplica ao combate às alterações climáticas. Tal requer uma influência diplomática considerável e uma forte competitividade em termos de custo-eficácia, inovação, competências e oferta de produtos, tecnologias e soluções hipocarbónicos nos mercados mundiais. Uma evolução positiva é o facto de várias empresas da UE já estarem a alinhar os investimentos pelos objetivos ambientais e sociais, como testemunhado pelo rápido aumento da utilização de produtos que cumprem os critérios ambientais, sociais e de governação (ASG) nos mercados financeiros mundiais e europeus. A UE está a elaborar um quadro completo para o financiamento sustentável, que tem de proporcionar mais transparência e espaço aos produtos ASG e respeitar a sustentabilidade na sua globalidade.

3.9.

Tendo em conta a importância de uma economia próspera com empresas competitivas para criar prosperidade e bem-estar na Europa, bem como soluções sustentáveis para os problemas climáticos e ambientais, é fundamental proporcionar às empresas da UE um ambiente favorável à inovação, ao investimento e ao comércio. Dado que muitos elementos do ambiente empresarial são determinados pelo quadro político, regulamentar e orçamental, os decisores políticos devem certificar-se de que este quadro apoia a competitividade das empresas e, consequentemente, a economia e a sociedade em geral.

4.   Elementos de um teste de competitividade

4.1.

Tendo em conta que não existe uma definição única ou universal de competitividade, o conteúdo de um teste de competitividade depende do âmbito e da perspetiva a adotar. O pedido da Presidência checa refere-se explicitamente à competitividade das empresas da UE, com o objetivo de construir uma economia da UE mais forte e mais resiliente.

4.2.

A competitividade das empresas pode ser descrita como a sua capacidade de ter sucesso no mercado de uma forma rentável, criando valor para si próprias e para a sociedade em geral. Tal depende igualmente da disponibilidade de fatores de produção (mão de obra qualificada, energia e matérias-primas, capital, dados), dos custos globais de produção, da procura e dos mercados para os produtos, bem como da capacidade das empresas para inovar e aproveitar as oportunidades, reforçando ao mesmo tempo o modelo de economia social de mercado da UE.

4.3.

A economia social de mercado única da UE, juntamente com a boa governação macroeconómica, a investigação e a inovação, o diálogo social e a participação da sociedade civil, bem como sistemas de educação abrangentes, uma mão de obra motivada com empregos estáveis, sistemas de saúde e sociais, um setor da economia social próspero e investidores sustentáveis, constituem trunfos essenciais a aproveitar nos esforços em prol de uma maior competitividade. Tendo em conta os desafios atuais e os que poderão surgir no futuro, o CESE apela para a realização de um teste de competitividade, a fim de apoiar as empresas, a criação de emprego e a melhoria das condições de trabalho, bem como o crescimento económico sustentável e a coesão social.

4.4.

O CESE considera que o teste de competitividade deverá assegurar que as decisões têm devidamente em conta os aspetos da competitividade. Tal requer uma compreensão da forma como as iniciativas afetarão a competitividade e uma cultura sensível à competitividade no processo de decisão. Por conseguinte, o teste de competitividade divide-se em dois níveis:

nível de avaliação do impacto (nível técnico), que consiste em avaliar as várias formas como as iniciativas políticas e regulamentares afetam a competitividade;

nível decisório (nível político), que consiste em prestar a devida atenção à competitividade e em dar-lhe o peso adequado na elaboração de novas iniciativas, com base no modelo de economia social de mercado da UE.

4.5.

O CESE considera importante que o teste de competitividade seja o mais abrangente possível, considerando os impactos nas empresas e nas cadeias de abastecimento, no emprego e nas condições de trabalho, bem como as consequências macroeconómicas daí resultantes. Um teste de competitividade sólido aplicável a todas as novas iniciativas deve servir como medida de controlo para assegurar que as propostas fomentam o reforço da competitividade, a criação de emprego e o crescimento sustentável.

5.   Avaliação de impacto como base do teste de competitividade

5.1.

O teste de competitividade deve basear-se em informações sólidas sobre os impactos das iniciativas políticas e regulamentares a vários níveis, nomeadamente custos de conformidade, facilidade de acesso aos mercados e outros efeitos diretos sobre as empresas. Os impactos multiplicadores nas cadeias de valor, tais como os impactos na disponibilidade de energia e de matérias-primas, revestem-se de particular importância. O teste de competitividade deve também abranger os impactos subsequentes no emprego, no investimento, na inovação, na produtividade, nos aspetos litigiosos, no funcionamento do mercado único e no comércio externo, bem como no modelo social europeu e no crescimento sustentável em geral.

5.2.

As atuais orientações e ferramentas para legislar melhor, estabelecidas no contexto do Programa Legislar Melhor da Comissão Europeia, já exigem que as iniciativas que provavelmente terão um impacto económico, social ou ambiental significativo sejam acompanhadas de avaliações de impacto. O relatório da avaliação de impacto deve incluir uma descrição dos impactos ambientais, sociais e económicos, nomeadamente os impactos nas pequenas e médias empresas (PME) e na competitividade. O CESE apela para a comunicação de informações exaustivas sobre o impacto na competitividade da vasta gama de empresas existentes, em termos de setor, dimensão e modelo empresarial, incluindo as empresas da economia social.

5.3.

O CESE congratula-se com o conteúdo das atuais ferramentas e observa que, num documento de trabalho da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), a ferramenta de competitividade da Comissão Europeia foi referida como o documento existente mais abrangente para avaliar os impactos regulamentares na competitividade (7). No entanto, há também uma necessidade evidente de melhoramentos, especialmente no que diz respeito à aplicação e execução efetiva das ferramentas.

5.4.

De acordo com o Comité de Controlo da Regulamentação, a avaliação de impacto é, amiúde, insuficientemente aprofundada, com certos impactos significativos a não serem suficientemente avaliados. Tal como descrito no seu Relatório Anual de 2021 (8), o Comité de Controlo da Regulamentação solicitou frequentemente uma avaliação mais aprofundada do impacto nos consumidores, na competitividade, na inovação, nos Estados-Membros e nas PME. Solicitou também com frequência uma maior quantificação, em particular dos custos administrativos e das poupanças. No seu Relatório Anual de 2020 (9), a observação mais frequente do Comité de Controlo da Regulamentação foi a falta de verificação da competitividade (muitas vezes ligada a uma avaliação insuficiente dos custos), dos impactos nas PME e dos impactos na sociedade.

5.5.

O CESE salienta, assim, a necessidade de as avaliações de impacto incidirem mais na competitividade, a fim de assegurar um bom equilíbrio. Considera igualmente importante que as várias ferramentas relacionadas com a competitividade, nomeadamente as relativas à competitividade setorial, às PME, à inovação, à concorrência, ao mercado interno, ao comércio e ao investimento, sejam avaliadas de forma integrada.

5.6.

O teste de competitividade deve tomar em consideração a grande diversidade das empresas, que podem ser afetadas de formas completamente diferentes. Por conseguinte, o CESE apela para uma avaliação adequada dos impactos nos vários ecossistemas e setores empresariais, em empresas de diferentes dimensões (incluindo as MPME), em empresas que operam em diferentes partes das cadeias de valor e em diferentes mercados e localizações geográficas, bem como em empresas com diferentes modelos empresariais, incluindo sociedades, cooperativas e empresas da economia social.

5.7.

O CESE solicita que se conceda atenção específica à competitividade internacional das empresas da UE, o que é particularmente importante do ponto de vista da autonomia estratégica aberta e das oportunidades de exportação da UE.

5.8.

O CESE sublinha que a avaliação do impacto na competitividade não se deve limitar aos impactos de uma iniciativa individual isoladamente, devendo também considerar os encargos cumulativos, especialmente os custos de conformidade, da legislação ou outras medidas que afetam os mesmos intervenientes. A avaliação deve, além disso, abranger tanto os impactos a curto como a longo prazo, inclusive em vários cenários prospetivos. Para encontrar a melhor opção estratégica, é também necessário avaliar o impacto das opções alternativas na competitividade e explicitá-las exaustivamente. É igualmente importante que a avaliação do impacto na competitividade se concentre mais nos dados quantitativos e os esclareça.

5.9.

O CESE apela para uma avaliação sólida e a recolha de elementos objetivos dos impactos positivos e negativos na competitividade. O objetivo deve ser não só evitar diminuir a competitividade, mas também lutar por um objetivo mais ambicioso de melhorar a competitividade geral da economia social de mercado europeia, que favoreça um crescimento sólido, sustentável e inclusivo.

5.10.

O CESE considera igualmente importante ter uma visão abrangente da competitividade na perspetiva da sustentabilidade. A sustentabilidade ambiental está ligada à competitividade empresarial, não apenas como um fator de custo, mas porque o bom desempenho ambiental é esperado por vários intervenientes no mercado, incluindo clientes, investidores e financiadores. O mesmo se aplica à sustentabilidade social, incluindo o respeito pelos direitos humanos, pela igualdade de género e pelos direitos laborais. Para tal, é necessário conciliar vários aspetos, nomeadamente os avanços tecnológicos, os custos e a aceitação social.

5.11.

Uma vez que a avaliação do impacto na competitividade constitui a base factual do teste de competitividade, o CESE considera fundamental assegurar a obrigatoriedade da avaliação do impacto na competitividade, assim como a sua eficácia e aplicação e execução efetivas. Deve também ser atualizada no decurso do processo legislativo, caso sejam introduzidas alterações substanciais. Ao mesmo tempo, o CESE salienta que são necessários recursos adequados e as competências certas para realizar tais avaliações. Recomenda igualmente uma avaliação comparativa regular das práticas dos países concorrentes.

5.12.

O teste de competitividade deve também fazer pleno uso de outras ferramentas existentes, tais como os balanços de qualidade, o programa para a adequação e a eficácia da regulamentação (REFIT) e a Plataforma Prontos para o Futuro, que são particularmente importantes para avaliar os impactos cumulativos de várias iniciativas.

6.   Teste de competitividade como parte do processo decisório

6.1.

O CESE salienta que o teste de competitividade deve ser uma parte central de um processo decisório equilibrado da UE e deve ser levado a cabo no contexto de todos os processos políticos e legislativos da UE, abrangendo também as estratégias e os programas, as disposições orçamentais e fiscais, a legislação derivada da UE e os acordos internacionais. Deve ser igualmente aplicado ao processo do Semestre Europeu, uma vez que as políticas dos Estados-Membros são cruciais a este respeito.

6.2.

Embora o teste de competitividade incida, sobretudo, em iniciativas com objetivos primários que não a melhoria da competitividade, o CESE solicita à Comissão que elabore também uma estratégia específica para a competitividade, com o objetivo de reforçar a longo prazo a competitividade da UE.

6.3.

A estratégia para a competitividade deve centrar-se na perspetiva a longo prazo e ter em atenção questões básicas como o desenvolvimento do mercado único, a redução das barreiras ao mercado, o aumento do investimento e do acesso ao financiamento, incluindo o investimento integrando a perspetiva de género, a facilitação do comércio externo e da cooperação externa, a promoção da inovação, do talento de alto nível e da excelência da investigação, o reforço das competências através da educação, da formação profissional e da aprendizagem ao longo da vida, mercados de trabalho mais inclusivos e melhoria das condições de trabalho, procedimentos de licenciamento mais rápidos, a redução da burocracia e dos custos de conformidade e sistemas fiscais mais favoráveis. Deve também capacitar modelos empresariais que alinhem a competitividade pelos objetivos sociais e ambientais, como acontece, por exemplo, nas empresas e organizações que adotam critérios ASG para os seus investimentos.

6.4.

O reforço das MPME e a melhoria das transições digital e ecológica devem também ser partes essenciais da estratégia. Além disso, deve prestar-se a devida atenção às capacidades dos Estados-Membros, às diferenças e à necessária cooperação entre eles, bem como à aplicabilidade das iniciativas e ao acompanhamento periódico da aplicação e dos resultados da estratégia. O CESE salienta igualmente o papel fundamental do diálogo social, tal como estabelecido no Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

6.5.

Quanto às medidas a curto prazo, o CESE congratula-se com a rápida adaptação da política de concorrência da UE à pandemia de COVID-19 e à guerra na Ucrânia, bem como às suas implicações económicas (10). A flexibilidade na aplicação das regras dos auxílios estatais, ainda que de natureza excecional e temporária, tem sido vital para permitir a sobrevivência das empresas da UE em tempos muito difíceis, preservando assim a competitividade alcançada pelas empresas europeias através da inovação e da produtividade.

6.6.

Uma concorrência sã e leal, tanto a nível interno como relativamente aos concorrentes estrangeiros, é também da maior importância. O CESE saúda o trabalho em curso que visa tornar mais eficientes as regras em matéria de auxílios estatais aplicáveis aos serviços de saúde e sociais de interesse económico geral, de modo a proporcionar maior qualidade e acessibilidade de tais serviços às pessoas a nível local (11).

6.7.

O CESE congratula-se também, de modo geral, com a iniciativa da Comissão de propor um regulamento relativo a subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno, uma vez que se destina a evitar distorções significativas no funcionamento do mercado único, assegurando assim condições equitativas em relação aos concorrentes estrangeiros (12).

6.8.

A estratégia para a competitividade seria o próximo passo para responder ao objetivo básico do pedido da Presidência checa, ou seja, construir uma economia da UE mais forte e mais resiliente. Consequentemente, contribuiria para o bem-estar dos cidadãos da UE e também para a realização de uma economia circular e com impacto neutro no clima. Uma vez que a competitividade é um assunto que diz respeito a todos, os representantes dos parceiros sociais e outros intervenientes da sociedade civil devem participar estreitamente na elaboração da estratégia.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática [COM(2021) 550 final] (JO C 275 de 18.7.2022, p. 101).

(2)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma União dos Mercados de Capitais ao serviço das pessoas e das empresas — novo plano de ação [COM(2020) 590 final] (JO C 155 de 30.4.2021, p. 20).

(3)  Intervenção da presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, na reunião plenária do Parlamento Europeu sobre a preparação da reunião do Conselho Europeu de 20 e 21 de outubro de 2022 (em inglês).

(4)  Achtung Europa, ECIPE 2021.

(5)  Previsões económicas do verão de 2022 (em inglês).

(6)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — O custo da não-Europa — os benefícios do mercado único (parecer exploratório) (JO C 443 de 22.11.2022, p. 51).

(7)  How do laws and regulations affect competitiveness [De que forma as leis e os regulamentos afetam a competitividade], OCDE, 2021.

(8)  Comité de Controlo da Regulamentação, Relatório Anual de 2021 (em inglês).

(9)  Comité de Controlo da Regulamentação, Relatório Anual de 2020 (em inglês).

(10)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma política de concorrência adaptada aos novos desafios [COM(2021) 713 final] (JO C 323 de 26.8.2022, p. 34).

(11)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre regras em matéria de auxílios estatais aplicáveis aos serviços sociais e de saúde — Os SIEG num cenário pós-pandemia — Reflexões e propostas sobre a avaliação da Comissão para alterar o pacote legislativo de 2012 (parecer de iniciativa) (JO C 323 de 26.8.2022, p. 8).

(12)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno [COM(2021) 223 final — 2021/0114 (COD)] (JO C 105 de 4.3.2022, p. 87).


III Atos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

574.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 14.12.2022-15.12.2022

16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/83


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política da Concorrência 2021

[COM(2022) 337 final]

(2023/C 100/12)

Relator:

Philip VON BROCKDORFF

Consulta

Comissão Europeia, 27.10.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

10.11.2022

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

51/0/3

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

206/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apela para um diálogo permanente com a Comissão sobre as novas ações necessárias para reforçar o funcionamento do mercado único.

1.2.

O CESE insta a Direção-Geral da Concorrência a acompanhar continuamente os regimes aprovados pela própria Comissão e lançados pelos Estados-Membros em resposta à pandemia de COVID-19 e à guerra na Ucrânia, a fim de evitar que os fundos sejam desviados para empresas que não são economicamente viáveis.

1.3.

No entanto, o CESE exorta também a Comissão a utilizar a máxima flexibilidade permitida pelas regras em matéria de auxílios estatais, de modo a permitir aos Estados-Membros adotar regimes que prestem uma ajuda eficaz às empresas afetadas pela guerra na Ucrânia.

1.4.

O CESE congratula-se com as novas Orientações da Comissão relativas a auxílios estatais ao clima, à proteção do ambiente e à energia e considera-as um passo na direção certa.

1.5.

O CESE apoia as investigações sobre as práticas não concorrenciais das grandes empresas tecnológicas, em consonância com a posição adotada pelo CESE sobre o Regulamento Mercados Digitais.

1.6.

O CESE apela para um reforço da cooperação entre as autoridades nacionais no âmbito da Rede Europeia da Concorrência, a fim de reforçar a aplicação do direito da concorrência da União Europeia (UE) pelas empresas que participam em práticas comerciais transfronteiras que restringem a concorrência e são prejudiciais para os clientes.

1.7.

O CESE solicita condições de concorrência equitativas em todo o setor da aviação. No entanto, adverte contra o desenvolvimento de um mercado da aviação que, a prazo, possa ser dominado por um pequeno número de companhias aéreas.

1.8.

O CESE apoia a proposta de regulamento da Comissão relativo a subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno concedidas a empresas de países terceiros que operam na UE, mas insta a Comissão a centrar a sua atenção também nas subvenções que distorcem o mercado e noutras práticas anticoncorrenciais adotadas tanto em empresas públicas como privadas fora da UE.

1.9.

O CESE adverte contra possíveis acordos anticoncorrenciais ou abusos de posição dominante no setor dos hipermercados e supermercados de géneros alimentares que prejudiquem os consumidores, através do aumento dos preços no consumidor, e os produtores, através da redução dos preços no produtor.

1.10.

O CESE acolhe com agrado a proposta da Comissão sobre o novo Instrumento de Emergência do Mercado Único, que complementa outras medidas legislativas da UE para a gestão de crises.

1.11.

O CESE solicita novas medidas para reforçar a concorrência e o mercado único numa altura em que as economias continuam a enfrentar desafios causados pelos elevados preços da energia, pelos condicionalismos do lado da oferta e pela incerteza económica.

1.12.

O CESE está firmemente convicto de que a agenda da UE para uma economia verde e digital baseada nos princípios de uma economia social de mercado não deve ser perturbada pela guerra na Ucrânia.

1.13.

Por último, o CESE recomenda a utilização de auxílios estatais, nas condições permitidas pela legislação da UE, para combater as repercussões socioeconómicas da guerra na Ucrânia, prestando especial atenção à igualdade de género e à perspetiva de género, em sentido lato, sobretudo no que diz respeito à situação dos refugiados nos Estados-Membros vizinhos da Ucrânia.

2.   Contexto

2.1.

O Relatório sobre a Política de Concorrência 2021 apresenta os principais desenvolvimentos políticos e iniciativas legislativas do ano passado, bem como um conjunto de medidas de execução. Em 2021, a Comissão levou a cabo a sua revisão dos principais regulamentos, orientações e comunicações em matéria de concorrência, conforme estabelecido na sua Comunicação — Uma política de concorrência adaptada aos novos desafios (1), que enquadra o papel da política de concorrência no caminho de recuperação da Europa, nas transições ecológica e digital e na construção de um mercado único resiliente.

2.2.

A Comissão também adotou uma proposta de novo regulamento para combater as distorções causadas por subvenções estrangeiras concedidas por países terceiros a empresas ativas no mercado único (2), na sequência das propostas de 2020 relativas ao Regulamento Mercados Digitais e ao Regulamento Serviços Digitais, ambas destinadas a abordar uma vasta gama de desafios digitais (3). O Regulamento Mercados Digitais, em particular, estabeleceu obrigações para as empresas que atuam como controladores de acesso para as empresas e os consumidores no mercado único.

2.3.

As regras e as orientações em matéria de anti-trust e de concentrações foram atualizadas para darem resposta aos desafios. Esta atualização incluiu uma revisão das regras no domínio dos acordos de abastecimento verticais e dos acordos de cooperação horizontais, tendo em vista, relativamente a estes últimos, facilitar a cooperação entre empresas de forma a aumentar a eficiência económica. A Comissão também publicou os resultados da sua avaliação da Comunicação relativa à definição de mercado, que fornece orientações sobre a forma como a concorrência é aplicada efetivamente nos mercados de produtos e nos mercados geográficos.

2.4.

A Comissão atualizou igualmente as regras e orientações em matéria de auxílios estatais para ajudar a enfrentar a alteração das circunstâncias e apoiar as transições ecológica e digital. A necessidade de aumentar a resiliência do mercado único face à incerteza económica é particularmente importante. Para esse efeito, a Comissão acompanha a evolução do mercado. O quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal foi especialmente oportuno e pertinente para prestar apoio às empresas em toda a UE. A Comissão deve proceder a mais ajustamentos nas políticas devido aos desenvolvimentos causados pela agressão russa contra a Ucrânia. Entretanto, a Comissão introduziu o apoio ao investimento até ao final de 2022 e o apoio à solvabilidade até 31 de dezembro de 2023, permitindo aos Estados-Membros mobilizar fundos privados e disponibilizá-los para investimentos em pequenas e médias empresas.

2.5.

Igualmente importante foi a revisão das orientações relativas a auxílios estatais ao clima, à proteção ambiental e à descarbonização das atividades económicas. Foi necessário alargar o âmbito de aplicação das referidas orientações de modo a abranger novas atividades económicas, como a mobilidade limpa e a descarbonização da indústria. As orientações revistas apoiam, portanto, o Pacto Ecológico Europeu.

2.6.

Além disso, a Comissão reviu o Regulamento de isenção por categoria aplicável aos acordos verticais e as orientações verticais. O objetivo é atualizar as regras anteriores que foram consideradas não adequadas à sua finalidade devido à evolução do mercado, nomeadamente o crescimento das vendas em linha.

2.7.

O âmbito de aplicação do Regulamento geral de isenção por categoria foi também alargado para facilitar os programas financiados pela UE. Essencialmente, esta medida ajuda a racionalizar as regras em matéria de auxílios estatais, tal como aplicadas ao financiamento nacional e em ligação com programas específicos da UE.

2.8.

Além disso, foi adotada a revisão das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional, de modo a permitir aos Estados-Membros apoiarem as regiões menos favorecidas, bem como as regiões que enfrentam desafios estruturais.

2.9.

A adaptação da Comissão às necessidades atuais e futuras de aplicação da legislação face aos desafios causados pela transformação digital constituiu um desenvolvimento importante. A eficiência e a eficácia com que a Comissão consegue responder a práticas anticoncorrenciais por parte de empresas como a Apple, a Amazon ou o Facebook foram consideradas críticas.

2.10.

No mesmo sentido, a Comissão levou a cabo uma reorganização para lidar com projetos importantes de interesse europeu comum. Foi igualmente pertinente a criação de um grupo de trabalho com vista a apoiar a aplicação do Regulamento Mercados Digitais.

2.11.

A fim de reforçar o funcionamento do mercado único, foi estabelecido um orçamento de 4,2 mil milhões de euros para o denominado «Programa a favor do Mercado Único», com o objetivo de aplicar efetivamente a política de concorrência da UE.

2.12.

A aplicação efetiva das regras de concorrência da UE e as reformas regulamentares são fundamentais para a transformação digital da economia da UE e para uma maior resiliência do mercado único em tempos muito difíceis.

2.13.

Neste contexto, as investigações no domínio anti-trust e das práticas abusivas por parte das grandes empresas multinacionais revestem-se da maior importância. O controlo das concentrações realizado pela Comissão também assegura que a consolidação se processa de forma a permitir a concorrência nos mercados e combater as posições dominantes no mercado. O número de decisões de concentração foi impressionante: 396 em vários setores.

2.14.

Outro desenvolvimento importante foi a orientação dada sobre as infraestruturas de banda larga que respondem às necessidades de velocidades digitais muito exigentes, tal como estabelecido no âmbito da Sociedade Europeia a Gigabits para 2025 e da Estratégia Digital, bem como dos objetivos das Orientações para a Digitalização até 2030. Os auxílios estatais apoiam infraestruturas de banda larga em toda a UE na resolução de situações em que não existem incentivos para os operadores privados fornecerem uma cobertura de banda larga adequada.

2.15.

As atividades da Comissão também contribuíram para os objetivos ambientais, especialmente no que diz respeito à descarbonização das economias e à mudança gradual mas constante de combustíveis fósseis para combustíveis alternativos no setor dos transportes. É fundamental evitar distorções da concorrência no âmbito do apoio ao Pacto Ecológico Europeu, e, também neste contexto, a Comissão aprovou uma série de medidas de auxílio estatal destinadas a facilitar a transição ecológica da UE.

2.16.

Foi igualmente importante a aplicação das regras anti-trust e o controlo das concentrações na indústria automóvel, que contribuem para a transição ecológica. Esta ação da Comissão incluiu a aplicação de coimas que ascenderam a centenas de milhões de euros.

2.17.

É extremamente importante que o papel da Comissão na promoção da política de concorrência esteja relacionado com a forma como a concorrência funciona para os consumidores em toda a UE. Como o relatório refere, e bem, a economia social de mercado é um dos pilares da UE e a aplicação das regras de concorrência e a proteção da concorrência de forma constante apoiam o desenvolvimento da economia social de mercado.

2.18.

A mesma lógica aplica-se aos serviços financeiros, nos quais a Comissão enfrentou potenciais cartéis no setor dos serviços financeiros com a aplicação de pesadas coimas a uma série de instituições financeiras.

2.19.

Igualmente importante foi a resposta da Comissão às consequências económicas e sociais da pandemia de COVID-19, aplicando a flexibilidade permitida nas regras em matéria de auxílios estatais através do quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal. Essa resposta permitiu que os Estados-Membros disponibilizassem às empresas regimes como, por exemplo, as garantias de empréstimo. A Comissão aprovou uma série de regimes que ascendem a milhares de milhões de euros ao abrigo do quadro temporário, em vários setores afetados pelas restrições associadas à COVID-19, incluindo o setor da aviação, para fazer face às necessidades de liquidez e capital.

2.20.

A Comissão desempenhou um papel importante na prestação de orientação e apoio para facilitar os planos de recuperação e resiliência apresentados pelos Estados-Membros. Essa ação era necessária para assegurar que os planos eram compatíveis com as regras em matéria de auxílios estatais.

2.20.1.

Em 2021, a Comissão continuou a assegurar a aplicação coerente dos artigos 101.o e 102.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Além disso, a Comissão acompanhou e apoiou os Estados-Membros nos seus esforços de transposição da Diretiva REC+ (4) para o direito nacional. Esta diretiva atribui às autoridades da concorrência em toda a UE competência para aplicarem as regras de concorrência de forma mais eficaz e assegurar o bom funcionamento do mercado único.

2.21.

Por último, a Comissão permaneceu ativa no Comité da Concorrência da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos, na Rede Internacional da Concorrência e na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

3.   Observações gerais

3.1.

O CESE assinala o trabalho construtivo levado a cabo pela Comissão com o intuito de continuar a reforçar o mercado único através da aplicação das regras de concorrência e da proteção da concorrência em toda a UE.

3.2.

O CESE também constata a eficiência da resposta da Comissão destinada a atenuar o impacto das restrições associadas à COVID-19, adotando um quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal de modo a permitir o apoio necessário dos Estados-Membros às empresas, preservando ao mesmo tempo a integridade do mercado único.

3.3.

A Comissão tem revelado o mesmo nível de eficiência na resposta à crise que eclodiu após a invasão da Ucrânia pela Rússia. O CESE considera que a rápida adoção do quadro temporário de crise para os auxílios estatais foi tão crítica como as medidas tomadas em relação às restrições associadas à COVID-19. O CESE exorta, por conseguinte, a Comissão a aplicar toda a flexibilidade permitida ao abrigo das regras em matéria de auxílios estatais quando os Estados-Membros são confrontados com choques económicos.

3.4.

O CESE assinala igualmente o trabalho realizado pela Comissão na sua revisão dos principais regulamentos, orientações e comunicações para garantir que se mantêm adequados à sua finalidade, e em especial na revisão do Regulamento de isenção por categoria aplicável aos acordos verticais e das orientações verticais.

3.5.

O CESE considera que a adoção de um regulamento que alarga o âmbito de aplicação do Regulamento geral de isenção por categoria e a publicação de Orientações relativas a auxílios estatais ao clima, à proteção ambiental e à energia são passos importantes para apoiar os principais objetivos políticos da UE. O Comité também considera importante a adoção de uma Comunicação revista sobre Projetos Importantes de Interesse Europeu Comum (PIIEC).

3.6.

O CESE assinala os esforços envidados no sentido da adoção do Regulamento Mercados Digitais. O CESE considera que esse ato legislativo constitui um enorme passo para fazer respeitar a concorrência e proteger os clientes na utilização dos serviços digitais.

3.7.

O CESE assinala também que a proposta de regulamento relativo a subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno está em fase de adoção. Em vários dos seus pareceres, o CESE manifestou-se contra a concessão de subvenções estrangeiras que distorcem o mercado a empresas ativas na UE; o regulamento proposto atribuiria à Comissão novos poderes para investigar esse tipo de subvenções e adotar medidas corretivas, sempre que necessário. O CESE está convicto de que tal é compatível com o princípio da concorrência leal em condições equitativas.

3.8.

O CESE regista as ações no domínio anti-trust, bem como as medidas tomadas no âmbito do controlo das concentrações. Essa ação é necessária para preservar a integridade do mercado único e proteger os cidadãos da UE, particularmente contra decisões tomadas por grandes empresas tecnológicas.

3.9.

A aprovação pela Comissão de uma série de medidas de auxílio estatal em apoio à transição ecológica da UE, incluindo as medidas de apoio às energias renováveis e à mobilidade limpa, abre caminho para outras medidas positivas no futuro.

4.   Recomendações específicas

4.1.

O CESE apela para um diálogo permanente com a Comissão sobre as novas ações necessárias para reforçar o funcionamento do mercado único. A este respeito, o CESE destaca o seu recente parecer que identifica deficiências no mercado único da UE.

4.2.

Embora tenha elogiado a rapidez com que a Comissão respondeu às restrições associadas à COVID-19 e, mais recentemente, aos efeitos económicos causados pela guerra na Ucrânia, o CESE apela para um acompanhamento contínuo dos regimes aprovados pela própria Comissão e lançados pelos Estados-Membros em resposta à pandemia de COVID-19 e à guerra na Ucrânia, a fim de evitar que os fundos sejam desviados para empresas que não são economicamente viáveis. O nível de apoio necessário, bem como as pressões enfrentadas pelos governos em toda a UE para concederem auxílios estatais, são fora do normal e podem conduzir a esse tipo de situações.

4.3.

No entanto, o CESE exorta também a Comissão a utilizar a máxima flexibilidade permitida pelas regras em matéria de auxílios estatais, de modo que os Estados-Membros possam adotar regimes que prestem uma ajuda eficaz às empresas e comunidades afetadas pela guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo, o CESE salienta que essa ajuda deve ser permitida com o mínimo de distorções da concorrência.

4.4.

O CESE destaca os esforços empreendidos para apoiar a agenda verde da UE através da política de concorrência. Esses esforços são fundamentais, e as novas Orientações da Comissão relativas aos auxílios estatais ao clima, à proteção do ambiente e à energia constituem um passo na direção certa. Uma vez que esses três setores estão interligados, o CESE considera que as novas orientações proporcionam uma base sólida para um apoio eficaz ao Pacto Ecológico Europeu.

4.5.

O CESE chama a atenção para as investigações levadas a cabo pela Comissão a uma série de grandes empresas tecnológicas por práticas não concorrenciais e apoia plenamente essas investigações, uma vez que estão em consonância com a posição adotada pelo CESE sobre o Regulamento Mercados Digitais, especialmente no que diz respeito à sua importância para permitir a concorrência nos serviços digitais e para proteger os cidadãos da UE de práticas abusivas de grandes empresas tecnológicas. Essas investigações provam que a Comissão tem agora mais possibilidades de concretizar o seu objetivo de avançar para um mercado digital mais regulamentado.

4.6.

O CESE apela para um reforço da cooperação entre as autoridades nacionais no âmbito da Rede Europeia da Concorrência, de modo a reforçar a aplicação efetiva do direito da concorrência da UE às empresas que participam em práticas comerciais transfronteiras que restringem a concorrência e são prejudiciais para os clientes. O CESE considera essencial coordenar as investigações.

4.7.

O CESE constatou a importância das decisões da Comissão relativas ao setor da aviação, particularmente durante a pandemia, e apela para condições de concorrência equitativas em todo o setor. No entanto, adverte contra o desenvolvimento de um setor e um mercado da aviação que, a prazo, possam ser dominados por um pequeno número de companhias aéreas.

4.8.

O CESE apoia plenamente a proposta de regulamento da Comissão relativa à concessão de subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno a empresas de países terceiros que operam na UE. Não só esta situação tem efeitos de distorção óbvios sobre a concorrência como as empresas estrangeiras podem também estar a beneficiar de vantagens fiscais, que geram outras distorções da concorrência. O CESE insta também a Comissão a adotar medidas adequadas em matéria de subvenções que distorcem o mercado e outras práticas anticoncorrenciais adotadas tanto em empresas públicas como privadas fora da UE. Essas medidas contribuiriam igualmente para alcançar os objetivos da Estratégia Industrial para a Europa.

4.9.

O CESE constata que a Comissão e as autoridades nacionais da concorrência estão a acompanhar a situação das cadeias de abastecimento alimentar na Europa. O CESE adverte contra possíveis acordos anticoncorrenciais ou abusos de posição dominante, que podem aumentar os preços e, dessa forma, prejudicar os consumidores. O CESE adverte também que o setor dos hipermercados e supermercados não deve assumir um papel dominante no mercado alimentar que prejudique os consumidores e os produtores, através do aumento dos preços no consumidor e da redução dos preços no produtor. O CESE está ciente de que cabe aos Estados-Membros assegurar a aplicação da Diretiva relativa a práticas comerciais desleais, a fim de resolver situações em que existem desequilíbrios nas relações comerciais individuais (5). Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a acompanhar continuamente a eficácia da análise do mercado e das medidas tomadas pelas autoridades nacionais.

4.10.

O CESE acolhe com agrado a proposta da Comissão sobre o novo Instrumento de Emergência do Mercado Único, que complementa outras medidas legislativas da UE para a gestão de crises, como o Mecanismo de Proteção Civil da União, bem como as regras da UE para setores, cadeias de abastecimento e produtos específicos, como a saúde, os semicondutores e a segurança alimentar, que já preveem medidas específicas de resposta a crises. O CESE entende que tal proporciona um quadro de gestão de crises equilibrado para identificar diferentes ameaças ao mercado único e assegurar o seu bom funcionamento, criando uma estrutura coordenada de gestão de crises, propondo novas medidas para compensar os impactos negativos no mercado único e permitindo medidas de último recurso em caso de emergência.

4.11.

O CESE solicita novas medidas para reforçar a concorrência e o mercado único numa altura em que as economias continuam a enfrentar desafios causados pelos elevados preços da energia, pelos condicionalismos do lado da oferta e pela incerteza económica.

4.12.

O CESE está firmemente convicto de que a agenda da UE para uma economia verde e digital baseada nos princípios de uma economia social de mercado não deve ser perturbada pela crise em curso na Ucrânia. A UE deve continuar a ter como objetivo mercados que ofereçam preços competitivos e justos aos seus cidadãos, assegurando tal objetivo através da ação da Comissão e das autoridades nacionais em toda a UE. A este respeito, é pertinente referir que a recente proposta da Comissão relativa à aquisição conjunta de gás natural constitui uma solução temporária, mas eficaz para estabilizar os preços da energia.

4.13.

O último ponto refere-se à utilização de auxílios estatais, nas condições permitidas pelas regras da UE, para apoiar medidas destinadas a combater as repercussões socioeconómicas da guerra na Ucrânia, incluindo a crise dos refugiados que afeta os Estados-Membros que fazem fronteira com a Ucrânia, bem como à necessidade de prestar especial atenção à igualdade de género e à perspetiva de género em sentido lato.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Uma política de concorrência adaptada aos novos desafios, COM(2021) 713 final.

(2)  COM(2021) 223 final.

(3)  COM(2020) 842 final.

(4)  Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno (JO L 11 de 14.1.2019, p. 3).

(5)  A diretiva foi alterada pela Diretiva (UE) 2019/2161 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e as Diretivas 98/6/CE, 2005/29/CE e 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho a fim de assegurar uma melhor aplicação e a modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores (JO L 328 de 18.12.2019, p. 7).


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/89


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma nova Agenda Europeia para a Inovação

[COM(2022) 332 final]

(2023/C 100/13)

Relator:

Maurizio MENSI

Correlator:

Christophe LEFÈVRE

Consulta

Comissão Europeia, 27.10.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

10.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

177/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a Agenda Europeia para a Inovação proposta pela Comissão e partilha, em especial, o seu duplo objetivo de reforçar a competitividade da Europa e promover a saúde e o bem-estar dos cidadãos europeus.

1.2.

O CESE também saúda a tónica colocada pela Comissão na redução das disparidades relativas às «empresas jovens de acelerado crescimento» e à tecnologia profunda que se verificam atualmente entre a União Europeia (UE) e Estados terceiros onde as empresas tecnológicas em fase de crescimento são mais comuns. No que diz respeito à concretização da transição ecológica e digital, o CESE propõe que a Comissão dê maior ênfase ao papel das empresas, das PME e, em particular, das empresas em fase de arranque, bem como das redes de inovação que dirigem.

1.3.

O CESE subscreve a arquitetura da proposta, articulada em torno de cinco domínios emblemáticos. Importa também prever instrumentos para a verificação e o acompanhamento dos resultados alcançados.

1.4.

O CESE congratula-se com a proposta de criação de um grupo consultivo sobre regulamentação favorável à inovação no domínio dos serviços públicos e propõe a participação de um representante do CESE como membro de pleno direito.

1.5.

O CESE assinala a importância de financiar as infraestruturas de experimentação e ensaio para ajudar as empresas em fase de arranque e reduzir as disparidades entre os laboratórios e as aplicações comerciais. A este respeito, a introdução do novo conceito de «infraestruturas de ensaio e experimentação» no projeto de revisão do Regulamento geral de isenção por categoria (RGIC) relativo aos auxílios estatais é positiva.

1.6.

O CESE também saúda a iniciativa relacionada com a contratação pública. Neste contexto, propõe que as propostas a apresentar nos concursos públicos no domínio da inovação prevejam a participação de, pelo menos, uma empresa em fase de arranque.

1.7.

O CESE salienta a importância de dispor de um regime de propriedade intelectual sólido aplicável às invenções das empresas em fase de arranque, a fim de promover um desenvolvimento contínuo da investigação.

1.8.

O CESE insta a Comissão a incentivar a dimensão inter-regional do investimento, mediante a participação conjunta de regiões menos inovadoras e de regiões mais inovadoras.

1.9.

O CESE salienta que o apoio público deve beneficiar também o ensino superior e os laboratórios de inovação. Neste sentido, recomenda que a Comissão utilize um conjunto de centros de investigação e universidades-piloto para perseguir objetivos inovadores.

1.10.

O CESE congratula-se igualmente com o apoio da Comissão aos Estados-Membros no desenvolvimento de projetos importantes de interesse europeu comum transfronteiriços. Neste sentido, propõe o financiamento quer das atividades de investigação quer do desenvolvimento profissional dos investigadores, e que os resultados da investigação, que beneficiam de apoio público, sejam abertos a atividades de desenvolvimento suplementares dos inovadores, eventualmente através da plataforma Innospace.

1.11.

O CESE acolhe favoravelmente a publicação de um documento de orientação para ajudar as autoridades interessadas a selecionar o programa estratégico da UE mais adequado, sublinhando a importância de aplicar os programas estratégicos de forma horizontal.

1.12.

O CESE saúda a ideia de analisar um tratamento fiscal mais favorável das opções sobre ações na UE e um regime fiscal para pessoas com talento que se mudam para outro país. Convida a Comissão a coordenar as iniciativas nacionais destinadas a fomentar talentos.

1.13.

O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de desenvolver bases de dados mais sólidas e comparáveis e uma taxonomia comum de dados que possa servir de base para as políticas a todos os níveis, bem como disseminar boas práticas de uma forma estruturada através do Fórum do Conselho Europeu da Inovação.

1.14.

O CESE saúda igualmente a intenção da Comissão de partilhar boas práticas e de emitir orientações destinadas aos governos sobre a forma de as utilizar, a fim de superar a fragmentação regulamentar existente entre os Estados-Membros.

2.   Contexto

2.1.

A nova Agenda Europeia para a Inovação visa colocar a Europa na linha da frente da nova vaga de inovação de tecnologia profunda e de empresas em fase de arranque:

melhorando o acesso ao financiamento para as empresas em fase de arranque e as empresas jovens de acelerado crescimento europeias;

melhorando as condições que permitem aos inovadores experimentar novas ideias através de ambientes de testagem da regulamentação;

ajudando a criar «vales regionais de inovação», incluindo em regiões menos desenvolvidas;

atraindo e retendo talentos na Europa;

melhorando o quadro de ação através de maior clareza na terminologia, nos indicadores e nos conjuntos de dados e de apoio às políticas dos Estados-Membros.

2.2.

A nova Agenda Europeia para a Inovação estabelece 25 ações específicas inseridas em cinco domínios emblemáticos:

o financiamento das empresas jovens de acelerado crescimento mobilizará investimentos de investidores institucionais e outros investidores privados;

a promoção da inovação através de ambientes de testagem e de contratos públicos facilitará a inovação;

a aceleração e o reforço da inovação nos ecossistemas europeus em toda a UE, colmatando as disparidades entre países e regiões, apoiará a criação e a interligação de vales regionais de inovação e ajudará os Estados-Membros a direcionar pelo menos 10 mil milhões de euros para a inovação regional ligada às prioridades da UE;

a promoção, a atração e a retenção de talentos no domínio da tecnologia profunda assegurarão o desenvolvimento e o fluxo desses talentos essenciais dentro da UE;

a melhoria dos instrumentos de conceção de políticas será fundamental para o desenvolvimento e a utilização de conjuntos de dados sólidos e comparáveis e de definições partilhadas (empresas em fase de arranque, empresas jovens de acelerado crescimento) que possam servir de base para as políticas a todos os níveis em toda a UE.

3.   Observações gerais

3.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a Agenda Europeia para a Inovação da Comissão e, em especial, o seu duplo objetivo de reforçar a competitividade da Europa, por um lado, e promover o bem-estar dos cidadãos europeus, por outro.

3.2.

A este respeito, o CESE valoriza o facto de o plano da Comissão se basear no objetivo global de remediar a clivagem persistente no domínio da inovação entre os Estados-Membros e nas regiões europeias, que pode pôr em causa a coesão social e económica.

3.3.

O CESE considera que o dividendo digital deve estar disponível para todos os cidadãos europeus, independentemente do local onde vivem. A revolução digital deve colmatar as lacunas persistentes surgidas durante a revolução industrial, que têm afetado particularmente alguns Estados-Membros que aderiram à UE após a queda da Cortina de Ferro.

3.4.

Este aspeto é ainda mais importante no contexto atual, porque é necessário que todos os Estados-Membros e regiões da UE sejam independentes de países terceiros que nem sempre são fiáveis e, em todo o caso, não estão alinhados com os valores europeus fundamentais, como demonstra a guerra na Ucrânia, a crise energética atual e a escassez de circuitos integrados.

3.5.

O CESE também saúda a tónica colocada pela Comissão na redução das disparidades relativas às chamadas «empresas jovens de acelerado crescimento» e à tecnologia profunda face a Estados terceiros onde as empresas tecnológicas em fase de crescimento são mais comuns. No que diz respeito à concretização da transição ecológica e digital, propõe também que a Comissão dê maior ênfase ao papel das empresas, das PME e das empresas em fase de arranque, bem como das redes de inovação que dirigem, promovendo a sua competitividade (1). Importa também promover iniciativas para transformar as empresas tradicionais em empresas inovadoras.

3.6.

O CESE entende que uma digitalização mais profunda e mais equilibrada poderia iniciar um círculo virtuoso: melhoria do bem-estar dos cidadãos, consecução dos objetivos de sustentabilidade, reforço da coesão económica e social na UE e redução da dependência industrial e económica em relação a países terceiros que não partilham os mesmos valores.

3.7.

Por todos os motivos acima indicados, o CESE saúda e apoia sem reservas a iniciativa da Comissão com base nos seus méritos.

3.8.

O CESE também acolhe favoravelmente a arquitetura da iniciativa, articulada em torno de cinco domínios emblemáticos, reiterando que é conveniente prever instrumentos para a verificação e o acompanhamento constantes dos resultados obtidos, a fim de preparar, se for caso disso, as medidas corretivas e de melhoria necessárias.

3.9.

O CESE congratula-se com a proposta de criação de um grupo consultivo sobre regulamentação favorável à inovação no domínio dos serviços públicos e propõe a participação de um representante do CESE como membro de pleno direito.

4.   Domínio emblemático sobre o financiamento das empresas jovens de acelerado crescimento de tecnologia profunda

4.1.

O CESE congratula-se vivamente com todas as medidas propostas que visam reduzir o custo de novos capitais próprios em toda a UE, nomeadamente permitir a utilização de direitos de propriedade intelectual como garantia e propor um novo ato legislativo sobre a cotação em bolsa que simplificará e facilitará os requisitos iniciais e permanentes aplicáveis à cotação para certos tipos de empresas, a fim de reduzir os custos e aumentar a segurança jurídica dos emitentes, salvaguardando simultaneamente a proteção dos investidores e a integridade do mercado.

4.2.

O CESE assinala a necessidade de a Europa adotar um regime de propriedade intelectual que equilibre adequadamente a ciência aberta e a propriedade intelectual. A este respeito, muitas empresas em fase de arranque possuem (ou utilizam) patentes essenciais a normas (PEN). Pelo menos no caso das PME, deve evitar-se a imposição de obrigações legais relativas à verificação do caráter essencial das patentes essenciais a normas que aquelas pretendem licenciar. Tal obrigação poderia ser prejudicial para a inovação, uma vez que pode prolongar as negociações, originando litígios numa fase em que as perspetivas de receitas das licenças ainda não são certas.

4.3.

O CESE acolhe favoravelmente o destaque dado às mulheres e a recolha de dados sobre as mulheres e outros grupos sub-representados tendo em vista a elaboração de políticas específicas para colmatar as disparidades entre homens e mulheres e não só, que afetam também as empresas em fase de arranque. Para assegurar a competitividade europeia, é fundamental promover o emprego das mulheres no setor da inovação. A criação de um índice relativo ao género e aos grupos sub-representados constitui um instrumento útil de conhecimento para abordar esta questão.

4.4.

O CESE chama a atenção para a importância de as PME e as empresas de média capitalização estabelecidas também inovarem para concretizar a transição ecológica e digital. Por este motivo, cumpre incluir na agenda medidas que apoiem os esforços das empresas nesse sentido e promovam a sua competitividade. De um modo mais geral, importa criar um ecossistema que permita também às empresas tradicionais transformarem-se em empresas inovadoras.

4.5.

Tendo em conta que — conforme assinalado pela Comissão — os produtos bancários são a principal fonte de financiamento das empresas, o CESE salienta a importância de garantias com financiamento público e solicita à Comissão que estude a possibilidade de replicar neste domínio os instrumentos já disponibilizados pelos quadros temporários no âmbito da COVID-19 e da guerra na Ucrânia. Neste sentido, é possível que as garantias com apoio público atraiam investidores a longo prazo e mais avessos ao risco (como fundos de pensões e fundos soberanos) cujo financiamento é subutilizado na Europa.

4.6.

O CESE insta a Comissão a dar prioridade aos laboratórios de investigação transfronteiriços e às empresas em fase de arranque derivadas de diferentes universidades durante a execução deste domínio emblemático. Uma ampla colaboração entre universidades pode promover a inovação com as aplicações práticas numa abordagem da base para o topo, que se afigura a mais adequada para estimular a criatividade.

4.7.

O CESE também insta a Comissão a concentrar o apoio da UE em setores específicos (por exemplo, os circuitos integrados, as energias renováveis, etc.), a fim de promover a investigação aplicada onde ela é efetivamente necessária para prosseguir os objetivos estratégicos da UE.

4.8.

O CESE solicita à Comissão que, além de reduzir os custos dos capitais próprios e harmonizar os regimes fiscais, pondere introduzir «financiamento para as empresas jovens de acelerado crescimento» específico da UE, destinado a apoiar o crescimento de determinadas empresas em fase de arranque estratégicas. Esse financiamento pode também reduzir a atratividade das aquisições anticoncorrenciais ou das deslocações para o estrangeiro, uma vez que os fundadores poderão reforçar as suas empresas sem as venderem ou as deslocalizarem.

4.9.

O CESE insta a Comissão a estudar a criação de um mercado digital europeu para as empresas em fase de arranque que lhes permita interagir com potenciais investidores de toda a UE. Esse mercado poderia resolver as possíveis dificuldades das empresas em fase de arranque em encontrar investidores localmente e aceder a uma liquidez significativa em tempo útil, especialmente nos Estados-Membros de menor dimensão.

4.10.

O CESE sublinha a importância das infraestruturas tecnológicas para expandir as tecnologias das empresas em fase de arranque de tecnologia profunda. Por conseguinte, importa promover e facilitar o acesso a essas infraestruturas, nomeadamente prevendo obrigações de acesso aberto e não discriminatório às infraestruturas e aos dados financiados por fundos públicos.

5.   Domínio emblemático sobre a viabilização da inovação de tecnologia profunda através de espaços de experimentação e da contratação pública

5.1.

O CESE acolhe favoravelmente a publicação de um documento de orientação sobre ambientes de testagem da regulamentação, bancos de ensaio e laboratórios vivos enquanto instrumento para atrair a experimentação na UE, bem como a divulgação das boas práticas nos Estados-Membros com vista a promover a harmonização.

5.2.

O CESE também saúda a introdução de uma nova regra no quadro relativo aos auxílios estatais à investigação, ao desenvolvimento e à inovação, que permitirá aos Estados-Membros financiar mais infraestruturas de ensaio e experimentação. Neste contexto, o CESE propõe a fixação de um limite máximo para o financiamento público nacional admissível, para não penalizar os Estados-Membros mais pequenos ou mais pobres ou, em alternativa, a concentração do financiamento da UE, a título complementar, nos Estados-Membros que não conseguem rivalizar na corrida aos auxílios estatais. O CESE propõe também a publicação de orientações da UE para harmonizar as interpretações nacionais nos casos em que estas possam divergir.

5.3.

O CESE assinala a importância de financiar as infraestruturas de experimentação e ensaio para ajudar as empresas em fase de arranque a expandir as suas tecnologias e reduzir o fosso entre os laboratórios e as aplicações comerciais. A este respeito, aplaude a introdução do novo conceito de «infraestruturas de ensaio e experimentação» na proposta de revisão do RGIC relativo aos auxílios estatais. Em especial, importa distinguir o conceito de «infraestruturas de ensaio e experimentação» das infraestruturas geralmente designadas como «infraestruturas tecnológicas». Para distinguir entre as duas realidades, poderá recorrer-se ao critério da utilização predominantemente económica. Além disso, os limiares de notificação devem ser iguais a 21 milhões de euros tanto para «as infraestruturas de ensaio e experimentação» como para as «infraestruturas tecnológicas», cabendo prever um regime favorável para as empresas que contribuam com, pelo menos, 5 % dos custos de investimento nas «infraestruturas de ensaio e experimentação».

5.4.

O CESE também saúda a iniciativa relacionada com a contratação pública. Neste contexto, propõe que se pondere a possibilidade de introduzir um mecanismo que assegure a participação de, pelo menos, uma empresa em fase de arranque nos contratos públicos no domínio da inovação.

5.5.

O CESE salienta a importância de dispor de um regime de propriedade intelectual sólido aplicável às invenções das empresas em fase de arranque, a fim de promover um desenvolvimento contínuo da investigação. Assim que os parceiros comerciais reivindicam a exclusividade relativamente aos resultados científicos iniciais (que exige a exclusividade para apoiar e colaborar com os laboratórios científicos), existe o risco de os laboratórios científicos não desenvolverem os resultados dessa investigação porque deixam de ter interesse económico.

6.   Domínio emblemático sobre a aceleração e o reforço da inovação nos ecossistemas europeus de inovação em toda a UE e a redução da clivagem no domínio da inovação

6.1.

O CESE insta a Comissão a incentivar a dimensão inter-regional dos investimentos. Congratula-se, em particular, com a prioridade atribuída a alguns projetos de inovação inter-regionais relacionados com as principais prioridades da UE (como a sustentabilidade), mediante a participação conjunta de regiões mais e menos inovadoras.

6.2.

O CESE sublinha que a inovação assenta em toda a cadeia de investigação e desenvolvimento, desde a investigação motivada pela curiosidade a atividades de investigação e desenvolvimento aplicadas, passando pela esfera da educação e da formação, estando dependente das capacidades e dos recursos necessários para promover a adoção da inovação, que são determinados pelos sistemas políticos, culturais e socioeconómicos. Neste contexto, o CESE sublinha que, para permitir a inovação estrutural e fomentar novas ideias aplicadas, o apoio público deve beneficiar também o ensino superior, incluindo o ensino profissional (que é essencial para acelerar a inovação) e os laboratórios de inovação e não apenas projetos que já alcançaram a fase de introdução no mercado. Neste sentido, a Comissão pode utilizar um conjunto de universidades-piloto para perseguir tal objetivo.

6.3.

O CESE também acolhe favoravelmente o apoio da Comissão aos Estados-Membros na realização de projetos importantes de interesse europeu comum transfronteiriços, salientando a importância de apoiar também a fase de investigação, uma vez que a inovação é um processo local que deve ser apoiado desde o início num cenário da base para o topo, em harmonia com o relatório final da Conferência sobre o Futuro da Europa (propostas 12 e 35). Por conseguinte, importa financiar quer o trabalho de investigação quer o desenvolvimento profissional dos investigadores. Os resultados da investigação que beneficia de apoio público devem estar abertos a atividades de desenvolvimento suplementares dos inovadores, eventualmente através da plataforma Innospace.

6.4.

O CESE acolhe favoravelmente a publicação de um documento de orientação para ajudar as autoridades interessadas a selecionar o programa estratégico da UE mais adequado. O CESE também realça a importância de não conceber os programas estratégicos como «compartimentos fechados» e, em vez disso, ter em conta a sua complementaridade e, sempre que possível, aplicá-los de forma horizontal.

7.   Domínio emblemático sobre a promoção, a atração e a retenção de talentos no domínio da tecnologia profunda

7.1.

O CESE congratula-se com esta iniciativa destinada a aumentar as oportunidades e a correspondência entre empregadores e talentos em toda a Europa.

7.2.

O CESE saúda em particular a ideia de avaliar a possibilidade de um tratamento fiscal mais favorável das opções sobre ações na UE.

7.3.

Insta a Comissão a ter em conta a situação fiscal de pessoas com talento que se mudam para outro país, a fim de evitar obstáculos que podem dificultar a livre circulação dos talentos.

7.4.

O CESE convida a Comissão a coordenar as iniciativas nacionais destinadas a fomentar talentos.

8.   Domínio emblemático sobre a melhoria dos instrumentos de conceção de políticas

8.1.

O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de desenvolver bases de dados mais sólidas e comparáveis e uma taxonomia comum de dados, bem como de disseminar boas práticas de uma forma estruturada através do Fórum do Conselho Europeu da Inovação.

8.2.

O CESE também saúda os planos da Comissão para partilhar boas práticas de forma a recolher bons exemplos de ambientes de testagem da regulamentação e quadros jurídicos flexíveis de toda a UE e emitir orientações destinadas aos governos sobre formas de os utilizar. O CESE incentiva a Comissão a utilizar estes instrumentos para superar a fragmentação e as diferenças regulamentares entre os Estados-Membros.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Os polos de inovação digital e as PME (parecer de iniciativa) (JO C 75 de 28.2.2023, p. 82).


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/95


Parecer do Comité Económico e Social Europeu —

a) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Instrumento de Emergência do Mercado Único e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2679/98 do Conselho

[COM(2022) 459 final — 2022/0278 (COD)]

b) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (UE) 2016/424, (UE) 2016/425, (UE) 2016/426, (UE) 2019/1009 e (UE) n.o 305/2011 no que respeita aos procedimentos de emergência para a avaliação da conformidade, a adoção de especificações comuns e a fiscalização do mercado devido a uma emergência no mercado único

[COM(2022) 461 final — 2022/0279 (COD)]

c) Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Diretivas 2000/14/CE, 2006/42/CE, 2010/35/UE, 2013/29/UE, 2014/28/UE, 2014/29/UE, 2014/30/UE, 2014/31/UE, 2014/32/UE, 2014/33/UE, 2014/34/UE, 2014/35/UE, 2014/53/UE e 2014/68/UE no que respeita aos procedimentos de emergência para a avaliação da conformidade, a adoção de especificações comuns e a fiscalização do mercado devido a uma emergência no mercado único

[COM(2022) 462 final — 2022/0280 (COD)]

(2023/C 100/14)

Relator:

Andrej ZORKO

Correlatora:

Janica YLIKARJULA

Consulta

a)

Parlamento Europeu, 9.11.2022

a)

Conselho da União Europeia, 11.11.2022

b)

Parlamento Europeu, 21.11.2022

b)

Conselho da União Europeia, 24.11.2022

c)

Parlamento Europeu, 21.11.2022

c)

Conselho da União Europeia, 30.11.2022

Base jurídica

a)

Artigos 114.o, 21.o, 45.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

b)

Artigos 114.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

c)

Artigos 91.o, 114.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

10.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

208/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia o objetivo da Comissão de criar um Instrumento de Emergência do Mercado Único (doravante «Instrumento de Emergência») para combater crises futuras que possam afetar o funcionamento do mercado único e das suas empresas e o bem-estar dos cidadãos da União Europeia (UE). O CESE apoia as medidas destinadas a assegurar a livre circulação de bens, serviços e pessoas e a evitar restrições intra-UE também durante uma crise. O Instrumento de Emergência deve dar prioridade à partilha de informações, à cooperação, à comunicação e à solidariedade entre os Estados-Membros. É essencial assegurar uma cooperação administrativa mais eficaz e medidas de transparência para os Estados-Membros, mas o CESE lamenta que não existam consequências caso os Estados-Membros não cumpram os requisitos.

1.2.

A resposta a situações de crise deve ser rápida, temporária, devidamente direcionada e coordenada a nível da UE, a fim de assegurar uma abordagem comum. Deve ter em conta os efeitos de uma crise nas empresas e no bem-estar dos cidadãos da UE e criar condições para uma sociedade e uma economia mais resilientes no futuro. A tónica deve ser claramente colocada na livre circulação de bens, serviços e pessoas em tempos de crise, bem como na atenuação dos efeitos da crise no bem-estar das pessoas, e não em intervenções na produção e no fornecimento de bens e serviços nem nas respetivas cadeias de abastecimento.

1.3.

A atenuação de crises exige um quadro jurídico claro para evitar interpretações divergentes, medidas fragmentadas e litígios desnecessários. O CESE considera que as definições dos termos «crise», «domínios estrategicamente importantes», «bens e serviços de importância estratégica» e «bens e serviços relevantes em situação de crise» são demasiado vagas para dar resposta a estas preocupações e recomenda que a Comissão os defina mais pormenorizadamente.

1.4.

As medidas de emergência não devem violar os direitos fundamentais dos cidadãos europeus, e o exercício desses direitos, incluindo o direito à greve, em qualquer setor, não pode justificar uma resposta a situações de crise. A Comissão deve deixar claro que, se uma greve ou outra ação coletiva for realizada ao abrigo da legislação nacional, não pode constituir uma crise no âmbito do Instrumento de Emergência. Do mesmo modo, é necessário que todas as medidas de atenuação de crises respeitem os princípios da necessidade e da proporcionalidade no que respeita às empresas, o que não acontece na proposta. Além disso, a autonomia dos parceiros sociais deve ser respeitada. Existe o risco de as medidas criarem mais obstáculos, restrições e encargos desnecessários, que devem ser evitados, especialmente em tempos de crise. O mercado único deve ser mantido acessível, com salvaguardas contra o dumping social e fiscal.

1.5.

O CESE considera que uma emergência exige uma resposta rápida e eficiente. Por conseguinte, recomenda que a Comissão reconsidere a proposta tendo em vista uma abordagem suficientemente rápida e eficaz para responder a uma crise. O CESE receia que a abordagem faseada proposta possa estar sujeita a demasiados procedimentos administrativos para ser eficaz.

1.6.

O CESE recomenda que se estabeleça uma cooperação estreita entre o grupo consultivo para o Instrumento de Emergência e os instrumentos existentes de prospetiva estratégica da UE, com o objetivo de antecipar situações de crise com base no acompanhamento contínuo e na avaliação dos riscos de acontecimentos mundiais e regionais. Os representantes da sociedade civil devem ser estreitamente associados a esse processo, a fim de contribuírem com os seus conhecimentos e com os resultados do seu trabalho para as atividades de prospetiva da UE.

1.7.

O CESE propõe a inclusão no grupo consultivo para o Instrumento de Emergência de representantes dos parceiros sociais e de uma organização da sociedade civil pertinente na qualidade de observadores. Apela igualmente para uma clarificação do papel do grupo consultivo proposto, em especial relativamente a outros órgãos de natureza semelhante.

1.8.

Importa repensar a delegação de poderes na Comissão ao abrigo da proposta, com o intuito de estabelecer um equilíbrio entre uma resposta eficaz a situações de crise e a inclusão dos Estados-Membros no processo de decisão.

1.9.

Existe o risco de os poderes intervencionistas conferidos à Comissão na proposta prejudicarem o funcionamento do mercado único, nomeadamente a atribuição de prioridade a encomendas e a cláusula contratual imperativa que pode ser direcionada para empresas específicas. O simples facto de existirem introduz um elemento de imprevisibilidade. Por conseguinte, o CESE recomenda à Comissão que reconsidere cuidadosamente a proposta, tendo também em conta a questão de saber quais seriam as empresas visadas e quem suportaria os custos de uma eventual reorganização das linhas de produção.

1.10.

É fundamental limitar a recolha de dados junto das empresas pela Comissão ou pelos Estados-Membros no respeito pelos princípios da necessidade extrema e da proporcionalidade. Algumas das propostas representam riscos em matéria de condições de concorrência equitativas, como a elaboração de listas dos «operadores económicos mais relevantes» antes de ser declarada uma situação de emergência. O CESE manifesta preocupação com os sinais que esta situação pode enviar ao mercado e com o impacto global na concorrência.

1.11.

A gestão de crises no mercado único exige uma comunicação rápida, de fácil compreensão e aberta destinada ao público, às empresas e a outros intervenientes. Em caso de crise, deve estar imediatamente operacional uma interface de informação em linha específica.

2.   Base do parecer

2.1.

O bom funcionamento do mercado único é um dos maiores trunfos da UE e é vital para a sua economia e para melhorar o bem-estar através da convergência socioeconómica e assegurar que os desequilíbrios sociais não acabam por se tornar sérios obstáculos à integração europeia (1).

2.2.

Crises recentes, como a pandemia de COVID-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia, mostraram que existe alguma vulnerabilidade no mercado único e nas suas cadeias de abastecimento em caso de perturbações imprevistas. Devido ao confinamento durante a pandemia, muitas empresas interromperam as suas atividades, as fronteiras fecharam-se, as cadeias de abastecimento foram interrompidas, a procura foi perturbada e os trabalhadores e os prestadores de serviços viram-se impossibilitados de circular na Europa, recordando que a livre circulação de pessoas está altamente interligada com a livre circulação de bens e serviços. Muitas vezes, uma crise afeta sobretudo as micro, pequenas e médias empresas e os agregados familiares com baixos rendimentos.

2.3.

A falta de transparência das medidas adotadas por vários Estados-Membros para combater as crises suscitou incerteza quanto à sua justificação e proporcionalidade. Se, por um lado, essa situação enfraqueceu a confiança mútua e a solidariedade e criou obstáculos ao funcionamento do mercado único, por outro lado, ficou claramente demonstrada a importância da cooperação, da abertura e do diálogo entre os Estados-Membros e o valor das cadeias de valor diversificadas. Uma resposta coordenada para assegurar que as fronteiras internas da UE permanecem abertas, através de pontos de passagem de fronteira com vias reservadas, os chamados «corredores verdes», revelou-se fundamental para evitar perturbações nas viagens e nas cadeias de abastecimento essenciais.

2.4.

O Instrumento de Emergência complementa outras medidas legislativas ou propostas da UE para a gestão de crises que dizem respeito, por exemplo, à saúde, aos semicondutores, à segurança alimentar e ao Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE congratula-se com os esforços da Comissão para introduzir o Instrumento de Emergência de forma a combater os efeitos negativos das crises potenciais e em curso no mercado único, nos seus cidadãos e nas empresas e acolhe com agrado a confirmação de que esse instrumento se aplicará sem prejuízo dos instrumentos de gestão de crises existentes, que serão tratados como lex speciali.

3.2.

O CESE salienta que o Instrumento de Emergência deve assegurar uma coordenação mais eficaz das medidas entre os Estados-Membros, reforçar a solidariedade, assegurar a eficácia das quatro liberdades fundamentais e tirar partido do mercado único para fazer face a crises urgentes e inesperadas. Assinala que um mercado único que funciona bem é um instrumento eficaz e um trunfo para assegurar a preparação e a resposta a crises.

3.3.

Uma crise suscetível de afetar o funcionamento do mercado único pode inibir as empresas, mas também afetar consideravelmente as vidas das pessoas em toda a UE. Por conseguinte, as medidas propostas para combater qualquer crise devem ter em conta ambas as perspetivas, bem como a trajetória rumo à transição digital, ecológica e justa, a fim de preparar melhor o mercado único para futuros choques e crises. No futuro, o mercado único só pode assentar na conjugação de uma base económica sólida e uma dimensão social forte (2).

3.4.

O CESE salienta que a resposta a situações de crise tem de ser rápida, temporária, proporcionada e devidamente direcionada, abrindo caminho a uma sociedade e uma economia mais resilientes no futuro. Essa resposta deve também ser coordenada a nível da UE para evitar que medidas nacionais divergentes possam impedir o funcionamento do mercado único.

3.5.

A UE enfrentará novos desafios relacionados com crises futuras. As medidas de atenuação de crises devem ser transparentes, estar prontamente disponíveis — com um âmbito de aplicação limitado e cumprindo critérios rigorosos — e ser aplicadas de forma célere, o que exige um quadro jurídico claro a nível da UE. O instrumento em apreço deve proteger as empresas e os residentes da UE e as liberdades do mercado único em caso de crise grave generalizada, deve verificar que as medidas nacionais e da UE de combate à crise cumprem os princípios fundamentais da necessidade, da proporcionalidade e da não discriminação, e deve assegurar a cooperação administrativa em tempo real, bem como o acesso das empresas e dos cidadãos à informação.

3.6.

O CESE manifesta preocupação com o facto de um procedimento faseado de resposta a situações de crise, conforme estabelecido no âmbito do Instrumento de Emergência, demorar demasiado tempo e atrasar o processo de decisão, em vez de permitir uma reação rápida de resposta à crise.

3.7.

É impossível prever o alcance e a natureza de uma determinada crise no futuro. Ao mesmo tempo, a resposta a uma situação de crise é mais eficaz e menos invasiva se for desencadeada na fase inicial da mesma. O CESE salienta a importância da prospetiva estratégica na UE e reitera a sua grande satisfação com a integração da metodologia de prospetiva no processo de elaboração de políticas da UE. Os instrumentos propostos no Instrumento de Emergência devem ser complementados por uma cooperação estreita entre o grupo consultivo e os mecanismos existentes de prospetiva estratégica da UE, a fim de antecipar futuras crises com base em acontecimentos em curso a nível mundial e regional suscetíveis de perturbar consideravelmente o funcionamento do mercado único para além do normal. O grupo consultivo deve não só ser encarregado de avaliar os incidentes para os quais os Estados-Membros alertam a Comissão, mas também acompanhar e avaliar o risco de incidentes a nível mundial e regional, em cooperação contínua com os intervenientes da UE responsáveis pela execução da prospetiva estratégica. O CESE espera ainda que a prospetiva estratégica, enquanto processo participativo, potencie o reforço das sinergias e da participação estrutural de todas as instituições da UE, incluindo o CESE (3).

3.8.

A proposta visa abranger todas as crises significativas que afetem o mercado único e as suas cadeias de abastecimento, com algumas exceções, para as quais a UE já tem ou está a preparar medidas próprias. O vasto âmbito de aplicação coloca desafios de monta. O CESE salienta que o Instrumento de Emergência exige uma definição mais clara de crise, que não possa ser objeto de interpretações divergentes. Além disso, as definições de «domínios estrategicamente importantes», «bens e serviços de importância estratégica» e «bens e serviços relevantes em situação de crise» são muito amplas. O CESE considera que estas definições devem ser inequívocas, a fim de assegurar a proporcionalidade e a correta orientação das medidas de emergência. A falta de definições claras e precisas pode criar insegurança jurídica e litígios no mercado único.

3.9.

Todas as definições e respostas a situações de crise no âmbito do Instrumento de Emergência devem ser proporcionadas e não podem conduzir a encargos administrativos desnecessários. Em especial, o instrumento só deve ser acionado em caso de crise urgente e temporária no mercado único, incluindo crises regionais que afetem as quatro liberdades fundamentais. Do mesmo modo, a utilização do instrumento deve ser limitada no tempo e não deve poder assumir caráter permanente. A proposta confere à Comissão poderes delegados no que respeita aos protocolos de crise, que devem ser cuidadosamente repensados, tendo em vista o equilíbrio entre uma resposta eficaz a situações de crise e o pleno empenho dos Estados-Membros em adotar medidas conjuntas.

3.10.

É fundamental ter capacidade para reconhecer que uma situação exige uma resposta a situações de crise e conseguir visar adequadamente os problemas decorrentes de situações de emergência. As medidas de emergência não devem prejudicar os direitos fundamentais dos cidadãos europeus, especialmente os direitos reconhecidos em acordos e convenções internacionais. Mesmo em tempos de crise, é imperativo que a UE continue empenhada na defesa dos direitos humanos fundamentais. Do mesmo modo, é necessário que todas as medidas de atenuação de crises respeitem os princípios fundamentais da necessidade e da proporcionalidade no que respeita às empresas, o que não acontece na proposta.

3.11.

O reconhecimento e a regulamentação dos bens relevantes em situação de crise podem, por si só, criar incertezas no mercado único suscetíveis de limitar o seu funcionamento, uma vez que é impossível saber quais serão os bens relevantes em situações de crise futuras. O CESE compreende a intenção de delegar determinados poderes na Comissão no âmbito da proposta, mas, ao mesmo tempo, tem de manifestar preocupação com os poderes intervencionistas da Comissão previstos na proposta, incluindo a divulgação de informação sensível do ponto de vista comercial e a atribuição de prioridade a encomendas, incluindo a cláusula contratual imperativa. A produção e o fornecimento de bens e serviços e as respetivas cadeias de abastecimento são essencialmente da responsabilidade dos intervenientes no mercado e fazem parte do planeamento de contingência e da preparação normais das empresas e dos governos.

3.12.

O CESE considera que é necessário evitar a introdução de barreiras e restrições intra-UE em tempos de crise. Para o efeito, o instrumento deve garantir uma maior partilha de informações, coordenação e solidariedade entre os Estados-Membros aquando da adoção de medidas de resposta a situações de crise, respeitando simultaneamente as competências nacionais. O CESE apoia plenamente a enumeração das restrições proibidas das liberdades do mercado único. No entanto, lamenta que não haja consequências claras nos casos em que os Estados-Membros não cumprem os requisitos.

3.13.

A produção e o fornecimento de bens específicos que possam ser essenciais para combater uma determinada crise não estão distribuídos de forma igual no mercado único. Dependendo da crise, as empresas e os cidadãos em toda a UE poderão também sofrer impactos com diferentes níveis de gravidade, mesmo no caso de uma crise à escala da UE. A solidariedade entre os Estados-Membros é fundamental para fazer face a essas situações. Por conseguinte, o conjunto de instrumentos de resposta a situações de crise deve ter por objetivo desincentivar o protecionismo, que fragmenta o mercado único e impede o fluxo de bens e serviços críticos para as empresas e os residentes da UE.

3.14.

O CESE recomenda que a Comissão avalie os ensinamentos retirados das crises recentes para os utilizar como modelo para o futuro. Durante a pandemia, a introdução de «corredores verdes» amenizou muitos estrangulamentos onerosos relacionados, em especial, com o fluxo de bens intra-UE, mas também com o fluxo de serviços no mesmo contexto. Além disso, a adoção relativamente rápida do Certificado Digital COVID da UE contribuiu para restabelecer a mobilidade no mercado único dos prestadores de serviços transfronteiras, dos trabalhadores migrantes e das pessoas que viajam por motivos profissionais. A assistência técnica prestada pela UE contribuiu igualmente para assegurar uma aplicação mais uniforme das medidas.

3.15.

O CESE concorda com a Comissão quanto ao facto de as medidas a nível da UE deverem ser coordenadas em conjunto com os Estados-Membros. Sempre que possível, é necessário aplicar uma abordagem comum em todos os Estados-Membros. Uma abordagem fragmentada cria obstáculos adicionais ao mercado único, prejudicando a inovação, o investimento e a criação de emprego, bem como a coesão social e a qualidade de vida. Mesmo em tempos de crise, é importante manter o mercado único acessível a todos, com salvaguardas eficazes contra o dumping social e fiscal (4).

3.16.

As empresas e os cidadãos devem também receber incentivos para, tanto quanto possível, adaptarem a sua atividade ao aumento dos custos da energia que se tornou realidade após a crise e aos efeitos das alterações climáticas. Todas as medidas de emergência devem estar em consonância com os objetivos climáticos da UE e a trajetória rumo à neutralidade climática e, quando aplicadas, devem definir um rumo para a consecução desses objetivos, bem como para tornar o mercado único mais resiliente. A resposta de emergência deve também ter em conta que existe sempre a possibilidade de uma crise aumentar as diferenças entre os Estados-Membros da UE em termos de desenvolvimento económico, garantias sociais e níveis de prosperidade (5), devendo ser concebida de molde a evitar tais efeitos.

3.17.

Uma comunicação rápida, de fácil compreensão e aberta destinada ao público, às empresas e a outros intervenientes é um elemento fundamental da gestão de crises no mercado único. A fim de ajudar os intervenientes no terreno, o CESE recomenda que esteja imediatamente operacional uma interface comum de informação em linha específica quando uma crise se materializa e que essa interface seja atualizada regularmente e inclua informações fiáveis sobre a crise e as medidas adotadas. O instrumento deve assegurar transparência para as pessoas e as empresas sobre as medidas adotadas em todos os Estados-Membros, contribuindo para que possam continuar a circular livremente. Quaisquer medidas de emergência devem ser claramente comunicadas, a fim de não suscitar confusão nem provocar obstáculos adicionais ao funcionamento do mercado único. O CESE considera que os parceiros sociais e a sociedade civil podem desempenhar um papel importante nesse contexto.

3.18.

É igualmente necessária uma cooperação estreita com as partes interessadas para a aplicação do instrumento, tendo em conta que, na prática, são os intervenientes da sociedade civil que executam as medidas. Além disso, dispõem do melhor conhecimento sobre as medidas e os procedimentos que funcionam. A infraestrutura de governação do mercado único deve ser reforçada com a inclusão proativa de estruturas organizadas que representem os cidadãos, os consumidores e as empresas (6). O CESE insta a Comissão a incluir os parceiros sociais, as organizações da sociedade civil e os peritos nos processos de avaliação e monitorização dos riscos, bem como no desenvolvimento e coordenação das medidas de combate às crises.

4.   Observações na especialidade

4.1.

Tanto quanto possível, as medidas devem basear-se nos instrumentos existentes em matéria de notificação, normas, etc., e centrar-se na clarificação e na facilitação da sua utilização célere e eficiente para preservar o funcionamento do mercado único em caso de crise.

4.2.

O instrumento deve contemplar uma avaliação acelerada da conformidade, a coordenação dos contratos públicos e a fiscalização do mercado de bens e serviços críticos para a crise em questão. No entanto, deve também ter em conta que as diretivas da UE em vigor já disponibilizam várias opções que permitem uma contratação pública muito rápida em situações de emergência.

4.3.

As medidas de emergência não devem poder limitar os direitos fundamentais dos cidadãos da UE, e o exercício desses direitos em qualquer setor, incluindo o direito à greve, não pode constituir uma justificação para uma resposta a situações de crise ao abrigo do Instrumento de Emergência. O CESE entende que a regulamentação das greves é da competência dos Estados-Membros e que, se uma greve ou outra ação coletiva for realizada ao abrigo da legislação nacional, não pode constituir uma crise nos termos do Instrumento de Emergência.

4.4.

É fundamental limitar a recolha de dados junto das empresas pela Comissão ou pelos Estados-Membros no respeito pelos princípios da necessidade extrema e da proporcionalidade. Não devem ser adotadas obrigações vinculativas que forcem as empresas a divulgar informações sensíveis do ponto de vista comercial e lhes imponham a atribuição de prioridade a encomendas e a cláusula contratual imperativa, uma vez que são contrárias a uma ação proativa para encontrar soluções de resposta às crises. Algumas das propostas representam riscos em matéria de condições de concorrência equitativas, como a elaboração de listas dos «operadores económicos mais relevantes» antes de ser declarada uma situação de emergência. O CESE manifesta preocupação com os sinais que esta situação pode enviar ao mercado e com o impacto global na concorrência.

4.5.

O CESE considera que o grupo consultivo, tal como previsto no artigo 3.o da proposta, deve tirar pleno partido dos conhecimentos e da experiência dos parceiros sociais e de uma organização da sociedade civil pertinente, que conhecem melhor as condições quotidianas «no terreno» do mercado único. Embora seja importante que o grupo consultivo inclua todos os decisores políticos, autoridades e agências competentes a nível da UE e dos Estados-Membros, o CESE considera que os parceiros sociais estão indissociavelmente ligados ao mercado único, pelo que devem ser automaticamente incluídos no grupo consultivo na qualidade de observadores, juntamente com uma organização da sociedade civil pertinente, como uma organização de consumidores, para prestar aconselhamento sobre as medidas práticas adotadas no âmbito do Instrumento de Emergência, bem como para as aplicar e acompanhar.

4.6.

Em conformidade com o artigo 13.o, o CESE considera que é necessário exercer a solidariedade entre os Estados-Membros, por exemplo, ao garantir reservas estratégicas. Por conseguinte, apoia a recomendação da Comissão segundo a qual, sempre que possível, os Estados-Membros devem distribuir as reservas estratégicas de forma direcionada.

4.7.

O CESE insta a Comissão a reavaliar a possibilidade de restringir a livre circulação de trabalhadores proposta no artigo 17.o no que respeita aos trabalhadores transfronteiriços, uma vez que, como já foi referido, a limitação da sua livre circulação pode ter efeitos negativos no mercado único.

4.8.

O CESE considera que a proposta não define claramente a interação entre o grupo consultivo que prevê e os grupos de gestão de crises já criados, como o grupo de trabalho para o cumprimento das regras do mercado único, o Instrumento de Informação do Mercado Único e as plataformas para crises alimentares. A Comissão deve evitar duplicações entre as competências dos diferentes organismos de gestão de crises, pois tal criaria encargos administrativos desnecessários e tornaria mais morosa a resposta a situações de crise.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma nova estratégia industrial para a Europa [COM(2020) 102 final] (JO C 364 de 28.10.2020, p. 108).

(2)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Um mercado único para todos (parecer exploratório) (JO C 311 de 18.9.2020, p. 19).

(3)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Relatório de Prospetiva Estratégica 2021 — Capacidade e liberdade de ação da UE [COM(2021) 750 final] (JO C 290 de 29.7.2022, p. 35).

(4)  Ver nota 2.

(5)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de Ação a Longo Prazo para Melhorar a Aplicação e o Cumprimento das Regras do Mercado Único [COM(2020) 94 final] e b) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Identificar e Superar as Barreiras ao Mercado Único [COM(2020) 93 final] (JO C 364 de 28.10.2020, p. 116).

(6)  Ver nota 2.


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/101


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos requisitos horizontais de cibersegurança dos produtos com elementos digitais e que altera o Regulamento (UE) 2019/1020

[COM(2022) 454 final — 2022/0272 (COD)]

(2023/C 100/15)

Relator:

Maurizio MENSI

Correlator:

Marinel Dănuț MUREȘAN

Consulta

Parlamento Europeu, 9.11.2022

Conselho da União Europeia, 28.10.2022

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

10.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

177/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com a proposta da Comissão de um ato legislativo sobre a ciber-resiliência (Cyber Resilience Act), que visa estabelecer normas mais rigorosas em matéria de cibersegurança, de molde a criar um sistema fiável para os operadores económicos e a garantir aos cidadãos da UE uma utilização segura dos produtos disponíveis no mercado. A iniciativa em apreço enquadra-se na Estratégia Europeia para os Dados, que reforça a segurança dos dados, incluindo os dados pessoais, e os direitos fundamentais, elementos essenciais da nossa sociedade digital.

1.2.

O CESE considera essencial reforçar a resposta coletiva aos ciberataques e consolidar o processo de harmonização da cibersegurança a nível nacional no respeitante às regras e instrumentos operacionais, a fim de evitar a criação de insegurança e entraves jurídicos devido a abordagens nacionais distintas.

1.3.

O CESE acolhe favoravelmente a iniciativa da Comissão, que não só contribuirá para reduzir os custos significativos incorridos pelas empresas devido aos ciberataques, como também permitirá que os cidadãos/consumidores beneficiem de uma proteção mais eficaz dos seus direitos fundamentais, como a privacidade. Em especial, a Comissão mostra que tem em conta as necessidades específicas das PME no que se refere aos serviços prestados pelas autoridades de certificação. No entanto, o CESE assinala a necessidade de esclarecer os critérios de aplicação.

1.4.

O CESE considera importante salientar que, embora seja louvável que o ato legislativo sobre a ciber-resiliência abranja praticamente todos os produtos digitais, a sua aplicação prática pode levantar dificuldades, tendo em conta as atividades importantes e complexas de supervisão e acompanhamento que implica. Por conseguinte, impõe-se reforçar os instrumentos de controlo e verificação.

1.5.

O CESE chama a atenção para a necessidade de clarificar de forma precisa o âmbito de aplicação material do ato legislativo sobre a ciber-resiliência, nomeadamente no que diz respeito aos produtos com elementos digitais e ao software.

1.6.

O CESE observa que os fabricantes serão obrigados a comunicar à Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA), por um lado, as vulnerabilidades dos produtos e, por outro, eventuais incidentes de segurança. Neste sentido, importa dotar a ENISA dos recursos necessários para desempenhar atempada e eficazmente as funções importantes e sensíveis que lhe serão confiadas.

1.7.

A fim de evitar qualquer dúvida de interpretação, o CESE propõe que a Comissão elabore diretrizes para orientar os produtores e os consumidores sobre as regras e procedimentos específicos aplicáveis, uma vez que, aparentemente, alguns produtos abrangidos pelo âmbito de aplicação da proposta também estão sujeitos a outras disposições regulamentares em matéria de cibersegurança. A este respeito, será igualmente importante que, em particular, as PME e as MPME tenham acesso a apoio especializado qualificado, suscetível de prestar serviços profissionais específicos.

1.8.

O CESE observa que a relação entre as autoridades de certificação nos termos do ato legislativo sobre a ciber-resiliência e os demais organismos autorizados a certificar a cibersegurança nos termos de outra legislação não se afigura inteiramente clara. O mesmo problema de coordenação operacional pode surgir entre as autoridades de fiscalização previstas na proposta em apreço e as autoridades já ativas ao abrigo de outras normas aplicáveis aos mesmos produtos.

1.9.

O CESE observa que, tendo em conta o número considerável de atividades e responsabilidades que a proposta prevê para as autoridades de certificação, importa acautelar o seu funcionamento prático, evitando também que o ato legislativo sobre a ciber-resiliência conduza a um aumento da burocracia e penalize os fabricantes, que terão de cumprir uma série de requisitos de certificação adicionais para poderem continuar a operar no mercado.

2.   Exame da proposta

2.1.

Com a proposta de um ato legislativo sobre a ciber-resiliência (Cyber Resilience Act), a Comissão tenciona racionalizar e redefinir de forma global e horizontal a legislação atual em matéria de cibersegurança e, ao mesmo tempo, atualizá-la à luz das inovações tecnológicas.

2.2.

O ato legislativo sobre a ciber-resiliência tem quatro objetivos essenciais: assegurar que os fabricantes melhoram a segurança dos produtos com elementos digitais tanto na fase de conceção e desenvolvimento como durante todo o ciclo de vida; assegurar um quadro normativo coerente em matéria de cibersegurança que facilite a conformidade dos fabricantes de hardware e software; melhorar a transparência das características de segurança dos produtos com elementos digitais; permitir às empresas e aos consumidores utilizar tais produtos de forma segura. Concretamente, a proposta introduz uma marcação CE em matéria de cibersegurança, exigindo que essa marcação seja aposta em todos os produtos abrangidos pelo ato legislativo sobre a ciber-resiliência.

2.3.

Trata-se de uma intervenção horizontal através da qual a Comissão tenciona regular todo este domínio de forma global, uma vez que são incluídos praticamente todos os produtos com elementos digitais. Apenas estão excluídos da proposta os produtos médicos e relativos à aviação civil, os veículos e os produtos militares. A proposta também não abrange os serviços do tipo SaaS — software como serviço (nuvem) —, a menos que sejam utilizados no fabrico de produtos com elementos digitais.

2.4.

A definição de «produtos com elementos digitais» é muito ampla e abrange qualquer produto de software ou hardware, incluindo software ou hardware não incorporados no produto, mas a colocar no mercado separadamente.

2.5.

O ato legislativo introduz requisitos obrigatórios em matéria de cibersegurança para os produtos com elementos digitais ao longo de todo o seu ciclo de vida, mas não substitui os requisitos já em vigor. Pelo contrário, os certificados dos produtos que já tenham sido certificados como estando em conformidade com as normas da UE preexistentes serão igualmente considerados «válidos» ao abrigo do novo regulamento.

2.6.

O princípio básico geral é de que na Europa apenas são comercializados produtos «seguros» e de que os fabricantes garantem a segurança dos produtos ao longo de todo o seu ciclo de vida.

2.7.

Um produto é considerado «seguro» se for concebido e fabricado de tal forma que tenha um nível de cibersegurança adequado aos riscos que a sua utilização comporta, não possua vulnerabilidades conhecidas no momento da venda, tenha uma configuração segura por defeito, esteja protegido contra ligações ilegais, proteja os dados recolhidos e recolha apenas aqueles que são necessários ao seu funcionamento.

2.8.

Considera-se que um fabricante está apto a comercializar os seus produtos se divulgar a lista dos componentes de software dos seus produtos, fornecer rapidamente soluções gratuitas no caso de novas vulnerabilidades, divulgar e especificar detalhadamente as vulnerabilidades que detetou e resolveu e, por fim, verificar regularmente a «robustez» dos produtos que comercializa. Estas atividades, bem como outras impostas pelo ato legislativo sobre a ciber-resiliência, devem ser realizadas ao longo de toda a vida de um produto ou, pelo menos, durante cinco anos após a sua colocação no mercado. O fabricante é igualmente obrigado a assegurar a eliminação das vulnerabilidades através de atualizações regulares do software.

2.9.

De acordo com um princípio geral aplicado em vários setores, são impostas as mesmas obrigações aos importadores e distribuidores.

2.10.

O ato legislativo sobre a ciber-resiliência prevê uma macrocategoria de produtos e software«por defeito», para a qual é suficiente uma autoavaliação do fabricante, como já acontece com outros tipos de certificação através da marcação CE. Segundo a Comissão, 90 % dos produtos no mercado pertencem a esta categoria.

2.11.

Os produtos em questão podem ser colocados no mercado na sequência de uma autoavaliação da sua cibersegurança pelo fabricante que apresente a documentação válida estabelecida pelas orientações regulamentares. Em caso de modificação do produto, a avaliação deve ser repetida pelo mesmo fabricante.

2.12.

Os restantes 10 % dos produtos repartem-se por duas categorias adicionais (a classe I, para os produtos menos perigosos, e a classe II, para os produtos mais perigosos), cuja colocação no mercado exige maiores cuidados. Trata-se dos chamados «produtos críticos com elementos digitais», cuja falha pode originar outras violações da segurança perigosas e de maior amplitude.

2.13.

Para os produtos destas duas classes, as autodeclarações simples só são permitidas se o fabricante puder demonstrar o cumprimento das normas do mercado e das especificações de segurança ou das certificações de cibersegurança previstas pela UE. Se tal não for o caso, o produto pode ser certificado junto de um organismo de certificação acreditado, cuja homologação é obrigatória para os produtos da classe II.

2.14.

O sistema de classificação dos produtos em categorias de risco também consta da proposta de regulamento relativo à inteligência artificial (IA). Para que não subsistam dúvidas sobre as disposições aplicáveis, o ato legislativo sobre a ciber-resiliência abrange os produtos com elementos digitais que sejam simultaneamente classificados como «sistemas de IA de risco elevado» na proposta de regulamento relativo à inteligência artificial. Esses produtos cumprem, de modo geral, o procedimento de avaliação de conformidade estabelecido no Regulamento Inteligência Artificial, exceto no caso dos «produtos digitais críticos», aos quais se aplicam as regras de avaliação de conformidade do ato legislativo sobre a ciber-resiliência, bem como os seus requisitos essenciais.

2.15.

A fim de assegurar a conformidade com o ato legislativo sobre a ciber-resiliência, cada Estado-Membro designa uma autoridade nacional responsável pela fiscalização do mercado. Em consonância com a legislação respeitante à segurança de outros produtos, se uma dada autoridade nacional verificar que as características de cibersegurança de um produto deixaram de ser válidas, a sua comercialização pode ser suspensa no Estado em questão. A Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA) tem competência para efetuar uma avaliação aprofundada de um produto notificado, podendo, caso constate a ausência de segurança do mesmo, determinar a suspensão da sua comercialização na UE.

2.16.

O ato legislativo sobre a ciber-resiliência prevê uma série de sanções, consoante a gravidade da infração, que, em caso de violação dos requisitos essenciais em matéria de cibersegurança dos produtos, podem ascender a 15 milhões de euros ou a 2,5 % do volume de negócios do exercício fiscal anterior.

3.   Observações

3.1.

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão de incluir mais um elemento essencial no quadro legislativo mais vasto em matéria de cibersegurança, que vem coordenar e complementar a Diretiva SRI (1) e o Regulamento Cibersegurança (2). Com efeito, a adoção de normas estritas em matéria de cibersegurança é fundamental para a criação na UE de um sistema de cibersegurança robusto para todos os operadores económicos, suscetível de garantir que os cidadãos da UE podem utilizar com segurança todos os produtos disponíveis no mercado e de reforçar a sua confiança no mundo digital.

3.2.

O ato legislativo aborda duas questões principais: o baixo nível de cibersegurança de muitos produtos e, acima de tudo, o facto de muitos fabricantes não fornecerem atualizações para fazer face a vulnerabilidades. Embora a reputação dos fabricantes de produtos com elementos digitais sofra, por vezes, quando os seus produtos não são seguros, o custo das vulnerabilidades recai principalmente sobre os utilizadores profissionais e os consumidores. Este aspeto reduz os incentivos dos fabricantes para investirem na conceção e no desenvolvimento de produtos seguros e para fornecerem atualizações de segurança. Além disso, as empresas e os consumidores carecem frequentemente de informações suficientes e exatas para a escolha de produtos seguros e, muitas vezes, não sabem como garantir que os produtos que adquirem estão configurados de forma segura. As novas normas abordam estes dois aspetos: a questão das atualizações de segurança e do fornecimento de informações atualizadas aos clientes. Neste sentido, o CESE considera que a proposta de regulamento, se devidamente aplicada, pode tornar-se uma referência e um exemplo a nível internacional em matéria de cibersegurança.

3.3.

O CESE congratula-se com a proposta de introduzir requisitos de cibersegurança para os produtos com elementos digitais. No entanto, importa evitar sobreposições com outras disposições regulamentares em vigor nesta matéria, como a nova Diretiva SRI 2 (3) e o Regulamento Inteligência Artificial.

3.4.

O CESE considera importante salientar que, embora seja louvável que o ato legislativo sobre a ciber-resiliência abranja praticamente todos os produtos digitais, a sua aplicação prática pode levantar dificuldades, tendo em conta as atividades consideráveis de supervisão e acompanhamento que implica.

3.5.

O âmbito de aplicação material do ato legislativo sobre a ciber-resiliência é vasto, abrangendo todos os produtos com elementos digitais. A definição proposta inclui todos os produtos de software e hardware, bem como as operações de tratamento de dados conexas. O CESE propõe que a Comissão esclareça se o âmbito de aplicação da proposta de regulamento abrange todos os tipos de software.

3.6.

Os fabricantes serão obrigados a comunicar, por um lado, as vulnerabilidades ativamente exploradas e, por outro, os incidentes de segurança. Deverão notificar a ENISA de quaisquer vulnerabilidades ativamente exploradas contidas no produto e (separadamente) qualquer incidente que afete a segurança do produto, em ambos os casos, no prazo de 24 horas após tomarem conhecimento dos mesmos. A este respeito, o CESE salienta a necessidade de dotar a ENISA dos recursos adequados, em termos tanto numéricos como de experiência profissional, para que possa desempenhar eficazmente as funções importantes e sensíveis que lhe serão confiadas pelo regulamento.

3.7.

O facto de vários dos produtos abrangidos pelo âmbito de aplicação da proposta estarem igualmente sujeitos a outras disposições legislativas em matéria de cibersegurança pode gerar incerteza quanto à legislação aplicável. Embora o ato legislativo sobre a ciber-resiliência acautele a coerência com o atual quadro regulamentar da UE relativo aos produtos e com outras propostas atualmente em curso no contexto da Estratégia Digital da UE, normas como as aplicáveis aos produtos de IA de elevado risco, por exemplo, sobrepõem-se às do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados. A este respeito, o CESE propõe que a Comissão elabore diretrizes específicas para orientar os fabricantes e os consumidores sobre a sua aplicação correta.

3.8.

O CESE observa que a relação entre as autoridades de certificação nos termos do ato legislativo sobre a ciber-resiliência e os demais organismos autorizados a certificar a cibersegurança ao abrigo de outra regulamentação igualmente aplicável não se afigura inteiramente clara.

3.9.

Além disso, dada a carga de trabalho e as responsabilidades consideráveis dessas mesmas autoridades de certificação, assim como a necessidade de verificar e assegurar o seu funcionamento prático, importa evitar que o ato legislativo sobre a ciber-resiliência aumente a burocracia já prevista a que os fabricantes devem fazer face para operarem no mercado. A este respeito, será igualmente importante que, em particular, as PME e as MPME tenham acesso a apoio especializado qualificado, suscetível de prestar serviços profissionais específicos.

3.10.

O ato legislativo sobre a ciber-resiliência prevê que as autoridades de certificação tenham em conta as necessidades específicas das PME ao prestarem os seus serviços. No entanto, o CESE assinala a necessidade de esclarecer os critérios de aplicação.

3.11.

Além disso, pode surgir um problema de coordenação entre as autoridades de fiscalização previstas no regulamento em apreço e as autoridades já ativas ao abrigo de outras normas aplicáveis aos mesmos produtos. Por conseguinte, o CESE propõe que a Comissão convide os Estados-Membros a acompanharem e, se necessário, a adotarem medidas para corrigir essa situação.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Diretiva (UE) 2016/1148 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 2016, relativa a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de segurança das redes e da informação em toda a União (JO L 194 de 19.7.2016, p. 1).

(2)  Regulamento (UE) 2019/881 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativo à ENISA (Agência da União Europeia para a Cibersegurança) e à certificação da cibersegurança das tecnologias da informação e comunicação e que revoga o Regulamento (UE) n.o 526/2013 (Regulamento Cibersegurança) (JO L 151 de 7.6.2019, p. 15).

(3)  Diretiva (UE) 2022/2555 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2022, relativa a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de cibersegurança na União, que altera o Regulamento (UE) n.o 910/2014 e a Diretiva (UE) 2018/1972 e revoga a Diretiva (UE) 2016/1148 (Diretiva SRI 2) (JO L 333 de 27.12.2022, p. 80).


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/105


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à recuperação e perda de bens

[COM(2022) 245 — final]

(2023/C 100/16)

Relator:

Ionuț SIBIAN

Consulta

Comissão Europeia, 27.10.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

23.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

208/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A proposta de diretiva responde de forma adequada à necessidade de alargar o âmbito de aplicação dos mecanismos de perda e reforça as competências das autoridades nacionais, além de instituir mecanismos de cooperação transnacional que visam aumentar a taxa de recuperação de bens.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) encoraja a Comissão a clarificar e a garantir, quando do alargamento do âmbito dos mecanismos de perda a um novo conjunto de crimes, que a introdução clandestina de migrantes e o comércio ilícito de tabaco recaem no âmbito da proposta de diretiva.

1.3.

O CESE insta a Comissão Europeia a ponderar uma forma de aplicar a proposta de diretiva a violações das medidas restritivas da União Europeia (UE) e considera necessário adotar legislação específica sobre essa matéria. A proposta de diretiva deverá permitir o reforço das capacidades de funcionamento dos gabinetes de recuperação de bens, sem acrescentar novas competências.

1.4.

Importa assegurar o acesso do público às informações, sem prejuízo dos processos de recuperação de bens em curso. O CESE propõe que a proposta de diretiva indique explicitamente que as autoridades nacionais e a Comissão Europeia são obrigadas a publicar com regularidade estatísticas exaustivas sobre as medidas adotadas no âmbito da diretiva e a assegurar o acesso do público às informações.

1.5.

O CESE insta a Comissão Europeia a garantir que os Estados-Membros adotam estratégias nacionais em matéria de recuperação de bens, no pleno respeito pela transparência e pela acessibilidade.

1.6.

O CESE encoraja vivamente a Comissão a tomar todas as precauções necessárias durante o processo de transposição para prevenir abusos nos processos de recuperação de bens assentes em medidas de perda não baseada numa condenação.

1.7.

O novo mecanismo, que prevê a perda de bens não diretamente associados a um crime enumerado na diretiva e sim com base numa suspeita de apropriação indevida ou resultante de atividades criminosas, requer normas mais rigorosas em matéria de garantias e direitos processuais dos arguidos.

1.8.

O CESE exorta a Comissão a reconsiderar a introdução na proposta de diretiva de uma disposição em matéria de reutilização social e a incentivar os Estados-Membros a criarem mecanismos que incluam de forma prioritária as organizações da sociedade civil na administração e alienação dos bens cuja perda tenha sido decidida. A Comissão deve fixar metas através da indicação de uma percentagem mínima para a reutilização social dos bens cuja perda tenha sido decidida. O interesse público não pode ser entendido como referindo-se apenas a ações sob a tutela das entidades públicas.

1.9.

O CESE considera que é muito importante que a Comissão seja mais precisa na determinação do direito das vítimas a indemnização e na atribuição de prioridade às vítimas na hierarquia de credores.

1.10.

O CESE apoia a proposta da Comissão no sentido de prever na diretiva a exigência de criação de, pelo menos, um gabinete de recuperação de bens em cada Estado-Membro, ao qual devem ser facultados os recursos necessários para cumprir a sua função com eficácia e eficiência. Por forma a assegurar um nível de funcionamento mínimo dos gabinetes de recuperação de bens em toda a UE, a Comissão Europeia deve exigir uma comunicação regular dos recursos afetados em cada Estado-Membro.

1.11.

O CESE toma nota do objetivo de intensificar a utilização do mecanismo de vendas antecipadas mediante a introdução de uma definição de referência e a especificação das condições em que deve ser utilizado. Simultaneamente, «conhecimentos especializados não facilmente disponíveis» é um critério suscetível de melhoria, passando a «conhecimentos especializados excessivamente difíceis de obter». A venda deve continuar a ser o último recurso em matéria de reutilização social, tendo em conta que os fundos cuja perda tenha sido decidida podem ser afetados à indemnização das vítimas.

1.12.

O CESE incentiva a Comissão Europeia a completar o mandato dos gabinetes de recuperação e administração de bens com a introdução, na proposta de diretiva, de disposições pertinentes em matéria de acordos de partilha de bens cuja perda tenha sido decidida.

1.13.

O CESE considera necessário incluir instrumentos mais concretos de apoio aos funcionários de países terceiros e entende que cumpre incentivar ativamente os Estados-Membros para intensificarem a cooperação com esses países, por forma a maximizarem os mecanismos de recuperação de bens previstos na proposta de diretiva. O mesmo se aplica à adoção de ferramentas e instrumentos jurídicos necessários para assegurar que as vítimas de infrações penais terão pleno direito a indemnizações em países terceiros.

1.14.

O CESE recomenda que a Comissão publique orientações que comparem a legislação a substituir com a nova diretiva a ser aprovada, por forma a encorajar a adoção de medidas que facilitem a transposição futura da diretiva para as jurisdições nacionais e para permitir que as autoridades nacionais a tornem rapidamente consentânea com a sua própria legislação.

1.15.

O CESE recomenda que a Comissão Europeia tire partido dos instrumentos de recolha de dados comparativos previstos na proposta de diretiva, a fim de criar mecanismos de monitorização transparentes com a participação da sociedade civil e de levar a cabo um processo de avaliação do impacto da proposta de diretiva, o mais tardar três anos após a sua adoção.

2.   Contexto

2.1.

A recuperação de bens é fundamental na luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, ou seja, atividades relacionadas com a criminalidade organizada, a qual assenta na obtenção de lucros que serão posteriormente branqueados e injetados na economia legal, fazendo mais vítimas, distorcendo as regras do mercado e perpetuando a capacidade de prejudicar os mercados financeiros e de causar prejuízos a pessoas e a empresas. Os quadros jurídicos em matéria de recuperação de bens e os instrumentos de cooperação transnacional precisam de ser novamente revistos e executados, uma vez que apenas cerca de 2 % dos bens de origem criminosa são congelados e 1 % são alvo de uma decisão de perda (1) na UE.

2.2.

A primeira Estratégia da UE para Lutar contra a Criminalidade Organizada (2) especificamente dedicada a esta matéria foi adotada em abril de 2021 e procura fazer face à ameaça que a criminalidade organizada representa para os cidadãos europeus, as instituições públicas e a economia no seu conjunto. Um dos pilares da estratégia consiste em eliminar os lucros gerados pela criminalidade organizada e prevenir a sua infiltração na economia legal e nas empresas legais (abordagem «sigam a pista do dinheiro»), tendo a Comissão sido chamada a agir com a revisão da Diretiva Congelamento e Perda de Bens (3) e a Decisão do Conselho relativa aos gabinetes de recuperação de bens (4).

2.3.

Há já algum tempo que o CESE está plenamente ciente e preocupado com o aumento da criminalidade organizada e com os respetivos custos económicos, políticos e sociais significativos. O trabalho do CESE tem sido coerente com a sua missão, tendo os pareceres (5) emitidos sobre temas pertinentes para a luta contra a criminalidade organizada ajudado os decisores políticos europeus a dar poder e importância aos cidadãos por intermédio da sociedade civil organizada. A recuperação de bens integra o ecossistema legislativo da UE mais alargado que visa contribuir para a justiça reparadora de que as comunidades carecem para reduzir os danos provocados pelas infrações penais.

2.4.

A avaliação (6) do quadro jurídico em vigor em matéria de recuperação de bens concluiu que, apesar de uma melhoria geral verificada nos Estados-Membros, os resultados globais em termos de bens cuja perda tenha sido decidida não são satisfatórios e as taxas de perda na UE continuam a ser muito baixas. A capacidade para detetar e identificar bens é um fator fundamental para a melhoria da taxa de sucesso e para o congelamento e perda de mais bens ilegais. A revisão da legislação deve alargar o âmbito da recuperação de bens ilegais e aumentar o número de instrumentos correspondentes, além de reforçar a capacidade dos gabinetes nacionais de recuperação de bens (7).

2.5.

As opções estratégicas para a revisão do quadro em matéria de recuperação de bens foram submetidas a consulta pública em 2021. Em março desse ano, foi publicada uma avaliação de impacto inicial (8) para comentários, seguida de uma consulta pública realizada entre 21 de junho e 27 de setembro de 2021 para recolher opiniões do público em geral e das partes interessadas. Foram analisadas e apresentadas no relatório de avaliação de impacto quatro opções estratégicas (9):

Opção 1: consistiria na adoção de medidas não legislativas destinadas a apoiar o intercâmbio de experiências, conhecimentos e boas práticas entre as autoridades competentes.

Opção 2: estas medidas consistiriam principalmente em alterações específicas da Decisão do Conselho relativa aos gabinetes de recuperação de bens e da Diretiva Congelamento e Perda de Bens, a fim de especificar o âmbito de aplicação dos requisitos gerais existentes e reforçar a sua eficácia. Estas medidas incluiriam a obrigação de os Estados-Membros adotarem uma estratégia nacional de recuperação de bens e de assegurarem que as autoridades competentes disponham das competências e dos recursos necessários. Além disso, esta opção implicaria a adoção de medidas destinadas a melhorar a cooperação transnacional entre os gabinetes de recuperação de bens, incluindo o acesso às bases de dados e poderes de congelamento alargados.

Opção 3: incluiria, para além das medidas previstas na opção 2, a imposição de requisitos mais pormenorizados aos Estados-Membros em todas as fases do processo de recuperação, e o âmbito de aplicação da Diretiva Congelamento e Perda de Bens seria alargado de modo a incluir um leque mais vasto de crimes.

Opção 4: estas medidas basear-se-iam nas medidas previstas na opção 3, mas o âmbito de aplicação das disposições seria alargado a todos os crimes e implicaria requisitos mais amplos no que diz respeito à abertura de investigações. Além disso, seriam estabelecidas condições mais concretas no que respeita às decisões de congelamento urgentes e ao intercâmbio de informações entre os gabinetes de recuperação de bens.

2.5.1.

A avaliação de impacto concluiu que a opção 3 era a mais adequada, na medida em que assegura o melhor equilíbrio entre, por um lado, eficácia, eficiência e proporcionalidade e, por outro, os vários impactos económicos, sociais e ambientais previstos.

2.6.

Em 25 de maio de 2022, a Comissão apresentou a proposta de uma nova diretiva relativa à recuperação e perda de bens, que substituiria a atual Diretiva Congelamento e Perda de Bens, assim como a Decisão do Conselho relativa aos gabinetes de recuperação de bens e a Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho (10). O objetivo é estabelecer normas comuns para a deteção e identificação, congelamento, administração e perda de bens num único instrumento, o que asseguraria uma abordagem mais coerente e estratégica a todos os intervenientes pertinentes do sistema de recuperação de bens.

3.   Observações na generalidade e na especialidade

3.1.

A abordagem geral da proposta de diretiva está em conformidade com os objetivos de reforçar as capacidades das autoridades competentes para, primeiro, identificarem, congelarem e administrarem bens ilegais; segundo, reforçarem e alargarem as capacidades de perda de bens ilegais; e, finalmente, melhorarem a cooperação entre todas as autoridades envolvidas na recuperação de bens.

3.2.

A proposta de diretiva poderá tornar os mecanismos de recuperação de bens mais eficientes e eficazes ao impor um conjunto de normas mínimas para a deteção e identificação, congelamento, perda e administração de bens em matéria penal e poderá facilitar a aplicação de medidas restritivas da UE sempre que necessário. No entanto, a proposta de diretiva deve ser acompanhada de legislação e medidas adicionais relativamente a violações das medidas restritivas da UE. A Comissão deve avaliar criteriosamente a possibilidade de prevenir o enfraquecimento da capacidade dos gabinetes de recuperação de bens para cumprir o seu mandato principal.

3.3.

O CESE considera que a disposição proposta de que cada Estado-Membro adote uma estratégia nacional de recuperação de bens introduzirá uma abordagem mais estratégica neste domínio, promoverá uma maior cooperação entre as autoridades pertinentes e proporcionará uma visão geral clara dos resultados da recuperação de bens.

3.4.

O âmbito mais abrangente dos mecanismos de perda permitirá às autoridades judiciais nacionais aplicar a perda alargada a um conjunto de crimes mais vasto do que ao abrigo da Diretiva Congelamento e Perda de Bens atualmente em vigor. O CESE acolhe favoravelmente o âmbito mais abrangente da proposta de diretiva, uma vez que vem colmatar uma lacuna existente na Diretiva Congelamento e Perda de Bens em relação a um conjunto significativo de crimes, nomeadamente crimes ambientais, tráfico de órgãos, tráfico de bens culturais, rapto, sequestro ou tomada de reféns e tráfico de veículos roubados, na medida em que sejam cometidos no âmbito de uma organização criminosa. Ao mesmo tempo, a proposta de diretiva não inclui explicitamente a introdução clandestina de migrantes e o comércio ilícito de tabaco, apesar das receitas anuais significativas desses mercados criminosos (estimadas em 289,4 milhões e 8 309,3 milhões de euros, respetivamente (11)).

3.5.

A concessão às autoridades pertinentes de acesso imediato e direto às informações de outras autoridades nacionais, como as autoridades fiscais e financeiras ou os registos prediais nacionais, reforçará a capacidade dos gabinetes de recuperação de bens para agir e reagir com eficácia e de forma atempada. Ao mesmo tempo, cumpre assegurar igualmente o acesso público às informações, sem prejuízo dos processos em curso a nível nacional e da UE.

3.6.

A proposta de diretiva alarga a lista de situações em que se aplicam medidas de perda não baseada numa condenação, assentes em processos penais, a outros casos em que não é possível uma condenação penal devido a circunstâncias objetivas como imunidade, amnistia e prescrição. O CESE reconhece os esforços envidados pela Comissão no sentido de impor limites a esses casos, uma vez que podem ser usados de forma abusiva ou para fins de assédio ou perseguição.

3.7.

A proposta de diretiva inclui um novo mecanismo de perda que prevê a perda de bens não diretamente associados a um crime enumerado na diretiva, e sim com base numa suspeita de apropriação indevida ou resultante de atividades criminosas. Apesar da obrigatoriedade tanto de um processo judicial preceder a decisão de perda como de o ónus da prova para a ação penal associar o bem em questão a uma atividade criminosa, são necessárias mais garantias para excluir eventuais utilizações abusivas durante o processo. As jurisdições nacionais seguem vias diferentes, que vão da perda ao abrigo do direito civil até ao direito penal. A proposta de diretiva deve incluir normas relativas às garantias e direitos processuais dos arguidos e assegurar que os juízes e os procuradores têm acesso a formação adequada.

3.8.

O impacto limitado da disposição relativa à reutilização social prevista na Diretiva Congelamento e Perda de Bens exige que se incentive mais os Estados-Membros a preverem medidas adequadas para assegurar a eficácia da disposição. O CESE insta a Comissão Europeia a ser mais ambiciosa nos seus esforços para tornar efetiva a reutilização social de bens cuja perda tenha sido decidida e a estabelecer uma percentagem mínima de reutilização social para os Estados-Membros. É fundamental para a coesão social que as comunidades afetadas obtenham diretamente uma reparação dos danos e beneficiem dos rendimentos desses danos. Além disso, as comunidades precisam de mais apoio que as ajude a reforçar a sua resiliência à criminalidade organizada, devendo a sociedade civil participar na administração e alienação dos bens cuja perda tenha sido decidida.

3.9.

Conforme estabelecido também na Diretiva Congelamento e Perda de Bens, as medidas de perda não afetarão o direito das vítimas a uma indemnização. Contudo, a proposta de diretiva ainda não salvaguarda a prioridade da indemnização das vítimas na hierarquia de credores. Ao mesmo tempo, os cidadãos de países terceiros não estão suficientemente protegidos pela proposta de diretiva nem por outra legislação da UE, uma vez que estas colocam a ênfase nos cidadãos da UE.

3.10.

O relatório da avaliação de impacto identifica as seguintes lacunas: não especificação das funções dos gabinetes de recuperação de bens e afetação insuficiente de recursos humanos, financeiros e técnicos à deteção de bens. A proposta de diretiva dá resposta a estas conclusões e exige que seja instituído pelo menos um gabinete de recuperação em cada Estado-Membro. O CESE acolhe favoravelmente a obrigação expressa de disponibilizar recursos adequados que garantam a eficiência e a eficácia dos gabinetes de recuperação de bens. Contudo, essa obrigação deve ser acompanhada de uma apresentação regular de relatórios elaborados a nível nacional e dirigidos à Comissão sobre os recursos afetados, para que a Comissão possa avaliar a eventual existência de fragmentação ou de falta de equilíbrio entre os vários gabinetes de recuperação de bens.

3.11.

Os custos associados à administração de bens congelados e/ou cuja perda tenha sido decidida podem ser significativos ou até exceder o valor do bem em causa. A proposta de diretiva inclui a obrigação de as autoridades competentes avaliarem os custos antes de emitirem uma decisão de congelamento. O CESE acolhe favoravelmente esta medida, enquanto instrumento eficiente e útil para reduzir os custos necessários e maximizar o valor subsequente do bem.

3.12.

O mecanismo de vendas antecipadas pode aplicar-se a casos específicos, que se encontram agora enumerados na proposta de diretiva, e é provável que contribua para uma administração mais eficaz dos bens congelados. Apesar de o mecanismo estar disponível na maioria dos Estados-Membros, regista uma utilização em pequena escala e com grande variação. É provável que a proposta de diretiva intensifique a utilização desse mecanismo, graças à introdução de uma definição única e das condições em que deve ser utilizado.

3.13.

A inexistência de dados estatísticos exaustivos e comparáveis foi considerada uma lacuna importante no processo de tornar o sistema de recuperação de bens mais eficaz. A este respeito, a proposta de diretiva exige que cada Estado-Membro crie um registo de recuperação de bens, que recolherá as informações codificadas introduzidas pelas autoridades competentes ao longo do processo de recuperação de bens.

3.14.

O CESE considera que a unificação de todas as disposições jurídicas pertinentes para a recuperação de bens numa única diretiva está em consonância com o programa para a adequação e a eficácia da regulamentação (REFIT) e ajudará as autoridades competentes e as partes interessadas a compreenderem melhor as normas, bem como contribuirá para melhorar a aplicação e a eficácia das medidas destinadas a aumentar a taxa de recuperação de bens ilegais nas jurisdições nacionais.

3.15.

Os gabinetes de recuperação de bens serão organismos especializados criados ou designados em cada Estado-Membro para assegurar a administração eficiente de bens congelados ou cuja perda tenha sido decidida, bem como para cooperar com outras autoridades competentes responsáveis pela deteção, identificação, congelamento, perda e administração, quer a nível nacional, quer em casos transnacionais. A proposta de diretiva é mais precisa na determinação das funções e atribuições dos gabinetes e oferece uma maior clareza aos Estados-Membros na definição da sua infraestrutura de recuperação de bens.

3.16.

A alienação ou restituição de bens em processos transnacionais deve estar sujeita a acordos de partilha de bens assinados pelos Estados-Membros pertinentes. Os sistemas nacionais podem variar de forma significativa quanto ao tipo de autoridades e de procedimentos necessários para celebrar esses acordos. A proposta de diretiva não prevê disposições específicas sobre esta matéria. Por conseguinte, deve atribuir explicitamente aos gabinetes de recuperação de bens as competências pertinentes a esse respeito.

3.17.

A cooperação com países terceiros é especialmente importante, uma vez que a criminalidade organizada também existe fora da UE e acarreta riscos significativos para a sua segurança interna. Na medida em que a criminalidade organizada se tornou mais interligada, internacional e digital, importa garantir que as autoridades de países terceiros têm capacidade para cooperar com os respetivos homólogos nos Estados-Membros. Cumpre ponderar vários instrumentos de assistência e apoio, a fim de reforçar o cumprimento da proposta de diretiva.

3.18.

Os instrumentos de consulta utilizados pela Comissão antes de apresentar a proposta de diretiva foram inclusivos e adequados, em termos de duração e de métodos, à multiplicidade de partes interessadas, nomeadamente, autoridades competentes, profissionais, organizações empresariais, organizações da sociedade civil e o público em geral. O CESE reconhece os esforços da Comissão para disponibilizar dados fiáveis e informações sobre a situação e a evolução dos Estados-Membros e do conjunto da UE no domínio da recuperação de bens ilegais. Espera que a Comissão realize esforços similares durante o período de transposição da diretiva para a legislação nacional e de avaliação da mesma.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Europol, Does crime still pay? Criminal Asset Recovery in the EU — Survey of statistical information 2010-2014 [O crime ainda compensa? Recuperação de bens de origem criminosa na UE — Inquérito de informação estatística 2010-2014], 2016.

(2)  Comunicação da Comissão sobre a estratégia da UE para lutar contra a criminalidade organizada (2021-2025) [COM(2021) 170 de 14.4.2021].

(3)  Diretiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia (JO L 127 de 29.4.2014, p. 39).

(4)  Decisão 2007/845/JAI do Conselho, de 6 de Dezembro de 2007, relativa à cooperação entre os gabinetes de recuperação de bens dos Estados-Membros no domínio da deteção e identificação de produtos ou outros bens relacionados com o crime (JO L 332 de 18.12.2007, p. 103).

(5)  Alguns dos pareceres do CESE pertinentes: Parecer — Pacote União da Segurança/Pacote Schengen (JO C 323 de 26.8.2022, p. 69), a série de pareceres sobre a legislação em matéria de branqueamento de capitais, sendo o mais recente o Parecer — Pacote legislativo em matéria de combate ao branqueamento de capitais, de 2021 (JO C 152 de 6.4.2022, p. 89), Parecer — Estratégia da UE para lutar contra a criminalidade organizada (2021-2025) (JO C 517 de 22.12.2021, p. 91), Parecer — Reforço do mandato da Europol (JO C 341 de 24.8.2021, p. 66), Parecer — Financiamento do terrorismo — controlo de movimentos de dinheiro líquido (JO C 246 de 28.7.2017, p. 22), Parecer — Agenda Europeia para a Segurança (JO C 177 de 18.5.2016, p. 51) e Parecer — Como conseguir uma Europa aberta e segura (JO C 451 de 16.12.2014, p. 96).

(6)  Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Recuperação e perda de bens: garantir que o crime não compensa [COM(2020) 217 final].

(7)  Em consonância com as Conclusões do Conselho sobre o reforço das investigações financeiras no combate à criminalidade grave e organizada, documento 8927/20 do Conselho, 17 de junho de 2020.

(8)  Dê a sua opinião: Luta contra a criminalidade organizada — reforço do mandato dos gabinetes de recuperação de bens da UE.

(9)  Comissão Europeia, IMPACT ASSESSMENT REPORT Accompanying the document Proposal for a Directive of the European Parliament and of the Council on asset recovery and confiscation [Relatório da avaliação de impacto, que acompanha o documento Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à recuperação e perda de bens], (2022).

(10)  Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro de 2005, relativa à perda de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime (JO L 68 de 15.3.2005, p. 49).

(11)  Comissão Europeia, Direção-Geral da Migração e dos Assuntos Internos, Mapping the risk of serious and organised crime infiltrating legitimate businesses: final report [Levantamento do risco de a criminalidade grave e organizada se infiltrar em empresas legítimas: relatório final], Disley, E. (editor), Blondes, E. (editor), Hulme, S. (editor), Serviço das Publicações, 2021.


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/111


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro comum para os serviços de comunicação social no mercado interno (Regulamento Liberdade dos Meios de Comunicação Social) e que altera a Diretiva 2010/13/UE

[COM(2022) 457 final — 2022/0277 (COD)]

(2023/C 100/17)

Relator:

Christian MOOS

Correlator:

Tomasz Andrzej WRÓBLEWSKI

Consulta

Parlamento Europeu, 17.10.2022

Conselho da União Europeia, 28.10.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

23.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

155/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social são fundamentais para o Estado de direito e para a democracia liberal. O CESE lamenta a evolução preocupante verificada nesse domínio na UE, pelo que acolhe com agrado as iniciativas da Comissão Europeia em prol da liberdade dos meios de comunicação social.

1.2.

O CESE indaga-se se a concretização do mercado interno dos meios de comunicação social constitui uma abordagem suficiente para proteger a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social. O objetivo principal deve ser preservar ou restabelecer a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social, sem esquecer que o bem-estar económico está associado à liberdade dos meios de comunicação social.

1.3.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão Europeia reconhecer que a concentração no mercado dos meios de comunicação social, quando conduz à formação de monopólios, pode constituir uma enorme ameaça à liberdade e ao pluralismo dos meios de comunicação social. No entanto, a concentração no mercado pode ser uma opção sensata e não tem de produzir necessariamente tais efeitos negativos.

1.4.

Meras recomendações e uma abordagem não vinculativa não são suficientes. A liberdade e independência dos meios de comunicação social deve ser um critério vinculativo no quadro do relatório sobre o Estado de direito e do respetivo mecanismo.

1.5.

O CESE acolhe favoravelmente as propostas para reforçar e defender a independência editorial, ao mesmo tempo que insiste na necessidade de preservar a independência dos jornalistas e dos editores.

1.6.

Os meios de comunicação social públicos só fazem sentido se forem imparciais e totalmente independentes da influência política. A existência de recursos financeiros adequados e estáveis constitui uma salvaguarda crucial a este respeito, desde que um sistema de controlos adequado assegure a eficácia da despesa.

1.7.

O CESE considera que importa dispor de requisitos vinculativos em matéria de transparência da propriedade dos meios de comunicação social. No caso dos meios de comunicação social de pequena dimensão, os requisitos estabelecidos não devem acarretar encargos administrativos excessivos.

1.8.

O CESE manifesta a sua preocupação com a falta de independência de algumas entidades reguladoras nacionais e apela à criação de um quadro que garanta a sua independência.

1.9.

O CESE congratula-se com a criação do Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social, mas insiste na sua total independência, uma vez que a UE deve ser um modelo de boas práticas quando se trata de alcançar a plena independência das entidades reguladoras nacionais. A participação nesse organismo de entidades reguladoras nacionais que não sejam independentes seria imprudente.

1.10.

O CESE sublinha a importância da transparência em todos os processos relacionados com a moderação de conteúdos em plataformas em linha de muito grande dimensão.

1.11.

O CESE recomenda a definição de normas mínimas a nível da UE, em conformidade com as disposições em vigor da legislação da União em matéria de controlo das concentrações. Insta os legisladores a adotarem regulamentos vinculativos, no devido respeito da liberdade empresarial e evitando burocracia e custos desnecessários.

1.12.

Sempre que as entidades reguladoras nacionais não avaliem de forma suficiente a concentração no mercado dos meios de comunicação social, a Comissão Europeia deve reagir em conformidade, aplicando as disposições em vigor da legislação da UE em matéria de controlo das concentrações.

1.13.

O CESE acolhe com agrado os requisitos de transparência vinculativos no que se refere à afetação de publicidade estatal.

1.14.

O CESE congratula-se com o acompanhamento anual e apela à consulta das partes interessadas pertinentes e da sociedade civil. Propõe alargar o âmbito do acompanhamento e incluir quaisquer outros aspetos pertinentes para a proteção da liberdade e do pluralismo dos meios de comunicação social.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O CESE reitera a sua recente tomada de posição quanto à importância da liberdade e diversidade dos meios de comunicação social para a democracia liberal e o Estado de direito, que todos os Estados-Membros se comprometeram a respeitar através da ratificação dos Tratados da UE, conforme indicado no Parecer de Iniciativa abrangente — Assegurar a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social na Europa (1), no Parecer — Plano de Ação para a Democracia Europeia (2) e no Parecer — Iniciativa de combate à litigância de má-fé contra jornalistas e defensores dos direitos (3).

2.2.

No seu discurso sobre o estado da União de 2021 (4), a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen assinalou, justamente, que a informação é um bem público. Na ausência de acesso livre a informações independentes e fiáveis, os cidadãos da UE veem-se impedidos de exercer o seu direito de participar na vida democrática da União, salvaguardado pelo artigo 10.o do TUE.

2.3.

De um modo geral, a Europa continua a ser um continente com meios de comunicação livres e diversificados. No entanto, desenvolvimentos recentes no seio da UE são motivo de preocupação. No que diz respeito a salvaguardas regulamentares eficazes para proteger a liberdade dos meios de comunicação, a proteção dos jornalistas continua a ser uma preocupação central, designadamente devido à falta de instrumentos para fazer face às ações judiciais estratégicas contra a participação pública. O Monitor do Pluralismo dos Meios de Comunicação Social de 2022 (5) também constatou que de todas as áreas analisadas, o pluralismo do mercado é a que está exposta ao nível de risco mais elevado. Uma vez que nos últimos anos não houve progressos a nível da independência política, o estudo realça que, na maioria dos países, a falta de mecanismos eficientes para proteger a autonomia editorial é um importante obstáculo a melhorias nesta área.

2.4.

Para além das ameaças internas à liberdade dos meios de comunicação social, a UE vê-se confrontada com interferências externas que visam manipular os debates públicos na Europa. Num contexto de agravamento das tensões geopolíticas, a proteção da liberdade e do pluralismo dos meios de comunicação social representa um importante contributo para a resiliência da UE face a ameaças externas.

2.5.

No entanto, alguns desenvolvimentos positivos revelam que a legislação da UE também pode marcar a diferença. O Monitor do Pluralismo dos Meios de Comunicação Social de 2022 identificou desenvolvimentos positivos em quatro países no que se refere ao indicador «Proteção do direito à informação», atribuindo-os à transposição da Diretiva (UE) 2019/1937 (6) relativa à proteção dos denunciantes.

2.6.

Por conseguinte, o CESE saúda, em princípio, a iniciativa da Comissão relativa a um Regulamento Liberdade dos Meios de Comunicação Social (7), bem como a sua recomendação sobre salvaguardas internas para a independência editorial e a transparência da propriedade no setor dos meios de comunicação social (8), que considera o passo lógico seguinte para proteger a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social, e, por inerência, a democracia liberal na UE.

2.7.

O CESE sublinha que importa assegurar que o Regulamento Liberdade dos Meios de Comunicação Social produza efeitos diretos, pelo que questiona se a abordagem baseada em instrumentos não vinculativos subjacente à recomendação é uma forma eficaz de alcançar os objetivos do mesmo. Simples recomendações não bastarão para garantir a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social nos Estados-Membros. A liberdade e independência dos meios de comunicação social deve ser um critério vinculativo tanto no quadro do relatório sobre o Estado de direito como para efeitos de acionamento do mecanismo em Estados-Membros cujos governos violem as liberdades e a independência dos meios de comunicação social.

2.8.

A base jurídica para o regulamento é o artigo 114.o do TFUE, que permite a aproximação das disposições legislativas nacionais que tenham por objeto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno. Uma vez que os problemas e insuficiências subjacentes possuem um caráter fortemente político e estão relacionados com o funcionamento de sistemas democráticos assentes no Estado de direito, o CESE indaga-se se a concretização do mercado interno dos meios de comunicação social será suficiente para proteger a liberdade e o pluralismo de tais meios.

2.9.

A proposta de regulamento tem cinco objetivos diferentes: a) harmonizar as regras e procedimentos nacionais para superar os obstáculos que impedem que as empresas de comunicação social operem e invistam no mercado interno; b) eliminar os obstáculos invisíveis que limitam o investimento dos editores estrangeiros nos mercados locais nacionais; c) reforçar a liberdade editorial de todos os meios de comunicação social, sem que tal limite os direitos dos editores privados; d) garantir a independência dos meios de comunicação social públicos através do estabelecimento de mecanismos permanentes livres da influência dos políticos; e) regular a afetação dos recursos económicos, ou seja, a publicidade estatal. O CESE questiona a hierarquização dos objetivos enumerados. Considera que o principal objetivo deve ser a preservação ou a restauração da liberdade e diversidade dos meios de comunicação social, e não questões económicas, a menos que estejam claramente relacionadas com a liberdade dos meios de comunicação social.

2.10.

Resulta claro do regulamento que a Comissão pretende colocar a tónica nas «distorções» do mercado interno e facilitar uma maior concorrência transfronteiriça no mercado dos meios de comunicação social, sobretudo no que toca aos serviços de comunicação social audiovisual e à partilha de vídeos. Nesse sentido, o regulamento tem um âmbito de aplicação muito mais limitado do que o seu título deixa antever. O CESE considera que esta abordagem é insuficiente para defender e, quando necessário, restaurar eficazmente a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social, que estão a ser atacados em quase todos os Estados-Membros, e que foram basicamente abolidos em determinadas situações graves, com todas as consequências devastadoras que daí decorrem para o trabalho e a segurança dos jornalistas e para a integridade do debate público e das informações. A abertura do mercado torna necessária a aplicação de normas idênticas em matéria de proteção da liberdade de expressão, para garantir que o acesso mais alargado ao mercado não conduz à monopolização deste por intervenientes estrangeiros, principalmente nos países mais pobres.

2.11.

O CESE acolhe favoravelmente as propostas para reforçar e defender a independência editorial, insistindo ao mesmo tempo na necessidade de salvaguardar a independência dos jornalistas e dos editores, ou seja, o direito destes últimos a definirem uma linha editorial de publicação. O CESE constatou uma crescente influência política e económica em vários países da UE, tanto nos meios de comunicação social públicos como nos privados com estreitas ligações ao poder. Tal é incompatível com o papel dos meios de comunicação enquanto «quarto poder». O regulamento não especifica de que forma é possível conciliar a independência editorial com os direitos e interesses legítimos dos editores/proprietários de meios de comunicação social privados.

2.12.

O CESE é a favor de medidas que aumentem a resiliência contra a manipulação da informação e a ingerência estrangeiras, desde que tal não afete a liberdade de expressão no seio da União Europeia.

2.13.

O Regulamento Liberdade dos Meios de Comunicação Social identifica a necessidade de financiamento do setor dos meios de comunicação social, conforme assinalado pelo CESE no seu Parecer — Assegurar a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social na Europa (9). No entanto, os instrumentos disponíveis ainda não permitem garantir um jornalismo de qualidade e a diversidade dos meios de comunicação social nos Estados-Membros. Ao mesmo tempo, o CESE considera que a melhor forma de garantir a liberdade dos meios de comunicação social é através de um quadro regulamentar que permita que estes se autofinanciem através da sua oferta no mercado. Os meios de comunicação social públicos só fazem sentido se forem imparciais e totalmente independentes de influências políticas, caso contrário o financiamento público pode conduzir às mais variadas formas de abusos e manipulações dos governos. Qualquer projeto de financiamento dos meios de comunicação social deve assentar em regras altamente transparentes e na prestação de garantias de independência política aos jornalistas.

2.14.

O CESE apoia o relatório final da Conferência sobre o Futuro da Europa (10) e o forte apelo nele contido à promoção da independência e do pluralismo dos meios de comunicação social (proposta 27, ponto 1, e proposta 37, ponto 4), que a Comissão refere sem respeitar a priorização inerente às propostas.

3.   Observações na especialidade

3.1.

O CESE congratula-se com o direito dos destinatários e dos fornecedores de serviços de comunicação social de «receber uma variedade de conteúdos noticiosos e relativos à atualidade, produzidos no respeito da liberdade editorial dos fornecedores de serviços de comunicação social, em benefício do discurso público», tal como previsto no artigo 3.o.

3.2.

O CESE questiona o estreito âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 2, alínea c), que apenas aborda a instalação de software espião (apenas «produto[s] com elementos digitais»), e propõe a proibição da instalação de quaisquer dispositivos ou tecnologias passíveis de ser utilizados para fins de vigilância.

3.3.

O CESE frisa a importância de prever salvaguardas com vista à independência dos fornecedores de serviços públicos de comunicação social, bem como de garantir recursos financeiros adequados e estáveis para os mesmos (artigo 5.o); no entanto, deve ser implementado um sistema de controlos eficaz que assegure a eficácia da utilização dos recursos. O CESE considera que um organismo independente é a melhor opção no que toca à definição do montante adequado de financiamento necessário para permitir que os fornecedores de serviços públicos de comunicação social desempenhem a sua missão, desde que a nomeação desse organismo seja isenta de motivações políticas. As atuais tendências de politização do financiamento dos fornecedores de serviços públicos de comunicação social representam uma ameaça significativa à liberdade dos meios de comunicação social.

3.4.

O CESE considera que os deveres dos fornecedores de serviços de comunicação social definidos no artigo 6.o, n.o 1, não são suficientes para assegurar a transparência da propriedade dos meios de comunicação social. A falta de transparência no que toca à propriedade dos meios de comunicação social é uma razão importante para a falta de liberdade editorial e de jornalismo de qualidade (em consonância com normas jornalísticas). Os fornecedores de serviços de comunicação social e as plataformas em linha devem assegurar a transparência da sua propriedade perante os utilizadores dos meios de comunicação social. A proteção dos dados e da privacidade não deve ser um obstáculo à transparência da propriedade dos meios de comunicação social. No caso dos meios de comunicação social de pequena dimensão, os requisitos estabelecidos não devem acarretar encargos administrativos excessivos.

3.5.

O CESE recomenda que os requisitos de transparência vinculativos a que se refere o ponto 20 da recomendação da Comissão sejam complementados pelos requisitos adicionais referidos nos pontos 4.1 a 4.6 do anexo da recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados-Membros sobre o pluralismo dos meios de comunicação social e a transparência da respetiva propriedade (11).

3.6.

O CESE entende que existe um certo perigo de a abordagem da recomendação da Comissão baseada em instrumentos não vinculativos resultar numa manta de retalhos regulamentar prejudicial para a integridade do mercado comum e para os objetivos da diretiva.

3.7.

O CESE considera que a referência do artigo 7.o aos requisitos constantes do artigo 30.o da Diretiva 2010/13/UE (12) é demasiado vaga para assegurar a independência das autoridades ou entidades reguladoras nacionais. Por conseguinte, recomenda que se defina um quadro que assegure a independência das entidades reguladoras nacionais e insta à criação de instrumentos para corrigir qualquer situação de falta de independência das mesmas.

3.8.

O CESE considera inaceitável que um representante de uma autoridade ou entidade nacional que não seja totalmente independente participe no processo decisório do Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social proposto. A fim de avaliar a independência das autoridades ou entidades nacionais, é necessário definir critérios claros no regulamento.

3.9.

O CESE não considera que o Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social proposto seja independente da Comissão Europeia, e insta o legislador europeu a assegurar a sua plena independência. Caso não seja plenamente independente da Comissão Europeia, o comité não poderá desempenhar quaisquer funções de supervisão ou regulamentação.

3.10.

O CESE recomenda que o artigo 10.o, n.o 5, passe a ter a seguinte redação: «A Comissão designa um representante no Comité. O representante da Comissão pode participar nas reuniões do Comité, sem direito de voto».

3.11.

O CESE recomenda que o artigo 10.o, n.o 6, passe a ter a seguinte redação: «O Comité pode convidar peritos e observadores para participarem nas suas reuniões».

3.12.

No que se refere ao artigo 11.o, o CESE opõe-se à decisão da Comissão de escolher a subopção A, que consiste em criar um Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social apoiado por um secretariado da Comissão. A independência do comité só pode ser garantida ao abrigo da subopção B, ou seja, a criação de um Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social assistido por um gabinete da UE independente.

3.13.

O CESE saúda o diálogo estruturado com todas as partes interessadas e, de forma explícita, com a sociedade civil, conforme mencionado no primeiro parágrafo do artigo 12.o. Enquanto representante dos setores mais importantes da sociedade civil (incluindo os parceiros sociais), o CESE pode contribuir para este diálogo estruturado através dos seus conhecimentos especializados.

3.14.

O CESE saúda a cooperação estruturada entre as autoridades e entidades reguladoras nacionais, que inclui a assistência mútua. No entanto, o CESE recomenda que o âmbito de aplicação do artigo 13.o, n.o 2, seja alargado para além dos riscos para o funcionamento do mercado interno dos serviços de comunicação social ou dos riscos para a segurança pública e a defesa, de modo a abarcar também outros riscos para a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social, bem como riscos para a independência política das autoridades e entidades reguladoras.

3.15.

O CESE acolhe favoravelmente os esforços com vista a uma melhor proteção dos conteúdos de fornecedores de serviços de comunicação social em plataformas em linha de muito grande dimensão, conforme previsto no artigo 17.o, e sublinha a importância da transparência de todos os processos relacionados com a moderação de conteúdos em plataformas em linha de muito grande dimensão, desde que essa obrigação de transparência não afete o funcionamento dessas plataformas. O CESE congratula-se com o diálogo estruturado previsto no artigo 18.o e salienta a importância de envolver a sociedade civil na análise da aplicação do artigo 17.o.

3.16.

O CESE saúda o facto de o artigo 19.o prever o direito de os utilizadores personalizarem as predefinições dos meios de comunicação social audiovisual. Para o exercício efetivo desse direito, é fundamental assegurar a facilidade de utilização dos dispositivos e/ou das interfaces de utilizador. No entanto, não se deve prejudicar a capacidade operacional dos fabricantes e criadores, nem limitar o seu desenvolvimento futuro. A conceção desses dispositivos e interfaces deve assentar na facilidade de utilização e numa linguagem simples.

3.17.

O CESE propõe ainda que seja conferido ao Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social (ao abrigo do artigo 20.o, n.o 4) o direito de elaborar um parecer de iniciativa nos casos em que uma medida legislativa, regulamentar ou administrativa nacional seja suscetível de afetar o funcionamento do mercado interno dos serviços de comunicação social.

3.18.

O CESE manifesta mais uma vez a sua preocupação por considerar que uma abordagem exclusivamente baseada no mercado não é suficiente para garantir o pluralismo e a liberdade dos meios de comunicação social na Europa. Embora concorde que a dimensão das empresas presentes no mercado dos serviços de comunicação social pode contribuir para a sustentabilidade económica dos fornecedores de serviços de comunicação social, o CESE saúda o facto de a Comissão Europeia reconhecer que as concentrações no mercado dos meios de comunicação social podem representar uma ameaça significativa para a liberdade e o pluralismo de tais meios.

3.19.

O CESE acolhe favoravelmente as medidas propostas no artigo 21.o com vista a aumentar a transparência das concentrações no mercado como primeiro passo para fazer face às ameaças à liberdade e ao pluralismo dos meios de comunicação social que decorrem das concentrações no mercado dos meios de comunicação social. As concentrações no mercado dos meios de comunicação social não têm forçosamente um efeito negativo na liberdade e diversidade desses meios. É esse o caso, por exemplo, quando contribuem para a sobrevivência de meios de comunicação de menores dimensões. Todavia, é necessário combater tais concentrações caso conduzam a monopólios da informação. A UE tem de tomar medidas, em especial, contra o domínio do mercado por parte de magnatas e oligarcas que, muitas das vezes, nutrem relações estreitas com políticos destacados do país em questão, ou até com governos de países terceiros.

3.20.

O CESE recorda que os mercados dos meios de comunicação social continuam altamente fragmentados e apela a que a concentração no mercado seja medida não apenas por referência ao mercado nacional de serviços de comunicação social, mas também por referência aos mercados fragmentados a nível infranacional ou distrital. A concentração no mercado dos meios de comunicação social em distritos com apenas um meio de comunicação social regional representa uma ameaça significativa à liberdade e pluralismo desses meios.

3.21.

O CESE considera que as orientações a emitir pela Comissão sobre os «fatores ter em conta na aplicação dos critérios de avaliação do impacto das concentrações no mercado dos meios de comunicação social» são insuficientes para assegurar a comparabilidade das avaliações a nível de toda a UE. O CESE recomenda a definição, para tais avaliações, de normas mínimas à escala da UE que devem ser respeitadas em todos os Estados-Membros. Os Estados-Membros são convidados a complementar esses requisitos mínimos da UE com avaliações mais pormenorizadas e aprofundadas.

3.22.

Contudo, os requisitos de transparência não vinculativos não bastam para fazer face à atual ameaça que as concentrações no mercado representam para a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social. Consequentemente, o CESE insta os legisladores europeus a adotarem regulamentação vinculativa sobre a concentração dos meios de comunicação social, respeitando devidamente a liberdade das decisões empresariais. Tal regulamentação não pode, no entanto, acarretar mais burocracia e procedimentos onerosos para os meios ou instituições de comunicação social.

3.23.

O CESE recomenda ainda que seja conferido ao Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social (ao abrigo do artigo 22.o) o direito de elaborar um parecer de iniciativa «[n]a ausência de uma avaliação ou consulta nos termos do artigo 21.o». Não basta delegar nos Estados-Membros a tarefa de avaliar as concentrações no mercado, pois alguns governos apoiam ativamente tais concentrações com vista a silenciar vozes críticas e meios de comunicação da oposição.

3.24.

O CESE recorda que mesmo que se limitem a partes específicas do mercado comum — a nível nacional, regional ou até distrital —, as distorções no mercado interno dos serviços de comunicação social afetam, ainda assim, a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social. Em todos esses casos, o comité deve ter o direito de iniciar uma avaliação da concentração no mercado, caso as autoridades ou entidades regulamentares nacionais não o façam.

3.25.

O CESE recomenda que seja atribuída ao Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social a tarefa de realizar avaliações de outras ameaças à liberdade e pluralismo dos meios de comunicação social, caso tais avaliações não sejam efetuadas pelas autoridades ou entidades reguladoras nacionais.

3.26.

O CESE saúda os requisitos de transparência vinculativos estabelecidos no artigo 24.o no que se refere à afetação de publicidade estatal. No entanto, considera que o facto de as entidades territoriais com mais de um milhão de habitantes estarem isentas dos requisitos constitui uma lacuna que permite evitar a transparência. Reconhecendo que os encargos administrativos relacionados com os requisitos de prestação de informações têm de ser proporcionados, o CESE propõe a definição de um limiar mínimo para o montante de despesa realizada por um governo nacional, regional ou local. Se a despesa anual total consagrada por uma entidade à publicidade estatal for inferior a esse limiar, os requisitos de transparência não são aplicáveis.

3.27.

O CESE saúda o acompanhamento anual previsto no artigo 25.o e apela à consulta das partes interessadas pertinentes e da sociedade civil no âmbito desse exercício. No entanto, considera o exercício de acompanhamento insuficiente, pelo facto de estar limitado ao funcionamento do mercado interno dos serviços de meios de comunicação social. Por conseguinte, o CESE propõe que o âmbito de aplicação do exercício de acompanhamento seja alargado, para que passe também a abranger quaisquer outros aspetos pertinentes para a proteção da liberdade e do pluralismo dos meios de comunicação social. O CESE recomenda que seja atribuída ao Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social a tarefa de desenvolver um conjunto de indicadores para o exercício de acompanhamento.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Assegurar a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social na Europa» (parecer de iniciativa) (JO C 517 de 22.12.2021, p. 9).

(2)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre o plano de ação para a democracia europeia [COM(2020) 790 final] (JO C 341 de 24.8.2021, p. 56).

(3)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção das pessoas envolvidas em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública («ações judiciais estratégicas contra a participação pública») [COM(2022) 177 final — 2022/0117 COD] (JO C 75 de 28.2.2023, p. 143).

(4)  Comissão Europeia, discurso de 2021 sobre o estado da União proferido pela presidente Ursula von der Leyen, Estrasburgo, 15 de setembro de 2021.

(5)  Instituto Universitário Europeu de Florença, Centro para o Pluralismo e a Liberdade dos Meios de Comunicação Social, Application of the Media Pluralism Monitor in the European Union, Albania, Montenegro, the Republic of North Macedonia, Serbia and Turkey in the year 2021 [Aplicação do Monitor do Pluralismo dos Meios de Comunicação Social na União Europeia, na Albânia, no Montenegro, na República da Macedónia do Norte, na Sérvia e na Turquia no ano 2021], San Domenico di Fiesole, 2022.

(6)  Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (JO L 305 de 26.11.2019, p. 17).

(7)  COM(2022) 457.

(8)  Recomendação (UE) 2022/1634 da Comissão, de 16 de setembro de 2022, sobre salvaguardas internas para a independência editorial e a transparência da propriedade no setor dos meios de comunicação social (JO L 245 de 22.9.2022, p. 56).

(9)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Assegurar a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social na Europa» (parecer de iniciativa) (JO C 517 de 22.12.2021, p. 9).

(10)  Conferência sobre o Futuro da Europa, «Report on the final outcome» [Relatório sobre o resultado final], maio de 2022.

(11)  Council of Europe, Recommendation CM/Rec(2018)1[1] of the Committee of Ministers to member States on media pluralism and transparency of media ownership, 7 March 2018, https://search.coe.int/cm/Pages/result_details.aspx?ObjectId=0900001680790e13.

(12)  Directiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Directiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual) (JO L 95 de 15.4.2010, p. 1).


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/118


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Rumo a um futuro sem amianto: uma abordagem europeia para fazer face aos riscos sanitários do amianto

[COM(2022) 488 final]

e Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/148/CE relativa à proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho

[COM(2022) 489 final — 2022/0298 (COD)]

(2023/C 100/18)

Relatora:

Ellen NYGREN

Consulta

Parlamento Europeu, 6.10.2022

Conselho da União Europeia, 7.10.2022

Base jurídica

Artigo 153.o, n.o 2, alínea b), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

23.11.2022

Adoção em plenária

15.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

155/9/49

1.   Síntese e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a ambição da Comissão de reduzir a incidência do cancro e as medidas específicas destinadas a minimizar a exposição ao amianto durante o trabalho.

1.2.

A ciência demonstra que não existe um nível de exposição ao amianto que possa ser considerado seguro e sem risco de cancro. Por conseguinte, o CESE recomenda, à semelhança do Parlamento Europeu, que o valor-limite técnico para a exposição ao amianto previsto na Diretiva relativa à proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho seja fixado a um nível inferior ao atualmente proposto pela Comissão e que seja elaborado um roteiro com medidas que complementem as atualmente propostas pela Comissão, a fim de alcançar esse objetivo. O roteiro deve incluir apoio financeiro às empresas e regiões que dele necessitem para cumprir os objetivos.

1.3.

O CESE propõe uma vasta campanha de informação pública sobre o amianto e os seus riscos mortais. Além disso, é necessária formação para todos os trabalhadores em risco de exposição ao amianto na sua língua materna ou noutra língua que os trabalhadores conheçam.

1.4.

O CESE recomenda que todos os trabalhadores que se pense estarem expostos ao amianto sejam sujeitos a rastreios e que os trabalhadores sejam acompanhados de um registo ou passaporte com documentação sobre a exposição ao amianto quando mudam de local de trabalho, a fim de permitir o seguimento do seu estado de saúde.

1.5.

É necessária uma cooperação internacional no domínio da regulamentação para enfrentar eficazmente os riscos colocados pelo amianto. O CESE chama especialmente a atenção para a Convenção n.o 162 da OIT e para a Convenção de Roterdão. No âmbito dos debates sobre essas convenções e da respetiva aplicação, a UE e os seus Estados-Membros devem assumir um papel ativo e de liderança na promoção de uma evolução mais positiva em todos os países do mundo e nas cadeias comerciais internacionais. Os acordos de comércio livre da UE com outros países e regiões devem impor uma intensificação dos esforços no sentido de proibir a utilização do amianto e de reduzir os seus efeitos nocivos em todos os países do mundo. O CESE insta a UE e os seus Estados-Membros a promoverem ativamente a proibição internacional da utilização do amianto e a proteção dos trabalhadores que lidam com o amianto existente durante, por exemplo, a renovação, a demolição e a gestão de resíduos.

2.   Contexto e observações gerais

2.1.   Proibição do amianto na UE

2.1.1.

O amianto é uma substância perigosa que provoca cancro. Este facto é conhecido há décadas. Há mais de 40 anos que a UE tomou medidas para restringir e, subsequentemente, proibir todas as utilizações do amianto. Em 1999, a UE proibiu todos os tipos de fibras de amianto. A proibição entrou em vigor em 2005 e aplica-se tanto às mercadorias produzidas na UE como às mercadorias importadas para a UE. A Diretiva 2009/148/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (1) definiu as regras em vigor em matéria de proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho.

2.1.2.

Uma vez que o amianto foi utilizado na indústria da construção por um período relativamente longo, ainda há um grande número de edifícios que contêm amianto. Em função do tipo de obras a realizar, as substâncias perigosas podem ser ativadas quando os edifícios são renovados ou demolidos. O amianto também está presente noutros setores, como a mineração e as indústrias extrativas, a gestão dos resíduos e a manutenção dos veículos. Apesar da atual proibição das novas utilizações do amianto, continua a haver muitas formas de trabalho em que os trabalhadores estão expostos ao amianto. Para além dos trabalhadores incluídos nas estatísticas oficiais, há igualmente uma «lacuna» nas estatísticas nacionais e da UE, que corresponde aos nacionais de países terceiros, que nem sempre são abrangidos. Segundo a Comissão, a Diretiva relativa à proteção dos trabalhadores contra a exposição ao amianto durante o trabalho, de 2009, continua a ser essencialmente pertinente, mas propõe-se que seja atualizada à luz dos conhecimentos científicos mais recentes neste domínio.

2.1.3.

O CESE adotou dois pareceres sobre temas relacionados: CCMI/130 — Eliminar o amianto na UE (2) e CCMI/166 — Trabalho com amianto na renovação energética (3). O CESE defende que a erradicação completa de todo o amianto ainda existente e de todos os produtos que contêm amianto deve ser um objetivo prioritário da União Europeia. O CESE encoraja a UE a colaborar com os parceiros sociais e outras partes interessadas (incluindo as organizações da sociedade civil pertinentes) a nível europeu, nacional e regional para desenvolver e partilhar planos de ação de eliminação e gestão do amianto. No entanto, nas circunstâncias atuais, continua a ser difícil alcançar rapidamente um objetivo de eliminação total do amianto. Foi por esse motivo que, em alguns países ou regiões da UE, os responsáveis políticos optaram por uma estratégia de redução dos riscos do amianto.

2.1.4.

A atual proposta da Comissão reduz o valor-limite técnico para o amianto no ar de 0,1 fibra por cm3 para 0,01 fibra por cm3, como média ponderada no tempo para um período de oito horas (TWA).

2.2.   Ambição da UE de combater o cancro

2.2.1.

O Plano Europeu de Luta contra o Cancro foi apresentado em 2021 como uma forma multifacetada de combater o cancro. No seu Parecer SOC/677 (4), o CESE acolheu favoravelmente este plano, uma parte importante do qual consiste em medidas de prevenção primária do cancro. Nessa continuidade, deve considerar-se que seria eficaz tomar medidas contra a exposição ao amianto, que é um problema já suficientemente conhecido, uma vez que elas reduziriam eficazmente o risco de novos casos de cancro e que a investigação existente já identificou a exposição ao amianto como a principal causa de cancro relacionado com o trabalho. Uma vez que os fatores de risco do mesotelioma são múltiplos (p. ex., nanofibras, além do amianto), o CESE propõe que as pessoas que estão expostas ao amianto no trabalho recebam um documento que os informe dessa exposição.

2.2.2.

Neste contexto, é de salientar que todas as pessoas em geral podem estar expostas ao amianto, mesmo sem serem trabalhadores, por exemplo, por se encontrarem num local próximo de uma renovação ou demolição em curso. Esse pode ser o caso também de particulares que renovam a sua própria casa sem terem conhecimento dos riscos envolvidos. Além disso, o amianto pode ser libertado nos sistemas de ventilação, expondo ao mesmo pessoas que não estão conscientes desse facto. O CESE preconiza, por conseguinte, que os cidadãos sejam informados através de todos os canais possíveis, incluindo os meios de comunicação social, que têm uma importante responsabilidade nesta matéria.

2.3.   Observações na generalidade

2.3.1.

O CESE apoia a ambição da Comissão de combater o cancro de diferentes formas. Limitar os riscos de exposição ao amianto é um passo concreto para reduzir os casos de cancro. Existem amplos conhecimentos científicos sobre os perigos do amianto e a relação direta entre a exposição ao amianto e o cancro. Com base nos conhecimentos científicos mais recentes neste domínio recolhidos pela Comissão, propõe-se agora atualizar o quadro jurídico em conformidade.

2.3.2.

Todos os casos de cancro implicam custos para a sociedade, bem como sofrimento e perdas para os indivíduos. Ao limitar a exposição ao amianto durante o trabalho, é possível evitar um número significativo de cancros. Por conseguinte, o CESE insta todas as partes interessadas a envidarem todos os esforços para combater a exposição ao amianto. Isto aplica-se, em especial, à proteção dos trabalhadores expostos ao amianto no trabalho, mas também à divulgação de conhecimentos gerais, a fim de sensibilizar a opinião pública para os riscos que o amianto representa.

3.   Observações na especialidade

3.1.

A redução do valor-limite técnico para as quantidades toleradas de fibras de amianto no ar é a medida mais ambiciosa que a UE pode tomar quando da alteração da diretiva. O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão e considera que esta constitui uma boa base para avançar, a longo prazo, no sentido da tolerância zero no que diz respeito à exposição ao amianto no trabalho.

3.1.1.

A Comissão propõe alterar o artigo 8.o a, fim de reduzir o valor-limite atual de 0,1 fibra por cm3, medido relativamente a uma média ponderada no tempo para um período de 8 horas (TWA). A diretiva estabelece igualmente que a exposição dos trabalhadores a poeiras de amianto ou de materiais que contenham amianto no local de trabalho deve ser reduzida ao mínimo e, em qualquer caso, deve ser tão reduzida quanto tecnicamente possível e inferior ao valor-limite estabelecido no artigo 8.o. Neste contexto, o CESE recorda que os parceiros sociais podem ir além do novo valor-limite que será aplicável nos termos da diretiva e tomar medidas adequadas para reduzir ainda mais a presença de fibras de amianto nos locais de trabalho.

3.1.2.

De acordo com a Comissão Internacional de Saúde no Trabalho (ICOH), não existe um nível de exposição que possa ser considerado seguro sem risco de cancro. Na audição organizada pelo CESE, em 31 de outubro de 2022, o professor Jukka Takala revelou que cerca de 90 370 pessoas morrem anualmente na UE devido a um cancro relacionado com o amianto, o que torna ainda mais clara a necessidade de um valor-limite reduzido. Por conseguinte, o CESE considera que a UE deve ir além do proposto pela Comissão, fixando, no futuro, o valor-limite técnico em 0,001 fibra por cm3 após um período de transição adequado. Para tal, há que elaborar um roteiro com propostas de medidas, incluindo medidas financeiras, para apoiar as empresas e as regiões que necessitam de tais medidas para cumprir os objetivos.

3.2.

Antes de iniciar as obras de renovação ou demolição, espera-se que o empregador identifique os materiais que podem conter amianto. Para tal, o empregador deve poder aceder e utilizar fontes de informação do proprietário do imóvel e de outras fontes disponíveis, ou, em alternativa, recorrer a uma inspeção do edifício. O CESE recomenda a criação de registos para a recolha de informações sobre cada imóvel no que diz respeito ao amianto, começando pelos que estão a ser renovados e abrangendo progressivamente todos os outros edifícios. Estas informações devem ser organizadas pelos Estados-Membros de uma forma acordada conjuntamente na UE, a fim de proporcionar dados comparáveis sobre os locais onde se considera que o amianto está presente (país/localidade/função do edifício/parte do edifício) e em que quantidades (estimativa das formas do amianto e da quantidade por metro quadrado), etc. A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) poderia ser convidada a contribuir para o desenvolvimento de um quadro harmonizado para o registo cadastral.

3.3.

É importante formar os trabalhadores que estão em risco de exposição ao amianto. O CESE salienta que é da maior importância que a formação seja ministrada na língua materna do trabalhador ou noutra língua que conheça, mesmo que os trabalhadores provenham de um país diferente daquele em que trabalham e, por conseguinte, não tenham um conhecimento suficiente da língua do país onde trabalham. Tal aplica-se tanto aos cidadãos da UE como aos trabalhadores de países terceiros.

3.4.

O CESE recomenda igualmente uma informação mais ampla do público em geral sobre o amianto e os seus riscos, a fim de sensibilizar os trabalhadores e os donos das obras que podem envolver a manipulação do amianto, bem como os indivíduos e as autoridades que possam não ter um conhecimento aprofundado do tema. Insta a Comissão a organizar uma campanha de informação sobre o amianto e os seus riscos mortais, em cooperação com os Estados-Membros, os parceiros sociais e as organizações pertinentes da sociedade civil. O CESE poderia ser a plataforma para uma conferência internacional de sensibilização para o amianto e os seus efeitos nocivos e para a forma como estes podem ser evitados.

3.5.

Os serviços de medicina do trabalho têm por função realizar exames de aptidão para o trabalho (preliminares, periódicos e finais) dos trabalhadores expostos ao amianto, e assegurar que os certificados correspondentes são enviados ao empregador. Quando a exposição ao amianto termina, o resultado do exame final é apresentado tanto ao empregador como ao trabalhador, assim como documentação especial ou um registo ou um passaporte com documentação sobre a exposição ao amianto que acompanhe o trabalhador ao longo de toda a sua vida profissional, a fim de permitir o seguimento do seu estado de saúde e, se necessário, identificar casos de doenças relacionadas com o trabalho e de eventuais efeitos tardios da exposição ao amianto. Esta documentação deve ser apresentada tanto para os empregadores como para os trabalhadores. Os trabalhadores sem papéis e os trabalhadores migrantes também devem ser abrangidos. A documentação é facultada ao trabalhador, para que possa ser apresentada em quaisquer exames médicos complementares, assegurando um acompanhamento ao longo de toda a vida dos eventuais efeitos tardios da exposição ao amianto. O CESE insta a UE e os Estados-Membros a promoverem o acesso a serviços especializados de medicina do trabalho.

3.6.

O seguro de acidentes de trabalho deve cobrir as doenças decorrentes da exposição ao amianto. O CESE recomenda que a UE e os Estados-Membros zelem por garantir que os casos de cancro decorrentes de suspeitas de exposição ao amianto sejam tratados com uma presunção de correlação quando da avaliação do direito a indemnização por danos profissionais, uma vez que existem provas científicas exaustivas e claras da relação entre a exposição ao amianto e o cancro. Deve ser criado um fundo de solidariedade internacional, a fim de assegurar o direito a uma indemnização.

3.7.

Recomenda-se a cooperação entre os Estados-Membros, por intermédio de inspetores do trabalho, a fim de verificar se é ministrada formação adequada aos trabalhadores em risco de exposição ao amianto nos setores da construção, da exploração mineira e das indústrias extrativas, dos transportes, da construção rodoviária e de túneis e da gestão de resíduos. A cooperação pode assegurar que os registos pertinentes de edifícios com teor de amianto são mantidos e disponibilizados a nível nacional e na UE. O CESE salienta que o número de inspetores do trabalho (isto é, inspetores de saúde e segurança) deve ser suficiente para desempenhar estas tarefas.

3.8.

É necessária uma cooperação internacional no domínio da regulamentação para enfrentar eficazmente os riscos colocados pelo amianto. Neste contexto, a Convenção n.o 162 da OIT e a Convenção de Roterdão relativa ao Procedimento de Prévia Informação e Consentimento para Determinados Produtos Químicos e Pesticidas Perigosos no Comércio Internacional são exemplos de quadros regulamentares existentes em que a UE e os seus Estados-Membros podem e devem desempenhar um papel ativo e de liderança na promoção de uma melhor gestão da questão do amianto em todo o mundo e nas cadeias comerciais internacionais. Os acordos de comércio livre da UE com outros países e regiões devem impor uma intensificação dos esforços no sentido de proibir a utilização do amianto e de reduzir os seus efeitos nocivos em todos os países do mundo. O CESE insta a UE e os seus Estados-Membros a promoverem ativamente a proibição internacional da utilização do amianto e a proteção dos trabalhadores que lidam com o amianto existente durante, por exemplo, a renovação, a demolição e a gestão de resíduos.

Bruxelas, 15 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Diretiva 2009/148/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Novembro de 2009, relativa à proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho (JO L 330 de 16.12.2009, p. 28).

(2)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Eliminar o amianto na UE» (JO C 251 de 31.7.2015, p. 13).

(3)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Trabalho com amianto na renovação energética» (parecer de iniciativa) (JO C 240 de 16.7.2019, p. 15).

(4)  Parecer do Comité das Regiões Europeu — Plano Europeu de Luta contra o Cancro (JO C 97 de 28.2.2022, p. 17).


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 43.o, n.o 2, do Regimento):

Alteração 1

Ponto 3.1.2

Passa a ter a seguinte redação:

Parecer da secção

Alteração

De acordo com a Comissão Internacional de Saúde no Trabalho (ICOH), não existe um nível de exposição que possa ser considerado seguro sem risco de cancro. Na audição organizada pelo CESE, em 31 de outubro de 2022, o professor Jukka Takala revelou que cerca de 90 370 pessoas morrem anualmente na UE devido a um cancro relacionado com o amianto, o que torna ainda mais clara a necessidade de um valor-limite reduzido. Por conseguinte, o CESE considera que a UE deve ir além do proposto pela Comissão , fixando, no futuro, o valor-limite técnico em 0,001 fibra/cm3 após um período de transição adequado. Para tal, há que elaborar um roteiro com propostas de medidas, incluindo medidas financeiras, para apoiar as empresas e as regiões que necessitam de tais medidas para cumprir os objetivos.

De acordo com a Comissão Internacional de Saúde no Trabalho (ICOH), não existe um nível de exposição que possa ser considerado seguro sem risco de cancro. Na audição organizada pelo CESE, em 31 de outubro de 2022, o professor Jukka Takala revelou que cerca de 90 370 pessoas morrem anualmente na UE devido a um cancro relacionado com o amianto, o que torna ainda mais clara a necessidade de um valor-limite reduzido. Por conseguinte, o CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão e considera que o valor-limite técnico deve ser ainda mais reduzido após um período de transição adequado. Para tal, há que elaborar um roteiro com propostas de medidas, incluindo medidas financeiras, para apoiar as empresas e as regiões que necessitam de tais medidas para cumprir os objetivos.

Resultado da votação

Votos a favor:

68

Votos contra:

106

Abstenções:

16


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/123


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho sobre o Ano Europeu das Competências 2023

[COM(2022) 526 final — (2022)0326 (COD)]

(2023/C 100/19)

Relatora:

Tatjana BABRAUSKIENĖ

Consulta

Conselho da União Europeia, 21.10.2022

Parlamento Europeu, 20.10.2022

Base jurídica

Artigos 149.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em plenária

15.12.2022

Reunião plenária n.o

547

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

155/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe com agrado a proclamação de 2023 como Ano Europeu das Competências, cujo objetivo é o de apontar caminhos para soluções eficazes e proporcionar benefícios educativos a jovens e adultos, desempregados e empregados, independentemente da sua situação contratual, nível de qualificações ou género, em consonância com o objetivo de dotar a mão de obra das «competências certas», declarado pela presidente Ursula von der Leyen, com vista a aumentar a competitividade da economia europeia, em especial das PME. O CESE aguarda com expectativa a oportunidade de dar um contributo positivo para o Ano Europeu das Competências 2023 a fim de alcançar resultados concretos e, por conseguinte, disponibiliza-se para desempenhar o papel de facilitador de contactos e de debates.

1.2.

Num contexto em que a desigualdade no acesso a oportunidades educativas continua a ser um problema em algumas partes da UE, enquanto o nível educacional é ainda, com demasiada frequência, transmitido de uma geração para outra, o Ano Europeu das Competências 2023 deve lançar novos debates e ações para prevenir a discriminação em todos os domínios educativos e ajudar as pessoas a adquirir competências que lhes garantam percursos profissionais ascendentes e uma vida com qualidade. Por conseguinte, há que prestar especial atenção aos grupos de pessoas em situação socioeconómica desfavorecida no que respeita ao acesso a uma formação inclusiva e de qualidade que assegure a requalificação e a melhoria de competências. Um objetivo importante do Ano Europeu das Competências deve ser a execução e o cumprimento da Recomendação do Conselho sobre percursos de melhoria de competências, que visa apoiar aos adultos com baixos níveis de competências e qualificações na melhoria das suas competências e na sua integração no mercado de trabalho.

1.3.

O CESE considera que são necessários mecanismos de financiamento eficientes para mobilizar recursos europeus e nacionais e repartir de forma adequada os custos entre autoridades públicas e entidades privadas, indivíduos e outras partes interessadas pertinentes (parceiros sociais, prestadores de formação e organizações não governamentais). Capacitar os trabalhadores para participarem em ações de formação é também fundamental para criar uma cultura de aprendizagem ao longo da vida.

1.4.

O CESE espera que, no âmbito do Ano Europeu das Competências, se confira especial atenção à questão da responsabilidade de assegurar os recursos necessários à melhoria de competências e à requalificação, incluindo a canalização do financiamento, o que se afigura importante para reduzir o risco de exclusão social. Trata-se, nomeadamente, da responsabilidade partilhada dos parceiros sociais, a nível setorial e empresarial, no que se refere ao investimento no ensino e na formação dos trabalhadores numa perspetiva de futuro, e também do empenho dos empregadores na adoção das medidas necessárias para apoiar os trabalhadores que possam ter despedido, de modo que estes beneficiem dos regimes de apoio. O CESE insta e incentiva os parceiros sociais a tomarem medidas eficazes para participar no diálogo social, a fim de garantir a todos os trabalhadores igualdade de acesso a formação inclusiva e de qualidade, em consonância com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Além disso, os mecanismos de consulta entre as instituições de ensino, as autoridades, as empresas e os sindicatos devem ser reforçados na medida em que podem contribuir para a elaboração de estratégias realistas e eficazes de transição do ensino para o mundo do trabalho.

1.5.

Neste contexto, o CESE propõe que se ponha finalmente em prática a ideia de uma garantia de competências que estabeleça o direito a formação inclusiva e de qualidade para todos, e que se promova a participação na negociação coletiva e o reforço das capacidades para estabelecer as disposições e condições relativas às licenças remuneradas para formação, o que permite às pessoas participar plenamente na sociedade e gerir com êxito as transições na sociedade e nos mercados de trabalho. Nesta perspetiva, a formação deve abranger o desenvolvimento de competências essenciais, aptidões básicas e qualificações profissionais para pessoas de todos os níveis de competências.

1.6.

A Comissão insta os Estados-Membros a nomearem um coordenador nacional para o Ano Europeu das Competências, incumbido de assegurar a coordenação das atividades pertinentes a nível nacional. O CESE propõe que o ponto de coordenação nacional funcione de forma transparente e inclusiva e disponha de competências pertinentes, bem como de recursos financeiros adequados provenientes de fontes da UE e nacionais. Todas as partes interessadas nos domínios do ensino e da formação (nomeadamente os prestadores de ensino e formação, os serviços de emprego públicos e privados, os parceiros sociais e outras organizações pertinentes da sociedade civil) devem ter voz na seleção do respetivo ponto de coordenação nacional, a fim de assegurar que essas partes interessadas são parte integrante e desempenham um papel de liderança tanto no planeamento e na execução das atividades ao longo do ano como na sua avaliação. O mesmo princípio de coordenação deve aplicar-se igualmente a nível da UE.

1.7.

O CESE reitera as suas recomendações sobre a proclamação de Anos Europeus, formuladas em pareceres anteriores, em que defende a necessidade de ir além das meras atividades promocionais e de contribuir com planos e compromissos claros.

1.8.

Remetendo para pareceres anteriores sobre estes anos temáticos, em que apela para um financiamento adequado da UE e o estabelecimento de um diálogo significativo com a sociedade civil na elaboração destas iniciativas, bem como para a aplicação de medidas específicas para garantir um vínculo entre os diferentes anos temáticos e a perenidade dos resultados, o CESE recorda que o êxito do conceito dos «Anos Europeus» depende em grande medida da sua proclamação em tempo útil para permitir uma preparação adequada e uma apropriação sólida (1).

2.   A proposta legislativa

2.1.

Na sequência do anúncio feito pela presidente Ursula von der Leyen, no seu discurso sobre o estado da União de 2022, a Comissão propôs proclamar 2023 como Ano Europeu das Competências.

2.2.

Através do Ano Europeu das Competências, a Comissão, em cooperação com o Parlamento Europeu, os Estados-Membros, os parceiros sociais, os serviços de emprego públicos e privados, as câmaras de comércio e indústria, os prestadores de ensino e formação, os trabalhadores e as empresas, propõe dar um novo impulso à aprendizagem ao longo da vida, visando:

promover um investimento acrescido e mais eficaz e inclusivo na formação e na melhoria de competências, a fim de aproveitar todo o potencial da mão de obra europeia e apoiar as pessoas na transição de um emprego para outro;

assegurar que as competências são pertinentes para as necessidades do mercado de trabalho, cooperando com os parceiros sociais e as empresas;

adequar as aspirações e os conjuntos de competências das pessoas às oportunidades no mercado de trabalho, especialmente para a transição ecológica e digital e a recuperação económica;

conferir atenção especial à ativação de mais pessoas para o mercado de trabalho, nomeadamente as mulheres e os jovens, em especial os que não trabalham, não estudam e não seguem uma formação;

atrair pessoas de países terceiros dotadas das competências de que a UE necessita, nomeadamente reforçando as oportunidades de aprendizagem e a mobilidade e facilitando o reconhecimento das qualificações.

2.3.

Para atingir estes objetivos, está previsto o seguinte:

a Comissão promoverá oportunidades de melhoria de competências e requalificação, por exemplo, destacando as iniciativas pertinentes da UE, incluindo as possibilidades de financiamento da UE, para apoiar a adesão a essas iniciativas, a sua aplicação e a execução no terreno;

serão também organizados eventos e campanhas de sensibilização em toda a UE para apoiar a aprendizagem mútua dos parceiros em matéria de melhoria de competências e requalificação;

o Ano Europeu proposto visa igualmente contribuir para o desenvolvimento de instrumentos de informação sobre competências e promover ferramentas e instrumentos para aumentar a transparência e facilitar o reconhecimento das qualificações, incluindo as qualificações obtidas fora da UE.

2.4.

A fim de assegurar a coordenação das atividades pertinentes a nível nacional, a Comissão insta os Estados-Membros a nomearem um coordenador nacional para o Ano Europeu das Competências.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE concorda que uma cidadania empenhada, que inclua uma mão de obra competente e qualificada, é um dos principais trunfos do modelo social e económico europeu e que o apoio à formação de pessoas de todas as idades deve ser utilizado para impulsionar a participação na sociedade, bem como um crescimento sustentável e de longo prazo, o que, por sua vez, contribui para aumentar a inovação, a produtividade e a competitividade. É também fundamental apoiar as pessoas no percurso para uma transição justa, uma vez que transitar para modos de vida, de produção e de consumo mais sustentáveis se tornou uma necessidade para combater as alterações climáticas e as suas repercussões negativas a nível mundial, assegurando ao mesmo tempo que ninguém é deixado para trás. Ao mesmo tempo, reconhece que o desenvolvimento pessoal global de cada aprendente é crucial para a adaptação às transições e aos desafios futuros, tendo em conta a evolução rápida das sociedades atuais.

3.2.

A escassez de trabalhadores qualificados, devido aos desafios demográficos e às mudanças estruturais, bem como à digitalização e à descarbonização, é um dos fatores decisivos que afetam a economia europeia. Para além da obtenção de novas competências, o objetivo deve ser também assegurar que os trabalhadores qualificados possam desempenhar uma série de tarefas e exercer profissões qualificadas em circunstâncias que evoluem (2), enquanto a sua formação conduz a oportunidades de emprego digno e cria salvaguardas para prevenir o emprego precário.

3.3.

Além disso, a capacidade de prever as necessidades de competências e de superar esse desafio é da maior importância para alcançar as grandes metas da UE, estabelecidas no Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, de uma participação de, pelo menos, 60 % dos adultos em ações de formação todos os anos e de uma taxa de emprego de, pelo menos, 78 % até 2030.

3.4.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão Europeia ter colocado a tónica nas competências ao proclamar 2023 como Ano Europeu das Competências, na sequência do Ano Europeu da Juventude em 2022.

3.5.

A Comissão corrobora, assim, a posição do CESE defendida em numerosos pareceres de que o ensino básico de qualidade, bem como a formação eficaz e de alto nível, a aprendizagem ao longo da vida, a melhoria de competências, a requalificação e a reconversão profissionais serão os instrumentos necessários para assegurar uma adaptação bem-sucedida às mudanças societais, promover a cidadania ativa, tirar proveito das oportunidades de emprego do futuro e fomentar a aprendizagem no domínio do empreendedorismo (3).

3.6.

A aprendizagem ao longo da vida e o desenvolvimento de competências são fundamentais para o progresso social e económico das nossas sociedades. No entanto, na opinião do CESE, não se trata apenas de transmitir conhecimentos que possam ser «comercializados», mas também de aptidões e competências que permitam às pessoas participar ativamente na vida social. Estudos demonstram que o pensamento crítico, a comunicação, o trabalho em equipa, a criatividade, a capacidade de iniciativa e muitas outras competências transversais são cada vez mais necessários para o mercado de trabalho e para a sociedade. Além disso, a liberdade, a tolerância, o espírito crítico, os valores europeus e a cidadania democrática são elementos cruciais para o futuro da Europa, a fim de combater a crescente intolerância e a emergência de movimentos radicais. Por conseguinte, o CESE solicita que as atividades no âmbito do Ano Europeu das Competências 2023 incluam as competências sociais e transversais também entre as «competências certas» que os cidadãos, incluindo os trabalhadores de hoje e de amanhã, têm de adquirir (4). Tal está diretamente em consonância com a aplicação da Recomendação do Conselho sobre as competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida, sendo também coerente com o Quadro Europeu para as Competências Essenciais Pessoais, Sociais e de Aprendizagem ao Longo da Vida (LifeComp) e com o Quadro Europeu de Competências em matéria de Sustentabilidade (GreenComp).

3.7.

Na opinião do CESE, a educação começa na infância e continua ao longo da vida. Em consonância com a Resolução do Conselho sobre uma nova agenda europeia para a educação de adultos 2021-2030, o CESE sublinha que a educação de adultos deve ser mais do que o mero desenvolvimento de competências relevantes para fins de emprego. É igualmente importante sensibilizar ainda mais o público para a importância e os benefícios da participação na aprendizagem ao longo da vida de forma holística (5).

3.8.

Para o CESE é, pois, evidente que todas as atividades no âmbito do Ano Europeu das Competências 2023 devem visar o melhor progresso possível em todos os domínios do ensino e da formação (ensino básico, formação profissional inicial e qualificante, aprendizagem ao longo da vida, seja ela formal, não formal ou informal). Por conseguinte, em todos os níveis de ensino, trata-se sobretudo de proporcionar indiscriminadamente igualdade de oportunidades para todos. O nível de rendimentos ou de educação dos progenitores deve deixar de influenciar significativamente o percurso educativo dos filhos.

3.9.

Num contexto em que a desigualdade no acesso a oportunidades educativas continua a ser um problema em algumas partes da UE, enquanto o nível educacional é ainda, com demasiada frequência, transmitido de uma geração para outra, torna-se imperativo generalizar a oferta de oportunidades e de possibilidades, bem como promover o mais possível as competências e as capacidades.

3.10.

A aprendizagem ao longo da vida para todos deve tornar-se uma realidade na Europa e todos os europeus devem ter acesso a oportunidades de aprendizagem e formação inclusivas e de qualidade. A igualdade de acesso à melhoria de competências e à requalificação pressupõe proporcionar oportunidades acrescidas de melhoria de competências a todas as pessoas, independentemente do género, da origem e da idade (6). Acresce que a Agenda de Competências, ao colocar o foco na inclusividade, tem de abranger, em particular, todos os trabalhadores independentemente da sua situação de emprego, da dimensão das empresas e do tipo de contrato de trabalho, incluindo os adultos com baixos níveis de competências e qualificações e as pessoas com antecedentes migratórios, sendo que os grupos vulneráveis, dado enfrentarem mais dificuldades, devem ser alvo de atenção especial e de medidas específicas.

3.11.

O CESE, embora apoie o Ano Europeu das Competências 2023 e a ênfase colocada na promoção da formação profissional e da aprendizagem ao longo da vida, manifesta preocupação pelo facto de o Ano Europeu ter uma agenda carregada e, eventualmente, demasiadas prioridades. São inúmeros os compromissos, as referências a todas as iniciativas, as rubricas orçamentais e os domínios de intervenção delineados na Agenda de Competências para a Europa. Esta situação comporta o risco de o Ano Europeu ser aproveitado para fazer grandes declarações políticas e não tanto para assegurar um desenvolvimento sistemático a longo prazo.

3.12.

Para evitar a armadilha de que uma longa lista de domínios de intervenção e responsabilidades partilhadas possa impedir uma antevisão nítida dos resultados, seria crucial que a proposta proporcionasse clareza, concentrando-se num conjunto de prioridades estratégicas. O CESE reitera as suas recomendações sobre a proclamação de Anos Europeus, formuladas em pareceres anteriores, em que defende a necessidade de ir além das meras atividades promocionais e de contribuir com planos e compromissos claros (7).

3.13.

Os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil têm também um papel fundamental a desempenhar na governação do sistema de ensino e formação, nomeadamente através da previsão e da oferta de competências. Há que procurar soluções eficazes para todos, o que passa pela participação efetiva dos parceiros sociais e das organizações pertinentes da sociedade civil a nível europeu e nacional, bem como pela adoção de medidas eficazes para consolidar uma governação eficiente em todos os domínios do ensino e da formação profissionais e da política de educação de adultos, incluindo políticas ativas para o mercado de trabalho e para a gestão dos fundos europeus e nacionais destinados às competências.

3.14.

Importa ponderar o reforço do diálogo nos grupos e redes de partes interessadas existentes, inclusive através das plataformas em linha já estabelecidas, em particular impulsionando o processo de diálogo estratégico em 2023, desenvolvendo fóruns de partes interessadas em articulação com os eventos emblemáticos de 2023, mas também através de novos processos propícios ao diálogo civil, a fim de assegurar que as partes interessadas do setor da educação e da formação possam participar de forma significativa na elaboração das políticas e na tomada de decisões, tendo em conta os seus conhecimentos especializados no terreno, a sua capacidade para transmitir as necessidades dos aprendentes e a sua estreita ligação com as diferentes autoridades nacionais e regionais responsáveis pela aplicação das recomendações em matéria de educação e formação.

3.15.

Neste contexto, o CESE espera que o Ano Europeu das Competências aborde a questão da responsabilidade partilhada dos parceiros sociais, a nível setorial e empresarial, no que se refere ao investimento no ensino e na formação dos trabalhadores numa perspetiva de futuro. Associada a esta questão está também o empenho dos empregadores na adoção das medidas necessárias para apoiar os trabalhadores que possam ter despedido, de modo que estes beneficiem dos regimes de apoio. Nesse sentido, o CESE insta os parceiros sociais a tomarem medidas eficazes para participar no diálogo social, a fim de garantir a todos os trabalhadores igualdade de acesso a formação inclusiva e de qualidade, em consonância com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

3.16.

Os professores e os formadores desempenham um papel importante no desenvolvimento do leque de competências dos aprendentes em função das necessidades do mercado de trabalho, através do ensino e da formação não só de competências profissionais, mas também transversais, como as competências básicas e socioemocionais. Apoiam a transição da escola para o trabalho de pessoas de diferentes origens, incluindo adultos que necessitam de competências novas, atualizadas ou melhoradas. Face aos desafios sem precedentes criados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, o empenho e a criatividade dos professores e formadores têm sido cruciais para apoiar o ensino e a aprendizagem nos estabelecimentos de ensino e nos locais de trabalho.

3.17.

Em muitos Estados-Membros da UE é notória a escassez de professores do ensino e formação profissionais, que se deve também a fatores relacionados com a pouca atratividade desta profissão, tais como as condições de emprego, os salários, a inexistência de incentivos financeiros e a falta de apoio à carreira. Atrair profissionais do setor da indústria para a profissão docente deve ser uma das principais estratégias para assegurar uma oferta adequada de professores do ensino e da formação profissionais dotados de competências e conhecimentos pertinentes. Para tanto, há que proporcionar condições de trabalho adequadas e atrativas, salários dignos, percursos flexíveis conducentes a esta profissão e mecanismos para garantir que estes profissionais dispõem de um leque adequado de competências, incluindo competências pedagógicas.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE congratula-se com a abordagem que consiste em debater as necessidades de formação na perspetiva de uma transição ecológica e digital do mercado de trabalho, que seja socialmente justa e equitativa. No entanto, apela para que se transmita a mensagem inequívoca de que a responsabilidade no que se refere à melhoria de competências e à requalificação deve sempre ser justa e partilhada.

4.2.   Responsabilidade partilhada

4.2.1.

Para lograr as transições em curso, as pessoas devem receber apoio para se prepararem para as mudanças, a fim de serem bem-sucedidas. São necessários mecanismos de financiamento que mobilizem recursos europeus e nacionais e impliquem uma repartição adequada dos custos e dos contributos não financeiros (por exemplo, o tempo passado em formação) entre autoridades públicas, empregadores, indivíduos e outras partes interessadas pertinentes (por exemplo, parceiros sociais, prestadores de formação e organizações não governamentais). Tal como o CESE tem salientado repetidamente em pareceres anteriores (8), é imprescindível que haja compromissos firmes por parte das empresas, bem como das autoridades públicas, sobretudo para assegurar recursos suficientes, incluindo financiamento suficiente para o ensino e a formação.

4.2.2.

O CESE propõe que o Ano Europeu das Competências coloque em destaque a responsabilidade social no domínio da melhoria de competências e da requalificação e, neste contexto, promova a ideia de uma garantia de competências que estabeleça o direito a formação inclusiva e de qualidade para todos, incluindo a participação na negociação coletiva e o reforço das capacidades para estabelecer as disposições e condições relativas às licenças remuneradas para formação, o que permite às pessoas participar plenamente na sociedade e gerir com êxito as transições na sociedade e no mercado de trabalho.

4.2.3.

Associada a esta questão está também a responsabilidade partilhada dos parceiros sociais, a nível setorial e empresarial, no que se refere ao investimento no ensino e na formação dos trabalhadores numa perspetiva de futuro. A negociação coletiva a todos os níveis — em harmonia com o direito e as práticas nacionais — e os mecanismos de participação dos trabalhadores a nível da empresa constituem instrumentos pertinentes, quer para dar resposta às alterações nas necessidades de competências e formação, quer para antecipar essas mudanças e aumentar a inovação. Seria útil começar a elaborar, no âmbito do Ano Europeu das Competências, um quadro de qualidade da UE para a formação dos trabalhadores no âmbito das responsabilidades dos parceiros sociais.

4.3.   Promover o investimento no ensino e na formação

4.3.1.

O CESE já salientou em várias ocasiões a necessidade de lançar uma campanha de qualificação para apoiar a digitalização crescente dos mercados de trabalho europeus, incentivar o investimento dos setores empresarial e público e promover o investimento público e privado no ensino e na formação profissionais. O investimento público na aprendizagem ao longo da vida e, em especial, na educação de adultos, deve ser aumentado em todos os Estados-Membros (9).

4.3.2.

O CESE insta a Comissão Europeia e os Estados-Membros a adotarem medidas eficazes com vista à aplicação do primeiro e quarto princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a fim de garantir que uma aprendizagem ao longo da vida, inclusiva e de qualidade, constitui um direito de todos os cidadãos na Europa, nos locais de trabalho e não só, bem como a apoiarem a aplicação destes princípios com financiamento público sustentável, acordado com os parceiros sociais e a sociedade civil.

4.3.3.

Uma vez que os Estados-Membros são os principais responsáveis por assegurar um investimento sustentável na formação, quer seja para desempregados e pessoas pouco qualificadas, quer seja para a aquisição de competências de base certificadas, aptidões profissionais e competências-chave qualificantes, o Ano Europeu das Competências deve destacar a necessidade de um investimento público adequado e suficiente em todos os domínios do ensino e da formação.

4.3.4.

O CESE solicita, neste contexto, que o investimento sustentável na participação dos adultos em aprendizagem ao longo da vida e na formação dos trabalhadores constitua uma prioridade no âmbito do processo do Semestre Europeu e receba mais apoio dos fundos da UE, em particular dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, para a melhoria das competências e a requalificação.

4.4.   Direito de acesso a oportunidades de aprendizagem ao longo da vida independentemente do nível ou tipo (formal, informal e não formal)

4.4.1.

O CESE apela para que o primeiro princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais seja aplicado na íntegra com vista a assegurar que todos os aprendentes e trabalhadores do ensino e da formação profissionais têm direito a aceder a formação e a uma aprendizagem ao longo da vida, inclusivas e de qualidade, que lhes permitam participar plenamente na sociedade e gerir com êxito as transições no mercado de trabalho. Este direito deve também apoiar os desempregados e os adultos pouco qualificados na aquisição das competências necessárias ao mercado de trabalho. O CESE convida a Comissão Europeia a estudar a forma de aplicar esse direito e a introduzir um mecanismo de acompanhamento mais atento, no âmbito do qual os Estados-Membros da UE sejam solicitados a criar programas de ação nacionais e a apresentar periodicamente relatórios nacionais sobre a forma como esse direito é assegurado.

4.4.2.

Neste contexto, o CESE insta a Comissão, os Estados-Membros e os parceiros sociais a aproveitarem o Ano Europeu das Competências para tomarem medidas eficazes de participação em ações conjuntas que promovam a aprendizagem no local de trabalho, o investimento em regimes de aprendizagem de qualidade, a participação dos adultos na aprendizagem ao longo da vida e a formação dos trabalhadores, garantindo a todos os trabalhadores o direito da igualdade de acesso a formação inclusiva e de qualidade. O Quadro Europeu para a Qualidade e a Eficácia da Aprendizagem, que celebrará o seu 5.o aniversário em 2023, deve ser avaliado e reforçado. Seria tempo de perguntar aos aprendizes, jovens e adultos, em que medida as condições de qualidade estabelecidas nesse quadro foram postas em prática no local de trabalho.

4.5.   Participação das partes interessadas

4.5.1.

O CESE saúda o facto de a Comissão ter assumido explicitamente o compromisso de conferir maior relevância às competências, através de uma estreita cooperação com os parceiros sociais, os serviços de emprego públicos e privados, as empresas e os prestadores de ensino e formação. O CESE considera, neste contexto, que é também fundamental:

incentivar a participação ativa dos trabalhadores em regimes de aprendizagem ao longo da vida e em ações de formação no local de trabalho, enquanto condição essencial para promover o crescimento e a competitividade das empresas, consolidar a empregabilidade dos trabalhadores e assegurar empregos de qualidade (10);

aumentar a participação de todos na aprendizagem ao longo da vida e determinar, em conjunto com os prestadores de ensino e formação e os decisores políticos, o conteúdo da aprendizagem de modo que proporcione vantagens a cada aprendente, à comunidade e à sociedade no seu conjunto;

apoiar a negociação coletiva e o diálogo social, em harmonia com os sistemas nacionais de relações laborais, o que permitirá antecipar e adaptar as competências à evolução tecnológica e digital e desenvolver a formação em contexto laboral, mas também apoiar o diálogo civil para se dispor de uma visão global das necessidades de cada aprendente.

4.6.   Reforçar a eficiência dos serviços de emprego

4.6.1.

Para gerir eficientemente uma transição justa e as políticas ativas para o mercado de trabalho, são necessários serviços de emprego igualmente eficientes, capazes não só de gerir a procura e oferta de emprego, mas também de proporcionar orientação e aconselhamento às pessoas que procuram trabalho. O CESE insta os Estados-Membros a investirem mais recursos na melhoria da eficácia, da eficiência e da capacidade dos serviços de emprego e do respetivo pessoal, bem como na conceção de instrumentos de apoio a quem ainda não se encontre no mercado de trabalho.

4.7.   Contas individuais de aprendizagem e microcredenciais

4.7.1.

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão relativa às contas individuais de aprendizagem, uma vez que os prestadores de ensino e formação necessitam de apoio financeiro para prestar esses serviços aos aprendentes. A pressão sobre a qualificação está constantemente a aumentar, mas o objetivo das contas individuais de aprendizagem não é o de substituir as estruturas de financiamento existentes, mas sim de complementá-las, especialmente criando estas contas quando ainda não existam.

4.7.2.

As contas individuais de aprendizagem são um elemento importante para o financiamento da educação contínua. Devem ser diferenciadas em função do grupo-alvo e, em todo o caso, ser continuamente avaliadas e, se necessário, adaptadas. Acima de tudo, importa que as pessoas em idade ativa tenham acesso direto à sua conta individual de aprendizagem e possam decidir quais as ações de formação a integrar na sua conta pessoal.

4.7.3.

No âmbito da proposta relativa à «abordagem europeia em matéria de aprendizagem ao longo da vida e de emprego», as microcredenciais devem permitir uma melhor gestão dos problemas de formação e requalificação. Tal facilitaria e melhoraria a aquisição de todas as competências necessárias para fazer face às perturbações e transições sociais que se verificam atualmente no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, a abordagem visa igualmente que os prestadores tornem as suas ofertas mais transparentes e flexíveis através das microcredenciais.

4.7.4.

Na opinião do CESE, as microcredenciais podem revelar-se bastante úteis e exequíveis quando se trata do reconhecimento de aprendizagens informais, mas não devem enfraquecer nem substituir-se ao ensino inicial formal, ao ensino superior, ao ensino e à formação profissionais ou às competências tradicionais.

4.8.   Atrair nacionais de países terceiros

4.8.1.

A tónica colocada na atração de nacionais de países terceiros dotados das competências de que a UE necessita deve ser equilibrada, de forma a atenuar a fuga de cérebros. O CESE defende canais de migração laboral mais regulares, mas a primeira prioridade das políticas em matéria de competências deve ser assegurar o desenvolvimento das competências dos trabalhadores europeus, bem como dos desempregados e dos migrantes sem documentos que já vivem e trabalham na UE.

4.8.2.

O desenvolvimento de uma reserva de talentos da UE (dirigida apenas aos refugiados ucranianos) é também uma questão que deve ser tratada com cuidado. O CESE incentiva a Comissão a desenvolver ações destinadas a garantir que todos os refugiados e requerentes de asilo têm oportunidades iguais às dos residentes para validar as suas competências e aptidões e aceder a programas de aprendizagem e de aperfeiçoamento e requalificação profissionais, a fim de serem integrados no mercado de trabalho, em consonância com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

4.8.3.

Além disso, a questão de simplificar, acelerar e facilitar o reconhecimento das qualificações dos nacionais de países terceiros merece ser debatida ou promovida independentemente do recrutamento destas pessoas. No entanto, parece ser claro que, no caso das profissões regulamentadas, apenas a aplicação das regras da Diretiva Qualificação da UE aos nacionais de países terceiros pode acelerar ou facilitar o reconhecimento das suas qualificações.

4.9.   Coordenação do Ano Europeu

4.9.1.

A Comissão insta os Estados-Membros a nomearem um coordenador nacional para o Ano Europeu das Competências, incumbido de assegurar a coordenação das atividades pertinentes a nível nacional. Os artigos sobre a coordenação a nível nacional e da União centram-se essencialmente na nomeação dos coordenadores nacionais e na realização das respetivas reuniões, o que se afigura demasiado minimalista.

4.9.2.

O CESE apela para que os pontos de coordenação nacionais disponham das competências pertinentes, bem como dos recursos financeiros adequados, provenientes de fontes da UE e nacionais, e sejam dotados dos meios para envolver eficazmente representantes de uma vasta rede de partes interessadas no domínio da educação, da formação e das competências a nível nacional e da UE. Essas partes interessadas (nomeadamente os parceiros sociais, os serviços de emprego públicos e privados, os prestadores de ensino e formação e outras organizações pertinentes da sociedade civil) devem fazer parte da coordenação e desempenhar um papel de liderança tanto no planeamento e na execução das atividades ao longo do ano como na sua avaliação. A tónica deve ser colocada em resultados sustentáveis que possam ser alcançados durante o ano. Relativamente aos montantes de financiamento, o Ano Europeu para o Desenvolvimento pode ser considerado uma boa prática.

4.10.   Inadequação das competências

4.10.1.

Embora alguns setores possam sofrer de falta de trabalhadores qualificados, este desajustamento deve-se amiúde às más condições de trabalho (salários baixos, contratos precários, desrespeito, tempo de trabalho incompatível com o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, falta de formação profissional dos trabalhadores e de perspetivas de evolução na carreira) e à falta de instrumentos de antecipação e deteção precoce das mudanças no mercado de trabalho. Se o Ano Europeu das Competências não olhar para o reverso da medalha e não insistir na responsabilidade partilhada das empresas, obviamente o ónus será repartido de forma desigual, recaindo sobre os trabalhadores e a sociedade.

4.10.2.

Neste contexto, as estratégias em matéria de competências não podem ser separadas da criação de emprego de qualidade e das estratégias neste domínio. Com efeito, os programas de formação, requalificação ou melhoria de competências de pouco servem se as pessoas viverem numa zona economicamente deserta que não oferece oportunidades alternativas de emprego. Empregos de qualidade, salários justos e condições de trabalho dignas são a condição prévia para o crescimento sustentável de longo prazo, a produtividade e a inovação, sendo o desenvolvimento de competências e a aprendizagem ao longo da vida um dos instrumentos para alcançar esses objetivos. Neste sentido, revelam-se essenciais o diálogo social eficaz com os sindicatos, o respeito e a aplicação dos direitos laborais, bem como a informação e a consulta dos trabalhadores sobre a formação e a aprendizagem a nível das empresas.

Bruxelas, 15 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho sobre o Ano Europeu da Juventude 2022) [COM(2021) 634 final — 2021/0328(COD)] (JO C 152 de 6.4.2022, p. 122).

(2)  Estudo do Observatório do Mercado de Trabalho (OMT) intitulado «The work of the future: ensuring lifelong learning and training of employees» [O trabalho de amanhã: assegurar a formação e a aprendizagem dos trabalhadores ao longo da vida], Comité Económico e Social Europeu.

(3)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Educação de adultos (Parecer exploratório a pedido da Presidência eslovena) (JO C 374 de 16.9.2021, p. 16); Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Promover, com base na educação e na formação e numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, as competências necessárias para que a Europa crie uma sociedade mais justa, mais coesa, mais sustentável, mais digital e mais resiliente» (parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa) (JO C 286 de 16.7.2021, p. 27); Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Agenda de Competências para a Europa em prol da competitividade sustentável, da justiça social e da resiliência» [COM (2020) 274 final] e sobre a «Proposta de recomendação do Conselho sobre o ensino e a formação profissionais (EFP) em prol da competitividade sustentável, da justiça social e da resiliência» [COM (2020) 275 final] (JO C 10 de 11.1.2021, p. 40); Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de recomendação do Conselho relativa a uma abordagem europeia das microcredenciais para a aprendizagem ao longo da vida e a empregabilidade [COM(2021) 770 final] e Proposta de recomendação do Conselho relativa às contas de aprendizagem individuais [COM(2021) 773 final] (JO C 323 de 26.8.2022, p. 62); Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma estratégia europeia para as universidades [COM(2022) 16 final] e sobre a Proposta de recomendação do Conselho relativa à construção de pontes para uma cooperação europeia eficaz no domínio do ensino superior [COM(2022) 17 final] (JO C 290 de 29.7.2022, p. 109).

(4)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Agenda de Competências para a Europa em prol da competitividade sustentável, da justiça social e da resiliência» [COM (2020) 274 final] e sobre a «Proposta de recomendação do Conselho sobre o ensino e a formação profissionais (EFP) em prol da competitividade sustentável, da justiça social e da resiliência» [COM (2020) 275 final] (JO C 10 de 11.1.2021, p. 40).

(5)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Educação de adultos (Parecer exploratório a pedido da Presidência eslovena) (JO C 374 de 16.9.2021, p. 16).

(6)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Educação de adultos (Parecer exploratório a pedido da Presidência eslovena) (JO C 374 de 16.9.2021, p. 16).

(7)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho sobre o Ano Europeu da Juventude 2022) [COM(2021) 634 final — 2021/0328(COD)] (JO C 152 de 6.4.2022, p. 122).

(8)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de recomendação do Conselho relativa a uma abordagem europeia das microcredenciais para a aprendizagem ao longo da vida e a empregabilidade [COM(2021) 770 final] e Proposta de recomendação do Conselho relativa às contas de aprendizagem individuais [COM(2021) 773 final] (JO C 323 de 26.8.2022, p. 62); Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Educação de adultos (Parecer exploratório a pedido da Presidência eslovena) (JO C 374 de 16.9.2021, p. 16); Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Promover, com base na educação e na formação e numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, as competências necessárias para que a Europa crie uma sociedade mais justa, mais coesa, mais sustentável, mais digital e mais resiliente» (parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa) (JO C 286 de 16.7.2021, p. 27).

(9)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Financiamento sustentável para a aprendizagem ao longo da vida e o desenvolvimento de competências, no contexto da escassez de mão de obra qualificada (parecer exploratório a pedido da Presidência croata) (JO C 232 de 14.7.2020, p. 8).

(10)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O futuro do trabalho — a aquisição de conhecimentos e competências adequados para responder às necessidades dos empregos do futuro» (parecer exploratório a pedido da Presidência búlgara) (JO C 237 de 6.7.2018, p. 8).


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/132


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Análise dos défices de investimento na defesa e rumo a seguir

[JOIN(2022) 24 final]

(2023/C 100/20)

Relator:

Panagiotis GKOFAS

Correlator:

Jan PIE

Consulta

Comissão Europeia, 28.6.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais

Adoção em secção

11.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

202/6/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia as iniciativas, propostas na comunicação conjunta em apreço, sobre a análise dos défices de investimento na defesa e rumo a seguir. A comunicação conjunta constitui um avanço importante na promoção da cooperação entre os Estados-Membros no domínio da defesa, que é necessária para reduzir as dispendiosas duplicações de capacidades militares e evitar a fragmentação do mercado de defesa da UE. O CESE salienta os seguintes pontos principais do parecer.

1.1.1.

A estratégia da UE para a indústria de defesa deve resultar de uma política comum de segurança e defesa forte.

1.1.2.

Os baixos volumes de investimento e a falta de coordenação entre os Estados-Membros em matéria de I&D, produção e aquisição, levam a lacunas de capacidade e fragmentam a base tecnológica e industrial de defesa europeia (BTIDE).

1.1.3.

O CESE apoia as medidas concretas propostas pela Comissão Europeia — a contratação pública cooperativa (EDIRPA) e o Programa Europeu de Investimento na Defesa (EDIP) — e apela para uma maior coordenação entre os Estados-Membros em matéria de políticas de defesa e de aquisição a nível da UE.

1.1.4.

Os orçamentos nacionais de defesa devem ser revistos a fim de preverem anualmente a quota atribuída para a consolidação dos investimentos europeus comuns no domínio da defesa. Desta forma, contribuirão para avaliar a base financeira disponível para ações concretas coordenadas pela UE destinadas a reforçar as capacidades de defesa europeias.

1.1.5.

Cabe prestar especial atenção às novas formas de guerra, tais como os ciberataques, as guerras digitais e a difusão de notícias falsas.

1.1.6.

O Parlamento Europeu deve criar um mecanismo de acompanhamento da execução da política europeia de defesa (contratação, aquisição, investimento) e adquirir instrumentos técnicos e institucionais adequados para o efeito.

1.1.7.

A Comissão Europeia é incentivada a apresentar uma proposta ambiciosa que vá além de uma eventual isenção do IVA e inclua medidas firmes para ajudar a indústria a adaptar-se aos novos desafios estratégicos.

1.2.

O CESE partilha da avaliação da comunicação conjunta no que diz respeito aos défices de investimento na defesa na União Europeia (UE). Esse subinvestimento enfraqueceu a segurança da Europa, comprometeu a OTAN e fragilizou a posição da União face a outras potências mundiais. Ao mesmo tempo, persistem lacunas no investimento na defesa no interior da União Europeia. Esta situação contraria o princípio da solidariedade entre os Estados-Membros e reforça os poderes políticos centrífugos que distorcem os esforços para desenvolver uma cultura de segurança e uma política de defesa comuns na Europa.

1.3.

O CESE congratula-se com o facto de vários Estados-Membros terem anunciado que aumentariam os seus orçamentos de defesa e exorta-os a manterem o seu compromisso de investir não apenas mais, mas também melhor, aprofundando assim a solidariedade entre os cidadãos europeus e reforçando a cultura de prontidão de resposta a situações de emergência. É imprescindível coordenar esforços de defesa nacionais a nível europeu que não provoquem danos colaterais em iniciativas recentes da UE nem asfixiem projetos de desenvolvimento europeus em curso ou planeados. Essa maior coordenação europeia deve ser entendida como uma forma de reforçar também as capacidades globais da OTAN. O CESE apoia a ideia de reforçar o quadro europeu de cooperação em matéria de defesa, em especial através da aquisição conjunta. A este respeito, o CESE apoia plenamente a criação imediata do grupo de trabalho para as aquisições conjuntas no domínio da defesa como meio de coordenar, a nível da UE, as respostas dos Estados-Membros às necessidades urgentes a muito curto prazo, nomeadamente a reconstituição das reservas de material.

1.4.

O CESE solicita que seja realizado um exame técnico aprofundado sobre a forma de alcançar uma interface europeia que otimize os resultados das despesas nacionais com a defesa a nível da UE.

1.5.

O CESE congratula-se com o instrumento de curto prazo, dotado de 500 milhões de euros ao longo de dois anos (2022-2024), proposto para incentivar a aquisição conjunta. Baseando-se na ação do grupo de trabalho para as aquisições conjuntas, esse instrumento pode contribuir para estruturar e coordenar a procura atual de produtos no domínio da defesa urgentemente necessários e evitar a evicção.

1.6.

O CESE congratula-se igualmente com o anúncio de um Programa Europeu de Investimento na Defesa destinado a projetos de defesa desenvolvidos conjuntamente e incentiva a Comissão a apresentar rapidamente uma proposta ambiciosa que vá além de uma possível isenção do IVA e inclua medidas firmes para ajudar a indústria a adaptar-se aos novos desafios estratégicos. A União Europeia tem de desenvolver iniciativas de investimento que permitam a cooperação da indústria através de empresas em fase de arranque e PME (ao abrigo da Lei das Pequenas Empresas na UE) e a plena utilização de mão de obra altamente qualificada no setor da defesa, melhorando e criando simultaneamente novas competências através de programas específicos de investigação e de desenvolvimento e projetos europeus que permitam a colaboração das indústrias nacionais.

1.7.

O CESE congratula-se com o anúncio da Comissão de que apresentará uma iniciativa sobre as matérias-primas críticas, incluindo medidas legislativas, para reforçar a resiliência da UE e a segurança do aprovisionamento no que toca às matérias-primas críticas. O CESE considera que essa iniciativa deve ter em consideração a importância estratégica do setor da defesa.

1.8.

A implantação de uma política de defesa comum permitiria uma maior autonomia na inovação industrial, maiores externalidades positivas entre os setores militar e civil no plano tecnológico e políticas energéticas e da defesa da UE mais eficazes e autónomas.

1.9.

O CESE reconhece a importância de criar uma forte interdependência entre cibersegurança e ciberdefesa que permita enfrentar o novo tipo de guerra híbrida. Dada a sua importância no combate à guerra híbrida moderna, essa deve ser uma das prioridades principais dos futuros investimentos em cibersegurança.

1.10.

O CESE considera que a comunicação conjunta não fornece orientações estratégicas suficientes para o desenvolvimento da base tecnológica e industrial de defesa europeia. Em resposta aos novos desafios de segurança que ameaçam o quadro de solidariedade europeu, é necessária uma estratégia industrial de defesa europeia abrangente que alinhe todas as medidas de política industrial no sentido de reforçar o desempenho da base tecnológica e industrial de defesa europeia nas suas funções essenciais. A este respeito, a comunicação conjunta é apenas um primeiro passo na direção certa.

1.11.

O CESE recomenda a criação de um comité científico ou de uma agência científica que, sob a supervisão política do Parlamento Europeu, acompanhe e avalie de forma contínua os aspetos essenciais do investimento na defesa e forneça orientações para uma afetação eficiente de recursos financeiros e militares, devendo os resultados e recomendações ser disponibilizados a cada Estado-Membro.

1.12.

O CESE considera que o setor europeu da defesa pode incentivar a criação de sinergias e a cooperação entre numerosos setores económicos, intervenientes e partes interessadas. Deve ser dada especial atenção às PME, em consonância com a Lei das Pequenas Empresas.

2.   Contexto

2.1.

Os chefes de Estado ou de Governo da UE reunidos em Versalhes, em março de 2022, assumiram o compromisso de reforçar as capacidades de defesa europeias perante a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia, tendo decidido: 1) aumentar as despesas no setor da defesa; 2) intensificar a cooperação através de projetos conjuntos; 3) colmatar lacunas e cumprir os objetivos em matéria de capacidades; 4) impulsionar a inovação, nomeadamente através de sinergias civis/militares; e 5) reforçar e desenvolver a indústria europeia da defesa, incluindo as PME.

2.2.

Além disso, os chefes de Estado ou de Governo da UE convidaram a Comissão Europeia a apresentar, em cooperação com a Agência Europeia de Defesa, «uma análise dos défices de investimento na defesa até meados de maio e a propor quaisquer outras iniciativas necessárias para reforçar a base industrial e tecnológica da defesa europeia».

2.3.

Em resposta a esta incumbência, a Comissão Europeia e o alto representante/chefe da Agência Europeia de Defesa apresentaram ao Conselho Europeu um conjunto de medidas e recomendações com o objetivo de assegurar, por um lado, que os aumentos anunciados das despesas dos Estados-Membros no domínio da defesa não conduzem a uma maior fragmentação do setor da defesa europeu e, por outro, que resultam numa base industrial e tecnológica de defesa da UE mais forte. Essas recomendações abrangem, nomeadamente, medidas para promover a aquisição conjunta, melhorar a programação no domínio da defesa e reforçar as capacidades de produção, sendo também sublinhado o aumento das oportunidades de financiamento para o setor da defesa.

2.4.

As recomendações da comunicação conjunta baseiam-se numa análise dos atuais défices de investimento e lacunas em termos de capacidades. Apesar do aumento das despesas europeias com a defesa registado em 2020, apenas 11 % dos investimentos foram gastos de forma conjunta — valor muito abaixo do valor de referência de 35 % acordado pelos Estados-Membros no quadro da Agência Europeia de Defesa e estabelecido no âmbito da cooperação estruturada permanente (CEP) — em comparação com 89 % gastos a nível nacional. Importa notar que os Estados-Membros da UE enfrentam riscos diferentes e têm capacidades distintas para dar resposta a crises militares ou outras crises que exijam recursos de defesa diferenciados.

2.5.

Acresce que as despesas combinadas dos Estados-Membros com investigação e tecnologia no domínio da defesa (2,5 mil milhões de euros) representam apenas 1,2 % do total das suas despesas com a defesa, o que fica bastante aquém do valor de referência de 2 % acordado no quadro da Agência Europeia de Defesa e definido como um compromisso mais vinculativo no âmbito da cooperação estruturada permanente.

2.6.

Além disso, o setor europeu da defesa ainda apresenta ineficiências significativas: economias de escala reduzidas, a fragmentação do mercado e da produção, a duplicação e multiplicação de sistemas de defesa do mesmo tipo, entre outras. A falta de cooperação entre os Estados-Membros enfraquece as capacidades industriais e tecnológicas necessárias para preservar a capacidade de defesa da UE e satisfazer as suas necessidades de segurança atuais e futuras.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Os investimentos no setor da defesa devem ter uma função preventiva e constituir um fator de dissuasão e estabilidade, com vista a reforçar a segurança e reduzir os riscos de conflito, em vez de induzir novas corridas ao armamento e aumentar a probabilidade de novos conflitos, sejam eles regionais ou mundiais.

3.2.

Idealmente, a diplomacia deve ser sempre privilegiada na prevenção e resolução de conflitos, devendo o uso da força militar continuar a ser um instrumento dissuasor e de último recurso. Antes de se empreender qualquer ação militar, há que examinar as possibilidades de desenvolvimento e bem-estar económico para defender os valores europeus da paz, da democracia, da solidariedade e da estabilidade. O CESE apoia todas as tentativas internacionais de alcançar resoluções pacíficas, justas e concretas de conflitos, litígios e/ou atos ilegais (invasões, ocupações, ameaças contra a soberania de um Estado, intimidações, por exemplo, em situações como as da Ucrânia, Chipre, Balcãs Ocidentais e noutros locais), no quadro dos parâmetros da Carta das Nações Unidas e da resolução do Conselho da Europa.

3.3.

O CESE está convicto da necessidade de uma estreita coordenação entre a UE e a OTAN. Ambas as organizações têm os seus próprios instrumentos específicos e pontos fortes que devem ser utilizados de forma complementar com o objetivo comum de garantir a segurança da Europa.

3.4.

O CESE lamenta que anos de subinvestimento grave na defesa tenham conduzido a défices industriais e lacunas em termos de capacidades na UE. Reconhece igualmente que a base tecnológica e industrial de defesa europeia está atualmente dimensionada para operações em tempos de paz (ou seja, caracterizadas pela baixa cadência de produção) e solicita medidas para que esta consiga dar resposta ao súbito aumento da procura desencadeado pela guerra contra a Ucrânia.

3.5.

O CESE subscreve o apelo aos Estados-Membros, expresso na comunicação conjunta, para que adquiram, de forma colaborativa, o equipamento e o material de defesa necessários. A aquisição conjunta de produtos urgentemente necessários proporcionaria uma melhor relação custo-benefício, melhoraria a interoperabilidade e evitaria que os Estados-Membros mais expostos se deparassem com a incapacidade de obter o que necessitam, devido a pedidos concorrentes à indústria da defesa, que não pode dar resposta a esse aumento súbito da procura a curto prazo.

3.6.

O CESE apoia igualmente a proposta de incentivar a aquisição conjunta através do orçamento da UE recorrendo a um instrumento específico de curto prazo. O apoio financeiro da UE prestado através deste instrumento deve estimular a aquisição conjunta dos Estados-Membros no setor da defesa e beneficiar a base tecnológica e industrial de defesa europeia, assegurando simultaneamente a capacidade de ação das forças armadas europeias, a segurança do aprovisionamento e uma maior interoperabilidade.

3.7.

O CESE aguarda também com expectativa a proposta de um Programa Europeu de Investimento na Defesa. Ao mesmo tempo, questiona se este será suficiente para incentivar, através de uma isenção de IVA, a aquisição conjunta de projetos desenvolvidos de forma colaborativa. Importa dotar a base tecnológica e industrial de defesa europeia das condições necessárias para apoiar as forças armadas europeias, inclusive no que toca a conflitos de longa duração e grande escala. Tal exigirá a utilização sistemática de diversos instrumentos da política industrial para reforçar as cadeias de abastecimento, fomentar as competências, estabelecer reservas estratégicas, etc. O Programa Europeu de Investimento na Defesa deve, pois, seguir uma abordagem abrangente para apoiar a necessária transformação da base tecnológica e industrial de defesa europeia.

3.8.

Ao mesmo tempo, a comunicação conjunta carece de ambição no que diz respeito a outras iniciativas, como o FED. O CESE recomenda que se utilize a flexibilidade do atual quadro financeiro plurianual (QFP) para aumentar significativamente o orçamento do FED para um nível que iguale os aumentos anunciados das despesas de defesa dos Estados-Membros. Tal medida é necessária para assegurar o efeito de alavanca e a capacidade do FED para incentivar a cooperação. A expectativa é de que o FED desempenhe um papel fundamental na superação da fragmentação dos sistemas de defesa europeus e na redução do défice de investimento na defesa. O CESE considera que o FED poderia eventualmente desempenhar este papel se os Estados-Membros melhorarem significativamente a sua cooperação. O FED deve ser avaliado regularmente e reforçado, de modo a contribuir eficazmente para uma maior coesão e eficiência das despesas europeias no domínio da defesa. O valor acrescentado europeu é da maior importância para justificar este instrumento. Além disso, o CESE propõe que a prioridade consista em tornar o FED mais estratégico (identificando um número limitado de projetos emblemáticos com financiamento adequado), mais reativo (aumentando a rubrica orçamental para as PME e tecnologias disruptivas, organizando concursos públicos para acelerar as reações a ideias inovadoras, definindo procedimentos acelerados para projetos urgentes, etc.) e mais eficiente (otimizando as transferências no domínio da defesa para projetos do FED, harmonizando o quadro de propriedade intelectual, definindo soluções sustentáveis para o tratamento de dados classificados, etc.).

3.9.

O CESE considera, além disso, que atualmente é indispensável dispor de uma política holística e estratégica no domínio das matérias-primas e das matérias-primas críticas a fim de reduzir a dependência estratégica da Europa em relação a regimes autocráticos. O CESE considera que esta estratégia se deve basear em três pilares: 1) assegurar o acesso mundial, livre e aberto a matérias-primas ou matérias-primas críticas; 2) reforçar a exploração e transformação de matérias-primas ou matérias-primas críticas europeias ou nacionais, os incentivos fiscais e as iniciativas de armazenamento; e 3) reciclar as matérias-primas ou matérias-primas críticas, melhorando as condições-quadro para uma economia circular.

3.10.

O CESE considera que a missão principal da base tecnológica e industrial de defesa europeia é apoiar as forças armadas europeias no cumprimento das suas tarefas. Para tal, está convicto de que a base tecnológica e industrial de defesa europeia deve ser capaz de desempenhar quatro funções centrais: 1) fornecer o equipamento de defesa necessário e os serviços conexos, a qualquer altura e em qualquer circunstância; 2) melhorar as tecnologias de defesa essenciais e as suas aplicações e desenvolver versões novas e melhoradas, bem como as próximas gerações das mesmas; 3) reagir às novas tendências tecnológicas emergentes e aos avanços tecnológicos dos concorrentes e potenciais adversários; e 4) desafiar os concorrentes e potenciais adversários desenvolvendo conceitos inovadores, tecnologias disruptivas e aplicações totalmente novas. Tendo a comunicação conjunta como ponto de partida, a Comissão e os Estados-Membros devem desenvolver urgentemente uma estratégia industrial global no domínio da defesa destinada a melhorar o desempenho da base industrial e tecnológica europeia nessas funções essenciais.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE também reconhece a importância de criar uma forte interdependência entre a cibersegurança e a ciberdefesa que responda ao novo tipo de guerra híbrida, tais como os ciberataques e as más práticas digitais em conflitos não militares ou militares recentes a nível internacional. Por conseguinte, cumpre dar especial atenção aos investimentos em cibersegurança, um setor que cresceu rapidamente na última década e que parece estar a alterar rapidamente o panorama dos assuntos internacionais e internos, bem como as considerações políticas.

4.2.

O CESE sublinha que cumpre à União Europeia desenvolver iniciativas de investimento que permitam a cooperação da indústria através de empresas em fase de arranque e PME e tirar pleno partido da mão de obra altamente qualificada no setor da defesa, melhorando e criando simultaneamente novas competências através de programas de cooperação europeus.

4.3.

O CESE reitera a sua proposta de criação de um balcão único em linha para PME e empresas em fase de arranque, um «ponto PME da UE» em linha, que ofereça a possibilidade de introduzir dados predeterminados e receber em troca informações personalizadas sobre os programas da UE mais adequados que poderão prestar apoio.

4.4.

No que respeita às medidas de apoio às tecnologias críticas e às capacidades industriais, continua a ser fundamental reduzir as dependências críticas ao longo das cadeias de valor no domínio da defesa. Tal abrange nomeadamente o acesso a matérias-primas críticas e o fornecimento de componentes e subsistemas críticos, bem como a estabilidade financeira e económica da cadeia de abastecimento industrial e a disponibilidade de competências suficientes para satisfazer as capacidades e os requisitos tecnológicos atuais e futuros. O CESE gostaria igualmente de sublinhar os pontos de vista e recomendações já delineados no seu Parecer — Roteiro sobre tecnologias críticas para a segurança e a defesa (CCMI/189).

4.5.

A conceção de um novo paradigma de investimento em matéria de defesa na Europa deve também ter em conta critérios sociais e ambientais que satisfaçam a necessidade de integrar eficazmente instrumentos fiáveis e transferíveis no Pacto Ecológico e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), respondendo assim às principais prioridades e riscos europeus, tais como a economia circular, a proteção civil, as catástrofes naturais, a gestão de emergências e as ações terroristas marítimas. A gestão de crises e os fenómenos associados à crise climática exigem medidas complementares imediatas e a utilização de instrumentos modernos. Deve ser discutido um regime de colaboração separado com a Direção-Geral da Proteção Civil e das Operações de Ajuda Humanitária Europeias (ECHO).

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/137


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à utilização sustentável de produtos fitofarmacêuticos e que altera o Regulamento (UE) 2021/2115

[COM(2022) 305 final — 2022/0196 (COD)]

(2023/C 100/21)

Relator:

José Manuel ROCHE RAMO

Correlator:

Arnold PUECH D’ALISSAC

Consulta

Parlamento Europeu, 14.7.2022

Conselho, 6.7.2022

Base jurídica

Artigo 192.o, n.o 1, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Plenária

22/02/2022

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

24.11.2022

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

157/01/04

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A proposta de regulamento relativo à utilização sustentável de produtos fitofarmacêuticos introduz um conjunto de inovações e medidas destinadas a atenuar algumas deficiências detetadas na aplicação e execução da Diretiva que estabelece um quadro de ação a nível comunitário para uma utilização sustentável dos pesticidas (Diretiva Utilização Sustentável dos Pesticidas) (1).

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reconhece a necessidade desta revisão e regozija-se pelo facto de muitas das deficiências detetadas na diretiva em vigor e muitas das iniciativas agora previstas no âmbito da nova proposta já terem sido mencionadas nas observações e recomendações formuladas no seu relatório de avaliação (2). As questões a que o regulamento em apreço procura dar resposta incluem a necessidade de uma maior harmonização na execução dos planos de ação nacionais, as diferenças entre as realidades dos vários Estados-Membros, a formação adequada dos utilizadores, bem como a importância da promoção de novas tecnologias como a agricultura de precisão.

1.3.

Em consonância com os objetivos estabelecidos na Estratégia do Prado ao Prato e na Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030, a proposta de regulamento relativo à utilização sustentável dos pesticidas visa melhorar a sustentabilidade ambiental, económica e social dos sistemas alimentares. Nesse sentido, o CESE acolhe favoravelmente a incorporação desses objetivos e reconhece, ao mesmo tempo, que são benéficos para melhorar a saúde dos cidadãos e dos consumidores, assim como o estado do ambiente.

1.4.

A nova estratégia europeia introduz objetivos quantitativos de redução da utilização e do risco dos pesticidas até 2030. Esses objetivos são certamente ambiciosos, o que torna necessário estabelecer períodos de transição razoáveis, que tenham em conta (3) o historial de redução da utilização, bem como as condições geográficas, agrárias e socioeconómicas dos diferentes Estados-Membros, durante os quais os agricultores possam aceder a novos produtos alternativos. Tendo em conta que os instrumentos atuais de baixo risco demoram, em média, dez anos a chegar ao mercado, os legisladores devem ser particularmente cautelosos na fixação do calendário para a consecução desses objetivos, introduzindo a flexibilidade necessária para cumprir o princípio de «não deixar ninguém para trás». Além disso, a proposta da Comissão prevê a aplicação de amplas restrições à utilização de produtos fitofarmacêuticos nas denominadas «zonas sensíveis». O CESE assinala que, na UE, vastas zonas de produção agrícola serão abrangidas pela definição proposta e pelo âmbito de aplicação das disposições relativas às «zonas sensíveis». Este requisito tem consequências de grande alcance e, por isso, só deve ser aplicado com base numa avaliação de impacto sólida do ponto de vista científico e agronómico.

1.5.

No que diz respeito aos indicadores de risco harmonizados, é necessário dispor de orientações claras e indicadores adequados. Devido aos dados disponíveis limitados, sobretudo no que se refere à utilização dos pesticidas químicos, o método aplicado deve ser extremamente cauteloso. Tal é especialmente necessário no caso da utilização das vendas comerciais como base de referência (indicador de risco harmonizado 1). De igual modo, é necessário prestar especial atenção ao intervalo de tempo utilizado nesse cálculo. A este respeito, é possível melhorar as estimativas sobre a colocação de pesticidas no mercado, por exemplo incluindo uma distinção entre autorizações profissionais e de «uso doméstico e jardinagem» (ou seja, para fins agrícolas e não agrícolas, respetivamente).

1.6.

Os efeitos negativos causados pelas crises mais recentes — da pandemia à invasão e guerra na Ucrânia, passando pelo aumento acentuado dos efeitos das alterações climáticas (nomeadamente secas, incêndios, inundações, novas pragas ou ondas de calor) — exigem que se coloque a produção de alimentos e a segurança alimentar entre as prioridades principais da agenda política da União Europeia (UE).

1.7.

No entanto, a UE deve continuar a desenvolver o roteiro para cumprir os seus compromissos em matéria de ação climática e sustentabilidade. Tendo em conta que a Europa deve continuar a concretizar as ações no âmbito da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), importa ter igualmente em conta os impactos e os efeitos da situação atual nos sistemas agroalimentares. Assim sendo, o atual cenário de crises deve prever a possibilidade de conceder derrogações em circunstâncias excecionais e por tempo limitado (4).

1.8.

Importa também ver na crise em curso uma oportunidade para abordar as causas estruturais da instabilidade mundial e redefinir a dinâmica das cadeias de abastecimento, proporcionando melhorias duradouras às pessoas e ao planeta. Em especial, urge lançar um debate e uma reflexão exaustivos sobre o sistema agroalimentar que a UE deve conceber para as próximas décadas.

1.9.

Ao mesmo tempo, a UE tem a obrigação e a responsabilidade de considerar a produção de alimentos e a segurança alimentar como um objetivo estratégico importante. Neste sentido, os objetivos do Pacto Ecológico, bem como da Estratégia do Prado ao Prato, nos quais se insere a proposta em apreço, devem basear-se sempre em provas científicas acompanhadas pelas avaliações de impacto correspondentes, a fim de assegurar uma adequação correta dos objetivos, em observância do princípio da proporcionalidade.

1.10.

A este respeito, vários estudos (5) já alertaram para os eventuais efeitos negativos que provocaria a nível mundial o aumento drástico dos preços dos alimentos, em resultado da redução das colheitas e dos rendimentos. A redução da produção agrícola europeia pode tornar a UE mais dependente das importações de alimentos de países terceiros, o que causaria danos ambientais, sociais e económicos.

1.11.

Por conseguinte, a proposta deve ter como objetivo último promover soluções alternativas (conjunto de instrumentos), dando prioridade a uma melhor aplicação e controlo do cumprimento da proteção integrada, que deve continuar a ser a pedra angular da proposta, aumentando e apoiando a utilização de alternativas de controlo das pragas, como os produtos fitofarmacêuticos de baixo risco ou biológicos. Porém, atualmente, estas soluções não estão em posição de substituir a utilização de pesticidas químicos. Os Estados-Membros devem estimular a utilização deste conjunto de instrumentos o mais rapidamente possível, assegurando também a existência de sistemas de incentivos adequados.

1.12.

O referido conjunto de instrumentos deve centrar-se na utilização de diversas soluções e medidas baseadas na ciência e na inovação: a utilização de variedades mais resistentes, as sementes certificadas, a agricultura de conservação, a produção integrada, as novas técnicas genómicas (NGT), a agricultura biológica, a rotação das culturas, as técnicas digitais ou a opção pela utilização de pequenas culturas devem orientar uma transição bem-sucedida para um modelo assente numa menor utilização de produtos fitofarmacêuticos.

1.13.

Para o efeito, é essencial dispor de sistemas fitofarmacêuticos sustentáveis, de base científica, eficazes, seguros e acessíveis que possam proporcionar aos agricultores os instrumentos necessários para continuarem a ser competitivos. Neste sentido, a Comissão deve exigir a reciprocidade das normas para que as importações de produtos de países terceiros tratados com produtos não permitidos no mercado da UE estejam sujeitas a normas pelo menos equivalentes às aplicadas na União.

1.14.

Simultaneamente, é fundamental evitar um aumento desproporcionado dos encargos burocráticos para os agricultores, que afetaria de forma ainda mais acentuada as pequenas e médias explorações, menos resistentes a este tipo de situação devido às economias de escala.

1.15.

Além disso, as entidades gestoras responsáveis pela divulgação dos dados estatísticos devem ser bastante criteriosas no seu tratamento e devem, em especial, respeitar plenamente os direitos relativos à privacidade das pessoas e à propriedade dos dados, já que, em muitos casos, estão em causa informações confidenciais.

1.16.

O CESE congratula-se com a opção por um modelo de aconselhamento imparcial, profissional e independente que permita aos agricultores continuar a aplicar práticas sustentáveis nas suas culturas. O papel que as organizações de agricultores e as cooperativas podem desempenhar neste contexto será fundamental para proporcionar o maior benefício, quer ao nível da produção quer, eventualmente, da comercialização coletiva (por exemplo, explorações cooperativas).

1.17.

O CESE saúda igualmente a introdução de uma medida específica destinada a prestar apoio financeiro para compensar os custos impostos aos agricultores. No entanto, entende que continua a ser necessário especificar melhor a forma como esta medida se enquadra na política agrícola comum (PAC), nomeadamente esclarecendo os aspetos relativos ao seu calendário e à sua aplicação, tendo em conta que a nova PAC e os correspondentes planos estratégicos de cada Estado-Membro deverão ser aprovados até 1 de janeiro de 2023 e entrar em vigor nessa data.

2.   Contexto

2.1.

Em 22 de junho de 2022, no âmbito da revisão da Diretiva Utilização Sustentável dos Pesticidas, a Comissão Europeia publicou a sua proposta de regulamento relativo à utilização sustentável de produtos fitofarmacêuticos, inicialmente prevista para 23 de março de 2022 mas adiada devido às consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia. Esta proposta de regulamento foi publicada no âmbito do pacote relativo à proteção da natureza, juntamente com a proposta de regulamento relativo à restauração da natureza. O referido pacote é um passo decisivo na aplicação do Pacto Ecológico Europeu, da Estratégia do Prado ao Prato e da Estratégia de Biodiversidade.

2.2.

Em consonância com a Estratégia do Prado ao Prato, a Comissão apresenta como principais objetivos da proposta:

reduzir em 50 % a utilização global e o risco dos pesticidas químicos até 2030 (meta de redução 1) e reduzir em 50 % a utilização de pesticidas mais perigosos até 2030 (meta de redução 2) em comparação com a média dos anos 2015, 2016 e 2017;

aumentar a aplicação e o controlo do cumprimento da proteção integrada;

aumentar a utilização de alternativas menos perigosas e não químicas aos pesticidas químicos para o controlo das pragas;

melhorar a disponibilidade dos dados de monitorização relativos à aplicação, à utilização e ao risco dos pesticidas para a saúde e o ambiente;

melhorar a execução, a aplicação e o controlo do cumprimento das disposições jurídicas em todos os Estados-Membros para aumentar a eficácia e a eficiência das políticas; e

promover a adoção de novas tecnologias, como a agricultura de precisão, com o objetivo de reduzir a utilização global e o risco dos pesticidas.

2.3.

Os Estados-Membros poderão reduzir a sua meta nacional relativa à utilização e ao risco dos produtos fitofarmacêuticos químicos com base num sistema de ponderação que tenha em conta o valor relativo à intensidade de utilização e o valor relacionado com a utilização e o risco. Esta percentagem de redução não poderá, em circunstância alguma, ser inferior a 35 % ou superior a 70 % até 2030.

2.4.

Para alcançar estes resultados, a proposta apresentada pela Comissão estabelece metas de redução que são juridicamente vinculativas na UE. As novas regras estabelecem também que os Estados-Membros devem adotar metas vinculativas de forma a contribuir para alcançar a meta global da UE. O regulamento estabelece que os Estados-Membros devem dispor de flexibilidade para ter em conta a sua situação nacional. Em particular, deverá ter-se em atenção os progressos realizados e a intensidade da utilização de pesticidas em cada Estado-Membro.

2.5.

A Comissão medirá anualmente a utilização e o risco dos pesticidas químicos com base nos dados das vendas dos produtos fitofarmacêuticos que lhe forem comunicados pelos Estados-Membros. A base de referência para o cálculo da redução de 50 % serão as vendas dos anos 2015, 2016 e 2017.

2.6.

Todas as substâncias ativas colocadas no mercado sob a forma de produtos fitofarmacêuticos serão classificadas num dos quatro grupos, sendo atribuída a cada um deles uma ponderação, que será mais elevada no caso dos grupos mais perigosos.

2.7.

Em síntese, as principais inovações introduzidas pela revisão são as seguintes:

a adoção de um regulamento, que é diretamente vinculativo e aplicável de modo uniforme em todos os Estados-Membros;

metas juridicamente vinculativas: redução em 50 % da utilização e do risco dos pesticidas químicos e da utilização de pesticidas mais perigosos até 2030;

planos de ação nacionais (PAN) racionalizados e relatórios anuais que apoiem as metas juridicamente vinculativas;

um controlo das pragas respeitador do ambiente, assegurando que todos os agricultores adotem a proteção integrada, na qual os pesticidas químicos são utilizados apenas como último recurso;

um novo registo para apoiar a inspeção dos equipamentos de aplicação de pesticidas;

o compromisso de rever os indicadores de risco harmonizados à luz dos dados das estatísticas dos fatores de produção e produtos agrícolas;

incentivos aos agricultores para que reduzam os pesticidas no âmbito da nova PAC: financiamento excecional para apoiar a conformidade durante cinco anos;

formação: novos períodos de validade dos certificados de formação e obrigatoriedade de comprovativo de formação para determinadas atividades;

proibição de qualquer utilização de pesticidas em zonas sensíveis e a menos de três metros dessas zonas;

critérios mais estritos para as exceções aplicáveis à pulverização aérea.

2.8.

Um pacote de políticas fundamentais apoiará os agricultores e outros utilizadores na transição para sistemas de produção alimentar mais sustentáveis, em particular i) um aumento do leque de alternativas biológicas e de baixo risco no mercado, ii) incentivos aos agricultores para que reduzam a utilização de pesticidas no âmbito da nova PAC, iii) investigação e desenvolvimento no âmbito do Horizonte 2030 e iv) o Plano de Ação para o Desenvolvimento da Agricultura Biológica.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O atual cenário de crises — da pandemia à invasão e guerra na Ucrânia, passando pelo aumento acentuado dos efeitos das alterações climáticas (nomeadamente secas, incêndios, inundações, novas pragas ou ondas de calor) — exerce uma pressão muito forte nos sistemas agroalimentares europeus e mundiais. Não obstante, essas crises não devem constituir um obstáculo ao compromisso firme da UE no sentido de continuar a apostar em ações destinadas a realizar uma transição justa, como estabelecido na Agenda 2030 (6).

3.2.

O CESE solicitou em muitos do seus pareceres uma política alimentar abrangente da UE que assegure i) a sustentabilidade económica, ambiental e sociocultural, ii) a integração entre setores, domínios de intervenção e níveis de governação, iii) processos de decisão inclusivos e iv) uma combinação de medidas obrigatórias (regulamentares e fiscais) e de incentivos (suplementos de preços, acesso a crédito, recursos e seguros) para acelerar a transição para sistemas alimentares sustentáveis (7).

3.3.

Para alcançar estes objetivos, é necessária uma maior harmonização e coerência entre as diferentes políticas e legislações da UE: o Pacto Ecológico Europeu, a Estratégia do Prado ao Prato, a Estratégia de Biodiversidade, o Plano de Ação para a Poluição Zero, a utilização sustentável dos produtos fitofarmacêuticos, etc.

3.4.

Além disso, é importante aumentar o orçamento da PAC e utilizá-lo para apoiar a transição, em vez de o reduzir ou de o manter no nível atual. A aprovação dos planos estratégicos da PAC também deverá estar subordinada à adoção, pelos Estados-Membros, de planos abrangentes para redefinir o ambiente alimentar e correlacionar os incentivos à produção alimentar saudável e sustentável com a criação de novos mercados para esses produtos (8).

3.5.

A este respeito, o Comité acolhe com satisfação a decisão de, no âmbito da nova PAC, dar prioridade ao financiamento das práticas voluntárias que visam o cumprimento da utilização sustentável dos produtos fitofarmacêuticos sem que, em nenhum caso, a atribuição desses apoios penalize ou prejudique as receitas da utilização de outras práticas alternativas igualmente legais e autorizadas ao abrigo da legislação europeia. De um modo geral, o financiamento no âmbito, por exemplo, dos planos ambientais e das iniciativas de desenvolvimento rural só tem estado acessível a iniciativas que vão além dos requisitos legais. O novo quadro permitirá a todos os Estados-Membros financiar o cumprimento de todas as obrigações dos agricultores no âmbito da utilização sustentável dos produtos fitofarmacêuticos durante cinco anos.

3.6.

De igual modo, o Comité valoriza os esforços envidados para aumentar a eficiência dos PAN relativos à utilização sustentável dos produtos fitofarmacêuticos. Estes tipos de PAN eram por vezes bastante variados, tinham objetivos voluntários e podiam englobar diferentes domínios de interesse, mas apresentam um conteúdo mais racionalizado, incluindo uma lista pormenorizada das iniciativas e das respetivas ligações aos objetivos da Estratégia do Prado ao Prato. Pedir-se-á a todos os Estados-Membros que enumerem as medidas financeiras, e não só, destinadas a promover a proteção integrada e as alternativas não químicas. Será obrigatório apresentar as tendências nos relatórios anuais de progresso e de execução relativamente a todos os objetivos, racionalizando os dados quantitativos sobre o cumprimento da utilização sustentável dos produtos fitofarmacêuticos. De dois em dois anos, a Comissão elaborará uma análise dos relatórios anuais de progresso e de execução.

3.7.

No entanto, é essencial que este novo modelo de governação «não deixe ninguém para trás», o que implica garantir que todos os Estados-Membros podem aplicar da melhor forma a utilização sustentável dos produtos fitofarmacêuticos apesar de partirem de pontos diferentes.

3.8.

Para alcançar este objetivo, a sociedade civil organizada e, em especial, as organizações com experiência no domínio dos pesticidas deverão participar ativamente na conceção, no acompanhamento e na futura avaliação do novo regulamento. É necessário melhorar a qualidade da informação prestada ao público em geral, e em especial aos consumidores, sobre o papel dos pesticidas, bem como a formação e a informação dos utilizadores de pesticidas (9).

3.9.

Uma forma fundamental de estabelecer sistemas alimentares sustentáveis a longo prazo é assegurar preços justos dos alimentos (que reflitam os custos reais de produção para o ambiente e a sociedade). É essencial que, mesmo durante a crise atual, a UE assegure uma verdadeira reciprocidade de normas nos acordos comerciais preferenciais (10).

4.   Observações na especialidade

4.1.

É fundamental melhorar o acesso, a disponibilidade e a rentabilidade das soluções alternativas e das novas tecnologias, a fim de assegurar a utilização sustentável dos produtos fitofarmacêuticos. A proteção integrada, à semelhança de outras práticas de gestão das pragas com baixa utilização de pesticidas, próprias da produção integrada e da agricultura biológica, foi um dos elementos fundamentais da diretiva e constitui o elemento central do novo regulamento (11).

4.2.

A proposta de regulamento estabelece como regra geral que os utilizadores profissionais, incluindo os agricultores, devem utilizar medidas não químicas antes de recorrerem à aplicação de produtos fitofarmacêuticos químicos. Tal inclui medidas como a rotação das culturas, a prospeção de pragas, a proteção integrada e a aplicação de métodos não químicos de controlo das pragas, assim como a utilização de outros pesticidas de menor risco (12).

4.3.

Isto não significa que a utilização de pesticidas não seja possível ou necessária em determinadas circunstâncias. Pelo contrário, em alguns casos, só é possível controlar as pragas de forma satisfatória — na produção comercial de alimentos — utilizando pesticidas, de acordo com o princípio fundamental da proteção integrada, como último recurso. Importa salientar, a título de exemplo, a importância da sua aplicação em menor escala.

4.4.

As alterações climáticas aceleram a propagação de pragas que exigem a utilização de pesticidas depois de esgotados todos os restantes instrumentos de controlo. Esta necessidade é ainda mais evidente num período em que todas as estimativas apontam para um aumento da população mundial em mais de dois mil milhões de pessoas nos próximos 30 anos. É necessário ter devidamente em conta este cenário para garantir um sistema de produção de alimentos estável, capaz de abastecer uma população mundial em constante crescimento.

4.5.

Por outro lado, a ocorrência cada vez mais frequente de secas, inundações ou ondas de calor e as mudanças drásticas de temperatura verificadas nos últimos anos estão a diminuir a capacidade de produção de alimentos e as colheitas dos agricultores. Neste sentido, no atual contexto de crises provocadas, em primeiro lugar, pela pandemia e, posteriormente, pela invasão da Ucrânia, bem como pelos supramencionados efeitos das alterações climáticas, é necessário assegurar a manutenção de um rendimento estável nas produções agrícolas para fornecer produtos de elevada qualidade e em quantidades suficientes a nível mundial e, dessa forma, salvaguardar a segurança alimentar.

4.6.

O regulamento destaca também o papel fundamental a desempenhar pelos conselheiros independentes, que prestarão aconselhamento profissional em conformidade com as regras específicas aplicáveis das culturas e com a proteção integrada. Neste sentido, é fundamental reforçar e promover o papel de aconselhamento das organizações profissionais de agricultores e das cooperativas que têm prestado apoio direto enquanto agentes no terreno. Em Espanha, por exemplo, é obrigatório ter o parecer de um consultor para a grande maioria das culturas, o que consolidou a existência de mais de vinte mil conselheiros oficialmente certificados.

4.7.

Na sua anterior avaliação da Diretiva Utilização Sustentável dos Pesticidas, o CESE destacou a importância de melhorar o sistema de controlo e garantir o cumprimento dessa diretiva e dos PAN. No âmbito da utilização sustentável dos pesticidas, os utilizadores profissionais terão de registar os motivos de qualquer intervenção (química, biológica, física ou cultural).

4.8.

A este respeito, importa dedicar especial atenção ao conceito de zonas protegidas ou sensíveis na proposta de regulamento. A utilização de produtos fitofarmacêuticos deixará de ser possível em determinadas zonas protegidas ou sensíveis (zonas verdes urbanas, incluindo parques ou jardins públicos, áreas de jogo, recreativas ou desportivas, caminhos para utilização pública, zonas protegidas no âmbito da rede Natura 2000 e todas as zonas ecologicamente sensíveis que possam ser salvaguardadas para os polinizadores ameaçados) a menos que sejam cumpridas determinadas condições e só depois de o profissional que aplica os produtos justificar detalhadamente que produtos utilizará e como, quando e por quanto tempo. Para o efeito, é essencial que as autoridades de aprovação competentes disponham de pessoal qualificado suficiente para evitar atrasos que impliquem a aplicação tardia do tratamento, impedindo uma atuação atempada contra o aparecimento de pragas.

4.9.

Por outro lado, importa ter em conta certas condições geográficas e climáticas específicas nos Estados-Membros, a fim de garantir que não serão impostas restrições excessivas à utilização de produtos fitofarmacêuticos em terras agrícolas situadas em zonas ecologicamente sensíveis que, de outra forma, não conseguirão fazer face ao aparecimento de novas pragas. Por exemplo, em Espanha, a rede Natura abrange 27 % do território, que inclui milhares de hectares de culturas agrícolas e de gestão pecuária. Uma boa estratégia pode ser a delimitação das diferentes zonas, balizando e distinguindo as áreas que constituem uma reserva integral das restantes zonas. Em última instância, a decisão de limitar a utilização em zonas sensíveis deverá ser determinada por provas científicas e agronómicas sólidas que apoiem a classificação de uma determinada zona como protegida.

4.10.

O limiar a alcançar antes da intervenção química deve ser descrito pormenorizadamente nas regras específicas das culturas, cabendo às autoridades competentes dos Estados-Membros estabelecer um registo eletrónico da proteção integrada e dos produtos fitofarmacêuticos, garantindo que os utilizadores profissionais introduzem os respetivos dados.

4.11.

Além disso, uma vez que a falta de conhecimento sobre a utilização ótima dos pesticidas foi um dos principais obstáculos à aplicação da Diretiva Utilização Sustentável dos Pesticidas (13), o CESE saúda o facto de a Comissão ter acolhido muitas das suas recomendações em matéria de formação e reforço de capacidades.

4.12.

Será criado um novo registo eletrónico central para certificar a formação, que conterá informações pormenorizadas sobre o período de validade dos certificados de formação (cinco anos para um conselheiro e dez anos para um distribuidor ou um utilizador profissional). Será exigido um comprovativo de formação antes de permitir a um utilizador comprar ou utilizar produtos fitofarmacêuticos autorizados para equipamentos de aplicação para utilização profissional e permitir a um conselheiro prestar aconselhamento. Os distribuidores terão de dispor de um número suficiente de funcionários qualificados.

4.13.

Importa garantir a privacidade na utilização dos dados agrícolas pela administração e, acima de tudo, facilitar significativamente o acesso dos agricultores às competências digitais e à banda larga, a fim de evitar o aumento dos encargos e dos esforços dos agricultores, os quais carecem frequentemente de meios técnicos e humanos para cumprir as obrigações do registo eletrónico.

4.14.

Uma maior sensibilização do público, e em particular dos consumidores, para o papel e a utilização dos pesticidas, em conformidade com a legislação nacional e europeia, favoreceria a aplicação do regulamento. Seriam fundamentais campanhas de sensibilização e divulgação destinadas a informar melhor o público em geral e os responsáveis políticos. É importante divulgar, por exemplo, informação sobre os fatores que determinam a formação do preço dos géneros alimentícios, bem como sobre questões mais estreitamente relacionadas com a rotulagem ou a certificação dos produtos (14).

4.15.

É igualmente importante manter condições de concorrência equitativas para o comércio internacional. A coerência entre as diferentes políticas da UE exige extrema cautela para proibir a importação de produtos alimentares tratados com produtos proibidos na UE.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Diretiva 2009/128/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro de 2009, que estabelece um quadro de ação a nível comunitário para uma utilização sustentável dos pesticidas (JO L 309 de 24.11.2009, p. 71).

(2)  Relatório de Informação do CESE — Avaliação da Diretiva relativa à utilização sustentável dos pesticidas.

(3)  Eurostat, Venda de pesticidas na UE [em inglês].

(4)  Resolução do Comité Económico e Social Europeu — A guerra na Ucrânia e o seu impacto económico, social e ambiental (JO C 290 de 29.7.2022, p. 1).

(5)  FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), Hunger Hotspots — FAO-WFP early warnings on acute food insecurity [Zonas afetadas pela fome: alertas precoces da FAO e do PAM (Programa Alimentar Mundial) sobre a insegurança alimentar aguda].

(6)  Resolução do Comité Económico e Social Europeu — A guerra na Ucrânia e o seu impacto económico, social e ambiental (JO C 290 de 29.7.2022, p. 1).

(7)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia do Prado ao Prato para um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente» [COM(2020) 381] (JO C 429 de 11.12.2020, p. 268).

(8)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia do Prado ao Prato para um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente» [COM(2020) 381] (JO C 429 de 11.12.2020, p. 268).

(9)  Relatório de Informação do CESE — Avaliação da Diretiva relativa à utilização sustentável dos pesticidas.

(10)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia do Prado ao Prato para um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente» [COM(2020) 381] (JO C 429 de 11.12.2020, p. 268).

(11)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Produção integrada na União Europeia» (parecer de iniciativa) (JO C 214 de 8.7.2014, p. 8).

(12)  Relatório de Informação do CESE — Avaliação da Diretiva relativa à utilização sustentável dos pesticidas.

(13)  Relatório de Informação do CESE — Avaliação da Diretiva relativa à utilização sustentável dos pesticidas.

(14)  Relatório de Informação do CESE — Avaliação da Diretiva relativa à utilização sustentável dos pesticidas.


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/145


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 389/2012 no que respeita ao intercâmbio das informações mantidas nos registos eletrónicos sobre os operadores económicos que transportam produtos sujeitos a impostos especiais de consumo entre Estados-Membros para fins comerciais

[COM(2022) 539 final — 2022/0331 (CNS)]

(2023/C 100/22)

Consulta

Conselho da União Europeia, 27.10.2022

Bases jurídica

Artigos 113.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

209/0/3

Considerando que o conteúdo da proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 389/2012 no que respeita ao intercâmbio das informações mantidas nos registos eletrónicos sobre os operadores económicos que transportam produtos sujeitos a impostos especiais de consumo entre Estados-Membros para fins comerciais (1) é satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 574.a reunião plenária de 14 e 15 de dezembro de 2022 (sessão de 14 de dezembro) decidiu, por 209 votos a favor e 3 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2022) 539 final.


16.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/146


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de gestão, de conservação e de controlo aplicáveis na Zona abrangida pelo Acordo de Pesca para o Oceano Índico Sul (SIOFA)

[COM(2022) 563 final — 2022/348 (COD)]

(2023/C 100/23)

Consulta

Parlamento Europeu, 9.11.2022

 

Conselho, 10.11.2022

Bases jurídicas

Artigo 43.o, n.o 2, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em plenária

14.12.2022

Reunião plenária n.o

574

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

202/0/3

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité decidiu emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 14 de dezembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG